Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE FAERIE REVENGE
THE FAERIE REVENGE

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Capítulo 27

 

 

Eu puxo vários livros das estantes cheias de plantas no escritório de Gaius, mas nenhum deles menciona a cidade de Kagan. Existem centenas de livros aqui, então provavelmente eu não encontrei o certo. Depois de contornar uma pequena engenhoca com rodas que desliza em padrões aleatórios pelo chão do escritório, saio para a casa à beira do lago e depois para a floresta Creepy Hollow.

Eu saio dos caminhos das fadas a uma curta distância da árvore de Raven e Flint. Eu não quero chegar diretamente do lado de fora, caso alguém da Guilda esteja vigiando a casa deles. Eu também quero passar alguns minutos a céu aberto com a floresta sem fim que se estende por quilômetros em todas as direções. Sinto saudade. Sinto falta de respirar o ar fresco, ver os insetos brilhantes enquanto a escuridão se instala e caminhar entre cogumelos gigantes e flores e plantas luminosas escondendo criaturas exóticas. Agora que penso nisso, a maior parte da floresta deve ser segura para mim. Eu só preciso evitar os lugares onde os guardiões provavelmente estarão - as antigas ruínas da Guilda, as casas das pessoas mais próximas a mim, a clareira com as lojas. É claro que o resto da floresta é o lar de todos os tipos de criaturas potencialmente perigosas, mas, no que me diz respeito, elas não são tão perigosas para mim quanto os guardiões.

Não noto ninguém à espreita perto da árvore de Raven e Flint, mas decido me esconder de qualquer maneira. É uma boa prática, pelo menos. Eu alcanço a árvore deles e me inclino mais perto para soprar suavemente contra a casca áspera. Ao me endireitar, a poeira cor de ouro flutua para longe da árvore para revelar uma aldrava embaixo. Eu agarro e bato duas vezes. Momentos depois, o formato de uma porta ondula e desaparece. Flint aparece. — Olá?

Eu passo rapidamente por ele para dentro da casa antes de soltar minha ilusão. — Ei, sou eu. Apenas tomando precauções.

— Sabe — papai diz, atravessando a sala, — eu estou muito feliz que você não descobriu que poderia parecer invisível quando era mais jovem. Você teria feito todos os tipos de travessuras.

— Eu? Nunca. Ryn era seu filho travesso, lembra?

— Eu ouvi isso — grita Ryn de outra sala.

— Ah, você está aqui — diz Raven. Ela se levanta e move Dash para seu quadril. — Dash está esperando por um beijo de boa noite de você.

— Oh, seu pequeno sedutor. — Eu beijo a bochecha rechonchuda de Dash, e ele me recompensa com um sorriso tímido. Então ele estende as duas mãos e me alcança.

— Não, não, não, é hora de dormir para você — diz Raven. Para o resto de nós, ela acrescenta — Eu voltarei. — Ela se dirige para as escadas, e Flint a segue.

— Legal. Se você precisar que a gente ajude com a comida ou qualquer... Uau. — Minhas sobrancelhas levantam e meu queixo ameaça atingir o chão quando meu olhar pousa em Vi de pé na porta da cozinha. — Meu Deus, senhora grávida. Você está enorme.

Ela coloca as mãos nos quadris. — Obrigado. Isso me faz sentir muito mais atraente do que já me sinto.

Eu coloco minhas mãos na minha boca e, em seguida, digo, — Não, desculpe, isso saiu errado. Eu estou apenas... um pouco chocada. Quero dizer, parece que você poderia entrar em trabalho de parto agora. Como diabos isso aconteceu? Você esteve fora - eu não sei - uma semana?

— Quatro meses e meio — diz Vi. — Aproximadamente. É a primeira vez em seis anos que o tempo em Kaleidos ficou devagar por tanto tempo. E apenas mudou para o outro lado, acelerando para o lado deles. É por isso que voltei para casa. — Ela atravessa a sala e se senta, ajeitando as almofadas atrás de si antes de se inclinar para trás. Eu me sento em frente a ela. — Há também essa coisa de cerimônia no Instituto na próxima semana. Eu sou uma das pessoas que eles vão homenagear por todo o trabalho que fiz lá. Seria rude perder isso. Eu tenho mais ou menos um mês, mas fico feliz em passá-lo aqui. Eu senti falta de Ryn, — acrescenta ela quando ele se junta a nós. — Mais do que as palavras podem descrever. — Ryn pega a mão dela e a beija enquanto ele se senta ao lado dela.

— Por que você fez isso então? — Eu pergunto. — Você está realmente tão obcecada pelo trabalho que a ideia de passar meses sozinha em uma ilha distante parecia melhor do que perder alguns meses de trabalho?

— Calla. — Ryn franze a testa para mim.

— Eu sinto muito. — Que droga, minha estúpida boca descontrolada. — Eu não quis que soasse rude. Esque...

— Tudo bem, — diz Vi. — Você não é a primeira pessoa a perguntar. Antes de sabermos sobre o bebê, eu me comprometi a fazer parte de algumas mudanças importantes que estão surgindo no Instituto. Eu não quero decepcionar as pessoas com quem amo trabalhar, mas também não quero perder tempo em casa com o bebê quando ele ou ela nascer. Eu não queria ter que escolher, então encontrei um jeito de ter os dois.

— Eu sinceramente não achava que ia dar certo — papai diz.

— Nem eu — diz Ryn.

Eu dou a Vi um olhar de desculpas. — Nem eu.

— Obrigada, todo mundo. — Vi finge estar ofendida. — É bom saber que Tilly é a única que achou que minha ideia era boa.

— Claro que ela achou — diz Ryn. — Todos nós sabemos que a Tilly é um pouquinho maluca.

— O melhor tipo de loucura — diz Vi com um sorriso.

— Oh, pai, onde está aquela carta para Calla? — Ryn pergunta.

Papai tira um pequeno pedaço de papel dobrado do bolso e se inclina para entregá-lo para mim. — Veio de um mensageiro privado esta tarde. — Parece que ele pode estar prestes a dizer algo mais, mas então seu foco muda. — Flint, essa é a nova KarKnox multi-funcional? — Ele se levanta e atravessa a sala para examinar o que quer que seja que Flint está trazendo para baixo. Eu desdobro o papel.

Calla, desculpe-me por tudo. Por favor, me encontre no sábado à noite, às 10 da noite, onde costumávamos praticar tiro ao alvo. Z

Sábado. É hoje à noite. Zed, obviamente, assumiu que papai seria capaz de passar essa mensagem rapidamente.

— Se esta pessoa Z é um amigo da Guilda — diz Ryn, — então eu diria para não ir. Há uma chance de ele ou ela estar atraindo você para esse encontro em nome da Guilda.

Eu cruzo meus braços e franzo a testa para ele. — Você leu minha carta?

Os olhos de Ryn se movem para o lado antes de voltar para mim. — Papai leu primeiro.

Eu solto um suspiro. — Você é tão imaturo, às vezes.

— Só às vezes? — Vi pergunta inocentemente.

— Esse cara não é da Guilda — digo a eles. — Eu confio nele, mas vou com cautela.

— Eu acho que eu deveria ir com você — diz Ryn.

— Não, obrigada. — Eu me levanto e vou embora rapidamente antes que eu possa entrar em uma discussão com Ryn. Eu acho que posso lidar com um encontro com Zed sozinha. Além disso, Ryn provavelmente não ficaria satisfeito em descobrir que ‘essa pessoa Z’ é o prisioneiro que escapou da Guilda enquanto eu observava e não fiz nada.

 

***

 

Zed e eu costumávamos fazer nosso treino de tiro ao alvo perto de uma praia deserta em algum lugar do reino humano. Nós nos sentíamos seguros lá. Nós éramos invisíveis aos olhos humanos, e as chances de alguém do nosso mundo nos encontrar eram pequenas. Eu chego lá dez minutos atrasada para que eu possa me aproximar dele em vez do contrário. Eu ando em silêncio entre as árvores que carregam as cicatrizes de nossas muitas horas de prática. Facas, adagas, shurikens, machados, lanças. Eu aprendi a menejar todos aqui.

Onde as árvores terminam e a terra escura se mistura com a areia clara da praia, eu paro. Eu vejo uma figura solitária sentada fora do alcance das ondas, observando a lua pairando sobre a água. Eu olho para os dois lados ao longo da praia. Encontrando-a deserta, atravesso a areia para me juntar a Zed. Ele levanta no momento em que me vê. — Você realmente veio — diz ele. — Eu pensei que você poderia estar com muita raiva depois da conversa que tivemos pela última vez. E depois, com tudo o que aconteceu com você desde então...

Eu olho em volta mais uma vez para verificar que ainda estamos sozinhos. Então eu sento. — Você sabe o que aconteceu?

— Sim. As pessoas falam. — Zed se senta ao meu lado. — Eu não acho que há alguém em Creepy Hollow que não saiba o que aconteceu na Guilda.

— Ótimo — murmuro.

Zed olha para mim e diz, — Eu sinto muito sobre tudo isso, Calla.

Eu encontro seu olhar turquesa. — Por quê? Você nunca quis que eu fizesse parte de uma Guilda.

— Eu sei, mas não queria que terminasse assim para você, com seu nome na Lista Griffin e sua habilidade revelada para metade da Guilda ver.

Eu solto um longo suspiro. — Bem, foi assim que aconteceu. Eu não posso mudar isso, então agora eu tenho que seguir em frente.

— Você sempre foi do tipo otimista — diz ele com um sorriso.

Eu dou de ombros. — Não tanto hoje em dia, mas estou tentando.

— Enviei a você muitas mensagens, mas quando você não respondeu, percebi que você provavelmente jogou seu âmbar fora.

— Sim. — Eu pego um punhado de areia e a deixo correr entre os meus dedos. — Eu tinha feitiços anti-rastreamento, mas não sei como eles eram bons. Eu ainda preciso de um substituto, na verdade. Eu tenho usado um que é tão antigo que só se comunica com uma pessoa.

Zed ri. — Eu achava que âmbares como esse só existiam em museus.

— Aparentemente não.

— Bem, você quer um dos meus? — Zed pergunta. — Eu tenho dois.

— Você tem dois? Por quê?

— Eu sempre tive dois. Um é pessoal e outro é para os negócios.

Eu não posso deixar de rir. — Negócios? Que negócios?

Ele encolhe os ombros. — Talvez eu apenas goste de ter dois.

— Bem, você não terá mais dois se me der um.

— Eu vou comprar outro. Tudo bem. Além disso, meus âmbares têm os feitiços anti-rastreamento mais avançados, o que você definitivamente precisa. — Ele se inclina para o lado e alcança seu bolso para remover um âmbar retângulo muito mais fino e suave do que o que eu tenho usado. — Eu vou apagar todas as minhas coisas. — Ele pega sua stylus. Eu vejo as ondas rolando na praia enquanto ele apaga qualquer informação deixada no âmbar. Mensagens de sua namorada, talvez, ou daqueles que odeiam guardiões, já que ele parece gostar de sair com eles atualmente. — Aqui. — Ele entrega para mim. — Foi totalmente limpo. Ele até gerou uma nova identificação âmbar para que você não seja incomodada por mensagens de todos os meus parceiros de negócios.

— Parceiros de negócios — eu digo com um suspiro. — Certo. Bem, obrigada. Depois que eu me disfarçar, mudar meu nome e me mudar para longe e começar a fazer novos amigos, talvez comece a usar os feitiços sociais novamente.

— É isso que você planeja fazer? Afastar-se, quero dizer?

— Sim. É triste ir embora, mas provavelmente vou visitar muito a minha família. Em segredo, claro. Meu irmão e sua esposa vão ter um bebê a qualquer momento, então eu não quero perder.

— Tão cedo? — Zed pergunta surpreso.

— Sim. — Eu faço uma careta para ele. — Eu te disse que eles estavam tendo um bebê?

— Não, mas ouvi o seu irmão falando sobre isso na Guilda. Você sabe, durante minhas muitas horas escondido.

— Ah, sim. — Eu peneiro mais areia através dos meus dedos. — E agora você e eu somos fugitivos.

— Sim. Pela vida de fugitivo. — Ele levanta o outro âmbar como uma taça de champanhe. Eu levanto o âmbar que ele me deu e o bato contra o dele.

— Pela vida de fugitiva — eu digo com uma risada, porque eu também posso acolher isso. — À amizade.

— À amizade — Zed repete. Então ele se inclina e me beija.


Capítulo 28

 

 

Eu tento me afastar, mas a mão de Zed já está em volta do meu pescoço, me puxando para mais perto dele. Eu coloco as duas mãos contra o peito dele e empurro com força. Quando ele cai para trás, eu me levanto. — O que você está fazendo? — Eu suspiro.

— Eu pensei... eu pensei que você queria isso. — Ele se levanta.

— Eu queria, mas isso foi há meses, e você me disse que eu era jovem demais para você. E você não tem namorada?

— Não mais. E eu sei que isse que você era muito jovem, mas... eu não sei. — Ele dá de ombros. — Você parece diferente agora.

— Diferente?

— Sim... você não parece mais uma garotinha.

Eu cruzo meus braços firmemente sobre o peito, ainda segurando o âmbar que ele me deu. — Bem, obrigado, mas quando eu disse 'à amizade', eu falei sério.

— Tem certeza? — Ele se aproxima de mim. — Tem certeza de que não quer mais nada?

Eu olho para os olhos azuis e verdes com os quais eu costumava sonhar e espero meu coração começar a acelerar ou ter arrepios sobre a minha pele ou asas de sprite batendo dentro de mim.

Nada.

Absolutamente nada.

— Zed — eu digo. — Tenho certeza. Estou feliz por sermos amigos de novo e por não estarmos discutindo sobre a Guilda, mas... isso é tudo que quero. Apenas amizade. — Eu balanço meus braços desajeitadamente ao meu lado. — Eu acho que eu deveria ir agora. Boa noite.

Eu ando rapidamente em direção às árvores.

— Calla? — Ele fala atrás de mim. Eu olho para trás. — Eu sinto muito se eu fiz você se sentir estranha. Estou feliz com a amizade. Sério.

Eu abaixo minha cabeça. — Tudo bem. Obrigada. E obrigado novamente pelo âmbar.

Volto para a montanha pela casa à beira do lago. É tarde, mas ainda não estou cansada. Preciso tirar minha mente de Zed e de todo esse constrangimento. Que estranho! O que poderia tê-lo feito pensar que ainda me sinto da mesma maneira que me senti durante todos esses meses? Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço e ombros quando tiro meus sapatos, tentando não pensar sobre o jeito que seus lábios pareciam estranhos nos meus. Não é uma memória que eu quero guardar.

Eu ando ao longo do corredor de meias e entro no quarto de Chase. Uma lâmpada ainda está acesa, então eu a movo para o lado vazio da cama onde eu gosto de sentar e desenhar. Eu abro meu caderno de desenhos e folheio para onde estou trabalhando atualmente: uma seção das antigas ruínas da Guilda coberta de trepadeiras e flores em forma de estrela. Este caderno está repleto de desenhos agora, desde esboços breves e abandonados até imagens detalhadas e quase acabadas. Já que o meu choque inicial por ter sido expulsa da Guilda acabou, estou achando mais fácil virar para uma nova página, colocar meu lápis no papel e ver algo tomar forma.

De vez em quando minha mão fica imóvel enquanto olho para ele. Ele parece um pouco mais calmo hoje à noite. Balançando menos e resmungando menos. Eu toco sua pele. Não está queimando como estava há alguns dias, mas não sei dizer se está de volta a uma temperatura normal ou não. — O que você está sonhando? — Eu sussurro.

Volto para o meu desenho e decido que precisa de alguma cor. Na verdade, todo esse caderno precisa de um pouco de cor. Tudo é preto e branco e cinza até agora. Eu coloco o caderno de lado e me levanto. Deve haver alguns lápis de cor neste quarto. Eu ando até a mesa coberta de frascos de tinta, tinta para tatuagem, uma pilha de esboços soltos e outros pedaços e peças relacionados à arte. Ao lado de várias telas pequenas empilhadas umas em cima das outras, vejo um pote com canetas e lápis parecendo como uma versão de um buquê de um artista. Eu alcanço, mas então minha atenção é capturada por outra coisa: o pequeno navio dentro da garrafa de vidro.

Eu pego cuidadosamente e dou uma olhada mais de perto. O navio está navegando em águas turbulentas com pingos minúsculos de chuva caindo e um flash ocasional de raios ziguezagueando através da cena. A primeira vez que vi esta garrafa, eu não tinha ideia do significado desse objeto encantado. Nenhuma ideia de que era uma pequena pista para sobre quem Chase realmente é. Mas agora eu sei exatamente o que isso representa: sua poderosa capacidade de criar tempestades e controlar o clima. Eu tento encontrar uma parte de mim que ainda está zangada com ele por não ter me contado a verdade, mas eu acho que não há mais raiva. Eu entendo agora por que ele teve que manter seu segredo até que ele soubesse se poderia confiar em mim. Eu só queria que nunca houvesse nenhum segredo que ele tivesse que guardar em primeiro lugar.

Eu coloco a garrafa gentilmente de volta na mesa. Então eu puxo o frasco para mais perto e procuro através das canetas, carvão e pedaços de giz até encontrar um único lápis arco-íris. Eu balanço para confirmar se ainda está funcionando e muda de laranja para amarelo. Perfeito. Antes de voltar para a cama, olho para a pilha de esboços. O que está em cima é da estufa. Deslizando para o lado, vejo na próxima página um desenho de tinta de uma fênix. Por baixo, há uma lua de carvão refletida na água ondulando e, sob esse... um esboço de mim.

Surpresa passa através de mim, seguida rapidamente pela culpa. Eu não deveria estar olhando os esboços do Chase. São pessoais. Eu não gostaria que alguém olhasse meu caderno de desenho sem minha permissão. Mas não posso deixar de demorar mais alguns segundos para examinar o esboço mais de perto. Com amarelo e um pouco de laranja, ele pintou meus olhos e partes do meu cabelo, mas o resto do desenho está em vários tons de cinza. Há um sorriso tímido nos meus lábios, e eu me pergunto que momento ele estava tentando capturar nesse desenho.

Enquanto reúno os papéis, vejo a borda de um caderno desgastado saindo debaixo da pilha. Eu o pego. Eu sei que não deveria, mas estou tão curiosa, e o que são mais alguns momentos de bisbilhotice? Eu abro o caderno e encontro páginas e páginas com a caligrafia de Chase. Não é um diário, no entanto. Isso parece mais com detalhes de missões. Nomes, datas, lugares. Uma marca ao lado de todas as pessoas que foram salvas ou auxiliadas de alguma forma. Um registro de todo o bem que Chase fez desde que ele deixou seu passado sombrio para trás.

Fecho o caderno e o deslizo de volta sob os esboços, depois volto para a cama com o lápis arco-íris. Mas meu foco mudou completamente, e eu não sinto mais vontade de desenhar ou pintar. Eu olho para Chase. Eu coloco minha mão suavemente em seu pulso. Eu evitei segurar a mão dele até agora. Parecia muito... íntimo. Isso me fez pensar naquele momento após o casamento, quando ele deslizou os dedos entre os meus e meu coração se expandiu para encher meu peito inteiro porque eu acreditava, por pouco tempo, que a felicidade era nossa.

Com meu coração batendo forte e minha garganta estranhamente seca, eu levanto a mão dele e encaixo meus dedos entre os dele. — Por favor, acorde — eu sussurro. E então quietamente, quase inaudível, como se fosse um segredo que ninguém mais deveria ouvir: — Sinto sua falta. Eu provavelmente não deveria, mas eu sinto. Eu sinto muito a sua falta. Senti sua falta mesmo quando estava com raiva de você. E depois que você finalmente explicou tudo e começamos a conversar novamente, eu senti sua falta ainda mais porque nada era como costumava ser depois disso. — Eu descanso a minha testa contra nossas mãos entrelaçadas e fecho os olhos. — É loucura eu não querer deixar você? — Eu murmuro.

Pontos brilhantes de luz piscam do outro lado das minhas pálpebras. Confusa, eu puxo minha cabeça para trás e abro meus olhos. Uma névoa de faíscas douradas desliza em torno de nossos dedos entrelaçados. Eu tiro minha mão com medo. Do outro lado do quarto, a pilha de esboços na mesa voa com o ar, enquanto ao meu lado, a chama da lâmpada se inflama repentinamente, incendiando o abajur. Eu apago com um rápido feitiço de escudo lançado sobre o fogo para sufocá-lo. A escuridão desce sobre o quarto. Eu junto minhas mãos e crio uma bola de luz. Eu aumento até que um brilho quente ilumine o quarto, então a coloco bem no alto para que ela flutue perto do teto.

Então sento com as mãos enfiadas firmemente sob meus braços, observando Chase enquanto meu ritmo cardíaco lentamente retorna ao normal. Isso não aconteceu comigo antes, esses brilhos, essas explosões descontroladas de magia. Mas eu sei o que são. Mamãe e eu tivemos uma conversa terrivelmente estranha quando ela explicou a magia da atração física e... outras coisas.

— Eu não deveria me sentir assim por você — murmuro. — Eu devo continuar me lembrando quem você realmente é, e então eu devo ir embora.

Em vez de me responder, Chase continua perdido em seus sonhos. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa, porque eu realmente quero que ele saiba como me sinto? Não. Não quando ele uma vez esmagou e quase destruiu um mundo e poderia potencialmente fazer a mesma coisa comigo.

Pego meu caderno de desenho e o lápis arco-íris e começo a adicionar cor aos meus desenhos. Eu vou para a cama em algum momento, mas por enquanto, eu preciso deixar minha mente vagar.

 

***

 

Eu me sinto desorientada quando acordo. Eu estou do lado errado da minha cama e não há nenhum lençol sobre mim. Então eu abro meus olhos o suficiente para perceber que esta não é a minha cama. Depois de piscar um pouco mais e sentar, encontro o caderno e o lápis arco-íris ao meu lado. Eu devo ter adormecido aqui em vez de voltar para o meu próprio quarto. Eu esfrego meus olhos antes de olhar para o lado de Chase da cama.

Ele não está lá.

Assustada, eu olho para cima e encontro ele sentado na cadeira, olhando para o nada. Seu cabelo está molhado e suas roupas estão limpas. — Você está acordado! — Eu quase pulo e corro até ele, mas eu consigo me conter. Eu rastejo até a beira da cama em vez disso.

— Quando você acordou?

Ele lentamente se vira na cadeira para me encarar. — Há pouco tempo atrás. Eu tomei um banho. Agora estou... pensando.

— Sobre? — Eu pergunto com cuidado.

— A tortura que acabei de viver.

Eu engulo e depois digo — Você ficou inconsciente por uma semana.

— Tudo isso? — Ele diz com uma risada sem graça. — Parecia uma eternidade.

— Foi o morioraith.

— Eu sei. — Ele abaixa a cabeça em suas mãos. — Eu sinto muito, Calla. Eu deveria ter me lembrado disso. Eu deveria estar preparado. Mas Angelica e eu costumávamos ir direto para a câmara e ir embora novamente. E o morioraith... eu nunca lidei diretamente com ele. Angelica o encontrou em algum lugar. Ela costumava controlá-lo com um gongo. Um enorme com um som de ressonância profunda. O morioraith não aguentava. Mas mesmo sem um sino ou um gongo, eu poderia ter feito muito mais. Eu deveria ter ficado pronto com magia no segundo em que ele se transformou na forma corporal, mas tudo ficou confuso tão rapidamente. Eu não pude fazer nada e me desculpe.

— Você sente muito? — Eu pergunto. — Eu que sinto muito. Eu estava atrasando você. Você poderia facilmente ter fugido sem mim. E então você pulou na frente daquela coisa para ele não me pegar e acabou com todo o seu corpo envenenado. É por isso que eu estou pedindo desculpas.

— Ele teria me pegado de qualquer maneira — diz Chase. — Eu tenho muito mais para saciar a fome de um morioraith do que você. — Ele abre a gaveta da mesa e coloca algo dentro dela. — Eu falei com Angelica — diz ele. — Ela me contou o que ela disse a você.

Eu mordo meu lábio e pergunto — Você está com raiva de mim por usar o anel?

— Não. Eu presumo que você estava apenas tentando ajudar. — Ele não olha para mim quando fala, então eu não posso ter certeza se ele está dizendo a verdade.

Eu me levanto e atravesso o quarto. Eu paro na frente dele, mas ele ainda não olha para mim. — Você está bem? Quero dizer, você está realmente bem?

Ele esfrega a mão sobre o rosto e fica de pé. Ele olha por cima do meu ombro enquanto diz — Parece que os últimos dez anos nunca aconteceram. Eu me sinto como o monstro que acordou ao lado das Cataratas do Infinito. O monstro que mal podia encarar a vida por causa de todas as coisas terríveis que ele fez. Todas as memórias estão bem aqui, logo abaixo da superfície, tão cruas, tão próximas. É tudo que posso ver. É tudo o que sou.

— Não. — Ele ainda não encontra meus olhos, então estendo a mão e toco seu rosto. O menor dos toques, apenas ao longo de sua mandíbula, mas o suficiente para fazê-lo olhar para mim. — Você é muito mais do que seu passado. Você é isto — eu pego a tela mais próxima, uma das minhas favoritas: sprites dançando na chuva — e isso — eu pego alguns desenhos do chão — e isso — eu seguro a máquina de tatuagem. — e isso. Isso é o que você é agora. — Pego seu caderno e o balanço na frente dele. — E sim, eu sei que não deveria ter olhado, mas é incrível. Você ajudou muitas pessoas.

Ele calmamente pega o caderno de mim e o coloca na mesa. — Eu acho que você deveria ir — diz ele.

Eu abro minha boca, mas não consigo responder. Dor me apunhala no peito, mas digo a mim mesma que ele não quis dizer isso. Eu estive em seu quarto a partir do momento que acordou, então faz sentido que ele queira um pouco de tempo...

— Da montanha, quero dizer. Você não deveria ficar mais por aqui. Você estava pensando em ir embora de qualquer maneira, não é? Pode muito bem ser agora.

A faca imaginária no meu peito começa a virar. — Você está... me expulsando?

— Calla. — Ele me dá um olhar agonizante. — Você não deveria ficar perto de mim. Como você ainda não percebeu isso? Eu sou um monstro.

— Não, você não é! — Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo em frustração. — Uma semana atrás era você tentando me convencer de que você não é mais essa pessoa, e agora sou eu quem está tentando convencê-lo. Graças a Deus, um de nós começou a pensar razoavelmente durante essa agonia do morioraith, senão estaríamos chamando você de monstro.

— Como deveríamos chamar — ele murmura.

Eu pego seu caderno e o empurro contra seu peito. — Leia isso.

— Calla...

— Leia! Então me diga que você é um monstro, depois de tudo de bom que você...

— Isso nunca vai compensar tudo o que eu fiz! — Ele grita, jogando o caderno no chão. — Eu nunca vou poder voltar atrás por todas as pessoas que eu machuquei e pedir desculpas a elas. Eu nunca vou poder pedir perdão.

— Não, você não pode. E você nunca vai poder mudar o que você fez também. Então vou lembrar a você o que me disse há não muito tempo atrás, quando era eu quem precisava ser retirada da escuridão: a única coisa que você tem controle agora é o seu futuro. Então você vai se chafurdar na autopiedade ou vai fazer a diferença? — Eu me inclino e pego o caderno. Eu o empurro em suas mãos. — E você realmente não deveria jogar isso por aí — acrescento calmamente. — Parece algo que você provavelmente quer guardar. — E então, como eu não consigo pensar em mais nada para dizer, eu me viro e saio.


Capítulo 29

 

 

 

Chase se foi quando eu acordei na manhã seguinte. Eu vou à procura de comida na cozinha, e é lá que Gaius me encontra para me contar a notícia de que Chase se recuperou e já está em outra missão. — Sinto muito que você não teve a chance de falar com ele antes de sair — ele diz para mim. — Eu sei que você tem esperado ansiosamente para ele acordar.

— Tudo bem. Eu na verdade falei com ele durante a noite.

— Ah, maravilhoso. Ele parecia bem para você? Ele estava muito quieto esta manhã. Eu não consegui muito dele.

— Hum... — Eu pego uma maçã da tigela na mesa da cozinha e a enrolo em minhas mãos, imaginando o quanto Chase iria querer que eu revelasse. — Bem, ele acabou de passar uma semana preso em pesadelos do passado. Ele provavelmente precisa de um pouco de tempo para colocar a cabeça no lugar certo. Ele disse para onde estava indo?

— Foi encontrar o farol da cidade de Kagan.

— Oh. Eu pensei - quero dizer - eu assumi que iríamos juntos. Mas... — Eu suponho que eu não deveria estar surpresa. Ele me disse que eu deveria ir embora da montanha porque ele não me quer em qualquer lugar perto dele, então eu suponho que isso inclui esta pequena missão para encontrar os Videntes. Pena que ele não ficou por aqui tempo suficiente para eu dizer a ele que ainda quero me envolver até que tenhamos certeza de que paramos o plano de Amon. Eu continuo rolando a maçã entre as palmas das minhas mãos. — Hum, de qualquer forma, você conhece a cidade de Kagan? Você já ouviu falar dela antes?

— Eu não conhecia, mas conseguimos encontrá-la em um dos meus livros esta manhã. Você já viu esse pequeno dispositivo conveniente para descascar maçãs? — Ele põe um anel na mesa, pega a maçã de mim e coloca a maçã no ar acima do anel. Antes que eu possa dizer a ele que eu não costumo descascar minhas maçãs, a fruta vermelha brilhante começa a girar mais rápido do que o meu olho pode seguir. Quando ela para, a casca desaparece.

Eu pego a maçã e a examino com uma carranca, me perguntando para onde a casca foi. E se perguntando por que Gaius mudou de assunto tão abruptamente. Eu abaixo a maçã e olho para ele. — Chase disse a você para não me deixar segui-lo para onde quer que este farol esteja?

Parecendo encurralado, Gaius diz, — Bem, nós achamos que você não deveria ficar envolvida demais, vendo como você vai embora em breve.

— Então isso é um sim?

— Você já escolheu para onde ir? — Ele pergunta inocentemente.

Com um gemido e um revirar de olhos, saio da cozinha.

Dois dias depois, Chase ainda não retornou. Gaius me diz para não me preocupar com ele, então eu tento ignorar a voz insidiosa que diz, E se ele nunca voltar? Eu escolho algumas escolas de arte e começo a organizar um portfólio. Estamos a dois meses do ano letivo, mas espero que os artistas não sejam tão rigorosos quanto a esse tipo de coisas, como os guardiões. Vou mostrar a eles o que posso fazer e espero que uma das escolas me aceite. Eu ignoro a pequenina parte de mim que espera que eu não entre em nenhuma delas.

À tarde, eu vou para o reino humano para fazer algum exercício. Eu corro ao redor de um parque ao lado dos humanos, confortável em saber que eles não podem me ver. Quando passo por alguém comendo um bagel, começo a rir e quase tropeço nos meus próprios pés. Eu gostaria de ter dinheiro humano para poder comprar um para Gaius. Depois do meu aquecimento, fico no meio do parque e prático luta usando um bastão que eu transformei em uma lança longa. Eu giro na minha frente e nas minhas costas e sobre a minha cabeça. Eu a varro através do ar e depois me inclino para frente para bater no chão. Repito cada movimento que eu conheço. É tão bom ficar ativa que mal posso suportar a ideia de passar o resto da vida na frente de uma tela ou me debruçar sobre papel de desenho. Eu queria que a arte fosse um hobby, não uma carreira, e agora tudo vai acabar do jeito errado.

Eu me consolo com o pensamento de que pelo menos eu não estou na prisão. Pelo menos eu não tenho uma marca da Lista Griffin encravada magicamente embaixo da minha pele, então assim a Guilda pode rastrear meu paradeiro pelo resto da minha vida. Pelo menos eu tenho a chance de começar de novo.

 

***

Eu acordo e alcanço desajeitadamente os dois âmbares ao lado da minha cama. Minha mão encontra o novo primeiro e olho para ele através de um olho meio aberto e meio desfocado. Está em branco. Nenhuma surpresa. Zed é o único que tem a identificação até agora, e ele e eu não temos o hábito de enviar muitas mensagens um para o outro. O barulho que me acordou deve ter vindo do âmbar mais antigo e pesado. Eu o pego e olho as palavras em sua superfície enquanto elas entram em foco.

Parabéns, você é tia!

Eu pisco. — O quê? — Então eu me sento ereta. — O quê? — Eu pulo da cama e pego minha stylus, que rola da mesa de cabeceira e desaparece debaixo da cama. Depois de mexer debaixo dela para recuperar a stylus e murmurar sobre como isso tudo seria muito mais fácil se eu pudesse apenas ligar via espelho para ele, eu respondo à mensagem de Ryn. Então eu rapidamente tiro o meu pijama e coloco algumas roupas. Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo e corro para a sala de banho para escovar os dentes. Quando volto, há outra mensagem de Ryn. Deslizo meu âmbar no bolso de trás e corro para a porta, depois corro de volta porque me esqueci de calçar os sapatos.

Através da porta, eu ouço uma voz familiar. Eu paro no meio de colocar uma meia, só para ter certeza de que ouvi corretamente. Sim, é Chase, falando com Gaius - algo sobre confirmar que os Videntes estão de fato presos no farol. Alívio me inunda. Ele está bem! Ele provavelmente não ficará satisfeito em saber que eu ainda estou aqui, mas podemos ter essa discussão mais tarde. Sapatos colocados, eu pulo e corro para fora do meu quarto. Corro ao longo do corredor e alcanço o topo das escadas enquanto Chase se vira no final e caminha de volta.

— Oi, bom dia, tchau — eu digo enquanto corro passando por ele.

— Oi, espere. Onde você vai?

Eu paro no final e olho para cima. — Creepy Hollow. Vi teve o bebê dela!

— O quê? Isso é impossível. Ela mal está grávida.

— Não, não, ela passou algum tempo em Kaleidos. Tudo bem. Um pouco cedo, mas Ryn diz que Vi e o bebê estão bem.

— Oh, isso é bom. — Quando eu me viro, ele acrescenta, — Espere, podemos apenas — Ele corre para baixo e para ao meu lado. Percebo agora que ele está vestindo o casaco que finalmente devolvi para ele. — Podemos conversar por um momento, ou você precisa ir urgentemente?

— Bem, não, não é urgente. Estou animada para chegar lá, só isso.

— Isso não vai demorar muito. Eu só queria me desculpar por... — Ele se interrompe quando Lumethon sai da sala de estar enquanto manda mensagens em seu âmbar. Ela se dirige para as escadas sem olhar em nossa direção. Chase limpa a garganta. — Eu realmente sinto muito que eu... — A porta da fada se abre e um homem careca que eu tenho quase certeza que é um drakoni passa por ela. Ele tranca a porta com uma chave de ouro, acena para nós e cumprimenta a elfa de cabelos espetados que sai da sala de estar. A mesma elfa que trabalhou como assistente de Chase em sua loja de tatuagem e depois apareceu na ala de cura depois em que eu acordei do meu tormento na Prisão Velazar.

Os dois começam a conversar. Chase suspira, pega meu braço e abre uma das portas que levam para fora do saguão de entrada. Ele me puxa para dentro da sala, que está cheia de móveis antigos, além de aparelhos quebrados e armas semi-construídas que provavelmente começaram a vida no laboratório de Gaius. Chase fecha a porta, deixando um pequeno círculo de luz no teto como a única fonte de iluminação.

— Desculpe — diz ele. — Eu esqueci que esta era a sala de armazenamento.

— Você estava dizendo algo sobre não demorar muito?

— Sim. Desculpe pela outra noite. Eu não deveria ter falado com você tão logo depois que eu acordei. Eu não estava no estado de espírito certo, e tudo parecia um pouco... sem esperança.

— Bem, para ser justa, fui eu quem adormeci no seu quarto. Você não teria que falar comigo se eu não estivesse lá.

— Verdade. — Depois de uma pausa, ele pergunta, — Você se sentou muito ao meu lado enquanto eu estava dormindo?

Eu dou de ombros, grata pela luz escura que esconde o calor subindo para o meu rosto. — Constantemente.

— Bem, obrigada. Meus sonhos eram... horrendos. Foi um grande conforto acordar e descobrir que eu não estava sozinho. E obrigada por jogar meu caderno em mim. Ajudou.

— Eu realmente não joguei em você.

— Você devia ter jogado. Poderia ter feito algum sentido em mim enquanto você ainda estava no quarto, em vez de um dia ou dois depois.

— Bem, você sabe, eu acho que você precisava de um pouco mais de tempo para lembrar que não é um monstro, afinal.

— Sim. Estar fora na luz do dia ajudou também. Ah, e fico feliz em ver que você não me ouviu quando eu lhe disse para ir embora. Eu verifiquei o Farol Brigham, e parece que uma tentativa de resgate será mais suave se tivermos suas ilusões para nos ajudar a entrar e sair.

— Claro. — Com um sorriso, acrescento, — Eu nunca planejei ouvi-lo quando você me disse para ir embora, a propósito.

— Bom. Porque também é... — Ele respira fundo e esfrega a nuca. — Bem, é bom ter você por perto.

— É, hum, bom estar por perto. — Fantástico. Agora meu rosto está definitivamente vermelho.

— De qualquer forma, eu vou deixar você ir agora. — Ele abre a porta, e a luz brilhante que entra é chocante. Sua mão escova meu braço brevemente enquanto ele acrescenta — Por favor, passe minhas felicitações para Vi e Ryn.

Em algum lugar atrás dele, faíscas disparam de um regador e voam pelo ar. Eu me afasto antes que ele perceba.

***

 

Eu me esgueiro para dentro do cubículo na ala de cura onde Vi está na cama com um pequeno embrulho nos braços. Ela olha para mim com olhos brilhantes, e as primeiras palavras de sua boca são — Ela não é a coisa mais linda que você já viu?

Eu consigo conter o meu grito quando eu arremesso meus braços ao redor de Ryn e o aperto com força. — Parabéns, irmão mais velho. — Então eu corro para o lado da cama e olho para o pequeno pacote embrulhado. Eu escovo meu dedo suavemente contra sua bochecha macia. Eu olho para seus cílios minúsculos e sua doce boca botão de rosa. — Ela é perfeita — eu suspiro. — Qual é o nome dela?

— Victoria Rose — diz Ryn, de pé ao meu lado e colocando um braço em volta dos meus ombros.

— Tão bonito — murmuro. — Eles são nomes de família, Vi?

— Rose era o nome da minha mãe — diz ela. — E Victoria... — Um sorriso triste cruza seu rosto. — Ela era minha mentora, mas era como uma família. Ela morreu na Destruição. Eu escutava as pessoas a chamando de Tora, mas seu nome completo era Victoria. Eu não tenho certeza de como vamos acabar chamando essa pequena. Victoria, Tora, Tori...

— Vicky? Vix? — Eu sugiro.

— Bem, ela vai ser Victoria quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — o que provavelmente será frequente, se ela for parecida comigo.

— Victoria Rose — corrige Vi com uma risada. — Seus pais nunca usaram pelo menos dois nomes quando você estava em apuros?

— Então Victoria Rose quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — e talvez Tori o resto do tempo.

— E talvez ela seja Ria para seus amigos — acrescento, — porque isso soa legal e exótico. Qual cor você acha que vai ser a dela?

— É muito cedo para dizer — diz Vi, acariciando o cabelo fino e escuro de Victoria. — Geralmente leva algumas semanas para se estabelecer, não é?

— Sim — diz Ryn. — Mas eu não tenho dúvidas de que ela será tão bonita quanto a mãe, não importa qual seja a sua cor.

Vi balança a cabeça enquanto sorri para ele. — Sempre tentando ser o Sr. Encantador.

— Ei, é verdade — ele diz a ela, seu sorriso combinando com o dela. Então ele se senta na beira da cama e olha para mim. — Desculpe, eu não lhe enviei uma mensagem antes. Não me odeie, mas... ela na verdade nasceu ontem à tarde.

— O quê? — Eu dou a ele o meu melhor olhar de raiva. — E você esperou até esta manhã para me dizer?

— Eu sabia que você viria para cá imediatamente, mas os curandeiros primeiro precisavam verificar se ela era saudável - o que ela é; muita magia forte de fada bombeando através desse minúsculo corpo dela, apesar de sua chegada antecipada - e então todos os visitantes começaram a chegar, e pareceu mais fácil esperar até depois da pressa inicial. Eu sabia que seria mais seguro para você se houvesse menos pessoas indo e vindo.

— E mais seguro para você — acrescento. — Eu definitivamente não quero que você acabe com problemas, o que nós dois sabemos que você estaria se alguém me visse aqui. Falando nisso — acrescento, lançando um olhar sobre o ombro enquanto passos se aproximam da cortina. Eu rapidamente projeto a ilusão de que não estou aqui.

Uma curandeira olha para dentro e diz — Ryn, o seu pai ainda está por aí?

— Não, ele voltou a trabalhar. Está tudo bem?

— Melhor do que bem — ela diz com um sorriso largo. — A esposa dele acabou de acordar.


PARTE 4


Capítulo 30

 

 

Eu permaneço escondida no quarto de Vi mordendo impacientemente minhas unhas enquanto Ryn verifica o que está acontecendo com a mamãe. Ele volta para informar que os curandeiros entrando e saindo de seu quarto continuam o expulsando. Eu ando ao redor, meu cérebro repetindo, Ela está acordada, ela está acordada, ela finalmente está acordada! Os nervos disparam através de mim. Há tanta coisa que tenho que perguntar a ela. Muita coisa que ela precisa explicar.

Papai chega. Eu quero correr para o quarto da mamãe com ele, mas Ryn me segura, me dizendo para dar-lhes um pouco de tempo sozinhos. — Ele precisa explicar todas as coisas que aconteceram enquanto ela dormia. O fato de que nós sabemos sobre ela ser uma Vidente, e como ela foi sequestrada, e então sua expulsão da Guilda. Apenas dê a ela alguns minutos para que as coisas façam sentindo antes que você vá correndo para lá. E enquanto espera, certifique-se de que ainda está focada o suficiente para se esconder. Você não quer estragar tudo agora e acabar em uma cela na detenção no andar de baixo.

— Eu odeio quando você é tão sensato — murmuro.

Ele me dá uma tapinha no ombro. — Eu sei.

Eventualmente, depois da quarta vez em que Ryn desaparece para ver o que está acontecendo, ele volta para me dizer que posso ir até o cubículo da mamãe. Eu espero alguns segundos para ter certeza de que estou me escondendo corretamente. Ryn diz — Perfeito. Você está completamente invisível. Eu vou com você para que eu possa impedir qualquer um que tente entrar enquanto você estiver lá.

Meu coração palpita ansiosamente como asas enquanto passo por todas as cortinas flutuantes em direção onde minha mãe tem dormido nas últimas seis semanas. Ao passarmos entre as cortinas, Ryn passa a mão pelo ar. — Escudo de som — ele murmura.

Eu paro dentro da cortina. Mamãe está sentada, ofuscada pelo enorme pijama do instituto de cura. Seu cabelo fino, loiro e amarelo, está emaranhado, mas alguém fez um esforço para domá-lo desde que ela acordou. — Calla. — Ela sorri e estende a mão para mim. Papai senta em um lado da cama, então corro para o outro lado e seguro sua mão. Minhas palavras saem da minha boca. — Você está bem? Como você está se sentindo? É confuso acordar depois de tanto tempo?

Ela coloca a outra mão sobre a minha. — Eu quase não me sinto diferente do que estaria depois de acordar de um sono normal. Um pouco confusa no começo, mas de outra forma normal. Esse é o sinal de uma poção do sono de alta qualidade — acrescenta ela, abaixando o olhar quando sua expressão se transforma em culpa. Ela balança a cabeça. — Eu sinto muito por ter feito isso com você. Foi à única coisa em que consegui pensar no momento. Eu não podia deixar que ele soubesse o que eu... — Ela se interrompe, então aperta minha mão com força e olha para cima. — É seguro você estar aqui? E se alguém te ver?

— Ryn está perto o suficiente da cortina para interceptar qualquer um que tente entrar. Isso me dará tempo para me esconder. Eu posso fazer isso rapidamente agora. Eu tenho praticado muito ultimamente.

Ela acena. — Eu sei por quê. Eu sinto muito. Você sabe que eu realmente não queria que você fosse uma guardiã, mas nunca quis que isso terminasse assim para você. Nunca.

— Isso não é importante agora. Sim, é uma droga, mas... — Eu afasto a dor que reaparece toda vez que me lembro da minha expulsão. — Estou tão feliz que você esteja acordada. Eu estava realmente com raiva de você no começo, mas depois... — Aperto a mão dela enquanto sinto as lágrimas ameaçando aparecer. — Por que você não me contou, mamãe? Sobre ser uma Vidente. Eu queria ter sabido. Isso teria me ajudado a entender melhor você.

— É... — Ela balança a cabeça e olha para o outro lado. — Não é um presente, é uma maldição. Eu vi tantas coisas horríveis. E é tão desorientador, tão... perturbador. Eu odeio isso. Eu sempre quis me livrar disso. Eu só queria ser normal, então fiz o meu melhor para fingir que era.

— Mas agora que eu sei — eu digo, olhando para as nossas mãos unidas, — você vai explicar tudo? A visão que você teve que fez você fugir, e por que alguém veio atrás de você por causa disso, e por que há dois outros Videntes envolvidos em tudo isso? Por favor?

— Eu vou ter que dizer a Guilda de qualquer maneira — ela diz baixinho, — então eu deveria me acostumar a falar sobre isso. E você merece uma explicação, já que foi sequestrada e quase morta por minha causa. — Quando ela consegue encontrar meus olhos, vejo lágrimas e o enorme peso da responsabilidade em seu olhar.

Eu dou-lhe um sorriso corajoso. — Realmente, não foi tão ruim assim. — Eu não sei o quanto meu pai disse a ela, mas ela não precisa saber o quão horrível foi essa experiência.

— Bom, então — diz ela. — Eu provavelmente deveria começar pelo começo. Eu nasci uma Vidente. Eu odiei minhas visões no momento em que elas começaram. Meus pais entendiam e só queriam que eu fosse feliz, mas estavam cientes de que qualquer faerie respeitável nascida com a capacidade de Ver deveria ser treinada para apoiar o sistema de guardião. Então eles me mandaram para a Guilda Estra.

— Não foi tão ruim assim. Eu tinha amigos. Tamaria e Elayna e eu fazíamos tudo juntas. Perto do final do primeiro ano, estávamos na biblioteca certa tarde quando todas nós três fomos atingidas por uma visão ao mesmo tempo. Diferentes, mas tudo relacionado ao mesmo evento. O bibliotecário chefe estava lá. Amon. Ele nos viu entrar em colapso. Ele deve ter ouvido o que dissemos enquanto estávamos experimentando as visões.

— Quando acordamos, Amon saiu correndo para chamar um de nossos instrutores. Nós três nos sentamos juntas, tremendo e compartilhamos o que tínhamos visto. Nós costumávamos carregar pequenos espelhos de mão conosco para que pudéssemos praticar a transferência de visões se as tivéssemos. Então fizemos isso e assistimos ao horror do nosso futuro. Então, eu disse a Tamaria e Elayna que não poderíamos deixar ninguém na Guilda ver essas visões. Afinal, eram eles que iam fazer com que esse futuro acontecesse.

— Eu não sei se elas concordaram comigo. Eu não sei o que elas planejaram dizer a Guilda. Mas peguei os três pequenos espelhos e fugi. Guardiões vieram à nossa casa, é claro, mas eu me recusei a contar o que vi. Eles tentaram me ameaçar, mas meu pai os fez sair. Quando estávamos sozinhos, mostrei a ele e a minha mãe as três visões. Então ele entendeu. Ele empacotou todas as nossas coisas e fomos embora antes da manhã seguinte.

— Anos depois, ele me revelou que nunca havia destruído esses espelhos. Eu achava que ele era louco por tê-los guardado, mas ele disse, ‘E se esse futuro vier a acontecer um dia, e a única maneira de consertá-lo seja a partir dos fragmentos de informação dentro dessas três visões? Você sempre saberá a sua, mas e se você precisar ser lembrada das outras duas? Não os destrua.’ Eu não queria ouvi-lo, mas tão assustada quanto eu estava, reconheci que ele provavelmente estava certo.

Mamãe tira as mãos das minhas e tira o anel de casamento do dedo. — Eu escondi os espelhos. Eu nunca disse ao seu pai que ainda os tenho. — Ela segura o diamante em cima do anel e o gira. Ela gira até o diamante sair do anel. — Sinto muito, — diz ela, olhando para o papai agora. — Tenho certeza de que você nunca quis que esse anel fosse usado para esse propósito.

— Hum... — Papai olha para as duas partes do anel, parecendo perplexo. — Não.

Mamãe esfrega o dedo em círculos sobre o diamante até ele perder o brilho e sua forma. Ele derrete para revelar três minúsculos discos empilhados uns sobre os outros. Enquanto ela recita um feitiço de aumento, os discos se expandem. Em poucos segundos, três pequenos espelhos redondos – do tipo sem reflexo dos Videntes - estão na palma da mão dela. — Ainda está muito pequeno — diz ela. — Deixe-me torná-los um pouco maiores. — Ela aplica outro feitiço de aumento, em seguida, levanta um dos espelhos para que eu possa ver melhor. — Essa era a visão de Elayna — diz ela, enquanto os passos rápidos de papai o levam ao redor da cama para ficar ao meu lado. Ela toca a superfície do espelho e a primeira das três visões aparece.

Uma lua cheia paira em um céu estrelado. Uma criatura da noite pia, e dois sprites voam através da cena. Sem aviso, um relâmpago irregular divide o céu ao meio, trazendo consigo um som horrível que quebra a quietude da noite. Quando a luz brilhante diminui, vejo uma grande lágrima no tecido do céu. A lágrima cresce mais e, além disso... está um mundo diferente. Um reino diferente. A cena escurece e uma figura sombria aparece. Tudo o que posso ver no rosto dele é a luz verde que brilha em seus olhos. Sua voz calma envia um arrepio através da minha pele, — O véu caiu.

O espelho retorna ao seu estado prateado sem reflexo. — O véu — eu repito suavemente enquanto olho para a superfície em branco. — Significa... aquele entre o nosso reino e o humano?

Silenciosamente, mamãe concorda. Ela pega o segundo espelho. — Foi isso que eu Vi. — Mais uma vez a cena é de um céu noturno, mas no primeiro plano está uma estátua de pedra de um tridente apontando para cima. O tridente parece estar subindo de ondas oceânicas esculpidas em pedra, que por sua vez estão montadas sobre uma ampla base cilíndrica com padrões esculpidos nela. Enquanto observo, um homem caminha até a estátua e sobe facilmente sobre as ondas de pedra. Ele fica ao lado do tridente e envolve uma mão ao redor enquanto ele olha para o céu. Eu não posso ver o detalhe em seu rosto, mas eu posso apenas ver o brilho verde onde seus olhos estão.

Dois homens caminham até a estátua carregando uma mulher entre eles. Eles a colocam em cima das ondas de pedra. Outros dois homens carregam uma segunda mulher e a colocam ao lado da primeira. Elas ainda estão vivas, mas não parecem conscientes. Os quatro homens estão de guarda, dois de cada lado da estátua. Quando eles apontam suas armas para as mulheres, percebo com um choque que esses homens são guardiões. Na visão do espelho, uma bruxa avalia o peso de um machado em suas mãos. Ela acena primeiro para os homens à direita e depois para os homens à esquerda. — Agradecemos às Guildas por sua assistência. Vocês ajudaram a tornar isso possível. — Ela caminha até a estátua, olha para as mulheres e depois para o tridente. O homem segurando ele parece ficar rígido. O tridente brilha. A bruxa fala — Da magia das profundezas à magia das alturas, com sangue de um lado e sangue do outro. Junto com o maior poder que a natureza pode aproveitar, vamos rasgar este véu. — Então, com um grito bárbaro, ela gira o machado no pescoço da primeira mulher. Eu suspiro e coloco a mão sobre a minha boca enquanto o sangue jorra do lado da estátua. A bruxa se move para a segunda mulher. Enquanto ela grita e traz seu machado para baixo novamente, eu aperto minha mão em um punho sobre a minha boca. Então a luz branca brilhante oblitera tudo.

A visão acaba.

— Isso... isso foi horrível — eu sussurro. — E aqueles guardiões apenas observaram.

Mamãe engole. — E isso — diz ela, pegando o terceiro espelho, — foi o que Tamaria Viu. — A visão começa com uma visão do lado de fora de uma torre, mas ela rapidamente se aproxima, passa por uma janela estreita e se concentra embaixo. No piso redondo do túnel há uma massa de corpos se contorcendo. Centenas de pessoas, todas amarradas e gritando. A visão desce, passando por pessoas, concentrando-se em rostos individuais. — Não esse — uma voz diz, e uma pessoa é libertada. — Esse também não. Eu não lhe disse para não usar os especiais? — Um homem é libertado, e então um menino com tatuagens no rosto, uma mulher chorando e uma garota com - cabelo dourado? Meu coração pula para a minha garganta quando a visão se move para cima e para cima, e eu vejo quando uma grande pedra da mesma forma e diâmetro que a parte interna da torre cai com velocidade ofuscante e esmaga a massa de pessoas gritando. Em um flash de luz, tudo fica branco e desaparece.

Eu respiro devagar. — Isso... era eu. Quando criança e aquele homem com os olhos brilhantes. Era Draven?

— Sim — responde Ryn de perto da cortina.

— Então tudo isso deveria acontecer durante o tempo de Draven, mas não aconteceu.

— Não, não aconteceu — mamãe diz. — Algo deve ter mudado. Ou talvez muitas coisas tenham mudado. Mas se Ryn não tivesse resgatado você do Príncipe Unseelie, você poderia ter acabado como todas aquelas pessoas no fundo daquela torre. E se Draven não tivesse sido morto, essa visão poderia se tornar realidade.

— Mas não aconteceu, então que uso essas visões tem para Amon?

Mamãe coloca o espelho na cama. — Acho que ele acredita que isso ainda pode acontecer. Ele provavelmente pensa que se ele puder reunir todos os elementos certos da maneira que eles estão nessa visão, então ele pode derrubar o véu a qualquer momento. Não há nada que indique que estava restrito a esse período específico da história.

— Mas... como ele poderia conseguir todos os elementos certos juntos? Eu suponho que o raio veio de Draven, e ele... bem, ele deveria estar morto.

— Eu não sei — mamãe diz. — Tudo o que sei é que Tamaria apareceu do nada há vários meses. Eu não sei como ela me encontrou. Eu não tive nada a ver com a vida dos Videntes ou a Guilda desde que fui embora. Eu fui para a escola de negócios e depois acabei como bibliotecária em Wilfred porque eu queria algo calmo. Eu pensei que tinha me escondido perfeitamente, mas ela conseguiu me rastrear.

— Ela me contou que um homem se aproximou dela perguntando sobre as visões que nós três tivemos. Um homem que conhecia Amon. Ele queria que ela lhe dissesse exatamente o que ela tinha visto, e ele também queria saber onde ele poderia encontrar Elayna e eu. Ela se recusou a dizer-lhe qualquer coisa e, eventualmente, ele foi embora. Ela procurou por mim porque queria me avisar. Ela acreditava que este homem estava tentando juntar as informações de todas as três visões para que ele pudesse causar a queda do véu.

— Eu disse a ela que ela nunca deveria ter vindo. E se esse homem estivesse a rastreando e agora ele sabia onde me encontrar? De qualquer forma, ela foi embora e eu vivi com medo por várias semanas. Mas nada aconteceu, e eu esqueci disso. Então aquele homem invadiu e lutou contra você, e depois você mencionou o nome Tamaria, e eu sabia. Eu sabia que foi por isso que ele veio, e eu sabia que ele voltaria. É por isso que tivemos que nos mudar. E é por isso que finalmente deixei você se juntar à Guilda. Eu sabia que não estávamos mais seguros. Eu queria que você passasse o máximo de tempo possível longe de casa, e eu queria saber que você poderia se defender adequadamente se estivesse em casa quando ele invadisse novamente. Eu sempre odiei a Guilda, mas tive que deixar isso de lado sabendo que você estaria mais segura lá.

— E no fim, foi exatamente na Guilda onde eles nos sequestraram — eu digo baixinho. — Como é possível — pergunto ao começar a pensar nessas visões, — dois reinos que se sobrepõem subitamente existirem no mesmo espaço, porque a magia não os separa mais? Eles meio que se juntariam? Um destruiria o outro?

— Espero que a gente nunca descubra — mamãe diz. — Mas você entende agora porque eu não queria que a Guilda soubesse o que eu vi? Eles ajudaram com tudo o que você viu nessas visões. E apesar de muitos guardiões tentarem impedir que isso se tornasse realidade se eu compartilhasse a visão com eles, eu não queria nem mesmo colocar a ideia na cabeça de alguém, caso isso tenha causado a coisa toda.

Eu inclino meu quadril contra a cama. — Você acha que isso funciona às vezes? O ato de tentar impedir algo é o que faz com que isso aconteça?

— Sim. Talvez eu esteja errada, mas acho que sim.

— Eu me pergunto se tudo isso é possível, — papai diz, franzindo a testa enquanto olha para os espelhos, — alguém realmente fazer essas visões se tornarem realidade. As consequências seriam indescritíveis.

Eu repasso os detalhes da visão horrível da mamãe novamente. Uma torre, uma bruxa, um machado, alguém deste reino, alguém do mundo humano, um feitiço que provavelmente não é muito difícil para qualquer bruxa descobrir, uma estátua com tridente e um poderoso relâmpago produzido pelo sujeito que por acaso não está morto.

Sim. Alguém poderia definitivamente fazer isso acontecer.

— Nos disseram que podemos levar Victoria para casa — diz Ryn, voltando para o cubículo. Eu não percebi que ele tinha ido embora. — Cal, você provavelmente não deveria ficar por muito mais tempo, a menos que você permaneça escondida. Você nunca sabe quando um curandeiro pode entrar aqui.

— Eu sei. Você está certo. — Eu pego a mão da mamãe novamente. — Desculpe, não posso ficar.

— Tudo bem, eu entendo. Eu não quero que você tenha que projetar uma ilusão o tempo todo e, em então, acidentalmente escorregar porque está cansada. Além disso, — acrescenta ela com um gemido, — Eu tenho certeza de que há vários guardiões esperando para me interrogar sobre a visão que me recusei a mostrar há tanto tempo atrás.

Preocupação aperta minhas entranhas. — Apenas perguntas? Ou será algo pior?

— Eu não sei. Mas não sou mais uma criança, então eu provavelmente deveria parar de me esconder. — Ela respira fundo, um pouco trêmula. — Quaisquer que sejam as consequências por fugir da Guilda durante todos esses anos, eu vou enfrentá-las agora. — Ela tenta dar um sorriso e acrescenta, — Espero que um dia eu possa ser tão corajosa quanto minha linda filha.

— Mãe... — Minha garganta aperta e lágrimas não derramadas doem por trás dos meus olhos.

— Tudo bem, basta — papai diz. — Vamos ser positivos. Tudo vai ficar bem. Logo você estará em casa — ele diz para a mamãe, — e você poderá admirar a redecoração bagunçada que Calla fez no quarto de hóspedes.

— Ei, esse foi um dos meus melhores trabalhos, — eu protesto, permitindo que um sorriso mascare minha preocupação. Mamãe ri, mas eu posso dizer que está meio indiferente.

Eu me despeço dos dois. Então eu me lembro de ser tão corajosa quanto mamãe pensa que sou quando desço as escadas e saio da Guilda. Chase e eu temos trabalho a fazer se vamos impedir Amon de transformar essas visões horríveis em realidade.


Capítulo 31

 

 

— Minha mãe acordou! — Eu digo enquanto corro para o escritório onde Gaius e Chase estão curvados sobre um mapa.

Os dois olham para cima. — Isso é maravilhoso, — diz Gaius.

— Ela me mostrou sua visão. E as outras duas visões também. Das duas Videntes que estão supostamente naquele farol na cidade de Kagan.

— Espere, espera aí. — Chase levanta as mãos. — Você está falando sério? Você viu todas essas três visões que Amon está procurando?

— Sim. E agora você está prestes a vê-las. — Eu me viro e me concentro no espaço acima do centro da sala. — Eu gostaria de não ter que assistir isso de novo, mas aqui vai. — Eu projeto minha memória das três visões no ar. Quero desviar os olhos dos detalhes horríveis, mas não acho que funcionaria. Então meus olhos ficam atentos para tudo: a divisão no céu, as mulheres decapitadas, os corpos se contorcendo prestes a serem esmagados. Quando termino, nós três ficamos em silêncio. Uma vagem de asa de dragão se fecha em torno de um inseto. Chase esfrega a mão na testa.

— É um pouco assustador saber que eu poderia ter feito isso acontecer, — diz ele eventualmente. Ele limpa a garganta. — Mas agora finalmente sabemos o que estamos tentando impedir.

— Eu sei que isso é pedir muito — diz Gaius, — mas você poderia nos mostrar de novo?

Então eu faço. Quando termino pela segunda vez, Chase aperta os olhos para o espaço vazio e murmura, — Angelica sabe.

— Sabe o que? — Eu pergunto. — Que minha mãe acordou?

— Eu não sei. Talvez tenha sido outra coisa, mas quando falei com ela há pouco tempo, senti uma espécie de excitação nela.

— Mas como? Mesmo que haja curandeiros na Guilda que estão na verdade trabalhando para Amon ou Angelica, eles teriam que ir à Prisão de Velazar para passar a mensagem. Levaria algumas horas pelo menos. E ela não pode saber que falamos sobre a visão da mamãe. Ninguém mais estava lá para ver, e Ryn colocou um escudo de som em torno de nós.

Chase anda ao redor da sala, batendo em várias plantas penduradas em seu caminho. — Eu não sei. Ela está feliz com alguma coisa e isso não é bom para nós. Precisamos parar isso antes mesmo de começar.

— Espere — eu digo. — Apenas espere. É realmente possível? Você acha que Amon poderia forçá-lo a fornecer aquele raio de energia?

— Eu não planejo deixá-lo fazer qualquer coisa do tipo, mas eu não descartaria que ele encontrasse outra fonte de poder.

— Como o quê?

Chase olha para Gaius. — Boa pergunta.

Gaius coça o queixo. — Por que todas essas pessoas tiveram que ser esmagadas?

— Outra boa pergunta — diz Chase. — E eu sei o que você está pensando. Foi esse o poder que foi selado?

— Do que vocês estão falando? — Eu pergunto a eles.

— Não é importante agora — diz Chase. — Vamos começar pelo simples. Aquela estátua. Se a destruíssemos, isso impediria que isso acontecesse ou alguma estátua de pedra poderia tomar seu lugar?

— Você pode estar no caminho certo — diz Gaius. — Isso não é apenas uma estátua. Eu definitivamente já vi isso antes. É... oh, eu sei. Hum. Oh! — Ele estala os dedos. — O Monumento ao Primeiro Rei Mer.

— ‘Da magia das profundezas,’ — eu recito. — Então esse monumento tem algum tipo de poder?

— Eu acredito que sim. Está como guarda sobre a entrada do Reino Mer.

— Então eu estou supondo que os sereianos não aceitariam muito gentilmente que nós o destruíssemos — eu digo.

— Podemos organizar algum tipo de proteção extra em torno dele, enquanto informamos o Rei Mer da ameaça — diz Chase.

— Tudo bem. Então, para onde exatamente estamos indo?

— Hum... — Gaius estala os dedos mais algumas vezes e olha para Chase. — Está em algum rio subterrâneo, não é? Na foz, onde o rio encontra o oceano?

— Não olhe para mim — diz Chase. — Eu não estudei neste reino.

— Não teria ajudado se você tivesse estudado, — eu digo. — Aprendemos tudo sobre as Cortes Seelie e Unseelie, mas quase nada sobre a realeza menor. Eu nunca vi esse monumento antes.

— Tenho certeza de que posso encontrá-lo — diz Gaius, indo até a prateleira mais próxima e examinando as lombadas dos livros. — Só me dê meia hora.

Chase suspira. — A Internet seria tão útil agora. — Ele olha para o outro lado da sala para o relógio cuco, que nos mostra que é quase meio-dia. — Tudo bem, eu estou convocando uma reunião. Podemos enviar duas pessoas para a missão de resgate das Videntes, e o resto de nós pode lidar com esse monumento do Rei Mer. Se Angelica souber de alguma forma o que está acontecendo, eu não quero que nenhuma das pessoas que trabalha para ela chegue primeiro. Vejo você lá embaixo em uma hora, Gaius.

— Mm hmm, — diz Gaius distraidamente, puxando um livro da prateleira.

Chase acena em direção à porta, indicando que eu deveria andar com ele. — Você está dentro? — Pergunta ele, uma vez que estamos fora do escritório. — Você pode voltar para suas inscrições na escola de arte e planos de identidade falsa quando terminarmos.

— Claro que estou — digo-lhe quando o mesmo tipo de antecipação animada que sinto no início de cada missão se agita dentro de mim. — Eu não deixaria você me deixar de fora, mesmo que você quisesse.

 

***

 

Uma hora depois, me encontro na área da montanha que eu não tenho permissão para explorar ainda. A área onde todos os outros que entram neste lugar parecem desaparecer. A única vez que estive aqui foi quando Chase se ofereceu para me mostrar as gárgulas, e essa visita não durou muito tempo.

Eu ando com Chase ao longo de um corredor largo, passando por salas que estou intensamente curiosa para saber mais. Eu ouço vozes quando nos aproximamos de uma porta entreaberta. Incapaz de conter meu entusiasmo, encontro as palavras — Isso é tão excitante — passando pelo ar adulto que estou tentando retratar.

Em vez de olhar para mim como se eu fosse uma criança cansativa, Chase sorri. — Imagine se você pudesse fazer isso todos os dias. — Então ele abre a porta completamente e gesticula para eu andar na frente dele. Eu entro na sala e encontro cinco pessoas sentadas em volta de uma mesa oval. Eu conheço Gaius e Lumethon, e eu conheci a garota elfa quando ela estava posando como assistente de Chase no Wickedly Inked. O homem careca drakoni é o que eu vi antes de Chase me puxar para o depósito. Agora que o vejo de perto, percebo que ele também esteve no Wickedly Inked no dia em que fui lá encontrar Chase. A única pessoa desconhecida é o cara faerie que cruza os braços e franze a testa para mim.

— Obrigado por vir, pessoal — Chase diz quando ele se senta em uma extremidade da mesa. Eu escorrego na cadeira à sua esquerda. — Sei que geralmente lhes dou um pouco mais de tempo, por isso peço desculpas por isso, mas finalmente sabemos o que nossos presos favoritos de Velazar estão fazendo, e precisamos intervir rapidamente.

— Hum, apresentações primeiro. Calla, você já conhece Gaius e Lumethon. Essa é Ana — ele gesticula para a elfa ? Kobe ? o drakoni e Darius. Todo mundo, essa é Calla. Ela sabe tudo sobre a situação Amon-Angelica. Tudo bem, então... — Chase estende a mão através da mesa e puxa um dos mapas de Gaius em direção a ele.

— Cara — diz Darius — você não pode simplesmente trazer uma garota aleatória para o círculo. Nós lidamos com coisas altamente confidenciais aqui.

Chase olha para cima com uma carranca. — Ela não é uma garota aleatória.

— Bem. Você não pode simplesmente trazer sua namorada para isso.

— Eu não sou namorada dele — eu digo imediatamente.

— Tanto faz. — Darius vira seu olhar azul escuro para mim. — Ana viu vocês entrarem no depósito juntos.

Eu cruzo meus braços. — Nós estávamos tendo uma conversa particular.

Darius bufa. — É assim que eles chamam hoje em dia?

Minha pele fica quente, e eu coro para parar antes de chegar ao meu rosto. — Você é realmente muito rude, você sabia disso?

Darius sorri. — Então, como eu disse. E eu não estou julgando, a propósito. Todos nós achamos que é hora de Chase ter algum...

— Olha, Darius pode ser rude — Ana interrompe, — mas ele também tem um ponto. Ela não faz parte da equipe, Chase.

— Sim, eu so — eu digo antes que possa parar para pensar sobre as palavras. Quando saem, percebo que estou falando sério. Claro que eu quero dizer elas. Por que eu iria querer a escola de arte quando eu poderia ter isso? Fazer parte de uma equipe, fazer planos, lutar contra vilões, destruir tramas perigosas e salvar vidas. É tudo que eu sempre quis.

Eu percebo que todo mundo está olhando para mim, incluindo Chase. Eu limpo minha garganta. — Eu faço parte da equipe. Chase concedeu o convite, e eu aceitei. — Eu mantenho meu olhar desviando dele, no entanto, porque eu não tenho certeza se ele realmente concedeu o convite. Foi Gaius quem sugeriu que eu ficasse por perto e trabalhasse com ele, não é?

Em vez de me contradizer, no entanto, Chase diz — Sim, desculpe, eu deveria ter avisado sobre isso. — Eu sinto uma mudança em sua voz. — Calla é o mais novo membro da nossa equipe.

Darius se inclina para trás em sua cadeira, ainda me observando. — Bom, então. Como todos nós temos nossas áreas de especialização, o que exatamente você pretende adicionar a essa equipe, Calla... além de um rosto bonito?

Eu pisco para ele. Um segundo depois, uma manticora cai do ar e bate na mesa. Gritos e suspiros enchem a sala enquanto a manticora se equilibra sobre pés de leão com garras e abre a boca para emitir um rugido desumano. Darius sai do caminho e cai da cadeira quando o ferrão da manticora dispara para frente para atacá-lo. Ele joga as mãos para liberar magia...

E a ilusão some.

Respiração pesada é o único som na sala. Eu me inclino para trás na minha cadeira e cruzo uma perna sobre a outra. — Eu acho que minha utilidade se estende além de um rosto bonito.

Darius lentamente vira seu olhar horrorizado para mim. Então ele começa a rir. Ele aponta para o ar vazio, olha para Chase e diz — Você poderia ter começado com essa informação.

Chase, o único que não se assustou com a visão da manticora, diz — Eu não tinha certeza se tínhamos tempo para demonstrações dramáticas, mas agora vejo que era necessário. De qualquer forma, vamos voltar para a parte onde Amon e Angelica planejam derrubar o véu que separa o reino fae do humano.

A atenção de todos volta para Chase.

— O quê? — Darius exige, retornando rapidamente à sua cadeira.

— Você está brincando — diz Ana. — Certamente isso não é possível.

— De acordo com três visões separadas, é. Calla viu todas elas. Infelizmente, Angelica também.

Eu respiro fundo. — Você tem certeza?

— Sim. Eu não sei como, mas ela sabe. Talvez alguém com ilusões ou um dom da invisibilidade estivesse escondido no quarto da sua mãe enquanto ela lhe mostrava as visões. — Chase remove o anel de telepatia do bolso e o coloca na mesa à sua frente. — Eu falei com ela agora mesmo. Ela me disse que recebeu a notícia de que o terceiro Vidente, aquele que foi resgatado, revelou sem saber sua visão. Angelica então disse que se eu ainda quiser fazer parte do plano dela, eu preciso encontrar um de seus lacaios no Monumento ao Primeiro Rei Mer hoje à noite para que eu possa ajudá-lo a roubá-lo.

— Eu suponho que seja um detalhe da visão — pergunta Lumethon.

— Sim.

— Então Angelica ainda confia em você — diz Gaius. — Isso é bom.

— Sim. Então, precisamos chegar primeiro, garantir que o monumento fique seguro, e então pedir uma audiência com o rei dos sereianos para que possamos convencê-lo de que seria do interesse de todo o mundo fae que ele ordenasse que seu monumento fosse destruído.

— Ótimo — diz Darius, colocando as mãos atrás da cabeça. — Eu amo uma missão fácil na tarde de terça-feira.

— Você não vai — Chase diz a ele.

— O quê?

— Você e Lumethon vão resgatar as outras duas Videntes. Se Angelica e Amon acham que têm toda a informação de que necessitam agora, então que razão eles têm para manter vivas as Videntes? Já que não gostamos de deixar as pessoas morrerem, vocês dois cuidarão disso. — Ele desliza um mapa sobre a mesa para Darius. — Confirmei que elas estão no farol — diz ele, tocando em uma área do mapa antes de se inclinar para trás.

Resmungando baixinho, Darius pega o mapa e se aproxima de Lumethon para que possam examiná-lo juntos.

— Gaius, você descobriu onde está o monumento? — Chase pergunta.

— Sim. É na foz do Rio Wishbone, mais abaixo, onde a água doce se junta à corrente do oceano. — Gaius vira um livro aberto e o empurra para Chase, para que ele possa ver a ilustração na página. — É um sistema de rios subterrâneos paralelos, um em cima do outro. Como os rios são considerados parte do território dos sereianos, eles são inacessíveis a partir dos caminhos das fadas. A única maneira de chegar ao fundo é descer pelos redemoinhos encantados de um rio para o outro. Os redemoinhos se formam em lugares diferentes em cada rio, mas a ideia parece ser bastante simples. Você deixa a corrente levá-lo até que um redemoinho o sugue. Você cai no próximo rio e repete o processo até chegar ao fundo.

A explicação de Gaius é recebida com silêncio. Então Chase diz — Bem, eu não posso dizer que já viajei assim antes, mas suponho que isso seja totalmente normal para um sereiano.

— Provavelmente — Gaius responde. — Quando você chega ao rio mais baixo, deixa que ele o leve até que o sistema de cavernas termine. Nesse momento, você está realmente abaixo do fundo do oceano. — Gaius aponta para uma parte da ilustração. — Se você deixar o rio te levar para mais longe, você vai acabar no oceano no reino dos sereianos. Você não precisa ir tão longe, no entanto. Na última caverna é onde você encontrará este monumento. E há guerreiros ou guardas ou o que eles chamam de nadadores nessa área, então você pode falar com eles sobre ver o rei.

— E como exatamente saímos? — Pergunta Ana.

— Ah, sim, eu vi algo sobre isso. — Gaius puxa o livro de volta e o folheia. — Algo sobre um portal... — Ele vira outra página. — Sim, aqui está. No final do último rio, pouco antes de entrar no mar, um pouco abaixo à direita, onde ficam estas rochas. Existe um redemoinho permanente que é na verdade um portal. Você pula dentro dele e acaba no rio de cima novamente, que está aberto para o ar, então você pode facilmente sair e abrir um portal para os caminhos das fadas.

— Parece divertido — eu digo, puxando o livro para mais perto para que eu possa dar outra olhada nos desenhos. Os sistemas de cavernas parecem bastante grandes, então não tenho que me preocupar com espaços confinados sendo um problema. E enquanto a ideia de ser sugada para dentro de um redemoinho parece um pouco assustadora, não pode ser tão ruim se os sereianos fazem o tempo todo.

— Kobe, Ana, Calla, — diz Chase. — Vocês sabem nadar, certo?

Nós três concordamos.

— Então vamos seguir nosso caminho. — Enquanto nós cinco levantamos e colocamos as cadeiras no lugar e ajudamos a juntar livros e mapas, Chase abaixa a voz para que só eu possa ouvir. — Eu sabia que você ficaria. — Seu olhar está focado no mapa que ele está dobrando, mas eu posso ver seus lábios puxados para um lado.

Eu me lembro de Ryn me perguntando se era a Guilda que eu tanto queria, ou o que a Guilda representa. Eu sorrio para mim mesma quando respondo — Eu acho que eu também.


Capítulo 32

 

Nós escolhemos nosso caminho através dos emaranhados arbustos crescendo na margem do rio mais alto do Rio Wishbone, enquanto o sol se aproxima do horizonte. — Sua equipe é... interessante — eu digo para Chase, mantendo minha voz baixa para que Ana e Kobe, caminhando um pouco atrás de nós, não ouçam.

— É sua equipe também agora — diz Chase. — A menos que você tenha mudado de ideia. Você não passou pelo ritual de sangue de iniciação, então, tecnicamente, você ainda não está ligada a nós.

Meus passos ficam lentos quando eu franzo a testa para ele. — Ritual de sangue?

Seu rosto sério se abre em um sorriso. — Estou brincando.

— Droga. — Eu consigo me impedir de sorrir. — Aqui eu estava ansiosa para derramar meu sangue como forma de demonstrar meu compromisso.

— Se é assim que você gostaria de provar seu compromisso, não tenho dúvidas de que você logo terá a chance. — Sua expressão fica séria e seus olhos encontram os meus quando paramos de andar. — Isto não é exatamente um jogo seguro que estamos jogando.

— Nunca é quando as vidas das pessoas estão em jogo.

Ele olha para a água. — Esta é uma vida perigosa que você escolheu, Calla.

Eu coloco minhas mãos em meus quadris, pronta para brigar com ele, se ele quiser ser superprotetor, como Ryn é. — Assim é a vida de um guardião, e fiquei feliz em escolher aquela. Eu nunca quis trilhar o caminho seguro.

— Eu sei. Eu nunca sonharia em dizer que você não pode escolher esta vida porque é muito perigosa. Suas escolhas são suas. Eu só queria te lembrar de ter cuidado. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você.

— Chase. — Eu coloco minha mão em seu braço para que ele olhe para mim. Então ele vai saber o quão séria eu estou. — Eu não tenho certeza se você está ciente disso, então me deixe dizer para você. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você. Nós dois precisamos ter cuidado.

Parece que ele quer dizer alguma coisa, mas Ana e Kobe nos alcançam. — É aqui que entramos? — Kobe pergunta.

Eu tiro a mão do braço de Chase, feliz por ter conseguido evitar a emissão espontânea de magia que poderia derrubar uma árvore ou atear fogo em suas roupas ou lançar uma onda da água do rio sobre nós. Teria sido estranho ter que explicar. Eu esfrego minha mão na parte de trás do meu pescoço enquanto Chase diz, — Sim. Aquela rocha é o marcador. — Ele aponta para trás de nós para uma rocha suave e oval com marcas sobre ela, que se ergue entre os arbustos. — Os redemoinhos aparecem daqui em diante.

Nós deslizamos pela parte barrenta da margem e entramos na água, que é fria o suficiente para causar um arrepio na minha pele. Existem inúmeros feitiços que eu poderia usar agora - roupas impermeáveis, aquecer a água ao meu redor, uma bolha de ar ao redor do meu corpo inteiro - mas eu prefiro conservar minha energia. Isto é apenas o começo da nossa missão, afinal.

Nós caminhamos até onde não é mais raso o suficiente para ficar de pé e deixamos a corrente nos puxar. — Então agora esperamos que um redemoinho apareça e nos sugue? — Pergunta Ana.

— Esse é o plano — diz Chase.

— E se isso não acontecer? — Eu pergunto. — Há uma cachoeira em algum ponto ao longo deste rio antes de encontrar o oceano?

— Sim, mas os diagramas mostraram numerosos redemoinhos aparecendo antes disso.

— E se esses remoinhos só aparecerem para os sereianos? — Ana diz. — Só vamos descobrir quando chegarmos à cachoeira. Eu não tenho o tipo de magia que você tem, e eu particularmente não quero acabar sendo esmagada nas rochas no fundo de uma cachoeira.

— Ana — diz Chase. — Eu já deixei você cair em uma cachoeira antes?

— Bem, não, mas eu nunca...

— Exatamente. Você não tem nada com o que se preocupar.

— Mulheres — resmunga Kobe. — Sempre se preocupando.

Ana nada para o lado na água até estar perto o suficiente de Kobe para dar um soco no braço dele.

Começo a pensar em qual magia eu vou usar se acabarmos na beira de uma cachoeira, mas eu mal consigo fazer um plano quando de repente eu me sinto sendo puxada para o lado pela água.

— É isso! — Chase grita.

— Oh, merda, oh merda — eu arquejo quando nós somos puxados violentamente pela corrente do turbilhão do redemoinho e eu fico abruptamente consciente de como isso é uma má ideia.

— Pare, pare, pare! — Ana grita. — Eu não quero mais fazer isso!

— Apenas vá — grita Chase.

O redemoinho se forma rapidamente, criando um buraco no centro maior do que eu imaginava. Eu luto contra o desejo em pânico de me lançar magicamente para fora da água e, em vez disso, me deixo ser puxada para o vórtice. Eu giro ao redor e ao redor e para baixo, completamente fora de controle, a corrente terrivelmente forte, minha claustrofobia gritando para mim que estou sendo sugada para um buraco sem ar, e então...

Estou caindo.

Um segundo depois, mergulho em um rio mais frio do que o que eu acabei de deixar. Eu nado para cima em meio ao fluxo de bolhas, de novo e de novo, até que minha cabeça finalmente quebra a superfície da água. Eu respiro junto com um alívio intenso. Eu não sei por que eu não considerei o quão aterrorizante isso seria antes de realmente começar, mas provavelmente foi uma coisa boa eu não pensar sobre isso.

Eu nado em direção a Chase e Kobe, assim quando Ana aparece. Eu olho em volta enquanto nado, observando a beleza da vasta caverna subterrânea por onde o rio flui. O teto e as paredes estão cobertos de manchas de uma luz púrpura, enchendo a área com um brilho roxo. A rocha em si é escura, e eu quase posso imaginar que estou olhando para um céu noturno.

— Isso foi horrível — diz Ana depois de vários arquejos. Seu cabelo curto e escuro, normalmente espetado em todas as direções, está plano ao redor do seu rosto. — Por quantos rios temos que passar antes de chegarmos ao fundo?

Isso é exatamente o que eu estava tentando não pensar.

— Mais quatro — diz Chase, enquanto a corrente nos puxa suavemente. — Mas foi tão ruim assim?

— Foi bastante assustador — eu admito, principalmente para que Ana não pense que ela é a única que estava com medo. Com base nas poucas interações que tivemos, ela não parece gostar muito de mim. Como vamos nos ver muito mais agora, eu gostaria de mudar isso.

— Desculpe, mas acho que você não pode sair sem primeiro ir até o fundo, — diz Chase.

— Eu não quero ir embora — diz Ana. — Eu me comprometi com essa missão. Só estou te avisando que provavelmente vou gritar em todas as descidas que... Tuuudo bem, aqui vamos nós de novo.

Sem nenhum aviso, a corrente suave de repente gira em torno de um círculo girando, nos levando com ela. Mesmo que eu diga a mim mesma repetidamente que isso não vai me matar, ainda é terrível ser sugada de um lado para o outro em um círculo cada vez menor até que a queda súbita venha. A caverna em que caímos desta vez é verde. Não há manchas de luz, mas um brilho verde nas paredes da caverna que reflete na água. Também é mais quente que as duas primeiras, e estou agradecida. Kobe e Ana surgem mais à frente. Chase e eu nos juntamos à corrente atrás deles, flutuando sobre nossas costas e olhando para as paredes brilhantes enquanto a água puxa nossos pés primeiro.

— Alguém quer apostar qual será a cor do próximo rio? — Chase grita.

— Podemos simplesmente apostar que todos vamos chegar ao fundo vivos? — O grito de resposta de Ana chega.

— Então isso é um não? — Chase pergunta.

— Nãooooonãonãonão! — Ana grita, o que provavelmente significa que outro redemoinho começou. Eu ainda não sinto nenhum puxão na água, no entanto. Eu abaixo minhas pernas e corpo abaixo da superfície para que eu possa olhar para frente.

— Vamos lá — diz Chase para mim, arrastando pela água com braçadas fortes. — Não quer perder a viagem, não é?

Ana e Kobe desaparecem no vórtice enquanto Chase e eu nadamos em direção a ele. A corrente do redemoinho nos pega - e então a água diminui e o buraco se fecha e, em segundos, a água espirrando se torna uma corrente suave mais uma vez. — Merda — eu murmuro. — Isso não aconteceu.

— Está bem. Haverá outro — diz Chase. — Vamos continuar.

Continuamos flutuando rio abaixo, a corrente um pouco mais rápida agora do que era antes. Chase está observando o teto passar novamente, mas eu mantenho meus olhos fixos firmemente à frente desta vez. Parece que a caverna termina abruptamente à frente, mas isso não pode estar certo. Eu olho através do brilho verde e percebo que a caverna não acaba - mas se torna extremamente estreita, forçando o rio a fluir através de três aberturas que são nada mais do que rachaduras na parede de pedra.

— Oh, não. — Eu começo a nadar contra a corrente. — Não, não, não. Eu não vou passar por aí. — Eu posso lidar com os redemoinhos porque eles acabam tão rápido que eu mal tenho tempo para entrar em pânico, mas não isso. Não essas fendas escuras na parede.

Chase flutua passando por mim quando eu me viro. — Ei, tudo bem — diz ele. — Gaius verificou todo o percurso. Ele disse que não há nenhuma parte no rio que seja estreito demais que não dê para passar.

— Não vai acontecer. — Eu começo a nadar na outra direção, puxando a água com tanta força quanto eu tenho.

— Calla, não há outro lugar para você ir — diz Chase de algum lugar atrás de mim.

— Eu não me importo. Eu não posso fazer isso. — Minha voz soa um pouquinho em pânico enquanto eu luto contra a correnteza.

— O que você quer dizer com você não pode... — Ele para enquanto eu continuo batendo na água e chegando a lugar nenhum. — Você está brincando? — Pergunta ele. — Claustrofobia? Esse é o seu problema?

— Sim! E eu não vou...

— Apenas relaxe e flutue.

— Eu não consigo relaxar! — Espere, eu posso usar magia. Acrescentar força aos meus golpes – vou nadar para trás até nós cairmos - esperar pelo próximo...

— Pare — diz Chase, nadando para perto de mim e pegando meu braço. — Apenas flutue, ok?

— Eu não posso simplesmente...

Ele agarra minhas duas mãos. — Por que você não flutua de costas, e assim você não vai ver...

— Não! — Eu não sei por que, mas será ainda pior se eu não puder ver para onde estou indo.

— Está bem, está bem. Eu vou para trás e você só olha para mim, não para as paredes.

Balanço a cabeça furiosamente enquanto observo o rio se estreitando e os três buracos se aproximando. Estamos indo para o meio e não há como pararmos agora.

— Ei, você nunca me contou sobre o bebê de Vi e Ryn.

— O quê? Isso é... não... — O buraco horrível na parede fica cada vez mais próximo.

— É uma menina ou um menino?

— Hum... uma menina.

— Ei, olhe para mim — instrui Chase. — Qual é o nome dela?

— Victoria. — O nome sai em uma corrida de ar quando a água nos leva para o buraco. Eu me forço a olhar para Chase, mas as paredes verdes cintilantes estão bem ali. — Nós vamos ser esmagados, vamos ser esmagados, vamos ser esmaaaaagados! — Minha voz aumenta para um grito e fecho meus olhos com força enquanto a correnteza aumenta. Nós somos atirados para o ar e perdemos a mão um do outro. Abro os olhos a tempo de ver a continuação do rio verde antes de mergulhar sob sua superfície.

Eu luto através das bolhas até encontrar ar e uma enorme caverna e espaço, espaço e espaço. — Eu consegui — eu arquejo enquanto me afasto das três cachoeiras. — Eu não fui esmagada. Eu não fui amassada. Oh, o espaço é tão incrível. — Eu olho em volta e encontro Chase por perto.

— Então, deixe-me ver se entendi — ele diz enquanto eu nado em direção a ele, sua voz mal dando para escutar acima da água trovejante atrás de mim. — Você tem a imaginação mais poderosa que eu já conheci, mas você não pode imaginar sair de um pequeno espaço?

— É... só... não funciona assim. — Esta parte do rio quase não está de movendo, então sem uma correnteza para nos carregar, continuamos nadando para longe das cachoeiras.

— Mas tudo que você tem a fazer é imaginar, certo? — Chase diz. — Então é isso que você vai ver.

— Não quando estou enlouquecendo! Eu não posso me concentrar quando estou em pânico.

— Então você tem que decidir não entrar em pânico.

— Não é tão simples assim. Você não sabe o que é...

A água entra em erupção entre nós, nos jogando no meio de dois redemoinhos separados. — Vejo você no próximo rio — grita Chase quando me sinto sendo arrastada irresistivelmente para o vórtice. Este fica mais largo e profundo do que os outros, me arremessando até que eu mal posso respirar antes de finalmente me deixar cair no próximo rio. Estou tão desorientada que não sei qual é o caminho para cima. Enquanto fico sem ar, tento formar uma bolha no nariz e na boca. Então me sinto levantando devagar e dirijo minhas mãos para debaixo de mim. Com um jorro de energia, eu me atiro para a superfície.

Ar delicioso enche meus pulmões enquanto caminho pela água e olho em volta. Eu estou em uma caverna vermelha com uma parede lisa de um lado e uma coleção de pedras do outro. A luz vermelha parece vir de algum lugar abaixo de mim. Do leito do rio, provavelmente. Eu me viro na água, procurando por Chase, mas não o vejo. Eu também não vejo Kobe ou Ana, então assumo que significa que o próximo remoinho já os levou.

— Chase? — A correnteza quer me afastar, mas eu não vou a lugar algum sem ele. Eu nado contra a água até chegar ao lado rochoso do rio, então tenho algo para me segurar. — Chase! — Eu chamo de novo. Ele já deveria ter chegado. Tentando vencer meu pânico, eu bato na água com as palmas das mãos e grito, — Onde você está?

— Ei, acalme-se, estou aqui. — Eu me viro e o vejo molhado e subindo em uma das rochas ao lado da água. — Desculpe, eu fui levado para baixo depois que caí e levei um tempo para voltar. — Ele volta para a água e nada em minha direção. — Você não estava seriamente em pânico por estar sozinha aqui, não é?

— Não, seu idiota. — Eu espirro água nele. — Eu estava com medo de você estar morto.

Ele espirra água de volta em mim, embora não tão forte. — Não se preocupe, vai precisar muito mais do que uma cachoeira subterrânea para acabar comigo. Nem mesmo um morioraith pode terminar o trabalho.

— Sim, bem, isso poderia ter terminado de forma diferente se eu não tivesse colocado minha própria confusão de lado por você enquanto eu batia pedaços de metal que eu alonguei magicamente como alguém em um transe enlouquecido.

Ele para de caminhar na água e envolve um braço em volta da rocha que eu estou me segurando. — Foi isso que aconteceu antes de Lumethon chegar lá?

— Sim. — Eu olho para longe, envergonhada agora que eu compartilhei os detalhes dessa experiência. — Eu admito que não foi o meu resgate mais heroico, mas funcionou.

— Heroico ou não, eu sou muito grato. Acho que nunca te agradeci depois que acordei.

— Não. — Eu me concentro na água vermelha passando entre nós. — Eu acho que você acabou me dizendo que você era um monstro e que eu deveria ir embora. Ah, e você se desculpou. E eu me desculpei. Houve muitas desculpas acontecendo. — Eu adiciono um sorriso quando olho para ele, então ele vai saber que não precisamos fazer disso uma conversa séria e pesada. Percebo, então, que seus olhos estão castanhos, em vez do cinza-verde de suas lentes de contato. Estou prestes a comentar quando um redemoinho aparece não muito longe de nós. — Rápido — eu digo, mergulhando em direção a ele.

Este é mais rápido que o anterior, me jogando para baixo antes que eu possa ter a chance de ficar tonta demais. Uma fração de segundo antes de atingir o próximo rio, meu corpo para, como se estivesse suspenso no ar por uma corda invisível. Então eu pulo a distância final. Levantando-me, percebo por que. A água - mais quente que qualquer um dos rios até agora - é rasa, chegando logo acima da minha cintura. Cair nesta água de uma grande altura não terminaria bem.

— Isso é incrível — diz Chase, olhando em volta enquanto se levanta.

Eu tenho que concordar com ele. A água parece ouro líquido ou tinta dourada. Mas quando a pego e deixo escorrer entre meus dedos, deixa minhas mãos limpas, então talvez seja apenas um reflexo das paredes da caverna de ouro. — Lindo — murmuro, — e muito, muito quente. — Tão quente que eu posso ver o vapor subindo. — Isso ainda conta como um rio se não está se movendo?

— Eu acho que está se movendo apenas um pouquinho — diz Chase. — Mas ei, nenhum destes são rios normais, então quem sabe.

— Sim. — Eu sorrio para ele e me vejo percebendo seus olhos novamente. — O que aconteceu com suas lentes de contato?

— Elas não se dão bem na água. Eu as perdi depois do primeiro redemoinho.

— Bem, eu prefiro ver seus olhos verdadeiros — digo a ele, e depois desejo não ter dito, porque parece que nos levou a uma conversa sem saída. Estranho, já que não consigo tirar meus olhos dos dele. Segundos passam e algo em seu olhar muda. Algo que me faz sentir... — Droga, está quente aqui. Eu não aguento. — Eu desfaço rapidamente os botões da minha jaqueta enquanto o calor ameaça me dominar. Que sorte que eu escolhi usar um top por baixo, em vez de algo com mangas compridas.

— Sim — diz Chase, tirando sua jaqueta. — Definitivamente muito quente.

— Sabe, eu estive pensando em fazer uma tatuagem — eu digo enquanto tiro as mangas molhadas da minha jaqueta. Deixo flutuando na água ao meu lado.

— Ah, hora do dragão gigante nas suas costas.

— Quase — eu digo com uma risada, — mas não completamente. Eu vi algo na sua mesa que eu realmente gostei. Um desenho a tinta de uma fênix.

— Uma fênix — diz Chase, balançando a cabeça lentamente. — Nova vida, novo começo.

— Eu sei, não é exatamente uma ideia original, mas quero algo que simbolize minha nova vida. E seu desenho é único. Ninguém mais terá nada parecido. Quero dizer, se você me deixar usá-lo.

— Claro que eu vou deixar.

— Eu estava pensando na metade superior das minhas costas, chegando até a base do meu pescoço. — Eu puxo meu cabelo molhado para o lado e estendo a mão para tocar o topo da minha espinha. — E então as asas se estendendo até os ombros de ambos os lados. O que você acha?

Chase acena. Ele limpa a garganta e diz — Seria perfeito.

Mais uma vez, algo parece diferente entre nós. Eu sei o que é. Eu sei exatamente o que é, e estou esperando que fontes da água dourada comecem a se espalhar à nossa volta a qualquer momento. Eu deveria dizer alguma coisa, mas eu não sei como ou por onde começar, e eu não sei se sou corajosa o suficiente. Eu inspiro profundamente - porque, sério, o que aconteceu com o ar aqui? - e olho em volta. Onde está esse maldito redemoinho? Apenas mais um para ir, certo? — Hum, por que eles chamam de Rios Wishbone?{1} — Eu pergunto, aliviada por ter pensando em algo sobre o que falar. — As pessoas acham que os desejos se realizam aqui?

Chase coloca a água dourada nas mãos e a deixa correr entre os dedos. — Talvez eles se realizem, mas o sistema recebeu o nome do rio de cima, que tem a forma de um osso da sorte. Na verdade, são dois rios, unidos na foz, aonde eles vão para o mar. Apenas o lado direito tem redemoinhos, porém, e os rios paralelos abaixo dele. — Ele olha para cima e acrescenta, — Eu verifiquei com Gaius antes de sairmos, apenas no caso de haver algum tipo de magia estranha com que teríamos que lidar aqui.

— Magia de desejo — eu digo, ponderando a ideia enquanto eu passo meus dedos lentamente pela água. — Se os desejos pudessem se tornar realidade, o que você desejaria?

— Eu desejaria... — Ele desvia o olhar para o rio dourado. — Eu gostaria de ser outra pessoa. Apenas um faerie normal em vez da pessoa que estragou tudo. Eu gostaria que eu pudesse encontrá-la em circunstâncias completamente comuns, e eu gostaria que você ainda pudesse me ver do jeito como me viu naqueles últimos minutos sob o dossel de flores antes de tudo desmoronar. — Ele sorri enquanto retorna seus olhos para os meus. — São muitos desejos?

Eu seguro seu olhar enquanto considero minhas palavras cuidadosamente, e percebo que, afinal de contas, sou corajosa o suficiente. — Talvez alguns desejos se tornem realidade — digo a ele, minhas palavras deixando minha língua lentamente. Eu quero ter certeza que ele vai ouvir todas elas. — Ou talvez você simplesmente ainda não tenha percebido que algumas coisas não precisam ser desejadas. — Eu olho para baixo e pego sua mão na água. Eu deslizo meus dedos entre os seus antes de acrescentar — Quero dizer, por que você desejaria algo que já tem?

Pequenas gotas douradas da água levantam do rio e se enroscam ao redor do meu braço e ao redor dele. Luzes douradas brilham nas paredes da caverna ao nosso redor. Meu coração ruge e estou me perguntando o que aconteceu com o ar novamente. Eu não tenho esperança de encontrá-lo, no entanto, porque quando eu levanto meus olhos mais uma vez, o olhar ardente de Chase é o suficiente para roubar meu fôlego e enviar um calor ardente através das minhas entranhas.

Ele levanta nossas mãos entrelaçadas e as solta. Ele passa os dedos pelos meus braços, transformando o fogo na minha pele em um arrepio. Suas mãos continuam até chegarem ao meu pescoço. Ele se inclina para frente, seu rosto parando a centímetros do meu. — Você realmente quer dizer isso? — Ele pergunta, sua voz rouca.

Com asas de sprite batendo loucamente no meu estômago, eu pressiono um beijo em sua mandíbula, e depois outro mais alto. Quando eu alcanço o seu ouvido, eu digo, — Eu não gostaria que você fosse outra pessoa. Por que eu iria querer, quando é você quem eu quero?

Seus lábios encontram os meus, e o mundo dourado e luzes piscando desaparece quando meus olhos se fecham e meus dedos se espalham através de seu cabelo molhado, puxando-o para mais perto. Suas mãos deslizam em volta das minhas costas, agarrando meu cabelo antes de traçar minha espinha e entrar na água para pressionar contra minha parte inferior das costas. Nossos corpos se encaixam perfeitamente juntos. Meus braços se enroscam ao redor de seu pescoço e faíscas deslizam através de nossas línguas e gotas de água misturadas com magia caem sobre nós, misturando-se com nossos beijos.

E é aí que o mundo cede abaixo de nós e um redemoinho nos suga.


Capítulo 33

 

 

 

O último rio parece gelo contra a minha pele queimando. Levanto para a superfície, ofegando contra o frio e também buscando ar. Enquanto as ondas ondulantes ao meu redor diminuem, noto a água brilhando levemente. Pedras preciosas azuis cravejam as paredes da caverna, brilhando com uma beleza invernal, e entre elas, desenhos e figuras foram esculpidos na pedra.

— Calla! — Eu olho em volta e vejo Chase atrás de mim. A correnteza, mais forte neste rio do que nos outros, já está me puxando. Ele se junta a ela, nadando com movimentos rápidos e fortes em minha direção. Eu estendo a mão para ele enquanto a correnteza me arrasta. Não sei porque, mas sinto necessidade de contato físico com ele da mesma forma que preciso de ar. Uma mão entrelaçada, braços entrelaçados, um abraço, qualquer coisa. Algo parece incompleto sem o seu toque. Ele pega minha mão, depois aponta passando por mim. — Olha, já estamos na foz. Tem o monumento.

Eu me viro, nunca soltando a mão dele. Mais à frente, à direita, pouco antes da caverna terminar, vejo o monumento. Uma base redonda, ondas de pedra sem movimento e o tridente subindo. Parece maior na vida real. — Onde estão Ana e Kobe? — Eu pergunto. — Eles deveriam estar lá esperando por nós.

— Algo não parece certo — diz Chase, puxando a água para nos mover para frente mais rápido. — Você vê as figuras deitadas ao lado do monumento?

Eu olho através da luz azulada. Eu vejo duas formas no chão, e o medo envia outro arrepio através de mim. — Eu... eu acho que sim.

Eu tenho que soltar a mão de Chase enquanto nós nadamos contra a correnteza e nos movemos diagonalmente em direção à margem à direita. Quando a água se torna rasa o suficiente para ficar em pé, Chase nos empurra para frente com um jato extra de magia. Eu quase tropeço e caio, mas ele atravessa as pedras em direção ao monumento. — Tenha cuidado! — Ele grita de volta para mim. Ele levanta a mão em um movimento em curva, e eu sinto um escudo em volta de mim. Espero que ele tenha feito o mesmo para si mesmo.

Sem aviso, a náusea aumenta dentro de mim e espalha uma dor doentia pelo meu estômago. A tontura me consome. Eu me curvo e me inclino sobre meus joelhos, respirando pesadamente. Por algum milagre, eu não caio. — Chase — eu arquejo. — Chase! — Sua cabeça chicoteia sobre seu ombro, assim quando tudo fica preto.

Eu me vejo flutuando em um vazio de nada enquanto meu corpo é espremido, apertado e apertado, até que finalmente a pressão me libera e eu ofego por ar enquanto eu cambaleio em direção à luz. Uma floresta noturna emaranhada me cumprimenta. Confusa, assustada e com frio, mas não mais atacada pela náusea, olho em volta. Creepy Hollow? Eu ouço um movimento atrás de mim e viro tão rápido quanto a minha tontura restante permite.

Magia. Uma bola girando pairando acima de um par de mãos. E além dela, o rosto de uma pessoa que reconheço. Sem hesitar, Zed lança a magia em minha direção.

Eu me jogo para o lado e caio atrás de uma árvore. Dizendo a mim mesma que não estou tonta e que posso me levantar, fico de pé. Eu coloco um escudo de magia ao meu redor enquanto ouço os passos de Zed esmagando as folhas caídas. — Isso sim foi um desperdício de magia — diz ele.

— Que droga é essa, Zed? — Eu grito. — O que você... você me chamou aqui? — Magia de invocação não é algo que aprendemos. Não é natural. Não está certo. E o que aconteceu comigo agora definitivamente não parecia certo.

— Sim — diz Zed, ainda caminhando em direção à árvore em que eu estou escondia atrás. — Feitiço difícil, mas eu tive ajuda. E você ficaria surpresa de como é fácil, na verdade, se você conseguir marcar a pessoa que deseja convocar.

— Marcar? — Eu me concentro na ilusão de invisibilidade e solto minha parede mental.

— Pescoço coçando ultimamente? — Zed pergunta. Ele gira ao redor do lado da árvore, com o braço levantado e pronto para atacar. Sua testa franze em confusão quando ele encontra o espaço atrás da árvore vazio.

Eu tento não respirar, não me mover, enquanto minha mente corre de volta para a última vez que vi Zed. Ele tentou me beijar, e sua mão estava em volta do meu pescoço, pressionando firmemente quando ele me puxou em direção a ele. Ele deve ter feito alguma coisa. Algo que eu estava chocada demais para perceber porque tudo o que importava era tirá-lo de perto de mim.

Um arrepio levanta os pelos da minha pele. Estar molhada e sem jaqueta em uma noite de outono não é o ideal.

— Eu também lhe dei o âmbar — diz Zed, virando-se enquanto seus olhos percorrem a área ao redor da árvore, — mas descobri que não conseguia rastrear por algum motivo. Felizmente, o feitiço da marca ainda não havia se esgotado quando fiz o feitiço de convocação.

Com a minha tontura finalmente desaparecendo e a adrenalina correndo pelos meus membros, eu pulo para o lado e corro. Invisível, invisível, invisível, eu me lembro. Faíscas voam passando por mim. Eu acho que ele pode ver as folhas que meus sapatos estão chutando. Eu paro, desvio para o lado e pulo. Magia me atira para cima. Eu aterrisso em um galho e agarro em outro para não cair.

— Isso vai ser muito mais fácil se você desistir agora — Zed grita enquanto faíscas turquesa passam por mim.

Eu abandono a ilusão e reforço meu escudo. — Droga, Zed, eu não sei que jogo você está jogando, mas você tem um timing excepcionalmente ruim.

— Meu timing é perfeito — diz ele, seguindo em minha direção.

— Eu estava no meio de algo importante!

— Exatamente. Foi nesse momento que me disseram para convocar você. Eles não queriam que você e suas ilusões interferissem em seus planos.

— Eles? Você está... você está trabalhando para Amon e Angelica?

— Não. — Ele para debaixo da árvore e começa a reunir mais magia acima da palma da mão. — Mas eu me encontrei precisando de ajuda, e eles também. Você sabe o que as pessoas dizem: o inimigo do meu inimigo e etc.

— Zed, NÃO! Essa é uma ideia terrível! Eles são os verdadeiros inimigos. Foram eles que nos trancaram em primeiro lugar. Por que você ficaria do lado deles agora? — Parte de mim sabe que eu deveria estar correndo. Eu deveria estar jogando tudo o que tenho em uma ilusão que me dará tempo suficiente para abrir um portal e fugir. Mas é Zed. Ele está me ajudando desde que nos encontramos pendurados um ao lado do outro em gaiolas. Nós temos uma amizade que remonta há anos. Deve haver uma maneira de eu falar com ele sobre o que ele está prestes a fazer.

— Primeiro — ele diz, — não foram eles que nos trancaram. Foi o príncipe Zell, e todos admitem que ele era um pouco louco. Em segundo lugar, não estou do lado deles. Este foi um acordo que beneficiou ambas as partes.

Um frio percorre minha espinha. — O que você tem que fazer por eles em troca?

— Vamos, Calla. Você sabe que eu não posso te dizer isso.

— É por isso que estou aqui? Te disseram para me entregar aos homens de Amon?

Ele ri. — Nada como isso. Meu trabalho para eles foi feito depois que eu escapei da Guilda.

Engrenagens giram em meu cérebro. — Você se deixou ser pego — eu digo suavemente, — então você pode entrar na Guilda.

— Sim.

Minha mente percorre as possibilidades. Vi disse que alguém escapou da área de detenção pela manhã. Eu me deparei com Zed na tarde seguinte. Isso significa que ele esteve solto dentro da Guilda por mais de vinte e quatro horas. Que coisas terríveis ele pode ter feito durante esse tempo? — Zed, — eu digo com cuidado enquanto bombeio mais magia no escudo invisível que me rodeia. — O que quer que você queira comigo, você não precisa fazer isso. O que aconteceu conosco sendo amigos?

Ele não responde. Magia crepita acima de sua palma. O suficiente para quebrar meu escudo? Possivelmente. Mas então o quê? Ele não terá tempo de me atacar com alguma coisa antes de eu ir embora. Nós observamos um ao outro, seu olhar fixo no meu, cada um esperando pelo outro fazer um movimento.

Sua mão se move em direção ao bolso. Eu imagino a invisibilidade e pulo. Eu bato no chão e rolo para o lado. Ele joga alguma coisa, uma pequena bola escura que explode a centímetros do meu escudo. Eu jogo meu braço para cima enquanto minha magia se quebra e desaparece. Então ele levanta o braço e joga a sua magia em mim.

***

 

Eu acordo devagar, meus pensamentos tão letárgicos quanto meus membros. Não me lembro onde estava quando adormeci. Eu tento me virar, mas eu encontro minhas mãos presas nas minhas costas. Com um gemido e um grande esforço, consigo abrir um olho. Eu vejo Zed - e me lembro de tudo.

— Eu sinto muito por ter que te atordoar — ele diz, — mas de jeito nenhum você teria vindo comigo por escolha. Você não está desmaiada há muito tempo. Eu não tive tempo para reunir uma grande quantidade de poder de atordoar depois que você me fez perder com o primeiro tiro. — Ele se abaixa sobre os meus pés. Cordas brilhantes, do tipo que não pode ser simplesmente cortadas, aparecem em suas mãos. — Isso não é pessoal, Calla — ele me diz enquanto enrola a corda ao redor e entre os meus tornozelos. — Eu nunca tive nada contra você. Eu não esqueci nossos anos de amizade e realmente me importo muito com você. É por isso que tive que tirar você de lá.

Eu pisco e balanço a cabeça. — O quê você está falando?

Ele aperta o último nó. — Eu te dei uma chance de ver as coisas claramente, mas você continuou recusando. Eu não queria que você acabasse morta com a doença do dragão, então eu encontrei uma maneira de tirar você permanentemente da Guilda.

Meu cérebro lento não quer ligar os pontos, mas eles são óbvios demais para eu evitar. — Foi você quem me fez ser expulsa? — A verdade chocante acorda meu cérebro. Eu me contorço contra minhas amarras e grito, — Como você pôde fazer isso comigo?

— Eu estava ajudando você, Calla.

— Me ajudando? Você quase me jogou na prisão por assassinato!

— Isso não deveria acontecer. Eu precisava que alguém levasse a culpa e você precisava sair de lá. Eu plantei provas suficientes para que eles suspeitassem de você, mas não seriam capazes de provar isso com certeza. Você deveria ser expulsa, não acusada de assassinato. Eu até te dei a cura antes de ir embora para que você não ficasse doente. Eu te salvei, Cal.

— Você nunca me deu a cura.

— Eu dei. Com um desses dispositivos de vigilância. Todos eles têm seus próprios feitiços de controle e eu roubei um enquanto me escondia na Guilda. Eu o fiz injetar em você enquanto você estava em uma aula. No momento em que dançamos no baile e eu deixei aquele pó em sua mão, você já estava imune.

— Você... você estava... — Eu balanço minha cabeça e sussurro, — Você matou Saskia. E todas aquelas outras pessoas que ficaram doentes. Como você se transformou nessa pessoa? Este assassino?

Ele agarra meus braços e me puxa para mais perto. — Porque já é hora da Guilda começar a pagar por tudo o que fizeram com os Superdotados. Por tudo que fizeram com você e eu e as pessoas como nós. Muito mais pessoas deveriam morrer, na verdade. Nós ? o grupo de que falei, o grupo que eu gostaria de poder convencê-la a participar ? tínhamos planejado enviar uma mensagem muito clara, começando com aquela garota Starkweather e depois a deixando se espalhar por cada Guilda. Nós iríamos nos levantar e reivindicar o que tínhamos feito para que os restantes soubessem exatamente por quais crimes eles estavam pagando. Mas alguém interferiu quando fugiu e encontrou uma cura.

— Bem, se eu não fizer mais nada certo pelo o resto da minha vida, pelo menos eu vou saber que eu interferi com sucesso na morte em massa de milhares de pessoas inocentes.

Zed solta um longo suspiro antes de se levantar. — Meus amigos estão muito zangados com sua interferência.

— Ah, os amáveis amigos que te iludiram a odiar as pessoas erradas. Então você decidiu me chamar, me amarrar e me entregar a eles?

— Claro que não — diz Zed, parecendo genuinamente chateado. — Eu sei que você não é a única culpada aqui. Você pensou que estava fazendo a coisa certa salvando a todos. — Ele levanta a mão e eu me sinto lentamente subindo do chão. Ele caminha pela floresta, sua mão me puxando por um fio invisível de magia. — Eu gostaria que você tivesse mantido suas formas de interferir para si mesma, porque agora temos que fazer algo que vai te deixar muito chateada.

Eu luto e chuto, mas isso só me faz rolar no ar. Eu puxo repetidamente as cordas ao redor dos meus pulsos, na esperança de soltá-las. — Você não precisa fazer nada, Zed.

— Eu tenho. As pessoas têm que pagar pelo sofrimento que nos causaram.

Eu desisto do meu esforço inútil, decidindo guardar minha energia. E é então que percebo, com uma claridade assustadora, exatamente onde estamos: em uma parte de Creepy Hollow muito perto da casa de Ryn. Minha garganta fica seca e arrepios percorrem minha pele. — Zed? Onde estamos indo?

— Como eu disse antes, Calla, isso não tem nada a ver com você. Você é uma boa pessoa, uma menina doce. Mas o fato é que seu irmão e sua esposa deixaram eu e dezenas de outras pessoas para serem torturadas e trancadas em uma masmorra. Quem conseguiu fugir antes da Destruição só teve que sobreviver à tortura. Quem não conseguiu teve que cometer atos atrozes sobre os quais não tinham controle.

Eu não me preocupo em responder. Eu estou baixando a barreira em volta da minha mente e imaginando um grupo de guardiões correndo em nossa direção. Eles gritam para Zell, levantando suas armas e atirando nele. Ele vacila, mas depois balança a cabeça e ri. — Você e suas ilusões — diz ele, continuando a andar em linha reta através das flechas imaginárias e faíscas. — Eu sei exatamente como você funciona. Mostre o que você quiser. Eu não acredito em nada disso.

— Zed, por favor — eu digo, minha voz desesperada. — Não foi culpa de Ryn. Não foi culpa da Vi. Eles contaram ao Conselho sobre os prisioneiros de Zell assim que puderam.

— E o que a Conselheira Starkweather e o resto de seu Conselho escolheram fazer? Nada. Dizer ao Conselho não resultou em nada. Seu irmão deveria ter nos libertado enquanto ele estava lá.

— Mas ele não conseguiria tirar todo mundo...

— Por que não? Ele te tirou com bastante facilidade.

— Não houve tempo. Zell já estava lá. Ele...

— Havia tempo para abrir mais algumas gaiolas pelo menos. Então poderíamos ter lutado contra ele e tirado todos os outros.

— Como? — Eu viro no ar, tentando me aproximar de Zed, tentando fazê-lo ver o sentido. — Vocês todos tinham faixas de metal bloqueando sua magia. Se Ryn tivesse deixado você sair, Zell teria te atordoado e te trancado de novo.

— Nem todos nós. Ele não poderia ter lutado contra todos nós. Não, o fato é que seu irmão só se importava em salvar você, e por causa de sua decisão egoísta, o resto de nós teve que sofrer. Os Superdotados fizeram coisas terríveis que eles nunca quiseram fazer. E o que a Guilda disse quando tudo acabou? Eles se desculparam por nos abandonar? Não. Eles nos rotularam como ‘perigosos’ e nos marcaram para que nunca mais fôssemos realmente livres. E nada disso foi culpa nossa!

— Eles não marcaram você — eu aponto.

— Porque eu tenho me escondido da Guilda desde então. Eu tenho vivido como um covarde nas sombras, esperando para me vingar daqueles que arruinaram a minha vida.

— Não, você não precisava! — Eu grito. — Você estava bem até que esses odiadores de guardiões fizeram seu cérebro pensar que você precisa fazer isso. E não foi meu irmão quem arruinou a sua vida, foi Zell!

— Bom, é um pouco tarde para ir atrás dele, não é. — Zed para em frente à árvore de Ryn. Sinto meus pés baixarem lentamente até tocarem o chão. Agora que estou de pé, vejo uma bola de poder flutuando acima da mão de Zed. Ele deve ter reunido enquanto estávamos andando. — Você não precisa fazer nada mais do que bater, Calla. Essa é a única razão pela qual você está aqui. Eles nunca abrirão uma porta para mim, mas abrirão para você.

— Por favor, não faça isso — eu sussurro.

Zed separa sua bola de poder em duas esferas menores, uma em cima de cada palma. — Sua mendicância não está ajudando.

— Por favor, eles não merecem isso. Eles não fizeram nada...

— Apenas bata, Calla. E sem ilusões — acrescenta ele, enquanto caminha para o lado. — Você não pode fugir enquanto suas mãos e pés estão amarrados, o que significa que a única maneira de qualquer ilusão acabar é com você e eu ainda em pé do lado de fora dessa árvore. Exceto que ficarei muito mais irritado do que estou agora.

Eu engulo e olho para frente. — Você não pode me obrigar a fazer isso. A pior coisa que você pode fazer é me matar, mas você ainda ficará preso fora dessa árvore.

Zed suspira. — Você realmente tem que ser tão dramática? — Ele se inclina na minha frente e sopra contra a casca até que a aldrava apareça. Ele a levanta, bate algumas vezes e depois anda para o lado. — E nem pense em....

— NÃO ABRA! — Eu grito. — É UMA ARMADILHA!

— Droga, sua idiota... Tudo bem. Faremos isso da maneira mais difícil. — Em um segundo, Zed está atrás de mim, segurando uma esfera de poder crepitante e brilhante contra cada lado da minha cabeça. E quando Ryn - meu irmão fiel, atencioso e protetor - vem até a parede e olha pelo olho mágico, ele abre a porta porque nunca me deixaria aqui sozinha com alguém que está ameaçando me machucar.

Eu fecho meus olhos, esperando que Zed tire sua fúria sobre mim a qualquer momento e grito, — Sério, Ryn! Não abra a porta. Ele vai...

— Calla!

Meus olhos abrem quando a mão direita de Zed dispara para frente. Ryn, de pé na porta com uma brilhante adaga de guardião em uma mão, cai no chão. Um suspiro soa em algum lugar atrás dele, seguido por Vi gritando, — Ryn!

E de repente, lembro do feitiço de rastreamento que disparará um alarme na Guilda se eu entrar nesta casa. Eu pulo para frente com os meus pés amarrados e me jogo através da porta, logo quando uma das facas de Vi passa rapidamente por mim e a segunda bola de poder de Zed voa para o outro lado. Eu caio em cima de Ryn e luto para olhar para cima. Eu ouço o grito de dor de Zed atrás de mim. Levantando a cabeça, vejo Vi colidir contra o sofá e cair no chão.

— Bem — diz Zed, cruzando a soleira da porta. — Eu esperava que isso fosse muito mais difícil. — Uma faca brilhante manchada de sangue bate no chão ao meu lado. Um segundo depois, desaparece.

— Espere — eu digo quando Zed passa por mim. — Espere, por favor. O que você vai fazer com eles? — Saio de cima de Ryn e consigo me sentar.

Zed fica no centro da sala, olhando em volta. Ele alcança dentro de sua jaqueta e pega uma faca.

Eu começo a perder o controle. — Nãonãonão, Zed, por favor. Por favor, não os mate — eu imploro. — Por favor, por favor, por favor. Você não precisa fazer isso.

— Eu sei, — diz ele. — Eu não vim atrás deles.

— Mas... então...

Zed olha para mim, depois usa a faca para apontar primeiro para Ryn e depois para Vi. — Essas duas pessoas destruíram vidas. Agora eu vou destruir as deles. — Com isso, ele atravessa a sala e sobe a escada.

Então eu entendo.

Victoria.


Capítulo 34

 

 

— NÃO! — Eu grito. — Não toque nela, não toque nela! — Eu luto desesperadamente contra as cordas encantadas. Eu puxo minhas pernas para cima e trabalho nos nós ao redor dos meus tornozelos, mas eles são tão apertados que não se movem. Eu me contorço, puxo e viro, mas é inútil. — Zed! ZED! Não faça nada com ela, POR FAVOR! — Eu rolo e me contorço em direção às escadas. Eu não tenho como cortar essas cordas e nenhum plano de qualquer tipo, mas eu não posso simplesmente ficar sentada. — Zed, por favor — eu soluço. — Por favor, não faça isso, por favor, não faça isso. — Como ele pode pensar que tirar uma vida tão pura e inocente poderia corrigir qualquer tipo de erro?

Antes de chegar às escadas, nos degraus de baixo. Zed aparece acima, carregando um pacote embrulhado por cobertores em seus braços. Eu posso ver o rostinho perfeito de Victoria, seus olhos fechados. Ela ainda está dormindo apesar de todos os meus gritos. — Zed, o que você está fazendo? — Ele passa por mim sem uma palavra. — Aonde você vai? Onde você está a levando? — Ele passa por cima de Ryn, ainda deitado na porta aberta, e desaparece na noite. — ZED! Volte!

Outro grito sem palavras de raiva e desespero sai dos meus lábios - e é aí que os guardiões escolhem aparecer. Quatro deles, invadindo a casa com armas levantadas, todos eles pulando sobre Ryn como se tocá-lo fosse contra as regras de algum jogo que eles estão jogando. — É ela! — Um deles grita.

— Não toque nela — diz outro.

— Por favor — eu arquejo. — Vá atrás daquele homem que acabou de sair. Ele está com o bebê!

— Esta é uma situação um pouco estranha — um dos guardiões diz, observando meu irmão e minha cunhada atordoados, e depois as cordas encantadas em volta dos meus pulsos e tornozelos.

— Por favor! — Eu grito. — Você não o viu? Ele levou Victoria. Ele está fugindo.

— Como se fossemos acreditar em qualquer coisa que você disser depois do golpe de saída que você fez na Guilda — diz um deles. — Bloomhove, Crawdale, verifiquem o andar de cima.

— Ela tem que nos tocar para nos deixar doentes? — Outro murmura quando dois dos homens se dirigem para as escadas. — E se ela já estiver fazendo isso?

— ARGH! Vocês guardiões são tão inúteis!

Eu fecho meus olhos e digo a mim mesma para respirar, para me acalmar. Você consegue fazer isso. Você pode sair daqui. Eu abro meus olhos. Apenas uma lâmina de guardião pode cortar as cordas brilhantes que me prendem, e há duas espadas de guardiões apontadas diretamente para mim. Eu me concentro em projetar uma imagem minha sentada no mesmo lugar em que já estou. Então eu me movo. Silenciosamente, centímetro a centímetro sobre o meu traseiro, em direção à espada mais próxima. Certificando-me de me manter escondida, eu levanto meus braços sobre a lâmina cintilante, prendo minha respiração e puxo meus braços para baixo rapidamente. Então eu me inclino para trás e congelo.

O homem se afasta. — O que acabou de acontecer?

Eu olho para a imagem de mim sentada no mesmo lugar e dou a ela uma expressão confusa.

— Eu não sei — diz o segundo guardião. — Do que você está falando?

Agora os meus tornozelos. Eu levanto devagar, imaginando como vou fazer isso acontecer.

— Ei, ela estava certa! — Grita um dos homens no andar de cima. — O bebê sumiu!

Os dois guardas olham para as escadas. Eu agarro a mão do guardião mais próximo e bato na espada, que corta a corda e corta minha bota esquerda. Então eu me viro e corro.

Eu pulo sobre Ryn e corro para a floresta, o resto da corda brilhante cai dos meus braços e tornozelos. — Zed! — Eu grito. Onde ele está, onde ele está, onde ele está? Ele provavelmente já passou pelos caminhos das fadas, e eu nunca vou encontrá-lo, e nós nunca mais veremos Victoria, e Ryn e Vi nunca me perdoarão. Um soluço sobe no meu peito e eu tenho que parar de correr para poder respirar. Por que eu deixei Zed escapar da Guilda? Por quê?

Eu mal me movi a qualquer distância real da casa, mas é tão inútil correr para qualquer lugar que eu não corro. Estou atrasada. Eu falhei. É por isso que, quando noto a figura ajoelhada no chão por perto, acredito por um momento que estou imaginando. Zed não iria parar bem aqui, iria? Eu ando em silêncio em direção à figura - e é ele, suas mãos pairando no ar acima do corpo minúsculo envolto em cobertores.

— Ei! — Em uma onda de raiva e medo, eu estendo minhas mãos no ar em direção a ele. Meu poder liberado bate em seu peito, derrubando-o de costas. Ele rola e levanta. — O que você fez? — Eu exijo, fechando a distância entre nós, segurando um escudo. Eu preciso me colocar entre ele e Victoria.

— Nada. Ela está bem, eu juro.

— É bom que esteja. — Eu solto o escudo e jogo um fluxo de chamas nele.

— Você não quer lutar comigo — diz ele, desviando das chamas com um toque de sua mão e enviando uma nuvem de areia em minha direção.

Meu escudo aparece quase instantaneamente; a areia explode contra ele antes de desaparecer. — Eu quero, Zed. Eu realmente, realmente quero. — Eu empurro o ar. Uma nuvem se forma entre nós, prejudicando um de ver o outro. Suas faíscas passam através, vindo direto para mim. Eu me abaixo conforme elas passam, então pulo novamente, mostrando a ele uma imagem de mim pulando através dos galhos acima dele. Ele mira nas árvores. Minha nuvem torna-se um bando de pássaros, guinchando e bicando, e a minha imagem nas árvores pula e o golpeia. Então os pássaros se transformam em lâminas de verdade, cortando em direção a ele quando ele ergue um escudo, e a ilusão de mim se transforma em lâminas imaginárias que passam pelo seu escudo sem nenhum problema.

De magia para ilusões e tudo novamente, eu jogo tudo o que posso imaginar em uma bagunça confusa, passando de imagem para imagem para imagem. Ele não sabe o que é real e o que é imaginado, o que ele precisa bloquear e o que ele pode ignorar. E a cada nova ilusão, me aproximo mais dele. Mantendo parte da minha mente focada nas projeções, levanto a mão e atiro uma série de faíscas no galho mais próximo. Ele se parte e cai no chão ao meu lado. Eu me inclino para baixo – fogo e golpes e chuva de sangue - e eu pego isso - pedaços de gelo e pedaços de osso - e o balanço na cabeça de Zed com toda a minha força.

Ele cai no chão e não se move.

Largo o galho e corro de volta para Victoria. Com um último olhar sobre meu ombro para ter certeza de que Zed não está se movendo, eu a pego e corro. Ela começa a chorar quando meus pés batem no chão da floresta e meu corpo correndo a empurrar para cima e para baixo. É o som mais bem-vindo do mundo agora.

A porta de Ryn ainda está aberta porque ninguém parece tê-lo movido ainda. Eu pulo em cima dele e entro na casa - e encontro pelo menos vinte guardiões apontando suas armas para mim. Eu congelo. Victoria continua a gritar seus minúsculos pulmões para fora.

Minhas sobrancelhas se apertam quando digo, — Eu fiz o que vocês deveriam ter feito e a resgatei. — Eu me movo em direção ao móvel mais próximo - uma poltrona – e coloco o bebê infeliz cuidadosamente sobre ela. Então eu recuo com meus braços levantados. — Se vocês querem se redimir — acrescento, — o homem que a roubou está inconsciente na floresta, não muito longe daqui.

Ninguém diz uma palavra. Ninguém se move. Muitas armas estão apontadas para mim. Eu respiro devagar e com calma, me dando apenas alguns segundos de descanso. Então, com um último esforço, eu empurro minha última ilusão tão rápido e tão longe quanto posso. Escuridão. Em toda parte. Amplamente.

Eu me viro e corro cegamente enquanto gritos de confusão surgem atrás de mim. Eu tropeço em Ryn. Algo passa pelo meu braço direito antes que eu ouça uma arma pesada cair no chão. Algo corta o meu ombro. Passos se move em minha direção. Eu me levanto de cima de Ryn e vou para a floresta. Mudando a ilusão de escuridão para uma de invisibilidade, eu corro entre as árvores. Eu ziguezagueio e me abaixo sob os arbustos e finalmente paro do outro lado de um tronco caído.

Não ouço vozes ou passos. Inclino a cabeça para trás contra o tronco e permito que o alívio inunde meu corpo. — Ela está bem — murmuro para mim mesma. — Ela está bem, ela está bem. — Ryn e Vi vão acordar em breve, e eles vão encontrar a garotinha segura, e tudo ficará bem.

Meus olhos se fecham. Estou exausta. Mentalmente drenada. Cortes e queimaduras marcam meus braços da luta mágica com Zed, e sangue escorre de uma ferida no meu ombro, onde uma flecha ou lâmina não me errou na escuridão. Eu coloco minha mão sobre ela, enviando um pouquinho de magia de cura para o local.

Eu queria que a noite acabasse, mas ainda não. Eu deixei Chase no Rio Wishbone mais abaixo com dois companheiros desmaiados e quem sabe quais outras ameaças. Eu tenho que voltar. Eu tenho que ajudá-lo. Eu me levanto, abro um portal e arrasto meus membros cansados para os caminhos das fadas.

Eu saio da escuridão na emaranhada margem enluarada em cima do rio onde nós quatro entramos na água mais cedo. Se os desejos se tornassem realidade aqui, eu desejaria fazer o meu caminho até o fundo sem ter que passar por todos os rios acima dele. O pensamento de todos aqueles remoinhos me faz querer chorar. E se ele não estiver mais lá? E se tudo acabou e ele estiver de volta à montanha? Mas e se não acabou e ele está preso em uma batalha com os homens de Amon e Angelica?

Eu pressiono minhas mãos contra os lados da minha cabeça, tentando aliviar a dor de cabeça que está chegando. Eu decido verificar a montanha primeiro. Vai ser rápido. Caminhos das fadas, casa à beira do lago, porta das fadas, montanha. Eu posso estar lá em menos de um minuto. Eu me viro para encontrar uma superfície para escrever um portal.

— Olá.

Minha respiração fica presa com a visão inesperada de uma mulher encostada na pedra que marca o começo dos redemoinhos. Desconforto se enrola ao meu redor. Eu flexiono minha mão, me perguntando se eu deveria pegar minha faca da minha bota.

— Eu pensei que você poderia voltar em algum momento — diz ela, afastando-se da pedra e se movendo em direção a mim. É o cabelo dela que a entregou em primeiro lugar, longos cachos escuros misturados com prata em cascata sobre seus ombros.

Angelica.

Eu sinto como eu se estivesse imersa em um medo horrível. — Co-como você saiu de Velazar? — Eu pergunto, dando um passo para trás.

— Calla, certo? — Ela diz, ignorando a minha pergunta. Ela limpa as mãos no macacão da prisão antes de cruzar os braços sobre o peito. — Foi você quem falou comigo com o anel de telepatia, alegando estar trabalhando com meu filho para me libertar. Aquela que Amon me disse que ele tentou matar. Aquela que apareceu ao lado da cama da terceira Vidente quando ela acordou.

— Como você sabe sobre isso?

— Eu tenho estado de olho nas coisas. — Ela ri, como se tivesse dito algo divertido.

— Como você escapou de Velazar? — Eu exijo.

— Oh, eu não escapei. A Guilda me soltou.

— O quê? Eles nunca fariam isso.

— Eles fariam — ela diz, seus lábios se curvando em um sorriso, — se eu encontrasse uma moeda de troca.

— Moeda de troca?

— Se eu encontrasse alguém que eles querem mais do que eu.

Minha respiração fica mais rápida. Uma sensação de mau agouro cutuca meus pensamentos. — Não há ninguém que eles querem mais do que você e Amon.

— Não havia — diz ela lentamente, — até que eu disse a eles que aquele que eles mais queriam ainda está vivo.

Sangue bate em meus ouvidos. — O que você fez?

— Eu troquei sua vida pela minha.

Eu paro de respirar. Quando eu encontro ar novamente, uma arfada dolorosa, eu consigo dizer — Você não fez. Ele é seu filho. Você não faria isso.

— Porque eu não faria isso? — Ela rebate. — Ele me deixou apodrecendo em uma cela de prisão por mais de uma década. E então volta rastejando com mentiras sobre querer fazer parte dos meus planos? Ha! Ele não é mais um filho para mim do que eu já fui mãe para ele. Eu sabia que ele estava vivo todo esse tempo. Não tive dúvida. Eu esperei e esperei meu filho vir e me pegar, até o momento esmagador que eu percebi que ele tinha escolhido me deixar sofrendo atrás das grades pelo resto da minha vida. Desde então, tenho esperado todos os dias, todos os dias, pelo momento em que vou poder retribuir sua traição.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Onde ele está?

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros descuidado. — Eu não tenho certeza. Ele correu naquela direção com uma horda de guardiões em seu rastro. — Ela gesticula vagamente por cima do ombro para a densa floresta de arbustos e árvores. — Algo me diz que ele não terá forças para ir muito longe. — Ela levanta a mão como se segurasse algo invisível. Lentamente, um grande disco de metal aparece, suspenso por uma corda em seu aperto. Um gongo. O que só pode significar...

— O morioraith — eu murmuro.

— Oh, não olhe para mim assim — ela reclama. — Eu tive que dar aos guardiões uma chance justa, não tive? E ele ainda está consciente, embora — ela levanta a mão, mostrando o anel de telepatia em seu dedo — eu não consigo discernir muito seus pensamentos. É tudo dor, desespero e miséria. — Uma luz crepita por perto, seguida pelo estrondo surdo de um trovão. — Ah, parece que ele está brigando. Que divertido...

Meu rosto franze de raiva, de ódio. — Você é desprezível.

Ela ri - e então ela se lança em minha direção, seu rosto se contorcendo de raiva. Em uma fração de segundo, percebo que este é o momento. O momento que eu vi na visão de Rick, com ela estendendo a mão para me agarrar. Eu a abraço, me jogando sobre ela e jogando o braço dela para o lado. Nós caímos no chão e eu a prendo, surpresa ao descobrir que ela não é tão forte quanto eu imaginava. Eu esperava um inimigo poderoso, uma força invencível, mas ela não é nada mais do que um oponente comum. Seu punho balança em minha direção, mas eu o pego, arrancando o anel da mão dela antes que ela me jogue com um empurrão de magia. Meu corpo para contra um arbusto. Eu levanto enquanto ela levanta. Eu coloco o anel no meu bolso enquanto a distraio com uma ilusão do arbusto mais próximo pegando fogo. Então eu giro e chuto. Ela cai uma segunda vez e eu não espero. Eu pulo sobre ela e corro.

Eu a ouço rindo atrás de mim, não fazendo nenhuma tentativa de me perseguir. Meus pés me carregam o mais rápido que podem, o que não é rápido o suficiente em meio ao emaranhado de arbustos. Eu passo entre eles, cortando com magia os galhos no meu caminho, aliviada quando eu finalmente chego a uma área que não é tão densa. Meus braços bombeiam ao meu lado enquanto corro em direção à tempestade. Não é tão poderosa quanto imaginei que as tempestades de Chase fossem, e isso me enche de terror. Em que estado ele está se seus relâmpagos mal iluminam o céu noturno e seu trovão sequer chocalha o chão?

— Não! — Eu grito, correndo atrás da carruagem com uma explosão de velocidade mágica. Eu me arremesso e agarro as barras. — Chase! — Eu posso vê-lo agora, correntes pesadas foram colocadas em seus braços e pernas e presas em ambos os lados da carruagem. Correntes que sem dúvida bloqueiam sua magia. Ele se inclina entre elas, a imagem da derrota. Quando ele olha para cima, seus olhos estão focados longe, em pesadelos distantes. — Chase. Chase! Sou eu!

Ele pisca e franze a testa. Confusão se transforma em reconhecimento. — Calla?

Eu empurro um braço através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Diga-me o que fazer. Diga-me como te tirar daqui. — Com uma guinada, a carruagem se ergue do chão. Eu me agarro mais firmemente às barras.

— Estamos voando — diz Chase, balançando a cabeça e ficando mais alerta. — Você tem que soltar. Nós vamos ficar no alto em breve, então...

— Não!

— Ei! — Eu olho para cima e encontro um guardião em um uniforme, franzindo a testa para mim.

— Saia — ele manda, apontando uma stylus. Instantaneamente, ele é acompanhado por outros três guardiões, todos se equilibrando no topo da carruagem com facilidade praticada.

Ignorando-os, olho de volta para as barras. — Eu não posso deixar você — eu grito em desespero.

— Você tem que soltar. Tudo vai ficar bem, eu prometo.

— Chase, eu — Uma faísca atinge meu braço direito. Então o meu esquerdo. Eu grito quando perco meu aperto nas barras. Eu caio através do ar e bato no chão, rolando várias vezes antes de parar. Meu corpo dói e as queimaduras em meus braços ardem como o inferno e todo o ar foi arrancado dos meus pulmões. Deito-me no chão, ofegando e observando o céu até a carruagem desaparecer.

Até Chase estar muito longe.

Eu rolo de lado e abraço meus joelhos, e minhas lágrimas encharcam o chão enquanto a noite fria me cobre.


Capítulo 35

 

 

Eu volto para a montanha nas primeiras horas da manhã para encontrar Ana e Kobe andando pela sala enquanto Gaius está sentado com a cabeça entre as mãos. Eu paro na porta. Eles olham para mim, a mesma pergunta em seus rostos. Minha voz é monótona quando digo, — Ele se foi. Os guardiões Seelie o pegaram. Angelica o entregou em troca de sua liberdade.

As mãos de Ana se erguem para cobrir sua boca. Gaius parece congelado no lugar. Kobe balança a cabeça e diz — Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia disso no momento em que chegamos ao último rio e não havia nenhum sereiano para ser encontrado. Então o pessoal de Angelica apareceu, horas antes do planejado e muito mais do que o esperado. Nós soubemos instantaneamente que ela armou para nós.

As mãos de Ana se fecham em punhos, apertando firmemente seu queixo enquanto ela olha para Kobe. — Se Darius e Lumethon estivessem conosco ao invés de salvar as Videntes. Se a gente tivesse nos escondido entre as rochas em vez de sair da água, poderíamos ter esperado Chase e Calla chegarem. Todos nós poderíamos ter lutado juntos. Nós poderíamos ter evitado isso.

Kobe cruza os braços e se afasta, sua voz está rouca quando ele diz — Em vez disso, acabamos desmaiados e inúteis.

— Isso não está certo — diz Gaius, parecendo perdido. — Chase não foi pego. Ele não foi.

Eu me inclino contra a porta enquanto meu corpo treme de exaustão. Meus olhos, queimando de todas as lágrimas, se fecham. — Ele foi desta vez — eu sussurro. Então me viro e subo lentamente as escadas para o meu quarto. Com frio e cansada e exausta, vou para a cama e puxo as cobertas sobre a cabeça. Há pensamentos na parte de trás da minha mente - pensamentos sobre guardiões torturando Chase, sobre a execução que sem dúvida eles vão condená-lo, sobre nunca mais vê-lo novamente - mas eu me recuso a deixá-los tomar o centro das atenções.

Eu caio em um sono profundo cheio de sonhos confusos. Algum tempo depois, acordo com uma ideia na mente: o anel de telepatia. Com um aumento súbito de esperança, o tiro do bolso e o coloco no meu dedo indicador esquerdo.

Chase?

Chase!

Eu não sei se ele está com o outro anel. Eu suponho que ele pegou para nossa missão no Rio Wishbone para que ele pudesse falar com Angelica se ele precisasse, mas eu não me lembro de ver. Eu não me lembro de sentir quando nossos dedos ficaram entrelaçados ou quando suas mãos subiram pelos meus braços. Eu fecho meus olhos, me agarrando à memória.

Então eu me deito novamente e abraço um dos meus travesseiros, chamando silenciosamente seu nome e esperando por uma resposta que talvez nunca chegue.

 

***

 

No final do dia, eu me escondo na ala de cura de Creepy Hollow até que um curandeiro e um guardião acompanham mamãe para uma das salas de banho. Ela logo estará vestida e pronta para ir para o andar de baixo para mais perguntas. Ninguém sabe ainda se ela poderá ir para casa depois disso.

Eu deslizo para dentro do seu cubículo e começo minha inspeção apressada no quarto. Meus dedos deslizam sobre a parede e ao longo da armação da cama, procurando marcas ou sinais de magia. Eu rastejo para debaixo da cama e não encontro nada. Eu olho os dois lados dos dois porta-retratos antes de removê-los, junto com a toalha de mesa, da cômoda e abro as três gavetas. Minha inspeção em cada centímetro da madeira não revela nada. Eu me endireito e coloco minhas mãos nos meus quadris, considerando rasgar os travesseiros caso haja algum tipo de feitiço escondido dentro deles.

Então meus olhos caem sobre a pintura na segunda moldura. Eu não trouxe para cá, e nem papai. Talvez tenha sido Matilda, como eu sugeri ao papai - ou talvez fosse Zed, que disse que seu trabalho para Amon e Angelica foi feito depois que ele escapou da Guilda. Eu pego a moldura e removo a parte de trás - em seguida, solto as duas metades sobre a cama com medo. Olhando para mim na parte de trás da pintura está um desenho de um olho. Brilha levemente.

Eu arranco a pintura da moldura e rasgo ao meio. Então eu rasgo de novo e de novo em dezenas de pequenos pedaços. Eu os coloco em uma pilha no chão e coloco fogo neles com um estalo de meus dedos. Eu os observo queimando, sentindo um arrepio na parte de trás do meu pescoço enquanto imagino Angelica em sua cela de prisão nos observando através da pequena moldura que vi em cima de sua mesa.

A cortina se move. Eu rapidamente me escondo e a pilha de cinzas. Pedi a Ryn para me encontrar aqui, mas pode não ser ele. Uma curandeira enfia a cabeça entre as cortinas e diz — Ela ainda não voltou.

— Tudo bem. Eu vou esperar aqui — Ryn diz do outro lado da cortina.

— Eu sei que eu já te disse isso antes, Ryn. As horas de visita são...

— Isso não é uma visita. Estou aqui para levá-la ao andar de baixo para interrogatório.

— Bom, talvez você deva esperar...

— Você pode sentir o cheiro de algo queimando? — Ryn pergunta. — Eu acho que você precisa ver isso.

A curandeira desaparece e Ryn entra no cubículo. Eu solto a ilusão e levanto os dois pedaços da moldura vazia. — Angelica estava observando tudo o que acontecia nesse quarto. Ela viu e ouviu todas as três visões. — Eu aponto para o chão e acrescento — Eu queimei a pintura que tinha feitiço o dela.

Ryn caminha até mim e pega a moldura. — Eu ainda não consigo acreditar que eles a soltaram. Eu adoraria saber exatamente quem aprovou essa decisão. O Conselho deve decidir esses tipos de coisas junto com todos os seus membros, mas eu não ouvi nada. — Ele adiciona a moldura à pilha de cinzas e a queima. — Pode muito bem queimar a coisa toda. — Ele fica de pé e observa as chamas consumirem os pedaços de madeira.

— Victoria está bem? — Pergunto.

— Sim, ela está bem. Um curandeiro veio vê-la. E Jamon enviou alguns guardiões reptilianos para nossa casa para fazer companhia a Vi, caso qualquer outra coisa apareça.

— Eu sinto muito, desculpe, Ryn.

— Por quê? Você não tem porque se desculpar. Você impediu que um homem delirante machucasse Victoria.

Eu envolvo meus braços em volta do meu peito e olho para longe. — Aquele homem delirante... eu o conheço. Eu o conheci quando nós dois estávamos presos na masmorra de Zell. Eu o vi novamente anos depois, e foi aí que pedi a ele que me ensinasse a lutar. Foi ele quem me treinou. Então ele acabou com a turma errada, e agora ele acredita que tem que se vingar da Guilda – e de você em particular - por deixar todas aquelas pessoas Superdotadas na masmorra de Zell serem torturadas e usadas. Eu não tinha ideia de que ele acabaria assim. Eu sinto muito.

— Então foi esse o guardião que treinou você — diz Ryn calmamente. Ele balança a cabeça e acrescenta, — Os delírios dele não são culpa sua.

— Mas... — Eu mantenho meus olhos fixos firmemente no chão enquanto admito o que fiz. — Eu o vi quando ele estava fugindo da Guilda, e eu não o impedi.

— Foi ele? — Ryn diz. — Que escapou da área de detenção recentemente?

Eu concordo. — Foi ele também quem matou Saskia e espalhou a doença do dragão, mas duvido que possamos provar isso. Ou pegá-lo. — Eu corro o risco de olhar para cima. — Você disse que os guardiões não encontraram ninguém na floresta perto de sua casa?

— Não. — Ryn senta na beira da cama. Eu me abaixo para me sentar ao lado dele. — Ele parece incrivelmente perigoso, Cal. Eu sei que você está se sentindo culpada por não ter alertado ninguém quando o viu. Você está esperando que eu fique com raiva de você. Mas meu palpite é que você não poderia tê-lo parado mesmo se tentasse. Ele com certeza tinha um jeito de sair.

— Eu acho que sim. Parece que ele tinha tudo planejado.

Ryn coloca a mão sobre a minha. — Você quer falar sobre... o resto da noite passada?

— Só se você já ouviu alguma coisa.

— Nenhuma palavra. Se a Corte Seelie tem a custódia de um homem que eles acreditam ser Draven, eles ainda não contaram a ninguém. Normalmente, ele estaria em Velazar agora, mas nós também não ouvimos nada deles. Há outras prisões para as quais ele pode ter sido enviado, mas Velazar faz mais sentido. É a mais segura. E então, é claro, há os rumores sobre uma prisão secreta controlada pela Rainha Seelie para inimigos pessoais dela que nunca terminam perto do sistema oficial da Guilda. Mas isso é completamente ilegal, então é claro que não há provas de que seja verdade.

— Ele pode estar em qualquer lugar — murmuro. — Ele pode até estar... morto.

Depois de uma longa pausa, Ryn diz, — Ele pode estar.

Fecho os olhos e digo, — Por favor, não me diga que ele está tendo o que merece.

— Calla...

— Eu sei que você não gosta dele, e eu sei que ele fez coisas terríveis no passado, mas eu me importo muito com ele. Você não sabe como meu coração dói ao pensar no que eles estão fazendo com ele. Pensar que nunca mais o verei.

— Calla. — Ryn aperta a mão que está sobre a minha. Eu abro meus olhos e olho para ele. — Eu só ia dizer como sinto muito por como tudo isso acabou. Eu gostaria que houvesse uma maneira de que eu pudesse consertar isso para você.

Eu ouço a voz da mamãe na passagem enquanto ela fala com um curandeiro. Eu fico em pé, sussurro adeus a Ryn, e deslizo entre as cortinas antes que mamãe e o curandeiro cheguem ao cubículo. Eu carrego as palavras de Ryn comigo todo o caminho de volta para a montanha, não porque eu quero que ele encontre uma maneira de consertar isso, mas porque se de alguma forma existir uma maneira de consertar, eu vou encontrá-la.

Eu sonho com o nosso beijo. Eu sonho com ele estando tão perto que não existe espaço entre nós. Seus braços, meu batimento cardíaco, seus lábios, minha respiração. Magia irradia do meu corpo, fazendo com que as fontes de água dourada percorram o ar ao nosso redor. Em um momento, estou feliz - e no outro meu coração se parte, porque sei o que está prestes a acontecer. O redemoinho começa. Suga toda a água, me deixando sozinha na terra seca, vendo uma carruagem desaparecer ao longe.

— Calla!

Pressiono minhas mãos contra minhas orelhas porque não suporto ouvir seus gritos desesperados.

— Calla!

Eu balanço minha cabeça, fecho meus olhos.

— Senhorita Cachinhos Dourados.

***

Eu acordo, deixando o mundo dos sonhos para trás. Eu esfrego a mão nos meus olhos e me sento. Eu olho para a colcha, sentindo o baque do meu coração e tentando esquecer aquela sensação horrível de perda que permeava meu sonho, apagando todo o resto. Talvez eu devesse ter tomado alguma coisa para me ajudar a dormir, mas...

Calla?

Eu suspiro em voz alta e bato a mão sobre a minha boca.

Calla?

É a voz dele, dentro da minha cabeça. Eu olho para a minha mão esquerda, onde o anel de telepatia envolve meu dedo indicador. Chase?

Você conseguiu o anel de volta, ele diz.

Você está vivo! Um alívio inimaginável explode dentro de mim.

Claro. Eu não te disse que demoraria muito para acabarem comigo?

Perguntas passam pela minha cabeça muito rápido para eu pará-las. O que aconteceu? Onde está você? Você está bem? Eles te machucaram?

Você está bem? Ele pergunta. Você desapareceu. Eu estava muito preocupado. Quando ele menciona a preocupação, é quase como se eu sentisse isso. E então um grande cansaço e um sentimento de derrota. Eu sei que é difícil esconder as emoções ao se comunicar assim, mas a fadiga parece tornar ainda mais difícil para ele esconder o que realmente está sentindo.

Eu estou bem, eu prometo, eu digo. Me conte sobre você primeiro.

Foi uma emboscada. Um monte de faeries de Angelica. Eu fui tão idiota em confiar nela. Muito, muito idiota. Enquanto eu lutava contra eles, eles me levaram em direção ao último redemoinho. Quando cheguei de volta à superfície, Angelica estava lá com dezenas de guardiões e o morioraith. Eu corri, mas a fumaça me atingiu. Ele me paralisou, dando aos guardiões a chance de me prender e colocar as correntes ao meu redor. Angelica estava lá para controlar a criatura. Ela deixou ele me arranhar, apenas uma vez, apenas o suficiente para me manter fraco com alucinações do passado.

Eu sinto uma onda do horror com ele lembrando. Eu sinto muito. Desculpe. Eu deveria ter ido atrás de você antes...

Fico feliz que você não foi. Eles poderiam ter pegado você também.

Onde você está agora?

Acontece que o Palácio Seelie esconde um mundo de escuridão sob o piso de mármore polido. Há celas de prisão e câmaras de tortura aqui que eu nunca soube que existiam, nem mesmo quando pensei que tinha controle sobre este lugar.

Então você está na Corte Seelie? Um lugar impossível de encontrar, a menos que seja mostrado a você por alguém que saiba onde está?

Sim. O lugar mais bem escondido em todo o mundo fae.

E agora eu entendo seu desânimo. Como vamos encontrá-lo se ele está escondido em um lugar que quase ninguém sabe como chegar? Ele realmente está além do nosso alcance. Meus dedos agarram o colchão enquanto minha esperança começa a se esvair. O que eles planejam fazer com você?

Eu não sei. Por enquanto, estou acorrentado em uma cela sem acesso à minha magia. Eles não chegaram muito perto de mim, e é por isso que eu ainda estou com o anel.

Eu puxo meus joelhos para cima e pressiono minha testa contra eles. Há tantas coisas importantes que eu poderia dizer ou perguntar, mas as palavras nadam até a superfície, eu sinto tanto a sua falta. Eu não tento esconder o pensamento. Não há segredos entre nós agora.

Não tanto quanto eu sinto sua falta.

Meu coração dolorido alcança o dele. Eu me pergunto se ele pode sentir isso, meu desejo por ele. Eu respiro fundo e digo a mim mesma para não chorar. Já chorei demais. E eu já tive muita desesperança, derrota e escuridão. Cores brilhantes, eu digo, dizendo a mim mesma tanto quanto estou dizendo a ele. Estamos pintando com cores brilhantes agora, não com cores escuras. Nós podemos consertar isso. Nós podemos encontrar um caminho.

Não sei se sou eu, ele ou nós dois, mas sinto uma mudança. Uma mudança no clima. Eu me enrolo debaixo das cobertas e fico acordada por mais algumas horas, falando com ele - pensando, planejando, conspirando - até que adormeço com o som de sua voz em minha mente.

Quando acordo de manhã, estou cansada, mas energizada. Estou focada. Eu tenho um propósito. É mais tarde do que pensei, então me visto rapidamente e corro para o escritório de Gaius. Ele não está lá. Um olhar rápido na estufa me diz que ele também não está lá. Eu desço as escadas e, em seguida, desço novamente, abaixo do saguão de entrada, até a porta que Chase abriu, segurando a mão dele contra ela. Eu hesito. Gaius disse que acrescentaria minha impressão ao feitiço de acesso a porta pouco antes de partirmos para os Rios Wishbone, mas ainda não tentei. Eu não queria vir aqui desde então.

Eu levanto minha mão e a coloco contra a porta. Clique, e a porta desaparece. Uma pequena emoção corre através de mim. Eu realmente pertenço aqui agora. Depois de mais escadas, eu viro no amplo corredor e sigo para a sala de reuniões com a mesa oval. Eu não tinha certeza se alguém estaria lá, mas eu escuto vozes vindo da porta aberta. Quando a alcanço, Gaius sai da sala ao lado com um pergaminho na mão. Ele me cumprimenta e acena para eu andar na frente dele.

Lumethon, Kobe e Darius estão sentados em torno de um diagrama de um edifício. — Então nós ainda vamos continuar com isso? — Darius pergunta.

— Claro — diz Lumethon. — Não podemos abandonar todas as operações simplesmente porque Chase não está aqui.

— Eu não estou dizendo para abandonar tudo, mas isto era dele. É complexo. Ele foi o único que já esteve lá antes.

Gaius passa por mim e entrega o pergaminho para Lumethon. — Para as Videntes.

— Obrigada — diz ela.

Ana entra então, com as bochechas coradas e uma toalha em volta do pescoço. — Eu perdi alguma coisa? — Ela pergunta. — Alguém já descobriu onde Chase está?

— Sim — eu digo, me movendo para ficar na cabeceira da mesa enquanto todo mundo parece surpreso. — E eu tenho nossa próxima missão. É quase impossível, mas Chase me diz que geralmente é a melhor. — Eu giro o anel de telepatia em volta do meu dedo e sorrio para a minha equipe. — Nós vamos invadir a Corte Seelie.


{1} Wishbone = em inglês Wish: desejo; Bone = osso.

Capítulo 27

 

 

Eu puxo vários livros das estantes cheias de plantas no escritório de Gaius, mas nenhum deles menciona a cidade de Kagan. Existem centenas de livros aqui, então provavelmente eu não encontrei o certo. Depois de contornar uma pequena engenhoca com rodas que desliza em padrões aleatórios pelo chão do escritório, saio para a casa à beira do lago e depois para a floresta Creepy Hollow.

Eu saio dos caminhos das fadas a uma curta distância da árvore de Raven e Flint. Eu não quero chegar diretamente do lado de fora, caso alguém da Guilda esteja vigiando a casa deles. Eu também quero passar alguns minutos a céu aberto com a floresta sem fim que se estende por quilômetros em todas as direções. Sinto saudade. Sinto falta de respirar o ar fresco, ver os insetos brilhantes enquanto a escuridão se instala e caminhar entre cogumelos gigantes e flores e plantas luminosas escondendo criaturas exóticas. Agora que penso nisso, a maior parte da floresta deve ser segura para mim. Eu só preciso evitar os lugares onde os guardiões provavelmente estarão - as antigas ruínas da Guilda, as casas das pessoas mais próximas a mim, a clareira com as lojas. É claro que o resto da floresta é o lar de todos os tipos de criaturas potencialmente perigosas, mas, no que me diz respeito, elas não são tão perigosas para mim quanto os guardiões.

Não noto ninguém à espreita perto da árvore de Raven e Flint, mas decido me esconder de qualquer maneira. É uma boa prática, pelo menos. Eu alcanço a árvore deles e me inclino mais perto para soprar suavemente contra a casca áspera. Ao me endireitar, a poeira cor de ouro flutua para longe da árvore para revelar uma aldrava embaixo. Eu agarro e bato duas vezes. Momentos depois, o formato de uma porta ondula e desaparece. Flint aparece. — Olá?

Eu passo rapidamente por ele para dentro da casa antes de soltar minha ilusão. — Ei, sou eu. Apenas tomando precauções.

— Sabe — papai diz, atravessando a sala, — eu estou muito feliz que você não descobriu que poderia parecer invisível quando era mais jovem. Você teria feito todos os tipos de travessuras.

— Eu? Nunca. Ryn era seu filho travesso, lembra?

— Eu ouvi isso — grita Ryn de outra sala.

— Ah, você está aqui — diz Raven. Ela se levanta e move Dash para seu quadril. — Dash está esperando por um beijo de boa noite de você.

— Oh, seu pequeno sedutor. — Eu beijo a bochecha rechonchuda de Dash, e ele me recompensa com um sorriso tímido. Então ele estende as duas mãos e me alcança.

— Não, não, não, é hora de dormir para você — diz Raven. Para o resto de nós, ela acrescenta — Eu voltarei. — Ela se dirige para as escadas, e Flint a segue.

— Legal. Se você precisar que a gente ajude com a comida ou qualquer... Uau. — Minhas sobrancelhas levantam e meu queixo ameaça atingir o chão quando meu olhar pousa em Vi de pé na porta da cozinha. — Meu Deus, senhora grávida. Você está enorme.

Ela coloca as mãos nos quadris. — Obrigado. Isso me faz sentir muito mais atraente do que já me sinto.

Eu coloco minhas mãos na minha boca e, em seguida, digo, — Não, desculpe, isso saiu errado. Eu estou apenas... um pouco chocada. Quero dizer, parece que você poderia entrar em trabalho de parto agora. Como diabos isso aconteceu? Você esteve fora - eu não sei - uma semana?

— Quatro meses e meio — diz Vi. — Aproximadamente. É a primeira vez em seis anos que o tempo em Kaleidos ficou devagar por tanto tempo. E apenas mudou para o outro lado, acelerando para o lado deles. É por isso que voltei para casa. — Ela atravessa a sala e se senta, ajeitando as almofadas atrás de si antes de se inclinar para trás. Eu me sento em frente a ela. — Há também essa coisa de cerimônia no Instituto na próxima semana. Eu sou uma das pessoas que eles vão homenagear por todo o trabalho que fiz lá. Seria rude perder isso. Eu tenho mais ou menos um mês, mas fico feliz em passá-lo aqui. Eu senti falta de Ryn, — acrescenta ela quando ele se junta a nós. — Mais do que as palavras podem descrever. — Ryn pega a mão dela e a beija enquanto ele se senta ao lado dela.

— Por que você fez isso então? — Eu pergunto. — Você está realmente tão obcecada pelo trabalho que a ideia de passar meses sozinha em uma ilha distante parecia melhor do que perder alguns meses de trabalho?

— Calla. — Ryn franze a testa para mim.

— Eu sinto muito. — Que droga, minha estúpida boca descontrolada. — Eu não quis que soasse rude. Esque...

— Tudo bem, — diz Vi. — Você não é a primeira pessoa a perguntar. Antes de sabermos sobre o bebê, eu me comprometi a fazer parte de algumas mudanças importantes que estão surgindo no Instituto. Eu não quero decepcionar as pessoas com quem amo trabalhar, mas também não quero perder tempo em casa com o bebê quando ele ou ela nascer. Eu não queria ter que escolher, então encontrei um jeito de ter os dois.

— Eu sinceramente não achava que ia dar certo — papai diz.

— Nem eu — diz Ryn.

Eu dou a Vi um olhar de desculpas. — Nem eu.

— Obrigada, todo mundo. — Vi finge estar ofendida. — É bom saber que Tilly é a única que achou que minha ideia era boa.

— Claro que ela achou — diz Ryn. — Todos nós sabemos que a Tilly é um pouquinho maluca.

— O melhor tipo de loucura — diz Vi com um sorriso.

— Oh, pai, onde está aquela carta para Calla? — Ryn pergunta.

Papai tira um pequeno pedaço de papel dobrado do bolso e se inclina para entregá-lo para mim. — Veio de um mensageiro privado esta tarde. — Parece que ele pode estar prestes a dizer algo mais, mas então seu foco muda. — Flint, essa é a nova KarKnox multi-funcional? — Ele se levanta e atravessa a sala para examinar o que quer que seja que Flint está trazendo para baixo. Eu desdobro o papel.

Calla, desculpe-me por tudo. Por favor, me encontre no sábado à noite, às 10 da noite, onde costumávamos praticar tiro ao alvo. Z

Sábado. É hoje à noite. Zed, obviamente, assumiu que papai seria capaz de passar essa mensagem rapidamente.

— Se esta pessoa Z é um amigo da Guilda — diz Ryn, — então eu diria para não ir. Há uma chance de ele ou ela estar atraindo você para esse encontro em nome da Guilda.

Eu cruzo meus braços e franzo a testa para ele. — Você leu minha carta?

Os olhos de Ryn se movem para o lado antes de voltar para mim. — Papai leu primeiro.

Eu solto um suspiro. — Você é tão imaturo, às vezes.

— Só às vezes? — Vi pergunta inocentemente.

— Esse cara não é da Guilda — digo a eles. — Eu confio nele, mas vou com cautela.

— Eu acho que eu deveria ir com você — diz Ryn.

— Não, obrigada. — Eu me levanto e vou embora rapidamente antes que eu possa entrar em uma discussão com Ryn. Eu acho que posso lidar com um encontro com Zed sozinha. Além disso, Ryn provavelmente não ficaria satisfeito em descobrir que ‘essa pessoa Z’ é o prisioneiro que escapou da Guilda enquanto eu observava e não fiz nada.

 

***

 

Zed e eu costumávamos fazer nosso treino de tiro ao alvo perto de uma praia deserta em algum lugar do reino humano. Nós nos sentíamos seguros lá. Nós éramos invisíveis aos olhos humanos, e as chances de alguém do nosso mundo nos encontrar eram pequenas. Eu chego lá dez minutos atrasada para que eu possa me aproximar dele em vez do contrário. Eu ando em silêncio entre as árvores que carregam as cicatrizes de nossas muitas horas de prática. Facas, adagas, shurikens, machados, lanças. Eu aprendi a menejar todos aqui.

Onde as árvores terminam e a terra escura se mistura com a areia clara da praia, eu paro. Eu vejo uma figura solitária sentada fora do alcance das ondas, observando a lua pairando sobre a água. Eu olho para os dois lados ao longo da praia. Encontrando-a deserta, atravesso a areia para me juntar a Zed. Ele levanta no momento em que me vê. — Você realmente veio — diz ele. — Eu pensei que você poderia estar com muita raiva depois da conversa que tivemos pela última vez. E depois, com tudo o que aconteceu com você desde então...

Eu olho em volta mais uma vez para verificar que ainda estamos sozinhos. Então eu sento. — Você sabe o que aconteceu?

— Sim. As pessoas falam. — Zed se senta ao meu lado. — Eu não acho que há alguém em Creepy Hollow que não saiba o que aconteceu na Guilda.

— Ótimo — murmuro.

Zed olha para mim e diz, — Eu sinto muito sobre tudo isso, Calla.

Eu encontro seu olhar turquesa. — Por quê? Você nunca quis que eu fizesse parte de uma Guilda.

— Eu sei, mas não queria que terminasse assim para você, com seu nome na Lista Griffin e sua habilidade revelada para metade da Guilda ver.

Eu solto um longo suspiro. — Bem, foi assim que aconteceu. Eu não posso mudar isso, então agora eu tenho que seguir em frente.

— Você sempre foi do tipo otimista — diz ele com um sorriso.

Eu dou de ombros. — Não tanto hoje em dia, mas estou tentando.

— Enviei a você muitas mensagens, mas quando você não respondeu, percebi que você provavelmente jogou seu âmbar fora.

— Sim. — Eu pego um punhado de areia e a deixo correr entre os meus dedos. — Eu tinha feitiços anti-rastreamento, mas não sei como eles eram bons. Eu ainda preciso de um substituto, na verdade. Eu tenho usado um que é tão antigo que só se comunica com uma pessoa.

Zed ri. — Eu achava que âmbares como esse só existiam em museus.

— Aparentemente não.

— Bem, você quer um dos meus? — Zed pergunta. — Eu tenho dois.

— Você tem dois? Por quê?

— Eu sempre tive dois. Um é pessoal e outro é para os negócios.

Eu não posso deixar de rir. — Negócios? Que negócios?

Ele encolhe os ombros. — Talvez eu apenas goste de ter dois.

— Bem, você não terá mais dois se me der um.

— Eu vou comprar outro. Tudo bem. Além disso, meus âmbares têm os feitiços anti-rastreamento mais avançados, o que você definitivamente precisa. — Ele se inclina para o lado e alcança seu bolso para remover um âmbar retângulo muito mais fino e suave do que o que eu tenho usado. — Eu vou apagar todas as minhas coisas. — Ele pega sua stylus. Eu vejo as ondas rolando na praia enquanto ele apaga qualquer informação deixada no âmbar. Mensagens de sua namorada, talvez, ou daqueles que odeiam guardiões, já que ele parece gostar de sair com eles atualmente. — Aqui. — Ele entrega para mim. — Foi totalmente limpo. Ele até gerou uma nova identificação âmbar para que você não seja incomodada por mensagens de todos os meus parceiros de negócios.

— Parceiros de negócios — eu digo com um suspiro. — Certo. Bem, obrigada. Depois que eu me disfarçar, mudar meu nome e me mudar para longe e começar a fazer novos amigos, talvez comece a usar os feitiços sociais novamente.

— É isso que você planeja fazer? Afastar-se, quero dizer?

— Sim. É triste ir embora, mas provavelmente vou visitar muito a minha família. Em segredo, claro. Meu irmão e sua esposa vão ter um bebê a qualquer momento, então eu não quero perder.

— Tão cedo? — Zed pergunta surpreso.

— Sim. — Eu faço uma careta para ele. — Eu te disse que eles estavam tendo um bebê?

— Não, mas ouvi o seu irmão falando sobre isso na Guilda. Você sabe, durante minhas muitas horas escondido.

— Ah, sim. — Eu peneiro mais areia através dos meus dedos. — E agora você e eu somos fugitivos.

— Sim. Pela vida de fugitivo. — Ele levanta o outro âmbar como uma taça de champanhe. Eu levanto o âmbar que ele me deu e o bato contra o dele.

— Pela vida de fugitiva — eu digo com uma risada, porque eu também posso acolher isso. — À amizade.

— À amizade — Zed repete. Então ele se inclina e me beija.


Capítulo 28

 

 

Eu tento me afastar, mas a mão de Zed já está em volta do meu pescoço, me puxando para mais perto dele. Eu coloco as duas mãos contra o peito dele e empurro com força. Quando ele cai para trás, eu me levanto. — O que você está fazendo? — Eu suspiro.

— Eu pensei... eu pensei que você queria isso. — Ele se levanta.

— Eu queria, mas isso foi há meses, e você me disse que eu era jovem demais para você. E você não tem namorada?

— Não mais. E eu sei que isse que você era muito jovem, mas... eu não sei. — Ele dá de ombros. — Você parece diferente agora.

— Diferente?

— Sim... você não parece mais uma garotinha.

Eu cruzo meus braços firmemente sobre o peito, ainda segurando o âmbar que ele me deu. — Bem, obrigado, mas quando eu disse 'à amizade', eu falei sério.

— Tem certeza? — Ele se aproxima de mim. — Tem certeza de que não quer mais nada?

Eu olho para os olhos azuis e verdes com os quais eu costumava sonhar e espero meu coração começar a acelerar ou ter arrepios sobre a minha pele ou asas de sprite batendo dentro de mim.

Nada.

Absolutamente nada.

— Zed — eu digo. — Tenho certeza. Estou feliz por sermos amigos de novo e por não estarmos discutindo sobre a Guilda, mas... isso é tudo que quero. Apenas amizade. — Eu balanço meus braços desajeitadamente ao meu lado. — Eu acho que eu deveria ir agora. Boa noite.

Eu ando rapidamente em direção às árvores.

— Calla? — Ele fala atrás de mim. Eu olho para trás. — Eu sinto muito se eu fiz você se sentir estranha. Estou feliz com a amizade. Sério.

Eu abaixo minha cabeça. — Tudo bem. Obrigada. E obrigado novamente pelo âmbar.

Volto para a montanha pela casa à beira do lago. É tarde, mas ainda não estou cansada. Preciso tirar minha mente de Zed e de todo esse constrangimento. Que estranho! O que poderia tê-lo feito pensar que ainda me sinto da mesma maneira que me senti durante todos esses meses? Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço e ombros quando tiro meus sapatos, tentando não pensar sobre o jeito que seus lábios pareciam estranhos nos meus. Não é uma memória que eu quero guardar.

Eu ando ao longo do corredor de meias e entro no quarto de Chase. Uma lâmpada ainda está acesa, então eu a movo para o lado vazio da cama onde eu gosto de sentar e desenhar. Eu abro meu caderno de desenhos e folheio para onde estou trabalhando atualmente: uma seção das antigas ruínas da Guilda coberta de trepadeiras e flores em forma de estrela. Este caderno está repleto de desenhos agora, desde esboços breves e abandonados até imagens detalhadas e quase acabadas. Já que o meu choque inicial por ter sido expulsa da Guilda acabou, estou achando mais fácil virar para uma nova página, colocar meu lápis no papel e ver algo tomar forma.

De vez em quando minha mão fica imóvel enquanto olho para ele. Ele parece um pouco mais calmo hoje à noite. Balançando menos e resmungando menos. Eu toco sua pele. Não está queimando como estava há alguns dias, mas não sei dizer se está de volta a uma temperatura normal ou não. — O que você está sonhando? — Eu sussurro.

Volto para o meu desenho e decido que precisa de alguma cor. Na verdade, todo esse caderno precisa de um pouco de cor. Tudo é preto e branco e cinza até agora. Eu coloco o caderno de lado e me levanto. Deve haver alguns lápis de cor neste quarto. Eu ando até a mesa coberta de frascos de tinta, tinta para tatuagem, uma pilha de esboços soltos e outros pedaços e peças relacionados à arte. Ao lado de várias telas pequenas empilhadas umas em cima das outras, vejo um pote com canetas e lápis parecendo como uma versão de um buquê de um artista. Eu alcanço, mas então minha atenção é capturada por outra coisa: o pequeno navio dentro da garrafa de vidro.

Eu pego cuidadosamente e dou uma olhada mais de perto. O navio está navegando em águas turbulentas com pingos minúsculos de chuva caindo e um flash ocasional de raios ziguezagueando através da cena. A primeira vez que vi esta garrafa, eu não tinha ideia do significado desse objeto encantado. Nenhuma ideia de que era uma pequena pista para sobre quem Chase realmente é. Mas agora eu sei exatamente o que isso representa: sua poderosa capacidade de criar tempestades e controlar o clima. Eu tento encontrar uma parte de mim que ainda está zangada com ele por não ter me contado a verdade, mas eu acho que não há mais raiva. Eu entendo agora por que ele teve que manter seu segredo até que ele soubesse se poderia confiar em mim. Eu só queria que nunca houvesse nenhum segredo que ele tivesse que guardar em primeiro lugar.

Eu coloco a garrafa gentilmente de volta na mesa. Então eu puxo o frasco para mais perto e procuro através das canetas, carvão e pedaços de giz até encontrar um único lápis arco-íris. Eu balanço para confirmar se ainda está funcionando e muda de laranja para amarelo. Perfeito. Antes de voltar para a cama, olho para a pilha de esboços. O que está em cima é da estufa. Deslizando para o lado, vejo na próxima página um desenho de tinta de uma fênix. Por baixo, há uma lua de carvão refletida na água ondulando e, sob esse... um esboço de mim.

Surpresa passa através de mim, seguida rapidamente pela culpa. Eu não deveria estar olhando os esboços do Chase. São pessoais. Eu não gostaria que alguém olhasse meu caderno de desenho sem minha permissão. Mas não posso deixar de demorar mais alguns segundos para examinar o esboço mais de perto. Com amarelo e um pouco de laranja, ele pintou meus olhos e partes do meu cabelo, mas o resto do desenho está em vários tons de cinza. Há um sorriso tímido nos meus lábios, e eu me pergunto que momento ele estava tentando capturar nesse desenho.

Enquanto reúno os papéis, vejo a borda de um caderno desgastado saindo debaixo da pilha. Eu o pego. Eu sei que não deveria, mas estou tão curiosa, e o que são mais alguns momentos de bisbilhotice? Eu abro o caderno e encontro páginas e páginas com a caligrafia de Chase. Não é um diário, no entanto. Isso parece mais com detalhes de missões. Nomes, datas, lugares. Uma marca ao lado de todas as pessoas que foram salvas ou auxiliadas de alguma forma. Um registro de todo o bem que Chase fez desde que ele deixou seu passado sombrio para trás.

Fecho o caderno e o deslizo de volta sob os esboços, depois volto para a cama com o lápis arco-íris. Mas meu foco mudou completamente, e eu não sinto mais vontade de desenhar ou pintar. Eu olho para Chase. Eu coloco minha mão suavemente em seu pulso. Eu evitei segurar a mão dele até agora. Parecia muito... íntimo. Isso me fez pensar naquele momento após o casamento, quando ele deslizou os dedos entre os meus e meu coração se expandiu para encher meu peito inteiro porque eu acreditava, por pouco tempo, que a felicidade era nossa.

Com meu coração batendo forte e minha garganta estranhamente seca, eu levanto a mão dele e encaixo meus dedos entre os dele. — Por favor, acorde — eu sussurro. E então quietamente, quase inaudível, como se fosse um segredo que ninguém mais deveria ouvir: — Sinto sua falta. Eu provavelmente não deveria, mas eu sinto. Eu sinto muito a sua falta. Senti sua falta mesmo quando estava com raiva de você. E depois que você finalmente explicou tudo e começamos a conversar novamente, eu senti sua falta ainda mais porque nada era como costumava ser depois disso. — Eu descanso a minha testa contra nossas mãos entrelaçadas e fecho os olhos. — É loucura eu não querer deixar você? — Eu murmuro.

Pontos brilhantes de luz piscam do outro lado das minhas pálpebras. Confusa, eu puxo minha cabeça para trás e abro meus olhos. Uma névoa de faíscas douradas desliza em torno de nossos dedos entrelaçados. Eu tiro minha mão com medo. Do outro lado do quarto, a pilha de esboços na mesa voa com o ar, enquanto ao meu lado, a chama da lâmpada se inflama repentinamente, incendiando o abajur. Eu apago com um rápido feitiço de escudo lançado sobre o fogo para sufocá-lo. A escuridão desce sobre o quarto. Eu junto minhas mãos e crio uma bola de luz. Eu aumento até que um brilho quente ilumine o quarto, então a coloco bem no alto para que ela flutue perto do teto.

Então sento com as mãos enfiadas firmemente sob meus braços, observando Chase enquanto meu ritmo cardíaco lentamente retorna ao normal. Isso não aconteceu comigo antes, esses brilhos, essas explosões descontroladas de magia. Mas eu sei o que são. Mamãe e eu tivemos uma conversa terrivelmente estranha quando ela explicou a magia da atração física e... outras coisas.

— Eu não deveria me sentir assim por você — murmuro. — Eu devo continuar me lembrando quem você realmente é, e então eu devo ir embora.

Em vez de me responder, Chase continua perdido em seus sonhos. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa, porque eu realmente quero que ele saiba como me sinto? Não. Não quando ele uma vez esmagou e quase destruiu um mundo e poderia potencialmente fazer a mesma coisa comigo.

Pego meu caderno de desenho e o lápis arco-íris e começo a adicionar cor aos meus desenhos. Eu vou para a cama em algum momento, mas por enquanto, eu preciso deixar minha mente vagar.

 

***

 

Eu me sinto desorientada quando acordo. Eu estou do lado errado da minha cama e não há nenhum lençol sobre mim. Então eu abro meus olhos o suficiente para perceber que esta não é a minha cama. Depois de piscar um pouco mais e sentar, encontro o caderno e o lápis arco-íris ao meu lado. Eu devo ter adormecido aqui em vez de voltar para o meu próprio quarto. Eu esfrego meus olhos antes de olhar para o lado de Chase da cama.

Ele não está lá.

Assustada, eu olho para cima e encontro ele sentado na cadeira, olhando para o nada. Seu cabelo está molhado e suas roupas estão limpas. — Você está acordado! — Eu quase pulo e corro até ele, mas eu consigo me conter. Eu rastejo até a beira da cama em vez disso.

— Quando você acordou?

Ele lentamente se vira na cadeira para me encarar. — Há pouco tempo atrás. Eu tomei um banho. Agora estou... pensando.

— Sobre? — Eu pergunto com cuidado.

— A tortura que acabei de viver.

Eu engulo e depois digo — Você ficou inconsciente por uma semana.

— Tudo isso? — Ele diz com uma risada sem graça. — Parecia uma eternidade.

— Foi o morioraith.

— Eu sei. — Ele abaixa a cabeça em suas mãos. — Eu sinto muito, Calla. Eu deveria ter me lembrado disso. Eu deveria estar preparado. Mas Angelica e eu costumávamos ir direto para a câmara e ir embora novamente. E o morioraith... eu nunca lidei diretamente com ele. Angelica o encontrou em algum lugar. Ela costumava controlá-lo com um gongo. Um enorme com um som de ressonância profunda. O morioraith não aguentava. Mas mesmo sem um sino ou um gongo, eu poderia ter feito muito mais. Eu deveria ter ficado pronto com magia no segundo em que ele se transformou na forma corporal, mas tudo ficou confuso tão rapidamente. Eu não pude fazer nada e me desculpe.

— Você sente muito? — Eu pergunto. — Eu que sinto muito. Eu estava atrasando você. Você poderia facilmente ter fugido sem mim. E então você pulou na frente daquela coisa para ele não me pegar e acabou com todo o seu corpo envenenado. É por isso que eu estou pedindo desculpas.

— Ele teria me pegado de qualquer maneira — diz Chase. — Eu tenho muito mais para saciar a fome de um morioraith do que você. — Ele abre a gaveta da mesa e coloca algo dentro dela. — Eu falei com Angelica — diz ele. — Ela me contou o que ela disse a você.

Eu mordo meu lábio e pergunto — Você está com raiva de mim por usar o anel?

— Não. Eu presumo que você estava apenas tentando ajudar. — Ele não olha para mim quando fala, então eu não posso ter certeza se ele está dizendo a verdade.

Eu me levanto e atravesso o quarto. Eu paro na frente dele, mas ele ainda não olha para mim. — Você está bem? Quero dizer, você está realmente bem?

Ele esfrega a mão sobre o rosto e fica de pé. Ele olha por cima do meu ombro enquanto diz — Parece que os últimos dez anos nunca aconteceram. Eu me sinto como o monstro que acordou ao lado das Cataratas do Infinito. O monstro que mal podia encarar a vida por causa de todas as coisas terríveis que ele fez. Todas as memórias estão bem aqui, logo abaixo da superfície, tão cruas, tão próximas. É tudo que posso ver. É tudo o que sou.

— Não. — Ele ainda não encontra meus olhos, então estendo a mão e toco seu rosto. O menor dos toques, apenas ao longo de sua mandíbula, mas o suficiente para fazê-lo olhar para mim. — Você é muito mais do que seu passado. Você é isto — eu pego a tela mais próxima, uma das minhas favoritas: sprites dançando na chuva — e isso — eu pego alguns desenhos do chão — e isso — eu seguro a máquina de tatuagem. — e isso. Isso é o que você é agora. — Pego seu caderno e o balanço na frente dele. — E sim, eu sei que não deveria ter olhado, mas é incrível. Você ajudou muitas pessoas.

Ele calmamente pega o caderno de mim e o coloca na mesa. — Eu acho que você deveria ir — diz ele.

Eu abro minha boca, mas não consigo responder. Dor me apunhala no peito, mas digo a mim mesma que ele não quis dizer isso. Eu estive em seu quarto a partir do momento que acordou, então faz sentido que ele queira um pouco de tempo...

— Da montanha, quero dizer. Você não deveria ficar mais por aqui. Você estava pensando em ir embora de qualquer maneira, não é? Pode muito bem ser agora.

A faca imaginária no meu peito começa a virar. — Você está... me expulsando?

— Calla. — Ele me dá um olhar agonizante. — Você não deveria ficar perto de mim. Como você ainda não percebeu isso? Eu sou um monstro.

— Não, você não é! — Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo em frustração. — Uma semana atrás era você tentando me convencer de que você não é mais essa pessoa, e agora sou eu quem está tentando convencê-lo. Graças a Deus, um de nós começou a pensar razoavelmente durante essa agonia do morioraith, senão estaríamos chamando você de monstro.

— Como deveríamos chamar — ele murmura.

Eu pego seu caderno e o empurro contra seu peito. — Leia isso.

— Calla...

— Leia! Então me diga que você é um monstro, depois de tudo de bom que você...

— Isso nunca vai compensar tudo o que eu fiz! — Ele grita, jogando o caderno no chão. — Eu nunca vou poder voltar atrás por todas as pessoas que eu machuquei e pedir desculpas a elas. Eu nunca vou poder pedir perdão.

— Não, você não pode. E você nunca vai poder mudar o que você fez também. Então vou lembrar a você o que me disse há não muito tempo atrás, quando era eu quem precisava ser retirada da escuridão: a única coisa que você tem controle agora é o seu futuro. Então você vai se chafurdar na autopiedade ou vai fazer a diferença? — Eu me inclino e pego o caderno. Eu o empurro em suas mãos. — E você realmente não deveria jogar isso por aí — acrescento calmamente. — Parece algo que você provavelmente quer guardar. — E então, como eu não consigo pensar em mais nada para dizer, eu me viro e saio.


Capítulo 29

 

 

 

Chase se foi quando eu acordei na manhã seguinte. Eu vou à procura de comida na cozinha, e é lá que Gaius me encontra para me contar a notícia de que Chase se recuperou e já está em outra missão. — Sinto muito que você não teve a chance de falar com ele antes de sair — ele diz para mim. — Eu sei que você tem esperado ansiosamente para ele acordar.

— Tudo bem. Eu na verdade falei com ele durante a noite.

— Ah, maravilhoso. Ele parecia bem para você? Ele estava muito quieto esta manhã. Eu não consegui muito dele.

— Hum... — Eu pego uma maçã da tigela na mesa da cozinha e a enrolo em minhas mãos, imaginando o quanto Chase iria querer que eu revelasse. — Bem, ele acabou de passar uma semana preso em pesadelos do passado. Ele provavelmente precisa de um pouco de tempo para colocar a cabeça no lugar certo. Ele disse para onde estava indo?

— Foi encontrar o farol da cidade de Kagan.

— Oh. Eu pensei - quero dizer - eu assumi que iríamos juntos. Mas... — Eu suponho que eu não deveria estar surpresa. Ele me disse que eu deveria ir embora da montanha porque ele não me quer em qualquer lugar perto dele, então eu suponho que isso inclui esta pequena missão para encontrar os Videntes. Pena que ele não ficou por aqui tempo suficiente para eu dizer a ele que ainda quero me envolver até que tenhamos certeza de que paramos o plano de Amon. Eu continuo rolando a maçã entre as palmas das minhas mãos. — Hum, de qualquer forma, você conhece a cidade de Kagan? Você já ouviu falar dela antes?

— Eu não conhecia, mas conseguimos encontrá-la em um dos meus livros esta manhã. Você já viu esse pequeno dispositivo conveniente para descascar maçãs? — Ele põe um anel na mesa, pega a maçã de mim e coloca a maçã no ar acima do anel. Antes que eu possa dizer a ele que eu não costumo descascar minhas maçãs, a fruta vermelha brilhante começa a girar mais rápido do que o meu olho pode seguir. Quando ela para, a casca desaparece.

Eu pego a maçã e a examino com uma carranca, me perguntando para onde a casca foi. E se perguntando por que Gaius mudou de assunto tão abruptamente. Eu abaixo a maçã e olho para ele. — Chase disse a você para não me deixar segui-lo para onde quer que este farol esteja?

Parecendo encurralado, Gaius diz, — Bem, nós achamos que você não deveria ficar envolvida demais, vendo como você vai embora em breve.

— Então isso é um sim?

— Você já escolheu para onde ir? — Ele pergunta inocentemente.

Com um gemido e um revirar de olhos, saio da cozinha.

Dois dias depois, Chase ainda não retornou. Gaius me diz para não me preocupar com ele, então eu tento ignorar a voz insidiosa que diz, E se ele nunca voltar? Eu escolho algumas escolas de arte e começo a organizar um portfólio. Estamos a dois meses do ano letivo, mas espero que os artistas não sejam tão rigorosos quanto a esse tipo de coisas, como os guardiões. Vou mostrar a eles o que posso fazer e espero que uma das escolas me aceite. Eu ignoro a pequenina parte de mim que espera que eu não entre em nenhuma delas.

À tarde, eu vou para o reino humano para fazer algum exercício. Eu corro ao redor de um parque ao lado dos humanos, confortável em saber que eles não podem me ver. Quando passo por alguém comendo um bagel, começo a rir e quase tropeço nos meus próprios pés. Eu gostaria de ter dinheiro humano para poder comprar um para Gaius. Depois do meu aquecimento, fico no meio do parque e prático luta usando um bastão que eu transformei em uma lança longa. Eu giro na minha frente e nas minhas costas e sobre a minha cabeça. Eu a varro através do ar e depois me inclino para frente para bater no chão. Repito cada movimento que eu conheço. É tão bom ficar ativa que mal posso suportar a ideia de passar o resto da vida na frente de uma tela ou me debruçar sobre papel de desenho. Eu queria que a arte fosse um hobby, não uma carreira, e agora tudo vai acabar do jeito errado.

Eu me consolo com o pensamento de que pelo menos eu não estou na prisão. Pelo menos eu não tenho uma marca da Lista Griffin encravada magicamente embaixo da minha pele, então assim a Guilda pode rastrear meu paradeiro pelo resto da minha vida. Pelo menos eu tenho a chance de começar de novo.

 

***

Eu acordo e alcanço desajeitadamente os dois âmbares ao lado da minha cama. Minha mão encontra o novo primeiro e olho para ele através de um olho meio aberto e meio desfocado. Está em branco. Nenhuma surpresa. Zed é o único que tem a identificação até agora, e ele e eu não temos o hábito de enviar muitas mensagens um para o outro. O barulho que me acordou deve ter vindo do âmbar mais antigo e pesado. Eu o pego e olho as palavras em sua superfície enquanto elas entram em foco.

Parabéns, você é tia!

Eu pisco. — O quê? — Então eu me sento ereta. — O quê? — Eu pulo da cama e pego minha stylus, que rola da mesa de cabeceira e desaparece debaixo da cama. Depois de mexer debaixo dela para recuperar a stylus e murmurar sobre como isso tudo seria muito mais fácil se eu pudesse apenas ligar via espelho para ele, eu respondo à mensagem de Ryn. Então eu rapidamente tiro o meu pijama e coloco algumas roupas. Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo e corro para a sala de banho para escovar os dentes. Quando volto, há outra mensagem de Ryn. Deslizo meu âmbar no bolso de trás e corro para a porta, depois corro de volta porque me esqueci de calçar os sapatos.

Através da porta, eu ouço uma voz familiar. Eu paro no meio de colocar uma meia, só para ter certeza de que ouvi corretamente. Sim, é Chase, falando com Gaius - algo sobre confirmar que os Videntes estão de fato presos no farol. Alívio me inunda. Ele está bem! Ele provavelmente não ficará satisfeito em saber que eu ainda estou aqui, mas podemos ter essa discussão mais tarde. Sapatos colocados, eu pulo e corro para fora do meu quarto. Corro ao longo do corredor e alcanço o topo das escadas enquanto Chase se vira no final e caminha de volta.

— Oi, bom dia, tchau — eu digo enquanto corro passando por ele.

— Oi, espere. Onde você vai?

Eu paro no final e olho para cima. — Creepy Hollow. Vi teve o bebê dela!

— O quê? Isso é impossível. Ela mal está grávida.

— Não, não, ela passou algum tempo em Kaleidos. Tudo bem. Um pouco cedo, mas Ryn diz que Vi e o bebê estão bem.

— Oh, isso é bom. — Quando eu me viro, ele acrescenta, — Espere, podemos apenas — Ele corre para baixo e para ao meu lado. Percebo agora que ele está vestindo o casaco que finalmente devolvi para ele. — Podemos conversar por um momento, ou você precisa ir urgentemente?

— Bem, não, não é urgente. Estou animada para chegar lá, só isso.

— Isso não vai demorar muito. Eu só queria me desculpar por... — Ele se interrompe quando Lumethon sai da sala de estar enquanto manda mensagens em seu âmbar. Ela se dirige para as escadas sem olhar em nossa direção. Chase limpa a garganta. — Eu realmente sinto muito que eu... — A porta da fada se abre e um homem careca que eu tenho quase certeza que é um drakoni passa por ela. Ele tranca a porta com uma chave de ouro, acena para nós e cumprimenta a elfa de cabelos espetados que sai da sala de estar. A mesma elfa que trabalhou como assistente de Chase em sua loja de tatuagem e depois apareceu na ala de cura depois em que eu acordei do meu tormento na Prisão Velazar.

Os dois começam a conversar. Chase suspira, pega meu braço e abre uma das portas que levam para fora do saguão de entrada. Ele me puxa para dentro da sala, que está cheia de móveis antigos, além de aparelhos quebrados e armas semi-construídas que provavelmente começaram a vida no laboratório de Gaius. Chase fecha a porta, deixando um pequeno círculo de luz no teto como a única fonte de iluminação.

— Desculpe — diz ele. — Eu esqueci que esta era a sala de armazenamento.

— Você estava dizendo algo sobre não demorar muito?

— Sim. Desculpe pela outra noite. Eu não deveria ter falado com você tão logo depois que eu acordei. Eu não estava no estado de espírito certo, e tudo parecia um pouco... sem esperança.

— Bem, para ser justa, fui eu quem adormeci no seu quarto. Você não teria que falar comigo se eu não estivesse lá.

— Verdade. — Depois de uma pausa, ele pergunta, — Você se sentou muito ao meu lado enquanto eu estava dormindo?

Eu dou de ombros, grata pela luz escura que esconde o calor subindo para o meu rosto. — Constantemente.

— Bem, obrigada. Meus sonhos eram... horrendos. Foi um grande conforto acordar e descobrir que eu não estava sozinho. E obrigada por jogar meu caderno em mim. Ajudou.

— Eu realmente não joguei em você.

— Você devia ter jogado. Poderia ter feito algum sentido em mim enquanto você ainda estava no quarto, em vez de um dia ou dois depois.

— Bem, você sabe, eu acho que você precisava de um pouco mais de tempo para lembrar que não é um monstro, afinal.

— Sim. Estar fora na luz do dia ajudou também. Ah, e fico feliz em ver que você não me ouviu quando eu lhe disse para ir embora. Eu verifiquei o Farol Brigham, e parece que uma tentativa de resgate será mais suave se tivermos suas ilusões para nos ajudar a entrar e sair.

— Claro. — Com um sorriso, acrescento, — Eu nunca planejei ouvi-lo quando você me disse para ir embora, a propósito.

— Bom. Porque também é... — Ele respira fundo e esfrega a nuca. — Bem, é bom ter você por perto.

— É, hum, bom estar por perto. — Fantástico. Agora meu rosto está definitivamente vermelho.

— De qualquer forma, eu vou deixar você ir agora. — Ele abre a porta, e a luz brilhante que entra é chocante. Sua mão escova meu braço brevemente enquanto ele acrescenta — Por favor, passe minhas felicitações para Vi e Ryn.

Em algum lugar atrás dele, faíscas disparam de um regador e voam pelo ar. Eu me afasto antes que ele perceba.

***

 

Eu me esgueiro para dentro do cubículo na ala de cura onde Vi está na cama com um pequeno embrulho nos braços. Ela olha para mim com olhos brilhantes, e as primeiras palavras de sua boca são — Ela não é a coisa mais linda que você já viu?

Eu consigo conter o meu grito quando eu arremesso meus braços ao redor de Ryn e o aperto com força. — Parabéns, irmão mais velho. — Então eu corro para o lado da cama e olho para o pequeno pacote embrulhado. Eu escovo meu dedo suavemente contra sua bochecha macia. Eu olho para seus cílios minúsculos e sua doce boca botão de rosa. — Ela é perfeita — eu suspiro. — Qual é o nome dela?

— Victoria Rose — diz Ryn, de pé ao meu lado e colocando um braço em volta dos meus ombros.

— Tão bonito — murmuro. — Eles são nomes de família, Vi?

— Rose era o nome da minha mãe — diz ela. — E Victoria... — Um sorriso triste cruza seu rosto. — Ela era minha mentora, mas era como uma família. Ela morreu na Destruição. Eu escutava as pessoas a chamando de Tora, mas seu nome completo era Victoria. Eu não tenho certeza de como vamos acabar chamando essa pequena. Victoria, Tora, Tori...

— Vicky? Vix? — Eu sugiro.

— Bem, ela vai ser Victoria quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — o que provavelmente será frequente, se ela for parecida comigo.

— Victoria Rose — corrige Vi com uma risada. — Seus pais nunca usaram pelo menos dois nomes quando você estava em apuros?

— Então Victoria Rose quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — e talvez Tori o resto do tempo.

— E talvez ela seja Ria para seus amigos — acrescento, — porque isso soa legal e exótico. Qual cor você acha que vai ser a dela?

— É muito cedo para dizer — diz Vi, acariciando o cabelo fino e escuro de Victoria. — Geralmente leva algumas semanas para se estabelecer, não é?

— Sim — diz Ryn. — Mas eu não tenho dúvidas de que ela será tão bonita quanto a mãe, não importa qual seja a sua cor.

Vi balança a cabeça enquanto sorri para ele. — Sempre tentando ser o Sr. Encantador.

— Ei, é verdade — ele diz a ela, seu sorriso combinando com o dela. Então ele se senta na beira da cama e olha para mim. — Desculpe, eu não lhe enviei uma mensagem antes. Não me odeie, mas... ela na verdade nasceu ontem à tarde.

— O quê? — Eu dou a ele o meu melhor olhar de raiva. — E você esperou até esta manhã para me dizer?

— Eu sabia que você viria para cá imediatamente, mas os curandeiros primeiro precisavam verificar se ela era saudável - o que ela é; muita magia forte de fada bombeando através desse minúsculo corpo dela, apesar de sua chegada antecipada - e então todos os visitantes começaram a chegar, e pareceu mais fácil esperar até depois da pressa inicial. Eu sabia que seria mais seguro para você se houvesse menos pessoas indo e vindo.

— E mais seguro para você — acrescento. — Eu definitivamente não quero que você acabe com problemas, o que nós dois sabemos que você estaria se alguém me visse aqui. Falando nisso — acrescento, lançando um olhar sobre o ombro enquanto passos se aproximam da cortina. Eu rapidamente projeto a ilusão de que não estou aqui.

Uma curandeira olha para dentro e diz — Ryn, o seu pai ainda está por aí?

— Não, ele voltou a trabalhar. Está tudo bem?

— Melhor do que bem — ela diz com um sorriso largo. — A esposa dele acabou de acordar.


PARTE 4


Capítulo 30

 

 

Eu permaneço escondida no quarto de Vi mordendo impacientemente minhas unhas enquanto Ryn verifica o que está acontecendo com a mamãe. Ele volta para informar que os curandeiros entrando e saindo de seu quarto continuam o expulsando. Eu ando ao redor, meu cérebro repetindo, Ela está acordada, ela está acordada, ela finalmente está acordada! Os nervos disparam através de mim. Há tanta coisa que tenho que perguntar a ela. Muita coisa que ela precisa explicar.

Papai chega. Eu quero correr para o quarto da mamãe com ele, mas Ryn me segura, me dizendo para dar-lhes um pouco de tempo sozinhos. — Ele precisa explicar todas as coisas que aconteceram enquanto ela dormia. O fato de que nós sabemos sobre ela ser uma Vidente, e como ela foi sequestrada, e então sua expulsão da Guilda. Apenas dê a ela alguns minutos para que as coisas façam sentindo antes que você vá correndo para lá. E enquanto espera, certifique-se de que ainda está focada o suficiente para se esconder. Você não quer estragar tudo agora e acabar em uma cela na detenção no andar de baixo.

— Eu odeio quando você é tão sensato — murmuro.

Ele me dá uma tapinha no ombro. — Eu sei.

Eventualmente, depois da quarta vez em que Ryn desaparece para ver o que está acontecendo, ele volta para me dizer que posso ir até o cubículo da mamãe. Eu espero alguns segundos para ter certeza de que estou me escondendo corretamente. Ryn diz — Perfeito. Você está completamente invisível. Eu vou com você para que eu possa impedir qualquer um que tente entrar enquanto você estiver lá.

Meu coração palpita ansiosamente como asas enquanto passo por todas as cortinas flutuantes em direção onde minha mãe tem dormido nas últimas seis semanas. Ao passarmos entre as cortinas, Ryn passa a mão pelo ar. — Escudo de som — ele murmura.

Eu paro dentro da cortina. Mamãe está sentada, ofuscada pelo enorme pijama do instituto de cura. Seu cabelo fino, loiro e amarelo, está emaranhado, mas alguém fez um esforço para domá-lo desde que ela acordou. — Calla. — Ela sorri e estende a mão para mim. Papai senta em um lado da cama, então corro para o outro lado e seguro sua mão. Minhas palavras saem da minha boca. — Você está bem? Como você está se sentindo? É confuso acordar depois de tanto tempo?

Ela coloca a outra mão sobre a minha. — Eu quase não me sinto diferente do que estaria depois de acordar de um sono normal. Um pouco confusa no começo, mas de outra forma normal. Esse é o sinal de uma poção do sono de alta qualidade — acrescenta ela, abaixando o olhar quando sua expressão se transforma em culpa. Ela balança a cabeça. — Eu sinto muito por ter feito isso com você. Foi à única coisa em que consegui pensar no momento. Eu não podia deixar que ele soubesse o que eu... — Ela se interrompe, então aperta minha mão com força e olha para cima. — É seguro você estar aqui? E se alguém te ver?

— Ryn está perto o suficiente da cortina para interceptar qualquer um que tente entrar. Isso me dará tempo para me esconder. Eu posso fazer isso rapidamente agora. Eu tenho praticado muito ultimamente.

Ela acena. — Eu sei por quê. Eu sinto muito. Você sabe que eu realmente não queria que você fosse uma guardiã, mas nunca quis que isso terminasse assim para você. Nunca.

— Isso não é importante agora. Sim, é uma droga, mas... — Eu afasto a dor que reaparece toda vez que me lembro da minha expulsão. — Estou tão feliz que você esteja acordada. Eu estava realmente com raiva de você no começo, mas depois... — Aperto a mão dela enquanto sinto as lágrimas ameaçando aparecer. — Por que você não me contou, mamãe? Sobre ser uma Vidente. Eu queria ter sabido. Isso teria me ajudado a entender melhor você.

— É... — Ela balança a cabeça e olha para o outro lado. — Não é um presente, é uma maldição. Eu vi tantas coisas horríveis. E é tão desorientador, tão... perturbador. Eu odeio isso. Eu sempre quis me livrar disso. Eu só queria ser normal, então fiz o meu melhor para fingir que era.

— Mas agora que eu sei — eu digo, olhando para as nossas mãos unidas, — você vai explicar tudo? A visão que você teve que fez você fugir, e por que alguém veio atrás de você por causa disso, e por que há dois outros Videntes envolvidos em tudo isso? Por favor?

— Eu vou ter que dizer a Guilda de qualquer maneira — ela diz baixinho, — então eu deveria me acostumar a falar sobre isso. E você merece uma explicação, já que foi sequestrada e quase morta por minha causa. — Quando ela consegue encontrar meus olhos, vejo lágrimas e o enorme peso da responsabilidade em seu olhar.

Eu dou-lhe um sorriso corajoso. — Realmente, não foi tão ruim assim. — Eu não sei o quanto meu pai disse a ela, mas ela não precisa saber o quão horrível foi essa experiência.

— Bom, então — diz ela. — Eu provavelmente deveria começar pelo começo. Eu nasci uma Vidente. Eu odiei minhas visões no momento em que elas começaram. Meus pais entendiam e só queriam que eu fosse feliz, mas estavam cientes de que qualquer faerie respeitável nascida com a capacidade de Ver deveria ser treinada para apoiar o sistema de guardião. Então eles me mandaram para a Guilda Estra.

— Não foi tão ruim assim. Eu tinha amigos. Tamaria e Elayna e eu fazíamos tudo juntas. Perto do final do primeiro ano, estávamos na biblioteca certa tarde quando todas nós três fomos atingidas por uma visão ao mesmo tempo. Diferentes, mas tudo relacionado ao mesmo evento. O bibliotecário chefe estava lá. Amon. Ele nos viu entrar em colapso. Ele deve ter ouvido o que dissemos enquanto estávamos experimentando as visões.

— Quando acordamos, Amon saiu correndo para chamar um de nossos instrutores. Nós três nos sentamos juntas, tremendo e compartilhamos o que tínhamos visto. Nós costumávamos carregar pequenos espelhos de mão conosco para que pudéssemos praticar a transferência de visões se as tivéssemos. Então fizemos isso e assistimos ao horror do nosso futuro. Então, eu disse a Tamaria e Elayna que não poderíamos deixar ninguém na Guilda ver essas visões. Afinal, eram eles que iam fazer com que esse futuro acontecesse.

— Eu não sei se elas concordaram comigo. Eu não sei o que elas planejaram dizer a Guilda. Mas peguei os três pequenos espelhos e fugi. Guardiões vieram à nossa casa, é claro, mas eu me recusei a contar o que vi. Eles tentaram me ameaçar, mas meu pai os fez sair. Quando estávamos sozinhos, mostrei a ele e a minha mãe as três visões. Então ele entendeu. Ele empacotou todas as nossas coisas e fomos embora antes da manhã seguinte.

— Anos depois, ele me revelou que nunca havia destruído esses espelhos. Eu achava que ele era louco por tê-los guardado, mas ele disse, ‘E se esse futuro vier a acontecer um dia, e a única maneira de consertá-lo seja a partir dos fragmentos de informação dentro dessas três visões? Você sempre saberá a sua, mas e se você precisar ser lembrada das outras duas? Não os destrua.’ Eu não queria ouvi-lo, mas tão assustada quanto eu estava, reconheci que ele provavelmente estava certo.

Mamãe tira as mãos das minhas e tira o anel de casamento do dedo. — Eu escondi os espelhos. Eu nunca disse ao seu pai que ainda os tenho. — Ela segura o diamante em cima do anel e o gira. Ela gira até o diamante sair do anel. — Sinto muito, — diz ela, olhando para o papai agora. — Tenho certeza de que você nunca quis que esse anel fosse usado para esse propósito.

— Hum... — Papai olha para as duas partes do anel, parecendo perplexo. — Não.

Mamãe esfrega o dedo em círculos sobre o diamante até ele perder o brilho e sua forma. Ele derrete para revelar três minúsculos discos empilhados uns sobre os outros. Enquanto ela recita um feitiço de aumento, os discos se expandem. Em poucos segundos, três pequenos espelhos redondos – do tipo sem reflexo dos Videntes - estão na palma da mão dela. — Ainda está muito pequeno — diz ela. — Deixe-me torná-los um pouco maiores. — Ela aplica outro feitiço de aumento, em seguida, levanta um dos espelhos para que eu possa ver melhor. — Essa era a visão de Elayna — diz ela, enquanto os passos rápidos de papai o levam ao redor da cama para ficar ao meu lado. Ela toca a superfície do espelho e a primeira das três visões aparece.

Uma lua cheia paira em um céu estrelado. Uma criatura da noite pia, e dois sprites voam através da cena. Sem aviso, um relâmpago irregular divide o céu ao meio, trazendo consigo um som horrível que quebra a quietude da noite. Quando a luz brilhante diminui, vejo uma grande lágrima no tecido do céu. A lágrima cresce mais e, além disso... está um mundo diferente. Um reino diferente. A cena escurece e uma figura sombria aparece. Tudo o que posso ver no rosto dele é a luz verde que brilha em seus olhos. Sua voz calma envia um arrepio através da minha pele, — O véu caiu.

O espelho retorna ao seu estado prateado sem reflexo. — O véu — eu repito suavemente enquanto olho para a superfície em branco. — Significa... aquele entre o nosso reino e o humano?

Silenciosamente, mamãe concorda. Ela pega o segundo espelho. — Foi isso que eu Vi. — Mais uma vez a cena é de um céu noturno, mas no primeiro plano está uma estátua de pedra de um tridente apontando para cima. O tridente parece estar subindo de ondas oceânicas esculpidas em pedra, que por sua vez estão montadas sobre uma ampla base cilíndrica com padrões esculpidos nela. Enquanto observo, um homem caminha até a estátua e sobe facilmente sobre as ondas de pedra. Ele fica ao lado do tridente e envolve uma mão ao redor enquanto ele olha para o céu. Eu não posso ver o detalhe em seu rosto, mas eu posso apenas ver o brilho verde onde seus olhos estão.

Dois homens caminham até a estátua carregando uma mulher entre eles. Eles a colocam em cima das ondas de pedra. Outros dois homens carregam uma segunda mulher e a colocam ao lado da primeira. Elas ainda estão vivas, mas não parecem conscientes. Os quatro homens estão de guarda, dois de cada lado da estátua. Quando eles apontam suas armas para as mulheres, percebo com um choque que esses homens são guardiões. Na visão do espelho, uma bruxa avalia o peso de um machado em suas mãos. Ela acena primeiro para os homens à direita e depois para os homens à esquerda. — Agradecemos às Guildas por sua assistência. Vocês ajudaram a tornar isso possível. — Ela caminha até a estátua, olha para as mulheres e depois para o tridente. O homem segurando ele parece ficar rígido. O tridente brilha. A bruxa fala — Da magia das profundezas à magia das alturas, com sangue de um lado e sangue do outro. Junto com o maior poder que a natureza pode aproveitar, vamos rasgar este véu. — Então, com um grito bárbaro, ela gira o machado no pescoço da primeira mulher. Eu suspiro e coloco a mão sobre a minha boca enquanto o sangue jorra do lado da estátua. A bruxa se move para a segunda mulher. Enquanto ela grita e traz seu machado para baixo novamente, eu aperto minha mão em um punho sobre a minha boca. Então a luz branca brilhante oblitera tudo.

A visão acaba.

— Isso... isso foi horrível — eu sussurro. — E aqueles guardiões apenas observaram.

Mamãe engole. — E isso — diz ela, pegando o terceiro espelho, — foi o que Tamaria Viu. — A visão começa com uma visão do lado de fora de uma torre, mas ela rapidamente se aproxima, passa por uma janela estreita e se concentra embaixo. No piso redondo do túnel há uma massa de corpos se contorcendo. Centenas de pessoas, todas amarradas e gritando. A visão desce, passando por pessoas, concentrando-se em rostos individuais. — Não esse — uma voz diz, e uma pessoa é libertada. — Esse também não. Eu não lhe disse para não usar os especiais? — Um homem é libertado, e então um menino com tatuagens no rosto, uma mulher chorando e uma garota com - cabelo dourado? Meu coração pula para a minha garganta quando a visão se move para cima e para cima, e eu vejo quando uma grande pedra da mesma forma e diâmetro que a parte interna da torre cai com velocidade ofuscante e esmaga a massa de pessoas gritando. Em um flash de luz, tudo fica branco e desaparece.

Eu respiro devagar. — Isso... era eu. Quando criança e aquele homem com os olhos brilhantes. Era Draven?

— Sim — responde Ryn de perto da cortina.

— Então tudo isso deveria acontecer durante o tempo de Draven, mas não aconteceu.

— Não, não aconteceu — mamãe diz. — Algo deve ter mudado. Ou talvez muitas coisas tenham mudado. Mas se Ryn não tivesse resgatado você do Príncipe Unseelie, você poderia ter acabado como todas aquelas pessoas no fundo daquela torre. E se Draven não tivesse sido morto, essa visão poderia se tornar realidade.

— Mas não aconteceu, então que uso essas visões tem para Amon?

Mamãe coloca o espelho na cama. — Acho que ele acredita que isso ainda pode acontecer. Ele provavelmente pensa que se ele puder reunir todos os elementos certos da maneira que eles estão nessa visão, então ele pode derrubar o véu a qualquer momento. Não há nada que indique que estava restrito a esse período específico da história.

— Mas... como ele poderia conseguir todos os elementos certos juntos? Eu suponho que o raio veio de Draven, e ele... bem, ele deveria estar morto.

— Eu não sei — mamãe diz. — Tudo o que sei é que Tamaria apareceu do nada há vários meses. Eu não sei como ela me encontrou. Eu não tive nada a ver com a vida dos Videntes ou a Guilda desde que fui embora. Eu fui para a escola de negócios e depois acabei como bibliotecária em Wilfred porque eu queria algo calmo. Eu pensei que tinha me escondido perfeitamente, mas ela conseguiu me rastrear.

— Ela me contou que um homem se aproximou dela perguntando sobre as visões que nós três tivemos. Um homem que conhecia Amon. Ele queria que ela lhe dissesse exatamente o que ela tinha visto, e ele também queria saber onde ele poderia encontrar Elayna e eu. Ela se recusou a dizer-lhe qualquer coisa e, eventualmente, ele foi embora. Ela procurou por mim porque queria me avisar. Ela acreditava que este homem estava tentando juntar as informações de todas as três visões para que ele pudesse causar a queda do véu.

— Eu disse a ela que ela nunca deveria ter vindo. E se esse homem estivesse a rastreando e agora ele sabia onde me encontrar? De qualquer forma, ela foi embora e eu vivi com medo por várias semanas. Mas nada aconteceu, e eu esqueci disso. Então aquele homem invadiu e lutou contra você, e depois você mencionou o nome Tamaria, e eu sabia. Eu sabia que foi por isso que ele veio, e eu sabia que ele voltaria. É por isso que tivemos que nos mudar. E é por isso que finalmente deixei você se juntar à Guilda. Eu sabia que não estávamos mais seguros. Eu queria que você passasse o máximo de tempo possível longe de casa, e eu queria saber que você poderia se defender adequadamente se estivesse em casa quando ele invadisse novamente. Eu sempre odiei a Guilda, mas tive que deixar isso de lado sabendo que você estaria mais segura lá.

— E no fim, foi exatamente na Guilda onde eles nos sequestraram — eu digo baixinho. — Como é possível — pergunto ao começar a pensar nessas visões, — dois reinos que se sobrepõem subitamente existirem no mesmo espaço, porque a magia não os separa mais? Eles meio que se juntariam? Um destruiria o outro?

— Espero que a gente nunca descubra — mamãe diz. — Mas você entende agora porque eu não queria que a Guilda soubesse o que eu vi? Eles ajudaram com tudo o que você viu nessas visões. E apesar de muitos guardiões tentarem impedir que isso se tornasse realidade se eu compartilhasse a visão com eles, eu não queria nem mesmo colocar a ideia na cabeça de alguém, caso isso tenha causado a coisa toda.

Eu inclino meu quadril contra a cama. — Você acha que isso funciona às vezes? O ato de tentar impedir algo é o que faz com que isso aconteça?

— Sim. Talvez eu esteja errada, mas acho que sim.

— Eu me pergunto se tudo isso é possível, — papai diz, franzindo a testa enquanto olha para os espelhos, — alguém realmente fazer essas visões se tornarem realidade. As consequências seriam indescritíveis.

Eu repasso os detalhes da visão horrível da mamãe novamente. Uma torre, uma bruxa, um machado, alguém deste reino, alguém do mundo humano, um feitiço que provavelmente não é muito difícil para qualquer bruxa descobrir, uma estátua com tridente e um poderoso relâmpago produzido pelo sujeito que por acaso não está morto.

Sim. Alguém poderia definitivamente fazer isso acontecer.

— Nos disseram que podemos levar Victoria para casa — diz Ryn, voltando para o cubículo. Eu não percebi que ele tinha ido embora. — Cal, você provavelmente não deveria ficar por muito mais tempo, a menos que você permaneça escondida. Você nunca sabe quando um curandeiro pode entrar aqui.

— Eu sei. Você está certo. — Eu pego a mão da mamãe novamente. — Desculpe, não posso ficar.

— Tudo bem, eu entendo. Eu não quero que você tenha que projetar uma ilusão o tempo todo e, em então, acidentalmente escorregar porque está cansada. Além disso, — acrescenta ela com um gemido, — Eu tenho certeza de que há vários guardiões esperando para me interrogar sobre a visão que me recusei a mostrar há tanto tempo atrás.

Preocupação aperta minhas entranhas. — Apenas perguntas? Ou será algo pior?

— Eu não sei. Mas não sou mais uma criança, então eu provavelmente deveria parar de me esconder. — Ela respira fundo, um pouco trêmula. — Quaisquer que sejam as consequências por fugir da Guilda durante todos esses anos, eu vou enfrentá-las agora. — Ela tenta dar um sorriso e acrescenta, — Espero que um dia eu possa ser tão corajosa quanto minha linda filha.

— Mãe... — Minha garganta aperta e lágrimas não derramadas doem por trás dos meus olhos.

— Tudo bem, basta — papai diz. — Vamos ser positivos. Tudo vai ficar bem. Logo você estará em casa — ele diz para a mamãe, — e você poderá admirar a redecoração bagunçada que Calla fez no quarto de hóspedes.

— Ei, esse foi um dos meus melhores trabalhos, — eu protesto, permitindo que um sorriso mascare minha preocupação. Mamãe ri, mas eu posso dizer que está meio indiferente.

Eu me despeço dos dois. Então eu me lembro de ser tão corajosa quanto mamãe pensa que sou quando desço as escadas e saio da Guilda. Chase e eu temos trabalho a fazer se vamos impedir Amon de transformar essas visões horríveis em realidade.


Capítulo 31

 

 

— Minha mãe acordou! — Eu digo enquanto corro para o escritório onde Gaius e Chase estão curvados sobre um mapa.

Os dois olham para cima. — Isso é maravilhoso, — diz Gaius.

— Ela me mostrou sua visão. E as outras duas visões também. Das duas Videntes que estão supostamente naquele farol na cidade de Kagan.

— Espere, espera aí. — Chase levanta as mãos. — Você está falando sério? Você viu todas essas três visões que Amon está procurando?

— Sim. E agora você está prestes a vê-las. — Eu me viro e me concentro no espaço acima do centro da sala. — Eu gostaria de não ter que assistir isso de novo, mas aqui vai. — Eu projeto minha memória das três visões no ar. Quero desviar os olhos dos detalhes horríveis, mas não acho que funcionaria. Então meus olhos ficam atentos para tudo: a divisão no céu, as mulheres decapitadas, os corpos se contorcendo prestes a serem esmagados. Quando termino, nós três ficamos em silêncio. Uma vagem de asa de dragão se fecha em torno de um inseto. Chase esfrega a mão na testa.

— É um pouco assustador saber que eu poderia ter feito isso acontecer, — diz ele eventualmente. Ele limpa a garganta. — Mas agora finalmente sabemos o que estamos tentando impedir.

— Eu sei que isso é pedir muito — diz Gaius, — mas você poderia nos mostrar de novo?

Então eu faço. Quando termino pela segunda vez, Chase aperta os olhos para o espaço vazio e murmura, — Angelica sabe.

— Sabe o que? — Eu pergunto. — Que minha mãe acordou?

— Eu não sei. Talvez tenha sido outra coisa, mas quando falei com ela há pouco tempo, senti uma espécie de excitação nela.

— Mas como? Mesmo que haja curandeiros na Guilda que estão na verdade trabalhando para Amon ou Angelica, eles teriam que ir à Prisão de Velazar para passar a mensagem. Levaria algumas horas pelo menos. E ela não pode saber que falamos sobre a visão da mamãe. Ninguém mais estava lá para ver, e Ryn colocou um escudo de som em torno de nós.

Chase anda ao redor da sala, batendo em várias plantas penduradas em seu caminho. — Eu não sei. Ela está feliz com alguma coisa e isso não é bom para nós. Precisamos parar isso antes mesmo de começar.

— Espere — eu digo. — Apenas espere. É realmente possível? Você acha que Amon poderia forçá-lo a fornecer aquele raio de energia?

— Eu não planejo deixá-lo fazer qualquer coisa do tipo, mas eu não descartaria que ele encontrasse outra fonte de poder.

— Como o quê?

Chase olha para Gaius. — Boa pergunta.

Gaius coça o queixo. — Por que todas essas pessoas tiveram que ser esmagadas?

— Outra boa pergunta — diz Chase. — E eu sei o que você está pensando. Foi esse o poder que foi selado?

— Do que vocês estão falando? — Eu pergunto a eles.

— Não é importante agora — diz Chase. — Vamos começar pelo simples. Aquela estátua. Se a destruíssemos, isso impediria que isso acontecesse ou alguma estátua de pedra poderia tomar seu lugar?

— Você pode estar no caminho certo — diz Gaius. — Isso não é apenas uma estátua. Eu definitivamente já vi isso antes. É... oh, eu sei. Hum. Oh! — Ele estala os dedos. — O Monumento ao Primeiro Rei Mer.

— ‘Da magia das profundezas,’ — eu recito. — Então esse monumento tem algum tipo de poder?

— Eu acredito que sim. Está como guarda sobre a entrada do Reino Mer.

— Então eu estou supondo que os sereianos não aceitariam muito gentilmente que nós o destruíssemos — eu digo.

— Podemos organizar algum tipo de proteção extra em torno dele, enquanto informamos o Rei Mer da ameaça — diz Chase.

— Tudo bem. Então, para onde exatamente estamos indo?

— Hum... — Gaius estala os dedos mais algumas vezes e olha para Chase. — Está em algum rio subterrâneo, não é? Na foz, onde o rio encontra o oceano?

— Não olhe para mim — diz Chase. — Eu não estudei neste reino.

— Não teria ajudado se você tivesse estudado, — eu digo. — Aprendemos tudo sobre as Cortes Seelie e Unseelie, mas quase nada sobre a realeza menor. Eu nunca vi esse monumento antes.

— Tenho certeza de que posso encontrá-lo — diz Gaius, indo até a prateleira mais próxima e examinando as lombadas dos livros. — Só me dê meia hora.

Chase suspira. — A Internet seria tão útil agora. — Ele olha para o outro lado da sala para o relógio cuco, que nos mostra que é quase meio-dia. — Tudo bem, eu estou convocando uma reunião. Podemos enviar duas pessoas para a missão de resgate das Videntes, e o resto de nós pode lidar com esse monumento do Rei Mer. Se Angelica souber de alguma forma o que está acontecendo, eu não quero que nenhuma das pessoas que trabalha para ela chegue primeiro. Vejo você lá embaixo em uma hora, Gaius.

— Mm hmm, — diz Gaius distraidamente, puxando um livro da prateleira.

Chase acena em direção à porta, indicando que eu deveria andar com ele. — Você está dentro? — Pergunta ele, uma vez que estamos fora do escritório. — Você pode voltar para suas inscrições na escola de arte e planos de identidade falsa quando terminarmos.

— Claro que estou — digo-lhe quando o mesmo tipo de antecipação animada que sinto no início de cada missão se agita dentro de mim. — Eu não deixaria você me deixar de fora, mesmo que você quisesse.

 

***

 

Uma hora depois, me encontro na área da montanha que eu não tenho permissão para explorar ainda. A área onde todos os outros que entram neste lugar parecem desaparecer. A única vez que estive aqui foi quando Chase se ofereceu para me mostrar as gárgulas, e essa visita não durou muito tempo.

Eu ando com Chase ao longo de um corredor largo, passando por salas que estou intensamente curiosa para saber mais. Eu ouço vozes quando nos aproximamos de uma porta entreaberta. Incapaz de conter meu entusiasmo, encontro as palavras — Isso é tão excitante — passando pelo ar adulto que estou tentando retratar.

Em vez de olhar para mim como se eu fosse uma criança cansativa, Chase sorri. — Imagine se você pudesse fazer isso todos os dias. — Então ele abre a porta completamente e gesticula para eu andar na frente dele. Eu entro na sala e encontro cinco pessoas sentadas em volta de uma mesa oval. Eu conheço Gaius e Lumethon, e eu conheci a garota elfa quando ela estava posando como assistente de Chase no Wickedly Inked. O homem careca drakoni é o que eu vi antes de Chase me puxar para o depósito. Agora que o vejo de perto, percebo que ele também esteve no Wickedly Inked no dia em que fui lá encontrar Chase. A única pessoa desconhecida é o cara faerie que cruza os braços e franze a testa para mim.

— Obrigado por vir, pessoal — Chase diz quando ele se senta em uma extremidade da mesa. Eu escorrego na cadeira à sua esquerda. — Sei que geralmente lhes dou um pouco mais de tempo, por isso peço desculpas por isso, mas finalmente sabemos o que nossos presos favoritos de Velazar estão fazendo, e precisamos intervir rapidamente.

— Hum, apresentações primeiro. Calla, você já conhece Gaius e Lumethon. Essa é Ana — ele gesticula para a elfa ? Kobe ? o drakoni e Darius. Todo mundo, essa é Calla. Ela sabe tudo sobre a situação Amon-Angelica. Tudo bem, então... — Chase estende a mão através da mesa e puxa um dos mapas de Gaius em direção a ele.

— Cara — diz Darius — você não pode simplesmente trazer uma garota aleatória para o círculo. Nós lidamos com coisas altamente confidenciais aqui.

Chase olha para cima com uma carranca. — Ela não é uma garota aleatória.

— Bem. Você não pode simplesmente trazer sua namorada para isso.

— Eu não sou namorada dele — eu digo imediatamente.

— Tanto faz. — Darius vira seu olhar azul escuro para mim. — Ana viu vocês entrarem no depósito juntos.

Eu cruzo meus braços. — Nós estávamos tendo uma conversa particular.

Darius bufa. — É assim que eles chamam hoje em dia?

Minha pele fica quente, e eu coro para parar antes de chegar ao meu rosto. — Você é realmente muito rude, você sabia disso?

Darius sorri. — Então, como eu disse. E eu não estou julgando, a propósito. Todos nós achamos que é hora de Chase ter algum...

— Olha, Darius pode ser rude — Ana interrompe, — mas ele também tem um ponto. Ela não faz parte da equipe, Chase.

— Sim, eu so — eu digo antes que possa parar para pensar sobre as palavras. Quando saem, percebo que estou falando sério. Claro que eu quero dizer elas. Por que eu iria querer a escola de arte quando eu poderia ter isso? Fazer parte de uma equipe, fazer planos, lutar contra vilões, destruir tramas perigosas e salvar vidas. É tudo que eu sempre quis.

Eu percebo que todo mundo está olhando para mim, incluindo Chase. Eu limpo minha garganta. — Eu faço parte da equipe. Chase concedeu o convite, e eu aceitei. — Eu mantenho meu olhar desviando dele, no entanto, porque eu não tenho certeza se ele realmente concedeu o convite. Foi Gaius quem sugeriu que eu ficasse por perto e trabalhasse com ele, não é?

Em vez de me contradizer, no entanto, Chase diz — Sim, desculpe, eu deveria ter avisado sobre isso. — Eu sinto uma mudança em sua voz. — Calla é o mais novo membro da nossa equipe.

Darius se inclina para trás em sua cadeira, ainda me observando. — Bom, então. Como todos nós temos nossas áreas de especialização, o que exatamente você pretende adicionar a essa equipe, Calla... além de um rosto bonito?

Eu pisco para ele. Um segundo depois, uma manticora cai do ar e bate na mesa. Gritos e suspiros enchem a sala enquanto a manticora se equilibra sobre pés de leão com garras e abre a boca para emitir um rugido desumano. Darius sai do caminho e cai da cadeira quando o ferrão da manticora dispara para frente para atacá-lo. Ele joga as mãos para liberar magia...

E a ilusão some.

Respiração pesada é o único som na sala. Eu me inclino para trás na minha cadeira e cruzo uma perna sobre a outra. — Eu acho que minha utilidade se estende além de um rosto bonito.

Darius lentamente vira seu olhar horrorizado para mim. Então ele começa a rir. Ele aponta para o ar vazio, olha para Chase e diz — Você poderia ter começado com essa informação.

Chase, o único que não se assustou com a visão da manticora, diz — Eu não tinha certeza se tínhamos tempo para demonstrações dramáticas, mas agora vejo que era necessário. De qualquer forma, vamos voltar para a parte onde Amon e Angelica planejam derrubar o véu que separa o reino fae do humano.

A atenção de todos volta para Chase.

— O quê? — Darius exige, retornando rapidamente à sua cadeira.

— Você está brincando — diz Ana. — Certamente isso não é possível.

— De acordo com três visões separadas, é. Calla viu todas elas. Infelizmente, Angelica também.

Eu respiro fundo. — Você tem certeza?

— Sim. Eu não sei como, mas ela sabe. Talvez alguém com ilusões ou um dom da invisibilidade estivesse escondido no quarto da sua mãe enquanto ela lhe mostrava as visões. — Chase remove o anel de telepatia do bolso e o coloca na mesa à sua frente. — Eu falei com ela agora mesmo. Ela me disse que recebeu a notícia de que o terceiro Vidente, aquele que foi resgatado, revelou sem saber sua visão. Angelica então disse que se eu ainda quiser fazer parte do plano dela, eu preciso encontrar um de seus lacaios no Monumento ao Primeiro Rei Mer hoje à noite para que eu possa ajudá-lo a roubá-lo.

— Eu suponho que seja um detalhe da visão — pergunta Lumethon.

— Sim.

— Então Angelica ainda confia em você — diz Gaius. — Isso é bom.

— Sim. Então, precisamos chegar primeiro, garantir que o monumento fique seguro, e então pedir uma audiência com o rei dos sereianos para que possamos convencê-lo de que seria do interesse de todo o mundo fae que ele ordenasse que seu monumento fosse destruído.

— Ótimo — diz Darius, colocando as mãos atrás da cabeça. — Eu amo uma missão fácil na tarde de terça-feira.

— Você não vai — Chase diz a ele.

— O quê?

— Você e Lumethon vão resgatar as outras duas Videntes. Se Angelica e Amon acham que têm toda a informação de que necessitam agora, então que razão eles têm para manter vivas as Videntes? Já que não gostamos de deixar as pessoas morrerem, vocês dois cuidarão disso. — Ele desliza um mapa sobre a mesa para Darius. — Confirmei que elas estão no farol — diz ele, tocando em uma área do mapa antes de se inclinar para trás.

Resmungando baixinho, Darius pega o mapa e se aproxima de Lumethon para que possam examiná-lo juntos.

— Gaius, você descobriu onde está o monumento? — Chase pergunta.

— Sim. É na foz do Rio Wishbone, mais abaixo, onde a água doce se junta à corrente do oceano. — Gaius vira um livro aberto e o empurra para Chase, para que ele possa ver a ilustração na página. — É um sistema de rios subterrâneos paralelos, um em cima do outro. Como os rios são considerados parte do território dos sereianos, eles são inacessíveis a partir dos caminhos das fadas. A única maneira de chegar ao fundo é descer pelos redemoinhos encantados de um rio para o outro. Os redemoinhos se formam em lugares diferentes em cada rio, mas a ideia parece ser bastante simples. Você deixa a corrente levá-lo até que um redemoinho o sugue. Você cai no próximo rio e repete o processo até chegar ao fundo.

A explicação de Gaius é recebida com silêncio. Então Chase diz — Bem, eu não posso dizer que já viajei assim antes, mas suponho que isso seja totalmente normal para um sereiano.

— Provavelmente — Gaius responde. — Quando você chega ao rio mais baixo, deixa que ele o leve até que o sistema de cavernas termine. Nesse momento, você está realmente abaixo do fundo do oceano. — Gaius aponta para uma parte da ilustração. — Se você deixar o rio te levar para mais longe, você vai acabar no oceano no reino dos sereianos. Você não precisa ir tão longe, no entanto. Na última caverna é onde você encontrará este monumento. E há guerreiros ou guardas ou o que eles chamam de nadadores nessa área, então você pode falar com eles sobre ver o rei.

— E como exatamente saímos? — Pergunta Ana.

— Ah, sim, eu vi algo sobre isso. — Gaius puxa o livro de volta e o folheia. — Algo sobre um portal... — Ele vira outra página. — Sim, aqui está. No final do último rio, pouco antes de entrar no mar, um pouco abaixo à direita, onde ficam estas rochas. Existe um redemoinho permanente que é na verdade um portal. Você pula dentro dele e acaba no rio de cima novamente, que está aberto para o ar, então você pode facilmente sair e abrir um portal para os caminhos das fadas.

— Parece divertido — eu digo, puxando o livro para mais perto para que eu possa dar outra olhada nos desenhos. Os sistemas de cavernas parecem bastante grandes, então não tenho que me preocupar com espaços confinados sendo um problema. E enquanto a ideia de ser sugada para dentro de um redemoinho parece um pouco assustadora, não pode ser tão ruim se os sereianos fazem o tempo todo.

— Kobe, Ana, Calla, — diz Chase. — Vocês sabem nadar, certo?

Nós três concordamos.

— Então vamos seguir nosso caminho. — Enquanto nós cinco levantamos e colocamos as cadeiras no lugar e ajudamos a juntar livros e mapas, Chase abaixa a voz para que só eu possa ouvir. — Eu sabia que você ficaria. — Seu olhar está focado no mapa que ele está dobrando, mas eu posso ver seus lábios puxados para um lado.

Eu me lembro de Ryn me perguntando se era a Guilda que eu tanto queria, ou o que a Guilda representa. Eu sorrio para mim mesma quando respondo — Eu acho que eu também.


Capítulo 32

 

Nós escolhemos nosso caminho através dos emaranhados arbustos crescendo na margem do rio mais alto do Rio Wishbone, enquanto o sol se aproxima do horizonte. — Sua equipe é... interessante — eu digo para Chase, mantendo minha voz baixa para que Ana e Kobe, caminhando um pouco atrás de nós, não ouçam.

— É sua equipe também agora — diz Chase. — A menos que você tenha mudado de ideia. Você não passou pelo ritual de sangue de iniciação, então, tecnicamente, você ainda não está ligada a nós.

Meus passos ficam lentos quando eu franzo a testa para ele. — Ritual de sangue?

Seu rosto sério se abre em um sorriso. — Estou brincando.

— Droga. — Eu consigo me impedir de sorrir. — Aqui eu estava ansiosa para derramar meu sangue como forma de demonstrar meu compromisso.

— Se é assim que você gostaria de provar seu compromisso, não tenho dúvidas de que você logo terá a chance. — Sua expressão fica séria e seus olhos encontram os meus quando paramos de andar. — Isto não é exatamente um jogo seguro que estamos jogando.

— Nunca é quando as vidas das pessoas estão em jogo.

Ele olha para a água. — Esta é uma vida perigosa que você escolheu, Calla.

Eu coloco minhas mãos em meus quadris, pronta para brigar com ele, se ele quiser ser superprotetor, como Ryn é. — Assim é a vida de um guardião, e fiquei feliz em escolher aquela. Eu nunca quis trilhar o caminho seguro.

— Eu sei. Eu nunca sonharia em dizer que você não pode escolher esta vida porque é muito perigosa. Suas escolhas são suas. Eu só queria te lembrar de ter cuidado. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você.

— Chase. — Eu coloco minha mão em seu braço para que ele olhe para mim. Então ele vai saber o quão séria eu estou. — Eu não tenho certeza se você está ciente disso, então me deixe dizer para você. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você. Nós dois precisamos ter cuidado.

Parece que ele quer dizer alguma coisa, mas Ana e Kobe nos alcançam. — É aqui que entramos? — Kobe pergunta.

Eu tiro a mão do braço de Chase, feliz por ter conseguido evitar a emissão espontânea de magia que poderia derrubar uma árvore ou atear fogo em suas roupas ou lançar uma onda da água do rio sobre nós. Teria sido estranho ter que explicar. Eu esfrego minha mão na parte de trás do meu pescoço enquanto Chase diz, — Sim. Aquela rocha é o marcador. — Ele aponta para trás de nós para uma rocha suave e oval com marcas sobre ela, que se ergue entre os arbustos. — Os redemoinhos aparecem daqui em diante.

Nós deslizamos pela parte barrenta da margem e entramos na água, que é fria o suficiente para causar um arrepio na minha pele. Existem inúmeros feitiços que eu poderia usar agora - roupas impermeáveis, aquecer a água ao meu redor, uma bolha de ar ao redor do meu corpo inteiro - mas eu prefiro conservar minha energia. Isto é apenas o começo da nossa missão, afinal.

Nós caminhamos até onde não é mais raso o suficiente para ficar de pé e deixamos a corrente nos puxar. — Então agora esperamos que um redemoinho apareça e nos sugue? — Pergunta Ana.

— Esse é o plano — diz Chase.

— E se isso não acontecer? — Eu pergunto. — Há uma cachoeira em algum ponto ao longo deste rio antes de encontrar o oceano?

— Sim, mas os diagramas mostraram numerosos redemoinhos aparecendo antes disso.

— E se esses remoinhos só aparecerem para os sereianos? — Ana diz. — Só vamos descobrir quando chegarmos à cachoeira. Eu não tenho o tipo de magia que você tem, e eu particularmente não quero acabar sendo esmagada nas rochas no fundo de uma cachoeira.

— Ana — diz Chase. — Eu já deixei você cair em uma cachoeira antes?

— Bem, não, mas eu nunca...

— Exatamente. Você não tem nada com o que se preocupar.

— Mulheres — resmunga Kobe. — Sempre se preocupando.

Ana nada para o lado na água até estar perto o suficiente de Kobe para dar um soco no braço dele.

Começo a pensar em qual magia eu vou usar se acabarmos na beira de uma cachoeira, mas eu mal consigo fazer um plano quando de repente eu me sinto sendo puxada para o lado pela água.

— É isso! — Chase grita.

— Oh, merda, oh merda — eu arquejo quando nós somos puxados violentamente pela corrente do turbilhão do redemoinho e eu fico abruptamente consciente de como isso é uma má ideia.

— Pare, pare, pare! — Ana grita. — Eu não quero mais fazer isso!

— Apenas vá — grita Chase.

O redemoinho se forma rapidamente, criando um buraco no centro maior do que eu imaginava. Eu luto contra o desejo em pânico de me lançar magicamente para fora da água e, em vez disso, me deixo ser puxada para o vórtice. Eu giro ao redor e ao redor e para baixo, completamente fora de controle, a corrente terrivelmente forte, minha claustrofobia gritando para mim que estou sendo sugada para um buraco sem ar, e então...

Estou caindo.

Um segundo depois, mergulho em um rio mais frio do que o que eu acabei de deixar. Eu nado para cima em meio ao fluxo de bolhas, de novo e de novo, até que minha cabeça finalmente quebra a superfície da água. Eu respiro junto com um alívio intenso. Eu não sei por que eu não considerei o quão aterrorizante isso seria antes de realmente começar, mas provavelmente foi uma coisa boa eu não pensar sobre isso.

Eu nado em direção a Chase e Kobe, assim quando Ana aparece. Eu olho em volta enquanto nado, observando a beleza da vasta caverna subterrânea por onde o rio flui. O teto e as paredes estão cobertos de manchas de uma luz púrpura, enchendo a área com um brilho roxo. A rocha em si é escura, e eu quase posso imaginar que estou olhando para um céu noturno.

— Isso foi horrível — diz Ana depois de vários arquejos. Seu cabelo curto e escuro, normalmente espetado em todas as direções, está plano ao redor do seu rosto. — Por quantos rios temos que passar antes de chegarmos ao fundo?

Isso é exatamente o que eu estava tentando não pensar.

— Mais quatro — diz Chase, enquanto a corrente nos puxa suavemente. — Mas foi tão ruim assim?

— Foi bastante assustador — eu admito, principalmente para que Ana não pense que ela é a única que estava com medo. Com base nas poucas interações que tivemos, ela não parece gostar muito de mim. Como vamos nos ver muito mais agora, eu gostaria de mudar isso.

— Desculpe, mas acho que você não pode sair sem primeiro ir até o fundo, — diz Chase.

— Eu não quero ir embora — diz Ana. — Eu me comprometi com essa missão. Só estou te avisando que provavelmente vou gritar em todas as descidas que... Tuuudo bem, aqui vamos nós de novo.

Sem nenhum aviso, a corrente suave de repente gira em torno de um círculo girando, nos levando com ela. Mesmo que eu diga a mim mesma repetidamente que isso não vai me matar, ainda é terrível ser sugada de um lado para o outro em um círculo cada vez menor até que a queda súbita venha. A caverna em que caímos desta vez é verde. Não há manchas de luz, mas um brilho verde nas paredes da caverna que reflete na água. Também é mais quente que as duas primeiras, e estou agradecida. Kobe e Ana surgem mais à frente. Chase e eu nos juntamos à corrente atrás deles, flutuando sobre nossas costas e olhando para as paredes brilhantes enquanto a água puxa nossos pés primeiro.

— Alguém quer apostar qual será a cor do próximo rio? — Chase grita.

— Podemos simplesmente apostar que todos vamos chegar ao fundo vivos? — O grito de resposta de Ana chega.

— Então isso é um não? — Chase pergunta.

— Nãooooonãonãonão! — Ana grita, o que provavelmente significa que outro redemoinho começou. Eu ainda não sinto nenhum puxão na água, no entanto. Eu abaixo minhas pernas e corpo abaixo da superfície para que eu possa olhar para frente.

— Vamos lá — diz Chase para mim, arrastando pela água com braçadas fortes. — Não quer perder a viagem, não é?

Ana e Kobe desaparecem no vórtice enquanto Chase e eu nadamos em direção a ele. A corrente do redemoinho nos pega - e então a água diminui e o buraco se fecha e, em segundos, a água espirrando se torna uma corrente suave mais uma vez. — Merda — eu murmuro. — Isso não aconteceu.

— Está bem. Haverá outro — diz Chase. — Vamos continuar.

Continuamos flutuando rio abaixo, a corrente um pouco mais rápida agora do que era antes. Chase está observando o teto passar novamente, mas eu mantenho meus olhos fixos firmemente à frente desta vez. Parece que a caverna termina abruptamente à frente, mas isso não pode estar certo. Eu olho através do brilho verde e percebo que a caverna não acaba - mas se torna extremamente estreita, forçando o rio a fluir através de três aberturas que são nada mais do que rachaduras na parede de pedra.

— Oh, não. — Eu começo a nadar contra a corrente. — Não, não, não. Eu não vou passar por aí. — Eu posso lidar com os redemoinhos porque eles acabam tão rápido que eu mal tenho tempo para entrar em pânico, mas não isso. Não essas fendas escuras na parede.

Chase flutua passando por mim quando eu me viro. — Ei, tudo bem — diz ele. — Gaius verificou todo o percurso. Ele disse que não há nenhuma parte no rio que seja estreito demais que não dê para passar.

— Não vai acontecer. — Eu começo a nadar na outra direção, puxando a água com tanta força quanto eu tenho.

— Calla, não há outro lugar para você ir — diz Chase de algum lugar atrás de mim.

— Eu não me importo. Eu não posso fazer isso. — Minha voz soa um pouquinho em pânico enquanto eu luto contra a correnteza.

— O que você quer dizer com você não pode... — Ele para enquanto eu continuo batendo na água e chegando a lugar nenhum. — Você está brincando? — Pergunta ele. — Claustrofobia? Esse é o seu problema?

— Sim! E eu não vou...

— Apenas relaxe e flutue.

— Eu não consigo relaxar! — Espere, eu posso usar magia. Acrescentar força aos meus golpes – vou nadar para trás até nós cairmos - esperar pelo próximo...

— Pare — diz Chase, nadando para perto de mim e pegando meu braço. — Apenas flutue, ok?

— Eu não posso simplesmente...

Ele agarra minhas duas mãos. — Por que você não flutua de costas, e assim você não vai ver...

— Não! — Eu não sei por que, mas será ainda pior se eu não puder ver para onde estou indo.

— Está bem, está bem. Eu vou para trás e você só olha para mim, não para as paredes.

Balanço a cabeça furiosamente enquanto observo o rio se estreitando e os três buracos se aproximando. Estamos indo para o meio e não há como pararmos agora.

— Ei, você nunca me contou sobre o bebê de Vi e Ryn.

— O quê? Isso é... não... — O buraco horrível na parede fica cada vez mais próximo.

— É uma menina ou um menino?

— Hum... uma menina.

— Ei, olhe para mim — instrui Chase. — Qual é o nome dela?

— Victoria. — O nome sai em uma corrida de ar quando a água nos leva para o buraco. Eu me forço a olhar para Chase, mas as paredes verdes cintilantes estão bem ali. — Nós vamos ser esmagados, vamos ser esmagados, vamos ser esmaaaaagados! — Minha voz aumenta para um grito e fecho meus olhos com força enquanto a correnteza aumenta. Nós somos atirados para o ar e perdemos a mão um do outro. Abro os olhos a tempo de ver a continuação do rio verde antes de mergulhar sob sua superfície.

Eu luto através das bolhas até encontrar ar e uma enorme caverna e espaço, espaço e espaço. — Eu consegui — eu arquejo enquanto me afasto das três cachoeiras. — Eu não fui esmagada. Eu não fui amassada. Oh, o espaço é tão incrível. — Eu olho em volta e encontro Chase por perto.

— Então, deixe-me ver se entendi — ele diz enquanto eu nado em direção a ele, sua voz mal dando para escutar acima da água trovejante atrás de mim. — Você tem a imaginação mais poderosa que eu já conheci, mas você não pode imaginar sair de um pequeno espaço?

— É... só... não funciona assim. — Esta parte do rio quase não está de movendo, então sem uma correnteza para nos carregar, continuamos nadando para longe das cachoeiras.

— Mas tudo que você tem a fazer é imaginar, certo? — Chase diz. — Então é isso que você vai ver.

— Não quando estou enlouquecendo! Eu não posso me concentrar quando estou em pânico.

— Então você tem que decidir não entrar em pânico.

— Não é tão simples assim. Você não sabe o que é...

A água entra em erupção entre nós, nos jogando no meio de dois redemoinhos separados. — Vejo você no próximo rio — grita Chase quando me sinto sendo arrastada irresistivelmente para o vórtice. Este fica mais largo e profundo do que os outros, me arremessando até que eu mal posso respirar antes de finalmente me deixar cair no próximo rio. Estou tão desorientada que não sei qual é o caminho para cima. Enquanto fico sem ar, tento formar uma bolha no nariz e na boca. Então me sinto levantando devagar e dirijo minhas mãos para debaixo de mim. Com um jorro de energia, eu me atiro para a superfície.

Ar delicioso enche meus pulmões enquanto caminho pela água e olho em volta. Eu estou em uma caverna vermelha com uma parede lisa de um lado e uma coleção de pedras do outro. A luz vermelha parece vir de algum lugar abaixo de mim. Do leito do rio, provavelmente. Eu me viro na água, procurando por Chase, mas não o vejo. Eu também não vejo Kobe ou Ana, então assumo que significa que o próximo remoinho já os levou.

— Chase? — A correnteza quer me afastar, mas eu não vou a lugar algum sem ele. Eu nado contra a água até chegar ao lado rochoso do rio, então tenho algo para me segurar. — Chase! — Eu chamo de novo. Ele já deveria ter chegado. Tentando vencer meu pânico, eu bato na água com as palmas das mãos e grito, — Onde você está?

— Ei, acalme-se, estou aqui. — Eu me viro e o vejo molhado e subindo em uma das rochas ao lado da água. — Desculpe, eu fui levado para baixo depois que caí e levei um tempo para voltar. — Ele volta para a água e nada em minha direção. — Você não estava seriamente em pânico por estar sozinha aqui, não é?

— Não, seu idiota. — Eu espirro água nele. — Eu estava com medo de você estar morto.

Ele espirra água de volta em mim, embora não tão forte. — Não se preocupe, vai precisar muito mais do que uma cachoeira subterrânea para acabar comigo. Nem mesmo um morioraith pode terminar o trabalho.

— Sim, bem, isso poderia ter terminado de forma diferente se eu não tivesse colocado minha própria confusão de lado por você enquanto eu batia pedaços de metal que eu alonguei magicamente como alguém em um transe enlouquecido.

Ele para de caminhar na água e envolve um braço em volta da rocha que eu estou me segurando. — Foi isso que aconteceu antes de Lumethon chegar lá?

— Sim. — Eu olho para longe, envergonhada agora que eu compartilhei os detalhes dessa experiência. — Eu admito que não foi o meu resgate mais heroico, mas funcionou.

— Heroico ou não, eu sou muito grato. Acho que nunca te agradeci depois que acordei.

— Não. — Eu me concentro na água vermelha passando entre nós. — Eu acho que você acabou me dizendo que você era um monstro e que eu deveria ir embora. Ah, e você se desculpou. E eu me desculpei. Houve muitas desculpas acontecendo. — Eu adiciono um sorriso quando olho para ele, então ele vai saber que não precisamos fazer disso uma conversa séria e pesada. Percebo, então, que seus olhos estão castanhos, em vez do cinza-verde de suas lentes de contato. Estou prestes a comentar quando um redemoinho aparece não muito longe de nós. — Rápido — eu digo, mergulhando em direção a ele.

Este é mais rápido que o anterior, me jogando para baixo antes que eu possa ter a chance de ficar tonta demais. Uma fração de segundo antes de atingir o próximo rio, meu corpo para, como se estivesse suspenso no ar por uma corda invisível. Então eu pulo a distância final. Levantando-me, percebo por que. A água - mais quente que qualquer um dos rios até agora - é rasa, chegando logo acima da minha cintura. Cair nesta água de uma grande altura não terminaria bem.

— Isso é incrível — diz Chase, olhando em volta enquanto se levanta.

Eu tenho que concordar com ele. A água parece ouro líquido ou tinta dourada. Mas quando a pego e deixo escorrer entre meus dedos, deixa minhas mãos limpas, então talvez seja apenas um reflexo das paredes da caverna de ouro. — Lindo — murmuro, — e muito, muito quente. — Tão quente que eu posso ver o vapor subindo. — Isso ainda conta como um rio se não está se movendo?

— Eu acho que está se movendo apenas um pouquinho — diz Chase. — Mas ei, nenhum destes são rios normais, então quem sabe.

— Sim. — Eu sorrio para ele e me vejo percebendo seus olhos novamente. — O que aconteceu com suas lentes de contato?

— Elas não se dão bem na água. Eu as perdi depois do primeiro redemoinho.

— Bem, eu prefiro ver seus olhos verdadeiros — digo a ele, e depois desejo não ter dito, porque parece que nos levou a uma conversa sem saída. Estranho, já que não consigo tirar meus olhos dos dele. Segundos passam e algo em seu olhar muda. Algo que me faz sentir... — Droga, está quente aqui. Eu não aguento. — Eu desfaço rapidamente os botões da minha jaqueta enquanto o calor ameaça me dominar. Que sorte que eu escolhi usar um top por baixo, em vez de algo com mangas compridas.

— Sim — diz Chase, tirando sua jaqueta. — Definitivamente muito quente.

— Sabe, eu estive pensando em fazer uma tatuagem — eu digo enquanto tiro as mangas molhadas da minha jaqueta. Deixo flutuando na água ao meu lado.

— Ah, hora do dragão gigante nas suas costas.

— Quase — eu digo com uma risada, — mas não completamente. Eu vi algo na sua mesa que eu realmente gostei. Um desenho a tinta de uma fênix.

— Uma fênix — diz Chase, balançando a cabeça lentamente. — Nova vida, novo começo.

— Eu sei, não é exatamente uma ideia original, mas quero algo que simbolize minha nova vida. E seu desenho é único. Ninguém mais terá nada parecido. Quero dizer, se você me deixar usá-lo.

— Claro que eu vou deixar.

— Eu estava pensando na metade superior das minhas costas, chegando até a base do meu pescoço. — Eu puxo meu cabelo molhado para o lado e estendo a mão para tocar o topo da minha espinha. — E então as asas se estendendo até os ombros de ambos os lados. O que você acha?

Chase acena. Ele limpa a garganta e diz — Seria perfeito.

Mais uma vez, algo parece diferente entre nós. Eu sei o que é. Eu sei exatamente o que é, e estou esperando que fontes da água dourada comecem a se espalhar à nossa volta a qualquer momento. Eu deveria dizer alguma coisa, mas eu não sei como ou por onde começar, e eu não sei se sou corajosa o suficiente. Eu inspiro profundamente - porque, sério, o que aconteceu com o ar aqui? - e olho em volta. Onde está esse maldito redemoinho? Apenas mais um para ir, certo? — Hum, por que eles chamam de Rios Wishbone?{1} — Eu pergunto, aliviada por ter pensando em algo sobre o que falar. — As pessoas acham que os desejos se realizam aqui?

Chase coloca a água dourada nas mãos e a deixa correr entre os dedos. — Talvez eles se realizem, mas o sistema recebeu o nome do rio de cima, que tem a forma de um osso da sorte. Na verdade, são dois rios, unidos na foz, aonde eles vão para o mar. Apenas o lado direito tem redemoinhos, porém, e os rios paralelos abaixo dele. — Ele olha para cima e acrescenta, — Eu verifiquei com Gaius antes de sairmos, apenas no caso de haver algum tipo de magia estranha com que teríamos que lidar aqui.

— Magia de desejo — eu digo, ponderando a ideia enquanto eu passo meus dedos lentamente pela água. — Se os desejos pudessem se tornar realidade, o que você desejaria?

— Eu desejaria... — Ele desvia o olhar para o rio dourado. — Eu gostaria de ser outra pessoa. Apenas um faerie normal em vez da pessoa que estragou tudo. Eu gostaria que eu pudesse encontrá-la em circunstâncias completamente comuns, e eu gostaria que você ainda pudesse me ver do jeito como me viu naqueles últimos minutos sob o dossel de flores antes de tudo desmoronar. — Ele sorri enquanto retorna seus olhos para os meus. — São muitos desejos?

Eu seguro seu olhar enquanto considero minhas palavras cuidadosamente, e percebo que, afinal de contas, sou corajosa o suficiente. — Talvez alguns desejos se tornem realidade — digo a ele, minhas palavras deixando minha língua lentamente. Eu quero ter certeza que ele vai ouvir todas elas. — Ou talvez você simplesmente ainda não tenha percebido que algumas coisas não precisam ser desejadas. — Eu olho para baixo e pego sua mão na água. Eu deslizo meus dedos entre os seus antes de acrescentar — Quero dizer, por que você desejaria algo que já tem?

Pequenas gotas douradas da água levantam do rio e se enroscam ao redor do meu braço e ao redor dele. Luzes douradas brilham nas paredes da caverna ao nosso redor. Meu coração ruge e estou me perguntando o que aconteceu com o ar novamente. Eu não tenho esperança de encontrá-lo, no entanto, porque quando eu levanto meus olhos mais uma vez, o olhar ardente de Chase é o suficiente para roubar meu fôlego e enviar um calor ardente através das minhas entranhas.

Ele levanta nossas mãos entrelaçadas e as solta. Ele passa os dedos pelos meus braços, transformando o fogo na minha pele em um arrepio. Suas mãos continuam até chegarem ao meu pescoço. Ele se inclina para frente, seu rosto parando a centímetros do meu. — Você realmente quer dizer isso? — Ele pergunta, sua voz rouca.

Com asas de sprite batendo loucamente no meu estômago, eu pressiono um beijo em sua mandíbula, e depois outro mais alto. Quando eu alcanço o seu ouvido, eu digo, — Eu não gostaria que você fosse outra pessoa. Por que eu iria querer, quando é você quem eu quero?

Seus lábios encontram os meus, e o mundo dourado e luzes piscando desaparece quando meus olhos se fecham e meus dedos se espalham através de seu cabelo molhado, puxando-o para mais perto. Suas mãos deslizam em volta das minhas costas, agarrando meu cabelo antes de traçar minha espinha e entrar na água para pressionar contra minha parte inferior das costas. Nossos corpos se encaixam perfeitamente juntos. Meus braços se enroscam ao redor de seu pescoço e faíscas deslizam através de nossas línguas e gotas de água misturadas com magia caem sobre nós, misturando-se com nossos beijos.

E é aí que o mundo cede abaixo de nós e um redemoinho nos suga.


Capítulo 33

 

 

 

O último rio parece gelo contra a minha pele queimando. Levanto para a superfície, ofegando contra o frio e também buscando ar. Enquanto as ondas ondulantes ao meu redor diminuem, noto a água brilhando levemente. Pedras preciosas azuis cravejam as paredes da caverna, brilhando com uma beleza invernal, e entre elas, desenhos e figuras foram esculpidos na pedra.

— Calla! — Eu olho em volta e vejo Chase atrás de mim. A correnteza, mais forte neste rio do que nos outros, já está me puxando. Ele se junta a ela, nadando com movimentos rápidos e fortes em minha direção. Eu estendo a mão para ele enquanto a correnteza me arrasta. Não sei porque, mas sinto necessidade de contato físico com ele da mesma forma que preciso de ar. Uma mão entrelaçada, braços entrelaçados, um abraço, qualquer coisa. Algo parece incompleto sem o seu toque. Ele pega minha mão, depois aponta passando por mim. — Olha, já estamos na foz. Tem o monumento.

Eu me viro, nunca soltando a mão dele. Mais à frente, à direita, pouco antes da caverna terminar, vejo o monumento. Uma base redonda, ondas de pedra sem movimento e o tridente subindo. Parece maior na vida real. — Onde estão Ana e Kobe? — Eu pergunto. — Eles deveriam estar lá esperando por nós.

— Algo não parece certo — diz Chase, puxando a água para nos mover para frente mais rápido. — Você vê as figuras deitadas ao lado do monumento?

Eu olho através da luz azulada. Eu vejo duas formas no chão, e o medo envia outro arrepio através de mim. — Eu... eu acho que sim.

Eu tenho que soltar a mão de Chase enquanto nós nadamos contra a correnteza e nos movemos diagonalmente em direção à margem à direita. Quando a água se torna rasa o suficiente para ficar em pé, Chase nos empurra para frente com um jato extra de magia. Eu quase tropeço e caio, mas ele atravessa as pedras em direção ao monumento. — Tenha cuidado! — Ele grita de volta para mim. Ele levanta a mão em um movimento em curva, e eu sinto um escudo em volta de mim. Espero que ele tenha feito o mesmo para si mesmo.

Sem aviso, a náusea aumenta dentro de mim e espalha uma dor doentia pelo meu estômago. A tontura me consome. Eu me curvo e me inclino sobre meus joelhos, respirando pesadamente. Por algum milagre, eu não caio. — Chase — eu arquejo. — Chase! — Sua cabeça chicoteia sobre seu ombro, assim quando tudo fica preto.

Eu me vejo flutuando em um vazio de nada enquanto meu corpo é espremido, apertado e apertado, até que finalmente a pressão me libera e eu ofego por ar enquanto eu cambaleio em direção à luz. Uma floresta noturna emaranhada me cumprimenta. Confusa, assustada e com frio, mas não mais atacada pela náusea, olho em volta. Creepy Hollow? Eu ouço um movimento atrás de mim e viro tão rápido quanto a minha tontura restante permite.

Magia. Uma bola girando pairando acima de um par de mãos. E além dela, o rosto de uma pessoa que reconheço. Sem hesitar, Zed lança a magia em minha direção.

Eu me jogo para o lado e caio atrás de uma árvore. Dizendo a mim mesma que não estou tonta e que posso me levantar, fico de pé. Eu coloco um escudo de magia ao meu redor enquanto ouço os passos de Zed esmagando as folhas caídas. — Isso sim foi um desperdício de magia — diz ele.

— Que droga é essa, Zed? — Eu grito. — O que você... você me chamou aqui? — Magia de invocação não é algo que aprendemos. Não é natural. Não está certo. E o que aconteceu comigo agora definitivamente não parecia certo.

— Sim — diz Zed, ainda caminhando em direção à árvore em que eu estou escondia atrás. — Feitiço difícil, mas eu tive ajuda. E você ficaria surpresa de como é fácil, na verdade, se você conseguir marcar a pessoa que deseja convocar.

— Marcar? — Eu me concentro na ilusão de invisibilidade e solto minha parede mental.

— Pescoço coçando ultimamente? — Zed pergunta. Ele gira ao redor do lado da árvore, com o braço levantado e pronto para atacar. Sua testa franze em confusão quando ele encontra o espaço atrás da árvore vazio.

Eu tento não respirar, não me mover, enquanto minha mente corre de volta para a última vez que vi Zed. Ele tentou me beijar, e sua mão estava em volta do meu pescoço, pressionando firmemente quando ele me puxou em direção a ele. Ele deve ter feito alguma coisa. Algo que eu estava chocada demais para perceber porque tudo o que importava era tirá-lo de perto de mim.

Um arrepio levanta os pelos da minha pele. Estar molhada e sem jaqueta em uma noite de outono não é o ideal.

— Eu também lhe dei o âmbar — diz Zed, virando-se enquanto seus olhos percorrem a área ao redor da árvore, — mas descobri que não conseguia rastrear por algum motivo. Felizmente, o feitiço da marca ainda não havia se esgotado quando fiz o feitiço de convocação.

Com a minha tontura finalmente desaparecendo e a adrenalina correndo pelos meus membros, eu pulo para o lado e corro. Invisível, invisível, invisível, eu me lembro. Faíscas voam passando por mim. Eu acho que ele pode ver as folhas que meus sapatos estão chutando. Eu paro, desvio para o lado e pulo. Magia me atira para cima. Eu aterrisso em um galho e agarro em outro para não cair.

— Isso vai ser muito mais fácil se você desistir agora — Zed grita enquanto faíscas turquesa passam por mim.

Eu abandono a ilusão e reforço meu escudo. — Droga, Zed, eu não sei que jogo você está jogando, mas você tem um timing excepcionalmente ruim.

— Meu timing é perfeito — diz ele, seguindo em minha direção.

— Eu estava no meio de algo importante!

— Exatamente. Foi nesse momento que me disseram para convocar você. Eles não queriam que você e suas ilusões interferissem em seus planos.

— Eles? Você está... você está trabalhando para Amon e Angelica?

— Não. — Ele para debaixo da árvore e começa a reunir mais magia acima da palma da mão. — Mas eu me encontrei precisando de ajuda, e eles também. Você sabe o que as pessoas dizem: o inimigo do meu inimigo e etc.

— Zed, NÃO! Essa é uma ideia terrível! Eles são os verdadeiros inimigos. Foram eles que nos trancaram em primeiro lugar. Por que você ficaria do lado deles agora? — Parte de mim sabe que eu deveria estar correndo. Eu deveria estar jogando tudo o que tenho em uma ilusão que me dará tempo suficiente para abrir um portal e fugir. Mas é Zed. Ele está me ajudando desde que nos encontramos pendurados um ao lado do outro em gaiolas. Nós temos uma amizade que remonta há anos. Deve haver uma maneira de eu falar com ele sobre o que ele está prestes a fazer.

— Primeiro — ele diz, — não foram eles que nos trancaram. Foi o príncipe Zell, e todos admitem que ele era um pouco louco. Em segundo lugar, não estou do lado deles. Este foi um acordo que beneficiou ambas as partes.

Um frio percorre minha espinha. — O que você tem que fazer por eles em troca?

— Vamos, Calla. Você sabe que eu não posso te dizer isso.

— É por isso que estou aqui? Te disseram para me entregar aos homens de Amon?

Ele ri. — Nada como isso. Meu trabalho para eles foi feito depois que eu escapei da Guilda.

Engrenagens giram em meu cérebro. — Você se deixou ser pego — eu digo suavemente, — então você pode entrar na Guilda.

— Sim.

Minha mente percorre as possibilidades. Vi disse que alguém escapou da área de detenção pela manhã. Eu me deparei com Zed na tarde seguinte. Isso significa que ele esteve solto dentro da Guilda por mais de vinte e quatro horas. Que coisas terríveis ele pode ter feito durante esse tempo? — Zed, — eu digo com cuidado enquanto bombeio mais magia no escudo invisível que me rodeia. — O que quer que você queira comigo, você não precisa fazer isso. O que aconteceu conosco sendo amigos?

Ele não responde. Magia crepita acima de sua palma. O suficiente para quebrar meu escudo? Possivelmente. Mas então o quê? Ele não terá tempo de me atacar com alguma coisa antes de eu ir embora. Nós observamos um ao outro, seu olhar fixo no meu, cada um esperando pelo outro fazer um movimento.

Sua mão se move em direção ao bolso. Eu imagino a invisibilidade e pulo. Eu bato no chão e rolo para o lado. Ele joga alguma coisa, uma pequena bola escura que explode a centímetros do meu escudo. Eu jogo meu braço para cima enquanto minha magia se quebra e desaparece. Então ele levanta o braço e joga a sua magia em mim.

***

 

Eu acordo devagar, meus pensamentos tão letárgicos quanto meus membros. Não me lembro onde estava quando adormeci. Eu tento me virar, mas eu encontro minhas mãos presas nas minhas costas. Com um gemido e um grande esforço, consigo abrir um olho. Eu vejo Zed - e me lembro de tudo.

— Eu sinto muito por ter que te atordoar — ele diz, — mas de jeito nenhum você teria vindo comigo por escolha. Você não está desmaiada há muito tempo. Eu não tive tempo para reunir uma grande quantidade de poder de atordoar depois que você me fez perder com o primeiro tiro. — Ele se abaixa sobre os meus pés. Cordas brilhantes, do tipo que não pode ser simplesmente cortadas, aparecem em suas mãos. — Isso não é pessoal, Calla — ele me diz enquanto enrola a corda ao redor e entre os meus tornozelos. — Eu nunca tive nada contra você. Eu não esqueci nossos anos de amizade e realmente me importo muito com você. É por isso que tive que tirar você de lá.

Eu pisco e balanço a cabeça. — O quê você está falando?

Ele aperta o último nó. — Eu te dei uma chance de ver as coisas claramente, mas você continuou recusando. Eu não queria que você acabasse morta com a doença do dragão, então eu encontrei uma maneira de tirar você permanentemente da Guilda.

Meu cérebro lento não quer ligar os pontos, mas eles são óbvios demais para eu evitar. — Foi você quem me fez ser expulsa? — A verdade chocante acorda meu cérebro. Eu me contorço contra minhas amarras e grito, — Como você pôde fazer isso comigo?

— Eu estava ajudando você, Calla.

— Me ajudando? Você quase me jogou na prisão por assassinato!

— Isso não deveria acontecer. Eu precisava que alguém levasse a culpa e você precisava sair de lá. Eu plantei provas suficientes para que eles suspeitassem de você, mas não seriam capazes de provar isso com certeza. Você deveria ser expulsa, não acusada de assassinato. Eu até te dei a cura antes de ir embora para que você não ficasse doente. Eu te salvei, Cal.

— Você nunca me deu a cura.

— Eu dei. Com um desses dispositivos de vigilância. Todos eles têm seus próprios feitiços de controle e eu roubei um enquanto me escondia na Guilda. Eu o fiz injetar em você enquanto você estava em uma aula. No momento em que dançamos no baile e eu deixei aquele pó em sua mão, você já estava imune.

— Você... você estava... — Eu balanço minha cabeça e sussurro, — Você matou Saskia. E todas aquelas outras pessoas que ficaram doentes. Como você se transformou nessa pessoa? Este assassino?

Ele agarra meus braços e me puxa para mais perto. — Porque já é hora da Guilda começar a pagar por tudo o que fizeram com os Superdotados. Por tudo que fizeram com você e eu e as pessoas como nós. Muito mais pessoas deveriam morrer, na verdade. Nós ? o grupo de que falei, o grupo que eu gostaria de poder convencê-la a participar ? tínhamos planejado enviar uma mensagem muito clara, começando com aquela garota Starkweather e depois a deixando se espalhar por cada Guilda. Nós iríamos nos levantar e reivindicar o que tínhamos feito para que os restantes soubessem exatamente por quais crimes eles estavam pagando. Mas alguém interferiu quando fugiu e encontrou uma cura.

— Bem, se eu não fizer mais nada certo pelo o resto da minha vida, pelo menos eu vou saber que eu interferi com sucesso na morte em massa de milhares de pessoas inocentes.

Zed solta um longo suspiro antes de se levantar. — Meus amigos estão muito zangados com sua interferência.

— Ah, os amáveis amigos que te iludiram a odiar as pessoas erradas. Então você decidiu me chamar, me amarrar e me entregar a eles?

— Claro que não — diz Zed, parecendo genuinamente chateado. — Eu sei que você não é a única culpada aqui. Você pensou que estava fazendo a coisa certa salvando a todos. — Ele levanta a mão e eu me sinto lentamente subindo do chão. Ele caminha pela floresta, sua mão me puxando por um fio invisível de magia. — Eu gostaria que você tivesse mantido suas formas de interferir para si mesma, porque agora temos que fazer algo que vai te deixar muito chateada.

Eu luto e chuto, mas isso só me faz rolar no ar. Eu puxo repetidamente as cordas ao redor dos meus pulsos, na esperança de soltá-las. — Você não precisa fazer nada, Zed.

— Eu tenho. As pessoas têm que pagar pelo sofrimento que nos causaram.

Eu desisto do meu esforço inútil, decidindo guardar minha energia. E é então que percebo, com uma claridade assustadora, exatamente onde estamos: em uma parte de Creepy Hollow muito perto da casa de Ryn. Minha garganta fica seca e arrepios percorrem minha pele. — Zed? Onde estamos indo?

— Como eu disse antes, Calla, isso não tem nada a ver com você. Você é uma boa pessoa, uma menina doce. Mas o fato é que seu irmão e sua esposa deixaram eu e dezenas de outras pessoas para serem torturadas e trancadas em uma masmorra. Quem conseguiu fugir antes da Destruição só teve que sobreviver à tortura. Quem não conseguiu teve que cometer atos atrozes sobre os quais não tinham controle.

Eu não me preocupo em responder. Eu estou baixando a barreira em volta da minha mente e imaginando um grupo de guardiões correndo em nossa direção. Eles gritam para Zell, levantando suas armas e atirando nele. Ele vacila, mas depois balança a cabeça e ri. — Você e suas ilusões — diz ele, continuando a andar em linha reta através das flechas imaginárias e faíscas. — Eu sei exatamente como você funciona. Mostre o que você quiser. Eu não acredito em nada disso.

— Zed, por favor — eu digo, minha voz desesperada. — Não foi culpa de Ryn. Não foi culpa da Vi. Eles contaram ao Conselho sobre os prisioneiros de Zell assim que puderam.

— E o que a Conselheira Starkweather e o resto de seu Conselho escolheram fazer? Nada. Dizer ao Conselho não resultou em nada. Seu irmão deveria ter nos libertado enquanto ele estava lá.

— Mas ele não conseguiria tirar todo mundo...

— Por que não? Ele te tirou com bastante facilidade.

— Não houve tempo. Zell já estava lá. Ele...

— Havia tempo para abrir mais algumas gaiolas pelo menos. Então poderíamos ter lutado contra ele e tirado todos os outros.

— Como? — Eu viro no ar, tentando me aproximar de Zed, tentando fazê-lo ver o sentido. — Vocês todos tinham faixas de metal bloqueando sua magia. Se Ryn tivesse deixado você sair, Zell teria te atordoado e te trancado de novo.

— Nem todos nós. Ele não poderia ter lutado contra todos nós. Não, o fato é que seu irmão só se importava em salvar você, e por causa de sua decisão egoísta, o resto de nós teve que sofrer. Os Superdotados fizeram coisas terríveis que eles nunca quiseram fazer. E o que a Guilda disse quando tudo acabou? Eles se desculparam por nos abandonar? Não. Eles nos rotularam como ‘perigosos’ e nos marcaram para que nunca mais fôssemos realmente livres. E nada disso foi culpa nossa!

— Eles não marcaram você — eu aponto.

— Porque eu tenho me escondido da Guilda desde então. Eu tenho vivido como um covarde nas sombras, esperando para me vingar daqueles que arruinaram a minha vida.

— Não, você não precisava! — Eu grito. — Você estava bem até que esses odiadores de guardiões fizeram seu cérebro pensar que você precisa fazer isso. E não foi meu irmão quem arruinou a sua vida, foi Zell!

— Bom, é um pouco tarde para ir atrás dele, não é. — Zed para em frente à árvore de Ryn. Sinto meus pés baixarem lentamente até tocarem o chão. Agora que estou de pé, vejo uma bola de poder flutuando acima da mão de Zed. Ele deve ter reunido enquanto estávamos andando. — Você não precisa fazer nada mais do que bater, Calla. Essa é a única razão pela qual você está aqui. Eles nunca abrirão uma porta para mim, mas abrirão para você.

— Por favor, não faça isso — eu sussurro.

Zed separa sua bola de poder em duas esferas menores, uma em cima de cada palma. — Sua mendicância não está ajudando.

— Por favor, eles não merecem isso. Eles não fizeram nada...

— Apenas bata, Calla. E sem ilusões — acrescenta ele, enquanto caminha para o lado. — Você não pode fugir enquanto suas mãos e pés estão amarrados, o que significa que a única maneira de qualquer ilusão acabar é com você e eu ainda em pé do lado de fora dessa árvore. Exceto que ficarei muito mais irritado do que estou agora.

Eu engulo e olho para frente. — Você não pode me obrigar a fazer isso. A pior coisa que você pode fazer é me matar, mas você ainda ficará preso fora dessa árvore.

Zed suspira. — Você realmente tem que ser tão dramática? — Ele se inclina na minha frente e sopra contra a casca até que a aldrava apareça. Ele a levanta, bate algumas vezes e depois anda para o lado. — E nem pense em....

— NÃO ABRA! — Eu grito. — É UMA ARMADILHA!

— Droga, sua idiota... Tudo bem. Faremos isso da maneira mais difícil. — Em um segundo, Zed está atrás de mim, segurando uma esfera de poder crepitante e brilhante contra cada lado da minha cabeça. E quando Ryn - meu irmão fiel, atencioso e protetor - vem até a parede e olha pelo olho mágico, ele abre a porta porque nunca me deixaria aqui sozinha com alguém que está ameaçando me machucar.

Eu fecho meus olhos, esperando que Zed tire sua fúria sobre mim a qualquer momento e grito, — Sério, Ryn! Não abra a porta. Ele vai...

— Calla!

Meus olhos abrem quando a mão direita de Zed dispara para frente. Ryn, de pé na porta com uma brilhante adaga de guardião em uma mão, cai no chão. Um suspiro soa em algum lugar atrás dele, seguido por Vi gritando, — Ryn!

E de repente, lembro do feitiço de rastreamento que disparará um alarme na Guilda se eu entrar nesta casa. Eu pulo para frente com os meus pés amarrados e me jogo através da porta, logo quando uma das facas de Vi passa rapidamente por mim e a segunda bola de poder de Zed voa para o outro lado. Eu caio em cima de Ryn e luto para olhar para cima. Eu ouço o grito de dor de Zed atrás de mim. Levantando a cabeça, vejo Vi colidir contra o sofá e cair no chão.

— Bem — diz Zed, cruzando a soleira da porta. — Eu esperava que isso fosse muito mais difícil. — Uma faca brilhante manchada de sangue bate no chão ao meu lado. Um segundo depois, desaparece.

— Espere — eu digo quando Zed passa por mim. — Espere, por favor. O que você vai fazer com eles? — Saio de cima de Ryn e consigo me sentar.

Zed fica no centro da sala, olhando em volta. Ele alcança dentro de sua jaqueta e pega uma faca.

Eu começo a perder o controle. — Nãonãonão, Zed, por favor. Por favor, não os mate — eu imploro. — Por favor, por favor, por favor. Você não precisa fazer isso.

— Eu sei, — diz ele. — Eu não vim atrás deles.

— Mas... então...

Zed olha para mim, depois usa a faca para apontar primeiro para Ryn e depois para Vi. — Essas duas pessoas destruíram vidas. Agora eu vou destruir as deles. — Com isso, ele atravessa a sala e sobe a escada.

Então eu entendo.

Victoria.


Capítulo 34

 

 

— NÃO! — Eu grito. — Não toque nela, não toque nela! — Eu luto desesperadamente contra as cordas encantadas. Eu puxo minhas pernas para cima e trabalho nos nós ao redor dos meus tornozelos, mas eles são tão apertados que não se movem. Eu me contorço, puxo e viro, mas é inútil. — Zed! ZED! Não faça nada com ela, POR FAVOR! — Eu rolo e me contorço em direção às escadas. Eu não tenho como cortar essas cordas e nenhum plano de qualquer tipo, mas eu não posso simplesmente ficar sentada. — Zed, por favor — eu soluço. — Por favor, não faça isso, por favor, não faça isso. — Como ele pode pensar que tirar uma vida tão pura e inocente poderia corrigir qualquer tipo de erro?

Antes de chegar às escadas, nos degraus de baixo. Zed aparece acima, carregando um pacote embrulhado por cobertores em seus braços. Eu posso ver o rostinho perfeito de Victoria, seus olhos fechados. Ela ainda está dormindo apesar de todos os meus gritos. — Zed, o que você está fazendo? — Ele passa por mim sem uma palavra. — Aonde você vai? Onde você está a levando? — Ele passa por cima de Ryn, ainda deitado na porta aberta, e desaparece na noite. — ZED! Volte!

Outro grito sem palavras de raiva e desespero sai dos meus lábios - e é aí que os guardiões escolhem aparecer. Quatro deles, invadindo a casa com armas levantadas, todos eles pulando sobre Ryn como se tocá-lo fosse contra as regras de algum jogo que eles estão jogando. — É ela! — Um deles grita.

— Não toque nela — diz outro.

— Por favor — eu arquejo. — Vá atrás daquele homem que acabou de sair. Ele está com o bebê!

— Esta é uma situação um pouco estranha — um dos guardiões diz, observando meu irmão e minha cunhada atordoados, e depois as cordas encantadas em volta dos meus pulsos e tornozelos.

— Por favor! — Eu grito. — Você não o viu? Ele levou Victoria. Ele está fugindo.

— Como se fossemos acreditar em qualquer coisa que você disser depois do golpe de saída que você fez na Guilda — diz um deles. — Bloomhove, Crawdale, verifiquem o andar de cima.

— Ela tem que nos tocar para nos deixar doentes? — Outro murmura quando dois dos homens se dirigem para as escadas. — E se ela já estiver fazendo isso?

— ARGH! Vocês guardiões são tão inúteis!

Eu fecho meus olhos e digo a mim mesma para respirar, para me acalmar. Você consegue fazer isso. Você pode sair daqui. Eu abro meus olhos. Apenas uma lâmina de guardião pode cortar as cordas brilhantes que me prendem, e há duas espadas de guardiões apontadas diretamente para mim. Eu me concentro em projetar uma imagem minha sentada no mesmo lugar em que já estou. Então eu me movo. Silenciosamente, centímetro a centímetro sobre o meu traseiro, em direção à espada mais próxima. Certificando-me de me manter escondida, eu levanto meus braços sobre a lâmina cintilante, prendo minha respiração e puxo meus braços para baixo rapidamente. Então eu me inclino para trás e congelo.

O homem se afasta. — O que acabou de acontecer?

Eu olho para a imagem de mim sentada no mesmo lugar e dou a ela uma expressão confusa.

— Eu não sei — diz o segundo guardião. — Do que você está falando?

Agora os meus tornozelos. Eu levanto devagar, imaginando como vou fazer isso acontecer.

— Ei, ela estava certa! — Grita um dos homens no andar de cima. — O bebê sumiu!

Os dois guardas olham para as escadas. Eu agarro a mão do guardião mais próximo e bato na espada, que corta a corda e corta minha bota esquerda. Então eu me viro e corro.

Eu pulo sobre Ryn e corro para a floresta, o resto da corda brilhante cai dos meus braços e tornozelos. — Zed! — Eu grito. Onde ele está, onde ele está, onde ele está? Ele provavelmente já passou pelos caminhos das fadas, e eu nunca vou encontrá-lo, e nós nunca mais veremos Victoria, e Ryn e Vi nunca me perdoarão. Um soluço sobe no meu peito e eu tenho que parar de correr para poder respirar. Por que eu deixei Zed escapar da Guilda? Por quê?

Eu mal me movi a qualquer distância real da casa, mas é tão inútil correr para qualquer lugar que eu não corro. Estou atrasada. Eu falhei. É por isso que, quando noto a figura ajoelhada no chão por perto, acredito por um momento que estou imaginando. Zed não iria parar bem aqui, iria? Eu ando em silêncio em direção à figura - e é ele, suas mãos pairando no ar acima do corpo minúsculo envolto em cobertores.

— Ei! — Em uma onda de raiva e medo, eu estendo minhas mãos no ar em direção a ele. Meu poder liberado bate em seu peito, derrubando-o de costas. Ele rola e levanta. — O que você fez? — Eu exijo, fechando a distância entre nós, segurando um escudo. Eu preciso me colocar entre ele e Victoria.

— Nada. Ela está bem, eu juro.

— É bom que esteja. — Eu solto o escudo e jogo um fluxo de chamas nele.

— Você não quer lutar comigo — diz ele, desviando das chamas com um toque de sua mão e enviando uma nuvem de areia em minha direção.

Meu escudo aparece quase instantaneamente; a areia explode contra ele antes de desaparecer. — Eu quero, Zed. Eu realmente, realmente quero. — Eu empurro o ar. Uma nuvem se forma entre nós, prejudicando um de ver o outro. Suas faíscas passam através, vindo direto para mim. Eu me abaixo conforme elas passam, então pulo novamente, mostrando a ele uma imagem de mim pulando através dos galhos acima dele. Ele mira nas árvores. Minha nuvem torna-se um bando de pássaros, guinchando e bicando, e a minha imagem nas árvores pula e o golpeia. Então os pássaros se transformam em lâminas de verdade, cortando em direção a ele quando ele ergue um escudo, e a ilusão de mim se transforma em lâminas imaginárias que passam pelo seu escudo sem nenhum problema.

De magia para ilusões e tudo novamente, eu jogo tudo o que posso imaginar em uma bagunça confusa, passando de imagem para imagem para imagem. Ele não sabe o que é real e o que é imaginado, o que ele precisa bloquear e o que ele pode ignorar. E a cada nova ilusão, me aproximo mais dele. Mantendo parte da minha mente focada nas projeções, levanto a mão e atiro uma série de faíscas no galho mais próximo. Ele se parte e cai no chão ao meu lado. Eu me inclino para baixo – fogo e golpes e chuva de sangue - e eu pego isso - pedaços de gelo e pedaços de osso - e o balanço na cabeça de Zed com toda a minha força.

Ele cai no chão e não se move.

Largo o galho e corro de volta para Victoria. Com um último olhar sobre meu ombro para ter certeza de que Zed não está se movendo, eu a pego e corro. Ela começa a chorar quando meus pés batem no chão da floresta e meu corpo correndo a empurrar para cima e para baixo. É o som mais bem-vindo do mundo agora.

A porta de Ryn ainda está aberta porque ninguém parece tê-lo movido ainda. Eu pulo em cima dele e entro na casa - e encontro pelo menos vinte guardiões apontando suas armas para mim. Eu congelo. Victoria continua a gritar seus minúsculos pulmões para fora.

Minhas sobrancelhas se apertam quando digo, — Eu fiz o que vocês deveriam ter feito e a resgatei. — Eu me movo em direção ao móvel mais próximo - uma poltrona – e coloco o bebê infeliz cuidadosamente sobre ela. Então eu recuo com meus braços levantados. — Se vocês querem se redimir — acrescento, — o homem que a roubou está inconsciente na floresta, não muito longe daqui.

Ninguém diz uma palavra. Ninguém se move. Muitas armas estão apontadas para mim. Eu respiro devagar e com calma, me dando apenas alguns segundos de descanso. Então, com um último esforço, eu empurro minha última ilusão tão rápido e tão longe quanto posso. Escuridão. Em toda parte. Amplamente.

Eu me viro e corro cegamente enquanto gritos de confusão surgem atrás de mim. Eu tropeço em Ryn. Algo passa pelo meu braço direito antes que eu ouça uma arma pesada cair no chão. Algo corta o meu ombro. Passos se move em minha direção. Eu me levanto de cima de Ryn e vou para a floresta. Mudando a ilusão de escuridão para uma de invisibilidade, eu corro entre as árvores. Eu ziguezagueio e me abaixo sob os arbustos e finalmente paro do outro lado de um tronco caído.

Não ouço vozes ou passos. Inclino a cabeça para trás contra o tronco e permito que o alívio inunde meu corpo. — Ela está bem — murmuro para mim mesma. — Ela está bem, ela está bem. — Ryn e Vi vão acordar em breve, e eles vão encontrar a garotinha segura, e tudo ficará bem.

Meus olhos se fecham. Estou exausta. Mentalmente drenada. Cortes e queimaduras marcam meus braços da luta mágica com Zed, e sangue escorre de uma ferida no meu ombro, onde uma flecha ou lâmina não me errou na escuridão. Eu coloco minha mão sobre ela, enviando um pouquinho de magia de cura para o local.

Eu queria que a noite acabasse, mas ainda não. Eu deixei Chase no Rio Wishbone mais abaixo com dois companheiros desmaiados e quem sabe quais outras ameaças. Eu tenho que voltar. Eu tenho que ajudá-lo. Eu me levanto, abro um portal e arrasto meus membros cansados para os caminhos das fadas.

Eu saio da escuridão na emaranhada margem enluarada em cima do rio onde nós quatro entramos na água mais cedo. Se os desejos se tornassem realidade aqui, eu desejaria fazer o meu caminho até o fundo sem ter que passar por todos os rios acima dele. O pensamento de todos aqueles remoinhos me faz querer chorar. E se ele não estiver mais lá? E se tudo acabou e ele estiver de volta à montanha? Mas e se não acabou e ele está preso em uma batalha com os homens de Amon e Angelica?

Eu pressiono minhas mãos contra os lados da minha cabeça, tentando aliviar a dor de cabeça que está chegando. Eu decido verificar a montanha primeiro. Vai ser rápido. Caminhos das fadas, casa à beira do lago, porta das fadas, montanha. Eu posso estar lá em menos de um minuto. Eu me viro para encontrar uma superfície para escrever um portal.

— Olá.

Minha respiração fica presa com a visão inesperada de uma mulher encostada na pedra que marca o começo dos redemoinhos. Desconforto se enrola ao meu redor. Eu flexiono minha mão, me perguntando se eu deveria pegar minha faca da minha bota.

— Eu pensei que você poderia voltar em algum momento — diz ela, afastando-se da pedra e se movendo em direção a mim. É o cabelo dela que a entregou em primeiro lugar, longos cachos escuros misturados com prata em cascata sobre seus ombros.

Angelica.

Eu sinto como eu se estivesse imersa em um medo horrível. — Co-como você saiu de Velazar? — Eu pergunto, dando um passo para trás.

— Calla, certo? — Ela diz, ignorando a minha pergunta. Ela limpa as mãos no macacão da prisão antes de cruzar os braços sobre o peito. — Foi você quem falou comigo com o anel de telepatia, alegando estar trabalhando com meu filho para me libertar. Aquela que Amon me disse que ele tentou matar. Aquela que apareceu ao lado da cama da terceira Vidente quando ela acordou.

— Como você sabe sobre isso?

— Eu tenho estado de olho nas coisas. — Ela ri, como se tivesse dito algo divertido.

— Como você escapou de Velazar? — Eu exijo.

— Oh, eu não escapei. A Guilda me soltou.

— O quê? Eles nunca fariam isso.

— Eles fariam — ela diz, seus lábios se curvando em um sorriso, — se eu encontrasse uma moeda de troca.

— Moeda de troca?

— Se eu encontrasse alguém que eles querem mais do que eu.

Minha respiração fica mais rápida. Uma sensação de mau agouro cutuca meus pensamentos. — Não há ninguém que eles querem mais do que você e Amon.

— Não havia — diz ela lentamente, — até que eu disse a eles que aquele que eles mais queriam ainda está vivo.

Sangue bate em meus ouvidos. — O que você fez?

— Eu troquei sua vida pela minha.

Eu paro de respirar. Quando eu encontro ar novamente, uma arfada dolorosa, eu consigo dizer — Você não fez. Ele é seu filho. Você não faria isso.

— Porque eu não faria isso? — Ela rebate. — Ele me deixou apodrecendo em uma cela de prisão por mais de uma década. E então volta rastejando com mentiras sobre querer fazer parte dos meus planos? Ha! Ele não é mais um filho para mim do que eu já fui mãe para ele. Eu sabia que ele estava vivo todo esse tempo. Não tive dúvida. Eu esperei e esperei meu filho vir e me pegar, até o momento esmagador que eu percebi que ele tinha escolhido me deixar sofrendo atrás das grades pelo resto da minha vida. Desde então, tenho esperado todos os dias, todos os dias, pelo momento em que vou poder retribuir sua traição.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Onde ele está?

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros descuidado. — Eu não tenho certeza. Ele correu naquela direção com uma horda de guardiões em seu rastro. — Ela gesticula vagamente por cima do ombro para a densa floresta de arbustos e árvores. — Algo me diz que ele não terá forças para ir muito longe. — Ela levanta a mão como se segurasse algo invisível. Lentamente, um grande disco de metal aparece, suspenso por uma corda em seu aperto. Um gongo. O que só pode significar...

— O morioraith — eu murmuro.

— Oh, não olhe para mim assim — ela reclama. — Eu tive que dar aos guardiões uma chance justa, não tive? E ele ainda está consciente, embora — ela levanta a mão, mostrando o anel de telepatia em seu dedo — eu não consigo discernir muito seus pensamentos. É tudo dor, desespero e miséria. — Uma luz crepita por perto, seguida pelo estrondo surdo de um trovão. — Ah, parece que ele está brigando. Que divertido...

Meu rosto franze de raiva, de ódio. — Você é desprezível.

Ela ri - e então ela se lança em minha direção, seu rosto se contorcendo de raiva. Em uma fração de segundo, percebo que este é o momento. O momento que eu vi na visão de Rick, com ela estendendo a mão para me agarrar. Eu a abraço, me jogando sobre ela e jogando o braço dela para o lado. Nós caímos no chão e eu a prendo, surpresa ao descobrir que ela não é tão forte quanto eu imaginava. Eu esperava um inimigo poderoso, uma força invencível, mas ela não é nada mais do que um oponente comum. Seu punho balança em minha direção, mas eu o pego, arrancando o anel da mão dela antes que ela me jogue com um empurrão de magia. Meu corpo para contra um arbusto. Eu levanto enquanto ela levanta. Eu coloco o anel no meu bolso enquanto a distraio com uma ilusão do arbusto mais próximo pegando fogo. Então eu giro e chuto. Ela cai uma segunda vez e eu não espero. Eu pulo sobre ela e corro.

Eu a ouço rindo atrás de mim, não fazendo nenhuma tentativa de me perseguir. Meus pés me carregam o mais rápido que podem, o que não é rápido o suficiente em meio ao emaranhado de arbustos. Eu passo entre eles, cortando com magia os galhos no meu caminho, aliviada quando eu finalmente chego a uma área que não é tão densa. Meus braços bombeiam ao meu lado enquanto corro em direção à tempestade. Não é tão poderosa quanto imaginei que as tempestades de Chase fossem, e isso me enche de terror. Em que estado ele está se seus relâmpagos mal iluminam o céu noturno e seu trovão sequer chocalha o chão?

— Não! — Eu grito, correndo atrás da carruagem com uma explosão de velocidade mágica. Eu me arremesso e agarro as barras. — Chase! — Eu posso vê-lo agora, correntes pesadas foram colocadas em seus braços e pernas e presas em ambos os lados da carruagem. Correntes que sem dúvida bloqueiam sua magia. Ele se inclina entre elas, a imagem da derrota. Quando ele olha para cima, seus olhos estão focados longe, em pesadelos distantes. — Chase. Chase! Sou eu!

Ele pisca e franze a testa. Confusão se transforma em reconhecimento. — Calla?

Eu empurro um braço através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Diga-me o que fazer. Diga-me como te tirar daqui. — Com uma guinada, a carruagem se ergue do chão. Eu me agarro mais firmemente às barras.

— Estamos voando — diz Chase, balançando a cabeça e ficando mais alerta. — Você tem que soltar. Nós vamos ficar no alto em breve, então...

— Não!

— Ei! — Eu olho para cima e encontro um guardião em um uniforme, franzindo a testa para mim.

— Saia — ele manda, apontando uma stylus. Instantaneamente, ele é acompanhado por outros três guardiões, todos se equilibrando no topo da carruagem com facilidade praticada.

Ignorando-os, olho de volta para as barras. — Eu não posso deixar você — eu grito em desespero.

— Você tem que soltar. Tudo vai ficar bem, eu prometo.

— Chase, eu — Uma faísca atinge meu braço direito. Então o meu esquerdo. Eu grito quando perco meu aperto nas barras. Eu caio através do ar e bato no chão, rolando várias vezes antes de parar. Meu corpo dói e as queimaduras em meus braços ardem como o inferno e todo o ar foi arrancado dos meus pulmões. Deito-me no chão, ofegando e observando o céu até a carruagem desaparecer.

Até Chase estar muito longe.

Eu rolo de lado e abraço meus joelhos, e minhas lágrimas encharcam o chão enquanto a noite fria me cobre.


Capítulo 35

 

 

Eu volto para a montanha nas primeiras horas da manhã para encontrar Ana e Kobe andando pela sala enquanto Gaius está sentado com a cabeça entre as mãos. Eu paro na porta. Eles olham para mim, a mesma pergunta em seus rostos. Minha voz é monótona quando digo, — Ele se foi. Os guardiões Seelie o pegaram. Angelica o entregou em troca de sua liberdade.

As mãos de Ana se erguem para cobrir sua boca. Gaius parece congelado no lugar. Kobe balança a cabeça e diz — Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia disso no momento em que chegamos ao último rio e não havia nenhum sereiano para ser encontrado. Então o pessoal de Angelica apareceu, horas antes do planejado e muito mais do que o esperado. Nós soubemos instantaneamente que ela armou para nós.

As mãos de Ana se fecham em punhos, apertando firmemente seu queixo enquanto ela olha para Kobe. — Se Darius e Lumethon estivessem conosco ao invés de salvar as Videntes. Se a gente tivesse nos escondido entre as rochas em vez de sair da água, poderíamos ter esperado Chase e Calla chegarem. Todos nós poderíamos ter lutado juntos. Nós poderíamos ter evitado isso.

Kobe cruza os braços e se afasta, sua voz está rouca quando ele diz — Em vez disso, acabamos desmaiados e inúteis.

— Isso não está certo — diz Gaius, parecendo perdido. — Chase não foi pego. Ele não foi.

Eu me inclino contra a porta enquanto meu corpo treme de exaustão. Meus olhos, queimando de todas as lágrimas, se fecham. — Ele foi desta vez — eu sussurro. Então me viro e subo lentamente as escadas para o meu quarto. Com frio e cansada e exausta, vou para a cama e puxo as cobertas sobre a cabeça. Há pensamentos na parte de trás da minha mente - pensamentos sobre guardiões torturando Chase, sobre a execução que sem dúvida eles vão condená-lo, sobre nunca mais vê-lo novamente - mas eu me recuso a deixá-los tomar o centro das atenções.

Eu caio em um sono profundo cheio de sonhos confusos. Algum tempo depois, acordo com uma ideia na mente: o anel de telepatia. Com um aumento súbito de esperança, o tiro do bolso e o coloco no meu dedo indicador esquerdo.

Chase?

Chase!

Eu não sei se ele está com o outro anel. Eu suponho que ele pegou para nossa missão no Rio Wishbone para que ele pudesse falar com Angelica se ele precisasse, mas eu não me lembro de ver. Eu não me lembro de sentir quando nossos dedos ficaram entrelaçados ou quando suas mãos subiram pelos meus braços. Eu fecho meus olhos, me agarrando à memória.

Então eu me deito novamente e abraço um dos meus travesseiros, chamando silenciosamente seu nome e esperando por uma resposta que talvez nunca chegue.

 

***

 

No final do dia, eu me escondo na ala de cura de Creepy Hollow até que um curandeiro e um guardião acompanham mamãe para uma das salas de banho. Ela logo estará vestida e pronta para ir para o andar de baixo para mais perguntas. Ninguém sabe ainda se ela poderá ir para casa depois disso.

Eu deslizo para dentro do seu cubículo e começo minha inspeção apressada no quarto. Meus dedos deslizam sobre a parede e ao longo da armação da cama, procurando marcas ou sinais de magia. Eu rastejo para debaixo da cama e não encontro nada. Eu olho os dois lados dos dois porta-retratos antes de removê-los, junto com a toalha de mesa, da cômoda e abro as três gavetas. Minha inspeção em cada centímetro da madeira não revela nada. Eu me endireito e coloco minhas mãos nos meus quadris, considerando rasgar os travesseiros caso haja algum tipo de feitiço escondido dentro deles.

Então meus olhos caem sobre a pintura na segunda moldura. Eu não trouxe para cá, e nem papai. Talvez tenha sido Matilda, como eu sugeri ao papai - ou talvez fosse Zed, que disse que seu trabalho para Amon e Angelica foi feito depois que ele escapou da Guilda. Eu pego a moldura e removo a parte de trás - em seguida, solto as duas metades sobre a cama com medo. Olhando para mim na parte de trás da pintura está um desenho de um olho. Brilha levemente.

Eu arranco a pintura da moldura e rasgo ao meio. Então eu rasgo de novo e de novo em dezenas de pequenos pedaços. Eu os coloco em uma pilha no chão e coloco fogo neles com um estalo de meus dedos. Eu os observo queimando, sentindo um arrepio na parte de trás do meu pescoço enquanto imagino Angelica em sua cela de prisão nos observando através da pequena moldura que vi em cima de sua mesa.

A cortina se move. Eu rapidamente me escondo e a pilha de cinzas. Pedi a Ryn para me encontrar aqui, mas pode não ser ele. Uma curandeira enfia a cabeça entre as cortinas e diz — Ela ainda não voltou.

— Tudo bem. Eu vou esperar aqui — Ryn diz do outro lado da cortina.

— Eu sei que eu já te disse isso antes, Ryn. As horas de visita são...

— Isso não é uma visita. Estou aqui para levá-la ao andar de baixo para interrogatório.

— Bom, talvez você deva esperar...

— Você pode sentir o cheiro de algo queimando? — Ryn pergunta. — Eu acho que você precisa ver isso.

A curandeira desaparece e Ryn entra no cubículo. Eu solto a ilusão e levanto os dois pedaços da moldura vazia. — Angelica estava observando tudo o que acontecia nesse quarto. Ela viu e ouviu todas as três visões. — Eu aponto para o chão e acrescento — Eu queimei a pintura que tinha feitiço o dela.

Ryn caminha até mim e pega a moldura. — Eu ainda não consigo acreditar que eles a soltaram. Eu adoraria saber exatamente quem aprovou essa decisão. O Conselho deve decidir esses tipos de coisas junto com todos os seus membros, mas eu não ouvi nada. — Ele adiciona a moldura à pilha de cinzas e a queima. — Pode muito bem queimar a coisa toda. — Ele fica de pé e observa as chamas consumirem os pedaços de madeira.

— Victoria está bem? — Pergunto.

— Sim, ela está bem. Um curandeiro veio vê-la. E Jamon enviou alguns guardiões reptilianos para nossa casa para fazer companhia a Vi, caso qualquer outra coisa apareça.

— Eu sinto muito, desculpe, Ryn.

— Por quê? Você não tem porque se desculpar. Você impediu que um homem delirante machucasse Victoria.

Eu envolvo meus braços em volta do meu peito e olho para longe. — Aquele homem delirante... eu o conheço. Eu o conheci quando nós dois estávamos presos na masmorra de Zell. Eu o vi novamente anos depois, e foi aí que pedi a ele que me ensinasse a lutar. Foi ele quem me treinou. Então ele acabou com a turma errada, e agora ele acredita que tem que se vingar da Guilda – e de você em particular - por deixar todas aquelas pessoas Superdotadas na masmorra de Zell serem torturadas e usadas. Eu não tinha ideia de que ele acabaria assim. Eu sinto muito.

— Então foi esse o guardião que treinou você — diz Ryn calmamente. Ele balança a cabeça e acrescenta, — Os delírios dele não são culpa sua.

— Mas... — Eu mantenho meus olhos fixos firmemente no chão enquanto admito o que fiz. — Eu o vi quando ele estava fugindo da Guilda, e eu não o impedi.

— Foi ele? — Ryn diz. — Que escapou da área de detenção recentemente?

Eu concordo. — Foi ele também quem matou Saskia e espalhou a doença do dragão, mas duvido que possamos provar isso. Ou pegá-lo. — Eu corro o risco de olhar para cima. — Você disse que os guardiões não encontraram ninguém na floresta perto de sua casa?

— Não. — Ryn senta na beira da cama. Eu me abaixo para me sentar ao lado dele. — Ele parece incrivelmente perigoso, Cal. Eu sei que você está se sentindo culpada por não ter alertado ninguém quando o viu. Você está esperando que eu fique com raiva de você. Mas meu palpite é que você não poderia tê-lo parado mesmo se tentasse. Ele com certeza tinha um jeito de sair.

— Eu acho que sim. Parece que ele tinha tudo planejado.

Ryn coloca a mão sobre a minha. — Você quer falar sobre... o resto da noite passada?

— Só se você já ouviu alguma coisa.

— Nenhuma palavra. Se a Corte Seelie tem a custódia de um homem que eles acreditam ser Draven, eles ainda não contaram a ninguém. Normalmente, ele estaria em Velazar agora, mas nós também não ouvimos nada deles. Há outras prisões para as quais ele pode ter sido enviado, mas Velazar faz mais sentido. É a mais segura. E então, é claro, há os rumores sobre uma prisão secreta controlada pela Rainha Seelie para inimigos pessoais dela que nunca terminam perto do sistema oficial da Guilda. Mas isso é completamente ilegal, então é claro que não há provas de que seja verdade.

— Ele pode estar em qualquer lugar — murmuro. — Ele pode até estar... morto.

Depois de uma longa pausa, Ryn diz, — Ele pode estar.

Fecho os olhos e digo, — Por favor, não me diga que ele está tendo o que merece.

— Calla...

— Eu sei que você não gosta dele, e eu sei que ele fez coisas terríveis no passado, mas eu me importo muito com ele. Você não sabe como meu coração dói ao pensar no que eles estão fazendo com ele. Pensar que nunca mais o verei.

— Calla. — Ryn aperta a mão que está sobre a minha. Eu abro meus olhos e olho para ele. — Eu só ia dizer como sinto muito por como tudo isso acabou. Eu gostaria que houvesse uma maneira de que eu pudesse consertar isso para você.

Eu ouço a voz da mamãe na passagem enquanto ela fala com um curandeiro. Eu fico em pé, sussurro adeus a Ryn, e deslizo entre as cortinas antes que mamãe e o curandeiro cheguem ao cubículo. Eu carrego as palavras de Ryn comigo todo o caminho de volta para a montanha, não porque eu quero que ele encontre uma maneira de consertar isso, mas porque se de alguma forma existir uma maneira de consertar, eu vou encontrá-la.

Eu sonho com o nosso beijo. Eu sonho com ele estando tão perto que não existe espaço entre nós. Seus braços, meu batimento cardíaco, seus lábios, minha respiração. Magia irradia do meu corpo, fazendo com que as fontes de água dourada percorram o ar ao nosso redor. Em um momento, estou feliz - e no outro meu coração se parte, porque sei o que está prestes a acontecer. O redemoinho começa. Suga toda a água, me deixando sozinha na terra seca, vendo uma carruagem desaparecer ao longe.

— Calla!

Pressiono minhas mãos contra minhas orelhas porque não suporto ouvir seus gritos desesperados.

— Calla!

Eu balanço minha cabeça, fecho meus olhos.

— Senhorita Cachinhos Dourados.

***

Eu acordo, deixando o mundo dos sonhos para trás. Eu esfrego a mão nos meus olhos e me sento. Eu olho para a colcha, sentindo o baque do meu coração e tentando esquecer aquela sensação horrível de perda que permeava meu sonho, apagando todo o resto. Talvez eu devesse ter tomado alguma coisa para me ajudar a dormir, mas...

Calla?

Eu suspiro em voz alta e bato a mão sobre a minha boca.

Calla?

É a voz dele, dentro da minha cabeça. Eu olho para a minha mão esquerda, onde o anel de telepatia envolve meu dedo indicador. Chase?

Você conseguiu o anel de volta, ele diz.

Você está vivo! Um alívio inimaginável explode dentro de mim.

Claro. Eu não te disse que demoraria muito para acabarem comigo?

Perguntas passam pela minha cabeça muito rápido para eu pará-las. O que aconteceu? Onde está você? Você está bem? Eles te machucaram?

Você está bem? Ele pergunta. Você desapareceu. Eu estava muito preocupado. Quando ele menciona a preocupação, é quase como se eu sentisse isso. E então um grande cansaço e um sentimento de derrota. Eu sei que é difícil esconder as emoções ao se comunicar assim, mas a fadiga parece tornar ainda mais difícil para ele esconder o que realmente está sentindo.

Eu estou bem, eu prometo, eu digo. Me conte sobre você primeiro.

Foi uma emboscada. Um monte de faeries de Angelica. Eu fui tão idiota em confiar nela. Muito, muito idiota. Enquanto eu lutava contra eles, eles me levaram em direção ao último redemoinho. Quando cheguei de volta à superfície, Angelica estava lá com dezenas de guardiões e o morioraith. Eu corri, mas a fumaça me atingiu. Ele me paralisou, dando aos guardiões a chance de me prender e colocar as correntes ao meu redor. Angelica estava lá para controlar a criatura. Ela deixou ele me arranhar, apenas uma vez, apenas o suficiente para me manter fraco com alucinações do passado.

Eu sinto uma onda do horror com ele lembrando. Eu sinto muito. Desculpe. Eu deveria ter ido atrás de você antes...

Fico feliz que você não foi. Eles poderiam ter pegado você também.

Onde você está agora?

Acontece que o Palácio Seelie esconde um mundo de escuridão sob o piso de mármore polido. Há celas de prisão e câmaras de tortura aqui que eu nunca soube que existiam, nem mesmo quando pensei que tinha controle sobre este lugar.

Então você está na Corte Seelie? Um lugar impossível de encontrar, a menos que seja mostrado a você por alguém que saiba onde está?

Sim. O lugar mais bem escondido em todo o mundo fae.

E agora eu entendo seu desânimo. Como vamos encontrá-lo se ele está escondido em um lugar que quase ninguém sabe como chegar? Ele realmente está além do nosso alcance. Meus dedos agarram o colchão enquanto minha esperança começa a se esvair. O que eles planejam fazer com você?

Eu não sei. Por enquanto, estou acorrentado em uma cela sem acesso à minha magia. Eles não chegaram muito perto de mim, e é por isso que eu ainda estou com o anel.

Eu puxo meus joelhos para cima e pressiono minha testa contra eles. Há tantas coisas importantes que eu poderia dizer ou perguntar, mas as palavras nadam até a superfície, eu sinto tanto a sua falta. Eu não tento esconder o pensamento. Não há segredos entre nós agora.

Não tanto quanto eu sinto sua falta.

Meu coração dolorido alcança o dele. Eu me pergunto se ele pode sentir isso, meu desejo por ele. Eu respiro fundo e digo a mim mesma para não chorar. Já chorei demais. E eu já tive muita desesperança, derrota e escuridão. Cores brilhantes, eu digo, dizendo a mim mesma tanto quanto estou dizendo a ele. Estamos pintando com cores brilhantes agora, não com cores escuras. Nós podemos consertar isso. Nós podemos encontrar um caminho.

Não sei se sou eu, ele ou nós dois, mas sinto uma mudança. Uma mudança no clima. Eu me enrolo debaixo das cobertas e fico acordada por mais algumas horas, falando com ele - pensando, planejando, conspirando - até que adormeço com o som de sua voz em minha mente.

Quando acordo de manhã, estou cansada, mas energizada. Estou focada. Eu tenho um propósito. É mais tarde do que pensei, então me visto rapidamente e corro para o escritório de Gaius. Ele não está lá. Um olhar rápido na estufa me diz que ele também não está lá. Eu desço as escadas e, em seguida, desço novamente, abaixo do saguão de entrada, até a porta que Chase abriu, segurando a mão dele contra ela. Eu hesito. Gaius disse que acrescentaria minha impressão ao feitiço de acesso a porta pouco antes de partirmos para os Rios Wishbone, mas ainda não tentei. Eu não queria vir aqui desde então.

Eu levanto minha mão e a coloco contra a porta. Clique, e a porta desaparece. Uma pequena emoção corre através de mim. Eu realmente pertenço aqui agora. Depois de mais escadas, eu viro no amplo corredor e sigo para a sala de reuniões com a mesa oval. Eu não tinha certeza se alguém estaria lá, mas eu escuto vozes vindo da porta aberta. Quando a alcanço, Gaius sai da sala ao lado com um pergaminho na mão. Ele me cumprimenta e acena para eu andar na frente dele.

Lumethon, Kobe e Darius estão sentados em torno de um diagrama de um edifício. — Então nós ainda vamos continuar com isso? — Darius pergunta.

— Claro — diz Lumethon. — Não podemos abandonar todas as operações simplesmente porque Chase não está aqui.

— Eu não estou dizendo para abandonar tudo, mas isto era dele. É complexo. Ele foi o único que já esteve lá antes.

Gaius passa por mim e entrega o pergaminho para Lumethon. — Para as Videntes.

— Obrigada — diz ela.

Ana entra então, com as bochechas coradas e uma toalha em volta do pescoço. — Eu perdi alguma coisa? — Ela pergunta. — Alguém já descobriu onde Chase está?

— Sim — eu digo, me movendo para ficar na cabeceira da mesa enquanto todo mundo parece surpreso. — E eu tenho nossa próxima missão. É quase impossível, mas Chase me diz que geralmente é a melhor. — Eu giro o anel de telepatia em volta do meu dedo e sorrio para a minha equipe. — Nós vamos invadir a Corte Seelie.


{1} Wishbone = em inglês Wish: desejo; Bone = osso.

Capítulo 27

 

 

Eu puxo vários livros das estantes cheias de plantas no escritório de Gaius, mas nenhum deles menciona a cidade de Kagan. Existem centenas de livros aqui, então provavelmente eu não encontrei o certo. Depois de contornar uma pequena engenhoca com rodas que desliza em padrões aleatórios pelo chão do escritório, saio para a casa à beira do lago e depois para a floresta Creepy Hollow.

Eu saio dos caminhos das fadas a uma curta distância da árvore de Raven e Flint. Eu não quero chegar diretamente do lado de fora, caso alguém da Guilda esteja vigiando a casa deles. Eu também quero passar alguns minutos a céu aberto com a floresta sem fim que se estende por quilômetros em todas as direções. Sinto saudade. Sinto falta de respirar o ar fresco, ver os insetos brilhantes enquanto a escuridão se instala e caminhar entre cogumelos gigantes e flores e plantas luminosas escondendo criaturas exóticas. Agora que penso nisso, a maior parte da floresta deve ser segura para mim. Eu só preciso evitar os lugares onde os guardiões provavelmente estarão - as antigas ruínas da Guilda, as casas das pessoas mais próximas a mim, a clareira com as lojas. É claro que o resto da floresta é o lar de todos os tipos de criaturas potencialmente perigosas, mas, no que me diz respeito, elas não são tão perigosas para mim quanto os guardiões.

Não noto ninguém à espreita perto da árvore de Raven e Flint, mas decido me esconder de qualquer maneira. É uma boa prática, pelo menos. Eu alcanço a árvore deles e me inclino mais perto para soprar suavemente contra a casca áspera. Ao me endireitar, a poeira cor de ouro flutua para longe da árvore para revelar uma aldrava embaixo. Eu agarro e bato duas vezes. Momentos depois, o formato de uma porta ondula e desaparece. Flint aparece. — Olá?

Eu passo rapidamente por ele para dentro da casa antes de soltar minha ilusão. — Ei, sou eu. Apenas tomando precauções.

— Sabe — papai diz, atravessando a sala, — eu estou muito feliz que você não descobriu que poderia parecer invisível quando era mais jovem. Você teria feito todos os tipos de travessuras.

— Eu? Nunca. Ryn era seu filho travesso, lembra?

— Eu ouvi isso — grita Ryn de outra sala.

— Ah, você está aqui — diz Raven. Ela se levanta e move Dash para seu quadril. — Dash está esperando por um beijo de boa noite de você.

— Oh, seu pequeno sedutor. — Eu beijo a bochecha rechonchuda de Dash, e ele me recompensa com um sorriso tímido. Então ele estende as duas mãos e me alcança.

— Não, não, não, é hora de dormir para você — diz Raven. Para o resto de nós, ela acrescenta — Eu voltarei. — Ela se dirige para as escadas, e Flint a segue.

— Legal. Se você precisar que a gente ajude com a comida ou qualquer... Uau. — Minhas sobrancelhas levantam e meu queixo ameaça atingir o chão quando meu olhar pousa em Vi de pé na porta da cozinha. — Meu Deus, senhora grávida. Você está enorme.

Ela coloca as mãos nos quadris. — Obrigado. Isso me faz sentir muito mais atraente do que já me sinto.

Eu coloco minhas mãos na minha boca e, em seguida, digo, — Não, desculpe, isso saiu errado. Eu estou apenas... um pouco chocada. Quero dizer, parece que você poderia entrar em trabalho de parto agora. Como diabos isso aconteceu? Você esteve fora - eu não sei - uma semana?

— Quatro meses e meio — diz Vi. — Aproximadamente. É a primeira vez em seis anos que o tempo em Kaleidos ficou devagar por tanto tempo. E apenas mudou para o outro lado, acelerando para o lado deles. É por isso que voltei para casa. — Ela atravessa a sala e se senta, ajeitando as almofadas atrás de si antes de se inclinar para trás. Eu me sento em frente a ela. — Há também essa coisa de cerimônia no Instituto na próxima semana. Eu sou uma das pessoas que eles vão homenagear por todo o trabalho que fiz lá. Seria rude perder isso. Eu tenho mais ou menos um mês, mas fico feliz em passá-lo aqui. Eu senti falta de Ryn, — acrescenta ela quando ele se junta a nós. — Mais do que as palavras podem descrever. — Ryn pega a mão dela e a beija enquanto ele se senta ao lado dela.

— Por que você fez isso então? — Eu pergunto. — Você está realmente tão obcecada pelo trabalho que a ideia de passar meses sozinha em uma ilha distante parecia melhor do que perder alguns meses de trabalho?

— Calla. — Ryn franze a testa para mim.

— Eu sinto muito. — Que droga, minha estúpida boca descontrolada. — Eu não quis que soasse rude. Esque...

— Tudo bem, — diz Vi. — Você não é a primeira pessoa a perguntar. Antes de sabermos sobre o bebê, eu me comprometi a fazer parte de algumas mudanças importantes que estão surgindo no Instituto. Eu não quero decepcionar as pessoas com quem amo trabalhar, mas também não quero perder tempo em casa com o bebê quando ele ou ela nascer. Eu não queria ter que escolher, então encontrei um jeito de ter os dois.

— Eu sinceramente não achava que ia dar certo — papai diz.

— Nem eu — diz Ryn.

Eu dou a Vi um olhar de desculpas. — Nem eu.

— Obrigada, todo mundo. — Vi finge estar ofendida. — É bom saber que Tilly é a única que achou que minha ideia era boa.

— Claro que ela achou — diz Ryn. — Todos nós sabemos que a Tilly é um pouquinho maluca.

— O melhor tipo de loucura — diz Vi com um sorriso.

— Oh, pai, onde está aquela carta para Calla? — Ryn pergunta.

Papai tira um pequeno pedaço de papel dobrado do bolso e se inclina para entregá-lo para mim. — Veio de um mensageiro privado esta tarde. — Parece que ele pode estar prestes a dizer algo mais, mas então seu foco muda. — Flint, essa é a nova KarKnox multi-funcional? — Ele se levanta e atravessa a sala para examinar o que quer que seja que Flint está trazendo para baixo. Eu desdobro o papel.

Calla, desculpe-me por tudo. Por favor, me encontre no sábado à noite, às 10 da noite, onde costumávamos praticar tiro ao alvo. Z

Sábado. É hoje à noite. Zed, obviamente, assumiu que papai seria capaz de passar essa mensagem rapidamente.

— Se esta pessoa Z é um amigo da Guilda — diz Ryn, — então eu diria para não ir. Há uma chance de ele ou ela estar atraindo você para esse encontro em nome da Guilda.

Eu cruzo meus braços e franzo a testa para ele. — Você leu minha carta?

Os olhos de Ryn se movem para o lado antes de voltar para mim. — Papai leu primeiro.

Eu solto um suspiro. — Você é tão imaturo, às vezes.

— Só às vezes? — Vi pergunta inocentemente.

— Esse cara não é da Guilda — digo a eles. — Eu confio nele, mas vou com cautela.

— Eu acho que eu deveria ir com você — diz Ryn.

— Não, obrigada. — Eu me levanto e vou embora rapidamente antes que eu possa entrar em uma discussão com Ryn. Eu acho que posso lidar com um encontro com Zed sozinha. Além disso, Ryn provavelmente não ficaria satisfeito em descobrir que ‘essa pessoa Z’ é o prisioneiro que escapou da Guilda enquanto eu observava e não fiz nada.

 

***

 

Zed e eu costumávamos fazer nosso treino de tiro ao alvo perto de uma praia deserta em algum lugar do reino humano. Nós nos sentíamos seguros lá. Nós éramos invisíveis aos olhos humanos, e as chances de alguém do nosso mundo nos encontrar eram pequenas. Eu chego lá dez minutos atrasada para que eu possa me aproximar dele em vez do contrário. Eu ando em silêncio entre as árvores que carregam as cicatrizes de nossas muitas horas de prática. Facas, adagas, shurikens, machados, lanças. Eu aprendi a menejar todos aqui.

Onde as árvores terminam e a terra escura se mistura com a areia clara da praia, eu paro. Eu vejo uma figura solitária sentada fora do alcance das ondas, observando a lua pairando sobre a água. Eu olho para os dois lados ao longo da praia. Encontrando-a deserta, atravesso a areia para me juntar a Zed. Ele levanta no momento em que me vê. — Você realmente veio — diz ele. — Eu pensei que você poderia estar com muita raiva depois da conversa que tivemos pela última vez. E depois, com tudo o que aconteceu com você desde então...

Eu olho em volta mais uma vez para verificar que ainda estamos sozinhos. Então eu sento. — Você sabe o que aconteceu?

— Sim. As pessoas falam. — Zed se senta ao meu lado. — Eu não acho que há alguém em Creepy Hollow que não saiba o que aconteceu na Guilda.

— Ótimo — murmuro.

Zed olha para mim e diz, — Eu sinto muito sobre tudo isso, Calla.

Eu encontro seu olhar turquesa. — Por quê? Você nunca quis que eu fizesse parte de uma Guilda.

— Eu sei, mas não queria que terminasse assim para você, com seu nome na Lista Griffin e sua habilidade revelada para metade da Guilda ver.

Eu solto um longo suspiro. — Bem, foi assim que aconteceu. Eu não posso mudar isso, então agora eu tenho que seguir em frente.

— Você sempre foi do tipo otimista — diz ele com um sorriso.

Eu dou de ombros. — Não tanto hoje em dia, mas estou tentando.

— Enviei a você muitas mensagens, mas quando você não respondeu, percebi que você provavelmente jogou seu âmbar fora.

— Sim. — Eu pego um punhado de areia e a deixo correr entre os meus dedos. — Eu tinha feitiços anti-rastreamento, mas não sei como eles eram bons. Eu ainda preciso de um substituto, na verdade. Eu tenho usado um que é tão antigo que só se comunica com uma pessoa.

Zed ri. — Eu achava que âmbares como esse só existiam em museus.

— Aparentemente não.

— Bem, você quer um dos meus? — Zed pergunta. — Eu tenho dois.

— Você tem dois? Por quê?

— Eu sempre tive dois. Um é pessoal e outro é para os negócios.

Eu não posso deixar de rir. — Negócios? Que negócios?

Ele encolhe os ombros. — Talvez eu apenas goste de ter dois.

— Bem, você não terá mais dois se me der um.

— Eu vou comprar outro. Tudo bem. Além disso, meus âmbares têm os feitiços anti-rastreamento mais avançados, o que você definitivamente precisa. — Ele se inclina para o lado e alcança seu bolso para remover um âmbar retângulo muito mais fino e suave do que o que eu tenho usado. — Eu vou apagar todas as minhas coisas. — Ele pega sua stylus. Eu vejo as ondas rolando na praia enquanto ele apaga qualquer informação deixada no âmbar. Mensagens de sua namorada, talvez, ou daqueles que odeiam guardiões, já que ele parece gostar de sair com eles atualmente. — Aqui. — Ele entrega para mim. — Foi totalmente limpo. Ele até gerou uma nova identificação âmbar para que você não seja incomodada por mensagens de todos os meus parceiros de negócios.

— Parceiros de negócios — eu digo com um suspiro. — Certo. Bem, obrigada. Depois que eu me disfarçar, mudar meu nome e me mudar para longe e começar a fazer novos amigos, talvez comece a usar os feitiços sociais novamente.

— É isso que você planeja fazer? Afastar-se, quero dizer?

— Sim. É triste ir embora, mas provavelmente vou visitar muito a minha família. Em segredo, claro. Meu irmão e sua esposa vão ter um bebê a qualquer momento, então eu não quero perder.

— Tão cedo? — Zed pergunta surpreso.

— Sim. — Eu faço uma careta para ele. — Eu te disse que eles estavam tendo um bebê?

— Não, mas ouvi o seu irmão falando sobre isso na Guilda. Você sabe, durante minhas muitas horas escondido.

— Ah, sim. — Eu peneiro mais areia através dos meus dedos. — E agora você e eu somos fugitivos.

— Sim. Pela vida de fugitivo. — Ele levanta o outro âmbar como uma taça de champanhe. Eu levanto o âmbar que ele me deu e o bato contra o dele.

— Pela vida de fugitiva — eu digo com uma risada, porque eu também posso acolher isso. — À amizade.

— À amizade — Zed repete. Então ele se inclina e me beija.


Capítulo 28

 

 

Eu tento me afastar, mas a mão de Zed já está em volta do meu pescoço, me puxando para mais perto dele. Eu coloco as duas mãos contra o peito dele e empurro com força. Quando ele cai para trás, eu me levanto. — O que você está fazendo? — Eu suspiro.

— Eu pensei... eu pensei que você queria isso. — Ele se levanta.

— Eu queria, mas isso foi há meses, e você me disse que eu era jovem demais para você. E você não tem namorada?

— Não mais. E eu sei que isse que você era muito jovem, mas... eu não sei. — Ele dá de ombros. — Você parece diferente agora.

— Diferente?

— Sim... você não parece mais uma garotinha.

Eu cruzo meus braços firmemente sobre o peito, ainda segurando o âmbar que ele me deu. — Bem, obrigado, mas quando eu disse 'à amizade', eu falei sério.

— Tem certeza? — Ele se aproxima de mim. — Tem certeza de que não quer mais nada?

Eu olho para os olhos azuis e verdes com os quais eu costumava sonhar e espero meu coração começar a acelerar ou ter arrepios sobre a minha pele ou asas de sprite batendo dentro de mim.

Nada.

Absolutamente nada.

— Zed — eu digo. — Tenho certeza. Estou feliz por sermos amigos de novo e por não estarmos discutindo sobre a Guilda, mas... isso é tudo que quero. Apenas amizade. — Eu balanço meus braços desajeitadamente ao meu lado. — Eu acho que eu deveria ir agora. Boa noite.

Eu ando rapidamente em direção às árvores.

— Calla? — Ele fala atrás de mim. Eu olho para trás. — Eu sinto muito se eu fiz você se sentir estranha. Estou feliz com a amizade. Sério.

Eu abaixo minha cabeça. — Tudo bem. Obrigada. E obrigado novamente pelo âmbar.

Volto para a montanha pela casa à beira do lago. É tarde, mas ainda não estou cansada. Preciso tirar minha mente de Zed e de todo esse constrangimento. Que estranho! O que poderia tê-lo feito pensar que ainda me sinto da mesma maneira que me senti durante todos esses meses? Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço e ombros quando tiro meus sapatos, tentando não pensar sobre o jeito que seus lábios pareciam estranhos nos meus. Não é uma memória que eu quero guardar.

Eu ando ao longo do corredor de meias e entro no quarto de Chase. Uma lâmpada ainda está acesa, então eu a movo para o lado vazio da cama onde eu gosto de sentar e desenhar. Eu abro meu caderno de desenhos e folheio para onde estou trabalhando atualmente: uma seção das antigas ruínas da Guilda coberta de trepadeiras e flores em forma de estrela. Este caderno está repleto de desenhos agora, desde esboços breves e abandonados até imagens detalhadas e quase acabadas. Já que o meu choque inicial por ter sido expulsa da Guilda acabou, estou achando mais fácil virar para uma nova página, colocar meu lápis no papel e ver algo tomar forma.

De vez em quando minha mão fica imóvel enquanto olho para ele. Ele parece um pouco mais calmo hoje à noite. Balançando menos e resmungando menos. Eu toco sua pele. Não está queimando como estava há alguns dias, mas não sei dizer se está de volta a uma temperatura normal ou não. — O que você está sonhando? — Eu sussurro.

Volto para o meu desenho e decido que precisa de alguma cor. Na verdade, todo esse caderno precisa de um pouco de cor. Tudo é preto e branco e cinza até agora. Eu coloco o caderno de lado e me levanto. Deve haver alguns lápis de cor neste quarto. Eu ando até a mesa coberta de frascos de tinta, tinta para tatuagem, uma pilha de esboços soltos e outros pedaços e peças relacionados à arte. Ao lado de várias telas pequenas empilhadas umas em cima das outras, vejo um pote com canetas e lápis parecendo como uma versão de um buquê de um artista. Eu alcanço, mas então minha atenção é capturada por outra coisa: o pequeno navio dentro da garrafa de vidro.

Eu pego cuidadosamente e dou uma olhada mais de perto. O navio está navegando em águas turbulentas com pingos minúsculos de chuva caindo e um flash ocasional de raios ziguezagueando através da cena. A primeira vez que vi esta garrafa, eu não tinha ideia do significado desse objeto encantado. Nenhuma ideia de que era uma pequena pista para sobre quem Chase realmente é. Mas agora eu sei exatamente o que isso representa: sua poderosa capacidade de criar tempestades e controlar o clima. Eu tento encontrar uma parte de mim que ainda está zangada com ele por não ter me contado a verdade, mas eu acho que não há mais raiva. Eu entendo agora por que ele teve que manter seu segredo até que ele soubesse se poderia confiar em mim. Eu só queria que nunca houvesse nenhum segredo que ele tivesse que guardar em primeiro lugar.

Eu coloco a garrafa gentilmente de volta na mesa. Então eu puxo o frasco para mais perto e procuro através das canetas, carvão e pedaços de giz até encontrar um único lápis arco-íris. Eu balanço para confirmar se ainda está funcionando e muda de laranja para amarelo. Perfeito. Antes de voltar para a cama, olho para a pilha de esboços. O que está em cima é da estufa. Deslizando para o lado, vejo na próxima página um desenho de tinta de uma fênix. Por baixo, há uma lua de carvão refletida na água ondulando e, sob esse... um esboço de mim.

Surpresa passa através de mim, seguida rapidamente pela culpa. Eu não deveria estar olhando os esboços do Chase. São pessoais. Eu não gostaria que alguém olhasse meu caderno de desenho sem minha permissão. Mas não posso deixar de demorar mais alguns segundos para examinar o esboço mais de perto. Com amarelo e um pouco de laranja, ele pintou meus olhos e partes do meu cabelo, mas o resto do desenho está em vários tons de cinza. Há um sorriso tímido nos meus lábios, e eu me pergunto que momento ele estava tentando capturar nesse desenho.

Enquanto reúno os papéis, vejo a borda de um caderno desgastado saindo debaixo da pilha. Eu o pego. Eu sei que não deveria, mas estou tão curiosa, e o que são mais alguns momentos de bisbilhotice? Eu abro o caderno e encontro páginas e páginas com a caligrafia de Chase. Não é um diário, no entanto. Isso parece mais com detalhes de missões. Nomes, datas, lugares. Uma marca ao lado de todas as pessoas que foram salvas ou auxiliadas de alguma forma. Um registro de todo o bem que Chase fez desde que ele deixou seu passado sombrio para trás.

Fecho o caderno e o deslizo de volta sob os esboços, depois volto para a cama com o lápis arco-íris. Mas meu foco mudou completamente, e eu não sinto mais vontade de desenhar ou pintar. Eu olho para Chase. Eu coloco minha mão suavemente em seu pulso. Eu evitei segurar a mão dele até agora. Parecia muito... íntimo. Isso me fez pensar naquele momento após o casamento, quando ele deslizou os dedos entre os meus e meu coração se expandiu para encher meu peito inteiro porque eu acreditava, por pouco tempo, que a felicidade era nossa.

Com meu coração batendo forte e minha garganta estranhamente seca, eu levanto a mão dele e encaixo meus dedos entre os dele. — Por favor, acorde — eu sussurro. E então quietamente, quase inaudível, como se fosse um segredo que ninguém mais deveria ouvir: — Sinto sua falta. Eu provavelmente não deveria, mas eu sinto. Eu sinto muito a sua falta. Senti sua falta mesmo quando estava com raiva de você. E depois que você finalmente explicou tudo e começamos a conversar novamente, eu senti sua falta ainda mais porque nada era como costumava ser depois disso. — Eu descanso a minha testa contra nossas mãos entrelaçadas e fecho os olhos. — É loucura eu não querer deixar você? — Eu murmuro.

Pontos brilhantes de luz piscam do outro lado das minhas pálpebras. Confusa, eu puxo minha cabeça para trás e abro meus olhos. Uma névoa de faíscas douradas desliza em torno de nossos dedos entrelaçados. Eu tiro minha mão com medo. Do outro lado do quarto, a pilha de esboços na mesa voa com o ar, enquanto ao meu lado, a chama da lâmpada se inflama repentinamente, incendiando o abajur. Eu apago com um rápido feitiço de escudo lançado sobre o fogo para sufocá-lo. A escuridão desce sobre o quarto. Eu junto minhas mãos e crio uma bola de luz. Eu aumento até que um brilho quente ilumine o quarto, então a coloco bem no alto para que ela flutue perto do teto.

Então sento com as mãos enfiadas firmemente sob meus braços, observando Chase enquanto meu ritmo cardíaco lentamente retorna ao normal. Isso não aconteceu comigo antes, esses brilhos, essas explosões descontroladas de magia. Mas eu sei o que são. Mamãe e eu tivemos uma conversa terrivelmente estranha quando ela explicou a magia da atração física e... outras coisas.

— Eu não deveria me sentir assim por você — murmuro. — Eu devo continuar me lembrando quem você realmente é, e então eu devo ir embora.

Em vez de me responder, Chase continua perdido em seus sonhos. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa, porque eu realmente quero que ele saiba como me sinto? Não. Não quando ele uma vez esmagou e quase destruiu um mundo e poderia potencialmente fazer a mesma coisa comigo.

Pego meu caderno de desenho e o lápis arco-íris e começo a adicionar cor aos meus desenhos. Eu vou para a cama em algum momento, mas por enquanto, eu preciso deixar minha mente vagar.

 

***

 

Eu me sinto desorientada quando acordo. Eu estou do lado errado da minha cama e não há nenhum lençol sobre mim. Então eu abro meus olhos o suficiente para perceber que esta não é a minha cama. Depois de piscar um pouco mais e sentar, encontro o caderno e o lápis arco-íris ao meu lado. Eu devo ter adormecido aqui em vez de voltar para o meu próprio quarto. Eu esfrego meus olhos antes de olhar para o lado de Chase da cama.

Ele não está lá.

Assustada, eu olho para cima e encontro ele sentado na cadeira, olhando para o nada. Seu cabelo está molhado e suas roupas estão limpas. — Você está acordado! — Eu quase pulo e corro até ele, mas eu consigo me conter. Eu rastejo até a beira da cama em vez disso.

— Quando você acordou?

Ele lentamente se vira na cadeira para me encarar. — Há pouco tempo atrás. Eu tomei um banho. Agora estou... pensando.

— Sobre? — Eu pergunto com cuidado.

— A tortura que acabei de viver.

Eu engulo e depois digo — Você ficou inconsciente por uma semana.

— Tudo isso? — Ele diz com uma risada sem graça. — Parecia uma eternidade.

— Foi o morioraith.

— Eu sei. — Ele abaixa a cabeça em suas mãos. — Eu sinto muito, Calla. Eu deveria ter me lembrado disso. Eu deveria estar preparado. Mas Angelica e eu costumávamos ir direto para a câmara e ir embora novamente. E o morioraith... eu nunca lidei diretamente com ele. Angelica o encontrou em algum lugar. Ela costumava controlá-lo com um gongo. Um enorme com um som de ressonância profunda. O morioraith não aguentava. Mas mesmo sem um sino ou um gongo, eu poderia ter feito muito mais. Eu deveria ter ficado pronto com magia no segundo em que ele se transformou na forma corporal, mas tudo ficou confuso tão rapidamente. Eu não pude fazer nada e me desculpe.

— Você sente muito? — Eu pergunto. — Eu que sinto muito. Eu estava atrasando você. Você poderia facilmente ter fugido sem mim. E então você pulou na frente daquela coisa para ele não me pegar e acabou com todo o seu corpo envenenado. É por isso que eu estou pedindo desculpas.

— Ele teria me pegado de qualquer maneira — diz Chase. — Eu tenho muito mais para saciar a fome de um morioraith do que você. — Ele abre a gaveta da mesa e coloca algo dentro dela. — Eu falei com Angelica — diz ele. — Ela me contou o que ela disse a você.

Eu mordo meu lábio e pergunto — Você está com raiva de mim por usar o anel?

— Não. Eu presumo que você estava apenas tentando ajudar. — Ele não olha para mim quando fala, então eu não posso ter certeza se ele está dizendo a verdade.

Eu me levanto e atravesso o quarto. Eu paro na frente dele, mas ele ainda não olha para mim. — Você está bem? Quero dizer, você está realmente bem?

Ele esfrega a mão sobre o rosto e fica de pé. Ele olha por cima do meu ombro enquanto diz — Parece que os últimos dez anos nunca aconteceram. Eu me sinto como o monstro que acordou ao lado das Cataratas do Infinito. O monstro que mal podia encarar a vida por causa de todas as coisas terríveis que ele fez. Todas as memórias estão bem aqui, logo abaixo da superfície, tão cruas, tão próximas. É tudo que posso ver. É tudo o que sou.

— Não. — Ele ainda não encontra meus olhos, então estendo a mão e toco seu rosto. O menor dos toques, apenas ao longo de sua mandíbula, mas o suficiente para fazê-lo olhar para mim. — Você é muito mais do que seu passado. Você é isto — eu pego a tela mais próxima, uma das minhas favoritas: sprites dançando na chuva — e isso — eu pego alguns desenhos do chão — e isso — eu seguro a máquina de tatuagem. — e isso. Isso é o que você é agora. — Pego seu caderno e o balanço na frente dele. — E sim, eu sei que não deveria ter olhado, mas é incrível. Você ajudou muitas pessoas.

Ele calmamente pega o caderno de mim e o coloca na mesa. — Eu acho que você deveria ir — diz ele.

Eu abro minha boca, mas não consigo responder. Dor me apunhala no peito, mas digo a mim mesma que ele não quis dizer isso. Eu estive em seu quarto a partir do momento que acordou, então faz sentido que ele queira um pouco de tempo...

— Da montanha, quero dizer. Você não deveria ficar mais por aqui. Você estava pensando em ir embora de qualquer maneira, não é? Pode muito bem ser agora.

A faca imaginária no meu peito começa a virar. — Você está... me expulsando?

— Calla. — Ele me dá um olhar agonizante. — Você não deveria ficar perto de mim. Como você ainda não percebeu isso? Eu sou um monstro.

— Não, você não é! — Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo em frustração. — Uma semana atrás era você tentando me convencer de que você não é mais essa pessoa, e agora sou eu quem está tentando convencê-lo. Graças a Deus, um de nós começou a pensar razoavelmente durante essa agonia do morioraith, senão estaríamos chamando você de monstro.

— Como deveríamos chamar — ele murmura.

Eu pego seu caderno e o empurro contra seu peito. — Leia isso.

— Calla...

— Leia! Então me diga que você é um monstro, depois de tudo de bom que você...

— Isso nunca vai compensar tudo o que eu fiz! — Ele grita, jogando o caderno no chão. — Eu nunca vou poder voltar atrás por todas as pessoas que eu machuquei e pedir desculpas a elas. Eu nunca vou poder pedir perdão.

— Não, você não pode. E você nunca vai poder mudar o que você fez também. Então vou lembrar a você o que me disse há não muito tempo atrás, quando era eu quem precisava ser retirada da escuridão: a única coisa que você tem controle agora é o seu futuro. Então você vai se chafurdar na autopiedade ou vai fazer a diferença? — Eu me inclino e pego o caderno. Eu o empurro em suas mãos. — E você realmente não deveria jogar isso por aí — acrescento calmamente. — Parece algo que você provavelmente quer guardar. — E então, como eu não consigo pensar em mais nada para dizer, eu me viro e saio.


Capítulo 29

 

 

 

Chase se foi quando eu acordei na manhã seguinte. Eu vou à procura de comida na cozinha, e é lá que Gaius me encontra para me contar a notícia de que Chase se recuperou e já está em outra missão. — Sinto muito que você não teve a chance de falar com ele antes de sair — ele diz para mim. — Eu sei que você tem esperado ansiosamente para ele acordar.

— Tudo bem. Eu na verdade falei com ele durante a noite.

— Ah, maravilhoso. Ele parecia bem para você? Ele estava muito quieto esta manhã. Eu não consegui muito dele.

— Hum... — Eu pego uma maçã da tigela na mesa da cozinha e a enrolo em minhas mãos, imaginando o quanto Chase iria querer que eu revelasse. — Bem, ele acabou de passar uma semana preso em pesadelos do passado. Ele provavelmente precisa de um pouco de tempo para colocar a cabeça no lugar certo. Ele disse para onde estava indo?

— Foi encontrar o farol da cidade de Kagan.

— Oh. Eu pensei - quero dizer - eu assumi que iríamos juntos. Mas... — Eu suponho que eu não deveria estar surpresa. Ele me disse que eu deveria ir embora da montanha porque ele não me quer em qualquer lugar perto dele, então eu suponho que isso inclui esta pequena missão para encontrar os Videntes. Pena que ele não ficou por aqui tempo suficiente para eu dizer a ele que ainda quero me envolver até que tenhamos certeza de que paramos o plano de Amon. Eu continuo rolando a maçã entre as palmas das minhas mãos. — Hum, de qualquer forma, você conhece a cidade de Kagan? Você já ouviu falar dela antes?

— Eu não conhecia, mas conseguimos encontrá-la em um dos meus livros esta manhã. Você já viu esse pequeno dispositivo conveniente para descascar maçãs? — Ele põe um anel na mesa, pega a maçã de mim e coloca a maçã no ar acima do anel. Antes que eu possa dizer a ele que eu não costumo descascar minhas maçãs, a fruta vermelha brilhante começa a girar mais rápido do que o meu olho pode seguir. Quando ela para, a casca desaparece.

Eu pego a maçã e a examino com uma carranca, me perguntando para onde a casca foi. E se perguntando por que Gaius mudou de assunto tão abruptamente. Eu abaixo a maçã e olho para ele. — Chase disse a você para não me deixar segui-lo para onde quer que este farol esteja?

Parecendo encurralado, Gaius diz, — Bem, nós achamos que você não deveria ficar envolvida demais, vendo como você vai embora em breve.

— Então isso é um sim?

— Você já escolheu para onde ir? — Ele pergunta inocentemente.

Com um gemido e um revirar de olhos, saio da cozinha.

Dois dias depois, Chase ainda não retornou. Gaius me diz para não me preocupar com ele, então eu tento ignorar a voz insidiosa que diz, E se ele nunca voltar? Eu escolho algumas escolas de arte e começo a organizar um portfólio. Estamos a dois meses do ano letivo, mas espero que os artistas não sejam tão rigorosos quanto a esse tipo de coisas, como os guardiões. Vou mostrar a eles o que posso fazer e espero que uma das escolas me aceite. Eu ignoro a pequenina parte de mim que espera que eu não entre em nenhuma delas.

À tarde, eu vou para o reino humano para fazer algum exercício. Eu corro ao redor de um parque ao lado dos humanos, confortável em saber que eles não podem me ver. Quando passo por alguém comendo um bagel, começo a rir e quase tropeço nos meus próprios pés. Eu gostaria de ter dinheiro humano para poder comprar um para Gaius. Depois do meu aquecimento, fico no meio do parque e prático luta usando um bastão que eu transformei em uma lança longa. Eu giro na minha frente e nas minhas costas e sobre a minha cabeça. Eu a varro através do ar e depois me inclino para frente para bater no chão. Repito cada movimento que eu conheço. É tão bom ficar ativa que mal posso suportar a ideia de passar o resto da vida na frente de uma tela ou me debruçar sobre papel de desenho. Eu queria que a arte fosse um hobby, não uma carreira, e agora tudo vai acabar do jeito errado.

Eu me consolo com o pensamento de que pelo menos eu não estou na prisão. Pelo menos eu não tenho uma marca da Lista Griffin encravada magicamente embaixo da minha pele, então assim a Guilda pode rastrear meu paradeiro pelo resto da minha vida. Pelo menos eu tenho a chance de começar de novo.

 

***

Eu acordo e alcanço desajeitadamente os dois âmbares ao lado da minha cama. Minha mão encontra o novo primeiro e olho para ele através de um olho meio aberto e meio desfocado. Está em branco. Nenhuma surpresa. Zed é o único que tem a identificação até agora, e ele e eu não temos o hábito de enviar muitas mensagens um para o outro. O barulho que me acordou deve ter vindo do âmbar mais antigo e pesado. Eu o pego e olho as palavras em sua superfície enquanto elas entram em foco.

Parabéns, você é tia!

Eu pisco. — O quê? — Então eu me sento ereta. — O quê? — Eu pulo da cama e pego minha stylus, que rola da mesa de cabeceira e desaparece debaixo da cama. Depois de mexer debaixo dela para recuperar a stylus e murmurar sobre como isso tudo seria muito mais fácil se eu pudesse apenas ligar via espelho para ele, eu respondo à mensagem de Ryn. Então eu rapidamente tiro o meu pijama e coloco algumas roupas. Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo e corro para a sala de banho para escovar os dentes. Quando volto, há outra mensagem de Ryn. Deslizo meu âmbar no bolso de trás e corro para a porta, depois corro de volta porque me esqueci de calçar os sapatos.

Através da porta, eu ouço uma voz familiar. Eu paro no meio de colocar uma meia, só para ter certeza de que ouvi corretamente. Sim, é Chase, falando com Gaius - algo sobre confirmar que os Videntes estão de fato presos no farol. Alívio me inunda. Ele está bem! Ele provavelmente não ficará satisfeito em saber que eu ainda estou aqui, mas podemos ter essa discussão mais tarde. Sapatos colocados, eu pulo e corro para fora do meu quarto. Corro ao longo do corredor e alcanço o topo das escadas enquanto Chase se vira no final e caminha de volta.

— Oi, bom dia, tchau — eu digo enquanto corro passando por ele.

— Oi, espere. Onde você vai?

Eu paro no final e olho para cima. — Creepy Hollow. Vi teve o bebê dela!

— O quê? Isso é impossível. Ela mal está grávida.

— Não, não, ela passou algum tempo em Kaleidos. Tudo bem. Um pouco cedo, mas Ryn diz que Vi e o bebê estão bem.

— Oh, isso é bom. — Quando eu me viro, ele acrescenta, — Espere, podemos apenas — Ele corre para baixo e para ao meu lado. Percebo agora que ele está vestindo o casaco que finalmente devolvi para ele. — Podemos conversar por um momento, ou você precisa ir urgentemente?

— Bem, não, não é urgente. Estou animada para chegar lá, só isso.

— Isso não vai demorar muito. Eu só queria me desculpar por... — Ele se interrompe quando Lumethon sai da sala de estar enquanto manda mensagens em seu âmbar. Ela se dirige para as escadas sem olhar em nossa direção. Chase limpa a garganta. — Eu realmente sinto muito que eu... — A porta da fada se abre e um homem careca que eu tenho quase certeza que é um drakoni passa por ela. Ele tranca a porta com uma chave de ouro, acena para nós e cumprimenta a elfa de cabelos espetados que sai da sala de estar. A mesma elfa que trabalhou como assistente de Chase em sua loja de tatuagem e depois apareceu na ala de cura depois em que eu acordei do meu tormento na Prisão Velazar.

Os dois começam a conversar. Chase suspira, pega meu braço e abre uma das portas que levam para fora do saguão de entrada. Ele me puxa para dentro da sala, que está cheia de móveis antigos, além de aparelhos quebrados e armas semi-construídas que provavelmente começaram a vida no laboratório de Gaius. Chase fecha a porta, deixando um pequeno círculo de luz no teto como a única fonte de iluminação.

— Desculpe — diz ele. — Eu esqueci que esta era a sala de armazenamento.

— Você estava dizendo algo sobre não demorar muito?

— Sim. Desculpe pela outra noite. Eu não deveria ter falado com você tão logo depois que eu acordei. Eu não estava no estado de espírito certo, e tudo parecia um pouco... sem esperança.

— Bem, para ser justa, fui eu quem adormeci no seu quarto. Você não teria que falar comigo se eu não estivesse lá.

— Verdade. — Depois de uma pausa, ele pergunta, — Você se sentou muito ao meu lado enquanto eu estava dormindo?

Eu dou de ombros, grata pela luz escura que esconde o calor subindo para o meu rosto. — Constantemente.

— Bem, obrigada. Meus sonhos eram... horrendos. Foi um grande conforto acordar e descobrir que eu não estava sozinho. E obrigada por jogar meu caderno em mim. Ajudou.

— Eu realmente não joguei em você.

— Você devia ter jogado. Poderia ter feito algum sentido em mim enquanto você ainda estava no quarto, em vez de um dia ou dois depois.

— Bem, você sabe, eu acho que você precisava de um pouco mais de tempo para lembrar que não é um monstro, afinal.

— Sim. Estar fora na luz do dia ajudou também. Ah, e fico feliz em ver que você não me ouviu quando eu lhe disse para ir embora. Eu verifiquei o Farol Brigham, e parece que uma tentativa de resgate será mais suave se tivermos suas ilusões para nos ajudar a entrar e sair.

— Claro. — Com um sorriso, acrescento, — Eu nunca planejei ouvi-lo quando você me disse para ir embora, a propósito.

— Bom. Porque também é... — Ele respira fundo e esfrega a nuca. — Bem, é bom ter você por perto.

— É, hum, bom estar por perto. — Fantástico. Agora meu rosto está definitivamente vermelho.

— De qualquer forma, eu vou deixar você ir agora. — Ele abre a porta, e a luz brilhante que entra é chocante. Sua mão escova meu braço brevemente enquanto ele acrescenta — Por favor, passe minhas felicitações para Vi e Ryn.

Em algum lugar atrás dele, faíscas disparam de um regador e voam pelo ar. Eu me afasto antes que ele perceba.

***

 

Eu me esgueiro para dentro do cubículo na ala de cura onde Vi está na cama com um pequeno embrulho nos braços. Ela olha para mim com olhos brilhantes, e as primeiras palavras de sua boca são — Ela não é a coisa mais linda que você já viu?

Eu consigo conter o meu grito quando eu arremesso meus braços ao redor de Ryn e o aperto com força. — Parabéns, irmão mais velho. — Então eu corro para o lado da cama e olho para o pequeno pacote embrulhado. Eu escovo meu dedo suavemente contra sua bochecha macia. Eu olho para seus cílios minúsculos e sua doce boca botão de rosa. — Ela é perfeita — eu suspiro. — Qual é o nome dela?

— Victoria Rose — diz Ryn, de pé ao meu lado e colocando um braço em volta dos meus ombros.

— Tão bonito — murmuro. — Eles são nomes de família, Vi?

— Rose era o nome da minha mãe — diz ela. — E Victoria... — Um sorriso triste cruza seu rosto. — Ela era minha mentora, mas era como uma família. Ela morreu na Destruição. Eu escutava as pessoas a chamando de Tora, mas seu nome completo era Victoria. Eu não tenho certeza de como vamos acabar chamando essa pequena. Victoria, Tora, Tori...

— Vicky? Vix? — Eu sugiro.

— Bem, ela vai ser Victoria quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — o que provavelmente será frequente, se ela for parecida comigo.

— Victoria Rose — corrige Vi com uma risada. — Seus pais nunca usaram pelo menos dois nomes quando você estava em apuros?

— Então Victoria Rose quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — e talvez Tori o resto do tempo.

— E talvez ela seja Ria para seus amigos — acrescento, — porque isso soa legal e exótico. Qual cor você acha que vai ser a dela?

— É muito cedo para dizer — diz Vi, acariciando o cabelo fino e escuro de Victoria. — Geralmente leva algumas semanas para se estabelecer, não é?

— Sim — diz Ryn. — Mas eu não tenho dúvidas de que ela será tão bonita quanto a mãe, não importa qual seja a sua cor.

Vi balança a cabeça enquanto sorri para ele. — Sempre tentando ser o Sr. Encantador.

— Ei, é verdade — ele diz a ela, seu sorriso combinando com o dela. Então ele se senta na beira da cama e olha para mim. — Desculpe, eu não lhe enviei uma mensagem antes. Não me odeie, mas... ela na verdade nasceu ontem à tarde.

— O quê? — Eu dou a ele o meu melhor olhar de raiva. — E você esperou até esta manhã para me dizer?

— Eu sabia que você viria para cá imediatamente, mas os curandeiros primeiro precisavam verificar se ela era saudável - o que ela é; muita magia forte de fada bombeando através desse minúsculo corpo dela, apesar de sua chegada antecipada - e então todos os visitantes começaram a chegar, e pareceu mais fácil esperar até depois da pressa inicial. Eu sabia que seria mais seguro para você se houvesse menos pessoas indo e vindo.

— E mais seguro para você — acrescento. — Eu definitivamente não quero que você acabe com problemas, o que nós dois sabemos que você estaria se alguém me visse aqui. Falando nisso — acrescento, lançando um olhar sobre o ombro enquanto passos se aproximam da cortina. Eu rapidamente projeto a ilusão de que não estou aqui.

Uma curandeira olha para dentro e diz — Ryn, o seu pai ainda está por aí?

— Não, ele voltou a trabalhar. Está tudo bem?

— Melhor do que bem — ela diz com um sorriso largo. — A esposa dele acabou de acordar.


PARTE 4


Capítulo 30

 

 

Eu permaneço escondida no quarto de Vi mordendo impacientemente minhas unhas enquanto Ryn verifica o que está acontecendo com a mamãe. Ele volta para informar que os curandeiros entrando e saindo de seu quarto continuam o expulsando. Eu ando ao redor, meu cérebro repetindo, Ela está acordada, ela está acordada, ela finalmente está acordada! Os nervos disparam através de mim. Há tanta coisa que tenho que perguntar a ela. Muita coisa que ela precisa explicar.

Papai chega. Eu quero correr para o quarto da mamãe com ele, mas Ryn me segura, me dizendo para dar-lhes um pouco de tempo sozinhos. — Ele precisa explicar todas as coisas que aconteceram enquanto ela dormia. O fato de que nós sabemos sobre ela ser uma Vidente, e como ela foi sequestrada, e então sua expulsão da Guilda. Apenas dê a ela alguns minutos para que as coisas façam sentindo antes que você vá correndo para lá. E enquanto espera, certifique-se de que ainda está focada o suficiente para se esconder. Você não quer estragar tudo agora e acabar em uma cela na detenção no andar de baixo.

— Eu odeio quando você é tão sensato — murmuro.

Ele me dá uma tapinha no ombro. — Eu sei.

Eventualmente, depois da quarta vez em que Ryn desaparece para ver o que está acontecendo, ele volta para me dizer que posso ir até o cubículo da mamãe. Eu espero alguns segundos para ter certeza de que estou me escondendo corretamente. Ryn diz — Perfeito. Você está completamente invisível. Eu vou com você para que eu possa impedir qualquer um que tente entrar enquanto você estiver lá.

Meu coração palpita ansiosamente como asas enquanto passo por todas as cortinas flutuantes em direção onde minha mãe tem dormido nas últimas seis semanas. Ao passarmos entre as cortinas, Ryn passa a mão pelo ar. — Escudo de som — ele murmura.

Eu paro dentro da cortina. Mamãe está sentada, ofuscada pelo enorme pijama do instituto de cura. Seu cabelo fino, loiro e amarelo, está emaranhado, mas alguém fez um esforço para domá-lo desde que ela acordou. — Calla. — Ela sorri e estende a mão para mim. Papai senta em um lado da cama, então corro para o outro lado e seguro sua mão. Minhas palavras saem da minha boca. — Você está bem? Como você está se sentindo? É confuso acordar depois de tanto tempo?

Ela coloca a outra mão sobre a minha. — Eu quase não me sinto diferente do que estaria depois de acordar de um sono normal. Um pouco confusa no começo, mas de outra forma normal. Esse é o sinal de uma poção do sono de alta qualidade — acrescenta ela, abaixando o olhar quando sua expressão se transforma em culpa. Ela balança a cabeça. — Eu sinto muito por ter feito isso com você. Foi à única coisa em que consegui pensar no momento. Eu não podia deixar que ele soubesse o que eu... — Ela se interrompe, então aperta minha mão com força e olha para cima. — É seguro você estar aqui? E se alguém te ver?

— Ryn está perto o suficiente da cortina para interceptar qualquer um que tente entrar. Isso me dará tempo para me esconder. Eu posso fazer isso rapidamente agora. Eu tenho praticado muito ultimamente.

Ela acena. — Eu sei por quê. Eu sinto muito. Você sabe que eu realmente não queria que você fosse uma guardiã, mas nunca quis que isso terminasse assim para você. Nunca.

— Isso não é importante agora. Sim, é uma droga, mas... — Eu afasto a dor que reaparece toda vez que me lembro da minha expulsão. — Estou tão feliz que você esteja acordada. Eu estava realmente com raiva de você no começo, mas depois... — Aperto a mão dela enquanto sinto as lágrimas ameaçando aparecer. — Por que você não me contou, mamãe? Sobre ser uma Vidente. Eu queria ter sabido. Isso teria me ajudado a entender melhor você.

— É... — Ela balança a cabeça e olha para o outro lado. — Não é um presente, é uma maldição. Eu vi tantas coisas horríveis. E é tão desorientador, tão... perturbador. Eu odeio isso. Eu sempre quis me livrar disso. Eu só queria ser normal, então fiz o meu melhor para fingir que era.

— Mas agora que eu sei — eu digo, olhando para as nossas mãos unidas, — você vai explicar tudo? A visão que você teve que fez você fugir, e por que alguém veio atrás de você por causa disso, e por que há dois outros Videntes envolvidos em tudo isso? Por favor?

— Eu vou ter que dizer a Guilda de qualquer maneira — ela diz baixinho, — então eu deveria me acostumar a falar sobre isso. E você merece uma explicação, já que foi sequestrada e quase morta por minha causa. — Quando ela consegue encontrar meus olhos, vejo lágrimas e o enorme peso da responsabilidade em seu olhar.

Eu dou-lhe um sorriso corajoso. — Realmente, não foi tão ruim assim. — Eu não sei o quanto meu pai disse a ela, mas ela não precisa saber o quão horrível foi essa experiência.

— Bom, então — diz ela. — Eu provavelmente deveria começar pelo começo. Eu nasci uma Vidente. Eu odiei minhas visões no momento em que elas começaram. Meus pais entendiam e só queriam que eu fosse feliz, mas estavam cientes de que qualquer faerie respeitável nascida com a capacidade de Ver deveria ser treinada para apoiar o sistema de guardião. Então eles me mandaram para a Guilda Estra.

— Não foi tão ruim assim. Eu tinha amigos. Tamaria e Elayna e eu fazíamos tudo juntas. Perto do final do primeiro ano, estávamos na biblioteca certa tarde quando todas nós três fomos atingidas por uma visão ao mesmo tempo. Diferentes, mas tudo relacionado ao mesmo evento. O bibliotecário chefe estava lá. Amon. Ele nos viu entrar em colapso. Ele deve ter ouvido o que dissemos enquanto estávamos experimentando as visões.

— Quando acordamos, Amon saiu correndo para chamar um de nossos instrutores. Nós três nos sentamos juntas, tremendo e compartilhamos o que tínhamos visto. Nós costumávamos carregar pequenos espelhos de mão conosco para que pudéssemos praticar a transferência de visões se as tivéssemos. Então fizemos isso e assistimos ao horror do nosso futuro. Então, eu disse a Tamaria e Elayna que não poderíamos deixar ninguém na Guilda ver essas visões. Afinal, eram eles que iam fazer com que esse futuro acontecesse.

— Eu não sei se elas concordaram comigo. Eu não sei o que elas planejaram dizer a Guilda. Mas peguei os três pequenos espelhos e fugi. Guardiões vieram à nossa casa, é claro, mas eu me recusei a contar o que vi. Eles tentaram me ameaçar, mas meu pai os fez sair. Quando estávamos sozinhos, mostrei a ele e a minha mãe as três visões. Então ele entendeu. Ele empacotou todas as nossas coisas e fomos embora antes da manhã seguinte.

— Anos depois, ele me revelou que nunca havia destruído esses espelhos. Eu achava que ele era louco por tê-los guardado, mas ele disse, ‘E se esse futuro vier a acontecer um dia, e a única maneira de consertá-lo seja a partir dos fragmentos de informação dentro dessas três visões? Você sempre saberá a sua, mas e se você precisar ser lembrada das outras duas? Não os destrua.’ Eu não queria ouvi-lo, mas tão assustada quanto eu estava, reconheci que ele provavelmente estava certo.

Mamãe tira as mãos das minhas e tira o anel de casamento do dedo. — Eu escondi os espelhos. Eu nunca disse ao seu pai que ainda os tenho. — Ela segura o diamante em cima do anel e o gira. Ela gira até o diamante sair do anel. — Sinto muito, — diz ela, olhando para o papai agora. — Tenho certeza de que você nunca quis que esse anel fosse usado para esse propósito.

— Hum... — Papai olha para as duas partes do anel, parecendo perplexo. — Não.

Mamãe esfrega o dedo em círculos sobre o diamante até ele perder o brilho e sua forma. Ele derrete para revelar três minúsculos discos empilhados uns sobre os outros. Enquanto ela recita um feitiço de aumento, os discos se expandem. Em poucos segundos, três pequenos espelhos redondos – do tipo sem reflexo dos Videntes - estão na palma da mão dela. — Ainda está muito pequeno — diz ela. — Deixe-me torná-los um pouco maiores. — Ela aplica outro feitiço de aumento, em seguida, levanta um dos espelhos para que eu possa ver melhor. — Essa era a visão de Elayna — diz ela, enquanto os passos rápidos de papai o levam ao redor da cama para ficar ao meu lado. Ela toca a superfície do espelho e a primeira das três visões aparece.

Uma lua cheia paira em um céu estrelado. Uma criatura da noite pia, e dois sprites voam através da cena. Sem aviso, um relâmpago irregular divide o céu ao meio, trazendo consigo um som horrível que quebra a quietude da noite. Quando a luz brilhante diminui, vejo uma grande lágrima no tecido do céu. A lágrima cresce mais e, além disso... está um mundo diferente. Um reino diferente. A cena escurece e uma figura sombria aparece. Tudo o que posso ver no rosto dele é a luz verde que brilha em seus olhos. Sua voz calma envia um arrepio através da minha pele, — O véu caiu.

O espelho retorna ao seu estado prateado sem reflexo. — O véu — eu repito suavemente enquanto olho para a superfície em branco. — Significa... aquele entre o nosso reino e o humano?

Silenciosamente, mamãe concorda. Ela pega o segundo espelho. — Foi isso que eu Vi. — Mais uma vez a cena é de um céu noturno, mas no primeiro plano está uma estátua de pedra de um tridente apontando para cima. O tridente parece estar subindo de ondas oceânicas esculpidas em pedra, que por sua vez estão montadas sobre uma ampla base cilíndrica com padrões esculpidos nela. Enquanto observo, um homem caminha até a estátua e sobe facilmente sobre as ondas de pedra. Ele fica ao lado do tridente e envolve uma mão ao redor enquanto ele olha para o céu. Eu não posso ver o detalhe em seu rosto, mas eu posso apenas ver o brilho verde onde seus olhos estão.

Dois homens caminham até a estátua carregando uma mulher entre eles. Eles a colocam em cima das ondas de pedra. Outros dois homens carregam uma segunda mulher e a colocam ao lado da primeira. Elas ainda estão vivas, mas não parecem conscientes. Os quatro homens estão de guarda, dois de cada lado da estátua. Quando eles apontam suas armas para as mulheres, percebo com um choque que esses homens são guardiões. Na visão do espelho, uma bruxa avalia o peso de um machado em suas mãos. Ela acena primeiro para os homens à direita e depois para os homens à esquerda. — Agradecemos às Guildas por sua assistência. Vocês ajudaram a tornar isso possível. — Ela caminha até a estátua, olha para as mulheres e depois para o tridente. O homem segurando ele parece ficar rígido. O tridente brilha. A bruxa fala — Da magia das profundezas à magia das alturas, com sangue de um lado e sangue do outro. Junto com o maior poder que a natureza pode aproveitar, vamos rasgar este véu. — Então, com um grito bárbaro, ela gira o machado no pescoço da primeira mulher. Eu suspiro e coloco a mão sobre a minha boca enquanto o sangue jorra do lado da estátua. A bruxa se move para a segunda mulher. Enquanto ela grita e traz seu machado para baixo novamente, eu aperto minha mão em um punho sobre a minha boca. Então a luz branca brilhante oblitera tudo.

A visão acaba.

— Isso... isso foi horrível — eu sussurro. — E aqueles guardiões apenas observaram.

Mamãe engole. — E isso — diz ela, pegando o terceiro espelho, — foi o que Tamaria Viu. — A visão começa com uma visão do lado de fora de uma torre, mas ela rapidamente se aproxima, passa por uma janela estreita e se concentra embaixo. No piso redondo do túnel há uma massa de corpos se contorcendo. Centenas de pessoas, todas amarradas e gritando. A visão desce, passando por pessoas, concentrando-se em rostos individuais. — Não esse — uma voz diz, e uma pessoa é libertada. — Esse também não. Eu não lhe disse para não usar os especiais? — Um homem é libertado, e então um menino com tatuagens no rosto, uma mulher chorando e uma garota com - cabelo dourado? Meu coração pula para a minha garganta quando a visão se move para cima e para cima, e eu vejo quando uma grande pedra da mesma forma e diâmetro que a parte interna da torre cai com velocidade ofuscante e esmaga a massa de pessoas gritando. Em um flash de luz, tudo fica branco e desaparece.

Eu respiro devagar. — Isso... era eu. Quando criança e aquele homem com os olhos brilhantes. Era Draven?

— Sim — responde Ryn de perto da cortina.

— Então tudo isso deveria acontecer durante o tempo de Draven, mas não aconteceu.

— Não, não aconteceu — mamãe diz. — Algo deve ter mudado. Ou talvez muitas coisas tenham mudado. Mas se Ryn não tivesse resgatado você do Príncipe Unseelie, você poderia ter acabado como todas aquelas pessoas no fundo daquela torre. E se Draven não tivesse sido morto, essa visão poderia se tornar realidade.

— Mas não aconteceu, então que uso essas visões tem para Amon?

Mamãe coloca o espelho na cama. — Acho que ele acredita que isso ainda pode acontecer. Ele provavelmente pensa que se ele puder reunir todos os elementos certos da maneira que eles estão nessa visão, então ele pode derrubar o véu a qualquer momento. Não há nada que indique que estava restrito a esse período específico da história.

— Mas... como ele poderia conseguir todos os elementos certos juntos? Eu suponho que o raio veio de Draven, e ele... bem, ele deveria estar morto.

— Eu não sei — mamãe diz. — Tudo o que sei é que Tamaria apareceu do nada há vários meses. Eu não sei como ela me encontrou. Eu não tive nada a ver com a vida dos Videntes ou a Guilda desde que fui embora. Eu fui para a escola de negócios e depois acabei como bibliotecária em Wilfred porque eu queria algo calmo. Eu pensei que tinha me escondido perfeitamente, mas ela conseguiu me rastrear.

— Ela me contou que um homem se aproximou dela perguntando sobre as visões que nós três tivemos. Um homem que conhecia Amon. Ele queria que ela lhe dissesse exatamente o que ela tinha visto, e ele também queria saber onde ele poderia encontrar Elayna e eu. Ela se recusou a dizer-lhe qualquer coisa e, eventualmente, ele foi embora. Ela procurou por mim porque queria me avisar. Ela acreditava que este homem estava tentando juntar as informações de todas as três visões para que ele pudesse causar a queda do véu.

— Eu disse a ela que ela nunca deveria ter vindo. E se esse homem estivesse a rastreando e agora ele sabia onde me encontrar? De qualquer forma, ela foi embora e eu vivi com medo por várias semanas. Mas nada aconteceu, e eu esqueci disso. Então aquele homem invadiu e lutou contra você, e depois você mencionou o nome Tamaria, e eu sabia. Eu sabia que foi por isso que ele veio, e eu sabia que ele voltaria. É por isso que tivemos que nos mudar. E é por isso que finalmente deixei você se juntar à Guilda. Eu sabia que não estávamos mais seguros. Eu queria que você passasse o máximo de tempo possível longe de casa, e eu queria saber que você poderia se defender adequadamente se estivesse em casa quando ele invadisse novamente. Eu sempre odiei a Guilda, mas tive que deixar isso de lado sabendo que você estaria mais segura lá.

— E no fim, foi exatamente na Guilda onde eles nos sequestraram — eu digo baixinho. — Como é possível — pergunto ao começar a pensar nessas visões, — dois reinos que se sobrepõem subitamente existirem no mesmo espaço, porque a magia não os separa mais? Eles meio que se juntariam? Um destruiria o outro?

— Espero que a gente nunca descubra — mamãe diz. — Mas você entende agora porque eu não queria que a Guilda soubesse o que eu vi? Eles ajudaram com tudo o que você viu nessas visões. E apesar de muitos guardiões tentarem impedir que isso se tornasse realidade se eu compartilhasse a visão com eles, eu não queria nem mesmo colocar a ideia na cabeça de alguém, caso isso tenha causado a coisa toda.

Eu inclino meu quadril contra a cama. — Você acha que isso funciona às vezes? O ato de tentar impedir algo é o que faz com que isso aconteça?

— Sim. Talvez eu esteja errada, mas acho que sim.

— Eu me pergunto se tudo isso é possível, — papai diz, franzindo a testa enquanto olha para os espelhos, — alguém realmente fazer essas visões se tornarem realidade. As consequências seriam indescritíveis.

Eu repasso os detalhes da visão horrível da mamãe novamente. Uma torre, uma bruxa, um machado, alguém deste reino, alguém do mundo humano, um feitiço que provavelmente não é muito difícil para qualquer bruxa descobrir, uma estátua com tridente e um poderoso relâmpago produzido pelo sujeito que por acaso não está morto.

Sim. Alguém poderia definitivamente fazer isso acontecer.

— Nos disseram que podemos levar Victoria para casa — diz Ryn, voltando para o cubículo. Eu não percebi que ele tinha ido embora. — Cal, você provavelmente não deveria ficar por muito mais tempo, a menos que você permaneça escondida. Você nunca sabe quando um curandeiro pode entrar aqui.

— Eu sei. Você está certo. — Eu pego a mão da mamãe novamente. — Desculpe, não posso ficar.

— Tudo bem, eu entendo. Eu não quero que você tenha que projetar uma ilusão o tempo todo e, em então, acidentalmente escorregar porque está cansada. Além disso, — acrescenta ela com um gemido, — Eu tenho certeza de que há vários guardiões esperando para me interrogar sobre a visão que me recusei a mostrar há tanto tempo atrás.

Preocupação aperta minhas entranhas. — Apenas perguntas? Ou será algo pior?

— Eu não sei. Mas não sou mais uma criança, então eu provavelmente deveria parar de me esconder. — Ela respira fundo, um pouco trêmula. — Quaisquer que sejam as consequências por fugir da Guilda durante todos esses anos, eu vou enfrentá-las agora. — Ela tenta dar um sorriso e acrescenta, — Espero que um dia eu possa ser tão corajosa quanto minha linda filha.

— Mãe... — Minha garganta aperta e lágrimas não derramadas doem por trás dos meus olhos.

— Tudo bem, basta — papai diz. — Vamos ser positivos. Tudo vai ficar bem. Logo você estará em casa — ele diz para a mamãe, — e você poderá admirar a redecoração bagunçada que Calla fez no quarto de hóspedes.

— Ei, esse foi um dos meus melhores trabalhos, — eu protesto, permitindo que um sorriso mascare minha preocupação. Mamãe ri, mas eu posso dizer que está meio indiferente.

Eu me despeço dos dois. Então eu me lembro de ser tão corajosa quanto mamãe pensa que sou quando desço as escadas e saio da Guilda. Chase e eu temos trabalho a fazer se vamos impedir Amon de transformar essas visões horríveis em realidade.


Capítulo 31

 

 

— Minha mãe acordou! — Eu digo enquanto corro para o escritório onde Gaius e Chase estão curvados sobre um mapa.

Os dois olham para cima. — Isso é maravilhoso, — diz Gaius.

— Ela me mostrou sua visão. E as outras duas visões também. Das duas Videntes que estão supostamente naquele farol na cidade de Kagan.

— Espere, espera aí. — Chase levanta as mãos. — Você está falando sério? Você viu todas essas três visões que Amon está procurando?

— Sim. E agora você está prestes a vê-las. — Eu me viro e me concentro no espaço acima do centro da sala. — Eu gostaria de não ter que assistir isso de novo, mas aqui vai. — Eu projeto minha memória das três visões no ar. Quero desviar os olhos dos detalhes horríveis, mas não acho que funcionaria. Então meus olhos ficam atentos para tudo: a divisão no céu, as mulheres decapitadas, os corpos se contorcendo prestes a serem esmagados. Quando termino, nós três ficamos em silêncio. Uma vagem de asa de dragão se fecha em torno de um inseto. Chase esfrega a mão na testa.

— É um pouco assustador saber que eu poderia ter feito isso acontecer, — diz ele eventualmente. Ele limpa a garganta. — Mas agora finalmente sabemos o que estamos tentando impedir.

— Eu sei que isso é pedir muito — diz Gaius, — mas você poderia nos mostrar de novo?

Então eu faço. Quando termino pela segunda vez, Chase aperta os olhos para o espaço vazio e murmura, — Angelica sabe.

— Sabe o que? — Eu pergunto. — Que minha mãe acordou?

— Eu não sei. Talvez tenha sido outra coisa, mas quando falei com ela há pouco tempo, senti uma espécie de excitação nela.

— Mas como? Mesmo que haja curandeiros na Guilda que estão na verdade trabalhando para Amon ou Angelica, eles teriam que ir à Prisão de Velazar para passar a mensagem. Levaria algumas horas pelo menos. E ela não pode saber que falamos sobre a visão da mamãe. Ninguém mais estava lá para ver, e Ryn colocou um escudo de som em torno de nós.

Chase anda ao redor da sala, batendo em várias plantas penduradas em seu caminho. — Eu não sei. Ela está feliz com alguma coisa e isso não é bom para nós. Precisamos parar isso antes mesmo de começar.

— Espere — eu digo. — Apenas espere. É realmente possível? Você acha que Amon poderia forçá-lo a fornecer aquele raio de energia?

— Eu não planejo deixá-lo fazer qualquer coisa do tipo, mas eu não descartaria que ele encontrasse outra fonte de poder.

— Como o quê?

Chase olha para Gaius. — Boa pergunta.

Gaius coça o queixo. — Por que todas essas pessoas tiveram que ser esmagadas?

— Outra boa pergunta — diz Chase. — E eu sei o que você está pensando. Foi esse o poder que foi selado?

— Do que vocês estão falando? — Eu pergunto a eles.

— Não é importante agora — diz Chase. — Vamos começar pelo simples. Aquela estátua. Se a destruíssemos, isso impediria que isso acontecesse ou alguma estátua de pedra poderia tomar seu lugar?

— Você pode estar no caminho certo — diz Gaius. — Isso não é apenas uma estátua. Eu definitivamente já vi isso antes. É... oh, eu sei. Hum. Oh! — Ele estala os dedos. — O Monumento ao Primeiro Rei Mer.

— ‘Da magia das profundezas,’ — eu recito. — Então esse monumento tem algum tipo de poder?

— Eu acredito que sim. Está como guarda sobre a entrada do Reino Mer.

— Então eu estou supondo que os sereianos não aceitariam muito gentilmente que nós o destruíssemos — eu digo.

— Podemos organizar algum tipo de proteção extra em torno dele, enquanto informamos o Rei Mer da ameaça — diz Chase.

— Tudo bem. Então, para onde exatamente estamos indo?

— Hum... — Gaius estala os dedos mais algumas vezes e olha para Chase. — Está em algum rio subterrâneo, não é? Na foz, onde o rio encontra o oceano?

— Não olhe para mim — diz Chase. — Eu não estudei neste reino.

— Não teria ajudado se você tivesse estudado, — eu digo. — Aprendemos tudo sobre as Cortes Seelie e Unseelie, mas quase nada sobre a realeza menor. Eu nunca vi esse monumento antes.

— Tenho certeza de que posso encontrá-lo — diz Gaius, indo até a prateleira mais próxima e examinando as lombadas dos livros. — Só me dê meia hora.

Chase suspira. — A Internet seria tão útil agora. — Ele olha para o outro lado da sala para o relógio cuco, que nos mostra que é quase meio-dia. — Tudo bem, eu estou convocando uma reunião. Podemos enviar duas pessoas para a missão de resgate das Videntes, e o resto de nós pode lidar com esse monumento do Rei Mer. Se Angelica souber de alguma forma o que está acontecendo, eu não quero que nenhuma das pessoas que trabalha para ela chegue primeiro. Vejo você lá embaixo em uma hora, Gaius.

— Mm hmm, — diz Gaius distraidamente, puxando um livro da prateleira.

Chase acena em direção à porta, indicando que eu deveria andar com ele. — Você está dentro? — Pergunta ele, uma vez que estamos fora do escritório. — Você pode voltar para suas inscrições na escola de arte e planos de identidade falsa quando terminarmos.

— Claro que estou — digo-lhe quando o mesmo tipo de antecipação animada que sinto no início de cada missão se agita dentro de mim. — Eu não deixaria você me deixar de fora, mesmo que você quisesse.

 

***

 

Uma hora depois, me encontro na área da montanha que eu não tenho permissão para explorar ainda. A área onde todos os outros que entram neste lugar parecem desaparecer. A única vez que estive aqui foi quando Chase se ofereceu para me mostrar as gárgulas, e essa visita não durou muito tempo.

Eu ando com Chase ao longo de um corredor largo, passando por salas que estou intensamente curiosa para saber mais. Eu ouço vozes quando nos aproximamos de uma porta entreaberta. Incapaz de conter meu entusiasmo, encontro as palavras — Isso é tão excitante — passando pelo ar adulto que estou tentando retratar.

Em vez de olhar para mim como se eu fosse uma criança cansativa, Chase sorri. — Imagine se você pudesse fazer isso todos os dias. — Então ele abre a porta completamente e gesticula para eu andar na frente dele. Eu entro na sala e encontro cinco pessoas sentadas em volta de uma mesa oval. Eu conheço Gaius e Lumethon, e eu conheci a garota elfa quando ela estava posando como assistente de Chase no Wickedly Inked. O homem careca drakoni é o que eu vi antes de Chase me puxar para o depósito. Agora que o vejo de perto, percebo que ele também esteve no Wickedly Inked no dia em que fui lá encontrar Chase. A única pessoa desconhecida é o cara faerie que cruza os braços e franze a testa para mim.

— Obrigado por vir, pessoal — Chase diz quando ele se senta em uma extremidade da mesa. Eu escorrego na cadeira à sua esquerda. — Sei que geralmente lhes dou um pouco mais de tempo, por isso peço desculpas por isso, mas finalmente sabemos o que nossos presos favoritos de Velazar estão fazendo, e precisamos intervir rapidamente.

— Hum, apresentações primeiro. Calla, você já conhece Gaius e Lumethon. Essa é Ana — ele gesticula para a elfa ? Kobe ? o drakoni e Darius. Todo mundo, essa é Calla. Ela sabe tudo sobre a situação Amon-Angelica. Tudo bem, então... — Chase estende a mão através da mesa e puxa um dos mapas de Gaius em direção a ele.

— Cara — diz Darius — você não pode simplesmente trazer uma garota aleatória para o círculo. Nós lidamos com coisas altamente confidenciais aqui.

Chase olha para cima com uma carranca. — Ela não é uma garota aleatória.

— Bem. Você não pode simplesmente trazer sua namorada para isso.

— Eu não sou namorada dele — eu digo imediatamente.

— Tanto faz. — Darius vira seu olhar azul escuro para mim. — Ana viu vocês entrarem no depósito juntos.

Eu cruzo meus braços. — Nós estávamos tendo uma conversa particular.

Darius bufa. — É assim que eles chamam hoje em dia?

Minha pele fica quente, e eu coro para parar antes de chegar ao meu rosto. — Você é realmente muito rude, você sabia disso?

Darius sorri. — Então, como eu disse. E eu não estou julgando, a propósito. Todos nós achamos que é hora de Chase ter algum...

— Olha, Darius pode ser rude — Ana interrompe, — mas ele também tem um ponto. Ela não faz parte da equipe, Chase.

— Sim, eu so — eu digo antes que possa parar para pensar sobre as palavras. Quando saem, percebo que estou falando sério. Claro que eu quero dizer elas. Por que eu iria querer a escola de arte quando eu poderia ter isso? Fazer parte de uma equipe, fazer planos, lutar contra vilões, destruir tramas perigosas e salvar vidas. É tudo que eu sempre quis.

Eu percebo que todo mundo está olhando para mim, incluindo Chase. Eu limpo minha garganta. — Eu faço parte da equipe. Chase concedeu o convite, e eu aceitei. — Eu mantenho meu olhar desviando dele, no entanto, porque eu não tenho certeza se ele realmente concedeu o convite. Foi Gaius quem sugeriu que eu ficasse por perto e trabalhasse com ele, não é?

Em vez de me contradizer, no entanto, Chase diz — Sim, desculpe, eu deveria ter avisado sobre isso. — Eu sinto uma mudança em sua voz. — Calla é o mais novo membro da nossa equipe.

Darius se inclina para trás em sua cadeira, ainda me observando. — Bom, então. Como todos nós temos nossas áreas de especialização, o que exatamente você pretende adicionar a essa equipe, Calla... além de um rosto bonito?

Eu pisco para ele. Um segundo depois, uma manticora cai do ar e bate na mesa. Gritos e suspiros enchem a sala enquanto a manticora se equilibra sobre pés de leão com garras e abre a boca para emitir um rugido desumano. Darius sai do caminho e cai da cadeira quando o ferrão da manticora dispara para frente para atacá-lo. Ele joga as mãos para liberar magia...

E a ilusão some.

Respiração pesada é o único som na sala. Eu me inclino para trás na minha cadeira e cruzo uma perna sobre a outra. — Eu acho que minha utilidade se estende além de um rosto bonito.

Darius lentamente vira seu olhar horrorizado para mim. Então ele começa a rir. Ele aponta para o ar vazio, olha para Chase e diz — Você poderia ter começado com essa informação.

Chase, o único que não se assustou com a visão da manticora, diz — Eu não tinha certeza se tínhamos tempo para demonstrações dramáticas, mas agora vejo que era necessário. De qualquer forma, vamos voltar para a parte onde Amon e Angelica planejam derrubar o véu que separa o reino fae do humano.

A atenção de todos volta para Chase.

— O quê? — Darius exige, retornando rapidamente à sua cadeira.

— Você está brincando — diz Ana. — Certamente isso não é possível.

— De acordo com três visões separadas, é. Calla viu todas elas. Infelizmente, Angelica também.

Eu respiro fundo. — Você tem certeza?

— Sim. Eu não sei como, mas ela sabe. Talvez alguém com ilusões ou um dom da invisibilidade estivesse escondido no quarto da sua mãe enquanto ela lhe mostrava as visões. — Chase remove o anel de telepatia do bolso e o coloca na mesa à sua frente. — Eu falei com ela agora mesmo. Ela me disse que recebeu a notícia de que o terceiro Vidente, aquele que foi resgatado, revelou sem saber sua visão. Angelica então disse que se eu ainda quiser fazer parte do plano dela, eu preciso encontrar um de seus lacaios no Monumento ao Primeiro Rei Mer hoje à noite para que eu possa ajudá-lo a roubá-lo.

— Eu suponho que seja um detalhe da visão — pergunta Lumethon.

— Sim.

— Então Angelica ainda confia em você — diz Gaius. — Isso é bom.

— Sim. Então, precisamos chegar primeiro, garantir que o monumento fique seguro, e então pedir uma audiência com o rei dos sereianos para que possamos convencê-lo de que seria do interesse de todo o mundo fae que ele ordenasse que seu monumento fosse destruído.

— Ótimo — diz Darius, colocando as mãos atrás da cabeça. — Eu amo uma missão fácil na tarde de terça-feira.

— Você não vai — Chase diz a ele.

— O quê?

— Você e Lumethon vão resgatar as outras duas Videntes. Se Angelica e Amon acham que têm toda a informação de que necessitam agora, então que razão eles têm para manter vivas as Videntes? Já que não gostamos de deixar as pessoas morrerem, vocês dois cuidarão disso. — Ele desliza um mapa sobre a mesa para Darius. — Confirmei que elas estão no farol — diz ele, tocando em uma área do mapa antes de se inclinar para trás.

Resmungando baixinho, Darius pega o mapa e se aproxima de Lumethon para que possam examiná-lo juntos.

— Gaius, você descobriu onde está o monumento? — Chase pergunta.

— Sim. É na foz do Rio Wishbone, mais abaixo, onde a água doce se junta à corrente do oceano. — Gaius vira um livro aberto e o empurra para Chase, para que ele possa ver a ilustração na página. — É um sistema de rios subterrâneos paralelos, um em cima do outro. Como os rios são considerados parte do território dos sereianos, eles são inacessíveis a partir dos caminhos das fadas. A única maneira de chegar ao fundo é descer pelos redemoinhos encantados de um rio para o outro. Os redemoinhos se formam em lugares diferentes em cada rio, mas a ideia parece ser bastante simples. Você deixa a corrente levá-lo até que um redemoinho o sugue. Você cai no próximo rio e repete o processo até chegar ao fundo.

A explicação de Gaius é recebida com silêncio. Então Chase diz — Bem, eu não posso dizer que já viajei assim antes, mas suponho que isso seja totalmente normal para um sereiano.

— Provavelmente — Gaius responde. — Quando você chega ao rio mais baixo, deixa que ele o leve até que o sistema de cavernas termine. Nesse momento, você está realmente abaixo do fundo do oceano. — Gaius aponta para uma parte da ilustração. — Se você deixar o rio te levar para mais longe, você vai acabar no oceano no reino dos sereianos. Você não precisa ir tão longe, no entanto. Na última caverna é onde você encontrará este monumento. E há guerreiros ou guardas ou o que eles chamam de nadadores nessa área, então você pode falar com eles sobre ver o rei.

— E como exatamente saímos? — Pergunta Ana.

— Ah, sim, eu vi algo sobre isso. — Gaius puxa o livro de volta e o folheia. — Algo sobre um portal... — Ele vira outra página. — Sim, aqui está. No final do último rio, pouco antes de entrar no mar, um pouco abaixo à direita, onde ficam estas rochas. Existe um redemoinho permanente que é na verdade um portal. Você pula dentro dele e acaba no rio de cima novamente, que está aberto para o ar, então você pode facilmente sair e abrir um portal para os caminhos das fadas.

— Parece divertido — eu digo, puxando o livro para mais perto para que eu possa dar outra olhada nos desenhos. Os sistemas de cavernas parecem bastante grandes, então não tenho que me preocupar com espaços confinados sendo um problema. E enquanto a ideia de ser sugada para dentro de um redemoinho parece um pouco assustadora, não pode ser tão ruim se os sereianos fazem o tempo todo.

— Kobe, Ana, Calla, — diz Chase. — Vocês sabem nadar, certo?

Nós três concordamos.

— Então vamos seguir nosso caminho. — Enquanto nós cinco levantamos e colocamos as cadeiras no lugar e ajudamos a juntar livros e mapas, Chase abaixa a voz para que só eu possa ouvir. — Eu sabia que você ficaria. — Seu olhar está focado no mapa que ele está dobrando, mas eu posso ver seus lábios puxados para um lado.

Eu me lembro de Ryn me perguntando se era a Guilda que eu tanto queria, ou o que a Guilda representa. Eu sorrio para mim mesma quando respondo — Eu acho que eu também.


Capítulo 32

 

Nós escolhemos nosso caminho através dos emaranhados arbustos crescendo na margem do rio mais alto do Rio Wishbone, enquanto o sol se aproxima do horizonte. — Sua equipe é... interessante — eu digo para Chase, mantendo minha voz baixa para que Ana e Kobe, caminhando um pouco atrás de nós, não ouçam.

— É sua equipe também agora — diz Chase. — A menos que você tenha mudado de ideia. Você não passou pelo ritual de sangue de iniciação, então, tecnicamente, você ainda não está ligada a nós.

Meus passos ficam lentos quando eu franzo a testa para ele. — Ritual de sangue?

Seu rosto sério se abre em um sorriso. — Estou brincando.

— Droga. — Eu consigo me impedir de sorrir. — Aqui eu estava ansiosa para derramar meu sangue como forma de demonstrar meu compromisso.

— Se é assim que você gostaria de provar seu compromisso, não tenho dúvidas de que você logo terá a chance. — Sua expressão fica séria e seus olhos encontram os meus quando paramos de andar. — Isto não é exatamente um jogo seguro que estamos jogando.

— Nunca é quando as vidas das pessoas estão em jogo.

Ele olha para a água. — Esta é uma vida perigosa que você escolheu, Calla.

Eu coloco minhas mãos em meus quadris, pronta para brigar com ele, se ele quiser ser superprotetor, como Ryn é. — Assim é a vida de um guardião, e fiquei feliz em escolher aquela. Eu nunca quis trilhar o caminho seguro.

— Eu sei. Eu nunca sonharia em dizer que você não pode escolher esta vida porque é muito perigosa. Suas escolhas são suas. Eu só queria te lembrar de ter cuidado. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você.

— Chase. — Eu coloco minha mão em seu braço para que ele olhe para mim. Então ele vai saber o quão séria eu estou. — Eu não tenho certeza se você está ciente disso, então me deixe dizer para você. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você. Nós dois precisamos ter cuidado.

Parece que ele quer dizer alguma coisa, mas Ana e Kobe nos alcançam. — É aqui que entramos? — Kobe pergunta.

Eu tiro a mão do braço de Chase, feliz por ter conseguido evitar a emissão espontânea de magia que poderia derrubar uma árvore ou atear fogo em suas roupas ou lançar uma onda da água do rio sobre nós. Teria sido estranho ter que explicar. Eu esfrego minha mão na parte de trás do meu pescoço enquanto Chase diz, — Sim. Aquela rocha é o marcador. — Ele aponta para trás de nós para uma rocha suave e oval com marcas sobre ela, que se ergue entre os arbustos. — Os redemoinhos aparecem daqui em diante.

Nós deslizamos pela parte barrenta da margem e entramos na água, que é fria o suficiente para causar um arrepio na minha pele. Existem inúmeros feitiços que eu poderia usar agora - roupas impermeáveis, aquecer a água ao meu redor, uma bolha de ar ao redor do meu corpo inteiro - mas eu prefiro conservar minha energia. Isto é apenas o começo da nossa missão, afinal.

Nós caminhamos até onde não é mais raso o suficiente para ficar de pé e deixamos a corrente nos puxar. — Então agora esperamos que um redemoinho apareça e nos sugue? — Pergunta Ana.

— Esse é o plano — diz Chase.

— E se isso não acontecer? — Eu pergunto. — Há uma cachoeira em algum ponto ao longo deste rio antes de encontrar o oceano?

— Sim, mas os diagramas mostraram numerosos redemoinhos aparecendo antes disso.

— E se esses remoinhos só aparecerem para os sereianos? — Ana diz. — Só vamos descobrir quando chegarmos à cachoeira. Eu não tenho o tipo de magia que você tem, e eu particularmente não quero acabar sendo esmagada nas rochas no fundo de uma cachoeira.

— Ana — diz Chase. — Eu já deixei você cair em uma cachoeira antes?

— Bem, não, mas eu nunca...

— Exatamente. Você não tem nada com o que se preocupar.

— Mulheres — resmunga Kobe. — Sempre se preocupando.

Ana nada para o lado na água até estar perto o suficiente de Kobe para dar um soco no braço dele.

Começo a pensar em qual magia eu vou usar se acabarmos na beira de uma cachoeira, mas eu mal consigo fazer um plano quando de repente eu me sinto sendo puxada para o lado pela água.

— É isso! — Chase grita.

— Oh, merda, oh merda — eu arquejo quando nós somos puxados violentamente pela corrente do turbilhão do redemoinho e eu fico abruptamente consciente de como isso é uma má ideia.

— Pare, pare, pare! — Ana grita. — Eu não quero mais fazer isso!

— Apenas vá — grita Chase.

O redemoinho se forma rapidamente, criando um buraco no centro maior do que eu imaginava. Eu luto contra o desejo em pânico de me lançar magicamente para fora da água e, em vez disso, me deixo ser puxada para o vórtice. Eu giro ao redor e ao redor e para baixo, completamente fora de controle, a corrente terrivelmente forte, minha claustrofobia gritando para mim que estou sendo sugada para um buraco sem ar, e então...

Estou caindo.

Um segundo depois, mergulho em um rio mais frio do que o que eu acabei de deixar. Eu nado para cima em meio ao fluxo de bolhas, de novo e de novo, até que minha cabeça finalmente quebra a superfície da água. Eu respiro junto com um alívio intenso. Eu não sei por que eu não considerei o quão aterrorizante isso seria antes de realmente começar, mas provavelmente foi uma coisa boa eu não pensar sobre isso.

Eu nado em direção a Chase e Kobe, assim quando Ana aparece. Eu olho em volta enquanto nado, observando a beleza da vasta caverna subterrânea por onde o rio flui. O teto e as paredes estão cobertos de manchas de uma luz púrpura, enchendo a área com um brilho roxo. A rocha em si é escura, e eu quase posso imaginar que estou olhando para um céu noturno.

— Isso foi horrível — diz Ana depois de vários arquejos. Seu cabelo curto e escuro, normalmente espetado em todas as direções, está plano ao redor do seu rosto. — Por quantos rios temos que passar antes de chegarmos ao fundo?

Isso é exatamente o que eu estava tentando não pensar.

— Mais quatro — diz Chase, enquanto a corrente nos puxa suavemente. — Mas foi tão ruim assim?

— Foi bastante assustador — eu admito, principalmente para que Ana não pense que ela é a única que estava com medo. Com base nas poucas interações que tivemos, ela não parece gostar muito de mim. Como vamos nos ver muito mais agora, eu gostaria de mudar isso.

— Desculpe, mas acho que você não pode sair sem primeiro ir até o fundo, — diz Chase.

— Eu não quero ir embora — diz Ana. — Eu me comprometi com essa missão. Só estou te avisando que provavelmente vou gritar em todas as descidas que... Tuuudo bem, aqui vamos nós de novo.

Sem nenhum aviso, a corrente suave de repente gira em torno de um círculo girando, nos levando com ela. Mesmo que eu diga a mim mesma repetidamente que isso não vai me matar, ainda é terrível ser sugada de um lado para o outro em um círculo cada vez menor até que a queda súbita venha. A caverna em que caímos desta vez é verde. Não há manchas de luz, mas um brilho verde nas paredes da caverna que reflete na água. Também é mais quente que as duas primeiras, e estou agradecida. Kobe e Ana surgem mais à frente. Chase e eu nos juntamos à corrente atrás deles, flutuando sobre nossas costas e olhando para as paredes brilhantes enquanto a água puxa nossos pés primeiro.

— Alguém quer apostar qual será a cor do próximo rio? — Chase grita.

— Podemos simplesmente apostar que todos vamos chegar ao fundo vivos? — O grito de resposta de Ana chega.

— Então isso é um não? — Chase pergunta.

— Nãooooonãonãonão! — Ana grita, o que provavelmente significa que outro redemoinho começou. Eu ainda não sinto nenhum puxão na água, no entanto. Eu abaixo minhas pernas e corpo abaixo da superfície para que eu possa olhar para frente.

— Vamos lá — diz Chase para mim, arrastando pela água com braçadas fortes. — Não quer perder a viagem, não é?

Ana e Kobe desaparecem no vórtice enquanto Chase e eu nadamos em direção a ele. A corrente do redemoinho nos pega - e então a água diminui e o buraco se fecha e, em segundos, a água espirrando se torna uma corrente suave mais uma vez. — Merda — eu murmuro. — Isso não aconteceu.

— Está bem. Haverá outro — diz Chase. — Vamos continuar.

Continuamos flutuando rio abaixo, a corrente um pouco mais rápida agora do que era antes. Chase está observando o teto passar novamente, mas eu mantenho meus olhos fixos firmemente à frente desta vez. Parece que a caverna termina abruptamente à frente, mas isso não pode estar certo. Eu olho através do brilho verde e percebo que a caverna não acaba - mas se torna extremamente estreita, forçando o rio a fluir através de três aberturas que são nada mais do que rachaduras na parede de pedra.

— Oh, não. — Eu começo a nadar contra a corrente. — Não, não, não. Eu não vou passar por aí. — Eu posso lidar com os redemoinhos porque eles acabam tão rápido que eu mal tenho tempo para entrar em pânico, mas não isso. Não essas fendas escuras na parede.

Chase flutua passando por mim quando eu me viro. — Ei, tudo bem — diz ele. — Gaius verificou todo o percurso. Ele disse que não há nenhuma parte no rio que seja estreito demais que não dê para passar.

— Não vai acontecer. — Eu começo a nadar na outra direção, puxando a água com tanta força quanto eu tenho.

— Calla, não há outro lugar para você ir — diz Chase de algum lugar atrás de mim.

— Eu não me importo. Eu não posso fazer isso. — Minha voz soa um pouquinho em pânico enquanto eu luto contra a correnteza.

— O que você quer dizer com você não pode... — Ele para enquanto eu continuo batendo na água e chegando a lugar nenhum. — Você está brincando? — Pergunta ele. — Claustrofobia? Esse é o seu problema?

— Sim! E eu não vou...

— Apenas relaxe e flutue.

— Eu não consigo relaxar! — Espere, eu posso usar magia. Acrescentar força aos meus golpes – vou nadar para trás até nós cairmos - esperar pelo próximo...

— Pare — diz Chase, nadando para perto de mim e pegando meu braço. — Apenas flutue, ok?

— Eu não posso simplesmente...

Ele agarra minhas duas mãos. — Por que você não flutua de costas, e assim você não vai ver...

— Não! — Eu não sei por que, mas será ainda pior se eu não puder ver para onde estou indo.

— Está bem, está bem. Eu vou para trás e você só olha para mim, não para as paredes.

Balanço a cabeça furiosamente enquanto observo o rio se estreitando e os três buracos se aproximando. Estamos indo para o meio e não há como pararmos agora.

— Ei, você nunca me contou sobre o bebê de Vi e Ryn.

— O quê? Isso é... não... — O buraco horrível na parede fica cada vez mais próximo.

— É uma menina ou um menino?

— Hum... uma menina.

— Ei, olhe para mim — instrui Chase. — Qual é o nome dela?

— Victoria. — O nome sai em uma corrida de ar quando a água nos leva para o buraco. Eu me forço a olhar para Chase, mas as paredes verdes cintilantes estão bem ali. — Nós vamos ser esmagados, vamos ser esmagados, vamos ser esmaaaaagados! — Minha voz aumenta para um grito e fecho meus olhos com força enquanto a correnteza aumenta. Nós somos atirados para o ar e perdemos a mão um do outro. Abro os olhos a tempo de ver a continuação do rio verde antes de mergulhar sob sua superfície.

Eu luto através das bolhas até encontrar ar e uma enorme caverna e espaço, espaço e espaço. — Eu consegui — eu arquejo enquanto me afasto das três cachoeiras. — Eu não fui esmagada. Eu não fui amassada. Oh, o espaço é tão incrível. — Eu olho em volta e encontro Chase por perto.

— Então, deixe-me ver se entendi — ele diz enquanto eu nado em direção a ele, sua voz mal dando para escutar acima da água trovejante atrás de mim. — Você tem a imaginação mais poderosa que eu já conheci, mas você não pode imaginar sair de um pequeno espaço?

— É... só... não funciona assim. — Esta parte do rio quase não está de movendo, então sem uma correnteza para nos carregar, continuamos nadando para longe das cachoeiras.

— Mas tudo que você tem a fazer é imaginar, certo? — Chase diz. — Então é isso que você vai ver.

— Não quando estou enlouquecendo! Eu não posso me concentrar quando estou em pânico.

— Então você tem que decidir não entrar em pânico.

— Não é tão simples assim. Você não sabe o que é...

A água entra em erupção entre nós, nos jogando no meio de dois redemoinhos separados. — Vejo você no próximo rio — grita Chase quando me sinto sendo arrastada irresistivelmente para o vórtice. Este fica mais largo e profundo do que os outros, me arremessando até que eu mal posso respirar antes de finalmente me deixar cair no próximo rio. Estou tão desorientada que não sei qual é o caminho para cima. Enquanto fico sem ar, tento formar uma bolha no nariz e na boca. Então me sinto levantando devagar e dirijo minhas mãos para debaixo de mim. Com um jorro de energia, eu me atiro para a superfície.

Ar delicioso enche meus pulmões enquanto caminho pela água e olho em volta. Eu estou em uma caverna vermelha com uma parede lisa de um lado e uma coleção de pedras do outro. A luz vermelha parece vir de algum lugar abaixo de mim. Do leito do rio, provavelmente. Eu me viro na água, procurando por Chase, mas não o vejo. Eu também não vejo Kobe ou Ana, então assumo que significa que o próximo remoinho já os levou.

— Chase? — A correnteza quer me afastar, mas eu não vou a lugar algum sem ele. Eu nado contra a água até chegar ao lado rochoso do rio, então tenho algo para me segurar. — Chase! — Eu chamo de novo. Ele já deveria ter chegado. Tentando vencer meu pânico, eu bato na água com as palmas das mãos e grito, — Onde você está?

— Ei, acalme-se, estou aqui. — Eu me viro e o vejo molhado e subindo em uma das rochas ao lado da água. — Desculpe, eu fui levado para baixo depois que caí e levei um tempo para voltar. — Ele volta para a água e nada em minha direção. — Você não estava seriamente em pânico por estar sozinha aqui, não é?

— Não, seu idiota. — Eu espirro água nele. — Eu estava com medo de você estar morto.

Ele espirra água de volta em mim, embora não tão forte. — Não se preocupe, vai precisar muito mais do que uma cachoeira subterrânea para acabar comigo. Nem mesmo um morioraith pode terminar o trabalho.

— Sim, bem, isso poderia ter terminado de forma diferente se eu não tivesse colocado minha própria confusão de lado por você enquanto eu batia pedaços de metal que eu alonguei magicamente como alguém em um transe enlouquecido.

Ele para de caminhar na água e envolve um braço em volta da rocha que eu estou me segurando. — Foi isso que aconteceu antes de Lumethon chegar lá?

— Sim. — Eu olho para longe, envergonhada agora que eu compartilhei os detalhes dessa experiência. — Eu admito que não foi o meu resgate mais heroico, mas funcionou.

— Heroico ou não, eu sou muito grato. Acho que nunca te agradeci depois que acordei.

— Não. — Eu me concentro na água vermelha passando entre nós. — Eu acho que você acabou me dizendo que você era um monstro e que eu deveria ir embora. Ah, e você se desculpou. E eu me desculpei. Houve muitas desculpas acontecendo. — Eu adiciono um sorriso quando olho para ele, então ele vai saber que não precisamos fazer disso uma conversa séria e pesada. Percebo, então, que seus olhos estão castanhos, em vez do cinza-verde de suas lentes de contato. Estou prestes a comentar quando um redemoinho aparece não muito longe de nós. — Rápido — eu digo, mergulhando em direção a ele.

Este é mais rápido que o anterior, me jogando para baixo antes que eu possa ter a chance de ficar tonta demais. Uma fração de segundo antes de atingir o próximo rio, meu corpo para, como se estivesse suspenso no ar por uma corda invisível. Então eu pulo a distância final. Levantando-me, percebo por que. A água - mais quente que qualquer um dos rios até agora - é rasa, chegando logo acima da minha cintura. Cair nesta água de uma grande altura não terminaria bem.

— Isso é incrível — diz Chase, olhando em volta enquanto se levanta.

Eu tenho que concordar com ele. A água parece ouro líquido ou tinta dourada. Mas quando a pego e deixo escorrer entre meus dedos, deixa minhas mãos limpas, então talvez seja apenas um reflexo das paredes da caverna de ouro. — Lindo — murmuro, — e muito, muito quente. — Tão quente que eu posso ver o vapor subindo. — Isso ainda conta como um rio se não está se movendo?

— Eu acho que está se movendo apenas um pouquinho — diz Chase. — Mas ei, nenhum destes são rios normais, então quem sabe.

— Sim. — Eu sorrio para ele e me vejo percebendo seus olhos novamente. — O que aconteceu com suas lentes de contato?

— Elas não se dão bem na água. Eu as perdi depois do primeiro redemoinho.

— Bem, eu prefiro ver seus olhos verdadeiros — digo a ele, e depois desejo não ter dito, porque parece que nos levou a uma conversa sem saída. Estranho, já que não consigo tirar meus olhos dos dele. Segundos passam e algo em seu olhar muda. Algo que me faz sentir... — Droga, está quente aqui. Eu não aguento. — Eu desfaço rapidamente os botões da minha jaqueta enquanto o calor ameaça me dominar. Que sorte que eu escolhi usar um top por baixo, em vez de algo com mangas compridas.

— Sim — diz Chase, tirando sua jaqueta. — Definitivamente muito quente.

— Sabe, eu estive pensando em fazer uma tatuagem — eu digo enquanto tiro as mangas molhadas da minha jaqueta. Deixo flutuando na água ao meu lado.

— Ah, hora do dragão gigante nas suas costas.

— Quase — eu digo com uma risada, — mas não completamente. Eu vi algo na sua mesa que eu realmente gostei. Um desenho a tinta de uma fênix.

— Uma fênix — diz Chase, balançando a cabeça lentamente. — Nova vida, novo começo.

— Eu sei, não é exatamente uma ideia original, mas quero algo que simbolize minha nova vida. E seu desenho é único. Ninguém mais terá nada parecido. Quero dizer, se você me deixar usá-lo.

— Claro que eu vou deixar.

— Eu estava pensando na metade superior das minhas costas, chegando até a base do meu pescoço. — Eu puxo meu cabelo molhado para o lado e estendo a mão para tocar o topo da minha espinha. — E então as asas se estendendo até os ombros de ambos os lados. O que você acha?

Chase acena. Ele limpa a garganta e diz — Seria perfeito.

Mais uma vez, algo parece diferente entre nós. Eu sei o que é. Eu sei exatamente o que é, e estou esperando que fontes da água dourada comecem a se espalhar à nossa volta a qualquer momento. Eu deveria dizer alguma coisa, mas eu não sei como ou por onde começar, e eu não sei se sou corajosa o suficiente. Eu inspiro profundamente - porque, sério, o que aconteceu com o ar aqui? - e olho em volta. Onde está esse maldito redemoinho? Apenas mais um para ir, certo? — Hum, por que eles chamam de Rios Wishbone?{1} — Eu pergunto, aliviada por ter pensando em algo sobre o que falar. — As pessoas acham que os desejos se realizam aqui?

Chase coloca a água dourada nas mãos e a deixa correr entre os dedos. — Talvez eles se realizem, mas o sistema recebeu o nome do rio de cima, que tem a forma de um osso da sorte. Na verdade, são dois rios, unidos na foz, aonde eles vão para o mar. Apenas o lado direito tem redemoinhos, porém, e os rios paralelos abaixo dele. — Ele olha para cima e acrescenta, — Eu verifiquei com Gaius antes de sairmos, apenas no caso de haver algum tipo de magia estranha com que teríamos que lidar aqui.

— Magia de desejo — eu digo, ponderando a ideia enquanto eu passo meus dedos lentamente pela água. — Se os desejos pudessem se tornar realidade, o que você desejaria?

— Eu desejaria... — Ele desvia o olhar para o rio dourado. — Eu gostaria de ser outra pessoa. Apenas um faerie normal em vez da pessoa que estragou tudo. Eu gostaria que eu pudesse encontrá-la em circunstâncias completamente comuns, e eu gostaria que você ainda pudesse me ver do jeito como me viu naqueles últimos minutos sob o dossel de flores antes de tudo desmoronar. — Ele sorri enquanto retorna seus olhos para os meus. — São muitos desejos?

Eu seguro seu olhar enquanto considero minhas palavras cuidadosamente, e percebo que, afinal de contas, sou corajosa o suficiente. — Talvez alguns desejos se tornem realidade — digo a ele, minhas palavras deixando minha língua lentamente. Eu quero ter certeza que ele vai ouvir todas elas. — Ou talvez você simplesmente ainda não tenha percebido que algumas coisas não precisam ser desejadas. — Eu olho para baixo e pego sua mão na água. Eu deslizo meus dedos entre os seus antes de acrescentar — Quero dizer, por que você desejaria algo que já tem?

Pequenas gotas douradas da água levantam do rio e se enroscam ao redor do meu braço e ao redor dele. Luzes douradas brilham nas paredes da caverna ao nosso redor. Meu coração ruge e estou me perguntando o que aconteceu com o ar novamente. Eu não tenho esperança de encontrá-lo, no entanto, porque quando eu levanto meus olhos mais uma vez, o olhar ardente de Chase é o suficiente para roubar meu fôlego e enviar um calor ardente através das minhas entranhas.

Ele levanta nossas mãos entrelaçadas e as solta. Ele passa os dedos pelos meus braços, transformando o fogo na minha pele em um arrepio. Suas mãos continuam até chegarem ao meu pescoço. Ele se inclina para frente, seu rosto parando a centímetros do meu. — Você realmente quer dizer isso? — Ele pergunta, sua voz rouca.

Com asas de sprite batendo loucamente no meu estômago, eu pressiono um beijo em sua mandíbula, e depois outro mais alto. Quando eu alcanço o seu ouvido, eu digo, — Eu não gostaria que você fosse outra pessoa. Por que eu iria querer, quando é você quem eu quero?

Seus lábios encontram os meus, e o mundo dourado e luzes piscando desaparece quando meus olhos se fecham e meus dedos se espalham através de seu cabelo molhado, puxando-o para mais perto. Suas mãos deslizam em volta das minhas costas, agarrando meu cabelo antes de traçar minha espinha e entrar na água para pressionar contra minha parte inferior das costas. Nossos corpos se encaixam perfeitamente juntos. Meus braços se enroscam ao redor de seu pescoço e faíscas deslizam através de nossas línguas e gotas de água misturadas com magia caem sobre nós, misturando-se com nossos beijos.

E é aí que o mundo cede abaixo de nós e um redemoinho nos suga.


Capítulo 33

 

 

 

O último rio parece gelo contra a minha pele queimando. Levanto para a superfície, ofegando contra o frio e também buscando ar. Enquanto as ondas ondulantes ao meu redor diminuem, noto a água brilhando levemente. Pedras preciosas azuis cravejam as paredes da caverna, brilhando com uma beleza invernal, e entre elas, desenhos e figuras foram esculpidos na pedra.

— Calla! — Eu olho em volta e vejo Chase atrás de mim. A correnteza, mais forte neste rio do que nos outros, já está me puxando. Ele se junta a ela, nadando com movimentos rápidos e fortes em minha direção. Eu estendo a mão para ele enquanto a correnteza me arrasta. Não sei porque, mas sinto necessidade de contato físico com ele da mesma forma que preciso de ar. Uma mão entrelaçada, braços entrelaçados, um abraço, qualquer coisa. Algo parece incompleto sem o seu toque. Ele pega minha mão, depois aponta passando por mim. — Olha, já estamos na foz. Tem o monumento.

Eu me viro, nunca soltando a mão dele. Mais à frente, à direita, pouco antes da caverna terminar, vejo o monumento. Uma base redonda, ondas de pedra sem movimento e o tridente subindo. Parece maior na vida real. — Onde estão Ana e Kobe? — Eu pergunto. — Eles deveriam estar lá esperando por nós.

— Algo não parece certo — diz Chase, puxando a água para nos mover para frente mais rápido. — Você vê as figuras deitadas ao lado do monumento?

Eu olho através da luz azulada. Eu vejo duas formas no chão, e o medo envia outro arrepio através de mim. — Eu... eu acho que sim.

Eu tenho que soltar a mão de Chase enquanto nós nadamos contra a correnteza e nos movemos diagonalmente em direção à margem à direita. Quando a água se torna rasa o suficiente para ficar em pé, Chase nos empurra para frente com um jato extra de magia. Eu quase tropeço e caio, mas ele atravessa as pedras em direção ao monumento. — Tenha cuidado! — Ele grita de volta para mim. Ele levanta a mão em um movimento em curva, e eu sinto um escudo em volta de mim. Espero que ele tenha feito o mesmo para si mesmo.

Sem aviso, a náusea aumenta dentro de mim e espalha uma dor doentia pelo meu estômago. A tontura me consome. Eu me curvo e me inclino sobre meus joelhos, respirando pesadamente. Por algum milagre, eu não caio. — Chase — eu arquejo. — Chase! — Sua cabeça chicoteia sobre seu ombro, assim quando tudo fica preto.

Eu me vejo flutuando em um vazio de nada enquanto meu corpo é espremido, apertado e apertado, até que finalmente a pressão me libera e eu ofego por ar enquanto eu cambaleio em direção à luz. Uma floresta noturna emaranhada me cumprimenta. Confusa, assustada e com frio, mas não mais atacada pela náusea, olho em volta. Creepy Hollow? Eu ouço um movimento atrás de mim e viro tão rápido quanto a minha tontura restante permite.

Magia. Uma bola girando pairando acima de um par de mãos. E além dela, o rosto de uma pessoa que reconheço. Sem hesitar, Zed lança a magia em minha direção.

Eu me jogo para o lado e caio atrás de uma árvore. Dizendo a mim mesma que não estou tonta e que posso me levantar, fico de pé. Eu coloco um escudo de magia ao meu redor enquanto ouço os passos de Zed esmagando as folhas caídas. — Isso sim foi um desperdício de magia — diz ele.

— Que droga é essa, Zed? — Eu grito. — O que você... você me chamou aqui? — Magia de invocação não é algo que aprendemos. Não é natural. Não está certo. E o que aconteceu comigo agora definitivamente não parecia certo.

— Sim — diz Zed, ainda caminhando em direção à árvore em que eu estou escondia atrás. — Feitiço difícil, mas eu tive ajuda. E você ficaria surpresa de como é fácil, na verdade, se você conseguir marcar a pessoa que deseja convocar.

— Marcar? — Eu me concentro na ilusão de invisibilidade e solto minha parede mental.

— Pescoço coçando ultimamente? — Zed pergunta. Ele gira ao redor do lado da árvore, com o braço levantado e pronto para atacar. Sua testa franze em confusão quando ele encontra o espaço atrás da árvore vazio.

Eu tento não respirar, não me mover, enquanto minha mente corre de volta para a última vez que vi Zed. Ele tentou me beijar, e sua mão estava em volta do meu pescoço, pressionando firmemente quando ele me puxou em direção a ele. Ele deve ter feito alguma coisa. Algo que eu estava chocada demais para perceber porque tudo o que importava era tirá-lo de perto de mim.

Um arrepio levanta os pelos da minha pele. Estar molhada e sem jaqueta em uma noite de outono não é o ideal.

— Eu também lhe dei o âmbar — diz Zed, virando-se enquanto seus olhos percorrem a área ao redor da árvore, — mas descobri que não conseguia rastrear por algum motivo. Felizmente, o feitiço da marca ainda não havia se esgotado quando fiz o feitiço de convocação.

Com a minha tontura finalmente desaparecendo e a adrenalina correndo pelos meus membros, eu pulo para o lado e corro. Invisível, invisível, invisível, eu me lembro. Faíscas voam passando por mim. Eu acho que ele pode ver as folhas que meus sapatos estão chutando. Eu paro, desvio para o lado e pulo. Magia me atira para cima. Eu aterrisso em um galho e agarro em outro para não cair.

— Isso vai ser muito mais fácil se você desistir agora — Zed grita enquanto faíscas turquesa passam por mim.

Eu abandono a ilusão e reforço meu escudo. — Droga, Zed, eu não sei que jogo você está jogando, mas você tem um timing excepcionalmente ruim.

— Meu timing é perfeito — diz ele, seguindo em minha direção.

— Eu estava no meio de algo importante!

— Exatamente. Foi nesse momento que me disseram para convocar você. Eles não queriam que você e suas ilusões interferissem em seus planos.

— Eles? Você está... você está trabalhando para Amon e Angelica?

— Não. — Ele para debaixo da árvore e começa a reunir mais magia acima da palma da mão. — Mas eu me encontrei precisando de ajuda, e eles também. Você sabe o que as pessoas dizem: o inimigo do meu inimigo e etc.

— Zed, NÃO! Essa é uma ideia terrível! Eles são os verdadeiros inimigos. Foram eles que nos trancaram em primeiro lugar. Por que você ficaria do lado deles agora? — Parte de mim sabe que eu deveria estar correndo. Eu deveria estar jogando tudo o que tenho em uma ilusão que me dará tempo suficiente para abrir um portal e fugir. Mas é Zed. Ele está me ajudando desde que nos encontramos pendurados um ao lado do outro em gaiolas. Nós temos uma amizade que remonta há anos. Deve haver uma maneira de eu falar com ele sobre o que ele está prestes a fazer.

— Primeiro — ele diz, — não foram eles que nos trancaram. Foi o príncipe Zell, e todos admitem que ele era um pouco louco. Em segundo lugar, não estou do lado deles. Este foi um acordo que beneficiou ambas as partes.

Um frio percorre minha espinha. — O que você tem que fazer por eles em troca?

— Vamos, Calla. Você sabe que eu não posso te dizer isso.

— É por isso que estou aqui? Te disseram para me entregar aos homens de Amon?

Ele ri. — Nada como isso. Meu trabalho para eles foi feito depois que eu escapei da Guilda.

Engrenagens giram em meu cérebro. — Você se deixou ser pego — eu digo suavemente, — então você pode entrar na Guilda.

— Sim.

Minha mente percorre as possibilidades. Vi disse que alguém escapou da área de detenção pela manhã. Eu me deparei com Zed na tarde seguinte. Isso significa que ele esteve solto dentro da Guilda por mais de vinte e quatro horas. Que coisas terríveis ele pode ter feito durante esse tempo? — Zed, — eu digo com cuidado enquanto bombeio mais magia no escudo invisível que me rodeia. — O que quer que você queira comigo, você não precisa fazer isso. O que aconteceu conosco sendo amigos?

Ele não responde. Magia crepita acima de sua palma. O suficiente para quebrar meu escudo? Possivelmente. Mas então o quê? Ele não terá tempo de me atacar com alguma coisa antes de eu ir embora. Nós observamos um ao outro, seu olhar fixo no meu, cada um esperando pelo outro fazer um movimento.

Sua mão se move em direção ao bolso. Eu imagino a invisibilidade e pulo. Eu bato no chão e rolo para o lado. Ele joga alguma coisa, uma pequena bola escura que explode a centímetros do meu escudo. Eu jogo meu braço para cima enquanto minha magia se quebra e desaparece. Então ele levanta o braço e joga a sua magia em mim.

***

 

Eu acordo devagar, meus pensamentos tão letárgicos quanto meus membros. Não me lembro onde estava quando adormeci. Eu tento me virar, mas eu encontro minhas mãos presas nas minhas costas. Com um gemido e um grande esforço, consigo abrir um olho. Eu vejo Zed - e me lembro de tudo.

— Eu sinto muito por ter que te atordoar — ele diz, — mas de jeito nenhum você teria vindo comigo por escolha. Você não está desmaiada há muito tempo. Eu não tive tempo para reunir uma grande quantidade de poder de atordoar depois que você me fez perder com o primeiro tiro. — Ele se abaixa sobre os meus pés. Cordas brilhantes, do tipo que não pode ser simplesmente cortadas, aparecem em suas mãos. — Isso não é pessoal, Calla — ele me diz enquanto enrola a corda ao redor e entre os meus tornozelos. — Eu nunca tive nada contra você. Eu não esqueci nossos anos de amizade e realmente me importo muito com você. É por isso que tive que tirar você de lá.

Eu pisco e balanço a cabeça. — O quê você está falando?

Ele aperta o último nó. — Eu te dei uma chance de ver as coisas claramente, mas você continuou recusando. Eu não queria que você acabasse morta com a doença do dragão, então eu encontrei uma maneira de tirar você permanentemente da Guilda.

Meu cérebro lento não quer ligar os pontos, mas eles são óbvios demais para eu evitar. — Foi você quem me fez ser expulsa? — A verdade chocante acorda meu cérebro. Eu me contorço contra minhas amarras e grito, — Como você pôde fazer isso comigo?

— Eu estava ajudando você, Calla.

— Me ajudando? Você quase me jogou na prisão por assassinato!

— Isso não deveria acontecer. Eu precisava que alguém levasse a culpa e você precisava sair de lá. Eu plantei provas suficientes para que eles suspeitassem de você, mas não seriam capazes de provar isso com certeza. Você deveria ser expulsa, não acusada de assassinato. Eu até te dei a cura antes de ir embora para que você não ficasse doente. Eu te salvei, Cal.

— Você nunca me deu a cura.

— Eu dei. Com um desses dispositivos de vigilância. Todos eles têm seus próprios feitiços de controle e eu roubei um enquanto me escondia na Guilda. Eu o fiz injetar em você enquanto você estava em uma aula. No momento em que dançamos no baile e eu deixei aquele pó em sua mão, você já estava imune.

— Você... você estava... — Eu balanço minha cabeça e sussurro, — Você matou Saskia. E todas aquelas outras pessoas que ficaram doentes. Como você se transformou nessa pessoa? Este assassino?

Ele agarra meus braços e me puxa para mais perto. — Porque já é hora da Guilda começar a pagar por tudo o que fizeram com os Superdotados. Por tudo que fizeram com você e eu e as pessoas como nós. Muito mais pessoas deveriam morrer, na verdade. Nós ? o grupo de que falei, o grupo que eu gostaria de poder convencê-la a participar ? tínhamos planejado enviar uma mensagem muito clara, começando com aquela garota Starkweather e depois a deixando se espalhar por cada Guilda. Nós iríamos nos levantar e reivindicar o que tínhamos feito para que os restantes soubessem exatamente por quais crimes eles estavam pagando. Mas alguém interferiu quando fugiu e encontrou uma cura.

— Bem, se eu não fizer mais nada certo pelo o resto da minha vida, pelo menos eu vou saber que eu interferi com sucesso na morte em massa de milhares de pessoas inocentes.

Zed solta um longo suspiro antes de se levantar. — Meus amigos estão muito zangados com sua interferência.

— Ah, os amáveis amigos que te iludiram a odiar as pessoas erradas. Então você decidiu me chamar, me amarrar e me entregar a eles?

— Claro que não — diz Zed, parecendo genuinamente chateado. — Eu sei que você não é a única culpada aqui. Você pensou que estava fazendo a coisa certa salvando a todos. — Ele levanta a mão e eu me sinto lentamente subindo do chão. Ele caminha pela floresta, sua mão me puxando por um fio invisível de magia. — Eu gostaria que você tivesse mantido suas formas de interferir para si mesma, porque agora temos que fazer algo que vai te deixar muito chateada.

Eu luto e chuto, mas isso só me faz rolar no ar. Eu puxo repetidamente as cordas ao redor dos meus pulsos, na esperança de soltá-las. — Você não precisa fazer nada, Zed.

— Eu tenho. As pessoas têm que pagar pelo sofrimento que nos causaram.

Eu desisto do meu esforço inútil, decidindo guardar minha energia. E é então que percebo, com uma claridade assustadora, exatamente onde estamos: em uma parte de Creepy Hollow muito perto da casa de Ryn. Minha garganta fica seca e arrepios percorrem minha pele. — Zed? Onde estamos indo?

— Como eu disse antes, Calla, isso não tem nada a ver com você. Você é uma boa pessoa, uma menina doce. Mas o fato é que seu irmão e sua esposa deixaram eu e dezenas de outras pessoas para serem torturadas e trancadas em uma masmorra. Quem conseguiu fugir antes da Destruição só teve que sobreviver à tortura. Quem não conseguiu teve que cometer atos atrozes sobre os quais não tinham controle.

Eu não me preocupo em responder. Eu estou baixando a barreira em volta da minha mente e imaginando um grupo de guardiões correndo em nossa direção. Eles gritam para Zell, levantando suas armas e atirando nele. Ele vacila, mas depois balança a cabeça e ri. — Você e suas ilusões — diz ele, continuando a andar em linha reta através das flechas imaginárias e faíscas. — Eu sei exatamente como você funciona. Mostre o que você quiser. Eu não acredito em nada disso.

— Zed, por favor — eu digo, minha voz desesperada. — Não foi culpa de Ryn. Não foi culpa da Vi. Eles contaram ao Conselho sobre os prisioneiros de Zell assim que puderam.

— E o que a Conselheira Starkweather e o resto de seu Conselho escolheram fazer? Nada. Dizer ao Conselho não resultou em nada. Seu irmão deveria ter nos libertado enquanto ele estava lá.

— Mas ele não conseguiria tirar todo mundo...

— Por que não? Ele te tirou com bastante facilidade.

— Não houve tempo. Zell já estava lá. Ele...

— Havia tempo para abrir mais algumas gaiolas pelo menos. Então poderíamos ter lutado contra ele e tirado todos os outros.

— Como? — Eu viro no ar, tentando me aproximar de Zed, tentando fazê-lo ver o sentido. — Vocês todos tinham faixas de metal bloqueando sua magia. Se Ryn tivesse deixado você sair, Zell teria te atordoado e te trancado de novo.

— Nem todos nós. Ele não poderia ter lutado contra todos nós. Não, o fato é que seu irmão só se importava em salvar você, e por causa de sua decisão egoísta, o resto de nós teve que sofrer. Os Superdotados fizeram coisas terríveis que eles nunca quiseram fazer. E o que a Guilda disse quando tudo acabou? Eles se desculparam por nos abandonar? Não. Eles nos rotularam como ‘perigosos’ e nos marcaram para que nunca mais fôssemos realmente livres. E nada disso foi culpa nossa!

— Eles não marcaram você — eu aponto.

— Porque eu tenho me escondido da Guilda desde então. Eu tenho vivido como um covarde nas sombras, esperando para me vingar daqueles que arruinaram a minha vida.

— Não, você não precisava! — Eu grito. — Você estava bem até que esses odiadores de guardiões fizeram seu cérebro pensar que você precisa fazer isso. E não foi meu irmão quem arruinou a sua vida, foi Zell!

— Bom, é um pouco tarde para ir atrás dele, não é. — Zed para em frente à árvore de Ryn. Sinto meus pés baixarem lentamente até tocarem o chão. Agora que estou de pé, vejo uma bola de poder flutuando acima da mão de Zed. Ele deve ter reunido enquanto estávamos andando. — Você não precisa fazer nada mais do que bater, Calla. Essa é a única razão pela qual você está aqui. Eles nunca abrirão uma porta para mim, mas abrirão para você.

— Por favor, não faça isso — eu sussurro.

Zed separa sua bola de poder em duas esferas menores, uma em cima de cada palma. — Sua mendicância não está ajudando.

— Por favor, eles não merecem isso. Eles não fizeram nada...

— Apenas bata, Calla. E sem ilusões — acrescenta ele, enquanto caminha para o lado. — Você não pode fugir enquanto suas mãos e pés estão amarrados, o que significa que a única maneira de qualquer ilusão acabar é com você e eu ainda em pé do lado de fora dessa árvore. Exceto que ficarei muito mais irritado do que estou agora.

Eu engulo e olho para frente. — Você não pode me obrigar a fazer isso. A pior coisa que você pode fazer é me matar, mas você ainda ficará preso fora dessa árvore.

Zed suspira. — Você realmente tem que ser tão dramática? — Ele se inclina na minha frente e sopra contra a casca até que a aldrava apareça. Ele a levanta, bate algumas vezes e depois anda para o lado. — E nem pense em....

— NÃO ABRA! — Eu grito. — É UMA ARMADILHA!

— Droga, sua idiota... Tudo bem. Faremos isso da maneira mais difícil. — Em um segundo, Zed está atrás de mim, segurando uma esfera de poder crepitante e brilhante contra cada lado da minha cabeça. E quando Ryn - meu irmão fiel, atencioso e protetor - vem até a parede e olha pelo olho mágico, ele abre a porta porque nunca me deixaria aqui sozinha com alguém que está ameaçando me machucar.

Eu fecho meus olhos, esperando que Zed tire sua fúria sobre mim a qualquer momento e grito, — Sério, Ryn! Não abra a porta. Ele vai...

— Calla!

Meus olhos abrem quando a mão direita de Zed dispara para frente. Ryn, de pé na porta com uma brilhante adaga de guardião em uma mão, cai no chão. Um suspiro soa em algum lugar atrás dele, seguido por Vi gritando, — Ryn!

E de repente, lembro do feitiço de rastreamento que disparará um alarme na Guilda se eu entrar nesta casa. Eu pulo para frente com os meus pés amarrados e me jogo através da porta, logo quando uma das facas de Vi passa rapidamente por mim e a segunda bola de poder de Zed voa para o outro lado. Eu caio em cima de Ryn e luto para olhar para cima. Eu ouço o grito de dor de Zed atrás de mim. Levantando a cabeça, vejo Vi colidir contra o sofá e cair no chão.

— Bem — diz Zed, cruzando a soleira da porta. — Eu esperava que isso fosse muito mais difícil. — Uma faca brilhante manchada de sangue bate no chão ao meu lado. Um segundo depois, desaparece.

— Espere — eu digo quando Zed passa por mim. — Espere, por favor. O que você vai fazer com eles? — Saio de cima de Ryn e consigo me sentar.

Zed fica no centro da sala, olhando em volta. Ele alcança dentro de sua jaqueta e pega uma faca.

Eu começo a perder o controle. — Nãonãonão, Zed, por favor. Por favor, não os mate — eu imploro. — Por favor, por favor, por favor. Você não precisa fazer isso.

— Eu sei, — diz ele. — Eu não vim atrás deles.

— Mas... então...

Zed olha para mim, depois usa a faca para apontar primeiro para Ryn e depois para Vi. — Essas duas pessoas destruíram vidas. Agora eu vou destruir as deles. — Com isso, ele atravessa a sala e sobe a escada.

Então eu entendo.

Victoria.


Capítulo 34

 

 

— NÃO! — Eu grito. — Não toque nela, não toque nela! — Eu luto desesperadamente contra as cordas encantadas. Eu puxo minhas pernas para cima e trabalho nos nós ao redor dos meus tornozelos, mas eles são tão apertados que não se movem. Eu me contorço, puxo e viro, mas é inútil. — Zed! ZED! Não faça nada com ela, POR FAVOR! — Eu rolo e me contorço em direção às escadas. Eu não tenho como cortar essas cordas e nenhum plano de qualquer tipo, mas eu não posso simplesmente ficar sentada. — Zed, por favor — eu soluço. — Por favor, não faça isso, por favor, não faça isso. — Como ele pode pensar que tirar uma vida tão pura e inocente poderia corrigir qualquer tipo de erro?

Antes de chegar às escadas, nos degraus de baixo. Zed aparece acima, carregando um pacote embrulhado por cobertores em seus braços. Eu posso ver o rostinho perfeito de Victoria, seus olhos fechados. Ela ainda está dormindo apesar de todos os meus gritos. — Zed, o que você está fazendo? — Ele passa por mim sem uma palavra. — Aonde você vai? Onde você está a levando? — Ele passa por cima de Ryn, ainda deitado na porta aberta, e desaparece na noite. — ZED! Volte!

Outro grito sem palavras de raiva e desespero sai dos meus lábios - e é aí que os guardiões escolhem aparecer. Quatro deles, invadindo a casa com armas levantadas, todos eles pulando sobre Ryn como se tocá-lo fosse contra as regras de algum jogo que eles estão jogando. — É ela! — Um deles grita.

— Não toque nela — diz outro.

— Por favor — eu arquejo. — Vá atrás daquele homem que acabou de sair. Ele está com o bebê!

— Esta é uma situação um pouco estranha — um dos guardiões diz, observando meu irmão e minha cunhada atordoados, e depois as cordas encantadas em volta dos meus pulsos e tornozelos.

— Por favor! — Eu grito. — Você não o viu? Ele levou Victoria. Ele está fugindo.

— Como se fossemos acreditar em qualquer coisa que você disser depois do golpe de saída que você fez na Guilda — diz um deles. — Bloomhove, Crawdale, verifiquem o andar de cima.

— Ela tem que nos tocar para nos deixar doentes? — Outro murmura quando dois dos homens se dirigem para as escadas. — E se ela já estiver fazendo isso?

— ARGH! Vocês guardiões são tão inúteis!

Eu fecho meus olhos e digo a mim mesma para respirar, para me acalmar. Você consegue fazer isso. Você pode sair daqui. Eu abro meus olhos. Apenas uma lâmina de guardião pode cortar as cordas brilhantes que me prendem, e há duas espadas de guardiões apontadas diretamente para mim. Eu me concentro em projetar uma imagem minha sentada no mesmo lugar em que já estou. Então eu me movo. Silenciosamente, centímetro a centímetro sobre o meu traseiro, em direção à espada mais próxima. Certificando-me de me manter escondida, eu levanto meus braços sobre a lâmina cintilante, prendo minha respiração e puxo meus braços para baixo rapidamente. Então eu me inclino para trás e congelo.

O homem se afasta. — O que acabou de acontecer?

Eu olho para a imagem de mim sentada no mesmo lugar e dou a ela uma expressão confusa.

— Eu não sei — diz o segundo guardião. — Do que você está falando?

Agora os meus tornozelos. Eu levanto devagar, imaginando como vou fazer isso acontecer.

— Ei, ela estava certa! — Grita um dos homens no andar de cima. — O bebê sumiu!

Os dois guardas olham para as escadas. Eu agarro a mão do guardião mais próximo e bato na espada, que corta a corda e corta minha bota esquerda. Então eu me viro e corro.

Eu pulo sobre Ryn e corro para a floresta, o resto da corda brilhante cai dos meus braços e tornozelos. — Zed! — Eu grito. Onde ele está, onde ele está, onde ele está? Ele provavelmente já passou pelos caminhos das fadas, e eu nunca vou encontrá-lo, e nós nunca mais veremos Victoria, e Ryn e Vi nunca me perdoarão. Um soluço sobe no meu peito e eu tenho que parar de correr para poder respirar. Por que eu deixei Zed escapar da Guilda? Por quê?

Eu mal me movi a qualquer distância real da casa, mas é tão inútil correr para qualquer lugar que eu não corro. Estou atrasada. Eu falhei. É por isso que, quando noto a figura ajoelhada no chão por perto, acredito por um momento que estou imaginando. Zed não iria parar bem aqui, iria? Eu ando em silêncio em direção à figura - e é ele, suas mãos pairando no ar acima do corpo minúsculo envolto em cobertores.

— Ei! — Em uma onda de raiva e medo, eu estendo minhas mãos no ar em direção a ele. Meu poder liberado bate em seu peito, derrubando-o de costas. Ele rola e levanta. — O que você fez? — Eu exijo, fechando a distância entre nós, segurando um escudo. Eu preciso me colocar entre ele e Victoria.

— Nada. Ela está bem, eu juro.

— É bom que esteja. — Eu solto o escudo e jogo um fluxo de chamas nele.

— Você não quer lutar comigo — diz ele, desviando das chamas com um toque de sua mão e enviando uma nuvem de areia em minha direção.

Meu escudo aparece quase instantaneamente; a areia explode contra ele antes de desaparecer. — Eu quero, Zed. Eu realmente, realmente quero. — Eu empurro o ar. Uma nuvem se forma entre nós, prejudicando um de ver o outro. Suas faíscas passam através, vindo direto para mim. Eu me abaixo conforme elas passam, então pulo novamente, mostrando a ele uma imagem de mim pulando através dos galhos acima dele. Ele mira nas árvores. Minha nuvem torna-se um bando de pássaros, guinchando e bicando, e a minha imagem nas árvores pula e o golpeia. Então os pássaros se transformam em lâminas de verdade, cortando em direção a ele quando ele ergue um escudo, e a ilusão de mim se transforma em lâminas imaginárias que passam pelo seu escudo sem nenhum problema.

De magia para ilusões e tudo novamente, eu jogo tudo o que posso imaginar em uma bagunça confusa, passando de imagem para imagem para imagem. Ele não sabe o que é real e o que é imaginado, o que ele precisa bloquear e o que ele pode ignorar. E a cada nova ilusão, me aproximo mais dele. Mantendo parte da minha mente focada nas projeções, levanto a mão e atiro uma série de faíscas no galho mais próximo. Ele se parte e cai no chão ao meu lado. Eu me inclino para baixo – fogo e golpes e chuva de sangue - e eu pego isso - pedaços de gelo e pedaços de osso - e o balanço na cabeça de Zed com toda a minha força.

Ele cai no chão e não se move.

Largo o galho e corro de volta para Victoria. Com um último olhar sobre meu ombro para ter certeza de que Zed não está se movendo, eu a pego e corro. Ela começa a chorar quando meus pés batem no chão da floresta e meu corpo correndo a empurrar para cima e para baixo. É o som mais bem-vindo do mundo agora.

A porta de Ryn ainda está aberta porque ninguém parece tê-lo movido ainda. Eu pulo em cima dele e entro na casa - e encontro pelo menos vinte guardiões apontando suas armas para mim. Eu congelo. Victoria continua a gritar seus minúsculos pulmões para fora.

Minhas sobrancelhas se apertam quando digo, — Eu fiz o que vocês deveriam ter feito e a resgatei. — Eu me movo em direção ao móvel mais próximo - uma poltrona – e coloco o bebê infeliz cuidadosamente sobre ela. Então eu recuo com meus braços levantados. — Se vocês querem se redimir — acrescento, — o homem que a roubou está inconsciente na floresta, não muito longe daqui.

Ninguém diz uma palavra. Ninguém se move. Muitas armas estão apontadas para mim. Eu respiro devagar e com calma, me dando apenas alguns segundos de descanso. Então, com um último esforço, eu empurro minha última ilusão tão rápido e tão longe quanto posso. Escuridão. Em toda parte. Amplamente.

Eu me viro e corro cegamente enquanto gritos de confusão surgem atrás de mim. Eu tropeço em Ryn. Algo passa pelo meu braço direito antes que eu ouça uma arma pesada cair no chão. Algo corta o meu ombro. Passos se move em minha direção. Eu me levanto de cima de Ryn e vou para a floresta. Mudando a ilusão de escuridão para uma de invisibilidade, eu corro entre as árvores. Eu ziguezagueio e me abaixo sob os arbustos e finalmente paro do outro lado de um tronco caído.

Não ouço vozes ou passos. Inclino a cabeça para trás contra o tronco e permito que o alívio inunde meu corpo. — Ela está bem — murmuro para mim mesma. — Ela está bem, ela está bem. — Ryn e Vi vão acordar em breve, e eles vão encontrar a garotinha segura, e tudo ficará bem.

Meus olhos se fecham. Estou exausta. Mentalmente drenada. Cortes e queimaduras marcam meus braços da luta mágica com Zed, e sangue escorre de uma ferida no meu ombro, onde uma flecha ou lâmina não me errou na escuridão. Eu coloco minha mão sobre ela, enviando um pouquinho de magia de cura para o local.

Eu queria que a noite acabasse, mas ainda não. Eu deixei Chase no Rio Wishbone mais abaixo com dois companheiros desmaiados e quem sabe quais outras ameaças. Eu tenho que voltar. Eu tenho que ajudá-lo. Eu me levanto, abro um portal e arrasto meus membros cansados para os caminhos das fadas.

Eu saio da escuridão na emaranhada margem enluarada em cima do rio onde nós quatro entramos na água mais cedo. Se os desejos se tornassem realidade aqui, eu desejaria fazer o meu caminho até o fundo sem ter que passar por todos os rios acima dele. O pensamento de todos aqueles remoinhos me faz querer chorar. E se ele não estiver mais lá? E se tudo acabou e ele estiver de volta à montanha? Mas e se não acabou e ele está preso em uma batalha com os homens de Amon e Angelica?

Eu pressiono minhas mãos contra os lados da minha cabeça, tentando aliviar a dor de cabeça que está chegando. Eu decido verificar a montanha primeiro. Vai ser rápido. Caminhos das fadas, casa à beira do lago, porta das fadas, montanha. Eu posso estar lá em menos de um minuto. Eu me viro para encontrar uma superfície para escrever um portal.

— Olá.

Minha respiração fica presa com a visão inesperada de uma mulher encostada na pedra que marca o começo dos redemoinhos. Desconforto se enrola ao meu redor. Eu flexiono minha mão, me perguntando se eu deveria pegar minha faca da minha bota.

— Eu pensei que você poderia voltar em algum momento — diz ela, afastando-se da pedra e se movendo em direção a mim. É o cabelo dela que a entregou em primeiro lugar, longos cachos escuros misturados com prata em cascata sobre seus ombros.

Angelica.

Eu sinto como eu se estivesse imersa em um medo horrível. — Co-como você saiu de Velazar? — Eu pergunto, dando um passo para trás.

— Calla, certo? — Ela diz, ignorando a minha pergunta. Ela limpa as mãos no macacão da prisão antes de cruzar os braços sobre o peito. — Foi você quem falou comigo com o anel de telepatia, alegando estar trabalhando com meu filho para me libertar. Aquela que Amon me disse que ele tentou matar. Aquela que apareceu ao lado da cama da terceira Vidente quando ela acordou.

— Como você sabe sobre isso?

— Eu tenho estado de olho nas coisas. — Ela ri, como se tivesse dito algo divertido.

— Como você escapou de Velazar? — Eu exijo.

— Oh, eu não escapei. A Guilda me soltou.

— O quê? Eles nunca fariam isso.

— Eles fariam — ela diz, seus lábios se curvando em um sorriso, — se eu encontrasse uma moeda de troca.

— Moeda de troca?

— Se eu encontrasse alguém que eles querem mais do que eu.

Minha respiração fica mais rápida. Uma sensação de mau agouro cutuca meus pensamentos. — Não há ninguém que eles querem mais do que você e Amon.

— Não havia — diz ela lentamente, — até que eu disse a eles que aquele que eles mais queriam ainda está vivo.

Sangue bate em meus ouvidos. — O que você fez?

— Eu troquei sua vida pela minha.

Eu paro de respirar. Quando eu encontro ar novamente, uma arfada dolorosa, eu consigo dizer — Você não fez. Ele é seu filho. Você não faria isso.

— Porque eu não faria isso? — Ela rebate. — Ele me deixou apodrecendo em uma cela de prisão por mais de uma década. E então volta rastejando com mentiras sobre querer fazer parte dos meus planos? Ha! Ele não é mais um filho para mim do que eu já fui mãe para ele. Eu sabia que ele estava vivo todo esse tempo. Não tive dúvida. Eu esperei e esperei meu filho vir e me pegar, até o momento esmagador que eu percebi que ele tinha escolhido me deixar sofrendo atrás das grades pelo resto da minha vida. Desde então, tenho esperado todos os dias, todos os dias, pelo momento em que vou poder retribuir sua traição.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Onde ele está?

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros descuidado. — Eu não tenho certeza. Ele correu naquela direção com uma horda de guardiões em seu rastro. — Ela gesticula vagamente por cima do ombro para a densa floresta de arbustos e árvores. — Algo me diz que ele não terá forças para ir muito longe. — Ela levanta a mão como se segurasse algo invisível. Lentamente, um grande disco de metal aparece, suspenso por uma corda em seu aperto. Um gongo. O que só pode significar...

— O morioraith — eu murmuro.

— Oh, não olhe para mim assim — ela reclama. — Eu tive que dar aos guardiões uma chance justa, não tive? E ele ainda está consciente, embora — ela levanta a mão, mostrando o anel de telepatia em seu dedo — eu não consigo discernir muito seus pensamentos. É tudo dor, desespero e miséria. — Uma luz crepita por perto, seguida pelo estrondo surdo de um trovão. — Ah, parece que ele está brigando. Que divertido...

Meu rosto franze de raiva, de ódio. — Você é desprezível.

Ela ri - e então ela se lança em minha direção, seu rosto se contorcendo de raiva. Em uma fração de segundo, percebo que este é o momento. O momento que eu vi na visão de Rick, com ela estendendo a mão para me agarrar. Eu a abraço, me jogando sobre ela e jogando o braço dela para o lado. Nós caímos no chão e eu a prendo, surpresa ao descobrir que ela não é tão forte quanto eu imaginava. Eu esperava um inimigo poderoso, uma força invencível, mas ela não é nada mais do que um oponente comum. Seu punho balança em minha direção, mas eu o pego, arrancando o anel da mão dela antes que ela me jogue com um empurrão de magia. Meu corpo para contra um arbusto. Eu levanto enquanto ela levanta. Eu coloco o anel no meu bolso enquanto a distraio com uma ilusão do arbusto mais próximo pegando fogo. Então eu giro e chuto. Ela cai uma segunda vez e eu não espero. Eu pulo sobre ela e corro.

Eu a ouço rindo atrás de mim, não fazendo nenhuma tentativa de me perseguir. Meus pés me carregam o mais rápido que podem, o que não é rápido o suficiente em meio ao emaranhado de arbustos. Eu passo entre eles, cortando com magia os galhos no meu caminho, aliviada quando eu finalmente chego a uma área que não é tão densa. Meus braços bombeiam ao meu lado enquanto corro em direção à tempestade. Não é tão poderosa quanto imaginei que as tempestades de Chase fossem, e isso me enche de terror. Em que estado ele está se seus relâmpagos mal iluminam o céu noturno e seu trovão sequer chocalha o chão?

— Não! — Eu grito, correndo atrás da carruagem com uma explosão de velocidade mágica. Eu me arremesso e agarro as barras. — Chase! — Eu posso vê-lo agora, correntes pesadas foram colocadas em seus braços e pernas e presas em ambos os lados da carruagem. Correntes que sem dúvida bloqueiam sua magia. Ele se inclina entre elas, a imagem da derrota. Quando ele olha para cima, seus olhos estão focados longe, em pesadelos distantes. — Chase. Chase! Sou eu!

Ele pisca e franze a testa. Confusão se transforma em reconhecimento. — Calla?

Eu empurro um braço através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Diga-me o que fazer. Diga-me como te tirar daqui. — Com uma guinada, a carruagem se ergue do chão. Eu me agarro mais firmemente às barras.

— Estamos voando — diz Chase, balançando a cabeça e ficando mais alerta. — Você tem que soltar. Nós vamos ficar no alto em breve, então...

— Não!

— Ei! — Eu olho para cima e encontro um guardião em um uniforme, franzindo a testa para mim.

— Saia — ele manda, apontando uma stylus. Instantaneamente, ele é acompanhado por outros três guardiões, todos se equilibrando no topo da carruagem com facilidade praticada.

Ignorando-os, olho de volta para as barras. — Eu não posso deixar você — eu grito em desespero.

— Você tem que soltar. Tudo vai ficar bem, eu prometo.

— Chase, eu — Uma faísca atinge meu braço direito. Então o meu esquerdo. Eu grito quando perco meu aperto nas barras. Eu caio através do ar e bato no chão, rolando várias vezes antes de parar. Meu corpo dói e as queimaduras em meus braços ardem como o inferno e todo o ar foi arrancado dos meus pulmões. Deito-me no chão, ofegando e observando o céu até a carruagem desaparecer.

Até Chase estar muito longe.

Eu rolo de lado e abraço meus joelhos, e minhas lágrimas encharcam o chão enquanto a noite fria me cobre.


Capítulo 35

 

 

Eu volto para a montanha nas primeiras horas da manhã para encontrar Ana e Kobe andando pela sala enquanto Gaius está sentado com a cabeça entre as mãos. Eu paro na porta. Eles olham para mim, a mesma pergunta em seus rostos. Minha voz é monótona quando digo, — Ele se foi. Os guardiões Seelie o pegaram. Angelica o entregou em troca de sua liberdade.

As mãos de Ana se erguem para cobrir sua boca. Gaius parece congelado no lugar. Kobe balança a cabeça e diz — Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia disso no momento em que chegamos ao último rio e não havia nenhum sereiano para ser encontrado. Então o pessoal de Angelica apareceu, horas antes do planejado e muito mais do que o esperado. Nós soubemos instantaneamente que ela armou para nós.

As mãos de Ana se fecham em punhos, apertando firmemente seu queixo enquanto ela olha para Kobe. — Se Darius e Lumethon estivessem conosco ao invés de salvar as Videntes. Se a gente tivesse nos escondido entre as rochas em vez de sair da água, poderíamos ter esperado Chase e Calla chegarem. Todos nós poderíamos ter lutado juntos. Nós poderíamos ter evitado isso.

Kobe cruza os braços e se afasta, sua voz está rouca quando ele diz — Em vez disso, acabamos desmaiados e inúteis.

— Isso não está certo — diz Gaius, parecendo perdido. — Chase não foi pego. Ele não foi.

Eu me inclino contra a porta enquanto meu corpo treme de exaustão. Meus olhos, queimando de todas as lágrimas, se fecham. — Ele foi desta vez — eu sussurro. Então me viro e subo lentamente as escadas para o meu quarto. Com frio e cansada e exausta, vou para a cama e puxo as cobertas sobre a cabeça. Há pensamentos na parte de trás da minha mente - pensamentos sobre guardiões torturando Chase, sobre a execução que sem dúvida eles vão condená-lo, sobre nunca mais vê-lo novamente - mas eu me recuso a deixá-los tomar o centro das atenções.

Eu caio em um sono profundo cheio de sonhos confusos. Algum tempo depois, acordo com uma ideia na mente: o anel de telepatia. Com um aumento súbito de esperança, o tiro do bolso e o coloco no meu dedo indicador esquerdo.

Chase?

Chase!

Eu não sei se ele está com o outro anel. Eu suponho que ele pegou para nossa missão no Rio Wishbone para que ele pudesse falar com Angelica se ele precisasse, mas eu não me lembro de ver. Eu não me lembro de sentir quando nossos dedos ficaram entrelaçados ou quando suas mãos subiram pelos meus braços. Eu fecho meus olhos, me agarrando à memória.

Então eu me deito novamente e abraço um dos meus travesseiros, chamando silenciosamente seu nome e esperando por uma resposta que talvez nunca chegue.

 

***

 

No final do dia, eu me escondo na ala de cura de Creepy Hollow até que um curandeiro e um guardião acompanham mamãe para uma das salas de banho. Ela logo estará vestida e pronta para ir para o andar de baixo para mais perguntas. Ninguém sabe ainda se ela poderá ir para casa depois disso.

Eu deslizo para dentro do seu cubículo e começo minha inspeção apressada no quarto. Meus dedos deslizam sobre a parede e ao longo da armação da cama, procurando marcas ou sinais de magia. Eu rastejo para debaixo da cama e não encontro nada. Eu olho os dois lados dos dois porta-retratos antes de removê-los, junto com a toalha de mesa, da cômoda e abro as três gavetas. Minha inspeção em cada centímetro da madeira não revela nada. Eu me endireito e coloco minhas mãos nos meus quadris, considerando rasgar os travesseiros caso haja algum tipo de feitiço escondido dentro deles.

Então meus olhos caem sobre a pintura na segunda moldura. Eu não trouxe para cá, e nem papai. Talvez tenha sido Matilda, como eu sugeri ao papai - ou talvez fosse Zed, que disse que seu trabalho para Amon e Angelica foi feito depois que ele escapou da Guilda. Eu pego a moldura e removo a parte de trás - em seguida, solto as duas metades sobre a cama com medo. Olhando para mim na parte de trás da pintura está um desenho de um olho. Brilha levemente.

Eu arranco a pintura da moldura e rasgo ao meio. Então eu rasgo de novo e de novo em dezenas de pequenos pedaços. Eu os coloco em uma pilha no chão e coloco fogo neles com um estalo de meus dedos. Eu os observo queimando, sentindo um arrepio na parte de trás do meu pescoço enquanto imagino Angelica em sua cela de prisão nos observando através da pequena moldura que vi em cima de sua mesa.

A cortina se move. Eu rapidamente me escondo e a pilha de cinzas. Pedi a Ryn para me encontrar aqui, mas pode não ser ele. Uma curandeira enfia a cabeça entre as cortinas e diz — Ela ainda não voltou.

— Tudo bem. Eu vou esperar aqui — Ryn diz do outro lado da cortina.

— Eu sei que eu já te disse isso antes, Ryn. As horas de visita são...

— Isso não é uma visita. Estou aqui para levá-la ao andar de baixo para interrogatório.

— Bom, talvez você deva esperar...

— Você pode sentir o cheiro de algo queimando? — Ryn pergunta. — Eu acho que você precisa ver isso.

A curandeira desaparece e Ryn entra no cubículo. Eu solto a ilusão e levanto os dois pedaços da moldura vazia. — Angelica estava observando tudo o que acontecia nesse quarto. Ela viu e ouviu todas as três visões. — Eu aponto para o chão e acrescento — Eu queimei a pintura que tinha feitiço o dela.

Ryn caminha até mim e pega a moldura. — Eu ainda não consigo acreditar que eles a soltaram. Eu adoraria saber exatamente quem aprovou essa decisão. O Conselho deve decidir esses tipos de coisas junto com todos os seus membros, mas eu não ouvi nada. — Ele adiciona a moldura à pilha de cinzas e a queima. — Pode muito bem queimar a coisa toda. — Ele fica de pé e observa as chamas consumirem os pedaços de madeira.

— Victoria está bem? — Pergunto.

— Sim, ela está bem. Um curandeiro veio vê-la. E Jamon enviou alguns guardiões reptilianos para nossa casa para fazer companhia a Vi, caso qualquer outra coisa apareça.

— Eu sinto muito, desculpe, Ryn.

— Por quê? Você não tem porque se desculpar. Você impediu que um homem delirante machucasse Victoria.

Eu envolvo meus braços em volta do meu peito e olho para longe. — Aquele homem delirante... eu o conheço. Eu o conheci quando nós dois estávamos presos na masmorra de Zell. Eu o vi novamente anos depois, e foi aí que pedi a ele que me ensinasse a lutar. Foi ele quem me treinou. Então ele acabou com a turma errada, e agora ele acredita que tem que se vingar da Guilda – e de você em particular - por deixar todas aquelas pessoas Superdotadas na masmorra de Zell serem torturadas e usadas. Eu não tinha ideia de que ele acabaria assim. Eu sinto muito.

— Então foi esse o guardião que treinou você — diz Ryn calmamente. Ele balança a cabeça e acrescenta, — Os delírios dele não são culpa sua.

— Mas... — Eu mantenho meus olhos fixos firmemente no chão enquanto admito o que fiz. — Eu o vi quando ele estava fugindo da Guilda, e eu não o impedi.

— Foi ele? — Ryn diz. — Que escapou da área de detenção recentemente?

Eu concordo. — Foi ele também quem matou Saskia e espalhou a doença do dragão, mas duvido que possamos provar isso. Ou pegá-lo. — Eu corro o risco de olhar para cima. — Você disse que os guardiões não encontraram ninguém na floresta perto de sua casa?

— Não. — Ryn senta na beira da cama. Eu me abaixo para me sentar ao lado dele. — Ele parece incrivelmente perigoso, Cal. Eu sei que você está se sentindo culpada por não ter alertado ninguém quando o viu. Você está esperando que eu fique com raiva de você. Mas meu palpite é que você não poderia tê-lo parado mesmo se tentasse. Ele com certeza tinha um jeito de sair.

— Eu acho que sim. Parece que ele tinha tudo planejado.

Ryn coloca a mão sobre a minha. — Você quer falar sobre... o resto da noite passada?

— Só se você já ouviu alguma coisa.

— Nenhuma palavra. Se a Corte Seelie tem a custódia de um homem que eles acreditam ser Draven, eles ainda não contaram a ninguém. Normalmente, ele estaria em Velazar agora, mas nós também não ouvimos nada deles. Há outras prisões para as quais ele pode ter sido enviado, mas Velazar faz mais sentido. É a mais segura. E então, é claro, há os rumores sobre uma prisão secreta controlada pela Rainha Seelie para inimigos pessoais dela que nunca terminam perto do sistema oficial da Guilda. Mas isso é completamente ilegal, então é claro que não há provas de que seja verdade.

— Ele pode estar em qualquer lugar — murmuro. — Ele pode até estar... morto.

Depois de uma longa pausa, Ryn diz, — Ele pode estar.

Fecho os olhos e digo, — Por favor, não me diga que ele está tendo o que merece.

— Calla...

— Eu sei que você não gosta dele, e eu sei que ele fez coisas terríveis no passado, mas eu me importo muito com ele. Você não sabe como meu coração dói ao pensar no que eles estão fazendo com ele. Pensar que nunca mais o verei.

— Calla. — Ryn aperta a mão que está sobre a minha. Eu abro meus olhos e olho para ele. — Eu só ia dizer como sinto muito por como tudo isso acabou. Eu gostaria que houvesse uma maneira de que eu pudesse consertar isso para você.

Eu ouço a voz da mamãe na passagem enquanto ela fala com um curandeiro. Eu fico em pé, sussurro adeus a Ryn, e deslizo entre as cortinas antes que mamãe e o curandeiro cheguem ao cubículo. Eu carrego as palavras de Ryn comigo todo o caminho de volta para a montanha, não porque eu quero que ele encontre uma maneira de consertar isso, mas porque se de alguma forma existir uma maneira de consertar, eu vou encontrá-la.

Eu sonho com o nosso beijo. Eu sonho com ele estando tão perto que não existe espaço entre nós. Seus braços, meu batimento cardíaco, seus lábios, minha respiração. Magia irradia do meu corpo, fazendo com que as fontes de água dourada percorram o ar ao nosso redor. Em um momento, estou feliz - e no outro meu coração se parte, porque sei o que está prestes a acontecer. O redemoinho começa. Suga toda a água, me deixando sozinha na terra seca, vendo uma carruagem desaparecer ao longe.

— Calla!

Pressiono minhas mãos contra minhas orelhas porque não suporto ouvir seus gritos desesperados.

— Calla!

Eu balanço minha cabeça, fecho meus olhos.

— Senhorita Cachinhos Dourados.

***

Eu acordo, deixando o mundo dos sonhos para trás. Eu esfrego a mão nos meus olhos e me sento. Eu olho para a colcha, sentindo o baque do meu coração e tentando esquecer aquela sensação horrível de perda que permeava meu sonho, apagando todo o resto. Talvez eu devesse ter tomado alguma coisa para me ajudar a dormir, mas...

Calla?

Eu suspiro em voz alta e bato a mão sobre a minha boca.

Calla?

É a voz dele, dentro da minha cabeça. Eu olho para a minha mão esquerda, onde o anel de telepatia envolve meu dedo indicador. Chase?

Você conseguiu o anel de volta, ele diz.

Você está vivo! Um alívio inimaginável explode dentro de mim.

Claro. Eu não te disse que demoraria muito para acabarem comigo?

Perguntas passam pela minha cabeça muito rápido para eu pará-las. O que aconteceu? Onde está você? Você está bem? Eles te machucaram?

Você está bem? Ele pergunta. Você desapareceu. Eu estava muito preocupado. Quando ele menciona a preocupação, é quase como se eu sentisse isso. E então um grande cansaço e um sentimento de derrota. Eu sei que é difícil esconder as emoções ao se comunicar assim, mas a fadiga parece tornar ainda mais difícil para ele esconder o que realmente está sentindo.

Eu estou bem, eu prometo, eu digo. Me conte sobre você primeiro.

Foi uma emboscada. Um monte de faeries de Angelica. Eu fui tão idiota em confiar nela. Muito, muito idiota. Enquanto eu lutava contra eles, eles me levaram em direção ao último redemoinho. Quando cheguei de volta à superfície, Angelica estava lá com dezenas de guardiões e o morioraith. Eu corri, mas a fumaça me atingiu. Ele me paralisou, dando aos guardiões a chance de me prender e colocar as correntes ao meu redor. Angelica estava lá para controlar a criatura. Ela deixou ele me arranhar, apenas uma vez, apenas o suficiente para me manter fraco com alucinações do passado.

Eu sinto uma onda do horror com ele lembrando. Eu sinto muito. Desculpe. Eu deveria ter ido atrás de você antes...

Fico feliz que você não foi. Eles poderiam ter pegado você também.

Onde você está agora?

Acontece que o Palácio Seelie esconde um mundo de escuridão sob o piso de mármore polido. Há celas de prisão e câmaras de tortura aqui que eu nunca soube que existiam, nem mesmo quando pensei que tinha controle sobre este lugar.

Então você está na Corte Seelie? Um lugar impossível de encontrar, a menos que seja mostrado a você por alguém que saiba onde está?

Sim. O lugar mais bem escondido em todo o mundo fae.

E agora eu entendo seu desânimo. Como vamos encontrá-lo se ele está escondido em um lugar que quase ninguém sabe como chegar? Ele realmente está além do nosso alcance. Meus dedos agarram o colchão enquanto minha esperança começa a se esvair. O que eles planejam fazer com você?

Eu não sei. Por enquanto, estou acorrentado em uma cela sem acesso à minha magia. Eles não chegaram muito perto de mim, e é por isso que eu ainda estou com o anel.

Eu puxo meus joelhos para cima e pressiono minha testa contra eles. Há tantas coisas importantes que eu poderia dizer ou perguntar, mas as palavras nadam até a superfície, eu sinto tanto a sua falta. Eu não tento esconder o pensamento. Não há segredos entre nós agora.

Não tanto quanto eu sinto sua falta.

Meu coração dolorido alcança o dele. Eu me pergunto se ele pode sentir isso, meu desejo por ele. Eu respiro fundo e digo a mim mesma para não chorar. Já chorei demais. E eu já tive muita desesperança, derrota e escuridão. Cores brilhantes, eu digo, dizendo a mim mesma tanto quanto estou dizendo a ele. Estamos pintando com cores brilhantes agora, não com cores escuras. Nós podemos consertar isso. Nós podemos encontrar um caminho.

Não sei se sou eu, ele ou nós dois, mas sinto uma mudança. Uma mudança no clima. Eu me enrolo debaixo das cobertas e fico acordada por mais algumas horas, falando com ele - pensando, planejando, conspirando - até que adormeço com o som de sua voz em minha mente.

Quando acordo de manhã, estou cansada, mas energizada. Estou focada. Eu tenho um propósito. É mais tarde do que pensei, então me visto rapidamente e corro para o escritório de Gaius. Ele não está lá. Um olhar rápido na estufa me diz que ele também não está lá. Eu desço as escadas e, em seguida, desço novamente, abaixo do saguão de entrada, até a porta que Chase abriu, segurando a mão dele contra ela. Eu hesito. Gaius disse que acrescentaria minha impressão ao feitiço de acesso a porta pouco antes de partirmos para os Rios Wishbone, mas ainda não tentei. Eu não queria vir aqui desde então.

Eu levanto minha mão e a coloco contra a porta. Clique, e a porta desaparece. Uma pequena emoção corre através de mim. Eu realmente pertenço aqui agora. Depois de mais escadas, eu viro no amplo corredor e sigo para a sala de reuniões com a mesa oval. Eu não tinha certeza se alguém estaria lá, mas eu escuto vozes vindo da porta aberta. Quando a alcanço, Gaius sai da sala ao lado com um pergaminho na mão. Ele me cumprimenta e acena para eu andar na frente dele.

Lumethon, Kobe e Darius estão sentados em torno de um diagrama de um edifício. — Então nós ainda vamos continuar com isso? — Darius pergunta.

— Claro — diz Lumethon. — Não podemos abandonar todas as operações simplesmente porque Chase não está aqui.

— Eu não estou dizendo para abandonar tudo, mas isto era dele. É complexo. Ele foi o único que já esteve lá antes.

Gaius passa por mim e entrega o pergaminho para Lumethon. — Para as Videntes.

— Obrigada — diz ela.

Ana entra então, com as bochechas coradas e uma toalha em volta do pescoço. — Eu perdi alguma coisa? — Ela pergunta. — Alguém já descobriu onde Chase está?

— Sim — eu digo, me movendo para ficar na cabeceira da mesa enquanto todo mundo parece surpreso. — E eu tenho nossa próxima missão. É quase impossível, mas Chase me diz que geralmente é a melhor. — Eu giro o anel de telepatia em volta do meu dedo e sorrio para a minha equipe. — Nós vamos invadir a Corte Seelie.


{1} Wishbone = em inglês Wish: desejo; Bone = osso.

Capítulo 27

 

 

Eu puxo vários livros das estantes cheias de plantas no escritório de Gaius, mas nenhum deles menciona a cidade de Kagan. Existem centenas de livros aqui, então provavelmente eu não encontrei o certo. Depois de contornar uma pequena engenhoca com rodas que desliza em padrões aleatórios pelo chão do escritório, saio para a casa à beira do lago e depois para a floresta Creepy Hollow.

Eu saio dos caminhos das fadas a uma curta distância da árvore de Raven e Flint. Eu não quero chegar diretamente do lado de fora, caso alguém da Guilda esteja vigiando a casa deles. Eu também quero passar alguns minutos a céu aberto com a floresta sem fim que se estende por quilômetros em todas as direções. Sinto saudade. Sinto falta de respirar o ar fresco, ver os insetos brilhantes enquanto a escuridão se instala e caminhar entre cogumelos gigantes e flores e plantas luminosas escondendo criaturas exóticas. Agora que penso nisso, a maior parte da floresta deve ser segura para mim. Eu só preciso evitar os lugares onde os guardiões provavelmente estarão - as antigas ruínas da Guilda, as casas das pessoas mais próximas a mim, a clareira com as lojas. É claro que o resto da floresta é o lar de todos os tipos de criaturas potencialmente perigosas, mas, no que me diz respeito, elas não são tão perigosas para mim quanto os guardiões.

Não noto ninguém à espreita perto da árvore de Raven e Flint, mas decido me esconder de qualquer maneira. É uma boa prática, pelo menos. Eu alcanço a árvore deles e me inclino mais perto para soprar suavemente contra a casca áspera. Ao me endireitar, a poeira cor de ouro flutua para longe da árvore para revelar uma aldrava embaixo. Eu agarro e bato duas vezes. Momentos depois, o formato de uma porta ondula e desaparece. Flint aparece. — Olá?

Eu passo rapidamente por ele para dentro da casa antes de soltar minha ilusão. — Ei, sou eu. Apenas tomando precauções.

— Sabe — papai diz, atravessando a sala, — eu estou muito feliz que você não descobriu que poderia parecer invisível quando era mais jovem. Você teria feito todos os tipos de travessuras.

— Eu? Nunca. Ryn era seu filho travesso, lembra?

— Eu ouvi isso — grita Ryn de outra sala.

— Ah, você está aqui — diz Raven. Ela se levanta e move Dash para seu quadril. — Dash está esperando por um beijo de boa noite de você.

— Oh, seu pequeno sedutor. — Eu beijo a bochecha rechonchuda de Dash, e ele me recompensa com um sorriso tímido. Então ele estende as duas mãos e me alcança.

— Não, não, não, é hora de dormir para você — diz Raven. Para o resto de nós, ela acrescenta — Eu voltarei. — Ela se dirige para as escadas, e Flint a segue.

— Legal. Se você precisar que a gente ajude com a comida ou qualquer... Uau. — Minhas sobrancelhas levantam e meu queixo ameaça atingir o chão quando meu olhar pousa em Vi de pé na porta da cozinha. — Meu Deus, senhora grávida. Você está enorme.

Ela coloca as mãos nos quadris. — Obrigado. Isso me faz sentir muito mais atraente do que já me sinto.

Eu coloco minhas mãos na minha boca e, em seguida, digo, — Não, desculpe, isso saiu errado. Eu estou apenas... um pouco chocada. Quero dizer, parece que você poderia entrar em trabalho de parto agora. Como diabos isso aconteceu? Você esteve fora - eu não sei - uma semana?

— Quatro meses e meio — diz Vi. — Aproximadamente. É a primeira vez em seis anos que o tempo em Kaleidos ficou devagar por tanto tempo. E apenas mudou para o outro lado, acelerando para o lado deles. É por isso que voltei para casa. — Ela atravessa a sala e se senta, ajeitando as almofadas atrás de si antes de se inclinar para trás. Eu me sento em frente a ela. — Há também essa coisa de cerimônia no Instituto na próxima semana. Eu sou uma das pessoas que eles vão homenagear por todo o trabalho que fiz lá. Seria rude perder isso. Eu tenho mais ou menos um mês, mas fico feliz em passá-lo aqui. Eu senti falta de Ryn, — acrescenta ela quando ele se junta a nós. — Mais do que as palavras podem descrever. — Ryn pega a mão dela e a beija enquanto ele se senta ao lado dela.

— Por que você fez isso então? — Eu pergunto. — Você está realmente tão obcecada pelo trabalho que a ideia de passar meses sozinha em uma ilha distante parecia melhor do que perder alguns meses de trabalho?

— Calla. — Ryn franze a testa para mim.

— Eu sinto muito. — Que droga, minha estúpida boca descontrolada. — Eu não quis que soasse rude. Esque...

— Tudo bem, — diz Vi. — Você não é a primeira pessoa a perguntar. Antes de sabermos sobre o bebê, eu me comprometi a fazer parte de algumas mudanças importantes que estão surgindo no Instituto. Eu não quero decepcionar as pessoas com quem amo trabalhar, mas também não quero perder tempo em casa com o bebê quando ele ou ela nascer. Eu não queria ter que escolher, então encontrei um jeito de ter os dois.

— Eu sinceramente não achava que ia dar certo — papai diz.

— Nem eu — diz Ryn.

Eu dou a Vi um olhar de desculpas. — Nem eu.

— Obrigada, todo mundo. — Vi finge estar ofendida. — É bom saber que Tilly é a única que achou que minha ideia era boa.

— Claro que ela achou — diz Ryn. — Todos nós sabemos que a Tilly é um pouquinho maluca.

— O melhor tipo de loucura — diz Vi com um sorriso.

— Oh, pai, onde está aquela carta para Calla? — Ryn pergunta.

Papai tira um pequeno pedaço de papel dobrado do bolso e se inclina para entregá-lo para mim. — Veio de um mensageiro privado esta tarde. — Parece que ele pode estar prestes a dizer algo mais, mas então seu foco muda. — Flint, essa é a nova KarKnox multi-funcional? — Ele se levanta e atravessa a sala para examinar o que quer que seja que Flint está trazendo para baixo. Eu desdobro o papel.

Calla, desculpe-me por tudo. Por favor, me encontre no sábado à noite, às 10 da noite, onde costumávamos praticar tiro ao alvo. Z

Sábado. É hoje à noite. Zed, obviamente, assumiu que papai seria capaz de passar essa mensagem rapidamente.

— Se esta pessoa Z é um amigo da Guilda — diz Ryn, — então eu diria para não ir. Há uma chance de ele ou ela estar atraindo você para esse encontro em nome da Guilda.

Eu cruzo meus braços e franzo a testa para ele. — Você leu minha carta?

Os olhos de Ryn se movem para o lado antes de voltar para mim. — Papai leu primeiro.

Eu solto um suspiro. — Você é tão imaturo, às vezes.

— Só às vezes? — Vi pergunta inocentemente.

— Esse cara não é da Guilda — digo a eles. — Eu confio nele, mas vou com cautela.

— Eu acho que eu deveria ir com você — diz Ryn.

— Não, obrigada. — Eu me levanto e vou embora rapidamente antes que eu possa entrar em uma discussão com Ryn. Eu acho que posso lidar com um encontro com Zed sozinha. Além disso, Ryn provavelmente não ficaria satisfeito em descobrir que ‘essa pessoa Z’ é o prisioneiro que escapou da Guilda enquanto eu observava e não fiz nada.

 

***

 

Zed e eu costumávamos fazer nosso treino de tiro ao alvo perto de uma praia deserta em algum lugar do reino humano. Nós nos sentíamos seguros lá. Nós éramos invisíveis aos olhos humanos, e as chances de alguém do nosso mundo nos encontrar eram pequenas. Eu chego lá dez minutos atrasada para que eu possa me aproximar dele em vez do contrário. Eu ando em silêncio entre as árvores que carregam as cicatrizes de nossas muitas horas de prática. Facas, adagas, shurikens, machados, lanças. Eu aprendi a menejar todos aqui.

Onde as árvores terminam e a terra escura se mistura com a areia clara da praia, eu paro. Eu vejo uma figura solitária sentada fora do alcance das ondas, observando a lua pairando sobre a água. Eu olho para os dois lados ao longo da praia. Encontrando-a deserta, atravesso a areia para me juntar a Zed. Ele levanta no momento em que me vê. — Você realmente veio — diz ele. — Eu pensei que você poderia estar com muita raiva depois da conversa que tivemos pela última vez. E depois, com tudo o que aconteceu com você desde então...

Eu olho em volta mais uma vez para verificar que ainda estamos sozinhos. Então eu sento. — Você sabe o que aconteceu?

— Sim. As pessoas falam. — Zed se senta ao meu lado. — Eu não acho que há alguém em Creepy Hollow que não saiba o que aconteceu na Guilda.

— Ótimo — murmuro.

Zed olha para mim e diz, — Eu sinto muito sobre tudo isso, Calla.

Eu encontro seu olhar turquesa. — Por quê? Você nunca quis que eu fizesse parte de uma Guilda.

— Eu sei, mas não queria que terminasse assim para você, com seu nome na Lista Griffin e sua habilidade revelada para metade da Guilda ver.

Eu solto um longo suspiro. — Bem, foi assim que aconteceu. Eu não posso mudar isso, então agora eu tenho que seguir em frente.

— Você sempre foi do tipo otimista — diz ele com um sorriso.

Eu dou de ombros. — Não tanto hoje em dia, mas estou tentando.

— Enviei a você muitas mensagens, mas quando você não respondeu, percebi que você provavelmente jogou seu âmbar fora.

— Sim. — Eu pego um punhado de areia e a deixo correr entre os meus dedos. — Eu tinha feitiços anti-rastreamento, mas não sei como eles eram bons. Eu ainda preciso de um substituto, na verdade. Eu tenho usado um que é tão antigo que só se comunica com uma pessoa.

Zed ri. — Eu achava que âmbares como esse só existiam em museus.

— Aparentemente não.

— Bem, você quer um dos meus? — Zed pergunta. — Eu tenho dois.

— Você tem dois? Por quê?

— Eu sempre tive dois. Um é pessoal e outro é para os negócios.

Eu não posso deixar de rir. — Negócios? Que negócios?

Ele encolhe os ombros. — Talvez eu apenas goste de ter dois.

— Bem, você não terá mais dois se me der um.

— Eu vou comprar outro. Tudo bem. Além disso, meus âmbares têm os feitiços anti-rastreamento mais avançados, o que você definitivamente precisa. — Ele se inclina para o lado e alcança seu bolso para remover um âmbar retângulo muito mais fino e suave do que o que eu tenho usado. — Eu vou apagar todas as minhas coisas. — Ele pega sua stylus. Eu vejo as ondas rolando na praia enquanto ele apaga qualquer informação deixada no âmbar. Mensagens de sua namorada, talvez, ou daqueles que odeiam guardiões, já que ele parece gostar de sair com eles atualmente. — Aqui. — Ele entrega para mim. — Foi totalmente limpo. Ele até gerou uma nova identificação âmbar para que você não seja incomodada por mensagens de todos os meus parceiros de negócios.

— Parceiros de negócios — eu digo com um suspiro. — Certo. Bem, obrigada. Depois que eu me disfarçar, mudar meu nome e me mudar para longe e começar a fazer novos amigos, talvez comece a usar os feitiços sociais novamente.

— É isso que você planeja fazer? Afastar-se, quero dizer?

— Sim. É triste ir embora, mas provavelmente vou visitar muito a minha família. Em segredo, claro. Meu irmão e sua esposa vão ter um bebê a qualquer momento, então eu não quero perder.

— Tão cedo? — Zed pergunta surpreso.

— Sim. — Eu faço uma careta para ele. — Eu te disse que eles estavam tendo um bebê?

— Não, mas ouvi o seu irmão falando sobre isso na Guilda. Você sabe, durante minhas muitas horas escondido.

— Ah, sim. — Eu peneiro mais areia através dos meus dedos. — E agora você e eu somos fugitivos.

— Sim. Pela vida de fugitivo. — Ele levanta o outro âmbar como uma taça de champanhe. Eu levanto o âmbar que ele me deu e o bato contra o dele.

— Pela vida de fugitiva — eu digo com uma risada, porque eu também posso acolher isso. — À amizade.

— À amizade — Zed repete. Então ele se inclina e me beija.


Capítulo 28

 

 

Eu tento me afastar, mas a mão de Zed já está em volta do meu pescoço, me puxando para mais perto dele. Eu coloco as duas mãos contra o peito dele e empurro com força. Quando ele cai para trás, eu me levanto. — O que você está fazendo? — Eu suspiro.

— Eu pensei... eu pensei que você queria isso. — Ele se levanta.

— Eu queria, mas isso foi há meses, e você me disse que eu era jovem demais para você. E você não tem namorada?

— Não mais. E eu sei que isse que você era muito jovem, mas... eu não sei. — Ele dá de ombros. — Você parece diferente agora.

— Diferente?

— Sim... você não parece mais uma garotinha.

Eu cruzo meus braços firmemente sobre o peito, ainda segurando o âmbar que ele me deu. — Bem, obrigado, mas quando eu disse 'à amizade', eu falei sério.

— Tem certeza? — Ele se aproxima de mim. — Tem certeza de que não quer mais nada?

Eu olho para os olhos azuis e verdes com os quais eu costumava sonhar e espero meu coração começar a acelerar ou ter arrepios sobre a minha pele ou asas de sprite batendo dentro de mim.

Nada.

Absolutamente nada.

— Zed — eu digo. — Tenho certeza. Estou feliz por sermos amigos de novo e por não estarmos discutindo sobre a Guilda, mas... isso é tudo que quero. Apenas amizade. — Eu balanço meus braços desajeitadamente ao meu lado. — Eu acho que eu deveria ir agora. Boa noite.

Eu ando rapidamente em direção às árvores.

— Calla? — Ele fala atrás de mim. Eu olho para trás. — Eu sinto muito se eu fiz você se sentir estranha. Estou feliz com a amizade. Sério.

Eu abaixo minha cabeça. — Tudo bem. Obrigada. E obrigado novamente pelo âmbar.

Volto para a montanha pela casa à beira do lago. É tarde, mas ainda não estou cansada. Preciso tirar minha mente de Zed e de todo esse constrangimento. Que estranho! O que poderia tê-lo feito pensar que ainda me sinto da mesma maneira que me senti durante todos esses meses? Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço e ombros quando tiro meus sapatos, tentando não pensar sobre o jeito que seus lábios pareciam estranhos nos meus. Não é uma memória que eu quero guardar.

Eu ando ao longo do corredor de meias e entro no quarto de Chase. Uma lâmpada ainda está acesa, então eu a movo para o lado vazio da cama onde eu gosto de sentar e desenhar. Eu abro meu caderno de desenhos e folheio para onde estou trabalhando atualmente: uma seção das antigas ruínas da Guilda coberta de trepadeiras e flores em forma de estrela. Este caderno está repleto de desenhos agora, desde esboços breves e abandonados até imagens detalhadas e quase acabadas. Já que o meu choque inicial por ter sido expulsa da Guilda acabou, estou achando mais fácil virar para uma nova página, colocar meu lápis no papel e ver algo tomar forma.

De vez em quando minha mão fica imóvel enquanto olho para ele. Ele parece um pouco mais calmo hoje à noite. Balançando menos e resmungando menos. Eu toco sua pele. Não está queimando como estava há alguns dias, mas não sei dizer se está de volta a uma temperatura normal ou não. — O que você está sonhando? — Eu sussurro.

Volto para o meu desenho e decido que precisa de alguma cor. Na verdade, todo esse caderno precisa de um pouco de cor. Tudo é preto e branco e cinza até agora. Eu coloco o caderno de lado e me levanto. Deve haver alguns lápis de cor neste quarto. Eu ando até a mesa coberta de frascos de tinta, tinta para tatuagem, uma pilha de esboços soltos e outros pedaços e peças relacionados à arte. Ao lado de várias telas pequenas empilhadas umas em cima das outras, vejo um pote com canetas e lápis parecendo como uma versão de um buquê de um artista. Eu alcanço, mas então minha atenção é capturada por outra coisa: o pequeno navio dentro da garrafa de vidro.

Eu pego cuidadosamente e dou uma olhada mais de perto. O navio está navegando em águas turbulentas com pingos minúsculos de chuva caindo e um flash ocasional de raios ziguezagueando através da cena. A primeira vez que vi esta garrafa, eu não tinha ideia do significado desse objeto encantado. Nenhuma ideia de que era uma pequena pista para sobre quem Chase realmente é. Mas agora eu sei exatamente o que isso representa: sua poderosa capacidade de criar tempestades e controlar o clima. Eu tento encontrar uma parte de mim que ainda está zangada com ele por não ter me contado a verdade, mas eu acho que não há mais raiva. Eu entendo agora por que ele teve que manter seu segredo até que ele soubesse se poderia confiar em mim. Eu só queria que nunca houvesse nenhum segredo que ele tivesse que guardar em primeiro lugar.

Eu coloco a garrafa gentilmente de volta na mesa. Então eu puxo o frasco para mais perto e procuro através das canetas, carvão e pedaços de giz até encontrar um único lápis arco-íris. Eu balanço para confirmar se ainda está funcionando e muda de laranja para amarelo. Perfeito. Antes de voltar para a cama, olho para a pilha de esboços. O que está em cima é da estufa. Deslizando para o lado, vejo na próxima página um desenho de tinta de uma fênix. Por baixo, há uma lua de carvão refletida na água ondulando e, sob esse... um esboço de mim.

Surpresa passa através de mim, seguida rapidamente pela culpa. Eu não deveria estar olhando os esboços do Chase. São pessoais. Eu não gostaria que alguém olhasse meu caderno de desenho sem minha permissão. Mas não posso deixar de demorar mais alguns segundos para examinar o esboço mais de perto. Com amarelo e um pouco de laranja, ele pintou meus olhos e partes do meu cabelo, mas o resto do desenho está em vários tons de cinza. Há um sorriso tímido nos meus lábios, e eu me pergunto que momento ele estava tentando capturar nesse desenho.

Enquanto reúno os papéis, vejo a borda de um caderno desgastado saindo debaixo da pilha. Eu o pego. Eu sei que não deveria, mas estou tão curiosa, e o que são mais alguns momentos de bisbilhotice? Eu abro o caderno e encontro páginas e páginas com a caligrafia de Chase. Não é um diário, no entanto. Isso parece mais com detalhes de missões. Nomes, datas, lugares. Uma marca ao lado de todas as pessoas que foram salvas ou auxiliadas de alguma forma. Um registro de todo o bem que Chase fez desde que ele deixou seu passado sombrio para trás.

Fecho o caderno e o deslizo de volta sob os esboços, depois volto para a cama com o lápis arco-íris. Mas meu foco mudou completamente, e eu não sinto mais vontade de desenhar ou pintar. Eu olho para Chase. Eu coloco minha mão suavemente em seu pulso. Eu evitei segurar a mão dele até agora. Parecia muito... íntimo. Isso me fez pensar naquele momento após o casamento, quando ele deslizou os dedos entre os meus e meu coração se expandiu para encher meu peito inteiro porque eu acreditava, por pouco tempo, que a felicidade era nossa.

Com meu coração batendo forte e minha garganta estranhamente seca, eu levanto a mão dele e encaixo meus dedos entre os dele. — Por favor, acorde — eu sussurro. E então quietamente, quase inaudível, como se fosse um segredo que ninguém mais deveria ouvir: — Sinto sua falta. Eu provavelmente não deveria, mas eu sinto. Eu sinto muito a sua falta. Senti sua falta mesmo quando estava com raiva de você. E depois que você finalmente explicou tudo e começamos a conversar novamente, eu senti sua falta ainda mais porque nada era como costumava ser depois disso. — Eu descanso a minha testa contra nossas mãos entrelaçadas e fecho os olhos. — É loucura eu não querer deixar você? — Eu murmuro.

Pontos brilhantes de luz piscam do outro lado das minhas pálpebras. Confusa, eu puxo minha cabeça para trás e abro meus olhos. Uma névoa de faíscas douradas desliza em torno de nossos dedos entrelaçados. Eu tiro minha mão com medo. Do outro lado do quarto, a pilha de esboços na mesa voa com o ar, enquanto ao meu lado, a chama da lâmpada se inflama repentinamente, incendiando o abajur. Eu apago com um rápido feitiço de escudo lançado sobre o fogo para sufocá-lo. A escuridão desce sobre o quarto. Eu junto minhas mãos e crio uma bola de luz. Eu aumento até que um brilho quente ilumine o quarto, então a coloco bem no alto para que ela flutue perto do teto.

Então sento com as mãos enfiadas firmemente sob meus braços, observando Chase enquanto meu ritmo cardíaco lentamente retorna ao normal. Isso não aconteceu comigo antes, esses brilhos, essas explosões descontroladas de magia. Mas eu sei o que são. Mamãe e eu tivemos uma conversa terrivelmente estranha quando ela explicou a magia da atração física e... outras coisas.

— Eu não deveria me sentir assim por você — murmuro. — Eu devo continuar me lembrando quem você realmente é, e então eu devo ir embora.

Em vez de me responder, Chase continua perdido em seus sonhos. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa, porque eu realmente quero que ele saiba como me sinto? Não. Não quando ele uma vez esmagou e quase destruiu um mundo e poderia potencialmente fazer a mesma coisa comigo.

Pego meu caderno de desenho e o lápis arco-íris e começo a adicionar cor aos meus desenhos. Eu vou para a cama em algum momento, mas por enquanto, eu preciso deixar minha mente vagar.

 

***

 

Eu me sinto desorientada quando acordo. Eu estou do lado errado da minha cama e não há nenhum lençol sobre mim. Então eu abro meus olhos o suficiente para perceber que esta não é a minha cama. Depois de piscar um pouco mais e sentar, encontro o caderno e o lápis arco-íris ao meu lado. Eu devo ter adormecido aqui em vez de voltar para o meu próprio quarto. Eu esfrego meus olhos antes de olhar para o lado de Chase da cama.

Ele não está lá.

Assustada, eu olho para cima e encontro ele sentado na cadeira, olhando para o nada. Seu cabelo está molhado e suas roupas estão limpas. — Você está acordado! — Eu quase pulo e corro até ele, mas eu consigo me conter. Eu rastejo até a beira da cama em vez disso.

— Quando você acordou?

Ele lentamente se vira na cadeira para me encarar. — Há pouco tempo atrás. Eu tomei um banho. Agora estou... pensando.

— Sobre? — Eu pergunto com cuidado.

— A tortura que acabei de viver.

Eu engulo e depois digo — Você ficou inconsciente por uma semana.

— Tudo isso? — Ele diz com uma risada sem graça. — Parecia uma eternidade.

— Foi o morioraith.

— Eu sei. — Ele abaixa a cabeça em suas mãos. — Eu sinto muito, Calla. Eu deveria ter me lembrado disso. Eu deveria estar preparado. Mas Angelica e eu costumávamos ir direto para a câmara e ir embora novamente. E o morioraith... eu nunca lidei diretamente com ele. Angelica o encontrou em algum lugar. Ela costumava controlá-lo com um gongo. Um enorme com um som de ressonância profunda. O morioraith não aguentava. Mas mesmo sem um sino ou um gongo, eu poderia ter feito muito mais. Eu deveria ter ficado pronto com magia no segundo em que ele se transformou na forma corporal, mas tudo ficou confuso tão rapidamente. Eu não pude fazer nada e me desculpe.

— Você sente muito? — Eu pergunto. — Eu que sinto muito. Eu estava atrasando você. Você poderia facilmente ter fugido sem mim. E então você pulou na frente daquela coisa para ele não me pegar e acabou com todo o seu corpo envenenado. É por isso que eu estou pedindo desculpas.

— Ele teria me pegado de qualquer maneira — diz Chase. — Eu tenho muito mais para saciar a fome de um morioraith do que você. — Ele abre a gaveta da mesa e coloca algo dentro dela. — Eu falei com Angelica — diz ele. — Ela me contou o que ela disse a você.

Eu mordo meu lábio e pergunto — Você está com raiva de mim por usar o anel?

— Não. Eu presumo que você estava apenas tentando ajudar. — Ele não olha para mim quando fala, então eu não posso ter certeza se ele está dizendo a verdade.

Eu me levanto e atravesso o quarto. Eu paro na frente dele, mas ele ainda não olha para mim. — Você está bem? Quero dizer, você está realmente bem?

Ele esfrega a mão sobre o rosto e fica de pé. Ele olha por cima do meu ombro enquanto diz — Parece que os últimos dez anos nunca aconteceram. Eu me sinto como o monstro que acordou ao lado das Cataratas do Infinito. O monstro que mal podia encarar a vida por causa de todas as coisas terríveis que ele fez. Todas as memórias estão bem aqui, logo abaixo da superfície, tão cruas, tão próximas. É tudo que posso ver. É tudo o que sou.

— Não. — Ele ainda não encontra meus olhos, então estendo a mão e toco seu rosto. O menor dos toques, apenas ao longo de sua mandíbula, mas o suficiente para fazê-lo olhar para mim. — Você é muito mais do que seu passado. Você é isto — eu pego a tela mais próxima, uma das minhas favoritas: sprites dançando na chuva — e isso — eu pego alguns desenhos do chão — e isso — eu seguro a máquina de tatuagem. — e isso. Isso é o que você é agora. — Pego seu caderno e o balanço na frente dele. — E sim, eu sei que não deveria ter olhado, mas é incrível. Você ajudou muitas pessoas.

Ele calmamente pega o caderno de mim e o coloca na mesa. — Eu acho que você deveria ir — diz ele.

Eu abro minha boca, mas não consigo responder. Dor me apunhala no peito, mas digo a mim mesma que ele não quis dizer isso. Eu estive em seu quarto a partir do momento que acordou, então faz sentido que ele queira um pouco de tempo...

— Da montanha, quero dizer. Você não deveria ficar mais por aqui. Você estava pensando em ir embora de qualquer maneira, não é? Pode muito bem ser agora.

A faca imaginária no meu peito começa a virar. — Você está... me expulsando?

— Calla. — Ele me dá um olhar agonizante. — Você não deveria ficar perto de mim. Como você ainda não percebeu isso? Eu sou um monstro.

— Não, você não é! — Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo em frustração. — Uma semana atrás era você tentando me convencer de que você não é mais essa pessoa, e agora sou eu quem está tentando convencê-lo. Graças a Deus, um de nós começou a pensar razoavelmente durante essa agonia do morioraith, senão estaríamos chamando você de monstro.

— Como deveríamos chamar — ele murmura.

Eu pego seu caderno e o empurro contra seu peito. — Leia isso.

— Calla...

— Leia! Então me diga que você é um monstro, depois de tudo de bom que você...

— Isso nunca vai compensar tudo o que eu fiz! — Ele grita, jogando o caderno no chão. — Eu nunca vou poder voltar atrás por todas as pessoas que eu machuquei e pedir desculpas a elas. Eu nunca vou poder pedir perdão.

— Não, você não pode. E você nunca vai poder mudar o que você fez também. Então vou lembrar a você o que me disse há não muito tempo atrás, quando era eu quem precisava ser retirada da escuridão: a única coisa que você tem controle agora é o seu futuro. Então você vai se chafurdar na autopiedade ou vai fazer a diferença? — Eu me inclino e pego o caderno. Eu o empurro em suas mãos. — E você realmente não deveria jogar isso por aí — acrescento calmamente. — Parece algo que você provavelmente quer guardar. — E então, como eu não consigo pensar em mais nada para dizer, eu me viro e saio.


Capítulo 29

 

 

 

Chase se foi quando eu acordei na manhã seguinte. Eu vou à procura de comida na cozinha, e é lá que Gaius me encontra para me contar a notícia de que Chase se recuperou e já está em outra missão. — Sinto muito que você não teve a chance de falar com ele antes de sair — ele diz para mim. — Eu sei que você tem esperado ansiosamente para ele acordar.

— Tudo bem. Eu na verdade falei com ele durante a noite.

— Ah, maravilhoso. Ele parecia bem para você? Ele estava muito quieto esta manhã. Eu não consegui muito dele.

— Hum... — Eu pego uma maçã da tigela na mesa da cozinha e a enrolo em minhas mãos, imaginando o quanto Chase iria querer que eu revelasse. — Bem, ele acabou de passar uma semana preso em pesadelos do passado. Ele provavelmente precisa de um pouco de tempo para colocar a cabeça no lugar certo. Ele disse para onde estava indo?

— Foi encontrar o farol da cidade de Kagan.

— Oh. Eu pensei - quero dizer - eu assumi que iríamos juntos. Mas... — Eu suponho que eu não deveria estar surpresa. Ele me disse que eu deveria ir embora da montanha porque ele não me quer em qualquer lugar perto dele, então eu suponho que isso inclui esta pequena missão para encontrar os Videntes. Pena que ele não ficou por aqui tempo suficiente para eu dizer a ele que ainda quero me envolver até que tenhamos certeza de que paramos o plano de Amon. Eu continuo rolando a maçã entre as palmas das minhas mãos. — Hum, de qualquer forma, você conhece a cidade de Kagan? Você já ouviu falar dela antes?

— Eu não conhecia, mas conseguimos encontrá-la em um dos meus livros esta manhã. Você já viu esse pequeno dispositivo conveniente para descascar maçãs? — Ele põe um anel na mesa, pega a maçã de mim e coloca a maçã no ar acima do anel. Antes que eu possa dizer a ele que eu não costumo descascar minhas maçãs, a fruta vermelha brilhante começa a girar mais rápido do que o meu olho pode seguir. Quando ela para, a casca desaparece.

Eu pego a maçã e a examino com uma carranca, me perguntando para onde a casca foi. E se perguntando por que Gaius mudou de assunto tão abruptamente. Eu abaixo a maçã e olho para ele. — Chase disse a você para não me deixar segui-lo para onde quer que este farol esteja?

Parecendo encurralado, Gaius diz, — Bem, nós achamos que você não deveria ficar envolvida demais, vendo como você vai embora em breve.

— Então isso é um sim?

— Você já escolheu para onde ir? — Ele pergunta inocentemente.

Com um gemido e um revirar de olhos, saio da cozinha.

Dois dias depois, Chase ainda não retornou. Gaius me diz para não me preocupar com ele, então eu tento ignorar a voz insidiosa que diz, E se ele nunca voltar? Eu escolho algumas escolas de arte e começo a organizar um portfólio. Estamos a dois meses do ano letivo, mas espero que os artistas não sejam tão rigorosos quanto a esse tipo de coisas, como os guardiões. Vou mostrar a eles o que posso fazer e espero que uma das escolas me aceite. Eu ignoro a pequenina parte de mim que espera que eu não entre em nenhuma delas.

À tarde, eu vou para o reino humano para fazer algum exercício. Eu corro ao redor de um parque ao lado dos humanos, confortável em saber que eles não podem me ver. Quando passo por alguém comendo um bagel, começo a rir e quase tropeço nos meus próprios pés. Eu gostaria de ter dinheiro humano para poder comprar um para Gaius. Depois do meu aquecimento, fico no meio do parque e prático luta usando um bastão que eu transformei em uma lança longa. Eu giro na minha frente e nas minhas costas e sobre a minha cabeça. Eu a varro através do ar e depois me inclino para frente para bater no chão. Repito cada movimento que eu conheço. É tão bom ficar ativa que mal posso suportar a ideia de passar o resto da vida na frente de uma tela ou me debruçar sobre papel de desenho. Eu queria que a arte fosse um hobby, não uma carreira, e agora tudo vai acabar do jeito errado.

Eu me consolo com o pensamento de que pelo menos eu não estou na prisão. Pelo menos eu não tenho uma marca da Lista Griffin encravada magicamente embaixo da minha pele, então assim a Guilda pode rastrear meu paradeiro pelo resto da minha vida. Pelo menos eu tenho a chance de começar de novo.

 

***

Eu acordo e alcanço desajeitadamente os dois âmbares ao lado da minha cama. Minha mão encontra o novo primeiro e olho para ele através de um olho meio aberto e meio desfocado. Está em branco. Nenhuma surpresa. Zed é o único que tem a identificação até agora, e ele e eu não temos o hábito de enviar muitas mensagens um para o outro. O barulho que me acordou deve ter vindo do âmbar mais antigo e pesado. Eu o pego e olho as palavras em sua superfície enquanto elas entram em foco.

Parabéns, você é tia!

Eu pisco. — O quê? — Então eu me sento ereta. — O quê? — Eu pulo da cama e pego minha stylus, que rola da mesa de cabeceira e desaparece debaixo da cama. Depois de mexer debaixo dela para recuperar a stylus e murmurar sobre como isso tudo seria muito mais fácil se eu pudesse apenas ligar via espelho para ele, eu respondo à mensagem de Ryn. Então eu rapidamente tiro o meu pijama e coloco algumas roupas. Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo e corro para a sala de banho para escovar os dentes. Quando volto, há outra mensagem de Ryn. Deslizo meu âmbar no bolso de trás e corro para a porta, depois corro de volta porque me esqueci de calçar os sapatos.

Através da porta, eu ouço uma voz familiar. Eu paro no meio de colocar uma meia, só para ter certeza de que ouvi corretamente. Sim, é Chase, falando com Gaius - algo sobre confirmar que os Videntes estão de fato presos no farol. Alívio me inunda. Ele está bem! Ele provavelmente não ficará satisfeito em saber que eu ainda estou aqui, mas podemos ter essa discussão mais tarde. Sapatos colocados, eu pulo e corro para fora do meu quarto. Corro ao longo do corredor e alcanço o topo das escadas enquanto Chase se vira no final e caminha de volta.

— Oi, bom dia, tchau — eu digo enquanto corro passando por ele.

— Oi, espere. Onde você vai?

Eu paro no final e olho para cima. — Creepy Hollow. Vi teve o bebê dela!

— O quê? Isso é impossível. Ela mal está grávida.

— Não, não, ela passou algum tempo em Kaleidos. Tudo bem. Um pouco cedo, mas Ryn diz que Vi e o bebê estão bem.

— Oh, isso é bom. — Quando eu me viro, ele acrescenta, — Espere, podemos apenas — Ele corre para baixo e para ao meu lado. Percebo agora que ele está vestindo o casaco que finalmente devolvi para ele. — Podemos conversar por um momento, ou você precisa ir urgentemente?

— Bem, não, não é urgente. Estou animada para chegar lá, só isso.

— Isso não vai demorar muito. Eu só queria me desculpar por... — Ele se interrompe quando Lumethon sai da sala de estar enquanto manda mensagens em seu âmbar. Ela se dirige para as escadas sem olhar em nossa direção. Chase limpa a garganta. — Eu realmente sinto muito que eu... — A porta da fada se abre e um homem careca que eu tenho quase certeza que é um drakoni passa por ela. Ele tranca a porta com uma chave de ouro, acena para nós e cumprimenta a elfa de cabelos espetados que sai da sala de estar. A mesma elfa que trabalhou como assistente de Chase em sua loja de tatuagem e depois apareceu na ala de cura depois em que eu acordei do meu tormento na Prisão Velazar.

Os dois começam a conversar. Chase suspira, pega meu braço e abre uma das portas que levam para fora do saguão de entrada. Ele me puxa para dentro da sala, que está cheia de móveis antigos, além de aparelhos quebrados e armas semi-construídas que provavelmente começaram a vida no laboratório de Gaius. Chase fecha a porta, deixando um pequeno círculo de luz no teto como a única fonte de iluminação.

— Desculpe — diz ele. — Eu esqueci que esta era a sala de armazenamento.

— Você estava dizendo algo sobre não demorar muito?

— Sim. Desculpe pela outra noite. Eu não deveria ter falado com você tão logo depois que eu acordei. Eu não estava no estado de espírito certo, e tudo parecia um pouco... sem esperança.

— Bem, para ser justa, fui eu quem adormeci no seu quarto. Você não teria que falar comigo se eu não estivesse lá.

— Verdade. — Depois de uma pausa, ele pergunta, — Você se sentou muito ao meu lado enquanto eu estava dormindo?

Eu dou de ombros, grata pela luz escura que esconde o calor subindo para o meu rosto. — Constantemente.

— Bem, obrigada. Meus sonhos eram... horrendos. Foi um grande conforto acordar e descobrir que eu não estava sozinho. E obrigada por jogar meu caderno em mim. Ajudou.

— Eu realmente não joguei em você.

— Você devia ter jogado. Poderia ter feito algum sentido em mim enquanto você ainda estava no quarto, em vez de um dia ou dois depois.

— Bem, você sabe, eu acho que você precisava de um pouco mais de tempo para lembrar que não é um monstro, afinal.

— Sim. Estar fora na luz do dia ajudou também. Ah, e fico feliz em ver que você não me ouviu quando eu lhe disse para ir embora. Eu verifiquei o Farol Brigham, e parece que uma tentativa de resgate será mais suave se tivermos suas ilusões para nos ajudar a entrar e sair.

— Claro. — Com um sorriso, acrescento, — Eu nunca planejei ouvi-lo quando você me disse para ir embora, a propósito.

— Bom. Porque também é... — Ele respira fundo e esfrega a nuca. — Bem, é bom ter você por perto.

— É, hum, bom estar por perto. — Fantástico. Agora meu rosto está definitivamente vermelho.

— De qualquer forma, eu vou deixar você ir agora. — Ele abre a porta, e a luz brilhante que entra é chocante. Sua mão escova meu braço brevemente enquanto ele acrescenta — Por favor, passe minhas felicitações para Vi e Ryn.

Em algum lugar atrás dele, faíscas disparam de um regador e voam pelo ar. Eu me afasto antes que ele perceba.

***

 

Eu me esgueiro para dentro do cubículo na ala de cura onde Vi está na cama com um pequeno embrulho nos braços. Ela olha para mim com olhos brilhantes, e as primeiras palavras de sua boca são — Ela não é a coisa mais linda que você já viu?

Eu consigo conter o meu grito quando eu arremesso meus braços ao redor de Ryn e o aperto com força. — Parabéns, irmão mais velho. — Então eu corro para o lado da cama e olho para o pequeno pacote embrulhado. Eu escovo meu dedo suavemente contra sua bochecha macia. Eu olho para seus cílios minúsculos e sua doce boca botão de rosa. — Ela é perfeita — eu suspiro. — Qual é o nome dela?

— Victoria Rose — diz Ryn, de pé ao meu lado e colocando um braço em volta dos meus ombros.

— Tão bonito — murmuro. — Eles são nomes de família, Vi?

— Rose era o nome da minha mãe — diz ela. — E Victoria... — Um sorriso triste cruza seu rosto. — Ela era minha mentora, mas era como uma família. Ela morreu na Destruição. Eu escutava as pessoas a chamando de Tora, mas seu nome completo era Victoria. Eu não tenho certeza de como vamos acabar chamando essa pequena. Victoria, Tora, Tori...

— Vicky? Vix? — Eu sugiro.

— Bem, ela vai ser Victoria quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — o que provavelmente será frequente, se ela for parecida comigo.

— Victoria Rose — corrige Vi com uma risada. — Seus pais nunca usaram pelo menos dois nomes quando você estava em apuros?

— Então Victoria Rose quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — e talvez Tori o resto do tempo.

— E talvez ela seja Ria para seus amigos — acrescento, — porque isso soa legal e exótico. Qual cor você acha que vai ser a dela?

— É muito cedo para dizer — diz Vi, acariciando o cabelo fino e escuro de Victoria. — Geralmente leva algumas semanas para se estabelecer, não é?

— Sim — diz Ryn. — Mas eu não tenho dúvidas de que ela será tão bonita quanto a mãe, não importa qual seja a sua cor.

Vi balança a cabeça enquanto sorri para ele. — Sempre tentando ser o Sr. Encantador.

— Ei, é verdade — ele diz a ela, seu sorriso combinando com o dela. Então ele se senta na beira da cama e olha para mim. — Desculpe, eu não lhe enviei uma mensagem antes. Não me odeie, mas... ela na verdade nasceu ontem à tarde.

— O quê? — Eu dou a ele o meu melhor olhar de raiva. — E você esperou até esta manhã para me dizer?

— Eu sabia que você viria para cá imediatamente, mas os curandeiros primeiro precisavam verificar se ela era saudável - o que ela é; muita magia forte de fada bombeando através desse minúsculo corpo dela, apesar de sua chegada antecipada - e então todos os visitantes começaram a chegar, e pareceu mais fácil esperar até depois da pressa inicial. Eu sabia que seria mais seguro para você se houvesse menos pessoas indo e vindo.

— E mais seguro para você — acrescento. — Eu definitivamente não quero que você acabe com problemas, o que nós dois sabemos que você estaria se alguém me visse aqui. Falando nisso — acrescento, lançando um olhar sobre o ombro enquanto passos se aproximam da cortina. Eu rapidamente projeto a ilusão de que não estou aqui.

Uma curandeira olha para dentro e diz — Ryn, o seu pai ainda está por aí?

— Não, ele voltou a trabalhar. Está tudo bem?

— Melhor do que bem — ela diz com um sorriso largo. — A esposa dele acabou de acordar.


PARTE 4


Capítulo 30

 

 

Eu permaneço escondida no quarto de Vi mordendo impacientemente minhas unhas enquanto Ryn verifica o que está acontecendo com a mamãe. Ele volta para informar que os curandeiros entrando e saindo de seu quarto continuam o expulsando. Eu ando ao redor, meu cérebro repetindo, Ela está acordada, ela está acordada, ela finalmente está acordada! Os nervos disparam através de mim. Há tanta coisa que tenho que perguntar a ela. Muita coisa que ela precisa explicar.

Papai chega. Eu quero correr para o quarto da mamãe com ele, mas Ryn me segura, me dizendo para dar-lhes um pouco de tempo sozinhos. — Ele precisa explicar todas as coisas que aconteceram enquanto ela dormia. O fato de que nós sabemos sobre ela ser uma Vidente, e como ela foi sequestrada, e então sua expulsão da Guilda. Apenas dê a ela alguns minutos para que as coisas façam sentindo antes que você vá correndo para lá. E enquanto espera, certifique-se de que ainda está focada o suficiente para se esconder. Você não quer estragar tudo agora e acabar em uma cela na detenção no andar de baixo.

— Eu odeio quando você é tão sensato — murmuro.

Ele me dá uma tapinha no ombro. — Eu sei.

Eventualmente, depois da quarta vez em que Ryn desaparece para ver o que está acontecendo, ele volta para me dizer que posso ir até o cubículo da mamãe. Eu espero alguns segundos para ter certeza de que estou me escondendo corretamente. Ryn diz — Perfeito. Você está completamente invisível. Eu vou com você para que eu possa impedir qualquer um que tente entrar enquanto você estiver lá.

Meu coração palpita ansiosamente como asas enquanto passo por todas as cortinas flutuantes em direção onde minha mãe tem dormido nas últimas seis semanas. Ao passarmos entre as cortinas, Ryn passa a mão pelo ar. — Escudo de som — ele murmura.

Eu paro dentro da cortina. Mamãe está sentada, ofuscada pelo enorme pijama do instituto de cura. Seu cabelo fino, loiro e amarelo, está emaranhado, mas alguém fez um esforço para domá-lo desde que ela acordou. — Calla. — Ela sorri e estende a mão para mim. Papai senta em um lado da cama, então corro para o outro lado e seguro sua mão. Minhas palavras saem da minha boca. — Você está bem? Como você está se sentindo? É confuso acordar depois de tanto tempo?

Ela coloca a outra mão sobre a minha. — Eu quase não me sinto diferente do que estaria depois de acordar de um sono normal. Um pouco confusa no começo, mas de outra forma normal. Esse é o sinal de uma poção do sono de alta qualidade — acrescenta ela, abaixando o olhar quando sua expressão se transforma em culpa. Ela balança a cabeça. — Eu sinto muito por ter feito isso com você. Foi à única coisa em que consegui pensar no momento. Eu não podia deixar que ele soubesse o que eu... — Ela se interrompe, então aperta minha mão com força e olha para cima. — É seguro você estar aqui? E se alguém te ver?

— Ryn está perto o suficiente da cortina para interceptar qualquer um que tente entrar. Isso me dará tempo para me esconder. Eu posso fazer isso rapidamente agora. Eu tenho praticado muito ultimamente.

Ela acena. — Eu sei por quê. Eu sinto muito. Você sabe que eu realmente não queria que você fosse uma guardiã, mas nunca quis que isso terminasse assim para você. Nunca.

— Isso não é importante agora. Sim, é uma droga, mas... — Eu afasto a dor que reaparece toda vez que me lembro da minha expulsão. — Estou tão feliz que você esteja acordada. Eu estava realmente com raiva de você no começo, mas depois... — Aperto a mão dela enquanto sinto as lágrimas ameaçando aparecer. — Por que você não me contou, mamãe? Sobre ser uma Vidente. Eu queria ter sabido. Isso teria me ajudado a entender melhor você.

— É... — Ela balança a cabeça e olha para o outro lado. — Não é um presente, é uma maldição. Eu vi tantas coisas horríveis. E é tão desorientador, tão... perturbador. Eu odeio isso. Eu sempre quis me livrar disso. Eu só queria ser normal, então fiz o meu melhor para fingir que era.

— Mas agora que eu sei — eu digo, olhando para as nossas mãos unidas, — você vai explicar tudo? A visão que você teve que fez você fugir, e por que alguém veio atrás de você por causa disso, e por que há dois outros Videntes envolvidos em tudo isso? Por favor?

— Eu vou ter que dizer a Guilda de qualquer maneira — ela diz baixinho, — então eu deveria me acostumar a falar sobre isso. E você merece uma explicação, já que foi sequestrada e quase morta por minha causa. — Quando ela consegue encontrar meus olhos, vejo lágrimas e o enorme peso da responsabilidade em seu olhar.

Eu dou-lhe um sorriso corajoso. — Realmente, não foi tão ruim assim. — Eu não sei o quanto meu pai disse a ela, mas ela não precisa saber o quão horrível foi essa experiência.

— Bom, então — diz ela. — Eu provavelmente deveria começar pelo começo. Eu nasci uma Vidente. Eu odiei minhas visões no momento em que elas começaram. Meus pais entendiam e só queriam que eu fosse feliz, mas estavam cientes de que qualquer faerie respeitável nascida com a capacidade de Ver deveria ser treinada para apoiar o sistema de guardião. Então eles me mandaram para a Guilda Estra.

— Não foi tão ruim assim. Eu tinha amigos. Tamaria e Elayna e eu fazíamos tudo juntas. Perto do final do primeiro ano, estávamos na biblioteca certa tarde quando todas nós três fomos atingidas por uma visão ao mesmo tempo. Diferentes, mas tudo relacionado ao mesmo evento. O bibliotecário chefe estava lá. Amon. Ele nos viu entrar em colapso. Ele deve ter ouvido o que dissemos enquanto estávamos experimentando as visões.

— Quando acordamos, Amon saiu correndo para chamar um de nossos instrutores. Nós três nos sentamos juntas, tremendo e compartilhamos o que tínhamos visto. Nós costumávamos carregar pequenos espelhos de mão conosco para que pudéssemos praticar a transferência de visões se as tivéssemos. Então fizemos isso e assistimos ao horror do nosso futuro. Então, eu disse a Tamaria e Elayna que não poderíamos deixar ninguém na Guilda ver essas visões. Afinal, eram eles que iam fazer com que esse futuro acontecesse.

— Eu não sei se elas concordaram comigo. Eu não sei o que elas planejaram dizer a Guilda. Mas peguei os três pequenos espelhos e fugi. Guardiões vieram à nossa casa, é claro, mas eu me recusei a contar o que vi. Eles tentaram me ameaçar, mas meu pai os fez sair. Quando estávamos sozinhos, mostrei a ele e a minha mãe as três visões. Então ele entendeu. Ele empacotou todas as nossas coisas e fomos embora antes da manhã seguinte.

— Anos depois, ele me revelou que nunca havia destruído esses espelhos. Eu achava que ele era louco por tê-los guardado, mas ele disse, ‘E se esse futuro vier a acontecer um dia, e a única maneira de consertá-lo seja a partir dos fragmentos de informação dentro dessas três visões? Você sempre saberá a sua, mas e se você precisar ser lembrada das outras duas? Não os destrua.’ Eu não queria ouvi-lo, mas tão assustada quanto eu estava, reconheci que ele provavelmente estava certo.

Mamãe tira as mãos das minhas e tira o anel de casamento do dedo. — Eu escondi os espelhos. Eu nunca disse ao seu pai que ainda os tenho. — Ela segura o diamante em cima do anel e o gira. Ela gira até o diamante sair do anel. — Sinto muito, — diz ela, olhando para o papai agora. — Tenho certeza de que você nunca quis que esse anel fosse usado para esse propósito.

— Hum... — Papai olha para as duas partes do anel, parecendo perplexo. — Não.

Mamãe esfrega o dedo em círculos sobre o diamante até ele perder o brilho e sua forma. Ele derrete para revelar três minúsculos discos empilhados uns sobre os outros. Enquanto ela recita um feitiço de aumento, os discos se expandem. Em poucos segundos, três pequenos espelhos redondos – do tipo sem reflexo dos Videntes - estão na palma da mão dela. — Ainda está muito pequeno — diz ela. — Deixe-me torná-los um pouco maiores. — Ela aplica outro feitiço de aumento, em seguida, levanta um dos espelhos para que eu possa ver melhor. — Essa era a visão de Elayna — diz ela, enquanto os passos rápidos de papai o levam ao redor da cama para ficar ao meu lado. Ela toca a superfície do espelho e a primeira das três visões aparece.

Uma lua cheia paira em um céu estrelado. Uma criatura da noite pia, e dois sprites voam através da cena. Sem aviso, um relâmpago irregular divide o céu ao meio, trazendo consigo um som horrível que quebra a quietude da noite. Quando a luz brilhante diminui, vejo uma grande lágrima no tecido do céu. A lágrima cresce mais e, além disso... está um mundo diferente. Um reino diferente. A cena escurece e uma figura sombria aparece. Tudo o que posso ver no rosto dele é a luz verde que brilha em seus olhos. Sua voz calma envia um arrepio através da minha pele, — O véu caiu.

O espelho retorna ao seu estado prateado sem reflexo. — O véu — eu repito suavemente enquanto olho para a superfície em branco. — Significa... aquele entre o nosso reino e o humano?

Silenciosamente, mamãe concorda. Ela pega o segundo espelho. — Foi isso que eu Vi. — Mais uma vez a cena é de um céu noturno, mas no primeiro plano está uma estátua de pedra de um tridente apontando para cima. O tridente parece estar subindo de ondas oceânicas esculpidas em pedra, que por sua vez estão montadas sobre uma ampla base cilíndrica com padrões esculpidos nela. Enquanto observo, um homem caminha até a estátua e sobe facilmente sobre as ondas de pedra. Ele fica ao lado do tridente e envolve uma mão ao redor enquanto ele olha para o céu. Eu não posso ver o detalhe em seu rosto, mas eu posso apenas ver o brilho verde onde seus olhos estão.

Dois homens caminham até a estátua carregando uma mulher entre eles. Eles a colocam em cima das ondas de pedra. Outros dois homens carregam uma segunda mulher e a colocam ao lado da primeira. Elas ainda estão vivas, mas não parecem conscientes. Os quatro homens estão de guarda, dois de cada lado da estátua. Quando eles apontam suas armas para as mulheres, percebo com um choque que esses homens são guardiões. Na visão do espelho, uma bruxa avalia o peso de um machado em suas mãos. Ela acena primeiro para os homens à direita e depois para os homens à esquerda. — Agradecemos às Guildas por sua assistência. Vocês ajudaram a tornar isso possível. — Ela caminha até a estátua, olha para as mulheres e depois para o tridente. O homem segurando ele parece ficar rígido. O tridente brilha. A bruxa fala — Da magia das profundezas à magia das alturas, com sangue de um lado e sangue do outro. Junto com o maior poder que a natureza pode aproveitar, vamos rasgar este véu. — Então, com um grito bárbaro, ela gira o machado no pescoço da primeira mulher. Eu suspiro e coloco a mão sobre a minha boca enquanto o sangue jorra do lado da estátua. A bruxa se move para a segunda mulher. Enquanto ela grita e traz seu machado para baixo novamente, eu aperto minha mão em um punho sobre a minha boca. Então a luz branca brilhante oblitera tudo.

A visão acaba.

— Isso... isso foi horrível — eu sussurro. — E aqueles guardiões apenas observaram.

Mamãe engole. — E isso — diz ela, pegando o terceiro espelho, — foi o que Tamaria Viu. — A visão começa com uma visão do lado de fora de uma torre, mas ela rapidamente se aproxima, passa por uma janela estreita e se concentra embaixo. No piso redondo do túnel há uma massa de corpos se contorcendo. Centenas de pessoas, todas amarradas e gritando. A visão desce, passando por pessoas, concentrando-se em rostos individuais. — Não esse — uma voz diz, e uma pessoa é libertada. — Esse também não. Eu não lhe disse para não usar os especiais? — Um homem é libertado, e então um menino com tatuagens no rosto, uma mulher chorando e uma garota com - cabelo dourado? Meu coração pula para a minha garganta quando a visão se move para cima e para cima, e eu vejo quando uma grande pedra da mesma forma e diâmetro que a parte interna da torre cai com velocidade ofuscante e esmaga a massa de pessoas gritando. Em um flash de luz, tudo fica branco e desaparece.

Eu respiro devagar. — Isso... era eu. Quando criança e aquele homem com os olhos brilhantes. Era Draven?

— Sim — responde Ryn de perto da cortina.

— Então tudo isso deveria acontecer durante o tempo de Draven, mas não aconteceu.

— Não, não aconteceu — mamãe diz. — Algo deve ter mudado. Ou talvez muitas coisas tenham mudado. Mas se Ryn não tivesse resgatado você do Príncipe Unseelie, você poderia ter acabado como todas aquelas pessoas no fundo daquela torre. E se Draven não tivesse sido morto, essa visão poderia se tornar realidade.

— Mas não aconteceu, então que uso essas visões tem para Amon?

Mamãe coloca o espelho na cama. — Acho que ele acredita que isso ainda pode acontecer. Ele provavelmente pensa que se ele puder reunir todos os elementos certos da maneira que eles estão nessa visão, então ele pode derrubar o véu a qualquer momento. Não há nada que indique que estava restrito a esse período específico da história.

— Mas... como ele poderia conseguir todos os elementos certos juntos? Eu suponho que o raio veio de Draven, e ele... bem, ele deveria estar morto.

— Eu não sei — mamãe diz. — Tudo o que sei é que Tamaria apareceu do nada há vários meses. Eu não sei como ela me encontrou. Eu não tive nada a ver com a vida dos Videntes ou a Guilda desde que fui embora. Eu fui para a escola de negócios e depois acabei como bibliotecária em Wilfred porque eu queria algo calmo. Eu pensei que tinha me escondido perfeitamente, mas ela conseguiu me rastrear.

— Ela me contou que um homem se aproximou dela perguntando sobre as visões que nós três tivemos. Um homem que conhecia Amon. Ele queria que ela lhe dissesse exatamente o que ela tinha visto, e ele também queria saber onde ele poderia encontrar Elayna e eu. Ela se recusou a dizer-lhe qualquer coisa e, eventualmente, ele foi embora. Ela procurou por mim porque queria me avisar. Ela acreditava que este homem estava tentando juntar as informações de todas as três visões para que ele pudesse causar a queda do véu.

— Eu disse a ela que ela nunca deveria ter vindo. E se esse homem estivesse a rastreando e agora ele sabia onde me encontrar? De qualquer forma, ela foi embora e eu vivi com medo por várias semanas. Mas nada aconteceu, e eu esqueci disso. Então aquele homem invadiu e lutou contra você, e depois você mencionou o nome Tamaria, e eu sabia. Eu sabia que foi por isso que ele veio, e eu sabia que ele voltaria. É por isso que tivemos que nos mudar. E é por isso que finalmente deixei você se juntar à Guilda. Eu sabia que não estávamos mais seguros. Eu queria que você passasse o máximo de tempo possível longe de casa, e eu queria saber que você poderia se defender adequadamente se estivesse em casa quando ele invadisse novamente. Eu sempre odiei a Guilda, mas tive que deixar isso de lado sabendo que você estaria mais segura lá.

— E no fim, foi exatamente na Guilda onde eles nos sequestraram — eu digo baixinho. — Como é possível — pergunto ao começar a pensar nessas visões, — dois reinos que se sobrepõem subitamente existirem no mesmo espaço, porque a magia não os separa mais? Eles meio que se juntariam? Um destruiria o outro?

— Espero que a gente nunca descubra — mamãe diz. — Mas você entende agora porque eu não queria que a Guilda soubesse o que eu vi? Eles ajudaram com tudo o que você viu nessas visões. E apesar de muitos guardiões tentarem impedir que isso se tornasse realidade se eu compartilhasse a visão com eles, eu não queria nem mesmo colocar a ideia na cabeça de alguém, caso isso tenha causado a coisa toda.

Eu inclino meu quadril contra a cama. — Você acha que isso funciona às vezes? O ato de tentar impedir algo é o que faz com que isso aconteça?

— Sim. Talvez eu esteja errada, mas acho que sim.

— Eu me pergunto se tudo isso é possível, — papai diz, franzindo a testa enquanto olha para os espelhos, — alguém realmente fazer essas visões se tornarem realidade. As consequências seriam indescritíveis.

Eu repasso os detalhes da visão horrível da mamãe novamente. Uma torre, uma bruxa, um machado, alguém deste reino, alguém do mundo humano, um feitiço que provavelmente não é muito difícil para qualquer bruxa descobrir, uma estátua com tridente e um poderoso relâmpago produzido pelo sujeito que por acaso não está morto.

Sim. Alguém poderia definitivamente fazer isso acontecer.

— Nos disseram que podemos levar Victoria para casa — diz Ryn, voltando para o cubículo. Eu não percebi que ele tinha ido embora. — Cal, você provavelmente não deveria ficar por muito mais tempo, a menos que você permaneça escondida. Você nunca sabe quando um curandeiro pode entrar aqui.

— Eu sei. Você está certo. — Eu pego a mão da mamãe novamente. — Desculpe, não posso ficar.

— Tudo bem, eu entendo. Eu não quero que você tenha que projetar uma ilusão o tempo todo e, em então, acidentalmente escorregar porque está cansada. Além disso, — acrescenta ela com um gemido, — Eu tenho certeza de que há vários guardiões esperando para me interrogar sobre a visão que me recusei a mostrar há tanto tempo atrás.

Preocupação aperta minhas entranhas. — Apenas perguntas? Ou será algo pior?

— Eu não sei. Mas não sou mais uma criança, então eu provavelmente deveria parar de me esconder. — Ela respira fundo, um pouco trêmula. — Quaisquer que sejam as consequências por fugir da Guilda durante todos esses anos, eu vou enfrentá-las agora. — Ela tenta dar um sorriso e acrescenta, — Espero que um dia eu possa ser tão corajosa quanto minha linda filha.

— Mãe... — Minha garganta aperta e lágrimas não derramadas doem por trás dos meus olhos.

— Tudo bem, basta — papai diz. — Vamos ser positivos. Tudo vai ficar bem. Logo você estará em casa — ele diz para a mamãe, — e você poderá admirar a redecoração bagunçada que Calla fez no quarto de hóspedes.

— Ei, esse foi um dos meus melhores trabalhos, — eu protesto, permitindo que um sorriso mascare minha preocupação. Mamãe ri, mas eu posso dizer que está meio indiferente.

Eu me despeço dos dois. Então eu me lembro de ser tão corajosa quanto mamãe pensa que sou quando desço as escadas e saio da Guilda. Chase e eu temos trabalho a fazer se vamos impedir Amon de transformar essas visões horríveis em realidade.


Capítulo 31

 

 

— Minha mãe acordou! — Eu digo enquanto corro para o escritório onde Gaius e Chase estão curvados sobre um mapa.

Os dois olham para cima. — Isso é maravilhoso, — diz Gaius.

— Ela me mostrou sua visão. E as outras duas visões também. Das duas Videntes que estão supostamente naquele farol na cidade de Kagan.

— Espere, espera aí. — Chase levanta as mãos. — Você está falando sério? Você viu todas essas três visões que Amon está procurando?

— Sim. E agora você está prestes a vê-las. — Eu me viro e me concentro no espaço acima do centro da sala. — Eu gostaria de não ter que assistir isso de novo, mas aqui vai. — Eu projeto minha memória das três visões no ar. Quero desviar os olhos dos detalhes horríveis, mas não acho que funcionaria. Então meus olhos ficam atentos para tudo: a divisão no céu, as mulheres decapitadas, os corpos se contorcendo prestes a serem esmagados. Quando termino, nós três ficamos em silêncio. Uma vagem de asa de dragão se fecha em torno de um inseto. Chase esfrega a mão na testa.

— É um pouco assustador saber que eu poderia ter feito isso acontecer, — diz ele eventualmente. Ele limpa a garganta. — Mas agora finalmente sabemos o que estamos tentando impedir.

— Eu sei que isso é pedir muito — diz Gaius, — mas você poderia nos mostrar de novo?

Então eu faço. Quando termino pela segunda vez, Chase aperta os olhos para o espaço vazio e murmura, — Angelica sabe.

— Sabe o que? — Eu pergunto. — Que minha mãe acordou?

— Eu não sei. Talvez tenha sido outra coisa, mas quando falei com ela há pouco tempo, senti uma espécie de excitação nela.

— Mas como? Mesmo que haja curandeiros na Guilda que estão na verdade trabalhando para Amon ou Angelica, eles teriam que ir à Prisão de Velazar para passar a mensagem. Levaria algumas horas pelo menos. E ela não pode saber que falamos sobre a visão da mamãe. Ninguém mais estava lá para ver, e Ryn colocou um escudo de som em torno de nós.

Chase anda ao redor da sala, batendo em várias plantas penduradas em seu caminho. — Eu não sei. Ela está feliz com alguma coisa e isso não é bom para nós. Precisamos parar isso antes mesmo de começar.

— Espere — eu digo. — Apenas espere. É realmente possível? Você acha que Amon poderia forçá-lo a fornecer aquele raio de energia?

— Eu não planejo deixá-lo fazer qualquer coisa do tipo, mas eu não descartaria que ele encontrasse outra fonte de poder.

— Como o quê?

Chase olha para Gaius. — Boa pergunta.

Gaius coça o queixo. — Por que todas essas pessoas tiveram que ser esmagadas?

— Outra boa pergunta — diz Chase. — E eu sei o que você está pensando. Foi esse o poder que foi selado?

— Do que vocês estão falando? — Eu pergunto a eles.

— Não é importante agora — diz Chase. — Vamos começar pelo simples. Aquela estátua. Se a destruíssemos, isso impediria que isso acontecesse ou alguma estátua de pedra poderia tomar seu lugar?

— Você pode estar no caminho certo — diz Gaius. — Isso não é apenas uma estátua. Eu definitivamente já vi isso antes. É... oh, eu sei. Hum. Oh! — Ele estala os dedos. — O Monumento ao Primeiro Rei Mer.

— ‘Da magia das profundezas,’ — eu recito. — Então esse monumento tem algum tipo de poder?

— Eu acredito que sim. Está como guarda sobre a entrada do Reino Mer.

— Então eu estou supondo que os sereianos não aceitariam muito gentilmente que nós o destruíssemos — eu digo.

— Podemos organizar algum tipo de proteção extra em torno dele, enquanto informamos o Rei Mer da ameaça — diz Chase.

— Tudo bem. Então, para onde exatamente estamos indo?

— Hum... — Gaius estala os dedos mais algumas vezes e olha para Chase. — Está em algum rio subterrâneo, não é? Na foz, onde o rio encontra o oceano?

— Não olhe para mim — diz Chase. — Eu não estudei neste reino.

— Não teria ajudado se você tivesse estudado, — eu digo. — Aprendemos tudo sobre as Cortes Seelie e Unseelie, mas quase nada sobre a realeza menor. Eu nunca vi esse monumento antes.

— Tenho certeza de que posso encontrá-lo — diz Gaius, indo até a prateleira mais próxima e examinando as lombadas dos livros. — Só me dê meia hora.

Chase suspira. — A Internet seria tão útil agora. — Ele olha para o outro lado da sala para o relógio cuco, que nos mostra que é quase meio-dia. — Tudo bem, eu estou convocando uma reunião. Podemos enviar duas pessoas para a missão de resgate das Videntes, e o resto de nós pode lidar com esse monumento do Rei Mer. Se Angelica souber de alguma forma o que está acontecendo, eu não quero que nenhuma das pessoas que trabalha para ela chegue primeiro. Vejo você lá embaixo em uma hora, Gaius.

— Mm hmm, — diz Gaius distraidamente, puxando um livro da prateleira.

Chase acena em direção à porta, indicando que eu deveria andar com ele. — Você está dentro? — Pergunta ele, uma vez que estamos fora do escritório. — Você pode voltar para suas inscrições na escola de arte e planos de identidade falsa quando terminarmos.

— Claro que estou — digo-lhe quando o mesmo tipo de antecipação animada que sinto no início de cada missão se agita dentro de mim. — Eu não deixaria você me deixar de fora, mesmo que você quisesse.

 

***

 

Uma hora depois, me encontro na área da montanha que eu não tenho permissão para explorar ainda. A área onde todos os outros que entram neste lugar parecem desaparecer. A única vez que estive aqui foi quando Chase se ofereceu para me mostrar as gárgulas, e essa visita não durou muito tempo.

Eu ando com Chase ao longo de um corredor largo, passando por salas que estou intensamente curiosa para saber mais. Eu ouço vozes quando nos aproximamos de uma porta entreaberta. Incapaz de conter meu entusiasmo, encontro as palavras — Isso é tão excitante — passando pelo ar adulto que estou tentando retratar.

Em vez de olhar para mim como se eu fosse uma criança cansativa, Chase sorri. — Imagine se você pudesse fazer isso todos os dias. — Então ele abre a porta completamente e gesticula para eu andar na frente dele. Eu entro na sala e encontro cinco pessoas sentadas em volta de uma mesa oval. Eu conheço Gaius e Lumethon, e eu conheci a garota elfa quando ela estava posando como assistente de Chase no Wickedly Inked. O homem careca drakoni é o que eu vi antes de Chase me puxar para o depósito. Agora que o vejo de perto, percebo que ele também esteve no Wickedly Inked no dia em que fui lá encontrar Chase. A única pessoa desconhecida é o cara faerie que cruza os braços e franze a testa para mim.

— Obrigado por vir, pessoal — Chase diz quando ele se senta em uma extremidade da mesa. Eu escorrego na cadeira à sua esquerda. — Sei que geralmente lhes dou um pouco mais de tempo, por isso peço desculpas por isso, mas finalmente sabemos o que nossos presos favoritos de Velazar estão fazendo, e precisamos intervir rapidamente.

— Hum, apresentações primeiro. Calla, você já conhece Gaius e Lumethon. Essa é Ana — ele gesticula para a elfa ? Kobe ? o drakoni e Darius. Todo mundo, essa é Calla. Ela sabe tudo sobre a situação Amon-Angelica. Tudo bem, então... — Chase estende a mão através da mesa e puxa um dos mapas de Gaius em direção a ele.

— Cara — diz Darius — você não pode simplesmente trazer uma garota aleatória para o círculo. Nós lidamos com coisas altamente confidenciais aqui.

Chase olha para cima com uma carranca. — Ela não é uma garota aleatória.

— Bem. Você não pode simplesmente trazer sua namorada para isso.

— Eu não sou namorada dele — eu digo imediatamente.

— Tanto faz. — Darius vira seu olhar azul escuro para mim. — Ana viu vocês entrarem no depósito juntos.

Eu cruzo meus braços. — Nós estávamos tendo uma conversa particular.

Darius bufa. — É assim que eles chamam hoje em dia?

Minha pele fica quente, e eu coro para parar antes de chegar ao meu rosto. — Você é realmente muito rude, você sabia disso?

Darius sorri. — Então, como eu disse. E eu não estou julgando, a propósito. Todos nós achamos que é hora de Chase ter algum...

— Olha, Darius pode ser rude — Ana interrompe, — mas ele também tem um ponto. Ela não faz parte da equipe, Chase.

— Sim, eu so — eu digo antes que possa parar para pensar sobre as palavras. Quando saem, percebo que estou falando sério. Claro que eu quero dizer elas. Por que eu iria querer a escola de arte quando eu poderia ter isso? Fazer parte de uma equipe, fazer planos, lutar contra vilões, destruir tramas perigosas e salvar vidas. É tudo que eu sempre quis.

Eu percebo que todo mundo está olhando para mim, incluindo Chase. Eu limpo minha garganta. — Eu faço parte da equipe. Chase concedeu o convite, e eu aceitei. — Eu mantenho meu olhar desviando dele, no entanto, porque eu não tenho certeza se ele realmente concedeu o convite. Foi Gaius quem sugeriu que eu ficasse por perto e trabalhasse com ele, não é?

Em vez de me contradizer, no entanto, Chase diz — Sim, desculpe, eu deveria ter avisado sobre isso. — Eu sinto uma mudança em sua voz. — Calla é o mais novo membro da nossa equipe.

Darius se inclina para trás em sua cadeira, ainda me observando. — Bom, então. Como todos nós temos nossas áreas de especialização, o que exatamente você pretende adicionar a essa equipe, Calla... além de um rosto bonito?

Eu pisco para ele. Um segundo depois, uma manticora cai do ar e bate na mesa. Gritos e suspiros enchem a sala enquanto a manticora se equilibra sobre pés de leão com garras e abre a boca para emitir um rugido desumano. Darius sai do caminho e cai da cadeira quando o ferrão da manticora dispara para frente para atacá-lo. Ele joga as mãos para liberar magia...

E a ilusão some.

Respiração pesada é o único som na sala. Eu me inclino para trás na minha cadeira e cruzo uma perna sobre a outra. — Eu acho que minha utilidade se estende além de um rosto bonito.

Darius lentamente vira seu olhar horrorizado para mim. Então ele começa a rir. Ele aponta para o ar vazio, olha para Chase e diz — Você poderia ter começado com essa informação.

Chase, o único que não se assustou com a visão da manticora, diz — Eu não tinha certeza se tínhamos tempo para demonstrações dramáticas, mas agora vejo que era necessário. De qualquer forma, vamos voltar para a parte onde Amon e Angelica planejam derrubar o véu que separa o reino fae do humano.

A atenção de todos volta para Chase.

— O quê? — Darius exige, retornando rapidamente à sua cadeira.

— Você está brincando — diz Ana. — Certamente isso não é possível.

— De acordo com três visões separadas, é. Calla viu todas elas. Infelizmente, Angelica também.

Eu respiro fundo. — Você tem certeza?

— Sim. Eu não sei como, mas ela sabe. Talvez alguém com ilusões ou um dom da invisibilidade estivesse escondido no quarto da sua mãe enquanto ela lhe mostrava as visões. — Chase remove o anel de telepatia do bolso e o coloca na mesa à sua frente. — Eu falei com ela agora mesmo. Ela me disse que recebeu a notícia de que o terceiro Vidente, aquele que foi resgatado, revelou sem saber sua visão. Angelica então disse que se eu ainda quiser fazer parte do plano dela, eu preciso encontrar um de seus lacaios no Monumento ao Primeiro Rei Mer hoje à noite para que eu possa ajudá-lo a roubá-lo.

— Eu suponho que seja um detalhe da visão — pergunta Lumethon.

— Sim.

— Então Angelica ainda confia em você — diz Gaius. — Isso é bom.

— Sim. Então, precisamos chegar primeiro, garantir que o monumento fique seguro, e então pedir uma audiência com o rei dos sereianos para que possamos convencê-lo de que seria do interesse de todo o mundo fae que ele ordenasse que seu monumento fosse destruído.

— Ótimo — diz Darius, colocando as mãos atrás da cabeça. — Eu amo uma missão fácil na tarde de terça-feira.

— Você não vai — Chase diz a ele.

— O quê?

— Você e Lumethon vão resgatar as outras duas Videntes. Se Angelica e Amon acham que têm toda a informação de que necessitam agora, então que razão eles têm para manter vivas as Videntes? Já que não gostamos de deixar as pessoas morrerem, vocês dois cuidarão disso. — Ele desliza um mapa sobre a mesa para Darius. — Confirmei que elas estão no farol — diz ele, tocando em uma área do mapa antes de se inclinar para trás.

Resmungando baixinho, Darius pega o mapa e se aproxima de Lumethon para que possam examiná-lo juntos.

— Gaius, você descobriu onde está o monumento? — Chase pergunta.

— Sim. É na foz do Rio Wishbone, mais abaixo, onde a água doce se junta à corrente do oceano. — Gaius vira um livro aberto e o empurra para Chase, para que ele possa ver a ilustração na página. — É um sistema de rios subterrâneos paralelos, um em cima do outro. Como os rios são considerados parte do território dos sereianos, eles são inacessíveis a partir dos caminhos das fadas. A única maneira de chegar ao fundo é descer pelos redemoinhos encantados de um rio para o outro. Os redemoinhos se formam em lugares diferentes em cada rio, mas a ideia parece ser bastante simples. Você deixa a corrente levá-lo até que um redemoinho o sugue. Você cai no próximo rio e repete o processo até chegar ao fundo.

A explicação de Gaius é recebida com silêncio. Então Chase diz — Bem, eu não posso dizer que já viajei assim antes, mas suponho que isso seja totalmente normal para um sereiano.

— Provavelmente — Gaius responde. — Quando você chega ao rio mais baixo, deixa que ele o leve até que o sistema de cavernas termine. Nesse momento, você está realmente abaixo do fundo do oceano. — Gaius aponta para uma parte da ilustração. — Se você deixar o rio te levar para mais longe, você vai acabar no oceano no reino dos sereianos. Você não precisa ir tão longe, no entanto. Na última caverna é onde você encontrará este monumento. E há guerreiros ou guardas ou o que eles chamam de nadadores nessa área, então você pode falar com eles sobre ver o rei.

— E como exatamente saímos? — Pergunta Ana.

— Ah, sim, eu vi algo sobre isso. — Gaius puxa o livro de volta e o folheia. — Algo sobre um portal... — Ele vira outra página. — Sim, aqui está. No final do último rio, pouco antes de entrar no mar, um pouco abaixo à direita, onde ficam estas rochas. Existe um redemoinho permanente que é na verdade um portal. Você pula dentro dele e acaba no rio de cima novamente, que está aberto para o ar, então você pode facilmente sair e abrir um portal para os caminhos das fadas.

— Parece divertido — eu digo, puxando o livro para mais perto para que eu possa dar outra olhada nos desenhos. Os sistemas de cavernas parecem bastante grandes, então não tenho que me preocupar com espaços confinados sendo um problema. E enquanto a ideia de ser sugada para dentro de um redemoinho parece um pouco assustadora, não pode ser tão ruim se os sereianos fazem o tempo todo.

— Kobe, Ana, Calla, — diz Chase. — Vocês sabem nadar, certo?

Nós três concordamos.

— Então vamos seguir nosso caminho. — Enquanto nós cinco levantamos e colocamos as cadeiras no lugar e ajudamos a juntar livros e mapas, Chase abaixa a voz para que só eu possa ouvir. — Eu sabia que você ficaria. — Seu olhar está focado no mapa que ele está dobrando, mas eu posso ver seus lábios puxados para um lado.

Eu me lembro de Ryn me perguntando se era a Guilda que eu tanto queria, ou o que a Guilda representa. Eu sorrio para mim mesma quando respondo — Eu acho que eu também.


Capítulo 32

 

Nós escolhemos nosso caminho através dos emaranhados arbustos crescendo na margem do rio mais alto do Rio Wishbone, enquanto o sol se aproxima do horizonte. — Sua equipe é... interessante — eu digo para Chase, mantendo minha voz baixa para que Ana e Kobe, caminhando um pouco atrás de nós, não ouçam.

— É sua equipe também agora — diz Chase. — A menos que você tenha mudado de ideia. Você não passou pelo ritual de sangue de iniciação, então, tecnicamente, você ainda não está ligada a nós.

Meus passos ficam lentos quando eu franzo a testa para ele. — Ritual de sangue?

Seu rosto sério se abre em um sorriso. — Estou brincando.

— Droga. — Eu consigo me impedir de sorrir. — Aqui eu estava ansiosa para derramar meu sangue como forma de demonstrar meu compromisso.

— Se é assim que você gostaria de provar seu compromisso, não tenho dúvidas de que você logo terá a chance. — Sua expressão fica séria e seus olhos encontram os meus quando paramos de andar. — Isto não é exatamente um jogo seguro que estamos jogando.

— Nunca é quando as vidas das pessoas estão em jogo.

Ele olha para a água. — Esta é uma vida perigosa que você escolheu, Calla.

Eu coloco minhas mãos em meus quadris, pronta para brigar com ele, se ele quiser ser superprotetor, como Ryn é. — Assim é a vida de um guardião, e fiquei feliz em escolher aquela. Eu nunca quis trilhar o caminho seguro.

— Eu sei. Eu nunca sonharia em dizer que você não pode escolher esta vida porque é muito perigosa. Suas escolhas são suas. Eu só queria te lembrar de ter cuidado. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você.

— Chase. — Eu coloco minha mão em seu braço para que ele olhe para mim. Então ele vai saber o quão séria eu estou. — Eu não tenho certeza se você está ciente disso, então me deixe dizer para você. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você. Nós dois precisamos ter cuidado.

Parece que ele quer dizer alguma coisa, mas Ana e Kobe nos alcançam. — É aqui que entramos? — Kobe pergunta.

Eu tiro a mão do braço de Chase, feliz por ter conseguido evitar a emissão espontânea de magia que poderia derrubar uma árvore ou atear fogo em suas roupas ou lançar uma onda da água do rio sobre nós. Teria sido estranho ter que explicar. Eu esfrego minha mão na parte de trás do meu pescoço enquanto Chase diz, — Sim. Aquela rocha é o marcador. — Ele aponta para trás de nós para uma rocha suave e oval com marcas sobre ela, que se ergue entre os arbustos. — Os redemoinhos aparecem daqui em diante.

Nós deslizamos pela parte barrenta da margem e entramos na água, que é fria o suficiente para causar um arrepio na minha pele. Existem inúmeros feitiços que eu poderia usar agora - roupas impermeáveis, aquecer a água ao meu redor, uma bolha de ar ao redor do meu corpo inteiro - mas eu prefiro conservar minha energia. Isto é apenas o começo da nossa missão, afinal.

Nós caminhamos até onde não é mais raso o suficiente para ficar de pé e deixamos a corrente nos puxar. — Então agora esperamos que um redemoinho apareça e nos sugue? — Pergunta Ana.

— Esse é o plano — diz Chase.

— E se isso não acontecer? — Eu pergunto. — Há uma cachoeira em algum ponto ao longo deste rio antes de encontrar o oceano?

— Sim, mas os diagramas mostraram numerosos redemoinhos aparecendo antes disso.

— E se esses remoinhos só aparecerem para os sereianos? — Ana diz. — Só vamos descobrir quando chegarmos à cachoeira. Eu não tenho o tipo de magia que você tem, e eu particularmente não quero acabar sendo esmagada nas rochas no fundo de uma cachoeira.

— Ana — diz Chase. — Eu já deixei você cair em uma cachoeira antes?

— Bem, não, mas eu nunca...

— Exatamente. Você não tem nada com o que se preocupar.

— Mulheres — resmunga Kobe. — Sempre se preocupando.

Ana nada para o lado na água até estar perto o suficiente de Kobe para dar um soco no braço dele.

Começo a pensar em qual magia eu vou usar se acabarmos na beira de uma cachoeira, mas eu mal consigo fazer um plano quando de repente eu me sinto sendo puxada para o lado pela água.

— É isso! — Chase grita.

— Oh, merda, oh merda — eu arquejo quando nós somos puxados violentamente pela corrente do turbilhão do redemoinho e eu fico abruptamente consciente de como isso é uma má ideia.

— Pare, pare, pare! — Ana grita. — Eu não quero mais fazer isso!

— Apenas vá — grita Chase.

O redemoinho se forma rapidamente, criando um buraco no centro maior do que eu imaginava. Eu luto contra o desejo em pânico de me lançar magicamente para fora da água e, em vez disso, me deixo ser puxada para o vórtice. Eu giro ao redor e ao redor e para baixo, completamente fora de controle, a corrente terrivelmente forte, minha claustrofobia gritando para mim que estou sendo sugada para um buraco sem ar, e então...

Estou caindo.

Um segundo depois, mergulho em um rio mais frio do que o que eu acabei de deixar. Eu nado para cima em meio ao fluxo de bolhas, de novo e de novo, até que minha cabeça finalmente quebra a superfície da água. Eu respiro junto com um alívio intenso. Eu não sei por que eu não considerei o quão aterrorizante isso seria antes de realmente começar, mas provavelmente foi uma coisa boa eu não pensar sobre isso.

Eu nado em direção a Chase e Kobe, assim quando Ana aparece. Eu olho em volta enquanto nado, observando a beleza da vasta caverna subterrânea por onde o rio flui. O teto e as paredes estão cobertos de manchas de uma luz púrpura, enchendo a área com um brilho roxo. A rocha em si é escura, e eu quase posso imaginar que estou olhando para um céu noturno.

— Isso foi horrível — diz Ana depois de vários arquejos. Seu cabelo curto e escuro, normalmente espetado em todas as direções, está plano ao redor do seu rosto. — Por quantos rios temos que passar antes de chegarmos ao fundo?

Isso é exatamente o que eu estava tentando não pensar.

— Mais quatro — diz Chase, enquanto a corrente nos puxa suavemente. — Mas foi tão ruim assim?

— Foi bastante assustador — eu admito, principalmente para que Ana não pense que ela é a única que estava com medo. Com base nas poucas interações que tivemos, ela não parece gostar muito de mim. Como vamos nos ver muito mais agora, eu gostaria de mudar isso.

— Desculpe, mas acho que você não pode sair sem primeiro ir até o fundo, — diz Chase.

— Eu não quero ir embora — diz Ana. — Eu me comprometi com essa missão. Só estou te avisando que provavelmente vou gritar em todas as descidas que... Tuuudo bem, aqui vamos nós de novo.

Sem nenhum aviso, a corrente suave de repente gira em torno de um círculo girando, nos levando com ela. Mesmo que eu diga a mim mesma repetidamente que isso não vai me matar, ainda é terrível ser sugada de um lado para o outro em um círculo cada vez menor até que a queda súbita venha. A caverna em que caímos desta vez é verde. Não há manchas de luz, mas um brilho verde nas paredes da caverna que reflete na água. Também é mais quente que as duas primeiras, e estou agradecida. Kobe e Ana surgem mais à frente. Chase e eu nos juntamos à corrente atrás deles, flutuando sobre nossas costas e olhando para as paredes brilhantes enquanto a água puxa nossos pés primeiro.

— Alguém quer apostar qual será a cor do próximo rio? — Chase grita.

— Podemos simplesmente apostar que todos vamos chegar ao fundo vivos? — O grito de resposta de Ana chega.

— Então isso é um não? — Chase pergunta.

— Nãooooonãonãonão! — Ana grita, o que provavelmente significa que outro redemoinho começou. Eu ainda não sinto nenhum puxão na água, no entanto. Eu abaixo minhas pernas e corpo abaixo da superfície para que eu possa olhar para frente.

— Vamos lá — diz Chase para mim, arrastando pela água com braçadas fortes. — Não quer perder a viagem, não é?

Ana e Kobe desaparecem no vórtice enquanto Chase e eu nadamos em direção a ele. A corrente do redemoinho nos pega - e então a água diminui e o buraco se fecha e, em segundos, a água espirrando se torna uma corrente suave mais uma vez. — Merda — eu murmuro. — Isso não aconteceu.

— Está bem. Haverá outro — diz Chase. — Vamos continuar.

Continuamos flutuando rio abaixo, a corrente um pouco mais rápida agora do que era antes. Chase está observando o teto passar novamente, mas eu mantenho meus olhos fixos firmemente à frente desta vez. Parece que a caverna termina abruptamente à frente, mas isso não pode estar certo. Eu olho através do brilho verde e percebo que a caverna não acaba - mas se torna extremamente estreita, forçando o rio a fluir através de três aberturas que são nada mais do que rachaduras na parede de pedra.

— Oh, não. — Eu começo a nadar contra a corrente. — Não, não, não. Eu não vou passar por aí. — Eu posso lidar com os redemoinhos porque eles acabam tão rápido que eu mal tenho tempo para entrar em pânico, mas não isso. Não essas fendas escuras na parede.

Chase flutua passando por mim quando eu me viro. — Ei, tudo bem — diz ele. — Gaius verificou todo o percurso. Ele disse que não há nenhuma parte no rio que seja estreito demais que não dê para passar.

— Não vai acontecer. — Eu começo a nadar na outra direção, puxando a água com tanta força quanto eu tenho.

— Calla, não há outro lugar para você ir — diz Chase de algum lugar atrás de mim.

— Eu não me importo. Eu não posso fazer isso. — Minha voz soa um pouquinho em pânico enquanto eu luto contra a correnteza.

— O que você quer dizer com você não pode... — Ele para enquanto eu continuo batendo na água e chegando a lugar nenhum. — Você está brincando? — Pergunta ele. — Claustrofobia? Esse é o seu problema?

— Sim! E eu não vou...

— Apenas relaxe e flutue.

— Eu não consigo relaxar! — Espere, eu posso usar magia. Acrescentar força aos meus golpes – vou nadar para trás até nós cairmos - esperar pelo próximo...

— Pare — diz Chase, nadando para perto de mim e pegando meu braço. — Apenas flutue, ok?

— Eu não posso simplesmente...

Ele agarra minhas duas mãos. — Por que você não flutua de costas, e assim você não vai ver...

— Não! — Eu não sei por que, mas será ainda pior se eu não puder ver para onde estou indo.

— Está bem, está bem. Eu vou para trás e você só olha para mim, não para as paredes.

Balanço a cabeça furiosamente enquanto observo o rio se estreitando e os três buracos se aproximando. Estamos indo para o meio e não há como pararmos agora.

— Ei, você nunca me contou sobre o bebê de Vi e Ryn.

— O quê? Isso é... não... — O buraco horrível na parede fica cada vez mais próximo.

— É uma menina ou um menino?

— Hum... uma menina.

— Ei, olhe para mim — instrui Chase. — Qual é o nome dela?

— Victoria. — O nome sai em uma corrida de ar quando a água nos leva para o buraco. Eu me forço a olhar para Chase, mas as paredes verdes cintilantes estão bem ali. — Nós vamos ser esmagados, vamos ser esmagados, vamos ser esmaaaaagados! — Minha voz aumenta para um grito e fecho meus olhos com força enquanto a correnteza aumenta. Nós somos atirados para o ar e perdemos a mão um do outro. Abro os olhos a tempo de ver a continuação do rio verde antes de mergulhar sob sua superfície.

Eu luto através das bolhas até encontrar ar e uma enorme caverna e espaço, espaço e espaço. — Eu consegui — eu arquejo enquanto me afasto das três cachoeiras. — Eu não fui esmagada. Eu não fui amassada. Oh, o espaço é tão incrível. — Eu olho em volta e encontro Chase por perto.

— Então, deixe-me ver se entendi — ele diz enquanto eu nado em direção a ele, sua voz mal dando para escutar acima da água trovejante atrás de mim. — Você tem a imaginação mais poderosa que eu já conheci, mas você não pode imaginar sair de um pequeno espaço?

— É... só... não funciona assim. — Esta parte do rio quase não está de movendo, então sem uma correnteza para nos carregar, continuamos nadando para longe das cachoeiras.

— Mas tudo que você tem a fazer é imaginar, certo? — Chase diz. — Então é isso que você vai ver.

— Não quando estou enlouquecendo! Eu não posso me concentrar quando estou em pânico.

— Então você tem que decidir não entrar em pânico.

— Não é tão simples assim. Você não sabe o que é...

A água entra em erupção entre nós, nos jogando no meio de dois redemoinhos separados. — Vejo você no próximo rio — grita Chase quando me sinto sendo arrastada irresistivelmente para o vórtice. Este fica mais largo e profundo do que os outros, me arremessando até que eu mal posso respirar antes de finalmente me deixar cair no próximo rio. Estou tão desorientada que não sei qual é o caminho para cima. Enquanto fico sem ar, tento formar uma bolha no nariz e na boca. Então me sinto levantando devagar e dirijo minhas mãos para debaixo de mim. Com um jorro de energia, eu me atiro para a superfície.

Ar delicioso enche meus pulmões enquanto caminho pela água e olho em volta. Eu estou em uma caverna vermelha com uma parede lisa de um lado e uma coleção de pedras do outro. A luz vermelha parece vir de algum lugar abaixo de mim. Do leito do rio, provavelmente. Eu me viro na água, procurando por Chase, mas não o vejo. Eu também não vejo Kobe ou Ana, então assumo que significa que o próximo remoinho já os levou.

— Chase? — A correnteza quer me afastar, mas eu não vou a lugar algum sem ele. Eu nado contra a água até chegar ao lado rochoso do rio, então tenho algo para me segurar. — Chase! — Eu chamo de novo. Ele já deveria ter chegado. Tentando vencer meu pânico, eu bato na água com as palmas das mãos e grito, — Onde você está?

— Ei, acalme-se, estou aqui. — Eu me viro e o vejo molhado e subindo em uma das rochas ao lado da água. — Desculpe, eu fui levado para baixo depois que caí e levei um tempo para voltar. — Ele volta para a água e nada em minha direção. — Você não estava seriamente em pânico por estar sozinha aqui, não é?

— Não, seu idiota. — Eu espirro água nele. — Eu estava com medo de você estar morto.

Ele espirra água de volta em mim, embora não tão forte. — Não se preocupe, vai precisar muito mais do que uma cachoeira subterrânea para acabar comigo. Nem mesmo um morioraith pode terminar o trabalho.

— Sim, bem, isso poderia ter terminado de forma diferente se eu não tivesse colocado minha própria confusão de lado por você enquanto eu batia pedaços de metal que eu alonguei magicamente como alguém em um transe enlouquecido.

Ele para de caminhar na água e envolve um braço em volta da rocha que eu estou me segurando. — Foi isso que aconteceu antes de Lumethon chegar lá?

— Sim. — Eu olho para longe, envergonhada agora que eu compartilhei os detalhes dessa experiência. — Eu admito que não foi o meu resgate mais heroico, mas funcionou.

— Heroico ou não, eu sou muito grato. Acho que nunca te agradeci depois que acordei.

— Não. — Eu me concentro na água vermelha passando entre nós. — Eu acho que você acabou me dizendo que você era um monstro e que eu deveria ir embora. Ah, e você se desculpou. E eu me desculpei. Houve muitas desculpas acontecendo. — Eu adiciono um sorriso quando olho para ele, então ele vai saber que não precisamos fazer disso uma conversa séria e pesada. Percebo, então, que seus olhos estão castanhos, em vez do cinza-verde de suas lentes de contato. Estou prestes a comentar quando um redemoinho aparece não muito longe de nós. — Rápido — eu digo, mergulhando em direção a ele.

Este é mais rápido que o anterior, me jogando para baixo antes que eu possa ter a chance de ficar tonta demais. Uma fração de segundo antes de atingir o próximo rio, meu corpo para, como se estivesse suspenso no ar por uma corda invisível. Então eu pulo a distância final. Levantando-me, percebo por que. A água - mais quente que qualquer um dos rios até agora - é rasa, chegando logo acima da minha cintura. Cair nesta água de uma grande altura não terminaria bem.

— Isso é incrível — diz Chase, olhando em volta enquanto se levanta.

Eu tenho que concordar com ele. A água parece ouro líquido ou tinta dourada. Mas quando a pego e deixo escorrer entre meus dedos, deixa minhas mãos limpas, então talvez seja apenas um reflexo das paredes da caverna de ouro. — Lindo — murmuro, — e muito, muito quente. — Tão quente que eu posso ver o vapor subindo. — Isso ainda conta como um rio se não está se movendo?

— Eu acho que está se movendo apenas um pouquinho — diz Chase. — Mas ei, nenhum destes são rios normais, então quem sabe.

— Sim. — Eu sorrio para ele e me vejo percebendo seus olhos novamente. — O que aconteceu com suas lentes de contato?

— Elas não se dão bem na água. Eu as perdi depois do primeiro redemoinho.

— Bem, eu prefiro ver seus olhos verdadeiros — digo a ele, e depois desejo não ter dito, porque parece que nos levou a uma conversa sem saída. Estranho, já que não consigo tirar meus olhos dos dele. Segundos passam e algo em seu olhar muda. Algo que me faz sentir... — Droga, está quente aqui. Eu não aguento. — Eu desfaço rapidamente os botões da minha jaqueta enquanto o calor ameaça me dominar. Que sorte que eu escolhi usar um top por baixo, em vez de algo com mangas compridas.

— Sim — diz Chase, tirando sua jaqueta. — Definitivamente muito quente.

— Sabe, eu estive pensando em fazer uma tatuagem — eu digo enquanto tiro as mangas molhadas da minha jaqueta. Deixo flutuando na água ao meu lado.

— Ah, hora do dragão gigante nas suas costas.

— Quase — eu digo com uma risada, — mas não completamente. Eu vi algo na sua mesa que eu realmente gostei. Um desenho a tinta de uma fênix.

— Uma fênix — diz Chase, balançando a cabeça lentamente. — Nova vida, novo começo.

— Eu sei, não é exatamente uma ideia original, mas quero algo que simbolize minha nova vida. E seu desenho é único. Ninguém mais terá nada parecido. Quero dizer, se você me deixar usá-lo.

— Claro que eu vou deixar.

— Eu estava pensando na metade superior das minhas costas, chegando até a base do meu pescoço. — Eu puxo meu cabelo molhado para o lado e estendo a mão para tocar o topo da minha espinha. — E então as asas se estendendo até os ombros de ambos os lados. O que você acha?

Chase acena. Ele limpa a garganta e diz — Seria perfeito.

Mais uma vez, algo parece diferente entre nós. Eu sei o que é. Eu sei exatamente o que é, e estou esperando que fontes da água dourada comecem a se espalhar à nossa volta a qualquer momento. Eu deveria dizer alguma coisa, mas eu não sei como ou por onde começar, e eu não sei se sou corajosa o suficiente. Eu inspiro profundamente - porque, sério, o que aconteceu com o ar aqui? - e olho em volta. Onde está esse maldito redemoinho? Apenas mais um para ir, certo? — Hum, por que eles chamam de Rios Wishbone?{1} — Eu pergunto, aliviada por ter pensando em algo sobre o que falar. — As pessoas acham que os desejos se realizam aqui?

Chase coloca a água dourada nas mãos e a deixa correr entre os dedos. — Talvez eles se realizem, mas o sistema recebeu o nome do rio de cima, que tem a forma de um osso da sorte. Na verdade, são dois rios, unidos na foz, aonde eles vão para o mar. Apenas o lado direito tem redemoinhos, porém, e os rios paralelos abaixo dele. — Ele olha para cima e acrescenta, — Eu verifiquei com Gaius antes de sairmos, apenas no caso de haver algum tipo de magia estranha com que teríamos que lidar aqui.

— Magia de desejo — eu digo, ponderando a ideia enquanto eu passo meus dedos lentamente pela água. — Se os desejos pudessem se tornar realidade, o que você desejaria?

— Eu desejaria... — Ele desvia o olhar para o rio dourado. — Eu gostaria de ser outra pessoa. Apenas um faerie normal em vez da pessoa que estragou tudo. Eu gostaria que eu pudesse encontrá-la em circunstâncias completamente comuns, e eu gostaria que você ainda pudesse me ver do jeito como me viu naqueles últimos minutos sob o dossel de flores antes de tudo desmoronar. — Ele sorri enquanto retorna seus olhos para os meus. — São muitos desejos?

Eu seguro seu olhar enquanto considero minhas palavras cuidadosamente, e percebo que, afinal de contas, sou corajosa o suficiente. — Talvez alguns desejos se tornem realidade — digo a ele, minhas palavras deixando minha língua lentamente. Eu quero ter certeza que ele vai ouvir todas elas. — Ou talvez você simplesmente ainda não tenha percebido que algumas coisas não precisam ser desejadas. — Eu olho para baixo e pego sua mão na água. Eu deslizo meus dedos entre os seus antes de acrescentar — Quero dizer, por que você desejaria algo que já tem?

Pequenas gotas douradas da água levantam do rio e se enroscam ao redor do meu braço e ao redor dele. Luzes douradas brilham nas paredes da caverna ao nosso redor. Meu coração ruge e estou me perguntando o que aconteceu com o ar novamente. Eu não tenho esperança de encontrá-lo, no entanto, porque quando eu levanto meus olhos mais uma vez, o olhar ardente de Chase é o suficiente para roubar meu fôlego e enviar um calor ardente através das minhas entranhas.

Ele levanta nossas mãos entrelaçadas e as solta. Ele passa os dedos pelos meus braços, transformando o fogo na minha pele em um arrepio. Suas mãos continuam até chegarem ao meu pescoço. Ele se inclina para frente, seu rosto parando a centímetros do meu. — Você realmente quer dizer isso? — Ele pergunta, sua voz rouca.

Com asas de sprite batendo loucamente no meu estômago, eu pressiono um beijo em sua mandíbula, e depois outro mais alto. Quando eu alcanço o seu ouvido, eu digo, — Eu não gostaria que você fosse outra pessoa. Por que eu iria querer, quando é você quem eu quero?

Seus lábios encontram os meus, e o mundo dourado e luzes piscando desaparece quando meus olhos se fecham e meus dedos se espalham através de seu cabelo molhado, puxando-o para mais perto. Suas mãos deslizam em volta das minhas costas, agarrando meu cabelo antes de traçar minha espinha e entrar na água para pressionar contra minha parte inferior das costas. Nossos corpos se encaixam perfeitamente juntos. Meus braços se enroscam ao redor de seu pescoço e faíscas deslizam através de nossas línguas e gotas de água misturadas com magia caem sobre nós, misturando-se com nossos beijos.

E é aí que o mundo cede abaixo de nós e um redemoinho nos suga.


Capítulo 33

 

 

 

O último rio parece gelo contra a minha pele queimando. Levanto para a superfície, ofegando contra o frio e também buscando ar. Enquanto as ondas ondulantes ao meu redor diminuem, noto a água brilhando levemente. Pedras preciosas azuis cravejam as paredes da caverna, brilhando com uma beleza invernal, e entre elas, desenhos e figuras foram esculpidos na pedra.

— Calla! — Eu olho em volta e vejo Chase atrás de mim. A correnteza, mais forte neste rio do que nos outros, já está me puxando. Ele se junta a ela, nadando com movimentos rápidos e fortes em minha direção. Eu estendo a mão para ele enquanto a correnteza me arrasta. Não sei porque, mas sinto necessidade de contato físico com ele da mesma forma que preciso de ar. Uma mão entrelaçada, braços entrelaçados, um abraço, qualquer coisa. Algo parece incompleto sem o seu toque. Ele pega minha mão, depois aponta passando por mim. — Olha, já estamos na foz. Tem o monumento.

Eu me viro, nunca soltando a mão dele. Mais à frente, à direita, pouco antes da caverna terminar, vejo o monumento. Uma base redonda, ondas de pedra sem movimento e o tridente subindo. Parece maior na vida real. — Onde estão Ana e Kobe? — Eu pergunto. — Eles deveriam estar lá esperando por nós.

— Algo não parece certo — diz Chase, puxando a água para nos mover para frente mais rápido. — Você vê as figuras deitadas ao lado do monumento?

Eu olho através da luz azulada. Eu vejo duas formas no chão, e o medo envia outro arrepio através de mim. — Eu... eu acho que sim.

Eu tenho que soltar a mão de Chase enquanto nós nadamos contra a correnteza e nos movemos diagonalmente em direção à margem à direita. Quando a água se torna rasa o suficiente para ficar em pé, Chase nos empurra para frente com um jato extra de magia. Eu quase tropeço e caio, mas ele atravessa as pedras em direção ao monumento. — Tenha cuidado! — Ele grita de volta para mim. Ele levanta a mão em um movimento em curva, e eu sinto um escudo em volta de mim. Espero que ele tenha feito o mesmo para si mesmo.

Sem aviso, a náusea aumenta dentro de mim e espalha uma dor doentia pelo meu estômago. A tontura me consome. Eu me curvo e me inclino sobre meus joelhos, respirando pesadamente. Por algum milagre, eu não caio. — Chase — eu arquejo. — Chase! — Sua cabeça chicoteia sobre seu ombro, assim quando tudo fica preto.

Eu me vejo flutuando em um vazio de nada enquanto meu corpo é espremido, apertado e apertado, até que finalmente a pressão me libera e eu ofego por ar enquanto eu cambaleio em direção à luz. Uma floresta noturna emaranhada me cumprimenta. Confusa, assustada e com frio, mas não mais atacada pela náusea, olho em volta. Creepy Hollow? Eu ouço um movimento atrás de mim e viro tão rápido quanto a minha tontura restante permite.

Magia. Uma bola girando pairando acima de um par de mãos. E além dela, o rosto de uma pessoa que reconheço. Sem hesitar, Zed lança a magia em minha direção.

Eu me jogo para o lado e caio atrás de uma árvore. Dizendo a mim mesma que não estou tonta e que posso me levantar, fico de pé. Eu coloco um escudo de magia ao meu redor enquanto ouço os passos de Zed esmagando as folhas caídas. — Isso sim foi um desperdício de magia — diz ele.

— Que droga é essa, Zed? — Eu grito. — O que você... você me chamou aqui? — Magia de invocação não é algo que aprendemos. Não é natural. Não está certo. E o que aconteceu comigo agora definitivamente não parecia certo.

— Sim — diz Zed, ainda caminhando em direção à árvore em que eu estou escondia atrás. — Feitiço difícil, mas eu tive ajuda. E você ficaria surpresa de como é fácil, na verdade, se você conseguir marcar a pessoa que deseja convocar.

— Marcar? — Eu me concentro na ilusão de invisibilidade e solto minha parede mental.

— Pescoço coçando ultimamente? — Zed pergunta. Ele gira ao redor do lado da árvore, com o braço levantado e pronto para atacar. Sua testa franze em confusão quando ele encontra o espaço atrás da árvore vazio.

Eu tento não respirar, não me mover, enquanto minha mente corre de volta para a última vez que vi Zed. Ele tentou me beijar, e sua mão estava em volta do meu pescoço, pressionando firmemente quando ele me puxou em direção a ele. Ele deve ter feito alguma coisa. Algo que eu estava chocada demais para perceber porque tudo o que importava era tirá-lo de perto de mim.

Um arrepio levanta os pelos da minha pele. Estar molhada e sem jaqueta em uma noite de outono não é o ideal.

— Eu também lhe dei o âmbar — diz Zed, virando-se enquanto seus olhos percorrem a área ao redor da árvore, — mas descobri que não conseguia rastrear por algum motivo. Felizmente, o feitiço da marca ainda não havia se esgotado quando fiz o feitiço de convocação.

Com a minha tontura finalmente desaparecendo e a adrenalina correndo pelos meus membros, eu pulo para o lado e corro. Invisível, invisível, invisível, eu me lembro. Faíscas voam passando por mim. Eu acho que ele pode ver as folhas que meus sapatos estão chutando. Eu paro, desvio para o lado e pulo. Magia me atira para cima. Eu aterrisso em um galho e agarro em outro para não cair.

— Isso vai ser muito mais fácil se você desistir agora — Zed grita enquanto faíscas turquesa passam por mim.

Eu abandono a ilusão e reforço meu escudo. — Droga, Zed, eu não sei que jogo você está jogando, mas você tem um timing excepcionalmente ruim.

— Meu timing é perfeito — diz ele, seguindo em minha direção.

— Eu estava no meio de algo importante!

— Exatamente. Foi nesse momento que me disseram para convocar você. Eles não queriam que você e suas ilusões interferissem em seus planos.

— Eles? Você está... você está trabalhando para Amon e Angelica?

— Não. — Ele para debaixo da árvore e começa a reunir mais magia acima da palma da mão. — Mas eu me encontrei precisando de ajuda, e eles também. Você sabe o que as pessoas dizem: o inimigo do meu inimigo e etc.

— Zed, NÃO! Essa é uma ideia terrível! Eles são os verdadeiros inimigos. Foram eles que nos trancaram em primeiro lugar. Por que você ficaria do lado deles agora? — Parte de mim sabe que eu deveria estar correndo. Eu deveria estar jogando tudo o que tenho em uma ilusão que me dará tempo suficiente para abrir um portal e fugir. Mas é Zed. Ele está me ajudando desde que nos encontramos pendurados um ao lado do outro em gaiolas. Nós temos uma amizade que remonta há anos. Deve haver uma maneira de eu falar com ele sobre o que ele está prestes a fazer.

— Primeiro — ele diz, — não foram eles que nos trancaram. Foi o príncipe Zell, e todos admitem que ele era um pouco louco. Em segundo lugar, não estou do lado deles. Este foi um acordo que beneficiou ambas as partes.

Um frio percorre minha espinha. — O que você tem que fazer por eles em troca?

— Vamos, Calla. Você sabe que eu não posso te dizer isso.

— É por isso que estou aqui? Te disseram para me entregar aos homens de Amon?

Ele ri. — Nada como isso. Meu trabalho para eles foi feito depois que eu escapei da Guilda.

Engrenagens giram em meu cérebro. — Você se deixou ser pego — eu digo suavemente, — então você pode entrar na Guilda.

— Sim.

Minha mente percorre as possibilidades. Vi disse que alguém escapou da área de detenção pela manhã. Eu me deparei com Zed na tarde seguinte. Isso significa que ele esteve solto dentro da Guilda por mais de vinte e quatro horas. Que coisas terríveis ele pode ter feito durante esse tempo? — Zed, — eu digo com cuidado enquanto bombeio mais magia no escudo invisível que me rodeia. — O que quer que você queira comigo, você não precisa fazer isso. O que aconteceu conosco sendo amigos?

Ele não responde. Magia crepita acima de sua palma. O suficiente para quebrar meu escudo? Possivelmente. Mas então o quê? Ele não terá tempo de me atacar com alguma coisa antes de eu ir embora. Nós observamos um ao outro, seu olhar fixo no meu, cada um esperando pelo outro fazer um movimento.

Sua mão se move em direção ao bolso. Eu imagino a invisibilidade e pulo. Eu bato no chão e rolo para o lado. Ele joga alguma coisa, uma pequena bola escura que explode a centímetros do meu escudo. Eu jogo meu braço para cima enquanto minha magia se quebra e desaparece. Então ele levanta o braço e joga a sua magia em mim.

***

 

Eu acordo devagar, meus pensamentos tão letárgicos quanto meus membros. Não me lembro onde estava quando adormeci. Eu tento me virar, mas eu encontro minhas mãos presas nas minhas costas. Com um gemido e um grande esforço, consigo abrir um olho. Eu vejo Zed - e me lembro de tudo.

— Eu sinto muito por ter que te atordoar — ele diz, — mas de jeito nenhum você teria vindo comigo por escolha. Você não está desmaiada há muito tempo. Eu não tive tempo para reunir uma grande quantidade de poder de atordoar depois que você me fez perder com o primeiro tiro. — Ele se abaixa sobre os meus pés. Cordas brilhantes, do tipo que não pode ser simplesmente cortadas, aparecem em suas mãos. — Isso não é pessoal, Calla — ele me diz enquanto enrola a corda ao redor e entre os meus tornozelos. — Eu nunca tive nada contra você. Eu não esqueci nossos anos de amizade e realmente me importo muito com você. É por isso que tive que tirar você de lá.

Eu pisco e balanço a cabeça. — O quê você está falando?

Ele aperta o último nó. — Eu te dei uma chance de ver as coisas claramente, mas você continuou recusando. Eu não queria que você acabasse morta com a doença do dragão, então eu encontrei uma maneira de tirar você permanentemente da Guilda.

Meu cérebro lento não quer ligar os pontos, mas eles são óbvios demais para eu evitar. — Foi você quem me fez ser expulsa? — A verdade chocante acorda meu cérebro. Eu me contorço contra minhas amarras e grito, — Como você pôde fazer isso comigo?

— Eu estava ajudando você, Calla.

— Me ajudando? Você quase me jogou na prisão por assassinato!

— Isso não deveria acontecer. Eu precisava que alguém levasse a culpa e você precisava sair de lá. Eu plantei provas suficientes para que eles suspeitassem de você, mas não seriam capazes de provar isso com certeza. Você deveria ser expulsa, não acusada de assassinato. Eu até te dei a cura antes de ir embora para que você não ficasse doente. Eu te salvei, Cal.

— Você nunca me deu a cura.

— Eu dei. Com um desses dispositivos de vigilância. Todos eles têm seus próprios feitiços de controle e eu roubei um enquanto me escondia na Guilda. Eu o fiz injetar em você enquanto você estava em uma aula. No momento em que dançamos no baile e eu deixei aquele pó em sua mão, você já estava imune.

— Você... você estava... — Eu balanço minha cabeça e sussurro, — Você matou Saskia. E todas aquelas outras pessoas que ficaram doentes. Como você se transformou nessa pessoa? Este assassino?

Ele agarra meus braços e me puxa para mais perto. — Porque já é hora da Guilda começar a pagar por tudo o que fizeram com os Superdotados. Por tudo que fizeram com você e eu e as pessoas como nós. Muito mais pessoas deveriam morrer, na verdade. Nós ? o grupo de que falei, o grupo que eu gostaria de poder convencê-la a participar ? tínhamos planejado enviar uma mensagem muito clara, começando com aquela garota Starkweather e depois a deixando se espalhar por cada Guilda. Nós iríamos nos levantar e reivindicar o que tínhamos feito para que os restantes soubessem exatamente por quais crimes eles estavam pagando. Mas alguém interferiu quando fugiu e encontrou uma cura.

— Bem, se eu não fizer mais nada certo pelo o resto da minha vida, pelo menos eu vou saber que eu interferi com sucesso na morte em massa de milhares de pessoas inocentes.

Zed solta um longo suspiro antes de se levantar. — Meus amigos estão muito zangados com sua interferência.

— Ah, os amáveis amigos que te iludiram a odiar as pessoas erradas. Então você decidiu me chamar, me amarrar e me entregar a eles?

— Claro que não — diz Zed, parecendo genuinamente chateado. — Eu sei que você não é a única culpada aqui. Você pensou que estava fazendo a coisa certa salvando a todos. — Ele levanta a mão e eu me sinto lentamente subindo do chão. Ele caminha pela floresta, sua mão me puxando por um fio invisível de magia. — Eu gostaria que você tivesse mantido suas formas de interferir para si mesma, porque agora temos que fazer algo que vai te deixar muito chateada.

Eu luto e chuto, mas isso só me faz rolar no ar. Eu puxo repetidamente as cordas ao redor dos meus pulsos, na esperança de soltá-las. — Você não precisa fazer nada, Zed.

— Eu tenho. As pessoas têm que pagar pelo sofrimento que nos causaram.

Eu desisto do meu esforço inútil, decidindo guardar minha energia. E é então que percebo, com uma claridade assustadora, exatamente onde estamos: em uma parte de Creepy Hollow muito perto da casa de Ryn. Minha garganta fica seca e arrepios percorrem minha pele. — Zed? Onde estamos indo?

— Como eu disse antes, Calla, isso não tem nada a ver com você. Você é uma boa pessoa, uma menina doce. Mas o fato é que seu irmão e sua esposa deixaram eu e dezenas de outras pessoas para serem torturadas e trancadas em uma masmorra. Quem conseguiu fugir antes da Destruição só teve que sobreviver à tortura. Quem não conseguiu teve que cometer atos atrozes sobre os quais não tinham controle.

Eu não me preocupo em responder. Eu estou baixando a barreira em volta da minha mente e imaginando um grupo de guardiões correndo em nossa direção. Eles gritam para Zell, levantando suas armas e atirando nele. Ele vacila, mas depois balança a cabeça e ri. — Você e suas ilusões — diz ele, continuando a andar em linha reta através das flechas imaginárias e faíscas. — Eu sei exatamente como você funciona. Mostre o que você quiser. Eu não acredito em nada disso.

— Zed, por favor — eu digo, minha voz desesperada. — Não foi culpa de Ryn. Não foi culpa da Vi. Eles contaram ao Conselho sobre os prisioneiros de Zell assim que puderam.

— E o que a Conselheira Starkweather e o resto de seu Conselho escolheram fazer? Nada. Dizer ao Conselho não resultou em nada. Seu irmão deveria ter nos libertado enquanto ele estava lá.

— Mas ele não conseguiria tirar todo mundo...

— Por que não? Ele te tirou com bastante facilidade.

— Não houve tempo. Zell já estava lá. Ele...

— Havia tempo para abrir mais algumas gaiolas pelo menos. Então poderíamos ter lutado contra ele e tirado todos os outros.

— Como? — Eu viro no ar, tentando me aproximar de Zed, tentando fazê-lo ver o sentido. — Vocês todos tinham faixas de metal bloqueando sua magia. Se Ryn tivesse deixado você sair, Zell teria te atordoado e te trancado de novo.

— Nem todos nós. Ele não poderia ter lutado contra todos nós. Não, o fato é que seu irmão só se importava em salvar você, e por causa de sua decisão egoísta, o resto de nós teve que sofrer. Os Superdotados fizeram coisas terríveis que eles nunca quiseram fazer. E o que a Guilda disse quando tudo acabou? Eles se desculparam por nos abandonar? Não. Eles nos rotularam como ‘perigosos’ e nos marcaram para que nunca mais fôssemos realmente livres. E nada disso foi culpa nossa!

— Eles não marcaram você — eu aponto.

— Porque eu tenho me escondido da Guilda desde então. Eu tenho vivido como um covarde nas sombras, esperando para me vingar daqueles que arruinaram a minha vida.

— Não, você não precisava! — Eu grito. — Você estava bem até que esses odiadores de guardiões fizeram seu cérebro pensar que você precisa fazer isso. E não foi meu irmão quem arruinou a sua vida, foi Zell!

— Bom, é um pouco tarde para ir atrás dele, não é. — Zed para em frente à árvore de Ryn. Sinto meus pés baixarem lentamente até tocarem o chão. Agora que estou de pé, vejo uma bola de poder flutuando acima da mão de Zed. Ele deve ter reunido enquanto estávamos andando. — Você não precisa fazer nada mais do que bater, Calla. Essa é a única razão pela qual você está aqui. Eles nunca abrirão uma porta para mim, mas abrirão para você.

— Por favor, não faça isso — eu sussurro.

Zed separa sua bola de poder em duas esferas menores, uma em cima de cada palma. — Sua mendicância não está ajudando.

— Por favor, eles não merecem isso. Eles não fizeram nada...

— Apenas bata, Calla. E sem ilusões — acrescenta ele, enquanto caminha para o lado. — Você não pode fugir enquanto suas mãos e pés estão amarrados, o que significa que a única maneira de qualquer ilusão acabar é com você e eu ainda em pé do lado de fora dessa árvore. Exceto que ficarei muito mais irritado do que estou agora.

Eu engulo e olho para frente. — Você não pode me obrigar a fazer isso. A pior coisa que você pode fazer é me matar, mas você ainda ficará preso fora dessa árvore.

Zed suspira. — Você realmente tem que ser tão dramática? — Ele se inclina na minha frente e sopra contra a casca até que a aldrava apareça. Ele a levanta, bate algumas vezes e depois anda para o lado. — E nem pense em....

— NÃO ABRA! — Eu grito. — É UMA ARMADILHA!

— Droga, sua idiota... Tudo bem. Faremos isso da maneira mais difícil. — Em um segundo, Zed está atrás de mim, segurando uma esfera de poder crepitante e brilhante contra cada lado da minha cabeça. E quando Ryn - meu irmão fiel, atencioso e protetor - vem até a parede e olha pelo olho mágico, ele abre a porta porque nunca me deixaria aqui sozinha com alguém que está ameaçando me machucar.

Eu fecho meus olhos, esperando que Zed tire sua fúria sobre mim a qualquer momento e grito, — Sério, Ryn! Não abra a porta. Ele vai...

— Calla!

Meus olhos abrem quando a mão direita de Zed dispara para frente. Ryn, de pé na porta com uma brilhante adaga de guardião em uma mão, cai no chão. Um suspiro soa em algum lugar atrás dele, seguido por Vi gritando, — Ryn!

E de repente, lembro do feitiço de rastreamento que disparará um alarme na Guilda se eu entrar nesta casa. Eu pulo para frente com os meus pés amarrados e me jogo através da porta, logo quando uma das facas de Vi passa rapidamente por mim e a segunda bola de poder de Zed voa para o outro lado. Eu caio em cima de Ryn e luto para olhar para cima. Eu ouço o grito de dor de Zed atrás de mim. Levantando a cabeça, vejo Vi colidir contra o sofá e cair no chão.

— Bem — diz Zed, cruzando a soleira da porta. — Eu esperava que isso fosse muito mais difícil. — Uma faca brilhante manchada de sangue bate no chão ao meu lado. Um segundo depois, desaparece.

— Espere — eu digo quando Zed passa por mim. — Espere, por favor. O que você vai fazer com eles? — Saio de cima de Ryn e consigo me sentar.

Zed fica no centro da sala, olhando em volta. Ele alcança dentro de sua jaqueta e pega uma faca.

Eu começo a perder o controle. — Nãonãonão, Zed, por favor. Por favor, não os mate — eu imploro. — Por favor, por favor, por favor. Você não precisa fazer isso.

— Eu sei, — diz ele. — Eu não vim atrás deles.

— Mas... então...

Zed olha para mim, depois usa a faca para apontar primeiro para Ryn e depois para Vi. — Essas duas pessoas destruíram vidas. Agora eu vou destruir as deles. — Com isso, ele atravessa a sala e sobe a escada.

Então eu entendo.

Victoria.


Capítulo 34

 

 

— NÃO! — Eu grito. — Não toque nela, não toque nela! — Eu luto desesperadamente contra as cordas encantadas. Eu puxo minhas pernas para cima e trabalho nos nós ao redor dos meus tornozelos, mas eles são tão apertados que não se movem. Eu me contorço, puxo e viro, mas é inútil. — Zed! ZED! Não faça nada com ela, POR FAVOR! — Eu rolo e me contorço em direção às escadas. Eu não tenho como cortar essas cordas e nenhum plano de qualquer tipo, mas eu não posso simplesmente ficar sentada. — Zed, por favor — eu soluço. — Por favor, não faça isso, por favor, não faça isso. — Como ele pode pensar que tirar uma vida tão pura e inocente poderia corrigir qualquer tipo de erro?

Antes de chegar às escadas, nos degraus de baixo. Zed aparece acima, carregando um pacote embrulhado por cobertores em seus braços. Eu posso ver o rostinho perfeito de Victoria, seus olhos fechados. Ela ainda está dormindo apesar de todos os meus gritos. — Zed, o que você está fazendo? — Ele passa por mim sem uma palavra. — Aonde você vai? Onde você está a levando? — Ele passa por cima de Ryn, ainda deitado na porta aberta, e desaparece na noite. — ZED! Volte!

Outro grito sem palavras de raiva e desespero sai dos meus lábios - e é aí que os guardiões escolhem aparecer. Quatro deles, invadindo a casa com armas levantadas, todos eles pulando sobre Ryn como se tocá-lo fosse contra as regras de algum jogo que eles estão jogando. — É ela! — Um deles grita.

— Não toque nela — diz outro.

— Por favor — eu arquejo. — Vá atrás daquele homem que acabou de sair. Ele está com o bebê!

— Esta é uma situação um pouco estranha — um dos guardiões diz, observando meu irmão e minha cunhada atordoados, e depois as cordas encantadas em volta dos meus pulsos e tornozelos.

— Por favor! — Eu grito. — Você não o viu? Ele levou Victoria. Ele está fugindo.

— Como se fossemos acreditar em qualquer coisa que você disser depois do golpe de saída que você fez na Guilda — diz um deles. — Bloomhove, Crawdale, verifiquem o andar de cima.

— Ela tem que nos tocar para nos deixar doentes? — Outro murmura quando dois dos homens se dirigem para as escadas. — E se ela já estiver fazendo isso?

— ARGH! Vocês guardiões são tão inúteis!

Eu fecho meus olhos e digo a mim mesma para respirar, para me acalmar. Você consegue fazer isso. Você pode sair daqui. Eu abro meus olhos. Apenas uma lâmina de guardião pode cortar as cordas brilhantes que me prendem, e há duas espadas de guardiões apontadas diretamente para mim. Eu me concentro em projetar uma imagem minha sentada no mesmo lugar em que já estou. Então eu me movo. Silenciosamente, centímetro a centímetro sobre o meu traseiro, em direção à espada mais próxima. Certificando-me de me manter escondida, eu levanto meus braços sobre a lâmina cintilante, prendo minha respiração e puxo meus braços para baixo rapidamente. Então eu me inclino para trás e congelo.

O homem se afasta. — O que acabou de acontecer?

Eu olho para a imagem de mim sentada no mesmo lugar e dou a ela uma expressão confusa.

— Eu não sei — diz o segundo guardião. — Do que você está falando?

Agora os meus tornozelos. Eu levanto devagar, imaginando como vou fazer isso acontecer.

— Ei, ela estava certa! — Grita um dos homens no andar de cima. — O bebê sumiu!

Os dois guardas olham para as escadas. Eu agarro a mão do guardião mais próximo e bato na espada, que corta a corda e corta minha bota esquerda. Então eu me viro e corro.

Eu pulo sobre Ryn e corro para a floresta, o resto da corda brilhante cai dos meus braços e tornozelos. — Zed! — Eu grito. Onde ele está, onde ele está, onde ele está? Ele provavelmente já passou pelos caminhos das fadas, e eu nunca vou encontrá-lo, e nós nunca mais veremos Victoria, e Ryn e Vi nunca me perdoarão. Um soluço sobe no meu peito e eu tenho que parar de correr para poder respirar. Por que eu deixei Zed escapar da Guilda? Por quê?

Eu mal me movi a qualquer distância real da casa, mas é tão inútil correr para qualquer lugar que eu não corro. Estou atrasada. Eu falhei. É por isso que, quando noto a figura ajoelhada no chão por perto, acredito por um momento que estou imaginando. Zed não iria parar bem aqui, iria? Eu ando em silêncio em direção à figura - e é ele, suas mãos pairando no ar acima do corpo minúsculo envolto em cobertores.

— Ei! — Em uma onda de raiva e medo, eu estendo minhas mãos no ar em direção a ele. Meu poder liberado bate em seu peito, derrubando-o de costas. Ele rola e levanta. — O que você fez? — Eu exijo, fechando a distância entre nós, segurando um escudo. Eu preciso me colocar entre ele e Victoria.

— Nada. Ela está bem, eu juro.

— É bom que esteja. — Eu solto o escudo e jogo um fluxo de chamas nele.

— Você não quer lutar comigo — diz ele, desviando das chamas com um toque de sua mão e enviando uma nuvem de areia em minha direção.

Meu escudo aparece quase instantaneamente; a areia explode contra ele antes de desaparecer. — Eu quero, Zed. Eu realmente, realmente quero. — Eu empurro o ar. Uma nuvem se forma entre nós, prejudicando um de ver o outro. Suas faíscas passam através, vindo direto para mim. Eu me abaixo conforme elas passam, então pulo novamente, mostrando a ele uma imagem de mim pulando através dos galhos acima dele. Ele mira nas árvores. Minha nuvem torna-se um bando de pássaros, guinchando e bicando, e a minha imagem nas árvores pula e o golpeia. Então os pássaros se transformam em lâminas de verdade, cortando em direção a ele quando ele ergue um escudo, e a ilusão de mim se transforma em lâminas imaginárias que passam pelo seu escudo sem nenhum problema.

De magia para ilusões e tudo novamente, eu jogo tudo o que posso imaginar em uma bagunça confusa, passando de imagem para imagem para imagem. Ele não sabe o que é real e o que é imaginado, o que ele precisa bloquear e o que ele pode ignorar. E a cada nova ilusão, me aproximo mais dele. Mantendo parte da minha mente focada nas projeções, levanto a mão e atiro uma série de faíscas no galho mais próximo. Ele se parte e cai no chão ao meu lado. Eu me inclino para baixo – fogo e golpes e chuva de sangue - e eu pego isso - pedaços de gelo e pedaços de osso - e o balanço na cabeça de Zed com toda a minha força.

Ele cai no chão e não se move.

Largo o galho e corro de volta para Victoria. Com um último olhar sobre meu ombro para ter certeza de que Zed não está se movendo, eu a pego e corro. Ela começa a chorar quando meus pés batem no chão da floresta e meu corpo correndo a empurrar para cima e para baixo. É o som mais bem-vindo do mundo agora.

A porta de Ryn ainda está aberta porque ninguém parece tê-lo movido ainda. Eu pulo em cima dele e entro na casa - e encontro pelo menos vinte guardiões apontando suas armas para mim. Eu congelo. Victoria continua a gritar seus minúsculos pulmões para fora.

Minhas sobrancelhas se apertam quando digo, — Eu fiz o que vocês deveriam ter feito e a resgatei. — Eu me movo em direção ao móvel mais próximo - uma poltrona – e coloco o bebê infeliz cuidadosamente sobre ela. Então eu recuo com meus braços levantados. — Se vocês querem se redimir — acrescento, — o homem que a roubou está inconsciente na floresta, não muito longe daqui.

Ninguém diz uma palavra. Ninguém se move. Muitas armas estão apontadas para mim. Eu respiro devagar e com calma, me dando apenas alguns segundos de descanso. Então, com um último esforço, eu empurro minha última ilusão tão rápido e tão longe quanto posso. Escuridão. Em toda parte. Amplamente.

Eu me viro e corro cegamente enquanto gritos de confusão surgem atrás de mim. Eu tropeço em Ryn. Algo passa pelo meu braço direito antes que eu ouça uma arma pesada cair no chão. Algo corta o meu ombro. Passos se move em minha direção. Eu me levanto de cima de Ryn e vou para a floresta. Mudando a ilusão de escuridão para uma de invisibilidade, eu corro entre as árvores. Eu ziguezagueio e me abaixo sob os arbustos e finalmente paro do outro lado de um tronco caído.

Não ouço vozes ou passos. Inclino a cabeça para trás contra o tronco e permito que o alívio inunde meu corpo. — Ela está bem — murmuro para mim mesma. — Ela está bem, ela está bem. — Ryn e Vi vão acordar em breve, e eles vão encontrar a garotinha segura, e tudo ficará bem.

Meus olhos se fecham. Estou exausta. Mentalmente drenada. Cortes e queimaduras marcam meus braços da luta mágica com Zed, e sangue escorre de uma ferida no meu ombro, onde uma flecha ou lâmina não me errou na escuridão. Eu coloco minha mão sobre ela, enviando um pouquinho de magia de cura para o local.

Eu queria que a noite acabasse, mas ainda não. Eu deixei Chase no Rio Wishbone mais abaixo com dois companheiros desmaiados e quem sabe quais outras ameaças. Eu tenho que voltar. Eu tenho que ajudá-lo. Eu me levanto, abro um portal e arrasto meus membros cansados para os caminhos das fadas.

Eu saio da escuridão na emaranhada margem enluarada em cima do rio onde nós quatro entramos na água mais cedo. Se os desejos se tornassem realidade aqui, eu desejaria fazer o meu caminho até o fundo sem ter que passar por todos os rios acima dele. O pensamento de todos aqueles remoinhos me faz querer chorar. E se ele não estiver mais lá? E se tudo acabou e ele estiver de volta à montanha? Mas e se não acabou e ele está preso em uma batalha com os homens de Amon e Angelica?

Eu pressiono minhas mãos contra os lados da minha cabeça, tentando aliviar a dor de cabeça que está chegando. Eu decido verificar a montanha primeiro. Vai ser rápido. Caminhos das fadas, casa à beira do lago, porta das fadas, montanha. Eu posso estar lá em menos de um minuto. Eu me viro para encontrar uma superfície para escrever um portal.

— Olá.

Minha respiração fica presa com a visão inesperada de uma mulher encostada na pedra que marca o começo dos redemoinhos. Desconforto se enrola ao meu redor. Eu flexiono minha mão, me perguntando se eu deveria pegar minha faca da minha bota.

— Eu pensei que você poderia voltar em algum momento — diz ela, afastando-se da pedra e se movendo em direção a mim. É o cabelo dela que a entregou em primeiro lugar, longos cachos escuros misturados com prata em cascata sobre seus ombros.

Angelica.

Eu sinto como eu se estivesse imersa em um medo horrível. — Co-como você saiu de Velazar? — Eu pergunto, dando um passo para trás.

— Calla, certo? — Ela diz, ignorando a minha pergunta. Ela limpa as mãos no macacão da prisão antes de cruzar os braços sobre o peito. — Foi você quem falou comigo com o anel de telepatia, alegando estar trabalhando com meu filho para me libertar. Aquela que Amon me disse que ele tentou matar. Aquela que apareceu ao lado da cama da terceira Vidente quando ela acordou.

— Como você sabe sobre isso?

— Eu tenho estado de olho nas coisas. — Ela ri, como se tivesse dito algo divertido.

— Como você escapou de Velazar? — Eu exijo.

— Oh, eu não escapei. A Guilda me soltou.

— O quê? Eles nunca fariam isso.

— Eles fariam — ela diz, seus lábios se curvando em um sorriso, — se eu encontrasse uma moeda de troca.

— Moeda de troca?

— Se eu encontrasse alguém que eles querem mais do que eu.

Minha respiração fica mais rápida. Uma sensação de mau agouro cutuca meus pensamentos. — Não há ninguém que eles querem mais do que você e Amon.

— Não havia — diz ela lentamente, — até que eu disse a eles que aquele que eles mais queriam ainda está vivo.

Sangue bate em meus ouvidos. — O que você fez?

— Eu troquei sua vida pela minha.

Eu paro de respirar. Quando eu encontro ar novamente, uma arfada dolorosa, eu consigo dizer — Você não fez. Ele é seu filho. Você não faria isso.

— Porque eu não faria isso? — Ela rebate. — Ele me deixou apodrecendo em uma cela de prisão por mais de uma década. E então volta rastejando com mentiras sobre querer fazer parte dos meus planos? Ha! Ele não é mais um filho para mim do que eu já fui mãe para ele. Eu sabia que ele estava vivo todo esse tempo. Não tive dúvida. Eu esperei e esperei meu filho vir e me pegar, até o momento esmagador que eu percebi que ele tinha escolhido me deixar sofrendo atrás das grades pelo resto da minha vida. Desde então, tenho esperado todos os dias, todos os dias, pelo momento em que vou poder retribuir sua traição.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Onde ele está?

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros descuidado. — Eu não tenho certeza. Ele correu naquela direção com uma horda de guardiões em seu rastro. — Ela gesticula vagamente por cima do ombro para a densa floresta de arbustos e árvores. — Algo me diz que ele não terá forças para ir muito longe. — Ela levanta a mão como se segurasse algo invisível. Lentamente, um grande disco de metal aparece, suspenso por uma corda em seu aperto. Um gongo. O que só pode significar...

— O morioraith — eu murmuro.

— Oh, não olhe para mim assim — ela reclama. — Eu tive que dar aos guardiões uma chance justa, não tive? E ele ainda está consciente, embora — ela levanta a mão, mostrando o anel de telepatia em seu dedo — eu não consigo discernir muito seus pensamentos. É tudo dor, desespero e miséria. — Uma luz crepita por perto, seguida pelo estrondo surdo de um trovão. — Ah, parece que ele está brigando. Que divertido...

Meu rosto franze de raiva, de ódio. — Você é desprezível.

Ela ri - e então ela se lança em minha direção, seu rosto se contorcendo de raiva. Em uma fração de segundo, percebo que este é o momento. O momento que eu vi na visão de Rick, com ela estendendo a mão para me agarrar. Eu a abraço, me jogando sobre ela e jogando o braço dela para o lado. Nós caímos no chão e eu a prendo, surpresa ao descobrir que ela não é tão forte quanto eu imaginava. Eu esperava um inimigo poderoso, uma força invencível, mas ela não é nada mais do que um oponente comum. Seu punho balança em minha direção, mas eu o pego, arrancando o anel da mão dela antes que ela me jogue com um empurrão de magia. Meu corpo para contra um arbusto. Eu levanto enquanto ela levanta. Eu coloco o anel no meu bolso enquanto a distraio com uma ilusão do arbusto mais próximo pegando fogo. Então eu giro e chuto. Ela cai uma segunda vez e eu não espero. Eu pulo sobre ela e corro.

Eu a ouço rindo atrás de mim, não fazendo nenhuma tentativa de me perseguir. Meus pés me carregam o mais rápido que podem, o que não é rápido o suficiente em meio ao emaranhado de arbustos. Eu passo entre eles, cortando com magia os galhos no meu caminho, aliviada quando eu finalmente chego a uma área que não é tão densa. Meus braços bombeiam ao meu lado enquanto corro em direção à tempestade. Não é tão poderosa quanto imaginei que as tempestades de Chase fossem, e isso me enche de terror. Em que estado ele está se seus relâmpagos mal iluminam o céu noturno e seu trovão sequer chocalha o chão?

— Não! — Eu grito, correndo atrás da carruagem com uma explosão de velocidade mágica. Eu me arremesso e agarro as barras. — Chase! — Eu posso vê-lo agora, correntes pesadas foram colocadas em seus braços e pernas e presas em ambos os lados da carruagem. Correntes que sem dúvida bloqueiam sua magia. Ele se inclina entre elas, a imagem da derrota. Quando ele olha para cima, seus olhos estão focados longe, em pesadelos distantes. — Chase. Chase! Sou eu!

Ele pisca e franze a testa. Confusão se transforma em reconhecimento. — Calla?

Eu empurro um braço através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Diga-me o que fazer. Diga-me como te tirar daqui. — Com uma guinada, a carruagem se ergue do chão. Eu me agarro mais firmemente às barras.

— Estamos voando — diz Chase, balançando a cabeça e ficando mais alerta. — Você tem que soltar. Nós vamos ficar no alto em breve, então...

— Não!

— Ei! — Eu olho para cima e encontro um guardião em um uniforme, franzindo a testa para mim.

— Saia — ele manda, apontando uma stylus. Instantaneamente, ele é acompanhado por outros três guardiões, todos se equilibrando no topo da carruagem com facilidade praticada.

Ignorando-os, olho de volta para as barras. — Eu não posso deixar você — eu grito em desespero.

— Você tem que soltar. Tudo vai ficar bem, eu prometo.

— Chase, eu — Uma faísca atinge meu braço direito. Então o meu esquerdo. Eu grito quando perco meu aperto nas barras. Eu caio através do ar e bato no chão, rolando várias vezes antes de parar. Meu corpo dói e as queimaduras em meus braços ardem como o inferno e todo o ar foi arrancado dos meus pulmões. Deito-me no chão, ofegando e observando o céu até a carruagem desaparecer.

Até Chase estar muito longe.

Eu rolo de lado e abraço meus joelhos, e minhas lágrimas encharcam o chão enquanto a noite fria me cobre.


Capítulo 35

 

 

Eu volto para a montanha nas primeiras horas da manhã para encontrar Ana e Kobe andando pela sala enquanto Gaius está sentado com a cabeça entre as mãos. Eu paro na porta. Eles olham para mim, a mesma pergunta em seus rostos. Minha voz é monótona quando digo, — Ele se foi. Os guardiões Seelie o pegaram. Angelica o entregou em troca de sua liberdade.

As mãos de Ana se erguem para cobrir sua boca. Gaius parece congelado no lugar. Kobe balança a cabeça e diz — Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia disso no momento em que chegamos ao último rio e não havia nenhum sereiano para ser encontrado. Então o pessoal de Angelica apareceu, horas antes do planejado e muito mais do que o esperado. Nós soubemos instantaneamente que ela armou para nós.

As mãos de Ana se fecham em punhos, apertando firmemente seu queixo enquanto ela olha para Kobe. — Se Darius e Lumethon estivessem conosco ao invés de salvar as Videntes. Se a gente tivesse nos escondido entre as rochas em vez de sair da água, poderíamos ter esperado Chase e Calla chegarem. Todos nós poderíamos ter lutado juntos. Nós poderíamos ter evitado isso.

Kobe cruza os braços e se afasta, sua voz está rouca quando ele diz — Em vez disso, acabamos desmaiados e inúteis.

— Isso não está certo — diz Gaius, parecendo perdido. — Chase não foi pego. Ele não foi.

Eu me inclino contra a porta enquanto meu corpo treme de exaustão. Meus olhos, queimando de todas as lágrimas, se fecham. — Ele foi desta vez — eu sussurro. Então me viro e subo lentamente as escadas para o meu quarto. Com frio e cansada e exausta, vou para a cama e puxo as cobertas sobre a cabeça. Há pensamentos na parte de trás da minha mente - pensamentos sobre guardiões torturando Chase, sobre a execução que sem dúvida eles vão condená-lo, sobre nunca mais vê-lo novamente - mas eu me recuso a deixá-los tomar o centro das atenções.

Eu caio em um sono profundo cheio de sonhos confusos. Algum tempo depois, acordo com uma ideia na mente: o anel de telepatia. Com um aumento súbito de esperança, o tiro do bolso e o coloco no meu dedo indicador esquerdo.

Chase?

Chase!

Eu não sei se ele está com o outro anel. Eu suponho que ele pegou para nossa missão no Rio Wishbone para que ele pudesse falar com Angelica se ele precisasse, mas eu não me lembro de ver. Eu não me lembro de sentir quando nossos dedos ficaram entrelaçados ou quando suas mãos subiram pelos meus braços. Eu fecho meus olhos, me agarrando à memória.

Então eu me deito novamente e abraço um dos meus travesseiros, chamando silenciosamente seu nome e esperando por uma resposta que talvez nunca chegue.

 

***

 

No final do dia, eu me escondo na ala de cura de Creepy Hollow até que um curandeiro e um guardião acompanham mamãe para uma das salas de banho. Ela logo estará vestida e pronta para ir para o andar de baixo para mais perguntas. Ninguém sabe ainda se ela poderá ir para casa depois disso.

Eu deslizo para dentro do seu cubículo e começo minha inspeção apressada no quarto. Meus dedos deslizam sobre a parede e ao longo da armação da cama, procurando marcas ou sinais de magia. Eu rastejo para debaixo da cama e não encontro nada. Eu olho os dois lados dos dois porta-retratos antes de removê-los, junto com a toalha de mesa, da cômoda e abro as três gavetas. Minha inspeção em cada centímetro da madeira não revela nada. Eu me endireito e coloco minhas mãos nos meus quadris, considerando rasgar os travesseiros caso haja algum tipo de feitiço escondido dentro deles.

Então meus olhos caem sobre a pintura na segunda moldura. Eu não trouxe para cá, e nem papai. Talvez tenha sido Matilda, como eu sugeri ao papai - ou talvez fosse Zed, que disse que seu trabalho para Amon e Angelica foi feito depois que ele escapou da Guilda. Eu pego a moldura e removo a parte de trás - em seguida, solto as duas metades sobre a cama com medo. Olhando para mim na parte de trás da pintura está um desenho de um olho. Brilha levemente.

Eu arranco a pintura da moldura e rasgo ao meio. Então eu rasgo de novo e de novo em dezenas de pequenos pedaços. Eu os coloco em uma pilha no chão e coloco fogo neles com um estalo de meus dedos. Eu os observo queimando, sentindo um arrepio na parte de trás do meu pescoço enquanto imagino Angelica em sua cela de prisão nos observando através da pequena moldura que vi em cima de sua mesa.

A cortina se move. Eu rapidamente me escondo e a pilha de cinzas. Pedi a Ryn para me encontrar aqui, mas pode não ser ele. Uma curandeira enfia a cabeça entre as cortinas e diz — Ela ainda não voltou.

— Tudo bem. Eu vou esperar aqui — Ryn diz do outro lado da cortina.

— Eu sei que eu já te disse isso antes, Ryn. As horas de visita são...

— Isso não é uma visita. Estou aqui para levá-la ao andar de baixo para interrogatório.

— Bom, talvez você deva esperar...

— Você pode sentir o cheiro de algo queimando? — Ryn pergunta. — Eu acho que você precisa ver isso.

A curandeira desaparece e Ryn entra no cubículo. Eu solto a ilusão e levanto os dois pedaços da moldura vazia. — Angelica estava observando tudo o que acontecia nesse quarto. Ela viu e ouviu todas as três visões. — Eu aponto para o chão e acrescento — Eu queimei a pintura que tinha feitiço o dela.

Ryn caminha até mim e pega a moldura. — Eu ainda não consigo acreditar que eles a soltaram. Eu adoraria saber exatamente quem aprovou essa decisão. O Conselho deve decidir esses tipos de coisas junto com todos os seus membros, mas eu não ouvi nada. — Ele adiciona a moldura à pilha de cinzas e a queima. — Pode muito bem queimar a coisa toda. — Ele fica de pé e observa as chamas consumirem os pedaços de madeira.

— Victoria está bem? — Pergunto.

— Sim, ela está bem. Um curandeiro veio vê-la. E Jamon enviou alguns guardiões reptilianos para nossa casa para fazer companhia a Vi, caso qualquer outra coisa apareça.

— Eu sinto muito, desculpe, Ryn.

— Por quê? Você não tem porque se desculpar. Você impediu que um homem delirante machucasse Victoria.

Eu envolvo meus braços em volta do meu peito e olho para longe. — Aquele homem delirante... eu o conheço. Eu o conheci quando nós dois estávamos presos na masmorra de Zell. Eu o vi novamente anos depois, e foi aí que pedi a ele que me ensinasse a lutar. Foi ele quem me treinou. Então ele acabou com a turma errada, e agora ele acredita que tem que se vingar da Guilda – e de você em particular - por deixar todas aquelas pessoas Superdotadas na masmorra de Zell serem torturadas e usadas. Eu não tinha ideia de que ele acabaria assim. Eu sinto muito.

— Então foi esse o guardião que treinou você — diz Ryn calmamente. Ele balança a cabeça e acrescenta, — Os delírios dele não são culpa sua.

— Mas... — Eu mantenho meus olhos fixos firmemente no chão enquanto admito o que fiz. — Eu o vi quando ele estava fugindo da Guilda, e eu não o impedi.

— Foi ele? — Ryn diz. — Que escapou da área de detenção recentemente?

Eu concordo. — Foi ele também quem matou Saskia e espalhou a doença do dragão, mas duvido que possamos provar isso. Ou pegá-lo. — Eu corro o risco de olhar para cima. — Você disse que os guardiões não encontraram ninguém na floresta perto de sua casa?

— Não. — Ryn senta na beira da cama. Eu me abaixo para me sentar ao lado dele. — Ele parece incrivelmente perigoso, Cal. Eu sei que você está se sentindo culpada por não ter alertado ninguém quando o viu. Você está esperando que eu fique com raiva de você. Mas meu palpite é que você não poderia tê-lo parado mesmo se tentasse. Ele com certeza tinha um jeito de sair.

— Eu acho que sim. Parece que ele tinha tudo planejado.

Ryn coloca a mão sobre a minha. — Você quer falar sobre... o resto da noite passada?

— Só se você já ouviu alguma coisa.

— Nenhuma palavra. Se a Corte Seelie tem a custódia de um homem que eles acreditam ser Draven, eles ainda não contaram a ninguém. Normalmente, ele estaria em Velazar agora, mas nós também não ouvimos nada deles. Há outras prisões para as quais ele pode ter sido enviado, mas Velazar faz mais sentido. É a mais segura. E então, é claro, há os rumores sobre uma prisão secreta controlada pela Rainha Seelie para inimigos pessoais dela que nunca terminam perto do sistema oficial da Guilda. Mas isso é completamente ilegal, então é claro que não há provas de que seja verdade.

— Ele pode estar em qualquer lugar — murmuro. — Ele pode até estar... morto.

Depois de uma longa pausa, Ryn diz, — Ele pode estar.

Fecho os olhos e digo, — Por favor, não me diga que ele está tendo o que merece.

— Calla...

— Eu sei que você não gosta dele, e eu sei que ele fez coisas terríveis no passado, mas eu me importo muito com ele. Você não sabe como meu coração dói ao pensar no que eles estão fazendo com ele. Pensar que nunca mais o verei.

— Calla. — Ryn aperta a mão que está sobre a minha. Eu abro meus olhos e olho para ele. — Eu só ia dizer como sinto muito por como tudo isso acabou. Eu gostaria que houvesse uma maneira de que eu pudesse consertar isso para você.

Eu ouço a voz da mamãe na passagem enquanto ela fala com um curandeiro. Eu fico em pé, sussurro adeus a Ryn, e deslizo entre as cortinas antes que mamãe e o curandeiro cheguem ao cubículo. Eu carrego as palavras de Ryn comigo todo o caminho de volta para a montanha, não porque eu quero que ele encontre uma maneira de consertar isso, mas porque se de alguma forma existir uma maneira de consertar, eu vou encontrá-la.

Eu sonho com o nosso beijo. Eu sonho com ele estando tão perto que não existe espaço entre nós. Seus braços, meu batimento cardíaco, seus lábios, minha respiração. Magia irradia do meu corpo, fazendo com que as fontes de água dourada percorram o ar ao nosso redor. Em um momento, estou feliz - e no outro meu coração se parte, porque sei o que está prestes a acontecer. O redemoinho começa. Suga toda a água, me deixando sozinha na terra seca, vendo uma carruagem desaparecer ao longe.

— Calla!

Pressiono minhas mãos contra minhas orelhas porque não suporto ouvir seus gritos desesperados.

— Calla!

Eu balanço minha cabeça, fecho meus olhos.

— Senhorita Cachinhos Dourados.

***

Eu acordo, deixando o mundo dos sonhos para trás. Eu esfrego a mão nos meus olhos e me sento. Eu olho para a colcha, sentindo o baque do meu coração e tentando esquecer aquela sensação horrível de perda que permeava meu sonho, apagando todo o resto. Talvez eu devesse ter tomado alguma coisa para me ajudar a dormir, mas...

Calla?

Eu suspiro em voz alta e bato a mão sobre a minha boca.

Calla?

É a voz dele, dentro da minha cabeça. Eu olho para a minha mão esquerda, onde o anel de telepatia envolve meu dedo indicador. Chase?

Você conseguiu o anel de volta, ele diz.

Você está vivo! Um alívio inimaginável explode dentro de mim.

Claro. Eu não te disse que demoraria muito para acabarem comigo?

Perguntas passam pela minha cabeça muito rápido para eu pará-las. O que aconteceu? Onde está você? Você está bem? Eles te machucaram?

Você está bem? Ele pergunta. Você desapareceu. Eu estava muito preocupado. Quando ele menciona a preocupação, é quase como se eu sentisse isso. E então um grande cansaço e um sentimento de derrota. Eu sei que é difícil esconder as emoções ao se comunicar assim, mas a fadiga parece tornar ainda mais difícil para ele esconder o que realmente está sentindo.

Eu estou bem, eu prometo, eu digo. Me conte sobre você primeiro.

Foi uma emboscada. Um monte de faeries de Angelica. Eu fui tão idiota em confiar nela. Muito, muito idiota. Enquanto eu lutava contra eles, eles me levaram em direção ao último redemoinho. Quando cheguei de volta à superfície, Angelica estava lá com dezenas de guardiões e o morioraith. Eu corri, mas a fumaça me atingiu. Ele me paralisou, dando aos guardiões a chance de me prender e colocar as correntes ao meu redor. Angelica estava lá para controlar a criatura. Ela deixou ele me arranhar, apenas uma vez, apenas o suficiente para me manter fraco com alucinações do passado.

Eu sinto uma onda do horror com ele lembrando. Eu sinto muito. Desculpe. Eu deveria ter ido atrás de você antes...

Fico feliz que você não foi. Eles poderiam ter pegado você também.

Onde você está agora?

Acontece que o Palácio Seelie esconde um mundo de escuridão sob o piso de mármore polido. Há celas de prisão e câmaras de tortura aqui que eu nunca soube que existiam, nem mesmo quando pensei que tinha controle sobre este lugar.

Então você está na Corte Seelie? Um lugar impossível de encontrar, a menos que seja mostrado a você por alguém que saiba onde está?

Sim. O lugar mais bem escondido em todo o mundo fae.

E agora eu entendo seu desânimo. Como vamos encontrá-lo se ele está escondido em um lugar que quase ninguém sabe como chegar? Ele realmente está além do nosso alcance. Meus dedos agarram o colchão enquanto minha esperança começa a se esvair. O que eles planejam fazer com você?

Eu não sei. Por enquanto, estou acorrentado em uma cela sem acesso à minha magia. Eles não chegaram muito perto de mim, e é por isso que eu ainda estou com o anel.

Eu puxo meus joelhos para cima e pressiono minha testa contra eles. Há tantas coisas importantes que eu poderia dizer ou perguntar, mas as palavras nadam até a superfície, eu sinto tanto a sua falta. Eu não tento esconder o pensamento. Não há segredos entre nós agora.

Não tanto quanto eu sinto sua falta.

Meu coração dolorido alcança o dele. Eu me pergunto se ele pode sentir isso, meu desejo por ele. Eu respiro fundo e digo a mim mesma para não chorar. Já chorei demais. E eu já tive muita desesperança, derrota e escuridão. Cores brilhantes, eu digo, dizendo a mim mesma tanto quanto estou dizendo a ele. Estamos pintando com cores brilhantes agora, não com cores escuras. Nós podemos consertar isso. Nós podemos encontrar um caminho.

Não sei se sou eu, ele ou nós dois, mas sinto uma mudança. Uma mudança no clima. Eu me enrolo debaixo das cobertas e fico acordada por mais algumas horas, falando com ele - pensando, planejando, conspirando - até que adormeço com o som de sua voz em minha mente.

Quando acordo de manhã, estou cansada, mas energizada. Estou focada. Eu tenho um propósito. É mais tarde do que pensei, então me visto rapidamente e corro para o escritório de Gaius. Ele não está lá. Um olhar rápido na estufa me diz que ele também não está lá. Eu desço as escadas e, em seguida, desço novamente, abaixo do saguão de entrada, até a porta que Chase abriu, segurando a mão dele contra ela. Eu hesito. Gaius disse que acrescentaria minha impressão ao feitiço de acesso a porta pouco antes de partirmos para os Rios Wishbone, mas ainda não tentei. Eu não queria vir aqui desde então.

Eu levanto minha mão e a coloco contra a porta. Clique, e a porta desaparece. Uma pequena emoção corre através de mim. Eu realmente pertenço aqui agora. Depois de mais escadas, eu viro no amplo corredor e sigo para a sala de reuniões com a mesa oval. Eu não tinha certeza se alguém estaria lá, mas eu escuto vozes vindo da porta aberta. Quando a alcanço, Gaius sai da sala ao lado com um pergaminho na mão. Ele me cumprimenta e acena para eu andar na frente dele.

Lumethon, Kobe e Darius estão sentados em torno de um diagrama de um edifício. — Então nós ainda vamos continuar com isso? — Darius pergunta.

— Claro — diz Lumethon. — Não podemos abandonar todas as operações simplesmente porque Chase não está aqui.

— Eu não estou dizendo para abandonar tudo, mas isto era dele. É complexo. Ele foi o único que já esteve lá antes.

Gaius passa por mim e entrega o pergaminho para Lumethon. — Para as Videntes.

— Obrigada — diz ela.

Ana entra então, com as bochechas coradas e uma toalha em volta do pescoço. — Eu perdi alguma coisa? — Ela pergunta. — Alguém já descobriu onde Chase está?

— Sim — eu digo, me movendo para ficar na cabeceira da mesa enquanto todo mundo parece surpreso. — E eu tenho nossa próxima missão. É quase impossível, mas Chase me diz que geralmente é a melhor. — Eu giro o anel de telepatia em volta do meu dedo e sorrio para a minha equipe. — Nós vamos invadir a Corte Seelie.


{1} Wishbone = em inglês Wish: desejo; Bone = osso.

Capítulo 27

 

 

Eu puxo vários livros das estantes cheias de plantas no escritório de Gaius, mas nenhum deles menciona a cidade de Kagan. Existem centenas de livros aqui, então provavelmente eu não encontrei o certo. Depois de contornar uma pequena engenhoca com rodas que desliza em padrões aleatórios pelo chão do escritório, saio para a casa à beira do lago e depois para a floresta Creepy Hollow.

Eu saio dos caminhos das fadas a uma curta distância da árvore de Raven e Flint. Eu não quero chegar diretamente do lado de fora, caso alguém da Guilda esteja vigiando a casa deles. Eu também quero passar alguns minutos a céu aberto com a floresta sem fim que se estende por quilômetros em todas as direções. Sinto saudade. Sinto falta de respirar o ar fresco, ver os insetos brilhantes enquanto a escuridão se instala e caminhar entre cogumelos gigantes e flores e plantas luminosas escondendo criaturas exóticas. Agora que penso nisso, a maior parte da floresta deve ser segura para mim. Eu só preciso evitar os lugares onde os guardiões provavelmente estarão - as antigas ruínas da Guilda, as casas das pessoas mais próximas a mim, a clareira com as lojas. É claro que o resto da floresta é o lar de todos os tipos de criaturas potencialmente perigosas, mas, no que me diz respeito, elas não são tão perigosas para mim quanto os guardiões.

Não noto ninguém à espreita perto da árvore de Raven e Flint, mas decido me esconder de qualquer maneira. É uma boa prática, pelo menos. Eu alcanço a árvore deles e me inclino mais perto para soprar suavemente contra a casca áspera. Ao me endireitar, a poeira cor de ouro flutua para longe da árvore para revelar uma aldrava embaixo. Eu agarro e bato duas vezes. Momentos depois, o formato de uma porta ondula e desaparece. Flint aparece. — Olá?

Eu passo rapidamente por ele para dentro da casa antes de soltar minha ilusão. — Ei, sou eu. Apenas tomando precauções.

— Sabe — papai diz, atravessando a sala, — eu estou muito feliz que você não descobriu que poderia parecer invisível quando era mais jovem. Você teria feito todos os tipos de travessuras.

— Eu? Nunca. Ryn era seu filho travesso, lembra?

— Eu ouvi isso — grita Ryn de outra sala.

— Ah, você está aqui — diz Raven. Ela se levanta e move Dash para seu quadril. — Dash está esperando por um beijo de boa noite de você.

— Oh, seu pequeno sedutor. — Eu beijo a bochecha rechonchuda de Dash, e ele me recompensa com um sorriso tímido. Então ele estende as duas mãos e me alcança.

— Não, não, não, é hora de dormir para você — diz Raven. Para o resto de nós, ela acrescenta — Eu voltarei. — Ela se dirige para as escadas, e Flint a segue.

— Legal. Se você precisar que a gente ajude com a comida ou qualquer... Uau. — Minhas sobrancelhas levantam e meu queixo ameaça atingir o chão quando meu olhar pousa em Vi de pé na porta da cozinha. — Meu Deus, senhora grávida. Você está enorme.

Ela coloca as mãos nos quadris. — Obrigado. Isso me faz sentir muito mais atraente do que já me sinto.

Eu coloco minhas mãos na minha boca e, em seguida, digo, — Não, desculpe, isso saiu errado. Eu estou apenas... um pouco chocada. Quero dizer, parece que você poderia entrar em trabalho de parto agora. Como diabos isso aconteceu? Você esteve fora - eu não sei - uma semana?

— Quatro meses e meio — diz Vi. — Aproximadamente. É a primeira vez em seis anos que o tempo em Kaleidos ficou devagar por tanto tempo. E apenas mudou para o outro lado, acelerando para o lado deles. É por isso que voltei para casa. — Ela atravessa a sala e se senta, ajeitando as almofadas atrás de si antes de se inclinar para trás. Eu me sento em frente a ela. — Há também essa coisa de cerimônia no Instituto na próxima semana. Eu sou uma das pessoas que eles vão homenagear por todo o trabalho que fiz lá. Seria rude perder isso. Eu tenho mais ou menos um mês, mas fico feliz em passá-lo aqui. Eu senti falta de Ryn, — acrescenta ela quando ele se junta a nós. — Mais do que as palavras podem descrever. — Ryn pega a mão dela e a beija enquanto ele se senta ao lado dela.

— Por que você fez isso então? — Eu pergunto. — Você está realmente tão obcecada pelo trabalho que a ideia de passar meses sozinha em uma ilha distante parecia melhor do que perder alguns meses de trabalho?

— Calla. — Ryn franze a testa para mim.

— Eu sinto muito. — Que droga, minha estúpida boca descontrolada. — Eu não quis que soasse rude. Esque...

— Tudo bem, — diz Vi. — Você não é a primeira pessoa a perguntar. Antes de sabermos sobre o bebê, eu me comprometi a fazer parte de algumas mudanças importantes que estão surgindo no Instituto. Eu não quero decepcionar as pessoas com quem amo trabalhar, mas também não quero perder tempo em casa com o bebê quando ele ou ela nascer. Eu não queria ter que escolher, então encontrei um jeito de ter os dois.

— Eu sinceramente não achava que ia dar certo — papai diz.

— Nem eu — diz Ryn.

Eu dou a Vi um olhar de desculpas. — Nem eu.

— Obrigada, todo mundo. — Vi finge estar ofendida. — É bom saber que Tilly é a única que achou que minha ideia era boa.

— Claro que ela achou — diz Ryn. — Todos nós sabemos que a Tilly é um pouquinho maluca.

— O melhor tipo de loucura — diz Vi com um sorriso.

— Oh, pai, onde está aquela carta para Calla? — Ryn pergunta.

Papai tira um pequeno pedaço de papel dobrado do bolso e se inclina para entregá-lo para mim. — Veio de um mensageiro privado esta tarde. — Parece que ele pode estar prestes a dizer algo mais, mas então seu foco muda. — Flint, essa é a nova KarKnox multi-funcional? — Ele se levanta e atravessa a sala para examinar o que quer que seja que Flint está trazendo para baixo. Eu desdobro o papel.

Calla, desculpe-me por tudo. Por favor, me encontre no sábado à noite, às 10 da noite, onde costumávamos praticar tiro ao alvo. Z

Sábado. É hoje à noite. Zed, obviamente, assumiu que papai seria capaz de passar essa mensagem rapidamente.

— Se esta pessoa Z é um amigo da Guilda — diz Ryn, — então eu diria para não ir. Há uma chance de ele ou ela estar atraindo você para esse encontro em nome da Guilda.

Eu cruzo meus braços e franzo a testa para ele. — Você leu minha carta?

Os olhos de Ryn se movem para o lado antes de voltar para mim. — Papai leu primeiro.

Eu solto um suspiro. — Você é tão imaturo, às vezes.

— Só às vezes? — Vi pergunta inocentemente.

— Esse cara não é da Guilda — digo a eles. — Eu confio nele, mas vou com cautela.

— Eu acho que eu deveria ir com você — diz Ryn.

— Não, obrigada. — Eu me levanto e vou embora rapidamente antes que eu possa entrar em uma discussão com Ryn. Eu acho que posso lidar com um encontro com Zed sozinha. Além disso, Ryn provavelmente não ficaria satisfeito em descobrir que ‘essa pessoa Z’ é o prisioneiro que escapou da Guilda enquanto eu observava e não fiz nada.

 

***

 

Zed e eu costumávamos fazer nosso treino de tiro ao alvo perto de uma praia deserta em algum lugar do reino humano. Nós nos sentíamos seguros lá. Nós éramos invisíveis aos olhos humanos, e as chances de alguém do nosso mundo nos encontrar eram pequenas. Eu chego lá dez minutos atrasada para que eu possa me aproximar dele em vez do contrário. Eu ando em silêncio entre as árvores que carregam as cicatrizes de nossas muitas horas de prática. Facas, adagas, shurikens, machados, lanças. Eu aprendi a menejar todos aqui.

Onde as árvores terminam e a terra escura se mistura com a areia clara da praia, eu paro. Eu vejo uma figura solitária sentada fora do alcance das ondas, observando a lua pairando sobre a água. Eu olho para os dois lados ao longo da praia. Encontrando-a deserta, atravesso a areia para me juntar a Zed. Ele levanta no momento em que me vê. — Você realmente veio — diz ele. — Eu pensei que você poderia estar com muita raiva depois da conversa que tivemos pela última vez. E depois, com tudo o que aconteceu com você desde então...

Eu olho em volta mais uma vez para verificar que ainda estamos sozinhos. Então eu sento. — Você sabe o que aconteceu?

— Sim. As pessoas falam. — Zed se senta ao meu lado. — Eu não acho que há alguém em Creepy Hollow que não saiba o que aconteceu na Guilda.

— Ótimo — murmuro.

Zed olha para mim e diz, — Eu sinto muito sobre tudo isso, Calla.

Eu encontro seu olhar turquesa. — Por quê? Você nunca quis que eu fizesse parte de uma Guilda.

— Eu sei, mas não queria que terminasse assim para você, com seu nome na Lista Griffin e sua habilidade revelada para metade da Guilda ver.

Eu solto um longo suspiro. — Bem, foi assim que aconteceu. Eu não posso mudar isso, então agora eu tenho que seguir em frente.

— Você sempre foi do tipo otimista — diz ele com um sorriso.

Eu dou de ombros. — Não tanto hoje em dia, mas estou tentando.

— Enviei a você muitas mensagens, mas quando você não respondeu, percebi que você provavelmente jogou seu âmbar fora.

— Sim. — Eu pego um punhado de areia e a deixo correr entre os meus dedos. — Eu tinha feitiços anti-rastreamento, mas não sei como eles eram bons. Eu ainda preciso de um substituto, na verdade. Eu tenho usado um que é tão antigo que só se comunica com uma pessoa.

Zed ri. — Eu achava que âmbares como esse só existiam em museus.

— Aparentemente não.

— Bem, você quer um dos meus? — Zed pergunta. — Eu tenho dois.

— Você tem dois? Por quê?

— Eu sempre tive dois. Um é pessoal e outro é para os negócios.

Eu não posso deixar de rir. — Negócios? Que negócios?

Ele encolhe os ombros. — Talvez eu apenas goste de ter dois.

— Bem, você não terá mais dois se me der um.

— Eu vou comprar outro. Tudo bem. Além disso, meus âmbares têm os feitiços anti-rastreamento mais avançados, o que você definitivamente precisa. — Ele se inclina para o lado e alcança seu bolso para remover um âmbar retângulo muito mais fino e suave do que o que eu tenho usado. — Eu vou apagar todas as minhas coisas. — Ele pega sua stylus. Eu vejo as ondas rolando na praia enquanto ele apaga qualquer informação deixada no âmbar. Mensagens de sua namorada, talvez, ou daqueles que odeiam guardiões, já que ele parece gostar de sair com eles atualmente. — Aqui. — Ele entrega para mim. — Foi totalmente limpo. Ele até gerou uma nova identificação âmbar para que você não seja incomodada por mensagens de todos os meus parceiros de negócios.

— Parceiros de negócios — eu digo com um suspiro. — Certo. Bem, obrigada. Depois que eu me disfarçar, mudar meu nome e me mudar para longe e começar a fazer novos amigos, talvez comece a usar os feitiços sociais novamente.

— É isso que você planeja fazer? Afastar-se, quero dizer?

— Sim. É triste ir embora, mas provavelmente vou visitar muito a minha família. Em segredo, claro. Meu irmão e sua esposa vão ter um bebê a qualquer momento, então eu não quero perder.

— Tão cedo? — Zed pergunta surpreso.

— Sim. — Eu faço uma careta para ele. — Eu te disse que eles estavam tendo um bebê?

— Não, mas ouvi o seu irmão falando sobre isso na Guilda. Você sabe, durante minhas muitas horas escondido.

— Ah, sim. — Eu peneiro mais areia através dos meus dedos. — E agora você e eu somos fugitivos.

— Sim. Pela vida de fugitivo. — Ele levanta o outro âmbar como uma taça de champanhe. Eu levanto o âmbar que ele me deu e o bato contra o dele.

— Pela vida de fugitiva — eu digo com uma risada, porque eu também posso acolher isso. — À amizade.

— À amizade — Zed repete. Então ele se inclina e me beija.


Capítulo 28

 

 

Eu tento me afastar, mas a mão de Zed já está em volta do meu pescoço, me puxando para mais perto dele. Eu coloco as duas mãos contra o peito dele e empurro com força. Quando ele cai para trás, eu me levanto. — O que você está fazendo? — Eu suspiro.

— Eu pensei... eu pensei que você queria isso. — Ele se levanta.

— Eu queria, mas isso foi há meses, e você me disse que eu era jovem demais para você. E você não tem namorada?

— Não mais. E eu sei que isse que você era muito jovem, mas... eu não sei. — Ele dá de ombros. — Você parece diferente agora.

— Diferente?

— Sim... você não parece mais uma garotinha.

Eu cruzo meus braços firmemente sobre o peito, ainda segurando o âmbar que ele me deu. — Bem, obrigado, mas quando eu disse 'à amizade', eu falei sério.

— Tem certeza? — Ele se aproxima de mim. — Tem certeza de que não quer mais nada?

Eu olho para os olhos azuis e verdes com os quais eu costumava sonhar e espero meu coração começar a acelerar ou ter arrepios sobre a minha pele ou asas de sprite batendo dentro de mim.

Nada.

Absolutamente nada.

— Zed — eu digo. — Tenho certeza. Estou feliz por sermos amigos de novo e por não estarmos discutindo sobre a Guilda, mas... isso é tudo que quero. Apenas amizade. — Eu balanço meus braços desajeitadamente ao meu lado. — Eu acho que eu deveria ir agora. Boa noite.

Eu ando rapidamente em direção às árvores.

— Calla? — Ele fala atrás de mim. Eu olho para trás. — Eu sinto muito se eu fiz você se sentir estranha. Estou feliz com a amizade. Sério.

Eu abaixo minha cabeça. — Tudo bem. Obrigada. E obrigado novamente pelo âmbar.

Volto para a montanha pela casa à beira do lago. É tarde, mas ainda não estou cansada. Preciso tirar minha mente de Zed e de todo esse constrangimento. Que estranho! O que poderia tê-lo feito pensar que ainda me sinto da mesma maneira que me senti durante todos esses meses? Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço e ombros quando tiro meus sapatos, tentando não pensar sobre o jeito que seus lábios pareciam estranhos nos meus. Não é uma memória que eu quero guardar.

Eu ando ao longo do corredor de meias e entro no quarto de Chase. Uma lâmpada ainda está acesa, então eu a movo para o lado vazio da cama onde eu gosto de sentar e desenhar. Eu abro meu caderno de desenhos e folheio para onde estou trabalhando atualmente: uma seção das antigas ruínas da Guilda coberta de trepadeiras e flores em forma de estrela. Este caderno está repleto de desenhos agora, desde esboços breves e abandonados até imagens detalhadas e quase acabadas. Já que o meu choque inicial por ter sido expulsa da Guilda acabou, estou achando mais fácil virar para uma nova página, colocar meu lápis no papel e ver algo tomar forma.

De vez em quando minha mão fica imóvel enquanto olho para ele. Ele parece um pouco mais calmo hoje à noite. Balançando menos e resmungando menos. Eu toco sua pele. Não está queimando como estava há alguns dias, mas não sei dizer se está de volta a uma temperatura normal ou não. — O que você está sonhando? — Eu sussurro.

Volto para o meu desenho e decido que precisa de alguma cor. Na verdade, todo esse caderno precisa de um pouco de cor. Tudo é preto e branco e cinza até agora. Eu coloco o caderno de lado e me levanto. Deve haver alguns lápis de cor neste quarto. Eu ando até a mesa coberta de frascos de tinta, tinta para tatuagem, uma pilha de esboços soltos e outros pedaços e peças relacionados à arte. Ao lado de várias telas pequenas empilhadas umas em cima das outras, vejo um pote com canetas e lápis parecendo como uma versão de um buquê de um artista. Eu alcanço, mas então minha atenção é capturada por outra coisa: o pequeno navio dentro da garrafa de vidro.

Eu pego cuidadosamente e dou uma olhada mais de perto. O navio está navegando em águas turbulentas com pingos minúsculos de chuva caindo e um flash ocasional de raios ziguezagueando através da cena. A primeira vez que vi esta garrafa, eu não tinha ideia do significado desse objeto encantado. Nenhuma ideia de que era uma pequena pista para sobre quem Chase realmente é. Mas agora eu sei exatamente o que isso representa: sua poderosa capacidade de criar tempestades e controlar o clima. Eu tento encontrar uma parte de mim que ainda está zangada com ele por não ter me contado a verdade, mas eu acho que não há mais raiva. Eu entendo agora por que ele teve que manter seu segredo até que ele soubesse se poderia confiar em mim. Eu só queria que nunca houvesse nenhum segredo que ele tivesse que guardar em primeiro lugar.

Eu coloco a garrafa gentilmente de volta na mesa. Então eu puxo o frasco para mais perto e procuro através das canetas, carvão e pedaços de giz até encontrar um único lápis arco-íris. Eu balanço para confirmar se ainda está funcionando e muda de laranja para amarelo. Perfeito. Antes de voltar para a cama, olho para a pilha de esboços. O que está em cima é da estufa. Deslizando para o lado, vejo na próxima página um desenho de tinta de uma fênix. Por baixo, há uma lua de carvão refletida na água ondulando e, sob esse... um esboço de mim.

Surpresa passa através de mim, seguida rapidamente pela culpa. Eu não deveria estar olhando os esboços do Chase. São pessoais. Eu não gostaria que alguém olhasse meu caderno de desenho sem minha permissão. Mas não posso deixar de demorar mais alguns segundos para examinar o esboço mais de perto. Com amarelo e um pouco de laranja, ele pintou meus olhos e partes do meu cabelo, mas o resto do desenho está em vários tons de cinza. Há um sorriso tímido nos meus lábios, e eu me pergunto que momento ele estava tentando capturar nesse desenho.

Enquanto reúno os papéis, vejo a borda de um caderno desgastado saindo debaixo da pilha. Eu o pego. Eu sei que não deveria, mas estou tão curiosa, e o que são mais alguns momentos de bisbilhotice? Eu abro o caderno e encontro páginas e páginas com a caligrafia de Chase. Não é um diário, no entanto. Isso parece mais com detalhes de missões. Nomes, datas, lugares. Uma marca ao lado de todas as pessoas que foram salvas ou auxiliadas de alguma forma. Um registro de todo o bem que Chase fez desde que ele deixou seu passado sombrio para trás.

Fecho o caderno e o deslizo de volta sob os esboços, depois volto para a cama com o lápis arco-íris. Mas meu foco mudou completamente, e eu não sinto mais vontade de desenhar ou pintar. Eu olho para Chase. Eu coloco minha mão suavemente em seu pulso. Eu evitei segurar a mão dele até agora. Parecia muito... íntimo. Isso me fez pensar naquele momento após o casamento, quando ele deslizou os dedos entre os meus e meu coração se expandiu para encher meu peito inteiro porque eu acreditava, por pouco tempo, que a felicidade era nossa.

Com meu coração batendo forte e minha garganta estranhamente seca, eu levanto a mão dele e encaixo meus dedos entre os dele. — Por favor, acorde — eu sussurro. E então quietamente, quase inaudível, como se fosse um segredo que ninguém mais deveria ouvir: — Sinto sua falta. Eu provavelmente não deveria, mas eu sinto. Eu sinto muito a sua falta. Senti sua falta mesmo quando estava com raiva de você. E depois que você finalmente explicou tudo e começamos a conversar novamente, eu senti sua falta ainda mais porque nada era como costumava ser depois disso. — Eu descanso a minha testa contra nossas mãos entrelaçadas e fecho os olhos. — É loucura eu não querer deixar você? — Eu murmuro.

Pontos brilhantes de luz piscam do outro lado das minhas pálpebras. Confusa, eu puxo minha cabeça para trás e abro meus olhos. Uma névoa de faíscas douradas desliza em torno de nossos dedos entrelaçados. Eu tiro minha mão com medo. Do outro lado do quarto, a pilha de esboços na mesa voa com o ar, enquanto ao meu lado, a chama da lâmpada se inflama repentinamente, incendiando o abajur. Eu apago com um rápido feitiço de escudo lançado sobre o fogo para sufocá-lo. A escuridão desce sobre o quarto. Eu junto minhas mãos e crio uma bola de luz. Eu aumento até que um brilho quente ilumine o quarto, então a coloco bem no alto para que ela flutue perto do teto.

Então sento com as mãos enfiadas firmemente sob meus braços, observando Chase enquanto meu ritmo cardíaco lentamente retorna ao normal. Isso não aconteceu comigo antes, esses brilhos, essas explosões descontroladas de magia. Mas eu sei o que são. Mamãe e eu tivemos uma conversa terrivelmente estranha quando ela explicou a magia da atração física e... outras coisas.

— Eu não deveria me sentir assim por você — murmuro. — Eu devo continuar me lembrando quem você realmente é, e então eu devo ir embora.

Em vez de me responder, Chase continua perdido em seus sonhos. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa, porque eu realmente quero que ele saiba como me sinto? Não. Não quando ele uma vez esmagou e quase destruiu um mundo e poderia potencialmente fazer a mesma coisa comigo.

Pego meu caderno de desenho e o lápis arco-íris e começo a adicionar cor aos meus desenhos. Eu vou para a cama em algum momento, mas por enquanto, eu preciso deixar minha mente vagar.

 

***

 

Eu me sinto desorientada quando acordo. Eu estou do lado errado da minha cama e não há nenhum lençol sobre mim. Então eu abro meus olhos o suficiente para perceber que esta não é a minha cama. Depois de piscar um pouco mais e sentar, encontro o caderno e o lápis arco-íris ao meu lado. Eu devo ter adormecido aqui em vez de voltar para o meu próprio quarto. Eu esfrego meus olhos antes de olhar para o lado de Chase da cama.

Ele não está lá.

Assustada, eu olho para cima e encontro ele sentado na cadeira, olhando para o nada. Seu cabelo está molhado e suas roupas estão limpas. — Você está acordado! — Eu quase pulo e corro até ele, mas eu consigo me conter. Eu rastejo até a beira da cama em vez disso.

— Quando você acordou?

Ele lentamente se vira na cadeira para me encarar. — Há pouco tempo atrás. Eu tomei um banho. Agora estou... pensando.

— Sobre? — Eu pergunto com cuidado.

— A tortura que acabei de viver.

Eu engulo e depois digo — Você ficou inconsciente por uma semana.

— Tudo isso? — Ele diz com uma risada sem graça. — Parecia uma eternidade.

— Foi o morioraith.

— Eu sei. — Ele abaixa a cabeça em suas mãos. — Eu sinto muito, Calla. Eu deveria ter me lembrado disso. Eu deveria estar preparado. Mas Angelica e eu costumávamos ir direto para a câmara e ir embora novamente. E o morioraith... eu nunca lidei diretamente com ele. Angelica o encontrou em algum lugar. Ela costumava controlá-lo com um gongo. Um enorme com um som de ressonância profunda. O morioraith não aguentava. Mas mesmo sem um sino ou um gongo, eu poderia ter feito muito mais. Eu deveria ter ficado pronto com magia no segundo em que ele se transformou na forma corporal, mas tudo ficou confuso tão rapidamente. Eu não pude fazer nada e me desculpe.

— Você sente muito? — Eu pergunto. — Eu que sinto muito. Eu estava atrasando você. Você poderia facilmente ter fugido sem mim. E então você pulou na frente daquela coisa para ele não me pegar e acabou com todo o seu corpo envenenado. É por isso que eu estou pedindo desculpas.

— Ele teria me pegado de qualquer maneira — diz Chase. — Eu tenho muito mais para saciar a fome de um morioraith do que você. — Ele abre a gaveta da mesa e coloca algo dentro dela. — Eu falei com Angelica — diz ele. — Ela me contou o que ela disse a você.

Eu mordo meu lábio e pergunto — Você está com raiva de mim por usar o anel?

— Não. Eu presumo que você estava apenas tentando ajudar. — Ele não olha para mim quando fala, então eu não posso ter certeza se ele está dizendo a verdade.

Eu me levanto e atravesso o quarto. Eu paro na frente dele, mas ele ainda não olha para mim. — Você está bem? Quero dizer, você está realmente bem?

Ele esfrega a mão sobre o rosto e fica de pé. Ele olha por cima do meu ombro enquanto diz — Parece que os últimos dez anos nunca aconteceram. Eu me sinto como o monstro que acordou ao lado das Cataratas do Infinito. O monstro que mal podia encarar a vida por causa de todas as coisas terríveis que ele fez. Todas as memórias estão bem aqui, logo abaixo da superfície, tão cruas, tão próximas. É tudo que posso ver. É tudo o que sou.

— Não. — Ele ainda não encontra meus olhos, então estendo a mão e toco seu rosto. O menor dos toques, apenas ao longo de sua mandíbula, mas o suficiente para fazê-lo olhar para mim. — Você é muito mais do que seu passado. Você é isto — eu pego a tela mais próxima, uma das minhas favoritas: sprites dançando na chuva — e isso — eu pego alguns desenhos do chão — e isso — eu seguro a máquina de tatuagem. — e isso. Isso é o que você é agora. — Pego seu caderno e o balanço na frente dele. — E sim, eu sei que não deveria ter olhado, mas é incrível. Você ajudou muitas pessoas.

Ele calmamente pega o caderno de mim e o coloca na mesa. — Eu acho que você deveria ir — diz ele.

Eu abro minha boca, mas não consigo responder. Dor me apunhala no peito, mas digo a mim mesma que ele não quis dizer isso. Eu estive em seu quarto a partir do momento que acordou, então faz sentido que ele queira um pouco de tempo...

— Da montanha, quero dizer. Você não deveria ficar mais por aqui. Você estava pensando em ir embora de qualquer maneira, não é? Pode muito bem ser agora.

A faca imaginária no meu peito começa a virar. — Você está... me expulsando?

— Calla. — Ele me dá um olhar agonizante. — Você não deveria ficar perto de mim. Como você ainda não percebeu isso? Eu sou um monstro.

— Não, você não é! — Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo em frustração. — Uma semana atrás era você tentando me convencer de que você não é mais essa pessoa, e agora sou eu quem está tentando convencê-lo. Graças a Deus, um de nós começou a pensar razoavelmente durante essa agonia do morioraith, senão estaríamos chamando você de monstro.

— Como deveríamos chamar — ele murmura.

Eu pego seu caderno e o empurro contra seu peito. — Leia isso.

— Calla...

— Leia! Então me diga que você é um monstro, depois de tudo de bom que você...

— Isso nunca vai compensar tudo o que eu fiz! — Ele grita, jogando o caderno no chão. — Eu nunca vou poder voltar atrás por todas as pessoas que eu machuquei e pedir desculpas a elas. Eu nunca vou poder pedir perdão.

— Não, você não pode. E você nunca vai poder mudar o que você fez também. Então vou lembrar a você o que me disse há não muito tempo atrás, quando era eu quem precisava ser retirada da escuridão: a única coisa que você tem controle agora é o seu futuro. Então você vai se chafurdar na autopiedade ou vai fazer a diferença? — Eu me inclino e pego o caderno. Eu o empurro em suas mãos. — E você realmente não deveria jogar isso por aí — acrescento calmamente. — Parece algo que você provavelmente quer guardar. — E então, como eu não consigo pensar em mais nada para dizer, eu me viro e saio.


Capítulo 29

 

 

 

Chase se foi quando eu acordei na manhã seguinte. Eu vou à procura de comida na cozinha, e é lá que Gaius me encontra para me contar a notícia de que Chase se recuperou e já está em outra missão. — Sinto muito que você não teve a chance de falar com ele antes de sair — ele diz para mim. — Eu sei que você tem esperado ansiosamente para ele acordar.

— Tudo bem. Eu na verdade falei com ele durante a noite.

— Ah, maravilhoso. Ele parecia bem para você? Ele estava muito quieto esta manhã. Eu não consegui muito dele.

— Hum... — Eu pego uma maçã da tigela na mesa da cozinha e a enrolo em minhas mãos, imaginando o quanto Chase iria querer que eu revelasse. — Bem, ele acabou de passar uma semana preso em pesadelos do passado. Ele provavelmente precisa de um pouco de tempo para colocar a cabeça no lugar certo. Ele disse para onde estava indo?

— Foi encontrar o farol da cidade de Kagan.

— Oh. Eu pensei - quero dizer - eu assumi que iríamos juntos. Mas... — Eu suponho que eu não deveria estar surpresa. Ele me disse que eu deveria ir embora da montanha porque ele não me quer em qualquer lugar perto dele, então eu suponho que isso inclui esta pequena missão para encontrar os Videntes. Pena que ele não ficou por aqui tempo suficiente para eu dizer a ele que ainda quero me envolver até que tenhamos certeza de que paramos o plano de Amon. Eu continuo rolando a maçã entre as palmas das minhas mãos. — Hum, de qualquer forma, você conhece a cidade de Kagan? Você já ouviu falar dela antes?

— Eu não conhecia, mas conseguimos encontrá-la em um dos meus livros esta manhã. Você já viu esse pequeno dispositivo conveniente para descascar maçãs? — Ele põe um anel na mesa, pega a maçã de mim e coloca a maçã no ar acima do anel. Antes que eu possa dizer a ele que eu não costumo descascar minhas maçãs, a fruta vermelha brilhante começa a girar mais rápido do que o meu olho pode seguir. Quando ela para, a casca desaparece.

Eu pego a maçã e a examino com uma carranca, me perguntando para onde a casca foi. E se perguntando por que Gaius mudou de assunto tão abruptamente. Eu abaixo a maçã e olho para ele. — Chase disse a você para não me deixar segui-lo para onde quer que este farol esteja?

Parecendo encurralado, Gaius diz, — Bem, nós achamos que você não deveria ficar envolvida demais, vendo como você vai embora em breve.

— Então isso é um sim?

— Você já escolheu para onde ir? — Ele pergunta inocentemente.

Com um gemido e um revirar de olhos, saio da cozinha.

Dois dias depois, Chase ainda não retornou. Gaius me diz para não me preocupar com ele, então eu tento ignorar a voz insidiosa que diz, E se ele nunca voltar? Eu escolho algumas escolas de arte e começo a organizar um portfólio. Estamos a dois meses do ano letivo, mas espero que os artistas não sejam tão rigorosos quanto a esse tipo de coisas, como os guardiões. Vou mostrar a eles o que posso fazer e espero que uma das escolas me aceite. Eu ignoro a pequenina parte de mim que espera que eu não entre em nenhuma delas.

À tarde, eu vou para o reino humano para fazer algum exercício. Eu corro ao redor de um parque ao lado dos humanos, confortável em saber que eles não podem me ver. Quando passo por alguém comendo um bagel, começo a rir e quase tropeço nos meus próprios pés. Eu gostaria de ter dinheiro humano para poder comprar um para Gaius. Depois do meu aquecimento, fico no meio do parque e prático luta usando um bastão que eu transformei em uma lança longa. Eu giro na minha frente e nas minhas costas e sobre a minha cabeça. Eu a varro através do ar e depois me inclino para frente para bater no chão. Repito cada movimento que eu conheço. É tão bom ficar ativa que mal posso suportar a ideia de passar o resto da vida na frente de uma tela ou me debruçar sobre papel de desenho. Eu queria que a arte fosse um hobby, não uma carreira, e agora tudo vai acabar do jeito errado.

Eu me consolo com o pensamento de que pelo menos eu não estou na prisão. Pelo menos eu não tenho uma marca da Lista Griffin encravada magicamente embaixo da minha pele, então assim a Guilda pode rastrear meu paradeiro pelo resto da minha vida. Pelo menos eu tenho a chance de começar de novo.

 

***

Eu acordo e alcanço desajeitadamente os dois âmbares ao lado da minha cama. Minha mão encontra o novo primeiro e olho para ele através de um olho meio aberto e meio desfocado. Está em branco. Nenhuma surpresa. Zed é o único que tem a identificação até agora, e ele e eu não temos o hábito de enviar muitas mensagens um para o outro. O barulho que me acordou deve ter vindo do âmbar mais antigo e pesado. Eu o pego e olho as palavras em sua superfície enquanto elas entram em foco.

Parabéns, você é tia!

Eu pisco. — O quê? — Então eu me sento ereta. — O quê? — Eu pulo da cama e pego minha stylus, que rola da mesa de cabeceira e desaparece debaixo da cama. Depois de mexer debaixo dela para recuperar a stylus e murmurar sobre como isso tudo seria muito mais fácil se eu pudesse apenas ligar via espelho para ele, eu respondo à mensagem de Ryn. Então eu rapidamente tiro o meu pijama e coloco algumas roupas. Eu arrasto meus dedos pelo meu cabelo e corro para a sala de banho para escovar os dentes. Quando volto, há outra mensagem de Ryn. Deslizo meu âmbar no bolso de trás e corro para a porta, depois corro de volta porque me esqueci de calçar os sapatos.

Através da porta, eu ouço uma voz familiar. Eu paro no meio de colocar uma meia, só para ter certeza de que ouvi corretamente. Sim, é Chase, falando com Gaius - algo sobre confirmar que os Videntes estão de fato presos no farol. Alívio me inunda. Ele está bem! Ele provavelmente não ficará satisfeito em saber que eu ainda estou aqui, mas podemos ter essa discussão mais tarde. Sapatos colocados, eu pulo e corro para fora do meu quarto. Corro ao longo do corredor e alcanço o topo das escadas enquanto Chase se vira no final e caminha de volta.

— Oi, bom dia, tchau — eu digo enquanto corro passando por ele.

— Oi, espere. Onde você vai?

Eu paro no final e olho para cima. — Creepy Hollow. Vi teve o bebê dela!

— O quê? Isso é impossível. Ela mal está grávida.

— Não, não, ela passou algum tempo em Kaleidos. Tudo bem. Um pouco cedo, mas Ryn diz que Vi e o bebê estão bem.

— Oh, isso é bom. — Quando eu me viro, ele acrescenta, — Espere, podemos apenas — Ele corre para baixo e para ao meu lado. Percebo agora que ele está vestindo o casaco que finalmente devolvi para ele. — Podemos conversar por um momento, ou você precisa ir urgentemente?

— Bem, não, não é urgente. Estou animada para chegar lá, só isso.

— Isso não vai demorar muito. Eu só queria me desculpar por... — Ele se interrompe quando Lumethon sai da sala de estar enquanto manda mensagens em seu âmbar. Ela se dirige para as escadas sem olhar em nossa direção. Chase limpa a garganta. — Eu realmente sinto muito que eu... — A porta da fada se abre e um homem careca que eu tenho quase certeza que é um drakoni passa por ela. Ele tranca a porta com uma chave de ouro, acena para nós e cumprimenta a elfa de cabelos espetados que sai da sala de estar. A mesma elfa que trabalhou como assistente de Chase em sua loja de tatuagem e depois apareceu na ala de cura depois em que eu acordei do meu tormento na Prisão Velazar.

Os dois começam a conversar. Chase suspira, pega meu braço e abre uma das portas que levam para fora do saguão de entrada. Ele me puxa para dentro da sala, que está cheia de móveis antigos, além de aparelhos quebrados e armas semi-construídas que provavelmente começaram a vida no laboratório de Gaius. Chase fecha a porta, deixando um pequeno círculo de luz no teto como a única fonte de iluminação.

— Desculpe — diz ele. — Eu esqueci que esta era a sala de armazenamento.

— Você estava dizendo algo sobre não demorar muito?

— Sim. Desculpe pela outra noite. Eu não deveria ter falado com você tão logo depois que eu acordei. Eu não estava no estado de espírito certo, e tudo parecia um pouco... sem esperança.

— Bem, para ser justa, fui eu quem adormeci no seu quarto. Você não teria que falar comigo se eu não estivesse lá.

— Verdade. — Depois de uma pausa, ele pergunta, — Você se sentou muito ao meu lado enquanto eu estava dormindo?

Eu dou de ombros, grata pela luz escura que esconde o calor subindo para o meu rosto. — Constantemente.

— Bem, obrigada. Meus sonhos eram... horrendos. Foi um grande conforto acordar e descobrir que eu não estava sozinho. E obrigada por jogar meu caderno em mim. Ajudou.

— Eu realmente não joguei em você.

— Você devia ter jogado. Poderia ter feito algum sentido em mim enquanto você ainda estava no quarto, em vez de um dia ou dois depois.

— Bem, você sabe, eu acho que você precisava de um pouco mais de tempo para lembrar que não é um monstro, afinal.

— Sim. Estar fora na luz do dia ajudou também. Ah, e fico feliz em ver que você não me ouviu quando eu lhe disse para ir embora. Eu verifiquei o Farol Brigham, e parece que uma tentativa de resgate será mais suave se tivermos suas ilusões para nos ajudar a entrar e sair.

— Claro. — Com um sorriso, acrescento, — Eu nunca planejei ouvi-lo quando você me disse para ir embora, a propósito.

— Bom. Porque também é... — Ele respira fundo e esfrega a nuca. — Bem, é bom ter você por perto.

— É, hum, bom estar por perto. — Fantástico. Agora meu rosto está definitivamente vermelho.

— De qualquer forma, eu vou deixar você ir agora. — Ele abre a porta, e a luz brilhante que entra é chocante. Sua mão escova meu braço brevemente enquanto ele acrescenta — Por favor, passe minhas felicitações para Vi e Ryn.

Em algum lugar atrás dele, faíscas disparam de um regador e voam pelo ar. Eu me afasto antes que ele perceba.

***

 

Eu me esgueiro para dentro do cubículo na ala de cura onde Vi está na cama com um pequeno embrulho nos braços. Ela olha para mim com olhos brilhantes, e as primeiras palavras de sua boca são — Ela não é a coisa mais linda que você já viu?

Eu consigo conter o meu grito quando eu arremesso meus braços ao redor de Ryn e o aperto com força. — Parabéns, irmão mais velho. — Então eu corro para o lado da cama e olho para o pequeno pacote embrulhado. Eu escovo meu dedo suavemente contra sua bochecha macia. Eu olho para seus cílios minúsculos e sua doce boca botão de rosa. — Ela é perfeita — eu suspiro. — Qual é o nome dela?

— Victoria Rose — diz Ryn, de pé ao meu lado e colocando um braço em volta dos meus ombros.

— Tão bonito — murmuro. — Eles são nomes de família, Vi?

— Rose era o nome da minha mãe — diz ela. — E Victoria... — Um sorriso triste cruza seu rosto. — Ela era minha mentora, mas era como uma família. Ela morreu na Destruição. Eu escutava as pessoas a chamando de Tora, mas seu nome completo era Victoria. Eu não tenho certeza de como vamos acabar chamando essa pequena. Victoria, Tora, Tori...

— Vicky? Vix? — Eu sugiro.

— Bem, ela vai ser Victoria quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — o que provavelmente será frequente, se ela for parecida comigo.

— Victoria Rose — corrige Vi com uma risada. — Seus pais nunca usaram pelo menos dois nomes quando você estava em apuros?

— Então Victoria Rose quando ela estiver em apuros — diz Ryn, — e talvez Tori o resto do tempo.

— E talvez ela seja Ria para seus amigos — acrescento, — porque isso soa legal e exótico. Qual cor você acha que vai ser a dela?

— É muito cedo para dizer — diz Vi, acariciando o cabelo fino e escuro de Victoria. — Geralmente leva algumas semanas para se estabelecer, não é?

— Sim — diz Ryn. — Mas eu não tenho dúvidas de que ela será tão bonita quanto a mãe, não importa qual seja a sua cor.

Vi balança a cabeça enquanto sorri para ele. — Sempre tentando ser o Sr. Encantador.

— Ei, é verdade — ele diz a ela, seu sorriso combinando com o dela. Então ele se senta na beira da cama e olha para mim. — Desculpe, eu não lhe enviei uma mensagem antes. Não me odeie, mas... ela na verdade nasceu ontem à tarde.

— O quê? — Eu dou a ele o meu melhor olhar de raiva. — E você esperou até esta manhã para me dizer?

— Eu sabia que você viria para cá imediatamente, mas os curandeiros primeiro precisavam verificar se ela era saudável - o que ela é; muita magia forte de fada bombeando através desse minúsculo corpo dela, apesar de sua chegada antecipada - e então todos os visitantes começaram a chegar, e pareceu mais fácil esperar até depois da pressa inicial. Eu sabia que seria mais seguro para você se houvesse menos pessoas indo e vindo.

— E mais seguro para você — acrescento. — Eu definitivamente não quero que você acabe com problemas, o que nós dois sabemos que você estaria se alguém me visse aqui. Falando nisso — acrescento, lançando um olhar sobre o ombro enquanto passos se aproximam da cortina. Eu rapidamente projeto a ilusão de que não estou aqui.

Uma curandeira olha para dentro e diz — Ryn, o seu pai ainda está por aí?

— Não, ele voltou a trabalhar. Está tudo bem?

— Melhor do que bem — ela diz com um sorriso largo. — A esposa dele acabou de acordar.


PARTE 4


Capítulo 30

 

 

Eu permaneço escondida no quarto de Vi mordendo impacientemente minhas unhas enquanto Ryn verifica o que está acontecendo com a mamãe. Ele volta para informar que os curandeiros entrando e saindo de seu quarto continuam o expulsando. Eu ando ao redor, meu cérebro repetindo, Ela está acordada, ela está acordada, ela finalmente está acordada! Os nervos disparam através de mim. Há tanta coisa que tenho que perguntar a ela. Muita coisa que ela precisa explicar.

Papai chega. Eu quero correr para o quarto da mamãe com ele, mas Ryn me segura, me dizendo para dar-lhes um pouco de tempo sozinhos. — Ele precisa explicar todas as coisas que aconteceram enquanto ela dormia. O fato de que nós sabemos sobre ela ser uma Vidente, e como ela foi sequestrada, e então sua expulsão da Guilda. Apenas dê a ela alguns minutos para que as coisas façam sentindo antes que você vá correndo para lá. E enquanto espera, certifique-se de que ainda está focada o suficiente para se esconder. Você não quer estragar tudo agora e acabar em uma cela na detenção no andar de baixo.

— Eu odeio quando você é tão sensato — murmuro.

Ele me dá uma tapinha no ombro. — Eu sei.

Eventualmente, depois da quarta vez em que Ryn desaparece para ver o que está acontecendo, ele volta para me dizer que posso ir até o cubículo da mamãe. Eu espero alguns segundos para ter certeza de que estou me escondendo corretamente. Ryn diz — Perfeito. Você está completamente invisível. Eu vou com você para que eu possa impedir qualquer um que tente entrar enquanto você estiver lá.

Meu coração palpita ansiosamente como asas enquanto passo por todas as cortinas flutuantes em direção onde minha mãe tem dormido nas últimas seis semanas. Ao passarmos entre as cortinas, Ryn passa a mão pelo ar. — Escudo de som — ele murmura.

Eu paro dentro da cortina. Mamãe está sentada, ofuscada pelo enorme pijama do instituto de cura. Seu cabelo fino, loiro e amarelo, está emaranhado, mas alguém fez um esforço para domá-lo desde que ela acordou. — Calla. — Ela sorri e estende a mão para mim. Papai senta em um lado da cama, então corro para o outro lado e seguro sua mão. Minhas palavras saem da minha boca. — Você está bem? Como você está se sentindo? É confuso acordar depois de tanto tempo?

Ela coloca a outra mão sobre a minha. — Eu quase não me sinto diferente do que estaria depois de acordar de um sono normal. Um pouco confusa no começo, mas de outra forma normal. Esse é o sinal de uma poção do sono de alta qualidade — acrescenta ela, abaixando o olhar quando sua expressão se transforma em culpa. Ela balança a cabeça. — Eu sinto muito por ter feito isso com você. Foi à única coisa em que consegui pensar no momento. Eu não podia deixar que ele soubesse o que eu... — Ela se interrompe, então aperta minha mão com força e olha para cima. — É seguro você estar aqui? E se alguém te ver?

— Ryn está perto o suficiente da cortina para interceptar qualquer um que tente entrar. Isso me dará tempo para me esconder. Eu posso fazer isso rapidamente agora. Eu tenho praticado muito ultimamente.

Ela acena. — Eu sei por quê. Eu sinto muito. Você sabe que eu realmente não queria que você fosse uma guardiã, mas nunca quis que isso terminasse assim para você. Nunca.

— Isso não é importante agora. Sim, é uma droga, mas... — Eu afasto a dor que reaparece toda vez que me lembro da minha expulsão. — Estou tão feliz que você esteja acordada. Eu estava realmente com raiva de você no começo, mas depois... — Aperto a mão dela enquanto sinto as lágrimas ameaçando aparecer. — Por que você não me contou, mamãe? Sobre ser uma Vidente. Eu queria ter sabido. Isso teria me ajudado a entender melhor você.

— É... — Ela balança a cabeça e olha para o outro lado. — Não é um presente, é uma maldição. Eu vi tantas coisas horríveis. E é tão desorientador, tão... perturbador. Eu odeio isso. Eu sempre quis me livrar disso. Eu só queria ser normal, então fiz o meu melhor para fingir que era.

— Mas agora que eu sei — eu digo, olhando para as nossas mãos unidas, — você vai explicar tudo? A visão que você teve que fez você fugir, e por que alguém veio atrás de você por causa disso, e por que há dois outros Videntes envolvidos em tudo isso? Por favor?

— Eu vou ter que dizer a Guilda de qualquer maneira — ela diz baixinho, — então eu deveria me acostumar a falar sobre isso. E você merece uma explicação, já que foi sequestrada e quase morta por minha causa. — Quando ela consegue encontrar meus olhos, vejo lágrimas e o enorme peso da responsabilidade em seu olhar.

Eu dou-lhe um sorriso corajoso. — Realmente, não foi tão ruim assim. — Eu não sei o quanto meu pai disse a ela, mas ela não precisa saber o quão horrível foi essa experiência.

— Bom, então — diz ela. — Eu provavelmente deveria começar pelo começo. Eu nasci uma Vidente. Eu odiei minhas visões no momento em que elas começaram. Meus pais entendiam e só queriam que eu fosse feliz, mas estavam cientes de que qualquer faerie respeitável nascida com a capacidade de Ver deveria ser treinada para apoiar o sistema de guardião. Então eles me mandaram para a Guilda Estra.

— Não foi tão ruim assim. Eu tinha amigos. Tamaria e Elayna e eu fazíamos tudo juntas. Perto do final do primeiro ano, estávamos na biblioteca certa tarde quando todas nós três fomos atingidas por uma visão ao mesmo tempo. Diferentes, mas tudo relacionado ao mesmo evento. O bibliotecário chefe estava lá. Amon. Ele nos viu entrar em colapso. Ele deve ter ouvido o que dissemos enquanto estávamos experimentando as visões.

— Quando acordamos, Amon saiu correndo para chamar um de nossos instrutores. Nós três nos sentamos juntas, tremendo e compartilhamos o que tínhamos visto. Nós costumávamos carregar pequenos espelhos de mão conosco para que pudéssemos praticar a transferência de visões se as tivéssemos. Então fizemos isso e assistimos ao horror do nosso futuro. Então, eu disse a Tamaria e Elayna que não poderíamos deixar ninguém na Guilda ver essas visões. Afinal, eram eles que iam fazer com que esse futuro acontecesse.

— Eu não sei se elas concordaram comigo. Eu não sei o que elas planejaram dizer a Guilda. Mas peguei os três pequenos espelhos e fugi. Guardiões vieram à nossa casa, é claro, mas eu me recusei a contar o que vi. Eles tentaram me ameaçar, mas meu pai os fez sair. Quando estávamos sozinhos, mostrei a ele e a minha mãe as três visões. Então ele entendeu. Ele empacotou todas as nossas coisas e fomos embora antes da manhã seguinte.

— Anos depois, ele me revelou que nunca havia destruído esses espelhos. Eu achava que ele era louco por tê-los guardado, mas ele disse, ‘E se esse futuro vier a acontecer um dia, e a única maneira de consertá-lo seja a partir dos fragmentos de informação dentro dessas três visões? Você sempre saberá a sua, mas e se você precisar ser lembrada das outras duas? Não os destrua.’ Eu não queria ouvi-lo, mas tão assustada quanto eu estava, reconheci que ele provavelmente estava certo.

Mamãe tira as mãos das minhas e tira o anel de casamento do dedo. — Eu escondi os espelhos. Eu nunca disse ao seu pai que ainda os tenho. — Ela segura o diamante em cima do anel e o gira. Ela gira até o diamante sair do anel. — Sinto muito, — diz ela, olhando para o papai agora. — Tenho certeza de que você nunca quis que esse anel fosse usado para esse propósito.

— Hum... — Papai olha para as duas partes do anel, parecendo perplexo. — Não.

Mamãe esfrega o dedo em círculos sobre o diamante até ele perder o brilho e sua forma. Ele derrete para revelar três minúsculos discos empilhados uns sobre os outros. Enquanto ela recita um feitiço de aumento, os discos se expandem. Em poucos segundos, três pequenos espelhos redondos – do tipo sem reflexo dos Videntes - estão na palma da mão dela. — Ainda está muito pequeno — diz ela. — Deixe-me torná-los um pouco maiores. — Ela aplica outro feitiço de aumento, em seguida, levanta um dos espelhos para que eu possa ver melhor. — Essa era a visão de Elayna — diz ela, enquanto os passos rápidos de papai o levam ao redor da cama para ficar ao meu lado. Ela toca a superfície do espelho e a primeira das três visões aparece.

Uma lua cheia paira em um céu estrelado. Uma criatura da noite pia, e dois sprites voam através da cena. Sem aviso, um relâmpago irregular divide o céu ao meio, trazendo consigo um som horrível que quebra a quietude da noite. Quando a luz brilhante diminui, vejo uma grande lágrima no tecido do céu. A lágrima cresce mais e, além disso... está um mundo diferente. Um reino diferente. A cena escurece e uma figura sombria aparece. Tudo o que posso ver no rosto dele é a luz verde que brilha em seus olhos. Sua voz calma envia um arrepio através da minha pele, — O véu caiu.

O espelho retorna ao seu estado prateado sem reflexo. — O véu — eu repito suavemente enquanto olho para a superfície em branco. — Significa... aquele entre o nosso reino e o humano?

Silenciosamente, mamãe concorda. Ela pega o segundo espelho. — Foi isso que eu Vi. — Mais uma vez a cena é de um céu noturno, mas no primeiro plano está uma estátua de pedra de um tridente apontando para cima. O tridente parece estar subindo de ondas oceânicas esculpidas em pedra, que por sua vez estão montadas sobre uma ampla base cilíndrica com padrões esculpidos nela. Enquanto observo, um homem caminha até a estátua e sobe facilmente sobre as ondas de pedra. Ele fica ao lado do tridente e envolve uma mão ao redor enquanto ele olha para o céu. Eu não posso ver o detalhe em seu rosto, mas eu posso apenas ver o brilho verde onde seus olhos estão.

Dois homens caminham até a estátua carregando uma mulher entre eles. Eles a colocam em cima das ondas de pedra. Outros dois homens carregam uma segunda mulher e a colocam ao lado da primeira. Elas ainda estão vivas, mas não parecem conscientes. Os quatro homens estão de guarda, dois de cada lado da estátua. Quando eles apontam suas armas para as mulheres, percebo com um choque que esses homens são guardiões. Na visão do espelho, uma bruxa avalia o peso de um machado em suas mãos. Ela acena primeiro para os homens à direita e depois para os homens à esquerda. — Agradecemos às Guildas por sua assistência. Vocês ajudaram a tornar isso possível. — Ela caminha até a estátua, olha para as mulheres e depois para o tridente. O homem segurando ele parece ficar rígido. O tridente brilha. A bruxa fala — Da magia das profundezas à magia das alturas, com sangue de um lado e sangue do outro. Junto com o maior poder que a natureza pode aproveitar, vamos rasgar este véu. — Então, com um grito bárbaro, ela gira o machado no pescoço da primeira mulher. Eu suspiro e coloco a mão sobre a minha boca enquanto o sangue jorra do lado da estátua. A bruxa se move para a segunda mulher. Enquanto ela grita e traz seu machado para baixo novamente, eu aperto minha mão em um punho sobre a minha boca. Então a luz branca brilhante oblitera tudo.

A visão acaba.

— Isso... isso foi horrível — eu sussurro. — E aqueles guardiões apenas observaram.

Mamãe engole. — E isso — diz ela, pegando o terceiro espelho, — foi o que Tamaria Viu. — A visão começa com uma visão do lado de fora de uma torre, mas ela rapidamente se aproxima, passa por uma janela estreita e se concentra embaixo. No piso redondo do túnel há uma massa de corpos se contorcendo. Centenas de pessoas, todas amarradas e gritando. A visão desce, passando por pessoas, concentrando-se em rostos individuais. — Não esse — uma voz diz, e uma pessoa é libertada. — Esse também não. Eu não lhe disse para não usar os especiais? — Um homem é libertado, e então um menino com tatuagens no rosto, uma mulher chorando e uma garota com - cabelo dourado? Meu coração pula para a minha garganta quando a visão se move para cima e para cima, e eu vejo quando uma grande pedra da mesma forma e diâmetro que a parte interna da torre cai com velocidade ofuscante e esmaga a massa de pessoas gritando. Em um flash de luz, tudo fica branco e desaparece.

Eu respiro devagar. — Isso... era eu. Quando criança e aquele homem com os olhos brilhantes. Era Draven?

— Sim — responde Ryn de perto da cortina.

— Então tudo isso deveria acontecer durante o tempo de Draven, mas não aconteceu.

— Não, não aconteceu — mamãe diz. — Algo deve ter mudado. Ou talvez muitas coisas tenham mudado. Mas se Ryn não tivesse resgatado você do Príncipe Unseelie, você poderia ter acabado como todas aquelas pessoas no fundo daquela torre. E se Draven não tivesse sido morto, essa visão poderia se tornar realidade.

— Mas não aconteceu, então que uso essas visões tem para Amon?

Mamãe coloca o espelho na cama. — Acho que ele acredita que isso ainda pode acontecer. Ele provavelmente pensa que se ele puder reunir todos os elementos certos da maneira que eles estão nessa visão, então ele pode derrubar o véu a qualquer momento. Não há nada que indique que estava restrito a esse período específico da história.

— Mas... como ele poderia conseguir todos os elementos certos juntos? Eu suponho que o raio veio de Draven, e ele... bem, ele deveria estar morto.

— Eu não sei — mamãe diz. — Tudo o que sei é que Tamaria apareceu do nada há vários meses. Eu não sei como ela me encontrou. Eu não tive nada a ver com a vida dos Videntes ou a Guilda desde que fui embora. Eu fui para a escola de negócios e depois acabei como bibliotecária em Wilfred porque eu queria algo calmo. Eu pensei que tinha me escondido perfeitamente, mas ela conseguiu me rastrear.

— Ela me contou que um homem se aproximou dela perguntando sobre as visões que nós três tivemos. Um homem que conhecia Amon. Ele queria que ela lhe dissesse exatamente o que ela tinha visto, e ele também queria saber onde ele poderia encontrar Elayna e eu. Ela se recusou a dizer-lhe qualquer coisa e, eventualmente, ele foi embora. Ela procurou por mim porque queria me avisar. Ela acreditava que este homem estava tentando juntar as informações de todas as três visões para que ele pudesse causar a queda do véu.

— Eu disse a ela que ela nunca deveria ter vindo. E se esse homem estivesse a rastreando e agora ele sabia onde me encontrar? De qualquer forma, ela foi embora e eu vivi com medo por várias semanas. Mas nada aconteceu, e eu esqueci disso. Então aquele homem invadiu e lutou contra você, e depois você mencionou o nome Tamaria, e eu sabia. Eu sabia que foi por isso que ele veio, e eu sabia que ele voltaria. É por isso que tivemos que nos mudar. E é por isso que finalmente deixei você se juntar à Guilda. Eu sabia que não estávamos mais seguros. Eu queria que você passasse o máximo de tempo possível longe de casa, e eu queria saber que você poderia se defender adequadamente se estivesse em casa quando ele invadisse novamente. Eu sempre odiei a Guilda, mas tive que deixar isso de lado sabendo que você estaria mais segura lá.

— E no fim, foi exatamente na Guilda onde eles nos sequestraram — eu digo baixinho. — Como é possível — pergunto ao começar a pensar nessas visões, — dois reinos que se sobrepõem subitamente existirem no mesmo espaço, porque a magia não os separa mais? Eles meio que se juntariam? Um destruiria o outro?

— Espero que a gente nunca descubra — mamãe diz. — Mas você entende agora porque eu não queria que a Guilda soubesse o que eu vi? Eles ajudaram com tudo o que você viu nessas visões. E apesar de muitos guardiões tentarem impedir que isso se tornasse realidade se eu compartilhasse a visão com eles, eu não queria nem mesmo colocar a ideia na cabeça de alguém, caso isso tenha causado a coisa toda.

Eu inclino meu quadril contra a cama. — Você acha que isso funciona às vezes? O ato de tentar impedir algo é o que faz com que isso aconteça?

— Sim. Talvez eu esteja errada, mas acho que sim.

— Eu me pergunto se tudo isso é possível, — papai diz, franzindo a testa enquanto olha para os espelhos, — alguém realmente fazer essas visões se tornarem realidade. As consequências seriam indescritíveis.

Eu repasso os detalhes da visão horrível da mamãe novamente. Uma torre, uma bruxa, um machado, alguém deste reino, alguém do mundo humano, um feitiço que provavelmente não é muito difícil para qualquer bruxa descobrir, uma estátua com tridente e um poderoso relâmpago produzido pelo sujeito que por acaso não está morto.

Sim. Alguém poderia definitivamente fazer isso acontecer.

— Nos disseram que podemos levar Victoria para casa — diz Ryn, voltando para o cubículo. Eu não percebi que ele tinha ido embora. — Cal, você provavelmente não deveria ficar por muito mais tempo, a menos que você permaneça escondida. Você nunca sabe quando um curandeiro pode entrar aqui.

— Eu sei. Você está certo. — Eu pego a mão da mamãe novamente. — Desculpe, não posso ficar.

— Tudo bem, eu entendo. Eu não quero que você tenha que projetar uma ilusão o tempo todo e, em então, acidentalmente escorregar porque está cansada. Além disso, — acrescenta ela com um gemido, — Eu tenho certeza de que há vários guardiões esperando para me interrogar sobre a visão que me recusei a mostrar há tanto tempo atrás.

Preocupação aperta minhas entranhas. — Apenas perguntas? Ou será algo pior?

— Eu não sei. Mas não sou mais uma criança, então eu provavelmente deveria parar de me esconder. — Ela respira fundo, um pouco trêmula. — Quaisquer que sejam as consequências por fugir da Guilda durante todos esses anos, eu vou enfrentá-las agora. — Ela tenta dar um sorriso e acrescenta, — Espero que um dia eu possa ser tão corajosa quanto minha linda filha.

— Mãe... — Minha garganta aperta e lágrimas não derramadas doem por trás dos meus olhos.

— Tudo bem, basta — papai diz. — Vamos ser positivos. Tudo vai ficar bem. Logo você estará em casa — ele diz para a mamãe, — e você poderá admirar a redecoração bagunçada que Calla fez no quarto de hóspedes.

— Ei, esse foi um dos meus melhores trabalhos, — eu protesto, permitindo que um sorriso mascare minha preocupação. Mamãe ri, mas eu posso dizer que está meio indiferente.

Eu me despeço dos dois. Então eu me lembro de ser tão corajosa quanto mamãe pensa que sou quando desço as escadas e saio da Guilda. Chase e eu temos trabalho a fazer se vamos impedir Amon de transformar essas visões horríveis em realidade.


Capítulo 31

 

 

— Minha mãe acordou! — Eu digo enquanto corro para o escritório onde Gaius e Chase estão curvados sobre um mapa.

Os dois olham para cima. — Isso é maravilhoso, — diz Gaius.

— Ela me mostrou sua visão. E as outras duas visões também. Das duas Videntes que estão supostamente naquele farol na cidade de Kagan.

— Espere, espera aí. — Chase levanta as mãos. — Você está falando sério? Você viu todas essas três visões que Amon está procurando?

— Sim. E agora você está prestes a vê-las. — Eu me viro e me concentro no espaço acima do centro da sala. — Eu gostaria de não ter que assistir isso de novo, mas aqui vai. — Eu projeto minha memória das três visões no ar. Quero desviar os olhos dos detalhes horríveis, mas não acho que funcionaria. Então meus olhos ficam atentos para tudo: a divisão no céu, as mulheres decapitadas, os corpos se contorcendo prestes a serem esmagados. Quando termino, nós três ficamos em silêncio. Uma vagem de asa de dragão se fecha em torno de um inseto. Chase esfrega a mão na testa.

— É um pouco assustador saber que eu poderia ter feito isso acontecer, — diz ele eventualmente. Ele limpa a garganta. — Mas agora finalmente sabemos o que estamos tentando impedir.

— Eu sei que isso é pedir muito — diz Gaius, — mas você poderia nos mostrar de novo?

Então eu faço. Quando termino pela segunda vez, Chase aperta os olhos para o espaço vazio e murmura, — Angelica sabe.

— Sabe o que? — Eu pergunto. — Que minha mãe acordou?

— Eu não sei. Talvez tenha sido outra coisa, mas quando falei com ela há pouco tempo, senti uma espécie de excitação nela.

— Mas como? Mesmo que haja curandeiros na Guilda que estão na verdade trabalhando para Amon ou Angelica, eles teriam que ir à Prisão de Velazar para passar a mensagem. Levaria algumas horas pelo menos. E ela não pode saber que falamos sobre a visão da mamãe. Ninguém mais estava lá para ver, e Ryn colocou um escudo de som em torno de nós.

Chase anda ao redor da sala, batendo em várias plantas penduradas em seu caminho. — Eu não sei. Ela está feliz com alguma coisa e isso não é bom para nós. Precisamos parar isso antes mesmo de começar.

— Espere — eu digo. — Apenas espere. É realmente possível? Você acha que Amon poderia forçá-lo a fornecer aquele raio de energia?

— Eu não planejo deixá-lo fazer qualquer coisa do tipo, mas eu não descartaria que ele encontrasse outra fonte de poder.

— Como o quê?

Chase olha para Gaius. — Boa pergunta.

Gaius coça o queixo. — Por que todas essas pessoas tiveram que ser esmagadas?

— Outra boa pergunta — diz Chase. — E eu sei o que você está pensando. Foi esse o poder que foi selado?

— Do que vocês estão falando? — Eu pergunto a eles.

— Não é importante agora — diz Chase. — Vamos começar pelo simples. Aquela estátua. Se a destruíssemos, isso impediria que isso acontecesse ou alguma estátua de pedra poderia tomar seu lugar?

— Você pode estar no caminho certo — diz Gaius. — Isso não é apenas uma estátua. Eu definitivamente já vi isso antes. É... oh, eu sei. Hum. Oh! — Ele estala os dedos. — O Monumento ao Primeiro Rei Mer.

— ‘Da magia das profundezas,’ — eu recito. — Então esse monumento tem algum tipo de poder?

— Eu acredito que sim. Está como guarda sobre a entrada do Reino Mer.

— Então eu estou supondo que os sereianos não aceitariam muito gentilmente que nós o destruíssemos — eu digo.

— Podemos organizar algum tipo de proteção extra em torno dele, enquanto informamos o Rei Mer da ameaça — diz Chase.

— Tudo bem. Então, para onde exatamente estamos indo?

— Hum... — Gaius estala os dedos mais algumas vezes e olha para Chase. — Está em algum rio subterrâneo, não é? Na foz, onde o rio encontra o oceano?

— Não olhe para mim — diz Chase. — Eu não estudei neste reino.

— Não teria ajudado se você tivesse estudado, — eu digo. — Aprendemos tudo sobre as Cortes Seelie e Unseelie, mas quase nada sobre a realeza menor. Eu nunca vi esse monumento antes.

— Tenho certeza de que posso encontrá-lo — diz Gaius, indo até a prateleira mais próxima e examinando as lombadas dos livros. — Só me dê meia hora.

Chase suspira. — A Internet seria tão útil agora. — Ele olha para o outro lado da sala para o relógio cuco, que nos mostra que é quase meio-dia. — Tudo bem, eu estou convocando uma reunião. Podemos enviar duas pessoas para a missão de resgate das Videntes, e o resto de nós pode lidar com esse monumento do Rei Mer. Se Angelica souber de alguma forma o que está acontecendo, eu não quero que nenhuma das pessoas que trabalha para ela chegue primeiro. Vejo você lá embaixo em uma hora, Gaius.

— Mm hmm, — diz Gaius distraidamente, puxando um livro da prateleira.

Chase acena em direção à porta, indicando que eu deveria andar com ele. — Você está dentro? — Pergunta ele, uma vez que estamos fora do escritório. — Você pode voltar para suas inscrições na escola de arte e planos de identidade falsa quando terminarmos.

— Claro que estou — digo-lhe quando o mesmo tipo de antecipação animada que sinto no início de cada missão se agita dentro de mim. — Eu não deixaria você me deixar de fora, mesmo que você quisesse.

 

***

 

Uma hora depois, me encontro na área da montanha que eu não tenho permissão para explorar ainda. A área onde todos os outros que entram neste lugar parecem desaparecer. A única vez que estive aqui foi quando Chase se ofereceu para me mostrar as gárgulas, e essa visita não durou muito tempo.

Eu ando com Chase ao longo de um corredor largo, passando por salas que estou intensamente curiosa para saber mais. Eu ouço vozes quando nos aproximamos de uma porta entreaberta. Incapaz de conter meu entusiasmo, encontro as palavras — Isso é tão excitante — passando pelo ar adulto que estou tentando retratar.

Em vez de olhar para mim como se eu fosse uma criança cansativa, Chase sorri. — Imagine se você pudesse fazer isso todos os dias. — Então ele abre a porta completamente e gesticula para eu andar na frente dele. Eu entro na sala e encontro cinco pessoas sentadas em volta de uma mesa oval. Eu conheço Gaius e Lumethon, e eu conheci a garota elfa quando ela estava posando como assistente de Chase no Wickedly Inked. O homem careca drakoni é o que eu vi antes de Chase me puxar para o depósito. Agora que o vejo de perto, percebo que ele também esteve no Wickedly Inked no dia em que fui lá encontrar Chase. A única pessoa desconhecida é o cara faerie que cruza os braços e franze a testa para mim.

— Obrigado por vir, pessoal — Chase diz quando ele se senta em uma extremidade da mesa. Eu escorrego na cadeira à sua esquerda. — Sei que geralmente lhes dou um pouco mais de tempo, por isso peço desculpas por isso, mas finalmente sabemos o que nossos presos favoritos de Velazar estão fazendo, e precisamos intervir rapidamente.

— Hum, apresentações primeiro. Calla, você já conhece Gaius e Lumethon. Essa é Ana — ele gesticula para a elfa ? Kobe ? o drakoni e Darius. Todo mundo, essa é Calla. Ela sabe tudo sobre a situação Amon-Angelica. Tudo bem, então... — Chase estende a mão através da mesa e puxa um dos mapas de Gaius em direção a ele.

— Cara — diz Darius — você não pode simplesmente trazer uma garota aleatória para o círculo. Nós lidamos com coisas altamente confidenciais aqui.

Chase olha para cima com uma carranca. — Ela não é uma garota aleatória.

— Bem. Você não pode simplesmente trazer sua namorada para isso.

— Eu não sou namorada dele — eu digo imediatamente.

— Tanto faz. — Darius vira seu olhar azul escuro para mim. — Ana viu vocês entrarem no depósito juntos.

Eu cruzo meus braços. — Nós estávamos tendo uma conversa particular.

Darius bufa. — É assim que eles chamam hoje em dia?

Minha pele fica quente, e eu coro para parar antes de chegar ao meu rosto. — Você é realmente muito rude, você sabia disso?

Darius sorri. — Então, como eu disse. E eu não estou julgando, a propósito. Todos nós achamos que é hora de Chase ter algum...

— Olha, Darius pode ser rude — Ana interrompe, — mas ele também tem um ponto. Ela não faz parte da equipe, Chase.

— Sim, eu so — eu digo antes que possa parar para pensar sobre as palavras. Quando saem, percebo que estou falando sério. Claro que eu quero dizer elas. Por que eu iria querer a escola de arte quando eu poderia ter isso? Fazer parte de uma equipe, fazer planos, lutar contra vilões, destruir tramas perigosas e salvar vidas. É tudo que eu sempre quis.

Eu percebo que todo mundo está olhando para mim, incluindo Chase. Eu limpo minha garganta. — Eu faço parte da equipe. Chase concedeu o convite, e eu aceitei. — Eu mantenho meu olhar desviando dele, no entanto, porque eu não tenho certeza se ele realmente concedeu o convite. Foi Gaius quem sugeriu que eu ficasse por perto e trabalhasse com ele, não é?

Em vez de me contradizer, no entanto, Chase diz — Sim, desculpe, eu deveria ter avisado sobre isso. — Eu sinto uma mudança em sua voz. — Calla é o mais novo membro da nossa equipe.

Darius se inclina para trás em sua cadeira, ainda me observando. — Bom, então. Como todos nós temos nossas áreas de especialização, o que exatamente você pretende adicionar a essa equipe, Calla... além de um rosto bonito?

Eu pisco para ele. Um segundo depois, uma manticora cai do ar e bate na mesa. Gritos e suspiros enchem a sala enquanto a manticora se equilibra sobre pés de leão com garras e abre a boca para emitir um rugido desumano. Darius sai do caminho e cai da cadeira quando o ferrão da manticora dispara para frente para atacá-lo. Ele joga as mãos para liberar magia...

E a ilusão some.

Respiração pesada é o único som na sala. Eu me inclino para trás na minha cadeira e cruzo uma perna sobre a outra. — Eu acho que minha utilidade se estende além de um rosto bonito.

Darius lentamente vira seu olhar horrorizado para mim. Então ele começa a rir. Ele aponta para o ar vazio, olha para Chase e diz — Você poderia ter começado com essa informação.

Chase, o único que não se assustou com a visão da manticora, diz — Eu não tinha certeza se tínhamos tempo para demonstrações dramáticas, mas agora vejo que era necessário. De qualquer forma, vamos voltar para a parte onde Amon e Angelica planejam derrubar o véu que separa o reino fae do humano.

A atenção de todos volta para Chase.

— O quê? — Darius exige, retornando rapidamente à sua cadeira.

— Você está brincando — diz Ana. — Certamente isso não é possível.

— De acordo com três visões separadas, é. Calla viu todas elas. Infelizmente, Angelica também.

Eu respiro fundo. — Você tem certeza?

— Sim. Eu não sei como, mas ela sabe. Talvez alguém com ilusões ou um dom da invisibilidade estivesse escondido no quarto da sua mãe enquanto ela lhe mostrava as visões. — Chase remove o anel de telepatia do bolso e o coloca na mesa à sua frente. — Eu falei com ela agora mesmo. Ela me disse que recebeu a notícia de que o terceiro Vidente, aquele que foi resgatado, revelou sem saber sua visão. Angelica então disse que se eu ainda quiser fazer parte do plano dela, eu preciso encontrar um de seus lacaios no Monumento ao Primeiro Rei Mer hoje à noite para que eu possa ajudá-lo a roubá-lo.

— Eu suponho que seja um detalhe da visão — pergunta Lumethon.

— Sim.

— Então Angelica ainda confia em você — diz Gaius. — Isso é bom.

— Sim. Então, precisamos chegar primeiro, garantir que o monumento fique seguro, e então pedir uma audiência com o rei dos sereianos para que possamos convencê-lo de que seria do interesse de todo o mundo fae que ele ordenasse que seu monumento fosse destruído.

— Ótimo — diz Darius, colocando as mãos atrás da cabeça. — Eu amo uma missão fácil na tarde de terça-feira.

— Você não vai — Chase diz a ele.

— O quê?

— Você e Lumethon vão resgatar as outras duas Videntes. Se Angelica e Amon acham que têm toda a informação de que necessitam agora, então que razão eles têm para manter vivas as Videntes? Já que não gostamos de deixar as pessoas morrerem, vocês dois cuidarão disso. — Ele desliza um mapa sobre a mesa para Darius. — Confirmei que elas estão no farol — diz ele, tocando em uma área do mapa antes de se inclinar para trás.

Resmungando baixinho, Darius pega o mapa e se aproxima de Lumethon para que possam examiná-lo juntos.

— Gaius, você descobriu onde está o monumento? — Chase pergunta.

— Sim. É na foz do Rio Wishbone, mais abaixo, onde a água doce se junta à corrente do oceano. — Gaius vira um livro aberto e o empurra para Chase, para que ele possa ver a ilustração na página. — É um sistema de rios subterrâneos paralelos, um em cima do outro. Como os rios são considerados parte do território dos sereianos, eles são inacessíveis a partir dos caminhos das fadas. A única maneira de chegar ao fundo é descer pelos redemoinhos encantados de um rio para o outro. Os redemoinhos se formam em lugares diferentes em cada rio, mas a ideia parece ser bastante simples. Você deixa a corrente levá-lo até que um redemoinho o sugue. Você cai no próximo rio e repete o processo até chegar ao fundo.

A explicação de Gaius é recebida com silêncio. Então Chase diz — Bem, eu não posso dizer que já viajei assim antes, mas suponho que isso seja totalmente normal para um sereiano.

— Provavelmente — Gaius responde. — Quando você chega ao rio mais baixo, deixa que ele o leve até que o sistema de cavernas termine. Nesse momento, você está realmente abaixo do fundo do oceano. — Gaius aponta para uma parte da ilustração. — Se você deixar o rio te levar para mais longe, você vai acabar no oceano no reino dos sereianos. Você não precisa ir tão longe, no entanto. Na última caverna é onde você encontrará este monumento. E há guerreiros ou guardas ou o que eles chamam de nadadores nessa área, então você pode falar com eles sobre ver o rei.

— E como exatamente saímos? — Pergunta Ana.

— Ah, sim, eu vi algo sobre isso. — Gaius puxa o livro de volta e o folheia. — Algo sobre um portal... — Ele vira outra página. — Sim, aqui está. No final do último rio, pouco antes de entrar no mar, um pouco abaixo à direita, onde ficam estas rochas. Existe um redemoinho permanente que é na verdade um portal. Você pula dentro dele e acaba no rio de cima novamente, que está aberto para o ar, então você pode facilmente sair e abrir um portal para os caminhos das fadas.

— Parece divertido — eu digo, puxando o livro para mais perto para que eu possa dar outra olhada nos desenhos. Os sistemas de cavernas parecem bastante grandes, então não tenho que me preocupar com espaços confinados sendo um problema. E enquanto a ideia de ser sugada para dentro de um redemoinho parece um pouco assustadora, não pode ser tão ruim se os sereianos fazem o tempo todo.

— Kobe, Ana, Calla, — diz Chase. — Vocês sabem nadar, certo?

Nós três concordamos.

— Então vamos seguir nosso caminho. — Enquanto nós cinco levantamos e colocamos as cadeiras no lugar e ajudamos a juntar livros e mapas, Chase abaixa a voz para que só eu possa ouvir. — Eu sabia que você ficaria. — Seu olhar está focado no mapa que ele está dobrando, mas eu posso ver seus lábios puxados para um lado.

Eu me lembro de Ryn me perguntando se era a Guilda que eu tanto queria, ou o que a Guilda representa. Eu sorrio para mim mesma quando respondo — Eu acho que eu também.


Capítulo 32

 

Nós escolhemos nosso caminho através dos emaranhados arbustos crescendo na margem do rio mais alto do Rio Wishbone, enquanto o sol se aproxima do horizonte. — Sua equipe é... interessante — eu digo para Chase, mantendo minha voz baixa para que Ana e Kobe, caminhando um pouco atrás de nós, não ouçam.

— É sua equipe também agora — diz Chase. — A menos que você tenha mudado de ideia. Você não passou pelo ritual de sangue de iniciação, então, tecnicamente, você ainda não está ligada a nós.

Meus passos ficam lentos quando eu franzo a testa para ele. — Ritual de sangue?

Seu rosto sério se abre em um sorriso. — Estou brincando.

— Droga. — Eu consigo me impedir de sorrir. — Aqui eu estava ansiosa para derramar meu sangue como forma de demonstrar meu compromisso.

— Se é assim que você gostaria de provar seu compromisso, não tenho dúvidas de que você logo terá a chance. — Sua expressão fica séria e seus olhos encontram os meus quando paramos de andar. — Isto não é exatamente um jogo seguro que estamos jogando.

— Nunca é quando as vidas das pessoas estão em jogo.

Ele olha para a água. — Esta é uma vida perigosa que você escolheu, Calla.

Eu coloco minhas mãos em meus quadris, pronta para brigar com ele, se ele quiser ser superprotetor, como Ryn é. — Assim é a vida de um guardião, e fiquei feliz em escolher aquela. Eu nunca quis trilhar o caminho seguro.

— Eu sei. Eu nunca sonharia em dizer que você não pode escolher esta vida porque é muito perigosa. Suas escolhas são suas. Eu só queria te lembrar de ter cuidado. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você.

— Chase. — Eu coloco minha mão em seu braço para que ele olhe para mim. Então ele vai saber o quão séria eu estou. — Eu não tenho certeza se você está ciente disso, então me deixe dizer para você. Há pessoas que ficariam destruídas se algo acontecesse com você. Nós dois precisamos ter cuidado.

Parece que ele quer dizer alguma coisa, mas Ana e Kobe nos alcançam. — É aqui que entramos? — Kobe pergunta.

Eu tiro a mão do braço de Chase, feliz por ter conseguido evitar a emissão espontânea de magia que poderia derrubar uma árvore ou atear fogo em suas roupas ou lançar uma onda da água do rio sobre nós. Teria sido estranho ter que explicar. Eu esfrego minha mão na parte de trás do meu pescoço enquanto Chase diz, — Sim. Aquela rocha é o marcador. — Ele aponta para trás de nós para uma rocha suave e oval com marcas sobre ela, que se ergue entre os arbustos. — Os redemoinhos aparecem daqui em diante.

Nós deslizamos pela parte barrenta da margem e entramos na água, que é fria o suficiente para causar um arrepio na minha pele. Existem inúmeros feitiços que eu poderia usar agora - roupas impermeáveis, aquecer a água ao meu redor, uma bolha de ar ao redor do meu corpo inteiro - mas eu prefiro conservar minha energia. Isto é apenas o começo da nossa missão, afinal.

Nós caminhamos até onde não é mais raso o suficiente para ficar de pé e deixamos a corrente nos puxar. — Então agora esperamos que um redemoinho apareça e nos sugue? — Pergunta Ana.

— Esse é o plano — diz Chase.

— E se isso não acontecer? — Eu pergunto. — Há uma cachoeira em algum ponto ao longo deste rio antes de encontrar o oceano?

— Sim, mas os diagramas mostraram numerosos redemoinhos aparecendo antes disso.

— E se esses remoinhos só aparecerem para os sereianos? — Ana diz. — Só vamos descobrir quando chegarmos à cachoeira. Eu não tenho o tipo de magia que você tem, e eu particularmente não quero acabar sendo esmagada nas rochas no fundo de uma cachoeira.

— Ana — diz Chase. — Eu já deixei você cair em uma cachoeira antes?

— Bem, não, mas eu nunca...

— Exatamente. Você não tem nada com o que se preocupar.

— Mulheres — resmunga Kobe. — Sempre se preocupando.

Ana nada para o lado na água até estar perto o suficiente de Kobe para dar um soco no braço dele.

Começo a pensar em qual magia eu vou usar se acabarmos na beira de uma cachoeira, mas eu mal consigo fazer um plano quando de repente eu me sinto sendo puxada para o lado pela água.

— É isso! — Chase grita.

— Oh, merda, oh merda — eu arquejo quando nós somos puxados violentamente pela corrente do turbilhão do redemoinho e eu fico abruptamente consciente de como isso é uma má ideia.

— Pare, pare, pare! — Ana grita. — Eu não quero mais fazer isso!

— Apenas vá — grita Chase.

O redemoinho se forma rapidamente, criando um buraco no centro maior do que eu imaginava. Eu luto contra o desejo em pânico de me lançar magicamente para fora da água e, em vez disso, me deixo ser puxada para o vórtice. Eu giro ao redor e ao redor e para baixo, completamente fora de controle, a corrente terrivelmente forte, minha claustrofobia gritando para mim que estou sendo sugada para um buraco sem ar, e então...

Estou caindo.

Um segundo depois, mergulho em um rio mais frio do que o que eu acabei de deixar. Eu nado para cima em meio ao fluxo de bolhas, de novo e de novo, até que minha cabeça finalmente quebra a superfície da água. Eu respiro junto com um alívio intenso. Eu não sei por que eu não considerei o quão aterrorizante isso seria antes de realmente começar, mas provavelmente foi uma coisa boa eu não pensar sobre isso.

Eu nado em direção a Chase e Kobe, assim quando Ana aparece. Eu olho em volta enquanto nado, observando a beleza da vasta caverna subterrânea por onde o rio flui. O teto e as paredes estão cobertos de manchas de uma luz púrpura, enchendo a área com um brilho roxo. A rocha em si é escura, e eu quase posso imaginar que estou olhando para um céu noturno.

— Isso foi horrível — diz Ana depois de vários arquejos. Seu cabelo curto e escuro, normalmente espetado em todas as direções, está plano ao redor do seu rosto. — Por quantos rios temos que passar antes de chegarmos ao fundo?

Isso é exatamente o que eu estava tentando não pensar.

— Mais quatro — diz Chase, enquanto a corrente nos puxa suavemente. — Mas foi tão ruim assim?

— Foi bastante assustador — eu admito, principalmente para que Ana não pense que ela é a única que estava com medo. Com base nas poucas interações que tivemos, ela não parece gostar muito de mim. Como vamos nos ver muito mais agora, eu gostaria de mudar isso.

— Desculpe, mas acho que você não pode sair sem primeiro ir até o fundo, — diz Chase.

— Eu não quero ir embora — diz Ana. — Eu me comprometi com essa missão. Só estou te avisando que provavelmente vou gritar em todas as descidas que... Tuuudo bem, aqui vamos nós de novo.

Sem nenhum aviso, a corrente suave de repente gira em torno de um círculo girando, nos levando com ela. Mesmo que eu diga a mim mesma repetidamente que isso não vai me matar, ainda é terrível ser sugada de um lado para o outro em um círculo cada vez menor até que a queda súbita venha. A caverna em que caímos desta vez é verde. Não há manchas de luz, mas um brilho verde nas paredes da caverna que reflete na água. Também é mais quente que as duas primeiras, e estou agradecida. Kobe e Ana surgem mais à frente. Chase e eu nos juntamos à corrente atrás deles, flutuando sobre nossas costas e olhando para as paredes brilhantes enquanto a água puxa nossos pés primeiro.

— Alguém quer apostar qual será a cor do próximo rio? — Chase grita.

— Podemos simplesmente apostar que todos vamos chegar ao fundo vivos? — O grito de resposta de Ana chega.

— Então isso é um não? — Chase pergunta.

— Nãooooonãonãonão! — Ana grita, o que provavelmente significa que outro redemoinho começou. Eu ainda não sinto nenhum puxão na água, no entanto. Eu abaixo minhas pernas e corpo abaixo da superfície para que eu possa olhar para frente.

— Vamos lá — diz Chase para mim, arrastando pela água com braçadas fortes. — Não quer perder a viagem, não é?

Ana e Kobe desaparecem no vórtice enquanto Chase e eu nadamos em direção a ele. A corrente do redemoinho nos pega - e então a água diminui e o buraco se fecha e, em segundos, a água espirrando se torna uma corrente suave mais uma vez. — Merda — eu murmuro. — Isso não aconteceu.

— Está bem. Haverá outro — diz Chase. — Vamos continuar.

Continuamos flutuando rio abaixo, a corrente um pouco mais rápida agora do que era antes. Chase está observando o teto passar novamente, mas eu mantenho meus olhos fixos firmemente à frente desta vez. Parece que a caverna termina abruptamente à frente, mas isso não pode estar certo. Eu olho através do brilho verde e percebo que a caverna não acaba - mas se torna extremamente estreita, forçando o rio a fluir através de três aberturas que são nada mais do que rachaduras na parede de pedra.

— Oh, não. — Eu começo a nadar contra a corrente. — Não, não, não. Eu não vou passar por aí. — Eu posso lidar com os redemoinhos porque eles acabam tão rápido que eu mal tenho tempo para entrar em pânico, mas não isso. Não essas fendas escuras na parede.

Chase flutua passando por mim quando eu me viro. — Ei, tudo bem — diz ele. — Gaius verificou todo o percurso. Ele disse que não há nenhuma parte no rio que seja estreito demais que não dê para passar.

— Não vai acontecer. — Eu começo a nadar na outra direção, puxando a água com tanta força quanto eu tenho.

— Calla, não há outro lugar para você ir — diz Chase de algum lugar atrás de mim.

— Eu não me importo. Eu não posso fazer isso. — Minha voz soa um pouquinho em pânico enquanto eu luto contra a correnteza.

— O que você quer dizer com você não pode... — Ele para enquanto eu continuo batendo na água e chegando a lugar nenhum. — Você está brincando? — Pergunta ele. — Claustrofobia? Esse é o seu problema?

— Sim! E eu não vou...

— Apenas relaxe e flutue.

— Eu não consigo relaxar! — Espere, eu posso usar magia. Acrescentar força aos meus golpes – vou nadar para trás até nós cairmos - esperar pelo próximo...

— Pare — diz Chase, nadando para perto de mim e pegando meu braço. — Apenas flutue, ok?

— Eu não posso simplesmente...

Ele agarra minhas duas mãos. — Por que você não flutua de costas, e assim você não vai ver...

— Não! — Eu não sei por que, mas será ainda pior se eu não puder ver para onde estou indo.

— Está bem, está bem. Eu vou para trás e você só olha para mim, não para as paredes.

Balanço a cabeça furiosamente enquanto observo o rio se estreitando e os três buracos se aproximando. Estamos indo para o meio e não há como pararmos agora.

— Ei, você nunca me contou sobre o bebê de Vi e Ryn.

— O quê? Isso é... não... — O buraco horrível na parede fica cada vez mais próximo.

— É uma menina ou um menino?

— Hum... uma menina.

— Ei, olhe para mim — instrui Chase. — Qual é o nome dela?

— Victoria. — O nome sai em uma corrida de ar quando a água nos leva para o buraco. Eu me forço a olhar para Chase, mas as paredes verdes cintilantes estão bem ali. — Nós vamos ser esmagados, vamos ser esmagados, vamos ser esmaaaaagados! — Minha voz aumenta para um grito e fecho meus olhos com força enquanto a correnteza aumenta. Nós somos atirados para o ar e perdemos a mão um do outro. Abro os olhos a tempo de ver a continuação do rio verde antes de mergulhar sob sua superfície.

Eu luto através das bolhas até encontrar ar e uma enorme caverna e espaço, espaço e espaço. — Eu consegui — eu arquejo enquanto me afasto das três cachoeiras. — Eu não fui esmagada. Eu não fui amassada. Oh, o espaço é tão incrível. — Eu olho em volta e encontro Chase por perto.

— Então, deixe-me ver se entendi — ele diz enquanto eu nado em direção a ele, sua voz mal dando para escutar acima da água trovejante atrás de mim. — Você tem a imaginação mais poderosa que eu já conheci, mas você não pode imaginar sair de um pequeno espaço?

— É... só... não funciona assim. — Esta parte do rio quase não está de movendo, então sem uma correnteza para nos carregar, continuamos nadando para longe das cachoeiras.

— Mas tudo que você tem a fazer é imaginar, certo? — Chase diz. — Então é isso que você vai ver.

— Não quando estou enlouquecendo! Eu não posso me concentrar quando estou em pânico.

— Então você tem que decidir não entrar em pânico.

— Não é tão simples assim. Você não sabe o que é...

A água entra em erupção entre nós, nos jogando no meio de dois redemoinhos separados. — Vejo você no próximo rio — grita Chase quando me sinto sendo arrastada irresistivelmente para o vórtice. Este fica mais largo e profundo do que os outros, me arremessando até que eu mal posso respirar antes de finalmente me deixar cair no próximo rio. Estou tão desorientada que não sei qual é o caminho para cima. Enquanto fico sem ar, tento formar uma bolha no nariz e na boca. Então me sinto levantando devagar e dirijo minhas mãos para debaixo de mim. Com um jorro de energia, eu me atiro para a superfície.

Ar delicioso enche meus pulmões enquanto caminho pela água e olho em volta. Eu estou em uma caverna vermelha com uma parede lisa de um lado e uma coleção de pedras do outro. A luz vermelha parece vir de algum lugar abaixo de mim. Do leito do rio, provavelmente. Eu me viro na água, procurando por Chase, mas não o vejo. Eu também não vejo Kobe ou Ana, então assumo que significa que o próximo remoinho já os levou.

— Chase? — A correnteza quer me afastar, mas eu não vou a lugar algum sem ele. Eu nado contra a água até chegar ao lado rochoso do rio, então tenho algo para me segurar. — Chase! — Eu chamo de novo. Ele já deveria ter chegado. Tentando vencer meu pânico, eu bato na água com as palmas das mãos e grito, — Onde você está?

— Ei, acalme-se, estou aqui. — Eu me viro e o vejo molhado e subindo em uma das rochas ao lado da água. — Desculpe, eu fui levado para baixo depois que caí e levei um tempo para voltar. — Ele volta para a água e nada em minha direção. — Você não estava seriamente em pânico por estar sozinha aqui, não é?

— Não, seu idiota. — Eu espirro água nele. — Eu estava com medo de você estar morto.

Ele espirra água de volta em mim, embora não tão forte. — Não se preocupe, vai precisar muito mais do que uma cachoeira subterrânea para acabar comigo. Nem mesmo um morioraith pode terminar o trabalho.

— Sim, bem, isso poderia ter terminado de forma diferente se eu não tivesse colocado minha própria confusão de lado por você enquanto eu batia pedaços de metal que eu alonguei magicamente como alguém em um transe enlouquecido.

Ele para de caminhar na água e envolve um braço em volta da rocha que eu estou me segurando. — Foi isso que aconteceu antes de Lumethon chegar lá?

— Sim. — Eu olho para longe, envergonhada agora que eu compartilhei os detalhes dessa experiência. — Eu admito que não foi o meu resgate mais heroico, mas funcionou.

— Heroico ou não, eu sou muito grato. Acho que nunca te agradeci depois que acordei.

— Não. — Eu me concentro na água vermelha passando entre nós. — Eu acho que você acabou me dizendo que você era um monstro e que eu deveria ir embora. Ah, e você se desculpou. E eu me desculpei. Houve muitas desculpas acontecendo. — Eu adiciono um sorriso quando olho para ele, então ele vai saber que não precisamos fazer disso uma conversa séria e pesada. Percebo, então, que seus olhos estão castanhos, em vez do cinza-verde de suas lentes de contato. Estou prestes a comentar quando um redemoinho aparece não muito longe de nós. — Rápido — eu digo, mergulhando em direção a ele.

Este é mais rápido que o anterior, me jogando para baixo antes que eu possa ter a chance de ficar tonta demais. Uma fração de segundo antes de atingir o próximo rio, meu corpo para, como se estivesse suspenso no ar por uma corda invisível. Então eu pulo a distância final. Levantando-me, percebo por que. A água - mais quente que qualquer um dos rios até agora - é rasa, chegando logo acima da minha cintura. Cair nesta água de uma grande altura não terminaria bem.

— Isso é incrível — diz Chase, olhando em volta enquanto se levanta.

Eu tenho que concordar com ele. A água parece ouro líquido ou tinta dourada. Mas quando a pego e deixo escorrer entre meus dedos, deixa minhas mãos limpas, então talvez seja apenas um reflexo das paredes da caverna de ouro. — Lindo — murmuro, — e muito, muito quente. — Tão quente que eu posso ver o vapor subindo. — Isso ainda conta como um rio se não está se movendo?

— Eu acho que está se movendo apenas um pouquinho — diz Chase. — Mas ei, nenhum destes são rios normais, então quem sabe.

— Sim. — Eu sorrio para ele e me vejo percebendo seus olhos novamente. — O que aconteceu com suas lentes de contato?

— Elas não se dão bem na água. Eu as perdi depois do primeiro redemoinho.

— Bem, eu prefiro ver seus olhos verdadeiros — digo a ele, e depois desejo não ter dito, porque parece que nos levou a uma conversa sem saída. Estranho, já que não consigo tirar meus olhos dos dele. Segundos passam e algo em seu olhar muda. Algo que me faz sentir... — Droga, está quente aqui. Eu não aguento. — Eu desfaço rapidamente os botões da minha jaqueta enquanto o calor ameaça me dominar. Que sorte que eu escolhi usar um top por baixo, em vez de algo com mangas compridas.

— Sim — diz Chase, tirando sua jaqueta. — Definitivamente muito quente.

— Sabe, eu estive pensando em fazer uma tatuagem — eu digo enquanto tiro as mangas molhadas da minha jaqueta. Deixo flutuando na água ao meu lado.

— Ah, hora do dragão gigante nas suas costas.

— Quase — eu digo com uma risada, — mas não completamente. Eu vi algo na sua mesa que eu realmente gostei. Um desenho a tinta de uma fênix.

— Uma fênix — diz Chase, balançando a cabeça lentamente. — Nova vida, novo começo.

— Eu sei, não é exatamente uma ideia original, mas quero algo que simbolize minha nova vida. E seu desenho é único. Ninguém mais terá nada parecido. Quero dizer, se você me deixar usá-lo.

— Claro que eu vou deixar.

— Eu estava pensando na metade superior das minhas costas, chegando até a base do meu pescoço. — Eu puxo meu cabelo molhado para o lado e estendo a mão para tocar o topo da minha espinha. — E então as asas se estendendo até os ombros de ambos os lados. O que você acha?

Chase acena. Ele limpa a garganta e diz — Seria perfeito.

Mais uma vez, algo parece diferente entre nós. Eu sei o que é. Eu sei exatamente o que é, e estou esperando que fontes da água dourada comecem a se espalhar à nossa volta a qualquer momento. Eu deveria dizer alguma coisa, mas eu não sei como ou por onde começar, e eu não sei se sou corajosa o suficiente. Eu inspiro profundamente - porque, sério, o que aconteceu com o ar aqui? - e olho em volta. Onde está esse maldito redemoinho? Apenas mais um para ir, certo? — Hum, por que eles chamam de Rios Wishbone?{1} — Eu pergunto, aliviada por ter pensando em algo sobre o que falar. — As pessoas acham que os desejos se realizam aqui?

Chase coloca a água dourada nas mãos e a deixa correr entre os dedos. — Talvez eles se realizem, mas o sistema recebeu o nome do rio de cima, que tem a forma de um osso da sorte. Na verdade, são dois rios, unidos na foz, aonde eles vão para o mar. Apenas o lado direito tem redemoinhos, porém, e os rios paralelos abaixo dele. — Ele olha para cima e acrescenta, — Eu verifiquei com Gaius antes de sairmos, apenas no caso de haver algum tipo de magia estranha com que teríamos que lidar aqui.

— Magia de desejo — eu digo, ponderando a ideia enquanto eu passo meus dedos lentamente pela água. — Se os desejos pudessem se tornar realidade, o que você desejaria?

— Eu desejaria... — Ele desvia o olhar para o rio dourado. — Eu gostaria de ser outra pessoa. Apenas um faerie normal em vez da pessoa que estragou tudo. Eu gostaria que eu pudesse encontrá-la em circunstâncias completamente comuns, e eu gostaria que você ainda pudesse me ver do jeito como me viu naqueles últimos minutos sob o dossel de flores antes de tudo desmoronar. — Ele sorri enquanto retorna seus olhos para os meus. — São muitos desejos?

Eu seguro seu olhar enquanto considero minhas palavras cuidadosamente, e percebo que, afinal de contas, sou corajosa o suficiente. — Talvez alguns desejos se tornem realidade — digo a ele, minhas palavras deixando minha língua lentamente. Eu quero ter certeza que ele vai ouvir todas elas. — Ou talvez você simplesmente ainda não tenha percebido que algumas coisas não precisam ser desejadas. — Eu olho para baixo e pego sua mão na água. Eu deslizo meus dedos entre os seus antes de acrescentar — Quero dizer, por que você desejaria algo que já tem?

Pequenas gotas douradas da água levantam do rio e se enroscam ao redor do meu braço e ao redor dele. Luzes douradas brilham nas paredes da caverna ao nosso redor. Meu coração ruge e estou me perguntando o que aconteceu com o ar novamente. Eu não tenho esperança de encontrá-lo, no entanto, porque quando eu levanto meus olhos mais uma vez, o olhar ardente de Chase é o suficiente para roubar meu fôlego e enviar um calor ardente através das minhas entranhas.

Ele levanta nossas mãos entrelaçadas e as solta. Ele passa os dedos pelos meus braços, transformando o fogo na minha pele em um arrepio. Suas mãos continuam até chegarem ao meu pescoço. Ele se inclina para frente, seu rosto parando a centímetros do meu. — Você realmente quer dizer isso? — Ele pergunta, sua voz rouca.

Com asas de sprite batendo loucamente no meu estômago, eu pressiono um beijo em sua mandíbula, e depois outro mais alto. Quando eu alcanço o seu ouvido, eu digo, — Eu não gostaria que você fosse outra pessoa. Por que eu iria querer, quando é você quem eu quero?

Seus lábios encontram os meus, e o mundo dourado e luzes piscando desaparece quando meus olhos se fecham e meus dedos se espalham através de seu cabelo molhado, puxando-o para mais perto. Suas mãos deslizam em volta das minhas costas, agarrando meu cabelo antes de traçar minha espinha e entrar na água para pressionar contra minha parte inferior das costas. Nossos corpos se encaixam perfeitamente juntos. Meus braços se enroscam ao redor de seu pescoço e faíscas deslizam através de nossas línguas e gotas de água misturadas com magia caem sobre nós, misturando-se com nossos beijos.

E é aí que o mundo cede abaixo de nós e um redemoinho nos suga.


Capítulo 33

 

 

 

O último rio parece gelo contra a minha pele queimando. Levanto para a superfície, ofegando contra o frio e também buscando ar. Enquanto as ondas ondulantes ao meu redor diminuem, noto a água brilhando levemente. Pedras preciosas azuis cravejam as paredes da caverna, brilhando com uma beleza invernal, e entre elas, desenhos e figuras foram esculpidos na pedra.

— Calla! — Eu olho em volta e vejo Chase atrás de mim. A correnteza, mais forte neste rio do que nos outros, já está me puxando. Ele se junta a ela, nadando com movimentos rápidos e fortes em minha direção. Eu estendo a mão para ele enquanto a correnteza me arrasta. Não sei porque, mas sinto necessidade de contato físico com ele da mesma forma que preciso de ar. Uma mão entrelaçada, braços entrelaçados, um abraço, qualquer coisa. Algo parece incompleto sem o seu toque. Ele pega minha mão, depois aponta passando por mim. — Olha, já estamos na foz. Tem o monumento.

Eu me viro, nunca soltando a mão dele. Mais à frente, à direita, pouco antes da caverna terminar, vejo o monumento. Uma base redonda, ondas de pedra sem movimento e o tridente subindo. Parece maior na vida real. — Onde estão Ana e Kobe? — Eu pergunto. — Eles deveriam estar lá esperando por nós.

— Algo não parece certo — diz Chase, puxando a água para nos mover para frente mais rápido. — Você vê as figuras deitadas ao lado do monumento?

Eu olho através da luz azulada. Eu vejo duas formas no chão, e o medo envia outro arrepio através de mim. — Eu... eu acho que sim.

Eu tenho que soltar a mão de Chase enquanto nós nadamos contra a correnteza e nos movemos diagonalmente em direção à margem à direita. Quando a água se torna rasa o suficiente para ficar em pé, Chase nos empurra para frente com um jato extra de magia. Eu quase tropeço e caio, mas ele atravessa as pedras em direção ao monumento. — Tenha cuidado! — Ele grita de volta para mim. Ele levanta a mão em um movimento em curva, e eu sinto um escudo em volta de mim. Espero que ele tenha feito o mesmo para si mesmo.

Sem aviso, a náusea aumenta dentro de mim e espalha uma dor doentia pelo meu estômago. A tontura me consome. Eu me curvo e me inclino sobre meus joelhos, respirando pesadamente. Por algum milagre, eu não caio. — Chase — eu arquejo. — Chase! — Sua cabeça chicoteia sobre seu ombro, assim quando tudo fica preto.

Eu me vejo flutuando em um vazio de nada enquanto meu corpo é espremido, apertado e apertado, até que finalmente a pressão me libera e eu ofego por ar enquanto eu cambaleio em direção à luz. Uma floresta noturna emaranhada me cumprimenta. Confusa, assustada e com frio, mas não mais atacada pela náusea, olho em volta. Creepy Hollow? Eu ouço um movimento atrás de mim e viro tão rápido quanto a minha tontura restante permite.

Magia. Uma bola girando pairando acima de um par de mãos. E além dela, o rosto de uma pessoa que reconheço. Sem hesitar, Zed lança a magia em minha direção.

Eu me jogo para o lado e caio atrás de uma árvore. Dizendo a mim mesma que não estou tonta e que posso me levantar, fico de pé. Eu coloco um escudo de magia ao meu redor enquanto ouço os passos de Zed esmagando as folhas caídas. — Isso sim foi um desperdício de magia — diz ele.

— Que droga é essa, Zed? — Eu grito. — O que você... você me chamou aqui? — Magia de invocação não é algo que aprendemos. Não é natural. Não está certo. E o que aconteceu comigo agora definitivamente não parecia certo.

— Sim — diz Zed, ainda caminhando em direção à árvore em que eu estou escondia atrás. — Feitiço difícil, mas eu tive ajuda. E você ficaria surpresa de como é fácil, na verdade, se você conseguir marcar a pessoa que deseja convocar.

— Marcar? — Eu me concentro na ilusão de invisibilidade e solto minha parede mental.

— Pescoço coçando ultimamente? — Zed pergunta. Ele gira ao redor do lado da árvore, com o braço levantado e pronto para atacar. Sua testa franze em confusão quando ele encontra o espaço atrás da árvore vazio.

Eu tento não respirar, não me mover, enquanto minha mente corre de volta para a última vez que vi Zed. Ele tentou me beijar, e sua mão estava em volta do meu pescoço, pressionando firmemente quando ele me puxou em direção a ele. Ele deve ter feito alguma coisa. Algo que eu estava chocada demais para perceber porque tudo o que importava era tirá-lo de perto de mim.

Um arrepio levanta os pelos da minha pele. Estar molhada e sem jaqueta em uma noite de outono não é o ideal.

— Eu também lhe dei o âmbar — diz Zed, virando-se enquanto seus olhos percorrem a área ao redor da árvore, — mas descobri que não conseguia rastrear por algum motivo. Felizmente, o feitiço da marca ainda não havia se esgotado quando fiz o feitiço de convocação.

Com a minha tontura finalmente desaparecendo e a adrenalina correndo pelos meus membros, eu pulo para o lado e corro. Invisível, invisível, invisível, eu me lembro. Faíscas voam passando por mim. Eu acho que ele pode ver as folhas que meus sapatos estão chutando. Eu paro, desvio para o lado e pulo. Magia me atira para cima. Eu aterrisso em um galho e agarro em outro para não cair.

— Isso vai ser muito mais fácil se você desistir agora — Zed grita enquanto faíscas turquesa passam por mim.

Eu abandono a ilusão e reforço meu escudo. — Droga, Zed, eu não sei que jogo você está jogando, mas você tem um timing excepcionalmente ruim.

— Meu timing é perfeito — diz ele, seguindo em minha direção.

— Eu estava no meio de algo importante!

— Exatamente. Foi nesse momento que me disseram para convocar você. Eles não queriam que você e suas ilusões interferissem em seus planos.

— Eles? Você está... você está trabalhando para Amon e Angelica?

— Não. — Ele para debaixo da árvore e começa a reunir mais magia acima da palma da mão. — Mas eu me encontrei precisando de ajuda, e eles também. Você sabe o que as pessoas dizem: o inimigo do meu inimigo e etc.

— Zed, NÃO! Essa é uma ideia terrível! Eles são os verdadeiros inimigos. Foram eles que nos trancaram em primeiro lugar. Por que você ficaria do lado deles agora? — Parte de mim sabe que eu deveria estar correndo. Eu deveria estar jogando tudo o que tenho em uma ilusão que me dará tempo suficiente para abrir um portal e fugir. Mas é Zed. Ele está me ajudando desde que nos encontramos pendurados um ao lado do outro em gaiolas. Nós temos uma amizade que remonta há anos. Deve haver uma maneira de eu falar com ele sobre o que ele está prestes a fazer.

— Primeiro — ele diz, — não foram eles que nos trancaram. Foi o príncipe Zell, e todos admitem que ele era um pouco louco. Em segundo lugar, não estou do lado deles. Este foi um acordo que beneficiou ambas as partes.

Um frio percorre minha espinha. — O que você tem que fazer por eles em troca?

— Vamos, Calla. Você sabe que eu não posso te dizer isso.

— É por isso que estou aqui? Te disseram para me entregar aos homens de Amon?

Ele ri. — Nada como isso. Meu trabalho para eles foi feito depois que eu escapei da Guilda.

Engrenagens giram em meu cérebro. — Você se deixou ser pego — eu digo suavemente, — então você pode entrar na Guilda.

— Sim.

Minha mente percorre as possibilidades. Vi disse que alguém escapou da área de detenção pela manhã. Eu me deparei com Zed na tarde seguinte. Isso significa que ele esteve solto dentro da Guilda por mais de vinte e quatro horas. Que coisas terríveis ele pode ter feito durante esse tempo? — Zed, — eu digo com cuidado enquanto bombeio mais magia no escudo invisível que me rodeia. — O que quer que você queira comigo, você não precisa fazer isso. O que aconteceu conosco sendo amigos?

Ele não responde. Magia crepita acima de sua palma. O suficiente para quebrar meu escudo? Possivelmente. Mas então o quê? Ele não terá tempo de me atacar com alguma coisa antes de eu ir embora. Nós observamos um ao outro, seu olhar fixo no meu, cada um esperando pelo outro fazer um movimento.

Sua mão se move em direção ao bolso. Eu imagino a invisibilidade e pulo. Eu bato no chão e rolo para o lado. Ele joga alguma coisa, uma pequena bola escura que explode a centímetros do meu escudo. Eu jogo meu braço para cima enquanto minha magia se quebra e desaparece. Então ele levanta o braço e joga a sua magia em mim.

***

 

Eu acordo devagar, meus pensamentos tão letárgicos quanto meus membros. Não me lembro onde estava quando adormeci. Eu tento me virar, mas eu encontro minhas mãos presas nas minhas costas. Com um gemido e um grande esforço, consigo abrir um olho. Eu vejo Zed - e me lembro de tudo.

— Eu sinto muito por ter que te atordoar — ele diz, — mas de jeito nenhum você teria vindo comigo por escolha. Você não está desmaiada há muito tempo. Eu não tive tempo para reunir uma grande quantidade de poder de atordoar depois que você me fez perder com o primeiro tiro. — Ele se abaixa sobre os meus pés. Cordas brilhantes, do tipo que não pode ser simplesmente cortadas, aparecem em suas mãos. — Isso não é pessoal, Calla — ele me diz enquanto enrola a corda ao redor e entre os meus tornozelos. — Eu nunca tive nada contra você. Eu não esqueci nossos anos de amizade e realmente me importo muito com você. É por isso que tive que tirar você de lá.

Eu pisco e balanço a cabeça. — O quê você está falando?

Ele aperta o último nó. — Eu te dei uma chance de ver as coisas claramente, mas você continuou recusando. Eu não queria que você acabasse morta com a doença do dragão, então eu encontrei uma maneira de tirar você permanentemente da Guilda.

Meu cérebro lento não quer ligar os pontos, mas eles são óbvios demais para eu evitar. — Foi você quem me fez ser expulsa? — A verdade chocante acorda meu cérebro. Eu me contorço contra minhas amarras e grito, — Como você pôde fazer isso comigo?

— Eu estava ajudando você, Calla.

— Me ajudando? Você quase me jogou na prisão por assassinato!

— Isso não deveria acontecer. Eu precisava que alguém levasse a culpa e você precisava sair de lá. Eu plantei provas suficientes para que eles suspeitassem de você, mas não seriam capazes de provar isso com certeza. Você deveria ser expulsa, não acusada de assassinato. Eu até te dei a cura antes de ir embora para que você não ficasse doente. Eu te salvei, Cal.

— Você nunca me deu a cura.

— Eu dei. Com um desses dispositivos de vigilância. Todos eles têm seus próprios feitiços de controle e eu roubei um enquanto me escondia na Guilda. Eu o fiz injetar em você enquanto você estava em uma aula. No momento em que dançamos no baile e eu deixei aquele pó em sua mão, você já estava imune.

— Você... você estava... — Eu balanço minha cabeça e sussurro, — Você matou Saskia. E todas aquelas outras pessoas que ficaram doentes. Como você se transformou nessa pessoa? Este assassino?

Ele agarra meus braços e me puxa para mais perto. — Porque já é hora da Guilda começar a pagar por tudo o que fizeram com os Superdotados. Por tudo que fizeram com você e eu e as pessoas como nós. Muito mais pessoas deveriam morrer, na verdade. Nós ? o grupo de que falei, o grupo que eu gostaria de poder convencê-la a participar ? tínhamos planejado enviar uma mensagem muito clara, começando com aquela garota Starkweather e depois a deixando se espalhar por cada Guilda. Nós iríamos nos levantar e reivindicar o que tínhamos feito para que os restantes soubessem exatamente por quais crimes eles estavam pagando. Mas alguém interferiu quando fugiu e encontrou uma cura.

— Bem, se eu não fizer mais nada certo pelo o resto da minha vida, pelo menos eu vou saber que eu interferi com sucesso na morte em massa de milhares de pessoas inocentes.

Zed solta um longo suspiro antes de se levantar. — Meus amigos estão muito zangados com sua interferência.

— Ah, os amáveis amigos que te iludiram a odiar as pessoas erradas. Então você decidiu me chamar, me amarrar e me entregar a eles?

— Claro que não — diz Zed, parecendo genuinamente chateado. — Eu sei que você não é a única culpada aqui. Você pensou que estava fazendo a coisa certa salvando a todos. — Ele levanta a mão e eu me sinto lentamente subindo do chão. Ele caminha pela floresta, sua mão me puxando por um fio invisível de magia. — Eu gostaria que você tivesse mantido suas formas de interferir para si mesma, porque agora temos que fazer algo que vai te deixar muito chateada.

Eu luto e chuto, mas isso só me faz rolar no ar. Eu puxo repetidamente as cordas ao redor dos meus pulsos, na esperança de soltá-las. — Você não precisa fazer nada, Zed.

— Eu tenho. As pessoas têm que pagar pelo sofrimento que nos causaram.

Eu desisto do meu esforço inútil, decidindo guardar minha energia. E é então que percebo, com uma claridade assustadora, exatamente onde estamos: em uma parte de Creepy Hollow muito perto da casa de Ryn. Minha garganta fica seca e arrepios percorrem minha pele. — Zed? Onde estamos indo?

— Como eu disse antes, Calla, isso não tem nada a ver com você. Você é uma boa pessoa, uma menina doce. Mas o fato é que seu irmão e sua esposa deixaram eu e dezenas de outras pessoas para serem torturadas e trancadas em uma masmorra. Quem conseguiu fugir antes da Destruição só teve que sobreviver à tortura. Quem não conseguiu teve que cometer atos atrozes sobre os quais não tinham controle.

Eu não me preocupo em responder. Eu estou baixando a barreira em volta da minha mente e imaginando um grupo de guardiões correndo em nossa direção. Eles gritam para Zell, levantando suas armas e atirando nele. Ele vacila, mas depois balança a cabeça e ri. — Você e suas ilusões — diz ele, continuando a andar em linha reta através das flechas imaginárias e faíscas. — Eu sei exatamente como você funciona. Mostre o que você quiser. Eu não acredito em nada disso.

— Zed, por favor — eu digo, minha voz desesperada. — Não foi culpa de Ryn. Não foi culpa da Vi. Eles contaram ao Conselho sobre os prisioneiros de Zell assim que puderam.

— E o que a Conselheira Starkweather e o resto de seu Conselho escolheram fazer? Nada. Dizer ao Conselho não resultou em nada. Seu irmão deveria ter nos libertado enquanto ele estava lá.

— Mas ele não conseguiria tirar todo mundo...

— Por que não? Ele te tirou com bastante facilidade.

— Não houve tempo. Zell já estava lá. Ele...

— Havia tempo para abrir mais algumas gaiolas pelo menos. Então poderíamos ter lutado contra ele e tirado todos os outros.

— Como? — Eu viro no ar, tentando me aproximar de Zed, tentando fazê-lo ver o sentido. — Vocês todos tinham faixas de metal bloqueando sua magia. Se Ryn tivesse deixado você sair, Zell teria te atordoado e te trancado de novo.

— Nem todos nós. Ele não poderia ter lutado contra todos nós. Não, o fato é que seu irmão só se importava em salvar você, e por causa de sua decisão egoísta, o resto de nós teve que sofrer. Os Superdotados fizeram coisas terríveis que eles nunca quiseram fazer. E o que a Guilda disse quando tudo acabou? Eles se desculparam por nos abandonar? Não. Eles nos rotularam como ‘perigosos’ e nos marcaram para que nunca mais fôssemos realmente livres. E nada disso foi culpa nossa!

— Eles não marcaram você — eu aponto.

— Porque eu tenho me escondido da Guilda desde então. Eu tenho vivido como um covarde nas sombras, esperando para me vingar daqueles que arruinaram a minha vida.

— Não, você não precisava! — Eu grito. — Você estava bem até que esses odiadores de guardiões fizeram seu cérebro pensar que você precisa fazer isso. E não foi meu irmão quem arruinou a sua vida, foi Zell!

— Bom, é um pouco tarde para ir atrás dele, não é. — Zed para em frente à árvore de Ryn. Sinto meus pés baixarem lentamente até tocarem o chão. Agora que estou de pé, vejo uma bola de poder flutuando acima da mão de Zed. Ele deve ter reunido enquanto estávamos andando. — Você não precisa fazer nada mais do que bater, Calla. Essa é a única razão pela qual você está aqui. Eles nunca abrirão uma porta para mim, mas abrirão para você.

— Por favor, não faça isso — eu sussurro.

Zed separa sua bola de poder em duas esferas menores, uma em cima de cada palma. — Sua mendicância não está ajudando.

— Por favor, eles não merecem isso. Eles não fizeram nada...

— Apenas bata, Calla. E sem ilusões — acrescenta ele, enquanto caminha para o lado. — Você não pode fugir enquanto suas mãos e pés estão amarrados, o que significa que a única maneira de qualquer ilusão acabar é com você e eu ainda em pé do lado de fora dessa árvore. Exceto que ficarei muito mais irritado do que estou agora.

Eu engulo e olho para frente. — Você não pode me obrigar a fazer isso. A pior coisa que você pode fazer é me matar, mas você ainda ficará preso fora dessa árvore.

Zed suspira. — Você realmente tem que ser tão dramática? — Ele se inclina na minha frente e sopra contra a casca até que a aldrava apareça. Ele a levanta, bate algumas vezes e depois anda para o lado. — E nem pense em....

— NÃO ABRA! — Eu grito. — É UMA ARMADILHA!

— Droga, sua idiota... Tudo bem. Faremos isso da maneira mais difícil. — Em um segundo, Zed está atrás de mim, segurando uma esfera de poder crepitante e brilhante contra cada lado da minha cabeça. E quando Ryn - meu irmão fiel, atencioso e protetor - vem até a parede e olha pelo olho mágico, ele abre a porta porque nunca me deixaria aqui sozinha com alguém que está ameaçando me machucar.

Eu fecho meus olhos, esperando que Zed tire sua fúria sobre mim a qualquer momento e grito, — Sério, Ryn! Não abra a porta. Ele vai...

— Calla!

Meus olhos abrem quando a mão direita de Zed dispara para frente. Ryn, de pé na porta com uma brilhante adaga de guardião em uma mão, cai no chão. Um suspiro soa em algum lugar atrás dele, seguido por Vi gritando, — Ryn!

E de repente, lembro do feitiço de rastreamento que disparará um alarme na Guilda se eu entrar nesta casa. Eu pulo para frente com os meus pés amarrados e me jogo através da porta, logo quando uma das facas de Vi passa rapidamente por mim e a segunda bola de poder de Zed voa para o outro lado. Eu caio em cima de Ryn e luto para olhar para cima. Eu ouço o grito de dor de Zed atrás de mim. Levantando a cabeça, vejo Vi colidir contra o sofá e cair no chão.

— Bem — diz Zed, cruzando a soleira da porta. — Eu esperava que isso fosse muito mais difícil. — Uma faca brilhante manchada de sangue bate no chão ao meu lado. Um segundo depois, desaparece.

— Espere — eu digo quando Zed passa por mim. — Espere, por favor. O que você vai fazer com eles? — Saio de cima de Ryn e consigo me sentar.

Zed fica no centro da sala, olhando em volta. Ele alcança dentro de sua jaqueta e pega uma faca.

Eu começo a perder o controle. — Nãonãonão, Zed, por favor. Por favor, não os mate — eu imploro. — Por favor, por favor, por favor. Você não precisa fazer isso.

— Eu sei, — diz ele. — Eu não vim atrás deles.

— Mas... então...

Zed olha para mim, depois usa a faca para apontar primeiro para Ryn e depois para Vi. — Essas duas pessoas destruíram vidas. Agora eu vou destruir as deles. — Com isso, ele atravessa a sala e sobe a escada.

Então eu entendo.

Victoria.


Capítulo 34

 

 

— NÃO! — Eu grito. — Não toque nela, não toque nela! — Eu luto desesperadamente contra as cordas encantadas. Eu puxo minhas pernas para cima e trabalho nos nós ao redor dos meus tornozelos, mas eles são tão apertados que não se movem. Eu me contorço, puxo e viro, mas é inútil. — Zed! ZED! Não faça nada com ela, POR FAVOR! — Eu rolo e me contorço em direção às escadas. Eu não tenho como cortar essas cordas e nenhum plano de qualquer tipo, mas eu não posso simplesmente ficar sentada. — Zed, por favor — eu soluço. — Por favor, não faça isso, por favor, não faça isso. — Como ele pode pensar que tirar uma vida tão pura e inocente poderia corrigir qualquer tipo de erro?

Antes de chegar às escadas, nos degraus de baixo. Zed aparece acima, carregando um pacote embrulhado por cobertores em seus braços. Eu posso ver o rostinho perfeito de Victoria, seus olhos fechados. Ela ainda está dormindo apesar de todos os meus gritos. — Zed, o que você está fazendo? — Ele passa por mim sem uma palavra. — Aonde você vai? Onde você está a levando? — Ele passa por cima de Ryn, ainda deitado na porta aberta, e desaparece na noite. — ZED! Volte!

Outro grito sem palavras de raiva e desespero sai dos meus lábios - e é aí que os guardiões escolhem aparecer. Quatro deles, invadindo a casa com armas levantadas, todos eles pulando sobre Ryn como se tocá-lo fosse contra as regras de algum jogo que eles estão jogando. — É ela! — Um deles grita.

— Não toque nela — diz outro.

— Por favor — eu arquejo. — Vá atrás daquele homem que acabou de sair. Ele está com o bebê!

— Esta é uma situação um pouco estranha — um dos guardiões diz, observando meu irmão e minha cunhada atordoados, e depois as cordas encantadas em volta dos meus pulsos e tornozelos.

— Por favor! — Eu grito. — Você não o viu? Ele levou Victoria. Ele está fugindo.

— Como se fossemos acreditar em qualquer coisa que você disser depois do golpe de saída que você fez na Guilda — diz um deles. — Bloomhove, Crawdale, verifiquem o andar de cima.

— Ela tem que nos tocar para nos deixar doentes? — Outro murmura quando dois dos homens se dirigem para as escadas. — E se ela já estiver fazendo isso?

— ARGH! Vocês guardiões são tão inúteis!

Eu fecho meus olhos e digo a mim mesma para respirar, para me acalmar. Você consegue fazer isso. Você pode sair daqui. Eu abro meus olhos. Apenas uma lâmina de guardião pode cortar as cordas brilhantes que me prendem, e há duas espadas de guardiões apontadas diretamente para mim. Eu me concentro em projetar uma imagem minha sentada no mesmo lugar em que já estou. Então eu me movo. Silenciosamente, centímetro a centímetro sobre o meu traseiro, em direção à espada mais próxima. Certificando-me de me manter escondida, eu levanto meus braços sobre a lâmina cintilante, prendo minha respiração e puxo meus braços para baixo rapidamente. Então eu me inclino para trás e congelo.

O homem se afasta. — O que acabou de acontecer?

Eu olho para a imagem de mim sentada no mesmo lugar e dou a ela uma expressão confusa.

— Eu não sei — diz o segundo guardião. — Do que você está falando?

Agora os meus tornozelos. Eu levanto devagar, imaginando como vou fazer isso acontecer.

— Ei, ela estava certa! — Grita um dos homens no andar de cima. — O bebê sumiu!

Os dois guardas olham para as escadas. Eu agarro a mão do guardião mais próximo e bato na espada, que corta a corda e corta minha bota esquerda. Então eu me viro e corro.

Eu pulo sobre Ryn e corro para a floresta, o resto da corda brilhante cai dos meus braços e tornozelos. — Zed! — Eu grito. Onde ele está, onde ele está, onde ele está? Ele provavelmente já passou pelos caminhos das fadas, e eu nunca vou encontrá-lo, e nós nunca mais veremos Victoria, e Ryn e Vi nunca me perdoarão. Um soluço sobe no meu peito e eu tenho que parar de correr para poder respirar. Por que eu deixei Zed escapar da Guilda? Por quê?

Eu mal me movi a qualquer distância real da casa, mas é tão inútil correr para qualquer lugar que eu não corro. Estou atrasada. Eu falhei. É por isso que, quando noto a figura ajoelhada no chão por perto, acredito por um momento que estou imaginando. Zed não iria parar bem aqui, iria? Eu ando em silêncio em direção à figura - e é ele, suas mãos pairando no ar acima do corpo minúsculo envolto em cobertores.

— Ei! — Em uma onda de raiva e medo, eu estendo minhas mãos no ar em direção a ele. Meu poder liberado bate em seu peito, derrubando-o de costas. Ele rola e levanta. — O que você fez? — Eu exijo, fechando a distância entre nós, segurando um escudo. Eu preciso me colocar entre ele e Victoria.

— Nada. Ela está bem, eu juro.

— É bom que esteja. — Eu solto o escudo e jogo um fluxo de chamas nele.

— Você não quer lutar comigo — diz ele, desviando das chamas com um toque de sua mão e enviando uma nuvem de areia em minha direção.

Meu escudo aparece quase instantaneamente; a areia explode contra ele antes de desaparecer. — Eu quero, Zed. Eu realmente, realmente quero. — Eu empurro o ar. Uma nuvem se forma entre nós, prejudicando um de ver o outro. Suas faíscas passam através, vindo direto para mim. Eu me abaixo conforme elas passam, então pulo novamente, mostrando a ele uma imagem de mim pulando através dos galhos acima dele. Ele mira nas árvores. Minha nuvem torna-se um bando de pássaros, guinchando e bicando, e a minha imagem nas árvores pula e o golpeia. Então os pássaros se transformam em lâminas de verdade, cortando em direção a ele quando ele ergue um escudo, e a ilusão de mim se transforma em lâminas imaginárias que passam pelo seu escudo sem nenhum problema.

De magia para ilusões e tudo novamente, eu jogo tudo o que posso imaginar em uma bagunça confusa, passando de imagem para imagem para imagem. Ele não sabe o que é real e o que é imaginado, o que ele precisa bloquear e o que ele pode ignorar. E a cada nova ilusão, me aproximo mais dele. Mantendo parte da minha mente focada nas projeções, levanto a mão e atiro uma série de faíscas no galho mais próximo. Ele se parte e cai no chão ao meu lado. Eu me inclino para baixo – fogo e golpes e chuva de sangue - e eu pego isso - pedaços de gelo e pedaços de osso - e o balanço na cabeça de Zed com toda a minha força.

Ele cai no chão e não se move.

Largo o galho e corro de volta para Victoria. Com um último olhar sobre meu ombro para ter certeza de que Zed não está se movendo, eu a pego e corro. Ela começa a chorar quando meus pés batem no chão da floresta e meu corpo correndo a empurrar para cima e para baixo. É o som mais bem-vindo do mundo agora.

A porta de Ryn ainda está aberta porque ninguém parece tê-lo movido ainda. Eu pulo em cima dele e entro na casa - e encontro pelo menos vinte guardiões apontando suas armas para mim. Eu congelo. Victoria continua a gritar seus minúsculos pulmões para fora.

Minhas sobrancelhas se apertam quando digo, — Eu fiz o que vocês deveriam ter feito e a resgatei. — Eu me movo em direção ao móvel mais próximo - uma poltrona – e coloco o bebê infeliz cuidadosamente sobre ela. Então eu recuo com meus braços levantados. — Se vocês querem se redimir — acrescento, — o homem que a roubou está inconsciente na floresta, não muito longe daqui.

Ninguém diz uma palavra. Ninguém se move. Muitas armas estão apontadas para mim. Eu respiro devagar e com calma, me dando apenas alguns segundos de descanso. Então, com um último esforço, eu empurro minha última ilusão tão rápido e tão longe quanto posso. Escuridão. Em toda parte. Amplamente.

Eu me viro e corro cegamente enquanto gritos de confusão surgem atrás de mim. Eu tropeço em Ryn. Algo passa pelo meu braço direito antes que eu ouça uma arma pesada cair no chão. Algo corta o meu ombro. Passos se move em minha direção. Eu me levanto de cima de Ryn e vou para a floresta. Mudando a ilusão de escuridão para uma de invisibilidade, eu corro entre as árvores. Eu ziguezagueio e me abaixo sob os arbustos e finalmente paro do outro lado de um tronco caído.

Não ouço vozes ou passos. Inclino a cabeça para trás contra o tronco e permito que o alívio inunde meu corpo. — Ela está bem — murmuro para mim mesma. — Ela está bem, ela está bem. — Ryn e Vi vão acordar em breve, e eles vão encontrar a garotinha segura, e tudo ficará bem.

Meus olhos se fecham. Estou exausta. Mentalmente drenada. Cortes e queimaduras marcam meus braços da luta mágica com Zed, e sangue escorre de uma ferida no meu ombro, onde uma flecha ou lâmina não me errou na escuridão. Eu coloco minha mão sobre ela, enviando um pouquinho de magia de cura para o local.

Eu queria que a noite acabasse, mas ainda não. Eu deixei Chase no Rio Wishbone mais abaixo com dois companheiros desmaiados e quem sabe quais outras ameaças. Eu tenho que voltar. Eu tenho que ajudá-lo. Eu me levanto, abro um portal e arrasto meus membros cansados para os caminhos das fadas.

Eu saio da escuridão na emaranhada margem enluarada em cima do rio onde nós quatro entramos na água mais cedo. Se os desejos se tornassem realidade aqui, eu desejaria fazer o meu caminho até o fundo sem ter que passar por todos os rios acima dele. O pensamento de todos aqueles remoinhos me faz querer chorar. E se ele não estiver mais lá? E se tudo acabou e ele estiver de volta à montanha? Mas e se não acabou e ele está preso em uma batalha com os homens de Amon e Angelica?

Eu pressiono minhas mãos contra os lados da minha cabeça, tentando aliviar a dor de cabeça que está chegando. Eu decido verificar a montanha primeiro. Vai ser rápido. Caminhos das fadas, casa à beira do lago, porta das fadas, montanha. Eu posso estar lá em menos de um minuto. Eu me viro para encontrar uma superfície para escrever um portal.

— Olá.

Minha respiração fica presa com a visão inesperada de uma mulher encostada na pedra que marca o começo dos redemoinhos. Desconforto se enrola ao meu redor. Eu flexiono minha mão, me perguntando se eu deveria pegar minha faca da minha bota.

— Eu pensei que você poderia voltar em algum momento — diz ela, afastando-se da pedra e se movendo em direção a mim. É o cabelo dela que a entregou em primeiro lugar, longos cachos escuros misturados com prata em cascata sobre seus ombros.

Angelica.

Eu sinto como eu se estivesse imersa em um medo horrível. — Co-como você saiu de Velazar? — Eu pergunto, dando um passo para trás.

— Calla, certo? — Ela diz, ignorando a minha pergunta. Ela limpa as mãos no macacão da prisão antes de cruzar os braços sobre o peito. — Foi você quem falou comigo com o anel de telepatia, alegando estar trabalhando com meu filho para me libertar. Aquela que Amon me disse que ele tentou matar. Aquela que apareceu ao lado da cama da terceira Vidente quando ela acordou.

— Como você sabe sobre isso?

— Eu tenho estado de olho nas coisas. — Ela ri, como se tivesse dito algo divertido.

— Como você escapou de Velazar? — Eu exijo.

— Oh, eu não escapei. A Guilda me soltou.

— O quê? Eles nunca fariam isso.

— Eles fariam — ela diz, seus lábios se curvando em um sorriso, — se eu encontrasse uma moeda de troca.

— Moeda de troca?

— Se eu encontrasse alguém que eles querem mais do que eu.

Minha respiração fica mais rápida. Uma sensação de mau agouro cutuca meus pensamentos. — Não há ninguém que eles querem mais do que você e Amon.

— Não havia — diz ela lentamente, — até que eu disse a eles que aquele que eles mais queriam ainda está vivo.

Sangue bate em meus ouvidos. — O que você fez?

— Eu troquei sua vida pela minha.

Eu paro de respirar. Quando eu encontro ar novamente, uma arfada dolorosa, eu consigo dizer — Você não fez. Ele é seu filho. Você não faria isso.

— Porque eu não faria isso? — Ela rebate. — Ele me deixou apodrecendo em uma cela de prisão por mais de uma década. E então volta rastejando com mentiras sobre querer fazer parte dos meus planos? Ha! Ele não é mais um filho para mim do que eu já fui mãe para ele. Eu sabia que ele estava vivo todo esse tempo. Não tive dúvida. Eu esperei e esperei meu filho vir e me pegar, até o momento esmagador que eu percebi que ele tinha escolhido me deixar sofrendo atrás das grades pelo resto da minha vida. Desde então, tenho esperado todos os dias, todos os dias, pelo momento em que vou poder retribuir sua traição.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Onde ele está?

Ela levanta os ombros em um encolher de ombros descuidado. — Eu não tenho certeza. Ele correu naquela direção com uma horda de guardiões em seu rastro. — Ela gesticula vagamente por cima do ombro para a densa floresta de arbustos e árvores. — Algo me diz que ele não terá forças para ir muito longe. — Ela levanta a mão como se segurasse algo invisível. Lentamente, um grande disco de metal aparece, suspenso por uma corda em seu aperto. Um gongo. O que só pode significar...

— O morioraith — eu murmuro.

— Oh, não olhe para mim assim — ela reclama. — Eu tive que dar aos guardiões uma chance justa, não tive? E ele ainda está consciente, embora — ela levanta a mão, mostrando o anel de telepatia em seu dedo — eu não consigo discernir muito seus pensamentos. É tudo dor, desespero e miséria. — Uma luz crepita por perto, seguida pelo estrondo surdo de um trovão. — Ah, parece que ele está brigando. Que divertido...

Meu rosto franze de raiva, de ódio. — Você é desprezível.

Ela ri - e então ela se lança em minha direção, seu rosto se contorcendo de raiva. Em uma fração de segundo, percebo que este é o momento. O momento que eu vi na visão de Rick, com ela estendendo a mão para me agarrar. Eu a abraço, me jogando sobre ela e jogando o braço dela para o lado. Nós caímos no chão e eu a prendo, surpresa ao descobrir que ela não é tão forte quanto eu imaginava. Eu esperava um inimigo poderoso, uma força invencível, mas ela não é nada mais do que um oponente comum. Seu punho balança em minha direção, mas eu o pego, arrancando o anel da mão dela antes que ela me jogue com um empurrão de magia. Meu corpo para contra um arbusto. Eu levanto enquanto ela levanta. Eu coloco o anel no meu bolso enquanto a distraio com uma ilusão do arbusto mais próximo pegando fogo. Então eu giro e chuto. Ela cai uma segunda vez e eu não espero. Eu pulo sobre ela e corro.

Eu a ouço rindo atrás de mim, não fazendo nenhuma tentativa de me perseguir. Meus pés me carregam o mais rápido que podem, o que não é rápido o suficiente em meio ao emaranhado de arbustos. Eu passo entre eles, cortando com magia os galhos no meu caminho, aliviada quando eu finalmente chego a uma área que não é tão densa. Meus braços bombeiam ao meu lado enquanto corro em direção à tempestade. Não é tão poderosa quanto imaginei que as tempestades de Chase fossem, e isso me enche de terror. Em que estado ele está se seus relâmpagos mal iluminam o céu noturno e seu trovão sequer chocalha o chão?

— Não! — Eu grito, correndo atrás da carruagem com uma explosão de velocidade mágica. Eu me arremesso e agarro as barras. — Chase! — Eu posso vê-lo agora, correntes pesadas foram colocadas em seus braços e pernas e presas em ambos os lados da carruagem. Correntes que sem dúvida bloqueiam sua magia. Ele se inclina entre elas, a imagem da derrota. Quando ele olha para cima, seus olhos estão focados longe, em pesadelos distantes. — Chase. Chase! Sou eu!

Ele pisca e franze a testa. Confusão se transforma em reconhecimento. — Calla?

Eu empurro um braço através das barras, mas não consigo alcançá-lo. — Diga-me o que fazer. Diga-me como te tirar daqui. — Com uma guinada, a carruagem se ergue do chão. Eu me agarro mais firmemente às barras.

— Estamos voando — diz Chase, balançando a cabeça e ficando mais alerta. — Você tem que soltar. Nós vamos ficar no alto em breve, então...

— Não!

— Ei! — Eu olho para cima e encontro um guardião em um uniforme, franzindo a testa para mim.

— Saia — ele manda, apontando uma stylus. Instantaneamente, ele é acompanhado por outros três guardiões, todos se equilibrando no topo da carruagem com facilidade praticada.

Ignorando-os, olho de volta para as barras. — Eu não posso deixar você — eu grito em desespero.

— Você tem que soltar. Tudo vai ficar bem, eu prometo.

— Chase, eu — Uma faísca atinge meu braço direito. Então o meu esquerdo. Eu grito quando perco meu aperto nas barras. Eu caio através do ar e bato no chão, rolando várias vezes antes de parar. Meu corpo dói e as queimaduras em meus braços ardem como o inferno e todo o ar foi arrancado dos meus pulmões. Deito-me no chão, ofegando e observando o céu até a carruagem desaparecer.

Até Chase estar muito longe.

Eu rolo de lado e abraço meus joelhos, e minhas lágrimas encharcam o chão enquanto a noite fria me cobre.


Capítulo 35

 

 

Eu volto para a montanha nas primeiras horas da manhã para encontrar Ana e Kobe andando pela sala enquanto Gaius está sentado com a cabeça entre as mãos. Eu paro na porta. Eles olham para mim, a mesma pergunta em seus rostos. Minha voz é monótona quando digo, — Ele se foi. Os guardiões Seelie o pegaram. Angelica o entregou em troca de sua liberdade.

As mãos de Ana se erguem para cobrir sua boca. Gaius parece congelado no lugar. Kobe balança a cabeça e diz — Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia disso no momento em que chegamos ao último rio e não havia nenhum sereiano para ser encontrado. Então o pessoal de Angelica apareceu, horas antes do planejado e muito mais do que o esperado. Nós soubemos instantaneamente que ela armou para nós.

As mãos de Ana se fecham em punhos, apertando firmemente seu queixo enquanto ela olha para Kobe. — Se Darius e Lumethon estivessem conosco ao invés de salvar as Videntes. Se a gente tivesse nos escondido entre as rochas em vez de sair da água, poderíamos ter esperado Chase e Calla chegarem. Todos nós poderíamos ter lutado juntos. Nós poderíamos ter evitado isso.

Kobe cruza os braços e se afasta, sua voz está rouca quando ele diz — Em vez disso, acabamos desmaiados e inúteis.

— Isso não está certo — diz Gaius, parecendo perdido. — Chase não foi pego. Ele não foi.

Eu me inclino contra a porta enquanto meu corpo treme de exaustão. Meus olhos, queimando de todas as lágrimas, se fecham. — Ele foi desta vez — eu sussurro. Então me viro e subo lentamente as escadas para o meu quarto. Com frio e cansada e exausta, vou para a cama e puxo as cobertas sobre a cabeça. Há pensamentos na parte de trás da minha mente - pensamentos sobre guardiões torturando Chase, sobre a execução que sem dúvida eles vão condená-lo, sobre nunca mais vê-lo novamente - mas eu me recuso a deixá-los tomar o centro das atenções.

Eu caio em um sono profundo cheio de sonhos confusos. Algum tempo depois, acordo com uma ideia na mente: o anel de telepatia. Com um aumento súbito de esperança, o tiro do bolso e o coloco no meu dedo indicador esquerdo.

Chase?

Chase!

Eu não sei se ele está com o outro anel. Eu suponho que ele pegou para nossa missão no Rio Wishbone para que ele pudesse falar com Angelica se ele precisasse, mas eu não me lembro de ver. Eu não me lembro de sentir quando nossos dedos ficaram entrelaçados ou quando suas mãos subiram pelos meus braços. Eu fecho meus olhos, me agarrando à memória.

Então eu me deito novamente e abraço um dos meus travesseiros, chamando silenciosamente seu nome e esperando por uma resposta que talvez nunca chegue.

 

***

 

No final do dia, eu me escondo na ala de cura de Creepy Hollow até que um curandeiro e um guardião acompanham mamãe para uma das salas de banho. Ela logo estará vestida e pronta para ir para o andar de baixo para mais perguntas. Ninguém sabe ainda se ela poderá ir para casa depois disso.

Eu deslizo para dentro do seu cubículo e começo minha inspeção apressada no quarto. Meus dedos deslizam sobre a parede e ao longo da armação da cama, procurando marcas ou sinais de magia. Eu rastejo para debaixo da cama e não encontro nada. Eu olho os dois lados dos dois porta-retratos antes de removê-los, junto com a toalha de mesa, da cômoda e abro as três gavetas. Minha inspeção em cada centímetro da madeira não revela nada. Eu me endireito e coloco minhas mãos nos meus quadris, considerando rasgar os travesseiros caso haja algum tipo de feitiço escondido dentro deles.

Então meus olhos caem sobre a pintura na segunda moldura. Eu não trouxe para cá, e nem papai. Talvez tenha sido Matilda, como eu sugeri ao papai - ou talvez fosse Zed, que disse que seu trabalho para Amon e Angelica foi feito depois que ele escapou da Guilda. Eu pego a moldura e removo a parte de trás - em seguida, solto as duas metades sobre a cama com medo. Olhando para mim na parte de trás da pintura está um desenho de um olho. Brilha levemente.

Eu arranco a pintura da moldura e rasgo ao meio. Então eu rasgo de novo e de novo em dezenas de pequenos pedaços. Eu os coloco em uma pilha no chão e coloco fogo neles com um estalo de meus dedos. Eu os observo queimando, sentindo um arrepio na parte de trás do meu pescoço enquanto imagino Angelica em sua cela de prisão nos observando através da pequena moldura que vi em cima de sua mesa.

A cortina se move. Eu rapidamente me escondo e a pilha de cinzas. Pedi a Ryn para me encontrar aqui, mas pode não ser ele. Uma curandeira enfia a cabeça entre as cortinas e diz — Ela ainda não voltou.

— Tudo bem. Eu vou esperar aqui — Ryn diz do outro lado da cortina.

— Eu sei que eu já te disse isso antes, Ryn. As horas de visita são...

— Isso não é uma visita. Estou aqui para levá-la ao andar de baixo para interrogatório.

— Bom, talvez você deva esperar...

— Você pode sentir o cheiro de algo queimando? — Ryn pergunta. — Eu acho que você precisa ver isso.

A curandeira desaparece e Ryn entra no cubículo. Eu solto a ilusão e levanto os dois pedaços da moldura vazia. — Angelica estava observando tudo o que acontecia nesse quarto. Ela viu e ouviu todas as três visões. — Eu aponto para o chão e acrescento — Eu queimei a pintura que tinha feitiço o dela.

Ryn caminha até mim e pega a moldura. — Eu ainda não consigo acreditar que eles a soltaram. Eu adoraria saber exatamente quem aprovou essa decisão. O Conselho deve decidir esses tipos de coisas junto com todos os seus membros, mas eu não ouvi nada. — Ele adiciona a moldura à pilha de cinzas e a queima. — Pode muito bem queimar a coisa toda. — Ele fica de pé e observa as chamas consumirem os pedaços de madeira.

— Victoria está bem? — Pergunto.

— Sim, ela está bem. Um curandeiro veio vê-la. E Jamon enviou alguns guardiões reptilianos para nossa casa para fazer companhia a Vi, caso qualquer outra coisa apareça.

— Eu sinto muito, desculpe, Ryn.

— Por quê? Você não tem porque se desculpar. Você impediu que um homem delirante machucasse Victoria.

Eu envolvo meus braços em volta do meu peito e olho para longe. — Aquele homem delirante... eu o conheço. Eu o conheci quando nós dois estávamos presos na masmorra de Zell. Eu o vi novamente anos depois, e foi aí que pedi a ele que me ensinasse a lutar. Foi ele quem me treinou. Então ele acabou com a turma errada, e agora ele acredita que tem que se vingar da Guilda – e de você em particular - por deixar todas aquelas pessoas Superdotadas na masmorra de Zell serem torturadas e usadas. Eu não tinha ideia de que ele acabaria assim. Eu sinto muito.

— Então foi esse o guardião que treinou você — diz Ryn calmamente. Ele balança a cabeça e acrescenta, — Os delírios dele não são culpa sua.

— Mas... — Eu mantenho meus olhos fixos firmemente no chão enquanto admito o que fiz. — Eu o vi quando ele estava fugindo da Guilda, e eu não o impedi.

— Foi ele? — Ryn diz. — Que escapou da área de detenção recentemente?

Eu concordo. — Foi ele também quem matou Saskia e espalhou a doença do dragão, mas duvido que possamos provar isso. Ou pegá-lo. — Eu corro o risco de olhar para cima. — Você disse que os guardiões não encontraram ninguém na floresta perto de sua casa?

— Não. — Ryn senta na beira da cama. Eu me abaixo para me sentar ao lado dele. — Ele parece incrivelmente perigoso, Cal. Eu sei que você está se sentindo culpada por não ter alertado ninguém quando o viu. Você está esperando que eu fique com raiva de você. Mas meu palpite é que você não poderia tê-lo parado mesmo se tentasse. Ele com certeza tinha um jeito de sair.

— Eu acho que sim. Parece que ele tinha tudo planejado.

Ryn coloca a mão sobre a minha. — Você quer falar sobre... o resto da noite passada?

— Só se você já ouviu alguma coisa.

— Nenhuma palavra. Se a Corte Seelie tem a custódia de um homem que eles acreditam ser Draven, eles ainda não contaram a ninguém. Normalmente, ele estaria em Velazar agora, mas nós também não ouvimos nada deles. Há outras prisões para as quais ele pode ter sido enviado, mas Velazar faz mais sentido. É a mais segura. E então, é claro, há os rumores sobre uma prisão secreta controlada pela Rainha Seelie para inimigos pessoais dela que nunca terminam perto do sistema oficial da Guilda. Mas isso é completamente ilegal, então é claro que não há provas de que seja verdade.

— Ele pode estar em qualquer lugar — murmuro. — Ele pode até estar... morto.

Depois de uma longa pausa, Ryn diz, — Ele pode estar.

Fecho os olhos e digo, — Por favor, não me diga que ele está tendo o que merece.

— Calla...

— Eu sei que você não gosta dele, e eu sei que ele fez coisas terríveis no passado, mas eu me importo muito com ele. Você não sabe como meu coração dói ao pensar no que eles estão fazendo com ele. Pensar que nunca mais o verei.

— Calla. — Ryn aperta a mão que está sobre a minha. Eu abro meus olhos e olho para ele. — Eu só ia dizer como sinto muito por como tudo isso acabou. Eu gostaria que houvesse uma maneira de que eu pudesse consertar isso para você.

Eu ouço a voz da mamãe na passagem enquanto ela fala com um curandeiro. Eu fico em pé, sussurro adeus a Ryn, e deslizo entre as cortinas antes que mamãe e o curandeiro cheguem ao cubículo. Eu carrego as palavras de Ryn comigo todo o caminho de volta para a montanha, não porque eu quero que ele encontre uma maneira de consertar isso, mas porque se de alguma forma existir uma maneira de consertar, eu vou encontrá-la.

Eu sonho com o nosso beijo. Eu sonho com ele estando tão perto que não existe espaço entre nós. Seus braços, meu batimento cardíaco, seus lábios, minha respiração. Magia irradia do meu corpo, fazendo com que as fontes de água dourada percorram o ar ao nosso redor. Em um momento, estou feliz - e no outro meu coração se parte, porque sei o que está prestes a acontecer. O redemoinho começa. Suga toda a água, me deixando sozinha na terra seca, vendo uma carruagem desaparecer ao longe.

— Calla!

Pressiono minhas mãos contra minhas orelhas porque não suporto ouvir seus gritos desesperados.

— Calla!

Eu balanço minha cabeça, fecho meus olhos.

— Senhorita Cachinhos Dourados.

***

Eu acordo, deixando o mundo dos sonhos para trás. Eu esfrego a mão nos meus olhos e me sento. Eu olho para a colcha, sentindo o baque do meu coração e tentando esquecer aquela sensação horrível de perda que permeava meu sonho, apagando todo o resto. Talvez eu devesse ter tomado alguma coisa para me ajudar a dormir, mas...

Calla?

Eu suspiro em voz alta e bato a mão sobre a minha boca.

Calla?

É a voz dele, dentro da minha cabeça. Eu olho para a minha mão esquerda, onde o anel de telepatia envolve meu dedo indicador. Chase?

Você conseguiu o anel de volta, ele diz.

Você está vivo! Um alívio inimaginável explode dentro de mim.

Claro. Eu não te disse que demoraria muito para acabarem comigo?

Perguntas passam pela minha cabeça muito rápido para eu pará-las. O que aconteceu? Onde está você? Você está bem? Eles te machucaram?

Você está bem? Ele pergunta. Você desapareceu. Eu estava muito preocupado. Quando ele menciona a preocupação, é quase como se eu sentisse isso. E então um grande cansaço e um sentimento de derrota. Eu sei que é difícil esconder as emoções ao se comunicar assim, mas a fadiga parece tornar ainda mais difícil para ele esconder o que realmente está sentindo.

Eu estou bem, eu prometo, eu digo. Me conte sobre você primeiro.

Foi uma emboscada. Um monte de faeries de Angelica. Eu fui tão idiota em confiar nela. Muito, muito idiota. Enquanto eu lutava contra eles, eles me levaram em direção ao último redemoinho. Quando cheguei de volta à superfície, Angelica estava lá com dezenas de guardiões e o morioraith. Eu corri, mas a fumaça me atingiu. Ele me paralisou, dando aos guardiões a chance de me prender e colocar as correntes ao meu redor. Angelica estava lá para controlar a criatura. Ela deixou ele me arranhar, apenas uma vez, apenas o suficiente para me manter fraco com alucinações do passado.

Eu sinto uma onda do horror com ele lembrando. Eu sinto muito. Desculpe. Eu deveria ter ido atrás de você antes...

Fico feliz que você não foi. Eles poderiam ter pegado você também.

Onde você está agora?

Acontece que o Palácio Seelie esconde um mundo de escuridão sob o piso de mármore polido. Há celas de prisão e câmaras de tortura aqui que eu nunca soube que existiam, nem mesmo quando pensei que tinha controle sobre este lugar.

Então você está na Corte Seelie? Um lugar impossível de encontrar, a menos que seja mostrado a você por alguém que saiba onde está?

Sim. O lugar mais bem escondido em todo o mundo fae.

E agora eu entendo seu desânimo. Como vamos encontrá-lo se ele está escondido em um lugar que quase ninguém sabe como chegar? Ele realmente está além do nosso alcance. Meus dedos agarram o colchão enquanto minha esperança começa a se esvair. O que eles planejam fazer com você?

Eu não sei. Por enquanto, estou acorrentado em uma cela sem acesso à minha magia. Eles não chegaram muito perto de mim, e é por isso que eu ainda estou com o anel.

Eu puxo meus joelhos para cima e pressiono minha testa contra eles. Há tantas coisas importantes que eu poderia dizer ou perguntar, mas as palavras nadam até a superfície, eu sinto tanto a sua falta. Eu não tento esconder o pensamento. Não há segredos entre nós agora.

Não tanto quanto eu sinto sua falta.

Meu coração dolorido alcança o dele. Eu me pergunto se ele pode sentir isso, meu desejo por ele. Eu respiro fundo e digo a mim mesma para não chorar. Já chorei demais. E eu já tive muita desesperança, derrota e escuridão. Cores brilhantes, eu digo, dizendo a mim mesma tanto quanto estou dizendo a ele. Estamos pintando com cores brilhantes agora, não com cores escuras. Nós podemos consertar isso. Nós podemos encontrar um caminho.

Não sei se sou eu, ele ou nós dois, mas sinto uma mudança. Uma mudança no clima. Eu me enrolo debaixo das cobertas e fico acordada por mais algumas horas, falando com ele - pensando, planejando, conspirando - até que adormeço com o som de sua voz em minha mente.

Quando acordo de manhã, estou cansada, mas energizada. Estou focada. Eu tenho um propósito. É mais tarde do que pensei, então me visto rapidamente e corro para o escritório de Gaius. Ele não está lá. Um olhar rápido na estufa me diz que ele também não está lá. Eu desço as escadas e, em seguida, desço novamente, abaixo do saguão de entrada, até a porta que Chase abriu, segurando a mão dele contra ela. Eu hesito. Gaius disse que acrescentaria minha impressão ao feitiço de acesso a porta pouco antes de partirmos para os Rios Wishbone, mas ainda não tentei. Eu não queria vir aqui desde então.

Eu levanto minha mão e a coloco contra a porta. Clique, e a porta desaparece. Uma pequena emoção corre através de mim. Eu realmente pertenço aqui agora. Depois de mais escadas, eu viro no amplo corredor e sigo para a sala de reuniões com a mesa oval. Eu não tinha certeza se alguém estaria lá, mas eu escuto vozes vindo da porta aberta. Quando a alcanço, Gaius sai da sala ao lado com um pergaminho na mão. Ele me cumprimenta e acena para eu andar na frente dele.

Lumethon, Kobe e Darius estão sentados em torno de um diagrama de um edifício. — Então nós ainda vamos continuar com isso? — Darius pergunta.

— Claro — diz Lumethon. — Não podemos abandonar todas as operações simplesmente porque Chase não está aqui.

— Eu não estou dizendo para abandonar tudo, mas isto era dele. É complexo. Ele foi o único que já esteve lá antes.

Gaius passa por mim e entrega o pergaminho para Lumethon. — Para as Videntes.

— Obrigada — diz ela.

Ana entra então, com as bochechas coradas e uma toalha em volta do pescoço. — Eu perdi alguma coisa? — Ela pergunta. — Alguém já descobriu onde Chase está?

— Sim — eu digo, me movendo para ficar na cabeceira da mesa enquanto todo mundo parece surpreso. — E eu tenho nossa próxima missão. É quase impossível, mas Chase me diz que geralmente é a melhor. — Eu giro o anel de telepatia em volta do meu dedo e sorrio para a minha equipe. — Nós vamos invadir a Corte Seelie.

 

 


{1} Wishbone = em inglês Wish: desejo; Bone = osso.

 

 

                                                                                                    Rachel Morgan

 

 

 

                                          Voltar a Série

 

 

 

                                       

O melhor da literatura para todos os gostos e idades