Biblio VT
Cidade de Nova Iorque, 1860
Encontraram-no no lixo. A sorte esteve do lado dos moços: os ratos ainda não o tinham apanhado. Dois dos insetos já tinham subido à tampa da cesta e cravavam, frenéticas, as garras no vime, enquanto outras três tratavam de rasgar os flancos com esses dentes, afiados como navalhas. Os ratos estavam frenéticos porque cheiravam a leite, e a carne tenra, de doce fragrância.
O beco era o lar da banda. Três dos quatro meninos dormiam profundamente em suas camas improvisadas com a madeira de caixas de embalar, e cobertas de palha velha. Tinham passado toda uma noite de trabalho roubando, extorquindo e brigando, e estavam muito fatigados para ouvir o pranto da criatura.
Douglas seria El Salvador. O quarto membro da banda estava cumprindo seu turno como sentinela na estreita boca do beco. Tinha estado observando durante comprido momento a uma mulher de capa escura. Quando ela chegou correndo para a abertura com a cesta nos braços, advertiu aos outros membros da banda da possibilidade de problemas com um assobio baixo e suave, e logo se meteu outra vez em seu esconderijo, depois de um montão de velhos barris de uísque curvados. A mulher se deteve na arcada da passagem, lançou um olhar furtivo sobre o ombro para a rua, e logo correu até o centro mesmo do beco. deteve-se com tal brutalidade que a saia lhe formou redemoinhos nos tornozelos. Sujeitando a cesta da asa, balançou o braço para trás tudo o que pôde, para ter impulso, e a jogou sobre uma alta pirâmide de lixo que se recostava sobre a parede de em frente. Caiu sobre o lado, perto do topo. A mulher não deixou de murmurar enquanto o fazia, mas Douglas não pôde entender o que dizia, pois o ruído que provinha de dentro do cesto afogava suas palavras. Pareceu-lhe o miado de um gato. Só jogou uma olhada ao cesto, para não perder detalhe do que fazia a intrusa.
Era evidente que a mulher estava assustada. Notou que as mãos lhe tremiam quando se baixou mais o capuz da capa sobre a frente. Douglas pensou que talvez se sentiria culpado porque estava desfazendo-se de um mascote da família. Certamente, o animal estaria velho e doente, e ninguém o queria mais na casa. Assim eram as pessoas, supôs Douglas. Jamais queriam incomodar-se em cuidar dos muito velhos, nem aos muito jovens.
Seria muito problema. Agitou a cabeça, e quase resmungou em voz alta, lamentando o estado general de coisas e a covardia desta mulher, em particular. Se ela não queria ao mascote, por que não a dava de presente, simplesmente? Não teve tempo de pensar uma possível resposta, pois a mulher, de repente, girou sobre si mesmo e correu outra vez para a rua, sem voltar a vista atrás.
Quando já quase estava na esquina, Douglas lançou outro assobio, esta vez alto e agudo. O major da banda, um escravo fugitivo chamado Adam, levantou-se de um salto, com a agilidade e a velocidade de um depredador. Douglas assinalou a cesta, e saiu correndo depois da mulher. Tinha advertido um sobre grosso que me sobressaía do bolso do casaco, e pensou que era hora de que se ocupasse de um pequeno negócio. A fim de contas, era o melhor ladrão de carteira de onze anos do Market Street. Adam viu como se afastava Douglas, e se voltou a procurar a cesta. Não seria tarefa fácil.
Os ratos não estavam dispostos a soltar o bota de cano longo. Adam golpeou a uma delas na cabeça com uma pedra de bordos irregulares. A odiosa criatura lançou um chiado e se escabulló para a rua. O moço acendeu uma tocha e a agitou atrás e adiante em cima da cesta, para afugentar aos outros insetos. Quando se certificou de que se foram todas, elevou a cesta do montão de lixo e a levou a cama de pranchas, onde ainda dormiam outros membros da banda.
Quando ouviu os débeis sons que provinham do interior, esteve a ponto de deixá-la cair.
-Travis, Cole, lhes levante. Douglas encontrou algo.
Adam passou de comprimento ante as camas, e foi até o extremo fechado do beco. sentou-se, cruzou suas largas pernas fracas e apoiou a cesta no chão. Apoiou as costas contra a parede de tijolos e esperou que os outros dois moços se reunissem com ele.
Cole sentou à direita do Adam e Travis, bocejando ruidosamente, se acuclilló ao outro lado.
-O que encontraste, chefe? -perguntou Travis, em voz espessa de sonho.
Era ao Adam a quem dirigia a pergunta. Um mês antes, os outros três membros da banda tinham elevado ao escravo fugitivo à categoria de chefe. Para chegar a essa decisão, empregaram tanto a razão como a emoção. Adam era o major dos moços, já tinha quase quatorze anos e, portanto, a lógica sugeria que estivesse à cabeça de outros. Também era o mais inteligente dos quatro. E embora eram dois motivos bastante sólidos, havia outro mais forte ainda, Adam tinha arriscado sua vida para salvá-los a todos eles de uma morte segura. Nos becos da cidade de Nova Iorque, onde o único mandato que todos obedeciam era a sobrevivência dos mais aptos, simplesmente não havia espaço para o prejuízo. Os patrões da noite eram a fome e a violência, e nenhum dos dois distinguia as cores.
-Chefe? -sussurrou Travis, insistindo-o a responder.
-Não sei o que é -respondeu Adam.
Estava a ponto de dizer que ainda não tinha cuidadoso dentro quando Cole interrompeu:
-É uma cesta, isso é -murmurou-. O fechamento da tampa poderia ser de ouro verdadeiro. Crie que o será?
Adam se encolheu de ombros e Travis, o mais pequeno, imitou-o. Recebeu a tocha de mãos do major, e a sustentou em alto para que todos pudessem ver.
-Não teríamos que esperar ao Douglas antes de abrir esta coisa? -perguntou Travis. Olhou sobre o ombro para a entrada do beco-. aonde foi?
Adam estirou a mão para o fechamento.
-Estará de acordo.
-Espera, chefe -lhe advertiu Cole-. Vem um ruído de dentro. Jogou mão à faca.-Ouve-o, Travis?
-Ouço-o -respondeu Travis-. Dentro poderia haver algo que nos remoa. Crie que poderia ser uma víbora?
-Claro que não é uma víbora -repôs Cole, em tom exasperado-. O que tem na cabeça, moço? As víboras não choramingam como... como gatos, talvez.
Picado pela réplica, Travis baixou a vista.
-Nunca saberemos o que há se não abrir isso -murmurou.
Adam assentiu. Correu o fechamento ao flanco e levantou a tampa uns milímetros. Nada se equilibrou para eles. Soltou o fôlego que estava contendo, e abriu de tudo. As dobradiças chiaram, e a tampa caiu e ficou apoiada contra a parte posterior da cesta.
Os três meninos tinham os ombros apoiados contra a parede, e agora se inclinaram adiante para olhar dentro.
Então, lançaram a coro uma exclamação de assombro. Não podiam acreditar o que viam: um recém-nascido, tão perfeito e belo como um anjo do céu, que dormia profundamente. Tinha os olhos fechados e um punho minúsculo na boca; cada tanto o pequeno sugava e gemia, e esse foi o ruído que tinham ouvido os meninos.
Adam foi o primeiro em recuperar-se da surpresa.
-Deus do Céu! -murmurou-. Como pôde alguém atirar de propósito um pouco tão precioso?
Ao ver o pequeno, Cole tinha deixado cair a faca. Recuperou-o, advertiu que lhe tremia a mão em reação ao possível perigo que pudesse ocultar-se na cesta, e moveu a cabeça, reprovando-o que considerava uma atitude covarde por sua parte. Para ocultar o embaraço que sentia, disse em tom sério:
-Claro que se desfazem dos recém-nascidos. Fazem-no a cada momento, tanto os ricos como os pobres. Não há diferença, cansam-se de algo, e já está, atiram-no como se fosse água suja. Não é assim, Travis?
-Assim é -admitiu Travis.
-Chefe, não ouviu essas histórias de orfanatos que Douglas e Travis contavam?
-Vi muitos recém-nascidos aí -afirmou Travis, antes de que Adam pudesse responder à pergunta de Cole-. Bom, possivelmente não muitos, mas sim uns quantos -se corrigiu, tratando de ser preciso-. Os tinham no terceiro piso. Que eu recorde, nenhum dos pequenos patifes o obteve. Punham-nos nessa habitação e, às vezes, simplesmente se esqueciam de que estavam aí. Pelo menos, isso é o que eu acredito que acontecia. -Tremeu-lhe a voz, ao recordar o tempo que passou em um dos refúgios para meninos abandonados que havia na cidade-. Este miúdo jamais teria sobrevivido ali. É muito pequeno.
-Vi-os mais pequenos na rua Main. Nellie, a rameira, tinha um. Como sabe que é um varão?
-É calvo, certo? Só os meninos nascem calvos.
O argumento do Travis resultou perfeitamente coerente a Cole, e assentiu. Logo, voltou-se para o chefe:
-O que faremos com ele?
-Não nos desfaremos dele.
Foi Douglas o que formulou o anúncio, e os outros três retrocederam ante a dureza do tom. Douglas fez um gesto afirmativo com a cabeça para enfatizar que falava a sério, e continuou:
-Vi tudo. Um homem elegante, vestido de fraque, desceu de uma carruagem luxuosa. Tinha esta cesta pendurada do braço. Como estava sob o abajur da rua, pude lhe ver a cara com toda claridade. Também vi a cara da mulher. Suponho que estava na esquina, esperando ao tipo, porque este desceu do carro e foi direto para ela. Ela tratava de ocultar sua cara tampando-se mais com o capuz da capa e, pelo modo em que atuou, fez-me pensar que estava muito assustada. O homem começou a encolerizar-se, e não demorei muito tempo em imaginar por que.
-E? por que estava zangando-se? -perguntou Cole, ao ver que Douglas não seguia falando imediatamente.
-Porque não queria levá-la cesta, por isso -explicou Douglas. antes de continuar, se acuclilló perto do Travis-. Seguia dizendo que não com a cabeça todo o tempo, entendem? O homem lhe arreganhava, e lhe apontava com o dedo. Depois, tirou um sobre grosso e o mostrou. Então, ela aceitou. O arrebatou da mão rápida como um raio, o que me fez pensar que o conteúdo do sobre era importante e, por fim, agarrou a cesta. O homem subiu outra vez ao carro, enquanto ela se meteu o sobre no bolso.
-O que passou depois? -perguntou Travis.
-Esperou a que o carro dobrasse a esquina -lhe disse Douglas-. Depois, se escabulló em nosso beco, e atirou a cesta. Não emprestei muita atenção ao cesto. Pensei que devia haver um gato velho aí dentro. Jamais imaginei que haveria um recém-nascido. Não criam que o deixaria se tivesse sabido...
-aonde foi? -interrompeu-o Cole.
-Tinha muita curiosidade por saber o que havia no sobre, assim que a segui.
-Alcançou-a? -quis saber Travis. Douglas soprou, depreciativo.
-Claro que a alcancei. Por algo tenho a reputação de ser o melhor ladrão de carteira da rua Market, não é certo? A mulher ia depressa, mas lhe coloquei a mão no bolso em meio da multidão que se empurrava para tomar o trem de meia-noite. Jamais soube que a toquei. Estúpida... Arrumado a que a esta hora estará imaginando-o que aconteceu.
-O que há dentro do sobre? -perguntou Cole.
-Não ides acreditar o.
Cole pôs os olhos em branco. Ao Douglas gostava de criar suspense, coisa que enlouquecia aos outros.
-Juro-te Por Deus, Douglas, que se não...
Travis interrompeu a ameaça.
-Tenho algo importante que dizer -resmungou. Não lhe interessava absolutamente o conteúdo do sobre, pensava no pequeno-. Estamos todos de acordo em que não vamos desfazemos do menino. E eu me pergunto, então, a quem vamos dar se o
-Não conheço ninguém que queira um recém-nascido -admitiu Cole. esfregou-se o queixo Lisa como tinha visto fazer aos malfeitores grandes, acreditando que o gesto o fazia parecer maior e sábio-. Para que serve?
-Talvez, para nada -respondeu Travis-. De todos os modos, agora não serve. Mas possivelmente, quando for grande...
-Sério? -perguntou Douglas, intrigado pelo súbito entusiasmo que detectou na voz do Travis.
-Estou pensando que poderíamos lhe ensinar um par de coisas.
-Por exemplo?-perguntou Douglas. Estirou a mão e tocou com suavidade a frente do pequeno com o dedo indicador-. A pele parece cetim.
Travis começava a entusiasmar-se com a possibilidade de educar ao pequeno: o fazia sentir-se importante... e necessário.
-Douglas, você poderia lhe ensinar tudo o que sabe de escamotear carteiras. É bom para isso. E você, Cole, poderia lhe ensinar como ser mau. Vi a expressão que aparece em seus olhos quando pensa que alguém te fez algum dano. Poderia lhe ensinar ao pequenino a olhar assim, também. Assusta de verdade.
Cole sorriu, agradado pelo louvor.
-Roubei uma pistola -sussurrou.
-Quando?-perguntou Douglas.
-Ontem -respondeu Cole.
-Eu já a vi -se gabou Travis.
-Praticarei tiro assim que consiga roubar umas balas. Serei a pistola mais rápida da rua Market. Talvez possam me convencer de converter ao pequeno no segundo mais rápido.
-Eu poderia lhe ensinar como conseguir coisas -apontou Travis-. Sou bom para encontrar o que necessitamos, não é certo, chefe?
-Sim -admitiu Adam-. É muito bom.
-Poderíamos ser a melhor banda da cidade de Nova Iorque. Poderíamos obter que todo mundo nos tema -sussurrou Travis. Estava tão extasiado por essa possibilidade, que lhe brilhavam os olhos, e a voz se tornou sonhadora-. Até o Lowell e os miseráveis de seus amigos -acrescentou, refiriéndose aos membros da banda rival, que todos temiam em segredo.
Todos os moços dedicaram uns momentos a imaginar o belo quadro que Travis evocava ante eles. Cole esfregou outra vez o queixo. Gostava do que estava imaginando e, quando falou, teve que esforçar-se por conter a ansiedade de sua voz.
-Chefe, você poderia lhe ensinar tudo o que te ensinou sua mãe a ti de livros. Possivelmente poderia voltá-lo tão inteligente como você.
-Poderia lhe ensinar a ler, e ele não receberia chicotadas nas costas como você para aprender -interveio Travis.
-Se ficarmos com ele, o primeiro que temos que fazer é lhe tirar esse vestido efeminado -afirmou Douglas. Contemplou o comprido vestido branco e moveu a cabeça-. Ninguém rirá dele. Nos encarregaremos disso.
-Matarei a qualquer que ria entre dentes, sequer -prometeu Cole.
-Todos os meninos pequenos usam essas coisas -disse Travis-. Já os vi. É o que lhes põem para dormir.
-Mas como, por que é? -perguntou Douglas.
-Não necessitam roupa para caminhar, porque ainda não sabem.
-Como vamos alimentar o? -perguntou Cole.
-Já vê que alguém pôs uma garrafa de leite na cesta. Quando estiver vazia, conseguirei-lhe mais -prometíó Travis-. Certamente, não tem dentes, e não pode comer comida de verdade. por agora, bastará com o leite. E também há uns fraldas secos... Eu lhe conseguirei mais.
-Como é que sabe tanto de recém-nascidos? -perguntou Cole.
-Sei -respondeu Travis, encolhendo-se de ombros.
-Quem o trocará quando se mijar? -perguntou Douglas.
-Eu diria que o façamos por turno -sugeriu Cole.
-Vi fraldas pendurados da corda detrás da casa dos McQueeny. Também havia roupa pequena pendurada. Poderia lhe conseguir algumas ao menino. Digam, como vamos chamar o? -perguntou Travis-. A alguém lhe ocorre uma idéia?
-Que tal Pequeno Cole? -sugeriu Cole-. Sonha bem.
-E o que lhes parece Pequeno Douglas? -disse Douglas-. Soa melhor ainda.
-Não podemos lhe pôr o mesmo nome que um de nós -disse Travis-, porque isso provocaria brigas.
Por último, Douglas e Cole ficaram de acordo com o Travis.
-Está bem -disse Cole-. O nome terá que soar importante.
-O nome de meu pai é Andrew -interveio Douglas.
-E? -perguntou Cole-. Abandonou no orfanato quando sua mãe morreu, não?
-Sim -admitiu Douglas com a cabeça encurvada.
-Não lhe poremos ao menino o nome de ninguém que tenha abandonado a um menino. Não estaria bem. Temos normas, não? A este já o atiraram ao lixo. Que sentido teria recordar-lhe com o nome de seu pai pendurando sobre sua cabeça? Eu digo que o chamemos Sidney, por esse tipo elegante que estava acostumado a vender números de loteria na rua Summit. Esse sim que era um tipo mau, esse Sidney. Recorda-o, verdade, Douglas? -perguntou Cole.
-Claro que o recordo -respondeu Douglas-. Era muito respeitado.
-É certo -disse Cole-. E morreu de causa natural. Isso é importante, não? Ninguém conseguiu surpreendê-lo e matá-lo.
-Eu gosto de como sonha o nome -comentou Travis-. Votemos.
Douglas levantou a mão direita, coberta de terra e imundície.
-A favor?
Tanto Cole como Travis levantaram as mãos. Adam, não. Cole foi o único em advertir que o chefe não tinha participado grande coisa da conversação os últimos minutos. Girou para olhar à líder.
-O que acontece, chefe?
-Já sabem o que passa -respondeu Adam, com voz que parecia a de um velho fatigado-. Tenho que ir. Não tenho possibilidades de sobreviver na cidade. Já me fiquei muito tempo. Se quero ser livre alguma vez, e não ter que me preocupar de que me encontrem os filhos de meu amo e me levem de volta, tenho que ir ao oeste. Não posso viver me escondendo nos becos até que oscurezca. Um homem pode desaparecer no campo. Entendem-me, verdade? Eu não deveria votar sobre o pequeno, porque não estarei aqui para ajudar a criá-lo.
-Não poderemos fazê-lo sem ti -exclamou Travis-. Não pode nos deixar. -Parecia assustado como um menino pequeno. Lhe quebrou a voz, e rompeu em um forte soluço. Aterrava-lhe o medo de ver-se abandonado por seu protetor.- Por favor, fica -suplicou, quase gritando.
O ruído inquietou à criatura, que se encolheu e soltou um gemido. Adam colocou a mão na cesta e aplaudiu torpemente a pança do pequeno. Uma só palmada, e retirou a mão.
-Este menino está empapado.
-Empapado do que? -perguntou Cole, fazendo um gesto para a garrafa, para ver se o vidro estava rachado.
-Pis -respondeu Travis-. É conveniente que lhe tire o fralda, chefe-. Se não, vai irritar se o traseiro.
A criatura estava despertando. Todos a contemplaram, fascinados: nenhum deles recordava ter visto de perto a alguém tão pequeno, jamais.
-Quando franze assim a cara, parece que estivesse cheio de rugas -murmurou Douglas, soprando-. É um pequeno inseto, não?
Cole assentiu, e se voltou outra vez ao Adam.
-por agora, é o chefe, Adam. Você tem que lhe tirar o fralda.
O major não evitou a responsabilidade. Fez uma funda inspiração, uma careta e, passando as mãos sob os braços do pequeno, levantou-o lentamente.
O menino abriu os olhos. À luz da tocha que Travis sustentava em alto, viram o azuis que eram.
-Poderia ser seu irmão menor, Cole. Tem exatamente a mesma cor de olhos.
Adam tinha os braços rígidos, estendidos ante si, e uma expressão crispada no rosto. O suor o perlaba a frente. Era evidente que o aterrava sustentar ao pequeno: não sabia quanto apertá-lo, e que o Céu o amparasse se começava a chorar. O que teria feito nesse caso?
Com um sussurro rouco, pediu por favor a Cole que levantasse o vestido e lhe tirasse o fralda.
-por que eu? -queixou-se.
- Travis sustenta a tocha. e Douglas está muito longe para me rodear os braços -respondeu Adam-. Date pressa, pode começar a mover-se outra vez. Tenho medo de deixá-lo cair. É tão ligeiro, que é como sustentar ar.
-É curioso este menino, né? -comentou- Travis ao Douglas-. Olhe como estuda a todos. É muito sério para ser tão pequeno.
-Douglas, passa a mão e me seque a frente -pediu Adam-. Me cai tanto suor nos olhos que não posso ver.
Douglas tomou um trapo e fez o que lhe pediam. Adam atuava como se estivesse sustentando uma parte de dinamite. Estava tão concentrado que resultava doloroso vê-lo.
O único que se divertia com a reação do chefe era Travis, que soltou uma gargalhada.
-Não vai explorar, chefe. É igual a você, só que mais pequeno.
Cole não emprestava a menor atenção ao bate-papo que se desenvolvia ao redor. Continha o fôlego enquanto se atarefava com o fralda. Tocar o tecido empapado lhe deu náuseas. Quando ao fim conseguiu soltá-lo, caiu em montão ao chão, perto da cesta. Todos os moços olharam a ofensiva gosta muito, e franziram o sobrecenho. Cole limpou as mãos nas pernas das calças da calça, e logo as estirou para baixar outra vez o vestido sobre as coxas diminutas. Tinha terminado de fazê-lo quando advertiu qual era a verdade.
Então, olhou outra vez, para estar seguro. Sidney era uma menina. Uma menina calva, precisou. Imediatamente, ficou furioso. Que demônios foram fazer com uma menina inútil, insignificante, que não servia para nada? Moveu a cabeça. Estava decidido. Não queria nada com ela. Não, senhor, ele não, jamais. Teriam que atirá-la outra vez ao lixo, em seguida!
Mas em menos de um minuto, a pequena o fez trocar de opinião. ia compor uma expressão zangada, quando acertou a olhar a à cara. A menina estava olhando-o. Cole inclinou à esquerda, apartando-se da linha de visão direta, mas ela o seguiu com os olhos muito abertos, de expressão confiada. Cole tentou apartar a vista, mas não pôde. Não queria seguir olhando-a, mas não podia deixar de fazê-lo.
Então, a recém-nascida lhe atirou o golpe mortal: sorriu-lhe. Estava perdido. Nesse instante, ficou forjado o laço.
Os outros caíram como peças de um dominó.
-Temos que fazê-lo bem.
A voz de Cole era um mero sussurro. Os outros se voltaram para ele.
-Fazer bem o que?
Travis não fez mais que perguntar o que os outros pensavam.
-Não devemos falar mais de ser a melhor banda de Nova Iorque. Não podemos ter à menina aqui. Necessita uma família, não uma turma de malfeitores lhe dando ordens.
-A menina? -Adam esteve a ponto de deixá-la cair nesse mesmo instante.
- Acaso crie que Sidney é uma menina?
-Não acredito, sei -afirmou Cole, assentindo-. Não tem as partes que necessita para ser um menino.
-Que Deus nos ampare -murmurou Adam.
Cole não pôde decidir o que era mais divertido: se a expressão de horror do Adam quando implorou amparo ao Fazedor, ou o estranho som gutural com que acompanhou a súplica. Parecia que estivesse afogando-se com algo grande, como uma pata de frango.
-Não quero garotas por aqui -murmurou Travis-. Não servem para nada. As ódio a todas. São uma banda de queixosas e lloronas.
Outros não fizeram conta. Douglas e Cole olhavam ao Adam. O chefe parecia chateado.
-O que acontece, chefe? -perguntou Cole.
-Um negro não deveria sustentar a uma pequena branca -respondeu.
Cole soprou.
-Eu vi como a salvaste que a comessem os ratos. Se fosse o bastante grande para entender, agradeceria-lhe isso muito.
-Sim, muito -sublinhou Douglas, assentindo.
-Além disso -continuou Cole-, ela não sabe se for negro ou branco.
-Acaso crie que é cega? -perguntou Travis, atônito ante a só possibilidade.
-Não é cega -murmurou Cole, lhe manifestando sua irritação ao mais pequeno da banda-. Só que ainda é muito pequena para entender o que é o ódio. Terá que acostumar-lhe Quando olhe ao Adam, o que vê é um... um irmão. Sim, isso é o que vê. E os irmãos maiores protegem às irmãs mais pequenas, não é assim? Não é acaso uma regra sagrada, ou algo assim? Possivelmente esta pequena já saiba.
-Fiz-lhe uma promessa a minha mãe -repetiu Adam-. Lhe dava minha palavra de que fugiria para o oeste o mais longe que pudesse, até encontrar um sítio onde estivesse a salvo. Mamãe me disse que se morava uma guerra, e que quando tudo tivesse terminado e estivesse definido, haveria uma boa possibilidade de que ela ficasse livre. Prometeu-me que, então, iria me buscar. Eu tenho que sobreviver até que chegue esse dia. Prometi-lhe sobreviver, e um filho não rompe uma promessa que fez a sua mãe. Tenho que fugir, por ela.
-Leva a pequena contigo -lhe disse Cole.
-Sem dúvida, pendurariam-me -disse Adam amargo.
-Diabos, de todos os modos vão pendurar te por matar ao canalha de seu dono, recorda? -disse Cole.
-Se lhe apanharem, Adam -interveio Douglas-. E é muito ardiloso para permitir que isso passe.
-Eu também me sinto como um irmão da garota -anunciou Cole.
Imediatamente, os outros moços se voltaram para ele, e Cole incomodou pelo modo em que o olhavam.
-Não é covardia admiti-lo-se apressou a adicionar-. Sou forte, e ela é uma coisa pequena que necessita irmãos como Adam para cuidar de que cresça como é devido.
-Como é devido? O que sabe você disso? -perguntou Douglas, com um retintín de incredulidade na voz.
-Nada -admitiu Cole-. Não sei nada do que é devido -adicionou-. Mas Adam sim sabe tudo, não é certo, Adam? Falas bem, e os e escreve como um cavalheiro. Sua mãe te ensinou, e agora você pode me ensinar a mim. Não quero resultar um ignorante ante minha irmã pequena. Não estaria bem.
-Poderia ensinamos a todos -disse Douglas. Não queria que o deixassem de lado.
-Acredito que não a odiaria se fosse seu irmão maior -resmungou Travis-. Serei muito forte quando crescer. Não é assim, Douglas?
-Sim, claro que sim -confirmou-. Sabe o que penso?
-O que? -perguntou Adam.
face às preocupações, sorriu, pois a pequena lhe tinha dedicado a mais parva dos sorrisos. Não cabia dúvida de que estava agradada consigo mesma. Para ser tão pequena, exercia considerável poder sobre todos eles. Com seu sorriso bastava para fazê-lo sentir-se quente e cômodo por dentro. A forma natural em que o aceitou desfazia o nó de dor que levava no ventre desde dia em que se viu obrigado a deixar a sua mãe. A criatura era um dom mágico entregue a seu cuidado, e ele tinha o dever de encarregar-se de que recebesse a nutrição, o amparo e o carinho que necessitava.
-Às vezes me pergunto se Deus sempre sabe o que faz -sussurrou Adam.
-Claro que O sabe -repôs Douglas-. E acredito que O quer que nós pensemos outro nome para a pequena. Sidney já não serve. Espero que lhe cresça o cabelo. Não me agrada a idéia de ter uma irmã pequena calva.
-Mary -disse Cole, de repente.
-Rose -disse Adam, quase ao mesmo tempo.
-Mary era o nome de minha mãe -explicou Cole-. Morreu ao me dar a luz. Ouvi dizer a quão vizinhos era uma boa mulher.
-Minha mãe se chama Rose -disse Adam-. Ela também é uma boa mulher.
-A menina está dormindo -murmurou Travis-. Ponha outra vez na cesta, e eu tratarei de lhe pôr um fralda seco. Depois, vós dois poderão discutir o nome.
Adam lhe obedeceu. Todos observaram como Travis lhe punha torpemente o fralda. antes de que terminasse, a pequena já estava dormida.
-Acredito que não há nada que discutir -disse Douglas. estirou-se para tampar à pequena, enquanto Adam e Cole murmuravam suas respectivas razões para lhe pôr à menina o nome de suas mães. Soube que estava nascendo uma discussão com todas as da lei, e quis detê-la antes de que seguisse-. Eu digo que está tudo arrumado. O nome será Mary Rose. Mary por sua mãe, Cole, e Rose por Mamãe Rose, Adam.
Cole foi o primeiro em compreender o justo da proposta, e em sorrir. Adam se apressou a emprestar seu acordo. Travis riu, e Douglas o fez calar com uma cotovelada, para que não despertasse à menina.
-Temos que riscar planos -sussurrou Douglas-. Me parece que teríamos que partimos o antes possível, talvez amanhã, no trem da meia-noite. Eu comprarei os bilhetes. Adam, você terá que te ocultar no vagão de bagagens com a pequena. Estão de acordo?
-Como comprará os bilhetes? -perguntou Cole.
-No sobre que lhe tirei à mulher que atirou a Mary Rose havia muito dinheiro. Também havia uns papéis de aspecto antigo com uma escritura estranha, e selos, mas não pude saber o que diziam porque não sei ler. Mas sim sei distinguir o dinheiro quando o vejo. Temos bastante para chegar tão longe como Adam necessita, e conseguir um pouco de terra.
-me deixe ver esses papéis -pediu Adam. Douglas tirou o sobre do bolso, e o deu ao chefe. Adam soltou um assobio ao ver o dinheiro que havia dentro. Encontrou dois papéis e os tirou. Em um deles havia números e marcas que não pôde decifrar, e a outra folha, parecia uma página em branco arranco de um livro. Havia só umas palavras escritas a emano na parte superior, onde figurava a data de nascimento da pequena e seu peso. Leu-as em voz alta, para que outros soubessem o que era o que tinha descoberto.
-Não lhes bastou atirando-a a ela. Também tiveram que atirar os papéis -sussurrou Douglas.
-Eu não tinha papéis quando me atiraram no orfanato -disse Travis-. Menos mal que já sabia meu nome, não, Cole?
-Suponho que sim.
Travis desprezou o tema: não lhe parecia importante.
-Tenho uma sugestão para fazer, assim não me interrompam até que termine. De acordo?
Esperou a que todos assentiram, e continuou:
-Sou o único de vós que está seguro de que não o busca a justiça, nem nenhuma pessoa, assim que eu diria que Mary Rose tem que levar meu sobrenome. De fato, como diz Cole, temos que fazer as coisas bem, e por isso todos devem adotá-lo. A fim de contas, os irmãos formam parte de uma família e levam o mesmo sobrenome. Assim, eu digo que a partir de agora somos todos Clayborne. De acordo?
-Ninguém acreditará que sou um Clayborne -argüiu Adam.
-A quem lhe importa o que criam outros? -perguntou Cole-. Não pedimos a aprovação de ninguém, mas sim nos deixem em paz. Se disser que é um Clayborne, e nós dizemos que o é, quem pode contradizemos? Qualquer que te desafie terá que passar por cima de todos nós se quer nos criar problemas. Logo poderei me enfrentar a qualquer problema que se nos presente.
Douglas e Travis assentiram. Adam suspirou. Douglas pôs uma mão sobre a cesta, com a palma para cima e olhou aos outros.
-Eu digo que fujamos, por Mamãe Rose, e que formemos uma família para nossa pequena Mary Rose. Somos irmãos -sussurrou.
Travis pôs a mão sobre a do Douglas:
-Irmãos -jurou.
O seguinte foi Cole:
-Vamos pela Mary Rose e por Mamãe Rose -afirmou-. Somos irmãos até a morte.
Adam vacilou por um tempo que pareceu uma eternidade aos outros meninos.
-Irmãos -jurou, com voz trêmula de emoção-. Pelas Roses.
3 de Julho de 1860
Querida Mamãe Rose:
Escrevo-te através da senhora Livonia, e rogo que esta carta as encontre às duas gozando de boa saúde. vou compartilhar com vocês todas as maravilhosas aventuras que tive viajando para o oeste, mas primeiro tenho algo muito importante que te dizer. trata-se de sua nova família. Agora tem uma xará, mamãe. chama-se Mary Rose...
Ama-te
John-Quincy Adam Clayborne
1
Vale de Montana, 1879
Por fim, a pequena chegava a casa. junto à carreta, Cole esperava que a diligência girasse na última curva do caminho. Estava tão excitado que quase não podia ficar quieto. A nuvem de pó que descia da colina lhe indicou que estava perto. Estava impaciente por vê-la. perguntou-se se teria trocado muito nos últimos meses, e logo riu de tão tola idéia. Quando partiu ao colégio no ano anterior, Mary Rose já estava bem desenvolvida. Além de adquirir umas sardas mais na ponte do nariz, ou o cabelo um pouco mais largo, não era de esperar que houvesse mudanças muito significativas.
Senhor, quanto a sentia falta de. Todos eles. E embora a vida no rancho os mantinha ocupados do alvorada até o entardecer, era na hora do jantar quando todos sofriam pela ausência da garota, que tratava de obrigá-los a comer um prato novo que tinha preparado para eles. Era uma excelente cozinheira quando não lhe ocorria apartar-se das comidas conhecidas, mas a nenhum deles gostava desses molhos franceses tão elegantes que vertia sobre todas as coisas.
A diligência levava mais de uma hora de atraso, e isso significava que o condutor era o velho e rude Clive Harrington. Teria que pôr a Mary Rose ao dia com todas as novidades antes de arrancar. Clive lhe exigiria atenção absoluta, e conhecendo o tenro coração de sua irmã, Cole sabia que não o apressaria.
Eram amigos íntimos, embora ninguém no Blue Belle entendia por que.
Clive Harrington era um velho pajarraco azedo, sempre carrancudo, cortante e queixoso e, em opinião de Cole, um filho de cadela muito desagradável. Além disso, era feio como o pecado. Os caminhos do povo se limpavam logo que aparecia, salvo que Mary Rose estivesse perto. Então, produzia-se uma transformação mágica: Clive se convertia de feroz em submisso. Não só atuava como se fosse o melhor amigo de todo o mundo, mas sim também luzia, da manhã de noite, um ridículo sorriso que parecia dizer: "a vida é grandiosa". Harrington parecia um completo estúpido pela adoração que demonstrava à moça, e só porque ela o adorava a ele. Na verdade, queria ao velho bobo. Cuidava-o quando precisava cuidados, assegurava-se de que o incluyesen nos jantares dos dias de festa, e lhe remendava pessoalmente toda a roupa. Harrington sempre adoecia uma vez ao ano, geralmente pela época do rodeio, mas às vezes, até um mês antes. Aparecia na porta de sua casa, com o chapéu em uma mão e um lenço sujo na outra, perguntando como curar sua última enfermidade misteriosa. É obvio, era uma farsa. Mas Mary Rose instalava imediatamente ao velho Clive no quarto para hóspedes e o malcriava durante toda uma semana, até que se sentia bem outra vez.
No povo, todos chamavam a semana da enfermidade do Harrington a esse escapamento anual, e pelo modo em que o velho se secava as comissuras dos olhos e se soava o nariz com o lenço enquanto freava aos cavalos, Cole deduziu que já estava pensando em seu próximo descanso.
A diligência quase não tinha deixado de mover-se quando a portinhola se abriu e Mary Rose saltou ao chão.
-Por fim estou em casa -gritou. elevou-se as saias e correu para seu irmão. O chapéu voou de sua cabeça e foi cair em terra, depois dela. A moça ria de puro gozo. Cole tentou manter a expressão sombria, porque não queria que Harrington difundisse o rumor de que se enterneceu: gostava que todos os do povo lhe temessem. Mas a risada de sua irmã resultou contagiosa, e não pôde controlar sua reação. Primeiro sorriu, e depois estalou em gargalhadas. Que as aparências se fossem ao diabo.
Mary Rose não tinha trocado nada. Era tão expressiva e desinhibida como sempre, e que o Céu os amparasse, mataria a todos os irmãos pelo modo em que sempre tinha o coração a flor de pele.
jogou-se em seus braços. Tinha um abraço de urso, para ser tão pequena. Cole devolveu o abraço, beijou-a no cocuruto, e logo lhe sugeriu que deixasse de rir como uma louca.
Não se ofendeu. apartou-se e, com os braços em jarras, procedeu a fazer uma detalhada inspeção de seu irmão.
-É tão arrumado como sempre, Cole. mataste a alguém enquanto eu estava no colégio?
-É obvio que não -lhe espetou. Cruzou os braços sobre o peito, apoiou-se na carreta e tratou de olhá-la, carrancudo.
-Parece-me que cresceste uns centímetros. Também está mais loiro. Quando te tem feito essa cicatriz na frente? Meteu-te em uma briga?
antes de que pudesse responder as perguntas da irmã, ela se voltou para o Harrington.
-Clive, meu irmão matou a alguém enquanto eu não estava?
-Não, que eu recorde, senhorita Mary -lhe respondeu o velho.
-Briga a faca? -perguntou.
-Não acredito -respondeu Clive.
Mary Rose se convenceu, e voltou a sorrir.
-Estou feliz de estar de volta. Já o decidi: não irei nunca mais: Adam não me obrigará a ir a nenhum outro sítio, por bom que seja para minha mente ou para minha alma. Agora já sou refinada, e tenho documentos que o demonstram. Senhor, que calor faz para ser primavera, não? Amo o calor, a terra, e o vento e o pó. Travis se meteu em alguma briga no povo? Não importa -adicionou, precipitadamente-. Se tivesse feito algo mau, vós não me diriam isso. Mas Adam sim me dirá isso. Diz-me tudo. De passagem, tem-me escrito mais que você. Está terminado o abrigo novo? O mesmo dia que terminava o colégio, recebi carta de Mamãe Rose. O correio chegou bem a tempo. Não é magnífico? Vivemos em uma época muito moderna. E o que passou com...?
Cole não podia lhe seguir o ritmo a sua irmã, que falava tão rápido como um político.
-Mais devagar -a interrompeu-. Só posso responder uma pergunta cada vez. Recupera o fôlego enquanto ajudo ao Harrington a descarregar sua bagagem.
Minutos depois, o baú, as caixas e as três malas estavam acomodadas na parte de atrás da carreta. Mary Rose subiu sobre a plataforma e começou a rebuscar entre as coisas.
Cole disse que esperasse até que chegassem à casa para encontrar o que procurava, mas Mary Rose não fez conta. Fechou uma caixa e se dedicou a outra.
Harrington estava perto da carreta, sonriendo à moça.
-Sim que a senti falta de, senhorita Mary -sussurrou.
ruborizou-se como um escolar e lançou um olhar fugaz a Cole, para estar seguro de que não riria dele.
Cole fingiu não ter ouvido a confissão, e se deu a volta antes de pôr os olhos em branco. Era óbvio que a sua irmã a agradava a adoração do Harrington.
-Eu também te senti falta de, Clive. Recebeu minhas cartas?
-É claro que sim -lhe respondeu-. E as li várias vezes.
Mary Rose lhe sorriu.
-Alegra-me sabê-lo. Não me esqueci de seu aniversário. Ainda não te parta. Tenho algo para ti.
Diligente, procurava no baú até que ao fim encontrou a caixa que estava procurando.
A deu ao Clive.
-É para ti. me prometa que não a abrirá até chegar a sua casa.
-Trouxe-me um presente?-Estava afligido.
A moça lhe sorriu:
-Dois presentes -corrigiu-. Há outra surpresa colocada dentro da primeira.
-O que é? -perguntou Clive.
Parecia um menino na manhã de Natal.
Mary Rose o tirou da mão e saltou da carreta.
-É uma surpresa -respondeu-. Por isso o meti em uma caixa com esse papel tão bonito. Obrigado por me trazer -adicionou, com uma reverência-. foi um passeio encantador.
-Não está molesta porque não a deixasse ir no boléia, comigo?
-Não, não estou molesta -lhe assegurou. Harrington explicou a Cole:
-Pediu-me que a deixasse ir sentada aqui, comigo, mas não me pareceu correto que uma jovem tão digna viajasse assim.
Cole assentiu.
-Temos que ir, Mary Rose.
Não esperou a que acessasse, mas sim se voltou y,se pôs de pé. Levantou as rédeas e pediu a sua irmã que deixasse de vadiar.
Mary Rose teve que recuperar antes o chapéu. Clive sujeitava o presente com ambas as mãos, e voltava lentamente para a diligência. comportava-se como se levasse um tesouro inapreciável.
Por fim, foram caminho de casa. Cole respondeu as perguntas, enquanto a moça se desfazia de toda prova de que era uma dama refinada. Primeiro, tirou-se as luvas brancas, depois, as forquilhas que sujeitavam o decoroso coque na nuca. Não se sentiu a gosto até que a juba espessa e loira flutuou por suas costas.
Deixou escapar um suspiro de prazer e se passou os dedos entre os cachos.
-Estou farta de ser uma dama -disse-. Para ser sincera, é um grande esforço.
Cole riu. Mary Rose sabia que não lhe demonstraria a menor compaixão.
-Não te riria se tivesse que usar espartilho. Apura o corpo como se fora uma mola. Não é natural.
-Faziam-lhe usar uma coisa dessas no colégio?
A idéia horrorizou a Cole.
-Sim. Mas eu não o usava. E como não me vestia em público, ninguém sabia.
-Espero, Por Deus, que não.
Teve que frear aos cavalos quando começaram a subir a primeira colina, e a jovem se deu a volta para poder certificar-se de que o baú não se cansado da carreta.
Quando chegaram a crista, voltou-se outra vez. Mary Rose se tirou a jaqueta azul marinho, pendurou-a do respaldo do assento, e começou a desabotoar os punhos da blusa branca engomada. O pescoço da camisa lhe apertava, e se desabotoou os três primeiros botões.
-Na escola passou algo estranho. Eu não sei o que pensar disso.
-O que aconteceu?
Mary Rose se encolheu de ombros.
-Talvez não seja nada.
-De todos os modos, conta-me o Percebo a preocupação em sua voz.
-Não estou preocupada -repôs-. Só que me pareceu estranho. A mãe dessa garota nasceu e se criou na Inglaterra. Ela pensou que me conhecia.
-Não é possível que te conheça -disse Cole-. Jamais estiveste na Inglaterra. Não poderia havê-la encontrado em algum outro sítio?
Mary Rose negou com a cabeça.
-Estou segura de que o teria recordado.
-me diga o que aconteceu.
-Eu estava cruzando o refeitório. Por cortesia, sorri aos recém chegados para fazê-los sentir bem-vindos e, de repente, a mãe da garota lançou um grito tão forte para assustar às gárgulas de pedra que há sobre o edifício Emmet. Também me assustou.
-por que?
-Assinalava-me e não deixava de gritar -explicou Mary Rose-. Me senti muito incômoda.
-O que aconteceu logo?
-oprimiu-se o peito com as mãos e dava a impressão de que ia deprimir se.
-Está bem, Mary Rose. O que fez você?
Suspeitou que sua irmã não lhe contava tudo. Tinha o costume de meter-se em confusões, e sempre ficava perplexa pelas conseqüências inevitáveis.
-Não fiz nada mau -exclamou-. Me comportava como uma perfeita dama. por que tem que tirar a conclusão de que eu tinha a culpa do lamentável estado dessa pobre mulher? -perguntou, ofendida.
-Porque revista ser responsável -lhe recordou -Nesse momento, levava a pistola?
-É obvio que não -repôs-. Não corria nem fazia nada incorreto. Agora sei me comportar como uma dama quando faz falta, Cole.
-Então, o que acontecia com essa mulher?
-Quando ao fim se acalmou, disse-me que me tinha confundido com uma mulher que ela conhecia. Disse que se chamava lady Agatha algo. Disse que eu era a viva imagem dessa mulher.
-Não é nada fora do comum -concluiu -Muitas mulheres têm cabelo loiro e olhos azuis. Não é algo do outro mundo.
-Acaso está dizendo que sou comum?
Não pôde resistir:
-Sim, acredito que sim.
É obvio, era mentira. Mary Rose era justamente o contrário de uma pessoa comum. Era realmente bela, ou pelo menos isso lhe haviam dito uma e outra vez todos os homens disponíveis do povo. Mas Cole não via sua irmã desde esse ponto de vista. Era doce e de bom coração quase sempre, e uma pequena gata selvagem o resto do tempo. Estava acostumado a ser uma malcriada, mas supunha que agora, já enchente, não seria tão fastidiosa.
-Adam assegura que sou bonita -protestou, empurrando ao irmão com o ombro-. E ele sempre me diz a verdade. Além disso, você sabe que o que na verdade importa é o que há dentro do coração de uma mulher. Mamãe Rose opina que sou uma filha bela, e ela nunca me viu.
-Mary Rose, terminaste já de te comportar como uma vaidosa?
A moça riu.
-Sim.
-Eu, em seu lugar, não me preocuparia com a coincidência de me parecer com alguém.
-Mas aí não terminou a questão -lhe explicou-. Mais ou menos um mês depois, chamaram o escritório do diretor. Havia um homem maior me esperando. Também estava a reitora, que tinha minha pasta sobre o escritório.
-Como sabe que era seu arquivo?
-Porque é a mais grosa do colégio -lhe respondeu -E tem a coberta rota.
Olhou a seu irmão, e imediatamente soube o que estava pensando.
-Já pode acabar com esse sorriso tua que significa "sei tudo", Cole. Admito que o primeiro ano no colégio não foi muito bem. Tive problemas para me adaptar. É que tinha saudades de nosso lar, e tratava de que me jogassem, assim tivessem tido que ir me buscar. Entretanto -se apressou a acrescentar-, desde esse momento, tive um comportamento perfeito, e isso deveria compensar.
-me fale do homem que estava esperando no escritório.
-Era advogado -lhe disse-. Me fez toda classe de perguntas a respeito de nossa família. Queria saber quanto fazia que vivíamos em Montana, e por que nossa mãe não vivia conosco. Queria que lhe descrevesse o aspecto de meus irmãos. Não respondi a nenhuma de suas perguntas. Não acreditei que fosse de sua incumbência. depois de tudo, era um absoluto desconhecido. Eu não gostei de nada.
A Cole tampouco.
-Explicou por que lhe fazia todas essas perguntas?
-Disse-me que se tratava de uma grande herança. Acredito que se foi convencido de que eu não era uma parente perdida fazia muito tempo. Preocupei-te, verdade?
-um pouco -concedeu Cole-. Eu não gosto que alguém faça perguntas sobre nós.
Mary Rose tratou de reanimá-lo.
-Não foi tão terrível -lhe disse-. Eu não tinha estudado para o exame de inglês, porque Eleanor me teve a metade acordada da noite, queixando de sua última pena. Como eu estava no escritório, tive que esperar ao dia seguinte para fazer o exame.
-Acreditei que já não foste suportar a Eleanor.
-Juro-te que não o fiz -repôs Mary Rose-. Mas nenhuma outra a aceitava como companheira de quarto, e a reitora quase me suplicou de joelhos que eu o fizesse. Pobre Eleanor. Tem bom coração, de verdade, mas quase sempre o oculta. Segue sendo uma prova para a paciência.
Cole sorriu. Eleanor tinha sido a única dobra na vida quase perfeita da irmã. Mary Rose era a única aluna da escola que suportava a presença da outra moça. Aos irmãos adoravam ouvir histórias sobre ela. As façanhas da moça lhes pareciam estrepitosamente divertidas, e quando algum deles precisava rir um pouco, terei que trazer para colação alguma anedota sobre a Eleanor.
-Estava tão irritável como sempre?-perguntou, esperando que sua irmã tivesse alguma anedota nova que contar.
-Em efeito -admitiu Mary Rose-. Eu me sentia culpado por lhes contar coisas dela, mas Travis me convenceu de que, como não o fazia nenhum dano, e ela jamais o descobriria, estava bem. Realmente, às vezes resulta revoltante. Sabe que se foi da escola uma semana antes que ninguém? Nem se despediu. Passava algo mau com seu pai, mas não me disse do que se tratava. Chorou cinco noites seguidas até ficar dormida, e depois, partiu. Me teria gostado que confiasse em mim. Se eu pudesse a teria ajudado. Seu pai não estava doente. depois de que se fora, perguntei-lhe à diretora. Mas não me disse nada, e franziu os lábios, como faz cada vez que algo, realmente, desagrada-lhe. O pai da Eleanor ia doar uma soma importante de dinheiro para que a senhora pudesse construir outro dormitório. Mas me disse que já não o doaria. Sabe o que me disse? Que tinha sido extorquida. O que crie que quis dizer?
-Poderiam ser muitas coisas.
-A mesma noite que Eleanor se foi, disse-lhe que se alguma vez me necessitava, quão único tinha que fazer era vir ao Rosehill.
-por que lhe disse isso? -perguntou Cole.
-Porque chorava como uma criatura, e me deu pena -lhe explicou Mary Rose-. Mas não acredito que apareça pelo rancho. Este é um lugar muito pouco civilizado para ela. É muito sofisticada. Mas me doeu que não se despedisse de mim. A fim de contas, eu era sua única amiga. Entretanto, não fui muito boa para ela, não?
-por que crie isso?
-Você sabe por que -respondeu-. Eu conto anedotas dela, e isso não é muito agradável. Os amigos não deveriam contar coisas do outro.
-Só nos contou incidentes que, em realidade, aconteceram, e a defendeu ante todos, na escola. Ali, alguma vez falou dela, não é assim?
-Não.
-Então, não vejo o que é o que está mau. Nunca a criticou, nem sequer ante nós.
-Sim, mas...
-Também procurou que a convidassem a todas as festas. Graças a ti, nunca a fizeram a um lado.
-Como sabe o que fiz isso?
-Conheço-te. Sempre está cuidando dos inadaptados.
-Eleanor não é uma inadaptada.
-Vê? Já está defendendo-a outra vez. A moça sorriu.
-depois de te comentar algumas costure, sempre me sinto melhor.Realmente crie que o advogado deixará de fazer perguntas sobre nós?
-Assim acredito.
Mary Rose suspirou.
-Te senti falta de, Cole.
-Eu também te senti falta de, pequena.
Empurrou-o outra vez com o ombro. A conversação girou para o rancho. Enquanto Mary Rose esteve ausente, os irmãos compraram outro pedaço de terra. Travis estava no Hammond, adquirindo os elementos necessários para cercar uma vasta extensão, para que os cavalos tivessem um espaço de pasto suficiente para o inverno.
Cole e Mary Rose chegaram ao Rosehill minutos depois. Quando ela tinha oito anos, batizou ao lar de todos. Na ladeira da colina, encontrou o que supunha rosas silvestres, e declarou que era uma mensagem de Deus lhes dizendo que nunca teriam que partir, e tudo porque seu nome era Mary Rose, e também o de sua mãe. Adam não quis apagar o entusiasmo da pequena, e por isso não lhe disse que as flores não eram rosas a não ser higuerilla rosada. Além disso, pareceu-lhe que lhe dar nomeie ao rancho brindaria a sua irmã mais segurança. O nome ficou, antes de um ano, todos os habitantes do Blue Belle chamavam o lar dos Clayborne por esse apelativo.
Rosehill estava situada em metade de um vale profundo, no Território de Montana. A terra era plaina ao redor do rancho, até uma distância de uns quatrocentos metros à redonda. Cole foi o que insistiu em erigir o lar no centro mesmo de um terreno plano, para poder ver qualquer que se metesse em suas terras. Não queria surpresas; nenhum deles as desejava, e assim que esteve terminada a casa de dois novelo, construiu um mirante sobre o apartamento de cobertura, para que pudessem divisar de longe a qualquer que queria escapulir-se em sua propriedade.
A cortina de fundo o constituíam majestosas montanhas coroadas de neve, nos confine norte e oeste do prado. Ao leste da propriedade havia montanhas menores e colinas, terras inúteis para os rancheiros, que sempre necessitavam pastos para o gado. Mas os trapaceiros trabalhavam as ladeiras orientais, pois ainda havia abundância de castores, ursos e lobos cinzas. Cada tanto, um trapaceiro cansado e faminto se aproximava da casa em busca de comida e conversação amistosa. Adam nunca jogava a um homem faminto, e se o hóspede necessitava uma cama onde dormir, sempre o punha no barraco.
Só havia um caminho viável para chegar ao rancho, que era o atalho principal que descia da colina, do povo do Blue Belle.
Para quando chegavam até o embarcadero, entretanto, os estranhos estavam bastante esgotados. Se vinham em carretas carregadas com todas suas posses, pelo general, levava-lhes um dia e meio chegar ao Blue Belle. A maioria não foram além do Perry ou do Hammond; só os espíritos curtidos, decididos, ou os homens que escapavam da lei seguiam adiante. Embora havia rumores ocasionais de que havia oro nas montanhas do Norte, até o momento não tinham encontrado nada, e esse era o único motivo de que a terra estivesse pouco povoada. As famílias decentes, respeitosas da lei, com a esperança de estabelecer-se em terras sem custo algum, cruzavam os planos em galeras, ou se aventuravam em algum dos numerosos navios fluviais que navegavam pelo rio Missouri. Quando a maioria destas famílias chegavam a uma cidade grande, não desejavam mais que ficar ali. As grandes cidades eram algo mais civilizadas coisa que, é obvio, constituía um grande atrativo para as que provinham do este, e eram assíduas concorrentes à igreja. Pessoas honestas, educadas na lei e a ordem. Grupos de vigilantes, autodenominados policiais, ouviam a chamada e logo limpavam de malfeitores os arredores das cidades mais populosas, como Hammond.
Ao princípio, esses vigilantes eram uma solução, mas logo se converteram em um problema mais ameaçador ainda, pois alguns adquiriram o perverso hábito de perseguir a qualquer que não lhes agradasse. A justiça era veloz e, pelo comum, não se cumpria; quão único fazia falta para tirar um sujeito a rastros de sua casa e pendurá-lo da árvore mais próxima, era um rumor. Nem sequer levar uma insígnia constituía amparo suficiente contra o grupo de vigilantes.
Os verdadeiros inadaptados e os que se trancavam em lutas com armas de fogo, procurando dinheiro fácil, e tinham a suficiente velocidade e astúcia para escapar do linchamento, abandonavam as cidades como Hammond e se instalavam nos arredores do Blue Belle.
Por isso o povo tinha uma bem merecida reputação de imoralidade. Não obstante, havia um punhado de boas famílias que viviam ali. Adam dizia que só se devia a que se instalaram antes de compreender seu engano.
A Mary Rose jamais lhe permitia ir sozinha ao Blue Belle. E como Adam jamais saía do rancho, encarregado-los de acompanhá-la em suas incursões eram Travis, Douglas ou Cole. Os irmãos se alternavam, e se não convinha que nenhum deles abandonasse suas tarefas, Mary Rose ficava na casa.
Cole freou aos cavalos quando chegaram ao topo da colina que separava, do caminho principal, ao povo da propriedade Clayborne.
Mary Rose lhe pediria que se detivesse no instante em que chegassem à última curva que ia para o vale. Foi tão predecible como sempre.
-Por favor, deténte um minuto. estive longe muito tempo.
Deteve os cavalos e esperou, paciente, a próxima pergunta. Levaria-lhe um ou dois minutos. Primeiro tinha que ficar sensível, e logo lhe encheriam os olhos de lágrimas.
-Sente-o? Neste mesmo instante, sente o mesmo que eu?
Cole sorriu.
-Faz-me a mesma pergunta cada vez que te trago para casa. Sim, sinto muito.
Tirou o lenço e o deu. Fazia muito tempo que tinha aprendido a conveniência de levar um para ela. Uma vez, quando ainda era pequena, usou a manga de sua camisa para limpá-la nariz. Não estava disposto a permitir que isso se repetisse.
Tinham uma vista panorâmica do rancho e das montanhas que o circundavam. Por muito que o recordasse, cada vez que voltava para lar, a primeira vez que via semelhante beleza, sentia-se transfigurada. Adam lhe explicou que isso se devia a que glorificava a criação de Deus, e se sentia humilhada ante ela. Não estava segura disso, mas a vibração da vida que surgia da terra a emocionava como nenhuma outra coisa. Queria que seus irmãos também sentissem esse vínculo entre Deus e a natureza, e Cole era capaz de admitir que sim, que sentia o pulso da vida pulsando ao redor... mas só ante ela. Embora a terra nunca era a mesma de uma vez a outra que se contemplava, sempre estava aí.
-Está tão viva e é tão bela como sempre, Mary Rose.
-por que Adam e você sempre lhes referem a Montana como se fosse uma mulher?
-Porque atua como se fosse -respondeu Cole sem ruborizar-se nem sentir-se incômodo por semelhante tolice, porque sabia que sua irmã o compreendia-. É caprichosa e vã, e nunca se deixa domesticar por nenhum homem. É claro que sim que é uma mulher, e a única que jamais amarei.
-Ama-me .
-Você não é uma mulher, Mary Rose: é minha irmã.
A moça riu. O som ricocheteou entre os pinheiros. Cole elevou as rédeas e fustigou aos cavalos para que baixassem a suave custa. Já se tinham demorado o bastante.
-Se for uma mulher, acolheu-nos em seu seio. Pergunto-me se minhas rosas já estão começando a despertar.
-Já deveria saber que essas flores que encontrou não são rosas. São higuerillas rosadas.
-Sei o que são -respondeu-. Mas se parecem com as rosas.
-Não.
Já estavam brigando. Mary Rose suspirou, contente, com sua atenção concentrada no lar. Deus, estava ditosa de voltar a ver o rancho. A casa de madeira era bastante modesta, mas lhe parecia formosa. O alpendre, ou galeria, como ao Adam gostava de chamá-lo, abrangia o contorno da casa em três de seus lados. No verão, sentavam-se fora todas as noites, e escutavam a música noturna.
Não viu seu irmão maior trabalhando fora.
-Arrumado a que Adam está trabalhando com os livros.
-por que o diz?
-É um dia muito formoso para passá-lo metido dentro, salvo que haja trabalho que fazer com os livros -deduziu-. Estou impaciente por vê-lo. Date pressa, Cole.
Estava ansiosa por reencontrar-se com os irmãos. Tinha presentes para todos, inclusive uma caixa cheia de livros que Adam desfrutaria, papel de desenho e lápis novos para Cole, que estava desenhando uma edificação nova para adicionar ao rancho; remédios e escovas para o Douglas, para usar com os cavalos, um jornal novo para o Travis, que levava a história da família, vários catálogos, sementes para o jardim que ela mesma semearia detrás da casa, sob a supervisão do Adam, chocolates, e camisas de flanela para todos eles.
A reunião foi tão maravilhosa como imaginou. A família permaneceu conversando até altas horas da noite. Cole não lhe falou com seus irmãos do advogado que tinha visitado o colégio da Mary Rose até que a moça foi se deitar. Não queria preocupá-la, embora ele sim estava preocupado. Nenhum deles acreditava nas coincidências, e comentaram quanto motivo lhes ocorreu para que o advogado tivesse procurado informação sobre a família Clayborne. Quando jovens, tanto Douglas como Cole tinham cometido delitos, mas o tempo e a distância daqueles malfeitores que foram os tinham convencido de que os delitos já estavam esquecidos. A preocupação real era pelo Adam. Se o advogado tinha sido contratado pelos filhos de seu antigo dono, aguardavam-lhes dificuldades.
Todos eles sabiam que o assassinato não seria perdoado. Adam tinha arrebatado uma vida para salvar outras dois. Foi acidental, mas aos filhos não importariam as circunstâncias. Um escravo tinha golpeado a seu pai.
Não, essa morte não seria esquecida nem perdoada. Seria vingada.
Passou uma hora de discussão em sussurros, e logo Adam, como cabeça de família, declarou que era uma tolice afligir-se e especular. Se, na verdade, havia uma ameaça, teriam que esperar para averiguar do que se tratava.
-E então? -perguntou Cole.
-Faremos o que seja necessário para protegemos -disse Adam.
-Não deixaremos que ninguém te pendure, Adam. Só fez o que tinha que fazer -disse Travis.
-Estamos advertidos -disse Adam-. Manteremos o guarda alta e esperaremos.
A discussão acabou. Passou um mês inteiro, pacífico e solitário. O trabalho partia como sempre, e Travis e Douglas começavam a acreditar que nada sairia do interrogatório do advogado.
Mas, ao fim, a ameaça se apresentou por si mesmo. Seu nome era Harrison Stanford MacDonald, e era o homem que ia rasgar suas vidas.
Era o inimigo.
12 de novembro de 1860
Querida Mamãe Rose:
Seu ijo queria te mostre minha escritura e por isso te escrevo esta carta a ti. Todos trabalhamos em gramatica e hortografía, dezpués que Mary Rose vai a acostarce. Seu ijo é um grande maestro.No se riie quando fazemos engano e sempre tem algo vueno que dizer quando termina a jornada. Como agora somos irmãos, acredito que também é minha.
Teu, Cole
2
Harrison Stanford MacDonald estava inteirando-se de todo o concernente à família Clayborne sem fazer uma só pergunta. Como era um estranho no povo, devia sofrer a suspicacia e a desconfiança. Sabia o que acontecia as populações selvagens e rústicas que salpicavam o oeste, e também leu tudo o que caía em suas mãos. De toda essa investigação, soube que era inevitável ficar em um de dois grupos, sendo um estranho: ou estavam os que eram ignorados e aos que se deixava em paz porque se mantinham à parte mas tinham aspecto intimidatorio, ou os que eram assassinados porque faziam muitas perguntas.
O código de honra que existia no oeste intrigava ao Harrison. Parecia-lhe o mais reacionário conjunto de normas que conheceu jamais. Os habitantes estavam acostumados a proteger-se dos alheios, mas toleravam perfeitamente que um vizinho perseguisse a outro. Ao parecer, matar-se entre si era aceitável, caso, claro, que houvesse um espiono de motivo baseado.
Na viagem ao Blue Belle, Harrison refletiu sobre o problema que significaria descobrir o que precisava saber e, por fim, deu com o que lhe parecia um curso de ação aceitável. Decidiu aproveitar em seu benefício o prejuízo do povo contra os estranhos, voltando os pontos contra eles.
Chegou ao Blue Belle mais ou menos às dez da manhã, e se converteu no filho de cadela mais mau que pisou jamais o povo. comportou-se de um modo escandaloso, suspeitando de qualquer que lhe dirigisse um olhar. Levava o chapéu negro novo sobre a frente, o guarda-pó marrom de largas caudas, com o pescoço levantado, o sobrecenho franzido, e caminhou com ar de proprietário pelo centro do caminho principal que os habitantes chamavam rua mas que, em realidade, não era mais que um atalho largo de terra. Deu novo conteúdo à palavra "áspero". Queria que acreditassem capaz de matar a qualquer que lhe cruzasse no caminho, e supôs que o tinha obtido quando uma mulher que caminhava com seu filho pequeno o viu dando pernadas para ela e, imediatamente, aferrou a mão do filho e fugiu correndo em direção contrária.
Teve vontades de sorrir mas não se atreveu. Se se mostrava amistoso, jamais averiguaria nada dos Clayborne. Por isso conservou essa atitude com que parecia dizer: "ódio todo e a todos".
Amaram-no. A primeira parada foi no sempre popular botequim do povo. Toda população tinha uma e, nesse sentido, Blue Belle não era diferente. Encontrou o botequim no extremo do caminho, entrou e pediu uma garrafa de uísque e um copo. Se ao dono lhe pareceu estranho para essa hora da manhã, não o disse. Harrison levou garrafa e copo ao rincão mais escuro do botequim, sentou-se ante uma mesa redonda com as costas contra a parede, e esperou a que entrassem os curiosos e lhe falassem.
Não teve que esperar muito. Quando ele entrou, o botequim estava completamente vazio de clientes. Mas o rumor da chegada do desconhecido se difundiu com a velocidade do fogo na pradaria, e em dez minutos, Harrison contou nove homens dentro do botequim. agrupavam-se em torno das outras mesas, e não havia um só que não estivesse olhando-o.
Manteve os ombros encurvados e a vista no copo de bebida. A só idéia de beber álcool a essa hora da manhã lhe revolvia o estômago, e não tinha a menor intenção de beber nem um sorvo. Fez girar o turvo líquido ambarino no copo, e tratou de aparentar que estava pensando em algo.
Ouviu murmúrios, logo arrastar de passos sobre o chão de madeira. Como por instinto, levou-se a mão à arma. Apartou a jaqueta e apoiou a mão sobre a culatra da pistola. conteve-se de tirá-la de tudo, e logo compreendeu que o que fez por instinto era o que devia fazer se resolvia continuar com a farsa da hostilidade.
-Senhor, é novo no povo?
Harrison levantou lentamente a vista. Era óbvio que o que tinha formulado a ridícula pergunta tinha sido enviado pelos outros. Estava desarmado. Por outra parte, parecia ter ao redor de cinqüenta anos, com a pele correosa e picada de varíolas, e era o indivíduo mais hospitalar com o que Harrison se topou jamais. Olhos castanhos do tamanho de gudes, vesgos, perdidos na cara redonda, pois o único rasgo que qualquer cartório era um gigantesco nariz em forma de batata. A julgamento do Harrison, era um campeão nisso de chamar a atenção.
-Quem pergunta? -disse, em voz o mais áspera possível. Nariz de batata sorriu.
-Meu nome é Dooley -anunciou-. Lhe incomoda se me sinto um momento?
Harrison não respondeu, e se limitou a olhar ao sujeito e a esperar a ver o que faria.
Dooley interpretou o silêncio como um sim, aproximou uma cadeira e se sentou de frente a Harrison.
-Está no povo procurando a alguém?
Harrison negou com a cabeça. Dooley se voltou para a audiência.
-Não está procurando a ninguém -gritou-. Billie, me traga um copo. Viria-me bem um gole, se este estranho estiver disposto a compartilhá-lo.
voltou-se para o Harrison.
-Gosta de atar-se a tiros?
-Eu não gosto das perguntas -replicou Harrison.
-Não, não acreditei que fosse um brigão -disse Dooley-. Se o fora, teria se informado de que Webster se foi ontem mesmo do povo. Estava procurando briga a tiros, mas ninguém lhe deu o gosto, nem Cole Clayborne, e ele é o único motivo verdadeiro pelo que Webster veio ao povo. Cole é a pistola mais rápida de por aqui, mas já não se mete em brigas, sobre tudo desde que sua irmã voltou do colégio. Ela não tolera as brigas, e não quer que Cole ganhe má reputação. Adam o mantém no bom caminho -adicionou, com um gesto de conhecedor-. É o major dos irmãos, e um verdadeiro conciliador, em minha opinião. Também é muito culto, e quando um se acostuma a sua aparência, entende que é o tipo ao que alguém deve acudir quando tem um problema. Quase sempre sabe o que terá que fazer. Está pensando em ficar aqui, ou só está de passagem?
Billie, o proprietário do botequim, aproximou-se com dois copos nas mãos. Pô-los sobre a mesa, e fez um gesto a um homem sentado perto da porta.
-Henry, vêem aqui e faz calar a seu amigo. fica fastidioso fazendo tantas perguntas. Não quero vê-lo morto antes do almoço. É mau para o negócio.
Harrison se limitou responder pela metade às perguntas que seguiram. Henry se uniu a eles e, quando se sentou, o proprietário tirou uma cadeira, apoiou uma perna sobre o assento, e se inclinou adiante, com o braço apoiado no joelho. Os três homens eram amigos e gostavam de mexericar. Logo estavam interrompendo-se mutuamente com anedotas de todos os habitantes do povo. Ao Harrison o trio recordou a um grupo de tias solteironas às que gostavam de entremeter-se, mas que não faziam mal a ninguém. Armazenou toda a informação que lhe deram, sem fazer uma só pergunta.
Em um momento dado, a conversação abordou o tema das mulheres disponíveis na região.
-por aqui são escassas como os diamantes, mas nós temos sete ou oito que se podem escolher. Um par são bonitas. Está Catherine Morrison. Seu pai é dono do armazém do Ramos gerais. Tem um formoso cabelo castanho e todos seus dentes.
-Não lhe chega nem à sola dos sapatos a Mary Rose Clayborne -interveio Billie.
De todo o salão chegaram fortes grunhidos de aprovação. Todos os pressente estavam atentos à conversação.
-Não só é bonita -disse em voz alta um homem de cabelos cinzas. -Tem uma aparência que tira o fôlego -admitiu Henry-. E é do mais doce que se possa imaginar.
-É claro que sim -disse Dooley-. Se a gente necessitar ajuda, ela estará aí para encarregar-se de que alguém a consiga.
A afirmação foi seguida de mais exclamações de aprovação.
-Os índios injuns viajam quilômetros para conseguir uma mecha de seu cabelo. E embora a exaspera; sempre o dá. É como ouro batido. Os injuns acreditam que lhes traz boa sorte. Não é certo? -perguntou- Henry ao Billie.
Este assentiu.
-Uma vez, um par de mestiços trataram de roubar-lhe do rancho. Disseram que seus olhos azuis os enfeitiçaram. Diziam que eram mágicos. Recordam o que passou então, moços? -perguntou aos amigos.
Dooley estalou em gargalhadas.
-Recordo-o com tanta claridade como se tivesse acontecido ontem. Esse dia Adam não foi nada conciliador, né, Ghost?
Um homem de níveo cabelo e larga barba espaçada assentiu.
-Não, senhor, não foi -gritou-. Lembrança que Adam quase os partiu pela metade. Após, ninguém mais tratou de levar-se a Mary Rose.
-Ninguém corteja muito à senhorita Mary -disse Billie-. É uma pena. Já teria que ter dois ou três pequenos lhe atirando das saias.
Harrison não teve necessidade de perguntar por que não a cortejavam, pois Dooley o explicou com muito prazer:
-Tem quatro irmãos com os que nenhum de nós tem vontades de carregar. Não, senhor. Não se pode ter a Mary Rose sem passar por eles. Por isso ainda não se casou. Convirá-lhe não aproximar-se dela.
-OH, ela não quereria nada com ele -gritou Ghost. Dooley assentiu.
-Só quer aos ineptos e aos fracos. Ao parecer, está convencida de que tem o dever de velar por eles.
-Já lhe contei isso -disse Henry.
-Enlouquece a seus irmãos levando a casa a tipos lamentáveis. Mas tiveram que aceitá-lo -disse Billie.
-Quer-nos , e não somos débeis.
Sem dúvida, Dooley não queria que houvesse enganos.
-Não, claro que não -admitiu Henry-. Não quiséssemos que se leve uma idéia equivocada, senhor. A senhorita Mary nos quer porque faz muito que nos conhece. Está acostumada a nós. Em um par de horas, poderá lhe jogar uma olhada. nós gostamos de formar fila diante do armazém perto do meio-dia, para poder olhá-la bem de perto. Sempre tem algo grato que lhe dizer a cada um de nós. Espero que seu irmão Douglas a acompanhe hoje.
-por que? -perguntou Billie.
-Minha égua está inquieta outra vez. Queria que o doutor lhe jogue uma olhada.
-Se você necessitar um bom cavalo, Douglas tem o estábulo cheio -disse Dooley ao Harrison-. Doma aos selvagens e, cada tanto, vende-os. O gostará a você. É muito meticuloso com respeito a quem fica com seus cavalos. Não é realmente doutor, mas nós gostamos de chamá-lo assim.
-Não gosta de nada, Dooley. Diz que não é doutor, e que não deveríamos lhe dizer assim -exclamou Ghost.
-Já sei -respondeu Dooley a gritos, evidentemente exasperado-. Por isso nunca lhe dizemos Doc em sua cara. Entretanto, tem um modo especial de tratar aos animais, e os remédios que lhes dá são eficazes.
-Você a que se dedica? -perguntou-lhe Billie-. O pergunto por ser hospitalar, senhor -esclareceu.
-Trabalho de leis -respondeu Harrison.
-Isso não lhe dá suficiente dinheiro para enchê-la pança todos os dias. Faz alguma outra coisa?
-Chaleira.
-Então, é trapaceiro -decretou Henry. Harrison negou com a cabeça.
-Não exatamente -disse, evasivo.
Nesse momento, estava de caça, mas não pensava lhes dizer a estes homens que ia depois de uma menina roubada. No presente, devia ser uma mulher.
-Ou é trapaceiro, ou não o é -disse Henry-. Tem equipe para colocar armadilhas?
-Não.
-Então, não é trapaceiro -lhe disse Henry-. E o que me diz da cria de gado? Alguma vez o tentou? Tem corpo de rancheiro. Não recordo ter visto nenhum tão grande como você, nem tão largo de ombros. Penso em um par dos irmãos Clayborne, e no Johnny Simpson, claro, mas acredito que você deve ser uma cabeça mais alto que qualquer deles.
-Diria-nos seu nome, por favor? -pediu Henry.
-Harrison -respondeu-. Me chamo Harrison MacDonald.
-Seu sobrenome é um nome, não? -comentou Dooley-. Se incomodará se lhe chamo Harrison, ou quer que lhe chamem MacDonald?
-me chame Harrison.
-Assim deveria ser, se pensa instalar-se por aqui. Você tem um acento bastante diferente -adicionou, e se apressou a elevar as mãos-. Não quis ofendê-lo. Só me perguntava de onde é.
-Califórnia? -aventurou Henry.
-Eu penso que Kentucky -gritou Ghost. Harrison negou com a cabeça.
-Nasci em Escócia, e me criei na Inglaterra -respondeu-. Ao outro lado do oceano -acrescentou, se por acaso não sabiam onde ficavam esses países.
-Ao povo lhe faria falta um advogado -comentou Billie-. Não temos nenhum por aqui. Se Adam Clayborne não souber a resposta, temos que ir até o Hammond para conseguir ajuda, quando a necessitamos. O juiz Burns, o Varal, estaria contente do ter a você perto. fica nervoso quando tem que trabalhar com... como nos diz? -perguntou ao Dooley.
-Ignorantes.
-Isso. me parece que a lei se tornou bastante trapaceira. Terá que encher muitos documentos para o governo.
-É claro que sim -exclamou Ghost-. Estava acostumado a ser fácil conseguir um pedaço de terra. Ocupava-o, e era teu, simplesmente. Agora, tem que pagar dinheiro e encher muitos papéis.
-Assim pensa instalar-se aqui? Arrumado a que Morrison lhe alugará o local que tem no fronte do armazém. Aí poderia abrir seu estudo e, possivelmente, poderia ganhar um par de dólares por mês.
Harrison se encolheu de ombros.
-Ainda não sei o que vou fazer. Talvez fique aqui, talvez não. É muito em breve para dizê-lo.
-Tem dinheiro para manter-se até que dita? -perguntou Henry.
Harrison sabia que não lhe convinha admitir que tinha dinheiro.
-Não -respondeu-. Acredito que não tenho mais que para um par de dias.
-As arrumará -o tranqüilizou Dooley-. É grande e musculoso. Sempre pode conchabarse para obter comida para sua mesa.
-Isso imaginava -mentiu Harrison.
-O que é, exatamente, o que está fazendo no Blue Belle? -perguntou Billie-. Sei que não é meu assunto, mas sinto curiosidade. Incomodaria-lhe nos dizer isso senhor?
-me chame Harrison -repetiu-. Não me incomoda lhes dizer por que estou aqui. Estou aqui por algo que, certamente, é uma pista falsa. Pelo menos o homem para o que trabalho está convencido de que minha viagem terminará sendo como correr depois de um sonho.
-Já tem emprego? -perguntou Dooley.
-Estou de licença por um tempo.
-Assim, pode terminar ficando. É assim?-quis saber Henry.
-Suponho que sim.
-Eu acredito que ficará -afirmou Billie-. Não trabalhe para ninguém, só para você mesmo. Assim não tem que lhe render contas a ninguém.
-Incomodaria-lhe responder a uma pergunta relacionada com leis?-perguntou Ghost.
-O que quer saber?
-Tenho intenções de roubar um cavalo -anunciou Ghost, levantando-se, e aproximando-se da mesa-. O tipo ao que penso lhe roubar roubou a minha mulher faz uns anos e, em minha opinião, em realidade eu não estaria fazendo nada mau. A lei me apóia, não é certo?
Harrison se respaldou na cadeira, e teve que conter um sorriso. Embora a pergunta era divertida, não queria que Ghost acreditasse que ria dele.
-Lamento decepcioná-lo-disse-. Embora o orgulho pode estar de seu lado, a lei, não.
Dooley golpeou com a mão sobre a mesa, e lançou outra série de gargalhadas.
-Isso foi o que eu lhe disse -afirmou, quase gritando-. O orgulho fará que os vigilantes o pendurem se roubar o cavalo do Lloyd.
Ao Ghost não agradou a resposta do Harrison. afastou-se da mesa murmurando para si. Mas sua pergunta lhe abriu a porta a outras, e durante a hora que seguiu Harrison brindou assessoramento legal gratuito. Embora se tinha educado em Oxford e desenvolvido sua aprendizagem na Inglaterra, também trabalhou para um homem dono de dois novelo manufatureiras. E como a companhia fretava regularmente navios à costa oriental da América do Norte, Harrison não teve mais remedeio que familiarizar-se com as leis que regulavam a exportação e a importação.
Fascinava-lhe a diferença de interpretação da lei entre a Inglaterra e América, e se dedicou com esforço a ler quanto material chegava a suas mãos a respeito de decisões e casos insólitos.
A seus associados, em troca, parecia-lhes uma leitura árida, sobre tudo os casos mais antigos que pretendia comentar com eles. No melhor dos casos, diziam-lhe que era aborrecido, e lhe recordavam todas as leituras que se viu obrigado a fazer enquanto estava na Universidade. Mas Harrison não estava de acordo com semelhante ponto de vista. adorava ler aos filósofos, em especial ao Platón, e também desfrutava enormemente lendo as opiniões de quão estudiosos tinham sentado as bases de seu país. Mas, por cima de tudo, amava a lei. A disciplina do sistema judicial o atraía. Parecia-lhe imprescindível manter-se ao dia com as últimas decisões para chegar a ser, em algum momento, o melhor em seu campo. Não lhe bastava sendo bom. Harrison procurava a excelência em tudo o que empreendia. Os enigmas sem resolver enlouqueciam. E tudo o que começava, terminava-o.
A paixão pela lei e a compaixão pelos outros seres humanos o tinham feito impopular em muitos círculos. Como trabalhava para o poderoso lorde Elliott, nunca o tinham sabotado, embora às vezes pouco faltou, e todo se devia a que atendia casos pouco simpáticos. Nos bairros pobres de Londres conquistava rapidamente reputação de protetor dos desafortunados. É obvio, não era sua intenção, e se, enquanto estudava, alguém lhe houvesse dito que se converteria em advogado criminalista, até a tempo parcial, Harrison o teria pontuado de louco.
A fama não querida lhe havia flanco o compromisso com lady Edwina Horner, que lhe confessou por carta que não suportava a idéia de casar-se com um provocador de escândalos, fora o que fosse isso. Os que ainda se consideravam seus amigos trataram de lhe advertir que deixasse de lado a ridícula idéia de que os pobres, na Inglaterra, deviam gozar dos mesmos direitos que os ricos. Mas Harrison se negou a aceitar um ponto de vista tão elitista e egoísta.
-Possivelmente, na Inglaterra as leis sejam diferentes das nossas -propôs Ghost. Voltou aonde estava e lançou ao Harrison um olhar esperançado-. Estou pensando que, talvez, não me pendurem se roubo o cavalo, porque Lloyd foi o que começou.
Harrison negou com a cabeça: ao parecer, Ghost não estava disposto a desistir do plano.
-estudei a lei norte-americana o suficiente para saber que o declarariam culpado.
-Embora ele não tivesse razão e me tivesse procurado sujeira?
Embora Harrison não estava familiarizado com essas expressões, supôs que estava lhe dando um conselho sensato.
iniciou-se outra ronda de perguntas. Os curiosos que, até o momento, olhavam-no do outro lado do botequim, agora enchiam a mesa do Harrison formando um semicírculo. Nenhum deles parecia ter a menor pressa por começar a jornada.
De repente, abriram-se de par em par as portas do botequim.
-Vem a senhorita Mary. Cole cavalga detrás dela.
que tinha feito o anúncio a gritos, saiu ao trote à calçada. A reação foi incrível de observar. Todos os homens saltaram de seus assentos e correram fora. Dooley esteve a ponto de cair de joelhos sob a correria. Mas recuperou o equilíbrio e se deu a volta para o Harrison.
-Não vem? Pelo menos, deveria lhe jogar uma olhada à senhorita Mary. Valerá a pena.
Se Harrison não demonstrava interesse, ao Dooley teria chamado a atenção, e por isso se levantou e seguiu ao velho para a porta. Entretanto, não tinha nenhuma pressa por conhecer a jovem, e Dooley já estava a metade de caminho antes de que ele chegasse ao poste de atar os cavalos que havia frente ao edifício da esquina.
Poderia ocorrer que a busca acabasse nos minutos seguintes. de repente, Harrison se sentiu repleto por toda classe de emoções contraditórias. Tinha-lhe prometido a lorde Elliott que esta aventura seria o último intento de resolver o enigma, e se Elliott tinha razão, esta viagem tão comprido não teria sido mais que outra pista falsa.
Exalou um suspiro fatigado. Elliott tinha argumentado que os fatos eram indiscutíveis. Não era possível que Mary Rose Clayborne fosse sua filha. Vitória era sua única filha. Mary Rose tinha quatro irmãos maiores. E entretanto, embora o advogado do St. Louis tinha verificado a informação, também incluiu outros comentários que intrigaram ao Harrison. Mary Rose tinha estado em guarda durante toda a entrevista, e se negou a dar os nomes de seus irmãos. O advogado informou que, embora se mostrou extremamente cortês, estava convencido de que a moça tinha medo. A diretora não conseguiu convencer a de que cooperasse.
Ela pessoalmente tampouco obteve nenhum resultado. Disse-lhe ao advogado que dois irmãos da Mary Rose a acompanhavam à escola ao começo de cada curso escolar. Ela não tinha conhecido a nenhum deles, e só os viu de longe. portanto, não podia descrever aos cavalheiros. Tinha ouvido um rumor inquietante a respeito de um dos irmãos, mas se negou a lhe dar detalhes ao advogado.
Declarou que não era nenhuma fofoqueira, e que Mary Rose se converteu em uma aluna modelo, depois de adaptar-se à vida do internato, e o perverso rumor iniciado por uma das meninas se deteve rapidamente. De todos os modos, ninguém o teria acreditado. As intrigas eram próprias de camponeses, não de damas.
Não pôde lhe fazer dizer mais.
Harrison sacudiu a cabeça. É obvio, não se podia confiar em rumores. Talvez fosse como Elliott havia predito. Outro caso de duas mulheres com grande parecido físico. Elliott insistiu ao Harrison a esquecer do assunto, como ele mesmo tinha feito, e aceitar a evidência descorazonadora de que Vitória Elliott tinha morrido pouco depois de ser roubada. No fundo Harrison sabia que Elliott tinha razão, mas cada vez que via o homem que tinha protegido a seu próprio pai tantos anos, sentia-se impulsionado a seguir adiante com a busca.
Embora se considerava realista, teve a intuição de que tinha que ir a Montana para encontrar a verdade por si mesmo. Não se movia completamente no ar. Já estava na América do Norte quando recebeu o cabo informando da última vez que a viram, e Chicago estava a só um dia de viagem de onde ele se encontrava. Não lhe levou quase nada de tempo chegar aos subúrbios da cidade para falar com a mulher que acreditava ter visto a filha do Elliott. depois de falar com a senhora Anna Middleshaw e de escutar o relatório do advogado que depois entrevistou a Mary Rose, decidiu que valeria a pena fazer uma incursão por aquele território incivilizado. A senhora Middleshaw não lhe pareceu uma mulher com inclinações teatrais a não ser, ao contrário, bastante sensata. Estava convencida por completo de que tinha visto lady Vitória. O argumento era válido: dizia que ninguém podia ser tão parecido a outra pessoa sem ter algum parentesco. Harrison quis acreditar que tinha razão.
preparou-se para a decepção, e saiu à calçada de madeira. Captou sua atenção um brilho de metal. Deu uma meia volta para olhar atrás, e viu o que parecia o canhão de uma escopeta se sobressaindo de um beco, a uns quatro metros e meio de distância. que sustentava a arma, quem quer que fosse, apontava-a ao grupo de pessoas paradas ante o armazém.
Harrison reconheceu ao Henry, Ghost e Dooley, mas havia outros três homens que não conhecia formando um círculo na calçada oposta. Um de cabelo loiro claro, estava perto do Henry, mas quando retrocedeu um passo, o canhão do rifle se elevou. O loiro se moveu outra vez, quase imediatamente, e Dooley, sem sabê-lo, interpôs-se entre ele e a arma. Harrison viu que o canhão baixava outra vez.
Decidiu intervir. O grupo de homens entrou em fila ao armazém. Harrison se tirou a jaqueta enquanto cruzava a rua, jogou-a sobre o poste de atar os cavalos, e entrou.
Sentiu que o ar cheirava a couro e a especiarias. O armazém era grande, mais ou menos do tamanho dos estábulos que tinha Elliott, lá, na pátria. Um largo corredor abrangia todo o comprido do local, e havia outros dois mais estreitos, um a cada lado. Prateleiras abatidas pelo peso das mercadorias estavam repletos de frascos de mantimentos, pilhas de roupa, artigos de couro, picos e pás, e tantas outras coisas, que a vista quase não podia as abranger. Todo o local estava construído com diversas classes de madeira, sobre tudo pinheiro, igual ao resto dos edifícios do povo.
Harrison nunca em sua vida tinha visto um estabelecimento tão repleto e desorganizado. Sua própria obsessão com a disciplina e a ordem lhe fez sentir enjôos ante o caos que via. Havia cilindros de tecido empilhados ao azar, formando uma pirâmide torcida sobre uma mesa redonda, em um rincão do negócio, junto a três imensos barris de encurtidos. Viu que um homem sujo colocava a mão e tirava um pepino japonês da salmoura, e depois se limpava a mão no bordo de um tecido de encaixe que pendurava de um cilindro, por um lado da mesa. O tecido caiu ao chão, no caminho do sujeito, e então este se limitou a passar por cima, voltando para a porta do estabelecimento.
Harrison se voltaria louco se tivesse que trabalhar em meio de semelhante caos. Por Deus, como encontrava algo o dono enquanto isso desordem?
Suspirou, fez a um lado o tema e se deslocou para um lado da entrada, onde pensava ficar até distinguir ao loiro entre a gente.
Onde diabos estaria esse homem? Embora Harrison era, pelo menos, uma cabeça mais alto que todos os que estavam dentro do armazém, não podia vê-lo. Não podia ter desaparecido no ar, embora supôs que era possível, graças à desordem lhe reinem.
Dooley lhe fez gestos do lado esquerdo do armazém. O velho estava diante de um mostrador, conversando sobre sussurros com uma bonita moça de cabelo castanho. Devia ser a filha do dono, Catherine Morrison. Dooley lhe indicou por gestos que se aproximasse, mas Harrison negou com a cabeça e ficou onde estava. Não queria arriscar-se a perder de vista ao loiro. Se Dooley opinava que sua conduta era grosseira, não lhe importava.
Minutos depois, ouviu o Dooley dizer algo assim como, "é tímido". Como não o olhou quando fez o comentário, Harrison supôs que se referia a ele. Que idéia tão absurda.
A moça Morrison atraiu sua atenção com um gesto. inclinou-se um pouco para frente sobre o mostrador e lhe lançou um sorriso provocador, que o incitava a aproximar-se. Não lhe devolveu o sorriso. Não estava de humor para intercâmbios sociais nesse momento, pois lhe parecia que era mais importante advertir ao desconhecido.
Pelo general, não se metia nos assuntos de outros homens, mas estava convencido da validez da igualdade e do jogo limpo. E tender uma emboscada a um homem despreparado era uma atitude muito covarde, e ele nunca tolerou a covardia.
Lhe esgotou a paciência. Mas quando resolveu que teria que ir procurar ao sujeito, e começou a mover-se, o loiro apareceu no extremo do corredor principal, carregando um saco de farinha sobre um ombro. Enquanto Harrison esperava que se aproximasse da entrada, uma jovem rodeou ao loiro e se aproximou correndo para onde estava ele.
Por Deus, era lady Vitória! A bela moça que caminhava para ele não podia ser outra que a filha do Elliott, perdida fazia tanto tempo. Era a viva imagem da difunta algema do homem. Ao primeira olhada aos maçãs do rosto altos e os brilhantes olhos azuis, Harrison fez uma funda inspiração e se esqueceu de soltar o ar. O assombro o paralisou. O coração começou a lhe golpear com tanta força dentro do peito que lhe doeu e, por fim, viu-se obrigado a exalar.
Não podia acreditar o que estava vendo. A encantadora mulher parecia ter saído nesse instante do retrato ao óleo de lady Agatha, que pendurava sobre a chaminé, na biblioteca do Elliott. Claro que a vestimenta era diferente; é obvio, mas, por tudo o que era sagrado, até as sardas salpicadas sobre a ponte do nariz eram idênticos. De repente, ao Harrison já não importou quantos irmãos tinha. Era tal como havia dito a senhora Middleshaw: ninguém podia parecer-se tanto a outra pessoa se não estava aparentada com ela.
Mary Rose Clayborne. quanto mais lhe aproximava, mais discernibles se faziam várias sutis diferencia. Os olhos eram um pouco mais claros que os da mãe no retrato, que foi feito quando esta era jovem. A forma quase doce de amêndoa dos olhos, a estrutura óssea do rosto, pareciam ser iguais; entretanto, agora que a via mais de perto, não estava tão seguro. Diabos, se até se parecia um pouco ao loiro. Tinha a mesma cor de cabelo. Não, a cor não era o mesmo. Por Deus, era formosa, mas ainda assim, podia ser a irmã do loiro, e se era certo, como podia parecer-se tanto à esposa do Elliott? .
A última vez que viu lady Agatha, Harrison era muito pequeno para recordar detalhes significativos de sua aparência física. Não tinha mais de dez anos quando ela e seu marido partiram a América para assistir a grande inauguração da fábrica, perto da cidade de Nova Iorque. Recordava pequenas naderías, próprias de um menino, como a fragrância maravilhosa que emanava dela, como de flores depois da chuva, o modo em que lhe sorria, com essa expressão amorosa e bondosa no olhar. Recordava a tibieza e a ternura de seu abraço, mas tudas essas lembranças, entesourados por um menino que tinha perdido a sua própria mãe, não foram servir lhe de muito.
Nunca voltou a ver lady Agatha. Quando retornou a Londres, a senhora permaneceu em sua habitação noite e dia, vestida de negro, conforme lhe contaram, encerrada na escuridão, chorando a perda de sua filha de quatro meses.
A mulher que se aproximava caminhando ao Harrison, era lady Vitória? "Que Deus me ampare, não sei", pensou.
espremeu-se o cérebro com desespero, procurando um modo de averiguar a verdade. Então recordou o que Dooley e os outros lhe tinham contado da Mary Rose Clayborne: era a protetora dos fracos. Acaso não lhe havia dito Dooley que enlouquecia a seus irmãos, pois levava com freqüência a inadaptados à casa?
de repente, ao Harrison lhe ocorreu um novo plano. Já não seria o mais cruel filho de cadela que tivesse aparecido no povo. Essa farsa o ajudou a obter a informação que necessitava e a aceitação dos paroquianos do botequim. Mas agora, com a Mary Rose Clayborne, isso não serviria. Como lhe gostavam dos patitos feios, decidiu transformar-se em algo assim. Seria um moço de cidade, torpe e ingênuo, que não tinha suficiente sentido comum para sobreviver. Quão único rogava era poder representar bem seu papel.
Mary Rose Clayborne viu o desconhecido quase imediatamente. Tinha os braços cruzados sobre o peito, e estava apoiado no batente da janela do Morrison. Era um homem gigantesco e, em realidade, era impossível não notário, com esse cabelo castanho escuro e uns olhos cinzas extremamente expressivos. Admitiu que era arrumado, a seu modo, com a aparência do homem que faz atividades ao ar livre, mas as aparências não eram importantes para ela. O que sim lhe parecia era um desventurado. Para falar a verdade, estava tão pálido que se diria que tinha visto algo terrível.
"Como um fantasma", pensou. E sorriu, porque era uma idéia muito tola. Só Ghost via espíritos do outro mundo, e unicamente depois de ter bebido sua beberagem caseira que lhe provocava visões. "Um fantasma, vamos!"
Entretanto, não gostou de vê-lo tão desventurado, e resolveu apresentar-se por si mesmo. Possivelmente o homem lhe diria o que o preocupava, e ela poderia ajudá-lo.
Tão rápido como lhe ocorreu a idéia de conhecê-lo, desprezou-a, pois por fim advertiu que levava um desses elegantes cinturões para cartucheiras de pistolas em tiro dos quadris. Levava um revólver de seis tiros metido em uma delas. Mary Rose supôs que o desconhecido podia ser um desses brigões que iam ao povo com o único propósito de desafiar a seu irmão a uma briga com armas de fogo e, Por Deus, se era assim, não tinha intenções de ser amável nem serviçal. Se até podia lhe disparar ela mesma!
Sabia que estava tirando conclusões apressadas, e decidiu que o melhor era ignorá-lo. Chegou à entrada, e tratou de abrir a porta para que pudesse passar seu irmão. Cole estava detrás dela, mas tinha as mãos ocupadas com o saco de farinha.
Harrison se apressou a lhe bloquear o passo. apoiou-se contra a porta e esperou a que a moça o olhasse. tomou seu bom tempo.
-Senhora, se fosse você não sairia neste momento.
-Não?
Negou com a cabeça:
-Não, não o faria.
A moça o olhou com expressão perplexa. Por fim, Harrison sorriu, e ela esteve a ponto de lhe devolver o sorriso, mas se conteve a tempo. Estava a uns centímetros dele e, portanto, teve que jogar a cabeça atrás para poder olhá-lo aos olhos. Notou que faiscavam. O que seria o que lhe resultava tão divertido? Também tinha recuperado a cor e, a julgamento da Mary Rose, cheirava maravilhosamente. A ar livre e couro, e como além disso estava bronzeado, deduziu que passaria bastante tempo ao sol.
Sacudiu a cabeça para sair de seu estupor.
-por que não quereria sair?
Harrison soube que teria que deixar de olhá-la para poder lhe responder a pergunta. Por Deus, era formosa! Percebeu o perfume, tão leve e tênue, tão parecido ao que estava acostumado a usar a mãe, Y... demônios, compreendeu que estava comportando-se como um escolar, mas não podia evitá-lo. Tampouco podia deixar de lhe sorrir, porque era encantadora, mas, além disso, porque era possível e impossível ao mesmo tempo que fosse a filha do Elliott. A realidade se precipitou a devolvê-lo à presente.
-Mary Rose, abre a porta -ordenou o jovem loiro.
Enquanto murmurava a ordem, impaciente, olhava fixamente ao Harrison.
-Este cavalheiro não quer que saiamos neste momento -lhe respondeu, voltando-se para o irmão e fazendo um leve encolhimento de ombros-. Não sei por que.
Cole olhou carrancudo ao Harrison, e lhe disse em tom irritado:
-Olhe, senhor, há maneiras mais fáceis de ser apresentado. Se quer conhecer minha irmã, espere a que eu descarregue isto. Depois, talvez lhe permita falar com ela.
Mary Rose não podia permitir que o desconhecido interpretasse mau:
-Entretanto, não lhe permitirá falar comigo -lhe explicou-. Meu irmão nunca me deixa falar com estranhos. Meu nome é Mary Rose Claybome. E você, como se chama, por favor?
-Harrison Stanford MacDonald.
Mary Rose assentiu.
-Encantada de conhecê-lo, senhor MacDonald. E agora, deixa-me sair?
-Antes, queria falar com seu irmão -disse.
A moça retrocedeu, e pisou a seu irmão.
-É você um pistoleiro?
Pergunta-a soou a acusação. Mas não lhe deu tempo a responder porque, obviamente, deduziu que sim o era. Olhou-o, carrancuda, e moveu a cabeça.
-Esqueça-se de provocar. Não tem nenhum interesse. Sugiro-lhe que parta do Blue Belle, senhor. Não é bem-vindo aqui.
-Mary Rose, pelo amor de Deus, eu posso falar por mim mesmo. Senhor, lhe interessam as brigas a tiros?
Harrison negou com a cabeça. O giro da conversação o confundia.
-Não -repôs-. Não procuro um duelo a pistola. -e voltando-se para a Mary Rose-: O que é o que pensa que procuro provocar aqui?
Os olhos da Mary Rose se aumentaram.
-Cole, ele não sabe o que é uma provocação. De onde é você, senhor MacDonald?
-De Escócia.
A resposta a fez franzir o sobrecenho.
-E o que faz no Blue Belle?
-Estou procurando um lugar para me instalar.
-E não veio a brigar com meu irmão?
Embora afrouxou o cenho, em sua voz ainda se percebia a suspeita. via-se que ainda não estava de tudo convencida.
Harrison resolveu responder as perguntas com outra:
-por que quereria fazer tal coisa, senhora? Não conheço sequer a seu irmão.
A jovem deixou escapar um suspiro de alívio.
-Bom, então... -sussurrou.
jogou-se o cabelo atrás sobre o ombro, gesto que ao Harrison pareceu inteiramente feminino, e lhe sorriu com doçura.
-Não acreditei que fosse um pistoleiro, mas não podia estar do todo segura. Quando penso...
Cole não a deixou terminar com a queixa que estava a ponto de manifestar.
-Mary Rose, pelo amor de Deus, abre a porta.
-Mas ainda não te apresentei ao senhor MacDonald -protestou.
-Não preciso conhecê-lo -murmurou Cole-. Douglas está esperando diante da carreta. Abre a porta.
Mary Rose não se alterou pelo tom áspero de seu irmão. Seguiu sonriéndole ao Harrison e se comportou como se tivesse todo o tempo do mundo para falar com ele.
-Meu irmão se chama Cole Clayborne. Tem um segundo nome, mas não lhe agrada, e me mataria se o dissesse a você. Cole, queria te apresentar ao senhor Harrison...
-Mary Rose, juro-te Por Deus que vou deixar cair este pesado saco de farinha sobre sua cabeça.
Mary Rose suspirou.
-Quando se chega a conhecê-lo, meu irmão é na verdade agradável, senhor.
Harrison não estava tão convencido. Cole não parecia a classe de pessoa capaz de ser agradável. O cenho parecia um rásgo permanente. Só uma coisa era segura: o irmão da Mary Rose não tinha intenções de esperar muito mais. Harrison compreendeu que era melhor dar-se pressa e lhe dizer o da emboscada, antes de que o homem se impacientasse e saísse como uma tromba pela porta fechada. Tinha o aspecto de ser o bastante forte e estar o suficientemente zangado para fazê-lo.
-Há um rifle lhe apontando -começou em voz baixa, para que os outros clientes não o ouvissem-. O que quer lhe disparar, seja quem for, está escondido na passagem ao outro lado da rua. Pensei que devia sabê-lo.
A irritação de Cole esfumou imediatamente.
-pôde ver o tipo?
Harrison negou com a cabeça.
-Pensei em lhe disparar para lhe fazer cair o rifle das mãos, mas a verdade é que acabo de comprar o revólver e ainda não o provei. É provável que termine machucando a alguém.
-Essa é a idéia -lhe disse Cole, obviamente exasperado.
-Lamento não ter podido ajudá-lo -disse então Harrison-. Mas até que aprenda como ser preciso...
Deixou a frase sem terminar. Que Mary Rose e seu irmão tirassem suas próprias conclusões.
Não teve que esperar muito. Mary Rose afogou uma exclamação.
-Leva um revólver que jamais usou antes?
-Assim é, senhora.
Não tinha por que lhe mentir outra vez, mas tampouco lhe dizia a verdade. Ocultou de propósito informação pertinente, pois sabia bem que, desse modo, guiava-a pelo atalho que ele queria que fosse. Não gostava de muito manipular a deste modo, mas faria algo que fosse necessária para ganhar sua confiança e averiguar o que precisava saber. E como ela se fazia cargo dos inadaptados, chegou à conclusão de que tinha que ser um deles.
-Está você louco? -perguntou-lhe Mary Rose.
-Não acredito -respondeu.
-Por Deus!, não lhe ocorre nada melhor que andar armado pelo povo? Grande que é você, terá que meter-se em uma briga e o matarão em um abrir e fechar de olhos. É isso o que quer, senhor MacDonald?
Pôs os braços em jarras e o olhou como se estivesse convencida que não tinha um ápice de sentido comum. Recordou a uma professora arreganhando a um de seus alunos, embora Harrison nunca teve uma tão bonita. A maioria eram velhas, poeirentas, secas como folhas mortas.
Era evidente que estava preocupada com ele. E por estranho que parecesse, gostava da atenção que lhe brindava. depois de tudo, não seria tão terrível converter-se em um inepto.
Harrison tratou de parecer aflito.
-Não, senhora, não quero que me matem. Queria aprender a usar meu revólver novo. E se o guardo, não poderei fazê-lo.
Cole soltou um forte suspiro, e Harrison se voltou para ele.
-Quer que o ajude a carregar o saco? Poderia pô-lo na carreta e ir procurar ao delegado.
-No Blue Belle não temos delegado -lhe informou Mary Rose. Harrison não teve que fingir surpresa.
-E quem cuida a ordem aqui?
-Ninguém -lhe respondeu-. Por isso este é um povo tão perigoso para alguém como você. cresceu na cidade, não é assim, senhor?
Harrison não deixou que o irritasse o tom piedoso da voz.
-Sim, de fato, fui criado na cidade. Por favor, me chame Harrison. Senhor me parece muito formal aqui.
-Está bem -aceitou-. O chamarei Harrison. Por favor, tire o cinturão das pistoleras. Em realidade, não deveria usá-lo. Estou segura de que alguém lhe disse que, em nosso território, era um traje elegante, não é certo? Ou leu que o era?
-Li que formava parte da equipe necessária.
A jovem suspirou.
-OH, céus...
Cole já tinha esperado muito. inclinou-se, apoiou o saco de farinha contra a parede, endireitou-se e moveu os ombros como um urso que tratasse de livrar-se de uma cãibra no pescoço.
Harrison e Mary Rose se fizeram a um lado quando Cole foi para a porta. Não parecia muito preocupado pela emboscada. Apartou a sua irmã mais longe, tirou a pistola do cinturão, e abriu apenas, para deixar entrar uma fatia de sol.
Douglas estava esperando em frente. O irmão de Cole estava na rua, perto da carreta, apoiado contra o poste ao que se atavam os cavalos. Dava a impressão de estar profundamente dormido, e Cole assobiou para lhe chamar a atenção.
Harrison observou a Mary Rose. O comportamento da moça o intrigava. Assim que o irmão tirou a arma, ela se tampou os ouvidos com as mãos e levantou o rosto para o teto com expressão resignada.
-Douglas, dispara ao chão.
Cole ladrou a ordem e, uma fração de segundo depois apareceu pela porta, apontou e disparou três tiros seguidos. As explosões dos disparos ricochetearam no armazém. O cristal da janela tremeu.
Rápido como um raio, voltou a guardar o revólver na cartucheira.
-Com isso, acredito que bastará.
Logo, levantou do chão o saco de farinha e saiu fora. É obvio, a atitude despreocupada era um tanto assombrosa, mas o que mais assombrou ao Harrison foi que a maioria dos clientes que estavam dentro do armazém não manifestaram a mais mínima curiosidade. Se lhes pareceu fora de quão comum Cole Clayborne disparasse a arma pela porta, por certo não o demonstravam. Acaso seria uma coisa de todos os dias? Harrison começava a pensar que sim.
-Cole, esqueceste-te que dar as graças ao Harrison -gritou Mary Rose.
-Obrigado pelo aviso -disse Cole sobre o ombro. Embora a Mary Rose pareceu um agradecimento pouco sincero, decidiu deixá-lo passar. Sabia que a seu irmão resultava difícil lhe dar as graças a qualquer, e deveu lhe resultar enervante que um desconhecido lhe salvasse a vida.
-Cole, quem te tendeu a emboscada? -perguntou a irmã.
-Não há por que -gritou Harrison, ao mesmo tempo.
Cole arrojou o saco na traseira da carreta, junto com outras mercadorias que já tinham comprado, e se voltou para responder a sua irmã.
-É provável que fosse Webster. O filho de... -interrompeu-se, sem terminar a péssima opinião que tinha do canalha que estava esperando para lhe tender uma emboscada-. Estava ofendido, porque a semana passada não quis brigar com ele. Suponho que teria que havê-lo matado. Voltará a insistir. Mas como lhe dava, primeiro terá que curar-se. Está lista para ir, Mary Rose?
-Um minuto. -voltou-se para o Harrison. -foi muito amável de sua parte avisar a meu irmão. O valora muito. Só que lhe custa demonstrá-lo. Não gosta de lhe dever nada a ninguém, nem gratidão.
-Seu irmão não me deve gratidão. Qualquer tivesse feito o que fiz.
-Oxalá fosse certo -repôs-. Possivelmente em Escócia os vizinhos se ajudem entre si, mas no Blue Belle, as coisas não são assim.
Harrison assentiu, como aceitando o que afirmava, e seguiu olhando-a, tratando de pensar em algo mais do que falar. Ao pouco, sentia-se como um imbecil. Estava escapando de entre os dedos, e não lhe ocorria uma só coisa que dizer para retê-la junto a ele uns minutos mais.
Percebeu a ironia da situação: pelo amor de Deus, era advogado, passava dias inteiros discutindo, enrolando e argumentando para ganhá-la vida, e entretanto, ficou-se mudo! Se esta não era uma contradição, não sabia o que podia sê-lo.
Senhor; que adoráveis olhos.
O mesmo instante em que esse pensamento brotou em sua cabeça, soube que tinha problemas. A jovem que lhe sorria com tanta doçura estava convertendo seu cérebro em uma massa. Estava muito aborrecido consigo mesmo: não se acreditava tão parvo para deixar que a atração física se interpor em seus planos.
Mary Rose acreditou que já se demorou o bastante. Mas não queria voltar para a casa nesse preciso momento, e tratou de convencer-se de que só se devia a que estava preocupada com esse desconhecido de bom coração.
-Perguntava-me...
-O que?
A palavra estalou em sua boca, como se ele fosse um menino que espera um presente.
-por que quer aprender a disparar?
Diabos, teria que voltar a lhe mentir, e estava começando a lhe resultar difícil. Possivelmente, se a moça não o olhasse com tanta confiança e inocência, seria mais fácil.
Mas sabia que a verdade não o ajudaria nesse momento, pois se admitia que, em realidade, era muito hábil com o revólver, Mary Rose sairia por essa porta sem olhar atrás.
Fingir que era inepto feria seu orgulho. Tinha ganho prêmios na Universidade por sua precisão, tanto no branco como no campo, e durante o serviço militar aprendeu a ser veloz. Entretanto, os revólveres de seis tiros eram a eleição do homem comum, e por muito que lhe desgostasse a pistola, tinha tomado a decisão de aprender a usá-la. Devia admitir que o revólver lhe tinha resultado útil, e sua velocidade lhe salvou a vida em mais de uma ocasião.
-me diga, por favor, por que quer aprender a usar a arma? -voltou a lhe perguntar.
-Estou pensando em me fazer rancheiro -lhe disse-. E acredito que a arma me será necessária.
-Temos um rancho a uns poucos quilômetros do povo. chama-se Rosehill. Por acaso, ouviu falar dele?
Era uma pergunta absurda, e lamentou fazer-lhe no mesmo instante em que as palavras brotaram de sua boca. É obvio que não tinha ouvido falar do Rosehill, se acabava de chegar ao povo! Mas foi o único que lhe ocorreu para seguir conversando: adorava ouvi-lo falar. Esse acento pouco comum lhe parecia quase musical, fundo e vibrante com seus "res" guturais.
-Não, não ouvi falar de seu rancho.
Seguiram contemplando-se outro minuto, até que Mary Rose se voltou outra vez, para ir-se. Já quase tinha chegado à porta quando se deteve.
Cole e Douglas estavam observando-a. Os irmãos estavam apoiados na parte posterior da carreta. Viu que tinham os braços cruzados sobre o peito, e as pernas cruzadas nos tornozelos. Ambos mostravam uma expressão resignada.
Estavam acostumados aos atrasos da Mary Rose.
Ela sorriu aos irmãos e logo se voltou outra vez para o Harrison. alegrou-se de ver que tinha saído atrás dela. Olhava ao Douglas e devia perguntar-se quem era. Tinha que recordar apresentar-lhe depois de que lhe comunicasse os planos que tinha para seu futuro imediato.
Tinha que fazer algo para ajudá-lo: parecia sozinho e perdido.
-Simplesmente, não posso deixá-lo aqui, sozinho.
Com semelhante afirmação, obteve a atenção total do homem.
-Não?
Mary Rose olhou sobre o ombro para ver se os irmãos seguiam observando-a, e viu que não só o faziam mas também luziam caminhos expressões de reprovação. Sorriu-lhes, só para lhes fazer saber que estava contente de falar com um desconhecido, e logo aferrou o braço do Harrison e o fez caminhar com ele, afastando-se da entrada. Queria pôr certa distância entre eles dois e seus irmãos. Também necessitava certa intimidade para a conversação, porque sabia que eles tentariam intervir se tivessem idéia do que pensava fazer.
-Não, sem dúvida não posso deixá-lo aqui. Se não fazer algo, você se meterá em confusões.
-por que crie isso?
-por que? -repetiu a jovem. Não podia acreditar que tivesse que perguntá-lo. E entretanto, via-o confundido. Que o Céu ajudasse ao pobre homem, que não sabia sequer que perigo corria. Mary Rose tinha o dever de lhe explicar quais eram as circunstâncias.
-Você admitiu com franqueza que não sabe defender-se, e eu estou segura de que vários clientes do armazém o ouviram. Parece que todos no povo tivessem que saber o que fazem e dizem todos outros. Isso se saberá, Harrison, e por muito que me aduela admiti-lo, nosso encantador pueblecito conta com muitos fanfarrões. Assim que se inteirem de que é você vulnerável, atacarão-o. Não estará a salvo aqui.
-Acaso sugere que sou incapaz?
Estava atônito.
Mary Rose compreendeu que teria que ser franco com ele. Talvez ferisse os sentimentos do homem, mas era por seu bem.
-Você é incapaz.
Harrison precisou recordar que assim era como queria que acontecessem as coisas: Mary Rose o convertia em uma responsabilidade própria. Dooley e Henry estavam no certo, essa moça se fazia cargo dos fracos e dos vulneráveis.
Não obstante, seu orgulho estava recebendo uma dura surra. Era irritante que qualquer mulher o considerasse um fraco.
Por isso, esboçou um débil protesto para apaziguar seu ego ferido.
-Senhora, não recordo lhe haver dito que não sou capaz de me cuidar.
Mary Rose fingiu não havê-lo ouvido.
-Temo-me que, em última instância, terá que vir a nossa casa. Harrison conteve um sorriso.
-Não acredito que seja uma boa idéia. Estou decidido a aprender a usar essa arma. Custou-me muito cara, e estou seguro de que é precisa.
A moça se irritou.
-As pistolas não são precisas. Os homens o são. É uma boa solução que venha a minha casa, comigo. Por favor, trate de entender. Como você é tão corpulento, é um bom branco. Aqui, a gente tem certas expectativas.
Não entendeu do que falava.
-O que tem que ver o tamanho...?
Não o deixou terminar.
-espera-se que brigue para proteger-se a si mesmo e suas posses, e se não aprender a usar os punhos e o revólver, matarão-o antes de que termine a semana.
Suavizou a verdade para que não se afligisse muito: para falar a verdade, não acreditava que durasse um dia completo.
-Estou segura de que a meus irmãos adorarão lhe ensinar quanto precise saber. A fim de contas, salvou-lhe a vida a Cole. Agradará-lhe instrui-lo no uso da pistola, para que você possa defender-se.
Harrison teve que fazer uma profunda inspiração antes de falar. Soube que a arrogância estava interpondo-se a seus planos, mas não podia evitar discutir com ela... que Deus o ajudasse. Estava seguro de poder comportar-se como um sujeito algo vulnerável. Não estava disposto a fingir que era completamente inepto. Maldição: tinha que haver um modo mais fácil.
-De verdade, posso me cuidar. Não sei de onde tirou a idéia de que não podia. Já usei os punhos, e sou...
Não quis escutá-lo. Moveu a cabeça, com expressão compassiva, e disse:
-Harrison, pensar e fazer é muito diferente. É perigoso acreditar que alguém é apto quando não o é. esteve antes em uma briga a tiros? -Teve que admitir que não. -Vê?
Mary Rose reagiu como se já o tivesse adivinhado. Harrison se perguntou se encetar-se em um duelo a pistola era uma espécie de ritual que convenceria a jovem de que ele estava em condições de viver no Blue Belle.
-Acaso todos os homens que vivem aqui passaram por brigas com armas de fogo?
Não podia evitar que sua voz soasse incrédula. Um advogado jamais devia permitir que o fizessem girar em círculos, e ao Harrison jamais tinha acontecido, mas esta mulher deliciosa estava fazendo precisamente isso, e ele não conseguia entender como tinha acontecido.
-Não, é obvio que não -lhe respondeu.
-Então, por que me pergunta se eu passei por isso?
Mary Rose o olhou, exasperada.
-Sem dúvida terá visto que os homens que estavam dentro do armazém não levavam cinturões com cartucheiras -disse-. A maioria não os usa. junto com a arma, vai implícito uma mensagem, Harrison. Se você levar pistola, tem que estar preparado para demonstrar que é capaz de usá-la. Alegra-me saber que jamais se bateu em duelo, e espero, sinceramente, que nunca tenha que matar a ninguém. Não terei que usar as armas como esporte nem em vingança. Um arbusto víboras e outros insetos, não pessoas. Mas, por desgraça, alguns habitantes deste povo e outros que acontecem, não vêem a diferença.
-Vi que seu irmão levava uma arma.
-Isso é diferente -instou-. Cole tem que levá-la, e você não. Os pistoleiros que querem ganhar uma reputação chateiam a meu irmão constantemente, porque acreditam ser mais velozes que ele. É a arrogância a que os mata, mas não pela mão de Cole. Durante anos, não matou a ninguém. Não é um fanfarrão -adicionou, enfática.
Harrison teve a impressão de que queria que estivesse de acordo.
-Entendo.
-Tem que levar a arma para proteger-se.
-Compreendo.
-fez-se eficiente só para poder nos proteger a todos nós. Não tem a culpa de ser rápido. Você também terá que aprender a defender-se se quer estabelecer-se aqui. Além disso, se o que disse de aprender a dirigir um rancho era a sério, Rosehill é o lugar ideal para você. Terá professores maravilhosos. Inclusive Adam poderia lhe pagar por trabalhar para nós e, ao mesmo tempo, você aprenderia.
-Adam?
-Meu irmão maior -lhe esclareceu-. São quatro. Sou a mais jovem da família, e logo vêm Travis, Cole, Douglas e Adam.
Ao ver que se mostrava tão aberta com ele, resolveu lhe fazer todas as perguntas possíveis.
-Vivem ainda seus pais?
-Minha mãe -lhe respondeu-. Neste momento está vivendo no Sul, mas logo se reunirá conosco. Conviria que fora a procurar suas coisas. Se quiser, irei com você.
-Não acredita que deveria consultar a seus irmãos antes de me oferecer seus serviços?
Mary Rose sabia por experiência que não era boa idéia pedir permissão.
-Não, eu os convencerei. me chame Mary Rose, ou simplesmente Mary, como faz todo mundo. você tem carreta e cavalo, ou chegou ao Blue Belle em diligência?
-Tenho cavalo.
-Vamos, então?
Resultou evidente que não pensava discutir mais. separou-se do caminho, sorriu a seus irmãos ao passar e logo se encaminhou para os estábulos. Harrison deveu perder um par de minutos para decidir-se, porque não a alcançou até que a moça já tinha feito a metade do trajeto.
-O cavalheiro que está ao Iado de Cole é meu irmão Douglas -lhe disse-. Acredito que esperarei um pouco antes de apresentar-lhe Não acredito que seu aspecto vá melhorar.
-Parece irritado -comentou Harrison.
Ao passar ante ele, tinha-o observado atentamente. Harrison caminhava junto à Mary Rose, com as mãos unidas à costas, pensando em uma maneira delicada de lhe perguntar pelo Douglas.
-Douglas é meio-irmão? -perguntou, no que supôs um tom despreocupado.
-Não. por que?
-Não se parece com você nem a Cole. Jamais teria imaginado que eram parentes. Recorda a meu amigo, Nicholas, que nasceu e se criou na Itália.
-Não acredito que Douglas seja italiano. Poderia ser irlandês. Sim, acredito que sim.
-Acredita que o é?
A moça assentiu, mas não adicionou nenhuma afirmação, e Harrison se sentiu muito confundido.
-Seu pai se casou pela segunda vez?
-Não. Cole e eu somos os únicos da família que nos parecemos entre nós.
Esperou que lhe dissesse mais, mas Mary Rose não acrescentou nenhuma palavra sobre os irmãos. Mas bem, apontou o interrogatório para o Harrison.
-você tem irmãos?
-Não.
-E irmãs?
-Tampouco.
-Que pena! -concluiu-. Deve lhe resultar muito aborrecido ser único filho. Com quem brigava enquanto crescia?
Harrison riu:
-Com ninguém.
Não era de sentir saudades que o pobre homem não soubesse como defender-se. Agora ficava muito claro. Não tinha irmãos maiores que lhe ensinassem tudo o que precisava saber.
Harrison olhou sobre o ombro, para observar outra vez ao Douglas. Sua conclusão não trocou. Não acreditava que Douglas estivesse aparentado com a Mary Rose. Não havia nada em sua aparência que se assemelhasse a Cole. Douglas tinha cabelo castanho escuro encaracolado, e olhos da mesma cor, queixo quadrado e maçãs do rosto largos e pronunciados. Os rasgos de Cole eram de estrutura mais Patricia, e o nariz era quase curva. Harrison não sabia quem dos dois era maior. Por estranho que resultasse, pareciam ter mais ou menos a mesma idade. Possivelmente só havia um ano de diferença entre os dois e possivelmente Douglas fosse uma manifestação atávica dos ancestros comuns.
Qualquer dessas coisas era possível, e estava impaciente por descobrir se estava perdendo o tempo ou não.
-Você não parece irlandesa.
-Não?
Sorriu-lhe, e seguiu caminhando. Evidentemente, não estava disposta a seguir falando do tema.
-Mary Rose, aonde diabos vai?
Foi Douglas o que o perguntou, a gritos. A moça se voltou.
-Aos estábulos -respondeu, quase gritando.
apressou-se a voltar-se, apertou o passo, e só então deu o resto da explicação, em voz mais alta ainda.
-O senhor MacDonald deverá jantar conosco.
Os dois irmãos viram que sua irmã quase fugia deles. Cole esperou um minuto mais, e então elevou a mão, com a palma para cima.
Douglas lançou uma maldição pelo baixo, colocou a mão no bolso e tirou um dólar de prata.
-Nunca aposte contra algo seguro -lhe aconselhou Cole.
Douglas deu uma palmada à mão onde tinha a moeda, com a vista fixa no desconhecido.
-Não entendo -murmurou-. Esse tipo me parece bastante capaz. É muito mais alto que Mary Rose. Diabos, deve medir mais de um metro oitenta, e tem músculos, Cole. Pode vê-lo.
-Vejo-o -repôs Cole, rendo.
-Imediatamente notei que se move igual a você, e sua vista não deixa acontecer nada. Para te ser justifico, não entendo o que vê nele. me parece normal.
Cole resplandecia porque tinha ganho a aposta, e isso irritava ao Douglas.
-Maldição, leva pistola. Eu teria medo se me topasse com ele em um beco escuro.
-É uma pistola nova.
-E?
-Nunca a usou.
-E então, por que leva um desses cinturões?
Cole encolheu de ombros.
-Suponho que deveu acreditar que tinha que usá-lo. O couro não tem um só arranhão. Também deve ser flamejante.
-Será estúpido?
-Assim parece.
Douglas moveu a cabeça.
-vai obter que o matem.
O sorriso de Cole alargou.
-E por isso nossa irmã o leva a casa.
Douglas quis que lhe devolvesse o dinheiro.
-Sabia antes de me fazer a aposta.
-Poderia ter perguntado, mas não o fez.
Douglas aceitou a derrota. Sua vista se cravou outra vez no desconhecido. Olhou-o até vê-lo desaparecer pela esquina do estábulo.
-Dooley disse ao Morrison que esse tipo é de Escócia. E também que é culto.
-É um moço de cidade?
Cole assentiu.
-Assim parece -admitiu-. Não sabe disparar a pistola nova, e não acredito que saiba brigar. Não tem cicatrizes na cara, não?
-Não, não vejo nenhuma cicatriz. Suponho que se houvesse sustenido alguma briga a faca, teria-a.
-Isso é o que eu penso -disse Cole-. falei uns minutos com ele. Parece educado, mas não tem sentido comum. Disse-me que tinha medo de lhe disparar ao Webster. Que lhe preocupava ferir alguém.
Douglas riu. Cole esperou a que se acalmasse, e disse:
-Se tivesse um pouco de sensatez, não levaria arma, pois assim indica a todos que sabe como usá-la.
-É uma vergonha -comentou Douglas-. Um tipo tão grande deveria saber brigar. Se soubesse como, seria temível.
Cole esteve de acordo.
-É claro que sim que é uma vergonha.
-Como disse Mary Rose que se chamava?
-MacDonald -respondeu Cole. E adicionou com amplo sorriso-: Uma vergonha MacDonald.
11 de fevereiro de 1861
Querida Mamãe Rose:
No St. Louis tivemos um pequeno problema. Eu levava a Mary Rose sobre o quadril, e um provocador se aproximou e tratou de incomodamos aos dois. Agora, a pequena tem cachos em toda a cabeça, e é muito amistosa com qualquer que a olhe. Bom, sorriu-lhe ao homem, lhe mostrando seus quatro dentes dianteiros, enquanto a baba lhe escorria pelo queixo, e o tipo começa a dizer em voz alta que como é que não se parece comigo. Insistia em tratar de me tirar isso mas chegou Cole que se parece mais a Mary Rose, com seu cabelo loiro e seus olhos azuis. Como é, ele agarrou à menina em seus braços e lhe disse ao tipo que se metesse em seus próprios assuntos.
O brigão nos fez pensar que tínhamos que seguir avançando até encontrar um lugar onde a gente não se meta em assuntos alheios. A julgamento do Adam, a pradaria seria um lugar o bastante afastado, assim estamos recolhendo nossas coisas, e nos partimos amanhã. É uma pena que ainda não possa nos responder a carta, mas assim que estejamos instalados, mandaremo-lhe notícia de nosso paradeiro.
Neste momento, Adam está revisando minha ortografia, e diz que te diga que conseguimos uma boa cabana. Mary Rose anda engatinhando por aqui todo o dia, sobre o chão de terra, e lhe pega nas mãos e os joelhos. Quando não a olhamos, trata de comer terra, e nenhum de nós sabe por que o faz. Entretanto, é uma menina feliz. Alternamo-nos para fazer dormir a sesta. Dorme com um de nós todas as noites e, devo te confessar, estou farto de me levantar molhado de seu pis. Molha tudo o que lhe pomos. Suponho que é normal, não?
nós adoraríamos poder verte, assim saberíamos que aparência tem nossa mãe.
Quer-te, Seu ijo preferido, Douglas
3
O apelido que seu irmão lhe pôs ao último protegido pela caridade da Mary Rose divertiu muito ao Douglas, mas seu humor trocou drasticamente quando olhou bem ao cavalo de Uma vergonha MacDonald. de repente, teve vontades de matar ao homem, e não lhe importou que não fosse capaz de defender-se. Se esse filho de cadela era o responsável pelo lamentável estado do animal, Por Deus, merecia morrer.
Cole foi com seu irmão na carreta até os estábulos. O dono, um muito gigante ruivo de ventre proeminente, de apelido Simpson, disse-lhes que Mary Rose e o desconhecido estavam fora, no curral. Cole ia procurar seu cavalo e o da Mary Rose, mas Simpson se ofereceu a selar a égua e o potro e a levar-lhe fora, e então Cole virou com o Douglas pela esquina, para onde estava agasalhado o cavalo do MacDonald. Um instante depois de deter-se, Douglas lhe atirou as rédeas a Cole e tomou seu rifle. Apoiou a arma no assento, entre os dois. Cole foi mais rápido que ele. Arrebatou o rifle de mãos do Douglas e o jogou na parte traseira da carreta.
Sabia o que pensava fazer seu irmão.
-Primeiro, averigua -lhe sugeriu em voz baixa-. Depois, pode matá-lo.
Douglas fez um breve gesto de assentimento, e saltou ao chão. Correu para o curral, onde Mary Rose e MacDonald observavam ao animal.
Ao ver pela primeira vez ao cavalo, Mary Rose se ficou muda, mas se recuperou rapidamente. Sem perder de vista ao potro, tentava entender por que alguém poderia ter maltratado assim a um animal. Tinha a pele quase inteiramente coberta de cicatrizes brancas, franzidas. Não imaginava como o pobre tinha conseguido sobreviver.
Pareceu-lhe que era melhor conhecer os detalhes.
-Quanto faz que possui este cavalo? -perguntou-lhe, com voz tensa de preocupação.
-Quase três semanas.
-Graças a Deus -sussurrou.
ia fazer lhe outra pergunta, mas viu o Douglas que se aproximava deles, e se apressou a interpor-se entre os dois. Podia ver a raiva na expressão do irmão.
-Faz só três semanas que possui o cavalo, Douglas. Três semanas.
A atitude da moça confundiu ao Harrison.
-por que grita?
-Era importante que Douglas me ouvisse. Não quero que o mate.
Se a crueldade da moça o assustou, não deixou que se notasse. fixou-se no irmão e, ao ver que a cara do Douglas estava cheia de manchas vermelhas, compreendeu imediatamente. Douglas observava com atenção ao animal, e se enfurecia por ele.
-Douglas se converteu em um perito no cuidado de quase todos os animais -disse Mary Rose-. Os rancheiros chegam desde quilômetros de distância para receber seus conselhos. Meu irmão sente um carinho particular pelos cavalos. E também é muito protetor, e quando viu as cicatrizes de seu animal...
-Só viu as cicatrizes.
-Sim -admitiu-. Alguém acostumava lhe dar chicotadas, não é assim? Até que o vi de perto, pensei que tinha a pele branca, sabe?, depois pude ver um espiono de dourado. Quem lhe fez isto?
Douglas já estava junto a eles e tinha os punhos apertados aos lados, observando ao animal e ouvindo a conversação. Tratava de acalmar-se, mas lhe resultava quase impossível.
-Não sei quem foi o responsável -disse Harrison-. O perguntei, mas ninguém sabia. Esqueci-me das cicatrizes, e só vi o MacHugh.
-MacHugh? Que nome tão estranho -disse a moça, mas compreendeu que podia ofendê-lo, e se apressou a corrigir quero dizer, que bonito nome. Estranho e bonito -concluiu com um gesto enfático, para que acreditasse que era sincera.
tomava muito trabalho para não ofendê-lo, e Harrison sorriu ao compreendê-lo. Na verdade era uma doçura e, ao parecer, não era nenhuma malcriada. Se era certo, resultaria uma mudança agradável em relação com as outras mulheres que tinha conhecido.
perguntou-se se saberia quão encantada era.
obrigou-se a concentrar-se no tema da conversação.
-Pu-lhe o nome por um antepassado meu. Encontrei-lhes certas semelhanças.
-Sério?
-Este é um cavalo bastante feio.
Cole fez o comentário desde atrás, e Harrison não se voltou para lhe responder.
-Se esquecer as cicatrizes, verá que é um cavalo esplêndido.
-Parece-lhe esplêndido? -murmurou Mary Rose.
-Sim.
A moça soltou um suspiro quase imperceptível. Sentiu que lhe derretia o coração, porque Harrison era um homem bondoso e decente. Era tão insólito que um homem se fixasse no que havia além da superfície -ao menos, essa era a conclusão que tirava depois de ter tido que afastar a vários pretendentes arrogantes-, que só podia pensar em outros quatro homens com a capacidade de olhar mais a fundo, no coração de outra pessoa. Seus irmãos eram todos bons e decentes, embora não queriam sê-lo, e possivelmente Harrison também o era. Esperava estar no certo! Era muito difícil encontrar homens bons ultimamente, sobre tudo no território de Montana.
Além disso, estavam acostumados a morrer jovens, por causa de seus altos ideais e seus elevados valores. Mas a este não passaria. Pese ao céu e ao Purgatório, estava decidida a ajudá-lo a que aprendesse como sobreviver nesse lugar selvagem. Por outra parte, não era difícil uma vez que alguém captava a medula da questão. MacHugh estava concentrado dando um espetáculo para o público. Retrocedia, soprava e, em geral, comportava-se como se acabasse de comer um balde cheio de erva venenosa. Harrison estava acostumado a suas representações. Sabia que MacHugh tentava intimidá-los, e a julgar pela expressão preocupada da Mary Rose quando o potro se equilibrou para a perto, soube que estava verdadeiramente impressionada. Sem dar-se conta, sequer, aproximou-se do Douglas em busca de amparo.
Harrison se surpreendeu desejando que se aproximou dele.
-Deixa que você o monte? -perguntou-lhe a moça.
Douglas se tinha acalmado o suficiente para participar da conversação.
-Como ia comprar o se não podia montá-lo, Mary Rose? Pelo amor de Deus, usa a cabeça- aconselhou Douglas.
-Igual o tivesse comprado, embora não pudesse montá-lo.
-Bom, essa sim que é uma estupidez -afirmou Cole.
Harrison não se ofendeu.
-Pode ser.
-Pelas semelhanças que lhe viu? -perguntou a jovem. Assentiu.
-me diga quais são -disse então Mary Rose.
-O cavalo é igual de teimoso que meu antepassado, conforme me contaram -disse Harrison-. Vi fogo em seus olhos, e também algo mais. Acredito que seria paciência para os homens que não o entendiam.
Mary Rose suspirou outra vez.
-Paciência -murmurou.
Harrison assentiu, sem entender o que acontecia com a moça, cujos olhos tinham adquirido uma expressão sonhadora e longínqua. perguntou-se o que estaria pensando.
O que pensava era que talvez estivesse apaixonando-se. Que idéia tão fantasiosa e infantil! Mas não lhe importou. Enquanto não contasse a ninguém no que consistiam seus ensoñaciones, que dano havia, não?
-Imaginei que podia aprender um par de coisas de -disse Harrison ao Douglas-. Eu não tenho muita paciência.
"Na verdade, seria um excelente marido", concluiu Mary Rose. "Quer ser paciente."
-Tem patas fortes -disse Douglas, e se aproximou mais a perto-. Em realidade, é muito sólido. Revisou-o bem? dentro da boca?
-Sim.
-Não lhe encontrou enfermidades, dentro das que você conhece?
-Nenhuma.
-Onde o conseguiu?
-Nos subúrbios do Hammond, no estábulo do Finley. Conhece-o? Mary Rose abriu os olhos, assombrada.
-Foi ao estábulo do Finley? meu deus, ele só compra cavalos que mata para vender a carne! Quanto lhe pagou?
-Doze dólares -respondeu Harrison.
-Extorquiram-no, MacDonald -opinou Cole, alegre. Douglas não esteve de acordo com seu irmão.
-Não estou seguro disso, Cole. Talvez tenha feito uma boa compra.
-Claro que fiz uma boa compra -insistiu Harrison-. E fui muito afortunado. Uma hora mais tarde, e MacHugh teria estado morto.
-E por isso o comprou, embora talvez não pudesse montá-lo.
Mary Rose sorriu ante sua própria conclusão, e se voltou a Cole:
-Não é encantador? -sussurrou.
-É estúpido -respondeu, também em um sussurro.
Harrison ouviu a conversação. encolheu-se de ombros, e transpôs o portão. MacHugh o seguiu. O cavalo se comportava como se queria desmembrar ao Harrison, mas quando este entrou no curral, o cavalo só lhe deu um empurrão e logo se acalmou.
Permaneceu submisso e disposto, até que Douglas tratou de aproximar-se o Harrison sujeitou a brida e o tranqüilizou.
-Fique quieto! -gritou-lhe-. Deixe que lhe aproxime. Se não se mover, o cavalo não o machucará.
Douglas assentiu. ficou com as pernas separadas e esperou a ver o que faria o animal.
Não teve que esperar muito. Assim que Harrison lhe soltou a brida, o potro cruzou o curral à carreira. Mary Rose estava convencida de que MacHugh ia matar a seu irmão. Quis lhe gritar uma advertência, mas jogando mão de toda sua disciplina, conteve-se. Cole viu o fogo nos olhos do animal, e jogou mão à pistola. Por Deus, que estava disposto a disparar à maldita besta antes de lhe permitir que pisoteasse a seu irmão até matá-lo!
-Douglas, acaso perdeste a prudência? -sussurrou Cole. MacHugh se deteve centímetros do Douglas, mas não tinha acabado com seus desplantes terríficos, pois elevou duas vezes as patas traseiras antes de serenar-se.
A Mary Rose lhe afrouxaram os joelhos. aproximou-se mais a Cole e se apoiou nele.
-Agora pode tocá-lo, se quiser -disse Harrison ao Douglas. aproximou-se do animal-. Lhe disse que não lhe faria mal. Só quer exibir-se um pouco. Está você bem?
Pergunte-a a sugeriu a palidez do rosto do Douglas, que teve necessidade de tragar antes de responder:
-Esqueceu me explicar que trataria de me matar de um susto.
Estirou a mão para aplaudir ao potro. MacHugh respondeu empurrando-o, e Douglas soltou a gargalhada. Logo, voltou a tentá-lo.
-Assim, de perto, vejo que, realmente, é estupendo. antes de apreciá-lo, terá que esquecer-se das cicatrizes. É um dos animais mais sãs que vi há bastante tempo. -Com uma admiração dada a contra gosto, acrescentou-: Escolheu bem.
Harrison não quis ficar com um mérito alheio:
-Eu não o escolhi a ele. O me escolheu .
Como não deu mais detalhes, Douglas tampouco lhe perguntou. Acreditou entender.
-É bastante grande, não?.. e assombrosamente gentil para ser um potro -comentou Douglas.
-Em Escócia temos maiores -repôs Harrison.
-Você é dali?
Harrison assentiu.
-Tenho entendido que você é irlandês -disse, na esperança de fazer falar de seu passado ao irmão da Mary Rose.
Douglas pareceu surpreso:
-Quem lhe disse isso?
-Sua irmã.
O irmão sorriu.
-Então, devo sê-lo... às vezes.
"E que demônios significa isso?", quis perguntar Harrison, mas preferiu ser prudente e trocar de tema e voltar para cavalo, porque viu que o irmão começava a fechar-se. Um espiono de sorriso se desvaneceu tão rápido como tinha aparecido, e agora sua expressão era cautelosa.
-Não se deixe enganar pelo MacHugh. Só é gentil quando quer. Pode voltar-se temível, sobre tudo quando se sente encurralado.
Douglas desprezou a informação:
-Muitos homens se sentem igual.
Nesse momento, apresentou-se, e disse ao Harrison que não lhe incomodava que ficasse para jantar. Entre os dois homens se estabeleceu um laço ainda frágil. O amor do Douglas pelos animais e o evidente carinho do Harrison pelo MacHugh lhes deu algo em comum.
Cole já não pensava ficar atrás, não estava disposto a deixar que o irmão ganhasse de mão. Se Douglas podia aproximar-se de um animal diabólico, ele também podia.
Instantes depois, tinha passado pela mesma situação terrorífica que Douglas, mas a Cole levou um pouco mais de tempo recuperar a cor.
Mary Rose queria ser a seguinte, mas os dois irmãos lhe ordenaram que ficasse fora do curral.
-Ao MacHugh gosta das mulheres.
O comentário do Harrison não convenceu a Cole nem ao Douglas: quando a jovem se dispunha a entrar, os dois negaram, veementes, com a cabeça.
-Nunca nos faz caso -murmurou Cole. Douglas acreditou oportuno defendê-la:
-Tem seu próprio critério -disse ao Harrison.
-Já vejo.
Mary Rose se deteve junto à porta, dentro do curral, e se esforçou por não traslucir o medo. Queria fechar os olhos, mas não se atreveu. Seus irmãos ririam, e ela se sentiria mortificada, porque estava Harrison observando.
O potro a ignorou. A moça esperou uns minutos, e por fim se aproximou mais.
Por último, MacHugh trotou para ela. Mary Rose o aplaudiu, arrulhou-o e o tratou como se fosse um menino recém-nascido, e o animal respondeu do mesmo modo. Evidentemente, gostava do aroma da moça, e ansiava seu carinho.
-Você gostará de Rosehill-lhe sussurrou Mary Rose-. Talvez, até queira ficar com seu amigo Harrison muito, muito tempo.
Não ignorava que estava sonhando com coisas impossíveis. Só fazia uma meia hora que conhecia esse homem, e uma das primeiras coisas que lhe disse foi que só estava pensando em estabelecer-se na zona. Possivelmente chegasse à conclusão de que a vida aí era muito dura, e decidisse partir antes da chegada do inverno.
Girou a cabeça para olhar ao Harrison, e uma vez mais lhe cortou o fôlego. Não entendia o que era o que estava lhe passando.
Não acreditava que sua estranha reação se devesse a que era um sujeito muito arrumado. Sem dúvida, parecia-lhe atrativo, mas não era isso o que lhe tirava o fôlego.
Era porque se tratava de um homem tão bom. Em seguida chegou a essa conclusão. Também tinha muito bom coração: a prova vivente disso era MacHugh.
Não podia deixar de olhá-lo. Acaso um amor podia ser tão instantâneo? No internato, todas as garotas insistiam em que assim era, mas ela acreditou que não eram mais que tolices.
Já não estava tão segura. Seus irmãos sempre diziam que, em algum momento, Mary Rose se casaria e, no fundo, admitia que estavam no certo. Mas até esse dia, a só idéia de ficar ligada a um mesmo homem todos os dias de sua vida lhe provocava náuseas. E, entretanto, nesse momento não sentia nenhum mal-estar. de repente, tudo parecia diferente. Nenhum homem lhe tinha talhado a respiração. Supôs que esse estado devia ser um requisito que terei que suportar quando um se apaixonava.
Imaginou que outro requisito podia ser se a beijava, quando o fizesse. Só um par de vezes a tinham beijado, e foram experiências tão gratas como o contato com uma gelatina de pescado. Resultaram-lhe totalmente repulsivas.
Mary Rose resolveu que tinha que averiguar como beijava Harrison. Deixou escapar outro suspiro imaginando-o. Compreendeu que era uma desavergonhada, mas não lhe importou.
Deu- uma última palmada ao MacHugh, deu-se a volta e saiu do curral. O potro, submisso, seguiu-a.
Os dois irmãos notaram como contemplava ao Harrison com a boca aberta. O também o advertiu, e tratava de entendê-lo.
Então, ouviram-na cantar.
-Que diabos lhe passa? -perguntou-lhe Cole a seu irmão.
-Está perdida em ensoñaciones -aventurou Douglas.
Harrison não disse nada. Seguiu de pé no meio do curral, observam dou a Mary Rose. Sem dúvida, atuava de maneira estranha. Quando o olhava a ele, tinha uma expressão encantada. No que pensaria? Não lhe sabê-lo inquietava muito.
Começava a mostrar signos de ser imprevisível, e ao Harrison não gostava dessa característica em ninguém.
Saber o que pensavam outros era fundamental em sua profissão. Claro que não lia os pensamentos, mas era bom juiz do caráter das pessoas e, pelo general, podia predizer reações.
-Renuncie, MacDonald -disse Cole, para logo encaminhar-se aos estábulos.
Já tinha esperado bastante para que o velho Simpson movesse o traseiro e selasse seu cavalo. Teria que fazê-lo ele mesmo.
-Renunciar a que? -perguntou-lhe Harrison. Douglas caminhava para a carreta:
-Tratar de entendê-la -gritou, sobre o ombro-. Nunca poderá entender a Mary Rose.
Cole voltou, quando chegou à porta traseira do estábulo.
-Harrison, não lhe parece que teria que deter seu cavalo? Está tratando de seguir a minha irmã a casa.
Harrison soltou um juramento e rompeu a correr. Em que diabos estava pensando? Nem sequer advertiu que MacHugh se foi.
Cole deu conta, pela expressão do Harrison, e riu a mandíbula batente de Uma vergonha MacDonald, sem lhe importar que isso fora uma grosseria.
A Cole não lhe surpreendia no mais mínimo que o cavalo tivesse trocado seu objeto de lealdade. O potro atuava tal como as demais criaturas que povoavam a zona: reconheciam algo bom quando o viam.
Homem ou animal, era o mesmo: todos seguiam a Mary Rose.
Ela vivia no centro do paraíso. Harrison se deteve o chegar à colina da que se dominava a propriedade dos Clayborne. Fascinado, maravilhado, contemplou o vale. Viçosa erva da primavera cobria o chão e subia pelas montanhas que estavam mais à frente. O verde era tão brilhante e intenso que a vista quase não podia captá-lo, e lhe fez piscar os olhos os olhos, instintivamente, como se o sol tivesse cansado à terra e se converteu em esmeraldas. Aonde olhava, a erva faiscava com o que ficava do rocio. Salpicadas sobre esse glorioso tapete, flores silvestres rosadas, amarelas, vermelhas e alaranjadas, púrpura e azuis, tão numerosas que ninguém podia as contar. Todas ardiam com suas particulares e intensas cores. Sua doce fragrância se dissolvia no ar limpo e afresco do vale.
Montanhas velhas como o tempo se erguiam, régias e orgulhosas, e um largo arroio azul ondeava, baixando a costa oriental.
A beleza da terra tirava o fôlego, e se assemelhava tanto a seu vale, lá na pátria, que de repente sentiu nostalgias por Escócia e pelo lar que se viu obrigado a abandonar.
Como podia parecer-se tanto um pedaço do paraíso a outro? Não acreditava possível e, entretanto, aí estava, estendido ante ele como a deliciosa túnica de Deus.
A melancolia se desvaneceu tão rápido como surgiu, e de repente sentiu uma paz e um contente tão grandes, que lhe custou acreditá-lo.
A tranqüilidade o envolveu como um manto morno e quente. sentiu-se reconfortado, depravado e pleno. A nostalgia do lar diminuía com cada fôlego que exalava.
Poderia ficar aqui para sempre.
A súbita compreensão o sacudiu, e se obrigou a apartar essa idéia tão traiçoeira. Seu coração pertencia a Escócia, e logo, quando tivesse suficiente poder e riqueza, voltaria para apropriar-se do que lhe pertencia.
Por fim, concentrou sua atenção no rancho dos Clayborne. Tinha imaginado que viveriam em uma cabana de troncos, similar às que tinha visto em suas viagens, mas a casa dos Clayborne era de dois novelo, de madeira branca. E embora era bastante modesta, tanto em proporções como em desenho, pareceu-lhe digna de um rei.
Rodeava-a por três de seus lados uma galeria sustentada por postes brancos, e parecia recém grafite.
detrás da casa havia dois grandes abrigos, embora um tanto afastados. As construções estavam separadas uns cinqüenta metros, e estavam rodeadas por currais. Havia cinco, em total.
-Quantos cavalos têm?
-Às vezes parece que fossem centenas -respondeu a jovem-. Nossos ganhos dependem dos cavalos. Criamo-los e os vendemos. Acredito que nunca temos mais de sessenta ou setenta e, às vezes, não mais de trinta. de vez em quando, Cole traz cavalos selvagens. Claro que também temos ganho, mas nada que se aproxime da quantidade que Travis pretende que tenhamos.
-Travis é seu irmão menor?
A Mary Rose pareceu muito gentil por sua parte tentar reter os dados de cada um.
-Sim, é o irmão menor.
-Que idade tinha ele quando você nasceu?
Olhou-o com curiosidade.
-Tinha nove, quase dez. por que o pergunta?
Harrison se encolheu de ombros:
-Tinha curiosidade -respondeu-. Travis se parece com o Douglas, ou a você e a Cole?
-parece-se A... Travis. Faz muitas perguntas, Harrison.
-Sério? -repôs, porque não lhe ocorreu nada melhor que dizer.
Mary Rose assentiu.
-O que opina de minha casa?
Harrison se deu a volta para contemplar outra vez a paisagem, antes de lhe responder. Limitar-se a lhe dizer que o vale era formoso não expressaria de maneira adequada os sentimentos que lhe provocava esse lugar. Não soube por que era tão importante encontrar as palavras justas, mas, por alguma razão, era importante, e estava resolvido a ser o mais exato possível. O paraíso merecia mais que uma reflexão apressada. Exigia reconhecimento.
Por isso, falou-lhe com o coração:
-Sua terra recorda a Escócia, e esse é o melhor elogio que pode dar um nativo das Highlands, Mary Rose.
A moça sorriu, agradada. A expressão dos olhos do Harrison revelava sinceridade. de repente, sentiu vontades de suspirar uma vez mais. Céus, quanto gostava deste homem tão gentil...
inclinou-se um pouco na arreios para aproximar-se um pouco.
-Sabe o que penso? -sussurrou-lhe.
Harrison também se inclinou para ela.
-Não -respondeu, em sussurros-. O que pensa?
-Que você e eu somos muito parecidos. Harrison se sentiu afligido. Tinha que estar louca para supor que eram parecidos. A seu julgamento, eram completamente opostos. O já tinha imaginado que ela era pura emoção e ele, em troca, não. Poucas vezes permitia que ninguém soubesse o que pensava ou sentia. Era muito metódico em tudo o que empreendia. Odiava as surpresas pois, em sua profissão, podiam resultar fatais, e por isso planejava com cuidado cada uma de suas ações antes de adotar uma decisão. Queria ordem em sua vida, e pelo que tinha ouvido dizer da Mary Rose, estava seguro de que florescia no meio do caos. Além disso, era de caráter doce, extremamente ingênua, e muito hospitalar com os estranhos. E confiada... Deus Todo-poderoso, confiava em qualquer com quem se topasse! Não lhe tinha levado mais de cinco minutos decidir levar-lhe a sua casa. E sabia tão pouco dele, que bem podia ser um assassino a sangue frio.
OH, não, não se assemelhavam em nada. Harrison não confiava em ninguém. Era cínico por natureza e por profissão.
Era impossível que a moça soubesse até que ponto o julgava erroneamente, porque não sabia nada dele. Com toda inocência, aceitou o que Harrison lhe contou, e enquanto seguisse fingindo que era um moço de cidade, carente de toda sofisticação, que levava arma só porque supunha que devia fazê-lo, ela seguiria acreditando que eram almas as gema.
-Quer saber por que acredito que somos parecidos?
Harrison se preparou.
-por que?
-Você vê as coisas igual a eu -lhe respondeu-. Não enrugue o sobrecenho, Harrison: não o insultei.
Claro que o tinha insultado!
-Não, claro que não -admitiu-. De que modo vemos as coisas?
-Você as vê com o coração.
-Faz já muito tempo aprendi a antepor a lógica e a razão às emoções -começou-. Minha filosofia de vida é muito simples, em realidade.
-E no que consiste?
-Primeiro, com a mente, logo com o coração.
Não se mostrou impressionada.
-Assim alguma vez se permite, simplesmente, sentir? Primeiro tem que pensar?
-É obvio.
Alegrou-lhe que o entendesse, e pensou que lhe conviria seguir a mesma regra.
-Que exato é você, Harrison.
O sorriu:
-Obrigado.
-E rígido.
-Sim.
Mary Rose pôs os olhos em branco.
-Gostará ao Adam -predisse.
-por que crie?
-Meu irmão compartilha sua filosofia. Acredito que eu, às vezes, volto-o louco. Lamento que se preocupe, mas não posso evitar ser como sou. Quando contemplo meu vale...
de repente, interrompeu-se e começou a ruborizar-se.
-Sim?
-Acreditará que estou louca.
-Não.
Mary Rose tomou fôlego.
-Se quiser, ria, mas em ocasiões sinto que tenho um laço com a terra, e que se ficar muito quieta, e escuto, e sinto, quase posso ouvir pulsar seu coração, acompanhando a toda a vida que me rodeia.
Olhou-o atenta, e embora Harrison não sorriu, teve a impressão de que desejava fazê-lo. Sentiu o impulso de defender-se.
-Harrison, acreditei que você também o sentia. Ainda não estou muito segura de que...
-Mary Rose, quer te mover? Juro-lhe isso Por Deus, me foi todo o dia te esperando.
Cole vociferou a costas deles e, imediatamente, Mary Rose fez avançar a seu cavalo.
-Meu irmão não tem muita paciência com as perdas de tempo. Tem muito bom caráter, só que gosta de ocultá-lo.
Essa contradição se levava a palma. Ao Harrison não parecia que Cole tivesse a mais mínima paciência. perguntou-se por que ninguém o tinha matado até o momento. Não só era irritável, mas também também o indivíduo mais áspero com quem se topou jamais.
E essa parecia ser sua melhor qualidade.
O irmão menor lhes saiu ao encontro junto ao abrigo principal, mas nesse momento não pôde ser apresentado. Harrison já tinha desmontado, e estava tratando de convencer ao MacHugh de que entrasse no estábulo. Mas o animal não estava disposto a cooperar. Retrocedeu várias vezes, e logo começou a soprar, chutar, e golpear a cabeça no ombro do Harrison.
Harrison lhe ordenou que se comportasse como era devido, mas ao animal não gostou de seu tom de voz. Empurrou-o outra vez, mas com mais força, e Harrison aterrissou de traseiro em meio de uma nuvem de pó.
Foi humilhante não poder controlar ao animal. Mary Rose simpatizou com ele, e suplicou aos irmãos que fizessem algo para ajudá-lo. Mas estes tiveram a prudência de manter-se afastados da besta. Douglas sorria. Teve a cortesia de não rir a gargalhadas quando Harrison caiu de traste outra vez
Cole, em troca, não foi tão reservado. Riu até que lhe saltaram as lágrimas. Realmente, Harrison teve vontades de matá-lo. Mas, é obvio, não podia, se o que queria era ficar para jantar e averiguar quem eram, na verdade, estas pessoas. Já tinha suposto que o ruivo que estava detrás da Mary Rose devia ser Adam ou Travis.
As gargalhadas de Cole captaram outra vez sua atenção. Possivelmente podia lhe atirar um murro em sua cara odiosa, e lhe romper um par de ossos. Que mal haveria nisso? Teve que apelar a toda sua força de vontade para não fazê-lo. Prevaleceu a razão: certamente, se golpeava ao irmão, Mary Rose se alteraria. Além disso, saberia que Harrison era muito capaz de cuidar-se de si mesmo.
Por Deus, quanto odiou o engano, e também, desde esse instante, a Cole Clayborne!
Harrison se fartou da rabieta do MacHugh, e o deixou sair-se com a sua. Soltou as rédeas e saiu do curral. MacHugh lançou outro forte bufo, chutou um pouco, e depois o seguiu.
O cavalo trotou até o centro da pista, e ficou quieto como uma pedra, enquanto Harrison lhe tirava o freio.
-MacHugh, se saltar a perto, ficará a seu livre-arbítrio. Entende?
-Harrison, deva conhecer ao Travis -gritou Mary Rose.
-Que classe de nome é Harrison? -perguntou Travis em voz o bastante alta para que o ouvisse o desconhecido.
-Um nome da família -respondeu Harrison, em voz alta.
Deixou a arreios e a manta sobre a perto, fechou o portão e foi ao encontro do menor dos irmãos da Mary Rose.
-Que classe de nome é Travis? Irlandês?
Travis sorriu:
-Pode ser -respondeu, em um enervante tom alegre.
Que resposta era essa? Não pôde perguntá-lo, porque já Mary Rose se lançou a relatar como tinha conhecido ao Harrison, e o bondoso e considerado que foi advertir a Cole da emboscada.
Enquanto durou a larga explicação, Harrison observou ao Travis, acossado por um só pensamento. Impossível. Este sujeito não podia estar aparentado. Não se parecia em nada a outros, embora, pensando-o bem, esse parecia ser o rasgo comum a todos: não assemelhar-se. Diabos, Travis se parecia mais ao MacHugh.
A comparação lhe fez sorrir. Travis tinha cabelo castanho avermelhado e olhos verdes. O rosto era quadrado. o da Mary Rose era um ovalóide perfeito. Travis era mais ou menos da mesma altura que Douglas, mas menos corpulento. O irmão menor era muito magro, e lhe faltava a musculatura que sim tinha Cole.
Harrison decidiu que nada mais o surpreenderia. Se a moça tentava convencer o de que Travis tinha um irmão gêmeo completamente moreno, nem piscaria. Até era capaz de manter-se imperturbável quando perguntasse a esse gêmeo se ele também era irlandês.
Começou a emprestar atenção à conversação quando Mary Rose disse ao Travis que Harrison ficaria para jantar. O irmão não pareceu irritado pelo anúncio a não ser, mas bem, resignado.
Harrison chegou à conclusão de que este irmão era tão áspero como Cole, mas Travis logo o fez trocar de opinião.
-Tem valor para montar um cavalo tão feio.
-Travis, não seja grosseiro -o arreganhou Mary Rose.
-Não é uma grosseria -replicou-. É um completo para o Harrison. necessita-se coragem. -voltou-se para o hóspede-. Lamento se o ofendi.
Da traseira da carreta, Cole gritou:
-Harrison, amanhã selará ao MacHugh?
Imediatamente, Harrison se voltou suspicaz.
-por que? -gritou.
O irmão carregou o saco de farinha sobre o ombro, e depois respondeu:
-Quero presenciá-lo.
Como Harrison sabia que lamentaria qualquer réplica que desse, optou por guardar silêncio. O esforço foi tremendo.
Viu como Cole atravessava a galeria e entrava na casa, e só então viu o alto homem de pele negra apoiado contra um pilar. A aparência do desconhecido era impressionante: ombros largos, cabelo veteado de prata, e óculos com arreios de ouro que lhe davam um ar de estudioso. Levava uma camisa de tecido escocês vermelho, desbotada, aberta no pescoço, e calças castanha escura. Lhe via muito depravado e cômodo.
Harrison se perguntou se seria outra alma perdida que Mary Rose tinha coberto sob sua asa e convidado para jantar. Se assim era, o homem tinha decidido ficar.
-Não lhe faça caso a Cole, Harrison. Gosta de brincar. Isso é tudo. Não tem intenção de ofendê-lo. Em realidade, é um homem muito gentil e pormenorizado.
Mary Rose lhe sorriu para convencer o de semelhante absurdo, e Harrison teve que ir a toda sua força de vontade para não soltar a gargalhada.
-Mary Rose, pelo amor de Deus, Harrison é um homem, não um menino pequeno. -depois de emitir sua crítica fraternal, Travis se aproximou do convidado-. Já se acostumará a minha irmã, mas lhe levará tempo. Sempre está preocupada com os sentimentos de todos. Não pode evitá-lo. Limite-se a ignorá-la. Nós o fazemos.
Depois de conselho tão sábio, encaminhou-se para a casa.
-Harrison, só lhe falta conhecer um irmão. Dê-se pressa: Adam está nos esperando.
Mary Rose subiu correndo os degraus, e se deteve perto do desconhecido. Harrison supôs que queria lhe apresentar ao outro convidado, antes de entrar em conhecer o Adam.
Estava equivocado.
-Adam, queria te apresentar a meu amigo, Harrison MacDonald. É escocês.
Adam se separou do pilar e olhou ao Harrison.
-Sério? -repôs-. Bem-vindo ao Rosehill, senhor MacDonald.
Harrison ficou tão atônito, que emudeceu. Olhou a Mary Rose, logo ao Adam. Não soube o que se esperava que dissesse ou fizesse, e nenhum deles lhe deu uma chave. limitaram-se a lhe devolver o olhar, esperando a ver como reagia.
Ao Harrison teria encantado receber uma explicação detalhada de por que o homem negro se chamava irmão e por que ela o aceitava.
Por fim, recompôs-se. Não correspondia fazer nenhuma pergunta, e sem dúvida eles não precisavam explicar. Desejou que alguém sim o fizesse.
-É um prazer conhecê-lo, senhor. Sua irmã teve a amabilidade de me convidar para jantar. Espero não causar nenhuma moléstia.
Harrison lhe tendeu a mão, e Adam se surpreendeu pelo gesto. Vacilou um par de segundos e, por fim, a estreitou.
-Não será nenhuma moléstia. Estamos muito acostumados a que Mary Rose convide a desconhecidos para jantar -sorriu a sua irmã-. Escócia está bastante longe daqui.
Harrison fez um sinal de assentimento.
-O jantar nos espera -anunciou Adam-. Pode lavar-se dentro. Abriu a marcha. Mary Rose o seguiu. Harrison não se moveu, tratando de especular com todas as loucas possibilidades que giravam em sua mente. Não pôde chegar a nenhuma conclusão sensata. No nome de Deus, como tinha chegado Mary Rose a reunir-se com quatro irmãos tão diversos, que não podiam estar aparentados?
Mary Rose manteve aberta a cancela e o esperou, paciente. Por fim, Harrison saiu do transe.
-Com respeito ao Adam... -começou a moça.
-Sim?
preparou-se para outra surpresa, esperando que o deixasse outra vez perplexo.
-Embora ainda não o perguntou, de todos os modos o direi. Teve vontades de lançar vivas. Por fim, ia obter um dado real, uma explicação sincera.
-Sim?
Mary Rose lhe sorriu:
-O não é irlandês.
1 de julho de 1862
Querida Mamãe Rose:
Custa-nos muitíssimo fazer que a pequena deixe de molhar os fraldas. Como nós somos varões, fazemos as coisas de maneira diferente. Uma tarde, ela pescou ao Travis e, após, quer fazer o de pé. Tentamos lhe explicar que as meninas não o fazem assim, mas não atende razões, e começamos a pensar que ela não entende que é uma menina. Adam jura que é mais inteligente que um luzeiro, mas que é tão teimosa como Cole, e já sabe o cabeça dura que pode ser. Ao Adam lhe ocorreu levar a menina à cabana do Belle, porque é a única mulher em toda a região. A Cole deu um ataque. Não queria que a menina estivesse com uma rameira, mas me pareceu que terá que ter em conta que Belle tem muito bom coração. Além disso, todos sabemos quanto detesta o que se vê obrigada a fazer para ganhá-la vida. Odeia tanto o que faz que diz a todo homem que a visita o causar pena e triste que está. A tal ponto, que já não lhe dizem mais rameira.
Chamam-na Blue Belle.. * (Blue significa, entre outras coisas, triste (N. da T))
Seu filho que te quer, Douglas Clayborne
4
O jantar se converteu em um interrogatório. O jogo se voltou contra Harrison, e embora estava seguro de que poderia retomar o controle das perguntas no momento que o decidisse, ou ao menos dá-lo por terminado, preferiu seguir o jogo e ser o mais complacente possível. Tinha um motivo: as perguntas que formulavam os irmãos Clayborne, e suas reações às respostas que ele dava, proporcionavam-lhe abundante informação a respeito da família.
Cada um deles empregou um enfoque diferente. Cole foi o mais brutal e intimidatorio que podia, Douglas foi direto e, de tanto em tanto, proporcionava pequenos dados sobre a família, e Travis foi tão metódico como diplomático. Adam foi o mais evasivo. Harrison nunca teve o menor espiono do que estava pensando.
Adam era a antítese de sua irmã. Mary Rose era tão fácil de ler como uma cartilha. Cada uma de suas reações se via em sua cara e em seus olhos. Harrison jamais tinha conhecido a alguém como ela. Era aberta, honesta e com um coração maravilhosamente tenro, qualidades que o faziam desejar aproximar-se dela.
Quis ser honrado consigo mesmo, e admitiu que também lhe atraía fisicamente. Era uma mulher formosa, e teria que estar morto para não notá-lo. Os olhos da moça o enfeitiçavam, e essa doce boca lhe inspirava pensamentos que não tinha direito a conceber. Nem em sonhos.
Mas embora era sua beleza o que o fazia lhe emprestar atenção, o que mantinha o interesse do Harrison era seu coração.
Por sorte, a disciplina lhe salvou de fazer o ridículo total. surpreendeu-se olhando-a com a boca aberta durante o jantar, e se forçou por deixar de fazê-lo.
Os irmãos, em troca, não se controlaram tanto. Olharam-no fixamente do momento em que foi servido o alimento, até que retiraram os pratos. mostravam-se grosseiros, sabiam e, ao parecer, importava-lhes um cominho.
Ficou em claro a ordem de hierarquias da família assim que se sentaram à mesa. Adam se sentou à cabeceira, posição de importância que ao Harrison resultou tão significativa como curiosa. Mary Rose se sentou a sua esquerda, e Cole a sua direita. Douglas se sentou junto a sua irmã, e Travis, o mais jovem, junto a Cole. Harrison estava sentado na outra cabeceira da mesa, em frente do homem ao que considerava o patriarca da família Clayborne.
-comeu o suficiente, senhor MacDonald? -perguntou Adam.
-Sim, obrigado. O guisado estava excelente. Por favor, me chame Harrison.
Adam assentiu.
-E você, me chame Adam -propôs-. Na Inglaterra, há homens que conservam um título. Em Escócia passa o mesmo?
-Assim é.
-E quanto a você, Harrison? Tem título? -perguntou Douglas. Não respondeu. O tema o incomodava, e devia admitir que, inclusive, sentia-se um pouco envergonhado. De repente, um cavalheiro com título lhe pareceu um personagem muito pomposo e, sem dúvida, desconjurado em meio dessas montanhas.
-E bem o tem? -quis saber Cole.
-De fato, sim -admitiu-. passou que geração em geração e, em realidade, é uma tradição.
-Qual é seu título? -perguntou Adam.
Harrison suspirou. Era evidente que não tinha modo de fugir da verdade.
-Sou conde do Stanford, Hawk Isle.
-É uma carga muito grande para levar quando a gente está crescendo -comentou Douglas-. Nasceu você com o título?
-Não, herdei-o de meu pai quando morreu.
-Como dizem a você? Sir? -perguntou Cole.
-Os criados.
-E outros? -insistiu Cole.
-Lorde.
Cole sorriu.
-Parece-me muito elegante -comentou-. Possui muito dinheiro e terras?
-Não.
Mary Rose compreendeu que o convidado estava molesto e resolveu ajudar a que se sentisse mais cômodo, dando por terminada essa conversação.
-Adam preparou o guisado. Tocava a ele ajudar ao Samuel.
-Quem é Samuel? -perguntou Harrison.
-Nosso cozinheiro -lhe explicou-. Ainda não o conhece. Às vezes se sinta à mesa conosco, mas esta noite estava ocupado.
-Não, não é certo -lhe disse Cole a sua irmã. E voltando-se para o Harrison-: Fingiu estar ocupado. Odeia aos estranhos. Não o verá até que esteja disposto a deixar-se ver. Como decidiu partir de Escócia?
A mudança de tema não surpreendeu ao Harrison, e teve vontades de sorrir ante a estratagema. O usava com freqüência essa técnica para que uma testemunha baixasse o guarda e respondesse sem pensar.
-Queria conhecer os Estados Unidos.
Cole não lhe acreditou, e Harrison não se incomodou em convencê-lo. Não disse mais, e se limitou a olhá-lo, esperando outra pergunta.
-Mary Rose me deu a entender que você quer aprender a dirigir um rancho -interveio Douglas.
-Sim.
-por que? -perguntou Travis.
-É um tipo de vida que me atrai.
Evidentemente, Travis quis que explicasse com mais detalhe, mas Harrison se negou a agradá-lo. Faria-lhe trabalhar para descobrir o que queria saber.
-É um trabalho muito duro -lhe disse Douglas.
-Me imagino.
-O que é o que lhe atrai de levar um rancho? -insistiu Travis.
-Estar ao ar livre -respondeu-. E trabalhar com as mãos.
-Há muitas coisas que pode fazer para estar ao ar livre -interveio Cole.
-Dá a impressão de que tivesse estado encerrado em um escritório -disse Travis.
-Sim -admitiu Harrison-. Dou essa impressão, não?
-E o esteve? -perguntou Travis.
Em seu tom se percebeu com claridade a frustração de não obter uma resposta mais satisfatória.
-Estava quase todo o tempo em um escritório -admitiu Harrison-. Mas ultimamente, pude viajar por questões de negócios.
-Para quem trabalha? -perguntou Douglas.
-Para lorde William Elliott -respondeu-. Mas estou de licença de minhas obrigações.
-De modo que ele também tem um título ressonante -comentou Douglas.
Harrison assentiu, mas não deu mais detalhes.
E assim seguiram comprido momento. de vez em quando, Harrison dava uma resposta evasiva, ou se ia pela tangente para descobrir qual dos irmãos o faria voltar para tema que queriam averiguar. Resultou-lhe estranho e surpreendente que o mais insistente fosse Travis, o menor deles. Também era o mais analítico.
Seria um estupendo advogado.
-por que não ficou nos Estados? -perguntou.
-Os "Estados"? -repetiu Harrison, acreditando que não tinha entendido a pergunta.
-Montana não é um estado -explicou Douglas.
-Claro -disse Harrison-. O tinha esquecido. Acreditam que a região se converterá logo em Estado?
-É questão de tempo -lhe disse Douglas.
ia espraiar se mais no tema, mas Travis o interrompeu.
-Então, por que viajou tanto para chegar aqui?
Tinham completado o círculo uma vez mais, e Harrison teve vontades de sorrir.
-Queria ver a terra. Acredito que já o hei dito, Travis.
-Por favor, deixa de chateá-lo -rogou Mary Rose.
inclinou-se para frente com o cotovelo sobre a mesa, o queixo na palma da mão, e sorriu ao Harrison.
-O que opina de nossa casa? -perguntou-lhe.
Harrison olhou ao Adam enquanto respondia. O irmão maior não havia dito uma palavra desde fazia certo tempo. Parecia médio dormido, e começava a pensar que nem emprestava atenção à conversação, mas assim que sua irmã pôs o cotovelo sobre a mesa, estirou lentamente a mão e lhe tocou o braço. Mary Rose se voltou instintivamente para seu irmão para ver o que queria. Adam não o explicou. Harrison compreendeu que não queria atrair a atenção sobre a falha nos maneiras da moça. Deveu fazer uma leve pressão em seu braço, porque Mary Rose se endireitou de repente e pôs as mãos no regaço.
Logo, sorriu ao Adam, e lhe piscou os olhos um olho.
Harrison fez como que não tinha visto o que acabava de acontecer. Moveu a taça sobre a mesa e trocou de posição na cadeira de respaldo duro.
-Sua casa é formosa -afirmou.
-Não viu grande costure -se queixou Douglas.
-Viu a planta baixa -interveio Cole-. E isso é tudo o que verá. A planta alta está proibida, Harrison.
-Não há mais que dormitórios acima -se apressou a acrescentar Mary Rose.
Dirigiu-lhe a Cole um olhar carrancudo por ser tão ordinário, e logo voltou a vista outra vez para o hóspede.
Harrison lhe sorriu.
-A casa me surpreendeu. Não esperava...
Cole interrompeu.
-Esperava que vivêssemos como bárbaros?
Harrison tinha suportado tudo o que era capaz desse homem agressivo, e decidiu provocá-lo para fazê-lo estalar.
-Acaso acredita que eu imaginaria que viviam como bárbaros só porque você se comporta como tal?
Cole começou a levantar-se, mas Mary Rose lhe fez desistir.
-Não quis lhe ofender -lhe explicou ao irmão-. Às vezes, assusta. Inclusive, há quem lhe considera um briguento.
-Claro que lhe dizem briguento -disse Travis-. Pelo menos, no povo.
Cole moveu a cabeça.
-Não posso me atribuir o mérito por algo que não é verdade -disse-. A gente acredita que sou anti-social, Harrison. Por desgraça, ainda não ganhei o título de briguento. Estou me esforçando por obtê-lo.
voltou-se para sua irmã:
-De todos os modos, obrigado, Mary Rose.
Esta lhe demonstrou sua irritação, e logo explicou ao Harrison:
-por aqui, ser um briguento oferece certas vantagens. As pessoas revistam deixá-lo a um em paz, e isso é o que Cole quer. portanto, seu comentário de que atua como um bárbaro é, em realidade, um elogio. Entende?
-Acaso quer dizer que lhe dediquei um completo?
Não quis parecer incrédulo, mas soube que tinha fracassado ao ver que os irmãos lhe sorriam.
Mary Rose, não.
-Sim, assim é.
Quis manifestar seu desacordo. Mas como a moça parecia tão sincera e tão preocupada de que não aceitasse sua explicação sobre o irmão, decidiu lhe seguir o jogo.
-Suponho que o terei gabado.
Não se engasgou com as palavras, e sentiu que era um esforço elogiável por sua parte. Mary Rose manifestou alívio, e Harrison chegou à conclusão de que tragar o orgulho havia valido a pena.
-O que é o que lhe surpreendeu? -perguntou Travis.
Não recordava do que tinham estado falando. É obvio, a culpa era da Mary Rose. Estava tão contente de que ele tentasse levar-se bem com Cole, que lhe sorriu. Harrison não acreditava que estivesse paquerando com ele nem fazendo-a tímida mas, mesmo assim, o obnubilaba a mente. Era terrivelmente doce e linda. E também, provocadora. Não podia deixar de imaginar como a sentiria entre seus braços.
-Harrison? -chamou-o Douglas.
-Sim? -disse-. O que me perguntou?
-Eu não lhe perguntei nada. foi Travis.
-Se deixar de olhar a minha irmã, talvez possa concentrar-se -disse Cole.
Travis recomendou a seu irmão que deixasse de provocar ao convidado, e repetiu a pergunta:
-Queria saber o que lhe surpreendeu que a casa.
-Desde fora, parece muito modesta -explicou Harrison-. E entretanto, por dentro...
-É igual de modesta -lhe disse Cole.
-Se a gente não observar bem, claro -concedeu-. Mas eu sempre me fixo nos detalhes.
-E? -insistiu-o Cole.
-Surpreendeu-me o cuidado dos detalhes -admitiu Harrison. Tomou cuidado de apartar a vista da Mary Rose, de não jogar nem sequer um olhar-. As molduras da entrada são espetaculares, e os detalhes da escada também são impressionantes.
-As molduras? -repetiu Travis
-Os rebordos, ou bordados entre os tetos e as paredes -explicou Harrison.
-Sei o que são -replicou Travis-. Só que me assombra que tenha notado esse detalhe.
-Não esperava que houvesse tantos quartos. Têm um saguão grande, é obvio, este comilão, e uma biblioteca enche até as vigas do teto de livros que, certamente, não terão comprado aqui.
-Cole desenhou a casa -alardeou Mary Rose-. Todos ajudaram a construi-la. Levou-lhes anos.
-Mas não nos deixou ajudar com a balaustrada nem as paredes da entrada. Esse foi todo trabalho dele -disse Travis.
-Harrison, acaba de lhe fazer outro completo a Cole -disse Mary Rose. Harrison lamentou sabê-lo. Não queria encontrar nada bom em Cole Clayborne. Esse tipo tinha os maneiras de um javali. Entretanto, era um artesão de qualidade, e Harrison sabia que deveu lhe levar meses de árduo trabalho. Não podia menos que admirar a disciplina e o talento desse homem.
-O que outra coisa lhe chama a atenção? -perguntou Douglas.
Harrison quis sorrir de novo. A expressão dos irmãos lhe indicava que não só estavam ansiosos de saber o que opinava da casa, mas também de ouvir louvores.
-Têm um piano na sala. Vi-o em seguida.
-Claro que o notou -disse Cole-. É quão único há ali.
-É um Steinway -lhe informou Douglas-. O compramos quando Mary Rose teve idade suficiente para aprender a tocar.
-Quem lhe ensinou? -perguntou Harrison.
-O piano veio com professor incluído -explicou Douglas. Sorriu ao Travis, e adicionou-: Algo assim.
Harrison não soube que conclusão tirar do estranho comentário, e decidiu não perguntar. Economizaria a pergunta para temas mais importantes.
-Quantos anos tinha quando começou a aprender? -perguntou a Mary Rose.
Não estava segura, e se voltou para o Adam para averiguá-lo.
-Tinha seis anos -respondeu ele.
- Eu tinha sete -disse Harrison.
-Touca o piano?
A idéia pareceu extasiar a Mary Rose.
-Sim.
-Como não vai tocar o piano? -burlou-se Cole-. Não sabe brigar nem disparar, mas, é obvio, sabe tocar o piano. Bom, isso não lhe ajudará a conservar a vida por esta região.
-Poderia tocar no salão do Billie -disse Douglas.
-E receber um tiro nas costas, como o último? -argüiu Travis.
-por que o mataram? -perguntou Harrison, em que pese a sua decisão de não fazê-lo a menos que as respostas lhe dessem informação sobre a família.
-A alguém não gostou do que estava tocando -lhe disse Cole. Harrison assentiu.
-Entendo -disse, embora em realidade não entendia.
-por que aprendeu a tocar o piano? Parece-me estranho -disse Cole.
-Foi parte de minha educação -explicou Harrison.
A atitude de Cole não lhe ofendia, mas bem lhe divertia. Era óbvio que o jovem pensava que os homens não tocam o piano.
-Isso significa que recebeu uma educação lamentável -disse Cole-. As garotas tocam o piano. Os moços, não. Acaso seu pai alguma vez o levou a rua e lhe ensinou como usar os punhos?
-Não -respondeu-. O seu sim?
Cole ia responder, mas desistiu. reclinou-se na cadeira e se encolheu de ombros.
-Alguma vez ouviu falar do Chopin ou do Mozart, Cole? Eram compositores -disse Harrison-. Compuseram música e a tocaram... no piano.
Cole voltou a encolher-se de ombros. O argumento do Harrison não o convenceu.
Este decidiu trocar de tema.
-Onde conseguiram estas taças de porcelana?
-Há só seis, e dois não combinam. Nem sequer temos pratos. Eu consegui as taças no St. Louis, para que Mary Rose pudesse convidar a tomar o chá.
-E quem lhe ensinou? -perguntou, sonriendo ao evocar a imagem da Mary Rose, menina, aprendendo a ser uma verdadeira dama.
-Douglas -respondeu.
-Alternamo-nos todos -se apressou a adicionar Douglas.
Pelo olhar que lançou a sua irmã, Harrison deduziu que não gostava de nada que Mary Rose lhe tivesse contado o do chá. Ela fingiu não ver o olhar do Douglas.
-Talvez sinta saudades que estejamos tão fascinados com o que opina da casa -lhe disse a jovem-. Pelo general, não pedimos aos convidados que nos digam o que pensam, mas você é muito mundano e sofisticado.
Essa opinião lhe fez elevar uma sobrancelha, e Mary Rose interpretou que não estava de acordo.
-É sofisticado -insistiu-. Sei pelo modo em que fala e por sua aparência. É evidente que foi educado em uma atmosfera refinada.
-Parece ser o tipo de homem capaz de apreciar a qualidade -disse Douglas. Estava encantado de que tivessem feito a um lado o tema dos chás-. A maior parte das pessoas de por aqui não lhes importam as coisas elegantes da vida. Não os culpo. Estão tratando de ganhá-la vida.
-Hammond está voltando-se refinado -disse Travis-. Aqui, no Blue Belle, ficamos com os rechaçados.
-Porque aqui não há lei -comentou Cole. Todos assentiram.
-Todos temos curiosidade por saber se você pensar que nós estamos por cima -disse Travis-. Douglas está no certo. A gente do lugar não olhou sequer nossa biblioteca, e certamente que não pediram nenhum livro emprestado. Adam os emprestaria, mas não têm tempo nem interesse, ao parecer.
-Têm lido todos os livros da biblioteca?
-É obvio que os temos lido -disse Cole.
-Travis não lhe há dito que a maioria de nossos vizinhos não sabem ler, e por isso não nos pedem livros emprestados -disse Mary Rose.
Harrison assentiu, e se voltou outra vez para o Travis.
-Você me perguntou se eu acreditava que estão por cima -lhe recordou-. Segundo que nível? o de vocês ou o meu? Se tivessem cheio a casa de tesouros com o único propósito de deslumbrar a outros, em minha opinião, não se teriam elevado. Mas não têm esse objetivo, verdade?
-Como sabe que não? -perguntou Cole.
-Simples dedução. O piano não está na sala acumulando pó e admiração. Compraram-no com a intenção de lhe ensinar a sua irmã. Poderiam ter aproveitado o dinheiro em outra coisa, mas escolheram o piano. Todos vocês queriam que sua irmã aprendesse a apreciar a música, e isso me indica que entendem e valoram a educação, em todas suas formas. Outra indicação é ter admitido que têm lido todos os livros. Quanto a ser sofisticado ou culto, enfim, penso que são muito mais sofisticados do que querem que se saiba. Sem dúvida, estão todos bem educados. Sei pelos títulos que escolheram.
-Nenhum de nós foi à Universidade, como você -lhe assinalou Douglas.
-Ir à Universidade é só um dos caminhos para o conhecimento. Há outros. Um título não é garantia contra a ignorância: alguns de meus colegas o demonstraram.
-Está nos fazendo cumpridos, não? -perguntou Travis.
-Sim, suponho que sim.
Mary Rose suspirou o bastante forte para que todos a ouvissem. Harrison se voltou e lhe sorriu, e lhe devolveu o sorriso imediatamente.
-O piano é minha posse preferida -disse-. deixou você alguma costure em sua pátria que odiasse deixar?
-Meus livros -respondeu Harrison. Adam assentiu.
-Eu também estou afeiçoado com meus livros -admitiu-. Ao parecer, temos um interesse em comum.
Ao Harrison alegrou que Adam se integrasse novamente na conversação. Parecia ser um indivíduo muito reservado e, pelo mesmo, o mais difícil de entender. Harrison quis fazê-lo falar para descobrir mais a respeito dele, mas soube que tinha que proceder com cautela.
-Vi a reflexão que tem emoldurada na biblioteca-comentou.
-O que? -perguntou Travis.
antes de que Harrison pudesse responder, Douglas perguntou:
-refere-se ao poema que Adam pôs na parede?
-Sim, é um de meus preferidos.
Cole decidiu desafiá-lo.
-De verdade o tem lido? Não sei em que livro o encontrou Adam, mas demorou horas em copiá-lo e emoldurá-lo. certificou-se de pôr abaixo de onde o tinha tirado, para que ninguém acreditasse que ele queria atribuir-lhe Cole no le creyó.
-Certamente que o tenho lido, e muitas vezes. É provável que saiba de cor.
Cole não lhe acreditou.
-Vejamos se sabe de cor -o desafiou-. Recite-o do princípio ao fim.
Ao Harrison pareceu um pouco infantil, mas decidiu lhe dar o gosto.
-"Nenhum homem é uma ilha..."
Só esqueceu um verso, e Adam o disse. O irmão maior estava impressionado, se seu sorriso era uma indicação, e Harrison começou a pensar que ele era o que mais lhe parecia.
Mary Rose sorria, como uma professora agradada com o trabalho do aluno.
Harrison se sentiu como um idiota.
-Bem -o elogiou-. Adam toca o piano -resmungou-. Também compartilham isso.
-E por que tinha que dizer isso a ele? -perguntou Cole. Deu a impressão de querer estrangular a sua irmã.
Nem o olhar furioso nem o tom de voz importaram a Mary Rose.
-Esta noite, comportaste-te com muita grosseria -lhe disse-. Sabe que isso está mau, Cole. Harrison é nosso convidado. Rogo-te que o deixe presente.
-Não necessito que me diga como me comportar nem o que dizer, Sidney. por que não tem presente isso?
Mary Rose afogou uma exclamação.
-É insuportável -lhe murmurou.
Harrison não soube bem o que tinha passado. Mary Rose estava furiosa com seu irmão, e se as olhadas pudessem matar, nesse momento Cole estaria derrubado em sua cadeira. Mas o motivo do aborrecimento não tinha sentido. O que o provocou foi, ao parecer, que a tivesse chamado com um nome de varão, embora Harrison não entendesse por que.
A curiosidade o impulsionou a perguntar:
-chamou Sidney a sua irmã?
-Assim é -lhe espetou Cole.
-por que?
-Porque começava a comportar-se de modo altivo.
-Sim?
-Escute, Harrison. Aqui é perigoso fazer perguntas. Será melhor que o recorde.
Harrison rompeu a rir. Essa não era a reação que Cole esperava.
-O que é tão divertido?
-Vocês são divertidos -disse Harrison-. aconteceram uma hora me interrogando.
Cole sorriu.
-É nossa casa. Nós fixamos as regras. Você, não.
-Pode deixar de ser tão pouco hospitalar? -ordenou-lhe Mary Rose. ia seguir arreganhando a seu irmão, mas Adam a fez trocar de parecer. inclinou-se para frente e a olhou. Imediatamente, Mary Rose se respaldou na cadeira e fechou a boca. Logo, Adam se voltou a olhar a Cole. O irmão agressivo se reclinou na cadeira imediatamente, ele também.
Foi evidente que Adam pediu uma trégua, e o que mais impressionou ao Harrison foi que o fez sem pronunciar uma palavra.
-Harrison, se não estar muito cansado, eu gostaria de lhe ouvir contar um pouco de Escócia -disse Adam-. Nunca tive a oportunidade de viajar ao estrangeiro, mas o fiz, de algum modo, através dos livros.
-Você gostaria de ir, algum dia, a visitar Escócia? -perguntou-lhe Mary Rase.
-É obvio, mas primeiro queria ver minha pátria.
-E onde está sua pátria? -perguntou Harrison.
-África -respondeu Adam-. Sem dúvida, terá notado a cor de minha pele.
O sorriso foi sincera. Não se burlava do Harrison mas sim falava sem rodeios.
-Nasceu na África? -perguntou Harrison.
-Não, nasci escravo, lá no Sul, mas assim que tive idade suficiente para ficar calado e escutar, minha mãe e meu pai me contaram histórias maravilhosas sobre seus ancestros e as aldeias das que provinham. Eu gostaria de ver essa terra antes de morrer.
-Se ainda existe -interveio Cole-. As aldeias se incendeiam.
-Claro, "se"... -admitiu Adam.
-Não irá a África -disse Douglas-Não irá a nenhum sítio.
-Penso que gostará de Escócia -predisse Harrison, voltando para tema do que Adam queria que falasse-. Há similitudes entre este vale e algumas zonas das Highlands.
-nos fale de sua pátria -pediu Travis.
Harrison fez o que lhe pediam. Passou uns cinco ou dez minutos falando de sua terra e das propriedades, e terminou dizendo:
-O leito de meu pai estava sempre diante da janela, para que pudesse contemplar suas terras. Isso o fazia feliz -não quis dizer mais-. Me desculpo por divagar. A estas alturas, já teriam adivinhado que é perigoso lhe pedir a um escocês que fale de sua pátria, pois os aborreceria durante horas.
-Não nos aborreceu -disse Cole.
-esteve muito eloqüente -lhe assegurou Adam.
-Há dito que o leito de seu pai estava frente à janela -disse Cole-. Estava prostrado?
-Sim.
-Durante quanto tempo?
-Desde que tenho memória. por que o pergunta?
Cole sentiu como um verme. Recordou que lhe tinha perguntado por que seu pai nunca o levou a pátio traseiro para lhe ensinar a usar os punhos. Agora, o motivo era evidente: não podia fazê-lo. Por Deus, o que aborrecido estava consigo mesmo!
-Tinha curiosidade -respondeu-. O que aconteceu com seu pai?
-Uma bala lhe perfurou a coluna.
Cole encolheu.
-Estava paralisado?
-Sim.
-Foi um acidente?
-Não.
A resposta do Harrison foi concisa.
-Mas ficou com ele, embora era bastante maior e podia haver partido -disse Cole.
A julgamento do Harrison, pergunta-a limitava com o indecente.
-Sim, fiquei com ele. Pelo amor de Deus, era seu filho!
-Talvez ele não se ficou se você fosse o que estava prostrado na cama dia e noite. A maioria dos pais não o fariam.
-Está equivocado -disse Harrison-. A maioria dos pais ficariam. O meu, certamente se teria ficado.
-Cumpriu um dever ao ficar -rematou Cole, satisfeito. Ao parecer, tinha-o pensado tudo. Harrison se sentiu insultado.
-Não era um dever.
-Está acalorando-se?
Cole teve a ousadia de sorrir enquanto o perguntava.
Nesse momento, Harrison teve vontades de lhe esmagar a cara. Disse, em tom agudo:
-Ao fazer um comentário tão retorcido, insulta a honra de meu pai, e o meu também.
Cole encolheu de ombros. O aborrecimento do hóspede não o impressionava. voltou-se para o Adam:
-Temos que endurecê-lo. Está disposto a te fazer carrego?
-Possivelmente -aventurou Adam.
-Tem bastante corpulência, mas também necessita coragem -interveio Douglas.
Cole soprou.
-ficou com seu pai, não é certo? Isso demonstra que tem coragem. Travis, você o que opina?
-Estou de acordo, embora acredite que está muito interessado em nossa irmã, e isso poderia trazer problemas.
-Todos se interessam na Mary Rose. Se Harrison não o fizesse, obrigaria-me a duvidar. Eu opino que provemos.
Os irmãos assentiram, dando seu consentimento. Mary Rose não podia estar mais ditosa. Juntou as mãos e sorriu ao Harrison.
Este não podia acreditar que estivessem falando dele como se estivesse ausente. A grosseria era tão escandalosa que quase o fazia rir.
Mary Rose se levantou. Imediatamente, Harrison fez o mesmo. Os outros não se moveram.
-foi convidado a ficar conosco -lhe disse Mary Rose-. Esta vez, todos estão de acordo. Em realidade, é assombroso -adicionou, enfatizando com um gesto-. Pelo general, Cole não aceita a ninguém. Você gosta. Não é agradável?
Não pôde resistir lhe dar uma dose de sinceridade:
-Não muito.
Todos riram, incluída Mary Rose.
-Harrison, tem um maravilhoso senso de humor.
Não estava brincando, mas preferiu deixá-lo assim. Mary Rose rodeou a mesa para ficar diante dele.
-Ensinarei-lhe onde vai dormir. Adam, posso me retirar?
-Sim, é obvio. boa noite, Harrison.
Mary Rose se deu a volta para sair. Harrison agradeceu o jantar. Deu as boa noite, e seguiu à moça. Nenhum dos irmãos o seguiu. Isso o surpreendeu um pouco, sobre tudo tendo em conta de que Travis tinha expresso a preocupação por seu interesse na irmã.
Nem ele nem Mary Rose disseram uma palavra até estar caminho do barraco. Havia milhares de estrelas lhes iluminando o caminho.
-Gosta de meus irmãos, verdade?
-Em ocasiões -respondeu-. São um grupo estranho.
-Estranho, não. Só diferente.
Harrison se tomou as mãos à costas e diminuiu a marcha, para poder caminhar junto a ela. Pensou várias maneiras de abordar com delicadeza o tema que queria tocar e, por último, decidiu não dar rodeios.
-Posso lhe perguntar algo?
-Sim.
-por que não me advertiu isso?
-Do Adam?
-Sim, do Adam.
-por que deveria havê-lo feito? Ou o aceita ou não. A eleição é dela.
-Nenhum de vocês está aparentado pelo sangue, não?
-Não, nenhum. E entretanto, somos uma família, Harrison. O sangue não sempre determina os vínculos.
-Não, claro que não -admitiu-. Faz muito tempo que se converteram em uma família, não é assim?
-Sim. Como sabe?
-comportam-se como irmãos. protegem-se e se guardam lealdade entre si, mas discutem por questões menores, intranscendentes. O modo em que se trataram durante o jantar me demonstrou que faz muito, muito tempo que estão juntos.
-Assim é. Não lhe parece formoso estar aqui, fora?
Harrison não queria falar de quão formoso era aquilo. Mas Mary Rose estava trocando de tema de propósito, e quis agradá-la. Já tinha havido muitas perguntas por uma noite. Ao dia seguinte, lhe ocorreriam mais.
-Sim, isto é formoso. O ar limpa a mente.
-Se isso for quão único nota, é porque viveu muito tempo na cidade.
Esteve por completo de acordo.
-Em Londres, não sempre podem ver-se as estrelas. A atmosfera está cheia de sujeira e de fumaças. Nublam a vista.
-É muito parecido à cidade de Nova Iorque -comentou a jovem. Harrison se deteve um instante, e sentiu como se lhe tivesse parado o coração.
-O que há dito?
Mary Rose repetiu o comentário.
-Surpreendi-o.
E Harrison que acreditou ter oculto bem sua reação... obrigou-se a sorrir.
-Surpreendeu-me -disse em tom que esperava fosse indiferente-. Não acreditei que tivesse estado alguma vez em Nova Iorque.
-Era uma menina pequena e, é obvio, não recordo o aspecto da cidade, mas meus irmãos o recordam. Disseram-me que estava lotada de fábricas e fumaça, e de multidões que a percorriam.
Harrison fez uma profunda inspiração. O quebra-cabeças começava a armar-se. Ainda lhe faltava descobrir quem a tinha arrebatado aos pais, e quem tinha ajudado aos moços a chegar ao Território de Montana.
-Só algumas parte de Nova Iorque estão lotadas -diijo-. Em realidade, é um sítio muito interessante.
-Ali terá que cuidar-se, não é assim?
-Em qualquer parte terá que cuidar-se.
-Outra vez, fala como Adam. Sempre está me recordando que tome cuidado. Às vezes, não disposto atenção ao que me rodeia -admitiu-. Ao Travis maravilha que não me tivessem raptado no St. Louis, enquanto estive na escola. Mas aqui, no rancho, há segurança. Não quero partir outra vez. Jogo muito de menos meu lar.
Ao Harrison não gostou de sabê-lo.
-Talvez lhe agradem a Inglaterra e Escócia -sugeriu.
-OH, sim, certamente. Sei que existem sítios muito belos que ainda não conheço. Mas sentiria falta de meu vale. Aqui há muito para ver e fazer em um só dia. Sempre encontro coisas novas e interessantes. Sabe que acabo de me inteirar de uma mulher que vive sozinha no Boar Ridge? A família acabava de estabelecer-se quando foram atacados pelos índios. Mataram a seu marido e a seu filho. a deixaram por morta. Mas sobreviveu. Travis me disse que ouviu o Billie e ao Dooley falando dela. Todos acreditam louca. A pobre mulher esteve sozinha durante anos, e eu acabo de me inteirar de sua existência. Assim que obtenha a permissão do Adam, vou vê-la.
-Se estiver louca, poderia ser perigoso, Mary Rose. Não deveria...
-Está falando como Adam outra vez -lhe interrompeu ela-. Agora que conheço a existência dessa mulher, tenho que tratar de ajudá-la. Certamente você o entende.
Harrison trocou um pouco de tema.
-Eu poderia me sentir a gosto vivendo neste vale. Penso que você se sentiria a gosto vivendo em Escócia ou na Inglaterra, uma vez que se adaptasse.
-por que? Porque recordaria a minha pátria? Não é como amar a um homem porque recorda a outro? Eu gostaria de Escócia, Harrison, mas não acredito que estivesse a gosto nunca. Realmente, o melhor é meu lar.
Harrison suspirou.
-É muito jovem para resistir tanto à mudança.
-Posso lhe fazer uma pergunta pessoal? Não está obrigado a respondê-la.
-É obvio. O que quer saber?
-beijou você a muitas mulheres?
Pergunta-a lhe pilhou despreparado.
-O que é o que me perguntou?
Repetiu a pergunta, e ele não riu porque viu que estava muito séria.
-Como lhe ocorre perguntar pelos beijos?
Mary Rose não estava disposta a lhe dizer a verdade. Que cada vez que o olhava, pensava em beijos. Do momento em que presenciou o bondoso e tenro que foi com seu temperamental cavalo, quase não pensou em outra coisa. Queria que a beijasse, e embora sabia que era um desejo atrevido, não lhe importou.
-Tinha curiosidade. Tem-no feito?
-Acredito que sim.
-Primeiro pensa em beijar a uma mulher, e depois a beija, ou é mais espontâneo?
-Você pensa as coisas mais estranhas.
-...sim, é certo.
Chegaram à entrada do barraco. Harrison pôs a mão no trinco, e se voltou a olhá-la.
-Recorda o que lhe hei dito hoje, quando estávamos contemplando o vale? Reajo primeiro com a mente, depois com o coração. Hei aí a resposta. Sempre penso antes de atuar.
mostrou-se decepcionada.
-É um homem disciplinado, verdade?
-Agrada-me pensar que o sou.
Mary Rose moveu a cabeça, e ele não soube como interpretar tal desaprovação. Ser disciplinado era uma vantagem, não um defeito. Acaso não entendia um princípio tão elementar?
-Eu não sou tão disciplinada.
Harrison assentiu: já tinha chegado a essa conclusão. Abriu a porta e lhe deixou lugar para que entrasse primeiro, se queria.
Mas a moça não se moveu da soleira.
-Há doze camas dentro, mas esta noite estará sozinho. Se necessitar algo, por favor, faça-nos saber.
-Onde quer Douglas que pernoite MacHugh?
-Ponha-o no primeiro pesebre, à esquerda -respondeu Mary Rose-. Há mais sítio. Suponho que está lhe esperando o alimento. Acredita que aceitará mais a gosto entrar, agora que teve tempo de acostumar-se a nós?
-Sim.
-E o que passa com você, Harrison? Está acostumando-se a nós?
Pergunta-a lhe fez sorrir.
-Sim.
Mary Rose lhe sorriu. Por Deus, que bonita era!
-Posso lhe pedir um favor?
Estava a uns centímetros com o rosto voltado para ele, e a luz da lua convertia seus olhos em safiras. Não se atreveu a lhe olhar a boca. Sabia que, se o fazia, perderia o controle pois, de todos os modos, estava tratando de imaginar como a sentiria apertada contra ele. O anseia de saboreá-la estava pondo-o rígido. A suavidade e o calor da moça o insistiam a inclinar-se e tomar o que lhe oferecia.
Estava louco.
-Que favor?
Até para ele mesmo, sua voz soou crispada. Mas Mary Rose, ao parecer, não o advertiu. Era evidente que não sabia o efeito que estava lhe causando, pois, se assim fosse, não se teria posto nas pontas dos pés para estar mais perto. Sua fragrância era maravilhosa. Como flores silvestres depois da chuva. Apoiou-lhe as Palmas no peito, e o coração do Harrison começou a pulsar com um ritmo louco.
-pensou em me beijar?
Não tinha pensado em outra coisa.
-Não, claro que não. Não me tinha ocorrido.
O rechaço lhe doeu, e pensou que ele reagia como se lhe tivesse pedido que beijasse a uma cabra. Sua própria audácia a envergonhou, e deixou cair as mãos aos lados. Fazia o ridículo, mas teria que esperar a mais tarde para morrer de mortificação. Nesse momento, quão único importava era manter um pouco de dignidade.
Custou-lhe esforço, um esforço enorme. Quis elevá-las saias e sair correndo para a casa, mas não estava disposta a atuar como uma menina. Manteve a compostura e se obrigou a olhá-lo outra vez, tal como o faria uma mulher amadurecida.
-notei que parece horrorizado. Tão atroz lhe parece a idéia?
-Não estou horrorizado. Os homens não nos horrorizamos.
Agora seu tom era de aborrecimento. Mas não lhe perguntou se estava zangado, porque supôs que lhe responderia que os homens tampouco se zangam.
-boa noite, Harrison. Que durma bem.
Não estava burlando-se dele. Esta desatinada moça não tinha idéia do que acabava de lhe fazer: não podia nem pensar em dormir.
apoiou-se no marco da porta e a viu afastar-se para a casa. comportava-se como se não tivesse uma só preocupação na vida. Tinha-lhe convertido o cérebro em barro, e lhe tinha deixado o estômago atado, e Harrison não se assombraria se tivesse começado a cantarolar... maldição!
perguntou-se se pareceria tão despreocupada se lhe houvesse dito o que em realidade desejava lhe fazer, e o que queria que fizesse a ele com essa boca doce e provocadora.
Era capaz de deixar de pensar em levar-lhe à cama. recordou-se que era um homem, e não um animal, que podia controlar seus instintos primitivos. Estava quase convencido, quando notou o suave balanço dos quadris da Mary Rose ao caminhar, e sua imaginação se encheu imediatamente com toda sorte de imagens carnais.
Dormir bem? É obvio que não!
4 de agosto de 1862
Querida Mamãe Rose:
A semana passada nos demos um susto terrível: Mary Rose ficou muito doente. Devemos nos dar conta antes de que não se sentia bem, mas a nenhum de nós lhe ocorreu que a culpa de seu mau humor a tinha a enfermidade. Sempre está muito alegre, mas na terça-feira passada começou a comportar-se como uma diablesa. À tarde, piorou. Douglas lhe tinha lavado sua manta preferida, a que sujeita contra o nariz enquanto se chupa o polegar, e quando a viu secando-se entre os arbustos, deu-lhe uma rabieta que nenhum de nós esquecerá jamais. Ainda nos ressonam os ouvidos de seus gritos agudos. Tampouco dormiu a sesta, e se esgotou chorando. Não deixou sequer que Adam a consolasse, nem comeu um bocado do jantar. Como está acostumado a ter bom apetite, por fim compreendemos que algo mau acontecia. Para a meia-noite, ardia de febre.
Alternamo-nos para cuidá-la e lhe refrescar a frente com um trapo molhado, e quando não lhe sustentávamos a mão ou a balançávamos na cadeira, estávamos tropeçando entre nós ao nos passear.
A febre durou três dias com suas noites. A via tão pequena e indefesa na cama... Necessitava um médico, mas não havia nenhum, nem sequer no Hammond.
Não acredito ter estado tão assustado em toda minha vida. Cole também estava assustado, mas o dissimulava zangando-se. Não deixava de destrambelhar contra quão mau tínhamos feito ao trazer para uma menina pequena a este lugar selvagem. Estava crispado pela culpa, e nós também. Sabíamos que tinha razão, mas, O que se supunha que tínhamos que fazer? Deixar à pequena no lixo, e que a comessem os ratos?
Amar a uma pessoa tão pequena e frágil aterra a todos. Ela depende de nós para algo. Sempre temos que acordamos de lhe cortar a carne em partes, pequenos, para que não se engasgue, e procurar que não pise em uma víbora demanda a atenção permanente de todos nós. Há dias que estou tão preocupado por ela que quase não posso dormi.
Rezei todo o tempo enquanto esteve doente. Suponho que Deus quererá que sigamos todos juntos um pouco mais, porque na sábado pela manhã a febre cedeu, e Mary Rose foi devolvida.
Douglas, Adam e eu nos sentimos tão aliviados que nos encheram os olhos de lágrimas. Não me envergonha admiti-lo, porque ninguém nos viu. Cole ocultou as lágrimas. Correu fora, e não voltou durante quase uma hora, mas todos sabíamos o que estava fazendo. Seus olhos estavam tão avermelhados e inchados como os nossos.
Segue rezando por nós, Mamãe Rose. Necessitamos toda a ajuda que possamos conseguir. Por certo, nós oramos por ti. Agora que a luta se aproxima tanto aonde você está, tememos mais que nunca por ti. Os periódicos que nos chegam estão cheios de notícias velhas, mas Adam trata de mantemos ao dia com as batalhas que estão livrando-se. Conforme parece, o Sul poderia ganhar esta guerra que ainda ninguém qualifica de tal. Por favor, te cuide. Necessitamo-lhe.
Seu filho, Travis
PS: Quase esquecia as boas notícias. Faz justo duas semanas chegaram os Morrison. Têm pensado construir um armazém do Ramos generais junto à rota, da cabana do Blue Belle. Todos estão muito contentes por isso. Será um luxo poder encarregar os mantimentos tão perto. Em seu momento, também o correio será entregue aí embora só uma vez por semana.
Os Morrison têm uma filha chamada Catherine. Tem um ano e meio mais que Mary Rose, aproximadamente. Nossa irmã necessita uma amiga para jogar, pelo menos isso é o que diz Adam, e como os Morrison parecem pessoas decentes, Cole não tem nenhuma objeção em deixar que as duas pequenas se visitem.
5
Harrison estava levantado o raiar o alvorada. Não tinha dormido nada bem. despertou durante a noite, quando Cole entrou às escondidas no barraco para revisar seus pertences. E quando se foi, já não pôde voltar a conciliar o sonho. Pensou em lhe perguntar o que estava procurando, mas depois decidiu seguir fingindo que dormia.
Não lhe preocupava que Cole pudesse encontrar nada significativo. Não levava consigo nenhum documento nem arquivo de importância. Toda a informação que tinha recolhido, junto com o relatório que recebeu do advogado do St. Louis já a tinha despachado por correio a Londres. Não obstante, estava bastante irritado, e segundo o humor que tivesse o resto do dia, poderia decidir dar a conhecer a intromissão, ou não.
Seu aspecto não melhorou. depois de haver-se lavado e vestido, foi ao estábulo a atender ao MacHugh. Teve que passar, pelo menos, vinte minutos para obter que o teimoso animal saísse do pesebre.
Queria levar o de volta ao curral, mas MacHugh queria ficar onde estava. Arrebatou as bridas de mãos do Harrison, e quando este as levantou e se aproximou outra vez ao potro, MacHugh tratou de pisoteá-lo. A ingrata besta fazia suficiente ruído para despertar a todos os habitantes da casa. Por fim, perdeu a paciência. Amaldiçoou ao animal durante uns minutos, em vários idiomas, e embora isso não fez que MacHugh se comportasse bem, Harrison se sentiu muito melhor, ao ter liberado sua frustração.
Ao fim elevou as mãos em gesto de derrota. Se MacHugh queria apodrecer-se no estábulo, dane-se ele. Deixou a porta aberta, deu-se a volta para sair, e se deteve: Cole e Douglas estavam junto à porta do estábulo, e a julgar por seus feios sorrisos, supôs que tinham presenciado a conduta caprichosa do animal.
-Na casa há comida -lhe informou Douglas-. Quando terminar de comer, Cole porá a trabalhar.
-No que? -perguntou Harrison.
-Pensava lhe deixar que me ajude a domar a uns cavalos selvagens, mas ao ver o modo em que dirige ao dele, troquei que opinião. por que não fica na casa e touca o piano?
Harrison se enfureceu. Recordou a reação de Cole quando Mary Rose deixou escapar que Adam também tinha aprendido a tocar o piano, e resolveu lançar ao arrogante irmão uma bem merecida provocação.
-Tocarei antes ou depois do Adam?
Cole equilibrou para ele, mas se deteve poucos centímetros. Mas não parecia furioso a não ser, mas bem, preocupado. Sua reação confundiu ao Harrison.
-Escute, MacDonald, o único motivo pelo que Adam aprendeu a tocar, foi para que também o fizesse Mary Rose. Teve que fingir que gostava de aprender. Entende-o? Não quis fazê-lo, viu-se obrigado.
Douglas também acreditou necessário defender a seu irmão maior.
-Não queremos que se faça a idéia de que Adam não é varonil. Em uma briga, pode defender-se. Não é certo, Cole?
-É claro que sim que sim. O que opina disso, MacDonald?
Harrison não tentou, sequer, ser diplomático:
-Acredito que vocês dois estão loucos.
Supôs que teriam que compreender que estavam loucos por sustentar prejuízos tão estúpidos. Qualquer prejuízo era produto da ignorância e, a julgamento do Harrison, também era irrazonable e ilógico. portanto, era uma loucura.
Douglas reagiu à afirmação ficando encarnado. Cole dissimulou. Harrison se rendeu. Tratou de passar ante eles e sair a tomar um pouco de ar fresco. Estava muito aborrecido.
Cole interpôs. Douglas o empurrou.
-Ainda não lhe pegue -lhe disse ao irmão-. Quero lhe perguntar algo.
-por que pensa que estamos loucos?
Parecia desassossego.
-Acreditam que só às mulheres está permitido tocar o piano, não é certo?
Nenhum dos dois irmãos respondeu. Harrison moveu a cabeça.
-É uma atitude tão ridícula como ilógica. Adam é um homem completo -continuou-. É melhor para ele estar tão bem educado.
concentrou-se em Cole:
-Você, por outra parte...
Douglas o interrompeu:
-Não quero a nenhum briguento em meu estábulo -afirmou-, pois os cavalos se inquietam. Cole, não vejo por que Harrison não pode ajudar com os cavalos selvagens.
-Estou seguro de poder fazê-lo -interveio Harrison-. Não deve ser tão difícil, e certamente não requer muita inteligência.
-por que o diz? -perguntou Douglas.
Harrison sorriu:
-Cole faz, não?
Passaram um par de segundos para que registrasse o insulto. Harrison esperou, paciente. Esperava que Cole tirasse a pistola ou usasse o punho: estava preparado para qualquer das duas coisas.
Cole abriu muito os olhos. Deu um passo atrás, sacudiu a cabeça, e estalou em gargalhadas.
Harrison sofreu uma grave decepção; queria brigar.
-Você é um homem fácil de querer, Harrison -lhe disse Cole-. Por Deus que sim.
-A próxima vez que revise minhas coisas, matarei-o.
Cole surpreendeu:
-Ontem à noite me ouviu?
-É claro que sim que sim.
-Está te voltando incompetente, Cole.
-Suponho que sim. Acreditei que não tinha feito nenhum ruído.
-O que era o que estava procurando? -perguntou Harrison.
-Em realidade, nada -respondeu-. Tinha curiosidade.
Douglas se apressou a explicar.
-Deveria entender sua curiosidade. Custava-nos acreditar que você não era capaz de defender-se, corpulento que é. Mas, é obvio, quando disse que sabia tocar o piano, entendi como eram as coisas.
-Como eram?
-Como seu pai esteve doente... e todo isso... sabe? Cole, não teria que ter revisado seus pertences. Não foi uma atitude hospitalar.
-Você me disse que o fizesse -lhe recordou Cole.
Douglas não recordava ter feito semelhante proposta. Os dois irmãos se trancaram em uma acalorada discussão. Uma coisa levou a outra, e antes de que passasse muito tempo, estavam discutindo sobre um pouco ocorrido fazia anos. Se Harrison tivesse tido uma parede perto, estava seguro que estaria golpeando-a cabeça contra ela nesse momento. Os Clayborne estavam voltando-o louco.
Resolveu apoderar do controle da conversação:
-Posso me defender -exclamou, obrigando-os a deixar de lado seus ressentimentos infantis-. Quero aprender como levar adiante um rancho, mas não é necessário que percam o tempo me ensinando a lutar ou a disparar. Se se fizerem a um lado, terei muito gosto em demonstrar-lhe Harrison negó con la cabeza.
Cole riu.
-Como vai demonstrar o? nos disparando?
Harrison negou com a cabeça.
-A idéia tem o seu -admitiu-. Mas decidi lhes dar uma surra aos dois.
Douglas lhe lançou um olhar compassivo.
-Não saber defender-se não é algo para envergonhar-se, Harrison. Ensinaremo-lhe o que faça falta. Alegra-me ver que tem temperamento. Terá que ser um pouco impetuoso para levar-se bem com a gente.
-Isso é ridículo.
-Pode ser -acessou Cole-. Mas, assim são as coisas por aqui. Quer que o respeitem, ou não?
Harrison desistiu de raciocinar com estes cabeças duras. Tinha consciência de que ele era o responsável por que acreditassem inepto. Em seu momento lhe pareceu uma boa idéia, porque Mary Rose se fazia cargo dos fracos, e por isso fingiu sê-lo.
De repente, compreendeu que estava atuando com tanta falta de lógica como os irmãos. Estava obtendo exatamente o que se propunha, e teria que haver-se alegrado.
Mas não era assim. E tudo porque não queria que Mary Rose acreditasse débil.
Que demônios lhe acontecia? Harrison deixou aos irmãos e foi para a casa. esforçou-se por concentrar-se no verdadeiro motivo que o tinha levado até Montana. Lady Vitória. Já não ficavam dúvidas. Mary Rose devia ser a filha de lorde Elliott, perdida fazia tanto tempo.
Desejou poder levantá-la, arrojá-la sobre o lombo robusto do MacHugh e arrastá-la a Inglaterra, que era o lugar ao que pertencia. Entretanto, havia vários obstáculos gigantes que se separar do caminho. Primeiro, tinha que encontrar ao cérebro que tinha planejado o rapto. A família Elliott não estaria a salvo até que descobrissem aos culpados.
Os outros obstáculos que se interpunham no reencontro do enfermo pai com a filha eram os irmãos Clayborne.
"Maldito seja, oxalá eu não gostasse!", pensou. Até Cole começava a fazê-la sorrir com suas absurdas noções sobre a vida. O evidente amor que todos eles sentiam por sua irmã era algo que não podia menos de admirar. E também, a lealdade entre eles.
Nenhum deles estaria disposto a deixá-la partir sem brigar. E que diabos ia fazer ele a respeito?
Harrison não acreditava que Mary Rose representasse um grande problema. Não lutaria contra o inevitável; pelo menos, ele não acreditava que o fizesse. Claro que tinha expresso o desejo de ficar no vale o resto de sua vida, mas ele sabia que trocaria de idéia quando soubesse que tinha um pai esperando-a na Inglaterra. Tinha muito bom coração para não ir conhecer o, pelo menos. Logo, o pai teria o problema de retê-la em Londres. A tarefa do Harrison estaria terminada.
Deixou de dar voltas à questão em sua cabeça, acelerou o passo, e estava a ponto de dobrar uma esquina para entrar diretamente na cozinha pela porta de atrás, quando viu a Mary Rose que corria em direção contrária. dirigia-se ao abrigo mais pequeno, e a julgar pelo rodeio que dava, não lhe levou muito tempo compreender que não queria ser vista. Levava uma cesta de vime com asa redonda, pendurada do braço.
-bom dia, Harrison -disse Travis, desde atrás. Harrison se voltou.
-bom dia -respondeu-. aonde vai sua irmã? Parece ter pressa.
Travis sorriu.
-Está escabulléndose. Eu sei aonde vai. Darei-lhe uns minutos, e depois a seguirei. Adam se zangará quando se inteirar.
-Do que?
-Mary Rose vai visitar a Louca Cornelia.
-É essa mulher que sobreviveu ao ataque índio?
-Já ouviu falar dela?
-Sua irmã a mencionou ontem à noite.
-Sim, é Corrie. diz-se que está louca como uma cabra. A qualquer que lhe arrancassem a cabeleira lhe aconteceria o mesmo. Agora, até os índios se mantêm longe dela. Têm-lhe medo. Igual à gente do Blue Belle. Falam de queimá-la.
-Queimá-la, por que?
-Para fazê-la sair da cabana -explicou Travis-. Um trapaceiro acreditou que o lugar estava vazio, mas quase lhe voou a cabeça com o rifle quando tratou de aproximar-se da porta. Corrie esteve encerrada aí do ataque, e isso foi faz uns quinze anos. De qualquer maneira, agora que Mary Rose já sabe de sua existência, está decidida a visitá-la. Opina que essa mulher necessita uma amiga. Adam lhe disse que não podia ir, que era perigoso. Não se sabe o que poderia fazer a mulher. Mas eu sabia que Mary Rose não ia fazer lhe caso. Jamais faz conta. Aí vai. Juro-lhe que Adam vai matar a.
Travis saiu correndo, e lhe gritou sobre o ombro:
-lhe diga a meus irmãos aonde vou, né?
O moço ia armado, em previsão de problemas. Ao Harrison gostou de saber como cuidavam todos os Clayborne a sua irmã menor.
Ouviu que Travis balbuciava algo assim como que estava farto de que o incomodassem, e para ouvi-lo, sorriu.
Foi o último momento de regozijo que experimentou em muito, muito tempo.
Domar potros selvagens não era difícil: era impossível. Harrison não pôde acostumar-se em toda uma semana e, nesses dias, sofreu uma série de indignidades sem fim. Seu corpo estava tudo arroxeado. E a humilhação era igual de dolorosa para ele. Passava mais tempo atirado na terra que parado sobre seus pés e, em geral, brindou abundante entretenimento à família Clayborne.
O sentido da oportunidade de Cole era soberbo. Por ocupado que estivesse em qualquer tarefa, sempre se achava perto do curral quando Harrison voava da arreios. Os irmãos sempre reagiam do mesmo primeiro modo, faziam uma careta exagerada, como condoliéndose dele, logo agitavam a cabeça, e diziam:
-Isso deve doer.
Era inevitável que o episódio terminasse com gargalhadas.
Certamente, Harrison tinha vontades de matar a Cole. Mas atacá-lo requeria forças, e não ficavam nenhuma.
Não sabia que momento do dia era pior. Pelas noites, todo seu corpo palpitava, dolorido, e pelas manhãs, sentia como se estivesse atacado de rigor mortis. Caminhava como um velho, com as pernas arqueadas. Se até gemia como um ancião...!
Uma noite, tarde, Mary Rose foi ao barraco mas, por sorte, ele ainda tinha postos as calças. tirou-se a camisa rasgada e se derrubou na cama, de barriga para baixo. Nem levantou a cabeça quando ela entrou.
-OH, Harrison, suas costas é um desastre -sussurrou. sentou-se em um flanco da cama, e o aplaudiu com suavidade-. Adam lhe manda linimento para lhe aliviar os músculos. Quer que lhe aplique um pouco nos ombros? .
Necessitava, mas bem, no traseiro, mas sabia que não seria correto pedir-lhe -En nombre de Dios, ¿qué es ese olor?
-Obrigado.
-Está esgotado, não é certo?
Não lhe respondeu. Mary Rose abriu a garrafa e verteu um pouco de líquido nas costas do homem. Logo, começou a massageá-lo. Franziu o nariz pelo aroma, esperando que Harrison não o notasse.
-Em nome de Deus, o que é esse aroma?
Olhou para a porta aberta, acreditando que o aroma vinha de fora.
-É o linimento -lhe explicou a moça.
-Que horrível!
-Aos cavalos gosta.
Harrison elevou a cabeça.
-Usa isto para os cavalos?
Empurrou-lhe a cabeça para que a apoiasse outra vez no travesseiro.
-Não há problema em usá-lo também para as pessoas. O aroma passará em um minuto. Trate de relaxar-se. me deixe lhe trabalhar os músculos para que penetree. Em pouco tempo se sentirá muito melhor.
Não lhe acreditou: o traseiro seguiria lhe doendo.
-Deixe a garrafa. Se o linimento resultar, porei-me na... perna.
-Está bem. Fechamento os olhos e tente descansar.
Cinco minutos depois, Harrison acreditou que tinha morrido. As mãos da moça fizeram magia sobre sua pele. Os músculos estavam aliviados, mas ele não se sentia excitado o mais mínimo por sua proximidade nem por seu contato, mas como, para ele, só podia significar que estava morto.
Gemeu de prazer, para que não deixasse de massageá-lo. Mary Rose acreditou que se ficou dormido. Tinha a cara volta para a porta. Pareceu-lhe aprazível, rude e arrumado. O cabelo lhe caía lhe cobrindo a frente. Tinha barba de um dia, nada mais que uma sombra e, de repente, assaltou-a a curiosidade de saber que sensação lhe daria. sentiu-se segura porque ele estava profundamente dormido, e não saberia quão atrevida era. Primeiro lhe tocou a frente; logo se tomou um pouco mais audaz. Viu que tinha um machucado na têmpora, e a percorreu com a gema dos dedos. Sentiu a pele suave e morna.
Sentindo-se cada vez mais audaz, riscou o perfil perfeito do nariz e o maçã do rosto. Foi baixando os dedos pelo lado da cara, até o pescoço. As puas da barba lhe fizeram cócegas. Quis lhe tocar a boca, e quase imediatamente cedeu ao desejo, explorando-a lentamente em uma carícia fugaz.
Compreendeu que não havia nada nesse homem que não gostasse. Realmente, por fora lhe parecia tão formoso como por dentro, que era o que mais importava. O coração.
inclinou-se para ele e lhe beijou a frente. Não podia acreditar em sua própria audácia. Pelo general, era muito recatada, até um pouco tímida às vezes, com os homens, mas essa noite... com o Harrison...
Soltou um breve suspiro e lhe beijou a bochecha. Logo, endireitou-se e reatou a massagem dos ombros. Não queria deixar de tocá-lo. O que lhe passava? Percebia sua própria reação física ante o homem, mas, inexperiente como era, não tinha a menor ideia do que devia fazer a respeito.
Supôs que devia deter-se. Mas não o fez, porque lhe agradava o contato da pele sob as gemas dos dedos. Era morno e musculoso. O estômago lhe crispou e tremeu, como se estivesse cheio de mariposas.
E quando pensava voltar a beijá-lo...
-O que está fazendo aqui com um homem médio nu? Mary Rose, não tem sensatez?
Era Cole, da porta. aproximou-se ao lado da cama.
-Baixa a voz -sussurrou Mary Rose-. Está dormido. deixei a porta aberta, e assim não será incorreto que eu esteja aqui, dentro. Além disso, embora esteja médio nu, é inofensivo. Não me aproveitarei dele, prometo-o.
Não lhe pareceu boa idéia contar que já se aproveitou. Cole não compreenderia sua curiosidade. Se nem ela mesma a entendia...!
-Não fale assim. Não é próprio de uma dama. Eu não pensei que você te aproveitaria dele. Não saberia como fazê-lo.
-Entretanto, deveria sabê-lo, não crie? Não te parece que já é hora de que me explique certas coisas?
-Depois, Mary Rose. Falaremos disso depois.
-Sempre diz o mesmo -sussurrou-. Não importa. Eu mesma o entendi sozinha.
Cole quis passar a um tema menos delicado. Se acuclilló junto ao Harrison para lhe ver melhor o rosto, e logo ficou de pé.
-Não sei se está respirando. Está-o?
-Claro que respira.
-Parece morto.
-Não o está -lhe assegurou ao irmão-. Pelo menos, ainda não. Quando o deixarão em paz, você e Douglas?
-Estamos lhe ensinando o que tem que saber para cuidar um rancho.
-Estão matando-o.
A indignação de sua irmã lhe fez sorrir.
-Não, não é assim. Harrison é mais duro do que parece. Mary Rose lançou um bufo bastante pouco elegante.
-Não, é mais tenro do que parece -o corrigiu-. melhorou algo na domesticação de cavalos?
Cole suspirou.
-Douglas insiste em que sim. Mas eu não vejo nenhum avanço. Mary Rose, Harrison está um pouco louco.
-por que crie isso?
-Fala-lhes com os cavalos. Douglas diz que lhes explica tudo, e depois se monta e espera que eles entendam e cooperem. Tampouco levanta a voz, e a única vez que amaldiçoa é ao fim da jornada. Será conveniente que volte para a casa. É tarde.
Cole dispunha a partir, mas trocou de idéia.
-De passagem, o pai do Catherine Morrison disse ao Douglas que Catherine quer convidar ao Harrison a cortejá-la.
Mary Rose ficou atônita. E furiosa. E para dissimular sua reação ante seu irmão, voltou a massagear os músculos do Harrison.
-Isso é ridículo -disse-. Os Morrison não o conhecem sequer.
-Convidarão-o para jantar no domingo -lhe comunicou Cole.
-Não pode ir.
-por que?
-Estará ocupado.
-Ao Travis não gostará de inteirar-se de que o hão convidado. lhe gosta de Catherine.
-Não sei por que. Eu não gosto de nada.
-por que não?
-É arrogante e coquete -disse Mary Rose-. E atrevida.
-Jamais o tinha notado.
-É homem. É obvio que não o notaste. Os homens não se dão conta dessas coisas. Além disso, ela nunca paquerou contigo. Tem-te medo.
Cole riu entre dentes.
-Isso fica furiosa, não?
-O que?
-Que outra mulher se interesse no Harrison.
-Não estou furiosa.
Se Harrison não tivesse fingido que dormia, teria estado em desacordo com ela. A suave massagem se converteu em uma surra. Não sabia quanto tempo mais poderia suportar esses golpes.
-Alguém tem que cuidar do Harrison. É muito ingênuo, sabe.
-Não me diga.
-Além disso, é muito crédulo.
-Sério?
-Falo a sério, Cole, assim, deixa de sorrir assim. Harrison é um homem bondoso e gentil. Certamente, terá-o notado.
-Não posso assegurá-lo.
-Todos nós teríamos que cuidá-lo. É nossa responsabilidade.
-O que imagina que poderia lhe fazer Catherine? lhe morder?
-Não confiaria nela -disse Mary Rose. Compreendeu que se comportava de maneira irracional, mas não lhe importou-. Sei que não sou muito caridosa, mas estou convencida de que Catherine é capaz de converter-se em uma víbora. Acredito que deveria lhes dizer aos Morrison que Harrison não tem interesse.
Cole elevou a vista ao céu.
-Amanhã, Harrison e eu iremos procurar um par de arnês. O mesmo poderá aceitar ou não o convite dos Morrison para o jantar do domingo, quando o convidarem. O tem que decidir, Mary Rose.
-Eu irei contigo à cidade.
Harrison já não suportava mais os golpes. Abriu os olhos no mesmo instante em que Cole dava a volta e ia para a porta.
-Já pode deixar de me golpear -disse. Para ouvi-lo, levantou-se de um salto.
-Está acordado.
Harrison não acreditou necessário confirmá-lo.
-Doem-lhe menos os ombros?
Em realidade lhe doíam mais pelo murro entusiasta que tinha recebido.
-Sim, obrigado.
Mary Rose tampou a garrafa, pô-la no chão, perto dela, e se levantou.
-Quando se despertou? -perguntou, tratando de demonstrar uma leve curiosidade.
Sentia pânico por não saber quanto teria ouvido da conversação. "meu deus!, E se não estava dormido?", pensou. E se só estava descansando? Saberia que o tinha beijado?
-Agora -mentiu-. por que?
ruborizou-se. Harrison teve vontades de rir, mas se conteve porque sabia que a faria sentir-se mais incômoda ainda. Girou na cama e se levantou. Sentiu frio nos pés nus contra o chão de madeira. Estava muito perto dela, e soube que devia mover-se, mas não pôde.
-Perguntava-me se ouviu Cole -gaguejou a jovem-. veio a ver como estava.
-Obrigado por preocupar-se comigo.
Mary Rose se assustou outra vez.
-por que acredita que me preocupo com você?
-Pelo linimento.
tranqüilizou-se, e se voltou para ele:
-Harrison.
-O que?
-Estava-lhe dizendo a Cole que no domingo farei um jantar muito especial. Prepararei tudo com minhas próprias mãos. Assegurará-se de estar presente, verdade? Custará-me bastante trabalho. Inclusive, poderia convidar ao Dooley, ao Henry, Billie e Ghost.
Harrison teve que esforçar-se muito por não rir.
-Parece agradável.
Ela sorriu.
-Gostaria de conhecer meu amiga algum dia? Acredito que gostará.
-A Louca Corrie?
Harrison se sentiu intrigado.
-Por favor, não lhe diga louca -pediu Mary Rose-. Não o está, sabe? É tímida, e precavida. Você não o seria, se o tivessem atacado os índios?
-Sim -admitiu-. Lhe falou?
-Não, mas está preparando-se para fazê-lo, sei.
-Se não lhe falar, como sabe que vai fazer o? Sorriu-lhe O...?
-OH, não a vi. Não me deixou vê-la.
-Então, como pode assegurar que não está louca?
-Não me disparou.
Harrison fechou os olhos e contou até dez antes de interrogá-la de novo.
-me conte exatamente o que aconteceu. Você golpeou a porta? Entrou?
-Nem me aproximei da porta. Não cheguei nem ao alpendre. É realmente muito tímida, Harrison.
-A que distância da cabana pôde chegar?
-Até um claro que há diante -respondeu-. Disparou um tiro ao chão, diante de meus pés, mas errou, a propósito. Estava me informando que não podia me aproximar mais.
-Então, o que fez você?
-Disse-lhe quem era, e que acabava de me inteirar de sua existência. Também lhe falei de quão difícil resultava encontrar a cabana. Está oculta, sabe? Mas, de todos os modos, visitei-a. Falei-lhe de minha família. Claro que tive que gritar para que me ouvisse, e quando senti que a voz começava a me falhar, disse-lhe que tinha um cesto para ela. Havia potes de geléia, pão caseiro e também bolachas. Perguntei-lhe se podia deixar-lhe Queria me certificar de que não interpretasse mal minhas intenções. Não estava lhe brindando caridade, a não ser amizade. Toda mulher tem seu pingo de orgulho, e eu não queria ofendê-la. Acredito que me entendeu. Deixou-me me aproximar uns passos mais. Não insisti em avançar. Deixei a cesta e lhe disse que iria amanhã a lhe levar outra cesta cheia de presentes de bem-vinda. Também lhe pedi que, por favor, deixasse a cesta vazia no claro, assim eu me podia levar isso -Si usted misma se va a tomar la molestia de preparar una comida especial, por supuesto que estaré presente -hizo una pausa-. Adam se enfureció cuando supo que usted se había marchado sin avisarle a nadie a dónde iba, ¿no es cierto?
-Pensa ir todos os dias?
-Não, não poderia. Não ficaria tempo para nenhuma outra coisa, e tenho muito que fazer aqui. Quando Corrie comece a me falar, e nos tenhamos conhecido melhor, então acredito que irei uma vez por semana, a lhe fazer uma boa e larga visita. Acredito que nos faremos boas amigas. Ainda não me há dito que sim ou que não.
-Com respeito ao jantar do domingo?
Assentiu.
-Se você mesma se for tomar a moléstia de preparar uma comida especial, é obvio que estarei presente -fez uma pausa-. Adam se enfureceu quando soube que você se partiu sem lhe avisar a ninguém aonde ia, não é certo?
-Não estava furioso. Estava decepcionado -deixou escapar Isso suspiro é muito pior. Se me tivesse gritado, eu não me haveria sentido tão culpado.
-Contará-lhe seus planos para amanhã?
-Já o falamos. Tenho sua aprovação. Entenda-o, Harrison. O não quer que lhe peça permissão para fazer nada. Compreende que sou capaz de adotar minhas próprias decisões. Só quer que seja precavida. Prometi-lhe que nunca iria sozinha. Você vai pilhar um esfriamento -adicionou. Teria que ficá-la camisa. boa noite.
voltou-se para partir, mas ele quis retê-la um pouco mais. Tirou-a do braço e disse:
-Espere.
voltou-se.
-O que?
-Nunca conheci a alguém como você.
Por Deus: não podia acreditar que houvesse dito algo semelhante! sentiu-se como um parvo.
-É muito bondosa -lhe disse.
Mary Rose recordou as coisas terríveis que lhe havia dito a Cole sobre o Catherine Morrison minutos antes, e não pôde aceitar o mal-entendido do Harrison.
-Não, não sou bondosa -admitiu-. Trato de sê-lo mas, às vezes, converto-me em uma arpía. Até chego a ser cruel.
Harrison não lhe soltou o braço. Atraiu-a para ele. Soube que tinha perdido a prudência, pois era a primeira vez em sua vida que não podia nem queria deixar prevalecer a sensatez. Já tinha decidido não envolver-se pessoalmente com a Mary Rose.
E mesmo assim, ia beijar a.
-O que está fazendo?
-Aproximando-a a mim.
-Por que?
-Quero beijá-la.
ficou atônita.
-Sério?
-Sim.
Pronunciou lentamente a palavra, lhe dando um tom incrivelmente sedutor. Mary Rose esteve a ponto de lançar um suspiro audível, mas se conteve.
-Quer que a beije?
-Essa não é a questão -fez uma pausa-. Não o entendo -admitiu ao fim-. Quase não me falou em toda a semana, nem me olhou... E agora quer me beijar? Harrison, não acredito que se comporte com muita lógica.
Sua própria conclusão a deixou perplexa. O homem riu.
-Não sou lógico.
-por que acredita que quer me beijar?
Voltava contra ele seu próprio jogo: agora era ela a que analisava.
-Acredito no jogo limpo.
Seguia sem entender. Harrison a apertou contra seu peito, baixou a cabeça e a beijou na frente. Depois, sujeitou-lhe as mãos e as pôs ao redor de seu próprio pescoço.
Mary Rose não resistiu. Ainda estava confundida, mas não molesta. Ainda não a tinha abraçado, e não o faria se dava o menor sinal de medo ou rechaço.
-Você me beijou -explicou-. E várias vezes, segundo lembrança. Agora é meu turno, e isso é o que eu chamo jogo limpo, Mary Rose.
-OH, Deus, não estava dormido! Verdade?
Seu tom era de mortificação. Baixou a vista para o peito dele. Harrison lhe levantou o queixo com a mão. Beijou-lhe a bochecha, tal como tinha feito ela, e logo, a ponte do nariz.
Quase imediatamente, Mary Rose superou o desconforto.
-Seguro que desfrutou -sussurrou.
-Não -respondeu.
-Não? por que?
-Porque estava me voltando louco. Beija como uma menina.
Os dedos da moça começaram a brincar com o cabelo dele, e se surpreendeu de quão sedoso era. Lançou um breve suspiro, e se aproximou mais. adorava a sensação dessa pele contra a sua. O calor e a força que irradiavam de seu corpo a enfraqueceram.
-me mostre como quer que te beije, Harrison.
Por fim, rodeou-a com os braços e lhe indicou que abrisse a boca. Tentou lhe perguntar por que, mas quando a boca do homem se posou sobre a sua, esqueceu qualquer classe de pergunta. Um estremecimento lhe percorreu as costas, e se apertou contra ele.
Foi o beijo mais maravilhoso que experimentou em sua vida. A boca quase queimava na sua, exigente e, entretanto, tenra, e logo a língua entrou em sua boca para esfregar-se contra a dela. O modo apaixonado em que a beijava a deixou lânguida de prazer. aferrou-se a ele, apertando-se contra o peito do homem. sentiu-se abraçada por todos lados. Sua suavidade estava rodeada pelos braços e as coxas do homem. Sentiu-o estremecer-se e, de repente, compreendeu que era tão capitalista como ele, e que tinha a faculdade de controlar o que aconteceria não, igual a ele.
A boca do Harrison assaltou a sua com voracidade, com flagrante posesividad, mas todas as inibições se evaporaram, e Mary Rose lhe devolveu o beijo com igual ansiedade.
Terminou o beijo muito antes do que ela tivesse querido, mas não se moveu de seu lado incluso quando ele baixou os braços. Apoiou sua cara contra o peito dele. Ouviu o pulsar tumultuoso do coração. Ou era o seu próprio, que o martilleaba na cabeça?
A respiração do homem era tão entrecortada como a sua.
-Não queria que terminasse.
A confissão brotou em um sussurro perplexo. Harrison inalou uma profunda baforada de ar, tratando de recuperar certo controle. Ainda estava aturdido por sua própria perplexidade e confusão pois, para falar a verdade, nunca havia sentido uma paixão tão foto instantânea com nenhuma outra mulher.
-Você queria terminar? -perguntou Mary Rose.
Estava sem fôlego, e Harrison se alegrou de que ela se ficou tão afetada como ele.
-Não, não queria -admitiu-. E por isso o fiz. me solte, Mary Rose. É hora de que volte para a casa.
Não queria ir-se, mas supôs que devia fazê-lo. Não seria cortês, nem próprio de uma dama, chateá-lo para que voltasse a beijá-la, deixando-a sem sentido. voltou-se lentamente e caminhou para a porta.
Ao chegar à soleira, olhou-o. Quis lhe dar as boa noite, mas as palavras ficaram na garganta e não pôde fazer outra coisa que contemplarIo. Era assombrosamente perfeito. De pé sob a luz do abajur de petróleo, sua pele tinha um matiz dourado. apoiou-se no poste da cama, e quando trocou de posição, viu como se ondulavam os músculos sob a pele. Douglas lhe havia dito que Harrison tinha a força de três homens e, ainda assim, sabia que jamais usaria essa força contra ela.
-Sinto-me segura contigo.
surpreendeu-se de havê-lo dito em voz alta. Harrison sorriu.
-Assim é como deve te sentir. Jamais te faria mal, Mary Rose.
-Beijei-te outra vez como uma menina?
O negou com a cabeça:
-Não, beijaste-me como uma mulher. O que aconteceu agora não tem que repetir-se. Nunca devi começar com algo que não posso terminar.
Se mesó os cabelos com evidente frustração.
-Não podemos apaixonamos.
-Já o estamos.
-Não, não o estamos -disse em tom duro e inflexível.
Mary Rose não soube o que lhe passava. Assentiu, voltou-se e se foi. Tentou entendê-lo enquanto se preparava para deitar-se. Mas depois de uma hora de tentá-lo, rendeu-se pelo modo em que Harrison a beijou, sabia que Harrison se sentia atraído por ela. E embora não era uma garota paciente, compreendeu que devia ter paciência até averiguar qual era o problema. Devia haver uma boa razão para que não queria seguir adiante com a relação. Esse homem tinha uma razão para tudo o que fazia. Supôs que tinha que esperar até que lhe dissesse do que se tratava.
Então, ela encontraria o modo de sortear o obstáculo que o retinha.
ficou as sapatilhas e a bata e baixou à biblioteca. Ali estava Adam, relendo um de seus livros preferidos.
O irmão estava sentado em uma poltrona de gasto couro castanho. O fogo chispava na chaminé, esquentando a habitação.
-Adam, posso te interromper?
O aludido levantou a vista e sorriu.
-claro que sim.
Fechou o livro que estava lendo, e o deixou na mesa que estava junto à poltrona.
Havia outro idêntico ao outro lado da chaminé, mas Mary Rose passou junto a ele e se sentou na banqueta aos pés do Adam.
-Queria te falar do Harrison.
-Passa algo mau?
-Não -o tranqüilizou-. Nada mau. Eu gosto... muito. Acredito que eu também gosta. De todos os modos, assim parece.
-Então, qual é o problema? Baixou a vista para o regaço.
-A semana passada, pedi-lhe que me beijasse. E, por fim, esta noite o tem feito.
Levantou a vista para ver como recebia seu irmão a confissão, mas Adam não manifestou nenhuma reação. tirou-se os óculos, pregou-as, e as apoiou com cuidado sobre o livro.
-Beijou-te.
-Sim.
-E o que passou depois?
-Disse-me que não ia beijar me nunca mais.
-Entendo -um lento sorriso lhe suavizou a expressão-. Te disse por que?
-Sim. Mas sua explicação não tem sentido. Sei que gostou de me beijar. notava-se, mas só me beijou uma vez, e agora que tive tempo de pensá-lo, possivelmente não lhe tenha gostado tanto como a mim.
-Diz que você gostou de beijá-lo. Acredito que temos que falar disso.
-Eu gostei de muito. Eu gosto dele, Adam. Disse-me que não podíamos nos comprometer, mas não me deu nenhuma razão. Possivelmente tenta me proteger para que não sofra -continuou-. Talvez, como sabe que voltará para Escócia, não quer começar uma relação para depois partir. Ou possivelmente seja como Cole.
-E como é seu irmão?
-Cole não quer ser apanhado por nenhuma mulher. Sempre me diz que nunca se casará. Crie que Harrison sente o mesmo?
-Não o conheço o suficiente para te responder, mas sim conheço Cole. É pura palavrório, irmã. Quão único precisa é encontrar à mulher justa, e sua atitude trocará.
-por que os homens se referem ao matrimônio como uma armadilha? Pelo amor de Deus, as mulheres não lhes arrebatamos a liberdade.
-Em certo modo, sim -repôs Adam-. Uma vez que te casa, é para sempre. E se um homem escolhe mau, fica apanhado, não é assim?
-Suponho que sim, mas a mulher também.
A mente do Adam começou a divagar. Estava pensando no Harrison, e soube que tinha que averiguar mais a respeito de sua hóspede. Se Mary Rose estava apaixonando-se, era seu dever assegurar-se de que Harrison não a ferisse.
-Adam.
-O que?
-No que está pensando agora?
-No Harrison -lhe respondeu-. compreendi que não sabemos quase nada dele. Acredito que teria que te dar tempo para conhecê-lo melhor antes de lhe pedir que te beije de novo.
Demonstrou seu acordo com um gesto de assentimento.
-Tentarei-o.
-Cole disse que devia sustentar uma conversação contigo a respeito de homens, mulheres, Y...
Mary Rose lhe adiantou:
-A intimidade.
-Sim, a intimidade.
-Já falamos que isso faz anos.
-Recordo-o, e pensei que, você também, mas Cole há dito que lhe pediu que te falasse outra vez sobre as coisas da vida. Acredita que não o entendeu. É assim?
-Não, foi muito claro.
-Isso pensei. E por certo, fez-me um montão de perguntas.
-E você as respondeu com toda paciência. É o único irmão sensato nesse sentido. Travis começou a fazer toda classe de comparações com árvores e abelhas, e logo passou a um par de parábolas da Bíblia. Quando me repetiu a da multiplicação dos pães, confundi-me de tudo. Disse-me que eu era como uma fogaça de pão, e que um dia também me multiplicaria. Perguntei-lhe por que, e então elevou as mãos e me mandou com o Douglas.
-E o que te disse Douglas?
Adam já tinha ouvido todo isso antes, mas desfrutava muito de voltar a escutá-lo.
-Disse-me que usasse a cabeça. ficou muito molesto. O tema o incomodou muito. Não podia me olhar, sequer. Recordou-me que vivíamos em um rancho, e repetia: "pelo amor de Deus!", sugiriéndome que olhasse ao redor, e então poderia entendê-lo. Disse-lhe que tinha cuidadoso ao redor durante meus onze anos de vida, e entretanto não me imaginava. Em seu desespero, assinalou aos cavalos e me disse que, quando eu crescesse, seria igual a uma égua, e o homem me abordaria igual a um potro.
Adam riu até que lhe saltaram as lágrimas.
-E agora, me conte como reagiu ante a comparação.
-Certamente, senti-me muito ofendida e desgostada. Foi então quando me mandou contigo.
Adam se enxugou os olhos com o dorso da mão e, por fim, acalmou-se.
-Se recordar nossa conversação, por que lhe pediu a Cole que lhe explicasse isso?
-Não pude me deter -admitiu-. Sua reação é tão divertida: ruboriza-se, Adam, seriamente. Além disso, acalora-se e isso é muito pouco habitual nele. Acredito que lhe perguntarei uma e outra vez até que se dê conta.
Adam riu outra vez.
-Adiante. Morro por saber que comparação lhe ocorrerá. Certamente, será uma barbaridade.
Suspirou, e passou a um tema mais sério.
-E agora, acredito que será melhor que falemos de como se sentiu quando te beijava com o Harrison.
E assim o fizeram. Mary Rose não sentiu o menor embaraço nem desconforto, porque estava com o Adam. O sempre a fazia sentir-se cômoda. Não havia tema que não pudesse comentar com ele. Podia dizer algo que lhe viesse à mente, sem preocupar-se de escandalizá-lo nem preocupá-lo. O vínculo entre os irmãos era de ferro, e a confiança da moça no julgamento dele, absoluta.
Ao Adam preocupava que Mary Rose se assustou de sua própria reação física ao Harrison. Às vezes, a paixão era mal interpretada e freqüentemente, o que um não compreendia o assustava. Não queria que sua irmã menor tivesse medo de nada nem de ninguém. Queria que abraçasse a vida, não que se ocultasse dela, como tinha tido que fazer ele todos esses anos.
-É possível que um homem se deite com uma mulher sem amá-la. Entende?
-Sim, entendo. E uma mulher também, não é certo?
-Assim é.
-Quer que compreenda que desejar e amar não sempre vão da mão.
-Sim.
-Não se preocupe por mim. Está preocupado porque sou inocente, mas isso não significa que seja tola.
-Exato.
Falaram uns minutos mais, até que Mary Rose sentiu muito sonho para seguir. Deu a seu irmão o beijo das boa noite.
-Queria que Mamãe estivesse aqui. A sinto falta de.
-Algum dia, logo, reunirá-se conosco -lhe prometeu Adam-. Seu pesadelo não pode durar muito mais. A senhora Livonia poderia trocar de sentimentos e deixá-la ir. Duvido que Mamãe queira ir a nenhum sítio até que Livonia mora. Agora, depende por completo dela.
-Não posso imaginar como será estar cega. E entretanto, não acredito que isso me voltasse má, como acontece com Livonia.
-Mary Rose, ela necessita a mamãe mais que você... por agora, ao menos.
-E os filhos dessa mulher são tão cruéis que são capazes de lhe dar as costas a sua mãe?
-Você conhece a resposta -lhe disse-. São capazes de fazer algo por ficar com seu dinheiro. Rose e Livonia têm sua própria cabana, detrás da propriedade, que os filhos já venderam. Neste momento, estão bem. Enquanto os filhos da Livonia as deixem em paz, nenhuma delas sofrerá dano algum.
-Você os envias dinheiro regularmente, não?
-Fazemos o que podemos. Agora, vete à cama. Quero terminar este capítulo da Constituição. Penso chatear ao Harrison com um debate, amanhã de noite, e quero estar preparado.
-Escreverei-lhe outra carta a mamãe esta noite, antes de dormir. Preciso lhe falar do Harrison. Ela quererá saber todos os detalhes.
-Acreditei que já o tinha contado.
-Sim, mas isso foi antes de que me beijasse. Preciso lhe dizer isso a mamãe. boa noite. Quero-te.
-Eu também te quero, irmã.
Mary Rose se deitou uma hora depois. dormiu pensando em quão perfeita era a vida. Vivia em um formoso vale, com irmãos maravilhosos, e agora tinha um pretendente fascinante que, em seu momento, cortejaria-a. Primeiro, deixaria-o persegui-la um pouco, é obvio. Depois, deixaria-se apanhar.
Tinha planos grandiosos Y... que perfeita era a vida! Estava apaixonando-se.
17 de maio de 1863
Querida Mamãe Rose:
ouvimos informe tão contraditórios a respeito da guerra, que não sabemos o que pensar: Tanto o norte como o sul se atribuem todas as vitórias. Quando recebemos as notícias, estão tão mescladas que não têm sentido. Quão único sabemos com segurança é que milhares de homens jovens estão morrendo. Fazemos todo o possível por não nos preocupar com ti, mas é difícil. Está em nossos pensamentos, nossas preces e nossos corações.
Sua carta foi um bendito alívio. Estamos tão contentes de ter notícias tuas depois de um mês de espera, que o festejamos com um jantar especial. Cole fez guisado de esquilo, Douglas fez bolachas, e eu cortei verduras frescas do pomar. De sobremesa, comemos maçãs assadas e uma parte de caramelo de hortelã. depois de ter comido até a indigestão, alternamo-nos para cantar: Pareceu-me que Cole e eu não fomos tão maus, mas Douglas e Travis resultaram horríveis. Mas nenhum de nós foi tanto como a pequena Mary Rose. Sua xará não canta: grita. Claro, teríamos que lhe conseguir um professor que lhe ensine. Embora não sei se será boa idéia. Se não poder afinar; talvez seja perder o tempo. Entretanto, é importante que tenha uma educação completa, e a apreciação da música forma parte dela. Seus irmãos e eu falamos das vantagens que queremos que ela desfrute. Travis insiste em que aprenda a falar em francês. Diz que qualquer homem ou mulher bem educados sabem, ao menos, outro idioma. No momento, concentramo-nos no inglês. A gramática da pequena ainda é um pouco basta. Sempre confunde os verbos. Mas seguimos seu conselho e não a corrigimos muito, e a elogiamos por cada tarefa que termina. Agrada-lhe nos agradar, e quando está contente e nos sorri, é como se saísse o sol dentro de nossa cabana. Mamãe, ilumina a habitação como um milhar de velas acesas.
Cole mostrou o plano que fez da casa que quer construir: Os detalhes nos deixaram maravilhados. Nenhum de nós sabia que tinha tanto talento. Entretanto, eu penso que está encarregando-se de mais coisas das que pode abranger, mas não quis esfriar seu entusiasmo. O desenho é para uma casa de dois novelo, com cinco dormitórios, e é tão grandiosa como qualquer dessas elegantes plantações do Sul. Eu sugeri que deixasse o exterior o mais singelo possível, para não atrair a atenção. A gente vê uma casa ostentosa, e começa a perguntar-se o que haverá dentro. Logo se resienten. Ao menos, minha experiência me leva a essa conclusão. Se alguém tiver algo melhor, cada um acredita que deveria o ter, embora não esteja disposto a esforçar-se. Entretanto, os habitantes do Blue Belle não são como a gente da cidade. Tendemos a valorar algo que possua outro.
Já tenho sete livros em minha coleção, e Travis quer ir ao Hammond, a semana que vem, e ver que mercadorias pode conseguir por aí: Douglas começou a domar um par de cavalos selvagens que capturou junto com Cole. Douglas tem talento para comunicar-se com os animais. Diz que, em realidade, não lhe falam, mas lhe fazem entender quando algo está mau.
Pouco a pouco, vamos imaginando o que podemos fazer para contribuir à família. Resulta-me interessante comprovar que Deus deu a cada um um talento especial. Eu tenho cabeça para os números, e por isso levo os livros. Há muito papelerío que encher nisto de adquirir terras, assim comecei com um livro maior onde aponto cada gasto. Morrison começou a nos oferecer crédito. Diz que só teremos que lhe pagar uma vez ao mês as mercadorias que nos levamos, mas carga interesse em seu benefício e, em minha opinião, isso é puro e simples empréstimo. Se não termos dinheiro suficiente na caixa de charutos, privamo-nos. Eu nunca vou ao povo. Segui seu conselho, e trato de não atrair muito a atenção para mim. Aqui todos me conhecem já, e acredito que se acostumaram para mim: Os recém chegados se surpreendem um pouco quando se inteiram de que um homem negro vive entre eles, e quando conhecem resto da família, estou seguro de que ficam confundidos. Cole diz que, como todos no Blue Belle me aceitam como algo comum, os novos imaginam que assim é como deve ser. É obvio, ajudou-nos ganhar a amizade dos Morrison. Foi um verdadeiro problema quando lhes caiu o teto. Então, eu fui ao povo para ajudá-los a construir um novo. A senhora Morrison cuidou da Mary Rose, e embora nossa irmã insiste em que a pequena Catherine a golpeou e lhe atirou do cabelo, estamos seguros de que se divertiu muito jogando com sua nova amiga.
Desviei-me que tema, não? Estava te dizendo que Deus deu a cada um um talento especial. Depois, comecei a me gabar de mim mesmo. Agora te contarei quais são as contribuições de meus irmãos. Cole ainda está praticando tiro para poder nos proteger a todos e matar animais para o jantar, e embora acredite que tem habilidade para voltar-se rápido e certeiro, nenhum de nós quer que se converta em um brigão. Alegra-me te informar que também tem talento para construir. Além disso, ajuda a todos. Douglas trabalha com os cavalos que apanham, e Sede Camp já lhe disse que comprará um assim que o tenha domesticado. Douglas quer construir primeiro um abrigo e logo a casa, e ele e Cole ainda discutem o que se fará antes. Cole deixará ganhar, mas antes de ceder, fará-o sofrer.
Travis se converteu no procurador da casa. Esse moço é capaz de convencer a qualquer de algo. Cada vez que necessitamos algo, o dizemos, e ele encontra o modo de consegui-lo.
Ainda não sabemos que talento especial terá a pequena. Certamente, não será na área da arte. Incluo-te os desenhos que fez para ti. Suponho que representa nossa cabana, mas não acredito que possa adivinhá-lo. me parece um montão de ganchos de ferro. Mas como ela estava orgulhosa de seu trabalho, todos a elogiamos e lhe dissemos quão formoso era. Já não gosta que lhe digamos pequena. Tampouco responde no nome da Mary. Parece uma tolice lhe dizer Mary Rose Clayborne todo o tempo, mas significa muito para ela, e por isso consentimos.
Faz centenas de perguntas ao dia. Sigo acreditando que é mais inteligente que todos nós juntos, e pelo modo em que obtém coisas de nós, meus irmãos estão de acordo comigo.
Não lhe permitimos muitos manhas de criança. Se não obedecer, deixamo-la sentada sozinha, até que está disposta a formar parte da família outra vez. Não gosta que a deixe à parte, e adota uma expressão lamentável. Cole sempre quer ceder; porque tem um coração muito tenro, mas também compreende quão importante é ajudá-la a entender que há certas condutas que não serão toleradas.
Não estou seguro do desventurada que se sente quando a deixa à parte. Ontem mesmo, ela e eu trabalhávamos juntos no jardim. Quis que deixasse de trabalhar e fosse dentro, a procurar uma parte de caramelo de hortelã. Como lhe disse que não, foi à cabana e tomou. Sabia que ia meter se em problemas porque não se limitou a comer um sozinho: comeu-os todos. Minutos depois, saiu, exibindo as provas de sua maldade (tinha a cara coberta de corante), e levava a manta e a boneca de trapo que lhe fez Travis. Passou junto a meu seguiu de comprimento, e foi sentar se ao outro lado do pátio, sobre um tronco. Então, começou a gemer e a pôr expressão desventurada. Tem a todos dominados, Mamãe. Tive que voltar a cara porque não podia deixar de sorrir.
por agora, deterei-me. Travis e Douglas já me deram suas cartas para ti, e Cole está terminando a sua. Por certo, nós adoramos que mande uma folha para cada um de nós, com os nomes postos na dobra. A todos agrada ter um intercâmbio privado contigo, e quando Mary Rose seja maior e possa ler sozinha, estou segura de que também gostará de sua consideração.
Meus irmãos estão falando de alistar-se e fazer o possível para ajudar a que o Norte ganhe a guerra. Cada vez que o mencionam, eu me zango, e acredito que por fim os convenci de que, embora estão de coração com o bando correto, não podem partir. Todos fizemos uma promessa a nossa irmã, e ela tem que estar primeiro. Travis não acreditava que a menina necessitava aos quatro, mas eu lhe assinalei que cada um de nós faz uma contribuição importante, e então se sentiu melhor. É verdade, Mamãe. Fazem falta quatro homens adultos para cuidar da Mary Rose. A vida aqui é dura. Um homem precisa usar tudo o que tem dentro para sobreviver.
Oramos todas as noites pelos bons soldados nortistas.
Não quero terminar esta carta com uma nota triste. Surpreendeu-nos que chegasse o precioso relicário que mandou. O pacote não estava, sequer, esmigalhado. Mary Rose nos surpreendeu olhando-o, e lhe dissemos que você o tinha mandado, mas que devia esperar até os dezesseis para recebê-lo. Bom, Mamãe, armou um manha de criança, mas nenhum de nós cedeu. Chegamos a um acordo. Prometemo-lhe que podia olhá-lo todas as noites antes de deitar-se. Agora, temos outro ritual para a noite. Já são três: bebe um gole de água, lhe conta um conto, e agora olhe o relicário.
Ela é uma obra de arte e, mãe, como nos faz sorrir.
Quero-te, Adam
6
O gentil e doce Harrison se converteu em um louco furioso ante os olhos da Mary Rose. Não podia acreditar o espantoso que se tornou o dia. Essa noite, no jantar, disse ao Adam que toda sua jornada tinha sido um pesadelo.
E tudo por culpa do Harrison. Estava tão furiosa com ele que não podia lhe falar.
A manhã começou de maneira bastante agradável. Passou uma hora arrumando-se para ir ao povo. Queria estar o mais bela possível para o Harrison. E não lhe pareceu vaidade pois, pelo general, bastava-lhe usando roupa cômoda para sentir-se bem. Mas esse dia era diferente, porque o homem de seus sonhos a tinha beijado a noite anterior, e queria que a visse formosa. Sabia que talvez fosse uma tolice, mas não lhe importou. depois de provar-se três trajes diferentes, decidiu-se por uma saia de montar, azul claro, e uma blusa branca. atou-se o cabelo com uma cinta azul e branca. Não estava muito fascinada com sua própria aparência, mas era o melhor que podia fazer com o que Deus lhe tinha dado.
Logo soube que tinha sido inútil tomar-se tantas moléstias. Salvo por um cortês bom dia, Harrison não lhe emprestou a menor atenção. Todos foram ao povo com ela, salvo Adam. Travis queria recolher um pacote, Cole e Harrison foram procurar as bridas novas, e Douglas os acompanhou a cavalo para poder falar com o ferreiro a respeito de colocar ferraduras a um par de cavalos. Mary Rose tinha uma lista de artigos para comprar que, supunha, viriam-lhe bem a sua nova amiga, Corrie.
Muito bem, se esse hóspede obstinado a ignorava, que o fizesse. Estava furiosa com ele porque se negava a atender razões. Insistiu em levar o cinturão e a pistola, e lhe deu a Cole um argumento ridículo: que tinha carregado sua velha pistola, em que confiava, e que serviria se surgiam problemas. Mary Rose não podia acreditar que fosse tão cabeça dura. Claro que seus irmãos foram armados, mas todos eles sabiam disparar e usavam as armas para amparo. Esse pistoleiro ignorante chamado Webster, e alguns de sua turma de malfeitores, ainda andavam rondando pela zona, e até que os Clayborne estivessem seguros de que se partiram do território, os irmãos deviam permanecer em guarda.
Como era quinta-feira, no povo ninguém os esperava. Mary Rose rogou com veemência que esse dia Catherine Morrison se ficou na casa, e que não estivesse ajudando a seu pai. Não queria ter que presenciar como paquerava com o Harrison, porque essas táticas flagrantes lhe davam náuseas. Harrison era tão ingênuo...! Quase todos os homens o eram quando se tratava das estratagemas empregadas por certas mulheres. Harrison podia ignorar o que se propunha Catherine, mas Mary Rose não. As mulheres se entendiam entre si. Catherine queria enfeitiçar ao Harrison. No vale não era difícil encontrar um homem: superavam às mulheres em número por cem a um. Embora encontrar um homem bom era outra questão, por completo. Eram tão escassos como os diamantes.
Mary Rose não acreditava estar ciumenta. Mas bem, cuidava do Harrison. A fim de contas, era sua hóspede. Catherine Morrison teria que buscar-se a outro.
Caminho ao povo, Mary Rose pediu a Cole e ao Douglas que vigiassem ao Harrison ao menos cinco vezes. Os irmãos logo se fartaram de lhe prometer que o fariam, e lhe disseram que deixasse de importuná-los. O tivesse pedido ao Travis, mas Harrison e ele cavalgavam lado a lado, e não queria que o homem ao qual desejava proteger soubesse que ela não acreditava capaz de cuidar-se sozinho. É obvio que não era capaz, mas Mary Rose não queria que ele soubesse que ela sabia.
A sorte esteve de seu lado. Catherine não estava na loja. Mary Rose viu o Harrison conversando com o pai do Catherine, mas não mais de um par de minutos, e logo, apresentaram ao Floyd Penneyville, outro novo residente, e a conversação girou para o rodeio anual de gado, que tinha terminado três semanas antes. Tanto Floyd como Harrison lamentaram haver-se perdido a diversão.
Dooley lhe aproximou justo quando Mary Rose saía do armazém. Ela ia caminho do estábulo, a procurar o Douglas. Cole, Travis e Harrison estavam falando com o Floyd.
-bom dia, senhorita Mary. Caramba, que linda está hoje.
-Obrigado, Dooley.
-Henry me mandou -disse. de repente, recordou os bons maneiras e se tirou imediatamente o chapéu-. Já lhe avisamos a Cole que Webster tem uns companheiros. Vendo os irmãos, imagino que esperam dificuldades.
-Um sempre deve estar preparado para qualquer eventualidade -lhe disse Mary Rose.
É obvio, era uma frase do Adam, que repetia que devia estar preparada.
Dooley a seguiu fora, e caminhou junto a ela pela calçada de madeira.
-De todos os modos, Henry me disse que está lhe levando mantimentos à Louca Corrie. Estava me mentindo, ou dizia a verdade?
-Disse-lhe a verdade. Corrie não está louca. Agradeceria-lhe que o diga a seus amigos. É meu amiga, Dooley.
-Isso é o que Henry disse que você diria. Tenho más notícias para você, senhorita Mary. Bickley, junto com alguns de seus amigos vigilantes, estão indo para a colina para incendiar a cabana do Corrie, Consideram que é um perigo para as pessoas.
Mary Rose se horrorizou.
-Como se atrevem? -gritou, aferrando o braço do Dooley-. Já saíram?
-Não, mas estão preparando-se -explicou Dooley-. Henry e Ghost estão entretendo-os com tolices. Já sabe como é Bickley: gosta de alardear de si mesmo. É um sujeito endiabrado, senhorita Mary. Oxalá se fora de volta ao Hammond, que é seu lugar. Não tem nada que fazer aqui, gabando-se de ser um grande tipo. Alguns de seus amigos devem ser maus de verdade. A gente é tão feio, que me dão arcadas com apenas olhá-lo. E se chamam vigilantes, como se fossem algo especial...
O velho se interrompeu para soprar. Teve vontades de cuspir, mas sabia que à senhorita Mary não agradaria.
-Onde estão agora?
-dentro do botequim. Mas estão impacientem por ir-se. Henry está esgotando as perguntas, e já sabe como é Ghost. Desde que começou a preparar ele mesmo a bebida, esteve comportando-se de uma maneira estranha. Leva-lhe muito tempo compreender do que lhe falam as pessoas. Não pode concentrar-se, isso é o que acontece, porque tem todos esses espíritos que lhe falam. Claro que ter sido ferido por um raio não o ajudou absolutamente, mas eu estou convencido de que sua cabeça se ordenaria se se mantivesse afastado do licor. Senhorita Mary, aonde me leva?
-Ao botequim.
-Não estará pensando em entrar, não?
-Se tiver que fazê-lo, farei-o. Tenho que lhe pôr ponto final a isto.
Já estavam correndo pela calçada, e logo Dooley ficou sem fôlego.
-Senhorita Mary, deixe ir procurar a seus irmãos -rogou, entre ofegos-. Você espere aqui.
Mary Rose compreendeu que era prudente conseguir ajuda. Aceitou esperar, e acabava de sentar-se em um banco que estava junto à porta da loja de ferragens, quando Bickley e seus secuaces saíram daí. Os cavalos estavam esperando-os, as rédeas atadas a um poste, diante do botequim.
Não se atreveu a esperar mais. Rogou a Deus que esses homens não estivessem ébrios. Porque embora não conhecia o Bickley, tinha ouvida anedotas sobre ele, e nenhuma delas era para repetir. Sua aparência era tão desagradável como seu caráter. Tinha cabelo castanho comprido e pegajoso, e olhos pequenos como contas. "Parece uma víbora", pensou a moça, "e, por isso ouvi, isso é o que é". Media pouco mais de um metro setenta. Adam dizia que era um homem pequeno tratando de parecer grande.
-Bickley, poderia falar um momento com você?
Mary Rose se deteve na esquina da calçada, e esperou que o chefe da banda lhe emprestasse atenção. Tinha a esperança de que se aproximasse dela só, e que os amigos o aguardassem junto às portas do botequim.
O sujeito se voltou para ouvi-la. Sorriu-lhe, piscou os olhos os olhos para proteger do sol e se aproximou dela. Para desdita da Mary Rose, os amigos o seguiram.
-O que posso fazer por você, senhorita Mary?
Bickley despedia um aroma rançoso a licor e a suor velho. Não a surpreendeu que soubesse seu nome. No Blue Belle havia tão poucas mulheres, que todos os homens que viviam no povo e arredores sabiam quem eram. Mary Rose era conhecida inclusive no Hammond.
-Você e seus companheiros irão ao Boar Ridge?
-Assim é, é aí onde nos dirigimos. vamos queimar a essa louca antes de que mate a alguém. Somos respeitosos da lei, e como no Blue Belle não há delegado, suponho que é nosso dever ocupamos desses assuntos, aqui.
-Não vejo por que tem que ser responsabilidade de vocês alguém que viva aqui -disse Mary Rose-. Você vive no Hammond, não no Blue Belle. Nos ocupamos dos nossos.
Teve vontades de lhe dizer que retornasse ao lugar ao que pertencia, e que se ocupasse de seus próprios assuntos, mas não o fez, por temor a provocá-lo, e que fizesse um pouco precipitado.
-No Hammond há delegado -repôs-. Não quer que o ajude. A gente daqui saberá... valorá-lo mais.
Um de seus secuaces riu. Mary Rose tratou de conter-se. Inalou uma funda baforada de ar, e tratou de raciocinar com esse sujeito vil.
-Ontem mesmo, eu fui até a colina e lhe fiz uma larga visita a essa querida mulher. Corrie não está louca. Não gosta que os estranhos se metam em sua vida. Ninguém o faz. Só lhe agrada a gente que vive no Blue Belle.
-Você está tratando de nos impedir que cumpramos com nosso dever, não é assim?
-Corrie é meu amiga. Quero que a deixem em paz. Já o tom da moça era duro.
-Não tenho por que lhe fazer caso. Estou decidido. Não é assim, moços?
Mary Rose não pôde conter a cólera um segundo mais.
-Se incomodarem a essa doce mulher, acudirei eu mesma ao juiz Burns, e assinarei uma petição. Acusarei-os a todos vocês por intento de assassinato, e a meus amigos do Blue Belle gostarão de ver como os penduram.
Ao Bickley não agradava que o ameaçassem. E menos, uma mulher. O licor lhe fez esquecer aos irmãos Clayborne. Era hora de que alguém lhe desse seu castigo a essa cadela altiva. E ele era o homem apropriado para fazê-lo. Daria-lhe uma boa sacudida para fazê-la recuperar o sentido comum, e em menos que cantasse um galo, faria-a chiar de medo.
-Quem acredita que é para me falar desse modo? -perguntou, com um grito que lhe fez correr saliva pelo queixo.
-Sou uma mulher que reconhece a um bobo ignorante quando o vê. Embora Bickley não era muito inteligente, era bastante rápido. antes de que a moça lhe adivinhasse a intenção, tinha-a obstinado do antebraço, apertando com força e tironeándola para ele. Mary Rose lhe deu uma patada com força na perna, debaixo do joelho. A dor lhe subiu até a coxa. Com o dorso da mão, esbofeteou-a na cara e, como não gritou, golpeou-a esta vez com o punho.
-Bickley, acaso está totalmente louco? -perguntou-lhe um dos amigos, em um sussurro nervoso-. Vamos, antes de que seus irmãos comecem a disparar.
-Não a soltarei até que ela me peça isso bem. Já sei que estou machucando-a, sei. Seguirei lhe apertando o braço até que lhe parta o osso pela metade, se não me disser quanto lamenta me haver falado com tanta insolência. Se seus irmãos tratarem de me deter, matarei-os a todos. Já verá, se não.
Mary Rose se ficou momentaneamente atônita pelo ataque, mas se recuperou com rapidez. Sentiu o sabor do sangue na boca, e soube que tinha o lábio esmigalhado na comissura. Também sentia o queixo molhado, e supôs que seria o sangue que lhe jorrava da ferida. Não perdeu tempo afligindo-se. Já lhe tinha esclarecido mente para recordar qual era seu propósito: queria impedir que Bickley fosse à colina custasse o que custasse. Chutou outra vez ao horrível indivíduo, com muita mais força, e quando ele se dobrou, deu-lhe um murro para fazê-lo cair. Adam sempre lhe havia dito que tinha um terrível gancho de esquerda, e quis provar que era merecedora do completo.
Esperava que Bickley a soltasse, mas ele a reteve quase até ter cansado ao chão. Então, fez-a voar até dar contra um dos postes de atar cavalos. Mary Rose se golpeou o flanco da cabeça, e caiu ao chão.
deprimiu-se. Um par de minutos depois, voltou em si, sentindo que a dor lhe estalava dentro da cabeça. Fechou os olhos, e se esforçou por concentrar-se em deter essas palpitações dentro do crânio. Em seus ouvidos, rugia uh espantoso ruído.
Não pôde obtê-lo. O ruído se intensificou, inclusive quando abriu os olhos e a visão começou a esclarecer-se o Pensou que estava melhor, porque já não via faíscas por todos lados. De repente, os homens começaram a pisoteá-la em seu afã por chegar aos cavalos. Um, golpeou-a no estômago. Mary Rose gritou, dobrou-se sobre si, e tratou de girar para um flanco. Outro homem usou seu quadril como tamborete, na pressa por subir ao cavalo. Rasgou-lhe a saia com as esporas.
Ainda estava muito aturdida para proteger-se. Foi um milagre que os cavalos, ou os covardes que fugiam, não a matassem a pisões. Não podia manter os olhos abertos. Sentiu que alguém a levantava, e logo, sua mente se obscureceu outra vez. Flutuou entre a escuridão e a luz vários minutos, e quando despertou, todos fugiam. incorporou-se bem a tempo para ver como Bickley esporeava ao cavalo para fazê-lo correr ao galope tendido. Tratou de levantar-se, acreditando que devia persegui-lo antes de que pudesse fazer machuco ao Corrie, e quase caiu de joelhos, mas o que aconteceu a seguir a surpreendeu de tal modo, que caiu outra vez, sentada.
O doce e gentil Harrison se transformou em um bárbaro. Apareceu como um anjo vingador, desde um nada, e saltou literalmente no ar para atacar ao Bickley. O rugido de fúria que escutou Mary Rose provinha do próprio Harrison.
Estava poseído pela fúria. Baixou ao Bickley da arreios e o jogou para o caminho. Depois, foi atrás dele. Todos gritavam ao mesmo tempo, e Mary Rose desejou que cessasse o estrépito. O ruído o fazia doer mais. Mas, nesse instante, Harrison não fazia nenhum ruído. Estava muito atarefado matando ao Bickley com suas próprias mãos. A julgar pela expressão de calma mortífera de seu rosto, Mary Rose não teve nenhuma dúvida de suas intenções. Se alguém não o detinha, mataria ao homem que a tinha atacado.
ficou muda de perplexidade. A expressão do Harrison lhe fez correr um frio pelas costas. Parecia tão... metódico... Por certo, não brigava como um cavalheiro. Claro que, tampouco Bickley. Tratava de tirar a arma e lhe disparar a seu verdugo, mas Harrison deu uma patada à arma e a tirou da mão. Então, tratou de tirar a faca, coisa que ao Harrison pareceu lhe gostar de. Até sorriu. Esperou a que Bickley se equilibrasse para ele, moveu-se rápido como o raio, e lhe arrebatou a faca da mão.
ao longe, soou o disparo de um rifle. Mary Rose viu o Douglas que caminhava para ela. Tinha a arma apoiada em um quadril, e a pistola de seis tiros martelada, na outra mão. Os homens que tinham tentado fugir, já não montavam os cavalos: retrocediam a pé para o botequim, diante do irmão. A conclusão da Mary Rose foi que Douglas deveu surpreendê-los diante dos estábulos.
Cole estava de pé, detrás do Harrison. Com os braços cruzados sobre o peito, sorria satisfeito, vendo como Bickley tentava uma mutreta suja atrás de outra.
De repente, Travis estava ajoelhado junto à Mary Rose. Elevou-a com delicadeza em seus braços e se incorporou.
-Por Deus, irmã. Está bem?
Estava assustado. Mary Rose não assentiu, temendo que o movimento lhe fizesse sentir mais dor.
-Estou bem, seriamente. Tem sangue na camisa. Você, está bem?
-É seu sangue, não a minha. Tem toda a cara enche. Realmente te golpeou, né?
-Travis, o que lhes atrasou tanto em chegar aqui? Estive esperando, e esperando...
-Mary Rose, acaba de acontecer. Deve te haver desacordado. Está segura de que está bem?
-por que Harrison está esmurrando ao Bickley? supõe-se que não sabe brigar. vá deter o antes de que o machuquem. Bickley é tão perverso que pode matá-lo, Travis.
-A ver, por que quereria eu fazer algo assim? Todos vimos o que te fez esse canalha. Harrison é rápido, né? Esteve em cima de Bickley antes de que Cole ou eu pudéssemos chegar à esquina, sequer.
-Baixa me, por favor. Posso me sustentar sozinha.
-Se te deixar, irá em detrás do Harrison. Não matará ao Bickley -prometeu-. Embora talvez o faça Cole. Espera até que lhe jogue uma olhada a sua cara. Parece um desastre, hermanita. Sai-te sangue da frente, e do flanco da boca.
Henry e Ghost apareceram desde atrás, como um par de tias solteironas. Travis se voltou para eles.
-Cuidem de minha irmã enquanto eu vou ajudar ao Harrison, por favor.
-deixe-nos isso -disse Henry-. Nós a protegeremos. Não é certo, Dooley?
-É obvio -prometeu o amigo. Ainda ofegava. Acabava de chegar ao armazém, a procurar os irmãos, quando Bickley saiu e começou a machucar a sua senhorita Mary-. Todo aconteceu muito rápido.
-É verdade -admitiu Henry-. aconteceu vertiginosamente. Henry levantou a Mary Rose em braços, e a sustentou contra seu peito.
Tentando consolá-la e protegê-la, sem querer, estava lhe dificultando a respiração.
-Não pesa mais que uma pluma -comentou.
-me baixe, por favor. me deixe me apoiar em você e no Dooley.
-De acordo. Mas se se enjoa, elevarei-a outra vez.
-Faz-a prometer que ficará aqui -sugeriu Dooley.
Ao Henry pareceu uma grande ideia, e fez que a jovem lhe desse sua palavra.
Ghost tinha saído do botequim, e estava perto da porta. Henry se voltou para ele.
-vá procurar uma cadeira para a senhorita Mary, por favor, Ghost. Faremo-la sentar contra a parede. Depois, vá trazemos uma terrina com água e toalhas podas. Estão detrás da barra. Limparemos à senhorita Mary antes de que a veja Cole.
-Penso que deveria preocupar-se mais por esse tipo, Harrison. É uma preocupação maior que Cole.
-O já a viu -repôs Henry-. por que crie que ficou tão furioso?
-Daria a impressão de que vai acabar com o Bickley. Terá-o matado?
-Não. Bickley ainda está retorcendo-se na terra.
-Poderiam ser as contorções da morte -insinuou Dooley.
esfregou-se o queixo e olhou com os olhos entrecerrados ao homem que se retorcia sobre a terra.
-Conhecendo o Harrison, e o que sente com respeito à lei, não acredito que Bickley seja homem morto.
Dooley não esteve de acordo.
-Você arrumado uma moeda.
-Feito.
-Se Bickley estiver morto, ganho eu.
Henry assentiu. Mary Rose desejou que deixassem de falar. Concentrou sua atenção nos secuaces do Bickley. Douglas obrigava aos cinco a caminhar para o Harrison. Ainda estavam armados, e a preocupava que um ou dois deles resolvessem lhe disparar ao Harrison ou a Cole.
-Vi como um desses tipos chutava à senhorita Mary no estômago mesmo -sussurrou Henry-. Outro, parou-se em cima. Sim, senhor, fez-o. Não é uma vergonha que os homens tratem assim a uma dama?
Dooley esteve de acordo. depois de pensá-lo uns segundos, sentiu o impulso de lhes contar aos irmãos e ao vingador da Mary Rose, o que esses homens lhe tinham feito. Correu até o bordo da calçada.
-Harrison, Cole! Um destes tipos chutou à senhorita Mary justo no estômago. O feio, pisou-a. Forte. Quase a matou, sim. Outro, rasgou-lhe esse bonito vestido. Sim, senhor, isso é o que fizeram.
Mary Rose quis estrangular ao Dooley. Estava incitando de propósito ao Harrison e a seus irmãos. E quando quis fazê-lo calar, já era muito tarde. Harrison o tinha ouvido. Não disse nada. Não foi necessário, pois sua expressão o disse tudo.
-por que o diz ao Harrison? Cole é melhor com a pistola -comentou Henry, quase distraído.
Levou médio ao rastro a Mary Rose mais perto do caminho, para que pudesse ver melhor a briga que estava gerando-se.
-O hei dito aos dois -disse Dooley-. Mas acredito que Harrison é muito mais mau. Já vê como atacou ao Bickley. Além disso, Cole ouviu o que hei dito. Senhorita Mary, esses homens lhe fizeram algo mais?
Aludida-a dirigiu ao Dooley um olhar furioso. Se os amigos do Bickley lhe tinham feito algo mais, não pensava dizer-lhe ao fofoqueiro do povo. separou-se do Henry e passou junto ao Dooley, antes de compreender o que estava fazendo.
-Sujeita a -gritou Henry-. Se houver um tiroteio, ela se meterá e vão matar a. Ainda está aturdida, Dooley, é evidente.
Dooley a sujeitou pela cintura e a levou de volta aonde estava Henry.
-O que era o que tinha que procurar? -perguntou Ghost da porta.
Paciente, Henry lhe recordou o que devia trazer, enquanto Mary Rose se escapulia de novo para a esquina.
Jamais perdeu de vista ao Harrison. Estava a uns três ou quatro metros, de distancia de Cole e do Travis. Os irmãos da Mary Rose lhe cobriam as costas, e tinham a atenção posta nos homens que caminhavam para eles.
O mais feio da banda fez gesto de tirar a pistola. Cole disparou, lhe arrancando assim a arma da mão, antes de que a tivesse tirado, sequer, do cinturão.
Imediatamente, os outros levantaram as mãos. Ao parecer, não queriam travar-se em um tiroteio.
Harrison se voltou para Cole.
-Não te meta nisto -lhe ordenou que-. São todos meus.
Cole sorriu. Travis sacudiu a cabeça.
-Fará que lhe matem, e Mary Rose ficará realmente furiosa -sussurrou, de modo que só o ouvissem Harrison e Cole.
Harrison já estava concentrado outra vez nos secuaces do Bickley.
-Atirem as armas -lhes ordenou.
Esperou a que obedecessem, e logo se tirou seu próprio cinturão com a pistola, e o jogou no Travis. Cole não deixava de apontar ao grupo. Ficavam cinco balas, e isso bastava para matá-los a todos se tentavam algum subterfúgio. Não podia confiar nesses sujeitos desprezíveis. Era muito provável que um deles tivesse outro revólver escondido. Desejou que assim fora. Realmente, queria matar a um deles, pelo menos.
Não teve oportunidade. Harrison indicou aos homens que fossem a ele.
-Acaso se ocupará de todos ao mesmo tempo? -perguntou-lhe Travis a seu irmão.
Harrison respondeu:
-É claro que sim.
Cole sorriu outra vez. O e Travis retrocederam, para dar mais lugar ao Harrison.
-Isto está ficando bom -disse Cole, marcando as palavras. De repente, Mary Rose desejou ter uma arma. Se assim fosse, estava convencida de que teria matado a todos, incluindo a seus irmãos e ao Harrison.Cole, até parecia desfrutar da situação. A ele, dispararia-lhe primeiro. Não quis seguir olhando. Harrison desapareceu no meio do grupo de homens. Começaram a voar os corpos.
Já tinha visto bastante para ter pesadelos durante uma semana. deu-se a volta e foi caminhando para o botequim. sentou-se em uma cadeira, perto da janela, mas não quis nem jogar uma olhada fora. Ghost estava de pé, diante do bar, bebendo um gole. Quando a viu, deixou a garrafa, arranhou-se a cabeça, e tratou de aparentar confusão em lugar de culpa.
-Senhorita Mary, o que era o que tinha que procurar?
-Não importa, Ghost. Desfruta de seu gole.
-É muito melhor que o que preparo eu.
-Não quer ir presenciar a briga, como todos outros?
-Estou me preparando para ir olhar -disse Ghost.
Mary Rose fechou os olhos. Doía-lhe tudo. Tinha vontades de chorar. Quanto tinha esperado a saída desse dia! OH, bom, ao menos as coisas não podiam piorar. Essa idéia lhe proporcionou certo consolo.
Mas se equivocava. Não tinham acabado suas torturas.
-Agora pode sair, senhorita Mary. Em realidade, não deveria estar no botequim. O que vai pensar Adam?
Era Dooley, da porta.
-Ghost, não foste procurar...?
-O que tinha que ir procurar?
-Água, terrina, toalhas -disse Mary Rase, fatigada.
Ghost sorriu.
-Agora o recordo -assentiu, e se serve outro gole-. Sim, senhor, recordo-o.
-Aí vêm Harrison e seus irmãos -disse Dooley.
Se tivesse havido porta traseira, Mary Rose teria saído por ela. Não queria que nenhum deles a visse como estava. Pelo menos, essa foi a desculpa que se deu a si mesmo, pois não queria pensar no verdadeiro motivo. Harrison não se comportava como sempre, e ela não sabia o que sentia a respeito. Pareceu-lhe rude. Por Deus, jamais imaginou que tinha isso dentro dele.
-Não quero que Harrison me veja, Dooley. Faça-o esperar fora. Dooley correu para ela.
-Já a viu, senhorita Mary. Quem acredita que a moveu? Quis estar seguro de que respirava, e só depois foi em detrás do Bickley.
Cole e Travis entraram no mesmo momento em que Dooley terminava sua explicação. Depois deles, entrou Harrison.
-Não o recordo -admitiu.
Com a vista baixa, ainda não soube como reagir ao olhar ao Harrison.
-Deprimiste-te, Mary Rose. Por isso não recorda. Teria que havê-lo matado, Harrison, ou, pelo menos, me deixar fazê-lo -murmurou Cole.
-Harrison rompeu a mão ao Bickley -disse Mary Rose.
-Não. Só a fez girar de modo peculiar -lhe disse Henry-. Douglas está arrastando-os a todos à loja de ferragens, enquanto Morrison consegue um pouco de soga.
-Como é isso? -perguntou Dooley-. Acaso vão pendurar a alguém?
-Não -respondeu Henry-. Uns vizinhos vão levar os ao Hammond. O delegado dali certamente os encerrará.
-Não há um médico que possa atender a Mary Rose? -perguntou Harrison.
Cole negou com a cabeça.
-O mais próximo vive no Hammond.
-É muito longe -interveio Travis-. Levemos a à casa dos Morrison. A senhora Morrison a atenderá.
-Queria ir a casa.
-dentro de uns momentos -lhe prometeu Cole. Se acuclilló junto a ela e lhe perguntou em sussurros-: por que não nos miras?
-Não quero -respondeu-. Quero ir a casa, já.
-Está furiosa conosco?
Assentiu, e imediatamente fez uma careta pela dor que lhe provocou o movimento. Compreendeu que não devia haver-se sentado. Estava toda rígida, e acreditou que nunca mais poderia mover as pernas.
-Então, por que não grita, ou algo assim?
-Faria-me sentir dor -admitiu.
Tratou de levantar-se, e lançou um forte gemido.
Cole foi afastado bruscamente. Harrison elevou a Mary Rose em braços. Foi incrivelmente cuidadoso com ela, e quando conseguiu registrar esse fato, quase pôde olhá-lo.
-O que é o que lhe passa? -perguntou Travis-. Está assustada?
-Não, está furiosa -lhe disse Cole-. Não queria estar presente quando estalar.
-Arrumado a que nunca viu algo igual, Harrison -disse Travis. O e Cole estalaram em gargalhadas. Mary Rose, em troca, ofendeu-se pela insensibilidade de seus irmãos.
-Não vejo o que é o que lhes resulta tão divertido.
-Rimo-nos porque estamos contentes de que não lhe tenham matado -disse Travis.
Sua irmã não lhe acreditou, e Cole tratou de acalmá-la:
-Considera o deste modo: o dia tem que melhorar.
aferrou-se a essa esperança. Sim, as coisas melhorariam.
Salvo que Harrison começasse a exibir-se outra vez.
1 de setembro de 1863
Querida Mamãe Rose:
Sua filha tem uma boca... Ontem pela manhã, fez calar a Cole, e faz só uns minutos disse ao Travis que se metesse em seus próprios assuntos. Sempre nos assombra ouvi-la falar assim e nos custa muito dissimular quanto nos diverte. adora tentar nos mandar, e ultimamente repete maldições que lhe ouça dizer a Cole. Claro que isso significou uma importante lição para todos, e nos esforçamos por não dizer nada incorreto. Passa muito tempo sentada, sozinha, e te asseguro que chora de uma maneira... Também pode ser uma uva sem semente.
Começamos a nos alternar para lhe ensinar o alfabeto. Ainda é um pouco pequena para entendê-lo, mas desfruta de receber tanta atenção. Travis lhe conseguiu uma piçarra e duas caixas de giz. comeu-se uma parte, e se decompôs. Acredito que já não voltará a fazê-lo.
Todos estamos preocupados com ti, Mamãe Rose. Como a guerra continua, e não nos chegam suas cartas, pomo-nos ansiosos. Oramos para que você e a senhora Livonia estejam bem. Sem dúvida, ajudaria-nos a passar o tempo receber tua carta. Sabemos que nos escreve, mas agora o serviço postal está tão embaralhado, que não estamos seguros de que você receba nenhuma de nossas cartas, sequer. Acredito que Deus te cuidará, e que quando isto termine, será uma mulher livre e virá a te reunir com sua família. A pequena te necessita tanto...
Que Deus te proteja, Douglas
7
Não deveu ter tentado ao destino. A situação passou de malote a pior. Dez minutos depois de ter sofrido o humilhante ataque, encontrou-se na mais absurda das posições. Estava sentada em uma cadeira com os pés apoiados em um tamborete, na sala dos Morrison. Sozinha. Todos outros tinham desaparecido no interior da cozinha. A mãe do Catherine tinha ido procurar trapos e água para limpar sua cara, enquanto a filha atendia aos outros convidados, sentados ante a mesa da cozinha.
Mary Rose se disse que merecia a desdita que estava suportando. Fazia comentários impiadosos sobre o Catherine, e embora a maioria deles eram certos, não podia queixar-se se a outra cumpria todas suas expectativas. Ao princípio, pelo menos quando entrou na casa, Catherine fingiu simpatia, pois nesse momento tinha público. Desempenhou uma grande representação. Mas se até derramou umas lágrimas pelo que denominou o lamentável estado de seu amiga...! Mas a ela não a enganou. Fazia anos, já, que sabia quem era Catherine. Até quando era pequena, Catherine fingia ser a menina perfeita ante seus pais e ante os irmãos da Mary Rose, mas no mesmo instante em que lhes davam as costas, apanhava-a e a mordia. Por desgraça, o tempo não tinha melhorado seu temperamento nem sua conduta. Sua simpatia pela Mary Rose acabou no momento em que a senhora Morrison fez passar aos homens à cozinha. Catherine esbofeteou ao azar a cara da outra com a toalha que lhe tinha dado a mãe, e saiu em detrás do Harrison.
Travis, Cole e Harrison estavam sentados em volto da mesa da cozinha, comendo caminhos porções de bolo de amoras que a senhora Morrison acabava de tirar do forno. Dooley se reuniu com eles. De onde estava, Mary Rose podia ver o Harrison com claridade. E ao Catherine, é obvio. Estava em cima dele. Quando lhe servia alguma sobremesa, punha-lhe a mão no braço e se inclinava sobre o ombro para apoiar a terrina ante o homem. Levava-lhe uma eternidade endireitar-se mas, ao parecer, ao Harrison não incomodava.
Era o purgatório ver o Catherine paquerar e não poder fazer nada. Travis não estava disposto a que o deixassem de lado, e competia pela atenção do Catherine, lançando um completo atrás de outro, a qual mais estúpido. A moça se esponjava como uma gata satisfeita.
-foi um espetáculo ver como te enfureceu, Harrison -o elogiou Dooley-. Acreditei que estava louco quando quis te ocupar de todos esses tipos juntos, e apostaria a que não sentiu, sequer, os golpes que recebia.
Harrison sacudiu a cabeça.
-Não, não estava louco. Sabia exatamente o que estava fazendo.
Dooley não tinha acabado de falar da excitação produzida no povo.
-Quem o tivesse acreditado! -comentou-. Um elegante advogado como você, capaz de brigar tão sujo.
Cole ficou imóvel.
-É advogado?
-É obvio -disse Dooley.
Cole apoiou lentamente a colher, voltou-se para o Harrison, e lhe atirou um murro no queixo.
Harrison se encolheu: tinha-lhe doído. esfregou-se o queixo e olhou, carrancudo, a Cole:
-por que faz isso?
-Porque é advogado -respondeu Cole.
Voltou a recolher a colher, voltou-se para seu prato, e disse:
-por que diabos não nos disse que foi advogado?
-Não era nenhum secreto -resmungou Dooley.
aproximou-se da estufa, e se apoiou no bordo. Não havia assentos livres, a menos que fosse à sala, mas não estava disposto a ir-se da cozinha, por temor a perder alguma intriga importante.
O velho agitou no ar outra colherada de sobremesa, e disse:
-Cole, todos os do povo sabem como ganha a vida Harrison. Inclusive comentamos a possibilidade de que abrisse um escritório em frente do armazém. Sim, senhor, isso fizemos.
-Se voltar a me golpear, tombo-te -disse Harrison.
-Odeio aos advogados.
-Assim parece -disse Harrison, secamente-. Te incomodaria me dizer por que?
-Eu também te tivesse golpeado, mas Cole foi mais rápido -disse Travis.
-Harrison, Cole odeia a quase todo mundo. Ainda não sabe? -comentou Dooley.
Por último, foi Travis o que respondeu a pergunta do Harrison:
-Odiamos aos advogados porque sempre estão colocando os narizes aonde não devem. Alguém teria que juntá-los e pendurá-los a todos. Depois, poderíamos celebrar com um almoço campestre.
-Quase tivemos a um grupo de enforcados esta manhã, senhorita Catherine -disse Dooley.
Harrison olhou para a sala, para ver como estava Mary Rose. Tinha estado fazendo-o cada poucos minutos, para assegurar-se de que estava bem. À senhora Morrison levava uma eternidade conseguir os elementos para curar a Mary Rose, e ao Harrison lhe tinha esgotado a paciência de esperar que alguém a atendesse.
-Que miras? -perguntou-lhe Cole.
-A sua irmã -admitiu. Fez gesto de levantar-se-. Acredito que vou ver se posso ajudar...
-Deixa que a atendam as mulheres -lhe aconselhou Travis-. Às mulheres gosta que as curem outras mulheres.
Harrison se sentou de novo. Em um sussurro fico, disse:
-Demoram muito tempo em ficar à tarefa, não é certo?
-Tudo a seu tempo, Harrison -disse Travis. Olhou sobre o ombro à irmã, e logo se voltou para a mesa-. Está bem. Não se preocupe por ela.
-Alguém teria que preocupar-se -insistiu, teimoso-. Você e Cole comportam como se só se arranhou o joelho. Sofreu um desmaio, pelo amor de Deus! Poderia haver-se...
-Que não saiba que está preocupado -lhe advertiu Cole. Travis sorriu.
-É um conselho sensato, Harrison. Convém-te recordá-lo.
Ao Harrison custava acreditar que os irmãos fossem tão insensíveis. Ao lhe ver a expressão incrédula, Cole compreendeu o que estava pensando.
-É pequena, mas forte.
-É provável que se sinta muito mal-disse Harrison.
-Pelo amor de Deus, não lhe pergunte como se sente -lhe advertiu Travis.
-por que não?
-Você é advogado: imagina-o -respondeu Cole-. A sério, pensa abandonar a advocacia e aprender a dirigir um rancho?
-Sim -respondeu-. Isso é exatamente o que estou pensando fazer.
-Senhor MacDonald, adoro a forma em que você fala -disse Catherine Morrison. inclinou-se para frente e o roçou, enquanto punha um guardanapo de linho ante ele-. É pouco comum. Não é verdade, Travis?
-Para mim, sonha como se tivesse um pouco atravessado na garganta -murmurou Travis.
Como pensava interessar-se nela, no futuro, não gostava de nada que Catherine dissesse coisas gratas sobre nenhum outro homem.
-OH, Travis, quando te irrita assim, é adorável.
Cole e Harrison intercambiaram um olhar exasperado. A julgamento do Harrison, essa moça estava levando o melindre a novas alturas. Era muito transparente. A opinião de Cole não era tão amável. Para ele, Catherine atuava como uma solteirona caça-maridos, desesperada-se.
Para o Travis, em troca, era a coisa mais doce que habitava Blue Belle.
E Catherine não tinha terminado de paquerar, mas Mary Rose sim tinha terminado de escutar. Já não suportava mais estar sentada na sala. Queria ir-se a casa, e receber um pouco de consolo e de cuidados. Se os cortes da cabeça e a boca não tivessem deixado de sangrar por si só, já estaria morta, se fosse pela atenção recebida. Talvez ninguém advertisse se ela morria, pelo menos até que se terminou o bolo. Soube que estava condoliéndose de si mesmo, e lhe pareceu bem. Possivelmente, até resolvesse nadar em autocompasión o resto do dia.
De estar sentada na cadeira, ficou-se rígida. ficou de pé, e quase perdeu o equilíbrio. cambaleou-se para frente, endireitou-se, e se voltou para a cozinha para ver se alguém o tinha notado: ninguém. Certamente, não a surpreendia, pois estavam todos muito ocupados tragando bolo.
Saiu fora, e viu os cavalos atados a perto. Douglas se aproximou de cavalo no mesmo momento em que ela saía ao alpendre.
-É um espetáculo, Mary Rose.
-O que tem de estranho? Atacaram-me, Douglas. Quando me lembro de tudo...
Interrompeu-a, antes de que passasse a enumerar toda a lista de suas doenças.
-Vamos, vamos, nada de queixa.
apeou-se, e caminhou para o alpendre.
-Onde estão todos?
-Dentro, comendo um dos estupendos bolos da senhora Morrison. Claro que, eu não sei, porque ninguém me ofereceu nada.
-Já começa outra vez. te queixar não te fará te sentir melhor. aproximou-se dela, e lhe aplaudiu com estupidez o ombro.
-Sim, eu gosto de me queixar.
-Já sei.
A voz do irmão soou resignada.
Logo lhe sorriu, e isso bastou para fazê-la começar de novo: onde teria que ir para receber um pouco de simpatia?
-Quando penso em tudo o que me aconteceu hoje, eu...
-aonde vai sozinha?
-A casa -respondeu-. E não te atreva a me deter.
Por fim, Douglas compreendeu que realmente se sentia desventurada. Estava a ponto de chorar.
-Está bem -a tranqüilizou-. Iremos a casa. Espera aqui. irei procurar aos outros. Iremos juntos. Darei-me pressa, prometo-lhe isso.
Fingiu aceitar, assim a deixava sozinha. Sabia o que ia ocorrer: embora a promessa do Douglas era sincera, assim que estivesse na cozinha da senhora Morrison, esqueceria-se de tudo o que acabava de lhe dizer.
Homens. Era incrível quão fácil resultava desviar os de seus propósitos. lhes dê uma palmada no ombro, algo de comer e lhe seguirão aonde seja. Adiciona um sorriso e um par de cumpridos estúpidos, e esquecerão imediatamente todas suas responsabilidades.
Como, por exemplo, uma irmã moribunda no alpendre dianteiro.
Por Deus, obteria que alguém a consolasse, embora tivesse que ir até o Hammond e lhe pagar a um completo desconhecido para que lhe brindasse sua simpatia.
Levou-lhe muito tempo acomodar-se na arreios. Enfiou para a casa. esforçou-se por deixar atrás o mau humor. Não se sentia tão mal. Mary Rose estava convencida de que era bom comparar cada incidente desagradável com qualquer outro que lhe tivesse acontecido na vida. Cada trauma doloroso e/ou humilhante entrava imediatamente em uma categoria mental: tão mau como, não tão mau como, ou pior que qualquer outro. E por mau que fosse ter sido atacada pelo Bickley, não foi tão mau como o ataque das abelhas. Até a data, nenhum outro incidente lhe aproximou, sequer.
Tinha estado a ponto de morrer, ou ao menos Adam lhe disse que tinha estado às portas do Céu. Ela não conservava nenhuma lembrança de ter estado tão mal. O que recordava era a dor. Mas não se queixou, embora seus irmãos lhe suplicaram que o fizesse.
-Mary Rose, diminui o passo e nos espere -lhe gritou Douglas. Obedeceu, mas quando seu irmão chegou junto a ela e viu que tinha miolos de bolo na comissura da boca, lançou-lhe um olhar carrancudo e o ignorou.
-Pode montar sozinha? -perguntou-lhe Harrison ao irmão, desde atrás.
-Está tentando-o -respondeu a mesma Mary Rose.
-Sentiria-se melhor se cavalgasse comigo? -gritou Cole.
-Duvido-o. O traseiro está me matando. É evidente que esqueceste o que aconteceu.
-E você me vais recordar isso certo?
Mary Rose esteve a ponto de sorrir, mas se conteve a tempo. Não queria que nenhum de seus irmãos surpreendesse seu jogo, pois lhe arruinaria toda a diversão se eles chegavam a entender que uma das razões pelas que se queixava era porque eles odiavam que o fizesse.
-Chutaram-me brutalmente, Y...
-Mary Rose, não tem sentido repeti-lo.-Cole ficou a seu lado, e a colocou em seu regaço. -Já está. Agora se sentirá melhor.
Tivesse estado de acordo se o tom de seu irmão não revelasse tanta alegria. Atuava como se não tivesse passado nada do outro mundo. Todos eles, inclusive o jactancioso do Harrison. Decidiu chatear a Cole, e começou a queixar-se outra vez. Em realidade, estava apanhado. Mary Rose podia lamentar-se tudo o que quisesse, e ele não teria nada que fazer. Pelo general, assim que começava a enumerar seus sofrimentos, todos se foram. Fazia anos que sabia. E esse foi, precisamente, o motivo que a impulsionou a começar o jogo. Cada vez que queria estar a sós, começava a queixar-se, depois se sentava e via como seus irmãos tropeçavam entre si, na pressa por afastar-se dela. A mutreta era eficaz, e quando algo funcionava, a gente não queria danificá-lo.
Nesse momento, seu objetivo era voltar para seu próprio cavalo e que a deixassem em paz. Necessitava intimidade para pensar no insólito comportamento do Harrison. Em um abrir e fechar de olhos, sua personalidade completa tinha trocado. Foi como se tivesse ficado apanhado em um enfeitiço. No nome do céu, o que lhe tinha acontecido ao homem gentil que a ela tanto gostava? Precisava entendê-lo bem antes de poder voltar a olhá-lo sem zangar-se.
Cole não queria deixá-la cavalgar sozinha, mas logo se fartou de escutá-la. A passou ao Douglas. Este não durou nem cinco minutos. Então, Travis carregou com ela.
"Três derrotados, fica um", pensou, com certa astúcia.
-Escuta, Mary Rose, lhe escutar me faz doer os dentes -balbuciou Travis-. por que não espera a que cheguemos a casa, e então se sinta e lhe escreve uma larga carta a mamãe? Pode lhe contar o mal que se sente.
-Não, não posso -repôs-. Mamãe não quer sabê-lo. Disse-me que não era próprio de uma dama o queixar-se, embora o desfrute.
Travis riu.
-Estava acostumado a lhe escrever e lhe falar de nós, não é certo?
-Era pequena, então -se defendeu-. Mamãe me fez acabar com isso. Disse que não era leal para meus irmãos, e que não devia ir com contos. Mas ela me compadeceria se me visse agora. Mas se me golpearam Y... !
-Harrison, quer te alternar? -gritou Travis.
-Não importa -sussurrou Mary Rose-. Já terminei que me queixar.
Travis não lhe acreditou, e a jogou sobre o regaço do Harrison. A moça lançou um forte gemido quando aterrissou sobre as coxas duras. Disse-lhe que se apoiasse nele. Quando se teve acomodado ao corpo duro como o aço, por fim, relaxou-se um pouco. Manteve a vista no caminho que tinham por diante, e pensou na maneira tão tenra em que a sustentava com os braços.
Sua mente começou a divagar. de repente, teve consciência de que devia ter um aspecto horrível. "Que coisa tão estranha me ocorre pensar agora." Essa tola preocupação por seu aspecto era outra das contradições que giravam em sua cabeça. Compreendeu que não podia usar a lógica no que se referia ao Harrison. Ainda não podia decidir-se a olhá-lo. Claro que a tinha assustado tão quando se lançou contra Bickley e os amigos que quase lhe estiraram os cachos, mas dez minutos depois, não pôde tolerar ver o Catherine paquerando com ele.
Sem dúvida, devia ser porque ainda estava aturdida pelo golpe na cabeça.
Harrison já não pôde suportar o silêncio. Apartou o cabelo da Mary Rose e se inclinou para ela.
-Está dolorida, Mary Rose?
-Não.
-Necessita um médico -afirmou-. Poderia ir ao Hammond a cavalo, a procurar um.
-Não necessito um doutor -lhe assegurou-. Me sinto bem, sério.
Deu-lhe um pequeno apertão:
-te relaxe.
Minutos depois, sussurrou outra vez seu nome com esse acento embriagador, e de repente, Mary Rose sentiu desejos de suspirar e tremer, ao mesmo tempo. conteve-se.
O golpe na cabeça devia lhe haver tirado o sentido. Estava zangada com o Harrison, verdade?
-por que não me olha? Assustei-te?
Pelo tom, soube que a idéia o divertia. Nesse momento se mostrava considerado, e muito, muito doce. Teve vontades de lhe dar uma patada.
Não lhe respondeu, e Harrison suspirou.
-Esquece a pergunta -disse-. Devo me haver equivocado.
Passaram vários minutos mais em silêncio. Por fim, a culpa a impulsionou a lhe dizer a verdade.
-Não estava completamente equivocado. Não estava assustada de ti. Estava assustada do que te passou. Disse-me que foi capaz de te cuidar, mas não te acreditei. Eu não gosto dos homens que brigam.
-Então, tem que odiar a seus irmãos.
-Amo a meus irmãos. Mas não amo a ti.
Já sabia que não o amava. É obvio que não. E, entretanto, ouvir o dizer lhe doeu mais do que estava disposto a admitir.
-Ainda não sei bem o que me passou -disse Harrison.
-É propenso aos ataques, Harrison?
Como parecia realmente preocupada, cuidou-se de não rir.
-Não acredito. Quando te levantei em braços, algo saltou dentro de mim. Não posso explicá-lo. Estava murcha, ensangüentada, e eu não estava seguro de se ainda respirava. Não sabia.
O que escutava a deixou atônita, e não pôde evitar interrompê-lo.
-Você me levantou? Dooley me disse isso, mas não lhe acreditei.
-Estava deprimida -lhe explicou-. Por isso não pode recordá-lo. Corria o perigo de que lhe pisoteassem os cavalos. Tinha que fazer algo para te proteger. Já sei: demorei muito em chegar, não é verdade? Estava tiragem no chão, e nem tratava de te proteger a cabeça... Por Deus!
Evocar sua imagem em um estado tal de indefensión o fez tremer. Instintivamente, abraçou-a mais forte, e Mary Rose compreendeu que ele se assustou.
-depois de me levantar, o que fez?
-Primeiro, comprovei que ainda respirava e logo te elevei do chão. Nesse momento devia me haver acalmado, mas não foi assim. Algo saltou dentro de mim como uma mola. Deixei-te em lugar seguro, e logo me atirei em cima desse miserável.
Mary Rose quase não escutava o que lhe dizia, porque estava concentrada em desfrutar. Acaso não lhe havia dito ela que eram parecidos? E como lhe discutiu! Recordava cada palavra. Também recordou com claridade que se horrorizou.
perguntou-se se seria grosseiro dizer-lhe Era hora de que admitisse que ela tinha razão.
-Assim, não te deu tempo de pensar na situação. Simplesmente, reagiu, não é certo?
-Não hei dito que...
-Sim, há-o dito. Deu um pouco a volta a sua filosofia, não crie? Recorda-o. Primeiro com o coração, depois com a cabeça.
-É ao reverso.
-Sei -repôs, em um tom onde se percebia o sorriso-. Penso que deve havê-lo esquecido. Compreende que acaba de me fazer um completo encantador?
-Sério? Você, em troca, insultaste-me.
Mary Rose riu. Por certo, não sentia o menor remorso. Cole ouviu rir, e esporeou ao cavalo para poder partir junto a eles. Imediatamente notou que Harrison estreitava a sua irmã muito perto de si. Parecia estar abraçando-a.
-Não estará faltando um pouco o respeito a Mary Rose, abraçando-a assim?
-te ocupe de seus próprios assuntos, Cole -disse Harrison.
Mary Rose sorriu. Cole sobressaltou. Não estava acostumado a que outro homem lhe falasse assim. Outros convidados de sua irmã se mostravam sempre tímidos e não replicavam a nenhum deles. Harrison era diferente de qualquer que ela tivesse conhecido.
Cole decidiu não pressionar. voltou-se para sua irmã, e lhe dirigiu um amplo sorriso. Mary Rose pensou que tratava de ser doce, coisa muito estranha nele. Mas como seguia sonriendo, compreendeu que devia haver outra causa.
-por que me olha e te sorri assim? -perguntou-lhe, desconfiada. Não pensava lhe dizer a verdade: que seu pobre irmana tinha um aspecto lamentável. O cabelo, estava quase murcho. A cinta azul e branca pendurava para frente. Tinha sangue seca na frente e o queixo, e mais no pescoço. Quando se olhasse no espelho, dariam-lhe palpitações.
-Estou ditoso de que se sinta melhor -lhe disse.
Seguiu cavalgando para seu lado. Mary Rose queria que se fora e a deixasse sozinha com o Harrison. Não tinha terminado de conseguir que lhe dissesse como se sentia, e enquanto seu irmão estivesse perto, não diria uma palavra mais. Não cabia dúvida de que necessitava intimidade, e havia uma só maneira de obtê-lo.
-Não me sinto melhor.
-Riste-te. Eu te ouvi.
-Era um delírio. Sinto uma dor terrível. Acaso esqueceste o que me passou? Pulsa-me a cabeça, e o quadril está...
Não teve necessidade de continuar: Cole retirou. Viu como ficava à dianteira, e deixava ao Travis atrás. Douglas ficou na retaguarda do grupo, para lhes proteger as costas de qualquer surpresa.
-Bom, o que estava me dizendo?
-Mary Rose estou realmente preocupado por ti.Dói-te muito? Necessita um médico -insistiu. A moça lhe aplaudiu a mão.
-Estou bem, de verdade. Agora o recordo -continuou-. Simplesmente, não pode evitá-lo, verdade, Harrison?
-Está segura de que está bem? Quando lhe contava a Cole o mal que se sentia, parecia débil e doente. De verdade, tenho que insistir em que veja um médico -repetiu.
Voltou a lhe aplaudir a mão.
-É um gesto doce que se preocupe. Sério, estou bem. Não pode evitá-lo, verdade?
-O que? Ser doce?
Mary Rose sorriu:
-Não, não pode evitar preocupar-se por mim.
"E agora me dirá o que guarda no coração."
-Claro que me preocupo com ti. Também me preocupo com seus irmãos. Acolheste-me em sua casa, e me alimentam. Deste-me uma cama, Y...
-lhes dê umas palmadas, alimenta-os, e se sentirão sempre obrigados a ti.
-O que diz?
-Nada, nada.
-vais olhar me?
-Estou me preparando para lhe olhar -lhe disse.-Mas antes, me prometa uma coisa.
-O que?
-Não tenha mais ataques. Sei quem eu acredito que é. De acordo?
-Não tenho ataques, Mary Rose, e parar te agradar, terei que adivinhar o que crie que sou.
Pareceu-lhe justo. Por fim se voltou para ele, e imediatamente desejou não havê-lo feito. Ao semblante do Harrison apareceu uma expressão de sobressalto, mas foi fugaz. Depois, dirigiu-lhe o mesmo sorriso tolo que uns minutos antes lhe mostrou Cole.
antes de que pudesse perguntar-lhe explicou-lhe:
-Em certo modo, recorda ao Ghost.
-Tão horrível é? -sussurrou.
Tratou de lhe ordenar os cachos, que se disparavam para todos lados, e ela levantou a mão para ajudar.
-Acaso não tinha este aspecto no povo? Nesse momento não sorria?
-No povo, estava alterado. Agora, não. Além disso, seu cabelo...
-O que acontece meu cabelo?
Apartou-lhe a mão para poder alisar-se bem os cachos.
-Está murcho? OH, Deus, a sério me pareço com o Ghost?
-Não, seu cabelo está partido para lado. O teu, não.
-Mary Rose, não imagina quem está nos esperando -gritou Cole-. Clive Harrington está no pátio de adiante.
Cole gritava do mirante que estava em cima do rancho. Imediatamente, Mary Rose esqueceu sua aparência. Disse ao Harrison que se dessem pressa e alcançassem a seu irmão.
-Clive deve estar doente -exclamou.
Cole moveu a cabeça.
-Não acredito.
Travis foi o seguinte em chegar à elevação.
-E o que faz a diligência em nosso pátio?
Algo deveu passar, estava segura. Clive tinha uma política estrita. Jamais entrava com o veículo em nenhuma propriedade. Dizia que ia contra seus princípios. Deixava aos passageiros em diferentes encruzilhadas do caminho. lhes correspondia arrumar-lhe para chegar ao destino. Os convidados recebiam o mesmo trato. Ao Clive não afligia que os estranhos se perdessem. Tampouco o sentia pelas bagagens. Havia- dito a Mary Rose que tinha coisas mais importantes no que pensar.
Tinha-lhe dado a entender que, por ela, podia modificar a regra, mas ela insistiu em que a tratasse como a todos outros. Não queria considerações especiais. Clive a considerava um anjo, descido do céu para ajudá-lo a manténer seus princípios.
Por fim, ela e Harrison chegaram ao ponto elevado sobre o vale. Imediatamente, divisou ao Clive, passeando uma e outra vez diante dos cavalos.
-aconteceu algo terrível -anunciou-. Olhe o que agitado está o pobre Clive.
-Onde está Adam? -perguntou Travis.
-Deve estar dentro da casa -aventurou Douglas, desde atrás.
-Sem dúvida, é terrível.
-Não adiante aos problemas, Mary Rose -lhe aconselhou Harrison-. Poderia ser o contrário. Talvez tenham ocorrido algo maravilhoso, e o condutor está ansioso por lhe contar isso -Después de la mañana que he pasado, claro que son malas noticias. Me lo merezco.
voltou-se pela metade para que visse quão exasperada estava por uma insinuação tão absurda.
-Possivelmente lhe tenham roubado -especulou Travis.
-Duvido-o -disse Cole-. por aqui, todos sabem que nunca leva nada de valor.
-Por favor, nos apressemos -rogou Mary Rose-. Tenho que ajudar ao Clive. Tem algum problema.
-Talvez não sejam más notícias -argumentou Cole-. Pode ser que Harrison tenha razão.
-depois da manhã que passei, claro que são más notícias. Mereço-me isso.
-Pensa começar outra vez?
-Disse coisas más do Catherine -disse a seu irmão-. E embora tudo o que pinjente é certo, de todos os modos não deveria havê-lo dito. Devo acrescentar em minha defesa que vós não têm nem idéia do que eu sofri, tendo-a como única companhia enquanto crescíamos. Se soubessem lhes poriam de joelhos e me pediriam perdão. Sim, isso fariam. por que não me puseram a jogar com uma serpente de cascavel, melhor? Teria estado mais segura.
Travis sorriu ao Harrison.
-Mary Rose segue ressentida com o Catherine porque lhe cortou o cabelo. Gosta de conservar o ressentimento.
-O corte foi o de menos. Começa a baixar a colina ou te aparte de meu caminho.
Por fim, os irmãos avançaram. Chegaram ao rancho uns minutos depois. Clive se precipitou a ajudá-la a baixar.
-Ah, Senhor! O que lhe passou, senhorita Mary?
-Bickley me golpeou.
Clive se encolerizou.
-Matarei-o. Já verá, se não.
-Vamos, Clive, não te altere. Não é bom para sua digestão. Estão transladando ao Bickley e seus amigos ao Hammond. O delegado se encarregará deles. É muito considerado ao preocupar-se por mim. É um querido amigo.
-Dói-lhe, senhorita Mary? -perguntou Clive. Não se convencia de deixar de lado o tema.
-Não, não, para nada -lhe assegurou-. Assim que me lave a cara e me troque o vestido, não se saberá que me aconteceu algo.
-E se penteie -lhe sugeriu.
Mary Rose tentou acomodá-los cachos outra vez.
-Agora, me diga por que está aqui. Passa algo mau?
-Sim, passa algo mau -respondeu-. Agradeço muito que, por fim, tenha chegado à casa. Hoje não tinha por que ter ido ao Blue Belle, senhorita Mary. Não é sábado. Tinha-o esquecido?
-Não, é que necessitava provisões para lhe levar a uma amiga. Era uma circunstância especial.
-Então, se era algo especial, está bem-murmurou. Voltou para tema que o afligia-. Mesmo que parece que lhe tivessem acontecido por cima, segue sendo um espetáculo para estes olhos fatigados. Necessito com desespero sua ajuda. Tem que me ajudar. Tem que fazê-lo.
antes de concentrar toda sua atenção outra vez no Clive, lançou a seus irmãos um olhar que significava: "eu lhes dizia que havia problemas".
-Claro que te ajudarei. me diga o que passou.
-Tem que fazê-la sair de minha diligência. Não quer mover-se. Não deixou nem que Adam se aproximasse, sequer, à porta. Começou a lhe gritar. Disse que não permitirá que um criado a receba. Não seria correto. Isso é o que disse. tentei lhe explicar como são as coisas aqui, mas não me escuta. Não acredita que Adam seja seu irmão, e a entendo. Não é da zona, assim não está acostumada a este estado de coisas. Finalmente, Adam desistiu e voltou dentro. Não quer receber um disparo. Ela o ameaçou lhe disparando se se aproximava outra vez ao carro. Seu irmão me ofereceu uma cadeira cômoda e um refresco, mas eu não me atrevi a aceitar o oferecimento. Não posso deixá-la aqui fora, sozinha. Não sei o que poderia lhe fazer a meu carro se lhe der as costas. tratei que convencê-la com doçura, senhorita Mary, mas nada serviu. Exige um recebimento apropriado, e diz que não sairá até que consiga o que quer. Está aí dentro, instalada, há como duas horas. É um caso, senhorita Mary.
-Quem está aí dentro? -perguntou Douglas.
Já tinha tentado olhar pelo guichê, mas uma cortina espessa cobria a vista.
-A senhorita Border.
Ao sussurrar o nome, estremeceu-se.
-Eleanor?
Mary Rose ficou atônita. Não podia acreditar o que Clive lhe dizia. Por todos os céus, o que estava fazendo Eleanor Border em seu pátio dianteiro?
Douglas girou, e olhou fixamente a sua irmã:
-Essa Eleanor?
Clive lhe atirou da manga antes de que pudesse lhe responder ao irmão.
-Tem que me tirar isso de cima. Juro que farei algo que me peça. Até lhe suplicarei, se for necessário.
Cole foi o único que se divertiu com a novidade. Os olhos lhe faiscavam de deleite.
-Já está suplicando -disse.
Começou a rir. A famosa companheira de quarto da que tanto tinham ouvido falar, a mulher que tinha feito desgraçada a Mary Rose durante anos, tinha vindo de visita.
-O que está fazendo aqui? -perguntou Travis. Estava furioso.
-Você a convidou? -perguntou Douglas.
-Algo assim -se evadiu.
-O que significa "algo assim"? -perguntou Douglas, parando-se diante de sua irmã-. E?
-Eu a convidei, mas porque estava segura de que não aceitaria o oferecimento. Não gosta da fronteira. Considera que é uma terra Bárbara e incivilizada. Douglas, deixa de me olhar assim. O fato, feito está.
-Essa mulher, esteve alguma vez ao oeste do St. Louis? -perguntou Travis.
-Não, mas ainda assim, não lhe agrada -explicou Mary Rose.
-Quero que me diga que não é a mesma Eleanor da que estiveste falando todos estes anos -exigiu Douglas.
Aferrou-a do outro braço, disposto a não soltá-la até que dissesse o que ele queria.
-Sabe perfeitamente que é a mesma Eleanor -sussurrou ela. Tratou de lhe tirar a mão, para poder ir procurar à convidada.
-Queria te retorcer o cangote por convidá-la, Mary Rose -murmurou Travis.
-Comporta-te como um menino -lhe disse-. E baixa a voz. Não quero que nos ouça falando dela. É muito sensível.
Cole lançou a gargalhada outra vez.
-Clive, leve a de retorno ao Blue Belle -propôs Douglas-. Pode ficar em um dos quartos que há em cima do botequim.
-Pelo amor de Deus, sei razoável. Os únicos que ficam aí são bêbados. Eleanor é uma dama delicada e refinada.
-Acredito que nenhum de vocês entende qual é meu problema -exclamou Clive-. Tenho que me desfazer dela, porque preciso chegar ao Morton Junction antes de que caia a noite. Há pessoas me esperando.
-Sim, é obvio -o tranqüilizou Mary Rose-. Lhe ajudaremos. Clive não a escutava. Estava arrojado, e nada o deteria. Fazia duas largas horas que acumulava frustração, e já era hora de deixá-la sair.
-Se a gente do lugar se inteira de que tenho quebrado meus princípios e a trouxe até a porta da casa, nunca mais poderei voltar a levantar a cabeça. voltou-se para os irmãos.
-Digo-lhes, moços, que ela é todo um caso. Não penso contradizê-la. Já me furou meu melhor chapéu. Graças ao Senhor, não o tinha posto na cabeça nesse momento. Disse-me que me mataria como a um cão, se lhe faltava o respeito. Não sei se for delicada, senhorita Mary. Quão único sei é que tem que fazer algo, rápido. Quero ir daqui.
-Farei-a sair em seguida -prometeu-. Douglas, por favor, me solte. Temos que ser hospitalares. Já cometemos a grosseria de fazê-la esperar.
De pé junto ao MacHugh, Harrison esperava. A reação de cada um ante a inesperada hóspede o deixou estupefato. Não faz falta dizer que Eleanor Border tinha provocado sua curiosidade.
-Crie que te vou permitir recebê-la, depois que foi grosseira com meu irmão? -disse Douglas.
-Não entendia.
-O que é o que não entendia? -perguntou Travis-. Já ouviu o Clive: lhe disse que Adam era seu irmão.
-É óbvio que não lhe acreditou -replicou Mary Rose.
-Ameaçou matando-o a ele também -interveio Clive.
Cole deixou de sorrir.
-O que fez? -gritou.
-Cole, nunca contei a ninguém de minha família, te acalme. Você insistiu em que não o dissesse a ninguém, recorda? Todos me repetiram muitas vezes que não desse nenhum detalhe sobre nossa família. -Baixou a voz, e adicionou-: É provável que Eleanor acreditasse que Clive a enganava.
-Tratava de enganá-la -gritou Clive.
Mary Rose fechou os olhos. Douglas seguia atirando de seu braço, e Clive, do outro lado, atirava-lhe da mão. Para ser sincera, este dia não estava para suportar mais coisas. Doía-lhe tudo, e em realidade, não tinha vontades de perder tempo tratando de arrumar algo que não se podia arrumar. Tinham a Eleanor em cima, gostassem ou não.
-Pedirá- perdão ao Adam -prometeu.
-Ou o que? -quis saber Travis.
-Ou se irá -assegurou Mary Rose.
-E o que me diz de mim, senhorita Mary? Disse-me mula ignorante. Disse que não sabia o que era um banho. Disse muitas outras coisas desagradáveis de mim, que não vou repetir. Tem uma língua que parece o aguilhão de uma vespa, digo-lhe. E todo por que? Quão único fiz foi tratar de deixá-la na encruzilhada. isso acaso foi um crime, né? Você sabe que eu tenho minhas normas.
-Sim, sei. Ninguém se inteirará de que as burlou, trazendo-a aqui. Nenhum de nós o dirá a ninguém. Eleanor também se desculpará com você, Clive. Pagará-lhe um chapéu novo. Isso o fará sentir-se melhor?
Por sua expressão era como se Clive queria chorar de gratidão. Mary Rose o aplaudiu.
-Foi bom ao agradá-la. Eu sei como pode chegar a ser. Foi minha companheira de quarto na escola. Lamento que o tenha incomodado.
Clive se inclinou adiante:
-E aterrorizado, senhorita Mary. Não me envergonha admiti-lo. Cole pôs os olhos em branco.
-Eu opino que devemos incendiar o carro. Assim, faremo-la sair rápido. Eu te comprarei um novo, Clive.
Mary Rose fechou os olhos de novo, e resolveu não perder mais tempo tratando de tranqüilizar a ninguém. separou-se do irmão de um puxão e correu junto à diligência.
Clive retrocedeu até os degraus da galeria.
Mary Rose golpeou a portinhola e tratou de abri-la, mas não se moveu.
-Eleanor, já estou em minha casa. Por favor, abre a porta -gritou-. Sou Mary Rose.
Ouviu o estalo da fechadura que se abria. Abriu a porta e entrou. antes de que ninguém pudesse olhar ao interior, fechou a portinhola.
Por uma abertura das cortinas entrava suficiente luz dentro do carro. Mary Rose jogou uma olhada a Eleanor e, imediatamente, afligiu-a um sentimento de culpa por todas as anedotas que tinha contado dela. Sua antiga companheira de quarto parecia aterrada. Estava acurrucada em um rincão do carro, e tremia de medo. As lágrimas lhe caíam pela cara.
Mary Rose se sentou no banco frente a Eleanor, e fez gesto de inclinar-se para ela para lhe sustentar a mão. Então viu o revólver que tinha sobre a saia. O canhão apontava a Mary Rose.
Não se alarmou, mas ficou nervosa. Eleanor a olhava, mas Mary Rose soube que, em realidade, não a via.
-Quando conseguiu a arma? -perguntou-lhe.
-A semana passada.
-Sabe usá-la?
-Ainda não. Aprenderei.
-Os revólveres são perigosos, Eleanor. Não teria que levá-lo.
-Cortei-me o cabelo. Você gosta?
Pergunta-a não a surpreendeu absolutamente. Eleanor sempre tinha sido um tanto egocêntrica, e seu aspecto sempre estava antes que nada, inclusive que o terror.
A pobre estava tão assustada, que lhe tremiam as mãos. Tinha uma expressão enlouquecida nos olhos, e de repente, recordou a um gamo apanhado em um arbusto de urzes.
Eleanor era uma mulher muito bela, de cabelo castanho escuro, quase negro, vivazes olhos verdes. Estava acostumado a levar o cabelo pelos ombros, mas agora só chegava às orelhas. Estava tudo encaracolado, e muito bonito.
-Sim, eu gosto de seu cabelo. É adorável.
Manteve o tom baixo, quase um sussurro. Não queria sobressaltá-la, e seus movimentos também foram mesurados ao estirar a mão para apropriar da arma e girar o canhão de modo que apontasse ao chão. Logo, tirou-o com suavidade de entre os dedos da Eleanor. A amiga observou o que fazia, mas não tentou detê-la.
-Já não tem que temer mais. Está a salvo. Tudo irá bem.
-Não, não irá tudo bem. Nada pode ser igual. Não queria vir aqui. Já sabe quanto me desagradam as condições primitivas de vida.
-Se não queria vir, por que o fez?
-Não tinha nenhum outro sítio aonde ir.
Por fim, realmente olhou a Mary Rose, e os olhos lhe encheram outra vez de lágrimas.
Parecia desventurada, e ainda muito assustada. Na época da escola, sempre tinha sido pouco emotiva, e até algo fria. E Mary Rose recordou a exceção da última noite, quando a ouviu chorar.
-É a contradição personificada, Eleanor -comentou-. me Fale de seu pai. Não foram juntos a Europa depois que terminasse a escola?
-Era todo mentira -respondeu-. Meu pai escapou. E nem sequer me disse que se ia. Simplesmente... fugiu.
-por que?
-Foram as autoridades à escola a me interrogar. Nesse momento descobri o que meu pai tinha feito. É obvio, tive que ir da escola. A reitora estava furiosa. Ao parecer, meu pai lhe tinha prometido recursos para um novo edifício.
-Não pode ser que te tenha jogado -protestou Mary Rose.
-Fez-o -afirmou-. Não estavam pagas as últimas cotas. Os investigadores me disseram que meu pai lhe tinha tirado dinheiro a outras pessoas. Todos estes anos esteve lhes roubando a seus clientes com diferentes estratagemas. Levava um trem de vida esplêndido. Sempre ia impecavelmente vestido, sempre à última moda. Devia ter mais de cinqüenta trajes em seu guarda-roupa. Meu pai sempre tinha a uma jovem pendurada do braço.
-E?
Mary Rose a insistiu a continuar.
-Não queria que eu arruinasse sua posição social. Eu significava um aviso permanente de que estava envelhecendo. Meteu-me na escola como pensionata para não me ter perto.
-Não pode saber se te queria ou não.
-Sim, posso. Disse-me isso tantas vezes que me fartei de escutá-lo. Nunca me quis. Minha mãe o obrigou a casar-se tornando-se grávida. Morreu me dando a luz, mas com um anel no dedo assim, ao menos, morreu contente.
O que ouvia escandalizou a Mary Rose, e se compadeceu de seu amiga. Mas cuidou de não manifestá-lo abertamente, pois, sem dúvida, Eleanor acreditaria que sentia pena por ela.
Assim sentiu pena por ela, mas preferiu que não soubesse. Orgulho. É obvio que se interpunha no caminho das soluções práticas.
-Acreditava que seu pai e você levavam uma vida magnífica. Nas férias, foi a algum desses lugares exóticos...?
-Não, nunca fui a nenhum lado. Ficava com o ama de chaves, em minha casa.
-Mas, as histórias que me contou
-Tirei-as de coisas que li. Isso foi tudo. Queria te impressionar.
-por que?
Eleanor se encolheu de ombros.
-Não sei.
-por que não me disse a verdade?
-Tinha que cuidar as aparências -murmurou-. De tal pai, tal filha, suponho. Além disso, teria-te compadecido de mim.
-O que passou com seu pai? Onde está ele, agora?
-Não tenho a menor ideia. Ninguém sabe. As autoridades ainda estão buscando-o. Deveria agradecer que tenha pago parte de minha manutenção, mas não o estou. Usou o dinheiro de outros. Não me deixou uma nota dizendo aonde ia. A polícia não me acreditou. Levaram-me ao cárcere, e tive que ficar duas noites. Foi horrível. Por fim, deixaram-me livre. Certamente, houve um grande escândalo. Até há pessoas em Chicago que me odeiam, por meu parentesco com ele. Dá a impressão de que todos estão convencidos de que sei onde se oculta. As autoridades vigiavam a casa noite e dia. Foi insuportável. Eu me ocultava detrás de lás cortinas e fingia que nada tinha passado.
-Sinto-o muito -sussurrou Mary Rose. Eleanor não a escutou.
-Acreditei que a casa nos pertencia, mas não era assim. Nossa patrã me jogou. Não sabia a que outro sítio ir. Você me disse que fosse a ti se alguma vez te necessitava. Dizia-o a sério?
-Claro que o disse a sério.
-Não me jogará?
-Não, não te jogarei -lhe prometeu-. Tinha medo de que não te deixasse ficar porque você e eu não sempre nos levamos bem?
-Você foi a única pessoa na escola que me suportava. Sei que posso me pôr difícil. Eu te odiava, porque sabia que sentia pena por mim.
-Eu não sentia pena por ti. Está disposta a sair do carro?
-Sim.
Eleanor pôs a mão no trinco, mas Mary Rose a reteve.
-Espera um minuto -lhe pediu-. Eu gostaria de falar contigo de meus irmãos antes de lhe apresentar isso Adam...
-O homem de pele negra?
-Sim.
-Não poderá acreditar o que esse horroroso chofer me disse. Disse que esse homem escuro era seu irmão. Pode créer um pouco tão indigno...?
-Adam é meu irmão. E como é o major, também é o chefe da família.
Eleanor ficou com a boca aberta.
-Não o diz a sério.
-Digo completamente a sério. Terá que lhe pedir desculpas antes de poder entrar em nossa casa.
Eleanor ficou pasmada. reclinou-se contra os almofadões, e olhou fixamente a Mary Rose.
-Em nome do céu, como...?
-Não importa como -insistiu Mary Rose-. Adam é meu irmão, e eu o amo com todo meu coração.
-Não é possível que seja seu irmão.
Mary Rose estava cansada de tratar de convencê-la.
-É-o -insistiu, cortante, esperando que fosse a última vez-. Adam, e meus outros irmãos, criaram-me desde que eu era uma menina pequena. Somos uma família, Eleanor, e a família está acima de tudo
-A gente da zona lhes aceita a todos vocês?
-Certamente.
-por que?
Mary Rose suspirou.
-Estamos aqui a muito tempo tempo. Suponho que estão acostumados, E bem? vais desculpar te?
Eleanor assentiu.
-Não queria ofendê-lo. Não lhe disse nada mau, Mary Rose. Acreditei que o chofer estava me mentindo. Já tinha tentado me deixar em metade do caminho poeirento. Imagina?
-O chofer se chama Clive Harrington. É um bom homem, Também terá que lhe pedir desculpas. Não teria que lhe haver disparado.
Eleanor se encolheu de ombros, sem o menor indício de arrependimento.
-Não quis lhe disparar, mas não quererá que lhe diga isso. Poderia zangar-se se soubesse que a arma me disparou.
-Já está zangado.
-Foi um acidente -insistiu Eleanor-. por que tenho que lhe pedir desculpas por algo que fiz sem querer?
-Poderia havê-lo matado.
-Mas não o fiz.
-Também lhe causaste dificuldades. E feriu seus sentimentos. Prometi-lhe que lhe diria que o lamenta muito. Também lhe dei minha palavra de que lhe compraria um chapéu novo. Furaste-lhe o único que tem.
-Não posso comprar um chapéu porque não tenho suficiente dinheiro.
-Eu te darei -disse Mary Rose-. Mas que Clive não saiba. Feixe de conta que o vais comprar com seu próprio dinheiro.
-por que lhe importam seus sentimentos?
-Clive é meu amigo.
-OH, está bem -murmurou Eleanor-. Já vejo que teimará nisto. Desculparei-me, e lhe comprarei um chapéu novo. por que não me falou do Adam? Temia que o contasse às outras garotas?
Mary Rose negou com a cabeça.
-O que me importava se o contava?
-Se o fazia, evitariam-lhe.
A Mary Rose lhe acabava a paciência. Quão único queria era um banho quente e um pouco de comodidade. E sabia que não gozaria de nenhuma das duas coisas até que não acomodasse a sua hóspede.
-Sabemos tudo a respeito dos prejuízos, Eleanor. Para mim, não significa muito que um grupo de garotas ignorantes me faça o vazio. Para te ser franco, meus irmãos e eu aprendemos a não perder o tempo nas pessoas que odeiam. Todos meus irmãos são homens maravilhosos, orgulhosos. Não me envergonha minha família.
-Então, por que não disse nada?
-A família é um pouco privado -lhe explicou, repetindo o que lhe haviam dito muitas vezes seus irmãos-. O que somos e o que fazemos não é assunto de ninguém.
-Agora que o penso, tampouco me contou nada de seus outros irmãos. Sei que tem quatro, mas nada mais. São todos... como Adam?
-Sim -respondeu Mary Rose-. São igual de bondosos e bons. Não obstante, Douglas e Cole são um pouco mais teimosos.
Eleanor não podia recuperar-se. Ainda estava aturdida pela impressão que acabava de lhe dar Mary Rose.
-Agora podemos sair.
-Um minuto -disse Eleanor-. Aí fora, as coisas são diferentes, não é assim?
-Aqui, as condições são diferentes que na cidade -repôs Mary Rose-. Mas a família é a família, e não importa onde está o lar.
-O que significa isso?
-Agora que conheço todo respeito a seu pai e a sua vida familiar, entendo bem por que você não poderia entender. Quando acostumar a todos nós, acredito que você gostará de viver aqui. Estamos muito incômodas aqui, Eleanor. Não podemos sair?
-Adam é o chefe da casa e, por isso, devo respeitá-lo. Prometo-lhe isso.
Mary Rose negou com a cabeça.
-Não, respeitará-o porque assim deve ser. Não importa sua posição na família. Conhece-o, Eleanor. Asseguro-te que quando chegar a conhecê-lo, respeitará-o por quem é e não pelo que é.
-Para falar a verdade, Mary Rose, sempre trata de me confundir. Adam é o único que pode me fazer jogar, não?
Mary Rose desistiu de raciocinar com ela.
-OH, pelo amor de Deus -murmurou-. Quero me dar um banho. Por favor, pode deixar de discutir e sair?
Por fim, Eleanor notou o horrível aspecto da Mary Rose.
-O que te passou?
-Uma diferença de opiniões.
-Seus irmãos não...?
-É obvio que não. Seriamente, Eleanor, não somos bárbaros. vou sair, porque se não, deprimirei-me.
-Faz calor aqui dentro, não?
Mary Rose aferrou o trinco.
-Será amável com todos, verdade?
Não lhe teria pedido que fizesse a promessa se não soubesse do que Eleanor era capaz.
-Não te atreva a tentar nenhuma de suas tolices com meus irmãos. Não o tolerarão.
-Que tolices?
-Você sabe a que me refiro.
-me dê um exemplo.
-Esse olhar desdenhoso que dirige a todo mundo -disse Mary Rose-. E a...
-OH, está bem. Serei amável. Senhor, oxalá saiba como sê-lo.
Mary Rose se perguntou o mesmo. Por fim, abriu a portinhola e tratou de sair. O calor a tinha debilitado, e o golpe do ar frio foi como um gole de água fresca depois de um dia no pomar.
A porta golpeou ao Harrison, que esperava fora para ver se necessitava ajuda. Ofereceu-lhe a mão e a ajudou a baixar a terra.
Parecia preocupado. Lhe sorriu, para lhe demonstrar que tudo estava bem. Ainda tinha o revólver da Eleanor na mão, mas pontudo ao chão, até que Harrison o viu e o tirou. O jogou em Cole que, imediatamente, meteu-o no cinturão.
Eleanor desceu do veículo um minuto depois, e ficou junto a seu amiga. Entrecerró os olhos à luz do sol, e manteve a vista na Mary Rose.
Como Harrison era o que estava mais perto, foi o que apresentou primeiro a Eleanor. Logo, fez aproximar de seus irmãos para que conhecessem a nova convidada.
Clive estava junto aos degraus. Ainda parecia querer pendurar a Eleanor da árvore mais próxima.
Eleanor e Mary Rose se aproximaram e se detiveram de cara ao chofer, e a primeira murmurou uma desculpa.
Clive não ficou satisfeito.
-Tem que dizê-lo em voz alta e clara para que todos o escutem, e tem que me chamar senhor Harrington, com todo respeito.
Mary Rose lhe deu uma cotovelada a seu amiga para que obedecesse. Clive não sorriu, mas estava segura de que a desculpa da Eleanor o satisfez, porque seu cenho já não era tão sombrio.
-Senhorita Mary, manterá sua palavra de comprar um chapéu?
-Sim.
Clive assentiu. voltou-se caminhando ao carro, murmurando para si todo o tempo. Mary Rose sabia que os refunfuños eram para benefício dos homens. Clive não podia mostrar-se aliviado se queria manter intacta sua reputação de duro.
O chofer subiu à boléia, recolheu as rédeas, e disse em voz alta a Mary Rose:
-Na semana, não me senti muito bem, mas agora... interrompeu-se e lançou um olhar turvo a Eleanor.
-Agora não sei como me sinto. Quanto tempo ficará?
-Um tempo -respondeu Mary Rose-. Aqui sempre há lugar para ti, Clive. Sabe.
-Sinto-me melhor -disse-. Talvez, poderia combater esta enfermidade. Agora, adeus, senhorita Mary.
-Do que se trata tudo isto? -perguntou Eleanor.
Mary Rose saudou seu amigo com um gesto antes de lhe responder.
-Está me dizendo que não adoecerá até que você te parta. por que não vais sentar te em uma das cadeira do alpendre enquanto eu entro em falar com o Adam? Levará certo tempo -lhe advertiu-. Terá que te dar a bem-vinda antes de que possa pôr um pé na casa.
-E se não me dá isso?
Mary Rose não quis pensar em semelhante possibilidade.
-Adam é compassivo. Tenho que lhe contar o que te aconteceu. Não te incomoda?
-O dirá a alguém?
-Não -lhe assegurou.
Eleanor aceitou:
-Tenho que ficar aqui, sozinha?
Mary Rose olhou ao redor, procurando a alguém que pudesse acompanhar a Eleanor. O único candidato para a tarefa foi Harrison, mas porque foi o mais lento em escapulir-se. Cole já tinha chegado ao estábulo principal, e tanto ao Travis como ao Douglas apenas lhes viam os talões.
Ao Harrison não fascinava o encargo, mas teve a galanteria de fazer o que Mary Rose lhe pedia.
Mas antes a fez rogar, coisa que lhe pareceu em extremo grosseiro. Também teve que persegui-lo.
-Quer te deter? -pediu-lhe, quando ao fim o alcançou-. por que franze o sobrecenho?
-Estava preocupado por ti -admitiu-. Não teria que ter entrado. Ela tinha um revólver, Mary Rose, e poderia te haver ferido. Já disparou ao Clive.
-Eleanor não seria capaz de me machucar, nem tampouco a outra pessoa. Está assustada, Harrison. Nos últimos tempos lhe aconteceram coisas muito desagradáveis. Sei bom com ela.
Harrison sabia que teria que ser um cavalheiro. Gritou ao Douglas que fosse procurar ao MacHugh, e quando o irmão chegou, seguiu a Mary Rose até o alpendre.
Por fim, Mary Rose pôde entrar na casa. Adam estava na biblioteca, sentado depois do escritório. Trabalhava, diligente, em um livro de contabilidade, e por uns minutos, não a viu, aí na porta.
Ela esperou, paciente, tratando de evitar que lhe enchessem os olhos de lágrimas.
Por último, renunciou a tratar de manter a compostura, porque estava lutando contra o inevitável. Desde que tinha memória tinha sido uma pessoa predecible, coisa que a desgostava. Sem importar a gravidade do insulto ou a injúria sofrida, sempre podia controlar-se até que voltava para a casa e via seu irmão maior.
Então, desmoronava-se.
Esse dia, demonstrou ser tão predecible como uma garoa em um dia de campo. Quão único fez falta foi que Adam a visse.
-OH, irmã, o que te passou?
Mary Rose estalou em lágrimas e se jogou em braços de seu irmão maior.
13 de fevereiro de 1864
Querida Mamãe Rose:
Acabamos de folhear um periódico de faz um mês. Travis vendeu umas peles no negócio do Perry, e um cavalheiro de sobrenome Benson reimprimiu o discurso que disse Lincoln no Gettysburg. Já tínhamos lido da batalha, lá por julho, quando tantos homens valentes entregaram suas vidas. Benson disse que nosso presidente pronunciou o discurso no lugar do cemitério que consagrou, no lugar da batalha. Adam chorou quando o leu, e o copiou tudo para que lhe pudéssemos enviar isso -¿En serio? -una y otra vez.
Cole acredita que, talvez, já o tenha lido, mamãe, mas todos pensamos que é muito importante para não lê-lo duas vezes, pelo menos.
Você e Lincoln estão em nossas preces.
Douglas
8
Mary Rose se jogou em braços do Adam e chorou como uma menina. Ela abraçou e a aplaudiu até que se acalmou. Demorou vários minutos em recuperar o controle. Finalmente, sentou-se no bordo do escritório e desafogou seu coração, incluindo os detalhes horríveis do acontecido no povo, contou-lhe tudo. atrasou-se no episódio do Catherine Morrison. Enquanto a escutava, Adam lhe revisou as feridas, e a acalmou com sua voz suave, dizendo:
-Sério? -uma e outra vez.
Levou-a a cozinha, e lhe lavou a cara, para poder examinar melhor as feridas e decidir se faziam falta pontos. A moça conteve o fôlego até escutar o veredicto, e logo sorriu aliviada ao escutar a decisão do irmão: não faziam falta sutura.
Por fim, Mary Rose esteve em condições de seguir adiante com os assuntos desse dia. Começou por lhe devolver ao Adam seu lenço, mas ao ver que estava empapado de lágrimas e sangue seca, jogou-o no cesto da lavagem.
O irmão lhe sugeriu que subisse à planta alta a lavar-se, e ele voltou para a biblioteca a terminar o trabalho.
-Esta tarde, descansa, Mary Rose. Já tiveste muita agitação.
Ela o perseguiu: não podia dar o luxo de um banho enquanto Eleanor estivesse sentada no alpendre, afligida. Precisava instalá-la, e depois, iria levar lhe ao Corrie os mantimentos que lhe tinha comprado. Como lhe tinha prometido que retornaria esse dia, não queria deixar de cumprir.
-Já me permiti bastante autocompasión infantil -lhe disse seu irmão.
Da entrada, viu que ele se sentava outra vez ante o escritório, e notou que tinha os livros abertos de contabilidade. Soube que estava lhe interrompendo o trabalho, mas resolveu que Adam teria que ter um pouco mais de paciência. Os livros podiam esperar, Eleanor não.
-Não esqueça te pôr desinfetante nos cortes.
-Não o esquecerei -lhe disse-. Temos que falar sobre a Eleanor, agora. Está esperando no alpendre. Disse-lhe que não podia entrar até que você lhe desse permissão. Falará com ela... a sós? Quer te dizer o que lhe passou antes de que ditas se a deixa ficar.
A petição surpreendeu ao Adam:
-Soube, alguma vez em sua vida, de alguém ao que eu tivesse jogado?
-Não, mas com a Eleanor a situação é diferente. Por um tempo, sumirá à família no caos. Está de ânimo para suportá-la?
-E o que me diz de seus irmãos? Não teriam que dar sua opinião?
-Aceitarão algo, sempre que te pareça bem -replicou-. É obvio, Cole ficará difícil, mas encontrará um modo de evitá-la até que ela se adapte.
Adam se respaldou na cadeira, e olhou a sua irmã com expressão especulativo.
-Quanto tempo ficará Eleanor?
Mary Rose não pôde olhá-lo enquanto respondia:
-Uma temporada.
-Sério? E quanto seria, exatamente, "uma temporada", Mary Rose?
A moça se elevou de ombros.
-Oxalá soubesse -murmurou-. Fala com ela, por favor! Está assustada. Necessita um lugar seguro.
Adam lançou um suspiro. levantou-se e rodeou o escritório.
-Está bem -aceitou-. Agora, vete acima. Eu me ocuparei da Eleanor. Qual é seu sobrenome?
-Border -respondeu Mary Rose-. Não deveria ficar enquanto fala com ela?
Adam negou com a cabeça.
-Não é necessário.
Começou a subir a escada que levava a planta alta. Adam estava quase na porta dianteira, quando se deu a volta e o chamou:
-Quero estar segura de que Eleanor...
Adam se voltou e a olhou:
-Eleanor, o que?
-Peça-te perdão. Adam, insultou-te, e não quero que entre em minha casa até que não te diga que o sente.
-OH, pelo amor de Deus, vete acima. Está me dando dor de cabeça. Eu me ocuparei dela.
Adam abriu a porta. Eleanor estava sentada em uma das cadeiras de vime, conversando com o Harrison. O outro hóspede não estava sentado, a não ser apoiado em um poste, os braços cruzados sobre o peito, com semblante irritado e aborrecido.
Adam esperou a que Eleanor terminasse de queixar-se o ao Harrison do calor.
-Senhorita Border, passe por favor à biblioteca, comigo. Quero falar com você.
Ao ver a reação da jovem, arqueou uma sobrancelha. Embora não tinha levantado a voz, Eleanor se comportou como se lhe tivesse gritado. ficou de pé de um salto, com tal velocidade, que tropeçou com a cadeira.
Harrison se inclinou para recolhê-la.
Eleanor se dispunha a seguir ao Adam, mas de repente se deteve.
-Não posso entrar, senhor Claybome.
-Não? por que? -perguntou Adam.
-Mary Rose me disse que não podia até que não lhe pedisse perdão a você. Sinto muito, lamento muito se o ofendi. Não lhe acreditei nesse horrível chofer. Pensei que estava me mentindo para desfazer-se de mim. Por certo, não quis lhe dar a impressão de que, como você é... bom, já sabe... de que eu não podia... porque aí não acabou tudo. Nem sequer acreditei que esse homem houvesse me trazido para a casa da Mary Rose.
Teve que fazer uma pausa para respirar. Durante toda a explicação, Adam não moveu uma pestana. Harrison estava tão impressionado que não podia deixar de sorrir. Quis lhe pedir que definisse o que era Adam só para vê-la retorcer-se, mas resistiu as vontades porque era um cavalheiro.
Cole não teve tais escrúpulos. Em sua lista de objetivos, o ser um cavalheiro não estava muito alto. Acabava de chegar aos degraus que subiam ao alpendre quando Eleanor começou a expressar sua complicada desculpa.
-Adam é um "já sabe"? O que é isso? -perguntou-lhe. Eleanor se voltou, e olhou ao outro irmão, carrancuda.
-Desculpo-me por não ter acreditado que Adam era o irmão da Mary Rose. Só me disse que tinha quatro irmãos maiores e que sua mãe vivia em alguma parte do sul, mas jamais me contou mais detalhes. Admito que eu nunca perguntei.
Fez uma pausa e olhou a Cole de cima abaixo.
-É obvio, meu amiga brincava quando na diligência me disse que você e os outros dois eram iguais ao Adam. Você não o é, é obvio.
Apartou ao irmão de seus pensamentos nesse mesmo momento, e voltou a concentrar-se no Adam.
-Posso entrar, senhor?
-Por favor -disse Adam-. Seja bem-vinda a nossa casa.
-Espere um minuto. Queria saber...
-Deixa-o, Cole -sugeriu Adam, com um tom que não deixava lugar a discussões.
Eleanor entrou pela porta e dirigiu um gesto ao Harrison com a mão, que lhe fez recordar à rainha da Inglaterra.
-Recolha minhas malas do chão e as ponha em meu quarto -lhe ordenou.
Cole sorriu ao Harrison, e este lhe devolveu o sorriso. Logo disse a Eleanor:
-Sinto muito, senhorita, mas eu não posso lhe levar a bagagem, porque não posso subir à planta alta.
Baixou os degraus.
-Suponho que terá que levá-lo você -lhe disse ao passar ao irmão, arrastando as palavras.
-lhes tire o pó antes das entrar, Kyle -ordenou Eleanor. Harrison ouviu uma blasfêmia, e chegou à conclusão de que o dia começava a melhorar. Viu o Douglas que saía correndo do estábulo, açoitado pelo MacHugh. Era óbvio que o animal estava em um de seus arranques, e se desforrava com o irmão. Sim, senhor, o dia melhorava cada vez mais.
-Adam, quero te falar de algo importante -disse Cole em voz alta. Teve que elevar a voz para que seu irmão o ouvisse por cima das gargalhadas do Harrison.
Adam fez passar a Eleanor e depois respondeu:
-Não demorarei -lhe prometeu.
-O que tem que fazer?
-Falar com a senhorita Border. Não me levará quase nada de tempo. A estimativa do Adam não foi tão acertada. A conversação com a Eleanor durou três largas horas.
A discussão a sós começou em um ambiente tenso. Uma hora depois, a situação do Adam era absurda: outra vez, alguém lhe molhava o peitilho da camisa. Eleanor resultou ser um pouco parecida com a Mary Rose. depois de afirmar rotundamente que nunca, jamais chorava, estalou em pranto em cima dele.
Cole cansou de esperar a que Adam terminasse. Estava decidido a falar com ele a respeito do Harrison, pois o tinha alterado descobrir que era advogado. antes de discutir o tema, queria que Adam estivesse a par da situação.
Ouviu todo o alvoroço dentro da biblioteca, e ao abrir a porta para ver o que acontecia, encontrou-se com um quadro que o deixou estupefato. Eleanor, abraçada à cintura do Adam, soluçava, tratando de falar com mesmo tempo. Cole não podia entender as palavras, que lhe soavam como um galimatías. Era divertido observar a reação do Adam. Estava de pé no centro da biblioteca, com as mãos levantadas, como se lhe houvessem dito que tratasse de tocar o céu., Seu irmão parecia muito incômodo e impotente.
Por fim, Adam baixou uma mão e aplaudiu com estupidez o ombro da Eleanor. Ao ver que Cole observava da entrada, dirigiu-lhe um olhar de recriminação e lhe fez gestos de que se fora.
Cole apressou a fechar a porta.
Durante o jantar, nenhum dos irmãos mencionou o incidente. Eleanor preferiu ficar em seu quarto. Mary Rose lhe tinha levado uma bandeja com comida e outra bule enche que, esperava, tranqüilizasse à crispada moça.
Foi a última em sentar-se à mesa para jantar.
-Lamento chegar tarde -disse-. Eleanor não baixará para jantar conosco esta noite. Já está metida na cama.
sentou-se junto ao Adam.
-Gostaste-lhe, por certo -lhe sussurrou ao irmão maior-. Mas isso se deve a que ainda não sabe quão teimoso pode chegar a ser.
-Eu não acredito que goste de Adam, absolutamente -interveio Douglas-. De fato, acredito que está cheia de prejuízos.
Cole moveu a cabeça. Tinha pensado o mesmo até que a viu abraçando ao Adam. Como ia abraçar a alguém que odiava?
-Não, o que acontece é que é grosseira -lhe disse à família.
-Está seguro? -perguntou Douglas-. Se estiver seguro, não quero que fique por aqui.
-Estou seguro.
-O que é o que te inquieta, Mary Rose? Franze o sobrecenho como se estivesse pensando em algo -comentou Travis.
-Neguei-lhe a permissão para ir a cavalo até a colina, esta tarde -disse Adam.
-Não sou uma menina. Não sei por que crie que...
-Temos um convidado -disse Adam-. Te rogo que o recorde.
Mary Rose se apressou a fechar a boca e se voltou para o Harrison.
-Não poderíamos começar? Morro de fome -disse Douglas. Estirou a mão para tomar a terrina com as batatas, mas se deteve quando Adam lhe pediu que esperasse um minuto mais.
-Harrison, falas francesa?
-Sim. por que o pergunta?
-Queria que, esta noite, demo-nos o gosto de usar esse idioma.
-Certamente -aceitou Harrison, embora não tinha a menor ideia do que acabava de lhe pedir.
Adam se dirigiu à família:
-Estas últimas semanas, estivemos alterados, e perdemos o costume de benzer a mesa. Mary Rose, faria-nos o favor?
Assentiu com a cabeça, inclinou-a, e uniu as mãos para a prece:
-Au nom du Pere...
Outra vez, a família Clayborne deixava perplexo ao Harrison. Todos conversaram sobre francês enquanto durou o jantar. Notou que Mary Rose era a proprietária do vocabulário mais rico, e supôs que teria estudado na escola, onde se exigia entender francês e latim. Mas não só era mão direita. Tanto sua pronúncia como sua fluidez lhe indicaram que o tinha estudado muito tempo.
Era gracioso escutar ao Travis pois, embora o falava com fluidez, tinha um acento bastante estranho. Massacrava algumas palavras, ao ponto de que um francês se teria crispado ouvindo-o.
A prece que recitou Mary Rose ao começo da comida lhe resultou familiar, mas não pôde definir onde a tinha escutado antes.
-Posso lhes fazer uma pergunta?
-Outra vez? E agora, o que, Harrison? -disse Cole. Harrison não fez caso da ironia.
-A prece que pronunciastes me resulta familiar, mas não recordo onde a escutei.
-É uma oração católica chamada Graça -respondeu Mary Rose-. A dizemos antes das comidas.
-Senhor Todo-poderoso, são católicos!
Não se tinha dado conta de que levantava a voz até que todos ficaram olhando-o, perplexos e confundidos.
-O que tem contra os católicos?
-Nada -respondeu Harrison-. O que acontece é que me surpreendeu. Não sei por que, acreditei que foram... outra coisa.
-Somo-lo -lhe disse Mary Rose.
-Que coisa? -perguntou.
-Várias coisas. Não sempre somos católicos.
Harrison se recostou na cadeira. Ainda estava aturdido pela novidade. Sem dúvida, lorde Elliott se horrorizaria. A família não só pertencia à Igreja da Inglaterra: tinham a propriedade do primeiro assento.
E por que Harrison estava convencido de que os Clayborne pertenceriam à Igreja da Inglaterra?
Sua própria reação às notícias o fez sorrir. De todos os modos, lorde Elliott amaria a Mary Rose. Entretanto, empenharia-se em convertê-la.
Finalmente, registrou o que acabava de dizer a jovem: que não sempre eram católicos. Isso não tinha o menor sentido.
-Um momento -disse-. Não é possível que sejam católicos, às vezes. é-se ou não se é. Eu sei, pois meu melhor amigo é católico.
-E, entretanto, desagrada-te... -começou Cole. Harrison não o deixou terminar.
-Não me desagradam os católicos. Surpreendeu-me descobrir que vós o são. Não há nada mais.
-por que não é possível que sejamos católicos, às vezes? -perguntou Travis.
-Somo-lo -insistiu Mary Rose.
Harrison decidiu lhes seguir a corrente. Pouco a pouco, por meio da lógica e a paciência, faria-lhes entender que não podiam burlar-se dele.
-Está bem. Suponhamos que são católicos às vezes. Podem me dizer quando o são?
-Em abril, maio e junho. Harrison não se alterou.
-E o que passa em julho, agosto e setembro?
-Somos luteranos -lhe disse Travis.
Harrison ficou impressionado: Travis falou muito sério.
-E os outros três meses?
-Trocamos outra vez. Somos batistas ou, pelo menos, tratamos de seguir suas normas.
Harrison se fartou.
-Mary Rose, terminaste que...?
ia perguntar lhe se tinha terminado de burlar-se dele, mas não o deixou terminar.
-Não, não terminei -o interrompeu-. No que estava?
-Janeiro -lhe recordou Cole.
-Em janeiro somos judeus, e também em fevereiro e março, e em abril...
-Judeus em janeiro?
Não pôde conter a exclamação.
-vamos ver, o que tem contra a religião judia? -perguntou Cole-. Dá a impressão de que está contra muitas pessoas.
Harrison fechou os olhos e contou até dez. Logo, voltou a tentar vadear o pântano de confusões ao que acabavam de arrojá-lo-os Clayborne, e de achar alguma explicação plausível.
-Não tenho nada contra ninguém -lhe espetou-. Só tento encontrar certo sentido ao que fazem. Ninguém pode pertencer a tantas religiões. É uma brincadeira a cada uma delas acreditar em suas respectivas doutrinas sagradas só três meses ao ano.
Por fim, Adam teve piedade dele.
Estamos aprendendo todo o possível a respeito de diversas religiões, Harrison. Acreditam que é importante entender e respeitar as convicções de outros. Você crie na existência de Deus?
-Sim, acredito.
-Nós também -repôs Adam-. Mas não pertencemos a uma Igreja organizada.
-Certamente, porque no Blue Belle não há nenhuma -comentou Douglas-. Os vizinhos falam de construir uma igreja, mas ficam a discutir de que classe será, e por isso não fazem nada.
-Sem dúvida, educaram-lhe para formar parte da Igreja de seu pai, não é assim? -perguntou Travis.
-Assim é -admitiu Harrison.
-De menino, não te teria ocorrido te unir a nenhuma outra. Mas nenhum de nós teve pais que o guiassem. Fazemos o que podemos, Harrison.
Não pôde menos que entender o raciocínio:
-Autoeducación.
-E compreensão -adicionou Adam. Harrison assentiu.
-Há muitas religiões. Tratarão de aprender todas?
-Mesmo que comprometêssemos mentes, corações e almas em uma religião determinada, seguiríamos com a mente aberta às crenças alheias. O conhecimento é liberdade, e a liberdade traz aparelhada a compreensão.
-Há várias famílias judias que vivem no Hammond. Visitamo-los com tanta freqüência como podemos. A alguns dos habitantes dessa cidade lhes desagradam. Por ridículo que pareça, desagrada-lhes tudo o que não entendem. Inclusive, há quem se burla. São de uma ignorância vergonhosa. Como nenhum de nós nasceu judeu, não podemos nos converter em praticantes, mas ao menos tendo em conta a informação que essas famílias nos contribuíram, essa é a conclusão a que chegamos. A tradição dos judeus é rica e significativa para eles, e nós descobrimos que quanto mais sabemos dessa fé, mais nos enriquecemos. Um homem que vive de acordo com suas convicções merece admiração, e não burla. Agora entende?
-Sim -respondeu Harrison-. Agora, me expliquem por que falam em francês -continuou-. Quer entender o modo de vida dos franceses?
Apesar de estar sentado no extremo oposto ao Adam na larga mesa, Harrison viu as faíscas que apareceram nos olhos do outro.
preparou-se para uma nova frustração.
-Falamos francês porque é quinta-feira.
-E? -insistiu-o Harrison, sorridente.
Mary Rose lhe sorriu.
-E tudas as terças-feiras, quinta-feira e sábados falamos em francês.
"Outra vez", pensou Harrison. Já sabia para onde apontava essa conversação:
-Esta conversação, será como aquela do irlandês?
-Pode ser -respondeu.
-O que é isso do irlandês? -perguntou Travis.
Mary Rose se voltou para seu irmão e lhe explicou:
-Harrison pretendia que todos nós fôssemos irlandeses. Não sei por que lhe parecia tão importante, mas assim era. Quão único eu fiz foi agradá-lo. A fim de contas, é nossa hóspede, e queria que se sentisse cômodo.
-Por isso lhe disse que eu era irlandês -concluiu Travis, com um gesto de assentimento.
-Você é irlandês, Travis.
-Sei, Cole. O que não entendia era por que lhe resultava tão importante. É um tipo estranho, não?
Cole assentiu, e logo disse ao Harrison:
-Talvez queria que todos nós fôssemos irlandeses, ou talvez não. Qualquer pensaria que, como é escocês, quereria que todos nós fôssemos, em lugar de ser irlandeses. O que é o que tem contra os irlandeses, Harrison? O que lhe têm feito?
Harrison sentiu o súbito desejo de golpeá-la cabeça contra algo duro. Não soube como a conversação tinha dado semelhante giro, indo parar à defesa dos irlandeses.
Fez uma funda inspiração, e tratou de voltar a raciocinar.
-Não me importa se forem irlandeses ou não.
-por que não? -quis saber Cole.
Harrison jogou um olhar de aborrecimento ao fastidioso irmão, e chegou à conclusão de que sustentar uma conversação normal com qualquer dos Claybome era muito difícil para ele. reconheceu-se disposto a admitir a derrota.
-Rogo a Deus não ter que lhes interrogar nunca em uma sala de tribunal -comentou com secura.
-O que temos de mau? -perguntou Douglas-. fomos muito hospitalares, não?
-São por completo ilógicos, isso é o que têm de mau -afirmou Harrison. .
Já não lhe importou se os ofendia ou não. depois de tudo, a frustração também tinha seus limites.
-Possivelmente sejamos muito lógicos para ti -argumentou Cole-. Não te ocorreu?
-Só perguntava por que falam francês três noites à semana.
-Terça-feira, quinta-feira e sábados -teve a ousadia de lhe recordar Cole, com um sorriso.
Os irmãos gozavam com a irritação do convidado. Essa noite, Harrison estava lento de entendederas, mas não era parvo de arremate. Decidiu que já se divertiram suficiente. De propósito, trocou de tema:
-Mary Rose, sente-se bem?
-Sim, obrigado.
-Recebeu uma boa surra esta manhã -disse Harrison ao Adam.
-Assim parece -concedeu, em tom sereno e prazenteiro.
-Tem melhor aspecto -comentou Douglas.
"Melhor" não era o término que tivesse empregado Harrison. Parecia-lhe tão bela como sempre, com machucados e tudo. Tinha um galo na frente, perto da têmpora, do tamanho de um calhau, embora Harrison não podia ver o corte porque o tampavam os cachos. Também estava torcida a comissura da boca. Pensou que devia lhe arder. Não lhe importou: ainda assim, teve vontades de beijá-la.
-Está fazendo-o outra vez, Cole.
-Quem está fazendo o que, Douglas?
-Harrison olhe a Mary Rose com a boca aberta.
-Só estava fazendo um inventário das feridas -se defendeu o aludido-. É muito resistente, Mary Rose. Devo te felicitar por sua fortaleza.
-Não sou nada delicada -respondeu. Lançando ao Adam um breve olhar de recriminação, adicionou-: Ao parecer, meus irmãos não o entendem.
-Não comece conosco, Mary Rose -lhe advertiu Cole.
-Que não comece o que? -perguntou, com a expressão doce e inocente de uma recém-nascida.
-Tem aparência delicada -admitiu Harrison, em voz alta.
-Pois não o sou, assim não fique com a idéia de que pode me dizer o que fazer. Já tenho que suportar muitos dessas tolices.
O tom veemente fez ao Harrison elevar uma sobrancelha. Era evidente que a jovem estava de mau humor. Não soube o que a tinha posto assim, mas teve a prudência de não lhe pedir que contasse qual era seu problema. Tinha a expressão de alguém com vontades de lhe arrancar a cabeça a outro, e ele preferia que a sua própria ficasse onde estava.
-Não lhe faça nenhuma pergunta -disse Cole, em um sussurro audível.
-Não me atreveria -repôs Harrison.
-Do que queria falar comigo? -perguntou Adam.
-Do Harrison -respondeu Cole-. Queria falar contigo a respeito de nosso convidado. Cansei-me de esperar que terminasse de falar com a Eleanor, e voltei a trabalhar. De todos os modos, agora sei por que Harrison faz tantas perguntas: não pode evitá-lo. Já ouviste seu comentário com respeito a nos interrogar em uma sala de tribunal, assim, saberá que...
-É advogado -interrompeu Travis, antes de que seu irmão pudesse terminar.
Cole olhou com recriminação, porque lhe tinha tirado a sensação ao anúncio. Mas, deixando a rudeza de lado, continuou:
-Acreditou que nos havia isso dito, mas eu acredito que o esqueceu de propósito. Deve ter imaginado que se sabíamos qual era sua profissão, não o deixaríamos ficar conosco. A fim de contas, temos nossas normas.
A novidade deixou estupefato ao Douglas, reação que sentiu saudades a Cole.
-Não estava escutando-o faz uns minutos? Só os advogados interrogam às pessoas -disse Cole.
-Não estava emprestando atenção -admitiu-. por que não nos há isso dito? Não lhe faltaram oportunidades.
-É muito grosseiro falar de um convidado quando está na mesma habitação -interveio Harrison.
-É preferível esperar que se vá, e depois falar com suas costas? -perguntou Cole.
-Não deveriam fazê-lo em nenhum caso -replicou Harrison..
-por que não nos disse isso? -perguntou Douglas.
-Acreditou que o havia dito -disse Cole-. No povo sabem todos, até o Dooley.
-Bom, mas nós não, verdade? -disse Douglas-. Lhes juro que estou tão furioso que lhe pegaria.
-Eu já o fiz -alardeou Cole.
-É certo -confirmou Mary Rose com olhar acusador-. Na cozinha dos Morrison. Seu irmão tem uns maneiras excelentes na mesa, Adam. Não crie, Harrison?
Todos emprestaram atenção, para ver de que parte ficava, e Harrison resolveu dar uma resposta completamente sincera.
-Pode ser -admitiu-. Aceito que pensava lhe devolver o golpe, mas vi que você estava olhando.
-Sabia que eu estava olhando? -perguntou a moça. Assentiu, e o cenho da Mary Rose se fez mais profundo.
-E ainda assim permitiu que Catherine Morrison se pendurasse de ti?
-Não estava pendurada de mim, não é certo, Cole?
Como fazia um instante o tinha defendido, Cole acreditou obrigado a fazer o mesmo com ele:
-Não, não o estava. Só se mostrava amável, não é certo, Travis?
-Possivelmente, um pouco muito amável para meu gosto -respondeu Travis-. Mas também foi muito amável comigo e, por isso, suponho que está bem.
-Em outras palavras, também se pendurou de ti -estalou Mary Rose. Nesse momento, por acaso, Harrison olhou ao Adam, e lhe surpreendeu vê-lo sorrir. Era evidente que lhe divertia o modo em que sua irmã reagia ante o Catherine.
-O que te importa o que faz ao Harrison? -perguntou Cole.
-Resulta que tenho a convicção de que uma anfitriã deve ser um pouco menos hospitalar -murmurou.
-É claro que sim que foi hospitalar -repôs Cole. -Mary Rose, se deixasse de lado sua teima e seu ressentimento contra Catherine pelo que te fez quando foram meninas, poderia ver que se converteu em uma mulher agradável. Doce, inocente e de bom coração.
De repente, Adam trocou de tema.
-Eu gostaria de lhes fazer uma pergunta a todos -anunciou. Esperou a que todos lhe emprestassem sua completa atenção, e disse-: Tenho curiosidade por saber onde estavam vocês enquanto Mary Rose recebia a surra. Alguém teria a gentileza de me explicar isso -Ahora puedes retirarte, hermana. ¿Por qué no vas a la sala y practicas música? Hace mucho que no te oigo tocar.
Todos se lançaram a explicá-lo ao mesmo tempo. A Cole afetou tanto o que sentiu como uma crítica implícita, que esqueceu falar em francês enquanto detalhava uma lista de razões para não estar cuidando da irmã.
Mary Rose se achou em meio da competência de gritos, e seguiu insistindo em que era perfeitamente capaz de cuidar-se sozinha. Mas ninguém lhe emprestou a menor atenção.
A mudança operada no Adam fascinou ao Harrison. Como diria um inglês, estava muito furioso. Era a primeira vez que o irmão maior mostrava alguma emoção verdadeira, e a expressão de seus olhos era quase tão arrepiante como sua voz. Travis apresentava umas desculpas de por que não estava vigiando a sua irmã. O que Cole dizia não tinha muito sentido, e Douglas tentava fazer aceitar suas próprias desculpas.
Do mesmo modo, surpreendeu-o seu próprio comportamento. Não só se colocou na discussão, mas também estava no centro mesmo. E era tão vocinglero e obstinado como Cole quando queria fazer-se ouvir por cima dos outros.
Estava divertindo-se como nunca. Lá, na pátria, os jantares eram tão dignos... E tão aborrecidas...! Ninguém falava mais que em sussurros, e ninguém interrompia a outro para impor seu ponto de vista. Só se falava de temas sem importância, e até esse momento, Harrison não tinha compreendido quão opaca foi sua vida, e o excessivamente controlada.
-Adam, escuta-me, por favor? -pediu Mary, quase gritando, e até golpeou a mesa com o punho para fazer-se ouvir-. Queria te informar que sou uma mulher adulta, e posso me cuidar sozinha. Não compreende que esta discussão é ofensiva para mim?
A resposta não lhe agradou:
-Agora pode te retirar, irmã. por que não vai à sala e pratica música? Faz muito que não te ouço tocar.
Quis protestar, mas a expressão de seu irmão a fez desistir. Todos se levantaram quando saiu do comilão, imitando ao Harrison.
Assim que a irmã esteve fora da vista, sentaram-se de novo e começaram a gritar outra vez.
Harrison não seguiu brigando pela atenção do Adam. recostou-se na cadeira e contemplou a briga dos irmãos.
Cole tinha acalmado o suficiente para voltar para francês, e desdobrava maldições nessa língua, da qual parecia conhecer um completo vocabulário, muito colorido.
-Por Deus, um minuto estava aí e ao minuto seguinte tinha desaparecido. Quão único fiz foi me dar a volta, e se esfumou.
Sua explicação era quão única tinha sentido. Travis seguia apresentando desculpas, e nada do que dizia era plausível. Douglas estava muito atarefando acusando a Cole de não emprestar atenção. Recordou aos irmãos que ele estava no estábulo e, portanto, não podiam esperar que cuidasse da Mary Rose. Ninguém podia estar em dois sítios ao mesmo tempo.
-Então, como esperavam que eu estivesse dentro do armazém e fora, ao mesmo tempo?
-Está bem, está bem -gritou Travis-. Eu ia ver o Catherine. Teria que haver ficado no povo, mas pensei que você estava vigiando-a, Douglas.
Adam voltou a vista ao Harrison.
-E você, o que fazia?
Não deu nenhuma desculpa:
-Assumo toda a responsabilidade. Envolvi-me em uma discussão sobre o rodeio de gado e, simplesmente, não vi quando saía do armazém.
Adam assentiu. Percorreu todas as caras com o olhar antes de dizer:
-Isto não pode voltar a acontecer. Mary Rose pode cuidar-se de si mesmo. Eu compreendo que não somos seus cuidadores. Ela também tem a culpa, porque foi procurar problemas. E não tinha nem um revólver, sequer -acrescentou, sacudindo a cabeça-. Nossa irmã permitiu que a dominasse a ira. Mas, agora que está na sala e não pode protestar, vos lembrança que, em realidade, é delicada. Talvez não goste de suas próprias limitações físicas, mas isso a nós não deve nos importar. Poderia ter morrido.
-Certo -admitiu Cole-. Porque Bickley será baixo, mas tem mais do dobro que o peso e a musculatura dela.
-Seus secuaces eram corpulentos -disse Douglas.
-Seus secuaces? Houve outros machucando-a?
O rugido de raiva do Adam fez encolher-se aos irmãos. Cole e Travis se voltaram para o Harrison em busca de ajuda, e Douglas se concentrou na taça de café.
-Nenhum outro a golpeou -esclareceu Harrison-. Eu consegui convencer ao Bickley de que não fugisse. Seus irmãos teriam feito o mesmo, o que aconteceu é que eu fui o primeiro em acudir.
-Como convenceu ao Bickley? -perguntou Adam, já o bastante sereno para fazê-la em voz normal.
-Com os punhos -admitiu Harrison-. Perdi o controle, e não o lamento absolutamente. Poderia havê-los matado a todos, e não o fiz. Estão de caminho ao Hammond. As autoridades se encarregarão deles.
-por que crie que o delegado fará algo? -perguntou Adam.
-Insinúas que não fará nada?
-Duvido-o. Nós vivemos no Blue Belle. Os vizinhos do Hammond se ocupam de seus próprios assuntos. Deus sabe a quanto se tem que enfrentar o delegado. O mais provável é que lhes dê uma palmada e os deixe ir.
-Crie que voltarão para o Blue Belle? -perguntou Harrison.
-É possível -disse Adam-. Os indesejáveis sempre chegam a nosso povo. Ainda assim, não acredito que Bickley ataque ao Rose. O branco será você, Harrison. E acredito que todos nós temos que estar em guarda.
Os irmãos se apressaram a manifestar seu acordo. Adam sorriu:
-Me alegro de ter espaçoso o ambiente. Harrison, faz mais ou menos um mês compramos trezentas cabeças de gado a um rancheiro que vive perto das cataratas. Ficará o tempo suficiente para nos ajudar a trazê-los para o Rosehill?
Não teve tempo de responder, pois Douglas opinou antes:
-Não sabe como enlaçar um cervo. É assim, Harrison?
-Assim é, mas eu...
-me deixe adivinhar -disse Cole, marcando as palavras-. "Não acredito que seja tão difícil", certo? Não foi o que disse com respeito à domesticação de cavalos?
-Possivelmente fosse um tanto inepto -concedeu Harrison-. Mas estou seguro de que se me derem uma corda e me ensinam a usá-la, aprenderei em pouco tempo.
-Você gosta de sofrer, né? -comentou Douglas.
-Quando compreenderá que está completamente fora de seu elemento? -perguntou Cole.
-depois de te esmagar a cara, Cole.
Todos riram, pois não acreditavam que falasse a sério.
-Sim, senhor, é fácil simpatizar contigo -disse Cole.
-por que? -perguntou Harrison.
-É o único que se enfrenta lhe explicou Douglas-. Por isso lhe agrada. Pode que não seja muito inteligente, mas não cabe dúvida de que tem valor. Cole não está acostumado a que lhe repliquem.
Harrison se elevou de ombros.
-A que distância vive esse rancheiro ao que lhe compraram ganho?
-A uns dois dias a cavalo -respondeu Cole-. Depois de amanhã pode começar a praticar com uma corda. Primeiro, terá que terminar com os cavalos selvagens. Ainda está esse tão obstinado que deve domar. Recorda-o?
Harrison exalou um suspiro.
-Recordo-o. o das manchas. Ainda não está disposto a atender razões. Mas já está aproximando-se. Sinto como vai captando a idéia. É muito semelhante a ti, Cole. Realmente teimoso. Possivelmente, amanhã tenha melhor sorte com ele.
-Já teria terminado se não perdesse tanto tempo lhes explicando tudo aos cavalos. Não compreendem uma só das palavras que lhes dirige. Tem que entendê-lo.
-Estou fazendo que se acostumem a minha voz -explicou Harrison-. Claro que são obstinados, mas além disso estão assustados. Eu não sou o único que lhes fala com os cavalos: ouvi-o o Douglas.
-Tem razão -admitiu Douglas-. Eu lhes falo.
-Douglas, por favor, pode ir recordar lhe a Mary Rose que toca a ela tirar a mesa? Harrison, você o fará amanhã de noite.
-Seguro. No que consiste a tarefa?
-Alguma vez teve que limpar a baixela? -perguntou Cole.
-Não.
-Não há dúvida de que lhe consentiram, né? -comentou Travis.
-Suponho que sim.
Douglas se levantou da cadeira e foi até a porta, mas se deteve na soleira, voltou-se e retornou depressa à mesa.
-Eu não entrarei aí. Vê você a procurá-la, Travis.
Douglas se sentou ao mesmo tempo que Travis se levantava.
-Está tocando Beethoven -lhe advertiu Douglas.
-Qual?
-A Quinta.
Travis voltou a sentar-se.
-Mandemos ao Harrison.
Todos os irmãos riram. Cole explicou o que era o divertido:
-Ninguém quer aproximar-se da Mary Rase quando está tocando ao Beethoven.
-por que?
-Porque significa que está de péssimo humor -explicou-. Cada vez que ouvimos "A Quinta", fugimos. Se for Mozart ou Chopin, está a salvo -acrescentou Esta noite, está martelando, né, Adam?
O irmão sorriu.
-É certo -admitiu-. Harrison, está preparado para ir à biblioteca?
O aludido assentiu, levantou-se, e saiu detrás o Adam do comilão.
Os dois tinham desenvolvido o costume de rivalizar entre si todas as noites em acalorados debates. Harrison esperava com impaciência os desafios mentais. As primeiras vezes, deixou ganhar no Adam ou, ao menos, ele acreditava que lhe tinha permitido ganhar.
Debater com o Adam era um desafio, e Harrison o desfrutava de muito, quase tanto como o mesmo Adam.
acomodou-se em uma das duas poltronas brandas de couro que havia frente à chaminé, e tomou um caderno de uma mesa lateral. Aproximou o tinteiro e a pluma.
Adam serve sendos goles de conhaque. Entregou ao Harrison o seu e se sentou frente ao convidado.
Harrison apoiou os pés em um tamborete.
-Esta noite, qual é nosso tema?
-pensei bastante na questão, e me decidi pela invasão final de Cartago.
Deu a impressão de que saboreava cada palavra.
-Como vamos falar do final sem ter examinado o princípio? -replicou Harrison.
Adam se aplaudiu o joelho:
-Justamente -disse-. Deve compreender que os gregos eram um povo orgulhoso e de elevada inteligência.
A afirmação inicial fixou sua postura. E Harrison contra-atacou com sua própria tese:
-Igual aos espartanos. Também eram invencíveis na luta, e possuíam habilidades superiores em todas as áreas, inclusive no planejamento das batalhas. Não pode discutir-se sua superioridade.
Assim começou o debate. Os dois discutiram mais de uma hora. Quando, ao fim, Adam sugeriu que fizessem um alto, Harrison somou os pontos nos que cada um tinha devido ceder a razão ao outro, e tanto ele como Adam se decepcionaram ao descobrir que tinham finalizado com um empate.
Adam ficou na biblioteca para ler antes de deitar-se. Harrison deu as boa noite, e empreendeu a volta ao barraco.
Mary Rose estava esperando-o no alpendre. Sob a luz lunar, seu cabelo era como um farol.
-Como não está deitada? É tarde.
-Necessitava um pouco de ar -lhe respondeu-. Caminharei contigo. Harrison a esperou ao pé dos degraus, e cruzaram juntos o pátio -Esta noite estou inquieta.
-Beethoven não te ajudou a te liberar da ira?
Mary Rose percebeu o tom divertido, e sorriu.
-Não sentia ira a não ser frustração. Meus irmãos, às vezes, resultam sobreprotectores. Sempre tratam de meter-se.
-Eu não acredito que se metam o suficiente -lhe disse Harrison-. Este lugar é perigoso.
-E eu sou uma mulher débil e pequena, verdade? Harrison moveu a cabeça.
-Não penso entrar em semelhante discussão. Não tenho piano no barraco, e então seria eu a vítima do murro.
-Isso significa que me crie incapaz...
-Não opinei em nenhum sentido. Tem um costume que me irrita sobremaneira, Mary Rose. Sempre te precipita a tirar conclusões antes de conhecer todos os fatos.
A mão dela se roçou com a sua.
-Isso faço?
-Sim, isso faz.
Roçou-o outra vez, de propósito, mas Harrison não se deu por aludido. Ou era tímido, ou tolo. As sutilezas se desperdiçavam com ele, e Mary Rose imaginou que devia ser mais audaz para obter que cooperasse, e essa conclusão a irritou em extremo.
Aferrou-lhe a mão e se aproximou mais ao flanco do homem. Harrison não teria mais remedeio que apartar-se ou empurrá-la, e era muito cavalheiro para comportar-se de um modo tão grosseiro. Teria que advir-se com ela, gostasse ou não.
A demonstração de afeto o surpreendeu, mas não retirou a mão. Em troca, a apertou e a sujeitou com força.
-Passas uma enorme quantidade de tempo conversando com o Adam -comentou, em um tom que, esperava, soasse despreocupado.
Aludir ao tema a punha nervosa, e não queria que ele o advertisse.
-Você crie?
-Assim é.
Harrison não adicionou uma palavra. Mary Rose seguiu esperando que lhe explicasse por que, mas como seguiu em silêncio, resolveu insistir:
-Pergunto-me por que falas com ele todas as noites -disse, com voz um pouco afogada.
Harrison a olhou para ver se algo a preocupava ou, em realidade, estava assustada.
Quão único pôde ver foi o cocuruto. Mary Rose olhava ao chão, e não a ele. Entretanto, tremia-lhe a mão, sinal de que algo a afligia o bastante.
Harrison sabia que não devia abordar a de maneira direta para saber o que lhe passava. O único modo de obter dela uma resposta sensata era dando um rodeio.
-Eu gosto de falar com ele.
-Isso pensei.
-Sim.
-E do que falam?
-De diversos temas.
-Sei mais concreto.
-por que? O que quer saber?
-Sinto curiosidade.
-Falamos de toda classe de coisas.
-Por exemplo?
-Como a guerra entre estados aqui, em seu país, e o motivo pelo que ninguém a denominou guerra enquanto estava desenvolvendo-se. Do que acreditava que falávamos?
-Acreditei que talvez lhe fizesse perguntas. Tem inclinação à curiosidade.
-A respeito do que supõe que lhe faria perguntas?
-De seu passado.
-Não, não lhe tenho feito pergunta a respeito de seu passado.
Só depois de responder, Harrison compreendeu o significativo da resposta. Não lhe tinha feito ao irmão nenhuma só pergunta sobre o passado. Tinha desperdiçado, sabendo, perfeitas oportunidades para averiguar mais sobre a família. ficou surpreso de seu próprio comportamento. Tinha esquecido suas prioridades, e ao dar-se conta disso se sentiu afligido. O tinha ido a Montana procurando a verdade e agora, embora ficava uma informação vital para encaixar todas as peças e encontrar ao culpado do seqüestro, tinha cessado de averiguar e desistido.
Compreendia a razão de sua própria relutância: a verdade destroçaria à família Clayborne. E, Por Deus, a só idéia da dor que ia causar lhes destroçava isso a ele!
Mary Rose se aferrava de sua mão, manifestava-lhe seu afeto por ele, mas sabia que quando descobrisse por que tinha permanecido com a família, desprezaria-o.
E Harrison não queria o desprezo da moça: o que queria e precisava era seu amor.
Apertou o passo. De repente, enfureceu-se consigo mesmo. Precisava estar a sós para pensar e chegar a algum tipo de conclusão. envolveu-se emocionalmente com a família Clayborne sem sequer advertir que estava lhe acontecendo. Agradavam-lhe todos eles, queria-os, preocupava-se com todos. Se até gostava do chateio que lhe provocava Cole!
OH, sim, essa noite tinha muito no que pensar.
-Harrison, não queria te ofender ao insinuar que talvez te entremetesse -Sussurrou Mary Rose.
-Não pensei isso.
-Não está zangado?
-Não, é obvio que não.
Diminuiu o passo e tratou de serenar-se.
-E por que me espreme a mão?
Imediatamente, soltou-a.
-Faz frio esta noite. Teria que voltar para a casa -disse, de repente.
-Não tenho frio -disse ela.
Por fim compreendeu que, talvez, Harrison queria desfazer-se dela.
Abrigou a fervente esperança de estar equivocada,
-Está preocupado por algo?
-Como o que?
-Que eu volte a te beijar.
Era uma afirmação absurda, e não pôde menos que rir.
-Eu te beijei -lhe recordou.
-Eu ajudei.
-De acordo, ambos somos culpados.
-Culpados -repetiu-. Se nota que é advogado. Oxalá não fosse.
-te explique.
-Os advogados nos incomodam.
-por que?
elevou-se de ombros: não estava disposta a lhe esclarecer nada mais. Mas Harrison não se conformou. Já era hora de obter uma resposta aceitável.
-se preocupava que fizesse ao Adam pergunta sobre a família ou sobre seu passado?
detiveram-se e estavam cara a cara. A lua tendia sobre eles um toldado de ouro.
-Não queria que o incomodasse, simplesmente. Ao Adam não agrada falar de sua infância. Era escravo, Harrison. Isso é tudo o que precisa saber.
-Do que gosta de falar? -perguntou-. Também está fora de contexto a época que passou na cidade de Nova Iorque?
-Não.
-E do tempo que lhe levou chegar aqui? Estará disposto a falar da viagem, ou também tenho que evitar esse tema?
-Não acredito que lhe incomode falar da viagem. Meus irmãos estão muito orgulhosos do que obtiveram.
Harrison não pôde conter-se de sujeitá-la e aproximá-la a ele. Esta vez, não foi uma reação física a sua cercania. O que acontecia era que precisava tê-la perto todo o tempo possível.
Ao parecer, Mary Rose entendeu sua necessidade, pois lhe rodeou a cintura com os braços e o abraçou com força.
-Sentiu-se sozinho enquanto crescia, não é assim?
-Se assim foi, não sabia -respondeu.
Apoiou o queixo no cocuruto da moça. Fechou os olhos e aceitou o prazer que lhe oferecia.
-até agora? -sussurrou Mary Rose, contra o pescoço da camisa.
-Sim, até agora.
Tentava consolá-lo. A delicadeza e a compreensão da moça quase o afligiram. Quanto amor tinha dentro dela. O fazia sentir-se... completo. A vida tinha sido vazia, oca, geada. Mary Rose, doce, amorosa Mary Rose. Em nome de Deus, o que ia fazer com ela?
Por fim a soltou, não sem esforço. Mais tempo levou obter que ela o soltasse, pois teve que lhe apartar as mãos.
-Não vou pedir te que me beije. Não se preocupe por isso.
-Tem que voltar para a casa, Mary Rose. Vamos. Acompanharei-te.
-Mas eu acabou de te acompanhar a ti.
-Então, boa noite.
-boa noite.
voltou-se para partir. Harrison juntou as mãos à costas e a contemplou. Tinha baixado por completo o guarda quando, de repente, Mary Rose se deteve e se jogou em seus braços. Rodeou-lhe o pescoço com os braços, levantou-se nas pontas dos pés, e lhe deu um beijo comprido e torpe.
Não pôde evitar tomar o mando. Envolveu-a em seus braços, e lhe demonstrou como queria que o beijasse. Sua boca era cálida, aberta, devoradora. A língua se moveu dentro, ao compasso da dela, e já não pôde saciar seu desejo pela Mary Rose... que Deus o ajudasse.
O beijo se tornou carnal. Desejou que não terminasse nunca. O ruído gutural que vibrou no fundo da garganta da Mary Rose o embriagou. Tudo em lhe resultava mágico, e quando compreendeu que queria muito, mas muito mais, tornou-se atrás imediatamente.
Mary Rose levantou a vista para ele, os lábios rosados e inchados dos beijos, os olhos nublados de paixão, e o único que pôde pensar foi tê-la outra vez entre seus braços.
-boa noite.
A voz da moça foi um murmúrio rouco.
Mas não se moveu. O atordoamento da moça lhe agradou sobremaneira. Compreendeu que a paixão era uma novidade para ela, e como não tinha experiência pela qual guiar-se, confiava nele, e isso a fazia vulnerável. Mary Rose era uma mulher forte. Não permitiria que nenhum homem a dirigisse. Tinha uns valores e uma moral muito firmes, mas apesar disso ela era vulnerável respeito a ele. E ele compreendeu que era seu dever preservarIa da dor.
Contemplou-a até que chegou à casa e entrou. E tampouco então pôde mover-se. No nome de Deus, o que ia fazer? Mary Rose estava apaixonando-se por ele. Poderia deter o afeto antes de que se fizesse mais profundo, mas não tinha feito nada para desanimá-la.
por que? A verdade o afligiu. Já fazia uma semana que a tinha diante. Sabia o motivo exato que lhe tinha impedido de desanimá-la.
Estava apaixonado por ela.
2 de agosto de 1864
Querida Mamãe Rose:
Leímos no periódico do Hammond a informação de que se livrava outra batalha ao redor do lugar onde vive você e a senhora Livonia. É obvio, preocupamo-nos. Ouvimos terríveis historia a respeito das incursões em busca de mantimentos e remédios. Uma semana depois de ler o periódico, chegou sua carta onde nos contava que estavam bem. Suponho que deve estar sacudindo a cabeça por nossa tolice. Insiste em que mantenhamos a fé em Deus e deixemos que O se preocupe, mas às vezes é difícil lhe ceder as coisas ao. Tentamo-lo, Mamãe, e suponho que isso deve contar.
Asseguro-te que lamentamos inteiramos de que o tratamento não melhorou a vista da senhora Livonia. Não te parece que todas essas surras que lhe infligiu o marido podem ter contribuído a lhe turvar a visão? Lembrança havê-la visto toda cheia de machucados e ensangüentado. Por favor; lhe diga que pensamos nela e oramos para que se recupere da cruz que lhe tocou suportar.
Espero que os filhos dela lhes deixem em paz. Algumas costure que fizeram a sua própria mãe repugnam. Como os filhos podem ser tão cruéis? A Cole preocupa que os filhos possam te incomodar a ti como o fazia o pai deles, mas eu lhe disse que tivesse mais confiança em ti. Enquanto te mantenha alerta, e perto de sua mãe, não se atreverão a te fazer danifico. Oxalá não me equivoque.
O periódico publicou outro dos magníficos discursos do Lincoln. Pronunciou-o faz vários anos, Mamãe. Sabe que nos denominou Homens Negros, e não Escravos? Para mim, Negro é mais digno que certos outros nomes que nos atribuem. Cole pergunta por que não nos dirão, simplesmente, homens e mulheres. Oxalá fora assim de simples, mas as pessoas têm idéias estranhas com respeito aos que não lhes parecem. por que a diferença de cor provoca ódio na gente?
Uma noite, todos os irmãos nos pusemos a discutir sobre as diferenças raciais. Perguntei ao Travis se acreditava que aos que redigiram a Declaração da Independência lhes importava a cor da pele das pessoas. Em nossas leis diz que todos fomos criados iguais. Disse a meus irmãos que não acreditava que Jefferson pensasse em incluir os negros quando redigiu as leis para seu governo, mas Douglas opinou que não deveria importar: Igual é igual, e não importam a cor da pele, a religião que pratica, nem nada disso. Pusemo-nos de acordo em uma coisa: muitos habitantes do Sul não se incomodaram em ler a Constituição.
Agora, a Mary Rose agrada ajudar com a baixela. É cuidadosa com as duas taças de porcelana que lhe conseguiu Travis. Prometeu-lhe que assim que pudesse conseguir outras dois, ensinaria-lhe como dar um autêntico chá. Agora, está tratando de conseguir uma bule, e conhecendo o Travis, sei que não vai falhar: Claro que ele não sabe nada do que é correto, mas está seguro de que a senhora Morrison terá muito gosto em lhe ensinar como se faz, e que depois ele poderá lhe ensinar a nossa irmã. Cole jura que não participará de nenhum chá, mas trocará de idéia. Sempre acontece.
Por fim, Cole começou a construir nossa casa. O ano passado, os fatos foram encadeando-se para impedir-lhe Primeiro foi o abrigo para o Douglas, logo chegou o inverno antes de que pudesse fazer o porão, e a primavera seguinte, teve que passar muito tempo caçando para comer e conseguindo cavalos para vender: Vendemos todos os cavalos selvagens que capturou. As montanhas estão cheias de oportunidades. Cole não pode trabalhar na casa enquanto os irmãos se dedicam a reunir cavalos. Sabe que nossos ganhos dependem de capturar aos selvagens, e domá-los antes de que o façam outros. Douglas está conquistando reputação no Blue Belle. A gente viaja quilômetros para lhe consultar sobre o que terá que fazer com uma vaca doente ou uma galinha suscetível. Meu irmão tem talento e sabe o que terá que fazer.
Todos nos esforçamos em depurar nossa linguagem, porque Mary Rose amaldiçoa todo o tempo. A Cole lhe ocorreu escrever uma palavra nova todas as manhãs, na piçarra. Todos temos que empregá-la em algum momento do dia. Pareceu-lhe que nos faria bem aumentar o vocabulário e, certamente, nossa irmã resultará beneficiada. Não gosta de ser deixada de lado em nada.
Incluo notas pessoais para ti. Muito em breve te escreverei outra vez, Mamãe.
Que Deus te conserve a saúde, Adam
9
na sexta-feira recebeu outra lição de humildade. Harrison despertou cedo, espaçoso. Estava resolvido a obter que o último cavalo que lhe tinham atribuído estivesse acalmado e se comportasse com decência antes do meio-dia.
Errou o objetivo durante várias horas, mas a última hora da tarde, depois de uns dez moretones mais, o mustang manchado por fim obedecia.
A paciência e a resistência do Harrison impressionavam ao Douglas. Gritou-lhe a Cole que se aproximasse de ver com seus próprios olhos o excelente trabalho que tinha feito o hóspede.
-Olhe que doce e dócil está Mancha agora -lhe comentou-. Harrison o tranqüilizou.
Douglas tinha os braços sobre a perto, e fez um gesto ao Harrison para que guiasse a Mancha e ele pudesse elogiá-lo.
-Fez um trabalho notável -o elogiou.
-empreguei a paciência e a compreensão -repôs Harrison, olhando a Cole enquanto se gabava-. Faria bem em aprender um pouco de ambas as coisas.
Cole burlou:
-Paciência e compreensão? Diabos, Harrison, falou-lhe e lhe falou, até que o pobre animal esteve disposto a fazer algo com tal de te fazer calar.
Harrison não se deixou provocar. Tinha coisas mais importantes no que pensar que o teimado irmão da Mary Rose, que jamais cedia um ápice.
apeou-se, e tirou ao potro arreios e manta. Mancha o seguiu até a perto. Harrison pendurou a equipe sobre o bordo, apoderou-se da brida e conduziu ao animal para o curral maior, onde se guardavam os outros mustangs.
Foi um engano entrar com Mancha à zona cercada. Levou-lhe muitíssimo tempo lhe tirar a brida, pois os outros cavalos se formavam redemoinhos ao redor e se mordiscavam entre si, tratando de atrair a atenção exclusiva do Harrison. Cada cavalo desejava não passar inadvertido, e não pôde ir-se ter espalmado e elogiado a todos.
Deu um rodeio em tiro do curral para não ter que discutir outra vez com Cole; ao passar recolheu a manta e a arreios e seguiu atravessando o pátio para o estábulo.
Douglas e Cole ficaram olhando aos cavalos.
-Deste-te conta? -murmurou-lhe Douglas ao irmão. Cole sorriu.
-É claro que sim.
Moveu a cabeça. Os cavalos estavam tão encantados com o Harrison que tinham rodeado a perto por dentro, em cachos, e seguiam os passos de seu mentor, que ia por fora.
-até agora, alguma vez tinha visto comportar-se assim aos animais -disse Douglas-. Está disposto a admitir que as palavras do Harrison possam ter exercido certa magia?
Cole encolheu de ombros.
-Admito-o, mas não ante ele. Pergunto-me se será capaz de convencer aos cervos de que o sigam até nossa casa.
-É provável -respondeu Douglas-. Viu ao Travis?
-Está oculto no abrigo.
Douglas não teve necessidade de perguntar por que o irmão menor se refugiou ali. O motivo estava sentado no alpendre dianteiro.
Eleanor Border se balançava na cadeira preferida do Adam, e se abanicaba com o leque que Mary Rose reservava só para as grandes ocasione.
Douglas e Cole giraram ao uníssono e lançaram um olhar carrancudo à hóspede não desejada no mesmo momento em que sua irmã saía depressa, levando outra jarra com suco fresco para a Eleanor.
-Essa mulher sim que faz correr a Mary Rose -comentou Cole. Douglas o confirmou com um gesto da cabeça.
-Crie que deixará que nossa irmã saia para a colina?
-Não acredito -repôs Cole-. Hoje, ao menos. Mary Rose esteve tentando partir desde esta manhã cedo, e já vão ser três.
-Ela tem a culpa, por lhe permitir a seu amiga que lhe ocupe o tempo desta maneira. Aceita que Eleanor esteja lhe dando ordens. Esta manhã, Mary Rose subiu duas bandejas para ela. Como não gostou do primeiro café da manhã que lhe preparou, nossa irmã fez outro.
Cole moveu a cabeça.
-Não nos deixa lhe dar ordens -disse-. Por outra parte, não teria que lhe haver preparado outro café da manhã. Eleanor não se comportaria como uma princesa caprichosa, se não a tratasse como tal.
-Acredito que esta noite teríamos que falar com o Adam -propôs Douglas-. Não se mostra razoável no que se refere à estadia da Eleanor aqui. Você, Travis e eu poderíamos pressioná-lo juntos, para convencê-lo. Votaremos para jogá-la. Certamente, Mary Rose e Adam votarão para que fique, mas não importará, pois governa a maioria.
A consciência de Cole não lhe deixou aceitar o acordo. Não podia esquecer a imagem da Eleanor, tão angustiada, quando chegou. O pranto da pobre mulher, chorando apoiada no peito do Adam, era algo lamentável. E embora odiasse admiti-lo, essa lembrança lhe oprimia o coração.
-Não díspares, Douglas. Eu digo que devemos esperar uns dias antes de pô-lo a votação. Adam deve ter tido motivos sólidos para permitir que fique essa mulher.
-por que não nos diz esses motivos?
-Suponho que ainda não está preparado para fazê-lo -repôs Cole-. Pode que Eleanor deixe de queixar-se em um par de dias. Já quase há talher todos os tópicos.
-Começará de novo -predisse Cole-. Não cabe dúvida de que adora ouvir seus próprios lamentos, né?
Cole sorriu. Contemplou à mulher que era o centro da conversação, e não pôde menos que notar quão bonita seria se tentasse sorrir.
-É o matiz avermelhado do cabelo -lhe disse ao irmão-. A faz temperamental.
-Travis também tem o cabelo avermelhado, e não é temperamental.
-Está escondido no abrigo, ou não? A mim, essa me parece uma atitude temperamental.
Harrison se aproximou deles, e Douglas se voltou para ele.
-Pode acreditá-lo? Cole está defendendo a Eleanor.
-Quão único hei dito é que devíamos lhe dar uns dias antes de votar se a jogamos -replicou Eu Cole acredito que está assustada, e por isso se comporta de maneira tão autoritária.
Harrison esteve de acordo, e o demonstrou com um gesto da cabeça.
-Eu também acredito que está assustada. Comportar-se de maneira caprichosa talvez lhe dê certa sensação de controle em sua situação presente.
Douglas negou com a cabeça.
-Eu acredito que vós dois lhes abrandastes. Vou com o Travis ao Hammond, a negociar e vender um par de cavalos. Algum de vós tem interesse em somar-se?
-Passará pelo local do Pauline? -perguntou Cole.
-Quem é Pauline? -perguntou Harrison.
-Dirige uma casa nos subúrbios do povo -respondeu Douglas-. Passando Sneeze Junction.
-É... -começou Harrison.
-Amistosa -propôs Cole.
Harrison declinou o convite. Um momento depois, Cole, Travis e Douglas saíram para o lugar. Tendo em conta a hora, supuseram que sua irmã já não quereria ir até a colina a lhe levar a Louca Corrie os mantimentos.
Era uma hipótese equivocada. O dever de acompanhá-la recairia sobre os ombros do Adam ou do Harrison.
Adam deixou decidir ao outro. Chamou-o à cozinha e lhe explicou a situação.
-Um de nós, tem que ficar a fazer companhia a Eleanor. O outro, tem que subir a colina com a Mary Rose.
-Acreditei que jamais saía do rancho -comentou Harrison.
-De onde tiraste isso?
-Ouvi-o dizer no povo, ao Dooley ou ao Ghost.
-Quão único evito é ir ao povo, Harrison. As montanhas são meu lar. Chaleira freqüentemente com Cole, e meu passatempo preferido é a pesca -adicionou, com um assentimento de ênfase.
-Preferiria acompanhar a Mary Rose.
-É certo que pode usar revólver, ou exagerou? Não queria te ofender, mas preciso saber se pode proteger a minha irmã em caso de ser necessário.
-Sim, sei usar um revólver -lhe assegurou Harrison-. Levarei dois, se isso te faz te sentir melhor.
-Ponha também um rifle na parte de atrás da arreios -sugeriu Adam-. Desde que vivemos aqui, só tivemos uma topada com um urso, mas este ano estão rondando em busca de alimento. Poderia te surpreender algum.
-Estarei preparado.
-É obvio, Mary Rose pode levar o seu. Não queria te deixar a impressão de que não foi educada. Cole ensinou a disparar para matar. Graças a Deus, não teve necessidade de usar esse conhecimento.
-Teríamos que ir saindo -disse então Harrison.
-Um minuto mais, por favor -pediu Adam-. Irei direto ao grão, sem rodeios. Mary Rose se sente atraída para ti, e pelo modo em que a miras durante o jantar, devo supor que a atração é mútua. Espero que, comporte-te como um cavalheiro. Sei que minhas palavras podem te ofender, mas neste preciso momento, ela é para mim mais importante que seus sentimentos. Dá-me sua palavra?
Harrison não se ofendeu, pois Adam se comportava como um irmão carinhoso. Não teria esperado outra coisa.
-Dou-te minha palavra. Manterei a Mary Rose a salvo, ou morrerei tentando-o, Adam, e não te caiba dúvida de que protegerei sua honra.
Adam lhe estreitou a mão e o acompanhou até a porta principal.
-Oxalá esperasse até manhã, mas é muito teimosa, Harrison.
-Já o notei.
Adam sorriu.
-Claro que o notaste. Tenho curiosidade por saber sua opinião sobre essa Corrie. Mary Rose tende a ver só as coisas boas. Observa-a enquanto conversa com sua nova amiga. Eu não gosto de pensar que há um rifle apontando a minha irmã todo o tempo, enquanto fala.
Eleanor ficou de pé quando saíram ao alpendre. Saudou o Harrison com uma inclinação de cabeça, e se dirigiu ao Adam.
-Adam, vais deixar ir? Pareceria que vai chover. Se sair a cavalo com esta tormenta, arruinará-se a roupa. Queria que a convença de ficar na casa.
-Onde está Mary Rose?
-No abrigo -respondeu Eleanor.
-Porquê não entra comigo? Pode me fazer companhia enquanto preparo o jantar.
Deu a impressão de que Eleanor agradecia a companhia, pois assentiu, ansiosa, e entrou seguindo ao Adam.
Ao Harrison e a Mary Rose levou duas horas chegar à isolada cabana que ficava no alto da colina. A ascensão foi lenta, pois havia lances em que o caminho se perdia, e em outros, simplesmente não existia, na zona que deviam atravessar.
Para o Harrison, o tempo passou muito veloz. A paisagem o maravilhava sem cessar. Trocava cada vez que giravam, igual às cores e as fragrâncias, e além disso, precisava jogar mão de toda sua concentração para vigiar a Mary Rose. Queria demorar a vista na cascata de água que havia à direita do caminho lhe ziguezagueiem, e nas colinas à esquerda, cobertas de pinheiros de densa fragrância, intercalados com pequenos prados em cachos. Na região, a vida silvestre estava em seu esplendor. Os animais tinham descendido dos picos mais altos para deixar crescer suas pelagens invernais, e alimentar-se com os frutos e a doce erva primaveril. Havia cervos e alces, antílopes e esquilos vermelhos, abundantes como coelhos. Um gamo de cauda branca, mais curioso que assustado, não se moveu quando eles passaram a centímetros. Harrison estava seguro de que se estirava a mão, poderia tocar seu aveludado nariz castanha.
Mary Rose se converteu em uma guia entusiasta nesse lugar de maravilhas. Disse os nomes de flores silvestres que ele jamais tinha visto, e assinalou várias novelo que os habitantes da zona usavam para curar diversos dores. Quando o atalho era largo para dar capacidade a ambos os cavalos, cavalgavam lado a lado. Ela se deteve várias vezes para lhe assinalar animais e paisagens que acreditava que foram interessar lhe.
O amor da moça por essa terra se fazia mais evidente à medida que ascendiam. Assinalou a uma fêmea e um cervo de alce que pastavam perto de uma cascata, e lhe comentou, em sussurros, que lhe pareciam adoráveis.
deteve-se outra vez perto do topo da colina, e lhe assinalou à colina de abaixo.
-Ursos castanhos -sussurrou-. À esquerda do arroio. Vê-os, Harrison? A gente está metendo-se na água. Se houvesse tempo, não deixaria que nos partamos sem vê-los pescar. São muito melhores que nós nisso.
-Como sabe que não são pardos?
Se a perguntar lhe pareceu tola, não o demonstrou.
-O urso pardo tem um vulto detrás da cabeça que o identifica -lhe explicou-. Não abundam por aqui. Não te desiluda, porque revistam causar dificuldades.
-Li que há certos homens, que habitam as montanhas, aos que gostam de caçar ursos pardos.
Mary Rose elevou os olhos ao céu.
-Arrumado a que o leíste em uma novela troca, não é certo? São todas histórias inventadas. Homens caçando ursos pardos? Talvez o façam os muito estúpidos -concedeu.
Fizeram-lhe sorrir a breve enruga do sobrecenho e o tom entusiasta com que lhe dava tão veemente explicação.
de repente compreendeu que a região o maravilhava tanto como a ela.
-por que sorri? Não me crie?
-Acredito-te. Sorrio porque me faz feliz.
O completo adorou.
-Obrigado -disse.
-Mary Rose.
-O que?
-por que estamos sussurrando?
O semblante de surpresa lhe fez compreender que ela não sabia que estavam sussurrando, e riu, encantada.
-Cada vez que subíamos até aqui, Adam e eu estávamos acostumados a sussurrar. Nnaquele tempo, naquele tempo, eu era muito mais jovem, e ele estava acostumado a deixar que me saísse com a minha.
-Mas, por que tem que sussurrar?
-Rirá-te -predisse.
Assegurou-lhe que não o faria, mas teve que prometer-lhe Obrigou-o.
-Sussurrava porque pensei que estávamos no pátio traseiro de Deus.
-O que pensou?
-Alguma vez tiveste meninos perto, não é verdade, Harrison?
-Não, acredito que não. A sério pensava que estava em...?
-Assim é -o interrompeu-. Me pareceu bem sussurrar para demonstrar respeito.
-E agora que já é grande? O que pensa?
Decidiu ser sincera com ele:
-Que ainda estou no pátio traseiro de Deus.
Harrison estalou em gargalhadas, e Mary Rose teve que esperar que se acalmasse para seguir falando.
-Eu gosto quando ri, embora tenha prometido não fazê-lo. Cada vez que sorri, coisa que acontece muito de vez em quando, lhe formam arruguitas nas comissuras dos olhos. É muito atrativo. se preocupa muito.
-Você crie?
Realmente lhe surpreendeu o comentário. Não tinha idéia de que alguém podia preocupar-se muito. A idéia lhe resultou estranha. Um homem que se preocupava permanecia alerta, sempre preparado, sempre preparado para qualquer eventualidade.
-OH sim, se preocupa muito. Suavizou a crítica com um sorriso, e Harrison a devolveu imediatamente. E ficaram. Nenhum dos dois queria mover-se. O instante parecia carregado de promessas. Entre os dois fluiu uma nova intimidade, nesse pacífico instante onde o mundo exterior não podia invadi-los. Nesse preciso momento, só pertencia a ele. Não tinha que compartilhá-la com ninguém.
ao longe estalou um trovão, mas Harrison ignorou o aviso. Mary Rose também. Estava concentrada contemplando-o. Depois deles se quebrou um ramo, e Harrison reagiu com a velocidade do raio. voltou-se na arreios com o revólver martelado e pontudo, e esperou o seguinte ruído. Um coelho cruzou o atalho, e Harrison voltou a guardar a arma.
Mary Rose o observou, atônita. Nunca tinha visto ninguém mover-se com tal velocidade, exceto a Cole, claro, mas seus irmãos não contavam, e não pôde menos que sentir preocupação pensando onde teria adquirido essa habilidade. Ou seria instintiva?
Outra vez, estava pondo-a nervosa. Era evidente que esse homem tinha mais de um aspecto, e não sabia bem como se sentia ante o descobrimento.
-Há-te posto tensa. O que acontece? -perguntou Harrison.
-É pelo modo em que te move. Está habituado a estar em guardía, não?
Não lhe respondeu. Mary Rose moveu a cabeça.
-É um homem complicado. Comporta-te de uma maneira, e logo faz algo que modifica o que penso que é. Queria que isso se termine.
-As surpresas podem ser boas, ou não?
-Como?
-A intriga. de vez em quando, surpreender a alguém pode ser... Não o deixou terminar o argumento:
-Já estou intrigada. Eu gosto tal como é.
-Você gosta tal como crie que sou.
-Está me enlouquecendo, Harrison.
O homem riu:
-Você também me enlouquece, Mary Rose.
A moça se separou dele.
-Neste momento, não penso entrar em uma discussão a respeito de suas falhas pessoais. Não há tempo. Está fazendo-se tarde e, se não nos dermos pressa, não terei tempo para visitar meu amiga. Por favor, deixa de vadiar.
Harrison não estava disposto a deixá-la ficar com a última palavra.
-Nunca, em minha vida, vadiei.
A resposta foi um bufo pouco digno de uma dama. Mas Harrison, em lugar de irritar-se, não pôde deixar de sorrir. Fazia muito, muito tempo que não se sentia tão bem. Era como se a paz e o contente irradiassem da montanha. E quando contemplava os olhos de sua companheira e via neles a sorte, tinha a impressão de que podia fazer algo que se propor, por grande que fora o obstáculo. sentia-se... completo estando com ela, e todo se devia à confiança e a aceitação que refletiam o semblante da Mary Rose.
Aceitação. Acaso não tinha passado a vida tratando de obtê-la?
Acaso não era o motivo que o levou a obcecar-se com a busca da filha de lorde Elliott, para que o aceitasse como a um igual? Ou era em pago pela bondade do homem?
Harrison não tinha respostas. Sabia que lhe estava agradecido ao Elliott por ter cuidado de seu pai, claro que o estava. Foi o único que não lhe deu as costas ao amigo, como o tinham feito todos outros, em Londres. Deu-lhes dinheiro, e se encarregou de pagar os impostos, e quando se fez imprescindível um cuidado permanente, ocupou-se de que tivessem às melhores enfermeiras disponíveis. Graças a sua generosidade, nem seu pai nem ele mesmo sofreram carências. Elliott incluso tinha financiado a educação do Harrison.
Tinha uma enorme dívida com ele, e a honra o impulsionava a passar a vida pagando-a. Harrison não era homem de evitar responsabilidades. E, por certo, não podia pedir mais... nem ainda a felicidade.
Mary Rose. Deus, como o fazia pensar em coisas impossíveis... Estava apaixonado por ela, e não podia culpar a ninguém, mais que a si mesmo. Sabia que não devia envolver-se e, entretanto, isso foi, exatamente o que fez.
Elliott fazia planos para sua filha desde que tinha um mês de nascida. Nnaquele tempo, naquele tempo, Harrison não estava destinado ao futuro da menina, e sabia que, quando retornasse a Inglaterra, tudo seguiria igual.
A honra lhe impediria de pedi-la em matrimônio. Não era o bastante importante, nem tinha a segurança financeira para lhe dar seu sobrenome.
Não queria pensar em seu próprio futuro. Resolveu que devia agradecer o tempo que podia passar com ela, para poder gozar das lembranças nas noites desoladas que o esperavam.
Sentiu alívio quando chegaram à cabana do Corrie, porque ali não teria tempo de derrubar-se na desdita.
Mary Rose não o deixou aproximar-se do claro. Mais ainda, fez-lhe ficar a uns oitocentos metros de distância. Explicou-lhe que não queria alterar ao Corrie, e que qualquer poderia alterar-se ao vê-lo pela primeira vez. É obvio, Harrison se sentiu insultado.
-O que é o que tem de mau meu aspecto?
-Tem barba de um dia, e faz já duas semanas que seu cabelo necessita um corte.
-E?
-Terei que ser direta: tem um aspecto ameaçador, Y... zaparrastroso. me resulta atraente. A ela, não o parecerá.
Harrison soprou, incrédulo, e essa mesma explosão o fez rir. "Que o Céu me ampare", pensou. "Começo a me comportar como ela."
-Se tiver ferido seus tenros sentimentos, lamento-o -lhe disse Mary Rose.
-Meus sentimentos não são tenros.
-Bom, cada vez que abre a boca e falas, todos advertem o culto e refinação que é.
-Mary Rose, há pessoas cultas e refinadas que são assassinas. O que você diz daria a impressão de que a educação garantisse a decência.
A jovem se encolheu de ombros. Não queria perder mais tempo discutindo com ele. O ar pesado indicava que se morava tormenta, e não queria ficar empapada até que tivesse podido lhe fazer uma boa visita a seu amiga.
Não pensava permitir que ele carregasse os mantimentos até o claro. Fez três viagens e, por fim, terminou de empilhar todos os presentes no centro mesmo da pradaria.
Corrie a deixou aproximar-se muito mais, e Mary Rose estava encantada: considerou-o como um verdadeiro avanço na relação.
Não lhe importou no mais mínimo que durante todo o tempo que esteve aí, o canhão do rifle a apontasse. Era um alívio que Harrison não estivesse o bastante perto para adverti-lo pois, do contrário, se acreditava em perigo, faria uma cena.
Não obstante, ele não ficou onde ela o deixou. Sem fazer o menor ruído, foi até um lugar de onde podia ter uma visão clara do frente da cabana e, de uma vez, ficava oculto pela folhagem.
Quando viu o canhão do rifle que me sobressaía da janela, quase lhe deteve o coração. Apontava à cintura da Mary Rose. Sua primeira reação foi tirar o revólver e lhe disparar ao canhão, mas, graças à força de vontade, não o fez. banhou-se em suor, mas detrás dez ou quinze minutos, compreendeu que o rifle era pura exibição. Ainda assim, não pensava apartar a vista de semelhante ameaça, mas ao menos pôde voltar a respirar normalmente.
Tanto a conduta como a conversação unilateral da Mary Rose lhe resultaram tão peculiares como enternecedores.
Certamente, se tivesse sabido que ele a escutava, não teria seguido falando, mas Harrison não deixaria que advertisse que estava ouvindo tudo.
depois de ter deixado o último pote sobre o montão de mantimentos, incorporou-se, e se enxugou a frente com a manga.
desculpou-se por não ter podido cumprir sua palavra de visitá-la um dia antes.
-Eu sempre cumpro minha palavra, Corrie, a menos que algo terrível me o límpida, e quando te contar todas as coisas lamentáveis que aconteceram, compreenderá minha demora -lhe assegurou Mary Rose à mulher.
Continuando, relatou-lhe detalladamente os fatos. Harrison advertiu que não mencionava o motivo pelo que tinha atacado ao Bickley. Supôs que não queria lhe transpassar ao Corrie a preocupação de que poderiam ir os vigilantes até a colina, a incendiar sua moradia. Só disse que tinha tido uma discussão de opiniões, e que tratou de raciocinar quando conversava com o sujeito. Que uma coisa levou a outra, e que antes de que soubesse o que estava acontecendo, o tipo estava atacando-a.
A forma em que evocou os fatos fez sorrir ao Harrison. Não se atrasou contando as feridas nem a dor que sofreu, nem em referir que esteve a ponto de morrer. Mas bem, relatou em detalhe como se rasgou uma saia encantadora, e que seu cabelo ficou feito um desastre.
E não tinha terminado de contar suas desditas. lançou-se a uma larga explicação de sua experiência, esperando no saguão do Catherine Morrison. Foi então quando Harrison descobriu que Mary Rose o considerava de sua exclusiva propriedade. Não precisou adivinhá-lo, porque a jovem disse ao Corrie que tinha direito ao ter". Inclusive enumerou as razões que avalizavam esse direito.
-Levei-me isso a nossa casa antes de que o matassem. Quando imagino o que pôde lhe haver passado ao pobre, bom, dói-me o coração. Acaso pode evitar ser inepto e torpe? Não, claro que não pode evitá-lo. Além disso, é tão ingênuo, Corrie. Leva revólver quando vai ao povo, e nem sabe como usá-lo. Imagine que estupidez! Juro-te que necessita quem o cuide. Que Deus o ampare, não sabe quão incompetente é, e ninguém tem coragem para dizer-lhe salvo Cole. Claro que Harrison lutou com esses homens que me rasgaram o vestido e me alvoroçaram o cabelo, mas eram todos pequenos e fracos, de modo que pôde vencê-los com um par de bons murros. Ao vê-lo brigar, e todo isso, preocupei-me, mas depois compreendi que a fúria o voltou mais forte e pôs à sorte de seu lado. Enquanto subíamos para aqui, surpreendeu-me, então tive que pensá-lo e compreendi que não devi me haver surpreso absolutamente. Acreditou ouvir um ruído, sabe?, e tirou o revólver com terrível velocidade. Sem dúvida, foi rápido, mas é provável que não possa sair de um abrigo abrindo acontecer com tiros. Se você não pode lhe acertar a nada, ser rápido não vale de nada, não é certo?
Mary Rose ainda não tinha terminado de fazer migalhas o orgulho do Harrison:
-Teria que havê-lo visto tentar domar cavalos para o Douglas. Juro-te que era uma cena lamentável. Eu me escondi em minha habitação e olhei pela janela, para que não se sentisse mais humilhado do que já estava. É uma sorte que não se quebrado o pescoço, Corrie, bendito seja.
Harrison chiou os dentes e começou a contar até dez, pois sua fúria estava chegando ao ponto de ebulição.
-Não quisesse que se preocupe por ele -continuou Mary Rose-. Só lhe falei que ti porque me acompanhou até a colina. supõe-se que deve me proteger. Por isso trouxe minha arma, Corrie, para poder protegê-lo. De todos os modos, não te incomodará. É bom e de caráter doce, e a estas alturas, depois da última visita, deve me conhecer o suficiente para saber que eu não o toleraria se fosse malvado. Contei-te como Catherine Morrison lhe atirava em cima?
Deu por feito que não o tinha contado, e se precipitou a um exagerado relato de todas as maldades que lhe tinha feito ao longo dos anos. Mary Rose tinha um milhão reservada de queixa contra Catherine, e passou a lhe detalhar ao Corrie cada uma delas, da mais tenra infância. Como Corrie não pôde ou não quis detê-la, converteu-se no sonho realizado da Mary Rose: uma ouvinte cativa, que não podia escapar.
Ao princípio, Harrison se preocupou de que Corrie lhe disparasse porque a mulher estava tão louca como diziam, mas para o momento em que terminou o monólogo, sua preocupação era outra: não compreendia por que não lhe disparava só para fazê-la calar.
Seguiu intercalando comentários sobre o Harrison. O ego do homem sofreu outra terrível surra, e se a escutava dizer "bendito seja seu coração" uma só vez mais, jurou-se a si mesmo que a estrangularia.
Por fim, a voz cedeu. Prometeu a seu amiga que voltaria assim que pudesse, a lhe fazer uma larga visita, e se deu a volta para partir. Mas de repente recordou que não lhe tinha falado de sua nova hóspede, e logo voltou sobre seus passos.
Então, tanto Corrie como Harrison escutaram um comprido comentário sobre a Eleanor.
-Muito em breve se adaptará -predisse Mary Rose-. Até pode converter-se em uma boa amiga, assim que deixe de sentir compaixão por si mesmo. Caramba, como voa o tempo. Por favor, Corrie, entra as mercadorias antes de que chova. Adeus. Que Deus te proteja.
Harrison ficou onde estava até que Mary Rose saiu do claro. Um minuto depois, o canhão do rifle desapareceu da janela. Então, o homem retrocedeu dando um amplo rodeio ao redor da Mary Rose, e voltou antes que ela ao ponto onde lhe disse que a esperasse.
-foi uma visita agradável? -perguntou-lhe.
-OH, sim -respondeu a jovem em voz rouca-. É uma mulher adorável.
Harrison não imaginava como saberia.
-Falei-te? -perguntou-lhe.
-Não, mas está preparando-se para lhe fazê-lo assegurou Mary Rose-. Teríamos que empreender a volta, Harrison. É tarde.
-Como sabe que está preparando-se para falar contigo? -perguntou-lhe, sem fazer conta.
-Deixou-me me aproximar muito mais ao centro do claro -lhe explicou-. É óbvio que já somos amigas.
-Porque não te disparou.
-Sim -respondeu, contente de que tivesse entendido.
A julgamento do Harrison, o que ela dizia tinha tanto sentido como se fosse uma menina de dois anos, encaprichada.
-Não tem lógica -lhe disse-. Você sabe, verdade, Mary Rose? A jovem sacudiu a cabeça.
-É ilógico procurar as coisas boas na gente? Todos têm sentimentos, Harrison. "Nenhum homem é uma ilha." Recorda essa parte que a ti e ao Adam tanto vocês gostam?
-Sim, claro, mas...
-Não podemos viver um sem outro. Acaso a expressão "a morte de cada homem me diminui, porque formo parte da humanidade", significa o mesmo para ti que para mim? Formamos parte da mesma família, Harrison. Corrie tem necessidades, igual a todos nós. Entende-o agora?
-Ponto concedido, senhorita Clayborne. O sorriso da moça foi radiante.
-Acredito que é a primeira discussão contigo que ganhei.
-Não estamos discutindo -replicou.
-me parece que sim. Agora, temos que ir-se encaminhou para o cavalo e levantou a vista ao céu-. Realmente, corremos o risco de nos empapar. você adora vadiar, não é assim?
Ajudou-a a montar e lhe entregou as rédeas, e Mary Rose pregou as mãos sobre o corno da arreios. Harrison fez o gesto de dá-la volta, mas trocou de idéia. estirou-se, e cobriu as mãos da jovem com as suas.
Ela o olhou aos olhos, e descobriu o que era o que o fazia atrasar-se. O sorriso do Harrison capturou sua atenção total. Deus, adorava vê-lo feliz. Os olhos se tomavam tão quentes e acolhedores como o sol. Sentiu um calor que lhe baixava até o ventre.
-Tem muito bom coração Mary Rose.
Sentiu como se a tivesse acariciado, e estava a ponto de agradecer-lhe quando ele o arruinou tudo:
-Tratarei de recordá-lo quando me voltar louco.
Soltou-a e se voltou para o MacHugh. Com um único movimento ágil, saltou sobre a arreios. A graça do gesto a impressionou, e supôs que, a fim de contas, todo o tempo que passou voltando a montar os cavalos que o jogavam de seu lombo serve de algo.
-O que significa, em realidade, esse comentário? -perguntou-lhe.
-Significa que conheço qual é seu jogo. É você a que se ficou muito tempo conversando com o Corrie, e decidiste me jogar a culpa se nos empaparmos. Que eu demoro? Não acredito.
-É muito ardiloso para mim, Harrison -levantou as rédeas e se voltou, para abrir a marcha de volta-. Jamais disse que fora perfeita, não é certo?
-Não, jamais o disse -admitiu Harrison, rendo.
-Você tampouco o é. É muito discutidor, mas certamente sabe. Também, revistam te dar ataques, mas duvido que possa evitá-los.
-Você acostuma a tirar conclusões te apoiando em informação insuficiente. Sabe, verdade? E eu não sofro ataques, mulher.
-Quase sempre te conduz como um cavalheiro, mas em um abrir e fechar de olhos, converte-te em um louco furioso.
Do que outro modo podia denominar-se essa doença? Tinha ataques, e isso era inegável. Não pensava discuti-lo. Queria discutir outra coisa, muito mais importante.
-Nega-te a entender que, às vezes, a gente tem que atuar antes de ter reunida centenas de documentos que apóiem uma tese. Se eu tivesse esperado a juntar toda a informação referida a ti antes de te convidar a ir a minha casa, é provável que estivesse morto. E eu também -acrescentou-de velha.
-Em outras palavras, você te precipita sem olhar. Não é assim?
-Pelo menos, atrevo-me a saltar.
-É por essa atitude, precisamente, por isso aqui tantas pessoas morrem jovens.
-Com freqüência, a ação é mais eficaz que as palavras.
-Em um mundo incivilizado, pode ser. Recorda-o, Mary Rose, nos julgará por nossas ações.
-Não vivemos dentro de uma sala de audiências.
-Deveríamos comportamos como se assim fosse.
-Morreria se pusesse de acordo comigo, Harrison?
Quando terminou de formular a pergunta, ela mesma riu, e fez sorrir ao homem.
-Possivelmente -admitiu-. Eu gosto de ganhar.
-O principal na vida não é ganhar. É sobreviver.
-Em minha área de trabalho, sobreviver e ganhar são a mesma coisa.
Mary Rose teve que pensar comprido momento o que lhe havia dito antes de lhe replicar. Não cabia dúvida de que desfrutava da confrontação. O também. Os comentários da moça lhe resultavam vigorizantes e refrescantes por sua sinceridade, mesmo que não tivesse o menor sentido.
É obvio que não sofria ataques!
-Estou convencida de que teria que procurar outro tipo de trabalho.
Harrison não fez caso da sugestão.
-Quando se polemiza, não terá que aludir a questões pessoais.
-Isso é o que estamos fazendo?
-Polemizando?
-Sim. Estamos polemizando?
-Isso pensava. O que acreditava que estávamos fazendo?
-Aludir a questões pessoais.
Harrison riu.
-O que é o que estávamos debatendo?
Não tinha a menor ideia. Mas não pensava revelar-lhe e por isso lhe ocorreu inventar algo que soasse razoável, com o único propósito de seguir discutindo com ela.
-Estamos debatendo as diferenças entre nossas respectivas filosofias de vida.
-"Estamos", "nós"? Caramba, a mim sim que me soam pessoais esses términos!
-Ponto concedido, senhorita Clayborne.
Mary Rose fez uma reverência senhorial.
-Posso resumir as diferenças entre nós em só duas palavras.
-Eu também -lhe assegurou Harrison.
-As primeiro damas?
-Certamente.
-Experiência e observação. Eu experimento a vida. Você, observa-a. Apostaria que foste dizer que são exatamente o mesmo.
-Se apostasse isso, perderia -replicou ele-. Eu diria lógico contra ilógico, ordem versus caos, prudência versus loucura...
-Como gostam de seguir falando com os advogados, né?
-A alguns.
-Dá-te conta de que acaba de me qualificar de ilógica, louca e caótica?
- E você, é consciente de que há dito que eu só observo a vida? Não é certo.
-Está chovendo. Parece-me que teríamos que detemos. Um relâmpago iluminou o céu.
-ficará pior -predisse Harrison.
-Pode ser. Há umas covas, mais ou menos a uns quatrocentos metros daqui. Temos que retroceder um pouco, e agora deveremos nos dar pressa. O caminho se volta perigosa para o MacHugh e para o Millie.
Harrison não queria deter-se, mas a escuridão já se fechava sobre eles, e teria sido uma insensatez seguir. Teve a esperança de chegar ao topo antes de que os alcançasse a noite, pois aí, o atalho era muito mais largo e, portanto, mais seguro para os cavalos. Tivessem podido encontrar o caminho de volta ao estábulo com ou sem luz. O instinto e a fome os guiariam.
Passar a noite com a Mary Rose era tão perigoso para ele como escorregar sobre as pedras o seria para os cavalos.
É obvio, comportaria-se como o cavalheiro que lhe tinham ensinado a ser. Tinha-lhe dado sua palavra ao Adam, e pensava cumpri-la. Entretanto, ainda sem promessa, tivesse atuado com honradez. O problema não era como se comportasse, a não ser a frustração mas, ao parecer, não havia maneira de evitá-la. Teria que sofrer enquanto transcorresse esse tempo de prova, passasse o que acontecesse. Chiou os dentes de antemão, pensando na terrível noite que o esperava.
-Date pressa, Harrison -lhe gritou-. por agora, não é mais que uma névoa fina, mas em uns minutos será um dilúvio. Não quero me empapar sem necessidade.
Harrison acreditou que exagerava. Mas, pouco depois, quando estava impregnado até os ossos, e gelado, teve que admitir que tinha razão.
A cova que encontraram era pouco mais que uma estreita passagem que me sobressaía dos penhascos. Dois motivos os decidiram a entrar. Um, que estava desocupada, coisa importante tendo em conta os hábitos noturnos de alguns animais da região, e outro, o chão estava seco. O ar era úmido tão acolhedor como aguanieve, mas quase não havia corrente, e não tinham mas alternativa que suportá-lo.
MacHugh se negou a passar ao fundo, junto com o Millie. Harrison lhe tirou os arnês e o deixou perto da boca da cova. Então, o animal trocou de idéia e foi até o fundo assim que Mary Rose acendeu fogo com os ramos e troncos que tinha recolhido seu companheiro. Tinha estado dez minutos tentando acender a madeira úmida. Mas ela era mais experimentada, e sabia como empilhar folhas secas recolhidas no chão da caverna, junto com a madeira. Harrison secou o melhor que pôde aos cavalos, logo juntou água em um balde improvisado com uma lona, que tinha tido a astúcia de levar, e deu de beber ao Millie. Quando a égua esteve satisfeita, deixou que MacHugh saciasse sua sede.
Mary Rose se dedicou a secar as mantas de dormir, e logo as acomodou uma junto a outra.
Harrison preferia que a seu estivesse ao outro lado do fogo, mas não se queixou, porque compreendia que a disposição escolhida pela moça obedecia só ao bom critério. Teriam que estar juntos para compartilhar o calor durante a noite.
Mary Rose se tirou as botas, afastou-as do fogo, logo se tirou o revólver que Harrison não tinha visto, e que tinha metido na cintura da saia, e o colocou debaixo de uma dobra da manta.
Harrison foi ao outro lado do fogo, e ficou ali, de pé, tratando de entrar em calor.
-acampaste com freqüência? -perguntou-lhe.
-Não.
-Comporta-te como se o tivesse feito freqüentemente.
A jovem se ajoelhou e adicionou um par de ramos ao fogo.
-Preferiria minha própria cama, mas aqui, fora, faz-se o que terá que fazer para manter-se abrigado. Não te parece?
-Não é nada melindrosa.
-Por Deus, espero que não. Crie que deveria sê-lo?
Negou com a cabeça. Ela não entendia o ambiente do que Harrison provinha, onde as mulheres estavam educadas de tal modo que eram capazes de deprimir-se ante a mais leve insinuação incorreta. A sociedade era tão frágil que as reputações ficavam arruinadas por falações banais. É obvio, a que ditava as normas da época era a rainha Vitória, e era a que sublinhava a prudência, a sobriedade e a cautela em cada empresa. Entretanto, embora a reina mostrava ante o mundo seu caráter de librepensadora, as mulheres que Harrison conhecia na Inglaterra ainda não se educavam o suficiente para emulá-la.
O e seu melhor amigo, Nicholas, relacionavam-se com as pessoas equivocadas. As mulheres que freqüentavam dependiam de outros para cada uma de suas necessidades, incluindo a diversão. Se uma delas se aborrecia, jogava-lhe a culpa a alguma outra pessoa.
Por Deus, que vida tão miserável e limitada tinha vivido até então. Era muito lúgubre para evocá-la, sequer.
Mary Rose Clayborne. Que sopro de ar fresco! Harrison não acreditava que pudesse cuidar de si mesmo, mas agora que tinha tempo para pensá-lo, compreendia que tinha extraído várias conclusões equivocadas, apoiando-se em seu próprio conhecimento estreito das mulheres de seu passado.
Certamente a moça lhe demonstrava que estava equivocado. Impressionava-o o modo despreocupado em que confrontava a situação. Começava a pensar que tinha mais sentido comum do que ele tinha suposto.
Então foi quando Mary Rose se tirou a roupa. Quase lhe afrouxaram os joelhos quando compreendeu o que estava fazendo. Em um abrir fechar de olhos, trocou de opinião: esta mulher era tão ingênua que não tinha a menor sensatez.
-Em nome de Deus, o que está fazendo?
Seu grito indignado ricocheteou contra os muros de pedra.
-me despindo. por que?
-Volta a te pôr a blusa.
Não fez conta. Terminou de tirá-la objeto, e se inclinou para fazer o mesmo com as médias. ficou sobre as mantas, para não sujá-los pés.
incorporou-se com os meias três-quartos úmidos nas mãos, e lhe sorriu. Harrison a olhava com fixidez, e Mary Rose acreditou que olhava o relicário.
-É bonito, não?
-O que?
-O medalhão. Acreditava que o estava olhando-o.
-Em efeito -mentiu-. De onde o tiraste?
-Enviou-me isso minha mãe. Foi seu presente quando fiz dezesseis anos. Não se abre, mas não me importa. Vê a rosa que tem gravada em parte de adiante?
Começou a aproximar-se, para que pudesse vê-lo mais de perto, mas ele a deteve com um gesto:
-Posso vê-la.
-Minha mãe disse que escolheu a forma de coração, porque nossos corações estão entrelaçados. Não te parece precioso? Algum dia, o passarei a minha filha.
-É muito belo.
Mary Rose assentiu.
-Quando o uso, sinto-me mais perto dela, assim que o levo sempre -lhe explicou.
Deu-lhe umas palmadas ao medalhão, lançou um leve suspiro e voltou a concentrar-se na tarefa de entrar em calor.
Entregou os meias três-quartos ao Harrison por cima do fogo.
-Sostenlos, por favor. Estão um pouco úmidos. Não os ponha muito perto das chamas.
Alegrou-o poder ajudá-la, porque acreditou que ela queria ter as mãos livres para voltar a ficá-la blusa.
-Não ponha muito perto, Harrison. Se os queimar, Travis se enfureceria.
-Usa os meias três-quartos de seu irmão?
Não soube se rir ou sacudir a cabeça. A moça lhe sorriu, enquanto desatava a cinta do pescoço. O homem tratou de fixar a vista no bordo que via detrás da orelha direita da moça, para não pensar no objeto de encaixe branco que tinha pega à pele. Cada vez que se movia, a protuberância dos peitos atraía seu olhar. Sentiu que o cobria um suor frio.
-Quando posso arrebatar os da corda antes de que ele o advirta.
De que demônios estaria falando?
-O que arrebata da corda?
-Os meias três-quartos de meu irmão.
-por que não usa os teus? Não tem?
-Claro que tenho, mas prefiro usar os de meus irmãos. São mais grossos. Não me importa que aspecto têm. Só os levo com as botas, assim, não se vêem. Além disso, mantêm-me os pés abrigados. Não é isso, acaso, o mais importante?
Embora o que dizia tinha praticamente, Harrison não queria que usasse meias três-quartos de homem, por mais que fossem de seus irmãos. Esse pensamento levou imediatamente a outro: não lhe incomodaria que usasse suas meias três-quartos. De fato, gostaria que o fizesse.
"Que Deus me ajude", pensou. "Minha mente enlouqueceu. Está contente, agora?", teve vontades de lhe perguntar. Distrai-lo com cada mínimo movimento, era todo culpa dela.
-Ponha de novo a blusa -lhe espetou.
Mary Rose seguiu sem lhe fazer caso. Pulverizou o cabelo sobre os ombros para que os cachos não se amontoassem e assim se secassem mais rápido, deixou cair a cinta rosada sobre a manta, e só então lhe emprestou atenção.
-por que quer que volte a me pôr a blusa? Acabo de me tirar isso Está molhada -lhe recordou-. OH, deixa de me olhar como se queria me estrangular. O que faço tem praticamente. Acaso quer que me mora? Será melhor que esqueça seu desconforto e você também te dispa. Do contrário, pilhará um esfriamento e logo terei que te cuidar. Crie que quero semelhante carrega? Não, obrigado. Não faria outra coisa que te queixar todo o tempo.
Enquanto falava tinha os braços em jarras, mas assim que esclareceu sua posição, começou a lutar com a parte de atrás da saia.
Harrison estava muito obnubilado para compreender o que estava fazendo. concentrava-se em não olhar a dianteira da Mary Rose, e voltou a vista para o fogo uma fração de segundo depois de que a saia caísse ao chão. Tivesse convencionado que olhasse para outro lado, porque a direção que adotou seu olhar lhe deu uma ampla visão das pernas. Eram incríveis: largas, bem formadas, perfeitas.
Quanto teria que suportar até que terminasse esta noite infernal? Embora não sabia, estava seguro de que sua própria situação já não poderia seguir piorando. Essa esperança era o único que ficava, e se aferrou a ela com a desesperada decisão do homem que se afoga, agarrando-se a uma corda.
Foi a pernadas até onde tinha deixado a bolsa da arreios, a ver se encontrava algo para que a jovem se cobrisse. Enquanto procurava, murmurou obscenidades a respeito de sua própria falta de disciplina.
Tratou de zangar-se para poder pensar em outra coisa que não fossem as pernas da moça... a cintura diminuta... a pele como de nata...
-O pudor não tem nada que ver com o problema de que esteja despida -disse entre dentes, só para deixar as coisas em claro.
Arrojou-lhe uma camisa de flanela escura, quase lhe gritou que a pusesse.
-Não a necessita para abrigar-se?
-Ponha a Harrison, en cambio, la creyó dura de entendederas como una piedra.
O tom indicou a Mary Rose que não lhe convinha discutir. ficou a camisa. Teve que enrolar duas vezes os punhos, e depois de havê-la abotoado por completo, recuperou a calidez. A camisa ficava imensa, e lhe cobria boa parte das coxas.
-Obrigado.
Harrison não fez caso do agradecimento. sentou-se em frente, deixando o fogo entre os dois, e a olhou fixamente aos olhos. Ela se sentou, cruzou as pernas igual a ele, cobriu-as com a manta, e logo elevou a blusa para sustentá-la sobre o fogo, de modo que se secasse.
-Não posso menos que advertir que me olha, zangado. E também me fala em tom azedo. Acaso tenho feito algo que te ofendeu?
Harrison lhe lançou um olhar que a fez amedrontar-se. Descrevê-la como lhe queimem, não bastava.
-Eu não sou um de seus irmãos.
-Não acreditei que fosse.
Mary Rose se considerou razoável.
Harrison, em troca, acreditou- dura de entendederas como uma pedra.
-Não me acredito em condições de tolerar muito mais.
-Muito mais do que? Pelo amor de Deus, acaso alguma vez dormiste fora? Alguma vez antes ficou apanhado por uma tormenta? Não posso impedir que se sinta incômodo.
Harrison se desabotoou a camisa, a tirou e a sustentou sobre o fogo.
-Sinto-me muito cômodo.
-Tirará-te as calças?
-Diabos, não.
-Não tem por que te zangar. Não estão molhados?
-Não muito.
-Acredito que não tenho por que suportar seu mau aspecto.
-Na verdade não entende, não? Não, isso não acredito nem por um segundo. Sabe perfeitamente que te desejo, e está me tentando de propósito. Deixa de fazê-lo já, e eu dominarei meu mau humor.
Foi lenta em entender, mas quando o obteve se sentiu envergonhada de sua própria estupidez.
Ela desejava... E ela, com os meias três-quartos de seu irmão! ficou vermelha de mortificação. OH, Deus, se estava vestida como um lenhador! "Arrumado a que Catherine Morrison jamais ficaria os meias três-quartos de seu pai", pensou Mary Rose. Nenhuma mulher respeitável, desejosa de casar-se, faria algo semelhante.
-Entendido? -perguntou Harrison.
-Sim, entendido.
À trégua seguiu o silêncio. Mary Rose esperou uns minutos, dando-lhe tempo de que se sobrepor ao aborrecimento.
-Pelo general, uso medeia de seda com encaixe nos borde -lhe informou de repente.
Harrison não compreendeu por que queria que soubesse, mas ela não tinha terminado ainda com o tema da roupa.
-Estranha vez uso os meias três-quartos de meu irmão. Não quisesse que ficasse com a idéia de que eu gosto de usar roupa de homem. Não é assim.
-Jamais me passou essa noção pela cabeça.
-Alegra-me, porque não é certo.
-Esta camisa não se secará nunca.
Harrison voltou o objeto, e logo olhou a sua companheira: sua cara estava tão encarnada como as chamas.
-Sente-se bem?
-Sim, claro.
-te afaste do fogo. Sua cara tem o aspecto de estar queimando-se. Esse homem era um idiota. "Graças a Deus", pensou Mary Rose. afastou-se do fogo, esperando que o rubor se dissipasse, e tratou de pensar em algo inofensivo para conversar. Quis fazê-lo e esquecer-se dos meias três-quartos.
-Terei que lavar a louça durante uma semana.
-por que? -perguntou-lhe o homem.
-Porque não usei a palavra do dia.
-Que palavra?
-A que estava escrita na piçarra. Não sei, sequer, qual é.
Harrison fechou os olhos, imaginou a cozinha e sorriu:
-Infelicidade.
-Seguro?
-Seguro.
-Como...?
-Adam me levou a cozinha, e foi então quando vi a palavra. Por certo, ainda não vi ao cozinheiro. Acredito que não existe.
-Não sei o que significa isso.
-Que acredito que o inventastes.
-A palavra, Harrison. O que significa infelicidade?
-Desdita.
Mary Rose sorriu, agradada.
-Então, empreguei-a.
-Mas não ante algum de seus irmãos -lhe assinalou.
-É obvio que temos cozinheiro. Quando estiver disposto a te conhecer, deixará-se ver. Até então, sugiro-te que lhe deixe o caminho livre. É um tanto suscetível, porque levou uma vida de infelicidade.
Harrison riu.
-É desventurado, verdade?
-É claro que sim. Você será minha testemunha. Amanhã de noite, durante o jantar, testemunhará a meu favor.
-Para então, seus irmãos terão tentado me assassinar.
-por que?
-Estamos passando a noite juntos.
Custava-lhe acreditar que tivesse que lhe explicar as circunstâncias.
-Se eu fosse seu irmão, poria-me tão furioso que seria capaz de matar a alguém.
-Meus irmãos confiam em nós -argüiu a moça-. Adam não me tivesse deixado vir contigo se acreditasse que é um luxurioso.
-A palavra da semana passada, não era luxurioso?
-na terça-feira -disse Mary Rose-. Você não é luxurioso, no mais mínimo.
Harrison moveu a cabeça.
-foste corretamente educada.
conteve-se, para não comentar que o pai da Mary Rose estaria muito agradado com os resultados dos esforços dos irmãos.
Pôs a camisa estirada sobre a arreios, na esperança de que o ar a secasse durante a noite, e se sentou sobre a manta. respaldou-se na parede de pedra e fechou os olhos. Não era cômodo apoiar os ombros no muro de pedra, mas não lhe incomodava tanto como para mover-se.
-Tem fome?
-Não, e você?
-Não.
Mary Rose girou para olhá-lo.
-Não se preocupe que meus irmãos pensem mau. Cole é o único que tratará de fazer escândalo com respeito a nossa situação, mas terá que esforçar-se. É provável que te pegue. Isso é tudo.
-Não, não me pegará.
-Não?
-Não o permitirei. Com uma vez foi o bastante.
-Possivelmente ele não opine o mesmo.
-Não importa. Não deixarei que me pegue.
Mary Rose suspirou.
-Alegra-me ver que não perdeste nada de sua confiança -comentou-. A semana que passou caindo de traseiro não afetou seu ânimo para nada.
-Não passei a semana caindo.
-Se você o disser...
-Falemos de outra coisa, né? -pediu Harrison.
-Sim -acessou-. Só quisesse que saiba que, de meus irmãos Cole é, na verdade, o mais disposto a derrubar a alguém por mim. Em realidade, é uma excelente pessoa.
-Eu não digo o contrário -repôs-. O faz girar ao redor de seu mindinho, verdade?
-Não. O que passa é que não gosta de lombriga desventurada. Se pode ficar de meu lado, fará-o.
Em opinião do Harrison, sua própria interpretação era mais acertada.
-Foi fácil para ti crescer sem pai nem mãe?
-Tenho mãe -replicou-. É Mamãe Rose.
-por que não vive contigo e com seus irmãos?
-Não pode... ainda não. Reunirá-se conosco assim que seja possível.
-Todos seus irmãos a chamam Mamãe?
-Sim, assim é. por que o pergunta?
-Mera curiosidade. E o que tem que seu pai?
-Não tenho.
-Não sente falta de ter um pai?
-Como posso sentir falta de algo que alguma vez tive?
Mary Rose decidiu que sua blusa estava seca. Dobrou-a e a pôs detrás dela, e logo se dedicou à saia.
Harrison observava cada um de seus movimentos, e lhe ocorreu que era uma mulher cheia de graça, maravilhosamente feminina e, mesmo assim, prática. Era uma combinação formidável.
-Está tão pouco arremesso a perder como seu paraíso.
-Sério?
-Mamãe Rose é a mãe do Adam, não é certo?
-E minha também.
-Mas deu a luz ao Adam.
-Sim. Como sabe?
-Simples dedução. Vive no Sul. Jamais a viu, não é assim?
-Isso não é deduzir, a não ser adivinhar -replicou-. Não sabe de onde provêm meus outros irmãos. Poderiam ter vivido também no Sul. Não, jamais a vi, mas a conheço muito bem. Escreve-me pelo menos uma vez por semana, em ocasiões, mais. Nunca falha, nenhuma só vez desde que comecei a lhe escrever. Durante a guerra, como eu era muito pequena para ler ou escrever, um par de vezes deixou de me mandar cartas. Não recordo a época, mas meus irmãos estavam muito afligidos. É obvio, nossa mãe sobreviveu, igual a todos nós. Quando for o momento exato, reunirá-se conosco.
-Mas ainda não é o momento exato.
-Não.
A velocidade da resposta lhe indicou que não devia insistir com o tema, e isso fez.
Passaram vários minutos em amável silêncio. Harrison pensava em quão bonita estava com sua camisa. Mary Rose, no horrível que devia estar com os meias três-quartos do irmão.
-No que está pensando, Harrison?
-No bonita que está.
Mary Rose riu:
-Se crie que agora estou bela, é porque estiveste muito tempo afastado da cidade. Tenho o cabelo jogo um desastre, e levo uma camisa de homem, caramba.
"Minha camisa", corrigiu-a, para seus adentros. E isso constitui um mundo de diferença. Vê-la usar sua camisa preferida, gasta, deu-lhe uma imensa sensação de posesividad. Queria proteger a de todo dano, consolá-la, abraçá-la, amá-la. E, no fundo, queria que lhe correspondesse.
Tratou de pensar em sua vida na Inglaterra mas, no presente, não o atraía nada de sua rotina cotidiana. Que fria e vazia tinha sido sua vida. Até que chegou a Montana, não soube o que era sentir-se vivo. Sempre se havia sentido como se estivesse fora da vida, como um espectador. Observando. Acaso não era assim como acabava de descrevê-lo-a própria Mary Rose? Teria idéia de quão precisa tinha resultado sua definição?
-E agora, no que está pensando? Tem expressão afligida. Está-o?
-Não.
-Eu lamentava ter posta uma saia tão pesada. Demorará muito tempo em secar-se. Agora toca a ti me dizer no que estava pensando. Quão único espero é que seus pensamentos não tenham sido tão aborrecidos.
-Você estava pensando em temas práticos. Eu não. Estava pensando como vivia na Inglaterra.
-Quer dizer Escócia?
-Todo meu trabalho está na Inglaterra. Tenho uma casa em Londres. Poucas vezes tenho tempo de voltar para as Highlands.
-Porque tem muito trabalho?
-Sim.
-Sente falta das Highlands, não é certo?
-Sinto falta do que representam.
-E o que é?
-A liberdade.
Harrison não sabia que ia utilizar essa palavra até que a teve pronunciado.
-Deixou que seu trabalho se convertesse em uma cadeia, não é assim?
-Antes que qualquer outra coisa, um homem tem que pagar suas dívidas.
-Esta dívida, contraiu-a com seu empregador? Por isso alguma vez teve tempo de concretizar seus próprios sonhos?
-Sim e não -lhe respondeu-. Em efeito, estou em dívida com ele. Mas é mais complexo. Meus sonhos trocaram. Em outro tempo, eu adorava o que fazia. Mas já não. Penso que talvez tenha razão, Mary Rose, que ganhar não seja tudo.
-Alegra-me que o admita -disse-. Você gosta de nosso paraíso, certo?
-Sim.
-E é feliz aqui.
-Sim.
-Então, não complique tanto tudo. Fique, e sei feliz. Vê que simples é?
-Não, não é nada simples.
-Farei-te uma só pergunta mais -prometeu-. Se fosse simples, ficaria?
-Em um abrir e fechar de olhos.
Embora tinha prometido não fazer mais perguntas, não pôde conter-se de formular uma mais:
-Então, decidiste partir ?
Aferrava o bordo da saia, rogando que lhe dissesse o que tanto esperava escutar.
-Não decidi nada ainda. Não trato de ser evasivo, a não ser sincero. Não tenho suficiente informação para saber que caminho tomar.
-Não entendo.
Doíam-lhe os braços de ter que sustentar a saia para que se secasse. Por fim, desistiu, e a deixou. Logo, retrocedeu, cobriu-se as pernas e se respaldou no muro de rochas, ao Iado do Harrison. sentou-se tão perto, que seu antebraço estava apertado contra o do homem.
Cravou a vista no fogo, e deixou que a fascinasse. Não quis pensar na perspectiva de que Harrison partisse justo no momento que havia resolvido apaixonar-se por ele, e por isso tentou pensar em outra coisa.
-Imagino que deve ter fome. eu adoraria encontrar algo para comer.
-Onde?
-Fora -respondeu a moça, indicando com a mão em direção à montanha.
-Não tenho tanta fome. Se você a tiver, eu poderia sair e encontrar algo para ti.
Mary Rose sorriu, mas sem olhá-lo: Harrison tinha falado em tom arrogante.
-Não tiveste que pernoitar fora muitas vezes, não é assim?
-Em realidade, quando estive no serviço, sim -respondeu ele.
-Refere-te ao serviço militar?
-Sim.
-me fale de Londres. Como é viver ali?
-É formoso. A arquitetura é notável. Cole saberia apreciar a qualidade e o artesanato. Penso que você gostaria de viver em Londres -adicionou-. depois de que adaptasse às diferenças.
Mary Rose não se via vivendo em uma cidade. O paraíso era tudo o que necessitava ou queria. Como era possível que Harrison não o entendesse?
-Alguma vez teve que dormir fora com uma mulher nas Highlands, ou na Inglaterra?
Pergunta-a lhe provocou uma gargalhada.
-Se assim fora, já estaria casado.
-por que?
-A reputação da mulher estaria manchada e a única solução honorável seria o matrimônio.
-Mas, E se não tivesse acontecido nada? Se as circunstâncias fossem tão inocentes como as nossas?
-Seria o mesmo -respondeu-. De todos os modos, condenariam-na.
-E o que passaria com o homem?
-Pouca coisa -admitiu, depois de pensá-lo um momento-. É obvio, não há nada absoluto. Se a mulher provier de uma família poderosa, ou se algum amigo influente decide ajudar, existe a possibilidade de que não a rechacem. Uma possibilidade remota -adicionou-. Mas, possibilidade ao fim. Para que não te precipite a julgar com severidade, recordo-te que em sua sociedade, em Nova Iorque, passam coisas similares.
-Não é minha sociedade -argumentou-. Aqui não temos tempo para semelhantes futilidades.
Uma súbita idéia a fez sorrir.
-Se o que diz é certo, então, se estivéssemos em uma zona selvagem da Inglaterra, amanhã teria que te casar comigo. Lá também há um paraíso, não é assim?
-Sim -lhe assegurou-. O há. Há zonas intactas, igual de formosas.
-Sério?
-Sério.
-E o que responde a meu outra pergunta? Casaria-te comigo?
voltou-se a olhá-lo, e ele também girou lentamente. Mary Rose viu o brilho de seus olhos, e algo mais que não soube definir.
-Possivelmente não -lhe disse-. Meu empregador é um homem muito capitalista na Inglaterra. O estaria disposto a te ajudar.
A resposta desagradou a jovem, e Harrison riu.
Mary Rose sentiu uma cãibra no pescoço. moveu-se outra vez, acomodando-se de joelhos, de frente a Harrison, e logo se apoiou nos tornozelos. O flanco de sua coxa roçava o dele.
Uma vez mais, o homem tentou não pensar na cercania dessa moça tão pouco vestida. Serviria-lhe de ajuda lhe olhar a frente... embora não muito, claro, mas era um homem desesperado, capaz de recorrer a algo.
-E agora, por que franze o sobrecenho? me diga no que está pensando.
-Em me fazer santo.
Não lhe entendeu, mas ele não pensava esclarecer-lhe -¿Sí?
-É um homem estranho, Harrison. Um momento está te renda, e ao seguinte, tem a expressão de um urso zangado.
-Os ursos não se zangam.
-Era uma metáfora.
-Outra palavra da piçarra?
Mary Rose assentiu:
-Eu gosto dessa palavra. Sonha... inteligente.
-Fará que vá fora, não, Mary Rose?
-por que?
-Está provocadora.
-Sim?
O comentário a adulou.
-Não o hei dito como um completo. Está me tentando de propósito. Deixa de fazê-lo.
Mary Rose não pôde ocultar o sorriso.
-Agora, tem expressão agradada.
Não pôde menos que admiti-lo: estava agradada.
-A qualquer mulher gosta de saber que é atrativa -lhe explicou-. Mas deixarei de paquerar contigo assim que entenda o que é o que estou fazendo.
-Poderia começar por tirar sua mão de minha coxa.
Ela não se precaveu de onde tinha posta a mão, e a tirou imediatamente.
-Que mais?
-Deixa de me olhar assim.
-Como?
-Como se quisesse que te beije.
-É que quero que me beije.
-Mas como não vai acontecer, deixa de lhe tentá-lo ordenou.
Mary Rose se acomodou as mantas ao redor das pernas, e juntou as mãos sobre o regaço.
-O que aconteceria não nos descobriam?
-Onde?
-Na Inglaterra, depois de passar uma noite juntos.
Harrison estava convencido de que já tinham deixado o tema de lado. Mas era evidente que Mary Rose ainda sentia curiosidade pelos costumes dessa sociedade, e tratou de satisfazê-la.
-Seríamos descobertos. Os rumores se expandem como uma praga. Todos se inteiram, sempre, dos assuntos de todos outros.
-Nesse caso, sabe o que faria eu?
-Não, o que?
-Daria-lhes motivo para falar. A fim de contas, devem estar muito aborrecidos para estar preocupando-se todo o tempo pelo que fazem outros. Se eu amasse ao homem com o que estivesse passando a noite, e soubesse que ele queria casar-se comigo, e se queria me casar com ele, então eu...
Harrison lhe tampou a boca com a mão.
-Não, não o faria. Teria que proteger sua própria honra. Seria autêntica contigo mesma, fiel ao que é.
Levou-lhe um comprido instante admitir, por fim, que tinha razão.
-Sim, isso faria -disse-. E ainda assim, ser uma mulher queda conserva certa fascinação. É provável que me vestisse sempre de vermelho.
Harrison moveu a cabeça.
-Pensa no custo que teria -lhe sugeriu.
A moça pôs os olhos em branco:
-Sempre advogado -murmurou-. Está bem. Teremos em conta o custo. Dirá-me isso tudo, não é assim?
Assentiu:
-Se você ceder partes do que é, chegará um momento em que o ceda tudo.
-Sim, Harrison.
Não advertiu que estava de acordo com ele:
-Se perder a ti mesma, perdeste-o tudo.
-Em outras palavras, não vais beijar me.
-Nisso, tem razão.
-Tem hematomas em todo o peito. E no pescoço. Arrumado a que seu traseiro está todo negro e azul.
-Não o confirmará.
Mary Rose lhe tocou um hematoma perto do ombro esquerdo. O sentiu as gemas dos dedos mornas sobre a pele.
Estava convencido de que ela não tinha idéia do que estava lhe fazendo. Tinha uma expressão afligida, pelos golpes que ele tinha recebido.
Quando lhe tocou um machucado perto do umbigo, aferrou-lhe a mão.
-Será melhor que comece a te ocupar de ti mesmo -lhe disse Mary Rose-. Acredito que não teria que acompanhar a meus irmãos a procurar esse ganho que compramos.
-por que não?
-Porque é provável que te rompa o pescoço.
-Tem muchísima confiança em mim, não é certo?
-Acredito em ti.
Disse-o em um sussurro suave, que lhe tocou o coração. A confiança nele o fazia sentir-se humilde.
olharam-se aos olhos contendo o fôlego, e logo os dois apartaram a vista. Nenhum dos dois quis nem pôde dar o passo seguinte. Harrison sabia que a amava, mas não podia declarar seu amor por ela porque seria uma declaração vazia, sem um futuro comum aos dois. Antes, teria que informar de suas intenções a lorde Elliott, e só depois de ter demonstrado ser o bastante solvente para sustentar a sua filha no nível que ele exigiria.
Mary Rose tinha medo de apaixonar-se pelo Harrison, pois tratava de proteger a seu próprio coração de possíveis feridas. O se mostrou aberto e sincero quanto à possibilidade de partir, então, que direito tinha ela a lhe impedir que tentasse concretizar seu destino e seus sonhos?
"Sou muito prática", disse-se, muito desgostada consigo mesma. Não queria permitir-se aferrar-se a qualquer possibilidade até não estar segura do resultado. Embora sentia a necessidade se desesperada para proteger-se, ao mesmo tempo estava ao bordo do pranto imaginando um futuro sem o Harrison.
-No que está pensando?
Apartou a mão da dele antes de responder:
-Hoje aqui, amanhã já não estará. No que pensava você?
-Que me levará anos chegar ao nível econômico de meu empregador.
Os dois estavam desanimados.
-Se vivêssemos na cidade de Londres, é provável que eu tivesse confiança completa em sua capacidade de te fazer carrego de ti mesmo.
Harrison elevou uma sobrancelha:
-É provável?
A jovem sorriu. adorava que se indignasse. É obvio, compreendia que era uma indignação fingida, e supôs que o que tentava Harrison era passar a uma conversação mais segura, mais superficial.
-Não, "provável" não -se corrigiu-. Estou segura de que poderia te cuidar.
-Isso espero.
-Não te menosprezo. Não, claro que não. Acredito em ti, Harrison. Pelo que estamos falando é de sua experiência.
-O que tem de mau minha experiência?
Aplaudiu-lhe o joelho com irônica simpatia:
-Nunca trabalhaste com ganho. Acredito que nem sequer usaste jamais uma corda. Por isso, seria perigoso para ti. Acaso tornei a ferir seus sentimentos?
-Durma.
Mary Rose preferiu não ofender-se pelo áspero da ordem.
-Estou cansada -confessou-. Subir e baixar correndo essas escadas me esgotou.
-por que teve que fazê-lo?
-Tinha tarefas que fazer.
-Eleanor, não?
Não lhe respondeu, e Harrison sacudiu a cabeça. Compreendia o difícil que resultava essa mulher. Tinha-a visto em ação, quando tomou com o Travis. Queria que fosse lhe buscar algo e, na verdade, depois de havê-lo açoitado durante dez minutos, o irmão se deu por vencido. Confessou ao Harrison que tivesse feito algo com tal de fazê-la calar.
Mary Rose estirou as mantas e se tendeu de flanco. Com as costas perto da coxa do Harrison, colocou as mãos sob a bochecha e fechou os olhos.
-Durante quanto tempo deixará que Eleanor te faça correr a seu redor?
-Pelo amor de Deus, acaba de chegar. Não me tem feito correr ao redor. Simplesmente, trato de contribuir a que se sinta cômoda.
-Quando estão as duas sozinhas, e não há ninguém perto, é amável contigo?
Mary Rose pensou muito tempo na pergunta antes de responder.
-Não.
-Então, por que a suporta?
A moça ficou de costas e o olhou. Ela olhava, carrancudo. Era incrível as coisas que podiam alterá-lo.
-por que suporta você ao MacHugh?
-por que? Pois porque é um animal são, no que posso confiar.
-O mesmo passa com a Eleanor. É sã e posso confiar nela.
-Disso não pode estar segura.
-Você não podia estar seguro de que o cavalo estava são nem de que podia confiar nele. Deixou-te guiar por seus instintos, não é assim?
-Não. Com apenas jogar uma olhada ao MacHugh, entendi por que era caprichoso. Suas cicatrizes me disseram isso.
-as da Eleanor, também -raciocinou-. Só que ela as tem por dentro e, possivelmente, como a gente não as vê, ferida-las que lhe infligiram doem mais ainda. Freqüentemente, não a entendem.
Harrison se tendeu de costas, pôs as mãos detrás da cabeça e fixou a vista no teto de pedra da cova, enquanto pensava na Eleanor.
-Travis tem vontades de jogá-la.
-Não.
-Mary Rose, não pode ocultar-se no abrigo até que ela se vá. Não pude menos que notar que Douglas está fazendo o mesmo. Pede- muito a seus irmãos. Deveriam gozar dos mesmos direitos que você.
-Têm-nos.
Voltando-se para ele, apoiou um cotovelo sobre a manta e o queixo na palma da mão, em uma pose cômoda para discutir com ele.
-Meus irmãos não têm muita paciência -começou-. E entretanto, sabem que não podem jogá-la. Não seria decente. São todos homens de honra.
-Há uma maneira fácil de obter que Eleanor se comporte como é devido -disse Harrison.
Posou o olhar nos olhos da Mary Rose e se deixou encantar por essa cor intensa e fascinante.
A moça se aproximou um pouco mais e se incorporou.
-Qual é?
-Se uma coisa não dá resultado, tenta outra, verdade?
-Verdade.
-Eleanor espera que lhe sirva o café da manhã na cama todas as manhãs?
-Isso disse.
-E o que passaria se ninguém lhe subisse a bandeja?
-ficaria furiosa.
-E faminta -predisse-. Teria que baixar.
-Não queria estar perto quando o fizer. Sua cólera está acostumada ser terrível.
-É uma bravata.
-Bravata?
-Dito de outro modo, é para impressionar. Ignora sua cólera. te limite a fixar sua posição, lhe informe das regras da casa, Y...
-Que regras?
-Quando se come, quando não -disse Harrison-. Essas coisas.
-Entendo. E depois, o que faço?
Com sorriso endiablaba, recomendou-lhe:
-Corre como se te levasse o vento. Talvez poderia te esconder no abrigo, com seus irmãos.
A jovem riu:
-Todos amarão a Eleanor quando a entenderem.
-Teria que ter responsabilidades enquanto permaneça aqui, caso que pense ficar muito tempo.
A jovem se incorporou, e se inclinou sobre ele.
-Se lhe conto algo, promete-me que não o dirá ao Travis, ao Douglas nem a Cole?
-E Adam?
-O já sabe.
Mary Rose lhe apoiou a mão no peito. Harrison sentiu como se o coração lhe desse um salto. Não pôde evitar tocá-la, e pôs sua mão sobre a dela.
-O que é o que não quer que saibam seus irmãos?
-Que Eleanor não se irá.
-Quer dizer que não se irá logo?
-Quero dizer nunca.
-OH, Senhor.
-Exato -sussurrou-. Não tem nenhum outro sítio aonde ir. Agora entende? Não tem família. Seu pai fugiu dela e das autoridades. Fez-lhe coisas terríveis a outras pessoas, e por fim, a lei deu com ele.
-Que coisas terríveis?
-apoderou-se de dinheiro alheio. Se fazia passar por investidor, mas não o era.
-Tirou-lhes as economias.
-Sim.
-E sua mãe?
-Morreu faz muito tempo. Eleanor é filha única, pobre.
-Não tem tias ou tios aos quais recorrer?
-Não -respondeu a jovem-. Quase toda a gente de sua cidade se voltou contra ela. Não tem amigos que valham a pena.
-Não me surpreende.
-Deve ter compaixão.
-Para que? Você a tem pelos dois, carinho.
Os olhos da Mary Rose se aumentaram:
-Há-me dito carinho.
-Sinto muito.
-Não. Eu gosto. Diga-o outra vez.
-Não. Estávamos falando da Eleanor -lhe recordou.
-Não teríamos que falar mais. É uma grosseria.
-Quão único eu queria era que estivesse inteirada da disposição de ânimo atual do Travis. Sério, está disposto a votar para jogar a sua convidada. Conviria que falasse com ele.
Mary Rose apartou sua mão da dele, e lhe acariciou o flanco da cara. Percebeu as costeletas crescidas de um dia nas gemas dos dedos, e o comichão a fez sorrir.
Harrison não interrompeu a carícia, pois gostava de muito. Cavou a mão na nuca da Mary Rose, e entrelaçou os dedos no cabelo sedoso.
Continuando, atirou dela, colocando-a em cima dele. Deu-lhe um beijo forte e prolongado. Forçou-a a abrir a boca, lhe pressionando o queixo. Seduziu-a deliberadamente, pois o impulso de saboreá-la uma vez mais se sobrepôs a qualquer idéia de cautela. Raciocinou que não havia nada de mau em lhe dar um beijo de boa noite e, sem dúvida, tinha a suficiente experiência para saber quando deter-se.
Assim que compreendeu o que era o que queria, Mary Rose abriu a boca. A língua do homem se moveu dentro de sua boca, em gesto de posse total. A mulher se fundiu contra ele. A boca do Harrison apanhou o suspiro dela. Então, aprofundou o beijo. Duro e quente contra ela; a língua faminta, desejando deixar dentro dela seu próprio sabor.
uniram-se pelas bocas, as línguas, até que Mary Rose ficou dominada pela paixão. Alagou-a um desejo como jamais tinha conhecido. Cada vez que a língua do homem entrava e saía de sua boca, suplicava em silêncio que seguisse. Cravou as unhas nos omoplatas dele, e esfregou seu corpo contra o do homem, lhe dizendo sem palavras quanto o desejava.
O som que brotou do fundo de sua garganta provocou o desejo do Harrison de lhe dar mais.
Ainda com um só beijo, quando ao fim o deu por terminado, os dois tremiam de puro desejo.
Harrison ocultou a cara no oco do pescoço da Mary Rose e tratou de recuperar a compostura. lnhaló uma funda baforada trêmula, respirou a maravilhosa e leve fragrância da mulher e se embriagou mais ainda. Por Deus, era perfeita. Sentia-a tão bem, tão em seu lugar, aí entre seus braços...
-Harrison, não posso respirar bem. Tem que te mover um pouco.
Estava em cima dela. No nome de Deus!, como tinha acontecido? Com os braços lhe rodeava a cintura, mas não recordava havê-los posto ali. Deveu tomá-la quando rodou de flanco para poder liberar as mãos.
Sua própria falta de controle o afligiu e, entretanto, não a soltou. Tinha o joelho colocado entre as coxas da Mary Rose. E embora não podia lhe tocar a pele através do tecido das calças, soube que era sedosa em todas partes. Desde só pensá-lo, ficou mais duro ainda.
Os braços da moça lhe rodeavam o pescoço, e os dedos o distraíam, porque seguiam acariciando-o.
Mary Rose se incorporou e lhe beijou o queixo. Tratou de soltá-lo pois, dadas as circunstâncias, era o único decente. Mas não pôde obrigar-se a fazê-lo. Era muito maravilhosa a sensação do ter contra ela.
Colocou a cabeça sob o queixo dele, e fechou os olhos.
-Não poderíamos dormir assim, por favor? Estaríamos abrigados -lhe prometeu-. Só uns momentos?
Harrison lhe beijou a frente.
-Só uns momentos -acessou.
Mary Rose se tornou atrás para poder olhá-lo ao lhe dar as boa noite. Olhou-o aos olhos, viu neles a ternura, e sentiu que seu próprio coração respondia acelerando os batimentos do coração.
-Seus olhos se hão posto escuros como a noite. É um homem muito arrumado.
Harrison encerrou a cara da moça entre suas mãos:
-E você é uma mulher muito bela.
Esfregou-lhe os lábios com os polegares. Estavam inchados e rosados pelos beijos. Os olhos, ainda velados pela paixão, e não pôde conter-se de beijá-la outra vez... que Deus o ajudasse.
-É tão suave que me maravilha -sussurrou.
Um segundo depois, sua boca se abateu sobre a dela. Dura, exigente, incrivelmente excitante. A paixão se acendeu nos dois. Mary Rose se mostrou tão audaz como ele no encargo de explorar o sabor e a textura do homem.
Harrison lhe acariciou o pescoço, os ombros, e suas mãos baixaram até encontrar o doce traseiro. Ela se moveu, inquieta, contra ele. Sua pélvis pressionou o joelho do homem. Alagou-a uma onda de prazer. O inclinou a cabeça de lado e a beijou outra vez, para logo trocar de posição. Apartou o joelho, e a obrigou, com delicadeza, a que ficasse escarranchado. Apertou a virilha contra a união das coxas da mulher, apanhou em sua boca a exclamação dela, e gemeu de prazer. Já não lhe importou outra coisa que lhe brindar agradar.
A paixão floresceu entre eles com a intensidade de um ferro ao vermelho branco. Ao Harrison não bastava nada do que obtinha da Mary Rose. Deslizou a mão sob a camisa de flanela, para que a carícia fosse mais íntima. Apartou o tecido magro da anágua, e se apoderou de um dos peitos plenos. Esfregou o mamilo com o polegar uma e outra vez, até que se converteu em um duro casulo, preparado para que sua boca o devorasse.
A Mary Rose adorava como a acariciava. Gemeu e se arqueou para cima, contra sua mão, suplicando mais sem falar.
Não queria soltá-lo jamais. Desejava senti-lo perto, sentir a ternura com que a abraçava. Podia perceber com as gemas de seus dedos a força nos músculos, e gozar com a certeza de que cada uma de suas tenras carícias dava a ele tanto prazer como o que recebia dele. Assim o revelavam as palavras absurdas, amorosas e doces que lhe sussurrava no ouvido.
Harrison a fascinou. Embora sabia que tinha força suficiente para esmagá-la, estava segura de que era capaz de dar sua vida para protegê-la. Provou o sal na pele do homem, depositando beijos úmidos com o passar do pescoço, inalou sua fragrância viril, mesclada agora com a dela mesma, e ouviu o selvagem batimento do coração do coração, em perfeita harmonia com seu próprio coração arrebatado.
As carícias do homem se fizeram mais exigentes, pois agora o impulsionavam os suaves sussurros da moça. Dominou-o o desespero de aproximar-se mais a seu calor, de tocá-la e acariciar o que mais desejava possuir. Moveu a mão entre as coxas dela, e se estremeceu com outra explosão de paixão incontrolável. A pele da Mary Rose era tão sedosa e doce como imaginou. Deslizou os dedos sob a roupa interior e, ao fim, achou-a. Quando a tocou e percebeu a morna umidade entre os cachos suaves, esqueceu qualquer intento de aferrar-se à disciplina. Acendeu o fogo dentro dela, e ardeu ele também. Quase foi seu fim quando a moça se arqueou contra ele e soltou uma surda exclamação de êxtase.
Não ia deter se. Começou a desabotoá-los calças. Tremiam-lhe tanto as mãos que quase não pôde desabotoar o último.
Mary Rose sentiu a dura ereção apertada contra ela, mas não se assustou nem se afligiu. No fundo, sabia que ele deixaria de tocá-la quando o pedisse.
Tinha absoluta confiança no Harrison: era um homem de honra. Faria algo que lhe pedisse, com a condição de que fosse honrada.
"Deus querido!", pensou Mary Rose. "O que pretendo dele agora? Acaso ele não sacrificará sua própria honra para me agradar?"
A vergonha a afligiu. Embora não sabia se tinha poder suficiente para destrui-lo, queria-o muito para arriscar-se. ficou imóvel, e fechou com força os olhos para não chorar.
-Temos que detemos, já mesmo.
A voz soou como um sussurro esmigalhado contra o pescoço dele. Sua mente registrou as palavras quase imediatamente. Mas demorou um pouco mais em reagir.
Exalou um fôlego comprido e tremente, apertou a mandíbula e se apartou com esforço. Sentiu que morria.
O sofrimento físico da frustração e sua própria estupidez o enfureceram. Por Deus!, no que estaria pensando? A luxúria o impulsionou até transpassar todo intento de controle. Não pensou em nada. Nenhuma mulher tinha podido comovê-lo como o fez Mary Rose. Ela era diferente, e perigosa.
A moça não conseguia recuperar o fôlego. No instante mesmo em que Harrison se apartou. sentiu-se abandonada, sozinha. Tremeu de frio e de pesar. Sua própria conduta vergonhosa a humilhou. Nenhum homem a tinha acariciado de maneira tão íntima. Tinha-lhe acariciado os peitos, o ventre, o traseiro, a... OH, Deus. não estava em seus cabais! Não pôde impedir que lhe enchessem os olhos de lágrimas.
O que tivesse passado se não lhe pedia que se detivera? Sabia, sabia a resposta. teria se casado com ela.
A idéia não a seduziu. Mas bem a horrorizou. Por ser um homem íntegro, Harrison faria o devido. Só Deus sabia até que ponto estava acostumado ao peso da responsabilidade. Já devia ter os ombros vencidos, pois sabia que carregava com suas obrigações desde que era um menino. A responsabilidade lhe tinha arrebatado a infância.
Ela não estava disposta a lhe arrebatar nada mais. sentiu-se enojada, e quase esmagada pela culpa. Obrigar a um homem a casar-se por meio da luxúria, era mais que vergonhoso. Era imperdoável.
sentou-se lhe dando as costas, e fixou a vista na parede enquanto acomodava as mantas. O cabelo lhe caía sobre a cara. Apartou-o impaciente, e nesse momento viu que ainda lhe tremiam as mãos.
Soube que devia lhe dizer algo, lhe oferecer certa classe de desculpa ou explicação de seu próprio comportamento, mas não achava as palavras para lhe expressar seus sentimentos. Nada que lhe ocorresse lhe parecia nem remotamente adequado.
Harrison não conseguia encontrar uma posição cômoda. incorporou-se, moveu-se para trás e se apoiou contra o muro de pedra, deixando que a rocha geada lhe esfriasse os ombros.
Mas seguia consumindo-se por ela. Sentia ainda seu sabor na boca, e se esforçou por não recordar como a sentiu, tão deliciosa, doce, quente, e úmida, Y...
-Diabos -exalou, em um gemido fico.
A moça se voltou a olhá-lo. Harrison a olhava fixamente, e a frieza desse olhar a envergonhou mais ainda que sua própria culpa.
Seguiu contemplando-a comprido momento, até que advertiu que estava lhe provocando outra ereção. Os olhos da Mary Rose ainda estavam velados de paixão, os lábios inchados pelos beijos. Tinha-lhe raspado a cara com as costeletas, e descobriu que também o excitava descobrir nela suas próprias marcas. Compreendeu que, se a atraía outra vez a seus braços, perceberia seu próprio aroma nela.
"Diabos", pensou, "estive em cima dela, cobrindo-a por inteiro." Levantou a vista para o teto, como se tentasse perfurar um buraco na pedra.
-Entende o que esteve a ponto de acontecer? A ira que ressonava em sua voz a fez encolher-se.
-Sim -respondeu-. Entendo. Proponho que não nos permitamos... nos envolver de novo. É muito perigoso.
-É claro que sim que é perigoso.
-Sinto-o -sussurrou Mary Rose.
Harrison não soube o que dizer. A jovem o olhou de novo, e outra mecha lhe caiu sobre o olho esquerdo. Apartou-o com impaciência.
O cabelo do homem estava tão desordenado como o dela. Tinha o aspecto de uma pessoa que acaba de levantar-se. A Mary Rose pareceu o ser mais galhardo da terra.
separou-se dele. O silêncio estava pondo-a nervosa. Olhou o fogo, viu que estava quase apagado, e imediatamente pôs mais ramos.
-Estará zangado muito tempo?
-Durma, Mary Rose, antes de que me esqueça por completo de proteger sua honra.
Girou com brutalidade para olhá-lo:
-Por isso te detiveste?
-Não -lhe respondeu-. parei porque você me pediu isso.
Olhou-a outra vez, e parte da ira se dissipou imediatamente. Mary Rose tinha lágrimas nos olhos e, por fim, Harrison compreendeu que não tinha pensado nem por um momento nos tenros sentimentos da moça. Estava muito concentrado em si mesmo. "Por Deus!", reprovou-se, "sou um miserável!" O modo em que lhe tinha respondido lhe demonstrava que era a primeira vez que experimentava a paixão crua, e esse desejo te queimem deveu havê-la apavorado.
-E então, o que tem que ver minha honra com tudo isto? Há dito que te deteve porque eu lhe pedi isso.
Harrison suspirou. Custava-lhe acreditar que tivesse que explicar-lhe -Entonces, tendré que ilustrarte. Tú no has estado a punto de apropiarte de nada. Yo podría haberte entregado mi virginidad y mi honor, pero he decidido no hacerlo. Yo he sido la que te pidió que te detuvieras. Tú estabas concentrado en desabotonarte los pantalones, ¿recuerdas?
-Carinho, estive a ponto de me apropriar de sua virgindade e de sua honra. Se tivessem acontecido um par de minutos mais, o teria feito.
O que a acalmou não foi o que disse a não ser o modo em que o disse. O tom de sua voz era mais suave, mais cortês. E quase amoroso. Sem dar-se conta, relaxou os ombros e deixou de retorcê-las mãos.
-Por isso te há posto furioso?
-Sim.
Mary Rose fez uma funda inspiração:
-Lamento não estar de acordo contigo.
-Não me diga?
A indignação na voz da moça o fez sorrir. Essa não era a reação que ela procurava.
-Sente-se como um varão agradado de ti mesmo neste aspecto, não é assim?
-Não acredito.
-Então, terei que te ilustrar. Você não estiveste a ponto de te apropriar de nada. Eu poderia te haver entregue minha virgindade e minha honra, mas decidi não fazê-lo. Eu fui a que te pediu que te detivera. Você estava concentrado em te desabotoar as calças, recorda?
A veemência da moça o deixou atônito. Sentiu que começava a zangar-se outra vez, porque lhe recordou sua falta de disciplina.
-me diga por que te deteve.
Mary Rose negou com a cabeça:
-Você é o advogado: imagina-o.
-Tinha medo.
-Não.
-Olhe, eu sei que você me desejava. Estava tão quente como eu. Ainda sinto as marcas de suas unhas nos ombros. Recorda onde pôs as mãos, não?
A moça sentiu que se ruborizava quando lhe recordou como se comportou. Viu que Harrison flexionava uma perna e apoiava um braço no joelho. Cada movimento que fazia, excitava-a.
sentiu-se desprezível. Era igual a uma coelha em zelo.
-Claro que o recordo. E não me arrependo.
-Tampouco eu.
A emoção dessa confissão a fez estremecer-se e acalorar-se, ao mesmo tempo. Não entendia sua própria reação, e concluiu que a culpa era dele. Estava enlouquecendo-a de propósito.
-Deixa de me olhar assim.
-Como?
-Você sabe.
Sabia. Voltou a vista ao fogo.
-Ainda não me há dito por que me pediu que parasse.
-E você não pensa desistir até que lhe diga isso. Não é assim?
-Assim é. Se não tinha medo, o que aconteceu? Você gostou de como te acariciava. Não finja que não. Lembrança como reagiu seu corpo. Estava quente e úmida para mim.
Mary Rose o olhou. O estava contemplando-a outra vez, e sua expressão a fez derreter-se.
-Deixa de falar assim -lhe ordenou, com uma voz que lhe pareceu horrivelmente débil.
-me diga por que interrompeu -insistiu-. E então, eu deixarei de te recordar o que aconteceu.
Mary Rose fechou os olhos. Foi o único que lhe ocorreu para evitá-lo.
-Para ser advogado, é bastante obtuso. Não te passa pela cabeça que, talvez, só talvez, detive-me por sua honra, e não pelo meu.
-Por minha honra?
Soube que não lhe acreditava, e se disse que não lhe importava. Todos os homens seriam tão arrogantes como Harrison e como seus irmãos? "Céus, espero que não", pensou.
-Sim, Harrison, por sua integridade -repetiu.
-Diz-o a sério, não é assim? Minha honra... -sussurrou. .
Bom, não sabia se lhe acreditar ou não. Mas quando abriu os olhos e o olhou de novo, viu neles refletida a sinceridade. sentiu-se impressionado e humilhado.
-Sua honra -repetiu Mary Rose, em um sussurro. Pôs os olhos em branco e se apartou.
Era evidente que estava chateada com ele. Mas Harrison não teve tempo de pensá-lo porque estava tentando perceber como se sentia ao saber que ela o protegia.
-Tem mais disciplina que eu.
Foi terrível admiti-lo, e a Mary Rose deu a impressão de que essa possibilidade o ofendia.
-Que típico de um homem é pensar que é o único a quem preocupam questões tão nobres como a honra e a integridade. Cria-o ou não, as mulheres também têm capacidade de proteger. Não é uma idéia novidadeira. É uma simples realidade. Alguma vez ouviste falar da Juana de Arco? Deu sua vida pela honra da França, e pelo seu próprio.
-Juana de Arco? -a comparação lhe causou graça, mas não riu porque não queria que o matasse. -Mary Rose, não acredito que ela fizesse o que nós temos feito faz uns instantes.
-Claro que não. Por Deus, era uma Santa! Eu não o sou. Não tratava de me comparar com ela. O que dizia era outra coisa. Eu sabia que não tivesse tido paz contigo mesmo se tivesse intimado comigo.
-Intimei contigo. Recorda onde estiveram meus dedos?
-OH, vete a dormir.
correu-se até o bordo das mantas para estar o mais longe possível dele. tampou-se até acima, fechou os olhos, e tratou de descansar.
Harrison sabia que devia deixar de atormentá-la, mas a reação da moça o agradava de tal modo, que não pôde resistir. Quando se indignava, o rubor mais formoso lhe cobria as bochechas.
Além disso, sentiu-se agradecido de que estivesse irritada com ele. Tinha tentado exasperá-la a consciência, e sabia que se tivessem seguido discutindo, o teria obtido. Não era um canalha. Não, era nobre... ou pelo menos assim se considerava. Se estava zangada, separaria-se dele. Nenhuma mulher queria beijar a um homem ao que desejava matar. Para o Harrison, sua própria atitude tinha perfeita coerência.
Diabos, a quem tratava de enganar? Em realidade, era a si mesmo a quem tratava de proteger. Ela já tinha demonstrado que tinha mais disciplina que ele. Não fazia falta muito para lhe fazer esquecer todas suas boas intenções. Quão único tinha que fazer Mary Rose era lhe fazer um gesto com um dedo, e ele se equilibraria sobre ela. Tinha espionado o paraíso, e tinha que fingir que não lhe pareceu maravilhoso.
Não dormiu muito durante a noite. Deixou o revólver à mão, ao flanco, e emprestou ouvidos para captar o menor ruído. Duas vezes despertou. A primeira vez, despertou o assobio suave do vento. Algo ou alguém estava dentro da cova. Harrison permaneceu imóvel. Abriu os olhos apenas, e viu a mulher. Sua reação foi imediata. Fechou a mão sobre o revólver que tinha metido sob as mantas. Pôs toda sua força de vontade para não disparar, e agradeceu a Deus que ela não estivesse olhando-o. A mulher tinha uma manta nos braços, e estava de pé junto à Mary Rose, olhando-a.
A Louca Corrie. Com apenas lhe jogar uma olhada, Harrison acreditou compreender por que se tornou louca. Estava tão desfigurada que quis voltar a vista. É obvio, não o fez. Não se moveu para nada. limitou-se a esperar e ver o que faria.
Por fim, a mulher acabou com a contemplação. Sem fazer o menor ruído, cobriu a Mary Rose com a manta e saiu tão silenciosamente como tinha entrado.
Quis chamá-la, lhe agradecer, pelo menos, mas preferiu não fazer ruído. Se a mulher tivesse querido ser vista, faria algo para despertá-los. Era evidente que não estava lista para isso, e decidiu respeitá-la.
A repulsão inicial que sentiu ao vê-la-o encheu de culpa. Logo, fechou os olhos e dormitou outra vez. Mary Rose se aproximou dele, mas Harrison ainda se sentia seguro, sabendo que não devia preocupar-se da tentação, nem de sua própria falta de controle.
Despertou com a cara da moça apoiada em sua virilha. Acreditou que tinha morrido e estava no Céu, mas assim que a sonolência se dissipou, soube que, mas bem, estava no Purgatório. Mary Rose não estava seduzindo-o, pois estava profundamente dormida. Tinha os pés colocados sob o queixo dele. Quão único pretendia era manter-se abrigada enquanto dormia.
Levou-lhe um tempo infinito afastar-se dela sem despertá-la. levantou-se o mais silenciosamente que pôde. Caminhou descalço até fora, e ficou sob a chuva.
Não o ajudou o mais mínimo.
11 de julho de 1865
Querida Mamãe Rose:
Hoje é meu aniversário. Queria que estivesse aqui para celebrá-lo comigo. Agora que a guerra terminou, poderá te reunir com sua família, e esse será o melhor presente que um filho possa receber.
Oramos todas as noites pela alma do Lincoln. Eu tento não me enfurecer mais por sua absurda morte, e me consolam as palavras de seu último discurso inaugural. Aqui transcrevo a parte que mais eu gosto:
"Sem malícia contra ninguém, com caridade para todos, com essa firmeza à mão direita, que Deus nos dá para saber o que está bem, que tenhamos forças para terminar a tarefa em que estamos empenhados, de curar as feridas da nação, de ocupamos daquele que morreu na batalha, e por sua viúva e seu órfão, para fazer todo aquilo que possa obter e cuidar uma paz justa e duradoura entre nós e com todas as nações. "
Quero-te, Travis
10
Algum filho de cadela lhes disparou quando retornavam. Harrison estava atento. Cavalgava junto à Mary Rose, e assim que divisou um brilho de metal através dos pinheiros, diante deles, no ponto onde o atalho começava a girar, empurrou à moça fazendo-a cair do cavalo, tirou seus seis tiros e disparou, com um segundo de demora.
A bala inimizade lhe passou pelo flanco direito, e quase não reagiu à pontada súbita de dor. inclinou-se sobre a arreios da Mary Rose, com a vista cravada no bosque que tinham diante. Se a moça tivesse estado sobre a arreios, a bala que Harrison interceptou sem dúvida a teria matado.
E quando o compreendeu, sentiu-se transbordado.
-Fique abaixo -lhe ordenou.
Não perdeu tempo em ver onde tinha aterrissado. Esporeou ao MacHugh, fazendo-o correr rapidamente tendido. O único que lhe importava era encontrar ao canalha e destroçá-lo com suas próprias mãos.
Pôde jogar uma boa olhada ao rosto do covarde, mas quando chegou a seguinte curva do atalho, o culpado tinha desaparecido. Harrison seguiu os rastros e, ao ver que terminavam perto de um promontório que dava ao rio, decepcionou-se. O sujeito tinha saltado. "Oxalá se afogue!", pensou.
Voltou sobre seus passos, e encontrou a Mary Rose sentada sobre um penhasco, com o revólver na mão. Parecia totalmente desentendida do que acabava de acontecer.
-Está bem? -perguntou-lhe, em tom resmungão, irritado.
-Sim, obrigado -a voz da Mary Rose, em troca, era fresca como um sorvo de água-. Por favor, poderia procurar o Millie?
Harrison assentiu, e foi procurar à égua. Quando voltou, Mary Rose estava de pé no centro do caminho. Tinha deixado a arma, e estava tentando arrumar o cabelo.
Harrison lhe entregou as rédeas e começou a desmontar para ajudá-la, mas ela foi mais rápida. acomodou-se na arreios, sorriu-lhe, e esporeou ao Millie.
Caramba, tinha uma expressão que parecia indicar que uma emboscada era coisa de todos os dias, para ela!
-De verdade, está bem?
-Sim, embora meu traseiro ficará tão arroxeado como o teu. Aterrissei de repente. Jogou-me entre os arbustos, Harrison. A próxima vez, sugiro-te que me indique que me agache, simplesmente.
Harrison a deixou cavalgar diante dele. Não queria que visse que estava revisando-a ferida. Sentia a umidade sob a camisa, e quando olhou, o sangue emanava dela.
em que pese a tudo, não lhe pareceu uma ferida grave. O sangue não era muita, e isso lhe pareceu bom sinal. Agradeceu que a bala tivesse passado de comprimento.
deteve-se tirar o colete de couro da bolsa, e o pôs o mais rápido que pôde. A dor que lhe estendeu pelo flanco quando moveu o braço, fez-lhe fazer uma careta, mas em seguida forçou um sorriso para a jovem, que se voltou para olhá-lo. Fez apurar o passo ao MacHugh, para alcançá-la e cavalgar para seu lado.
-Tem frio? Se for assim, pode usar a manta do Corrie -lhe sugeriu a jovem.
-Estou bem -lhe respondeu-. E você, não tem frio?
-Não, minha roupa já se secou. Está enrugada mas me abriga. pudeste apanhar ao que tentou nos matar?
-Não -lhe lançou um olhar sombrio, e não pôde conter um comentário sobre a compostura da moça-. Te comporta como se esta classe de coisas acontecesse freqüentemente. É assim?
-Não, claro que não.
-Então, por que está tão tranqüila? Esperou que a alcançasse, e lhe respondeu: -Porque você não. -Eu não, o que?
-Não está tranqüilo.
E ele acreditava que tinha uma aparência de perfeita calma. Supôs que estava equivocado.
-A expressão de seus olhos desmente seu tom de voz.
-O que há com a expressão de meus olhos?
-É fria... colérica... está furioso por não ter apanhado a esse sujeito, não é certo?
-Saltou sobre o promontório. Espero que se afogou.
-Pode ser.
-Não tiveste nada de medo?
-Sim, tive-o.
-Nesse caso, aplaudo-te. Dissimula melhor que eu seus sentimentos. Acreditei que dominava este jogo, mas agora vejo que não.
-É importante dominá-lo?
-Em um tribunal, sim.
Mary Rose sorriu, e lhe aplaudiu o joelho.
-Estou segura de que te desembrulha muito bem em um tribunal.
-Você é algo especial, Mary Rose. Juro-te que o é.
Não soube se a tinha elogiado ou não. Mas como ele sorria, concluiu que podia interpretar o comentário como um elogio.
-Viver com Cole ensinou a todos nós a estar preparados para qualquer surpresa. Aqui, isso forma parte de nossa vida.
-A estas alturas, seus irmãos devem ter retornado.
-É provável. Chegaremos ao rancho mais ou menos em uma hora.
-O que quereria?
-Quem?
-O covarde que tentou nos matar.
-Os cavalos ou o dinheiro. Talvez tivesse esperanças de apoderar-se de ambas as coisas.
-Diabos.
-Deixa de preocupar-se. Já se foi. Falemos de outra coisa. Não posso esquecer a consideração do Corrie. Teve que andar uma boa distância para levamos a manta. Foi valente, não crie?
-Quis te dar a manta a ti, não -a corrigiu.
-Não pode estar seguro disso -argumentou Mary Rose. Harrison sorriu. Sabia que Corrie tinha abrigado a Mary Rose, mas não estava disposto a admitir que a tinha visto. Possivelmente o motivo fosse tolo: Corrie pertencia a ela. Quis que fosse ela a primeira em ver a amiga... quando Corrie estivesse lista para apresentar-se.
-Ainda parece zangado, Harrison.
Não podia evitá-lo.
-Maldita seja, Mary Rose, poderiam te haver matado. Ganhei-me o direito a estar zangado. Se te tivesse passado algo...
voltou-se e o olhou:
-O que?
Harrison suspirou:
-Seus irmãos me matariam.
-Morreria se admitisse que me sentiria falta de?
-Não, não morreria. É obvio que te sentiria falta de.
sentiu-se sobremaneira agradada. Trocou de tema outra vez.
-pensei o que disse sobre o Travis, e decidi conversar com ele. Não quisesse que se perturbe muito por causa da Eleanor. Também terei uma firme conversação com ela: Não pode estar dandoordens a meus irmãos. Travis me escutará. Eleanor, talvez, não. De todos os modos, tentarei-o. Logo será o aniversário do Travis, e se comportará o melhor possível para receber um bonito presente.
-Quando é seu aniversário?
-Em onze de julho -lhe respondeu-. Já quase terminei que lhe tecer uma jaqueta. Acredito que adorará. A cor faz jogo com seus olhos. Claro que a ele isso não importa. Gostará, porque é abrigada. Quando é seu aniversário?
-Em dezessete de fevereiro.
Não lhe perguntou em que data cumpria anos ela, caso que não conhecia a data real, e que os irmãos fixaram uma para poder celebrar-lhe Vino con papeles. Todos estaban esperándolos. Eleanor se paseaba por el porche, Adam estaba parado en la entrada, y Douglas y Travis, sentados en la baranda del porche, apoyados en los postes.
Além disso, já sabia a data do nascimento de lady Vitória: em dois de janeiro.
-Dois de janeiro.
Disse-o uma fração de segundo depois de que Harrison a pensou. Custava-lhe acreditar que tivesse ouvido bem. Logo lhe ocorreu que, talvez, disse-a em voz alta sem adverti-lo.
-Disse que...? O que era o que acaba de dizer?
-Dois de janeiro -repetiu a jovem-. Meu aniversário. Que problema há com em dois de janeiro? Parece perplexo. Sério.
Não pôde lhe responder, pois tinha fechada a garganta. Perplexo? Era uma expressão pobre do que sentia. Sua mente girava, repassando impossíveis. Em nome de Deus, como podia saber sua data real de nascimento?
-O aniversário do Adam é em vinte de novembro. o de Cole, em quinze de abril, embora, para te ser justifica, em realidade não está seguro da data porque não tem nenhuma prova, salvo um vizinho que o recorda e que estava convencido de que nasceu nesse dia, por isso decidiu adotar essa data para celebrá-lo. E o do Douglas é o último dia de março. Não me esquecimento de ninguém, verdade?
Harrison sacudiu a cabeça outra vez.
-Deduziu sua data de nascimento, ou tem provas de que nasceu em dois de janeiro?
-Tenho provas -respondeu-. Vim com papéis.
Harrison se tornou atrás na arreios. As palavras ricocheteavam sem cessar em sua cabeça.
Veio com papéis. Todos estavam esperando-os. Eleanor se passeava pelo alpendre, Adam estava parado na entrada, e Douglas e Travis, sentados no corrimão do alpendre, apoiados nos postes.
Cole acabava de sair do abrigo principal, quando Douglas lhe gritou e assinalou aos recém chegados.
Harrison não demorou para notar que a mão do exaltado irmano voou ao revólver, e a expressão de sua cara indicava que estava disposto a usá-lo.
Deixou escapar um suspiro fatigado. Para falar a verdade, não tinha tempo para tolices: sentia-se muito mal. O flanco lhe ardia como fogo. Mas o dia não tinha perspectivas de melhorar, porque, ao fim, tinha decidido não esperar mais. Em um sentido ou em outro, o futuro da Mary Rose se decidiria antes de que ele fosse deitar se. Diria aos irmãos a verdade sobre a moça. Primeiro, é obvio, obteria a informação que necessitava, e se era necessário lhes disparar a alguns deles para averiguar o que queria saber, então, Por Deus que o faria.
Já não daria mais rodeios. Se não fazia algo, logo estaria casado e com seis filhos.
-Harrison, não enrugue o sobrecenho.
-Sinto muito. Estava pensando em lhes disparar a seus irmãos.
-Por favor, não o faça -sussurrou Mary Rose-. Pelo amor de Deus, sorri.
-Pareceria que queriam me linchar.
Mary Rose olhou outra vez a seus irmãos: Harrison tinha razão. Três deles tinham semblantes que refletiam seus desejos de pendurar ao Harrison da árvore mais próxima. Eleanor parecia disposta a conseguir a corda. Tinha as mãos nos quadris, e os olhava, carrancuda.
-Adam parece contente de nos ver. Estou segura de que será razoável. Date pressa em lhe explicar, antes de que Cole...
-Carinho, não temos feito nada mau.
-E por que me sinto como se o tivéssemos feito?
Harrison compreendeu que sentia o mesmo, e sorriu.
-Eu me ocuparei de Cole. Você, te dedique aos outros.
-Você te ocupa de Cole, e eu dos outros quatro? É justo -brincou a moça.
deu-se a volta, e o observou encaminhar-se para o abrigo. Millie quis segui-los, mas Mary Rose a guiou para a casa.
-te tire o revólver -sugeriu ao Harrison em um sussurro alto-. Pelo general, a Cole não gosta de lhe disparar a um homem desarmado.
Harrison negou com a cabeça, e seguiu seu caminho. Quando esteve a menos de um metro de Cole, desembarcou do MacHugh. O potro seguiu caminho para o estábulo. Harrison o atenderia depois de ter enfrentado ao irmão.
Cole precipitou para ele e o enfrentou.
-Rasteiro, filho de cadela! Se você...
antes de terminar a ameaça, decidiu lhe dar um murro.
Mas, esta vez, Harrison estava preparado. Apanhou o punho de Cole na palma da mão esquerda e o sujeitou com força. Então, começou a apertar.
-Se eu o que? -desafiou-o, em tom gelado.
A expressão de Cole passou da cólera à estupefação, em um abrir e fechar de olhos.
-Se você... Maldição, é rápido. me solte. Está me espremendo o dedo que uso para disparar.
-Tratará de me golpear outra vez?
-Não. Agora penso em te disparar. Logo, matarei a Mary Rose.
-Primeiro, eu matarei a ti. -Diabos.
-Não aconteceu nada, Cole. Ficamos apanhados pela chuva, isso é tudo. Entra comigo ao abrigo. Deram-me um tiro. Quero saber quão grave é a ferida antes de que Mary Rose saiba.
Harrison soltou o punho de Cole, e entraram. Sentiu as pernas frouxas, mas estava seguro de que bastaria comendo algo para sentir-se melhor.
-O que te passou? Tentou algo com a Mary Rose? Ela te disparou?
-É obvio que não -estalou.
deteve-se junto ao abajur de petróleo, e esperou a que Cole acendesse.
-Onde recebeu o balaço?
-No flanco. A bala só me roçou. Passou de comprimento.
-me deixe jogar uma olhada.
Cole converteu em uma pessoa eficiente. Apartou o braço do Harrison e lhe tirou lentamente a camisa. Depois, inclinou-se para ver a ferida mais de perto.
Dissimulou seu desmaio ao ver a gravidade da ferida.
-É só um arranhão, verdade?
Cole endireitou, perguntando-se se Harrison sabia quão débil soava sua própria voz. Estava a ponto de deprimir-se, e precisava cuidados imediatos.
-Só um arranhão -concedeu.
Harrison começou a metê-la camisa outra vez dentro das calças.
-Um covarde tentou nos emboscar, perto da colina. Persegui-o, mas já tinha saltado ao rio.
-Pôde lhe ver a cara?
Harrison assentiu. Começou a caminhar para a saída.
-Tenho que falar com o Adam antes de me limpar.
Cole aproximou de seu flanco esquerdo, e passou o braço do Harrison por seus ombros. Obrigou-o a apoiar-se nele.
Disse com voz serena:
-O te dará algo para te pôr nessa ferida insignificante. Foi um cavalheiro, não é assim? Estou seguro de que eu não teria sido assim se tivesse estado com uma moça bonita. Mas, é obvio, minha irmã é diferente. Se a houvesse meio doido, teria que te matar.
-Se o fizer, não esquecerei comunicar lhe replicou isso Harrison.
A Cole pareceu estranho que Harrison não soubesse que estava sustentando-o. afligiu-se mais ainda. Não era próprio dele ser tão dócil.
-Levarei-te ao barraco. Adam irá curar te. Em realidade, o arranhão é um pouco pior do que te disse. Embora não é algo sério, como você é um tipo da cidade teremos que atendê-lo. irei salvar a Mary Rose, por esta vez. Você já tiveste o teu com o atacante.
-Do que a salvará?
-De meus irmãos. por que crie que estávamos todos tão alterados? Levou-te a Mary Rose e nos deixou a bruxa. Não sei se lhe poderei perdoar isso alguma vez. Disparou ao Douglas. Disse que foi um acidente, mas ele não crie, pois recorda que já uma vez lhe disparou, "por acidente", ao chofer da diligência. Ninguém crie. antes de que mate a um de nós, jogaremo-la.
Harrison conseguiu esboçar um sorriso débil.
-De modo que não está preocupado pela virtude de sua irmã?
É obvio que se preocupou, mas não pensava admiti-lo. Tinha visto como contemplava Harrison a sua irmã. E ela olhava do mesmo modo ao Harrison.
-Não, não me preocupei com vós. ia dizer que se outra vez sair com a Mary Rose e nos deixa com a Eleanor, alternaremo-nos para te matar. Isso era o que pensava dizer. Em troca, decidi te golpear. Supus que um bom murro deixaria em claro mais rápido meu ponto de vista.
Harrison se cambaleou, recuperou o equilíbrio e seguiu caminhando. Acreditou que tinha tropeçado com um calhau e que isso o fez cambalear-se.
-Ah, diabos, me vais obrigar a te carregar, né?
Harrison não respondeu. Não podia, pois já se deprimiu em seus braços.
Mary Rose lançou um grito, recolheu-se as saias e correu para eles. Todos a seguiram.
-O que lhe tem feito! meu deus!, o que lhe tem feito?
-Não lhe tenho feito nada -respondeu Cole, a gritos. Não lhe acreditou:
-O que lhe passou?
inclinou-se a observar o rosto do Harrison. Viu-o tão pálido que esteve a ponto de estalar em pranto.
Douglas foi o seguinte em aproximar-se.
-Mataste-o, Cole? -perguntou.
-Não.
Embora a ferida era séria, não era mortal, e a julgamento de Cole isso significava que Harrison ainda participava do jogo.
-O que passou? -perguntou Adam.
O sorriso de Cole foi endiabrada:
-deprimiu-se.
15 de janeiro de 1866
Querida Mamãe Rose:
Seus ijos são maus connigo. Adam me faz me sentar reveste à mesa, só porke dava um chute ao Travis. Adam é mau. lhe diga que não tenho por que me sentar sozinha. Fiz um desenho para ti.
Mary Rose
11
Jamais lhe permitiriam esquecê-lo. Não, senhor, nunca. Ao parecer, a julgamento dos varões que habitavam na montanha, deprimir-se não era coisa de homens, e todos os irmãos, inclusive Adam, tiveram o perverso deleite de reprovar-lhe Não uma, a não ser várias vezes.
Harrison o suportou, mas, que alternativa ficava? Estava muito fraco para enfrentá-los, e quando, por fim recuperou as energias, três dos quatro irmãos já se partiram. É obvio, Adam ficou na casa, mas Harrison preferiu deixá-lo em paz. O irmão maior tinha que manter tranqüila a Eleanor, e estava seguro de que isso era castigo suficiente para qualquer homem.
Agora que tinha decidido lhes dizer a todos o referido à filha do Elliott, estava impaciente por fazê-lo. Teve que esperar que voltassem todos para rancho, porque lhe pareceu que era a única maneira decente de fazê-lo. Não estaria bem que nenhum deles recebesse a informação de segunda mão. Não, Harrison estava decidido a dizer-lhe a todos ao mesmo tempo.
A espera o pôs de mau humor. Adam foi até a colina em duas ocasiões mais a acompanhar a Mary Rose, que ia visitar a mulher a que agora chamava sua mais querida amiga, e as duas vezes ele teve que ficar com a Eleanor. Não era tarefa difícil, mas sim pesada. Quão único tinha que fazer era sentar-se com ela no alpendre dianteiro, e fingir que escutava sua enxurrada de queixa.
Demorou duas semanas em recuperar as forças, e quando começava a sentir-se melhor, carregaram-no com a tarefa de levar a Eleanor ao Blue Belle.
Por fim, Cole havia tornado da excursão de caça. Na viagem de volta, atrasou-se a recolher um par de artigos que Harrison lhe tinha encarregado que procurasse se passava pelo Hammond, e Cole ficou convencido de que lhe devia um favor. Queria que o acompanhasse ao povo. Travis e Douglas também tinham ido caçar com o irmão, e estavam esperando-os no povo. Ao Blue Belle tinham chegado vários desconhecidos, e Cole queria que Harrison lhes jogasse uma olhada. Se um deles resultava ser o canalha que lhe tinha disparado, Cole faria cargo dele.
Harrison estava mais que disposto a ir a qualquer lado, enquanto pudesse afastar-se da Eleanor. Estava sentado no alpendre, com a bota apoiada no corrimão, quando Cole propôs a saída. Eleanor estava sentada perto dele, abanicándose com um velho periódico, enquanto se queixava do calor.
Cole não fez conta. Tinha ido à cozinha a procurar algo para comer, e voltou depois de uns minutos. apoiou-se no poste, e disse ao Harrison o que pretendia dele. Eleanor deixou de queixar o tempo suficiente para emprestar atenção.
Decidiu ir com eles.
-Acredito que irei com vós. Tenho que comprar um chapéu novo a esse sujeito tão grosseiro.
-Não, não pode vir conosco.
Cole rechaçou com um tom claramente sério; era a primeira vez em mais de duas semanas que lhe falava diretamente com a Eleanor.
A jovem não lhe emprestou atenção. levantou-se, atirou o periódico ao chão, e foi dentro:
-Isso já o veremos -murmurou.
-Vê que fácil é? -comentou Cole-. Sou o único habitante desta casa capaz de dirigir a Eleanor? Disse-lhe que não, e se foi.
Harrison sorriu:
-foi a procurar o Adam. O nos obrigará a levá-la.
Cole riu pois, evidentemente, não lhe acreditou. Um minuto depois, saiu Mary Rose, correndo. Viu o periódico no chão, e se apressou a recolhê-lo.
-Por favor, posso ir com vós ao povo? Tenho que fazer alguns mandados:
Harrison e Cole disseram que não ao uníssono. O brusco rechaço a exasperou. Ao Harrison pareceu um anjo distraído. Levava um vestido azul escuro e um avental amarelo pálido. Tinha o cabelo recolhido no alto da cabeça, mas os cachos não queriam obedecer, e várias mechas já tinham cansado e flutuavam em tomo ao rosto.
A Cole pareceu que estava desarrumada, e o disse, mas ela não fez caso da crítica.
-Por favor, deixem ir com vós. Não lhes farei esperar. Juro que não.
-Mary Rose, duas mulheres para cuidar é muito para Cole e Harrison. Hoje seria conveniente que ficasse em casa -sugeriu Adam, da entrada.
-Duas mulheres? -perguntou-lhe Cole.
Já franzia o sobrecenho, pois sabia no que ia parar todo isso. Harrison sorriu:
-Disse-lhe isso -se burlou.
Mary Rose não quis dar-se por vencida. Evidenteniente, estava convencida de que ainda tinha uma boa possibilidade de que a incluyesen, porque já se tirava o avental e, ao mesmo tempo, tratava de sujeitar-se outra vez o cabelo com as forquilhas.
Sem dúvida, estava formosa. Harrison se esforçou por não olhá-la muito, pois Cole notaria. Enquanto se recuperava, manteve-se o mais longe possível dela, embora não foi fácil. A moça rondava a seu redor, para assegurar-se de que estava curando-se como era devido. A única defesa que tinha era fingir-se dormido cada vez que entrava no barraco. Como não advertia que era estranho que dormisse dia e noite? Mas não o advertia, e Harrison o considerou uma bênção.
-Adam, não posso permitir que Eleanor vá sozinha ao armazém do Morrison. Se fizer o de costume, nenhum de nós poderá voltar a entrar jamais ali. Por favor, pensa-o de novo. Não me meterei em problemas.
Adam olhou a Cole; este se elevou de ombros.
-Há estranhos no povo. Duas mulheres poderiam ser muitas. E o que fazemos se Harrison se deprime outra vez? Ainda tem aspecto doentio.
-Você irá com a Eleanor na carreta -disse Harrison, em venganzá. Cole moveu a cabeça. Harrison se voltou para o Adam: -Mary Rose é perfeitamente capaz de cuidar-se, sempre que pensar antes de atuar.
-Não pensava quando se lançou contra Bickley, não? -perguntou o major, agitando a cabeça ao recordar o resultado dessa precipitação-. Tivemos sorte de que não a matassem.
-Assim é -admitiu Harrison-. É uma mulher muito formosa. Os. homens tendemos a fazer estupidezes quando vemos um rosto bonito. Não podemos saber como reagirão esses desconhecidos. portanto -concluiu-, Mary Rose e Eleanor terão que ficar.
Acreditou ter apresentado o caso de maneira sólida, mas ainda assim, não ganhou. Adam deixou que as mulheres fossem.
Mary Rose se apressou a alistar-se. Eleanor já estava na planta alta, trocando o vestido. Harrison não entendia para que precisava trocar-lhe se não tinha feito uma maldita coisa para sujá-lo.
Adam esperou a que ambas estivessem fora da vista e logo saiu ao alpendre e se sentou junto ao Harrison.
-Não sei se estou fazendo ornamento de bom sentido, ou me entregando ao desespero. Um par de horas de paz e quietude são uma ceva muito capitalista.
-Eleanor está te voltando louco, não é certo? -perguntou Cole. Adam assentiu, a inapetência.
-É amável comigo. Não deveria me queixar, mas...
-Tem a toda a casa patas acima -concluiu Harrison.
-Sim -admitiu Adam.
-Não é que seja estúpida, a não ser malote -disse Cole, fazendo uma pausa para sorrir-. Em certo modo, eu gosto dessa qualidade em uma mulher -confessou.
-Qual delas? A estupidez ou a maldade? -perguntou Harrison, só para provocá-lo.
-A maldade, certamente. Eleanor não morderá a mão do que a deixa ficar.
-Oxalá deixasse de provocar tantos problemas. O tom do Adam era aflito e fatigado.
-Tem que fazer algo com -lhe disse Cole.
-O que, por exemplo?
Harrison ficou de pé.
-me deixe lhe dar um açoite. Cole, você vais ajudar me.
-Eu não gosto de lhe pegar a uma mulher. De fato, não o tenho feito jamais. Não me parece bem.
-Não o digo em sentido literal.
Harrison surpreendeu o sorriso de Cole, e soube que estava brincando.
-Mary Rose diz que Eleanor está assustada -comentou Adam-. Eu estive bastante tempo com ela, e acredito que estou de acordo.
-E por isso vós são tão pacientes com ela, mas não resulta -afirmou Harrison.
-nos diga algo que não saibamos, menino de cidade.
-Cole, deixa de provocá-lo. Está tentando ajudar. Tem um plano específico em mente, Harrison?
-Sim. Empregar um pouco a tática do terror.
O grito de ira da Eleanor chegou até o alpendre, e Cole fechou os olhos. Adam apertou a mandíbula.
-Por Deus, que voz tão aguda tem -murmurou Cole-. Terá que gritar todo o tempo?
Harrison não acreditou necessário responder a pergunta de Cole. Contou-lhes o plano aos irmãos, e esperou os argumentos.
Não os houve.
-Assim, eu terei que ser El Salvador -comentou Cole-. E o que fazemos com a Mary Rose? Ela não estará de acordo com isto.
-Esperaremos até que estejamos retornando do povo. Travis e Douglas irão com a Mary Rose, adiante... muito adiante -disse Harrison.
-por que não posso ser eu o que a abandone na colina? -perguntou Eu Cole sou melhor nisso de fazer maldades.
-Porque não quero que odeie a ti. Não há problema em que me odeie -respondeu Harrison.
-Nesse caso, terá que ir com ela na carreta. irei enganchar a -disse Cole.
Mary Rose baixou a escada minutos depois, mas Eleanor não apareceu até passada outra meia hora.
Harrison esperou no vestíbulo de entrada, com a Mary Rose. Adam tinha ido à cozinha a colaborar na preparação do jantar.
Por fim, apareceu Eleanor. Tinha um posto vestido da Mary Rose. Harrison o recordava, porque esse matiz de azul ficava especialmente bem à proprietária do vestido.
Mary Rose se sobressaltou quando viu o que tinha posto seu amiga. Mas não disse nada, e Harrison decidiu deixá-lo estar, no momento.
Com esse vestido, Eleanor não estava nada mal. Se não lhe chateasse tanto sua conduta, dedicaria tempo a apreciar o fato de que era uma mulher formosa. Tinha um bonito cabelo, curto e muito encaracolado. Não sabia se tinha um sorriso bonito, porque nunca a tinha visto sorrir. Seus lábios estavam eternamente franzidos em uma careta de desgosto, como se acabasse de tragar uma colherada de azeite de castor.
-Eleanor, está lista para partir? Cole está esperando fora.
-Há um restaurante no povo? Talvez tenha vontades de me refrescar com um chá e bolachas, antes de que retornemos. Necessito mais recursos, Mary Rose. Sei boa e me dê mais dinheiro.
-O único lugar para comer é o botequim, e não podemos entrar aí.
-Que pouco civilizado. por que não podemos entrar?
-Não seria correto. Vamos?
Harrison abriu a porta para as deixar passar. Eleanor saiu primeiro, mas se deteve de repente, e Mary Rose se chocou com ela.
Tinha visto a carreta ao final do atalho, e negava com a cabeça. Cole voltava para estábulo, a procurar os outros cavalos.
Eleanor lhe gritou:
-Né, você, vá procurar o carro. A carreta não serve.
Cole deteve. Girou lentamente para olhá-la, com uma expressão que demonstrava às claras sua ira.
-Não me ouviste, moço? vá procurar o carro.
Harrison tivesse jurado que via sair fumaça dos olhos de Cole. O irmão fervia de cólera.
-Não servirá a carreta, Eleanor? -perguntou Mary Rose, tentando evitar a confrontação-. Está zangando a meu irmão. Trata de acessar.
Harrison, de pé detrás das duas moças com as mãos obstinadas à costas, luzia um sorriso que parecia dizer: "não é grandiosa a vida?" Estava desfrutando da cólera de Cole, porque este não podia fazer absolutamente nada.
-Não falará a sério, Mary Rose -replicou Eleanor-. Se for na carreta, me bronzeará a pele. Acaso quer que me encha de sardas?
-Eu tenho sardas -repôs.
-Sim, querida, sei.
Mary Rose suspirou, e logo se voltou para Cole:
-Por favor, colabora -lhe gritou-. Eu te ajudarei a enganchar a carruagem.
Cole disse algo, mas estavam muito longe para ouvi-lo. Harrison imagino que seria um grosso juramento.
-Eu o ajudarei -se ofereceu-. As damas, esperem aqui. Mary Rose -disse, enquanto baixava os degraus.
-O que, Harrison?
-Eu gosto de suas sardas.
É obvio, ao Harrison tocou viajar com a Eleanor, e para quando chegaram ao Blue Belle, começava a atrai-lo-a idéia de embebedar-se.
Zumbiam-lhe os ouvidos pelas críticas. Essa mulher jamais abandonava sua presa. Ia muito rápido. Não ia o bastante rápido. Estava muito perto dela. Fazia comentários azedos. Era grosseiro, porque não lhe falava.
Travis e Douglas estavam dentro do botequim, e se apressaram a sair assim que divisaram a Cole e a Mary Rose que passavam a cavalo. Douglas tinha a responsabilidade de cuidar de sua irmã. Aceitou-a antes de ver o carro e compreender que, também, devia carregar com a Eleanor, e então começou a queixar-se.
Mas ninguém fez conta. Travis entrou outra vez no botequim. Queria vigiar a três desconhecidos de aspecto desagradável para ver se algum reagia ao ver entrar no Harrison.
Mary Rose e Eleanor caminharam juntas pela rua, e Douglas ficou detrás delas.
-Quando entrarmos no armazém, talvez veja uma jovem atrás do mostrador. chama-se Catherine Morrison. Seu pai é o dono do local -lhe explicou Mary Rose.
-É importante?
-O que quer dizer?
-Não importa -respondeu Eleanor-. por que me fala dela se não ser mais que uma empregada?
-Tem interesse no Harrison -disse Mary Rose.
-Estou segura de que poderia escolher melhor.
-O que tem de mau Harrison?
-Tantas coisas, que não sei por onde começar -disse Eleanor-. Vejamos. Não é capaz de sustentar uma conversação agradável. Balbucia respostas cortantes, e está todo o tempo carrancudo. Além disso, provoca temor. Certamente, terá-o notado.
-O que notei é que é maravilhoso, bondoso, considerado e amoroso -replicou Mary Rose-. Não quero que Catherine paquere com ele.
-E? -insistiu-a Eleanor.
-Me ocorreu que se, por acaso, via o Catherine rondar em volto do Harrison, poderia... bom, já sabe.
-interrompê-los?
-Sim.
-Para que?
-Para me ajudar -exclamou Mary Rose, exasperada-. Eleanor, não morrerá se, de vez em quando, dá uma mão. OH, não importa. Esquece que mencionei ao Catherine. Por certo, teria que me haver perguntado se podia usar meu vestido antes de lhe pôr isso -No me ofende -dijo Cole-. En los últimos días, Harrison no se ha sentido del todo bien.
-Fica muito ajustado.
Eleanor não se desculpou, mas Mary Rose não esperava que o fizesse. Chegaram ao armazém. Mary Rose abriu a porta, e Eleanor entrou a primeira.
Douglas se assegurou de que não houvesse nenhum personagem indesejável no interior, e logo saiu e ficou junto à porta. Deixaria que sua irmã controlasse a conduta da Eleanor.
Assim que entrou no botequim, Harrison viu o homem que tinha tratado de matá-los. O filho de cadela apartou a vista imediatamente, e Harrison fingiu que não o reconhecia. No trajeto até o mostrador, observou aos outros dois.
Pediu um gole de uísque, e o engoliu de uma só vez. Tivesse jurado que a voz da Eleanor seguia lhe martelando dentro da cabeça.
Travis ficou junto ao Harrison, ao Iado esquerdo, e Cole, à direita. Os dois irmãos se respaldaram no mostrador, e observaram aos estranhos.
-E bem? -sussurrou Cole, voltando-se pela metade-. Está aqui?
Harrison não respondeu. Travis se voltou para ele, e disse:
-Há outros dois tipos vadiando no local do Belle. Conviria que os veja eles também. Não têm nenhum motivo para estar aqui. Já faz seis meses que Belle esteve no Hammond. Todos sabem que não voltará até julho. Vem sempre para meu aniversário, e fica até que começa o frio. Está seguro que recorda o aspecto do tipo que te disparou?
-Moços, o que estão murmurando? Aqui não quero nenhum tiroteio, Cole. Não o esqueça.
A preocupação crispava o cenho do Billie.
-Estava lhe dizendo ao Travis e a Cole que não se metessem em meus assuntos, Billie -lhe disse Harrison. -Não recordo que ninguém lhe haja dito a Cole Clayborne que não se metesse em seus assuntos.
-Não me ofende -disse Cole-. Nos últimos dias, Harrison não se sentou de tudo bem.
Billie fez um gesto de simpatia, e se apoiou no mostrador.
-ouvi falar de seus desmaios. tiveste algum outro que queira me contar?
Harrison lançou a Cole um olhar furioso, e o irmão tentou pôr cara de inocente, mas não o conseguiu.
-Não o disse ao Billie -insistiu.
-O disse ao Dooley -interveio Travis, feliz.
-Conhece esses homens que estão junto à mesa do rincão, perto da janela? -perguntou-lhe Harrison ao proprietário.
-Não. por que?
-Eu gostaria de saber quem som.
-Alguém teria que lhes dizer que necessitam um banho. Posso cheirá-los daqui -comentou Cole em voz alta, para que o ouvissem.
-Não te meta em minhas coisas, Cole -espetou Harrison.
-Só queria me divertir um pouco.
-Quer ir ao local do Belle, ou não? -perguntou Travis.
-Primeiro, me diga quem é Belle -repôs Harrison.
-A rameira do povo -lhe informou Billie, muito orgulhoso-. Belle é uma mulher estupenda. Não é certo, Travis?
-Sim, é certo.
Cole não emprestava atenção à conversação. Um dos homens se levantou e estava saindo. Esperou a ver o que fariam os outros.
-Claro que já está entrada em anos -seguiu Billie-. Mas ainda tem esse toque especial. O juiz Burns sempre passa a saudá-la, e deixa as botas sob a cama dela cada vez que vem ao povo para assistir a uma dessas farras onde se pendura a alguém. Todos temos muito boa opinião dela. Suponho que já o terá descoberto, posto que lhe pusemos ao povo seu nome.
-lhe pôr nomeie ao povo em honra de uma prostituta?
Harrison não podia acreditá-lo. Sacudiu a cabeça e estalou em gargalhadas.
-O que é o gracioso? -perguntou Billie.
-Pensei que o nome do povo era pela flor -confessou. Billie riu entre dentes.
-por que quereríamos fazer algo tão parvo como isso? Não somos tipos de cidade, Harrison. Jamais poríamos a nosso povo o nome de uma flor. Isso não tem nenhum sentido. Acredito que todos esses desmaios lhe deixaram tão perturbado como Ghost.
-Só me deprimi uma vez -afirmou.
-claro que sim -afirmou Billie, embora seu tom condescendente revelava que não lhe acreditava.
Cole seguia vigiando aos dois sujeitos que se acotovelavam juntos em uma mesa. A gente falava em voz baixa. O outro, assentia. Logo, este último se levantou e saiu.
Imediatamente, Cole girou a vista para a rua, pela janela. Tinha curiosidade por descobrir aonde ia o homem.
-Travis, por que não vai fora? -sugeriu Cole, sussurrando-. Sal pela porta de atrás.
-No local do Billie não há porta traseira -lhe recordou Travis.
-Faz uma.
-Vos pinjente que não vos metierais em meus assuntos -repetiu Harrison. Cole encolheu de ombros. Travis já tinha saído, e se dirigia à despensa do Billie. Harrison arrojou uma moeda sobre o mostrador.
-Obrigado pelo gole, Billie.
deu-se a volta e se aproximou do homem que tinha tratado de matá-lo. O desconhecido levantou a vista, que tinha fixa no copo, e olhou, carrancudo, ao Harrison. A mão direita foi aproximando-se lentamente ao regaço.
-Vi-te a cara, filho de cadela.
-De que fala?
Harrison o disse, empregando todas as palavras obscenas de quatro letras que lhe ocorreram para insultá-lo, mas a que provocou uma reação foi covarde. Ao da cara feia não gostou.
Começou a levantar-se, mas a voz de Cole congelou.
-Harrison, está falando com a besta mais desagradável que vi jamais. Sua pestilência se cheira daqui. Se mover a mão uma vez mais, terei que lhe disparar.
-Pelo amor de Deus, não comece nada aqui, Cole -rogou Billie, quase a ponto de chorar- Acabo de fazer pôr um espelho novo na parede. Sal fora, por favor. Rogo-lhe isso.
-Fique onde está, Cole. Esta briga é minha, não tua. Como te chama? Covarde?
-Matarei-te. Ninguém chama covarde ao Quick. E me chamam Quick porque sou veloz como uma víbora.(Quick, em inglês, significa rápido (N. da T.)
depois de ameaçar, Covarde ficou de pé e saiu, arrastando os pés. Levava duas pistolas. Harrison tinha uma sozinha.
Cole saiu à porta, a olhar. Billie se apressou a sair de atrás do mostrador, e correu até a janela.
-Não crie que seria melhor sair a ajudar a seu amigo? No povo, ninguém ignora que Harrison não é capaz de disparar, nem para sair de um saco de arpillera. Fará que o matem. Oxalá Dooley estivesse aqui. Hoje foi se pescar. Lamentará haver-se perdido isto.
Cole observava os telhados dos edifícios, tratando de localizar aos outros dois sujeitos. Embora tinham desaparecido, sabia que deviam estar escondidos perto. Estava convencido de que um homem que tende uma emboscada, fará-o de novo, e se esses três eram amigos, sem dúvida teriam o mesmo critério, próprio de tipos sem guelra. Os covardes se juntavam.
-O que faz Harrison de pé no meio do caminho, falando com o Quick? -perguntou Billie.
-Está pondo nervoso ao Quick com seu discurso. daqui, vejo como se irrita.
Harrison queria obter que o homem admitisse sua culpa antes de lhe disparar. Se cooperava e admitia o crime, Harrison poderia obrigá-lo a comportar-se de uma maneira civilizada. Não queria matá-lo. Não, deixaria-o arrastar-se... talvez. Primeiro, é obvio, daria-lhe uma boa sova.
-Sua bala poderia ter matado a Mary Rose Clayborne -vociferou. Quick retrocedeu um passo, assustado pela fúria que via no olhar do Harrison.
-Matarei-te -repetiu, gaguejando-. Aqui, e agora, frente a testemunhas. Temos um desafio, de boa fé.
Harrison assentiu. Já se tinha cansado de falar.
-me diga as regras -exigiu.
-O que?
-As regras do desafio.
Quick cuspiu no pó, e lançou um bufo zombador.
-Cada um de nós retrocede muito lentamente, uns dez passos.
-Sabe contar até tanto?
Quick entrecerró os olhos.
-Matarei-te -sussurrou, para logo continuar com a explicação-. Quando um de nós se detém, o outro também. Depois, disparamo-nos. Você estará morto antes de que sua mão chegue ao revólver. Não por nada me chamam Quick-Ás-ao Snake, pois sou rápido como uma víbora.
Riu entre dentes, e começou a retroceder. Harrison também. enfrentaram-se separados por uns sete metros.
de repente, Quick começou a sacudir a cabeça:
-Não me dispare -gritou.
-por que diabos? -gritou, também, Harrison.
-Retiro o desafio. Elevarei as mãos. Não quero disparar. Harrison estava furioso.
-O que te tem feito trocar de idéia?
-Eu não gosto de ir em desvantagem.
Harrison queria lhe disparar, de todos os modos. Compreendeu que se comportava como um selvagem, mas não lhe importou. Esse miserável poderia ter matado a Mary Rose, e a vida sem ela o mataria a ele.
Fez uma inspiração larga e profunda, tratando de acalmar a ira.
-Está bem, levanta as mãos. Deixarei que o juiz Burns te pendure.
Quick levantou as mãos. Harrison começou a caminhar para ele. Jogou um olhar casual à calçada, e viu a Mary Rose que espiava pela janela da loja do Morrison. Parecia muito alterada.
Não lhe desgostava que tivesse presenciado o enfrentamento. Mas ficou com as vontades de dar um tiro ao Quick na mão. Talvez, assim se convencesse de que ele era tão eficiente como os irmãos.
Aceitaria o que tinha. Enfrentar-se ao Quick devia ter algum valor. De repente, compreendeu que tinha que ir-se dali. Começava a pensar e a atuar como Cole.
Onde estaria Cole? Soube a resposta antes de voltar-se. Estava a uns três metros detrás dele, e um pouco à esquerda. E não estava sozinho: flanqueavam-no Travis e Douglas.
-Quanto faz que estão aí parados? -vociferou Harrison.
-O suficiente -respondeu Cole-. Se fosse você, não daria as costas ao Snake. Tenho a impressão de que arde em desejos de te disparar pelas costas.
-Disse-te...
Harrison viu o homem que aparecia por uma janela, em cima da despensa vazia. Estava apontando a pistola quando Harrison levantou a sua e disparou um tiro.
Foi suficiente. A arma voou das mãos do canalha, fazendo-o lançar um uivo de dor.
Quick aproveitou a oportunidade, e fez gesto de tirar os revólveres. Ao mesmo tempo, o terceiro homem veio correndo de entre dois edifícios e disparou.
Cole atirou ao que vinha do beco, e logo girou para o Quick. Chegou tarde. Travis já lhe tinha ganho de mão. Estava guardando a arma antes de que Cole tivesse tempo de martelar sua própria pistola.
-Isso sim que foi rápido -disse Travis, marcando as palavras. Douglas já estava detrás de seus irmãos, com as costas para eles, para proteger os de qualquer outra possível surpresa. Harrison teve vontades de matar a esses irmãos que se metiam no que não os, concernia.
Mas suas humilhações não tinham acabado. Cole começou a arreganhá-lo por ser tão estúpido.
-Não te ocorreu pensar aonde tinham ido os outros dois? Se não tivéssemos intervindo, estaria de cara no chão, com uma bala nas costas. Começa a usar a cabeça, Harrison. Aqui, precipitado-los não duram muito.
Harrison aspirou fundo: reconhecia que Cole tinha razão. A ira tinha feito que quase o matassem.
-Tem razão. Não o pensei.
-OH, é claro que sim que não pensou. Estava pensando em como Quick pôde ter matado a Mary Rose. Não é verdade?
Assentiu. Já começava a sentir-se como um idiota.
-Escuta, moço de cidade. Para sobreviver aqui, há uma só regra: alguém sempre tem que ser mais veloz. Sempre. Em tanto recorde isso, e o cria, conservará a vida -apontou ao peito do Harrison com o dedo-. Entende?
Harrison voltou a assentir. Cole lançou uma maldição.
-Não matamos a nenhum deles.
-Oxalá o tivéssemos feito -admitiu Harrison-. Acredito que os atarei juntos, e os encerrarei na despensa vazia.
-Seria inútil. Escapariam. Deixa que o delegado se faça cargo deles.
-Não têm delegado, esqueceste-o?
Cole elevou de ombros.
-Então, faz o que quer. Estava tão zangado que não fez confessar ao Quick. Agora, não o fará. te prepare. Aí vem Mary Rose: vejo-a furiosa como uma vespa.
Harrison não quis dá-la volta para ver. Mary Rose se aproximou primeiro ao Douglas.
-vá procurar os cavalos. Vamos já.
-Mary Rose, está zangada por algo?
-Armou um tiroteio no povo, Douglas.
-Eu não disparei a ninguém. Eles foram. Harrison começou.
-Não estou de ânimo para desculpas. Você participou disto tanto como eles.
-por que não está de ânimo? aconteceu algo mais?
-Eleanor lhe há dito vaga gorda à senhora Morrison. Isso é o que passou. Vamos.
Cole deu a volta para que sua irmã não o visse sorrir. Chamar vaca gorda à senhora Morrison sim que era algo mau! Não pôde menos que valorar a coragem da Eleanor para enfrentar-se a uma mulher que pesava quatro vezes mais. Por outra parte, era uma atitude estúpida, mas Cole não tinha vontades de analisar esse aspecto.
Travis não sorria. Horrorizava-lhe que Eleanor tivesse ofendido à mãe do Catherine.
-Admito que é uma mulher corpulenta, mas eu não lhe diria vaca -disse a Mary Rose.
-Mary Rose, vêem aqui. Necessito mais dinheiro. encontrei algo que quero comprar.
Eleanor o disse a gritos da calçada, frente ao armazém. Mary Rose não fez conta, e se foi caminhando com o Douglas a procurar os cavalos.
Cole explicou ao Travis o plano do Harrison, e lhe pediu que o dissesse ao Douglas, quando Mary Rose não estivesse escutando.
Harrison entrou no carro. Tinha desistido de atar aos feridos. Sua única esperança era que se sangrassem até morrer.
Os três irmãos partiram com sua irmã minutos depois, e por fim, Eleanor compreendeu que a tinham deixado sozinha e correu até o carro.
Harrison não a ajudou a subir.
-Viu alguma vez em sua vida tanta grosseria? -murmurou-. Como se atreve Mary Rose a partir sem mim! Terei que lhe recordar que sou sua convidada.
Harrison chiou os dentes e não pronunciou uma palavra, até que estiveram na metade do trajeto. Então, conduziu à carruagem a um lado do caminho.
-Não é a convidada. Está na casa por caridade.
Eleanor tratou de esbofeteá-lo, mas lhe sujeitou a mão e logo a soltou.
-Ou, ao menos, estava-o.
-Como se atreve a me falar assim!
-Saia, Eleanor.
A jovem lançou uma exclamação, e se levou a mão à garganta.
-O que há dito?
-Já me ouviste, baixe-se.
-Não.
-Bem então a tirarei eu.
-Não dirá a sério...
Harrison a agarrou por braço e ela soltou um grito capaz de partir as pedras. Logo desembarcou do carro.
-Você perdeu a razão. Quando o disser a Mary Rose...
Não lhe deixou terminar a ameaça:
-Não acredito que possa chegar, de modo que não tenho por que me preocupar por isso, não lhe parece?
-Não pode me ameaçar assim.
Estalou em lágrimas e se cobriu o rosto com as mãos.
-Os irmãos da Mary Rose me aplaudirão. Estou lhes facilitando o trabalho: amanhã pensavam jogá-la.
Eleanor esteve incrível: interrompeu-se em metade de um soluço.
-O que quer dizer?
-Que a obrigarão a ir-se.
-Mary Rose não o permitirá.
-Todos votaram -disse.
Não lhe soube nada mal inquietá-la assim. Era hora de que alguém a sacudisse. Já fazia muito tempo que se comportava como uma princesa consentida, com um espinho no traseiro. Esta jovem precisava aprender quais eram as conseqüências de seus atos.
-Adam votaria para que fique -exclamou.
-Faria-o, se pudesse -admitiu Harrison-. Mas como é o chefe da casa, sempre se abstém. Cole, Travis e Douglas votaram contra você. Eu também o faria, mas como não sou membro da família, não posso. Na família Clayborne, governa a maioria, Eleanor. Lhe deram todas as oportunidades. Esta noite, Mary Rose ia ajudar a recolher suas coisas. Eu lhe economizei o trabalho.
-Não irei.
-Se conseguisse encontrar o caminho de volta ao rancho, um dos irmãos a levaria de volta ao povo e a abandonaria ali.
Harrison não teve piedade, embora lhe deu um pouco de vergonha compreender quanto o desfrutava.
Eleanor ficou histérica. Harrison elevou as rédeas e reatou o caminho para o rancho.
Os gritos da moça o seguiram com o passar do trajeto. Começou a assobiar, tratando de tampar o ruído e, de repente, deu-se conta de que os gritos não se retrocediam mas sim se aproximavam. voltou-se, e viu que corria para ele. Eleanor podia mover-se quando queria. Que estranho que não tivesse forças para baixar a escada pelas manhãs para tomar o café da manhã com a família, e sim pudesse correr colina acima, com a mesma velocidade que os cavalos trotavam.
Ia lhe gritando pitorescas maldições. Harrison se deu a volta outra vez para o caminho, e acelerou o passo. De acordo com o plano, Cole estaria esperando-a ao girar a seguinte curva. Era provável que estivesse observando a Eleanor, atento a que não sofresse feridas nem se metesse em dificuldades.
A idéia era que Cole convertesse em seu salvador. Faria-lhe prometer que se comportaria bem, e a levaria de retorno à casa.
O resto do trajeto foi aprazível para o Harrison. esqueceu-se da conduta da Eleanor, e se concentrou na sua própria. Custava-lhe aceitar o fato de que tivesse provocado um tiroteio sabendo. Isso não era comportar-se como um homem civilizado. Já não cabia dúvida de que quanto mais tempo ficasse no rancho, mais selvagem se tornaria.
Começou a pensar no enfrentamento que o esperava. Como os irmãos estavam todos na casa, essa noite falaria com eles. A perspectiva o aterrava, e conjeturou que um dos possíveis motivos de sua própria demora consistia no que sentia pela família. Todos eles eram homens bons e decentes. Maldição, até desejava que não estivessem.
Não quis pensar na reação da Mary Rose quando soubesse que ele tinha atuado impulsionado por um falso pretexto do momento mesmo em que se conheceram.
Começou a baixar a colina, divisou o rancho ao longe e, de repente, sentiu-se como se estivesse retornando ao lar. Três dos quatro irmãos estavam sentados no alpendre. Adam trabalhava dentro do curral, montando a um cavalo negro que Harrison não conhecia. O animal tratava de jogar no cavaleiro do lombo, mas Adam não tinha a menor dificuldade em manter-se, feito notável já que montava a cabelo. Parecia estar pego com penetra ao lombo do animal selvagem. Seus movimentos eram fluídos e cheios de graça. Entretanto, a coisa não era tão fácil como parecia. tirou-se a camisa, e Harrison via o suor que lhe brilhava nos ombros, produto do esforço extenuante.
Saudou-o com a mão ao passar, e seguiu caminho para o estábulo. Travis lhe gritou, e assinalou uma garrafa que tinha em uma mão. Harrison assentiu. Levou o carro ao abrigo, desenganchou os cavalos, deixou-os na pradaria do fundo para que se refrescassem, e logo levou ao MacHugh fora, a um curral vazio, a que fizesse um pouco de exercício, e por fim se dirigiu à casa principal. Pensando na bebida fresca que beberia, sorria por antecipado.
-Onde está Mary Rose? -perguntou em voz alta.
-Dentro -lhe respondeu Douglas, também gritando. Adam tinha desmontado, e estava abrindo a porta do curral quando Harrison passou ante ele. deteve-se lhe falar.
-Esta noite, depois do jantar, queria falar contigo e com seus irmãos.
-De acordo -acessou Adam-. Do que quer falar?
-Explicarei-o depois -evitou Harrison-. Não quero que Mary Rose escute.
Adam assentiu. Desdobrou a camisa e a pôs. Puseram-se a andar juntos. Adam parecia pensativo, e ao Harrison surpreendeu um pouco que não fizesse mais perguntas.
-Faz calor aqui fora, não, Harrison? -comentou Cole.
-É claro que sim -respondeu o aludido, antes de dar-se conta com quem estava falando.
Harrison apertou o passo, quase até correr.
-O que está fazendo você aqui? -perguntou, quase a gritos.
-Vivo aqui -respondeu Cole.
-Onde está Eleanor?
-Não está contigo? -perguntou Adam, desde atrás.
-supunha-se que devia estar com Cole -respondeu Harrison-. O que passou? Levou-a a povo e a deixou ali?
Já enquanto fazia a pergunta, soube que não era possível. Cole não tinha tido tempo suficiente para levar a Eleanor ao Blue Belle e retornar à casa antes que ele.
A menos que tivesse tomado por um atalho. equilibrou-se sobre essa possibilidade.
-Está dentro, verdade?
Douglas sorriu. Cole jogou a cadeira atrás, apoiou o pé contra o trilho, baixou-se a asa do chapéu e fechou os olhos.
Harrison se voltou para o Adam, que parecia perplexo.
-Não está dentro -afirmou Adam. E voltando-se para Cole, disse:-: Juro que te esfolarei o traseiro se acontecer algo a Eleanor. Foi você o encarregado de trazê-la a casa?
-Sim -admitiu Cole, sem abrir os olhos.
Adam chegou ao último degrau e se deteve. Harrison se sentou no primeiro. Decidiu deixar que Adam resolvesse o problema, pois ele não teria mais sorte tratando de obter respostas de Cole.
-O que passou? -perguntou Adam.
-Ela está bem -disse Cole.
-Acaso não conhece os perigos que há aí fora? Tornaste-te totalmente louco? Pelo amor de Deus, há animais selvagens rondando por aí! No que está pensando?
-Não lhe fará mal a nenhum animal. Não te irrite, Adam.
-Não lhe vejo a graça -lhe espetou Adam.
Harrison esboçou um sorriso, mas Adam o olhou com dureza e se apressou a trocá-la por uma expressão carrancuda. Sabia que Eleanor devia estar perfeitamente. Cole não a deixaria abandonada aí fora, e Harrison soube uma vez que se recuperou da surpresa inicial. Adam também o entenderia quando lhe acontecesse o aborrecimento. Cole não fazia mais que divertir-se um pouco a costa de todos. Harrison se dispôs a deixar que se divertisse um pouco, e depois averiguaria onde tinha escondido a Eleanor.
-Os animais não farão nada a Eleanor -assegurou Cole, em geral-. te Tranqüilize, né? Estou descansando. Adam, há-te dito Travis que divisou a esses cinco novilhos que faltavam, pela colina curta? dentro de uns momentos, acredito que irei por eles. Travis pode me acompanhar.
-Eu irei contigo -se ofereceu Harrison.
Queria estar o mais ocupado possível para não ter que pensar no encontro dessa noite.
-Para que? Não pode ajudar -lhe disse Cole.
-claro que sim -o contradisse Harrison-. me Mostre o que quer que faça, e o farei.
-Onde escutei isso antes? -repôs Cole, com secura.
-O que têm feito com a Eleanor? -perguntou Adam outra vez. Subiu os degraus e se sentou junto ao Harrison. Mas não devia estar preocupado pela hóspede pois, nesse momento, tinha a vista fixa no MacHugh. O potro trotava dentro do curral.
-Harrison, incomodaria-te que monte ao MacHugh?
-Não. Mas talvez ao MacHugh sim. Convido-te a que faça a prova.
-Cole, está disposto a me responder? -perguntou Adam. Enquanto esperava a resposta do irmão, não tirava a vista do MacHugh.
-Dooley está cuidando-a. Topei-me com ele quando retornava ao arroio. Dava-lhe um dólar para que a vigie, até que eu esteja preparado para ir procurar a.
Harrison riu entre dentes.
-Quando crie que estará preparado para ir procurar a?
-dentro de um momento -prometeu Cole-. Que tranqüilidade, não?
Travis saiu com garrafas de cerveja para todos. Deu- uma ao Douglas, e outra ao Harrison.
-Não é Dooley esse que vem baixando a colina? -perguntou Douglas, entrecerrando os olhos pelo sol, e para ver melhor-. Sim, acredito que é Dooley.
Adam se inclinou adiante.
-Por Deus, é Dooley, e vem sozinho. Cole, se aconteceu algo a Eleanor, você será o responsável.
-Adam, quer uma cerveja? -perguntou Travis.
A preocupação pela Eleanor ficou em suspense, no momento. Adam aceitou a garrafa e bebeu um comprido trago.
-deixa-se beber com facilidade, não é certo?
Travis assentiu.
-Comprei uma dúzia. Por certo, sabe bem.
-Espero que Mary Rose não saia, pois cartório a ausência da Eleanor -disse Douglas.
-Se perguntar, não lhe diremos nada -afirmou Travis. apoiou-se no poste, e bocejou-. Acredita que está em seu quarto. Deixemos que siga acreditando-o.
-Penso que não quererá lhe falar com a Eleanor por muito tempo -predisse Douglas.
-por que? -perguntou Adam.
-Ainda está furiosa com ela -disse Douglas-, porque Eleanor disse vaca gorda à senhora Morrison.
-Deus querido! Espero que a senhora Morrison não a tenha ouvido -disse Adam, estremecendo-se de só imaginário.
-Não vejo como pode não havê-la ouvido -disse Douglas-. Estava falando com ela, e o disse na cara.
Adam sacudiu a cabeça.
-Parece-me que teremos que ir ao Hammond a nos abastecer.
-Eleanor se desculpará -disse Cole-. Arrumado a que já está disposta a trocar de atitude.
-O que estava fazendo quando foi? -perguntou Travis.
-Atirava pedras e gritava. Tem um vocabulário bastante pitoresco.
-Boa tarde, Dooley -exclamou Douglas-. Quer uma cerveja?
-Seguro que me vá bem -respondeu Dooley.
desceu-se do cavalo e caminhou pesadamente até os degraus. Até o momento, Harrison não tinha visto quão torcidas tinha as pernas. Dooley caminhava como se tivesse um barril de encurtidos entre os joelhos.
O velho se sentou no degrau, entre o Adam e Harrison. tirou-se o chapéu, enxugou-se a frente com o dorso da manga, e disse:
-Para ser inverno, faz calor, não?
-Estamos no verão, Dooley -lhe informou Cole.
Harrison se armou de paciência e esperou a que algum dos irmãos averiguasse o que tinha acontecido com a Eleanor. Ninguém disse uma palavra. Seguiam concentrados em degustar a bebida. Imaginou que devia escassear e que, por isso, era uma raridade.
Dooley se lambia os lábios por antecipado. Por fim, Harrison se impacientou e perguntou, em nome de todos:
-Dooley, não teria que estar cuidando da Eleanor?
-Sim, senhor, sem dúvida.
-Então, por que está aqui?
-Não pude suportá-la mais. Armava tanto barulho, que começou a me pulsar a cabeça. Mas não viu que eu estava vigiando-a. Quando me dito, sou capaz de me ocultar muito bem. Entretanto, não pude me esconder de seu escândalo, embora me tampasse os ouvidos com as mãos. Então, acertou a passar Ghost, e eu lhe dava dois dólares para que se sentasse um momento e a vigiasse.
-Ghost estava bebendo sua beberagem? -perguntou Cole.
-Lhe terminou faz três dias. Agora está bem sóbrio -lhe assegurou Dooley.
Harrison lhe disse a Cole:
-Eu não irei procurar a.
-Não lhe pedi isso.
-Mas, de todos os modos, culparão-me por isso, não é verdade?
-Sim, senhor, é claro que sim -Cole riu, por ter respondido como Dooley-. Se Mary Rose se inteira antes de que eu traga para a Eleanor, a culpa será tua.
-Como te ocorreu? -perguntou Harrison.
-A idéia foi tua.
-Mary Rose não tem por que inteirar-se -sugeriu Travis, da entrada.
-Eu atuei de boa fé -se defendeu Harrison.
-De todos os modos, inteirará-se -predisse Douglas-. Se, em um par de dias, Eleanor não baixa, suspeitará. Suponho que estará furiosa com ela, mais ou menos, até na sexta-feira. Depois, começará a fazer perguntas.
-Tanto tempo pensa deixar a Eleanor na montanha? -perguntou-lhe Harrison a Cole.
-Não acredito que Ghost a suporte tanto tempo. Terei que pôr um dólar mais para que não proteste. Empresta-me um, Cole?
-Claro, Dooley.
-Aqui tem sua cerveja, Dooley -disse Travis, lhe entregando uma garrafa-. Né, não é Ghost esse que vem pelo caminho?
Harrison se levantou, e aceitou o inevitável: teria que ir procurar a Eleanor.
Apareceu Mary Rose na entrada.
-Olá Dooley -exclamou.
-Como vai, senhorita Mary? -respondeu-lhe, a gritos. Mary Rose saiu ao alpendre e olhou ao redor.
-Alguém viu a Eleanor? Quero falar com ela.
Todos olharam ao Harrison. Este não disse uma palavra. sentou-se outra vez, e fixou a vista ao longe. Travis resolveu mentir, em benefício dele.
-Está em seu quarto. Deixa que se cozinhe em seu próprio molho por um tempo.
-por que teria que cozinhar-se em seu próprio molho?
Ao Travis não lhe ocorreu nada, e Douglas foi em seu auxílio:
-Tem que saber que está zangada com ela, Mary Rose. É má, mas não estúpida. Disse vaca gorda à senhora Morrison, e tem que saber que isso te desgostou -argumentou.
Harrison se voltou para a Mary Rose que, a sua vez, dedicou-lhe uma expressão zangada.
-Adam, já há sustenido sua conversação com o Harrison?
-Ainda não, Mary Rose.
-Por favor, te ocupe disso. quanto antes, melhor.
-Conversação sobre o que? -perguntou-lhe Harrison à moça. Não lhe respondeu. deu-se a volta e entrou, deixando que a porta se fechasse de um golpe.
Harrison disse ao Adam:
-Mas como, por que foi?
-Falou-lhe que ti -disse Cole.
-Que coisa?
-Contou ao Adam o do tiroteio -explicou.
-Não te ofenda, Harrison. Sua intenção é te cuidar -disse Douglas. Cole ficou de pé. Ergueu os ombros, apoiou a garrafa de cerveja no corrimão, e baixou os degraus.
-Acredito que irei procurar a Eleanor. Ghost, por que não está vigiando a Eleanor? -gritou.
O homem de cabelos brancos tinha chegado ao atalho que havia ante a casa, e movia a cabeça.
-Não pude tolerá-lo mais. Não valia o dinheiro que cobrei. Henry ouviu o estrépito deveu ver. Dava-lhe três dólares para cuidá-la um momento. Jamais voltarei a te fazer favores, Dooley.
Cole encaminhou ao estábulo.
-Harrison, utilizaste alguma vez uma corda? -gritou, por cima do ombro.
-Eu lhe ensinei como se faz -respondeu Douglas, gritando-. esteve praticando.
-iremos enlaçar a esses novilhos tão logo eu retorne com a Eleanor -vociferou Cole.
Harrison se levantou.
-Douglas, não tinha por que mentir por mim.
-Agora, vá praticar -lhe sugeriu o aludido-. Então, não resultará uma mentira. Vamos. Mostrarei-te como se faz.
-Seria conveniente que antes coma algo -propôs Adam. Harrison aceitou. Enquanto Douglas ia procurar cordas, acompanhou ao Adam à cozinha. Comeram sentados à mesa, e falaram todo o tempo de questões sem importância. Mary Rose entrou, viu-os na cozinha, e se apressou a dar a volta e sair.
-Não tinha que me falar sobre o tiroteio? -perguntou-lhe Harrison-. Tenho entendido que Mary Rose lhe contou isso.
Disse-o olhando para a porta, e sonriendo.
-Sim -admitiu Adam-. Minha irmã está convencida de que você provocou deliberadamente a esse tipo.
-Assim foi -confessou.
Esperou o sermão do Adam, mas o irmão não acrescentou uma palavra mais. Passaram uns minutos de silêncio, e Harrison o insistiu:
-E?
-E o que?
-Não me falará a respeito?
-Já o tenho feito.
Harrison riu.
Cole, pelo contrário, não ria absolutamente. Eleanor não estava cooperando com seu plano. No momento em que viu que vinha para ela, tirou do chão uma pedra de considerável tamanho e a atirou.
A Cole não lhe pareceu que esse fora o modo de tratar a um salvador. Eleanor teria que estar agradecida, não furiosa.
Por certo, era todo um espetáculo. Tinha as bochechas acesas, rosadas, e os olhos flamejavam de cólera.
-Ainda não chegaste a nenhuma conclusão? -perguntou-lhe Cole-. Maldição, deixa de arrojar pedras.
Esquivou outro calhau, e aproximou mais o cavalo. Eleanor estava no meio do caminho. Tinha caminhado um bom trecho. Cole olhou os sapatos, e supôs que devia ter ampolas nos pés. Mas, aparentemente, não lhe importou. Passou coxeando junto a ele, e seguiu caminhando para a elevação.
-aonde vai?
-Volto para rancho, a recolher minhas coisas. Primeiro, matarei ao Harrison por me haver deixado aqui, e logo irei. Voltarei caminhando ao povo.
-Mary Rose não deixará que dispare ao Harrison. Gosta.
-Não me importa.
-Não, suponho que não. Não te importa ninguém salvo você mesma.
O tom foi de resignação, e Eleanor girou para lhe ver a expressão, e saber se só tratava de irritá-la, ou dizia o que na verdade acreditava.
Pareceu-lhe sincero. Ergueu os ombros.
-Isso não é certo. Mary Rose tem quatro irmãos fortes para cuidá-la, e eu não tenho a ninguém. Tenho que cuidar de mim mesma.
-É a pessoa mais egocêntrica que conheci jamais.
A moça estalou em pranto. Esta vez, não era fingido. Doía-lhe tudo e, para cúmulo, Cole tratava de feri-la em seu orgulho, que era o único que ficava. Entretanto, já não podia aferrar-se a ele.
-tive uma vida difícil -soluçou.
-Quem não?
-Harrison me deixou aqui, sozinha.
-Nunca estiveste sozinha.
Deixou cair os ombros.
-Já sei.
voltou-se para os matagais.
-Já pode ir, Henry. veio Cole.
-Obrigado, senhorita Eleanor -respondeu Henry, em voz alta. Eleanor aspirou uma funda baforada de ar. -Obrigado... por sua companhia.
-Tampouco me incomodou a sua, exceto quando gritava. Fez-me doer a cabeça, senhorita Eleanor.
-Sinto muito.
Voltou para o caminho e reatou a marcha. Cole cavalgou junto a ela.
-Não foi tão difícil, certo?
-O que?
Fixava a vista no chão, para não pisar em nada aguçado. Sentia os pés pegajosos e quentes. sentia-se desgraçada, e sabia que devia ter um aspecto deplorável. passou-se os dedos pelo cabelo em um intento de ordenar um pouco os cachos, e seguiu caminhando. Não lhe importava o que Cole pensasse de sua aparência. Não, não lhe importava. Viu que tinha os três últimos botões desabotoados, e se apressou a remediá-lo.
-Não foi difícil ser amável.
-Sim, foi-o.
Cole sorriu: lhe acontecia o mesmo.
-por que é difícil?
-Não acredito que o entenda.
-Tenta-o.
-Faz-me sentir vulnerável.
Teve vontades de assentir. Eles dois se pareciam mais do que tinha imaginado.
-É de supor que tem que tratar a outros como quisesse que tratem a ti -recitou, de cor.Por Deus, quantas vezes tinha ouvido o Adam recitar essa regra de ouro!
-E por que faria semelhante coisa?
Cole não tinha a menor ideia, e Eleanor lhe ofereceu sua própria teoria.
-Crie que, então, tratarão-me bem?
-Alguns, sim.
-E o que faço com os que não?
-Terá que ser malote com eles.
Eleanor rompeu a rir. Dadas as circunstâncias, maravilhou-a poder alegrar-se por algo.
Embora o que dizia Cole tinha sentido, não estava disposta a admiti-lo, e resolveu insistir em obter compaixão.
-Todos me abandonam -disse-. Até meu pai fugiu de mim. Abandonaram-me.
-E?
-Assustei-me.
-Quem não se assusta de vez em quando?
Fez um último intento:
-Não tenho um centavo.
-Que pena. Trata de ganhar dinheiro.
-Como? Não me ensinaram a fazer nada. Talvez, deveria encontrar a um homem e me casar.
-Nenhum homem te aceitaria, nem esses se desesperados que faz anos que não vêem uma mulher formosa como você.
O completo feito como de passada, fez-lhe abrir os olhos. Realmente considerava que era formosa?
-A Mary Rose não gosta. Só me tem compaixão.
-O tráficos como A...
-Não quero que sinta lástima por mim -exclamou.
-Então, lhe diga o que sente, mas de boa maneira. Mary Rose poderia ser uma boa amiga se você não a rechaçasse.
-É muito tarde. danifiquei tudo. Todos votastes. Tenho que ir, isso me disse Harrison. Crie de verdade que sou uma mulher formosa?
-Claro. Arrumado a que, se sorrir, é realmente bonita.
-Travis me odeia. Isso não trocará, por mais que sorria.
-Poderia deixar de chamá-lo menino.
-Esqueci seu nome.
-Não, não é certo. O que quer é chateá-lo, e o conseguiu. Acaba com isso.
Eleanor assentiu, mas Cole não tinha dado por terminados os conselhos.
-Dava meu nome -lhe ordenou.
-Cole.
-Assim está bem. Meu nome é Cole, não "Né, você, moço..."
-Tenho que ser amável com todos?
Só ela era capaz de fazer semelhante pergunta.
-Sim.
Voltou a rir.
-Estava brincando.
-Eu estava no certo.
-Com respeito ao que?
-É muito bonita quando sorri.
Eleanor se voltou.
-Obrigado. Fui amável com o Adam. Harrison disse que ele não votaria contra mim. É obvio, ele não poderia.
-por que?
-Porque é o chefe da casa. Teria que abster-se... não é certo?
-Tinha-o esquecido.
-Crie que Adam votaria para me jogar?
-Não.
-Eu tampouco acreditei. É um homem muito bondoso. Pode tolerar algo, inclusive a mim.
-Eu sou bondoso.
-Não, você não.
Cole sorriu: tinha razão, ele não era bondoso.
-Pensa seguir caminhando?
-O que outro remédio fica?
Cole inclinou, passou-lhe o braço pela cintura, e a elevou até acomodá-la sobre seu regaço. Pareceu-lhe ligeira como um travesseiro. Embora estava acalorada e suada, cheirava como se acabasse de tomar um banho.
Estava esgotada pela caminhada, e, além disso, o ar da montanha a tinha enjoado. Alegrava-a que Cole deixasse cavalgar com ele, e sabia que deveria agradecer-lhe Procurou as palavras apropriadas e, embora não tinha por que ser difícil, era-o. Senhor, realmente os últimos anos esteve comportando-se como uma tirana, dando ordens a mão direita e sinistra... e sem manifestar jamais a menor gratidão.
Seguiram cavalgando juntos um tempo, em silêncio. A Cole não lhe incomodava. A ela, sim. removia-se sobre o regaço do homem, e cada vez que o fazia se apertava contra a virilha. Cole apertava os dentes para não lhe gritar.
Por último, já não pôde suportar mais a provocação:
-Deixa de saltar assim.
-Não estou saltando. Obrigado.
Já estava: havia-o dito. Imediatamente, relaxou-se. A fim de contas, não lhe resultou tão difícil.
Salvo que Cole burlasse dela. Imaginando-o, ficou tensa.
-por que disse vaca gorda à senhora Morrison?
-Por ajudar a Mary Rose.
-Como é isso?
-A senhora Morrison teve a audácia de me dizer que Harrison cortejaria a sua filha. Informei-lhe que estava equivocada. Seguiu me contradizendo, e uma palavra levou a outra.
Cole trocou de tema.
-Aprendeu algo proveitoso na escola?
-Poderia ensinar.
-por que não o faz?
-Não gosto aos meninos.
Não lhe surpreendeu absolutamente.
-você gosta dos meninos?
-Não sei, pois nunca tive perto a nenhum.
-Então, como sabe que não lhes agradará?
-Porque não gosto a ninguém.
Cole exalou um suspiro.
-Poderia ajudar no rancho?
-Fazendo o que?
-Não sei. Suponho que não serviria para enlaçar novilhos nem domar cavalos. É muito branda.
-Sou-o?
Tentou dá-la volta para olhá-lo. Mas Cole apertou o braço na cintura, para que não pudesse mover-se.
-E o que me diz de lavar a baixela, cozinhar ou costurar?
-Costurar! Sei fazê-lo.
-Aí tem.
-Mas é muito tarde. Jogaram-me, recorda?
-Se promete tratar de te emendar, eu falarei com todos. Pedirei-lhes que esperem uns dias, e depois voltem a votar. Não pode ser tão atrevida, Eleanor. Se te esforçar para que seja grato estar contigo, esquecerão-se de te jogar.
-E agora, por que você é tão gentil comigo?
-Porque é a mulher mais bela, má e doce que conheci.
-Não se pode ser mau e doce ao mesmo tempo. Cole elevou de ombros.
-Você votou contra mim, Cole?
-O que fiz no passado, fica esquecido.
-Essa regra também se aplica para mim?
-É obvio. Começaremos de novo.
voltou-se para lhe agradecer o conselho. Olhou-o aos olhos, e imediatamente esqueceu o que pensava dizer.
Cole fixou a vista na boca da Eleanor, e não pôde apartá-la. Deu obrigado de que o cavalo conhecesse o caminho, porque ele estava muito preocupado para guiá-lo.
Antes que a moça, soube o que ia acontecer.
-Sinto-o -murmurou de antemão, pela liberdade que pensava tomar-se.
O que lhe acontecia? por que se desculpava? Percebeu a calidez e a ternura de seu olhar, e ficou perplexa. Nunca tinha visto que nenhum homem a olhasse como Cole olhava nesse instante. Se não soubesse que era impossível, pensaria que se dispunha a beijá-la.
E isso fez. Posou sua boca na dela, e a apropriou por inteiro. Sentiu os lábios do homem suaves e mornos contra os seus. Encantou-a com sua doçura. Não sabia se tinha que devolver o beijo ou não. Era a primeira vez que a beijava um homem, e a inexperiência a voltava tímida e insegura.
O único do que estava segura, era que não queria que se detivesse, e quando começou a apartar-se, inclinou-se para ele e lhe rodeou o pescoço com os braços. Cole lançou um gemido gutural, abraçou-a com mais força, e a beijou de novo.
deteve-se só o tempo suficiente para lhe dizer que abrisse a boca. Eleanor não perguntou por que, permitiu que lhe ensinasse. Sentiu que o coração lhe pulsava com tanta força que parecia sair-se o do peito. A língua de Cole esfregou contra a seu em um jogo erótico que lhe causou intenso prazer.
Aprendia rápido. A falta de experiência a deixava livre de reservas ou inibições. E a curiosidade a voltou audaz. Imitou cada um dos movimentos de Cole, com o único desejo de agradá-lo tanto como ele a agradava a ela.
Quando Cole apartou, os dois estavam comovidos. Sabia quando deter-se. Eleanor, não. Ao menos, isso acreditou ele. Se tivesse um mínimo de sensatez, não o teria atraído outra vez para ela.
Fez-a voltar-se, e apertou o passo pois, de repente, sentiu urgência por chegar à casa... e afastar-se dela.
-Te gostou de me beijar?
-por que às mulheres sempre gosta de falar destas coisas?
Eleanor se encolheu de ombros, sem alterar-se pelo tom áspero de Cole.
-Não sei por que. Fazemo-lo. Você é o primeiro homem que me beija, e é natural que sentisse curiosidade por saber se te gostou.
Imediatamente, Cole deixou de lado a aspereza.
-Alguma vez lhe tinham beijado?
O tom soou risonho.
-Não lhe disse isso para te divertir.
-Não estou me renda de ti. Há-me devolvido o beijo muito bem.
-Obrigado. por que te paraste?
-OH, pelo amor de Deus. É necessário que falemos dos motivos, agora?
Ao assentir, golpeou-lhe o queixo, e Cole suspirou.
-Não provoque a um urso pardo, salvo que queira ser comida por ele. Eleanor não era do todo ignorante. Tinha ouvido relatos sobre o que acontecia no leito matrimonial. Boa parte do que tinha ouvido lhe parecia possível, mas não tudo. Não obstante, sabia o suficiente para entender o que Cole acabava de lhe insinuar.
Não tinha querido deter-se.
Eleanor foi sonriendo todo o caminho de volta.
-Aí estão Adam e Harrison no curral, com esse cavalo tão feio.
-Adam tentará montar ao MacHugh -disse Cole-. Saúda-os, Eleanor.
Adam se voltou quando a moça o chamou, e lhe devolveu a saudação com um sorriso.
-Daria a impressão de que seu plano funciona. Eleanor parece quase feliz -disse Adam, voltando-se para o Harrison.
Este assentiu, agradado consigo mesmo. Enquanto Eleanor se comportasse como era devido, a vida seria grata para a família. Claro que Mary Rose o mataria se descobria o que ele tinha feito. Consideraria-o um canalha sem coração.
Diabos, o que importava o que opinasse? De todos os modos o desprezaria assim que soubesse quais eram suas verdadeiras intenções.
Jogar o laço a um novilho parecia uma boa maneira de manter ocupada sua mente. Se estivesse muito ocupado para pensar, não teria tempo de preocupar-se. sentiu-se repentinamente ansioso por começar. Precisava fazer um trabalho duro e extenuante. O que recebeu foi uma nova lição de humildade. E muitos dores.
Quando se sentou à mesa para jantar, doía-lhe cada músculo do corpo. sentia-se como se ele tivesse sido engrenado e miserável pelo barro. Tinha a mão esquerda como um fogo.
Mary Rose se mostrou cheia de simpatia por ele. Assim que disseram as orações, intercambiou o lugar com a Eleanor, para poder estar mais perto dele. Facilitou-lhe a tarefa de cortar a carne.
-Aliviou-te o ungüento? -perguntou Adam, que estava no extremo oposto da mesa.
-Sim, obrigado.
-por que te tirou as luvas? -perguntou Douglas.
antes de que pudesse responder, Travis aventurou:
-Possivelmente tivesse comichão.
Adam olhou para Cole, viu-o sorrir, e moveu a cabeça.
-Era de esperar que o cuidasse -assinalou.
-Não tive a culpa. Qualquer que tivesse, ao menos, meio cérebro, teria solto a corda.
A imagem que se formou na mente do Adam lhe fez fazer uma careta. Sentiu uma curiosidade tão intensa como a do homem que passa ante um edifício em chamas, e se vê impelido a deter-se para olhar.
-Arrastou-te muito trecho?
"O suficiente", pensou Harrison.
-Não importa -disse-. Cole tem razão. Não foi culpa dela. Acreditei que eu sabia o que tinha que fazer, mas estava equivocado. Hoje aprendi uma valiosa lição.
Como Mary Rose agitava o garfo ante sua cara, Harrison perdeu a paciência e o arrebatou, para que deixasse de chateá-lo.
Mas a irritação do homem não a fez desistir.
-Não provaste um bocado.
-Não sou um inválido. Posso comer sozinho.
-Deixa de preocupar-se por -lhe disse Douglas-. Arrumado a que a esfolamento da corda lhe dói tanto que não pode nem pensar em comer. É afortunado de que fosse a mão esquerda.
-nos diga o que aprendeste -sugeriu Adam.
-A me deixar as luvas postas -insinuou Travis com um sorriso.
-A soltar a corda -disse Cole a seguir.
Piscou os olhos um olho a Eleanor, e ela se ruborizou. Adam advertiu o que passava entre ambos, e pôs os olhos em branco.
-aprendi que, em realidade, aqui sou um inútil-disse Harrison e, dirigindo-se a Mary Rose-: Está contente, agora? A moça teve a suficiente sensatez para não dizê-lo. Harrison parecia disposto a discutir, e não pensava lhe dar o gosto. Se estivesse de melhor aspecto, diria-lhe que estava muito contente com ele. Por fim, havia resolvido deixar de lado a arrogância, e dedicar-se a aprender. Desse modo, as possibilidades de prolongar sua vida, melhoraram grandemente. Isso a fazia feliz? É obvio!
A conversação girou para um tema menos delicado. Harrison quis saber por que os Clayborne tinham decidido investir em ganho, e Travis o explicou:
-Antes tivemos ganho, mas houve dois invernos sucessivos de clima muito duro, e tivemos que vendê-los porque necessitávamos o dinheiro. Agora, nossa situação melhorou. poderia-se dizer que estamos começando outra vez. Conseguimos um preço elevado pela carne.
-Sofremos um retrocesso quando perdemos ao touro. Teve uma enfermidade, e Douglas não conseguiu curá-lo. Mas, durante um tempo, obtivemos lucros suficientes para que o esforço valesse a pena.
-Começamos com dois, e quando os vendemos, tínhamos quase quatrocentos -adicionou Adam-. A alimentação dos novilhos é grátis. Travis se queixa porque quer que os encerremos. Mas não se podem cercar as terras públicas. Aí se reúnen os rancheiros para o rodeio anual da primavera. Perdeu-te toda a agitação. Travis e Cole foram aos arreios de gado ao Salt Lake. Quando você apareceu, eles acabavam de retornar.
Harrison compreendeu que os irmãos tiveram paciência e passaram privações para obter o que se propunham. Evidentemente, na atualidade eram ricos, embora nenhum deles parecesse dar-se por informado. Todos insistiam em que acabavam de começar a construir seu ninho. O mais preocupado pelo dinheiro era Travis. A obsessão de Cole, em troca, era a segurança. Se tivesse sido possível, teria construído um muro de dez metros de alto ao redor do rancho, para que todos estivessem a salvo.
Seguiram falando da situação financeira, até que Mary Rose e Eleanor se levantaram da mesa.
-Adam disse que queria falamos de algo -disse Douglas-. Do que se trata?
Mary Rose se dirigia para a porta nesse instante mas, para ouvir seu irmão, deu-se a volta e se apressou a entrar de novo.
-Nossa irmã não tinha que inteirar-lhe recordou Cole.
-Tinha-o esquecido -confessou Douglas-. O lamento, Harrison.
-por que eu não tinha que sabê-lo?
Começou a preocupar-se. Diria a seus irmãos que tinha decidido ir-se? A fim de contas, as tarefas do rancho lhe resultaram muito árduas? Abandonava?
O pânico a atendeu, e se esforçou por acalmar-se. Harrison não era homem de abandonar, nunca se daria por vencido. Se partia era porque se sentia inquieto e queria trocar de ares. Ainda assim, se era certo, por que não queriam que escutasse o anúncio?
-Do que falará?
sentou-se outra vez, e esperou a resposta.
Harrison se estirou, e pôs sua mão sobre a dela.
-Terá que ter paciência.
Mary Rose assentiu. Olhou-o, tratando de decifrar sua expressão, mas não o permitiu. Estava fechado como um livro novo.
-Não te toca lavar os pratos, Mary Rose? -perguntou-lhe Douglas.
-Sim, claro.
Cole tocou a perna da Eleanor debaixo da mesa, e quando o olhou, indicou a sua irmã com um gesto e esperou.
Eleanor captou imediatamente a insinuação, e se levantou.
-Posso te ajudar com a baixela?
Travis reagiu tarde. Não estava seguro de ter ouvido bem. Eleanor se oferecia para ajudar? Impossível. Esteve a ponto de fazer um comentário mas, ao captar a expressão de Cole, fechou a boca.
Adam esperou que Mary Rose respondesse a Eleanor, mas sua irmã parecia tão comovida que terminou por responder por ela:
-Estou seguro de que apreciará sua ajuda. É muito amável de sua parte o oferecê-la.
Em poucos minutos, limparam a mesa. Cada vez que Mary Rose voltava para comilão, atrasava-se tudo o que podia. Queria averiguar do que estavam falando, mas ninguém lhe deu o menor indício.
depois de cada viagem, informava a Eleanor, que estava de pé ante a bacia lavando os pratos.
Mary Rose tomou uma toalha e começou a secar os utensílios que Eleanor já tinha lavado.
-Mary Rose, tenho algo importante que te dizer.
-Não pode esperar, Eleanor?
-Não.
-Está bem. O que é?
-Não tem por que te impacientar.
-Sinto muito. É que estou preocupada com o Harrison. O que queria me dizer?
-Que lamento muito o modo em que estive me comportando. Sei que não te tenho feito a vida fácil. É a única amiga que tenho em todo mundo. Por favor, me perdoe.
Mary Rose sorriu.
-Não faz uma hora, sustentamos a mesma conversação e, após, não troquei que idéia. É obvio que te perdôo.
-É que precisava dizê-lo outra vez. Quero te convencer de que sou sincera. Queria te agradar.
-Agrada-me.
-Não crie que sou considerada te ajudando a lavar os pratos?
-Sim, é-o -lhe assegurou Mary Rose-. Serei muito afortunada de te ter como amiga.
Eleanor assentiu.
-Sim, acredito que será afortunada. Não quero ser arrogante, a não ser sincera. Odiava com paixão, não é certo? E agora que estou aprendendo o valor da amizade, serei igual de apaixonada por minha lealdade. Não pensa que deve ser assim?
-Sim.
-Bem. Agora, me diga por que está preocupada com o Harrison. Que mais tem feito?
-Como que mais tem feito? O que significa isso?
Eleanor recordou que tinha prometido não lhe contar a Mary Rose o que lhe tinha feito Harrison, de modo que não disse que a deixou na montanha.
-Fez-me zangar -disse-. E sempre está metendo-se em dificuldades. Olhe os moretones que tem, Mary Rose. Só quero saber o que tem feito esta vez para te afligir.
-Preocupa-me o que pensa fazer. Acredito que está preparando-se para partir. É provável que, neste mesmo instante, esteja despedindo-se de meus irmãos.
-Isso significa que se sentirá triste se partir?
Mary Rose teve vontades de gritar, mas sussurrou:
-Sim.
-Você gosta.
-Sim.
-Não acredito que esteja falando com seus irmãos de partir, pois, nesse caso, não lhe teriam excluído. Também se despediria de ti.
-Então, o que...?
-Poderia ser que estivesse lhes pedindo permissão para te cortejar formalmente. Não te ocorreu?
-Você crie?
-Tem sentido, não? Sei que lhe importa. Adam me disse que atacou a esses homens que lhe fizeram mal. Além disso, sorri-te muito, notei-o. Sim, acredito que é muito possível. Nesse caso, excluiriam-lhe da conversação. Não pode pedir sua mão diante de ti.
Mary Rose se reanimou. Ansiava acreditar que a especulação de sua amiga era correta.
-Não queria me fazer muitas esperanças -murmurou. Resolveu aproximar-se da porta para tratar de escutar a conversação, mas se topou com o Adam no corredor.
-aonde vai? Tão rápido terminaste com os pratos? -perguntou-lhe Adam.
-ia recolher os guardanapos -mentiu-. aonde vai você?
-Estamos muito cansados para conversar esta noite. Harrison decidiu esperar até manhã.
Mary Rose não pôde dissimular a decepção.
-Terei que conter a curiosidade até manhã.
-Não acredito que deva perder tempo lhe preocupando-se aconselhou Adam-. Termina, e vá deitar te. Parece exausta.
Seguiu o conselho, e foi diretamente ao dormitório depois de ter terminado a tarefa na cozinha. Estava segura de que não poderia dormir pela preocupação. Mas como tinha sido um dia comprido e exaustivo, segundos depois de ter posado a cabeça no travesseiro, dormiu.
Harrison passou a hora seguinte passeando-se de um lado ao outro do barraco. Mas não pensava na conversação que devia sustentar com os irmãos. O que ocupava sua mente eram tudas as mudanças que teria que fazer em sua própria vida... por causa da Mary Rose. Para ser sincero, estava farto de lutar contra o inevitável.
Olhou a hora no relógio de bolso, e quando terminou essa hora, voltou para a casa. Foi o primeiro em entrar no comilão.
Travis entrou com uma garrafa repleta de conhaque. Cole seguiu. Travis deixou a garrafa sobre a mesa, e se sentou. Cole procurou os copos no bar, deixou-os sobre a mesa, e também se sentou. Logo, entrou Adam. Douglas foi o último, e fechou a porta.
-fui a ver a Mary Rose. Está profundamente dormida. Se falarmos em voz baixa, seguirá dormindo.
Douglas se dirigia a Cole. Todos estavam nervosos. Cole parecia disposto a disparar. Os músculos de ao redor de sua boca estavam tensos. Jogou mão à garrafa, serve-se um gole, e aconteceu o botellón ao Adam.
Harrison foi o único que rechaçou a bebida. Adam esperou a que todos estivessem acomodados.
-Muito bem, Harrison, por que não nos diz por que está aqui, realmente?
-Sabiam que tinha outro motivo para...?
-Certamente.
-Se sabiam, por que não me disseram nada...?
-Supus que nos diria o que queria quando estivesse preparado. Não terá que envenenar a um homem. Enquanto pudéssemos te vigiar, não nos preocupamos. Dava a impressão de querer resolver algo. Talvez agora nos diga o que é o que estava te inquietando.
Harrison se sentiu um pouco abatido.
-Agradeço sua paciência -disse-. Estava tratando de resolver algo. Agradeço que me tenham dado tempo para fazê-lo.
-Ponhamos algo em claro, Harrison -disse Cole-. Gosta, mas não deixaremos que lhe leve isso. Entendido? Se for necessário, mataremo-lhe.
-Ou pode ficar aqui até que envelheça -propôs Travis.
-Não penso tratar de me levar ao Adam. Não estou aqui por ele.
-Espera um minuto. Como sabe que Cole referia ao Adam? -perguntou Travis.
Adam não perdeu tempo em uma complicada explicação:
-Estiveste-lo protegendo do momento em que descobriram que sou advogado. Cada um de vós me deu a entender que ele é o que corre perigo. Talvez creísteis ser sutis, mas não foi assim.
-Fomos tão sutis como você quando tratava de averiguar coisas sobre nós?
-Sim -admitiu Harrison-. Acredito que fui tão transparente como vós.
-Todos nós temos marcas em nosso passado -disse Cole-. De fato, era provável que você tivesse vindo para surrupiamos a verdade. Não nos arrependemos de nada. Fizemos o que devíamos fazer para sobreviver. Não esperamos que o entenda: somos o que somos.
-Não nos desculpamos ante ninguém -disse Adam, sereno.
-E ninguém lhes ajudou, não é certo? -perguntou Harrison.
-É claro que sim que ninguém nos ajudou. Não pedimos nem teríamos aceito nada.
Harrison assentiu. Já entendia. Deveu ter entendido esse fato tão importante fazia tempo.
-Queria lhes contar uma história. Agradeceria-lhes que tenham a paciência de escutar.
Esperou a que todos assentiram, recostou-se na cadeira e começou.
-O homem para o que trabalho agora era íntimo amigo de meu pai. Talvez lhes tenha mencionado isso, não recordo. chama-se lorde William Elliott. O nome de sua esposa era Agatha. Era uma boa mulher, de coração bondoso. Elliott não pôde ter eleito melhor. Amava-a tão apaixonadamente como ela a ele. Tiveram um matrimônio feliz e sólido.
-O que têm que ver conosco? -perguntou Travis.
-Deixa-o falar -disse Adam.
-Elliott era, e ainda o é, um homem brilhante. Não demorou muito em amassar fortuna. Construiu várias fábricas na Inglaterra, e logo decidiu expandir-se a América. Veio a Nova Iorque com sua esposa para a inauguração de uma feitoria nos subúrbios da cidade. O nunca tivesse permitido que Agatha lhe acompanhasse de ter sabido que estava grávida. A saúde de sua esposa era para ele mais importante que qualquer questão financeira.
"A grande inauguração se pospor, porque um dos edifícios não satisfazia as normas do Elliott. Pareceu-lhe inseguro com respeito ao risco de incêndios, e ordenou mudanças. Agatha e ele ficaram na América do Norte, enquanto ele fiscalizava, em pessoa, os trabalhos. Uns meses depois, Agatha deu a luz ao primeiro filho de ambos, uma menina, a que chamaram Vitória pela mãe do Elliott."
Harrison fez uma pausa para ordenar seus pensamentos. Olhou aos irmãos para ver se algum deles começava a adivinhar aonde se dirigia, mas só viu neles simples curiosidade.
-Quando os golpeou o desastre, fazia quase um ano que estavam na cidade de Nova Iorque. Por fim, a fábrica estava lista para a inauguração. Tanto Elliott como sua esposa assistiram ao festejo. Agatha quis levar com ela à menina, mas seu marido não o permitiu. Fez-lhe compreender que a menina não tinha ainda quatro meses e, portanto, era muito frágil para tirar a à atmosfera fresca da primavera. Deixaram à pequena Vitória com a babá e com todo o resto do pessoal. Estiveram ausentes só dois dias, mas quando retornaram à cidade, encontraram-se com a polícia esperando-os na entrada. A babá tinha desaparecido com a pequena. À tarde seguinte, chegou a nota pedindo dinheiro. George MacPherson, secretário pessoal do Elliott, apanhou ao mensageiro antes de que pudesse ir-se, e o fez entrar na força, para interrogá-lo. Mas o moço não pôde lhe dizer nada significativo. Elliott reuniu depressa o dinheiro, e esperou que lhe chegassem instruções sobre o sítio ao que devia levá-lo. Mas não houve mais notas. Elliott se aferrou à esperança de que sua filha apareceria sã e salva.
-O que lhe aconteceu? -perguntou Travis.
-Desapareceu.
fez-se o silêncio. Harrison advertiu que tinha uma bebida na mão, e não podia recordar como tinha chegado ali. Deixou-a sobre a mesa.
-Lady Agatha jamais se recuperou de semelhante pesadelo. Caiu doente, e depois de seis meses de busca se desesperada, Elliott se viu obrigado a levar a de volta a Inglaterra. Deixou ao MacPherson em Nova Iorque para coordenar a investigação. seguiram-se todas as pistas, mas tanto os investigadores contratados pelo Elliott como a polícia, chegaram a becos sem saída. Logo, exatamente seis meses mais tarde, encontrou-se à babá.
-A menina estava com ela? -perguntou Cole.
-Não. No quarto que ocupava não havia a menor evidencia que desse uma possível chave do paradeiro de Vitória. Supuseram que a mulher tinha escondido à pequena fora da cidade, e que havia tornado por algum motivo. Só Deus sabe o que. Mas quando as autoridades a encontraram, estava morta. Estrangulada.
"Elliott e sua esposa não desistiram da busca. Mas Agatha não pôde recuperar as forças. Morreu, mais ou menos, um ano depois. Os médicos disseram que tinha sido consumição, mas Elliott compreendeu o motivo verdadeiro. Disse-me que tinha deixado de viver o dia que arrebataram a sua menina. Morreu com o coração destroçado."
-Culpou ao marido por lhe haver feito deixar à menina na casa? -perguntou Travis.
-Não, não acredito. Mas ele sim se culpava.
-Que idade tinha você quando tudo isto aconteceu?
-Era um menino, tinha uns dez anos -respondeu-. Quando meu pai morreu, Elliott me levou a sua casa. Ocupou o lugar de meu pai, encarregando-se de que recebesse uma boa educação, e tratou de seguir adiante com sua vida.
"Na Inglaterra, todos sabem o que aconteceu. Elliott era uma influência poderosa no Parlamento. Quando voltou, retirou-se, vendeu as fábricas, e jamais abandonou a busca. Lembrança que, cada vez que eu voltava da Universidade, falava-me de uma possível suspeita.
-Suspeita?
-Alguém que poderia ter a aparência atual de Vitória -explicou.
-Daria a impressão de que se aferrava a algo -comentou Cole.
-Estava desesperado -disse Adam.
-Sim -admitiu Harrison-. Estava desesperado. Não se rendeu até faz um par de meses. Então, eu me fiz cargo das pesquisas. Encontrar a Vitória se converteu em minha obsessão.
-E agora? -perguntou Adam.
Harrison fez uma profunda inspiração:
-Encontrei-a.
23 de agosto de 1866
Querida Mamãe Rose:
Joguei com o revólver de Cole. Só queria me divertir, mas ele me gritou muito. Além disso, disse que ia me dar uma surra no traseiro. Depois, chorei muito, e trocou de idéia. Os revólveres são maus, Mamãe. Adam me disse isso. Nunca mais vou jogar com um. Jamais. Dirá-lhe a Cole que não me grite mais? Adam o disse.
Quero-te, Sua menina boa, Mary Rose
12
Não queriam lhe acreditar. Cole negou com veemência: Mary Rose não era Vitória. Não podia ser. Adam foi mais razoável. Formulou perguntas com o propósito de encontrar incoerências. Travis destruiu cada explicação que deu Harrison. Douglas permaneceu desacostumbradamente silencioso. Com a vista fixa no copo, de vez em quando sacudia a cabeça. Dava a impressão de estar muito atônito para falar.
-Coincidência -disse Cole, golpeando a mesa com o punho para enfatizar.
-Quando nasceu Vitória? -perguntou Adam, com voz trêmula de emoção.
Harrison já tinha respondido três vezes mas, conservando a paciência, enunciou uma vez mais a data:
-Dois de janeiro de 1860.
-Santa Mãe de Deus! -sussurrou Adam.
-Muitas pessoas nasceram em dois de janeiro -argumentou Travis.
-Sei razoável -lhe pediu Harrison.
-nos explique como chegou à conclusão de que nossa Mary Rose é a mulher que estava procurando.
-Travis, já o expliquei.
-Importa-me um nada, Harrison. Explica-o outra vez.
-Está bem -acessou-. A mulher que viu a Mary Rose no internato informou do incidente às pessoas do Elliott. Nesse momento, eu estava em Chicago por assuntos de negócios. A mulher vivia a curta distância por trem, de modo que fui falar com ela.
-Como se inteirou de sua existência? Acaso Elliott tinha gente trabalhando para ele na América do Norte? -perguntou Travis.
-Sim, mas não foi por isso pelo que soube. Recebi um cabo de Londres. Tinha pedido que me mantivessem informado. Elliott se tinha dado por vencido.
-Mas você não -assinalou Travis.
A tenacidade do Harrison o chateava.
-Não, não me tinha dado por vencido, e tampouco o resto do pessoal. Avisaram-me. Contratei um advogado no St. Louis para que interrogasse a Mary Rose.
-Os advogados se juntam como as moscas e as sanguessugas, não? -disse Cole.
Harrison não respondeu ao insulto.
-O que averiguou o advogado despertou mais ainda minha curiosidade.
-Não lhe disse nada -afirmou Cole-. Não seria capaz.
-É certo. Não lhe disse nada. Foi precisamente o que o advogado não pôde averiguar o que me intrigou. A diretora disse que a mãe da Mary Rose vivia no Sul. É obvio, perguntei-me por que, mas não me pareceu o bastante insólito para investigá-lo. As irmãs alardeiam ou se queixam dos irmãos. Pelo menos, isso foi o que eu acreditava, mas Mary Rase não disse uma só palavra com respeito a vós quatro. O advogado comentou que ela esteve em guarda, e que parecia assustada e um tanto agitada.
-Desconfia tanto como nós dos advogados -lhe disse Travis.
-Sim, entendo-o -disse Harrison-. O modo em que reagiu ao saber como ganho a vida, foi outro indício de que algum de vós podia ter problemas.
-Dissemos a Mary Rose que não falasse sobre nós. Não queríamos que a gente farejasse em assuntos que não lhe concerniam.
-Como já disse, agora o entendo, mas nnaquele tempo, naquele tempo, não.
-O que era o que não entendia? -perguntou Cole.
-Que, no passado, todos vós tivessem quebrantado a lei. Como fora, a reticência de sua irmã despertou minha curiosidade.
-E então? -perguntou Travis.
Harrison conservou a paciência. Sabia por que o faziam explicar uma e outra vez: procuravam falhas. Era compreensível. Em seu lugar, ele teria feito o mesmo.
-Ao longo dos anos, houve centenas de informe sobre mulheres que se pareciam com a mãe de Vitória, ou a uma tia, prima ou parente longínqua. e embora a mulher que tinha visto a Mary Rose insistiu muito no parecido, eu não teria vindo a Montana só por uma semelhança. Não, vim pelo relatório da entrevista a Mary Rose.
Harrison elevou o copo e bebeu um gole. Em realidade, não queria o licor, mas tinha a garganta seca.
-Há um retrato pendurado na biblioteca do Elliott -começou.
-O que? Não tinha falado de um retrato -disse Travis. Supôs que não.
-Pouco depois de haver-se casado com a Agatha, Elliott encarregou a um famoso artista que pintasse o retrato de sua esposa. Quando vi a Mary Rose caminhando por um dos corredores no armazém do Morrison, por um instante acreditei que Agatha tinha descendido do retrato ao óleo e que se aproximava de me saudar. O parecido de sua irmã com ela é assombroso. O resto, já sabem. Nenhum de vós me facilitou a tarefa.
-Alegra-me que pense que fizemos algo bem -interveio Cole.
-Todos deram respostas estranhas e sem sentido a minhas perguntas, e essa relutância alimentou minha curiosidade. Só pessoas que guardam secretos atuariam assim. Repetiram-me muitas vezes que, nesta região, era perigoso fazer perguntas, e entretanto me assaltaram com elas. Além disso, estava essa sua desconfiança a qualquer relacionado com a lei. Embora não o criam, os advogados cumprem um propósito, e muito bom. Não somos o inimigo, mas lhes comportavam como se estivessem convencidos de que sim o somos. Para mim, resultou muito evidente que tinham algo que ocultar. Meu engano foi pensar que tentavam me ocultar a verdade com respeito ao seqüestro. Não acreditei que vós o tivessem planejado, mas sim que estavam protegendo à pessoa que a tinha levado. Agora que cheguei a lhes conhecer, compreendo que chegaram aqui por seus próprios meios. Só contavam com vós mesmos.
Harrison fez uma pausa para ordenar seus pensamentos, e os irmãos esperaram a que continuasse.
-Decidiram lhes manter unidos e formar uma família. Então, levando a pequena, encaminharam-lhes ao oeste. Mary Rose é lady Vitória, não é certo?
Adam fechou os olhos, e adquiriu uma expressão abatida.
-meu deus, deve sê-lo.
Travis se apoderou da garrafa, e Harrison viu que lhe tremia a mão. Embora o copo estava cheio, não o notou.
Cole olhava fixamente ao Harrison, com expressão desolada. O voltou a vista para o Adam.
-Pelo bem de seus irmãos, de sua irmã, e do teu próprio, me dê um dólar.
A petição não tinha sentido para nenhum deles, e Adam não se moveu. Harrison o repetiu, em tom mais duro.
O irmão colocou a mão no bolso do colete, tirou uma moeda de prata e a jogou no Harrison, que a apanhou no ar.
-Para que o queria? -perguntou Travis.
-É uma retenção. Importa-me um rabanete se vocês gostarem ou não os advogados: a partir de agora, eu lhes represento. Todos entendem e estão de acordo?
antes de continuar, fez que todos lhe dessem seu consentimento verbal. Só então, trocou de posição, observou a sua audiência, e disse:
-Quem começa a contá-lo?
-Pensa que a roubamos? -perguntou Cole.
-Não o fizemos -disse Travis-. Alguém o fez. Quem quer que fora, deveu tornar-se atrás.
-Encontramo-la -disse Cole.
-Onde? -perguntou Harrison.
-No lixo -respondeu.
-Onde?
Não era sua intenção levantar a voz, mas a surpresa lhe fez exagerar a reação.
-Já me ouviste. Encontramo-la sobre um montão de lixo, em nosso beco. Nós quatro tínhamos formado uma banda. Por Deus, que jovens e estúpidos fomos.
-Foram meninos -replicou Harrison-. A quantidade lhes dava segurança.
-Sim -admitiu Cole, a inapetência. dirigiu-se ao Adam-: o Conte o que aconteceu.
Adam assentiu.
-Tínhamos formado uma espécie de turma. Vivíamos na rua. Eu tinha chegado à cidade de Nova Iorque de maneira clandestina, mas não pensava ficar. Tinha-lhe prometido a minha mãe que iria ao oeste. Parecia-lhe que estaria mais seguro ali, até que trocasse a situação.
-Que situação? -perguntou Harrison.
-Nossa mãe nos mantinha a par das notícias. Lincoln falava de terminar com a escravidão. O movimento estava crescendo no norte, e mãe sabia que se morava a luta. Se se inclinava a nosso favor, seríamos livres. Era uma esperança, e aferrei a ela.
"Meus irmãos e eu vivíamos no beco. Dormíamos juntos para mantemos quentes. Corria o mês de maio, mas esse ano, as noites ainda eram frescas, e não tínhamos mantas."
-Em l860?
-Sim, em 1860 -disse Adam-. Havia outras bandas de meninos abandonados que rondavam pelas ruas em busca de alimento e de problemas. O beco era nosso lar, e estávamos decididos a defendê-lo. Fazíamos turnos para vigiar à entrada. Essa noite, tocava ao Douglas. Travis, Cole e eu estávamos profundamente dormidos. Douglas assobiou, e nos assinalou o montículo de lixo. Logo, foi. Tinha curiosidade por algo, e queria investigá-lo.
"Ouvi um ruído -continuou Adam-. Depois, Douglas me contou que acreditou que havia um gato dentro. Lembrança que Travis tinha medo de que fosse uma víbora.
-dentro do que? -perguntou Harrison.
-De uma cesta -respondeu-. Como é, eu também pensei que havia um animal dentro. Aproximei-me para olhar melhor, e então vi os ratos.
-meu deus...
-Estavam todas em cima. Tive que acender minha tocha para as afugentar. Alguém tinha subido à tampa, e estava mordendo-a. Se deixava passar um minuto mais, o rato a teria alcançado.
Harrison se imaginou o que sem dúvida lhe tivesse passado a Mary Rose, e quase se deprimiu.
-Mas cheguei a tempo, e isso é o que conta. Pensamos que era um menino, e a chamamos Sidney.
-Ela sabe tudo, não é assim?
-OH, sim, sabe como a encontramos. Nunca lhe ocultamos nenhum secreto. Também sabe tudo o que concerne a nós.
Harrison sorriu.
-Agora entendo por que se alterou tão quando Cole chamou Sidney.
-Sim -disse Cole-. É para lhe recordar que não é superior a ninguém. É resistente. É pura de coração, e nobre, Y...
A voz de Cole desmentia sua expressão pétrea. Adam se esclareceu voz, e continuou:
-Essa noite, fizemos um pacto: fazer tudo o que pudéssemos por ela. Estávamos seguros de que não sobreviveria se a levávamos a um dos orfanatos da cidade. Travis era o único que estava seguro de que ninguém o buscava. Então, convertemo-nos todos no Clayborne, e nos dirigimos ao oeste. Levou-nos muito, muito tempo chegar aqui e construir uma casa.
-Mas o conseguimos -disse Cole-. Agora que o penso, talvez o pai da Mary Rose nos tenha ajudado.
-De que maneira? -perguntou Harrison.
-Douglas lhe tirou o dinheiro à mulher que abandonou a cesta. Era magnífico nisso de limpar bolsos. Esse dinheiro financiou nossa viagem durante muito tempo. Quem se levasse a menina, também deveu ter roubado o dinheiro.
-Quantos anos tinham?
Respondeu-lhe Travis:
-Em realidade, eu tinha nove para cumprir dez, mas dizia a todos que ia cumprir os onze. Tinha medo de que não me aceitassem se era muito pequeno. Queria convencer os de que podia me sustentar, em caso de briga. Douglas e eu sabíamos o que era viver em um orfanato, e não queríamos voltar. Suponho que tive a perspicácia de saber que necessitava amparo. Adam me pareceu grande e robusto, e por isso decidi importuná-lo dia e noite até que, por fim, deixou-me ficar com ele. O tinha treze. Douglas e Cole tinham onze anos.
-Foram meninos -afirmou Harrison-. Entretanto, não lhes ocorreu que a menina poderia ter sido roubada?
-Como ia ocorrer se nos semelhante coisa? -perguntou Cole-. Só creímos que seu pai e sua mãe já não a queriam.
-Creísteis que a tinham abandonado? Como puderam acreditar semelhante coisa?
Cole e Douglas se olharam, e logo ao Harrison.
-por que não? -perguntou Douglas-. nos abandonaram.
A Cole custava entender a incredulidade do Harrison.
-Como crie que a cidade se encheu assim de meninos? Em realidade pensa que todos eles se perderam? As autoridades sabiam a verdade. de vez em quando, apanhavam a todos os que podiam, subiam-nos a trens e os mandavam longe. Ninguém sabia aonde foram esses trens.
Douglas suspirou.
-Ninguém os queria -disse-. E ninguém nos queria . O caso do Adam era diferente. Sua mãe o tinha afastado para que estivesse a salvo. Não o abandonou.
-Eu não sei se minha mãe me tivesse abandonado -comentou Cole, em voz despojada de emoção-. Ouvi dizer que era uma boa mulher. Morreu ao me dar a luz. chamava-se Mary, e supus que podia sentir-se feliz lhe pondo seu nome a nossa Mary Rose. Adam teve a mesma idéia com respeito a Mama Rose. Douglas decidiu que combinássemos ambos os nomes.
-E o que tem que seu pai, Cole? Sabe algo dele? -perguntou Harrison.
-Teve-me com ele por um tempo e, em um momento dado, começou a preferir o uísque e a genebra. Tratou de me vender. Escutei-o tentar me trocar por duas garrafas, e me escapei.
Harrison ficou tão atônito que não pôde falar. Não podia imaginar vistas tão desoladas. Então, começou a compreender a maravilha da situação. Começou a ver os irmãos sob uma luz muito diferente, e em sua expressão foram evidentes o respeito e a admiração.
Faziam o impossível e tinham florescido, face aos obstáculos.
-Todos vós são homens de coragem.
Douglas não aceitou a aprovação do Harrison, e negou com a cabeça.
-Não, só fizemos o melhor que pudemos. Fomos todos pequenos assustados, que queríamos nos assegurar de que Mary Rose tivesse a alguém que a cuidasse. Em realidade, nenhum de nós acreditava que o obteria. Eu acreditei que nenhum de nós o conseguiria. E, entretanto, merecia uma oportunidade na vida, não é certo?
-Não terá sido fácil.
-O pior foi lhe trocar os fraldas.
Evocando-o, Cole sorriu.
-Como sabem a verdadeira data de nascimento? Mary Rose me disse que tinha documentos. O que são?
-Metidos no sobre, junto com o dinheiro, havia dois papéis -esclareceu Douglas-. Adam os tem na biblioteca. Em um deles, há muitos números cotados. O outro parece uma página de um livro. Na parte superior, estava a data de nascimento da pequena. Também anotaram o peso e a medida.
-É uma página da Bíblia da família.
-Sério?
-Sim -confirmou Harrison-. Lhe faltam duas páginas. Alguém foi devolvida com a nota de resgate, como prova de que realmente tinham a Vitória. Na última linha, estava escrito seu nome completo.
-Eu falei com meus irmãos dos papéis, mas nnaquele tempo naquele tempo nos importava mais o dinheiro. Adam era o único que sabia ler. Olhou os papéis e nos disse o que havia ali. Conservamo-los na cesta durante anos. Guardamo-los só para que Mary Rose tivesse algo de seu passado.
-Quem lhes ensinou a ler? -perguntou- Harrison ao Douglas.
-Adam.
-Sabe quem estrangulou à babá? -perguntou Cole.
-Não -respondeu Harrison-, mas Elliott nunca se convenceu de que atuasse por si só. Não tinha a astúcia suficiente para planejar o seqüestro. Além disso, era muito tímida. Deveu ter um cúmplice.
-Pode ser que, a estas alturas, esteja morto -disse Douglas.
-Pôde ter sido uma mulher -aventurou Harrison.
-Foi um homem.
-Como sabe?
-Eu o vi.
Harrison empurrou o copo com a bebida, sem advertir, sequer, o que fazia.
-Viu-o?
A voz lhe tremeu de emoção. Douglas assentiu.
-Acredito que me toca falar, não é certo? Um homem desembarcou de um carro de aspecto luxuoso. Na porta havia um escudo heráldico. Levava uma capa negra, como as que usam os ricos para ir à ópera, e um chapéu com a asa inclinada sobre a frente. Ainda lembrança sua cara. parou-se debaixo do abajur da rua, e voltou a vista em minha direção.
Mas ele não me viu. Deveu ouvir um ruído, e por isso se voltou. De todos os modos, eu o vi bem. Quer que lhe descreva isso?
-Como pode ser que o recorde? Tinha doze anos, Douglas. Com os anos, as lembranças se deformam e se confundem. Passou faz muito tempo.
-lhe fale de seu corte, Cole -propôs Douglas. O aludido sorriu.
-Tínhamos, mais ou menos, quinze anos, não é assim, Douglas? Eu ainda era estúpido. Meti-me no negócio de outro, acreditando poder conseguir umas peles de animais. Necessitávamos casacos para o inverno. Pensei que conseguiria algumas. Era realmente silencioso, não é certo, Douglas?
-Não o suficiente, Cole.
-Nesse acampamento, haveria uns vinte renegados. Tinham estado assolando a região, roubando, matando, e queimando às pessoas desde fazia um bom tempo. Todos lhes tinham medo. Eu também, mas queria as peles, e supus que me devia apropriar isso por muito que me assustasse. Todos esses malditos me perseguiram. Recebi um corte no ventre, que me doeu como os fogos do inferno. Lembrança muita bem a dor. Adam teve que me costurar e, enquanto o fazia, Mary Rose chorava.
-Sustentou-te a mão, recorda?
Cole sorriu. Claro que o recordava.
-Acreditou que me ajudaria desse modo. Nnaquele tempo, naquele tempo, tinha três ou quatro anos, e era doce e atrevida como a que mais.
-Como pôde escapar dos índios? -perguntou Harrison.
-Não o fiz sozinho. Estava concentrado em fugir, e logo em brigar por minha vida, e não pude ver o que me cortou. Mas Douglas sim. Vinha cavalgando para mim com o revólver em alto, e martelado. Viu as caras dos dois que me sujeitavam e do terceiro, que me cortou. O canalha queria me estripar. Douglas começou a gritar no último instante, e eles saíram correndo a procurar suas armas.
Cole fez uma pausa para evocar o incidente antes de continuar. Harrison estava fascinado pelo relato, mas não se imaginava que relação poderia ter com a discussão sobre o seqüestro da Mary Rose. Esperou para inteirar-se.
-Retornamos. Tinha chegado o inverno, e tivemos que esperar. Mas não esquecemos, e assim que a neve se fundiu, fomos atrás deles.
-Fizemo-los confessar que tinham sido eles.
-Como? Entendiam o idioma?
-Um deles entendia um pouco. Mas não importava, porque Douglas nunca, jamais esquece um rosto.
-gabaram-se de te haver talhado, não é certo, Cole?
-Acreditaram que seus amigos nos alcançariam.
-Asseguramo-nos de que não pudessem -disse Travis.
Harrison não perguntou o que aconteceu com os índios: já sabia.
-A tribo que jogou aos desencaminhados se inteirou e, a partir de então, abriu-nos o passo -explicou Cole-. Agora, está disposto a escutar a descrição do Douglas?
Harrison assentiu:
-Sim.
-O sujeito que vi em Nova Iorque tinha bigode de cor clara. Não pude lhe ver a cor dos olhos. Media, mais ou menos, um metro oitenta, e era muito magro. Tinha as bochechas afundadas como uma caveira. O nariz era bicudo, e os lábios finos. Pensei em um modo de lhe roubar. Estava vestido com roupa negra de noite.
"A mulher não queria receber a cesta, e dizia que não com a cabeça. Eu não estava o bastante perto para ouvir o que diziam. O tipo tirou o sobre do bolso e o deu. Ela o arrebatou muito rápido, e então se apoderou da cesta."
-O homem desceu do carro com a cesta?
-Sim.
-E ela já estava na esquina, esperando-o?
-Sim.
-E o chofer? Pôde vê-lo?
-Não. Assim que vi o sobre, não lhe tirei a vista de cima. A mulher o guardou no bolso do casaco. O homem voltou para carruagem e partiu. A mulher esperou a que o homem desaparecesse da vista, e começou a procurar um lugar onde desfazer-se da Mary Rose. Escolheu nosso beco. Correu dentro, arrojou a cesta e se foi. Eu esperei a que chegasse outra vez à esquina, assobiei para atrair a atenção do Adam e que visse a cesta, e logo segui à mulher. Tirei-lhe o sobre do bolso no mesmo momento em que abordava o trem de meia-noite.
Harrison se recostou na cadeira. A expressão de seus olhos era geada de fúria.
Cole observou com atenção.
-Sabe quem é o tipo? -perguntou Cole. Harrison assentiu com lentidão.
-Acredito que sim. Primeiro, certificarei-me.
-Está vivo? -perguntou Douglas.
-Sim... se for o que eu acredito, está vivo.
-Atacará a seu índio do modo que o fizemos nós? -perguntou Cole.
Harrison entendeu a pergunta. Queria saber até que ponto estava disposto a chegar para vingar-se. Faria-o do mesmo modo que os irmãos se vingaram do inimigo?
A resposta foi imediata:
-Sim.
-Acaso esqueceste que é advogado? -perguntou Adam.
-Não o esqueci. De um modo ou outro, fará-se justiça. Douglas, me conte outra vez o que aconteceu. Começa desde o começo.
Douglas acessou. Harrison esperou a que tivesse terminado, e logo o atacou a perguntas. Por fim, ficou satisfeito, seguro de que sabia tudo o que podiam lhe contar.
-E agora, o que? -perguntou Travis-. Quando vais dizer se o a ela?
-Eu não o direi -respondeu-. Acredito que...
Travis não o deixou continuar.
-por que teríamos que te acreditar? Não tem feito outra coisa que nos mentir desde o começo. Em realidade, alguma vez quis aprender a dirigir um rancho, verdade?
-Sim, queria aprender-respondeu-. Tinha pensado que, em algum momento, voltaria para as Highlands, mas agora sei exatamente onde me instalarei o resto de minha vida. Chegarei a ter meu próprio rancho, e o trabalho legal me sustentará nas épocas difíceis. Todos meus planos trocaram -acrescentou-. Quando cheguei aqui, nem sequer estava seguro de que Mary Rose fosse Vitória. Claro que vi o parecido, mas não era suficiente. Também se parece um pouco a ti, Cole: olhos azuis, cabelo loiro. Embora seja muito mais formosa. quanto mais descobria, mais me confundia. Ela não devia ter tido nenhum motivo para ser tão reticente comigo. Todos vós me esclareceram o mistério. Como pinjente antes, sua reação ao descobrir que eu era advogado, foi estranha. Uma noite, Mary Rose me perguntou por que passava as veladas conversando com o Adam. Parecia preocupada, e quando me perguntou se o interrogava sobre o passado, cheguei à conclusão de que não queria que averiguasse algo que ele tinha feito. Se tivesse passado as veladas conversando com o Travis, Cole, ou Douglas, tivesse estado igualmente preocupada, não é assim?
-Talvez -disse Cole-. Contamos tudo o que tínhamos feito.
Conhece todos nossos pecados.
-Sim -concedeu Harrison-. Me disseram isso. Não me custou muito adivinhar que lhes tinham unido para formar uma família, mas não podia admitir que tivessem chegado a Montana por seus próprios meios. Do mesmo modo que vós não tinham motivos para confiar em mim, eu não os tinha para confiar em vós. Todos tivemos nossos motivos. No trajeto, cometi vários enganos. Dois, surpreenderam-me muito.
-Quais foram seus enganos -perguntou Douglas.
-Um, demorei-me. Poderia ter averiguado muito antes o que queria, mas me deixei estar. Não quis aproveitar oportunidades e já sabem que isso não é comum em mim. Nunca fui homem de pospor nada...
-Não faz tanto tempo que está. Faz só seis ou sete semanas -lhe recordou Cole.
-Parece-me muito mais. Recentemente compreendi que estava me atrasando. Cresci bastante sozinho, e nunca tinha sabido, realmente, o que era uma família. Cada um de vós daria a vida por salvar aos outros. Para mim, semelhantes amor e lealdade eram conceitos estranhos. Amei a meu pai e fui leal a ele e a meu governo. Minha lealdade também alcançou ao Elliott. Há um laço entre nós pelo que ambos sofremos, mas não é o mesmo.
-Quão mesmo o que? -perguntou Cole, desejoso de entender.
-Que o laço entre irmãos -esclareceu Harrison-. Vós me assombram permanentemente. Insultam-lhes. Gritam-lhes e lhes dão ordens. Discutem todo o tempo, empurram-lhes e, Por Deus, não sabem quanto lhes invejo. Todos estes anos, imaginei a lady Vitória como uma vítima e, entretanto, Deus estava cuidando-a. Deu a vós quatro.
Harrison se deteve tomar fôlego.
-Cole, cada vez que você me empurrava como te vi fazer com o Travis e Douglas, cada vez que me ameaçava ou te ria de mim, sentia-me parte de sua família.
A sinceridade do Harrison comoveu aos irmãos, mas Cole foi quem melhor entendeu seus sentimentos. Ainda recordava a solidão e a desolação que tinha sentido antes de que Adam tomasse sob sua asa.
-Qual foi seu outro grande engano? -perguntou Adam-. Disse que cometeu vários, mas, em realidade, surpreendeste-nos.
Harrison assentiu, pois recordava o que havia dito.
-Apaixonei-me por sua irmã.
Cole moveu a cabeça.
-Ela te odiará porque a enganaste.
-Por um tempo, suponho que sim -admitiu-. Mas não importa. Quero que todos lhes dêem por inteirados de minhas intenções, aqui mesmo. Terei-a.
A força de suas palavras concentrou a atenção de todos. Nenhum soube o que dizer ante afirmação tão veemente.
-O que é o que quer dizer? -perguntou Cole.
-Sou homem de honra -começou Harrison-. Pelo menos, isso acredito.
-E? -insistiu Cole.
-Estou lhes comunicando minhas intenções.
-Mas, o que é o que está nos dizendo? -perguntou Travis.
-protegi a sua irmã e, em geral, deixei-a tranqüila. Seguirei protegendo-a, mas desde este momento, asseguro-lhes que não tenho intenções de deixá-la tranqüila. Repassei todas as razões pelas quais não a merecia, e nenhuma delas me importou mais. Nunca terei suficiente dinheiro. Travis, um dia acredito que você também entenderá a verdade. Elliott a casaria com alguém muito mais importante, segundo suas pautas sociais, mas não as minhas. Ninguém a amará nunca tanto como eu. Pertencerá-me.
Cole ficou com a boca aberta, pois nunca tinha ouvido falar com o Harrison com tanta paixão.
Douglas também ficou pasmado:
-Quer dizer que pensa seduzir a nossa irmã?
-Sim.
-Não falará a sério... -começou Travis.
-Nunca falei mais a sério. Ela será minha. para sempre. Levará meu sobrenome e dará a luz a meus filhos.
Travis negou com a cabeça.
-Não posso acreditar que tenha a coragem de nos dizer o que pensa fazer.
-Realmente pensa que lhe permitiremos que tente tocá-la? -perguntou Cole.
Harrison perdeu a paciência.
-Tratar? Nunca tento nada. Faço exatamente o que digo que farei.
Douglas sorriu.
-Não crie que Mary Rose deveria dar sua opinião quanto à sedução? Nós sabemos que você não a forçaria.
-É certo, jamais a obrigaria a fazer nada que não quisesse. Ama-me, mas ainda não sabe. Entretanto, já saberá. É uma mulher muito inteligente. antes de me deitar com ela, dará-me sua permissão, e lhes asseguro que me deitarei com ela.
-Isso diz -lhe espetou Cole-. Adam, o que opina você disto?
-Em efeito, ama-o -respondeu-. Nisso, Harrison tem razão.
-Harrison,não haverá já...?
Travis esteve a ponto de lhe perguntar se já tinha seduzido a Mary Rose, mas se conteve. O olhar que lhe lançou Harrison lhe fez arrepiar o cabelo da nuca.
Cole riu.
-Demônios, Travis, se se tivesse deitado com ela, não estaria de tão mau humor.
-Devo te recordar que está falando de sua irmã -murmurou Travis.
-E o que há com respeito a lorde Elliott? -perguntou Adam-. Você disse que ele quereria casá-la com alguém de melhor posição. Isso significa que pensa lhe dizer que encontrou a sua filha, ou que o deixará na ignorância?
-É obvio, o direi -respondeu-. Tem direito ou seja o, Adam, assim, sua agonia ao fim acabará. Esse homem já sofreu o bastante.
Durante comprido momento, ninguém acrescentou uma palavra. Os irmãos pensavam no pai da Mary Rose, e tratavam de imaginar-se como teria sido perder a sua filha.
Por fim, Adam rompeu o silêncio.
-Sim, já sofreu muito. Eu não teria deixado de procurar a minha filha. Estou seguro de que estaria tão obcecado procurando-a como o estava Elliott. Deus querido, que agonia suportaram ele e sua esposa. Dói-me o coração de só pensá-lo. Sua desdita foi nossa bênção -adicionou, enfatizando com um gesto da cabeça-. Me pergunto se o entenderá.
-Eu o farei entender -lhe assegurou Harrison-. Não lhes jogará a culpa, nem mandará a ninguém a lhes acossar. Mary Rose tem uma família na Inglaterra. Inumeráveis tias, tios, e primos. Sua irmã possui título e fortuna. Elliott não virá aqui a vê-la. Não será necessário, pois ela irá ver o ele.
-Como pode estar tão seguro? -perguntou Douglas-. Faz uns minutos, disse que você não o contaria. Acaso trocaste que idéia?
-Não, não troquei que idéia.
-E então? -perguntou Cole.
-Eu não o direi. Farão-o vós.
Ninguém disse uma palavra em muito tempo. Harrison pensou que os irmãos estavam debatendo-se com suas respectivas consciências.
Chegado o momento, fariam o correto. Tinha vivido com eles o tempo suficiente para saber, com absoluta certeza, que seriam honrados.
Adam adotou a decisão em nome de todos:
-Sim, o diremos.
-Não quererá ir-se -argüiu Cole.
-Não tem por que ir-se para sempre -replicou Adam-. E, entretanto, tem certa obrigação.
-Ela não o verá desse modo -disse Travis.
-Conhecem nossa irmã tão bem como eu. Realmente criem que deixará sofrer mais tempo ao Elliott?
-Maldição, mas se quase não o conhece... -disse Douglas.
-Tem que ir conhecer o. Quererá tranqüilizá-lo. Insistindo-a sem brutalidade, Mary Rose fará o que é devido. É provável que queira demorar a partida, mas nós não a deixaremos. Sabe que tenho razão, Douglas. Eu não gosto disto mais que a ti.
Harrison expressou sua simpatia:
-Não podem culpar a ninguém mais que a vós mesmos -disse-. A educastes como a uma pessoa nobre.
-Quando te parte? -perguntou Douglas.
-Logo -respondeu Harrison-. Já me fiquei muito tempo -acrescentou-. Elliott depende de mim para fechar umas negociações relacionadas com uma fusão que quer fazer.
-No que a mim concerne, quanto antes vá, melhor -disse Travis-. Sabe que não tinha por que nos falar a respeito do Elliott. É um homem velho, não é certo? E já tinha abandonado a busca. por que tinha que prossegui-la você?
-Porque senti que era meu dever fazê-lo. Se o conhecesse, compreenderia-me.
-Eu acredito que teria que partir antes de que o digamos a Mary Rose -disse Adam.
-por que?
-Seria mais fácil para todos -respondeu.
-De que modo seria mais fácil?
Adam não o explicou, e a expressão imutável de seu rosto disse ao Harrison que seria inútil discutir.
-Quando o dirão? -perguntou.
-Quando estivermos preparados. Primeiro, meus irmãos e eu teremos que conversar a respeito da situação. Nós decidiremos o que terá que fazer, e quando. Mas não quero que vá, ainda. Estou seguro de que tenho mais pergunta que te fazer antes de que Mary Rose descubra algo.
Harrison empurrou a cadeira para trás e se levantou.
-Sei que recebestes um forte golpe. Se tivesse podido trocar as coisas, o teria feito. Diabos, Elliott tampouco pediu cair no purgatório. Vós a tivestes o bastante. Viram-na crescer. O pai jamais desfrutou das alegrias da infância de sua filha. Deixem, ao menos, conhecê-la. Precisa vê-la, saber que está bem.
-Já hei dito que Mary Rose mesma quererá fazê-lo -respondeu Adam.
-Não o adiem -pressionou Harrison-. Lhes darei uma semana, dois se puder. Por Deus, espero que decidam dizer-lhe logo. Penso que lhes equivocam se quiserem que me parta antes de falar com ela, mas a decisão é sua, e eu a respeitarei. Esperarei quatorze dias. Se para então não resolvestes todas as dúvidas, já será tarde. Cole, não te atreva a me perguntar isso outra vez -adicionou, ao ver a expressão do outro-. Lhes dei minha palavra. Agora não contarei a Mary Rose nada com respeito a seu pai, e não o farei durante quatorze dias. Simplesmente, irei. Voltarei para Londres e o direi ao Elliott assim que o veja.
Harrison fez gesto de partir do comilão.
-Têm muito do que falar. Deixarei-lhes.
-Espera um minuto -o chamou Cole-. Pensa seduzir a nossa irmã antes ou depois de que lhe contemos o de seu pai?
-Deveria esperar, mas não o farei.
-Filho de...! -sussurrou Cole.
Harrison o interrompeu antes de que terminasse de pronunciar a blasfêmia.
-Comuniquei-lhes minhas intenções e meus términos. Sugiro-lhes que os aceitem.
Saiu, e fechou a porta.
Os irmãos menores se voltaram para o Adam. Cole perguntou:
-O que vamos fazer?
-Não temos que fazer nada -argumentou Douglas-. Já ouviste o Harrison: disse que Elliott não viria aqui.
-Também disse que não teria necessidade de fazê-lo -interveio Travis-. Que Mary Rose mesma iria a ele.
-Queria odiá-lo -murmurou Cole, em voz rouca de preocupação.
-Para que quereria odiar ao Elliott? -perguntou Adam.
-Refiro ao Harrison. Está tentando destruir à família.
-Não está tentando-o, já o tem feito -disse Travis.
-Temos que fazer o correto -sussurrou Douglas. OH, quanto odiava admiti-lo!-. Tem que ir conhecer o.
Travis e Cole intercambiaram olhadas afligidas. Dos quatro irmãos, eles eram os mais vulneráveis e os mais assustados. O futuro estava cheio de incerteza, e cada um pensava que deveria enfrentá-lo sozinho.
Mary Rose tinha sido a razão de unir-se e converter-se em uma família. Era a força que os mantinha juntos. Quando se fora, acabaria-se o motivo para ser uma família?
Cole sabia que chegaria o momento em que sua irmã se casasse e se fora mas, teimado como era, negou-se a pensar nisso. Entretanto, Inglaterra estava oceano de por meio, e a perspectiva de não voltar a vê-la nunca mais o enchia de angústia.
-Nossa irmã já maturou -disse-. Aconteceu da noite para o dia, verdade? Eu sabia que um dia teria que partir, mas não...
Deixou a frase sem terminar.
-É momento para que todos nos partamos?
-É muito logo para pensar nesse tipo de coisas -disse Douglas-. Cole, você queria comprar um pedaço de terra perto da colina, que linda com a nossa. Acaso não pensava construir aí sua casa?
-Já sabe que é assim -respondeu Cole.
-Não sei por que as coisas teriam que trocar tanto. Travis viaja tanto, que não está muito em casa. Mesmo que a família se separasse, ainda compartilhamos negócios.
Adam deixou que os irmãos expressassem em voz alta suas preocupações comprido momento. Por fim, fartou-se da autocompasión, e os fez voltar para problema imediato.
-Podemos deixar para mais adiante a conversação sobre os planos futuros. Agora, nossa preocupação é Mary Rose. Tudo isto a perturbará, embora não acredito que tenha tempo de afligir-se. Pode fazer-se à idéia de que tem um pai durante a viagem a Inglaterra.
-Isso quer dizer que teria que ir-se o antes possível? -perguntou Travis.
Adam assentiu:
-Sim.
Cole esteve de acordo, embora a inapetência.
-quanto antes se vá, antes voltará.
-Se é que volta -acrescentou Travis.
Outra vez começaram a afligir-se ante semelhante possibilidade, até que Adam disse:
-ouvistes o que disse Harrison com respeito a que Elliott é um homem de fortuna. Mary Rose levou aqui uma vida muito protegida.
-Foi ao colégio no St. Louis -interveio Douglas-. Viu um pouco de mundo.
-O internato estava isolado da cidade. Ali também esteve apartada -disse Adam.
-O que é o que se preocupa? -perguntou Cole-. Crie que todo esse brilho lhe dará volta a cabeça?
-Não -respondeu-. O que não sei, é como confrontará as mudanças. Não quisesse que se sinta... vulnerável.
-Resulta-lhe fácil fazer amigos -disse Douglas.
-Eu não gosto de pensar que alguém fira seus sentimentos. Não quero que se sinta inadaptada -disse Adam.
-Quem a acompanhará? -perguntou Travis.
-Todos nós -respondeu Cole.
-Sei razoável -lhe disse Douglas-. Não podemos ir. Temos responsabilidades, aqui.
-Nós somos seu passado -disse Adam-. Por muito que me aduela dizê-lo, nenhum de nós pode ir com ela.
-Sugere que a deixemos ir sozinha? -perguntou Travis, horrorizado-. Poderia levá-la Harrison -sugeriu.
A nenhum dos irmãos lhe agradou a sugestão e, por fim, ao Adam lhe ocorreu outra mais aceitável.
-Poderia acompanhá-la Eleanor. cuidariam-se entre si. Agora estão levando-se bem, não é certo? Mary Rose é sensata, e fará o que é devido. Não tenho dúvidas a respeito.
-Voltou sozinha do St. Louis -disse Cole-. Sabe como conduzir-se quando está entre desconhecidos. Também me assegurei de que soubesse usar uma arma. Estará bem.
-Os Cohen retornam ao este para assistir a certa celebração familiar. Eu tenho que ir ao Hammond outra vez, a vender esses dois cavalos.
Passarei por sua casa e me inteirarei dos detalhes. Possivelmente resulte, e Mary Rose e Eleanor possam viajar com eles.
-Se resultasse, certamente seria estupendo. Confio no John Cohen -disse Cole.
-Teremos que devolver o dinheiro.
Douglas foi o que fez o anúncio, e todos se voltaram para ele:
-Que dinheiro? -perguntou Cole.
-o do Elliott -esclareceu Douglas-. Qualquer que tivesse raptado a Mary Rose, também se teria levado o dinheiro. Nós usamos tudo o que estava no sobre, e por isso agora teremos que devolvê-lo. Adam, temos muitas economias?
-Sim -respondeu-. E estou de acordo. O mais provável é que esse dinheiro o tenham roubado ao Elliott, e nós temos que devolvê-lo. Por um tempo, estaremos um pouco apertados. Agora lamento que tenhamos comprado o gado, mas já entregamos o dinheiro, e é tarde para voltar-se atrás.
Os irmãos seguiram falando de suas preocupações boa parte da noite até que, ao fim, Adam decidiu ir deitar se.
-O diremos juntos -afirmou.
-Quando? -perguntou Cole, levantando-se e desperezándose.
-Pensemos amanhã no quando -propôs Adam.
Travis e Cole reagiram como se suspendeu uma condenação de execução para ser pendurados de uma árvore. Tinham, pelo menos, vinte e quatro horas mais para fingir que tudo estava bem.
-O que vamos fazer com o Harrison? por que não queria que ficasse até que o disséssemos a Mary Rose? -perguntou- Douglas ao Adam.
-Tenho que interrogá-lo com respeito ao Elliott -disse Adam-. Tenho que averiguar no que vai meter se Mary Rose. Quero saber todo o possível a respeito do Elliott e da classe de vida que leva. Preciso estar em condições de preparar a Mary Rose. E Harrison é o único que pode me dar a informação que necessito.
-Teremos que procurar que se mantenha afastado de nossa irmã -insistiu Travis.
Cole negou com a cabeça.
-Maldito seja, um homem deveria fazer votos antes de ter direito à noiva.
Adam se reclinou na cadeira.
-Eu acredito que isso é, precisamente, o que acaba de fazer Harrison.
7 de fevereiro de 1867
Querida Mamãe Rose:
Temos uma surpresa para ti. Meus irmãos e eu estivemos economizando dinheiro para este dia maravilhoso. Acredito que já temos suficiente para que Cole e Douglas vão te buscar. Mamãe, antes de começar a sacudir a cabeça, me escute. Antes que nada, se o que se preocupa é o custo, esquece-o. resolvemos tudo, e quando estiver instalada aqui verá que nos arrumamos perfeitamente. Ainda estamos no inverno, claro, e meus irmãos não poderão partir até depois do rodeio da primavera. Não posso menos que me regozijar por nosso gado. Começamos com duas vacas de raça, e agora temos dez. E depois dos nascimentos, serão mais. nos leva pouco tempo juntá-los, mas os vizinhos acostumam ajudar-se entre si, e por isso daremos uma mão à família Pearlman. Agora, têm ao redor de oitenta novilhos. Foram extremamente generosos conosco. Não nos cobram pelos serviços de seu touro. prometemos comprar um e, quando o tivermos, devolveremo-lhes a gentileza.
Está preocupada com a Livonia, não é verdade? Já sei que está cega, mamãe, e depende de ti para tudo, mas nós também lhe necessitamos. Se preparasse a outra pessoa para que te substitua em suas tarefas, Livonia estará bem, de todos os modos tem dois filhos para cuidá-la. E embora sei que são de mau caráter, são seus filhos e, portanto, responsáveis por ela. Por favor, não discuta conosco. esperamos muito, e você também. Estamos decididos. A menos que tenhamos novidades de sua parte, Cole e Douglas chamarão a sua porta ao redor de primeiro de junho.
Ama-te
John Quincy Adam Clayborne
13
Não queriam perder a de vista. Travis, Douglas e Cole tiveram que organizar um horário para que cada um deles soubesse exatamente quando lhe tocava seguir a Mary Rose ou ao Harrison. Era um comportamento revoltante, sobre tudo tendo em conta que Harrison estava atarefado da manhã de noite, e poucas vezes via sua irmã. Harrison lhes seguiu o jogo, e levou adiante suas tarefas.
A julgamento do Adam, seus irmãos se conduziam como meninos. Disse-lhes que estavam protegendo a sua irmã do homem que, em efeito, tinha pedido sua mão. Harrison tinha prometido frente a quatro testemunhas amá-la e protegê-la. Tinha usado a expressão "para sempre", e Adam o interpretou como "até que a morte os separasse". Para ele, o compromisso parecia.
Travis lhe disse que estava louco. Mary Rose não tinha aceito tal compromisso.
-Porque vós não lhe permitistes estar a sós com ele-replicou-. por aqui, não temos sacerdotes. Vão até o Salt Lake, a trazer um? Minha mãe se casou com meu pai ante sua família, sem que meu pai estivesse presente. Um mês depois, ele apresentou seus votos.
-Tinha uma pistola apoiada nas costas? -perguntou Travis.
-Não. Queria fazer votos de comprometer-se com ela. Deixa em paz ao Harrison e a Mary Rose.
O raciocínio do Adam teria tido sentido para o Travis se não fora porque Mary Rose era sua pequena irmã. Mas o era, e isso trocava tudo. Não lhe importava quem tivesse prometido nada. A idéia de que sua irmã estivesse em situação íntima com um homem, simplesmente não lhe parecia bem. Não podia pensá-lo sem sentir náuseas.
Mary Rose sabia que algo mau passava, mas ninguém lhe dizia do que se tratava. Havia uma grande tensão no ambiente. Além disso, três de seus irmãos se comportavam de maneira peculiar. Embora a alegrava contar com sua companhia, não entendia para que estavam perto constantemente.
Não a deixavam acontecer um minuto a sós com o Harrison. Pediu-lhe a Cole que lhe explicasse por que estavam tão nervosos, e ele balbuciou algo a respeito de problemas econômicos. Respondeu-lhe que devia ter mais fé em Deus e em si mesmo. Se as tinham arrumado em épocas duras, poderiam voltar a fazê-lo.
Resultava-lhe difícil superar a decepção com respeito à conversação que Harrison queria ter com seus irmãos. A conjetura da Eleanor de que ia pedir permissão para cortejá-la resultou equivocada: Travis lhe disse que tinham falado de negócios. Não soube lhe dar nenhum motivo pelo qual ela foi excluída da reunião, e supôs que Harrison era o único que podia explicar-lhe Mas, ao parecer, estava evitando-a. Embora lhe piscava os olhos o olho de vez em quando, ao passar junto a ela, não lhe tinha dirigido mais de dez palavras em toda uma semana. Ela se afligia até que, ao fim, decidiu encontrar um modo de estar a sós com ele. Eleanor a ajudaria. Agora que tinha suavizado sua atitude para a família e aberto seu coração, converteu-se em uma boa amiga.
Mary Rose foi três vezes a visitar o Corrie essa semana. Fez o trajeto com mais freqüência da necessária, na esperança de que seus irmãos não tivessem tempo para acompanhá-la e tivesse que ir Harrison. Mas, até o momento, o plano tinha fracassado, embora não estava disposta a desistir.
Cada vez que voltava de uma visita, contava maravilhosas novidades à família. Uma segunda-feira, quando chegou à cabana do Corrie, encontrou uma cadeira de balanço colocada no centro do pátio. Pareceu-lhe muito considerado por parte do Corrie preocupar-se com a comodidade da visita. na quarta-feira, a cadeira de balanço estava frente à janela, perto dos degraus. A cada visita, Corrie a deixava aproximar-se mais. Agora, quando ia, Mary Rose não precisava falar com gritos.
na sexta-feira foi a melhor das visitas. A cadeira de balanço estava no alpendre, junto à janela, do lado de fora. Estava colocada olhando para o pátio. Durante o jantar, Mary Rose admitiu que, ao subir os degraus, estava um pouco nervosa. Entretanto, pela janela aberta não saía nenhum rifle, e supôs que Corrie estaria provando se tinha suficiente valor para sentar-se de costas a ela.
A tranqüila reserva do Harrison se evaporou quando Mary Rose contou o que tinha acontecido. Esteve a ponto de deter-se o coração. levantou-se de um salto e ficou a vociferar.
-Acaso estão loucos? Travis, você estava com ela, não é assim? Como pôde permitir que sua irmã se aproximasse tanto A...?
-te acalme -disse Travis-. Tinha o rifle preparado. Podia chegar ao alpendre imediatamente.
-Para então, ela poderia estar morta -gritou Harrison. Sua fúria não tinha limites.
antes de que Travis compreendesse suas intenções, Harrison estirou uma mão, agarrou-o, e o levantou do assento. A cadeira caiu para trás. Cole jogou um olhar, viu que os pés do Travis não tocavam o chão, e voltou a vista outra vez para o Harrison.
Na expressão de Cole lia a admiração pela demonstração de força que fazia Harrison. Por mais que se inflasse a imaginação, Travis não era um peso leve, mas o outro dava a impressão de levantá-lo sem esforço.
-Vamos, Harrison, esse é modo de comportar-se na mesa? -disse, marcando as palavras.
Harrison não fez conta, e seguiu com a vista cravada no Travis:
-Corrie poderia lhe haver parecido uma faca nas costas ou talhada o pescoço, ou Deus sabe que mais. Pensou em todas essas possibilidades, enquanto estava com seu maldito rifle pontudo e preparado, Travis?
-Solta-o, Harrison -ordenou Adam.
Por fim, Harrison compreendeu o que estava fazendo e, imediatamente, soltou-o. Travis não fez escândalo: ainda estava muito surpreso pela violenta reação do Harrison para zangar-se a sério.
Cole levantou a cadeira queda. Esperou a que Travis fora a sentar-se, e tratou de apartar-lhe mas o irmão estava acostumado à velha mutreta. Deu um forte empurrão a Cole com o ombro, e se acomodou.
-Como te incomodaste tanto pela segurança da Mary Rose, não te golpearei. Tem sorte de não me haver esmigalhado a camisa -murmurou-. Em caso contrário, te teria pego.
-Se Harrison lhe tivesse esmigalhado isso, eu teria muito prazer em remendá-la -exclamou Eleanor-. Não é certo, Mary Rose?
Respondeu a Eleanor, mas olhando ao Harrison:
-Sim, é obvio.
Já estava Harrison outra vez com o mesmo. Mary Rose estava desconcertada. O homem doce e gentil que a ela tanto gostava de ter como companhia se converteu, uma vez mais, em um selvagem. Advertiu que, os últimos tempos, acontecia com mais freqüência. A essa altura, já teria que estar acostumada a esses ataques, mas não era assim. "Pelo menos já não me assusta", pensou. "Só me corta o fôlego."
Chegou à conclusão de que não gostava de nada essa conduta tão imprevisível. Estava voltando-se muito agressivo. O que teria causado essa mudança?
Olhou em tomo, procurando a quem culpar, e seu olhar caiu em Cole.
Seu irmão lhe piscou os olhos o olho.
-Sem dúvida, Harrison captou sua atenção -lhe disse ele-. Parece perplexa.
O humor de seu irmão não gostou. Franziu o sobrecenho e lhe apontou com o dedo.
-Isto é tua culpa, Cole Clayborne. foste uma má influência para o Harrison desde dia que chegou aqui. Estava acostumado a ser um perfeito cavalheiro e, agora, olha-o. Se o arruinou, nunca lhe perdoarei isso.
-Mary Rose, não assinale com o dedo a ninguém -indicou Adam. Mas seu intento de lhe corrigir os maneiras não tinha o entusiasmo de costume. Não queria rir dela para não ferir seus sentimentos. Se estava convencida de que Cole tinha arruinado ao Harrison, Adam não pensava lhe fazer trocar de opinião.
Cole, em troca, não era tão disciplinado nem considerado para os sentimentos de sua irmã, e estalou em gargalhadas.
-Só fingia ser um cavalheiro. É igual a nós, Mary Rose.
-Pode que seja como Adam, mas certamente não se parece com ti, nem ao Douglas nem ao Travis.
-O que tem que mau em nós? -quis saber Douglas.
Mary Rose passou por cima a pergunta e se dirigiu ao Harrison, que ainda estava de pé junto a um extremo da mesa.
-Acredito que, a partir de agora, teria que te manter longe de Cole. Está te contagiando, Harrison, pois adquiriste certos maus hábitos.
-Por exemplo? -perguntou Harrison.
-A grosseria.
-Vêem aqui, Mary Rose.
A moça suspirou. A expressão dos olhos do homem lhe disse que não tinha sentido discutir. Deixou o guardanapo, levantou-se, e foi para ele.
Pô-lhe a mão no braço:
-foi uma grosseria que levantasse o Travis da cadeira.
-Se -admitiu-. foi uma grosseria.
alegrou-se de que o compreendesse.
-E o lamenta -disse Mary Rose, convencida de estar ajudando-o.
-Não, não o lamento no mais mínimo.
-OH, pelo amor de Deus, Harrison. Queria que deixasse de ter estes ataques. São muito inquietantes.
-O só se comporta como um homem normal, Mary Rose -disse Douglas-. Para mim, é refrescante.
-O que eu faço é ajudá-lo a livrar-se de suas maneiras cidadãos -adicionou Cole-. Teria que me agradecer isso irmã.
-Quanto ao Corrie -começou Harrison, sem fazer o menor caso de toda a conversação sobre seu caráter. Mary Rose lhe oprimiu o braço.
-Oxalá seguisse meu conselho, Harrison. Seria-te útil aqui.
-Isto fica bom -sussurrou Travis, como para que todos ouvissem.
-te coloque em seus assuntos, Travis -disse Mary Rose.
-Poderá me dar seu conselho depois de que falemos sobre o Corrie -insistiu Harrison.
A moça suspirou.
-Já sei o que quer: quer que me desculpe por ter subido esses degraus, não é assim?
-Queria que use esse cérebro que Deus te deu. Que não volte a correr semelhante risco.
Não lhe discutiu:
-Tomarei cuidado.
A tensão desapareceu dos ombros do Harrison.
-Obrigado.
inclinou-se e a beijou. Foi um beijo doce, tenro, nada exigente, que acabou antes de que Mary Rose tivesse tempo de reagir.
-Deixa de beijar a nossa irmã -ordenou Douglas, embora em tom moderado.
Harrison respondeu beijando-a outra vez. Depois, passou-lhe o braço pelos ombros e a elevou contra seu flanco. Expressava de propósito seu posesividad.
dirigiu-se ao Travis:
-Se não poder confiar em ti para que a proteja...
-Se não poder confiar em mim? Se isto não for outro... .
-Deixa-o assim, Travis -sugeriu Adam-. Harrison, sente-se. Mary Rose, volta para sua cadeira.
A jovem voltou para seu assento em estado de transe. O que lhe tinha acontecido ao Harrison? Até o momento, nunca lhe tinha manifestado tais amostras de amor diante de seus irmãos.
-Quem tem feito estas bolachas? -perguntou Travis.
-Eu -respondeu Eleanor-. Me alegra que você goste. Se quiser, amanhã farei mais. Até poderia assar um bolo. Posso ser bastante útil, não é verdade, Mary Rose?
-Sim, é-o.
-Não cabe dúvida de que é muito serviçal -disse Douglas.
-Isso intento -respondeu Eleanor.
-Que conselho foi lhe dar ao Harrison? -perguntou Cole a sua irmã.
-O que me perguntaste? Conselho? Ah, sim, agora recordo! Ainda estava aturdida pelo beijo do Harrison, e tentava recuperar a compostura.
-ia sugerir lhe ao Harrison que seguisse meu conselho.
-Bom, mas, que diabos é? -perguntou Cole.
-Cuida sua linguagem, Cole -disse a Primeiro irmã com a mente, depois com o coração. Tem que pensar antes de atuar.
Cole voltou para o aludido:
-Onde ouvi isso antes?
Harrison parecia querer golpeá-la cabeça contra algo duro.
-Provavelmente, de sua irmã -disse com secura-. Mary Rose.
-O que?
-Volta-me louco.
Adam se pôs-se a rir.
-Não te zangue, irmã. Harrison não quer te ofender. É que lhe deu outro desses ataques.
Eleanor aplaudiu a mão da Mary Rose.
-Segue mostrando-se grosseiro, não?
Mary Rose não lhe respondeu. Deixou que os irmãos se divertissem, e logo trocou de tema.
-Querem que lhes conte o resto de minha visita ao Corrie?
-Não acredito que Harrison tenha energias para seguir escutando -disse Cole.
-Adiante, irmã, nos conte o resto -a animou Adam.
-Corrie me tocou. Estava lhe contando as novidades, me balançando na cadeira e, de repente, senti sua mão sobre meu ombro. Foi leve como as asas de uma mariposa. Até me aplaudiu. Também me beliscou, mas uma só vez.
Douglas riu:
-por que fez semelhante coisa?
-Como poderia sabê-lo Mary Rose? -perguntou Travis-. Se a mulher ainda não lhe fala.
-OH, acredito que sei por que me beliscou, mas não queria lhes aborrecer com os detalhes. Eleanor, me passe as bolachas, por favor. Parecem deliciosos.
-E sabem deliciosos, há-o dito Travis -comentou Eleanor.
Ao entregar o prato a Mary Rose, sugeriu-lhe que tomasse dois.
-Não nos aborrecerá -disse Cole-. nos diga por que te beliscou.
-OH, está bem -acessou, sabendo que seu irmão não a deixaria em paz até que não o explicasse-. Eu estava me queixando, e acredito que se fartou de me ouvir. Assim que o fez, deixei de me queixar.
-Teríamos que ter começado a te beliscar faz anos -brincou Adam-. De ter sabido que era tão eficaz...
-Não deveria te queixar, Mary Rose -lhe recomendou Eleanor-. Às pessoas não gosta.
-Quando chegaste a essa conclusão? -perguntou-lhe.
-Sem dúvida, terá notado que deixei que me queixar.
-É claro que sim que o notei -assegurou a amiga.
-Compreendi o estúpido que era meu comportamento quando caminhava do povo para aqui. Recorda as ampolas que me fizeram nos pés? Bom, ao estar sozinha tubo tempo de pensar em minha atitude.
-Não te caiba dúvida de que desfruto te ouvindo rir, Eleanor. Agora é grato te ter perto, e ajudas tanto que me pergunto como fizemos para nos arrumar isso sem ti.
-Obrigado, Adam.
-Quando esteve sozinha? -perguntou Mary Rose.
Por acaso, olhou a Cole, e viu que se esforçava por conter o sorriso.
-Pinjente que estava sozinha? Não o estava -resmungou Eleanor-. Esquece o que pinjente, Mary Rose.
Mary Rose não tinha a menor intenção de esquecer nada. Na volta desde o Blue Belle tinha acontecido algo, e estava decidida a descobrir o que era.
-Eleanor, ajuda-me a recolher a mesa e a trazer o café?
-Certamente -repôs Eleanor-. Trato de ser útil. Espero que o recorde.
Mary Rose recolheu alguns pratos e foi à cozinha. Um minuto depois, Eleanor a seguiu com o que ficava. Deixou os pratos sobre a mesa e voltou a procurar a cafeteira.
Mary Rose não a deixou sair da cozinha. Correu a interpor-se na entrada, deu-se a volta, cruzou os braços na cintura e disse:
-Começa a falar, Eleanor. O que acontecer o caminho de volta? Estou segura de que aconteceu algo.
-Não, de verdade -protestou Eleanor- Nunca fiquei sozinha. Digo-te a verdade. Por favor, não faça nada precipitado.
-Como o que?
-Não faça que vá. Por favor, não vote contra mim.
-No nome do Céu, do que está falando?
Eleanor lhe contou tudo.
Mary Rose ficou furiosa. Harrison e Cole foram cruéis ao assustar assim a Eleanor. Esta passou mais de dez minutos acalmando a seu amiga, cuja cólera fervia. Eleanor se sentiu tão agradada de contar com sua simpatia e compreensão, que relatou de novo a horrível experiência, adornando-a com detalhes à medida que avançava. Para quando terminou, Mary Rose estava furiosa outra vez.
Para o Douglas foi uma bênção que sua irmã estivesse ausente do comilão, porque queria falar do Corrie sem interferências.
-tive tempo de pensar no que disse Harrison -afirmou em voz baixa, para que Mary Rose não o ouvisse-. A Louca Corrie poderia ter ferido a Mary Rose. Jamais teria que ter permitido que subisse ao alpendre.
-Não esteve em perigo. Corrie se afeiçoou com a Mary Rose. Não deixou, acaso, a manta na cova para ela?
-Como sabe que a manta era do Corrie? -perguntou Douglas.
-OH, Douglas, pelo amor de Deus. Se quer brigar comigo, faz-o. Não empregue argumentos estúpidos.
-Essa mulher está louca -interveio Cole.
-Como sabe? -perguntou Travis.
-As pessoas normais não recebem às visitas com um rifle que aparece pela janela. Apóio ao Douglas. Tem razão...
-Não, eu estava equivocado -afirmou Harrison.
Todos se voltaram para ele, e ele lançou um suspiro.
-Reagi exageradamente. Embora siga convencido de que eu não a teria deixado subir ao alpendre, eu não teria que ter estalado como o fiz durante o jantar.
-E por que o fez?
Harrison se encolheu de ombros.
-Ultimamente, estou um pouco nervoso.
Adam se reclinou na cadeira.
-Parece-me estranho -comentou, em geral.
-O que é o estranho? -quis saber Cole.
-Vós sabem ser sigilosos quando querem e, entretanto, Harrison soube que estiveram no barraco revisando suas coisas. Fez-lhes acreditar que estava dormindo.
-E? -insistiu-o Cole.
-Resulta-me estranho que Corrie pudesse entrar na cova, tampar a Mary Rose e partir, sem que Harrison despertasse. Sim, senhor -adicionou, com um sorriso-. É claro que sim que é estranho.
Cole perguntou ao Harrison:
-Você a viu, não é verdade?
-Sim, vi-a.
-por que não nos disse isso? -perguntou Travis.
-Não disse nada, porque não queria que Mary Rose soubesse. Estava dormindo. Essa noite, Corrie estava corda. Inclinada sobre a Mary Rose, olhando-a, tinha uma expressão tenra. Não sei se seu aspecto troca com os ventos, ou se, em realidade, pode voltar-se perigosa. Como só a vi uns minutos, ainda não queria pôr a vida da Mary Rose em suas mãos. Sigo acreditando que sua irmã deve ser cautelosa.
-Que aspecto tinha? -perguntou Douglas.
-Como se alguém a tivesse atacado com uma tocha. Travis se estremeceu.
-Pobre mulher -sussurrou.
-por que não fala? -perguntou Cole.
-Não sei se puder.
-Refere-te a que a garganta...?
Travis não pôde continuar. A imagem da mulher que se formou em sua mente o sacudiu.
Cole foi o único que pareceu seguir o jogo.
-por que não disse a Mary Rose que a viu?
-Senti que tivesse sido uma intrusão. Corrie lhe pertence, e ela tem que ser primeira em vê-la.
-Crie que alguma vez Corrie o permitirá?
-Duvido-o, mas poderia ser -concedeu.
-É provável que Mary Rose se deprima, ou grite -disse Travis-. Diabos, me passaria.
Harrison moveu a cabeça.
-Não, sua irmã não o toleraria.
Adam assentiu.
-Conhece-a bem, Harrison.
-mora-se uma tormenta -assinalou Douglas.
-ouviste trovões? -perguntou Cole.
-Diabos, MacHugh odeia os trovões.
Os irmãos riram.
-Odeia tudo -retificou Travis.
-Não cabe dúvida de que gosta de Adam -comentou Douglas-. O que lhe tem feito para que te seguisse como um mascote, hoje, depois de montá-lo?
-Seguindo o conselho do Harrison, elogiei-o. Gosta de ouvir dizer quão magnífico é. Somos almas as gema, Douglas.
-Cuidará-o quando eu vá? -perguntou-lhe Harrison.
-Não o levará contigo? -perguntou-lhe Douglas.
-A viagem através do oceano seria muito para ele.
-me deixe adivinhar -interveio Cole-. MacHugh odeia a água, não?
Harrison ficou sério.
-me prometa algo, Adam. Aconteça o que acontecer, não o enfaixa. Se não poder retornar, você o conservará.
Adam esteve de acordo.
-Crie que voltará?
antes de que pudesse responder, Travis lhe fez outra pergunta.
-Segue decidido a partir dentro de uma semana?
-Não. -respondeu Harrison-. decidi ir depois de amanhã.
-por que trocaste que idéia? -perguntou Cole.
-Pela Mary Rose.
Embora ele não acreditou necessário dizer mais, Douglas não o deixou passar. Queria detalhes.
-Acaso tenta nos açular, para que o digamos antes? Harrison, é nossa decisão, não tua. por que não pode esperar mais?
-Eu penso que deve ir-se logo -interveio Travis-. Estou me cansando de vigiar a Mary Rose. Uma vez que ele parta, estará a salvo.
-Deixa que nos diga por que adiantou a data -insistiu Douglas.
Harrison decidiu não dar rodeios:
-É simples, cavalheiros. cheguei ao final de minha tolerância. Não posso estar no mesmo quarto com ela e não...
-Não tem por que entrar em detalhes -se adiantou a dizer Cole-. Fazemos uma idéia.
-E é bastante desagradável -murmurou Travis, porque envolvia a sua irmã.
-Aí está, outra vez -disse Douglas.
-O que? -perguntou Travis.
-Trovões -respondeu Douglas-. Vêm da cozinha.
-De que demônios está falando? -perguntou Cole.
Douglas não teve que explicá-lo, pois Harrison recebeu a ordem de ir à cozinha: Mary Rose o chamava gritos. E Eleanor, a sua vez, vociferava o nome de Cole.
Os dois convocados se olharam entre si.
-Acredito que falaram -disse Cole.
-Você crie? -repôs Harrison, seco.
Cole não quis mover-se. Com ar resignado, Harrison deixou o guardanapo e se levantou.
-Entrará aí? -quis saber Travis.
-É obvio -respondeu Harrison.
-Para que diabos?
-Para atalhar o inferno -disse Harrison-. te Levante, Cole. Virá comigo.
Cole atirou o guardanapo ao Travis e seguiu ao Harrison à cozinha. A que começou foi Mary Rose.
-Como pôde ser tão cruel? Assustar assim a Eleanor foi próprio de um sujeito insensível e malvado. Não posso acreditar que a tenha abandonado no caminho, em meio de um nada. Como te ocorreu?
Harrison não teve tempo de defender-se, pois Eleanor correu a ficar junto à Mary Rose. Imitando a pose belicosa da amiga, cruzou-se de braços.
-Saíram-me ampolas nos pés. E me sangraram, Por Deus! Cole estava nisto? Estava, não é verdade?
Dirigiu-lhe um olhar colérico ao irmão da Mary Rose.
-Nunca, jamais lhe perdoarei isso.
-Os dois a deixaram sozinha. Poderia lhe haver acontecido algo. Aí, na montanha, moram animais selvagens. Se esqueceu deles? Eleanor poderia... tinha uma arma? -perguntou a amiga.
Eleanor negou com a cabeça.
-Não, não tinha. Mary Rose, se tivesse tido um revólver, lhe teria disparado ao Harrison.
-Como se sentiria se me passasse algo terrível? -perguntou-lhe Eleanor a Cole.
O aludido se aproximou da mesa da cozinha, e se apoiou aí.
-Não te passou nada -disse, com absoluta calma e tom dê voz razoável.
-Ninguém ia votar -exclamou Eleanor-. fui amável sem nenhum motivo. Maldição, até tenho feita bolachas.
Cole encolheu de ombros.
-Estão muito saborosos -disse-. Não te morreste por ser amável, Eleanor, assim, não siga te comportando como se assim fora.
-Sempre houve alguém vigiando-a -interveio Harrison, também em tom razoável.
-Quem estava vigiando-a? -quis saber Mary Rose.
-Primeiro foi Dooley, depois o substituiu Ghost, e por último, Henry -lhe informou Cole.
-Ghost? meu deus, Ghost não! Tinha bebido?
-Sim -respondeu Eleanor-. Era óbvio que estava ébrio.
-Que estava o que? -perguntou Cole.
-Bêbado -disse-. Se eu tivesse tido dificuldades, não teria podido ir em minha ajuda.
-Isso não pode sabê-lo -argüiu Cole.
-Acreditou que eu era um anjo, pelo amor de Deus.
-Estava bêbado.
Cole estalou em gargalhadas, mas Harrison se conteve. Só esboçou um sorriso.
Eleanor se desesperava porque Cole admitisse que, se ela tivesse morrido, choraria-a. E embora sabia que era uma atitude melodramática, não lhe importou. Acaso não a tinha beijado? Algo devia sentir por ela, não? Pareceu-lhe que seria um gesto encantador se o admitisse.
-O que teria feito se eu tivesse morrido?
-Isso não aconteceu. Sem dúvida, é um espetáculo com as bochechas acesas.
-me responda -insistiu Eleanor.
-Bem, responderei-te. Acredito que te sepultaria.
-Sepultaria-me.
Não parecia muito agradada com ele, e Cole concluiu que não devia ser a resposta que procurava.
-Escolheria um sítio realmente formoso.
Harrison rodeou a Mary Rose com seus braços.
-Eu faria o mesmo por ti -lhe prometeu.
Mary Rose captou a expressão risonha de seus olhos.
-O que considerado -sussurrou.
Eleanor se aproximou de Cole.
-E logo, o que faria?
-É necessário que levante assim a voz? Provoca-me dor de cabeça.
Quando advertiu o que estava fazendo, Eleanor se desculpou.
-Lamento-o. Por favor, me diga o que faria depois de me sepultar em um sítio formoso.
Cole fingiu pensá-lo.
-Bom, depois, teria que cavar fundo para que os animais não chegassem a ti. Além disso, fora faz calor nesta época do ano -disse.
-Sim, é certo. Faz calor.
-Suponho que voltaria para a casa e diria a Mary Rose o que aconteceu. sentiria-se muito mal, não é assim, Harrison?
-Assim é.
Nem Eleanor nem Mary Rose puderam seguir zangadas. O modo em que Cole seguia a brincadeira com esse acento de vaqueiro, arrastando as palavras, fez-as rir.
-E logo, o que faria? -perguntou Eleanor.
-Acredito que conseguiria uma cerveja.
A moça se deu a volta e saiu da cozinha, sabendo que lhe escaparia um sorriso. Não queria que Cole visse.
Cole interceptou no corredor, no preciso momento em que estava a ponto de empurrar a porta batente para entrar no comilão.
Apanhou-a pela cintura, e a fez dá-la volta.
-O que é o que esperava que dissesse?
-Que lamentaria meu falecimento. Levar adiante um verdadeiro duelo seria muito lhe pedir a um homem como você.
-Claro que o lamentaria.
-Não te arrepende de me haver mentido?
-Não.
-por que não?
-Porque te tinha convertido em um verdadeiro chateio, Eleanor. Agora eu gosto mais. É muito mais doce quando não está gritando todo o tempo. Além disso, tinha que te beijar. Se Harrison não te tivesse abandonado no caminho, não teria podido fazê-lo. De passagem, o plano foi idéia dela. Quer que te beije outra vez?
-Sim, por favor.
As mãos de Cole deslocaram à nuca da mulher. Atraiu-a para si com rudeza.
-dentro de ti arde um fogo, Ellie. Faz que um homem deseje aproximar-se desse calor. Muito. Toda a semana estive pensando em voltar a te beijar.
-Cole?
A voz da moça foi um sussurro sonhador.
-O que?
-Por favor, pode começar?
Quando sua boca se apoderou da da Eleanor, Cole ria. Um beijo não foi o bastante, e quis mais. E foram momentos tão prazenteiros, que se esqueceu que na cozinha ficavam Mary Rose e o homem decidido a seduzi-la.
Sua irmã, em troca, agradeceu esse momento de intimidade. Queria falar com o Harrison, e averiguar por que tinha estado evitando-a. Sem dúvida, algo estava mau, e não queria seguir preocupando-se.
Quando Cole saiu, Harrison foi à porta traseira e contemplou a noite fora. Pela porta entrava uma brisa fresca.
-O que está olhando? -perguntou Mary Rose.
-O Paraíso.
Ao dá-la volta, encontrou-a de pé, a uns centímetros dele. Não lhe disse uma palavra. Simplesmente, tirou-a da mão, voltou-se e saiu.
Dócil, Mary Rose o seguiu. Esperava que se detivera no alpendre traseiro, mas Harrison seguiu baixando os degraus e cruzou o pátio. Andava com passos largos e resolvidos. Queria pôr distância entre ela e seus irmãos para poder conversar. Soltou-lhe a mão na metade do pátio, e seguiu para o curral. Então, voltou-se para ela, cruzou os braços sobre o peito, e se apoiou no corrimão de madeira.
Mary Rose permaneceu a uns três metros. Queria correr para ele, rodeá-lo com seus braços, abraçá-lo com força. Em troca, ficou onde estava, e esperou que lhe fizesse alguma sinal de que queria tocá-la.
Ao parecer, contentava-se contemplando-a, e o atento exame não a incomodou. Nesse momento, os olhos do homem transbordavam de calidez. Nesse olhar havia tanta ternura que lhe deu a impressão de que estava acariciando-a. De maneira instintiva, aproximou-se, com o olhar fixo na sua, sem fazer o menor intento de conter sua reação para ele. Embora ainda não a havia meio doido, sentiu-se agitada, acalorada, inquieta e ofegante.
Sentia falta dos abraços do Harrison. Surpreendeu-a perguntar-se se ele saberia quanto tinha trocado desde que chegou a Montana. Agora tinha uma qualidade selvagem, uma dureza que Mary Rose não tinha notado o dia que o conheceu. Sempre tinha sido musculoso e alto, mas nesse momento, pareceu-lhe hercúleo. O sol lhe tinha conferido um tom muito mais bronzeado à pele. E embora era impossível, os olhos pareciam mais escuros ainda, e o cabelo muito mais largo, chegava-lhe quase aos ombros. Era escuro, mas a luz da lua lhe dava tinturas de ouro.
quanto mais o contemplava, mais difícil se o fazia recuperar o fôlego. Harrison notou a mudança sutil nela. Os olhos da Mary Rose eram agora de um azul profundo. Tinha uma expressão encantada, e estava excitando o de uma maneira pasmosa.
Reconheceu essa expressão. Essa era a cor que adotavam seus olhos quando a beijava. Então, a reação foi provocada pela paixão. Qual era a razão, agora?
Acreditou sabê-lo, mas de todos os modos queria ouvir o dizer.
-No que está pensando?
Em sua voz ressonou o acento profundo e rouco dos habitantes das Highlands.
-No formoso que é -sussurrou-. Sabe que o é. A primeira vez que te vi, pareceu-me arrumado, mas agora, o solo lhe olhar me tira o fôlego.
Custou-lhe acreditar que pôde reunir a coragem para lhe dizer a verdade, sobre tudo tendo em conta que ele tinha estado evitando-a toda a semana.
-Também pensava que estiveste me evitando. Acaso te cansaste que mim?
Pergunta-a o deixou atônito. Não entendia como era possível que lhe preocupasse algo tão impossível.
-Jamais poderia me cansar de ti. Penso em ti do instante em que me levanto até que fico dormido. Diabos, se até sonho contigo.
-Sério? -perguntou, em meio de um suspiro.
-Sim.
Agora a carícia estava na voz. Mary Rose se aproximou um passo mais.
-Estou segura de que pensamos nas mesmas coisas. Como nos beijar, nos abraçar, e compartilhar os segredos e os sonhos.
A risada do Harrison foi irônica.
-Não acredito. Você não sabe muito dos homens, verdade?
-Estava convencida de que sim. Tenho quatro irmãos e, pelo general, sei o que estão pensando.
-É certo isso? Na verdade quer saber o que estou pensando neste mesmo momento?
Mary Rose assentiu lentamente e se aproximou outro passo.
-Sim, por favor. Despertaste-me muita curiosidade.
-Estou pensando no quente que te porá quando te fizer o amor. Imagino tendida sobre meus lençóis, sua pele suave e dourada, o cabelo revolto, selvagem, a boca torcida e avermelhada porque eu estive comprido momento lhe devorando isso Seus olhos estarão do matiz exato de azul que têm agora. Estou pensando nessas pequenas exclamações afogadas que vibrarão no fundo de sua garganta, que me voltam louco, e em que me porei tão duro que ansiarei estar dentro de ti. Estou pensando no louco e selvagem que será nosso ato de amor, e em como me cravará as unhas nos ombros quando estiver pegos, e eu te penetre, e no apertada e molhada que estará. Isso, mais ou menos, o que estou pensando.
Mary Rose acreditou que se afogava. Era assombroso que pudesse manter-se de pé. As imagens eróticas evocadas pelo homem lhe afrouxaram os joelhos.
Mas não tinha terminado. Estendeu lentamente os braços, e disse:
-E não serei gentil. Você não quererá que o seja. Quero que me compreenda, Mary Rose. Possuirei-te uma e outra, e outra vez. Quer que siga?
Não pôde responder. sentia-se como se a tivesse incendiado. Ardia-lhe a cara e, de repente, sentiu a necessidade de abanar-se, ou de beber um copo de água fresca.
Baixou a cabeça para que não pudesse ver quão vermelho estava seu rosto, para que não acreditasse que se sentia envergonhada. Não se sentia envergonhada no mais mínimo, e isso foi o que mais a surpreendeu.
Não cabia dúvida de que esse homem tinha um modo especial de falar. mostrou-se absolutamente conciso e sincero com ela e merecia sua sinceridade, em retribuição. Não estava disposta a fingir que não gostava do que acabava de lhe dizer. Imaginou que uma verdadeira dama certamente se daria a volta e correria a ocultar-se na casa. Possivelmente por isso não a abraçava, para lhe dar a liberdade de decidir se era ou não uma verdadeira dama. as do Harrison foram as palavras de um amante, e não cabia burlar-se a não ser as aceitar, e isso foi o que fez.
Olhando-o diretamente aos olhos, sussurrou.
-Isso é muito semelhante ao que eu estava pensando.
A expressão do homem se voltou arrogante e agradada. Mary Rose se apressou a cobrir a brecha. colocou-se entre os pés dele, rodeou-lhe a cintura com os braços e se apoiou nele.
-Mas, em meus sonhos e em meus pensamentos, eu tenho posta a roupa. O que tenho posto nos teus? -perguntou-lhe.
-A mim.
A breve frase evocou na mente da mulher toda classe de imagens eróticas. Lhe cortou o fôlego, imaginando-se com o Harrison na cama, sem um fiapo de roupa entre ambos.
-Harrison, quando diz coisas assim... faz-me sentir...
-Acalorada?
-Sim -sussurrou-. Acalorada. É uma audácia por minha parte o admiti-lo, verdade? Não acredito que me comportasse igual se qualquer outro homem me falasse como você acaba de fazê-lo.
-Diabos, espero que não.
-Faz-me sentir formosa -sussurrou, com tom de maravilha.
-É formosa -respondeu-. Não é audaz, carinho. É sincera comigo. Mas não me dizia a verdade quando contava que pensava e sonhava quão mesmo eu.
-Como sabe que não?
Senhor, quanto adorava o timbre áspero de sua voz! A fazia estremecer-se de desejo.
-Não tem nenhuma experiência da qual tirar tais pensamentos. Não tem idéia de quão bom será entre nós dois.
Mary Rose se tornou para trás para poder lhe ver os olhos.
-Quanta experiência tem você?
-Bastante.
Harrison não parecia disposto a estender-se, e Mary Rose decidiu deixá-lo passar. As conquistas passadas do homem não eram mais que isso: passadas. O presente pertencia a ela. Além disso, não podia pensar, sequer, no Harrison lhe fazendo o amor a outra mulher sem sentir uma dolorosa pontada de ciúmes e de angústia.
-Dói-me imaginar a ti com outra mulher.
-Não posso trocar o passado. Nunca amei a nenhuma das mulheres que levei a minha cama, e por certo, elas tampouco me amaram. Usamo-nos mutuamente, porque desejávamos o mesmo.
-O que desejava?
-Gratificação física-respondeu-. Não estou orgulhoso de minha conduta. Foi um engano usar a alguém como eu o fiz. E entretanto, para compreendê-lo foi necessário que maturasse.
Assentiu, para lhe comunicar que tinha entendido.
-Cole, Travis e Douglas ainda não maturaram.
-Como sabe?
-Pela freqüência de suas viagens ao Hammond.
Harrison sorriu.
-Está inteirada da existência dessa casa, nos subúrbios da cidade?
-Com as mulheres? É obvio. Faz muito tempo que sei. Adam me explicou isso tudo. E agora que você me explicaste como poderia ser nos deitar juntos, acredito que começarei a ter os mesmos pensamentos e sonhos que você. Mas não lhe falarei deles ao Adam.
-Não como poderia ser, a não ser como será. Estou resolvido a te ter, Mary Rose.
-Sim?
-Amo-te, carinho.
Mary Rose se sentiu afligida de sorte. Lhe encheram os olhos de lágrimas, e o único que quis foi jogar-se em seus braços e estreitá-lo o resto de sua vida. Até esse momento, não sabia quanto tinha desejado ouvir essas palavras.
Mas Harrison não a deixou. Sujeitou-a dos ombros e lhe deu um pequeno apertão, para que emprestasse atenção ao que queria lhe explicar.
-Quero que me escute bem. Amo-te, e seguirei te amando até o dia em que me mora. Quero passar o resto de minha vida te protegendo e te acariciando. Tenho muchísima fé em ti. Sei que quando superar sua ira, compreenderá que estamos destinados a estar juntos. É inevitável. Nenhum homem poderá te amar jamais como eu te amo. Quero que tente recordá-lo quando me odiar. Recorda, também, que jamais quis te ferir.
-Não entendo o que está tratando de me dizer. Jamais poderia te odiar.
-Ah, meu amor, mas me odiará -lhe assegurou-. Oxalá pudesse te economizar a dor que terá que suportar, mas não posso. Já não está em minhas mãos.
O sombrio vaticínio a assustou. Harrison a amava, nada mais podia importar.
-Diz-me que tem fé em mim e, entretanto, contradiz-te ao insinuar que poderia te odiar. Eu tenho muita mais confiança em ti que você em meu, Harrison. Nada do que tenha feito ou vás fazer poderia me impulsionar a te odiar. Amo-te mais do que tivesse acreditado possível. E junto com meu amor, vem minha confiança mais absoluta. Eu não a brindo facilmente. Quando chegar a sua cama, será com o coração cheio de amor. Não sou tão volúvel que possa amar um minuto e odiar ao seguinte. Não me importa que pena esteja me aguardando. Se você estiver a meu lado, suportarei algo.
Harrison lhe apertou com força os ombros.
-Pensa muito bem e muito antes de me dar sua promessa de amor. Entende e recorda cada uma das palavras que me há dito. Depois, vá falar com seus irmãos. Escuta o que têm que te dizer, antes de repetir que me ama.
A moça moveu a cabeça.
-Não preciso falar com eles. Já sei o que há em meu coração. Nada do que possam me dizer trocará o que sinto para ti.
Tanta confiança nele o comoveu.
-Está me tentando a me esquecer das conseqüências. Necessito-te, Mary Rose, e sei que não posso seguir esperando muito tempo. Jamais te forçaria. Entregará-te para mim por sua própria vontade. Não te atreva a me dizer de novo que me ama pois, se o fizer, desde esse mesmo instante me pertencerá. Não te permitirei te jogar atrás.
Emoldurou-lhe o rosto com as mãos. Os ásperos calos contra a pele da moça sublinharam as maravilhosas diferenças entre ambos. Mary Rose se entreteve na potência que emanava dele, na força de suas mãos, a dureza de seu corpo, o modo em que se abatia sobre ela. Não se sentiu diminuída porque ele tivesse muita mais força física mas sim, mas bem, maravilhou-se dos surpreendentes contrastes entre os dois. Eram iguais em todos os aspectos que mais lhes importavam: na mente, e no coração.
-Amo-te, Mary Rose. A ternura de sua voz foi testemunho de que tinha falado com o coração.
Roçou-lhe o lábio inferior com o polegar, e ela sentiu o calor da carícia até os pés.
-É tudo o que poderia desejar em uma companheira, e muito mais. Atraíram-me sua bondade, sua força e a pureza de seu coração. E agora, vete dentro, antes de que esqueça minha promessa.
Deixou cair as mãos aos lados. Mary Rose entendeu muito bem o que esperava dela. Tinha-lhe dado uma alternativa para afastar-se, porque queria que estivesse segura. Uma vez que se comprometesse com ele, não haveria retrocesso possível.
Ah, sim, entendia-o. que não entendia era ele. Já era tarde, porque o coração da Mary Rose já estava entregue.
-Amo-te, Harrison.
O homem ficou imóvel. A mulher repetiu a declaração.
-Deus querido. Mary Rose, entende que eu...?
-Amo-te.
Atraiu-a a seus braços. Aferrou o traseiro no oco das mãos, e a elevou contra ele, apertando-a de modo que a pélvis da Mary Rose ficasse pega a sua virilha.
Lhe rodeou o pescoço com os braços. Começou a tremer por antecipado, sentindo-se envolta no calor e a força do homem. Adorava sua fragrância, a sensação dele contra ela e, se não a beijava logo, Por Deus que se voltaria louca.
Harrison esperou até que o desejo o consumisse. Então, inclinou-se e começou a lhe fazer o amor com a boca. A língua lhe acariciou os lábios, e logo se afundou profundamente para unir-se a dela.
O sabor da moça o embriagou. A boca se voltou mais exigente, arrasando-a uma e outra vez, até que ele mesmo enlouqueceu com um desejo vibrante. Não havia mais que Mary Rose, a paixão de sua vida, o amor para toda a eternidade. deixou-se rodear por sua suavidade, e acreditou ter chegado ao Céu.
Os beijos ardentes, de bocas abertas, fizeram-se mais prementes, porque a resposta desinhibida da Mary Rose o excitou.
À moça, nada lhe alcançava. Queria tocá-lo e acariciá-lo em todas partes. Tinha sua ereção apoiada entre os quadris, e sentia a dureza que se apertava contra ela. O instinto a impulsionou a esfregar-se contra ele.
A tentação de seguir avançando começava a sobrepor-se a qualquer outra consideração. Harrison compreendeu, de repente, o risco que corriam os dois. Se não se detinha nesse mesmo instante, despojaria-a de sua virgindade nesse pátio traseiro. "Que Deus me ajude", pensou. "A só idéia me repugna."
Bruscamente, apartou-a. Tinha o fôlego áspero e entrecortado. Cada nervo de seu corpo parecia gritar: pedindo alívio. estremeceu-se, reagindo ante o cru desejo que o alagava, e apertou com força a mandíbula em um desesperado tento de afastar-se mentalmente dela.
Mary Rose se sentiu como se lhe tivessem tirado o equilíbrio de repente. A força a abandonou, e se afrouxou contra ele, tremendo de desejo.
Queria que a rodeasse outra vez com os braços, que a estreitasse forte.
-Volta para a casa.
A aspereza da ordem rasgou a névoa do desejo. Tratou de entender..
-À casa? Não quero ir. Por favor, me beije outra vez. Amo-te, Harrison. Quero que me abrace.
-Volta dentro.
Não lhe pedia que se fora: o ordenava. Mary Rose inspirou fundo, e apartou lentamente os braços.
A mudança repentina a confundiu. Fazia algo mal? E se assim fora, o que?
Nesse momento, não estava em condições de resolver a dúvida. Teria que esperar até mais tarde, quando o coração tivesse deixado de lhe pulsar com tal frenesi, e pudesse recuperar o fôlego sem ofegar, e então poderia voltar a pensar com claridade.
Entretanto, não teria que lhe repetir que partisse. Por aturdida que estivesse, entendia bem o que significava a palavra não, embora fosse pronunciada como uma ordem.
deu-se a volta e começou a andar para a casa. A irritação e a frustração não a alcançaram até que teve percorrido a metade do trajeto.
Não era uma rudeza por parte dele rechaçá-la com tanta brutalidade? Acaso morreria se lhe dissesse à mulher que amava por que tinha tal urgência em deixar de beijá-la?
Supôs que estava detrás dela.
-É caprichoso como seu cavalo -murmurou, o bastante alto para que a ouvisse.
Não respondeu à recriminação. Mary Rose se voltou para repetir o insulto, e então soube que ele não podia ouvi-la, pois estava afastando-se em direção contrária.
-aonde vai? -perguntou-lhe, em voz alta.
-À cama.
Era tarde, mas nem tanto.
-Esta noite, não voltará para a casa?
-Não.
-Então, boa noite.
Não lhe devolveu a saudação. Esperou um minuto mais, e quando Harrison chegou à entrada do barraco e abriu a porta, lhe acabou a paciência.
-boa noite -gritou Mary Rose. E acrescentou para seus adentros: maldito seja. Por fim, Harrison girou e a olhou.
-Mary Rose!
A voz dele foi tão forte que quase a levantou do chão. Uma idéia amalucada, impossível, fez-a sorrir:
-O que?
-Não me faça esperar.
4 de maio de 1867
Querida Mamãe Rose:
depois de ter lido sua carta, a todos nós nos oprimiu o coração. Temos centenas de perguntas que te fazer. por que não nos disse antes o que Livonia se propunha? Deveria ter compartilhado sua aflição. Agora, somos uma família, e não teria que nos ocultar nada.
Quanto faz que Livonia está te chantageando para que fique com ela? Sabemos que a anciã está assustada, e o entendemos. Estar cego é terrível, certamente, e carregar com dois filhos egoístas que tratam de vender todas as posses de um deve ser igual de aterrador, mas nenhuma dessas desgraças justifica o que ela está te fazendo, Mamãe Rose.
Na verdade a crie capaz de lhes dizer aos filhos que Adam matou a seu pai, ou só serão ameaças? Acaso esqueceu por completo que ele tratava de lhes proteger a ambas da cólera do amo? Recorda quantas vezes lhe pegou? Sem dúvida, Livonia sofreu, mas nada do que lhe aconteceu pode nos fazer suportar melhor o que ela possa te infligir a ti. Lincoln queria que fosse livre, e os milhares de jovens que deram suas vidas em batalha o fizeram para te garantir a liberdade.
E agora, a senhora Livonia te tem feito pulseira outra vez...
Que Deus proteja a todos,
Seu filho que te quer, Douglas
14
Cole e Eleanor ficaram no corredor beijando-se, abraçando-se e murmurando-se doces tolices durante comprido momento. Por fim, quando Cole sentiu que começava a perder o controle, interrompeu o jogo amoroso. Estava acostumado a obter o que queria quando queria, mas Eleanor não era como as outras mulheres às que tinha beijado e com as que se deitou. Teria que forjar um compromisso com ela antes de deitar-se juntos Y... ainda não pensava chegar tão longe, maldição.
Enquanto a seguia até o comilão, decidiu-se a não beijá-la mais. Apartou a cadeira da Eleanor, e logo deu a volta ao outro lado da mesa, para sentar-se ele. Não advertiu que seus irmãos o observavam, pois estava concentrado em fazer uma lista das razões que necessitava para manter-se afastado da virgem enrubescida sentada frente a ele.
-Não se esquece de nada? -perguntou-lhe Douglas.
Travis teve que lhe dar uma cotovelada para que respondesse:
-O que? -perguntou Cole.
-Sua irmã. Ainda está na cozinha com o Harrison.
Cole fez gesto de levantar-se, mas trocou de idéia.
-Mary Rose é uma moça enchente. Pode cuidar-se só no que respeita ao Harrison. Se ele quer entregar sua liberdade, é problema dele, não meu.
-Sua liberdade? -perguntou Douglas, esforçando-se por conter a risada.
Captou o olhar que Cole dirigia a Eleanor enquanto pronunciava o comentário referido ao Harrison.
-Sim, sua liberdade -murmurou o irmão, com uma expressão que indicava às claras que não pensava continuar a discussão.
-Acredito que Harrison não o vê do mesmo modo que você -comentou Travis.
Eleanor não advertiu a mudança de atitude de Cole. Sorriu-lhe, e disse:
-Mary Rose é muito capaz. Todas nossas professoras o diziam. Ajudou-me a dar uma horrível classe de matemática. Sem ela, teria fracassado.
Travis contemplou a Cole um momento mais, e logo se levantou e foi à cozinha a procurar a Mary Rose. Não lhe importava que sua irmã fosse capaz. Conhecia o Harrison, e entendia com toda claridade quais eram suas intenções. Talvez Cole adotasse uma atitude lânguida, mas ele não.
Encontrou à moça sentada ante a mesa da cozinha, olhando ao vazio. Pareceu-lhe que tinha o rosto aceso.
-O que te acontece?
-Nada.
-Algo passa. Só te ruboriza quando está zangada ou doente. Qual das duas coisas?
-Nenhuma.
-Onde está Harrison?
-foi a deitar-se.
Não estava disposta a lhe dar mais detalhe. Por isso não mencionou que esperava que ela se reunisse com ele.
"Não me faça esperar." Não eram essas as palavras que lhe disse uns minutos antes, quando virtualmente a apartou a empurrões?
-Está zangada, verdade?
-Não estou zangada.
-Não tem por que me falar assim. me diga o que é o que está te incomodando. Talvez eu possa resolvê-lo.
Sabia que Travis não deixaria de chateá-la até que satisfizera sua curiosidade. Teria que lhe dizer algo, embora fosse uma verdade pela metade.
-Os homens arrogantes me incomodam. Pode resolver isso?
O sorriso do Travis foi espontânea e crescente.
-Harrison te há posto furiosa, não é certo?
-Por favor, me deixe sozinha. Preciso pensar.
O irmão cruzou a cozinha para ir procurar a cafeteira.
-Acaso ele...?
Não sabia como formular a delicada pergunta.
-O que?
elevou-se de ombros, embora o gesto foi forçado.
-Pressiona-te para que faça algo que você não quer fazer?
-Jamais me pressionaria para que fizesse nada que eu não queira.
Travis assentiu.
-Isso acredito, mas queria ouvir lhe dizer isso. me responda uma pergunta mais, e te prometo que te deixarei para que siga te debatendo tranqüila.
-Não estou me debatendo.
-Ama-o?
-OH, sim o amo.
-Está segura?
Mary Rose sorriu.
-Estou segura. É grosseiro, autoritário, arrogante e obstinado.
-Uma garota não pode pedir mais de um homem.
-Também é gentil e amoroso.
Lhe encheram os olhos de lágrimas, e Travis as viu imediatamente.
-vais chorar por isso, Mary Rose?
-Não, claro que não.
Só nesse momento começava a captar o milagre do compromisso do Harrison, de amá-la até o fim de seus dias. Acaso não era isso o que havia dito, quando lhe confessou o que guardava em seu coração?
Exalou um prolongado suspiro. Uma lágrima rodou pela bochecha no preciso instante em que Travis se dava a volta para olhá-la.
-Faz muito tempo que amo ao Harrison, Travis.
A voz de sua irmã era sonhadora, coisa que ao Travis desgostou.
-Juro-te que está te comportando como uma mulher. OH, já sabia que ia acontecer, mas ainda não estava preparado. Oxalá deixasse de fazê-lo, Mary Rose.
-O que é o que fazem as mulheres que te incomoda tanto?
-Um instante estão furiosas, ao seguinte sorriem, depois se zangam e riem ao mesmo tempo, mais ou menos como está atuando você neste momento. Irmã, não estava acostumado a ser tão sensível. Eu não gosto.
Mary Rose não soube se devia desculpar-se. Travis a contemplou e, de repente, viu-a sob uma luz por completo diferente. Já não era mais a menina de joelhos sujos: agora era uma bela mulher.
-Assim que te dava as costas, fez-te grande, né? -murmurou. Em realidade, não estava escutando o que seu irmão lhe dizia, tinha outras coisas no que pensar.
-Quer saber quando me apaixonei por ele? Conheço o momento exato em que...
Travis se apressou a interrompê-la.
-Não, não quero sabê-lo -murmurou-. Aos homens não interessam essas coisas. Pelo amor de Deus, sigo sendo seu irmão! Não quero me inteirar de nenhum detalhe de algo que possa te haver acontecido.
-Entre nós, nada aconteceu que não possa te contar.
-Graças a Deus. Quando acontecer, não quero sabê-lo. Entende-o, Mary Rose?
Quando acontecer? respaldou-se na cadeira e olhou ao irmão:
-Não te parece que é muito presunçoso?
-Não. Sou direto.
-Sim, também-argumentei-. É tão arrogante como Harrison. Desprezou o qualificativo, porque não acreditava que fosse tão mau ser arrogante, embora ela o dissesse como se assim fosse.
Levantou a cafeteira, e começou a ir em direção ao comilão mas, de repente, deteve-se e se deu a volta.
-Se chegasse a te fazer algum dano, quero ser o primeiro em sabê-lo. Dirá-me isso, verdade?
-Sim, direi-lhe isso.
Assentiu, satisfeito.
-Quero-te, garota.
-Eu também te quero. Você gosta de Harrison, não?
-É difícil que a um não goste. O que eu não gosto de é o que veio a fazer. depois de que falemos contigo, tampouco te agradará.
-Ah, sim, a conversação -sussurrou.
-Contou-te...?
Mary Rose o interrompeu:
-Disse-me que vós têm que me dizer algo, mas não me disse do que se tratava. me pode dizer isso agora.
Travis sacudiu a cabeça.
-Espera até manhã de noite. Não se preocupe por isso. De acordo?
-Travis, seja o que fora o que me digam, não o odiarei. Crie que deveria odiá-lo?
Não acreditava que sua irmã fosse capaz de odiar a ninguém. E, entretanto, lhe destroçaria o coração, estava seguro. Todo mundo da Mary Rose giraria a seu redor, e ao Travis parecia lógico que jogasse a culpa ao Harrison. Isso faria, sem dúvida.
-Não, não o odiará -disse-. me Ajude a levar as taças, Mary Rose.
Com essa ordem tentava distrai-la do tema da iminente conversação. Quis que seguisse estando feliz e despreocupada o maior tempo possível. Resolveu desviar sua atenção em outra direção, e lhe contou o que acontecia Cole e Eleanor.
-Começa a compreender que não pode tontear com ela. É da classe de moça para casar-se. Cole, não.
-Sim, é-o -replicou Mary Rose-. O que passa é que ainda não sabe. Você também, Travis. Quando aparecer a mulher apropriada, não vacilará em te casar. Você será um esplêndido marido e pai.
-E perder minha liberdade? Está louca!
Mary Rose riu: era essa a reação que procurava.
-Falas igual a Adam. por que será que os homens acreditam que o matrimônio lhes tira liberdade?
-Porque é assim.
ia sair da cozinha, quando Mary Rose o chamou:
- Travis.
-E agora, o que?
-Foi MacHugh.
-O que?
-Foi nesse instante quando me apaixonei pelo Harrison. Travis pôs os olhos em branco.
-Entendo. Apaixonou-te por cavalo e supôs que Harrison formava parte do pacote.
Saiu da cozinha antes de que ela tentasse explicar-lhe Não lhe importou. alegrava-se de ficar só outra vez, para poder pensar nas coisas maravilhosas que lhe havia dito o amor de sua vida. Que queria passar o resto de sua vida com ela. Não lhe ocorria nada mais maravilhoso.
ficou vários minutos sentada junto à mesa, até que Travis a chamou. Levou as taças ao comilão, repartiu-as, e logo se despediu até o dia seguinte.
Foi a seu quarto e se sentou no bordo da cama, para seguir pensando na situação. Tratou de esquecer que Harrison estava esperando-a, mas, é obvio, não pôde. Cada vez que jogava um olhar pela janela e via a luz que brilhava no barraco, lhe formava um nó na boca do estômago.
O amado estava esperando que ela se reunisse com ele. Tinha-a feito conhecer as necessidades de seu próprio corpo, captar uma chispada da paixão, e já não podia fingir que não aconteceu, ou que não queria que lhe desse mais.
Queria-o porque o amava, embora seguia sendo em extremo arrogante. Mary Rose ficou de pé e começou a passear-se de um lado a outro, enquanto pensava no modo em que ele o tinha ordenado. Nada de pedi-lo: não, deu por certo que iria. Todos os homens seriam como Harrison? Sacudiu a cabeça, negando-se a aceitar essa possibilidade. Nenhum tinha sido tão possessivo com ela nem tão autoritário. Era teimado e voluntarioso, decidido, e também doce, generoso e maravilhoso. Não, no mundo não havia nenhum como Harrison Stanford MacDonald. E, precisamente por isso, apaixonou-se por ele.
Não lhe tinha pedido que se casasse com ele. Tentou imaginar o apoiado em um joelho, suplicando sua mão em matrimônio, e semelhante quadro a fez sorrir. Harrison não pediria, afirmaria. Claro que era em excesso presunçoso, mas não lhe importava no mais mínimo.
Além disso, a atitude do Harrison, tendo em conta a situação de ambos, era prática. Nesse momento, não era possível casar-se oficialmente. No Blue Belle não havia igreja, sequer, e na região os sacerdotes eram tão escassos como os pêssegos em lata. O juiz "Varal" Burns poderia celebrar a cerimônia, mas só se contava com ele três ou quatro vezes ao ano, e o resto do tempo, a abundância de sujeitos que devia pendurar reclamava sua atenção completa.
Essa noite, Harrison tinha enunciado seu compromisso pondo a Deus por testemunha. E ela tinha feito outro tanto. A partir de então, tudo trocaria.
Não soube quanto tempo se passeou pelo dormitório refletindo sobre o futuro, mas quando por fim deixou de afligir-se pelas mudanças que ia experimentar sua vida, a casa já estava escura e silenciosa. Com toda parcimônia, lavou cada centímetro quadrado de seu corpo com sabão perfumado de rosas, e logo ficou uma camisola branca. Em cima, ficou a bata rosada bordeada de encaixe, que Douglas lhe tinha agradável o último Natal, e revolveu o guarda-roupa procurando as encantadas, embora pouco práticas, sandálias de cetim.
Embora ainda estava um pouco nervosa e assustada pelo que estava a ponto de acontecer, sabia que isso não trocaria nada. Amar ao Harrison não era o que a assustava. O ato de amor era algo muito distinto. Sabia que aos homens gostava, pelo entusiasmo com que seus irmãos corriam ao Hammond todas as semanas, e retornavam cheirando a perfume barato e com os rostos iluminados por estúpidos sorrisos. Possivelmente às mulheres também gostasse. Mas não podia fazer uma idéia porque nunca tinha falado disso com ninguém. Quão único esperava era que suas hipóteses fossem corretas. Blue Belle era perita, mas sempre se comportava como uma tia bagunceira com a Mary Rose, e nunca comentava com ela os assuntos da profissão.
sentou-se ante o penteadeira, levantou a escova e passou uns minutos escovando o cabelo, abstraída, na esperança de que a rotina familiar a acalmasse.
Por fim, decidiu que já tinha demorado o suficiente. Deixou a escova, ajustou-se o cinturão da bata e baixou a escada.
Quando chegou à soleira, tremia de pés a cabeça. Ignorava quanto tempo passou com a mão no trinco, mas deveram passar, ao menos cinco minutos, antes de que conseguisse reunir o valor suficiente para entrar.
Harrison tinha revelado uma boa quantidade de detalhes quando lhe descreveu como imaginava e a sentia quando sonhava tendo na cama. A ela lhe ocorriam, ao menos, cem perguntas, mas ao fim as reduziu a uma sozinha, que Harrison deveria responder antes de tocá-la.
Inspirou uma funda baforada de ar, ergueu os ombros e abriu a porta.
Quando se decidia a fazer algo, arremetia contudo. A porta se estrelou contra a parede interior, ricocheteou, e quase golpeou a Mary Rose. Apartou-a, embora sem tanta força.
Doze minutos. O tempo exato que lhe levou decidir-se a abrir a porta. Harrison teve vontades de rir, mas nem esboçou um sorriso porque era provável que, se nesse momento manifestava o menor sinal de diversão, a moça fugiria correndo para a casa. O amor de sua vida parecia disposta a sair correndo. Ouviu-a murmurar algo cada tanto, aí fora, na soleira, e não demorou para compreender que ainda não tinha terminado de refletir sobre a questão.
Não se levantou da cama para ir procurá-la: queria que tomasse a decisão por si mesmo. Olhou o relógio de bolso, viu a hora, e logo, por acaso, olhou-o um par de vezes mais antes de que Mary Rose tentasse arrancar a porta de suas dobradiças.
Em quando viu o que tinha posto, soube que seus irmãos ainda não lhe tinham revelado a verdade sobre seu pai. Se o tivessem feito, de todos os modos ela teria ido ver o, mas não com roupa de dormir. Exigiria-lhe respostas a suas perguntas. Estaria ferida, furiosa e confundida por sua cumplicidade. Por um tempo, estaria convencida de que ele a tinha enganado e traído, e ele não podia fazer absolutamente nada para aliviar a dor que deveria suportar. Contudo, tinha uma imensa confiança nela, e sabia que chegaria o momento em que entenderia. Tinha o dever de protegê-la, e quando chegasse a Inglaterra, gostasse ou não, necessitaria-o. Sabia bem o que ia acontecer lhe, porque conhecia a família Elliott. Ainda com as melhores intenções, quereriam lhe arrancar à moça sua própria identidade e amoldá-la a deles. Harrison não estava disposto a permiti-lo. Queria que Mary Rose soubesse de todas as maneiras possíveis que a amava pelo que era, e não pelo que se supunha que devia ser.
E esse foi, precisamente, o motivo pelo qual contraiu com ela o compromisso nesse momento.
O coração da Mary Rose pulsava frenético, tremiam-lhe os joelhos e fazia se desesperados esforços para respirar.
Contemplar ao Harrison não a acalmou. Estava sentado na cama, com as costas apoiada no poste da cama e as largas pernas estiradas em cima das mantas. Não tinha posta a roupa de dormir. O peito nu, descalço, ainda levava postos as calças, embora em parte. Não estavam abotoados até acima. O pêlo escuro e encaracolado que lhe cobria o peito se estreitava para baixo. Ao vê-lo, os batimentos do coração se aceleraram ainda mais. De repente, advertiu o que estava olhando e desviou a vista no ato.
Descobriu que tinha um livro aberto nas mãos quando o fechou, e seus olhos se dilataram: tinha estado lendo enquanto a esperava. Para ser sincera, não sabia bem o que sentia a respeito. Enquanto ela se passeava inquieta pelo dormitório, angustiada, afligida e estremecida de temor, Harrison lia.
Quando se recuperasse da perplexidade, golpearia-o.
Harrison não se moveu da cama. Percebeu o temor nos olhos da moça assim que entrou, e soube que deveria encontrar um modo de tranqüilizá-la antes de tocá-la.
Quando lhe disse que não a forçaria, falava a sério. Se de repente trocava de idéia e retornava à casa, não a deteria. E embora o destroçaria vê-la afastar-se, preferia morrer antes que influir em sua decisão.
Soube que se comportava com nobreza só porque, no fundo, estava seguro de que ficaria. Requereu-lhe coragem ir para ele, e Harrison não esperava menos dela.
-Estava lendo.
A afirmação soou como uma acusação, e ele não confirmou o recebimento. Assentiu e seguiu olhando-a, esperando que lhe dissesse que estava lista para entregar-se. Viu que o medo estava desaparecendo, e mas bem parecia desgostada. Não compreendeu por que.
-Quer fechar a porta?
-Não.
Disse-o sem gritar e sem rastros de pânico na voz. Harrison deixou o livro sobre a mesa, tirou as pernas da cama e começou a levantar-se. Supôs que Mary Rose preferia que ele fechasse a porta.
Mas ela o deteve com um gesto, levantando a mão para lhe indicar que não queria que se movesse.
-antes de que te aproxime, quero te fazer uma pergunta. por que não usa roupa de dormir? Essa não era a pergunta -se apressou a lhe esclarecer. "Que Deus me ajude", pensou Mary Rose. "Minha voz soa como uma brincadeira." Encolheu os ombros em gesto forçado. -Só tinha curiosidade com respeito a seu traje.
-Durmo sem nada posto.
Outra vez, lhe afrouxaram os joelhos, e não pôde menos que imaginá-lo nu.
-Talvez não teria que ter falado... disso.
-Logo o descobrirá. Ficará comigo esta noite?
Mary Rose não podia acreditar o razoável e tranqüilo que parecia.
-Ainda não me decidi.
Conseguiu mentir sem sorrir.
Já no dormitório tinha tomado a decisão, mas não estava preparada para anunciar-lhe ainda.
Embora sabia que se mostrava teimosa, não lhe importou, pois ainda a irritava saber que ele tinha estado desfrutando de um livro enquanto ela se consumia nos fogos do purgatório.
O modo em que cada um passou a velada era uma síntese das maravilhosas diferenças entre os dois: ela se angustiou. O, em troca, leu.
-É o homem mais decidido e metódico que conheci jamais, e muitas mais costure que eu acreditei que odiaria em um companheiro. Eu queria um homem doce e vulnerável, porque acreditei que sempre me necessitaria. No nome de Deus, como é que terminei me apaixonando por ti?
O assombro que expressava o fez sorrir.
-Porque te necessito mais que todos esses homens. Você também me necessita, Mary Rose. Seria agradável ouvir lhe admitir isso.
-Sim, necessito-te. Entretanto, eu não gosto dos homens arrogantes, e sobre tudo, que me dêem ordens. Em seu lugar, eu o teria em conta.
-Carinho, quanto tempo te levará te decidir? Tenho que te tocar.
A ansiedade do Harrison a tranqüilizou. Viu-o levantar-se, e se apressou a fazê-lo detendo-se outra vez.
-Fique onde está, Harrison. Ainda não te tenho feito a pergunta. Se eu não gostar da resposta, irei.
O resplendor de seus olhos assegurou ao Harrison que não tinha nada que temer.
-Faz muito frio aqui. O que quer me perguntar?
Mary Rose deu um passo para ele, deixando que em seu interior crescesse a expectativa. Desejava tanto beijá-lo, que se estremeceu.
OH, quanto o amava. Nesse momento lhe pareceu uma caveira, com uma mecha de cabelo caindo sobre a frente e esse sorriso endiabrado. Era forte, autoritário e arrogante, orgulhoso, sólido, confiável, e Mary Rose passaria o resto da vida adorando-o.
Não podia esperar um minuto mais para abraçá-lo.
-Quando me dizia o que pensava, e me descreveu em sua cama... e estávamos fazendo o amor...
-Sim.
-Eu sorria?
Atraindo-a a seus braços e estreitando-a, Harrison rompeu a rir. Apoiou o queixo no cocuruto da mulher, e lhe assegurou em tom tenro e amante, que em todas suas fantasias e sonhos eróticos, ela era feliz, de fato, muito feliz, satisfeita, contente, total, extasiada e agradecida, completamente afligida pela magnificência dele e, agora que o pensava melhor, por suas assombrosas proezas sexuais.
-Não lhe bastavam os modos de me dar as obrigado -concluiu. Mary Rose se apartou para olhá-lo aos olhos.
-Eu te dava as obrigado por me fazer o amor?
-Carinho, o sonho era meu, não teu.
Voltou a acomodar a cabeça sob o queixo dele, rodeou-lhe a cintura com os braços, e estendeu as mãos sobre as costas morna.
-Que o Céu me ajude: até em sonhos é arrogante. O que vou fazer contigo?
Ao Harrison lhe ocorreram várias possibilidades, mas decidiu que não era o momento das compartilhar com ela. Todas tinham que ver com a boca, a língua e as mãos da Mary Rose.
-Tem as mãos geladas -disse, em troca.
-Deixou a porta aberta. Talvez, deveria fechá-la. Faz muito frio, aqui.
Harrison estirou o braço por detrás dela, fechou a porta de um empurrão, e apartou os braços da Mary Rose de sua pessoa. Sujeitou-a da mão e a levou junto à cama.
De pé, frente a frente, separados por uns trinta centímetros, olharam-se aos olhos comprido momento, deixando que a expectativa e o desejo crescessem dentro de cada um.
À luz tênue do abajur, Mary Rose parecia um anjo, com o cabelo derramando-se pelos ombros e a delicada bata de cor suave ondulando a seus pés.
Quando mais contemplava esses olhos azuis, mais se convencia de que era a mais perfeita das criaturas.
A mulher se moveu antes. Seu olhar escorregou até o queixo dele, e desatou lentamente o nó do cinturão, e se tirou a bata. Quando terminou, o tremor de suas mãos era evidente.
Entregou-lhe o objeto. Sem deixar de olhá-la, Harrison a recebeu. Deteve-a quando estava desabotoando a camisola:
-me deixe a mim -sussurrou, com voz rouca de excitação.
Mary Rose deixou cair as mãos aos lados. O homem a sentiu estremecer-se quando deslizou os dedos sob o tecido fino, pelo bordo do decote da camisola de algodão, e lhe roçou a pele sedosa.
moveu-se como se tivesse todo o tempo do mundo para despi-la, pois não queria que se sentisse urgida, e para fazê-lo teve que pôr em jogo uma grande cota de disciplina. Queria lhe arrancar a camisola mas não pensava ceder a sua própria impaciência. Queria que essa noite fosse, para ela, o mais perfeita possível.
Foi descendendo com lentidão para a cintura, detendo-se para lhe acariciar a pele em cada casa, e quando teve terminado com todos os botões, abriu a camisola.
Contemplar a perfeição da Mary Rose o deixou sem fôlego. Era extremamente bela. A pele suave e clara, os peitos plenos, os mamilos rosados e as tenras curvas femininas, guardavam deliciosa proporção.
Tremiam-lhe as mãos pelo desejo de atrai-la a seus braços, de senti-la apertada contra si, mas se conteve um minuto mais, e baixou sem pressa a camisola, até que ficou retido na curva graciosa dos quadris.
Apoiou as Palmas aos lados da cintura estreita e, com soma lentidão, foi baixando a carícia até as coxas. Sentir essa pele tão fresca, tersa e perfeita o fez estremecer-se de desejo.
A camisola formou um atoleiro aos pés da mulher. Harrison retrocedeu um passo e a contemplou.
-É mais formosa ainda do que pude ter imaginado.
O veemente louvor arrasou com o pudor. A expressão de prazer nos olhos do Harrison a fez esquecer-se de tudo acanhamento. Acreditava- formosa, e como se soube amada, convenceu-se de que o era.
Mary Rose já não pôde suportar mais. desembaraçou-se das sandálias e se aproximou dele.
-Quer que te dispa?
-Ainda não -lhe respondeu o homem-. Quero que isto dure. Se me Quito agora as calças, irei muito rápido, e não quero que isso aconteça. Tem que ser perfeito para ti.
-Está mal ir rápido?
Harrison negou com a cabeça.
-Nada do que façamos juntos estará mau, nunca.
Não lhe deu tempo a pensar no que acabava de dizer, mas sim a atraiu a seus braços e a estreitou com força. As mãos da Mary Rose estavam apoiadas no peito dele, os dedos rodeados de pêlo áspero. Fez-lhe cócegas nos dedos, e soube que se movia os braços, sentiria a mesma sensação nos peitos.
moveu-se, antes de que ele o indicasse. Harrison afundou a cara no oco do pescoço da jovem, inalou sua fragrância, e se deixou consumir pelo prazer de sentir seus peitos suaves contra ele.
Para ouvir o ofego de prazer da Mary Rose, soube que ela sentia o mesmo.
-Sabia que seria assim de bom.
Parecia-lhe mais que bom, mas não encontrava as palavras para descrever todas as sensações que a percorriam nesse instante. Notou que a respiração do Harrison era agitada, e só então compreendeu que a seu estava igual. Cada vez que se esfregava contra ele, as sensações se faziam mais intensas, até que cada um de seus nervos fazia cócegas de calor. Era maravilhoso.
O homem depositou beijos úmidos no pescoço da mulher, roçou-lhe o lóbulo da orelha com a boca e a língua, sem deixar de murmurar abrasadoras promessas sobre todas as coisas que queria lhe fazer.
As palavras a excitaram tanto como as carícias. Queria tocá-lo em todas partes. Acariciou-lhe o peito, os ombros e o pescoço, encantada pelo jogo dos músculos sob as gemas de seus dedos, sem deixar de mover-se contra ele, em um intento por aproximar-se mais a esse incrível calor.
A forma desinhibida em que respondeu Mary Rose, embriagou ao Harrison. Tudo nela acendia dentro dele a febre da paixão. adorou a sensação que lhe deixava o cabelo, deslizando-se entre seus dedos como fios de seda, e os suaves gritos eróticos que vibravam no fundo de sua garganta quando a tocava de certo modo e não podia conter o prazer, Y... ah, quanto adorava o corpo dela esfregando-se contra o seu! Sujeitou-a com um braço na cintura, e se inclinou para beijá-la. Sua boca se tornou arrasadora, pois a pressão que crescia dentro dele o enlouquecia com o desejo de satisfazê-la. Moveu a língua dentro dela e a retirou, só para voltar a colocá-la uma e outra vez, copiando o erótico cerimonial. Acariciou-lhe o pescoço e deslizou os dedos para baixo pelos peitos até que, por fim, quando Mary Rose acreditou que morreria se continuava tão doce tortura, Harrison se apoderou de um peito no oco da mão, e a incitou ainda mais. Roçou delicadamente o mamilo com o polegar. Por puro instinto, a moça se arqueou para ele para que soubesse quanto gostava da eletrizante sensação, e quando repetiu a carícia, ela fechou os olhos com força e gemeu de prazer.
-Está me voltando louca -sussurrou, com sua boca pega ao ouvido dele.
-E há mais -lhe prometeu.
Não acreditou que ficassem reservas para sentir mais. A tensão que se aumentava dentro dela se fazia mais intensa, como fogo líquido que se pulverizava lentamente por sua cintura.
A boca do homem apanhou a sua enquanto, ao mesmo tempo, baixava a mão à união entre as coxas, e começava a lhe fazer o amor com os dedos. A língua, dentro da boca da mulher, imitava o jogo amoroso.
Mary Rose acreditou que morreria pelo cru êxtase que lhe provocavam essas carícias. Começou a mover os quadris contra sua mão, até que a sensação se tomou insuportável, pelo intensa. Harrison voltou a beijá-la com um comprido beijo, ardente e molhado e, quando ao fim se apartou, notou que a mão da Mary Rose lhe rodeava a boneca, e que tentava apartar a desse calor que ele tanto desejava possuir.
Elevou-a em seus braços, apartou as mantas e a pôs sobre a cama. Só então se tirou as calças. Fez um intento desesperado por fingir que sua resistência tinha terminado. A urgência por afundar-se nela e deixar que as estreitas paredes o rodeasse, oprimissem-no, amassem-no, afligiu-o, mas soube que, primeiro, tinha que conquistar a cooperação da moça. Nesse preciso momento, começava a ter reparos. Soube o que a tinha feito trocar. Sabia exatamente o que estava pensando.
O amor de sua vida tinha a vista fixa em sua ereção.
-Não haverá problemas -lhe prometeu com voz áspera de paixão-. Estamos feitos para encaixar o um no outro, meu amor.
Mary Rose sacudiu a cabeça e começou a levantar-se. Tinha o fôlego entrecortado de paixão, mas o medo começava a atendê-la.
Não lhe deu tempo de solidificar os temores. Apanhou-a na cama estirando-se junto a ela, e retendo-a com a coxa. Sujeitou-lhe as mãos, obrigou-a às passar por seu pescoço para que não seguisse apartando o dela, e se inclinou para beijá-la.
Teve que lhe apanhar a boca, pois Mary Rose apartava a cabeça e a afundava no travesseiro. Mas, por fim, suas palavras de amor a acalmaram o bastante para que voltasse a olhá-lo.
Ainda os olhos da Mary Rose estavam velados de paixão, e o homem soube que não lhe levaria muito tempo reencender o fogo nela.
-Amor, confiará em mim? me deixe te beijar de novo. Se depois ainda quer te deter, prometo-te que o faremos.
Não lhe esclareceu que não estava disposto a deter-se até que não a houvesse poseído por completo, salvo que Mary Rose começasse a lutar com ele. Então, deteria-se embora isso o matasse, e rogou que Deus fosse em sua ajuda, que não fora necessário.
Ela teve que pensar na proposta antes de acessar, ao fim. Se Harrison não tivesse estado tão dolorido, a expressão desinteressada o teria divertido. Mas nesse momento, vibrava de desejo, e em quão único podia pensar era em afundar-se nela.
-Um beijo -sussurrou Mary Rose.
-Um beijo -prometeu de novo.
-Isto você gostará, carinho. Juro-te que você gostará.
Não pareceu muito convencida, mas isso não o deteve.
-Abre a boca para mim, carinho -sussurrou, áspero, para logo possui-la por completo.
Mary Rose estreitou os braços no pescoço dele, e o aproximou mais para ela, e quando começou a devolver o beijo com o mesmo ardor, Harrison soube que tinha esquecido os temores.
Seduziu-a durante comprido momento com a boca e as mãos até que, uma vez, mais, Mary Rose se movia incansável contra ele, até que sentiu a tensão que crescia nela.
Levou a mão outra vez à união das coxas, para ajudá-la a estar lista para ele. Quando sentiu a umidade nas gemas dos dedos, estremeceu-se com uma quebra de onda de prazer. Acariciou as sedosas dobras, e logo pressionou dentro com delicadeza. Sabia exatamente onde tocá-la para que chegasse ao êxtase entre seus braços.
Mary Rose não pôde evitar o estalo de prazer que lhe provocou. Começou a retorcer-se contra ele, e ainda assim, o homem continuou a doce tortura. As unhas da mulher lhe cravaram nos ombros, e emitiu gemidos guturais.
Harrison não podia esperar mais. Sem apartar a boca da dela, separou-lhe as pernas e se colocou entre suas coxas. Elevou-lhe os quadris e se moveu com cautela dentro dela. Quando sentiu a fina capa que resistia, deteve-se, fechou os olhos em bem-aventurada rendição, e logo a Coleu profundamente.
sentiu-se como se tivesse morrido e ido ao Céu.
Mary Rose, em troca, sentiu como se a tivesse esmigalhado. Uma dor lhe queimem a percorreu. Gritou, protestando contra a invasão, e tratou de apartar-se, mas ele não se moveu. Reteve-a esmagando-a, com seu peso.
-Tráfico de não te mover, carinho. Você sujeita lhe a mim até que a dor passe. Seja neném, seja. Logo sentirá alívio. Amo-te, Mary Rose. OH, Por Deus, meu amor, não chore.
Havê-la machucado o devastava, e quando ela soube, isso lhe aliviou a dor. Já não era insuportável, embora ainda não gostava de muito essa palpitante sensação.
dentro da moça, a paixão lutava contra a moléstia. Nesse momento, sentia-se confundida. Acaso se supunha que isto devia lhe gostar de?
Harrison não compreendia o tortura pelo que estava passando. Apanhava-o o desespero por lhe dar tempo para que o aceitasse, mas sua própria urgência por mover-se dentro dela estava fazendo-se insuportável. Era uma agonia conter-se. Sentia as tensas paredes que o rodeavam e o apertavam. Era a sensação mais deliciosa e atormentadora, E Por Deus, se não se movia logo, seria muito tarde! Derramaria sua semente dentro da mulher, lançando um primitivo grito de rendição.
rebelou-se contra a gloriosa gratificação de si mesmo. Por muito tempo que lhe levasse, asseguraria-se de que Mary Rose alcançasse a mesma plenitude.
A frente do Harrison se cobriu de suor, apertou com força a mandíbula, e o coração lhe golpeava dentro do peito. Afundou a cara no pescoço da mulher e lhe mordiscou o lóbulo da orelha.
-Começa a te sentir melhor, carinho?
Mary Rose captou a preocupação na voz do homem e, de maneira instintiva, quis consolá-lo, lhe dizer que não a tinha matado, que estaria bem.
-Agora me sinto bem -sussurrou em um tom que desmentia suas palavras.
Para lhe demonstrar o que dizia, rodeou-lhe o pescoço com os braços e começou a lhe acariciar as costas. Harrison se estremeceu e lançou um gemido rouco, e então ela o acariciou de novo. Mary Rose sentia quão tenso estava, e sabia que controlar-se devia lhe custar um esforço tremendo. Comprovar sua consideração para lhe fez parecer insignificantes sua própria dor e moléstia.
-Não quero te decepcionar.
Harrison se apoiou nos braços e se elevou para olhá-la.
-Jamais poderia me decepcionar. Amo-te, carinho.
A ternura do homem a transbordou.
-Agora está muito melhor. Posso suportá-lo. Não tem por que esperar mais.
Surpreendeu-a com um sorriso:
-Suportá-lo? -perguntou-. Isso o veremos, meu amor.
Mary Rose o atraiu para ela para beijá-lo, e quando Harrison elevou a cabeça outra vez, teve o prazer de comprovar que a paixão aparecia outra vez aos olhos da moça.
Sabia que, em realidade, fazia muito pouco tempo que a tinha penetrado, mas a crua exigência de seu próprio corpo o fazia parecer uma eternidade.
A intensidade da expressão do homem despertou a paixão que bulia na mulher.
-me diga o que devo fazer. Quero te agradar.
-Agrada-me. Levanta as pernas muito lentamente, pequena, para que eu possa...
Um gemido lhe cortou a frase. O prazer que lhe provocou Mary Rose ao mover-se fez saltar pelo ar seu controle.
Mary Rose esperava sentir dor mas, quando elevou as pernas, sentiu algo muito diferente.
A intensidade da sensação a fez desejar mais. moveu-se de novo, sentiu outro estalo de prazer, e esticou os braços ao redor do homem. Era verdade: sentia-se melhor.
-É uma boa sensação, verdade? E esta vez, me diga a verdade.
A voz do Harrison indicava que vivia um tortura.
-Sim -sussurrou Mary Rose-. Mas ainda não sinto inclinação a te dar as obrigado.
Deus, quanto a amava!
Indicou-lhe que o rodeasse com as pernas, trocou de posição, e a penetrou mais a fundo.
Nenhum dos dois pôde falar outra vez. Harrison se retirou, e logo penetrou outra vez, a fundo. Queria fazê-lo lento e suave, enlouquecer a de prazer, mas estava tão apertada e quente e o gozo de estar dentro dela era tão intenso que a urgência de acelerar o dominou, e foi impossível pensar em diminuir o ritmo ou em tratar de ser delicado. Diabos, não podia pensar em nada. Só podia sentir.
Os sussurros de súplica e os gemidos o avivaram. Cada vez que ele se retirava um pouco, ela elevava os quadris para fazê-lo voltar. As unhas lhe rasgavam as costas, pois ela também tinha perdido o controle. As carícias, os gritos da Mary Rose se fizeram mais exigentes. A tensão de seu interior cresceu até tal ponto que acreditou morrer em doce agonia. Não sabia o que queria, mas sabia que o queria já.
A paixão rugiu entre os dois, e pouco tempo passou até que Mary Rose não pôde suportar um segundo mais a intensidade do acoplamento. Então chegou a liberação, entregou-se ao gozo e gritou o nome amado enquanto a alagavam feitas ondas sucessivas de êxtase. Apertou-o com força dentro de si, e quando Harrison sentiu os tremores do clímax, permitiu-se sua própria liberação. Derramou sua semente nela lançando um gemido rouco de puro prazer.
Foi o orgasmo mais incrível que tivesse experiente. E foi assim porque a amava.
deixou-se cair sobre ela. Tinha-lhe arrebatado toda a força, e necessitaria uns momentos para recuperá-la. Quis dormir com ela nos braços e, ao despertar, perder-se uma vez mais em seu amor.
A Mary Rose levou comprido momento recuperar-se. O que acabava de lhe acontecer a maravilhava. sentia-se como se o coração, a mente e a alma se mesclaram com os do homem nesse bem-aventurado instante de rendição, e que a envolvia a calidez de seu amor. Unir-se ao Harrison tinha sido a experiência mais incrível de toda sua vida.
Fazia que tudo fosse maravilhoso. Do minuto em que lhe entregou o coração, todo seu mundo trocou. Os dias comuns eram mágicos porque os compartilhava com ele. Não podia imaginá-la vida sem ele. Era amoroso, tenro, gentil e compassivo. Era erótico, sensual, atrevido e arrogante.
Era quase perfeito. E era assim, porque o amava.
-Está bem, Mary Rose?
ergueu-se sobre ela para poder vê-la, e a olhou aos olhos. Ainda estavam velados pela paixão. A boca, torcida. No rosto, um par de zonas irritadas pelo roce de suas costeletas. Causou-lhe uma funda satisfação descobrir na moça suas próprias marcas. Mary Rose lhe pertencia, e gostava de vê-la assim.
-Tenho-te feito mal, verdade?
Embora a preocupação parecia sincera, o lânguido sorriso do Harrison a confundiu.
-Sim, fez-me mal, mas a dor não durou muito. Só gritei um segundo.
-A primeira vez.
-por que sorri? Não te importa me haver feito sentir dor?
-Claro que me importa. Amo-te, Mary Rose. Sorrio por seu aspecto.
Na voz do Harrison apareceu esse matiz rouco e sensual que tanto gostava.
-Que aspecto tenho? -perguntou, sem fôlego.
-Como se eu tivesse estado dentro de ti e te tivesse feito o amor, e deixado satisfeita. Neste momento me sinto muito possessivo.
Mary Rose se sentia incrivelmente morna, segura e amada.
-Sempre foi possessivo.
-Agora é diferente, carinho. Fazia muito que queria te ter em minha cama.
A moça lhe acariciou o flanco da cara.
-E agora que estou aqui?
O sorriso se desvaneceu.
-É minha.
Não pensava discutir-lhe -No, no puedo leerte la mente -concedió-. Pero puedo sacar ciertas conclusiones. Por la seriedad de tu tono, sé que lo que vas a decir es importante. Tu vacilación me indica que te cuesta encontrar las palabras justas. Hasta aquí, ¿acierto?
-Sim, sou tua.
Assentiu, satisfeito, e logo se inclinou e a beijou.
Mary Rose esfregou os pés contra as pernas do Harrison e suspirou dentro de sua boca, quando a língua do homem começou a provocar à sua.
Harrison sentiu que começava a agitar-se nele a excitação, e compreendeu que devia deter-se antes de que a paixão o fizesse esquecer-se da moléstia que devia sentir a moça. Tinha que recuperar-se antes de que voltasse a possui-la.
apartou-se, tendeu-se de costas, e logo a atraiu junto a ele.
-Temos que falar, Mary Rose.
A seriedade de seu tom a preocupou. E embora sabia que não devia interrogá-lo, sentia-se vulnerável e se convenceu de que o que estava a ponto de dizer não era algo que lhe gostasse de escutar. Inclusive acreditou saber exatamente do que se tratava.
Passaram vários minutos em silêncio. Harrison olhava o teto enquanto pensava nas diversas maneiras de falar do futuro. Enquanto isso, a moça se afligiu, perdida em conjeturas.
Não pôde suportar mais o silêncio.
-Farei-o mais fácil para ti, Harrison. Direi-o eu. Você vai A...
Não a deixou terminar.
Estreitou-a com mais força pela cintura e disse:
-É impossível que saiba o que vou dizer te. Não os memore isso, carinho.
-Não, não posso te ler a mente -concedeu-. Mas posso tirar certas conclusões. Pela seriedade de seu tom, sei que o que vais dizer é importante. Sua vacilação me indica que te custa encontrar as palavras justas. Até aqui, acerto?
-Sim. Em efeito, o que tenho que dizer é sério, e quero encontrar as palavras adequadas.
-Porque é advogado.
-Não, porque quero estar seguro de que entende. Quero te preparar.
-Harrison, poderia te economizar muito tempo.
Começou a lhe acariciar o peito com os dedos, sem advertir que estava distraindo-o. De repente, Harrison quis voltar a lhe fazer o amor. Mas, antes, falariam. Tomou a mão e a sujeitou.
Mary Rose se apressou a incorporar-se e lhe dar um beijo na base do pescoço.
-Deixa de me tentar.
Disse-o em um tom áspero, que não convidava a seguir.
A propósito, não lhe fez caso e seguiu beijando-o.
-Não estou te tentando, estou te consolando. Não é o mesmo.
-Mary Rose, está nua em meus braços. portanto...
-Estou te tentando.
-Sim.
A moça exalou um suspiro e apoiou sua cara contra a pele morna do homem.
-Entendo o que te passa: está arrependido, Harrison, por isso tratava de te consolar. Já não tem por que te sentir culpado.
Harrison ficou imóvel.
-Do que deveria me arrepender?
-De nossa... indiscrição.
-Nossa o que?
Com voz serena, procurou dissimular o aborrecimento, pois não podia acreditar o que acabava de ouvir. Ela teria que repeti-lo para convencê-lo.
-Nossa indiscrição.
Mary Rose percebeu como inalava uma funda baforada de ar, que devia ser uma advertência da fúria que estava preparando-se. Além disso, seu braço se esticou contra a cintura da mulher.
Ainda assim, não estava preparada.
-No nome de Deus! Como funciona sua mente? Sei que é tão inteligente como qualquer. Diabos, é mais inteligente que o comum das pessoas. Acaso tem a cabeça fechada por dentro? Como pode acreditar que o de esta noite foi uma indiscrição? me responda.
Mas não a deixou falar:
-Fizemos um compromisso mútuo. Entendeu?
A cólera do Harrison a assombrou, mas não a assustou no mais mínimo. Mas bem, fez-a sorrir. Embora bramava como um urso, de todos os modos ela se sentia segura.
Entretanto, não entendeu sua reação. comportava-se como se o tivesse insultado a ele. Já sua mãe. E inclusive ao cão, se por acaso o tinha.
Quando, por fim, deixou-a falar, tratou de que não se notasse o sorriso.
-Não queria dizer que fomos indiscretos. Pensava que você...
Interrompeu-a de novo.
-me escute. Acredito que, em realidade, ainda não o entendeste.
-Entender o que? O que significa isso?
-Significa que não entendeste quando te disse que agora é minha. Não queria dizer que é minha por esta noite. Queria dizer para sempre.
-Queria que fosse lógico nesta questão. Se...
-Quer que eu seja lógico?
A Mary Rose lhe ocorreu que possivelmente não fosse o que devia lhe dizer. Agradecia não poder lhe ver o rosto, pois sabia que devia estar contraindo o músculo da bochecha. Cada vez que apertava a mandíbula se flexionava, e sempre o fazia quando estava zangado. Era evidente que se aproximava um estalo.
-Parece-me que não posso dizer nada que te apazigúe.
Estava a ponto de lhe replicar o que pensava disso, mas se tornou atrás. Sabia que se continuava desse modo, voltaria a enfurecer-se. Indiscrição? Ainda lhe custava acreditar que tivesse usado semelhante palavra para descrever o que tinha passado. Demoraria toda a semana para sobrepor-se.
O silêncio indicou a Mary Rose que já estava disposto para ouvir razões.
-Isto é novo para mim. Poderia ter um pouco mais de paciência comigo. Não seria a morte assim deixa de soprar desse modo. Nunca tinha vivido uma experiência íntima, e não posso evitar me sentir vulnerável.
Estava segura de que isso ganharia a simpatia e a compreensão do Harríson, mas se equivocava em ambos os aspectos.
-É ridículo que se sinta vulnerável. Isso é ofensivo para mim, mulher.
Começava a perder a paciência: tudo o que ela dizia o irritava. Para falar a verdade, esse homem era tão temperamental como seu cavalo. Lhe ocorreu dizer-lhe mas logo desistiu. Certamente, a comparação ia exasperá-lo mais ainda.
-Não estava acostumado a ser tão irritável.
-Não estava acostumado a estar apaixonado por ti.
Tamborilou com os dedos sobre o peito dele:
-Cole sempre fica assim quando se sente culpado por algo.
-Eu não me sinto culpado de nada. Você se sente culpado?
Sujeitou-lhe a mão e começou a apertar-lhe Sem palavras, estava lhe dizendo que era conveniente que lhe satisfizera a resposta.
-Não, não me sinto culpado. Agora está contente?
Não lhe respondeu, mas afrouxou a mão, e Mary Rose deduziu que tinha dado a resposta correta.
-Acredito que deveríamos resolver esta discussão. Se seguirmos, terminaremos em uma verdadeira briga, e depois terá que me pedir perdão, Realmente, quer perder tempo me pedindo perdão quando poderíamos estar fazendo algo muito mais agradável? Sorriu, apesar da irritação.
-Como te ocorre que te pediria perdão?
-Porque eu posso esperar mais que você. Você te declarará vencido antes que eu.
-Em outras palavras, é rancorosa. Seus irmãos me falaram desse defeito.
-Às vezes o sou.
Harrison rompeu a rir:
-Mary Rose, faz que tenha vontades de vapulearte e de te beijar ao mesmo tempo. Juro-te que, um destes dias, vais voltar me louco.
Ela começou a lhe acariciar o peito outra vez. adorava sentir o pêlo encaracolado entre os dedos. Queria que a beijasse de novo e, de só pensá-lo, agitou-se. Exalou um suspiro e passou a perna em cima dele.
Harrison grunhiu. Mary Rose advertiu onde tinha apoiado a perna, mas o calor que irradiava a virilha era muito agradável para insisti-la a mover-se.
Se não gostava, teria que apartá-la. Mas não o fez. Apoiou-lhe a mão no joelho e começou a acariciá-la.
-Harrison.
-O que?
-o de esta noite, foi tão grato como em seu sonho?
-Muito, mas muito melhor. Meus sonhos não sempre eram agradáveis. Acaloravam-me. Esta noite, você me tem feito arder. Entende?
-Há-te sentido satisfeito?
Ao perceber a nota divertida na voz da moça, soube que tinha algum propósito, e sorriu por antecipado. Só Deus sabia o que ia dizer.
-Sim, hei-me sentido satisfeito.
-E parece apreciar o que passou, agradecê-lo. É assim?
Os dedos da Mary Rase riscavam círculos em volto dos mamilos do homem. Estava distraindo-o.
-Sim -acessou, em voz rouca.
-Acredito que te tenho feito feliz.
-Sim, tem-me feito muito feliz.
Mary Rose sorriu, com a boca contra o peito dele. Harrison estava um pouco surpreso de que necessitasse tanta reafirmación. Supunha que o modo em que tinha reagido quando faziam o amor deveu lhe indicar quão boa era. Possivelmente se sentisse vulnerável porque era uma experiência nova para ela.
Senhor, começaria a falar com sensatez?
-E não sabe como me agradecer isso -No, no es eso lo que quería decir.
Por fim, as palavras se registraram na mente do Harrison: estava lhe devolvendo suas próprias expressões. Estalou outra vez em gargalhadas.
-Acredito que você não gostou de muito ouvir essa parte de meu sonho, não é assim, carinho?
Mary Rose estava muito agradada para lhe responder. De repente, lembrou-se de algo:
-O que quiseste dizer com isso de que só a primeira vez gritei por um segundo? Voltei a gritar?
-Sim. E durante mais tempo.
-Quando?
-Quando explorou.
A lembrança a fez ruborizar-se. Era certo que tinha explorado durante o clímax. Mas não recordava ter gritado. Toda sua atenção estava concentrada em obter a plenitude.
-Agora escutará o que preciso te dizer?
-Se for me dizer que te odiarei, então não te escutarei.
-Quero falar a respeito de nosso futuro.
-De acordo.
-Os próximos seis meses serão difíceis para ti.
-Pensa te pôr difícil?
-Não, não é isso o que queria dizer.
-Amo-te, Harrison.
-Eu também te amo. Tenho que voltar para a Inglaterra, carinho. Quero que lhe reúnas lá, comigo.
-Sério?
-Sim.
-por que tem que voltar?
-Tenho que terminar algo que comecei.
-Quererá ficar ali muito tempo?
-Isso depende de ti.
Mary Rose não compreendeu:
-Ainda sente falta das Highlands?
-O que desejo é estar contigo. Não importa onde viva.
-Antes era importante.
Harrison sorriu: nisso, tinha razão. Retornar às Highlands tinha sido uma obsessão. Entretanto, pela Mary Rose, todos seus planos tinham trocado. Podia ser ditoso em qualquer parte do mundo, sempre que a tivesse a seu lado.
-Quando quer partir ?
-Tinha pensado em ir depois de amanhã. E quero que venha comigo o antes possível.
Tudas as mudanças que queria fazer Harrison a afligiam. Como poderia deixar a seus irmãos? Um oceano a separava da Inglaterra. OH, Deus! por que tinha que ser tão longe? Viveriam na cidade? Como poderia viver na cidade? Não poderia respirar. A multidão a enlouqueceria. Acaso, ao olhar pela janela, veria pavimento e edifícios? Como era possível que abandonasse seu paraíso?
E como permitir que Harrison a deixasse? A vida sem ele seria insuportável.
A cabeça lhe bulia de interrogantes.
-Sei que necessita tempo para pensá-lo, carinho.
-Sim -respondeu-. Quisesse... Harrison, pensará na possibilidade de viver aqui?
-Sim, se for possível.
-É-o?
-Ainda não sei.
-E se não poder me reunir contigo?
-Eu viria a te buscar.
-Agora não quero pensar no futuro. Amanhã pensaremos em planos e decisões. Por favor, me beije outra vez. Quero que me faça o amor, agora.
apoiou-se sobre os cotovelos e o olhou aos olhos.
-Quero te sentir outra vez dentro de mim -sussurrou.
-Não podemos -respondeu Harrison, também sussurrando-. É muito logo, carinho. Poderia te fazer danifico.
Mary Rose se inclinou e o beijou. Não lhe importava se o fazia danifico. Necessitava-o.
-Por favor -murmurou. Roçou outra vez os lábios dele com os seu-. Um beijo, meu amor. me deixe te dar um beijo, e se quiser que me detenha então, prometo-te que o farei.
-eu adoro como me devolve minhas próprias palavras -lhe disse. Rodeou-a com os braços e a elevou, acomodando-a em cima dele. -Acaso pensa seguir me beijando até que consiga que te penetre de novo?
-OH, sim.
Foram as últimas palavras coerentes que puderam pronunciar durante muito, muito tempo.
dormiram em um enredo de braços e pernas. E de amor.
5 de abril de 1868
Querida Mamãe Rose:
Ayee Adam se meteu em uma briga. Foi por minha culpa, porque aos índios gostava de meu bonito cabelo. Mando-te um pouco no sobre, para que veja quão formoso é. Mas como é amarelo, aos índios gostou tanto que me queriam tirar isso tudo, Mamãe. Um deles disse que me levaria junto com o cabelo, e foi então quando Adam enlouqueceu. Cole e Douglas se foram, e quando Travis saiu do estábulo Adam lhes tinha dado uns bons murros. A seu filho sangrou o nariz, mas os índios com os que se zangou ficaram tendidos em nosso jardim quando terminou com eles.
As brigas não são boas, Mamãe. Até o Adam o disse, mas agora está convencido de que deixarão meu cabelo em paz.
Assim o espero.
Sua filha Mary Rose
15
Mary Rose retornou a seu dormitório pouco antes do alvorada. Surpreendeu ao Harrison dormido quando se ia. E embora tinha o sonho ligeiro, quase não se moveu quando ela saltou da cama, vestiu-se, e saiu do barraco. Supôs que o tinha deixado esgotado, e essa possibilidade lhe provocou um insólito prazer.
Entretanto, não estava lista para começar o dia. dormiu assim que sua cabeça se posou no travesseiro, e não despertou quase até as dez.
Não voltou a ver o Harrison até a hora do jantar. Travis lhe disse que Dooley tinha chegado cedo, para entregar um telegrama.
Seu irmão já se encaminhava para a porta de atrás quando o mencionou, e Mary Rose foi atrás dele para lhe pedir detalhes.
-Para quem era o telegrama?
-Para o Harrison, certamente. Se tivesse sido para algum de nós, teria-o visto sobre a mesa da cozinha. .
-Quem o envia?
-Não sei.
-Travis, por favor, detenha. Harrison te comentou algo a respeito? Leu-lhe isso?
O irmão se deu a volta.
-Não, não me comentou nada, e eu não lhe perguntei. Mas não parecia muito feliz com as notícias recebidas. De fato, parecia mas bem sombrio.
-OH, Senhor, rogo que não tenha morrido ninguém.
-por que te ocorre que pode ter morrido alguém?
-Travis, os telegramas sempre trazem más notícias. Qualquer sabe. O que fez Harrison depois de ler a mensagem?
Travis suspirou:
-guardou-se o papel no bolso e foi ao barraco a empacotar suas coisas. Ia ao povo a comprar um baú em que embarcar suas coisas para a Inglaterra, mas Adam lhe deu um dos seus. Eu lhe prometi que eu faria o envio.
-Harrison parte. Sabia que se ia -disse Mary Rose-. Me disse isso.
-Não te inquiete até ter falado com ele.
-Não estou inquieta.
-Nesse caso, me solte o braço. Está me beliscando.
Não advertiu que tinha agarrado o braço do irmão, e se apressou a retirar a mão.
-Não quero que parta.
A expressão do Travis se suavizou.
-Sei. Não sempre amar a uma pessoa é prazenteiro, não? Faz-te te sentir vulnerável.
Não pôde menos que estar de acordo pois, nesse mesmo instante, sentia-se desventurada.
-Não, não sempre é prazenteiro. Quando se vai?
-Não o há dito.
-Onde está agora?
-partiu com o Adam faz uma hora. Não me disseram aonde foram, mas sei que Adam queria falar em privado com ele. Talvez tenham ido ao do Cowan a pescar. Perto da curva, as trutas abundam como moscas. Não perca o tempo te afligindo, Mary Rose. Estou seguro de que, esta noite, Harrison lhe explicará isso.
Mary Rose voltou para a casa. Teria que encontrar o modo de passar o resto do dia. Senhor, quanto desejava ser uma pessoa paciente! Odiava esperar algo, inclusive más notícias.
Esse dia, Eleanor não era uma boa companhia. arrastava-se pela casa, e não queria fazer virtualmente nada. Mary Rose resolveu fazer limpeza a fundo no vestíbulo. Manter-se atarefada, ajudaria a que o tempo passasse mais rápido, ou ao menos isso acreditava.
Não deu por terminada a tarefa com o vestíbulo. Esfregou chãos, trocou lençóis de todas as camas, lavou janelas, e depois saiu a trabalhar no jardim. A última hora da tarde, estava exausta. Foi à cozinha a preparar o jantar, mas o cozinheiro agitou a faca de açougueiro ante ela e lhe disse que saísse de seu caminho. Samuel, ou Cara Franzida, como o chamavam Douglas e Cole, era parte índio e parte irlandês. A julgamento do Adam, formava uma mescla interessante no que se referia ao temperamento. Samuel tinha o típico caráter irlandês, mas com uma nervura de dignidade.
A Mary Rose parecia adorável, embora não se atrevia a dizer-lhe pois ao Samuel não gostava dos cumpridos de nenhuma índole.
-Samuel, é tão resmungão como quando chegou -afirmou. Pela expressão dos olhos castanho escuro, compreendeu que lhe tinha gostado de sua opinião. Agitou outra vez a faca ante sua cara, ameaçou-a lhe envenenando o jantar, e logo repetiu que se esfumasse.
Mary Rose estalou em gargalhadas. Samuel se deu a volta, mas a moça já tinha surpreso seu sorriso.
Como Adam não tinha escrito a palavra do dia na piçarra, apoderou-se do giz e a escreveu ela. Em grandes e grosas letras de imprensa, escreveu lisonja.
-Olhe, Samuel: tenho escrito seu nome -brincou. Seguiu chateando ao cozinheiro uns momentos mais, só para conversar com ele, e logo foi pôr a mesa para o jantar. Ao terminar a tarefa, foi à planta alta a procurar roupa limpa, o sabão e toalhas, e arrastou consigo a Eleanor a banhar-se na curva do rio.
Estava impaciente por voltar a ver o Harrison, embora evitou olhá-lo diretamente quando compartilhavam a mesa. Tinha medo de ruborizar-se ao recordar o que tinham feito a noite passada. Cada vez que pensava no ato de amor compartilhado, acalorava-se e se agitava.
Por medo de que seus irmãos o advertissem, manteve a vista cravada no prato. Não se envergonhava no mais mínimo do que tinha feito, mas não estava disposta a compartilhar seus assuntos íntimos com ninguém.
Ao parecer, eles tampouco tinham muita pressa por falar do tema, embora Mary Rose sabia que ao menos dois deles a tinham ouvido sair da casa durante a noite. Adam deveu ouvi-la baixar a escada, e sem dúvida, Cole despertou no mesmo instante em que ela abriu a porta do dormitório. Entretanto, nenhum deles disse uma palavra sobre sua conduta, e possivelmente por isso não se atrevia a olhá-los durante o jantar.
Sabia que sabiam, então, por que não se sentia nem um pouco culpado? Compreendeu que necessitaria tempo para entendê-lo.
Não acreditava que Harrison tivesse a menor dificuldade em adaptar-se à nova relação. Estava segura de que, a seu julgamento, não tinham feito nada reprovável. Em opinião do Harrison, tinha forjado um compromisso com ela, e à inversa, e talvez acreditasse que deviam comportar-se como um antigo matrimônio. Entretanto, ao menos do ponto de vista legal, não estavam casados, e até que um clérigo benzesse a união, Mary Rose se preocuparia de não afligir a seus irmãos.
Não se conversava muito. Essa noite todos pareciam preocupados, e o ambiente apagado a pôs mais nervosa ainda.
Até a Eleanor se comportava de maneira desacostumada. Bebia água do copo, mas não tocou a comida. Nem sequer a movia no prato como fazia Mary Rose, para fazer acreditar nos irmãos que, em realidade, estava comendo.
Douglas foi o primeiro em advertir que Eleanor não estava bem.
-Não se sente bem, verdade, Eleanor?
-É que esta noite estou um pouco cansada. Não sei por que. Não tenho feito nada que o justifique. Faz frio aqui, não é certo?
Douglas olhou ao Adam.
-Tem febre. Olhe como tem as bochechas avermelhadas.
Mary Rose deixou o garfo e se voltou para seu amiga.
-Está doente? -sussurrou.
Douglas se levantou da cadeira e rodeou a mesa. Apoiou-lhe o dorso da mão na frente, para ver se tinha febre.
-Sim, tem febre. E bastante alta. Vêem comigo, Eleanor. Levarei-te a deitar.
Ajudou-a a levantar-se, e a moça se apoiou pesadamente contra ele.
O estado lamentável de seu amiga e seu próprio egoísmo horrorizaram a Mary Rose. Teria advertido que Eleanor estava doente se não tivesse estado tão concentrada pensando em si mesmo.
mostrou-se muito desconsiderada.
-OH, Eleanor, lamento muito que não se sinta bem. por que não me disse isso antes?
-Não queria me queixar.
Cole sacudiu a cabeça.
-Não tem por que ser uma mártir Ellie. Quanto faz que se sente mau?
-Desde esta manhã -respondeu-. Esta tarde, Mary Rose me fez ir ao rio a me banhar. E embora a água estava muito fria, tampouco me queixei. Adam, foi bom de minha parte sofrer em silêncio, não é certo?
Adam viu que tinha lágrimas nos olhos, e o invadiu a culpa. Era evidente que ainda tinha medo de que a jogassem.
aproximou-se dela e lhe aplaudiu a mão.
-Teria que te haver queixado -lhe disse-. Eleanor, já é parte da família. Todos queremos saber quando está doente para poder te cuidar.
-Sério?
A afirmação a maravilhou. Adam sorriu.
-Sim, a sério -confirmou-. Douglas te curará em pouco tempo. Vê acima com ele. dentro de um momento, eu subirei a te levar um pouco de chá. Mary Rose, por que não a ajudas a meter-se na cama?
Cole esperou a que Douglas e Mary Rose se levaram a Eleanor para voltar a falar.
-Já estamos perdidos.
-O que quer dizer? -perguntou Adam.
-Não viu sua expressão quando lhe disse que estava bem queixar-se? Tenho a sensação de que gostou de muito ouvir isso.
-Não seja ridículo -replicou Adam-. Está doente. Já a viu.
-Esquece o tema das queixa -disse Travis-. Estou muito mais interessado em outra coisa que Adam disse a Eleanor. O que quer dizer com isso de que já é parte da família?
Cole assentiu:
-Sim, Adam, o que quer dizer?
-Só queria que se sentisse bem tratada. Não há nada de mau em fazer que se sinta cômoda, certo?
-Quando pensa ir-se Eleanor? -perguntou Travis.
Adam se fingiu concentrado em lhe tirar um espinho à truta.
-Bom, acredito que isso depende dela, não lhes parece?
Travis e Cole olharam. Logo, o primeiro balbuciou:
-Diabos, não se irá alguma vez, verdade?
Cole franziu o sobrecenho.
-Oxalá me houvesse isso dito antes de que eu a beijasse. Jamais teria flertado com ela de saber que ia ficar. Diabos -finalizou, em voz baixa-. Agora, terei que conversar com ela a respeito de minhas intenções.
Douglas voltou para comilão justo para ouvir o último comentário Cole.
-Não quererá dizer de sua falta de intenções?
O irmão assentiu. Douglas moveu a cabeça.
-Teria que estar envergonhado... olhe que te fazer o parvo com a Eleanor! Adam, não lhe leve o chá até que eu vá procurar um pouco de meu pó especial, porque queria lhe pôr uma colherada dele na taça. Oxalá não lhe houvesse dito que está bem queixar-se. Está aí acima, lamentando-se contudo. Até alterou a Mary Rose, que se culpa pela febre da Eleanor, e lhe repete que a perdoe por ter sido tão egoísta. Ultimamente, nossa irmã está muito sensível -continuou, jogando um olhar significativo ao Harrison-. Penso que, talvez, contagiou-se. Não provou bocado do jantar, e não olhou Harrison nem uma vez, notei-o.
-Eu também -interveio Cole.
-Possivelmente deveríamos adiar a conversação até que Mary Rose, sinta-se melhor -propôs Travis.
-Não -disse Harrison em tom firme. Adam assentiu.
-Adiamos o que tememos -disse a seu irmão-. Não podemos atrasar isto. Temos que dizer-lhe o antes possível. passei o dia interrogando ao Harrison a respeito da família Elliott. Assegurou-me que ele a cuidará. Seria melhor deixar que fique conosco um pouco mais, até que se tenha acostumado à idéia de ter uma família na Inglaterra.
Harrison quis discutir, mas decidiu guardar silêncio, no momento. retirou-se da mesa, e saiu a sentar-se no alpendre.
Adam foi atrás dele. sentou-se em uma cadeira, junto ao Harrison, e estirou para frente as largas pernas.
-Você não gosta de minha sugestão, não é certo?
-Não, eu não gosto de -repôs Harrison-. Está demorando o inevitável. Pode adaptar-se durante a viagem a Inglaterra, Adam.
-Enerva-me a perspectiva de lhe soltar algo e depois, apressá-la. Não, ela necessita... Mary Rose, quanto faz que está aí?
-Não muito -respondeu. Abriu a porta e saiu.
-Posso ficar com vós?
-Não -respondeu Adam, sem suavizar a negativa com razões.
-Deixa-a ficar -sugeriu Harrison-. Preciso falar com ela.
Adam assentiu. Mary Rose apoiou as costas contra o poste, uniu as mãos como em oração, e olhou fixamente a seu irmão.
-Por favor, poderia algum de vós me dizer o que está passando? por que estão os dois de mau humor?
-Não estamos de mau humor -replicou Adam.
-Está zangado.
-Pareceu-lhe que dizendo isso seria suficiente.
-Estamos falando de questões sérias, Mary Rose. E ainda não lhe concernem.
-Claro que lhe concernem. Sei razoável, Adam -lhe pediu Harrison.
-Serei razoável quando chegar o momento. Acredito que irei preparar o chá para a Eleanor. Não fique fora até muito tarde, Mary Rose. Seguiu a seu irmão até a porta.
-O que é o que têm que me contar, mas não querem me apressar?
-Estava nos escutando, verdade?
Mary Rose assentiu:
-me pode explicar isso Al mismo tiempo que le daba la tierna orden, se tendía hacia ella. La sentó en su regazo y le rodeó la cintura con los brazos.
-Amanhã -lhe prometeu Adam-. Amanhã lhe explicarei isso tudo. Esperou a que o irmão tivesse desaparecido dentro, e logo se aproximou do Harrison. parou-se entre as pernas estiradas deste, com as mãos aos lados, tratando de parecer serena. Não queria que a visse dominada pelo pânico. Todo o dia tinha tentado permanecer em calma, mas do momento em que Travis lhe disse que Harrison estava fazendo as malas, encheu-se de ansiedade.
Harrison falou primeiro:
-Está zangada comigo?
O olhar da Mary Rose, estalagem sobre o queixo do homem, passou agora aos olhos.
-Não, não estou zangada.
-Durante o jantar, não me olhaste nem falado nem me falou. Acreditei que estava molesta por...
Não o deixou terminar:
-Sei que te parte logo. Há-me isso dito Travis.
-Sim.
Esperava que lhe desse suas razões para ir-se tão depressa, mas Harrison não disse uma palavra.
O tinha advertido. Mary Rose o recordou outra vez, mas não a aliviou.
Não lhe tirava a vista de cima. A luz da lua suavizava a expressão sombria. Mary Rose desejou que a abraçasse, que a consolasse. sentia-se muito desventurada nesse momento, e sabia que estava a ponto de chorar, mas se sentia muito dolorida por dentro para que lhe importassem as lágrimas.
-Tentou me preparar, verdade? Disse-me que tinha que ir. Só que eu esperava que não fosse tão logo. Parte-te agora pelo telegrama que recebeste?
Harrison negou com a cabeça.
-Não, o telegrama se referia a um assunto financeiro. te aproxime, Mary Rose.
Ao mesmo tempo que lhe dava a tenra ordem, tendia-se para ela. Sentou-a em seu regaço e lhe rodeou a cintura com os braços.
-Está bem?
Sua voz foi um rouco sussurro.
Não lhe respondeu imediatamente. Como podia estar bem, se ele se ia? Acaso não compreendia que se levava com ele seu coração?
-Sei que ontem à noite te fiz mal.
-Hoje estou um pouco irritada -respondeu, sussurrando-. Te arrepende de que nos tenhamos deitado juntos?
Pergunta-a o zangou. lhe levantando o queixo, obrigou-a a olhá-lo.
-Não, carinho, não me arrependo no mais mínimo. Se pudesse, faria-te o amor agora mesmo. Deus é testemunha de que te quero.
As lágrimas titilaram nos olhos da jovem.
-Eu também te quero -sussurrou-. Eu gostaria de poder ser mais mundana neste sentido. É que eu não gosto de me sentir vulnerável, Harrison.
"Nem abandonada", acrescentou para si.
-por que crie que se sente vulnerável?
-Porque você te parte, maldição.
-Você virá a Inglaterra, Mary Rose. Será uma separação breve. Acaso não estava me escutando ontem à noite? Nunca te deixarei ir. Agora me pertence.
inclinou-se, e lhe deu um beijo comprido e ardente. Lhe rodeou o pescoço com os braços e lhe devolveu o beijo com todo o amor e tudo o desespero que sentia dentro.
Quando o beijo acabou, quase não pôde recuperar o fôlego. Colocou a cabeça sob o queixo do Harrison e escutou sua respiração agitada.
-Amo-te, Harrison.
-Sei, pequena.
Esfregou-lhe as costas, deleitado com a sensação que lhe provocava a ter apertada contra si.
-Temos esta noite. me faça o amor outra vez, por favor.
-Farei-te mal.
Enquanto lhe explicava que motivo tinha para não tocá-la, ficou de pé, com ela em braços, e se encaminhou ao barraco.
Mary Rose tratava de lhe desabotoar a camisa e beijá-lo, ao mesmo tempo.
Para quando chegaram, os dois estavam muito excitados para deter-se. As mãos da moça tremiam muito para tirá-la camisa. Harrison se encarregou da tarefa, amaldiçoando pelo baixo pois era impossível desprender os diminutos botões com essas mãos tão grandes.
As roupas de ambos terminaram amontoadas no chão. Caíram juntos sobre a cama. Harrison tratou de sustentar-se com os braços enquanto se colocava em cima dela, e ao sentir a pele morna contra ele soltou um gemido.
O comichão que sentia na boca do estômago, começou a estender-se por todo o corpo da Mary Rose. lhe rodeando a cara com as mãos, atraiu-o para ela e se deram um comprido beijo molhado, com as bocas abertas.
Harrison trocou de posição e começou a acender o fogo dentro dela. Sua mão foi deslizando-se para baixo pelo ventre. A moça inalou uma funda baforada de ar, antecipando-se ao prazer que lhe daria, mas quando os dedos do homem se meteram na união das coxas, e começou a acariciá-la, Mary Rose sentiu uma pontada aguda de dor.
Sujeitou-lhe a mão tratando de detê-lo.
-Dói-me mais do que supus. Teremos que parar, Harrison. OH, Deus, não quero me deter. Eu...
A boca do homem cortou o protesto. Sustentou-a abraçada, e a devorou com beijos quemantes e palavras apaixonadas.
Em um abrir e fechar de olhos, fez-a desejar mais, e logo esqueceu a preocupação pela dor.
Quando ao fim acabou o beijo, e começou a lhe mordiscar brandamente o pescoço, Mary Rose tremia pelo anseia de unir-se a ele. Sentia o fôlego quente do Harrison no ouvido, enquanto lhe murmurava eróticas promessas excitantes do que queria lhe fazer.
Foi descendendo, e começou a lhe beijar os peitos, depois o estômago, e quando voltou a deslocar-se, beijou-a no centro mesmo do calor, fazendo-a emitir uma exclamação afogada, e tratando de detê-lo.
Mas Harrison não se deteve, pois o sabor da Mary Rose em sua boca era muito maravilhoso para apartar-se nesse mesmo momento. A língua acariciou as tenras dobras da carne tersa, e se introduziu na morna abertura.
A mulher se apertou a ele e lhe suplicou mais e mais, com suaves gemidos. Cravou-lhe as unhas nos ombros, e quando sentiu os primeiros tremores do orgasmo, disse seu nome a gritos e a só intensidade das sensações a fez soluçar.
Sentiu-a desfazer-se contra ele, e soube que já não podia esperar mais. Se não se movia dentro dela, voltaria-se louco. Trocou outra vez de posição, de maneira que ficou de joelhos entre as coxas da Mary Rose. Elevou-a, e se afundou a fundo nela com um forte impulso.
A dor se fundiu com a plenitude. A tensão que o homem tinha feito crescer dentro dela com tanta destreza estalou em mil pedaços. submeteu-se ao deleite, pois se sentia segura e protegida nos braços do homem que amava.
menos de um minuto depois, Harrison chegou a seu próprio clímax. Soltou um grito de puro prazer, e derramou sua semente na mulher. Tivesse querido conter-se, lhe brindar um segundo orgasmo que chegasse junto com o seu, mas suas melhores intenções ficaram esquecidas quando esteve dentro dela e as apertadas paredes o oprimiram. Sentiu que, ao redor dele, Mary Rose vibrava, e perdeu o controle. Cada vez que se retirava, ela se arqueava para cima, empurrando-o à liberação. Mary Rose levantou os joelhos para que pudesse penetrá-la mais, e então, já não pôde conter o clímax... que Deus o ajudasse!
ouviu-se lhe declarando seu amor uma e outra vez, e em um rincão recôndito de sua mente, registrou o fato de que ela soluçava. Abrigou a esperança de não havê-la machucado, mas uma vez que lhe tinha entregue sua semente, não pôde apartar-se dela.
ficou dentro dela, e deixou cair a cabeça no oco de seu pescoço.
Embora a realidade demorou para voltar, quando o fez, Harrison transbordava de preocupação. comportou-se como um selvagem. A teria machucado?
-Está bem? -sussurrou Mary Rose.
Harrison tentou entender a pergunta.
-Harrison, por favor, respira. Assusta-me. retorceu-se debaixo dele.
-Deus querido, então, matei-te?
Harrison estalou em gargalhadas, sem explicar-se de onde tirava as forças. O prazer o deixou muito lânguido para mover-se, e quase não podia convocar uma idéia coerente.
-Está bem? Tinha medo de te machucar -disse.
A voz rouca a fez estremecer-se. "Que o Céu me ajude", pensou a moça. "Harrison poderia estar lendo o periódico em voz alta, e eu me excitaria. Claro, é pelo acento. É o acento mais sensual que ouvi jamais."
-Ainda estou viva -murmurou-. me Diga outra vez que me ama.
-Amo-te.
-Isso me ajudará... se e quando... -murmurou.
Harrison se moveu com esforço. ficou de lado e a atraiu a seus braços.
-Se e quando o que, menina?
-Se, quando vai, estou grávida.
A Mary Rose pareceu que ele tentaria aliviar sua preocupação, mas ao Harrison não.
-Espero que sim. Quero, pelo menos, vinte filhos.
-Que o Céu me ampare -sussurrou.
Em gesto possessivo, Harrison posou a mão sobre seu ventre, lhe provocando tremores que desceram pelas pernas.
-Será uma mãe muito formosa.
-Estarei gorda.
-Eu gosto das gordas.
-Não vá.
-Devo fazê-lo. Reunirá-te comigo, carinho. Não estaremos muito tempo separados.
-E se algo acontece que me impede de ir para ti?
-Já te disse antes que voltarei a te buscar.
-E logo?
-Se for preciso, levarei-te a Inglaterra à força -prometeu-. Dooley me disse que o juiz Burns vai caminho do Blue Belle. Acompanha ao Belle a sua casa. Ao parecer, esta prendado dela.
-Prendado?
-Palavra do Dooley, não minha -lhe explicou, em meio de um bocejo-. Acredito que deveríamos oficializá-lo antes de que eu vá. Carinho, quer que nos casemos amanhã?
-Preferiria esperar, e que nos casasse um pregador, um sacerdote ou um rabino. Não me parece muito romântico que me case um juiz "varal".
-Não quero esperar.
-Tem medo de que troque de idéia enquanto está ausente?
-É muito tarde para que troque de idéia. Ontem à noite, quando cruzou essa porta, forjou um compromisso comigo. por que voltou para seu dormitório depois de que fizemos o amor?
-Por meus irmãos -deslizou os dedos pelo peito do homem-Não queria fazer nada que os envergonhe mais.
-Que os envergonhe mais?
Não quis levantar a voz, mas as palavras da Mary Rase o encolerizaram e não pôde controlar sua reação.
-Assim é como se sente, maldita seja? Crie que te rebaixou ao te deitar comigo?
Tentou acalmá-lo.
-Por favor, Harrison, trata de entender. Sei que agora não é possível que nos casemos, mas ainda não estamos realmente casados, e devo ter em conta os sentimentos de meus irmãos. Se nos encontrarem juntos na cama, lhes romperá o coração.
Harrison não o entendeu. antes de que ela tivesse tempo de pestanejar, tinha saltado da cama e estava ficando-os calças.
-Vístete -lhe ordenou, em tom duro que implicava o rechaço de qualquer discussão. Mary Rose não fez conta.
-Volta para a cama. me deixe que trate de lhe explicar isso de modo que...
-Mary Rose, vístete, ou te juro Por Deus que te levarei a casa envolta em uma manta. Quer que seus irmãos lhe vejam...?
Não teve que continuar. A moça saltou da cama e começou a vestir-se.
O homem esteve preparado antes que ela. Ajudou-a a ficá-la blusa e lhe alcançou a saia.
-Poderia me explicar, por favor, a que vem a pressa?
Em sua opinião, pergunta-a era razoável, mas ele se comportou como se lhe tivesse gritado e insultado.
-A palavra envergonhar não me cai bem -lhe espetou-. Deveremos manter uma pequena conversação com seus irmãos. Maldita seja, date pressa.
Mary Rose se voltou para procurar os sapatos. Então, viu os lençóis, e lançou uma exclamação. Inclusive de longe, via-se a salpicadura de sangue.
Em um instante, o rosto lhe pôs encarnado. Esqueceu por completo os sapatos, e correu a tirar os lençóis.
Com os braços em jarras, e uma expressão que indicava que acreditava louca, Harrison a observava fazer.
-Tem-me feito sangrar.
-É o normal.
-Não tem por que ser tão insensível. E se tivessem entrado meus irmãos? Disparariam-lhe antes de te deixar dar nenhuma explicação.
-Eles conheciam minhas intenções. Deixa em paz os benditos lençóis, Mary Rose. Quero falar com o Adam antes de que se deite.
Mary Rose fez uma bola com as roupas e se voltou para o Harrison, carrancuda.
-Não vamos falar com o Adam. Irei à casa sozinha. Se crie que vais dizer lhe a meu irmano o que temos feito, está equivocado. Não aceitarei ser envergonhada nem humilhada, Harrison. Entende-me?
Atirou os lençóis ao chão e ficou os sapatos. Não podia acreditar que a noite terminasse deste modo. Harrison tinha sido um amante tão considerado e tenro, e agora se comportava como um bruto arrogante. Não sabia o que lhe tinha dado, mas não estava de humor para apaziguá-lo. A só idéia de lhe fazer ter sabor do Adam que se entregou lhe revolvia o estômago. Não permitiria que ninguém a envergonhasse dessa maneira, nem sequer o horrível sujeito do que se apaixonou.
Tratou de passar junto a ele, mas Harrison lhe agarrou a mão e a reteve. Logo, arrastou-a atrás dele através do pátio, pelas escadas, dentro da casa.
Na entrada, passaram ante Cole. Este olhou a sua irmã duas vezes, e disse:
-Que diabos te passou?
Olhava-lhe o cabelo, e Mary Rose usou a mão livre para tentar colocar-lhe -El juez Burns estará dichoso de celebrar mañana la ceremonia.
-Nada -exclamou, enquanto Harrison seguia arrastando-a. Não golpeou a porta da biblioteca. Abriu-a com brutalidade e empurrou brandamente a Mary Rose dentro. ficou detrás dela, e quando a moça tratou de retroceder se topou com o muro sólido de seu corpo lhe cortando a retirada.
A interrupção sobressaltou ao Adam. Fechou o livro que estava lendo e fez gesto de levantar-se.
Harrison lhe pediu que ficasse sentado. Sob o olhar do irmão, Mary Rose foi empurrada para a outra cadeira de balanço, onde lhe ordenou sentar-se.
Mary Rose moveu a cabeça.
-Harrison, isto é revoltante -sussurrou-. Se disser uma palavra, juro-te que farei algo espantoso.
Harrison lhe aconteceu o braço pelos ombros, e fixou a vista no irmão.
-Adam, Mary Rose e eu precisamos casamos o antes possível. O juiz Burns deve estar amanhã no Blue Belle. Acredito que teremos que ir todos ao povo Y...
-Não deixarei que me case um juiz que pendura gente. Vai contra meus princípios -afirmou.
-Harrison, fecha a porta -disse Adam-. Por favor, baixem a voz, os dois. O que é toda esta questão de casar-se?
-Ao Harrison deu um ataque -afirmou Mary Rose. Cruzou os braços sobre o peito e cravou a vista por cima do ombro do Adam, porque não se decidia a olhá-lo aos olhos-. Não escute nada do que diga. O que acontece é que se sente mal porque tem que ir-se.
O braço do Harrison se posou outra vez no ombro da moça, mas com mais força. Mary Rose supôs que estava pressionando-a para fazê-la calar.
Tratou de ignorá-lo.
-Parece que nos encetamos em uma discussão. Teríamos que resolvê-la entre nós, e não te colocar a ti, Adam, Agora, nos desculpe.
Embora era uma despedida elegante, ficou arruinada porque Harrison não lhe permitiu partir.
-Adam, acreditei que Mary Rose tinha entendido, mas agora vejo que não. Ao parecer, está convencida de que poderia ter envergonhado aos irmãos por haver-se deitado comigo. Tendo em conta que se sente assim, sugiro que nos casemos com a maior urgência. Que me matem se permitir que se sinta envergonhada pelo que aconteceu entre nós. Eu tinha intenções de explicar-lhe mas o que pretendia se perdeu por causa do que fiz, e agora já não me importa a questão da oportunidade. Eu a amo e ela me ama.
Adam assentiu, indicando ao Harrison que tinha entendido, mas sem apartar a vista de sua irmã menor. Para falar a verdade, nesse momento não parecia uma mulher apaixonada a não ser, mas bem, uma mulher com vontades de matar ao persumido noivo.
-O juiz Burns estará ditoso de celebrar amanhã a cerimônia.
-Adam, não quero...
-Mary Rose, sente-se envergonhada?
A moça fechou a boca. Sabia que, se dizia que sim, ao dia seguinte estaria casada, e se dizia que não, mentiria-lhe ao irmão.
-me disse que quereria ser tão mundana como eu, com relação a este tema -comentou Harrison-. Até faz uns minutos, não soube o que queria dizer. Amanhã devo ir ante o juiz?
-Seria muito mais agradável que as bodas fosse aqui, no rancho, e estou seguro de que aceitará vir. te assegure de convidar ao Belle, que nos ajudou enquanto Mary Rose crescia. lhe gostará de vê-la casar-se. Contudo, não me parece que deva mencionar o fato de que te deitaste com sua noiva. Tem que ir, e esse será justificativo suficiente para realizar umas bodas apressada.
-Quero que ela venha comigo.
-Isso o decidirá ela. Terá que decidi-lo depois de que falemos.
-Acredito que deveríamos sustentar agora essa conversação.
Cole foi o que o disse da entrada. Travis estava detrás.
Mary Rose quis que se abrisse o chão e a tragasse. Se tinham ouvido dizer que se deitou com o Harrison, sem dúvida morreria de mortificação.
-Um problema cada vez -propôs Adam-. O fato, feito está. Amanhã teremos bodas. Estamos de acordo nisso?
Cole e Travis assentiram.
-Aqui, é fácil divorciar-lhe disse Cole a sua irmã-. Durante a cerimônia, deve o ter presente.
Seu humor negro divertiu ao Harrison.
-Não funciona desse modo. O matrimônio é para sempre. Entende isso, Mary Rose?
Mary Rose apartou o braço do Harrison de seus ombros, e se deu a volta.
-Que classe de proposta matrimonial é esta? Acaso tenho que interpretar isso de "entende Mary Rose" como, "Quer te casar comigo?" Harrison, tem um modo de te expressar que, se não te amasse tanto, acredito que te mataria. boa noite.
ficou com a última palavra. Quando saiu da biblioteca, ninguém a deteve. Correu a seu dormitório, e não se permitiu chorar até ter fechado a porta.
O amoroso Harrison estava convertendo-se em um espinho no traseiro. Envergonhada ou não, não pensava deixar-se casar por um juiz "varal". "Não, senhor, de maneira nenhuma", pensou, empregando uma das respostas absurdas preferidas de Cole.
Uma vez decidida, sentiu-se melhor, e dormiu com as palavras de seu irmão retumbando na mente.
Não, senhor, de maneira nenhuma.
18 de agosto de 1869
Querida Mamãe Rose:
Travis, Douglas, Cole e eu nos alegramos de que tivesse escrito ao Adam uma carta severo. Nenhum de nós te notou jamais tão zangada, mas seu filho maior necessitava que lhe dissesse que se tranqüilizasse. A absurda idéia de partir a um lugar ignoto para que Livonia não pudesse te chantagear para te obrigar a que fique com ela foi uma tolice, tal como você disse.
Cole está convencido de que há uma maneira de sair deste atoleiro, e é óbvio que não compartilha sua compaixão pela Livonia. Não entende como não a odeia, mas Adam diz que você não sabe odiar a ninguém. por que não permite que qualquer de nós vá verte? Os filhos da Livonia não podem nos fazer danifico, Mamãe.
Não tenha dúvida de que eu gostaria de te abraçar.
Sua filha, Mary Rose
16
Foi armada a suas bodas. Ao juiz Burns não gostava da idéia de que houvesse armas de fogo em sua sala de tribunais, e insistiu em que a tirasse do bolso. Até a teria feito registrar, se Adam o tivesse permitido.
O juiz não era um homem desagradável. Em opinião da Mary Rose, era jovem para ser juiz, pois ainda não tinha cinqüenta anos, e fazia já quinze que pendurava a delinqüentes.
Tinha uma figura aposta. Alto, um pouco cansado de ombros pela idade, de brilhantes olhos verdes que, para os condenados, eram da cor dos de Satã. Mas não tinha entradas de calvície, a não ser abundante cabelo mogno escuro. Tinha inclinação ao caráter irlandês e a practicidad inglesa.
entendeu-se de maravilha com o Harrison do momento em que se conheceram. Burns tinha parentes longínquos que viviam nos subúrbios do Canterbury, e estava convencido de que tinha outra coisa em comum com o Harrison, além da lei.
Além disso, abrandou-lhe o coração o modo em que o iminente noivo tratou ao Belle, com uma deferência só reservada aos homens de estado. Não foi fingido. Como Belle tinha ajudado a criar a Mary Rose, Harrison se sentia tão agradecido a ela como outros. Não lhe importava qual era sua ocupação. Tinha bom coração, e isso era o único importante para ele. O carinho da mulher pela Mary Rose era muito evidente, e quando pediram ao Belle que fosse donzela de companhia e testemunha, estalou em lágrimas.
Belle estava vestida de azul. Burns contou ao Harrison que nunca a tinha visto vestida de outra cor em todos os anos que a conhecia. "Se até a roupa interior de encaixe é azul!", sussurrou-lhe, enquanto esperavam que chegasse Mary Rose.
Belle tinha subido à planta alta a ajudar à noiva. A idade e a ocupação lhe tinham endurecido os rasgos. Era muito formosa, de cabelo escuro que começava a encanecer, e quentes olhos castanhos. E quando entrou no vestíbulo do braço com a Mary Rose, o orgulho e a alegria do povo, tinha um aspecto mais radiante que a própria noiva.
Mary Rose parecia desventurada. "E formosa", pensou Harrison.
-Lamento dizer que Eleanor não estará conosco -explicou Adam-. Ainda arde de febre, embora Douglas afirma que hoje está um pouco melhor.
-Belle, pode tocar o piano? -perguntou o juiz.
-Não, meu céu, não posso -lhe respondeu a mulher.
-Eu tocarei -propôs Mary Rose.
-Isso sim que não tem sentido, garota -lhe disse Belle, rendo.- Você tem que pronunciar seus votos. John, por que não nos indica onde nos colocar e celebra as bodas? Faz calor aqui. Moços, vocês fiquem detrás de sua irmã. Quem de vocês a entregará?
Belle lhe entregou à noiva um buquê silvestres. Logo, tomou a mão e a pôs sobre o braço do Harrison.
-Todos a entregamos -disse Adam ao juiz.
-Bom, suponho que está bem assim.
-Esperem. Juiz Burns, esta semana pendurou a alguém?
-Não, que eu recorde, Mary Rose.
A noiva suspirou.
-Então, está bem. Harrison, ainda não me tem proposto isso.. Não o tem feito, juiz. Só me disse que íamos casamos. Nunca me pediu isso.
Até para ela mesma sua voz soou débil, e teve a esperança de que ninguém o notasse. As flores lhe tremiam na mão. Apertou-as com força, e tratou de parecer composta.
-Carinho, tem que pedir-lhe bem -insistiu Belle. Harrison se voltou para a noiva.
-Mary Rose, quer te casar comigo?
-Não.
-Quer dizer que sim -lhe explicou Harrison ao juiz.
-Ela é a que deve pronunciá-lo.
Harrison olhou outra vez à noiva.
-Ama-me?
-Sim.
-Quer passar o resto de sua vida comigo?
-Se disser que sim, tratará de dominar os ataques?
-Sim.
-Nesse caso, sim, quero passar o resto de meus dias contigo.
-John, meu céu, me parece que está de acordo -disse Belle. O juiz se esclareceu garganta, abriu o livro e começou a ler. Harrison e Mary Rose se converteram em marido e mulher menos de cinco minutos depois.
Quando terminou, Harrison parecia aliviado. Mary Rose, alterada. Com doçura, o noivo a atraiu a seus braços e a beijou. A noiva apertou as flores contra o peito e devolveu o beijo.
-Agora pode ir -sussurrou-. Já não sou uma vergonha para meus irmãos.
-Isso não tem graça -sussurrou Harrison, contra sua boca.
Beijou-a de novo, mais forte e, lhe passando o braço pelos ombros, atraiu-a para seu flanco.
Dois dos irmãos, Douglas e Travis, tinham lágrimas nos olhos. Cole, em troca, parecia agradado, coisa que surpreendeu ao Harrison.
-Você está contente? -perguntou-lhe.
-Se estiver grávida, está casada. É provável que queira ficar aqui, Harrison. Deveria pensar nisso no trajeto a Inglaterra.
-Virá a reunir-se comigo.
Cole franziu o sobrecenho, pois Harrison parecia muito seguro de si mesmo.
O resto da tarde foi ocupada pela celebração, embora os noivos não tiveram tempo de estar a sós. Mary Rose subiu com uma parte do bolo que tinha preparado Samuel, mas Eleanor ainda não tinha vontades de comer. Chorou uns minutos por haver-se perdido as bodas, e logo dormiu, quase imediatamente. Mary Rose deixou o bolo sobre o penteadeira, e baixou a dar as graças ao Belle e ao juiz.
Harrison estava esperando-a na escada. Atraiu-a a seus braços e a estreitou contra ele.
-Prometo-te que, assim que seja possível, teremos um sacerdote que benza nossa união. Isso te fará te sentir melhor?
-Sim, obrigado.
-Amo-te, carinho.
-Eu também te amo.
-Harrison, compreendo que queira acontecer a noite com a noiva, mas queria te pedir sua opinião sobre um assunto, tendo em conta que é advogado. Poderia me dedicar uns minutos na biblioteca?
Era o juiz Burns, que formulava a petição do pé da escada. É obvio, Harrison não pôde negar-se embora, sendo sincero, quão último tivesse querido fazer nesse momento era falar de temas legais. O que queria era despir outra vez a Mary Rose.
Entretanto, isso teria que esperar. Lhe piscou os olhos à noiva e foi à biblioteca seguindo ao juiz.
Este fumava em cachimbo. Levou-lhe bastante tempo acendê-la bem e, quando o obteve, recostou-se na cadeira do Adam e sorriu ao Harrison. Indicou-lhe que ocupasse a outra cadeira.
-Esta é a família mais singular com a que eu me topei. Agora que te integraste nela pelo matrimônio, suponho que você também deve sê-lo. É assim, Harrison?
-Acredito que sim -admitiu-. São todos boas pessoas, juiz, e não cabe dúvida de que constituem uma família. Os irmãos criaram bem a sua irmã.
-A doce Belle também teve sua participação nisso. Costurou vestidos para a Mary Rose. Não a lembrança muito quando era pequena. Quando visitava o Belle, pelo general era quase o anoitecer e, é obvio, a menina estava de volta em seu lar. O que sim recordo, é uma juba de cachos. Ainda tem muitos, não? Quê-la com toda a veemência que é mister?
-Sim, senhor, assim é.
-Depois de amanhã, tenho que presidir uma audiência de um julgamento no Hammond -comentou o juiz. moveu-se, cruzou uma perna sobre outra, e continuou-: É um julgamento por jurado, e todo o povo está absolutamente em contra do defendido. Não terá um julgamento eqüitativo. Tenho a impressão de que os vigilantes forjaram cargos falsos para livrar-se dele. Alguma vez ouviu falar de um sujeito chamado Bickley?
-Nunca esquecerei a esse miserável -disse Harrison. Contou-lhe como o conheceu, e o que lhe tinha feito. A confissão do Harrison não surpreendeu ao juiz.
-Queria matá-lo porque machucou a sua Mary Rose, mas não o fez. Essa é a diferença entre um homem civilizado e um animal. É um advogado ignorante ou, realmente, sabe como funciona a lei?
-Sei como funciona.
-Queria que me demonstre isso. Viria amanhã ao Hammond, a falar com o George Madden? Esse é o homem ao que pensam condenar.
-Qual é o cargo?
-O roubo de um cavalo. Por esta zona, não se perdoa o roubo, mas se o roubado é o cavalo de um homem, a gente está acostumada pensar que a pena de morte é o único castigo possível. Lamento dizer que não tem muito tempo para preparar o caso, mas tenho uma forte sensação de que, depois de falar com o Madden, saberá quem se levou o cavalo. Não direi nada mais para te predispor, mas sim que o homem merece um julgamento justo e não o terá, salvo que você venha ao Hammond comigo. Não pode levar a sua noiva porque todo o povo está alterado por esta questão. Os vigilantes têm feito que todos se exaltassem, que se predispor a um linchamento, e o delegado não dá provisão para manter a ordem. Não posso adiar a data da audiência, para não ter que pedir nenhum favor. Se resolvesse adiar as coisas, o delegado se meteria em meu quarto e me mataria enquanto durmo. Neste momento, trabalha vinte e quatro horas, e o cárcere se abre pelas costuras, repleta de réus que necessitam de minha atenção.
-Chamam-no o juiz "varal" -comentou Harrison.
-Agrada-me sabê-lo.
Harrison riu.
-É você um homem justo, verdade?
-Eu gosto de acreditá-lo. Se terá que pendurar a um sujeito, não sou melindroso, e me asseguro de que o obtenha. Entretanto, não sempre importa o que está bem, sobre tudo quando se trata de um julgamento por jurados. Os integrantes são uma banda de ignorantes.
-Quando quer partir?
O juiz sorriu, satisfeito.
-O que te parece ao meio dia? Esse é o tempo que me levará recuperar forças para sair da cama do Belle. Então, veremo-nos frente a sua casa amanhã, se estiver de acordo.
-Sim, senhor -disse Harrison, levantando-se-. E agora, se me desculpar, tenho uma noiva que espera receber um beijo.
O juiz o deteve na entrada.
-Importaria-te me dizer para que levava sua noiva uma pistola a suas próprias bodas? Isso me intrigou muito.
-Não estou muito seguro, mas acredito que queria me demonstrar que não estava disposta a fazer, pela força, nada que não queria fazer. poderia-se dizer que estava tratando de emparelhar os tantos. Os irmãos e eu nos agrupamos contra ela. Por outra parte, esperava que a casasse um sacerdote. Suponho que queria ver benta a união.
-Bom, filho, traz-a aqui. eu adorarei benzê-la. Importará-lhe que não seja clérigo?
-Temo-me que sim, sua Senhoria.
Quando se foi, o juiz ria a gargalhadas. Mary Rose estava no piso alto, com o Belle. As duas cuidavam da Eleanor. A noiva não baixou até quase as três. Harrison, sentado no alpendre, bebia cerveja com os irmãos. Quando Mary Rose saiu ao alpendre, Harrison lhe falou do julgamento no Hammond.
Uma hora depois, o juiz partiu com o Belle, e Mary Rose entrou na cozinha para ajudar a pôr a mesa.
Os quatro irmãos pareciam realmente felizes por ela, e por muito que o tentasse, Harrison não entendia por que. Esse giro de atitude o confundia. Sabia que tinham um motivo para desejar o matrimônio, mas não podia imaginar-se qual.
Cole sentou em uma cadeira, ao lado do Harrison, e foi o primeiro em falar.
-Como foi que aceitou as bodas?
-É como diz Douglas -respondeu Cole, remarcando as palavras-. É inútil fechar a porta do estábulo depois de que se foi o cavalo. Ela te ama e você a amas.
-E então?
-Você a trará de volta a seu lar, ao que pertence.
-Quer dizer, aqui? Ao rancho?
-Pelo menos, à região. Mary Rose é de Montana. A terra forma parte dela. Não poderá tirar-lhe Ella, en cambio, tenía otras ideas. Llevaba un delantal blanco en las manos y, mientras su esposo la observaba, lo desplegó y se lo ató a la cintura.
-Fica em suas mãos o lugar onde nos instalemos -disse Harrison-. Pode trocar de ideia depois de conhecer o Elliott.
Cole e Douglas intercambiaram um olhar que Harrison não conseguiu interpretar.
-E? -insistiu, decidido a chegar ao final desse labirinto e descobrir qual era a verdadeira motivação dos irmãos.
-O não pode retê-la, certo? -perguntou Cole, em fico sussurro.
Harrison se ergueu na cadeira.
-Cole, o que significa isso?
Respondeu Douglas.
-Elliott não pode retê-la na Inglaterra, nem casá-la com algum lorde rico e velho e fazê-la ficar ali o resto de sua vida, não é verdade? Já está casada contigo. Em certo modo, consideramo-lhe uma segurança.
-Conheceu-a aqui -lhe recordou Cole-. Goste ou não, você também forma parte de seu passado. Você sabe todo o referido a nós, mas Elliott, não. Mary Rose precisará apoiar-se em sua força e em sua honra, e nós pensamos que, certamente, você a trará de volta a nosso lar. Sim, senhor, isso é o que pensamos.
-Elliott não é seu inimigo. Se o conhecessem como eu, compreenderiam que jamais obrigaria a Mary Rose a ficar em nenhum sítio onde ela não queria estar.
-Isso diz você -replicou Douglas-. Ainda assim, queremos certo amparo para nossa irmã.
-Por isso permitistes que me casasse com ela. usastes uma lógica contra a corrente. Não lhes ocorreu a possibilidade de que eu pudesse retê-la em Escócia?
Cole sorriu.
-Sabe qual é seu problema, Harrison? É muito nobre, ainda para seu próprio bem. Se ela quer voltar para Montana, você a trará. Não poderia te suportar a ti mesmo, sabendo que a faz desventurada. Em realidade, é uma pena. O amor tem seu preço. E embora agradar a Mary Rose será difícil, você o tentará.
-Você não a perca de vista -lhe ordenou Douglas-. Não nos obrigue para te buscar. Já sei que está convencido de que Elliott é um bom homem, mas nós não o conhecemos, não?
Mary Rose interrompeu a discussão. Quando entrou no alpendre, Harrison ficou de pé.
trocou-se de roupa. Para a cerimônia, tinha usado um vestido cor marfim, mas agora tinha posto outro rosado claro, rebordeado de branco, e o cabelo sujeito na nuca. A via muito recatada e pulcra e, de repente, quão único quis fazer Harrison foi lhe tirar as forquilhas do cabelo, lhe tirar a roupa, e lhe fazer o amor.
Ela, em troca, tinha outras idéias. Levava um avental branco nas mãos e, enquanto seu marido a observava, desdobrou-o e o atou à cintura.
-Suponho que, ao fim, Harrison conhecerá a planta alta -comentou Cole.
-Não, não a verá -resmungou Mary Rose-. Claro que, se quisesse, poderia, mas me pareceu mais agradável se, esta noite, eu fico no barraco. Você molesta, Harrison?
-Não -respondeu, notando o imediato rubor que lhe cobriu as bochechas.
Não imaginava o que a fazia avermelhar, mas soube que teria que esperar até mais tarde para averiguar o que era o que o provocava.
-Para que te põe o avental? -perguntou-lhe.
-ia ajudar com o jantar.
Então, Harrison viu que lhe tremiam as mãos. Os irmãos também deveram notá-lo, pois Douglas, franzindo o sobrecenho, disse:
-Sente-se bem, Mary Rose? Não te terá contagiado da Eleanor, não?
-Não, estou bem.
Harrison decidiu não esperar para saber o que acontecia. Tirou-a da mão e a arrastou, quase, até o outro lado da galeria.
-O que te passa?
-Nada -murmurou-. Só estou um pouco nervosa.
-por que?
-Acabo de me casar.
Disse-o quase gemendo.
Harrison tentou estreitá-la em seus braços, mas Mary Rose, olhando por cima do ombro aonde estavam seus irmãos, apartou-se.
Era evidente que a incomodava ter público, e Harrison se conteve.
-Eu também acabo de me casar.
-Sim, é obvio -admitiu-. foi muito rápido, não crie?
-por que não quer dormir em seu quarto, esta noite?
A expressão da Mary Rose foi de horror:
-Ouviriam-nos, Harrison. Meus irmãos ouvem até o mais mínimo ruído.
O homem assentiu: por fim o entendia.
-Necessitamos uma lua de mel como é devido. A moça lhe dirigiu um olhar exasperado.
-Amanhã tem que ir ao Hammond.
Harrison fez um gesto afirmativo. Não o tinha esquecido.
-Sabe o que acredito que deveríamos fazer?
inclinou-se para estar mais perto. Ela, a sua vez, jogou um pouco atrás a cabeça para estar mais perto.
-O que crie que deveríamos fazer?
-ir contar se o ao Corrie.
-lhe contar o que?
-Que é uma mulher casada -lhe explicou-. Aconteçamos a noite na cova. Crie que poderia encontrá-la outra vez?
-Sim, claro que posso. Harrison, a sério que esta noite quer dormir sobre pedra?
-Quero que estejamos a sós, Mary Rose. Te ocorre alguma idéia melhor?
Pela expressão de sua esposa, soube que a idéia começava a lhe gostar de.
-Estive pensando muito nessa cova -sussurrou Harrison-. Quero voltar mas, nesta ocasião, quando começar a lhe tirar a roupa, não te deterei.
O rubor aumentou, e Mary Rose se apressou a olhar outra vez sobre o ombro para certificar-se de que os irmãos não tinham ouvido.
-vá preparar suas coisas -lhe murmurou o marido-. Eu direi ao Adam aonde vamos.
-Ao Samuel agradará preparamos um cesto com comida -disse.
-Que Adam o peça, por favor. De ti, ocultaria-se.
Harrison seguia sem acreditar que tivessem, de verdade, cozinheiro, mas lhe seguiu o jogo.
Uma hora mais tarde, partiram para a colina. Mary Rose se empenhou em lhe levar ao Corrie outro cesto com presentes, e Adam lhe permitiu levar também um livro de um sujeito muito popular, chamado Mark Twain, com a condição de que Corrie devolvesse o livro quando terminasse de lê-lo. Desse modo, lhe emprestaria outro de seus tesouros para que o desfrutasse.
A noiva passou menos de uma hora conversando com seu amiga, e chegaram à cova um pouco antes de obscurecer.
Mary Rose tinha levado uma manta grosa, que usaram a modo de colchão. Essa noite, não necessitavam mantas para cobrir-se, pois o calor de seus corpos pegos entre si os manteria abrigados.
Foi a noite mais romântica que tivessem vivido nenhum dos dois. Além disso, foi muito ilustrativa para a Mary Rose. Como não havia inibições, e se sentiam isolados do resto do mundo, pôde ser livre para fazer o que quisesse. Harrison lhe ensinou como agradá-lo, e ela aprendeu com entusiasmo. Ao princípio, foi torpe e tímida, mas quando viu como reagia ele a seu contato, voltou-se audaz, e mais segura de si mesmo.
Quando chegou a luz do dia, os maridos estavam muito esgotados para mover-se. Dormiram abraçados quase até as oito, fizeram outra vez o amor, e retornaram ao rancho a inapetência.
Pouco depois, Harrison saía para o Blue Belle, a encontrar-se com o juiz. Mary Rose lhe deu um beijo de despedida, subiu a seu quarto, e dormiu o resto da manhã.
O resto do dia, andou em uma espécie de nuvem. Eleanor se queixava outra vez por algo, mas ela se sentia muito feliz para que a incomodasse sua fastidiosa amiga.
Cole levou a Eleanor abaixo, para o jantar. Por fim, a febre tinha cedido e embora pálida, tinha recuperado o apetite.
depois de comer, fez que Cole levasse de volta ao quarto, e ele permaneceu ali um pouco mais tempo que o necessário. Havia- dito ao Douglas que tinha que falar com a Eleanor com respeito a sua falta de intenções.
À moça não agradou inteirar-se de que Cole não era dos que se casam. Não gostou de ouvir que só estava flertando com ela porque acreditou que logo partiria, e quando Cole saiu da habitação, Eleanor vociferava todos os insultos grosseiros que tinha ouvido ao longo de sua vida. Arrojou-lhe um vaso de porcelana, e lhe produziu um corte no ombro enquanto ele cobria o trajeto até a porta.
Mary Rose decidiu lhe dar tempo para acalmar-se antes de subir a tentar consolá-la. Ajudou ao Douglas a lavar a baixela. Sentiu saudades que os outros irmãos ficassem na mesa, e depois de terminar a limpeza da cozinha, convidaram-na a voltar a sentar-se.
Adam lhe explicou que tinham que conversar de um tema importante. sentou-se na cadeira do Harrison, de cara ao irmão maior, com as mãos unidas sobre o regaço. respaldou-se na cadeira e sorriu, relaxada, pois acreditou que se trataria das finanças familiares. Só quando surgiam problemas econômicos seus irmãos tinham essas expressões graves.
Cole começou:
-Mary Rose, Harrison veio aqui com dois motivos na cabeça. Queria aprender a dirigir um rancho pois pensa retirar-se da lei, chegado o momento, e levantar um rancho próprio, já seja nas Highlands ou, inclusive, por aqui.
-Sim, sei o que se propunha -admitiu Mary Rose-. Mas diz que também tinha outro motivo?
-Estava procurando a alguém -explicou Esse Douglas era o outro motivo... e acredito que poderíamos dizer que era sua razão original para vir a Montana.
Esperou um momento que o irmão continuasse, até que compreendeu que não acrescentaria palavra, e se voltou para o Travis.
-A quem estava procurando? -perguntou.
-A ti -resmungou Travis.
Não pôde, ou não quis seguir lhe explicando.
A responsabilidade de esclarecê-lo recaiu sobre o Adam. Este se esclareceu voz e procedeu a lhe relatar toda a história de uma recém-nascida chamada Vitória.
Enquanto Adam falava, Mary Rose não disse uma palavra. Mas negou várias vezes com a cabeça, rechaçando a possibilidade de que ela fosse, em realidade, lady Vitória, da Inglaterra, nada menos. Entretanto, escutou com a mente aberta, tentando lhe encontrar um sentido ao que estava lhe dizendo.
Ao Adam levou mais de vinte minutos completar o relato, e quando por fim terminou, os irmãos esperaram a que a moça manifestasse alguma reação.
Cole esperava que se enfurecesse, e se surpreendeu ao ver que só parecia um pouco intrigada. Douglas foi mais perspicaz. Compreendeu que Mary Rose não estava convencida de ser a filha perdida do Elliott.
-Não nos crie? -perguntou-lhe.
-Você crie que sou Vitória? -repôs, a sua vez.
Os quatro irmãos assentiram:
-Há provas sólidas -disse Adam.
Então, expô-lhe outra vez os fatos.
-O que te parece a idéia de conhecer seu pai?
-Eu não tenho pai. Tenho quatro irmãos.
-Não seja teimosa, Mary Rose -disse Adam-. Pensa-o bem. Sei que é uma surpresa, Como não vai ser o? Tem toda uma família na Inglaterra, e não pode fingir que não existe. Você pai esteve te buscando por todo mundo.
-Quer ir conhecer o? -perguntou Travis.
Mary Rose baixou a cabeça, e deixou cair a vista a seu regaço. Tinha tanto no que pensar, que não sabia por onde começar.
-Sinto compaixão por ele. Não imagino o que deve ter sido para ele e para sua esposa perder a sua filha recém-nascida.
-Você foi a filha recém-nascida -lhe recordou Douglas com ternura.
-Sim, isso dizem -murmurou, retorcendo-as mãos e tratando de conservar a calma-. Mas eu não o conheço ele, Douglas. Sinto pena por , ele, mas em meu coração não há amor para ele. Não é minha família. Vós o são. É muito tarde para começar outra vez.
-Não sente curiosidade por saber como é? -perguntou-lhe Travis.
A moça se elevou de ombros.
-Realmente, não -admitiu-. Não entendo o que tem que ver Harrison em tudo isto. Trabalha para o Elliott, não é assim?
-Assim é -disse Adam.
A verdade Coleu lentamente em seu cérebro mas, quando o fez, começou a revolver-se o estômago.
-E dizem que veio a Montana a conseqüência do interrogatório a que me submeteu esse advogado, no St. Louis? Tudo isto começou porque a uma mulher pareceu que eu me parecia com a esposa do Elliott?
-Sim.
-Então... OH, Deus, então tudo o que me disse Harrison era mentira! Desde o começo, tinha outros motivos. Jamais me disse uma palavra. Nenhuma só palavra. Se for Vitória, como vós criem, por que Harrison não me disse isso ?
A angústia que vibrava em sua voz oprimiu o coração de Cole.
-Por muito tempo, não confiou em nenhum de nós -lhe explicou.
-Não, nunca confiou em nenhum de nós -admitiu Mary Rose. murchava-se ante os olhos dos irmãos. A desolação que se lia em seu rosto os esmagou.
-me escute, Mary Rose -lhe ordenou Adam-. Tinha sido seqüestrada. Harrison não sabia se nós participarmos do plano para te tirar ao Elliott. Como fomos uns meninos, descartou a idéia de que tivéssemos planejado o seqüestro, mas teve que guardar o segredo até que descobriu quem era o cérebro. mostrou-se precavido.
-Traiu-me, verdade? Agora sou sua esposa, e ele me ocultou isto?
Os irmãos menores olharam ao Adam, com a esperança de que pudesse acalmá-la.
-Harrison e você terão que resolver isto juntos -lhe aconselhou-. O que eu quero saber é como se sente para ir a Inglaterra a conhecer seu pai. Harrison tem que partir logo, mas me pareceu necessário te dar mais tempo para te acostumar à idéia de ter uma família lá longe, antes de te enviar. Eleanor poderia te acompanhar. Mary Rose, não sacuda a cabeça. Trata de ser razoável. Pelo menos, deve a esse homem ir conhecer o. sofreu toda uma vida. Deixa que te veja, e saiba, no fundo do coração, que está bem.
-Penso que, talvez, deveríamos lhe dar um pouco de tempo para pensar em tudo isto -sugeriu Travis-. Parece atônita.
Estava furiosa com Cole, e este soube que, o motivo de sua cólera era a conduta do Harrison. Mary Rose o conhecia e o amava. O pai, em troca, era ainda um conceito estranho para ela, ao que lhe levaria tempo acostumar-se antes de decidir o que era o que queria fazer a respeito.
-Pensa-o enquanto dorme, Mary Rose -lhe disse Cole-. Não tem por que fazer nada até que esteja preparada.
De repente, sentiu-se muito cansada para pensar em nada. Sentia como um fogo no estômago, e o único que queria era subir a seu quarto, meter-se na cama, e aparentar que nada do que acabava de saber era verdade. Como tinha lido uma vez sobre o avestruz, queria enterrar a cabeça na areia, e deixar que o resto do mundo as arrumasse sem ela.
As lágrimas lhe escorregaram pela cara. Cole deu o lenço antes de que ela o pedisse. Só o Senhor sabia quantas vezes os irmãos a tinham visto chorar. Não tinha necessidade de lhes ocultar nada, nem fingir ser alguém que não era.
levantou-se, apoiou as mãos na mesa, e perguntou:
-Esperam que vá a Londres e me converta em membro de uma família cheia de desconhecidos? O que é o que querem de mim? me digam o que é o que está bem, e por que estão tão seguros de que eu a farei.
-Seguiremos falando disto manhã, depois de que tenha gozado de toda uma noite de descanso -lhe sugeriu Adam.
-Mary Rose, agora sua família é Harrison. Casaste-te com ele, recorda-o? Não o odeia, verdade? -perguntou Douglas.
Teve que pensar um minuto inteiro na pergunta antes de responder:
-Não, não o odeio. Como poderia odiá-lo? Ao parecer, nem o conheço. OH, Deus, Douglas, estou casada com um desconhecido. Não sei o que é real nele, e que não. Acaso é todo mentira?
-É indiscutível que Harrison tinha um motivo ulterior -argüiu Douglas-, mas quando tiver podido pensar na situação, estou seguro de que entenderá...
Interrompeu-o:
-Estou segura de que nunca, jamais, confiou em mim, e muito segura de que não posso confiar nele. Enganou-me. Fingiu ser alguém que não era.
De repente, enfureceu-se muito para seguir. Apertou o lenço de Cole e começou a enxugá-las lágrimas das bochechas.
Acaso teria fingido que a amava? OH, Deus! Isso também seria mentira?
-Harrison não sempre mentiu -insistiu Cole-. Resultou ser um verdadeiro inepto, não?
-Tráfico de não exagerar, Mary Rose -lhe aconselhou Travis.
-por que todos o defendem? -quis saber.
-Porque tivemos tempo de pensar nos motivos que o levaram a atuar com precaução -lhe explicou Adam.
Travis procurou um término adequado de comparação que a ajudasse a encontrar uma perspectiva correta. Levou-lhe lama tempo dar com algo que tivesse um sentido para ele. Esperou a que houvesse uma brecha na conversação, e disse:
-Lembra-te daquelas histórias que leímos a respeito de cavalheiros que viviam na Idade Média? Às vezes, o barão matava ao mensageiro que lhe levava más notícias. Bom, Harrison é algo assim como esse mensageiro. Nada do acontecido é culpa dela. O não te arrebatou do berço para te jogar no lixo. Acredito que deveria o ter em conta.
A Cole gostou da comparação do Travis, e se aferrou a ela com a tenacidade de um menino que se aferrasse a uma guloseima proibida.
-Se tivesse vivido na Idade Média, teria matado ao mensageiro?
Mary Rose olhou, carrancuda, ao irmão. No melhor dos casos, pergunta-a lhe resultou estúpida.
-Não, não teria matado seu mensageiro, mas sem dúvida tampouco me teria deitado com ele.
A nenhum dos irmãos lhe ocorreu lhe corrigir linguagem tão pouco própria de uma dama, pois entendiam quão perturbada estava. Se amaldiçoar a ajudava a sentir-se melhor, não o impediriam. Sua irmã pequena parecia golpeada, devastada.
-E o que nos diz de seu pai? -persistiu Adam.
-Disse que poderíamos seguir falando amanhã -lhe recordou a irmã-. Se dito ir a Inglaterra, vós me acompanhariam?
Os irmãos menores deixaram que Adam respondesse. Este se reclinou na cadeira, e negou com a cabeça. de repente, sentiu-se como se tivesse oitenta anos.
-Não podemos ir contigo. Somos parte de seu passado.
-São minha família -exclamou Mary Rose.
-Claro que o somos -se apressou a admitir o major-. Lhe queremos, Mary Rose. Jamais poderíamos te afastar.
-Então, por que me sinto como se o fizessem? Todos estão de acordo em que devo ir a Inglaterra, não é assim?
-Terá que te dar tempo para te fazer à idéia de que tem outra família -disse Travis.
Mary Rose assentiu. Ah, claro que necessitava tempo. incorporou-se, pediu que a desculpassem, e correu escada acima, a seu dormitório. Durante toda a hora que seguiu, permaneceu sentada em uma cadeira, junto à cama, tratando de ordenar sua própria vida.
Seus pensamentos retornavam ao Harrison uma e outra vez. Aliviava-a que não estivesse aí nesse momento, pois não queria ter que enfrentar-se a ele. Não sabia o que lhe diria.
O lhe havia dito que o odiaria. Pensou nessa advertência, e se encolerizou outra vez.
O que ia fazer?
Por fim, levantou-se, ficou a bata e as chinelas, e baixou à biblioteca.
Adam estava esperando-a. Embora suas respectivas vidas tinham sofrido um volta, certas coisas seguiam sendo previsíveis.
Por exemplo, o fato de que as irmãs pequenas necessitavam consolo.
Nisso consistia a família.
À manhã seguinte, a recém casado não se sentiu melhor. sentiu-se pior. Como todo lhe doía por dentro, acudiu ao Douglas. O sempre se ocupava de suas dores, corte e machucados, inclusive os que não podia ver.
Douglas entendeu sua necessidade de afastar-se por um tempo. Não a considerou uma covarde porque não queria ver o Harrison, e por isso a levou a casa dos Cohen, no Hammond. Eleanor insistiu em acompanhar a seu amiga, e como estava completamente recuperada da enfermidade, Douglas lhe permitiu ir com ela.
Eleanor surpreendeu ao Douglas. Parecia realmente preocupada com a Mary Rose. Deixando de lado suas próprias preocupações, mínimas em opinião do Douglas, esforçou-se por consolar a seu amiga. Reteve-lhe a mão, e insistiu em que tudo sairia bem.
Quando Harrison voltou para rancho, quis saber onde estava seu flamejante algema. Sem lhe mentir, Adam, Cole e Travis puderam lhe afirmar que não sabiam. Mas, ao ver que estava tão inquieto e aflito, Douglas lhe facilitou algo mais de informação. Explicou-lhe que Mary Rose necessitava tempo para estar a sós e ordenar seus sentimentos, assegurou-lhe que estava segura e que a cuidavam, e logo lhe sugeriu que seguisse adiante com seus planos e partisse para a Inglaterra.
Não pôde lhe prometer que sua mulher o seguiria. E embora era a reação que Harrison esperava dela, doía-lhe a angústia que lhe tinha causado. Desesperava-lhe que ela entendesse, mas sabia que nesse mesmo momento não era possível.
Entretanto, iria a Inglaterra, disso estava seguro. Disse ao Douglas que lhe enviasse um cabo assim que Mary Rose e Eleanor estivessem em caminho. Logo, despediu-se, recordou ao Adam que cuidasse bem ao MacHugh, e empreendeu o comprido viagem de volta a Inglaterra.
Afastar-se da mulher amada foi o mais difícil que tinha feito em sua vida e, embora a separação seria temporária, resultou-lhe uma agonia. Sentiu como se lhe arrancassem o coração do peito.
Mary Rose iria a ele. O repetiu até que se converteu em uma letanía.
e nunca, jamais duvidou. Sua confiança nela era tão forte como seu amor por ela. Mary Rose faria o que estava bem. Era nobre, boa e de bom coração.
E o amava.
Não, nunca o duvidou.
Saber que Harrison tinha partido aliviou e causar pena a Mary Rose ao mesmo tempo. E embora sabia que isso não tinha sentido, estava muito perturbada para pensar com claridade.
negou-se a falar do pai durante toda a semana. E, entretanto, lhe apareciam pensamentos a respeito desse homem. Quando superou a autocompasión, começou a sentir-se culpado por ser tão insensível para ele.
Levou-lhe outra semana chegar à conclusão de que teria que ir conhecer o. Era a única atitude decente, e quando o comunicou a seus irmãos, esclareceu que não tinha intenções de ficar muito tempo na Inglaterra. Pensava visitar seu pai, conhecer seus parentes, e logo, voltar para rancho, que era seu lar.
Não comentou seus planos para o futuro com o Harrison, e os irmãos, fazendo ornamento de prudência, não insistiram em que adotasse uma decisão referida a ele que logo poderia lamentar.
Mary Rose insistiu em despedir-se do Corrie. Fez que Travis a acompanhasse, e lhe fez prometer que levaria os mantimentos ao Corrie uma vez por semana até que retornasse. O apresentaria à mulher ao finalizar a visita, para que Corrie soubesse que aspecto tinha Travis e não lhe disparasse.
Como era meados de semana, Corrie a esperava. Mary Rose a saudou em voz alta do centro do claro, e logo se adiantou, caminhando lentamente. A cadeira de balanço estava no alpendre, e a alegrou advertir que o canhão do rifle era retirado da janela depois que ela subia os degraus.
Deixou a cesta com obséquios no batente da janela. Corrie lhe tocou o ombro, e logo deixou cair no regaço da moça o livro que lhe tinham emprestado.
Ainda não estava segura se Corrie sabia ler ou não, mas não queria ofender à mulher perguntando-lhe diretamente.
A cesta desapareceu da janela. Mary Rose esperou um minuto, e disse:
-Na cesta há outro livro, Corrie. Se não querer lê-lo, passe-me isso pela janela.
Corrie lhe aplaudiu outra vez o ombro, e Mary Rose compreendeu que sabia ler, e que queria conservar o livro.
Levou-lhe um bom tempo reunir o valor suficiente para lhe dizer a seu amiga que partia a Inglaterra.
-Quer saber como devi dar ao território de Montana? Claro que não esperava resposta, e se dispôs a lhe contar como seus irmãos a encontraram em uma cesta, na cidade de Nova Iorque. Não lhe deu detalhes desnecessários, e quando começou a falar do pai, e de que teria que ir a Inglaterra a conhecê-lo, ficou a chorar.
Enquanto Corrie lhe acariciava brandamente os ombros, Mary Rose lhe confiou à mulher todos seus temores.
-Como é possível que me sinta culpado por não albergar mais que compaixão para esse homem? Não queria ir conhecer o, mas sei que tenho que fazê-lo, Corrie. E embora seja muito egoísta, eu gosto de minha vida atual. Detesto que se interrompa. Além disso, já tenho família. Não quero uma nova. Sei que está mal que me sinta assim e, no fundo, estou muito assustada. E se não gosto a nenhum deles? E se decepcionar a meu pai? Não sei como é uma dama inglesa correta. Dizem que meu nome verdadeiro é Vitória. Mas eu não sou Vitória, sou Mary Rose. E como posso seguir adiante com o Harrison? Que classe de matrimônio poderemos ter se não confiarmos o um no outro? OH, Corrie, queria poder ficar. Não quero ir.
Mary Rose seguiu chorando uns minutos, e depois se enxugou as lágrimas.
Corrie lhe aferrou a mão e a reteve. O consolo que lhe oferecia a mulher a fez chorar de novo. Pensou na terrível dor e na angústia que teve que padecer Corrie, e o parvos e intrascendentes que eram, em comparação, seus próprios problemas. Essa mulher tinha visto morrer a seu marido e a seu filho. E, entretanto, tinha sobrevivido.
-Você me dá forças, Corrie -sussurrou. Não era um elogio vazio, pois quanto mais pensava no sofrimento da querida amiga, mais em perspectiva ficava sua própria vida. Mary Rose sabia o que faria o que devia fazer, e que teria que suportá-lo, fora qual fosse o resultado.
-Sou muito afortunada de que seja meu amiga, Corrie.
Travis lançou um assobio agudo, para lhe fazer saber que era hora de partir.
-Eleanor e eu iremos à casa dos Cohen, no Hammond, depois de amanhã -disse a seu amiga-. Eles irão a Boston, para uma reunião familiar, e viajaremos com eles. O senhor Cohen se assegurará de que embarquemos no navio correto para a Inglaterra e, se todos meus planos saírem bem, estarei de volta em casa antes de que caia a primeira neve do inverno.
-Travis te trará os mantimentos enquanto eu esteja ausente. Falei-te de meu irmão, recorda? Não chegará mais longe do centro do claro -se apressou a acrescentar, ao ver que a amiga lhe oprimia a mão-. Posso chamá-lo agora? ficará perto das árvores, para que possa vê-lo bem. Não quero que te sobressalte quando se aproximar, e ele me prometeu que sempre te chamará em voz alta, para que possa vigiá-lo.
Por fim, Corrie afrouxou a mão. Mary Rose chamou a seu irmão, e Travis apareceu no extremo oposto do claro, saudando com a mão. A cortina lhe impedia de ver o Corrie, mas viu que Mary Rose a tinha da mão.
-mora-se uma tormenta, Mary Rose. Temos que ir, já -disse, em voz alta-. bom dia, Corrie -adicionou, para logo dá-la volta e afastar-se.
Finalmente, Mary Rose se despediu. voltou-se, beijou a mão do Corrie e se levantou.
-Te sentirei falta de -murmurou-. Deus e Travis cuidarão bem de ti, Corrie. Tenha fé em ambos.
Mary Rose apertou o livro nos braços, e se afastou lentamente. O assobio do vento se mesclava com o grito de um cardeal impaciente, e afogavam o ruído do pranto suave da mulher, dentro da cabana.
2 de janeiro de 1870
Querida Mamãe Rose:
Hoje, tenho dez anos. Recorda o que te contou Adam por carta, a respeito de que encontraram uns documentos em minha cesta e que, como no bordo da página dizia que tinha nascido uma menina o segundo dia de janeiro, e eu era a única recém-nascida que havia na cesta, todos meus irmãos pensaram que devia tratar-se de mim?
Sou muito afortunada de ter uma família tão maravilhosa. Travis está preparando um bolo de aniversário, e todos meus irmãos me têm feito presentes. Adam diz que, o ano que vem, certamente terão um pouco comprado para me dar de presente. Não crie que será formoso?
por que crie que minha mamãe e meu papai me terão abandonado? Pergunto-me o que foi o que fiz mau.
Sua filha, Mary Rose
17
Harrison chegou a Londres a tarde de uma terça-feira, mas teve que esperar até a noite seguinte para falar com seu patrão. Lorde Elliott estava instalado em sua propriedade de campo, a duas horas da cidade, e não tinha pensado retornar até na quarta-feira pela manhã.
Harrison enviou a um mensageiro anunciando sua volta. Pediu um encontro em privado, explicando que tinha um assunto muito pessoal que comentar. Procurou fazer ver que se tratava de uma questão legal, para que Elliott não inclui-se o George MacPherson, seu secretário pessoal, na reunião.
Murphy, mordomo do Elliott desde que Harrison tinha memória, abriu-lhe a porta principal. Os olhos do fiel criado se acenderam de deleite ao ver o Harrison.
-Quanto me alegro de que esteja de retorno entre nós, milord -disse Murphy.
-É uma alegria estar de volta -repôs Harrison-. Como estiveram você e lorde Elliott?
-sentimos falta dos escândalos que nos trazia você com seus casos criminais, milord. Desde dia que se foi, não tivemos uma boa briga. Admito que lorde Elliott segue me preocupando. Trabalha muito, e já sabe quão teimoso pode ficar. Por muito que lhe insista, não quer diminuir o ritmo. Tenho medo de que siga correndo até que lhe detenha o coração. Mas acredito que você o animará. Devo lhe dizer que o jogamos muito de menos.
-Está acima?
-Sim, milord: na biblioteca.
-Sozinho?
-Sim, e impaciente por vê-lo. por que não sobe agora mesmo?
Harrison começou a subir, e se deteve:
-Murphy, o senhor necessitará um pouco de conhaque.
-Isso significa que lhe traz más notícias? -perguntou o mordomo, com expressão preocupada.
Harrison sorriu:
-Justamente o contrário. Ainda assim, necessitará o conhaque. Há alguma garrafa na biblioteca?
-Sim, milord, mas levarei outra, para estar seguros. Assim, vocês dois poderão embriagar-se juntos.
Harrison riu. Em todos os anos que viveu com o Elliott, nunca o tinha visto nem um pouco ébrio. Não podia imaginar-lhe completamente bêbado. Elliott era muito bem educado para pensar, sequer, em fazer algo que lhe arrebatasse o controlo a dignidade, e beber em excesso lhe tirava ambas as coisas.
Correu escada acima, dobrou em uma esquina, e entrou na biblioteca. Elliott estava de pé ante o lar da chaminé. Assim que viu o Harrison, foi abraçar o.
-Por fim está de volta em casa -disse, a modo de saudação. Estreitou ao Harrison, e lhe aplaudiu as costas com grande carinho.
-É um prazer para estes olhos cansados -murmurou-. Agora, sente-se e me conte todo o relacionado com sua aventura na América do Norte. Quero ouvir até o mais mínimo detalhe.
Harrison esperou a que Elliott se sentou antes de aproximar uma cadeira e fazê-lo ele mesmo. Notou o cansado que parecia o homem, e se entristeceu. O ar do campo não lhe tinha feito muito bem, pois tinha o rosto cinzento e esses permanentes semicírculos escuros sob os olhos. A pena se cobrou seu tributo.
Elliott nunca voltou a casar-se, mas as decididas damas da sociedade londrino ainda lutavam por conseguir sua atenção, pois não só era muito rico mas também lhe considerava extremamente arrumado. Tinha o cabelo veteado de prata, facções patrícias e porte de estadista. Tinha nascido e se criou em uma família opulenta e, portanto, suas maneiras eram impecáveis. Mais importante ainda, tinha bom coração. "Como sua filha", pensou Harrison. Era provável que tivesse herdado dele o sentido da decência, e que os irmãos tivessem alimentado tão nobre qualidade.
Além disso, Elliott era um homem de forte vontade. O horror de ver que arrebatavam a sua única filha tivesse destruído a outro, mais débil, mas ele lutou contra a desolação na intimidade, e apresentou uma fachada valente ao resto do mundo. Embora se tinha retirado da participação ativa no governo, seguiu trabalhando depois da cena para provocar mudanças. Igual a Harrison, era o defensor dos desafortunados, e tão convencido de que todos os seres humanos mereciam igual representação e iguais direitos. Apoiava ao Harrison de todo coração quando se ocupava de casos não desejados, como defender ao homem comum.
-Ao parecer, América do Norte te sentou bem. Filho, está de moda não usar jaqueta?
Harrison sorriu:
-Já não me serve nenhuma de minhas jaquetas. Acredito que me alargaram os ombros. antes de reaparecer em público, terei que visitar alfaiate.
-Eu te vejo maior -disse Elliott-. Mas também te vê algo diferente. -Seguiu observando-o um par de minutos, e moveu a cabeça-. Me alegro muito de que tenha voltado para lar -admitiu, em voz baixa- .E agora, me prometa algo, Harrison. Não haverá mais buscas. antes de que falemos de assuntos legais, quero que me dê sua palavra.
-Não mais buscas -concedeu Harrison.
Elliott assentiu, satisfeito, e se reclinou na cadeira de respaldo alto. Cruzou as pernas, e disse:
-Agora, pode começar. diga-me isso tudo. Qualquer seja o problema legal, confrontaremo-lo juntos.
-Em realidade, senhor, não há nenhum problema legal. O que eu queria era estar seguro de que poderíamos falar em privado. Não queria que seu secretário ouvisse o que tenho que lhe dizer.
Elliott elevou uma sobrancelha.
-Não queria que George estivesse aqui? por que não? Agrada-te MacPherson, não é assim? Mas se fizer quase tanto tempo como você que está comigo. me diga o que é o que se preocupa.
-Dará-lhe boas notícias, milord.
que o anunciou foi Murphy, da porta, para logo entrar levando uma garrafa cheia de conhaque. Apoiou o licor sobre a mesa e lhe disse ao patrão:
-Milord diz que, quando você ouça o que tem que dizer, necessitará um bom gole -explicou Murphy-. Sirvo aos dois?
-Se Harrison acreditar que o necessitarei, adiante, Murphy.
Harrison agradeceu a interrupção. de repente, sentia-se incapaz de falar. Não lhe parecia bem lançar simplesmente as novidades sobre o Elliott, pois a impressão poderia lhe provocar palpitações. Mas não lhe ocorria um modo singelo de suavizar o anúncio.
Um instante depois, Murphy saiu da biblioteca. Elliott bebeu um sorvo e devolveu a atenção ao Harrison.
-Casei-me.
Elliott quase deixou cair a taça.
-O que tem feito?
-Casei-me.
Senhor!, por que tinha começado por lhe dizer isso? Harrison se surpreendeu tanto como Elliott.
-Céus! -murmurou Elliott-. Quando foi?
-Faz um par de semanas -respondeu-. Não queria começar com esse anúncio. Tenho notícias mais importantes que lhe comunicar. Verá, fui A...
Elliott o interrompeu:
-Nada poderia ser mais importante que saber que te casou, filho. Quase não posso compreendê-lo. Devo pensar que a jovem com a que te casaste é norte-americana?
-Sim, senhor, mas...
-Como se chama?
-Mary Rose.
-Mary Rose -repetiu Elliott-. Está abaixo seu flamejante algema? Devo confessar que me decepciona não ter estado na igreja para suas bodas. Me teria gostado de estar a seu lado quando pronunciasse os votos.
-Em realidade, não nos casamos na igreja, senhor.
-Não? E quem lhes casou?
-O juiz "varal" Burns.
Deu a impressão de que Elliott não entendia a explicação. Harrison lançou um suspiro:
-Entendo que resulte... peculiar.
-Casou-te um "juiz varal". vamos ver, Harrison, por que ia resultar me peculiar?
Harrison sorriu:
-lhe agradaria Burns. É um homem com um modo de falar áspero, com idéias bem definidas do que está bem e o que está mau. É de admirar seu amor pela lei. Eu defendi um caso em um tribunal presidido por ele, e não me deixou muito fresta. É do mais agudo.
-Ganhou o caso para seu cliente?
-Sim, senhor.
Elliott fez um gesto de aprovação.
-Não esperava menos de ti. O matrimônio, foi obrigado?
-Sim. Eu a obriguei a ela a casar-se comigo. Realmente, lutei contra a atração, senhor, pois senti que não tinha direito a cortejá-la, mas ao final, não pude...
-Bom, claro que tinha direito a cortejá-la. Harrison, é afortunada de te ter. Recorda quem era seu pai. Qualquer mulher estaria orgulhosa de casar-se contigo. Acaso crie que a família de sua noiva não te considerou bastante valioso? Que suprema tolice... -acrescentou, murmurando.
-Não, senhor, não é isso o que lhe dizia. Sabe...?
-De onde provém sua esposa? Acredito que não entendo bem. Lembrança te haver ouvido repetir que jamais te casaria, e agora resulta que estou a ponto de conhecer sua esposa. Pensei que a ruptura de seu compromisso com a Edwina te fez desistir do matrimônio. Alegra-me comprovar que era uma falsa preocupação. Quando aparece a mulher adequada, faz trocar ao homem de idéia.
-Mary Rose não está comigo, senhor. Ainda está na América do Norte.
-Não veio contigo? por que?
-Houve circunstâncias que lhe impediram de me acompanhar.
-Que circunstâncias?
-A família.
-E onde está a família?
-Vive com seus quatro irmãos em um rancho, nos subúrbios do Blue Belle, território de Montana.
Elliott sorriu, pois o nome do povo despertou sua fantasia:
-Tenho lido vários livros a respeito dos povos que salpicam a zona oeste dos Estados Unidos, mas devo confessar que jamais ouvi que um deles tivesse nome de flor.
-Em realidade, puseram-lhe o nome de uma prostituta. chama-se Belle.
Elliott rompeu a rir.
-Sério?
-Sim, senhor. Belle ajudou a Mary Rose a preparar-se para as bodas.
-Com que, isso fez, né? -Elliott se esforçava por não rir outra vez-. Então, por que nomearam Blue Belle ao povo, em lugar do Belle só?
-Porque ao Belle não gosta de sua profissão.
Elliott não pôde conter mais a risada, e riu até que lhe saltaram as lágrimas. tirou-se o lenço do bolso e se secou as comissuras dos olhos, enquanto tentava recuperar a compostura.
-No que te colocaste, filho. Isto não é nada próprio de ti. Asseguro-te que me está dando muito para digerir -acrescentou-. Estou impaciente por conhecer sua mulher.
-Está convencido de que perdi a cabeça, não é certo, senhor?
Elliott sorriu:
-Estou convencido de que trocaste -admitiu-. Sabia que tinha algo diferente, mas jamais teria adivinhado que te casaste com uma garota do campo. Sempre acreditei que, se te casasse, faria-o com uma mulher mais... refinada.
-Mary Rose é muito refinada -disse Harrison-. É tudo o que poderia desejar.
-Não quis insinuar que é defeituosa, filho. Não sei se recordar que eu também me casei com uma moça do campo. Meu Agatha provinha de seus Highlands. Sempre acreditei que a razão de que não fosse consentida era que tinha crescido em uma granja. É obvio, tinha bons pais -adicionou, com um gesto afirmativo.
-Senhor, eu fui a Montana a procurar a sua filha, e esta vez, não fracassei.
-Claro que não. E embora foi outra pista falsa, teve final feliz, porque conheceste a sua Mary Rose e te casaste com ela. Que nome tão belo tem. A amas, não é certo?
-OH, sim, senhor, a amo muito. Você também a amará.
-É obvio que sim.
Harrison se inclinou para diante.
-Como lhe hei dito antes, esta vez não era uma pista falsa. Deve saber algo mais importante.
-O que?
-Casei-me com sua filha.
Mary Rose e Eleanor chegaram a Inglaterra em vinte e um de julho. O dia era caloroso, úmido, e ameaçava chuva.
Harrison tinha empregado toda sua paciência para esperar que sua esposa superasse o aborrecimento e se reunisse com ele, e acabava de decidir-se a comprar uma passagem de volta aos Estados Unidos, quando chegou um telegrama assinado por um cavalheiro chamado John Cohen, que lhe brindava a pertinente informação da partida da Mary Rose de Boston, e a data de chegada.
Harrison viu a cabeça dourada no instante mesmo em que saiu do vapor, recém baixada do navio. abriu-se passo a empurrões entre a multidão, alcançou à esposa e a atraiu a seus braços. Assim que a tocou, sentiu um imediato e pronunciado alívio. Por fim, Mary Rose estava no lugar que lhe correspondia.
Entretanto, sua saudação não foi muito gentil:
-por que diabos demoraste tanto?
Não pôde lhe responder. Harrison não lhe deu tempo nem para franzir o sobrecenho. inclinou-se e se apoderou de sua boca com um beijo faminto.
Mary Rose não resistiu. Passou-lhe os braços pelo pescoço, ficou nas pontas dos pés e lhe devolveu o beijo com a mesma paixão.
-Mary Rose, pelo amor de Deus. A gente nos olhe com a boca aberta. Termina já com isso. Estão atraindo a uma multidão -sussurrou Eleanor de detrás.
Deu-lhe uma cotovelada a amiga e retrocedeu um passo. Se esses dois não deixavam de fazer-se carinhos, ela se apartaria e fingiria que não estava com eles. O que tinha feito seu amiga com o sentido do decoro?
Chegou à conclusão de que Harrison era uma causa perdida, e de que seria inútil tratar de raciocinar com ele. Tinha visto sua expressão de inocultable amor e de desejos quando se aproximou da Mary Rose. Não, seria em vão raciocinar com ele.
de repente, Eleanor sorriu. Sem dúvida, Harrison tinha sentido falta da sua esposa. Ela estava decidida a encontrar, algum dia, a um homem que a amasse desse modo.
Por fim, Harrison deu por terminado o beijo, satisfeito de que Mary Rose parecesse tão comovida como ele.
-Te senti falta de, carinho -sussurrou.
-Eu também a ti -respondeu a moça, também em voz baixa-. Mas você e eu teremos que sustentar uma larga conversação assim que seja possível. a partir de agora, as coisas serão diferentes entre nós. Teremos que começar de novo. vou tratar de deixar isto atrás, mas é difícil.
Seu marido ainda não queria falar.
-Depois falaremos do que se preocupa -lhe prometeu, para voltar a beijá-la imediatamente.
-OH, pelo amor de Deus.
Por último, o murmúrio da Eleanor captou a atenção do Harrison. Mas ainda depois de terminar de beijá-la, não podia soltar a sua mulher, e a apertou com força contra si enquanto saudava a zangada amiga.
-Como foi a viagem, Eleanor?
-Bem, obrigado. Harrison, Mary Rose não deve poder respirar, pelo modo em que tem sua cara apertada contra sua jaqueta. Solta-a, de maneira que possamos avançar. Está a ponto de chover, caramba. As duas estamos cansadas da viagem, e queremos nos instalar antes de que seja de noite. Iremos diretamente à casa de seu pai?
Mary Rose se separou do Harrison.
-Preferiria esperar até manhã para conhecê-lo. Espera-me esta noite? Já quase obscureceu, e queria ter um pouco mais de tempo para me preparar.
-tiveste dois largos meses para te preparar, Mary Rose -disse Harrison.
-Necessito uma noite mais -insistiu.
-te acalme, pois seu pai não te espera até manhã. Sabia que estaria cansada da viagem. Esta noite, você e Eleanor ficarão comigo.
-Estou bastante serena. O que te faz pensar o contrário?
-Estava gritando -lhe disse Eleanor.
-Só queria que se tivesse em conta minha opinião.
-Espero que sua casa seja espaçosa, Harrison -disse Eleanor-. Mary Rose me disse que exigiria em ter um quarto para ela sozinha. Acredito que ainda está zangada contigo.
-Eleanor, eu posso falar por mim mesma -disse Mary Rose. E dirigindo-se ao Harrison-: Sim, estou zangada contigo e, como te hei dito, a partir de agora as coisas serão diferentes. Teremos que começar outra vez.
Harrison a olhou com dureza. Logo a sujeitou do braço e se encaminhou para a rua, onde esperavam as carruagens.
-Dormirá comigo, em minha cama -lhe disse, em um sussurro áspero-. Maldição, esperei dois largos meses. Não penso esperar mais.
-E o que passa com a bagagem? -chateou-o Eleanor.
-Já se ocuparam que ele -respondeu Harrison-. Deixa de negar com a cabeça, Mary Rose. Falo a sério.
Não pensava discutir com ele em público. Esperaria a que estivessem sozinhos para lhe comunicar as decisões que tinha adotado. Harrison era inteligente, e entenderia como se sentia ela.
-Não foram dois meses -afirmou Eleanor, resolvida a corrigir ao Harrison-. Só estivestes separados cinco semanas. Mary Rose queria esperar até finais de setembro para viajar, mas Adam não a deixou pospô-lo tanto tempo.
Harrison se deteve de repente:
-Queria esperar até fins de setembro?
-Vê o que tem feito, Eleanor? Zangaste-o. De verdade, Harrison, se não nos dermos pressa nos empaparemos. Falaremos disto depois, quando tivermos chegado a sua casa.
Durante muito, muito tempo, nem Mary Rose nem Harrison falaram uma palavra. A chuva os surpreendeu na esquina, e para quando estiveram instalados dentro do carro, estavam todos molhados.
Meia hora depois, chegaram à casa do Harrison. Era um impressionante edifício de dois novelo, com fachada de tijolos vermelhos.
Um homem jovem, vestido com uma jaqueta e calças negras, abriu-lhes a porta. Era Edward, e lorde Elliott estava acostumado a emprestar-lhe para que trabalhasse como mordomo do Harrison.
A Eleanor a fascinou que a atendesse um criado. Foi primeira em entrar no vestíbulo. Edward a saudou com um sorriso, mas quando se deu a volta para saudar a Mary Rose, sua expressão foi sobressaltada surpresa.
-É idêntica ao retrato de sua mãe -sussurrou ao Harrison-. Milord Elliott acreditará assim que a veja. É a viva imagem de lady Agatha.
Mary Rose ouviu o comentário do Edward.
-Lorde Elliott não acredita que eu seja a filha?
Edward se sentiu envergonhado.
-Quer acreditá-lo, milady, mas sofreu tantas desilusões na vida que tem medo de albergar a esperança de que você seja, realmente, lady Vitória.
Harrison se tirou a jaqueta molhada e a entregou ao jovem. Não tinha nada que acrescentar aos comentários do Edward.
-Tenho que me dar um banho quente -exigiu Eleanor-. Edward, seja bom e me conduza a meu quarto. Se não me Quito o vestido molhado, resfriarei-me.
-Não pode te resfriar em pleno verão -lhe disse Mary Rose-. Faz muito calor.
-Alguma vez ouviu falar dos resfriados do verão? -argüiu Eleanor. Continuando, lançou-se a enumerar suas outros dores e sofrimentos, enquanto subia as escadas. Mary Rose agradeceu a distração. Cada vez que olhava ao Harrison, sentia que o coração lhe agitava no peito. Queria lhe gritar pelo muito que a tinha ferido e beijá-lo, pelo muito que o tinha sentido falta de.
Edward se apressou a subir, para ocupar-se da comodidade da Eleanor. Harrison se apoderou da mão da Mary Rose, e a levou pelo corredor em direção oposta, para seu próprio dormitório.
Era de proporções gigantescas. Estava decorado com cores quentes e terrosas: castanho, ouro e avermelhado. Eram as cores de Montana em outono.
Foi impossível não advertir a presença da cama. De aspecto régio, com quatro postes, tinha o tamanho para que quatro pessoas dormissem cômodas. Mary Rose estava segura de não ter visto jamais um pouco tão grandioso.
O estômago lhe contraiu. Não pôde deixar de evocar imagens do Harrison dormindo nessa cama e, como sempre dormia nu, as imagens foram muito provocadoras.
Sentiu que se ruborizava, e soube que teria que falar com ele nesse momento, antes de perder o ânimo. O só feito de contemplar a cama lhe afrouxou os joelhos... e a vontade.
-Harrison, temos que falar agora mesmo.
-saiu que a habitação, milady. Quer que Caroline lhe prepare o banho?
Girou em redondo, e se encontrou com o Edward na porta.
-aonde foi Harrison?
-Abaixo. Quer que vá buscá-lo?
Negou com a cabeça.
-Queria me banhar, obrigado. por que insiste em me dizer milady?
-Porque você é lady Vitória, e essa é a maneira correta de me dirigir a você.
Não discutiu. Edward lhe perguntou se também queria que a cozinheira preparasse uma bandeja para ela, e lhe explicou que Eleanor tinha pedido que lhe servissem uma comida ligeira no dormitório, depois do banho.
Mary Rose rechaçou a comida. Estava muito nervosa para pensar, sequer, em comer.
Durante a hora que seguiu a donzela de "milady" a consentiu. A deferência da jovem para com ela a incomodou. sentia-se como se fosse pretendente ao trono cada vez que Caroline lhe dizia milady, e embora devia ter desfrutado das cuidados, descobriu que a donzela não fazia mais que pô-la nervosa.
O banho quente a aliviou, e se sentiu muito, muito melhor quando pôde tirá-las forquilhas da cabeça. inundou-se na banheira de porcelana por um bom momento, até que a água se esfriou muito, e logo se envolveu na bata e retornou ao dormitório do Harrison.
Caroline falava muito pouco em inglês. Usando gestos e frases incoerentes, explicou-lhe que queria escovar seu cabelo. Na aparência, a jovem de cabelo escuro estava tão nervosa como ela, pois lhe tremiam as mãos, e os gestos com que tratava de expressar-se eram torpes.
Como o acento francês era notório, Mary Rose falou nesse idioma para lhe explicar que se escovaria ela mesma. Mas Caroline não permitiu que a senhora declinasse sua ajuda. Estava mais resolvida ainda que a própria Mary Rose.
Enquanto levava a sua senhora a uma cadeira de respaldo reto, não cessava de tagarelar. Mary Rose se sentou e se sujeitou com força o pescoço da bata, enquanto Caroline se ocupava de seu cabelo.
A última vez que alguém lhe tinha escovado o cabelo foi quando era menina, e ficaram fragmentos de caramelo de hortelã pegos nos cachos. Cole tinha sido o encarregado de lhe tirar o emplastro de betume do cabelo. Esse dia, Mary Rose aprendeu umas quantas maldições novas.
Nunca mais alguém lhe escovou o cabelo. sentia-se tola sentada aí como uma princesa, enquanto outra mulher cumpria uma tarefa tão pessoal.
A cadeira estava de frente à cama. Mary Rose viu que havia uma de suas camisolas estendida sobre os lençóis. As mantas já tinham sido retiradas e, sobre um dos travesseiros, havia uma só rosa vermelha, de esculpo comprido.
-por que há uma rosa sobre a cama? -perguntou ao Caroline.
-Seu marido ordenou que a pusessem aí, milady. Não é um gesto tenro?
Era-o e, portanto, bastante surpreendente, a julgamento da Mary Rose. Não era próprio do Harrison ser tão atento ou considerado pois, na verdade, não era um homem dado ao romantismo. Quando queria algo, perseguia-o com esforço. Não parecia o tipo de indivíduo capaz de pôr um toque tão elegante, mas para falar a verdade, não o conhecia o suficiente.
-Sabe o que disse seu marido ao Edward quando ordenou que pusesse a rosa? Disse que era para lhe recordar a você.
-Para me recordar o que?
Caroline riu:
-Que a ama -aventurou-. O que outra coisa poderia significar a flor, milady?
Mary Rose se encolheu de ombros. Estirou a mão e lhe tirou a escova: já estava farta de tantas cuidados.
Agradeceu-lhe à donzela sua ajuda e a despediu até o dia seguinte. Caroline executou uma reverência perfeita, e inclinou a cabeça antes de sair do quarto. Mary Rose não soube como interpretá-lo.
dirigia-se para a cama, mas ouviu a porta a suas costas e se deteve. voltou-se no preciso instante em que entrava Harrison.
O também se deu um banho. Tinha o cabelo ainda úmido. Estava descalço, e só levava postos umas calças escuras.
Sua esposa se perguntou se acaso teria uma bata. Gostava de andar médio nu e, embora fazê-lo em Montana era perfeito, não o era em Londres. Tinha criadas circulando pela casa, e não gostava da idéia de que qualquer dessas mulheres visse o peito descoberto de seu marido.
Pensou em lhe dizer algo com respeito a isso, mas logo desistiu. Mais tarde encararia o tema. Agora, tinha um mais importante que tratar.
Harrison fechou a porta, correu o passador e se aproximou dela.
Tinha uma expressão decidida. Mary Rose começou a retroceder.
-Você e eu temos que falar -começou, levantando uma mão para lhe indicar que se detivera-. O digo a sério, Harrison. Detenha aí mesmo.
Não fez conta. Mary Rose seguiu retrocedendo, até que se topou com o flanco da cama.
-Está bem -acessou o homem. Tomou o cinturão que fechava a bata e começou a desatá-lo-. Fala.
Mary Rose tratou de lhe apartar as mãos, mas não pôde. antes de que pudesse inalar uma boa baforada de ar, tinha-lhe solto o cinturão.
-Estou fazendo grandes esforços para não me zangar contigo, Mary Rose.
Os olhos da moça se dilataram de incredulidade.
-por que te zangaria?
-Setembro -respondeu, quase gritando-. A sério queria esperar até finais de setembro para vir a Inglaterra?
Mary Rose se negou a ficar à defensiva.
-Você me mentiu sabendo. Maldição, deixa minha bata em paz.
-Então, tire-lhe isso maldição.
-Acaso espera que durma contigo?
-Espero não dormir grande coisa. Penso passar toda a noite te fazendo o amor. Desejo-te, e sei muito bem que você me deseja .
Os olhos da mulher se encheram de lágrimas.
-Não confio em ti.
-Sim, confia.
de repente, Mary Rose teve vontades de fazer um gesto de desespero. Harrison o fazia impossível discutir. Não queria entrar em razões. Não podia lhe apresentar um argumento válido a um homem que estava tirando-os calças.
-tive bastante tempo para pensar em nossa situação -começou-. Como estamos casados, e eu contraí um compromisso contigo, não me parece correto me afastar. Teremos que começar de novo, Harrison.
-E como propõe fazê-lo?
-Poderia me cortejar, e espero que, ao seu devido tempo, eu poderia voltar a confiar em ti. Sinto que não te conheço, Harrison. O homem que amava me destroçou o coração.
Caramba que tinha tendência ao dramatismo! Harrison ouviu a maior parte do que lhe disse. E emprestou atenção, até que chegou à parte de cortejá-la. "Ao diabo com isso", pensou. "Já aconteceu a etapa do amor."
Quando terminou de tirá-los calças e se livrou deles de um chute, o desejo era tão intenso que lhe doía. aproximou-se de sua esposa.
-Acaso crie que posso esquecer a sensação de me mover dentro de ti? Hei-te sentido chegar ao orgasmo em meus braços, Mary Rose. Ouvi-te gritar meu nome, senti-te me oprimir com força, e se na verdade crie que posso deixar de lado essas lembranças e começar todo outra vez, deve estar completamente louca.
Quando terminou de lhe recordar como tinha sido fazer o amor, Mary Rose quase não podia se ter em pé. A aspereza de sua voz a fez tremer pelo desejo de sentir outra vez suas carícias.
-O que sugere que façamos?
-Vêem aqui, e lhe demonstrarei isso.
Negou com a cabeça. Sabia muito bem o que aconteceria se se jogava em seus braços. antes de satisfazer seus próprios desejos, queria chegar a alguma classe de acordo.
Fixou o olhar em seu rosto.
-Primeiro me diga isso La estrechó contra sí.
Harrison a sujeitou dos ombros.
-Não, você me diga algo, primeiro. Ainda me ama?
A mulher baixou a vista e a posou no peito dele. Não queria começar a lhe mentir, embora sabia bem que, se dizia a verdade, perderia a discussão.
-Destroçou-me o coração -lhe repetiu.
-Adverti-lhe isso, recorda?
-Teria que me haver dito o de meu pai.
-Não, essa responsabilidade era de seus irmãos. Tivesse estado mal que lhe dissesse isso eu.
-Então, por que não estava você com eles quando me disseram isso? Teria sido mais fácil para mim.
-Estava no Hammond, defendendo a um homem no tribunal, quando ao fim seus irmãos se decidiram a lhe contar isso e quando voltei para rancho, tinha desaparecido. Maldição, Mary Rose, não teria que ter fugido de mim. Sou seu marido.
Tendo em conta que tinha querido matá-lo, pareceu-lhe que fugir era uma infração menor às leis que governavam o matrimônio.
-Estava furiosa contigo.
O se encolheu de ombros, mas essa não era a reação que Mary Rose esperava.
-aonde foi? -perguntou-lhe Harrison.
-Douglas me levou a casa dos Cohen. Fiquei com eles duas semanas. Lamenta me haver feito mal?
Esperava uma desculpa. E embora não estava segura se a ajudaria a superar a dor, acreditava- possível.
-Fiz o que era necessário baixo essas circunstâncias. Em algum momento, entenderá-o.
-Ama-me?
-Sim, amo-te.
Estreitou-a contra si.
-Por favor, agora podemos nos abraçar?
Abraçou-a e se inclinou. Beijou-lhe a frente, a ponte do nariz, sem deixar de murmurar quanto a tinha sentido falta de.
tornou-se para trás, tirou-lhe a bata, e a elevou em braços para deixar cair com ela sobre a cama.
Tomou cuidado de não esmagá-la com seu peso, e detrás cobrir todo o corpo de sua esposa com o seu, incorporou-se apoiando-se nos braços para poder olhá-la aos olhos.
Pelas bochechas da Mary Rose escorregavam lágrimas.
-Quer que te deixe, Mary Rose?
Ao ver que negava com a cabeça, recuperou a respiração. Então, Mary Rose se elevou e o beijou.
A boca do Harrison se posou, firme, sobre a dela, mas sua língua entrou para explorar primeiro o interior da boca. A audácia o excitou tanto como sentir o corpo sedoso de sua mulher contra o seu. Lhe acariciou as costas e os ombros, e o fez tremer de desejo em um abrir e fechar de olhos.
Harrison pretendia mover-se com lentidão, lhe dar pleno prazer antes de permitir-se sua própria satisfação, mas logo as carícias da mulher o despojaram da prudência. Era tão maravilhosamente aquiescente e generosa, E ele a amava de tal modo, Deus querido...!
Terminou o beijo, e inclinou a cabeça sobre os peitos. Começou a acariciar e incitar os mamilos com a língua. Mary Rose exalou um suspiro entrecortado de prazer, pedindo mais, e quando a boca do Harrison se apoderou de um e ficou a chupá-lo, os suspiros se converteram em gemidos. arqueou-se para ele, movendo sem cessar os pés contra as pernas do marido, em um intento por aproximar-se cada vez mais. As carícias se fizeram mais arrudas, menos controladas. A mão descendeu pelo ventre e seguiu, até que encontrou o que mais ansiava possuir. Sentiu esse calor úmido entre as coxas da mulher, e então perdeu por completo o controle. Moveu os dedos dentro dela.
Mary Rose lhe arranhou os ombros, lhe exigindo que suspendesse essa tortura e a possuísse por completo.
Não se moveu com toda a velocidade que ela queria. Estirou a mão, apoderando do membro ereto, e fechou os dedos ao redor, lhe provocando um bronco gemido de prazer.
Não puderam esperar mais. Sem cerimônias, Harrison lhe sujeitou as mãos e as fez pôr em suas costas, enquanto trocava de posição. Logo, penetrou-a com um forte impulso.
A quebra de onda de êxtase foi tão forte, que teve que apertar a mandíbula para poder suportá-la.
-Por Deus, que boa sensação -sussurrou-. Ainda não te mova assim. me deixe... ah, carinho, faz-me...!
Não pôde continuar. Mary Rose lhe tinha arrebatado a capacidade de falar. Já estava além dos pensamentos, e só podia sentir o gozo incrível de seus quadris movendo-se contra ele. A mulher elevou as pernas para recebê-lo mais completamente dentro de si, e lhe aconteceu os braços pelo pescoço. Agora desejava a plenitude, pois cada vez que ele a penetrava, sentia um estalo de prazer que a alagava. Os lentos movimentos do homem a fizeram pedir mais e mais, até que já não soube de nada que não fosse a sensação do Harrison movendo-se dentro dela. Atirou-lhe do cabelo e lhe arranhou a nuca. Seus gemidos se fizeram mais insistentes, empurrando-o mais à frente do limite. Os impulsos se fizeram mais fortes e profundos, e quando sentiu os primeiros espasmos do orgasmo da mulher, quando se arqueou para ele e o apertou com força dentro de si, permitiu-se sua própria liberação. Gritou o nome da mulher enquanto o alagavam feitas ondas sucessivas de um prazer quase doloroso.
Mary Rose sentiu que o êxtase explorava dentro dela. Só houve um par de segundos de temor antes de entregar-se às sensações e deixar que a consumissem. aferrou-se a ele, segura no fundo do coração, de que a manteria a salvo.
Levou-lhe um tempo prolongado voltar para a realidade. Harrison a tinha abraçada, e a acariciava. Murmurava-lhe absurdas palavras de amor junto ao ouvido que, para ela, eram perfeitamente lógicas, pois o que ele fazia era lhe manifestar, sem lugar a dúvidas, quanto a tinha sentido falta de.
ficou dormida enquanto lhe mordiscava o lóbulo da orelha, mas uma hora depois despertaram suas carícias. Fizeram outra vez o amor durante a noite, e uma vez mais, enquanto o sol começava sua diária ascensão pelo céu.
Cada vez, Mary Rose se entregava a ele, e quando começava a alcançar o clímax em seus braços, alagava-a uma sensação de maravilha, pois se sentia completamente a salvo com ele.
Amava ao Harrison com todo seu coração. Seria uma esposa pormenorizada, e chegaria a perdoá-lo por havê-la enganado. Chegaria o momento em que poderia confiar outra vez nele.
ficou dormida rogando que fosse certo.
24 de fevereiro de 1871
Querida Mamãe:
Hoje descobri como se fazem os filhos. Adam me explicou exatamente o que acontece um homem e uma senhora. Disse-me que não devia fazer caretas e me desgostar tanto, mas é difícil não sentir-se enojada, Mamãe. Dão-me arcadas quando penso em que um homem poderia tratar de subir em cima de mim.
Ao Travis e ao Douglas também parece desagradável o modo em que se fabricam os meninos. Não o disseram, mas quando tratavam de me explicar isso não podiam me olhar. Além disso, tinham as caras vermelhas. Acredito que nunca quererão ficar em cima de nenhuma senhora. Mas não sei o que pensa Cole a respeito. Quando lhe perguntei, encolerizou-se comigo, e me mandou com o Adam.
Seu filho me disse que o acoplamento entre um homem e uma mulher é formoso. Acredito que estava burlando-se de mim. Você o que opina a respeito disso, Mamãe? Você teve ao Adam, assim que uma vez terá tido ao papai em cima de ti. Foi repugnante?
Cole está dando os toques finais ao teto da biblioteca de nossa casa. É muito meticuloso para cortar as molduras. Trabalha quase todas as noites, e sei que também gostaria de trabalhar de dia, mas não pode, porque Douglas necessita que o ajude para domar cavalos.
Tive que voltar a lhes dar uma mecha de meu cabelo aos índios. Agora são muito amáveis comigo, e não tratam de me afastar do Adam. Ainda lhe têm medo. Adam lhes dá mantimentos, e trata de ser amável, mas acredito que não confia neles. Ainda não esqueceu o que esteve a ponto de passar quando esses renegados tentaram me levar.
Os índios pensam que lhes darei boa sorte. Não te parece uma ridicularia, Mamãe?
por que não odeia a Livonia? Às vezes, acredito que deveria odiá-la. Sei que está assustada e que depende de ti, mas me ocorreu que, possivelmente, se for malote com ela, deixará-te ir.
Jogo muito de menos, Mary Rose
18
Mary Rose estava nervosa pelo encontro com seu pai, e não entendia por que. Não tinha nada que temer dele. Era um desconhecido, e ela seria cortês, bondosa e compassiva com ele. Recordou uma vez mais que lorde Elliott tinha sofrido uma perda terrível, e tinha o dever de consolá-lo, como lhe sugeriram seus irmãos.
Harrison despertou com a notícia de que Elliott queria que eles dois fossem à casa de campo e ficassem com ele por tempo indefinido.
Foi nesse momento quando começou a preocupar-se. Supôs que a inquietação se devia a que não sabia quase nada desse homem. Harrison lhe havia dito que era rico e que era inteligente. Mas isso não definia como seria essa pessoa. A riqueza não significava grande coisa para ela, e embora a alegrava inteirar-se de que era inteligente, essas seguiam sendo características muito vagas para seu gosto. Não conhecia nenhum de seus valores nem de suas atitudes.
Durante a viagem à propriedade Elliott, arrasou ao Harrison com perguntas.
-Explicou-me que, os que podiam, foram da cidade nos meses do verão, mas não me explicou por que.
-Faz muito calor na cidade. Até setembro, quase tudo está fechado.
A moça uniu as mãos sobre o regaço.
-Não entendo por que não podíamos esperar a Eleanor. Não queria que hoje viesse conosco?
-Carinho, recorda que não queria levantar-se? Amanhã se reunirá conosco, junto com o Edward e o resto do pessoal.
-Quanto tempo espera lorde Elliott que fiquemos com ele?
-Todo o tempo que queira ficar.
Estirou as largas pernas para diante, e se esforçou por parecer tranqüilo. Sabia que sua esposa estava nervosa, pois se retorcia as mãos, mas estava seguro de que não o advertia.
A Mary Rose custou decidir o que vestido usar, coisa muito pouco característica dela. Não era de preocupar-se com seu aspecto, mas essa manhã sim, e Harrison acreditou entender o motivo.
Não queria decepcionar a seu pai. -1e adorará, carinho.
A moça se elevou de ombros:
-O eu gostarei ? -perguntou.
Pergunta-a surpreendeu ao Harrison. de repente, inclinou-se adiante e tomou as mãos:
-Sim, você gostará. Terá que...
Mary Rose esperou que continuasse mas, como não o fez, insistiu-o:
-O que terei que fazer? Harrison suspirou.
-ia dizer te que confiasse em mim, mas esse é um ponto sensível, verdade?
A jovem se olhou as mãos.
-Não quero falar de confiança neste momento. Rompeu-me o coração, Harrison.
-Isso disse -replicou com secura.
Mary Rose lhe dirigiu uma expressão de desgosto, e seu marido moveu a cabeça.
-Realmente, é rancorosa, né? Se usasse essa memore lógica que tem, compreenderia...
-Compreenderia que me poderia haver isso dito, mas preferiu não fazê-lo, isso é o que compreenderia -murmurou, retirando as mãos-. Não teria que me haver posto este vestido azul. Faz-me mais pálida.
-Está formosa.
-Não quero estar formosa.
-Inglaterra é muito bela, não crie? -comentou, com a esperança de fazê-la trocar de tema.
-Sim, é-o -concedeu-. A paisagem do campo é adorável. Mas não é minha pátria.
-Date tempo para te adaptar às mudanças, Mary Rose.
-Tenho saudades a meus irmãos.
-Quando eu fui, me sentiu falta de?
Não lhe respondeu. Harrison se reclinou e girou a vista para a janela. Quando saíram da cidade, estava garoando, mas já tinha saído o sol e o dia estava ficando formoso.
-Chegaremos cedo -disse-. Seu pai não nos espera até isso das quatro da tarde. E chegaremos à propriedade ao redor do meio-dia.
-É verdade que todos dormem até tarde e ficam acordados parte da noite?
Harrison assentiu.
-É verdade. Está cansada? Mantive-te acordada quase toda a noite.
Mary Rose se ruborizou imediatamente.
-Não, não estou cansada.
Harrison riu entre dentes.
-Eu sim. Seu corpo não perdoa.
-O que diz é absurdo, Harrison.
Estava acalorada, e lhe pareceu uma reação significativa.
-Não pode evitar sua reação ante mim, não é certo? Recorda como...?
-Eu estava presente -resmungou-. Não tem por que me recordar o que aconteceu nós. Por favor, me diga como reagiu lorde Elliott quando se inteirou de minha existência. Tenho muita curiosidade por sabê-lo.
-Está trocando de tema. Preferiria falar de como se sentiu ontem à noite em meus braços.
-Pelo amor de Deus, quer me responder e deixar esta conversação sobre amor?
-Não me acreditou.
-Quem?
Harrison riu. Comprovou que estava perturbada, e essa revelação o encheu de prazer.
-Seu pai -lhe esclareceu.
Mary Rose suspirou. Logo, recolheu o leque, abriu-o e começou a agitá-lo ante sua cara.
-Demorei várias horas em lhe convencê-lo disse Harrison-. Tem medo de acreditar, Mary Rose. Quer te sentar sobre minhas pernas?
-Não, não quero.
-Quero te beijar.
-Não pode: vais desarrumar me.
Harrison se saiu com a sua. antes de que pudesse pensar, sequer, em apartá-lo, levantou-a, e a acomodou sobre seu regaço. Por comodidade, a moça lhe aconteceu um braço pelos ombros, embora ao mesmo tempo o olhou com severidade, por ignorar sua decisão de que a deixasse tranqüila.
-Eu não gosto de seu cabelo recolhido assim.
-Sabe por que me alegra que não te tenha talhado o cabelo?
-por que?
Mary Rose começou a lhe acariciar a nuca, deixando deslizar os dedos pelos fios sedosos.
-Assim, parece mais um montanhês, e menos um inglês refinado.
Harrison lhe beijava o pescoço, e ela sentia estremecimentos que lhe baixavam até os pés. Deixou escapar um sussurro suave, e inclinou a cabeça para lhe permitir um acesso mais amplo.
Acreditou adivinhar por que se pôs tão carinhoso. Notou que estava preocupada, e queria distrai-la para que não pensasse em seu pai.
Por certo, estava resultando. O fôlego quente contra a orelha a excitou, e o único que pôde pensar foi obter que a beijasse como era devido.
Contudo, não gostava que a manipulassem, e pensou que o diria assim que terminasse de beijá-la.
-Carinho, por que sempre cheira tão bem?
-Banho-me -respondeu.
Rendo, Harrison lhe sujeitou o queixo com a mão e a fez girar para ele. Então, deu-lhe um beijo como era devido. A boca que se posou sobre a sua era cálida, firme e possessiva. A língua entrou para incitar e saborear, e passou pouco tempo até que Mary Rose se esqueceu de tudo o que não fosse devolver o beijo.
Harrison não pôde prolongar muito o tenro jogo amoroso, pois um beijo o fazia desejar todo o resto. Em um instante, estava excitado, ansiando penetrá-la.
apartou-se, e apoiou a frente sobre a da esposa.
-Por Deus, Mary Rose, resulta-me impossível te beijar sem desejar te arrancar a roupa e te fazer o amor. Basta, carinho, não me provoque.
Mary Rose lhe beijava o pescoço e a reação de seu marido a fazia sentir-se incrivelmente poderosa. Tinha o fôlego entrecortado e tremia.
Exalou outro suspiro de prazer. Elevou a cara e lhe beijou o queixo. Harrison lhe ordenou que se contivera, mas não lhe fez caso e lhe roçou o lábio inferior com a língua.
Harrison lançou um gemido gutural, e a apertou mais estreitamente pela cintura. Já não podia seguir comportando-se como um cavalheiro. Deu-lhe um beijo ardente, molhado, com a boca aberta, e depois outro, e outro mais. Logo, Mary Rose esqueceu onde estavam. Insistiu em tratar de aproximar-se cada vez mais a ele, para sentir mais de seu calor, e lhe fez perder o controle com seus inquietos movimentos sobre seu regaço.
Pareceu-lhe uma excelente ideia lhe fazer o amor a sua esposa, sem lhe importar que estivessem dentro de um veículo em movimento. Desejava-a, e ela a ele. Não importava nenhuma outra coisa.
Por fim, foi a mulher a que recuperou a sensatez, ao sentir a mão dele sobre a coxa. Não pôde entender como tinha conseguido colocá-la sob sua saia.
-Por todos os céus, o que estamos fazendo? -sussurrou, com voz tremente de desejo-. Harrison, estamos em um carro. No que está pensando?
-Estamos casados. É correto. Podemos fazer o amor onde nos deseje muito.
Para ele, era lógico. Mary Rose lhe apartou as mãos e se passou ao assento de em frente. Elevou uma mão tremente para arrumar o penteado, e então notou que todos seus cachos lhe penduravam sobre os ombros.
O responsável por seu aspecto sujo era Harrison. Olhou-o com severidade, enquanto colocava os dedos em meio da juba e tratava de acomodar os cachos.
-Está formosa.
Pelo modo em que a olhou, convenceu-se de que acreditava realmente formosa, e então deixou de preocupar-se com seu aspecto.
-A lascívia te cegou.
-Já chegamos. O portão que acabamos de passar é a entrada à propriedade de seu pai. Tem mais de quarenta hectares.
Mary Rose aspirou uma grande baforada de ar.
-alegrou-se de saber que te casou comigo?
-Sim -respondeu-. Mas o decepcionou haver-se perdido a cerimônia. Quer que haja outra.
A moça se surpreendeu.
-Não acredito que seja necessário.
-O sim -lhe disse Harrison-. Uma vez que o conheça, poderá discutir isso com ele. Carinho, deixa de te retorcer as mãos. Tudo sairá bem. Se chegar a te assustar, te apóie em mim.
-Estou em perfeitas condições de me parar sobre meus pés. Meu pai não me assusta.
Era uma fanfarronada, mas Harrison não pensava lhe discutir. Se queria acreditar que não estava assustada, lhe seguiria o jogo.
-Também estarão os outros parentes? OH, Senhor. Harrison que imensa é essa casa. Quantos dormitórios tem?
-Acredito que doze. Não estou seguro. Os parentes chegarão mais tarde.
-Agora que horas são?
-Ainda não são as onze -respondeu, olhando o relógio de bolso. O carro deu a volta a uma esquina e começou a subir o atalho circular que havia ante uma enorme casa Branca que, à vista da Mary Rose, aparecia como um palácio. Havia flores por todos lados, e prados muito bem recortados, com arbustos de formas perfeitas.
Uns enormes leões de pedra custodiavam os degraus de entrada que chegavam até a porta do frente. A escada era de tijolo vermelho. A Mary Rose lhe ocorreu que deveu custar uma fortuna embarcá-los para a Inglaterra, mas depois compreendeu que, certamente, fabricariam-nos nos subúrbios da cidade. No Blue Belle, tudo devia ser despachado por ferrovia, e logo em carreta, mas a casa de seu pai estava a um curto trecho de uma cidade importante. Era muito diferente. "Devo recordá-lo", pensou.
Harrison a ajudou a baixar. Caminharam lado a lado até os degraus. A porta do frente era negra, com uma aldrava alargada, dourado no centro. Dois grandes trabalhadores de pedreira a cada lado da entrada, estavam repletos de flores de tudas as cores do arco íris. Pelos flancos subiam grosas trepadeiras de hera verde claro e marfim.
Mary Rose se aproximou mais ao Harrison quando este bateu na porta. menos de cinco segundos demorou para abri-la um homem de ombros largos, chamado Russell. Fez uma profunda reverência, e se apartou depressa para deixá-los passar.
Ao vê-la, teve a mesma reação que o mordomo da casa do Harrison. Russell estava tão assombrado como o tinha estado Edward.
-Sim, Russell, minha esposa se parece com lady Agatha -disse Harrison, antes de que o criado pudesse recuperar-se da surpresa e fazer o comentário.
O ancião sorriu, e lhe formaram rugas nas comissuras dos olhos.
-Sobressaltei-me, milord -admitiu, em um sussurro. Mary Rose quase não emprestou ouvidos a conversação. De pé no centro do vestíbulo, olhava a seu redor, maravilhada. A entrada era tão impressionante como o exterior da casa. O chão estava coberto por quadrados de mármore brancos e negros, e a superfície era tão grande como toda sua casa, lá em Montana. Havia uma grande escada circular frente a ela. Pendurando do teto, pelo menos três pisos mais acima, um magnífico castiçal de cristal. Havia mais de cinqüenta velas nele, e Mary Rose não entendeu como as arrumariam para as acender, estando tão altas.
-Onde está lorde Elliott? -perguntou Harrison-. É que ainda não baixou, hoje, ou estará trabalhando na biblioteca?
-Não sei com certeza onde está neste momento, milord. Não os esperava a vocês até mais tarde. Querem subir a esperá-lo à biblioteca, enquanto eu vou buscá-lo?
Harrison negou com a cabeça.
-É um dia muito formoso para ficar dentro. Iremos fora, a esperá-lo no jardim.
Levou com ele a Mary Rose. Passaram por outra habitação gigantesca a que, certamente, chamariam salão, ou sala. Havia duas enormes zonas para sentar-se, com sofás enfrentados, uma imensa lareira revestida de mármore, e várias cadeiras de respaldo redondo, além de pequenas mesas de madeira com tampa de cristal.
O tecido que tapizaba todos os móveis era de brocado marfim. Mary Rose se deteve admirá-lo, convencida de que nunca tinha visto nada tão extravagante.
Harrison a observava.
-No que está pensando? Parece intrigada -comentou.
-É pouco prático -sussurrou, para que o pessoal não a ouvisse-. Em um dia, o pó que entra pelas janelas pode arruinar o pano. A quem lhe ocorreu tapizar as cadeiras de branco?
-Você gosta?
-OH, sim, mas não me atreveria a me sentar em cadeiras tão elegantes, pois poderia as manchar.
De repente, Harrison teve vontades de atrai-la a seus braços e beijá-la: era tão fresca...
-Saímos?
Tomou a mão outra vez, e a fez passar por umas portas janela. Ao sair, havia um amplo pátio de pedra, rodeado por um muro de tijolo de uns nove metros de alto. O pátio dava a um jardim que rivalizava com todas as lâminas que Mary Rose tinha visto, onde se representavam jardins de palácios reais.
Harrison abriu as portas e saíram.
-A seu pai gosta das flores -comentou-. Uma vez me contou que, quando devia resolver um problema intrincado, saía fora a arrancar ervas. Enquanto estava ajoelhado, lhe ocorreu a solução de muitos casos legais. Embora está rodeado de riquezas, o que desfruta são as coisas simples da vida.
Mary Rose assentiu, mas não fez nenhum comentário. Harrison a levou até um grupo de cadeiras com almofadões amarelos, e lhe sugeriu que se sentasse e descansasse enquanto ele ajudava ao Russell a encontrar a seu pai.
-Não teríamos que levar nossa bagagem acima e colocar nossa roupa? Se não pendurar em seguida meus vestidos, enrugarão-se.
-O pessoal se encarregará da bagagem.
sentou-se, e uniu as mãos sobre o regaço.
-Sim, claro.
esqueceu-se de quão criados trabalhavam para lorde Elliott. Harrison tinha disparado pelo menos uma dúzia de nomes, tanto de homens como de mulheres que trabalhavam para seu pai. Não podia imaginar como seria que houvesse tantas pessoas ocupando-se de suas necessidades. Estava acostumada a arrumar-lhe sozinha, e não estava segura de poder adaptar-se muito bem a essa mudança.
Harrison se inclinou e lhe deu um beijo na frente antes de voltar a entrar. Mas a moça estava muito nervosa para ficar sentada muito tempo. Não tinha a menor ideia do que diria a seu pai, quando ao fim estivessem cara a cara, e lhe resultava muito importante encontrar as palavras justas. Não queria decepcioná-lo. Tinha-a procurado boa parte de sua vida, e não lhe parecia apropriado um simples: "Encantada de conhecê-lo".
Decidiu caminhar pelo atalho de pedra que atravessava o jardim, com a esperança de que um passeio tranqüilo lhe ajudasse a serenar o ritmo acelerado do coração, e a ordenar seus pensamentos.
Ao dobrar a primeira esquina, rodeou-a a fragrância do verão. Havia flores por toda parte. A mescla de perfumes lhe recordavam ao vale que havia em sua Montana, e por estranho que parecesse, pôde relaxar-se um pouco. Fez uma profunda inspiração, juntou as mãos à costas, e seguiu caminhando. deteve-se várias vezes para inclinar-se a observar mais de perto uma flor que não reconhecia. Alguém lhe pareceu muito particular. Tinha pétalas vermelhas e rosadas que lhe recordavam à rosa, mas quando se inclinou para sentir o perfume, surpreendeu-a um intenso aroma a lilás.
Estar sozinha no jardim a serenou. Alegrou-lhe saber que a lorde Elliott gostava de estar ao ar livre, e pensou que os dois tinham algo em comum do que falar. Podia lhe falar do jardim que tinha em seu lar, e lhe nomearia as flores de seu paraíso.
ergueu-se e seguiu caminhando pelo atalho e, ao girar na seguinte esquina, viu um homem ancião, apoiado sobre um joelho, examinando atentamente uma flor. Não levava roupas de jardineiro; a não ser calças escuras e uma camisa branca resplandecente. Tinha as mangas enroladas até os cotovelos. Mary Rose não podia lhe ver a cara, porque levava um chapéu de palha de asa larga, jogado sobre a frente.
Embora supôs que poderia ser seu pai, não podia estar segura, e não soube o que fazer. Esteve a ponto de dá-la volta e voltar para pátio, mas logo trocou de idéia e seguiu adiante.
Elliott ouviu o sussurro das saias detrás dele, e supôs que uma das criadas tinha saído a ver se podia ajudá-lo. Estirou o braço a um lado, para o cesto que já tinha cheio com flores, e a levantou para entregar-lhe à donzela.
-Talvez a minha filha goste de ter mais de um floreiro com flores frescas -lhe disse.
Ainda não a tinha cuidadoso. Mary Rose sujeitou a manga da cesta com a mão esquerda, passou o braço e ficou ali, sentindo-se torpe e tola.
Elliott não advertiu que a moça não ia se levar as flores à casa. Paciente, Mary Rose esperou que elevasse a vista para ela. Pensou que podia iniciar a conversação apresentando-se, e rogou ao Senhor que a voz não lhe traísse o nervosismo.
-Gostará das flores a minha Vitória?
Mary Rose fez uma inspiração profunda:
-Eu gosto de muito, pai.
Elliott ficou imóvel durante o que pareceu uma eternidade, e logo levantou lentamente o olhar.
Lhe cortou o fôlego e teve a sensação de que o coração ia explorar lhe em mil pedaços. Foi um enorme impacto ver pela primeira vez a Vitória. O sol nimbaba sua cabeça dourada, lhe dando uma aparência mística, e por um momento acreditou que sua amada Agatha tinha descido do céu para estar outra vez com ele.
Era digna filha da Agatha. Por fim, Vitória tinha voltado para lar. Elliott não podia recuperar o fôlego nem o equilíbrio. Sentiu que se cambaleava, e se teria cansado se sua filha não se inclinou, lhe oferecendo a mão.
aferrou-se a ela como se fosse um salva-vidas, e a sujeitou forte. Mas seguiu com a vista fixa nela, com expressão encantada.
A moça lhe sorriu com um sorriso suave e encantador, muito similar a da mãe, e quando a visão começou a rabiscar-se, soube que estava chorando.
Mary Rose o ajudou a levantar-se. Quis lhe rodear a cintura com o braço para sustentá-lo, mas não lhe soltava a mão o tempo suficiente.
O chapéu tinha cansado ao chão. Mary Rose contemplou a seu pai, e pensou que, na verdade, era um homem muito arrumado, tendo em conta o avançado de sua idade. O cabelo resplandecia como prata à luz do sol. Tinha maçãs do rosto altos e um formoso nariz Patricia. A pose, nobre e orgulhosa como a de um estadista ou um orador, recordou-lhe a de seu irmão Adam, e lhe ocorreu que, a não ser pela diferença na cor da pele, a gente poderia confundi-los com parentes. Pelas veias de seu irmão corria sangue dos ancestros que foram chefes, e por isso tinha uma atitude tão altiva. Também os ancestros do Elliott seriam tão elevados? Devia recordar perguntar-lhe algum dia. Nesse momento, não era oportuno.
Pai e filha seguiram contemplando-se vários instantes mais. Elliott se esforçava por recuperar a calma. Tirou do bolso um lenço de linho, e se enxugou as lágrimas.
Logo, fez um vivaz gesto de assentimento, apertou com força a mão de sua filha, e assentiu outra vez. Giraram, e caminharam da mão para a casa. A voz do ancião estava rouca de emoção quando, ao fim, pôde lhe falar:
-Estou muito ditoso de te ter outra vez em casa, comigo.
Mary Rose fez um gesto de entendimento, e tratou de pensar algo para lhe dizer.
Quis ser muito sincera com ele, mas também bondosa, e por isso, simplesmente lhe falou com o coração:
-Pai.
-O que, Vitória?
-Alegra-me saber que você não me abandonou.
Lillian, a irmã menor de lorde Elliott, foi primeira da família em chegar à reunião com lady Vitória.
Lillian foi a mais difícil de convencer entre todos os familiares de que tinham encontrado à filha de seu irmão. Tinha sofrido todas as decepções junto com lorde Elliott, tinha visto a angústia causada por cada filha falsa, e temia que esta vez também terminasse em uma amarga decepção. E embora a prova era indiscutível, Lillian seguia reservando-se sua opinião. Decidiria por si mesmo se Mary Rose Clayborne era Vitória, ou só uma farsante em busca de lucros.
-William, o que faz sentado aqui fora, com tanto calor? -perguntou-lhe ao sair-. Se não ter mais cuidado, adoecerá.
Harrison, lorde Elliott e Mary Rose ficaram de pé quando a mulher se aproximou deles. Mas a vista da tia se cravou só na jovem.
-Em efeito, parece-se com a Agatha -admitiu-. O parecido é notável.
Elliott apresentou formalmente à filha e a irmã. Mary Rose sorriu. Não sabia se devia fazer uma reverência, ou lhe estreitar a mão, e ficou indecisa, esperando que Lillian mesma lhe desse algum indício de qual era a atitude adequada.
Lillian não se parecia com seu irmão. Quase não chegava aos ombros. Era magra, de nariz aquilino e cabelo castanho escuro Mas tinha os mesmos maçãs do rosto altos. Lillian teria sido uma mulher atrativa se não usasse cores tão apagadas. Tinha um posto vestido cinza escuro que a fazia parecer muito pálida. Se se beliscasse as bochechas, poderia lhes dar um pouco de cor.
Além disso, devia deixar de franzir o sobrecenho. Sem dissimulações, olhava com severidade a Mary Rose.
-Como te chama, garota? -quis saber. Enquanto esperava resposta, uniu as mãos para orar.
-Meu nome é Mary Rose Clayborne.
-Não se chama a si mesmo lady Vitória -comentou Lillian ao irmão-. Me pergunto por que.
Mary Rose lhe respondeu:
-Desde que tenho memória, chamaram-me Mary Rose, senhora. O nome Vitória não significa nada para mim.
A franqueza da jovem esmagou à mulher, e o cenho se aprofundou.
-Parece-te com a difunta algema de meu irmão, mas ainda não estou convencida de que seja sua filha. Quer tratar de me convencer, garota?
Mary Rose decidiu ser muito franco, sem importar que pudesse parecer grosseira.
-Não, senhora, não quero tratar de convencê-la. O que sim desejo é que deixe de me chamar garota. Não o sou, sabe?
-Senhor, que impertinente é, William.
A isso, Mary Rose não soube como responder, mas seu pai foi em sua ajuda.
-É sincera, não impertinente.
Lillian assentiu.
-Quais são seus planos? -perguntou-lhe.
-OH, Lillian, pelo amor de Deus. Minha filha acaba de chegar. Não temos por que falar de planos agora mesmo. Sente-se, e deixa de chateá-la.
-Só queria chegar o antes possível à raiz do assunto.
-À raiz do que, senhora? -perguntou Mary Rose. Lillian se adiantou para ela.
-A descobrir se for, em realidade, Vitória. William, me deixe opinar, e depois guardarei silêncio, faça o que faça. Você é lady Vitória? -persistiu.
-Dizem que o sou -respondeu Mary Rose-. Pelo bem de meu pai, desejaria que fosse certo. Queria lhe brindar certa paz, e sei que esteve me buscando muito tempo.
-E por seu próprio bem?
Mary Rose não entendeu o que lhe perguntava. Olhou ao Harrison, e logo voltou a atenção ao Lillian.
-Queria passar umas semanas com meu pai, e depois, retornar a meu lar.
-É muito em breve para saber quais serão seus planos -interveio o pai, lhe aplaudindo a mão-. Talvez queira ficar comigo.
-Não quis enganá-lo com falsas esperanças.
-Lá, em meu lar, deixei quatro irmãos. Tenho que voltar, pai.
-Discutiremo-lo logo -decidiu-. Necessita tempo para nos conhecer todos. Lillian é o membro mais difícil da família, querida minha. e já vê que a deixaste sem fala. Devo confessar que não acreditei que ninguém pudesse sacudir a minha irmã, mas você o tem feito, sem dúvida.
Mary Rose ficou confundida:
-Não quis sacudi-la, senhora.
-Harrison, entende ela a importância de seu pai? -perguntou Lillian.
-Não, não a entende -respondeu-. Os valores de minha esposa são diferentes dos das jovens inglesas.
-Entramos na sala? -propôs lorde Elliott-. Acredito que minha irmã necessita um refrigério.
-lhes adiante você e Harrison. Eu quero falar com minha sobrinha a sós.
-Não quero que a intimide, Lillian.
-Não me intimidará, pai.
Harrison tampouco queria deixá-la com o Lillian, pois sabia o hiriente que podia chegar a ser. Não queria que Mary Rose se sentisse perturbada e, se tinha tempo, levaria-a à parte e lhe explicaria que Lillian ladrava muito mas mordia pouco. Tinha bom coração, mas procurava que ninguém o notasse.
-Minha filha e eu estivemos muito tempo separados. Sinto muito, Lillian, mas devo insistir em que entremos todos juntos.
-Estaremos com vocês em um minuto, pai -disse Mary Rose-. Eu também queria falar um momento a sós com minha tia.
Não esperou a permissão dos homens, mas sim se sentou de novo e convidou ao Lillian a imitá-la.
Esperaram até ficar sozinhas.
-Começo eu, ou prefere fazê-lo você, tia Lillian?
-Começarei eu -decidiu a tia-. A idade tem suas vantagens -adicionou, sonriendo-. Querida minha, queria confiar em suas intenções, mas me resulta difícil. escutei todas as provas que reuniu seu marido, e embora parece confirmar que você é, na verdade, nossa Vitória, ainda tenho minhas dúvidas. Por certo, entendo que deseje ser herdeira de meu irmão.
-Seriamente? me diga por que acredita que quero ser Vitória.
-Bom, pela posição, a riqueza, o...
A colocação a surpreendeu tanto, que não podia sair de seu assombro.
-Eu poderia lhe dar a mesma quantidade de motivos pelos quais não queria ser sua sobrinha. Sem dúvida, ser outra pessoa me complica a vida, senhora. Tenho uma família em Montana. Parece-lhe egoísta de minha parte sentir nostalgia de meu lar?
-Provém de uma família rica?
-Isso acredito. Tenho tudo o que pudesse desejar.
-Os membros desta família, são tão ricos como seu pai?
-Não estou segura -respondeu Mary Rose-. É um tipo de vida diferente, e um tipo de riqueza diferente -tentou lhe explicar-. por que não quer que eu seja Vitória?
Lillian contemplou a Mary Rose comprido momento, e logo murmurou:
-Tem os olhos de sua avó.
-Minha avó?
Lillian fez um gesto afirmativo, e suavizou a expressão com um sorriso.
-Jamais escutei a Agatha lhe dizer a alguém uma palavra dura, e menos ainda a sua própria mãe. Sua avó era uma velha bruxa, mas tinha formosos olhos azuis. Pode que Agatha se revolva em sua tumba me ouvindo falar mal de sua mãe, mas só digo a verdade. Era realmente difícil tratar com ela.
Mary Rose estalou em gargalhadas: embora Lillian parecia muito correta, seus comentários não o eram, absolutamente.
-Não quero que meu irmão sofra outra vez.
-Eu não o farei sofrer -prometeu Mary Rose-. Só quero conhecê-lo, e retornar a meu lar. É obvio, escreveremo-nos, e espero que um dia queira ir visitar me. Eu gostaria de lhe apresentar a meus irmãos.
Lillian se desconcertou.
-Não compreende o que seu pai poderia te dar?
-Sim, sei exatamente o que poderia me dar: o amor de um pai. Eu protegerei seu coração. E tentarei amá-lo do modo que uma filha deveria querer a seu pai. Não tenho prática, mas aprenderei.
-Querida minha, agora é uma mulher casada e, portanto, está sob o controle de seu marido. O lar do Harrison está na Inglaterra. Certamente saberá que deve ficar aqui, com ele.
A moça não sabia semelhante coisa, mas não pensava compartilhar sua opinião com o Lillian.
-É você casada, tia Lillian?
-Era-o. Meu querido Kenneth faleceu faz cinco anos. Não recebemos a bênção dos filhos.
-Lamento sua perda -disse Mary Rose.
-Trato de estar ocupada. Atendo meus projetos de caridade e, certamente, a família, que me exige muito tempo e dedicação. Robert tem sete filhos, e sempre há algum com problemas. Barbara é uma doçura, mas não pode controlar a sua origem. Têm seis meninas e um menino -adicionou, com gesto enfático-. dentro de uma ou duas horas, conhecerá-os todos.
-Quais são Robert e Barbara?
-Seus tios. William, seu pai, é o major, logo venho eu, depois Daniel e, o último, Robert. Barbara é sua esposa. Tem um vestido mais apropriado para o jantar, querida?
Mary Rose se olhou a saia, e não viu manchas nem rugas.
-O que tem de mau este?
-Está completamente passado de moda.
-O tecido me custou uma maldita fortuna.
Lillian lançou uma exclamação, e se levou a mão à base do pescoço.
-Não tem que falar assim, Vitória. Só a gente vulgar usa a palavra "maldita". Temos que começar a melhorar suas maneiras imediatamente. Temos tanto que fazer antes de te apresentar em sociedade... Tenha presente quem é seu pai.
Mary Rose não entendia bem a que se referia a mulher mas, por sua expressão, supôs que se tratava de algo importante.
-Não, não esquecerei quem é meu pai -concedeu-. Tia Lillian, por que não voltou a casar-se? É uma mulher muito formosa. Se vivesse em Montana, pretenderiam-na pelo menos dez homens, antes de que seu querido defunto estivesse em sua tumba.
-Por Deus, garota, não seja impertinente.
-Não sou impertinente, a não ser sincera.
Lillian se tocou para certificar-se de que o coque estivesse intacto, e logo se levantou.
-Recorda que deve te reservar suas opiniões, Vitória. Se disser o que te cruza pela cabeça, é muito provável que escandalize às pessoas.
de repente, Mary Rose soube que Lillian a aceitava como filha de seu irmão.
-Não pode ter trocado de idéia tão rápido, senhora -comentou.
-As provas são sólidas, mas me reservarei meu julgamento. Outorgarei-te o benefício da dúvida, querida.
-por que?
-Não é de boa educação fazer tantas perguntas, Vitória. Vêem comigo dentro. Seu pai e seu marido já nos esperaram muito tempo.
-Antes, tenho que lhe pedir um favor.
Lillian se voltou para a sobrinha:
-O que?
-Por favor, me chame Mary Rose.
-Mas já não é Mary Rose, verdade? É Vitória. Terá que te acostumar para ouvir seu nome.
Enlaçou o braço ao da moça, e atirou dela.
-Tenho entendido que seu amiga chegará amanhã. Como se chama?
-Eleanor-lhe informou Mary Rose-. Acredito que gostará, tia Lillian. Tem melhores maneiras que eu.
-Isso já o veremos -replicou Lillian. Mary Rose seguiu a sua tia ao interior do salão. Nem Harrison nem seu pai a viram, pois estavam em meio de um acalorado debate.
-Querem que você receba este dinheiro, senhor. E eu acredito que você deve aceitá-lo -disse Harrison.
De pé ante o lar, estava de costas a sua esposa. Mary Rose se aproximou dele e ficou a seu lado.
-Não o aceitarei -afirmou lorde Elliott, pela terceira vez-. Envíaselo de volta, Harrison.
Harrison negou com a cabeça. Mary Rose lhe roçou o braço e, imediatamente, tomou a mão.
-Estão falando do dinheiro que mandaram meus irmãos? -perguntou Mary Rose.
-Sim -respondeu Harrison-. Seu pai não o quer.
Lorde Elliott estava sentado em uma cadeira de respaldo alto, perto da chaminé. Mary Rose lhe disse:
-Pai, se aceitasse o dinheiro, daria- uma satisfação a meus irmãos.
A expressão do pai indicou que não pensava ceder. Começou a lhe dizer algo, mas logo trocou de idéia e procurou o apoio de sua irmã.
Lillian se precipitou a intervir:
-Vitória, não deveria participar desta discussão. Deixa que os homens resolvam. Vamos acima a examinar sua roupa? Estou segura de que poderemos encontrar algo apto para esta noite.
Mary Rose ouviu que Harrison suspirava. Apertou-lhe a mão e a olhou:
-Vê, carinho. Depois falaremos disto.
Tinham-lhe indicado que se retirasse. Se tivesse estado em sua casa, enredaria-se em uma feroz discussão por ser excluída da "conversação de homens", mas não estava em sua pátria. Estava na Inglaterra. As regras eram muito diferentes e, de repente, sentiu-se insegura. Tinha- prometido a seus irmãos que trataria de levar-se bem com todos seus parentes, e por isso seguiu à tia, em uma demonstração de obediência. deteve-se na entrada para lhe lançar um olhar irritado ao Harrison, para que soubesse o que pensava de ter sido excluída, mas seu marido não se comoveu. Mas bem, lhe piscou os olhos um olho, coisa que a chateou mais ainda. Mary Rose lançou um suspiro e seguiu subindo as escadas. Teria que esperar a mais tarde para lhe dizer ao Harrison o que sentia.
Passou a hora seguinte discutindo com sua tia Lillian sobre seu guarda-roupa. Essa mulher parecia obcecada com os vestidos. Mary Rose encontrou seu comportamento incompreensível; pensou que era ridículo que Lillian não encontrasse nada apto para que ela ficasse. Mas se lhe ensinei oito vestidos encantadores! Lillian os observou, mas negou com a cabeça. Em tom altivo, rechaçou-os todos com firmeza.
Mary Rose tentou não deixar que afetasse seus sentimentos, recordando que, nesse lugar, as coisas eram diferentes. Entretanto, ela mesma tinha eleito o tecido e o modelo de duas de quão vestidos a sua tia pareciam tão feios. Não pôde menos que sentir um tanto molesta.
Terminou por deixar ficado o vestido azul. Lillian baixou outra vez a mandar um mensageiro à costureira.
deteve-se na porta:
-Amanhã, depois de que lhe tenham examinado quão médicos convocou meu irmão, você e eu olharemos tecidos e começaremos a encarregar seus guarda-roupas.
-Não necessito que me veja um médico -protestou Mary Rose-. Me sinto bem, de verdade.
-Não fique teimosa, Vitória. É por seu próprio bem. Conseguirei que sente a meu lado na mesa, esta noite, assim poderei te ajudar com respeito a suas maneiras. Agora tem uma hora para descansar, e logo baixará. Para então, Robert terá chegado com sua família.
-Tia Lillian, mencionaste a outro irmão, Daniel. Visitará-nos?
-Daniel e sua esposa estão no sul da França. Voltarão dentro de uma ou duas semanas. Então, conhecerá-os. Sua esposa se chama Johanna. Têm três filhos, três formosos varões. Dorme a sesta, Vitória. Enviarei a Ann Enjoe a te ajudar.
Mary Rose não perguntou por que necessitava uma donzela para descansar, pois Lillian sem dúvida lhe diria que não fosse impertinente. Tampouco discutiu o de dormir a sesta, embora não lhe ocorria que motivo podia ter alguém para dormir durante o dia. Não estava nada cansada mas, Por Deus, estava aborrecida. Havia muitos nomes que recordar, muitas regras que obedecer.
Como demônios faria para cumprir as expectativas de todos? Ela nunca tinha dado as costas a um desafio, e não ia fazer o nesta ocasião. Decidiu que faria algo que fosse necessária para agradar a seus parentes.
Entrou Ann Enjoe à habitação para ajudá-la a tirar o vestido e apartar os lençóis da cama. Ao ver que a donzela fechava as cortinas, Mary Rose chegou à conclusão de que, realmente, teria que descansar.
A habitação era espaçosa, e estava decorada com suntuosos dourados. Pareceu-lhe muito relaxante. tendeu-se na cama só com a anágua, e pôs as mãos detrás da cabeça. Fixou a vista no teto enquanto tentava esclarecer seus sentimentos.
Pensou em seu pai, em que era um bom homem. Gostava de como sorria. Também sua voz que, embora era suave, ao mesmo tempo estava enérgica. Quando escrevesse a seus irmãos, contaria-lhes que lorde Elliott era um homem muito agradável.
Harrison entrou uns minutos depois.
-Seu pai se mostra teimoso -lhe disse-. Opina que terá que lhes devolver a seus irmãos o dinheiro que mandaram. Considera-o um pagamento por te deixar viver com eles. É obvio, não o entende.
Mary Rose ficou de lado para poder vê-lo:
-Não gostou quando falei de meus irmãos. Sei pelo modo em que me olhou. Parecia... decepcionado.
-lhe dê tempo para acostumar-se à idéia de que tem outra família -lhe aconselhou Harrison.
-Sabia que manhã terei que acontecer revisões médicas?
Harrison se tirou a jaqueta, jogou-a sobre uma cadeira, e se sentou no bordo da cama. inclinou-se para tirá-los sapatos e os meias três-quartos.
-Seu pai me disse isso.
-por que têm que me examinar? Sinto-me bem.
-Os médicos darão a seu pai a segurança que ele necessita. Não te fará nenhum dano, verdade? Se realmente não quiser que lhe examinem, o direi ao Elliott.
Mary Rose o pensou uns momentos, e decidiu agradar a seu pai. Supôs que Harrison tinha razão: que dano lhe faria que a revisassem?
-É um gasto inútil -disse, protestando a inapetência-. Mas submeterei a seus planos. Não me perguntaste o que opino de meu pai. Não te interessa?
Seu marido se voltou e lhe sorriu:
-Já sei o que opina. É obvio, sente curiosidade com respeito a ele. Vi como o olhava quando ele não estava te olhando a ti. Já te agrada, e eu penso que queria amá-lo.
Mary Rose assentiu. Sem dúvida, Harrison era tão observador como sempre.
-Sou sua filha. Deveria amá-lo, não crie?
-Sim.
-Posso confiar nele?
Pergunta-a o surpreendeu.
-Sim, pode confiar nele. Já sabe que pode confiar em mim.
Não queria falar disso, e tentou trocar de tema, mas Harrison não o permitiu.
-Compreendo que não deveria te haver pedido que confie em mim. Talvez tenha sido algo arrogante de minha parte.
-Talvez?
-Ainda não o compreende, verdade?
-O que?
-Que amor e confiança vão da mão. Não poderia me amar se não confiasse em mim. E me ama, não é certo?
Não lhe respondeu. Ainda o tema da confiança lhe resultava delicado. Ao enganá-la de propósito, Harrison a tinha ferido. Mary Rose entendia por que não lhe havia dito o motivo que teve para ir ao rancho... ao princípio. Claro que entendia seus motivos, mas quando se prometeram mútuo amor, ele seguiu discretamente. E também entendeu quando lhe explicou que a tarefa de lhe falar do pai correspondia a seus irmãos. E ainda assim, tinha-a enganado, e embora tinha medo de dizê-lo, temia que voltasse a enganá-la.
Deveriam reconstruir a confiança entre ambos pedra por pedra, e Harrison teria que ser paciente até que ela se sobrepor a seus temores.
-Não estou lista para falar disto contigo -lhe anunciou-. Terá que me dar tempo para digeri-lo. Sim, amo-te -adicionou, vendo que a olhava com cenho feroz-. E enquanto espera, poderia te dispor a aprender como confiar em mim.
-Está me fazendo zangar, Mary Rose.
-Mas você me ama, não?
-Sim, amo-te.
Não o disse em tom ditoso, mas isso não a incomodou. Harrison queria ter tudo ordenado em pequenos compartimentos, e ter que esperar algo o punha nervoso. Como se tinha mostrado lógico com ela, esperava que ela se comportasse e pensasse do mesmo modo.
-Espero poder recordar os nomes de todos esta noite. Tentava trocar de tema. Harrison voltou para a questão, enquanto se tirava as calças.
-Eu te ajudarei. Temos que falar do George MacPherson, carinho. É o secretário pessoal de seu pai. Não estará esta noite, pois ainda não tornou das férias. Não quero que lhe diga que Douglas viu um homem e a uma mulher juntos em uma esquina, com a cesta. Atua como se não soubesse nada do que passou aquela noite.
-Esse é o que me raptou?
-Isso acredito, mas ainda não o posso demonstrar. estive revisando os velhos livros de contas. Como MacPherson não pôde ter economizado esses milhares de dólares para lhe dar a seu cúmplice, teve que tirar o dinheiro de uma das contas do Elliott. Ainda não encontrei nada, mas o encontrarei.
-Na época do seqüestro, investigaram ao MacPherson?
-Sim. Mas eu não acredito que os policiais revisassem os livros tão minuciosamente como era preciso.
-Posso te ajudar?
dispôs-se a negar-lhe mas trocou de idéia. Agora era sua esposa, e embora ele estava habituado a trabalhar só, descobriu que queria fazê-la participar. Trabalhar juntos seria uma experiência novidadeira.
-Sim, pode me ajudar.
-Sabe que bastaria lhe pedindo ao Douglas que viesse a Inglaterra, para que assinale ao MacPherson como culpado?
-Com o tempo, as lembranças trocam, e também as aparências -replicou Harrison-. A defesa faria migalhas as lembranças do Douglas. Não seriam sólidos como evidência, sem algo que os sustente.
-Falou-lhe com meu pai a respeito do MacPherson?
-Ainda não -respondeu Harrison-, mas o farei logo que tenha provas. Quer que o diga agora?
-O diria, se eu quisesse?
-Sim.
alegrou-se de saber que Harrison faria o que ela queria. Pensou no problema, e depois chegou à conclusão de que seu marido tinha razão em esperar.
-A meu pai resultaria difícil não mostrar o jogo, e assim MacPherson suspeitaria. Até poderia desaparecer, e não podemos nos permitir isso, certo? Não, acredito que devemos esperar para dizer-lhe O entenderá.
-Como você entendeu por que esperei para te dizer o motivo que tinha para viajar a Montana?
-Isto não é o mesmo -argüiu-. Embora não conheço bem a meu pai, não posso imaginar o com cara de pôquer.
Harrison elevou uma sobrancelha:
-Cara de pôquer?
-Deixaria ver seus sentimentos. Um bom jogador de pôquer jamais permite que outros saibam o que está pensando. Arrumado a que você ganha muitos jogos de azar, não? Estranha vez deixa ver o que está pensando. Todos descansam pelas tardes?
A mudança de tema não o desconcertou: estava acostumando-se ao modo em que funcionava a mente de sua esposa.
-A maioria das mulheres, sim.
-E os homens?
Harrison se tirou o resto da roupa antes de lhe responder:
-Alguns homens descansam, mas eu não o farei. Desejo-te muito. terminaste que falar, carinho?
Ao mesmo tempo que a mulher ficava de costas, o homem se acomodava sobre ela. Mary Rose lhe aconteceu os braços pelo pescoço e o olhou aos olhos. Com os dedos, acariciou-lhe a nuca.
-Você gosta de minha roupa?
-Não, diabos. Odeio sua roupa. Eu gosto de nua.
Não receberia dele a confirmação que necessitava, e decidiu não seguir preocupando-se com um pouco tão insignificante como o guarda-roupas. Nesse momento, tinha algo muito mais importante que fazer: ia fazer lhe o amor ao marido, e previamente estava resolvida a enlouquecê-lo por completo.
-Quanto tempo temos para ficar em nosso quarto, descansando?
Enquanto lhe respondia, mordiscou-lhe o pescoço:
-Um par de horas. por que?
-Será suficiente. Por favor, te aparte de mim.
Harrison elevou bruscamente a cabeça.
-Quer que me ...?
-OH, sim -lhe respondeu, agitada-. Quero que me... mas quero começar eu.
-Não tenho a menor possibilidade de adivinhar o que acaba de dizer, não é certo?
-Quer que o explique, ou prefere que lhe demonstre isso?
Imediatamente, Harrison se tendeu de costas.
-demonstre-me isso Cuando, por fin pudo volver a hablar, dijo:
ruborizou-se como uma virgem, mas se comportou como uma provocadora. Harrison pôs as mãos detrás da cabeça e esperou a ver o que ia fazer. Mary Rose se sentou, e logo se incorporou sobre os joelhos. A expressão que viu nos olhos do marido a ajudou a superar o acanhamento. Desfez lentamente o nó da cinta de cetim que sustentava a anágua, e logo a baixou.
despiu-se sem pressa, e notou, com prazer, que a respiração do Harrison se tornou irregular.
depois de haver-se tirado por completo o objeto, inclinou-se adiante, deixando que seus peitos roçassem o tórax do homem, O cabelo lhe derramou pelos ombros.
-Tem cócegas? -perguntou em um sussurro, enquanto deslizava as gemas dos dedos pelo ventre duro e plano.
O homem respirou com brutalidade.
-Não.
Então, a mulher seguiu lhe percorrendo o corpo para baixo, e Harrison esperava que comprovasse por si mesmo se lhe dizia a verdade, lhe beijando o ventre.
Mas o que ela fez foi lhe beijar o membro ereto, e Harrison esteve a ponto de cair da cama. Apertou a mandíbula e fechou com força os olhos. Mary Rose o acariciava com os dedos e com a boca, e ele acreditou que não ia poder suportar esse tortura muito tempo. Quando o recebeu totalmente em sua boca e começou a sugá-lo, Harrison lançou um grito rouco e a obrigou a apartar-se.
Não foi tenro com ela. Estava próximo ao orgasmo, mas resolvido a satisfazê-la a ela primeiro. Elevou-a com brutalidade, separou-lhe as coxas e a obrigou a montar-se escarranchado sobre ele.
-me receba dentro de ti -lhe disse, com voz que parecia expressar uma aguda dor.
Mary Rose moveu a cabeça.
-Ainda não -murmurou.
inclinou-se adiante e lhe apoiou a mão no ombro. Então, começou a atormentá-lo com doces beijos. Passou a ponta da língua pelos lábios do Harrison. Este lhe pôs a mão na nuca e se incorporou, obrigando-a a aprofundar o beijo. A língua da Mary Rose lhe acariciou o céu do paladar.
Harrison lhe acariciou o estômago, e logo deslizou a mão até a união entre as coxas, para começar a prepará-la com os dedos. Quando sentiu esse calor úmido, levou as mãos aos quadris dela. Elevou-a até que a ponta de seu membro a penetrou, e a fez baixar lentamente até ter chegado ao mais fundo.
Embora Mary Rose não sabia bem o que fazer a seguir, a necessidade de movera fez começar a rodar os quadris.
Harrison lançou um gemido rouco e lhe aferrou os quadris. Foi suficiente. Mary Rose se concentrou em satisfazê-lo e, ao mesmo tempo, obter seu próprio prazer. Seus movimentos já eram instintivos, torpes, mas ao Harrison não importou.
Ela reteve o controle até que Harrison colocou a mão e começou a acariciá-la para lhe provocar um orgasmo, e quando já não pôde conter-se mais, deu um forte impulso para cima e derramou sua semente, as paredes sedosas que o rodeavam se contraíram e apertaram. Mary Rose gritou o nome enquanto ele alcançava o clímax.
Instantes depois, deixou-se cair sobre seu marido, apoiando a cara sobre seu peito. Retumbou-lhe nos ouvidos o batimento do coração do coração, que parecia tão errático e forte como o seu.
Ao Harrison levou bastante tempo voltar para a realidade. Reteve-a em seus braços, sem poder deixar de acariciá-la enquanto recuperava pouco a pouco a força e a calma.
Quando, por fim pôde voltar a falar, disse:
-Do que se tratava tudo isto?
Súbitamente, ela se envergonhou do que lhe tinha feito.
-Não te gostou?
A preocupação que vibrava em sua voz o fez rir. Que não lhe tinha gostado? Com apenas pensar nessa doce boca sobre ele, tinha vontades de lhe fazer o amor outra vez. Diabos, já começava a sentir os primeiros estremecimentos da excitação.
Enroscou o cabelo dela na mão, obrigou-a a elevar a cabeça para olhá-lo, e lhe sorriu:
-Sim, claro que sim. Não o viu?
Sorriu, agradada.
-Isso supunha. Eu gosto de seu sabor.
Harrison gemeu, e logo a atraiu para ele para lhe dar um beijo prolongado. Um beijo não foi suficiente, e seguiu beijando-a até que, pouco depois, os dois ansiavam mais.
Fizeram o amor pela segunda vez, a um ritmo muito mais lento. Harrison não lhe permitiu ter muito controle. Estava resolvido a torturá-la como ela tinha feito com ele. Os dois ficaram completamente exaustos e satisfeitos.
Quando, por fim, foi hora de vestir-se, Mary Rose bocejava. E notou com alegria que Harrison estava igual de cansado.
Ann Enjoe insistiu em lhe sujeitar o cabelo em um cacho de cachos na parte de atrás da cabeça. Mary Rose se deixou fazer, quando a moça lhe explicou que seguia instruções de lady Lillian.
Harrison lhe disse que estava formosa. depois de três horas de receber olhadas atônitas e perguntas por parte de uma horda de parentes bem intencionados, Mary Rose já não estava segura. Ao parecer, ninguém deixava de opinar com respeito ao modo em que caminhava e falava. A velada foi uma prova para ela, pois não estava habituada a ser o centro da atenção, mas manteve o sorriso e tratou de compreender tanta curiosidade.
A tia Barbara representou um reforço para ela. Era alta e muito bem dotada. Aceitou imediatamente a Mary Rose como sobrinha. Recebeu-a nos braços, esmagou-lhe a cara contra seus peitos, e começou a lhe aplaudir as costas como se fosse uma menina chorosa a que terei que acalmar.
-Pobre, pobre garota -repetia sem cessar-. Agora, tudo estará bem. Está em seu lar, com sua família. Tudo irá de maravilha. Todos os que estamos aqui lhe amaremos e lhe cuidaremos.
A tia Barbara não a soltava até que, ao fim, o tio Robert foi resgatar a.
-Está sufocando-a, Barbara -lhe informou, embora um instante depois, atraiu a Mary Rose a seus braços e a estreitou, lhe tirando o fôlego.
Enquanto a abraçavam, Mary Rose olhava ao Harrison e o via muito divertido. Estava no outro extremo do salão, com seu pai, vendo como atiravam dela em três direções ao mesmo tempo.
Lhe sorriu, e logo emprestou outra vez atenção a esses tios tão exageradamente carinhosos. Tanta aceitação era comovedora, embora alguns de seus comentários a exasperaram. Ao parecer, a tia Barbara acreditava que Mary Rose tinha sofrido uma lamentável injustiça os anos anteriores. Pelo amor de Deus, não era nenhuma vítima! Embora para o fim da velada, soube que todos seus parentes pensavam o mesmo.
esforçou-se por não zangar-se com eles. Não entendiam o rica e plena que tinha sido sua vida com seus irmãos, e por isso pensaram que tinha sofrido privações.
Apresentaram aos primos, que lhe pareceram deliciosos. O major não tinha mais que quatorze anos, e se preparava para apresentar-se em sociedade. As cinco irmãs menores eram como degraus de uma escada de idades e aspectos. O menor, um menino de nome Robert, como seu pai, tinha sete anos, e lhe chateava ser apresentado a sua prima. Assim que entrou correndo no salão e viu o Harrison, não se separou de seu lado. Era óbvio que adorava ao marido da Mary Rose.
Aos meninos não lhes permitiu jantar com os majores, e quando se anunciou o jantar, enviaram-nos à planta alta.
Pareceu-lhe estranho que excluíram aos meninos, mas não o disse, porque a tia Lillian já lhe tinha advertido que se reservasse suas opiniões.
Fizeram-na sentar-se entre a tia Barbara e a tia Lillian. Harrison estava no extremo contrário da mesa.
Logo soube que o jantar era uma ocasião solene. Ninguém falava, salvo em sussurros, e os garçons revoavam ao redor, servindo a comida em belas fontes de prata.
Mary Rose cometeu o primeiro engano, ainda antes de começar a comer. Perguntou-lhe à tia se pronunciariam a oração de obrigado. Seu pai ouviu a pergunta, e propôs que ela os precedesse.
Fez-o, mas não terminou a prece. Entretanto, ninguém a ouviu, pois a tia Lillian vociferava como um índio ao ataque.
-Deus querido, William, educaram-na como católica! O que vamos fazer?
-Pobre garota -interveio Barbara-. Pobre, pobre garota.
-Ainda não sou católica -disse Mary Rose-. Ainda não decidi que religião abraçar.
-Não o decidiste? Vitória, a família Elliott foi membro da Igreja da Inglaterra durante anos. E você é uma Elliott, querida -lhe explicou Lillian.
-Não posso ser católica e Elliott ao mesmo tempo? Ou feijão, O...
Interrompeu-a a exclamação desgostada da tia. Ao ver que a pobre mulher derrubava o copo de água, chegou à conclusão de que a tinha horrorizado com suas opiniões.
-Não quis alterá-la -disse Mary Rose-. Meus irmãos e eu decidimos estudar todas as religiões antes de nos decidir.
-Arruinaram-nos o trabalho, Lillian -afirmou Barbara.
Lillian esteve de acordo:
-É difícil saber por onde começar. Há muitas coisas que trocar.
voltou-se para sua sobrinha:
-Se sua mãe ou sua avó lhe ouvissem falar de outras religiões, sem dúvida morreriam do susto.
-Já estão mortas -espetou Elliott-. Me parece admirável que Vitória queira aprender a respeito de outras religiões. Sério. Mas, é obvio, estou seguro de que se unirá à Igreja da Inglaterra.
Mary Rose não lhe discutiu. Ela estava segura de que não faria tal coisa, mas não queria meter-se em uma discussão prolongada na mesa.
A decisão do Elliott irritou ao Harrison.
-Ela será a que dita, não é assim, senhor?
Elliott se elevou de ombros, decidido a trocar a outro tema de conversação menos inquietante. O rosto do Lillian estava encarnado. Já tinha tido suficientes surpresas por uma noite.
-Vitória, sabe que te chama como sua avó?
Mary Rose abriu muito os olhos. inclinou-se para a tia Lillian e sussurrou:
-Puseram-me o mesmo nome que à velha bruxa?
Lorde Elliott a escutou, e teve que esforçar-se por conter o sorriso. Lillian emitiu um gemido audível, e se levou outra vez a mão à garganta. Mary Rose advertiu que tinha falado de mais, e tratou de pensar em algo para redimir-se.
Mas seu pai não se incomodou, e disse, arrastando as palavras:
-Não, Vitória, a velha bruxa não. A outra avó.
Continuando, sorriu-lhe e propôs que seguissem comendo.
O resto do jantar transcorreu em calma. Quando se sentou, Mary Rose tinha fome, mas agora seu estômago estava muito revolto para pensar, sequer, em comer. Moveu a comida no prato de um lado a outro, e fingiu desfrutá-la.
Não gostou das formalidades. Os jantares deviam ser vocingleras e caóticas. Era o único momento em que todos os irmãos se reuniam, e todos punham ao tanto a outros do que tinham feito durante o dia. Discutiam e brincavam entre si, e sempre surgia algo do que podiam rir.
Em troca, neste jantar teve a sensação de estar em um funeral. Queria subir a deitar-se. Mas não se atreveu a desculpar-se, e seguiu docilmente as instruções da tia Lillian durante a prolongada velada, que lhe pareceu interminável.
O pai pronunciou um brinde encantador em honra da recuperação de sua filha e de seu matrimônio com o Harrison. Barbara propôs fazer uma recepção no fim de setembro, como um modo maravilhoso de celebrar a união. Lillian a apoiou.
Começaram a riscar planos em vozes fica e Mary Rose, muito em breve, começou a dormitar.
Mas passou outra hora antes de que pudesse ir-se à cama, e para então estava tão esgotada que quase não podia subir a escada.
Ann Enjoe estava esperando-a. E também a rosa. A flor vermelha de esculpo comprido estava, outra vez, sobre o travesseiro. Ao vê-la, sorriu.
Quando Harrison se deitou junto a ela, estava profundamente dormida. Seu marido se inclinou e a beijou, e notou com grande beneplácito que dormia abraçada à flor. A tirou, meteu-se na cama, e deixou que o abraçasse a ele.
Essa noite tinha sido difícil para ela. Harrison viu quão confundida estava e, em ocasiões, pareceu-lhe que a atenção recebida a afligia.
Não tinha comido nada do jantar. É obvio, advertiu-o, e supôs que as constantes críticas eram o motivo que lhe fez perder o apetite. Por certo, tinha destruído o do mesmo Harrison.
Mary Rose se comportou bem. Reagiu muito melhor do que o tinha feito ele. Os desconsiderados comentários de seus parentes o fizeram tremer de cólera e, entretanto, ela foi amável com todos.
Harrison dormiu preocupado por sua esposa. Sim, essa velada tinha sido difícil.
E as coisas ficariam pior.
Outubro de 1872
Querida Mamãe Rose:
Por favor; pode deixar de me perseguir com que procure noiva? Sabe que não estou em situação de pensar; sequer, em me casar. Poderiam me Levar ao cárcere ou me pendurar do ramo de uma árvore, e não quero fazer viúva a uma mulher nem obrigá-la a viver da maneira que eu tive que fazê-lo.
Além disso, eu gosto de muito como vão as coisas agora. Sou independente, e não devo responder ante ninguém. Quão último preciso é uma mulher que me chateie.
A carta em que explicava a menstruação nos chegou bem a tempo. Mary Rose sofreu terríveis dores, e se ocultou em seus quarto durante dois dias. Ainda não quer falar do referido a fazer-se mulher; mas eu sei que a carta em que você o explica a ajudou. Não gosta de ser mulher, Mamãe, mas tanto você como eu sabemos que logo trocará de idéia. Terá que aprender a não golpear a todos os meninos que vêm a visitá-la.
Ainda não compreende quão formosa é. Nenhum de nós acredita que se converterá em vaidosa. Com quatro irmãos que a exortam constantemente, não é possível que se dê ares. Asseguro-te que faz girar A cabeça aos homens quando vão ao povo. É um espetáculo. É atrevida e inteligente, e esses olhos azuis romperão uns quantos corações.
Senhor, quanto ódio vê-la crescer:
Quer-te, Adam
19
Ao dia seguinte, Mary Rose suportou que a apalpassem, fincassem-lhe os dedos e a cravassem. Os doutores Thomas Wells e Harold Kendleton chegaram às onze em ponto da manhã e passaram duas horas inteiras com ela. O exame físico não levou quase nada de tempo, mas sim o interrogatório sobre seu passado.
Respondeu com prazer as perguntas, pois desfrutava de falar de sua família, e de sua vida lá, em Montana. Estava orgulhosa de seus irmãos, e queria que todos soubessem quão maravilhosos eram.
Assim que os médicos saíram do dormitório, a costureira com três ayudantas se precipitaram dentro para começar a lhe confeccionar um novo guarda-roupa.
Os doutores se reuniram com lorde Elliott para lhe comunicar sua opinião de peritos. O pai da Mary Rose incluiu na reunião a suas irmãs com seus respectivos maridos, e pouco depois lhe ocorreu incluir também ao Harrison.
O doutor Wells era um homem robusto, de grosas costeletas cinzas. As esfregava sem cessar enquanto falava. Harrison o considerou um pouco pomposo. Além disso, suas opiniões de suposto conhecedor estavam equivocadas.
A reunião se levou a cabo na biblioteca da planta alta. Harrison chegou no preciso momento em que Wells explicava quão importante era, para ele, ajudar a Vitória a realizar uma transição suave à nova vida.
Harrison fechou a porta e se respaldou nela, com os braços cruzados sobre o peito.
-Não terá que lhe permitir viver no passado -opinou-. Kendleton e eu notamos que é muito leal aos homens com os quais esteve. Se até os considera irmãos...! -adicionou, enfático-. Foi impossível lhe fazer admitir que, de fato, não estão aparentados.
O doutor Kendleton indicou sua aprovação com um gesto. Olhou aos pressente com os olhos entrecerrados.
-Acredito que não é bom deixá-la falar do que lhe passou. Devem ajudá-la a superá-lo. Ao seu devido tempo, quando se tiver adaptado à nova vida aqui, esquecerá. Sua filha é muito inteligente, lorde Elliott. Não acreditam que vá ter nenhuma dificuldade em encontrar seu lugar aqui, e quando superar esta estranha lealdade que manifesta para esses indivíduos, sua adaptação será completa.
Harrison ouviu os peritos, e dissentiu com cada um dos conselhos que deram. Viu que Elliott, em troca, estava pendente das palavras dos doutores. Procurava orientação mas, a seu julgamento, recorria às pessoas inapropriadas.
Não pôde seguir calado:
-Senhor, por que não fala com sua filha do que o preocupa? Se acreditar que lhe resultará difícil adaptar-se, lhe pergunte o que pode fazer para ajudá-la.
-Aconselharam-me não revolver seu passado, Harrison. Todos queremos ajudá-la a avançar, filho. Ouviu-a ontem à noite? Está convencida de que só permanecerá aqui uma breve temporada e que logo retornará a América do Norte. Sente uma grande lealdade para esses quatro homens. -e comentou para o doutor Wells-: Tem razão nesse aspecto.
-Não se pode desfazer o que lhe aconteceu -disse o doutor Kendleton-. Mas com esforço e paciência, sua filha terá um futuro pleno e proveitoso.
Ao Harrison custava conter a ira:
-por que todos vocês estão convencidos de que minha esposa sofreu uma espantosa desdita? Durante estes anos em que cresceu, não foi uma prisioneira. teve uma boa vida. Recebeu tudo o que necessitava e, sem dúvida, recebeu também amor. Está cometendo um grave engano ao não lhe permitir falar de seus irmãos, senhor. São sua família, e é lógico que lhes seja leal.
-Devemos escutar aos peritos -insistiu lorde Elliott-. Sabem melhor que você ou eu como ajudar a Vitória.
Harrison não sabia que mais lhe dizer. A conduta do Elliott o deixava perplexo. Não era próprio dele ser inseguro. Pelo general, era um homem disciplinado, metódico e, certamente, razoável. Bastaria-lhe pensá-lo para compreender que o justo era aceitar a Mary Rose tal como era.
Se tivessem estado os dois sozinhos, lhe teria pedido que lhe dissesse do que tinha medo.
Elliott deveu adivinhar o que Harrison estava pensando, porque, disse de repente:
-Não quero perdê-la, filho. Farei o que seja para fazê-la feliz.
-Todos queremos o melhor para ela.
Harrison suspirou.
-O que queria lhes fazer compreender é que minha esposa é uma jovem encantada. Não precisa trocar. Não podem alterar seu passado, e se tivessem escutado o que contou a respeito de sua vida, compreenderiam que equivocado é tratar de convencer a de que finja que nada disso aconteceu.
-Não queremos trocá-la -disse Barbara-. Só queremos ampliar sua educação e suas experiências.
O doutor Kendleton tomou outra vez a palavra, e ofereceu algumas sugestões mais sobre como "dirigir" a Vitória.
Harrison não pôde escutar mais bobagens. Sem acrescentar palavra, saiu da biblioteca. Tinha um desejo assustador de apoderar-se de sua esposa e levá-la outra vez a Montana. A idéia de que alguém tentasse melhorar o perfeito o abatia.
Decidiu esperar uns dias mais, antes de sustentar uma conversação com lorde Elliott. Resolveu lhe dar tempo para acostumar-se a ter a sua filha perto, e lhe recordar algo que, evidentemente, tinha esquecido: o amor de um pai devia ser incondicional. Mary Rose não precisava trocar. O que precisava era ser amada e aceita tal como era. Harrison desejou que Elliott logo recuperasse o sentido comum e começasse a ser razoável outra vez.
foi ver sua esposa para ver se estava bem. Mary Rose estava de pé sobre um tamborete, no centro do dormitório, com os braços abertos aos flancos, enquanto duas mulheres a mediam. Com a vista no teto, parecia aborrecida com todo o alvoroço que a rodeava.
Assobiou para lhe chamar a atenção. Lillian passou correndo junto a ele nesse mesmo momento.
-Querido, não se assobia para chamar a atenção. O que foi que suas maneiras?
-Harrison tem uns maneiras excelentes -exclamou Mary Rose-. Por favor, posso me baixar já? Queria falar com meu marido.
-Não, querida, fique onde está -lhe ordenou Lillian-. Depois poderá falar com o Harrison. Temos coisas que fazer.
-Carinho, tenho que voltar para Londres a procurar uns documentos. Voltarei para anoitecer.
Quis ir com ele, mas a tia Lillian não o permitiu.
-Quero saudar o Harrison -anunciou.
-Não, querida -repôs Lillian.
Harrison não fez conta. Atravessou a habitação, sujeitou o queixo de sua esposa, e a beijou. Não se deu pressa, e a Mary Rose não incomodou. Para horror de sua tia, rodeou-lhe o pescoço com os braços e lhe devolveu o beijo.
Harrison se foi em uns minutos. Passou a maior parte da tarde na área de armazenado que havia junto a seu escritório de Londres. Sobre o escritório tinha uma pilha de papéis, e sabia que o esperava, pelo menos, um mês de trabalho. Enquanto procurava em caixas de velhos livros de contas e correspondência, o secretário repassava a lista de perguntas sobre questões mais urgentes.
Não voltou para a casa de campo do Elliott até muito depois de obscurecer. A mansão estava enche até as vigas de parentes e amigos íntimos.
Quando o viu, Mary Rose se mostrou aliviada. Estava sentada entre seu pai e Eleanor, em um dos sofás largos, mas assim que o viu entrar em salão ficou de pé.
Não eram aceitáveis as demonstrações de afeto ante os convidados, mas nem Harrison, que sabia, nem Mary Rose, que não sabia, tiveram em conta a convenção. Passaram entre parentes e amigos para aproximar o um ao outro. Quando ele estava a ponto de chegar, Mary Rose lhe jogou nos braços e o estreitou com força.
-Te senti falta de -sussurrou.
Harrison se inclinou para beijá-la na frente.
-Como aconteceste a tarde, carinho?
-Caótica -respondeu-. Lillian nos olhe, zangada. Pergunto-me o que terei feito mal agora.
-Não temos que fazer ver o muito que nós gostamos de nos acariciar-lhe explicou.
-É uma regra inflexível?
Harrison se encolheu de ombros. Por fim a soltou, mas lhe aconteceu o braço pelos ombros e a aproximou dele.
Lorde Elliott o olhava atônito. Harrison imaginou que teria que ouvir outra vez o muito que tinha trocado.
Os dois juntos se abriram aconteço até onde estava o pai. Lillian franzia o sobrecenho, com expressão desaprobadora.
-Não é próprio de ti dar um espetáculo, Harrison. Solta a sua esposa.
-Deixa-o em paz, Lillian. Não é um menino ao que possa seguir lhe dando ordens. Vêem conosco, filho. Eleanor estava me dizendo quanto lhe agrada estar na Inglaterra.
Mary Rose e Harrison se sentaram no canapé que estava frente a Elliott e Eleanor. Lillian estava sentada em uma cadeira de respaldo redondo, junto aos sofás.
-Adoro estar aqui -afirmou Eleanor, entusiasta-. Tenho minha própria donzela, e todos foram muito amáveis comigo.
-adora que a consintam -murmurou Mary Rose a seu marido.
-Vitória, uma dama não sussurra secretos estando em companhia -opinou a tia Lillian.
-Sim, tia Lillian.
Mas a tia não tinha terminado de corrigi-la.
-Não esteja afundada no assento, querida. Endireita as costas, com orgulho. Tenho que te recordar que é uma Elliott.
-É uma MacDonald -interveio Harrison, para esclarecer coisas.
-Mas também Elliott -insistiu Lillian.
Mary Rose tentou sentar-se como sua tia, mas lhe resultou muito incômodo. Lillian parecia um general, com as costas reta como um mastro. Dava a impressão de que podia quebrar-se. Tinha as mãos unidas no regaço. Mary Rose a imitou e foi recompensada com um gesto de assentimento e um sorriso.
-É difícil saber o que significa aqui ser uma dama -opinou Eleanor-. As regras de conduta são diferentes das da América do Norte. Lady Barbara me dizia que uma verdadeira dama nunca olhe de soslaio. Sabia isso, Mary Rose?
-Não, não sabia.
-Seu nome é Vitória. Por favor, chama-a por seu verdadeiro nome -lhe indicou Lillian-. As regras não têm por que ser diferentes -continuou-. Recorde que uma dama é uma dama, viva onde viva. Jane Carlylr definia uma dama como uma mulher que não pisou em sua cozinha durante mais de sete anos. Acredito que tem razão.
Mary Rose teve vontades de render-se, desesperada-se. Jamais tinha ouvido semelhante estupidez. Viu que as opiniões da tia Lillian afligiam a Eleanor: sem dúvida, tinha tomado a peito a definição. Desdobrou o leque e o agitou em direção de seu amiga.
-Eu era uma dama, e seguiria sendo-o se Mary Rose... quero dizer, Vitória não me tivesse obrigado a entrar na cozinha, lá em sua casa. Até tive que cozinhar, lady Lillian. Agora terei que esperar sete anos antes de ser considerada uma dama?
A confissão da Eleanor deixou atônita ao Lillian:
-Cozinhou?
Mary Rose olhou a seu pai, que parecia perplexo pelo giro da conversação, e resolveu trocar de tema:
-Eu gostaria de conhecer a pátria do Harrison -resmungou-. Se gaba de que seus Highlands são tão belas como meu vale, e eu gostaria de vê-lo por mim mesma, se ele...
A expressão de seu pai a fez interromper-se. Parecia zangado. Agora o que havia dito de mau?
-Incomodei-te, pai?
-Não, certamente que não. Estava pensando em outra coisa, querida minha -adicionou-. As Highlands são belas. Nisso, Harrison tem razão.
-Eu gostaria de conhecer sua terra antes de retornar a Montana. Haverá tempo?
Isto último o perguntou a seu marido, que assentiu:
-Encontraremo-lo.
-O que é toda essa tolice de partir? Acabam de chegar -balbuciou Lillian-. Vitória, este é seu lar.
-Deixa de envenená-la, Lillian. Minha filha necessita tempo para... adaptar-se.
Elliott lhe lançou à irmã um olhar duro e, imediatamente, a mulher fechou a boca.
Mary Rose percebeu a tensão no ambiente, mas não soube a que se devia a mudança. Seu pai e sua tia pareciam alterados por algo.
Sentiu que precisava desculpar-se. Mas antes, deveria descobrir o que tinha feito. Sabia que, em certo modo, era responsável pelo súbito silêncio e os sobrecenhos franzidos.
Esteve a ponto de exalar um suspiro de frustração, mas se conteve a tempo. Não queria que a tia voltasse a criticá-la, e guardou silêncio.
de repente, Harrison lhe apanhou a mão e a sustentou. Mary Rose sentiu que lhe apertava os dedos, e isso a reconfortou.
aferrou-se ao marido e se aproximou um pouco mais a ele. A conversação passou aos últimos estilos em moda feminina. Mary Rose teria preferido falar do trabalho de seu pai. Harrison lhe havia dito que lorde Elliott estava acostumado a ser membro do Parlamento, mas se tinha retirado quando morreu a esposa. Seguia estando ativo depois da cena, e tinha provocado várias mudanças importantes no governo. Ela sentia curiosidade por conhecer essas mudanças.
Tinha medo de perguntar, por temor a que lhe reprovassem falar de mais. Por isso, escutou à tia lamentar-se de que estivessem acontecendo de moda as caudas dos vestidos ou, mas bem, as cascatas de tecido que formavam uma esteira na parte traseira dos vestidos: Lillian não estava muito de acordo com as jaquetas curtas e ajustadas que estavam ficando de moda, pois enfatizavam desvergonzadamente os quadris. Isso estava muito bem para as jovens, de quadris estreitos, mas não eram nada aptos para as mulheres maiores, mais austeras.
uniram-se à conversação Barbara e Robert, seu marido. Faltava, ao menos, uma hora para que servissem o jantar, o qual significavam sessenta minutos mais ouvindo falar de roupa. Os homens não se aborreceriam? Mary Rose olhou ao Harrison para comprová-lo. Mas sua expressão não lhe revelou nada, e logo advertiu que olhava por cima do ombro da tia Lillian. Supôs que estaria pensando em outra coisa, e fingia escutar a conversação.
Decidiu seguir seu exemplo, mas logo compreendeu que tinha cometido um engano, pois imediatamente sua mente evocou a sua família, lá no lar. imaginou o que estariam fazendo seus irmãos nesse mesmo momento e, de repente, sentiu melancolia pelo vale.
-E você, Vitória? -perguntou Eleanor.
A voz aguda da amiga a voltou para presente.
-Se eu o que?
-Joga tênis -esclareceu Eleanor-. Não estava escutando? Não, não estava escutando.
-Não, não jogo tênis.
-Teremos que te ensinar, querida -disse o tio Robert-. Neste momento, faz furor.
-Touca o piano -informou Harrison, para todos, em tom de orgulho. Mary Rose lhe apertou a mão.
-Não, não o toco -balbuciou.
O marido elevou uma sobrancelha e se inclinou para ela:
-Não?
-Não, na Inglaterra não toco o piano -explicou.
Apertou-lhe de novo a mão, rogando, sem falar, que lhe seguisse o jogo.
Harrison não entendeu o que lhe passava. dava-se conta de que estava alterada, mas não se imaginava por que. Devia estar orgulhosa de seus talentos, e não ocultá-los. Mas soube que teria que esperar até mais tarde para lhe perguntar o que lhe passava. No momento, rendeu-se a ela:
-Está bem. Na Inglaterra não toca o piano.
Mary Rose afrouxou os dedos. Sabia que deveria explicar-lhe quando estivessem sozinhos, e não estava segura de poder lhe explicar o que sentia de modo que a entendesse.
Recordou quando ela e Adam se sentavam juntos na banqueta do piano e tocavam a dueto. Quando um deles falhava uma nota, riam, e às vezes ela acelerava o ritmo para tratar de terminar a peça antes que Adam. Eram momentos ditosos, e o que procurava era proteger a intimidade dessa lembrança. Se qualquer de seus parentes ingleses se burlava de sua técnica ou de sua habilidade, sentiria que também se burlavam de seu irmão, e não estava disposta a tolerá-lo. Até esse momento, a tia Lillian lhe achava defeitos em tudo. Ela tratava de ser gentil e tolerar as críticas, porque queria fazer felizes a seu pai e a sua tia. Se não a escutavam tocar o piano, não teriam nada que lhe criticar, não?
Em menos de uma semana, sua conduta tinha trocado de maneira radical. Quando chegou, queria lhe contar a seu pai todo o referido a seus irmãos. Mas agora não queria que nenhum dos parentes soubesse nada de sua família. Quão único pretendia era proteger os dos cruéis e superficiais comentários que ela tinha que suportar todo o tempo.
Sabia que isso não tinha muito sentido. Seus irmãos não se inteirariam do que se dizia deles, mas não importava. A Mary Rose faria muito dano ouvir comentários negativos a respeito desses homens aos que tanto amava.
de repente, sentiu vontades de correr acima e lhes escrever uma larga carta, mas sabia que não podia fazê-lo. Teria que esperar a que finalizasse o jantar.
Ainda não se acostumou à rotina diária. Estava habituada a levantar-se o romper o dia, e sempre estava na cama às nove ou dez, todas as noites.
Ao parecer, na Inglaterra ninguém queria jantar antes da hora de deitar-se. Já eram as nove e meia da noite quando, por fim, um criado fez soar a campainha. Mary Rose quase ficou dormida na mesa. Greve dizer que a tia Lillian teve muito que lhe reprovar. Deu-lhe tantas cotoveladas que estava segura de ficar cheia de cardeais.
Os cavalheiros ficaram no comilão a beber o café, enquanto as senhoras se retiravam ao salão para beber chá. Mary Rose tinha tanto sonho que não emprestava atenção ao que fazia. Quando a tia Lillian se levantou, ela também o fez, e recolheu seu prato para levá-lo a cozinha. Estava a ponto de tirar dos talheres da tia Barbara quando advertiu o que estava fazendo.
Lillian estava horrorizada. Ela se sentiu como uma imbecil. apressou-se a deixar o prato, endireitou-se e caminhou lentamente ao redor da mesa.
Sentiu que lhe ardia a cara. Eleanor lhe demonstrou sua simpatia, enlaçando seu braço no dela e lhe sussurrando:
-Não te envergonhe. Está fazendo-o bem, de verdade. Sorri, Mary Rose... quero dizer, Vitória. Todos estão te observando. Não te parece maravilhosa sua tia Lillian? -atirou da Mary Rose enquanto cantava louvores à tia-: Só quer o melhor para ti, Vitória. Sem dúvida o compreende.
-por que você crie que é tão maravilhosa?
Eleanor borbulhava de entusiasmo.
-Sua querida tia resolveu que eu também necessito um novo guarda-roupa. Disse-me que não podia te acompanhar a passear pela cidade vestida com trapos. Amanhã tomarão medidas.
Mary Rose olhou a seu marido enquanto saía do comilão. O lhe sorriu, como dizendo que tudo estava bem, mas assim que o criado fechou as portas, sua expressão se converteu em um cenho sombrio.
Lorde Elliott o cortou antes de que pudesse começar, sequer.
-Deixa de franzir o sobrecenho, Harrison. Sei que você não gosta do modo em que minhas irmãs chateiam a Vitória, mas só tratam de ajudar. Não duvidará de suas boas intenções... Não quererá que sua esposa passe vergonha quando for apresentada em sociedade, não é certo?-Não lhe deu tempo a responder, e seguiu exortando-o: -Pedi-te sua colaboração, e agora lhe suplico isso.
O tio Robert interrompeu a discussão ao voltar para comilão. Tinha ido acima pela terceira vez, para ajudar a deitar a seu filho. Enquanto se sentava, explicou que o menino estava caprichoso.
-O que me perdi? -perguntou.
-Lorde Elliott estava pedindo minha colaboração -respondeu Harrison.
-Sim -confirmou Elliott.
Cravou a vista na toalha e, sem adverti-lo, começou a alisar rugas imaginárias, enquanto ordenava os pensamentos.
-Nisto me mostrarei inflexível -afirmou-. Está em questão a felicidade de minha filha, e acredito que o fim justificará com acréscimo os meios empregados. Fez algo maravilhoso, filho. Encontrou a minha Vitória, e me trouxe isso para meu lar. Agora, me deixe me converter em seu pai. me conceda que sei o que é melhor para ela. Quero orientá-la para que ingresse nesta nova vida. Não te enfrente com a família. Agora todos necessitamos seu apoio. Vitória busca sua aprovação, e se você também a insistisse a deixar atrás o passado, acredito que se adaptaria em muito pouco tempo. resiste a aceitar a verdade a respeito de quem é. Quando estão juntos, diz-lhe Mary Rose?
-Sim.
-chama-se Vitória -lhe recordou Robert-. Tem que habituar-se a escutá-lo.
-Não é uma menina -protestou Harrison-. Ela sabe quem é.
-Ouviu o que disse esta noite? -perguntou Robert-. Espera voltar para a América do Norte.
Elliott assentiu.
-Minha filha ainda não se assentou aqui, e já fala de voltar para os Estados Unidos. Não penso perdê-la outra vez. Por favor, me ajude.
A súplica do Elliott comoveu ao Harrison. A pressão foi muito forte para rechaçá-la. Pareceu-lhe prudente apoiar ao pai de sua esposa, atitude que, além disso, tinha sentido se pensava que ele queria o melhor para sua filha. Ainda assim, resultou-lhe muito difícil aceitar, porque lhe parecia que todos os parentes estavam obstinados em trocar a Mary Rose.
-Farei algo que possa por fazer feliz a minha esposa -prometeu-. Mas lhe insisto uma vez mais que lhe permita falar com seus irmãos. Precisa preservar o vínculo com eles, senhor. Estou seguro de que pode entender o que ela sente.
Elliott não o entendia.
-por que dúvidas do conselho dos peritos? Não é próprio de ti não te mostrar razoável. Nem Kendleton e Wells são novatos em seu terreno. E os dois recomendaram com firmeza que ajudássemos a Vitória a avançar. Não estou disposto a escutar mais objeções, e te agradeceria que você também impulsione a minha filha a pensar em sua vida aqui.
Harrison se sentiu como apanhado em uma morsa. O instinto lhe dizia que o caminho eleito pelo Elliott era equivocado, mas, como podia discutir com os peritos? Em última instância, estariam no certo?
Terminou por aceitar a verdade: gostava de Mary Rose tal como era. Não queria que trocasse, e isso o punha em conflito direto com seu pai. Diabos, o que complicado era, para não imaginar, sequer, a confusão que devia estar sentindo a própria Mary Rose.
Estava apanhada entre dois mundos e, por ser seu marido, tinha a responsabilidade de ajudá-la a realizar a transição.
Na mesa, a conversação girou para outros temas, e passou um bom tempo até que os homens se reuniram com as mulheres. Mary Rose não deixava de bocejar, para consternação da tia. Por fim, pouco antes de meia-noite, permitiram-lhe subir ao dormitório.
Não se dispôs a deitar-se até não ter comentado antes a situação com seus irmãos e com Mamãe Rose. Então, depois de despir-se com ajuda da donzela, sentou-se ante o elegante escritório e lhes escreveu duas largas cartas. Incluiu uma nota para que seu irmão a lesse ao Corrie.
Sobre o travesseiro, havia outra rosa de caule comprido. O gesto de seu marido a alegrava, embora não entendia o motivo que o impulsionava. E não lhe perguntou por que, de repente, tornou-se romântico, porque já sabia que lhe responderia que sempre tinha sido considerado e tenro.
Harrison tinha um motivo para cada ato, por insignificante que fosse. Ao seu devido tempo, descobriria do que se tratava, e admitiu que o mistério deste jogo adorava. O que lhe havia dito a donzela quando lhe contou que ele ordenou que pusessem a flor? Ah, sim, já o recordava. Mary Rose lançou um sonoro bocejo, muito pouco próprio de uma dama, e se deitou. dormiu uns segundos depois, sujeitando dois preciosos presentes: o relicário que lhe tinha dado Mamãe Rose em uma mão, e a flor na outra.
Harrison se deitou uma hora depois. Pôs o relicário e a flor na mesa de noite, logo rodeou a sua esposa com seus braços, e dormiu assim, abraçado a ela. Tratou de despertá-la em metade da noite, mas a doce moça estava morta para o mundo, e não o obteve. Por último, rendeu-se, e voltou a dormir. À alvorada, Mary Rose despertou com beijos e lhe deu exatamente o que necessitava e desejava, e muito, mas muito mais. Ao fim, satisfeito, dormiu de novo.
Mary Rose se levantou sem fazer ruído para não despertar ao Harrison. lavou-se, vestiu-se, e baixou a tomar o café da manhã.
Ofereceram-lhe rins com ovos e pastéis redondos, e pediu, em troca, duas rodelas de pão torrado e uma taça de chá. Terminou rapidamente o café da manhã, e lhe perguntou ao mordomo se podia ir à biblioteca de seu pai.
Ao criado lhe pareceu bem.
-Lady Vitória, ainda não viu o retrato de sua mãe? Ontem pela tarde, seu pai o fez trazer da residência de Londres. Consola-lhe o ter perto. Quer que a leve?
Subiu as escadas seguindo ao mordomo, e depois, percorreram um segundo corredor. A casa estava silenciosa, todos dormiam.
-A que hora está acostumada levantar-se meu pai? -perguntou em voz fica, para não incomodar a ninguém.
-Quase tão cedo como eu, milady. Aqui é -lhe indicou, quando chegaram à biblioteca. Abriu-lhe a porta e fez uma inclinação-. Necessita algo mais?
A jovem negou com a cabeça, deu-lhe as obrigado, e entrou. A biblioteca estava envolta na escuridão. Enquanto avançava para as janelas dobre, invadiu-a o aroma de livros velhos e couro novo. Correu as pesadas cortinas e girou para o suporte da chaminé.
O retrato de sua mãe era encantador. Contemplou-o comprido momento, tratando de imaginar-se como tinha sido.
-meu deus, Vitória. O que faz levantada tão cedo?
Na entrada, estava de seu pai, aparentemente assombrado de vê-la. Mary Rose lhe sorriu, e viu que o cabelo do ancião estava revolto. Era óbvio que acabava de sair da cama. Ainda não estava vestido para apresentar-se ante outros, mas sim vestia uma larga bata negra e chinelas de couro castanho.
-Estou acostumada a me levantar cedo, pai. Você molesta que esteja em seu refúgio?
-Não, não, claro que não.
Elliott se aproximou do escritório, sentou-se atrás dele, e começou a acomodar repetidas vezes uma pilha de papéis.
Ficar solo com ela o punha nervoso. Mary Rose se desconcertou ante semelhante reação, e quis ajudá-lo a tranqüilizar-se, mas não sabia bem como.
Voltou a atenção ao retrato.
-Como era ela?
Elliott deixou de manusear os papéis e se respaldou na cadeira. Sua expressão se suavizou:
-Era uma mulher notável. Você gostaria de saber como nos conhecemos?
-Sim, por favor.
A filha se sentou em uma cadeira e uniu as mãos sobre a saia. A hora seguinte, escutou a seu pai falar de seu Agatha. É obvio, tinha curiosidade por ela e queria saber todo o possível, mas quando o pai terminou de falar, não sentiu nada que a ligasse a Agatha. Olhou outra vez o retrato.
-Lamento não havê-la conhecido. Descreve-a como a uma Santa, pai. Sem dúvida, tinha alguns defeitos. me diga quais.
Lorde Elliott lhe contou da nervura de teima insensata que tinha sua mãe.
Cada tanto, Mary Rose o interrompia para lhe fazer alguma pergunta, e depois de uma hora de prazenteira conversação, supôs que seu pai tinha superado o nervosismo e se sentia um pouco mais a gosto com ela. A mãe que jamais conheceu atuava como vínculo entre eles.
Desde essa manhã, converteu-se em um costume ir à biblioteca a ler, até que seu pai se reunia com ela. Tomavam o café da manhã em bandejas de prata que lhes levavam os criados, e passavam juntos quase todas as manhãs. Mary Rose jamais falava de seu passado, porque as tias lhe tinham repetido que lhe perturbava ouvi-la falar de seus irmãos, e por essa razão, insistiu-o a que lhe falasse da família Elliott. E embora esse tempo que passavam juntos lhe parecia uma lição de história, resultava-lhe muito agradável.
Pouco a pouco começou a baixar o guarda, e depois de várias semanas dedicadas a tratar de conhecê-lo, compreendeu que seu pai lhe caía muito bem. Uma manhã, quando era hora de ir-se ao encontro com a tia Lillian para que lhe informasse quais eram as atividades do dia, surpreendeu a seu pai despedindo-se com um beijo na frente antes de sair da habitação.
A demonstração espontânea de afeto de sua filha conmocionó ao Elliott. Aplaudiu-lhe o ombro com acanhamento, e resmungou que não fizesse esperar a sua tia.
Essa noite, informou às irmãs que Vitória estava adaptando-se muito bem.
Mas, em realidade, era exatamente o contrário. Mary Rose estava convertendo-se em uma atriz consumada, e ninguém, nem sequer Harrison, notaram quão desventurada era. Tinha tanta nostalgia por seus irmãos que todas as noites chorava até ficar dormida, aferrando o medalhão.
Harrison não estava ali para consolá-la. Lorde Elliott lhe tinha dado montões de trabalho para completar e, portanto, estava obrigado a passar os dias e as noites dos dias laborables na cidade. Via-o só os fins de semana, quando a casa de campo estava repleta a arrebentar de parentes e amigos, e era estranho que pudessem estar a sós.
Harrison estava obcecado por encontrar as provas para condenar ao George MacPherson. Cada vez que tinha uma hora livre, ia ao dormitório que compartilhava com sua esposa e revisava os velhos livros de contabilidade que havia trazido de Londres, procurando a diferença dissimulada neles. Douglas lhe tinha roubado o dinheiro à babá, que deveu receber o do MacPherson. "De onde demônios o terá tirado", murmurava Harrison, para si. Não poder achá-lo estava enlouquecendo-o.
Mary Rose ainda não tinha conhecido ao secretário de seu pai. Disseram-lhe que MacPherson tinha saído de férias ao mesmo tempo que ela chegava a Inglaterra. Tinha enviado um telegrama pedindo uma extensão, e ainda não se reintegrou ao trabalho.
Disse ao Harrison que talvez nunca o conheceria, pois esperava estar de retorno em Montana antes de que caíssem nevadas mais fortes, e não parecia que MacPherson pensasse retornar a Inglaterra muito em breve. Harrison não disse que sim nem que não.
À medida que passava o tempo, Mary Rose se retraía cada vez mais. Embora lhes tinha escrito aos irmãos pelo menos seis vezes, ainda não tinha recebido uma palavra deles. Não queria incomodar ao Harrison lhe comentando sua preocupação de que algo tivesse passado e os irmãos lhe ocultavam alguma má notícia, e por isso se preocupou em silêncio.
Tampouco tinha notícias da mãe, embora estava segura de que Cole tinha enviado a direção da Mary Rose. Lhe teria passado algo mau? Deus querido, o que faria se sua mãe a necessitava e ela não podia assisti-la?
É obvio, a aflição por sua família a pôs nervosa. A relação com a tia Lillian se fez cada vez mais difícil. Eleanor se tinha convertido na preferida da tia, e lady Lillian as comparava permanentemente. Eleanor, colaborava, Mary Rose, não. Eleanor valorava o que a família fazia por ela. Fascinava-lhe sua roupa nova, e compreendia a importância de estar elegante a todas as horas. Mary Rose faria bem em aprender do exemplo de seu amiga. Jamais se via a Eleanor com o vestido manchado ou com um só cabelo desconjurado. Nunca, jamais corria. por que Eleanor sempre estava preparada quando começavam as funções oficiais, mas a própria filha de lorde Elliott não? Como poderiam suportar que esta os envergonhasse a todos?
Mary Rose não podia entender que a tia se obcecasse por questões de tão pouca subida. O comportamento da classe alta a confundia. Dava a impressão de que as mulheres passavam a maior parte do tempo trocando-se de roupa. Supostamente, devia usar traje de montar pela manhã, logo ficar um vestido para o dia, logo, um apto para a hora do chá e, por último, um elegante traje de noite. Parecia-lhe que sempre estava precipitando-se escada acima para ficar alguma outro objeto.
As mulheres tampouco deviam travar conversação com os homens sobre temas políticos. Não era próprio de uma dama demonstrar inteligência. Acaso queria envergonhar ao Harrison, mostrando-se como uma igual? Não, é obvio que não, decretava a tia. Tinha que aprender a falar sobre o lar e a família. Devia exibir um sorriso, e se queria discutir ou criticar, bom, para isso estavam os criados. Era absolutamente correto lhes encontrar defeitos aos serventes.
Mary Rose não disse a sua tia o que pensava de suas opiniões, pois sabia que seus parentes se sentiriam frustrados. Como queria agradá-los, todas as manhãs se prometia esforçar-se um pouco mais para viver de acordo com as expectativas de todos. A tia Barbara lhe sugeriu que se imaginasse a si mesmo como um tecido em branco, e que lhes permitisse criar sua obra professora.
Agosto e quase todo setembro passaram em preparar a Mary Rose para ocupar seu lugar na sociedade. Aprendeu todo o necessário a respeito das hierarquias entre cavalheiros e damas com títulos, de quem estava interessado em quem, aos quais devia evitar, e com os quais ser especialmente amável, e assim de seguido, até que sentiu a cabeça cheia de detalhes sem importância que não devia esquecer.
Passava as tardes sentada com suas primos no conservatório da casa do pai, aprendendo a bordar e outros artesanatos.
Lorde Elliott seguia amontoando trabalho sobre o Harrison. Enviava-o de uma ponta a outra da Inglaterra em viagens de negócios, e nas estranhas ocasiões em que se reunia com sua esposa, era inevitável que ela abordasse o tema da volta. Harrison lhe dava largas lhe dizendo que esperasse um pouco mais antes de adotar uma decisão.
Por outra parte, enchia-a de elogios, ao ponto que Mary Rose começou a perguntar-se como podia lhe agradar o que estavam fazendo com ela.
O último ato de rebeldia aconteceu no dia anterior a aquele em que devia assistir a seu primeiro baile. Surpreendeu à tia Lillian no dormitório, lhe revisando as roupas.
-Tia Lillian, o que está fazendo?
-Ann Enjoe me disse que seguia usando as anáguas de crinolina, Vitória. Já estão acontecidas de moda, não o recorda, querida? Agora se usam as saias ajustadas. Não crie que deveria as atirar?
A idéia a escandalizou: desfazer-se de anáguas em perfeitas condições era um pecado. Discutiu com a tia.
À discussão seguiu uma resistência, e a anágua que sua tia tratava de levar-se, e Mary Rose de conservar, terminou rasgada pela metade. Em metade da resistência, uns perdigones caíram ao piso com estrépito metálico.
-No nome de Deus, o que é isso? -quis saber a tia.
-Perdigones, tia Lillian. Meu amiga Blue Belle me ensinou a costurá-los nas pregas das anáguas, como pesos. No oeste, às vezes o vento é tão forte que pode levantar as saias até a cabeça.
A explicação horrorizou de tal modo ao Lillian, que teve que sentar-se. Ordenou a Ann Enjoe que fosse procurar as sai aromáticas. Logo, indicou o assento junto a ela, e sugeriu a Mary Rose que sustentassem uma larga conversação.
Mary Rose já sabia o que vinha. A tia queria lhe assegurar pela centésima vez que tanto ela como a família só queriam seu bem. Diria-lhe que não voltasse a falar, sequer, de costurar perdigones às pregas das anáguas.
Essa tarde, a família se transladou à casa de Londres, e de noite siguienté, a jovem foi devidamente apresentada a amigos e sócios do pai em um baile formal, com o pretexto do matrimônio.
Levava um belo vestido de noite de cor marfim, com luvas fazendo jogo. Tinha o cabelo recolhido em um cacho de cachos, sujeito com fivelas de safiras. O decote do vestido, de acordo com a moda do momento, era muito profundo, e a donzela teve que lhe assegurar várias vezes que não lhe escapassem os peitos.
-parece-se com lady Vitória -lhe sussurrou, quando terminou de arrumar os cachos da senhora.
Harrison esteve a ponto de perder-se sua própria festa. Acabava de retornar de Londres duas horas antes. A Mary Rose pareceu esgotado. De pé junto ao pai na entrada, observaram como baixava ela as escadas. Elliott estava impressionado com sua filha. sujeitou-se do braço do Harrison para não perder o equilíbrio, e sussurrou:
-Quando contemplo a Vitória, vejo meu Agatha.
Mary Rose viu quão feliz estava seu pai. Ao chegar ao pé da escada, executou uma perfeita reverência. As tias e o tio estavam detrás, observando-a. Os olhos da tia Lillian se encheram de lágrimas contemplando a sua sobrinha.
-Muito bem, Vitória -a elogiou.-Muito bem.
O único que não estava contente com o que via era Harrison. Queria que sua esposa voltasse acima e ficasse algo menos atrevido.
-Pilhará um esfriamento -argüiu.
-Tolices -se burlou a tia Lillian-. ficará a jaqueta nova e estará perfeitamente.
Eleanor os fez esperar quinze minutos mais. Por fim, baixou vestida com um traje de noite verde claro. Procurou o olhar aprobadora da tia Lillian, e quando a mulher lhe dedicou um gesto de assentimento e um breve sorriso, a moça resplandeceu de prazer.
Harrison ajudava a Mary Rose a ficá-la jaqueta de pele quando a tia Lillian viu a cadeia de ouro.
-Onde estão suas safiras?
-Acima -respondeu a moça-. Eu queria usar o medalhão, e Ann Enjoe me disse que não podia levar as duas coisas juntas.
-Não vai bem, querida. A cadeia lhe desluce. tire-lhe isso agora mesmo. Edward, sobe correndo e lhe traga as safiras.
-Ela quer usar o medalhão -afirmou Harrison-. Tem um significado especial para ela, e também para mim.
Seu pai também ficou de seu lado, e supuseram que dois homens se imporiam sobre uma mulher, mas não foi assim. Como de costume, Lillian era uma potência a ter em conta. Se Mary Rose não tivesse tido a gentileza de ceder, teria se gerado uma briga.
Pediu-lhe ao mordomo que levasse o medalhão acima, e o deixasse sobre o escritório. Encareceu-lhe que tomasse cuidado com ele.
O mesmo instante em que o colar de safiras ficou sujeito ao pescoço da Mary Rose, o cenho da tia Líllian se esclareceu.
-Alguma vez ganhará? -perguntou-lhe Harrison, caminho da porta.
-Não, mas isso não tem importância -respondeu-. Minha tia só quer meu bem.
Harrison não estava muito convencido das motivações do Lillian, mas como sua mulher parecia não lhe incomodar sua enxurrada de indicações, resolveu não preocupar-se com o colar nesse momento.
Mary Rose transbordava excitação. sentia-se como a princesa de um conto de fadas. Queria que seu pai se sentisse orgulhoso dela, e elevou várias preces rogando não cometer nenhum engano que envergonhasse à família.
O baile se celebrou na Mansão Montrouse. Mary Rose, entre o pai e o marido, foi apresentada a todos os que chegavam a felicitá-los. Conheceu duque e à duquesa do Tremont e ambos lhe pareceram deliciosos. O duque era bastante velho e confundido, pois insistia em chamá-la lady Agatha, e em murmurar que era um milagre.
Ninguém o corrigiu. Mary Rose olhou a seu marido para ver o que pensava do engano do ancião, mas Harrison se limitou a lhe piscar os olhos o olho.
Estava convencida de que não tinha cometido muitos enganos, pois seu pai e suas tias pareciam agradadas com sua atuação. Não obstante, era uma prova ver-se exposta à curiosidade geral. Um barão, com costeletas que quase lhe chegavam à boca, convidou-a a dançar, e enquanto giravam pelo salão, perguntou-lhe se tinha visto algum desses índios selvagens que apareciam nos livros. Mas não lhe deu tempo a responder, pois comentou que sem dúvida não os tinha visto, por ter sido criada no seio de uma família temerosa de Deus, no St. Louis.
Ela não o corrigiu. Quando terminou a peça, foi procurar a seu marido, e o encontrou frente a uma das portas janela que davam a terraço. Estava em animada conversação com outro homem ao que ela não conhecia. Fora qual fosse o tema, exasperava ao Harrison, pois tinha a mandíbula tensa, e uma expressão geada nos olhos.
A tia Lillian a interceptou.
-chegaram o tio Daniel e a tia Johanna. Vêem conhecê-los, querida.
-Sim, claro -concedeu-. Tia Lillian, você disse a esse barão com o que estive dançando que eu vivia no St. Louis?
A tia não lhe respondeu em seguida. Tomou o braço e a guiou, evitando aos casais de bailarinos. Mas Mary Rose sentia muita curiosidade para deixar acontecer o tema. Imaginou que sua tia seria responsável, e insistiu em que lhe dissesse por que tinha mentido.
-Não foi mentira, querida, só uma pequena invenção. Para todos, é mais fácil te aceitar. St. Louis não é tão primitivo, e ali não vivem pessoas tão rústicas. Sei de boa fonte que têm considerável cultura. Não quero que ninguém se burle de ti, Vitória. Claro que, depois de esta noite, ninguém se atreverá. É a jovem mais refinada do salão, e estou muito orgulhosa de ti. Todos o estamos. Sem dúvida, sua mãe te sorri orgulhosa. Aqui está Daniel. Não se parece nada a seu pai, verdade?
Mary Rose desistiu de tratar de encontrar sentido aos retorcidos motivos de sua tia. Não estava envergonhada da região em que tinha crescido, embora a anciã pensava que devia está-lo. Claro, sua tia não tinha idéia da vida maravilhosa que tinha desfrutado ela. Como ia ter a, se jamais lhe permitia falar dessa vida?
Teve a impressão de que o irmão de seu pai estava realmente contente de conhecê-la. Sua esposa estava junto a ele, e quando se recuperou da surpresa e fez o mesmo comentário que tinham feito todos, com respeito ao muito que Mary Rose se parecia com sua mãe, abraçou à sobrinha e lhe deu a bem-vinda à família.
A Mary Rose agradou Daniel, mas se reservou para mais tarde a opinião sobre lady Johanna. Se esta tia se unia às outras para chateá-la, não gostaria de muito.
Como tinha costume cada vez que ficava nervosa, elevou a mão para tocar o medalhão. Esse laço com sua família a reconfortava. Ao tocar o colar, por um momento a invadiu o pânico, mas logo fez uma funda inspiração, repreendeu-se por ser tão tola, e se esforçou por voltar a emprestar atenção ao que estava lhe dizendo o tio Daniel com respeito a suas exaustivas férias familiares.
Mary Rose lançava freqüentes olhares ao Harrison até que, por fim, pôde desculpar-se e aproximar-se dele. Queria lhe pedir que deixasse de franzir o sobrecenho, mas o outro cavalheiro estava junto a ele, e jamais o criticaria diante de um desconhecido.
Nicholas, o amigo do Harrison, lhe aproximou. apresentou-se, fazendo uma profunda reverência, e lhe sorriu. Era um homem extremamente arrumado, de cabelo e olhos escuros. Quase tão alto como Harrison, muito magro, gotejava encanto.
-Felicidades, lady Vitória. Desejo-lhes o melhor a você e ao Harrison.
-Obrigado, senhor.
-Quer que vamos salvar a seu marido do maior fofoqueiro de Londres?
A jovem lhe apoiou a mão no braço e caminharam juntos.
-Qual é o nome?
-O aborrecimento -respondeu Nicholas.
Mary Rose riu, fazendo voltar-se para várias cabeças. apressou-se a dominar-se.
-Não está aborrecendo ao Harrison.
-Não -admitiu Nicholas-. Seu marido está mas bem, tratando de conter a ira.
Um momento depois, Sidney Madison era apresentado a Mary Rose. Desde o começo não gostou, por ser um sujeito propenso a difundir rumores, e suas maneiras não fizeram mais que confirmar essa opinião. Adam o qualificaria de mequetrefe e, no Blue Belle, Sidney Madison não teria durado nem cinco minutos. Era um sujeito efeminado, que levava as unhas muito largas, para desagrado da Mary Rose. Também suas maneiras eram afetados.
Pôs uma mão sobre o braço de seu marido, e ficou junto a ele enquanto Madison terminava de lhe contar uma história a respeito de uma recente experiência em Nova Iorque. Nicholas estava do outro lado da Mary Rose, com as mãos enlaçadas à costas. A jovem notou que já não lhe faiscavam os olhos, que Nicholas parecia tão desventurado como Harrison. Seu marido apertava o copo que tinha na mão direita, e advertiu que a outra mão formava um punho ao flanco.
Até então, tinha sido uma velada perfeita, e ela não queria que se arruinasse. A fim de contas, Harrison era o convidado de honra, e não tinha por que suportar um minuto mais a presença do aborrecido.
Resolveu separá-los.
-Poderia falar um momento contigo, a sós? -perguntou-lhe.
-Já lhe tirei muito tempo a seu marido, verdade? -perguntou Madison. E ao Harrison-: Felicidades. Foi ardiloso ao casar-se com Vitória na América do Norte, antes de que ela soubesse. Realmente, muito ardiloso. Felicito-o.
Harrison compreendeu que o filho de cadela estava provocando-o. Contou até dez para seus adentros, e se jurou não dizer uma palavra.
Nicholas se inclinou adiante.
-antes de que soubesse que coisa, Madison?
-Caramba, que ela valia a pena, é obvio. Acrescentou um sorriso ao insulto.
Mary Rose ouviu como Nicholas aspirava uma baforada de ar e, uma fração de segundo depois, Harrison sofreu um de seus ataques. Embora seguia com a vista fixa na gente que os rodeava, ela viu o brilho duro que aparecia nos olhos de seu marido. De repente, fez-lhe recordar a Cole. Seu irmão sempre tinha esse brilho particular nos olhos quando estava a ponto de...
"Meu deus!", pensou.
-Não o faça -sussurrou ao Harrison.
Já era muito tarde. Se não tivesse estado observando-o tão atentamente, não teria visto o ataque ao inglês. Com a velocidade do raio, o punho do Harrison se estrelou na cara do Madison. O sujeito se foi para trás, para as portas, levou-se as mãos ao nariz, e soltou um grito alarmado.
Harrison nem sequer piscou. Mas tampouco sorriu, e se comportou como se não tivesse acontecido nada fora do comum. Nem se incomodou em olhar ao Madison para observar o dano causado.
Nicholas ficou boquiaberto. No mesmo instante em que Madison recuperava o equilíbrio, sussurrou:
-O que tem feito?
-Isto.
E golpeou uma vez mais ao Madison. Outra vez, o inglês saiu despedido para trás. Mary Rose estava horrorizada. Harrison, em troca, girou e lhe sorriu.
-Dançamos, carinho?
Isso fizeram. A gargalhada do Nicholas lhes chegou na pista de baile.
-sofreste um de seus ataques, não é assim, Harrison?
Tomou em braços e começou a mover-se ao ritmo da música.
-Já era hora, não? Como está levando-o? Não pude conversar contigo. Está bem?
-Estou perfeitamente -lhe respondeu-. Meu pai viu o que tem feito?
-Se sua expressão indicar algo, devo chegar à conclusão de que sim. Lhe tem cansado a taça.
-OH, Senhor -sussurrou ela-. Se tiver quebrado a festa para meu pai e suas irmãs, armará-se uma boa confusão.
Harrison a aproximou mais.
-O que pude arruinar?
-A velada, é obvio.
-A noite é tua, carinho, não de seus parentes. te envergonhei?
Precisou pensá-lo uns momentos antes de admitir a verdade:
-Não, não o tem feito. Deixa de te mostrar tão agradado contigo mesmo, Harrison, e te arrependa. Meu pai vem para nós.
Elliott lhe cortou a retirada.
-Filho, em nome de Deus, o que tem feito?
Mary Rose sujeitou a mão de seu marido.
-Não lhe pergunte, pois é capaz de lhe demonstrar isso Deu-lhe um ataque, pai. Acredito que seria conveniente que o leve fora, a tomar ar fresco.
Queria estar a sós com ele para lhe ordenar que se comportasse como era devido. Já não estava vivendo no oeste, a não ser em Londres, Pelo amor de Deus!
Mas não teve essa oportunidade até que, essa noite, retornaram à casa do pai, em Londres.
Ann Enjoe a ajudou a preparar-se para a cama, e estava por deitar-se quando entrou Harrison.
Mary Rose se incorporou como uma mola.
-Tem-lhe quebrado o nariz?
-Pode ser.
-Não o lamenta?
-Não. Insultou-me. Como queria que reagisse?
-Tinha que pensar antes de atuar -lhe disse.
encolheu-se de ombros, lhe subtraindo importância ao incidente.
-Depois de amanhã tenho que ir a Alemanha.
-Para que?
-Negócios de seu pai. Estou tratando de resolver seus assuntos. Sei que resulta difícil para ti. Eu gostaria de ficar contigo para te ajudar...
-Poderia ir contigo?
-Não, seu pai não quer te perder de vista, carinho. Já elaborou atividades para ti para os próximos quatro meses. Quer te exibir. Eu pretendo que desfrute e que não se preocupe com seus assuntos. Temos alguns casos difíceis que resolver. Trata de entendê-lo.
-Por isso nos instalamos na casa de meu pai e não na tua?
-Seu pai não quer que fique sozinha enquanto eu não estou.
Não pôde lhe dizer por quanto tempo estaria ausente, e ela se esforçou por não sentir-se abandonada. Compreendeu que seu dever de esposa era apoiá-lo e lhe dar ânimo.
-Saberei compreender -lhe prometeu.
Harrison se sentou no bordo da cama e a atraiu a seus braços.
-Queria...
-O que é o que quisesse?
apoiou-se nele:
-Que pudéssemos estar mais tempo juntos. Quando irei conhecer seus Highlands?
-Logo -lhe prometeu ele-. Trata de ter paciência com seu pai, né? Ainda não se recuperou da surpresa de te ter. Necessita tempo para te conhecer.
Mary Rose não discutiu. Deixou de lado seus próprios desejos. Seu pai tinha sofrido muitos anos, e era seu dever de filha lhe dar toda a paz e a alegria que pudesse. Adam lhe havia dito que ela tinha a responsabilidade de consolá-lo. "Certamente, poderei tolerar um pouco mais de nostalgia por meu lar,no,se?" disse.
Até a primavera seguinte, não poderia ir a casa. Logo, a neve cobriria os passos, e seria impossível cruzar. convenceu-se de que era uma mulher forte, e podia suportar uns meses mais de solidão, em bem de seu pai. E do Harrison.
-Uma vez, disse-me que você gostava de viver em Montana, que podia ser feliz ali. Estava... exagerando?
O que, em realidade, queria saber era se lhe tinha mentido ou lhe havia dito a verdade. Harrison tratou de não zangar-se, pois a incerteza de sua esposa era culpa dele, e só dele.
-me escute bem. O que passou, já passou. Sei que me equivoquei ao te pedir que confiasse em mim, mas te prometo outra vez que nunca, jamais voltarei a te mentir. Crie-me?
-Acredito-te.
Afrouxou o abraço, e começou a lhe acariciar lentamente as costas.
-te conceda mais tempo com seus familiares, e tráfico de não pensar em fazer outra mudança agora. Acaba de chegar a seu lar.
Harrison tratava de mostrar-se lógico e razoável. Como podia lhe fazer entender? Seu lar estava onde viviam seus irmãos. Entre seus parentes ingleses se sentia isolada, e lutava permanentemente contra sua própria culpa, porque não cobria as expectativas de todos. Todos queriam o melhor para ela, e tentava recordá-lo cada vez que a alagava uma quebra de onda de nostalgia.
Harrison estava esgotado, mas achou forças para lhe fazer o amor a sua esposa. Ela ficou dormida com o corpo pego ao de seu marido.
Era amada e valorada. E estava assustada.
28 de abril de 1873
Querida Mamãe:
Tive que ficar castigada toda a tarde em minha habitação, porque lhe dava um murro no estômago ao Peter Jenkins. Recorda que te disse que estava sempre me chateando? Bom, hoje teve a audácia de me beijar. Desgostou-me tanto que cuspi e me limpei a boca. Sei que não foi muito feminina minha atitude, mas cuspir é melhor que empurrar não?
Ouvi falar com meus irmãos de me mandar a um internato. Por favor pode lhes escrever imediatamente, lhes dizendo que me deixem ficar em casa? Não preciso me refinar. A sério que não. Estou me convertendo em uma jovem encantada. Você mesma o disse, recorda?
Quero-te, Mary Rose
PS.: Estão me crescendo os peitos. São um chateio, Mamãe, e acredito que hoje, ao menos, eu não gosto de muito ser uma garota.
20
A Mary Rose, George MacPherson lhe recordou um furão. Era um indivíduo alto, magro, de nariz largo e bicuda e olhos encapotados. sentiu-se um pouco culpado ao compará-lo com o aprazível animal, porque MacPherson se mostrou em extremo amável e solícito com ela. Dava a impressão de estar realmente fascinado de conhecê-la, e até tivesse jurado que tinha lágrimas nos olhos quando a viu na entrada do salão. Douglas o teria qualificado de galhardo, mas em tom zombador. O secretário pessoal de seu pai estava vestido com esmero com um traje castanho, uma cadeia dourada do relógio de bolso, e sapatos marrons tão lustrados, que Mary Rose imaginou que devia refletir-se neles como se fossem espelhos. Levava em uma mão uma pasta cheia de papéis e um guarda-chuva negro pendurado do outro braço.
Sir Elliott a apresentou, e logo lhe propôs sentar-se com ele e com o MacPherson enquanto revisavam os comprovantes do mês.
-Seu pai é um homem muito generoso, lady Vitória. Estes documentos liberam recursos de suas contas para sustentar organizações de caridade na Inglaterra. Fazemos os desembolsos uma vez ao mês.
Mary Rose fez gestos de que tinha entendido, e logo se propôs conversar com ele sobre o passado.
-Senhor MacPherson, você disse que foi um prazer me conhecer, mas nos tínhamos conhecido antes, não é assim? Nnaquele tempo, naquele tempo, eu era uma recém-nascida.
-Por favor, me diga George -pediu. sentou-se no sofá, frente a ela, alisou-se a jaqueta até fazer desaparecer toda ruga visível, e disse-: Sim, claro que nos conhecíamos. Você era uma bela criatura.
-Era calva.
MacPherson sorriu:
-Sim, era calva.
-Pai, te causar pena muito falar a respeito do que aconteceu a noite que me raptaram? Causa-me muita curiosidade.
-O que quer saber? -perguntou sir Elliott, com o cenho franzido. A moça se voltou para o MacPherson:
-Contaram-me que a babá me tirou do quarto dos meninos. MacPherson assentiu:
-Seus pais tinham ido na inauguração de uma nova fábrica. Não retornariam até o dia seguinte. Ainda não sabemos como o fez Lydia. A casa estava cheia de criados. Acreditam que a tirou você pela escada de atrás, e saiu também ela por ali.
-A babá se chamava Lydia?
-Sim -respondeu o pai-. Naquele momento, George foi posto a cargo da investigação. Sua mãe tinha adoecido, e eu queria trazer a de volta a Inglaterra para que a visse seu próprio médico. Tinha confiança nele.
-As autoridades desistiram da busca depois de seis meses de intensas investigações, mas seu pai já tinha contratado sua própria equipe de investigadores. Eu me limitei a coordenar suas tarefas.
-Quanto tempo trabalharam os investigadores para ti, pai?
-Até faz quatro ou cinco anos. Por último, deixei tudo em mãos de Deus e tratei de aceitar o fato de que estava perdida para mim. Mas Harrison não me deixava desistir. Começou a fazer-se carrego, seguindo cada pista com a que se cruzava. -estirou-se e agarrou a mão da filha entre as suas. -É um milagre que te tenha encontrado.
-Soube por seu pai que uns safados vagabundos a acharam em um beco, lady Vitória -disse MacPherson.
Os términos empregados ofenderam muito a Mary Rose:
-Não eram safados. Eram quatro meninos de bom coração, que tinham ficado liberados a seus próprios meios, e faziam o que podiam para sobreviver. Não eram safados -repetiu, em tom muito mais duro.
-Sim -concedeu o pai, lhe aplaudindo a mão, que logo lhe soltou-. Não temos por que falar agora desses homens, verdade? Está de retorno no lar, e isso é o mais importante.
Mary Rose não quis deixar acontecer o tema. voltou-se para o MacPherson e perguntou:
-Planejou-o a babá?
George olhou ao patrão antes de responder. Advertiu que lorde Elliott estava alterando-se, e o secretário quis liberar o da angústia.
-Senhor, incomoda-lhe se lhe respondo? -perguntou.
-Não, não me incomoda. É natural que sinta curiosidade.
-Ao princípio, pensamos que devia haver uma ou duas pessoas mais comprometidas mas, à medida que transcorria o tempo, convencemo-nos de que atuou sozinha. Oxalá pudesse lhe dizer mais, lady Vitória, mas depois de tantos anos ainda não conseguimos nenhum outro dado. Eu acredito que ficará no mistério. Talvez, se Lydia tivesse vivido, poderíamos havê-la persuadido de que falasse.
-Essa mulher tinha impecáveis referências -interveio o pai. Evocando a traição, o cenho do homem se fez mais profundo.
-Agora sabemos que se desfez de você, milady. No último momento, deveu arrepender-se. Não tinha dinheiro com o que manter-se sem trabalhar. As autoridades a acharam em um edifício de aluguel. Tinha sido estrangulada. acredita-se que chegou à casa quando estavam tratando de roubar.
Elliott ficou bruscamente de pé.
-Já é suficiente de falar do passado. George, amanhã assinarei esses certificados.
Mary Rose advertiu quão conmocionado estava seu pai.
-Pai, hoje terá tempo de ir cavalgar? -perguntou-lhe, com a intenção de distrai-lo.
Pareceu-lhe uma idéia esplêndida. Mary Rose se desculpou e subiu a sua habitação a ficar o traje de montar. Encontrou ao Harrison curvado sobre o escritório, revisando outra vez velhos documentos.
-conheci ao MacPherson -contou, depois de fechar a porta-. Está seguro de que é o cérebro do seqüestro? Parece-me muito refinação e tímida para fazer algo tão audaz.
O marido se esfregou o pescoço para relaxar a rigidez, fez girar os ombros, e se levantou:
-Diabos, já não sei. Douglas me disse que o homem que viu aquela noite ia com roupa de noite, e MacPherson tinha dado a entender que assistiria ao teatro com uns amigos.
-Todos se vestem elegantes para a noite.
-O pessoal, não.
Mary Rose suspirou.
-Está procurando uma diferença em uma das doações de caridade, não é assim? tiveste sorte?
-Há quase uma dúzia de organizações das que nem ouvi falar-lhe respondeu-. Me certificarei de que, em realidade, existem.
-E se forem todas genuínas?
-Começarei a procurar em outro lado.
-por que te parece tão importante descobri-lo?
-Pergunta-o a sério?
-Vejo-te obcecado com isto, Harrison. Passou faz anos, e se as autoridades não puderam estabelecer a relação entre o MacPherson e a babá, por que crie que você sim poderá?
-Nenhum falou com o Douglas -lhe respondeu-. A descrição que fez seu irmão do homem que viu pode ser a do MacPherson, não?
-Poderia haver descrito a milhares de homens. Ultimamente, olhaste-te no espelho? Parece esgotado. Não pode manter muito tempo este ritmo. Cada minuto que tem livre o passa revisando papéis velhos. por que o considera tão importante?
Não sabia como fazer o entender.
-Tenho que terminá-lo -exclamou.
Mary Rose procurou não ofender-se com a irritação de seu marido. Sem dúvida, era o cansaço o que o fazia comportar-se assim.
-Tem que ir amanhã? -perguntou-lhe.
-Sim.
-Aonde irá esta vez? -perguntou-lhe, ao ver que se apoderava da jaqueta.
-Ao escritório, carinho. Deixa de preocupar-se por mim.
-Queria falar contigo de nosso futuro. Esta noite, terá tempo?
-Encontrarei tempo -lhe prometeu-. E agora, deixa de preocupar-se por mim.
pôs-se tão nervoso e agitado como seu pai, quando ela começou a fazer perguntas a respeito daquela noite de tantos anos atrás.
Deu-lhe um beijo de boa noite, e saiu. Seguiam-no seus próprios demônios. Harrison sentia que tinha uma dívida que pagar, e se se obcecava, era porque devia a seu salvador terminar o que os chacais tinham começado. Não poderia descansar até estar seguro de que MacPherson não era a mente que tinha urdido o crime. Ao menos, tinha que tentar resolver o mistério, para devolver a bondade do Elliott para com seu pai.
A dívida o atormentava.
À tarde seguinte, Mary Rose cruzava a entrada no mesmo momento em que entregavam o correio. Estava tão impaciente por saber se alguma das cartas era de seus irmãos, que as arrebatou das mãos ao mordomo.
Reconheceu imediatamente a letra do Adam, e lançou uma exclamação de alegria. Correu escada acima para ler a carta a sós. Sabia que ia chorar, e não queria que ninguém a visse.
Adam perguntava por que não lhe tinha escrito. Dizia-lhe que compreendia que devia estar ocupada, mas que não era próprio dela ser desconsiderada e, sem dúvida, devia saber que seus irmãos estavam preocupados. Acaso não podia reservar uns minutos para redigir uma nota?
A angústia que deviam estar sofrendo a horrorizou. Também se descorazonó. por que não tinham recebido suas cartas?
Teriam sido interceptadas antes de sair de casa? Não, não podia ser. Seus parentes não podiam ser tão cruéis, e os ofenderia gravemente se o perguntava.
Respondeu a carta imediatamente, fechou o sobre, e o meteu no bolso do casaco. Nesse momento, entrou Ann Enjoe no quarto.
-aonde vai, milady? esqueceu as lições?
Mary Rose lhe sorriu:
-Perder uma tarde de ensinar como administrar uma casa não chateará a minha tia, verdade? Pode me mandar a Eleanor?
-Está ajudando a sua tia com os convites. Quer que a interrompa.
-Não -respondeu Mary Rose. Já teria que sofrer as iras da tia Lillian por perder uma de suas lições, e separar a de quem era seu orgulho e sua alegria não faria mais que aumentar sua exasperação. Eleanor se tinha feito indispensável para a anciã. alegrava-se de que as duas se afeiçoaram tanto entre si, pois enquanto a tia estivesse ocupada dando ordens a Eleanor, deixaria-a em paz.
-Tenho vontades de dar um passeio. Você gostaria de me acompanhar?
A donzela assentiu, encantada, e foi procurar o casaco. Mary Rose tinha um motivo secreto para lhe pedir que a acompanhasse. Queria enviar um cabo a seus irmãos lhes informando de que estava bem, e necessitava a ajuda da Ann Enjoe para encontrar o escritório de telégrafos.
Além disso, tinha que lhe pedir outro favor:
-Tem livres as tardes das quartas-feiras, não é assim?
-Sim, milady. E também as manhãs dos sábados.
-Quereria despachar minhas cartas quando sair da casa? Realmente, agradeceria sua ajuda, Ann Enjoe.
A petição surpreendeu à donzela, mas não discutiu com sua senhora. Acessou a fazer o que lhe pedia, e lhe prometeu não mencionar-lhe a ninguém da família.
-Por favor, tampouco conte que mandarei um cabo -lhe pediu.
-Milady, há algum motivo pelo qual não confia em outros?
-Não, claro que não. O que acontece é que não quero que minhas cartas... percam-se. Meu pai se altera quando falo de minha família de Montana. E ao ver minhas cartas sobre a mesa do corredor, angustiaria-se mais.
-E também, preocuparia a suas tias -acrescentou Ann Enjoe, com gesto enfático.
Mary Rose se sentiu muito melhor depois de ter esboçado seus planos. A carta do Adam a fez sorrir o resto do dia.
Durante os meses de inverno, seus dias e suas noites se aconteceram monótonos. Sempre procurava atrasar-se no saguão até que era entregue a correspondência, para estar segura de que suas cartas não se traspapelaran por acidente, e duas vezes por semana dava as cartas a Ann Enjoe para que as despachasse.
Seu ritmo de sonho trocou de maneira drástica. Não era possível que dançasse a metade da noite e seguisse levantando-se da cama ao raiar o alvorada.
Também houve outras mudanças notáveis nela. voltou-se muito calada e nervosa, sobressaltava-se se caía um chapéu, e nunca, jamais fazia um comentário sem pensá-lo antes.
Seus parentes não podiam estar mais contentes com ela. Certamente, não advertiam a tensão que suportava. Acreditavam que estava realizando a transição para sua nova vida como lady Vitória. Era o furor da sociedade londrino. O círculo de suas relações se estendeu, e havia dias em que recebia três convites a festas para a mesma noite. Permanentemente ia e vinha, ou se trocava de roupa. Em ocasiões, não havia tempo nem ainda para pensar. Esses eram os momentos que mais gostava, porque quando estava ocupada correndo daqui para lá, não tinha tempo de afligir-se pelo que estava lhe acontecendo.
Havia muitas coisas suntuosas e magníficas para desfrutar, e por certo, apreciava essa vida que, de repente, lhe oferecia. Além disso, começou a abrandar-se para a tia Lillian. Quando a severo mulher não estava em um desses aspectos onde lhe corrigia tudo, era agradável. Tinha um estranho senso de humor. Contava a sua sobrinha histórias das confusões em que se colocou sendo pequena, e alguns desses incidentes a faziam rir.
Em troca, ela não compartilhava nenhuma lembrança de sua infância com sua tia, pois isso significaria quebrar a regra tácita de não aludir a sua vida passada.
Sua tia a adorava. Todos os familiares a adoravam, sobre tudo seu pai. Quando o vazio dentro dela crescia, e não se acreditava capaz de suportar um só minuto mais, tratava de recordá-lo.
Sim, todos a amavam. E, entretanto, não a conheciam. Harrison não lhe facilitava as coisas. Estranha vez estava na casa para reconfortá-la ou lhe assegurar que estava fazendo o correto e que tudo sairia bem. Senhor, quanto precisava comentar com ele o que lhe passava.
Seu pai a levava de cidade em cidade como uma mosca que voasse de um cão a outro. Quando seu marido não estava em casa para abraçá-la durante as noites, Mary Rose dormia com o medalhão nas mãos. O laço com sua mãe e seus irmãos a reconfortava tanto como uma mantilha abrigada a um recém-nascido.
Seria fácil para ela jogar a culpa ao Harrison de sua desdita. Por culpa dele, toda sua vida tinha dado um tombo. Maldito seja, tinha ido a Montana a procurá-la e a tinha encontrado.
Mas também ela o tinha encontrado a ele. Não podia imaginá-la vida sem ele. Quanto sentia falta da esse homem do que se apaixonou! Também seu marido estava sofrendo uma extrema tensão. Via-o em seus olhos, no modo em que a olhava. Mary Rose se repetia que uma boa esposa devia ser mais pormenorizada. Harrison lhe tinha pedido que tivesse paciência, que se desse tempo para conhecer seus parentes, e sempre lhe dava a mesma explicação. Tinha que terminar. Não esclarecia mais. Ao parecer, nunca havia suficiente tempo.
Uma segunda-feira, recebeu uma carta de sua mãe, e ao dia seguinte chegou uma nota do Travis. Dizia-lhe que seus irmãos estavam preparando-se para o rodeio da primavera, porque esse ano a neve se derreteu cedo, e os passos estavam completamente livres. No post scriptum acrescentava que Corrie estava muito bem, a seu julgamento, ao menos. A cesta com mantimentos que lhe deixava no claro sempre estava vazia e esperando-o quando ele voltava. A mulher ainda não o deixava aproximar-se da cabana, e se sentia idiota lendo a voz em grito as cartas da Mary Rose.
Enquanto seus irmãos se preparavam para o rodeio, seus parentes se preparavam para mudar-se à casa de campo do pai pelo resto da primavera e todos os meses do verão. A tia Lillian e Eleanor, seu prodígio, também estavam convidadas. Mas Mary Rose não tinha idéia de se Harrison se reuniria com ela e, de ser assim, quando o faria.
Cada vez a assustava mais o que estava lhe acontecendo. Não deixava de recordar o que lhe havia dito Harrison quando passaram a noite na cova, perto da cabana do Corrie. Nessa ocasião, estavam falando da honra e da integridade, e recordava suas palavras. Se a gente começava a ceder partes da gente mesmo, terminava por cedê-lo tudo. E uma vez que alguém se perdia a si mesmo, perdia-o tudo?
Essas palavras a perseguiam.
Não podia seguir fingindo eternamente. Dois incidentes revolucionaram sua vida.
O primeiro, foi acidental. Estava passeando de um lado a outro pela entrada, esperando que fosse entregue o correio, quando Eleanor baixou correndo a escada.
-Tenho maravilhosas novidades, Vitória -exclamou-. Lady Lillian quer que me converta em sua secretária. Gosta, realmente gosta, e pensa que meu talento organizativo é exatamente o que necessita. Leva uma vida muito atarefada. Necessita a alguém que a ajude durante um bom tempo. Sabe que mais me disse? Ajudará-me a encontrar marido. Ela também procurará um. Sua tia pode fazer algo que se proponha. Disse-me que sou como uma filha para ela. Sim, isso me disse. Não é maravilhoso?
As notícias não a surpreenderam. Quis alegrar-se por seu amiga, que tinha tido um passado duro. Nunca tinha conhecido a sua mãe, e a tia Lillian não tinha tido filhos. Eram duas pessoas solitárias, que podiam ajudar-se mutuamente.
-É obvio, são magníficas notícias -lhe disse-. Isso significa que jamais voltará A... América do Norte?
Quase lhe perguntou se tinha decidido não voltar para Montana, mas trocou rapidamente de idéia.
-Vitória, na América do Norte não fica nada para mim.
-E o que tem que Cole? Não te importa?
Eleanor se apoderou da mão da Mary Rose e lhe sorriu:
-Nunca o esquecerei. Como poderia esquecê-lo? Deu-me meu primeiro beijo. Mas jamais se casaria comigo, e me alegra ter sabido que não é dos que se casam antes de lhe haver dado meu coração. Além disso, em realidade não temos nada em comum. Eu sou muito mais apta para a vida aqui, Vitória. E você também -adicionou, com gesto enfático Mary Rose não fez caso do último comentário.
-Te sentirei falta de.
Eleanor franziu o sobrecenho.
-Me sentirá falta de? Não irá a nenhum lado, e sempre seremos amigas. Acaso não sabe que seus amigos me aceitam por ti? Caramba, é lady Vitória. Basta que te olhe ao espelho. Converteste-te, realmente, na filha de seu pai. Ninguém adivinharia que não cresceste aqui. Estou muito orgulhosa de ti. Sua tia também. Quer-te com todo seu coração, sério. Agora, devo me dar pressa. Há muito que fazer para preparar o traslado.
Mary Rose viu como seu amiga subia correndo as escadas. Nesse momento, entrou Edward. alegrou-se de que fosse o jovem mordomo o que atendia a porta esse dia, e não o outro "homem" de seu pai, como o chamavam. Russell, o membro mais veterano do pessoal, tinha estado muito mais tempo ao serviço do Elliott, e Mary Rose sabia que não seria fácil lhe surrupiar informação.
-Edward, permite-me uma palavra? Em privado -adicionou, para que soubesse que não lhe diria nada a ninguém da conversação-. Preciso saber uma coisa. Minha tia Lillian, esteve interceptando as cartas a minha casa?
Edward empalideceu ostensiblemente.
-Não, lady Vitória, não o fez.
Mary Rose não tinha outra alternativa que aceitar o que lhe dizia. Assentiu, e se voltou para subir as escadas. Mas de repente se deteve, quando Edward resmungou:
-Todos têm as melhores intenções para você, milady, sobre tudo lorde Elliott.
deu-se a volta lentamente.
-É meu pai o que se leva minhas cartas, verdade?
O jovem não lhe respondeu, e baixou a vista. O silêncio foi condenatório.
-Acreditei que era minha tia -murmurou, em voz comovida-. Não sei por que, jamais me ocorreu que meu pai faria... Quanto faz que isto acontece?
-Desde o começo -lhe respondeu o criado, em voz baixa.
-E as cartas que eu enviava a meus irmãos e que deixava sobre a mesa do corredor para que fossem despachadas? Também as interceptou?
Edward lançou um olhar ao salão para assegurar-se de que ninguém os ouvia, e lhe respondeu:
-Sim, mas já o terá deduzido, não? Não cometo deslealdade confirmando suas suspeitas, verdade?
-Não, não é desleal.
-Seu pai não fazia mais que seguir o conselho do médico, milady. Pô-lo muito contente advertir que você já não escrevia a esses homens. Ouvi-lhe lhe dizer a seu cunhado que o conselho tinha sido sábio. Você estava esquecendo seu passado.
-Os médicos o aconselharam?
-Isso acredito, lady Vitória.
Ao parecer, os criados sabiam mais do que fazia a família que ela mesma. Em adiante, teria que lhe perguntar ao Edward, pois lhe diria a verdade.
Estava muito desanimada para seguir a conversação. Deu-lhe as obrigado de novo e se foi a seu quarto. E seu pai acreditava que estava esquecendo o passado... e a seus irmãos. É obvio não tinha esquecido, 'e não tinha deixado de escrever. Soube que alguém estava interceptando sua correspondência quando Adam lhe perguntou na carta por que não lhes tinha escrito. Agradeceu a Deus por contar com a Ann Enjoe. A doce donzela lhe garantia, discretamente, que suas cartas fossem despachadas. Estava tão furiosa que quase não podia pensar com claridade. Sabia que devia deixar acontecer a ira antes de tentar falar com seu pai para averiguar por que lhe tinha feito algo tão cruel. depois de uma hora de passear e de pensar na situação, decidiu não falar com ele. Quão único conseguiria era que lhe dissesse que estava fazendo o melhor para ela, e se ouvia uma vez mais essa expressão, começaria a gritar e nunca poderia deter-se.
A fúria não lhe passou. desculpou-se de assistir essa noite ao teatro com a família, pretextando cansaço.
Um banho quente lhe acalmaria os nervos. ficou a camisola e a bata, e procurou o medalhão. Guardava seu tesouro em uma caixa oriental adornada em baixo-relevo, que tinha sobre a cômoda. Queria levá-lo a cama. Possivelmente, uma boa noite de sonho a ajudaria a pôr as coisas em perspectiva, e assim recuperaria as energias para ser pormenorizada. A caixa estava vazia. Ao menos no momento, não se deixou ganhar pelo pânico. Refez com cuidado seus passos pela habitação. Recordava que essa manhã se tirou a cadeia quando se levantou da cama. Sim, estava segura de que isso era o que tinha feito. E sempre a guardava a nessa caixa durante o dia, por uma questão de segurança.
O medalhão tinha desaparecido. Uma hora mais tarde, estava revolvendo todo o dormitório pela segunda vez. Chegou Harrison e a encontrou de joelhos, olhando debaixo da cama. derrubou-se na cadeira mais próxima, estirou as pernas e soube que, se não dormia um pouco, deprimiria-se.
Ainda lhe dava voltas a cabeça pela informação que acabava de encontrar, e que condenava ao MacPherson. Além disso, sentia uma grande fúria, e agora, tão perto de unir todos os cabos soltos e poder acusá-lo ante as autoridades, a tensão em seu interior tinha chegado a níveis explosivos. Estava nervoso como um urso enjaulado. Sem dúvida, era pela falta de sonho, pois não acreditava ter dormido mais de três horas por noite, durante toda a sernana anterior.
MacPherson nunca se separava de seus pensamentos. Cada vez que pensava nesse miserável, que tinha trabalhado muito tranqüilo junto a sir Elliott todos esses anos, a ira o transbordava. Elliott tinha crédulo nele por completo, e durante todo o tempo MacPherson tinha sido testemunha de sua angústia e desolação. O filho de cadela sabia...
Harrison se esforçou por apartar os pensamentos. Estava muito agitado para deitar-se imediatamente, e decidiu lhe contar a algema o que tinha descoberto.
Mas ela ainda não o tinha visto.
-Encontrei-o, carinho -lhe disse.
Mary Rose se ergueu de repente e se golpeou a cabeça
-Onde está? Procurei-o por toda parte. OH, graças a Deus. Pensei que o tinha perdido.
Harrison percebeu o pânico em sua voz, e só então lhe viu a cara: corriam-lhe as lágrimas pelas bochechas.
-Acredito que não referimos ao mesmo. Eu tentava te dizer que encontrei a diferença que estava procurando. O que perdeste?
-O medalhão -exclamou-. desapareceu.
-Encontraremo-lo. Ajudarei-te a procurar. Só me deixe que recupere o fôlego.
Lançou um sonoro bocejo.
-E se o atiraram?
Harrison fechou os olhos e começou a esfregá-la frente.
-Estou seguro de que não o têm feito. Vêem me dar um beijo.
Não pôde acreditar em semelhante atitude.
-Sabe quão importante é para mim o medalhão de minha mãe. Acredito que eles me tiraram isso. Se o tiverem feito, nunca o perdoarei. Nunca.
A jovem estava gritando. Harrison se ergueu, apoiou os cotovelos nos joelhos, e a olhou, com o cenho franzido. Estava decidido a não permitir que o cansaço o voltasse impaciente.
-depois de uma boa noite de sonho...
-Temos que encontrar o medalhão antes de nos deitar.
Harrison tentou serená-la. Claro que o medalhão era importante, mas em seu momento o encontrariam.
-Quer te acalmar? Ninguém se levou seu medalhão. Simplesmente, deixou-o em lugar equivocado. Isso é tudo.
-Como sabe que não o levaram? Nunca está o tempo suficiente para saber nada do que acontece.
-estive ocupado -gritou-. Tentava te dizer...
interrompeu-se antes de começar a lhe explicar o do MacPherson. Não era o momento. Estava muito perturbada para escutar uma só palavra.
Lançou uma maldição.
-Poderia ser um pouco mais pormenorizada -lhe disse.
Mary Rose ficou de pé, cambaleante. Estava tão furiosa que apertava os punhos aos flancos. dentro dela, o dique se rompeu, pois de repente já não pôde suportar mais. Todos estes meses tentando ser alguém que não era se cobraram seu tributo.
-Pormenorizada? Esperas que compreenda esse roubo às escondidas? Meu pai se leva minhas cartas antes de que possa as despachar, E diz que devo ser pormenorizada? Harrison, quanto tempo quer que tenha paciência? Sempre? Quando não está trabalhando dia e noite para terminar quem sabe que coisa que está teimado em terminar, está correndo por aí, procurando evidências para condenar ao MacPherson. Faz meses que está arranhando o comichão equivocado. OH, que vergonha. usei outra expressão que a meus parentes parece de mau gosto.
-De que falas? O que é de mau gosto?
Não lhe respondeu, não a entenderia. Ninguém a entendia. Deu-lhe as costas e ficou olhando para fora, para a noite.
-Todos lhe querem -lhe assegurou em tom mais sereno.
Mary Rose girou sobre si mesmo.
-Não. Amam à mulher que estão criando. Sabe o que me disse a tia Barbara? Que tenho que imaginar como um tecido em branco, e deixar que eles acreditam sua obra professora. Não me querem . Como poderiam me querer, se não me conhecerem? Amam a idéia de ter a Vitória de volta, e agora todos tentam fingir que vivi aqui toda minha vida. E o que me diz de ti, Harrison? Ama-me , ou à obra de arte?
O que implicava a pergunta o obrigou a levantar-se. Se queria discutir, Por Deus que lhe daria o gosto.
-Amo-te -gritou.
A discussão não terminou ali, mas sim subiu de tom. O que estava lhe passando, perturbava-a e aterrava, e seu marido estava muito esgotado para raciocinar. A combinação resultou explosiva.
Pelo amor de Deus, o que tinha querido dizer de um tecido? Quando lhe pediu explicações, começou a gritar outra vez. disseram-se certas coisas pouco gentis, embora nada era imperdoável, e quando Mary Rose soube que ia começar a chorar outra vez, assinalou-lhe a porta, lhe indicando que se fora.
Isso foi o que fez Harrison. Então, a moça se meteu na cama e chorou até ficar dormida. Despertaram as ferventes desculpa de seu marido.
-Sinto muito, pequena. Sinto-o -repetia, uma e outra vez.
Ela tivesse podido lhe perdoar algo. Amava-o, e faria o que fora por protegê-lo a ele e a seu matrimônio.
Fizeram o amor, com uma necessidade se desesperada para procurar o consolo do outro, e quando Harrison estava dormindo, ouviu-a sussurrar:
-Amo-te.
-Eu também te amo, Vitória. Deus, havia-lhe dito Vitória!
Dois dias depois, Mary Rose voltou para lar.
14 de agosto de 1874
Querida Mamãe Rose:
passei o resto da tarde em minha habitação, castigada, porque não me comportei como uma dama. Dava ao Tommy Bonnersmith um murro no nariz, e o fiz sangrar: Tinha-o merecido, Mamãe. Cole tinha levado ao Blue Belle, e eu acabava de sair do armazém quando Tommy me sujeitou e posou seus lábios pegajosos sobre meus.
Não lhe contei a Cole o que Tommy me tinha feito. Cole saiu e o viu o Tommy sentado no chão, apertando-a nariz e chorando como um menino pequeno. Meu irmão mataria ao Tommy se soubesse o que aconteceu, e eu não quero que dispare a ninguém mais. Está adquirindo má reputação.
Não estou para nada arrependida do que fiz. Adam e Cole sempre me dizem que não devo permitir que ninguém se tome liberdades comigo. Isso foi o que fez Tommy. Não é verdade?
Está decepcionada de mim?
Sua filha que te quer, Mary Rose
21
Harrison retornou asa casa de lorde Elliott no mesmo momento em que Mary Rose embarcava para a América do Norte. É obvio, ele não sabia. Ninguém sabia.
Entrou no despacho, onde Elliott resolvia seus assuntos com seu secretário.
-Onde está minha esposa?
Elliott levantou a vista, viu o Harrison, e sorriu:
-foi às compras com sua donzela -respondeu.
-MacPherson, desculpa-nos, por favor? -pediu Harrison. Unindo as mãos à costas, esforçou-se por parecer tranqüilo.
Tinha vontades de agarrar ao MacPherson do pescoço e lançá-lo ao inferno pelo que tinha feito, e teve que recorrer a toda sua força de vontade para não ceder a esse impulso.
-por que não vais pedir o chá, enquanto converso com meu filho político?
MacPherson se inclinou ante o patrão e saiu do quarto. Harrison fechou as portas atrás dele.
-Harrison, não acredito que ninguém nos ouça. Todos saíram para todo o dia, e o pessoal está atarefado, fazendo as malas. Passa algo mau, não é certo? Tem esse olhar...
-Temos visita, senhor. No vestíbulo estão esperando as autoridades para prender o MacPherson. Se Deus quiser, farão-o confessar tudo.
Há evidências suficientes para declará-lo culpado de desfalque e, de um modo ou outro, esse filho de cadela irá ao cárcere. É o que planejou o seqüestro.
Elliott deixou cair os papéis que tinha na mão. A velocidade de sua mente não alcançava para captar a informação que acabava de lhe proporcionar Harrison.
Não podia terminar de aceitá-lo.
-George... George arrebatou a minha Vitória? Não, não, não pôde ser ele. Foi investigado a fundo, e ninguém encontrou nenhuma fibra de evidência que o relacionasse com o desaparecimento de minha filha. E agora você insinúas...
-Douglas o viu descer do carro e lhe entregar a cesta a uma mulher.
-Douglas? Quem é?
Pergunta-a consternou ao Harrison. Deus querido, Elliott não sabia, sequer, os nomes dos irmãos!
-Um dos homens que a criaram -respondeu-. Douglas é um de seus irmãos em todos os aspectos importantes. Será melhor que aceite essa realidade antes de que seja muito tarde.
Elliott estava tão estupefato pelo que Harrison lhe havia dito com respeito ao MacPherson, que não podia pensar em nada mais. Não advertiu, sequer, quão furioso estava seu genro.
-Houve desfalque?
-Você esteve fazendo doações para um orfanato que não existe. É obvio, existia na época em que Vitória foi raptada, mas fechou um par de anos mais tarde. Não acredito que nem um centavo de seu dinheiro tenha ido além dos bolsos do MacPherson.
-Mas desfalque e seqüestro são duas coisas diferentes...
-MacPherson estava depois do seqüestro, senhor. Não há dúvida.
Elliott se dobrou em duas pela dor. A verdade o enojou de tal maneira, que acreditou que ia vomitar. Fez desesperados esforços por controlar-se.
-me dê um minuto, filho, só um minuto -murmurou.
Harrison se sentou junto a ele e lhe pôs a mão no ombro. Não disse uma palavra, e esperou em silêncio a que seu sogro assimilasse a situação.
Pouco demorou Elliott em acalmá-lo suficiente para pedir que lhe contasse tudo.
-Começa desde o começo, e não te interrompa até me haver contado tudo.
-Sabemos que MacPherson se apoderou de uma grande soma de dinheiro de uma das contas de você, no dia anterior a que sua filha fosse raptada. De noite seguinte, apropriou-se de Vitória e a entregou à babá. Suponho que o dinheiro que roubou era para que a mulher se mantivesse a ela mesma e à menina enquanto ele conseguia o maior resgate possível. Certamente, mandaria-lhe os papéis que tirou da Bíblia, para enviar-lhe como prova de que tinha a sua filha.
-Mas, o que aconteceu? Jamais recebemos exigência de resgate... só aquela primeira nota.
-Tudo se estragou para o MacPherson -disse Isso Harrison passou, senhor. Douglas me disse que a mulher não queria receber a cesta. Viu-a negar com a cabeça ao MacPherson, mas trocou de idéia quando lhe mostrou o sobre cheio de dinheiro, e o agitou ante os olhos da mulher.
-E então?
-A babá se arrependeu, e quando MacPherson se foi, jogou em Vitória sobre um montão de lixo, no primeiro beco que encontrou. Logo, deu-se à fuga.
-Harrison, pode demonstrar tudo isto?
-Posso demonstrar o desfalque, senhor. É suficiente para encerrá-lo pelo resto de sua vida. Douglas insiste em que, atualmente, poderia reconhecer ao MacPherson. Eu, por minha parte, não estou tão seguro, mas penso que os funcionários convencerão a seu secretário de que fale.
-Se a babá não se jogou atrás, eu teria recuperado a minha filha? Não... não, claro que não a teria recuperado. O a teria matado, não é certo?
-É provável -admitiu Harrison. Elliott se pôs-se a tremer de fúria.
-Todos estes anos, esse monstro esteve sentado a meu lado, comportando-se com toda calma, como se...
Não pôde continuar. Harrison fez um gesto de compreensão.
-Senhor, foi muito ardiloso de sua parte. Deveu sentir pânico quando a babá e a pequena desapareceram. E ainda assim, ele não fugiu. ficou onde estava. Que melhor maneira de controlar a investigação que estar no centro mesmo? Enquanto seguisse trabalhando aqui, podia ver antes que você algo que chegasse a seu escritório.
De repente, Elliott ficou de pé e se precipitou para a porta.
-Entrarei aí, e o...
Harrison o deteve, sujeitando-o do braço.
-Não, você não irá a nenhum lado. Já o levaram. Eu sei o que quer fazer, e é natural que o pense, mas não pode matá-lo.
Conduziu com delicadeza ao Elliott ao sofá, e o ajudou a sentar-se. Não se separou de seu lado por muito, muito tempo, até convencer-se de que tinha recuperado o controle de si mesmo e não faria nada que depois pudesse lamentar.
Harrison tinha a intenção de falar com ele de seus próprios planos futuros, mas compreendeu que não era oportuno carregá-lo mais do que já estava. Esperaria até mais tarde para lhe comunicar sua renúncia.
Subiu ao dormitório para ficar um momento a sós e pensar o que era o que queria lhe dizer a sua esposa. Tinha que empregar as palavras justas, e se era necessário, ficaria de joelhos para lhe pedir perdão por toda a dor que lhe tinha causado, sem sabê-lo.
Elliott não sabia os nomes dos irmãos. Ainda estava consternado por isso. Em nome do amor e da paternidade, esforçou-se por apagar o passado de sua filha e modelarla a semelhança da que ele queria. O que estaria sentindo Mary Rose nesse momento, e como tinha feito para suportar semelhantes rigores?
A nota o aguardava em cima do escritório. Assim que a viu, assaltou-o uma sensação de pânico, e quase não se atreveu a tocá-la.
Leu a despedida três vezes antes de poder reagir. E então, alagou-o uma angústia maior a todas as que tinha conhecido jamais, e que ameaçou destruindo-o. Deixou cair a cabeça e cedeu à dor, porque era o único culpado, e já era muito tarde.
Tinha-a perdido. Não soube quanto tempo ficou aí, com a nota na mão, mas quando ao fim pôde mover-se, a habitação estava sumida na escuridão. Edward esmurrava a porta e pedia a gritos que, por favor, fora à planta baixa, porque lorde Elliott o necessitava.
Primeiro, não respondeu à chamada, mas logo descobriu que tinha muitas coisas que lhe dizer a seu sogro. E já não lhe importou um ápice se o entendia ou não. Harrison precisava lhe falar de sua filha.
Elliott estava de pé frente à chaminé, e olhava uma nota que tinha na mão.
-Minha esposa também se despediu de você?
Elliott assentiu lentamente.
-Tinha-o tudo -sussurrou-. por que não era feliz? Você sabia que pensava ir-se? Harrison, não entendo. Diz... lerei-lhe isso. A última linha... sim, aqui está. "Quero-te, pai, e acredito que se tivesse chegado a me conhecer, você também me tivesse querido."
Elliott elevou a cabeça:
-Eu a queria.
-Sim, queria-a, mas do momento em que a recebeu em seus braços, tratou de trocá-la. Não tem nem idéia do que perdeu, verdade? Proponho-lhe que se sente enquanto eu apresento a sua filha. Acredito que começarei pelo Corrie -adicionou-. A Louca Corrie. Não ouviu falar dela verdade, senhor? Não, claro que não. Não a tivesse escutado. Estou decidido a lhe fazer entender.
Elliott se aproximou do sofá e se sentou. E como não se decidia a soltar a nota de despedida de sua filha, reteve-a em suas mãos.
Harrison lhe falou da amizade entre as duas mulheres. Quando Elliott escutou a descrição do Corrie, horrorizou-se mas, instantes depois, lhe amontoaram as lágrimas nos olhos quando seu genro lhe relatou como Corrie tinha tirado a mão pela janela para lhe acariciar o ombro à filha.
-A compaixão que manifesta para os que sofrem me faz me envergonhar de mim mesmo -seguiu Harrison-. Acredito que, por isso, tolerou-nos tanto tempo. Deus, eu lhe repetia que fosse pormenorizada, que desse a você mais tempo para aceitá-la. Mas você não estava disposto a aceitá-la tal como era, certo? Não pode apagá-lo, senhor. Todo isso aconteceu. Esses homens constituem sua família. Sua filha toca o piano e fala o francês com fluidez. Deveria estar orgulhoso dela.
Como se tinha feito muito tarde para que Harrison pusesse em prática seus planos, ficou com o Elliott até bem entrada a noite, e lhe contou quase tudo o que sabia do passado da Mary Rose.
Deixaram-nos sozinhos. Lillian tinha tentado meter-se, mas uma áspera ordem de seu irmão a fez fugir.
-O amor de um pai deveria ser incondicional -murmurou Elliott-. Mas eu...
Não pôde seguir. ficou a soluçar, afundando a cara entre as mãos. Harrison lhe ofereceu seu lenço.
-Todas as manhãs, sentava-se comigo e me escutava falar da família. Jamais falou de seus amigos.
-Você não o teria permitido.
Elliott baixou a cabeça.
-Não, não o teria permitido. meu deus, o que tenho feito? O que tenho feito?
Harrison estava exausto, tanto física como emocionalmente, e não estava em condições de lhe dar ao Elliott a compaixão que necessitava.
-Renuncio.
-O que?
-Que renuncio, senhor. terminei todo o trabalho que me deu. Foi a propósito, certo? Queria ficar a sós com sua filha, e por isso me fez correr por todo o país. Entendo-o. Eu permiti que acontecesse, porque estava empenhado em lhe pagar a dívida que tinha com você. Por isso me obcequei tanto com o MacPherson -adicionou, com gesto enfático-. Mas terminei -sussurrou-. E agora, se me desculpar, irei acima a recolher minhas coisas.
-aonde irá?
Harrison lhe respondeu quando chegou à porta:
-Irei a meu lar.
Adam Clayborne ia ser ajuizado por assassinato. Harrison se inteirou de semelhante atrocidade quando chegou ao estábulo do povo. Pensava comprar uma carreta e dois cavalos para poder transportar todas seus pertences ao Blue Belle, mas assim que o velho que regia o estábulo começou a lhe contar o que acontecia, trocou drasticamente seus planos.
-Sim, senhor, teremos um enforcamento. Dois tipos do sul, muito elegantes, trouxeram-se um advogado. Ouvi-os dizer que esperam que o juiz "varal" Burns entregue ao Adam para que possam levá-lo a sua própria cidade para celebrar o julgamento, mas a gente daqui não acredita que o juiz aceite essa idéia. Quererá julgar ele mesmo ao homem ou será pendurado por decepcionar a todos. Amanhã, tudo estará fechado. A gente passará o dia no Blue Belle, como se fosse festa. Alguns lancharão enquanto o vêem balançar-se, outros, gritarão. Suponho que as mulheres chorarão. De todos os modos, o baile não começará até o entardecer. Será uma grande festa, não lhe convém perder-lhe -No deje que se lo lleven ellos, juez -gritó alguien desde el fondo de la sala-. No es justo. Tengo a mi familia esperando afuera. Les prometí que...
Harrison tinha ouvido todo o necessário. apressou-se a comprar um cavalo, arrojou-lhe vinte dólares ao velho, e lhe pediu que contratasse a alguém para que lhe enviasse as coisas.
Acabava de selar o cavalo negro quando o ancião lhe disse:
-Como o vejo apurado, compreendo que não quer perder-lhe Mas tem tempo -lhe assegurou-. Eu sairei dentro de um par de horas. Eu mesmo lhe levarei suas coisas. Bem posso ganhar os vinte dólares.
-Adam Clayborne é inocente. Depois de pronunciar essa afirmação, Harrison saltou sobre a arreios. -Não se preocupe. É negro, e os dois que o acusam são brancos. Sem dúvida, vão pendurar o.
Só quando se deu a volta, o ancião advertiu que estava lhe falando com ar. Harrison já se foi.
Cavalgou para o Blue Belle a todo galope, pois lhe aterrava o que poderia ter acontecido. Mas teve que diminuir o passo para não perder por completo o controle. Nunca tinha visto uma turfa linchadora, mas tinha lido descrições fiéis, e lhe corriam calafrios pelas costas imaginando-o. Não tinha a menor ideia do que podia fazer para salvar ao Adam, mas com a ajuda de Deus, algo lhe ocorreria... legal, ou não.
Não se permitiu pensar na Mary Rose nem no que devia estar passando. obrigou-se a concentrar-se no Adam. Tinha advertido que algo latente existia em seu passado, embora este não lhe disse nunca do que se tratava.
Assassinato? Não podia imaginar a esse homem de falar suave matando a alguém sem uma causa justa.
Embora Harrison não tinha muito costume de rezar, suplicou-lhe ajuda a Deus. Estava apavorado.
Que não seja muito tarde. Que não seja muito tarde.
A audiência se levou a cabo no local vazio que estava em frente do armazém do Morrison. A sala estava repleta. Mary Rose estava sentada ante a mesa, ao lado de seu irmão. Travis, ao outro lado. Douglas e Cole, fora. O juiz, temeroso de que fossem às nuvens, não lhes permitiu entrar.
Os acusadores do Adam estavam sentados ante uma mesa, em frente dos Clayborne. Eram três, em total. Um advogado, e dois répteis desagradáveis e vis, que se autodenominaban filhos da Livonia. Mary Rose não suportava vê-los.
O juiz Burns golpeava a maça e ordenava que se calassem a boca, pois, do contrário, ordenaria desalojar ao público. Mary Rose, sumida em uma nuvem de incredulidade, quase não entendeu uma só das palavras do juiz.
Todos os habitantes dos subúrbios do Blue Belle se tornaram contra seu irmão. Todos. No tempo que levava estalar os dedos, passaram de ser conhecidos benévolos a um grupo de vigilantes irados. Adam tinha ajudado a quase todos os que estavam na sala. Entretanto, sua bondade e sua generosidade não significavam nada para eles. Como era negro, e o homem ao que, supostamente, tinha matado era branco, nádie precisava ouvir mais. Adam era culpado, quaisquer tivessem sido as circunstâncias. Mary Rose estava segura de que, se a turfa pudesse levá-lo fora e crucificá-lo, faria-o.
Ela não sabia como impedi-lo. Adam se mostrava estóico e digno em meio da situação. Embora sabia o que ia acontecer lhe, sua expressão não manifestava mais que uma moderada curiosidade. Estaria furioso por dentro? Sua irmã estirou a mão e lhe acariciou a dele. Como poderia ajudá-lo? Quem poderia?
O juiz golpeou uma vez mais a maça. Estava preparado para pronunciar sua decisão com respeito a mandar ao Adam de volta ao sul.
-examinei seus documentos, e parecem legais. O advogado dos filhos da Livonia se apressou a ficar de pé. chamava-se Floyd Manning, e quando se apresentou ante o juiz, acrescentou que sua família tinha vivido na Carolina do Sul durante mais de cem anos. Ao parecer, pensava que isso lhe dava mais hierarquia.
-É obvio que são legais -disse Manning-. Podemos nos levar ao Clayborne agora? Não tem mais remedeio que cumprir a lei.
elevou-se um grito de alarme: os coiotes queriam alimentar-se.
-Não deixe que o eles levem, juiz -gritou alguém do fundo da sala-. Não é justo. Tenho a minha família esperando fora. Prometi-lhes que...
-Fechamento a boca -ordenou o juiz ao queixoso-. Floyd Manning, o que ia dizer quando você tentou me convencer de que me apressasse, é que tenho um pequeno problema com este documento legal. A lei é a lei, mas é muito atrevido por parte de um forasteiro me dizer que não tenho mais remédio. me deixe que o retifique. faz-se o que eu digo, e o que estou dizendo agora é que Adam Clayborne não lhes será entregue a vocês. Se querem vê-lo pendurar, terão que esperar a que averigüemos se for culpado ou não.
-Mas, juiz, na Carolina do Sul... -começou a dizer Manning.
-Não estamos na Carolina do Sul -gritou alguém, do fundo-.Siga, julgue-o já, juiz. Já se aproxima o meio-dia. Pela expressão do juiz, parecia que queria matar a alguém. E como era o único na sala que tinha um revólver, supôs que, se a gente não se comportava, poderia fazê-lo muito em breve.
Dirigiu um olhar severo à multidão, e logo se voltou para o advogado de maneiras cidadãos, com seus parentes centenários.
-Estamos em um Território, não em um Estado e, como já lhe disse, faz-se o que eu digo.
Mary Rose baixou a cabeça. Custava-lhe muito esforço não chorar. A ira a estremecia de tal modo que tinha carne de galinha nos braços. Acaso terminaria alguma vez este pesadelo? Os irmãos tinham a esperança de que o juiz entregasse ao Adam aos sulistas e eles, logo, o arrebatariam nos subúrbios da cidade e o ocultariam nas montanhas até poder riscar planos a longo prazo.
O público estava impaciente, esperando que o juiz lhes confirmasse que seguiria adiante com o julgamento do Adam nesse mesmo momento e lugar. Mas Burns não estava disposto a perder o controle em sua própria sala de audiências. Levou a mão ao regaço e tirou seu revólver de seis tiros, preparado para incrustar um par de balas no teto para obter a atenção geral.
Mas a tática resultou desnecessária. No preciso momento em que martelava a arma, um rumor percorreu a multidão. Burns elevou a vista e viu o Harrison que se abria passo, sem contemplações, entre homens coléricos.
Mary Rose notou o silêncio geral, e apertou as mãos com mais força. Que mais aconteceria? Estariam trazendo para o Douglas e a Cole? Teve medo de olhar.
Harrison passou junto a ela, sem lhes dedicar um olhar nem a ela nem aos irmãos, enquanto se dirigia para a mesa a qual estava sentado o juiz Burns.
-Tenho um assunto que apresentar ante este tribunal.
Mary Rose elevou de repente a cabeça. Piscou, mas a visão não desapareceu. Harrison? Harrison no Blue Belle? Não podia respirar, não podia entender.
-Fale -ordenou o juiz.
-Meu nome é Harrison Stanford MacDonald...
Burns não o deixou seguir.
-Para que me diz seu nome? Sei quem é você.
-Para o registro, Sua Senhoria.
-Que registro? Aqui não levamos nenhum registro, pelo menos, não com muita freqüência. No Território somos mais informais. Presente seu assunto -repetiu.
-Eu represento ao Adam Clayborne.
Os olhos do juiz brilharam. respaldou-se na cadeira e se esfregou o queixo.
-Com que sim, né?
-Assim é, Sua Senhoria.
-Nesse caso, bem poderia seguir adiante, e defendê-lo. Estou a ponto de ajuizá-lo por assassinato.
-Tem direito a um julgamento justo no Território? -perguntou.
O juiz conhecia o suficiente ao Harrison para compreender que tentava provocá-lo ou insultá-lo.
-Sim, é obvio que tem direito.
-Então, solicito tempo suficiente para conferenciar com meu cliente.
-Quanto tempo?
-Um mês.
elevou-se um rugido de descontente. O juiz disparou a arma ao ar, sem alterar-se.
-Não posso esperar todo um mês, Harrison.
-Sua Senhoria, necessito tempo para elaborar o caso.
-Onde o teremos até que a você lhe ocorra o que dizer?
-Deverá cedê-lo a minha custódia -disse Harrison.
-escapará, juiz. O negro escapará. Espere e verá.
O juiz Burns se inclinou ao lado para poder ver além do Harrison.
-Bickley, é você quem interrompe em minha sala? Por Deus, juro-lhe que lhe colocarei uma bala no traseiro se não fechar a boca. Tem duas semanas para preparar-se, Harrison. Está disposto a depositar dinheiro como fiança, se por acaso Adam foge?
-Tudo o que possuo.
-por agora, bastará-me com cem dólares. Pode pagar o resto em duas semanas, a menos que não escape, é obvio.
-Sim, Sua Senhoria.
O juiz estrelou uma vez mais a maça.
-Adam ficará sob arresto domiciliário até a audiência. Qualquer que esteja em desacordo pode vigiar que não escape desde fora dos limites da propriedade Clayborne. Todos vocês ouviram o que hei dito? Bickley, se não ter nada melhor que fazer que sentar-se a vigiar, fará-o das árvores. Entendido? Aqui e agora, declaro que se posar um pé na terra dos Clayborne, terão autorização legal para lhe disparar. Celebraremos a audiência em duas semanas. Fica convocada a Corte.
O juiz baixou a maça contra a mesa por última vez.
-Tem um trabalho que lhe vem muito bem, Harrison -disse em voz baixa-. Tenho toda uma pasta cheia de evidências contra Adam. Pode lhe jogar uma olhada enquanto eu me vou pescar. Estarei em casa do Belle até na próximo domingo. Leve ali seus cem dólares.
Floyd Manning se aproximou do Harrison:
-Amante dos negros -vaiou. O juiz o ouviu.
-Você não tem nada mais que fazer aqui, Manning. Volte-se para sua cidade. Eu serei meu próprio fiscal aqui. Será um julgamento por jurado, e eu serei o que escolha aos doze.
Povoada-las sobrancelhas do Manning se uniram, formando um cenho mais sério.
-Esse moço não merece um julgamento justo. Deveriam levá-los a todos fora arrastando, e pendurá-los.
A cara do advogado se encheu de manchas vermelhas. Estava furioso pelo resultado da audiência.
O juiz Burns olhou ao Harrison:
-A quem pensa que deveríamos pendurar? A todo o povo, ou só aos Clayborne?
Manning respondeu com veemência:
-Aos Clayborne, é obvio, sobre tudo a essa garota branca que vive sob o mesmo teto com um negro. É um lixo.
-Tem algo que alegar a isso, Harrison? -perguntou o juiz.
Contou até dez antes de lhe responder ao juiz, mas não serve de nada.
-Sua Senhoria, quanto me custaria um cargo por assalto?
Os olhos do Burns brilharam divertidos.
-Tendo em conta as circunstâncias especiais, cinco dólares. Harrison colocou a mão no bolso, tirou cinco dólares e os deixou sobre a mesa.
O que passou depois surpreendeu tanto ao advogado sulino, que não teve tempo de proteger-se. Harrison lhe deu um murro na cara.
Fez-lhe perder o sentido. Manning se derrubou sobre o chão. O juiz se inclinou sobre a mesa para ver melhor, e logo olhou outra vez ao Harrison, contendo o sorriso:
-Bom, isso é premeditação. Custará-lhe um dólar mais.
Harrison lhe entregou o dinheiro, e foi reunir se com sua esposa e seus irmãos.
Não perdeu de vista ao público. Os homens demoravam para ir-se, e Harrison teve tempo de sobra para registrar as caras. Não reconheceu a nenhum.
Travis começou a levantar-se, mas Harrison lhe ordenou que ficasse na cadeira.
-Mary Rose, te levante e te aproxime de mim. E quero que pareça muito feliz de lombriga.
A moça não vacilou. levantou-se rápido e rodeou a mesa. Harrison a rodeou com os braços, inclinou-se, beijou-a na frente e logo a abraçou com força.
-Bem-vindo de volta, Harrison -sussurrou Adam.
-Quando diabos passou tudo isto? -perguntou.
-Despertaram ontem -respondeu Adam-. E aqui me vê. chegaste bem a tempo. Outra hora mais, e teria sido muito tarde. Tivessem esperado até manhã para me pendurar, mas uma vez emitida a sentença, ninguém pode fazer nada.
O último dos desconhecidos saiu do depósito. Douglas e Cole entraram impetuosamente.
-Fechem a porta -gritou Harrison.
-Saiamos daqui de uma maldita vez -murmurou Cole. Atirou- a pistola ao Travis, que avançava a toda parte pelo corredor-. Adam, está bem?
-Sim.
Por fim, Harrison afrouxou o abraço, mas Mary Rose não se separou dele mas sim seguiu apoiada em seu marido. Nesse momento, assaltou-a um violento tremor. Tinha passado um dia infernal, e Harrison sabia que não ia melhorar.
Tinha muito que lhe dizer mas, não era o momento nem o lugar. Faria falta a absoluta concentração de todos para levar ao Adam ao rancho.
-Eu digo que fujamos agora-disse Cole.
-Se o tentarmos, todos receberemos balas nas costas -argumentou Travis.
-O está bem -admitiu Douglas-. Agora não é momento de partir.
-Não irei a nenhum outro lado que não seja nossa casa -anunciou Adam. Apartou a cadeira para trás e, por fim, ficou de pé-. Harrison, não sei se tiver que te dar as obrigado ou te golpear. Acaba de me brindar duas semanas mais para imaginar essa soga rodeando meu pescoço.
-Não tem muita confiança em seu advogado -replicou Harrison, em tom seco.
-Tenho muita confiança em ti. Com o que tenho problemas é com o resto do mundo. Você é um homem de honra, Harrison, mas essa parece uma qualidade estranha ultimamente. Disse a Mary Rose que voltaria, e não me acreditou. Suponho que agora sim me crie, não?
Harrison ficou estupefato. Acaso supôs Mary Rose que ele ficaria na Inglaterra e seguiria com seus assuntos? Não compreendia, acaso, que se tinha levado seu coração?
-Harrison, virá para casa conosco, ou irá à casa do Belle a revisar as evidências?
-Irei com vós -respondeu-. Antes que nada, quero falar com o Adarn.
Saíram da sala em solene procissão. Os aldeãos estavam ali para saudar o Adam e lhe oferecer palavras de fôlego. Foi bom ver que o povo do Blue Belle não se tornou contra ele.
Ao Harrison encarregaram a tarefa de lhes cuidar as costas durante o trajeto de volta. ficou na retaguarda da família, e quando começaram a subir a última colina, deteve-se e esperou até que todos ficaram fora da distância de tiro. Então, fez uma rápida inspeção, encontrou o que procurava, e reatou a marcha.
Mary Rose estava sentada com seus irmãos em volto da mesa do comilão. Todos falavam em voz baixa e se afligiam em voz alta pelas duas semanas de trégua.
Pensava no Harrison: voltar a vê-lo-a encheu de desejo. por que havia tornado se ela não podia ser a mulher que seus parentes ingleses queriam que fosse? Acaso não o entendia? "OH, Deus!", pensou. "O que vá fazer?" Do momento em que o deixou, sentiu-se tão desventurada... até esse dia. havia-se sentido como se estivesse morrendo por dentro, mas quando o viu entrar, tão tranqüilo, na sala de audiências e levar a razão em meio da loucura, começou a viver outra vez.
Ouviu que Harrison entrava na casa e subia à planta alta. Comporta-as se abriram e se fecharam. Estava procurando o quarto da Mary Rose: isso significava que esperava ficar com ela?
Por fim, reuniu-se com a família.
-Adam, quero falar contigo a sós na biblioteca.
Nem olhou a Mary Rose.
-Meus irmãos sabem tudo -repôs Adam.
-A sós -repetiu.
Ninguém os incomodou, e estiveram encerrados mais de duas horas. Harrison insistiu em que Adam lhe contasse tudo o que recordava de sua rotina cotidiana enquanto vivia na plantação, e tudo o que soubesse da família a que tinha pertencido.
-A senhora Livonia estava casada com o Walter Adderley. Tiveram dois filhos. Hoje os viu na Corte. Reginald é o menor. É um par de anos menor que eu. Lionel é o major. É a viva imagem de seu pai. Walter era um bêbado. Começava todos os dias, mais ou menos a meio-dia, e ao anoitecer, já terei que levá-lo a cama. Quando bebia, ficava muito violento, portanto, era violento quase sempre. Provocava brigas com sua esposa. Algo deveu acontecer entre eles, pois quando estava bêbado, não podia tolerar nem vê-la.
-Pegava-lhe?
-OH, sim, com os punhos. Ela não era rival para ele. O homem media mais de um metro oitenta e cinco, e ela era muito miúda. Também pegava a minha mãe. Era a acompanhante da Livonia, e por isso se levava também sua parte de abuso.
"Uma sexta-feira, a última hora da tarde, mais ou menos na hora do jantar, eu passava pela casa voltando da plantação, e ouvi gritar à senhora Livonia. Adderley estava lhes pegando às dois. Pu-me entre a Livonia e meu patrão, porque quando entrei na habitação, estava golpeando-a a ela. Lembrança que pensei que se conseguia lhe fazer voltar a ira contra mim, salvaria a mamãe e a Livonia. A mamãe saía sangue do nariz, e um olho já o tinha quase fechado. Livonia estava pior. Tentava levantar-se, e quase o tinha obtido quando a golpeou outra vez. Caiu ao chão, e começou a lhe suplicar que deixasse de fazê-lo. Então, ele começou a lhe dar patadas. A mulher pedia piedade e orava, Harrison. Suplicou-me ajuda... e então o fiz."
Adam se interrompeu, fez uma trêmula aspiração de ar, e continuou:
-Rodeei-lhe a cintura com os braços e o apartei, enquanto mamãe corria a ajudar a Livonia a levantar-se.
"Adderley enlouqueceu. Disse a Livonia que a mataria, livrou-se de mim, e se equilibrou outra vez sobre a mulher. Nesse momento o golpeei. Retrocedeu uns três metros, cambaleando-se, e logo se precipitou em minha direção. Perdeu pé, e se golpeou contra o bordo do suporte. Acredito que estava morto antes de cair ao chão."
-Onde o golpeou?
-No queixo.
-Não desde atrás? Disse que se apartou de ti...
-Sim, mas eu fui mais rápido. Pu-me outra vez diante da senhora Livonia para protegê-la, e golpear ao homem se tentava lhe pegar.
-O que passou então?
-A senhora Livonia me deu dinheiro, e me disse que fugisse. Ela e mamãe diriam às autoridades que tinha sido vendido. Quando chegou a polícia, Livonia lhes disse que tinha sido um acidente. Nenhuma das duas mulheres me mencionou, absolutamente. Meu murro não lhe tinha feito trinca à cara do Adderley. Eu tinha treze anos, e não sabia brigar. No Estado, todos sabiam a classe de bêbado que era. Ninguém duvidou da palavra da Livonia. Disse-lhes que seu marido se cambaleou e cansado contra o suporte da chaminé. catalogou-se de morte acidental.
-Alguém mais viu o que aconteceu?
-Não.
-por que os filhos lhe perseguiram? Que evidência têm?
-As cartas que escrevi a mamãe. Guardou-as todas. Os filhos do Adderley devem as haver achado. Em várias delas, eu falava do passado e dizia a minha mãe que tinha medo por ela.
Harrison lançou um suspiro fatigado.
-Não é culpado de um crime, Adam.
-Eu era escravo, e me atrevi a levantar a mão contra meu dono. Toquei-o. Seus filhos consideram que, só por isso, deveria morrer.
-Crie possível que os filhos do Adderley tenham obrigado a sua mãe a lhes contar como aconteceram as coisas?
-OH, sim. Lionel se parece cada vez mais a seu pai. As cartas de minha mãe transbordam de preocupação pela senhora Livonia. Mas nada disso importa, verdade? Se dois homens brancos me acusarem de assassinato, sabem que estou condenado.
-Não sem brigar -prometeu Harrison-. Devo te perguntar algo mais. Quer ficar a brigar, ou quer fugir?
-Se queria ir, deixaria-me fazê-lo? puseste tudo o que tem para garantir que eu não vá.
-Não pus minha posse mais valiosa -respondeu-. Ainda tenho a Mary Rose, se me deixa ficar.
-O que me aconselha?
-Para mim, desde dia em que me casei com sua irmã, converteste-te em um irmão, Adam. Não quero que nada mau te aconteça. Como advogado, aconselharia-te que fique e brigue.
-Assim, como irmão quer que fuja, e como advogado, que o confronte.
-Algo assim -admitiu Harrison.
Nesse momento, viu as palavras que Adam tinha copiado e emoldurado, penduradas da parede. Agora, entendia por que gostava tanto essa passagem.
-me prometa algo, Adam.
-O que?
-Quando tudo isto termine, e tenhamos ganho, quero que desprenda esse quadro e o guarde.
Adam se levantou e se desperezó.
-vivi toda a vida me ocultando e me esperando. Não quero seguir vivendo assim. Sempre soube que este dia chegaria, e agora que por fim chegou, penso me dar a volta e confrontá-lo. "Por quem dobram os sinos" -adicionou, sussurrando-. "Dobram por ti."
-Diabos, que sombrio
-Assim me sinto. Esta noite, tenho direito. terminamos que falar?
Harrison sorriu:
-Não temos feito mais que começar. Falaremos do que vais dizer quando subir ao estrado, e o que não considero conveniente que diga. Sente-se, Adam. Será uma larga noite.
Harrison começou a tomar notas. Cole entrou com uma bandeja com queijo, bolachas e cerveja. Como não lhe pediram que saísse, ficou na biblioteca, apoiado contra o bordo do escritório, escutando como Harrison interrogava a seu irmão.
Uma hora depois, lhes uniram Travis e Douglas, mas Mary Rose, não. Supôs que Adam falaria com mais liberdade se não tinha que preocupar-se com ela.
Tinha o estômago tão revolto que não pôde comer nada, e depois de estar sentada à mesa sozinha, pensando no Adam, cansou-se e subiu a sua habitação.
Voltou a pensar no Harrison. O que ia fazer? Tinha-a chamado Vitória. A quem amava? Acaso não sabia que lhe tinha destroçado o coração ao nomeá-la assim? por que não podia amá-la tal como era?
Havia uma flor sobre o travesseiro. Não uma rosa a não ser uma higuerilla vermelha. Por fim, entendeu o que Harrison tratava de lhe recordar desde aquela primeira noite na Inglaterra, quando pôs aquela rosa de caule comprido. Sabia quão difíceis seriam as coisas para ela na Inglaterra, quão dura seria a transição; por isso, enquanto todos se empenhavam em trocá-la, lhe recordava, sem palavras, que a amava tal como era. Aceitava-a com defeitos e tudo.
Ela era seu Rose.
Essa atitude a maravilhou. Como pôde duvidar dele? Perdoaria-a alguma vez por não ter tido suficiente fé nele?
sentou-se no bordo da cama e, apertando meigamente a flor contra seu coração, baixou a cabeça e chorou.
-A flor era para te pôr feliz, não triste.
Era Harrison, de pé na entrada da habitação. O coração da Mary Rose deu um tombo. Seu marido tinha aspecto de aflito, cansado... e vulnerável.
-Ama-me.
-Sim.
-Obrigado -sussurrou a moça.
-Por te amar?
Negou com a cabeça.
-Por tolerar minha incerteza. Quero-te muito e, entretanto, por dentro tive medo. Espera -acrescentou, ao ver que se aproximava dela-. Primeiro, tenho que te pedir perdão.
Um lento sorriso a surpreendeu. Não deveria estar sonriendo. Teria que estar séria para que Harrison lhe acreditasse quando prometesse não voltar a duvidar nunca mais dele.
-Tem a paciência do Job -começou a dizer-. Esteve esperando todo este tempo a que eu entendesse, não é certo?
-Não, você sempre entendeu. Só tratava de lhe recordar isso -No es fácil obtener el divorcio aquí. Leíste demasiadas novelas baratas, Harrison. Pero no, no me he divorciado. Es para siempre, ¿lo olvidaste?
-Chamou-me Vitória.
-Sério?
A expressão do Harrison foi de perplexidade.
-Destroçou-me o coração.
Harrison fechou a porta e se aproximou dela. deteve-se poucos centímetros.
-Amo-te, Mary Rose MacDonald. Não me importa que nome tenha. Se quer trocá-lo todas as semanas, aceito. Para mim, sempre será meu Rose.
Já não quis seguir abraçando a rosa. Preferia abraçar a seu marido. Deixou a higuerilla na mesa de noite, e se levantou:
-Eu também te amo -repetiu-. Sinto muito ter duvidado de ti. Poderá me perdoar alguma vez?
-Teria que te haver acompanhado. Eu sabia o que tinha que sofrer, e devi ter deixado de trabalhar para seu pai faz muito tempo. Não tinha que ter terminado tudo primeiro. Poderá me perdoar alguma vez?
-Renunciou?
-Não fez nenhuma loucura quando voltou aqui, verdade, carinho?
-Loucura? O que, por exemplo?
-Conseguir um desses divórcios que, conforme tenho lido, aqui se obtêm com tanta facilidade.
-Não te responderei até que me beije. OH, Harrison, em meio da confusão de hoje, recordou que eu acreditei que a higuerilla era uma rosa. Por favor, me beije.
-Se te tivesse divorciado de mim, casaria-me outra vez contigo. para sempre, Mary Rose. Disse-o a sério.
E então, atraiu-a a seus braços e a beijou com todo o amor e a ternura que possuía. A dor que tinha sofrido durante a separação se desvaneceu, e se sentia íntegro outra vez.
Mary Rose encheu de beijos veementes a cara do marido.
-por que esperou tanto para vir para mim?
-Carinho, se tivesse cuidadoso para trás quando estava no navio, poderia te haver saudado com a mão -exagerou-. Cheguei logo que pude. Deixa que te beije outra vez.
Quando se apartaram, os dois estavam trêmulos de desejo. Mary Rose apoiou a cara contra o peito de seu marido. Adorava escutar como pulsava o coração em seu ouvido, adorava tudo o que se referia a ele. Até quando a enlouquecia com sua teima e sua arrogância, amava-o.
"Saberá quão perfeito é?", pensou.
-Não é fácil obter o divórcio aqui. Leíste muitas novelas trocas, Harrison. Mas não, não me divorciei. É para sempre, esqueceu-o?
O apoiou o queixo sobre a cabeça da mulher. Senhor, estava contente. sentia-se outra vez inteiro, e completo pelo mágico amor da Mary Rose.
-Voltaremos para a Inglaterra? Iria a qualquer rincão do mundo contigo. Sempre que estivermos juntos, sentirei-me contente.
Harrison se comoveu: era capaz de renunciar ao paraíso por ele, e fazê-lo de boa vontade porque o amava.
-Não, não voltaremos. Viveremos aqui. Comprarei terras perto, e construiremos uma casa.
Mary Rose começou a chorar outra vez. Assegurou-lhe que eram lágrimas de alegria. Logo, separou-se dele e insistiu em que não poderia pronunciar uma só palavra coerente até que se despiu.
Harrison não teve inconveniente em lhe dar o gosto. Estava seguro de que tinha estabelecido um recorde em despir-se e ajudá-la a ela a fazê-lo sem rasgar nada. Um dos dois apartou as mantas, e caíram juntos na cama.
Cobriu-a por completo e a beijou com suavidade, até que sentiu que se abria a boca da mulher. Esfregou a ponta da língua contra a sua e, pouco a pouco, deslizou-se dentro. Estava decidido a ir devagar, a não ceder tão logo ao desejo, mas Mary Rose se o fazia impossível. Acariciava-o por toda parte, e quando começou a lhe acariciar o membro ereto, esqueceu todas suas boas intenções.
Enroscou os largos cachos em suas mãos, e trocou de posição. Impulsionou a língua dentro da boca dela. Penetrou-a com um só movimento. Fechou os olhos, extasiado, ante o prazer de sentir que as paredes interiores de sua mulher se apertavam ao redor dele.
Mary Rose elevou os joelhos para que pudesse penetrá-la mais, e lançou um gemido quando a alagaram feitas ondas sucessivas de prazer. A intensidade da sensação lhe arrebatou o controle. Já não lhe importava nada, mais que achar a plenitude.
Harrison tinha mais energias que ela. Mary Rose alcançou primeiro o orgasmo, e quando ele sentiu os tremores do clímax, acelerou o ritmo e obteve o seu.
Foi tão perfeito como ele o recordava. Não teve forças para apartar-se dela por muito, muito tempo. Esperava não havê-la esmagado, e o comprovaria assim que sua mente obtivesse a colaboração de seu corpo.
Esta vez, Mary Rose não chorou. riu. E, ao parecer, a risada foi contagiosa porque Harrison reagiu sonriendo.
Por fim, incorporou-se para poder olhar os belos olhos de sua esposa.
-foi bom, né?
Mary Rose assentiu lentamente.
-Melhor que bom.
-Comporto-me como um animal em zelo.
A moça riu outra vez.
-Eu também. Já está desvanecendo a lembrança do que aconteceu. Parece-te que poderia me fazer recordar?
-Está me matando, Mary Rose.
Quase morreu ela também. Harrison ficou dormido uma hora depois, convencido de que tinha morrido como um homem feliz.
2 de janeiro de 1876
Querida Mamãe:
Hoje faço dezesseis anos, e por fim me permitem usar, pela primeira vez, meu formoso medalhão. Faz tanto que espero...! Mamãe, obrigado por me dar semelhante tesouro. Sempre o quererei. Que afortunada sou de te ter... Adam diz que Deus estava nos observando o dia que me encontraram no beco. Tem razão, mamãe. O me deu quatro irmãos para me amar e me proteger. O deu a ti.
economizei a metade do dinheiro que necessito para fazer a viagem a Carolina. Se tudo sair bem, poderei ir ficar me contigo o ano que vem. É meu sonho, mamãe, Por favor; me deixe fazê-lo. Necessito muito te abraçar.
Sua filha, Mary Rose
22
À uma da madrugada, quando tratava de escapulir-se da cama, Mary Rose despertou ao Harrison.
-aonde vai? -perguntou-lhe, em um sussurro dormitado.
-Abaixo. Estou faminta. Não queria despertar. Volta a dormir.
Harrison também tinha fome. Enquanto ficava as calças, golpeou-se um dedo do pé, e começou a saltar pela habitação, murmurando maldições.
-Silêncio -lhe indicou Mary Rose, rendo-. Que não despertem meus irmãos.
Já era muito tarde: Harrison fazia tanto barulho queixando pelo pé, que despertou a todo mundo.
Cole foi o primeiro em aparecer na cozinha. Mary Rose estava cortando fatias de queijo, sentada sobre o regaço do Harrison e, assim que entrou o irmão, apressou-se a ocupar sua própria cadeira.
-Não podia dormir -disse Cole, sentando-se escarranchado na cadeira que estava frente a Harrison, e lhe dirigindo um olhar duro-. Está em condições de resolver isto?
-Se o que quer é uma garantia, não lhe posso dar isso Cole.
-Então, terá que me ajudar a convencer ao Adam de que fuja.
-Não posso. O solo tem que adotar a decisão. Respalda-o nisto, Cole, pois ele faria o mesmo por ti.
O irmão moveu a cabeça.
-O não ficaria quieto vendo morrer. Juro-lhe isso aqui e agora: se o condenarem, eu o tirarei.
Mary Rose perdia o apetite a toda velocidade, pois o temor lhe formava um nó no estômago.
-Penso que devemos ter fé no Harrison, Cole. Confia em que fará todo o possível por salvar ao Adam.
Harrison lhe sujeitou a mão e a apertou.
-Não sou um fazedor de milagres, mas te agradeço que confie em mim.
-Ao diabo com a fé -murmurou Cole.
Douglas chegou a tempo para ouvir o comentário do irmão. pôs-se calças e uma camisa de flanela, de mangas largas. Mas a tinha mal abotoada, e Mary Rose sorriu ao adverti-lo.
-Já tem um plano? -perguntou ao Harrison.
-Amanhã lhe enviarei um telegrama ao advogado que tinha no St. Louis. Trabalha com um estudo grande. É provável que conheça o nome de algum advogado na Carolina do Sul. Encontrarei um, embora tenha que ir eu mesmo.
-Para que?
-Para obter uma declaração jurada da Livonia e do Rose. Agora, o tempo está vital. Mas resultará. Eu obterei que resulte.
-Do que servirão suas declarações? -perguntou Douglas.
-Confirmarão o que Adam me contou. Neste momento, são dois homens contra um. O que estou fazendo é igualar os tantos. Espero que Livonia coopere. Talvez esteja muito assustada.
Os irmãos estiveram de acordo.
-Adam vai resistir, porque sabe o que acontecerá com a mulher quando seus filhos voltem para a casa. Não acredito que te deixe ir solicitar lhe uma declaração jurada.
Harrison não discutiu. Faria o que fora necessário para que Adam tivesse um julgamento justo.
-Falemos de outra coisa. Mary Rose está ficando nervosa.
-Não, não estou me pondo nervosa.
-Não come.
Mary Rose se elevou de ombros.
-Do que você gostaria de falar?
Entrou Travis e lhe respondeu:
-O que passou quando ela se foi de Londres? desencadeou-se o escândalo? A tia a qualificou de ingrata? Isso é o que Mary Rose acreditou que faria.
Mary Rose fixou a vista no prato.
-Machuquei a meu pai, verdade?
Harrison não suavizou a verdade:
-Sim.
-Oxalá pudesse me entender -sussurrou.
-Carinho, teve tempo de sobra para tentá-lo. Jamais te deu uma oportunidade. Penso que, talvez, tenha-lhe dado argumentos sólidos. Quando terminei, deu-me a impressão de ter entendido, embora não estou seguro. Não quis ficar a esperar e comprová-lo.
-por que não a queriam? -perguntou Cole.
-Queriam ter de volta a Vitória. Nenhum deles pôde aceitar o fato de que Mary Rose não foi uma vítima todos estes anos. Estavam convencidos de que, como não esteve rodeada de riquezas, sofreu privações. Nenhum dedicou tempo a conhecê-la, pois estavam muito ocupados criando a uma pessoa imaginária. Todo isso foi uma loucura. Tinham uma imagem da moça em que se teria convertido, e todos tentavam moldá-la de acordo com o que queriam que fosse.
-Sua obra professora -disse Mary Rose.
-por que não golpeou a sua tia quando disse que imaginasse como um tecido em branco? -perguntou Harrison.
Para a Mary Rose, era uma atitude absurda, e de só imaginá-lo estalou em gargalhadas.
-A tia Barbara me sugeriu isso. Mas eu não podia machucá-la. Ela queria meu bem.
-Harrison, pensa levar a de volta a Inglaterra e tentá-lo outra vez? -perguntou Douglas.
-Não.
Os irmãos sorriram. Essa noite, não precisavam conhecer os planos concretos.
ficaram meia hora mais sentados à mesa, conversando. Em um momento dado, a conversação voltou para o Adam, mas para então Mary Rose tinha terminado de comer.
-Como podemos ajudar?
-De muitas maneiras -respondeu Harrison-. À medida que avancemos, irei dando os pormenores. Quando estivermos na sala de audiências, não quero que Mary Rose se sente junto ao Adam. Cole, você se sentará à direita do Adam, e eu, à esquerda. Travis e Douglas flanquearão a Mary Rose, na primeira fila detrás da mesa. Se houver um recesso, quando voltarem a sentar-se, ocuparão os mesmos lugares.
-por que não posso me sentar ao lado do Adam?
-Quero que te dele separe o mais possível -lhe respondeu.
A brutalidade do Harrison os surpreendeu, embora nenhum deles pareceu zangar-se. Sim tinham curiosidade por saber o motivo.
-Se apoiar a mão sobre a sua, abraça-o ou o aplaude, todos verão uma mulher branca tocando a um homem negro. No povo, todos conhecem a história de sua família e, em certo modo, aceitam ao Adam. Não os pressione, Mary Rose. Não é que queira que esqueçam que é seu irmão. O que acontece é que agora enfrentamos a um cargo por assassinato, e não será fácil. Também estamos lutando contra os prejuízos. E não quero discussões a este respeito -acrescentou, ao ver que estava a ponto de lhe discutir-. Todos apoiarão ao Adam como uma família, não como indivíduos.
-Porquê escolheste a Cole para que se sente junto ao Adam, em vez do Travis ou eu? -perguntou Douglas.
-Para intimidar. O põe às pessoas nervosa.
Cole sorriu:
-Sim, não é certo?
-Sim. O jurado escutará toda a evidência, e Cole vai fixar a vista em cada um desses doze rostos, como se estivesse memorizando a reação de cada um.
-Brigas sujo -disse Cole-. Isso eu gosto.
-Devo lhes recordar que o que estamos dizendo aqui é informação reservada. Entendido?
Mary Rose bocejou, e Harrison a levou imediatamente ao dormitório.
-Tenho uma surpresa para ti. Sente-se na cama e fecha os olhos. Fez o que lhe indicava. Espiou uma vez, e viu que seu marido tirava roupa da bolsa.
-Tem os olhos fechados? -perguntou-lhe.
Fechou-os com mais força. Sentiu que lhe apartava o cabelo da cara, e logo, algo frio no pescoço.
Soube o que era antes de abrir os olhos.
-O medalhão de mamãe! -exclamou-. Onde o...?
Não pôde seguir. Rompeu a chorar.
-Estava metido entre o colchão e a cabeceira.
Mary Rose se jogou em seus braços e lhe deu as obrigado uma e outra vez. Não passou muito tempo antes de que a desejasse de novo. Caíram sobre as mantas, e fizeram o amor de uma maneira louca e apaixonada.
Harrison sabia que essa pausa bem-aventurada não podia lhes durar muito tempo.
A tormenta se morava.
A semana seguinte, Mary Rose viu poucas vezes ao Harrison. Passava a maior parte do tempo na casa do Belle, revisando as cartas que todos eles lhe tinham mandado a Mamãe Rose, e das que se deram procuração os filhos do Adderley. Pelas noites, sentava-se na biblioteca e lia as cartas que a mãe lhes escreveu . Rabiscava páginas e páginas de notas, e quando não estava trabalhando, sentava-se no alpendre a pensar e a formular planos.
Mary Rose não precisava lhe perguntar que progressos estava fazendo. A expressão sombria de seu marido o dizia tudo. sentia-se inútil e impotente. Todas as manhãs lhe perguntava se havia algo que ela pudesse fazer para ajudar, embora fora insignificante, e sua resposta era sempre a mesma: se lhe ocorria algo, o diria.
quanto mais se aproximava o julgamento, mais se preocupava Harrison. Mas Mary Rose não se sentia desatendida se ele subia a deitar-se sem lhe dar as boa noite. Estava pensando no caso, que era o mais importante nesse momento.
reuniram-se, como uma verdadeira família, para o jantar do domingo. Mary Rose se prometeu que, custasse o que custasse, seria uma comida agradável. Por isso, cada vez que alguém mencionava um pouco relacionado com o julgamento, apressava-se a trocar de tema.
Todos captaram o jogo, e se renderam a ele imediatamente. Travis, até pôde sorrir por algo que lhe disse.
-Cole, nunca me pergunta nada a respeito da Eleanor. Não tem curiosidade por saber o que lhe passou
O irmão se elevou de ombros:
-É feliz?
-Sim -respondeu Mary Rose-. Agora trabalha para minha tia Lillian.
-O general? Eleanor tem mais coragem do que eu pensei. Bem por ela.
Harrison sorriu.
-Chama general a sua tia?
-comporta-se como se o fora -admitiu Mary Rose-. Ontem, Corrie me deixou uma nota. Querem que vos a leoa?
-Não -exclamaram os quatro irmãos, ao uníssono, e depois estalaram em gargalhadas.
Sua grosseria não lhe incomodou.
-Terei grande prazer em lhe ler isso a ti, Harrison.
-Carinho, já a tenho lido três vezes. Corrie quer que lhe leve outro livro.
-E que mais?
-Está contente de que esteja de volta. Que formosa te põe quando te ruboriza.
-Não me ruborizo. Não me importa que meus irmãos riam de mim. Não podem evitar ser mal educados na mesa. Não faça conta.
-Acredito que senti falta de ser mal educado quase todo o tempo que estivemos na Inglaterra.
-OH, Senhor. Acaso me casei com um homem igual a meus irmãos?
-Isso espero. Seria o major completo que poderia me fazer.
-Vos pinjente que lhe agradávamos -disse Cole marcando as palavras, um pouco envergonhado por sua própria reação ao elogio do Harrison.
-Alguém se aproxima da casa -anunciou Douglas-. Leva traje, e vem em um carro de um só cavalo.
Harrison ficou de pé.
-É Alfred Mitchell -adivinhou-. É o advogado que contratamos para que fizesse uns trabalhos para nós. Esperem aqui -disse aos irmãos, ao ver que faziam gesto de levantar-se-. Primeiro, quero falar com ele a sós. Depois, apresentarei-lhes isso.
Saiu da habitação antes de que Adam pudesse lhe pedir que lhe explicasse que classe de trabalho estava fazendo esse tal Mitchell. Formulou-lhe a pergunta a Cole.
-Harrison queria obter certa informação sobre os filhos da Livonia. Enviou-lhe um telegrama a um advogado do St. Louis lhe pedindo que recomendasse a alguém, e propôs ao Mitchell. Deve ter andado dia e noite para chegar aqui tão rápido. Não sei como o tem feito.
-Podemos escutar na porta? -perguntou Travis.
-Não faremos semelhante coisa -afirmou Adam-. Respeitaremos a petição do Harrison.
Ouviram abrir-se outra vez a porta. Segundos mais tarde, Harrison voltava para comilão.
Parecia perplexo.
O motivo de sua perplexidade estava parado detrás dele. Mary Rose se levantou, cambaleante:
-Pai!
Todos os irmãos ficaram de pé, com a atenção fixa em lorde Elliott. Harrison observava a sua esposa, cujo rosto se pôs completamente branco. Acreditou que ia deprimir se. Correu a seu lado e a sujeitou do braço.
Elliott estava ali, de pé na entrada, contemplando à família. Ainda não sabia o que era o que ia dizer lhes. Isso o tinha preocupado durante todo o trajeto. Como podia lhes dizer aos irmãos que os aceitava como parte de sua família, e que esperava que eles o aceitassem a ele?
Harrison viu sua expressão afligida, e resolveu facilitar a reunião. inclinou-se para sua esposa e lhe murmurou:
-Seu pai está muito nervoso.
Sabia que não era necessário acrescentar uma só palavra. Mary Rose se comoveu imediatamente. Correu para seu pai, ficou nas pontas dos pés e o beijou na bochecha.
-Me alegro muito de voltar a verte.
O homem saiu de seu estupor com um estremecimento, e tomou as mãos.
-Filha, poderá me perdoar alguma vez? Sinto muito toda a dor que te causei.
Os olhos da Mary Rose se encheram de lágrimas. Seu pai tinha falado em tom tão fervente, que soube que suas palavras provinham do coração.
-OH, pai, quero-te. Claro que te perdôo. Amo ao Harrison, e constantemente tenho que perdoá-lo. O também me perdoa. Nisso consiste a família. Lamento te haver feito mal quando me parti.
-Não, não, fez-me recuperar a sensatez. Fez o correto.
Os irmãos ouviram todas as palavras de desculpa, mas nenhum deles manifestou a menor reação. Para o Harrison, podiam ter estado esculpidos em pedra.
-Pai, aqui me chamam Mary Rose.
-Está bem.
-Está bem... Está bem?
jogou-se em seus braços e o abraçou.
-Quando for a Inglaterra a me visitar, talvez, de tanto em tanto me escape e te diga Vitória. Importará-te?
-Não, não me importará no mais mínimo.
Elliott lhe aplaudiu o ombro, com um sorriso tenro no rosto. Sua preocupação se aliviou: fazia o que era devido.
Por fim, Mary Rose recordou as regras de cortesia. separou-se do pai e lhe sorriu.
-Pai, queria te apresentar a meus irmãos -anunciou, com voz cheia de orgulho.
Elliott os observou atentamente a todos. Harrison se colocou junto a eles, e o sogro entendeu o que significava esse gesto. Era um modo de lhe fazer notar que a ordem de importância estava determinado pelos sentimentos da Mary Rose. Primeiro estava seu marido, depois seus irmãos, e por último seu pai. E não lhe importava ser o último na lista, porque já sabia que ela tinha amor de sobra para todos.
Finalmente tinha chegado o momento em que Elliott reconhecesse aos irmãos como uma família. Não se sentiu pressionado. Contemplou aos fornidos jovens e, de repente, pareceu-lhe estar ante uns gigantes. sentiu-se humilde e, ao mesmo tempo, maravilhado.
Eram a resposta de Deus a suas preces. Todos esses anos de angústia e terror, na escuridão da noite, sentindo que a desolação lhe devorava a alma, tinha orado pedindo um milagre.
E todo esse tempo, Deus lhe tinha dado quatro.
Realmente, foi loja de comestíveis de bênções. Tinha uma filha maravilhosa, um homem nobre como genro, e agora...
-Ao parecer, tenho quatro filhos.
28 de novembro de 1877
Querida Mamãe Rose:
votamos, e me escolheram para escrever esta carta, para te pedir que deixe de insistir: Mamãe, pensamos que é um engano por sua parte seguir chateando com que nos casemos. Sabemos que, segundo você, Adam teria que casar o primeiro por ser o major, mas não o fará, e assim são as coisas. lhe gostam das coisas como estão agora, e a nós também, de modo que, por favor abandona suas ilusões de ter netos.
Nós esperamos que, algum dia, Mary Rose se case. Agora que está no internato, podemos afrouxar um pouco a vigilância. Os homens que tem ao redor brigam todo o tempo por conquistar sua atenção. A nenhum deles lhe incomoda que seja tão engenhosa em suas réplicas. Mas a sentimos falta de, até um ponto que não imaginávamos. Não tem por que preocupar-se por ela absolutamente. Ensinei-lhe a cuidar-se se algum homem, no St. Louis, tenta incomodá-la. levou-se a pistola de seis tiros, e duas caixas de balas. Com isso bastará.
Espero que não te zangue comigo por ter sido tão franco contigo. Todos lhe queremos e desejaríamos que viesse aqui, a viver conosco.
Cole
23
Não cabia dúvida de que Deus tinha senso de humor. Essa foi a conclusão do Elliott depois de observar durante uma hora o comportamento dos irmãos. Os anjos guardiães da Mary Rose eram ásperos e briguentos, discutidores e precavidos ao mesmo tempo, e tão ruidosos... Senhor, que ruidosos. Tinham o estranho hábito de falar todos com mesmo tempo e, entretanto, eram capazes de ouvir o que diziam os outros. Elliott se sentiu como se estivesse em meio de um comício popular.
divertia-se como nunca.
depois de lhes haver falado, os quatro se adiantaram a lhe estreitar a mão. É obvio, vacilaram em aceitá-lo como parte da família, mas ele não se desanimou. Ao seu devido tempo, compreenderiam que não tinham muitas alternativas, igual a ele. Deus os tinha reunido, e assim deviam estar.
Primeiro, apresentou-se Adam.
-Você é ao que gosta de polemizar, verdade? -comentou, ao lhe estreitar a mão.
Adam se voltou imediatamente para o Harrison:
-Você lhe disse isso?
-Disse-lhe que te agradava debater -explicou. Elliott assentiu.
-É o mesmo -afirmou-. Também eu gosto, filho. Verá que sempre ganho.
Ao Adam brilharam os olhos:
-É certo isso?
-Estava equivocado no que se referia aos motivos dos gregos, sabe? Terei que te esclarecer as coisas.
-Aceito gostoso o desafio -respondeu Adam. Logo, foi o turno do Travis.
-Você será advogado -lhe anunciou.
-Sim?
-Sim, será-o. Harrison diz que tem um talento natural para sortear os pântanos.
Travis sorriu.
-Senhor, acaba de empregar a palavra do dia de ontem. Sempre quis matar advogados, não me converter em um deles.
Douglas foi o seguinte em lhe estreitar a mão.
-O que lhe disse Harrison de mim?
-Que é um mago com os cavalos. Na Inglaterra faria fortuna, trabalhando com os puro sangue. Os animais confiam em ti, e isso me fala de sua compaixão. Perguntava-me de onde a teria tirado minha filha, e agora sei.
Cole esperava seu turno. Já havia resolvido que não seria tão fácil como seus irmãos. Elliott tinha ferido a Mary Rose, e teria que pagar, antes de que se mostrassem hospitalares com ele.
-Onde está o mau? -perguntou Elliott.
-Aqui, senhor -respondeu Cole, sem poder conter-se. Então, sorriu-: Harrison lhe disse que eu era mau?
-Disse-o com grande admiração -lhe assegurou-. ouvi falar muito de ti. Alguns dos comentários correram por conta de uma jovem chamada Eleanor. Ao parecer, estava convencida de que trataria de me disparar, e me disse que tomasse cuidado contigo. Quanto a Eleanor -continuou-, perguntava-me...
Cole elevou uma sobrancelha.
-O que acontece, senhor?
-Quereriam trazer a de volta?
Os irmãos gritaram que não ao mesmo tempo. Elliott riu, e Cole também
-Senhor, fica com você -concluiu.
-Meu amiga está feliz, ali -afirmou Mary Rose-. Pai, deve ter fome. Nós já jantamos, mas nos sentaremos contigo para te acompanhar. Sente-se. Deve estar cansado da viagem.
Não esperou a que aceitasse, mas sim correu à cozinha. Não podia deixar de sorrir. Teria que ajoelhar-se e dar graças a Deus por ajudar a seu pai.
No corredor, Harrison a apanhou pela cintura e a atraiu para ele. inclinou-se e a beijou na orelha.
-Alegra-me verte feliz outra vez -sussurrou-. Date a volta e me faça feliz . Necessito um beijo.
Mary Rose pôs o coração no beijo. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e o atraiu para si, para lhe dar um beijo comprido e apaixonado. Mas a gente não foi suficiente, e ambos compreenderam que se não se detinham nesse instante, já não poderiam fazê-lo.
Quando se apartaram, Mary Rose estava agitada e acalorada. Tal como lhe gostava.
-Fez-lhe compreender, não é certo? Obrigado, Harrison.
-Não, isso o obteve você ao partir. Abandonou tudo, e quando ele cobrou consciência de quais eram as coisas que você valorava, começou a compreender. Eu também me alegro de que ele esteja aqui, carinho. estive procurando alguma vantagem.
-Para o Adam?
Harrison assentiu.
-Elliott não deixará que passe nada por alto. O é o impulso que necessito.
-antes de lhe falar do Adam, deixa-o jantar. Depois, não acredito que fiquem vontades.
Harrison sabia que os irmãos não o mencionariam ao Elliott. Voltou para a mesa e se sentou ao lado de Cole. Adam estava sentado junto ao pai da Mary Rose. Falavam sobre a organização dos lugares para dormir.
Cole sorriu. Harrison supôs que algo se trazia entre mãos, e tinha a sensação de que não ia gostar de lhe, pois Cole só sorria quando tinha que dar más notícias.
-Já está decidido, Harrison. O ficará com o dormitório da Mary Rose. Vós dois podem dormir no barraco. Ali terão mais intimidade.
-votamos enquanto vós não estavam aqui -disse Travis. Harrison não estava disposto a dormir com sua esposa na cama do barraco. Começou a discutir, mas quando Mary Rose entrou no comilão, distraiu-o. Não parecia contente.
-Cole, Samuel está me ameaçando outra vez com a faca. Não me deixa lhe dar de comer a meu pai. Pelo amor de Deus, faz algo.
-Eu farei algo -vociferou Harrison.
Fez gesto de levantar-se, mas Cole obrigou a sentar-se de novo.
-Vamos, Harrison, se entrar aí quão único conseguirá é que te corte. Ainda não está disposto a te aceitar. Irei eu.
Elliott ficou atônito:
-Há alguém na cozinha, com uma faca... ameaçando a minha filha?
-Sim, senhor -respondeu Cole, enquanto se dirigia à cozinha.
deteve-se para tirar o revólver e martelá-lo, e logo abriu a porta.
-Samuel, põe a prova minha paciência -gritou.
-Bom Deus.
Elliott não soube o que outra coisa dizer.
Harrison se serenou. voltou-se para o Elliott e sorriu. Viu-o completamente confundido.
-Além disso, pagam-lhe um salário. É algo que provoca a um vontades de golpeá-la cabeça contra a parede, não é certo, senhor?
Elliott assentiu, e Harrison estalou em gargalhadas. Não cabia dúvida de que nesse rancho não havia um só minuto de aborrecimento. Adam sacudiu a cabeça: entendia que aos forasteiros pareceria uma loucura tolerar ao Samuel.
-Samuel é o cozinheiro -explicou.
Enquanto esperava, Mary Rose golpeava o chão com o pé, até que Cole chamou. Lançou um breve suspiro e voltou para a cozinha.
Minutos depois, seu pai recebia um jantar como era devido. Os homens beberam café, enquanto esperavam a que terminasse. Mary Rose se levou o prato vazio à cozinha.
-Demorarei um pouco. Terei que fazer as pazes com o Samuel. Sei que vou ter que lhe rogar, sei.
-O dirá? -perguntou-lhe Cole ao Harrison, fazendo um gesto com a cabeça em direção ao Elliott.
-Sim. Senhor, verá, ultimamente estamos um pouco nervosos. Na próxima Sexta-feira...
Adam o interrompeu:
-vão ajuizar me por assassinato.
Elliott piscou, mas foi sua única reação ante a notícia.
-Você o fez?
-Sim, senhor.
-Não te ocorra admitir semelhante maldita costure, Adam -lhe espetou Harrison.
-Não amaldiçoe, filho.
-Não, senhor.
-Houve circunstâncias atenuantes?
Adam assentiu, e passou a lhe proporcionar uma explicação completa. Elliott escutou com atenção, sem interromper uma só vez.
-Harrison, está preparado para defendê-lo?
-Ainda não, senhor, mas estou me preparando. Ainda tenho muito que fazer.
Elliott lhe lançou um olhar penetrante.
-Tem um plano de ação concreto?
-Sim.
-Crie que eu aprovaria essa abordagem? -perguntou.
Harrison o olhou aos olhos e lhe respondeu:
-Não, senhor, não gostaria para nada.
Elliott assentiu.
-Necessito papel, pluma e tinta. Começaremos tudo de novo, Adam. Harrison, queria ver suas notas.
-nos diga o que pressente -lhe pediu Cole-. Acredita que...?
Elliott estrelou o punho sobre a mesa.
-Não o tolerarei. Isso é o que acredito.
recostou-se na cadeira e esperou que Harrison fosse procurar o que lhe tinha pedido.
Ninguém pronunciou palavra. Todos sabiam que Elliott estava pensando no caso, e não queriam interrompê-lo. Mary Rose voltou para comilão e se sentou junto com eles, à mesa.
O silêncio continuou. O ambiente se carregou de ansiedade. Todos estavam sentados nos borde das respectivas cadeiras, aguardando ouvir a opinião do Elliott. Sentiam que algo ia acontecer, mas não podiam explicar por que. Sabiam.
Quando, por fim, Elliott falou, dirigiu-se ao Adam. Fez-o em voz fica, o que resultava algo arrepiante.
-O é o melhor que há aqui, sabe? Quase me dão pena seus acusadores. Não terá a menor piedade para eles, nem na Corte, nem tendo em conta a grave ofensa inferida a sua família. OH, sim, quase lhes tenho compaixão.
A Mary Rose lhe pôs a pele de galinha.
-Pai, você o treinou? -perguntou.
-Eu lhe ensinei leis. Mas ele tem sua própria maneira particular de argumentar. E embora é brilhante, também é implacável. Vi-o, observei-o, por isso lhes digo que houve algumas circunstâncias nas que eu, em realidade, temi-lhe. Nunca me enfrentaria com ele. Eu só suponho o que pensa fazer, e quando terminar, talvez seus acusadores não possam sair vivos do povo.
Harrison voltou para comilão uns minutos depois, com suas notas e os elementos para escrever. Imediatamente, percebeu o silêncio. Todos o olhavam, e compreendeu que tinha acontecido algo importante. Esperou que alguém o dissesse.
Ninguém disse uma palavra. Então, percebeu outra coisa. Viu-a nos olhos do Adam.
Esperança.
A semana que seguiu, Mary Rose viu muito pouco ao Harrison. O e Douglas foram ao povo na segunda-feira, e não voltaram até o anoitecer. Douglas trazia consigo os cinco cavalos de aluguel do estábulo do povo. Nem seu marido nem seu irmão explicaram para que haviam trazido os cavalos.
na terça-feira, Travis acompanhou ao Harrison ao Blue Belle. Quando retornaram, estavam sombrios. Essa noite, Harrison lhe fez o amor, e foi mais exigente que de costume. Fez-lhe coisas que ela não acreditava possíveis, e teve três orgasmos antes de que ele se permitisse ter o seu.
na quarta-feira, Harrison passou todo o dia revisando suas notas. À manhã seguinte, chegou Dooley a cavalo ao rancho, para lhes comunicar que o juiz Burns se cansou de pescar e que estava de retorno na casa do Belle. Elliott estava impaciente por ler as evidências contra Adam, mas Harrison não o levou a povo até quase as onze. Estava muito ocupado cuidando de sua esposa doente.
Das dez, Mary Rose estava vomitando. Tinha tentado convencer o de que se fora, insistindo em que estava bem, mas então começava a sentir arcadas outra vez, e Harrison se inquietou.
Uma hora depois se sentia melhor, embora sabia que devia ter um aspecto horrível. Estava tendida na cama, de barriga para baixo, com o cabelo pendurando ao lado. Harrison, acuclillado junto à cama, punha-lhe panos úmidos na frente.
-É minha culpa, carinho. Ontem à noite te fiz mal, e agora...
-Não me fez mal... bom, fez-o, mas foi um dano prazenteiro. Faz vários dias que sinto náuseas. Não é tua culpa. É o julgamento. Não posso evitar me angustiar.
Douglas entrou no barraco para ver sua irmã.
-Onde diabos estiveste? -perguntou Harrison-. Faz já uma hora que está chateada. Pelo amor de Deus, faz algo.
A fúria que se manifestava em sua voz intimidou um tanto ao Douglas.
-Assustou-te, né? Não doente com freqüência. Eu a cuidarei.
Agora tem um pouco de cor no rosto. Acredito que já está recuperando-se. Dooley está a ponto de ir-se. Não queria falar com ele?
-Sua irmã tem que me prometer que, quando eu volte esta tarde, encontrarei-a na cama. me dê sua palavra, Mary Rose, ou não vou.
Sua esposa lançou um dramático suspiro.
-De acordo, ficarei na cama. Apartou-lhe o cabelo da cara para poder beijá-la, e logo o deixou cair outra vez.
Douglas esperou a que se foi para abordar um tema um tanto delicado.
-Sabe do que se trata tudo isto?
-De que estou chateada.
Seu irmão se sentou no bordo da cama.
-Que classe de enfermidade? Comeu algo que te fez mau?
-Não. É que estou preocupada com o julgamento, Douglas.
-Poderia ser que estivesse grávida?
ficou estupefata, e teve que pensar um bom momento.
-Faltou-te algum período mensal?
Em um instante, ficou vermelha como uma beterraba.
-Faz-me me envergonhar. Caramba, é meu irmão. Não teria que me fazer semelhantes pergunta.
-Faltou-te?
-Sim.
-Quantas vezes?
-Dois... não, três.
Mary Rose levantou a cabeça do travesseiro:
-Crie que...?
Quando a maravilha da novidade se assentou, não pôde seguir falando. Um filho. Realmente, podia ter um filho. sentiu-se transbordada de alegria.
-Acredito que vou ser tio -disse Douglas.
Deu-lhe uma palmada no ombro e lhe sorriu.
-Não podemos dizer-lhe ao Harrison. Até que esteja segura, não o diga, Douglas. Meu marido já tem bastante no que pensar. A notícia o alegrará, mas pode distrai-lo. Não podemos nos permitir isso.
Douglas esteve de acordo. Uma hora depois, Harrison partiu para levar a pai à casa do Belle, para que pudesse ler a evidência contra Adam. Depois, voltou para povo, passou o dia ali, e não voltou para rancho até a hora do jantar.
Foi diretamente ao barraco para comprovar se Mary Rose estava onde a tinha deixado. De uma só olhada, soube que se levantou da cama.
Mas a moça não pensava admiti-lo.
-descansaste todo o dia, carinho?
-Sim.
Sorriu-lhe.
-Ficaste-te na cama?
Lhe devolveu o sorriso:
-Deveria estar contente comigo -lhe respondeu, mas isso não era o que ele perguntava-. Acreditava que não me foste encontrar na cama, verdade? Vejo que está surpreso. Como foi seu dia?
Harrison se dispôs a fazê-la mentir, mas não o conseguiu. Ela evitou as perguntas. E além disso, mostrou-se muito orgulhosa de si mesmo.
-Descansou todo o dia na cama?
Sem duvidar um instante, respondeu:
-por que me pergunta isso de novo? Não me crie, Harrison? Suponho que deveria confiar em mim.
Harrison moveu a cabeça: seu doce algema tinha feito caso omisso de suas indicações. O que ia fazer com ela? Exalou um suspiro audível. Não podia fazer absolutamente nada. Era teimosa e voluntariosa, e faria o que lhe parecesse melhor, a menos que a amarrasse à cama.
-me prometa que, quando se sentir mau, descansará. De acordo? Mary Rose se sentou na cama.
-por que não me crie?
Não lhe respondeu.
-Irei à casa. antes de ir você também, poderia te pôr algo na cara, carinho.
É obvio, perguntaria-lhe por que, e não podia esperar para dizer-lhe Começou a contar até dez enquanto abria a porta e saía.
-Espera -lhe gritou a esposa-. O que acontece com minha cara?
-Está torrada pelo sol.
Mary Rose não se mostrou arrependida, mas sim pensativa. Isso devia admiti-lo. Esperou a que tivesse fechado a porta para começar a rir.
Era de sentir saudades que a amasse?
Quando Alfred Mitchell baixava a costa, tinham terminado de jantar.
-Aqui há um desconhecido. Olhe, senhor. É algum de seus parentes?
Elliott olhou pela janela.
-Desde esta distância, não sei, mas acredito que não conheço esse homem.
-Então, deve ser Alfred Mitchell. Harrison, quer que esperemos aqui enquanto fala com ele?
-Sim.
-lhe ofereça algum refresco -lhe gritou Mary Rose.
Não soube se a tinha ouvido, pois já tinha saído. Harrison não esperou ao advogado no alpendre, mas sim baixou os degraus e lhe saiu ao encontro. encontraram-se em metade do prado.
Mitchell lançou um gemido quando desmontou. estreitaram-se as mãos e se apresentaram.
-Parece esgotado -comentou Harrison.
Mitchell assentiu e teve que elevar um pouco a vista para olhar ao Harrison, porque era bastante mais baixo. Também parecia vários anos mais jovem.
-Estou esgotado -admitiu, com lânguido acento sulino-. Consegui o que você pediu, mas também lhe trago terríveis novidades. Podemos caminhar enquanto falamos? Queria me aliviar a tensão das costas antes de ter que cavalgar de retorno a meu acampamento.
-Convido-o a passar a noite aqui, Alfred.
-Temo-me que, se ficar, não poderei guardar silêncio sobre o que está passando. acampei nos subúrbios do povo. Acredito que esta noite ficarei lá, se não me considerar ingrato por isso.
-Amanhã tem que testemunhar -lhe recordou Harrison.
-Sim, sei. Estou ansioso por fazê-lo, senhor. Muito impaciente por contar o que aconteceu.
Harrison e Alfred começaram a caminhar em direção às montanhas. Mary Rose os observava desde da porta.
Harrison caminhou com as mãos à costas vários minutos, até que de repente se voltou para o Mitchell.
-daqui, não pode ouvir nada -sussurrou Douglas, a suas costas. Deu um salto.
-Ao Harrison não gosta do que Mitchell está lhe dizendo. Olhe o rígidos que estão os dois. Não acredito que sejam boas notícias, Douglas. São más.
-O único mau seria que Mitchell não tenha conseguido os papéis assinados, Mary Rose, e já vê que Harrison tem algo na mão. Para mim, Mitchell não obteve que Livonia assinasse o seu.
Harrison e Alfred seguiram falando por mais de vinte minutos. Quando os viu dá-la volta e empreender a volta, Mary Rose supôs que a conferência tinha terminado. Saiu ao alpendre a esperar.
Alfred estreitou a mão do Harrison e montou. Mary Rose ia convidar o a ficar, mas ao ver a expressão do Harrison, não pôde dizer uma só palavra. Parecia devastado.
Harrison se aproximou, e logo se deteve e ficou olhando-a.
Queria que ela se aproximasse dele, e Mary Rose não vacilou. Correu.
Não lhe disse uma palavra; em troca tomou a mão e girou outra vez. Caminharam até o centro do prado, e só então se deteve.
-Amanhã vou ter que mentir.
Os olhos da moça se dilataram.
-vais mentir na Corte?
Não lhe respondeu.
-Não mentirei se você não me dá permissão para fazê-lo.
Mary Rose não soube o que dizer. Puseram-se a andar outra vez, com a cabeça encurvada, pensando no dia seguinte.
Mary Rose não demorou para entender.
-Jamais mentiria na Corte. Não, seria incapaz. Não é ético... e o que fará é lhes mentir a meus irmãos. Também preferiria me mentir a mim, mas...
-Prometi-te que jamais voltaria a te mentir. Nunca falto a minha palavra.
-A menos que eu te dê permissão.
-Sim.
-Está bem.
A mulher se voltou e lhe sorriu
-Confio em ti. Faz o que deva fazer. Este não é momento para que se preocupe por mim.
Em comparação com ela, sentiu-se insignificante. Fechou os olhos e assentiu lentamente.
-Obrigado.
-Por confiar em ti?
-E por me amar... e por ser como é.
-me beije, para me certificar de que fala a sério. Isso fez.
Retornaram à casa caminhando em silêncio.
-irei cavalgar. Quer me acompanhar?
-Precisa pensar. E acredito que agora precisa estar sozinho.
Beijou-a outra vez, e foi ao estábulo. Mary Rose se inclinou contra o corrimão do alpendre e olhou.
Harrison saiu um minuto depois, com o MacHugh a seu lado. O cavalo não tinha arreios nem freio, mas sim caminhava junto ao Harrison, cruzando o prado junto com ele.
De repente, o homem girou para o animal, aferrou-se à crina e o montou de um salto. MacHugh se lançou ao galope tendido por volta da primeira costa.
-Cavalga como um índio -comentou Travis-. aonde vai?
-Precisa pensar.
-Seu pai quer te ouvir tocar o piano. Sente-se com vontades?
-Estou bem -respondeu, embora era mentira.
Lhe ocorreu que tocar a ajudaria a esquecer as preocupações, assim entrou e se sentou na banqueta do piano.
Seu pai estava de pé, esperando-a impaciente.
-O que vais tocar, filha?
Os irmãos, que lhe tinham visto sua expressão quando entrou na sala, sabiam exatamente o que ia tocar.
-A Quinta -responderam todos ao mesmo tempo.
E tocou a Quinta, uma e outra vez.
A manhã da sexta-feira era ensolarada e clara. Mary Rose se sentiu decepcionada ao ver o céu azul. Tivesse preferido uma boa tormenta com raios e trovões, porque supunha que o mau tempo faria que muitos curiosos ficassem em seus próprios povos, que era onde deviam estar.
Viajou com seu pai no carro pequeno. Nenhum dos dois tinha vontades de falar. Mary Rose se dedicou a orar e a afligir-se pelo Adam e pelo Harrison. Finalmente, o pesadelo de seu irmão se fazia realidade, e ela não podia fazer nada para impedi-lo.
Tudo dependia do Harrison, que Deus o ajudasse. Quando se deitou junto a ela a noite anterior, estava sombrio. Teve-a abraçada toda a noite.
Tratou de lhe falar antes de que se vestissem, mas ele a cortou antes de que começasse. Queria lhe dizer que o amava e que confiava nele, e que, passasse o que acontecesse, seguiria amando-o e acreditando nele. Mas Harrison não quis ouvi-la. mostrou-se brusco e distante. Isso a assustou muito, mas quando seu marido ia saindo, deu-lhe a ordem mais maravilhosa e, sem dúvida, a mais severo de quantas tinha ouvido.
Disse-lhe que ficasse uma mordaça na boca, se pensava lhe dizer algo que o fizesse sentir bem. E se lhe dizia que o amava, encerraria-a em um armário e a deixaria aí todo o dia.
-Em outras palavras, não quer que te distraia.
Assentiu.
Uma hora depois partiram para o Blue Belle. Harrison abria a marcha, e Travis cavalgava para o Iado, com o rifle.
Harrison deteve a procissão assim que chegaram aos subúrbios do povo.
-Mary Rose, sente-se bem? Não quero que vomite na sala de audiências.
-Não vomitarei -prometeu.
-Adam, em alguma parte li que aos escravos não lhes permitia olhar diretamente aos amos, a menos que estes lhes ordenassem fazê-lo. Era certo isso?
-Sim. Lhe considerava insolente... altivo. por que me pergunta isso?
-Porque me esqueci de lhe perguntar isso ontem à noite -exclamou-. Quando se sente ante a mesa, na Corte, quero que olhe fixamente aos filhos da Livonia. Mantén uma expressão imperturbável, mas quero que saibam que está olhando-os a eles. Enquanto um dos irmãos atesta, olha-o todo o tempo. Aos olhos, Adam. Quando o outro se levante, faz o mesmo. Quando te fizer um gesto afirmativo, mostra desdém na expressão.
-Detestarão-o -lhe advertiu Adam.
Harrison assentiu.
-Isso espero. Todos recordam o que vos pinjente?
Esperou a que todos afirmassem, e lhes deu uma última informação:
-Não criam nada do que lhe ouçam dizer a ninguém, enquanto estejam na sala.
-Nem a ti? -perguntou sua esposa.
Harrison repetiu a afirmação. Não lhes disse que pensava mentir, porque não tinha tal intenção. Mas não queria que soubessem as más notícias até que o jurado estivesse encerrado pelo juiz Burns.
-Seja o que for o que eu diga ou faça, não lhes surpreendam nem lhes zanguem. Ouve-me, Cole?
-Ouço-te.
-Vamos adiante.
Harrison precedeu a marcha de descida na última colina, e atravessou o plano que entrava no povo. Avançavam com lentidão porque no caminho Principal já se reuniu uma multidão. A nenhum dos curiosos lhe permitiria entrar no depósito que fazia as vezes de tribunal,hasta que o juiz Burns ordenasse que abrissem as portas.
Entre a gente que esperava tinha que tudo. Alguns lançavam gritos de fôlego, outros tentavam afogar esses gritos vociferando sujas obscenidades. Mary Rose fingiu que não ouvia, mas lhe custou o bastante.
A multidão se abriu para lhes deixar passo. Mary Rose se aferrou ao braço de seu pai e se deixou guiar ao interior da sala.
O juiz Burns já estava sentado depois da mesa, no extremo do recinto, de cara à porta. Fez gestos à família de que se adiantasse. Tinham posto cadeiras de todas classes, tiradas das casas do Blue Belle, formando pulcras fileiras frente ao juiz. No meio, abria-se um largo corredor.
A uns quatro metros e meio da mesa do juiz, à direita do depósito, havia duas filas de seis cadeiras cada uma para o jurado.
-Já podem sentar-se. Olá, William -saudou o pai da Mary Rose-. Não te vi junto a esses teus moços, tão altos. É uma jornada lamentável, verdade?
-Por certo que o é, Sua Senhoria.
-Harrison, com respeito a essa sugestão que me fez ontem, me fazendo acreditar que era minha idéia. Bom, decidi aceitá-la, porque me parece sensata. Não quero uma banda de estranhos aqui. Quão único fariam seria me interromper, e então teria que começar a disparar. Não posso permitir o caos em meu corte. Cole, te levante e me traga suas armas. Eu as cuidarei. Outros, façam o mesmo. Mary Rose, leva pistola?
-Não, Sua Senhoria.
-Está bem.
O juiz esperou até que as armas dos Clayborne estivessem sobre sua mesa.
-Harrison, Morrison aceitou me ajudar a elucidar quem vivem no Blue Belle ou até um par de quilômetros à redonda. Não deixarei entrar em ninguém mais, sobre tudo a esse grupo de inúteis vigilantes do Hammond. Darei começo em um minuto. Primeiro, quero te perguntar se tiver objeção contra algum dos membros do jurado. Se decidisse escolher a um par de mulheres, importaria-te? Poderia me dar o capricho de fazê-lo.
Harrison sorriu:
-Não tenho nenhuma objeção em que haja mulheres no jurado, Sua Senhoria. O que dita, parecerá-me bem.
-Bom, sim que é complacente. Algo que não te agrade?
-Não, Sua Senhoria. Fiz minha própria lista das pessoas que vivem nos arredores do Blue Belle. Tomei-me a liberdade de pôr uma marca junto aos que vieram do sul.
O juiz sorriu.
-Nessa tua lista, há algum infiltrado?
-Como diz, Sua Senhoria?
-Não importa. Falo de mais. depois de te haver visto atuar em minha sala de audiências no Hammond já sei como trabalha. Não seria capaz de comprar a ninguém. Terei muito gosto em usar sua lista. Assim, meu trabalho de seleção será muito mais fácil. Nomearei presidente do jurado ao John Morrison. Alguma objeção?
Harrison fingiu pensá-lo. Não queria que o juiz soubesse que era uma eleição afortunada. Adam tinha ajudado ao Morrison quando lhe caiu o teto do armazém. Rogou a Deus que Morrison o recordasse.
-Não, Sua Senhoria. Não tenho objeções. Morrison é um homem honesto.
-Se estiverem todos preparados, deixarei entrar às pessoas.
-Sua Senhoria, porá a alguém a vigiar na porta, para que ninguém mais possa entrar?
-Farei-o -respondeu o juiz.
-Estou esperando um telegrama importante. Se chegar...
-Ocuparei-me de que lhe entreguem isso. Isso é um pouco prematuro, não te parece, Harrison?
-Embora o telegrama ajudará, não é necessário para apresentar o caso.
Burns ficou de pé.
-Farei entrar em último término a esses moços do sul. Como testemunharão contra Adam, colocarei-os ao outro lado do defendido. Fiz pôr as cadeiras em ângulo para que o jurado e o público possam vê-los bem.
Harrison esperou a que o juiz tivesse percorrido a metade do corredor para sentar-se junto ao Adam. sentou-se, inclinou-se para o irmão, e lhe sussurrou algo no ouvido.
Mary Rose não pôde ouvir o que dizia seu marido, mas sim pôde ver a reação de seu irmão. Adam estava estupefato. Logo sorriu. Era a primeira vez desde fazia semanas que dava uma amostra de alegria. Não pôde imaginar o que lhe haveria dito Harrison.
Seu marido se respaldou na cadeira. Sem olhá-la, perguntou-lhe outra vez se se sentia bem.
-Sim -respondeu, sussurrando.
Harrison lhes tinha ordenado que guardassem silêncio durante o julgamento, e por isso quando o primeiro homem entrou e foi diretamente às cadeiras reservadas para o jurado, todos se calaram.
Não havia nenhuma mulher no jurado. Mary Rose reconheceu à maioria dos homens, mas não pôde recordar todos os nomes. Tinham expressões solenes, coisa que lhe pareceu apropriada, tendo em conta a seriedade do caso que foram presenciar.
Lionel e Reginald Adderley foram os últimos aos que se permitiu entrar. Caminharam até o fronte da sala pisando em forte, e se sentaram.
Os dois eram loiros. Reginald era vários anos maior que o irmão, e tinha nervuras cãs na barba recortada. Tinha olhos amendoados, mas com mais matizes de amarelo que de verde. Fazia pensar em uma lagartixa.
O irmão era igualmente desagradável. Tinha olhos castanhos. A pele pálida, como a do irmão, indicava que nenhum dos dois tinha trabalhado ao ar livre um só dia de sua vida.
Dooley foi encarregado de cuidar a porta. Billie, de relevá-lo. Harrison seguiu sentado até que Burns chegou ao final do corredor, e então se levantou. Adam fez o mesmo.
Ninguém mais se moveu. O juiz pareceu agradado ante a deferência demonstrada pelo Harrison e seu cliente.
-Com a permissão de Sua Senhoria.
Burns adivinhou o que pedia, e assentiu, veemente.
-Espera a que eu entre no depósito -sussurrou-. vai ser o primeiro, e quero desfrutar de cada minuto.
Adam fez gesto de sentar-se, mas Harrison não o deixou.
-Ponha de pé -sussurrou.
Harrison esperou a que o juiz tivesse desaparecido no depósito, e logo pronunciou em voz forte ressonante:
-Escutem. Escutem. Todos de pé. A Corte entra em sessão. Preside o juiz John Burns.
Imediatamente, pressente-os se levantaram. O juiz apareceu por uma esquina para assegurar-se de que todos estavam de pé, e só então entrou na sala, agradado e orgulhoso como um pavão. Era óbvio que adorava as formalidades, e que estranha vez podia as desfrutar.
Não se deu pressa por chegar à mesa e tomar assento.
-Está bem. Voltem a sentar-se.
-Direi isto só uma vez de modo que, me escutem bem. Não tolerarei gritos nem vivas, nem nenhum outro ruído enquanto meu corte esteja em sessão. Pelo fato de havê-lo pisado eu, este é agora terreno sagrado. Primeiro, expor ante o jurado as evidências contra Adam Clayborne. Logo, chamarei duas testemunhas.
O juiz fez uma pausa para beber um sorvo de água.
-John Quincy Adam Clayborne foi acusado do assassinato do Walter Adderley. Adderley era o amo do Adam na época da escravidão. Os filhos deste homem me trouxeram cartas que a família Clayborne lhe tinha enviado ao Rose, a mãe do Adam. No presente, Rose ainda vive no sul, na mesma plantação que a esposa do Adderley, Livonia. encarrega-se de cuidá-la, porque esta mulher está completamente cega. Em seis ou sete das cartas, menciona-se a morte do Adderley, embora não há nada condenatório. Adam não admite ter assassinado ao Adderley, mas sim ter estado na casa quando o homem morreu, e também admite por escrito que fugiu. Interrogarei ao Adam sobre todas estas questões quando subir ao estrado. Subirá ao estrado, verdade, Adam?
-Sim, Sua Senhoria.
-Bem. Tenho uma última coisa que lhe dizer ao jurado. Quero que hoje, aqui, faça-se justiça. Se algum de vocês já chegou à conclusão de que Adam é culpado, eleve seu traseiro da cadeira e saia daqui. Um homem é inocente até que se prova sua culpabilidade, e não permitirei que se acuse falsamente a ninguém.
-Harrison, agora é seu turno. Há algo que queira lhe dizer ao jurado?
-Sim, Sua Senhoria.
levantou-se e atravessou a sala, de modo que ficou frente aos doze homens.
-Meu cliente foi acusado de um crime que não cometeu. Se escutarem todos os testemunhos, darão ao Adam a liberdade. Abram seus corações e suas cabeças, livrem-se de qualquer sentimento que pudessem albergar para sua cor de pele, e procurem que tenha um julgamento justo. Abraham Lincoln acreditava na igualdade, e também centenas de milhares de jovens valentes que deram sua vida para que fosse abolida a escravidão. Não manchem a memória desses homens valorosos. Recordem como morreram, e por que. A vida do Adam está em suas mãos, cavalheiros, e eu lhes demonstrarei, sem lugar a dúvidas, que é inocente.
Harrison girou com lentidão e voltou para a mesa. Mary Rose acreditou que tinha terminado, e teve que esforçar-se por conter o sorriso. Estava orgulhosa de seu marido. Claro, o discurso a tinha impressionado, mas ele tinha acrescentado um toque que lhe deu mais força ainda. Em seu profundo e ressonante acento escocês, tinha misturado um sutilísimo arraste sulino. Estava segura de que ninguém tinha notado a mudança em sua maneira de falar, e acreditava saber por que o tinha feito. Queria que o jurado o percebesse como a um deles.
-Contarei-lhes algumas costure sobre o John Quincy Adam. Começarei por lhes dizer que sua mãe escolheu esse nome. Talvez alguns de vocês recordem nossa história, e já saibam que John Quincy Adams foi o sexto presidente dos Estados Unidos. Não era só por isso pelo que a mãe do Adam o admirava tanto. Conhecia a história do presidente Adams, e depois descobriu que era verdadeira. Quando Adams se retirou, depois de uma presidência magnífica, voltou para lar pensando que gozaria de uma vida agradável e aprazível, e isso fez, até que se inteirou de um vergonhoso incidente que transcorria em nosso próprio país. Em 1853, aproximadamente, uns piratas espanhóis raptaram a cinqüenta e dois africanos e se dirigiram a Cuba. Dois cubanos os compraram a todos, e os levaram às plantações de açúcar para vendê-los. Bom, aos africanos não gostou de muito a idéia de ser escravos, assim que se rebelaram. Além disso, mataram a um membro da tripulação. Quando o navio chegou ao Long Island, os cubanos os meteram no cárcere e os acusaram de revolta e assassinato.
"por que acreditam que o incidente incomodou tanto ao presidente Adams? Nnaquele tempo, naquele tempo, a escravidão ainda era legal, verdade?
Vários jurados assentiram. Acentuando um pouco mais o modo de falar sulino, Harrison prosseguiu:
-Asseguro-lhes que eu estava confundido, assim investiguei, e descobri o que era o que estava mau. O tráfico de escravos com outros países já estava fora da lei desde 1835. Muitos outros países também o puseram em prática. Esta é a lei. Um homem negro nascido na América do Norte em 1835, seria escravo, mas era ilegal trazê-los para o país do exterior.
"Bom, o presidente Adams se indignou. Estava seguro de que todos obedeceriam as leis que tanto trabalho lhe havia flanco redigir. Mas tampouco se reservou sua opinião. Não, senhor, não o fez. Seus amigos lhe aconselharam que se mantivera à margem do assunto, porque não era popular argumentar em defesa de um negro. É obvio, isso indignou mais ainda ao Adams. Sabem o que disse?
Vários dos jurados negaram com a cabeça.
-Disse: "Que eu avance humilde e reto, nesta ocasião e em outras, sem me apartar de nenhum dever, sem impor interpretações oficiosas de opiniões, e esteja disposto a me opor com firmeza a qualquer infâmia que se oponha a livre expressão de meus pensamentos". O que quis dizer foi que a lesse a lei, e que, se era necessário, chutaria uns quantos traseiros para proteger a honra do país, se era necessário. A lei é a lei. Se um ou dois homens o esquecem, e ninguém faz nada a respeito, bom, muito em breve haverá mais e mais pessoas desejosas de torcer as regras a seu desejo. antes de que o advirtam, todos os direitos que nossos antepassados nos legaram com a Constituição, serão redondamente ignorados... inclusive os de vocês.
Harrison fez uma pausa e olhou fixamente a cada um dos membros do jurado antes de continuar.
-Adams tinha setenta e quatro anos, mas a velhice e a má saúde não lhe impediram de dirigir-se a Corte Suprema e dizer o que tinha que dizer. Defendeu a esses homens negros, e quando terminou, os africanos foram enviados de retorno a sua pátria. Quero que todos vocês também o recordem. Sem dúvida, a mãe do Adam admirou a coragem do presidente Adams, e por isso lhe pôs seu nome ao filho. "Meu cliente nasceu escravo. A lei dizia que o era do minuto em que aspirou sua primeira baforada de ar. Viveu e trabalhou na plantação Adderley. Walter Adderley era um indivíduo que não dava grande valor a seus escravos. Tampouco a sua esposa, Livonia. Posso demonstrar o que estou dizendo. Tenho documentos assinados por homens do sul que recordam ter visto a Livonia cheia de golpes. A seu marido gostava de beber, e quando bebia, ficava violento. Era um homem corpulento, de mais de um metro oitenta e cinco. Ela, em troca, era miúda, media um metro e meio de altura ficando nas pontas dos pés. É obvio, não podia defender-se contra seu bienamado... -Pronunciou a palavra com um bufo desdenhoso, como se fora uma blasfêmia.- ...marido. Walter Adderley a golpeava com freqüência, segundo todos os relatos que recolhi. Gostava de lhe pegar na cabeça. Agora está cega, e os médicos opinam que os murros de seu bienamado -outra vez o tom desdenhoso- marido lhe provocaram essa cegueira. A algum de vocês lhe parece bem golpear à mãe ou à esposa?
Harrison sabia que não devia fazer perguntas, e antes de que o juiz o repreendesse, apressou-se a continuar:
-Não, senhor, revolve-lhes o estômago de só pensá-lo, não é certo?
Todos os jurados assentiram. Harrison os tinha na palma da mão, e já não os deixaria escapar.
-Também ao Adam Clayborne revolvia o estômago. E Livonia não era a única mulher que recebia golpes com freqüência. A própria mãe do Adam recebia sua parte. Como tratava de proteger a sua ama, uma vez até lhe rompeu o nariz por intervir, sabem?
"Quando Adam tinha treze anos, uma vez, ouviu uns gritos terríveis que vinham do interior da casa. Livonia estava pedindo ajuda. Adam entrou para ver o que acontecia, e não gostou do que viu. A senhora estava tiragem no chão. Seu bienamado marido estava chutando-a. É obvio, ouvirão o Adam mesmo contá-lo. Sabia que Adderley estava bebido porque emprestava a uísque, por isso o sujeitou da cintura com os braços, e o apartou. Adam não era grande para a idade que tinha, assim Adderley pôde tirar-lhe de cima. foi sobre a Livonia e a castigou uma e outra vez. Adam atirou dele. Então, Adderley perdeu o pé. cambaleou-se pelo chão e se golpeou a cabeça contra o suporte da chaminé. Adam não o matou. Não, não o fez. O álcool e a violência destruíram ao Walter Adderley. por que fugiu Adam? Porque sua ama lhe rogou que o fizesse, por isso. Sabia o que aconteceria se seus filhos descobriam o que tinha acontecido. Recordem que Adam era escravo, e aos escravos não lhes permitia tocar aos amos. Esses filhos o matariam porque foi o bastante compassivo para evitar que matassem a sua mãe.
Harrison se deu a volta e retornou à mesa. Mas de repente se deteve, e disse com voz dura, colérica:
-Se alguma vez foi necessário matar a um homem, sem dúvida Walter Adderley foi esse homem. Qualquer homem que golpeia a uma mulher teria que morrer. Mas Adam não o matou. A evidência que recolhi, e que lhes mostrarei, provará sua inocência. Mas lhes direi uma coisa. Se eu estivesse em sua pele e alguém, inclusive meu pai, golpeasse a minha mãe, não acredito que me comportasse honorablemente. Acredito que teria que matá-lo se tivesse elevado a mão contra minha mãe. Sim, senhor, faria-o.
John Morrison e outros dois fizeram enfáticos gestos afirmativos. Cada membro do jurado recordou a sua respectiva mãe. Em qualquer circunstância, as mães eram sagradas para os filhos e, nesse momento, nenhum deles sentia muita simpatia pelo Walter Adderley.
Era só o começo. Harrison queria que o odiassem, e quando assim fora, torceria pouco a pouco esse odeio para os filhos.
Entretanto, ainda era um homem negro contra dois brancos. Os tantos ainda não estavam a favor do Adam. Harrison faria trocar a perspectiva. As pessoas ignorantes tendiam a odiar a qualquer diferente delas, e Harrison deduzia que, embora os membros do jurados podiam sentir simpatia para o Adam, de todos os modos o pendurariam.
A menos que tivessem a alguém a quem pudessem odiar mais.
Seu seguinte objetivo era obter que gostassem de Adam. No tom de quem narra um conto, disse:
-Só ocuparei um minuto mais de seu tempo, pois acredito que deveriam conhecer algo a respeito do Adam Clayborne. De fato, acredito que deveriam sentir grande curiosidade para ele. Aos Clayborne não gosta de falar de si mesmos. Preferem a discrição, como todos vocês, mas penso que deveriam saber como se reuniram todos e formaram sua própria família.
"Quando Walter Adderley morreu, Adam foi à cidade de Nova Iorque. Dormia em um beco, com outros três meninos. Douglas, Travis e Cole eram menores que Adam, por isso os vigiou e os cuidou. Era uma grande responsabilidade para um menino de treze anos, não? Bom, salvou-os a todos de uma morte segura, e supôs que seguiria cuidando-os até que o apanhassem e o enviassem de volta ao sul. Claro que estava assustado, mas não porque Walter Adderley tivesse morrido. Esse foi um acidente, e não era culpa dela. Estava assustado porque o havia meio doido ao lhe rodear a cintura com os braços. Sabia que, por essa insolência, matariam-no. Sim, senhor, considerariam-no insolente por tratar de salvar a sua mãe.
Harrison agitou a cabeça.
-Uma noite, encontraram uma cesta que alguém tinha atirado ao lixo. Os ratos subiam em cima, mas Adam pôde lhes arrebatar a cesta. Dentro, estava a pequena Mary Rose. Como ao Travis, Douglas e Cole, tinham-na abandonado. Montões de meninos vagavam pelas ruas naquela época, porque seus pais não os queriam. A alguns os reuniam, colocavam-nos de trens, e os mandavam ao oeste. Outros, morriam de inanição. Bom, pois a pequena Mary Rose tinha só quatro meses. Os meninos não queriam levá-la a um orfanato porque sabiam o que acontecia nesses sítios, e estavam convencidos de que não duraria muito. Queriam lhe dar uma oportunidade na vida. Por isso decidiram adotar o sobrenome Clayborne e dirigir-se ao oeste, onde as pessoas tinham princípios e valores tão elevados. Levou-lhes muito tempo, mas chegaram ao Blue Belle. Adam era o único que sabia ler porque a mãe lhe tinha ensinado, e lhes ensinou, a sua vez, a seus irmãos. Pela menina, queria que fossem bem educados. Queriam que tivesse uma boa vida, sabem? Contaram com ajuda. A doce Belle o fazia os vestidos à menina, e lhe ensinava como se comportavam as garotas. Logo, começaram a instalar-se famílias na região, e muito em breve Mary Rose tinha amigos para jogar. E uma família. Tinha família, que é um direito de todas as pessoas. Os moços regularam e economizaram para que pudesse receber lições de piano. Quando teve a idade necessária, enviaram-na a um internato no St. Louis. Não foi fácil para eles, não senhor. Mas tiveram vizinhos solidários, e cada vez que um de seus amigos tinha problemas, todos os Clayborne corriam a ajudar.
"Mary Rose sabe como foi achada. enfurece-se quando algum dos irmãos a chama Sidney, porque foi o primeiro nome que lhe deram, até que descobriram que era uma menina. Como era calva, e os moços eram tão jovens, acreditaram que devia ser varão.
Os membros do jurado sorriam, e Harrison soube que já havia dito o suficiente.
-Agora já sabem como se converteram em uma família. Mary Rose não era o laço que os mantinha unidos, como todos eles acreditavam. Não, que os unia era Adam. É honrado, sincero e de bom coração. Se tivesse matado a alguém, seria o primeiro em admiti-lo. Recordem isso, cavalheiros. Estão julgando a um homem honesto. Escutem o que tem que dizer. Obrigado.
Enquanto Harrison voltava para seu assento, estalaram os aplausos. Até o juiz Burns deu umas palmadas.
Fez um gesto afirmativo para o Harrison, bebeu outro sorvo de água, e chamou o estrado ao John Quincy Adam.
Adam foi até a cadeira que estava junto à mesa do juiz, e se sentou, erguido como um general.
-Adam, você matou ao Walter Adderley? -perguntou o juiz.
-Não, senhor, não o fiz.
-me diga tudo o que recorde daquele dia.
Adam fez o que lhe pediam. Falou em voz baixa. O silêncio da sala era tão completo, que parecia uma catedral, e os que estavam nas últimas filas tinham que esforçar-se para ouvir cada uma de suas palavras.
Adam não mencionou o fato de que tinha golpeado ao Adderley no queixo, pois o golpe não tinha causado o menor dano. Estava tentando que esse homem tão corpulento deixasse em paz a Livonia, mas não pôde nem fazê-la piscar quando o golpeou. Além disso, Harrison lhe tinha indicado que se reservasse essa informação.
-Adam, tenho que te formular uma última pergunta antes de que volte para seu assento. Como é que sua mãe não vive com todos vós desde que terminou a guerra e todos os escravos foram liberados?
-Nnaquele tempo, naquele tempo, a senhora Livonia estava quase cega, e dependia de minha mãe para tudo. Se conhecessem minha mãe, entenderiam por que não pôde lhe dar as costas a uma mulher indefesa. ficou para cuidá-la.
-Livonia Adderley tem dois filhos, que estão sentados aí mesmo. Eles não ajudavam a sua mãe?
-Não, senhor, não a ajudavam.
-Está bem. Pode voltar para seu lugar.
O juiz esperou a que Adam se sentou à mesa da defesa, e logo chamou o seguinte testemunha:
-Lionel Adderley, é seu turno de falar. Sente-se na cadeira. Irei lhe fazendo perguntas e, quando terminar, interrogará-o Harrison. Dooley, o que é todo esse escândalo na porta? -gritou.
-É a senhorita Belle, juiz. Diz que você lhe disse que podia entrar.
-Então, deixa-a entrar -vociferou o juiz-. Pode apertar-se aí, ao lado do Travis, junto ao corredor.
Todos observaram como Blue Belle avançava pelo corredor. A mulher lhe sorriu ao juiz, e se sentou onde lhe tinha indicado.
-Obrigado, juiz -disse em voz alta.
-É um prazer, Blue Belle. Hoje está formosa com seu vestido azul.
-Juiz, tesouro, sabe que sempre me visto de azul. Alegra-me que goste.
O homem assentiu, e voltou sua atenção ao Lionel. Tanto ele como Harrison notaram o desagrado na expressão do sulista. Lionel olhava fixamente ao Blue Belle e soprava com desdém.
O juiz se ergueu, e franziu os lábios.
-me diga o que sabe, Lionel. E rápido.
-Meu irmão e eu encontramos as cartas do negro à mãe. Quando as leímos, soubemos que Adam tinha assassinado a nosso pai.
-Detenha-se aí. Eu li essas mesmas cartas, e não cheguei a essa conclusão.
-O negro admite que fugiu, não é verdade? O agarrou a meu pobre pai, não é certo? Sabia qual era o castigo por tocar a um homem branco mas, de todos os modos, fez-o. Deve morrer pelo assassinato e por sua insolência, e eu estou aqui para estar seguro de que assim seja. Admito que ele não escreveu que tinha matado a meu pai. Meu irmão e eu vamos a nossa mãe e descobrimos exatamente o que aconteceu. Você tem o documento no que relatamos os fatos verdadeiros como ela nos contou isso, e logo lhe pusemos uma pluma na mão e assinou. Ela diz que o negro matou a meu pai. Essa é a única prova que faz falta.
-Sim, é uma evidência condenatória -concedeu o juiz-. Houve alguma testemunha da confissão de sua mãe?
-Sim, meu irmão Reginald estava presente... e a mãe do negro. Mas ela não conta. Um sulista sabe que não pode confiar no que diz um negro.
Harrison percebeu o ódio que destilava esse sujeito. Olhou ao jurado para ver como reagiam: pareciam incômodos, removendo-se nas cadeiras, mas não odiavam ao Lionel Adderley. Ainda.
Era hora de ficar à tarefa.
-É seu turno, Harrison.
inclinou-se para o Adam.
-Não cria uma palavra do que diga. Se fizer um gesto afirmativo, saberá que estou mentindo. Diga-lhe a seus irmãos, mas que ninguém mais te ouça.
Harrison fez muito ruído ao mover a cadeira, para que ninguém ouvisse o que Adam lhe dizia à família.
Primeiro, caminhou até a mesa do juiz.
-Bom, pois, talvez essa seja evidência condenatória, e talvez não. vamos ver, né?
-Sim, veremo-lo.
Harrison se voltou para o Lionel, e o olhou fixamente por um bom espaço de tempo. Queria que os jurados observassem a repulsão de sua expressão.
Quando começou o interrogatório, fez-o com voz branda e melíflua.
-Eu gosto de pensar que sou como meu pai, que Deus dê descanso a sua alma. Era um bom homem. Lionel, é você como seu pai?
-Acredito que sim. Estou orgulhoso de ser seu filho.
-Bom, isso significa que o admira.
-Sim. Todos admiravam a meu pai.
-O que aconteceu que morrera? As coisas trocaram na plantação?
-Veio a guerra. Isso passou.
-Arrumado a que estava convencido de que seu pai a teria impedido. Isso é o que pensa, porque está orgulhoso dele.
-Jamais saberemos, verdade? -repôs Lionel, depreciativo-. Poderia havê-la impedido. Contudo, teria significado uma diferença em nossas vidas. Perdemo-lo tudo, e meu pai jamais teria permitido que isso acontecesse.
-Quantos anos tinha você quando seu pai morreu?
-Dezessete.
-E seu irmão menor?
-Doze.
-Com dezessete, já estava em idade de lutar. alistou-se no exército, Lionel?
-Não, porque tinha uma doença física que me impediu de servir no Exército da Confederação.
-Que doença, Lionel?
-Tenho que dizê-lo, juiz?
-Sim.
-Os pés -disse a inapetência-. Tenho pés planos. Tenho os arcos quebrados. Não posso caminhar distâncias largas.
-Pelos pés planos não se alistou no Exército da Confederação?
-Assim é.
Harrison não lhe acreditou, e soube que ninguém dos pressente lhe acreditava.
-Alguma vez seu pai lhe pegou?
-Não, nunca.
Outra vez mentia. Harrison se aproximou da mesa, recolheu uma Bíblia e a elevou para que Lionel a visse.
O juiz não se incomodou com a formalidade do juramento e, nesse momento, Harrison decidiu retificar o engano.
-Quando esta Corte entrou em sessão, e se apresentou o Honorável John Burns, fizemos algo mais que lhe manifestar o devido respeito. Indicou a todos os pressente que o que se dissesse desde esse momento seria a verdade. Não tenho paciência com o perjúrio. Está fazendo perder ao jurado seu valioso tempo, e também o do juiz. Agora o perguntarei outra vez: alguma vez seu pai o golpeou?
Lionel se encolheu de ombros.
-Uma bofetada de vez em quando. Nada...
Harrison aproveitou a abertura.
-Nada como o que fez a sua mãe?
-Ela o provocava -gritou Lionel-. Uma esposa deve ser obediente. Minha mãe sabia. Gostava de brigar com ele. Sabia que tinha mau gênio.
-Houve brigas por vocês, os filhos?
-Talvez. Não poderia assegurá-lo.
-Não? Bom, mas eu tenho uma declaração assinada por um dos vizinhos, que estava na casa um dia, e viu que você e Reginald se refugiavam depois das saias de sua mãe, enquanto seu pai a golpeava. Ela permitiu que a castigasse para protegê-los a vocês.
-Eu era muito jovem.
-Tinha dezesseis. Era quase um homem. Já era mais corpulento que sua mãe.
-Você o faz parecer pior do que foi.
Lionel se dirigiu ao juiz.
-Não é a conduta de meu pai o que está em julgamento aqui. que está ajuizado é esse negro. Faça seu trabalho e recorde-lhe a seu advogado.
-Não me diga que faça meu trabalho -resmungou Burns.
-Assim se fala, tesouro -exclamou Blue Belle. O juiz sorriu.
-Harrison -disse-. Suponho que sabe a que aponta.
Lionel estava sobre brasas, e Harrison resolveu deixar que se relaxasse um minuto, antes de atacar a fundo. Fez-lhe um gesto afirmativo ao juiz, e se voltou outra vez para a testemunha.
-Estou de acordo com você, Lionel. Não é a conduta de seu pai o que está em julgamento. É você um homem honesto?
-Todo cavalheiro sulino é um homem honesto.
-A confissão da Livonia, foi forçada? Obrigou-a a assinar esse papel?
-É obvio que não. Ela queria dizê-lo. Teve-o guardado muito tempo. Tinha medo.
-Do que tinha medo?
-De que o negro se vingasse com ela. Minha mãe sabia que, se ela dizia algo, a mãe do negro a mataria.
-Senhores do jurado, não tenham em conta essa estúpida afirmação. Está dizendo algo do que não pode estar seguro -ordenou o juiz.
-Se Rose era tão malvada como a pinta, por que não matou a sua mãe muito tempo antes e se foi?
-Porque não tinha coragem. Teve a oportunidade, mas era muito estúpida para sabê-lo.
-Você não esteve muito perto de sua mãe depois da morte de seu pai, verdade?
-Era duro ver como ia perdendo a vista. Meu irmão e eu ficamos na casa principal. Nossa mãe e a negra se mudaram a uma cabana, no limite da propriedade.
-Você substituiu a seu pai?
-Tentei-o.
Harrison assentiu. aproximou-se do jurado e os olhou.
-Hei aqui minha opinião. Lionel diz que a confissão de sua mãe não foi forçada, e espera que vocês lhe criam. A fim de contas, é branco. Temos que lhe acreditar nele mais que ao Adam, não? Bom, pois, em minha opinião, acredito que deveríamos averiguar se Lionel está nos dizendo a verdade. Se minta em uma coisa, mentirá em outra, não acreditam? Assim é a meu ver. Sim, senhor, assim é. Lionel, o que opina de nosso pequeno povo?
-Agrada-me.
-Agrada-lhe a gente daqui?
-Sim, são muito agradáveis.
-Esta semana, passou muito tempo no povo?
-Meu irmão e eu tivemos que ficar. Queríamos ir a cavalo até as montanhas, mas não ficavam cavalos para alugar, e tivemos que vir em diligência.
-Esteve um tempo no armazém do Ramos generais do Morrison?
-Sim.
-Passou um momento no botequim?
-Sim.
-Assim, conheceu algumas pessoas simpáticas, não é assim?
-Sim.
-Conheceu alguém que não gostasse?
Lionel fez como se tivesse que pensá-lo.
-Não, todos me pareceram muito agradáveis.
-Inclusive nossa Blue Belle? Também lhe agradou?
Lionel deveu imaginar aonde queria levá-lo. Lançou um olhar fugaz ao juiz, e depois fechou a boca.
-Responda a pergunta, Lionel -lhe ordenou o juiz.
-Sim, ela eu gostei tanto como todos outros.
Nesse momento, a voz do Harrison trocou: deixou que se manifestassem seu desdém e sua cólera.
-Tem uma estranha noção do que é agradável e do que não o é. De fato, está mentindo, não é certo, Lionel? Odeia a todos.
-Isso não é verdade.
-E ao Belle? -pressionou-o.
-Belle me agrada.
-Está mentindo, juiz -exclamou Blue Belle-. Me chamou rameira suja e troca. Disse-o diante do Billie.
-É uma rameira -se defendeu Lionel.
Harrison sorriu, e se deu a volta:
-Obrigado, Blue Belle -disse, marcando as palavras-. Foi muito amável ao nos ajudar.
-Vejamos, agora temos outro problema, juiz. Ao parecer, o que nos agrada e o que agrada aos do sul são duas coisas diferentes. Lionel, acredita que agradável poderia significar desagradável para vocês?
Lionel não respondeu. Harrison seguiu abandonando-o.
-E o que opina das outras mulheres do povo? O que opina da Mary Rose?
-É um lixo. Está vivendo com um negro, não é assim?
Harrison não perdeu o controle. É obvio, queria golpear a esse filho de cadela que tinha ofendido a sua esposa, mas o que faria, mas bem, seria destrui-lo.
-Harrison, do que se trata tudo isto? por que o interroga sobre a gente do povo? -perguntou o juiz.
-Tem que ver com o caráter, juiz -respondeu Harrison-. Se um homem disser que está dizendo a verdade, tenho que descobrir se posso lhe acreditar.
O juiz esteve de acordo.
-E o que me diz do Catherine Morrison? Que coisa boa sobre disse ao Dooley, ao Henry e ao Ghost?
-Não o recordo.
-Bom, eu sim. Além disso, fiz que Henry o escrevesse e o assinasse. Se for necessário, faremo-lo vir aqui e que conte o que aconteceu.
Harrison voltou para a mesa e levantou o papel que estava acima. O entregou ao juiz.
-Lionel disse que Catherine era uma prostituta farejadora de homens, e que estava seguro de que tinha a quase todos os homens do Blue Belle. Insinuou ao Henry que se associaria com o Belle. Também teve algo que dizer da mãe, mas não vou repetir o. É muito asqueroso. Se quiser, pode ler-lhe ao jurado.
Isso foi o que fez o juiz. Harrison se absteve de olhar ao John Morrison. Voltou junto à mesa, recolheu quatro documentos assinados, e quando o juiz terminou de ler o que Henry tinha escrito, Harrison lhe entregou a outra evidência.
Voltou para o Lionel.
-O fato é fácil de entender. Despreza a todos nós, verdade, Lionel? Não somos gente de cidade e, talvez, não somos tão sofisticados segundo seus critérios de sulino, e por isso nos considera baixos como répteis, não? A última semana, passou-a burlando-se de todos nós e rendo-se de nós. Meio povo o ouviu.
Lionel se ergueu na cadeira e lançou ao Harrison um olhar turvo. Assim, seu ódio se fez mais evidente.
-E o que há se pensar assim? Esta última semana, suportei condições intoleráveis, para me assegurar de que se faça justiça. Sim, meu irmão e eu acreditam que todos vocês são canalhas sujos e incivilizados. Mas o que opinamos não troca nada. Minha mãe assinou a confissão onde diz que o negro é culpado. Isso é quão único importa.
-Mas você cometeu perjúrio, não é assim, Lionel?
-Só quis demonstrar tato.
-E por que? Durante toda a semana, não demonstrou o menor tato. Obrigou a sua mãe a assinar esse papel? -gritou Harrison.
-Não, não o fiz e você não pode demonstrar o contrário -respondeu Lionel, também gritando.
-Sua Senhoria, quando isto termine, quero que este homem seja encarcerado por perjuro. Não terminei com ele, mas queria chamá-lo de novo ao estrado depois de que você tenha ouvido outras testemunhas.
O juiz olhava ao Lionel com severidade.
-Está bem. Levante se da cadeira, Lionel, mas não saia da corte.
Harrison chamou o Alfred Mitchell ao estrado. atrasou-se uns momentos em fazê-lo jurar, com a mão sobre a Bíblia. O juiz tomou o juramento:
-Jura dizer a verdade?
-Juro-o.
-Não acredito que a Bíblia seja necessária. Enquanto a Corte esteja em sessão, todos têm que dizer a verdade.
-Diga quem é e por que está aqui, Alfred -lhe pediu Harrison.
-Meu nome é Alfred Mitchell. Sou advogado da escrivaninha Mitchell, Mitchell e Mitchell, junto com meus dois irmãos.
"Recebi um telegrama do Harrison me pedindo certa informação. Queria que fizesse certas coisas, e também, que viesse aqui antes de que acabassem as duas semanas, assim pedi a ajuda de meus irmãos e nos pusemos a trabalhar. Consegui tudo o que você queria... e mais, lamento dizê-lo. Ontem lhe entreguei os documentos assinados e atestados.
Mitchell se dirigiu ao jurado. Embora era jovem, já sabia como seduzir às pessoas.
-Devo dizer que eu gosto de Blue Belle. Não vi muito de seu povo, mas me recorda outro que havia perto do povo onde eu cresci. No fundo, sou um granjeiro. Eu gosto de ter terra nas unhas, porque prova que tive uma dura jornada de trabalho.
Harrison não sorriu, embora teve vontades. O jurado respondeu à ingenuidade do Mitchell. Morrison, inclusive, sorriu.
-nos fale da Livonia Adderley -lhe ordenou Harrison. O sorriso se esfumou no rosto do Mitchell.
-Não estava em sua cabana. Um vizinho me disse que estava em um hospital da zona, e então fui entrevistar a ali. Os médicos ficaram comigo todo o tempo, e Livonia me contou o que aconteceu. Eu o escrevi tal como ela me contou isso, logo o li, e ela o assinou.
Harrison fez uma pausa no interrogatório e voltou para sua mesa. Recolheu o papel assinado e o entregou ao juiz.
Burns o leu ao jurado.
-John Quincy Adam não foi responsável pela morte de meu marido. Walter Adderley se cambaleou e se golpeou a cabeça contra o bordo do suporte. O golpe lhe causou a morte imediata.
-Por favor, leia-o tudo, juiz -pediu Harrison.
Burns olhou a Cole, logo ao Adam, e ao fim aceitou.
-Está seguro?
-Estou seguro.
-Então, está bem. Diz: "Não considero a meus filhos responsáveis por seu comportamento, e não farei acusações contra eles. Rose me fez a mesma promessa, e meu fiel amiga manterá sua palavra. Amo a meus filhos. Só me dão medo quando se deixam dominar pela fúria. Não têm intenções de me fazer danifico, mas me neguei a assinar esse papel que me davam, e por isso acreditaram que tinham que me obrigar. Não queriam aceitar a verdade, e eu não pude suportar mais golpes porque sou uma mulher débil, como dizia sempre Walter Adderley, por isso assinei o papel. Que Deus perdoe minha mentira".
fez-se silêncio entre o público. O juiz Burns parecia chateado. A julgamento do Harrison, todos estavam igual. Mas, de todos os modos, não retrocedeu. Havia mais para dizer, e queria revelá-lo tudo.
-Além disso do doutor, havia alguém mais com você na habitação do hospital?
-Sim -respondeu Mitchell-. Estava Mamãe Rose. Livonia a chama assim, e ela me permitiu que eu também lhe dissesse assim.
-Onde estava, no quarto da Livonia, ou esperando fora do hospital?
-Sentada em uma cadeira, junto à cama. Sustentava- a mão a Livonia, e a consolava.
Harrison tomou fôlego. Odiava o que devia perguntar a seguir.
-E que aspecto tinha Mamãe Rose?
Mitchell moveu a cabeça.
-Estava quase em tão mal estado como Livonia. Tinha a cara torcida. Tinha os dois olhos arroxeados, e machucados nos braços e nas pernas. Ela mesma teria que ter estado em uma cama do hospital, mas se negou a apartar-se de sua ama. Cada vez que Livonia despertava, chamava o Rose. E assim que a escutava responder, sorria e dormia outra vez.
-Mamãe Rose também assinou um documento afirmando que Adam era inocente?
-Sim.
Harrison entregou o papel ao juiz.
-Recuperará-se Livonia?
-Os médicos não acreditam possível. Recebeu severos golpes. Talvez seu pobre corpo já não recupere as energias.
-E Mamãe Rose?
-Os médicos a atendem assim, sentada na cadeira. Ia contra as regras do hospital deixá-la dormir aí, mas depois de um ou dois dias, as enfermeiras se comoveram com sua bondade e levaram um cama de armar para que ela dormisse. Levará-lhe tempo recuperar-se, mas está recebendo os melhores cuidados.
Harrison se voltou para o Adam. O irmão maior da Mary Rose estava frenético. Com as mãos apoiadas sobre a mesa, parecia a ponto de saltar.
Harrison esperou a que Adam o olhasse, e então fez uma lenta sacudida de cabeça. O irmão se acalmou imediatamente, pois recordou o que Harrison lhe havia dito: que faria um gesto afirmativo quando mentisse.
A mão de Cole foi ao cinturão vazio, pensando já em arrebatar a pistola da mesa do Burns, e atravessar o coração do Lionel com uma bala. Mas ele também viu que Harrison assentia, e se apressou a tranqüilizar-se.
Quando assentia, significava que estava mentindo. Para poder normalizar sua respiração agitada, Cole teve que repetir o que Adam havia dito três vezes.
-lhe diga ao jurado quem foi o responsável pela surra a Livonia.
-Lionel Adderley.
Pela sala se estendeu uma quebra de onda de rumores. Harrison não fez caso do barulho e se voltou para o Lionel:
-De tal pai, tal filho.
Logo, dirigiu-se de novo ao Mitchell.
-Como sabe que foi Lionel?
-Mamãe Rose e Livonia me disseram que Lionel as tinha golpeado. O doutor viu o filho da Livonia a tarde seguinte. Entrou no quarto do hospital enquanto o médico estava aí. Tenho sua declaração assinada. Disse que, quando Lionel se inclinou para beijar à mãe, lhe viu cortes e machucados nos punhos. Perguntou-lhe diretamente se lhe tinha feito isso a sua mãe, e este lhe respondeu que se metesse em seus próprios assuntos. depois desse dia, já não voltou. Acredito que contratou a um advogado e partiu para o território de Montana, com seu irmão, um par de dias mais tarde.
-Obrigado, Alfred. por agora, pode baixar.
-Voltando-se para jurado, adicionou-: Senhores, Mitchell é a prova vivente de que no Sul vivem alguns homens honestos.
-Lionel Adderley, volte para estrado.
Quando se sentou, a cara do Lionel estava vermelha como uma beterraba. Parecia carrancudo e colérico.
-Você me mentiu , ao juiz Burns, e a este jurado, Lionel Adderley. Além disso, mentiu mais de uma vez. Perguntei-lhe, concretamente, se tinha obrigado a sua mãe a assinar o documento. As duas vezes, você o negou.
-Não a obriguei. Só a ajudei a ver que dizer a verdade é o justo.
-lhe rompendo quase todos os ossos do corpo? -vociferou Harrison-. A isso chama ajudá-la? -aborrecido, Harrison moveu a cabeça-. Não tenho mais perguntas.
Enquanto voltava para seu assento, Lionel olhava ao jurado com expressão estúpida. Continuando, Harrison convocou ao Reginald. Com o irmão menor, não afrouxou a dureza do interrogatório. Foi exigente, autoritário, e até algo ameaçador. aproximou-se da cara do Reginald quando teve terminado de lhe perguntar o que queria saber, e lhe disse o que pensava dele.
Logo, despediu-o. Já era o momento da síntese. colocou-se em frente do jurado, mas a uma distância suficiente para que os da primeira fila não tivessem que estirar-se para vê-lo.
-A prova é indiscutível. Duas testemunhas descarregaram ao Adam Clayborne das acusações de assassinato. Lionel e Reginald Adderley ingressaram em nossa comunidade, e assinalaram ao Adam como criminal. São forasteiros, e por isso acreditam saber mais que a gente simples e ignorante do povo como nós. Adam, em troca, não é forasteiro. É um de nós. Vizinho e amigo. esteve presente quando alguém necessitava ajuda, e foi leal. É um homem bom. Todos vocês sabem. Não lhe agradou ouvir que qualificavam a doce Catherine Morrison de prostituta farejadora de homens, como tampouco gostou a vocês. Não gostou do que disseram da mãe do Catherine. Foram palavras vulgares, empregadas por tipos de cidade. E nenhuma delas verdadeira. Acaso ofereceremos a outra bochecha, fingindo que não nos incomoda que os forasteiros opinem de nossos assuntos? Hoje, nesta Corte, há criminosos sentados. Olhem-nos bem, cavalheiros. Lionel e Reginald Adderley. Imaginem o que fizeram a sua própria mãe, e depois, pensem na sua própria. Todos rogaremos para que Livonia se salve, mas duvido que o obtenha. E embora ela não quer apresentar acusações enquanto esteja viva, os médicos pensam apresentar-se ante as autoridades, e acusar a ambos os filhos de assassinato, se ela morrer. Façam o correto, Que a justiça, nossa justiça, dita o dia. Obrigado.
Nesse momento, o juiz Burns não sabia muito bem o que fazer com o jurado. Não queria que nenhum dos pressente saísse da sala, porque, nesse caso, teria que começar de novo todo o processo de classificação. Finalmente, optou por fazer que os membros do jurado fossem ao depósito.
-Levantem suas cadeiras e entrem aí -lhes ordenou-. Nós os esperaremos todo o tempo que seja necessário. Darei-lhes uma hora antes de permitir que entre alguém aí.
Harrison não os olhou enquanto entravam no depósito. Na sala, ninguém disse uma palavra, nem sequer os espectadores. Harrison esperava que ardessem de ira por dentro, pelos fatos que acabava de lhes apresentar.
Ódio. Tudo girava em tomo ao ódio. Essa realidade o enojou. A evidência não bastava para um homem decidido a odiar. Mas bem, aferraria-se a qualquer fragmento possível de verdade que servisse para condenar a seu inimigo. esquecia-se a razão, junto com a compaixão e a compreensão. O ódio, como um tumor maligno, devorava-as.
Não gostava da dramatização que tinha empregado, mas de todos os modos recorreu a ela. Sabia que precisavam odiar a alguém, e por isso alimentou esse fogo até que as brasas ardentes cobraram vida. Então, desviou as chamas do Adam. Proporcionou aos jurados outro objeto de ódio.
sentou-se à mesa, e se voltou para sua esposa. Precisava olhá-la, assegurar-se de que estava ali. Necessitava seu consolo, embora por dentro estava tão assustado e inseguro que quase não podia lhe falar.
Mary Rose tinha os olhos cheios de lágrimas.
-Sente-se bem? -perguntou-lhe.
-Harrison, agora lhe posso dizer isso -Si hubo alguna vez una mujer que mereciera el cielo, sin duda es ella -dijo Harrison.
Sentiu que seu calidez lhe enfraquecia o coração.
-Sim, diga-me isso -Querías que los hijos supieran que tenían cargos de asesinato pendientes sobre sus cabezas, ¿cierto?
-Amo-te.
-Eu também te amo. Senhor, empreste seu lenço a Mary Rose.
deu-se a volta outra vez: Adam estava olhando-o.
-Quando assentia, significava que estava...
-Sim, isso é o que significava.
John Morrison voltou para a sala e chamou o juiz. Imediatamente, Burns se levantou e foi para a porta. Escutou durante um minuto, fez um gesto ao Harrison, e correu ao depósito, onde estavam os doze membros do jurado.
Harrison e Adam ficaram de pé.
-De pé todos. A Corte entra em sessão, agora -disse Harrison.
O juiz precedeu ao jurado, que voltava para a sala. Os homens tinham deixado as cadeiras no depósito, mas se alinharam nas mesmas posições.
-John Morrison, chegaram a um veredicto?
-Sim, Sua Senhoria:
-Com respeito ao cargo de assassinato, como consideram o John Quincy Adam Clayborne?
Morrison olhou diretamente ao Adam quando respondeu:
-Consideramo-lo inocente.
O público enlouqueceu. A gente saltava, gritava e aplaudia a decisão.
O juiz golpeou a mesa.
-Bom, já está bem. Todos estamos muito contentes de que hoje se feito justiça. Lionel e Reginald Adderley, saiam imediatamente de nosso povo. Não podem qualificar a nossa homônima rameira troca e suja, e supor que vão viver muito tempo. Eu mesmo poderia lhes colocar um par de balas nessas bocas sujas. Harrison, vêem aqui. Muito bem. levanta-se a sessão -adicionou, com um último mazazo.
Harrison se apressou a aproximar-se. Burns estava de pé, e estirava os braços.
-me fale do telegrama que estava esperando. O que esperava?
-Não esperava, juiz, mas sim o irmão do Mitchell ia avisar me quando Livonia morrera. Sinto-o por ela. Teve uma vida miserável. Talvez, na outra, ache a paz.
-Se houve alguma vez uma mulher que merecesse o céu, sem dúvida é ela -disse Harrison.
-Ainda agüenta, não?
-Apenas. Tem hemorragias internas.
-Queria que os filhos soubessem que tinham cargos de assassinato pendentes sobre suas cabeças, certo?
-Sim, Sua Senhoria. Isso queria.
-Foram os primeiros em sair. Deixa que estreite sua mão, filho. Fez um esplêndido trabalho.
Harrison sabia. Mary Rose o abraçou desde atrás. Rodeou-lhe a cintura com os braços e o estreitou.
Sem querer, deu- uma idéia ao Burns.
-Belle, carinho, vêem aqui e me dê um desses beijos que demonstram sua alegria de lombriga.
Harrison teve que apartar as mãos de sua esposa para poder voltar-se.
A Mary Rose corriam as lágrimas pela cara.
-Estou muito orgulhosa de ti, Harrison.
Deu-lhe um beijo comprido e forte na boca.
-Esta noite, na cama, poderá me dizer todo isso, carinho. Primeiro, temos que levar ao Adam a casa. Bickley ainda anda por aí, recorda?
-Que Cole o mate.
Harrison riu.
Belle, que ia caminho da porta, deteve-se para beijá-lo.
-Tenho que me dar pressa em retornar a casa, a me preparar para o juiz -explicou-. Amanhã, irei ao rancho a celebrá-lo com vocês.
-nós adoraremos te receber, Belle. Leva a juiz contigo -lhe disse Mary Rose.
Não se decidia a soltar a seu marido. A família e os amigos rodeavam aos irmãos. Adam parecia aturdido. Harrison duvidava de que entendesse, sequer, o que estava lhe dizendo John Morrison.
Saíram juntos. O caminho estava quase deserto. Assim que os forasteiros se inteiraram da decepcionante novidade de que não haveria enforcamento, retornaram a suas respectivas casas.
Bickley e outros cinco do grupo de vigilantes estavam no centro do caminho. Harrison advertiu que foram todos armados. Empurrou a Mary Rose detrás dele.
-Senhor, vá procurar o carro. Cole assegurará de que chegue.
Leve a Mary Rose com você.
Mary Rose avançou para seu pai, mas sem perder de vista ao Bickley. Nesse momento, o sujeito não olhava ao Adam, mas sim Harrison parecia ser o branco de sua ira.
Bickley fez gesto de tirar a arma, e Mary Rose não vacilou. ficou diante de seu marido para protegê-lo.
Harrison gritou:
-Não!
Todos tiraram as armas ao mesmo tempo. Mas o juiz foi o mais rápido, pois já tinha a pistola preparada. Tinha uma idéia bastante clara do que Bickley pensava fazer, e por isso ficou a um lado, esperando sua oportunidade.
A bala se alojou diretamente no centro da frente do Bickley, que voou para trás e aterrissou no pó.
-Algum de vocês quer algo mais desta pistola? -rugiu o juiz.
Os amigos do Bickley negaram com as cabeças, e levantaram as mãos.
-Então, saiam de meu povo imediatamente -ordenou o juiz-. E levantem esse lixo que está no chão. Já mesmo.
Harrison estava tremendo. Apanhou a sua esposa e a apertou.
-Esteve a ponto de que lhe matassem. Em nome de Deus, o que fez?
-Procurar que não lhe matassem.
-Se acaso... Por Deus, Mary Rose, não poderia seguir sem... como pôde...
Cole começou a rir.
-Arreganha-a em casa, Harrison. Sabe por que Bickley tratou de te matar, não é certo?
-Suponho que odeia aos advogados, como todo mundo. Harrison, está seguro de que tenho que ser advogado? -adicionou Travis.
Harrison não lhe encontrava a graça. Deixou que Cole levasse seu cavalo, e se meteu no pequeno carro, com sua esposa e seu sogro.
Durante todo o trajeto de volta à casa, Travis, Douglas e Cole cavalgaram em um semicírculo, com o Adam no centro. Não confiavam nos amigos do Bickley, certamente, e não estavam dispostos a permitir que nenhum deles matasse ao Adam ou ao Harrison.
Este tinha a mandíbula tensa. Mary Rose sabia que ainda tratava de recuperar do ataque do Bickley, e quis distrai-lo lhe falando do julgamento.
-Pai, não crie que Harrison esteve formidável?
-Sim, esteve formidável. Alegra-me que não tenha tido que ficar brutal. Funcionou tal como ele o planejou.
-Não foi brutal?
-OH, não. Para mim, esteve bastante amável.
-Harrison, como fez que Mitchell mentisse?
-Não o fiz.
-Então...
-Disse a verdade... como ele sabia -adicionou, para confundi-la.
-Era uma espécie de plano?
-Sim.
apoiou-se contra ele.
-Deixa de falar nesse tom cortante. Sei que está furioso comigo, mas é dever de uma esposa proteger ao marido. Trata de superá-lo.
Pô-la sobre seu regaço, e lhe esmagou a cara contra seu ombro.
-Filho, estou orgulhoso de ti -lhe disse Elliott.
-foi fácil, senhor, porque Adam era inocente.
-Mas este julgamento não se tratava disso, verdade?
-Não, senhor: o tema era o ódio.
Elliott assentiu. Guardaram silêncio, enquanto o carro subia pelo caminho. Elliott pensava que ansiava estar a sós com o Harrison, para descobrir qual tinha sido o plano. Agora sabia como funcionava a mente de seu genro, e também sabia, sem a menor duvida, de que ele jamais mentiria na Corte. Tampouco faria que outro mentisse por ele. Como tinha feito, pois?
Parte da resposta estava, nesse momento, sonriéndole a seu marido. Harrison não tinha mentido na corte, mas sim a Mary Rose e aos irmãos. É obvio, Elliott entendia por que o tinha feito. Se tivessem sabido de antemão o que os filhos da Livonia lhe tinham feito a Mamãe Rose, não teriam estado tão serenos e controlados.
Elliott se perguntou se alguma vez lhes diria a verdade. Decidiu perguntar-lhe essa mesma noite.
-Logo terei que retornar a Inglaterra -anunciou.
-Ainda não pode ir. Tenho muito que te mostrar. Quero te apresentar ao Corrie, e te mostrar minhas montanhas. Se ficar, mostrarei-te onde estão sepultados os fantasmas.
Ao Elliott alegrou que sua filha não quisesse que se fosse. Lhe nublaram os olhos, e assentiu lentamente. Com voz tremente, disse:
-De acordo, filha. Ficarei um par de semanas mais. Você e Harrison poderão ir a Inglaterra a me visitar, o próximo verão. Se me prometerem isso agora, adicionarei outra semana.
-Mas você terá que voltar aqui o próximo verão. Para então, não poderei viajar -disse a moça.
-Carinho, poderíamos ir um mês, e voltar. Queria te ensinar Escócia -insistiu Harrison.
-Não te prometerei nada até ter falado com meu marido, pai. Poderá esperar até manhã?
O pai aceitou.
-Estou impaciente por ouvir falar da tumba do fantasma. Conta-me o agora. Quem o enterrou aí?
-Os monstros que havia debaixo de minha cama -respondeu Mary Rose-. Quando eu tinha cinco ou seis anos, não queria dormir em minha cama. Sempre esperava, e me metia na de algum de meus irmãos. Sempre dormia com eles quando era pequena, e eles tentaram modificar esse hábito.
"Douglas pendurou uma cortina para me separar da zona do estar. Nnaquele tempo, naquele tempo, ainda vivíamos na cabana. Como é, eu estava segura de que tinha ouvido monstros sob minha cama. Todos meus irmãos, exceto Cole, tratavam de me convencer de que era minha imaginação.
"Mas Cole, empregou outra tática. ajoelhou-se, olhou debaixo da cama, e assobiou: "Bom, aqui está. Há um monstro aqui embaixo. Mary Rose, fecha os olhos bem forte, enquanto eu o tiro. É muito feio para que o veja.
Harrison e Elliott sorriam.
-Cole já tinha tirado o revólver, e gritou ao Douglas que abrisse a porta. Saiu correndo fora para que eu não o visse. Então, ouvi um disparo.
-Matou-o.
-Claro -respondeu-. Me tinha prometido que o deixaria toda a noite, para que os outros monstros soubessem o que os Clayborne pensavam deles, e pela manhã o enterraríamos. Como eu era muito pequena, acreditei-lhe. O fazia lhe disparar ao monstro uma vez por semana. Desse modo, sentia-me segura. Cole pôs uma caixa vazia na colina, e me disse que não olhasse dentro ou me alisariam os cachos de medo.
Riu ao recordá-lo.
-Estava muito envaidecida com meu cabelo, e não me atrevi a correr o risco. Cruzamos o prado, subimos a primeira colina, e enterramos ao monstro. Mas não rezamos, porque eu não queria que se fora ao Céu.
Harrison se imaginou à pequena, da mão do pistoleiro.
-Estava rodeada de amor -sussurrou.
-Sim, é certo -admitiu Elliott-. Esta noite, terá que me contar outra história. Descobri muitas histórias tuas pelas cartas. Sua mãe não guardava rancor. E você a quem sairá com essa característica?
-Acredito que a Cole -respondeu.
-E ao Douglas e ao Travis -adicionou Harrison.
-Não fui uma menina perfeita, pai. Queixava-me, e sempre que meus irmãos faziam algo que eu não gostava, o contava a Mamãe Rose.
-E eu terei que matar aos monstros de nossos filhos?
-Certamente. É a tarefa de um pai. Se tivermos um menino, chamaremo-lo Harrison Stanford MacDonald.
-Quarto -adicionou.
-Quarto -acessou.
-E se for uma menina?
-Acredito que a chamarei como as duas mulheres que tanto me quiseram. Agatha Rose. É bonito, verdade?
Elliott estava muito comovido, e não podia falar. limitou-se a assentir, para que sua filha soubesse que o nome lhe parecia formoso. E apropriado.
Os três pensaram nas tradições que se iniciavam e que continuariam.
Chegaram ao rancho uns minutos depois. Os irmãos não o deixaram levar a Mary Rose ao barraco. Queriam que, antes, respondesse-lhes umas perguntas.
E não foram ceder. Harrison se sentou no alpendre, fez sentar-se a sua esposa sobre suas pernas, e se dispôs a escutar as perguntas.
Travis foi o primeiro:
-Como obteve que Mitchell mentisse no estrado?
-Concederei-lhes uma semana para imaginar-lhe Depois, direi-lhes isso.
Continuando, Douglas quis saber:
-Entendo por que me fez trazer aqui todos os cavalos de aluguel. Queria que Lionel e Reginald tivessem que ficar no povo.
-Sim.
-Sabia que os irritaria. Como sabia? -perguntou Cole.
-Adam me contou qual era seu modo de vida no sul, antes da guerra. Estavam acostumados ao luxo. Eu queria que se sentissem desventurados e se queixassem.
-Que mais fez? -perguntou Douglas.
-Falei com o Billie, com o Henry e com o Dooley. Adam, vejo que tem alguns amigos leais.
Adam sorriu.
-Sim, sei.
-Billie lhes levou todas suas comidas, e procurou que fossem horríveis. Henry lhes serve a beberagem caseira do Ghost cada vez que Billie os atendeu, e Dooley registrou o que diziam a respeito da gente. Depois, contaram-me isso.
-E foste contar lhe às pessoas o que diziam e conseguiu que lhe assinassem um papel?
-Não, Dooley já os tinha instigado. Quão único eu fiz foi simpatizar com eles e insinuei a possibilidade de que estivessem dispostos a ajuizá-los.
-Exerceu influência sobre eles? -perguntou Cole.
-Algo assim -respondeu. Elliott se levantou.
-irei tirar me esta roupa de cidade. Não acredito estar em condições de deduzir o que fez, Harrison. Terá que explicar o relacionado com o testemunho do Alfred Mitchell durante a semana. Conheço-te, filho, e sei que não faria nada sob corda.
-Uma semana, senhor. Por favor, espere esse tempo. Adam, como se sente, agora que é livre? Teve pendente sobre ti o risco de que lhe pendurassem durante muitíssimo tempo.
-É uma boa sensação -murmurou-. Acredito que ainda não o assimilei de tudo. Agora, irei dentro a tirar esse poema da parede. me diga uma coisa, Harrison: por que essas palavras eram tão especiais para ti? Aprendeu-as de cor, recorda?
-Recordo-o. Li-lhe essa passagem a meu pai quase todas as noites. Gostava, dava-lhe consolo.
Adam assentiu. de repente, Harrison se sentiu esgotado. Mary Rose também parecia exausta. Deu as boa noite a todos e se levou a sua esposa ao "lar". A necessitava para que lhe devolvesse as energias do corpo e do espírito., e assim poderia voltar a sair a massacrar monstros.
ficou junto à porta do barraco e observou como se tirava a roupa. Estava a ponto de tirá-la anágua, quando seu marido lhe pediu que se sentasse no flanco da cama.
Harrison se ajoelhou ante ela e sujeitou as mãos dela entre as suas.
-Sua Mamãe Rose está bem. Alfred Mitchell não mentiu no estrado.
-Já sei. Seria incapaz de lhe pedir que mentisse. Sério, está bem?
-Sim. Menti a seus irmãos porque não queria que soubessem a verdade enquanto estivessem tão perto de quão sujeitos tinham feito mal a sua mãe. Eu sabia o que aconteceria.
-O que passará quando os filhos da Livonia retornem ao lar?
-Carinho, Livonia está moribunda. Um dos irmãos Mitchell nos informará por telegrama quando mora. Alfred contratou a um homem para vigiá-la dia e noite. Também cuidará de sua mãe, mas não acredito que Lionel e Reginald tenham muita pressa por voltar. Devem temer que os acusem.
-por que não o explicaste a meus irmãos, no alpendre?
-O que crie que teria feito Cole quando soubesse a verdade?
-Ir atrás deles.
Harrison assentiu.
-Isto significa que lhes concedo uma semana aos filhos da Livonia para que desapareçam. Do contrário, teria que defender a Cole de dois cargos por assassinato.
Mary Rose apartou sua mão da dele, e lhe acariciou a cara.
-Cole faria alguma tolice. Pelo menos, isso é o que acredito. Estava compensando a reação de meus irmãos contra a defesa do Adam. Fez bem.
-Obrigado por confiar em mim.
-Não é necessário que me agradeça isso. Acredito em ti. Ainda não o entende? Agora, forma parte de minha família. Discutiremos, brigaremos, beijaremo-nos, pediremo-nos desculpas, exortaremo-nos, e nos reconfortaremos, tudo ao mesmo tempo. Faremos tudo o que fazem as outras famílias. O amor é a única força da que não poderemos prescindir.
-Nisso consiste a família.
Queridos filhos:
Livonia já está em paz. A semana passada, teve um enterro como era devido. Eu fiquei fora da igreja durante o serviço, e logo a segui ao cemitério. Fiquei um momento depois de que todos outros se foram, e me despedi dela. A sentirei falta de.
encontrei uma acompanhante para viajar e, por fim, estou de caminho a casa. Há em Kansas uma cidade cheia de gente negra que se foi do sul e se instalou ali. Descansarei aí uns dias, verei velhos amigos, e logo seguirei viagem.
Que Deus os ampare até que eu chegue.
Sua Mamãe, Rose
Adam, queridísimo, levo comigo a sua noiva.
Julie Garwood
O melhor da literatura para todos os gostos e idades