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Series & Trilogias Literarias
Amigos, parceiros e profissionais... Então, por que esse caso está se interpondo entre eles?
Em uma Londres vitoriana governada pela elite bebedora de sangue, Perry Lowell é um Falcão da Noite lógica e realizada: uma sangue azul renegada que rastreia assassinos e ladrões para a Guilda. Então, quando ela e seu parceiro charmoso, mas imprudente, Garrett, são direcionados para encontrar uma estrela de teatro desaparecida, deve ser uma solução simples.
Mas com um teatro inteiro de suspeitos, incluindo um substituto paquerador e sussurros de uma Ameaça Mecânica assombrando o lugar, a tensão está se formando entre os dois. Eles podem se reunir para resolver o caso - ou será tarde demais, quando o assassino voltar o olhar para Perry?
Capitulo 1
Londres, 1877
Risos masculinos ecoaram pela porta do hotel, seguido por uma risadinha distintamente feminina. Perry Lowell fez uma careta quando as portas da câmara de elevação se fecharam atrás dela no Charing Cross Hotel. Ela podia ouvir um leve murmúrio agora; palavras que ela não conseguia entender - e estava grata por não fazer.
Ela bateu os nós dos dedos contra a porta. A risada congelou, uma qualidade de escuta ecoando pela quietude. — Se for arrumação... então não estamos em casa para visitantes.
Outra risada feminina seguiu as palavras do homem.
— Tire seu traseiro da cama, Garrett, — ela atirou de volta. — É Perry.
Isso provocou uma onda de movimento lá dentro. — Me dê um momento.
— Oh, fique amor. Diga a eles para irem embora e fique comigo. — A mulher murmurou, enquanto o som de pés descalços batendo nas tábuas do assoalho.
— Negócios, receio. — Sua voz sugeria um sorriso e Perry podia apenas imaginar o que estava acontecendo atrás da porta - Garrett agarrando suas roupas enquanto piscava, e fazia promessas suaves para a viúva amigável que ele estava cultivando. Ela tinha visto tudo antes. As mulheres amavam Garrett e ele amava as mulheres.
Perry se afastou e olhou pela janela no corredor, dando-lhe a ilusão de privacidade. Ou talvez não querendo ouvir aquelas palavras de amor sussurradas e promessas que ele sem dúvida quebraria.
Garrett tinha sido seu parceiro por quase seis anos, depois que ela chegou à Guilda dos Falcões da Noite uma noite, encharcada até os ossos e tremendo com as fomes sombrias do vírus do desejo. Seus primeiros meses como sangue azul foram horríveis enquanto ela lutava para controlar sua sede de sangue enquanto seu corpo mudava lentamente; tornando-se mais magra mais rápida, mais forte e com mais fome. Mas não para comida. Apenas sangue.
A porta se abriu e Garrett apareceu, sua camisa ainda meio desabotoada e uma marca de mordida no pescoço. Perry teve um vislumbre da viúva rechonchuda que não usava nada mais do que a espuma dos lençóis no meio da cama. Um balde de gelo abrigava uma garrafa aberta de champanhe pelo cheiro, e rendas transparentes flutuavam sobre uma janela aberta, sob cortinas vermelhas estampadas. O sorriso que a mulher tinha para Garrett desapareceu quando ela avistou Perry, tornando-se um pouco mais nítido, um pouco mais estreito. Então a porta se fechou e eram apenas os dois.
— Eu pensei que tínhamos o dia de folga? — Disse ele, abotoando a camisa até a garganta e escondendo aquela marca de condenação.
— Infelizmente, alguém se esqueceu de mencionar isso para as classes criminosas —, respondeu ela. O cheiro de lírios um tanto rançosos flutuou por suas narinas sensíveis quando ele se aproximou. Perry torceu o nariz. — Você cheira a um bordel.
— E como você saberia como cheira um bordel, minha senhora peregrina?
Touché. Como uma das duas únicas mulheres de sangue azul em Londres, esperava-se que ela fosse irrepreensível, em todos os aspectos. O aristocrático Escalão que governava a cidade, decretou que apenas os homens deveriam receber os rituais de sangue que infectavam um humano com o vírus do desejo, e começar a transformação em sangue azul.
O Escalão temia que a natureza sensível de uma mulher fosse incapaz de negar os fortes desejos e desejos ferozes do vírus. Perry estava determinada a provar que eles estavam errados. Ela bebia seu sangue em particular, usando seu próprio dinheiro para comprá-lo das fábricas que o governo cobrava dos impostos de sangue, e se mantinha com um decoro feroz. Na verdade, Garrett costumava dizer que ela era quase puritana, o que a incomodava um pouco.
Nem todo mundo poderia ser tão descuidado quanto ele.
— Então, o que é urgente o suficiente para me arrastar de uma cama bastante agradável? — Ele perguntou, descendo as escadas na frente dela, e deslizando seu casaco de couro preto - o uniforme dos Falcões da Noite - sobre os ombros largos.
— Minhas desculpas. Talvez eu devesse ter esperado mais cinco minutos - é quanto tempo as senhoras mantêm o seu interesse, não é?
— Elas o mantêm por muito mais tempo do que cinco minutos .— O som de afronta em sua voz se desvaneceu com a aparência do sorriso diabólico que ele atirou por cima do ombro. — Mas não muito mais, você está correta. Você não deveria parecer tão pudica. Só trabalho e nada de diversão, Perry... Torna uma garota... enfadonha.
Isso doeu. — Um assassinato parece interessante o suficiente?—
O sorriso morreu em seu rosto, seus olhos azuis ficaram sérios. — Quem?
Segurar sua própria frustração também parecia mesquinho. — Uma atriz do Veil Theatre, possivelmente.
— Possivelmente?
— O corpo ainda não foi encontrado, apenas... vestígios de sangue, me disseram. O que quer que isso signifique.
Agora que o transporte havia melhorado e as ruas estavam mais seguras à noite, o teatro começou a enfrentar um pouco de reconhecimento. A Broad Street, no meio do SoHo, havia começado com a intenção de ser tão grandiosa quanto a vizinha Mayfair e, após uma breve batalha, aos poucos cedeu terreno aos teatros, casas de show e bordéis.
Eles desembarcaram de uma carruagem, perto do pub Newcastle-upon-Tyne, e Garrett examinou as ruas de paralelepípedos. As casas e pubs se alinhavam nas ruas, embora um homem pudesse encontrar muito mais do que algo para servir ao seu estômago se procurasse por isso. A vitrine ocasional anunciava 'Aulas de francês', e Garrett tinha visto lugares onde eles corromperam a forma de arte dos tableaux vivants em algo um pouco mais picante. À noite, mulheres de má fama andavam pelas ruas, com as saias bem altas para revelar as anáguas. Ele já tinha visto coisas piores, crescendo no East End, embora preferisse não pensar em seu passado. Ainda assim, ele geralmente sentia mais do que um pouco de pena quando via o desespero forte nos rostos das mulheres e os sorrisos tensos e falsos que exibiam. Não havia nada que ele pudesse fazer a respeito, é claro... Mas ele nunca se esqueceu de que sua mãe tinha um sorriso daqueles, no final.
— Você já foi a uma peça? — Ele perguntou a Perry, a fim de se livrar dos pensamentos sombrios que o atormentavam.
Ela parecia tão solene e sóbria como sempre, seu cabelo curto e tingido de preto penteado em mechas elegantes e brilhantes. Frequentemente pairava sobre seus olhos cinzas, como se ela estivesse se escondendo do mundo, mas usá-lo caído para trás assim dava uma inclinação acentuada às maçãs do rosto e à postura firme de seu queixo. Um queixo teimoso. Combinava bem com ela. Só Perry poderia frustrá-lo o suficiente para fazê-lo querer bater a cabeça contra a parede.
Eles foram parceiros por quase seis anos, e às vezes ele ainda se sentia como se mal a conhecesse. Ela era boa no que fazia; ela podia rastrear um criminoso com o menor rastro de cheiro, e ela era diabolicamente inteligente. Alguns dos homens o irritaram por ter que trabalhar com uma mulher, mas nenhum deles sabia o que Garrett fez.
Ele se ofereceu.
Tê-la como um Falcão da Noite ia contra todas as regras e havia deixado a Guilda em sua orelha. Ela pode ser um sangue azul, mas ela era uma mulher. No que diz respeito à metade dos rapazes, deveria ter sido o fim da história. Se o Escalão tivesse ficado sabendo disso... Bem, eles cairiam duramente em renegados de sangue azul como ele - aqueles que foram infectados por acaso, não por seleção - e Garrett não se importou em pensar no que eles teriam fazer a uma mulher. Forçá-la a um asilo, talvez? Alguém tinha que ficar de olho nela e ele sabia que era a melhor escolha.
Olhando para o plano de ação, ela hesitou. — Eu não sou uma chata completa. Já vi várias peças, há muito tempo. É difícil agora que sou um Falcão da Noite. Raramente sei quando vou tirar um dia de folga.
Isso era interessante. Ele não sabia quase nada sobre a vida dela antes dos Falcões da Noite, mas não adiantava pedir mais. Ela apenas se calou. — Já ouvi falar dessa —, respondeu ele. — 'Uma época para maquinações'. A Sra. Scott afirmou que é terrivelmente perverso e espirituoso.
— Esta é a Sra. Scott dos lençóis amarrotados esta tarde?
— Sim. — Embora ele pudesse pensar em uma dúzia de outras maneiras de se referir à viúva. Sra. Scott do decote muito amplo. Ou a Sra. Scott da língua muito esperta. Garrett sorriu para si mesmo. Seus preconceitos estavam aparecendo. — Alguém poderia pensar que você foi criada em um convento.
— Minha peça favorita era Phèdre. — Havia uma nota melancólica em sua voz que ele quase perdeu.
Meu Deus, a esfinge acabou de revelar algo sobre si mesma? Eles foram forçados a se separar de dois homens da escada, com suas latas de pasta, escada e pôsteres anunciando o Sabonete de Luxo de Tucson, e depois voltaram juntos. — Uma tragédia?
— Nem tudo tem que ser uma comédia, Garrett.
— A vida é feita para ser ridicularizada. De que outra forma você pode continuar sorrindo neste tipo de mundo?
Ela pareceu assustada, depois pensativa.
— Não estou tentando ser filosófica. Você e eu conhecemos a realidade das ruas de Londres. Não há nada melhor do que uma boa comédia, ou uma noitada com os rapazes, para limpar esse tipo de memória e tornar mais fácil esquecer o caso do dia.
— Eu leio — ela admitiu. — Isso tira minha mente dos piores casos.
Ambos ficaram em silêncio. Com a classe dominante de sangue azul concedendo poucos direitos aos humanos, havia pouco que ele não tivesse visto no curso de suas investigações; corpos drenados de sangue e jogados na sarjeta como se fossem lixo, ou garotas raptadas nas ruas e vendidas como escravas... Isso deixava um homem cansado de uma forma que poderia ameaçar afogar uma alma.
— Aqui estamos. — Ele parou em frente ao Veil Theatre. O pôster anunciava: 'Assassinato. Caos... E identidade trocada. — Bem, nós temos dois de três. — Disse ele, abrindo a porta e conduzindo-a para dentro.
No momento em que entraram no Veil, uma pequena multidão de pessoas se apressou para encontrá-los. Duas das mulheres pareciam visivelmente perturbadas, enquanto o homem da frente engoliu em seco antes de vir ao seu encontro com a mão estendida.
— Falcões da Noite Reed e Lowell. — Garrett mostrou sua carteira de identidade para eles.
— Graças a Deus —, respondeu o homem. — Eu sou o Sr. Fotherham, o diretor. Esta é minha esposa, Sra. Fotherham, e Senhorita Radcliffe, nossa substituta principal. Foi ela quem encontrou... bem, descobriu que a Srta. Tate estava desaparecida.
Garrett puxou sua bolsa e folheou para uma página em branco. — Ausência? Achei que o telegrama dizia assassinato?
Todos eles trocaram um olhar, então correram para falar em uma confusão de vozes. Ele conseguiu resolver a logística. Srta. Nelly Tate era a atriz que desempenhava o papel principal na peça e tinha desaparecido naquela manhã. A senhorita Radcliffe, sua substituta, foi buscá-la para um ensaio final para a estreia desta noite, e encontrou apenas algumas gotas de sangue em seu quarto.
— E nenhum sinal dela desde então? — Garrett continuou, com um sorriso amigável.
Os ombros da atriz suavizaram quando ela balançou a cabeça. — Nelly é sempre tão pontual. Seis horas é um período de tempo notável para ela faltar. Ela não está em sua casa, — Srta. Radcliffe terminou. — Enviamos um dos ajudantes de palco para verificar, e bem, o sangue, sabe...
— Algum parente com quem possamos conversar?
A srta. Radcliffe mordeu o lábio. Ela era o tipo de mulher que parecia exagerar em todas as emoções, mas ele não tinha certeza se isso significava que ela estava escondendo alguma coisa, ou se ela era simplesmente dramática demais.
Ela também era muito adorável, ele notou, de uma forma inteiramente masculina que não tinha nada a ver com o caso.
— Nelly nunca falou de ninguém, — Senhorita Radcliffe admitiu. — Embora eu tenha tido a impressão de que sua mãe nunca aprovou suas ambições de palco. Eu acredito que pode ter havido palavras ditas em um ponto, e que Nelly não tinha mais nada a ver com seus pais.
— O que está acontecendo? — A voz alta cortou o silêncio do teatro. Um cavalheiro tirou o chapéu-coco da cabeça e caminhou pelo corredor. Das pontas finamente enceradas de seu bigode à elegante juba de pele de zibelina ao longo da gola do casaco, sua aparência gritava dinheiro.
— Lorde Rommell —, o Sr. Fotherham deu um passo à frente. — Receio que tenha havido notícias terríveis.
Um sangue azul do Escalão então. O estômago de Garrett apertou. — Lorde Rommell. — Ele deu um passo à frente e ofereceu sua mão. O homem sacudiu com um aperto firme, seus olhos escuros percorrendo o grupo enquanto Garrett se apresentava, — Eu sou o Detetive Garrett Reed, dos Falcões da Noite.
— Você está um pouco malvestido, não é? — O olhar de Rommell deslizou sobre seu traje.
— Eu não esperava ser chamado hoje. — Garrett fechou a carteira. Com seus extraordinários sentidos de sangue azul, ele podia sentir o cheiro de um leve toque de sangue no homem. Sem dúvida, apenas o almoço de sua senhoria, embora fosse bastante inesperado ver um sangue azul circulando durante a forte luz do sol do dia.
— Lorde Rommell é um dos proprietários do teatro —, intercedeu Fotherham. — Ele sempre vem para ler um ensaio.
— O que é tudo isso, Fotherham? — As sobrancelhas escuras de Rommell se uniram enquanto ele tirava as luvas de couro preto e brilhante. — Eu pensei que estávamos para o ensaio? Não Falcões da Noite.
— É a senhorita Tate, meu senhor, — senhorita Radcliffe disse seriamente. — Ela está desaparecida o dia todo e há sangue em seu quarto.
Rommell congelou. — Nelly está faltando?
Nelly. Garrett lançou um olhar para Perry, cuja testa se contraiu levemente.
— Bem, o que vocês estão esperando? — Rommell explodiu. — Pensei que vocês, Falcões da Noite, fossem parte de cães de caça. Vão embora! Você a trarão de volta. Ela é um recurso valioso para este teatro.
Ela pode estar morta. Garrett cerrou os dentes. Ele estava acostumado a lidar com os senhores do Escalão. — Eu estava prestes a recomendar tal coisa —, disse ele. — Senhorita Radcliffe, você se importaria em nos acompanhar até o camarim de Nelly? Sr. e Sra. Fotherham, sem dúvida gostaríamos de falar com toda a equipe do teatro em breve, se vocês poderiam providenciar isso? — Ainda sorrindo, ele lançou um olhar para Rommell. — Isso inclui você também, meu senhor.
— Eu? — Rommell parecia horrorizado.
— Você a quer de volta o mais rápido possível, não é? — Garrett perguntou, prendendo o homem.
A mandíbula de Rommell se contraiu, seus olhos disparando para as testemunhas reunidas. — Sim. Sim. É claro.
— Então, o que você acha?
Perry observou Garrett rondar o cômodo.
O camarim de Nelly Tate era significativamente mais opulento do que o esperado. Uma tela de seda pintada estava no canto, com um robe vermelho descartado por cima e uma boa meia dúzia de sapatos de salto alto espalhados pela base do guarda-roupa. Um respingo de sangue espirrado na tela e Garrett examinou-o, especialmente a altura e o tamanho dos respingos. Sua mandíbula travou com força - sem dúvida o cheiro do sangue estava despertando a parte mais sombria e predatória de sua natureza.
— Não há sangue suficiente para ser mortal —, disse ele, engolindo em seco. — mas ela - ou alguém - certamente levou um golpe, provavelmente na cabeça.
Perry teve um vislumbre de si mesma no enorme espelho no canto enquanto ela circulava pelo camarim, uma mancha escura de sombra no casulo de papel de parede rosa. Ela se sentia distintamente deslocada aqui.
— Para uma estrela do teatro, ela certamente está ganhando mais do que a Srta. Radcliffe. — Perry olhou os itens na penteadeira; escovas de cabelo de madrepérola caras, uma caixa de joias de prata reluzente com fechadura de relógio com peças caras espalhadas descuidadamente dentro, pós, pincéis e um broche que custaria o equivalente a seis meses do salário de Perry. A diferença entre a vestimenta da senhorita Radcliffe e Nelly Tate foi imediata.
— Depende se tudo isso vem do salário dela, — Garrett discordou, — ou de um amante. Senhores de sangue azul frequentemente tomam uma atriz como amante, especialmente se ela fosse tão bonita e espirituosa quanto a Srta. Tate supostamente é.
— Algo para perguntar—, observou Perry. Havia uma longa caixa de castanha polida quase escondida no canto. — Parece estranho que a senhorita Radcliffe não tenha feito menção a um amante. — Ela falou quase sem parar sobre a Srta. Tate no caminho para seus aposentos.
— O que você encontrou? — Garrett a seguiu em direção à caixa.
— Não tenho certeza. — Perry se ajoelhou e examinou a caixa. — Está trancada.
— Permita-me.
Normalmente ele carregava uma ferramenta para abrir com ele, mas sua tarde com a Sra. Scott obviamente o deixou despreparado. Perry tirou um dos alfinetes da cômoda da Srta. Tate e entregou a ele.
Às vezes ela se perguntava se Garrett alguma vez esteve do lado errado da lei. Ele era muito bom em entrar em lugares que não deveria, ou destrancar portas que estavam trancadas.
A tampa se abriu, a luz brilhando no metal de dentro. Perry franziu a testa. — O que diabos?
Garrett ergueu o item, suas mãos em forma de concha sob a curva suave de uma coxa de metal e acariciando a panturrilha elegante. — É... uma perna mecânica. A perna de uma mulher.
Claro que ele notaria isso. Perry se ajoelhou, passando os dedos pela criação. Parecia projetado para caber em um encaixe de metal correspondente, e a patela flutuava livre. O trabalho era requintado, com toda a hidráulica e pistões escondidos dentro de chapas de aço liso. Muitas vezes, o trabalho em um membro mecânico era grosseiro, com as longarinas expostas ao olhar. Isso obviamente custou a alguém muito dinheiro.
— Sem pele sintética. — Garrett observou. Ele a rolou, revelando elegantes flores de latão gravadas na parte externa da coxa, como o bordado em uma meia.
Perry inclinou o pé, notando sua flexibilidade. A articulação do joelho também se moveu em resposta. — Eu nunca vi algo assim.
— Não incomum. A maioria dos mecanicistas não anuncia sua deficiência.
Por uma boa razão. A maioria dos mecanicistas ficavam presos nos enclaves murados que o Escalão possuía, onde eram forçados a pagar sua 'dívida de mecanicista' com o governo em pagamento por seus novos membros ou órgãos mecânicos. Às vezes, essas dívidas demoravam quinze ou vinte anos para serem pagas.
— Você acha que pertence à Srta. Tate? — Se sim, então como diabos a atriz se deu ao luxo de pagar por tal criação? A pura arte do membro ditou uma temporada de pelo menos vinte anos nos enclaves.
— Não tenho certeza. — Garrett traçou os dedos sobre as juntas, procurando a marca numérica que indicaria em qual enclave e mecanismo o membro havia sido registrado. — Se for da Srta. Tate, então duvido que ela tenha mencionado isso para alguém.
O Escalão governante pode ter pensado que os humanos são uma classe inferior do que os de sangue azul, mas pelo menos os humanos têm alguns direitos. Um mecanicista, por outro lado, não era considerado completamente humano, com seus aprimoramentos mecânicos.
— Se for da senhorita Tate, então duvido que ela tivesse um amante de sangue azul —, disse Perry. — Ela não poderia ter mantido algo assim em segredo, e ele ficaria enojado.
— Não há número de série.
— O quê? Todo membro mecânico deve ser registrado por lei.
— A menos que não tenha sido criado nos enclaves.
— Mas... os únicos outros ferreiros pertencem ao Escalão e são mantidos trancados a sete chaves. — Apenas os ferreiros do Escalão sabiam o segredo para criar membros biomecânicos verdadeiramente funcionais, onde a carne se combinava com o aço, os tendões se fundiam a cabos hidráulicos como se fossem um. E esse membro, por melhor que fosse, nunca foi fundido com carne. A articulação do quadril denunciou.
Garrett franziu a testa. — A outra questão é: se isto é da senhorita Tate, então por que está aqui? E onde ela está? Não parece haver outro baú, então temos que presumir que este é o único membro que ela possui.
— Se não for, então acho que devo me tornar uma atriz. — Certamente parecia pagar melhor do que um Falcão da Noite.
— Eu gostaria de ver isso, — Garrett falou lentamente. — Você no palco, tentando fingir emoção.
Não era como se ela não tivesse passado os últimos seis anos escondendo tudo. Perry bufou baixinho. Se ele soubesse o quão boa atriz ela realmente era.
Ele sorriu e examinou o camarim. O sorriso morreu. — Nenhum sinal de luta, além do sangue.
— Acha que eles bateram nela por trás?
— Talvez. De qualquer forma, indica alguém que ela conhece.
— Como eles a removeram então? — Perry olhou para a tela ensanguentada. — Ninguém afirma ter visto nada incomum.
— Todo o lugar é um labirinto, — Garrett respondeu. — Eu não acho que poderia ter encontrado meu caminho aqui sem a senhorita Radcliffe para nos guiar. Talvez seja fácil escapar sem ser visto?
— Vamos fazer uma busca completa aqui, então, só para ter certeza de que não perdemos nada —, disse ela, voltando-se para a penteadeira e as cartas ali. — Então veremos o que mais podemos encontrar no resto do teatro.
Eles passaram as próximas horas entrevistando exaustivamente os atores e atrizes. Garrett assumiu a liderança. Ele se sentia muito mais confortável em fazer um interrogatório parecer uma conversa e rapidamente colocou os suspeitos à vontade, lançando sorrisos rápidos para as mulheres. Perry assistia, com os braços cruzados sobre o peito e as pálpebras baixadas, sonolenta. As expressões das pessoas e o tom de voz delas costumavam ser muito mais reveladores do que elas pensavam e, se estivessem escondendo algo, ela poderia perceber.
Seu primeiro instinto com a Srta. Radcliffe a fez eriçar as costas. A bela jovem atriz tinha uma riqueza de cabelo ruivo dourado naturalmente cacheado e ela piscou seriamente para Garrett enquanto ele a questionava. Os sorrisos de Garrett ficaram um pouco mais profundos e Perry desviou o olhar quando ela sentiu o clima da sala mudar. A expressão ansiosa da Srta. Radcliffe relaxou, substituída por um sorriso ligeiramente tímido, e quando ele perguntou se a Srta. Tate estava 'saindo com alguém', ela pousou a mão na manga dele.
A mulher era linda. Não deveria ter importado. Ela era exatamente o tipo de loira bonita e abandonada que normalmente chamava a atenção de Garrett. E ficou claro que foi capturado.
— Eu não poderia dizer, — Senhorita Radcliffe disse em resposta a sua pergunta. — Nelly... bem, eu não percebi até agora, mas ela era o tipo que sempre fazia perguntas sobre você, em vez de dizer qualquer coisa sobre si mesma. — Um belo rubor manchou suas bochechas cremosas. — Algumas das outras garotas têm... bem, admiradores, mas não Nelly. Nem eu mesma.
Garrett ergueu os olhos de seu caderno e o mais fraco dos sorrisos curvou-se sobre sua boca quando seus olhos se encontraram.
Minha nossa. Perry se afastou da porta. Garrett lançou-lhe um olhar, e ela fez um movimento circular com o dedo, deixando-o saber que ela daria uma olhada ao redor.
O que importa se ele estava flertando com uma testemunha? Não era a primeira vez que ela o via se interessar por uma mulher jovem e atraente. Certamente não seria a última.
Perry vagou pelo palco, afastando o pensamento de sua mente. Ela falou com vários ajudantes de palco em seu caminho, ganhando um bom apreço pela Srta. Tate. Os resultados foram conclusivos.
'Bom coração.'
'Não como algumas daquelas atrizes que vocês veem, que geralmente interpretam os papéis principais...' 'Eu não poderia imaginar quem realmente iria querer machucá-la.'
— O que a senhorita Tate fazia depois do expediente? — ela perguntou ao homem que administrava a iluminação. — Ela estava... saindo com alguém?
— Não consegui adivinhar corretamente. — Seu olhar se desviou. — Ela se guardava muito para si mesma. — Uma carranca, antes que ele olhasse para ela seriamente. — Você não acha que ela está com problemas, acha?
— Bem, ela deu flores para eles, lembra, Ned? — Um dos ajudantes de palco ligou. — No aniversário dela. — Ele inclinou a cabeça para Perry. — Eu quase suspeitaria que ela tinha um namorado, embora ela nunca tenha mencionado um, mas ela estava terrivelmente animada com as flores. Mostrava pra todo mundo e eram só peônias. Considerando que ela recebe rosas o tempo todo dos clientes, você não pensaria que eram muito, não é? Tornou regular agora.
Perry anotou isso. Interessante. Sem dúvida, boatos de teatro correram por toda parte naquele pequeno boato. — Quando foram entregues? Depois de uma apresentação?
— Não, durante o ensaio. É a primeira vez que ela interrompe um ensaio. — O homem sacudiu a cabeça. — Queria colocá-las em um vaso antes que murchassem.
Muito interessante. Perry bateu a caneta contra seu caderno.
Parecia que a senhorita Tate tinha um namorado.
E, ela pensou, estreitando os olhos ligeiramente, não foi necessário o relacionamento de Garrett com as pessoas para resolver isso, o que era uma coisa boa, considerando sua distração atual...
Capitulo 2
— Alguma coisa inovadora? — Garrett perguntou, enquanto eles desciam da carruagem, a oitocentos metros da casa de Nelly.
Olhos cinzentos tempestuosos da cor de nuvens de tempestade olharam para ele, mas Perry parecia ligeiramente distraía. — O que?
Garrett mudou o estojo com a perna da Srta. Tate dentro, conseguindo segurar melhor a alça, enquanto se viravam em direção à casa de Nelly. — Você parece distraída.
Seguiu-se um longo silêncio melancólico. — Não. Apenas... algumas coisas nunca mudam, não é?
— Não tenho certeza do que você quer dizer.
Perry finalmente ergueu os olhos das botas, seus passos largos e os quadris soltos e as mãos escondidas nos bolsos de seu longo casaco de couro. — Eu só estava pensando sobre a natureza humana. Raramente muda, especialmente em um caso como este.
Ele teve a sensação de que ela desviou a resposta, mas ele não a pressionou. — Então, de quem você suspeita?
— É muito cedo para dizer, — ela respondeu. — Há algo acontecendo com Rommell, no entanto. Tanto a senhorita Radcliffe quanto o senhor Fotherham ficaram angustiados de maneiras ligeiramente diferentes, quando você mencionou o nome dele. Talvez seja monetário? O Sr. Fotherham certamente parecia focado nas finanças do teatro.
— E a Srta. Radcliffe?
Ela demorou a responder. — Minha leitura sobre ela é... incerta. Mas acho que ela está escondendo algo. Ela baixou o olhar e desviou o olhar quando você mencionou Rommell, então acho que há algo ali - mas também pode ter sido o fato de que foi você quem fez essa pergunta. Ela mudou a conversa rapidamente.
Ele digeriu isso. — Por que eu teria algo a ver com isso?
Perry revirou os olhos. — Meu Deus, Garrett. Ela estava praticamente arrulhando para você. Embora eu ficaria muito surpresa se você não tivesse notado isso.
Ele tinha notado. Seus olhos se estreitaram. — Você está reclamando da maneira como eu fiz essa entrevista?
— Claro que não. Você a fez comer na sua mão.
— Não estou lá para ser o inimigo —, disse ele. — As pessoas respondem melhor a uma abordagem mais razoável. Se eles pensam que eu suspeito deles, eles tendem a pensar que podem ter algo a esconder.
— Eu não estou falando sobre pessoas.
Isso o irritou e ele parou de andar. — Você acha que eu ultrapassei os limites com ela?
Perry deu mais dois passos antes de perceber que havia parado. — Não vamos discutir isso aqui.
Não seria normal dois Falcões da Noite serem pegos discutindo nas ruas. Quem sabia o que a imprensa poderia conseguir? — Discutiremos isso mais tarde, de volta a Guilda.
Só para que ela soubesse que não havia terminado entre eles.
Ainda assim, a ideia de que ela considerava sua abordagem hoje menos do que profissional o irritava. Ele nunca mais deixou suas emoções ou seus flertes atrapalharem um caso, principalmente com um suspeito em potencial.
Ele tinha uma vez, muito tempo atrás, em um de seus primeiros casos. Ele deixou que algumas lágrimas o afastassem de um suspeito em potencial, quando a viúva foi, na verdade, uma envenenadora impiedosa. A memória ainda o humilhava, com a maneira como tinha sido facilmente manipulado.
Cristo, o Mestre da Guilda - Lynch - quase arrancou sua cabeça fora dessa brecha e o avisou que isso nunca mais aconteceria.
Garrett sabia que era uma fraqueza dele. Ele não gostava de ver mulheres chorando e mais de uma vez se colocou entre uma mulher e seu marido ou cafetão cruel. Cada vez que ele via o olhar vazio nos olhos cegos de sua mãe, quando ele foi procurá-la naquela manhã do passado. Ele não a salvou e ele não poderia salvá-las todas agora, mas às vezes ele tinha que se lembrar que as mulheres nem sempre precisavam de proteção. Às vezes, elas eram tão culpadas quanto os homens.
A caminhada até a casa de Nelly foi silenciosa e concisa.
Ninguém respondeu à batida. Garrett deslizou a fechadura novamente e abriu a porta. — Olá? — ele chamou. — Tem alguém em casa? Senhorita Tate?
A próxima porta se abriu e uma mulher mais velha colocou a cabeça para fora. — Quem são vocês? — Seu olhar deslizou sobre seus couros. — Falcões da Noite, hein?
— Certamente. — Garrett apresentou os dois sem problemas.
— Eu sou a Sra. Harroway, vizinha da Srta. Tate. Ela não está em casa, se é para isso que vocês estão aqui.
— Quando você a viu pela última vez? — Perguntou Perry.
— Esta manhã —, respondeu a Sra. Harroway. — Quando ela saiu para o teatro, cerca de nove e meia. Porque? O que está errado?
— A senhorita Tate está desaparecida, — ele respondeu, anotando a hora em que ela saiu de casa. — Ela desapareceu do teatro pouco antes do início dos ensaios. Estamos apenas tentando averiguar o paradeiro dela.
— Oh. — A Sra. Harroway levou a mão à boca. — Oh que vergonha. Espero que ela esteja bem. Sei que o que ela faz não está certo, mas ela tem modos tão maravilhosos. Não acho que ela é uma atriz.
— Ela tem muitas ligações?
— Nenhuma — disse a Sra. Harroway com firmeza. — Eu não aceitaria muito isso, e eu disse a ela também. Ela disse que não gosta de ter pessoas em sua casa. Diz que é só para ela, um espaço longe de toda aquela loucura. Uma mulher privada, Srta. Tate. Nunca a vejo muito - nem ela fala muito sobre si mesma.
— Ela tem família? — Perguntou Perry.
A Sra. Harroway franziu a testa e enxugou as mãos no avental. — Sabe, eu já vi alguém. Como eu disse, ela não fala muito sobre si mesma, então eu realmente não poderia dizer.
— Obrigado por sua ajuda. — Ele deslizou seu cartão para ela. — Se você se lembrar de alguma coisa - ou ver algo incomum, poderia nos informar?
A Sra. Harroway pegou o cartão e acenou com a cabeça.
Garrett segurou a porta aberta para Perry. No momento em que foi fechada, ele respirou fundo. O apartamento cheirava a pétalas de rosa - o tipo que uma mulher põe em suas roupas.
Não havia sinal de Nelly, não que ele esperasse encontrar um.
Uma hora depois, ainda não havia sinal de absolutamente nada sobre a própria mulher. Um mistério. Normalmente eram encontradas cartas, ou um diário, ou algo que indicasse o estilo de vida da pessoa que morava em uma casa, mas era como se Nelly fosse apenas uma miragem. O único indício da personalidade da mulher era a dispersão de peças e livros que pareciam encher a sala.
— É quase como se ela não existisse —, murmurou Perry, passando os dedos por um exemplar muito usado de poesia. — Como se todo o seu mundo pudesse ser encontrado nestas páginas, mas não houvesse nenhum indício de Nelly fora delas. — Ela examinou a sala, como se pudesse ver algo que ele não podia. — É quase como se este fosse apenas um lugar de residência para ela, não um lar. É como se Nelly ainda não tivesse encontrado sua casa, ou talvez ela ainda esteja procurando por ela?
Garrett olhou para ela. Nelly o lembrava um pouco de Perry. Quase ninguém fora dele - e talvez um ou dois outros na Guilda - sabia alguma coisa sobre ela, e era assim que ela preferia.
Ele estava começando a ter uma boa impressão da atriz. Nelly Tate era simplesmente outro papel que a mulher desempenhava? Alguém conhecia a mulher por trás da fachada de jovem atriz educada?
Esse pensamento levou diretamente a outro. Perry estava desempenhando um papel também? Indiferente e taciturna jovem Falcão da Noite?
O que ela estava escondendo? E pela primeira vez, ele não tinha certeza se ele se referia a Perry ou Nelly.
— Bem —, disse ele, observando Perry com olhos curiosos enquanto ela olhava para a parte de trás de um livro. Não adiantava perguntar a ela. Ele simplesmente observaria e se perguntaria e lentamente trabalharia seu caminho através do labirinto que a protegia. — Vamos avançar para os enclaves e ver se há algo aqui — Ele apontou para a maleta com a perna mecânica, — que pode nos dar uma pista sobre o desaparecimento de Nelly.
Afinal, uma peça mecânica não registrada certamente era curioso.
Enquanto caminhava atrás dela, ele não conseguia parar de examinar o cabelo curto e preto que acariciava sua nuca e se perguntou sobre aquele pequeno discurso.
Onde fica sua casa, Perry? Pois pareceu, por um momento, que ela estava falando de si mesma e não de Nelly Tate.
Os guardas nos portões dos enclaves da King Street os deixaram passar após um breve exame de suas carteiras de identidade e eles foram conduzidos aos escritórios principais com vista para a fábrica principal. Os enclaves da King Street eram os principais responsáveis pelo transporte marítimo, e as enormes carcaças de encouraçados semiacabados alinhavam-se nas baías. Trabalhadores rastejavam sobre eles, armados com aparelhos de soldagem, e faíscas cuspiam pelo chão.
O capataz que os encontrou obviamente nunca havia trabalhado um dia no chão em sua vida, a julgar por seu terno prensado a vapor e gravata imaculada. Garrett trocou um olhar com Perry, abrindo a maleta na mesa do homem para mostrar a perna enquanto ele se apresentava.
— Rigby. — Respondeu o supervisor, estendendo a mão para Garrett. Ele a sacudiu com um sorriso de tubarão, virtualmente ignorando Perry, a quem obviamente supôs ser o assistente de Garrett e, portanto, não merecedora de qualquer atenção.
— Esta é minha parceira, Detetive Lowell. — Garrett disse, dirigindo o olhar de Rigby para ela.
O sorriso de Rigby sumiu quando ele ofereceu apressadamente a mão para ela.
Então era hora de negócios. — Estou ciente de que sua principal indústria é o transporte marítimo, mas há rumores de que há um punhado de mecanicistas que você emprega que fazem um trabalho melhor. Eu estava me perguntando se você poderia ter alguém que poderia ter feito algo assim?
Rigby parecia perplexo. — Sim, bem, vou mandar buscar Jamison. Membros mecânicos estão fora do meu domínio de especialização, no entanto, ele foi transferido para os Enclaves de Southwark por um ano, e eles lidam exclusivamente com biomecânicos e membros mecânicos.
Ele caminhou até a esquina e puxou uma alavanca. Um apito gutural gritou pela fábrica e os homens ergueram o rosto para o escritório do supervisor. Rigby falou no bocal: — Jamison? Para o meu escritório, por favor.
Um homem esfregou as mãos no macacão e começou a subir os degraus.
Rigby os apresentou a Jamison e explicou para que eles estavam ali. Ele fez menção de pairar, mas Garrett lançou-lhe um olhar. — Você se importa se falarmos com o Sr. Jamison em particular?
Os Mecanicistas já eram cidadãos de segunda classe; era improvável que o homem denunciasse alguém fora do ramo, com seu supervisor aqui.
— Sim, sim, claro. — Rigby parecia tudo menos satisfeito quando ele saiu, no entanto.
— Só conheço um punhado de homens que poderiam ter feito isso —, disse Jamison, após um momento de silêncio. Ele traçou o dedo para baixo sobre o modelo rosa ao lado da coxa. — Mas isso aqui me diz quem era. É a assinatura dele. Coloca uma rosa em todo o seu trabalho.
— Quem?
— O Criador —, respondeu Jamison. — Funciona fora de Clerkenwell. Tem uma loja lá, consertando relógios e coisas do gênero, embora isso seja apenas a fachada de seu negócio real. Faz peças mecânicas para pessoas que não podem pagar pelos enclaves.
— E como um homem tem tanta habilidade com peças mecânicas? É estritamente proibido para um mecanicista continuar esta linha de trabalho depois de deixar os enclaves —, disse Perry, traçando a rosa com o dedo. — Qual é o nome verdadeiro dele?
— Não que estejamos interessados em repreendê-lo por trabalho não solicitado no enclave. — Garrett ofereceu um sorriso. — Nós apenas desejamos saber mais sobre a perna mecânica da garota desaparecida. Estamos tentando estabelecer motivos potenciais para o desaparecimento dela.
Alguém percebeu que Nelly era uma mecanicista? Eles ficaram ofendidos com isso?
Era uma linha de pensamento fraca, mas era tudo que eles tinham no momento, e alguém precisava saber algo sobre o passado de Nelly - ou quem era sua família. Se tivesse ocorrido um acidente, talvez alguém a tivesse trazido ao Criador para receber uma nova perna? E quem pagou por isso?
Jamison considerou os dois. Um dos aspectos mais difíceis de ser um Falcão da Noite - um sangue azul, mas sem nenhum direito - era a desconfiança das pessoas. Tanto quanto as classes humanas pensavam, um sangue azul era um sangue azul, independentemente se eles eram das classes aristocráticas, ou simplesmente um ladino que pegou o vírus por acaso.
— Hobbs —, disse Jamison lentamente. — James Sterling Hobbs. Seu pai era um mecanicista, e foi assim que ele aprendeu o ofício. Quando os enclaves recusam o pedido de um membro mecânico, ele é alguém a quem um homem pode recorrer. Às vezes funciona para aqueles que podem pagar seus honorários, que não querem acabar aqui. — Jamison deu um sorriso tenso. — Infelizmente, eu não tinha dinheiro para pagá-lo.
— Você não é um mecanicista —, observou Perry. — A menos que eu esteja enganado.
— Não. — Jamison inclinou o queixo para ela. — Minha esposa pegou o Pulmão Negro. Precisava de uma nova bomba torácica para poder respirar, mas o custo era de vinte anos, nesta prisão. — Sua voz diminuiu. — Eu tenho dois filhos. Rigby concordou em transferir a dívida para mim. Ele não é um tipo ruim, apesar de tudo. Ele prefere um rapaz grande e robusto trabalhando em seus turnos, e meus filhos precisam da mãe mais do que de mim.
— Você tem a direção de Hobbs? — Perguntou Perry.
Com um suspiro, Jamison escreveu e passou o pedaço de papel pela mesa na direção deles. Ele manteve a mão sobre ele. — Você promete que não haverá problemas com isso? Há muita gente que não acaba neste inferno aqui, por causa de homens como Hobbs.
Às vezes, ser um Falcão da Noite significava equilibrar as necessidades da lei. Se Garrett se importasse com o Escalão, então ele poderia ter usado essa informação, mas depois de sua juventude nas ruas, Garrett sabia o que era ser esmagado pelo calcanhar do Escalão. As classes humanas oprimidas precisavam de algum senso de esperança, ou então haveria mais tumultos e lutas nas ruas. — Você tem minha palavra.
Ele ignorou o olhar penetrante que Perry lançou para ele e pegou o pedaço de papel.
— Você não tinha o direito de fazer essa promessa. — Disse Perry, enquanto pegavam o trem para Clerkenwell. Eles mostraram suas carteiras de identidade na estação, ganhando passagem gratuita. — Você não pode garantir a Jamison que nenhum dano virá disso. Por lei...
— A única maneira de alguém saber o que Hobbs está fazendo é se um de nós contar a eles. Eu sei que não vou falar disso. Você vai?
Perry acalmou-se com um grunhido baixinho que soou como se ela o xingasse. — Você está me pedindo para infringir a lei. Isso é reprovável.
— E tudo o que você vai acabar fazendo é prejudicar principalmente as pessoas honestas que tiveram a infelicidade de nascer nas classes humanas. É uma lei estúpida. O Escalão fez isso porque não quer ninguém competindo com seus contratos. Consequentemente, os pobres ficam mais pobres e os ricos ficam mais ricos. Se você acha que vou seguir o decreto deles, só porque o bolso de algum nobre rico não fica forrado, então você não me conhece muito bem. Eu sei que você não gosta de quebrar as regras... — Ela era tão obstinada às vezes. — mas permitir isso não faz mal a ninguém. Na verdade, muito pelo contrário.
— Existem leis para proteger a sociedade.
— Se você acredita nisso, então deveria se entregar ao Escalão —, ele retrucou, seguindo seu rastro enquanto ela descia do trem e lutava para abrir caminho no meio da multidão. — As mulheres certamente não têm permissão para os ritos de sangue que transformam um aristocrata em um sangue azul.
— Eu não tinha permissão para fazer os ritos.
Nenhum dos Falcões da Noite tinha. Caso contrário, eles jantariam em salas de jantar douradas no West End e não trabalhariam até a exaustão nas ruas. — O ponto é o mesmo. As mulheres são inadequadas para a infecção do vírus do desejo. — Ele lançou a ela um olhar irônico. — Algo sobre suas naturezas mais gentis e histeria e...
O brilho de Perry poderia ter murchado castanhas.
— Eu não fiz essa lei, — ele a lembrou. — Eu sei que você é mais capaz do que a maioria dos Falcões da Noite com quem trabalhamos. Mais sanguinária talvez, mas certamente capaz. No que me diz respeito, não penso em você como mulher.
— Talvez porque eu não pestanejo para você e sorrio. É assim que as mulheres devem agir, não é?
Má escolha de palavras. — Isso não é o que...
— Talvez eu deva tirar uma folha do livro da Srta. Radcliffe?
— O que diabos isso quer dizer? — Ele segurou seu pulso.
Perry girou, quebrando seu aperto, seus olhos cinzentos cuspindo faíscas. — Por que você não me conta? — As palavras eram um desafio.
Ele cerrou os dentes, vendo vermelho. De volta à maneira como ele lidou com a senhorita Radcliffe. Cristo. Ele sorriu, ele flertou... Não era nada que ele não tivesse feito com numerosas testemunhas femininas ao longo dos anos. — Talvez eu não seja o único com o problema com a Srta. Radcliffe?
Seu queixo caiu. — O quê?
— Você está com ciúmes dela? — As bochechas de Perry realmente empalideceram com suas palavras e Garrett perseguiu o pensamento implacavelmente. — É porque ela é tudo que você não é? É isso que está mexendo com essa linha de pensamento insana?
No momento em que as palavras saíram, ele soube que poderia muito bem ter usado uma adaga. Seus olhos cinzentos se arregalaram e um lampejo de algo - mágoa - cintilou em seu rosto. Então eles endureceram. — Você honestamente acha que eu não gostaria de ser nada mais do que um pedaço frívolo de musselina? Tudo o que sou, fiz de mim mesma. — Ela apunhalou um dedo em seu peito. — Eu caço assassinos e ladrões em Londres e sou muito boa nisso. Diga-me que isso não é mais importante do que enrolar meu cabelo ou... ou cortar algum bordado? Ou talvez você prefira que eu faça minhas reverências e morda a língua e finja que tudo que disse foi a idiotice mais esclarecida que eu já ouvi - que é não, pela maneira. Talvez você gostasse mais de mim se eu sorrisse ou... ou flertasse, ou... só Deus sabe! — Ela o empurrou, perseguindo à frente dele com os ombros curvados, como se ele a tivesse ferido de alguma forma.
Merda. Garrett foi atrás dela. — Perry, espere. — Na verdade, seus passos se alongaram. — Perry. — Ele agarrou o braço dela. — Eu sinto muito. Isso foi desnecessário. — Ele nunca tinha sido tão cruel, mas ela tocou em um ponto fraco e ele a cortou antes que pudesse pensar. — Eu gosto de você do jeito que você é. Você sabe disso.
Seu olhar se desviou. — Claro que você gosta. Não importa. É isso. 291 Aplin Street.
— O quê? — Ele ergueu os olhos surpreso.
— Nós estamos aqui, — ela repetiu sem emoção, encolhendo os ombros fora de seu aperto. — Agora, deixe-me ir. Tenho um trabalho a fazer.
— Nós. — Ele corrigiu, seguindo-a. Ela não o perdoou, ele sabia disso, e ainda se sentia um pouco irritado, mas eles tinham um trabalho a fazer agora. Isso poderia ser resolvido mais tarde, embora ele certamente não se esquecesse de novo e pronunciasse suas palavras de forma tão descuidada. Ele a olhou de esguelha. Ele se sentia como um bastardo adequado, e ela era a única que estava desafiando seu profissionalismo.
Mais tarde. Ele soltou um suspiro lento e bateu na porta trancada da loja.
Não houve resposta.
— Garrett. — Ela murmurou.
— Sim?
— Eu acho que posso sentir o cheiro de alguma coisa. Eu acho que você deveria arrombar a fechadura.
Um momento de trabalho. A campainha da loja tilintou quando ela abriu caminho, mas o lugar estava vazio e silencioso. Garrett fechou a porta com cuidado e franziu o nariz. Seus sentidos de sangue azul não eram nem de longe tão agudos quanto os dela, mas até ele podia sentir o cheiro fraco de podridão. Não era nada que um humano teria pego, entretanto.
— Jesus. — Ele colocou a manga sobre o nariz. — O que é isso?
Perry tinha um lenço na cara dela. Ela seguiu pela loja até o balcão e olhou por cima. Havia um alçapão lá - e uma confusão de respingos de sangue contra a parede traseira.
— Está vindo de baixo.
Seus olhares se encontraram.
— Você primeiro? — Ela perguntou esperançosa.
— Vire você por isso. — Ele puxou um xelim do bolso e jogou-o no ar.
Ao bater com a palma da mão sobre ele, Perry gritou: — Cara.
Não demoraria muito para distorcer os resultados - ele viu de que maneira ela caiu e poderia facilmente usar um pouco de prestidigitação - mas a memória do choque dela lá fora quando ele foi estupido com ela, ainda o assombrava. Garrett suspirou enquanto erguia a mão. Era Coroa.
— Droga. — Disse ele, e desceu pelo alçapão.
Perry o seguiu, sacudindo a pequena bola de brilho que ela trouxera. Seu brilho fosforescente iluminava o interior do que parecia ser um depósito. Membros mecânicos estranhos e semiacabados pendurados em prateleiras ao longo das paredes. Evidentemente, era aqui que Hobbs mantinha suas comissões paralelas. Fora da vista e longe da mente.
Havia um catre feito no canto, com um par de cobertores aninhados e uma pequena pilha de itens pessoais, como livros infantis e brinquedos. Garrett acendeu a vela lá embaixo e ergueu-a bem alto. Um corpo esparramado na cama, embora marcas de sangue no chão mostrassem que ele havia sido movido do andar de cima.
O homem parecia estar morto há pelo menos dois dias, a julgar pelo estado de amolecimento da rigidez cadavérica. Seus braços estavam cruzados sobre o peito e um par de moedas brilhava sobre as pálpebras fechadas de seus olhos.
— Hobbs, presumo.
— Quais são as chances de ele levar um tiro no peito, assim como uma atriz desaparece do teatro? — Perry respirou suavemente.
— Circunstâncias interessantes, — ele concordou. E era isso que eles tinham que procurar. Padrões, coincidências... Qualquer coisa incomum. — Parece que estamos investigando dois possíveis assassinatos.
— Bem, este é definitivamente um assassinato. A menos que ele tenha colidido com uma bala em alta velocidade. — Perry contornou o estrado com cautela. — A porta estava trancada e ninguém teria visto seu corpo atrás do balcão. Por que trazê-lo para cá?
— Isso também foi feito logo depois que ele foi baleado. — Observou Garrett. Caso contrário, eles nunca teriam feito seus braços se cruzarem assim.
Ele verificou dentro da camisa do homem. Hematomas escurecendo seu ombro direito, mas não o esquerdo. Tirando a camisa do homem para fora das calças, ele verificou os lados do homem. Sinais de livor mortis em seu lado, mas embora ele estivesse deitado de costas, a pele lá estava pálida, onde os capilares estavam comprimidos.
— Ele caiu sobre o lado direito e ficou ali tempo suficiente para que seu sangue começasse a coagular. Pode ter durado mais ou menos uma hora. Não muito mais, eu acho, a julgar pela extensão mínima da descoloração em seu lado - e veja aqui, onde a maior parte indica que ele passava a maior parte do tempo de costas. — Garrett sentou-se sobre os calcanhares. — Duvido que quem o moveu tenha sido o assassino. Parece que ele levou um tiro e ficou lá tempo suficiente para que o livor mortis começasse a se instalar, mas não o rigor mortis. Então, em algum lugar entre uma hora e três horas depois que ele foi baleado, alguém o moveu.
— Pode ter sido o assassino —, argumentou Perry. — Ele pode ter ficado por perto e trocado o corpo mais tarde.
— Então o que ele estava fazendo durante aquela primeira hora ou assim? — Normalmente demorava pelo menos esse tempo para que os sinais de descoloração começassem a manchas na pele.
Ela não teve resposta.
Era assim que eles funcionavam. Apresentando teorias que o outro tentaria derrubar.
— Eles não alertaram as autoridades, sejam eles quem forem —, disse Perry. — Por que não?
— Talvez eles estivessem protegendo isso. — Ele gesticulou ao redor da sala. — Assim que os sangues azuis do Escalão perceberem que ele estava criando trabalho mecânico paralelo, eles farão uma investigação sobre os Hobbs.
— Ou eles entraram em pânico, ou foram ameaçados.
— Talvez eles tenham testemunhado isso, — ele sugeriu, olhando para ela. — Talvez eles conhecessem o assassino?
— A questão interessante é: quão bem Nelly Tate conhecia o Sr. Hobbs? A conexão é definitivamente a perna - ele deve ter feito isso para ela em algum momento, então ela obviamente teve os ajustes com ele.
— Então, ou o trabalho que ele faz tem algum envolvimento com o caso, ou talvez seja a conexão entre os dois. — Disse ele.
— Ele poderia ser seu namorado misterioso, talvez. Isso faz mais sentido do que alguém matando mecanicistas.
— Ela tem um namorado?
— Eu suspeito. Os ajudantes de palco estavam me contando como ela estava animada para receber peônias em seu aniversário - quando ela recebe rosas e buquês muito melhores de seus numerosos admiradores o tempo todo. Ela está recebendo os buquês uma vez por mês. Eles pensaram que ela estava saindo com alguém.
— Hmm. — A senhorita Radcliffe nada dissera sobre Nelly ter um admirador - e as mulheres geralmente ficavam atentas a esses assuntos. Embora a Srta. Radcliffe tivesse dito que Nelly era calada sobre si mesma.
Perry estendeu a mão para a pilha de livros ao lado da cama. — Então, Hobbs foi morto, um ou dois dias depois - a julgar pelo cheiro e a taxa de decomposição - Nelly desapareceu.
— Ciúme? Podemos estar olhando para um pretendente desprezado se vingando do amante de Nelly.
— Pode ser algo do passado dela também - talvez um membro da família misteriosa da qual ninguém sabe nada. — Perry gentilmente folheou as páginas de um dos livros. — Ou a pessoa misteriosa que moveu Hobbs e o colocou assim. Talvez Nelly tenha algo a ver com o assassinato de Hobbs, então a testemunha foi atrás dela?
— Você tem lido muitas coisas horríveis de um centavo.
— Ha, ha, — ela disse categoricamente. — Você quer subir ou descer aqui?
Ele ainda estava se sentindo culpado, maldita seja. Com um suspiro, ele disse: — O cheiro não é tão ruim para mim. Você sobe as escadas. E envie um telegrama para a Guilda para que eles possam enviar o carrinho de autópsia para coletar Hobbs.
Capitulo 3
Hobbs foi movido para a Guilda, então Perry e Garrett levaram algumas horas para questionar os proprietários de negócios próximos e examinar a cena para qualquer outra coisa. Ninguém tinha ouvido um tiro, mas com o cruzamento movimentado do lado de fora, isso talvez pudesse ser explicado.
Eles deram uma rápida passada pela residência listada de Hobbs, mas o lugar era frio e estéril. Ninguém estava lá há dias e, de fato, parecia que Hobbs passava a maior parte do tempo na loja. Então era hora de voltar para a Guilda.
Perry desapareceu no segundo em que eles voltaram sob algum pretexto de papelada. Garrett a observou partir. Ela desprezava a papelada.
O que tornava evidente que ela o estava evitando. Nenhum deles mencionou a discussão anterior, mas ela permaneceu na sala como um fantasma. Afinando os lábios, ele desceu para as profundezas da Guilda, em direção à sala de autópsia e à masmorra de Fitz. O Dr. Gibson não havia terminado sua autópsia - eles haviam colocado uma ordem urgente - mas pelos sons dos tiros, Fitz estava na porta ao lado.
O sangue azul alto e esquelético era a espécie de ferreiro residente da Guilda, uma vez que ficou óbvio que ele não poderia lidar com nada mais horrível do que um envenenamento. Para um homem que tomava seu sangue com o chá, a visão tendia a deixá-lo ainda mais pálido do que o normal. Se fosse mecânico, entretanto, Fitz poderia lhe dizer a marca, o modelo e o propósito.
Garrett não se incomodou em bater. O homem estava meio surdo de qualquer maneira.
A sala de testes foi equipada como uma galeria de tiro. Garrett acenou olá quando Fitz o viu.
Fitz puxou o gatilho e o alvo vibrou quando a bala atingiu os arredores dele. Ele abaixou a pistola e puxou para baixo os pesados protetores de ouvido à prova de som que havia projetado. — Esse é o tipo de pistola usada em Hobbs —, Fitz gritou em voz alta, entregando o revólver de bolso para Garrett. — Um Webley Bull Dog com uma bala Webley .442. Gibson tirou a bala do peito dele há uma hora.
— Isso foi rápido.
Fitz encolheu os ombros. — Dificilmente um desafio, meu amigo. Elas são tão comuns quanto sujeira.
Um pequeno drone servo automatizado se aproximou, sibilando. Eles eram o tipo de coisa mais frequentemente encontrado em casas de mercadores ou aristocratas, como um sinal de riqueza, mas Fitz há muito tempo resgatou este de uma pilha de sucata e o ressuscitou.
Fitz colocou os protetores de ouvido na bandeja que continha e entregou um par de balas a Garrett. — Então, como vai o caso?
Garrett carregou as balas na pistola e colocou um ponto morto no alvo. O Webley estava em ampla circulação, especialmente entre a Royal Irish Constabulary, embora fosse mais adequado para encontros de curta distância. Pequeno o suficiente para se esconder no bolso do casaco, o que era parte de seu encanto. — Hobbs morreu imediatamente. Quem quer que tenha feito isso, caminhou até o balcão e atirou nele. Pelo padrão de sangue, ele não tentou correr, então ou ele não estava esperando ou talvez o assassino fosse um estranho? Alguém que ele pensou ser um cliente?
Fitz o encarou, suas sardas se destacando em total alívio.
Deve ter sido a menção de 'padrão de sangue'. Garrett suspirou e largou a pistola.
— Vou tentar estimar a distância em que o agressor estava quando o tiro foi disparado. — Disse Fitz.
— Obrigado.
Um barulho no canto anunciou a chegada de uma mensagem no sistema de cilindro pneumático usado pela Guilda. Fitz desenrolou o papel e o passou para ele. — Você é procurado lá em cima. Lynch quer um relatório.
Isso era incomum. Garrett lançou um olhar sobre ele. Breve e direto ao ponto, assim como Lynch, o mestre da guilda. — Ele geralmente não se preocupa em se envolver em um caso tão cedo.
A menos que houvesse um motivo.
— Então, o que nós temos?
Sir Jasper Lynch, o Mestre dos Falcões da Noite, recostou-se na cadeira e examinou os dois sobre a mesa. Perry ficou em posição de sentido ao lado de Garrett, com as mãos cruzadas atrás dela. Uma espessa parede de silêncio pairava entre eles, e quando ela olhou de lado, ela encontrou o olhar de Garrett.
Embora eles mal tivessem se falado no caminho para casa, eles trabalharam juntos o suficiente. Foi só agora, sem nenhum cadáver entre eles, que o que tinha acontecido antes mostrou sua cara feia.
Ela certamente não tinha intenção de responder a essa pergunta.
— Uma curiosidade ardente sobre por que este caso é uma prioridade. — Garrett finalmente respondeu.
Lynch empurrou um pedaço de papel sobre a mesa. — O que vocês sabem sobre Arthur Lennox, Lorde Rommell?
— Nós o conhecemos hoje. Ele é coproprietário do Veil Theatre, — Garrett respondeu, — Estou mais interessado nos funcionários do teatro e no que seu relacionamento com a Srta. Tate envolveu, bem como em tentar descobrir o que aconteceu com ela.
— Não houve sinal do corpo ainda, senhor, ou mesmo qualquer indicação se ela está viva ou morta —, acrescentou Perry. — Nós verificamos sua casa e nenhum de seus vizinhos viu qualquer sinal dela, embora a julgar pela maneira como ela desapareceu do teatro, eu certamente não espero que ela simplesmente tenha corrido para casa para buscar algo.
— Ela foi tirada do teatro?
— É o que parece. — Respondeu Perry.
— Você mencionou Rommell? — Garrett perguntou.
— Rommell não é apenas um financiador —, respondeu Lynch. — É um interesse particular dele.
— O teatro? Ou atrizes? — Perguntou Perry. Ela sabia como eram os sangues azuis do Escalão, muito bem.
— Ambos. — Lynch bufou, apontando para o papel.
Garrett o pegou antes que ela pudesse e examinou-o, levantando a sobrancelha. Ele o colocou de volta na mesa de Lynch, em vez de dar a ela.
Pequeno. Os lábios de Perry se estreitaram, mas ela não deu nenhum outro sinal externo de irritação. Lynch era muito hábil em interpretar pessoas para isso e não tolerava discussões entre os parceiros designados em um caso.
— Isso é... uma comissão considerável —, disse Garrett. — Se Rommell o colocou pessoalmente, como recompensa por seu retorno, então eu me pergunto qual era a relação exata entre ele e a Srta. Tate.
Então esse foi o empurrão para a prioridade no caso de uma pessoa desaparecida. As encomendas privadas eram aceitas pela Guilda dos Falcão da Noite, mas a estrutura de taxas era frequentemente exorbitante. Isso servia para evitar que os sangues azuis aristocráticos exigissem que sua pulseira perdida fosse colocada acima de um caso de assassinato - o que era inteiramente provável - mas também significava que quando um dos Escalão oferecia uma comissão, então deveria receber uma certa prioridade.
— Você tem alguma pista? — Lynch perguntou.
— Segundo todos os relatos, Nelly Tate era muito querida —, respondeu Garrett. — Nós questionamos a trupe de atuação, e ninguém parecia ter qualquer animosidade em relação a ela. Para a atriz principal, ela era um pouco mais atenciosa do que a maioria, ao que parece. A Srta. Radcliffe, sua substituta, disse que Nelly a estava ajudando com suas falas, o que é quase inédito.
Perry hesitou e Lynch percebeu.
— Sim? — Ele se virou para ela.
Garrett enrijeceu ao lado dela.
— Nada, senhor.
Lynch olhou entre os dois. Perry olhou para a parede acima dele, o rosto impassível. Os segundos se passaram, destacados pelo relógio de Lynch. Se ele esperava que algum deles quebrasse, então ele subestimou sua experiência em lidar com ele.
— Muito bem. — A voz de Lynch era tão suave que era claro que ele não acreditava nela. — Se não houver mais nada a acrescentar... então vocês estão dispensados.
Perry relaxou e se voltou para a porta.
— Ah, e Perry?
Ela virou.
— Confie em seus instintos, — Lynch disse a ela, antes de dar a ela um aceno rápido. — O que quer que sejam.
Garrett lançou-lhe um olhar sombrio quando ela escapou pela porta.
Capitulo 4
Garrett a encontrou na sala de treinamento; o som de grunhidos e golpes violentos puxando-o pelo corredor. Eles se separaram após o interrogatório no escritório de Lynch, e Perry usou a distração de vários Falcões da Noite para escapar dele.
Os olhos de Perry piscaram para ele quando ele entrou na sala e Byrnes, um de seus companheiros Falcões da Noite, usou a distração para chutá-la no peito. Ela cambaleou para trás, seus punhos levantando-se defensivamente e uma carranca escurecendo seu rosto.
Eles estariam nisso até que um deles chorasse, o que, conhecendo os dois, poderia levar horas.
— Mostre-me o que você tem, princesa. — Zombou Byrnes.
Os olhos de Perry se estreitaram e ela lançou uma série de golpes pungentes que Byrnes mal desviou. Os olhos do outro homem estavam vigilantes, porém, e Garrett podia ver onde Byrnes a estava incitando para um ataque. Ela estendeu seu soco um pouco longe demais e Byrnes estava em cima dela, virando-a por cima do ombro e jogando-a no tapete. Ele puxou o braço dela para trás e apertou a palma da mão entre as omoplatas dela. Os olhos de Perry brilharam de fúria consigo mesma - e sem dúvida um pouco disso por ele.
— Posso intervir? — Garrett perguntou.
Byrnes ergueu os olhos. Eles nunca foram amigos - Byrnes tinha uma ponta de frieza em que Garrett não confiava inteiramente e, em troca, Byrnes via a relutância de Garrett em machucar um parceiro de treino como uma fraqueza - mas muitas vezes trabalhavam juntos como parte dos oficiais graduados da Mão de Lynch.
— Pronta para descansar, Perry? — Byrnes perguntou, deixando seu ombro fora da tranca.
— Eu não estava me referindo a ela. — Garrett corrigiu.
Byrnes olhou entre eles. Perry congelou em suas mãos e joelhos, então pareceu se recompor enquanto ela se levantava. — Vá em frente —, disse ela a Byrnes. — Vou reivindicar uma revanche mais tarde.
— Posso apenas ficar e assistir a esta. — Disse Byrnes, sem dúvida captando a tensão.
— Eu sugiro que você não faça isso. — Garrett olhou para ele, empurrando-o para as esteiras que acolchoavam o chão de treino. Ele tirou o casaco, jogando-o atrás de si, em direção a uma cadeira, depois começou a mexer no colete.
Isso deixou a curiosidade queimando nos olhos do outro homem, mas depois de outro olhar lento, ele se derreteu, fechando a porta da sala de treinamento atrás de si.
Garrett trancou-a.
Quando ele se virou, Perry ainda estava de pé no meio do tapete, os joelhos dela amoleceram e os pés na defensiva.
— Eu disse que precisávamos discutir o que aconteceu hoje.
Perry ergueu o queixo dela. — É isso que é? Uma discussão?
— Talvez. — Ele sorriu. Não foi legal. — Mais tarde.
Seus olhos ficaram esfumados e perigosos. — Então tire suas botas.
— Com prazer.
A própria simpatia da conversa desmentia a fúria que crescia sob sua pele. Tinha sido ruim o suficiente com ela questionando suas ações em relação à Srta. Radcliffe, mas aquele momento no escritório de Lynch... Ela deixou Lynch ver suas dúvidas e conhecendo o Falcão da Noite, Lynch não deixaria bem o suficiente até que soubesse o que o assunto era. Lynch tinha a tenacidade de um cachorro no osso quando percebia que alguém estava guardando segredos.
Arregaçando as mangas da camisa, Garrett descartou as botas e pisou no tapete. Isso... isso era exatamente o que ele precisava. A fome do vírus do desejo iluminou suas veias, acendendo sua raiva. Demorava muito para empurrá-lo até esse ponto, mas Perry tocou em um ponto sensível. Se eles queriam resolver este assunto para que pudessem trabalhar juntos, então ele precisava lidar com isso agora, independentemente de seus sentimentos sobre o assunto. Conhecendo-a como ele a conhecia, ela preferia fingir que nada havia acontecido e fugir para seu quarto para guardar seu rancor.
Eles tocaram os punhos, então se separaram. Os joelhos de Garrett suavizaram, seus olhos a observando como um falcão. As artes marciais que vieram do Oriente eram ensinadas a todos os noviços, mas quando eles lutavam, todas as apostas eram canceladas. Era uma combinação de pugilismo e bartitsu, além de movimentos de luta livre. Garrett conhecia seus pontos fortes tão bem quanto conhecia os dela. Perry tentava manter distância, enquanto atacava com golpes devastadores. Ela era rápida, mas sabia o suficiente para se manter fora do círculo de seus braços, já que ele era muito mais forte do que ela.
Ele a trabalhou levemente no início, dançando para frente, então recuando quando ela partiu para o ataque. Isso ajudou a fazer o sangue fluir em suas veias e ele sabia que ela estava se segurando até que seus músculos se aquecessem.
— Vamos dançar. — Garrett disse a ela, quando sentiu que estava pronto.
Ele levou o ataque diretamente para ela.
Se ela ficou surpresa com o ataque, então ela não demonstrou, lutando severamente para mantê-lo à distância.
Ele raramente a pressionava tanto em suas sessões de luta, nem a nenhum dos outros Falcões da Noite. Às vezes, essas sessões podiam ser descuidadas, e Garrett nunca desejou machucar alguém apenas por causa de uma partida. Talvez porque ele cresceu nas ruas do East End, perto de Bethnal Green, onde as pessoas não lutavam por entretenimento ou para aprimorar suas habilidades.
Lá, ele era lançado contra os homens, por sangue, moeda ou sobrevivência. Garrett tinha aprendido a lutar e matar desde cedo, e ele não via sentido em vencer uma luta aqui na Guilda. No final das contas, você não ganhava nada, embora Byrnes e Perry e alguns dos outros não pensassem dessa forma.
Os olhos de Perry se estreitaram e ela saiu dançando do caminho enquanto ele se lançava para frente, o calcanhar de seu pé batendo em sua garganta. A raiva borbulhava sob a superfície e ele a encontrou, golpe após golpe. Mais rápido. Mais forte. Uma dança contorcida e graciosa que rendeu um grunhido aqui e ali, e deixaria os dois enegrecidos e machucados pela manhã.
— Isso é... ridículo. — Ela ofegou, abaixando-se e tecendo.
— Sério? — Ele retrucou, puxando-a para a gaiola de seus braços e prendendo-a lá. — Bem, eu teria preferido simplesmente discutir o assunto, mas você continuou recuando. Então, não vamos falar sobre isso. Vamos simplesmente tirar isso do caminho.
Ela se libertou. — Tudo bem. — Ela retrucou.
— Você disse que eu não estava sendo profissional. — Ambas as palmas das mãos a atingiram nos ombros, fazendo-a cambalear para trás. O rosto de Perry ficou sombrio e ela colocou os braços dentro dos dele, dando um forte golpe em sua orelha direita.
— Você estava, — ela retrucou. — Uma loira bonita chamou sua atenção e isso — Um soco no rosto que falhou. –foi o fim de qualquer discurso racional.
— Meu interesse pela senhorita Radcliffe é o mesmo de qualquer outro homem. Ela é uma bela jovem. Ela é inteligente e educada... Talvez você deva tentar esse último mais vezes? — Ele estava se movendo antes que ele pensasse, uma mão um golpe distrativo em seu rosto que errou, enquanto ele batia um golpe de mão aberta contra seu abdômen. — Mas é só isso. — O movimento foi tão natural que ele não percebeu o quão forte ele bateu nela, até que ela desabou sobre ele, cambaleando para trás.
Inferno fodido. Ele nunca teve a intenção de machucá-la de verdade. O calor foi drenado de seu rosto e Garrett deu um passo em direção a ela. — Você está...
Um brilho de olhos estreitos foi todo o aviso que ele recebeu. Perry se lançou para ele em um salto voador, as coxas fechando em torno de sua garganta. O ímpeto o pegou desprevenido, e ela caiu, mandando-o para o tatame. Garrett rolou livre, evitando por pouco um soco no rosto, mas ele não retaliou.
— Educada? — Ela retrucou. — Que tal agora? Aviso justo, senhor, estou prestes a incapacitá-lo. — Um joelho subiu entre suas pernas e ele se desviou, levando-o no quadril, em vez das bolas.
Isso foi o suficiente. Garrett ficou de pé com um grunhido, os punhos erguidos para bloquear o próximo soco. Ela estava sobre ele, socando e golpeando.
O golpe nas bolas foi um aviso claro. Se ele fosse recuar com ela, então ela o faria se arrepender.
Garrett recuou, levantando a mão para indicar uma interrupção. Perry instantaneamente se acalmou. Ele abriu o primeiro botão de sua camisa, em seguida, arrastou a coisa toda pela cabeça e jogou em direção ao resto de suas roupas. Ele teve apenas um vislumbre de seu rosto enquanto jogava a camisa de lado - um olhar congelado, quase caçado - antes que ela suavizasse sua expressão.
— Primeiro a gritar 'misericórdia. — Advertiu. Normalmente, suas lutas terminavam com ele acenando com a cabeça e um alegre “boa luta”.
Como se entendesse a súbita seriedade do assunto, seus olhos se estreitaram e ela moveu o pé direito para trás, os punhos erguidos à sua frente. Uma posição defensiva novamente, o que foi interessante. Talvez ela soubesse que estava errada?
Eles tentaram novamente, mãos e pés voando. Garrett segurou o pé dela, travando-o contra sua coxa.
— Isso... é ridículo —, ela retrucou. — Nós mal discutimos.
— Sério? — Ele torceu o pé dela e seus olhos se arregalaram quando percebeu o que ele estava prestes a fazer. — E Lynch? Aquele momento em seu escritório? 'Confie nos seus instintos, Perry...' Você se importaria de explicar isso? Ou talvez você prefira falar com ele sobre isso, para dizer a ele como você acha que eu cruzei a linha, com um suspeito em potencial?
— Eu...
As palavras morreram quando ele a derrubou. Perry chutou quando ele segurou seu pé, mas ele torceu seu tornozelo, forçando o resto de seu corpo a rolar com ele, até que ela estava deitada de bruços. Ela tentou ganhar suas mãos e joelhos, mas ele puxou seu pé para trás, puxando-a para baixo novamente. Depois de uma corrida louca, ele a rolou de costas, as pernas prendendo suas coxas. No segundo em que ela tentou se sentar, ele a jogou de volta no chão.
— Eu não cruzei a linha. — Ele rosnou.
— A senhorita Radcliffe pensa o mesmo? — Ela atirou de volta acaloradamente, olhando para ele. — Você nem sabe o efeito que tem nas mulheres!
Garrett a prendeu, respirando com dificuldade. Porra, ela era forte. Ele lutou com ela enquanto ela tentava se libertar, mas seu peso era demais para ela, seu peito nu pressionado contra o espartilho protetor de couro que ela usava. — Diga, — ele exigiu. — Diga 'misericórdia'.
— Droga. Você.
Garota teimosa e fodida. Perry se esticou, e Garrett deixou seu sorriso aparecer quando ela percebeu que seu peso era demais para ela se mover. Ele aproveitou cada segundo de sua frustração, até que ela finalmente caiu para trás em derrota, seu olhar caindo longe dele, e sua respiração acelerou.
Ele certamente não a deixaria ir, entretanto. Não até que ela dissesse as palavras.
Eles ficaram ali por longos segundos, respirando quase em uníssono. Ele podia sentir o peito dela pressionando contra o dele. Sem dúvida ele estava ficando pesado, mas ela tinha aquela expressão teimosa que ele tanto odiava. Muitas vezes significava uma discussão que ele não ganharia, mas desta vez ele não estava recuando.
Vamos, sua menina teimosa. Basta dizer isso. — Uma palavrinha, minha senhora peregrina.
Perry estremeceu. O que quer que ela tenha visto em sua expressão fez seus lábios estreitarem enquanto ela desmaiava novamente. — Misericórdia. — Ela cuspiu a palavra.
— Me desculpe? Você disse alguma coisa?
Se olhares pudessem matar... O olhar de Perry o incinerou. — Saia de cima de mim. Eu admito.
Ele podia sentir a luta deixando-a, os músculos de seus pulsos afrouxando. Em vez de lutar contra ele, ela se suavizou, seu corpo duro afundando no dela. Ele sempre soube que ela era magra e ligeiramente musculosa, mas foi um tanto surpreendente perceber que havia curvas suaves ali, sob os planos rígidos de seu próprio corpo.
Garrett soltou seus pulsos, levantando-se dela. Ele pairou lá, no entanto, os músculos de seus bíceps flexionando sem esforço. — Não terminamos com esta discussão.
Então ele ficou de joelhos, ajoelhando-se sobre ela. Suas coxas estavam presas entre as dele. Ela não gostou, sua expressão cuidadosamente em branco enquanto ela se apoiava nos cotovelos.
— Vista-se —, disse ela. — Eu não estou discutindo com você nestas... circunstâncias.
Garrett revirou os olhos. Os homens muitas vezes lutavam com o peito nu. As roupas podiam ser seguradas ou rasgadas nas lutas, e Lynch mantinha um controle rígido sobre as despesas com uniformes. Também não dava ao seu oponente nada em que se segurar. — Cristo, não é como se você não tivesse visto um homem com o peito nu antes.
Isso lhe rendeu um olhar abrasador. — É indecente.
— Eu sempre sou.
— Você gostaria de discutir o que aconteceu hoje, com todas essas áreas vulneráveis aparecendo? — Perry deu-lhe o sorriso mais doce e maligno que já vira. — Além disso, talvez você deva guardar um presente para a senhorita Radcliffe. Ela pode gostar.
Garrett ficou de pé. Ele não ofereceu a mão a ela, virando-se para agarrar sua camisa e arrastá-la pela cabeça. Senhorita Fodida Radcliffe. Estava começando a fazer a veia latejar em suas têmporas. — Qualquer um pensaria que você é uma esposa ciumenta. O que há na senhorita Radcliffe que a irrita tanto? Você conhece ela?
— O quê?
Ele olhou por cima do ombro e deixou a camisa cair sobre a grande massa de seu peito. — Você não gostou dela no momento em que a conheceu.
— Eu sou uma investigadora treinada, Garrett, e ela é a substituta de uma atriz desaparecida. Você me diz onde minha mente estava indo com isso!
— Você já lidou com suspeitos antes. Você nunca foi assim.
— Talvez eu não seja a única com o problema com a Srta. Radcliffe. — Ela atirou as palavras no rosto dele, depois se virou e puxou o casaco, estremecendo ligeiramente enquanto tentava enfiar o braço direito na manga.
Ele poderia ter feito objeções às palavras dela, mas observou a maneira como ela favorecia seu braço. Ela nunca iria admitir, mas estava machucando-a, e agora que ele deixou escapar a força de sua raiva, ela estava finalmente queimando, como óleo derramado em um fogo vários minutos antes. Assistir sua luta com seu casaco de couro não tornou mais fácil segurar sua fúria. Ele não conseguia afastar a sensação de que se ele não estivesse com tanta raiva - se ele se controlasse melhor - então ela não se machucaria.
Foda-se.
Garrett deu um passo atrás dela, segurando seus pulsos.
— O que você está fazendo? — Perry exigiu.
— Eu torci seu ombro, não foi? — Ele acariciou seu ombro direito. — Deixe-me aliviar os músculos.
Perry acalmou-se com um grunhido, deixando-o puxar os braços dela para trás. A tensão endureceu a linha entre suas omoplatas, como se ela não confiasse tanto nele atrás dela.
— Relaxe. — Garrett deslizou as mãos por seus braços, forçando seus ombros a cair e dando um aperto nos músculos tensos.
— Eu pensei que você estava com raiva de mim? — Ela inclinou a cabeça para a frente enquanto ele enfiava os polegares na linha lisa de seu trapézio. Com cada círculo de seus polegares, a tensão se dissolveu no músculo, e ela fez um leve murmúrio de prazer.
Garrett soltou a respiração que estava prendendo. Ele sabia como derreter uma mulher sob seu toque; ele nunca teria percebido, entretanto, que Perry era tão vulnerável quanto qualquer outra mulher a esse ministério em particular. Ela fez um caso tão forte de ser tão capaz e de natureza dura como o resto dos Falcões da Noite, que ele raramente tinha visto um lado mais suave dela.
— Ainda estou com raiva, mas temos que trabalhar juntos. — E era uma leve raspagem em seus nervos agora, não um inferno em chamas. Uma boa luta era quase tão relaxante fisicamente quanto uma foda dura. A mesma lassidão sonolenta percorreu seu corpo. — Estou com raiva que você pensou que eu ultrapassei a linha com a senhorita Radcliffe. Eu sei onde essa linha existe. Eu sorrio e flerto um pouco, porque isso deixa as mulheres suspeitas ou testemunhas à vontade. — Ele colocou as mãos sobre os ombros dela e a puxou para perto o suficiente para sussurrar em seu ouvido: — Talvez você devesse tentar tal abordagem. Há uma razão para eu lidar com a maioria dos nossos interrogatórios. Você pode pegar mais moscas com mel do que com vinagre.
— É isso que é isso?
— O quê? — Ele tentou examinar sua expressão.
— Esqueça. — Perry fez uma careta e se afastou dele, as mãos caindo de seus ombros. — Eu nunca disse que você não era bom no que faz, e estou bem ciente das minhas próprias limitações, muito obrigada.
Ela parecia incerta, entretanto. Havia algo lá que ele não conseguia ler, e há muito se considerava um especialista em mulheres. Perry, entretanto, estava fora do domínio do que conhecia. Ela sempre esteve.
Perry pegou a camisa dela do gancho na parede e deslizou os braços nela. Quando ela olhou para cima, não havia nenhum traço do que ele tinha visto em seu rosto, mas ele sabia que não esqueceria.
— Não, — ele disse lentamente. — Mas você insinuou que eu parei de ser profissional. — Ele ainda podia ouvir o estalo da palestra que Lynch lhe dera todos aqueles anos atrás, quando ele era um novato.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Tudo bem —, ele retrucou. Não adiantava mais discutir com ela. — Nós concordaremos em discordar. Mas da próxima vez, você pode lidar com a Srta. Radcliffe.
— Talvez eu vá.
O som das palavras dela o seguiu pela porta, que ele bateu, só um pouco.
Capitulo 5
Algumas mulheres - como Perry - pareciam horríveis enquanto choravam.
Em outras, trazia apenas um desabrochar rosado às bochechas já cremosas e faziam com que as piscinas límpidas de seus olhos parecessem ainda mais azuis. Claro, a senhorita Radcliffe fazia parte do último grupo.
Perry afundou na cadeira em frente à mulher, bem ciente de que Garrett estava olhando da porta, com os braços cruzados sobre o peito.
Da próxima vez, você pode lidar com a Srta. Radcliffe, ele retrucou. Não tinha sido uma ameaça inútil.
— Então me fale sobre as flores. — Ela sugeriu. Uma sensação desconfortável fez seu estômago se contorcer. Ela não estava lidando com este caso bem, e a Srta. Radcliffe não era a culpada por isso. E embora ela realmente sentisse pena da atriz loira, Perry sabia que ela não era muito boa em lidar com pessoas enlutadas. Esse era mais o forte de Garrett do que o dela. Fácil para ele dizer que você poderia pegar mais moscas com mel, mas ele tinha um encanto natural que ela nunca poderia ter esperança de imitar.
Os olhos da senhorita Radcliffe continuavam piscando entre eles, como se até ela pudesse sentir a tensão. Era totalmente humilhante.
— Rosas vermelhas, — a senhorita Radcliffe fungou em seu lenço delicadamente estampado. Sua mensagem chegara por tubo naquela manhã, solicitando uma palavra com Garrett. — Duas dúzias delas. Elas sempre chegavam para Nelly antes de seus grandes shows. — Uma onda de umidade correu por suas bochechas quando ela olhou para cima, seus olhos revelando uma pitada de medo. — Eles chegaram para me buscar esta manhã com uma nota. Não deixei ninguém tocar neles, mas é a mesma pessoa que os mandou para Nelly. Você acha que...? Você acha que foi o homem que a levou?
Garrett caminhou em direção às flores em seu vaso e examinou a nota. — 'Para sua estreia como líder. Estou ansioso por isso, minha querida. Você será uma joia brilhante entre as massas.’ — Ele a virou, mas não havia nada atrás.
— Pode ser simplesmente um admirador. — Disse Perry, sem jeito. Ela deveria estender a mão e dar um tapinha na mão da mulher? Tal exibição era desconfortável, mas Garrett frequentemente tocava as pessoas. Isso as deixava à vontade.
— Mas eles sabiam que me ofereceram a liderança. — A senhorita Radcliffe corou de repente, como se percebesse como isso soava. — Só até Nelly voltar. O Sr. Fotherham disse que o show deve continuar. Como alguém poderia saber disso? Apenas a equipe do teatro está ciente. Eles não têm tempo antes do show desta noite para mudar o plano de ação!
Perry tomou uma decisão. — Mesmo que seja o sequestrador — Ela detestava chamar isso de assassinato, até que Nelly apareceria de uma forma ou de outra. — Tanto Garrett e eu estaremos presentes. Nada vai acontecer com você esta noite. E... E Garrett deve levá-la para casa em segurança depois. — Isso ajudaria nessa situação, não é?
Garrett estava correto. Por alguma razão, a mera presença da senhorita Radcliffe deixou Perry desconfortável de uma forma que ela raramente experimentou antes. Era ciúme? De quê? A habilidade simples da Srta. Radcliffe de ser totalmente charmosa, elegante e claramente bem-educada?
Ela é exatamente o que você tentou ser quando menina, uma voz sussurrou em sua cabeça. E no que você falhou.
Talvez Garrett estivesse certo? Talvez sua reação instintiva tivesse algo a ver com ciúme?
Meu Deus, ela estava se comportando menos do que profissionalmente aqui? Depois de acusá-lo do mesmo?
Foi um pensamento horrível.
— Você sabe quem entrega as flores? — Perry perguntou, abrindo seu bloco de notas. — Nós talvez pudéssemos rastreá-los até o proprietário.
Fatos eram mais fáceis do que emoções. A senhorita Radcliffe não tinha muita certeza, já que o jovem que fazia as entregas ao teatro era desconhecido para ela, mas ela ofereceu uma descrição, e ela sabia a que horas o rapaz chegava a cada dia.
— Obrigada por sua cooperação. — Perry se levantou, enfiando o bloco de notas no bolso. — Devemos deixá-la para se preparar para a noite que vem. Acompanharemos as flores amanhã ao meio-dia, quando o entregador chegar.
Garrett estava sorrindo para a senhorita Radcliffe quando ela se virou para a porta. — Quebre uma perna esta noite. Essa é a expressão correta, não é?
A senhorita Radcliffe relaxou instantaneamente. — Obrigada. — Ela respirou fundo, um pequeno brilho de excitação brilhando em seus olhos. — Foi um ensaio geral horrível, o que significa que o show desta noite deve ser espetacular. — Então ela ficou séria. — Oh, eu nem deveria estar pensando em uma coisa dessas quando a pobre Nelly está... desaparecida.
— Deixe Nelly conosco, — Garrett disse a ela. — As pessoas não desaparecem simplesmente. Nós a encontraremos, para você. Você apenas se concentra no show.
Eles deixaram a senhorita Radcliffe murmurando nervosamente suas falas.
O sorriso de Garrett durou apenas alguns metros ao longo do corredor. — Vou acompanhá-la para casa, não é?
— Ela se sente mais confortável com você — O corredor parecia estreito e quente de repente, e os passos de Perry eram rápidos. — Talvez seja melhor nós nos separarmos? Há algo me incomodando sobre o assassinato de Hobbs. Quero rever seus livros, ver se há alguma referência a Nelly ou à amputação dela em seu livro-razão. Tem que haver algum tipo de conexão entre os dois.
— E você quer que eu fique aqui? — O ombro de Garrett roçou no dela quando chegaram ao fim da escada, levando até a parte de trás do palco.
— Alguém precisa ficar de olho no teatro. — Perry encolheu os ombros. — As flores me incomodam. Quem quer que as tenha enviado voltou sua atenção de Nelly para a Srta. Radcliffe muito rapidamente.
— Você acha que alguém removeu Nelly do show para abrir caminho para a Srta. Radcliffe?
— Sempre uma possibilidade. Pode significar que ela também está em perigo. Será que Nelly rejeitou seu pretendente? A Sra. Fotherham disse antes que a Srta. Radcliffe tem uma familiaridade impressionante com Nelly. — Essa era a parte frustrante de um caso: dezenas de pequenos pedaços flutuavam diante dela, nenhum deles se encaixando em um padrão bonito e ordenado. Ela precisava de mais informações, mais pistas - as peças que faltavam no quebra-cabeça. Continuar a cavar até encontrar algo que unisse as peças e pudesse colocar uma teoria funcional em prática. — Mas não tenho certeza de como Hobbs se encaixa nisso, e preciso descobrir - acho que ele é o cordão que amarra tudo isso. Talvez você pudesse examinar o quarto de Nelly novamente? Tente descobrir como ela poderia ter desaparecido sem que ninguém percebesse.
— Eu não gosto de você trabalhando sozinha.
— Frequentemente trabalhamos sozinhos —, ela retrucou. — E eu sou perfeitamente capaz de entregar os dentes a alguém, se necessário.
A mais leve peculiaridade de uma sobrancelha. Ele estava bem perto dela, nas sombras do teatro. Acima deles, dezenas de auxiliares de palco correram ao redor do palco, preparando tudo para esta noite. — Eu sempre achei você mais parcial para as partes íntimas de um homem.
Perry corou e ele percebeu.
— Como um alvo, — ele disse ironicamente. — Você é muito mais cruel do que eu.
— Isso é só porque você sofre um estremecimento instintivo sempre que vê um homem abatido dessa maneira. Eu não tenho esse problema. Qualquer vulnerabilidade, a qualquer momento.
Ele soltou uma risada suave. — O lema favorito de Lynch. — Então sua expressão ficou séria e ele acrescentou em um tom mais gentil: — Cuidado com as costas. Se você não voltar às três horas, eu irei atrás de você.
Perry revirou os olhos. Por um momento, pareceu muito com seu antigo senso de camaradagem - embora ela ainda pudesse sentir algo persistente sob a superfície, entre eles.
Vamos apenas fingir que nada aconteceu.
— Se você não estiver aqui quando eu voltar —, ela atirou de volta, — eu irei resgatar você também.
Garrett sorriu e roçou os nós dos dedos ao longo de sua mandíbula. — Boa caçada.
— Você também. Quebre a perna. Ou não — disse Perry secamente. — Você é muito desajeitado para eu carregá-lo.
Não houve uma boa chance de examinar detalhadamente a loja do Maker ontem, com a descoberta do corpo. Perry certificou-se de que ela trancou a porta atrás de si e olhou para o alçapão do porão. Ela não encontraria nenhuma evidência de Nelly no andar de cima da loja, ela adivinhou. Não, Nelly e sua perna mecânica estariam em algum lugar na papelada de Hobbs abaixo.
— Em algum lugar agradável, escuro e assustador. — Ela murmurou baixinho, deslizando pelo alçapão para a oficina abaixo. Ela acendeu o lampião que havia trazido com ela, e sua chama brilhou nas bandejas de implementos de metal e nos membros mecânicos que já haviam sido feitos. Eles não eram tão finos quanto a perna de Nelly, e não tinham a pele sintética que ela usava para esconder o brilho metálico.
Hobbs era um guardião meticuloso de registros, a julgar pelos pesados tomos encadernados em couro nas prateleiras - se alguém contasse com o trabalho a ser codificado.
Pegando vários de seus diários de bordo da estante, ela folheou-os, seus olhos se esforçando enquanto ela tentava descobrir o código. Inferno sangrento, ele deve ter sido paranoico. Um medo legítimo, porém, quando se pensa nos enclaves do Escalão, com seu registro forçado de mecanicistas. Os sangues azuis do Escalão não gostariam de saber que mecanicistas não registrados se moviam pela população sem nem mesmo um número de série ou meios de identificação.
Uma nova busca a levou a uma caixa de madeira, que se abriu para revelar algum tipo de máquina de cifra, ou criptografia. Havia seis rodas dentro dela, cada uma marcada com letras e números de cobre que ela não conhecia. Ela tinha visto o tipo antes, uma vez, em uma visita ao Ministério da Guerra, mas isso estava fora de seu reino de experiência.
Haveria uma chave que ajudaria a decifrar os algoritmos usados. Possivelmente, a longa linha de texto girando em um cilindro acima das rodas de cobre. Fechando a tampa, Perry arrastou-a para fora da prateleira. Fitz saberia como quebrá-la, se necessário, e então os livros-razão secretos de Hobbs estariam disponíveis para sua leitura.
Jogando-o sobre a mesa, ela recolheu os diários de bordo. Havia um diário lá também, mais um diário de campo do que pessoal. As notas eram grosseiras e rudimentares, e pequenos desenhos científicos estranhos haviam sido dobrados. Desenhos anatômicos de uma criança com mãos com fissuras estranhas e um pé fissurado. Uma lacuna em seu lábio mostrou seus dentes, e Perry fez uma pausa.
O desenho foi intitulado, 'Lovecraft'.
A próxima página detalhava a descoberta de uma criança de proporções monstruosas, que havia sido abandonada no beco atrás da loja e espancada por crianças locais.
— Acredita-se que a mãe de Lovecraft —, refletiu o autor, — sofreu um susto durante a gravidez de tal proporção que a fez ter paroxismos. Portanto, a criança nasceu gravemente malformada. É realmente hediondo de se olhar, e todas as crianças locais temem, mas fico admirado com as malformações. Eu poderia, com minhas habilidades, criar membros para substituir os deformados? Embora a criança tenha tendência à surdez, talvez ela pudesse levar uma vida relativamente normal, uma vez que os membros defeituosos fossem removidos ou melhorados.
Uma tábua do assoalho rangeu acima dela. Perry congelou, olhando para cima enquanto ela lentamente fechava o diário. Ela estava prestes a relaxar quando uma leve mudança sussurrou novamente. Alguém deslizando furtivamente pelo chão. Pequenas alfinetadas marcharam pela parte de trás de seu pescoço, e ela aliviou a respiração que estava segurando.
Alguém estava na loja com ela.
Ela trancou a porta atrás dela. Talvez eles tenham entrado pela porta lateral que dava para o pequeno pátio de tijolos atrás da loja?
Um par de pistolas estava amarrada à algemas em torno de seus pulsos. Ela acionou o botão direito e a pistola de pulso bateu em sua palma com um leve clique. Perry derreteu atrás de uma prateleira empilhada com braços e pernas mecânicos pendurados nela. O lampião do outro lado da sala traiu sua presença, mas não havia como ela se forçar a apagá-la. A escuridão era a única coisa que ela realmente temia depois daquela época, quando jovem, quando...
Não pense nisso.
O medo perfurou seu peito. Era tarde demais. Ela deu aos monstros de seu passado um vislumbre de sua mente, e o familiar redemoinho de pânico se estabeleceu em seu peito.
Droga. Ela mal conseguia ouvir por causa das batidas de seu coração. Um formigamento começou em seus lábios e sua boca ficou seca. Inferno.
Ela não sofria de um ataque de histeria há anos e não podia pagar por outro agora. Seu espartilho protetor parecia apertar como se os dedos se arrastassem pelos laços nas costas.
Identifique a causa, a voz calma e familiar de Lynch a lembrou. O que você teme?
Eles trabalharam juntos ao longo dos anos para controlar sua histeria. As artes marciais e a meditação que ele recomendou ajudaram, mas o verdadeiro poder de Lynch estava elaborando a lógica por trás das doenças da mente.
Eu não consigo vê-lo. Ela se concentrou em expirar, agradável e lento. Não consigo ver quem é, e estou presa aqui, do jeito que estava quando...
Ela forçou o passado para fora de sua mente. Não tinha lugar aqui, e o breve pensamento disso só fez piorar a sensação de tontura.
Se ela não se mexesse, ela não seria capaz.
Perry engoliu em seco e forçou seus músculos a se soltarem. Ela era forte e poderosa agora, do jeito que ela não tinha sido quando jovem, e seu então algoz se foi. Ela nunca mais teria que vê-lo. Este não era o mesmo. Ela era um sangue azul agora, com poder.
Mas o não saber estava dificultando a respiração. Ela precisava vê-lo.
Enfrente o medo, Lynch sussurrou em sua mente.
Explodindo pela escada estreita, Perry apertou os olhos brevemente contra o brilho da luz que entrava nas vitrines das lojas. A enorme sombra à sua frente congelou, curvando-se para baixo, e quando seus olhos se concentraram, ela viu seu rosto horrível se alargar em choque quando ela saltou sobre o balcão e ergueu a pistola.
— Não se mova. — O tremor em seus dedos a traiu, mas a pistola se manteve firme. Ela não estava mais sozinha no escuro, e de alguma forma isso tornava mais fácil respirar.
A criatura era enorme. Ele se erguia sobre ela por um bom pé, com ombros do tamanho de um barril de vinho, mas algo sobre a forma como ele curvou fez sua confiança aumentar. Como se tivesse medo dela.
Perry lambeu os lábios secos. — Fique onde está. Qual o seu nome? Qual é o seu propósito aqui?
Dedos grossos flexionaram atrás da meia luva de couro da criatura, revelando quatro dedos grossos. Ela podia simplesmente fazer o minúsculo mecanismo de relógio girando nas juntas conforme elas se flexionavam. Não mecânicos, mas mecânicos de relógio, que era uma forma mais antiga de mecanismo que os ferreiros haviam sido capazes de inventar. O verdadeiro trabalho mecânico muitas vezes se juntava perfeitamente à carne, mas esta era uma medida temporária.
Roupas penduradas em sua figura e alguém, não muito tempo atrás, cortou o cabelo do homem com cuidado, embora a falta de atenção o fizesse sobressair sob o chapéu que ele usava. Suas bochechas exibiam o caroço de penugem gengival, embora nada crescesse na seção marcada de seu lábio superior. Protetores de ouvido de latão cobriam seus ouvidos, e ela quase podia ouvir a vibração diminuta de suas próprias palavras ecoando dentro da engenhoca, com seus sentidos superiores de sangue azul.
— Lovecraft? — O diário de Hobbs dizia que seu lábio estava fendido e, afinal, ele sofria de surdez. Será que essa criatura era a criança órfã de que ele falou? — Você pode me ouvir?
O gigante não se moveu. Um olho revirou, como se ele estivesse tentando ver o que ela estava fazendo embaixo da escada. O suor nervoso escorria por suas têmporas. Perry tomou uma decisão.
— Vou guardar minha arma —, disse ela, segurando-a. — Por favor, não faça nenhum movimento repentino. Eu só quero falar com você.
O homem deu um passo para trás enquanto ela se movia, os olhos fixos em sua pistola como um animal que sabe quando algo pode machucá-lo.
Perry a colocou no coldre e ergueu as mãos dela em um gesto apaziguador. — Meu nome é Perry. Sou um Falcão da Noite, estou aqui para descobrir o que aconteceu com Hobbs. Ele era seu... seu amigo, não era?
Olhos azuis cautelosos encontraram os dela. O homem acenou com a cabeça e fez um som que mostrou onde seu lábio tinha sido costurado sobre o que parecia ser um par de dentes de metal fundidos.
Então, Lovecraft podia ouvi-la - ou entender um pouco do que ela falava. Outra olhada naqueles ponteiros mecânicos prometeu que ele não teve nada a ver com o assassinato de Hobbs. Ele não seria capaz de empunhar uma pistola.
— Você conheceu Nelly Tate, a atriz? Ela veio aqui para cuidar da perna?
— Nerly. — Lovecraft rosnou, mas ela não tinha certeza se ele a estava repetindo ou respondendo a sua pergunta. Ele a circulou com cautela, então desapareceu escada abaixo.
Perry hesitou. Voltar para a escuridão a fez se sentir um pouco menos segura, mas ela não teve a sensação de que um filho homem a machucaria, então ela o seguiu.
O gigante mancou pelo chão, levantou o colchão no canto e tirou uma caixa fina laqueada. — Nerly. — Disse ele novamente, levantando a tampa para mostrar a ela.
Havia fotos dentro dele; um homem sentado e uma mulher olhando sem sorrir para a câmera, com a mão apoiada em seu ombro. Rabiscadas nele estavam as palavras: 'Para James, com amor, Nelly.' Havia também uma série de encenações anunciando-a em várias produções teatrais que remontavam a quase seis anos.
Mais fotos revelaram a jovem atriz, tanto em outro teatro quanto sorrindo timidamente em um parque. Uma delas apresentava um menino com cordões curtos, com a mão cruzada na de uma Nelly muito mais jovem, e um olhar congelado em seu rosto deformado enquanto olhava para o fotógrafo.
Lovecraft. Perry ergueu os olhos por cima das fotos e colocou-as delicadamente de volta na caixa. — Nelly e James eram amigos, não eram? Eles se conhecem há muito tempo. — Já que Nelly era uma menina, a julgar pela última fotografia.
Ele fez um som abafado, passando os dedos na última fotografia com uma melancolia infantil.
— Talvez seja melhor se você vier comigo —, sugeriu Perry, colocando a mão em sua manga. Pelo cheiro dele, ele tinha dormido em becos nas últimas noites. — Eu vou te levar para a Guilda. Podemos pegar algo para comer e beber, e talvez um banho? Você gostaria disso? Você iria...
Ele puxou o braço de seu aperto. — Nuh. Nuh. Fique aqui. Nerly. — Pegando os enormes dedos mecânicos, ele os enrolou perto do rosto.
— Nelly não vai voltar aqui —, sussurrou Perry. — Nem Hobbs. Você entende isso? Hobbs... foi dormir. Para sempre. Você colocou as moedas nos olhos dele, não foi?
Isso o irritou. Ele bateu os punhos contra os protetores de latão que cobriam seus ouvidos. Então de novo.
Perry tentou agarrar sua mão. — Por favor, não, Lovecraft. Você vai se machucar. — Ela engoliu em seco. — Volte para a Guilda comigo. Talvez você possa me ajudar a encontrar Nelly? Se você responder às minhas perguntas, posso rastrear para onde ela foi. Talvez ela não esteja dormindo, como Hobbs? Talvez você possa me ajudar a salvá-la?
O grande bruto mostrou os dentes para ela. — Nuh! — A agonia distorceu suas feições feias. Por um momento, Perry quase estendeu a mão novamente, ao ver aqueles olhos azuis infantis, mas passou por ele.
Atacando-a, ele a empurrou contra a parede e trovejou em direção à escada. Perry prendeu a respiração e começou a persegui-lo, mas empurrou a escada pelo alçapão e a fechou com força. A fechadura estalou e passos martelaram poeira entre as tábuas do piso. Então uma porta bateu.
Se foi. Ele se foi.
Droga. Perry olhou furiosa para o alçapão. Iria dar a ela um tempo diabólico, tentando abri-lo. E o que diabos essa interação significava?
Pelo menos agora ela sabia que Nelly fora uma parte frequente da vida de Hobbs. Nelly deve ter visitado com frequência suficiente para Lovecraft ter formado algum tipo de afeto por ela, o que significava que a conexão estava lá. O assassinato de Hobbs estava diretamente envolvido com o desaparecimento de Nelly.
Ela só tinha que descobrir como.
Assim que ela conseguisse abrir aquele maldito alçapão.
O teatro era uma colmeia de atividade.
As trocas de roupa de última hora tiveram que ser feitas para a Srta. Radcliffe, que era um pouco mais alta do que Nelly Tate, alguém estava gritando sobre maquiagem nas asas e exigindo saber onde estava a peruca de Concetta, e as luzes estavam estridentes enquanto os ajudantes de palco as testavam.
Garrett usou a cacofonia para se mover relativamente invisível no fundo. O camarim de Nelly era o último da fila e um tanto isolado. Ele passou uma hora examinando as paredes e espelhos do camarim, tentando localizar qualquer passagem oculta nos bastidores. Uma porta levava a um depósito cheio de cenários berrantes, mas não havia sinal de qualquer outra forma misteriosa de entrar ou sair daquela área.
Alguém deve ter visto ela sair. A menos que ela não tivesse se perdido no caos?
Mas se havia sangue em seu quarto, ela deveria ter se machucado. Certamente alguém teria notado se Nelly tivesse cambaleado para fora de seu quarto, ou mesmo sido ajudada por outra pessoa.
Garrett encontrou uma pequena alcova isolada de onde observar o palco, enquanto esperava por Perry. Não demorou muito para que um borrão com figuras escuras passasse do palco diretamente para os bastidores onde ele estava.
— Lorde Rommell. — Garrett inclinou a cabeça para o homem.
Rommell não pareceu nada satisfeito em vê-lo, embora ele tenha respondido com um breve aceno de cabeça e se acomodou ao lado de Garrett. — Como está o caso? Há algum sinal de Nelly?
Embora tivesse questionado Rommell no dia anterior, o envolvimento repentino do homem na recompensa por seu retorno lhe deu uma nova pista para persegui-lo. — Infelizmente, não houve nenhum sinal dela. Posso perguntar sobre seu envolvimento com a Srta. Tate? Essa é uma recompensa substancial que você postou.
A atenção de Rommell parecia capturada por algo no palco. — Nelly estava sob certas obrigações contratuais comigo. Assegurei-me de que ela ganhasse o papel que desejava e estivesse devidamente vestida com joias e roupas, e em troca... — Ele fez um gesto sugestivo.
— Ah. — Nada mais precisava ser dito. Nelly fora amante de Rommell. — Você está ciente de que flores foram entregues a ela quase todas as semanas durante sua última corrida? Rosas vermelhas. Elas não vieram de você por acaso?
Olhos escuros olharam em sua direção. — Eu não sou o único com um olho para atrizes. Sem dúvida, alguns de meus colegas tentaram roubá-la debaixo de mim. Ela sempre recebia flores. Não posso dizer que ela já teve rosas vermelhas em seus camarins, no entanto. — Ele fez uma careta. — Tinha uma queda por peônias, eu acho. Recebia de vez em quando e eram as únicas coisas que ela guardava. Eu mal consigo entender o interesse dela, elas são tão baratas.
Nem toda mulher gostava do melhor que o dinheiro podia comprar. Embora ele franzisse um pouco a testa. Nelly gostava de peônias, não é? Era o tipo de coisa que alguém de estatura menos abastada poderia pagar. E ela as recebia regularmente? Ele pensou que elas só vieram no aniversário dela.
Seguindo o foco do olhar de Rommell, Garrett percebeu que o senhor estava sub-repticiamente olhando para a senhorita Radcliffe, o que era curioso. — Você foi doce com ela? — Ele sugeriu, embora não acreditasse em suas próprias palavras. — É por isso que a recompensa?
— Eu quero saber muito bem onde ela está, — Rommell rosnou. — Ela era minha amante, e eu não tinha terminado com ela ainda. Se alguém a roubou debaixo de mim, haverá um inferno a pagar.
— Por que você presumiria que alguém a roubou?
Rommell pareceu surpreso. — Bem, o que mais poderia ter acontecido? Onde mais ela poderia ter ido? Eu dei a ela o melhor papel neste maldito teatro, e dinheiro mais do que o suficiente para vê-la bem sob controle. Ela não teria fugido disso. Mas eu tenho inimigos, e aqueles com inveja o suficiente do meu sucesso para me fazer pensar. Se eles conseguiram de alguma forma arrancá-la de debaixo do meu nariz, eles estarão gritando para si mesmos sobre tal golpe. Eu não posso permitir que isso permaneça. Não, você marque minhas palavras. Você deveria estar procurando entre o Escalão por um de meus rivais. Eles a terão. Aposto cinquenta libras nisso.
Nelly não era uma peça de mobiliário, mas estava claro que Rommell pensava nela como pouco mais do que uma posse. As rosas, Garrett suspeitou, definitivamente não eram de sua senhoria.
Afinal, por que comprar flores para uma mulher quando ele já a comprou? Esse tipo de pensamento estava claramente no beco de Rommell.
Garrett sorriu tensamente. — Talvez você possa me fornecer uma lista de pessoas que podem desejar seu mal. — Uma maneira de apaziguar sua senhoria e garantir que todas as pistas fossem perseguidas.
Rommell obviamente pensava que ele era o centro de seu próprio mundinho, mas algum instinto interno fez Garrett se perguntar. Havia mais nisso do que uma disputa mesquinha entre sangues azuis e, embora não fosse totalmente desconhecido que esse tipo de coisa ocorresse no Escalão, certamente seria desaprovado. Nelly pode ser apenas humana, mas a maioria dos senhores de sangue azul mantinham regras sociais rígidas que ditavam que tipo de mulher deveria ser serva - aquelas debutantes que faziam contratos de servidão com lordes, trocando seus direitos de sangue por proteção, roupas e joias - e aquelas que os sangues azuis poderiam desfilar em uma coleira como uma serva de sangue. Uma serva não tinha direitos, mas a maioria dessas jovens foi vendida em Newgate ou outros estabelecimentos humildes, ao cometer um crime. Raramente eram sequestradas nas ruas ou em um teatro.
Isso seria um pouco além do pálido. E Nelly era conhecida demais para ser exibida como uma serva de sangue.
— E se ela não voltar? — Ele perguntou.
— As amantes vêm, depois vão embora —, respondeu Rommell. — Você sabe como é. — Ele estava observando a senhorita Radcliffe novamente, mal prestando atenção em Garrett.
— Na verdade não. Eu não preciso pagar por minhas mulheres.
O insulto foi perdido no bastardo. Rommell sorriu. — Ou talvez você não possa comprá-las, hein? — Ele sacudiu um pedaço de fiapo em sua manga. — Eu imagino que as circunstâncias sejam bastante restritas como um Falcão da Noite.
— Eu me contento. — Não era da conta do bastardo sobre os relacionamentos de Garrett com as mulheres. Qualquer uma delas. E ele desprezava a maneira como Rommell obviamente as considerava intercambiáveis. Garrett gostava de mulheres. Ele ainda era amigo da maioria de suas ex-amantes e as achava interessantes e bastante espirituosas.
Ele simplesmente não tinha encontrado a certa ainda. Alguém que o fazia perder o fôlego e o fazia esquecer todas as outras jovens que conheceu.
E por falar em moças... Garrett consultou o relógio de bolso. Três horas e nenhum sinal de Perry. Ele olhou para o palco, onde a Srta. Radcliffe estava discutindo sua deixa com o diretor. A indecisão o dominou. Ficar aqui para ficar de olho na atriz que recebeu uma carta interessante ou ir atrás de Perry?
Ela odiava ser mimada e era assustadoramente proficiente quando precisava, mas isso não tornava mais fácil esperar por ela. Se algo tivesse acontecido com ela...
Rommell tornou a decisão mais fácil. A maneira como ele observava a pobre senhorita Radcliffe era praticamente proprietária. Isso o fez sentir-se mal de assistir.
— Se você me der licença. — Disse ele a Rommell. A senhorita Radcliffe estava segura no momento, com tantos olhos fixos nela.
E Perry - a Perry prática e pontual - estava atrasada.
Perry equilibrou-se na mesa que ela arrastou para baixo do alçapão e se concentrou em deslizar a lima fina de metal que encontrou abaixo, entre a fenda do alçapão. Era um trabalho frustrante tentar destravar a fechadura desse ângulo, e seu lampião estava queimando rapidamente.
A campainha tocou e ela congelou quando passos entraram na loja.
Lovecraft? Ou outra pessoa?
Perry deslizou o arquivo de volta para baixo em silêncio, tentando não trair a presença dela. Então, o cheiro inconfundível da colônia de Garrett chamou sua atenção.
Seus ombros caíram. Obrigada Senhor. Alcançando, ela martelou no chão. — Estou aqui embaixo!
Um bufo soou. — Parece que estou resgatando você, afinal. O que você me deve por isso, hein?
— Eu não vou te dar um soco no peito quando você me deixar sair. — Ela prometeu, com um rosnado fraco no final de suas palavras.
— Tentador... Mas acho que você me deve mais do que isso.
Perry pressionou a mão dela contra as vigas de madeira e fez uma careta. — O que você quer?
— A papelada neste caso é sua, — ele disse presunçosamente. — Tudo isso.
De todos os podres... Perry olhou ferozmente para o chão. Ela desprezava a papelada. Na maioria das vezes, Garrett cuidava disso quando suas notas superficiais não recebiam a aprovação de Lynch. — Vou lubrificar suas armas. — Sugeriu ela, em vez disso.
— Bem como a papelada? Isso é consideravelmente generoso da sua parte.
— Garrett...
— Isso é uma promessa?
Silêncio. Ela bateu no alçapão. — Sim. É uma promessa. Tire-me daqui.
A fechadura estalou e a luz inundou, destacando os ombros largos de Garrett e o sorriso devastadoramente bonito. Ele pousou uma das mãos no joelho e estendeu a outra para ela. — Bem, esta parece uma história interessante. Importa-se de contar?
Agarrando sua mão, ela pulou levemente, e ele usou sua força considerável para puxá-la para a loja. Ficar na ponta dos pés a deixou um tanto desequilibrada e ela bateu a palma da mão em seu peito para evitar cair em seus braços. Não haveria nada desse absurdo.
Embora ela sentisse o calor se derramando por suas bochechas.
Ela sempre teve consciência dele como um homem, mas foi apenas recentemente - desde o início do caso - que ela começou a perceber que talvez não fosse apenas a tentação de cuidar dele, que ela teria que guarda. Era preocupante, isso... esse sentimento de ciúme por uma mulher que chamou sua atenção. Mais preocupante perceber que ela estava se sentindo assim por muito mais tempo do que ela estava consciente.
— Bem, eu descobri quem colocou as moedas nos olhos de Hobbs. — Ela explicou apressadamente sobre o encontro com Lovecraft, tentando ignorar seus sentimentos. — Hobbs e Nelly se conhecem há muito tempo.
— Ninguém parece saber seu nome verdadeiro — Garrett respondeu. — Eu tenho perguntado por aí. Pelo que o teatro sabe, Nelly é seu nome artístico, mas também é o único pelo qual a conhecem. Portanto, não adianta tentar rastrear de onde ela veio antes de se juntar a um ano ou mais atrás, droga.
— Vamos ver se podemos rastrear as pessoas de Hobbs então. Pode haver alguma relação entre eles. Ou talvez ele fosse seu namorado?
Garrett fez uma careta. — Na verdade, eu acredito que a honra pertence a Lorde Rommell. Ou, pelo menos, ele estava pagando a ela para ser sua amante.
— Sério? — De todas as pessoas para Nelly aceitar... Perry torceu o nariz. — Vamos. Há um criptograma lá embaixo que quero que Fitz dê uma olhada, e os cadernos de Hobbs. Talvez haja alguma menção de Nelly lá, uma vez que os decifremos. Você pode me ajudar com o trabalho pesado. — Batendo em seus bíceps, ela acrescentou: — É para isso que você serve, não é?
— Eu também acho que ocasionalmente, — Garrett respondeu, abaixando-se pelo alçapão. — Você fica aqui e eu vou deixar passar o que você precisa. Não adianta nós dois ficarmos presos lá embaixo se o seu lindo amigo por acaso voltar.
— Verdade. — O sorriso de Perry morreu quando ele desapareceu pelo alçapão. Ela estava se sentindo um pouco sem fôlego de novo e um pouco cansada de tentar manter um sorriso no rosto quando por dentro se sentia como uma bagunça tumultuada quando ele estava por perto.
O que diabos ela faria sobre isso?
Capitulo 6
Aplausos irromperam no teatro enquanto os atores faziam suas reverências.
Garrett examinou distraidamente a multidão.
A primeira noite da peça foi um sucesso estrondoso. Embora ele e Perry estivessem presentes - por precaução - não havia nada que indicasse alguém tendo um interesse anormal pela senhorita Radcliffe. Rommell reinava supremo, nas cabines, e o diretor e sua equipe corriam como um formigueiro agitado.
— O que você acha disso? — Perry murmurou, seus olhos fixos em algo nas cabines.
A cabine de Rommell, para ser mais preciso. O teatro estava esvaziando enquanto as pessoas corriam em direção às saídas, mas vários outros aristocratas se juntaram a Rommell. Ele parecia estar em uma discussão acalorada com um deles, apunhalando um dedo no rosto do homem e rosnando.
Interessante.
— Vou ver se consigo chegar mais perto. — Ele murmurou, e Perry acenou com a cabeça.
Ela não gostava de confrontar membros do Escalão. Embora soubesse que havia rumores de uma mulher de sangue azul entre os Falcões da Noite, ele e Lynch tomaram o cuidado de mantê-la separada daqueles que poderiam se ofender com seu gênero. O Conselho dos Duques que governava a cidade poderia não fazer nada a respeito... mas ninguém pode correr esse risco. Ser uma renegada de sangue azul era difícil de jogar na vida, mas Garrett sabia que não corria o risco de ser executado ou usado como exemplo. Perry entretanto...
— Cuidado com as costas. — Ele avisou.
— Sempre. Vou ficar de olho nos bastidores. — Ela desapareceu na multidão.
Servos de libré pairavam fora das cabines enquanto Garrett subia as escadas. Ele parou do lado de fora da porta do camarote de Rommell, ouvindo com atenção.
— ... seu tolo pomposo. Se eu quisesse fazer uma jogada para sua amante, então ela já seria minha. — Um tipo de voz zombeteira. — Eu certamente a colocaria em padrões mais elevados do que este...
— Você chama aquele teatro de um padrão mais alto? — Isso de Rommell. Ele riu. — Por favor, a Srta. Tate teria rido na sua cara.
— Então por que se preocupar em me acusar de roubá-la? Se eu a quisesse, a teria levado para fora daqui bem debaixo do seu nariz. Você saberia tudo sobre isso, Rommell.
A voz de Rommell ficou sombria. — Eu sei que você ofereceu a ela um lugar no Highcastle! Eu vi a nota, não se atreva...
Houve um som de luta, e então outra pessoa gritou: — Senhores, por favor.
A porta se abriu e Garrett deu um passo atrás dela quando alguém saiu do camarote, uma capa de teatro girando em torno de suas pernas enquanto ele caminhava em direção às escadas. O homem nem se preocupou em olhar para trás, e Garrett saiu em sua perseguição.
Fora do teatro, o sujeito parou nos degraus e tirou a caixa do charuto do bolso do casaco enquanto gesticulava para um criado chamar sua carruagem. Um fósforo acendeu quando ele acendeu o charuto, e Garrett aproveitou a oportunidade.
— Meu senhor?
O sujeito ergueu os olhos. Seus olhos eram de um azul pálido, e sua pele acinzentada, um sinal que revelava altos níveis de vírus do desejo. Quanto mais tempo alguém estava afligido com o vírus do desejo, mais pálida sua coloração se tornava, até que pairava à beira do Desvanecimento: um momento em que o vírus do desejo finalmente dominava um homem e eles se tornavam algo mais... Algo totalmente predatório, e impulsionado apenas pela sede de sangue.
Os vampiros destruíram a cidade em mais de uma ocasião. Desde então, o Escalão decretou que os níveis de vírus de um sangue azul deveriam ser estritamente monitorados. No momento em que atingissem setenta por cento, o assunto seria relatado às autoridades como um risco. Qualquer coisa mais alta, e aquele sangue azul enfrentaria a execução, antes que eles pudessem começar a retornar ao seu estado vampírico.
Quem quer que fosse, Garrett suspeitava que o sujeito estava encarando o Desvanecimento nos olhos.
— Garrett Reed, dos Falcões da Noite. — Ele mostrou sua identificação e o distintivo do Falcão da Noite, a luz a gás brilhando nele. — Uma palavra, se eu puder?
O senhor congelou, fumaça enrolando em torno de suas narinas enquanto ele expirava lentamente. — Harrison Cates, Lorde Beckham. O que você quer?
— O desaparecimento da Srta. Tate. — Garrett guardou o distintivo. — Você parecia saber algo sobre isso?
Beckham exalou fumaça, quase uma risada. — Rommell colocou você em cima de mim?
— Não, eu ouvi algumas das conversas acontecendo lá em cima.
O homem encolheu os ombros. — Como eu disse a Rommell, se eu quisesse tirar sua amante dele, eu teria. Com a moeda que o Vel está sugando de seus bolsos, eu poderia tê-la comprado três vezes.
— Você possui outro teatro? — Garrett anotou as palavras do homem em seu caderno.
— O High Castle. — Olhos pálidos percorreram a fachada do Veil, uma torção em seus lábios. — Classe um pouco mais alta do que esta.
Até então, Garrett não tinha percebido que existia um homem que tinha mais consideração por si mesmo do que Rommell. — Ainda assim, você veio ao Veil esta noite?
Desta vez, Beckham abriu as mãos. — Culpado pela acusação. Eu poderia estar mexendo a panela com Rommell. Não tenho nenhum interesse em sua amante - não é como se ela tivesse alguma conexão ou grande inteligência - mas é um momento diabolicamente divertido fazê-lo pensar que eu tenho.
— Ele falou de uma nota...
— Sim, ofereci emprego a ela e alguns outros... benefícios. — Um sorriso malicioso. — Então eu a entreguei quando soube que ele estava por perto.
— Por acaso você não manda flores para ela?
— Eu não mando flores para nenhuma mulher. Nem mesmo minha mãe. — Uma luz brilhou nos olhos de Beckham como se um pensamento surgisse. — No entanto, isso teria sido mais conveniente do que assistir a tantos shows sem brilho aqui, e Rommell teria sofrido uma apoplexia. — Ele colocou a mão no ombro de Garrett e riu. — Obrigado, meu bom amigo. Isso é um gênio absoluto.
Não havia nada a ganhar aqui. Garrett fez mais algumas perguntas e fechou a carteira. O principal interesse de Beckham parecia pertencer a Rommell. Na verdade, se perguntado, Garrett tinha poucas dúvidas de que o bastardo saberia se Nelly era loira ou morena. Ela era simplesmente uma peça de xadrez em jogo entre os dois nobres.
— Isso é tudo, obrigado, meu senhor. — Disse Garrett, vendo a carruagem a vapor sem cavalos de sua senhoria girando até o meio-fio. O símbolo dourado na porta o lembrava de uma doninha - um tanto apropriado considerando quem ele representava.
— Fico feliz em ajudar. Até. — O senhor acenou atrás dele e subiu em sua carruagem com bastante bom humor.
Garrett se virou com desgosto. Para onde diabos Nelly tinha desaparecido? Sem um corpo, eles tinham poucas pistas, e toda vez que ele pensava que uma nova pista se apresentava, ela se transformava em um beco sem saída.
A menos que eles perseguissem o ângulo de Hobbs. A descoberta fotográfica de Perry hoje ofereceu mais provas de um relacionamento de algum tipo ali, do que qualquer outra coisa. Ele estava convencido de que os dois casos estavam conectados.
Agora, ele só tinha que descobrir o que havia acontecido com a pobre Nelly.
Garrett caminhou pelo pequeno apartamento de três quartos da senhorita Radcliffe e então se virou e acenou para ela. — Está limpo.
A senhorita Radcliffe estava pairando na porta enquanto ele realizava sua busca. — Obrigada por me acompanhar até em casa —, disse ela, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Eu realmente aprecio isso.
— Parte do trabalho. — Garrett respondeu com o tipo de sorriso insincero e profissional que era fácil de chamar. Maldita Perry, mas ele se sentia desconfortável aqui, quando não deveria. Foi ela quem sugeriu que ele acompanhasse a senhorita Radcliffe para casa, e embora ele não estivesse fazendo nada de errado, ele se sentia como se estivesse.
Tudo por causa de sua discussão.
— Eu vou deixar você com isso, Srta. Radcliffe, — ele disse. — Se você precisar de nós, por favor, envie uma nota para a Guilda. Eu verifiquei as fechaduras - você deve estar segura esta noite - mas não hesite em nos visitar, se algo te deixar nervosa.
— Eliza, — ela corrigiu, seu olhar hesitante encontrando o dele. — Você pode me chamar de Eliza, se desejar. E obrigada.
Garrett se virou para a porta, mas ela o segurou pela manga. Ele olhou para baixo. — Sim?
Um calor furioso floresceu em sua bochecha e ela agarrou seu casaco de cor violeta apertado contra sua frente. — Obrigada. De novo. — Um pouco estranho e doce. Ele sabia o que ela pretendia fazer quase antes de agir.
A senhorita Radcliffe estendeu a mão e pressionou os lábios contra sua bochecha. O leve aroma de seu perfume o envolveu e seu corpo ficou tenso, o desejo borbulhando logo abaixo da superfície. Se ele virasse o rosto, seria capaz de roçar a boca contra a pulsação trêmula que era visível em sua garganta, talvez até mesmo beliscá-la ali. Isso despertou o lado mais sombrio de sua natureza, a parte dele que era puramente um predador. Um sangue azul sempre foi tentado por pensamentos de sangue e sexo, embora ele achasse suas próprias fomes administráveis no passado.
Mas então, Perry o estava irritando ultimamente. Ele já estava no limite, e emoções fortes apenas exacerbaram o controle da fome.
Os pensamentos sobre ela agiram como um jato de água fria no rosto.
Ele se retirou, limpando a garganta. — Srta. Radcliff...
— Eliza. — Ela insistiu, seus olhos escuros brilhando à luz das velas. Tão malditamente tentadora...
Garrett lançou-lhe um sorriso triste. — Talvez depois que isso for feito, eu possa chamá-la de 'Eliza'. Até então... não seria muito profissional da minha parte.
Apesar do tributo que os últimos dois dias tiveram sobre ela, ela recuou e acenou com a cabeça, compreendendo-o perfeitamente. — E quando isso será feito, Detetive Reed?
Seus olhos se encontraram.
Ele não deveria. Isso apenas reforçaria as suspeitas de Perry sobre como estava lidando com o caso, e isso o irritou. Maldito seja o inferno. Ele estava lidando com isso tão profissionalmente quanto podia. Ele tinha direito a suas próprias diversões, em seu próprio tempo... e a senhorita Radcliffe era adorável, inteligente e intrigante.
Ele não deveria encorajar isso. Ele sabia que não deveria. E, no entanto, ele não pôde deixar de imaginar o rosto severo e desaprovador de Perry em sua mente quando ele se aproximou e murmurou: — Talvez, quando isso for feito, você possa estar disponível para me mostrar mais do teatro. Como membro da audiência, em vez de atriz?
Perry era um estímulo de que ele não precisava, mas uma parte dele queria olhá-la nos olhos com suavidade depois que o caso fosse encerrado e dizer a ela que pretendia levar a srta. Radcliffe ao teatro. Desafiá-la a dizer qualquer coisa sobre isso.
A senhorita Radcliffe sorriu docemente. — Até então, detetive.
Capitulo 7
— Lá está. — Garrett murmurou na manhã seguinte, cutucando o braço de Perry e inclinando o queixo para o jovem que estava fazendo suas entregas de flores.
O menino adaptou um riquixá pneumático movido a vapor em um carrinho de flores que ele poderia andar e, enquanto eles observavam, ele tirou a perna do assento e empurrou-a para o meio-fio do lado de fora do teatro. Ele inclinou o chapéu para o ajudante de palco que esperava pela entrega, seu sorriso vacilando quando viu os dois saindo das sombras perto do beco.
— Uma palavra, se pudermos? — Garrett perguntou, com um sorriso para deixar o menino à vontade.
— Sim, em que posso ajudá-lo?
— Você costuma entregar rosas vermelhas para a Srta. Nelly Tate. Você sabe quem faz esse pedido?
O rapaz coçou a cabeça. — Precisará ir ao Welham. Você teria que perguntar a ele. É ele quem recebe os pedidos.
Excelente. Garrett e Perry se afastaram, seguindo as instruções que o menino deu. Pela primeira vez, Garrett sentiu como se tivessem uma liderança sólida a seguir. Nelly recebia flores o tempo todo, mas apenas dois ramalhetes eram enviados a ela regularmente, o que indicava alguém - ou dois de alguém - com um interesse particular por ela.
Welham's ficava no coração do distrito dos teatros, onde fazia negócios importantes. As flores surgiam e pingavam dos vasos quando eles entraram, e havia um ar de sofisticação e direito à loja. Na verdade, o homem atrás do balcão os examinou com uma sobrancelha levemente arqueada, como se se perguntasse o que eles estavam fazendo ali.
Garrett os apresentou, mostrando suas credenciais. — Estamos curiosos sobre um pedido de rosas vermelhas que é enviado semanalmente para Senhorita Nelly Tate no Veil Theatre. Ou, mais especificamente, estamos interessados no nome da pessoa que as envia.
Welham pressionou os óculos de aro metálico contra o nariz. — Uma ordem permanente para rosas vermelhas? Sim, eu sei qual. Um Sr. Hobbs, creio eu. Uma vez por semana, o pedido deve ser processado.
— Hobbs? — Perry deixou escapar. — James Sterling Hobbs?
Welham pareceu surpreso. — Sim, é esse mesmo.
Rosas não eram baratas, mas eles já sabiam que Hobbs estava ganhando uma pequena fortuna com seu negócio paralelo.
— E há um pedido frequente de peônias? — Garrett perguntou.
O Sr. Welham balançou a cabeça. — Meu Deus, não. Esse é o tipo de coisa que você pode comprar em Covent Garden.
Agradecendo ao Sr. Welham por seu tempo, eles se viraram em direção à porta. A campainha tocou quando fechou atrás deles.
— Quem manda as peônias então? — Perry perguntou, assim que eles ficaram sozinhos. — Tive a certeza de que deviam ter vindo de Hobbs. Um dos ajudantes de palco parecia pensar que ela estava terrivelmente animada para recebê-las. As rosas, entretanto... Nelly as guardou, mas ela não parecia se preocupar tanto com elas.
Lá se foi sua liderança. Um beco sem saída, como todos os outros. Garrett praguejou baixinho. — Rommell e Hobbs estavam ambos interessados nela, por seus próprios motivos. Lorde Beckham também, mas não mandou flores... Sinto que está faltando alguma coisa.
— Você acha que há mais alguém envolvido?
— Talvez.
— Precisamos saber qual é a conexão entre Nelly e Hobbs —, disse Perry, — e quem lhe enviou as peônias.
— Voltar para o teatro? — ele sugeriu. — Devemos ver como Eliza está se saindo.
— Eliza?
Ponta da língua. Garrett encontrou seu olhar, desafiando-a a comentar. — Senhorita Radcliffe.
O olhar de Perry se desviou. Às vezes, isso era pior do que se ela tivesse comentado, pois ele não tinha ideia do que ela estava pensando no momento. Os músculos se contraíram em seu intestino em expectativa, mas o momento se esticou, e ela ainda não disse nada. — O gato comeu sua língua? — Ele perguntou.
Frios olhos cinza fixos nos dele. — Não, — ela disse friamente. — O teatro então.
E isso também não disse nada a ele, maldita seja.
Garrett foi em busca do ajudante de palco que originalmente comentou sobre o significado das peônias, deixando-a para lidar com a senhorita Radcliffe.
Ou Eliza. Perry não perdeu o significado daquele pequeno deslize da língua. O que ele quis dizer com isso? O que aconteceu ontem à noite?
Não, ela disse a si mesma severamente. Ela já tinha estragado as coisas. Hora de focar no caso, e não no que havia ocorrido entre seu parceiro e a bela atriz, na privacidade do apartamento da mulher.
Nenhum sinal da senhorita Radcliffe em seus camarins. Perry retirou-se do camarim com uma carranca...
— Aí está você! — Alguém gritou.
Ela olhou para cima quando um dos ajudantes de palco se abateu sobre ela, então olhou para trás. Não havia ninguém lá, o que significava que ele devia estar se referindo a ela mesma. — Posso ajudar? — A lembrança começou a despontar; ela começou a colocar nomes e rostos aqui. — É Arthur Millington, não é? — Um dos ajudantes de palco.
— Sim. Um homem tentou arrastar a Srta. Radcliffe para uma carruagem há menos de dez minutos, — o homem declarou. — Bem na rua!
— Senhorita Radcliffe? Ela está bem?
— Abalada e com medo, mas ela não está ferida, se é isso que você está perguntando.
Bom Deus. — Onde ela está?
Millington gesticulou em direção ao palco. — Lorde Rommell está com ela. Salvou-a do rufião, graças ao diabo.
O som de vozes elevadas chamou sua atenção enquanto ela se apressava em direção ao palco. Um par de figuras se materializou; Senhorita Radcliffe e Lorde Rommell, em uma briga ao lado do palco.
— ... não ver aquele Falcão da Noite de novo, — Rommell retrucou, então sua voz mudou para uma suave adulação. — Eu posso mantê-la segura, Eliza. Não há necessidade de temer outro ataque, quando posso ter um homem guardando sua porta durante o dia.
— E as minhas noites? — A senhorita Radcliffe gaguejou.
Rommell levou a mão ao rosto dela, seu rosto se contraindo quando ela se retirou sutilmente. — Tenho certeza de que podemos chegar a algum tipo de acordo lá também.
— Eu... eu... — A senhorita Radcliffe enrubesceu, como se percebesse que ela havia caído em uma armadilha. — Falei com pressa. Tenho certeza de que estarei bem segura em casa. Minha porta tem uma fechadura resistente.
Algo feio cintilou em sua expressão. — Felizmente, é resistente o suficiente. — Ele inclinou a cabeça para ela. — Não espere muito para considerar minha oferta. Você não quer que seja retirada.
Rommell caminhou na outra direção, com as costas rígidas, e a senhorita Radcliffe o observou partir. Quando ele desapareceu, ela soltou um suspiro minúsculo e trêmulo e sussurrou: — Quando o inferno congelar, meu senhor. — No momento em que ela se virou, ela avistou Perry, prendendo a respiração. — Detetive. — Um vislumbre fugaz de medo escureceu sua expressão. — Eu não sabia que você estava aí.
A simpatia foi uma queda brutal no peito de Perry. Talvez ela e a senhorita Radcliffe tivessem mais em comum do que ela pensava. Ela também tinha estado à mercê de um poderoso senhor uma vez, embora em circunstâncias totalmente diferentes.
Mas aquela sensação de estar sozinha, tentando lidar com as consequências das quais não conseguia escapar, e sabendo que ninguém poderia ajudá-la... Oh, sim, Perry sabia como era.
— Aqui. — Perry murmurou, puxando um lenço de seu bolso e apresentando-o à senhorita Radcliffe.
— Eu sinto muito. — A senhorita Radcliffe enxugou os olhos, um sorriso falso e lacrimejante pintado em seus lábios. — Isso foi muito impróprio da minha parte. Lamento que você tenha que me ouvir dizer uma coisa dessas.
— Sim, bem, ecoou um pouco meus próprios pensamentos. — A agitação escura do vírus do desejo ergueu sua cabeça dentro dela. Por um momento, Perry teve uma imagem totalmente agradável de bater o clarete de Rommell. O calor flamejou atrás de seus olhos, e Perry engoliu em seco, sabendo que eles tinham acabado de ficar pretos. — Rommell deve receber a correia. Que tipo de homem usa essa oportunidade para caçar uma mulher em sua própria cama?
— Alguém sem nenhum traço de nobreza em sua natureza. — Disse a Srta. Radcliffe, um tanto amargamente. Então ela corou, como se percebesse o que havia dito.
— Não vou dizer nada —, murmurou Perry. — Você pode falar francamente.
Os ombros da senhorita Radcliffe caíram, e ela começou a mexer no lenço em suas mãos. — Ele me faz sentir mal.
— Ele me faz sentir um tanto violenta. — Admitiu Perry.
Isso lhe rendeu uma leve sugestão de sorriso. A senhorita Radcliffe parecia melancólica. — Você é tão corajosa —, disse ela. — Eu gostaria de ser tão realizada e independente quanto você. Eu gostaria de ser capaz de enfrentar os homens com impunidade.
Verdadeiramente? Senhorita Radcliffe admirava ela? — Não é tão fácil quanto parece —, respondeu Perry com cuidado. — Ouvi dizer que houve um incidente do lado de fora, onde alguém tentou agarrar você?
Isso apagou qualquer sugestão de sorriso. A senhorita Radcliffe empalideceu. — Você não acha que era o mesmo homem que... sequestrou Nelly?
— Eu não poderia especular. Ainda não sabemos se foi um homem ou uma mulher que teve alguma coisa a ver com o desaparecimento de Nelly. Você viu quem tentou te agarrar? Como você se libertou?
— Eu estava tentando tomar um pouco de ar no beco atrás do teatro, quando alguém me agarrou por trás, — a Srta. Radcliffe respondeu. — Sinto muito, mas eu estava tão distraída que não vi nada - apenas um vislumbre de suas mãos. Ele bateu um na minha boca para que eu não pudesse protestar. Eu tinha certeza de que algo iria acontecer comigo - que eu iria acabar como a pobre Nelly, então eu o mordi e consegui gritar quando ele me soltou. Ned Barham - um dos ajudantes de palco - correu para ajudar, e o homem fugiu.
— Ned viu como ele era?
A senhorita Radcliffe balançou a cabeça. — Acho que não. O sujeito me deixou de lado quando correu, e o pobre Ned teve que me ajudar a levantar. Ele não sabia o que tinha acontecido, a princípio.
Primeiro, as rosas vermelhas... e agora alguém tentou agredir a Srta. Radcliffe, talvez até roubá-la também. — Parece que alguém tem uma fascinação doentia por atrizes.
— Você acha que eles vão tentar de novo?
— Eles podem—, admitiu Perry. — É por isso que você vai aceitar a oferta generosa de lorde Rommell de um homem para cuidar de você durante o dia. Vou providenciar um Falcão da Noite para vigiar o seu apartamento durante as noites, enquanto tentamos descobrir tudo isso.
— E o que devo dizer a Rommell?
— Diga a ele que não seria adequado, então os arranjos serão feitos —, respondeu Perry. — Quanta pressão ele está colocando em você?
A senhorita Radcliffe abaixou a cabeça, apertando o lenço em seu punho enluvado. — Ele é assim com todos nós, — ela sussurrou. — Eu sabia o que esperar, é claro, depois da maneira como ele foi atrás da pobre Nelly, mas eu só... Isso me faz sentir tão desamparada, quando sei que minha carreira depende de suas boas graças. Eu esperava ser capaz de mantê-lo à distância, mas ele é... persistente.
Isso a deixou furiosa. — Se você precisar de ajuda, deve vir até nós. Nada, nem mesmo sua carreira, vale a pena ser pressionado a um relacionamento que você não deseja.
— O que mais eu tenho, além da minha carreira? — A fachada sorridente da Srta. Radcliffe escorregou, revelando uma borda assustada em seus olhos.
Uma pergunta que Perry sempre se fazia. Ela se forçou a deixar de lado quaisquer outros sonhos femininos para se concentrar em sua carreira. Para abrir seu próprio caminho escada acima no Falcões da Noite, ela teve que ser implacável, exigente e abrir mão de seus próprios prazeres.
Ela também não tinha resposta para a senhorita Radcliffe. A sorte de uma mulher era precária neste mundo. — Talvez... se você deixar claro que suas atenções estão voltadas para outro lugar, ele pode ceder.
— Ninguém mais ousaria enfrentá-lo.
— Garrett faria.
O silêncio floresceu. A senhorita Radcliffe enrubesceu. — E-eu não sabia que você notou.
Portanto, seu coração estava nessa direção. Algo apertou com força o peito de Perry, mas ela o forçou para baixo. A segurança de uma mulher era mais importante do que suas próprias inseguranças.
— Ou talvez você pudesse ganhar seu direito no palco. Se o público te ama o suficiente, eles gritariam seu nome —, disse Perry. — Rommell não seria capaz de cortar você do show.
— O público é inconstante e eu não sou a Nelly. Ela era dona da multidão, você sabe. Flertava com todos eles - homens e mulheres. Ela tinha essa... essa habilidade de fazer todos pensarem que ela pertencia a eles - e, no entanto, só agora eu percebo o quão privada ela era pessoalmente. Quão pouco eu sabia sobre ela.
— Posso te fazer uma pergunta?
A senhorita Radcliffe assentiu. — É claro.
— Acho curioso como você disse 'Rommell foi atrás da pobre Nelly. Ele a pressionou para se tornar sua amante?
Os olhos da senhorita Radcliffe se arregalaram. — Oh, Nelly não era sua amante. Ela tinha um namorado, eu acho, que lhe mandava peônias. Tive um vislumbre do cartão uma vez. É li, 'De Nick, com amor', ou algo parecido. Talvez tenha sido Nathan? Não, não, era algo mais curto do que isso.
Tudo em Perry parou, enquanto seus instintos de caça aumentavam. — Não teria sido James, seria?
A senhorita Radcliffe balançou a cabeça. — Acho que não. Tenho certeza de que começou com 'N'. Ou talvez tenha sido Mick? — Ela franziu o cenho. — Nelly me viu olhando e guardou o cartão, provavelmente para mantê-lo escondido de Rommell. Ele estava tão focado em tê-la, e ela o afastou todos esses meses.
O que era incomum, porque Rommell dissera a Garrett exatamente o contrário. — Tive a impressão de que ela aceitou sua proposta.
A senhorita Radcliffe balançou a cabeça. — Nelly... não foi fácil para ela, mas ela... ela o administrou muito melhor do que eu. Ela continuava fingindo que pensaria sobre isso, ou insinuando que gostava da perseguição, mas às vezes, quando ele se virava, ela ficava com aquela expressão - como se ele a enojasse. Rommell estava desesperado para tê-la. Ele continuava trazendo presentes mais exóticos, mas ela sempre os rejeitava. Isso só o deixou mais determinado.
Esse foi um fato muito importante. — Que estranho. Rommell deixou claro que ela estava sob sua proteção - na verdade, ele parecia pensar que vários outros lordes de sangue azul estavam tentando roubá-la dele.
Tentando levar ela e Garrett a outros suspeitos em potencial, talvez?
— Oh, ele era muito protetor com ela - ou com seus afetos, melhor dizendo. E aquele lorde Beckham nojento está tentando atraí-la para o Highcastle. Ofereceu a ela um lugar em sua trupe - e em sua cama, sem dúvida. Rommell ficou furioso. É como um jogo para eles.
Assim, Nelly não se comprometeria com Rommell, que tinha um desafio direto para sua perseguição. Esse poderia ser o motivo, mas como Hobbs se encaixava em tudo isso? O pulso de Perry acelerou de excitação. Todas as pequenas peças do quebra-cabeça começaram a se reorganizar em sua cabeça. Ainda não estava completo, mas ela se sentia como se tivesse a ponta do quebra-cabeça nas mãos. A partir daí, ela seria capaz de começar a preencher as outras peças.
Era a namorada de Hobbs? Se Nelly amava Hobbs e estava saindo com ele em particular, talvez alguém tivesse descoberto? Beckham? Ou Rommell? Nenhum deles gostaria de descobrir que Nelly tinha um pretendente humano de baixa categoria, quando ela os rejeitou.
Ela precisava encontrar Garrett. Agora. Mas primeiro... — Qual foi a resposta de Nelly a Beckham? E Rommell alguma vez a alertou para longe de Beckham?
— Nelly tratava Beckham da mesma maneira que tratava Rommell, como se tudo fosse uma grande brincadeira, e que ela pudesse pensar nisso, mas não... ainda não. E Rommell nunca a confrontou em público, embora muitas vezes procurasse uma audiência privada quando ia revisar os livros com Fotherham. — A senhorita Radcliffe franziu os lábios. — Embora... Houve uma altercação aqui há um mês, quando Rommell e Beckham voltaram para os bastidores após a peça. Nelly riu disso, mas trancou a porta na cara dos dois e insistiu para que um dos ajudantes de palco a levasse até sua carruagem de aluguel depois, então deve ter ficado abalada. Os dois foram para lá, até que Fotherham os separou e disse a Beckham que ele não era mais bem-vindo nos bastidores. Nunca pensei em mencionar isso. Você acha que tem algo a ver com o que aconteceu?
— É algo que vamos considerar —, disse Perry. — Se alguma coisa chamar sua atenção como importante, eu agradeceria se você nos avisasse. Às vezes, os trechos de conversa mais aleatórios podem quebrar um caso.
— Claro. — A senhorita Radcliffe assentiu seriamente.
— Com licença, senhoras.
Os dois ergueram os olhos.
Arthur Millington inclinou a cabeça para eles, — Srta. Radcliffe. Espero que você esteja se sentindo um pouco melhor.
A senhorita Radcliffe sorriu. — Obrigada, Arthur. Estou muito recuperada.
— Posso ter uma palavra, então? É sobre a iluminação durante o terceiro ato? — A impaciência o fez mudar sob seu escrutínio.
— Claro. — A senhorita Radcliffe ajeitou o cabelo no lugar e devolveu o lenço a Perry. — Se eu pensar em alguma coisa, irei diretamente para ver você.
Eles correram para o palco, onde várias outras atrizes estavam reunidas com o Sr. Fotherham.
Perry tirou um pequeno pedaço de latão de seu bolso e colocou-o em seu ouvido. Fitz, um dos outros Falcões da Noite, havia projetado os comunicadores auditivos para Falcões da Noite que poderiam ter que trabalhar sozinhos, e Perry e Garrett costumavam usá-los. Dentro do alcance do teatro, eles seriam capazes de se comunicar, sem que ninguém mais ouvisse.
Se Garrett estivesse com o dele ligado.
Perry brincou com a frequência. Ela precisava encontrar Garrett. Esta nova informação...
Um grito rasgou o teatro.
Perry girou em direção ao palco. Senhorita Radcliffe! Ela começou a correr, suas pistolas de pulso girando em suas mãos, enquanto lutava para abrir caminho através da súbita enxurrada de atrizes que se espalhou em direção aos bastidores e percebeu que estava em segurança. Era como lutar para passar por um bando de galinhas assustadas.
Tiros soaram. Perry agarrou uma jovem com um vestido de baile e puxou-a para trás do objeto mais próximo - um enorme cenário que foi feito para se parecer com um salão de baile em alguma mansão Escalão chique. — Fique abaixada!
Mais gritos iluminaram o auditório.
— Para trás, sua besta! — Um homem gritou.
Perry se agachou atrás das cortinas, puxando-as para o lado para ver. Do outro lado do palco, ela viu Garrett se abaixar atrás de um adereço de guarda-roupa, sua pistola na mão. Seus olhos se encontraram e Perry balançou a cabeça, sentindo-se aliviado.
A senhorita Radcliffe estava de joelhos, com Arthur Millington e um par de outros ajudantes formando um círculo protetor ao seu redor. Fotherham cambaleou para fora do palco e caiu, quando algo passou por ele.
A forma enorme e pesada rugiu incoerentemente, e dirigiu em direção à borda do palco perto de onde ela se escondeu. Perry deu um passo à frente, mirando ao longo de ambos os canos de suas pistolas de pulso. Um rosto horrível apareceu, olhos assustados fixos nela e, ainda assim, sem vê-la. A respiração de Perry se acalmou, o mundo se estreitando até o enorme peito do homem e a sensação dos dedos dela relaxando nos gatilhos. No último minuto, ela puxou as pistolas para cima e ele passou correndo por ela. Inferno. Isso era Lovecraft...
— Não atirem! — Ela gritou, saindo atrás dele. Saltando para fora do palco, ela girou suas pistolas de volta para as bainhas em seus pulsos e começou atrás dele.
— Perry! — A voz de Garrett ecoou, então uma maldição quando ele percebeu que ela não tinha intenção de parar.
Lovecraft cambaleou em direção à porta lateral, acertando-a com o ombro. A madeira estilhaçou-se e ele gritou de raiva, depois desapareceu na esfera ofuscante da luz da tarde.
Perry estremeceu com a claridade - seus olhos sensíveis preferiam a noite - e saltou pelo buraco que ele havia criado. Seu ombro acertou um transeunte assustado com um chapéu-coco e ela perdeu o equilíbrio, se recompôs na base de um lampião a gás e continuou a atravessar a estrada enquanto Lovecraft esmagava um homem de um monociclo.
Buzinas soaram enquanto um ônibus girava desesperadamente ao seu redor. Perry saltou para o assento de uma carruagem a vapor para o grito assustado do motorista, sua bota batendo no topo da carruagem quando ela deslizou sobre o exterior de nogueira polida e caiu do outro lado. O choque percorreu suas panturrilhas quando ela pousou, e ela mal conseguiu pular da estrada quando uma carruagem caiu sobre ela.
À frente dela, Lovecraft desapareceu na esquina, empurrando as pessoas para fora do caminho. Ele era surpreendentemente rápido, mas ela também.
Perry foi atrás dele, ignorando os gritos atrás dela. Ele atravessou um cemitério de igreja abandonado, há muito negligenciado, e ela ganhou tempo pulando a cerca de ferro e estendendo a mão para agarrar sua manga enquanto ele trovejava em outra estrada.
Com um grunhido, ele a empurrou e bateu através de um par de portões de um parque. Um esquilo correu para a árvore mais próxima com medo, e as pessoas ergueram os olhos em choque de seus tapetes de piquenique, lutando loucamente para sair do caminho. Estava acontecendo uma partida de críquete entre um bando de jovens estudantes, e um cavalheiro de cartola agarrou um menino por baixo de cada braço, enquanto ela e Lovecraft passavam direto pelo meio dele.
Perry fez um último esforço.
— Pare! — Ela se lançou em um ataque, arrastando-o para a grama.
Um golpe picou suas orelhas, e ela rolou por cima do ombro em um emaranhado de braços e pernas, até que bateu em uma árvore. Lovecraft cambaleou e puxou a bota para trás como se fosse chutá-la no rosto.
— Lovecraft! — Ela ergueu a mão. — Eu sou sua amiga, lembra? É Perry. Da loja de Hobbs!
O reconhecimento amanheceu. — Nurly. — Disse ele.
— Sim, — ela soltou um suspiro de alívio, não ousando se mover. — Estou tentando encontrar Nelly. Para ajudá-la. Por que você veio ao teatro?
— Nurly!
— Nelly não está lá, lembra? Ela foi embora. Eu tenho que encontrá-la.
Torcendo seu chapéu, ele balançou para frente e para trás, os olhos arregalados assustados enquanto observava as pessoas fugindo deles. — Perdido. Nurly se foi. Jerm se foi.
— James? — Ela perguntou. — James se foi?
Ele parecia em pânico. Perry rolou sobre suas mãos e joelhos. O que ele estava tentando dizer? — Posso ajudá-lo —, disse ela. — Você não pode encontrar James ou Nelly, pode? É por isso que você veio ao teatro?
— Jerm machucou. Jerm se foi.
Sua respiração ficou presa no fundo de sua garganta. — Isso mesmo. Você viu o homem que machucou James?
Olhos torturados encontraram os dela. Lovecraft puxou o chapéu, como se quisesse se esconder atrás dele, mas assentiu.
— Era alguém no teatro? — ela perguntou sem fôlego. — É por isso que você veio lá?
Gritos soaram quando a polícia local entrou em cena. Lovecraft colocou as mãos em concha sobre os protetores de ouvido especialmente projetados, estremecendo. O que quer que ela fizesse, ela teria que fazer rapidamente. Ela podia ver que todos eles tinham pistolas.
Inferno e chama. Ela precisava de tempo para falar com ele. Lovecraft tinha testemunhado o assassinato Hobbs' - ele sabia quem tinha feito isso.
Mas se ele ficasse aqui... Onde as pessoas não o entendiam...
— Vá. — Ela disse, encontrando seu olhar e implorando. Se o pegassem, não hesitariam em atirar. Não com sua aparência. As pessoas sempre tinham medo do que não entendiam, e Lovecraft era como uma criança presa no corpo de um homem. Ele não saberia como parecer não ameaçador. — Você precisa correr! Vá! Eles vão te machucar! Vá para casa! Vou te encontrar!
As lágrimas molharam seus olhos, então o homenzarrão se virou e começou a correr. Os dois policiais passaram correndo por ela, e Perry demorou a ficar de pé, limpando a grama.
Garrett a alcançou, parando sem fôlego. — Você está bem?
Perry tirou algumas folhas de seu ombro. — Estou bem. Como estão todos no teatro?
— Abalados, mas não prejudicados. Que raio foi aquilo? Por que diabos você não atirou?
Perry molhou os lábios. — Aquilo, era Lovecraft.
Garrett olhou para ela. — Hobbs adotou um... projeto?
— Ele não é um projeto. — Disse ela bruscamente.
— Ele machucou você? — Ele tirou a grama de seus braços, segurando seus ombros e virando-a para examiná-la. Quando ela girou para o outro lado, ele segurou seu queixo e ergueu seu rosto, o calor queimando em seus olhos azuis. — Ele bateu em você. Você está machucada.
— Vai desaparecer. Afinal, eu o ataquei. Ele nunca quis me machucar...
— Puta merda, Perry. Não parecia assim. Você disse que ele não era uma ameaça!
— Ele não era. Pelo menos, não tive essa impressão. Ele estava com medo de mim...
— Eu sei que seus instintos são bons —, disse ele, em um tom duro, — mas às vezes você está errada.
— E às vezes você é um tolo! — Ela retrucou, voltando-se para o teatro.
Ele segurou o braço dela. — Você não viu o que aconteceu, Perry! Ele foi direto para a Srta. Radcliffe! Millington mal conseguiu empurrá-la para fora do caminho quando Lovecraft atacou. Ele derrubou três homens e quebrou o braço de outro. Você acha que isso não é ameaçador?
— Senhorita Radcliffe? — Ela murmurou, parando de repente. — Ele a atacou?
— Tentou.
Eles se encararam.
A mente de Perry disparou. Ela estava certa? Lovecraft foi ao teatro para se vingar da pessoa que atirou em Hobbs? Ou ele realmente não entendeu o que ela estava tentando perguntar?
Foi a Srta. Radcliffe?
Ela também tinha um motivo. Um novo papel importante como atriz principal, e a única prova de que Rommell teve uma participação no desaparecimento, veio diretamente de seus lindos lábios.
Aquela história inteira tinha sido inventada pela atriz? Uma forma de lançar suspeitas sobre o senhor? Afinal, a senhorita Radcliffe era uma atriz. Talvez as lágrimas tenham sido fingidas?
O intestino de Perry se retorceu de dúvida. Se fosse mentira, a mulher era uma atriz incrível. Perry poderia jurar que aquelas lágrimas eram reais, mas como ela poderia dizer isso a Garrett? Ele já pensava que ela tinha cérebro de lebre, por pensar que Lovecraft não era uma ameaça para ela. Se ela tentasse contar a ele suas suspeitas sobre a senhorita Radcliffe - depois de todas as discussões anteriores - ele sem dúvida pensaria que Perry estava tentando causar problemas novamente.
— Você pode rastreá-lo pelo cheiro? — Garrett perguntou. Ele sabia o quão bons eram seus sentidos.
Perry hesitou - então balançou a cabeça lentamente. — Não. Não consigo sentir o cheiro de nada.
O que era mentira, mas se ela ia falar com Lovecraft, precisava fazer isso sozinha. Ele teria muito medo de qualquer outra pessoa, e ela sabia que Garrett não acreditava nela.
— Vamos voltar ao teatro —, disse ela. — E ver como a senhorita Radcliffe está se saindo.
E depois, ela veria se ela podia pegar a trilha de cheiro que ela podia sentir.
O teatro estava uma confusão.
Medo e excitação contaminavam o ar, e parecia que toda a trupe de atuação havia emergido de qualquer buraco no teatro que pertencia a eles, para ver do que se tratava toda aquela confusão. O lugar fervilhava com a conversa de que a perseguição havia perdido Lovecraft, enquanto ele circulava perto do teatro.
Ele poderia estar em qualquer lugar por perto. Os dedos de Perry se contraíram enquanto todos sussurravam sobre isso.
Lorde Rommell ficou furioso. — Você conheceu esta criatura? — Ele exigiu, avançando apenas o suficiente para deixá-la desconfortável.
Perry a encontrou de costas contra a parede do teatro. — Eu o encontrei ontem. Ele... ele é algum tipo de anomalia, mas não acredito que ele quisesse fazer mal...
— Talvez você não deva fazer tais suposições —, respondeu Rommell. — Sem uma base real para sua teoria além da intuição feminina. — Ele realmente virou as costas para ela, com foco em Garrett. — Eu quero uma busca montada. Eu quero esta... esta criatura encontrada. É bastante evidente que ele tem algo a ver com o desaparecimento de Nelly, e não é por essa incompetência que estou pagando a Guilda. Se eu não tivesse intervindo quando o fiz, teria feito a pobre Srta. Radcliffe em pedaços!
— Meu senhor. — Os lábios de Garrett se estreitaram. — Claro que planejamos montar uma busca. — Aqueles olhos azuis fixos nela. Ele deixou claro que pensava da mesma forma que Rommell pensava sobre Lovecraft. — Vou mandar buscar reforços da Guilda. Vamos rastreá-lo.
Perry desviou o olhar. Já era ruim o suficiente para Rommell questionar sua competência, mas Garrett não tinha sequer feito um som de protesto. Ele sempre a apoiou quando as pessoas a desafiaram no passado, e algo doeu em seu peito que ele não fez desta vez.
Ela estava errada? Lovecraft era uma ameaça para ela?
Ela não conseguia nem imaginar. Ele parecia tão infantil para ela, com mais medo do mundo do que dele - o que era uma quantidade considerável, de fato. Ele tinha o tamanho e a capacidade para fazer grande violência, mas ela simplesmente não conseguia ver isso sendo intencional, não importa o que tivesse ocorrido aqui antes. Ele parecia reagir apenas com medo e dor.
Garrett ofereceu o braço à senhorita Radcliffe, que estava terrivelmente pálida. — Talvez você me permita ver você em casa. Você parece que precisa de um descanso?
Os músculos de Perry se contraíram com força, a antecipação aumentando. Seria a oportunidade perfeita para acompanhar o cheiro de Lovecraft sozinha.
— Isso é muito generoso, Reed, — Rommell interrompeu, — mas eu acredito que você tem trabalho a fazer. Vou acompanhar Eliza para casa na minha carruagem. — Ele colou um sorriso e deu um passo em direção à atriz. — Venha, minha querida.
— Obrigada, — a senhorita Radcliffe olhou entre os homens. — Mas não acredito que deva partir, ainda não. Temos um show para fazer em algumas horas. — Respirando profundamente, ela se afastou de Rommell. — Eu me sinto totalmente segura com o Falcão da Noite aqui. Tenho certeza de que encontrarão o culpado - e o que quer que tenha acontecido com a pobre Nelly.
Rommell pigarreou baixinho, mas deu um tapinha na mão enluvada dela. — Quanta bravura, minha querida. Não deixe nada disso incomodá-la. Vou convocar alguns dos meus guardas ao teatro para garantir sua segurança, e esta noite será outro triunfo.
Com isso ele se foi. A senhorita Radcliffe deu a ambos um sorriso fraco. — Eu deveria começar a me vestir. Se vocês me dão licença?
Perry a observou partir. Foi interessante que ela se recuperou tão rapidamente. A maioria das jovens teria sofrido um ataque de desmaio.
Ou era simplesmente suspeita temperando seus pensamentos?
Garrett soltou um suspiro de frustração, quando a maioria do grupo de atores se separou para se preparar para a peça, liderada pelo exemplo da Srta. Radcliffe. Isso os deixou sozinhos.
— Você acredita em mim, não é? — Perry disse na escuridão suave do palco. — Eu sei como é uma ameaça.
Garrett passou a mão pelo cabelo acobreado. Ele olhou para o teatro vazio. — Talvez você interpretou mal as intenções de Lovecraft. Acontece.
Não para mim. Ela se sentia entorpecida, toda oca por dentro. Garrett não acreditou nela. E por que ele deveria? Ela não tinha provas. Nada quer dizer que a pobre criatura tinha outras intenções benevolentes além de sua intuição, que Rommell descartou sumariamente.
Isso a fez queimar de fúria. Anos trabalhando em casos, e os homens ainda a olhavam com desprezo. — Talvez você não deva acreditar em tudo que Rommell diz, — ela retrucou. — Considerando que ele mentiu sobre Nelly ser sua amante.
Garrett segurou seu braço quando ela se virou para ir embora. — O que?
— De acordo com a senhorita Radcliffe, Nelly tinha um namorado que poderia se chamar Nick, ou algo semelhante, e que ela recusou o processo de Rommell. A menos que ela esteja mentindo, vou presumir, com minha intuição feminina, que Rommell é, portanto, um suspeito. Eu posso estar errada. Talvez eu deva confiar em seus instintos superiores como homem?
— Não fale nesse tom comigo, — ele avisou. — Eu não sou aquele que não confia nos seus instintos.
— Sério? — Ela olhou para ele. — Porque parece que você é.
Eles se encararam.
— Eu sei —, disse ele com cuidado, — que eu não estava lá quando você encontrou a criatura antes.
— O nome dele é Lovecraft.
— Tudo bem, Lovecraft. — Uma sugestão de rosnado revestiu suas palavras. — Mas eu vi o que aconteceu hoje. Eu vi aquela coisa vir direto para nós. Ameaçou a senhorita Radcliffe, depois se voltou contra Millington e Rommell, Perry. Ele tinha assassinato em seus olhos e você sabe disso.
— Rommell inspira tais pensamentos em vários de nós, então. Estou tendo problemas para manter minhas lâminas embainhadas sempre que ele abre a boca.
— Rommell é do Escalão. Ele pode nos causar problemas com muita facilidade.
— Você acha que eu não sei disso? Você me considera tola?
— Só estou dizendo... talvez você deva me deixar cuidar dele? Suas emoções estão envolvidas e, embora eu não goste do homem, posso controlar meu temperamento perto dele. Quanto a Lovecraft, não o subestime. — Ele a olhou nos olhos. — Prometa-me que você vai cuidar de suas costas esta noite, quando montarmos esta busca
— Você vai trazer mais Falcões da Noite?
Ele deu um aceno curto. — Infelizmente, precisamos fazer algo para apaziguar Rommell. Ele tem o poder de remover nós dois do caso, se necessário.
— O que seria muito conveniente se ele tivesse algo a ver com o desaparecimento de Nelly, — ela disse sombriamente. — Rommell ou Senhorita Radcliffe estão mentindo. Não tenho certeza de qual. Ambos têm um motivo neste caso.
— Mas por que a Srta. Radcliffe atiraria em Hobbs, se ela estivesse envolvida? — Ele disse rapidamente.
Muito rápido.
E Perry não tinha as respostas para isso. — Não sei. Eu só pensei que deveria te contar. E por que Rommell faria uma coisa dessas também? Nenhum deles teria entrado na esfera de Hobbs, a menos que ele fosse ao teatro. Parece uma coisa estranha para qualquer um deles mentir, mas um deles deve estar.
Uma carranca torceu a testa de Garrett e ele deslizou as mãos nos bolsos. — Algo para olhar então. E a pistola Webley é pequena o suficiente para ser operada por uma mulher.
A discussão anterior pairou no ar, mas pelo menos ele estava levando suas suspeitas a sério. Perry desviou o olhar. — Talvez você deva ir e ver se consegue organizar um esquadrão de Falcões da Noite?
— E o que você pretende fazer?
— Vou ficar aqui —, disse ela. — Certificando-me de que o monstro não volte.
— Perry...
— Eu não posso ter problemas dessa maneira, posso? Talvez, quando você voltar, possa me dizer o que devo fazer a seguir? Já que minha intuição está tão obviamente distorcida hoje.
Ele rosnou baixinho. — Talvez você devesse ficar aqui e esperar por mim. Não sei se é a sua intuição que está distorcida - ou talvez o seu bom senso - mas discutiremos isso quando eu voltar.
Capitulo 8
Inspirando profundamente, Perry ajoelhou-se, tocando com os dedos uma mancha de sangue no chão. No momento em que Garrett partiu para chamar reforços, ela conseguiu pegar a trilha do cheiro no parque e seguiu por um caminho tortuoso de volta ao teatro. Agora, ela não estava mais perto de encontrar Lovecraft, mas ela tinha a suspeita de que ele havia retornado à cena do crime, e estava em algum lugar nas entranhas do edifício monstruoso.
Mas com que propósito?
Ele estava assustado, machucado ou se escondendo? O sangue certamente indicava que um dos policiais o havia machucado.
Talvez ele não soubesse para onde ir - ou tivesse vindo procurá-la, em busca de ajuda?
Ou talvez ele estivesse aqui para terminar o trabalho que começou.
Isso gelou o sangue de Perry. O que ela sabia sobre ele, de verdade? Garrett disse a ela que seu bom senso havia desaparecido, e talvez ele estivesse certo? Talvez ela estivesse deixando suas emoções tomarem suas decisões.
Ela ainda tinha que encontrá-lo, no entanto, antes que outra pessoa o fizesse. Ela poderia prevenir outro incidente. Ela só tinha que rezar para chegar até ele primeiro, antes que o resto dos Falcões da Noite chegassem.
Um par de olhos brilhou nas sombras, e Perry congelou quando ela reconheceu aquela forma desajeitada. Lovecraft estava se balançando no canto, fazendo um ruído baixo e agudo com a garganta.
— Olá — ela sussurrou. — Sou eu novamente. Perry. — Sua garganta ficou seca quando ele parou de fazer aquele barulho. Ela não conseguia esquecer a maneira como ele atacou o grupo antes. Sem mais suposições de que ele não a machucaria.
Lovecraft mostrou seus dentes de metal para ela em um rosnado, e seu coração despencou em suas entranhas. Ele era realmente uma visão patética, como uma criança assustada. Como os outros não perceberam? A raiva com que atacou Rommell e a senhorita Radcliffe era de um menino assustado, não de um homem.
Ela deveria prendê-lo. Metade do teatro já estava em pé de guerra, procurando por ele, depois que os policiais disseram que ele havia voltado para esta área. Não era seguro, mas se ela o prendesse e eles o vissem... Os homens não queriam justiça, eles queriam sangue.
Droga.
Estendendo a mão, Perry colocou uma mão gentil em seu braço. Lovecraft se encolheu. O cheiro de sangue era espesso aqui, agitando o calor dentro dela. Perry engoliu em seco e se aproximou um pouco mais. — Você está ferido.
Movendo-se lentamente, ela tirou o braço de seu peito. O sangue encharcava a camisa de linho suja que ele vestia. Alguém atirou nele.
Perry tirou o lenço do bolso e pressionou-o contra o ferimento. O sangramento estava lento agora, mas ela usou a mão dele para segurá-lo ali, apenas no caso. Lovecraft estremeceu e apoiou a cabeça no ombro dela.
Ela nunca tinha sido boa em confortar as pessoas, mas era tão fácil estender a mão e deslizar uma mão reconfortante pelo cabelo dele. Talvez porque, de certa forma, ele fosse como ela... Não aceito, evitado, com medo das pessoas, e da forma como elas zombavam ou zombavam.
— Por que você atacou a Srta. Radcliffe? — Perry sussurrou.
Aqueles olhos azuis inocentes estavam vidrados de dor e exaustão quando ele olhou para cima. Ele parecia confuso.
— Senhorita Radcliffe, — ela disse. — A mulher no palco. Por que você a atacou?
Lovecraft balançou a cabeça, a frustração o deixando inquieto. — Nuh. Nuh. Lovecraff... não queria.
— Pronto. — Ela pegou as mãos dele e colocou-as de volta no ferimento. — Eu acredito em você. — Uma hesitação. Não ia ser fácil, mas alguém precisava tentar. — Você não tentou machucar a mulher no palco, tentou?
Ele balançou sua cabeça.
— Foi um dos homens lá? — Não houve resposta, mas ela tentou novamente. Afinal, Rommell estava perto da Srta. Radcliffe - talvez as testemunhas tivessem interpretado mal a vítima pretendida de Lovecraft. — Você viu o homem que machucou James?
Desta vez, houve um aceno de cabeça.
A respiração de Perry ficou presa. Rommell. Tinha que ser Rommell. — Temos que ir embora —, disse ela. — Não é seguro para você aqui. Venha comigo, e eu ajudarei a removê-lo, sem ser visto. Eu vou te levar para a Guilda. Lá estará seguro. Será...
Seus olhos focaram em algo por cima do ombro dela. Os cabelos ao longo de seu pescoço se arrepiaram quando ela ouviu um passo fraco e arrastado.
Ela teve apenas um vislumbre das pernas de um homem atrás dela, então algo bateu na parte de trás de sua cabeça com uma dor aguda. Tudo ficou escuro, o som ecoando com um repique retumbante em sua cabeça. A próxima coisa que ela soube foi um som furioso, homens rosnando enquanto lutavam... e a marca das tábuas do assoalho sob sua bochecha.
Piscando por causa da dor, Perry tentou se recompor. Seus dedos se recusaram a se mover, seu corpo pesando tão pesado quanto um dos sacos de areia que usaram para as cortinas. Alguém... bateu nela... Lovecraft... O que estava acontecendo?
Vamos. Mova-se.
Tudo o que ela podia sentir era o cheiro de sangue. Seu sangue. Mas bem no fundo veio aquela mudança sinuosa quando o predador dentro pegou uma sugestão provocante disso também. O desejo se agitou, lavando sua visão com uma intensidade assustadora.
Um tiro foi disparado. Perry estremeceu e, de alguma forma, caiu sobre as mãos e os joelhos quando algo pesado atingiu o chão atrás dela. Ai, meu Deus. Ela pegou sua pistola com mãos desajeitadas, mal conseguindo ver...
Mãos fortes a pegaram, empurrando-a para trás de uma cortina. Seu corpo simplesmente não funcionava. Não conseguia lutar, não conseguia fazer sua cabeça parar de girar...
— Vadia intrometida. — A palavra soou tão distante. — É hora de ver se você também consegue nadar.
Algo duro a atingiu na nuca novamente.
Então o chão cedeu embaixo dela, e Perry caiu, caindo, na escuridão fria e salpicada da água.
Capitulo 9
O som de um tiro ressoando perfurou o silêncio. Garrett bateu na beirada do corrimão acima do teatro, onde ele estava tentando obter uma visão aérea, seu coração batendo em sua garganta. Ele havia retornado menos de cinco minutos depois de enviar um telegrama a Guilda pedindo reforços.
Perry?
Onde diabos ela estava? Ela deveria esperar por ele no teatro. Ele não conseguia ouvir nada pelo comunicador auditivo, e ela não estava onde ele a havia deixado.
Mais dois tiros foram disparados em rápida sucessão. — Nós o pegamos! — Alguém gritou.
Garrett desceu correndo a escada, batendo no assoalho do teatro e correndo para a escuridão atrás das cortinas. Os homens estavam saindo das sombras, batendo palmas, rindo...
E então ele percebeu o porquê.
A cena era horrível. Um dos ponteiros luminosos - Millington, ele pensou - estava de pé sobre uma figura grande e caída. O sangue jorrava do rosto vazio de Lovecraft e se acumulou sob seu peito enorme. Uma bala o atingiu direto na têmpora e havia mais duas em suas costas.
A mão mecânica da criatura se contraiu uma vez - depois duas vezes - como se o mecanismo mecânico não tivesse percebido que o corpo preso estava morto. Foi um tanto estranho.
— Muito bem! — Rommell deu um tapinha nas costas de Millington, um de seus pés enganchado na cabeça de Lovecraft, como um homem posando para uma foto com seu 'troféu'. — Hoorah, rapazes! A ameaça está morta!
Todos eles aplaudiram. Garrett se sentiu mal. E onde diabos estava Perry? Ela deveria ter ouvido isso e vir correndo.
Rommell o viu parado ali e sorriu com desprezo. — Não, graças a vocês, Falcões da Noite. — Ele deu um tapinha no ombro de Millington novamente. — Precisava de alguns homens de verdade no caso.
Garrett encontrou os olhos de Rommell, a escuridão dentro dele agitando-se. O sorriso de Rommell congelou como se ele sentisse alguma da ameaça, e Garrett se virou. Deixe que eles se divirtam. Ele estava aqui a negócios.
Ele se ajoelhou ao lado do corpo. Sangue vermelho quente formou uma poça, encharcando as madeiras, mas próximo estava um respingo de algo mais escuro nas sombras pela cortina traseira. Quase a marca de uma mão de sangue vermelho-azulado, pequena, como a mão de uma mulher.
Não. Seu olhar se fixou naquela impressão, e ele correu em direção a ela. Apenas aqueles atingidos pelo vírus do desejo tinham sangue azulado. Foi o que deu ao sangue azul seu nome.
O que significava que devia ter vindo de Rommell - ou de Perry.
E Rommell não foi ferido.
Ela esteve aqui. A fúria e a raiva o inundaram, junto com o medo. A maioria dos homens ainda estava rindo, e alguém mandou buscar o equipamento fotográfico para que pudessem imortalizar a imagem de Rommell em pé ao lado de Lovecraft, com um punho enrolado no cabelo da criatura.
Garrett abriu caminho para as sombras, em busca de mais sinais de Perry. Ali - outro respingo de sangue escuro subiu pelas paredes. Ele conhecia o tipo de padrão sanguíneo. Ela foi atingida por algo duro. Tinha sido Lovecraft? O que diabos aconteceu aqui? E onde ela estava? Cristo, ele deveria estar aqui com ela. Não a deixando ir sozinha...
— O que há de errado? — A senhorita Radcliffe estava lá, uma mão em sua manga, e Garrett percebeu que a escuridão dentro dele quase o cegou para seus arredores.
— É a Perry —, disse ele. — Ela estava aqui. Ela estava sangrando. — Mas ela não estava aqui agora. O pânico fechou sua garganta até que ficou difícil respirar. — Eu não sei onde ela está agora. Ela deve estar ferida, mas não sei para onde ela foi.
Os olhos escuros da senhorita Radcliffe mergulharam em sua visão, parecendo preocupados. — Talvez ela esteja em um dos provadores?
Ele olhou para aquele padrão de respingos de sangue. Alguém bateu nela e agora ela se foi. As coisas simplesmente não estavam batendo e ele tinha uma sensação horrível lá no fundo, girando seus ossos para liderar. Instinto. O mesmo instinto que levou Perry a acreditar que Lovecraft não a machucaria. — Como Nelly pode ter desaparecido tão facilmente? — Ele murmurou para si mesmo. — Ninguém a viu ir embora, ela simplesmente desapareceu, e agora Perry também desapareceu, como se ela nunca tivesse estado aqui. Como? Existem apenas três saídas do teatro, e o lugar está sempre cheio de gente.
— Bem, existem os túneis abaixo de nós — Senhorita Radcliffe disse, então seus olhos se arregalaram de horror. — Oh, meu Deus. — Ela levou a mão à boca. — Os túneis! Eles estavam lá quando o novo teatro foi construído sobre o último, durante o incêndio. Eles estão cheios de água agora, mas sei que alguns dos homens os usam para despejar o lixo.
Seu sangue era como gelo em suas veias. — Onde? — Garrett perguntou com voz rouca.
A senhorita Radcliffe varreu uma cortina para fora do caminho, revelando um alçapão escondido no chão. — Bem aqui.
Havia uma gota de sangue escuro no piso de madeira à sua frente.
Capitulo 10
— Perry! — Garrett gritou, seus punhos cerrados em bolas apertadas ao seu lado.
Sua voz ecoou pelos túneis, depois sumiu, deixando-o em um silêncio retumbante que deu um nó em cada músculo de seu intestino. Garrett girou, olhando para os três túneis à sua frente. A água fluía lentamente por eles, levando a um dos rios subterrâneos que afligiam Londres. Onde ela estava?
Água espirrando sobre seus joelhos quando ele começou a avançar, perscrutando a escuridão de primeiro um túnel, depois o próximo. — Perry?!— Maldita seja, me responda.
Seu coração estava começando a bater um pouco mais rápido agora, um pouco mais forte. Ela tinha que estar aqui em algum lugar, mas por que ela não respondia?
Sua mente forneceu uma imagem brutal em resposta a isso, e Garrett se esquivou, empurrando profundamente. Não. Não, não, não. Ele avançou mais para dentro do túnel esquerdo, farejando o ar, desesperado para encontrar algum vestígio dela. Ele nunca tinha sido um bom rastreador - suas habilidades estavam em outro lugar - mas ele tinha que tentar.
Um sussurro de som reverberou pelo comunicador auditivo. Garrett olhou para o outro túnel, todos os músculos de seu corpo travados com força enquanto ele colocava a mão em concha sobre ele, tentando identificar a origem do som. A estática assobiou em seu ouvido, mas isso significava que ela tinha que estar perto, não é? Dentro de sessenta metros, para a frequência ter captado seu comunicador correspondente.
Levantando a bola de brilho fosforescente, ele voltou para o túnel principal e olhou para o esgoto de acesso menor à sua frente. Lá em baixo? Não houve mais som, nenhum cheiro, nada, apenas a mais tênue das esperanças.
Garrett deu um passo à frente... e caiu até os quadris na água fria e fedorenta. Cerrando os dentes, ele avançou, a água se aprofundando. Seus dedos frios penetraram em sua armadura de couro, restringindo o movimento de suas pernas.
Nada a dizer para onde ela tinha ido, apenas uma certa inquietação, uma necessidade, um impulso para encontrá-la. Garrett cambaleou no escuro, terminando na água até o peito. O túnel começou a se estreitar, apenas trinta centímetros acima do topo da água. Se ela tivesse vindo tão longe... Ele hesitou.
Por favor. Por favor, Deus, que ela esteja viva. Palavras que não pronunciava há mais de vinte anos, quando era um jovem humano, crescendo nas ruas violentas de Bethnal. Os sangues azuis não acreditavam em religião; ou talvez a religião não acreditasse neles. Apenas como demônios, que mereciam morrer.
Garrett olhou para trás. Ridículo pensar que ela tinha vindo por aqui, através das águas cada vez mais profundas. Talvez ele devesse voltar? Tentar um dos outros túneis?
Seu olhar oscilou entre as duas direções, mas a escuridão do túnel o chamava, e a estática em seu ouvido parecia um pouco mais alta. Só mais um pouco.
Prendendo a respiração contra a água gelada, Garrett nadou pelas profundezas que escureciam, chegando a um arco. A água estava a uma polegada do teto aqui. O desespero o encheu.
— Perry! — Ele chamou novamente, os ecos desesperados de sua voz ecoando nos túneis. Onde diabos você está?
Ele se virou para nadar de volta por onde tinha vindo, mas algo chamou sua atenção através da arcada. Garrett engoliu um gole de água suja enquanto balançava a bola de brilho dessa forma desesperadamente, agarrando-se ao arco enquanto engasgava com a água.
Nenhuma coisa.
Ainda assim, seu coração trovejou em seus ouvidos. Ele se abaixou sob o arco e chutou para frente, chegando a uma caverna maior. O brilho da luz manchou o mundo de verde e...
Lá. Algo escorregadio e brilhante na água.
Couro.
Seu coração saltou para a garganta e ele saltou para a frente, seus pés encontrando apoio enquanto ele meio que caminhava, meio nadava. Definitivamente havia algo na água. Graças a Deus.
— Perry?
Agarrando-a, ele a puxou para seus braços. Perry era mais pesada do que ele esperava, um peso sólido em seus braços que o surpreendeu. Seu rosto pálido e frígido emergiu da água, os lábios pintados de um azul assustador.
— Perry? — Ele sussurrou.
Nenhum sinal de reconhecimento. Nem um som.
Ela não estava respirando.
Tudo nele esfriou.
Capitulo 11
Não se atreva a morrer em mim.
Garrett puxou Perry em seus braços, chutando para a borda próxima. Ele a arrastou para fora da água e a deixou cair na pedra fria, puxando o casaco e as fivelas de prata do espartilho blindado. Ela precisava respirar. Tinha que respirar. Ele não aceitaria nenhuma outra possibilidade.
A cabeça dela pendeu sem ossos para o lado enquanto ele recorreu a usar sua adaga, cortando o espartilho de couro úmido e apertado, e rasgando suas pontas com mãos desesperadas. — Vamos. — Ele retrucou, tirando o cabelo molhado de seu rosto pálido enquanto a rolava para o lado, e batia com força no centro das costas, a camiseta molhada colada em sua pele.
Água derramou da boca de Perry. Mas não o suficiente. Garrett tentou uma e outra vez, de lado, de costas, usando a pressão das mãos para empurrar seu abdômen. Sua cabeça estava sangrando e ele sentiu a maciez polpuda na base de seu crânio que indicava onde ela havia sido atingida por trás.
— Sua vadia teimosa. — O calor aqueceu a parte de trás de seus olhos enquanto ele segurava seu rosto em suas mãos, inclinando-se sobre ela. Ele podia sentir cada tique taque dos minutos lentamente passando, o peso do tempo pressionando-o. Há quanto tempo ela estava na água? Sua mente disparou. Dez minutos? Ela estava desaparecida há uns bons vinte.
Garrett se inclinou para frente, pressionando os lábios contra os frios dela e respirando em sua boca. Ele já tinha visto isso antes, quando uma jovem caiu no Tâmisa quando ele era um menino.
A garota não havia sobrevivido.
Mas Perry não era humana. As únicas maneiras de realmente matar um sangue azul eram decapitando ou removendo o coração. O vírus do desejo podia curar qualquer coisa.
Não poderia?
Garrett respirou por ela novamente e novamente. Ela estava tão fria, como gelo. O desespero se abateu sobre ele. — Vamos. Vou curtir sua pele quando você estiver respirando de novo. — Ele não podia suportar o frio dela, usando as mãos para esfregar seu peito e braços, parando apenas o tempo suficiente para forçar o ar em sua boca. — Vamos.
Uma tosse repentina derramou água em seu rosto. Garrett recuou em estado de choque quando seus olhos se arregalaram e ela engasgou com a água em sua boca e pulmões. Ele a empurrou para o lado, batendo com força no meio das costas enquanto a água vomitava de sua boca em horríveis ruídos de náusea.
— Perry. Oh, Deus, Perry. — Ele a puxou para seus braços quando o som de uma respiração rasgou sua garganta; o mais doloroso - e maravilhoso - som que ele já tinha ouvido. Uma mão agarrou a dele, um grito aterrorizado rasgou sua garganta ferida enquanto seu corpo se curvava.
Ele a embalou contra seu peito. — Eu peguei você. Você está segura. Eu peguei você.
Dedos enrolaram nas lapelas molhadas de seu casaco. Outra respiração áspera de som fez seu peito apertar... mas pelo menos ela estava respirando novamente.
Garrett pressionou seus lábios frios contra sua testa, fechando os olhos com força. Ele não queria deixá-la ir, mas a razão exigia que ele os mantivesse em movimento e colocasse um pouco de sangue nela. Ela estaria enfraquecida agora, enquanto o vírus do desejo buscava curar seus pulmões com cicatrizes.
Cortando seu pulso, ele o levou aos lábios. Os olhos de Perry escureceram quando a fome pegou, mas ele não gostou de como eles estavam desfocados.
— Beba. — Ele encorajou, segurando sua boca em seu pulso.
A boca de Perry se fechou sobre sua pele e a fome dentro dela ganhou vida. A mordida quente de sua saliva inundou a ferida, e Garrett soltou um suspiro de alívio quando ela começou a beber.
Alguém a empurrou por aquele alçapão na água. Garrett a embalou suavemente em seus braços enquanto ela desabava contra ele. Seus cílios tremeram, e ela estava saciada e sonolenta agora, o sangue dele já fluía através de seu sistema. Ela se curaria.
Mas outra pessoa não faria isso. Garrett iria rasgar o bastardo que tinha feito isso membro por membro.
Assim que Perry acordasse e dissesse quem era.
Enrolando-a em seus braços, Garrett se virou e ficou de pé. Ele passou pelo túnel principal, o brilho da bola de brilho descartada flutuando sob a escuridão assustadora das águas. Algo pálido fantasma sob a superfície, e Garrett teve um vislumbre de carne pálida. Que diabos? Ele fez uma pausa e cutucou a bola de brilho que ele deixou cair mais perto da forma.
Um conjunto de dedos inchados surgiu à vista.
Capitulo 12
— Lamento perguntar isso, — Garrett murmurou, abrindo a porta da sala de autópsia na sede da Guilda. — Mas precisamos de uma identificação positiva e, na ausência da origem familiar de Nelly, tem que ser alguém com quem ela trabalhou.
A senhorita Radcliffe engoliu em seco, parecendo pálida. — É claro.
O Dr. Gibson ergueu os olhos de seu arquivo e gesticulou para a atriz em direção à mesa de autópsia. — Há uma leve decomposição, — ele murmurou, levantando o lençol alguns centímetros. — Não é muito agradável de se olhar. Informe-nos se não estiver se sentindo bem.
Um vislumbre. Isso foi tudo que precisou.
Os olhos da senhorita Radcliffe se encheram de lágrimas e ela conseguiu acenar brevemente com a cabeça, antes de se virar para cobrir o rosto com as mãos. Garrett gesticulou para que o Dr. Gibson arrastasse o lençol sobre o rosto da mulher morta e deslizou a mão sobre o ombro da senhorita Radcliffe.
— É Nelly? — Ele perguntou, embora tivesse certeza. Que outra mulher teria apenas uma perna?
— S-sim.
Vendo sua angústia, Garrett conduziu-a para o corredor, longe do cheiro rançoso de formaldeído e morte. A senhorita Radcliffe explodiu em choro, e ele a esfregou suavemente entre as omoplatas.
— Sinto muito. — Ela soluçou, limpando o rosto com o lenço que ele ofereceu.
— Não sinta. Você teve um dia horrível, Eliza, e este é apenas mais um pesadelo a acrescentar. Obrigado pela ajuda. É muito importante para o caso.
— Eu realmente pensei que ela voltaria para casa para o teatro, — a senhorita Radcliffe sussurrou. — Continuei acreditando que demoraria mais alguns dias até que ela voltasse, e agora aqui está el... e ela esteve lá o tempo todo e nenhum de nós sequer sabia e...
— Nós cuidaremos disso. — Ele prometeu, esfregando seus braços.
— Foi... deliberado?
Os lábios de Garrett se estreitaram e ele acenou com a cabeça. Depois do que acontecera com Perry, ele tinha uma boa ideia de como a pobre Nelly havia encontrado seu fim. O Dr. Gibson precisava inspecionar seus pulmões, mas a intrusão na parte de trás de sua cabeça indicava que ela havia sido atingida por algo em algum momento, então provavelmente se afogou, deslizando sob aquelas águas escuras sem nem mesmo lutar.
Então ele tinha os meios para o assassinato dela agora, mas não o porquê disso. Ou quem.
Rommell? Ou Beckham?
Não. Não, tinha de ser alguém que conhecesse o teatro bem o suficiente para saber os túneis cheios de água abaixo. A ideia de Rommell ter conhecimento de um meio ilícito de despejar o lixo era ridícula.
O ataque acontecera no camarim de Nelly, como evidenciado pelos respingos de sangue. Então o assassino a removeu de alguma forma sem ninguém ver, e a jogou no ralo sem nem mesmo pedir licença.
— Aquele alçapão que você me mostrou —, disse ele. — Esse é o único acesso aos túneis de dentro do próprio teatro? — Ele sabia que havia outras saídas - ele havia removido Perry por uma pequena grade de esgoto nas ruas próximas.
A senhorita Radcliffe assentiu. — Tanto quanto eu estou ciente. Não é algo a que se preste muita atenção. Você teria que perguntar aos ajudantes de palco ou à equipe de limpeza.
Ele certamente pretendia perguntar. Agora que eles tinham o corpo de Nelly, e sabiam o que havia acontecido com ela, ele tinha uma boa pista sólida.
Levando a senhorita Radcliffe em uma carruagem a vapor com mais algumas perguntas, ele encontrou seus passos em direção à enfermaria. O pior já passou. Garrett sabia disso, mas pelo nó em suas entranhas, seu corpo não sabia.
Garrett verificou Perry pela décima quarta vez naquele dia, abrindo a porta da enfermaria e apenas olhando. Perry estava enrolada de lado, o choque curto de fios escuros e sedosos escurecendo o travesseiro, e o semicírculo de seus cílios tremendo inquieto contra suas bochechas pálidas.
O som suave de sua respiração era a única coisa que o prendia à terra.
Ela era alta para uma mulher; magra e forte, mas aqui na enfermaria ela parecia assustadoramente pálida, e tão pequena sob os lençóis. Garrett cruzou a sala em pés silenciosos como um gato. Ele não sabia quanto tempo ficou ali, até que o Dr. Gibson fez um som de desaprovação atrás dele, limpando a garganta. Garrett girou, erguendo as mãos em sinal de rendição enquanto o bom médico apontava com o polegar em direção à porta.
Gibson cuidava principalmente das autópsias, mas, no caso de um ferimento grave, costumava cuidar dos próprios Falcões da Noite. Era raro que um sangue azul não pudesse curar de um ferimento, embora ocasionalmente a mão sutil de Gibson com uma agulha acelerasse o processo. O vírus do desejo cuidava do resto.
No momento em que a porta foi fechada, Gibson suspirou. — Cristo, rapaz. Eu disse para você deixá-la em paz. Ela precisa de descanso e sangue, e ela estará saudável em algum momento.
Garrett não conseguia explicar a necessidade obsessiva de ver como ela estava. Ele passou a maior parte do dia andando pelo corredor, lutando contra a terrível certeza de que ela havia parado de respirar novamente.
Ele ainda não sabia o que o havia atraído por aquele túnel. Instinto? Algum som ou cheiro que sua mente não reconheceu completamente? E se ele tivesse se virado e voltado? Ele não conseguia parar de pensar nisso.
Gibson viu em seu rosto. — Tudo bem, rapaz. Só não a acorde quando você verificar como ela está.
— Eu não vou. — Garrett prometeu, alívio inundando por ele quando ele se virou para espreitar por corredores quase silenciosos.
Ele deixou Perry sozinha, caminhando nas profundezas da guilda. A fumaça serpenteava por suas narinas, contaminada com produtos químicos. Calabouço de Fitz. Garrett passou a passos largos, então parou, batendo com força na porta.
Ela se abriu de repente e Fitz piscou através de um par de óculos de aumento ao vê-lo. — Garrett. Entre.
Sentindo-se inquieto, ele caminhou em frente ao fogo, esfregando a nuca. — Eu preciso que você faça algo por mim.
A sala era uma bagunça de bancos, todos eles sufocados por uma variedade de engrenagens e peças de metal, com ferramentas finas penduradas em ganchos nas paredes. — É claro. O que é?
Garrett examinou o olho de vidro brilhante que o encarava de algum tipo de criatura mecânica que o jovem estava criando. Ele respirou fundo. — Eu preciso que você crie um dispositivo para mim, um método de rastrear uma pessoa. Precisa ser pequeno e sutil, para que ela não perceba que foi rastreada.
— Um caso? — Fitz perguntou secamente, — ou isso é algum novo conceito de cortejar uma mulher de que nunca ouvi falar?
Claro que ele não teria ouvido. Lá embaixo, nas entranhas da guilda, Fitz raramente levantava para respirar - muito menos conversar. O jovem sangue azul estava tão absorto em sua mecânica que raramente se misturava com os outros.
— Nenhum. Vou colocar em Perry.
Fitz estremeceu. — Boa sorte com isso.
Garrett concordou em particular. Ela teria suas entranhas como ligas. Sem dúvida, ela pensaria que era uma noção insana de que ele não respeitava suas habilidades.
Como dizer a ela que havia outra razão totalmente? Que isso permitiria que ele trabalhasse com ela novamente, sem deixá-lo em um pânico crescente de que algo pudesse acontecer com ela novamente?
Ele não podia perdê-la. Ele nunca tinha pensado precisamente nisso em termos de tal, mas a amizade deles era uma das coisas que ele mais valorizava no mundo.
— Basta criar algo para mim —, disse Garrett. — Eu farei o resto.
De alguma forma, ele descobriria uma maneira de colocar um dispositivo de rastreamento nela.
Então ele nunca a perderia novamente.
A convocação veio naquela noite.
Garrett subiu as escadas para o segundo andar, onde ficavam o escritório e os aposentos pessoais de Lynch, seu coração tão pesado quanto seus pés. Respirando fundo, ele bateu com os nós dos dedos na porta.
— Entre.
O fogo crepitava na lareira e o foco de Lynch estava inteiramente no arquivo do caso à sua frente enquanto fazia anotações. Garrett esperou na frente da mesa, as mãos cruzadas atrás dele.
Lynch terminou o que estava fazendo e colocou a caneta de lado, recostando-se na cadeira. Ele cruzou as mãos sobre a cintura. — Então o que aconteceu?
— Eu presumi que você viu a nota informativa?
— Sim, mas estou perguntando a você. Existem algumas inconsistências que não tenho certeza de como interpretar.
Inferno e danação. Garrett se virou de lado, cruzando a janela para olhar para fora. Ele sabia exatamente o que seu superior estava pedindo e odiava saber que havia decepcionado Lynch e Perry nessa circunstância. — Eu cometi um erro. — Um grande erro. Seus dedos se fecharam em um punho. — Aceito total responsabilidade pelo que aconteceu.
— Qual foi?
Agitando o punho, Garrett lentamente desenrolou-o e pousou os dedos no parapeito da janela. — Perry e e... Houve uma discussão entre nós durante o interrogatório inicial no dia em que a Srta. Tate desapareceu. Em seguida, outra discussão... e outra. Simplesmente continuou aumentando. Eu deixei minha raiva direcionar minhas ações, e quando chegou aquele dia no teatro, eu... eu lancei dúvidas sobre sua intuição e discutimos novamente. — O peso era como uma montanha, pesadamente apoiada em seus ombros. — Eu a deixei ficar para trás sozinha, quando eu não deveria. Eu deixei... — E esta era a admissão mais difícil de todas. — Eu deixei a atração que sentia por uma testemunha comprometer meu caso e meu dever para com minha parceira.
A única coisa que quebrou o silêncio foi o suspiro de Lynch, um som tão cheio de decepção que Garrett teve que engolir o nó furioso em sua garganta. Por que diabos ele tinha sido tão estúpido? A arrogância e a raiva mesquinha quase custaram a vida de sua parceira.
— Eu nunca tive esse problema com nenhum de vocês. Vocês sempre trabalham excepcionalmente bem juntos. Porque agora? O que motivou essa discussão? Seu envolvimento pessoal com a testemunha?
— No início. — As palavras saíram dele, a história relutante, mas ele cometeu o erro. Era seu dever corrigir a situação. Com cada palavra, Garrett sentia como se estivesse olhando para a situação novamente, e a vendo sob uma nova luz. Se perguntando por que diabos certas coisas que ele disse pareciam enfurecer Perry. Mesmo olhando para trás agora, ele ainda não conseguia entender.
No momento em que ele terminou, parte do peso havia mudado de seus ombros. Não tudo, mas um pouco. — Cometi um erro monumental e Perry quase pagou por isso. Quase a matei. — A voz de Garrett tornou-se áspera. — Isto nunca vai acontecer de novo. Nunca.
Lynch parecia pensativo. — Isso explica a sua parte, mas a ideia por trás de uma parceria é que haja duas pessoas envolvidas. Pelo que entendi, Perry deixou o orgulho - ou Deus sabe o quê - levá-la a procurar sozinha uma testemunha potencialmente perigosa. Ela deveria ter esperado por você, independentemente de uma discussão. Você acha que algo a está incomodando? Algo fora do caso?
— Eu não sei, — Garrett admitiu, e isso o incomodou. A maldita bagunça o incomodava. — Nós estivemos... dançando um pouco em torno um do outro. — Não trabalhando juntos em tudo.
— Parece estranho para ela. — Lynch franziu a testa. Ele tinha feito anotações o tempo todo que Garrett falava, o que era totalmente humilhante.
Garrett sabia que Lynch mantinha arquivos de todos os seus Falcões da Noite, mas para que isso fosse escrito... Ele não disse nada, no entanto. Era apenas orgulho de novo, devorando-o. Ele ganharia qualquer desprezo que Lynch pudesse lançar em seu caminho.
— Ela geralmente é mais cuidadosa do que isso.
— Às vezes... ela corre riscos quando seu gênero é desafiado, — Garrett disse cuidadosamente. — E Rommell estava começando a irritá-la. Eu... Eu não a apoiei quando Rommell a acusou de tomar uma decisão tola, porque ela é uma mulher. Talvez ela tenha sentido que tinha algo a provar.
— Hmm. — Lynch tamborilou com o dedo na mesa. — Você acha que ela é um risco para si mesma no campo?
No campo...? — Senhor, ela mal...
— Ela vai se curar. — Lynch ergueu os olhos por baixo das pálpebras semicerradas. — Mas, enquanto isso, certamente não pretendo ver meus dois melhores Falcões da Noite trabalhando na copa.
— Só isso? Você não está nos punindo?
— Eu preciso oferecer punição? — Lynch ergueu uma sobrancelha. — Ou você está simplesmente procurando algo para absolvê-lo de sua culpa?
— Senhor, eu...
— Termine o caso, — Lynch o interrompeu, destampando sua caneta. Ele abriu outro arquivo de caso e começou a examiná-lo. — Vou dar a Perry outro dia para se recuperar - o Dr. Gibson me informou que o vírus do desejo curou todas as suas feridas e que ela vai ficar boa em pouco tempo. Enquanto isso, você trabalhará com Byrnes. Assim que Perry estiver de pé, ela fará uma rotação.
— Eu preferia que ela não fizesse, — Garrett disse sem rodeios. — Deixe eu e Byrnes cuidarmos disso.
— A resposta é não. Eu não dou a mínima para o que a discussão entre vocês pertence. Você vai, no entanto, descobrir um meio de lidar com isso entre vocês dois. Você trabalhará com ela, Garrett, e fará tudo ao seu alcance para mantê-la segura e para resolver este assassinato. Não esperarei menos de você.
— Sim, senhor.
A cabeça escura de Lynch baixou novamente. — Dispensado.
O amanhecer se espalhou pelas finas ripas de metal que cobriam a janela. Alguém as abriu. Perry estremeceu, arrastando o lençol sobre a cabeça dolorida e se enterrando no colchão quente embaixo dela.
Uma mão esgueirou-se sob os cobertores e fez cócegas em seu pé descalço. Perry se endireitou, os joelhos contraídos contra o peito.
— Não há tempo para isso —, disse Garrett. — Você está dormindo há dois dias.
Vendo-se vestindo pouco mais do que uma velha camisola com que alguém a vestiu - espero que não seja Garrett! - ela arrastou as mantas em volta do queixo. — O que você está fazendo aqui?
Garrett recostou-se na cama, esparramado sobre os cotovelos. — Eu queria ver como você estava.
Ela engoliu em seco, sentindo o eco fraco de feridas em sua garganta. — Por que? O que... — Olhando ao redor, ela percebeu que estava na Guilda. A última coisa que ela conseguia lembrar era de ter caído pelo alçapão na gaiola de água gelada. Sentindo isso rastejar por seu corpo, a pressão forte em seus pulmões, não deixando espaço, sem ar para ela, não...
Garrett pegou sua mão, sua mandíbula em uma linha firme enquanto evitava seu olhar. — Sim, eu sei.
— Como vim parar aqui?
— Eu encontrei você. — A expressão em seu rosto era desprovida de emoção, mas seus dedos se apertaram nos dela e, de repente, algo escureceu em seus olhos, como se ele visse algo que ela não viu. Ou reviveu, talvez. — Você não estava respirando.
Claro que não. Ela se lembrou da água lavando seus pulmões, enterrando-a sob eles até que não houvesse mais ar... O aperto de Garrett a trouxe de volta ao mundo.
— Você está segura agora —, disse ele com voz rouca. — E se algum dia você sair sozinha de novo, vou cortar sua pele. Você foi atrás de Lovecraft, não foi?
Tudo voltou correndo. Perry ergueu o queixo dela. — Eu tinha um trabalho a fazer.
— Tínhamos um trabalho a fazer. Isso não significa...
— Você estava ocupado. — Ela jogou os cobertores de lado. — E apesar do que você pensou, eu estava certa. Lovecraft era a chave para isso - ele viu o homem que atirou em Hobbs. Talvez você devesse ter me ouvido - em vez de se apressar para aplacar aquele sanguessuga de sangue azul - e então nada disso teria acontecido.
Havia uma garrafa de sangue na mesinha ao lado da cama. A mão de Perry tremia quando ela se forçou a servir um copo. Decoro. Ainda assim, enquanto molhava seus lábios, ela bebeu em goles gananciosos. Finalmente, o silêncio persistente chamou sua atenção.
Garrett parecia como se ela tivesse chutado o bacalhau. Seu rosto inteiro empalideceu, sombras escuras rodeando seus olhos. Pela primeira vez ela notou a tensão ali. Ele pelo menos tinha dormido? Ele parecia horrível. Garrett nunca parecia nada menos que impecável, mas agora ela viu que seu cabelo acobreado estava despenteado, como se ele tivesse passado as duas mãos por ele, e suas roupas estavam tão amarrotadas que parecia que ele tinha dormido com elas.
E então ela percebeu o que havia dito a ele. Palavras descuidadas e maldosas. Ela poderia muito bem ter usado sua espada. — Garrett...
— Não. Você está certa. Você quase morreu e é minha culpa. Você acha que eu não sei disso? Você acha que não joguei todos os cenários possíveis nos últimos dois dias, me perguntando o que poderia ter acontecido se eu não tivesse virado naquele túnel, onde te encontrei? — Sua voz endureceu. — Eu sinto muito. Deus, sinto muito, Perry.
A miséria abjeta em sua expressão roubou seu fôlego, e quando ela estendeu a mão, ele apertou sua mão e segurou-a contra o rosto, os cílios cobrindo os olhos. A barba por fazer ao longo de sua mandíbula roçou a palma da mão dela, e Perry ergueu a outra mão para embalar sua bochecha.
— Eu não deveria ter ido atrás de Lovecraft sozinha, — ela sussurrou. — Eu deveria ter esperado por você. Isso é tanto minha culpa quanto sua.
— Eu gostaria de poder acreditar nisso.
Ele olhou para cima, e o azul sufocante daqueles olhos fez seu coração doer em seu peito. A culpa exerceu um forte chicote. Os ombros de Perry suavizaram, — Eu também sinto muito.
Outro momento de hesitação, de dúvida, e então ele a arrastou em seus braços, o cheiro de suas roupas envolvendo-a, e seu rosto pressionado contra sua garganta. O aperto forte de seu aperto tirou o fôlego de seu corpo, e Perry percebeu que seus seios estavam pressionados com força contra seu peito. Uma parte dela queria ficar lá, assim como ela sabia que não deveria. A saudade doía dentro dela, aquele desejo horrível que ela tentava não se permitir sentir. Perry fechou os olhos e bebeu da sensação. Só desta vez.
E apenas uma vez, seria. Com um suspiro, ela o empurrou, mas seus braços fortes apenas se apertaram.
— Por favor, — Garrett sussurrou. — Apenas me deixe te abraçar.
Perry cedeu, seu corpo inteiro relaxando em suas garras. Sua respiração fria agitou-se contra sua bochecha, uma de suas mãos deslizando pelo centro de suas costas, traçando as reentrâncias de sua coluna. Sua respiração aliviou de seu corpo em uma longa exalação, e ele virou seu rosto para a curva de sua garganta. A intimidade do momento era incômoda. Como ela desejou algo assim - que ele dissesse aquelas palavras, ou que ele a abraçasse. Se ele alguma vez adivinhasse... O pensamento foi como um gotejamento úmido de água gelada por sua espinha, e ela pigarreou. — Garrett? Isso é indecente. Estou vestindo apenas uma camisola.
— Cristo, eu já vi você em seus não mencionáveis antes - aquele tempo quando eu não percebi que você estava se trocando e invadi seu quarto. Não é como se eu pensasse em você como uma mulher, Perry.
Seu coração se partiu. Com um aceno de cabeça rígido, Perry se virou e se serviu de outro copo de sangue. Claro, ele não se importava. O que importava se ele visse suas pernas nuas? Não era como se ela fosse uma mulher aos olhos dele. Perry sabia disso. Ela trabalhou duro para nunca deixá-lo saber o que batia em seu peito, ou o quanto doía cada vez que o via com outra mulher.
Só uma vez, ela gostaria de deixá-lo saber que ela tinha necessidades e desejos também. Para ceder ao desejo que ardia em seu coração... Para beijá-lo...
Em vez disso, ela esvaziou o copo. Então outro. Ela não podia arriscar. O que ela faria se ele risse dela? Ou pior, olhasse para ela com uma expressão culpada enquanto tentava explicar cuidadosamente que não sentia o mesmo.
Nunca.
Ela nunca poderia dizer a ele. Apenas enterraria bem fundo, onde não doeria mais - ou se doesse, ela poderia fingir que não doeu.
Garrett, é claro, estava alheio. — Você viu quem bateu em você?
Os eventos foram nebulosos e Perry balançou a cabeça.
Isso o fez suspirar, mas ele enfiou a mão dentro do casaco e tirou uma caixa longa e estreita, amarrada com uma linda fita. — Eu tenho algo para você.
— O que é isso?
— É um presente —, disse ele. — As pessoas dão uns aos outros. Normalmente, o objetivo da ideia é...
Perry puxou a fita para abri-lo.
— Oh. — Sua respiração ficou presa. — É.. Exquisite. — Ela ergueu a adaga embainhada do papel de seda e puxou a lâmina. Tinha vinte centímetros de comprimento e era fina como um estilete. O tipo de arma que se destina a deslizar entre um par de costelas, ao invés de uma lâmina cortante. Perry a rolou sobre os dedos, descobrindo seu peso e equilíbrio.
Garrett pegou dela, embainhando a lâmina. — Eu pretendia mantê-la até o seu aniversário, mas parecia...— Ele deu de ombros. — Aqui, é feito para ser embainhada dentro do seu espartilho, para que você possa mantê-la escondida. — Ele mostrou a ela como a bainha havia sido projetada especificamente para esse propósito. Perry não conseguia tirar os olhos de seu rosto, mas não percebeu.
— Obrigada —, disse ela. — É perfeito. É o presente mais lindo que alguém já me deu.
Isso ganhou um sorriso. — Bem, — ele falou lentamente. — Pensei em fitas e perfumes e enfeites, mas então vi isso e percebi que é o acessório perfeito para a senhora que gosta de matar coisas. Mas com toda a seriedade... — Aqueles olhos azuis perderam o foco novamente, o sorriso desaparecendo. — Isso ajudará a protegê-la, Perry, quando eu não estiver lá para fazer isso. Prometa-me que vai mantê-la com você o tempo todo.
A vulnerabilidade em seu olhar fez sua pele coçar. — Acho que você bateu com a cabeça —, disse ela, tentando ser mais leve. — Você parece ter me confundido com algum tipo de donzela em perigo.
— Eu não te confundo com algo que você não é, — ele rebateu. — Mas mesmo os profissionais mais treinados podem se tornar vulneráveis, e eu nunca vou permitir que nada aconteça com você novamente.
— Você não pode me proteger do mundo.
— Eu posso tentar. — Palavras ásperas. Ele desviou o olhar, como se segurar o olhar dela fosse demais para ele no momento.
Perry também desviou o olhar, os dedos brincando com o gume da adaga. O que dizer sobre isso? A conversa mudou bastante para áreas que ela não tinha certeza se gostava. Isso só deu esperança ao seu coração traiçoeiro, quando ela sabia que não havia nenhuma.
Limpando a garganta, ela disse: — Então, o que eu perdi? Suponho que você esteja trabalhando para encontrar a Srta. Tate?
Isso fez seus lábios se estreitarem. — Na verdade, nós a encontramos...— Ele completou os detalhes dos últimos dois dias - e como ele havia encontrado o corpo da pobre Nelly, jogado na água com ela.
— Um golpe na cabeça, de acordo com Gibson, da mesma maneira que a sua. — A expressão de Garrett escureceu, e ela sabia que ele estava pensando naquele momento novamente. — Byrnes e eu temos estado de olho na Srta. Radcliffe, embora as coisas no teatro pareçam ter se acalmado desde a morte de Lovecraft. Não temos certeza se foi ele quem a agrediu no beco naquele dia, ou outra pessoa. Eles vão recomeçar a corrida amanhã à noite, então o teatro está quase todo fechado. Foi dado a Byrnes e eu tempo para examiná-lo.
— Nada de novo?
— Só uma coisa. Encontramos um baú de provador perto da rampa, empurrado para fora do caminho com alguns acessórios. Tem sangue nele. Preciso que Eliza olhe para ele e veja se o baú pertencia a Nelly. É muito semelhante em design a outro no camarim de Nelly, e eu estava me perguntando se foi assim que o corpo dela foi levado para a rampa sem que ninguém percebesse. Ela pode ter estado inconsciente dentro dele.
— E... Lovecraft? Foi rápido?
— Imediato. — Garrett hesitou. — Eu sei que você sentiu um senso de responsabilidade por ele, mas...
— Ele não tinha mais ninguém. — Respondeu ela, baixando o olhar e abraçando o abdômen com força. Eu sei como é isso. Estar sozinho sem qualquer esperança no mundo, e apenas inimigos em todos os lugares que você olhe...
Pelo menos ela encontrou os Falcões da Noite. Lovecraft nunca teve uma oportunidade como essa e ela sentiu um pequeno aperto de culpa no peito. Ela poderia ter feito mais? Ouvido seu agressor chegando, talvez? Ou se ela não estivesse tão focada em Lovecraft, ou distraída...
Garrett segurou seu queixo. Sua expressão era firme. — Ele estava com alguém que cuidou dele quando ele morreu, Perry. É o mínimo que alguém pode pedir. Você não é a culpada por isso. Você não atirou nele, atirou?
— Quem fez? — Suas memórias do evento eram tão nebulosas ...
— Arthur Millington.
— O ajudante de palco?
Ele assentiu. — Rommell está gritando sobre isso como se ele mesmo segurasse a pistola.
Isso não fazia sentido. — Millington...— Seu rosto nadou em sua mente como o homem que levou a senhorita Radcliffe embora para cuidar da iluminação. — Por que ele teria qualquer motivo para me atacar?
— Ele não teria isso, mas havia três balas que atingiram Lovecraft. A que atingiu o peito era uma .442 - a mesma bala que matou Hobbs. Os outros dois tiros foram disparados de uma pistola diferente.
— Então Millington atirou em Lovecraft duas vezes, pouco antes de o assassino adicionar sua própria bala?
— Os resultados chegaram esta manhã, então não tive a chance de questionar Millington sobre quem mais o estava acompanhando.
— Pode ser Rommell, — ela meditou, com uma pequena carranca. — Ele estava lá também, você disse.
— Meu dinheiro está em Rommell, embora eu não tenha certeza de que sua senhoria carregaria uma Webley - ele é do tipo que compra uma arma mais cara, e ainda não temos motivo para o assassinato de Hobbs.
— Sim, nós temos —, ela bufou. — Nelly é fácil - ela se recusou a ser sua amante, e está claro que ele está com ciúmes de suas posses. Será que ele descobriu que Hobbs estava mandando rosas para Nelly? Talvez ele tenha percebido que eles eram amantes?
— Não sabemos se eles eram amantes —, disse ele. — Não temos nenhuma prova. Isso tudo é conjectura, Perry, e se for Rommell, precisamos de fatos concretos, ou a corte nos comerá vivos. O Escalão não vai gostar de saber que um dos seus está envolvido nisso.
— Isso é verdade.
Ele esfregou a boca. — Precisamos encontrar a ligação entre Nelly e Hobbs.
— Fitz teve alguma sorte com os diários codificados no depósito de Hobbs?
— Sim. Eles são principalmente arquivos de melhorias mecânicas que ele executou nos últimos anos. Não há nenhuma referência a Nelly, droga, mas foi uma boa ideia. Espero que possamos conseguir uma pista amanhã.
— Nós?
— O Dr. Gibson precisa liberá-la para o serviço. — Houve uma leve hesitação dele. — Lynch pretende que trabalhemos juntos para terminar o caso. Eu perguntei se eu poderia trabalhar com Byrnes até terminar, mas...
— O quê?
— Fazia sentido. Não apenas você está ferida, mas você e eu temos várias coisas que precisamos discutir. Prefiro resolver essas questões quando tivermos tempo, não no meio de um caso potencialmente perigoso.
As palavras pareciam razoáveis, mas tudo o que ela podia ouvir era o som de um trovão em seus ouvidos. — Não se atreva a me empurrar para fora deste caso.
— Cristo — Ele retrucou, seu sotaque áspero emergindo no calor de seu temperamento. — Isso não é...— Ele fechou os olhos e respirou fundo. — Isso não tem nada a ver com o seu valor, Perry. Todo este caso foi uma bagunça desde o início, e eu nem sei sobre o que estamos discutindo!
Eles se encararam. Perry se afastou primeiro. Ela não tinha certeza de por que estava tão zangada com ele.
Ou talvez ela soubesse exatamente por quê.
Eu nem mesmo sei sobre o que estamos discutindo... E ele não sabia. Garrett estava completamente alheio ao que ela sentia por ele.
Ela estava alheia.
Perry sempre soube que ele cuidava de seus negócios, mas Garrett era discreto e geralmente os conduzia fora dos assuntos da guilda. Normalmente, ela só percebia o que estava acontecendo quando sentia o cheiro de um perfume na pele dele. Ela nunca esteve presente durante o início do flerte, e a abalou vê-lo sorrindo e flertando com a senhorita Radcliffe, a quem ele obviamente achava atraente.
E por que ele não iria? A jovem atriz era linda, graciosa e corajosa. Tudo o que uma jovem deveria ser e tudo o que Perry não era. Talvez fosse esse o verdadeiro problema? A senhorita Radcliffe era tão perfeita - o tipo de jovem que Perry uma vez desejou ser, antes de perceber que não importava o quanto ela se esforçasse, ela nunca se encaixaria naquele molde.
Ela o acusou de permitir que suas emoções e flertes interferissem em seu trabalho, quando ela o comprometeu muito mais severamente.
Isso era tudo culpa dela.
— Perry, você está bem? — As tábuas do assoalho rangeram quando ele deu um passo em sua direção. — Eu não quis dizer que não queria trabalhar com você. Eu não quis dizer...
— Eu sei que você não quis. — Ela fez uma imundície real certa das coisas. — Eu não deveria ter feito você sentir como se tivesse comprometido seu profissionalismo. Você não fez isso. Foi apenas...
— Não, você estava certa. Fiquei atraído pela Srta. Radcliffe e não pude ver, então não se desculpe por isso. — Garrett entrou em sua visão, pegando-a pelos braços. Desta vez, seu aperto era firme, sua expressão mais confiante do que antes. — Desculpas aceitas?
— Desculpas aceitas, — ela repetiu. — Voltamos para o apartamento de Nelly amanhã? — Ela perguntou, forçando sua voz a ficar mais leve, como se nada tivesse acontecido entre eles.
Ele assentiu. — Vou tentar localizar Millington hoje com Byrnes, e ver se ele tem alguma resposta. Você apenas descanse. Amanhã veremos se podemos encontrar algo na casa de Nelly que perdemos na primeira varredura, agora sabemos o que procurar.
A determinação a encheu. Os casos muitas vezes podem ser lentos, mas Perry precisava encontrar algumas respostas agora, com três pessoas mortas. Pobre Lovecraft, ele nunca teve uma chance...
Eu vou encontrá-los, ela prometeu a Lovecraft silenciosamente. E vou fazê-los pagar pelo que fizeram a nós dois, pelo que fizeram a Nelly e Hobbs...
A escuridão da fome emergiu dentro dela com o pensamento.
Capitulo 13
Millington estava no Cap and Thistle, em Holborn, com vários colegas que se reuniam para jogar dardos todos os domingos. O Cap and Thistle era um antigo pub, com vidraças em forma de diamante e painéis de mogno no interior. Fedia a fumaça e cerveja, e o riso abalou seus pequenos limites.
Garrett entrou e localizou seu alvo, jogando dardos no canto.
— É ele? — Byrnes perguntou, ao seu lado.
— Sim.
Millington engoliu uma caneca de cerveja, rindo de algo que alguém havia dito. Levou três horas para rastreá-lo - tanto por rumores de seus hábitos em seu dia de folga, quanto por seu rastro de cheiro. Byrnes era quase tão bom em rastreamento quanto Perry.
Millington os viu entrar pela borda de sua caneca e engasgou um pouco com a cerveja. Garrett inclinou o queixo, indicando que queria uma palavra, e Millington entregou o par de dardos em sua mão para outra pessoa.
— Cristo, — o homem murmurou. — Vocês ainda não terminaram? Achei que o tivéssemos.
O sorriso de Garrett era tenso. — Não temos certeza de que Lovecraft teve algo a ver com o assassinato de Nelly Tate, mas o que eu quero falar com você é o que aconteceu quando você atirou nele. Especificamente, se havia outro indivíduo na área quando você chegou ao local.
Millington resmungou baixinho enquanto puxava uma banqueta do bar, o branco de seus olhos brilhando enquanto ele olhava o alvo de dardos com saudade. — Eu não consigo me lembrar. Éramos cerca de uma dúzia de nós, ao todo, e tudo acontecendo ao mesmo tempo...
— E a pistola que você carregava na hora? — Perguntou Byrnes.
— A Colt 1862 Trapper. Por que?
Calibre .36. — Sem motivo.
Garrett o interrogou pela meia hora seguinte, mas a história não mudou. Millington parecia desinteressado.
— Inferno sangrento, nós o pegamos, não foi? — Um sorriso de escárnio curvou seu lábio. — Cuidamos das coisas quando vocês não podiam. Vocês não têm nenhuma prova de que a ameaça mecânica fez isso? Inferno, você só tinha que olhar para ele!
— Nós Falcões da Noite, preferimos os fatos.
— Ele atacou a senhorita Radcliffe!
— Ele disse? — Garrett murmurou, então deliberadamente começou a pescar informações. — Tive a impressão de que ela simplesmente atrapalhou.
Os olhos de Millington se estreitaram. — Vi com meus próprios olhos. Você pergunta a Lorde Rommell! Ele também estava lá.
— Sim, estamos cientes de que Rommell estava parado ali. Nos deixa todos os tipos de curiosos. — Byrnes deu-lhe um sorriso enigmático que poderia significar qualquer coisa.
— Rommell é um bom homem, — Millington vociferou. — Cuidou das coisas quando vocês não fizeram. — Ele esvaziou a borra de sua cerveja e bateu a caneca com força. — Eu já tive o suficiente disso. O monstro está morto. O caso foi resolvido. Vocês devem seguir em frente.
— O problema é que quem quer que seja a outra pessoa que atirou em Lovecraft, também é responsável por agredir minha parceiro, Perry. — Garrett mostrou os dentes em um sorriso. — Receio que não vou deixar isso passar.
Millington empalideceu com a ameaça. — A moça que se veste como um homem?
— Sim. — Garrett se levantou, vestindo seu casaco de couro. — Tenho quase certeza de que, quando ela acordar, poderá nos indicar a direção certa. Eu esperava que você pudesse ter uma ideia, mas suponho que teremos apenas que esperar por Perry.
— Tática interessante lá —, comentou Byrnes enquanto caminhavam ao longo da trilha. — Achei que Perry estava acordada.
— Ela está. — Respondeu Garrett.
— Você suspeita de algo?
— Millington? — Suas sobrancelhas se ergueram. — Eu não tenho certeza. Ele estava muito defensivo.
— Cobrindo alguém?
— Possivelmente. Ou isso ou ele não gosta muito de nós.
— Se ele sabe quem fez isso, então esse alguém acabou de receber um aviso justo. — Observou Byrnes.
Garrett sentiu um sorriso tenso se estender em seu rosto. — Bom. Eu quero que eles sejam avisados. Quero que eles fiquem preocupados com o que Perry pode saber. Até agora, temos muito pouco. Talvez isso force o assassino a revelar sua mão.
Byrnes riu baixinho, um som maligno. — Isso soa como algo que eu teria feito. — Ele pareceu impressionado e colocou a mão no ombro de Garrett. — Talvez você não seja um caso tão desesperador, afinal.
Capitulo 14
O apartamento de Nelly ficava perto da Portman Square. Era um pequeno apartamento aconchegante de um quarto e muito mais comum do que Perry esperava. O camarim de Nelly no Veil era o de uma estrela de teatro; sua casa pertencia a uma mulher totalmente diferente. A colcha sobre a cama era feita à mão e muito remendada - como se fosse um item precioso - e dezenas de livros de poesia e peças de teatro estavam espalhados ao redor dos sofás que se espalhavam pela sala principal.
A luz da manhã entrava pelas cortinas rendadas. Perry vasculhou a sala, tomando menos cuidado desta vez para perturbar as coisas. A pobre Nelly estava morta - ela não ligaria - e eles precisavam encontrar informações. O tempo estava passando para eles. Rommell havia retirado a comissão privada naquela manhã, considerando o caso a ser resolvido.
Lynch havia lhes dado dois dias para encontrar alguma coisa, ou teria que retirá-los da maleta e colocá-los em outra coisa.
— Por cima do meu cadáver. — Garrett murmurou, enquanto eles saíam para revistar o apartamento. A tensão montando em seu corpo duro, e estava claro que ele ainda estava levando o ataque pessoalmente.
Pela primeira vez em dias, eles estavam trabalhando como um, do jeito que sempre fizeram. Foi um alívio e uma frustração - como cutucar um dente ferido. A discussão havia ficado para trás, mas ela ainda sentia como se isso a irritasse profundamente. Seus próprios sentimentos crus, ameaçando desalojar essa paz provisória.
Ela tinha que mantê-los escondidos.
— Encontrou alguma coisa? — Garrett perguntou, enfiando a cabeça no quarto.
— Nada. — Ela jogou de lado um par de travesseiros, passando as mãos sob o colchão. — Alguma coisa dos vizinhos?
— Estamos com sorte. Desde a nossa última visita, a senhora da porta ao lado perguntou à neta se ela tinha visto alguém. A neta estava limpando as janelas da avó um dia quando disse que viu Nelly encontrar um jovem do outro lado da rua. Ela nunca o tinha visto antes, mas notou que ele entregou a Nelly um buquê de peônias —, ele enfatizou a palavra balançando as sobrancelhas. — e que ela riu e enfiou o braço no dele, antes que pulassem em uma carruagem. Isso foi há cerca de três semanas.
— Eu me pergunto por que Nelly era tão reservada? — Perry meditou. — Por que encontrá-lo no parque? Ela é uma atriz, então não é como se ela tivesse uma grande reputação para proteger - e digo isso com todo o respeito.
— Pensamento interessante... Você está certa. Ela está agindo como se tivesse algo a esconder.
— Mas de quem? — Outra coisa ocorreu. — A neta disse que ele parecia jovem? Hobbs era de meia-idade. Quantos anos tem a neta?
— Quase vinte, talvez.
— Ela não vai pensar que Hobbs era jovem. Qualquer outra descrição?
— Ele estava usando um chapéu, então ela não podia ver o cabelo dele. Alto, um tanto esguio, vestindo um terno de tweed. Era muito longe para ter uma boa visão, mas ela definitivamente se lembra do incidente. Lembra-se de ter pensado como era lindo Nelly ter um namorado. Nelly sempre foi boa com a avó, sabe. Ficava de olho.
E a senhorita Radcliffe mencionou o cartão anexado às flores que Nelly recebeu, de alguém chamado Nick ou Mick, ou algo semelhante. E se eles estivessem errados o tempo todo? E se Nelly tinha estado vendo alguém em segredo? Alguém que eles ainda não conheciam? — Vamos continuar procurando então.
Juntos, eles se voltaram para as áreas de estar. Vários longos minutos infrutíferos se passaram.
Uma peça de composição com páginas com orelhas estava pendurada na beirada da cadeira perto da janela, como se Nelly a tivesse revisado na véspera de seu desaparecimento. Pequenas notas manuscritas enchiam as margens. Perry já havia olhado para ele antes e descartado depois de um breve vislumbre, mas agora ela o folheou.
“Oh, Ned, eu adoro esta linha. É brilhante! E tão safada.”
Ela estava prestes a encerrar a peça quando um nome chamou sua atenção.
“Seu homem perverso! Eu sei exatamente em quem esse personagem Edward Mayhue é baseado. É James para um T! Tudo inflado de importância, e sei o que é melhor! Eu me pergunto se Clarissa vai acabar sendo sua irmã secreta, hein?”
Perry fez uma pausa, seu polegar franzindo os cantos enquanto ela folheava as páginas. Outro pequeno rabisco chamou sua atenção.
“E agora Clarissa conhece o cavalariço? Estou praticamente morrendo de rir aqui. É brilhante! Eu me pergunto se James vai reconhecer tudo quando ver no palco? Eu me pergunto se Rommell vai? Por favor, diga-me que seu pomposo senhorio encontra um fim ruim em vez de se casar com a pobre Clarissa.”
Perry voltou ao início e começou a ler. Parecia ser uma comédia, em que a heroína, Clarissa Donovan, era perseguida pelo odioso Lorde Carthark, para desgosto de seu meio-irmão, Edward. Clarissa, entretanto, estava apaixonada pelo cavalariço de seu irmão, bem debaixo do nariz de Edward e Lorde Carthark.
O humor era consideravelmente obsceno, e algumas das travessuras de Clarissa a fizeram levantar as sobrancelhas. Era o tipo de peça que Garrett teria adorado.
— O que você tem aí? — Ele perguntou, percebendo sua absorção.
— Eu não estou totalmente certa. Acho que está nos dizendo algo. Acho que Nelly tinha um namorado - esse Ned. Venha ver! — Ela voltou para a nota sobre James. — Eu não acho que James era o namorado dela, afinal. Acho que ele é irmão dela.
Foi o mais perto que chegaram de encontrar qualquer tipo de histórico sobre Nelly. A mulher era um mistério.
— Ned — Ele murmurou. — Há um ajudante de palco chamado Ned, não é?
— E dois de Edward. Um é ator, o outro trabalha como figurinista e como porteiro. — E qual era a aposta de que as flores que a Srta. Radcliffe vira naquele dia foram enviadas de um 'Ned'?
Garrett a agraciou com um sorriso. — Excelente. É hora de questionar alguns Ned's então.
O primeiro Ned foi um jovem e bonito porteiro que ergueu as sobrancelhas incrédulo quando lhe perguntaram se havia algum tipo de relacionamento entre ele e Nelly.
— Eu e a Nelly Tate? — Ele repetiu, uma onda de calor queimando suas bochechas. — Caramba, se eu estivesse vendo, você saberia. Eu estaria gritando isso dos telhados. Caramba, para ter sorte! — Então seu deleite se desvaneceu. — Ou talvez não. Lorde Rommell não teria se importado muito com isso.
— Definitivamente não é ele, — Garrett murmurou baixinho enquanto eles iam em busca de Ned, o ajudante de palco. — Tenho quase certeza de que ele não seria capaz de escrever uma peça tão eloquente.
— Interessante como ele parecia ter medo de Rommell. — Perry respondeu baixinho.
Seus olhos se encontraram em compreensão silenciosa e ele a conduziu até os bastidores, com a mão firme na parte inferior de suas costas.
Alguns rapazes estavam trabalhando para mudar alguns dos suportes. Dois deles estavam rindo, mas o terceiro parecia apenas exausto, olheiras sombreando seus olhos e suas bochechas encovadas pela magreza.
No segundo em que Perry o viu, ela hesitou. — Aquele homem me perguntou se tinha havido alguma notícia sobre Nelly outro dia. Eu não pensei nada sobre isso.
Garrett reavaliou o sujeito. Ele era alto e magro, com cabelos ruivos. Dificilmente o tipo de sujeito que rouba uma jovem atriz do calibre de Nelly, mas nunca se sabia quando se tratava de mulheres.
— Edward Barham? — Garrett chamou, revisando a lista de nomes que Fotherham lhe dera.
O sujeito de aparência cansada ergueu os olhos. No segundo que ele os viu, ele empalideceu, então se virou e saiu correndo pela porta.
— É ele! — Perry retrucou, após um momento chocado de hesitação.
Eles trovejaram atrás dele.
Barham os liderou em uma alegre perseguição pelos bastidores e pelo palco. Ele saltou para o fosso da orquestra e sentou-se com dificuldade.
Perry a seguiu, a longa aba de sua jaqueta de couro espalhando-se ao redor dela como asas enquanto ela saltava. Garrett fez menção de segui-lo, mas algo chamou sua atenção; uma sombra movendo-se acima, nas moscas.
O que?
Ele viu o reflexo da luz refletido no metal, e a compreensão deu-lhe um golpe rápido no estômago.
— Cuidado! — Ele rugiu, saltando do palco e indo atrás dela.
Os pés de Perry pararam derrapando e ela olhou para ele por cima do ombro. Foi a única coisa que salvou sua vida.
Um tiro foi disparado, faíscas ressoando na escada de metal próxima. Não acertou Perry por um centímetro. Garrett bateu nela, levando-a para o chão e rolando seu corpo entre eles. O mundo ficou vermelho enquanto a fome rugia em suas veias, a fúria trazendo consigo uma onda de intenções assassinas. Sua visão ficou mais clara, o mundo estalando em um relevo nítido quando o predador dentro dele despertou.
— Filho da puta! — Perry ergueu os olhos em choque para as moscas, — Será que alguém acabou de...
Sim. Seu sangue gelou. — Fique abaixada.
Garrett a rolou para fora do caminho, empurrando-a para trás de um assento. Ele sacou sua própria pistola, olhando para cima. A sombra se moveu, correndo ao longo da estrutura de metal. — Parece que meu estratagema funcionou. — Ele só não esperava que uma tentativa fosse feita contra Perry, e isso o irritou. Ele devia ter.
Perry esticou o pescoço, focalizando a porta que ainda estava batendo com a saída de Ned Barham. — Puta merda.
— Vá. — Ele deu um empurrão nela. — Cace Barham. Eu vou cuidar disso. — Era a opção mais segura.
— Não! — Seus olhos brilharam, e ele sabia que ela estava pensando sobre o que tinha acontecido da última vez que eles se separaram.
— Eu não vou levar um tiro. — Garrett podia apenas distinguir a borda da sombra, desaparecendo na escuridão das asas. Ele precisava se mover e agora, se ele quisesse alguma chance de pegar o bastardo. — Precisamos saber por que Barham está correndo —, ele a lembrou. — Precisamos confirmar nossas suspeitas sobre Nelly e Hobbs.
Perry hesitou. Ela deslizou seu comunicador auditivo em seu ouvido e o conectou lá, — Mantenha contato comigo. — Ambas as pistolas de pulso escorregaram para suas palmas e seus dedos se cerraram ao redor delas. — E cuide de suas costas. Estarei aí assim que puder.
— Sempre. — O olhar de Garrett voltou para as asas, rastreando seu agressor, e ele disparou para frente, usando a borda do palco para se cobrir.
Ned Barham teve um bom começo, mas isso não significou muito. Perry podia captar indícios e traços de seu cheiro enquanto ela corria, e logo ficou claro que ele estava usando as passagens secretas do teatro para evitá-la. Não estava correndo tanto agora, mas foi para o chão.
Ela o rastreou até o departamento de costureira e entrou com cautela, suas pistolas de pulso duplo nas mãos, apenas no caso de outra pessoa tentar atirar nela.
Partículas de poeira circulavam pela mancha dourada de luz do sol que entrava na sala pelas janelas. Um pé cruzando o outro, Perry avançou lentamente, circulando um manequim de arame. Racks de roupas forneciam o esconderijo perfeito, e ela ouviu uma rápida inspiração de ar enquanto caminhava para a mancha de sol.
— Edward, eu não tenho intenção de machucar você. Queríamos apenas falar sobre Nelly.
Silêncio, preenchido apenas por dois batimentos cardíacos acelerados; o dela e um outro.
Perry inclinou a cabeça. Ele estava no canto mais distante, atrás de uma fileira de vestidos. Perry ergueu as mãos dela, guardando as pistolas nas bainhas dos pulsos. Então ela ergueu as mãos no ar. — Nós sabemos que você estava cortejando Nelly. Suspeitamos que Nelly seja irmã de James Hobbs, mas precisamos da confirmação disso. — Ela deu um passo à frente. — Edward? Por favor, saia. Eu sei que você está ai.
Nenhum sinal de movimento, mas ela ouviu um soluço abafado. Perry deu um passo à frente e puxou um vestido chartreuse do caminho. Edward se encolheu atrás dele.
— Eu não fiz isso! Eu n-não fiz isso! — O vermelho queimou suas bochechas pálidas e seus olhos estavam úmidos de lágrimas. Suas mãos tremiam enquanto ele as erguia.
— Eu sei —, disse ela, em uma voz suave. — Nós sabemos que você não teve nada a ver com a morte de Nelly. Saia, por favor.
Sua respiração ficou presa em um soluço. Perry se aproximou, deslizando a mão sobre o ombro trêmulo e ajoelhando-se enquanto desatava a chorar. — Por que você correu?
Ele balançou a cabeça, tentando controlar suas emoções. — Eu não... sei... acabei de te ver e fugi. Eu não sabia o que pensar, o que fazer... Ela se foi. — Ele olhou para cima, o rosto manchado de agonia. — Ela realmente se foi e nunca mais vai voltar, não é?
— Receio que sim. — O sussurro de Perry ficou mais áspero. — Os preparativos para o funeral estão sendo feitos para esta semana.
Com isso, Edward explodiu em uma nova rodada de soluços. Perry deu um tapinha desajeitado no ombro dele. — Lamento perguntar isso a você, mas realmente precisamos saber o que aconteceu. Eu quero pegar quem fez isso e fazê-lo pagar suas dívidas. Você estava cortejando Nelly em segredo? O irmão dela não aprovou?
A história toda se espalhou em pedaços; A amizade tímida de Edward - ou de Ned - com a jovem atriz, lentamente se transformando em algo mais. Ele nunca esperou que Nelly retornasse seus sentimentos, e eles costumavam caminhar no parque antes do ensaio para fugir da confusão do teatro. Nelly tinha começado a confiar nele sobre sua educação difícil com uma mãe que não aprovava seus desejos de uma vida no teatro. A jovem Eleanor Hobbs havia fugido para Londres para se juntar ao teatro, e seu meio-irmão mais velho, James, de quem ela pouco conhecia.
— James a encorajou a usar outro nome para proteger seu negócio, quando ficou claro que ela pretendia ser atriz - com ou sem a ajuda dele. James a adorava, mas ele deixou seus sentimentos sobre o estilo de vida dela claros. Ele queria que ela se casasse e se estabelecesse - mas não comigo. — Os olhos de Ned estavam vidrados de exaustão, as lágrimas secando e rachando suas bochechas. — Ele sabia que eu pertencia ao teatro e queria tirá-la de suas tentações. E então, é claro, havia Rommell e Beckham, e meia dúzia de outros que pensaram que poderiam comprá-la... Então, mantivemos nosso... nosso noivado em segredo.
— Você estava noivo?
Ned acenou com a cabeça miseravelmente e enfiou a mão dentro da gola para retirar uma pequena faixa dourada em uma tira de couro em volta do pescoço. — Eu estava guardando para ela, para quando finalmente pudéssemos anunciar nossas intenções para o mundo. Eu não sei o que vou fazer, — ele sussurrou, seu coração quebrando em seus olhos. — Nelly acreditou em mim. Ela acreditava que eu poderia fazer qualquer coisa, que poderia me tornar mais do que... do que apenas um ajudante de palco. Eu a amava tanto.
O pobre coitado. Ela tinha que ir - Garrett estava sozinho com um assassino - mas a simpatia a manteve ali por mais alguns momentos... — Então faça o que ela queria que você fizesse. Publique a peça. É muito boa, na verdade. Eu li as pequenas anotações que ela estava fazendo - foi assim que soubemos que deveríamos rastreá-lo.
Ned olhou para ela sem expressão, então a resolução começou a surgir em seus olhos. — Ela teria desejado isso.
Perry se endireitou e ajudou a colocar Ned de pé. — Você tem alguma ideia de quem poderia ter desejado o seu mal?
Isso mudou seu comportamento. — É a única razão pela qual pude voltar ao trabalho —, confessou. — Eu fico pensando que talvez eu vá ver ou ouvir algo. Talvez eu pudesse encontrá-los.
— Você não acha que a ameaça mecânica teve algo a ver com isso? Todo mundo parece que sim.
— Lovecraft nunca a teria machucado! — Ned ergueu os olhos com ar culpado. — Eu o encontrei uma vez, veja. Quando James me expulsou da loja pela primeira vez - e Nelly sempre falava dele.
— Lovecraft? — Ela sugeriu, para mantê-lo focado.
— Ele adorava Nelly. Ela era sua 'tia'. O pobre coitado não teria machucado uma mosca, e definitivamente não Nelly. James o acolheu, mas Nelly... Ela sempre fez um esforço para cuidar dos menos afortunados, sabe? Ela o fez sentir que pertencia, como se não houvesse nada de errado com ele.
— Eu sinto muito. — Disse Perry novamente, inutilmente.
Ned parecia ter sido estripado pela dor. Restava tanta vida nele quanto o manequim da moda.
— Eu tenho que ir, — ela disse. O tique-taque do tempo parecia disparar sangue em suas veias. Onde estava Garrett? Ele estava bem? Ela demorou muito? Mas primeiro. — Eu prometo a você que faremos tudo ao nosso alcance para levar quem fez isso à justiça.
Não era muito, não com a vida inteira de Ned destruída. Mas era a única coisa que ela podia oferecer a ele.
Um latido de som ecoou ao longe, tão baixo que ela quase o perdeu. Perry inclinou a cabeça e interrompeu Ned quando ele abriu a boca para dizer algo. Um segundo eco se seguiu. No momento em que o reconheceu, ela não pensou mais em Ned ou Nelly.
Isso soou como um tiro de pistola.
Capitulo 15
Garrett passou pelos bastidores, seguindo a figura sombria à frente. Foi uma perseguição circular, quase como se o bastardo o estivesse levando a algum lugar. Ele bateu em uma porta e...
Algo se moveu no canto de sua visão.
Uma arma disparou com um lampejo de luz, e um segundo antes de a bala o atingir, ele teve o pensamento - que diabos, há dois deles...
Calor e fogo bateram no ombro de Garrett. Pareceu um soco e ele cambaleou para trás contra a parede, o cheiro de sangue acendendo todos os desejos mais sombrios dentro dele. Tudo girou, cheio de sombras enquanto ele tentava colocar os pés embaixo dele.
Uma armadilha. Uma fodida armadilha.
Ele tinha que sair daqui. Colocando a mão em seu ombro, Garrett forçou suas pernas pesadas de repente a empurrá-lo para trás de um suporte. Outra bala atingiu a parede onde ele estava, e um suor frio brotou ao longo de sua coluna. Alguém estava tentando matá-lo, e se ele não se recompusesse, eles teriam sucesso.
Onde estava Perry? Por que diabos ele a mandou embora? Orgulho teimoso, por isso, levando-o a protegê-la. Agora era ele quem precisava de ajuda.
Ela ao menos ouviria o tiro?
Sua perna direita cedeu e Garrett caiu de joelhos, a dor rasgando seu ombro, e sua pistola escapando de dedos sem força. Sua visão ficou turva. A pistola parou a vários metros de distância.
Ele estava sangrando muito? Através da névoa sombreada que enchia sua visão, ele podia apenas distinguir sua mão direita, escorregadia com sangue escuro. Seu sangue.
Passos o perseguiram. Garrett cerrou os dentes e mergulhou para a pistola.
— Lá está ele! — Alguém latiu.
Mesmo com o zumbido de seus ouvidos, o tom do homem era nítido e preciso. Garrett passou anos imitando a fala adequada de um homem e tentando apagar todas as sugestões de seu áspero sotaque Bethnal. Ele sabia o que parecia.
O Escalão.
Rommell.
Então quem diabos originalmente atirou neles?
Usando outro suporte como cobertura, Garrett tentou firmar sua mão trêmula. Seus dedos molhados estavam escorregadios no gatilho. Onde estava o primeiro agressor? Ele abaixou a cabeça em torno do suporte, tentando ver os dois, e outro tiro ecoou, espalhando cacos de tijolo sobre ele ao atingir a parede.
Preso. Garrett praguejou baixinho. Tudo o que eles teriam que fazer seria flanquear ele, e ele estava perdido.
Tocando o comunicador auditivo de latão em seu ouvido, ele apertou o botão para conectá-lo. — Perry?
Um momento de estática e, em seguida, — Onde diabos você está?
— Nos bastidores. Existem dois deles. Eles me prenderam. — Sua visão turvou por um segundo e Garrett engoliu em seco.
— Estou indo, — ela retrucou, o comunicador tornando sua voz diminuta. — Apenas aguente firme, princesa, e eu irei resgatá-la.
Garrett inclinou a cabeça para trás e soltou uma risada trêmula. Ela o tirou de situações mais complicadas do que essa no passado. Ele só esperava que ela chegasse a tempo.
Preparando a pistola, Garrett esquivou-se da hélice e disparou, quase acertando Rommell. Sua senhoria se abaixou com uma maldição assustada, como se não pudesse acreditar que alguém ousaria tentar atirar nele. Garrett bateu atrás do suporte e inclinou a cabeça para trás, respirando com dificuldade. Ele tinha cinco tiros restantes. Apenas o suficiente para mantê-los afastados e dar a Perry tempo para chegar lá.
— Então, foi você, Rommell, — Garrett chamou. — O que aconteceu? Finalmente se cansou de ser rejeitado por uma atriz de teatro? Parece que nem você pode comprar tudo o que quer.
— Aquela cadela deveria saber onde estava sua lealdade, — Rommell retrucou. — Não sou o tipo de homem que zomba.
— Então você a matou?
— Como se eu sujasse as mãos. — Rosnou Rommell.
Isso explicava seu álibi para o dia em que Nelly desapareceu. Ele pagou outra pessoa para fazer o trabalho.
O outro agressor, sem dúvida.
— Como você descobriu que o coração de Nelly estava em outro lugar? — Os pensamentos correram pela mente de Garrett. Foi o buquê de peônias que alertou Rommell? — Você tinha alguém no teatro espionando ela, não tinha? — Nesse caso, Rommell colocara alguém no teatro apenas recentemente - já que o primeiro lote de peônias havia chegado no aniversário de Nelly - e, pelos registros do teatro, apenas um homem havia sido contratado recentemente. — É Millington, não é? Você viu as peônias e o quanto Nelly as adorou, então colocou alguém no teatro para descobrir quem havia lhe enviado as flores. E ele rastreou Nelly de volta a James Hobb, não foi? — Sem dúvida, Nelly tinha ido visitar seu irmão, sem nunca saber que problema a estava perseguindo.
— Muito bem, Reed —, a voz de Rommell era sedosa. — Uma pena que você não será capaz de fazer nada sobre esta informação.
— Lovecraft viu Hobbs morrer e seguiu Millington de volta ao teatro, não foi? — Garrett continuou, como se não tivesse dito nada.
— Na verdade, eu fui direto para ele quando estava saindo da loja 'Hobbs', — Millington ofereceu. — Acho que o bastardo imundo descobriu o que tinha acontecido e me seguiu.
— Estou aqui — sussurrou Perry, pelo comunicador auditivo. — Mantenha-o falando. Eu vou atrás de Millington. Sua senhoria está segurando aquela pistola como se fosse uma arma de duelo, mas Millington está subindo à sua esquerda.
O alívio foi rápido. — Tenha cuidado, — ele sussurrou, então ergueu a cabeça para falar, — Uma pena que Millington não foi mais meticuloso. Você matou o homem errado. Hobbs era meio-irmão de Nelly. Seu amante ainda está vivo.
O silêncio saudou sua resposta.
— O quê? — Rommell perguntou, no tipo de voz que indicava que ele havia dirigido suas palavras a Millington.
— Não se mexa! — A voz de Perry soou atrás de todos eles. — Vocês dois estão presos por assassinato e conspiração para assassinato.
Um tiro foi disparado e Perry praguejou. Mais três tiros disparados em rápida sucessão.
Isso fez com que Garrett se levantasse. — Perry? — Ele chamou, passando pelo suporte apenas o suficiente para ver. Ela estava bem?
Millington estava morto no chão aos pés de Perry, e ela tinha sua pistola apontada para Rommell, que retornou à posição.
Garrett olhou sua senhoria através de sua própria visão trêmula. — Largue sua arma, meu senhor. Não hesitarei em atirar em você. — Um sorrisinho desagradável curvou-se sobre sua boca. — Na verdade, eu adoraria.
Rommell avançou friamente, sua pistola focada em Perry e seus olhos cintilando em Garrett. — E agora enfrentamos um enigma, Reed. Porque eu vou atirar na cadela, independentemente de eu cair também. Eu te prometo isso. Talvez você devesse colocar o seu...
Perry chutou a pistola da mão de Rommell. Ela girou, cravando o joelho nas bolas de Rommell, e então deu uma cotovelada na orelha dele quando ele desabou com um grito.
— Você, meu senhor, está preso —, disse ela, puxando o par de algemas de seu cinto e puxando os braços de Rommell para trás dele com visível prazer. Ela colocou as algemas no lugar. — Por orquestrar os assassinatos de Nelly Tate, James Hobbs e o homem conhecido como Lovecraft.
— Um erro crucial, meu senhor. — Garrett deu uma risada dolorida. — Você nunca deve subestimar uma mulher com uma arma.
Rommell parecia que estava chorando. — Sua vadia! Você não sabe quem... eu sou...?
Perry enfiou o lenço na boca de sua senhoria e o amordaçou. — Claro que sei quem você é. Você é o homem que vai ser decapitado por seus crimes. Vai estar em todos os jornais, então toda a sociedade de Londres saberá quem você é.
— Bom trabalho. — Disse Garrett, recostando-se na parede e pressionando a mão contra o ferimento a bala em seu ombro. A dor acendeu seus nervos, mas ele respirou fundo.
— Eu só precisava de sua atenção focada em outro lugar. — Perry encolheu os ombros com fluidez. — Obrigada. — Então seus olhos se fixaram nele, suas íris escurecendo enquanto a fome dentro dela aumentava. — Você está sangrando.
— Eu vou viver. — Garrett deslizou pela parede, as costas pressionadas com força contra os painéis de madeira. Puta merda. Suas pernas pareciam carne gelada.
Pisando longe Rommell, Perry correu para o lado de Garrett e se ajoelhou, o couro apertado de sua calça esticando-se sobre suas coxas magras. — Você está bem?
— Rommell é tão bom atirador quanto ele para seduzir mulheres.
— Brincadeiras ruins? Eu acho que você não pode estar tão ferido. — Ainda assim, ela franziu a testa. — Deixe-me dar uma olhada.
Garrett a suportou cutucando e cutucando. Seu cabelo escuro caiu sobre os olhos quando ela inclinou a cabeça mais perto para examinar seu ferimento. — De ponta a ponta —, disse ela, aliviada. — Quando voltarmos para a Guilda, provavelmente nem será necessário costurar. Já está se curando.
— Excelente. — Ele se sentiu um pouco tonto; apenas o suficiente para que ele realmente se inclinasse em sua direção.
Perry deslizou o ombro dela sob o dele. O óleo de baunilha dava sabor ao ar que ele respirava, junto com o leve cheiro do sabonete que ela usava. — Você acha que está bem o suficiente para ficar em pé? Vou precisar entrar em contato com a Guilda para que eles possam buscar Rommell.
O leve tremor de seu pulso em sua garganta chamou a atenção de Garrett. Sua visão escureceu novamente, tornando-se nada mais do que sombras enquanto a fome crescia dentro dele.
Garrett fechou os olhos com força e engoliu em seco. — Perry. — Ele avisou.
Ela sabia que não devia chegar perto de um sangue azul ferido. A quietude irradiou através dela quando Perry percebeu isso. Sentindo o olhar dela sobre ele, ele abriu os próprios olhos.
Os dela estavam muito grandes e cinzentos, rodeados por cílios grossos e escuros. Ela estava tão perto, que se ele não estivesse se controlando bruscamente, Garrett poderia ter fechado o punho em seu cabelo, e arrastado sua cabeça para trás para revelar aquela garganta tentadora.
E ela sabia disso também. A respiração assustada de Perry umedeceu seus lábios. Seus olhos se arregalaram ainda mais, e por um momento ele se perdeu neles, enquanto a escuridão expulsava a cor de suas íris.
Tão perto... E ele queria fazer isso, Garrett percebeu. Queria provar a doce e fresca lâmina de seu sangue. Cada músculo em seu núcleo tremia de simples falta disso. Inferno. Ele virou o rosto, deixando escapar um suspiro trêmulo.
— Aqui. — Perry tirou um frasco de sangue de dentro do casaco e desatarraxou a tampa, as bochechas corando. — Beba isso.
Ele quase podia cheirar o sangue aquecido em suas veias, e seu olhar escurecido mergulhou em sua garganta mais uma vez, mas Garrett se forçou a beber do frasco, saciando alguma parte de sua fome sombria, pelo menos.
Um derramamento de sangue sempre era um evento íntimo entre um sangue azul e a mulher de quem ele bebia. Também era muito prazeroso para os dois. Seu pênis endureceu com o pensamento, e Garrett moveu seu joelho para que Perry não notasse.
Inferno, se ela sequer suspeitasse para onde seus pensamentos estavam indo, provavelmente iria acertar uma joelhada nas ditas bolas. Ela nunca o deixaria esquecer também. Ou não, ele pensou, olhando para a cor em suas bochechas - talvez ela o fizesse. Talvez os dois fingissem que nunca aconteceu.
Isso não vai acontecer. Não ela, ele disse a si mesmo com raiva - ou a parte mais sombria e faminta que não se importava que ela fosse sua amiga e parceira.
A fome. Isso era tudo o que era. Embora ele nunca tivesse sentido seu aperto com tanta força antes.
Você também nunca levou um tiro antes, ele lembrou a si mesmo.
— Obrigado. — Garrett entregou-lhe o frasco e inclinou a cabeça para trás com um suspiro. A sensação de queimação em seu ombro havia diminuído, e o lugar não estava nadando tanto quanto antes.
— Acha que consegue administrar? — Ela perguntou.
— Estou bem. Vou ficar de olho em Rommell.
— Bom. — Perry se endireitou. — Vou mandar uma mensagem para a Guilda.
Garrett a observou partir e deu um pequeno suspiro de alívio por ela não estar mais aqui para atormentá-lo.
Capitulo 16
Lynch se inclinou para trás em sua cadeira, seus dedos formando uma torre em seu colo enquanto ouvia o relatório. — A única coisa que não entendo é como Rommell pensou que escaparia matando dois Falcões da Noite, quanto mais três outras pessoas?
— É uma falha particular dele, — Garrett respondeu diplomaticamente. — Rommell parece pensar que pode comprar uma saída para qualquer problema.
— A cabeça dele está enfiada na bunda, senhor. — Acrescentou Perry.
A boca firme de Lynch se suavizou em um leve sorriso quando ele olhou para os dois. — Isso é tudo?
— Sim, senhor —, disse Garrett, ficando em posição de sentido. — Embora Rommell esteja exigindo um julgamento perante o Conselho dos Duques. Diz que nenhum assassinato humano vai derrubar um homem de sua posição, e que ele não sujou as mãos - que Millington planejou tudo.
Lynch fez uma careta. — Isso vai ser difícil de provar
— Não é impossível. Temos registros bancários de Millington, provando que uma quantia bastante substancial foi depositada lá por Lorde Rommell, além da confissão declarada de Rommell a Perry e a mim. E descobriu-se que a arma do crime veio da coleção de Rommell - ele é um entusiasta de armas, embora tenha mais habilidade em coletá-las do que em usá-las. Tanto a Webley quanto o Colt foram responsabilizados, de acordo com seus registros, e Fitz insiste em que eles foram usados nos assassinatos.
Lynch balançou a cabeça lentamente. — Bom trabalho. Vou ver se consigo pressionar o Conselho para fazer as escolhas certas. Um exemplo deve ser feito. Se as classes humanas perceberem que o Escalão está tentando abafar isso, eles vão acabar se rebelando.
— Obrigado, senhor. — Ecoaram Perry e Garrett.
A cadeira rangeu quando Lynch se recostou nela. — E seu argumento? Você resolveu o problema entre vocês?
Sem olhar, Garrett sabia que Perry estava corando. — Nós temos, — ele disse a Lynch. — Uma pequena discordância, nada mais. Está feito.
Ou, pelo menos, ele esperava que tivesse sido muito bem feito.
— Isso não vai acontecer de novo, vocês dois entendem? — Os olhos de Lynch eram preguiçosos e encobertos, mas Garrett sabia que isso não tornava o mestre da guilda menos perigoso.
— Isso não vai acontecer de novo. — Disse Perry. A veemência em sua voz o fez olhar para ela.
— Isso não vai acontecer de novo. — Garrett concordou, em uma voz mais baixa, embora ele estivesse pensando no que quase aconteceu com ela, ao invés da discussão.
Isso acabou agora. Ele tinha que continuar dizendo isso a si mesmo. Perry estava segura, e agora que ela aceitou a adaga dele, ele sempre teria uma maneira de encontrá-la se precisasse. O dispositivo de rastreamento era um caroço pequeno e duro no bolso do casaco, correlacionado diretamente ao farol na adaga.
Um aceno rápido - o assunto estava evidentemente encerrado aos olhos de Lynch. — Dispensados, então.
Ambos soltaram um suspiro de alívio.
Dois dias depois...
A casa de chá perto da Guilda encheu-se com o barulho das xícaras chacoalhando contra os pires e o murmúrio monótono das conversas. Perry afundou-se em uma poltrona de couro vermelho com tachas e sacudiu o papel.
Garrett se inclinou na beirada da cadeira e olhou por cima do ombro, puxando a primeira página. — Nem mesmo a maldita primeira página. Que tal gratidão?
— Lynch está tentando manter a parte de Rommell nisso até que o caso seja finalizado —, disse ela com irritação, livrando-se do papel dele e alisando as folhas amassadas. — A casa dele é poderosa. O duque de Morioch é primo dele, acredito.
— Não sei como você controla todos eles...— A voz dele foi sumindo, o que era bom, já que ela não sabia como responder.
Mentir para ele sobre suas origens? O pensamento a deixou desconfortável. Eles raramente falavam sobre de onde tinham vindo, e ela estava bastante contente com isso. Afinal, o que ela iria dizer? Surpresa, Garrett, cresci com um exemplar do Guia da nobreza da Dama Hammersley em minhas mãos. Eu conheço todos os senhores da terra, e até mesmo suas consortes e servas - ou conheci uma vez. Eu também sei fazer reverência e dançar, e tocar pianoforte horrivelmente...
E não sou tão inocente quanto você presume.
Afinal, Perry sabia o que tinha feito isso acontecer naquele dia no teatro, quando foi baleada. O desejo. Não foi a primeira vez que um homem olhou para ela assim. Ela sabia o que era sentir o peso de um homem pressionando os dela, seus lábios roçando em sua garganta, sua adaga de sangrar encontrando apoio ali com uma picada afiada...
Perry suprimiu um estremecimento de luxúria e medo misturados. O duque nunca vai te encontrar. Você sabe disso. E você é uma sangue azul agora, não uma jovem serva assustada, sem aliados, ninguém a quem recorrer...
Essa garota está morta. Você a enterrou - e o passado - e ninguém vai descobrir que ela ainda existe.
Uma parte dela desejou acreditar nas palavras que disse a si mesma.
O som de botas de salto alto no piso de madeira chamou sua atenção. Isso, e o repentino endurecimento através do corpo rígido de Garrett. Perry ergueu os olhos, afastando os pensamentos do passado.
A senhorita Radcliffe girou sua sombrinha no chão, suas luvas rendadas apertando os nós dos dedos. Ela sorriu hesitantemente, olhos escuros brilhando sobre os dois. — Peço desculpas pela interrupção. Conversei com a Guilda, mas seu amigo, o Sr. Byrnes, me deu suas instruções aqui.
Ela não estava falando com Perry. Perry tentou afundar na poltrona, mas não havia para onde ir. Ela tinha muito respeito pela jovem. A senhorita Radcliffe mostrou uma graça incrível durante um momento difícil; com o assassinato de Nelly, a pressão de assumir o papel principal e Rommell usando Millington para tentar assustar a Srta. Radcliffe em sua cama, com sua tentativa de sequestro falso no beco e as rosas vermelhas de um 'pretendente misterioso'. Isso não significava que Perry queria testemunhar essa conversa.
Garrett se endireitou. — Srta. Radcliffe, você está bem?
Perry arrastou o jornal na frente de seu rosto, em vez de escapar.
— Eu espero que você não me considere atrevida. — A senhorita Radcliffe parecia ofegante. — Eu pensei que talvez você gostaria de... dar um passeio no parque? Ou talvez aquela peça de que falamos?
Cada músculo de seu corpo travou com força, e Perry virou a página, tentando se concentrar. Ela tinha feito uma promessa a si mesma de guardar melhor suas emoções. Era mais difícil de manter do que ela esperava.
Garrett hesitou, então deixou seu peso afundar de volta na beirada do assento. — Em outra hora, talvez.
Foi uma rejeição clara. Perry lançou à senhorita Radcliffe um olhar chocado, então desviou o olhar rapidamente, sabendo que a culpa o conduzia. A senhorita Radcliffe nunca iria enfeitar a cama de Garrett, porque ele nunca seria capaz de olhar para ela sem pensar no quase afogamento de Perry.
Perry tentou não escutar enquanto a senhorita Radcliffe gaguejava seu adeus. Não importava se ele dissesse não desta vez. Sempre haveria outra senhorita Radcliffe. Outra loira, ou morena, ou ruiva, mas não importava, porque nunca seria uma jovem mulher com cabelo tingido de preto e a dura armadura de couro preto de um Falcão da Noite.
Nunca seria ela.
— O que há de errado?
Perry ergueu os olhos, olhos azuis ardentes encontrando os dela. Não havia malícia em seu olhar. Talvez fosse isso que ela mais admirava em Garrett. O que você via era o que você conseguia. Ele realmente se importava com as pessoas e era surpreendentemente perceptivo em relação ao humor delas. Particularmente dela. — Nada —, ela mentiu e tentou colar um sorriso nos lábios. — Você deveria ir atrás da senhorita Radcliffe, — ela se obrigou a dizer. — O caso acabou e ela... ela tem a minha aprovação. Ela é muito mais legal do que seu padrão usual de conquista.
— Ela é agora? — Ele fez uma careta. — Não. Eu não acho que vou.
— Você merece tirar algum tempo depois de tal caso. Um passeio no parque lhe faria bem.
— Não, Perry. — Sua expressão se torceu. — Meu coração não está nisso. Além disso, eu tinha outra coisa em mente. — Alcançando dentro de seu casaco, ele tirou um par de ingressos. — 'Uma senhora bem educada.' Vai estrear na realeza esta noite. Não é bem a tragédia que você prefere, mas me disseram que é hilário. Um tanto ousado, talvez. — Seu ombro cutucou o dela, seu olhar um desafio. — Você pode gostar. Quer se juntar a mim?
Perry olhou para os ingressos, seu coração disparando lentamente no peito. Não significa nada. E talvez fosse bom fazer algo juntos. Algo que reafirmasse sua amizade e colocasse toda essa confusão no passado.
Uma trégua.
— Eu prefiro muito mais ver algo como um 'Um Cavalheiro Bem Comportado’ — Ela demorou. — mas por que não?
— Um cavalheiro bem comportado é um assunto bastante enfadonho. — Ele pegou seus dedos e a colocou de pé, o papel caindo no chão. — E bom, porque eles me custaram uma pequena fortuna. Os melhores lugares da casa... e não faço isso apenas para qualquer uma, amor.
Seu sorriso perverso transformou seu coração, mas Perry lutou implacavelmente contra isso. Já era hora de deixar de lado seus sentimentos feridos - e esses sentimentos mais novos e preocupantes que a afligiam. Hora de enterrá-los para sempre, pois nada poderia resultar deles.
— Não sou especial, então? — Ela disse, e sabia que as palavras não significavam nada.
Bec McMaster
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