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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TERRA EM PERIGO / Hans Kneifel
TERRA EM PERIGO / Hans Kneifel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ESPAÇONAVE ORION

A Patrulha das Estrelas

TERRA EM PERIGO

 

ENCONTRAVAM-SE a uma distância de apenas um quarto de unidade astronômica. O círculo incompleto do grande satélite foi emergindo da escuridão do espaço. A lua de Geerson, situada no cubo espacial Dois/Norte 098, surgiu na tela principal. Os olhos cinzentos fitavam atentamente o quadro; parecia que procuravam algum perigo oculto. Sabia que numa situação como esta os sentimentos às vezes acertam. Sessenta dias já se haviam passado desde a invasão dos extraterranos.

— Observação espacial? — perguntou Lydia em voz baixa.

Além dela, só havia dois homens na carlinga de comando da nave: o telegrafista e o astronavegador. O homem magro de cabelo curto cortado à escovinha tinha uma voz cuja profundeza sempre surpreendia Lydia. Não havia nenhuma voz de baixo mais grave em toda a frota.

— Apareceu alguma coisa nas telas que possa representar um perigo para nós?

— Não, nada. A tela apenas registra o raio vetor da base. Mais nada. Não acusa outra nave, nem emissão energética, nada.

A lembrança da invasão frustrada de ! dois meses atrás deixou Lydia apavorada. Só por um acaso Terra e a esfera espacial de novecentos parsec de diâmetro deixaram de ser escravizadas por completo.

— Quer dizer que podemos pousar — disse, recostando-se na poltrona estofada anatômica.

— Não há nada que contra-indique esse procedimento — disse o telegrafista. — Meus alto-falantes estão mudos como se estivessem embaixo da água.

A lua de Geerson era uma esfera de rocha e silicatos. Girava em torno de um sol muito antigo. Num passado remoto, o planeta foi destruído e sua única lua foi atraída pelo sol, que a obrigou a seguir uma órbita estável. Os terranos descobriram-na e verificaram que se prestaria muito bem à instalação de uma base de abastecimentos e depósito. E foi justamente em virtude dessas propriedades que Lydia van Dyke se dirigia à lua.

— Queiram preparar as manobras de aterrissagem — disse o telegrafista numa calma impessoal.

— Comandante para livro de bordo — disse Lydia para dentro do microfone. — A Hydra II pousará junto à base de suprimento da lua de Geerson, a fim de receber três blocos energéticos destinados aos mecanismos propulsores. Os elementos que utilizamos já estão esgotados. Tempo: oito horas e trinta minutos. Fim.

À frente de Lydia, bem em cima da tela de visão, iluminou-se uma tela retangular. Mostrava um dispositivo de mira, dentro do qual se movia um ponto bem saliente. O pouso seria simples. Enquanto o ponto permanecesse no centro, a Hydra estaria na rota correta.

— Comandante para a sala de máquinas: preparem a manobra de aterrissagem.

Lydia modificou a direção das lentes externas e colocou a nave numa posição que correspondia à horizontal, medida em relação ao.centro da lua. A Hydra aproximava-se do campo de pouso com os raios antigravitacionais em ação. Uma ordem transmitida pelo rádio fez girar a chave numa das cúpulas, e a seguir um círculo de lâmpadas pequenas, que emitiam uma luz amarela ofuscante, iluminava o perímetro do campo.

— Trezentos metros acima do solo — disse o oficial incumbido do serviço de observação espacial.

A nave descia silenciosamente. Três potentes faróis de aterrissagem iluminavam a área lisa, feita de pedra derretida. A luz do sol distante, de um vermelho poeirento e mortiço, era totalmente absorvida pela superfície negra da lua. O grau de reflexão desse corpo era muito baixo.

— Cem metros.

— Se não estou enganada — disse Lydia, tirando o cinto e virando o rosto — os blocos energéticos não emitem radiações. Podemos buscá-los e colocá-los na nave por meio do elevador principal. Sairei com os senhores.

Lydia moveu uma chave. O mecanismo controlado pela calculadora digital de bordo mantinha a nave invariavelmente na mesma posição. A mulher e os dois astronautas foram ao elevador que os levou à parte inferior da nave. Ali ajudaram-se uns aos outros a vestir os trajes espaciais, que eram bem leves.

— Retirar o elevador.

Quando o chão do elevador tocou as rochas da lua, um contato foi acionado e o dispositivo hidráulico firmou o mecanismo.

— Gravitação artificial na área de pouso ligada.

— Excelente — disse Lydia em voz baixa. — Ao que parece as máquinas servo estão funcionando.

A escotilha da comporta abriu-se e os três terranos saíram para a escuridão vaga da lua. O astro de pedra não tinha qualquer atmosfera. Sua gravitação, que correspondia a um quarto da gravitação terrana, havia sido artificialmente reforçada num círculo de setenta metros de diâmetro. Os terranos aproximaram-se lentamente do cubo preto que se via na periferia do campo de pouso. Era ali que ficava a entrada dos depósitos.

Lydia parou um pouco. As estrelas que se via aqui, no setor Dois/Norte 098, eram quase idênticas às de Terra. À direita, oculto atrás da curvatura leve da lua, o sol enviava sua luz vermelho-escura. O quadro era encimado pelos pontos luminosos formados por inúmeras estrelas. Só pequeno número delas encontrava-se no setor controlado pelo planeta Terra. Em algum lugar do hiperespaço estavam os extraterranos, que os humanos haviam posto em fuga. E pensou na última mensagem enviada pelos extraterranos: "Não queremos nenhum contato; odiamos vocês". Depois, Lydia ouviu a respiração dos dois homens. Apressou o passo e juntou-se ao grupo. Dali a alguns segundos encontravam-se diante do pesado portão que dava para a comporta de materiais do depósito sublunar.

— Está com a chave-rádio, general? — perguntou o astronavegador em voz baixa.

— Naturalmente.

Lydia pôs a mão num dos bolsos rígidos do cinto e tirou a chave universal da frota. O aparelho emitia uma mensagem modulada de rádio, que abria as fechaduras altamente complicadas e controladas por rádio. A luz do cinto de Van Dyke acendeu-se e arrancou da escuridão uma área em torno da fechadura. Lydia ligou o aparelho redondo, comprimiu-o contra a chapa de metal e apertou o botão. O processo de abertura foi totalmente silencioso. A pesada porta isolada foi rolando para a esquerda, entrou no caixilho vedado e parou.

O astronavegador tocou uma placa quadrada e girou-a. Dois retângulos no teto da comporta iluminaram-se, enquanto as lâmpadas do cinto se apagaram.

— Vamos pegar as caixas — disse Lydia.

Entraram na comporta. A placa voltou a fechar-se atrás deles. No depósito também havia alimentos, pois nos recintos sublunares havia um certo calor.

— A porta interna da comporta não está trancada — disse Lydia, pegando a alavanca e abrindo-a. Viram diante de si um recinto em forma de cubo, no qual reinava uma semi-escuridão. Viram-se caixas em embalagem à prova de espaço, fardos e recipientes de lata com inscrições em código.

— A luz? É aqui — disse o telegrafista. Os quadrados do teto se iluminaram.

Puderam perceber o tamanho do recinto, com a luz. O comprimento das arestas do cubo era superior a quarenta metros. As paredes estavam revestidas de plástico branco e elástico.

— Como são os blocos energéticos? Qual é a embalagem? — perguntou Lydia, dirigindo-se a uma pilha de caixas.

— Têm um isolamento espesso de cor amarelo-alaranjada. Em cima dele está a inscrição e a advertência — respondeu o telegrafista e caminhou em outra direção. — São caixas de cerca de setenta centímetros.

O astronavegador foi para junto da parede do lado direito e examinou a longa lista do inventário. Qualquer nave espacial que pousasse aqui e retirasse qualquer objeto teria de fazer a respectiva anotação. Após isso uma nave de abastecimento voltaria a completar o depósito.

— Aqui estão registrados quatro blocos energéticos — disse o astronavegador. — Devem encontrar-se na área sete.

O chão estava reticulado com linhas negras e em cada quadrado estava inscrito um número. Depois de procurar durante alguns segundos, Lydia viu o número sete diante de seus sapatos.

— Dê mais uma olhada — pediu com sua voz fria e áspera. — A área sete está vazia.

— General — respondeu o homem com uma ligeira irritação na voz. — Aqui estão registrados três blocos energéticos. Ninguém tocou neles. Devem encontrar-se na área número sete.

— Já desconfiei antes do pouso — disse Lydia. — A arca número sete está vazia.

O telegrafista que se encontrava a seu lado fitou o número.

— Está totalmente vazia. E ninguém pode ter entrado aqui, a não ser a tripulação de alguma nave. E esta não teria deixado de fazer o registro correspondente. Sabe perfeitamente quanta coisa pode depender disso.

— Há outra possibilidade — disse o astronavegador em voz alta e em tom furioso. — É possível que algum idiota da nave de abastecimento não saiba ler números. É de estranhar que hoje em dia já tenham de recorrer aos analfabetos. No meu tempo...

— Temos de procurar — disse Lydia. — Vamos embora. Não podemos ficar aqui para sempre.

Procuraram em silêncio. Sabiam qual era o tamanho do volume e o que estava escrito na embalagem. Encontraram tudo que se podia imaginar, desde ácido fórmico pulverizado até tubulações de suprimento de água para cabines. Apenas não encontraram blocos energéticos destinados à máquina de uma nave.

Procuraram durante uma hora; depois desistiram.

— Existem várias possibilidades — disse Lydia contemplando o visor do capacete do astronavegador. — Talvez o erro tenha sua origem na incompetência de um elemento da frota de abastecimento...

O astronavegador fez um gesto afirmativo.

— Seria o primeiro caso na minha carreira, que afinal já tem quinze anos de duração.

— Ou então alguém retirou os blocos sem fazer qualquer anotação. A Orion VII esteve aqui e levou conservas para suas câmaras frigoríficas; foi a última nave que pousou aqui.

Um ligeiro sorriso passou pelo rosto de Lydia.

— A Orion VII não existe mais. Quando emergiu do hiperespaço foi esfacelada por um planeta em chamas. As conservas passaram a integrar algum gás estelar. Portanto, não voltem a marretar McLane.

Os dois homens soltaram uma risadinha.

— Ainda existe uma terceira possibilidade.

O telegrafista apontou para o lugar vazio no chão.

— É justamente essa possibilidade que começa a me infundir pavor — murmurou Lydia. Sua voz era ainda mais fria do que de costume.

— É possível que alguém tenha roubado os blocos energéticos.

Olharam-se através das grossas lâminas dos visores de seus capacetes espaciais. Calaram-se, muito confusos. Seria roubo?

— Isso é uma tolice! — disse o telegrafista em voz alta. — Ninguém saberia o que fazer com esses blocos energéticos.

Lydia apontou para a comporta.

— Estes elementos não são utilizáveis apenas nas naves espaciais, mas em qualquer maquinaria de grandes proporções. Se forem acoplados a um distribuidor, poderão ser empregados em complexos menores. Qualquer pessoa que precisar de energia pode fazer muita coisa com estes objetos.

— Está bem. Reconheço que é verdade — respondeu o astronavegador.

Dirigiram-se à escotilha interna da comporta. Acima deles a Hydra II os aguardava. Esta nave-disco não poderia realizar a viagem de volta a Terra com o suprimento de energia que tinha a bordo. Mas, por enquanto, não havia nenhum risco imediato.

— E agora?

— Vamos expedir uma mensagem pelo rádio e aguardamos a nave-socorro. No momento é a única coisa que podemos fazer — disse o general.

A escotilha interna da comporta abriu-se e voltou a fechar-se. Os três terranos dirigiram-se ao elevador hidráulico, trancaram a comporta e foram à nave. O campo de gravitação artificial foi desativado.

— Dirija uma mensagem para a F.R.E.T., telegrafista — disse Lydia.

— Perfeitamente. Qual é o texto? Lydia van Dyke era uma mulher de trinta e cinco anos que parecia cinco anos mais jovem. Possuía lindos cabelos castanho-escuros e um par de olhos cinzentos e frios. A voz áspera e controlada combinava com o rosto. Só quem fosse muito chegado a Lydia perceberia que ela não era apenas aquela frieza, mas, também, uma estupenda mulher.

— Transmita o seguinte — disse. — Nave espacial Hydra II, comandada pelo general Van Dyke. Em trânsito para Terra. Endereço: Formação de Reconhecimento Espacial de Terra. Marechal Wamsler. Nave está presa na lua Geerson, em Dois/Norte 098. Blocos energéticos esgotados. Não conseguimos recolher outros para a substituição. Aparentemente o depósito da lua de Geerson foi parcialmente saqueado. Solicitamos envio imediato nave abastecimento com três blocos energéticos. Urgente. Utilizar ordenador alfa. Assinado: Van Dyke. Fim.

O texto foi irradiado através de um sistema de satélites retransmissores hipervelozes até EA IV, de onde chegou diretamente ao labirinto submarino da Base 104. Dentro de um minuto e meio, a confirmação foi recebida a bordo da Hydra.

F.R.E.T. para Van Dyke, a bordo da Hydra II. Nave de abastecimento acaba de decolar. Pedimos relatar acidente imediatamente após o pouso em Terra. Wamsler.

Lydia passou os olhos pela carlinga e disse em tom hesitante:

— Vamos aproveitar a energia que temos a bordo para fazer uma comida bem gostosa. Depois esperaremos a chegada da nave de abastecimento. O rádio permanecerá ligado em recepção. É a única coisa que podemos fazer.

— Há outra — disse o telegrafista a meia voz. Sua fala parecia trair um temor indefinido. — Podemos refletir para ver se descobrimos quem poderia ter saqueado o depósito.

Lydia levantou-se.

— O senhor está exprimindo meus pensamentos — disse.

Todas as luzes e telas foram apagadas.

Apenas os aparelhos indispensáveis continuaram a funcionar. Os quatro tripulantes reuniram-se no camarote de Lydia. O engenheiro da sala de máquinas também desligou os aparelhos. A nave aguardava junto à lua de Geerson, em Dois/Norte 098.

 

Dificilmente duas pessoas poderiam ser mais diferentes que os dois homens sentados frente a frente junto à grande mesa reluzente. O marechal Woodrow Winston Wamsler era um homem de cinqüenta e seis anos, no qual tudo era maciço e preto: o uniforme, as sobrancelhas hirsutas, os olhos e o cabelo, e até mesmo o pesado anel. Os dedos roliços tamborilavam um compasso rápido sobre a tampa de vidro. Diante desses dedos, viam-se pilhas de documentos e um largo quadro de comando linear com numerosas teclas. À sua direita a tela de um complicado videofone ocupava uma posição oblíqua.

Sessenta dias depois de ter sido rechaçada a invasão...

À frente de Wamsler estava sentado o coronel Henryk Villa. Tinha sessenta e um anos, era pequeno e apresentava uma agilidade física que correspondia à agilidade mental. Villa retornara à sua função. Os psiquiatras e os médicos haviam realizado verdadeiros milagres para voltar a transformá-lo num ser humano. Durante as ações por ele sabotadas tornou-se um marionete dos extraterranos.

— É possível que seja sabotagem, Wamsler — disse Villa em tom tranqüilo.

— É possível; mas também é possível que não seja — respondeu Wamsler.

— Justamente, mas eu tenho um forte motivo para desconfiar. E quando fico sabendo que bem perto de Terra uma lua totalmente inabitada, à qual só nossa frota tem acesso, foi roubada nos objetos mais importantes ali depositados, minha desconfiança só pode crescer. Até mesmo o senhor no seu positivismo implacável há de reconhecer isso, marechal.

Wamsler soltou uma risada.

— É verdade. Sugiro que aguardemos o pouso de Lydia van Dyke. Deverá chegar dentro de dois dias.

Villa sacudiu a cabeça.

— Sugiro exatamente o contrário.

— E o que vem a ser esse contrário?

— Devemos agir antes que um outro, ou outra coisa, nos tire a possibilidade de agir.

Wamsler contemplou com uma expressão pensativa a projeção tremeluzente da esfera espacial, que surgia à sua esquerda numa imagem tridimensional que chegava até o teto do gabinete. No lugar em que ficava a lua, via-se uma pequena lâmpada vermelha. O vermelho era a cor do perigo.

— Como poderíamos agir? — perguntou depois de algum tempo.

— Tenho uma sugestão.

Wamsler sentiu-se ainda menos à vontade.

— Já aprendi a ter medo de suas sugestões — disse. — Pode falar.

— Após a expulsão dos invasores, a tripulação da Orion VIII, da qual uma parte foi promovida enquanto outra recebeu altas honrarias, obteve férias de três meses por conta do governo. Não serei eu quem direi que McLane e seus homens não merecem as férias. Acontece que dois meses já se passaram. Pretende-se designar McLane novamente para as esquadrilhas ligeiras. É verdade?

Wamsler fez um gesto afirmativo.

— É verdade. Por todos os satélites, onde pretende chegar, Villa?

Wamsler e Villa eram velhos conhecidos. Estimavam-se bastante. Quando Wamsler soube que Villa poderia voltar a ocupar a chefia do Serviço Secreto, ficou satisfeitíssimo. Ambos trabalhavam em prol do mesmo objetivo, embora seus métodos fossem diferentes. E esse objetivo era a paz e a ordem no setor do espaço cósmico controlado por Terra.

— A meu ver, a decisão de colocar McLane no comando das esquadrilhas rápidas não é acertada. Deveríamos dar-lhe uma esquadrilha própria. Seria uma espécie de patrulha espacial numa base mais ampla. McLane provou muitas vezes que é um elemento muito competente. Afinal, foi promovido a coronel.

— Sua idéia não é de todo má. McLane caçando como um lobo solitário... É uma idéia sedutora. Apenas tenho um receio. É possível que resolva agir com um desprezo soberano por todas as normas. Ele e seu bando, que com tanto orgulho costuma chamar de equipe.

— Para livrá-lo da preocupação, basta... Wamsler levantou as mãos num gesto de súplica.

— Não, não diga! — exclamou em tom de desalento. — Não venha me dizer que quer colocar a camarada Tamara ao lado do pobre do Cliff. Não se esqueça de que, depois das aventuras que passaram juntos, os dois se apaixonaram um pelo outro. Acho que Tamara e Cliff bem merecem essa ligação positiva sob o ponto de vista humano. Acontece que, se os dois continuarem a brigar sobre questões de competência, a ligação será destruída. Tenha pena deles, Villa.

Villa balançou a cabeça. Finalmente disse em tom pensativo:

— Devíamos encontrar um caminho que garantisse ambas as coisas: a vigilância e a independência. Recorrerei à camarada Jagellovsk, assim que surja o perigo de McLane cometer algum excesso. Vamos decidir isso mais tarde.

Ouviu-se um zumbido. Wamsler apertou um botão. No videofone, surgiu o rosto de uma ordenança. Era bela, e tinha cabelos negros.

— Marechal Wamsler, tenho uma informação para o coronel Villa.

Wamsler confirmou com um gesto e girou o pesado aparelho nos rolamentos.

— Coronel Villa, seu visitante chegou, mas não está de bom humor.

Villa exibiu um sorriso, que por exceção foi franco e alegre.

— Daqui a pouco o humor do visitante melhorará ou piorará consideravelmente — disse. — Dê-lhe um livro e peça-lhe que espere uns cinco minutos. Sou eu quem mando pedir.

— Naturalmente, Sir.

Muito curioso, Wamsler girou o videofone, mas a única coisa vista foi a lâmina que ia escurecendo.

— Adiar a decisão? — perguntou, esticando as palavras. — O adiamento é a pior forma de recusa.

— Neste caso não. O que pergunto é o seguinte: o senhor está de acordo em que o coronel Cliff Allistair McLane e sua equipe continue a viajar em missões secretas, sendo vigiado ocasionalmente pela camarada Jagellovsk? Obteria poderes suficientes, o que aumentaria sua responsabilidade e frearia sua tendência para os excessos. Está de acordo?

Wamsler refletiu alguns segundos.

— Em princípio sim. O que achará Van Dyke?

— Poderemos colocá-la diante de um fato consumado assim que regresse a Terra. Pela última mensagem que captamos, ambas as naves decolaram da lua de Geerson e estão a caminho de Terra.

Os dois homens olharam-se.

— O senhor acha que seria uma decisão acertada, coronel Villa? — perguntou Wamsler em tom indeciso.

— Acredito que sim. Do contrário não teria externado estas idéias. Tenho certeza absoluta de que McLane corresponderá às nossas expectativas.

Depois de uma pausa martirizante, Wamsler disse:

— Concordo. McLane receberá a Orion VIII, que é sua nave velha e consagrada. Só lhe confiaremos missões especiais. Era isso que o senhor estava pensando? Assumirei a responsabilidade pelos problemas administrativos ligados a este procedimento. Há outro detalhe. A Divisão SSG, dirigida pelo senhor, coronel Villa, trabalha em colaboração estreita com meu gabinete. Acho que isso não deve mudar.

Um sorriso ressabiado surgiu no rosto de Villa.

— De acordo — disse.

Levantou-se e apontou para o videofone.

— Poderia fazer o favor de ligar para a ante-sala?

Wamsler viu a tela iluminar-se e reconheceu sua ordenança. O corpo da moça encobria alguém que estava sentado atrás dela. Wamsler deu um ligeiro empurrão no aparelho, que o fez efetuar um giro de cem graus. A tela ficou em frente a Villa. Este aproximou-se da mesa e disse:

— Faça o favor de convidar o visitante a entrar, moça.

— Naturalmente, coronel Villa. A tela apagou-se.

Os dois homens fitaram a área ampla coberta pela barreira de fluxos luminosos. Os elétrons brancos e saltitantes protegiam as salas mais importantes com uma torrente de energia pura, que destruiria qualquer pessoa que tentasse atravessá-la.

Quem veio pela entrada livre foi Cliff Allistair McLane, um coronel que no momento se encontrava em gozo de férias. Wamsler ficou perplexo e recostou-se na poltrona.

— Ora veja! É McLane!

— Naturalmente, marechal Wamsler — disse Villa com seu sorriso temível. — Esperava outra pessoa?

Wamsler não respondeu.

— Na ante-sala sente-se mais fortemente a corrente da autoridade — disse McLane. — Interrompi minhas férias conforme era meu dever, coronel Villa...

— Colega Villa! — gritou Wamsler e bateu com a mão sobre a mesa. Villa encolheu-se; parecia indignado.

— Interrompi minhas férias, sim senhor. Deixemos disso. O senhor conhece a camarada Jagellovsk. Será que chegou mais uma vez a hora de eu salvar Terra às pressas, Sir? Isso já começa a me enjoar.

A barreira de fluxos luminosos voltou a acender-se, e Villa apontou uma poltrona.

— Sente, coronel — disse em tom indiferente.

— Colega McLane! — gritou Wamsler, que quase morre de tanto rir.

McLane tinha um aspecto excelente. Ao que parecia, passara metade de suas férias dedicando-se a Tamara, enquanto durante a outra metade se dedicou a certo cavalheiro, já falecido, conhecido pelo nome de Sêneca. Estava moreno como nunca. Sentou, tomou cuidado para não estragar o vinco da calça e fez seus olhos passearem de Villa para Wamsler e vice-versa.

— O que houve? — perguntou em voz baixa.

— Temos novidades — disse Villa. — São novidades que o deixarão encantado.

McLane engoliu em seco.

Villa começou a falar em tom mais objetivo. Relatou os acontecimentos da lua de Geerson e falou nos receios de que os mesmos poderiam ser interpretados como uma hipótese patente de sabotagem; disse que o general Lydia van Dyke pousaria em breve e que haviam decidido confiar a McLane um novo tipo de comando, e que ele fora incumbido de, juntamente com uma tripulação já ambientada e vez por outra com a colaboração de Tamara, investigar o caso. Este caso e outros semelhantes.

— Está de acordo, McLane? — perguntou Wamsler.

— Ainda não estou inteiramente de acordo — respondeu Cliff. — O que acontecerá com o resto das minhas férias?

— Na qualidade de chefe da Formação de Reconhecimento Espacial de Terra, peço-lhe que receba em dinheiro os trinta dias que ainda faltam. Afinal, em sessenta dias uma pessoa pode recuperar-se. Olhe para mim. Quais foram as férias que gozei?

Cliff deu de ombros.

— Quais foram? — perguntou.

— Desde o momento em que terminou a invasão descansei exatamente um dia. E justamente nesse dia apareceram os trabalhadores que reformaram minha sala. Por que o senhor vai precisar de noventa dias?

Cliff levantou-se.

— Será que o senhor pretende criticar as medidas tomadas pelo general Van Dyke, marechal? — perguntou um tanto perplexo.

— De forma alguma. Terra o chama; ou melhor, grita pelo senhor. Está de acordo?

Cliff caminhou de um lado para outro. Finalmente decidiu.

— Está bem — disse. — Concordo. Mas seus subordinados terão de incumbir-se de reunir minha tripulação. Mario de Monti está em Chroma, o planeta das amazonas. Só conseguirão tirá-lo de lá de arma em punho.

— Meu pessoal conseguirá — disse Villa. — Deixe por nossa conta. Poderá estar aqui dentro de três dias?

— Comparecerei assim que todos estiverem reunidos. Não posso tomar uma decisão como esta sem falar com minha equipe — disse McLane. — Sabe perfeitamente que nunca decido nada sem consultar a tripulação.

— Sei, sim — respondeu Villa. — É claro que faremos o possível. Onde poderemos encontrá-lo, McLane?

— Em Groote Eylandt. No meu bangalô.

Wamsler estendeu-lhe a mão carnuda.

— Muito bem, muito bem. Retire-se e procure decorar certas normas.

Cliff apertou a mão de Wamsler e disse: — Deixarei isso por conta de minha encantadora companheira Tamara.

O aperto de mão de Villa transmitiu um pouco da confiança que servira de base à decisão do coronel de confiar essa missão delicada a Cliff.

 

O turbocarro que trouxe Cliff ao seu bangalô freou suavemente. McLane enfiou algumas moedas na fenda do robô de direção e abriu a porta da casa. Parou diante da gigantesca prateleira de livros, procurou um pouco e retirou o Manual II. Abriu algumas páginas e, com o livro na mão, dirigiu-se à poltrona. Dois/Norte 098...

 

— OUVIMOS tudo que o general Van Dyke pôde informar. Agora decidiremos se queremos tratar esse caso como uma bagatela, ou se vamos declarar uma situação de perigo.

Wamsler passou os olhos pelo recinto. A partir dos incidentes mais recentes, essas pessoas já não eram simples representantes de suas repartições, mas colaboradores dedicados à solução de um problema comum: a segurança da paz.

— Qual seria exatamente o perigo? — perguntou Sir Arthur. — Esta pergunta é dirigida ao coronel Villa.

— Em resumo, o incidente pode significar o seguinte — disse Villa, erguendo-se na poltrona. — Alguém precisa de quantidades consideráveis de energia. Como não tem outra possibilidade de obtê-las, rouba.

Villa fez uma pausa dramatizante.

— Tem de roubar porque precisa da energia para algum fim ilegal. No planeta Terra, qualquer projeto positivo recebe todo apoio. Portanto, o projeto de que se trata só pode ser ilegal, talvez mesmo perigoso. O projeto deve dirigir-se contra Terra, de forma direta ou indireta. É aí que está o mal.

— Muito bem — disse Sir Arthur. — Compreendo. Acontece que por enquanto só se constatou que um único depósito, o da lua de Geerson, não está completo. Não foi mais nem menos que isso.

Villa deu as costas a Sir Arthur e apontou para Cliff McLane, que se encontrava sentado em meio aos demais, juntamente com sua tripulação.

— Essa foi a palavra-chave, Sir Arthur. Agora é a vez do coronel McLane. Ele e os homens de sua tripulação nos prestarão auxílio. Mas antes, o marechal Wamsler dará uma explicação.

Wamsler olhou para Cliff como se antecipadamente quisesse pedir desculpas e disse:

— Decidimos, evidentemente com o consentimento do general Van Dyke e a concordância de McLane e sua equipe, oferecer outro posto ao coronel que comanda a Orion VIII. McLane viajará por sua própria conta e risco, munido de poderes bastante extensos, realizando uma espécie de super-patrulhamento espacial. Cuidará de todos os problemas que exijam solução rápida. Muitas vezes os movimentos das autoridades espaciais são lentos. McLane será mais rápido. Com as liberdades que lhe concedemos, suas responsabilidades serão muito maiores.

— De acordo — interveio Kublai-Krim, chefe da frota tática. Era um homem louro de olhos verdes, cujos pensamentos eram fortemente influenciados pelas concepções ligadas às vitórias clássicas. Uma poderosa frota espacial era seu maior encanto.

— Posso formular uma pergunta dirigida ao estado-maior? — perguntou Lydia van Dyke. — Qual será a tarefa da tripulação da Orion VIII?

Villa apontou para a projeção da esfera espacial.

— McLane controlará todas as bases e depósitos dessa área e dos cubos espaciais adjacentes. O desaparecimento das células de energia pode ser obra do acaso ou da inobservância de certas regras. Mas se vários depósitos tiverem sido saqueados, o significado disso só pode ser um: perigo para Terra. E exatamente isso que Cliff Allistair McLane deverá descobrir.

Villa contemplou Hasso Sigbjörnson, Helga Legrelle, Cliff, Atan Shubashi e Mario de Monti. Este último não parecia muito descansado; vinha de Chroma. Kublai-Krim levantou, cumprimentou-os e notou que os circunstantes estavam-lhe prestando atenção. Disse:

— Parece que o senhor tem uma objeção, McLane.

— Coronel McLane — corrigiu Villa em tom suave. Um olhar furioso de Kublai-Krim atingiu-o, o que o fez sorrir satisfeito.

— Não se trata de uma objeção — disse Cliff. — Apenas de uma suposição.

— Ouçamos — disse Wamsler. — Trata-se de uma suposição relativa à lua de Geerson?

Cliff levantou e caminhou rapidamente à projeção, subdividida em dez escalas de distância, que tinham Terra no centro, sob a forma de linhas concêntricas. Além disso, a projeção estava recortada em quatro direções. O que chamava a atenção era a luz vermelha no setor Dois/Norte 098.

— Aqui fica o planeta Sahagoon — disse Cliff, apontando para outro sol. — Esse planeta lhes diz alguma coisa?

Wamsler sacudiu a cabeça. O nome não dizia nada para os assistentes. Subitamente Helga Legrelle levantou a mão.

— Está se referindo a Charles C. Sahagoon, Cliff?

— Exatamente — disse Cliff. Ninguém sabia o que dizer a respeito desse nome.

— Charles C. Sahagoon foi um fundador de religiões, ou ao menos acreditava que era — disse Cliff. — Pregara um complexo confuso de idéias, que culminavam no preceito de que ninguém que acredite na doutrina pode levantar a mão contra outra pessoa. Nos anos anteriores à segunda guerra interestelar, Charles C. Sahagoon contava com uns 290 mil adeptos.

— Agora me lembro — disse Wamsler. — Terra colocou esses adeptos diante da alternativa de se alistarem na frota ou serem deportados.

Cliff confirmou com um gesto contrariado.

— Por qual das duas alternativas, Sahagoon optou? — perguntou, embora aparentemente já soubesse a resposta.

— Pela deportação — disse Villa.

— Para onde?

Houve um silêncio geral. Ninguém soube responder à pergunta de Cliff.

— Evidentemente para um planeta que gravita em torno deste sol — disse. — De acordo com o Manual II, a posição desse sol é Dois/Norte 401. Nos cubos seguintes encontram-se outras estações espaciais, mundos em demolição, depósitos e satélites habitados situados na mesma área: o planeta de aço Springhill, em Dois/Norte 374; a base Nova Scotia, um mundo-estaleiro, fica em Dois/Norte 299, bem próximo ao primeiro. O planeta Cumberland Mine, que também é um depósito de emergência, grande e ao que parece bem sortido, fica em Dois/Norte 198. Sugiro que a Orion se dirija a todos estes lugares e a alguns outros que ficam nas proximidades. Não afirmo, mas suspeito que haja certas relações entre os blocos energéticos e Sahagoon. Talvez consigamos desvendar esse mistério.

Kublai-Krim confirmou com um gesto. Parecia bastante impressionado com a exposição de Cliff.

— Vá logo, homem — disse. — Conte com nosso apoio integral. Descubra que foi apenas um alarma falso. Tomara!

Cliff ficou de pé atrás de sua poltrona.

— Antes de decolar, peço outra... graça, cavalheiros.

Wamsler ergueu-se e indagou:

— Quer que a nave seja revestida de ouro?

O sorriso de Cliff tornou-se cortante.

— Nada disso, marechal — disse com a voz controlada. — Não é isso. Apenas desejo que minhas novas atribuições sejam devidamente divulgadas no âmbito da frota. Não quero que qualquer general ou coronel venha dar-me ordens. Quem me dará ordens no futuro? Será o senhor, colega Villa? Ou o senhor, marechal? Ou o general Van Dyke?

Ficou de pé até ouvir a resposta.

— O senhor ficará submetido às minhas ordens — disse Wamsler. — Mas trabalhará em estreita cooperação com o coronel Villa e seu estado-maior. Entendido?

Cliff baixou a cabeça. Um sorriso sarcástico surgiu em seu rosto.

— Geralmente um coronel compreende muito depressa, marechal — respondeu. — Decolarei exatamente dentro de cinco horas da Base 104. Compreendido? Até a vista, senhoras e senhores — acrescentou. — Vamos, tripulação.

Caminhando juntos e visivelmente aliviados por terem escapado ao aperto da sala de reuniões, McLane e seus tripulantes retiraram-se. Todos eles, com exceção do comandante, haviam chegado há poucas horas a Groote Eylandt. Por isso precisavam familiarizar-se com o ambiente: com a estranha atmosfera da galeria que ficava sob o Golfo de Carpentaria, com as longas salas abandonadas e com a nave que passara por uma reforma geral, isto é, com a Orion VIII.

Dali a quatro horas: um carro robotizado que deslizava sobre um campo antigravitacional, cinco centímetros acima do solo, estava carregado com a bagagem de cinco membros da tripulação.

Cliff, que sentado à sua mesa controlava todos os sistemas, contatos e chaves com base numa extensa lista de verificações, fez um sinal para Atan.

— Tenente Shubashi — disse com um sorriso — será que o senhor poderia ter a gentileza extrema de colocar nossa bagagem na comporta inferior e fazê-la subir à nave?

Atan executou uma continência superenfatizada.

— Terei o máximo prazer, coronel McLane — disse e levantou-se para dirigir-se ao elevador.

— Mario, seu cérebro metálico está em ordem?

Cliff girou a poltrona do comandante e fitou Mario de Monti, o primeiro-oficial. Embora tivesse sido arrastado de Chroma, parecia sentir-se satisfeito por voar de novo.

— Está em perfeita ordem. Nossos saltos de transição serão absolutamente seguros. Será que alguma coisa está mudada?

Cliff franziu a testa.

— O que quer dizer com isso, Mario? — perguntou em tom de espanto.

— Será que daqui em diante devemos dar-lhe o tratamento de general ou de marechal? Não sei se você faz questão disso.

Cliff apoiou as mãos nos quadris e sacudiu energicamente a cabeça.

— Você acha que é o maior galã da frota terrana, mas na verdade tem o cérebro do tamanho de uma formiga. Sou e continuo sendo o mesmo Cliff de sempre. Ao que parece, as férias que você passou em Chroma fizeram-lhe mal. Aliás, estamos ansiosos para receber informações a este respeito. Como foi?

O rosto de Mario iluminou-se.

— Depois contarei — disse um tanto constrangido. — Quando Helga não estiver ouvindo.

— Que tolice! — disse a telegrafista. — Lembro-me perfeitamente do que você me contou quando, um tanto embriagado, procurou refúgio em meus braços.

Atan apareceu de repente. Sorriu.

— A bagagem está a bordo. Hora da decolagem menos cinqüenta minutos.

— Quais são as coordenadas, Cliff? — perguntou o primeiro-oficial.

— Procure. Planeta Cumberland Mine, Dois/Norte 198. Devemos estar lá em vinte e quatro horas. Será o primeiro depósito que examinaremos.

— OK! — respondeu Mario e começou a brincar com as teclas.

— Como é mesmo sua teoria relativa a Charles C. Sahagoon? — perguntou Helga, que ligou o controle de decolagem.

— Deixe isso para depois, moça — disse Cliff, olhando para o relógio.

A nave estava pronta para decolar. Desta vez não funcionaria como patrulha espacial com tarefas de cadetes, mas executaria um comando secreto, sob a direção e com o consentimento do estado-maior. Isso aumenta o prazer, mas também as responsabilidades.

— Acredite ou não — principiou Atan Shubashi, ligando as telas — mas sinto falta da prezada camarada de nosso chefe ainda mais prezado.

Falava de Tamara, que costumava ficar encostada naquele suporte, contemplando Cliff, com seus olhos de falcão e brindando-o com comentários mordazes.

Cliff não respondeu; não sabia se devia lamentar a ausência de Tamara, ou se devia regozijar-se. Resolveu acreditar na última alternativa. Levantou o braço.

— Decolagem menos um minuto — disse.

Ninguém desconfiava de que essa decolagem seria um fato decisivo. Era a primeira missão iniciada em condições totalmente diversas.

"O que nos espera em Cumberland Mine?", pensou Helga.

De repente, Cliff foi acordado, subiu à cabine de comando e preparou o segundo hipersalto espacial. Dali a vinte e três horas as campainhas de alarma começaram a soar. Diante da nave surgiu o sol do planeta Cumberland Mine. Era um sol frio, que emitia uma luz branca, fria e impiedosa. O planeta, que ficava a uma unidade astronômica e meia do sol, foi ingressando lentamente na tela, quando o controle automático iniciou a frenagem. Os tripulantes entraram na cabina.

— Ali está o planeta — disse Cliff, tocando na lâmina da tela de visão central.

— Caso alguém ainda não conheça os dados — principiou Atan Shubashi — fiz uma verificação antes de dormir pela última vez. O planeta só é habitável mediante a utilização de abóbadas pressurizadas. As formações que predominam nele são os silicatos. Emergem do solo sob a forma de cristais e enlaçam as rochas. Dizem que é um mundo colorido e reluzente, inundado pelo brilho do sol e coberto por uma atmosfera venenosa. Não se esqueçam de colocar os trajes protetores. Basta determinarmos a linha equatorial hipotética. Perto dela, junto a uma costa rochosa, fica o depósito que procuramos.

Cliff estava manipulando os botões e as chaves. Obrigou o disco prateado a ingressar nas camadas superiores e rarefeitas do gás mortífero.

— Junto à costa? Existe um mar por ali, Atan?

— Não — disse o astronavegador. — O que existe é uma extensão imensa coberta por figuras azuis de silicatos. Os cartógrafos batizaram esse trecho de costa.

A Orion VIII aproximou-se do planeta, descrevendo uma parábola. Parecia tangenciar a curvatura da superfície. Os campos protetores mantinham afastado o gás. A manobra de pouso seria totalmente silenciosa.

— Observação espacial — disse Cliff. — Como estão as coisas?

As telas de Atan, que registrariam até mesmo um bloco de pedra, estavam totalmente vazias.

— Está vazio que nem minha conta bancária — disse Atan em tom concentrado.

— Helga, como está o tráfego de rádio?

— Há exatamente dez minutos liguei todas as freqüências. Não constatei nada, além das interferências perturbadoras resultantes das protuberâncias. Não há nenhuma vida no planeta; ao menos, nenhuma forma de vida que use as ondas de rádio para comunicar-se.

— Coronel McLane — disse Mario com um sorriso insolente. — Infelizmente vejo-me obrigado a lembrar que segundo o parágrafo tal e tal do Regulamento de Aproximação... está lembrado? Apenas estou citando as palavras de Jagellovsk.

— Eu me lembrarei, não tenha a menor dúvida — disse Cliff, desviando-se do assunto.

— Olhem a tela! Vejam só o que está mostrando!

Mario e Helga pararam à direita e à esquerda de Cliff. Já fazia algum tempo que Hasso olhava por cima de seu ombro. O quadro era irreal, mas de uma beleza arrebatadora.

— Formas e cores — murmurou Sigbjörnson bem baixinho. — E tudo isso é feito de silicatos sem vida. Sem vida, face à nossa definição da vida.

Viam tudo. A Orion VIII deslocava-se cinqüenta metros acima da superfície. Atan calculara a linha, e Cliff dirigia o disco pela rota prefixada. Era uma extensão infinita, interrompida vez por outra por elevações de pequena altura. A vegetação de silicatos parecia estender-se em círculos. Um círculo começava quase onde o outro terminava. Entre eles, os espaços estavam cheios de areia escura. Os círculos eram formados por vegetação rasteira que reluzia em todas as cores. Eram praticamente imóveis. Mas o deslocamento do ar na frente e atrás da nave a fez estremecer, executar um certo movimento de molejo. Os caules e as folhas, que tinham uma semelhança perturbadora com plantas vivas, entrelaçavam-se e sobrepunham-se, formando uma selva impenetrável. Acima desse quadro reluzia o sol branco e radiante.

— Até parece um tapete surrealista — disse Helga.

A sombra da nave seguiu-os, e as ilhas redondas mergulharam numa penumbra indefinida. Quando atingidas pela sombra, as plantas de silicato baixavam os caules e as folhas. As cores empalideciam. Assim que a luz do sol voltava a atingi-las em cheio, voltavam a levantar-se e recuperavam o brilho.

— Ali adiante fica o pseudo-mar — disse Cliff laconicamente, apontando para a área superior da tela.

A estreita faixa de terra desembocava numa baía de pedra, que avançava que nem um dedo para dentro da superfície aparentemente imóvel. A encosta era inteiramente nua e praticamente branca. Formava um marco acentuado do terreno.

— Qual é a gravidade, Atan?

— Dez por cento superior à de Terra — disse o astronavegador sem refletir. Os tripulantes se haviam preparado muito bem para o objetivo que tinham em vista. Cliff sabia que sua tripulação era uma das melhores de que dispunha o planeta Terra.

— Então não precisamos tomar precauções especiais — disse Cliff, freando a nave.

— Cem quilômetros por hora — anunciou Atan.

Cliff fez um gesto afirmativo e segurou com mais firmeza a alavanca de frenagem.

— Ali fica a área de pouso — disse. — Pararemos exatamente sobre a mesma. Houve alguma alteração?

— Nenhuma, chefe — disse Helga Legrelle, retirando o fone do ouvido.

Cliff apertou um botão muito largo e prosseguiu:

— Comandante para registro de bordo. Encontramo-nos sobre o depósito de Cumberland Mine. Procuraremos verificar com a necessária cautela se o estoque está completo e intacto. Fim.

Passou a maioria dos controles para Hasso e levantou-se ao ver que a nave se mantinha imóvel dez metros acima da superfície. O disco de 55 metros de diâmetro projetava uma grande sombra sobre a superfície branca.

— Helga, fique aqui e vasculhe os arredores, ora com seu equipamento de rádio ora com o radar de Atan. À menor suspeita, dê o alarme. Nossos rádios de capacete ficarão sintonizados com a nave.

— Entendido, Cliff — disse a telegrafista e recostou-se em sua poltrona especial.

Mario apontou para Cliff, Atan e sobre si mesmo.

— Seremos nós? — perguntou com um sorriso largo.

— Naturalmente. Como já salientei, procederemos com cuidado. Estas palavras dizem respeito até mesmo a qualquer pista que haja embaixo da nave. Entendido? Mario confirmou.

— Usaremos armas, Cliff? — perguntou Atan em tom sério.

— Usaremos, por uma questão de cautela — disse McLane. — Vamos colocar os trajes.

— Não se esqueça da chave de rádio — disse Atan. Cliff sacudiu a cabeça e fechou um dos zíperes duplos, que iam da extremidade superior da bota até a altura dos quadris.

— Está aqui — disse, colocando a mão sobre o bolso do cinto.

Tirou a arma do suporte, viu a lâmpada energética acesa e guardou-a no bolso lateral do traje protetor. Fechou o capacete e chamou Helga. Ficou satisfeito ao notar que a comunicação era perfeita.

A pressão atmosférica era aproximadamente igual à de Terra, motivo por que não houve problemas sob este ângulo. Diante dos olhos dos três homens, estendia-se a areia branca, compactada pelas tormentas de vários milênios.

— Procurem ver se há qualquer rastro! — insistiu Cliff.

— Não somos surdos! — disse Atan em tom ressentido.

Deram alguns passos. Mal se percebia que esta gravitação excedia em 10 por cento à de Terra. Apenas os passos tornaram-se um pouco mais curtos e o esforço necessário para levantar o pé era maior.

— Olhe ali! — disse Mario, apontando para a frente.

— E lá! — ouviu-se a voz de Atan. Cliff caminhava cauteloso em direção ao aprofundamento do solo, examinando atentamente o chão em que pisava. Não achou nenhum rastro. Olhou para trás e viu que Mario e Atan encontravam-se a seu lado.

— São discos de aterrissagem, chefe — disse Atan sem outros comentários. — Foi uma nave muito pesada.

Nesse lugar, as superfícies de apoio em que terminavam os suportes de uma nave antiquada haviam penetrado cerca de cinco centímetros no solo arenoso. Cliff ajoelhou-se e apalpou a camada branca de aspecto cristalino. Verificou que quase chegava a ser como pedra.

— É uma nave antiga e pesada; não há dúvida — disse, e caminhou em direção ao segundo par de depressões, sempre olhando à procura de eventuais rastros. As depressões eram idênticas às que já observara.

— Tirei duas fotografias — disse Mario em voz baixa. — Servirão de prova. Aqui pousou uma nave que deve ter sido construída há vários decênios. Uma Lancet não produz depressões como esta, e as naves do tipo da nossa flutuam sobre almofadas antigravitacionais.

De repente, tiveram a impressão de que uma sombra ameaçadora pairava sobre a paisagem reluzente e silenciosa. Em algum lugar, bem atrás da encosta que decaía da baía de pedra, a vegetação de silicatos coloridos parecia mover-se. Ou seria uma ilusão provocada pela luminosidade?

— Quer dizer que não estamos sós — constatou Cliff. — Alguém gosta dos nossos blocos energéticos. Não me admirarei se descobrirmos que a fechadura controlada pelo rádio foi cortada.

Caminhou em direção à abóbada de aço com a arma engatilhada. Sua altura não era superior a cinco metros. Em sua superfície apareceram as linhas da escotilha da comporta. Ao lado dela, havia a saliência quadrada da complicada fechadura controlada pelo rádio.

— Ao que parece a fechadura está intacta.

Atan efetuou um giro de trezentos e sessenta graus em torno de seu próprio eixo, mantendo a arma na altura dos quadris. Obteve uma visão global, mas a cautela foi desnecessária. Nada se aproximava, ninguém atirou; não havia nada voando pela atmosfera venenosa.

Viram-se diante da fechadura. Estava intacta. Nenhum arranhão, nenhum vestígio de maçarico atômico, nenhum sinal de ação violenta.

— Vamos tentar a sorte — disse Cliff em tom tranqüilo. Guardou a arma de radiações e tirou a chave de rádio do bolso. Encostou-a à fechadura, ativou a célula energética e comprimiu a chave do aciona-dor. Logo a chapa de aço conexa começou a mover-se. Levantou-se ligeiramente e deslizou para a esquerda Num movimento rápido Cliff retirou a mão que segurava a chave. A luz do sol atingiu o chão de concreto. Não havia nenhuma poeira, nenhuma marca de pé.

— As coisas estão ficando cada vez mais misteriosas. Quem possui chave de rádio além dos tripulantes da frota?

Cliff sorriu atrás do visor do capacete.

— Deve ser alguém que trabalha na fábrica das chaves.

— As chaves são numeradas e contadas. Uma chave de reserva só pode ser obtida pelas vias administrativas e, por estas, é mais fácil que se perca uma criatura humana que um documento.

— Mas não possuem dados sobre o refugo e o consumo de materiais no setor de experiências da firma. Sempre seria uma possibilidade — disse Cliff. — Bem, vejamos. Vamos entrar na despensa.

Entraram na comporta e abriram outra escotilha, depois de Mario ter acendido a luz e fechado a escotilha externa. Viram uma rampa inclinada, que penetrava uns trinta metros pela rocha. Os três homens desceram-na.

— Aqui fala Helga Legrelle — disse uma voz débil. — Tudo em ordem por aí?

— Naturalmente. Até agora está tudo em ordem! — exclamou Mario.

Um pavilhão cilíndrico havia sido recortado na rocha. Media sessenta metros e tinha quatro metros de altura. As lâmpadas redondas de vidro sintético colocadas na parede curva espalhavam luz amarela pelo recinto. Numa coluna transparente viram os aparelhos de sobrevivência, que efetuavam a renovação do ar e mantinham a temperatura. Ao lado da coluna havia aparelhos de rádio lacrados. Mario parou à frente do registro de materiais.

— Aqui. Posição noventa: quatro blocos energéticos entregues e testados. Não foram usados; não há nenhum registro nesse sentido. A nave Júlio César esteve aqui há poucos dias e levou dezoito cilindros de oxigênio. Não há outro aviso.

— Onde estão os blocos energéticos, Mario? — indagou Cliff, olhando em tomo. Em todas as partes via as pilhas bem arrumadas.

— Na área nove.

Cliff procurou a área nove e veio encontrá-la junto à parede, bem à sua esquerda. Estacou.

— Estamos encontrando a mesma coisa que Lydia — murmurou em tom sombrio. — O lugar está vazio, os blocos desapareceram e não existe a menor pista. Ao menos conseguimos alguma coisa. Seja como for, antes de mais nada vamos procurar esses blocos. Cada um de nós cuidará de uma faixa.

Em trinta minutos, examinaram caixa por caixa, mas não encontraram os blocos energéticos. Estava tudo bem empilhado e catalogado. Só faltavam os blocos. Era outra prova, que foi reforçada por fotos e impressões.

Os três homens voltaram à nave e tiraram os trajes espaciais. Dali a cinco minutos a Orion deslocou-se em velocidade crescente pelo envoltório atmosférico, disparando espaço afora e passando junto ao sol martirizante.

— Qual é o destino que devo programar antes de revelar as fotografias? — perguntou Mario. — Os dados continuam os mesmos?

— Continuam — disse Cliff. — Nova Scotia, Dois/Norte 299.

O martelar das teclas e o zumbido da calculadora digital de bordo engoliram a resposta do primeiro-oficial. Algumas horas passaram-se. Cliff estava de plantão. Deitado relaxadamente na poltrona, colocara os pés enfiados em botas leves junto aos instrumentos e estava refletindo. Ao seu lado, Mario de Monti folheava um livro.

— Cliff, está acordado?

Cliff resmungou algumas palavras incompreensíveis.

— O que vem a ser Charles C. Sahagoon? Que tipo de gente ê essa?

Cliff endireitou o corpo, pegou a xícara e sorveu um gole de café. Voltou a fechar os olhos e começou a responder em voz muito baixa, enquanto Mario levantava-se e encostava o corpo ao painel de instrumentos.

— Antes da guerra, Sahagoon anunciava que a tecnologia criaria o poder. Em princípio não há nada de errado nisso. Porém, conseguiu reunir 290 mil adeptos e retornou à fase da jardinagem. Começaram a plantar feijão e batatas nos parques públicos. O aspargo crescia nos quintais dos fundos. "O poder, criado pela tecnologia, corrompe", afirmava Sahagoon. "Logo, deve-se destruir a tecnologia para destruir o poder. A tecnologia só pode ser destruída por outra tecnologia ainda mais poderosa, que se autodestrua ao fim do combate, pois do contrário essa nova tecnologia assumiria o poder." Por isso, os adeptos de Sahagoon procuraram alcançar a autarquia energética a fim de poderem construir a tecnologia da destruição.

— Será que oportunamente você me poderia dar isso por escrito? Só entendi pequena parte do que acaba de dizer.

Mario riu. Cliff abriu o olho direito, fitou o primeiro-oficial e prosseguiu:

— Li tudo isso num velho livro. Naquela época, o governo viu-se diante do mesmo problema com que você se defronta: digerir os ilogismos de Sahagoon e extrair deles uma lição. As negociações malograram. Mais de seiscentas naves gigantes levaram os adeptos desse homem a um planeta que apresenta condições semelhantes às de Terra.

— Deve ser o planeta Sahagoon.

— Exato. Pelas notícias mais recentes, o mesmo apresenta um aspecto de jardim de dimensões planetárias. Os sahagoons extraem determinados minérios, trocam os mesmos por escovas de dentes e espelhos, são vegetarianos, veneram Charles e, segundo uma convenção celebrada com seu chefe há vários séculos, não podem possuir qualquer arma energética. São pessoas pacatas e satisfeitas.

Mario sacudiu a cabeça e disse:

— Se neste meio tempo não tiverem morrido de intoxicação de clorofila, continuam a reproduzir-se.

— Deve ser mais ou menos isso — concluiu Cliff. — Tenho uma ligeira desconfiança de que existe alguma ligação entre Sahagoon e os blocos energéticos roubados.

— Devem correr pelo espaço numa abóbora — disse Mario em tom sarcástico.

— Deve ser mais ou menos assim. Escute, Cliff. Quem escreve romances é Ibsen, não você!

— Deixe para lá — disse Cliff em tom preguiçoso e voltou a fechar o olho. — Também tenho algum talento.

Mario olhou para o relógio. Usava um modelo caro, no qual havia dedicatórias de várias moças de Chroma.

— Faltam três horas. Estou curioso para ver o que encontraremos em Nova Scotia.

Cliff bocejou.

— Só pode ser um depósito intacto do qual alguém levou os blocos energéticos. Você tem alguma dúvida?

Subitamente a voz de Mario tornou-se dura.

— Para dizer a verdade, não tenho.

— É por isso que me sinto tão tranqüilo

— disse Cliff. — Não me surpreenderei nem um pouco se encontrar outros depósitos sem os respectivos blocos energéticos.

E teria razão.

Em Nova Scotia, onde há anos fora suspensa a extração de minério, existia um depósito. Estava intacto. Em meio às pedras que cercavam o campo de pouso, os homens viram o rastro de uma nave antiquada e pesada. A chave controlada por rádio fora aberta por alguém que não deixara o menor vestígio. Os blocos energéticos não estavam lá. No dia seguinte, constatou-se que mais dois depósitos haviam sido saqueados.

— São ao todo vinte e três blocos energéticos perdidos, roubados ou emprestados — constatou Cliff. — Isto é um bom motivo para voltarmos à Base 104, a fim de submeter um relatório detalhado ao coronel Villa.

Foi o que fizeram. O Serviço de Segurança Galático ficou em polvorosa, sem saber o que fazer. Cliff tranqüilizou os homens e prometeu ao coronel Villa que dentro de quarenta e oito horas decolaria de novo. Villa deu-lhe a mão.

— Aliás — disse com um sorriso que McLane já conhecia e temia. — Aliás, sua amiga encantadora e minha melhor agente voltou das férias. Pede para lhe dizer que quer encontrar-se com o senhor no bar do cassino. Amanhã, na hora do almoço.

— De qualquer maneira, marquei um encontro no mesmo lugar com Mario. Obrigado pelo aviso.

Villa acompanhou-o à barreira de fluxos luminosos e disse:

— Foi um prazer.

Não se poderia dizer se estava falando sério ou não.

 

— CONTE logo, chefe — disse Mario, enquanto apontava com o garfo para as pernas da ordenança que passava por perto e ria. — Quais serão os próximos lances do xadrez cósmico?

— Gostaria de saber como alguém que não pertence à frota pode ter em mãos o emissor de impulsos para as fechaduras. Ainda gostaria de saber se existe alguma relação entre os furtos e o planeta Sahagoon — disse Cliff, dando de ombros.

Mario começou a impacientar-se.

— Ficamos fora durante oito dias — resumiu. — Revistamos todos os depósitos da área. O que encontramos? Todos os depósitos de emergência foram furtados. Se tivessem sido totalmente esvaziados, poderíamos supor que se tratasse de ato de pirataria. Mas, como as coisas estão, não podemos ter dúvida de que existe algum sistema inimigo atrás disso.

Cliff olhou para a direita e bebeu lentamente.

— Você está com a razão. Alguma conspiração está em andamento. Villa e seu estado-maior também estão preocupados. Já trago as novas instruções no bolso.

O rosto de Mario revelou a expectativa quando perguntou:

— Iremos a Sahagoon?

— Isso mesmo. Daremos uma olhada para verificar o que há por lá. Temos instruções para intervir imediatamente se houver motivo para isso.

— Sahagoon fica em Dois/Norte 401, não é?

— Você decorou as coordenadas — respondeu Cliff. — Decolaremos exatamente dentro de vinte e sete horas. Encontramo-nos em meu bangalô e iremos juntos à Base 104.

— Combinado — Mario olhou para o relógio.

— Tenho uma tese que pode parecer arrojada — disse Cliff. Mario inclinou-se para a frente, para ouvir melhor. — Ainda não disponho de qualquer prova, mas tenho lá minhas desconfianças. A doutrina de Charles C. Sahagoon pode ter sofrido algumas modificações nestes últimos dois mil anos. É bem possível que a chave do problema se encontre nesse planeta.

Mario apontou para um lugar atrás de Cliff.

— De qualquer maneira, a chave desta noite está entrando no cassino. Tamara vem fazer sua apresentação.

Cliff virou-se e sorriu. Excepcionalmente, Tamara não usava uniforme. Estava trajada em estilo bastante moderno. Cumprimentou para todos os lados, descobriu Cliff e Mario, que se surpreenderam acenando entusiasticamente, e aproximou-se da pequena mesa. Com um suspiro, caiu na poltrona.

— Bem-vinda, camarada — disse Mario. — Gostamos muito da senhora, enquanto não voa conosco.

Lembrou-se de um gesto antiqüíssimo e beijou sua mão. Por pouco não quebrou um dente no anel de sinete. O sorriso de Cliff era impagável.

— Querida — murmurou Cliff. — Você parece cansada. Será que já voltou ao trabalho?

Tamara confirmou com um gesto triste.

— Já. Tive o mesmo destino que você e sua tripulação. Villa chamou-me poucas horas depois de lhe ter telefonado e disse o que estava acontecendo. Agora estamos analisando os acontecimentos. Você vai decolar em breve?

— Vou — disse Cliff. — É o diabo! O que é que você toma?

— Um café estupidamente forte.

— Deixe de brincadeiras, governanta — obtemperou Cliff e dali a um minuto voltou com o café.

Em compensação, foi brindado com um sorriso sincero e cheio de sentimento.

— Surgiu algum ângulo novo? — perguntou Cliff.

— Não — apressou-se Tamara em responder. — Estamos aguardando os dados que a Orion VIII deverá trazer de Sahagoon. Quando poderemos contar com eles?

— Isso demorará pouco mais de cento e trinta horas — disse Mario. — Cada vôo consumirá quarenta e oito horas. E não deveremos demorar no planeta mais que um dia terrano.

— Está bem — disse Tamara, descansando a xícara. — Informarei Villa. Tenho de voltar. Telefonarei hoje de noite. Está bem?

Cliff levantou-se para acompanhá-la à entrada.

— Será um favor, tenente Jagellovsk — disse em tom educado. — Ficarei muito triste se não telefonar.

Tamara despediu-se com um beijo no rosto de Cliff, que voltou à mesa, caminhando devagar. No corredor largo e deserto esbarrou em duas pessoas. Distraído, pediu desculpas e prosseguiu.

— Será que estou enxergando bem? — exclamou alguém atrás dele. — É McLane. O coronel McLane, a não ser que esteja enganado na interpretação dos pontos de identificação.

Cliff ficou estarrecido e virou-se lentamente. Olhou com uma expressão curiosa para o homem de cerca de cinqüenta anos, que usava o uniforme de comandante de uma nave de abastecimentos. A seguir, passou a olhar a moça. Era jovem, usava trajes grosseiros e parecia bastante retraída.

— David McKirkcudbride! — exclamou Cliff. — O senhor por aqui?

David fez um gesto afirmativo e sacudiu a mão de McLane, demonstrando um entusiasmo tão intenso que não poderia ser fingido.

— Estou aqui. E tenho como companheira uma moça encantadora do planeta de Sahagoon.

Cliff pegou a mão da moça e ficou espantado. Seu aperto de mão era o de uma pessoa que lida com arado. A palma era áspera e cheia de calos.

— Meu nome é Marion Stadyonnex — disse. — Sou de Sahag City, em Sahagoon.

Uma sereia de alarma soou no cérebro de Cliff. Durante os anos de sua carreira conhecera os habitantes de tudo quanto era planeta, mas os de Chroma e de Sahagoon não conhecia nem por fotografias.

— Sejam bem-vindos ao Cassino Starlight — disse. — Querem dar-nos o prazer de sentar à nossa mesa?

— O prazer será nosso — disse McKirkcudbride.

Caminharam juntos em direção da mesa de Cliff. Mario levantou-se surpreso e escorregou para o lado.

— Esta moça — disse Cliff, levantando o dedo — é de uma beleza sedutora; além disso é habitante de Sahagoon. E, ao que suponho, este cavalheiro comanda uma nave de abastecimento que costuma pousar lá. Deve fazer a rota Terra—Sahagoon.

— Como sempre, McLane tem razão — disse o comandante. — O que quer tomar, Marion?

— Um suco de laranja — respondeu a moça prontamente.

— Com gin? Temos um produto excelente — interveio McKirkcudbride.

— Obrigado; prefiro sem gin — disse Marion apressadamente e, segundo acharam Cliff e Mario, em tom um tanto áspero.

O garção apareceu e anotou os vários pedidos de bebidas.

— Marion Stadyonnex. O fato de nos encontrarmos é uma coincidência inacreditável — disse Cliff, falando lentamente. — Dentro de poucas horas decolaremos em direção ao seu planeta. Vamos examinar o terreno. Procuraremos averiguar se há condições de intensificar nossas relações comerciais.

Mentia desavergonhadamente e sem o menor constrangimento, enquanto dava um pontapé na canela de Mario. Com aceno do polegar fez o velho sinal de entendido.

— McLane... a Orion VIII. Será que é o célebre comandante? — disse Marion.

— Não é tão célebre quanto mal-afamado — disse o primeiro-oficial. — Conseguiu realizar alguma coisa graças à excelente tripulação de que dispõe.

A moça e McKirkcudbride soltaram uma gargalhada.

— Conte alguma coisa de sua terra — pediu Cliff. — Dessa forma estaremos preparados e, mais do que isso, disporemos de informações de primeira mão. Estaremos melhor equipados.

Marion era uma moça alta e esbelta, mas de corpo robusto. Tinha o aspecto de quem tinha passado a infância numa estufa de plantas, a juventude no campo e as noites numa fábrica de conservas. O cabelo castanho-escuro era curto e apresentava um corte prático, os olhos castanhos brilhavam numa expressão dura e a boca parecia amarga. O que mais chamava a atenção eram as mãos. Haviam sido moldadas pelo trabalho pesado. Marion brincou nervosamente com uma fita de aço, larga e vermelha, que balançava em torno de seu pulso direito.

— Há dois mil anos fomos deportados de Terra, porque Charles C, nosso modelo inexcedível, não concordou em correr para as armas juntamente com seus adeptos. Por isso, 290 mil pessoas foram levadas para Sahagoon, planeta que se encontrava no fim de uma era glacial.

"Passamos a dedicar-nos à caça e à coleta de frutos do mato. Domesticamos os animais, fizemos arborizações, selecionamos plantas nutritivas e vendemos nossos produtos a Terra. Trabalhamos muito e duro. Nossas escolas exigem bastante de nós. Neste meio tempo, as condições políticas se modificaram. Existe um grupo conservador e outro progressista. Este último é numericamente superior ao outro mas, por enquanto, não dispõe de muita influência.

"Não temos armas nem naves espaciais. Em compensação temos uma justiça autônoma. Nosso planeta é rico, e Terra extrai dele, por meio de um processo inteiramente robotizado, os minérios que são transportados pelas naves. Somos um planeta de fazendas e plantações. Os progressistas abandonaram a concepção vegetariana, mas os conservadores continuam a alimentar-se exclusivamente com produtos vegetais. Continuamos submetidos ao controle discreto, mas intenso, de Terra. Praticamente ainda somos os descendentes dos caçadores da era glacial."

McLane sentiu uma comoção estranha. A distância fria que soava nas palavras dessa moça estava mesclada com um ódio longínquo a Terra.

Refletiu:

"Será que estava enganado?", contemplou os dedos irrequietos da moça, que continuavam a brincar com a pulseira que, segundo tudo indicava, era de aço e cuja face externa consistia numa área reticulada em baixo relevo. O metal emitia um brilho vermelho e quente.

— A senhora passa muito tempo ao ar livre, não passa? — perguntou Mario com um sorriso gentil.

— Quase todo o tempo. Sou chefe de uma brigada de máquinas colhedeiras — disse com um sorriso embaraçado.

A sensação estranha — aquela suspeita aparentemente sem fundamento contra Sahagoon — crescia na mente de Cliff. Examinou detidamente a moça. Estava nervosa e procurava disfarçar; mas Cliff sentiu-se comovido por sua personalidade. O rosto moreno, duro e sincero, estava entrecortado de linhas amargas. O fanatismo de suas palavras e relatos. Tudo isso dava a entender que o ambiente selvagem de Sahagoon parecia ter criado um feitio agressivo nos habitantes do planeta.

— Qual é a população de Sahagoon? — perguntou Mario. Sua tentativa de iniciar um flerte parecia esfacelar-se num escudo invisível.

— Três milhões e duzentos mil habitantes.

— E não têm naves espaciais?

Cliff foi atingido por um par de olhos grandes, escuros mas frios.

— Não. Segundo o tratado celebrado entre Terra e Sahagoon, todas as possibilidades de que este último planeta ainda queira ou possa vingar-se pela deportação, devem ser eliminadas. Apenas temos turbocarros importados de Terra.

Cliff fez um gesto.

— Em nossa opinião é impossível que qualquer planeta leve um ataque a Terra. Justamente agora, que os extraterranos estão em cima de nós. O que está fazendo aqui, Marion?

— Estou visitando Terra. Recebi ordens para dar uma olhada.

"Dar uma olhada para descobrir o meio de atacar Terra", pensou Cliff, e logo depois perguntou.

— Dar uma olhada? Em quê?

— Não é nas naves espaciais, McLane — disse Marion. — Quero ver o que Terra nos poderá fornecer e o que poderemos dar em troca. Além disso, a unidade monetária usada no intercâmbio dos dois planetas parece exercer uma função exploradora contra nós. Pretendemos substituir os tratados existentes por outros mais favoráveis.

— Miss Stadyonnex está residindo no Carpentaria Hilton, como hóspede do Ministério da Economia. O luxo deixou-a perturbada e, para dizer a verdade, um pouco aborrecida — disse David McKirkcudbride.

— Quer voltar conosco? — perguntou Mario.

— Não. Isto é... minha presença aqui será mais demorada. Ainda há muitos detalhes a serem discutidos.

Cliff olhou para o relógio.

— Seria um encanto se pudesse encontrar-me mais uma vez, ou mais algumas vezes, com a senhora — disse Mario baixinho, pondo na voz todo charme de que era capaz. Percebeu que a moça começava a ficar nervosa e fez menção de sair.

— Moro no Hilton — disse.

— Telefonarei para lá. Tem algum recado para alguém em Sahagoon?

Marion levantou-se e sacudiu a cabeça. O comandante da nave de abastecimentos apontou para os copos vazios, e Cliff fez um gesto familiar.

— Obrigado, McLane — disse McKirkcudbride.

— Não há de quê. Ainda nos encontraremos muitas vezes.

Os homens deram-se as mãos. O comandante do cargueiro pegou o braço de Marion e, atravessando o cassino, levou-a ao elevador que subia para Groote Eylandt ou para a margem oposta do golfo.

— Hum — disse Mario. — Meu charme fez o mesmo efeito de uma folha de papel vazia.

— Você realmente está sem sorte. Acontece que minhas suspeitas estão mais fortes — disse Cliff com um gesto amargo.

Subitamente estacou. Estendeu o braço e segurou a pulseira entre os dedos.

— Dentro de três dias pousaremos em Sahagoon. O que é isto?

A pulseira tinha seis centímetros de largura. Do lado de dentro, era lisa. Por fora, estava enfeitada com um desenho quadriculado. Cliff bateu-lhe com um talher. O som foi oco. Esperava um som agudo, pois o objeto possuía pouco peso. O brilho vermelho era uma peculiaridade do metal.

— É estranho. Que metal será este? Cliff balançou a pulseira diante dos olhos de Mario.

— É algum metal leve.

— Pois você está enganado — disse Cliff. — É um tipo de aço. Mandarei analisar o material.

— Está certo. Vou embora. Encontramo-nos em sua casa. Combinado?

Cliff permaneceu sentado e examinou a pulseira com um olhar pensativo. Estava convencido de encontrar-se na pista de um segredo. Mas não sabia que segredo seria este.

— Procurarei Villa — disse depois de algum tempo. Pagou a conta e levantou-se. Enquanto caminhava lentamente em direção aos elevadores, ouviu uma música. Era a peça de Thomas Peter, The Mysterious Planet.

"Será outro sinal?", pensou, interrogando-se.

Villa apenas o fez esperar quatro minutos. Cliff viu-se no pequeno gabinete do chefe do serviço secreto. Sentou, tirou a pulseira do bolso e deixou-a rolar pela tampa polida da mesa. Villa sorriu e segurou-a.

— O que é isso? O senhor está trabalhando com jóias?

— Não — respondeu Cliff em tom contrariado. — Às vezes encontro uma jóia. Agora que meu destino é movimentar-me constantemente em meio a coisas excitantes, tenho de desconfiar. Quando tivermos a análise, vou lhe dizer onde encontrei isto. O senhor dispõe de laboratórios para isso?

— Disponho — disse Villa em tom indeciso. — Nossos laboratórios são os melhores do mundo. Se não descobrirem, enviaremos o material a Springhill. Está Satisfeito?

— Perfeitamente.

— Qual é sua idéia? — prosseguiu Villa.

— Não tenho comentários. Relato tudo que acontece, mas não quero impressionar mais que o necessário. Encontrei o objeto e liguei-o a coisas bastante desagradáveis. Será que gozo de sua confiança?

Villa confirmou com um gesto e deu uma risada sarcástica.

— Por enquanto sim — disse.

— Permite uma pergunta, coronel Villa? — disse Cliff em tom áspero. — Será que no sistema solar existe ao menos uma pessoa na qual o senhor tenha confiança?

Por alguns segundos, houve um silêncio bastante constrangedor. Finalmente Villa levantou-se e começou a caminhar de um lado para outro atrás da escrivaninha. Apontou para a projeção da esfera espacial e disse em voz baixa:

— Não. Não confio em ninguém. Nem mesmo em mim mesmo. E os fatos parecem demonstrar que tenho razão. Estou certo de que um complexo poderoso e gigantesco como Terra e a esfera espacial de novecentos parsec correm sempre perigo. Ninguém está seguro. O perigo pode surgir de certas coisas às quais no momento não atribuímos a menor importância. Um simples vírus, uma pecinha de metal — levantou a pulseira vermelho-brilhante, que tremeluzia de forma estranha devido à pouca luz reinante — uma única nave não vigiada, tudo isso pode transformar-se num perigo muito sério. Bilhões de seres humanos, os bens materiais incalculáveis e uma série de planetas representam um desafio ao nosso senso de responsabilidade.

"Portanto, não posso dar-me ao luxo de confiar em quem quer que seja. Não há nada de pessoal nisto. O que acabo de dizer apenas representa minha preocupação e meu receio de que alguma coisa possa acontecer a Terra e a todos nós. É só. Está satisfeito, coronel McLane?"

— Compreendi, mas não aceito integralmente.

Villa estendeu a mão a McLane.

— Felizmente este problema não é seu. Vá a Sahagoon com sua tripulação tão competente, sem levar Tamara. Fique com os olhos e os ouvidos abertos. Quando regressar, a análise estará pronta.

— Obrigado, coronel Villa.

— Está bem.

Quando Cliff se encontrava a um metro da barreira de fluxos luminosos, Villa o chamou de volta. Dirigiu-se à escrivaninha e segurou a folha de plástico que Villa lhe ofereceu sem qualquer comentário. Cliff leu, e seu espanto crescia a cada palavra.

Perigo para Terra (202011 A alfa). ...constatou-se que num depósito de Springhill foi furtada uma instalação completa de hipercomunicação, ou melhor, a mesma desapareceu do local. Ao mesmo tempo, informamos o resultado final do exame do depósito de Cumberland Mine. Além dos blocos energéticos desapareceram inexplicavelmente uma caixa com detonadores de baixa potência, acionáveis por meio de rádio e cinqüenta aparelhos emissores-receptores do tipo...

— O que acha disso, comandante? — perguntou Villa numa tranqüilidade que tinha algo de perigosa.

— É apavorante. Ao que parece, alguém está precisando não apenas de energia, mas também de transmissores. Já conhece outros detalhes?

— Ainda não. Quando voltar, já teremos outros elementos. Boa viagem.

Cliff levantou a mão.

— E um pouso difícil.

Saiu do gabinete do coronel Henryk Villa e caminhou lentamente em direção ao elevador. Após trinta minutos, encontrava-se em seu bangalô. Deitado no gigantesco sofá forrado de vermelho, refletia febrilmente. Mas as peças do mosaico ainda descreviam movimentos confusos sem formar um quadro definido.

Mais tarde: Cliff Allistair McLane sentou-se tranqüilamente em sua poltrona de comandante. À sua frente, encontravam-se as áreas encurvadas com inúmeros relógios, ponteiros e chaves. Cliff estava atado à poltrona por meio de cintos largos e semi-elásticos. McLane parecia dormir. Na realidade estava apenas refletindo, com os olhos fechados. Atan Shubashi observava as telas. Mario calculava a rota e, vez por outra, contemplava as luzes de controle do dispositivo de introdução de dados da calculadora. Helga Legrelle colocara os fones sobre o cabelo cuidadosamente arranjado e ouvia o diálogo travado entre uma estação e uma nave de abastecimentos. A Orion VIII encontrava-se no hiperespaço e corria vertiginosamente em direção ao planeta Sahagoon.

— Em que estará pensando o chefe? — perguntou Atan em voz baixa.

— Deixem-me em paz — resmungou Cliff.

Adicionava observações. Setenta e nove depósitos roubados, um aparelho de hipercomunicação furtado, cujo alcance era superior a duzentos e cinqüenta parsec, detonadores e receptores. O planeta dos lavradores e criadores, Marion, a moça... Seu comportamento e o estranho metal... Havia uma ligação entre tudo isso; Cliff tinha certeza absoluta. Também sabia que o jogo em que estava envolvido era muito perigoso.

Poderia errar como qualquer outro homem. Estava pessoalmente convencido que Sahagoon tramava um ataque a Terra, para vingar-se de dois mil anos de deportação. Apenas, não dispunha de provas.

Mas precisava de provas. Como consegui-las?

— Ouçam, amigos — disse subitamente, endireitando o corpo. — Sabemos que teremos de enfrentar algumas horas bem difíceis. Devemos fazer o possível para encontrar uma pista em Sahagoon.

— Parece que você está muito convencido da sua idéia — disse Hasso, falando da tela que se encontrava diante de Cliff.

— Sei disso. O perigo está justamente nisso. Sahagoon é o único planeta habitado que fica em meio a esses depósitos situados nas luas e nos satélites. Será que tudo isso pode ser simples coincidência?

— Precisamos de provas, meu caro. Provas! — advertiu Hasso.

— Não fique nervoso — disse Cliff. — Já descobri isso. Aliás, Mario, qual é o texto de suas anotações da noite passada?

Mario sorriu; parecia abatido.

— Está aludindo ao tema "Espero por Marion"?

— Exatamente. O que houve?

Mario girou a poltrona e lançou um olhar de escusas para Helga. Depois disse:

— Fui ao Hilton, parei junto ao robô da recepção e disse que desejava falar com Miss Stadyonnex. O robô respondeu que ela estava esperando, ao que parece em seu quarto. Mas... a pessoa que Marion esperava não era eu.

Helga deu uma risada irônica e perguntou:

— O que disse a jovem, seu assaltante de corações?

— Disse que eu fosse para o inferno — respondeu Mario. — E proferiu estas palavras alto e em bom tom, sem o menor sotaque. Ao que parece, essa mulher tem alguma coisa contra as belezas masculinas do planeta Terra, Cliff.

Cliff soltou os cintos e levantou-se.

— Tomara que tenha essa qualidade em comum com todas as habitantes de seu planeta — disse. — Nesse caso também teremos um forte motivo para tentar...

Atan Shubashi fez um gesto exaltado. Levantou a mão e gritou:

— Daqui a pouco teremos oportunidade de experimentar pessoalmente, pois dentro em breve sairemos do hiperespaço.

 

— AQUI fala a nave espacial Orion VIII. Chamamos a administração do porto de Sahagoon. Pedimos permissão para pousar.

Helga descansou o microfone e observou os movimentos dos ponteiros. A bola que surgia na tela central estava transformada num enorme círculo. A nave encontrava-se cem quilômetros acima do planeta. Uma voz respondeu.

— Em que qualidade? Qual é o porto de matrícula?

Cliff fez um gesto apaziguador. Helga prosseguiu:

— O porto de matrícula é a Base 104 em Terra. A nave vem por ordem dos dirigentes do planeta Terra. A tripulação procurará ampliar o comércio exterior. A visita tem caráter estritamente informativo. Onde poderemos pousar?

Ao que parecia, o locutor estava conversando com alguém.

— Façam o favor de pousar cautelosamente no lugar que lhes será indicado pelo raio direcional.

— Obrigada — disse Helga. — Qual é a freqüência do raio direcional?

Helga obteve a informação solicitada, voltou a agradecer e transmitiu o raio direcional que acabara de captar ao painel do comandante. Cliff foi descendo a nave. À medida que perdiam altitude, as imagens na tela tornavam-se mais nítidas. Surgiu uma cidade cercada de enormes campos. A cidade se agrupava em tomo do espaçoporto.

A nave sobrevoou uma gigantesca área coberta por plantas verde-azuladas nas quais pendiam frutos brancos. As culturas estavam muito bem cuidadas. Logo avistaram as primeiras casas, e a nave baixou silenciosamente sobre a área livre localizada no centro da cidade.

— Cliff — disse Hasso a meia voz — tenho uma pergunta que provavelmente lhe parecerá idiota. Dentro de poucos minutos pousaremos em Sahagoon. Uma vez lá, devemos verificar se sua tese é correta. Onde vamos procurar?

Os edifícios que rodeavam o campo de pouso eram construções típicas do planeta agrário. Funcionais, não apresentavam o menor luxo e tinham o caráter impessoal das casas pré-fabricadas. Cliff examinava atentamente as telas, enquanto conduzia a Orion VIII até a periferia do campo de pouso.

— Hasso, ao que tudo indica aquilo tem alguma coisa a ver com blocos energéticos, equipamento de rádio ou um ataque a Terra. Infelizmente eu mesmo não sei dizer.

— Estamos pousando.

Os campos de absorção da Orion neutralizaram o restante do impulso da nave. A Orion ficou em repouso, permanecendo dez metros acima do campo de pouso. O complexo gravitacional, controlado por Hasso, mantinha a nave na mesma posição.

— Helga, entre em contato com a estação do espaçoporto.

Enquanto Cliff controlava os relógios, Helga estabeleceu contato. Depois de trinta segundos, uma grande tela retangular iluminou-se diante de Cliff. Surgiu a cabeça e a parte do tronco de um homem.

— Contato estabelecido — disse Helga Legrelle.

— Estação de superfície — falou o homem. — O senhor acaba de pousar. Peço-lhe que venha falar comigo no escritório do porto. Se possível, venha logo; não temos muito tempo. De acordo?

De pé diante de seu painel, meio virado de costas, Cliff olhou o homem com uma expressão de perplexidade.

— De acordo — respondeu. — Qual é o edifício?

— No primeiro pavimento do edifício maior, comandante — disse Boolen. Era um homem de ombros largos que trajava uma roupa de couro cru e usava barba cortada de forma quadricular, que se estendia das orelhas até o queixo. Além das sobrancelhas, não havia o menor fio de cabelo no crânio queimado pelo sol.

— Já vamos — respondeu Cliff. O contato foi interrompido.

— Cliff! — disse a voz potente de Hasso vinda da sala de máquinas. — Vamos sair todos ou fica alguém para vigiar a nave?

— Nosso vôo foi devidamente anunciado. Além disso podemos fechar a comporta por telecomando e recolher o elevador da mesma forma. Nada poderá acontecer. Iremos juntos. Fiquem com os olhos bem abertos.

— Ficaremos.

Dali a alguns minutos pisaram no solo do planeta. Tudo correu tranqüilamente. Ninguém lhes veio ao encontro, e nem lhes disse que eram hóspedes indesejáveis. O tom da voz de Boolen era reservado, mas não chegava a ser de uma frieza chocante. Era dia e o ar, que rescendia a numerosas plantas, soprava por cima do porto espacial. Em algum lugar ouviu-se o funcionamento de máquinas pesadas.

— Ao que parece não há muita riqueza por aqui — disse Hasso, olhando em torno. — Pelo menos não mostram.

— Pelo que soube, a doutrina de Charles C. Sahagoon não permite que alguém acumule riquezas individuais além de um certo limite — disse Cliff. — Tudo é investido. O planeta é rico, mas os indivíduos não, e nem sentem necessidade de sê-lo, conforme ouvi dizer.

Viram-se diante do edifício. Em cima de uma porta larga liam-se as palavras Administração do Porto de Sahag City. Era uma placa simples com as letras cuidadosamente traçadas. Cliff abriu a porta e parou diante de um guichê. Perguntou ao homem sentado atrás dele, que também era calvo e barbudo:

— Queremos falar com Boolen. Onde podemos encontrá-lo?

O polegar do homem apontou para o teto.

— Primeiro andar. O nome está escrito na porta. O que desejam de Boolen?

Cliff respondeu em tom seco:

— Explicaremos isto a Mister Boolen. Os terranos eram tratados como um mal necessário. Notava-se uma aversão fria, ainda dissimulada numa certa cortesia.

"Naja", pensou Cliff e esperou que Helga passasse por ele. Parou diante de uma porta em que estava escrito o nome Boolen. Bateu.

— Entre!

Entraram. Viram-se num escritório simples e funcional, cuja janela dava para o campo de pouso. Viam-se perfeitamente a nave e os edifícios que ficavam atrás dela. Bem nos fundos havia uma cadeia de montanhas baixas. Cliff parou à frente da escrivaninha.

— O senhor disse que queria falar comigo, Mister Boolen — disse. — Estou aqui.

Boolen apontou com o queixo para fora da janela.

— Não diga Mister Boolen, mas Boolen. Simplesmente Boolen. O que veio fazer por aqui, comandante?

— Meu nome é McLane. Cliff McLane. Viemos dar uma olhada. Terra acredita que o acordo comercial entre os dois planetas pode ser ampliado. Fomos incumbidos de descobrir as necessidades deste planeta e compará-las com as do nosso. Os prospectos dizem muita coisa, mas um contato pessoal sempre é melhor. Permite que passemos algumas horas aqui para colher uma impressão? Gostaríamos que alguém nos conduzisse.

— Receio que não haja ninguém que tenha tempo para isso.

Boolen não se mostrava furioso, mas a frieza era mais que evidente. Cliff conseguiu controlar-se e disse:

— Ao que parece, o senhor não está muito interessado em que Sahagoon tenha mais lucro. Será que é uma atitude correta?

Boolen manteve-se impassível.

— Peço-lhes que deixem isso a nosso critério.

— É uma pena — disse Cliff. — Pensava que encontraria pessoas sensatas para conversar.

Boolen colocou-se bem à frente de Cliff. Tinha uns dez centímetros menos que este.

— Ouça, McLane — disse com uma aspereza inconfundível — há dois mil anos Terra exigiu que os adeptos de Charles C. ingressassem no serviço da frota. Sahagoon, que sua doutrina prevaleça para sempre, recusou com certa razão. Terra mostrou-se intolerante e deportou-nos...

Cliff confirmou com um gesto e interrompeu seu interlocutor:

— ...para um planeta escolhido pelos senhores.

— Correto. Mas tivemos de recomeçar. Terra concluiu um tratado que mal nos deixava o ar para respirar. Dali em diante nunca mais possuímos armas de radiações, nem uma única nave espacial, nem sequer uma antiga e muito lenta, e temos de trocar nossos produtos em condições extremamente desfavoráveis. Nestas condições, o senhor esperaria ser recebido com música, tapete vermelho e uma bebida de boas-vindas?

— Acontece que nem o senhor nem eu somos responsáveis pela deportação ou pelos tratados. Por isso, se não posso esperar um tapete, ao menos esperava alguma cortesia. Peço-lhe que venha conosco e nos mostre o planeta numa nave auxiliar.

O rosto de Boolen assumiu uma expressão gelada.

— Não tenho tempo. Há serviços muito importantes.

Apontou para a escrivaninha, que não oferecia um aspecto muito convincente, com algumas folhas de papel espalhadas pela mesma.

— O senhor quis assim — disse Cliff McLane. — O parágrafo sete do tratado sobre administração, celebrado entre os representantes do governo de Terra e Charles C. Sahagoon, diz que os órgãos governamentais de Terra têm livre acesso a todas as instalações de Sahagoon.

"Sairemos daqui, decolaremos numa Lancet e com ela sobrevoaremos o planeta pelo tempo que julgarmos conveniente. Se formos picados por uma simples abelha, o planeta será devastado pelas naves do Serviço de Segurança Galático. Entendido?"

Recuou um passo. Enquanto Boolen lutava para controlar-se, Helga perguntou a meia voz e em tom conciliador:

— Boolen, não seria preferível vir conosco?

Boolen limitou-se a sacudir a cabeça. Cliff fez uma mesura irônica.

— Agradecemos pelo auxílio. Fazemos votos de que Charles C. lhe dispense sua benevolência.

Saíram do escritório, silenciosos.

Dali a alguns minutos encontravam-se diante da nave e viram o elevador telescópico pousar.

— São pessoas encantadoras — comentou Mario.

— Minha desconfiança de que estejam tramando alguma coisa tomou-se ainda mais forte — resmungou Cliff, quando entrou na comporta à frente dos outros. — Veremos.

Hasso e Helga permaneceram a bordo, enquanto Cliff, Mario e Atan se encontravam na Lancet. A pequena nave de cúpulas transparentes sobrevoou o espaçoporto, saltou silenciosamente sobre os telhados e passou por cima da cidade. Atan estava na direção, enquanto Mario e Cliff se mantinham junto às cúpulas. Diante deles, funcionavam telas alimentadas por conjuntos de lentes.

— Qual é a direção, Cliff? — perguntou Atan.

— Bem à frente.

Dispunham de cerca de dez horas para vasculhar esse hemisfério de Sahagoon, um planeta semelhante a Terra.

— Chefe, acho que já está na hora de nos livrarmos da idéia de que os blocos energéticos e o equipamento de rádio furtado estão espalhados por aí.

Mario virou-se e apontou para fora da cúpula. Em baixo deles, os campos deslizavam. Eram de um verde que cambiava constantemente. Em toda parte trabalhavam as máquinas semi-robotizadas.

— Não pensei nisso um instante sequer — disse Cliff. — Apenas espero encontrar certas indicações. A reação de Marion é uma delas, e a recepção extremamente fria que acaba de nos ser dispensada é outra. Talvez encontremos mais alguma coisa. Quando vir alguma fábrica, vá em sua direção.

— Perfeitamente, chefe — disse Atan. O vôo prosseguiu.

Em torno da cidade estendia-se um tapete que se parecia com um gigantesco tabuleiro verde de xadrez. Os trabalhadores deste planeta, que se contavam aos milhões, deviam ser capazes de produzir quantidades enormes de diferentes tipos de planta. Cliff refletiu: alguma coisa o perturbava. Não era o quadro que estava contemplando, mas uma idéia. Desligou o amplificador da tela e dirigiu-se a Mario.

— Geralmente você tem memória excelente, meu caro. O que foi que Boolen disse? Quero as palavras exatas.

— Lamentou o tratado comercial e queixou-se de que não podiam usar armas de radiações e que não possuíam uma única nave espacial, nem sequer... Cliff!

Cliff McLane sorriu.

— Ah, então você também notou. Disse textualmente: "Nem uma única nave espacial, nem sequer uma nave lenta e antiga." Como poderia saber que uma nave antiga sempre é lenta?

Atan sacudiu a cabeça.

— Uma nave antiga e lenta, isso não me perturba. O que me perturba é o fato de ter mencionado nave antiga. Os rastros que encontramos eram de uma nave antiga.

— É verdade — interveio Mario de Monti. — Acontece que isso também são simples suposições. Ainda não temos nenhuma prova.

— Sem dúvida. Mas as peças do mosaico vão se encaixando.

— Marion Stadyonnex falou em minas que produzem certos minérios. Segundo diz, esse minério é retirado pelas naves terranas. Ao que parece há uma dessas minas ali à frente, à nossa direita.

O primeiro-oficial apontou para o local. Cliff voltou a ligar a tela com o amplifica-dor. Junto à cordilheira central erguiam-se edifícios escuros.

A nave auxiliar ganhou velocidade, desviou-se da rota anterior e tomou a direção das torres e galerias.

— Marion não está bem informada, ou então quis blefar. Acontece que o minério é trabalhado aqui mesmo e o metal é transportado para Springhill. Já não se transporta a pedra que contém o metal.

— O transporte é realizado em naves dirigidas por robôs? — perguntou Cliff.

— Naturalmente — respondeu Mario.

Viram os mastros elevados, os gigantescos pavilhões e as torres da mina. Uma nuvem de vapor elevou-se, escurecendo o céu. A mina e as instalações de processamento de minério eram semi-robotizadas. Bastava supervisionar seu funcionamento. Trabalhava-se febrilmente, mas não se via nenhum ser humano.

— Quanto tempo demoraremos por aqui? — perguntou Mario.

— Não ficaremos mais que uma hora — disse Cliff, olhando para o relógio. Franziu a testa e examinou o mostrador. Encostou o pesado relógio ao ouvido.

— O que houve? — indagou Atan.

— Meu relógio parou — disse Cliff.

— Isso é impossível — explicou o astronavegador. — Um relógio de quartzo só pára depois de alguns anos, se é que pára. Pelo preço que custam, deviam funcionar para toda a eternidade.

— Deviam funcionar — disse Cliff, sacudindo seu relógio. — Acontece que não funcionam.

O relógio parará no interior do edifício da administração do porto, pois ainda marcava a hora registrada no diário de bordo eletrônico.

— Pedirei que alguém me dê outro relógio — disse Cliff. — Vamos pousar, Atan.

— Pedirá a Tamara, não é? Será que seu soldo será suficiente para isso?

Cliff sorriu.

— O problema não é seu, meu caro.

A recepção naturalmente seria tão fria como a que lhes fora dispensada pelo inspetor do porto. Por isso resolveram pousar no interior da usina, junto a uma construção que parecia abrigar a central de comando do complexo.

Trancaram a escotilha da comporta com o fecho especial e saíram da nave. Caminharam por uma rua pavimentada coberta por uma poeira fina e cinzenta, em direção à porta quadrada metálica, que se encontrava fechada. Bem abaixo da cordilheira o minério era retirado das entranhas do planeta; aqui em cima procedia-se à separação do ferro e da pedra. As naves robotizadas levavam os lingotes de ferro-gusa para Springhill. Era lá que ficavam os estaleiros terranos. Cliff mexeu na alavanca da porta de metal e procurou abrir a chapa. Esta não se moveu.

— Deixe-me tentar — disse Mario, forçando os músculos ao máximo e apoiando o corpo ao caixilho. A porta estava trancada por dentro.

— Eu já disse — observou Atan em tom seco. — Somos muito estimados por aqui.

Cliff olhou em torno e viu um vulto atrás da janela. Afastou-se da porta metálica, parou junto à vidraça e bateu. O homem virou-se, olhou para Cliff e deu de ombros. Também era calvo e barbudo.

— Abra! — gritou Cliff.

Com uma lentidão irritante, o homem que vestia jaleco de laboratorista afastou-se da janela e desapareceu em meio a um arranjo complicado de mesas e aparelhos de ensaio. A parede dos fundos da sala era coberta por um gigantesco painel de chaves. Cliff voltou lentamente.

— Vamos seguir o caminho macio ou o caminho duro, chefe? — perguntou o primeiro-oficial, tirando a arma do bolso.

— Por enquanto seguiremos o caminho macio. Venham, vamos dar uma olhada.

Andaram por entre fitas transportadoras cercadas de construções, entre tubulações e vias de radar das instalações transportadoras, dirigindo-se ao pavilhão principal. Quando chegaram mais perto, viram junto a um muro elevado as instalações do elevador e as cabines de controle que pareciam ninhos de andorinha. Cliff os apontou e disse laconicamente:

— Vamos ver se por ali descobrimos mais alguma coisa.

Conseguiram abrir a porta e subiram num elevador espartano. Depois saltaram e chegaram a um painel de controle abandonado. Mario abaixou-se rapidamente e colocou a mão no assento.

— Ainda está quente. Foi abandonado quase neste instante.

Atan sacudiu a cabeça e olhou pelas vidraças inclinadas. Parecia nervoso. Mais embaixo, viram as instalações semi-automáticas onde o metal e a pedra eram separados num processo contínuo. O plano de ligações da instalação estava registrado num painel.

— Mario, você é perito no assunto. De onde provém a energia consumida por estas instalações? — perguntou Cliff, apontando para os relógios.

— Se estou bem informado, por aqui existem alguns reatores atômicos que garantem o suprimento de energia. Sei que foram comprados em Terra por um preço muito elevado.

— Será que esses reatores podem produzir mais energia que aquela consumida aqui?

— Sem dúvida é possível — disse Mario. — Mas só se essa gente fosse inexperiente ou tola.

— Por quê? — Atan virou-se e encostou-se relaxadamente contra o quadro de chaves.

Quase cem metros abaixo do lugar em que se encontravam, pesados carros robotizados levavam o minério liquefeito através do pavilhão.

— Porque uma equipe de técnicos terranos poderia controlar o fluxo de energia. Um reator atômico não é nenhum bloco energético, que a qualquer momento fornece a energia. O reator precisa de um extenso equipamento de segurança, de refrigeração e outros mais. Por aqui não encontraremos nada.

— Compreendo — disse Cliff. Olhando para os companheiros, balançou os ombros. — Vamos adiante.

O elevador estava com defeito. Desceram mais de oitenta metros e sentiram-se tontos quando saíram do poço.

— Mais um elemento suspeito — resmungou Cliff. — Vamos voltar à Lancet.

Procuraram orientar-se. Passaram entre os grandes radiadores. Vozes confusas atingiram seus ouvidos. Pararam. Cerca de trinta homens, todos calvos e barbudos, cercavam um homem de jaleco branco, que parecia fazer um discurso.

— Talvez esteja explicando a eles que somos trapaceiros e indivíduos de mau caráter — observou Atan Shubashi em tom pensativo.

— Vamos até lá para ouvir o que está dizendo — disse Cliff.

Aproximaram-se do grupo. O barbudo lançou-lhes um olhar, mas não interrompeu seu discurso. Subitamente o perigo parecia pairar sobre o ar poluído.

— Segundo os ensinamentos deixados por Sahagoon, a tecnologia é uma coisa má — disse o homem, cujos ouvintes pareciam fascinados. — Quando ultrapassa certo nível, assume feições determinantes e reduz o homem livre à servidão. A tecnologia deve ser então exterminada. Mas nunca conseguiremos fazer isto se a combatermos apenas com as mãos.

— Até que ele tem razão — disse Atan.

— Deve haver uma possibilidade de combater a tecnologia — continuou o orador.

Mesmo estas palavras não podiam ser aceitas como prova, mas contribuíam para a impressão geral. Cliff ouviu-o muito concentrado e pensou no relógio parado.

— E essa possibilidade existe — prosseguiu o orador. — No plano teórico pode ser concebida da seguinte forma: recorre-se à tecnologia para produzir alguma coisa que se dirige contra o criador. Trata-se de uma bomba que não afeta os homens ou os animais, apenas destrói a tecnologia. É esta a sabedoria que podemos extrair da doutrina.

Cliff sorriu, respirou profundamente e perguntou em voz alta:

— Como irão arar seus campos, quando a tecnologia tiver destruído as máquinas?

— Com a mão e com animais de tração

— disse o orador.

— Isso não ajudará suas exportações — observou Cliff em tom seco.

— Quando isso acontecer, a questão das exportações já não será muito importante — disse o homem e virou-se. — Além disso, não tenho tempo para dialogar com o senhor. Vamos ao trabalho. Faço votos de que os terranos não demorem em deixar-nos.

— Isso é muita gentileza de sua parte — gritou Atan, vendo o grupo dispersar-se.

— Que Charles C. proteja sua debandada — disse Mario em tom zangado.

Cliff sacudiu a cabeça e retirou-se. Quando chegou à nave auxiliar, viu que junto à comporta estava pintada alguma coisa com tinta branca. Eram letras, palavras. Mario e Atan colocaram-se a seu lado.

— Aqui — disse e acionou o transmissor de impulsos. A escotilha da comporta abriu-se. — Aquela gente realmente nos ama.

Sobre o metal estava escrito: Terranos! Saiam de Sahagoon! Cliff recolheu a escada e, uma vez no interior da Lancet, deixou-se cair pesadamente numa poltrona. Atan entrou, e atrás dele Mario. Fecharam a nave pelo lado de dentro.

— Vamos decolar, chefe? — perguntou Atan.

Cliff limitou-se a fazer um gesto afirmativo.

— Você não notou — perguntou depois de algum tempo, quando a Lancet sobrevoava uma zona de vales e desfiladeiros — que todo mundo age como se quisesse livrar-se de nós o quanto antes?

Mario soltou uma gargalhada rouca.

— Dificilmente alguém deixaria de notar — confirmou. — Isso me faz lembrar certas aves que fazem de conta que não sabem voar a fim de afastar a fera para longe do ninho. Quando se acham a uma boa distância do ninho, saem voando.

— Era exatamente isso que eu queria ouvir de você — disse Cliff em tom decidido. — Essa gente esconde alguma coisa e, com seus modos encantadores, querem conseguir que levantemos vôo quanto antes, deixando-os à vontade.

— Acontece que não temos provas — concluiu Atan — Aonde vamos?

— Vamos voar por aí — disse Cliff. — Talvez o acaso nos ajude.

Uma hora passou-se. A Lancet deslocava-se silenciosamente ao longo das montanhas. Parte do planeta ainda era inexplorada. A expansão realizava-se a partir de três cidades. Três círculos gigantescos iam avançando seus limites. Suas zonas centrais, formadas pelas cidades redondas, transformaram-se em pontos de comércio e de cultura, muito embora os habitantes do estranho planeta quisessem fazer crer que dispensavam voluntariamente a riqueza, o luxo e outras amenidades da vida. Cliff sabia por experiência própria que, também aqui, devia haver elementos rebeldes, mas estes seriam impedidos de entrar em contato com os terranos.

Viram manadas gigantescas correndo sobre pastagens que pareciam estender-se ao infinito. Havia algumas cabanas, que provavelmente serviam de abrigo aos pastores errantes, mas nenhuma estrada, nenhuma barragem, nada. Um pouco mais interessante foi a descoberta de Mario de Monti.

Sem tirar os olhos da tela, pôs a mão para trás e pegou o braço de Cliff. Puxou o coronel para junto de si e apontou para a imagem nítida, real e colorida que brilhava à sua frente.

— O que é isso? — perguntou.

— Não tenho a menor idéia — disse Cliff. — Vamos continuar a aplicar o parágrafo sete, Atan. Pouse nas proximidades do lugar. Se possível, sem que ninguém perceba.

Inclinou-se para a frente e ligou todos os aparelhos de rádio de que dispunha a pequena nave. O disfarce foi excelente: um grupo de árvores disposto de forma oval, entremeado de uma densa vegetação rasteira. Ficava numa encosta inclinada, sobre a qual estavam espalhados blocos de rocha verde. No meio da relva, erguia-se uma antena longa e esguia. O brilho do sol estragara o disfarce. Os detalhes foram aparecendo, como se tivessem diante de si um slide.

— É interessante — cochichou Mario. Numa reação instintiva, pôs a mão na arma. — É muito interessante.

O quadro tornou-se mais nítido, pois a Lancet aproximava-se do local. Cliff pegou o microfone, ligou-o e disse a meia voz, mas com bastante ênfase:

— Aqui fala McLane. Encontro-me a bordo da Lancet. Chamo o tenente Legrelle. Helga, responda. Lancet acaba de descobrir uma instalação camuflada. Emitiremos um impulso goniométrico. Se não chamarmos dentro de trinta minutos, decolará nesta direção e nos procurará. Entendido?

Helga respondeu em tom nervoso:

— Entendido. O que houve, Cliff? Cliff engoliu em seco e respondeu:

— Não faço a menor idéia. Parece uma estação de rádio muito bem escondida. Vamos dar uma olhada.

— Está bem. Boa sorte.

Com um chiado, as colunas de apoio saíram da parte inferior da nave no momento em que Atan imobilizou-a pouco acima do solo. Por entre as copas transparentes, os troncos erguiam-se. O ruído dos arbustos que se esfacelavam e quebravam sob o peso da nave penetraram pela chapa relativamente fina que revestia o veículo. A comporta abriu-se lentamente.

— Atan, fique aqui e preste atenção ao que se passa ao seu redor. Pode realizar medições energéticas, caso isto realmente seja uma estação de rádio.

Cliff e Mario já se encontravam com um pé sobre a escada que dava para a parte inferior da nave. Dentro de alguns segundos estariam do lado de fora. Em algum lugar um pássaro chilreava bem acima de suas cabeças. Depois ouviram ruídos indefinidos.

— Vamos aproximar-nos cautelosamente — cochichou Cliff.

Moviam-se rapidamente e com a cabeça abaixada em meio aos troncos, procurando rastos ou algum caminho. Não encontraram nada. Rastejaram em ziguezague em direção ao centro do bosque. Diante deles, surgiram construções semi-esféricas pintadas de verde. Cliff reconheceu nelas as construções pré-fabricadas utilizadas durante as expedições, com as quais trabalhara no tempo de cadete.

— Made in Terra — disse em voz baixa.

Encontravam-se em meio a uma vegetação espessa, entre duas das construções em forma de iglu. As cúpulas destas atingiam mais de três metros de altura. McLane contou quatro, muito bem escondidas sob as árvores. Entre elas havia uma área livre, formada por pedras batidas. Não se via nenhuma pista. No centro da praça retangular, erguia-se a antena. Alguns cabos de aço davam-lhe apoio. A área parecia abandonada.

— Você me dará cobertura — cochichou Cliff. Destravou sua HM-4 e, passando entre os iglus, saltou em meio à área livre. Girou uma vez em torno de seu próprio eixo. O cano do projetor, mantido na altura dos quadris, apontava para o bosque, para os intervalos entre os iglus e as próprias construções. Nada se movia.

Cliff aproximou-se cautelosamente de um dos iglus, girou a tramela e abriu a porta convexa. Foi um movimento lento; até parecia que com ele poderia ser desencadeada uma explosão. Cliff desapareceu no interior da cúpula. Mario de Monti aguardou-o bastante preocupado. Ouviu os ruídos naturais da mata: galhos estalaram, uma ave passou ruidosamente entre os ramos das árvores, um graveto estalou. O vento assobiava. Vários segundos passaram-se.

Mario ergueu a arma. Com um único tiro poderia incendiar o bosque. Prestou atenção às folhas que se moviam, pois não podia imaginar que não houvesse ninguém na estação. Provavelmente haviam constatado a aproximação da Lancet e fugiram. Não viu nada que pudesse ser interpretado como indício de um ataque iminente. Avançou cautelosamente, até olhar para dentro do iglu. Viu luz no seu interior.

— Cliff! — disse baixinho.

McLane apareceu. Havia um sorriso contrariado em seu rosto. Olhou para Mario e fez-lhe um sinal.

— Olhe só o que encontrei.

Mario atravessou o restante da área livre e entrou no iglu. Viu à sua frente um estúdio pequeno mas bem montado. Parecia abandonado, mas não encontraram nenhuma poeira. Os mostradores e instrumentos estavam sem energia.

— Um transmissor!

— Isso mesmo — respondeu McLane. — É parte de um transmissor. É claro que pode ser uma estação destinada a este planeta, se bem que a antena parece ser muito pequena. Vamos examinar o resto.

Fez um sinal para Mario. Contornaram a face interna do iglu. Havia poltronas, uma biblioteca formada por cassetes e por volumes manuscritos, vários painéis e fitas paralisadas. Foi só.

— Não é um hipertransmissor — disse , Mario, saindo do iglu. — Vamos ver outra construção.

O iglu seguinte parecia abrigar uma espécie de redação. Estava tudo muito bem arrumado, e até o gigantesco relógio em cima da escrivaninha estava parado. Na parte dianteira deste móvel havia três videofones. Cliff ligou-os um atrás do outro. Não havia energia. O terceiro iglu era um estúdio. Uma poltrona, uma mesa, a lâmina de um videofone e algumas cortinas que absorviam o som.

— Gostaria de saber para que serve um estúdio de rádio completo aqui nas montanhas — disse Cliff, enquanto fechava a porta e corria em direção ao quarto iglu.

Também aqui a porta convexa foi aberta sem a menor dificuldade. No iglu havia um reator atômico, também desligado.

— Vamos voltar — disse o coronel. — Voltaremos à Lancet. Isso ultrapassa minhas atribuições. Quem vai decidir é Villa.

Fecharam a porta e Cliff virou-se.

— Atenção, Mario! — gritou. Virou-se abruptamente e bateu com a mão aberta entre as omoplatas de Mario, atirando-o ao chão. Mario agiu imediatamente, enquanto Cliff dava um salto enorme na direção oposta. O raio branco de uma arma de radiações atravessou o ar. Cliff rolou para o lado, rastejou para dentro da vegetação e sentiu a pele ser penetrada pelos espinhos. Parou e atirou no espaço situado entre duas das cúpulas verdes. À sua frente, Mario estava encostado a uma das árvores resinosas, fazendo pontaria. Um raio de fogo saiu do cano da HM-4 e incendiou um arbusto. Cliff também disparou. Ouviu um ruído vindo da esquerda. Alguém fugia pelo mato em desabalada carreira.

Cliff ergueu-se, correu bem para a frente e viu-se na beira do mato. Cautelosamente, mas rápido e em silêncio que nem um felino, moveu-se junto à beira do mato, para a esquerda. A arma pronta para disparar descansava em sua mão. Mais uma vez, ouviram-se os ruídos, seguidos do chiado de uma potente arma energética. Abriu uma brecha entre os galhos bem à frente do comandante, mas passou sem produzir maiores danos.

A seguir, Cliff ouviu os passos: alguém corria. Disparou pelo terreno descoberto. À sua esquerda, aquele alguém corria encosta abaixo em desabalada carreira. Era um colono Cliff viu a cabeça calva. Quando moveu a cabeça, Mario saiu da vegetação como se fosse um urso e levantou a arma. Porém logo recuou. Cliff apontou para o homem que fugia. Ajoelhou. Apoiou o cano da arma na curva do cotovelo, fez pontaria e disparou. O raio da grossura de um lápis atingiu um dos blocos de pedra, situados dois metros acima da cabeça do fugitivo. A rocha derreteu e os fragmentos zumbiram pelo ar.

— Pare, homem! — berrou Mario.

O fugitivo não lhe deu atenção. Continuou a correr encosta abaixo, como se o diabo em pessoa estivesse atrás dele. Subitamente parecia que alguém o segurava em meio à corrida. Parou, atirou os braços para o alto e girou. Cliff e Mario viram que um raio de fogo vindo da frente e da esquerda o matara. O desconhecido caiu lentamente.

— Vamos até lá; com cuidado — disse Cliff.

Corriam, mas com a maior atenção. Nada se movia. Quando haviam percorrido mais ou menos metade da distância que os separava do morto, ouviram o uivo da máquina. Parecia ser um veículo pesado e capaz de deslocar-se em terreno irregular. Deslocava-se em alta velocidade. Os ruídos foram refletidos pela rocha. Por fim, um bosque os engoliu. O silêncio voltou a reinar.

— Devagar — disse Cliff. — Este homem não fugirá.

— Dificilmente — observou Mario em tom seco. — Evidentemente Charles C. era contra ele.

— Parece que sim.

Quando se encontrava a vinte metros do morto, Cliff colocou o transmissor de pulso junto à boca.

— Atan! Faça o favor de pousar a Lancet junto à encosta. Você nos verá. O resto fica para depois. Fim.

Chegaram ao morto. Não havia a menor dúvida: era habitante de Sahagoon. Fora atingido por um disparo de radiações, que devia tê-lo matado imediatamente. Em seu rosto desenhava-se a expressão de um enorme espanto. O primeiro-oficial abaixou-se e pegou a arma, que se encontrava a alguns metros do cadáver.

— É uma HM-4 novinha em folha — disse, contemplando a arma com uma expressão que quase chegava a ser de veneração. — E em Sahagoon as armas energéticas são proibidas!

— O resto da história é da alçada do coronel Villa — disse Cliff com a voz débil.

A Lancet pousou silenciosamente. Atan correu para junto dos companheiros e pediu que estes lhe contassem o que havia acontecido.

— Entregaremos o morto a Boolen e decolaremos imediatamente em direção a Terra — disse Cliff. — Logo após expediremos uma mensagem pelo rádio. Villa poderá fazer o que achar mais conveniente. Os sahagoons cometeram um erro pequenino, mas decisivo.

Carregaram o cadáver para dentro da Lancet, colocaram-no junto à comporta e decolaram. Cliff entrou em contato com a Orion e relatou os acontecimentos. A nave levou cerca de uma hora e meia até que Atan a pousasse habilmente junto ao edifício da administração do porto. Coronel McLane e Mario carregaram o cadáver para baixo. Subitamente a porta abriu-se. Boolen surgiu e fitou-os.

— O que significa isso? — perguntou em tom penetrante.

Cliff não respondeu. Fez um sinal para Mario. Carregaram o cadáver para o escritório, colocando-o junto à entrada. Depositaram-no sobre uma mesa, em meio a montes de papéis e caixas. Um sahagoon recuou em silêncio até a parede; estava pálido como cera.

— Pergunto — disse Boolen. Sua voz tremia de raiva e ódio. — O que significa isso?

Cliff cruzou os braços e exibiu um sorriso perigoso.

— Encontramos uma estação muito estranha nas montanhas — disse. — Enquanto a revistávamos, alguém atirou contra nós e saiu correndo. Outro sahagoon liquidou-o com uma arma de radiações.

Depois afastou-se num carro, demonstrando uma pressa plenamente compreensível. Dali se conclui o seguinte:

"Em Sahagoon existem armas de radiações. Isso constitui infração ao artigo terceiro das normas de segurança. Ainda, houve uma tentativa de assassínio contra dois terranos. Além disso, foi praticada uma tentativa de assassínio contra dois astronautas. Também foi assassinado um terrano colonial. O senhor há de compreender que dentro de poucos dias a frota do Serviço de Segurança Galático vai aparecer por aqui e vasculhar o planeta — Cliff fez uma pausa e fitou os olhos de Boolen. — O senhor cometeu dois erros, Boolen — disse em tom de ameaça. Boolen ergueu as sobrancelhas.

"O senhor exagerou. E não impediu o ataque. Não sei o que está sendo tramado por aqui, mas posso garantir-lhe que descobrirei. Que Charles C. o proteja. Terão uma necessidade tremenda de seu auxílio."

Virou-se, dando as costas a Boolen. Foi à nave juntamente com Mario. Atan já colocara a Lancet no tubo de aterrissagem e fechara o envoltório da nave. Sem dizer uma palavra entraram no elevador central. Cliff deu partida à Orion. O disco atravessou velozmente as nuvens, mergulhou na sombra de Sahagoon e ganhou velocidade. A tripulação estava reunida na cabine de comando .

— Helga, expeça uma mensagem ao SSG: "Coronel McLane, da Orion VIII ao Serviço de Segurança Galático. Solicitamos envio de unidades de investigação para Sahagoon. Motivo: atitude hostil da população, instalações suspeitas, assassínio de um habitante do planeta, tentativa de assassinato praticada contra McLane e De Monti e posse de armas energéticas proibidas. Encarecemos urgência. Pedimos confirmação. Fim."

A fita correu, e a antena da nave irradiou a mensagem pelo hiperespaço. Dali a um minuto, Helga disse:

— A confirmação chegou, Cliff.

Mario já se encontrava junto ao elemento de introdução de dados e mantinha os dedos sobre as teclas.

— Rumo a Terra, coronel?

Cliff limitou-se a confirmar com um gesto.

A Orion mergulhou no hiperespaço e correu vertiginosamente em direção a Terra. Cliff sabia que sua suspeita se confirmara. Mas havia uma coisa que não sabia: que os funcionários do Serviço de Segurança Galático já o aguardavam.

Não para agradecer-lhe...

 

A ORION VIII pousou. Uma vez recolhidos os enormes campos energéticos, a tripulação desceu. Cliff e seus quatro amigos pararam na primeira comporta pressurizada, entregaram os registros do vôo e aguardaram que a segunda chapa de aço se levantasse. Iam prosseguir, mas... seis homens do Serviço de Segurança Galáctico os aguardavam.

— Vamos com calma — disse Cliff com um sorriso. — Antes de mais nada, tenho de lavar as mãos. Depois apresentarei meu relato a Villa.

O mais graduado dos agentes sacudiu a cabeça e disse em tom apressado:

— Isso é impossível. Villa deu ordem para que o senhor e sua tripulação fossem levados imediatamente à sua presença.

— Um dia destes Villa vai morrer sufocado de tanta desconfiança, e então teremos um bom chefe de segurança a menos — resmungou Cliff. — Companheiros, vamos submeter-nos à violência.

Foram levados a um corredor quase deserto, onde um carro robotizado vazio já os aguardava. Os agentes do serviço de segurança não lhes deram outra alternativa; todos os cinco tripulantes da Orion sentaram no veículo e este disparou. Sua máquina arrastou-o com um zumbido através do corredor que parecia não ter fim. Acabou por descrever uma curva fechada e parou diante de um conjunto de portas, plataformas, escadas e rampas.

— Por aqui.

Cliff fitou o mais graduado e disse:

— O quê?

— Por aqui, faça o favor.

A barreira de fluxos luminosos tremeluzia sem ruído. Um dos agentes do SSG dirigiu-se a um videofone, apertou um botão e parou diante das lentes.

— Pois não — disse a voz de Villa; a tela continuou apagada.

— Coronel Villa, a tripulação da Orion está esperando.

— Queira fazer entrar McLane e seus subordinados.

A voz de Villa era fria e indiferente como sempre. Cliff parou; parecia surpreso. Villa, Wamsler, o general Van Dyke, Kublai-Krim, Von Wennerstein e Sir Arthur estavam reunidos em torno da mesa. Outras poltronas estavam ocupadas por oficiais do SSG. Cinco lugares contíguos ainda estavam vazios.

— Bom dia, cavalheiros — disse McLane. — Ao que parece encontro-me no plenário de uma assembléia dos serviços de defesa. Ou será que não estou?

O sorriso de Villa foi ligeiro e sarcástico.

— Sua suposição é correta, McLane. E o motivo da assembléia é o senhor. Mas faça o favor de sentar.

Cliff e os demais tripulantes da Orion sentaram sem dizer uma palavra.

— De que se trata, coronel Villa? — perguntou McLane.

— Trata-se de certo metal, coronel — disse Villa.

— Um metal secreto e extremamente perigoso, McLane — disse Sir Arthur.

— Já compreendi. É a pulseira? — perguntou Cliff.

— Isso mesmo — respondeu Villa. — Onde arranjou aquilo?

— Prometi dizer-lhe assim que veja o resultado da análise — retorquiu Cliff prontamente.

— A análise está aqui, coronel. Tem certeza de que quer ouvir tudo?

McLane respondeu com um gesto afirmativo.

— Tenho certeza absoluta, coronel Villa.

Villa fez um sinal quase imperceptível a um dos homens que o rodeavam.

— Trata-se do metal designado como kapa 19 plus. No momento é a coisa mais secreta que existe no planeta Terra. É praticamente impossível e inconcebível que o processo de fabricação desse metal tenha sido revelado a alguém. Os cientistas que trabalham com o mesmo resolveram submeter-se a uma clausura voluntária. Além disso, nem mesmo uma usina muito bem instalada poderia fabricar este metal pelos métodos conhecidos.

— Ah! — disse Cliff em voz alta. Wamsler girou pesadamente o corpo e fitou McLane com uma expressão sombria.

— Até agora nenhum objeto foi fabricado com este metal — prosseguiu o oficial do serviço de segurança. — Conhecemos perfeitamente a teoria do processo de fabricação, mas não conseguimos impedir que durante o processo de consolidação surjam cristais que inutilizam o metal. Há anos trabalha-se intensamente na produção dessa liga especial. Trata-se de um material utilizado na fabricação dos novos propulsores. Deve ser muito leve e, ao mesmo tempo, muito resistente, pois tem de suportar temperaturas e pressões inacreditáveis. Até agora nenhum laboratório terrano conseguiu fabricar qualquer objeto do kapa 19 plus.

O oficial voltou a sentar e fechou a pasta.

— Onde arranjou a pulseira? — perguntou Villa.

— Bem — disse McLane. Fez uma pausa e levantou a mão. — Por favor, não se assustem. Eu a encontrei no cassino. Estava jogada em cima de uma mesa.

— Quando? — perguntou Villa em tom áspero.

— Duas horas antes de eu lhe ter entregado.

— Não sabe de quem era?

— Não — disse McLane, percebendo que Mario estremecera de susto. — Não sei. Se soubesse, não perderia tempo; agiria imediatamente.

— Ora essa! — disse Villa em tom enfático. — O senhor é a única pessoa que sabe da existência deste metal.

Cliff sorriu e sacudiu a cabeça.

— Dificilmente. A pessoa que perdeu o objeto também deve saber do que se trata. Portanto, são pelo menos duas pessoas, coronel Villa.

— Sua lógica é irrefutável, McLane, mas isso não lhe serve de desculpa — disse Von Wennerstein em tom indignado. — Tem mais alguma coisa a dizer?

— Muita coisa — disse McLane. — E diz respeito a uma conspiração que está sendo tramada no planeta de Sahagoon.

— O que está acontecendo em Sahagoon? — berrou Wamsler.

— Deixe que lhes conte. Tenho quatro testemunhas e o diário de bordo. Aliás, a frota do SSG foi enviada para lá, coronel Villa?

Villa fez um gesto afirmativo.

— Está revistando Sahagoon e também, sob a direção de Tamara, a base de Springhill.

Cliff sentiu-se tranqüilizado.

— Vou contar o que vimos em Sahagoon — disse. — Depois, gostaria de expor minhas teses, mas provavelmente os senhores mesmos tirarão suas conclusões.

A atmosfera no amplo gabinete estava muito tensa. Na projeção da esfera espacial, várias luzes tremeluziam no setor Dois/Norte. Cliff relatou.

Solicitou ligeiros pronunciamentos dos colegas e terminou seu relato com a mensagem por ele expedida.

— Todos sabemos que Sahagoon está tramando alguma coisa — disse em tom enfático. — A atmosfera que prevalece por lá não é nada sadia, e os habitantes odeiam o planeta Terra. Dispomos de uma série de observações, mas as mesmas ainda não formam um quadro coerente. Temos a impressão de que aquilo que tem de ser feito deve ser providenciado com a maior urgência.

Por um instante houve um silêncio geral. Os membros do comitê de defesa procuraram analisar os elementos de risco e reunir as peças do mosaico num quadro.

— Coronel Villa, o senhor sabe em que lugar estão sendo realizados os trabalhos com o metal kapa 19 plus? — perguntou McLane depois de algum tempo.

Villa lançou um olhar hesitante para Wamsler e Kublai-Krim.

— Posso dizer?

— Isso não pode fazer mal a ninguém; afinal, McLane já conhece os outros dados — disse Kublai-Krim. — Fale.

— Os cientistas são mantidos em clausura em Springhill — comentou Villa baixinho.

— Springhill... — murmurou McLane em tom sombrio. — Esse planeta fica em Dois/Norte 374, e Sahagoon fica em Dois/Norte 401. Não perceberam nada? As barras do minério extraído e processado em Sahagoon são levadas para Springhill em naves robotizadas. Com tudo isso, é perfeitamente possível que de Sahag City enviem sabotadores ao planeta do aço.

O pavor espalhou-se pela sala.

— O senhor acha, McLane? — disse Sir Arthur num tom que quase chegava a ser de medo.

Cliff sacudiu a cabeça.

— Não acho, mas no meu entender trata-se de raciocínio perfeitamente válido. De qualquer maneira, não conseguiremos arrancar uma única palavra dos sahagoons. O planeta é habitado por fanáticos implacáveis, que vão buscar apoio numa doutrina ética absurda que é pregada por lá. Infelizmente aquilo que acabo de dizer constitui uma simples possibilidade, não uma certeza.

— Está bem — disse Villa. — Chamá-lo-ei pessoalmente assim que surja qualquer modificação, McLane. Desculpe a recepção um tanto espalhafatosa. O caso é que nos sentimos chocados com a idéia de que, além das poucas pessoas familiarizadas com o assunto, alguém pudesse saber qualquer coisa sobre o kapa 19 plus.

Com um sorriso sarcástico Cliff respondeu:

— Nos meus longos anos de serviço, desacostumei-me de demonstrar mais que uma surpresa comedida. Podemos retirar-nos?

— Naturalmente.

McLane levantou-se e fez uma mesura. Seus tripulantes também se levantaram e caminharam em direção à porta. De repente sentiram-se detidos por um forte zumbido. Villa ligou o videofone e disse laconicamente:

— Está certo; transfira a ligação para o círculo de projeção.

— Aqui fala a EA IV — disse uma voz impessoal. — Transfiro a mensagem audiovisual para o sistema de retransmissão. Veja a fotografia.

Tamara surgiu na tela. Cliff piscou; parecia surpreso.

— Encontro-me a bordo de uma das naves que pousaram em Springhill — disse Tamara. Quando viu McLane, deu uma ligeiríssima piscadela.

"Constatamos o seguinte: nos estaleiros de Springhill trabalham cem habitantes de Sahagoon. São muito apreciados como trabalhadores que exercem suas funções nos lugares mais quentes e perigosos e ganham mais que os outros. Apresentam uma extraordinária capacidade de resistência e dedicam-se ao trabalho com tamanha fúria que por várias vezes entraram em conflito com os sindicatos locais. Ao que parece, não mantêm qualquer contato com seu mundo; mas, por meio de perguntas capciosas descobrimos que estão muito bem informados sobre aquilo que acontece lá.

No momento, defrontamo-nos com um problema todo especial. Ao que tudo indica, durante a fabricação rotineira de metais destinados à construção de naves ocorreu uma pane. O produto elaborado desapareceu em circunstancias misteriosas. Evidentemente estamos revistando o respectivo complexo com um cuidado todo especial. Ficaria muito satisfeita se pudessem enviar-nos alguns reforços. De qualquer maneira, a esta hora todos os agentes do SSG já devem estar convencidos de que alguma coisa está acontecendo em Sahagoon. Voltarei a chamar assim que haja outras informações. Aconteceu algo de novo em Terra?"

Tamara sorriu. Cliff sabia que o sorriso destinava-se exclusivamente a ele.

— Existem algumas novidades sobre as quais a senhora precisa ser informada — principiou Villa.

Cliff fez um sinal para que sua tripulação o acompanhasse. A essa altura sua presença era perfeitamente dispensável. A barreira de fluxos luminosos apagou-se à sua frente. Cliff pediu para sua equipe que todos fossem almoçar em seu bangalô.

Ele, que não era amigo das atitudes contemplativas ou dos pensamentos sombrios, utilizou o sistema usual de elevadores e fitas rolantes, e por fim um pesado táxi movido a turbopropulsão, a fim de chegar ao seu bangalô, onde os robôs e as instalações eletrônicas automáticas levavam sua vida mecânica autônoma. De tão cansado que se sentia, ficou refletindo sobre se devia dormir. As idéias de Cliff Allistair McLane mantinham-no preso como se fossem amarras de aço. A intuição infalível do astronauta experimentado dizia-lhe que em qualquer lugar se formava uma constelação de circunstâncias capaz de transformar-se num perigo seríssimo para Terra. Dispunha de miríades de pecinhas do mosaico: Springhill, kapa 19 plus, as teorias extraídas das vivências e...

Teve de fazer um esforço para lembrar-se. Levantou, arrastou-se até a cozinha robotizada, pegou uma garrafa em estilo antigo e encheu um enorme copo de vinho tinto, e finalmente voltou à sala. Conseguiu comprimir algumas teclas que fizeram correr um fita. Era a peça de Thomas Peter: "A Nave Espacial que não Mais Voltou." Pegou um jogo de ferramentas, tirou do pulso o relógio de piloto, muito pesado e quase precioso. Por alguns segundos, fitou o mostrador. Lembrou-se do que pretendia fazer. Enfiou uma lâmina entre as duas metades da caixa e abriu-a. O mecanismo do relógio era formado por um conjunto de rodas, um cristal de quartzo e minúsculas peças móveis. Cliff arregalou os olhos quando viu o conteúdo confuso da caixinha metálica.

— Isso não pode ser verdade! — murmurou perplexo. Dirigiu a luz de uma lâmpada muito forte sobre o relógio e colocou-o sobre a mesa. Retirou da caixa de ferramentas uma lâmpada potente e pôs-se a examinar o mecanismo. O relógio estava totalmente destruído. A devastação ficara restrita às peças metálicas mais finas. As rodinhas, os fios muito finos e as molas, cuja espessura não era maior que a de uma folha de papel, se haviam transformado em pó. Apenas as partes mais grossas não haviam sido afetadas.

— Até parece que estou ficando louco! — fungou Cliff.

Moveu nervosamente a lupa e examinou a ruína tecnológica. A impressão de que estivera com esse relógio numa zona de destruição invisível e incontrolável impôs-se ao seu espírito com toda força. Onde teria sido?

O relógio parou... Onde foi mesmo? O relógio parou no gabinete de Boolen.

Era Sahagoon! No gabinete de Boolen havia alguma coisa que atacava o metal, transformando-o num pó molecular. Se tivesse permanecido mais tempo no lugar, a caixa do relógio, os eixos e os rolamentos mais volumosos também teriam sido atacados. Havia por ali alguma coisa que destruía o metal. Outra associação surgia em sua mente. O metal!

Alguma coisa, que fosse capaz de destruir o metal de uma rodinha minúscula de relógio, também poderia decompor peças do mesmo material, talvez mais fortes em seus componentes moleculares, e fragmentá-lo em minúsculos cristais. Qualquer metal. Até mesmo os suportes das rampas de decolagem, as barras de ferro embutidas no concreto, o envoltório das naves espaciais. Poderia realizar qualquer tipo de destruição que espalhasse a morte entre os homens. E o perigo poderia ser encontrado principalmente em Sahagoon.

No cérebro de Cliff Allistair McLane começaram a desenhar-se as conseqüências mais tresloucadas. A força desconhecida seria capaz de destruir Terra e tudo quanto representasse sua civilização. Poderia, por exemplo... As idéias de Cliff, atrapalhadas pelo cansaço, pelo vinho e pela música infernal de Thomas Peter, desmoronaram. Cliff adormeceu em meio ao ritmo alucinante. Quando despertou percebeu que tudo aquilo não passava de um pesadelo. O zumbido do videofone o despertara. Levantou-se devagar, ainda tonto de sono.

 

CLIFF levantou o pulso para olhar o relógio, porém percebeu que não o portava. Pela janela, viu que o dia estava raiando. Havia dormido bastante. O zumbido do videofone continuava a cortar o silêncio da sala.

— Nada de pressa — murmurou Cliff e dirigiu-se ao aparelho.

Comprimiu a tecla de resposta. No mesmo instante a tela iluminou-se e o alto-falante começou a funcionar.

— Aqui fala McLane — resmungou Cliff, ainda sonolento.

— Aqui fala o gabinete de Villa. Farei a ligação.

Notando a aparência de Villa, Cliff não poderia afirmar se ele havia dormido naquela noite ou não.

— Dentro de quanto tempo poderá decolar?

— Aproximadamente dentro de duas horas, coronel — disse, falando devagar. — Mas terei de reunir os tripulantes, que se encontrarão comigo apenas na hora do almoço, aqui no bangalô.

— Faça o possível para decolar o quanto antes. Os acontecimentos estão se precipitando. Acabo de receber notícias de sua amiga. Pousou em Sahagoon e estabeleceu contato com um grupo de resistência. Pede que o senhor lhe dê apoio. Faça o possível de pousar sem que ninguém o perceba. O pouso será realizado bem ao norte de Sahag City. É o lugar em que pousou a Beagle, com Tamara Jagellovsk a bordo. Por lá existem alguns depósitos abandonados, que servem de ponto de encontro. Procure encontrar-se com os elementos da resistência juntamente com Tamara, a fim de descobrir o que está acontecendo em Sahagoon. Se houver combates, intervenha. Antes de mais nada, preciso de informações. A telegrafista competente que o senhor tem entre seus tripulantes terá de ficar ininterruptamente junto ao rádio. Se houver necessidade de uma decisão mais importante, chame ou corra para cá. Entendido?

— Entendido — disse Cliff.

A comunicação foi interrompida. Cliff respirou profundamente.

— Eles rogarão uma praga contra mim, mas ordens são ordens — murmurou e passou a discar os números dos tripulantes. Acordou Ingrid, a esposa de Hasso, explicou-lhe a necessidade de entrarem em ação e fez com que ela lhe prometesse que encaminharia o marido até a comporta da Base 104. Depois chamou Helga Legrelle.

Com Atan as coisas foram mais difíceis. Insultou o comandante, o SSG e maldisse o dia em que resolvera ingressar na frota.

Só faltava De Monti.

— Aos poucos estamos nos transformando numa linha regular de transportes espaciais — comentou De Monti. — Não tenha receio. Serei pontual.

— Muito bem. Decolaremos dentro de cento e vinte minutos, aproximadamente.

Cliff foi para o banheiro e procurou espantar o cansaço por meio de uma série de duchas quentes e frias. Voltou, foi à cozinha e escolheu um café bem reforçado; sentou à mesa. Com um ar pensativo, contemplou os sinais de destruição existentes nas duas metades da caixa do relógio. Sabia que esquecera alguma coisa. Havia um significado secreto naquela poeira, isto é, nas peças do mecanismo destroçado. Deixou a mesa por conta dos robôs, abriu uma gaveta e tirou um velho relógio de pulso e finalmente mudou de roupa. Dali a trinta minutos estava pronto para decolar. O táxi veio para levá-lo a um dos elevadores.

Cliff apertou as mãos dos tripulantes.

— Agradeçam a Villa. Poderemos recuperar o sono quando estivermos a bordo. Os planos de decolagem estão prontos, Mario?

Na qualidade de primeiro-oficial, Mario de Monti estava autorizado em assinar por McLane.

— Tudo pronto. Podemos subir. A Orion está em posição de decolagem.

As comportas abriram-se e os cinco tripulantes foram ao elevador central, que já havia descido.

— A programação já foi realizada, Mario?

Mario fizera a programação para Dois/Norte 401, que colocaria a nave no curso a ser seguido para chegar a Sahagoon.

— Programação em ordem, Cliff.

Num vôo vertiginoso, o disco desapareceu das telas das estações de controle e aproximou-se da velocidade da luz. Cliff retificou a regulagem do piloto automático, ligou todos os sistemas de alarma e mandou que todos os tripulantes, com exceção de Hasso, fossem para os camarotes. Até o momento, não havia nada a fazer.

Dali a algumas horas: Cliff e Hasso estavam sentados na cabine de comando. Em torno deles só existia a vida mecânica dos instrumentos. As telas estavam apagadas e mudas. Na tela central, formada por uma placa redonda que se estendia diante da mesa de Cliff, só se viam as faixas do hiperespaço. Eram multicores, inidentificáveis e confusas.

— Você é engenheiro — disse Cliff sem qualquer intróito. — Existe algum meio de destruir metal?

— Um martelo, por exemplo — disse Hasso com um gesto contrariado.

— Não é isso, mas... — Cliff informou a seu interlocutor sobre a experiência que fizera com seu relógio. Hasso ouviu-o com a maior atenção e disse:

— É perfeitamente possível existir alguma forma de energia que possa ser dirigida contra a estrutura dos metais. Essa energia teria de dissolver as energias intra-atômicas do metal. Provavelmente este seria pulverizado num montão de minúsculos cristais.

Cliff lançou um olhar pensativo para seu relógio. Era um modelo antigo, mas ainda podia ser usado sem o menor receio.

— Como poderia ser essa energia? — perguntou. — Acredito que meu relógio tenha sido destruído no interior ou nas imediações do gabinete de Boolen.

— Podem ser vibrações ultra-rápidas, ou então um raio, ou ainda uma poeira que se gruda e dissolve a estrutura intra-atômica do metal. Não sei, Cliff.

— Mais uma pergunta. Será que esse algo misterioso seria capaz de destruir ou dissolver um objeto maior que um relógio?

— Naturalmente, Cliff.

Cliff deu uma pancada furiosa no braço de sua poltrona.

— Tudo isso são meras suposições. Acontece que por enquanto não disponho de uma única prova da exatidão de minha teoria. Aliás, Mario lhe contou onde arranjei a pulseira?

— Não — Hasso sacudiu a cabeça; parecia espantado. Cliff contou-lhe a breve história de como uma moça de Sahagoon, chamada Marion Stadyonnex, fizera o papel principal. Cliff tinha certeza de que esse truque colocava mais um trunfo em sua mão, que poderia ser usado quando a situação se tornasse dramática.

— Mais alguma pergunta, Cliff? — perguntou Hasso. — Desejo retirar-me. Se precisar de mim, basta acordar-me.

— Que Charles C. Sahagoon esteja com você — murmurou Cliff.

Naquele momento, nem desconfiava de que dali a algumas horas essas palavras irônicas adquiririam um sentido terrível.

A Orion VIII pousou em Sahagoon exatamente quarenta e cinco horas depois da decolagem, sob a proteção da madrugada. Seguiu o raio vetor da Beagle e pairou no ar ao lado da nave do SSG, permanecendo dez metros acima de uma superfície arenosa revolta e entrecortada, em meio a um vale escondido nas montanhas.

A escotilha da comporta abriu-se. Próximo do tubo do elevador, alguém estava de pé junto à outra nave. A figura desprendeu-se das sombras e dirigiu-se à nave que acabara de pousar. Cliff percebeu que era Tamara. Dali a poucos segundos apertou-a nos braços.

— O que está acontecendo por aqui, minha filha? — perguntou Cliff depois de alguns minutos.

— Muita coisa — cochichou Tamara. — Há trinta minutos estabelecemos contato pelo rádio com um velho que usa o nome Kaalon. Prometeu encontrar-se conosco.

Cliff ligou o rádio e perguntou:

— Quando e onde?

Tamara apoiou-se em seu braço.

— Daqui a trinta minutos, naqueles depósitos abandonados. Pede que esperemos por ele.

— Está bem — disse Cliff um tanto nervoso. — Levarei Mario.

Levantou a mão.

— Mario? — indagou, surpresa.

Era praticamente impossível medir a energia reduzida do rádio de pulso. Além disso a cidade de Sahag City ficava a dois mil quilômetros dali.

— Traga dois holofotes potentes, um transmissor de pulso e uma arma. E não se esqueça de trazer uma boa dose de espírito aventureiro.

— O que houve?

Cliff aguardou um segundo e procurou reconhecer os arredores em meio à escuridão.

— Vamos encontrar-nos com um elemento da resistência.

— Irei imediatamente.

Cliff colocou o braço em torno dos ombros de Tamara e perguntou:

— Vá contando devagarzinho. O que aconteceu por aqui? Por que interromperam nosso sono tão merecido para mandar-nos precipitadamente para cá? O que conseguiu descobrir?

— Um homem chamado Kaalon entrou em contato conosco. Disse que nem face à sua consciência, nem face à interpretação correta da doutrina sahagoonita, poderia conformar-se com a idéia de que, com base num espírito missionário bastante equívoco, o planeta se dispusesse a violar as leis que regem a vida e a morte. Propôs-se a conduzir-nos a um lugar em que estaria a chave do problema. Pediu que viéssemos buscá-lo aqui. Segundo disse, estava sendo observado.

— O que vem a ser esse aqui? — perguntou Mario, parado atrás dos dois.

— Ali há um pavilhão. Foi construído há vários séculos e em seu interior funcionou uma das primeiras fábricas do planeta. A fábrica foi desmontada e o pavilhão já não é utilizado para nada. Kaalon disse que dentro de vinte e cinco minutos poderíamos encontrá-lo por lá.

Cliff deu uma pancadinha no ombro de Mario.

— Vamos indo. Suponho que todos os instrumentos estejam guarnecidos no interior da Beagle.

Tamara fez um gesto sombrio.

— Não tenham a menor dúvida — respondeu. — A distância até o primeiro pavilhão é apenas de um quilômetro.

Deslocaram-se em direção ao sul pela vereda larga e arenosa. Conforme explicou Tamara, este foi um dos pontos a partir do qual foi realizada a exploração do planeta, há menos de dois milênios.

— Agora vamos ficar em silêncio — disse depois de algum tempo.

Viram à sua frente uma superfície arenosa retangular. Havia dois grandes pavilhões sem telhado. As ervas e a vegetação rasteira cresciam por entre as junções das placas de concreto que já haviam sido brancas. Outro pavilhão, um pouco mais baixo, rodeado de muros e cercas já caídas, encontrava-se bem perto dos três terranos.

— É ali? — cochichou o primeiro-oficial. Tamara limitou-se a fazer um gesto afirmativo.

A única iluminação era a luz das estrelas. A antiga fábrica oferecia um quadro fantasmagórico. A distância que os separava da porta do primeiro pavilhão era de uns cem metros. Entre os escombros e os terranos havia uma faixa de moitas, pequenas árvores e tufos de capim alto. Cliff olhou para o relógio. Faltavam quinze minutos. Andaram devagar e quase sem o menor ruído pela vegetação, até que apenas uma faixa de concreto coberta de vegetação, de cerca de quarenta metros de largura, os separava do pavilhão. Pararam.

Tamara cutucou Mario. De Monti voltou-lhe o rosto e, num gesto indagador, levantou a pesada lâmpada que trazia na mão esquerda. Tamara sacudiu a cabeça e apontou para o ouvido. Ouviram ruídos. Eram passos. Parecia que alguém caminhava em meio às ruínas. O barulho vinha da entrada do pavilhão. Cliff sentiu-se tentado a iluminar o lugar com sua lanterna. Mas sabia que com isso poderia colocar em risco toda a ação. Tamara pôs a mão em concha e cochichou no ouvido dele:

— Kaalon conhece nossa freqüência. Talvez estabeleça contato pelo rádio.

Cliff ligou o transmissor de pulso para a potência mínima e encostou-o ao ouvido esquerdo. Realmente, escutou um estalido e uma voz quase incompreensível.

— Aqui fala Kaalon. Estou chamando a Beagle.

Cliff cochichou:

— Estamos esperando o senhor bem defronte à entrada do pavilhão. Estamos armados. O senhor virá?

— Estarei seguro com os senhores? Estou sendo seguido.

— O senhor estará seguro, mas ande depressa — disse Cliff.

As últimas palavras do velho foram abafadas por uma interferência muito forte. Tratava-se de uma transmissão em potência extremamente elevada, que durou cerca de dois segundos. Alguém emitira um sinal na mesma freqüência, com força bastante elevada. Cliff deixou cair o braço e procurou enxergar o interior do pavilhão. Viu um raio de luz que parecia procurar alguma coisa e logo se apagou.

— Caramba! O que é isso? — fungou Mario.

Do lado do pavilhão, ouviu-se um forte rangido. Parecia que as paredes estavam prestes a desmoronar. Um grito prolongado de pavor soou em meio à escuridão; os passos tornaram-se mais rápidos e mais fortes. Mario precipitou-se para a frente e ligou o holofote. Um feixe de luz branca atravessou a área coberta de vegetação e perdeu-se no interior do pavilhão. O rangido tornou-se mais forte e perigoso. As pedras tombavam ruidosamente. O feixe de luz caiu sobre a figura de um homem que, naquele momento, se encontrava aproximadamente no centro do pavilhão. E, ao que parecia, estava correndo para salvar a pele.

— Olhe, Cliff! — disse Tamara em tom exaltado.

Cliff segurou a arma numa das mãos, enquanto a outra segurava a pesada lanterna. Dois feixes de luz cruzaram-se e iluminaram um velho de estatura baixa e barba branca. O rangido transformou-se num chiado, interrompido constantemente por estalos assustadores. A parede dos fundos também tombou, caindo para dentro. Ouviu-se um rugido. O homem, envolto por uma nuvem de pó, continuava a correr. Finalmente a fachada do velho pavilhão inclinou-se e soterrou-o sob os escombros. A luz dos holofotes foi absorvida pela poeira.

— É o fim — disse Mario tossindo.

— Alguém fez explodir o pavilhão — disse Tamara. — Kaalon realmente foi observado e perseguido.

— Não ouvi nenhuma detonação — disse o primeiro-oficial e virou-se. Parecia perplexo.

— Acontece que eu ouvi — disse Cliff, apagando o holofote. — As últimas palavras desse homem, que pagou com a vida a intenção de transmitir-nos certas informações foram abafadas por uma interferência. As pessoas que se encontram atrás dos instrumentos da Beagle poderão confirmar o fato.

Ficaram parados por mais algum tempo; mas por aqui não havia nada que pudessem fazer.

— Não venha me dizer que mandaram o pavilhão pelos ares com um simples impulso transmitido pelo rádio — disse Mario em tom indignado. — Isso viria contra a qualquer tipo de explicação razoável.

Cliff lembrou-se do relógio e da palestra que tivera com Hasso.

— Espero que dentro em breve possa provar-lhe que é exatamente isso.

Ligou o rádio e aproximou-o do queixo. A esta hora, qualquer forma de disfarce seria um contra-senso.

— Hasso. Faça o favor de decolar. Aproxime-se devagar do lugar em que nos encontramos e ative os raios de ancoragem. Procure remover os destroços do pavilhão. Daqui poderei orientá-lo. Rápido, por favor.

Tamara parou diante de Cliff.

— Pretende remover as ruínas do pavilhão?

Cliff confirmou com um gesto cansado. Iluminou os pés com a luz do holofote e disse:

— É nossa única chance de encontrarmos uma prova. Ao que suponho, acabamos de assistir ao funcionamento conjunto de um radio-transmissor roubado e de um detonador acionado pelo rádio, também roubado. Ambos provêm de Cumberland Mine.

— Talvez você tenha razão — disse Mario. — É bem possível que encontremos aquilo que estamos procurando.

A Orion aproximou-se sem o menor ruído. Permaneceu acima da nuvem de pó, ligou o aparelho que costumava ancorá-la aos satélites artificiais ou às superfícies das luas e subiu alguns metros. No campo energético surgiram barras de aço corroídas e as ruínas. O disco deslocou-se cem metros para a direita e desfez a ancoragem. Com um forte ruído, os destroços caíram ao solo; outra nuvem de pó subiu para o ar.

— Quanto tempo demorará isso?

— Algumas horas — disse Cliff, olhando para Tamara, que continuava de pé à sua frente. — Vou conversar com os especialistas de sua equipe.

— Aqui fala Conroy, operador de rádio da Beagle — disse uma pessoa da nave, respondendo ao seu chamado.

— Há poucos minutos o senhor constatou uma interferência na faixa de ondas pela qual estávamos falando?

— Perfeitamente, coronel — disse o operador de rádio.

— Quanto tempo durou?

— Exatamente dois segundos. O que significa isso?

— Conseguiu estabelecer a localização do transmissor? — perguntou Cliff em tom enérgico.

— Não. A interferência foi muito ligeira. Mas tenho certeza de que a fonte das emissões fica neste planeta.

— Obrigado — disse Cliff e viu que a Orion estava removendo a última camada de destroços. O vento, que se levantava ao amanhecer, soprando através do vale, levou a nuvem de pó. — Era exatamente o que eu queria ouvir; não esperava outra coisa.

Alguns homens saíram da nave do SSG e juntaram-se aos três terranos.

— Daremos uma busca rigorosa no terreno onde se encontrava esse pavilhão. Juntaremos tudo que conseguirmos encontrar.

Tamara apontou para o retângulo bem visível, em cujo centro se encontrava o cadáver, esmagado e irreconhecível. Assim que a luz do sol foi suficiente, puseram-se à procura. Foram dez pessoas ao todo. Os nove homens e Tamara procuraram sistematicamente e com a perícia de verdadeiros especialistas. Caminhavam entre o capim amassado e rastejavam entre nuvens de pó, mas apenas encontraram destroços e pedacinhos de aço que mais se pareciam com pedaços de papelão poroso. Dali a uma hora, Cliff, que caminhava no centro da fileira, levantou os olhos e viu o morto.

— Por enquanto não encontramos nada, chefe — disse Mario, que se encontrava na extremidade da fileira.

— Vamos continuar — disse Cliff em voz alta. Olhou para o relógio. — Que diabo! — gritou.

— O que houve? — com um salto, Tamara colocou-se a seu lado.

— Meu relógio — disse Cliff. — Parou de novo. É o segundo. O outro mais caro está no meu bangalô, totalmente desmanchado, e agora este também parou.

Deu alguns passos em direção ao cadáver. As vigas e pedras haviam esmagado o homem, transformando-o numa massa praticamente irreconhecível. Um dos braços estava estendido, e junto ao braço havia alguma coisa que parecia não ter sido atingida pela destruição. Parecia uma cassete aberta. Cliff ajoelhou-se e pegou-a. Era de metal e estava muito suja mas, por mais estranho que parecesse, não apresentava o menor arranhão ou amassadura. Cliff logo se lembrou do metal que Marion Stadyonnex deixara sobre .a mesa.

— Kapa 19 plus — disse perplexo.

— O quê? — Mario fitou a caixinha.

— Acho que já temos uma prova, Mario — disse Cliff com um ligeiro sorriso.

— Essa caixinha idiota?

Um círculo formou-se em tomo do coronel McLane. Mario percebeu o brilho orgulhoso nos olhos de Tamara que, segundo parecia, ainda se impressionava com o desempenho mental de McLane.

— Esta caixinha pode ser idiota, mas as pessoas que a fabricaram podem ser tudo, menos isso. Tal qual a pulseira, esta cassete também é feita de kapa 19 plus, o metal dos astronautas. Tem uma ligação com o desmoronamento deste edifício.

McLane lançou um olhar triste para o relógio, enfiou a cassete embaixo do braço e caminhou em direção à Orion VIII, que se mantinha imóvel no ar, a uns cem metros de distancia.

— O que pretende fazer? — perguntou um dos tripulantes.

— Antes de mais nada, pretendo tomar banho. Depois enviarei uma longa mensagem ao coronel Villa. Os acontecimentos estão tomando um curso dramático e bastante dinâmico.

 

Mario, Helga, Tamara e Hasso, com Atan e Cliff ao centro, estavam reunidos no camarote deste último. Era uma situação semelhante àquela em que se encontravam da última vez que trabalharam no patrulhamento espacial.

— Na qualidade de representante do SSG neste planeta, vejo-me obrigada a insistir em que a verdade me seja revelada — disse Tamara. — Do contrário eu o denunciarei junto a Villa.

Os risos colhidos por Tamara foram insignificantes. O perigo que McLane desvendara era muito grave.

— Acredito que a esta hora todos já conheçam as propriedades de kapa 19 plus. Conhecemos os objetos feitos de um metal que coloca problemas de soluções indecifráveis diante de nossos cientistas.

— A pulseira e a cassete — disse Mario.

— Isso mesmo. Parece que os habitantes de Sahagoon fizeram aquilo que o planeta Terra ainda não conseguiu: formar objetos com este metal. Aqui está a prova.

Cliff levantou a cassete.

— Que saliência é essa? Parece um contato acionável pelo rádio — disse Hasso, apontando para uma elevação redonda sobre a tampa da cassete.

— É um dos detonadores controláveis pelo rádio que foram furtados. Abre a tampa e por meio de uma explosão espalha o conteúdo da cassete. Não sei como e de que é feito, mas tenho a impressão de que se trata de uma substância em forma de pó ou areia. Foi exatamente o que aconteceu aqui.

Helga Legrelle levantou a mão.

— Quer dizer que esse homem chamado Kaalon pretendia entregar-nos esta caixinha como prova?!

— Isso mesmo. E alguém aguardou até que Kaalon se encontrasse num ambiente destrutível para acionar a cápsula comandada pelo rádio.

As pessoas que se achavam reunidas no camarote ficaram com os rostos rígidos. Compreenderam o perigo que ameaçava todos. Cada caixinha desse tipo poderia causar uma destruição incomensurável.

— Depois disso todas as vigas do velho pavilhão se esfacelaram, a coesão dos elementos tornou-se cada vez mais fraca e tudo desabou sobre a cabeça de Kaalon — concluiu Hasso.

— Foi isto mesmo — disse Cliff. — Ainda temos outra prova. O relógio que atualmente trago no braço também parou. Se tivéssemos permanecido lá por mais tempo, até mesmo nossos fechos magnéticos se abririam. Poderíamos ficar numa situação bem desagradável.

— E agora? — perguntou Tamara.

— É simples. Você sobe e transmite uma mensagem destinada a Villa. Evidentemente será uma mensagem codificada. Depois de relatar tudo, pergunte o que devemos fazer. Não me sinto seguro. Tenho a impressão de que por aqui poderemos buscar até cansar, e não encontraremos coisa alguma.

— Está bem — disse Tamara. — Já vou. Hasso levantou-se depois de Tamara ter saído e encostou-se à porta. Com uma expressão muito séria passou os olhos pelas pessoas que se encontravam reunidas e falou como se relutasse em dizer aquilo:

— Vocês podem imaginar o que acontecerá se os homens de Sahagoon tiverem depositado mais quarenta e nove dessas cassetes providas com fechos controláveis pelo rádio nos pontos nevrálgicos do poderio terrano? — fez uma pausa. — Um estaleiro de naves espaciais pode ser reduzido a escombros num espaço de poucos segundos. Poderemos ter milhares de vítimas.

Cliff levantou-se e passou por Hasso. Precisava fazer alguma coisa. Tinha de agir, senão enlouqueceria.

— Na 104 e nas demais bases terranas todas as ligas metálicas serão destruídas. Já imaginaram o que acontecerá se as comportas deixarem de funcionar? O mar penetrará na base e todos aqueles que estiverem vivendo e trabalhando nas galerias subterrâneas morrerão afogados. Groote Eylandt se transformaria numa ilha da morte.

Atan levantou-se e exclamou:

— Esses malucos acabarão conseguindo aquilo que milhares de naves dos extraterranos não conseguiram!

Mario mordeu o dedo. Seus pensamentos recuaram a um ponto situado num passado bem próximo. Fixaram-se no Cassino Starlight, mais precisamente na moça reservada que usava o nome Marion.

— Esperarei por Marion — resmungou. — Mas esperarei de uma forma que ela nem desconfia.

Saiu para transmitir suas suspeitas a Cliff. Encontrou-o na cabine de comando, juntamente com Tamara. Naquele instante, Tamara, virando a cabeça, retirou o fone de ouvido e voltou a guardá-lo na concavidade do painel de instrumentos.

— O que diz Villa? — perguntou McLane.

— Diz que o Serviço de Segurança Galático não sabe o que fazer. Pedem que decolemos imediatamente e retornemos a Terra. Neste meio tempo, em todas as bases será iniciada a busca dessas cassetes misteriosas.

— Está bem; vamos decolar — disse Cliff. — E os especialistas de vocês?

Tamara deu de ombros.

— É como de costume. Receberam ordem para prender todo e qualquer suspeito. Neste planeta, os suspeitos contam-se aos milhões.

— Mario — gritou Cliff. — Vamos tomar o rumo de Terra. Temos de apressar-nos. Que Charles C. nos proteja. Mario, precisarei de você para uma missão especial.

O primeiro-oficial programou a rota, enquanto a tripulação se espalhava por seus lugares. Tamara voltou a recostar-se no suporte inclinado que ligava os painéis ao teto; encontrava-se entre Cliff e Helga.

— Dez... nove... oito... — enquanto Tamara falava com os tripulantes da Beagle, o elevador desapareceu na parte inferior da nave.

— Quatro... três... dois...

A Orion VIII decolou. Cliff estava sentado junto aos controles, segurando a alavanca de pilotagem manual. Seus pensamentos achavam-se confusos. Sabia que só o acaso poderia ajudá-los a evitar a catástrofe final. Charles C. Sahagoon: a idéia de destruir a tecnologia para eliminar o poder que a civilização exerce sobre o homem pode ser fascinante, mas por outro lado conduz ao assassínio em massa. A tecnologia envolve e protege seus criadores. Se a poeira mortífera destruísse o aço, muitos homens teriam de morrer. A Orion VIII corria vertiginosamente em direção a Terra.

 

ORION pousara há um minuto. Enquanto seis pessoas corriam pelo pavimento da gigantesca base, em direção à comporta, os faróis coloridos das paredes foram levantados. Cliff seguia ao lado de Mario sobre o concreto especial.

— Sabe o que tem a fazer? — perguntou em voz baixa, para que Tamara não o pudesse ouvir.

— Acho que sei mais ou menos, chefe. Se necessário, terei de usar a arma.

— Faça o possível para não chamar a atenção.

Um sorriso vago passou pelo rosto de Mario.

— Você sabe perfeitamente que suas infrações às regras da disciplina me divertem. Farei o possível.

— Está certo. Exatamente dentro de cinco horas estaremos aqui de novo.

— É às dez da noite, não é?

Mario desapareceu. Sua tarefa estava perfeitamente definida, mas a tripulação de Cliff mais uma vez se veria numa situação embaraçosa. Cliff seguiu Mario com os olhos e respirou profundamente.

— Hasso; Helga e Atan — disse. — Vocês têm tempo de sobra enquanto Tamara e eu procuramos pôr um pouco de ordem no Serviço de Segurança Galático. Sabem o que pretendemos fazer?

— Sabemos exatamente.

Cliff despediu-se com um sinal e dobrou para a direita.

— Quando quiserem, poderão entrar em contato conosco no gabinete de Villa — disse e colocou o braço em torno dos ombros de Tamara.

Chegaram à ante-sala sem que ninguém os molestasse, mas em toda parte viam os sinais da busca às cassetes.

— Precisamos falar com o coronel Villa — disse Cliff, dirigindo-se ao funcionário do serviço de segurança.

— Vou ver se tem tempo. A situação está extremamente tensa. Terão de esperar um pouco.

Cliff e Tamara sentaram.

— O que pretende fazer, Cliff? — perguntou a moça.

— Contarei quando eu mesmo enxergar mais claro. Existe uma pequena possibilidade de eu deter o desastre.

— Bem que eu gostaria de conseguir sua autoconfiança ao menos por cinco minutos — disse Tamara num tom que quase chegava a ser de admiração.

O busto de Villa surgiu na tela do videofone que ligava o gabinete à ante-sala. O chefe do SSG parecia exausto e inseguro.

— Peça a McLane e Miss Jagellovsk que entrem — disse laconicamente.

— Obrigada — disse Tamara ao colega. Caminharam até junto à escrivaninha de Villa.

— As novidades que o senhor me traz devem ser muito interessantes — observou Villa. — Pode falar, coronel.

Cliff esperou até que Tamara tomasse lugar e disse:

— Vou expor minha teoria, coronel. Preste atenção; disponho de provas para tudo que vou dizer.

"Durante dois milênios a doutrina de Charles C Sahagoon não sofreu qualquer modificação. Desde o dia da deportação, os sahagoons só pensam em livrar Terra da ditadura da tecnologia e transformar-nos em seres felizes. Para isso teremos de regredir à Idade da Pedra. E agora os sahagoons, que se sentem apoiados no seu desígnio por uma série de tratados comerciais bastante desfavoráveis celebrados com Terra, encontraram a possibilidade de transformar em realidade as palavras de seu antigo chefe. Usaram o metal kapa 19 plus para construir certa quantidade de recipientes em forma de cassete, providos com fechaduras controladas pelo rádio que foram furtadas a Terra."

Quando Cliff tirou da mala de bordo o objeto que havia encontrado e o colocou sobre a escrivaninha, Villa saltou da poltrona. Aquele objeto de tampa aberta, fabricado por um aço brilhante e vermelho, mesmo agora ainda apresentava um aspecto ameaçador.

— Este é o tal do aço? — perguntou Villa em tom deprimido.

— Encontramo-lo nas circunstâncias que já foram relatadas por Tamara. Preste atenção. Nesta cassete há alguma coisa que é capaz de destruir metal. Ainda não sei se destrói todo e qualquer metal ou apenas determinadas espécies. Posso dizer que o conteúdo da cassete tem o poder extraordinário de destruir relógios ou as vigas de depósitos, dissolvendo sua estrutura atômica. Sabe lá o mal que podem causar cinqüenta cassetes colocadas em pontos nevrálgicos e acionadas por meio do hiper-rádio?

Villa permaneceu em silêncio; parecia consternado.

— Sei — disse depois de algum tempo com a voz desanimada. — Posso imaginar. Meus comandos estão revistando cada centímetro cúbico desta base.

— Já encontraram alguma coisa? — perguntou Tamara.

— Não. É uma coisa terrível. Não sabemos como poderemos suster Sahagoon, estamos com as mãos amarradas!

Cliff recostou-se fortemente na poltrona, para disfarçar o nervosismo.

— Alguém deve ter escondido uma ou mais cassetes no planeta Terra. E também em outros planetas, que provavelmente são importantes para a manutenção de nossa área de influência. Podem ser abertas a qualquer instante. De uma hora para outra o conteúdo dessas cassetes derrubará enormes construções. Eis a situação.

Villa contemplou as luzes que tremeluziam no interior da projeção da esfera espacial. Era lá, na calota norte do segundo setor, que se situava o perigo para Terra.

— Eis a situação — repetiu o coronel Villa. — E é uma situação infernal, ainda mais que não podemos localizar o objetivo. Não sabemos o que fazer. Acha que o impulso será transmitido de Sahagoon?

Cliff refletiu.

— Os sahagoons tiveram dois mil anos para preparar-se. E possível que o transmissor de hiper-rádio tenha sido instalado em qualquer ponto situado entre o planeta deles e Terra. Quanto a mim, porém, sinto-me inclinado a supor que o transmissor se encontra em Sahagoon.

Villa comprimiu um botão largo do videofone.

— Aqui fala a Divisão Técnica — disse uma voz.

— O senhor dispõe de uma nave, ou pode arranjar uma num tempo curtíssimo?

— Naturalmente, coronel Villa.

— Pois pegue os instrumentos de que precisa e uma boa tripulação e dirija-se a Sahagoon. Coloque-se em órbita e providencie para que qualquer impulso de hiper-rádio transmitido desse planeta seja distorcido a ponto de tornar-se irreconhecível. Acha que conseguirá?

O dono da voz, que era irreconhecível para Cliff e Tamara, ficou calado por alguns segundos; provavelmente estaria refletindo.

— Não posso prometer que dará certo, coronel — disse depois de algum tempo. — Mas garanto que dentro de vinte e quatro horas estaremos acima de Sahagoon.

— Está certo. Parta já.

"Foi só o que pudemos fazer — explicou Villa como quem pede desculpas. — Há mais alguma coisa que eu deva saber?"

— Há — disse Cliff. — É o seguinte.

Deixarei Tamara por aqui e dentro de seis horas decolarei em direção a Sahagoon. Já tivemos sorte uma vez. Talvez a lei estatística das séries seja correta, fazendo com que por coincidência consigamos outra informação importante.

Villa levantou-se e apertou a mão de Cliff.

— Muito obrigado pelo presente interessante — disse, apontando para a cassete que brilhava perigosamente sobre o material preto da tampa da escrivaninha.

— Não há por quê — respondeu Cliff. — Sou especialista nestas coisas.

Deu um beijo no rosto de Tamara e saiu do escritório. Estava com pressa. Marcara encontro com De Monti em seu bangalô. Aquilo que tinham de fazer por lá era mais importante que qualquer outra coisa. Era tão importante que não falara a esse respeito com Villa.

Mario de Monti, primeiro-oficial da nave Orion VIII e, com exceção de Hasso Sigbjörnson, o amigo mais decidido de Cliff McLane, sabia que tinha diante de si uma tarefa difícil e cheia de responsabilidades. Dependeria dos acontecimentos dos próximos minutos se partes importantes de Terra seriam destruídas ou não. Sabia que isso o tornava inseguro. Por outro lado, reconheceu que essa idéia justificava a atuação mais implacável. Sua ação teria de ser rápida e fulminante. Ligou o rádio de pulso para a potência máxima, tanto a minúscula comunicação audiovisual como o versátil radio-transmissor. Conforme fora combinado, o aparelho de Cliff também entraria em funcionamento dentro de poucos minutos. Destravou a HM-4 e voltou a enfiá-la no bolso, deixando de fora a coronha em forma de anel.

— Chegamos — disse o motorista. Mario fez que sim. Um dos homens, que conhecera ligeiramente em virtude dos contatos mantidos na frota de transporte, trouxera-o para cá e o levaria.

— Mike Protopas — disse Mario em tom insistente — há quanto tempo você me conhece?

O condutor do pesado turbocarro virou-se e fitou os olhos verdes de Mario.

— Há cinco anos. Por que faz esta pergunta?

— Nestes cinco anos, além de algumas bebedeiras e certas histórias com mulheres, fiz alguma coisa que pudesse lançar dúvida sobre minha lealdade aos superiores?

— Não. Por enquanto você não assaltou a caixa de pensões do Sindicato dos Astronautas. — Protopas estava sorrindo.

— OK — a seriedade de Mario surpreendeu seu interlocutor. — Quer dizer que você não se admirará se daqui a pouco acontecerem coisas bastante estranhas. Será para o bem da Galáxia.

— Estou curioso — respondeu Mike. — Pode descer.

Mario fez-lhe um sinal e abriu a porta do carro. Caminhou diretamente para a majestosa entrada e atravessou o hall. Entre os tubos transparentes dos elevadores havia um balcão, através do qual se via uma enorme instalação inteiramente robotizada.

"Ainda bem que entendo alguma coisa de calculadoras", pensou Mario.

— Pergunta — disse, falando para dentro do microfone. — Qual é o número do quarto do vizinho do lado direito de Miss Stadyonnex?

Algumas lampadazinhas acenderam-se e o robô-porteiro respondeu:

— Três barra 167.

Perguntando não por Marion, mas por sua vizinha, enganou o dispositivo automático. Mesmo assim, havia o perigo de que, em virtude de uma programação bem elaborada, a moça fosse prevenida. Porém acreditava que avaliara corretamente a capacidade da máquina. O elevador desceu e parou. Duas lâminas de vidro abriram-se para os lados.

— Três — disse Mario.

Vinte minutos mais em cima, desceu. Parou diante de um microfone e de uma tela e perguntou:

— Cento e sessenta e sete?

Uma seta iluminou-se e apontou para a direita. Mario caminhou depressa pelo corredor revestido por grosso tapete, examinou os números dos quartos e fez votos de que o de Marion fosse o de número 166.

"Não se precipite! Conserve o sangue-frio, De Monti!", pensou e apertou o botão da porta. Um alto-falante oculto emitiu um clique. A voz de Marion perguntou:

— Quem é?

— Um visitante de Sahag City — disse Mario em tom seco. — Quero falar com você, irmã.

A porta abriu-se. Mario colocou a mão sobre a arma e caminhou para dentro do quarto. Marion estava de pé diante de uma escrivaninha coberta de papéis, livros e fotografias. A cadeira fora empurrada para trás e encontrava-se no meio do quarto.

— De Sahag City? Não. O senhor é o tal do astronauta — principiou a moça.

Mario permaneceu calado e continuou a caminhar quarto adentro, colocando-se bem à frente de Marion.

— Irmã — disse em voz baixa. — O terno de calças compridas que você está usando é lindo, embora não seja moderno. É a roupa indicada para sair comigo.

— Não sairei coisa alguma, seu atrevido... — disse Marion em tom indignado.

Mario fitou-a atentamente e viu o primeiro sinal de medo em seus olhos. Foi tirando a arma e apontou a agulha do projetor de radiações sobre a moça.

— Tenho certeza de que irá comigo, irmã — disse. — A senhora sabe tão bem quanto eu que Terra se encontra em perigo. Essa situação justifica sua morte, caso esta venha a tornar-se necessária. Os astronautas são homens muito duros; a senhora já deve saber disso.

Marion caminhou lentamente em direção à escrivaninha. Mario virou-se instantaneamente e colocou-se entre a moça e a peça de móvel. Tinha certeza de que começava a ter medo. Refletira detidamente sobre cada fase do empreendimento e disse:

— O assassínio em massa ê um crime muito feio, Marion. Obrigando-a a vir comigo, apenas me adianto ao Serviço de Segurança Galático. Seus agentes chegarão dentro de poucos minutos, e então já não estaremos aqui. Um interrogatório realizado nas salas de trabalho do coronel Henryk Villa constitui um dos fenômenos mais marcantes na vida de uma pessoa. Nós apenas lhe fazemos um pedido. Apenas formulamos uma exigência: venha comigo neste instante. A trama de Sahagoon foi descoberta. Boolen contou tudo.

Um brilho furioso surgiu nos olhos de Marion.

— Boolen e eu somos apenas rodas pequeninas na engrenagem — disse. Enquanto falava, deu-se conta de que acabara de cair na armadilha. Ficou pálida que nem cera.

— Vamos embora — falou Mario. — Se tentar fugir, eu a matarei. Agirei implacavelmente, seguindo os padrões de Charles C.

— Aonde vamos?

Um sorriso frio surgiu no rosto de Mario.

— Iremos a um bangalô lindíssimo que fica nesta ilha. Vamos logo!

Passou os olhos pela escrivaninha, pegou uma bolsa recheada e entregou-a à moça, depois de certificar-se de que na mesma não havia nenhuma arma.

— Preste atenção — frisou em tom enérgico. — Vamos atravessar o hall e caminharemos em direção ao carro preto que está esperando à porta do hotel. O resto será simples. Qualquer movimento suspeito, atiro. Geralmente costumo acertar.

Mario teve sorte. Não se encontraram com ninguém, e Marion não tentou fugir ou comunicar-se com alguém. Mario abriu a porta, empurrou a moça para dentro do carro e disse a Protopas:

— Você já sabe aonde iremos.

— Naturalmente.

O pesado carro chiou enquanto se deslocava para a ilha, tomando a direção do litoral. Mario levantou o rádio e fitou cuidadosamente as mãos da moça:

— Tudo em ordem, chefe.

Dali a alguns minutos o carro deu a volta e afastou-se. Atrás de Mario de Monti e da moça de Sahagoon se abriu a porta do bangalô de Cliff.

Cliff e Mario achavam-se de pé diante da moça, que agora estava encolhida numa pesada poltrona. Neste momento, uma hora depois da chegada, após uma conversação exaltada regada com vários copos de bebidas de elevado teor alcoólico, Marion sentia medo. Não temia os dois homens, mas as conseqüências de sua própria atuação.

— A senhora tem duas alternativas, Marion — disse Cliff. — Pode contar tudo, ou então nós a levaremos à presença de Villa. Este extrairá da senhora qualquer grãozinho de saber que haja em sua mente; acontece que os métodos do SSG não são nada gentis. O que está em jogo não é dinheiro, mas a própria existência de Terra. A senhora escondeu as cassetes por aqui?

Marion baixou a cabeça.

— Escondi.

Cliff respirava pesadamente.

— Escondeu? Explique-se melhor. Foi uma, mais de uma, muitas?

— Foram duas cassetes — Marion falava quase num cochicho.

Mario interveio no interrogatório. Continuava a brincar com o cano estreito da arma de radiações.

— Quando serão detonadas?

A moça sacudiu os ombros e disse entre soluços:

— Não conheço a data exata... será em breve.

— Onde estão escondidas as duas cassetes?

— Só disponho das fotografias dos lugares.

— Mostre! — disse Mario e pegou a bolsa.

Dali a poucos segundos, a série de fotos extremamente nítidas encontrava-se sobre a mesa da sala. Enquanto se dirigia ao seu bangalô, Cliff comprara um relógio barato que agora trazia ao pulso. Faltavam apenas duas horas e meia para a decolagem.

— Este é o corredor B, que é o principal — disse Cliff apontando para uma área na planta. — Aqui fica a rampa; acima dela há uma escotilha, e mais em cima as aberturas de ventilação. Ao lado há um grupo de telas, onde são transmitidas as informações destinadas aos funcionários da central de cálculo...

— Atrás da tela mais alta está uma das cassetes — disse Marion em voz baixa. — É uma tela giratória. Eu a abri e voltei a fechá-la.

Mario confirmou com um gesto e disse em tom sarcástico:

— Os comandos de Villa procurariam em vão. Bem, temos uma das cassetes. Onde está a outra?

A calculadora central. As gigantescas máquinas cibernéticas e o indispensável sistema de comunicações, cujo alcance praticamente chegava até os confins da esfera espacial — tudo isso viraria pó. As gigantescas placas de concreto teriam enterrado as máquinas destruídas sob seus destroços. Cliff estava examinando a segunda série de fotografias.

— Vejo o acesso de máquinas e veículos especiais de transporte. Trata-se da Divisão Energética, Mario?

De Monti examinou a fotografia.

— Isso mesmo. Atrás destes portões ficam os reatores e os conjuntos de emergência, que fornecem a energia para todo o complexo da base submarina.

As fotos mostravam primeiro os arredores mais longínquos, depois os mais próximos, assinalando o objetivo. O ataque a Terra fora calculado e preparado com elevada dose de previsão e minúcia.

— Aqui está a segunda cassete. Marion apontou uma fotografia que mostrava em todas as cores e em traços nítidos as caixas de fusíveis com o sistema extremamente complicado de chaves de transferência. Este também era comandado por robô.

— A segunda cassete está pendurada num fio desativado.

— OK — disse Mario. — Levaremos Marion até a nave. Depois iremos buscar as "caixas de bombons" e as enviaremos a Villa. Tenho uma pergunta muito importante: Já esteve alguma vez em Terra?

O rosto de Marion estava pálido e seus lábios tremiam. Sabia até que ponto havia sido comandada pelos homens de Sahagoon: desempenhara o papel de cúmplice numa tentativa de assassinato dirigida contra seus irmãos e irmãs.

— Não. Fui enviada para cá a fim de realizar negociações e esconder as cassetes.

Cliff hesitou um pouco antes de perguntar em tom áspero:

— Além da senhora foram enviados a Terra outros agentes de Sahagoon?

A moça deu de ombros.

— Não sei. Realmente não sei.

— O problema agora é nosso — resmungou Mario de Monti. — Vamos andando. Daqui a cinco minutos Protopas virá buscar-nos.

O conhecido de Mario levou as pessoas aos elevadores. Não demonstrou conhecer o coronel McLane. Cliff, Mario e Miss Stadyonnex foram ao pavimento inferior do conjunto de galerias. Mario levou-os para junto dos outros tripulantes, que se encontravam na sala de prontidão, aguardando a hora da decolagem. Depois De Monti saiu correndo. Passando pelas escadas e pelas fitas transportadoras dos corredores, dirigiu-se à usina energética. Parou no caminho, comprou uma bolsa de viagem e enervou-se porque o vendedor demorou em trocar uma nota de valor elevado. Prosseguiu na sua corrida.

À medida que penetrava na galeria, esta se tornava cada vez mais deserta. Finalmente, dali a dez minutos, viu-se diante das instalações da usina. Quantidades enormes de concreto haviam sido gastas por lá. Juntamente com a rocha natural formavam um conjunto harmonioso de paredes de apoio e tetos inclinados, perfazendo um prisma imenso de superfícies cinzentas reticuladas. Uma rampa larga atravessava o conjunto. Em todos os lugares viam-se os cabos coloridos que corriam ao longo das paredes e desapareciam nas tendas das mesmas. Vez por outra, eram interrompidos por quadros de chaves. Esses cabos chegavam aos lugares mais recônditos das instalações gigantescas que se estendiam ao redor da Base 104.

— É lá na frente — disse Mario e correu rampa acima. Parou diante da escotilha de segurança. Era de plástico transparente e abriu-se prontamente. — Tomara que ninguém me descubra, pois nesse caso serei preso como sabotador.

Atingiu as instalações robotizadas, que se pareciam com uma coluna avançando fora do conjunto. O pilar era dividido em retângulos de tamanho variável. Destravou a chapa de cima, girou-a para o lado e retirou a lâmpada que se encontrava numa concavidade junto à abertura. Um raio de luz penetrou no interior da caixa. A cassete estava pendurada num cabo amarelo, da grossura de um braço humano. Era fria e mortífera, emitindo um brilho vermelho. Dois adesivos mantinham-na presa ao cabo. Mario colocou-se na ponta dos pés, puxou as extremidades da fita para trás. Os adesivos grudaram em suas mãos, mas conseguiu agarrar a cassete. Atirou-a para dentro da pasta, fechou a chapa com o complicadíssimo quadro parcial de ligações preso à parte inferior e saiu correndo. A barreira de segurança abriu-se e Mario colocou-se na fita transportadora que seguia em sentido oposto. Praguejou porque as fitas lhe arrancavam os pêlos das mãos, mas experimentava uma maravilhosa sensação de alívio.

— Até que enfim! — exclamou, parando diante do serviço de encomendas expressas.

— O que posso fazer pelo senhor? — perguntou a moça.

Mario exibiu o sorriso que mantinha de reserva para ocasiões como esta e disse:

— A senhora poderia dar-me um envelope e levar esta pasta ao coronel Villa. Leve-a imediatamente e entregue-a ao coronel em pessoa.

— Pois não!

Mario escreveu algumas linhas num bilhete, dobrou-o e viu as extremidades do papel se fundirem. Colocou duas moedas sobre a mesa e disse:

— Isto aqui tem de estar no quartel-general do serviço de segurança exatamente dentro de uma hora, beleza.

— Terei o maior prazer em atender, tenente De Monti — disse a moça.

Mario sabia que o presente de despedida que estava enviando ao coronel Villa preencheria sua finalidade.

 

Cliff McLane também encontrou "sua" cassete e entregou-a a um jovem cadete, depois de envolvê-la num saco de plástico. O saco provinha de um supermercado. As linhas que Cliff dirigiu a Villa diziam a mesma coisa que aquelas escritas por Mario. Depois disso correu para a sala de prontidão. Mario já o esperava.

— Fizemos o que tínhamos de fazer — murmurou Cliff e cumprimentou a tripulação. Tamara, a única ausente, estava no gabinete de Villa.

— Preparei tudo — disse Mario. — A nave decolará dentro de quatro minutos. Temos de ir para bordo.

Houve um atraso por causa de uma nave espacial que se aproximava. McLane recorreu à sua arte de persuasão. Relatou em cores vivas a importância da tarefa que tinha de cumprir. Conseguiu que a nave fosse desviada para outra rota. Os campos de pressão que encimavam o cilindro de aço da Base 104 abriram-se para a Orion VIII. O disco saiu para o espaço e tomou o rumo de Sahagoon.

Sentada ao lado de Helga, Marion Stadyonnex refletia sobre os acontecimentos dos últimos dias. Percebeu os lances da imensa ação destrutiva e reconheceu que o motivo desta não consistia numa inimizade insuperável, mas numa loucura pseudo-tecnológica.

"Ficarei admirado", pensou McLane, que acelerava a Orion ao máximo, "se as coisas saírem tão bem como Mario e eu imaginávamos".

Helga Legrelle interrompeu suas reflexões.

— Uma mensagem de rádio — disse. — Devo responder?

— De onde vem? — perguntou surpreso.

Helga parecia muito séria quando respondeu:

— Vem da Hydra II, comandada pelo general Van Dyke.

Teve a impressão de que isso não podia significar nada de bom. E não estava enganado.

 

O CORONEL Villa tinha três cassetes brilhantes diante de si. Uma delas estava vazia e as outras duas fechadas. A qualquer instante um impulso de hiper-rádio poderia abrir as fechaduras, acionar o detonador e espalhar o conteúdo destrutivo. À frente do chefe do SSG estavam sentadas Tamara Jagellovsk e o general Lydia van Dyke, chefe das esquadrilhas de unidades ligeiras da frota espacial. Olhavam ora para Villa, ora para as cassetes. A tensão reinante no gabinete era insuportável.

— Prestem atenção — disse Villa em voz baixa. — Vou ler o que os rapazes escreveram.

Colocou a folha de papel diante do rosto e leu:

Quando o senhor tiver esta folha de papel nas mãos, estaremos a caminho de Sahagoon. Sugerimos que as duas cassetes sejam levadas para o espaço e atiradas em direção ao sol por meio de um torpedo. Pedimos-lhe que continue a confiar em nós. Decolamos para conseguir uma solução rápida. Pela tripulação da Orion VIII. De Monti.

Tamara riu.

— É uma atitude típica da equipe de Cliff— disse.

— É uma atitude típica dentro do quadro das violações à disciplina cometidas por McLane — respondeu Villa em tom áspero. — Essa gente sempre encontra uma maneira de desafiar-nos. General, a Hydra está pronta para decolar?

— Sempre está, coronel — disse Lydia em tom tranqüilo.

— Pois peço-lhe que decole o quanto antes e atire as duas cassetes para o sol. Por lá dificilmente poderão fazer qualquer estrago. Após isso, a senhora com Tamara Jagellovsk perseguirão McLane e tentarão evitar que aconteça o pior. A atuação dele poderá desencadear uma crise na área de nossas relações exteriores. Certo? Lydia levantou-se.

— Quanto à primeira parte não tenho nenhuma dúvida, coronel Villa — disse. — Mas não compreendo por que devemos deter McLane.

Villa não estava disposto a começar uma discussão.

— Ordem alfa! — disse em tom enfático. — Detenha-o e ordene-lhe que se abstenha de qualquer tipo de intervenção. Convocarei o comitê de defesa. Enquanto não proferir uma decisão, os atos de McLane serão considerados puramente arbitrários. É só.

— Farei o que o senhor me ordena — prometeu Lydia van Dyke. — Venha, tenente Jagellovsk.

Dali a quarenta minutos a Hydra corria vertiginosamente em direção ao centro do sistema solar terrano, disparou o torpedo esguio e iniciou a perseguição da Orion VIII. Lydia transmitiu uma mensagem pelo rádio, a fim de prevenir McLane.

 

— Bem, agora que já sabemos que nosso procedimento é ilegal, o resto será muito rápido. Graças ao auxílio da senhora, minha cara — ironizou Cliff, dirigindo-se à moca de Sahagoon.

— O que quer dizer com isso?

— Sou conhecido como o homem mais indisciplinado da frota — explicou McLane. — Evidentemente não tenho a intenção de cumprir a proibição de prosseguir no vôo, expedida por Van Dyke. Onde fica a estação que transmite os hiperimpulsos?

Marion deu de ombros. Parecia abatida. A moça estava exausta e desesperada.

— Não sei. Apenas posso esclarecer que fica nas montanhas, ao norte da cidade — disse.

— Ao norte de Sahag City? — indagou Atan Shubashi.

— Isso mesmo.

— Talvez seja a estação sem energia descoberta por nós — murmurou Cliff.

Mario fez um gesto de dúvida.

— Qual é o papel que Boolen desempenha na operação de destruição de Terra? — perguntou Cliff em tom penetrante.

— Boolen é apenas um membro. Ao menos é o que sei.

A Orion corria com toda a força das máquinas em direção ao planeta Sahagoon.

— Em Sahagoon existem naves espaciais?

Atan estava de pé diante da moça, bastante nervoso e com os punhos encostados aos quadris.

— Sim. Uma nave antiga. Há vários séculos pousou em Sahagoon, onde foi capturada e equipada.

Mario pôs-se a rir.

— Então já sabemos quem roubou nossos depósitos. Foi essa velha nave, que Boolen imprudentemente resolveu mencionar.

As peças do mosaico se juntavam cada vez mais. O quadro da imensa conspiração surgia, e suas cores e contornos tornavam-se cada vez mais nítidos.

— Como foi que surgiu o kapa 19 plus? — perguntou Helga.

— Por coincidência, há vários anos um dos nossos trabalhadores descobriu o processo de fabricação em Springhill. Guardou o segredo para si, pois sabia que na lua de um planeta que é nosso vizinho existe uma substância que pelo simples toque decompõe qualquer tipo de ferro em sua estrutura intra-atômica. Foi ainda por sorte que descobrimos que esse pó cinzento pode ser transportado em recipientes de kapa 19 plus. O metal dos astronautas, que apesar de todos os esforços Terra ainda não conseguiu produzir, é imune aos efeitos do pó mortífero. O resto os senhores já sabem. Os furtos, o hipertransmissor, todo o resto... Não sei mais nada. E sou uma traidora.

Cliff disse num tom surpreendentemente suave:

— Não. Se não fosse a senhora, que por acaso perdeu a pulseira, ninguém de nós teria percebido nada. E agora a senhora seria uma das culpadas pela morte de inúmeros seres humanos.

Marion levantou-se de um salto, pôs a mão no pulso e gaguejou:

— Minha pulseira! Só hoje de manhã dei pela falta dela. Pensei que a tivesse deixado no hotel.

— É engano seu — disse Cliff. — A senhora a deixou no cassino e eu a encontrei. Onde arranjou esse enfeite?

Marion voltou a sentar e mergulhou a cabeça entre as mãos.

— Foi Armin Boolen quem me deu por causa da tarefa que tinha de cumprir em Terra. Segundo disse, muita coisa dependeria desta.

— Foi o que disse. E realmente muita coisa depende disso.

O comentário de Cliff quase chegava a ser cínico.

Olhou para o relógio.

— Ficarei aqui — disse. — Vocês irão para os camarotes. Nossa missão em Sahagoon exige que a mente esteja bem descansada. Andem logo. Marion, a senhora pode ocupar o camarote de reserva.

Dali a alguns minutos, estava sentado na postura habitual diante dos controles. Uma idéia terrível ocorreu-lhe. Pensou, indagando-se:

"Será que um segundo agente escondeu outras cassetes em Terra?"

* * *

Sahagoon: achavam-se a cem mil quilômetros do planeta. A Orion VIII estava com a tripulação completa, e os tripulantes encontravam-se nos seus assentos, com os cintos atados. Todos os instrumentos haviam sido ligados e um campo energético quase transparente, que tremeluzia numa tonalidade verde, envolvia o disco prateado. As agulhas de arremesso que saíam do corpo da nave apresentavam um aspecto ameaçador.

— Aproximamo-nos do planeta de Sahagoon. A nave se encontra na face oposta ao sol. Há poucos minutos captamos sinais que, sem a menor dúvida, se destinavam a uma nave espacial. Uma vez que segundo o artigo sete, letra C do Tratado de Controle, Sahagoon não pode possuir nenhuma nave, este fato constitui motivo bastante para realizar uma averiguação.

— Mensagem recebida — disse Helga.

— Estou curioso para ver este calhambeque nas telas — resmungou o pequeno astronavegador.

— Você realmente acredita que se atreverão a esboçar qualquer gesto de defesa contra uma das naves mais modernas da frota? — perguntou Mario, que se encontrava diante do dispositivo de alimentação do computador de bordo.

— Eles são loucos, tentam até detonar cinqüenta cassetes! Você acredita que no presente caso saberão raciocinar por linhas normais? — retrucou Cliff em tom agressivo.

— É claro que mais uma vez você está com a razão — admitiu Mario.

A nave reduziu a velocidade. As mãos de Cliff descansavam sobre as alavancas de pilotagem manual. Deslocando-se pela sombra projetada pelo planeta, aproximava-se de sua superfície. Pretendia chegar o quanto antes àquela estação de rádio secreta onde alguém havia atirado contra ele e Mario.

— Há um eco de radar — disse Atan em tom aflito.

Numa pequena tela que se encontrava a seu lado surgiu uma imagem. Diante da superfície escura do planeta gigantesco e encurvado movia-se um ponto minúsculo. Atrás dele, viam-se as chamas expelidas pelos bocais de propulsão.

— São propulsores químicos! — exclamou Cliff. — Essa gente capturou uma nave que já deveria estar no museu. Essa coisa é uma preciosidade maior que o kapa 19 plus.

Com um enorme salto a Orion aproximou-se da nave desconhecida.

— Ligue a ampliação, Atan — pediu Cliff.

Uma nova imagem sobrepôs-se à primeira.

— Gente!

O comentário feito por Atan dizia mais que vários livros.

A nave realmente era muito velha. Tratava-se de uma nave-transporte, que para acelerar até um oitavo da velocidade da luz ainda dependia de propulsores químicos adicionais. Três gigantescas esferas estavam presas entre uma confusão de suportes. Os elementos de propulsão haviam sido colocados na face externa. O cano do pesado lança-foguetes ajustava-se para a posição da Orion. Mario olhou por cima do ombro de Cliff.

— Já sei como é um suicida — comentou em tom de desprezo. — Talvez devesse admirar a coragem dessa gente, que se dispôs a entrar num "artefato" desses.

— Você deve ficar calado, pois preciso de um contato pelo rádio — disse Cliff em tom enfático.

A moça, que contemplava a nave como se estivesse fascinada pela mesma, encontrava-se ao lado de Mario.

— O contato pelo rádio foi estabelecido. Receberão nossa mensagem pela freqüência da frota — disse Helga.

Cliff soltou uma das alavancas de pilotagem e dobrou o microfone até colocá-lo junto a sua boca. Depois falou em voz alta:

— Aqui fala a nave espacial Orion VIII, comandada por McLane. Peço-lhes encarecidamente que mudem de rumo e não tentem qualquer ataque. O que pretendem fazer equivale a um suicídio.

A resposta da outra nave demorou um pouco.

— Lutaremos até o último foguete — disse. — Odiamos os terranos e seus modos arrogantes.

Cliff riu. Sacudiu a cabeça e disse:

— Se não fizer meia-volta dentro de alguns segundos, nós os reduziremos à imobilidade e deixaremos que morram de fome em órbita. Último aviso.

As duas naves ainda se encontravam a mil quilômetros de distância. E a Orion aproximava-se vertiginosamente da outra nave...

— Não se aproxime do planeta, senão atiraremos — disse o desconhecido.

— Muito bem — respondeu Cliff. — Se é isso que querem.

Fez um sinal para Mario.

— Vá à cabine de arremesso. Faça boa pontaria. Chegarei bem perto e farei uma curva em ângulo reto. Destrua os propulsores de popa. Entendido?

Mario desapareceu na parte inferior da nave.

— Por favor, comandante, não faça mal a essa gente — pediu a moça. Cliff virou-se e fitou Marion Stadyonnex com uma expressão de espanto.

— A senhora até que tem senso de humor — disse com certa admiração na voz. — Sahagoon deveria ter pensado nisso mais cedo.

Aguardou que Mario o avisasse de que tinha o alvo na mira. Depois fez um sinal para Hasso, que observava cuidadosamente os movimentos de Mario na tela.

— Vamos. Primeira aproximação. Será que você consegue, gorducho? — perguntou.

Mario apenas respondeu com um resmungo de desprezo. Os procedimentos que se seguiram não exigiram uma única palavra. Os tripulantes estavam perfeitamente sintonizados.

— Mario — disse Cliff em voz baixa. — Mais um segundo. Fogo!

Mario comprimiu as teclas. De uma das agulhas de arremesso saiu uma torrente de energia pura, destruidora, que atingiu a popa da outra nave. As torres dos projetores, os tanques e os bocais, juntamente com os tubos de alimentação, foram esfacelados. Os destroços giravam lentos afastando-se da nave em queda livre. No mesmo instante, a Orion VIII descreveu uma curva fechada para a direita. Os campos de absorção de gravidade uivaram ligeiramente.

— Pronto — disse Cliff. — Vamos pousar. Já conhece os dados, Atan?

— Naturalmente, Cliff.

McLane aproximou o microfone da boca:

— Tripulantes de Sahagoon. Acho que isso representa o fim provisório da batalha espacial. Quando tivermos tempo, nós os rebocaremos para baixo.

Não houve resposta.

— Pousaremos junto à floresta e logo realizaremos nossa intervenção ou nosso ataque, conforme as circunstâncias — disse Cliff.

A vantagem da Orion era de apenas cento e dez minutos. E Cliff não poderia saber se naquele mesmo instante alguém estaria movendo uma chave para expedir o impulso de hipercomunicação. A atmosfera uivou em tomo do campo defensivo. Com a segurança fascinante de astronavegador muito competente, Atan Shubashi encontrou a rota correta. A nave prateada sobrevoou a cidade. Seria inútil procurar disfarçar sua chegada ou o pouso. Algum instrumento de observação havia constatado a presença da Orion. E foi este o motivo da decolagem daquela velha nave.

A Orion subiu; a cordilheira surgiu na região norte do planeta. As encostas, os grupos de colinas dos contrafortes. As máquinas uivaram. À altura de um quilômetro, Cliff conseguiu imobilizar a nave.

Na tela central de visão surgiu a encosta com seus monólitos, a floresta e a antena. Estavam no fim da tarde. Mais uma vez, o arranjo de barras de aço com os espessos elementos de ligação brilhava ao sol.

— Quer que derrube a antena? — perguntou Mario em tom agressivo.

— Ainda não. Vamos agir metodicamente. Hasso! Faça o favor de manter a nave parada e cuide de Marion. Helga, procure entrar em contato com as duas naves do SSG. Precisaremos de auxílio. Se houver algum imprevisto, você intervirá daqui mesmo, Hasso.

O engenheiro de cabelos brancos confirmou com um gesto.

— Dentro de alguns segundos estarei aí em cima, junto de você.

— Mario, Atan e eu sairemos. Levem os rádios de pulso e as armas com munição sobressalente.

Enquanto o elevador que trazia Hasso da sala de máquinas ainda subia, os homens comunicaram-se por meio de olhares. Depois disso, saíram da cabine de comando, caminharam pelo corredor encurvado e entraram no elevador central. A tromba metálica baixou e tocou o solo. A escotilha da comporta abriu-se com um chiado. Os homens foram saindo um a um, aos saltos.

— Não andem juntos! — gritou Cliff.

Correram em direção ao bosque, mantendo certa distância entre si. Chegaram às primeiras árvores sem que ninguém procurasse detê-los e esconderam-se atrás dos troncos grossos e lisos. Da clareira veio um zumbido estranho.

— A usina energética está funcionando! — cochichou Atan.

— Vamos tomá-la de assalto. Cuidado! Correram em ziguezague, guardando distância superior a dez metros, e passando entre as árvores e os arbustos. Aproximaram-se dos iglus verdes. Quando se encontravam a dez metros das habitações as armas energéticas começaram a cuspir fogo. Atan levantou o transmissor, disse baixinho:

— Estou blefando — soltou um grito lancinante.

Deixou-se cair e rastejou para a esquerda, com a rapidez de uma doninha. Acima de McLane, um raio de fogo esfacelou a madeira de um tronco.

— Parem! — gritou alguém. — São terranos. Chamem Boolen.

Ninguém saberia dizer quantos eram os defensores, mas Cliff percebeu que as armas energéticas eram pouco numerosas e provavelmente não havia muita munição de reserva. Avançou impetuosamente entre a vegetação densa e fez alguns disparos ao acaso.

"Boolen! É ao menos um dos atores principais do drama", pensou Cliff, saltando entre dois troncos.

Um homem calvo e barbudo, que fazia pontaria contra Mario, virou-se rapidamente. Era tarde. Cliff tomou impulso e derrubou-o com um golpe da quina da mão. Pegou a arma do homem, travou-a e guardou-a em seu coldre. Por entre os troncos, viu que Atan avançava que nem um felino e, com uma pancada, derrubava um sahagoon armado. A seguir tirou-lhe a arma e continuou a avançar.

Dali a pouco os três encontraram-se em meio aos iglus, sobre a placa de concreto livre de vegetação.

— Aonde vamos, Cliff?

— Vamos esconder-nos. Estão ouvindo?

Cliff apontou para cima. Ouviu-se nitidamente o motor de um helicóptero. Vinha do sul, do lado em que ficava a cidade. Provavelmente Boolen decolara juntamente com a nave espacial a fim de salvar o que ainda poderia ser salvo, ou para destruir tudo.

— Vamos esconder-nos. Cada qual num iglu diferente. Desliguem imediatamente toda a energia.

Espalharam-se. Cliff saltou para trás de um quadro de comando, orientou-se apressadamente sobre o tipo da instalação e girou o regulador de força para trás. O zumbido emitido pela instalação tornou-se mais fraco e acabou cessando por completo. Naquele momento, os rotores do helicóptero estavam parando.

A essa hora, Cliff já estava convencido de que esse transmissor, de aparência tão inofensiva, era o centro de onde seria irradiado o hiperimpulso. Provavelmente a data para a destruição da tecnologia já havia sido escolhida. Isso certamente em virtude da pressão dos acontecimentos desencadeados pelo próprio Cliff. Um homem aproximou-se rapidamente, sem fazer muito ruído.

— Deixem que se aproxime; não atirem — cochichou para dentro do rádio de pulso e abaixou-se.

A porta do iglu abriu-se violentamente. Uma sombra inclinou-se sobre o quadro de comando e tornou a regular a pequena usina energética para a potência máxima. O zumbido voltou a ser ouvido, e ao lado de Cliff a fonte de emissão foi sacudida por fortes vibrações. Cliff estava agachado, com a arma destravada apontada para cima. Ouviu passos que se afastavam. Pensou:

"Será Boolen? Seja quem for, a pessoa está com muita pressa."

— Hasso para Cliff — foi o cochicho que ouviu. — Um helicóptero pousou junto ao bosque. Em seu interior havia um único homem. É calvo e barbudo que nem os sahagoons.

— Obrigado, já sei — respondeu Cliff, fitando a porta fechada do lado de dentro.

Tomou uma decisão. Antes de mais nada voltou a colocar a chave da usina na posição zero. A seguir, com um raio disparado por sua arma cortou os cabos de alimentação. Depois estendeu a mão, pegou a alavanca e abriu a porta de um golpe. No mesmo instante, saltou para trás. Não aconteceu nada. Saiu cautelosamente para a placa de concreto.

— Mario, Atan!

— Sim!

— Saiam.

Todos os iglus estavam fechados. De dois deles saíram os membros da tripulação, avançando cautelosamente, com as armas à sua frente. Pararam ao lado de Cliff.

Verificaram que, depois de ligar o suprimento de energia, Boolen desaparecera no terceiro iglu. Conforme Cliff estava lembrado, era lá que ficava o pequeno estúdio. Os três homens correram para aquela direção. Cliff segurou a pesada maçaneta. A porta estava trancada.

— Isso não nos causará maiores problemas — disse McLane e recuou três passos. Levantou a HM-4 e cortou um círculo no material de que era feita a porta do iglu.

Com um pontapé arremessou para o interior do iglu a massa fumegante em que se transformara o fecho.

— Vamos! — disse Cliff.

Enfiou a arma pelo buraco e disparou para o chão. Com um forte puxão, Mario abriu a porta para o lado de fora. Cliff parou junto à abertura e lançou um olhar cauteloso para o interior do recinto. Ao que parecia, estava vazio.

— Que diabo! Será que esse sujeito se dissolveu no ar? — perguntou Atan em tom furioso.

Entraram no estúdio. Não viram nada. Até parecia que Boolen realmente se tinha dissolvido. Evidentemente havia uma explicação menos misteriosa para o fenômeno. Antes de mais nada, por meio de disparos de sua arma, Cliff cortou todos os cabos encontrados. Depois pôs-se a refletir.

— As paredes são firmes. Não pode ter saído pelos fundos — resmungou Mario sacudindo a mesa. — Deve haver uma abertura no soalho... uma porta-alçapão.

Procuraram arrastar as instalações. Finalmente um quadro de comando moveu-se.

— Venha, é aqui.

Mario tocou numa das chaves. O quadro girou levemente em torno de seu próprio eixo, deixando livre um poço quadrado. Em seu interior, via-se uma luz.

— Cuidado! — gritou Atan e saltou para o lado. Um raio subiu, emitindo um forte rugido. Furou o teto e derreteu o material verde-escuro, abrindo um buraco. Atan girou a arma e atirou para baixo. O calor subiu pelo poço. Cliff agachou-se junto do fosso e olhou cuidadosamente para baixo. Uma série de degraus em U levava para seu interior. À frente deles estavam presas pequenas luminárias. O fundo do poço estava vazio; apenas havia sido devastado pelo impacto dos raios disparados pelas armas.

— Há alguém que seja muito corajoso? — perguntou Cliff e, sem esperar pela resposta, desceu rapidamente. Depois de uns dez metros de descida chegou ao fundo, são e salvo. Mario e Atan seguiram-no. Também desceram rapidamente e com o maior cuidado. Cliff voltou-se.

Um corredor de pouco menos de dois metros de altura e bem iluminado avançava diretamente e depois de certo trecho dobrava num ângulo de noventa graus. Cliff avançou em silêncio, pé ante pé. Seus companheiros seguiram-no. O corredor avançava quinze metros em linha reta.

— Talvez já seja tarde — cochichou Mario bastante abatido. Seu rosto estava pálido e coberto de suor.

— Talvez seja, talvez não. Precisamos ter certeza.

Chegaram ao lugar em que o corredor se desviava num ângulo de noventa graus. Sentiram um cheiro de terra e materiais de construção. O corredor dobrou para a direita. Uma porta fechava o caminho. Os três homens pararam um atrás do outro, pois o corredor não tinha mais de setenta centímetros de largura.

— Temos de tentar — disse Cliff. Pegou a alavanca e empurrou a pesada placa de metal. Esta rangeu ao abrir-se. Atrás dela viram uma sala com cerca de trinta metros de diâmetro. Quando Cliff compreendeu o significado daquilo que estava vendo, sua coragem desceu ao nível zero. Ao menos vinte blocos energéticos estavam reunidos ali, em pilhas de dois, três ou quatro. Na parede oposta do recinto, mergulhado na luz amarela emitida por uma série de luminárias redondas, havia um quadro de comando de fabricação artesanal. Ao lado deste, encontrava-se o hipertransmissor roubado. De vários dos cubos energéticos saíam cabos diretos que iam até uma caixa distribuidora.

— Boolen! — gritou McLane, apontando para o quadro de comando.

De trás de uma das pilhas de caixas, soou uma voz rouca de raiva.

— Jogue fora a arma, coronel, e não procure impedir-me no que estou fazendo.

— O senhor está muito enganado — disse McLane em tom tranqüilo. — Estou fazendo pontaria para o hipertransmissor. Basta mover o dedo, e tudo estará no fim.

Fez um sinal para Mario, que se encontrava a suas costas. O primeiro-oficial esgueirou-se como um felino para trás da pilha de blocos energéticos que se encontrava mais próxima.

— Comigo acontece a mesma coisa — disse Boolen, soltando uma risada ligeira e um pouco estridente. — Minha arma está apontada para um dos blocos energéticos que seu planeta possui em tamanha abundância. O senhor já imaginou o que acontecerá se uma dessas celas liberar instantaneamente sua carga energética?

A detonação destruiria tudo. A Orion, que se encontrava vinte metros acima deles, seria atirada numa altura de mil metros. As montanhas tremeriam, pois os outros blocos energéticos explodiriam juntamente com o primeiro. Cliff deixou cair a arma. Ouviu-se um ruído metálico, e a cabeça de Boolen saiu de trás da caixa. Encontrava-se a três metros do quadro de comando.

— O que pretende fazer, Boolen? — perguntou McLane em tom tranqüilo e mostrou-lhe as mãos vazias. Boolen fungava.

— Quero que seu astronavegador também largue a arma — ordenou. Shubashi deixou cair a HM-4.

Cliff empurrou ambas as armas com o pé, fazendo-as chegar mais perto de Boolen. Nos olhos deste havia um brilho fanático.

— O senhor sabe muito bem o que pretendo fazer. Quero restaurar a vida pura e natural nos planetas escravizados pela tecnologia de Terra.

McLane riu na cara de Boolen.

— E ao mesmo tempo o senhor e seus concidadãos assassinariam bilhões de seres inocentes, não é?

Boolen apontou a arma quase nova para McLane e Shubashi. Atan cerrou o punho e disse em tom exaltado:

— E com isso o senhor coloca em perigo a vida de seus concidadãos. A moça à qual o senhor deu aquele bracelete foi fuzilada por ordem de Villa, segundo todas as normas de direito, antes que tivesse tempo de esconder as cassetes. O senhor não poderá fazer mais nada a Terra.

— O quê? Marion está morta? — perguntou Boolen boquiaberto.

— Está. Foi tudo muito rápido. Antes de morrer, soltou uma maldição contra o senhor. Por isso sei tudo.

— O senhor ainda não sabe tudo, comandante — disse Boolen. — Mais três cassetes foram contrabandeadas para Terra. Usamos comandantes de naves cargueiras como o infeliz do McKirkcudbride. Três cassetes!

Cliff esforçou-se para não olhar para seu interlocutor, a fim de não se trair. Ouviu a respiração pesada do pequeno astronavegador e pôs a mão na testa.

— Foi tudo em vão! — disse com a voz abafada. — Terra está perdida. Já emitiu o...?

Deixou cair o braço, pôs a mão sobre o coração e fez o corpo tombar para a frente. Boolen recuou para não ser derrubado e ficou ao alcance de Mario. Este segurou Boolen com uma das mãos enquanto com a outra empurrou a arma de radiações para cima. Um disparo trovejou em direção ao teto e rompeu os cabos. Metade das lâmpadas apagou-se. No mesmo instante, Atan saltou para a frente e golpeou. Atingiu o queixo de Boolen. O corpo amoleceu nos braços de Mario. Cliff rolou pelo chão, levantou-se imediatamente e correu em direção ao quadro de comando. De início, arrancou o cabo com um puxão violento. Depois soltou todos os outros contatos. Boolen foi cuidadosamente amarrado por Atan e Mario.

— Olhem! — disse Cliff, apontando para a chave central. — Com um movimento desta chave Boolen teria colocado a fita em movimento. O texto gravado aqui, devidamente modulado e condensado num trecho de dois segundos, faria voar pelos ares nada menos de cinqüenta cassetes. Apenas alguns milímetros separaram Terra e seus domínios da grande destruição.

Desligou todos os medidores e certificou-se de que todas as ligações energéticas haviam sido cortadas. Depois aproximou-se do homem amarrado.

— O senhor se encontrará com pessoas encantadoras — disse. — Serão pessoas que terão uma boa dose de compreensão pelas suas idéias. Encontrará amigos de verdade, e em grande quantidade.

Boolen abriu os olhos e fitou-o com uma expressão furiosa.

— Esses amigos estarão à sua espera na colônia penal de Mura. Foi lá que passei a sexta aventura de minha vida.

Virou-se e saiu.

 

Encontravam-se, agora, reunidos na cabine de comando da Hydra II, que pairava no ar ao lado da Orion VIII. Os homens das naves do SSG se haviam espalhado pelo terreno a fim de recolher as pessoas inconscientes, proteger as pistas e desmontar as máquinas e instalações. Sahagoon já tivera sua chance de destruir Terra. E nunca mais esse planeta teria outra chance.

— Foi pura sorte, caro McLane -- disse Lydia van Dyke, cheirando o álcool que se encontrava em seu copo. — O senhor tem uma sorte inacreditável. Mas desta vez quero chamar-me de McLane se o senhor escapar sem castigo.

Cliff contemplou Lydia e Tamara.

— Só a sorte do homem capaz dura para sempre — disse em tom tranqüilo. — Confesso que agi precipitadamente. Mas ninguém, nem mesmo Villa, conseguirá provar que agi além das minhas atribuições. Se não tivéssemos invadido a estação de rádio, três cassetes teriam explodido na Base 104.

— Ainda tenho uma sensação esquisita só de pensar — disse Tamara pausadamente.

Num gesto generoso, Mario de Monti colocou o braço em torno dos ombros de Miss Stadyonnex que, segundo tudo indicava, sentia-se satisfeita porque as coisas terminaram bem.

— Devemos muita coisa a esta moça que, cativada por nosso charme, mostrou-se disposta a falar sem demora. Procurarei intervir a seu favor. Quem sabe se Villa a mandará fuzilar com chocolate em vez de armas de radiações!?

Tamara parou diante do quadro de comando.

— Que horas são, coronel? — perguntou sem a menor comoção.

Cliff olhou para o relógio. Tamara estava de pé. No rosto de Cliff surgiu uma expressão de incredulidade, que se transformou em perplexidade. Sentia-se consternado e deu de ombros.

— Dezenove e trinta — disse o general Van Dyke, depois de dar uma olhada no cronômetro de bordo.

— Estou perguntando apenas por uma questão de precisão do meu relatório — disse Tamara. — Coronel McLane, o senhor ficará detido por insubordinação até que cheguemos a Terra. Villa decidirá sobre o que será feito com o senhor.

Mario pôs o dedo na testa e derramou o resto do uísque goela abaixo.

— Está completamente louca — disse. — Não se deve prender um herói, mesmo que a gente esteja "apaixonada" por ele.

Mario e Cliff sacudiram a cabeça; pareciam perplexos.

— O fato é que voamos atrás de vocês para impedir uma ação precipitada em Sahagoon — disse Tamara. — Não conseguimos. Por isso só nos resta apreender a Orion, deter sua tripulação e deixar a decisão por conta do SSG. O resultado positivo de sua intervenção não altera a situação.

Cliff deu-se por vencido. Encontraria um meio de livrar-se da situação. Mas no momento, isso não lhe interessava. Mario soltou uma risadinha histérica.

— Venha comigo, Miss Stadyonnex — disse. — Vamos depositar nossa confiança na doutrina de Charles C. Devemos fugir e continuar neste planeta. Da minha parte, prefiro plantar aspargos e criar coelhos a ser preso por causa deste tipo de atuação.

No momento em que Mario se levantou, Tamara colocou-se à frente do elevador. Pôs a mão na arma.

— O senhor está muito enganado. O fato é que já estão presos. Todos. Com exceção do general Van Dyke, naturalmente.

Lydia recostou-se, cruzou as pernas e pôs-se a estudar os rostos de McLane e seus tripulantes. Chegou à conclusão de que o espetáculo era digno de ser visto. Cliff era o único que parecia totalmente indiferente.

Sentado, contemplava o terceiro relógio barato que havia comprado, e que estava parado em seu pulso. Não tiquetaqueava, não zumbia, os ponteiros não se moviam e quando tentou dar-lhe corda só ouviu um ruído esquisito vindo do interior do mecanismo.

— Pelo amor de Febo! — cochichou com a voz rouca. — Quem me dera que ainda fosse apenas um cadete!

Ninguém lhe deu atenção.

Embora com seu ato heróico os tripulantes da Orion tenham eliminado o perigo que pairava sobre Terra, acabam presos. Porém, essa detenção é contornada pelo coronel Cliff, que em O Planeta das Ilusões vive outra estonteante aventura, quando o terror mental toma conta de um planeta!...

 

                                                                                Hans Kneifel  

 

                      

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