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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE FAERIE SECRET / Rachel Morgan
THE FAERIE SECRET / Rachel Morgan

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Calla Larkenwood não quer nada além de ser uma guardiã, mas sua mãe super-protetora nunca permitiu. Quando as circunstâncias mudam e Calla finalmente consegue se juntar a uma Gilda, ela descobre que a vida de guardião aprendiz não é tudo que ela esperava. Seus colegas de classe são distantes, seu mentor a odeia e manter sua habilidade especial em segredo é mais difícil do que ela pensava. Então um jogo de iniciação dá errado, aterrorizando Calla com uma habilidade mágica que ela não pode controlar. Ela precisa de ajuda ?e a única maneira de conseguir isso é negociar com o cara que acabou de descobrir seu maior segredo.

 

 

 

 

 

 

PARTE 1

Capítulo 1

É uma noite perfeita para uma festa. Se alguém não estivesse prestes a se afogar.

Levanto meus pés, me equilibrando cuidadosamente no capô do carro e puxando meu braço diretamente para trás até que minha mão esteja alinhada com a minha orelha. Eu aperto a shuriken entre meu polegar e indicador e aponto minha mão esquerda para o meu alvo: o kelpie deslizando pela água escura em direção às quatro garotas no cais com os pés na água.

— Ainda não — meu amigo Zed murmura de algum lugar atrás de mim. — Não, a menos que ele ataque as meninas. É ilegal que você faça um movimento contra ele caso contrário.

Eu resisto ao impulso de revirar os meus olhos. — Como se já não tivéssemos quebrado a lei milhões de vezes.

— Ei, a única vez que quebramos a lei é quando vamos para tarefas de mentira como esta. Tenho certeza de que ainda não quebramos um milhão de vezes.

— É verdade — eu digo, fechando um olho para alinhar melhor a minha mão com meu alvo. — Mas você esqueceu da Lei Mãe.

— Oh. Claro. Definitivamente quebramos a lei da sua mãe mais de um milhão de vezes.

Minha risada sai mais alta do que eu pretendia, mas o som é rapidamente perdido em meio aos gritos, conversas e risos das dezenas de adolescentes aproveitando a festa à beira do lago desta noite.

— Concentre-se, Calla — diz Zed.

— Desculpe. — Eu ignoro o fogo dançando na extremidade da minha visão e me concentro no kelpie. Ele estava em forma de cavalo mais cedo quando o percebemos no outro lado do lago, mas ele está em forma humana agora. Bem, quase humana. Se eu estivesse mais perto, seria capaz de ver os juncos de água em seus cabelos. Ele se move lentamente, mantendo-se perto da margem. Apenas a cabeça e o pescoço estão visíveis acima da água. Quando ele se aproxima do cais, ele desliza abaixo da água e desaparece. Eu olho o espaço sob as pernas das garotas, esperando o momento em que o kelpie explodirá para fora da água.

Eu espero.

E espero.

E espero um pouco mais.

O som barulhento de risos e de vidro quebrando ameaça arrancar minha atenção da água, mas respiro devagar e mantenho meus olhos treinados nas pernas das meninas. E então, tão devagar que no começo, eu acho que estou imaginando, a cabeça do kelpie sai da água abaixo da menina mais próxima da margem. Quando o pescoço e os ombros estão acima da superfície da água, ela o percebe. Espero que ela se afaste de surpresa ou comece a gritar, mas, em vez disso, ela se inclina em sua direção. Ele está falando com ela? Jogando um feitiço nela? Convidando-a a se juntar a ele na água? A menina acena com a cabeça. O kelpie estende a mão para ela. Ela abaixa e aceita.

Devo jogar minha arma agora. É por isso que estou aqui. Para impedir este kelpie de arrastar alguém para uma sepultura aquosa no fundo do lago. Mas e se essa não for sua intenção? E se ele não for o ‘vilão’ da noite afinal de contas? Suas mãos estão em volta da cintura da menina agora enquanto ele a ajuda gentilmente a entrar na água. Os amigos dela não parecem ter um problema com isso. Talvez isso tenha acontecido antes. Talvez ele e a garota sejam amigos.

— Agora, Calla — diz Zed.

— Mas ele não fez nada de errado ainda — eu digo, meu olhar ainda preso no kelpie e na menina. Ele a abraça e ela envolve seus braços ao redor dele.

— Ele fez contato. Ele se revelou.

— Mas ele não a machucou ou...

— Ele pode estar a poucos segundos de...

— E se ele a ama...

Sem aviso, o kelpie mergulha abaixo da água, levando a menina com ele. Batendo os braços e chutando as pernas, agitando a superfície da água. Eu não posso falar para os humanos do kelpie, e as meninas estão gritando, e as pessoas estão correndo para o cais, e o kelpie está subindo...

— Agora, Calla!

Desta vez eu não hesito. Eu lanço meu braço para a frente e solto a shuriken. Ela gira no ar e se incorpora no ombro do kelpie. Ele recua, chorando de dor, e desaparece na água espumante. A menina, agora histérica, nada com movimentos desesperados e desajeitados em direção aos dois garotos esperando para puxá-la para a segurança. Ela corre para o cais, e seus amigos se aproximam dela. Os meninos gritam através do lago, desafiando o brincalhão a aparecer. Mas as ondas já estão se fixando em uma calma estranha, e tenho certeza de que o kelpie está bem abaixo da superfície no momento.

Eu dou um mortal para frente do capô do carro e dobro meus joelhos enquanto pouso. Eu me endireito e viro para Zed para descobrir como eu fui. Sentado no telhado do carro, ele pisca para mim com descrença. — E se ele a ama? Você está brincando comigo?

Eu cruzo meus braços. — Poderia ter sido possível.

— Não. — Zed salta. — Eu continuo dizendo, Cal. Quando você está em missão, deve assumir o pior. Você deve assumir que algo vai dar errado.

Eu olho para longe. — Talvez fosse mais fácil se as tarefas fossem genuínas. Dessa forma, eu saberia com certeza que algo ruim vai acontecer.

— Talvez. — Zed joga um braço ao redor dos meus ombros e me puxa casualmente contra o lado dele. — Mas nós não temos exatamente acesso a tarefas genuínas.

— Eu sei — eu murmuro, minha mente se concentra mais em seu corpo pressionado contra o meu do que nas palavras que ele diz. Minha imaginação avança e preenche o que eu gostaria que acontecesse a seguir. Um abraço mais íntimo, suas mãos acariciando meu rosto, meus dedos deslizando através de seus cabelos loiros com mechas turquesa, seus lábios tocando...

Pare. Como sempre, meus pensamentos batem no muro imaginário que circunda minha mente. A barreira mental sólida e impenetrável que prende cada imagem que minha imaginação perigosa evoca. Eu costumava ter que fazer um esforço consciente para manter a parede no lugar em todos os momentos, mas agora é quase automático.

— Vamos — diz Zed, seu braço se afastando dos meus ombros. — Vamos sair daqui. — Ele anda entre os carros, puxando uma stylus pequena de seu bolso traseiro. Chegando à árvore mais próxima, ele ergue a stylus e escreve um feitiço de portal na casca. Quando chego ao seu lado, a casca se espalha e desaparece, revelando a escuridão além. Ele estende a mão para mim, e eu sorrio enquanto aceito. Eu me pergunto, não pela primeira vez, se ele pensa em mim da forma como eu penso nele.

Eu me concentro na minha parede mental e nada mais enquanto Zed nos conduz pela infinita escuridão dos caminhos das fadas. Após vários passos, um portal se materializa à frente. Nós caminhamos para encontrar a noite adiantada em Woodsinger Grove, que estava mergulhada em um brilho lilás. Não tenho certeza de qual fuso horário estávamos no mundo humano, mas era obviamente várias horas mais cedo do que na minha casa aqui no reino Fae. Ali, as estrelas piscavam em um céu azul nanquim ao lado de uma lasca pálida da lua. Aqui, os cachos de borboletas cor-de-rosa estão fechando lentamente suas pétalas à medida que a luz do sol diminui, e os insetos brilhantes apenas começaram a aparecer nas árvores.

Eu me abaixo, arranco uma flor do chão e a giro entre meus dedos. — Então, — eu digo enquanto caminhamos entre as árvores em direção a que esconde minha casa — já que eu tenho todo esse tempo de férias agora, podemos começar a fazer mais tarefas?

— Nós poderíamos, se não fosse tão difícil encontrá-las. — Zed enfia as mãos nos bolsos da frente. — Não é como se estivéssemos ligados a uma Guilda com Videntes para nos informar quem precisa de resgate. Estamos basicamente apenas visitando todas as áreas do reino humano, onde eu sei que houve atividade fae, e esperando que algo ruim aconteça.

— Eu sei. Eu só pensei que talvez... você não tem amigos Videntes que possam lhe dar uma tarefa aqui e ali?

— Não. Você sabe que não tenho mais nenhum laço com a Guilda. E mesmo que eu tivesse, sempre há o risco de aparecer um aprendiz de verdade. Nós não queremos ficar presos no meio disso.

— Acho que sim.

— Há outra opção, no entanto. — Zed olha para mim com um sorriso brincalhão curvando seus lábios. — Você poderia mencionar à sua mãe que você fez todo esse treinamento privado e gostaria de se juntar a uma Guilda de verdade.

— Claro. E você poderia mencionar à Guilda que você ainda está vivo em vez de deixá-los pensar que você morreu na Destruição.

Ele balança a cabeça, mas o sorriso permanece. — Treinamento privado então.

— Exatamente.

— Oh, eu quase esqueci. — Zed para alguns passos de distância da minha árvore e remove algo de seu bolso traseiro. — Seu presente de aniversário. Algumas semanas de atraso, mas pelo menos não esqueci completamente como no ano passado. — Ele me entrega uma pequena caixa. — Feliz décimo sétimo aniversário.

Eu solto a flor borboleta e sorrio enquanto pego a caixa dele. — Você não precisava me dar nada.

— Sim, bem, estou compensando pelo ano passado.

Com uma antecipação nervosa vibrando como sprites na minha barriga, levanto cuidadosamente a tampa e a coloco de volta. Deitado no interior acolchoado, preso a uma corrente de ouro, está um delicado lírio metálico com uma pérola no centro.

— É um copo-de-leite, — diz Zed. — Já que, você sabe, é daí que o seu nome vem. E eu escolhi o ouro porque combina com o seu estilo. O cabelo dourado e os olhos, sabe.

— É lindo — eu tomo fôlego.

— Então você gostou? Sou geralmente terrível com presentes de garotas, mas eu tive ajuda com esse.

Falo para ele. — Eu amei.

Ele sorri de volta para mim com um sorriso que eu conheço melhor do que o meu. Um sorriso que tem o poder de transformar minhas entranhas em líquido. Seus olhos azuis e verdes se movem pelo meu rosto, e eu me pergunto, mais uma vez, se ele se sente do mesmo jeito que eu. Com seus olhos olhando para os meus, quase posso imaginar que ele sente. E este presente é o mais imaginativo que ele já me deu. Isso deve significar alguma coisa.

Eu dou um passo para mais perto dele quando o sangue bombeia mais rápido através das minhas veias. Nunca tive coragem suficiente para fazer isso antes. Eu sempre respeitei a distância que nosso relacionamento estudante-instrutor exigia. Mas eu tenho dezessete anos agora. Eu sou basicamente uma adulta. Que motivo eu tenho para me segurar?

Os nervos na minha barriga dão uma guinada final quando eu fico nas pontas dos dedos dos pés e aperto meus lábios contra os dele. As minhas pálpebras se fecham. Suas mãos apertam meus ombros...

Mas em vez de me aproximar, ele me empurra um passo para trás. — Uau, Calla, espere. — Ele balança a cabeça lentamente, me dando um olhar cauteloso.

Oh, droga. Meus olhos caem para o chão enquanto o constrangimento aquece meu rosto. — Hum... eu...

— Olha, não é que você não seja... Quero dizer, você é linda. Você é uma garota incrível. Você é... muito mais jovem do que eu.

Eu olho para cima, conseguindo encontrar seu olhar apesar da minha humilhação. — Há apenas treze anos de diferença entre nós.

— Exatamente. Essa é uma enorme diferença quando...

— Minha mãe tem trinta e oito anos a mais do que meu pai. Não faz diferença para eles ou para qualquer outra pessoa.

Ele hesita, então diz, — Faeries vivem por séculos. Décadas não significam nada para nós. Nós dois sabemos disso. Mas quando você ainda está crescendo, treze anos é uma diferença significativa.

Meu olhar volta ao chão. — Então você ainda me vê como uma criança.

— Bem... você ainda é criança.

Eu fecho a pequena caixa de joias e aperto minha mão em torno dela. — Eu não sou uma...

— Eu tenho uma namorada — ele deixa escapar.

Minha respiração para. — O quê? — Eu sussurro.

— Ela me ajudou a escolher seu presente de aniversário. Ela pensou que você realmente gostaria...

— Oh, meu Deus. — Eu passo por ele com os olhos ainda fixos no chão. Isso é totalmente mortificante. Claro que Zed tem uma namorada. Como diabos eu pensei que beijá-lo seria uma boa ideia? Em que reino isso poderia ter acabado bem?

— Calla, sinto muito — ele grita atrás de mim. — Eu não quero machucá-la, eu simplesmente...

— Boa noite, Zed — eu grito sem olhar para trás. Paro na frente da minha árvore e me curvo para recuperar a stylus da minha meia. Antes que a Zed diga qualquer outra coisa, rabisco um portal na casca e me apresso a entrar.

Eu corro no andar de cima e me jogo na minha cama. As shurikens presas dentro da minha jaqueta machucam meu peito. Eu me sento, as tiro, as jogo na minha gaveta de cabeceira e caio de volta na cama.

Nunca serei uma verdadeira guardiã.

Nunca terei armas mágicas brilhantes.

Nunca vou ter as marcas definitivas em meus pulsos.

E eu nunca terei Zed.

Apesar do fato de que ele simplesmente me rejeitou, meu cérebro estúpido imagina Zed encontrando uma maneira de entrar na minha casa, entrando no meu quarto e confessando que ele realmente não tem uma namorada. Que ele me ama desesperadamente, mas há outra razão pela qual pensa que não podemos estar juntos, então ele inventou essa história.

Minha parede mental quebra, e, por um momento, eu realmente o vejo caminhando através da porta do meu quarto.

— Ugh! — Eu aperto meus olhos e golpeio meus punhos contra minha testa. Imagino a parede. Eu vejo o buraco que meu estado emocional descontrolado criou. Empurro um tijolo no buraco. Mais um tijolo. E outro. Encho as pequenas lacunas com cimento mágico e imaginário.

Quando abro meus olhos, Zed não está lá.

Um ruído no andar de baixo sinaliza o retorno da minha mãe do trabalho. Surpresa, eu ajusto minha posição e puxo meu âmbar do meu bolso traseiro para que eu possa verificar a hora. O dispositivo brilhante e retangular é tão fino que estou surpresa por não ter quebrado quando sentei. É o último lançamento do tipo; um presente de aniversário dos meus pais. É compatível com todos os últimos feitiços sociais, mas não é por isso que eu o queria. Eu queria para o feitiço de arte que me permite desenhar e pintar com a minha stylus ou dedos e depois transferir a imagem para a tela mais tarde. Isso significa que eu posso criar arte sempre que a inspiração aparecer, mesmo que eu não tenha um bloco de desenho comigo.

Eu toco o meu polegar na superfície do âmbar. Números dourados nadam aparecendo. Assim como eu suspeitava, é muito cedo para a minha mãe estar em casa. Terças feiras são às 18:00 horas, então, tecnicamente, ela ainda tem vinte e três minutos de trabalho. E os aspectos técnicos são algo pelos quais a minha mãe presta grande atenção.

Eu balanço minhas pernas sobre o lado da cama e me levanto. Esqueça Zed. Esqueça o treinamento secreto. Esqueça quão injusto é que seu irmão é um guardião e você não. Saio do meu quarto em direção às escadas, giro uma mecha de cabelo dourado ao redor do meu dedo. Seja qual for o motivo do retorno mais cedo da mamãe do trabalho, fico feliz que aconteceu depois de eu chegar em casa. Ela teria se assustado se...

Eu paro.

Ao pé da escada está um homem que não reconheço. Um homem com um casaco escuro que atinge seus joelhos. Um homem com uma longa cicatriz marcando a bochecha esquerda. Um homem levantando uma faca.

E olhando diretamente para mim.


Capítulo 2

A faca voa diretamente para mim. Eu me jogo para o lado instintivamente, e ela passa zunindo perto da minha orelha. O homem levanta uma sobrancelha. — Belos reflexos — diz ele. — Mas você pode esquivar disso? — As faíscas vermelhas pulam pelo ar e batem no meu peito, me jogando de volta contra a parede do meu quarto. Momentaneamente atordoada, eu desabo no chão. Piscando, olho para o buraco chamuscado na minha camiseta. Se não fosse o colete protetor que eu uso sob minhas roupas sempre que saio com Zed, minha pele estaria queimada como a camiseta.

Passos soam na escada. Meu coração tropeça no meu peito. Meus pulmões lutam para encontrar a respiração. Fecho meus olhos, me fingindo de morta enquanto reúno poder. — Você sabe, é uma pena que eu tenha que me livrar de você — o homem fala enquanto sobe a escada. — Você é excepcionalmente bonita. Já lhe disseram isso antes? — Seus passos param.

Eu abro os olhos e o vejo de pé aos meus pés. Eu puxo minha perna para trás e chuto sua canela o máximo que posso, grunhindo — Muitas vezes. Principalmente por idiotas como você. — Eu me levanto, conjuro um feitiço de tinta em seu rosto, e corro para a escada.

Seu choro de dor é curto e seguido por uma sequência de palavrões. Eu alcanço a sala de estar e corro para o outro lado, torcendo para sair antes que o homem desça. Mas uma batida forte me faz girar antes de poder abrir um portal. Ele deve ter saltado de cima para baixo em um único salto, porque lá está ele, o capuz de seu casaco caiu para trás para revelar seu rosto sorridente.

Não consigo fugir, percebo de repente. O pensamento é seguido quase que instantaneamente por outro: por que eu quero fugir? Eu quero lutar contra os vilões e agora há um de pé na minha sala de estar. Quando eu vou conseguir outra oportunidade como essa?

— Lembra quando eu disse que tenho que me livrar de você — diz o homem. — Infelizmente, eu falei sério.

Acho que não. Magia brilha acima das minhas palmas. As faíscas se transformam em insetos irritados e alados, que se aproximam do homem e pulam em sua cabeça enquanto reúno mais poder em minhas mãos. Eu só atordoei alguém uma vez, e já é hora de tentar novamente.

Um vendaval forte varre os insetos antes de eu estar pronta. Eles desaparecem enquanto me jogo atrás de um sofá, uma bola de magia girando acima de minhas mãos.

— Você não é o que eu esperava — diz o homem, soando quase divertido.

— Você estava esperando ter seu traseiro chutado? — Pergunto, esperando parecer mais confiante do que eu me sinto. — Porque é isso que está prestes a acontecer.

Ele ri. — Definitivamente não é o que eu esperava.

Eu pulo e atiro minhas mãos em direção ao homem. Mas em vez de atordoá-lo, minha magia atinge o escudo invisível que eu agora percebo que está pendurado no ar na frente dele. A magia reverbera em todas as direções, esmagando uma das minhas obras de arte emolduradas, derrubando um guarda-chuva pendurado atrás de mim e esmagando um abajur de vidro. Eu caio atrás do sofá novamente. — Merda — eu murmuro. Mamãe vai ficar com raiva.

Passos se aproximam do sofá. Aperto meus punhos enquanto penso em quão úteis as armas da guarda seriam agora. Mesmo uma simples shuriken ajudaria. Se eu não tivesse removido todas que estavam na minha jaqueta há menos de cinco minutos. — Já está cansada? — O homem pergunta enquanto aparece ao lado do sofá.

Pego o guarda-chuva caído, prendo no seu tornozelo e puxo. Ele cai com um grunhido. Eu pulo e baixo o guarda-chuva em direção a sua cabeça. Sua mão vai para frente, pega o guarda-chuva antes que ele o golpeie, e o tira do meu alcance. Ele joga em minha direção, mas eu abaixo e isso passa pela minha cabeça. Ele rola sobre o seu lado e se levanta, então me chuta. Eu me esquivo para trás e estico minha mão para o abajur quebrado. Os fragmentos de vidro se elevam no ar e se dirigem em direção ao homem. Um movimento de sua mão transforma o vidro em pó. Ele puxa um pedaço de corda do interior de seu casaco. Com uma pancadinha, a corda vira um chicote igual a uma videira, enrolando em minha direção. Eu puxo o meu braço para fora do caminho bem a tempo, sentindo a picada do final do chicote enquanto ele estala contra a minha pele.

— Errou — digo enquanto danço para longe do seu alcance.

O homem solta uma risada sem fôlego. — Tamaria claramente não sabia do que estava falando quando disse que isso seria fácil. — Ele estala o chicote mais uma vez e chamas resplandecem ao longo do seu comprimento. — E você não sabia do que estava falando quando disse que iria chutar minha bunda porque estou prestes a limpar o chão com a sua.

Antes que as chamas possam me alcançar, eu pulo na parte de trás do sofá, pulando no ar, saltando sobre a mesa de café e pousando do outro lado. Giro ao redor, desço para usar a mesa de café como um escudo ? e vejo minha mãe parada em um portal atrás do homem. Suas feições estavam congeladas em uma máscara de choque.

Percebendo que há alguém atrás dele, o homem gira. Ele hesita por um momento, então corre na direção da mamãe.

— Não! — Eu pulo de novo sobre a mesa, sobre as almofadas do sofá, e me jogo no homem. Eu pouso sobre suas costas, e nós dois caímos no chão enquanto mamãe grita palavras ininteligíveis. Ele tenta me bater com o cotovelo, mas pego o seu pulso e torço o seu braço para trás. Eu inclino todo o meu peso sobre. Ele grita e tenta rolar, mas com um braço preso atrás de suas costas, e meu corpo pressionando, ele não consegue força o suficiente.

Ainda deitada em cima dele, alcanço com a mão livre e pego o seu chicote, que agora, é uma corda comum mais uma vez. Enrolo a corda ao redor do braço dele, mas quando tento agarrar seu braço livre, encontro uma faca brilhando na sua mão. Eu me jogo para trás com um grito enquanto ele corta cegamente atrás dele.

— Calla!

Olho em direção ao som da voz do meu pai.

Aproveitando minha distração, o homem me joga de costas. Ele levanta, esquiva-se das faíscas que meu pai joga contra ele e corre pela sala de estar. Em segundos, ele sobe as escadas. Papai grita e segue atrás dele. Eu levanto, pronta para ir atrás de papai, mas mamãe envolve seus braços com força em torno de mim e engasga, — Você está bem. Você está bem, você está bem. — Seu cabelo louro e fino faz cócegas na minha bochecha enquanto eu tento ver por cima do seu ombro e acima da escada.

— Ele se foi — diz papai, correndo de volta da escada. — O que aconteceu? Você está bem?

— Sim, estou bem.

— Você tem certeza? — Pergunta mamãe, suas mãos tremendo batendo perto da minha camiseta chamuscada antes de levantar para tocar meu rosto. — Ele tinha uma faca. Você tem certeza de que não está... e como você... — Ela franze a testa, seus olhos amarelos se enchendo de confusão. — Você estava lutando contra ele. A cambalhota. Pulando sobre o sofá. Enfrentando-o e prendendo. Como você fez isso?

Eu mordo o lábio e olho para o chão. O que eu digo, o que eu digo?

Papai coloca uma mão no meu ombro. — Calla? O que está acontecendo?

Percebendo que não há outra maneira de sair disso a não ser a verdade, eu fico ereta, levanto os olhos e olho primeiro para papai, então para mamãe. — Eu quero ser uma guardiã.

Mamãe solta um meio-suspiro, meio-gemido. — Calla, isso de novo não...

— É o que eu quero!

— É muito perigoso — mamãe lamenta. — Nós quase perdemos você uma vez, e não vou passar por isso de novo.

— Eu já sei como lutar, mãe. Eu tenho treinado em particular.

— Você tem o quê? — Papai diz.

— Treinando. Aprendendo a lutar. Para me defender e proteger os outros. — Meus pais me encaram, as bocas abertas em choque. Papai se recupera primeiro.

— Como você pode fazer isso escondido de nós...

— Porque vocês se recusaram a deixar eu me juntar a uma Guilda, então treinar escondido era a única outra opção.

— E quem exatamente a treinou? — Ele exige.

Eu balanço minha cabeça. Não há como colocar Zed em problemas depois de tudo o que ele fez por mim. — Não importa, pai. O que importa é que isso é o que eu sempre quis fazer. Não escola de curandeiro, nem escola de chef de cozinha, nem escola de arte, nem qualquer outra profissão para qual você tentou me forçar. A Guilda. É onde eu quero estar. — Pego suas mãos e olho para as marcas pálidas em seus pulsos. Eu sempre quis marcas como essas. Não a versão desativada, é claro, mas as linhas pretas que circulam os pulsos de meu irmão ou Zed. Eu olho para cima e encontro os olhos de papai. — Por favor, papai. Você se lembra de como era antes que mamãe o fizesse sair. Você lembra como é salvar as pessoas, fazer a diferença. Você se lembra de quão vivo isso fazia você se sentir quando você está...

— Pare. — A voz dominante da mãe me corta. Na maioria das vezes, minha mãe parece irritantemente frágil. Seu corpo magro, cabelos pálidos e olhos arregalados fazem com que ela pareça fraca. Mas sob seu exterior geralmente gentil está uma determinação feroz para manter sua família segura. Uma determinação feroz que me manteve longe da Guilda todos esses anos. — Isso não vai acontecer, Calla — ela diz com firmeza. — E não é apenas sobre o perigoso estilo de vida de um guardião. É sobre a lista Griffin. Você sabe disso. Conseguimos manter a sua capacidade em segredo durante todo esse tempo, apesar dos... incidentes que a obrigaram a deixar tantas escolas.

Minha mandíbula aperta. Fazemos o nosso melhor para nunca falar desses incidentes, e mamãe sabe disso. Não é justo que ela os traga à tona.

— Mas se você estiver trabalhando logo abaixo do nariz do Conselho — mamãe continua, — eles vão descobrir. Você vai acabar naquela lista, marcada e rastreada como uma criminosa pelo resto de sua vida.

Ugh, aquela estúpida lista Griffin. Sempre voltamos a ela. Com um suspiro frustrado, cruzo meus braços. — Isso não vai acontecer, mãe. Consigo controlar agora. Ninguém mais tem que descobrir.

— Descobrir o quê? — Uma voz masculina diz atrás de mim.

Giro ao redor enquanto meu meio irmão sai de um portal na parede. — Ryn! — Eu corro através da sala e jogo meus braços em volta dele. Não sei por que ele está aqui, mas estou feliz por ter chegado no meio da nossa discussão. Ele geralmente fica ao meu lado quando mamãe começa a ficar irracional.

— O que aconteceu? — Ele pergunta, me abraçando com força. — Você está bem? Saí de uma reunião e encontrei uma mensagem em pânico que sua mãe enviou para mim e para o papai.

— Sério, mãe? — Eu volto a olhar para minha mãe. — Eu tinha tudo sob controle.

— Você não tinha...

— Você sabia sobre o treinamento secreto que sua irmã tem feito escondido de nós? — Papai diz a Ryn.

— Qual treinamento secreto?

— Você deveria tê-la visto — mamãe fala. — Pulando sobre os móveis, dando cambalhota, torcendo o braço daquele homem...

— Ei! — Eu grito. — Podemos esquecer o meu treinamento privado por um momento e me concentrar no fato de que havia um intruso em nossa casa?

— O quê? — Ryn olha para a bagunça, depois de volta para mim. — E você lutou contra ele?

— Sim. Ele tentou me matar, mas eu...

— Oh, querida Rainha Seelie, — mamãe engasga. — Ele estava tentando matar você? E agora você quer que eu deixe você sair da minha vista para ir brincar na Guilda? Não. Isso não vai acontecer. Claramente, alguém sabe o que você pode fazer, como antes quando você era pequena, e agora eles estão te caçando para que possam...

— Mãe — eu a interrompi antes que ela pudesse ficar em um estado frenético. — Eu não acho que ele estava atrás de mim. Ele disse que não estava esperando por mim. Ele deveria estar aqui procurando outra coisa, e aparentemente alguém chamado Tamaria disse que seria fácil.

— Tamaria? — O rosto já pálido da minha mãe perde a cor restante.

— Sim. Você sabe quem é?

Mamãe olha para o chão enquanto balança lentamente a cabeça. — Não. Eu não sei.

Olho para Ryn, mas ele está observando minha mãe cuidadosamente. — Papai? — Eu digo. — Você conhece esse nome?

— Não. Kara, você está bem? — Ele pega a mão da mamãe. Seus olhos arregalados ainda estão colados no chão.

Mamãe acena, depois olha para o papai. — Eu só estava pensando — diz ela calmamente, — talvez... talvez Calla fique mais segura na Guilda.

Minha mandíbula quase atinge o chão. Inclino para frente. — Como é?

Mamãe me ignora e continua falando em tom baixo para o papai. No entanto, posso ouvir todas as palavras. — Se alguém entrar novamente, seria melhor se Calla não estivesse aqui. Podemos nos mudar - devemos mudar - mas isso não impedirá que isso aconteça de novo. E talvez Calla esteja aprendendo a se defender adequadamente. Ter uma Habilidade especial significa que sempre há um risco que alguém descobrirá sobre isso. Ela nunca estará 100% segura em qualquer lugar. Pelo menos na Guilda ela estará cercada por pessoas que podem protegê-la enquanto ela aprende as habilidades para se proteger.

Não me incomodo em apontar que toda a razão de ser guardião é proteger os outros, e não a mim mesma. Na verdade, estou tão assustada com a súbita mudança de ideia da minha mãe que não consigo dizer nada.

Papai puxa mamãe para o canto mais distante da sala e baixa a voz para que eu não consiga mais ouvir o que eles estão discutindo. Eu não estou preocupada com ele dizendo algo que a faça mudar de ideia, no entanto. Papai nunca se opôs à minha entrada na Guilda. Na verdade, se não fosse por mamãe, ele provavelmente ainda trabalharia lá. Ele provavelmente está apenas tentando descobrir por que ela mudou de ideia de repente.

— Calla? — Ryn diz. Ele se afasta, fazendo um gesto para a cozinha com a cabeça. Eu o sigo. Ele senta-se em um lado da mesa, e eu me sento em frente a ele. — Você tem certeza sobre isso? — Ele pergunta.

— Certeza? Claro que tenho certeza. Isso é o que eu sempre quis. — Eu me inclino para trás, observando-o com atenção. — Espere, pensei que você estivesse do meu lado.

— Eu estou do seu lado. Se esta é a vida que você quer, eu não vou parar você. Eu só quero ter certeza de que você sabe o quão perigoso é.

— É claro que sei o quão perigoso é. Fui eu quem foi trancada em uma gaiola por um príncipe psicopata Unseelie, lembra? Nunca me senti mais assustada e desamparada do que eu me senti naquela época, e nunca mais gostaria de me sentir assim. — Inclino-me para frente. — Eu também não quero que outras pessoas se sintam assim. Eu quero proteger aqueles que não podem se proteger. E eu tenho praticado. Salvei alguém de um kelpie mais cedo.

Ryn levanta uma sobrancelha. — Seu treinamento particular inclui tarefas?

— Bem, não tarefas aprovadas pela Guilda — eu murmuro, sentando e arrastando a minha unha sobre a superfície da mesa.

— Entendo. Bem, já que eu estive em uma ou duas tarefas não aprovadas, não acho que haja algum motivo para mencionar as suas para a Guilda.

Meus lábios enrolam em um sorriso. — Apenas uma ou duas, hein?

— Como eu disse, não precisamos mencioná-las.

Cruzo meus braços e os descanso sobre a mesa. — Então, você pode me fazer entrar na Guilda? Em um grupo na minha faixa etária?

Ryn ri. — Calla, você não pode simplesmente ignorar quatro anos de treinamento.

— Mas eu não vou. Eu fiz o treinamento. Eu posso lutar.

— E quanto às lições e testes e exames e todos os outros requisitos? Você precisa passar um certo número de horas no Aquário e passar um certo número de tarefas a cada ano...

— Posso fazer isso agora.

— Agora?

— Sim. Todos os aprendizes estão em férias de verão por mais dois meses, não estão? Por que não posso passar todo o meu tempo no Aquário e tarefas enquanto estão longe? Então, estarei pronta para me juntar a eles quando eles retornarem.

— Calla, isso é loucura. Essa é uma grande quantidade de trabalho.

— Mas eu posso fazer isso. Posso administrar.

— Calla? — Papai diz, abrindo a porta da cozinha. Ele olha de volta para mamãe, que acena com a cabeça para ele antes de subir a escada. — Nós decidimos: você pode se juntar à Guilda.


Capítulo 3

Eu tinha acabado de arrumar outra caixa de material de pintura, logo que o espelho de mão na minha mesa começa a tocar música. É uma melodia animada composta por uma das minhas amigas da Ellinhart Academy. Pelo menos, nós éramos amigos antes de começar a ouvir os rumores sobre por que eu deixei minha última escola. Ela ficou distante depois disso, e eu não ouvi falar dela desde o início do verão.

Eu atravesso o quarto em direção a minha mesa e vejo o rosto de Zed nadando na superfície do espelho. Mordendo o lábio, considero ignorar a chamada. Enviei-lhe uma mensagem na noite passada para dizer que não preciso mais dos seus serviços de treinamento, mas não entrei em detalhes sobre o porquê. Ele provavelmente acha que é por causa do embaraçoso meio beijo fora da minha casa há dois dias. O beijo que me faz querer me encolher de mortificação sempre que penso nisso. Ignorar sua ligação seria imaturo, porém, e eu deveria mostrar a Zed que não sou a criança que ele pensa que sou. Pego o espelho e toco um dedo na superfície. — Ei — eu digo com um sorriso alegre no meu rosto.

— Uh, oi. — Na superfície do espelho, eu o vejo levantar uma mão e coçar seus cabelos. — Então, eu vi a mensagem que você enviou ontem à noite.

— Sim, eu tenho boas notícias. — Eu pulo na minha cama e coloco meu cabelo atrás da minha orelha. — Eu finalmente estou me juntando a Guilda.

— O quê? — As sobrancelhas de Zed arqueiam. — Você está falando sério?

— Sim, definitivamente está acontecendo. Bem, quase definitivamente. Ryn ainda está descobrindo qual será o processo exato, mas tenho certeza de que ele pode me fazer entrar. E eu sei como você se sente sobre a Guilda — eu adiciono rapidamente, — então você não precisa ficar feliz por mim. Mas eu acho que é...

— É claro que estou feliz por você. — Um sorriso aliviado se espalha pelo rosto de Zed. — Eu estava pensando que talvez você não quisesse treinar por causa de... você sabe, o que aconteceu na outra noite, quando...

— Não, claro que não. — Eu balanço uma mão e reviro meus olhos para mostrar-lhe como isso seria bobo. — E eu sinto muito por fazer você se sentir estranho, a propósito. Eu não sei o que aconteceu comigo.

— Então... você e eu... estamos bem?

— Claro. — Eu dou-lhe outro sorriso brilhante que eu espero que ele não consiga dizer que é falso. — Eu superei isso, não se preocupe. — Por "isso" eu quero dizer ele e “superei” eu quero dizer que não. Mas vou superar em breve. Eu tenho coisas muito mais importantes para me concentrar agora. Coisas importantes que incluem conseguir minhas próprias armas de guarda, aprender a acabar com vilões e descobrir tramas perigosas da Unseelie que ameaçam destruir o reino dos fae. Pelo menos é o que eu imagino que os guardiões fazem quando estão totalmente treinados.

Eu pisco quando uma imagem de mim brandindo uma espada brilhante enquanto eu permaneço vitoriosa sobre um inimigo caído ameaça esgueirar minha parede mental e transmitir através do meu quarto. Eu afasto o pensamento quando Zed diz — Quando você começará?

— Eu não sei. Ryn ainda está descobrindo detalhes no Conselho. — E espero que esses detalhes não incluam “Desculpe, Srta. Larkenwood, não aceitamos aprendizes com mais de treze anos.” A ansiedade aperta minha barriga. Seria minha sorte ter a Guilda recusando minha inscrição depois que eu finalmente consegui que minha mãe me permitisse participar. — De qualquer forma, eu preciso continuar empacotando. — Seguro o espelho em uma mão e uso a outra para acenar para uma pilha de cadernos em uma nova caixa. Lápis espalhados pela minha mesa voltam para um suporte de vidro, que se juntam aos cadernos na caixa. — As pessoas estarão aqui na primeira hora amanhã de manhã para fazer o feitiço de mudar.

— Mudar? Por que você está se mudando? — A expressão de Zed se transforma naquela irritante que ele usava ao me dizer que ainda sou criança. — Calla, você sabe que não precisa viver perto da Guilda da qual está treinando, certo? Você pode usar os caminhos das fadas para chegar lá todos os dias.

Eu engulo a vontade de dizer a ele que não sou estúpida e claro que eu sei disso. — Não estamos nos mudando porque eu estou participando de uma Guilda. Estamos nos mudando por causa do intruso que entrou em nossa casa no outro dia.

— Intruso? O que aconteceu? Você está bem?

— Estou bem. Consegui lutar com ele e depois ele fugiu quando o papai chegou em casa. O ponto é que, mamãe ficou apavorada e decidiu que temos que ir embora. Papai prometeu colocar feitiços de segurança mais recentes e complexos, mas não faz diferença. Uma hora depois, minha mãe encontrou um lugar novo para a gente viver.

Zed esfregou uma mão sobre sua mandíbula. — Isso é extremo.

— Sim, bem, essa é minha mãe.

— Eu não sei como o seu pai aguenta isso.

— Provavelmente tem algo a ver com o fato de que ele a ama — eu retruco. Normalmente estou bem com Zed fazendo piada com a minha mãe perto de mim, mas desde que ele me rejeitou e provavelmente foi direto para casa para rir com a namorada dele, ele não pode mais fazer comentários divertidos sobre quem eu gosto.

— Uh, de qualquer maneira — diz ele. — Eu só queria verificar se o nosso acordo ainda é válido. Você sabe, agora que não estou mais treinando você.

— O acordo em que eu não falo à Guilda que você ainda está vivo com marcações ativas e acesso às armas de sua guarda?

— Sim, esse.

— Claro que não vou contar para eles. Eu lhe dei minha palavra, lembra?

Ele concorda. — Obrigado. Eu agradeço.

— E eu aprecio tudo o que você me ensinou. Eu percorri um longo caminho daquela garota assustada que você encontrou no... — Ao som de uma batida na minha porta, eu olho. A porta está fechada, no entanto, espero que a pessoa do outro lado não tenha escutado nada da conversa com Zed. — Tenho que ir — eu digo a ele. Eu toco no espelho para terminar a chamada, depois deixo a minha cama quando eu abro a porta.

— Pronta para se juntar a Guilda Creepy Hollow? — Ryn diz no momento em que abro a porta.

O entusiasmo explode dentro de mim. — Sério? Você está falando sério? Eles vão me deixar entrar?

— É claro. — Ele inclina a cabeça para frente, me dando aquele sorriso autoconfiante. — Você não duvidou que eu poderia fazer um plano, não é?

Eu solto um grito sem palavras e bato minhas mãos firmemente juntas.

— Eu não sei porque você está ficando tão entusiasmada — diz Ryn enquanto ele passa por mim. Ele balança minha cadeira de mesa ao redor e se senta. — O treinamento de guardião é muito difícil.

— Eu sei. — Eu finjo desmaiar na minha cama. — Vai ser incrível.

Ele ri. — Você pode querer procurar a definição de “difícil” nas próximas horas, ou pode entrar numa surpresa desagradável quando seu treinamento começar.

— Não me importo o quão difícil é. Ainda será incrível. — Pego a almofada mais próxima e a abraço no meu peito enquanto eu me sento. — Então, quando eu começo? Você convenceu o Conselho a me deixar me juntar aos aprendizes do quinto ano?

— Ei, foi bastante difícil convencê-los a deixar você se juntar. Eles me deram sua história usual sobre estatísticas mostrando que aqueles que começam a treinar em uma idade mais jovem são melhores guardiões do que aqueles que começam mais tarde. Então eu lembrei-lhes que seu pai era um excelente guardião antes de deixar a Guilda, e que seu meio-irmão é possivelmente o melhor guardião que a Guilda já teve...

— Você não disse isso ao Conselho.

— o que significa que você tem claramente sangue de guardião correndo em suas veias. Então eu disse que você treinou em privado nos últimos quatro anos, e eles acharam isso muito interessante. Inclusive incluí a história de como você salvou heroicamente sua mãe de um intruso perigoso que estava empenhado em matar vocês duas.

Ryn faz uma pausa quando um sorriso se estica em seu rosto. — Eles gostaram disso um pouco.

— Então...

— Então, aqui vai o resumo: você poderá começar com os aprendizes do quinto ano se, no momento em que o novo ano de treinamento começar, você conseguir passar no exame escrito final para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ano. Você também precisará completar dez paisagens diferentes no Aquário, dez tarefas com um auxiliar de mentor e dez com observação de um mentor.

Eu fico de boca aberta para Ryn. Eu disse a ele que eu poderia administrar, mas agora que ele está dizendo em voz alta, parece uma quantidade impossível de trabalho. — E eu preciso completar tudo isso em dois meses?

— Um mês.

— Um?

— Os primeiros anos recebem dois meses durante as férias de verão. Depois disso, todos recebem um. A menos que você seja um aprendiz particularmente entusiasmado, nesse caso, você continua com seu treinamento privado durante as férias.

— Um mês — eu murmuro. — Eu posso fazer isso. Posso fazer acontecer.

— Você tem certeza?

— Sim. Eu vou passar todo o tempo estudando ou treinando. É muito, mas posso fazer. E espero que mamãe não se importe de eu voltar para casa em horas estranhas após as tarefas. Quero dizer, ela está bem com toda essa ideia de guardião agora, certo?

— Bem, eu realmente falei com sua mãe sobre isso. — Ryn inclina a cadeira sobre duas pernas, então deixa cair de volta ao chão. — Se você quiser conseguir, você precisa estar completamente focada no treinamento e no estudo. Sem distrações. Sem mudança de casa, nem pintura, nem desenho, nem os debates que você e sua mãe gostam de ter por pelo menos uma vez por dia. — Ele me dá um olhar de quem sabe.

— São chamadas de discussões — eu falo para ele de forma geral.

— São chamados de barulho. Ouvi muitos deles.

— Então, qual é a sua solução?

— Você vem e fica comigo no próximo mês.

Eu pauso, segurando a almofada mais apertado. — Sério?

— Faz sentido, considerando que eu vou monitorar você até o novo ano de treinamento começar.

— Sério?

— Sério.

— ISSO É TÃO LEGAL! Oh, espere. — Meus ombros descem quando percebo que há uma pessoa, além da mãe, que talvez não fique feliz com esse plano. — Como exatamente sua esposa se sente sobre alguém morando na casa com vocês?

— A esposa dele — diz uma voz da porta, — está emocionada por ter você ficando conosco por um tempo. — Violet se inclina contra o batente da porta e sorri para mim. — Eu até posso ajudar com alguns de seus treinamentos se eu puder.

— Sim! — Eu jogo meu punho no ar, então pulo e jogo meus braços ao redor de Vi. — Ok, deixe-me tentar essa reação novamente. Isso é tão legal! — Eu grito. — Ryn, você será o melhor mentor de todos os tempos. E mal posso esperar para ficar com vocês.

— Ei, calma. — Vi entra no quarto e fecha a porta. — Não deixe sua mãe ouvir o quão animada você está por deixá-la.

— E eu vou ser o mentor mais rigoroso de todos os tempos — acrescenta Ryn. — Eu disse a todos no Conselho que você estaria pronta em um mês, e eu tive que convencê-los. Eu não estava apenas dizendo isso porque você é minha irmãzinha. Então eu vou ter certeza de que você está trabalhando duro para provar para eles que estou certo.

— E para provar para mim mesma — acrescento quando ele levanta, — porque eu sei que posso fazer isso.

— Bom. De qualquer forma, preciso me encontrar com a minha equipe agora e explicar que estou assumindo a posição temporária de mentor pelo próximo mês. Eles terão que continuar salvando o mundo sem mim.

— Tanto faz. — Pego minha almofada abandonada na cama e atiro nele. — Você não está realmente no meio de salvar o mundo, não é?

— Aparentemente, ele está sempre no meio de salvar o mundo — diz Vi, revirando os olhos antes de remover o âmbar do bolso para verificar uma mensagem.

— Considerando que é confidencial — diz Ryn com um sorriso irritante, — você nunca saberá.

— Bem. Um dia também terei tarefas secretas, e você vai querer saber tudo sobre elas. — Tento parecer tão presunçosa quanto ele, mas o momento é arruinado quando lembro de algo importante que eu queria perguntar. — Oh, espere. — Eu abaixo minha voz e me inclino para a frente. — Você encontrou algum registro de alguém chamado Tamaria?

— Tamaria? — Ryn pergunta sem piscar.

— Oh, fala sério, eu não sou idiota.

— O que significa...

— Significa que eu sei que há algo estranho acontecendo aqui. Minha mãe estava inflexível que eu nunca iria participar de uma Guilda até o momento em que eu mencionei o nome de Tamaria. Então, de repente tudo mudou. Ela disse que não conhece ninguém com esse nome, mas obviamente está mentindo. E eu sei que você não pode ficar sem resolver um mistério, então tenho certeza de que você foi direto para a Guilda e procurou nos registros por alguém chamado Tamaria.

Ryn me observa com atenção, a sugestão de um sorriso em seus lábios. — Eu também não sou idiota — ele diz eventualmente. Ele se inclina contra minha porta fechada ao lado de Vi e cruza seus braços. — Com quem você estava falando quando bati na sua porta agora?

Droga. Quanto tempo ele estava ouvindo fora do meu quarto antes de bater? Cruzo meus braços sobre meu peito para imitar sua posição. — Se você não é um idiota, então você já sabe.

Ele acena com a cabeça lentamente. — Estou curioso. Conheço esse treinador particular seu?

— Não. Ele nunca esteve em sua Guilda.

— Ah, então ele é um guardião. Interessante.

Vi dá uma cotovelada nele enquanto escreve uma resposta no âmbar e diz distraidamente — Não seja intrometido.

— Obrigada — eu digo a ela enquanto mentalmente me chuto por revelar que Zed é um guardião. — Não vou mais falar sobre ele, Ryn. Ele estava me ajudando todo esse tempo, e não quero deixá-lo com problemas.

— Tudo bem — Ryn diz encolhendo os ombros. — Você sabe que vou descobrir eventualmente, certo? Assim como eu vou descobrir mais sobre essa Tamaria e quem era o intruso.

— Então você a procurou — eu digo com triunfo.

— Eu procurei. Eu encontrei três mulheres com esse nome que foram mencionadas nos registros da Guilda nos últimos séculos, mas nenhuma delas estava envolvida em qualquer atividade criminosa. Existe alguma coisa que você possa me falar sobre o intruso que possa ajudar?

Eu me inclino para trás sobre minhas mãos, imaginando o intruso com seu casaco com capuz. — Bem, tenho certeza de que ele era um faerie, já que ele tinha dois tons de cabelo. Preto com vermelho escuro e mechas castanhas. E seus olhos combinavam com o castanho, é claro. O que era estranho, porém, era a cicatriz correndo através da bochecha esquerda. Porque se ele realmente era um faerie...

— então, sua pele não deveria ter cicatriz — conclui Ryn.

— Certo. A menos que, claro, ele estivesse exposto a aquele metal que o Príncipe Zell gostava tanto.

Vi ergue a cabeça quando Ryn puxa a manga do braço direito e olha para a cicatriz pálida ao redor de seu pulso. Uma lembrança de um encontro com a Corte Unseelie anos atrás. Vi tem uma igual. — Interessante — ele murmura e depois abaixa a mão. — Obrigado. Isso é útil.

— Então você vai me contar se descobrir alguma coisa?

— Provavelmente não.

— Ryn!

— Ei, lembra da parte sobre você se adaptando a quatro anos de avaliação e treinamento nas próximas quatro semanas?

Eu mordo meu lábio. — Uh hum.

— Isso começa amanhã. Sem desculpas e sem distrações. Então é melhor você descansar esta noite, porque está prestes a trabalhar mais do que já trabalhou antes.


Capítulo 4

 

— Eu não tenho meias! — Eu grito enquanto corro pela escada. — Como eu não posso ter meias, hoje de todos os dias? — Eu me jogo na cozinha, assustando Filigree. Ele se transforma em forma de águia e passa por mim, derrubando uma pilha de pergaminho na mesa da cozinha no processo.

— Apenas transforme algumas das suas outras roupas — diz Ryn enquanto se apressa para pegar as páginas espalhadas.

— O quê? Não tenho tempo para modificar roupas, Ryn. Eu preciso de meias de verdade!

— Pegue uma das minhas — diz Vi, juntando os pratos do café da manhã com um aceno de mão e os enviando pelo ar para a pia.

— Obrigada. — Giro e volto para a escada, então paro na metade. — E vocês viram aquele caderno em que eu fiz todos os resumos? — Eu grito de volta para eles.

— Banheiro — ambos dizem ao mesmo tempo.

— Certo — eu murmuro, continuando subindo as escadas. Devo ter deixado lá quando estava estudando para a minha última prova enquanto tentava me relaxar em uma piscina de bolhas.

— Apresse-se, Cal — Ryn grita atrás de mim. — Vamos nos atrasar.

— EU SEI! — Gritei de volta. Após treinar e estudar sem parar no último mês, recebi a notícia de que eu passei em tudo, dancei em torno da sala de Ryn por pelo menos cinco minutos, depois desmaiei em uma pilha esgotada e dormi por dezessete horas seguidas. Foi o melhor sono da minha vida, mas isso significava que eu não tive tempo para mover minhas coisas de volta para casa antes do meu primeiro dia oficial na Guilda. Então mamãe e papai apareceram esta manhã para me desejar boa sorte no meu primeiro dia. Papai continuou e falou sobre seu primeiro dia como aprendiz, e mamãe passou o tempo todo perto de chorar. E tenho certeza de que eles não eram pais chorando de orgulhosos. Não, eles pareciam mais chorando porque estão-amedrontados-pela-vida-da-sua-filha.

Quando Ryn apontou que precisávamos estar na Guilda em quarenta minutos, eles finalmente foram embora. As coisas ficaram um pouco loucas quando eu procurei no meu quarto por todas as coisas que achava que precisaria no meu primeiro dia. Quando não consegui encontrar uma única meia, entrei em pânico. Como eu poderia usar minhas novas botas sem meias? Como acabei sem meias em primeiro lugar? Que tipo de guardião fica sem meias?

Agora, eu me obrigo a caminhar calmamente pelo quarto de Ryn e Vi e tirar um par de meias da cômoda. De volta ao meu quarto, as coloco antes de entrar nas minhas novas botas. São botas semelhantes as de Vi - as que eu sempre olhei com desejo - mas os calcanhares não são tão planos e os cadarços são azuis em vez de preto. Corro minha mão pelo ar do meu tornozelo até o joelho e vejo os cadarços se amarrando.

Eu recupero meu caderno do banheiro e acabo de arrumar minha bolsa. Por fim, pego o pingente de aprendiz da mesa de cabeceira e o enrolo no meu pescoço. O Conselheiro Merrydale me presenteou no primeiro dia em que entrei na Guilda para começar meu treinamento no verão com Ryn. É plano e de forma oval, feito de prata, com uma pedra clara no meio. Eu o giro e escovo o meu polegar através do nome gravado na parte de trás: Calla Larkewood. Este pingente é o meu passe de segurança para a Guilda. Ele também carrega o feitiço que me deu acesso ao meu próprio esconderijo de armas invisíveis dos guardiões. Tem encantos protetores que tornam mais difícil para que eu seja influenciada pela magia negra e ajuda a curar quando estou ferida. Quando o Conselheiro Merrydale me deu, ele explicou que um dia, quando eu me formar, o pingente será substituído pelas marcas nos meus pulsos. Os encantos de proteção serão transferidos para essas marcas.

— Cal, vamos — Ryn grita do andar de baixo.

— Estou indo! — Eu solto o pendente contra meu peito, depois pego minha bolsa da cama. Depois de arremessar a alça sobre meu ombro, corro para o andar de baixo.

— Oh, uau — Vi diz enquanto ela caminha da cozinha para a sala de estar com os olhos colados no âmbar de Ryn. — São os resultados das provas da Calla do quarto ano? Eles são um...

— Eeeee eu vou pegar isso — diz Ryn, passando habilmente o âmbar das mãos dela para as deles quando ele passa por ela. — Confidencial, lembra? — Ele beija sua bochecha antes de empurrar o âmbar no bolso, então pega uma caneca da mesa de café e toma o seu conteúdo.

— Por que tudo interessante tem que ser confidencial? — Exijo, pulando os dois últimos degraus.

— E desde quando você segue as regras, Ryn? — Vi pergunta com um sorriso provocante.

Ryn suspira, olha para mim e pergunta — Você pegou tudo?

— Eu acho que sim. Cadernos para escrever, aquele livro que Vi disse que foi realmente útil, roupas para treinamento, lanches para a hora do almoço, aquela carta que você me deu do Chefe Examinador e meu...

— Então, basicamente, você está completamente superpreparada.

— Ryn!

— Ryn, isso não é útil — diz Vi enquanto atravessa a sala para a entrada. — Você sabe o quanto ela está nervosa pelo o seu primeiro dia.

— Claro que eu sei. Eu posso sentir isso. Ela está sendo ridícula afinal, já que ela não tem nada com o que se preocupar.

Com um gemido, empurro meu irmão insensível e me dirijo para a entrada. — Você vem conosco, Vi? — Por favor, por favor, diga que sim. Preciso de alguém que realmente saiba o quanto esse dia é importante para mim.

— Desculpe-me, não posso. — Vi me dá uma expressão de desculpa quando remove um cinto de armas do armário da entrada. — Eu preciso estar no Subterrâneo em quinze minutos para ministrar um workshop para novos instrutores. Além disso, se você quer fazer uma boa primeira impressão hoje, entrar na Guilda comigo ao seu lado não vai ajudar. Você sabe como eles se sentem em relação a mim.

— Não seja boba. — Ryn passa por nós e ergue a stylus na parede da entrada. — Eles te amam.

— Certo. — Vi prende o cinto de armas ao redor da cintura com um som alto. — Eles usam as palavras “traidora da Guilda” para todos que eles amam?

— Bem, não, mas você é casada com o membro mais novo e mais sexy do Conselho, então eles realmente não podem te odiar, podem?

— Fantástico — eu digo, agarrando o braço de Ryn e encarando o portal que ele abriu. — Agora que eu tive que ouvir meu irmão se chamar de sexy, podemos ir?

— Podemos. — Ele sopra um beijo para Vi e diz — Tenha um bom dia, minha sexy traidora da Guilda.

Balançando a cabeça, eu arrasto Ryn para a escuridão dos caminhos das fadas.

— Então — ele diz — te chamar de ridícula não ajudou a se acalmar?

— Não.

— Eu sinto muito. Eu estava tentando fazer você ver que não tem nada com o que estar nervosa.

— Shh, estou tentando me concentrar. — Imagino a pequena sala de entrada ao lado do saguão principal da Guilda Creepy Hollow. Saímos e encontramos um guarda ali parado. Ele verifica as marcas nos pulsos de Ryn com a stylus, depois faz o mesmo com o meu pingente quando o levanto. — Obrigado — digo, dando-lhe um amplo sorriso. Continuo entusiasmada toda vez que chego aqui.

O guarda se afasta e nos permite atravessar a porta e a cortina de magia invisível que existe lá. É destinado a detectar magias perigosas, encantamentos estranhos e outras ameaças. No saguão principal, olho para cima e admiro a nuvem turbulenta de encantamentos protetores no teto abobadado enquanto Ryn conduz o caminho pelo chão de mármore. Chegamos à grande escadaria. Um tapete verde esmeralda que nunca parece sujo cobre as escadas. Os corrimãos de madeira são decorados com padrões ondulados entalhados. Eu corro meus dedos sobre os sulcos enquanto nós subimos.

— Então, vamos nos encontrar com o Conselheiro Merrydale, certo? — Pergunto.

— Na verdade, o Conselheiro Chefe Bouchard está aqui. Recebi a mensagem esta manhã.

— Conselheiro Chefe? — Minha ansiedade aumenta. — Tipo, o mandachuva responsável por todos os Conselheiros?

— O único. A base dele é na Guilda francesa, mas ele visita as outras Guildas periodicamente para verificar as coisas. Acho que é a nossa vez hoje.

Eu cerro um punho e o aperto contra meus lábios. Por que, por que ele escolheu hoje? Estou nervosa o suficiente sem precisar encontrar um Conselheiro Chefe assustador.

— Ei, está tudo bem. Não entre em pânico. — Ryn alcança minha mão livre e a aperta. — Confie em mim, não há nada intimidante sobre esse cara. Ele irá apresentá-la ao seu mentor e explicar algumas coisas. É isso aí.

Eu abaixo meu punho ao meu lado e o solto, expirando lentamente. — Tudo bem. Você está certo. Tenho certeza de que não tenho nada com o que me preocupar.

— Claro que estou certo — diz Ryn, me mostrando um sorriso.

Continuamos subindo as escadas até chegar ao andar abrigando os escritórios dos membros do Conselho. — Você tem um escritório aqui? — Pergunto.

Ryn balança a cabeça. — Eles me ofereceram um, mas eu declinei. Uma vez que ainda estou liderando uma equipe de guardiões e ainda não tenho muitas responsabilidades do Conselho, prefiro continuar trabalhando no mesmo nível dos membros da minha equipe. — Ele olha por cima do ombro, depois acrescenta em voz baixa, — É muito chato aqui.

Se o nervosismo não estivesse torcendo meu rosto em uma expressão dolorida, eu provavelmente sorriria. Paramos ao lado do escritório do Conselheiro Merrydale, e Ryn bate enquanto eu solto outra respiração lenta que não faz absolutamente nada para acalmar a ansiedade no meu interior.

— Entre — diz uma voz aguda que definitivamente não pertence ao Conselheiro Merrydale.

— Deixe sua bolsa fora — diz Ryn. Eu deixo a bolsa escorregar para o chão enquanto ele abre a porta. Ele me deixa andar na frente dele. Atrás da grande mesa que eu me acostumei a ver o alegre Conselheiro Merrydale sentado, encontro um homem pequeno com cabelos lisos discutindo com uma mulher que eu vi várias vezes perto do centro de treinamento. O homem é um daqueles infelizes faeries masculinos que a natureza decidiu agradar com uma cor feminina. Olhando para seus olhos cor-de-rosa irritados, lembro-me por um momento de um rato.

Foco, Calla!

A próxima coisa que sei é que vou arruinar tudo projetando uma imagem do Conselheiro Bouchard correndo pelo chão. Algo me diz que não seria capaz de explicar isso sem por meu nome na lista Griffin.

— Então isso é falso? — O Conselheiro Bouchard pergunta à mulher em um inglês acentuado. Ele acena com uma pulseira de bronze decorada com peças de relógio e pedras verdes na frente do rosto antes de bater sobre a mesa. — E você não sabe por quanto tempo o verdadeiro desapareceu?

— Não — diz a mulher. — É uma réplica exata. E o alarme nunca foi...

— E por que estava aqui? Você não conhece o procedimento? Artefatos como este devem ser enviados ao cofre na Corte Seelie.

— Artefatos inofensivos, sim. Mas como já expliquei a você...

— Não. — O Conselheiro Bouchard levanta a mão como se estivesse silenciando uma criança. — Sem mais explicação. Estarei no térreo em dez minutos para me dirigir a todo o departamento.

A mulher arranca a pulseira da mesa e passa por trás de mim, seus lábios pressionados com raiva.

O Conselheiro Bouchard cruza os braços e vira seus olhos cor-de-rosa para mim. Os olhos dele arregalam brevemente quando ele me vê. É uma reação que eu costumava receber. Faeries vinham de todas as cores do arco-íris, mas, como descobri após ter frequentado sete escolas diferentes, dourado não é comum. Na verdade, nunca conheci ninguém com cabelo e olhos da mesma cor que os meus. — E quem é você? — Ele pergunta de uma maneira que me deixa me sentindo como se estivesse desperdiçando o seu tempo simplesmente por estar aqui.

Eu tento responder, mas minha voz fica presa em algum lugar na parte de trás da minha garganta, e tudo o que posso pensar é que nunca mais confiarei em Ryn quando ele me disser que alguém não é intimidante.

— Esta é Calla Larkenwood, senhor — diz Ryn. — Ela é a nova aprendiz começando com o quinto ano esta manhã. Nós deveríamos nos encontrar com o Conselheiro Merrydale, mas recebi uma mensagem dizendo que eu deveria trazê-la para você, já que está aqui hoje.

— Oh, sim, sim. Senhorita Larkenwood. — O Conselheiro Bouchard mexe nos papéis na mesa antes de levantar um e franzir a testa. — Treinamento privado. Passou em todos os requisitos estabelecidos pelo Conselho. Excelentes resultados para todos os exames escritos. Alguns problemas com armas dos guardiões. — Ele abaixa a página e olha para mim. — Você sabe que não pode ser uma guardiã se não puder usar as armas.

Eu aperto minhas mãos para impedir que meus dedos se apertem. Limpo minha garganta para garantir que minha voz funcione desta vez. — Sim, senhor, eu sei disso. Mas eu posso usar as armas. — Descobrir como tirar armas invisíveis do ar foi a parte mais difícil do meu treinamento. No começo, eu parava no meio da luta, para então poder me concentrar completamente para imaginar e sentir a arma necessária até que se materializasse na minha mão. Naquela época, é claro, Ryn estava me encarando com uma expressão entediada enquanto dizia algo como, — Eu já te matei três vezes. — Foi preciso muita prática para eu chegar ao ponto de tirar armas do ar para se parecer mais como instinto do que esforço. Na verdade, ainda não estou inteiramente certa de estar lá ainda.

— Você pode usá-las? — O Conselheiro Bouchard disse. — Oh, bom. Por favor, mostre-me uma espada.

— Eu...eu devo...Você quer ver uma espada?

— Sim. Apresse-se, não tenho o dia todo.

Minha mão direita se contrai, mas não consigo imaginar a espada. Tudo o que posso ver são aqueles olhos de rato pouco impacientes e aborrecidos sobre mim. Rotulando-me como não boa o suficiente. Uma falha.

Vamos, Calla. Veja a espada. Sinta a espada. Faça...

Ryn me puxa contra o seu peito, envolve um braço em volta de mim e me coloca uma faca no meu pescoço. Saindo do meu estado congelado, eu arremesso a mão e a golpeio no ar como se estivesse com uma espada. No meio do movimento - e para o meu grande alívio - aparece na minha mão uma espada que brilha como mil estrelas soldadas. Ryn se afasta rapidamente de mim, e estou com adrenalina percorrendo meu corpo e uma espada brilhante na minha mão. Ela desaparece quando a solto, deixando um traço de brilhos no ar que desaparecem segundos depois.

O Conselheiro Rato-Homem-Bouchard pisca, então diz — Acho que é bom o suficiente. — Ele volta para a página em sua mão. — Sua mentora é Olive Stockland. Tenho certeza de que ela pode resolver as coisas daqui. — Ele acena uma mão, nos enxotando antes de procurar mais papéis na mesa.

Eu viro e quase corro para a porta. Ryn segue perto de mim e fecha a porta. Pego minha bolsa, fixo-o com um olhar de raiva e sussurro — O que aconteceu com aquele cara não ser intimidante?

Ryn me afasta do escritório e do corredor. — O que aconteceu com você conseguir usar as armas?

— Eu posso usá-las. Às vezes, eu só preciso de algum incentivo.

— Como uma faca no pescoço?

A minha alça da bolsa desliza e eu a puxo de volta ao meu ombro. — Sim — eu digo com um suspiro. — Eu acho que eu congelo ou algo assim. Ele estava olhando para mim com aqueles pequenos olhos cor-de-rosa estranhos, e eu não conseguia me concentrar o suficiente nas armas. Então, obrigado por chutar meu cérebro a entrar em ação.

— De nada. — Nós voltamos para baixo pelas escadas. — E sinto muito pelo Conselheiro Bouchard — acrescenta Ryn. — Ele geralmente é bastante manso, mas alguma coisa obviamente o fez perder seu temperamento hoje.

— Bem, espero que minha nova mentora tenha mais paciência do que o Conselheiro Chefe.

— Hum. — Ryn me dirige pelo corredor do segundo andar. — Não tenho certeza de que “paciente” é a palavra que eu usaria para descrever Olive Stockland.

— Oh, ótimo. — Este dia continua melhorando.

— Ei, pare de estressar sobre tudo. Tenho certeza de que vocês duas acabarão como melhores amigas.

Eu soco o braço de Ryn. — Eu gostaria de lembrá-lo de que não tenho melhores amigos.

— Então aqui está sua chance de fazer um. — Ryn para e espalha um braço para a porta fechada na frente dele. — Boa sorte, irmãzinha. Vejo você mais tarde.

Meu estômago se aperta. — Você está me deixando?

— Estou. — Ele me dá um breve abraço. — Hora de fazer as coisas sozinha.


Capítulo 5

 

Depois de limpar minha garganta e puxar meus ombros para trás, eu bato na porta de Olive Stockland. Ryn está certo. Ele me colocou na Guilda, ele passou todo o verão me treinando, ele me questionou antes de cada prova, e me salvou de fazer papel de idiota na frente do Conselheiro Chefe. Então agora é hora de crescer e fazer o resto disso sozinha. É hora de provar que tenho tanto direito de estar aqui como todas os faeries que passaram os últimos quatro anos...

— Entre!

Ok, hora de se concentrar.

Eu coloco minha mão na maçaneta da porta, então hesito quando me atinge: estou prestes a conhecer minha mentora guardiã. Isso realmente está acontecendo! Eu viro a maçaneta e abro a porta.

O escritório de Olive é uma bagunça. A mesa está invisível debaixo de pilhas de páginas de pergaminhos, várias facas, algumas canecas sujas e uma besta quebrada. Sua cadeira está empilhada com caixas, e a cadeira do meu lado da mesa tem um prato de algo que provavelmente era um café da manhã esquecido. No lado direito da sala, uma mulher alta - Olive, presumivelmente - está empilhando livros na prateleira mais alta de um armário que atinge o teto. Ela move a mão direita em um movimento repetitivo, fazendo com que os livros voem um a um da mão esquerda para a prateleira.

Quando ela acaba, dá um passo para trás, afasta os fios do cabelo curto do rosto e olha para mim. — Sim?

Minha mão se aperta em torno da alça da minha bolsa. Eu limpo minha garganta mais uma vez. — Oi. Bom dia. Eu sou a Calla. — Quando ela não faz nada mais do que colocar as mãos nos quadris e piscar para mim, eu acrescento, — Calla Larkenwood. Eu sou a nova aprendiz começando com o quinto ano. Você é... minha mentora?

Olive deixa sair um bufo e me dá um sorriso sombrio. — Maravilha. Como se eu já não tivesse o suficiente para fazer, agora vou ser mentora de outro aprendiz. E, para piorar as coisas, é uma aprendiz que pensa que pode pular quatro anos de trabalho duro e começar no final.

— Eu... — Paro com a minha boca parcialmente aberta, atordoada por sua hostilidade imediata.

— Sim? — Ela diz. — Você tem alguma coisa a dizer, ou essa expressão vaga é algo com a qual eu devo me acostumar?

Fico com a boca fechada e giro meu olhar humilhado para o chão. Por que, por que, por que o Conselho teve que me dar uma mentora que pensa que eu não deveria estar aqui? Ou todos os mentores se sentem dessa maneira sobre a nova aprendiz que “acha que pode pular quatro anos de trabalho duro”? Uma dor atrás dos meus olhos me avisa que as lágrimas estão a caminho. Eu pisco várias vezes até estar certa de que as lágrimas não irão aparecer. Tive muita prática neste departamento. Eu já lidei com pessoas assim antes. E, embora não seja ideal ter uma mentora que pensa que não sou mais que um desperdício de seu tempo, eu posso fazer isso funcionar se precisar. É o que fiz em todas as outras escolas.

Eu coloco minha bolsa no chão e atravesso a sala. Depois de retirar o prato de comida congelada e equilibrá-lo em cima de uma pilha de papel de pergaminho, sento na cadeira. — Não importa se você não gosta de mim — eu digo a ela. — Estou acostumada com pessoas que não gostam de mim, ou me evitam a todo custo, ou olham para mim como se eu tivesse sangue Unseelie perigoso correndo nas minhas veias. Não altera o fato de que já provei ao Conselho que pertenço aqui, e isso não altera o fato de que eu vou me tornar uma guardiã.

Ela pisca de novo, mas se recupera rapidamente. — Bem, eu não sei porque você está sentada aqui então. Sua primeira aula começou há dois minutos.

— O quê? — Eu levanto depressa, esquecendo que eu deveria estar retratando um ar de compostura.

— Oh, desculpe, você é muito superior e poderosa para se preocupar em ler seu cronograma?

— Eu não tenho um cronograma. Você não deveria me dar?

Seu olhar fica mais frio. — Eu tenho pessoas o suficiente me dizendo como fazer o meu trabalho sem Senhorita Superior-e-Poderosa se metendo no assunto. — Ela abre uma gaveta no outro lado da mesa, mexe dentro e pega um pergaminho. — Aqui. — Ela passa por mim, empurrando o pergaminho para dentro das minhas mãos enquanto vai embora. — Cronograma, instruções do armário, código de conduta, regras e outras coisas que eu não tenho tempo para explicar. Siga-me.

Eu giro para encontrá-la saindo do escritório. Eu pego minha bolsa e corro atrás dela.

— A primeira parte do quinto ano consiste em lições, treinamento físico e tarefas — ela continua enquanto caminhamos pelo corredor em um ritmo acelerado. — Algumas tarefas são escritas, mas a maioria é no campo. Inicialmente, eu observarei algumas dessas tarefas, mas em breve você estará fazendo sozinha. Para ambos os tipos, você reportará para mim antes e depois. Alguma pergunta?

— Uh...

— Bom — ela diz quando alcançamos as escadas. — Em alguns meses, as aulas acabarão, e você passará todo o seu tempo no treinamento físico, nas tarefas individuais e na tarefa escrita ocasional. Todo tipo de tarefa ganha pontos. Os pontos vão para a sua classificação. Os rankings são exibidos em um quadro de avisos no centro de treinamento, mas todos os rankings serão removidos vários meses antes do final do ano, pois os rankings finais permanecerão confidenciais até a formatura.

— Os pontos são transferidos logo que...

— Essa é a entrada que você pegará todos os dias. — Ela aponta o saguão da sala de entrada protegida quando chegamos no final da escada. — É a única parte desta Guilda acessível a partir dos caminhos das fadas. Certifique-se de usar seu pingente de aprendiz todos os dias. Você não poderá entrar sem ele.

Várias perguntas vêm a minha mente, mas estou quase certa de que Olive vai me ignorar se eu tentar fazê-las.

— A sala de jantar é aqui, — diz ela quando chegamos ao outro lado do foyer e entramos no corredor familiar. — Você pode comer todas as suas refeições lá, a não ser que, claro, a comida da Guilda não seja boa o suficiente para você.

— É...

— Mais à direita é o centro de treinamento, que eu sinceramente espero que você esteja familiarizada agora. No final do corredor estão os armários de aprendiz, e aqui à esquerda — ela para ao lado de um portal que está entreaberta — nós temos as salas de aulas.

Adrenalina dispara através de mim quando ouço vozes do outro lado da porta. Aprendizes estão lá. Minha turma. Meus colegas do quinto ano. Pessoas que já são amigas há anos. Pessoas que, como Olive, podem não me querer aqui.

— Agora. — Olive cruza os braços e olha para mim. — Eu sei que o único motivo pelo qual você está aqui é porque o seu irmão foi um doce convencendo o Conselho para que você fizesse algum tipo de audição elaborada em um mês. E eu...

— Não foi uma audição — protesto enquanto a indignação aumenta dentro de mim. — Houve provas e tarefas, e eu passei em todas...

— E eu não gosto de pessoas que pensam que são melhores que as regras que todos nós trabalhamos tão duro para formular — ela continua.

— Mas eu não quebrei nenhuma...

— Eu também não gosto de ser interrompida.

Eu abro minha boca para apontar que ela está interrompendo tanto quanto eu, mas decido não fazer. Prefiro não tornar esta conversa pior do que já está.

— Mas você está aqui agora — diz ela, — e não há muito o que posso fazer para mudar isso. Então eu só tenho mais uma coisa a te dizer. — Ela se aproxima mais. — Não me envergonhe. — Depois de uma pausa ameaçadora, ela se endireita e se afasta.

Eu olho para a porta na minha frente, frustração dando lugar ao medo. Perguntas assaltam minha mente quando eu levanto minha mão para na porta. Os aprendizes dentro desta sala já me conhecem? Não só que eu estou me juntando a eles, mas eles sabem quem eu sou? Eles ouviram as histórias? Os rumores? Eles sabem sobre os incidentes?

Eu me digo que não importa o que esses aprendizes tenham ou não ouvido. Eu me concentro em minha fortaleza mental, certificando-me de que cada pensamento esteja firmemente trancado dentro de seus muros imaginários. Então eu abro a porta - e os olhos de cerca de vinte aprendizes caem sobre mim. Estou muito nervosa para olhar diretamente para qualquer um deles. Tudo o que encontro é um mar de cores - azul, roxo, vermelho, verde claro e uma dúzia de outras - e o silêncio repentino enche a sala.

— Ah, aqui está ela — diz o homem de pé na frente da sala. — Esta é Calla Larkenwood. Bem-vinda, Calla. — Ele me dá um sorriso que parece ser muito mais genuíno do que o que Olive me deu. — Eu sou Irwin, e estes são os aprendizes do quinto ano. Já mencionei que você vai se juntar a nós, e eles estão ansiosos para incluí-la em seu grupo. — Ele dá à turma um olhar aguçado, o que claramente significa que ninguém nesta sala está animado para me incluir em coisa alguma.

— Hum, obrigada — eu murmuro. Eu vejo uma mesa vazia e me dirijo para ela diretamente, mantendo os olhos baixos. Eu escorrego na cadeira e deixo meu cabelo cair sobre meus ombros, protegendo meu rosto dos olhares que eu não tenho dúvidas que ainda estão apontados para mim.

— De qualquer forma, como eu estava falando antes você de entrar, Calla — continua Irwin, — estamos começando o ano, dando um olhar mais detalhado sobre a história da Guilda logo após a queda de Lorde Draven. — Eu ouço vários gemidos em torno da sala de aula. Irwin não parece impressionado. — Fala sério, pessoal, esta é a sua história. Sua história. — Ele aponta um dedo para uma garota na primeira fila. — E a sua. E a sua. — Mais dedo apontando. — Vocês viveram isso. Alguns de seus pais ajudaram a moldá-la. E quando vocês estiverem trabalhando para a Guilda um dia, precisarão entender exatamente como foi para reestruturar nosso governo e nossas leis, quais medidas foram implementadas para evitar outra queda, quais políticas e regulamentos foram alterados, como a Comissão trabalhou, por que a Lista Griffin surgiu depois que descobrimos onde todos os Dotados obtiveram suas habilidades, porque as petições de guardiões reptilianos não tiveram sucesso...

— Nós já não sabemos de tudo isso? — um cara da segunda fila pergunta, interrompendo a longa lista de Irwin. Não posso deixar de concordar com ele. Definitivamente, me lembro de uma pergunta na minha prova na semana passada sobre as petições de guardiões reptilianas.

— Sim, tudo foi mencionado antes, mas nós estamos entrando em mais detalhes sobre tudo. Então. — Ele bate palmas. — Página dezessete, por favor.

O som de páginas farfalhando enche o ar. Eu olho em volta e percebo pela primeira vez que quase todos os outros têm um livro na frente deles. É um livro que decidi não trazer hoje, porque Ryn me assegurou que ninguém começava as aulas no primeiro dia. Eu acho que ele estava tão errado sobre isso como estava sobre o Conselheiro Bouchard.

Estou prestes a engolir meu constrangimento e levantar a mão quando um livro aparece na mesa vazia unida à minha e uma garota desliza na cadeira. — Eu pensei que você poderia querer compartilhar — ela diz, puxando a cadeira e sorrindo para mim. Seus olhos vermelhos são um pouco assustadores, mas seu sorriso é bastante amigável.

Alívio corre através de mim, junto com a percepção de que nem todos nesta sala de aula sentem o mesmo que a Olive. — Obrigada — eu sussurro enquanto Irwin começa a ler o texto do livro.

— Certo. Eu sou Saskia, a propósito.

Ela vira para a página correta, e eu olho o título. Perdão para Aqueles que Cometeram Atrocidades Sob a Influência da Marca. Eu tento me concentrar quando Irwin anda, mas continuo tendo a sensação de que as pessoas estão me observando. Incluindo a pessoa cujo livro eu estou tentando muito me concentrar. Levanto meu olhar. Um sorriso aparece no rosto de Saskia antes que ela volte o olhar rapidamente para o livro. Olho em volta e recebo a mesma reação de vários outros aprendizes. Bem, não o sorriso, mas o rápido afastamento das cabeças.

Concentre-se, Calla. Leia o texto. Escute.

Quando Irwin chega ao final do capítulo que era quatro páginas muito longas, ele faz um debate com réplica e tréplica na sala de aula. Existem opiniões fortes de ambos os lados da divisão. Alguns concordam que ninguém deveria ter sido responsabilizado por ações das quais não tiveram controle durante o reinado do Lorde Draven, enquanto outros acreditam que deveria ter havido alguma forma de castigo para todos os que realizaram suas ordens, mesmo que tivessem sofrido “lavagem cerebral” naquela época. Eu escuto com atenção, mantenho a cabeça baixa e torço para não ser chamada para participar.

Quando o debate começa a ficar pessoal, com pessoas gritando sobre a culpa e as perturbações emocionais da sua mãe, do seu irmão ou seu vizinho que tem que viver com isso todos os dias — Certamente isso é castigo o suficiente! — Um cara da primeira fileira grita — Irwin acaba. Foi-nos dito que nos apresentássemos no centro de treinamento nas próximas três horas. Depois do almoço, estaremos de volta aqui para outra lição com um mentor diferente.

Conversas aumentam, juntamente com cadeiras sendo arrastadas contra o chão. O livro de Saskia fecha antes de se dirigir para a borda da mesa e cair cuidadosamente em sua bolsa. Eu levanto, sentindo a agitação nervosa na minha barriga novamente. Sobreviver a uma aula foi bastante fácil; agora tenho que sobreviver a três horas no centro de treinamento. Três horas que provavelmente envolvem um combate individual com alguém desta sala que deseja que eu não esteja aqui.

Bem, acho que será como lutar contra um adversário de verdade então.

Saskia ergue-se e levanta sua bolsa da mesa. — Você não é como eu imaginei — ela diz, inclinando a cabeça para o lado e me examinando.

— Oh.

— Eu nunca conheci ninguém com cabelos dourados. — Ela puxa seu próprio cabelo por cima do ombro e o torce mais e mais, os fios vermelhos e castanhos se enroscando. — Suponho que seja, apenas outra coisa que torna você diferente.

Diferente. Sim. Não é algo que eu quero ser. — Hum, obrigada. — Seu olhar inquisidor me deixa desconfortável, mas o sorriso brilhante está de volta ao seu rosto, então acho que eu deveria aproveitar a oportunidade para tentar fazer um amigo. — E obrigada por ter me ajudado com o livro.

— Oh, claro, claro. Qualquer desculpa para sentar ao seu lado. — Ela se inclina mais perto e baixa a voz. — Eu queria ser a primeira a perguntar sobre o menino e a bicicleta.

— O-oque? — Um arrepio lento rasteja na minha espinha. O menino e a bicicleta. Incidente Número Quatro.

— Você sabe — diz ela. — Aquele garoto da escola de curandeiros que de repente começou a andar de bicicleta em padrões frenéticos e estranhos, porque ele estava convencido de que estava andando em um labirinto com uma criatura aterrorizante o perseguindo.

Eu sei. Eu queria não ter feito, mas fiz. — Isso é... não é realmente...

— Minha mãe é uma curandeira, sabe, então ela ouviu falar sobre isso de sua amiga que ensina na escola em que você foi expulsa. Ela disse que sua mãe é uma faerie Unseelie que lhe ensinou magia negra para que você pudesse fazer aquele cara ficar louco como uma punição por provocá-la. Ela disse que eu tenho que ficar longe de você. Eu disse que ela estava sendo ridícula, é claro, e que eu descobriria a verdadeira história de você.

— Eu não tenho magia Unseelie — eu digo automaticamente. — Nem minha mãe.

— Oh, sim, claro que não. Quero dizer, não há nenhuma maneira de que o Conselho da Guilda fosse deixá-la entrar aqui se tivesse. Mas todos sabem que coisas estranhas acontecem ao seu redor. Então eu só quero saber como você faz isso.

Eu olho em volta. Irwin se foi, e apenas alguns retardatários permanecem, juntando suas coisas silenciosamente. Eu resisto ao desejo de colocar meus braços firmemente ao meu redor. — Eu não faço nada — digo a Saskia.

— Fala sério, compartilhe seu segredo. Caso contrário, todos vão pensar que você sabe magia negra.

Eu dou um passo para mais perto dela. — Não tenho segredo — digo com firmeza, — e não sei nenhuma magia negra.

Ela se afasta de mim como se estivesse com medo, mas eu vejo um brilho triunfante em seus olhos carmesins, e tenho a sensação de que esta é a reação que ela estava querendo o tempo todo. — Então é verdade. Você conhece a magia negra Unseelie, e a única razão pela qual o Conselho te deixou entrar aqui é porque o seu irmão agora é um deles, para que ele possa encobrir seus segredos. — Ela dá um passo para trás e ergue a voz para acrescentar — Eu acho que nós devemos ficar longe de você, afinal.


Capítulo 6

Dez minutos mais tarde, depois de me trocar rapidamente para o meu equipamento de treinamento e levar alguns momentos para acalmar a raiva começando a ferver dentro de mim, eu me junto aos meus colegas de turma no vasto salão que serve como centro de treinamento. A maioria deles estavam se movendo para as várias estações em torno do salão – correndo, praticando equilíbrio, barra fixa, lutando com stylus, mas alguns ainda estão de pé na frente do quadro de avisos examinando a programação. Eu me aproximo para poder ler os nomes na lista. Duas garotas se afastam apressadamente de mim, sussurrando uma para outra. Ao invés de gritar que na verdade não sou contagiosa, finjo que não percebi.

Eu localizo meu nome na programação e encontro minhas três horas de treinamento divididas em Escalar, Prática ao Alvo e Aquário (Sozinha). Meu coração acelera ante a visão dessa pequena palavra entre parênteses. Graças a Deus, eu ainda não tenho que lutar com nenhum dos meus colegas aprendizes.

— Não posso trocar com alguém? — A voz irritante de Saskia se sobressai sobre o zumbido geral de atividade ao meu redor. Olho para o lado e a vejo falando com uma mulher de pé na porta. — Eu não quero estar ao lado dela — Saskia geme. — Você não sabe o quanto ela é perigosa?

Não é preciso de uma grande dose de inteligência para descobrir de quem Saskia está falando. Eu aperto meus punhos e me dirijo para o outro lado do salão. A área de escalar é composta de árvores, cordas, uma rede de carga e vários tipos de paredes. A rede de carga é a mais difícil. Eu tive que correr com Ryn para cima e para baixo quase todos os dias durante meu treinamento no verão, e eu nunca consegui vencê-lo.

Eu escolho um ponto na esteira larga na frente da parede de pedra, sento e alcanço a pulseira no meu braço. Preso a corrente está uma miçanga oca usada para armazenar itens que são encolhidos. Eu retiro a miçanga e a seguro na palma da minha mão enquanto digo as palavras para aumentá-la. Quando atinge o seu tamanho máximo, eu a torço para abrir. Pego minhas luvas de escalar sem dedos e as coloco antes de encolher a miçanga gigante e devolvê-la para o seu lugar no meu pulso. Então eu passo alguns minutos me alongando. Eu estou prestes a pular e começar a escalar a parede de pedra quando uma garota de cabelos pretos se senta ao meu lado.

— Oi — ela diz. — Eu sou Gemma.

Eu a observo cautelosamente. Ela parece amigável, mas Saskia também parecia antes de começar a me acusar de magia negra. — Olha — digo com um suspiro, — se você está aqui para perguntar sobre minha mãe Unseelie ou se eu posso ensinar como deixar seu ex-namorado louco, você está perdendo seu tempo.

Os olhos dela arregalam ligeiramente. — Oh, você quer dizer como Saskia? — Ela revira os olhos. — Não se preocupe. Não acredito nisso. Saskia realmente não acredita em nenhuma das bobagens que ela fala. Ela está apenas incomodada que o Conselho deixou você se juntar a nós. Seu primo queria se juntar à Guilda quando tinha quinze anos, e eles não o deixaram entrar. Mas isso foi porque ele não passou em nenhum dos testes para entrar que lhe deram, então faz todo o sentido. Você obviamente passou, então é por isso que você está aqui. — Gemma estica suas pernas na frente dela e alcança seus dedos dos pés.

Ainda incerta de onde eu estou com essa garota, eu digo — E você não acha que eu deveria ter começado do começo? No primeiro ano?

— Bem, você treinou em particular, não é? — Ela se estica, então se inclina para um lado e estica o braço oposto sobre sua cabeça. — E você passou em todas as provas que o Conselho lhe deu durante as férias de verão, certo?

Concordo com a cabeça lentamente quando a suspeita tece o seu caminho através da minha mente.

— Sim, então você não é muito diferente do resto de nós.

Eu cruzo meus braços. — Como você sabe sobre o treinamento particular e as provas?

— Oh, minha mãe está no departamento de administração aqui. — Gemma rola seus ombros algumas vezes. — Não é o trabalho mais exótico, mas ela sabe mais sobre o que está acontecendo do que a maioria dos...

— Eeeei, senhoritas. — Um cara alto percorre uma seção brilhante do chão de madeira e cai na esteira ao lado de Gemma, quase a derrubando. — Então — ele diz, radiante para mim. — Você é a garota nova. Aquela que faz coisas estranhas acontecerem com as pessoas. Eu estava — Ow! — Ele exclama quando Gemma bate em sua cabeça. — O quê?

— Não seja desagradável.

— Eu só estava brincando. Você sabe, aliviando o clima.

Gemma balança a cabeça. — Este idiota verde aqui é Perry. E este azul — ela diz, quando um menino pequeno e mais forte se senta no outro lado — é Ned. — Ned me dá um sorriso tímido, que eu retorno hesitante.

— Hum, eu pensei que fosse rude se referir às pessoas por sua cor — eu digo.

Gemma encolhe os ombros. — Nós somos amigos. Não nos importamos.

— Então, Calla — Perry diz. — Conte-nos sobre você. — Os três olham fixamente enquanto eu piscava sem jeito para eles.

— Isso é estranho. Eu meio que sinto que estou em uma entrevista.

— Você está — Perry me diz. — Estamos entrevistando você para o cargo de Amiga.

— Amiga? Sério? — É um bom pensamento, mas depois da minha experiência com Saskia, não posso deixar de me perguntar se Perry, Gemma e Ned têm outra ideia. — Eu pensei que deveríamos estar treinando agora.

— Não, não se preocupe com isso. — Perry recosta-se para trás sobre suas mãos. — Ninguém se preocupa com qualquer coisa até pelo menos a segunda sessão. Bem, exceto os superdotados.

— Além disso, o Conselheiro Chefe está visitando hoje — acrescenta Gemma, — então ninguém está prestando atenção em nós. Todos estão correndo ao redor do resto da Guilda tentando manter as aparências...

— Um pouco difícil quando um item valioso acaba de ser roubado do andar dos artefatos, você não diria? — Perry interrompe, os olhos arregalados e as sobrancelhas arqueando.

— Ei. — Gemma cutuca seu braço. — Você não deveria saber sobre isso.

— Você não deveria saber sobre isso — Perry diz, — mas sua mãe diz tudo a você...

— Você preferiria que eu não passasse todas as informações interessantes que eu...

— Pessoal — Ned diz.

— Certo, desculpe. — Perry volta o seu olhar para mim. — Nós tendemos a divagar, às vezes.

— O que é o tempo todo — murmura Ned.

— Vocês querem saber? — Eu digo a eles, me levantando. — Provavelmente não me importo com a categoria superdotada, mas eu sinto que preciso provar que eu pertenço aqui, então... vou ir em frente e escalar esta parede. — Eu me afasto deles antes que eles possam dizer mais alguma coisa. Eu sei que estou sendo grosseira, mas já posso prever como isso vai acabar. Existem apenas duas opções. Ou essas pessoas estão sendo amigáveis porque querem algo, ou estão sendo amigáveis porque, bem, são pessoas genuinamente amigáveis. E se for esse o caso, vai machucar muito mais quando decidirem que não valho a pena depois de tudo.

Eu paro no pé da parede pedra. Pintando ao longo da parte de baixo da parede estão dez pequenos relógios. Ninguém mais está escalando aqui, então eu escolho um no meio. Eu toco no relógio, os segundos pintados à mão começam a se mover, e eu começo a escalar. Eu me movo o mais rápido que posso, alcançando mão atrás de mão, nunca diminuindo para parar, nunca permitindo que meus dedos escorreguem. Eu bato no teto com a mão, então começo a descer sem parar por um momento. Eu sinto o caminho com os meus dedos dos pés. Para baixo e para baixo e para baixo, até que finalmente alcanço o chão. Eu toco no relógio, então dou um passo para trás quando números negros esfumaçados flutuam no ar.

Maldição. Não é o meu melhor tempo. Eu certamente posso fazer melhor.

Olho brevemente sobre meu ombro para ver se Gemma, Perry e Ned ainda estão sentados no tapete, mas eles foram embora. É um alívio saber que ninguém está me observando.

Eu escalo a parede de pedra mais algumas vezes, depois a árvore mais alta, e depois vou para a rede de carga. Eu navego nos quadrados das cordas atadas tão rápido quanto eu posso, mas os números negros esfumaçados que saem do relógio pintado quando acabo diz que estou longe do tempo de Ryn.

Para a minha segunda sessão, eu não estou sozinha. Eu tenho Saskia à minha esquerda e um cara na minha direita. Saskia está arremessando facas - e fazendo um excelente trabalho - enquanto o cara pratica com arco e flecha. Ambos estão usando suas armas de guardião, o que significa que eu provavelmente deveria fazer o mesmo. Eu rolo meus ombros, fingindo relaxar enquanto me concentro na shuriken que faz parte da minha coleção invisível de armas.

Vamos lá. Veja, sinta, puxe para o ar.

Finalmente, depois de muitas instruções internas, eu agarro o ar e encontro uma shuriken entre meu polegar e indicador. Eu puxo meu braço para trás, alinho o meu cotovelo, depois arremesso a minha mão rapidamente. A estrela atinge o alvo quase exatamente no meio. Eu me permito um sorriso rápido. Há uma razão pela qual pratiquei com essa arma em particular mais do que qualquer outra coisa: sempre foi a minha favorita.

Uma vez que consigo, é fácil continuar apertando o ar e encontrando uma shuriken sobre o meu aperto. O alvo está encantado de modo que segundos depois que uma arma o atinge, a arma desaparece. Isso torna uma sessão de prática ininterrupta.

Quando a hora acaba, eu me dirijo para o Aquário, me sentindo satisfeita comigo mesma. Além das shurikens, pratiquei com várias outras facas da minha coleção de guardiã, e fiz um bom trabalho. Não tão excelente quanto Saskia - eu acompanhei seu desempenho pelo canto do meu olho - mas bom o suficiente para mostrar a qualquer um que possa estar observando que eu sei o que estou fazendo. Espero que todos os rumores de que eu não pertenço aqui morram em breve.

Eu ando ao redor da borda da órbita gigante conhecida como Aquário, esperando que a designer da configuração me diga que eu posso entrar. Ela está de pé em uma plataforma acima da orbita com um âmbar tablet em uma mão. Ela faz algumas anotações no tablet com a stylus, depois chama — Próxima aprendiz, sua vez.

Eu dou um passo à frente e atravesso o meu caminho através dos finos tentáculos brancos, me perguntando o que vou encontrar dentro da órbita hoje. Eu aproveitei a maioria das minhas experiências no Aquário. Algumas eram sozinhas como essa, enquanto em outras, eu tinha que lutar contra um oponente. Eu fui perseguida através de uma selva por criaturas sem nome, eu lutei com Ryn em um navio no meio de um mar tempestuoso, saí em um vulcão em erupção com lava fluindo e passei por uma floresta de videiras enquanto lutava contra um ataque de hipopótamo. Tudo sem armas ou magia. Essa é a regra do Aquário.

O vapor ao meu redor desaparece, e meus ouvidos são agredidos pelo choque de tijolos e concreto contra o asfalto e o ruído da terra quando tremores correm por ela. O chão estremece, me fazendo perder o equilíbrio. Eu seguro em um poste antes de cair, meus olhos lançando enquanto observo meus arredores. Estou em uma rua de uma cidade cercada por edifícios altos em ruínas. Carros esmagados e pedaços gigantes de escombros entulham a estrada. Ouço um grito. À distância, uma pequena garota está no meio da estrada.

Tenho que ir até ela.

Eu me afasto do poste e pulo sobre o carro mais próximo. Uma sombra passa sobre mim, e pulo para outro carro, quando um pedaço de um prédio esmaga o lugar em que eu estava me equilibrando. Eu escalo sobre e ao redor de escombros, evitando itens caindo e lutando para me equilibrar à medida que a terra treme. A garota grita novamente, mas estamos separadas por mais carros e destroços estilhaçados de um letreiro gigante anexado ao lado do edifício não muito longe.

Então eu vejo meu caminho para a menina. Um tubo de concreto. Rachado, mas ainda intacto. Olhando através, a vejo do outro lado. Eu corro, dizendo a mim mesma o quão fácil será rastejar e chegar até ela. Coloco minhas mãos em ambos os lados da abertura e me preparo para me agachar.

Mas não posso. Não posso, não posso, não posso. O pânico aparece quando eu imagino o concreto se fechando sobre mim, me apertando cada vez mais apertado, me imobilizando até que não haja ar, sem luz, sem saída. Minha garganta se contraí. Minha respiração diminui.

Eu dou um passo para trás, me forçando a respirar profundamente para dentro e para fora. Eu andarei pelos fragmentos mortais dos letreiros dos edifícios quebrados se eu tiver que andar, mas não vou rastejar nesse túnel. Me afasto. O chão estremece mais uma vez. Uma linha irregular corre em minha direção, dividindo a estrada pela metade. Eu pulo para fora do caminho e aterrisso contra a lateral de um carro. O tubo de concreto rola para um lado e o letreiro desliza para o outro. Eu vejo a garota claramente agora, mais adiante e do outro lado do abismo que divide a estrada. Atrás dela, um carro explode em chamas. O chão tremendo continua oscilando, o declive aumenta e o carro em chamas e os escombros ao redor começam a rolar em direção a garota.

Eu corro para o abismo e pulo com todas as minhas forças. Eu preciso tirar a garota do caminho. Eu preciso alcançar o outro lado do abismo. Mas é mais grande do que eu pensava, e em vez de pousar do outro lado, eu me vejo caindo, caindo, caindo. Braços agitados. A escuridão crescendo.

E então tudo acabou. Estou deitada de costas piscando para os fios brancos da superfície do Aquário, meu corpo tremendo e minha respiração vindo em arquejos rápidos. Eu me sento e olho em volta da órbita vazia.

Eu falhei. Primeiro dia como uma verdadeira aprendiz, com quem sabe quantos colegas de classe assistindo, e eu falhei.

Droga.

Eu golpeio meu punho contra o chão antes de me levantar. Aquele tubo de concreto estúpido. Por que isso deveria ser o único caminho para a menina? Por que eu tive que congelar em vez de rastejar com calma por ele? Certamente já tenho idade suficiente para superar esse medo ridículo.

Aparentemente não.

Eu ando em direção à borda da órbita e empurro o meu caminho através da barreira vaporosa. Do outro lado, tento não encontrar o olhar de ninguém. Por que as pessoas estão aqui? Elas não têm treinamento para fazer?

— Você quer ir novamente? — Alguém me chama. Eu olho ao redor e para cima e encontro a designer de configuração olhando para mim com as sobrancelhas levantadas. — Você ainda tem bastante tempo nesta sessão — diz ela.

— Uh, não. — Eu me afasto. — Estou me sentindo um pouco tonta. Eu vou apenas... Sentar. — Eu viro e quase esbarro em Saskia.

— Uau, isso foi impressionante — diz ela quando eu paro. — Você durou, o que, dois minutos?

— Pare de ser uma troll, Saskia — diz Gemma, caminhando até nós com os braços cruzados sobre o peito.

— Ei, eu apenas estou informando os fatos. Senhorita Nepotismo quer que acreditemos que ela pode ser guardiã, mas ela não consegue fazer uma experiência individual no Aquário.

— Senhorita Nepotismo? — Eu exijo. Estou tão frustrada sem precisar que essa garota implique que a única razão pela qual estou aqui é porque meu irmão está no Conselho.

— Sim, você sabe, isso significa...

— Eu sei o que significa — eu retruco. — E eu quero que você saiba que o Conselho - antes que meu irmão fosse convidado a ser membro - apresentou uma longa lista de requisitos para mim, e eu passei em todos. Então, eu tenho tanto direito de estar aqui quanto você.

— Não é o mesmo — ela diz mal-humorada.

— Tudo bem. — Eu cerro meus dentes para manter a calma junto com as imagens de mim chutando Saskia através de toda a sala. Não deixe ninguém ver isso. NÃO deixe ninguém ver isso. Depois de me certificar de que as imagens perturbadoras não estavam prestes a ser transmitidas pelo centro de treinamento, pergunto — O que exatamente vai fazer você aceitar que eu pertenço aqui?

Ela franze os lábios e bate no seu queixo. — Bem, há a iniciação pela qual o resto de nós passou.

Gemma joga as mãos para cima. — Isso é tão estúpido. Ela não precisa fazer isso.

— Fique fora disso, garota administrativa — Saskia diz, enviando um olhar venenoso na direção de Gemma.

Gemma se vira para mim, balançando a cabeça lentamente, provavelmente tentando comunicar que eu não tenho que fazer isso. Mas se não é nada mais do que uma iniciação tola do primeiro ano, então não pode ser tão difícil. E se todos os outros fizeram, eu também quero fazer. Eu mordo o lábio, depois digo a Saskia, — Me fale mais sobre essa iniciação.

Gemma geme e vai embora quando um sorriso lento se arrasta nos lábios de Saskia. — Venha às antigas ruínas da Guilda amanhã à noite às nove. — Ela se inclina para mais perto. — Se você acha que pode lidar com isso.


Capítulo 7

Falta dezesseis minutos para às nove na noite seguinte, quando mamãe bate na porta do meu quarto e pergunta se pode entrar. Um aceno rápido para o meu guarda-roupa traz meu robe navegando pelo ar. Eu coloco o tecido azul rapidamente sobre minhas roupas antes de abrir a porta. Eu dou a minha mãe um sorriso sonolento.

— Tudo guardado? — Ela pergunta.

— Sim, acho que sim. — Eu trouxe minhas coisas de volta para casa ontem à tarde, depois que Olive me dispensou com um irritado — Eu pensei ter dito para você não me envergonhar. Saia da minha frente agora. — Eu demorei ontem à noite e esta tarde, desempacotando meus pertences. Este lugar não parecia como uma casa, no entanto. É mais quente e mais chique do que a nossa casa em Woodsinger Grove, que é a única casa que já conheci. Graças à mamãe e à sua paranoia, nunca mais viveremos lá.

— Bem, é bom ter você de volta — mamãe diz com um sorriso. Ela vagueia além de mim e passa a mão sobre os lápis na minha mesa. — Como foram seus primeiros dois dias? Você não disse muito até agora.

— Oh, você sabe, estou cansada com toda as tarefas. — Eu puxo a colcha da cama e subo na cama. — Mas foi bom. Ótimo finalmente estar lá como uma aprendiz de verdade. — Eu não digo a ela sobre minhas decepções: mentora desinteressada, colegas de classe hostis e a experiência fracassada no Aquário.

— E...você se sente segura lá?

— Claro. Provavelmente é o lugar mais seguro para estar fora a Corte Seelie. — Após a destruição e o reinado de Lorde Draven, o novo Conselho da Guilda assegurou que ninguém jamais quebrasse novamente a proteção mágica da Guilda.

— Isso é bom — diz mamãe, encostada na minha cadeira de mesa. — Você pode não estar segura aqui em casa, mas pelo menos a maior parte do seu tempo será gasto na Guilda agora.

Eu não saliento que muito do meu tempo será gasto fora da Guilda em tarefas. Em vez disso, eu digo — Estamos bem aqui, mãe. Depois de todos os encantos protetores que o papai conseguiu colocar neste lugar, provavelmente é tão seguro quanto a Guilda.

— Sim, bem, espero que sim. Ele certamente pagou muito por alguns desses encantos. — O olhar atordoado com o qual me familiarizei ao longo dos anos cruza o rosto da mamãe antes que ela balance a cabeça e se afaste. Ela gira em um círculo completo, depois puxa a cadeira e senta.

Às vezes, eu me pergunto se minha mãe é um pouco louca.

— Eu provavelmente deveria ir dormir — eu digo, acrescentando um bocejo por precaução. — Eu preciso acordar cedo. Parece que a maioria dos aprendizes tomam o café da manhã na Guilda, então eu estava planejando me juntar a eles se... você não se importar?

Mamãe concorda enquanto levanta. Ela enfia uma mecha de cabelo amarelo claro atrás da orelha. — Tudo bem. — Eu posso imaginar o que ela está pensando. Que eu vou estar mais segura comendo café da manhã na Guilda do que comendo o café da manhã em casa, ou algo bobo assim.

Ela beija minha testa - o que me faz me sentir muito mais jovem do que eu sou - e sai. A porta range atrás dela. Descanso minha cabeça em um travesseiro e ouço seus passos enquanto ela desce as escadas. Quando não posso mais ouvi-la, eu me sento. O relógio encantado pendurado acima da minha mesa me diz que eu tenho nove minutos até precisar estar nas antigas ruínas da Guilda. Eu pintei o relógio enquanto eu estava na Academia Ellinhart. É uma mixórdia abstrata de números, mas comprei um encanto que sobrepõe o tempo em brilhantes dígitos de ouro sobre a pintura.

Eu tiro o meu robe para revelar calça e camiseta escura. Se fosse uma tarefa, eu cobriria meus braços pálidos, mas está muito quente está noite para me incomodar com isso. Eu calço as minhas botas, que se amarram enquanto eu pego meu pingente de aprendiz ao lado da minha cama. As botas não estão ajudando com o calor, é claro, mas não me sinto guardiã o suficiente sem elas. Eu devolvo o meu robe para a seção colorida do meu guarda roupa – uma seção que eu não vou usar mais – e verifico se minha porta está corretamente fechada. Então abro um portal para os caminhos das fadas na parede ao lado.

Eu imagino as ruínas cheias de mato da velha Guilda Creepy Hollow. Ela existiu por muitos séculos antes que Lorde Draven a destruísse há uma década. Era uma estrutura enorme, escondida por magia de glamour excepcionalmente poderosa. A magia de Draven acabou por ser mais poderosa. Quando a Guilda explodiu a partir da única árvore que estava escondida dentro, demoliu uma grande parte da floresta. Eu nunca a vi na época, mas treinei na área recentemente com Ryn, e Zed me levou lá algumas vezes durante nossos anos de treinamento particular. A floresta tem crescido dentro e ao redor das ruínas, reivindicando a área como sua. As árvores avançaram, o musgo grudou nas pedras, e as vinhas se arrastaram sobre pilares caídos e madeira quebrada.

Eu saio dos caminhos das fadas e entro nas ruínas. As copas das árvores frondosas filtram a maior parte da luz da lua, mas os insetos brilhantes e os sprites com lanternas minúsculas sempre ficam por aqui, e uma das variedades de plantas rasteiras brilha de noite, iluminando ainda mais a área. Eu subo e entre obstáculos quebrados e desmoronando, procuro por Saskia. Parte de mim pergunta se ela me atraiu aqui para eu encontrar uma criatura selvagem e perigosa em vez dela, mas então eu ouço sua voz.

Olho em volta e a encontro apoiada contra uma estátua de pedra de um pégaso caído. A criatura majestosa não tem cabeça e apenas uma asa e está cheia de rachaduras. Ao lado de Saskia está um cara que eu reconheço da nossa turma. — Você veio — Saskia fala para mim. — Eu pensei que você poderia estar com muito medo para aparecer.

— Por que você achou isso? — Pergunto, andando em direção a eles. — Não é como se eu estivesse atrasada.

— Tanto faz. — Ela cruza os braços sobre o peito e fica mais ereta. — Este é o Blaze. Ele que surgiu com a ideia de iniciação em nosso primeiro ano.

— Ei — diz Blaze. — Eu ouvi dizer que você está disposta a fazer o que for preciso para provar que você é uma de nós, em vez de alguma aberração artística.

Eu olho para Saskia. Claramente, ela fez alguma edição ao relatar nossa conversa a Blaze. Ela ergue uma sobrancelha, como se me desafiando a contradizê-la. Eu me lembro de não deixar essa menina e sua mesquinhez me atingir antes de voltar meu olhar para Blaze.

— Todos no seu ano fizeram essa iniciação?

— Sim. Até os nerds magrelos. A iniciação não é permitida pela Guilda, mas isso foi tudo fora do radar, é claro. Nós também possuímos nosso próprio sistema de classificação. Nós emparelhamos as pessoas e as fizemos competir uma contra a outra para completar a tarefa. Isso fez nossas primeiras semanas como aprendizes muito mais divertidas do que teriam sido de outra forma.

— Foi bastante emocionante — diz Saskia, sorrindo com a lembrança.

— Então, o que é essa tarefa?

— Você precisa ir ao Sivvyn Quarter no Subterrâneo recuperar um item - qualquer coisa. Um livro, joias, seja o que for, e trazer para nós em um dos clubes Subterrâneos para provar.

Eu olho de Blaze para Saskia, depois de volta. — Isso parece uma tarefa estúpida.

O sorriso no rosto de Blaze se transforma em um radiante. — Sivvyn Quarter é uma área residencial. É isso que torna um desafio. Você não encontrará algo jogado por lá. Você realmente precisa entrar na casa de alguém e pegar alguma coisa - sem ser pega.

— Então, você quer que eu roube alguma coisa? Isso não é contra a própria essência de quem somos como guardiões? Nós devemos fazer o bem, não o ruim.

Saskia solta um gemido exagerado. — Nossa, Calla. Você leva tudo na vida tão a sério? É apenas um jogo. E você não fica com o item. Você devolve.

— Essa é a segunda parte do desafio — diz Blaze. — Devolver o item sem ser pega.

— E o que me impede de ir para casa, pegar um colar do meu quarto e trazer para você?

Saskia ergue uma tira estreita de couro. — Faixa rastreadora. Sua mentora provavelmente ainda não lhe deu uma, então você estará usando a minha. — Ela se aproxima, envolve a faixa ao redor do meu pulso e fecha.

Eu toco no couro macio. — Eu acho que você tem acesso a um desses dispositivos que monitora as faixas rastreadoras?

— Obviamente — diz Blaze. — Meu mentor nunca tranca seu escritório.

— Então, você está dentro ou fora? — Saskia pergunta. — E lembre-se que “fora” significa que você obviamente não é uma guardiã.

Eu vejo dois sprites de mãos dadas além de nós enquanto considero esse desafio de "iniciação". Roubar alguma coisa do Subterrâneo. A parte de roubar deve ser bastante fácil, além do fato de eu não concordar com isso. É a parte do Subterrâneo com a qual estou preocupada. Eu nunca estive na vasta rede de túneis que corre abaixo de Creepy Hollow, mas posso imaginá-los. Estreitos. Escuros. A Terra fechando ao meu redor. Meu peito se contraí só de pensar.

Eu afasto o meu pânico, dizendo a mim mesma que os túneis não podem ser tão ruins. “Fora” não é uma opção se eu quiser ser aceita pelos meus colegas de turma. E enquanto não preciso de aceitação, deixará meu tempo na Guilda muito mais fácil. Um tempo que pode muito bem durar décadas -séculos- já que eu pretendo ser uma guardiã pelo resto da minha vida. O que significa que eu preciso me dar bem com as pessoas com quem vou passar todos os dias trabalhando.

— Estou dentro.


Capítulo 8

— Ótimo. — Saskia agarra meu braço enquanto Blaze abre um portal para os caminhos das fadas. Antes de ter uma chance de dizer outra palavra, eu me vejo sair da escuridão para um túnel. Felizmente, é muito maior do que o tubo de concreto que enfrentei hoje. Espero sentir a terra sob minhas botas, mas o chão é coberto por pedras grandes e planas, presas. Alguns brilham em amarelo, trazendo uma luz quente para o espaço fechado.

— Sivvyn Quarter é por aqui — diz Saskia, apontando sobre o meu ombro. — Nós iremos por esse lado, para o Clube Deviant.

— Clube Deviant.

— Muito fácil de encontrar. Apenas diga aos caminhos das fadas. Eles vão te deixar perto o suficiente.

— E... que tipo de fae eu provavelmente vou encontrar no Sivvyn Quarter?

— Todos os tipos — diz Blaze enquanto ele coloca um braço casualmente nos ombros de Saskia. — Essa área não pertence a nenhum grupo particular de fae.

— Ah, e lembre-se de não contar a ninguém que você está com a Guilda — acrescenta Saskia. — Você provavelmente vai acabar morta.

Meus olhos arregalam. — Isso é ruim?

— Sim, bem, você sabe o que aconteceu depois que as petições dos reptilianos foram negadas.

Eu sei. Depois que o Conselho tornou oficial que a Guilda nunca ficaria aberta a ninguém além dos faeries, houve uma revolta. Dois guardiões acabaram mortos, junto com cinco reptilianos. — Eu lembro — eu digo com um aceno.

— Então você sabe que reptilianos odeiam os guardiões ainda mais agora do que antes da Destruição.

— Junto com todos os outros tipos de fae — acrescenta Blaze. — Eles pensam que nós os enganamos. Usando-os para derrotar Draven, depois rimos na cara deles quando quiseram se juntar as nossas Guildas e se tornarem guardiões como nós.

— Tudo bem, eu já entendi. Todos odeiam os guardiões. Eu vou ter cuidado. — E se for descoberta de alguma forma, eu mencionarei o nome de Vi. Ela e um punhado de outros guardiões estiveram do lado dos reptilianos desde o início, então espero que eles não a odeiem - ou alguém relacionado a ela.

— Você pode querer trocar suas roupas então — diz Saskia, seus olhos passando por minha roupa. — A menos que você queira ser a única vestindo preto no Clube Deviant. Ninguém nunca adivinharia que você está com a Guilda. — Com um sorriso satisfeito e uma inclinação altiva de seu queixo, ela agarra a mão de Blaze e vira. — Vamos. Vamos pelo menos nos divertir esta noite.

Blaze a puxa contra seu lado e pressiona um forte beijo na sua bochecha quando eles se afastam. Eu ando na direção oposta, tentando ignorar o eco das risadas de Saskia. O túnel não é reto, e toda vez que faz uma curva para esquerda ou para direita, eu me pergunto se vou encontrar alguém no final da curva. Eu não estava muito longe antes de notar um som distante. Não consigo entender o que é em primeiro lugar, mas, à medida que o ruído fica mais alto, decido que deve ser o chocalho de rodas sobre o chão coberto de pedra.

Eu estou certa à medida que o túnel se curva e aumenta, e um carrinho de madeira, seu conteúdo coberto por uma manta, aparece. Ele é empurrado por um elfo alto vestido com calça verde apertada e um colete verde. Ele diminui quando me vê, mas logo recupera sua velocidade. Seus olhos permanecem treinados sobre mim enquanto nos aproximamos um do outro. Suas sobrancelhas - furadas com uma fileira de anéis de prata - se juntam.

À medida que passamos um pelo outro, aponto meus olhos para frente e digo a mim mesma para não correr. Isso pareceria suspeito. Acelero o ritmo ligeiramente, mas o mantenho a uma velocidade de caminhada. Não entre em pânico. Não corra. Nada está errado.

O chocalho do carrinho para.

Um arrepio corre sobre meus braços. Por que o elfo parou? Ele está me observando? Ele está vindo atrás de mim? Desejo olhar por cima do meu ombro, mas não quero que pareça que eu tenho algo com o que me preocupar.

Continue caminhando. Continue caminhando, continue caminhando.

O chocalho do carrinho começa de novo. Arrisco um olhar sobre meu ombro. O elfo e o carrinho estão se movendo na direção oposta. Alguns momentos depois, eles desaparecem em torno de uma curva no túnel.

Eu libero minha ansiedade em uma respiração longa e lenta. Então eu retiro minha stylus da minha bota e me preparo para alterar minha roupa. Eu certamente não sou uma estilista de roupas, mas conheço alguns feitiços básicos de um curso introdutório que eu fiz em Ellinhart. No meu primeiro ano, experimentei tudo, desde pintura, desenho e escultura até design de moda, design de interiores e arquitetura. Eu quase falhei no curso de arquitetura, mas o design de moda foi divertido.

Eu removo minhas botas e, em seguida, corro minha stylus até o topo das minhas coxas, observando o tecido desaparecer até que eu esteja usando shorts mais curtos do que qualquer coisa que minha mãe aprovaria. Com outro par de feitiços escritos através da minha roupa, o short vira um azul brilhante e a camiseta vira um rosa claro de um céu no amanhecer. Eu bagunço meu cabelo, coloco minhas botas de volta, e me movo pelo túnel. Quando eu passo por duas garotas reptilianas, elas não me dão mais do que um olhar desinteressado.

Depois de mais alguns minutos de caminhada, o túnel aumenta antes de chegar a uma arcada de pedra esculpida. As letras onduladas pintadas no topo da estrutura de pedra mostram as palavras Sivvyn Quarter. Além disso, o túnel se separa em três ruas separadas. Sem indicação de qual poderia ser a melhor opção, eu escolho a rua do meio.

Os azulejos de pedra incandescentes continuam a iluminar o caminho enquanto eu ando. Eu passo por uma porta à esquerda e depois outra à direita. Presumivelmente, essas portas levam para casas, mas como eu deveria invadir? E se eu encontrar alguém do outro lado? Será que devo pegar alguma coisa e correr? Coloco a minha orelha na porta ao lado e encontro vozes dentro. Eu continuo. A próxima casa que encontro está silenciosa, mas não consigo me obrigar a fazer qualquer coisa. Invadir simplesmente não parece certo. Como Saskia e Blaze esperam que eu faça isso? Eu continuo ao longo do túnel, tentando descobrir o que fazer.

E então sinto o cheiro. Afiado, mas familiar, isso me faz sentir instantaneamente em casa. É o cheiro do estúdio de arte em Ellinhart, onde passei muitas horas sozinha, absorvida no meu trabalho. É o cheiro da nossa sala de estar toda vez que eu levo para casa uma tela recém-acabada.

Pintura.

Diferentes tipos, seus aromas misturando-se no ar. Paro ao lado da única porta na vizinhança e escuto. Nenhum som vem de dentro. Talvez não seja tão ruim invadir, pegar um pincel e sair. Eu cuidadosamente tento a maçaneta, mas, como eu esperava, a porta não abre. Eu tento o feitiço simples para destrancar, mas nada acontece. Obviamente, um encantamento para evitar arrombamentos. Coloco minhas mãos nos meus quadris e olho para a porta enquanto considero o que tentar a seguir. Pelo o que sei, apenas as casas de faeries com glamour são protegidas contra a entrada não autorizada através dos caminhos das fadas. Afinal, apenas faeries podem viajar dessa maneira. O que significa que se eu posso ver o que está do outro lado desta porta, eu posso entrar.

Eu me agacho e olho pelo buraco da fechadura. Na luz fraca, eu posso distinguir o braço de um sofá junto com uma almofada com listras azuis e marrons encostada nele. Não consigo ver muito mais, mas é tudo o que preciso. Abro um portal para os caminhos das fadas na própria porta e entro na escuridão. Ela se fecha atrás de mim enquanto eu imagino a sala. Eu a imagino aqui, a poucos metros de mim. Eu olho para baixo, imagino a almofada com listras abaixo de mim, e os caminhos das fadas se abrem. A luz aparece abaixo dos meus pés. Eu saio da escuridão e pulo no sofá.

A obra de arte, no entanto, parece fora de lugar aqui. As telas encharcadas de estrias de cores brilhantes enchem a sala. Algumas estão penduradas, enquanto outras inclinadas contra as paredes. Um pôr-do-sol ardente; arco-íris-pintado subindo de uma cachoeira; uma mulher andando através de nuvens rosa, laranja e malva; sprites dançando na chuva. Eu absorvo sua beleza, pensando que eu poderia olhar para eles para sempre. Eles são muito melhores do que qualquer coisa que eu já fiz. Muito mais vivo.

Surpreendentemente, o cheiro de tinta é muito menos perceptível aqui. Quando vejo o grande nimph lírio em cima de uma mesa baixa no canto, faz sentido. As pétalas de nimph absorvem odores no ar ao redor enquanto dão um aroma fresco. Eles são colhidos por faeries na província exótica de Driya e encantados para permanecerem vivos. Meu professor de pintura do segundo ano tinha um em seu escritório em Ellinhart.

Foco, Calla.

Certo. Estou aqui para pegar alguma coisa e sair. Eu pisco e olho em volta com um propósito renovado. Uma velha escrivaninha está contra uma das paredes que é coberta por pequenos itens que devem ser fáceis de pegar. Frascos de lápis de cores diferentes, pergaminhos, vários livros, um dispositivo estranho que se parece com uma stylus metálica com bobinas, molas e parafusos, e um navio em miniatura navegando em um mar tempestuoso encantado dentro de uma garrafa de vidro. Pequenas páginas de anotações com rabiscos rápidos de lápis espalhados na mesa e um desenho de carvão inacabado de um cavalo de um lado.

Então meu olhar pousa em algo que reconheço: uma pulseira de bronze coberta de pedras verdes e peça de relógios e engrenagens. Uma pulseira de bronze que vi no escritório de Merrydale nesta manhã. Uma réplica, o Conselheiro Bouchard falou. Uma réplica exata, a mulher irritada havia lhe dito. O que significa que a pulseira na mesa na minha frente, a pulseira com pedras que brilham como brasas em um fogo verde, é a verdadeira.

— De jeito nenhum — eu murmuro, meu coração ganha força quando a excitação corre por mim. É possível que eu possa completar a iniciação tola de Saskia e recuperar um importante artefato que foi roubado da Guilda - tudo em uma noite?

Ouço um clique na porta atrás de mim.

Merda!

Pego a pulseira e giro ao redor quando a maçaneta da porta gira. Eu tenho que me esconder – ou apagar a luz - ou abrir um portal de volta...

Muito tarde. A porta se abre, e em vez de um reptiliano ou um anão ou qualquer uma das estranhas criaturas halfling que eu poderia esperar encontrar aqui, é um faerie. Um bem bonito. Seus olhos são pálidos, mas brilhantes, e eles pousam em mim imediatamente. Ele franze a testa. A mão dele fica tensa na jaqueta pendurada sobre o seu ombro, e ela olhar ao redor da sala antes de voltar para mim.

— Quem é você?

Uma pergunta válida, e uma que estou totalmente despreparada para responder. A mão escondida atrás das minhas costas aperta a pulseira. Eu me pergunto o quanto rápido eu posso tirar minha stylus da minha bota e abrir um portal. — Eu sou... uma admiradora de sua arte.

— Eu vejo. — Lentamente, e sem tirar os olhos de mim, ele fecha a porta atrás dele.

Droga, isso não é bom.

Ele dá dois passos para frente e joga sua jaqueta na parte de trás de uma poltrona. Enquanto ele cruza os braços, percebo o contorno escuro de uma fênix tatuada em seu braço superior direito. Uma videira retorcida de espinhos serpenteia pelo braço esquerdo.

— Por que você parece familiar? — Ele pergunta, afastando minha atenção da arte do seu corpo e de volta ao fato de que acabei de ser pega entrando em sua casa.

— Familiar? — Eu rio, tentando fazer parecer despreocupada em vez de entrar em pânico. — Você conhece muitas faeries cor de ouro?

— Não — diz ele. — Eu não conheço.

Minha mão se contrai, me preparando para mergulhar na direção da minha stylus. Algo me diz que não conseguirei alcançá-la antes de ele chegar até mim. O que significa que vou ter que lutar para sair daqui. Ou colocar um escudo forte o suficiente para afastá-lo enquanto abro um portal. Ou... a outra opção. Minha arma secreta.

— Como você entrou aqui? A porta tem uma proteção poderosa.

— Eu acho que sou muito boa — digo, quando começo a tirar o poder de dentro de mim. A maneira mais simples de sair daqui é com um escudo. Eu só preciso de alguns momentos para reunir uma quantidade suficiente de energia para deixá-lo forte.

O homem parece divertido. — É muito boa, hein? Eu duvido. Você é uma faerie, o que significa que a maneira mais provável que você conseguiu entrar aqui é através dos caminhos das fadas. Mas esta casa não tem nome ou número para você sussurrar para os caminhos, e tomei muito cuidado para me certificar de que existem apenas outras duas pessoas que sabem como é dentro. Então, como você entrou?

Se eu não estivesse em uma situação tão perigosa, eu provavelmente reviraria meus olhos. Este cara pensa que é muito inteligente, mas me levou menos de um minuto para entrar aqui. — Você pode querer fechar o buraco da sua fechadura — eu digo a ele.

— Está fechado. Nenhuma magia consegue passar.

— Bem, acho que você esqueceu da luz. — E com isso, viro o braço e crio um escudo de magia invisível entre nós. Ainda agarrando a pulseira com uma mão, eu me abaixo, recupero minha stylus e...

Uma onda de poder me derruba para trás. Eu colido na cadeira de mesa antes de pousar no chão. Meu escudo se foi, o homem atravessa o sofá em minha direção e estou piscando confusa. Como ele reuniu tanto poder tão rápido?

Ele está a poucos metros de mim quando o meu treinamento recente aparece. Pego uma shuriken no ar - o que, milagrosamente, demora um segundo que eu preciso - e jogo em sua direção. Corta o seu braço quando ele esquiva para lado. Eu me levanto e me lanço sobre o sofá. Corro para a porta, mas nada acontece quando viro a maçaneta.

— Não apenas uma admiradora de arte, mas uma guardiã e uma ladra também — diz o homem.

Sabendo agora que só existe uma saída para isso, eu giro e derrubo a minha parede mental.

Desintegra-se em um pó imaginário enquanto eu me concentro muito para mostrar para esse cara exatamente o que eu quero que ele veja. Imagino um dragão atravessando a porta atrás de mim. Na minha mente, vejo que as poderosas garras do dragão rasgam a porta e atiram os pedaços para o lado, me derrubando no processo. O dragão se arrasta para dentro da sala, soltando chamas escaldantes. Fica cada vez maior até sua cabeça escovar o teto e todos os móveis na sala não estarem só queimados, mas também esmagados contra as paredes. O homem sai do caminho e achata o corpo contra a parede. Ele ergue a mão, provavelmente para fazer algum tipo de magia que não terá qualquer efeito sobre o dragão imaginário, enquanto me aproximo dos restos queimados e quebrados da porta.

Com sua atenção não mais focada em mim - pelo menos, não o eu real - eu posso sair com segurança daqui. Giro e mantenho minha stylus em direção a porta. Rangendo meus dentes e respirando forte contra o esforço de manter uma cena tão detalhada na minha mente, rapidamente escrevo as palavras para abrir um portal. Eu entro e espero que a escuridão se feche sobre mim antes de finalmente liberar a imagem do dragão e da sala de estar destruída. O cansaço puxa nas bordas da minha mente, mas não posso ceder ainda.

Eu empurro a pulseira no meu braço esquerdo e penso no Clube Deviant. Como não tenho nenhuma imagem para segurar, repito as palavras em minha mente até que a escuridão à minha frente levanta e o silêncio pressionando contra meus ouvidos cede de repente a uma batida encantada repetindo uma melodia. Fora dos caminhos das faeries, fae de todos os tipos dançam e balançam sob uma neblina persistente de fumaça doce.

Não hesite. Seja confiante. Imagine que você pertence aqui.

Empurro a pulseira ainda mais para cima do meu braço e entro no clube. Não estava tão lotado quanto os poucos clubes que visitei no início da escola Ellinhart quando ainda tinha alguns amigos. Eu nem preciso empurrar ninguém para chegar à área do bar. Eu sento em um banquinho e olho ao redor procurando Saskia e Blaze. Eles não estão no bar e não os vejo na pista de dança. Cabines escuras estão em um lado do clube, mas algo me diz que provavelmente não quero dar uma olhada em nenhum deles.

Um homem reptiliano encostado na outra extremidade do bar parece estar me observando. Ou é alguém atrás de mim? Não querendo encorajá-lo, desvio meus olhos e afasto meu corpo dele. Olho as garrafas de diferentes formas, tamanhos e cores atrás do bar. Devo pedir uma bebida? Quanto tempo eu preciso esperar por Saskia antes que possa pedir o fim dessa coisa de iniciação? Certamente eu já me provei até agora. Ela poderá ver na faixa rastreadora que invadi a casa de alguém, peguei uma coisa e...

Oh, merda.

Eu projetei enquanto usava uma faixa rastreadora.

Não! Como posso ser tão estúpida? Coloco minhas mãos debaixo do balcão do bar, como se isso pudesse ocultar a evidência que está enrolada em meu pulso. Então eu paro em pânico. Exatamente quais informações aparecerão na faixa rastreadora? Quando Saskia e Blaze colocarem sob um dispositivo de repetição, eles não devem poder ver o dragão. Afinal, o dragão nunca esteve lá. Então, em vez disso, eles vão ver um cara que de repente começou a lutar contra o nada, e isso só servirá para alimentar os rumores de que eu posso de alguma forma deixar as pessoas loucas.

Fantástico. Então ainda serei uma pária, mas pelo menos não irei para a Lista Griffin. A menos que... e se um mentor perceber o que está na faixa rastreadora? E se um Conselheiro ver? E se todos na Guilda começarem a pensar que tenho uma habilidade especial que deixa as pessoas loucas, e eu acabar na Lista Griffin de qualquer maneira?

Pare de entrar em pânico!

A solução é simples. Retire a faixa rastreadora e a destrua. Dessa forma ninguém nunca...

— Você quer morrer? — O dono da voz intrusiva desliza para o banquinho ao lado do meu e para o meu espaço pessoal. — O que você está fazendo em um clube do qual o dono é número um que odeia guardiões de Creepy Hollow? — Ele exige.

Eu me afasto dele, meus olhos viajando pelos braços tatuados para o mesmo rosto e olhos que eu estava admirando há dez minutos atrás. Olhos que agora estão estreitados de raiva. Eu me encolho para mais longe dele, minha mão direita segurando a pulseira no meu braço esquerdo. — O que você... espera aí, como você me encontrou?

— O boato corre rapidamente quando jovens guardiões idiotas decidem arriscar suas vidas no Subterrâneo.

— Eu não sou idiota...

— Não, você é uma ladra.

— Eu sou uma ladra? Foi você que roubou a pulseira em primeiro lugar. — Eu levanto meu braço com a joia e aceno para ele. — Eu vou devolver para a Guilda, e não há nada que você possa fazer...

— Você colocou? — Ele desliza do banquinho e dá um passo para trás. — O que diabos há de errado com você?

Eu olho para ele e para a pulseira novamente, me perguntando se eu deveria estar alarmada. Eu não senti nada diferente desde que coloquei a pulseira no meu braço, no entanto. Talvez seja um truque para me fazer tirar. — Não há nada de errado comigo — digo a ele enquanto levanto. — E como este clube é aparentemente de alguém com um ódio intenso por guardiões, acho que devo ir.

— Espere. — Ele se aproxima, e eu trago minha mão rapidamente para cima, enviando faíscas dançando pelo ar em sua direção. Ele se afasta do caminho, levanta as mãos, gesticula em rendição. — Apenas me dê a pulseira — ele diz, — e eu deixo você ir.

—Você vai me deixar ir? — Eu digo com uma confiança que eu não sinto. — Já esqueceu o dragão?

— Você esqueceu o poder que eliminou o seu escudo em um instante e jogou você no chão?

Eu não esqueci. Esse é o problema. Não mostre medo, não mostre medo. Eu só preciso continuar falando o suficiente para conseguir uma projeção que pode me tirar daqui. — Isso dificilmente era poder — digo casualmente. — Por que não temos um segundo round, e você pode me mostrar se tem algum poder depois...

— Isto não é um jogo, pequena guardiã. — Ele fecha a distância entre nós e agarra meu braço. — Alguém está vindo pegar essa pulseira, e você não quer estar aqui quando ele chegar — De perto, eu vejo que seus olhos são um verde-cinza muito claro que não parece combinar com o castanho de seu cabelo. São lindos olhos. Eu poderia olhar para eles por séculos se não estivesse tentando me afastar desse cara.

Eu tento tirar meu braço do seu aperto, mas ele é muito forte. — Se você quer tanto, velhinho — eu digo a ele com os dentes cerrados, — então por que não pega?

— Porque, menina idiota — ele diz, inclinando-se ainda mais perto, — eu teria que cortar seu braço.

Um arrepio corre através de mim, mas faço o meu melhor para esquecer suas palavras e me concentrar na projeção que eu decidi. Eu não tenho energia suficiente para qualquer coisa tão detalhada quanto o dragão, e ele provavelmente não acreditaria em algo assim uma segunda vez. Em vez disso, eu me imagino lentamente levantando meu braço esquerdo.

— Tudo bem — diz a versão imaginária de mim. — Você pode ficar. — Em minha mente, eu me vejo deslizando a pulseira do meu braço. Eu a seguro entre nós, esperando o momento em que ele vai me soltar.

— Obrigado — ele diz, com um pouco de cautela. Ele solta meu braço e alcança a pulseira. A pulseira que não está lá. O imaginário eu lança todo o seu poder sobre o ombro dele. Com um gemido irritado, o artista gira e depois caí.

Giro e corro na outra direção - mas um grande homem careca está se movendo em minha direção. — Você! — Ele uiva. — Você é ela. A que tem cor dourada da qual me contaram. A guardiã.

O quê? Olho em volta, procurando a melhor rota de fuga. Mas antes que eu possa dar outro passo, estou cercada. Um elfo de cada lado, e outro atrás de mim. Eles agarraram meus braços e me puxam bruscamente atrás do homem careca, que está passando por um portal atrás do bar.

— Eu não aceito guardiões no meu clube — ele grita sobre o ombro.

— Mas eu não sou uma guardiã — protesto.

O homem para e olha por cima do ombro. Seus olhos - laranja ardente com pupilas verticais estreitas - me olham com raiva. — Eles disseram que você diria isso — ele grunhe, revelando uma língua bifurcada. Drakoni, minha mente sussurra para mim.

— Olhe — eu digo a ele, lutando contra os elfos até conseguir levantar meus braços o suficiente para mostrar meus pulsos nus. — Sem marcas de guardião.

— Aprendiz — o homem drakoni cospe. — Mesma coisa.

Como ele sabe disso?

Ele atravessa uma longa passagem e me arrasta atrás dele para uma sala escura e com fumaça, onde dois homens estão sentados em uma mesa redonda, bebendo bebidas cor de âmbar e jogando cartas. Eles estão rindo de alguma coisa, mas eles olham para cima quando os elfos me empurram para dentro da sala. Um deles fala comigo, enquanto o outro...

— Zed? — Alívio e confusão colidem, me fazendo ficar tonta. Por um momento estranho, a sala parece vibrar. — O que... o que você está fazendo aqui? — Na companhia do maior odiador de guardiões de Creepy Hollow?

A sala vibra novamente.

— Saia! — Uma voz grita de algum lugar atrás de mim. Ao som dos passos correndo, olho por cima do ombro passando os elfos. Eu vejo o artista, mas ele explode quando a vibração em torno de mim se intensifica. Uma onda de choque ondula pelo ar, e com um assobio alto, tudo ao meu redor desaparece.

E depois reaparece com um solavanco.

Eu pisco.

Esta não é a sala em que eu estava há um segundo atrás. É o meu quarto na casa de Ryn. Todas as minhas coisas estão aqui, apesar do fato de eu ter levado tudo esta tarde. Além da coloração verde fraca que sobrepõe a cena, tudo parece do mesmo jeito quando morei aqui. Minha roupa escapa de uma gaveta meio aberta. Meu trabalho está espalhado pela mesa. O pingente de aprendiz pendurado na maçaneta do guarda roupa.

Eu giro lentamente no local, enquanto meu coração bate pesadamente no meu peito. Então vejo a pessoa sentada na cama - e estou enlouquecendo completamente.

A pessoa sou eu.


PARTE 2


Capítulo 9

Eu tropeço para trás e me achato contra a parede, mas o eu na cama não parece notar. Como isso está acontecendo? Como estou olhando para mim? Por um momento, me pergunto se estou projetando toda essa cena, mas isso não pode estar certo. Não estou imaginando isso. Não estou controlando. Isso é real.

Passos soam no corredor, e Vi enfia a cabeça no quarto. — Eu sei que você está estudando — diz ela, — mas sinta-se livre para se juntar a nós sempre que quiser.

A outra eu geme e cobre seu rosto com um livro. — A comida cheira tão bem, — diz ela por trás das páginas. — Eu gostaria de poder descer agora.

— Não vai demorar muito, e você terminará com toda essa tarefa extra — diz ela com um sorriso. — Vou gritar quando o jantar estiver pronto. Você pode se juntar a nós então.

Ela desaparece, me deixando com uma sensação de déjà vu tão forte que quase me derruba. Essa conversa já aconteceu. Na semana passada, em algum momento, enquanto eu estudava para uma prova escrita. O que significa que estou atualmente em pé... no passado?

Como eu fui parar no passado?

A pulseira.

Eu agarro a faixa de bronze enfeitada e tento puxá-la, mas não se move. — Vamos — murmuro, puxando mais forte. Percebendo que falo em voz alta, eu congelo e olho para a garota na cama. Ela não mostra nenhum sinal de ter ouvido. Eu volto às minhas tentativas de tirar a pulseira do braço, mas não adianta. Não se mexe.

Com um gemido de desespero, corro para fora do quarto e desço a escada. Eu não sei como voltar para o presente, mas ficar no meu quarto puxando meu braço claramente não está ajudando. Eu chego na sala quando Ryn abre um portal na parede e recebe os amigos, Jamon e Natesa. Esta é a noite em que eles vieram jantar junto com Raven e Flint, que já estão sentados em um sofá brincando com seu filho de três meses. Lembro de me divertir com Ryn quando ele me disse que ele e Vi estavam oferecendo um jantar. — Você não é o tipo que oferece jantares, — eu disse a ele.

Quando a filha de cinco anos de Jamon e Natesa passa pela sala para brincar com o bebê, eu me aproximo de todos. — Olá? — Eu digo alto, sabendo antes de abrir a boca que é improvável que alguém me ouça. Como eu esperava, nenhuma pessoa na sala presta atenção em mim. Os adultos se sentam, e Vi sai da cozinha, dirigindo uma fila de bebidas pelo ar. Levanto meu braço na frente dela enquanto ela passa. Ela passa através.

Um arrepio passa através da minha pele. Eu não sou nada mais do que uma observadora aqui, incapaz de influenciar ao meu redor ou me comunicar com alguém ao meu redor. Espera, e o meu âmbar? Talvez eu possa me comunicar com alguém no presente. Deslizo meus dedos para cima da bota esquerda e tiro o meu âmbar. Eu deslizo meu dedo sobre sua superfície, mas nada acontece. Eu removo minha stylus e uso para escrever no âmbar, mas não forma palavras.

Droga.

E os caminhos das fadas? Onde eles me levariam se eu abrisse um portal agora? Para outro lugar no passado? Eu ando até a parede mais próxima para escrever sobre ela, mas minha mão simplesmente passa quando eu inclino meu pulso contra ela.

Assustada, trago minha mão de volta. Eu tento escrever um feitiço de portal no ar, mas tenho tanto sucesso como se eu estivesse escrevendo com um pedaço de pau comum.

Estou presa. Presa dentro deste mundo pintado de verde no passado. Eu coloco minha cabeça em minhas mãos e tento não entrar em pânico.

— Ei, eu ouvi que você está no Conselho da Guilda agora — diz Jamon, obviamente para Ryn. — Condolências, cara.

Ryn geme. — Eu sei. Eu queria recusar a oferta, mas Vi me convenceu de não fazer isso.

Levanto a cabeça, desconcertada pelas palavras de Ryn. Eu pensei que ser membro do Conselho era uma coisa boa.

— Bem — diz Violet, sentada ao lado de Ryn e enfiando as pernas debaixo dela, — já que decidimos que você seria o único a ficar com a Guilda, faz sentido que você aceite uma posição no Conselho. Queremos saber o máximo possível sobre o que está acontecendo lá, e só saberemos se você estiver trabalhando perto do topo.

— Eu sei. — Ryn solta um suspiro dramático. — Estou feliz em aceitar pela equipe.

Aceitar pela equipe? Achei que meu irmão gostasse de trabalhar na Guilda.

— Oh, eu preciso atender — diz Ryn, estendendo a mão quando um pequeno espelho deitado na mesa de café se acende. — Provavelmente é sobre o protesto.

— Protesto? — Raven pergunta enquanto Ryn vai para a cozinha. Antes de desaparecer pela porta, vejo o rosto do meu pai na superfície do espelho.

— Outro protesto sobre a Lista Griffin — diz Vi. — A Guilda conseguiu manter quieto até agora. Eles não querem que saia de controle como da última vez.

— Oh, como aquele homem que está sendo julgado no momento por tentar chantagear um membro do Conselho para manter o nome da esposa fora da lista?

Vi concorda. Com a minha angústia substituída pela curiosidade por um momento, sigo Ryn até a cozinha. Papai não trabalha mais para a Guilda, então por que ele está falando com Ryn sobre um protesto que a Guilda está tentando esconder?

— Você está me colocando em uma posição estranha aqui, pai — diz Ryn quando eu entro na cozinha. O espelho está na mesa da cozinha, e Ryn está inclinado sobre ele.

— Eu sei — diz papai. — Eu odeio envolvê-lo, mas estou preocupado que, com esse julgamento, e a Guilda investigando qualquer tipo de corrupção, não demorará muito para que alguém comece a se perguntar sobre a Calla.

O quê?

— Tudo o que eu pergunto é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar.

Subornos? Que subornos?

— Havia mais de um? — Ryn diz depois de uma pausa.

Não não não. O que o papai fez? Que tipo de subornos ele teve que fazer para manter meus incidentes quietos? E se ele for pego? E se tiver que ir para a prisão apenas porque tentou me proteger? Eu não poderia viver com esse tipo de culpa. Eu não poderia...

Vibrações. Uma onda de choque. Agitação e um som sibilante e...

Estou de pé na sala nos fundos do Clube Deviant novamente, ofegante e com náuseas. Zed parece horrorizado, os elfos estão se afastando de mim, e passos correndo ainda estão soando no correndo. Uma mão agarra meu braço. — Feche os olhos — diz o artista.

— O... o quê?

— Feche seus olhos!

Eu fecho. Do outro lado das minhas pálpebras, algo branco brilhante pisca, seguido por um estrondo que soa como trovão. Então eu estou tropeçando e correndo. Abro meus olhos quando o artista me arrasta pelo corredor e de volta ao clube. Eu penso em puxar meu braço e fazer minha própria fuga, mas seu aperto é muito forte. Passamos os dançarinos, a porta, para o túnel.

Ele para e se vira para mim. — Sem jogos mentais. Dê a pulseira.

— Eles... eles vão nos encontrar — eu suspiro, olhando por cima do meu ombro.

— Eles estão temporariamente cegos. Eles não encontrarão nada nas próximas horas. Agora me dê a pulseira.

Eu o encaro. — Mesmo que eu quisesse, não consigo tirar.

Ele solta um suspiro impaciente. — Claro que consegue. É só quando você está no passado, usando seu poder, que não pode removê-la.

— E... você não pode tirar de mim? — Pergunto, me afastando dele. Outra onda de náusea rola sobre mim, mas respiro profundamente contra ela. — Você disse que teria que cortar meu braço para conseguir.

— Correto. E eu preferiria não fazer isso, então apenas me dê. Você viu o que posso fazer. Viagem no tempo é extremamente perigoso nas mãos erradas.

— Exatamente. — Eu dou outro passo para trás. — É por isso que eu preciso devolvê-la à Guilda.

Ele faz um barulho irritado. — Será roubado novamente se você devolver a eles.

— Então não roube, e tudo...

— Não por mim.

— Por mim — diz uma voz atrás de mim. Eu giro e encontro um homem a poucos metros de distância, um portal no ar fechando-se atrás dele. — Devolva meu poder — diz ele. Faíscas aparecem de seus dedos e ziguezagueiam pelo ar em minha direção. Eu me atiro para o lado. Meu ombro atinge a parede do túnel quando as faíscas passam por mim.

Shuriken.

Alcanço uma e arremesso no meu atacante. Eu não precisava ter me incomodado, no entanto, já que ele agora está preso em uma batalha de faíscas e facas e redemoinho com o artista.

— Oh! Lá está ela!

Eu salto da parede do túnel quando um portal se materializa ao meu lado. Enrolo minha mão ao redor do ar e encontro uma espada brilhante sobre meu aperto um momento depois. Estou prestes a cortar o meu adversário recente quando percebo quem é.

— Calla, vamos! — Perry grita, estendendo a mão para mim.

Eu solto a espada e pego a sua mão. Ele puxa forte e caio na escuridão com ele.


Capítulo 10

Eu tropeço para outro lado dos caminhos das fadas e nas antigas ruínas da Guilda, junto com Perry e Gemma. — Você está bem? — Gemma pergunta imediatamente.

Eu puxo a pulseira do meu braço e a solto no chão como se ela queimasse. Levanto minhas mãos e aperto meus dedos nas minhas têmporas. — Estou... tão confusa.

O drakoni dono do clube de alguma forma sabia que eu estava com a Guilda.

Zed parece ser um amigo dele.

Um pedaço de joia me enviou no tempo.

Papai está envolvido em suborno ilegal.

O artista cuja casa invadi, me salvou e ameaçou cortar meu braço.

Um cara aleatório que quer roubar a pulseira - de novo, aparentemente - apareceu do nada.

E então, alguns aprendizes apareceram exatamente no lugar certo para me salvar de toda a bagunça.

O que. Diabos. Está acontecendo?

— Nós ouvimos Saskia e Blaze tramando esta tarde — diz Gemma. — Foi assim que nós soubemos onde você estava.

Eu abaixo minhas mãos e olho para ela através do luar fraco. — Tramando?

— Sim. Tramando uma iniciação que soava muito mais elaborada do que a nossa. Quando estávamos no primeiro ano, a maioria de nós encarou a ideia de simplesmente estar no Subterrâneo com bastante medo. Dois guardiões foram recentemente encontrados mortos lá, e a Guilda nunca descobriu o que aconteceu, então foi praticamente o lugar mais perigoso que nós fomos.

— É por isso que o idiota do Blaze decidiu que todos deveríamos fazer uma viagem lá para baixo como um ritual de iniciação — diz Perry.

— E como ele era o maior, malvado idiota — diz Gemma, revirando os olhos, — o resto de nós imaginou que não poderíamos dizer não. Nós não usamos os caminhos das fadas. Blaze encontrou uma das entradas, e cada um de nós teve que descer um por um e ficar lá por dez minutos.

— Bem. — Eu cruzo meus braços. — Isso parece muito mais simples do que eu acabei de passar.

— Sim. Nós ouvimos todo o plano ridículo na biblioteca esta tarde — diz Gemma.

Perry se aproxima de mim e sussurra, — Biblioteca da Guilda — como se estivesse compartilhando um segredo.

— Excelente local para a espionagem. Você descobrirá isso em breve.

— Sim, então eles estavam esperando que você fosse pega enquanto entrava na casa de alguém — diz Gemma, — ou que sua dica anônima para o dono do Clube Deviant iria deixá-la em problemas com ele. E por “problemas” — ela olha para Perry — acho que eles queriam dizer algo muito pior do que apenas ser expulsa.

Pressiono meus lábios juntos quando a raiva aquece o meu sangue. Eu era uma pária em todas as escolas nas quais eu já estive, mas ninguém jamais tentou me matar antes. O que há de errado com Saskia?

— Nós tentamos encontrá-la na Guilda depois de ouvir tudo, mas você já tinha ido embora. Perguntei a sua mentora sua identificação no âmbar para que eu pudesse te impedir, mas no momento em que mencionei seu nome, ela olhou para mim como se eu fosse uma pilha de excremento de goblin.

— Sim, ela é super amigável.

— E também não conseguimos encontrar seu irmão — acrescenta Perry enquanto ele se empurra para uma parede. — Então achamos que a próxima melhor coisa seria tentar encontrar você no Subterrâneo antes de você se meter em muitos problemas. Nós vagamos por Sivvyn Quarter por um tempo, depois mantivemos portais abertos perto do Clube Deviant até que você finalmente apareceu.

— Uau. Vocês se meteram em muitos problemas.

Perry encolhe os ombros e balança as longas pernas, chutando os calcanhares contra a parede. — A conta está no correio.

— Perry! — Gemma dá uma cotovelada nele. — Não seja estúpido.

— O quê? — Seus olhos arregalam em defesa. — Obviamente estou brincando.

Sinto a insinuação de um sorriso nos meus lábios. — Bem, obrigado por me tirar de lá. Eu agradeço.

— Claro. — Gemma sorri para mim. — É para isso que são os amigos, certo?

Amigos. Certo. Eu olho para baixo. A pulseira está sobre em uma pedra ao lado do meu pé esquerdo. Não posso dizer se é um truque do luar ou algum tipo de magia, mas as pedras verdes parecem estar brilhando. — Sermos amigos seria ótimo, — digo — mas não quero que vocês percam tempo.

— Por que você estaria desperdiçando nosso tempo? — Perry pergunta.

— É só... as pessoas geralmente não querem ser minhas amigas.

— Porque...

— Eles têm medo de mim. E logo vocês também terão. Vocês vão ouvir mais e mais histórias sobre mim, histórias que vão assustar vocês, e vão decidir que é muito mais seguro não ser meu amigo.

— Nós já sabemos o do menino e a bicicleta, — diz Gemma. — E daí? Ele ficou louco. Não significa que tenha sido sua culpa.

— Todo mundo conhece essa história — digo. — Espalhou muito rápido. Estou me referindo a todas as outras.

— Outras?

— Sim. Há outras histórias. — Eu brinco com a ponta desfiada do meu short que transformei.

— E... elas são verdadeiras? — Gemma pergunta com cuidado.

Eu mordo meu lábio. Não posso dizer-lhes tudo, mas também não quero mentir para eles. — A verdade é que nunca deixei qualquer pessoa louca. Nunca usei magia negra e minha mãe não é uma fada Unseelie.

— Bem, isso é tudo o que precisamos saber então — diz Perry, batendo palmas como se isso solucionasse o assunto. — A entrevista acabou. Você receberá uma oferta formal de amizade no correio.

Gemma revira os olhos e o empurra da parede.

**

Esgotada de projetar a cena detalhada do dragão, eu me jogo na cama no final da noite de terça-feira - depois de esconder a pulseira de viagem no tempo na parte de trás da minha gaveta de meia ao lado do colar de Zed que eu planejo nunca usar - e então continuo dormir até a próxima manhã. Estou perdida num sono profundo e distante quando mamãe bate na minha porta para perguntar se ainda estou planejando tomar café da manhã na Guilda. Eu me visto em tempo recorde, ignoro as três mensagens no âmbar que recebi de Zed durante a noite e apenas corro pelos caminhos das fadas na sala de entrada da Guilda. Depois que o guarda olha o meu pingente, eu me apresso em direção ao refeitório. Estou quase lá quando percebo que não trouxe a pulseira. Eu desacelero, me perguntando se eu devia voltar para casa e pegar, mas depois decido que não. Ainda não decidi se eu deveria entregá-la diretamente para alguém, ou se eu devo devolvê-la anonimamente.

Meu âmbar treme no bolso traseiro quando chego à porta do refeitório. Achei que a minha breve jornada de voltar no tempo o quebrou, mas começou a funcionar novamente durante a noite. Eu retiro e leio a última mensagem de Zed.

Por favor, me fale se você está bem. Eu não sei o que você está pensando, mas você sabe que estou aqui por você se precisar da minha ajuda.

Com um suspiro irritado, me inclino contra a parede do lado de fora do refeitório e rabisco uma rápida resposta com a minha stylus.

Em que estou pensando? E o que você está pensando? Bebendo e jogando cartas com pessoas perigosas do Subterrâneo. Isso é um relacionamento recente, ou eu nunca soube sobre esse lado de você?

Como eu nunca soube sobre sua namorada, eu adiciono silenciosamente, uma dor maçante se instalando no meu peito. Eu não tive muito tempo para pensar recentemente, mas nos momentos em que minha mente não estava ocupada com a história da Guilda ou detalhes de poções ou táticas de luta, ela se volta - irritante - para Zed. Eu sei que não tenho chances com ele, mas me pergunto se em algum momento no futuro, ele poderia me ver de forma diferente.

Pare de ser idiota. Esqueça e siga em frente.

Tentando seguir meu próprio conselho, eu deixo meu âmbar na minha mochila e entro no barulho do refeitório. Está meio cheio. A maioria dos ocupantes parece ser aprendizes, mas encontro alguns mentores e alguns guardiões mais velhos. Estou prestes a caminhar até a mesa onde Perry, Gemma e Ned estão sentados, mas depois vejo Saskia duas mesas longe deles. A dor da rejeição de Zed se transforma em uma raiva quente. Eu atravesso a sala, minhas unhas pressionando minhas palmas enquanto aperto meus punhos.

Saskia toma um gole de algo de uma caneca antes de me notar. Suas sobrancelhas saltam de surpresa quando ela abaixa a caneca. — Oh, olha quem sobreviveu à iniciação.

Eu adoraria dar uma tapa nela, mas eu consigo me segurar. — Você quase me matou.

— O quê? Eu? — Ela finge está magoada. — Eu nunca faria nada assim.

— Eu poderia fazer você ser expulsa pelo que fez.

— Oh, bem, você sabe tudo sobre expulsão, não é. Eu acho que eu deveria ter medo.

Imagens irritadas cintilam à beira da minha mente, ameaçando se libertar. Eu as forço de volta. — Quando exatamente você planeja crescer, Saskia? No ano que todos nós estivermos formados. Estaremos trabalhando aqui. Seremos profissionais. Você ainda vai agir como uma criança de cinco anos? Você ainda vai tentar sabotar as pessoas com que você está destinada a trabalhar ao lado, não contra?

Saskia olha em volta para os outros do quinto ano na mesa. — Nem todos eles. Provavelmente apenas você.

— Eu não sou sua inimiga — eu falo com os dentes cerrados. — Estou aqui pelo mesmo motivo que você: salvar pessoas. Para parar criminosos. Para ver a justiça sendo feita.

Eu giro e me dirijo para a mesa de Perry, só percebendo agora quão silencioso o refeitório ficou. Mantendo os olhos no espaço vazio ao lado de Gemma, me movo o mais rápido possível sem correr. Eu subo no banco e sento enquanto Perry começa a aplaudir. — Ótimo. Isso foi um discurso. Aqui, pegue um pretzel de canela. — Ele pega um do prato de Gemma e o coloca na minha frente.

— Saskia realmente precisa ser tão infantil? — Pergunto. — Eu sei que ela está irritada por eu não ter que começar do primeiro ano como todos os outros, mas não provei isso trabalhando, mesmo não tendo acontecido aqui?

— É mais do que isso — diz Ned, olhando para a caneca dele como se achasse o conteúdo fascinante.

— Mais?

— A verdade é que — diz Perry, — ela se sente ameaçada por você. Ela está preocupada com sua posição no topo.

— O topo do quê? Qual posição? — Perry e Gemma me olham como eu sou fosse estúpida. Até Ned levanta o olhar. — Oh, espere, você quer dizer o ranking? Por que, de todas as faeries, eu seria uma ameaça para ela?

Recebo outro olhar de você-é-realmente-tão-lenta de Perry. — Você é a irmã de Ryn Larkenwood. Todos sabem que ele é um dos melhores guardiões do mundo. E você não só é parente dele, mas ele também está treinando você.

— Um mês — eu digo. — Ele me treinou por um mês. O resto do meu treinamento aconteceu com outra pessoa.

— Oh. — Perry coloca um garfo cheio de panqueca de banana na boca. — Bem, nós poderíamos espalhar essa pequena informação para você, se você quiser, — ele diz com a boca meio cheia. — Definitivamente, você ficaria menos ameaçadora.

— E ajuda que você esteja saindo com a gente — acrescenta Gemma. — As pessoas não nos acham intimidantes.

— Sério? — Eu digo com uma cara séria. — Eu pensei que Ned era aterrorizante quando eu o conheci ontem.

As bochechas de Ned ficam coradas, e ele olha ainda mais para a caneca. Perry ri e aponta seu garfo para mim. — Viu, Gemma? Isso se chama piada. Eu não sou o único que faz. Calla vai se encaixar aqui. — Ele levanta a caneca dele e a bate contra o meu pretzel de canela. — Bem-vinda ao Clube dos Párias, Calla.

— Bem-vinda — diz Gemma, levantando o seu copo com vitamina bebendo o líquido verde-acastanhado. — Quero dizer, não que você seja um pária — acrescenta depois de engolir. — Você definitivamente parece que poderia ser uma pessoa legal, então eu não quis dizer que você é...

— Oh, não, eu sou um pária. Frequentar sete escolas diferentes aos quatorze anos faz isso com uma pessoa.

— Sete? — Gemma diz, empurrando a cabeça para trás com surpresa.

— Uh... sim. — Eu acho que essa história ainda não chegou na Guilda. — Hum, quatro escolas de calouros diferentes, então escola de curandeiro, depois escola de culinária, então escola de arte... — Eu paro quando percebo que provavelmente não deveria ter compartilhado tudo isso. Agora eles vão querer saber porque eu fui a tantas escolas. — De qualquer maneira — eu me apresso, — por que vocês se qualificam como párias? — Pego o pretzel de canela e mordo um grande pedaço antes que alguém possa me fazer qualquer pergunta.

— Oh, bem, Ned tem medo de garotas — diz Perry, — e eu sou um super nerd. Então isso nos separa das pessoas legais.

— Muito obrigado, cara — murmura Ned.

— O quê? Calla é parte do nosso grupo agora. Ela precisa saber dessas coisas.

— E quanto a você? — Eu digo a Gemma, na esperança de chamar a atenção para longe de Ned para que ele possa ter a chance de se recuperar do seu constrangimento.

Gemma termina a sua última vitamina e diz — Minha mãe é uma administradora e meu pai é um florista. Então, você sabe, eu não tenho um legado legal de guardião que quase todos os outros aqui tem. E costumo ser acusada de ser uma halfling porque, aparentemente, não tenho dois tons. Olá. — Ela aponta para a cabeça dela. — Castanho mais preto é igual a duas cores, e o castanho combina com meus olhos, então eu sou totalmente faerie, muito obrigado. — Ela hesita, então corre para adicionar, — Não que haja nada de errado em ser uma halfling.

Perry balança a cabeça e depois olha para mim. — Minha irmã é uma halfling. Metade-faerie, metade-humana. Gem gosta de se divertir com ela.

— Eu não gosto!

— Uma halfling? Isso... — Eu olho em volta e depois abaixo minha voz. — A Guilda sabe?

— Oh, sim. Ela está no registro. Não há o que esconder, uma vez que ela não tem nenhuma magia. Ela vive no reino humano com sua mãe. Eu a visito às vezes. É legal sair com toda a tecnologia humana em vez de usar magia o tempo todo.

— Quando ele diz “tecnologia humana”, ele quer dizer filmes — diz Gemma. — Tudo o que ele fala quando volta das visitas é sobre os filmes que assistiu.

— Os filmes são incríveis — diz Perry. — O mundo fae não sabe o que está perdendo.

A luz no refeitório escurece por um momento, e depois ilumina novamente. — Isso significa alguma coisa? — Pergunto, lambendo canela e açúcar de meus dedos.

— Hora de ir para a aula — diz Ned com um suspiro.

— Meu mentor vai dar a aula de hoje — diz Gemma. Ela bate na bandeja duas vezes com a stylus, que desaparece. Perry e Ned fazem o mesmo. — Poções são sua especialidade — acrescenta Gemma. — Eu acho que faremos poções para dormir hoje.

— Oh, isso é ótimo — eu digo quando levantamos. — Eu sei tudo sobre elas.

Perry levanta uma sobrancelha. — Drogando seus namorados?

Gemma bateu no braço dele enquanto eu rio. — Não, minha mãe tem problemas de sono. Ela está inventando poções para dormir desde que me lembro. Ela ficaria louca se eu fizesse uma tatuagem ou começasse a namorar alguém cinquenta anos mais velho, mas ela está bem comigo aprendendo a arte da fabricação de poções ilícitas na nossa cozinha.

— Ah, ela gosta de coisas fortes, não é? — Perry diz, balançando a cabeça como se soubesse sobre poções fortes.

— Ela não vai deixar você se tatuar? — Gemma pergunta antes que eu possa rir de Perry. — Mas você estava com aquele tatuador ontem à noite. Eu pensei que vocês deveriam ser amigos já que ele estava ajudando você a lutar contra aquele outro cara. A menos que... fosse o contrário?

— Oh, ele é um tatuador? — Eu imagino o cara que eu invadi a casa. Eu me pergunto se os formatos escuros que marcam seus braços são seu próprio trabalho. — Não, eu não o conheço. Eu o conheci ontem...

— Com licença. — Saskia fica na minha frente. — Você tem algo que me pertence. Minha faixa rastreadora.

A faixa rastreadora que eu escondi ao lado da pulseira na minha gaveta. A faixa rastreadora que planejo queimar quando chegar em casa esta tarde. — Sim, sinto muito — digo no meu melhor tom de voz de eu-não-ligo. — Eu perdi.


Capítulo 11

— Espada! Cimitarra! Arco e flecha! — Olive rosna, estalando os dedos entre cada comando. — Calla, você não está acompanhando. Adaga! — Dedo estalando. — Chakram! — Dedo estalando. — Chicote! — Dedo estalando. — Eu não vejo um chicote, Calla.

Tento bloquear sua voz ríspida e impaciente com raiva e me concentrar na sensação do chicote na minha mão. Eventualmente, ele aparece sobre o meu aperto. Eu o chicoteio rapidamente através do ar, vejo o final enrolar ao redor de um galho pendurado abaixo e puxo com força. O galho racha e quebra e navega pelo ar. O chicote desaparece quando eu o solto, mas o galho continua vindo. Eu me esquivo, então não sou nocauteada.

Estamos fora nas antigas ruínas da Guilda, uma área que aparentemente usada com bastante frequência para treinar. É grande o suficiente para acomodar muitos aprendizes e seus mentores sem que ninguém precise interferir com qualquer outra pessoa. Estou aqui com Olive e sua outra aprendiz do quinto ano, uma pequena garota chamada Ling, que não falou sequer uma palavra para mim. Utilizamos parte das ruínas como uma pista de obstáculos para aquecer, então praticamos alguns movimentos simples de luta que Olive decidiu que precisávamos aperfeiçoar – a maioria que terminou com “Não está bom o suficiente. Faça de novo.” antes de passar para o controle de armas. É um exercício simples em que devemos fazer aparecer à arma necessária instantaneamente antes de passar para a próxima. É um exercício no qual eu sou uma droga.

— Ridículo — Olive diz depois que o galho quebrado se encontra em algum lugar atrás de mim. — Como exatamente você conseguiu passar quatro anos de treinamento se não consegue controlar suas próprias armas? Ah, verdade. Você não passou por quatro anos de treinamento.

A tarde foi cheia de zombarias como essa, e eu segurei minha língua em todas às vezes. Mas já estamos aqui por quase três horas, e estou cansada de ser ridicularizada. — Você está certa — eu digo a ela. — Isto é ridículo. Quando eu estarei em uma situação em que o meu oponente recitará uma lista de armas para que eu produza instantaneamente, uma após a outra?

Olive atravessa as ruínas cobertas de vegetação e para com o seu rosto a poucos centímetros do meu. — Tenho noventa e três anos de experiência como guardiã, então seria melhor você acreditar em mim quando eu lhe disser que esse exercício é crucial. Quando você estiver em uma situação de luta, forças estarão vindo de todos os lados, você precisa se adaptar em um segundo. — Ela estala os dedos mais uma vez, ao lado da minha orelha. — Agora você não vai sair até eu estar satisfeita com seu desempenho. Ling, você pode ir para casa. Calla, comece novamente.

Os nomes das armas continuam a voar para mim e continuo tentando combinar o ritmo com o de Olive. No entanto, não pareço estar melhorando. Se qualquer coisa, estou piorando. — Inútil — diz ela depois de mais meia hora. — Inútil! Desisto. Eu tenho coisas mais importantes a fazer do que desperdiçar meu tempo com isso, Calla.

Ela volta para a Guilda através de um portal nos caminhos das fadas, enquanto lágrimas irritadas borram minha visão. Pisco-as antes que elas possam cair. Eu pressiono meus lábios juntos e olho para o chão, me perguntando pela primeira vez se Olive e Saskia e todas as outras pessoas que pensam que eu deveria ter começado do começo talvez estejam certas. Eu pensei que era boa o suficiente para esse nível de treinamento, mas não consegui fazer nenhuma coisa certa esta tarde, e é apenas o meu terceiro dia na Guilda. As coisas só ficarão mais difíceis a partir daqui.

— Você está tentando demais — diz uma voz masculina atrás de mim.

Eu giro, surpresa ao encontrar uma faca brilhando em cada uma das minhas mãos quando eu estou de frente para ele.

— Viu? — O tatuador diz. — Isso acontece facilmente quando você não está pensando nisso.

O meu aperto nas facas aumenta enquanto olho para ele com cuidado. — O que você sabe? Você não é um guardião.

— Eu sei o que eu vejo. Eu sei que deveria ser sem esforço. Automático. Tão fácil para você quanto respirar.

Tão fácil para mim quanto respirar? Antes fosse. — Como você me encontrou? — Pergunto. Eu preciso mantê-lo falando enquanto eu penso em uma ilusão suficientemente boa para distraí-lo.

— Eu tenho maneiras de rastrear as pessoas, Calla.

— Tudo bem, perseguidor. Espero que você perceba o quanto isso soa assustador.

— Vindo da menina que invadiu a minha casa para olhar minha arte.

— Eu estava curiosa. Isso não me torna assustadora. Definitivamente não tão assustadora como você, velho.

— Velho?

— Eu vi o seu mobiliário da Idade da Pedra. Se você estava vivo quando essas coisas foram feitas, então você definitivamente se qualifica para o rótulo do “velho”.

— Oh, o mobiliário — ele diz com um aceno de cabeça. — Não é meu.

— Você roubou? Como roubou a pulseira?

Ele suspira. — Bem. Sim, roubei a pulseira, mas não da Guilda. Eu o roubei do homem que você viu no túnel na noite passada. Ele é perigoso, e eu preciso manter o poder da pulseira longe dele.

— Bem, ele não vai pegar de mim, então você pode relaxar.

O tatuador franze a testa e dá um passo em minha direção. — Por favor, me diga que você ainda não a devolveu à Guilda.

Em vez de responder, liberto as barreiras em volta da minha mente e imagino um ogro pisoteando as ruínas. Ele para na frente do tatuador, balança os punhos e solta um berro.

— Não se preocupe com seus truques mentais — diz o tatuador, olhando diretamente pelo ogro. — Não funciona comigo. Eu não estava ciente na noite passada de que eu precisava proteger minha mente de você, mas agora estou. — Ele começa a se mover em minha direção, caminhando através do ogro.

Ele não pode ver. Ele não pode ver.

Chocada, tropeço para trás, abandonando a ilusão do ogro. — Como...como você sabe que eu estou fazendo isso se você não pode ver...

— Posso ver sua concentração.

Minha concentração? Ninguém nunca notou isso antes. O tatuador acelera seus passos, e lanço um escudo entre nós antes que ele possa me alcançar.

— Sério? — Ele diz. — Nós passamos por isso na última noite. Seus escudos não significam nada para mim.

— Todos os guardiões nas proximidades significam algo para você?

Seus olhos correm através das ruínas, e eu aproveito sua distração momentânea. Eu lanço faíscas no ar, tão brilhantes quanto eu posso transformá-las, e no flash cegante que se segue, liberto as facas, pego minha stylus do meu cinto e escrevo um portal ao lado dos meus pés. Uma rajada de poder sopra meu cabelo para trás e me joga sobre o meu lado. Ele quebrou o meu escudo. Eu rolo para a escuridão aberta dos caminhos das fadas, mas algo agarra meu pulso e puxa forte. Eu fico pendurada lá, meio na escuridão, olhando para a videira enrolada em meu braço e o tatuador na outra extremidade, me levantando dos caminhos das fadas com um aceno de sua mão através do ar.

Eu corto descontroladamente através da videira com minha stylus. Ela quebra. Eu caio.

E a escuridão se fecha acima de mim.

***

Os caminhos das fadas me jogam no quarto de hóspedes da casa de Ryn, porque esse deve ter sido o primeiro lugar em que pensei. Eu abro imediatamente outro portal e entro no meu quarto em casa. Eu me sento na beira da cama e respiro lentamente enquanto penso no que aconteceu. O tatuador não conseguiu ver minha ilusão. Isso nunca aconteceu antes. Isso significa que ele é muito mais poderoso do que os faeries medianos, ou é simplesmente porque outras pessoas nunca estiveram conscientes da necessidade de proteger suas mentes de mim?

Eu balanço a minha cabeça e atravesso o quarto em direção a cômoda. Não importa qual seja o motivo. O importante agora é devolver a pulseira para a Guilda antes de qualquer outra pessoa se apossar dela. Abro a gaveta de meias e olho para a joia perigosa. Além das sombras verdes mudando continuamente, não há nenhuma pista do poder que ela contém. Eu a pego com cuidado, com medo de desaparecer em um instante e reaparecer em algum lugar do passado. No entanto, nada acontece. Tudo quanto eu sei, só funciona quando eu coloco, e certamente não farei isso novamente.

— Cal, é você? — Papai grita do andar de baixo. Ele deve ter me ouvido sair dos caminhos das fadas.

— Sim — eu grito de volta. Eu me inclino para fora da minha porta e acrescento — Eu vou voltar para a Guilda rapidamente. Eu esqueci algumas coisas lá. — Não é uma mentira. Eu esqueci de voltar para a Guilda para buscar meus livros na minha pressa de me afastar do tatuador.

— Tudo bem, mas você poderia descer aqui por um momento?

Eu desço a escada e encontro papai sentado na mesa da sala de jantar, cercado por papéis. Papai costumava salvar vidas para viver. Agora ele gerencia o lado comercial de uma empresa de segurança privada para que outras pessoas possam salvar vidas e a mamãe não precisar se preocupar com ele se machucando. Eu acho que ele provavelmente ainda deseja ser um guardião. Ele provavelmente deseja muitas coisas. Não ter uma filha com uma habilidade especial sem dúvida está perto do topo da lista.

As palavras que eu o ouvi dizer a Ryn reaparecem na minha mente quando atravesso a sala em sua direção. Tudo o que eu estou perguntando é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar. É um choque saber que meu pai consideraria algo assim, e muito menos o realizaria. Mas eu tenho que lembrar de agradecer por tudo o que ele fez em vez de me sentir moralmente indignada. Afinal, suas ações me afastaram da Lista Griffin.

Eu me pergunto se mamãe sabe o que ele fez. Provavelmente não. Ela é tão frágil, tenho certeza de que papai iria protegê-la disso, como ele a protege de todo o resto.

Papai se levanta quando chego perto da mesa e me inclino contra ela. — Eu encontrei isso em um armário mais cedo hoje — ele diz, levantando uma faca de uma caixa. O cabo de madeira é lindamente esculpido com padrões elaborados e parece do tamanho certo para caber confortavelmente na minha mão. — Era o tokehari que minha mãe deixou para mim — diz papai. — Algo especial, para que eu sempre me lembre dela. — Ele me oferece, junto com uma bainha de couro. — Eu gostaria que você ficasse com ela. Eu sei que você tem armas de guardiã agora, mas pode chegar um momento em que você não terá acesso a elas. Um guardião deve sempre estar preparado.

— Obrigada, pai. — Pego a faca e testo o seu peso e a sinto na minha mão. Eu corro meu dedo ao longo dos padrões no cabo. — É linda.

— A bainha pode ficar presa dentro de uma das suas botas. Dessa forma, você não terá que se lembrar de guardá-la sempre que você tiver uma tarefa ou treinamento.

— Legal. — Deslizo a faca dentro sua cobertura de couro fino. — Eu vou fazer isso hoje à noite. Então eu posso começar a praticar amanhã.

Com um sorriso e um aceno de cabeça, papai se senta e volta ao seu trabalho. Eu vou para as escadas.

Tudo o que eu estou perguntando é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar.

Paro e olho para trás por cima do meu ombro. — Papai? — Ele olha para cima. — Desculpe-me... por ser do jeito que sou. Desculpe pelo o que quer que você tenha feito para me manter fora da Lista Griffin.

Ele franze a testa, depois levanta e vem em minha direção. Ele me puxa para um abraço apertado. — Não se desculpe — diz ele. — Tudo o que eu tive que fazer para mantê-la segura, eu ficaria feliz em fazer novamente. Um dia, quando você for mãe, você entenderá.

Eu aceno com a cabeça contra o seu peito. Ele se afasta, aperta minha bochecha e depois volta à mesa. Subo as escadas e alcanço meu quarto quando uma música começa a tocar na direção da minha mesa. Eu ando até ela e pego meu espelho de mão. O rosto de Zed aparece na superfície brilhante, mas eu não toco para aceitar a chamada. Há uma parte traiçoeira do meu coração que quer ouvir sua voz, mas ainda estou irritada e ferida. Além disso, tenho algo mais importante a fazer agora. Posso falar com ele mais tarde, quando eu devolver a pulseira. Eu jogo o espelho na minha cama e volto para a minha gaveta.

O quarto vibra.

— Não, não, não — sussurro, erguendo as mãos para me estabilizar. O mundo treme e sacode, e de repente eu estou em um lugar completamente diferente. — O quê? — Eu grito. — Como? — Sem pulseira no meu braço. Eu nem estava tocando.

Uma mulher empurra um carrinho pelo lado direito do meu corpo e continua andando. Eu pulo para longe dela e olho em volta. Estou de pé em um grande shopping em algum lugar do reino humano. Não reconheço nada até encontrar o café com temas musicais. Eu vejo uma versão mais nova de mim, aninhada em um sofá sob um violão na parede, e me lembro desse dia instantaneamente. Foi o meu primeiro dia em Ellinhart, e ainda estava furiosa que mamãe mais uma vez recusou me deixar entrar na Guilda. Eu deixei a escola assim que minha última lição terminou, desafiei as regras da minha mãe e as leis fae, e me sentei em uma cafeteria humana em plena visão de todos os humanos que passavam. Claro, nenhum deles sabia o que eu era, então provavelmente não teria tido muitos problemas se alguém descobrisse, mas eu ainda me sentia uma rebelde.

— Ugh, o que estou fazendo aqui? — Eu pulo para cima e para baixo e balanço meus braços, esperando me sacudir de volta ao presente. Não funciona. Talvez eu esteja presa aqui para sempre porque não estou com a pulseira. Mas então... como eu cheguei aqui em primeiro lugar?

— Não entre em pânico, não entre em pânico — eu murmuro para mim. Eu consegui voltar ao presente da última vez que isso aconteceu, então tenho que confiar que eu possa retornar novamente. Entro no café e pairo perto do sofá, onde eu tomo uma caneca de café com 13 anos de idade. Eu sei o que vem depois, e uma parte louca e estúpida de mim quer reviver o momento. Olho em volta e o encontro sentado no balcão pintado como um piano.

Zed. Ele está olhando para um lado com uma careta no rosto. Ele abandona sua bebida, atravessa a sala e fica ao lado de mim no sofá. Ela quase derrama seu café com o susto, mas depois o reconhece. Ela sabe quem ele é antes de ele falar. — Isso vai parecer muito estranho — diz ele, — mas acho que conheço você. De... bem, você se lembra de mim?

Claro que me lembro dele. Como eu poderia esquecer do cara que estava trancado na gaiola pendurada ao lado da minha? Ele fez o seu melhor para me distrair dos meus medos. O terrível príncipe Unseelie, os lamentos e os gritos dos outros prisioneiros, as criaturas que nadavam na água escura abaixo de nós, o sangue do homem do qual eu tentava me afastar...

O mundo se inclina e estremece e eu volto para o presente.

Eu tropeço no meu quarto e me apoio contra a mesa. Náusea me ataca. Eu dobro, agarrando meu estômago. Respirando profundamente, consigo chegar ao meu banheiro sem vomitar. Eu me ajoelho ao lado da piscina encantada, pressionando meus dedos nas pequenas pedras brancas que cobrem o chão do banheiro e observo meu reflexo ondulante na água. Após um minuto ou mais respirando profundamente, a náusea passa.

Eu tenho que me livrar dessa pulseira.


Capítulo 12

Eu enrolo a pulseira em uma camiseta e coloco dentro de uma das minhas mochilas pintadas antes de me dirigir para a Guilda. — Voltou para algum treino extra? — O guarda pergunta enquanto examina meu pingente.

— Não, deixei a minha lição de casa no meu armário — eu digo a ele com um sorriso e um revirar de olhos.

No momento em que atravesso a entrada do saguão, me lembro da camada extra de magia que existe lá. Meu sorriso desliza. Eu congelo por um momento, esperando que um alarme dispare quando os encantos protetores detectarem a pulseira. Mas nada acontece. Aliviada, eu continuo andando. Eu acho que a magia da pulseira não é vista como uma ameaça. Talvez, penso enquanto me dirijo para a escada, seja uma espécie de magia desconhecida, como a magia que me permite criar ilusões. A porta protetora nunca me viu como uma ameaça - embora provavelmente devesse.

Em vez de subir as escadas, eu ando atrás delas em direção ao elevador. Eu não sabia que estava aqui até a última semana de verão. Ryn nunca parece usá-lo e nem a maioria dos outros membros da Guilda. Normalmente estou feliz em subir as escadas, mas não quero ser vista esta tarde. Eu aceno minha mão na frente da porta do elevador ornamentado, depois recuo e espero. Depois de vários momentos - durante os quais eu mantenho a cabeça baixa e espero que ninguém se junte a mim - a porta ondula e desaparece. Eu entro no elevador e giro para o relógio de bronze na parede esquerda. Há mais de doze números ao redor de sua borda. Com o dedo, movo o ponteiro de zero para cinco. A porta reaparece e o elevador ergue-se. Quando abre mais uma vez, saio perto da biblioteca.

Eu pensei em dar a pulseira a um membro do Conselho, mas então eu teria que responder perguntas sobre como e onde eu peguei. Eu poderia dar a Ryn e pedir-lhe para manter meu nome fora, mas então ele ficaria sob destaque. Melhor apenas manter todos fora de problemas e deixar a pulseira onde um membro da Guilda possa encontrá-la.

Entro na biblioteca e vou para um dos corredores, examinando as prateleiras como se estivesse procurando um livro em particular. Eu alcanço a outra extremidade, olho ao redor para garantir que ninguém estar observando e, em seguida, removo a pulseira embrulhada da minha mochila. Coloco no chão antes de tirar a camiseta. Sem esperar um momento mais, eu me levanto e ando de volta para corredor. Agora eu só preciso pegar meus livros e mochila de treinamento do meu armário, e eu posso...

— Oh! — Eu retrocedo quando chego ao final das estantes e quase esbarro em alguém.

— Ops, desculpe — diz Gemma, levando a mão para a boca dela. — Oh, Calla, ei. — Ela me dá um sorriso de desculpas. — Desculpe, isso foi totalmente minha culpa. Eu estava correndo aqui para pegar minhas coisas. Acabei de estar lá em cima, hum... — Ela se aproxima para tocar seu pescoço em um gesto autoconsciente. — Bem, tem esse cara. Ele é um aprendiz de Vidente. Você sabe que os três pisos superiores são para os Videntes, certo?

Eu aceno com a cabeça, esperando não parecer tão culpada quanto me sinto.

— Sim, então não os vemos muitas vezes porque nosso treinamento é completamente separado do deles, mas o encontrei algumas vezes quando comecei aqui porque a mãe dele também é uma administradora. Eu já tive uma paixonite por ele, tipo, por um ano. — Ela revira os olhos quando rosa aparece nas suas bochechas. — Nós às vezes sorrimos. Como amigos. Porque ele é incrível e eu sou tímida demais para lhe dizer que eu gosto dele. De qualquer forma — ela se apressa rapidamente, — o que você está fazendo aqui? Eu vi Olive agora mesmo, então pensei que você já tinha acabado.

— Sim, eu apenas... esqueci meus livros. — No meu armário. Que está lá embaixo. Em nenhuma parte perto da biblioteca. — E eu estava procurando por algo que não entendi muito bem em uma das aulas anteriores — acrescento rapidamente.

— Oh, legal — diz Gemma, sem um pingo de suspeita. — Eu vou andando para casa agora. Você quer se juntar a mim?

— Andando? — Eu a sigo até uma mesa onde ela recupera sua bolsa de uma cadeira. — Você não usa os caminhos das fadas?

— Uso. Não se preocupe, não sou um daqueles extremistas que não usam os caminhos desde o reinado de Draven. Eu apenas gosto de pegar o Caminho Tip-Top quando não é inverno porque é muito bonito. Já esteve lá antes?

— Hum, não. — Saímos da biblioteca e seguimos para as escadas. — Na verdade, eu não moro em Creepy Hollow, então, se eu fosse para casa, levaria muito tempo. Os caminhos das fadas são a minha única opção.

— Oh, mas você está perdendo. É muito bonito lá. Um pouco perigoso, obviamente — ela acrescenta enquanto descemos as escadas, — mas é um pouco perigoso em todos os lugares em Creepy Hollow.

— Eu acho que eu posso andar com você um pouco e, em seguida, pegar os caminhos das fadas para casa — eu digo.

Depois de parar nos armários para que eu possa pegar minhas coisas, deixamos a Guilda através da sala de entrada e saímos dos caminhos das fadas, perto do início do Caminho Tip-Top. Começa na base de uma árvore onde raízes grandes e nodosas se torcem umas sobre as outras para formar degraus irregulares. Mais no alto, onde as raízes terminam, galhos baixos se dobram uns sobre os outros para formar mais degraus. A escada desigual continua em um gradiente fácil de uma árvore para outra até chegar ao dossel da floresta. Enquanto a escada não é íngreme, a casca é escorregadia em lugares onde foi usada ao longo dos séculos. Eu quase perco meu equilíbrio várias vezes, mas é fácil de segurar nos galhos mais próximos.

O Caminho Tip-Top continua por quilômetros através do dossel, construído a partir dos galhos superiores de árvores adjacentes. A intervalos aqui e ali, uma escada desigual como a que escalamos no início leva ao chão - que está tão longe que mal posso conseguir ver entre os galhos emaranhados e as folhas. O céu crepuscular é perfeitamente visível a partir de aqui, no entanto. Uma névoa púrpura rosa como tinta aquarela sangra entre si. Na luz se desvanecendo, percebo pequenos insetos brilhantes muito menores do que os que aparecem mais perto do chão em cima das folhas de outono. Os sprites de guarda-chuva competem uns com os outros ao longo dos pequenos galhos nas laterais, pulando e depois abrindo os apêndices como guarda-chuva anexados na parte de trás de seus pescoços para que possam deslizar de um galho para o outro. Asterpearls, pequenas flores brancas perenes, crescem aqui e ali entre o musgo no caminho. Seu fraco perfume paira no ar.

— Você está certa — eu digo a Gemma. — É realmente lindo...

Minhas palavras são cortadas quando uma esfinge em miniatura salta das sombras para o caminho na frente de nós e mostra seus dentes. Gemma aperta minha mão. Nós duas congelamos. É do tamanho de um gato grande de casa, mas parece feroz o suficiente para causar algum dano. Ambas fomos ensinadas a não lutar contra qualquer coisa a menos que sejamos atacadas primeiro, por isso esperamos, imóveis. Depois de mais grunhidos, a esfinge dobra as patas da frente e se afasta de nós para as sombras do outro lado do caminho.

— Caramba — diz Gemma, soltando minha mão e continuando pelo caminho. — Eu acho que já vi esse antes. Sempre é um pouco agressivo, mas não ataca, desde que você não faça movimentos ameaçadores.

— Você sabe disso por experiência?

— Infelizmente, sim. Eu estava com Perry. Ele fez uma dança estranha do braço mexendo e a esfinge pulou e arranhou o peito dele. Ele queria ir atrás quando ela foi embora, mas consegui fazê-lo ficar quieto enquanto suas feridas curavam.

Eu sorrio e passo cuidadosamente em torno de uma pequena criatura peluda que decidiu que o meio do caminho era um bom local para tirar uma soneca. — Vocês são amigos há muito tempo?

— Desde o primeiro ano na Guilda.

— Ok. — Eu aceno com a cabeça. E então aceno mais uma vez porque nunca fui fantástica ao ter conversas com pessoas novas.

— Então, hum... — Gemma balança os braços ao seu lado. — O que seus pais fazem? Espero que seja algo mais excitante do que meus pais.

— Na verdade, não — digo com uma risada. — Minha mãe é uma bibliotecária naquela enorme biblioteca anexada à Escola Wilfred Healer, e meu pai trabalha para uma empresa privada de segurança. Ele costumava ser um guardião, mas parou de trabalhar depois que seu primeiro filho morreu e seu primeiro casamento desmoronou. Depois que ele conheceu minha mãe, ele deixou de ser um guardião completamente. Desativou suas marcas e tudo.

— Sério? Uau. Eu não conheço ninguém que teve suas marcas desativadas.

— Sim, acho que não é comum. A Guilda reativou suas marcas depois da Destruição, porque eles precisavam de toda a ajuda possível, e papai não queria se esconder nas sombras, mesmo que minha mãe não estivesse feliz com isso. Ela ficou aterrorizada todos os dias, com medo de que receberia uma carta dizendo que ele morreu ou tinha sido capturado e marcado. De qualquer forma, isso não aconteceu, e depois que o reinado de Draven acabou, ele deixou a Guilda novamente.

A expressão de Gemma torna-se pensativa. — Eu não posso me imaginar saindo.

— Eu também. — Eu desvio para que não caminhe entre em uma procissão de aranhas-de-prata cruzando o caminho em um único fio cor de prata. — De qualquer forma, meus pais são chatos. Conte-me sobre este Vidente por quem você tem uma paixão.

— Oh. — Gemma sorri para seus pés. — Seu nome é Rick. Ele é bonito e inteligente e divertido e amável e geralmente perfeito. Ele não tem namorada há pelo menos quatro meses, e não sei por que porque todas as meninas Videntes querem estar com ele.

— Bem, talvez ele tenha visto você em seu futuro — eu digo, cutucando seu braço com meu cotovelo e me perguntando quantos Videntes usam essa cantada.

Ela geme. — Eu duvido. Não é isso que ele treinou para ver. Quero dizer, com certeza, os Videntes nascem com a capacidade de ver praticamente qualquer coisa no futuro, mas é por isso que aqueles que trabalham para a Guilda têm muito treinamento. Eles têm que aprender a aprimorar suas habilidades para que vejam as coisas perigosas que estão chegando, e não as coisas frívolas. Esse é o foco deles, e toda a sua magia se dedica a isso. Ele provavelmente não tem muita magia para ver visões de seu relacionamento no futuro.

— Talvez ele seja poderoso o suficiente para... Oh! — Eu agarro uma videira pendurada quando minhas botas deslizam lateralmente, quase me enviando para fora da borda do caminho desigual.

— Cuidado, essa parte é escorregadia — diz Gemma, voltando e pegando minha mão.

— Uh huh. — Eu passo o pedaço liso e brilhante da casca e ando pelas partes ásperas que proporcionam uma melhor aderência aos meus sapatos. — De qualquer forma. Eu estava dizendo que talvez ele seja poderoso o suficiente para ver as coisas perigosas e as coisas frívolas como sua vida amorosa.

— Eu não sei. Não tenho certeza de que gostaria de saber esse tipo de coisa antes do tempo, se fosse eu. Ter a emoção, sabe? E Rick é apenas um vidente normal, não um superpoderoso ou qualquer outra coisa, então tenho certeza de que toda a sua magia vai para ter visões para a Guilda. — Ela arranca uma das poucas folhas verdes restantes de um galho e gira entre os dedos dela. — Você sabia que quanto mais poderoso é um Vidente, mais longe no futuro ele ou ela pode ver? Rick disse que seu bisavô viu um ataque cinquenta anos antes de acontecer. Os guardiões encontraram a fada que ia fazer isso. Ele ainda era uma criança, e descobriram que seus pais eram abusivos. A Guilda se envolveu, a criança acabou com uma nova família, e cinquenta anos depois, o ataque nunca aconteceu.

— Isso é incrível. Pergunto-me quantos outros eventos mudaram porque a Guilda interveio na vida desse menino.

— Inúmeros eventos, eu tenho certeza. O futuro está sempre mudando. Você sabe como é com algumas das nossas tarefas. Nós apareceremos depois de terem recebido o resumo sobre o que deveria acontecer, e então isso nunca acontece.

— Sério? Isso aconteceu com você?

— Sim. Isso significa que algo mudou, o que, por sua vez, afetou o evento em que eu deveria mudar. — Ela olha para mim e franze a testa. — Eu acho isso. É tudo bastante complicado. Às vezes, eu viajo quando Rick tenta explicar coisas.

— Isso provavelmente é porque você está olhando para seus olhos perfeitos ou seus lábios perfeitos ou alguma outra característica perfeita dele.

Ela tenta parecer ofendida, mas depois caí na gargalhada. — Sim, isso provavelmente é verdade.

À medida que nossa risada diminui, lembro de uma pergunta que sempre tive quando penso na capacidade de Ver. — Às vezes, eu me pergunto por que os videntes nunca viram a Destruição chegando.

— Ugh, sim, você e todos os outros. Rick e eu quase tivemos uma briga sobre essa questão, porque aparentemente todos perguntam aos Videntes sobre isso, e eles estão cansados disso. Foi a única vez que ele já ficou chateado comigo.

— Mas ele te respondeu? Ele sabe por que eles não Viram acontecer?

— Aparentemente alguém do exército especial de Draven, uma das primeiras pessoas que acabaram na Lista Griffin depois do reinado de Draven terminar, era uma mulher que podia bloquear visões. Os Videntes sempre dizem que Draven a estava usando para bloquear suas visões sobre o que estava por vir.

— Oh, tudo bem. Hum, qual a sua opinião sobre a Lista Griffin? — Eu pergunto de forma casual.

Gemma solta um longo suspiro e solta a folha sobre a borda do caminho. — A Lista Griffin é estúpida. Quero dizer, pense sobre isso. Essas pessoas e sua magia especial existem há séculos e nunca incomodaram ninguém antes. Não é culpa deles que o príncipe Marzell os prendeu a um exército quase imparável. Eles estavam sob o controle dele e de Draven, tanto quanto qualquer outro ser mágico. Mas então, a Guilda vem e tem que dar rótulos a tudo - habilidades especial, pessoas Dotadas e ordenar tudo em um registro da maneira que eles fazem para halflings, a maioria dos quais também são inofensivos. É simplesmente ridículo.

— Eu concordo — eu digo, — mas, por outro lado, você pode entender o objetivo da lista, não pode? Algumas dessas habilidades especiais são realmente perigosas.

— Bem, sim, há alguns perigosos, mas isso não significa que as pessoas que as possuem são perigosas. É só... — Ela hesita, reunindo seus pensamentos. — Os criminosos vêm de todas as formas e tamanhos e raças, de todos os tipos de origens e com todos os tipos de magia. Qualquer um poderia ser um criminoso, não apenas um dos Dotados. Então, por que tratá-los de forma diferente?

Estou gostando cada vez mais dessa garota. — Isso faz todo o sentido para mim. Se o resto do mundo enxergasse dessa maneira.

— Eu sei. Mas você não pode argumentar demais sobre isso, de outra forma as pessoas começam a pensar que você é Dotada.

— Sim. — Eu começo a pensar que este provavelmente é um bom momento para eu ir para casa. É ótimo que Gemma e eu estejamos de acordo sobre a Lista Griffin, mas se continuarmos conversando sobre isso por muito mais tempo, eu posso acabar deixando escapar algo. — Eu provavelmente deveria ir para casa.

— Eu também — diz ela. — É aqui onde eu costumo entrar nos caminhos das fadas. Minha casa está perto, mas é mais fácil seguir os caminhos do que descer todas as escadas.

Dizemos adeus e trocamos um abraço meio-estranho. Então eu abro um portal e entro nele. Em vez de levar os caminhos das fadas diretamente ao meu quarto, saio perto de uma das cachoeiras perto da minha casa. Vivemos no Vale Carnelian agora. Não é uma área florestal natural como Creepy Hollow ou Woodsinger Grove. As árvores foram plantadas especificamente para serem usadas como casas de fadas. Elas estão dispostas em círculos concêntricos em volta de um sistema de oito lagos interligados na base do vale. Supostamente é uma área cara e altamente procurada. Ryn disse que papai deve ter usado influência para conseguir uma casa aqui tão rapidamente depois que mamãe escolheu essa área.

Fico com as mãos nos meus quadris e examino a área, comparando-a com a floresta que acabei de passar. Os lagos e cachoeiras em cascata são lindos, mas não há nada que me atraia nos círculos perfeitos das árvores subindo pelos lados do vale. Eu preferiria ter uma casa na floresta emaranhada de Creepy Hollow.

Eu me afasto da água. Conforme vou me aproximando da nossa árvore, percebo alguém sentado no chão ao lado. Paro e olho mais de perto. No momento em que eu o reconheço, sinto o choque familiar no meu estômago. Não é tão forte como costumava ser, no entanto. Eu acho que estou superando minha paixão tola.

— O que você está fazendo aqui, Zed? — Pergunto enquanto eu ando em direção a ele.

— Você está me ignorando — ele diz ficando de pé. — Eu queria ver você.

— Então, você decidiu espreitar fora da minha casa? Estou surpresa que meu pai não tenha vindo aqui para descobrir quem você é e o que deseja.

— Oh, conheci seus pais. Eu disse a eles que eu sou um dos instrutores de treinamento da Guilda e que eu vim para organizar um cronograma para treinamento extra que você solicitou. Eles disseram que você ainda não estava em casa, então eu disse que esperaria aqui fora.

Pisco, depois solto minha mochila no chão e cruzo meus braços. — Então você não veio explicar por que estava saindo com o drakoni que queria me matar?

— Olha, não percebi que ele odiava tanto guardiões. Eu mal conhecia o cara. Ele faz parte de um grupo de pessoas com... bem, interesses semelhantes.

— Interesses semelhantes?

— Sim, é... — Zed coça a cabeça. — Nós somos todos sobreviventes que foram trancados no calabouço do príncipe Zell antes da Destruição. É como... um grupo de apoio.

— Um grupo de apoio? Agora você está inventando coisas.

— Eu não estou, Calla. Realmente existe um grupo. Eu não sei como esses caras se encontraram, mas eles se encontraram, e agora eles me encontraram.

— Bem... isso é ótimo.

— O que aconteceu ontem à noite quando você desapareceu? — Zed pergunta, aproximando-se de mim. — Aquilo foi realmente estranho.

— Ah, não era nada. Não é grande coisa. — Passo por ele e escrevo um portal na grande árvore que esconde minha casa.

— Você tem certeza? Porque você parecia seriamente...

— Tenho certeza. Foi uma das minhas ilusões. Eu fiz que todos pensassem que eu tinha desaparecido. Mas então, não consegui segurar porque, hum... — Um choque passa por mim. Ondas irradiam longe de mim. — Oh, não. — Giro e alcanço Zed, mas tudo desaparece.

Eu me vejo parada na mesma cena em que eu estava antes. Zed está sentado ao lado da minha versão mais nova no sofá no café, eu estou dizendo, “...muito feliz por você aparecer aqui. Sempre me perguntei o que aconteceu com você. Meu irmão disse que a Guilda resgataria todos, mas nunca soube com certeza se resgataram.”

— Não! — Eu grito. Eu não deveria mais estar viajando pelo tempo. Não estou perto daquela pulseira estúpida. Por que ela ainda me afeta?

— Eles não nos resgataram — Zed diz para o eu mais jovem.

— O quê? Mas então, como você saiu? Você... oh meu Deus, você teve que lutar por Draven? Ele fez lavagem cerebral em você?

Coloco meus dedos no meu cabelo e o puxo. Leve-me de volta ao presente. De volta ao presente. DE VOLTA AO PRESENTE, DROGA!

— Não — diz Zed. — Eles tiveram que nos tirar de nossas gaiolas para nos marcar, e foi quando alguns de nós conseguiram. Foi... bem, não vou dizer-lhe como fizemos porque foi bastante horrível. Estávamos desesperados. Sabíamos que a Guilda nunca viria.

— Não foi culpa da Guilda, ok? — Grito a Zed enquanto ele continua contando para minha versão mais nova como ele decidiu nunca mais voltar para a Guilda. — É complicado com as Cortes Seelie e Unseelie. A Guilda não pode simplesmente marchar para qualquer lugar que quiser. Eles provavelmente teriam iniciado uma guerra bastante cedo se ignorassem todas as leis, e você sabe disso.

A cena desaparece junto com o som súbito ao qual estou me acostumando. A náusea e a tontura me atingem no momento em que eu volto para o Vale Carnelian. Eu tento me estabilizar contra a árvore e encontrar a entrada na minha casa ainda aberta.

— O que foi isso? — Exige Zed. — O que acabou de acontecer?

— Q-quanto tempo eu sumi? — Eu pergunto entre suspiros profundos de ar.

— Eu não sei. Dois ou três segundos, como ontem à noite. O que está acontecendo?

— Nada, estou bem. — Eu o afasto e arrasto a mim e a minha bolsa para dentro. A porta fecha e caio na poltrona mais próxima. Inclino-me para frente e coloco minha cabeça entre meus joelhos. Não passe mal, não passe mal, não passe mal.

— Ei, docinho, — mamãe chama da cozinha. — Você viu o instrutor lá fora?

Eu respiro profundamente e digo, — Sim, falei com ele.

— Bom. Fico feliz que você esteja em casa. O jantar estará pronto em breve e você precisa de muita comida para manter sua força para todo esse treinamento extra.

— Ótimo — eu murmuro, inclinando minha cabeça para trás e fechando meus olhos. Eu só preciso de uma coisa agora, e não é comida.

Preciso do tatuador.


Capítulo 13

Depois que mamãe e papai vão para a cama, eu me visto e abro um portal. Eu sei exatamente como é dentro da sala de estar do tatuador, então eu me concentro nisso enquanto entro na escuridão. À medida que a luz aparece, eu me apresso, mas estou deixando os caminhos das fadas quando me sinto caindo, girando, virando. Eu agarro desesperadamente o ar enquanto meu corpo é arremessado por uma força invisível e um grito de banshee guinchando nos meus ouvidos. Quando ao meu redor finalmente se torna uma paisagem lentamente balançando ao invés de uma mistura de turvo, percebo que estou pendurada de cabeça para baixo.

— O que... o que foi isso? — Eu suspiro.

O grito para, e uma voz atrás de mim diz — Bem, estou feliz em ver que o meu alarme de intruso está funcionando. — Uma força invisível me balança de cabeça para cima e me deposita em cima do sofá. — Provavelmente devo agradecer por me alertar sobre a pequena falha no meu sistema de segurança — diz o tatuador. Ele se inclina sobre as costas da poltrona e me examina. As pontas de seus dedos estão manchadas de preto. Tinta? Pintura? Carvão? Não posso dizer daqui. — Então, Calla. Estou assumindo que você mudou de ideia esta tarde? — Ele diz.

— Na verdade — eu digo com cuidado, — eu preciso da sua ajuda. A coisa de viagem no tempo... está acontecendo mesmo quando não estou usando a pulseira.

Ele fecha seus olhos e suspira. — Eu disse para você não a colocar.

— Não. Você me encontrou depois de colocá-la e depois perguntou o que tinha de errado comigo. Agora, realmente há algo de errado comigo, e não tenho ideia de como fazer parar.

— E você acha que posso ajudá-la.

— Bem, você parecia saber o que ela ia fazer comigo.

Ele acena com a cabeça lentamente. — Eu sabia.

Espero que ele me diga se sabe como me consertar ou não, mas ele não diz nada. — Ok, quanto a isso — eu digo. — Se você puder me ajudar, eu vou te devolver a pulseira. — Isso pode não ser mais possível, mas ele não precisa saber disso. Ainda não.

O tatuador arqueia uma sobrancelha. — Eu não acho que você está em posição de negociar comigo.

— Mas eu tenho algo que você quer. Não é assim que negociar funciona?

Ele se endireita, anda em volta da cadeira, e se senta. — Que tal isso — diz ele. — Você me dá a pulseira, e eu concordo em não contar a Guilda sobre sua Habilidade especial.

— O...o quê? — Eu pressiono meus dedos na almofada macia enquanto dentro de mim congela.

— A Lista Griffin? — Diz o tatuador. — Eu acho que você ouviu falar sobre isso. Eu também acho que você não está nela. Se estivesse, a Guilda não permitiria que você fosse um dos seus guardiões.

Suas palavras ficam no ar entre nós. Palavras que ameaçam roubar tudo o que eu sonhei. Respiro fundo e coloco minhas mãos cuidadosamente no meu colo. — Qual é o seu nome? — Pergunto.

— Meu nome é Chase.

— Bem, Chase — digo devagar. — Eu não estou mais com a pulseira.

Sua expressão mal muda, mas seus lábios ficam mais apertados. Quando ele fala, sua voz é mais tranquila do que antes. — Você devolveu para a Guilda?

— Devolvi.

Ele me olha por um momento a mais e depois deixa a cabeça cair entre suas mãos. Ele geme e esfrega as têmporas. — Você não sabe o que fez.

Ele parece tão desanimado que me pergunto pela primeira vez, se eu de fato cometi um erro ao devolver a pulseira a Guilda. — Algo... algo ruim vai acontecer porque eu fiz isso?

— Provavelmente. — Chase esfrega o queixo e olha para a cachoeira pintada à direita. — Se ele roubou antes, ele vai roubá-la novamente.

— Ele? — Pergunto, me sentando para frente.

— Saber. O homem que nos encontrou no túnel na noite passada. Desde que ele começou a se encontrar com um dos prisioneiros em Velazar, ele está caçando a pulseira. Eu acho que é porque ele foi informado que deve voltar no tempo e encontrar uma informação importante. E este prisioneiro... bem, ele é extremamente perigoso. Qualquer informação que ele esteja procurando, eu preferiria que ele não encontrasse.

Inclino minha cabeça para o lado, olhando-o com suspeita. — Como você sabe tudo isso? Você está trabalhando para a Guilda? A Corte Seelie?

Ele ri silenciosamente e balança a cabeça. — Os guardiões não são os únicos que tentam livrar o mundo do mal.

— Então você é... o que... um tipo de vigilante?

Ele ri de novo, então vira seu olhar brilhante sobre mim. — Eu pareço um vigilante?

— Eu não sei. Não posso dizer que conheci muitos vigilantes, então não tenho certeza de como eles parecem. Eu sei que eles agem fora da lei, porém, e provavelmente devem ser relatados à Guilda.

Divertido, Chase diz — Você está me ameaçando? Você, aquela com o perigoso segredo que está tentando esconder da Guilda, está ameaçando me denunciar, a pessoa que conhece seu segredo. — Ele balança a cabeça. — Você não tem ideia de como essa coisa de negociar funciona, não é.

— Eu sei exatamente como isso funciona — digo enquanto levanto. — Eu estava apenas esperando que você quisesse manter seu segredo guardado quanto eu quero manter o meu. — Eu caio sobre um joelho e escrevo um portal no tapete desgastado.

— Ei, espere um minuto. — Chase pula, mas eu já estou caindo através da escuridão.

Eu caio nas antigas ruínas da Guilda, depois abro outro portal e saio mais perto da nova Guilda. Ryn me avisou antes que é possível ser seguido pelos caminhos das fadas, e eu prefiro não ter Chase vindo atrás de mim. Eu preciso pensar.

Eu permaneço em meio a um grupo de cogumelos gigantes e mordo meu lábio. Eu sei o que devo fazer agora. Eu deveria ir ao Conselho da Guilda e contar-lhes tudo o que sei. A pulseira, o tatuador vigilante, esse cara chamado Saber e como ele se encontrou com alguém na prisão de Velazar, que abriga os criminosos mais perigosos em nosso mundo. Mas se eu fizer isso, vou sacrificar meu futuro como guardiã. Estarei sacrificando minha liberdade. Chase irá dizer-lhes o que posso fazer, e meu nome acabará na Lista Griffin, disponível para quem quiser procurar. A Guilda terá controle sobre mim pelo resto da minha vida. Eles acompanharão tudo o que eu faço e em todos os lugares que eu vou. Eles podem até descobrir sobre... aquele incidente. Aquele que eu gosto de fingir que nunca aconteceu.

Não. Eu tenho que pegar aquela pulseira de volta. Além disso, se Chase estiver certo e o Saber pegá-la novamente porque eu a devolvi para a Guilda, então, na verdade, estou fazendo o certo ao roubá-la de volta. E, agora que penso nisso, quem sou eu para julgar Chase por trabalhar fora da lei quando passei os últimos anos fazendo o mesmo? A Guilda não tinha nada a ver com nenhuma dessas “tarefas” que Zed me deu.

Decisão tomada, eu me dirijo para a entrada dentro da Guilda através dos caminhos das fadas. Felizmente, meu pingente de aprendiz ainda está em volta do meu pescoço, então não tenho que ir para casa para pegá-lo. Espero que o guarda noturno me questione quando apareço na sala de entrada, mas ele não diz nada. Eu acho que seja normal que os aprendizes apareçam em horas estranhas se tiveram tarefas tarde da noite. E pessoas como Saskia que estão obcecadas com os rankings provavelmente vêm aqui para treinar no meio da noite.

Eu corro para a biblioteca, esperando que isso seja tão fácil quanto voltar ao ponto em que deixei a pulseira e pegá-la. Não é, é claro. A pulseira desapareceu. — Obviamente — eu murmuro para mim mesma. A vida nunca é fácil. Eu ando até a recepção. Depois de me certificar de que ninguém está por perto, eu procuro, levantando cuidadosamente em livros e pergaminhos e abrindo gavetas.

Não encontro a pulseira.

Merda. Provavelmente já foi devolvida ao andar dos artefatos. O andar de artefatos altamente seguro. Posso criar uma ilusão suficientemente boa para entrar e sair daqui sem ser pega? Eu acho que vou ter que se eu...

Espera aí. Ao percorrer o escritório do bibliotecário, vejo algo deitado sobre sua mesa. Algo com peças de relógio e pedras verdes. — Sim! — Eu sussurro. Olho em volta mais uma vez, mas ainda não vejo ninguém aqui. Se a porta do escritório estiver aberta, isso significa que o bibliotecário está em algum lugar? Provavelmente não. Ele não pode trabalhar o dia inteiro e a noite toda.

Deslizo para dentro e pego a pulseira - e escuto um baque na recepção da biblioteca.

Claro. Porque a vida nunca é fácil.

Eu me abaixo e rastejo para trás da mesa, logo quando alguém entra no escritório cantarolando discretamente. Olho abaixo da mesa e vejo os sapatos rosa de salto alto da assistente do bibliotecário. Ela coloca algo pesado sobre a mesa, então se move em torno do lado.

Pense, pense, pense! Eu abaixo as defesas da minha mente e projeto uma imagem de um dos anões mensageiros batendo na porta. E ele diz... Merda, o que um mensageiro diria a essa hora da noite?

— Boa noite, senhora — eu imagino o anão dizendo. — Acabei de ver um aprendiz tentando vandalizar uma das placas no Salão de Honra. Não consegui encontrar ninguém nos outros escritórios abertos, e já que sabia que você estava aqui esta noite, pensei que você talvez pudesse lidar com isso.

— Oh, obrigada por me contar. Isso é muito estranho, mas vou lidar com isso.

Eu faço o anão se mover para fora do caminho enquanto a assistente de bibliotecário se apressa para fora do escritório. Quando tenho certeza de que ela se foi, eu pulo e saio. Empurro a pulseira no bolso do meu casaco e pego o elevador até o saguão. Um minuto depois, estou pendurada de cabeça para baixo na sala de estar de Chase com aquele estranho grito que ameaça me ensurdecer mais uma vez.

— Ugh! Me tira daqui! — Grito. Um momento depois, eu caio desajeitadamente no sofá quando o ruído para. Eu me ajeito para uma posição sentada e aponto um dedo para ele. — Você poderia ter impedido a sua magia de intruso de me pegar uma segunda vez.

Ele encolhe os ombros. — Talvez.

Eu tiro a pulseira do bolso e jogo na mesa de café. — Aí. Agora você não tem motivos para dizer à Guilda o que posso fazer.

Incrédulo, Chase diz, — Você tocou nela novamente?

— Eu não tive tempo para fazer outro plano. Além disso, já me afetou, não é? O quão pior pode ficar? Agora me diga o que tenho que fazer, então você me ajudará com esse problema de viagem no tempo.

Ele suspira e pega um pano manchado de tinta de uma caixa ao lado da mesa. — Você não precisa fazer nada, Calla. Claro que vou ajudá-la.

— Você... você vai?

— Sim. — Usando o pano, ele pega a pulseira encantada. — Apesar do que você provavelmente está pensando, não sou o cara mau nesta situação.

— Mas... você ameaçou expor minha habilidade à Guilda.

— Eu não ia realmente fazer isso. Eu estava apenas tentando recuperar a pulseira. E na esperança de impedi-la de correr para a Guilda com histórias loucas sobre eu ser um vigilante. — Ele remove uma pequena caixa de madeira de um desenho e coloca a pulseira dentro. — Eu realmente me oponho fortemente à Lista Griffin, como acontece. Compreendo por que existe, é claro, mas acredito que todos têm direito à privacidade. Eu não gostaria de ser responsável por colocar o nome de alguém nessa lista. — Ele tranca a caixa e segura a chave na frente do rosto. Ele sopra suavemente sobre ela e ela desaparece. — Provavelmente deveria ter trancado da primeira vez, — diz ele, olhando para mim. — Então você não estaria nesta bagunça.

Sento no braço do sofá e olho para a caixa de madeira. — Como funciona? Quero dizer, parece aleatório - eu não sei quando vai acontecer, e não sei a que horas vai me enviar de volta - mas eu acho que seja algo que pode ser controlado se eu souber como.

Chase acena com a cabeça e se inclina contra a borda da mesa. — Há alguém que sabe como controlar esse poder. Infelizmente, não sou essa pessoa.

Meus ombros caem. — Formidável.

— Mas aqui está o que eu sei — ele continua. — A magia deveria ficar dentro da pulseira e só funcionava quando alguém a usava, mas parece que está um pouco... apegada. Gosta de ficar com as pessoas. Parece que os picos de emoção são o que desencadeiam a magia para levar desse tempo para outro. Ela só pode enviá-la para trás, não para frente, e você não pode fazer nada para influenciar a cena que ela envia para você. Você só pode observar. Você não pode usar qualquer mágica quando você está lá, e nenhum de seus dispositivos de comunicação funcionará. Quando você retorna ao presente, você se sente doente. Quanto mais longe você viaja, pior você se sente quando retorna.

— Estou familiarizada com esse efeito secundário delicioso, — digo com um aceno de cabeça. — Eu acho que tudo isso que você sabe é de experiência?

— Sim.

— Mas você está melhor agora, certo? O que significa que você pode me ajudar.

— Não posso, mas posso levá-la a alguém que pode.

— Graças a Deus. — Levanto. — Podemos ir agora?

— Desculpe, tenho outros negócios para resolver esta noite. — Ele afasta-se da mesa e caminha até a porta. — Volte amanhã à noite.

— Hum, está bem. Não, espere, eu vou fazer a minha primeira tarefa amanhã à noite.

— Bem, na próxima noite, então. — Ele abre a porta.

Olho para a porta aberta, depois para ele. — Eu não posso esperar tanto tempo.

— Parece que você não tem escolha.

— Mas e se acontecer quando eu estiver na aula? Ou no centro de treinamento? Ou, eu não sei, quando estiver no meio do refeitório com metade da Guilda observando?

Uma onda desliza para mim, distorcendo a sala por um momento.

— Droga.

— Fique calma — instrui Chase. Ele pula sobre uma pequena mesa lateral e se move em minha direção.

A vibração se intensifica. Eu atiro minhas mãos quando o som corrente começa.

— Pare! — Chase grita, agarrando minha mão firmemente.

Tudo para - e permaneço exatamente onde estou, no presente, na sala de estar de Chase. — Como... como você fez isso?

— Você não pode levar ninguém com você. — Ele solta minha mão. — Então eu acho que ajuda se tiver alguém forte o suficiente para ancorar você no presente. — Ele desvia os olhos e depois volta para a porta.

Forte o suficiente.

Ele é forte o suficiente para derrubar um escudo de magia em um só golpe, forte o suficiente para bloquear minhas projeções e forte o suficiente para me ancorar no presente, quando uma força mágica quer me afastar desta linha de tempo. O instinto me diz que é perigoso se envolver com alguém com muito mais poder do que um faerie mediano. Mas que escolha eu tenho? Ele é o único que pode me ajudar.


Capítulo 14

Eu passo o meu quarto dia na Guilda com foco em pensamentos tranquilos, como ventos suaves e flocos de neve cobrindo paisagens de inverno silenciosas. Passo o dia sem viajar para um tempo diferente, mas quase projeto uma imagem de um pôr-do-sol em Ned quando nós dois entramos no Aquário para lutar um contra o outro. Eu o vejo franzir a testa, piscar, então balançar a cabeça enquanto eu mentalmente reforço a barreira em minha mente. Ned então prossegue para acabar comigo, porque, como se mostra, ele é muito melhor lutando do que é conversando com as pessoas.

Depois do jantar, volto para a Guilda para encontrar Olive para que ela possa me dar minha primeira tarefa. Ela não me cumprimenta quando entro em seu escritório, mas estou rapidamente me acostumando com isso. Irritada com a vida parece ser sua configuração padrão.

— Sente-se — ela diz depois que eu pairo perto de sua mesa por vários momentos desconfortáveis. — Eu tenho coisas para fazer, então vamos acabar logo com isso.

Vamos acabar logo com isso? Fantástico. É exatamente isso que eu quero ouvir antes na minha primeira tarefa como verdadeira aprendiz. Pensamentos calmos, Calla. Pensamentos calmos.

— É uma tarefa bastante simples — diz Olive enquanto examina o papel em sua mão. — Normalmente, eu ficaria feliz com você lidando com isso sozinha, mas como nunca a observei em ação antes, sinto que seria irresponsável que eu não estivesse presente. Dependendo de como você vai fazer hoje à noite, eu vou decidir se preciso ser babá de mais alguma de suas tarefas.

Fique calma, fique calma, fique calma.

— Então. Nós vamos para uma casa no reino humano esperar uma harpia aparecer e tentar levar um garoto de quatro anos. Você já deve saber as regras da tarefa, mas considerando que tem faltado bastante treinamento para você, e as coisas mudaram desde a época do seu irmão, você provavelmente não sabe.

— Estou ciente da...

— Você não pode fazer nada para a harpia, a menos que ela faça um movimento contra um humano. Quando ela fizer, você deve proteger o humano em primeiro lugar, depois prendê-la para que ela possa ser levada à Guilda. Se ela fugir, você não pode fazer mais nada, e sua tarefa acabará assim que você tiver colocado feitiços de proteção ao redor da área. Se ela lutar de volta e você não tiver como resolver a situação sem matá-la, então você tem que fazer isso. Haverá um inquérito para determinar se você foi justa ao matá-la. Se foi, você continuará com a sua vida normal. Se não, você será suspensa. E há o conselho, é claro. — Ela parece estremecer ligeiramente, provavelmente no pensamento de ter que me aconselhar. Espero que nunca aconteça, já que não planejo matar ninguém. — Aqui está sua faixa rastreadora. — Ela me entrega uma tira de couro estreita. — Coloque-a, e não a retire até a tarefa acabar.

— Ah, ainda é necessário usá-la se você estiver comigo?

— Sim. Todas as tarefas são gravadas através de um dispositivo de repetição e guardadas por três anos, depois disso são descartadas. Se houver um inquérito, será usado para evidências. Ninguém registrou as tarefas que você fez durante o curso intensivo de férias de verão?

— Oh, não. Eu não tinha uma faixa rastreadora até então.

Olive faz um som de tsk irritado e sacode a cabeça. — Como devemos executar corretamente as coisas quando as pessoas simplesmente ignoram as políticas? Foi assim que as coisas deram errado na primeira vez. Foi assim que a Guilda caiu.

— Na verdade, acho que a Guilda caiu porque um lunático chamado Draven de alguma forma conseguiu colocar um dispositivo explosivo dentro da antiga Guilda Creepy Hollow, onde a maioria dos membros do Conselho que estavam seguindo políticas para se reunir para lidar com uma ameaça iminente, foram mortos.

Os lábios de Olive formam uma linha reta e apertada, e sua mandíbula fica tensa.

— Pelo menos, é o que o meu livro diz — eu acrescento antes que ela possa explodir. — De qualquer forma, provavelmente devemos começar essa tarefa.

— Deveríamos. E você deve manter sua boca fechada se quiser chegar até o final deste ano sem falhar.

Eu considero adicionar um “Sim, senhora,” mas decido seguir o conselho dela de manter-a-minha-boca-fechada em vez disso.

Chegamos à cozinha da casa onde a minha missão se realizará. Olive sai dos caminhos atrás de mim e paira perto enquanto eu tento fingir que ela não está lá. A cozinha está vazia, mas uma campainha toca momentos depois de chegarmos, então saio da cozinha e procuro uma porta da frente. Entro em uma grande área de estar e vejo uma mulher deixando uma adolescente entrar. — Obrigada, Lizzie. Eu sei que o pedido foi em cima da hora — diz ela. — Ele já jantou, então você não precisa se preocupar com isso. Ele está na sala de jogos agora. Você pode deixá-lo jogar por mais — ela verifica seu relógio — meia hora ou mais, mas então ele deve ir para a cama. De qualquer forma, você sabe o que fazer. — Ela corre para o pé de uma escada e grita, — Simon, precisamos ir.

Eu a sigo até lá e a encontro abraçando um pequeno garoto dando adeus e o lembrando para ser bom. Eu suponho que este é o menino que eu estou aqui para proteger.

— Vamos, Mary, vamos — uma voz masculina chama. A mulher se afasta e Olive anda atrás de Lizzie.

— Ei, Jamie — diz Lizzie. Ela senta no chão e junta os carros para brincar. Fico com os meus braços ao meu lado, esperando que algo aconteça. Na minha mão esquerda, eu reúno magia do meu núcleo, para que eu possa atordoar a harpia assim que ela aparecer e fazer com que ela se mova. Minha mão direita está pronta para pegar uma arma, se necessário. Olive fica em um canto, parecendo aborrecida.

Depois de alguns minutos, Lizzie se move para o sofá, encontra o controle remoto da TV e troca os canais enquanto o menino empurra seus carros ao redor do chão. Passa outro minuto. Eu ando sobre os vários brinquedos espalhados pelo tapete e espio pelas persianas. Sem movimento no jardim.

Então eu ouço o som de asas batendo.

Eu giro. A harpia desce em direção ao menino, suas asas emplumadas batendo no ar e suas grandes garras de aves estendem na direção dele. Seu rosto como humano está retorcido em uma expressão irritada. Eu jogo a minha magia de atordoar, mas ela joga suas asas no meio caminho, e a magia atinge a parede atrás dela, deixando um buraco. Droga. Eu vou em direção a ela, percebendo que enquanto eu estou indo já há uma espada sobre meu controle. Estou vagamente consciente de que Chase estava certo - acontece com facilidade quando você não está pensando nisso – então eu corto a harpia. Ela retrocede com um grito que soa não natural vindo de uma boca humana. Seus olhos negros me encaram com ódio. Então ela mergulha de novo.

Eu levanto a minha arma para cortá-la, mas ela se move em uma velocidade notável e envolve suas garras em meu braço antes que eu possa balançar a espada. Ela me balança vigorosamente, me levantando antes de me deixar cair de volta. Eu tropeço, depois me abaixo quando ela mergulha mais uma vez. Quando ela desvia no pequeno espaço e volta minha direção, solto a espada e me atiro nela. Nós caímos no chão em uma confusão de agarrar, bater e arranhar. Os brinquedos são chutados para o lado, e o menino está gritando, e Lizzie está gritando, e eu simplesmente... não consigo... Imobilizá-la...

— Isso não é da sua maldita conta! — A harpia grita enquanto suas asas se abaixam pesadamente ao meu redor, quase me derrubando. Com um grande impulso de suas garras, ela me chuta. Eu caio sobre minhas costas, depois rolo para o lado e pulo. Estou de pé contra uma parede - e a harpia vem diretamente para mim.

Não tenho para onde ir.

Eu chicoteio minha mão. Uma adaga se materializa sobre meu aperto, eu aponto diretamente para ela. É tarde demais para ela diminuir. Ela vai voar diretamente para a adaga. A lâmina irá perfurar seu coração, e ela vai morrer. Esta luta acabará.

Mas eu não posso fazer isso.

No último segundo, eu movo meu braço para fora do caminho. Ela cai sobre mim, me achatando contra a parede, espremendo todo o ar dos meus pulmões, e batendo minha cabeça tão forte que eu sinto a dor em todo o meu corpo. Eu pisco e gemo e tento sugar o ar. A faca ainda está na minha mão, e eu corto cegamente sua asa. Eu sinto que afunda em carne e penas. Ela grita de dor e se afasta de mim. Batendo as asas desajeitadamente, ela ergue-se até o teto. Eu cambaleio em direção ao menino e me coloco na frente dele. Apesar da intensa dor latejante que me faz querer cair no chão e apertar minha cabeça, eu levanto meus olhos e dou à harpia um olhar desafiante que diz: Você terá que passar por mim para chegar até ele. Ela abaixa um pouco mais, seus olhos escuros me avaliando e depois desce em direção à garota choramingando no sofá.

— Não! — Grito enquanto a harpia agarra o braço de Lizzie e a puxa para o ar. Ela mergulha passando por mim, seguindo para a porta junto com a garota gritando que não pode ver nada do que está acontecendo. Eu mergulho atrás delas e consigo pegar os tornozelos de Lizzie. Eu puxo com força, arrastando-a para mais perto do chão. Com um último grito furioso, a harpia solta e desaparece.

Lizzie e eu batemos no chão. Ela ainda está gritando, e ainda estou tentando recuperar o fôlego depois de ser achatada contra uma parede. Mas ninguém está morto, e o menino não foi levado, então espero que isso signifique que eu consegui ganhar algum...

— Levante-se — Olive sibila, agarrando meu braço e me afastando de Lizzie. Ela se ajoelha ao lado da garota e segura um pequeno frasco em seus lábios por um momento. Então ela se move para o menino e faz o mesmo. Ela abre um portal para os caminhos das fadas e me puxa para dentro dele. Segundos depois, aparecemos no jardim. — Não se mexa — ela retruca. Ela caminha até a parede exterior da casa, segura sua mão contra ela e murmura algum tipo de feitiço de proteção. Então ela abre outro portal, aperta meu braço grosseiramente e me puxa atrás dela. Nós saímos em Creepy Hollow em algum lugar perto da entrada da Guilda.

— Um desastre absoluto — diz Olive.

— O quê? Mas consegui...

— Você sabe quanto isso custa? — Ela exige, empurrando o pequeno frasco na minha cara. Eu consigo distinguir a palavra Esquecer no rótulo antes que ela afaste. — Muito. E eu não teria que usar nada se você tivesse feito seu trabalho corretamente.

— Feito meu... mas eu fiz. Impedi a harpia de pegar o...

— O que há de errado com você? Você tinha a faca apontada para ela. Ela estava correndo para a faca. Isso teria acabado. Fim. Não precisaria se preocupar com ela provavelmente tentando voltar.

— Mas isso significaria matá-la.

— Sim — diz Olive, balançando a cabeça lentamente e olhando para mim como se eu fosse estúpida. — Porque ela estava tentando matar você. Você estava se defendendo.

— Essa não era a única maneira de acabar com a situação.

— Não, mas era melhor do que quase se matar, ter ambos os seres humanos mais envolvidos na bagunça do que deveriam ter estado, e deixando a harpia fugir.

— Eu não queria matá-la, ok? Eu só queria detê-la. Eu estava tentando encontrar outra maneira de...

— Às vezes, não há outra maneira! — Olive grita. — Este é o trabalho pelo qual você está treinando. O que você pensou que fosse acontecer? Que você poderia salvar o mundo sem que ninguém morresse?

Sim. Isso é exatamente o que eu quero, e não deveria ser ridicularizada por isso. Minha voz é discretamente desafiadora, quando digo, — deve ser possível fazer isso.

— Deveria ser. E em um mundo perfeito, seria. Mas não estamos em um mundo perfeito. — Olive balança a cabeça. — Se você está com muito medo de matar alguém, então você não é apta para essa vida.

— Não tenho medo, eu simplesmente não quero.

— Ninguém quer. Mas o resto de nós entende e faz se tivermos que fazer.

— Bom — digo calmamente, — acredito que não é a única opção.

— Então, você vai acabar morta muito mais cedo do que eu pensava. — Sem esperar por uma resposta, ela se vira e anda pela floresta, me deixando pensando se talvez ela esteja certa.


Capítulo 15

— Vejam isso — diz Perry, deslizando na cadeira em frente à Gemma e eu no café da manhã na manhã seguinte. Ele empurra um delgado âmbar retângulo em nossa direção. — É épico. Tudo em um. Âmbar de um lado, vidro do outro. Você tem suas chamadas no vidro, feitiços sociais, últimas notícias, tudo. E um X rápido como esse - ele desenha um X na tela com a stylus - e ele encolhe para caber facilmente em seu bolso.

Gemma e eu observamos o dispositivo diminuir até cerca de um quarto de seu tamanho. — Muito legal — eu digo. — Eu acho que isso significa que meu âmbar não é mais última geração. — Eu removo meu âmbar do bolso da minha jaqueta e o coloco na mesa ao lado de Perry.

— Ha! — Perry aponta e ri. — Esse âmbar é tão mês passado.

— Tapado — Gemma murmura, mas ela está sorrindo para o seu copo de vitamina.

— Bom, meu âmbar tão-mês-passado me serve muito bem. — Eu o colo no meu bolso enquanto Perry cuidadosamente desliza seu novo âmbar em sua bolsa.

— Você vai comer o café da manhã? — Gemma pergunta.

— Nah, eu comi em casa hoje. Mamãe fez waffles.

— Sorte sua — eu digo. Gemma me convenceu a experimentar a vitamina saudável hoje, e não posso dizer que estou impressionada.

— Você tem espaço para metade de uma vitamina? — Gemma empurra o copo para ele. — Eu também comi algo em casa, então estou meio cheia agora.

— Não, obrigado. Você sabe que eu não curto o estilo terra. Folhas e cocô de esquilo não são minha praia.

— Oh meu Deus, não é cocô de esquilo! Quantas vezes eu tenho que lhe dizer isso? É uma mistura de vários tipos de nozes e...

— Ela é tão fácil de irritar — Perry me diz com um grande sorriso esticado em seu rosto. — Ow! — Ele olha para Gemma. — Sério? Você acabou de me chutar embaixo da mesa?

— Sério, pessoal? — Ned coloca uma bandeja na mesa e senta ao lado de Perry. — Vocês já não têm mais seis anos.

— Bem, eu sei que não tenho — diz Gemma. — Eu não sei sobre Perry.

— Ei, Ned — eu digo a ele, esperando que ele fique mais relaxado ao meu redor depois do nosso tempo no Aquário ontem.

— Oh, hum, oi. — Ele encontra meu olhar brevemente antes de olhar atentamente para sua comida. Acho que ele precisa de um pouco mais de tempo. — Hum, Calla, acho que há uma nota presa na parte de trás de sua jaqueta — acrescenta Ned antes de empurrar um pouco de comida para dentro de sua boca.

Gemma se inclina atrás de mim e remove algo das minhas costas. — Família Traidora da Guilda — ela lê. — Afinal, o que isso quer dizer?

— Tão estúpido — eu murmuro, pegando o papel dela e amassando. — Está se referindo à esposa do meu irmão. — Deixo de lado meu aborrecimento tentando esmagar o papel amassado contra a superfície da mesa. Com as sobrancelhas levantadas de meus amigos, eu acrescento, — Ela estava muito a favor dos reptilianos se juntarem à Guilda, e quando as petições foram negadas, ela foi uma das primeiras que ajudou com o plano para que eles começassem os seus próprios programa de treinamento de guardiões.

— Oh, sim, eu lembro quando tudo estava acontecendo — diz Gemma. — Nós estávamos na escola secundária. Minha mãe voltava para casa e nos contava sobre todas as discussões acontecendo na Guilda. Quão estúpido era que todos estivessem tão divididos sobre essa questão quando todos lutamos juntos tão bem depois da Destruição.

— Sim, então, depois que o Conselho votou e decidiu que a Guilda deveria apoiar o instituto de treinamento dos reptilianos, alguns guardiões se ofereceram para ir trabalhar lá. Você sabe, ajudá-los a ajustar todo o seu sistema e desenvolver treinamento e tudo mais.

— Nada de errado com isso — diz Perry enquanto cutuca o conteúdo restante da vitamina da Gemma com uma colher.

— Exatamente. Mas obviamente havia pessoas na Guilda que não estavam felizes com isso. Vi e todos os outros que se ofereceram foram chamados de traidores da Guilda. Na verdade, é realmente uma piada na nossa família, mas, se você pensar sobre isso, é completamente injusto. Eles estão tentando fazer do nosso mundo um lugar mais seguro treinando mais pessoas para protegê-lo, e eles dizem que são traidores por fazer isso?

— Não é legal — diz Ned calmamente, balançando a cabeça.

— Em quem devemos jogar? — Perry pergunta, pegando o papel amassado e achatado de mim e o moldando em uma bola. Ele olha ao redor. — Nós provavelmente poderíamos alcançar Blaze daqui. Ou... oh, sua mentora está aqui esta manhã, Calla. Devemos jogar na parte de trás da cabeça?

— Não! — Eu pego o papel de volta dele. — Ela vai usar isso como motivo para me deixar suspensa. Ela adoraria me ver...

Uma sirene estridente soa, cortando o resto das minhas palavras. — Ah, cara — Ned diz acima do barulho. — Eu acabei de começar a comer.

— O que isso significa? — Pergunto. Ao redor do refeitório, as pessoas estão tocando suas bandejas e ficando de pé.

— Exercício de emergência — diz Gemma. — Eles nos fazem praticar pelo menos três vezes por ano. Temos que relatar à sala de aula quatro.

— Cinco — Perry corrige enquanto nos juntamos a multidão se movendo em direção à porta. — Estamos no quinto ano agora, lembra?

— Ah, sim.

— Espere, escute. — Pego o braço de Gemma enquanto escuto uma voz feminina falando sobre a sirene.

— Isto não é um exercício. Isto não é um exercício. Isto não é um...

— Oh, merda — diz Gemma.

A multidão move-se mais rapidamente à medida que as pessoas tomam conhecimento da mensagem. Vozes altas e expressões de medo nos cercam enquanto todos se empurram para sair do refeitório. Chegamos finalmente à sala de aula cinco, onde temos que ouvir as teorias dos nossos colegas sobre o que deu errado enquanto aguardamos que um mentor apareça. Após cerca de dez minutos, Olive entra.

— Ok, aqui está o que está acontecendo — ela diz, cruzando os braços. — Uma tempestade encantada foi detectada nas Montanhas Bordeon, não muito longe da fronteira de Creepy Hollow.

Silêncio cumprimenta sua declaração, então alguém murmura, — Draven?

— De jeito nenhum — diz Blaze. — Ele se foi.

— Deve haver outras pessoas que podem fazer feitiços que influenciam o clima — diz Ling. — Draven não pode ter sido o único.

— Seja o que for que causou a tempestade — diz Olive, — é grande o suficiente e perto o suficiente para ser considerada uma ameaça. Todos os aprendizes estão sendo enviados para casa até novo aviso.

— Sim! — Perry sussurra ao meu lado. — Feriado!

— Por que não podemos ficar aqui? — Saskia pergunta. — E se houver algum tipo de ataque e vocês precisarem de nossa ajuda?

— Não vamos — diz Olive com firmeza. — Os únicos guardiões autorizados a lutar pela Guilda são os formados. Os aprendizes devem ser enviados para casa. Esse é o protocolo nessa situação.

— Protocolo estúpido — murmura Saskia.

— Por favor, vão ao saguão e formem duas filas — diz Olive. — Os caminhos das fadas bloqueados por encanto serão retirados das paredes do saguão nos próximos minutos para que possamos enviar todos vocês para casa o mais rápido possível.

Em meio a vários murmúrios, todos começam a sair da sala. Eu ando até Olive, tentando não pensar em minha desastrosa tarefa na noite passada e na troca desagradável que tivemos depois. — Você realmente não acha que Draven está de volta, não é?

— Certamente parece que ele pode estar — ela diz, seus olhos afiados olhando sobre o meu ombro enquanto olha os aprendizes irem embora.

— Isso não é possível, no entanto. Draven está morto. — Ouvi a história de primeira mão da pessoa que o matou: Violet.

Olive vira seu olhar para mim. — Ele está? Não havia nada. E nunca estou satisfeita a menos que eu veja um corpo.

Bem, isso é levemente perturbador. — Um cadáver não prova nada — eu digo a ela. — Pode ser falso.

Sua testa franze em suspeita, em seguida, suaviza quando a compreensão aparece em seus olhos. — Claro. Você obviamente ouviu a história de Kale Fairdale por causa de seu irmão.

— Sua história não é mais um segredo, não é? — Eu digo um pouco defensivamente.

— Não. Mas também não espalhamos.

— Nós? — Olive estava envolvida na morte falsa do pai de Vi?

Olive faz o barulho que é o jeito dela de dizer que você está desperdiçando seu tempo. — Aqueles de nós que estavam por perto quando Kale “morreu” e depois descobriram depois da Destruição que sua morte era uma artimanha. Mas isso não tem relevância agora. Não há nenhuma prova de que Draven foi realmente morto, o que significa que é possível que ele tenha sobrevivido.

— Que tal o fato dele desaparecer completamente junto com o inverno encantado que cobriu quase todo o mundo dos fae. Essa prova não é suficiente?

— Não. Meu palpite é que ele estava enfraquecido, e demorou muito tempo para recuperar seu antigo poder. Agora, você precisa se juntar aos seus colegas aprendizes no saguão. — Ela aponta para a porta e percebo que sou a única que está na sala.

Eu corro pelo corredor em direção ao saguão. Quando chego lá, vejo uma série de caminhos das fadas abrindo e se fechando quando os aprendizes entram neles um após o outro. Um mentor fica em cada porta, marcando nomes em um pergaminho. Eu me junto a Gemma, Perry e Ned.

— Ah, aí está você — diz Gemma. — Você quer ficar com a gente pelo o resto do dia?

— Hum, eu tenho algumas coisas para fazer na verdade. — Eu me aproximo dela e digo, — Você conhece aquele tatuador que eu conheci quando eu estava no Subterrâneo na outra noite? Você sabe onde posso encontrá-lo durante o dia?

— Essa é a “coisa” que você precisa fazer? — Ela diz com as sobrancelhas levantadas. — Uma tatuagem?

— Não, eu só preciso conversar com ele sobre... algo.

— Tudo bem, eu vou tentar fingir que não estou super curiosa sobre o que está acontecendo com você e com o cara da tatuagem...

— Não há nada acontecendo.

— ...e, em vez disso, vou dizer que você pode encontrá-lo no Subterrâneo em um lugar chamado Wickedly Inked.

— Tudo bem, obrigada. Você esteve lá? — Gemma não parece do tipo que tem tatuagem, mas não quero ofendê-la dizendo isso.

— Algumas vezes. Meu irmão tem um pequeno vício em tatuagem, e Chase é seu tatuador favorito. Às vezes, eu vou lá com quando ele quer fazer uma nova.

Eu aceno com a cabeça quando avançamos na fila. Quando é minha vez de entrar nos caminhos escuros, não penso em minha casa no Vale Carnelian. Em vez disso, penso nos túneis no Subterrâneo e seguro as palavras Wickedly Inked na minha mente.

***

Eu entro em Wickedly Inked e encontro uma garota elfa com o cabelo espetado atrás do balcão escrevendo em seu âmbar. Depois de olhar para as muitas obras de arte emolduradas penduradas nas paredes, entro e me aproximo, — Olá, Chase está aqui?

Ela passa mais alguns minutos escrevendo no seu âmbar, então olha para cima. Ela olha para mim antes de dizer — Você não tem hora marcada.

Uau. Garota simpática. — Eu sei disso. Chase está aqui?

— Sim, mas ele está ocupado.

— Bem, espero então.

— Para quê? Você não tem hora marcada.

Um lampejo de raiva arde dentro de mim, mas eu abafo, me lembrando de permanecer tão emocional quanto possível, se não quiser me encontrar sendo lançada para o passado. — Ok, então eu gostaria de marcar uma hora.

— Para que horas?

— Para qualquer momento que você tenha disponível.

— Não creio que possamos...

A porta atrás do balcão abre e um homem sai andando na frente de Chase. Ele tem a mesma cabeça calva e olhos semicerrados que o dono do Clube Drakoni, o que faz com que o pânico agarre minhas entranhas. Mas ele é mais alto e mais magro e não pode ser o mesmo homem.

Fique calma, fique calma, fique calma, eu me lembro.

— Tudo vai se acalmar em pouco tempo — diz o homem Drakoni. — Então podemos voltar ao negócio como de costume.

— Sim, apenas me mantenha atualizado. — Chase balança a mão do homem e diz adeus antes de olhar na minha direção. Se ele está surpreso ao me ver aqui, ele não demonstra isso. — Senhorita Cachinhos Dourados — diz ele. — Matando aula hoje?

— Senhorita Cachinhos Dourados?

— Sim. Uma garotinha com cabelo dourado apresentada em uma conhecida história para crianças humanas que você provavelmente nunca ouviu falar.

Fantástico. Então, agora eu sou uma garotinha. — Sim, estou matando aula, — digo enquanto cruzo meus braços. — Eu decidi que eu preferia fazer uma tatuagem do que uma educação como guardiã. Eu estava pensando em um dragão. Um grande. Nas minhas costas.

Eu estava esperando chocá-los, mas a garota me dá um olhar não impressionado de eu acho que não, enquanto Chase parece divertido.

— Bem. Não estou matando aula. A Guilda está enlouquecendo por causa de uma tempestade encantada, então eles nos enviaram para casa pelo resto do dia. Eu pensei em vim vê-lo agora.

— Uma tempestade encantada — diz a elfa, sua voz desprovida de emoção. — Isso parece terrível. Você não acha que isso parece terrível, Chase? — Ela não está olhando para ele, no entanto. Ela ainda está olhando para mim, e tenho cerca de noventa e oito por cento de certeza de que ela está se divertindo comigo.

— De qualquer forma. — Eu me viro para Chase. — Há algum lugar em que possamos conversar?

Ainda parecendo divertido, Chase avança para o lado e gesticula para a porta aberta atrás do balcão. Ignorando a menina, passo por ele e entro em uma sala onde a cadeira reclinável no centro ocupa a maior parte do espaço. Uma pequena cadeira de rodas está empurrada contra a parede sob prateleiras de recipientes de tinta, agulhas de tatuagem e o que eu suponho que sejam outras coisas relacionadas a tatuagens.

— Então — Chase diz quando ele fecha a porta. — Hora de se livrar daquela habilidade de viagem do tempo irritante que você adquiriu recentemente.

— Sim. Quero dizer, se você não estiver ocupado agora.

— De modo nenhum. Deixe-me apenas cancelar esse compromisso com a princesa da Corte Seelie, e eu sou todo seu.

Eu reviro meus olhos. — Você espera que eu acredite que você tem clientes na família real?

— A família real Unseelie conta? — Ele pergunta inocentemente.

Eu cruzo meus braços. — Isso deveria me intimidar? Porque não vai. Acontece que eu já tive a minha quota de encontrar a realeza Unseelie. — E foi intimidante, mas ele não precisa saber disso.

— Certo — Chase diz com uma risada. — Claro que teve. Enfim, como acontece, minha agenda está livre hoje.

— Ótimo. Vamos então. Onde nós vamos — Espere aí, o que aconteceu com sua fênix? — Pergunto, percebendo de repente a forma escura em seu braço superior direito. Estou quase certa de ter visto uma fênix na outra noite, mas parece que a metade inferior é de um cavalo agora.

— Ah, a fênix se foi por enquanto — diz Chase, levantando a manga da camiseta para que eu possa ver o resto da tatuagem. — Eu desenhei este pégasus um tempo atrás, e um amigo meu fez ontem.

— Mas... eu pensei que as tatuagens eram permanentes.

— Só da maneira como os humanos fazem. — Ele solta a manga e alcança um casaco preto. Ao meu olhar questionador, ele acrescenta — As tatuagens humanas, obviamente, não envolvem magia. Elas são apenas tinta debaixo da pele. Para os humanos, a tinta permanece lá, mas para seres mágicos, a magia curativa do corpo atua sobre tinta. A tatuagem desaparece dentro de alguns dias.

— Então, se eu quisesse uma tatuagem permanente...

— Seu tatuador usaria tinta encantada. — Ele coloca o casaco. — Certifique-se de verificar isso antes de fazer o seu dragão gigante.

Eu ando até uma das prateleiras onde uma coleção de diferentes garrafas coloridas está de pé. Levanto uma. — É tinta encantada?

— Sim.

— Ok, então eu verifiquei.

— Bem, então — diz Chase enquanto abre um portal contra um espaço vazio na parede. — Eu vou fazer a minha assistente amigável marcar uma hora para você quando voltarmos.

— Boa sorte com isso.

Eu seguro sua mão estendida e entro nos caminhos das fadas com ele. À medida que a luz se forma na outra extremidade, um vento gelado sopra meu cabelo para trás. Saímos para um terreno coberto de gelo. Tremendo, olho em volta. Sem árvores, sem arbustos, sem sinais de vida. As nuvens são algodões cinza e brancos acima de nós e espalhado diante de nós está um vasto lago, sua superfície escura marcada apenas por fracas ondulações. À distância, além da água, o solo sobe abruptamente para uma montanha coberta de neve.

— Onde estamos? — Pergunto.

— Longe de casa.

— Sim, eu adivinhei essa parte. A mudança súbita nas estações foi uma pequena dica. — Eu esfrego minhas mãos para cima e para baixo nos meus braços. Minha fina jaqueta de verão não fará muito por mim aqui.

— Você ficará quente depois de entrarmos.

— Entrar onde?

Ele aponta do outro lado do lago para o pico da montanha. — Lá.

— Entendo. E você talvez não quisesse nos deixar mais perto com os caminhos?

— Não é possível. Tudo a partir do lago em diante é protegido. Nós iremos voar até lá em cima. — Ele leva os dedos aos lábios e solta um assobio penetrante.

Segundos passam, e nada acontece. — Você tem certeza de que o seu assobio funcionou? — Pergunto.

— Paciência — diz Chase. — Ele está vindo.

Sigo seu olhar e vejo uma forma cinza no ar acima do lago. Cresce à medida que ele se move em nossa direção. Em breve, posso distinguir asas, quatro membros e uma cauda, mas não até que a criatura desça e caia ao lado de Chase, que percebo o que ela é.

Sua cabeça é como a de um demônio, com chifres ondulados se curvando para trás e presas sobressaindo de sua ampla boca. Seus membros musculosos terminam em grandes garras. Há rugas através de sua pele cinzenta, fazendo parecer quase como se a criatura fosse coberta de pedra rachada.

— Isso é... isso é uma gárgula — suspiro, pisando precipitadamente para trás.

— É.

— E você quer que eu monte em uma? Está doido? É ilegal o suficiente ter um, muito menos montá-la.

— Hum, ilegal? Ou simplesmente não é encorajado?

— Ilegal. Definitivamente ilegal. Eles são obrigados a proteger a Corte Unseelie. Eles não respondem a mais ninguém.

— Bem, Jarvis me responde.

— Jarvis? Você colocou um nome nisso?

A gárgula solta um grunhido baixo.

— Ele — diz Chase. — Não isso. E sim, eu o nomeei. É uma referência para... bem, deixa para lá. Eu duvido que você entenda. Agora, apresse-se e venha aqui. Se passarmos mais tempo neste frio, teremos que gastar magia para nos aquecer.

— Não. — Eu dou outro passo para trás, balançando a cabeça. — Não. Você sabe o quê? Isso é loucura. É apenas... isso é muito longe. Eu mal conheço você, eu te segui para quem sabe onde, e agora você está tentando me levar em uma criatura muito perigosa e ilegal para uma montanha distante, onde provavelmente nunca mais serei vista novamente.

Chase me dá um olhar questionador. — O que exatamente você acha que eu pretendo fazer com você?

— Eu não sei, mas...

Uma vibração treme através do chão. Tudo fica borrado quando uma onda se afasta de mim. — Não, não novamente — gemo. Fique calma, fique calma, fique calma.

Um segundo depois, Chase está de pé na minha frente, suas mãos agarrando meus ombros com força. — Não — ele diz, sua voz soando alto acima do que eu estou ouvindo. E, assim como na outra noite, o tremor nunca vem. Ficamos assim por vários momentos, congelados no lugar, até ficar claro que não vou a lugar nenhum. As mãos de Chase se afastam de mim, deixando meus ombros mais frios do que antes. Ele se afasta. — Eu não a obriguei a nada, Calla. Tudo o que estou tentando fazer é ajudar. Você veio aqui por sua própria vontade, lembra? E você pode ir embora agora mesmo se for o que você quer.

Eu coloco meus braços ao redor de mim e franzo o cenho para meus pés. — Mas então continuarei sendo jogada para o passado.

— Exatamente.

Fecho meus olhos e me resigno ao fato de que não há outra maneira de corrigir isso. — Ok. Vamos fazer isso.


Capítulo 16

Montar na gárgula é uma experiência terrível. As asas de Jarvis batem e levantam fazendo um voo excepcionalmente instável, e eu sinto como se eu estivesse presa ao lado de alguma coisa ao invés de sentada sobre ela. Chase paira sobre uma sela presa nas costas da gárgula, e mantenho meus braços bem apertados ao redor dele e minha cabeça enterrada atrás de suas costas. Ele reclama várias vezes sobre ter problemas para respirar, mas não afrouxo meu aperto por nenhum segundo. Provavelmente eu poderia diminuir minha queda se eu caísse de Jarvis, mas ainda teria que atingir a água em algum ponto, e quem sabe o que poderia estar à espreita sob sua superfície escura.

Depois do que parece um tempo incrivelmente longo, Jarvis cai através do ar e pousa desajeitadamente em uma borda muito acima da base da montanha. Eu solto Chase e deslizo das costas de Jarvis. Minhas pernas trêmulas quase me fazem cair sobre meu traseiro, mas consigo permanecer em pé. Chase sai da gárgula e bate nas costas dele. — Não foi divertido? — Ele pergunta.

— Isso foi horrível. Deve haver uma maneira mais fácil de chegar aqui. Vivemos em um mundo de magia, pelo amor de Deus. Montar na parte de trás de uma gárgula não pode ser a nossa única opção.

— Bem, desculpe, meu pégaso e tapete mágico não estavam disponíveis hoje. Vou garantir que eles estejam da próxima vez. Ou talvez você prefira um dragão? Você parece ter um certo carinho por eles.

— Seu sarcasmo não está ajudando.

— Nem a sua falta de educação.

Eu fico boquiaberta.

— Sim, você me ouviu. Agora entre antes que ambos congelem. Você pode pedir desculpas a Jarvis na viagem para casa.

Eu tento encontrar uma resposta rápida, mas parte de mim reconhece que Chase tem razão. Ele está tentando realmente me ajudar, então eu provavelmente deveria parar de me queixar dos meios de transporte pouco ortodoxos.

Chase enfia uma mão dentro de sua jaqueta e tira um quadrado fino de metal com padrões gravados nele. Ele atravessa até a borda e pressiona o metal contra a pedra. Quando ele retrocede, um esboço em forma de arco brilha por um momento antes de desaparecer, deixando uma arcada aberta no lado da montanha. — Depois de você — diz Chase.

Eu entro num saguão de entrada com piso de madeira e paredes pintadas na cor de creme. Uma esfera de vidro transparente contendo uma coleção de insetos brilhantes está presa no centro do teto, iluminando a sala. O aroma de uma refeição saudável paira no ar. — O que exatamente é esse lugar? — Pergunto, me virando para olhar para Chase.

— Uh, um amigo meu vive aqui — ele diz enquanto usa o quadrado de metal para fechar o arco. — É a casa dele.

— Ele deve ser um bom amigo se ele lhe deu uma chave para a porta da frente.

Chase sorri e passa por mim em direção à escada. — Venha. Ele está lá em cima aqui.

Sigo Chase até as escadas enquanto ele chama, — Gaius? Sou eu.

No próximo andar, caminhamos por um corredor com tapete e, depois de uma breve batida em uma porta aberta, entramos em um escritório. É muito mais caótico do que qualquer um que já vi antes, e não é apenas por causa dos livros, pergaminhos e pedaços de máquinas empilhados em todos os lugares. É por causa das plantas. Plantas em todos os lugares, espalhadas em tigelas de vidro, nas estantes e ao redor das pernas da mesa. Em meio ao caos, estava um homem magro com o cabelo despenteado, folheando as páginas de um livro enquanto andava.

— Gaius? — Chase diz.

O homem olha para cima. — Chase, meu querido! Que bom que finalmente terminou o... — Chase o interrompe com uma forte tosse, depois olha para mim. Gaius segue seu olhar. — Ah. Entendo. Ainda bem que terminou o...seu negócio de tatuagem.

Quero revirar meus olhos. É tão óbvio que eles não estão se referindo a nada relacionado à tatuagem.

— É ela? — Gaius pergunta, atravessando a sala com um amplo sorriso. — A jovem senhorita com o problema de viagem no tempo?

Com um sorriso incerto, eu digo — Essa parece eu.

— Gaius, essa é Calla — diz Chase. — A garota da Guilda que mencionei para você. Calla, esse é Gaius. Ele... bem, como você provavelmente pode ver... um botânico. Ele, na verdade, trabalhou para uma Guilda uma vez, cerca de dois séculos atrás.

— Sim. Guilda de Londres. — Gaius acena com a cabeça. — Eu fiquei lá por quatro anos antes que eles, uh, reestruturaram meu departamento. Parece que eles reestruturaram meu trabalho também. O deram a outra pessoa.

— Oh. Desculpe-me, por isso.

— Não se preocupe. Foi há muito tempo. — Ele fecha o livro. — Então, jovem senhor. Vamos consertar essa garota, e então vocês dois podem voltar para vida de vocês?

— Jovem senhor? — Eu sufoco uma risada.

— Sim, ele... tem o quê? — Gaius vira para Chase. — Trinta e poucos?

— Vinte e pouco.

— Vinte e pouco? — Repito, virando para Chase. — E aqui está você me chamando de Senhorita Cachinhos Dourados como se você fosse o avô de alguém.

— Então, Gaius, você já saiu da montanha? — Pergunto.

— Bem, na maioria das vezes estou feliz por ficar aqui - tenho muitas coisas para me manter ocupado - mas saio ocasionalmente.

— E você gosta de montar a gárgula?

— Montar gárgula? — Gaius ri quando ele recolhe alguns papéis da poltrona e os amassa. — Não, não, a gárgula é de Chase. Eu uso os caminhos das fadas.

— É mesmo. — Eu cruzo meus braços e viro para Chase, que está me olhando com uma expressão inocente.

— Sim, bem, um daqueles portais das fadas — continua Gaius. — Você as conhece? Onde há um destino definido em cada lado.

A raiva surge dentro de mim enquanto eu olho para Chase. — Então você me fez montar aquela coisa quando podíamos sair direto do seu estúdio de tatuagem e entrar nesta montanha?

— Não é uma coisa. É Jarvis.

— Por que você fez isso?

— Hmm. Para me divertir?

— Chase!

— Você está certa. Na verdade, não foi tão divertido. — Ele coloca a mão no bolso de trás e tira uma chave de ouro retorcida. — Gaius, talvez eu tenha acidentalmente derretido minha chave para o portal das fadas — ele me dá um olhar aguçado — deixando Jarvis como minha única opção de viagem. Você poderia me fazer outra?

Acontece rapidamente desta vez. As vibrações, o borrão, a onda de choque se afastando de mim. O medo me agarra. Eu jogo minhas mãos para ele. — Chase...

Mas eu já fui embora.

Eu sou jogada para uma sala de estar familiar no Subterrâneo. Chase está perto, suas mãos empurradas para dentro dos bolsos de seu agasalho, o capuz sobre sua cabeça. — O que você acha? — Ele pergunta. Ele não pode estar falando comigo, então deve haver alguém mais aqui. Ainda sem fôlego e tonta com o choque da viagem no tempo, tomo um momento para parar e respirar antes de olhar por cima do meu ombro. Uma mulher está ali, cabelo escuro e vestida para o inverno: casaco elegante, cachecol grosso, botas de pele de salto alto.

— Não é realmente o meu estilo — diz ela, passando os dedos enluvados através da borda do velho abajur, — mas é uma grande melhoria do barraco em que você morava antes.

— Eu não chamaria aquilo de “morar” — diz Chase em voz baixa. Ele pega uma almofada decorada com renda da cadeira. — Este não é exatamente meu estilo, mas... bem, foi um presente. Sou grato.

Isso é bom, eu digo a mim mesma. Isto é bom. Isto é bom. Eu já fui para o passado várias vezes agora, e sempre consigo voltar ao presente depois de alguns minutos. Eu só preciso ficar calma e esperar - Não. Espera aí. Eu devo me manter calma se eu não quiser viajar no tempo. Então, eu preciso... me tornar emocional?

— Eu não sabia que você podia desenhar — diz a mulher, caminhando até a mesa e levantando um esboço da superfície.

— Oh, isso não é nada. — Chase arranca o papel da mão dela e o desliza para dentro de uma gaveta. — Apenas um... passatempo recente.

Minha mente se volta para Zed e sua namorada. Isso geralmente é um pensamento bastante perturbador. Eu o imagino propositadamente com outras pessoas – e descubro que isso não suscita muita reação de mim. — Droga — eu murmuro. Parece que finalmente consegui superar a paixão que tive nos últimos dois anos. E no momento mais inconveniente.

— Mas, querido, é tão bom — diz a mulher a Chase. — Não esconda.

Querido? Minha atenção retorna para a cena em que estou de pé. Eu chego mais perto quando a mulher serpenteia seus braços ao redor do pescoço de Chase. Algo parece diferente em seu rosto, mas não consigo descobrir o quê. Talvez seja à sombra do seu capuz, ou o fato de que ele é provavelmente mais jovem aqui do que o Chase que eu conheço no presente. — Tudo bem, não me mostre seus belos desenhos — a mulher diz. — Mas posso convencê-lo a vir comigo esta noite? Podemos ir dançar como costumávamos. Vai ser divertido.

Ele se aproxima mais dela. Por um momento, eu me pergunto se ele vai beijá-la - um pensamento que faz meu interior se retorcer com estranheza - mas então seus lábios se esticam em um sorriso sombrio. — Desculpe — diz ele. — Não vai rolar.

Ela lhe dá um beijo rápido na bochecha, depois se afasta dele com uma risada. — Sempre vale a pena tentar. — Ela atravessa a sala em direção a porta e abre. — Eu preciso ir. Cuide-se, querido. — Ela sai, então olha para trás por cima do ombro. — E... Fico feliz em ver que você está muito melhor do que a última vez. Tente manter o foco nas coisas boas, ok? Tudo ficará bem.

Ele acena com a cabeça, e ela fecha a porta. No momento em que ela se vai, ele se abaixa na cadeira e coloca a cabeça nas mãos. Com os ombros inclinados e o rosto coberto, ele respira lentamente e tremendo. — Nada vai ficar bem — ele murmura.

Meu coração dói por ele. Mesmo por trás desse estranho véu de tingimento verde que nos separa, posso sentir sua dor. Como eu não poderia? Somente os corações duros poderiam deixar de simpatizar com o desespero e...

Vibrações e ondulações. Um som sibilante. O solavanco bate a náusea com tanta força que quase vomito no momento em que o escritório cheio de plantas reaparece. Tonta, tonta, girando. Cambaleando e girando, e porque a sala não pode ficar parada?

— Calla? — Eu sinto mãos sobre mim.

— Vomitar... vou vomitar, vou vomitar. — Eu sinto o chão sob meus joelhos. Uma lixeira está sendo empurrada na minha frente. Eu a agarro enquanto meu estômago se contrai e solta seu conteúdo. Limpo minha boca com a parte de trás da minha mão, e depois há mais giros e sacudidas até eu finalmente estar deitada em alguma coisa.

Fecho meus olhos e espero.

Quando o mundo para de girar e a náusea desaparece, eu pisco e me encontro deitada em uma cama com dossel.

— Sentindo-se melhor? — Pergunta Chase.

— Isso foi tão nojento — eu murmuro. — Eu sinto muito.

— Há um banheiro por ali — ele diz, apontando para uma porta. — Se você quiser se limpar.

— Eu quero. — Eu ainda estou um pouco instável, mas preciso me livrar do sabor horrível na minha boca.

Quando eu limpo minhas mãos, enxáguo minha boca e espirro água no meu rosto, volto para o quarto e sento na cama.

— Desculpe — Chase diz calmamente. Ele afasta da parede e fica ao lado da cama. — Isso foi minha culpa. Eu estava... provocando você. E eu deveria ter conseguido te impedir, mas não alcancei você a tempo.

Eu puxo minhas pernas para cima e enrolo meus braços ao redor dos meus joelhos. — Eu vi você — eu digo a ele. — No passado. Na sua casa.

— O quê? — Sua mão fica tensa ao redor da cabeceira da cama. — O que você viu?

— Não se preocupe, não foi nada inapropriado. Você tinha acabado de se mudar para lá. Havia uma mulher lá. Ela disse que o mobiliário não era realmente seu estilo, e você também disse que não era o seu.

— Oh, essa casa. — Chase parece aliviado, mas seu aperto na cama não mudou. — O que mais você viu?

— Nada. Foi só isso. — Não posso dizer-lhe o que mais ouvi, o que vi. É muito pessoal. Ele não gostaria do fato de eu ter testemunhado um momento tão desesperado.

— Isso foi a oito ou nove anos atrás. Não é de se admirar que você se sentiu tão mal quando voltou. — Ele gira em torno da cabeceira da cama e fica ao meu lado. — Quando eu estava experimentando, tentando descobrir se eu poderia controlar esse poder, acabei vendo o momento em que meus pais se conheceram. Isso foi quase trinta anos atrás.

— Uau. Isso deve ter deixado você realmente doente.

— Eu fiquei na cama por um dia inteiro. O mundo não parava de girar.

Eu olho para cima ao som de passos e vejo Gaius na entrada. — Tudo bem? — Ele pergunta. — Tenho certeza que você está pronta para se livrar dessa habilidade agora.

— Definitivamente. — Eu levanto. — Então, como isso funciona? Você tem alguma mistura especial de plantas para eu tomar?

— Não, não. — Ele acena como se ideia fosse ridícula. — Nada tão complicado quanto isso. — Ele estende sua mão para mim. Olho, depois olho para Chase.

— Não se preocupe, ele não vai morder — diz Chase.

— Tuuudo bem. — Levanto a mão e aperto a de Gaius.

Ele fecha os olhos e os abre um momento depois. — Oh. Não esperava isso.

— Esperava o quê?

— Duas habilidades especiais. Uma é sua, eu suponho?

Eu arranco minha mão para longe da dele, enquanto um arrepio rasteja pela minha espinha. — Como você sabe disso?

— Porque, minha querida — diz ele gentilmente, — essa é a minha habilidade especial. Eu posso sentir, absorver e transferir outras habilidades.

Eu olho de Gaius para Chase. Chase assente com a cabeça. — Então você também é um dos Dotados — eu digo a Gaius. — Isso significa que a capacidade de viajar no tempo da pulseira pertenceu a outra pessoa dotada?

— Pertencia a Saber — diz Chase. — O homem que está tentando roubá-la de volta.

— Mas então...

— Eu sei, eu sei. Que direito temos de tirar sua própria habilidade para longe dele? Bem, depois de continuar usando seu poder para descobrir segredos importantes que acabaram fazendo muita gente sofrer, decidimos que todos ficariam melhores se ele não pudesse mais visitar o passado.

— Mas essa não é uma decisão sua. A Guilda deve prendê-lo.

— Eles prenderam. Eles o prenderam duas vezes no ano passado. Nada além de drogá-lo o conterá.

— Então...

— Então o quê? Drogar o homem pelo resto da vida? Como isso é melhor do que matá-lo?

Coloco minhas mãos na minha cintura. — Esta é a parte em que eu provavelmente deveria perguntar como você sabe tudo isso, mas eu duvido que você vai me responder.

— Você duvidou corretamente — diz Chase.

Eu balanço a minha cabeça e viro para Gaius. — Quando você absorve a habilidade de viajar no tempo, isso afetará minha habilidade de alguma forma?

— Não — diz ele. — Não vou tocar no que é seu.

— Ok. — Eu estendo minha mão. — Então, por favor, tire este problema de viagem no tempo de mim antes que eu acabe no passado novamente.

Ele pega minha mão e fecha seus olhos. Eu me sinto bastante estúpida enquanto permaneço ali, esperando que algo aconteça, imaginando se isso vai doer quando acontecer. Eu encontro Chase me observando, e consigo segurar seu olhar por vários momentos antes de olhar para longe. Ele não sabe que é grosseiro encarar?

Gaius solta minha mão e diz — Acabou.

Surpresa, pergunto, — Você tem certeza? Não senti nada.

Ele ri. — Sim, eu tenho certeza.

Chase coloca a mão no bolso do casaco e remove alguma coisa embrulhada em pano. A pulseira de bronze. — Você pode colocar o poder de volta aqui — ele diz a Gaius, entregando-lhe a joia encantada. — Então eu vou destruí-la. Eu deveria ter feito isso na primeira vez ao invés de experimentar. — Ele cruza os braços e olha para mim. — Foi uma aventura desde então. Alguém estava fazendo uma tatuagem e me ouviu falar sobre ela. Ela roubou depois de voltar para uma segunda tatuagem. A Guilda ficou sabendo depois disso, que é como ela acabou em sua coleção de artefatos. Estava lá há vários meses antes de Saber telá-la. Eu a roubei dele, e então você roubou de mim.

— E agora você vai destruí-la.

— Sim.

Há algo que não parece completamente certo sobre tirar a magia de outra pessoa. Mas tenho que admitir que Chase estar certo. Se esse cara é perigoso e a única outra opção para a Guilda é mantê-lo drogado durante o resto de sua vida, então ele está melhor sem essa habilidade. — É fácil destruir essa pulseira? Não há um ritual longo e complicado que fornecerá uma grande oportunidade para o vilão roubá-la de volta?

— Nós não temos que viajar para a Montanha da Perdição{1}, se é isso que você quer dizer.

— Montanha da perdição?

— Não importa — ele diz com um suspiro. — Vamos. Podemos usar o portal das fadas desta vez. Eu sei o quanto você gosta de Jarvis, mas será mais rápido assim.

Eu sigo Chase e Gaius pelo corredor e para o andar de baixo para o saguão de entrada. Ele para em frente a uma das portas e percebo que é um pouco diferente das outras que conduzem a essa sala. Os padrões que cobrem sua superfície são mais intrincados. Gaius produz uma chave de ouro semelhante à que Chase entregou antes - embora esta não pareça ter sido retorcida em uma forma estranha - e destrava a porta. Ela derrete e desaparece, deixando a escuridão além. — Você pode pegar minha chave — diz Gaius, entregando-a a Chase. — Eu farei outra.

— Obrigado. — Chase gesticula para que eu vá em frente dele.

— Eu deveria segurar sua mão? — Pergunto. Nunca usei um portal de fadas antes; Não sei se elas funcionam do mesmo jeito que os caminhos das fadas.

— Não. Este caminho tem apenas um destino para o outro lado. Não é possível você acabar em qualquer outro lugar. Mas — ele acrescenta com um sorriso malicioso — você pode segurar minha mão, se é isso que você quer.

Eu tiro a sua mão estendida para fora do caminho e ando na frente dele. Eu continuo caminhando, através da leveza e através da escuridão total pressionando contra meus olhos. Um contorno de luz retangular aparece à minha frente. Eu ando em direção a ela - então bato direto em uma superfície dura.

— É uma porta, Calla — diz Chase. — Você tem que abri-la.

— Obrigada pelo aviso — eu murmuro conforme procuro por uma maçaneta na porta. Eu a viro, abro a porta e entro na sala dos fundos do estúdio de tatuagem da Chase. Conveniente. Claramente, Chase visita Gaius com bastante frequência. Gostaria de perguntar-lhe do que se trata tudo isso, se ao menos ele me desse uma resposta certa.

— Bem — eu digo, virando para ele, — obrigada por me ajudar, Chase. Eu agradeço.

Ele inclina a cabeça. — Foi um prazer conhecer tanto você quanto sua mágica de ilusão. — Ele desliza sua mão para dentro de um bolso interno do casaco e tira seu âmbar. Ele o segura em minha direção. — No caso de você precisar de ajuda novamente.

Certo. Porque enviar uma mensagem no âmbar será muito mais simples do que aparecer sem aviso prévio dentro de sua casa e pendurada de cabeça para baixo. Eu puxo meu próprio âmbar do meu bolso, avanço e escovo o meu contra o dele. Os dois dispositivos retangulares brilham brevemente à medida que suas identificações âmbar se conectam. Agora, quando escrever uma mensagem e pensar em Chase, a mensagem aparecerá em seu âmbar. Eu devolvo o meu para o meu bolso e limpo minha garganta. — Eu acho que vou voltar para casa.

— Ok. — Ele abre um armário do outro lado da sala e remove uma urna de pedra. Ele a coloca no chão com algum esforço. — Você voltará para fazer sua tatuagem, é claro.

— Claro — eu falo distraidamente, curiosidade me distraindo de encontrar uma resposta inteligente. Chase levanta a tampa da urna e me inclino para a frente para que eu possa ver o conteúdo. Um brilho alaranjado emana da abertura. Dando um passo para perto, vejo chamas queimando. Sinto o calor delas.

Chase olha para cima. — Eu pensei que você estava indo para casa.

— Hum, sim. — Eu hesito antes de me afastar. Coloco minha mão em seu braço. — Lembre-se. Enquanto meu segredo permanecer secreto, o mesmo acontece com o seu. Eu sou apenas uma faerie normal, e você não é mais do que um tatuador.

Ele me considera com olhos brilhantes que eu queria poder pintar. Eu me pergunto se poderia conseguir a cor certa. A mistura perfeita de tempestade cinza, verde claro e o luar. Enquanto olho para ele, sua expressão muda. Ele franze a testa, seus olhos me olhando como se fosse pela primeira vez.

— Tem alguma coisa errada? — Pergunto, hesitante.

— Não — ele diz devagar. — Eu só... lembrei de algo que me disseram há muito tempo. — Ele pisca, balança a cabeça e então estende a mão para mim. Eu agarro. — Concordo — diz ele.

Eu me afasto dele. Abro a porta, me perguntando se possivelmente posso ser corajosa o suficiente para marcar uma hora para fazer uma tatuagem de verdade. Porém, sou salva por ter que tomar essa decisão, porque do outro lado da porta, encostado no balcão com uma besta em uma mão, está Saber.

— Ah, você voltou — diz ele. — Já estava na hora.


Capítulo 17

Depois de uma olhada para o elfo imóvel deitado no chão, volto lentamente levantando as mãos. A magia do escudo fica no ar na minha frente, mas não vai demorar muito se eu for atacada repetidamente com uma besta. — Chase? — Eu digo quando coloco um pé atrás do outro. — Parece que ainda não vou para casa.

Saber atravessa o limiar na sala, e eu lanço um olhar rápido sobre meu ombro para Chase. Ele está de pé sobre a urna com a pulseira mantida em um pano. — Ah, olha quem decidiu se juntar a nós para as festividades — diz ele. — Você chegou bem a tempo, Sr. Saber.

— Isso é meu — Saber rosna. — Eu quero de volta.

— Você ficou bem sem issl todos esses meses na Guilda.

— As coisas mudaram.

Eu avanço mais para trás até eu estar ao lado de Chase. Eu sinto sua magia de escudo se juntar à minha. — Por “as coisas mudaram” — diz Chase, — quer dizer que alguém na prisão de Velazar lhe disse para recuperá-la?

Faíscas voam da língua de Saber enquanto ele fala. — O que eu faço na prisão de Velazar não é da sua conta. Agora me dê a pulseira antes que eu atire na cabeça da sua namorada.

— Qualquer coisa a ver com aquele prisioneiro em particular é da minha conta, Saber. Que informação ele quer que você ache?

— Você não saberá até que seja tarde demais.

— Então eu suponho que não temos motivos para adiar isso por mais tempo. — Chase solta a pulseira dentro na urna e a fecha.

— Não! — Saber dá alguns passos para frente, então para quando o som de uma explosão passa através do ar parado. A urna treme, mas permanece intacta. — NÃO! — Saber ergue a besta e dispara. De novo e de novo, as flechas atingem nosso escudo combinado.

— Agora seria um bom momento para fazer a sua coisa — diz Chase entre dentes cerrados.

— Mas estou gastando toda a minha energia no escudo. Eu não posso...

— Eu vou segurar o escudo. Você o distrai.

Eu expiro lentamente, liberando meu escudo e o controle em torno da minha mente. Fecho meus olhos e me concentro no que preciso que Saber veja. Imagino uma segunda explosão dentro da urna de pedra. Desta vez, ela racha. Quebra. Mandando pedra e fogo e calor voando pela sala. Quando abro os olhos, vejo a cena que estou imaginando. Eu sinto o calor abrasador. Saber está do outro lado da sala, ele levanta o braço para proteger seu rosto contra os escombros imaginários que passam por ele.

Chase chuta a cadeira reclinada pela sala, jogando Saber no chão. A besta bate no chão, e Chase força uma rajada de vento de sua mão suficientemente forte para varrer a arma pela porta. Saber se afasta da cadeira quebrada, pula e corre em direção a Chase. Chase se curva e usa o impulso do homem para jogá-lo sobre seu ombro. Saber pousa sobre seu lado e chuta Chase, mas o tatuador sai do caminho. À medida que Saber levanta e lança faíscas em seu oponente, Chase se abaixa. Então ele pula e chuta, golpeando Saber no peito com sua bota de combate sólida. Saber cai com um barulho, e Chase ergue uma bola de magia girando e crepitando acima de sua mão e a joga em Saber. O homem verde colapsa, sua cabeça cai de volta ao chão e seus membros ficam moles.

As chamas, a fumaça e o calor da minha projeção desaparecem. — Você pode lutar — é a primeira coisa que eu digo, seguido rapidamente por, — Era magia de atordoamento?

Chase assente com a cabeça enquanto olha para o homem desmaiado.

— Como você reuniu tanto poder tão rápido? Me leva minutos de concentração para reunir o suficiente para atordoar alguém.

Sem encontrar meus olhos, Chase diz — Suponho que você precise praticar. A questão mais importante, porém, é a seguinte: o que Saber fez com a minha adorável assistente?

— Oh, não. — Eu pulo sobre o Saber e corro até a entrada. — Eu a vi deitada aqui quando abri a porta, mas... — Eu olho ao redor da sala. — Ela se foi.

Chase caminha ao meu lado. — Ela deve ter ido buscar ajuda.

— Espero que isso signifique que ela está...

Eu caio para trás com um grito, enquanto algo agarra meu braço e puxa. Eu caio na escuridão. Chase caí ao meu lado, gritando palavras irritadas, e o aperto no meu pulso se solta.

Até batermos no chão.

Eu sugo uma respiração ou duas antes de poder me mover. Então eu puxo meus joelhos para cima, rolo meu peso de volta sobre meus ombros e chuto diretamente no ar. A força do meu chute puxa o resto do meu corpo para cima. Eu coloco minhas pernas para baixo e pouso em um agachamento. Eu me endireito e giro ao redor, tentando me orientar. — Vocês podem ficar aqui até ele decidir o que fazer com vocês — Saber grita. Eu o vejo a alguns metros de distância, uma brilhante bola branca de magia pairando acima de cada mão. Eu alcanço uma shuriken, aponto para o ombro dele e a solto. — Pessoalmente — ele acrescenta à medida que a arma brilhante brilha sobre seu ombro e desaparece nos caminhos das fadas — espero que você morra uma morte horrível primeiro.

Eu levanto minhas mãos quando um arco e uma flecha aparecem sobre meu alcance. Eu solto a flecha – no momento em que Saber salta para trás no vazio. A flecha voa para dentro da abertura estreita à medida que as bordas da entrada vão em direção umas às outras. Um segundo depois, o portal e os caminhos das fadas desapareceram. E a luz também.

— Chase? — Pergunto estavelmente. Um gemido é a minha única resposta. Reúno magia em uma bola de luz amarela e a envio para o ar acima de mim. Olhando em volta, acho que estamos em um túnel. Mais estreito e mais embaixo do que eu estou confortável - não entre em pânico, não entre em pânico - e completamente desprotegida. No chão Chase está deitado. — Merda. — Eu caio de joelhos ao lado dele. — O que aconteceu? Você está bem? Você está machucado?

Ele ergue a mão para a parte de trás da sua cabeça. — Parece que eu quebrei meu crânio. Parece que nada está sangrando, no entanto. Deve ter me deixado um pouco atordoado.

— Deixe-me verificar. — Levanto minhas mãos quando ele se senta, mas ele as afasta.

— Não se preocupe, estou bem. O que aconteceu?

— Saber nos trouxe aqui através dos caminhos das fadas.

— Um truque impressionante para um homem inconsciente.

— Sim. Aparentemente, havia algo de errado com seu feitiço.

— Não havia. — Chase esfrega cuidadosamente a parte de trás da cabeça. — Ele deve ter jogado um escudo no último momento. Isso teria absorvido a maior parte da magia de atordoamento.

— Talvez. — Eu levanto, pego seu braço e o puxo para levantar.

— Então ele teve um chilique e nos levou para outro túnel no Subterrâneo, — diz Chase enquanto olha ao redor. — Parece um desperdício de todos os tempos.

— Talvez ele esteja ocupado destruindo seu estúdio de tatuagem. — Eu deslizo minha stylus para fora da minha bota. — Provavelmente devemos verificar. — Escrevo um feitiço de portal contra a parede empoeirada do túnel. As palavras brilham e desaparecem - e nada acontece. — Isso é estranho.

— Honestamente, eu tenho que fazer tudo sozinho? — Chase produz sua stylus e escreve no chão do túnel. O resultado é o mesmo: sem portal.

— O que você estava dizendo?

— Droga. Isso não é bom. Eu acho que sei onde estamos. — Ele empurra sua mão através de seu cabelo enquanto ele olha para o túnel. — Deve ser o labirinto.

Minha frequência cardíaca aumenta ao pensamento de ficar presa em um túnel conhecido como O Labirinto. — Você está certo. Isso não soa bem. — Não entre em pânico. NÃO. ENTRE. EM. PÂNICO.

— Você nunca ouviu falar dele?

Eu balanço minha cabeça.

— Se tornou uma lenda. Eles dizem que há criaturas perigosas que percorrem essas passagens e encantamentos que confundem e atrapalham o cérebro, tornando ainda mais difícil encontrar uma saída. Está conectado aos túneis no Subterrâneo e, pelo o que eu sei, essa é a única saída.

— Criaturas perigosas, hein? — Eu olho para a escuridão além da minha luz e me lembro de que eu sou treinada para combater criaturas de todos os tipos. O pensamento de enfrentar uma aqui não deveria me incomodar.

— Sim, mas eu ouvi que esses túneis foram abandonados após a Destruição, então espero que não encontremos nenhum.

— Ok, então, sem criaturas, mas ainda estamos perdidos em um labirinto de túneis. — Eu engulo. — Precisamos começar a andar.

— Não se preocupe. — Chase pega seu âmbar do bolso do casaco. — Nós nunca encontraremos nossa saída.

Apesar dos meus melhores esforços para manter a calma, minha respiração definitivamente está se tornando mais rápida. — Bem, então, Sr. Otimismo. O que você planeja fazer?

— Não estou acima de pedir ajuda. — Ele escreve rapidamente sobre a superfície de seu âmbar. Depois de guardar âmbar e stylus, ele olha para mim. — Pedi a Gaius que enviasse corujas de rastreamento para a entrada do labirinto. Não deve ser muito difícil para ele pedir um favor ou dois e descobrir onde está. Uma vez que as corujas estiverem nos túneis, elas nos rastrearão facilmente.

— E elas poderão encontrar o caminho para a entrada?

— Claro. Elas são corujas que rastreiam.

— Certo. — Eu envio calor para minhas mãos antes de corrê-las sobre meus braços algumas vezes. — E então?

Chase abaixa-se no chão e se inclina contra a parede do túnel. — Nós esperamos.

Esperar. Em um espaço confinado. Que pode ficar sem ar. — Se estiver tudo bem para você — eu digo, — eu preferiria continuar andando.

Chase olha para mim. — Uh, ok.

Eu escolho uma direção e Chase me segue. Minha bola de luz conjurada vem conosco. Eu aumento o seu brilho, na esperança de que, ao iluminar mais o túnel, o espaço parecerá maior. Não. O que cresce, porém, é o silêncio. Eu não digo nada, Chase não diz nada e, em breve, parece que é muito tarde e óbvio demais, tentar iniciar uma conversa. Além disso, o pensamento das paredes do túnel se estreitando até nos esmagar até a morte está ocupando muito do meu cérebro. Não há espaço para pensar em nada para dizer.

Concentre-se em outra coisa.

É a coisa lógica se fazer. Afinal, você não pode parar de pensar em um pensamento dizendo a si mesma para não pensar. Você deve pensar um pensamento diferente em vez disso. Um conselho tão simples, mas tão difícil de executar. Na primeira vez que tentei, estava na minha terceira escola secundária e queria ir para o tobogã azul, que todas as outras crianças adoravam tanto. Concentrei no pensamento de voar. Funcionou até chegar a uma das curvas e parei de me mover. Eu pensei que estava presa. Eu entrei em pânico. Esse também foi o dia em que o incidente número dois aconteceu. Não era...

— Calla. — Chase coloca uma mão e me para. Eu olho para cima e, no momento seguinte isso desaparece, vejo uma cena de um playground com um tobogã azul quebrado e crianças fugindo com terror. Então se foi, sem deixar nada além do túnel vazio à nossa frente.

— Ugh, desculpe. Era eu. — Eu esfrego minhas têmporas enquanto reforço mentalmente a parede de tijolos da minha mente. — Não tenho certeza de como essa imagem escorregou. Talvez eu não esteja sendo tão cuidadosa quanto costumo ser porque você já sabe o que posso fazer. — Deixo minhas mãos aos meus lados. — Mas como você viu isso? Eu pensei que você poderia proteger sua mente de mim.

— Eu posso — ele diz quando começamos a andar de novo, — mas eu não preciso desde que você me devolveu a pulseira. Eu não esperava mais ataques mentais de você. O que eu tenho me perguntado, porém, é como você conseguiu manter sua habilidade em segredo da Guilda todo esse tempo.

— Provavelmente porque só estou lá há uma semana.

— O quê? — Ele se inclina enquanto ele me examina. — É possível que eu possa estar errado, mas você não parece uma aprendiz de treze anos do primeiro ano.

— Eu não sou. Obrigado por notar. — Eu explico meu desespero ao longo da vida para ser uma guardiã, a determinação de mamãe para me manter longe da Guilda, como tudo explodiu quando ela descobriu que eu estava treinando escondido, e então sua mudança repentina de ideia. O que me lembra que eu preciso perguntar a Ryn se ele descobriu alguma coisa sobre a pessoa chamada Tamaria. Eu guardo o pensamento para mais tarde. — Sim, então, depois de provar à Guilda que minhas habilidades estavam à altura, eles me deixaram começar no quinto ano em vez de começar do primeiro.

— E por que, Senhorita Cachinhos Dourados, você quer tanto ser uma guardiã?

Ignorando o apelido, eu digo — Quero ajudar as pessoas. Eu quero lutar contra os vilões e livrar o mundo do mal. Todas essas coisas honestas.

— Você sabe que pode fazer tudo sem ser guardiã, certo? Você não precisa de armas de guarda. Você nem precisa de magia.

— Eu sei, mas é assim que eu quero fazer.

— Justo. Então, se você acabou de se juntar à Guilda, em que escola você estava antes?

Com uma risada sem humor, eu digo — Por onde devo começar?

Chase olha para mim. — Muitas, hein?

Eu puxo um fio solto do meu casaco e lentamente o torço ao redor do meu dedo. — Isso é o que acontece quando você tem uma imaginação excessiva e continua compartilhando-a acidentalmente com todos os outros. — Eu desenrolo o fio, depois o enrolo novamente, mais apertado dessa vez. — Eu deixei minha primeira escola secundária porque eu projetei uma imagem de troll com um tutu depois que duas garotas que estavam comigo decidiram que um troll dançando seria muito engraçado. Saí da minha segunda escola secundária porque imaginei que o cabelo de um menino estava em chamas depois que ele me empurrou para uma porta e três pessoas viram o fogo imaginário. Na minha terceira escola secundária, todas as crianças no playground viram um tobogã explodindo. Era do tipo que tinha várias voltas, e fiquei presa dentro dele e assustada. Na minha cabeça, eu desejei que fosse forte o suficiente para sair. Acho que acabei projetando uma ilusão de mim esmagando o tobogã e saindo. Essa foi a projeção que você viu lá. — Eu aceno desajeitadamente por cima do meu ombro.

O que diabos você está fazendo, Calla?

Eu não sei. Não sei por que estou contando tudo.

Não. Isso não é verdade. Eu sei o motivo. Estou contando a Chase porque ele é a única pessoa que é seguro contar. Eu tive que ficar quieta toda a minha vida, mas finalmente encontrei alguém com quem não tenho que ficar quieta. Ele já sabe o que posso fazer, e ele não contará à Guilda.

— Cheguei à minha quarta escola secundária sem incidentes, como minha mãe os chama. Eu queria me juntar à Guilda, mas mamãe disse que não. Ela sugeriu uma escola de curandeiro, então, como uma boa garota, concordei. Havia um menino da minha turma que tinha ouvido falar de todas as escolas que eu fui. Ele tinha ouvido os rumores sobre como eu era... anormal. Até mesmo perigosa. Ele se certificou de que todos soubessem que eu era uma aberração. Logo que comecei lá, eu tinha tido o suficiente de sua provocação. Ele simplesmente não parava. No décimo dia, ele chegou à escola com uma daquelas bicicletas aladas, assim que cheguei lá. Ele voou diretamente em minha direção, me derrubou e gritou, “Pontuação! Ben: um, Aberração: zero. ” Então eu derrubei o muro e mostrei exatamente o que eu queria que ele visse: Ele estava dentro de um labirinto sendo perseguido por uma harpia. Ela já tinha comido as asas de sua bicicleta para que ele não pudesse voar para longe. Ele tinha que continuar andando ou ela também o comeria.

Chase bufa, e cobre com uma tosse. — É, parece que ele conseguiu o que merecia.

— Sim. Como acontece, foi exatamente o que todos disseram sobre mim quando me pediram para sair.

O sorriso de Chase desaparece. — Desculpe, Calla.

Eu encolho os ombros e solto o fio. Eu enrolei tantas vezes em torno do indicador esquerdo que a pele está coberta de linhas finas. — É a vida, certo? — Eu digo, tentando manter minha voz leve. — Todos têm dificuldades com as quais temos que lidar. Minha dificuldade acontece de ser uma a qual eu não devo contar para ninguém. — Chase acena lentamente, sem olhar para mim. — Então, mamãe sugeriu que eu me tornasse uma cozinheira chefe — eu digo a ele. — Eu não estava muito animada com essa ideia, mas a Guilda ainda não era uma opção, então eu disse tudo bem. Eu estava lá por dois meses e então...

E então...

Não. Não pense nisso. Apenas continue fingindo que não aconteceu.

— Espere, por que pegamos esse túnel? — Pergunto. Eu lembro vagamente de virar à esquerda em uma encruzilhada quase agora, e de repente percebi o quão baixo o teto se tornou.

— Sem motivo particular — diz Chase. — Não importa qual caminho nós vamos. Eu pensei que estávamos caminhando porque você não podia ficar quieta.

— Posso ficar quieta. Apenas não... aqui. Vamos voltar e pegar o outro túnel.

— O que há de errado com este?

— É, hum, cheiro estranho.

Chase me dar um olhar confuso, mas não diz nada.

— Uh, então eu decidi que não estava interessada em cozinhar ou assar. Mamãe ainda não me deixaria em nenhum lugar perto da Guilda, e a única coisa que eu poderia pensar era em arte. Então entrei para a Academia Ellinhart de Artes. Artes visuais, literárias e de artes cênicas. Eu escolhi visuais.

Chase para de andar. — Você também é uma artista?

— Sim. Bem, mais ou menos. Não da mesma liga que você.

— Então, quando você invadiu minha casa, você realmente estava admirando minha arte?

— Sim. — Então eu acrescento, — Junto com a procura de alguma coisa para roubar para uma iniciação estúpida.

Um sorriso divertido aparece nos seus lábios. — De todos os vilões que pensei que poderiam encontrar uma maneira de entrar na minha casa um dia, uma guardiã aprendiz apreciadora de artes era o que eu menos esperava.

Eu coloco meu cabelo atrás das minhas orelhas e sorrio para ele. — Fico feliz em poder manter sua vida interessante.

Começamos a andar novamente, e ele pergunta, — Você gostou de Ellinhart?

— Era... bom. Assim como com a escola de curandeiros e a escola de chefe, eu não desejei inteiramente estar lá. Mas eu gostava de desenhar e pintar, então decidi que, se não podia ter minha primeira opção, então eu teria que fazer a arte funcionar. Os rumores me seguiram até lá, é claro, mas consegui fazer alguns amigos. Eles disseram que não eram do tipo que prestavam atenção aos rumores. No final, porém, todo mundo escuta rumores. Como não quando todos viam coisas ao meu redor que não poderiam ser explicadas.

E com isso, a história de todas as minhas escolas e incidentes chega ao fim. No silêncio que se segue, nossos passos soam muito alto. Balanço meus braços aos meus lados, de repente me sentindo incrivelmente estranha por ter despejado toda essa informação a alguém que mal conheço. — De qualquer forma, — continuo, — essa sou eu. Qual é a sua história?

Ao invés de me responder, Chase diz — Estou impressionado que a Guilda não ouviu sobre nenhum de seus... como você chama? Incidentes?

Eu concordo. O túnel faz uma curvatura em forma de gancho para a esquerda e continuamos seguindo. — Meus pais sempre explicavam as coisas de alguma forma. Ou, como descobri recentemente, eles subornavam as pessoas para ficarem quietas.

— Subornos? Essa é sempre uma conversa interessante para os pais.

— Oh, eles não sabem que eu sei. Foi algo que eu ouvi meu pai dizendo durante uma das minhas viagens no tempo. Nem tenho certeza se minha mãe sabe. Ele pode ter escondido isso dela também.

— Bem, todos têm seus segredos.

Eu aceno lentamente, mordendo meu lábio enquanto considero meu pai e seus segredos. Eu me pergunto se ele tem outros. Talvez ele simplesmente não cuide da segurança para uma empresa comercial para a qual ele trabalha. Talvez ele seja um dos seus guarda-costas.

— Você pode ouvir isso? — Chase diz, parando de repente.

Paro meus passos e escuto. — Água pingando?

— Parece.

— Talvez devêssemos voltar. Eu normalmente assumiria que água pingando é inofensiva, mas provavelmente não é esse o caso aqui embaixo.

— Provavelmente não.

Nós voltamos e caminhamos para a direção oposta. Eu coloco minhas mãos nos bolsos do meu casaco para evitar ficar balançando-as ou arrancar mais fios da minha roupa. — Então — eu digo, — agora que falei todos os meus dramas de infância, por que você não fala os seus?

— Fala sério. A infância de todo mundo tem algum tipo de drama, quando seus pais se recusam a comprar aquele brinquedo que todo mundo tem ou aquele garoto que chama você de cocô de unicórnio.

Ele olha para mim. — Alguém chamou você de cocô de unicórnio?

— A Destruição! — Eu digo. — Se isso não se qualifica como drama, eu não sei o que pode. Onde você estava quando aconteceu?

Ele olha para longe. — Em casa. Pelo menos, não era exatamente minha casa, mas é onde eu vivia na época.

— Espere. Ouça. — Em vez de ficar mais silencioso conforme nos afastamos, o som da água pingando está ficando mais alto.

— Muito estranho — diz Chase depois de uma pausa. Ele começa a caminhar novamente, e eu me apresso para alcançá-lo. Alcançamos a curva fechada e continuamos. Do outro lado, encontramos a fonte do ruído.

Água, brilhante, como se cada gota contivesse uma pedra colorida diferente, corria em pequenos córregos do centro do teto túnel, em ambos os lados e encontravam-se no centro do túnel, onde eu suponho que ela se infiltre no chão.

— Isso definitivamente não estava aqui há um minuto — diz Chase.

— Eu estou ciente disso. Eu estava caminhando ao seu lado. — É lindo, porém, essa água colorida como arco-íris. Eu ando um ou dois passos para mais perto para examiná-la. Talvez se eu espirrar todas as cores que tenho sobre uma tela e deixar na chuva, eu conseguiria um efeito semelhante. E para os brilhos cintilantes onde a água captura a luz, eu capturaria a luz solar pingando gotas sobre a tela. Eu precisaria de um encanto para manter a pintura e a luz do sol em movimento, imitar o efeito de...

— Você está brincando comigo? — Chase agarra meu braço e me puxa de volta. — Eles não te ensinam na escola de guardiões para não tocar em coisas aleatórias? Você poderia se matar.

Eu puxo meu braço do seu alcance. — Eu não ia tocar. — Mas eu percebo que minha mão estava levantando, e parece que eu estava muito mais perto da água do que eu pensava.

— Oh, sério? — Ele pergunta. — É o que você disse antes de pegar a joia encantada de um estranho e tocá-la?

Eu cruzo meus braços, mantendo minhas mãos presas por baixo deles para que não possam me trair de novo. — Sim, esse foi o meu erro. Mas isso... — Eu aceno com a cabeça para a água. — Isso é outra coisa. Vamos continuar no outro sentido.

Nós viramos - e a curva fechada desapareceu. Em vez disso, o túnel se estendia direto e o chão parecia estar coberto de musgo.

— Agora estou assustada — eu sussurro.

Chase não diz nada. Ele olha por cima do ombro e depois avança novamente. — Alguém ou algo está brincando com a gente. — Ele desliza uma mão dentro de seu casaco e produz uma faca com uma lâmina curva. — Quem quer que seja, é melhor torcermos para não nos encontremos com ele.

O medo faz minha mão formigar. — Eu pensei que você disse que esses túneis foram abandonados.

— Eu achava. Parece que eu estava errado, no entanto. Este labirinto está definitivamente sendo usado novamente.

— Maravilha. — Eu enrolo minha mão em torno do ar e penso na minha adaga. Ela aparece sobre o meu controle um momento depois. — Bem, minha mentora amigável continua me dizendo para praticar, e não há nada melhor que o agora, certo? Assim. Devemos enfrentar a água ou o musgo?

— Nenhum. — Chase ergue a mão livre, a aperta em punho e a abre. Uma única chama arde acima de sua palma. Ele se inclina para frente e sopra a chama em direção ao lado coberto de musgo do túnel. Fogo atravessa o ar e aterrissa no musgo. Acende-se imediatamente, crescendo rapidamente em uma chama de luz e calor. À medida que o rugido das chamas aumenta para um nível que ameaça nos ensurdecer, Chase ergue o braço como se estivesse protegendo o rosto. A temperatura cai imediatamente, assim como o ruído, e eu sei que ele colocou um escudo entre nós e o fogo.

O inferno explode, enviando chamas em direção a nós com uma velocidade alarmante. Eu retrocedo com um grito, mas as chamas batem contra o escudo invisível de Chase e não vão muito longe. Então, como se a explosão acontecesse no sentido inverso, às chamas são sugadas para trás em uma rápida corrida. Um momento depois, elas se foram, sem deixar evidências de musgo, chamas ou fumaça. O túnel está completamente nu.

Chase abaixa o braço. — Tudo bem. O caminho está livre. Vamos.

Eu corro atrás dele, sem nunca soltar minha adaga ou o fio de concentração que mantém minha bola de luz brilhando acima de nós. — Isso foi um fogo impressionante.

— Obrigado. Eu adquiri uma série de feitiços de fogo úteis ao longo dos anos.

— Entendo. A arte da tatuagem deve ser um negócio perigoso.

Seus olhos continuam treinados adiante, mas eu vejo a sugestão de um sorriso em seus lábios. Balanço a cabeça e sorrio para mim mesma. Eu me pergunto se vou descobrir o que ele realmente faz. Provavelmente não, já que duvido que eu o veja novamente depois de sairmos daqui. Bem, a menos que eu faça uma tatuagem. Ou várias. Mamãe odiaria. Ela também não ficaria muito feliz de me ver passando tempo com alguém como Chase. O pensamento me deixa feliz. Ou talvez seja o pensamento de não dizer adeus a Chase ainda.

— Você está fazendo de novo — ele diz sem perder o ritmo.

Levanto meus olhos e vejo a imagem que acabou de passar na minha mente: o momento em que Chase aperta minha mão em seu estúdio de tatuagem. Naquele momento, antes de abrir a porta e encontrar Saber lá.

— Droga — eu murmuro enquanto a imagem desaparece. O túnel curva-se bruscamente para a esquerda. Continuamos caminhando, e eu bato meu punho na minha testa algumas vezes, como se isso pudesse ajudar a manter as projeções dentro. — Desculpe.

— Por quê? Você não fez nada de errado.

— Eu fiz. Eu deveria ter isso perfeitamente sob controle, e agora estou deixando sair. Isso nunca pode acontecer na Guilda, o que significa que eu preciso ter certeza de que isso também não aconteça em privado. Eu — Uma vibração treme no chão e sobe aos meus pés. Meu primeiro pensamento é que estou prestes a ser levada para o passado, mas o chão treme novamente, e novamente, como passos pesados de um gigante.

— E agora? — Eu murmuro.

— Agora — diz Chase, virando para enfrentar o som, — é hora de brincar.

Os passos estremecendo ficam cada vez mais alto e perto. Parte de mim quer correr, mas o resto de mim sente a excitação antecipatória que sempre traz vida às minhas veias nos momentos que estou prestes a enfrentar um inimigo. Eu solto minha adaga e sinto meu arco e flecha em vez disso. Flechas primeiro, depois shurikens, depois lâminas. Esse é o meu plano.

Os passos alcançam a curva no túnel, minhas mãos estão tensas ao redor da minha arma, e na minha linha de visão aparece uma besta enorme. Uma cabeça de touro feroz fica acima de um corpo musculoso e ereto. Suas pernas terminam em cascos grandes, e uma mão com garras segura um machado de batalha com duas pontas.

— Minotauro — sussurro, meio horrorizada e meio admirada.

O minotauro abre a boca para revelar dentes afiados. Ele solta uma risada profunda e grave, e juro que posso sentir a vibração no meu peito. Seus olhos brilhantes focam em Chase e, em um tom grosseiro e ruidoso, ele diz — Então. Nos encontramos de novo.

Espere o quê? Encontraram-se de novo?

Eu afasto os olhos do minotauro tempo suficiente para olhar para Chase. Pela primeira vez desde que o conheci, ele parece ter medo. O que significa que eu também deveria ter medo. Eu foco meus olhos no minotauro mais uma vez, apontando minha flecha no seu peito e engolindo contra a secura na minha garganta. As palavras de Olive são uma memória sussurrada dentro da minha cabeça: você vai acabar morta muito mais cedo do que eu pensava.

Do canto do meu olho, vejo Chase se afastando. — O que você está fazendo? — Eu sussurro. — Nós podemos ganhar desse cara. Com minhas ilusões e sua força, podemos ...

— Não — diz ele. — Nós vamos correr.

— Mas...

— CORRE!

Libero minhas armas. Chase me empurra para frente. Avançamos ao longo do túnel com os gritos irritados do minotauro e passos batendo nos seguindo. O túnel se divide e torce e se endireita mais uma vez. Meu coração bombeia adrenalina através do meu corpo. O medo me empresta velocidade. Nós corremos e corremos e corremos e o minotauro ainda está atrás de nós. Nós corremos e corremos e corremos...

E depois caímos.

Não vejo acontecer. Eu não vejo o abismo até que corremos em direção a borda. E agora estamos caindo, caindo, caindo, agitando os membros e gritando, a escuridão ao redor e uma luz azul pálida muito abaixo.

— Diminua! — Chase grita.

Eu sei que eu deveria poder fazer isso. Enviar a magia, a empurrar contra o chão e diminuir. E eu estou tentando, mas não consigo ver o chão, e não posso direcionar minha magia porque correntes de ar estão passando por nós, e tudo o que sei é que estou caindo para a minha morte.

Uma mão pega a minha. Chase me puxa para mais perto, me puxando para um abraço. Nós giramos no ar juntos conforme um redemoinho nos rodeia, nos retardando. Desacelerando, desacelerando...

E então atingimos o chão.


Capítulo 18

O cheiro de areia e água enche meu nariz. Uma superfície dura e irregular pressiona minhas costas. Estou ciente de ter dormido, mas não sei por quanto tempo. Um gemido baixo me escapa enquanto eu estico meus membros e tento lembrar onde eu estava antes de adormecer.

O labirinto.

O minotauro.

A queda.

A adrenalina dispara através de mim, ajudando meus esforços para me puxar da superfície da consciência. Eu pisco. Depois de me concentrar na luz azul fraca, meus olhos conseguem distinguir uma parede de pedra em algum lugar acima e atrás de mim. Com um grande esforço, eu me sento. A ação faz com que minha cabeça lateje, e levanto minha mão para a fonte da dor. Sinto algo molhado na minha cabeça. Eu retiro minhas mãos e encontro uma substância escura em meus dedos. Sangue. Sinto a cabeça novamente, mas não consigo encontrar uma ferida aberta. Obviamente, teve tempo de curar desde que atingimos o chão.

Nós.

Chase.

Eu olho para baixo e o encontro ao meu lado. — Chase? — Ele não responde. Eu quase não consigo ver nada na luz pálida, então eu reúno magia em uma bola de luz quente acima da minha palma e a deixo pairar perto de Chase. Com dedos hesitantes, eu o examino. Uma quantidade alarmante de sangue debaixo de sua cabeça, mas quando eu inclino para o lado, eu encontro apenas uma ferida superficial. Graças a Deus pelas nossas habilidades curativas superiores. Se fôssemos seres mágicos menores, essa queda definitivamente acabaria conosco.

Eu descanso minha mão em seu braço enquanto eu olho em volta. Estamos no fundo de um desfiladeiro com paredes rochosas crescendo abruptamente em torno de nós. A poucos passos de distância, um riacho raso passa por nós, tropeçando em torno das pedras afiadas. A fonte da luz pálida está em algum lugar à direita. Eu me pergunto se é uma saída. Se eu seguir o fluxo, vou descobrir, mas não quero deixar Chase em seu estado atual. Pode aparecer alguma criatura e arrastá-lo para o seu covil.

Minha atenção retorna para ele quando seu braço se contrai. Ele respira profundamente e depois solta um longo gemido.

— Você está bem? — Pergunto.

— Você pousou em cima de mim — ele murmura, seus olhos ainda fechados.

— Pousei?

— Eu acho que quebrei todos os ossos do meu corpo.

— Eu acho que você pode estar exagerando. Mas desculpe. Eu não estava planejando pousar em você. E obrigada. Por desacelerar nos dois.

Ele abre um olho. — Claramente não foi suficiente.

— Bem, o suficiente para nos impedir de espatifar nas pedras aqui embaixo.

Ele abre o outro olho e franze a testa para mim. — Não é uma imagem bonita, Calla.

— Desculpa.

Ele se move como se fosse sentar, então colapsa de volta com um gemido. — Malditas costelas — ele diz entre respirações rasas. — Diga o que quiser sobre exageros, mas tenho certeza de que eu fraturei algumas delas.

— Bem, fique quieto até que elas terminem de se curar. — Eu coloco minha mão em seu braço para que eu possa empurrá-lo para baixo, se necessário.

— Por quanto tempo estive desmaiado? — Ele pergunta.

— Eu não sei. Acabei de acordar. Espero que não mais do que algumas horas. — Eu tiro meu âmbar do meu casaco e toco a tela, percebendo tardiamente que agora espalhei sangue por toda parte. Meu coração afunda quando vejo a hora. — Ugh. Vinte e dois minutos para as cinco. É provável que estejamos em casa nos próximos vinte e dois minutos, não é?

— Por que, o que acontece às cinco horas? Tem um encontro caloroso?

— Não, é quando minha mãe chega em casa do trabalho. A Guilda a terá notificado sobre enviar todos os aprendizes para casa mais cedo hoje, então ela vai esperar me ver lá.

— Então, diga a ela que você está com um amigo. Isso não é mentira.

— Oh, somos amigos agora?

— Sim. Eu acho que é um rótulo melhor do que “aquela ladra que invadiu a minha casa”.

— É verdade. — Eu acho minha stylus, que felizmente ainda está intacta, e escrevo uma mensagem para minha mãe dizendo-lhe que estou saindo com um novo amigo e voltarei mais tarde esta noite. — Tudo bem — eu digo quando guardo o âmbar. — Isso nos dá mais algumas horas. Agora temos até as 11 horas. Se eu não estiver em casa até então, minha mãe entrará no modo pânico precisamente às onze horas.

Chase tenta rir, mas seu rosto enruga em uma careta de dor. Quando ele se recupera, ele diz, — Você tem um toque de recolher?

— Cale-se. Claro que tenho um toque de recolher. E tenho certeza que não foi há muito tempo que você também tinha um toque de recolher.

Ele inclina a cabeça para longe de mim e fecha os olhos. — Parece a muito tempo atrás.

Vejo seu peito subindo e caindo enquanto ele respira através da sua dor. — Você precisa de alguma magia de cura? — Pergunto eventualmente.

Ele abre apenas uma fresta dos olhos. — Eu achava que você só durou dez dias na escola de curandeiros.

— Sim, mas meu treinador guardião neste verão incluiu um curso intensivo sobre magia básica de cura básica.

Seus olhos fecham. — Perdoe-me se eu não acho isso inteiramente reconfortante.

— Por que não? É coisa simples. Apenas transfiro magia através da sua pele para ajudar o processo de cura do seu corpo.

— Não se preocupe com isso. Meu corpo é muito bom com a cura em si. Estarei bem em alguns minutos.

— Você tem certeza?

— Sim. E se esta é sua maneira de perguntar se você pode rasgar minha camisa e sentir meu peito, você não está exatamente sendo sutil sobre isso.

Depois de uma segunda hesitação, eu digo — Sim. Isso é exatamente o que eu estou perguntando. Posso começar agora?

Os olhos dele abrem. Seus lábios abrem, mas nenhum som sai.

— O quê? — Pergunto. — Você pode fazer comentários projetados para que os outros se sintam estranhos, mas você não pode ter respostas?

— Estou... apenas... surpreso.

— Porque você esperava que eu respondesse defensivamente sobre como eu não tenho interesse em tocar em seu peito nu?

— Eu só estava brincando.

Eu me aproximo e digo, — Eu também estava. — Não era a minha primeira reação, mas naquela fração de segundo antes de responder, decidi não ser a garota que gagueja e fica envergonhada. Meu rosto não pareceu dar a mensagem, porém, e estou feliz por não haver luz suficiente para Chase para ver o calor nas minhas bochechas.

Ele ergue o braço e coloca a mão sobre a minha. — Eu gosto de você, Calla. Se eu tivesse que cair em outro abismo com alguém acho que posso escolher você.

Consciente de que ele provavelmente estava me zoando de novo, coloco a mão sobre a dele e digo, — Bem, essa é a coisa mais doce que alguém me disse.

Ele ri, o que é uma boa indicação de que ele está quase completamente curado. Eu também rio, embora não seja muito genuíno, por causa de todas as coisas que já foram ditas para mim, provavelmente é uma das mais legais. E isso é um pensamento triste.

O som de pedras caindo faz nosso riso parar. Eu apago minha bola de luz e olho mais para baixo do desfiladeiro. Na luz fraca, vejo uma forma magra se movendo rio acima, molhando-se enquanto passa, chutando pedras aqui e ali.

— Aqui vamos nós de novo — Chase murmura enquanto ele se senta. Ele olha através da penumbra.

— Pelo menos não é um minotauro imponente. Seja lá o que for, devemos ser capazes de se livrar dele facilmente.

— Talvez não nos faça mal. Parece bastante preocupado com a própria vida.

— Você — diz Chase, — é tão ingênua. Tudo aqui é prejudicial. Provavelmente quer nos estrangular e comer nossos cérebros para o jantar.

— Muito gráfico — eu comento. — E cínico.

— Eu tenho razões para ser. — Ele se move para se levantar, mas eu coloco minha mão em seu braço.

— Não. Deixe-me projetar uma ilusão simples. A criatura nem saberá que estamos aqui.

Chase relaxa e acena com a cabeça. — Parece sensato.

Estou cansada dos esforços do meu corpo para se curar, então uma ilusão simples é tudo para a qual eu tenho energia. Felizmente, nesta situação, é tudo o que é necessário. Imagino a área em que estamos sentados e a pedra atrás de nós. Eu imagino a cena como seria se não estivéssemos aqui. Eu mantenho a imagem em minha mente conforme a criatura passa por nós. É cerca da metade da minha altura e parece ser lagarto, caminhando sobre as patas traseiras ao invés de rastejar. Faz um zumbido estranho enquanto ele passa através da água. Ele continua em movimento, e Chase e eu permanecemos em silêncio até que não possamos mais vê-lo.

— Olhe para isso, Sr. Cínico — eu digo a ele, cutucando seu braço. — Seguiu seu caminho felizmente.

— Isso não prova que não é prejudicial, Senhorita Ingenuidade. Poderia ter nos comido se soubesse que estávamos aqui.

— Senhorita Ingenuidade? — Eu balanço a cabeça e olho para o meu colo. — Eu não sou tão ingênua como você pensa que eu sou. Eu simplesmente gosto de assumir que alguém é inocente até que se prove ser de outra forma.

— E quase todos provam ser de outra forma. — Chase inclina a cabeça, tentando encontrar meu olhar. — Você não sabe como é o mundo?

Eu bloqueio as barreiras da minha mente quando imagens de uma masmorra cheia de gaiolas penduradas e prisioneiros lamentando surgem das profundezas da minha memória. — Eu sei exatamente como é o mundo, — digo calmamente. — Eu conheço o mal que existe. Conheço as coisas terríveis que as pessoas fazem umas com as outras. Eu vivi isso. Eu sobrevivi. Mas apenas porque eu vi a paleta de cores escuras não significa que eu tenho que pintar o resto do meu mundo desse jeito. Eu posso escolher as cores brilhantes em vez disso. Eu posso vê-las, pintá-las, desenhá-las, me cercar com elas como uma música alta e gloriosa afogando todas as trevas do mundo. — Eu olho para ele. — Você sabe?

Ele balança a cabeça. — Não. Eu não sei. Mas eu queria saber.

Suas palavras não fazem sentido para mim. — Mas você sabe. Eu vi suas pinturas. Eles são vida, luz e alegria. Você não pode criar obras-primas assim e me dizer que você não sabe nada sobre a beleza do mundo.

— Isso não é o que eu quero dizer. O que quero dizer é... — Ele esfrega uma mão em sua sobrancelha. — Há muita escuridão, e não importa quanta vida, luz e alegria eu pinte, nunca poderei afogá-la.

A maneira como ele soa - tão sombrio, tão desanimado - me lembra do Chase que vi quando viajei no tempo. O Chase, que disse que nada ficaria bem novamente. — Por que você...

— Devemos nos mover — diz Chase, de repente. — Eu me sinto bem agora. Eu disse a você que meu corpo é ótimo para se curar.

— Uh, ok. — Eu levanto quando Chase examina seu âmbar.

— Droga, eu deveria ter verificado mais cedo. Gaius lançou as corujas no labirinto duas horas atrás. Uma hora atrás, ele enviou outra mensagem dizendo que as corujas retornaram com nada.

— Isso é estranho.

— É. Essas corujas nunca falharam comigo antes.

— Talvez nós tenhamos ido longe demais para elas nos detectar.

— Ou talvez — diz Chase, — não estamos mais dentro do labirinto. — Ele pega a stylus e escreve um feitiço de portal contra a parede de pedra. A superfície derrete para revelar um portal para os caminhos das fadas.

— Sim! — Eu bato minhas mãos.

— Nós podemos passar pela sua casa primeiro — diz Chase, segurando meu pulso vagamente enquanto entramos na escuridão. — Dessa forma, sua mãe não terá motivos para entrar em pânico.

— Não, precisamos verificar seu estúdio de tatuagem, lembra? Além disso, mamãe pensa que vou ficar fora até mais tarde. Não preciso voltar imediatamente.

— Tudo bem. Mas se ela de alguma forma perder a sua mensagem e estiver esperando por você, não me culpe.

— Sim, sim.

Nós saímos dos caminhos das fadas para a sala de trás do Wickedly Inked para encontrá-la no mesmo estado em que a deixamos: sem muito dano além da cadeira quebrada. Saber, obviamente, não voltou aqui depois de nos jogar no labirinto. Na luz brilhante, estou muito mais consciente do sangue seco em minhas mãos e atravessando minhas roupas. Eu toco na parte de trás da minha cabeça e sinto fios de cabelo encrostado.

— Você parece terrível — diz Chase.

— Obrigada. Você também não parece muito bem. — A parte de trás de sua cabeça, pescoço e casaco estão cobertos de sangue meio seco.

Ele se inclina contra um balcão e gesticula para mim. — Você está planejando ir para casa assim?

— Sabe, isso soa como o inverso do que minha mãe diz quando eu quero sair com algo que ela não aprova.

Ele sorri para seus pés. — Desculpe, eu simplesmente não quero que você fique com problemas. Se eu tivesse chegado em casa assim, meus pais não me deixariam sair de casa novamente.

— Sim, você está certo. Isso definitivamente se qualifica para o modo pânico aos olhos da minha mãe.

Chase passa as mãos nos bolsos do casaco. — Você pode se limpar na minha casa, se quiser.

— Obrigada. Eu acho que vou aceitar essa oferta. — Minha única outra opção é a casa de Ryn, e, enquanto Ryn não entraria em pânico como mamãe, ele definitivamente faria perguntas.

— Ótimo. — Chase pega seu âmbar. — Deixe-me apenas dizer a Gaius que nós dois estamos bem. Então podemos ir.

***

Eu mergulho na piscina no banheiro de Chase enquanto minhas roupas sujas estão colocadas no chão encantado da grama ao meu lado, são lentamente limpas e secas por um feitiço de lavanderia. Não é um feitiço em que sou particularmente proficiente, já que mamãe é quem faz a maior parte de lavar a roupa em casa, mas acho que vai remover a maior parte do sangue. De alguma forma, consigo limpar toda minha roupa.

— Pare de monopolizar a piscina — Chase fala de fora da porta, me surpreendendo. — Você não é a única que precisa se limpar.

— Desculpe! — Eu grito. — Quase pronta.

Ele usa o banheiro quando eu termino, e descubro mais de suas pinturas e esboços enquanto ele está ocupado. Ele tem uma pequena sala de estar - cozinha, quarto, banheiro, e cada sala está cheia de seu trabalho. Estou sentada na mesa da sala examinando um esboço grosseiro de um minotauro, que eu suponho que ele fez enquanto eu estava na piscina - quando ele entra na sala.

— Oh, você ainda está aqui. Eu pensei que você poderia ter ido para casa.

Eu levanto. — Seria rude ir embora sem dizer adeus, não é?

— Eu acho que sim.

— Bem, de qualquer forma, obrigado novamente. Por bem, por uma série de coisas agora. — Como antes, eu aperto a mão dele.

— Feliz em ajudar — ele diz com um encolher de ombros. — Se você precisar da minha ajuda com qualquer coisa no futuro...

— Eu vou saber onde te encontrar — digo com um sorriso. Eu percebo que nossas mãos ainda estão apertadas, e eu me afasto antes que o momento se torne estranho. Eu verifico a barreira ao redor da minha mente para que eu não projete nada embaraçoso, como o desejo inquietante de poder abraçá-lo em forma de adeus em vez de simplesmente apertar as mãos. Então eu abro um portal e me envio para casa.

Ainda há um sorriso nos meus lábios quando eu saio dos caminhos das fadas e entro na cozinha de casa. Um sorriso que desaparece no momento em que vejo a mesa virada e os pratos de jantar quebrados. Por um momento congelado, eu fico lá, meus olhos se dirigindo ao redor conforme o medo e a adrenalina correm através de mim. Pego uma shuriken em uma mão e uma faca na outra.

Eu ando silenciosamente sobre os detritos. A porta da cozinha está meio aberta. Na parte visível da sala de estar, vejo almofadas rasgadas, terra escura saindo de um vaso de flores caído - e um braço esbelto esticado no chão.

— Mãe!

Eu abandono todos os esforços de ser silenciosa e corro para a sala de estar. Em meio aos destroços dos móveis virados e quebrados, deitados imóveis e silenciosos, estão meus pais.


Capítulo 19

Caos.

— Claro que estão conectados! Por que dois criminosos não relacionados atacariam a mesma casa no espaço de um mês?

— Ela ainda respira, mas não consigo acordá-la.

— Maroon, sim. E uma cicatriz na bochecha esquerda. Veja se alguém sabe de qualquer coisa no Subterrâneo.

Ryn está discutindo com vários guardiões enquanto três curandeiros se ajoelham no chão atendendo mamãe e o papai. Violet colocou o braço ao redor de mim enquanto fala calmamente em um espelho com um de seus contatos reptilianos.

Eu queria que eles se calassem. Eu queria que eles me deixassem ficar perto dos meus pais. Eu queria poder fazer algo. Em vez disso, estou sentada na beira de um sofá de cabeça para baixo, pois essa imagem - essa imagem da qual nunca vou me livrar - me atormenta: mamãe e papai deitados com membros inclinados em ângulos desconfortáveis, uma faca dentro do aperto frouxo de papai, o enchimento de uma almofada formando um halo acima da cabeça da mamãe, e uma pequena garrafa de vidro entre eles.

— Com licença. — Eu pisco e encontro um dos curandeiros de pé na minha frente. Ela olha por cima do ombro e acrescenta, — Sr. Larkenwood?

Ryn abandona sua discussão e corre para o meu lado. — Sim? O que você encontrou? Eles vão ficar bem?

— Seu pai parece ter sido atordoado. Ele deve acordar e ficar bem dentro de algumas horas. Sua mãe... — O curandeiro olha para mim. — Não conseguimos encontrar nada de errado com ela, mas não conseguimos acordá-la. Ela precisa ser levada para um instituto de cura para...

— Há uma ala de cura anexada à Guilda Creepy Hollow, — diz Ryn.

— Você pode levá-la para lá?

— Certamente.

— E também meu pai, no caso dele precisar de mais cura quando ele acordar.

A mulher curadora acena com a cabeça antes de voltar para mamãe e papai.

— Cal, você pode ficar conosco esta noite — diz Ryn.

Eu concordo entorpecida. Ryn se afasta, mas agarro seu braço. — E se... e se ela não melhorar? — A culpa me enche de todas as palavras negativas que eu já apliquei para minha mãe aparecendo na superfície da minha mente - louca, fraca, super protetora, boba e mente fechada. E se eu nunca chegar a dizer algo legal para ela? E se eu nunca puder dizer a ela o quanto eu realmente a amo?

Ryn vira e pega minha mão na dele. Seu olhar é determinado, sem piscar. — Ela vai melhorar.

***

Eu sento no sofá de Ryn e Vi com um cobertor sobre os joelhos e um bloco de desenho no meu colo. Eu rabisco distraidamente enquanto minha mente vaga de um pensamento aleatório para outro pensamento aleatório. Estava tão quente alguns dias atrás, mas agora uma leve brisa no ar avisa a chegada do outono. O verão não dura para sempre, eu digo a mim mesma quando meu lápis risca uma imagem de um sol caindo do céu. Pergunto-me se a tempestade encantada acabou. Todos na Guilda estavam tão preocupados com ela. Nuvens girando, chuva batendo, um céu pintado em tons de raiva. Ryn não disse uma palavra sobre isso, então eu suponho que não é uma ameaça real. As gotas pretas de chuva ao longo da borda da minha página se transformam em uma videira de espinhos. Eu esqueci de perguntar a Chase se essa era uma tatuagem permanente ou se ela desapareceria como o pégaso em seu outro braço. O que ele está fazendo agora? Ele não precisava ter se preocupado com o fato de eu ficar em apuros com minha mãe. Talvez eu nunca fique em apuros com ela novamente...

Pare. Não pense assim. Ela vai ficar...

Mamãe.

Deitada no chão.

Seu peito mal se movendo.

Empurro o bloco de desenho para o lado e me levanto. O cobertor cai no chão, mas eu ignoro. Eu caminho pela sala de estar, porque não consigo pensar em mais nada para fazer. Tentei distrair minha mente repetidamente e nunca dura por muito tempo. Ryn e Vi estão na cozinha, discutindo sabe lá o que. Eles têm um ao outro, e eu não tenho ninguém. Sem amigos para ligar. Ninguém que me conhece bem o suficiente para se preocupar com isso. Ninguém com quem eu quero sentar e conversar.

Bem, exceto talvez por...

Uma batida alta interrompe minha caminhada. Ryn entra na sala de estar um momento depois. Ele abre uma seção na parede e meu pai entra. Corro para os seus braços e ele me abraça com força. — O que aconteceu, papai? — Eu pergunto quando me afasto. — Foi o mesmo cara de antes? Mamãe vai ficar bem? Eles já sabem o que há de errado com ela?

— Foi o mesmo homem — diz papai. Ele entra mais ainda na sala, mas não se senta. — Eu não entendo como ele entrou. Essa casa é protegida por todas as defesas às quais eu poderia ter acesso. Eu lutei com ele por um tempo - disse para sua mãe correr - mas depois ele me aturdiu. Eu não estava ciente de mais nada até o momento em que acordei.

— E a mamãe? Os curandeiros sabem mais alguma coisa?

Papai cruza os braços. — Esses gênios me dizem apenas uma coisa: ela está dormindo.

Vi solta um som frustrado. — Isso não é muito útil.

— A garrafa — eu digo, lembrando de repente. — Havia uma garrafa de vidro vazia no chão perto de mamãe. Uma pequena, como as que ela coloca suas poções para dormir.

Rugas se formam através da testa do papai. — Por que o homem a drogaria para dormir? Isso não faz sentido.

— Não — diz Ryn. — Isso teria mais sentido se ela se drogasse.

— Se ela quisesse esconder informações — acrescenta Vi.

— Que informação mamãe poderia possivelmente precisar esconder? — Pergunto. — Ela é bibliotecária em uma escola de curandeiros. Não é exatamente uma organização secreta.

— Eu não me importo com o motivo — diz papai. — Eu me importo que alguém esteja ameaçando minha família. Eu vou encontrar esse homem e garantir que ele esteja preso, onde não possa ameaçar mais ninguém. — Ele coloca uma mão no meu ombro. — Cal, você precisa ficar aqui por... eu não sei. Um pouco de tempo.

— Onde você está indo? — Pergunto com descrença. — Você não pode simplesmente ter uma missão. Você não trabalha mais para a Guilda.

— Não, mas eu tenho um amigo que trabalha.

— Meu pai — diz Vi calmamente. — Então, você finalmente vai falar com ele?

— Suponho que vou ter que precisar da ajuda dele. — Papai era um bom amigo do pai de Vi, Kale, por muitos anos. Depois que o reinado de Draven terminou e ele descobriu que a morte de Kale tinha sido um truque elaborado, ele ficou furioso. Os dois não se falam mais, então papai deve estar desesperado se está disposto a pedir ajuda a Kale.

— Você está ciente de que ele trabalha na Corte Seelie, não é? — Diz Ryn. — Ele não saberá nada sobre isso.

— Provavelmente não, mas ele tem mais conexões do que qualquer outra pessoa que conheço. Ele poderá me apontar alguém que possa ajudar.

— Pai, este não é o caminho certo para...

— Eu sei o que estou fazendo, Ryn. — Papai me abraça brevemente, então se vira para sair.

— Espere. — A voz de Ryn é alta o suficiente para impedir que papai siga seu caminho. Eu olho meu irmão conforme ele parece debater suas próximas palavras antes dele finalmente dizer, — Você precisa dizer a Calla.

Quando ninguém se move ou solta um som, eu digo, — Dizer o quê? — A apreensão desperta uma sensação de mal-estar no meu estômago. — Papai?

Os ombros de papai se inclinam ligeiramente. Ryn caminha ao seu lado e diz, — Ninguém prestou muita atenção a este caso quando era apenas uma invasão. Eu sou o único que seguiu a informação que Calla nos deu. Mas agora que houve uma invasão e você confirmou que era o mesmo homem que invadiu antes, eles vão procurar todos os registros do nome de Tamaria. Eles encontrarão o que encontrei, e não demorará muito para que Calla saiba.

— Saber o quê? — Exijo. — Papai? Diga sobre o que Ryn está falando.

Papai se vira devagar e diz — Não é meu segredo para compartilhar.

— Então de quem é o segredo? — Quando ele não responde, eu movo meu olhar para Ryn. — Você pode me dizer o que está acontecendo?

Com um último olhar para papai, Ryn atravessa a sala e senta na beira de uma poltrona. — Depois que o homem da cicatriz entrou em sua casa há várias semanas, eu procurei por cada Tamaria que eu poderia encontrar no registro na Guilda. Uma foi uma mentora há mais de um século, uma era uma designer de configuração do Aquário, e uma era um vidente. Ela treinou na Guilda Estra algumas décadas atrás. E adivinha quem estava na sua turma.

— De jeito nenhum.

— Sua mãe.

Eu balanço minha cabeça. — Isso não é possível. Se minha mãe fosse Vidente, eu saberia.

— Sua mãe é uma Vidente, Calla, — diz papai. Ele se inclina contra a parte de trás do sofá. — Ela nasceu com a habilidade de Ver. Ela sempre odiou. Ela foi para a Guilda porque é o que é bons videntes cumpridores de leis fazem: usar suas habilidades para ajudar o resto do tipo fae. Ela estava perto do final de seu primeiro ano quando teve uma... grande visão. Algo terrível. Algo que a Guilda tentou forçá-la a falar sobre. Ela ficou traumatizada por isso e por qualquer coisa que a Guilda fez para tentar fazer com que ela conversasse. Ela saiu e não pôs o pé dentro de uma Guilda desde então.

— Tuuudo bem — eu digo, me abaixando lentamente em um assento.

— Ela tem visões quase todos os dias, enquanto ela está acordada e enquanto está dormindo. Ela toma poções de sono fortes todas as noites para que ela não se lembre das visões quando acordar, e durante o dia... bem, você viu a maneira como ela se vira. Em vez de abraçar as visões, deixar que elas a puxem, ela descobriu que, se ela se afasta fisicamente delas, ela pode resistir a elas.

Os círculos loucos que a mamãe às vezes faz. Ela está parando uma visão cada vez que acontece? — Eu não entendo — eu digo. — Por que isso é um segredo? Por que não sei disso sobre ela?

— Porque ela não gosta desse lado de si mesma. Ela prefere que as pessoas não saibam disso.

— Pessoas? Eu sou a filha dela! Isso é parte de quem ela é. Como ela pôde esconder isso de mim?

— Calla, você realmente não precisa ficar tão chateada — diz papai no tipo de tom paternalista que costumava usar quando eu era pequena. — Não é um grande problema que ela seja uma Vidente.

— Não. Não é. — Minha mão direita aperta em torno da almofada decorativa mais próxima. — É um grande problema que vocês dois estão mentindo para mim: a mãe tem problemas de sono; Mamãe foi apenas para a Escola Hellenway Business; Ninguém na família da mamãe teve alguma coisa a ver com a Guilda. Tudo isso é uma mentira.

— Calla...

— Como você se sentiria se descobrisse agora que posso projetar ilusões na mente das pessoas? Como você se sentiria sabendo que eu mantive uma grande parte de quem eu sou em segredo de você durante todos esses anos?

Papai se afasta do sofá, balançando a cabeça. — Não é mesma cosa.

Eu me levanto, apertando a pequena almofada no meu peito. — É claro que é a mesma coisa!

— Eu não queria que você tivesse que mentir sobre outra coisa! — Papai grita. — Você já tem que manter sua própria habilidade em segredo. Não é responsabilidade o suficiente?

— Mas... ser uma Vidente não é uma coisa ruim. Por que eu teria que manter isso em segredo?

— Ser uma Vidente não é ruim. Mas quando um Vidente rompe o contrato que ela assinou, recusando-se a revelar uma visão que ela foi especificamente treinada para ver e depois fugir com sua família para que a Guilda nunca possa encontrá-la... é uma coisa ruim.

— Ela... o quê? — Minha voz incrédula é um pouco mais do que um sussurro. — Você está me dizendo que mamãe é uma fugitiva da Guilda?

— Essencialmente, sim. É uma das razões pelas quais eu deixei a Guilda. É a razão pela qual ela não queria saber de você se juntando ao programa de treinamento dos guardiões por tanto tempo. Ela não confia em quem trabalha lá, e ela nunca mais quer que sua família tenha algo a ver com eles novamente. Então, o fato de que ela decidiu que você estaria mais segura lá do que em qualquer outro lugar deve significar que há algo de que ela tem muito medo.

— Ela... isso... não posso acreditar que você nunca me disse nada disso.

— Nós decidimos que você era muito jovem para guardar este segredo...

— Muito jovem? Há quanto tempo eu mantenho meu segredo da Habilidade especial, papai? A minha vida inteira!

— ...e então decidimos que não havia nenhum motivo para contar. Sua mãe não gosta de falar sobre isso, então...

— Então, basicamente, você nunca iria me contar. Isso parece um plano brilhante, pai. O que você acha que aconteceria quando a Guilda descobrisse?

— Eles nunca iriam descobrir... até que algum lunático apareceu e trouxe seu passado à tona.

O medo reveste minhas veias com gelo. Eu olho para Ryn. — Eles já sabem?

— Não. Como eu disse a papai, os guardiões que receberam este caso tiveram coisas muito mais importantes para tratar do que acompanhar uma invasão, mas agora que houve um ataque e alguém está inconsciente, o caso será investigado. Eles descobrirão quem é sua mãe dentro de um dia ou dois. Eles certamente saberão na segunda-feira.

— E então o quê? — Eu aperto mais a almofada quando eu começo a me sentir mal.

— Bem, eles não podem fazer nada enquanto a sua mãe estiver adormecida. Não tenho certeza qual será o protocolo uma vez que ela estiver acordada. Preciso falar com o representante Vidente no Conselho.

— E eu? Eles não vão acreditar que eu não sabia sobre isso. Eles vão pensar que eu escondi isso deles.

— Você não sabe o que eles vão pensar — diz papai.

— Eu sei que eles não querem alguém que não confiam para trabalhar por eles. E minha posição na Guilda já é precária com tantas pessoas pensando que eu não deveria ter sido permitida a entrar. Eles provavelmente... — Minha voz diminui quando considero as consequências uma vez que o Conselho descobrir quem é minha mãe. — Eles provavelmente me pedirão para sair.

Não, não, por favor, isso é tudo o que sempre quis.

— Pare de ser o centro das atenções, Calla — diz papai. — Sua mãe está em um sono encantado depois de ser atacada, e tudo o que você está pensando é em você mesma e seu próprio futuro?

— Sou eu que está sendo o centro das atenções? Se tudo o que você me disse é verdade, então a mamãe é a egocêntrica. E uma covarde. Suas visões poderiam ser usadas para salvar milhares de pessoas ao longo de sua vida e, em vez disso, ela se droga para que não precise vê-las. E sim, é sua escolha fazer isso, mas não me diga que não é egoísta.

O pai atravessa a sala e para bem na minha frente. — Não se atreva a falar sobre sua mãe desse jeito — ele diz, sua voz cheia de emoção. — Você não faz ideia do que ela passou por essa ser a suposta habilidade dela...

— E o que eu passei? — Exijo, lágrimas quentes se acumulando nos meus olhos. — Vivendo por anos com um medo desesperado da minha própria magia. Meus pensamentos particulares saírem para as mentes de outras pessoas. Todas as provocações e a maldade e as mentiras para encobrir o que fiz. Eu também não queria isso. Então não me diga que não tenho ideia do que a mãe passou. EU ENTENDO. Eu sei como é quando você quer apenas ser normal, mas nunca será uma opção. — As gotas pesadas fazem o meu caminho pelo meu rosto e odeio que não consigo controlar a vacilação na minha voz. — Mas eu não aquela que se esconde do que posso fazer. Eu sou aquela que quer ajudar as pessoas, e se eu puder usar minhas ilusões para fazer isso, então eu vou.

— Era escolha dela não lhe dizer, Calla, e ela tinha todo o direito de...

— Por quê? — Eu lamento. — Por que ela escolheu isso? Por que ela escolheu mentir quando esta é a única coisa que poderia nos aproximar e me ajudar a compreendê-la?

— Parem com isso — diz Ryn, alto o suficiente para me cortar. — Vocês dois. Isso não está ajudando.

— Certamente não está — diz papai, ficando mais irritado do que eu o vi há muito tempo. — Não quando o homem que atacou minha família ainda está lá fora. Então, obrigado, Oryn, pelo seu tempo impecável. Talvez você pense duas vezes na próxima vez antes de decidir quando revelar informações privadas que não têm nada a ver com você. — Papai escreve na parede e passa com raiva pelo portal resultante. A parede se junta, e eu arremesso minha almofada furiosamente. Ela cai no chão com um baque quase inaudível e altamente insatisfatório.

Pressiono meus punhos contra meus olhos, como se eu pudesse forçar as lágrimas de volta. Sem olhar para cima, pergunto — Há quanto tempo você sabe?

Ryn fica em silêncio por vários momentos, e é assim que eu sei que não vou gostar da resposta. — Cerca de um mês.

— Um mês? — Eu olho para cima, piscando minhas lágrimas para que eu possa vê-lo com mais clareza. — Você sabia disso por um mês e não disse nada?

Vi se aproxima. — Calla, nós...

— Você também sabia e não disse uma palavra.

— Você estava fazendo todo aquele treinamento e estudando — diz Vi. — Nós não queríamos...

— Eu não me importo! — Eu grito. — Eu não... eu só...

Não quero estar aqui.

Eu não quero ser madura.

Eu não quero entender.

Quero ficar com raiva e não ter que me sentir culpada por isso. Minha mãe mentiu. Papai mentiu. Ryn e Vi descobriram, e eles não disseram nada até que tivessem que contar. Não posso ficar com raiva de nada disso?

Não depois do que você fez. Hipócrita.

Eu bato na voz insidiosa para que eu não tenha que escutá-la. — Eu vou embora — eu anuncio. Eu atravesso a sala, pego minha jaqueta de um gancho na parede e empurro meus braços para dentro das mangas.

— Calla — diz Ryn. — Este não é o melhor momento para...

— Adeus.

Um portal se forma na minha frente, e passo por ela.


PARTE 3


Capítulo 20

Eu saio dos caminhos das fadas para a casa de Chase - e nada acontece. Sem alarme, sem cair pelo ar, sem balançando de cabeça para baixo. Está tarde, mas o abajur no canto está aceso, e eu consigo ouvir um movimento vindo do seu quarto. Eu decido imediatamente que isso foi um erro. Ele não vai querer me ver. Provavelmente ele ficou satisfeito por se livrar de mim depois da bagunça de viagem no tempo terminou. A minha stylus ainda está na minha mão, então eu procuro ao redor pela superfície mais próxima para escrever um feitiço de portal.

— Calla? — Eu olho para o quarto. Chase sai, prendendo um chicote em torno de seu tronco. Tiras de couro em diagonais com duas facas de cada lado do peito. Um cinto de armas pequeno está pendurado em sua cintura. — Eu percebi que alguém estava aqui — ele diz, — mas não esperava que fosse você.

Eu olho para ele. — Saindo?

— Sim, tenho alguns... negócios para tratar. Mas podem esperar um pouco mais.

— Negócios? Você está me dizendo que alguém precisa urgentemente de uma tatuagem? No meio da noite? E você precisa se armar com facas e várias outras armas brancas para cuidar deles?

— Não. — Chase aperta o cinto. — Eu não estou planejando contar nada a você. Prefiro não mentir.

Uma risada sem humor me escapa. — Bem, então você é o único na minha vida.

Ele atravessa a sala e para na minha frente. — Cinismo amargo. Eu pensei que esse era o meu papel.

Eu balanço minha cabeça e olho além dele. — Acho que a Senhorita Ingenuidade deixou de existir.

— O que aconteceu?

Eu me afasto e sento na borda do sofá. Chase fica ao meu lado. — Cheguei em casa mais cedo e encontrei... eu vi... — Eu levanto de repente. — Eu sinto muito. Eu não sei o que estou fazendo aqui. — Eu me afasto do sofá. — Nós mal nos conhecemos, e você não deveria ter que ouvir meus problemas tolos. Você tem coisas para fazer, e você provavelmente está pensando: “Por que essa menina não vai embora...”

— Calla. — Ele pega minha mão e me puxa de volta. — Você me roubou, você lutou contra mim, você montou em uma gárgula comigo, viajou para o meu passado, nos perdemos em um labirinto, caímos em um abismo, você sabe que eu não sou apenas um tatuador, e eu sei que você está escondendo uma habilidade especial da Guilda. Eu diria que ultrapassamos a fase de mal nos conhecemos.

— Eu... eu acho que sim. — Eu volto lentamente para o sofá. Eu percebi que minha mão ainda está na dele, então a deslizo e a aperto firmemente em torno da minha outra mão no meu colo. Então eu conto a Chase o que encontrei quando voltei para casa horas atrás. Eu falo para ele do segredo que meu irmão revelou sobre minha mãe. O segredo que todos na Guilda em breve saberão. No momento em que eu estou falando com ele todas as coisas que papai e eu gritamos um ao outro, estou afastando novamente as lágrimas. — Eu sei que estou sendo egoísta. Eu sei que estou sendo infantil. Mas eu só quero ficar com raiva.

Chase se inclina para frente sobre os joelhos. — A raiva não é infantil. É uma resposta natural por descobrir informações das quais você sente que deveria ter sido informada antes. E você pode dizer a si mesma que não deve sentir isso, mas se é isso que você sente, é isso que você tem que sentir.

Enterro minha cabeça em minhas mãos. — No entanto, isso não é o que eu sinto. Tudo o que sinto é culpa.

— Por quê?

— Porque — eu sussurro, — eu também tenho um segredo. Todos pensam que me conhecem, mas eles não conhecem. Eles não sabem o que fiz. — Incapaz de ficar sentada por mais tempo, eu levanto. Eu ando em padrões irregulares ao redor e entre os móveis. — Você sabe das coisas obscuras do mundo? — Eu digo, porque agora que eu comecei, não posso parar. Eu tenho que continuar. Eu tenho que dizer em voz alta. — As coisas obscuras que falamos mais cedo? As coisas que fazemos o nosso melhor para sufocar? — Eu paro de andar de um lado para o outro e eu olho para seus pés, não querendo encontrar seus olhos quando eu sussurro, — eu acho que sou uma dessas coisas obscuras.

— O quê? — Chase solta uma risada desconfortável. — Isso não faz sentido, Calla. Você é a que escolhe as cores brilhantes na vida. Não há nada sobre você que é obscuro ou malvado.

Eu me obrigo a sentar. — Mas não é. Eu... eu fiz algo terrível. — Eu puxo meus joelhos para cima e começo a balançar para frente e para trás. — Realmente terrível. Este é o meu segredo. Meu verdadeiro segredo. Pior do que nascer com uma Habilidade especial. Porque se a Guilda souber sobre isso, eles não iriam me colocar em uma lista. Eles me prenderiam para sempre.

Chase apoia uma mão no meu ombro. — Seja lá o que for, não pode ser tão terrível como as coisas que eu fiz.

Eu hesito, sabendo que ainda posso voltar. Posso sair sem dizer outra palavra. Posso guardar o meu segredo até o dia em que eu morrer. Mas eu não quero carregar isso por tanto tempo. Não quero carregar mais por mais nenhum minuto. — Na escola de chefe que eu participei brevemente — eu digo, — havia um menino que eu... Que se matou. Ninguém sabia que eu estava lá quando aconteceu. Ninguém jamais suspeitou de mim. Ninguém nunca descobriu — Eu solto uma respiração instável. Eu estive esperando anos para respirar e finalmente, finalmente soltar — Fui eu quem o fez fazer isso. — Eu continuo, minhas palavras vindo facilmente agora que confessei a pior parte. — Ele era temperamental e manipulador. Amigável e lisonjeiro um dia, então desagradável no outro, me dizendo que eu simplesmente nasci bonita para poder atrair as pessoas o suficiente para deixá-los loucos. Ele sempre se desculpava quando estava tendo um bom dia, mas voltava a ser vingativo quando seu humor mudava. Eu ficava longe dele sempre que possível, e quando não era possível, o ignorava, não importa seu humor.

— Um dia ele apareceu em Woodsinger Grove, onde eu costumava morar. Eu estava fazendo algum exercício, e eu me deparei com ele perto da minha casa no meu caminho de volta. Ele me surpreendeu e me puxou para os caminhos das fadas. Nós saímos em cima da escola. Não era um lugar escondido como as Guildas. Estava fora ao ar livre, um grande edifício com muitos andares. Havia uma seção plana do telhado onde as pessoas - casais - costumavam ir para que eles pudessem ficar sozinhos sem professores perto.

— Eu sabia o que ele planejava fazer comigo no momento em que chegamos lá. Depois que ele me derrubou e ficou sobre o meu braço para que eu não pudesse me afastar, ele me disse que não acreditava nessas bobagens sobre eu possuir magia negra poderosa. Se possuísse, facilmente conseguiria parar o que estava prestes a acontecer. “E você sabe o que vai acontecer com você, não é”, ele me disse enquanto começava a desabotoar suas roupas.

— Eu o odiei então. Eu o odiava como nunca odiei ninguém antes ou depois. E naquele momento, lembrei de uma garota me avisando para ficar longe dele. Com medo, ela disse, “Você não quer ser o objeto de sua atenção.” Eu percebi que ele havia feito isso antes, e ele provavelmente faria de novo. E esse ódio dentro de mim ferveu em um desejo profundo de machucá-lo. Pará-lo. Para sempre.

— Imaginei uma grande serpente negra passando por mim através do telhado. Ela encurralou o menino em um canto até que ele não tivesse para onde ir, apenas o muro que cercava a área. Ele procurou desesperadamente por uma fuga, e foi quando eu mostrei uma ponte. Uma ponte da parede que conduzia às copas das árvores próximas. Ele não questionou. Ele pisou nela e caiu.

— Ele era um faerie, mas era alto, e o chão era sólido, e sua cabeça ficou ferida além de qualquer coisa que seu corpo pudesse curar, e eu olhei para baixo e eu não me importei. Mais tarde, tentei lavar a escuridão da minha alma, a culpa terrível de ter acabado com uma vida, mas é uma mancha da qual nunca vou me livrar. Está sempre lá, no cerne do meu ser, junto com aquela voz obscura que sussurra, “Ele teve o que ele merecia”. — Olho para Chase pela primeira vez desde o início da minha confissão. — Então eu sou uma das coisas obscuras do mundo, — digo a ele, — porque no fundo, dentro de mim, há algo que anseia a morte e a escuridão. E não importa o que a minha mentora diga sobre todos os guardiões que precisam matar em algum momento, não vou fazer isso. Eu me recuso a ceder a esse lado de mim. Se eu fizer isso, tenho medo que me consume, e tudo o que eu deseje tão desesperadamente ser - uma protetora forte, uma boa pessoa - desaparecerá.

— Calla — diz Chase, cobrindo minhas duas mãos com as dele. — Eu queria poder explicar o quão errada você está. Confie em mim: eu vi as coisas sombrias no mundo, e você não é uma delas. O próprio fato de que você deseja proteger e salvar os outros - mesmo seus inimigos - mostra que você não é malvada.

— Mas eu matei aquele garoto! E não era apenas autodefesa. Eu poderia ter projetado algo diferente. Eu poderia ter fugido sem matá-lo. Mas eu queria que ele morresse. Isso diz que há algo maligno dentro de mim.

— E depois você foi dominada por uma imensa culpa. Isso diz que você tem uma consciência.

— Mas... isso não muda o fato de que eu o matei.

— Não. Não muda. — Ele se aproxima de mim, olhando mais atentamente para os meus olhos. — Calla, isso faz parte da vida. Às vezes, as pessoas fazem coisas terríveis que, mais tarde, eles gostariam que nunca tivessem feito. Mas nenhum remorso pode mudar o passado. Acredite, estou horrivelmente consciente desse fato. A única coisa da qual você tem controle agora é o seu futuro. Se você quer proteger as pessoas, então faça isso. Se você quer salvar vidas sem matar nenhum inimigo, então faça isso também. Eu sei, por experiência própria, que é muito difícil fazer dessa forma, mas também posso dizer que é possível.

Eu pisco através das minhas lágrimas para ele, percebendo que isso é o mais próximo que ele chegou a me dizer o que ele realmente faz durante suas horas de não tatuagem. Eu olho para nossas mãos juntas e mordo meu lábio. Estou parcialmente horrorizada por ter compartilhado meu maior segredo com alguém, mas principalmente estou imensamente aliviada. Eu pensei que Chase ficaria chocado ao ouvir o que fiz, mas parece que ele entendeu melhor do que eu esperava. — Se eu perguntasse — eu digo com cuidado, — você poderia me dizer sobre o que você tem tanto remorso?

Eu olho para cima e o encontro me dando um sorriso irônico. — Você não gostaria tanto de mim se soubesse.

Respondendo com meu próprio sorriso, eu digo — O que faz você pensar que eu gosto de você agora?

— Você está aqui, não é? Imagino que você teria ido a outro lugar se não gostasse de mim.

Eu aceno com a cabeça lentamente, então mantenho os olhos nele quando pergunto, — Tem... algo a ver com o que você disse mais cedo? Sobre haver muita escuridão para afogar?

O sorriso de Chase desaparece, mas seus olhos nunca deixam os meus quando ele diz, — Sim. É. — Ele desvia o olhar e levanta as mãos das minhas. — E espero que você me perdoe por não dizer nada além disso. O passado é... bem, é o passado.

— Tudo bem — eu digo, esfregando minhas mãos ao longo do topo das minhas pernas. — Melhor não dizer nada do que mentir, certo?

— Certo. — Ele ergue a mão em direção a seu casaco pendurado na parte de trás da cadeira e enrola seus dedos em um movimento de vem aqui. Seu âmbar desliza para fora de um bolso interno e voa pelo ar. Ele lê uma mensagem rapidamente, então levanta. — Sinto muito, mas não posso ficar. Eu preciso estar em outro lugar.

— Oh, isso é completamente compreensível. Não é como se eu...

— Você pode ficar, no entanto — ele acrescenta apressadamente enquanto eu levanto. — Quero dizer, se você não quer ir para casa. Nada impróprio, apenas... você pode ficar aqui se você não tem outro lugar para ir agora. — Ele franze a testa. — Isso pareceu muito menos estranho na minha cabeça.

Eu rio e enxugo a última umidade abaixo dos meus olhos. — Obrigada. Acho que vou. Apenas um pouco.

— Tudo bem.

— Ah, seu alarme horrível não acionou quando eu cheguei. Você desativou?

— Eu estava brincando com algumas modificações. — Chase desliza o casaco nele, escondendo as armas presas no seu corpo. — Eu vou colocar o feitiço novamente quando eu estiver fora. Você não precisará se preocupar com visitas surpresas aparecendo.

— Isso é algo que acontece com frequência?

— Não, na verdade, você foi a primeira. — Ele me considera com uma expressão pensativa. — E você foi do tipo agradável em vez do tipo mate agora.

— Entendo. — Minha pele aquece com o pensamento de que ele considera minha chegada abrupta em sua vida “agradável”, mas eu duvido que ele diga qualquer coisa, além disso. — Adquiriu alguns inimigos ao longo dos anos, não é?

— Alguns. — Ele guarda o âmbar e a stylus e dirige-se para a porta. — O que você provavelmente vai descobrir o que significa “muito”.

Ele saí com um último adeus, e eu retorno minhas costas para o sofá. Depois de olhar sonolenta para as pinturas por um tempo - não consigo decidir se as folhas na cena da floresta estão realmente em movimento, ou se é minha imaginação - eu olho para o âmbar e encontro uma mensagem de alguns minutos atrás.

Eu sei que você está no Subterrâneo. Não se preocupe, não vou atrás de você. Eu sei que você está com raiva. Eu entendo o porquê. Apenas me diga que você está bem (caso contrário, eu vou ter que ir encontrá-la). V

Droga da minha família e suas irritantes Habilidades especial. Não consigo me esconder em nenhum lugar sem que Violet me encontre. Soltando uma respiração frustrada, escrevo duas palavras: estou bem.

Depois de um grande bocejo de doer o maxilar, eu me levanto e procuro no quarto por um cobertor. Encontro um no guarda-roupa ao lado da porta e o envolvo em torno de mim antes de voltar para o sofá. Estou exausta da provação do labirinto, ansiosa sobre o ataque à mamãe e papai e a agitação emocional desde então. Só vou descansar um pouco antes de voltar para a casa de Ryn.

Aconchego-me contra as almofadas, deixando minha mente vagar sobre meu confronto com o papai. Com a mente relaxada, os flashes da cena se desenrolam contra o pano de fundo da sala de estar de Chase. Papai discutindo comigo, Ryn tentando parar que nós dois briguemos, eu jogando uma almofada na parede.

Uma vidente. Mamãe é uma Vidente. As poções para dormir e os estranhos giros em círculos e os olhares atordoados e a paranoia sobre a Guilda. Tudo faz sentido agora, mas meu cérebro ainda tem problemas para conciliar essa nova informação com a imagem que já tenho da minha mãe. A mulher que eu sempre pensei como delicada e, bem, fraca, na verdade, tem magia poderosa o suficiente para mostrar-lhe o futuro.

E ela planejou nunca me contar.

Por quê? E por que ela fugiu da Guilda? Por que ela não podia apenas dizer o que viu, passar pelo processo de terminar oficialmente seu treinamento e viver uma vida livre?

Eu me pergunto o que ela viu que a traumatizou tanto.

Claro! Minhas pálpebras sonolentas abrem quando percebo algo. Esta deve ser a informação que o homem com cicatriz está atrás. Ele quer saber o que a mamãe viu em sua visão todos aqueles anos atrás. Mas como ele saberia disso em primeiro lugar? Tamaria. Ele deve ter escutado isso dela. Ela estava na turma da mamãe, então ela deve saber algo sobre o que a mamãe viu. Mas não o suficiente, obviamente, ou o homem com cicatriz não teria vindo atrás da mamãe.

Minha mente mantém o ciclismo através de possibilidades e teorias à medida que meu corpo se aproxima de dormir. O último pensamento claro que eu tenho antes de derivar para a inconsciência é o que o papai disse antes de começarmos a gritar um com o outro: Ela não confia em quem trabalha na Guilda, e ela nunca mais quer que sua família tenha algo a ver com eles novamente. Então, o fato de que ela decidiu que você estaria mais segura lá do que em qualquer outro lugar deve significar que há algo que ela tem muito medo.


Capítulo 21


— E aquele? — Eu aponto para o esboço meio acabado de uma asa que pode pertencer a uma fênix.

— Não, acho que tem mais pena do que como ela quer — diz Chase. — Eu tenho este, que é baseado em asas de sprite e sílfides, muito longas e cheias. Aquele lá é apenas uma pluma, então ela pode estar aberta a esse. E este... bem, é um pouco diferente.

Nós estamos sentados no chão da sala de estar de Chase com alguns dos móveis empurrados para os lados, por isso há espaço para os esboços que nos espalhamos ao nosso redor. Apesar da minha intenção de voltar à casa de Ryn ontem à noite, nunca acordei do meu breve cochilo - o que acabou por não ser tão breve, como descobri quando Chase me acordou em algum momento desta manhã. Fiquei bastante confusa por pelo menos cinco segundos antes de me lembrar de onde estava e por quê.

Agora, depois de dez minutos no banheiro, eu estou ajudando Chase a decidir quais os desenhos apresentar a sua cliente que requer mais atenção, que decidiu que quer um par de asas tatuadas em seus ombros - e ela quer que seja feito agora. — Oh, eu realmente gosto desse. — Eu aponto para o esboço na mão de Chase. — Parece que a tinta está escorrendo das extremidades das asas. Definitivamente mostre esse para ela. — Eu olho em volta e adiciono, — Todos são incríveis. Gostaria de ter nascido com seu tipo de habilidade.

Com uma risada curta, Chase diz — Às vezes, eu queria ter nascido com essa habilidade também.

— O que você quer dizer?

Ele passa uma mão por seu cabelo enquanto examina os desenhos espalhados pelo chão. — Isso não é algo que eu sempre consegui fazer. Foi um presente. De... uma amiga. Ela era a verdadeira artista. Antes de morrer, ela me deu essa habilidade.

Eu tento lembrar se já ouvi falar de algo assim antes, mas meu cérebro não lembra de nada. — Eu não sabia que era possível.

— Eu também não, mas aparentemente é. Ela era uma elfa. Talvez seja um tipo de magia que não conhecemos.

— Talvez — eu digo. — Então... desenhos com a stylus um dia, e tatuador no outro?

— Algo parecido. Nunca tive o desejo de desenhar ou pintar qualquer coisa quando eu era mais jovem. Nem mesmo desenhos com a stylus. Eu certamente não era do tipo criativo.

— Eu rabiscava em tudo — eu digo, sorrindo enquanto considero os inúmeros desenhos a tinta cobrindo cada caderno escolar que eu já tive. Bem, exceto os meus mais recentes. Eu quase não tive tempo para viajar na maionese e desenhar em meio a meus esforços para recuperar o atraso - e depois continuar com todos os meus estudos de guardiã. — Ei, você já usou tinta de fogo?

— Não, eu uso apenas tinta comum. Nada dessa coisa extravagante com chamas ou brilhos ou água ou fumaça ou... qualquer outra coisa que você pense.

— Eles tinham coisas extravagantes em Ellinhart, mas é caro, então só conseguimos usar uma vez. A pintura a fogo foi definitivamente a experiência de pintura mais excitante que já tive. Quero dizer, você está pintando com chamas. Apenas imagine isso.

— Eu estou. Estou imaginando uma tela carbonizada.

— Não! Você pensaria que isso aconteceria, mas não. É incrível. As chamas continuam a queimar onde quer que você coloque seu pincel, como se a tinta fosse feita de magma queimando. Eu acabei com queimaduras sobre toda minha mão e mamãe ficou louca sobre isso, mas valeu a pena.

— Talvez eu devesse tentar.

— Você deva. E a água também. É lindo.

— Está bem então.

Eu sorrio para ele e seguro seu olhar por um momento muito longo. Sentindo-me estranha de repente, olho para baixo e procuro outra coisa para dizer. — Então, hum, eu sei que você é talentoso, mas você não desenhou tudo isso esta manhã, não é?

— Não, a maioria é antigo — diz Chase ao reunir os desenhos em duas pilhas separadas. — Eu só tive tempo de fazer mais três com base no breve e vago relatório da minha cliente depois que eu voltei esta manhã.

— Esta manhã? Você quer dizer que você ainda não dormiu?

— Quem precisa dormir?

— Hum... eu? — Eu falo em uma voz baixa.

Ele sorri. — Eu durmo, não muito. Sorte, já que meu trabalho de não-tatuagem pega muitas das minhas horas noturnas.

— Sério? — Eu digo a ele. — Seu trabalho de não-tatuagem? Apenas fale e admita o que você realmente faz. Você sabe que eu sei.

— Eu não admitirei nada — ele diz com um sorriso superior. — E você não sabe quase nada do que você acha que sabe. — Ele levanta e leva as duas pilhas de desenhos para a mesa. — Tudo bem, eu preciso ir para o trabalho, e você precisa fazer o que as pessoas fazem quando têm um membro da família em um hospital. — Ele me dá um olhar aguçado.

— Hospital? Isso parece muito como uma palavra que os humanos usam para descrever seus institutos de cura.

— Você deveria visitá-la.

— Isso significa que você passou muito tempo no reino humano?

— Isso significa que eu decidi que é mais rápido dizer “hospital” do que “instituto de cura”. E não pense que não percebi que você está fazendo o seu melhor para evitar o assunto.

Eu solto um gemido excessivamente dramático e digo, — Em primeiro lugar, qual é o ponto em visitar alguém que está dormindo e não consegue ouvir uma coisa que eu digo? Em segundo, ainda estou com raiva dela e do meu pai, e, por mais infantil que pareça, não estou pronta para deixar essa raiva ainda. E em terceiro lugar, por que você se importa se eu vou visitar minha mãe?

— Em primeiro lugar — Chase mostra um dedo — não importa se ela não pode ouvi-la. Em segundo lugar, visitá-la não significa que você deva parar de ficar com raiva. E em terceiro lugar... que tipo de pergunta é essa? Eu não sou um estranho, e não sou um monstro sem coração, então é claro que me importo.

— Hum... tudo bem — Eu me instruo a não me preocupar com a parte em que ele disse que ele se importa - ele se importaria com qualquer pessoa nesta situação, Calla. Você não é especial - e se concentre nos pontos número um e dois. — Eu acho que eu poderia pensar sobre a possibilidade de visitá-la.

— Isso parece um começo. — Chase enrola a obra de arte escolhida e abre um portal perto da mesa. — Damas primeiro — diz ele.

— Certo. — Eu preciso ir para Ryn agora, onde ele provavelmente vai querer saber onde eu estive a noite toda - e duvido que ele se conforme com a vaga resposta que Vi já lhe deu: Subterrâneo. Suas tendências protetoras eram legais quando eu era pequena, mas estou superando isso agora. Ele precisa perceber que não sou mais uma criança.

— Oh, antes de ir, eu queria te perguntar algo. — Chase esfrega a parte de trás do pescoço e hesita, sua boca meio aberta como se ele estivesse prestes a falar. — Na verdade, não se preocupe com isso.

Ele fica estranho de repente, e eu me pergunto se... talvez... Não, não seja ridícula, Calla. O faerie legal, tatuado e vigilante não se sente assim por você. — Bem, agora estou curiosa — digo, enquanto asas de sprite se agitam na minha barriga. Não. Você não está curiosa. Você não aprendeu sua lição com o Zed?

— Eu ia sugerir algo — diz Chase, — mas...

— Você iria sugerir o quê? — Eu pergunto antes que o lado lógico do meu cérebro possa assumir o controle e me parar.

— Estou fascinado pela sua Habilidade especial e as oportunidades que ela apresenta. Eu adoraria trabalhar com você, mas com sua lealdade estritamente alinhada com a Guilda e sua maneira de fazer as coisas, e eu sendo... não da Guilda, provavelmente não funcionaria tão bem.

— Oh, certo, sim. Provavelmente não é uma boa ideia. — O que torna tão confuso é que meu primeiro pensamento foi realmente, Que seria muito divertido! Seria divertido, mas tenho a sensação de que Chase opera fora da lei, e isso seria um problema para mim. Eu ando através da porta que Chase tem segurado aberta com o seu pé e viro. — Obrigado por ouvir ontem à noite. E por me deixar ficar. — Então entro na escuridão, tento afastar aqueles intensos olhos de tempestade verde e penso na floresta perto da casa de Ryn.

 

***

Eu ando pelas árvores por um tempo antes de voltar para casa de Ryn. Quando eu chego lá, Violet está fora, então eu tenho que enfrentar Ryn sozinha. Digo-lhe que passei a noite com um amigo. Ele diz, — Um amigo que vive no Subterrâneo? — Eu não respondo, e, com o que parece uma dificuldade extrema, ele deixa de lado. Vi provavelmente lhe disse para me dar um tempo. Esperançosamente, ela lembrou-lhe que quando eles tinham minha idade, eles estavam correndo por ai fazendo o que quer que eles gostassem. Ele então oferece para me levar para a ala de cura da Guilda Creepy Hollow para ver mamãe e falar com os curandeiros. Depois de decidir que Chase pode estar certo afinal de contas, eu digo sim.

A ala de cura cheira estranho, como a substância que mamãe derrama no chão da cozinha em casa antes de recitar o feitiço de limpeza. É mais forte, porém, e misturado com o aroma doce subjacente de poppinies, as flores que costumam fazer um analgésico excepcionalmente forte. Eu esfrego meu nariz enquanto eu sigo um curandeiro para um quarto longo e ando entre duas fileiras de camas. Algumas das camas estão escondidas por cortinas flutuantes colocadas ao redor, enquanto outras camas são visíveis, seus ocupantes sentados e conversando calmamente com os visitantes.

— Ela está aqui — disse o homem de uniforme azul na minha frente, parando e apontando para uma cortina flutuante à minha direita. Agradeço-lhe e ele vai embora. Depois de um momento de pausa, eu puxo a cortina apenas o suficiente para entrar na área fechada.

Eu paro e olho para ela, viva, uma forma silenciosa em uma cama branca e limpa. Se não fosse pela suave elevação e queda do seu peito e pela vibração ocasional atrás de suas pálpebras, eu não acreditaria que ela estivesse viva. Eu dou passos lentos e cuidadosos em sua direção. Ao chegar ao lado da cama, galhos esguios se levantam do chão e formam um banquinho. Uma almofada aparece em cima dela. Eu empurro o banquinho com o joelho para me certificar de que é mais resistente do que parece, então sento.

Minha mão cai para frente e repousa na beira da cama ao lado do braço pálido da mamãe. — Apenas para que você saiba — eu sussurro, — estou realmente brava com você. Não consigo acreditar que você não me disse. Por quê? Você inventou todas essas histórias quando você poderia simplesmente me dizer a verdade. — Pressiono meus dedos no cobertor. — Você realmente precisa acordar para que eu possa gritar com você corretamente. Esse sussurro não está funcionando. E também... é simplesmente estranho vê-la deitada aqui. Então você tem que acordar. Ok? — Eu me inclino para trás e a observo, esperando, esperando que de alguma forma minha voz possa arrastá-la das profundezas desse sono encantado. No entanto, não. Claro que não.

Eu levanto, encontro a lacuna na cortina flutuante e saio. Eu passo pela fila de cortinas flutuantes idênticas e vou para o corredor onde vi Ryn pela última vez. Uma mulher vestida com um uniforme azul pálido dos curandeiros aproxima-se dele pelo outro lado. Eu o alcanço ao mesmo tempo que ela. — Você é a filha de Kara Larkenwood? — Ela me diz.

— Sim. Você sabe mais alguma coisa sobre a minha mãe?

— Seu pai está aqui? — Ela pergunta. — Eu provavelmente deveria falar com vocês dois juntos.

— Hum, não.

— Nós não sabemos quando ele estará aqui — diz Ryn, — então, se você souber alguma coisa, nos conte.

Os olhos da curandeira movem-se com incerteza em relação a Ryn. — Você é...

— O filho de Linden Larkenwood.

— Por favor — eu digo. — Tudo o que você sabe, basta nos contar. Você está começando a me assustar.

Ryn coloca um braço ao redor dos meus ombros. O curandeiro aperta as mãos na frente dela. — A garrafa que foi encontrada ao lado de sua mãe tinha várias gotas deixadas dentro dela. Nossos feitiços de análise identificaram como uma poção de sono.

Eu concordo. — Foi o que eu pensei.

— Você sabia o quão forte era?

— Bem, ela só tomava algumas gotas todas as noites, então deve ser bastante forte.

A curandeira balança a cabeça. — Mais forte do que isso. Uma gota poderia enviar uma pessoa a um sono profundo por dias. É ilegal comprar e vender poções dessa força sem autorização. Nós não sabemos o quanto sua mãe ingeriu, mas se a garrafa estava cheia, calculamos que ela pode dormir por... A curandeira junta as mãos, olhando entre nós dois, possivelmente pesando sobre a melhor maneira de compartilhar essa última informação.

— Por? — Incentivo, não estou disposta a esperar mais um segundo.

— Pelo menos um ano.

— O quê?

— Provavelmente mais tempo.

— Isso é insano! Como ela vai sobreviver por tanto tempo?

— Poções deste tipo são projetadas para sustentar o corpo enquanto...

— Há algo que possamos fazer além de esperar? — Pergunta Ryn. — Qualquer poção ou magia que possa reverter os efeitos de uma poção para dormir?

— Não há algo tão forte — diz a curandeira, depois corre para adicionar, — mas nós estamos trabalhando na criação de um antídoto. E os nossos fabricantes de poções são muito habilidosos. Não se preocupe, tenho certeza de que eles encontrarão alguma coisa.


Capítulo 22

Estou folheando o Manual de Poção Gringel, Décima Oitava Edição no sábado à noite, quando Vi chega em casa do trabalho. Depois da minha visita à mamãe, reuni todos os livros sobre poções que consegui encontrar na casa de Ryn e os espalhei sobre a mesa da cozinha. Eu sei que a possibilidade de encontrar algo que todos os curandeiros especialistas e os fabricantes de poções já não saibam é pouca, mas não tenho nenhum dever de casa e não há nenhuma maneira de que desenhar me distrairá agora, então isso é tudo que tenho para me concentrar.

Eu ouço Vi falar com Ryn antes de entrar na cozinha. Ela se inclina e abraça meus ombros e diz — Ryn me disse. Eu sinto muito. Mas pelo menos não há nada de errado com ela além do sono.

— Um ano, Vi — eu digo enquanto folheio através do Gringel. — Um ano. Ou mais! Imagine o quanto ela pode perder durante esse tempo?

— Não demorará muito, Calla. — Ao contrário das falsas garantias da curandeira, a voz de Vi traz convicção de verdade. — Nós não sabemos quanto da poção sua mãe realmente bebeu. E ela tem tomado poções para dormir desde que era adolescente. Tenho certeza de que ela desenvolveu alguma tolerância em relação a elas. Por que mais ela estaria na posse de uma tão forte?

Eu bato um lápis contra meu queixo e aceno com a cabeça enquanto Vi senta em frente a mim com um copo de sua mistura favorita de energia e cura corporal. É uma mistura com pelo menos vinte ingredientes diferentes, todos com gosto nojento. — Eu suponho que isso faça sentido. Isso também explicaria por que ela faz poções para dormir com tanta frequência.

— Exatamente. Você disse que ela faz uma nova toda semana, certo? Ela não precisaria fazer isso se tivesse uma poção forte o suficiente para durar um ano. Ou dois ou três anos, se você levar em conta todas as horas acordada em um dia em que ela não precisaria delas.

— Certo. Tudo bem. — Eu me sento e fecho a capa pesada de Gringel. — Por que não pensei nisso antes de passar toda a tarde procurando por todas as referências de poções para dormir?

Vi toma um grande gole de sua bebida, faz uma careta e diz — Muito ansiosa para pensar corretamente?

— Talvez. Então, espero que demore apenas algumas semanas antes dela acordar. — Inclino a cabeça para o lado e acrescento — Você realmente gosta dessa coisa que está bebendo?

— Ugh, não. Mas funciona. — Ela toma o resto da bebida, estremece enquanto engole, depois levanta e leva o copo para a pia.

— Uau — eu digo quando ela se vira. — O que aconteceu? — Seu cabelo está preso sobre sua cabeça, e na parte de trás do pescoço, há três cortes profundos.

— O quê? Ah, apenas alguns exercícios de treinamento com uma manticore que ficou um pouco fora de controle. As feridas já foram tratadas, e a Bebida Suprema Grosseira — ela acena para o copo que acabou de limpar — ajudará. Eu ficarei curada em poucas horas.

— Ótima maneira de terminar um sábado — murmuro.

— Foi ótimo — diz ela, entusiasmo iluminando seu rosto. — Esta equipe fez muitas melhorias. Eles estão quase prontos para ir lá fora e consertar alguma bagunça verdadeira.

A porta que leva para sala de estar abre-se e Ryn entra. — Não é bom quando o criminoso que você perseguiu durante semanas aparece inconsciente na sua porta?

— Que conveniente — diz Vi. — A qual porta você está se referindo, exatamente?

— A da Guilda. Então eu preciso ir por algumas horas.

— Vocês nunca têm finais de semana de folga? — Pergunto. — Vi acabou de chegar em casa e agora você está indo trabalhar.

— Uh, às vezes — diz Vi. — Por que você acha que ele se entregou? — Ela pergunta a Ryn.

— Ainda não tenho certeza. Eu acho que talvez um dos seus se voltou contra ele.

— Parece que os criminosos estão fazendo o seu trabalho por você.

— Não estou reclamando — ele diz com um sorriso.

— Preguiçoso — diz Vi. — Você deveria vir até minha Guilda em algum momento. Nós fazemos um trabalho real lá.

— Seu Instituto está cheio de reptilianos.

— É isso é o que torna incrível — ela diz com uma voz cantante. — Tudo bem, eu vou me limpar antes de Calla e eu fazermos algo incrível para o jantar.

— Ei — diz Ryn enquanto ela passa por ele. — O que aconteceu com seu pescoço? Não vi isso quando você entrou.

— Oh, apenas alguns arranhões. — Vi toca o lado de seu pescoço cautelosamente. — O treinamento manticore foi hoje, lembra? Me bateu um pouco, mas estou bem.

— Te bateu? — Ryn parece horrorizado, o que é intrigante, uma vez que ser nocauteado não é nada novo na linha de trabalho de guardião. — É disso que eu estou falando, V. É por isso que não é seguro que você trabalhe mais.

— Não, não, não — ela diz, virando para ele e balançando a cabeça. — Isso não faz parte do acordo. Nós concordamos que eu não teria que parar de trabalhar agora.

— Bem, talvez estivéssemos errados.

— Hum, eu deveria sair da sala agora? — Pergunto.

— Se você tem permissão para trabalhar — diz Vi, completamente alheia a minha pergunta, — eu também tenho.

— Não sou eu quem... — Ryn para quando ele olha para mim. — Vamos falar sobre isso mais tarde — ele diz para Vi, depois sai da sala.

— Sim. Nós vamos — ela grita atrás dele. — Eu falarei, e você vai ouvir o meu lado das coisas.

— Não consigo ouvir você — ele grita de volta. Vi me olha e revira os olhos. Um momento depois, ouvimos uma batida vindo de fora da sala de estar, seguido logo por Ryn dizendo — Tilly?

— Tilly? — Vi diz, franzindo a testa. Ela se afasta da cozinha e eu me levanto para segui-la. — Tilly! — Grita alegremente, e entro na sala de estar a tempo de vê-la envolver seus braços em torno de alguém com cabelo loiro e cor-de-rosa. — Eu não sabia que você vinha.

— Desculpe por ter chegado sem aviso prévio — diz Tilly, — mas de repente eu tive algum tempo de folga, e pensei, “Por que não?” Então, aqui estou eu! E trouxe o jantar. Oi, Calla! — Ela acena para mim sobre o ombro de Vi.

— Ei. — Eu sorrio e aceno de volta. De todos os amigos de Vi e Ryn, a exploradora maluca Tilly é provavelmente a mais divertida. Ela fala sem parar e conta histórias incríveis - que são mais surpreendentes pelo fato de serem todas verdadeiras.

— Tilly, você tem um timing horrível — Ryn reclama. — Estou indo para o trabalho.

— Oh, que pena. — Tilly parece triste por um momento, mas depois sorri. — Noite das garotas! — Ela joga suas mãos no ar e acidentalmente golpeia Filigree em seu pequeno rosto de coruja. — Oh! Desculpe, Fili. Eu não vi você sentado aí nesse gancho de casaco totalmente imperceptível.

Filigree golpeia sua desaprovação, depois pousa no chão, se transforma em um gato e sai sem outro olhar na direção de Tilly.

— Eu realmente tenho que ir — diz Ryn. — Aproveite sua noite das garotas.

Meia hora depois, estamos sentadas na mesa da cozinha cavando nos vários recipientes que Tilly trouxe do The Brownies Munch Box enquanto Filigree na forma de rato mordisca os nixles cobertos de chocolate. Nunca tendo comido nenhum Brownie antes - mamãe tem uma política rigorosa de apenas refeições caseiras - eu me certifico de provar algo dos sete recipientes.

— Então eu estou perdida no meio de uma selva — diz Tilly entre mordidas, — minha stylus foi comida por uma coisa gigante em forma de sapo-coelho, luto com dois lagartos para manter a gema segura e agora estou diante de um grupo de dríades guerreiras que obviamente pensam que estou ameaçando sua casa. Estou pensando que esta expedição é uma falha absoluta quando, do nada, Jayshu vem balançando através das árvores em uma videira, berrando como um ogro. Ele pousa no meio das dríades, espirra o spray de riso e, dentro de meio minuto, todas as dríades estão dobradas, rindo histericamente.

— Isso não aconteceu — diz Vi enquanto ela se recupera de seu riso.

— Cem por cento história verdadeira — diz Tilly. — Spray de riso. Jayshu planeja patenteá-lo. Vai fazer uma fortuna.

— Quem vai comprar essas coisas?

— A Guilda. Uma vez que os guardiões perceberem que vocês podem ganhar todas as batalhas fazendo com que seus inimigos riam.

— Isso é tão ridículo, eu nem sei por onde começar.

— Eu sei. Eles nunca verão chegando. Oh! — Tilly acerta seu garfo com entusiasmo no ar. — Eu quase esqueci a melhor parte da refeição. — Ela alcança a bolsa pendurada sobre um lado de sua cadeira e tira uma garrafa de vidro marrom. — Hidromel da poesia. Essa coisa, senhoras, é incrível.

— Ooh, sim, eu quero experimentar — eu digo, alcançando a garrafa.

— Não tenho certeza de que sua mãe ficaria muito satisfeita se eu deixar você fazer isso — diz Vi.

— Mamãe está dormindo, lembra? E quando ela acordar, terá coisas muito mais importantes para se preocupar com o fato de eu ter provado — Eu examino o rótulo — o hidromel doze anos. Uau. Isso é bastante antigo.

— E é maravilhoso — diz Tilly, levantando-se e procurando taças adequadas nos armários.

— Oh, não vou querer — diz Vi quando Tilly volta à mesa com três taças.

— O quê? Não seja chata. — Tilly bate na rolha com a stylus. A rolha salta e Filigree escorrega para obter um cheiro melhor do conteúdo da garrafa.

— Eu não sou, eu simplesmente não quero...

— Não. Não quero, não é uma opção. Eu fui por todo o caminho para as Montanhas Slievaran onde os anões Galar criaram essa coisa. Você tem alguma ideia do quão longe é?

— Hum... cinco segundos através dos caminhos das fadas?

Com uma expressão em branco, Tilly pisca e diz — Tudo bem. Você tem alguma ideia do quão difícil você precisa se concentrar para acabar precisamente no ponto certo nas Montanhas Slievaran para encontrar essa coisa?

— Muito?

— Exatamente. Isso é o quão longe é este lugar. Então você tem que experimentar o hidromel.

Vi geme. — Eu sinto muito. Eu gostaria de poder, mas eu realmente não estou podendo.

Tilly me passa um copo com uma pequena quantidade de hidromel, então se inclina para trás e examina Vi com uma careta. — Nós bebemos hidromel juntas antes.

— Nós bebemos.

— Você gostou. Muito. Você disse que era sua nova bebida favorita.

— Eu sei, mas...

— OhmeuDeus. — Tilly endireita-se de repente, seus olhos arregalados.

— O quê? — Vi e eu perguntamos ao mesmo tempo.

— OhmeuDeus. Oh. Meu. Deus. — O sorriso de Tilly se estende mais do que eu pensaria que fosse possível, como se estivesse gritando silenciosamente. — Você vai ter um bebê!

Eu quase solto meu copo. — O quê?

A expressão de Vi congela, sua boca meio aberta e suas bochechas ficando rapidamente cor-de-rosa. Então, ela bate a mão sobre a mesa. — Como diabos você sabe disso?

— Oh, é tão óbvio.

— Não é!

— ISSO É TÃO EXCITANTE! — Eu grito, pulando e jogando meus braços ao redor dela, espirrando metade do meu hidromel no chão. Um segundo depois, Tilly se junta a nós, completando o nosso abraço grupal com pulos e gritos.

— Não – parem – não é excitante, é aterrorizante! — Vi exclama, tentando nos afastar.

— Bem, claro, é um pouco aterrorizante, — diz Tilly enquanto ela e eu retornamos aos nossos lugares, — mas é principalmente excitante, certo?

— Um pouco, suponho — diz Vi. — Mas eu serei a primeira a admitir que isso não fazia parte do plano por pelo menos nos próximos cinquenta anos.

— É por isso que você e Ryn discutiram, certo? — Pergunto. — É por isso que ele não quer que você trabalhe.

— Sim — diz Vi com um suspiro.

— Bem, agora que esta coisa do bebê está acontecendo — diz Tilly, levantando seu copo e tilintando contra o meu, — vocês provavelmente deveriam se casar. Tornar oficial.

Vi revira os olhos. — Somos casados, Tilly.

— Oh, por favor. Aquele encontro chato-como-lama que tivemos na Guilda, onde vocês assinaram um pergaminho e depois voltaram para o trabalho? Aquilo não foi um casamento.

— Você está certa. Não era um casamento porque não somos humanos e não os chamamos assim. Nós os chamamos de cerimônias de união.

— Ugh, você soa como minha avó. Basta chamar de casamento. Quase todo mundo chama assim hoje em dia.

Eu sento para trás, sorvo minha bebida ligeiramente seca e com uma pitada de mel, e vejo a discussão na minha frente. Eu sei que Tilly vai ganhar, e eu estou bem com isso. Eu concordo com ela.

— Tudo bem. Casamento. Que seja — diz Vi. — E tentamos ter uma três vezes, lembra? Isso nunca funcionou.

— Certo, porque alguma emergência sobre o fim do mundo sempre surgiu, e vocês tiveram que correr e lidar com elas.

— Exatamente.

— Bem, não desta vez. Desta vez, eu vou planejar seu casamento e outra pessoa pode lidar com os terremotos e inundações.

— Era um vulcão.

— Tanto faz.

— Yay! — Eu levanto meu copo no ar novamente. — Hora de casamento!


Capítulo 23

Segunda de manhã chega, e ainda estou radiante por saber que vou ser tia. O fato de que mamãe ainda está em um sono induzido por poções é um pouco amortecedor, mas estou quase certa de que não demorará muito para que ela acorde. Junto com o fato de que eu não estou mais furiosa sobre ela mentir para mim - minha raiva diminui um pouco a cada dia - parece ser uma boa segunda-feira. Até mesmo um interrogatório sobre minha mãe fugitiva - que tenho certeza de que está chegando - não pode arruinar meu dia, graças a um fato pequeno e óbvio que eu me lembrei sobre os interrogatórios da Guilda ontem.

Um envelope apareceu na nossa mesa da cozinha ontem à noite com uma nota da Guilda me informando que o treinamento voltaria ao normal hoje. Depois de tudo o que aconteceu desde que deixei a Guilda na sexta-feira de manhã - viajando para uma montanha distante, caindo em um abismo, o ataque dos meus pais, mamãe se revelando ser uma Vidente, o bebê de Vi e Ryn - esqueci completamente a tempestade encantada que a Guilda considerava uma ameaça potencial.

— Então, alguém sabe sobre o que era aquela tempestade na verdade? — Perry pergunta. Nós quatro estamos sentados em uma sala de aula esperando nossa primeira aula do dia.

— Meu mentor disse que era por causa de um duelo bobo que dois faeries estavam tendo — diz Gemma. — Depois que a tempestade terminou, os guardiões descobriram que ambos desmaiaram no pico de uma montanha.

— Idiotas — Perry murmura.

— Pelo menos seu mentor diz as coisas para você — eu digo. — Olive mantém nossas conversas no mínimo possível.

— Provavelmente é uma coisa boa — diz Perry enquanto ele inclina sua cadeira para trás sobre duas pernas e usa magia para manter-se assim, — considerando o quão fantasticamente hostil ela é.

Fazemos nossas lições pela a manhã - os vários procedimentos que a Guilda segue depois que guardiões quebram a lei fae - e quando estamos prestes a nos dirigir para o refeitório para o almoço, uma aprendiz do primeiro ano aparece na entrada da nossa sala de aula. Quando meus colegas de classe saem, ela levanta a voz e pergunta — Calla Larkenwood está aqui? — Eu aceno e me apresso em direção a ela. — Sua mentora quer vê-la — diz ela.

Aqui vai.

Subo as escadas até o segundo andar e encontro Olive batendo sua stylus com impaciência contra a superfície de sua mesa. Eu me sento, ela me observa por um momento, e então diz — Por que não estou surpresa?

Estou quase certa de saber o que ela está falando, mas como eu prefiro não perguntar, espero sem dizer nada.

— É claro que você tem uma mãe fugitiva que é culpada de quebrar seu contrato com a Guilda e criar poções ilegais. Então, o que você sugere que façamos com você agora que estamos cientes disso? Não parece ser bom para você que você escondeu essa informação de nós.

— Eu não sabia até dois dias atrás — eu digo, me certificando de que meu olhar nunca deixe o dela.

Ela ri. — Você não sabia? Você viveu com um vidente toda sua vida. Isso não é algo que você possa não saber.

— Sim, havia sinais de que havia algo diferente sobre ela, mas eu não sabia o que eles queriam dizer. Nem minha mãe nem meu pai nunca disseram nada sobre ela ser uma Vidente.

— Bem, não é uma história adorável. — Olive empurra a cadeira para trás e fica de pé. — Vamos ter que ver o que o Conselho pensa sobre isso. Espero que eles vejam isso assim como eu, e finalmente todos concordaremos que Calla Larkenwood não deveria estar aqui.

— Vou ver os membros do Conselho agora?

— Sim. Três deles. Em precisamente seis minutos. Então espero que você tenha sua história verdadeira.

— Eu tenho. — Eu levanto e ando com Olive para fora de seu escritório. — Eu suponho que eles vão me questionar com uma poção de compulsão?

— Claro. Então, não importa qual história você tenha planejado, a poção irá forçar a verdade de você no final.

— Ótimo. — A poção de compulsão é o pequeno fato do qual me lembrei ontem. O pequeno fato que significa que isso será resolvido em breve.

***

Uma vez que o Conselho está convencido de que eu não os enganei de forma alguma, eles chegam à conclusão inteiramente razoável de que os crimes da minha mãe não têm nada a ver comigo e me enviam de volta. Olive está furiosa. Ela não diz isso, e não demonstra, mas a atmosfera entre nós quando saímos da sala de interrogatório parece uma tempestade se formando. Ela me acompanha até o centro de treinamento e me informa que estará prestando muita atenção a cada manobra que eu pratico hoje. — Você não vai sair até que tudo esteja perfeito — diz ela.

E é assim que eu sei que a minha segunda-feira não vai ser tão boa, afinal.

Dirijo-me primeiro à estação de prática ao alvo. Olive paira no limite da minha visão, me fazendo me sentir desconfortável. Eu tinha planejado praticar mais com a faca que o meu pai me deu, mas no momento em que eu a deslizo da bota, Olive diz — Não. Eu não quero que você perca metade da tarde andando para frente para trás com uma faca. As facas dos Guardiões desaparecem quando atingem o alvo, então você usará essas. Quero ver cinquenta lances seguidos perfeitos. Se você errar, começamos a contar novamente.

— Cinquenta? — Eu digo antes que eu possa me parar.

Olive cruza os braços sobre o peito, e eu vislumbro a raiva subjacente em seus olhos. — Você tem um problema com isso, aprendiz?

Eu balanço a cabeça e volto para o meu alvo sem outra palavra. Eu penso no meu esconderijo invisível de armas e tento escolher uma faca que pareça com o tamanho e o peso da que o meu pai me deu. Eu agarro o ar e sinto o punho sobre o meu aperto. Ignore Olive, ignore Olive. Aperto o punho, trago para trás da minha orelha direita, me posiciono com a perna esquerda para frente e lanço.

O cabo bate no alvo e a faca bate no chão. Possivelmente o pior lance que eu executei desde que Zed me deu minha primeira lição.

Uma Olive exasperada entra na minha linha de visão e diz — Não me diga que essa é a primeira vez que joga essa faca.

— Claro que joguei facas antes. Eu...

— Essa faca. Você jogou essa faca específica?

— Eu joguei muitas facas, então eu tenho certeza de que pelo menos uma delas era...

— O cabo é pesado, a lâmina é pesada, equilibrada? Até onde você consegue jogar? O cabo pode ser arremessado ou a lâmina? Você deve saber dessas coisas!

— Você pode me dar uma chance de sentir isso? — Eu arremessei muitas facas antes com Zed, e sempre demora alguns lances para eu entrar no ritmo certo. Ajustando minha distância, mudando meu controle. E então, uma vez que conseguir isso, posso atingir meu alvo quase sempre.

— Sentir? — Olive diz. — Você não tem tempo para sentir qualquer coisa quando estiver no meio da batalha. Em uma fração de segundo, você precisa avaliar sua distância de um alvo, escolher a faca correta e saber se deve segurar a lâmina ou o cabo para que, quando atirar, atinja o alvo. Entendeu?

— Ou eu poderia usar algo além de uma faca — eu murmuro.

— Ou você pode praticar com cada faca que você tem até saber o que diabos você está fazendo! — Olive grita.

Os outros aprendizes na área de prática ao alvo mantêm seus olhos afastados, mas posso dizer que a atenção de todos está sobre Olive e eu. Como não quando Olive está gritando alto o suficiente para que todos no centro de treinamento ouçam?

— Novo plano — diz Olive, andando atrás de mim. — Você fará isso com cada faca em sua coleção de guardiã. Quando eu ver vinte jogadas seguidas perfeitas por faca, você passa para a próxima.

Eu não discuto. Eu sei que não tem sentido.

Quando a sessão acaba, eu apenas joguei metade das minhas facas. Eu olho para Olive, esperando que ela me dê permissão para passar para a próxima atividade na minha agenda - lutar com Perry como oponente, mas tudo o que ela diz é, — Por que você está parando?

Então eu continuo. Pergunto-me se Perry acabou lutando consigo mesmo com uma stylus durante a segunda sessão porque quando acabo de terminar com as facas é quando a terceira sessão começa. Meu braço dói de todos os lançamentos, então é uma coisa boa que a minha próxima atividade seja – correr – e não exige muito trabalho no braço. Eu vou para os retângulos de corrida, imaginando quantas coisas Olive será capaz de criticar sobre está atividade simples. Não consigo imaginar que haja mais que muito rápido e muito devagar, mas tenho certeza que ela vai encontrar alguma coisa.

— Não, não, não — diz Olive ao perceber que nos aproximamos dos retângulos no piso se movendo. — Você pode fazer isso em seu tempo livre. Neste momento precisamos de algo mais desafiador. — Ela olha ao redor, examinando as várias áreas do centro de treinamento. — Pista de obstáculos — diz ela. — Perfeito. Podemos nos divertir com isso.

Seja qual for a ideia de diversão de Olive, eu acho que não gostei disso.

— Você — diz ela, apontando para o aprendiz que já está na área de obstáculos examinando a coleção de obstáculos armazenados no canto. — Você agora vai correr. Você vai embora. E você — ela aponta para mim dessa vez — faça algum alongamento enquanto eu configuro isso.

Eu faço o que ela me diz, enquanto Olive levanta as mãos e usa sua magia para mover os obstáculos ao redor, afastando o que não quer e criando um curso usando as peças escolhidas. Quando ela termina, vejo um círculo com sete obstáculos: uma mesa, seis pedras flutuando acima da areia movediça, cinco painéis deslizantes, uma rede de escalada, uma série de paredes de pedra baixas, um aro em chamas e uma ponte balançando. Não é muito difícil.

— Fique em cima da mesa — Olive me diz. — Esse é seu ponto de partida. Você vai dar uma cambalhota para trás da mesa para o chão – pousar de cócoras – então role para debaixo da mesa em direção à areia movediça. Três saltos com impulso de mão para frente devem levá-la sobre as pedras. Atravesse as portas nos painéis deslizantes o mais rápido possível, não é tão fácil quanto parece, uma vez que os painéis continuam deslizando para frente e para trás e as portas continuam mudando de posição. Então suba a rede e dê uma cambalhota quando estiver em cima. Você vai pular sobre cada parede de pedra, depois mergulhar através do aro em chamas, dobrar-se sobre um ombro quando atingir o chão, e se levantar. Corra para o caminho estreito e atravesse a ponte balançando, pule para a outra extremidade, e volte para cima da mesa. Sem vacilar.

— Tudo bem. — Eu subo na mesa.

— E sem magia — acrescenta Olive. — Obviamente.

Quando Olive levanta sua stylus, eu fico e me preparo para dar uma cambalhota para trás. Ela balança a stylus e solta um som de buzina e eu pulo. Eu pouso bem e imediatamente rolo para frente para debaixo da mesa. Eu pulo para o outro lado e corro em direção a areia movediça, lançando-me em um salto para frente no momento em que eu a alcanço. Mãos, pés, mãos, pés – mas eu julguei mal a distância, meus dedos dos pés pegam na ponta da última pedra, e eu caio para trás na areia movediça.

Parabéns, Calla.

Eu me impulsiono para sair da areia que está puxando com magia, me limpo com outro feitiço rápido e volto para a mesa. Olive me olha com uma expressão fulminante conforme eu escalo de volto à mesa, espero pela buzina de partida e começo novamente. Eu quase consigo acabar na segunda vez, mas depois de correr para o caminho estreito e para a ponte balançando, eu perco o equilíbrio e caio para o lado. Terceira vez, faço todo o caminho de volta para a mesa, levantando do meu salto mortal com apenas um pequeno vacilo.

Soando entediada, Olive diz — Mais uma vez.

Tudo bem então.

Depois de completar o curso mais cinco vezes, com Olive apontando um pequeno erro toda vez, ela coloca as mãos nos quadris e suspira. — Imagine que você é uma artista. Esta sequência de obstáculos é a sua dança. Você não conseguirá sair daqui até que sua dança esteja perfeita.

Uma apresentação. Tudo bem. Você pode fazer isso, Calla.

A terceira sessão chega ao fim, mas eu subo na minha mesa. Ignorando todos os aprendizes se movendo para encontrar a sua última sessão para terminar por hoje, me dou alguns segundos para recuperar o fôlego. Imagino o meu público, digo a mim mesma que isso é uma arte, não apenas exercício, e pulo para trás. Eu me movo perfeitamente para frente, rolando. Minhas cambalhotas são perfeitas. Eu atravesso de um lado para o outro através dos painéis deslizantes e me jogo na rede, subindo tão rápido como se uma horda de goblins estivessem na minha cola. O resto é fácil. Estou acostumada com a forma como a ponte balançando se move agora. Eu acelero através dela, me jogo no ar no final, giro e aterrisso na mesa. Eu me levanto, respirando com dificuldade enquanto faço uma reverencia para o meu público imaginário.

— Não — diz Olive. — De novo.

— O quê? Foi perfeito!

— Não está perfeito até eu dizer que está perfeito.

E então eu faço de novo. Continuo fazendo durante o restante da quarta sessão. A sessão termina, os aprendizes começam a sair, e Olive ainda não me deixa ir embora. — Você está piorando! — Ela grita depois que eu termino o curso pelo o que parece ser a centésima vez.

Em vez de gritar que estou exausta por isso obviamente estou piorando, me sento na borda da mesa e limpo o suor do meu rosto enquanto me lembro o que é respirar. Olive olha para mim com um olhar de descrença. — Eu disse para você se sentar? Levante e faça de novo. — Por trás de sua expressão severa, vejo uma espécie de alegria vingativa. Ela está gostando de me fazer sofrer.

Não vou deixar que ela vença.

Eu me dou mais alguns momentos para respirar, depois me levanto. Vários aprendizes ainda estão aqui, e pelo menos metade deles está assistindo. Isto é realmente uma apresentação. Eles são o meu público.

Única chance, eu digo a mim mesma. Faça. Isto. Perfeito.

Meu corpo se move sem hesitação de um obstáculo para o outro. Pulando, me lançando, dando cambalhota, escalando, correndo, pulando - mais rápido, mais rápido e mais rápido! É uma apresentação perfeita. Pelo menos, é assim que sinto no momento em que meus pés batem na mesa e eu me ajoelho. À medida que meu peito se ergue, eu olho para Olive.

— Bem — diz ela. — Não tenho certeza de que isso seja perfeito, mas provavelmente é o mais próximo que você vai conseguir. — Ela se vira e se afasta. — Oh, e certifique-se de mover todos os obstáculos de volta contra a parede, — ela fala sem olhar para trás.

Eu desço da mesa com as minhas pernas começando a parecer gelatina. Me arrasto para o tapete mais próximo e me deito. Meu peito sobe e desce rapidamente enquanto tento ter minha respiração de volta ao normal.

— Isso foi espetacular — diz Gemma. Levanto minha cabeça o suficiente para ver ela, Perry e Ned sentados na esteira ao meu lado. — Nunca vi ninguém completar uma pista de obstáculos com tal... requinte.

— Ou tal velocidade — acrescenta Perry. — Tenho certeza de que você quebrou um recorde.

— Vários recordes — corrige Gemma.

Eu deixo minha cabeça cair de volta no tapete. — Isso é o que acontece quando... você tem uma mentora que é... insana.

— Ei, se sua insanidade te faz uma boa guardiã, tudo vale a pena — diz Perry.

— É? — Pergunto enquanto observo o interior de minhas pálpebras. — Não tenho certeza de que eu concorde com isso agora. Pergunte novamente em... meia hora. Ou amanhã... quando meus músculos se recuperarem. — Eu deito na esteira por mais alguns minutos. Quando eu me sento, meus três amigos moveram todos os obstáculos contra a parede. — Ei, obrigada. — Eu consigo me levantar. — Vocês não precisavam fazer isso.

— Eu acho que nós precisávamos — diz Gemma. — Parece que você precisa de toda a sua magia apenas para manter suas pernas funcionando.

— Você acha que se recuperará até hoje à noite? — Perry pergunta.

— Sim, provavelmente. Eu estava brincando quando eu disse “amanhã”. Por que, você tem algo emocionante planejado?

— Bem, nós não — diz Perry, um sorriso em seu rosto, — mas alguém tem, e nós fomos convidados. Tipo assim. Quero dizer, eu encontrei um convite.

— Então... na verdade, não fomos convidados? — Pergunto, lutando para entender o que ele está dizendo.

— Foi o tipo de coisa siga a pista e encontre um convite. Eu vi escrito na perna de alguém quando estávamos no Subterrâneo na semana passada cuidando de você. Então, eu segui a pista. E agora temos um convite.

— É uma festa no Subterrâneo? — Por algum motivo, meu primeiro pensamento é, eu me pergunto se Chase estará lá. Pensamento estúpido. Estúpido, estúpido.

— Não, é no topo da Torre Estellyn.

— Sério? — Eu olho de Perry para Gemma. Gemma assente com a cabeça. — Esse lugar é super chique. Tem certeza de que podemos ir?

— Bem, temos três convites inteiramente legítimos — diz Perry, — então sim.

— Eu não vou — diz Ned rapidamente, seus olhos passando por mim de olhar para longe. — Então o terceiro convite é seu.

— A pista levou a uma velha e aleatória árvore, e quando coloquei minha mão dentro de um dos nós, consegui retirar um convite — explica Perry. — Apenas um por pessoa, porém, consegui que Gemma e Ned voltassem comigo para que conseguíssemos os outros dois.

— Porque não podemos deixá-lo vagando em uma festa de celebridades sozinho — diz Gemma. — Precisamos manter um olho nele. Então você pode ir?

— Eu duvido que tenha outra chance de me misturar com a elite fae, então sim. Definitivamente.

— Incrível! — Gemma passa o braço pelos meus enquanto nos dirigimos para a porta do centro de treinamento. — Agora, o que vamos usar?


Capítulo 24

Algum tempo depois do jantar na noite de segunda-feira, eu desço as escadas com um longo vestido de noite preto, luvas e sapatos de salto alto. Meu cabelo está preso para trás com um grampo de pedra preciosa em um lado, cachos em cascata sobre o meu outro ombro. A única coisa que a mamãe me ensinou – além de fazer porções para dormir aparentemente de forma ilegal – foi feitiços de penteados. Ela nunca parece usar nela, mas ela deve ter decidido que alguém que nasceu com os cabelos dourados sempre deve manter uma boa aparência. Nós costumávamos tentar algo diferente todos os dias quando eu estava na escola secundária. Hoje em dia, deixo-o solto e sem penteado na maioria das vezes, mas lembro dos feitiços que mamãe me ensinou.

Encontro Ryn e Vi na sala de estar. Ryn está jogado através do sofá, lendo alguns papéis e Vi sentada no chão perto da mesa de café jogando um jogo de cartas com o Filigree. Ele não pode segurar as cartas com suas patas de esquilo, então elas estão colocadas atrás da tampa de uma caixa onde Vi não pode vê-las. Seu âmbar vibra sobre a mesa e ela o pega. — Tilly enviou uma mensagem — ela diz a Ryn. — Branco ou marfim? Laço ou fitas? Mesas ou cobertores de piquenique?

Sem olhar para cima, Ryn diz — Você é a garota. Você não deveria decidir essas coisas?

Vi faz uma careta enquanto olha para seu âmbar. — Eu não sou realmente esse tipo de garota.

— Diga-lhe para perguntar a Raven.

Limpo minha garganta e espero que todos na sala olhem. As bocas abertas em confusão que recebo é o suficiente para me fazer rir. Até Filigree parece desconcertado. Quando eu termino de rir, eu digo — Eu decidi apenas ser honesta e evitar ter que tentar me esgueirar. Eu vou a uma festa esta noite.

Ryn franze o cenho. — Festa na escola?

— Vejo que você está no seu caminho para se tornar pai — eu digo a ele, e ele parece bastante satisfeito. — Então, temos que discutir sobre isso, ou você pode ser meu irmão mais velho e legal, que não se importa que eu saia?

Ryn estreita os olhos. — Eu sinto que você está tentando me bajular para lhe dar a resposta que você quer.

— Onde é a festa? — Pergunta Vi. — Não... — ela acrescenta apressadamente, — que eu esteja tentando ser maternal e sufocante. Estou apenas interessada. Você parece ser mais esperta do que eu esperava da maioria para festas adolescentes.

— É na Torre Estellyn. Um dos meus amigos na Guilda encontrou um convite depois de seguir uma pista, então vou com ele e outra amiga.

— Oh, eu ouvi falar sobre essas festas — diz Ryn, parecendo impressionado. — Uma mistura da alta sociedade e qualquer outra pessoa que consiga encontrar um convite. Seu amigo deve ser bastante inteligente. Ouvi dizer que as pistas podem ser difíceis.

— Eu suponho que você não ouviu nada de ruim sobre essas festas, ou você estaria me dizendo para não ir em vez de comentar sobre o quão inteligente meu amigo é.

— Com o número de faes importantes que participam dessas festas, tenho certeza de que há muita segurança. Você sabe se é bem no topo da Torre Estellyn?

— Hum, eu não sei. Vi, onde é o melhor lugar para guardar o meu âmbar e stylus vestida assim?

— Oh, eu tenho uma cinta de perna que você pode usar. — Ela pula, atravessa a sala e abre o armário no corredor.

— Eu acho que a cobertura é de propriedade desse cara que faz essas stylus de grife — diz Ryn, enrolando seus papéis e tocando no seu queixo.

— Ah, sim — diz Vi enquanto ela vasculha dentro do armário. — Lucien de la alguma coisa. Acho que Raven o conheceu uma vez. Sempre que vejo seu nome nas notícias ele está doando montantes obscenos de dinheiro para outro instituto de cura.

— Oh, o cara com a esposa que tem a doença estranha e incurável? — Pergunto.

— Esse mesmo — diz Ryn. — Se a festa for na sua casa, será incrível. Ele tem um monte de dinheiro para gastar.

— Ah, aqui está — diz Vi, segurando uma cinta preta e elástica com várias tiras pequenas ligadas a ela. — Seu âmbar desliza aqui e sua stylus aqui. Os outros são para facas, mas você tem armas de guardiã, então não precisa de mais nada. — Ela me entrega. — Coloque em qualquer lugar acima do seu joelho.

— Certo. Isso não será estranho, se eu precisar usar em público. Ei, com licença enquanto eu levanto minha saia.

Vi ri. — Sim, funciona melhor se você estiver vestindo um vestido com uma fenda, então simplesmente não a prenda muito alto. Será fácil o suficiente para acessar quando estiver sentada.

— Ou tire em outra sala — diz Ryn, soando distraído enquanto examina seus papéis mais uma vez.

— Tudo bem. — Eu termino de prender a cinta, então abro um portal para os caminhos antes de guardar minha stylus. Mantenho-a aberta com o braço enquanto volto para perguntar — Ryn, você não soube nada do papai, não é?

— Não. — Ryn olha por cima das páginas. — Ele não vai me dizer o que ele está fazendo, provavelmente assim não posso ser implicado se a Guilda descobrir que ele está fazendo sua própria investigação. Eles não aprovam exatamente ex-guardiões fazendo isso.

Eu gemo. — Espero que ele não acabe em problemas por causa disso.

— Não se preocupe, ele provavelmente não encontrará nada e voltará para casa em alguns dias.

Eu aceno com a cabeça, esperando que Ryn esteja certo. — Tudo bem. Eu estou indo agora. Vocês se divertam com sua leitura e jogo de cartas. Tentem não pensar em como vocês estão velhos e chatos agora.

— Jogar cartas com Filigree não é chato — diz Vi enquanto volta ao lugar dela no chão. — O que você obviamente sabe, já que você mesma jogou com ele muitas vezes.

— Somente quando me sinto velha e chata — digo com uma risada quando entro nos caminhos das fadas.

— Volte à meia-noite — Ryn grita atrás de mim. — Você tem treinamento ama... — Suas últimas palavras são engolidas quando a porta se fecha e eu mergulho na escuridão.

Torre Estellyn não é em Creepy Hollow – “Essas pessoas ricas não querem morar em uma floresta cheia de criaturas assustadoras,” Perry disse mais cedo – mas não é muito longe, então eu não tenho que me concentrar tanto para chegar ao lugar certo. Saio da escuridão e me vejo parada em uma calçada circular de pedra cercada por um gramado limpo de grama azul escuro que se estende passando de onde eu posso ver em todas as direções. No centro do círculo está uma elaborada exibição de água completa com faíscas brilhantes de magia voando em torno dos vários jorros de água colorida. Afastando-se da fonte, vejo o palácio Torre Estellyn subindo magnificamente em direção ao céu noturno do outro lado da entrada. A parede exterior da estrutura está coberta de milhões de pedras preciosas, fazendo brilhar na luz emitida pelas lâmpadas alinhadas na grande escada.

Estou prestes a atravessar a entrada para as escadas quando uma enorme porta dos caminhos das fadas se abre acima de mim, e uma carruagem puxada por dois pégasos sai e pousa na entrada. Depois de trotar uma curta distância, os cavalos alados param, permitindo que os ocupantes da carruagem saiam. Momentos depois, a carruagem começa a se mover de novo. Eu observo os pégasos enquanto eles continuam em torno da entrada circular, correndo mais rápido e batendo o ar com suas asas até que eles levantam do chão e desaparecem em um portal que de alguma maneira foi aberta remotamente.

— Ei, você quase foi atropelada — Perry grita de algum lugar atrás de mim. Eu viro e encontro ele e Gemma andando em minha direção. Perry ri e aponta para mim, e Gemma dá uma cotovelada nele.

— Você não tem o direito de rir — diz ela, — depois que você quase nos pousou no meio da fonte.

— Isso foi intencional. Eu estava praticando minhas habilidades de parar antes de atingir à água.

— Tanto faz. Calla, esse vestido parece ótimo em você! Minha irmã ficará tão satisfeita. Ela usou no dia em que se formou na Hellenway e não tirou do guarda roupa desde então.

— Oh, obrigada. Você também parece ótima. — Gemma parece adorável em seu vestido de noite marrom e cabelo lustroso e liso. E eu não sou a única que notou. Perry continua olhando furtivamente para ela.

Sorrindo para mim mesma, atravesso a calçada com os dois. Nós nos juntamos a outras faeries bem-vestidas na escada, algumas das quais também chegaram através dos caminhos das fadas. Na entrada do saguão, somos examinados da cabeça aos pés por um guarda da segurança antes de poder entrar.

— Eu li sobre esse lugar esta tarde — diz Gemma. — Há um restaurante no piso térreo que nenhum de nós nunca comerá lá, a menos que você tenha um esconderijo de ouro escondido debaixo de sua cama. Então o Grande Hotel Estellyn ocupa os primeiros dez andares com quartos que custam mais por noite do que a minha mãe ganha em um ano inteiro. E cada andar acima disso é a casa de um faerie rico e influente.

— Cara, estou tão feliz por ter visto essa pista passando por mim na semana passada — diz Perry enquanto andamos para um elevador que parece grande o suficiente para caber pelo menos oito dos elevadores da Guilda dentro dele. Ele empurra o punho no ar e diz, — Festa na cobertura, aqui vamos nós.

— Não faça isso! — Gemma agarra seu braço e o puxa para baixo, parecendo escandalizada pelo comportamento inadequado de Perry. — Você está nos fazendo parecer com pessoas comuns.

— Quem se importa? — Perry diz, mas em vez de ficar irritado, ele parece satisfeito – provavelmente porque a mão de Gemma ainda está em seu braço.

— Então, vamos ao topo deste prédio? — Pergunto. — Onde vive esse designer Lucien de la Mer?

— O primeiro e único — Gemma diz com um pequeno grito.

Chegamos ao elevador. Depois de dizer ao guarda da segurança em que andar nós queremos ir, ele nos aponta para um elevador menor passando por uma estátua de bronze de uma esfinge. Pedem que mostremos nossos convites no segundo elevador e, em seguida, todos nós somos revistados novamente antes de podermos entrar. Mais cinco pessoas chegam e seguem o mesmo procedimento antes que a porta do elevador reapareça, selando todos nós lá dentro. Um homem de uniforme azul e dourado com as palavras Torre Estellyn bordado no bolso da frente direciona o elevador até o último andar.

Enquanto nos movemos para cima, eu me inclino para Perry e sussurro — se você viu essa pista no Subterrâneo, então deve haver alguns Subterrâneos aqui esta noite.

— Possivelmente. Os que foram inteligentes o suficiente para resolver a pista e rápidos o suficiente para chegar à árvore antes que todos os convites acabassem.

— Onde você estava quando viu a pista?

— Naquele lugar onde você deveria encontrar Saskia e Blaze. O Clube Deviant.

Apreensão se instala no meu estômago. O homem drakoni não iria participar de algo assim, não é? Não, ele tem seu próprio clube para comandar. Além disso, eu pareço bem diferente hoje à noite. Ele provavelmente não se lembraria de mim.

O cabelo dourado geralmente é bastante memorável, Calla.

Eu não tenho tempo para me preocupar sobre o quão memorável eu possa ser, no entanto, porque a porta do elevador derrete e eu me junto ao resto dos convidados na casa do designer Lucien de la Mer. É uma festa de imagens, sons e cheiros. Pequenas esferas de vidro com pequenas luzes dentro delas flutuam perto do teto, enquanto o piso polido brilha fracamente sob nossos pés. Eu vejo figuras aladas patinando em formação através de uma lagoa de gelo, uma banda de músicos em cima de um palco de fumaça de carvão, faeries vestidas de todas as cores imagináveis, perucas de nuvens e penas e fitas e rostos pintados com padrões exóticos.

— Pessoal? — Eu digo. — Eu me sinto um pouco malvestida.

— Não — diz Perry. — Aquilo é malvestida. — Eu sigo seu olhar para uma garota de cabelos prateados rindo de algo que seu companheiro reptiliano acabou de dizer. Fios de seda de aranha cintilante estão cobrindo o seu corpo, cobrindo suas partes importantes e praticamente nada mais.

— Oh, meu — diz Gemma. — Parece... frio.

Eu rio da descrição da Gemma antes de nos virar e caminhar para o outro lado. À medida que avançamos para a multidão, passamos por bandejas flutuantes de alimentos e bebidas: bombons de chocolate de formas variadas, maçãs esculpidas em versões em miniatura da Torre Estellyn, taças altas de um líquido azul brilhante e vários outros deleites saborosos que desejo experimentar.

— Você acha que ele está aqui? — Gemma pergunta uma vez que todos pegamos uma bebida e nos posicionamos perto das altas janelas de vidro que mostram vários locais exóticos ao redor do mundo. — Lucien, quero dizer. Ou você acha que ele se esconde em algum de seus outros quartos, relaxando em um roupão, enquanto todas essas pessoas festejam as custas dele.

— Bem, eu não tenho ideia de como ele parece — eu digo enquanto levanto a minha taça para os meus lábios. — Então, não saberia se o visse. — Eu tomo um gole da minha bebida em camadas. As cores - rosa, roxo e laranja - misturam no momento em que inclino o líquido dentro da minha boca. Quando abaixo a taça, as camadas se separam imediatamente. — Hum. Tem gosto de nascer do sol — eu digo.

— O nascer do sol não tem um gosto, boba — diz Gemma enquanto olha as esferas gelatinosas flutuantes em sua bebida incolor.

— Mas se tivessem, seria assim.

— O meu tem gosto de remédios — diz Perry. Uma bandeja flutua passando por nós, e ele coloca sua bebida meio acabada sobre ela.

— Perry, você não pode colocar de volta! — Gemma diz, parecendo tão horrorizada como quando ele socou o ar na frente de todo o saguão.

— Eu coloquei. Venha, dance comigo — ele diz a Gemma quando a música muda para algo com uma batida animada.

— Oh. Hum... mas e quanto a...

— Eu vou ficar bem — asseguro-lhe enquanto ela olha hesitante no meu caminho. — Vocês vão dançar. Eu vou encontrá-los depois. — Eles desaparecem na multidão de dançarinos, Perry fazendo algum tipo de passo que, sem dúvida, deve envergonhar Gemma. Eu acho que eles são fofos juntos - exceto que a Gemma está apaixonada por outra pessoa. Pergunto-me se Perry sabe disso.

Eu ando ao redor da borda da sala, degustando a comida e olhando as stylus de grife desenhadas nas paredes. Uma de ouro sólido, uma incrustada de diamantes, uma de madeira com padrões intricados. Em uma vitrine de vidro, eu vejo uma com dezenas de asas de borboletas presas ao redor. Eu me pergunto se alguma delas realmente funciona, ou se elas são apenas para exibição.

— Ei, linda dama — um elfo com cabelos brancos e vários piercings faciais diz para mim. Seus olhos me examinam antes de acrescentar, — Posso pegar uma bebida para você?

— Uh, não, obrigada. — Assustador.

Depois de receber várias ofertas - nem todas tão mansas como a primeira - eu continuo me movendo sem encontrar o olhar de ninguém. Eu ando em torno de pilares esculpidos e entre grupos de fae antes de encontrar uma seção da vasta sala onde a luz é mais fraca e várias cadeiras estofadas, cada uma aberta de um lado, estão penduradas no teto. Eu sento em uma feita de galhos entrelaçados, grata pela privacidade que é fornecida ao meu redor. Eu me inclino contra a almofada e me balanço suavemente no banco. Pergunto-me se Gemma e Perry ainda estão dançando, ou se estão procurando por mim. Uma vez que estas cadeiras penduradas são tão privativas quanto quem fica nesta sala, eu provavelmente deveria aproveitar a oportunidade para puxar meu vestido e encontrar o meu âmbar. Eu me inclino para frente.

E é quando ouço sua voz.

Chase.


Capítulo 25

 

Eu congelo, ouvindo atentamente, mas definitivamente é Chase. Sua voz tem um tom profundo e seguro da qual eu rapidamente me familiarizei. Uma emoção corre através de mim - ele está aqui! – o que eu tento silenciar imediatamente. Eu olho entre os galhos entrelaçados, balançando minha cadeira lentamente ao redor até encontrá-lo. Ele está de pé com uma mulher ao lado de uma das janelas do chão ao teto, uma que claramente oferece uma excelente visão das estrelas brilhando contra um céu escuro. Ele parece delicioso em seu terno perfeito, mas discreto - sem penas, brilhos ou fitas nele - e a mulher parece igualmente elegante.

Você realmente usou a palavra “delicioso”?

Cale-se.

Eu afasto o meu argumento interno e reparo que a mulher é a mesma que vi quando viajei no tempo para o passado de Chase. Seu cabelo está mais curto agora, ondas lustrosas e pretas descansam sobre seus ombros, mas é a mesma pessoa. Postura confiante e sorriso sedutor. Ela parece fabulosa em um vestido vermelho formidável e luvas de renda preta que são mais bonitas do que as minhas.

Eu não gosto dela.

— Você tem certeza de que ele vem? — Ela pergunta antes de tomar um gole da bebida e examinar a sala sobre a borda da taça.

— Sim. Ele fez um grande esforço nos últimos dois dias para garantir um convite.

— Você vai me dizer como você sabe disso?

— Não. — Chase empurra as mãos dentro dos bolsos. — Você não quer fazer parte da minha equipe, então você não vai saber minhas fontes.

Ela faz biquinho. — Você sabe que eu não me dou bem com outros.

— E, no entanto, você sempre concorda em me ajudar quando eu peço.

Ela olha para longe, e mal consigo ouvi-la quando ela diz. — Você sabe por quê.

Você está espiando, eu digo a mim mesma. Você definitivamente está espiando. Mas eu cheguei aqui primeiro, e não é minha culpa que eles estejam falando alto demais para que eu ouça. Eu não deveria ter que ir embora, deveria?

— Você realmente acha que ele vai me dizer o que está procurando? — Pergunta a mulher.

Chase gira e olha pela janela. — Você convenceu muitos homens a contarem muitas coisas. Não tenho dúvidas de que você pode fazê-lo falar.

Um meio sorriso malicioso se estende em seus lábios vermelhos. — Você está certo. Eu tenho uma taxa de sucesso excepcionalmente alta.

Chase ri. — Graças a Deus por isso. Não parece haver outra maneira de descobrir o que Saber está procurando.

Saber? Oh merda. Eu não quero me encontrar com aquele homem novamente. Talvez eu não tenha mais sua pulseira, mas ele provavelmente ainda está furioso com qualquer pessoa envolvida em roubá-la e destruí-la. Tenho certeza de que ele ficaria feliz em se vingar se a oportunidade aparecesse.

— E se ele não me disser? — A mulher diz a Chase. — Então o quê? Talvez você deva passar para outra coisa. Este projeto em particular consumiu muito do seu tempo.

— Você sabe para quem ele está trabalhando — Chase diz, cruzando os braços e afastando-se da janela. Ele lança um olhar pela sala. — Sem dúvida, o homem mais perigoso que conhecemos. Não consigo seguir em frente se eu não souber o que ele está planejando.

O homem mais perigoso? Meus pensamentos voltam imediatamente para Draven. Ele definitivamente é a pior ameaça que nosso mundo enfrentou. Mas ele se foi. Eu sei que Olive tem suas dúvidas, e houve aquela tempestade encantada que deixou todos preocupados, mas Vi e Tilly - as duas pessoas que estavam realmente lá no momento enquanto todos os livros de história encobriram: o momento em que Draven foi esfaqueado com uma arma especial - parecem pensar que ele se foi. E alguém não disse que a tempestade foi causada por dois faeries brigando um contra o outro?

— E a garota da Guilda? — Pergunta a mulher. — Você disse que ela poderia ajudá-lo.

Garota da Guilda, sou eu!

— Sim, mas trabalhar com alguém da Guilda provavelmente não terminaria bem para você e para mim.

— Apenas para você — diz ela. — Não estou na sua equipe, lembra?

— Você está conectada a mim. Se a garota da Guilda quiser me entregar, não demorará muito para eles irem procurá-la.

— Então a use sem dar-lhe informações suficientes para poder fazer isso — continua a mulher. — Esqueça os detalhes, ou lhe dê falsos. Se ela não souber o suficiente, ela não pode fazer nada.

Tudo bem, não posso ficar sentada e ouvindo isso enquanto falam sobre mim assim. Aqui estava eu tendo palpitações ridículas pelo tatuador gostoso, e tudo o que ele quer é usar minha Habilidade Griffin. Balanço minha cadeira e me levanto.

— Isso não vai funcionar — diz Chase. — Ela já sabe muito.

— Entendo — diz a mulher enquanto eu ando em direção a eles. Ela ri, e o som é encantador. — Que interessante. Você conseguiu manter seus segredos por anos, e agora uma menina vem e...

— Não é assim.

— Sério?

Meus pés param porquê de repente eu sinto que isso pode ser uma conversa que eu quero ouvir mais. Mas estou muito perto deles e minha parada repentina chamou a atenção deles. Os olhos de Chase se arregalam de surpresa. — Calla?

Eu fecho a distância entre nós com passos seguros, cruzando meus braços sobre meu peito. — Que surpresa ver você aqui — digo.

— De fato — diz ele. — Você parece...

— Eu pareço?

— Mais velha.

— Que adorável. Porque toda garota quer ouvir que ela parece mais velha.

Ele me dá um pequeno sorriso. — Eu acho que você sabe que não é o que eu quis dizer.

Eu giro meu olhar para a mulher, a companheira impecável de Chase, que parece estar me examinando com choque. Ela olha para Chase, depois de volta para mim. — Mulher dourada — ela sussurra.

— Desculpa? — Pergunto, embora eu tenha o prazer de ouvi-la se referir a mim como mulher e não como garota. Isso me faz sentir como se estivéssemos em pé de igualdade.

— Uh, nada — ela diz, então sorri, parecendo recuperar a compostura. — Eu estava apenas pensando em algo que Chase me disse há anos. Você é a garota da Guilda, eu suponho?

— Sim. E você é? — Estou ciente de que estou sendo grosseira, mas não posso evitar. Não há nada sobre essa mulher que me faz querer ser educada com ela.

— Eu sou a cabeleireira de Chase — diz ela, inclinando-se para correr seus dedos enluvados através do cabelo dele.

Cabeleireira. Certo. E eu sou um coelho roxo cuspidor de fogo.

Chase levanta a mão e remove calmamente as mãos da mulher. — Elizabeth, — diz ele. — Você não tem um lugar para estar agora?

Ela suspira. — Por que você sempre insiste em me chamar de nomes desagradáveis?

— É o seu nome — diz ele. — Não é desagradável. Agora você precisa encontrar Saber e fazê-lo falar.

— Bem. Se for preciso. — Ela passa as mãos sobre as coxas dela. — Apreciem a companhia um do outro — ela acrescenta com um sorriso de conhecimento. Ela vai embora enquanto tento descobrir se sou corajosa o suficiente para perguntar a Chase porque eu sou a única garota que descobriu alguns de seus segredos.

— Então, estou aqui por causa de Saber — diz Chase antes que eu possa encontrar minha coragem. — Por quê você está aqui?

— Hum... eu não te contei? — Minha mente corre para encontrar uma piada inteligente. — Eu moro aqui. Na Torre Estellyn.

A expressão de Chase não muda. Provavelmente, porque isso é mais estranho do que inteligente e ele não vai se incomodar em responder até eu lhe dar uma resposta verdadeira.

Com um suspiro, eu digo, — Meu amigo seguiu uma pista e encontrou um convite. Imaginei que sair com celebridades fae era uma boa maneira de terminar um dia ruim.

— Um dia ruim?

— Apenas minha mentora me lembrando que nada que eu faço é bom o suficiente. Ei, você também precisou resolver uma pista e caçar um convite? — De alguma forma, não consigo imaginar Chase fazendo isso.

— Não. Tenho maneiras de me fazer convidar para eventos sem ter que caçar qualquer coisa.

— Claro. Você caça criminosos, não convites de festa.

Um sorriso divertido toca seus lábios, mas ele não diz nada.

— Eu sei, eu sei. Você não admitirá nada. Se você admitir, eu poderia usar isso quando entregá-lo, certo?

— Calla...

— Você sabe que eu não vou fazer isso.

— E você sabe que não vou usar você apenas pela sua habilidade, então, porque você está chateada?

— Eu... — Porque estou chateada? Elizabeth, provavelmente. Tentando convencê-lo a me usar, colocando as mãos sobre ele, fazendo observação sobre um comentário de anos atrás para me conscientizar plenamente de que eles têm algum tipo de história juntos.

— Você deveria ir para casa, Calla. Se Saber vê-la aqui, as coisas podem ficar bagunçadas.

— E se ele ver você?

— Ele não vai. A minha encantadora companheira vai mantê-lo ocupado.

— Então, ele não vai prestar atenção em mim, não é?

— Calla, você...

— Por favor. — Eu levanto minha mão. — Não faça essa coisa de superprotetor. Eu já tenho o suficiente dos meus pais e meu irmão. Eu fui sequestrada e presa, fui ridicularizada e provocada, enfrentei dezenas de adversários durante tarefas não oficiais, e eu sobrevivi a tudo. Eu acho que posso cuidar de mim mesma.

Chase franze o cenho. — Você foi sequestrada?

— Sim. Não é algo que eu...

— Callaaa! Aí está você! — Gemma corre, arremessa os braços em volta de mim e me aperta. Perry segue muito atrás, parecendo preocupado.

— Oi, nós estamos procurando por você faz um tempo — ele diz, — eu acho...

— Oh, meu Deus — diz Gemma, pendurada no meu braço e olhando com os olhos arregalados para Chase. — Você é o cara gostoso da tatuagem. E você está bem aqui. Sabe o quê? Sempre quis fazer uma tatuagem na — ela ri, então sussurra — até parece. Você faz tatuagens? Por favor diga sim. Você é o melhor tatuador do mundo inteiro.

— Hum... — Eu lanço um olhar interrogativo sobre a cabeça de Gemma para Perry.

— Eu acho que ela comeu algo estranho — diz ele. — Ela está assim faz dez minutos.

— Alguns dos bombons de chocolate têm álcool dentro deles — diz Chase, sem parecer nem um pouco perturbado pela explosão da Gemma. — Álcool humano, não álcool de fadas. Atua rapidamente em nossos sistemas.

— Provavelmente é isso — diz Perry. — Ela comeu um monte de bombons diferentes.

— Eles eram M-aravilhosos — diz Gemma em voz alta.

— Eu tenho certeza que eram. — Eu acaricio o seu braço. — Perry, talvez você devesse — Eu me abaixo quando um grupo de sprites voando em formação investe sobre nossas cabeças antes de continuar em torno da sala onde recebem aplausos da maioria dos fae que eles voaram sobre.

— Este tal Lucien de la Mer fornece o entretenimento mais estranho — comenta Chase.

— Hum, eu não me sinto muito bem — diz Gemma.

— Chase? — Elizabeth se apressa em nossa direção. Ela franze o cenho para Gemma, atualmente se curvando e respirando profundamente enquanto Perry esfrega o seu braço. Elizabeth se aproxima de Chase e baixa a voz para dizer — Algo deu errado. Eu não cheguei a Saber a tempo. Eu o vi pegar a esposa de Lucien e puxá-la para outra sala pela porta atrás da lagoa de gelo. Ninguém mais pareceu notar.

— Droga. O que ele quer com ela?

— Eu não sei, mas não vou me aprofundar para descobrir. — Ela toca no braço de Chase, depois se afasta. — Estou indo embora. Eu não posso dar conta de ficar aqui se as coisas derem errado e a segurança fechar esse lugar.

Chase dá um aceno rápido e diz — Eu entendo.

— Covarde — murmuro em voz baixa.

— Calla, realmente devemos levar Gemma para casa — diz Perry.

— Sim. Você pode levá-la? Preciso ajudar Chase com algo aqui.

Perry franze o cenho. — Uh, tudo bem. Vou enviar uma mensagem à irmã da Gemma. Ela a ajudou a se esgueirar, então, espero que ela ainda esteja por perto para distrair os pais enquanto eu a levo de volta. — Ele arruma o braço de Gemma sobre seus ombros e a ajuda a atravessar a sala em direção ao elevador. Ele terá que levá-la até o gramado antes que possa abrir um portal para os caminhos.

— Você também deveria ir — diz Chase, olhando para a lagoa de gelo. Ele vê os patinadores e começa a andar em direção deles.

Eu corro atrás dele. — Posso te ajudar.

— Eu sei, mas não acho sua ajuda necessária hoje à noite. Eu só preciso entrar lá, atordoar Saber e tirá-lo daqui antes de ele machucar qualquer um ou fazer o que for que ele veio fazer aqui.

— E você não acha que poderia usar uma mestra da ilusão para fazer que sua pequena missão de resgate seja tranquila?

Chase hesita um momento, parecendo pesar as opções quando ele olha para a porta do outro lado da lagoa congelada. — Tudo bem. Mas você precisa fazer o que eu disser.

— Eu acho que provavelmente posso fazer isso.

Nós nos movemos através da multidão rindo, bebendo, convidados dançando o mais rápido possível sem parecermos visíveis. Quando chegamos ao outro lado da lagoa de gelo, perto da porta que Saber pegou a esposa de Lucien, eu começo a trabalhar. Imagino a porta sem ninguém na frente dela e projeto a imagem o máximo que consigo. Pelo menos, acho que é isso que estou fazendo. Eu nunca pensei na distância nem em quantas pessoas minhas projeções poderiam influenciar ao mesmo tempo. Não sei se todos nesta sala verão automaticamente o que quero que vejam, ou se eu tenho que me imaginar forçando a imagem mais e mais longe. Parece estranho que eu não conheça os limites da minha própria habilidade. Por que eu nunca testei isso antes?

— Você está fazendo? — Pergunta Chase. Eu aceno e ele se move para frente da porta. Ele reúne poder suficiente para atordoar alguém - o que leva quatro segundos - caso Saber o ataque no momento em que ele abrir a porta. Ele tenta a maçaneta, mas está trancada. — Apenas me dê um minuto para abrir isso. — Ele se ajoelha e faz algum tipo de feitiço no buraco da fechadura com sua stylus.

— Certo. Só vou ficar aqui, imaginando uma porta vazia.

— Ótimo. Isso não vai demorar muito - Ah, lá vamos nós. Apenas um simples feitiço de bloqueio, como eu suspeitava. — Ele coloca a stylus dentro de um bolso da jaqueta, ergue-se e segura a maçaneta. — Prepare-se para ser criativa, se necessário.

Eu concordo. Ele abre a porta e entra rapidamente, ambas as mãos levantadas e prontas para liberar magia. Quando nada de excitante acontece, eu olho além dele e vejo uma passagem vazia com o mesmo chão polido que a vasta área de estar na qual a festa está acontecendo. Eu o sigo e fecho a porta atrás de mim, finalmente soltando a imagem da porta vazia. Avançamos ao longo da passagem. Nenhum portal, mas não muito à frente, eu posso vê-lo virar para a esquerda.

Um baque surdo. O som de pés correndo. Meu coração acelera, e levanto minhas mãos para colocar um escudo de magia protetora na minha frente. Um segundo depois, Saber vem correndo através do canto. Chase envia seu feitiço de atordoar através do ar. Saber abaixa, desliza pelo chão polido, e joga as mãos em nossa direção. As faíscas voam das pontas dos seus dedos, transformando-se em uma enxurrada de folhas que atacam meu escudo e giram em torno da cabeça de Chase antes de ele estender um escudo à sua frente.

— Solte o escudo — ele me diz, então eu solto. Ele curva a mão e as folhas caem. Com o ar limpo agora, vejo Saber de joelhos, jogando uma bola metálica pelo chão em nossa direção.

— O que é...

Eu não tenho tempo para terminar a minha pergunta antes que Chase se atire contra mim e me puxe para a parede. Uma explosão me ensurdece, estremecendo o chão e as paredes e enchendo o corredor com ondas de fumaça cinzenta e grossa. Acima do zumbindo nos meus ouvidos eu ouço Saber gritando, — Eu já tenho o que vim pegar.

Chase se afasta de mim e desaparece na fumaça. Meus olhos ardem e não consigo parar de tossir, então eu formo uma bolha de proteção ao meu redor enquanto a fumaça se dissipa. Após cerca de um minuto que ele se foi. Chase vem correndo de volta pela passagem, balançando a cabeça e parecendo sombrio. — Eu não consegui encontrá-lo. Ele se foi.

— E a esposa de Lucien? — Eu digo. Giro e corro na outra direção pelo corredor. Encontramos numa sala de estar ao virar a esquina, deitada no chão. Ela se senta quando a alcançamos, esfregando a cabeça e parecendo confusa. — Você está bem? — Pergunto, ajudando-a a sentar numa cadeira. Seus braços são apenas pele e osso, e seus cabelos curtos são tão finos que eu posso ver seu couro cabeludo. Lembro de ter lido nas notícias sobre a estranha doença dessa mulher que a magia de seu corpo não pode curar e ninguém pode curar.

Ainda parecendo um pouco atordoada, ela diz — Eu acho que sim.

— O homem que a trouxe aqui — Chase fala. — O que ele queria?

Seus olhos estão arregalados com perplexidade. — Que homem? O que aconteceu? Não me lembro de entrar aqui.

Eu percebo um pequeno frasco de vidro no chão. — Ele a fez esquecer — digo calmamente a Chase. — Ela não sabe de nada.

Passos correndo soam no corredor. — Seguranças — diz Chase. — Você pode fazê-los pensar que não estamos aqui?

Eu aceno com a cabeça, já imaginando a sala sem nós nela. Apenas o piso polido, a cadeira quadrada, o tapete excessivamente fofo e a mulher se recuperando. Quando vários guardas correm para dentro da sala, eles se apressam passando por nós. Caminhamos lentamente e silenciosamente de volta ao corredor, e então aumentamos o ritmo. Mais dois guardas estão na entrada, segurando a multidão questionadora. Eu tenho que manter uma imagem do corredor vazio em minha mente enquanto caminhamos em direção a todos. É assustador, saber que posso perder o foco a qualquer momento e permitir que nos tornemos visíveis. No meio do corredor, pego o braço de Chase e fecho os olhos para me concentrar na ilusão que estou projetando. — Não deixe que eu esbarre em ninguém — eu sussurro.

Nós conseguimos sair com segurança, passando rapidamente pela multidão depois de eu acidentalmente esbarrar contra um dos guardas. — Eu tenho que admitir — diz Chase, uma vez que estamos a uma distância segura do corredor e a barreira está de volta à minha mente, — sua habilidade foi bastante útil para nos fazer entrar e sair daqui.

Eu encolho os ombros. — De nada.

— Eu só queria saber o que Saber veio fazer aqui. — Chase aperta o punho e o pressiona contra o pilar que estamos de pé ao lado. — Ele está a vários passos à minha frente, e não gosto disso. O fato de eu saber para quem ele está trabalhando torna ainda pior.

Sem dúvida, o homem mais perigoso que conhecemos. Foi o que Chase disse mais cedo.

— Quem? O que torna essa pessoa tão perigosa? Não é... — Eu me sinto tão estúpida dizendo o nome de Draven. Não pode ser ele.

Chase balança a cabeça. — Eu não quero envolver você.

— Certo, como se eu já não estivesse envolvida. — Quando ele não mostra nenhum sinal de que vai responder, eu digo, — A Guilda sabe alguma coisa sobre essa... situação? Os guardiões deveriam lidar com isso.

— A Guilda está ciente de algumas coisas.

Eu levanto minhas sobrancelhas. — E? Você vai deixá-los conscientes do resto?

— E... eu acho que esse é o fim de nossa conversa.

Eu gemo alto e pego um espeto de morangos de uma bandeja passando. — Você é irritante. É por isso que não vamos trabalhar juntos.

— Sim. Este é um dos motivos.

— Mas, você sabe, ainda podemos ser amigos. Eu vou ajudá-lo a escolher desenhos para seus clientes que querem fazer tatuagem, e você pode me ensinar à melhor maneira de esfaquear um inimigo sem matá-lo.

Chase permite-se um sorriso. — Parece a base para uma amizade para o resto da vida.

Eu aceno com a cabeça e acabo de mastigar meus morangos. Deixo o espeto na outra bandeja passando e digo — Bem, boa noite. Eu acho que te vejo por aí.

— Para uma lição de esfaqueamento.

— Certo.

Eu me viro para ir embora, mas ele agarra meu braço. — Calla? — Seu olhar cai no chão em um momento de hesitação. — Quando eu disse “mais velha” — seus olhos, lindos e intensos, sobem para encontrar os meus — não queria dizer “velha”

Pressiono meus lábios juntos enquanto eu tento segurar meu sorriso. — Eu sei.


Capítulo 26

Eu acordo na manhã seguinte e me permito alguns minutos deitada sorrindo antes de me levantar. Eu posso ter uma mãe no hospital e uma mentora que me odeia, mas finalmente estou fazendo o que sempre quis fazer, e na verdade, tenho amigos verdadeiros que estão fazendo o mesmo, e eu ocasionalmente saio com um tatuador legal do Subterrâneo que pensa que eu parecia bonita no vestido de noite.

Chego ao refeitório da Guilda a tempo do café da manhã, mas a única pessoa sentada em nossa mesa habitual é Ned. Gemma aparentemente “não está se sentindo bem”, e Ned recebeu uma mensagem de Perry dizendo que ele dormiu invés de acordar.

— Deve ter sido uma festa e tanto, hein? — Ned murmura.

— Foi. É seguro dizer que Gemma não vai comer bombons de chocolate por um tempo.

Ned assente com a cabeça. Ele então coloca a comida em sua boca com uma velocidade alarmante antes de se despedir para terminar a tarefa de casa. Tenho certeza de que não tivemos tarefa para casa ontem, o que significa que Ned simplesmente está escapando. Eu acho que ele ainda é muito tímido perto de mim para considerar falar em uma conversa sem a rede de segurança de seus outros dois amigos.

Já que as aulas vão demorar vinte e cinco minutos para começar, e - felizmente - não tenho reunião com Olive hoje de manhã, eu decido ir à ala de cura e visitar a mamãe. A mulher atrás da mesa na área de espera faz um comentário sobre mim, sobre não observar as horas de visita, mas com um sorriso conspiratório, ela me deixa ir de qualquer jeito.

Eu me sento no banquinho que aparece ao lado da cama da mamãe e a observo por um tempo. Eu tento encontrar a raiva que senti quando descobri seu segredo, mas a maior parte desapareceu. Estou aliviada. Ficar com essa raiva teria sido cansativo. Quando eu olho para ela agora, eu apenas me sinto... triste. Eu sinto como se não soubesse o suficiente sobre ela e, para ser sincera, ela também não me conhece tão bem. — Nós não tivemos uma relação saudável de mãe-filha, não é? — Eu digo enquanto coloco minha mão sobre a dela. — Nós sorrimos uma para a outra e roçamos a superfície de nossas vidas com brincadeiras, mas nenhuma de nós jamais confiou uma na outra o suficiente para ir mais fundo do que isso. Há coisas, tantas coisas que eu poderia ter compartilhado com você. Os comentários desagradáveis que me deixaram chorando, o meu medo de desperdiçar minha vida como artista e nunca ajudar ninguém, a emoção que senti pela primeira vez que eu fiz um mortal para trás, minha paixão por Zed, a verdade sobre o que realmente aconteceu com... aquele garoto que cometeu suicídio. — Eu aperto a mão da mamãe, me perguntando se ela vai se lembrar de tudo isso quando ela acordar. — Nenhuma de nós precisava ficar sozinha, mãe, mas escolhemos guardar segredos para nós mesmas. Eu acho que veremos se podemos mudar isso quando você acordar.

Eu levanto, depois volto quando me lembro de algo. — Ryn e Vi estão finalmente tendo um casamento apropriado. Cerimônia de união, eu quero dizer. — Se mamãe estivesse acordada, eu sei que ela me corrigiria. — Vai acontecer no próximo fim de semana. Eu sei que eles quase não têm tempo para organizar qualquer coisa, mas uma amiga deles tem tempo livre, então ela se ofereceu para planejar tudo. Então, você sabe, se houver uma data prevista para você acordar, a qualquer momento antes do próximo sábado seria...

Do canto do meu olho, vejo a cortina balançando. Eu olho para cima quando dois curandeiros masculinos entram. Eles ficam surpresos ao me ver aqui, mas não tão surpresos quanto eu em vê-los. Porque, apesar dos uniformes que estes dois homens estão vestindo, eu sei que eles não são curandeiros. Um é o homem com cicatriz que lutou contra mim e atacou meus pais, e o outro é Saber.

 

***

Eles me atordoaram.

Estou perdida em uma terra de ninguém e semiconsciente quando percebo isso. Lembro de arremessar faíscas e agarrar o ar para pegar uma shuriken. Eu lancei uma - deve ter sido esse momento em que fiquei atordoada porque não me lembro de nada depois disso.

Sinto um movimento de balanço, mas não posso dizer se é real ou se é parte do meu estado confuso meio-sonhando. Eu nado em câmera lenta através da água grossa como xarope. Meus braços estão fracos. Tão fracos que eu mal consigo me puxar através da água grossa. Eu tento chutar contra ela com minhas pernas, mas elas estão ainda mais lentas do que meus braços.

Uma brisa fria. Deriva pelo meu rosto, cheirando como sal. O movimento de balanço continua, e um som esmagador se junta. Levanto uma pálpebra por um momento e vejo nuvens escuras movendo-se acima de mim antes que a escuridão desça sobre minha visão mais uma vez.

Mamãe. O que eles fizeram com a mamãe?

Ao longo dos próximos minutos, pego vislumbres do céu turbulento acima, alguém se movendo ao meu lado, e depois uma forma escura borrando o céu. Neste momento, estou consciente o suficiente para saber que estou em um barco e que meus pulsos e tornozelos estão presos. Com um grande esforço, consigo manter meus olhos abertos mais do que um segundo ou dois, e é quando percebo o que é a forma escura: uma ilha flutuante.

— Onde... estamos...

Um rosto aparece acima do meu. Um rosto que eu reconheço. — Está acordando — diz Saber.

— Bem, estamos aqui agora — responde uma voz masculina. — Provavelmente é uma coisa boa ela estar acordada.

— Estamos no lugar certo? — Saber pergunta.

— Sim, acabei de receber o sinal.

Um momento depois, o balanço e o esguicho desaparecem. Eu consigo levantar a cabeça o suficiente para descobrir o que está acontecendo: o barco está subindo pelo ar em direção ao lado de baixo da ilha flutuante. Eu vejo terra preta, videiras penduradas, escadas de cordas e cachoeiras. Então eu vejo uma forma circular distinta. Enquanto navegamos suavemente para cima em direção ao círculo, percebo que é um buraco. Nós subimos através, voamos para o lado, e, com uma guinada brusca, o balanço e esguicho retornam. Devemos estar flutuando na água mais uma vez.

Estou completamente acordada agora, embora meus membros ainda estejam com sono do feitiço de atordoamento. Olho em volta e vejo portões de metal e paredes de pedra e chamas dançando em tochas. Saber se inclina sobre mim mais uma vez. — Bem-vinda à Prisão de Velazar — ele diz com um sorriso.

Prisão de Velazar? — O quê? — Eu consigo falar. — Por quê?

Saber desaparece da minha linha de visão. Usando meu cotovelo, eu consigo me empurrar para uma posição sentada. Nós estamos flutuando em um canal subterrâneo ao lado de vários outros pequenos barcos, e ao lado de mim, seus braços e pernas também presos, está Gaius.

— O que está acontecendo? — Eu pergunto a Saber. — Por que você nos pegou, e por que estamos em uma prisão?

Saber ri. — Você ouviu isso, Marlin? — Ele diz ao seu companheiro com cicatrizes que acaba de terminar de prender o barco em um poste em um lado do canal. — Ela acha que pode nos interrogar.

— Vocês se conhecem — digo, olhando de Saber para o homem com cicatrizes e de volta novamente. — Vocês estão trabalhando juntos?

— Vamos lá, Dourada. — Saber estala os dedos várias vezes. — Descubra. Não é tão difícil unir as peças.

Marlin grita algo para um homem do outro lado de um portão trancado. — Ele veio atrás de minha mãe — eu digo, acenando com a cabeça para Marlin, — porque ele quer saber sobre a visão que ela viu há anos atrás. E você... Eu penso de novo no que Chase me disse... Você queria viajar no tempo para descobrir algo. — A conexão se encaixa no lugar. — A mesma coisa que Marlin quer saber. Você iria voltar ao momento em que minha mãe teve a visão e descobrir seja lá o que for sobre ela.

Saber estala os dedos novamente. — Parabéns. Você não é inteligente?

— Mas por quê? O que é tão importante sobre essa visão que ela teve?

Ele empurra o rosto na minha frente. — Agora, por que eu disse isso para você? Você é a garota que ajudou a destruir uma habilidade que era minha. Nunca a terei de volta, e depois que o chefe terminar com você, vou garantir que você pague por isso.

Eu me encolho para longe de suas palavras rosnadas. Piscando contra os últimos vestígios de embriaguez flutuando em minha mente, eu tento me concentrar em projetar uma...

— Todo mundo, coloque isso. — O homem que estava atrás do portão - um guarda, eu presumo, a julgar pelo seu uniforme – anda até a borda do canal e atira quatro anéis de metal para Marlin. — Você sabe o que fazer. Você não poderá sair do seu barco a menos que você os use, e você não poderá tirá-los até voltar ao seu barco no final da sua visita.

Marlin se inclina e coloca um anel em um dos meus dedos. — Sem mais truques de ilusão vindo de você — ele diz.

Então é isso. Achei que tinha reconhecido o metal. Eu o vi no calabouço de Zell, colocado em torno dos pulsos e dos tornozelos da maioria dos outros prisioneiros. Eu deveria ter uma faixa deste metal para me impedir de projetar ilusões enquanto eu estava trancada lá, mas os homens de Zell ainda não tinham feito um pequeno o suficiente para mim quando Ryn veio me pegar.

— E deixe as armas no barco — acrescenta o guarda. — Vocês não poderão passar com elas após o primeiro portão. Certo, então vamos. — Um movimento de sua mão produz um conjunto de escadas que levam do lado do canal até a borda do nosso barco. Claramente, ele ainda tem acesso a sua magia.

Saber corta a corda ao redor dos meus tornozelos com uma faca e me levanta. Então balança Gaius e bate nele algumas vezes até o pobre homem acordar.

Piscando, ele gagueja — O... o que está...

— Apenas levante-se — diz Saber, cortando a corda que prende os tornozelos de Gaius e o levanta. Ele joga sua faca e várias outras armas sobre uma almofada embaixo de um banco.

— Eu não entendo. Calla? O que nós estamos...

— Cala a boca, — diz Marlin. Ele agarra meu braço e me empurra para frente dele para subir os degraus.

Nós quatro seguimos o guarda através do portão - que é trancado atrás de nós por outro guarda que nos revista procurando por armas - ao longo de um corredor de pedra fria com água escorrendo pelas paredes, e para dentro do que parece ser uma sala de espera com uma cela. Duas fileiras de cadeiras de madeira levemente empenadas estão alinhadas atrás das grades, e na frente das grades está uma mesa. O guarda caminha até a mesa onde formulários estão, esperando para serem preenchidos. — Eu presumo que você está aqui para ver a mesma pessoa que você sempre vê? — Ele pergunta.

— Sim — diz Saber, e o guarda preenche vários dos espaços em branco no formulário.

— Certo. — Ele endireita-se. — Eu não sei porque você está aqui com pessoas amarradas, mas você sabe que eu só posso deixar entrar um de vocês de cada vez. O resto de vocês tem que esperar lá. — Ele gesticula para as cadeiras atrás das grades.

— Precisamos vê-lo juntos — diz Marlin.

— Isso não vai acontecer. Um por vez. É assim que funciona aqui.

Marlin remove um envelope dobrado de um de seus bolsos e o entrega ao guarda. — Faça acontecer.

O guarda abre o envelope e remove uma página de dentro. Na luz maçante e bruxuleante torna difícil dizer, mas acho que sua pele perde parte de sua cor enquanto ele examina a página. Sua mandíbula aperta. Ele retorna a página para o envelope e entrega de volta a Marlin. — Mesmo que eu pudesse levar todos vocês ao mesmo tempo, não posso. Há doze guardas entre aqui e as salas de visitas. Você está planejando chantagear todos eles?

— Tire o anel da garota — diz Saber, — e ela pode nos levar lá sem que ninguém saiba.

O maxilar do guarda fica tenso novamente. — Não posso fazer isso.

— A menos que você queira que sua esposa e filhos saibam o que está neste envelope, você vai fazer.

O guarda suga uma respiração lenta e profunda, observando Marlin enquanto ele considera essa ameaça. Então me puxa para o lado da sala e levanta minha mão. — Vai doer? — Pergunto, incapaz de manter o medo da minha voz. Este é o mesmo metal que marcou Ryn quando foi retirado do seu braço. Vi passou pelo mesmo. Ela me disse que ela apagou de dor.

— Não quando feito corretamente — diz o guarda. — E eu sou um dos poucos que sabe como fazer isso corretamente. — Ele esfrega o dedo de um lado para o outro ao longo do anel, murmurando palavras em voz baixa. Então, ele desliza o anel tão facilmente como se fosse um anel comum.

— Bom — diz Marlin. — Estou surpreso por não ter demonstrado sua habilidade no dia em que invadi sua casa — ele acrescenta enquanto me afasta do guarda. — Se eu soubesse o que você pode fazer, eu poderia ter solicitado um pequeno show.

— Por que eu deveria fazer algo para você agora? — Exijo.

— Porque eu vou te machucar se você não fizer. Ou machucarei este homem aqui. — Ele gesticula para Gaius. — Cortar um dedo, talvez. Ou — ele toca no seu queixo pensativamente — Eu simplesmente lembrarei que eu estou com sua mãe. Essa provavelmente seria a ameaça mais eficaz, você não acha?

Então ele pegou a mamãe. O desespero ameaça me sobrecarregar quando os meus medos são confirmados, mas eu faço o meu melhor para defender meu terreno. — Você não fará nada com ela. Você precisa dela.

— Eu preciso dela viva, sim. Não importa para mim se ela está ferida de qualquer maneira.

Eu cerro meus dentes. — Bem. O que você quer que eu faça?

— É simples. Sempre que passarmos por um guarda, ele ou ela deverá ver apenas Saber e este homem. — Ele aponta para o guarda que claramente está sendo chantageado para fazer tudo isso. — Se isso não acontecer, estamos todos com problemas - incluindo sua mãe.

— Tudo bem. Eu posso fazer isso.

Saber caminha com o guarda, e Marlin, Gaius e eu seguimos silenciosamente atrás deles. Percorremos vários guardas através de um confuso labirinto de escadas, corredores e elevadores antigos e raquíticos, tudo tão escuro e úmido como o primeiro corredor pelo qual passamos. Mesmo que não estivesse me concentrando intensamente em projetar imagens de espaço vazio, duvido que eu pudesse lembrar meu caminho para sair daqui. Antes de passar por outro portão trancado, o guarda tem que entregar o formulário que ele preencheu para aprovação de outro guarda. Depois de receber um selo no formulário, é permitido passar.

Finalmente, caminhamos para uma ponte que se estende de um lado de uma enorme caverna para outra. E é quando eu quase arruíno tudo, porque estou tão atordoada com o que vejo, por um segundo, que eu perco o foco. Contudo, eu rapidamente a agarro, enviando a maior parte da minha energia para projetar a ilusão de que Marlin, Gaius e eu não estamos aqui, enquanto permito que uma pequena parte do meu cérebro se maravilhe com o que estou vendo.

Centenas e centenas de celas individuais da prisão flutuam no ar, enchem a caverna e movem-se lentamente em diferentes direções para que não haja duas celas próximas uma da outra por mais de meio minuto. O guarda que está nos guiando mostra seu formulário carimbado ao homem que espera no portão, a meio caminho da ponte. — Tudo bem — diz o homem com um aceno de cabeça depois de verificar o formulário. — Vou enviá-lo para a Sala de Visitas 2.

Enquanto atravessamos o portão, vejo uma cela alta acima do limite do teto e avançamos para o outro lado da caverna. Eu acho que contém o homem que estamos aqui para ver. Atravessamos a ponte para o outro lado da caverna e descemos por outro corredor antes de nos aproximarmos de uma porta fechada com um número 2.

— Espero que você não ache que eu esperarei lá fora — diz o guarda. — Há outros guardas que patrulham este corredor, e eles vão querer saber por que não estou lá dentro com você.

— Oh, por favor, entre — diz Marlin. — Nós precisaremos de você.

A sala de visitas é dividida pela metade por barras feitas do mesmo metal que os anéis. Esperamos de um lado, e uma porta do outro lado se abre. Um homem com um macacão de prisão sujo e um cabelo de dois tons entra. Ela não tem nada de notável em sua aparência, nada que o faça se destacar na multidão. Seu comportamento não denota liderança, mas sinto uma mudança nos dois homens que nos trouxeram aqui. Lá fora, eles estavam no comando, mas aqui respondem.

— Oh, meu Deus — murmura Gaius. — Nada bom, nada bom.

— Boa noite — o prisioneiro diz, um sorriso agradável no rosto. — Obrigado, Sr. Saber e Sr. Marlin por trazer esses dois aqui tão prontamente. Ainda assim, as cordas são realmente necessárias? Elas tornam todo esse negócio bastante desagradável. Nossos convidados não podem usar magia, nem têm qualquer lugar para ir. Sr. Saber? — Saber se aproxima de mim e desata os nós ao redor dos meus pulsos até que as cordas se soltam e caem no chão. Então ele se move para Gaius enquanto o prisioneiro acena para mim. — Senhorita Larkenwood. Por que você não chega um pouco mais perto para que eu possa vê-la corretamente. — Em vez de me aproximar, eu dou um passo para trás. — Oh, eu não posso te machucar, se é com isso que você está preocupada — ele diz, segurando os pulsos para mostrar uma faixa de metal em torno de cada um. — Você provavelmente descobriu agora que essa substância bloqueia a magia. É um metal raro, usado na maioria das prisões, mas difícil de encontrar em outros lugares. Príncipe Marzel conseguiu adquirir alguns, que é como eu inicialmente consegui vê-lo em ação.

Eu franzo o cenho para ele. — Quem é você?

— Meu nome é Amon. Eu fui um espião dentro da Guilda Creepy Hollow por muitos anos. Primeiro trabalhei para o Príncipe Marzell, e então trabalhei para Lord Draven. Agora — ele mexe a ponta dos dedos — não trabalho para ninguém, apenas para mim.

Este deve ser o homem que Chase estava falando. O homem mais perigoso que conhecemos.

— Então... Draven realmente está morto? Aquela tempestade encantada que apareceu na semana passada não teve nada a ver com ele?

Um sorriso se insinua nos lábios de Amon, mas, além disso, a expressão dele permanece ilegível. — Como eu saberia algo sobre isso? Estou preso dentro de uma prisão. — Ele abaixa as mãos e as aperta atrás das costas. — Você provavelmente está se perguntando por que você está aqui — ele continua. — Não fazia parte do plano. Eu nem sabia sobre você. O plano era levar sua mãe, mas você estava na sala na hora, então você também foi levada. Quando Saber me visitou hoje mais cedo, eu disse a ele que simplesmente se livrasse de você. Mas então ele me disse que você pode produzir ilusões de alguns tipos, e eu tinha que ver por mim mesmo.

— Bem, então — eu digo, porque não vejo outra maneira de sair disto. — O que você gostaria de ver?

— Hmm. — Amon inclina a cabeça para o lado. — Mostre-me um unicórnio. Nunca vi um na vida real.

Eu resisto ao desejo de dizer que ele ainda não vai ter visto um na vida real mesmo assim. Em vez disso, relaxo o controle na minha parede imaginária e imagino um unicórnio dentro da cela com Amon. Ele afasta-se, assustado, depois ri.

— Notável — diz ele, avançando para tocá-lo. Sua mão passa pelo unicórnio, é claro, porque ele realmente não está lá. Ele desaparece quando eu bloqueio minha mente novamente.

— Mais alguma coisa que eu possa fazer para entretê-lo? — Pergunto, incapaz de manter o sarcasmo da minha voz.

— Não, não, isso é tudo por enquanto. — Ele olha por cima do meu ombro até onde Gaius está de pé. — Este é o homem que tirou seu poder de você, Sr. Saber?

— Sim, senhor.

— Impressionante. Essa é uma habilidade que definitivamente pode ser útil para mim. Primeiro, porém, gostaria de ver uma demonstração.

— U-uma demonstração? — Gaius gagueja.

— Nela. — Ele aponta para mim.

— O quê? — Eu recuo, mas não há para onde ir.

— Eu quero o que ela pode fazer — Amon diz simplesmente. — E você, Gaius, será o homem que vai armazenar todas as habilidades que eu quero coletar até que eu possa sair daqui e usá-las. Agora, pegue. E não pare por aí. — Ele agarra as barras da cela e me olha atentamente. — Pegue tudo. Toda gota de magia que ela possuir.

— O quê? — Eu engasgo.

— Eu... eu não posso fazer isso — diz Gaius. — Eu posso pegar Habilidades Griffin, mas não posso pegar a magia do núcleo.

— Não pode? Mesmo? Como você sabe disso?

— Bem, eu nunca fiz isso. Não sei se...

— Agora é a sua chance de tentar. Trate isso como uma experiência. Mas, por favor, não finja que não pode fazer isso em uma fraca tentativa de salvá-la. Isso não funcionará bem para qualquer um de vocês.

Gaius continua balançando a cabeça conforme ele se afasta de mim.

Amon suspira, como se esse pequeno drama o impedisse de algo mais importante. — Você estará salvando sua vida ao fazer isso. Eu prometi a Saber que ele teria sua vingança, e a maneira como estamos fazendo isso é removendo toda a sua magia. Então, se você não pode fazer isso, eu receio que vou ter que matá-la.

Gaius continua imóvel, mas seus grandes olhos nunca me deixam. Eu vejo sua renúncia, e eu sei que decisão ele tomou. — Não faça isso, não faça isso — imploro. — Por favor, não faça isso. — Eu não quero morrer, mas também não quero acabar sem magia. Deve haver outra maneira de sair disto.

— Eu-eu tenho que fazer — diz Gaius, puxando inutilmente o anel em seu dedo. — Não posso deixá-los te matar.

— Você. Guarda — diz Marlin. — Venha aqui e remova o anel deste homem.

O guarda hesita, então incha o peito e coloca as mãos nos quadris. — Não. Não posso deixar você fazer isso. Tudo isso está indo longe demais agora.

— Oh, não seja ridículo — diz Marlin. — Este não é o seu momento para ser um herói. Você realmente quer assistir a sua própria vida - a vida da sua família – ser destruída porque você tentou salvar alguém que você nem conhece? Você realmente acha que vale a pena?

O homem parece torturado, mas no final, com um grito de raiva, ele atravessa a sala e remove o anel de Gaius. Então, antes que eu possa pensar em lutar de volta com magia, ele agarra minha mão e coloca o anel nela.

— Não! — Eu grito. Eu corro para a porta, mas Saber e Marlin me pegam antes de eu estar a meio caminho. Eu chuto e arranho e bato, mas eles me prendem no chão. Gaius avança em minha direção, culpa e medo escrito em seu rosto.

— Por favor, perdoe-me — diz ele. — Eu só estou tentando salvá-la. — Ele pega minha mão agitada e a segura. Ele fecha os olhos e faço uma última tentativa desesperada de fugir. Eu grito e chuto e bato, mas Gaius nunca solta minha mão.

Eu não sei o momento em que finalmente perco a minha Habilidade Griffin, mas eu sinto quando ele começa a tirar minha magia do meu núcleo. É minha essência, minha energia, o que me distingue de outros seres e seres mágicos sem magia. Eu lentamente fico mais fraca. Mais fraca e com frio. Minha visão escurece, e eu me pergunto se isso vai me matar de qualquer maneira. A magia é o que me mantém viva, ou posso sobreviver sem ela?

Mais fraca... mais fria... mais escuro...

Nuvens negras borram a minha visão quando o último resto da minha magia é sugada de mim.


Capítulo 27

Eu não tenho nada. Sem ilusões, sem armas dos guardiões, sem magia. Mas eu não estou morta. Eu me deito no chão frio de pedra ficando fraca e doente e... Diferente. Como se um zumbido que eu nunca tinha percebido tivesse desaparecido. Como um ruído de fundo que você não percebe até que não esteja mais lá.

Você não tem magia.

Não sei por quanto tempo estou deitada aqui, as lágrimas secaram sobre meu rosto e frio está se arrastando pelas minhas roupas. Estou vagamente ciente dos outros na sala: o guarda andando no canto, lidando com seus próprios demônios pessoais; Saber e Marlin conversando com Amon; Gaius pairando perto de mim, quase protetoramente.

Você não tem magia.

Eu pisco algumas vezes e vejo o anel de volta na mão de Gaius. Ele está extremamente poderoso agora que ele tem minha magia e a sua? Do que ele seria capaz se não estivesse limitado por esse anel? Eu quero odiá-lo por ter tomado o que sempre deveria ter sido meu, mas não posso reunir forças. Além disso, eu sei que nada disso foi culpa dele. Ele estava apenas tentando me salvar. Se ao menos ele soubesse que a vida como uma casca vazia não é uma vida que vale a pena ser salva.

Você não tem magia.

A realização me atinge de novo, me lembrando de todas as coisas que eu nunca farei ou terei. Eu quero desmoronar e chorar até que não haja lágrimas dentro de mim. O que eu deveria fazer agora? Quem sou eu sem magia? Onde eu posso ir? Onde eu pertenço?

Nunca senti esse desespero antes. Espero que ele me consuma, que acabe comigo, mas ainda estou deitada aqui, muito viva. De alguma maneira, eu me sinto mais acordada do eu me sentia até agora. Talvez eu esteja me recuperando lentamente do choque de perder tudo. No começo, isso não faz sentido para mim, mas depois lembro que seres sem magia também são capazes de se curar. Os seres humanos ficam doentes e feridos, e seus corpos conseguem se consertar.

— Mantenha-o em algum lugar seguro — diz Amon, balançando a cabeça em direção a Gaius. — Em algum lugar que ele não pode se prejudicar ou pensar em escapar. Coletar Habilidades Griffin certamente não é nosso foco, mas já que a oportunidade se apresentou, podemos usá-lo.

— Sim, senhor — diz Marlin. — Nós temos os Videntes na casa amoreira. Ela nunca foi comprometida, então...

— Não. Não lá. Mantenha-o em um dos outros locais. Não quero todos os meus ativos em um só lugar.

— Claro, senhor.

— Coloque os dois primeiros Videntes em algum outro lugar também. Eles não precisam ficar todos juntos.

Eu sou distraída da minha própria miséria enquanto escuto as instruções de Amon. Ele vai usar Gaius para roubar Habilidades Griffin. Sem mais exército de soldados especiais, como Draven usou. Ele não terá que manter centenas de pessoas superdotadas sob controle. Agora ele pode armazenar as habilidades em joias ou outros objetos até que ele decida usá-las. E não importa que ele esteja trancado atrás das grades. Não quando ele tem seguidores tão claramente dispostos a seguir suas ordens.

Por um momento, me lembro de por que sempre quis ser guardiã: proteger os outros. Para parar o tipo de mal que trancou a mim e centenas de outras pessoas em gaiolas e depois começou a devastar o nosso mundo. O tipo de mal que vê magia rara nos outros e quer roubá-la. Eu quero parar isso. E agora eu nunca mais vou poder.

Você sabe que pode fazer tudo isso sem ser guardiã, certo? A memória da voz de Chase traz cores para o cinza sombrio pintado em minha mente. Você não precisa de armas dos guardiões. Você nem precisa de magia.

Não preciso de magia? Que conceito inimaginável.

— Isso é tudo por enquanto — diz Amon. — Avise quando a Vidente acordar. Pode demorar um tempo, mas sou um homem paciente.

Através das minhas pálpebras meio abertas, vejo Marlin assentir e agarrar Gaius. — Prepare-se para começar a usar sua nova habilidade. Você vai nos tirar daqui com uma ilusão.

— Mas... eu nunca a usei isso antes. Eu não sei como fazer ilusões. — Quando Gaius diz isso, imagens de guardas nos arrastando para longe aparecem em todas as paredes. — O quê? Como eu...

O que Gaius não sabe ainda é que criar ilusões não será um problema. Descobrir como mantê-las para si será.

— Você tem cerca de meio minuto — diz Marlin, — então é melhor descobrir. E nem pense em revelar todos nós para que os guardas possam nos pegar. Nós sabemos sobre sua avó.

Os olhos cheios de medo de Gaius se arregalam ainda mais.

— O que devemos fazer com a garota? — Saber pergunta, andando do meu lado e empurrando meu braço com o sapato. A raiva queima dentro de mim, trazendo vida aos meus membros. Eu quase me sinto forte o suficiente para chutá-lo.

— Jogue-a no oceano — diz Amon.

Minha raiva congela à medida que o medo toma seu lugar.

— Você não pode fazer isso — protesta Gaius. — Você disse que não a mataria se eu tirasse sua magia.

— Eu sei, mas eu estava mentindo — explica Amon. — Vamos lá, seja razoável. Ela sabe demais. Não posso deixá-la voltar para casa e contar a todos o que aconteceu. Além disso, que tipo de vida ela pode ter sem magia? Será mais gentil jogá-la no oceano.

Gentil? Gentil, minha bunda! Poucos minutos atrás, afundando em desespero, eu teria concordado com Amon. E ainda não consigo entender como vou viver sem magia, mas a única coisa que sei agora é que não quero morrer.

— Estou ansioso para empurrá-la para fora do barco — diz Saber, segurando meu braço e me puxando para cima. — De preferência de uma grande altura.

Eu vacilo sobre meus pés quando a vertigem faz minha cabeça girar, mas eu consigo ficar ereta. Eu ainda estou muito mais fraca do que o normal, e não tenho ideia de como vou lutar para sair disso, só que eu preciso. Primeiro, precisamos passar tantos guardas quanto possível. — Gaius. — Eu balanço minha mão fracamente em sua direção. Até a minha voz está instável. Odeio o som dela, mas quanto mais fraca pensam que eu estou, melhor. — Imagine o que você quer que eles vejam, — eu digo, mantendo minha voz em um sussurro rouco. — Mantenha essa imagem em sua mente. Foque. Isso é tudo o que é preciso.

O guarda e Saber lideram, Gaius os segue, e Marlin me puxa para a parte de trás da procissão. — Todo esse truque para entrar e sair daqui só para ele poder ver dois Dotados — murmura Saber. — Eles nem são parte do plano principal. Se nos pegarem fazendo isso...

— Então enfrentaremos as consequências — diz Marlin. — Ou a sua lealdade não vai tão longe?

— Claro que sim — Saber resmunga.

Nenhum dos guardas nos impede, então eu suponho que Gaius está conseguindo manter a ilusão. No entanto, eu me digo para estar preparada para correr em qualquer etapa. Eu não sei o quão rápido eu posso ir no meu estado atual, mas o elemento surpresa pode me ajudar. Movo minha perna direita um pouquinho para ver se eu posso sentir a faca do meu pai na bainha dentro da bota, mas não posso dizer se ela está lá. Saber e Marlin pensaram em procurar por uma arma?

Nós finalmente chegamos de volta ao primeiro corredor. Passamos a sala de espera e vejo outro guarda sentado na mesa. Ele deve ter entrado depois que partimos para tomar o lugar do primeiro guarda. Com a sala de espera atrás de nós, Gaius sussurra de alívio, e eu sei que ele soltou a ilusão. Não precisamos mais dela. Apenas passar outro portão, e o guarda de lá sabe que nós quatro entramos juntos. Do outro lado do portão, o guarda chantageado nos acompanha de volta ao nosso barco.

O meu movimento vai acontecer em breve.

A adrenalina bombeia através do meu sistema, me preparando para o que está para acontecer. As escadas aparecem, Saber desce primeiro, e sou empurrada depois dele. Eu me asseguro de balançar mais do que o necessário quando entro no barco. Eu caio em uma pilha de cobertores e deixo minhas pálpebras tremerem meio fechadas. Eu odeio agir pateticamente, mas é necessário se eu não quiser que eles vejam todos os meus movimentos.

Os homens removem seus anéis. As escadas desaparecem e o barco começa a se mover com a corrente. O guarda nos observa com os braços cruzados e uma expressão sombria. Estamos nos dirigindo em direção a uma espécie de redemoinho, que eu acho que nos puxará para baixo e nos deixará na parte inferior da ilha flutuante. O barco se move mais rápido. Minha respiração acelera. Meus dedos enrolam-se na borda do barco e apertam.

Nós atingimos o redemoinho. A água se afasta de nós e o barco desce. Com a água girando ao nosso redor, a parte inferior da ilha vem à tona.

E é aí que o meu plano brilhante entra em ação.

Eu pulo e me jogo para fora do barco, indo em direção de uma das muitas videiras penduradas. Eu a agarro quando começo a cair. Ela rasga as palmas das minhas mãos, queimando minha pele enquanto eu escorrego. A videira balança para frente com meu impulso, e a solto e agarro outra. Minhas palmas doloridas gritam comigo, mas não vou soltar. Eu estou apenas uma videira de distância do meu alvo: uma escada de corda. Eu pulo novamente - e essa é a videira que se quebra.

Eu caio, agarrando o ar, meu impulso me levando perto o suficiente para agarrar um lado da escada. A corda queima ainda mais a pele das minhas mãos, mas me penduro mais apertado do que eu já segurei em qualquer coisa. Ouço um grito irritado em algum lugar atrás de mim, mas eu não olho para trás. À medida que o balanço da escada de corda diminui, encontro um ponto de apoio em um degrau mais baixo e começo a subir. — Ignore a dor — eu digo a mim mesma através de dentes cerrados. — Ignore a dor, ignore a dor.

Estou subindo em direção a um buraco estreito e vertical no chão. Através dele, vejo uma luz cinza e maçante. Estou quase na base do buraco quando a escada de corda se move abruptamente abaixo de mim. Olho para baixo e vejo Saber no final. Uma trilha de videiras balançando me diz que ele pegou a mesma rota que eu. — Droga. Suba mais rápido — me instruo. — Suba mais rápido, suba mais rápido.

Eu alcanço o fundo do buraco - e é mais estreito do que qualquer coisa em que eu já subi. O pânico me atrapalha. Saber está abaixo, subindo rapidamente, e na minha frente está a única coisa que eu nunca quis enfrentar.

Eu congelo.

Saber vai te matar! Eu grito para mim mesma. MOVA-SE! Eu tomo um grande gole de ar e continuo subindo. As paredes de terra do túnel em vertical estão tão próximas de mim que quase posso sentir a areia escovando contra minhas costas. Eu me encolho para longe, um grito se formando na minha garganta. Eu escalo mais rápido. — Continue, continue, continue, — eu canto sob meus soluços. Eu posso ver as nuvens acima de mim, e eu posso sentir o túnel pressionando mais perto, sentir o aperto fantasma da mão de Saber em torno do meu tornozelo, e eu escalo e escalo e escalo - e então eu passo! Eu cavo meus dedos na grama, me puxo para fora do buraco e me levanto sobre pernas tremendo. A prisão ergue-se à minha esquerda, uma escura fortaleza de pedra. À minha direita, uma parede circunda a borda da ilha flutuante.

Eu corro.

Eu não sei para onde vou ou como isso deveria me ajudar a chegar em casa, mas eu sei que não posso deixar Saber me pegar. Eu pulo sobre uma corrente de água que flui para fora da base da prisão. As faíscas disparam sobre meu ombro, e eu me jogo para o lado com medo. Eu tropeço quando evito um buraco como aquele que subi, mas consigo me estabilizar antes de cair. Outra faísca passa por mim. Ela se transforma em uma videira frondosa e serpenteia de volta para mim. Envolve meu tornozelo e me puxa para o chão.

Sem chance de pousar corretamente, sinto o lado esquerdo do meu corpo batendo no chão. Eu grito de dor, mas não tenho tempo para esperar ela diminuir. Deslizo minha mão na minha bota direita e procuro a bainha - e a faca de papai está lá! Eu a retiro, corto a videira, e rolo para longe dela. Eu levanto e vejo Saber pulando através da corrente.

Eu me viro e corro. Eu corro e corro e corro, e estou tão cansada, mas tenho que continuar. Posso ver o fim deste lado da prisão, e sei que vou virar a esquina em breve. Talvez haja algum lugar que eu possa me esconder. Algum lugar em que eu posso entrar antes de Saber ver para onde eu fui. Outro buraco, ou uma escada, ou escadas. Alguma coisa.

Eu viro na esquina - e vejo uma parede de pedra sólida à minha frente. Droga! Eu continuo correndo, mas viro para a direita. A parede que circunda a borda da ilha é mais baixa do que a da minha frente, e as pedras que desmoronaram vão providenciar pontos de apoio aqui e ali. Se eu conseguir chegar até está parede, então eu posso andar ao longo dela e...

Uma risada atrás de mim me diz que é muito tarde. Giro ao redor, segurando minha faca. É a única proteção que eu tenho. Eu nem estou usando meu colete protetor sob minhas roupas. Agora, na verdade, eu realmente preciso desse colete, que está dentro da minha bolsa de treinamento na Guilda. Mas é inútil pensar nisso agora, quando tudo que eu tenho com o que contar é a faca. Você pode fazer isso, eu digo a mim mesma, quando aperto forte no punho esculpido. Você não precisa das armas dos guardiões. Você não precisa de magia. Você consegue fazer isso.

— Uma faca — diz Saber, — e nada mais. — Ele ri novamente. — Isso deve ser fácil.

Veremos sobre isso.

Troco a faca para a minha mão esquerda. Abaixo para me agachar, pego uma pedra plana com bordas afiadas e quebradas, e a jogo nele como se fosse uma shuriken. Pega na borda de seu ombro enquanto ele se afasta. Eu alcanço uma pequena e redonda e atiro na cabeça dele. Ela atinge o lado esquerdo de sua testa, deixando um corte. Com um grito de raiva, ele lança magia na minha direção. Suas faíscas disparam pelo ar e formam chamas quando me alcançam. Eu desvio, rolo sobre um ombro, e deixo o impulso me levantar.

Então, uma vez que não posso fugir dele, eu corro direto para ele. Eu o vejo ficar tenso e inclinar seus joelhos ligeiramente, se preparando para me jogar por cima do seu ombro. Não vai acontecer. No último segundo, eu forço toda a minha energia em um salto, trago ambos os joelhos para o meu peito enquanto eu navego em sua direção e chuto o mais forte que posso. Ele atinge o chão, e eu pouso do outro lado dele. Ele geme e tosse e levanta, mas estou pronta com um chute lateral que o manda tropeçando para trás. Eu avanço sobre ele, cortando com minha faca quando ele tenta pular sobre mim.

Com um grunhido de raiva, ele empurra fortemente o ar entre nós. Um pulso de magia bate em mim, me enviando voando para trás através do ar. Todo o ar é tirado dos meus pulmões quando eu atinjo o chão. Lutando para respirar, eu me inclino sobre pernas trêmulas. Meu impulso de energia infundida de adrenalina está desaparecendo rapidamente.

— Vamos lá, eu posso fazer isso o dia todo — Saber fala, me provocando.

Eu não posso, e ele sabe disso. Mas eu tenho uma faca. Uma faca que eu sei exatamente como jogar graças às horas de prática tortuosa que Olive me fez passar ontem. Até meus sonhos estavam cheios de faca na noite passada.

Outra faísca brota em minha direção, e eu me abaixo para evitá-la. — Você quer continuar dançando por mais um tempo? — Saber grita. — Ou vamos acabar com isso agora?

Vamos acabar com isso agora. Aperto o punho da faca entre o meu polegar e o indicador. Levanto a mão e depois a solto rapidamente. A faca gira - e atinge seu alvo. No fundo do peito de Saber, exatamente onde está o coração dele. Ele solta um suspiro chocado. Ele agarra o peito e cai de joelhos. Ele coloca sua mão ao redor da faca e a tira do corpo antes de cair no chão.

Ele não está morto. Eu sei disso. Feridas de facadas não matam faeries, a menos que sejam tão ruins que a magia do corpo não pode curá-las antes que a magia se esgote. Se eu deixar Saber, ele vai se recuperar. O que eu provavelmente deveria fazer - o que Olive iria me dizer para fazer - é correr para lá e terminar o trabalho enquanto ele está derrotado. Alguns golpes certeiros na cabeça. Isso certamente o mataria.

O pensamento me deixa doente.

Eu nunca mais quero acabar com outra vida novamente.

Tudo o que quero é fugir daqui, e agora que Saber está derrotado, posso fazer exatamente isso. Eu me viro e corro de volta pelo caminho do qual eu vim tão rápido quanto meus membros exaustos me deixam. Meu corpo sem magia está enfraquecendo rápido, mas eu ainda não estou pronta para desistir. Preciso encontrar um caminho de volta para essa prisão para que eu possa conseguir ajuda. Os guardas vão me ajudar, não vão? Eu não sou uma criminosa. Mesmo que eles decidam me prender enquanto entram em contato com a Guilda, pelo menos eu estarei longe de Saber. A menos que ele se recupere rapidamente e entre na prisão procurando por mim.

— Ei!

O grito vem de trás de mim. Eu giro. Saber está correndo em minha direção com dificuldade, como se cada passo fosse um grande esforço. Ele diminui. Ele levanta minha faca. E ele atira em mim.

Um grito escapa de meus lábios quando a faca perfura meu abdômen. Eu tropeço para trás um passo ou dois. Olho horrorizada, mal conseguindo acreditar que essa arma - minha arma - está cravada no meu corpo. Eu vejo uma umidade escura penetrar na minha roupa ao redor do punho da faca.

Eu vou morrer.

Levanto meus olhos e vejo Saber cambaleando em minha direção. Ele ergue a mão. Faíscas ardentes disparam de seus dedos, e desta vez não tenho esperança de esquivá-las. Elas atingem meu peito, logo abaixo do meu ombro direito, e me derrubam no chão. Minha cabeça atinge algo duro, e a dor aguda e latejante mistura-se com a dor abrasadora do meu peito até que tudo seja apenas dor e tontura e náusea.

Uma sombra passa sobre mim, bloqueando o céu cinzento girando por um momento. Mas então Saber entra na minha linha de visão e percebo que a sombra deve ter sido ele. Ele olha para mim. — Você deveria ter me matado quando teve a chance — diz ele. Então, ele se inclina e me pega. Ele caminha em direção à parede...

— Não — eu sussurro.

... e ele me joga.

Eu solto um grito sem palavras enquanto eu caio. O ar chia e pisca em torno de mim enquanto atravesso uma camada de algo invisível. Caio e giro, me agarrando ao ar como se eu pudesse me agarrar nele. Agarrando, pegando, apertando - e então vejo uma faísca deixando as pontas dos meus dedos.

Magia?

Mas, seja o que for, é tarde demais, porque as sombras estão escurecendo as bordas da minha visão e as ondas estão correndo em minha direção...

Algo me agarra antes de eu bater na água, tirando a minha respiração mais uma vez. Meus dedos tocam nas ondas antes de eu subir de repente, em vez de cair. Há um braço em volta da minha cintura, logo acima da faca, e uma asa cinza e coriácea batendo ao meu lado.

Jarvis?

— Espere! — Grita uma voz familiar.

Isto é um sonho. Deve ser. Eu bati na água e estou morrendo e meus pensamentos finais são de Chase e sua gárgula aparecendo no exato momento em que mais preciso. Escuridão e a tontura lutam para me reivindicar. A agitada sensação de voo começa a parecer como se estivesse acontecendo em câmera lenta.

Tudo acelera novamente quando chegamos a uma parada súbita. Os braços me balançam, e meu rosto está pressionado contra o pescoço de Chase, e ele está sussurrando algo que eu não consigo ouvir corretamente. Algo desesperado, algo como se estivesse implorando.

Então estou deitada em uma superfície dura. Uma superfície dura que rola suavemente de um lado para o outro. — Saia daqui — grita Chase para alguém. Seu rosto aparece acima de mim, ansiedade torcendo seus traços. — Calla? Você pode me ouvir?

Com a dor e a tontura e a escuridão querendo me puxar para baixo, descubro que é preciso um grande esforço para forçar as palavras para fora da minha boca. — Como você... sabia que eu estava...

— Eu não sabia — diz Chase. Seus olhos indo para o meu peito. Sinto a mão dele no meu ombro. — Mas eu sabia que Gaius estava aqui. Dispositivo de rastreamento dentro de seu relógio. O sinal desapareceu quando ele estava dentro da prisão, mas eu sabia onde ele estava. — Ele puxa minha manga para trás e envolve ambas as mãos ao redor do meu braço.

— Você o encontrou?

— Não se preocupe com ele. Você vai ficar bem, ok? Você pode se curar facilmente disso. Estou aumentando a magia do seu corpo agora mesmo.

— Mas eu não tenho... nenhuma... para aumentar. Ele tirou tudo.

— O quê? — A expressão ansiosa de Chase se transforma em alarme.

— Gaius... pegou. — Ele pegou tudo. Mas eu vi uma faísca, não foi? Ou eu imaginei isso?

— Isso não importa — diz Chase, mas posso ver o medo em seus olhos. — Eu estou lhe dando magia agora. Você vai ficar bem. — Ele levanta meu braço e beija minha mão, e seus lábios são tão quentes quanto a magia que eu posso sentir fluindo em mim. — Você tem que ficar. Você deve ficar por ainda muito tempo. Não está na hora de você deixar o mundo.

Eu aceno com a cabeça e deixo minhas pálpebras fecharem. A dor está diminuindo, dando lugar a um profundo cansaço. O sono me chama, e eu estou feliz em deixar ele me levar. Então, eu posso esquecer tudo o que aconteceu desde...

Mamãe.

— Mãe — eu digo em voz alta, conseguindo me despertar o suficiente para abrir meus olhos. — Eles estão com ela... na... casa amoreira.

— Tudo bem — diz Chase, tirando uma mão do meu braço e segurando minha bochecha. — Eu a encontrarei. Eu vou pegá-la.

Com esse peso tirado de mim, eu me deixo afundar na escuridão.


Capítulo 28

Eu posso dizer pelo cheiro que estou deitada em um instituto de cura. Memórias do meu encontro com Amon e minha luta com Saber ficam aparecendo na parte de trás das minhas pálpebras, cenas pintadas com desolação e dor e pensamentos de morte que rasgam a tela da minha mente. Espero um pouco, me permitindo tempo para limpar as imagens com um pano imaginário.

Minha tela está limpa. Toda.

Eu estou viva.

Eu levanto minhas pálpebras e me encontro em uma cama exatamente como a que a minha mãe estava. Depois de piscar algumas vezes, giro minha cabeça para o lado e vejo a garota elfa do Wickedly Inked sentada no banco ao lado da cama. Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela se aproxima de mim e me conta a história que ela aparentemente disse a todos: ela estava a caminho da prisão de Velazar para visitar alguém e passou por um barco que acabava de sair. Eu estava no barco, e eu estava lutando contra dois homens. Usando um remo, ela os surpreendeu e os derrubou do barco, depois me resgatou. Ela navegou o mais rápido possível para onde os caminhos das fadas podiam ser acessados e me levou diretamente para a ala de cura na Guilda Creepy Hollow.

Eu me empurro para cima na cama, me sentindo cem vezes melhor do que a última vez que eu estava acordada. — Então, você quer que eu minta?

— Para essa parte da história, sim. Você pode dizer a verdade sobre todo o resto. — Ela levanta. — Bem, adeus.

— Espere. Onde está Chase? Ele esteve aqui?

— Não. Se ele pudesse estar aqui, não haveria necessidade de você mentir sobre a última parte da sua história.

— Ele encontrou minha mãe?

— Eu não sei. Eu estou indo agora. Sua família voltará em breve. — Sem outra palavra, ela desliza entre as cortinas.

Imediatamente, tiro o cobertor e saio da cama. Espreitando sob a rígida roupa de hospital para meu abdômen, encontro a ferida da faca perfeitamente curada. Chase deve ter me dado muita magia. Eu cruzo a área fechada e coloco minha cabeça entre as cortinas. Não vejo ninguém que eu reconheça no corredor.

— Senhorita Larkenwood! — Assustada, olho para o outro lado e vejo uma curandeira apressando-se em minha direção. — Volte para a cama — diz ela.

— Mas eu estou bem. Meu irmão está por perto?

— Por que você não volta para a cama e eu vou dar uma olhada na área de espera para você.

— Mas eu não preciso mais estar na cama. Estou bem. Estou apenas ocupando espaço que você poderia usar para outro paciente.

— Senhorita Larkenwood. — Ela me guia de volta pelas cortinas. — Você chegou aqui ontem à noite com níveis de magia severamente baixos. Você pode se sentir bem, mas eu duvido que sua magia tenha reabastecido completamente. Para que isso aconteça, você precisa descansar. — Ela aponta para a cama. Eu reviro meus olhos e volto para a cama.

— Cal, você está acordada.

Eu me viro antes de chegar na cama e vejo Ryn afastando a cortina. Eu corro passando a curandeira e vou para seus braços. — Papai está aqui? — Pergunto enquanto ele me abraça com força. — Você sabe alguma coisa sobre a mamãe?

Ryn afasta-se. — Papai está gritando com o diretor da ala de cura, e ainda não ouvi nada sobre sua mãe. O que aconteceu? Papai estava desaparecido, então fui eu quem recebeu a notificação ontem que sua mãe tinha desaparecido. Então ninguém poderia encontrá-la. Nem mesmo Vi. — Ele hesita por um segundo, seus olhos se dirigindo para a curandeira, mas ele não disse o suficiente para revelar a Habilidade especial de Violet. — Então uma elfa chegou aqui ontem a noite com você e uma história sobre a prisão de Velazar. O que...

— Sr. Larkenwood, deixe sua irmã se deitar — a curandeiro interrompe. — Ela precisa...

— ...descansar, eu sei, — eu termino por ela, voltando para a cama. — Posso falar enquanto estou sentada, ou isso não é repouso o suficiente?

A curandeira faz um barulho irritado na parte de trás da garganta e sai num acesso de raiva. Como ela não respondeu minha pergunta, eu suponho que tenho permissão para conversar. Eu conto a Ryn sobre os dois homens que apareceram enquanto eu estava visitando a mamãe ontem de manhã, sobre acordar no caminho para a prisão de Velazar e sobre ser forçada a ficar na frente de um prisioneiro que era um espião do Príncipe Zell e Lorde Draven. Eu conto tudo, deixando de lado qualquer referência à capacidade de viajar no tempo que Saber tinha, e depois acabo com a versão da elfa da história. Não importa que não seja a versão que realmente aconteceu; o resultado final ainda é o mesmo. Eu fui resgatada, Saber e Marlin fugiram, e eles levaram Gaius com eles.

— Então, foi uma má sorte que você estivesse aqui ao mesmo tempo em que eles vieram pegar sua mãe — diz Ryn.

— Sim. Eles iriam se livrar de mim, mas quando Amon soube da minha Habilidade Griffin, ele disse para eles — Eu congelo. Como se uma pedra pesada estivesse afundando no meu estômago, uma percepção que pesa sobre mim. — Acabou. Minha Habilidade Griffin. Eu não... Eu não a tenho mais. Eu pensei que Gaius tinha tirado toda a minha magia, e eu estava tão aliviada ao descobrir que ainda tinha alguma que não percebi que eu não tinha mais essa magia. — Lágrimas brotam nos meus olhos. Minha Habilidade especial fora a única coisa que tornara minha vida mais difícil que qualquer outra coisa, mas agora é a única coisa que eu mais quero. É minha. É parte de mim e nunca quis me livrar dela, por mais fácil que fosse minha vida sem ela.

— Ei, não é tão ruim. — Ryn se inclina para mais perto e pega minha mão. — Este homem, Gaius. Você sabe se ele pode dar as Habilidades Griffin de volta quando ele as pega?

Eu aceno e fungo quando eu sussurro, — Sim.

— Então não é para sempre. Nós o encontraremos, e você terá sua habilidade de volta.

Continuo assentindo. Ryn está certo. Mesmo que ninguém na Guilda fique perto de encontrar Gaius, Chase irá. Não duvido disso.

Ouço passos apressados para fora da minha cortina, e então Vi entra. — Você está acordada! — Ela corre para o meu lado. — Tenho boas notícias. Acabei de ouvir que os guardas que patrulham a floresta fora da Guilda encontraram sua mãe. Ela estava deitada perto da entrada da Guilda, ainda dormindo. Ninguém viu quem a deixou lá.

Chase, uma voz dentro da minha cabeça diz imediatamente. Tenho certeza de que foi ele.

— Uau, isso é... suspeito — diz Ryn. — Quem a trouxe de volta? Onde ela está agora?

— Eles estão trazendo-a para a ala de cura enquanto conversamos.

— Oh, obrigada Deus — eu me inclino contra meus travesseiros de alívio. — Haverá alguém para protegê-la no caso de Saber e Marlin voltarem para pegá-la?

— Sim, haverá mais de um guarda — diz Ryn. — E esses homens esperançosamente não poderão voltar para a ala de cura, pelo menos não da mesma forma que eles fizeram ontem.

— Como eles entraram ontem? — Eu estava pensando sobre isso. Deveria ser impossível entrar na Guilda se você não está autorizado a estar aqui.

— Lembra da festa que você foi na outra noite? — Diz Ryn. — Lucien de la Mer? Bem, desde que ele e sua esposa passaram tanto tempo em vários institutos de cura por causa da doença dela, cada um tem pingentes de acesso para todos eles. E adivinhe o que ele relatou ter desaparecido esta manhã.

— Seus pingentes de acesso — digo devagar. Então era isso que Saber estava fazendo na festa de Lucien. — Mas os pingentes de acesso têm nomes escritos neles. Quem escaneou esses pingentes deveria ter visto que os nomes não correspondem às pessoas que os usavam.

— Isso é o que deveria ter acontecido — diz Vi. — Mas a entrada para funcionários da ala de cura não é tão cuidadosamente guardada como a entrada principal da Guilda, e se um guarda não está prestando atenção, ele pode perder detalhes como esse.

— É por isso que papai está gritando com o diretor — diz Ryn.

— Guardas incompetentes.

— Talvez alguém diga a ele que mamãe está de volta.

— Provavelmente — diz Ryn. — E você deveria...

— ...descansar. Eu sei. Já ouvi isso.

Depois de mais alguns abraços e apertos de mão, Vi e Ryn saem. Abro as gavetas do criado-mudo e encontro meus pertences em uma pilha limpa dentro de uma delas. Eu procuro minhas roupas até encontrar o âmbar e a stylus. Então eu escrevo uma palavra para Chase: Obrigada.

***

Depois de algumas horas de repouso chato, Gemma chega inesperadamente. — Eu acho que eu não deveria saber que você está aqui — diz ela. — Quero dizer, nenhum de nós foi informado de nada. Nós só sabemos que as pessoas estavam procurando por você ontem. Saskia disse a todos que você provavelmente decidiu ignorar um ou dois dias porque você é mole e não consegue lidar com a maneira como sua mentora a pressiona. Enfim, minha mãe ouviu falar que você estava aqui, então ela me contou.

Ela pergunta o que aconteceu. Depois de hesitar por muito tempo, tentando descobrir o que é seguro dizer e o que não é, acabo dizendo, — Eu estava com a minha mãe. Alguns homens vieram atrás dela, e eu estava visitando na hora, então eles também me levaram. Isso é tudo o que posso dizer.

Gemma permanece por um tempo, me contando sobre as tarefas que perdi ontem e hoje e me conta tudo sobre o triunfo de Perry vencendo Blaze no Aquário na tarde de ontem. O cenário era uma tenda de circo, e Perry usou palafitas e uma argola de metal girando para derrubar o oponente.

Pouco tempo depois, Gemma sai, eu ouço um — Bem, bem, — vindo da abertura na cortina. Eu olho surpresa ao ver Olive de pé lá. — Então — ela diz. — Você não poderia esperar até depois da sua formatura antes de se envolver com os grandes criminosos. Ah não. Mais uma vez, você tinha que pular a frente de todos os outros. — Ela cruza os braços. — Prisão de Velazar. Você não brinca em serviço, não é?

Fabuloso. Minha amigável mentora obviamente falou com Ryn, caso contrário, ela não saberia nada disso ainda. — Eu não escolhi me envolver com um homem perigoso que espiou a Guilda tanto para o Príncipe Zell quanto para o Lorde Draven — digo. — Mas já que acabei por ter uma audiência involuntária com ele, agora sabemos quais informações ele está procurando, e sabemos que ele ainda não as tem. Isso é bom, certo? E a Guilda também sabe que eles deveriam estar indo atrás de Marlin e Saber, os dois caras que ainda estão lá fora fazendo o trabalho sujo de Amon.

Olive balança lentamente a cabeça. — Você acha que é tão simples assim.

— Sim, eu acho. Por que não deveria ser? Alguém aponta os vilões, e os guardiões saem e os pegam.

— Existem processos, procedimentos e leis. Há restrições de tempo. Há muitos problemas com os quais a Guilda está lidando, tanto neste reino quanto no humano, e este caso não exige atenção imediata e urgente apenas porque uma aprendiz acha que deveria.

— Mas isso é importante!

— Isso é o que todos dizem sobre seus casos. E um caso em que o “vilão” — ela repete zombando das minhas palavras junto com as citações no ar — já está preso pelo resto da vida não é prioridade de ninguém.

— Mas... vocês deveriam consertar coisas assim. É para isso que a Guilda serve.

— O que há para consertar? Você está viva e sua mãe foi encontrada. Sim, os dois homens que as capturaram ainda estão lá fora, mas enquanto ninguém estiver em perigo imediato, e a Guilda pediu para ser alertada assim que eles tentarem visitar novamente o prisioneiro, não há também muito mais a se fazer neste momento. A investigação permanecerá aberta, mas qualquer guardião que trabalhe nela dedicará seu tempo a casos mais importantes primeiro.

Eu tento reter minha frustração, mas é difícil. — Eu esperava mais da Guilda.

Olive joga a cabeça para trás e ri. — Lamento decepcioná-la, mas é assim que as coisas funcionam aqui e em todas as outras Guildas. Se você estava esperando por algo diferente, você é mais do que bem-vinda a sair.

Ela adoraria isso, mas não há como eu lhe dar essa satisfação. Além disso, a Guilda ainda é onde eu quero estar, mesmo que todo o sistema não funcione tão perfeitamente quanto eu pensava. Olho desafiadoramente de volta para Olive, e ela sai depois de soltar um suspiro de desapontamento.

Depois que ela se vai, papai aparece e convence os curandeiros a me deixar descansar em casa em vez daqui. Na minha opinião, eu já tive bastante descanso para durar um ano completo de treinamento. E falando de treinamento, perdi quase dois dias completos e estou ansiosa para voltar ao trabalho. Porém, papai não ouve meus protestos. Ele me manda para a cama quando chegamos em casa. Passo o restante da quarta-feira à tarde, sentada na cama, desenhando imagens de céus tempestuosos e mares turbulentos e tentando não olhar meu âmbar a cada dois segundos para ver se Chase respondeu.

No dia seguinte, eu encontro os guardiões que trabalham no caso da minha mãe para que eu possa repetir minha história para eles, deixando de lado a parte em que eu tinha uma Habilidade especial que foi roubada de mim e adiciono o final alternativo. Eu tenho que prestar atenção para que eu não perca o controle exatamente do que estou autorizada a dizer. Chase vai ter toda a história, Ryn e Vi receberam a maior parte da história, e qualquer outra pessoa da Guilda conseguiu o que eles precisavam saber sobre os vilões e não muito mais.

Depois disso, volto para as aulas. Eu sofro olhares rancorosos de Saskia e perguntas de outros aprendizes. Passo à tarde no centro de treinamento.

E então recebo uma mensagem de Chase.

Ruínas da Velha Guilda? 17:00 horas?


Capítulo 29

Eu sorrio durante os quatorze minutos restantes da minha última sessão de treinamento. Quando chego às antigas ruínas da Guilda, está chovendo lá. Eu estava quente por causa da uma hora de exercícios de fortalecimento do braço, mas o ar lá fora está frio. Eu tiro um moletom com capuz da minha bolsa de treinamento e coloco sobre minha cabeça. Um largo arco coberto de musgo não está muito longe. Está desmoronando em alguns lugares, mas ainda intacto o suficiente para me proteger da chuva, então espero debaixo, me apoiando em um lado.

Chase chega através de um portal dos caminhos. Ele olha em volta, então caminha em minha direção com as mãos empurradas para dentro dos bolsos do casaco. Ele alcança à arcada e se inclina contra o lado oposto. As gotas de chuva se agarram ao seu cabelo e seus olhos parecem mais brilhantes do que o habitual na luz estranha provocada pelo tempo chuvoso.

— Você parece estar de volta ao normal, Senhorita Cachinhos Dourados — diz ele. — Eu não te disse que você ficaria bem?

— Você me salvou — eu digo simplesmente. — É por isso que estou bem.

Ele olha para longe por um momento, uma expressão indefinível no rosto.

— Você encontrou minha mãe.

— Encontrei — ele diz, voltando seu olhar para mim.

— Como?

— Estou ciente de alguns dos locais que Amon, o prisioneiro que eu acho que você estava lá para ver, tem usado. Um é uma casa em uma propriedade atrás de Thistle Orchard em Eilemor. É isolada e cercada por arbustos de amoreira. Foi aí que eu fui primeiro e, com certeza, ela estava lá. É protegida, é claro, então demorei um tempo para entrar.

Com base apenas nas palavras “casa amoreira”, seria quase impossível para a Guilda encontrar mamãe. Chase fez isso em menos de um dia. — Não sei como agradecer. Sem você, eu estaria morta e minha mãe ainda estaria desaparecida. Minha família ficaria quebrada.

Chase sorri. — Eu diria que foi sorte ou acaso que eu cheguei a tempo de te pegar e que eu conheço a localização em que Amon se refere como a “casa amoreira”, mas não acredito inteiramente na sorte nem em acaso.

Estou começando a pensar que eu também não. Ninguém é tão sortudo, não é? — Você estava lá procurando por Gaius — eu digo.

— Sim. Ele foi pego na Wickedly Inked onde ele estava me esperando. Eu mantenho meu trabalho diário separado do meu trabalho noturno, então a loja de tatuagens costumava ser um lugar seguro até Saber descobrir que eu trabalho lá.

— E você pode rastrear Gaius por causa de seu relógio? — Eu estava um pouco sobrecarregada com a dor e as tonturas no momento em que Chase começou a transferir a magia de cura para mim, mas acho que me lembro dele dizendo isso.

— Sim. Eu sabia que ele estava na prisão de Velazar antes que o sinal de rastreamento desaparecesse. Reapareceu quando cheguei mais perto da ilha, então eu sabia que ele deveria ter saído. Comecei a circular a área com Jarvis, esperando vê-lo em algum lugar na água ou na ilha fora da prisão, mas o sinal desapareceu. Foi quando vi você com Saber. Eu não consegui chegar até você por causa da camada protetora ao redor da ilha que mantém a magia dentro e fora. Então, se você pensar sobre isso, o melhor que poderia ter acontecido com você foi Saber jogá-la sobre a parede.

— E a razão pela qual eu caí através da camada protetora — eu digo enquanto lembro do flash no ar à minha volta — é porque eu não tinha magia.

— Bem, você tinha pouca magia. Provavelmente muito pouca para ser detectada.

— Como, no entanto, se Amon disse a Gaius para tirar tudo?

Chase balança a cabeça. — Gaius pode não ter tirado tudo. Se ele tivesse, você não estaria aqui. Tirar magia de alguém... a maioria das pessoas não pode fazer isso, e a maioria das pessoas nunca viu isso, então eles não sabem como é. A maioria das pessoas nem sabe que é possível. Gaius pode fazer porque essa é sua Habilidade Griffin. A única maneira é usando a magia negra. Magias obscuras. Se for feito corretamente - se cada pedaço da sua magia for drenado de você - isso te mata.

Sinto minhas sobrancelhas arquearem. Um tentáculo de náuseas torce em volta do meu estômago. — Mata?

— A magia faz parte de quem somos, Calla. Não podemos sobreviver sem ela. Amon obviamente não sabe disso, ou ele saberia que Gaius não fez o trabalho corretamente.

— Com certeza, pareceu como se ele tivesse feito o trabalho corretamente, — eu murmuro, lembrando o sentimento doentio e vazio enquanto eu estava deitava no chão da prisão. — Você o encontrou?

— Não. Ele não estava na casa amoreira. Eu enviei pessoas para verificar os outros locais que eu conheço, mas até agora ninguém o encontrou.

— Desculpe-me. — Eu me sinto parcialmente responsável. Se Chase não tivesse vindo em minha ajuda, ele poderia encontrar Gaius naquele momento?

— Não há necessidade de se desculpar. Eu o encontrarei. — Ele coloca uma mão através de seu cabelo. — Agora que você não está mais à beira da morte, você pode me dizer o que aconteceu ontem? Amon é o homem perigoso de quem eu estava falando, o prisioneiro a quem Saber vem se reportando. Ele está planejando algo, mas não consigo descobrir o quê.

— Eu acho que posso ajudá-lo — eu digo, lembrando o momento em que percebi que Saber e Marlin estavam atrás da mesma coisa. — Por mais estranho que seja, tudo o que Amon está planejando, tem a ver com uma visão que minha mãe teve há décadas. A visão que ela ficou tão traumatizada que a fez fugir da Guilda.

— Entendo. — Chase esfrega o queixo. — Graças a Deus, ela não acordou antes de eu encontrá-la.

— Sim. — Eu digo a Chase tudo o que eu lembro, caso haja alguma informação que possa significar algo para ele. Ele escuta atentamente, seu rosto não demonstra nenhuma emoção, exceto quando eu falo a ele sobre ser presa para que então Gaius pudesse pegar minha magia. Ele parece perturbado, então eu falo rápido, ignorando o horror daquela agonia.

— Lamento que você teve que passar por isso — ele diz quando termino.

Eu encolho os ombros. — Você sabe o que eles dizem sobre coisas que não te matam, certo?

— Eles deixam você se sentindo semiconsciente em um barco com uma faca no seu estômago? — Ele diz, um brilho provocador em seus olhos.

— Sim. Eu acredito que é exatamente o que eles dizem.

Um sorriso curva um dos lados da sua boca, mas depois ele olha para baixo. — Desculpa. Provavelmente não devo brincar com algo tão grave como ser esfaqueada. Ou sobre perder sua magia - especialmente não sobre isso.

— Está tudo bem — eu digo a ele, tentando parecer indiferente. — Estou bem agora, para que possa fazer brincadeiras o quanto você quiser. É melhor rir do que ser sugada pelo desespero, certo?

Depois de considerar minhas palavras por um momento, ele diz, — Sim. É. Eu não olhava para as coisas dessa maneira durante um longo tempo, mas acho que você provavelmente está certa.

Provocativamente, eu digo — Eu sou conhecida por estar certa de vez em quando.

O sorriso que ele me dá faz coisas estranhas aos meus joelhos. É estúpido. É muito estúpido. Não é a mesma coisa que aconteceu com o Zed? Eu me deixo levar por sentimentos ridículos e a próxima coisa é - wham! Eu encontro a rejeição batendo na minha cara depois de um beijo espontâneo, unilateral, o mais estranho de todos os tempos. O mesmo aconteceria agora? Chase poderia me dizer que eu sou muito jovem? Ele diria que ele não pensa em mim assim? Com a forma como ele está me olhando...

Não seja boba. Gaius ainda está desaparecido, sua mãe ainda está em um sono encantado, e você ainda tem uma enorme quantidade de trabalho para fazer antes de sua mentora desagradável pensar em deixar você se formar. Este não é o momento para romance.

Limpo minha garganta e força meu olhar para longe do dele. — Hum, há algo que tenho curiosidade. Eu sei que estava fraca e semiconsciente depois que você me pegou, mas definitivamente me lembro de você dizer algo estranho.

— O que é?

— Você me disse que eu devo ainda viver por bastante tempo. Que não era a minha hora de deixar o mundo. Você parecia bastante certo. Como você sabia disso?

— Oh, você sabe. — Ele olha para longe. — É apenas uma daquelas coisas que você diz às pessoas quando quer tranquilizá-las.

— Sério? Isso é tudo? — Eu pensei que parecia mais.

— E... — Ele tira uma mão de um bolso e esfrega a parte de trás do pescoço. — Eu sei coisas.

— Você sabe coisas?

— Sim.

Eu empurro minha cabeça para trás um pouco e estreito meus olhos. — Essa maneira enigmática e misteriosa de agir funciona para todas as meninas?

Com um sorriso que o faz parecer mais jovem, quase juvenil, ele diz — Parece estar funcionando com você.

Calor queima nas minhas bochechas enquanto tento parece indignada. Gostaria de balbuciar uma negação, mas tenho certeza de que meu rubor já está me dando. Olho para o lado, balançando a cabeça e tentando não rir.

— Eu também queria te contar uma coisa — diz ele.

Eu olho para ele quando meu coração tolo começa a voar.

— Eu vou embora por uma semana ou duas. Alguns assuntos que eu preciso tratar.

Meu coração cai de volta ao chão da floresta. — Oh. Você vai procurar por Gaius?

— Não, eu tenho outras pessoas fazendo isso. Isso é algo que eu planejei algum tempo atrás. Algo que não posso adiar.

— Oh. Tudo bem. Isso é lamentável. — Eu torço minhas mãos juntas. — Eu iria pedir-lhe que você fosse... bem... não importa agora.

— Fosse para onde?

— O casamento do meu irmão – cerimônia de união – tanto faz como você queira chamar. Ele já está casado há mais de sete anos, mas ele e sua esposa nunca tiveram a grande festa, então finalmente estão fazendo isso. Eu ia te perguntar se, você sabe, queria ir comigo. Como meu encontro. Não é como em um encontro encontro, mas apenas... para me acompanhar. Mas você não estará aqui, então não se preocupe...

— Vou tentar voltar.

Eu hesito, pensando se ele está falando sério. — Sério?

— Sim. Gostaria muito de ir com você. Como seu encontro.

— Oh. Ótimo. Bem, talvez eu veja você lá.

— Espero que sim. — Ele sorri novamente.

Eu digo adeus, ele diz adeus, e então eu desapareço dentro dos caminhos das fadas com um salto sobre meu passo.


Capítulo 30

 

O clima não poderia ser mais perfeito. Um sol quente da tarde paira em um céu claro, iluminando o chão da floresta com raios de luz dourada. As árvores vestidas com uma paleta vermelha, laranja, dourada e amarela do outono mais bonitos que qualquer coisa que eu possa pintar. As folhas derivam no chão como confetes. Jarros de vidro com insetos brilhantes pendem dos galhos. No centro da cena tem um pavilhão simples com galhos finos formando um dossel abobadado. Videiras com pequenas flores cor de creme torcem em torno da estrutura, e as pétalas da mesma cor polvilham o chão. De um lado do pavilhão, familiares e amigos estão sentados em fileira em bancos de madeira simples.

Este casamento foi organizado em tempo recorde, e as organizadoras - Tilly e Raven - fizeram um trabalho espetacular. A cena não é perfeita quanto poderia ser, no entanto. Mamãe ainda não acordou, então ela não está aqui, e Chase não voltou do seu negócio, então ele também não está. Mas mamãe está segura, e Chase ainda está vivo e esta gloriosa celebração é tudo o que sempre quis para o meu irmão e Violet, então estou cheia de felicidades apesar dos dois assentos vazios.

Um silêncio cai sobre a reunião quando a amiga de Vi e Ryn, Natesa, levanta da cadeira e fica de um lado. Ela começa a cantar, e sua voz encantadora é a sugestão para a cerimônia começar. De acordo com a tradição, Vi e Ryn entram de lados opostos, com Vi aparecendo à esquerda e Ryn à direita. Eles caminham lentamente um para o outro, seus olhos presos, como se eles estivessem em seu próprio mundo, inconscientes do resto de nós.

O vestido de renda de marfim de Vi é simples, mas elegante, com um decote em V, uma tira de renda sobre cada ombro e uma calda de renda não muito longa. Não consigo ver os pés dela, mas sei que ela está com os pés descalços. Raven apresentou pelo menos vinte ideias de sapatos diferentes, e Vi disse que não estava interessada em nenhuma delas. Seu cabelo está solto com pequenas flores presas, e ela carrega um simples buquê de três rosas.

Ryn a encontra na frente do pavilhão. Eles compartilham um olhar cheio de significado. Sonhos realizados, medos antigos, esperanças compartilhadas e uma vida memorável. Eles apertam as mãos e ficam debaixo do dossel juntos, onde o oficial da Corte Seelie está de pé. Ele fala sobre o vínculo da união, a forte conexão mágica criada quando duas pessoas prometem suas vidas uma a outra. E mesmo que isso tenha acontecido tecnicamente antes, quando Vi e Ryn assinaram o pergaminho de união na Guilda, não parecia tão especial ou real como agora.

Uma lágrima desliza pela minha bochecha, e Filigree em forma de rato, de pé no meu ombro e agarrando a minha a orelha - tenta limpá-la. Eu lhe dou um tampinha carinhosamente enquanto vejo o oficial segurar os dois anéis que Vi e Ryn normalmente usam sobre as marcas do anel. Se está união fosse feita pela primeira vez, este seria o ponto na cerimônia em que os dois receberiam marcas douradas como tatuagem que circundariam os dedos que ficam com o anel. Mas essas marcas já estão lá, então eles simplesmente colocam os anéis nos dedos um do outro. O oficial segura à mão deles e fala o feitiço da ligação final.

A cerimônia termina com um beijo e muitos aplausos. Todo mundo fica de pé e para perto do casal. Risos e bons votos e parabéns pelo bebê que vem para completá-los. A reunião feliz de pessoas se move lentamente do pavilhão para através das árvores para onde as mesas foram colocadas em forma de U. À medida que o sol da tarde desliza mais perto do horizonte, tomamos nossos lugares ao redor da mesa. Nós comemos e bebemos e compartilhamos histórias, e todas as preocupações dos últimos dias - Gaius desaparecido, minha Habilidade especial perdida, Saber e Marlin à solta – foram esquecidas.

***

Depois que o primeiro prato termina, eu saio da mesa por um instante e ando de volta para o pavilhão. É tão bonito lá. Eu quero vê-lo na luz suave do pôr-do-sol, enquanto os insetos brilhantes nos jarros ficam mais brilhantes. Eu me inclino contra uma das pernas segurando a estrutura e levanto meu olhar para as copas das árvores. Vermelho-laranja passa através das folhas da mesma cor, tornando a cena mais quente do que parece. Conforme um arrepio corre ao longo dos meus braços nus, tento aproveitar este último momento de paz antes que o trabalho duro realmente comece.

Aparentemente, não estou tentando o suficiente. Não consigo deixar de imaginar a pilha de trabalhos extras que me esperam em casa e as sessões de treinamento extra programadas para a próxima semana. Olive, obviamente, decidiu que se uma combinação de desinteresse e abuso verbal não me fez sair, talvez o excesso de trabalho faça. Seu plano falhará, no entanto. Passei a semana passada me forçando em cada sessão de treinamento para ser mais rápida, mais forte e mais habilidosa. Estou decidida a provar a Olive que estou apta para esta vida e que não vou a lugar nenhum. Ela pode me desfazer com suas palavras e acumular trabalho em cima de mim como ela quiser, mas ela não vai me quebrar.

Gemma, Perry e Ned me ajudam sempre que podem, indicando livros úteis na biblioteca e voluntariando-se nas horas extras no Aquário se eu precisar de um oponente. Foi difícil, no início, aceitar a ajuda deles quando eu ainda não acredito que seremos amigos por muito tempo. Mas a cada dia que passa, e eles continuam rindo da história seja qual for que Saskia trouxe do meu passado, eu me pergunto se talvez eles não sejam os amigos que vão ficar.

— Você parece estar com um pouco de frio, Srta. Cachinhos Dourados.

Meu estômago vira ao som de sua voz, e já estou sorrindo quando viro. — Você veio — eu digo.

— Desculpe-me, eu estou atrasado. — Ele caminha em minha direção e tira o casaco dos ombros enquanto atravessa o pavilhão carregado de flores. É o casaco que ele sempre usa, o preto que vai até abaixo do topo das suas pernas. O casaco que sempre o faz parece sexy. Calor sobe para as minhas bochechas quando ele coloca o casaco sobre meus ombros. Eu olho para cima. Seu rosto está perto o suficiente para beijar, se eu ficasse na ponta dos pés e me inclinasse para mais perto. Então eu percebo o hematoma sumindo em sua bochecha. — Isso aconteceu enquanto você estava cuidando do seu “negócio”? — Eu pergunto, levantando a mão e tocando as pontas dos meus dedos em sua pele.

— Foi — diz ele. Um leve rubor rosa aparece nas suas bochechas, e isso me faz sentir ridiculamente quente por dentro sabendo que é o meu toque que está causando isso.

Eu abaixo a mão e pergunto — Acabou? O que quer que você tinha que fazer?

Ele acena com a cabeça e pega minha mão antes de chegar ao meu lado. Seus dedos deslizam entre os meus, e de repente, eu acho mais difícil respirar. Eu olho para nossos dedos entrelaçados e não lembro sobre o que estava falando ou o que eu estava planejando dizer em seguida. Ficar de mãos dadas não deve ser uma coisa importante, não é? Não deveria acelerar minha respiração e acelerar meu coração e incendiar a minha pele.

Não é?

Uma centelha de luz brilhante aparece acima de nós, e depois outra e outra. Olho para cima e vejo as minúsculas flores em torno do dossel abobadado queimarem, cada uma estourando com uma pequena chama antes de apagar.

— Isso deveria acontecer? — Pergunta Chase.

— Uh, eu acho que não. — Felizmente, os pequenos incêndios espontâneos param momentos depois de começarem. Encontro o olhar de Chase mais uma vez com uma careta. — Estranho.

O sorriso dele me diz que ele sabe alguma coisa que eu não sei. — Estranho, de fato — diz ele. Seus olhos permanecem presos nos meus quando sua expressão se torna séria. Ele olha para baixo, depois volta. — O seu coração ainda está comprometido a trabalhar para a Guilda?

Ele parece quase esperançoso, e eu odeio que minha resposta irá sufocar isso. — Sim. Não é exatamente o que eu pensei, mas ainda quero trabalhar lá. Ainda é meu sonho ser uma guardiã.

Ele acena com a cabeça, mas não diz nada. Eu sei o que ele está pensando, porém, porque também estou pensando. Como qualquer coisa irá funcionar entre nós se um de nós está defendendo a lei e o outro está continuamente quebrando?

— Diga-me o que você faz — digo. Eu acho que adivinhei corretamente, mas eu quero ouvir isso dele.

— Eu... ajudo as pessoas.

— Mas você trabalha fora da lei para fazer isso.

Depois de uma pausa, ele diz, — Sim.

— Por quê? Se o que você está fazendo é bom, então, por que você não trabalha para a Guilda?

O sorriso que ele me dá é triste. — Eles não vão me querer.

— Por que não?

Ele olha para longe. — Se eles soubessem minha história...

— Se eles soubessem minha história, eles também não iriam me querer.

— Eu já guardo segredos de pessoas demais — diz ele. — Eu não quero adicionar mais pessoas a essa lista.

Essa lista. Suas palavras despertam algo dentro de mim, me sacudindo de sonhos quentes para a realidade fria. Eu sou uma idiota ao pensar que eu sou diferente ou especial, ou que isso poderia funcionar. Não quando eu estou nessa lista como todos os outros, Chase mantém segredos. Eu tiro minha mão da dele e me afasto. — Nós não temos apenas o problema de eu trabalhar para a lei e você trabalhando fora dela — digo. — Há o problema de todos os segredos que você está guardando de mim.

Depois de um longo momento, ele diz — Sim. Mas isso não vai ser um problema depois de que eu lhe contar tudo.

Tudo? Depois de todo o mistério em torno desse cara, não esperava ouvir essas palavras. — Você quer dizer?

Ele dá uma respiração que parece um pouco instável. — Sim. Se você quiser ouvir a verdade.

A verdade. Eu realmente quero saber a verdade sobre Chase? Talvez não saber é melhor. Será mais fácil encarar a Guilda todos os dias se eu não souber todos os detalhes de sua atividade ilegal. Mas não saber significa que não pode haver nada... mais entre nós. Porque um relacionamento não pode funcionar quando há segredos.

— Calla? Cal, você está aí? — A voz de Violet me tira dos meus pensamentos.

— Quem é? — Chase pergunta, um franzido enrugando sua testa.

Olho por cima do ombro para as árvores de onde veio a voz e vejo uma figura em branco se movendo entre elas. — A esposa do meu irmão.

— Cal, volte — ela chama, acenando quando ela me vê. — Tilly quer que façamos uma dança boba e eu não vou dançar sem você.

— Vamos — eu digo a Chase, decidindo que posso fazer minha escolha sobre ouvir sua verdade ou não mais tarde. — Você pode conhecer minha família e se divertir comigo, enquanto eu finjo que sei dançar. — Eu puxo sua mão, mas ele não se move. Seu rosto está congelado em uma expressão estranha.

— Não — ele murmura, olhando sem ver o chão.

— O quê?

— Eu conheço você.

— O que você...

Ele olha para cima, seu olhar intenso de repente. — No momento em que a vi pela primeira vez, eu sabia que já conhecia você. Eu sabia.

— Chase...

— Desculpe-me, Calla. — Ele dá um passo para trás e, por cima do ombro, vejo Violet vindo em nossa direção.

— Chase, o que está acontecendo?

— Eu nunca menti para você, eu juro. Esse é quem eu sou.

— O que você está...

Minha voz para quando Vi para fora do pavilhão, com a boca aberta para dizer algo antes de congelar, sua expressão lentamente se transformando em horror. Várias coisas acontecem de uma só vez, e as vejo como se estivessem em câmera lenta: os braços de Vi levantando para uma posição e agarrando um arco e flecha, a mão de Chase varrendo o ar quando ele se afasta de nós duas e flocos de neve - flocos de neve? - caindo por toda parte.

Então tudo acelera. A neve vira uma tempestade de neve, e o vento chicoteia meu cabelo ao redor do meu rosto, e tudo o que posso ver é branco quando levanto minhas mãos para proteger meu rosto.

O vento desaparece. A neve se afasta. Um silêncio cai sobre a área.

Chase se foi.

Estou totalmente confusa. Olho de volta para Violet, com uma expressão atordoada no rosto dela. — Não pode ser — ela sussurra. E então, o maior segredo de todos saem de seus lábios:

— Draven.

 


{1} Montanha da Perdição, também chamada de Orodruin, é um vulcão que aparece na obra de J.R.R.Tolkien. Localizado no centro da terra de Mordor, foi o local onde o Um Anel foi forjado pelo Senhor do Escuro, Sauron, e representa o fim da aventura de Frodo Bolseiro para destruir o Anel, aventura esta relatada em O Senhor dos Anéis.

Calla Larkenwood não quer nada além de ser uma guardiã, mas sua mãe super-protetora nunca permitiu. Quando as circunstâncias mudam e Calla finalmente consegue se juntar a uma Gilda, ela descobre que a vida de guardião aprendiz não é tudo que ela esperava. Seus colegas de classe são distantes, seu mentor a odeia e manter sua habilidade especial em segredo é mais difícil do que ela pensava. Então um jogo de iniciação dá errado, aterrorizando Calla com uma habilidade mágica que ela não pode controlar. Ela precisa de ajuda ?e a única maneira de conseguir isso é negociar com o cara que acabou de descobrir seu maior segredo.

 

https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/4_THE_FAERIE_SECRET.jpg

 

PARTE 1

Capítulo 1

É uma noite perfeita para uma festa. Se alguém não estivesse prestes a se afogar.

Levanto meus pés, me equilibrando cuidadosamente no capô do carro e puxando meu braço diretamente para trás até que minha mão esteja alinhada com a minha orelha. Eu aperto a shuriken entre meu polegar e indicador e aponto minha mão esquerda para o meu alvo: o kelpie deslizando pela água escura em direção às quatro garotas no cais com os pés na água.

— Ainda não — meu amigo Zed murmura de algum lugar atrás de mim. — Não, a menos que ele ataque as meninas. É ilegal que você faça um movimento contra ele caso contrário.

Eu resisto ao impulso de revirar os meus olhos. — Como se já não tivéssemos quebrado a lei milhões de vezes.

— Ei, a única vez que quebramos a lei é quando vamos para tarefas de mentira como esta. Tenho certeza de que ainda não quebramos um milhão de vezes.

— É verdade — eu digo, fechando um olho para alinhar melhor a minha mão com meu alvo. — Mas você esqueceu da Lei Mãe.

— Oh. Claro. Definitivamente quebramos a lei da sua mãe mais de um milhão de vezes.

Minha risada sai mais alta do que eu pretendia, mas o som é rapidamente perdido em meio aos gritos, conversas e risos das dezenas de adolescentes aproveitando a festa à beira do lago desta noite.

— Concentre-se, Calla — diz Zed.

— Desculpe. — Eu ignoro o fogo dançando na extremidade da minha visão e me concentro no kelpie. Ele estava em forma de cavalo mais cedo quando o percebemos no outro lado do lago, mas ele está em forma humana agora. Bem, quase humana. Se eu estivesse mais perto, seria capaz de ver os juncos de água em seus cabelos. Ele se move lentamente, mantendo-se perto da margem. Apenas a cabeça e o pescoço estão visíveis acima da água. Quando ele se aproxima do cais, ele desliza abaixo da água e desaparece. Eu olho o espaço sob as pernas das garotas, esperando o momento em que o kelpie explodirá para fora da água.

Eu espero.

E espero.

E espero um pouco mais.

O som barulhento de risos e de vidro quebrando ameaça arrancar minha atenção da água, mas respiro devagar e mantenho meus olhos treinados nas pernas das meninas. E então, tão devagar que no começo, eu acho que estou imaginando, a cabeça do kelpie sai da água abaixo da menina mais próxima da margem. Quando o pescoço e os ombros estão acima da superfície da água, ela o percebe. Espero que ela se afaste de surpresa ou comece a gritar, mas, em vez disso, ela se inclina em sua direção. Ele está falando com ela? Jogando um feitiço nela? Convidando-a a se juntar a ele na água? A menina acena com a cabeça. O kelpie estende a mão para ela. Ela abaixa e aceita.

Devo jogar minha arma agora. É por isso que estou aqui. Para impedir este kelpie de arrastar alguém para uma sepultura aquosa no fundo do lago. Mas e se essa não for sua intenção? E se ele não for o ‘vilão’ da noite afinal de contas? Suas mãos estão em volta da cintura da menina agora enquanto ele a ajuda gentilmente a entrar na água. Os amigos dela não parecem ter um problema com isso. Talvez isso tenha acontecido antes. Talvez ele e a garota sejam amigos.

— Agora, Calla — diz Zed.

— Mas ele não fez nada de errado ainda — eu digo, meu olhar ainda preso no kelpie e na menina. Ele a abraça e ela envolve seus braços ao redor dele.

— Ele fez contato. Ele se revelou.

— Mas ele não a machucou ou...

— Ele pode estar a poucos segundos de...

— E se ele a ama...

Sem aviso, o kelpie mergulha abaixo da água, levando a menina com ele. Batendo os braços e chutando as pernas, agitando a superfície da água. Eu não posso falar para os humanos do kelpie, e as meninas estão gritando, e as pessoas estão correndo para o cais, e o kelpie está subindo...

— Agora, Calla!

Desta vez eu não hesito. Eu lanço meu braço para a frente e solto a shuriken. Ela gira no ar e se incorpora no ombro do kelpie. Ele recua, chorando de dor, e desaparece na água espumante. A menina, agora histérica, nada com movimentos desesperados e desajeitados em direção aos dois garotos esperando para puxá-la para a segurança. Ela corre para o cais, e seus amigos se aproximam dela. Os meninos gritam através do lago, desafiando o brincalhão a aparecer. Mas as ondas já estão se fixando em uma calma estranha, e tenho certeza de que o kelpie está bem abaixo da superfície no momento.

Eu dou um mortal para frente do capô do carro e dobro meus joelhos enquanto pouso. Eu me endireito e viro para Zed para descobrir como eu fui. Sentado no telhado do carro, ele pisca para mim com descrença. — E se ele a ama? Você está brincando comigo?

Eu cruzo meus braços. — Poderia ter sido possível.

— Não. — Zed salta. — Eu continuo dizendo, Cal. Quando você está em missão, deve assumir o pior. Você deve assumir que algo vai dar errado.

Eu olho para longe. — Talvez fosse mais fácil se as tarefas fossem genuínas. Dessa forma, eu saberia com certeza que algo ruim vai acontecer.

— Talvez. — Zed joga um braço ao redor dos meus ombros e me puxa casualmente contra o lado dele. — Mas nós não temos exatamente acesso a tarefas genuínas.

— Eu sei — eu murmuro, minha mente se concentra mais em seu corpo pressionado contra o meu do que nas palavras que ele diz. Minha imaginação avança e preenche o que eu gostaria que acontecesse a seguir. Um abraço mais íntimo, suas mãos acariciando meu rosto, meus dedos deslizando através de seus cabelos loiros com mechas turquesa, seus lábios tocando...

Pare. Como sempre, meus pensamentos batem no muro imaginário que circunda minha mente. A barreira mental sólida e impenetrável que prende cada imagem que minha imaginação perigosa evoca. Eu costumava ter que fazer um esforço consciente para manter a parede no lugar em todos os momentos, mas agora é quase automático.

— Vamos — diz Zed, seu braço se afastando dos meus ombros. — Vamos sair daqui. — Ele anda entre os carros, puxando uma stylus pequena de seu bolso traseiro. Chegando à árvore mais próxima, ele ergue a stylus e escreve um feitiço de portal na casca. Quando chego ao seu lado, a casca se espalha e desaparece, revelando a escuridão além. Ele estende a mão para mim, e eu sorrio enquanto aceito. Eu me pergunto, não pela primeira vez, se ele pensa em mim da forma como eu penso nele.

Eu me concentro na minha parede mental e nada mais enquanto Zed nos conduz pela infinita escuridão dos caminhos das fadas. Após vários passos, um portal se materializa à frente. Nós caminhamos para encontrar a noite adiantada em Woodsinger Grove, que estava mergulhada em um brilho lilás. Não tenho certeza de qual fuso horário estávamos no mundo humano, mas era obviamente várias horas mais cedo do que na minha casa aqui no reino Fae. Ali, as estrelas piscavam em um céu azul nanquim ao lado de uma lasca pálida da lua. Aqui, os cachos de borboletas cor-de-rosa estão fechando lentamente suas pétalas à medida que a luz do sol diminui, e os insetos brilhantes apenas começaram a aparecer nas árvores.

Eu me abaixo, arranco uma flor do chão e a giro entre meus dedos. — Então, — eu digo enquanto caminhamos entre as árvores em direção a que esconde minha casa — já que eu tenho todo esse tempo de férias agora, podemos começar a fazer mais tarefas?

— Nós poderíamos, se não fosse tão difícil encontrá-las. — Zed enfia as mãos nos bolsos da frente. — Não é como se estivéssemos ligados a uma Guilda com Videntes para nos informar quem precisa de resgate. Estamos basicamente apenas visitando todas as áreas do reino humano, onde eu sei que houve atividade fae, e esperando que algo ruim aconteça.

— Eu sei. Eu só pensei que talvez... você não tem amigos Videntes que possam lhe dar uma tarefa aqui e ali?

— Não. Você sabe que não tenho mais nenhum laço com a Guilda. E mesmo que eu tivesse, sempre há o risco de aparecer um aprendiz de verdade. Nós não queremos ficar presos no meio disso.

— Acho que sim.

— Há outra opção, no entanto. — Zed olha para mim com um sorriso brincalhão curvando seus lábios. — Você poderia mencionar à sua mãe que você fez todo esse treinamento privado e gostaria de se juntar a uma Guilda de verdade.

— Claro. E você poderia mencionar à Guilda que você ainda está vivo em vez de deixá-los pensar que você morreu na Destruição.

Ele balança a cabeça, mas o sorriso permanece. — Treinamento privado então.

— Exatamente.

— Oh, eu quase esqueci. — Zed para alguns passos de distância da minha árvore e remove algo de seu bolso traseiro. — Seu presente de aniversário. Algumas semanas de atraso, mas pelo menos não esqueci completamente como no ano passado. — Ele me entrega uma pequena caixa. — Feliz décimo sétimo aniversário.

Eu solto a flor borboleta e sorrio enquanto pego a caixa dele. — Você não precisava me dar nada.

— Sim, bem, estou compensando pelo ano passado.

Com uma antecipação nervosa vibrando como sprites na minha barriga, levanto cuidadosamente a tampa e a coloco de volta. Deitado no interior acolchoado, preso a uma corrente de ouro, está um delicado lírio metálico com uma pérola no centro.

— É um copo-de-leite, — diz Zed. — Já que, você sabe, é daí que o seu nome vem. E eu escolhi o ouro porque combina com o seu estilo. O cabelo dourado e os olhos, sabe.

— É lindo — eu tomo fôlego.

— Então você gostou? Sou geralmente terrível com presentes de garotas, mas eu tive ajuda com esse.

Falo para ele. — Eu amei.

Ele sorri de volta para mim com um sorriso que eu conheço melhor do que o meu. Um sorriso que tem o poder de transformar minhas entranhas em líquido. Seus olhos azuis e verdes se movem pelo meu rosto, e eu me pergunto, mais uma vez, se ele se sente do mesmo jeito que eu. Com seus olhos olhando para os meus, quase posso imaginar que ele sente. E este presente é o mais imaginativo que ele já me deu. Isso deve significar alguma coisa.

Eu dou um passo para mais perto dele quando o sangue bombeia mais rápido através das minhas veias. Nunca tive coragem suficiente para fazer isso antes. Eu sempre respeitei a distância que nosso relacionamento estudante-instrutor exigia. Mas eu tenho dezessete anos agora. Eu sou basicamente uma adulta. Que motivo eu tenho para me segurar?

Os nervos na minha barriga dão uma guinada final quando eu fico nas pontas dos dedos dos pés e aperto meus lábios contra os dele. As minhas pálpebras se fecham. Suas mãos apertam meus ombros...

Mas em vez de me aproximar, ele me empurra um passo para trás. — Uau, Calla, espere. — Ele balança a cabeça lentamente, me dando um olhar cauteloso.

Oh, droga. Meus olhos caem para o chão enquanto o constrangimento aquece meu rosto. — Hum... eu...

— Olha, não é que você não seja... Quero dizer, você é linda. Você é uma garota incrível. Você é... muito mais jovem do que eu.

Eu olho para cima, conseguindo encontrar seu olhar apesar da minha humilhação. — Há apenas treze anos de diferença entre nós.

— Exatamente. Essa é uma enorme diferença quando...

— Minha mãe tem trinta e oito anos a mais do que meu pai. Não faz diferença para eles ou para qualquer outra pessoa.

Ele hesita, então diz, — Faeries vivem por séculos. Décadas não significam nada para nós. Nós dois sabemos disso. Mas quando você ainda está crescendo, treze anos é uma diferença significativa.

Meu olhar volta ao chão. — Então você ainda me vê como uma criança.

— Bem... você ainda é criança.

Eu fecho a pequena caixa de joias e aperto minha mão em torno dela. — Eu não sou uma...

— Eu tenho uma namorada — ele deixa escapar.

Minha respiração para. — O quê? — Eu sussurro.

— Ela me ajudou a escolher seu presente de aniversário. Ela pensou que você realmente gostaria...

— Oh, meu Deus. — Eu passo por ele com os olhos ainda fixos no chão. Isso é totalmente mortificante. Claro que Zed tem uma namorada. Como diabos eu pensei que beijá-lo seria uma boa ideia? Em que reino isso poderia ter acabado bem?

— Calla, sinto muito — ele grita atrás de mim. — Eu não quero machucá-la, eu simplesmente...

— Boa noite, Zed — eu grito sem olhar para trás. Paro na frente da minha árvore e me curvo para recuperar a stylus da minha meia. Antes que a Zed diga qualquer outra coisa, rabisco um portal na casca e me apresso a entrar.

Eu corro no andar de cima e me jogo na minha cama. As shurikens presas dentro da minha jaqueta machucam meu peito. Eu me sento, as tiro, as jogo na minha gaveta de cabeceira e caio de volta na cama.

Nunca serei uma verdadeira guardiã.

Nunca terei armas mágicas brilhantes.

Nunca vou ter as marcas definitivas em meus pulsos.

E eu nunca terei Zed.

Apesar do fato de que ele simplesmente me rejeitou, meu cérebro estúpido imagina Zed encontrando uma maneira de entrar na minha casa, entrando no meu quarto e confessando que ele realmente não tem uma namorada. Que ele me ama desesperadamente, mas há outra razão pela qual pensa que não podemos estar juntos, então ele inventou essa história.

Minha parede mental quebra, e, por um momento, eu realmente o vejo caminhando através da porta do meu quarto.

— Ugh! — Eu aperto meus olhos e golpeio meus punhos contra minha testa. Imagino a parede. Eu vejo o buraco que meu estado emocional descontrolado criou. Empurro um tijolo no buraco. Mais um tijolo. E outro. Encho as pequenas lacunas com cimento mágico e imaginário.

Quando abro meus olhos, Zed não está lá.

Um ruído no andar de baixo sinaliza o retorno da minha mãe do trabalho. Surpresa, eu ajusto minha posição e puxo meu âmbar do meu bolso traseiro para que eu possa verificar a hora. O dispositivo brilhante e retangular é tão fino que estou surpresa por não ter quebrado quando sentei. É o último lançamento do tipo; um presente de aniversário dos meus pais. É compatível com todos os últimos feitiços sociais, mas não é por isso que eu o queria. Eu queria para o feitiço de arte que me permite desenhar e pintar com a minha stylus ou dedos e depois transferir a imagem para a tela mais tarde. Isso significa que eu posso criar arte sempre que a inspiração aparecer, mesmo que eu não tenha um bloco de desenho comigo.

Eu toco o meu polegar na superfície do âmbar. Números dourados nadam aparecendo. Assim como eu suspeitava, é muito cedo para a minha mãe estar em casa. Terças feiras são às 18:00 horas, então, tecnicamente, ela ainda tem vinte e três minutos de trabalho. E os aspectos técnicos são algo pelos quais a minha mãe presta grande atenção.

Eu balanço minhas pernas sobre o lado da cama e me levanto. Esqueça Zed. Esqueça o treinamento secreto. Esqueça quão injusto é que seu irmão é um guardião e você não. Saio do meu quarto em direção às escadas, giro uma mecha de cabelo dourado ao redor do meu dedo. Seja qual for o motivo do retorno mais cedo da mamãe do trabalho, fico feliz que aconteceu depois de eu chegar em casa. Ela teria se assustado se...

Eu paro.

Ao pé da escada está um homem que não reconheço. Um homem com um casaco escuro que atinge seus joelhos. Um homem com uma longa cicatriz marcando a bochecha esquerda. Um homem levantando uma faca.

E olhando diretamente para mim.


Capítulo 2

A faca voa diretamente para mim. Eu me jogo para o lado instintivamente, e ela passa zunindo perto da minha orelha. O homem levanta uma sobrancelha. — Belos reflexos — diz ele. — Mas você pode esquivar disso? — As faíscas vermelhas pulam pelo ar e batem no meu peito, me jogando de volta contra a parede do meu quarto. Momentaneamente atordoada, eu desabo no chão. Piscando, olho para o buraco chamuscado na minha camiseta. Se não fosse o colete protetor que eu uso sob minhas roupas sempre que saio com Zed, minha pele estaria queimada como a camiseta.

Passos soam na escada. Meu coração tropeça no meu peito. Meus pulmões lutam para encontrar a respiração. Fecho meus olhos, me fingindo de morta enquanto reúno poder. — Você sabe, é uma pena que eu tenha que me livrar de você — o homem fala enquanto sobe a escada. — Você é excepcionalmente bonita. Já lhe disseram isso antes? — Seus passos param.

Eu abro os olhos e o vejo de pé aos meus pés. Eu puxo minha perna para trás e chuto sua canela o máximo que posso, grunhindo — Muitas vezes. Principalmente por idiotas como você. — Eu me levanto, conjuro um feitiço de tinta em seu rosto, e corro para a escada.

Seu choro de dor é curto e seguido por uma sequência de palavrões. Eu alcanço a sala de estar e corro para o outro lado, torcendo para sair antes que o homem desça. Mas uma batida forte me faz girar antes de poder abrir um portal. Ele deve ter saltado de cima para baixo em um único salto, porque lá está ele, o capuz de seu casaco caiu para trás para revelar seu rosto sorridente.

Não consigo fugir, percebo de repente. O pensamento é seguido quase que instantaneamente por outro: por que eu quero fugir? Eu quero lutar contra os vilões e agora há um de pé na minha sala de estar. Quando eu vou conseguir outra oportunidade como essa?

— Lembra quando eu disse que tenho que me livrar de você — diz o homem. — Infelizmente, eu falei sério.

Acho que não. Magia brilha acima das minhas palmas. As faíscas se transformam em insetos irritados e alados, que se aproximam do homem e pulam em sua cabeça enquanto reúno mais poder em minhas mãos. Eu só atordoei alguém uma vez, e já é hora de tentar novamente.

Um vendaval forte varre os insetos antes de eu estar pronta. Eles desaparecem enquanto me jogo atrás de um sofá, uma bola de magia girando acima de minhas mãos.

— Você não é o que eu esperava — diz o homem, soando quase divertido.

— Você estava esperando ter seu traseiro chutado? — Pergunto, esperando parecer mais confiante do que eu me sinto. — Porque é isso que está prestes a acontecer.

Ele ri. — Definitivamente não é o que eu esperava.

Eu pulo e atiro minhas mãos em direção ao homem. Mas em vez de atordoá-lo, minha magia atinge o escudo invisível que eu agora percebo que está pendurado no ar na frente dele. A magia reverbera em todas as direções, esmagando uma das minhas obras de arte emolduradas, derrubando um guarda-chuva pendurado atrás de mim e esmagando um abajur de vidro. Eu caio atrás do sofá novamente. — Merda — eu murmuro. Mamãe vai ficar com raiva.

Passos se aproximam do sofá. Aperto meus punhos enquanto penso em quão úteis as armas da guarda seriam agora. Mesmo uma simples shuriken ajudaria. Se eu não tivesse removido todas que estavam na minha jaqueta há menos de cinco minutos. — Já está cansada? — O homem pergunta enquanto aparece ao lado do sofá.

Pego o guarda-chuva caído, prendo no seu tornozelo e puxo. Ele cai com um grunhido. Eu pulo e baixo o guarda-chuva em direção a sua cabeça. Sua mão vai para frente, pega o guarda-chuva antes que ele o golpeie, e o tira do meu alcance. Ele joga em minha direção, mas eu abaixo e isso passa pela minha cabeça. Ele rola sobre o seu lado e se levanta, então me chuta. Eu me esquivo para trás e estico minha mão para o abajur quebrado. Os fragmentos de vidro se elevam no ar e se dirigem em direção ao homem. Um movimento de sua mão transforma o vidro em pó. Ele puxa um pedaço de corda do interior de seu casaco. Com uma pancadinha, a corda vira um chicote igual a uma videira, enrolando em minha direção. Eu puxo o meu braço para fora do caminho bem a tempo, sentindo a picada do final do chicote enquanto ele estala contra a minha pele.

— Errou — digo enquanto danço para longe do seu alcance.

O homem solta uma risada sem fôlego. — Tamaria claramente não sabia do que estava falando quando disse que isso seria fácil. — Ele estala o chicote mais uma vez e chamas resplandecem ao longo do seu comprimento. — E você não sabia do que estava falando quando disse que iria chutar minha bunda porque estou prestes a limpar o chão com a sua.

Antes que as chamas possam me alcançar, eu pulo na parte de trás do sofá, pulando no ar, saltando sobre a mesa de café e pousando do outro lado. Giro ao redor, desço para usar a mesa de café como um escudo ? e vejo minha mãe parada em um portal atrás do homem. Suas feições estavam congeladas em uma máscara de choque.

Percebendo que há alguém atrás dele, o homem gira. Ele hesita por um momento, então corre na direção da mamãe.

— Não! — Eu pulo de novo sobre a mesa, sobre as almofadas do sofá, e me jogo no homem. Eu pouso sobre suas costas, e nós dois caímos no chão enquanto mamãe grita palavras ininteligíveis. Ele tenta me bater com o cotovelo, mas pego o seu pulso e torço o seu braço para trás. Eu inclino todo o meu peso sobre. Ele grita e tenta rolar, mas com um braço preso atrás de suas costas, e meu corpo pressionando, ele não consegue força o suficiente.

Ainda deitada em cima dele, alcanço com a mão livre e pego o seu chicote, que agora, é uma corda comum mais uma vez. Enrolo a corda ao redor do braço dele, mas quando tento agarrar seu braço livre, encontro uma faca brilhando na sua mão. Eu me jogo para trás com um grito enquanto ele corta cegamente atrás dele.

— Calla!

Olho em direção ao som da voz do meu pai.

Aproveitando minha distração, o homem me joga de costas. Ele levanta, esquiva-se das faíscas que meu pai joga contra ele e corre pela sala de estar. Em segundos, ele sobe as escadas. Papai grita e segue atrás dele. Eu levanto, pronta para ir atrás de papai, mas mamãe envolve seus braços com força em torno de mim e engasga, — Você está bem. Você está bem, você está bem. — Seu cabelo louro e fino faz cócegas na minha bochecha enquanto eu tento ver por cima do seu ombro e acima da escada.

— Ele se foi — diz papai, correndo de volta da escada. — O que aconteceu? Você está bem?

— Sim, estou bem.

— Você tem certeza? — Pergunta mamãe, suas mãos tremendo batendo perto da minha camiseta chamuscada antes de levantar para tocar meu rosto. — Ele tinha uma faca. Você tem certeza de que não está... e como você... — Ela franze a testa, seus olhos amarelos se enchendo de confusão. — Você estava lutando contra ele. A cambalhota. Pulando sobre o sofá. Enfrentando-o e prendendo. Como você fez isso?

Eu mordo o lábio e olho para o chão. O que eu digo, o que eu digo?

Papai coloca uma mão no meu ombro. — Calla? O que está acontecendo?

Percebendo que não há outra maneira de sair disso a não ser a verdade, eu fico ereta, levanto os olhos e olho primeiro para papai, então para mamãe. — Eu quero ser uma guardiã.

Mamãe solta um meio-suspiro, meio-gemido. — Calla, isso de novo não...

— É o que eu quero!

— É muito perigoso — mamãe lamenta. — Nós quase perdemos você uma vez, e não vou passar por isso de novo.

— Eu já sei como lutar, mãe. Eu tenho treinado em particular.

— Você tem o quê? — Papai diz.

— Treinando. Aprendendo a lutar. Para me defender e proteger os outros. — Meus pais me encaram, as bocas abertas em choque. Papai se recupera primeiro.

— Como você pode fazer isso escondido de nós...

— Porque vocês se recusaram a deixar eu me juntar a uma Guilda, então treinar escondido era a única outra opção.

— E quem exatamente a treinou? — Ele exige.

Eu balanço minha cabeça. Não há como colocar Zed em problemas depois de tudo o que ele fez por mim. — Não importa, pai. O que importa é que isso é o que eu sempre quis fazer. Não escola de curandeiro, nem escola de chef de cozinha, nem escola de arte, nem qualquer outra profissão para qual você tentou me forçar. A Guilda. É onde eu quero estar. — Pego suas mãos e olho para as marcas pálidas em seus pulsos. Eu sempre quis marcas como essas. Não a versão desativada, é claro, mas as linhas pretas que circulam os pulsos de meu irmão ou Zed. Eu olho para cima e encontro os olhos de papai. — Por favor, papai. Você se lembra de como era antes que mamãe o fizesse sair. Você lembra como é salvar as pessoas, fazer a diferença. Você se lembra de quão vivo isso fazia você se sentir quando você está...

— Pare. — A voz dominante da mãe me corta. Na maioria das vezes, minha mãe parece irritantemente frágil. Seu corpo magro, cabelos pálidos e olhos arregalados fazem com que ela pareça fraca. Mas sob seu exterior geralmente gentil está uma determinação feroz para manter sua família segura. Uma determinação feroz que me manteve longe da Guilda todos esses anos. — Isso não vai acontecer, Calla — ela diz com firmeza. — E não é apenas sobre o perigoso estilo de vida de um guardião. É sobre a lista Griffin. Você sabe disso. Conseguimos manter a sua capacidade em segredo durante todo esse tempo, apesar dos... incidentes que a obrigaram a deixar tantas escolas.

Minha mandíbula aperta. Fazemos o nosso melhor para nunca falar desses incidentes, e mamãe sabe disso. Não é justo que ela os traga à tona.

— Mas se você estiver trabalhando logo abaixo do nariz do Conselho — mamãe continua, — eles vão descobrir. Você vai acabar naquela lista, marcada e rastreada como uma criminosa pelo resto de sua vida.

Ugh, aquela estúpida lista Griffin. Sempre voltamos a ela. Com um suspiro frustrado, cruzo meus braços. — Isso não vai acontecer, mãe. Consigo controlar agora. Ninguém mais tem que descobrir.

— Descobrir o quê? — Uma voz masculina diz atrás de mim.

Giro ao redor enquanto meu meio irmão sai de um portal na parede. — Ryn! — Eu corro através da sala e jogo meus braços em volta dele. Não sei por que ele está aqui, mas estou feliz por ter chegado no meio da nossa discussão. Ele geralmente fica ao meu lado quando mamãe começa a ficar irracional.

— O que aconteceu? — Ele pergunta, me abraçando com força. — Você está bem? Saí de uma reunião e encontrei uma mensagem em pânico que sua mãe enviou para mim e para o papai.

— Sério, mãe? — Eu volto a olhar para minha mãe. — Eu tinha tudo sob controle.

— Você não tinha...

— Você sabia sobre o treinamento secreto que sua irmã tem feito escondido de nós? — Papai diz a Ryn.

— Qual treinamento secreto?

— Você deveria tê-la visto — mamãe fala. — Pulando sobre os móveis, dando cambalhota, torcendo o braço daquele homem...

— Ei! — Eu grito. — Podemos esquecer o meu treinamento privado por um momento e me concentrar no fato de que havia um intruso em nossa casa?

— O quê? — Ryn olha para a bagunça, depois de volta para mim. — E você lutou contra ele?

— Sim. Ele tentou me matar, mas eu...

— Oh, querida Rainha Seelie, — mamãe engasga. — Ele estava tentando matar você? E agora você quer que eu deixe você sair da minha vista para ir brincar na Guilda? Não. Isso não vai acontecer. Claramente, alguém sabe o que você pode fazer, como antes quando você era pequena, e agora eles estão te caçando para que possam...

— Mãe — eu a interrompi antes que ela pudesse ficar em um estado frenético. — Eu não acho que ele estava atrás de mim. Ele disse que não estava esperando por mim. Ele deveria estar aqui procurando outra coisa, e aparentemente alguém chamado Tamaria disse que seria fácil.

— Tamaria? — O rosto já pálido da minha mãe perde a cor restante.

— Sim. Você sabe quem é?

Mamãe olha para o chão enquanto balança lentamente a cabeça. — Não. Eu não sei.

Olho para Ryn, mas ele está observando minha mãe cuidadosamente. — Papai? — Eu digo. — Você conhece esse nome?

— Não. Kara, você está bem? — Ele pega a mão da mamãe. Seus olhos arregalados ainda estão colados no chão.

Mamãe acena, depois olha para o papai. — Eu só estava pensando — diz ela calmamente, — talvez... talvez Calla fique mais segura na Guilda.

Minha mandíbula quase atinge o chão. Inclino para frente. — Como é?

Mamãe me ignora e continua falando em tom baixo para o papai. No entanto, posso ouvir todas as palavras. — Se alguém entrar novamente, seria melhor se Calla não estivesse aqui. Podemos nos mudar - devemos mudar - mas isso não impedirá que isso aconteça de novo. E talvez Calla esteja aprendendo a se defender adequadamente. Ter uma Habilidade especial significa que sempre há um risco que alguém descobrirá sobre isso. Ela nunca estará 100% segura em qualquer lugar. Pelo menos na Guilda ela estará cercada por pessoas que podem protegê-la enquanto ela aprende as habilidades para se proteger.

Não me incomodo em apontar que toda a razão de ser guardião é proteger os outros, e não a mim mesma. Na verdade, estou tão assustada com a súbita mudança de ideia da minha mãe que não consigo dizer nada.

Papai puxa mamãe para o canto mais distante da sala e baixa a voz para que eu não consiga mais ouvir o que eles estão discutindo. Eu não estou preocupada com ele dizendo algo que a faça mudar de ideia, no entanto. Papai nunca se opôs à minha entrada na Guilda. Na verdade, se não fosse por mamãe, ele provavelmente ainda trabalharia lá. Ele provavelmente está apenas tentando descobrir por que ela mudou de ideia de repente.

— Calla? — Ryn diz. Ele se afasta, fazendo um gesto para a cozinha com a cabeça. Eu o sigo. Ele senta-se em um lado da mesa, e eu me sento em frente a ele. — Você tem certeza sobre isso? — Ele pergunta.

— Certeza? Claro que tenho certeza. Isso é o que eu sempre quis. — Eu me inclino para trás, observando-o com atenção. — Espere, pensei que você estivesse do meu lado.

— Eu estou do seu lado. Se esta é a vida que você quer, eu não vou parar você. Eu só quero ter certeza de que você sabe o quão perigoso é.

— É claro que sei o quão perigoso é. Fui eu quem foi trancada em uma gaiola por um príncipe psicopata Unseelie, lembra? Nunca me senti mais assustada e desamparada do que eu me senti naquela época, e nunca mais gostaria de me sentir assim. — Inclino-me para frente. — Eu também não quero que outras pessoas se sintam assim. Eu quero proteger aqueles que não podem se proteger. E eu tenho praticado. Salvei alguém de um kelpie mais cedo.

Ryn levanta uma sobrancelha. — Seu treinamento particular inclui tarefas?

— Bem, não tarefas aprovadas pela Guilda — eu murmuro, sentando e arrastando a minha unha sobre a superfície da mesa.

— Entendo. Bem, já que eu estive em uma ou duas tarefas não aprovadas, não acho que haja algum motivo para mencionar as suas para a Guilda.

Meus lábios enrolam em um sorriso. — Apenas uma ou duas, hein?

— Como eu disse, não precisamos mencioná-las.

Cruzo meus braços e os descanso sobre a mesa. — Então, você pode me fazer entrar na Guilda? Em um grupo na minha faixa etária?

Ryn ri. — Calla, você não pode simplesmente ignorar quatro anos de treinamento.

— Mas eu não vou. Eu fiz o treinamento. Eu posso lutar.

— E quanto às lições e testes e exames e todos os outros requisitos? Você precisa passar um certo número de horas no Aquário e passar um certo número de tarefas a cada ano...

— Posso fazer isso agora.

— Agora?

— Sim. Todos os aprendizes estão em férias de verão por mais dois meses, não estão? Por que não posso passar todo o meu tempo no Aquário e tarefas enquanto estão longe? Então, estarei pronta para me juntar a eles quando eles retornarem.

— Calla, isso é loucura. Essa é uma grande quantidade de trabalho.

— Mas eu posso fazer isso. Posso administrar.

— Calla? — Papai diz, abrindo a porta da cozinha. Ele olha de volta para mamãe, que acena com a cabeça para ele antes de subir a escada. — Nós decidimos: você pode se juntar à Guilda.


Capítulo 3

Eu tinha acabado de arrumar outra caixa de material de pintura, logo que o espelho de mão na minha mesa começa a tocar música. É uma melodia animada composta por uma das minhas amigas da Ellinhart Academy. Pelo menos, nós éramos amigos antes de começar a ouvir os rumores sobre por que eu deixei minha última escola. Ela ficou distante depois disso, e eu não ouvi falar dela desde o início do verão.

Eu atravesso o quarto em direção a minha mesa e vejo o rosto de Zed nadando na superfície do espelho. Mordendo o lábio, considero ignorar a chamada. Enviei-lhe uma mensagem na noite passada para dizer que não preciso mais dos seus serviços de treinamento, mas não entrei em detalhes sobre o porquê. Ele provavelmente acha que é por causa do embaraçoso meio beijo fora da minha casa há dois dias. O beijo que me faz querer me encolher de mortificação sempre que penso nisso. Ignorar sua ligação seria imaturo, porém, e eu deveria mostrar a Zed que não sou a criança que ele pensa que sou. Pego o espelho e toco um dedo na superfície. — Ei — eu digo com um sorriso alegre no meu rosto.

— Uh, oi. — Na superfície do espelho, eu o vejo levantar uma mão e coçar seus cabelos. — Então, eu vi a mensagem que você enviou ontem à noite.

— Sim, eu tenho boas notícias. — Eu pulo na minha cama e coloco meu cabelo atrás da minha orelha. — Eu finalmente estou me juntando a Guilda.

— O quê? — As sobrancelhas de Zed arqueiam. — Você está falando sério?

— Sim, definitivamente está acontecendo. Bem, quase definitivamente. Ryn ainda está descobrindo qual será o processo exato, mas tenho certeza de que ele pode me fazer entrar. E eu sei como você se sente sobre a Guilda — eu adiciono rapidamente, — então você não precisa ficar feliz por mim. Mas eu acho que é...

— É claro que estou feliz por você. — Um sorriso aliviado se espalha pelo rosto de Zed. — Eu estava pensando que talvez você não quisesse treinar por causa de... você sabe, o que aconteceu na outra noite, quando...

— Não, claro que não. — Eu balanço uma mão e reviro meus olhos para mostrar-lhe como isso seria bobo. — E eu sinto muito por fazer você se sentir estranho, a propósito. Eu não sei o que aconteceu comigo.

— Então... você e eu... estamos bem?

— Claro. — Eu dou-lhe outro sorriso brilhante que eu espero que ele não consiga dizer que é falso. — Eu superei isso, não se preocupe. — Por "isso" eu quero dizer ele e “superei” eu quero dizer que não. Mas vou superar em breve. Eu tenho coisas muito mais importantes para me concentrar agora. Coisas importantes que incluem conseguir minhas próprias armas de guarda, aprender a acabar com vilões e descobrir tramas perigosas da Unseelie que ameaçam destruir o reino dos fae. Pelo menos é o que eu imagino que os guardiões fazem quando estão totalmente treinados.

Eu pisco quando uma imagem de mim brandindo uma espada brilhante enquanto eu permaneço vitoriosa sobre um inimigo caído ameaça esgueirar minha parede mental e transmitir através do meu quarto. Eu afasto o pensamento quando Zed diz — Quando você começará?

— Eu não sei. Ryn ainda está descobrindo detalhes no Conselho. — E espero que esses detalhes não incluam “Desculpe, Srta. Larkenwood, não aceitamos aprendizes com mais de treze anos.” A ansiedade aperta minha barriga. Seria minha sorte ter a Guilda recusando minha inscrição depois que eu finalmente consegui que minha mãe me permitisse participar. — De qualquer forma, eu preciso continuar empacotando. — Seguro o espelho em uma mão e uso a outra para acenar para uma pilha de cadernos em uma nova caixa. Lápis espalhados pela minha mesa voltam para um suporte de vidro, que se juntam aos cadernos na caixa. — As pessoas estarão aqui na primeira hora amanhã de manhã para fazer o feitiço de mudar.

— Mudar? Por que você está se mudando? — A expressão de Zed se transforma naquela irritante que ele usava ao me dizer que ainda sou criança. — Calla, você sabe que não precisa viver perto da Guilda da qual está treinando, certo? Você pode usar os caminhos das fadas para chegar lá todos os dias.

Eu engulo a vontade de dizer a ele que não sou estúpida e claro que eu sei disso. — Não estamos nos mudando porque eu estou participando de uma Guilda. Estamos nos mudando por causa do intruso que entrou em nossa casa no outro dia.

— Intruso? O que aconteceu? Você está bem?

— Estou bem. Consegui lutar com ele e depois ele fugiu quando o papai chegou em casa. O ponto é que, mamãe ficou apavorada e decidiu que temos que ir embora. Papai prometeu colocar feitiços de segurança mais recentes e complexos, mas não faz diferença. Uma hora depois, minha mãe encontrou um lugar novo para a gente viver.

Zed esfregou uma mão sobre sua mandíbula. — Isso é extremo.

— Sim, bem, essa é minha mãe.

— Eu não sei como o seu pai aguenta isso.

— Provavelmente tem algo a ver com o fato de que ele a ama — eu retruco. Normalmente estou bem com Zed fazendo piada com a minha mãe perto de mim, mas desde que ele me rejeitou e provavelmente foi direto para casa para rir com a namorada dele, ele não pode mais fazer comentários divertidos sobre quem eu gosto.

— Uh, de qualquer maneira — diz ele. — Eu só queria verificar se o nosso acordo ainda é válido. Você sabe, agora que não estou mais treinando você.

— O acordo em que eu não falo à Guilda que você ainda está vivo com marcações ativas e acesso às armas de sua guarda?

— Sim, esse.

— Claro que não vou contar para eles. Eu lhe dei minha palavra, lembra?

Ele concorda. — Obrigado. Eu agradeço.

— E eu aprecio tudo o que você me ensinou. Eu percorri um longo caminho daquela garota assustada que você encontrou no... — Ao som de uma batida na minha porta, eu olho. A porta está fechada, no entanto, espero que a pessoa do outro lado não tenha escutado nada da conversa com Zed. — Tenho que ir — eu digo a ele. Eu toco no espelho para terminar a chamada, depois deixo a minha cama quando eu abro a porta.

— Pronta para se juntar a Guilda Creepy Hollow? — Ryn diz no momento em que abro a porta.

O entusiasmo explode dentro de mim. — Sério? Você está falando sério? Eles vão me deixar entrar?

— É claro. — Ele inclina a cabeça para frente, me dando aquele sorriso autoconfiante. — Você não duvidou que eu poderia fazer um plano, não é?

Eu solto um grito sem palavras e bato minhas mãos firmemente juntas.

— Eu não sei porque você está ficando tão entusiasmada — diz Ryn enquanto ele passa por mim. Ele balança minha cadeira de mesa ao redor e se senta. — O treinamento de guardião é muito difícil.

— Eu sei. — Eu finjo desmaiar na minha cama. — Vai ser incrível.

Ele ri. — Você pode querer procurar a definição de “difícil” nas próximas horas, ou pode entrar numa surpresa desagradável quando seu treinamento começar.

— Não me importo o quão difícil é. Ainda será incrível. — Pego a almofada mais próxima e a abraço no meu peito enquanto eu me sento. — Então, quando eu começo? Você convenceu o Conselho a me deixar me juntar aos aprendizes do quinto ano?

— Ei, foi bastante difícil convencê-los a deixar você se juntar. Eles me deram sua história usual sobre estatísticas mostrando que aqueles que começam a treinar em uma idade mais jovem são melhores guardiões do que aqueles que começam mais tarde. Então eu lembrei-lhes que seu pai era um excelente guardião antes de deixar a Guilda, e que seu meio-irmão é possivelmente o melhor guardião que a Guilda já teve...

— Você não disse isso ao Conselho.

— o que significa que você tem claramente sangue de guardião correndo em suas veias. Então eu disse que você treinou em privado nos últimos quatro anos, e eles acharam isso muito interessante. Inclusive incluí a história de como você salvou heroicamente sua mãe de um intruso perigoso que estava empenhado em matar vocês duas.

Ryn faz uma pausa quando um sorriso se estica em seu rosto. — Eles gostaram disso um pouco.

— Então...

— Então, aqui vai o resumo: você poderá começar com os aprendizes do quinto ano se, no momento em que o novo ano de treinamento começar, você conseguir passar no exame escrito final para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ano. Você também precisará completar dez paisagens diferentes no Aquário, dez tarefas com um auxiliar de mentor e dez com observação de um mentor.

Eu fico de boca aberta para Ryn. Eu disse a ele que eu poderia administrar, mas agora que ele está dizendo em voz alta, parece uma quantidade impossível de trabalho. — E eu preciso completar tudo isso em dois meses?

— Um mês.

— Um?

— Os primeiros anos recebem dois meses durante as férias de verão. Depois disso, todos recebem um. A menos que você seja um aprendiz particularmente entusiasmado, nesse caso, você continua com seu treinamento privado durante as férias.

— Um mês — eu murmuro. — Eu posso fazer isso. Posso fazer acontecer.

— Você tem certeza?

— Sim. Eu vou passar todo o tempo estudando ou treinando. É muito, mas posso fazer. E espero que mamãe não se importe de eu voltar para casa em horas estranhas após as tarefas. Quero dizer, ela está bem com toda essa ideia de guardião agora, certo?

— Bem, eu realmente falei com sua mãe sobre isso. — Ryn inclina a cadeira sobre duas pernas, então deixa cair de volta ao chão. — Se você quiser conseguir, você precisa estar completamente focada no treinamento e no estudo. Sem distrações. Sem mudança de casa, nem pintura, nem desenho, nem os debates que você e sua mãe gostam de ter por pelo menos uma vez por dia. — Ele me dá um olhar de quem sabe.

— São chamadas de discussões — eu falo para ele de forma geral.

— São chamados de barulho. Ouvi muitos deles.

— Então, qual é a sua solução?

— Você vem e fica comigo no próximo mês.

Eu pauso, segurando a almofada mais apertado. — Sério?

— Faz sentido, considerando que eu vou monitorar você até o novo ano de treinamento começar.

— Sério?

— Sério.

— ISSO É TÃO LEGAL! Oh, espere. — Meus ombros descem quando percebo que há uma pessoa, além da mãe, que talvez não fique feliz com esse plano. — Como exatamente sua esposa se sente sobre alguém morando na casa com vocês?

— A esposa dele — diz uma voz da porta, — está emocionada por ter você ficando conosco por um tempo. — Violet se inclina contra o batente da porta e sorri para mim. — Eu até posso ajudar com alguns de seus treinamentos se eu puder.

— Sim! — Eu jogo meu punho no ar, então pulo e jogo meus braços ao redor de Vi. — Ok, deixe-me tentar essa reação novamente. Isso é tão legal! — Eu grito. — Ryn, você será o melhor mentor de todos os tempos. E mal posso esperar para ficar com vocês.

— Ei, calma. — Vi entra no quarto e fecha a porta. — Não deixe sua mãe ouvir o quão animada você está por deixá-la.

— E eu vou ser o mentor mais rigoroso de todos os tempos — acrescenta Ryn. — Eu disse a todos no Conselho que você estaria pronta em um mês, e eu tive que convencê-los. Eu não estava apenas dizendo isso porque você é minha irmãzinha. Então eu vou ter certeza de que você está trabalhando duro para provar para eles que estou certo.

— E para provar para mim mesma — acrescento quando ele levanta, — porque eu sei que posso fazer isso.

— Bom. De qualquer forma, preciso me encontrar com a minha equipe agora e explicar que estou assumindo a posição temporária de mentor pelo próximo mês. Eles terão que continuar salvando o mundo sem mim.

— Tanto faz. — Pego minha almofada abandonada na cama e atiro nele. — Você não está realmente no meio de salvar o mundo, não é?

— Aparentemente, ele está sempre no meio de salvar o mundo — diz Vi, revirando os olhos antes de remover o âmbar do bolso para verificar uma mensagem.

— Considerando que é confidencial — diz Ryn com um sorriso irritante, — você nunca saberá.

— Bem. Um dia também terei tarefas secretas, e você vai querer saber tudo sobre elas. — Tento parecer tão presunçosa quanto ele, mas o momento é arruinado quando lembro de algo importante que eu queria perguntar. — Oh, espere. — Eu abaixo minha voz e me inclino para a frente. — Você encontrou algum registro de alguém chamado Tamaria?

— Tamaria? — Ryn pergunta sem piscar.

— Oh, fala sério, eu não sou idiota.

— O que significa...

— Significa que eu sei que há algo estranho acontecendo aqui. Minha mãe estava inflexível que eu nunca iria participar de uma Guilda até o momento em que eu mencionei o nome de Tamaria. Então, de repente tudo mudou. Ela disse que não conhece ninguém com esse nome, mas obviamente está mentindo. E eu sei que você não pode ficar sem resolver um mistério, então tenho certeza de que você foi direto para a Guilda e procurou nos registros por alguém chamado Tamaria.

Ryn me observa com atenção, a sugestão de um sorriso em seus lábios. — Eu também não sou idiota — ele diz eventualmente. Ele se inclina contra minha porta fechada ao lado de Vi e cruza seus braços. — Com quem você estava falando quando bati na sua porta agora?

Droga. Quanto tempo ele estava ouvindo fora do meu quarto antes de bater? Cruzo meus braços sobre meu peito para imitar sua posição. — Se você não é um idiota, então você já sabe.

Ele acena com a cabeça lentamente. — Estou curioso. Conheço esse treinador particular seu?

— Não. Ele nunca esteve em sua Guilda.

— Ah, então ele é um guardião. Interessante.

Vi dá uma cotovelada nele enquanto escreve uma resposta no âmbar e diz distraidamente — Não seja intrometido.

— Obrigada — eu digo a ela enquanto mentalmente me chuto por revelar que Zed é um guardião. — Não vou mais falar sobre ele, Ryn. Ele estava me ajudando todo esse tempo, e não quero deixá-lo com problemas.

— Tudo bem — Ryn diz encolhendo os ombros. — Você sabe que vou descobrir eventualmente, certo? Assim como eu vou descobrir mais sobre essa Tamaria e quem era o intruso.

— Então você a procurou — eu digo com triunfo.

— Eu procurei. Eu encontrei três mulheres com esse nome que foram mencionadas nos registros da Guilda nos últimos séculos, mas nenhuma delas estava envolvida em qualquer atividade criminosa. Existe alguma coisa que você possa me falar sobre o intruso que possa ajudar?

Eu me inclino para trás sobre minhas mãos, imaginando o intruso com seu casaco com capuz. — Bem, tenho certeza de que ele era um faerie, já que ele tinha dois tons de cabelo. Preto com vermelho escuro e mechas castanhas. E seus olhos combinavam com o castanho, é claro. O que era estranho, porém, era a cicatriz correndo através da bochecha esquerda. Porque se ele realmente era um faerie...

— então, sua pele não deveria ter cicatriz — conclui Ryn.

— Certo. A menos que, claro, ele estivesse exposto a aquele metal que o Príncipe Zell gostava tanto.

Vi ergue a cabeça quando Ryn puxa a manga do braço direito e olha para a cicatriz pálida ao redor de seu pulso. Uma lembrança de um encontro com a Corte Unseelie anos atrás. Vi tem uma igual. — Interessante — ele murmura e depois abaixa a mão. — Obrigado. Isso é útil.

— Então você vai me contar se descobrir alguma coisa?

— Provavelmente não.

— Ryn!

— Ei, lembra da parte sobre você se adaptando a quatro anos de avaliação e treinamento nas próximas quatro semanas?

Eu mordo meu lábio. — Uh hum.

— Isso começa amanhã. Sem desculpas e sem distrações. Então é melhor você descansar esta noite, porque está prestes a trabalhar mais do que já trabalhou antes.


Capítulo 4

 

— Eu não tenho meias! — Eu grito enquanto corro pela escada. — Como eu não posso ter meias, hoje de todos os dias? — Eu me jogo na cozinha, assustando Filigree. Ele se transforma em forma de águia e passa por mim, derrubando uma pilha de pergaminho na mesa da cozinha no processo.

— Apenas transforme algumas das suas outras roupas — diz Ryn enquanto se apressa para pegar as páginas espalhadas.

— O quê? Não tenho tempo para modificar roupas, Ryn. Eu preciso de meias de verdade!

— Pegue uma das minhas — diz Vi, juntando os pratos do café da manhã com um aceno de mão e os enviando pelo ar para a pia.

— Obrigada. — Giro e volto para a escada, então paro na metade. — E vocês viram aquele caderno em que eu fiz todos os resumos? — Eu grito de volta para eles.

— Banheiro — ambos dizem ao mesmo tempo.

— Certo — eu murmuro, continuando subindo as escadas. Devo ter deixado lá quando estava estudando para a minha última prova enquanto tentava me relaxar em uma piscina de bolhas.

— Apresse-se, Cal — Ryn grita atrás de mim. — Vamos nos atrasar.

— EU SEI! — Gritei de volta. Após treinar e estudar sem parar no último mês, recebi a notícia de que eu passei em tudo, dancei em torno da sala de Ryn por pelo menos cinco minutos, depois desmaiei em uma pilha esgotada e dormi por dezessete horas seguidas. Foi o melhor sono da minha vida, mas isso significava que eu não tive tempo para mover minhas coisas de volta para casa antes do meu primeiro dia oficial na Guilda. Então mamãe e papai apareceram esta manhã para me desejar boa sorte no meu primeiro dia. Papai continuou e falou sobre seu primeiro dia como aprendiz, e mamãe passou o tempo todo perto de chorar. E tenho certeza de que eles não eram pais chorando de orgulhosos. Não, eles pareciam mais chorando porque estão-amedrontados-pela-vida-da-sua-filha.

Quando Ryn apontou que precisávamos estar na Guilda em quarenta minutos, eles finalmente foram embora. As coisas ficaram um pouco loucas quando eu procurei no meu quarto por todas as coisas que achava que precisaria no meu primeiro dia. Quando não consegui encontrar uma única meia, entrei em pânico. Como eu poderia usar minhas novas botas sem meias? Como acabei sem meias em primeiro lugar? Que tipo de guardião fica sem meias?

Agora, eu me obrigo a caminhar calmamente pelo quarto de Ryn e Vi e tirar um par de meias da cômoda. De volta ao meu quarto, as coloco antes de entrar nas minhas novas botas. São botas semelhantes as de Vi - as que eu sempre olhei com desejo - mas os calcanhares não são tão planos e os cadarços são azuis em vez de preto. Corro minha mão pelo ar do meu tornozelo até o joelho e vejo os cadarços se amarrando.

Eu recupero meu caderno do banheiro e acabo de arrumar minha bolsa. Por fim, pego o pingente de aprendiz da mesa de cabeceira e o enrolo no meu pescoço. O Conselheiro Merrydale me presenteou no primeiro dia em que entrei na Guilda para começar meu treinamento no verão com Ryn. É plano e de forma oval, feito de prata, com uma pedra clara no meio. Eu o giro e escovo o meu polegar através do nome gravado na parte de trás: Calla Larkewood. Este pingente é o meu passe de segurança para a Guilda. Ele também carrega o feitiço que me deu acesso ao meu próprio esconderijo de armas invisíveis dos guardiões. Tem encantos protetores que tornam mais difícil para que eu seja influenciada pela magia negra e ajuda a curar quando estou ferida. Quando o Conselheiro Merrydale me deu, ele explicou que um dia, quando eu me formar, o pingente será substituído pelas marcas nos meus pulsos. Os encantos de proteção serão transferidos para essas marcas.

— Cal, vamos — Ryn grita do andar de baixo.

— Estou indo! — Eu solto o pendente contra meu peito, depois pego minha bolsa da cama. Depois de arremessar a alça sobre meu ombro, corro para o andar de baixo.

— Oh, uau — Vi diz enquanto ela caminha da cozinha para a sala de estar com os olhos colados no âmbar de Ryn. — São os resultados das provas da Calla do quarto ano? Eles são um...

— Eeeee eu vou pegar isso — diz Ryn, passando habilmente o âmbar das mãos dela para as deles quando ele passa por ela. — Confidencial, lembra? — Ele beija sua bochecha antes de empurrar o âmbar no bolso, então pega uma caneca da mesa de café e toma o seu conteúdo.

— Por que tudo interessante tem que ser confidencial? — Exijo, pulando os dois últimos degraus.

— E desde quando você segue as regras, Ryn? — Vi pergunta com um sorriso provocante.

Ryn suspira, olha para mim e pergunta — Você pegou tudo?

— Eu acho que sim. Cadernos para escrever, aquele livro que Vi disse que foi realmente útil, roupas para treinamento, lanches para a hora do almoço, aquela carta que você me deu do Chefe Examinador e meu...

— Então, basicamente, você está completamente superpreparada.

— Ryn!

— Ryn, isso não é útil — diz Vi enquanto atravessa a sala para a entrada. — Você sabe o quanto ela está nervosa pelo o seu primeiro dia.

— Claro que eu sei. Eu posso sentir isso. Ela está sendo ridícula afinal, já que ela não tem nada com o que se preocupar.

Com um gemido, empurro meu irmão insensível e me dirijo para a entrada. — Você vem conosco, Vi? — Por favor, por favor, diga que sim. Preciso de alguém que realmente saiba o quanto esse dia é importante para mim.

— Desculpe-me, não posso. — Vi me dá uma expressão de desculpa quando remove um cinto de armas do armário da entrada. — Eu preciso estar no Subterrâneo em quinze minutos para ministrar um workshop para novos instrutores. Além disso, se você quer fazer uma boa primeira impressão hoje, entrar na Guilda comigo ao seu lado não vai ajudar. Você sabe como eles se sentem em relação a mim.

— Não seja boba. — Ryn passa por nós e ergue a stylus na parede da entrada. — Eles te amam.

— Certo. — Vi prende o cinto de armas ao redor da cintura com um som alto. — Eles usam as palavras “traidora da Guilda” para todos que eles amam?

— Bem, não, mas você é casada com o membro mais novo e mais sexy do Conselho, então eles realmente não podem te odiar, podem?

— Fantástico — eu digo, agarrando o braço de Ryn e encarando o portal que ele abriu. — Agora que eu tive que ouvir meu irmão se chamar de sexy, podemos ir?

— Podemos. — Ele sopra um beijo para Vi e diz — Tenha um bom dia, minha sexy traidora da Guilda.

Balançando a cabeça, eu arrasto Ryn para a escuridão dos caminhos das fadas.

— Então — ele diz — te chamar de ridícula não ajudou a se acalmar?

— Não.

— Eu sinto muito. Eu estava tentando fazer você ver que não tem nada com o que estar nervosa.

— Shh, estou tentando me concentrar. — Imagino a pequena sala de entrada ao lado do saguão principal da Guilda Creepy Hollow. Saímos e encontramos um guarda ali parado. Ele verifica as marcas nos pulsos de Ryn com a stylus, depois faz o mesmo com o meu pingente quando o levanto. — Obrigado — digo, dando-lhe um amplo sorriso. Continuo entusiasmada toda vez que chego aqui.

O guarda se afasta e nos permite atravessar a porta e a cortina de magia invisível que existe lá. É destinado a detectar magias perigosas, encantamentos estranhos e outras ameaças. No saguão principal, olho para cima e admiro a nuvem turbulenta de encantamentos protetores no teto abobadado enquanto Ryn conduz o caminho pelo chão de mármore. Chegamos à grande escadaria. Um tapete verde esmeralda que nunca parece sujo cobre as escadas. Os corrimãos de madeira são decorados com padrões ondulados entalhados. Eu corro meus dedos sobre os sulcos enquanto nós subimos.

— Então, vamos nos encontrar com o Conselheiro Merrydale, certo? — Pergunto.

— Na verdade, o Conselheiro Chefe Bouchard está aqui. Recebi a mensagem esta manhã.

— Conselheiro Chefe? — Minha ansiedade aumenta. — Tipo, o mandachuva responsável por todos os Conselheiros?

— O único. A base dele é na Guilda francesa, mas ele visita as outras Guildas periodicamente para verificar as coisas. Acho que é a nossa vez hoje.

Eu cerro um punho e o aperto contra meus lábios. Por que, por que ele escolheu hoje? Estou nervosa o suficiente sem precisar encontrar um Conselheiro Chefe assustador.

— Ei, está tudo bem. Não entre em pânico. — Ryn alcança minha mão livre e a aperta. — Confie em mim, não há nada intimidante sobre esse cara. Ele irá apresentá-la ao seu mentor e explicar algumas coisas. É isso aí.

Eu abaixo meu punho ao meu lado e o solto, expirando lentamente. — Tudo bem. Você está certo. Tenho certeza de que não tenho nada com o que me preocupar.

— Claro que estou certo — diz Ryn, me mostrando um sorriso.

Continuamos subindo as escadas até chegar ao andar abrigando os escritórios dos membros do Conselho. — Você tem um escritório aqui? — Pergunto.

Ryn balança a cabeça. — Eles me ofereceram um, mas eu declinei. Uma vez que ainda estou liderando uma equipe de guardiões e ainda não tenho muitas responsabilidades do Conselho, prefiro continuar trabalhando no mesmo nível dos membros da minha equipe. — Ele olha por cima do ombro, depois acrescenta em voz baixa, — É muito chato aqui.

Se o nervosismo não estivesse torcendo meu rosto em uma expressão dolorida, eu provavelmente sorriria. Paramos ao lado do escritório do Conselheiro Merrydale, e Ryn bate enquanto eu solto outra respiração lenta que não faz absolutamente nada para acalmar a ansiedade no meu interior.

— Entre — diz uma voz aguda que definitivamente não pertence ao Conselheiro Merrydale.

— Deixe sua bolsa fora — diz Ryn. Eu deixo a bolsa escorregar para o chão enquanto ele abre a porta. Ele me deixa andar na frente dele. Atrás da grande mesa que eu me acostumei a ver o alegre Conselheiro Merrydale sentado, encontro um homem pequeno com cabelos lisos discutindo com uma mulher que eu vi várias vezes perto do centro de treinamento. O homem é um daqueles infelizes faeries masculinos que a natureza decidiu agradar com uma cor feminina. Olhando para seus olhos cor-de-rosa irritados, lembro-me por um momento de um rato.

Foco, Calla!

A próxima coisa que sei é que vou arruinar tudo projetando uma imagem do Conselheiro Bouchard correndo pelo chão. Algo me diz que não seria capaz de explicar isso sem por meu nome na lista Griffin.

— Então isso é falso? — O Conselheiro Bouchard pergunta à mulher em um inglês acentuado. Ele acena com uma pulseira de bronze decorada com peças de relógio e pedras verdes na frente do rosto antes de bater sobre a mesa. — E você não sabe por quanto tempo o verdadeiro desapareceu?

— Não — diz a mulher. — É uma réplica exata. E o alarme nunca foi...

— E por que estava aqui? Você não conhece o procedimento? Artefatos como este devem ser enviados ao cofre na Corte Seelie.

— Artefatos inofensivos, sim. Mas como já expliquei a você...

— Não. — O Conselheiro Bouchard levanta a mão como se estivesse silenciando uma criança. — Sem mais explicação. Estarei no térreo em dez minutos para me dirigir a todo o departamento.

A mulher arranca a pulseira da mesa e passa por trás de mim, seus lábios pressionados com raiva.

O Conselheiro Bouchard cruza os braços e vira seus olhos cor-de-rosa para mim. Os olhos dele arregalam brevemente quando ele me vê. É uma reação que eu costumava receber. Faeries vinham de todas as cores do arco-íris, mas, como descobri após ter frequentado sete escolas diferentes, dourado não é comum. Na verdade, nunca conheci ninguém com cabelo e olhos da mesma cor que os meus. — E quem é você? — Ele pergunta de uma maneira que me deixa me sentindo como se estivesse desperdiçando o seu tempo simplesmente por estar aqui.

Eu tento responder, mas minha voz fica presa em algum lugar na parte de trás da minha garganta, e tudo o que posso pensar é que nunca mais confiarei em Ryn quando ele me disser que alguém não é intimidante.

— Esta é Calla Larkenwood, senhor — diz Ryn. — Ela é a nova aprendiz começando com o quinto ano esta manhã. Nós deveríamos nos encontrar com o Conselheiro Merrydale, mas recebi uma mensagem dizendo que eu deveria trazê-la para você, já que está aqui hoje.

— Oh, sim, sim. Senhorita Larkenwood. — O Conselheiro Bouchard mexe nos papéis na mesa antes de levantar um e franzir a testa. — Treinamento privado. Passou em todos os requisitos estabelecidos pelo Conselho. Excelentes resultados para todos os exames escritos. Alguns problemas com armas dos guardiões. — Ele abaixa a página e olha para mim. — Você sabe que não pode ser uma guardiã se não puder usar as armas.

Eu aperto minhas mãos para impedir que meus dedos se apertem. Limpo minha garganta para garantir que minha voz funcione desta vez. — Sim, senhor, eu sei disso. Mas eu posso usar as armas. — Descobrir como tirar armas invisíveis do ar foi a parte mais difícil do meu treinamento. No começo, eu parava no meio da luta, para então poder me concentrar completamente para imaginar e sentir a arma necessária até que se materializasse na minha mão. Naquela época, é claro, Ryn estava me encarando com uma expressão entediada enquanto dizia algo como, — Eu já te matei três vezes. — Foi preciso muita prática para eu chegar ao ponto de tirar armas do ar para se parecer mais como instinto do que esforço. Na verdade, ainda não estou inteiramente certa de estar lá ainda.

— Você pode usá-las? — O Conselheiro Bouchard disse. — Oh, bom. Por favor, mostre-me uma espada.

— Eu...eu devo...Você quer ver uma espada?

— Sim. Apresse-se, não tenho o dia todo.

Minha mão direita se contrai, mas não consigo imaginar a espada. Tudo o que posso ver são aqueles olhos de rato pouco impacientes e aborrecidos sobre mim. Rotulando-me como não boa o suficiente. Uma falha.

Vamos, Calla. Veja a espada. Sinta a espada. Faça...

Ryn me puxa contra o seu peito, envolve um braço em volta de mim e me coloca uma faca no meu pescoço. Saindo do meu estado congelado, eu arremesso a mão e a golpeio no ar como se estivesse com uma espada. No meio do movimento - e para o meu grande alívio - aparece na minha mão uma espada que brilha como mil estrelas soldadas. Ryn se afasta rapidamente de mim, e estou com adrenalina percorrendo meu corpo e uma espada brilhante na minha mão. Ela desaparece quando a solto, deixando um traço de brilhos no ar que desaparecem segundos depois.

O Conselheiro Rato-Homem-Bouchard pisca, então diz — Acho que é bom o suficiente. — Ele volta para a página em sua mão. — Sua mentora é Olive Stockland. Tenho certeza de que ela pode resolver as coisas daqui. — Ele acena uma mão, nos enxotando antes de procurar mais papéis na mesa.

Eu viro e quase corro para a porta. Ryn segue perto de mim e fecha a porta. Pego minha bolsa, fixo-o com um olhar de raiva e sussurro — O que aconteceu com aquele cara não ser intimidante?

Ryn me afasta do escritório e do corredor. — O que aconteceu com você conseguir usar as armas?

— Eu posso usá-las. Às vezes, eu só preciso de algum incentivo.

— Como uma faca no pescoço?

A minha alça da bolsa desliza e eu a puxo de volta ao meu ombro. — Sim — eu digo com um suspiro. — Eu acho que eu congelo ou algo assim. Ele estava olhando para mim com aqueles pequenos olhos cor-de-rosa estranhos, e eu não conseguia me concentrar o suficiente nas armas. Então, obrigado por chutar meu cérebro a entrar em ação.

— De nada. — Nós voltamos para baixo pelas escadas. — E sinto muito pelo Conselheiro Bouchard — acrescenta Ryn. — Ele geralmente é bastante manso, mas alguma coisa obviamente o fez perder seu temperamento hoje.

— Bem, espero que minha nova mentora tenha mais paciência do que o Conselheiro Chefe.

— Hum. — Ryn me dirige pelo corredor do segundo andar. — Não tenho certeza de que “paciente” é a palavra que eu usaria para descrever Olive Stockland.

— Oh, ótimo. — Este dia continua melhorando.

— Ei, pare de estressar sobre tudo. Tenho certeza de que vocês duas acabarão como melhores amigas.

Eu soco o braço de Ryn. — Eu gostaria de lembrá-lo de que não tenho melhores amigos.

— Então aqui está sua chance de fazer um. — Ryn para e espalha um braço para a porta fechada na frente dele. — Boa sorte, irmãzinha. Vejo você mais tarde.

Meu estômago se aperta. — Você está me deixando?

— Estou. — Ele me dá um breve abraço. — Hora de fazer as coisas sozinha.


Capítulo 5

 

Depois de limpar minha garganta e puxar meus ombros para trás, eu bato na porta de Olive Stockland. Ryn está certo. Ele me colocou na Guilda, ele passou todo o verão me treinando, ele me questionou antes de cada prova, e me salvou de fazer papel de idiota na frente do Conselheiro Chefe. Então agora é hora de crescer e fazer o resto disso sozinha. É hora de provar que tenho tanto direito de estar aqui como todas os faeries que passaram os últimos quatro anos...

— Entre!

Ok, hora de se concentrar.

Eu coloco minha mão na maçaneta da porta, então hesito quando me atinge: estou prestes a conhecer minha mentora guardiã. Isso realmente está acontecendo! Eu viro a maçaneta e abro a porta.

O escritório de Olive é uma bagunça. A mesa está invisível debaixo de pilhas de páginas de pergaminhos, várias facas, algumas canecas sujas e uma besta quebrada. Sua cadeira está empilhada com caixas, e a cadeira do meu lado da mesa tem um prato de algo que provavelmente era um café da manhã esquecido. No lado direito da sala, uma mulher alta - Olive, presumivelmente - está empilhando livros na prateleira mais alta de um armário que atinge o teto. Ela move a mão direita em um movimento repetitivo, fazendo com que os livros voem um a um da mão esquerda para a prateleira.

Quando ela acaba, dá um passo para trás, afasta os fios do cabelo curto do rosto e olha para mim. — Sim?

Minha mão se aperta em torno da alça da minha bolsa. Eu limpo minha garganta mais uma vez. — Oi. Bom dia. Eu sou a Calla. — Quando ela não faz nada mais do que colocar as mãos nos quadris e piscar para mim, eu acrescento, — Calla Larkenwood. Eu sou a nova aprendiz começando com o quinto ano. Você é... minha mentora?

Olive deixa sair um bufo e me dá um sorriso sombrio. — Maravilha. Como se eu já não tivesse o suficiente para fazer, agora vou ser mentora de outro aprendiz. E, para piorar as coisas, é uma aprendiz que pensa que pode pular quatro anos de trabalho duro e começar no final.

— Eu... — Paro com a minha boca parcialmente aberta, atordoada por sua hostilidade imediata.

— Sim? — Ela diz. — Você tem alguma coisa a dizer, ou essa expressão vaga é algo com a qual eu devo me acostumar?

Fico com a boca fechada e giro meu olhar humilhado para o chão. Por que, por que, por que o Conselho teve que me dar uma mentora que pensa que eu não deveria estar aqui? Ou todos os mentores se sentem dessa maneira sobre a nova aprendiz que “acha que pode pular quatro anos de trabalho duro”? Uma dor atrás dos meus olhos me avisa que as lágrimas estão a caminho. Eu pisco várias vezes até estar certa de que as lágrimas não irão aparecer. Tive muita prática neste departamento. Eu já lidei com pessoas assim antes. E, embora não seja ideal ter uma mentora que pensa que não sou mais que um desperdício de seu tempo, eu posso fazer isso funcionar se precisar. É o que fiz em todas as outras escolas.

Eu coloco minha bolsa no chão e atravesso a sala. Depois de retirar o prato de comida congelada e equilibrá-lo em cima de uma pilha de papel de pergaminho, sento na cadeira. — Não importa se você não gosta de mim — eu digo a ela. — Estou acostumada com pessoas que não gostam de mim, ou me evitam a todo custo, ou olham para mim como se eu tivesse sangue Unseelie perigoso correndo nas minhas veias. Não altera o fato de que já provei ao Conselho que pertenço aqui, e isso não altera o fato de que eu vou me tornar uma guardiã.

Ela pisca de novo, mas se recupera rapidamente. — Bem, eu não sei porque você está sentada aqui então. Sua primeira aula começou há dois minutos.

— O quê? — Eu levanto depressa, esquecendo que eu deveria estar retratando um ar de compostura.

— Oh, desculpe, você é muito superior e poderosa para se preocupar em ler seu cronograma?

— Eu não tenho um cronograma. Você não deveria me dar?

Seu olhar fica mais frio. — Eu tenho pessoas o suficiente me dizendo como fazer o meu trabalho sem Senhorita Superior-e-Poderosa se metendo no assunto. — Ela abre uma gaveta no outro lado da mesa, mexe dentro e pega um pergaminho. — Aqui. — Ela passa por mim, empurrando o pergaminho para dentro das minhas mãos enquanto vai embora. — Cronograma, instruções do armário, código de conduta, regras e outras coisas que eu não tenho tempo para explicar. Siga-me.

Eu giro para encontrá-la saindo do escritório. Eu pego minha bolsa e corro atrás dela.

— A primeira parte do quinto ano consiste em lições, treinamento físico e tarefas — ela continua enquanto caminhamos pelo corredor em um ritmo acelerado. — Algumas tarefas são escritas, mas a maioria é no campo. Inicialmente, eu observarei algumas dessas tarefas, mas em breve você estará fazendo sozinha. Para ambos os tipos, você reportará para mim antes e depois. Alguma pergunta?

— Uh...

— Bom — ela diz quando alcançamos as escadas. — Em alguns meses, as aulas acabarão, e você passará todo o seu tempo no treinamento físico, nas tarefas individuais e na tarefa escrita ocasional. Todo tipo de tarefa ganha pontos. Os pontos vão para a sua classificação. Os rankings são exibidos em um quadro de avisos no centro de treinamento, mas todos os rankings serão removidos vários meses antes do final do ano, pois os rankings finais permanecerão confidenciais até a formatura.

— Os pontos são transferidos logo que...

— Essa é a entrada que você pegará todos os dias. — Ela aponta o saguão da sala de entrada protegida quando chegamos no final da escada. — É a única parte desta Guilda acessível a partir dos caminhos das fadas. Certifique-se de usar seu pingente de aprendiz todos os dias. Você não poderá entrar sem ele.

Várias perguntas vêm a minha mente, mas estou quase certa de que Olive vai me ignorar se eu tentar fazê-las.

— A sala de jantar é aqui, — diz ela quando chegamos ao outro lado do foyer e entramos no corredor familiar. — Você pode comer todas as suas refeições lá, a não ser que, claro, a comida da Guilda não seja boa o suficiente para você.

— É...

— Mais à direita é o centro de treinamento, que eu sinceramente espero que você esteja familiarizada agora. No final do corredor estão os armários de aprendiz, e aqui à esquerda — ela para ao lado de um portal que está entreaberta — nós temos as salas de aulas.

Adrenalina dispara através de mim quando ouço vozes do outro lado da porta. Aprendizes estão lá. Minha turma. Meus colegas do quinto ano. Pessoas que já são amigas há anos. Pessoas que, como Olive, podem não me querer aqui.

— Agora. — Olive cruza os braços e olha para mim. — Eu sei que o único motivo pelo qual você está aqui é porque o seu irmão foi um doce convencendo o Conselho para que você fizesse algum tipo de audição elaborada em um mês. E eu...

— Não foi uma audição — protesto enquanto a indignação aumenta dentro de mim. — Houve provas e tarefas, e eu passei em todas...

— E eu não gosto de pessoas que pensam que são melhores que as regras que todos nós trabalhamos tão duro para formular — ela continua.

— Mas eu não quebrei nenhuma...

— Eu também não gosto de ser interrompida.

Eu abro minha boca para apontar que ela está interrompendo tanto quanto eu, mas decido não fazer. Prefiro não tornar esta conversa pior do que já está.

— Mas você está aqui agora — diz ela, — e não há muito o que posso fazer para mudar isso. Então eu só tenho mais uma coisa a te dizer. — Ela se aproxima mais. — Não me envergonhe. — Depois de uma pausa ameaçadora, ela se endireita e se afasta.

Eu olho para a porta na minha frente, frustração dando lugar ao medo. Perguntas assaltam minha mente quando eu levanto minha mão para na porta. Os aprendizes dentro desta sala já me conhecem? Não só que eu estou me juntando a eles, mas eles sabem quem eu sou? Eles ouviram as histórias? Os rumores? Eles sabem sobre os incidentes?

Eu me digo que não importa o que esses aprendizes tenham ou não ouvido. Eu me concentro em minha fortaleza mental, certificando-me de que cada pensamento esteja firmemente trancado dentro de seus muros imaginários. Então eu abro a porta - e os olhos de cerca de vinte aprendizes caem sobre mim. Estou muito nervosa para olhar diretamente para qualquer um deles. Tudo o que encontro é um mar de cores - azul, roxo, vermelho, verde claro e uma dúzia de outras - e o silêncio repentino enche a sala.

— Ah, aqui está ela — diz o homem de pé na frente da sala. — Esta é Calla Larkenwood. Bem-vinda, Calla. — Ele me dá um sorriso que parece ser muito mais genuíno do que o que Olive me deu. — Eu sou Irwin, e estes são os aprendizes do quinto ano. Já mencionei que você vai se juntar a nós, e eles estão ansiosos para incluí-la em seu grupo. — Ele dá à turma um olhar aguçado, o que claramente significa que ninguém nesta sala está animado para me incluir em coisa alguma.

— Hum, obrigada — eu murmuro. Eu vejo uma mesa vazia e me dirijo para ela diretamente, mantendo os olhos baixos. Eu escorrego na cadeira e deixo meu cabelo cair sobre meus ombros, protegendo meu rosto dos olhares que eu não tenho dúvidas que ainda estão apontados para mim.

— De qualquer forma, como eu estava falando antes você de entrar, Calla — continua Irwin, — estamos começando o ano, dando um olhar mais detalhado sobre a história da Guilda logo após a queda de Lorde Draven. — Eu ouço vários gemidos em torno da sala de aula. Irwin não parece impressionado. — Fala sério, pessoal, esta é a sua história. Sua história. — Ele aponta um dedo para uma garota na primeira fila. — E a sua. E a sua. — Mais dedo apontando. — Vocês viveram isso. Alguns de seus pais ajudaram a moldá-la. E quando vocês estiverem trabalhando para a Guilda um dia, precisarão entender exatamente como foi para reestruturar nosso governo e nossas leis, quais medidas foram implementadas para evitar outra queda, quais políticas e regulamentos foram alterados, como a Comissão trabalhou, por que a Lista Griffin surgiu depois que descobrimos onde todos os Dotados obtiveram suas habilidades, porque as petições de guardiões reptilianos não tiveram sucesso...

— Nós já não sabemos de tudo isso? — um cara da segunda fila pergunta, interrompendo a longa lista de Irwin. Não posso deixar de concordar com ele. Definitivamente, me lembro de uma pergunta na minha prova na semana passada sobre as petições de guardiões reptilianas.

— Sim, tudo foi mencionado antes, mas nós estamos entrando em mais detalhes sobre tudo. Então. — Ele bate palmas. — Página dezessete, por favor.

O som de páginas farfalhando enche o ar. Eu olho em volta e percebo pela primeira vez que quase todos os outros têm um livro na frente deles. É um livro que decidi não trazer hoje, porque Ryn me assegurou que ninguém começava as aulas no primeiro dia. Eu acho que ele estava tão errado sobre isso como estava sobre o Conselheiro Bouchard.

Estou prestes a engolir meu constrangimento e levantar a mão quando um livro aparece na mesa vazia unida à minha e uma garota desliza na cadeira. — Eu pensei que você poderia querer compartilhar — ela diz, puxando a cadeira e sorrindo para mim. Seus olhos vermelhos são um pouco assustadores, mas seu sorriso é bastante amigável.

Alívio corre através de mim, junto com a percepção de que nem todos nesta sala de aula sentem o mesmo que a Olive. — Obrigada — eu sussurro enquanto Irwin começa a ler o texto do livro.

— Certo. Eu sou Saskia, a propósito.

Ela vira para a página correta, e eu olho o título. Perdão para Aqueles que Cometeram Atrocidades Sob a Influência da Marca. Eu tento me concentrar quando Irwin anda, mas continuo tendo a sensação de que as pessoas estão me observando. Incluindo a pessoa cujo livro eu estou tentando muito me concentrar. Levanto meu olhar. Um sorriso aparece no rosto de Saskia antes que ela volte o olhar rapidamente para o livro. Olho em volta e recebo a mesma reação de vários outros aprendizes. Bem, não o sorriso, mas o rápido afastamento das cabeças.

Concentre-se, Calla. Leia o texto. Escute.

Quando Irwin chega ao final do capítulo que era quatro páginas muito longas, ele faz um debate com réplica e tréplica na sala de aula. Existem opiniões fortes de ambos os lados da divisão. Alguns concordam que ninguém deveria ter sido responsabilizado por ações das quais não tiveram controle durante o reinado do Lorde Draven, enquanto outros acreditam que deveria ter havido alguma forma de castigo para todos os que realizaram suas ordens, mesmo que tivessem sofrido “lavagem cerebral” naquela época. Eu escuto com atenção, mantenho a cabeça baixa e torço para não ser chamada para participar.

Quando o debate começa a ficar pessoal, com pessoas gritando sobre a culpa e as perturbações emocionais da sua mãe, do seu irmão ou seu vizinho que tem que viver com isso todos os dias — Certamente isso é castigo o suficiente! — Um cara da primeira fileira grita — Irwin acaba. Foi-nos dito que nos apresentássemos no centro de treinamento nas próximas três horas. Depois do almoço, estaremos de volta aqui para outra lição com um mentor diferente.

Conversas aumentam, juntamente com cadeiras sendo arrastadas contra o chão. O livro de Saskia fecha antes de se dirigir para a borda da mesa e cair cuidadosamente em sua bolsa. Eu levanto, sentindo a agitação nervosa na minha barriga novamente. Sobreviver a uma aula foi bastante fácil; agora tenho que sobreviver a três horas no centro de treinamento. Três horas que provavelmente envolvem um combate individual com alguém desta sala que deseja que eu não esteja aqui.

Bem, acho que será como lutar contra um adversário de verdade então.

Saskia ergue-se e levanta sua bolsa da mesa. — Você não é como eu imaginei — ela diz, inclinando a cabeça para o lado e me examinando.

— Oh.

— Eu nunca conheci ninguém com cabelos dourados. — Ela puxa seu próprio cabelo por cima do ombro e o torce mais e mais, os fios vermelhos e castanhos se enroscando. — Suponho que seja, apenas outra coisa que torna você diferente.

Diferente. Sim. Não é algo que eu quero ser. — Hum, obrigada. — Seu olhar inquisidor me deixa desconfortável, mas o sorriso brilhante está de volta ao seu rosto, então acho que eu deveria aproveitar a oportunidade para tentar fazer um amigo. — E obrigada por ter me ajudado com o livro.

— Oh, claro, claro. Qualquer desculpa para sentar ao seu lado. — Ela se inclina mais perto e baixa a voz. — Eu queria ser a primeira a perguntar sobre o menino e a bicicleta.

— O-oque? — Um arrepio lento rasteja na minha espinha. O menino e a bicicleta. Incidente Número Quatro.

— Você sabe — diz ela. — Aquele garoto da escola de curandeiros que de repente começou a andar de bicicleta em padrões frenéticos e estranhos, porque ele estava convencido de que estava andando em um labirinto com uma criatura aterrorizante o perseguindo.

Eu sei. Eu queria não ter feito, mas fiz. — Isso é... não é realmente...

— Minha mãe é uma curandeira, sabe, então ela ouviu falar sobre isso de sua amiga que ensina na escola em que você foi expulsa. Ela disse que sua mãe é uma faerie Unseelie que lhe ensinou magia negra para que você pudesse fazer aquele cara ficar louco como uma punição por provocá-la. Ela disse que eu tenho que ficar longe de você. Eu disse que ela estava sendo ridícula, é claro, e que eu descobriria a verdadeira história de você.

— Eu não tenho magia Unseelie — eu digo automaticamente. — Nem minha mãe.

— Oh, sim, claro que não. Quero dizer, não há nenhuma maneira de que o Conselho da Guilda fosse deixá-la entrar aqui se tivesse. Mas todos sabem que coisas estranhas acontecem ao seu redor. Então eu só quero saber como você faz isso.

Eu olho em volta. Irwin se foi, e apenas alguns retardatários permanecem, juntando suas coisas silenciosamente. Eu resisto ao desejo de colocar meus braços firmemente ao meu redor. — Eu não faço nada — digo a Saskia.

— Fala sério, compartilhe seu segredo. Caso contrário, todos vão pensar que você sabe magia negra.

Eu dou um passo para mais perto dela. — Não tenho segredo — digo com firmeza, — e não sei nenhuma magia negra.

Ela se afasta de mim como se estivesse com medo, mas eu vejo um brilho triunfante em seus olhos carmesins, e tenho a sensação de que esta é a reação que ela estava querendo o tempo todo. — Então é verdade. Você conhece a magia negra Unseelie, e a única razão pela qual o Conselho te deixou entrar aqui é porque o seu irmão agora é um deles, para que ele possa encobrir seus segredos. — Ela dá um passo para trás e ergue a voz para acrescentar — Eu acho que nós devemos ficar longe de você, afinal.


Capítulo 6

Dez minutos mais tarde, depois de me trocar rapidamente para o meu equipamento de treinamento e levar alguns momentos para acalmar a raiva começando a ferver dentro de mim, eu me junto aos meus colegas de turma no vasto salão que serve como centro de treinamento. A maioria deles estavam se movendo para as várias estações em torno do salão – correndo, praticando equilíbrio, barra fixa, lutando com stylus, mas alguns ainda estão de pé na frente do quadro de avisos examinando a programação. Eu me aproximo para poder ler os nomes na lista. Duas garotas se afastam apressadamente de mim, sussurrando uma para outra. Ao invés de gritar que na verdade não sou contagiosa, finjo que não percebi.

Eu localizo meu nome na programação e encontro minhas três horas de treinamento divididas em Escalar, Prática ao Alvo e Aquário (Sozinha). Meu coração acelera ante a visão dessa pequena palavra entre parênteses. Graças a Deus, eu ainda não tenho que lutar com nenhum dos meus colegas aprendizes.

— Não posso trocar com alguém? — A voz irritante de Saskia se sobressai sobre o zumbido geral de atividade ao meu redor. Olho para o lado e a vejo falando com uma mulher de pé na porta. — Eu não quero estar ao lado dela — Saskia geme. — Você não sabe o quanto ela é perigosa?

Não é preciso de uma grande dose de inteligência para descobrir de quem Saskia está falando. Eu aperto meus punhos e me dirijo para o outro lado do salão. A área de escalar é composta de árvores, cordas, uma rede de carga e vários tipos de paredes. A rede de carga é a mais difícil. Eu tive que correr com Ryn para cima e para baixo quase todos os dias durante meu treinamento no verão, e eu nunca consegui vencê-lo.

Eu escolho um ponto na esteira larga na frente da parede de pedra, sento e alcanço a pulseira no meu braço. Preso a corrente está uma miçanga oca usada para armazenar itens que são encolhidos. Eu retiro a miçanga e a seguro na palma da minha mão enquanto digo as palavras para aumentá-la. Quando atinge o seu tamanho máximo, eu a torço para abrir. Pego minhas luvas de escalar sem dedos e as coloco antes de encolher a miçanga gigante e devolvê-la para o seu lugar no meu pulso. Então eu passo alguns minutos me alongando. Eu estou prestes a pular e começar a escalar a parede de pedra quando uma garota de cabelos pretos se senta ao meu lado.

— Oi — ela diz. — Eu sou Gemma.

Eu a observo cautelosamente. Ela parece amigável, mas Saskia também parecia antes de começar a me acusar de magia negra. — Olha — digo com um suspiro, — se você está aqui para perguntar sobre minha mãe Unseelie ou se eu posso ensinar como deixar seu ex-namorado louco, você está perdendo seu tempo.

Os olhos dela arregalam ligeiramente. — Oh, você quer dizer como Saskia? — Ela revira os olhos. — Não se preocupe. Não acredito nisso. Saskia realmente não acredita em nenhuma das bobagens que ela fala. Ela está apenas incomodada que o Conselho deixou você se juntar a nós. Seu primo queria se juntar à Guilda quando tinha quinze anos, e eles não o deixaram entrar. Mas isso foi porque ele não passou em nenhum dos testes para entrar que lhe deram, então faz todo o sentido. Você obviamente passou, então é por isso que você está aqui. — Gemma estica suas pernas na frente dela e alcança seus dedos dos pés.

Ainda incerta de onde eu estou com essa garota, eu digo — E você não acha que eu deveria ter começado do começo? No primeiro ano?

— Bem, você treinou em particular, não é? — Ela se estica, então se inclina para um lado e estica o braço oposto sobre sua cabeça. — E você passou em todas as provas que o Conselho lhe deu durante as férias de verão, certo?

Concordo com a cabeça lentamente quando a suspeita tece o seu caminho através da minha mente.

— Sim, então você não é muito diferente do resto de nós.

Eu cruzo meus braços. — Como você sabe sobre o treinamento particular e as provas?

— Oh, minha mãe está no departamento de administração aqui. — Gemma rola seus ombros algumas vezes. — Não é o trabalho mais exótico, mas ela sabe mais sobre o que está acontecendo do que a maioria dos...

— Eeeei, senhoritas. — Um cara alto percorre uma seção brilhante do chão de madeira e cai na esteira ao lado de Gemma, quase a derrubando. — Então — ele diz, radiante para mim. — Você é a garota nova. Aquela que faz coisas estranhas acontecerem com as pessoas. Eu estava — Ow! — Ele exclama quando Gemma bate em sua cabeça. — O quê?

— Não seja desagradável.

— Eu só estava brincando. Você sabe, aliviando o clima.

Gemma balança a cabeça. — Este idiota verde aqui é Perry. E este azul — ela diz, quando um menino pequeno e mais forte se senta no outro lado — é Ned. — Ned me dá um sorriso tímido, que eu retorno hesitante.

— Hum, eu pensei que fosse rude se referir às pessoas por sua cor — eu digo.

Gemma encolhe os ombros. — Nós somos amigos. Não nos importamos.

— Então, Calla — Perry diz. — Conte-nos sobre você. — Os três olham fixamente enquanto eu piscava sem jeito para eles.

— Isso é estranho. Eu meio que sinto que estou em uma entrevista.

— Você está — Perry me diz. — Estamos entrevistando você para o cargo de Amiga.

— Amiga? Sério? — É um bom pensamento, mas depois da minha experiência com Saskia, não posso deixar de me perguntar se Perry, Gemma e Ned têm outra ideia. — Eu pensei que deveríamos estar treinando agora.

— Não, não se preocupe com isso. — Perry recosta-se para trás sobre suas mãos. — Ninguém se preocupa com qualquer coisa até pelo menos a segunda sessão. Bem, exceto os superdotados.

— Além disso, o Conselheiro Chefe está visitando hoje — acrescenta Gemma, — então ninguém está prestando atenção em nós. Todos estão correndo ao redor do resto da Guilda tentando manter as aparências...

— Um pouco difícil quando um item valioso acaba de ser roubado do andar dos artefatos, você não diria? — Perry interrompe, os olhos arregalados e as sobrancelhas arqueando.

— Ei. — Gemma cutuca seu braço. — Você não deveria saber sobre isso.

— Você não deveria saber sobre isso — Perry diz, — mas sua mãe diz tudo a você...

— Você preferiria que eu não passasse todas as informações interessantes que eu...

— Pessoal — Ned diz.

— Certo, desculpe. — Perry volta o seu olhar para mim. — Nós tendemos a divagar, às vezes.

— O que é o tempo todo — murmura Ned.

— Vocês querem saber? — Eu digo a eles, me levantando. — Provavelmente não me importo com a categoria superdotada, mas eu sinto que preciso provar que eu pertenço aqui, então... vou ir em frente e escalar esta parede. — Eu me afasto deles antes que eles possam dizer mais alguma coisa. Eu sei que estou sendo grosseira, mas já posso prever como isso vai acabar. Existem apenas duas opções. Ou essas pessoas estão sendo amigáveis porque querem algo, ou estão sendo amigáveis porque, bem, são pessoas genuinamente amigáveis. E se for esse o caso, vai machucar muito mais quando decidirem que não valho a pena depois de tudo.

Eu paro no pé da parede pedra. Pintando ao longo da parte de baixo da parede estão dez pequenos relógios. Ninguém mais está escalando aqui, então eu escolho um no meio. Eu toco no relógio, os segundos pintados à mão começam a se mover, e eu começo a escalar. Eu me movo o mais rápido que posso, alcançando mão atrás de mão, nunca diminuindo para parar, nunca permitindo que meus dedos escorreguem. Eu bato no teto com a mão, então começo a descer sem parar por um momento. Eu sinto o caminho com os meus dedos dos pés. Para baixo e para baixo e para baixo, até que finalmente alcanço o chão. Eu toco no relógio, então dou um passo para trás quando números negros esfumaçados flutuam no ar.

Maldição. Não é o meu melhor tempo. Eu certamente posso fazer melhor.

Olho brevemente sobre meu ombro para ver se Gemma, Perry e Ned ainda estão sentados no tapete, mas eles foram embora. É um alívio saber que ninguém está me observando.

Eu escalo a parede de pedra mais algumas vezes, depois a árvore mais alta, e depois vou para a rede de carga. Eu navego nos quadrados das cordas atadas tão rápido quanto eu posso, mas os números negros esfumaçados que saem do relógio pintado quando acabo diz que estou longe do tempo de Ryn.

Para a minha segunda sessão, eu não estou sozinha. Eu tenho Saskia à minha esquerda e um cara na minha direita. Saskia está arremessando facas - e fazendo um excelente trabalho - enquanto o cara pratica com arco e flecha. Ambos estão usando suas armas de guardião, o que significa que eu provavelmente deveria fazer o mesmo. Eu rolo meus ombros, fingindo relaxar enquanto me concentro na shuriken que faz parte da minha coleção invisível de armas.

Vamos lá. Veja, sinta, puxe para o ar.

Finalmente, depois de muitas instruções internas, eu agarro o ar e encontro uma shuriken entre meu polegar e indicador. Eu puxo meu braço para trás, alinho o meu cotovelo, depois arremesso a minha mão rapidamente. A estrela atinge o alvo quase exatamente no meio. Eu me permito um sorriso rápido. Há uma razão pela qual pratiquei com essa arma em particular mais do que qualquer outra coisa: sempre foi a minha favorita.

Uma vez que consigo, é fácil continuar apertando o ar e encontrando uma shuriken sobre o meu aperto. O alvo está encantado de modo que segundos depois que uma arma o atinge, a arma desaparece. Isso torna uma sessão de prática ininterrupta.

Quando a hora acaba, eu me dirijo para o Aquário, me sentindo satisfeita comigo mesma. Além das shurikens, pratiquei com várias outras facas da minha coleção de guardiã, e fiz um bom trabalho. Não tão excelente quanto Saskia - eu acompanhei seu desempenho pelo canto do meu olho - mas bom o suficiente para mostrar a qualquer um que possa estar observando que eu sei o que estou fazendo. Espero que todos os rumores de que eu não pertenço aqui morram em breve.

Eu ando ao redor da borda da órbita gigante conhecida como Aquário, esperando que a designer da configuração me diga que eu posso entrar. Ela está de pé em uma plataforma acima da orbita com um âmbar tablet em uma mão. Ela faz algumas anotações no tablet com a stylus, depois chama — Próxima aprendiz, sua vez.

Eu dou um passo à frente e atravesso o meu caminho através dos finos tentáculos brancos, me perguntando o que vou encontrar dentro da órbita hoje. Eu aproveitei a maioria das minhas experiências no Aquário. Algumas eram sozinhas como essa, enquanto em outras, eu tinha que lutar contra um oponente. Eu fui perseguida através de uma selva por criaturas sem nome, eu lutei com Ryn em um navio no meio de um mar tempestuoso, saí em um vulcão em erupção com lava fluindo e passei por uma floresta de videiras enquanto lutava contra um ataque de hipopótamo. Tudo sem armas ou magia. Essa é a regra do Aquário.

O vapor ao meu redor desaparece, e meus ouvidos são agredidos pelo choque de tijolos e concreto contra o asfalto e o ruído da terra quando tremores correm por ela. O chão estremece, me fazendo perder o equilíbrio. Eu seguro em um poste antes de cair, meus olhos lançando enquanto observo meus arredores. Estou em uma rua de uma cidade cercada por edifícios altos em ruínas. Carros esmagados e pedaços gigantes de escombros entulham a estrada. Ouço um grito. À distância, uma pequena garota está no meio da estrada.

Tenho que ir até ela.

Eu me afasto do poste e pulo sobre o carro mais próximo. Uma sombra passa sobre mim, e pulo para outro carro, quando um pedaço de um prédio esmaga o lugar em que eu estava me equilibrando. Eu escalo sobre e ao redor de escombros, evitando itens caindo e lutando para me equilibrar à medida que a terra treme. A garota grita novamente, mas estamos separadas por mais carros e destroços estilhaçados de um letreiro gigante anexado ao lado do edifício não muito longe.

Então eu vejo meu caminho para a menina. Um tubo de concreto. Rachado, mas ainda intacto. Olhando através, a vejo do outro lado. Eu corro, dizendo a mim mesma o quão fácil será rastejar e chegar até ela. Coloco minhas mãos em ambos os lados da abertura e me preparo para me agachar.

Mas não posso. Não posso, não posso, não posso. O pânico aparece quando eu imagino o concreto se fechando sobre mim, me apertando cada vez mais apertado, me imobilizando até que não haja ar, sem luz, sem saída. Minha garganta se contraí. Minha respiração diminui.

Eu dou um passo para trás, me forçando a respirar profundamente para dentro e para fora. Eu andarei pelos fragmentos mortais dos letreiros dos edifícios quebrados se eu tiver que andar, mas não vou rastejar nesse túnel. Me afasto. O chão estremece mais uma vez. Uma linha irregular corre em minha direção, dividindo a estrada pela metade. Eu pulo para fora do caminho e aterrisso contra a lateral de um carro. O tubo de concreto rola para um lado e o letreiro desliza para o outro. Eu vejo a garota claramente agora, mais adiante e do outro lado do abismo que divide a estrada. Atrás dela, um carro explode em chamas. O chão tremendo continua oscilando, o declive aumenta e o carro em chamas e os escombros ao redor começam a rolar em direção a garota.

Eu corro para o abismo e pulo com todas as minhas forças. Eu preciso tirar a garota do caminho. Eu preciso alcançar o outro lado do abismo. Mas é mais grande do que eu pensava, e em vez de pousar do outro lado, eu me vejo caindo, caindo, caindo. Braços agitados. A escuridão crescendo.

E então tudo acabou. Estou deitada de costas piscando para os fios brancos da superfície do Aquário, meu corpo tremendo e minha respiração vindo em arquejos rápidos. Eu me sento e olho em volta da órbita vazia.

Eu falhei. Primeiro dia como uma verdadeira aprendiz, com quem sabe quantos colegas de classe assistindo, e eu falhei.

Droga.

Eu golpeio meu punho contra o chão antes de me levantar. Aquele tubo de concreto estúpido. Por que isso deveria ser o único caminho para a menina? Por que eu tive que congelar em vez de rastejar com calma por ele? Certamente já tenho idade suficiente para superar esse medo ridículo.

Aparentemente não.

Eu ando em direção à borda da órbita e empurro o meu caminho através da barreira vaporosa. Do outro lado, tento não encontrar o olhar de ninguém. Por que as pessoas estão aqui? Elas não têm treinamento para fazer?

— Você quer ir novamente? — Alguém me chama. Eu olho ao redor e para cima e encontro a designer de configuração olhando para mim com as sobrancelhas levantadas. — Você ainda tem bastante tempo nesta sessão — diz ela.

— Uh, não. — Eu me afasto. — Estou me sentindo um pouco tonta. Eu vou apenas... Sentar. — Eu viro e quase esbarro em Saskia.

— Uau, isso foi impressionante — diz ela quando eu paro. — Você durou, o que, dois minutos?

— Pare de ser uma troll, Saskia — diz Gemma, caminhando até nós com os braços cruzados sobre o peito.

— Ei, eu apenas estou informando os fatos. Senhorita Nepotismo quer que acreditemos que ela pode ser guardiã, mas ela não consegue fazer uma experiência individual no Aquário.

— Senhorita Nepotismo? — Eu exijo. Estou tão frustrada sem precisar que essa garota implique que a única razão pela qual estou aqui é porque meu irmão está no Conselho.

— Sim, você sabe, isso significa...

— Eu sei o que significa — eu retruco. — E eu quero que você saiba que o Conselho - antes que meu irmão fosse convidado a ser membro - apresentou uma longa lista de requisitos para mim, e eu passei em todos. Então, eu tenho tanto direito de estar aqui quanto você.

— Não é o mesmo — ela diz mal-humorada.

— Tudo bem. — Eu cerro meus dentes para manter a calma junto com as imagens de mim chutando Saskia através de toda a sala. Não deixe ninguém ver isso. NÃO deixe ninguém ver isso. Depois de me certificar de que as imagens perturbadoras não estavam prestes a ser transmitidas pelo centro de treinamento, pergunto — O que exatamente vai fazer você aceitar que eu pertenço aqui?

Ela franze os lábios e bate no seu queixo. — Bem, há a iniciação pela qual o resto de nós passou.

Gemma joga as mãos para cima. — Isso é tão estúpido. Ela não precisa fazer isso.

— Fique fora disso, garota administrativa — Saskia diz, enviando um olhar venenoso na direção de Gemma.

Gemma se vira para mim, balançando a cabeça lentamente, provavelmente tentando comunicar que eu não tenho que fazer isso. Mas se não é nada mais do que uma iniciação tola do primeiro ano, então não pode ser tão difícil. E se todos os outros fizeram, eu também quero fazer. Eu mordo o lábio, depois digo a Saskia, — Me fale mais sobre essa iniciação.

Gemma geme e vai embora quando um sorriso lento se arrasta nos lábios de Saskia. — Venha às antigas ruínas da Guilda amanhã à noite às nove. — Ela se inclina para mais perto. — Se você acha que pode lidar com isso.


Capítulo 7

Falta dezesseis minutos para às nove na noite seguinte, quando mamãe bate na porta do meu quarto e pergunta se pode entrar. Um aceno rápido para o meu guarda-roupa traz meu robe navegando pelo ar. Eu coloco o tecido azul rapidamente sobre minhas roupas antes de abrir a porta. Eu dou a minha mãe um sorriso sonolento.

— Tudo guardado? — Ela pergunta.

— Sim, acho que sim. — Eu trouxe minhas coisas de volta para casa ontem à tarde, depois que Olive me dispensou com um irritado — Eu pensei ter dito para você não me envergonhar. Saia da minha frente agora. — Eu demorei ontem à noite e esta tarde, desempacotando meus pertences. Este lugar não parecia como uma casa, no entanto. É mais quente e mais chique do que a nossa casa em Woodsinger Grove, que é a única casa que já conheci. Graças à mamãe e à sua paranoia, nunca mais viveremos lá.

— Bem, é bom ter você de volta — mamãe diz com um sorriso. Ela vagueia além de mim e passa a mão sobre os lápis na minha mesa. — Como foram seus primeiros dois dias? Você não disse muito até agora.

— Oh, você sabe, estou cansada com toda as tarefas. — Eu puxo a colcha da cama e subo na cama. — Mas foi bom. Ótimo finalmente estar lá como uma aprendiz de verdade. — Eu não digo a ela sobre minhas decepções: mentora desinteressada, colegas de classe hostis e a experiência fracassada no Aquário.

— E...você se sente segura lá?

— Claro. Provavelmente é o lugar mais seguro para estar fora a Corte Seelie. — Após a destruição e o reinado de Lorde Draven, o novo Conselho da Guilda assegurou que ninguém jamais quebrasse novamente a proteção mágica da Guilda.

— Isso é bom — diz mamãe, encostada na minha cadeira de mesa. — Você pode não estar segura aqui em casa, mas pelo menos a maior parte do seu tempo será gasto na Guilda agora.

Eu não saliento que muito do meu tempo será gasto fora da Guilda em tarefas. Em vez disso, eu digo — Estamos bem aqui, mãe. Depois de todos os encantos protetores que o papai conseguiu colocar neste lugar, provavelmente é tão seguro quanto a Guilda.

— Sim, bem, espero que sim. Ele certamente pagou muito por alguns desses encantos. — O olhar atordoado com o qual me familiarizei ao longo dos anos cruza o rosto da mamãe antes que ela balance a cabeça e se afaste. Ela gira em um círculo completo, depois puxa a cadeira e senta.

Às vezes, eu me pergunto se minha mãe é um pouco louca.

— Eu provavelmente deveria ir dormir — eu digo, acrescentando um bocejo por precaução. — Eu preciso acordar cedo. Parece que a maioria dos aprendizes tomam o café da manhã na Guilda, então eu estava planejando me juntar a eles se... você não se importar?

Mamãe concorda enquanto levanta. Ela enfia uma mecha de cabelo amarelo claro atrás da orelha. — Tudo bem. — Eu posso imaginar o que ela está pensando. Que eu vou estar mais segura comendo café da manhã na Guilda do que comendo o café da manhã em casa, ou algo bobo assim.

Ela beija minha testa - o que me faz me sentir muito mais jovem do que eu sou - e sai. A porta range atrás dela. Descanso minha cabeça em um travesseiro e ouço seus passos enquanto ela desce as escadas. Quando não posso mais ouvi-la, eu me sento. O relógio encantado pendurado acima da minha mesa me diz que eu tenho nove minutos até precisar estar nas antigas ruínas da Guilda. Eu pintei o relógio enquanto eu estava na Academia Ellinhart. É uma mixórdia abstrata de números, mas comprei um encanto que sobrepõe o tempo em brilhantes dígitos de ouro sobre a pintura.

Eu tiro o meu robe para revelar calça e camiseta escura. Se fosse uma tarefa, eu cobriria meus braços pálidos, mas está muito quente está noite para me incomodar com isso. Eu calço as minhas botas, que se amarram enquanto eu pego meu pingente de aprendiz ao lado da minha cama. As botas não estão ajudando com o calor, é claro, mas não me sinto guardiã o suficiente sem elas. Eu devolvo o meu robe para a seção colorida do meu guarda roupa – uma seção que eu não vou usar mais – e verifico se minha porta está corretamente fechada. Então abro um portal para os caminhos das fadas na parede ao lado.

Eu imagino as ruínas cheias de mato da velha Guilda Creepy Hollow. Ela existiu por muitos séculos antes que Lorde Draven a destruísse há uma década. Era uma estrutura enorme, escondida por magia de glamour excepcionalmente poderosa. A magia de Draven acabou por ser mais poderosa. Quando a Guilda explodiu a partir da única árvore que estava escondida dentro, demoliu uma grande parte da floresta. Eu nunca a vi na época, mas treinei na área recentemente com Ryn, e Zed me levou lá algumas vezes durante nossos anos de treinamento particular. A floresta tem crescido dentro e ao redor das ruínas, reivindicando a área como sua. As árvores avançaram, o musgo grudou nas pedras, e as vinhas se arrastaram sobre pilares caídos e madeira quebrada.

Eu saio dos caminhos das fadas e entro nas ruínas. As copas das árvores frondosas filtram a maior parte da luz da lua, mas os insetos brilhantes e os sprites com lanternas minúsculas sempre ficam por aqui, e uma das variedades de plantas rasteiras brilha de noite, iluminando ainda mais a área. Eu subo e entre obstáculos quebrados e desmoronando, procuro por Saskia. Parte de mim pergunta se ela me atraiu aqui para eu encontrar uma criatura selvagem e perigosa em vez dela, mas então eu ouço sua voz.

Olho em volta e a encontro apoiada contra uma estátua de pedra de um pégaso caído. A criatura majestosa não tem cabeça e apenas uma asa e está cheia de rachaduras. Ao lado de Saskia está um cara que eu reconheço da nossa turma. — Você veio — Saskia fala para mim. — Eu pensei que você poderia estar com muito medo para aparecer.

— Por que você achou isso? — Pergunto, andando em direção a eles. — Não é como se eu estivesse atrasada.

— Tanto faz. — Ela cruza os braços sobre o peito e fica mais ereta. — Este é o Blaze. Ele que surgiu com a ideia de iniciação em nosso primeiro ano.

— Ei — diz Blaze. — Eu ouvi dizer que você está disposta a fazer o que for preciso para provar que você é uma de nós, em vez de alguma aberração artística.

Eu olho para Saskia. Claramente, ela fez alguma edição ao relatar nossa conversa a Blaze. Ela ergue uma sobrancelha, como se me desafiando a contradizê-la. Eu me lembro de não deixar essa menina e sua mesquinhez me atingir antes de voltar meu olhar para Blaze.

— Todos no seu ano fizeram essa iniciação?

— Sim. Até os nerds magrelos. A iniciação não é permitida pela Guilda, mas isso foi tudo fora do radar, é claro. Nós também possuímos nosso próprio sistema de classificação. Nós emparelhamos as pessoas e as fizemos competir uma contra a outra para completar a tarefa. Isso fez nossas primeiras semanas como aprendizes muito mais divertidas do que teriam sido de outra forma.

— Foi bastante emocionante — diz Saskia, sorrindo com a lembrança.

— Então, o que é essa tarefa?

— Você precisa ir ao Sivvyn Quarter no Subterrâneo recuperar um item - qualquer coisa. Um livro, joias, seja o que for, e trazer para nós em um dos clubes Subterrâneos para provar.

Eu olho de Blaze para Saskia, depois de volta. — Isso parece uma tarefa estúpida.

O sorriso no rosto de Blaze se transforma em um radiante. — Sivvyn Quarter é uma área residencial. É isso que torna um desafio. Você não encontrará algo jogado por lá. Você realmente precisa entrar na casa de alguém e pegar alguma coisa - sem ser pega.

— Então, você quer que eu roube alguma coisa? Isso não é contra a própria essência de quem somos como guardiões? Nós devemos fazer o bem, não o ruim.

Saskia solta um gemido exagerado. — Nossa, Calla. Você leva tudo na vida tão a sério? É apenas um jogo. E você não fica com o item. Você devolve.

— Essa é a segunda parte do desafio — diz Blaze. — Devolver o item sem ser pega.

— E o que me impede de ir para casa, pegar um colar do meu quarto e trazer para você?

Saskia ergue uma tira estreita de couro. — Faixa rastreadora. Sua mentora provavelmente ainda não lhe deu uma, então você estará usando a minha. — Ela se aproxima, envolve a faixa ao redor do meu pulso e fecha.

Eu toco no couro macio. — Eu acho que você tem acesso a um desses dispositivos que monitora as faixas rastreadoras?

— Obviamente — diz Blaze. — Meu mentor nunca tranca seu escritório.

— Então, você está dentro ou fora? — Saskia pergunta. — E lembre-se que “fora” significa que você obviamente não é uma guardiã.

Eu vejo dois sprites de mãos dadas além de nós enquanto considero esse desafio de "iniciação". Roubar alguma coisa do Subterrâneo. A parte de roubar deve ser bastante fácil, além do fato de eu não concordar com isso. É a parte do Subterrâneo com a qual estou preocupada. Eu nunca estive na vasta rede de túneis que corre abaixo de Creepy Hollow, mas posso imaginá-los. Estreitos. Escuros. A Terra fechando ao meu redor. Meu peito se contraí só de pensar.

Eu afasto o meu pânico, dizendo a mim mesma que os túneis não podem ser tão ruins. “Fora” não é uma opção se eu quiser ser aceita pelos meus colegas de turma. E enquanto não preciso de aceitação, deixará meu tempo na Guilda muito mais fácil. Um tempo que pode muito bem durar décadas -séculos- já que eu pretendo ser uma guardiã pelo resto da minha vida. O que significa que eu preciso me dar bem com as pessoas com quem vou passar todos os dias trabalhando.

— Estou dentro.


Capítulo 8

— Ótimo. — Saskia agarra meu braço enquanto Blaze abre um portal para os caminhos das fadas. Antes de ter uma chance de dizer outra palavra, eu me vejo sair da escuridão para um túnel. Felizmente, é muito maior do que o tubo de concreto que enfrentei hoje. Espero sentir a terra sob minhas botas, mas o chão é coberto por pedras grandes e planas, presas. Alguns brilham em amarelo, trazendo uma luz quente para o espaço fechado.

— Sivvyn Quarter é por aqui — diz Saskia, apontando sobre o meu ombro. — Nós iremos por esse lado, para o Clube Deviant.

— Clube Deviant.

— Muito fácil de encontrar. Apenas diga aos caminhos das fadas. Eles vão te deixar perto o suficiente.

— E... que tipo de fae eu provavelmente vou encontrar no Sivvyn Quarter?

— Todos os tipos — diz Blaze enquanto ele coloca um braço casualmente nos ombros de Saskia. — Essa área não pertence a nenhum grupo particular de fae.

— Ah, e lembre-se de não contar a ninguém que você está com a Guilda — acrescenta Saskia. — Você provavelmente vai acabar morta.

Meus olhos arregalam. — Isso é ruim?

— Sim, bem, você sabe o que aconteceu depois que as petições dos reptilianos foram negadas.

Eu sei. Depois que o Conselho tornou oficial que a Guilda nunca ficaria aberta a ninguém além dos faeries, houve uma revolta. Dois guardiões acabaram mortos, junto com cinco reptilianos. — Eu lembro — eu digo com um aceno.

— Então você sabe que reptilianos odeiam os guardiões ainda mais agora do que antes da Destruição.

— Junto com todos os outros tipos de fae — acrescenta Blaze. — Eles pensam que nós os enganamos. Usando-os para derrotar Draven, depois rimos na cara deles quando quiseram se juntar as nossas Guildas e se tornarem guardiões como nós.

— Tudo bem, eu já entendi. Todos odeiam os guardiões. Eu vou ter cuidado. — E se for descoberta de alguma forma, eu mencionarei o nome de Vi. Ela e um punhado de outros guardiões estiveram do lado dos reptilianos desde o início, então espero que eles não a odeiem - ou alguém relacionado a ela.

— Você pode querer trocar suas roupas então — diz Saskia, seus olhos passando por minha roupa. — A menos que você queira ser a única vestindo preto no Clube Deviant. Ninguém nunca adivinharia que você está com a Guilda. — Com um sorriso satisfeito e uma inclinação altiva de seu queixo, ela agarra a mão de Blaze e vira. — Vamos. Vamos pelo menos nos divertir esta noite.

Blaze a puxa contra seu lado e pressiona um forte beijo na sua bochecha quando eles se afastam. Eu ando na direção oposta, tentando ignorar o eco das risadas de Saskia. O túnel não é reto, e toda vez que faz uma curva para esquerda ou para direita, eu me pergunto se vou encontrar alguém no final da curva. Eu não estava muito longe antes de notar um som distante. Não consigo entender o que é em primeiro lugar, mas, à medida que o ruído fica mais alto, decido que deve ser o chocalho de rodas sobre o chão coberto de pedra.

Eu estou certa à medida que o túnel se curva e aumenta, e um carrinho de madeira, seu conteúdo coberto por uma manta, aparece. Ele é empurrado por um elfo alto vestido com calça verde apertada e um colete verde. Ele diminui quando me vê, mas logo recupera sua velocidade. Seus olhos permanecem treinados sobre mim enquanto nos aproximamos um do outro. Suas sobrancelhas - furadas com uma fileira de anéis de prata - se juntam.

À medida que passamos um pelo outro, aponto meus olhos para frente e digo a mim mesma para não correr. Isso pareceria suspeito. Acelero o ritmo ligeiramente, mas o mantenho a uma velocidade de caminhada. Não entre em pânico. Não corra. Nada está errado.

O chocalho do carrinho para.

Um arrepio corre sobre meus braços. Por que o elfo parou? Ele está me observando? Ele está vindo atrás de mim? Desejo olhar por cima do meu ombro, mas não quero que pareça que eu tenho algo com o que me preocupar.

Continue caminhando. Continue caminhando, continue caminhando.

O chocalho do carrinho começa de novo. Arrisco um olhar sobre meu ombro. O elfo e o carrinho estão se movendo na direção oposta. Alguns momentos depois, eles desaparecem em torno de uma curva no túnel.

Eu libero minha ansiedade em uma respiração longa e lenta. Então eu retiro minha stylus da minha bota e me preparo para alterar minha roupa. Eu certamente não sou uma estilista de roupas, mas conheço alguns feitiços básicos de um curso introdutório que eu fiz em Ellinhart. No meu primeiro ano, experimentei tudo, desde pintura, desenho e escultura até design de moda, design de interiores e arquitetura. Eu quase falhei no curso de arquitetura, mas o design de moda foi divertido.

Eu removo minhas botas e, em seguida, corro minha stylus até o topo das minhas coxas, observando o tecido desaparecer até que eu esteja usando shorts mais curtos do que qualquer coisa que minha mãe aprovaria. Com outro par de feitiços escritos através da minha roupa, o short vira um azul brilhante e a camiseta vira um rosa claro de um céu no amanhecer. Eu bagunço meu cabelo, coloco minhas botas de volta, e me movo pelo túnel. Quando eu passo por duas garotas reptilianas, elas não me dão mais do que um olhar desinteressado.

Depois de mais alguns minutos de caminhada, o túnel aumenta antes de chegar a uma arcada de pedra esculpida. As letras onduladas pintadas no topo da estrutura de pedra mostram as palavras Sivvyn Quarter. Além disso, o túnel se separa em três ruas separadas. Sem indicação de qual poderia ser a melhor opção, eu escolho a rua do meio.

Os azulejos de pedra incandescentes continuam a iluminar o caminho enquanto eu ando. Eu passo por uma porta à esquerda e depois outra à direita. Presumivelmente, essas portas levam para casas, mas como eu deveria invadir? E se eu encontrar alguém do outro lado? Será que devo pegar alguma coisa e correr? Coloco a minha orelha na porta ao lado e encontro vozes dentro. Eu continuo. A próxima casa que encontro está silenciosa, mas não consigo me obrigar a fazer qualquer coisa. Invadir simplesmente não parece certo. Como Saskia e Blaze esperam que eu faça isso? Eu continuo ao longo do túnel, tentando descobrir o que fazer.

E então sinto o cheiro. Afiado, mas familiar, isso me faz sentir instantaneamente em casa. É o cheiro do estúdio de arte em Ellinhart, onde passei muitas horas sozinha, absorvida no meu trabalho. É o cheiro da nossa sala de estar toda vez que eu levo para casa uma tela recém-acabada.

Pintura.

Diferentes tipos, seus aromas misturando-se no ar. Paro ao lado da única porta na vizinhança e escuto. Nenhum som vem de dentro. Talvez não seja tão ruim invadir, pegar um pincel e sair. Eu cuidadosamente tento a maçaneta, mas, como eu esperava, a porta não abre. Eu tento o feitiço simples para destrancar, mas nada acontece. Obviamente, um encantamento para evitar arrombamentos. Coloco minhas mãos nos meus quadris e olho para a porta enquanto considero o que tentar a seguir. Pelo o que sei, apenas as casas de faeries com glamour são protegidas contra a entrada não autorizada através dos caminhos das fadas. Afinal, apenas faeries podem viajar dessa maneira. O que significa que se eu posso ver o que está do outro lado desta porta, eu posso entrar.

Eu me agacho e olho pelo buraco da fechadura. Na luz fraca, eu posso distinguir o braço de um sofá junto com uma almofada com listras azuis e marrons encostada nele. Não consigo ver muito mais, mas é tudo o que preciso. Abro um portal para os caminhos das fadas na própria porta e entro na escuridão. Ela se fecha atrás de mim enquanto eu imagino a sala. Eu a imagino aqui, a poucos metros de mim. Eu olho para baixo, imagino a almofada com listras abaixo de mim, e os caminhos das fadas se abrem. A luz aparece abaixo dos meus pés. Eu saio da escuridão e pulo no sofá.

A obra de arte, no entanto, parece fora de lugar aqui. As telas encharcadas de estrias de cores brilhantes enchem a sala. Algumas estão penduradas, enquanto outras inclinadas contra as paredes. Um pôr-do-sol ardente; arco-íris-pintado subindo de uma cachoeira; uma mulher andando através de nuvens rosa, laranja e malva; sprites dançando na chuva. Eu absorvo sua beleza, pensando que eu poderia olhar para eles para sempre. Eles são muito melhores do que qualquer coisa que eu já fiz. Muito mais vivo.

Surpreendentemente, o cheiro de tinta é muito menos perceptível aqui. Quando vejo o grande nimph lírio em cima de uma mesa baixa no canto, faz sentido. As pétalas de nimph absorvem odores no ar ao redor enquanto dão um aroma fresco. Eles são colhidos por faeries na província exótica de Driya e encantados para permanecerem vivos. Meu professor de pintura do segundo ano tinha um em seu escritório em Ellinhart.

Foco, Calla.

Certo. Estou aqui para pegar alguma coisa e sair. Eu pisco e olho em volta com um propósito renovado. Uma velha escrivaninha está contra uma das paredes que é coberta por pequenos itens que devem ser fáceis de pegar. Frascos de lápis de cores diferentes, pergaminhos, vários livros, um dispositivo estranho que se parece com uma stylus metálica com bobinas, molas e parafusos, e um navio em miniatura navegando em um mar tempestuoso encantado dentro de uma garrafa de vidro. Pequenas páginas de anotações com rabiscos rápidos de lápis espalhados na mesa e um desenho de carvão inacabado de um cavalo de um lado.

Então meu olhar pousa em algo que reconheço: uma pulseira de bronze coberta de pedras verdes e peça de relógios e engrenagens. Uma pulseira de bronze que vi no escritório de Merrydale nesta manhã. Uma réplica, o Conselheiro Bouchard falou. Uma réplica exata, a mulher irritada havia lhe dito. O que significa que a pulseira na mesa na minha frente, a pulseira com pedras que brilham como brasas em um fogo verde, é a verdadeira.

— De jeito nenhum — eu murmuro, meu coração ganha força quando a excitação corre por mim. É possível que eu possa completar a iniciação tola de Saskia e recuperar um importante artefato que foi roubado da Guilda - tudo em uma noite?

Ouço um clique na porta atrás de mim.

Merda!

Pego a pulseira e giro ao redor quando a maçaneta da porta gira. Eu tenho que me esconder – ou apagar a luz - ou abrir um portal de volta...

Muito tarde. A porta se abre, e em vez de um reptiliano ou um anão ou qualquer uma das estranhas criaturas halfling que eu poderia esperar encontrar aqui, é um faerie. Um bem bonito. Seus olhos são pálidos, mas brilhantes, e eles pousam em mim imediatamente. Ele franze a testa. A mão dele fica tensa na jaqueta pendurada sobre o seu ombro, e ela olhar ao redor da sala antes de voltar para mim.

— Quem é você?

Uma pergunta válida, e uma que estou totalmente despreparada para responder. A mão escondida atrás das minhas costas aperta a pulseira. Eu me pergunto o quanto rápido eu posso tirar minha stylus da minha bota e abrir um portal. — Eu sou... uma admiradora de sua arte.

— Eu vejo. — Lentamente, e sem tirar os olhos de mim, ele fecha a porta atrás dele.

Droga, isso não é bom.

Ele dá dois passos para frente e joga sua jaqueta na parte de trás de uma poltrona. Enquanto ele cruza os braços, percebo o contorno escuro de uma fênix tatuada em seu braço superior direito. Uma videira retorcida de espinhos serpenteia pelo braço esquerdo.

— Por que você parece familiar? — Ele pergunta, afastando minha atenção da arte do seu corpo e de volta ao fato de que acabei de ser pega entrando em sua casa.

— Familiar? — Eu rio, tentando fazer parecer despreocupada em vez de entrar em pânico. — Você conhece muitas faeries cor de ouro?

— Não — diz ele. — Eu não conheço.

Minha mão se contrai, me preparando para mergulhar na direção da minha stylus. Algo me diz que não conseguirei alcançá-la antes de ele chegar até mim. O que significa que vou ter que lutar para sair daqui. Ou colocar um escudo forte o suficiente para afastá-lo enquanto abro um portal. Ou... a outra opção. Minha arma secreta.

— Como você entrou aqui? A porta tem uma proteção poderosa.

— Eu acho que sou muito boa — digo, quando começo a tirar o poder de dentro de mim. A maneira mais simples de sair daqui é com um escudo. Eu só preciso de alguns momentos para reunir uma quantidade suficiente de energia para deixá-lo forte.

O homem parece divertido. — É muito boa, hein? Eu duvido. Você é uma faerie, o que significa que a maneira mais provável que você conseguiu entrar aqui é através dos caminhos das fadas. Mas esta casa não tem nome ou número para você sussurrar para os caminhos, e tomei muito cuidado para me certificar de que existem apenas outras duas pessoas que sabem como é dentro. Então, como você entrou?

Se eu não estivesse em uma situação tão perigosa, eu provavelmente reviraria meus olhos. Este cara pensa que é muito inteligente, mas me levou menos de um minuto para entrar aqui. — Você pode querer fechar o buraco da sua fechadura — eu digo a ele.

— Está fechado. Nenhuma magia consegue passar.

— Bem, acho que você esqueceu da luz. — E com isso, viro o braço e crio um escudo de magia invisível entre nós. Ainda agarrando a pulseira com uma mão, eu me abaixo, recupero minha stylus e...

Uma onda de poder me derruba para trás. Eu colido na cadeira de mesa antes de pousar no chão. Meu escudo se foi, o homem atravessa o sofá em minha direção e estou piscando confusa. Como ele reuniu tanto poder tão rápido?

Ele está a poucos metros de mim quando o meu treinamento recente aparece. Pego uma shuriken no ar - o que, milagrosamente, demora um segundo que eu preciso - e jogo em sua direção. Corta o seu braço quando ele esquiva para lado. Eu me levanto e me lanço sobre o sofá. Corro para a porta, mas nada acontece quando viro a maçaneta.

— Não apenas uma admiradora de arte, mas uma guardiã e uma ladra também — diz o homem.

Sabendo agora que só existe uma saída para isso, eu giro e derrubo a minha parede mental.

Desintegra-se em um pó imaginário enquanto eu me concentro muito para mostrar para esse cara exatamente o que eu quero que ele veja. Imagino um dragão atravessando a porta atrás de mim. Na minha mente, vejo que as poderosas garras do dragão rasgam a porta e atiram os pedaços para o lado, me derrubando no processo. O dragão se arrasta para dentro da sala, soltando chamas escaldantes. Fica cada vez maior até sua cabeça escovar o teto e todos os móveis na sala não estarem só queimados, mas também esmagados contra as paredes. O homem sai do caminho e achata o corpo contra a parede. Ele ergue a mão, provavelmente para fazer algum tipo de magia que não terá qualquer efeito sobre o dragão imaginário, enquanto me aproximo dos restos queimados e quebrados da porta.

Com sua atenção não mais focada em mim - pelo menos, não o eu real - eu posso sair com segurança daqui. Giro e mantenho minha stylus em direção a porta. Rangendo meus dentes e respirando forte contra o esforço de manter uma cena tão detalhada na minha mente, rapidamente escrevo as palavras para abrir um portal. Eu entro e espero que a escuridão se feche sobre mim antes de finalmente liberar a imagem do dragão e da sala de estar destruída. O cansaço puxa nas bordas da minha mente, mas não posso ceder ainda.

Eu empurro a pulseira no meu braço esquerdo e penso no Clube Deviant. Como não tenho nenhuma imagem para segurar, repito as palavras em minha mente até que a escuridão à minha frente levanta e o silêncio pressionando contra meus ouvidos cede de repente a uma batida encantada repetindo uma melodia. Fora dos caminhos das faeries, fae de todos os tipos dançam e balançam sob uma neblina persistente de fumaça doce.

Não hesite. Seja confiante. Imagine que você pertence aqui.

Empurro a pulseira ainda mais para cima do meu braço e entro no clube. Não estava tão lotado quanto os poucos clubes que visitei no início da escola Ellinhart quando ainda tinha alguns amigos. Eu nem preciso empurrar ninguém para chegar à área do bar. Eu sento em um banquinho e olho ao redor procurando Saskia e Blaze. Eles não estão no bar e não os vejo na pista de dança. Cabines escuras estão em um lado do clube, mas algo me diz que provavelmente não quero dar uma olhada em nenhum deles.

Um homem reptiliano encostado na outra extremidade do bar parece estar me observando. Ou é alguém atrás de mim? Não querendo encorajá-lo, desvio meus olhos e afasto meu corpo dele. Olho as garrafas de diferentes formas, tamanhos e cores atrás do bar. Devo pedir uma bebida? Quanto tempo eu preciso esperar por Saskia antes que possa pedir o fim dessa coisa de iniciação? Certamente eu já me provei até agora. Ela poderá ver na faixa rastreadora que invadi a casa de alguém, peguei uma coisa e...

Oh, merda.

Eu projetei enquanto usava uma faixa rastreadora.

Não! Como posso ser tão estúpida? Coloco minhas mãos debaixo do balcão do bar, como se isso pudesse ocultar a evidência que está enrolada em meu pulso. Então eu paro em pânico. Exatamente quais informações aparecerão na faixa rastreadora? Quando Saskia e Blaze colocarem sob um dispositivo de repetição, eles não devem poder ver o dragão. Afinal, o dragão nunca esteve lá. Então, em vez disso, eles vão ver um cara que de repente começou a lutar contra o nada, e isso só servirá para alimentar os rumores de que eu posso de alguma forma deixar as pessoas loucas.

Fantástico. Então ainda serei uma pária, mas pelo menos não irei para a Lista Griffin. A menos que... e se um mentor perceber o que está na faixa rastreadora? E se um Conselheiro ver? E se todos na Guilda começarem a pensar que tenho uma habilidade especial que deixa as pessoas loucas, e eu acabar na Lista Griffin de qualquer maneira?

Pare de entrar em pânico!

A solução é simples. Retire a faixa rastreadora e a destrua. Dessa forma ninguém nunca...

— Você quer morrer? — O dono da voz intrusiva desliza para o banquinho ao lado do meu e para o meu espaço pessoal. — O que você está fazendo em um clube do qual o dono é número um que odeia guardiões de Creepy Hollow? — Ele exige.

Eu me afasto dele, meus olhos viajando pelos braços tatuados para o mesmo rosto e olhos que eu estava admirando há dez minutos atrás. Olhos que agora estão estreitados de raiva. Eu me encolho para mais longe dele, minha mão direita segurando a pulseira no meu braço esquerdo. — O que você... espera aí, como você me encontrou?

— O boato corre rapidamente quando jovens guardiões idiotas decidem arriscar suas vidas no Subterrâneo.

— Eu não sou idiota...

— Não, você é uma ladra.

— Eu sou uma ladra? Foi você que roubou a pulseira em primeiro lugar. — Eu levanto meu braço com a joia e aceno para ele. — Eu vou devolver para a Guilda, e não há nada que você possa fazer...

— Você colocou? — Ele desliza do banquinho e dá um passo para trás. — O que diabos há de errado com você?

Eu olho para ele e para a pulseira novamente, me perguntando se eu deveria estar alarmada. Eu não senti nada diferente desde que coloquei a pulseira no meu braço, no entanto. Talvez seja um truque para me fazer tirar. — Não há nada de errado comigo — digo a ele enquanto levanto. — E como este clube é aparentemente de alguém com um ódio intenso por guardiões, acho que devo ir.

— Espere. — Ele se aproxima, e eu trago minha mão rapidamente para cima, enviando faíscas dançando pelo ar em sua direção. Ele se afasta do caminho, levanta as mãos, gesticula em rendição. — Apenas me dê a pulseira — ele diz, — e eu deixo você ir.

—Você vai me deixar ir? — Eu digo com uma confiança que eu não sinto. — Já esqueceu o dragão?

— Você esqueceu o poder que eliminou o seu escudo em um instante e jogou você no chão?

Eu não esqueci. Esse é o problema. Não mostre medo, não mostre medo. Eu só preciso continuar falando o suficiente para conseguir uma projeção que pode me tirar daqui. — Isso dificilmente era poder — digo casualmente. — Por que não temos um segundo round, e você pode me mostrar se tem algum poder depois...

— Isto não é um jogo, pequena guardiã. — Ele fecha a distância entre nós e agarra meu braço. — Alguém está vindo pegar essa pulseira, e você não quer estar aqui quando ele chegar — De perto, eu vejo que seus olhos são um verde-cinza muito claro que não parece combinar com o castanho de seu cabelo. São lindos olhos. Eu poderia olhar para eles por séculos se não estivesse tentando me afastar desse cara.

Eu tento tirar meu braço do seu aperto, mas ele é muito forte. — Se você quer tanto, velhinho — eu digo a ele com os dentes cerrados, — então por que não pega?

— Porque, menina idiota — ele diz, inclinando-se ainda mais perto, — eu teria que cortar seu braço.

Um arrepio corre através de mim, mas faço o meu melhor para esquecer suas palavras e me concentrar na projeção que eu decidi. Eu não tenho energia suficiente para qualquer coisa tão detalhada quanto o dragão, e ele provavelmente não acreditaria em algo assim uma segunda vez. Em vez disso, eu me imagino lentamente levantando meu braço esquerdo.

— Tudo bem — diz a versão imaginária de mim. — Você pode ficar. — Em minha mente, eu me vejo deslizando a pulseira do meu braço. Eu a seguro entre nós, esperando o momento em que ele vai me soltar.

— Obrigado — ele diz, com um pouco de cautela. Ele solta meu braço e alcança a pulseira. A pulseira que não está lá. O imaginário eu lança todo o seu poder sobre o ombro dele. Com um gemido irritado, o artista gira e depois caí.

Giro e corro na outra direção - mas um grande homem careca está se movendo em minha direção. — Você! — Ele uiva. — Você é ela. A que tem cor dourada da qual me contaram. A guardiã.

O quê? Olho em volta, procurando a melhor rota de fuga. Mas antes que eu possa dar outro passo, estou cercada. Um elfo de cada lado, e outro atrás de mim. Eles agarraram meus braços e me puxam bruscamente atrás do homem careca, que está passando por um portal atrás do bar.

— Eu não aceito guardiões no meu clube — ele grita sobre o ombro.

— Mas eu não sou uma guardiã — protesto.

O homem para e olha por cima do ombro. Seus olhos - laranja ardente com pupilas verticais estreitas - me olham com raiva. — Eles disseram que você diria isso — ele grunhe, revelando uma língua bifurcada. Drakoni, minha mente sussurra para mim.

— Olhe — eu digo a ele, lutando contra os elfos até conseguir levantar meus braços o suficiente para mostrar meus pulsos nus. — Sem marcas de guardião.

— Aprendiz — o homem drakoni cospe. — Mesma coisa.

Como ele sabe disso?

Ele atravessa uma longa passagem e me arrasta atrás dele para uma sala escura e com fumaça, onde dois homens estão sentados em uma mesa redonda, bebendo bebidas cor de âmbar e jogando cartas. Eles estão rindo de alguma coisa, mas eles olham para cima quando os elfos me empurram para dentro da sala. Um deles fala comigo, enquanto o outro...

— Zed? — Alívio e confusão colidem, me fazendo ficar tonta. Por um momento estranho, a sala parece vibrar. — O que... o que você está fazendo aqui? — Na companhia do maior odiador de guardiões de Creepy Hollow?

A sala vibra novamente.

— Saia! — Uma voz grita de algum lugar atrás de mim. Ao som dos passos correndo, olho por cima do ombro passando os elfos. Eu vejo o artista, mas ele explode quando a vibração em torno de mim se intensifica. Uma onda de choque ondula pelo ar, e com um assobio alto, tudo ao meu redor desaparece.

E depois reaparece com um solavanco.

Eu pisco.

Esta não é a sala em que eu estava há um segundo atrás. É o meu quarto na casa de Ryn. Todas as minhas coisas estão aqui, apesar do fato de eu ter levado tudo esta tarde. Além da coloração verde fraca que sobrepõe a cena, tudo parece do mesmo jeito quando morei aqui. Minha roupa escapa de uma gaveta meio aberta. Meu trabalho está espalhado pela mesa. O pingente de aprendiz pendurado na maçaneta do guarda roupa.

Eu giro lentamente no local, enquanto meu coração bate pesadamente no meu peito. Então vejo a pessoa sentada na cama - e estou enlouquecendo completamente.

A pessoa sou eu.


PARTE 2


Capítulo 9

Eu tropeço para trás e me achato contra a parede, mas o eu na cama não parece notar. Como isso está acontecendo? Como estou olhando para mim? Por um momento, me pergunto se estou projetando toda essa cena, mas isso não pode estar certo. Não estou imaginando isso. Não estou controlando. Isso é real.

Passos soam no corredor, e Vi enfia a cabeça no quarto. — Eu sei que você está estudando — diz ela, — mas sinta-se livre para se juntar a nós sempre que quiser.

A outra eu geme e cobre seu rosto com um livro. — A comida cheira tão bem, — diz ela por trás das páginas. — Eu gostaria de poder descer agora.

— Não vai demorar muito, e você terminará com toda essa tarefa extra — diz ela com um sorriso. — Vou gritar quando o jantar estiver pronto. Você pode se juntar a nós então.

Ela desaparece, me deixando com uma sensação de déjà vu tão forte que quase me derruba. Essa conversa já aconteceu. Na semana passada, em algum momento, enquanto eu estudava para uma prova escrita. O que significa que estou atualmente em pé... no passado?

Como eu fui parar no passado?

A pulseira.

Eu agarro a faixa de bronze enfeitada e tento puxá-la, mas não se move. — Vamos — murmuro, puxando mais forte. Percebendo que falo em voz alta, eu congelo e olho para a garota na cama. Ela não mostra nenhum sinal de ter ouvido. Eu volto às minhas tentativas de tirar a pulseira do braço, mas não adianta. Não se mexe.

Com um gemido de desespero, corro para fora do quarto e desço a escada. Eu não sei como voltar para o presente, mas ficar no meu quarto puxando meu braço claramente não está ajudando. Eu chego na sala quando Ryn abre um portal na parede e recebe os amigos, Jamon e Natesa. Esta é a noite em que eles vieram jantar junto com Raven e Flint, que já estão sentados em um sofá brincando com seu filho de três meses. Lembro de me divertir com Ryn quando ele me disse que ele e Vi estavam oferecendo um jantar. — Você não é o tipo que oferece jantares, — eu disse a ele.

Quando a filha de cinco anos de Jamon e Natesa passa pela sala para brincar com o bebê, eu me aproximo de todos. — Olá? — Eu digo alto, sabendo antes de abrir a boca que é improvável que alguém me ouça. Como eu esperava, nenhuma pessoa na sala presta atenção em mim. Os adultos se sentam, e Vi sai da cozinha, dirigindo uma fila de bebidas pelo ar. Levanto meu braço na frente dela enquanto ela passa. Ela passa através.

Um arrepio passa através da minha pele. Eu não sou nada mais do que uma observadora aqui, incapaz de influenciar ao meu redor ou me comunicar com alguém ao meu redor. Espera, e o meu âmbar? Talvez eu possa me comunicar com alguém no presente. Deslizo meus dedos para cima da bota esquerda e tiro o meu âmbar. Eu deslizo meu dedo sobre sua superfície, mas nada acontece. Eu removo minha stylus e uso para escrever no âmbar, mas não forma palavras.

Droga.

E os caminhos das fadas? Onde eles me levariam se eu abrisse um portal agora? Para outro lugar no passado? Eu ando até a parede mais próxima para escrever sobre ela, mas minha mão simplesmente passa quando eu inclino meu pulso contra ela.

Assustada, trago minha mão de volta. Eu tento escrever um feitiço de portal no ar, mas tenho tanto sucesso como se eu estivesse escrevendo com um pedaço de pau comum.

Estou presa. Presa dentro deste mundo pintado de verde no passado. Eu coloco minha cabeça em minhas mãos e tento não entrar em pânico.

— Ei, eu ouvi que você está no Conselho da Guilda agora — diz Jamon, obviamente para Ryn. — Condolências, cara.

Ryn geme. — Eu sei. Eu queria recusar a oferta, mas Vi me convenceu de não fazer isso.

Levanto a cabeça, desconcertada pelas palavras de Ryn. Eu pensei que ser membro do Conselho era uma coisa boa.

— Bem — diz Violet, sentada ao lado de Ryn e enfiando as pernas debaixo dela, — já que decidimos que você seria o único a ficar com a Guilda, faz sentido que você aceite uma posição no Conselho. Queremos saber o máximo possível sobre o que está acontecendo lá, e só saberemos se você estiver trabalhando perto do topo.

— Eu sei. — Ryn solta um suspiro dramático. — Estou feliz em aceitar pela equipe.

Aceitar pela equipe? Achei que meu irmão gostasse de trabalhar na Guilda.

— Oh, eu preciso atender — diz Ryn, estendendo a mão quando um pequeno espelho deitado na mesa de café se acende. — Provavelmente é sobre o protesto.

— Protesto? — Raven pergunta enquanto Ryn vai para a cozinha. Antes de desaparecer pela porta, vejo o rosto do meu pai na superfície do espelho.

— Outro protesto sobre a Lista Griffin — diz Vi. — A Guilda conseguiu manter quieto até agora. Eles não querem que saia de controle como da última vez.

— Oh, como aquele homem que está sendo julgado no momento por tentar chantagear um membro do Conselho para manter o nome da esposa fora da lista?

Vi concorda. Com a minha angústia substituída pela curiosidade por um momento, sigo Ryn até a cozinha. Papai não trabalha mais para a Guilda, então por que ele está falando com Ryn sobre um protesto que a Guilda está tentando esconder?

— Você está me colocando em uma posição estranha aqui, pai — diz Ryn quando eu entro na cozinha. O espelho está na mesa da cozinha, e Ryn está inclinado sobre ele.

— Eu sei — diz papai. — Eu odeio envolvê-lo, mas estou preocupado que, com esse julgamento, e a Guilda investigando qualquer tipo de corrupção, não demorará muito para que alguém comece a se perguntar sobre a Calla.

O quê?

— Tudo o que eu pergunto é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar.

Subornos? Que subornos?

— Havia mais de um? — Ryn diz depois de uma pausa.

Não não não. O que o papai fez? Que tipo de subornos ele teve que fazer para manter meus incidentes quietos? E se ele for pego? E se tiver que ir para a prisão apenas porque tentou me proteger? Eu não poderia viver com esse tipo de culpa. Eu não poderia...

Vibrações. Uma onda de choque. Agitação e um som sibilante e...

Estou de pé na sala nos fundos do Clube Deviant novamente, ofegante e com náuseas. Zed parece horrorizado, os elfos estão se afastando de mim, e passos correndo ainda estão soando no correndo. Uma mão agarra meu braço. — Feche os olhos — diz o artista.

— O... o quê?

— Feche seus olhos!

Eu fecho. Do outro lado das minhas pálpebras, algo branco brilhante pisca, seguido por um estrondo que soa como trovão. Então eu estou tropeçando e correndo. Abro meus olhos quando o artista me arrasta pelo corredor e de volta ao clube. Eu penso em puxar meu braço e fazer minha própria fuga, mas seu aperto é muito forte. Passamos os dançarinos, a porta, para o túnel.

Ele para e se vira para mim. — Sem jogos mentais. Dê a pulseira.

— Eles... eles vão nos encontrar — eu suspiro, olhando por cima do meu ombro.

— Eles estão temporariamente cegos. Eles não encontrarão nada nas próximas horas. Agora me dê a pulseira.

Eu o encaro. — Mesmo que eu quisesse, não consigo tirar.

Ele solta um suspiro impaciente. — Claro que consegue. É só quando você está no passado, usando seu poder, que não pode removê-la.

— E... você não pode tirar de mim? — Pergunto, me afastando dele. Outra onda de náusea rola sobre mim, mas respiro profundamente contra ela. — Você disse que teria que cortar meu braço para conseguir.

— Correto. E eu preferiria não fazer isso, então apenas me dê. Você viu o que posso fazer. Viagem no tempo é extremamente perigoso nas mãos erradas.

— Exatamente. — Eu dou outro passo para trás. — É por isso que eu preciso devolvê-la à Guilda.

Ele faz um barulho irritado. — Será roubado novamente se você devolver a eles.

— Então não roube, e tudo...

— Não por mim.

— Por mim — diz uma voz atrás de mim. Eu giro e encontro um homem a poucos metros de distância, um portal no ar fechando-se atrás dele. — Devolva meu poder — diz ele. Faíscas aparecem de seus dedos e ziguezagueiam pelo ar em minha direção. Eu me atiro para o lado. Meu ombro atinge a parede do túnel quando as faíscas passam por mim.

Shuriken.

Alcanço uma e arremesso no meu atacante. Eu não precisava ter me incomodado, no entanto, já que ele agora está preso em uma batalha de faíscas e facas e redemoinho com o artista.

— Oh! Lá está ela!

Eu salto da parede do túnel quando um portal se materializa ao meu lado. Enrolo minha mão ao redor do ar e encontro uma espada brilhante sobre meu aperto um momento depois. Estou prestes a cortar o meu adversário recente quando percebo quem é.

— Calla, vamos! — Perry grita, estendendo a mão para mim.

Eu solto a espada e pego a sua mão. Ele puxa forte e caio na escuridão com ele.


Capítulo 10

Eu tropeço para outro lado dos caminhos das fadas e nas antigas ruínas da Guilda, junto com Perry e Gemma. — Você está bem? — Gemma pergunta imediatamente.

Eu puxo a pulseira do meu braço e a solto no chão como se ela queimasse. Levanto minhas mãos e aperto meus dedos nas minhas têmporas. — Estou... tão confusa.

O drakoni dono do clube de alguma forma sabia que eu estava com a Guilda.

Zed parece ser um amigo dele.

Um pedaço de joia me enviou no tempo.

Papai está envolvido em suborno ilegal.

O artista cuja casa invadi, me salvou e ameaçou cortar meu braço.

Um cara aleatório que quer roubar a pulseira - de novo, aparentemente - apareceu do nada.

E então, alguns aprendizes apareceram exatamente no lugar certo para me salvar de toda a bagunça.

O que. Diabos. Está acontecendo?

— Nós ouvimos Saskia e Blaze tramando esta tarde — diz Gemma. — Foi assim que nós soubemos onde você estava.

Eu abaixo minhas mãos e olho para ela através do luar fraco. — Tramando?

— Sim. Tramando uma iniciação que soava muito mais elaborada do que a nossa. Quando estávamos no primeiro ano, a maioria de nós encarou a ideia de simplesmente estar no Subterrâneo com bastante medo. Dois guardiões foram recentemente encontrados mortos lá, e a Guilda nunca descobriu o que aconteceu, então foi praticamente o lugar mais perigoso que nós fomos.

— É por isso que o idiota do Blaze decidiu que todos deveríamos fazer uma viagem lá para baixo como um ritual de iniciação — diz Perry.

— E como ele era o maior, malvado idiota — diz Gemma, revirando os olhos, — o resto de nós imaginou que não poderíamos dizer não. Nós não usamos os caminhos das fadas. Blaze encontrou uma das entradas, e cada um de nós teve que descer um por um e ficar lá por dez minutos.

— Bem. — Eu cruzo meus braços. — Isso parece muito mais simples do que eu acabei de passar.

— Sim. Nós ouvimos todo o plano ridículo na biblioteca esta tarde — diz Gemma.

Perry se aproxima de mim e sussurra, — Biblioteca da Guilda — como se estivesse compartilhando um segredo.

— Excelente local para a espionagem. Você descobrirá isso em breve.

— Sim, então eles estavam esperando que você fosse pega enquanto entrava na casa de alguém — diz Gemma, — ou que sua dica anônima para o dono do Clube Deviant iria deixá-la em problemas com ele. E por “problemas” — ela olha para Perry — acho que eles queriam dizer algo muito pior do que apenas ser expulsa.

Pressiono meus lábios juntos quando a raiva aquece o meu sangue. Eu era uma pária em todas as escolas nas quais eu já estive, mas ninguém jamais tentou me matar antes. O que há de errado com Saskia?

— Nós tentamos encontrá-la na Guilda depois de ouvir tudo, mas você já tinha ido embora. Perguntei a sua mentora sua identificação no âmbar para que eu pudesse te impedir, mas no momento em que mencionei seu nome, ela olhou para mim como se eu fosse uma pilha de excremento de goblin.

— Sim, ela é super amigável.

— E também não conseguimos encontrar seu irmão — acrescenta Perry enquanto ele se empurra para uma parede. — Então achamos que a próxima melhor coisa seria tentar encontrar você no Subterrâneo antes de você se meter em muitos problemas. Nós vagamos por Sivvyn Quarter por um tempo, depois mantivemos portais abertos perto do Clube Deviant até que você finalmente apareceu.

— Uau. Vocês se meteram em muitos problemas.

Perry encolhe os ombros e balança as longas pernas, chutando os calcanhares contra a parede. — A conta está no correio.

— Perry! — Gemma dá uma cotovelada nele. — Não seja estúpido.

— O quê? — Seus olhos arregalam em defesa. — Obviamente estou brincando.

Sinto a insinuação de um sorriso nos meus lábios. — Bem, obrigado por me tirar de lá. Eu agradeço.

— Claro. — Gemma sorri para mim. — É para isso que são os amigos, certo?

Amigos. Certo. Eu olho para baixo. A pulseira está sobre em uma pedra ao lado do meu pé esquerdo. Não posso dizer se é um truque do luar ou algum tipo de magia, mas as pedras verdes parecem estar brilhando. — Sermos amigos seria ótimo, — digo — mas não quero que vocês percam tempo.

— Por que você estaria desperdiçando nosso tempo? — Perry pergunta.

— É só... as pessoas geralmente não querem ser minhas amigas.

— Porque...

— Eles têm medo de mim. E logo vocês também terão. Vocês vão ouvir mais e mais histórias sobre mim, histórias que vão assustar vocês, e vão decidir que é muito mais seguro não ser meu amigo.

— Nós já sabemos o do menino e a bicicleta, — diz Gemma. — E daí? Ele ficou louco. Não significa que tenha sido sua culpa.

— Todo mundo conhece essa história — digo. — Espalhou muito rápido. Estou me referindo a todas as outras.

— Outras?

— Sim. Há outras histórias. — Eu brinco com a ponta desfiada do meu short que transformei.

— E... elas são verdadeiras? — Gemma pergunta com cuidado.

Eu mordo meu lábio. Não posso dizer-lhes tudo, mas também não quero mentir para eles. — A verdade é que nunca deixei qualquer pessoa louca. Nunca usei magia negra e minha mãe não é uma fada Unseelie.

— Bem, isso é tudo o que precisamos saber então — diz Perry, batendo palmas como se isso solucionasse o assunto. — A entrevista acabou. Você receberá uma oferta formal de amizade no correio.

Gemma revira os olhos e o empurra da parede.

**

Esgotada de projetar a cena detalhada do dragão, eu me jogo na cama no final da noite de terça-feira - depois de esconder a pulseira de viagem no tempo na parte de trás da minha gaveta de meia ao lado do colar de Zed que eu planejo nunca usar - e então continuo dormir até a próxima manhã. Estou perdida num sono profundo e distante quando mamãe bate na minha porta para perguntar se ainda estou planejando tomar café da manhã na Guilda. Eu me visto em tempo recorde, ignoro as três mensagens no âmbar que recebi de Zed durante a noite e apenas corro pelos caminhos das fadas na sala de entrada da Guilda. Depois que o guarda olha o meu pingente, eu me apresso em direção ao refeitório. Estou quase lá quando percebo que não trouxe a pulseira. Eu desacelero, me perguntando se eu devia voltar para casa e pegar, mas depois decido que não. Ainda não decidi se eu deveria entregá-la diretamente para alguém, ou se eu devo devolvê-la anonimamente.

Meu âmbar treme no bolso traseiro quando chego à porta do refeitório. Achei que a minha breve jornada de voltar no tempo o quebrou, mas começou a funcionar novamente durante a noite. Eu retiro e leio a última mensagem de Zed.

Por favor, me fale se você está bem. Eu não sei o que você está pensando, mas você sabe que estou aqui por você se precisar da minha ajuda.

Com um suspiro irritado, me inclino contra a parede do lado de fora do refeitório e rabisco uma rápida resposta com a minha stylus.

Em que estou pensando? E o que você está pensando? Bebendo e jogando cartas com pessoas perigosas do Subterrâneo. Isso é um relacionamento recente, ou eu nunca soube sobre esse lado de você?

Como eu nunca soube sobre sua namorada, eu adiciono silenciosamente, uma dor maçante se instalando no meu peito. Eu não tive muito tempo para pensar recentemente, mas nos momentos em que minha mente não estava ocupada com a história da Guilda ou detalhes de poções ou táticas de luta, ela se volta - irritante - para Zed. Eu sei que não tenho chances com ele, mas me pergunto se em algum momento no futuro, ele poderia me ver de forma diferente.

Pare de ser idiota. Esqueça e siga em frente.

Tentando seguir meu próprio conselho, eu deixo meu âmbar na minha mochila e entro no barulho do refeitório. Está meio cheio. A maioria dos ocupantes parece ser aprendizes, mas encontro alguns mentores e alguns guardiões mais velhos. Estou prestes a caminhar até a mesa onde Perry, Gemma e Ned estão sentados, mas depois vejo Saskia duas mesas longe deles. A dor da rejeição de Zed se transforma em uma raiva quente. Eu atravesso a sala, minhas unhas pressionando minhas palmas enquanto aperto meus punhos.

Saskia toma um gole de algo de uma caneca antes de me notar. Suas sobrancelhas saltam de surpresa quando ela abaixa a caneca. — Oh, olha quem sobreviveu à iniciação.

Eu adoraria dar uma tapa nela, mas eu consigo me segurar. — Você quase me matou.

— O quê? Eu? — Ela finge está magoada. — Eu nunca faria nada assim.

— Eu poderia fazer você ser expulsa pelo que fez.

— Oh, bem, você sabe tudo sobre expulsão, não é. Eu acho que eu deveria ter medo.

Imagens irritadas cintilam à beira da minha mente, ameaçando se libertar. Eu as forço de volta. — Quando exatamente você planeja crescer, Saskia? No ano que todos nós estivermos formados. Estaremos trabalhando aqui. Seremos profissionais. Você ainda vai agir como uma criança de cinco anos? Você ainda vai tentar sabotar as pessoas com que você está destinada a trabalhar ao lado, não contra?

Saskia olha em volta para os outros do quinto ano na mesa. — Nem todos eles. Provavelmente apenas você.

— Eu não sou sua inimiga — eu falo com os dentes cerrados. — Estou aqui pelo mesmo motivo que você: salvar pessoas. Para parar criminosos. Para ver a justiça sendo feita.

Eu giro e me dirijo para a mesa de Perry, só percebendo agora quão silencioso o refeitório ficou. Mantendo os olhos no espaço vazio ao lado de Gemma, me movo o mais rápido possível sem correr. Eu subo no banco e sento enquanto Perry começa a aplaudir. — Ótimo. Isso foi um discurso. Aqui, pegue um pretzel de canela. — Ele pega um do prato de Gemma e o coloca na minha frente.

— Saskia realmente precisa ser tão infantil? — Pergunto. — Eu sei que ela está irritada por eu não ter que começar do primeiro ano como todos os outros, mas não provei isso trabalhando, mesmo não tendo acontecido aqui?

— É mais do que isso — diz Ned, olhando para a caneca dele como se achasse o conteúdo fascinante.

— Mais?

— A verdade é que — diz Perry, — ela se sente ameaçada por você. Ela está preocupada com sua posição no topo.

— O topo do quê? Qual posição? — Perry e Gemma me olham como eu sou fosse estúpida. Até Ned levanta o olhar. — Oh, espere, você quer dizer o ranking? Por que, de todas as faeries, eu seria uma ameaça para ela?

Recebo outro olhar de você-é-realmente-tão-lenta de Perry. — Você é a irmã de Ryn Larkenwood. Todos sabem que ele é um dos melhores guardiões do mundo. E você não só é parente dele, mas ele também está treinando você.

— Um mês — eu digo. — Ele me treinou por um mês. O resto do meu treinamento aconteceu com outra pessoa.

— Oh. — Perry coloca um garfo cheio de panqueca de banana na boca. — Bem, nós poderíamos espalhar essa pequena informação para você, se você quiser, — ele diz com a boca meio cheia. — Definitivamente, você ficaria menos ameaçadora.

— E ajuda que você esteja saindo com a gente — acrescenta Gemma. — As pessoas não nos acham intimidantes.

— Sério? — Eu digo com uma cara séria. — Eu pensei que Ned era aterrorizante quando eu o conheci ontem.

As bochechas de Ned ficam coradas, e ele olha ainda mais para a caneca. Perry ri e aponta seu garfo para mim. — Viu, Gemma? Isso se chama piada. Eu não sou o único que faz. Calla vai se encaixar aqui. — Ele levanta a caneca dele e a bate contra o meu pretzel de canela. — Bem-vinda ao Clube dos Párias, Calla.

— Bem-vinda — diz Gemma, levantando o seu copo com vitamina bebendo o líquido verde-acastanhado. — Quero dizer, não que você seja um pária — acrescenta depois de engolir. — Você definitivamente parece que poderia ser uma pessoa legal, então eu não quis dizer que você é...

— Oh, não, eu sou um pária. Frequentar sete escolas diferentes aos quatorze anos faz isso com uma pessoa.

— Sete? — Gemma diz, empurrando a cabeça para trás com surpresa.

— Uh... sim. — Eu acho que essa história ainda não chegou na Guilda. — Hum, quatro escolas de calouros diferentes, então escola de curandeiro, depois escola de culinária, então escola de arte... — Eu paro quando percebo que provavelmente não deveria ter compartilhado tudo isso. Agora eles vão querer saber porque eu fui a tantas escolas. — De qualquer maneira — eu me apresso, — por que vocês se qualificam como párias? — Pego o pretzel de canela e mordo um grande pedaço antes que alguém possa me fazer qualquer pergunta.

— Oh, bem, Ned tem medo de garotas — diz Perry, — e eu sou um super nerd. Então isso nos separa das pessoas legais.

— Muito obrigado, cara — murmura Ned.

— O quê? Calla é parte do nosso grupo agora. Ela precisa saber dessas coisas.

— E quanto a você? — Eu digo a Gemma, na esperança de chamar a atenção para longe de Ned para que ele possa ter a chance de se recuperar do seu constrangimento.

Gemma termina a sua última vitamina e diz — Minha mãe é uma administradora e meu pai é um florista. Então, você sabe, eu não tenho um legado legal de guardião que quase todos os outros aqui tem. E costumo ser acusada de ser uma halfling porque, aparentemente, não tenho dois tons. Olá. — Ela aponta para a cabeça dela. — Castanho mais preto é igual a duas cores, e o castanho combina com meus olhos, então eu sou totalmente faerie, muito obrigado. — Ela hesita, então corre para adicionar, — Não que haja nada de errado em ser uma halfling.

Perry balança a cabeça e depois olha para mim. — Minha irmã é uma halfling. Metade-faerie, metade-humana. Gem gosta de se divertir com ela.

— Eu não gosto!

— Uma halfling? Isso... — Eu olho em volta e depois abaixo minha voz. — A Guilda sabe?

— Oh, sim. Ela está no registro. Não há o que esconder, uma vez que ela não tem nenhuma magia. Ela vive no reino humano com sua mãe. Eu a visito às vezes. É legal sair com toda a tecnologia humana em vez de usar magia o tempo todo.

— Quando ele diz “tecnologia humana”, ele quer dizer filmes — diz Gemma. — Tudo o que ele fala quando volta das visitas é sobre os filmes que assistiu.

— Os filmes são incríveis — diz Perry. — O mundo fae não sabe o que está perdendo.

A luz no refeitório escurece por um momento, e depois ilumina novamente. — Isso significa alguma coisa? — Pergunto, lambendo canela e açúcar de meus dedos.

— Hora de ir para a aula — diz Ned com um suspiro.

— Meu mentor vai dar a aula de hoje — diz Gemma. Ela bate na bandeja duas vezes com a stylus, que desaparece. Perry e Ned fazem o mesmo. — Poções são sua especialidade — acrescenta Gemma. — Eu acho que faremos poções para dormir hoje.

— Oh, isso é ótimo — eu digo quando levantamos. — Eu sei tudo sobre elas.

Perry levanta uma sobrancelha. — Drogando seus namorados?

Gemma bateu no braço dele enquanto eu rio. — Não, minha mãe tem problemas de sono. Ela está inventando poções para dormir desde que me lembro. Ela ficaria louca se eu fizesse uma tatuagem ou começasse a namorar alguém cinquenta anos mais velho, mas ela está bem comigo aprendendo a arte da fabricação de poções ilícitas na nossa cozinha.

— Ah, ela gosta de coisas fortes, não é? — Perry diz, balançando a cabeça como se soubesse sobre poções fortes.

— Ela não vai deixar você se tatuar? — Gemma pergunta antes que eu possa rir de Perry. — Mas você estava com aquele tatuador ontem à noite. Eu pensei que vocês deveriam ser amigos já que ele estava ajudando você a lutar contra aquele outro cara. A menos que... fosse o contrário?

— Oh, ele é um tatuador? — Eu imagino o cara que eu invadi a casa. Eu me pergunto se os formatos escuros que marcam seus braços são seu próprio trabalho. — Não, eu não o conheço. Eu o conheci ontem...

— Com licença. — Saskia fica na minha frente. — Você tem algo que me pertence. Minha faixa rastreadora.

A faixa rastreadora que eu escondi ao lado da pulseira na minha gaveta. A faixa rastreadora que planejo queimar quando chegar em casa esta tarde. — Sim, sinto muito — digo no meu melhor tom de voz de eu-não-ligo. — Eu perdi.


Capítulo 11

— Espada! Cimitarra! Arco e flecha! — Olive rosna, estalando os dedos entre cada comando. — Calla, você não está acompanhando. Adaga! — Dedo estalando. — Chakram! — Dedo estalando. — Chicote! — Dedo estalando. — Eu não vejo um chicote, Calla.

Tento bloquear sua voz ríspida e impaciente com raiva e me concentrar na sensação do chicote na minha mão. Eventualmente, ele aparece sobre o meu aperto. Eu o chicoteio rapidamente através do ar, vejo o final enrolar ao redor de um galho pendurado abaixo e puxo com força. O galho racha e quebra e navega pelo ar. O chicote desaparece quando eu o solto, mas o galho continua vindo. Eu me esquivo, então não sou nocauteada.

Estamos fora nas antigas ruínas da Guilda, uma área que aparentemente usada com bastante frequência para treinar. É grande o suficiente para acomodar muitos aprendizes e seus mentores sem que ninguém precise interferir com qualquer outra pessoa. Estou aqui com Olive e sua outra aprendiz do quinto ano, uma pequena garota chamada Ling, que não falou sequer uma palavra para mim. Utilizamos parte das ruínas como uma pista de obstáculos para aquecer, então praticamos alguns movimentos simples de luta que Olive decidiu que precisávamos aperfeiçoar – a maioria que terminou com “Não está bom o suficiente. Faça de novo.” antes de passar para o controle de armas. É um exercício simples em que devemos fazer aparecer à arma necessária instantaneamente antes de passar para a próxima. É um exercício no qual eu sou uma droga.

— Ridículo — Olive diz depois que o galho quebrado se encontra em algum lugar atrás de mim. — Como exatamente você conseguiu passar quatro anos de treinamento se não consegue controlar suas próprias armas? Ah, verdade. Você não passou por quatro anos de treinamento.

A tarde foi cheia de zombarias como essa, e eu segurei minha língua em todas às vezes. Mas já estamos aqui por quase três horas, e estou cansada de ser ridicularizada. — Você está certa — eu digo a ela. — Isto é ridículo. Quando eu estarei em uma situação em que o meu oponente recitará uma lista de armas para que eu produza instantaneamente, uma após a outra?

Olive atravessa as ruínas cobertas de vegetação e para com o seu rosto a poucos centímetros do meu. — Tenho noventa e três anos de experiência como guardiã, então seria melhor você acreditar em mim quando eu lhe disser que esse exercício é crucial. Quando você estiver em uma situação de luta, forças estarão vindo de todos os lados, você precisa se adaptar em um segundo. — Ela estala os dedos mais uma vez, ao lado da minha orelha. — Agora você não vai sair até eu estar satisfeita com seu desempenho. Ling, você pode ir para casa. Calla, comece novamente.

Os nomes das armas continuam a voar para mim e continuo tentando combinar o ritmo com o de Olive. No entanto, não pareço estar melhorando. Se qualquer coisa, estou piorando. — Inútil — diz ela depois de mais meia hora. — Inútil! Desisto. Eu tenho coisas mais importantes a fazer do que desperdiçar meu tempo com isso, Calla.

Ela volta para a Guilda através de um portal nos caminhos das fadas, enquanto lágrimas irritadas borram minha visão. Pisco-as antes que elas possam cair. Eu pressiono meus lábios juntos e olho para o chão, me perguntando pela primeira vez se Olive e Saskia e todas as outras pessoas que pensam que eu deveria ter começado do começo talvez estejam certas. Eu pensei que era boa o suficiente para esse nível de treinamento, mas não consegui fazer nenhuma coisa certa esta tarde, e é apenas o meu terceiro dia na Guilda. As coisas só ficarão mais difíceis a partir daqui.

— Você está tentando demais — diz uma voz masculina atrás de mim.

Eu giro, surpresa ao encontrar uma faca brilhando em cada uma das minhas mãos quando eu estou de frente para ele.

— Viu? — O tatuador diz. — Isso acontece facilmente quando você não está pensando nisso.

O meu aperto nas facas aumenta enquanto olho para ele com cuidado. — O que você sabe? Você não é um guardião.

— Eu sei o que eu vejo. Eu sei que deveria ser sem esforço. Automático. Tão fácil para você quanto respirar.

Tão fácil para mim quanto respirar? Antes fosse. — Como você me encontrou? — Pergunto. Eu preciso mantê-lo falando enquanto eu penso em uma ilusão suficientemente boa para distraí-lo.

— Eu tenho maneiras de rastrear as pessoas, Calla.

— Tudo bem, perseguidor. Espero que você perceba o quanto isso soa assustador.

— Vindo da menina que invadiu a minha casa para olhar minha arte.

— Eu estava curiosa. Isso não me torna assustadora. Definitivamente não tão assustadora como você, velho.

— Velho?

— Eu vi o seu mobiliário da Idade da Pedra. Se você estava vivo quando essas coisas foram feitas, então você definitivamente se qualifica para o rótulo do “velho”.

— Oh, o mobiliário — ele diz com um aceno de cabeça. — Não é meu.

— Você roubou? Como roubou a pulseira?

Ele suspira. — Bem. Sim, roubei a pulseira, mas não da Guilda. Eu o roubei do homem que você viu no túnel na noite passada. Ele é perigoso, e eu preciso manter o poder da pulseira longe dele.

— Bem, ele não vai pegar de mim, então você pode relaxar.

O tatuador franze a testa e dá um passo em minha direção. — Por favor, me diga que você ainda não a devolveu à Guilda.

Em vez de responder, liberto as barreiras em volta da minha mente e imagino um ogro pisoteando as ruínas. Ele para na frente do tatuador, balança os punhos e solta um berro.

— Não se preocupe com seus truques mentais — diz o tatuador, olhando diretamente pelo ogro. — Não funciona comigo. Eu não estava ciente na noite passada de que eu precisava proteger minha mente de você, mas agora estou. — Ele começa a se mover em minha direção, caminhando através do ogro.

Ele não pode ver. Ele não pode ver.

Chocada, tropeço para trás, abandonando a ilusão do ogro. — Como...como você sabe que eu estou fazendo isso se você não pode ver...

— Posso ver sua concentração.

Minha concentração? Ninguém nunca notou isso antes. O tatuador acelera seus passos, e lanço um escudo entre nós antes que ele possa me alcançar.

— Sério? — Ele diz. — Nós passamos por isso na última noite. Seus escudos não significam nada para mim.

— Todos os guardiões nas proximidades significam algo para você?

Seus olhos correm através das ruínas, e eu aproveito sua distração momentânea. Eu lanço faíscas no ar, tão brilhantes quanto eu posso transformá-las, e no flash cegante que se segue, liberto as facas, pego minha stylus do meu cinto e escrevo um portal ao lado dos meus pés. Uma rajada de poder sopra meu cabelo para trás e me joga sobre o meu lado. Ele quebrou o meu escudo. Eu rolo para a escuridão aberta dos caminhos das fadas, mas algo agarra meu pulso e puxa forte. Eu fico pendurada lá, meio na escuridão, olhando para a videira enrolada em meu braço e o tatuador na outra extremidade, me levantando dos caminhos das fadas com um aceno de sua mão através do ar.

Eu corto descontroladamente através da videira com minha stylus. Ela quebra. Eu caio.

E a escuridão se fecha acima de mim.

***

Os caminhos das fadas me jogam no quarto de hóspedes da casa de Ryn, porque esse deve ter sido o primeiro lugar em que pensei. Eu abro imediatamente outro portal e entro no meu quarto em casa. Eu me sento na beira da cama e respiro lentamente enquanto penso no que aconteceu. O tatuador não conseguiu ver minha ilusão. Isso nunca aconteceu antes. Isso significa que ele é muito mais poderoso do que os faeries medianos, ou é simplesmente porque outras pessoas nunca estiveram conscientes da necessidade de proteger suas mentes de mim?

Eu balanço a minha cabeça e atravesso o quarto em direção a cômoda. Não importa qual seja o motivo. O importante agora é devolver a pulseira para a Guilda antes de qualquer outra pessoa se apossar dela. Abro a gaveta de meias e olho para a joia perigosa. Além das sombras verdes mudando continuamente, não há nenhuma pista do poder que ela contém. Eu a pego com cuidado, com medo de desaparecer em um instante e reaparecer em algum lugar do passado. No entanto, nada acontece. Tudo quanto eu sei, só funciona quando eu coloco, e certamente não farei isso novamente.

— Cal, é você? — Papai grita do andar de baixo. Ele deve ter me ouvido sair dos caminhos das fadas.

— Sim — eu grito de volta. Eu me inclino para fora da minha porta e acrescento — Eu vou voltar para a Guilda rapidamente. Eu esqueci algumas coisas lá. — Não é uma mentira. Eu esqueci de voltar para a Guilda para buscar meus livros na minha pressa de me afastar do tatuador.

— Tudo bem, mas você poderia descer aqui por um momento?

Eu desço a escada e encontro papai sentado na mesa da sala de jantar, cercado por papéis. Papai costumava salvar vidas para viver. Agora ele gerencia o lado comercial de uma empresa de segurança privada para que outras pessoas possam salvar vidas e a mamãe não precisar se preocupar com ele se machucando. Eu acho que ele provavelmente ainda deseja ser um guardião. Ele provavelmente deseja muitas coisas. Não ter uma filha com uma habilidade especial sem dúvida está perto do topo da lista.

As palavras que eu o ouvi dizer a Ryn reaparecem na minha mente quando atravesso a sala em sua direção. Tudo o que eu estou perguntando é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar. É um choque saber que meu pai consideraria algo assim, e muito menos o realizaria. Mas eu tenho que lembrar de agradecer por tudo o que ele fez em vez de me sentir moralmente indignada. Afinal, suas ações me afastaram da Lista Griffin.

Eu me pergunto se mamãe sabe o que ele fez. Provavelmente não. Ela é tão frágil, tenho certeza de que papai iria protegê-la disso, como ele a protege de todo o resto.

Papai se levanta quando chego perto da mesa e me inclino contra ela. — Eu encontrei isso em um armário mais cedo hoje — ele diz, levantando uma faca de uma caixa. O cabo de madeira é lindamente esculpido com padrões elaborados e parece do tamanho certo para caber confortavelmente na minha mão. — Era o tokehari que minha mãe deixou para mim — diz papai. — Algo especial, para que eu sempre me lembre dela. — Ele me oferece, junto com uma bainha de couro. — Eu gostaria que você ficasse com ela. Eu sei que você tem armas de guardiã agora, mas pode chegar um momento em que você não terá acesso a elas. Um guardião deve sempre estar preparado.

— Obrigada, pai. — Pego a faca e testo o seu peso e a sinto na minha mão. Eu corro meu dedo ao longo dos padrões no cabo. — É linda.

— A bainha pode ficar presa dentro de uma das suas botas. Dessa forma, você não terá que se lembrar de guardá-la sempre que você tiver uma tarefa ou treinamento.

— Legal. — Deslizo a faca dentro sua cobertura de couro fino. — Eu vou fazer isso hoje à noite. Então eu posso começar a praticar amanhã.

Com um sorriso e um aceno de cabeça, papai se senta e volta ao seu trabalho. Eu vou para as escadas.

Tudo o que eu estou perguntando é se você se certificou de que não há nenhum registro dos subornos em qualquer lugar.

Paro e olho para trás por cima do meu ombro. — Papai? — Ele olha para cima. — Desculpe-me... por ser do jeito que sou. Desculpe pelo o que quer que você tenha feito para me manter fora da Lista Griffin.

Ele franze a testa, depois levanta e vem em minha direção. Ele me puxa para um abraço apertado. — Não se desculpe — diz ele. — Tudo o que eu tive que fazer para mantê-la segura, eu ficaria feliz em fazer novamente. Um dia, quando você for mãe, você entenderá.

Eu aceno com a cabeça contra o seu peito. Ele se afasta, aperta minha bochecha e depois volta à mesa. Subo as escadas e alcanço meu quarto quando uma música começa a tocar na direção da minha mesa. Eu ando até ela e pego meu espelho de mão. O rosto de Zed aparece na superfície brilhante, mas eu não toco para aceitar a chamada. Há uma parte traiçoeira do meu coração que quer ouvir sua voz, mas ainda estou irritada e ferida. Além disso, tenho algo mais importante a fazer agora. Posso falar com ele mais tarde, quando eu devolver a pulseira. Eu jogo o espelho na minha cama e volto para a minha gaveta.

O quarto vibra.

— Não, não, não — sussurro, erguendo as mãos para me estabilizar. O mundo treme e sacode, e de repente eu estou em um lugar completamente diferente. — O quê? — Eu grito. — Como? — Sem pulseira no meu braço. Eu nem estava tocando.

Uma mulher empurra um carrinho pelo lado direito do meu corpo e continua andando. Eu pulo para longe dela e olho em volta. Estou de pé em um grande shopping em algum lugar do reino humano. Não reconheço nada até encontrar o café com temas musicais. Eu vejo uma versão mais nova de mim, aninhada em um sofá sob um violão na parede, e me lembro desse dia instantaneamente. Foi o meu primeiro dia em Ellinhart, e ainda estava furiosa que mamãe mais uma vez recusou me deixar entrar na Guilda. Eu deixei a escola assim que minha última lição terminou, desafiei as regras da minha mãe e as leis fae, e me sentei em uma cafeteria humana em plena visão de todos os humanos que passavam. Claro, nenhum deles sabia o que eu era, então provavelmente não teria tido muitos problemas se alguém descobrisse, mas eu ainda me sentia uma rebelde.

— Ugh, o que estou fazendo aqui? — Eu pulo para cima e para baixo e balanço meus braços, esperando me sacudir de volta ao presente. Não funciona. Talvez eu esteja presa aqui para sempre porque não estou com a pulseira. Mas então... como eu cheguei aqui em primeiro lugar?

— Não entre em pânico, não entre em pânico — eu murmuro para mim. Eu consegui voltar ao presente da última vez que isso aconteceu, então tenho que confiar que eu possa retornar novamente. Entro no café e pairo perto do sofá, onde eu tomo uma caneca de café com 13 anos de idade. Eu sei o que vem depois, e uma parte louca e estúpida de mim quer reviver o momento. Olho em volta e o encontro sentado no balcão pintado como um piano.

Zed. Ele está olhando para um lado com uma careta no rosto. Ele abandona sua bebida, atravessa a sala e fica ao lado de mim no sofá. Ela quase derrama seu café com o susto, mas depois o reconhece. Ela sabe quem ele é antes de ele falar. — Isso vai parecer muito estranho — diz ele, — mas acho que conheço você. De... bem, você se lembra de mim?

Claro que me lembro dele. Como eu poderia esquecer do cara que estava trancado na gaiola pendurada ao lado da minha? Ele fez o seu melhor para me distrair dos meus medos. O terrível príncipe Unseelie, os lamentos e os gritos dos outros prisioneiros, as criaturas que nadavam na água escura abaixo de nós, o sangue do homem do qual eu tentava me afastar...

O mundo se inclina e estremece e eu volto para o presente.

Eu tropeço no meu quarto e me apoio contra a mesa. Náusea me ataca. Eu dobro, agarrando meu estômago. Respirando profundamente, consigo chegar ao meu banheiro sem vomitar. Eu me ajoelho ao lado da piscina encantada, pressionando meus dedos nas pequenas pedras brancas que cobrem o chão do banheiro e observo meu reflexo ondulante na água. Após um minuto ou mais respirando profundamente, a náusea passa.

Eu tenho que me livrar dessa pulseira.


Capítulo 12

Eu enrolo a pulseira em uma camiseta e coloco dentro de uma das minhas mochilas pintadas antes de me dirigir para a Guilda. — Voltou para algum treino extra? — O guarda pergunta enquanto examina meu pingente.

— Não, deixei a minha lição de casa no meu armário — eu digo a ele com um sorriso e um revirar de olhos.

No momento em que atravesso a entrada do saguão, me lembro da camada extra de magia que existe lá. Meu sorriso desliza. Eu congelo por um momento, esperando que um alarme dispare quando os encantos protetores detectarem a pulseira. Mas nada acontece. Aliviada, eu continuo andando. Eu acho que a magia da pulseira não é vista como uma ameaça. Talvez, penso enquanto me dirijo para a escada, seja uma espécie de magia desconhecida, como a magia que me permite criar ilusões. A porta protetora nunca me viu como uma ameaça - embora provavelmente devesse.

Em vez de subir as escadas, eu ando atrás delas em direção ao elevador. Eu não sabia que estava aqui até a última semana de verão. Ryn nunca parece usá-lo e nem a maioria dos outros membros da Guilda. Normalmente estou feliz em subir as escadas, mas não quero ser vista esta tarde. Eu aceno minha mão na frente da porta do elevador ornamentado, depois recuo e espero. Depois de vários momentos - durante os quais eu mantenho a cabeça baixa e espero que ninguém se junte a mim - a porta ondula e desaparece. Eu entro no elevador e giro para o relógio de bronze na parede esquerda. Há mais de doze números ao redor de sua borda. Com o dedo, movo o ponteiro de zero para cinco. A porta reaparece e o elevador ergue-se. Quando abre mais uma vez, saio perto da biblioteca.

Eu pensei em dar a pulseira a um membro do Conselho, mas então eu teria que responder perguntas sobre como e onde eu peguei. Eu poderia dar a Ryn e pedir-lhe para manter meu nome fora, mas então ele ficaria sob destaque. Melhor apenas manter todos fora de problemas e deixar a pulseira onde um membro da Guilda possa encontrá-la.

Entro na biblioteca e vou para um dos corredores, examinando as prateleiras como se estivesse procurando um livro em particular. Eu alcanço a outra extremidade, olho ao redor para garantir que ninguém estar observando e, em seguida, removo a pulseira embrulhada da minha mochila. Coloco no chão antes de tirar a camiseta. Sem esperar um momento mais, eu me levanto e ando de volta para corredor. Agora eu só preciso pegar meus livros e mochila de treinamento do meu armário, e eu posso...

— Oh! — Eu retrocedo quando chego ao final das estantes e quase esbarro em alguém.

— Ops, desculpe — diz Gemma, levando a mão para a boca dela. — Oh, Calla, ei. — Ela me dá um sorriso de desculpas. — Desculpe, isso foi totalmente minha culpa. Eu estava correndo aqui para pegar minhas coisas. Acabei de estar lá em cima, hum... — Ela se aproxima para tocar seu pescoço em um gesto autoconsciente. — Bem, tem esse cara. Ele é um aprendiz de Vidente. Você sabe que os três pisos superiores são para os Videntes, certo?

Eu aceno com a cabeça, esperando não parecer tão culpada quanto me sinto.

— Sim, então não os vemos muitas vezes porque nosso treinamento é completamente separado do deles, mas o encontrei algumas vezes quando comecei aqui porque a mãe dele também é uma administradora. Eu já tive uma paixonite por ele, tipo, por um ano. — Ela revira os olhos quando rosa aparece nas suas bochechas. — Nós às vezes sorrimos. Como amigos. Porque ele é incrível e eu sou tímida demais para lhe dizer que eu gosto dele. De qualquer forma — ela se apressa rapidamente, — o que você está fazendo aqui? Eu vi Olive agora mesmo, então pensei que você já tinha acabado.

— Sim, eu apenas... esqueci meus livros. — No meu armário. Que está lá embaixo. Em nenhuma parte perto da biblioteca. — E eu estava procurando por algo que não entendi muito bem em uma das aulas anteriores — acrescento rapidamente.

— Oh, legal — diz Gemma, sem um pingo de suspeita. — Eu vou andando para casa agora. Você quer se juntar a mim?

— Andando? — Eu a sigo até uma mesa onde ela recupera sua bolsa de uma cadeira. — Você não usa os caminhos das fadas?

— Uso. Não se preocupe, não sou um daqueles extremistas que não usam os caminhos desde o reinado de Draven. Eu apenas gosto de pegar o Caminho Tip-Top quando não é inverno porque é muito bonito. Já esteve lá antes?

— Hum, não. — Saímos da biblioteca e seguimos para as escadas. — Na verdade, eu não moro em Creepy Hollow, então, se eu fosse para casa, levaria muito tempo. Os caminhos das fadas são a minha única opção.

— Oh, mas você está perdendo. É muito bonito lá. Um pouco perigoso, obviamente — ela acrescenta enquanto descemos as escadas, — mas é um pouco perigoso em todos os lugares em Creepy Hollow.

— Eu acho que eu posso andar com você um pouco e, em seguida, pegar os caminhos das fadas para casa — eu digo.

Depois de parar nos armários para que eu possa pegar minhas coisas, deixamos a Guilda através da sala de entrada e saímos dos caminhos das fadas, perto do início do Caminho Tip-Top. Começa na base de uma árvore onde raízes grandes e nodosas se torcem umas sobre as outras para formar degraus irregulares. Mais no alto, onde as raízes terminam, galhos baixos se dobram uns sobre os outros para formar mais degraus. A escada desigual continua em um gradiente fácil de uma árvore para outra até chegar ao dossel da floresta. Enquanto a escada não é íngreme, a casca é escorregadia em lugares onde foi usada ao longo dos séculos. Eu quase perco meu equilíbrio várias vezes, mas é fácil de segurar nos galhos mais próximos.

O Caminho Tip-Top continua por quilômetros através do dossel, construído a partir dos galhos superiores de árvores adjacentes. A intervalos aqui e ali, uma escada desigual como a que escalamos no início leva ao chão - que está tão longe que mal posso conseguir ver entre os galhos emaranhados e as folhas. O céu crepuscular é perfeitamente visível a partir de aqui, no entanto. Uma névoa púrpura rosa como tinta aquarela sangra entre si. Na luz se desvanecendo, percebo pequenos insetos brilhantes muito menores do que os que aparecem mais perto do chão em cima das folhas de outono. Os sprites de guarda-chuva competem uns com os outros ao longo dos pequenos galhos nas laterais, pulando e depois abrindo os apêndices como guarda-chuva anexados na parte de trás de seus pescoços para que possam deslizar de um galho para o outro. Asterpearls, pequenas flores brancas perenes, crescem aqui e ali entre o musgo no caminho. Seu fraco perfume paira no ar.

— Você está certa — eu digo a Gemma. — É realmente lindo...

Minhas palavras são cortadas quando uma esfinge em miniatura salta das sombras para o caminho na frente de nós e mostra seus dentes. Gemma aperta minha mão. Nós duas congelamos. É do tamanho de um gato grande de casa, mas parece feroz o suficiente para causar algum dano. Ambas fomos ensinadas a não lutar contra qualquer coisa a menos que sejamos atacadas primeiro, por isso esperamos, imóveis. Depois de mais grunhidos, a esfinge dobra as patas da frente e se afasta de nós para as sombras do outro lado do caminho.

— Caramba — diz Gemma, soltando minha mão e continuando pelo caminho. — Eu acho que já vi esse antes. Sempre é um pouco agressivo, mas não ataca, desde que você não faça movimentos ameaçadores.

— Você sabe disso por experiência?

— Infelizmente, sim. Eu estava com Perry. Ele fez uma dança estranha do braço mexendo e a esfinge pulou e arranhou o peito dele. Ele queria ir atrás quando ela foi embora, mas consegui fazê-lo ficar quieto enquanto suas feridas curavam.

Eu sorrio e passo cuidadosamente em torno de uma pequena criatura peluda que decidiu que o meio do caminho era um bom local para tirar uma soneca. — Vocês são amigos há muito tempo?

— Desde o primeiro ano na Guilda.

— Ok. — Eu aceno com a cabeça. E então aceno mais uma vez porque nunca fui fantástica ao ter conversas com pessoas novas.

— Então, hum... — Gemma balança os braços ao seu lado. — O que seus pais fazem? Espero que seja algo mais excitante do que meus pais.

— Na verdade, não — digo com uma risada. — Minha mãe é uma bibliotecária naquela enorme biblioteca anexada à Escola Wilfred Healer, e meu pai trabalha para uma empresa privada de segurança. Ele costumava ser um guardião, mas parou de trabalhar depois que seu primeiro filho morreu e seu primeiro casamento desmoronou. Depois que ele conheceu minha mãe, ele deixou de ser um guardião completamente. Desativou suas marcas e tudo.

— Sério? Uau. Eu não conheço ninguém que teve suas marcas desativadas.

— Sim, acho que não é comum. A Guilda reativou suas marcas depois da Destruição, porque eles precisavam de toda a ajuda possível, e papai não queria se esconder nas sombras, mesmo que minha mãe não estivesse feliz com isso. Ela ficou aterrorizada todos os dias, com medo de que receberia uma carta dizendo que ele morreu ou tinha sido capturado e marcado. De qualquer forma, isso não aconteceu, e depois que o reinado de Draven acabou, ele deixou a Guilda novamente.

A expressão de Gemma torna-se pensativa. — Eu não posso me imaginar saindo.

— Eu também. — Eu desvio para que não caminhe entre em uma procissão de aranhas-de-prata cruzando o caminho em um único fio cor de prata. — De qualquer forma, meus pais são chatos. Conte-me sobre este Vidente por quem você tem uma paixão.

— Oh. — Gemma sorri para seus pés. — Seu nome é Rick. Ele é bonito e inteligente e divertido e amável e geralmente perfeito. Ele não tem namorada há pelo menos quatro meses, e não sei por que porque todas as meninas Videntes querem estar com ele.

— Bem, talvez ele tenha visto você em seu futuro — eu digo, cutucando seu braço com meu cotovelo e me perguntando quantos Videntes usam essa cantada.

Ela geme. — Eu duvido. Não é isso que ele treinou para ver. Quero dizer, com certeza, os Videntes nascem com a capacidade de ver praticamente qualquer coisa no futuro, mas é por isso que aqueles que trabalham para a Guilda têm muito treinamento. Eles têm que aprender a aprimorar suas habilidades para que vejam as coisas perigosas que estão chegando, e não as coisas frívolas. Esse é o foco deles, e toda a sua magia se dedica a isso. Ele provavelmente não tem muita magia para ver visões de seu relacionamento no futuro.

— Talvez ele seja poderoso o suficiente para... Oh! — Eu agarro uma videira pendurada quando minhas botas deslizam lateralmente, quase me enviando para fora da borda do caminho desigual.

— Cuidado, essa parte é escorregadia — diz Gemma, voltando e pegando minha mão.

— Uh huh. — Eu passo o pedaço liso e brilhante da casca e ando pelas partes ásperas que proporcionam uma melhor aderência aos meus sapatos. — De qualquer forma. Eu estava dizendo que talvez ele seja poderoso o suficiente para ver as coisas perigosas e as coisas frívolas como sua vida amorosa.

— Eu não sei. Não tenho certeza de que gostaria de saber esse tipo de coisa antes do tempo, se fosse eu. Ter a emoção, sabe? E Rick é apenas um vidente normal, não um superpoderoso ou qualquer outra coisa, então tenho certeza de que toda a sua magia vai para ter visões para a Guilda. — Ela arranca uma das poucas folhas verdes restantes de um galho e gira entre os dedos dela. — Você sabia que quanto mais poderoso é um Vidente, mais longe no futuro ele ou ela pode ver? Rick disse que seu bisavô viu um ataque cinquenta anos antes de acontecer. Os guardiões encontraram a fada que ia fazer isso. Ele ainda era uma criança, e descobriram que seus pais eram abusivos. A Guilda se envolveu, a criança acabou com uma nova família, e cinquenta anos depois, o ataque nunca aconteceu.

— Isso é incrível. Pergunto-me quantos outros eventos mudaram porque a Guilda interveio na vida desse menino.

— Inúmeros eventos, eu tenho certeza. O futuro está sempre mudando. Você sabe como é com algumas das nossas tarefas. Nós apareceremos depois de terem recebido o resumo sobre o que deveria acontecer, e então isso nunca acontece.

— Sério? Isso aconteceu com você?

— Sim. Isso significa que algo mudou, o que, por sua vez, afetou o evento em que eu deveria mudar. — Ela olha para mim e franze a testa. — Eu acho isso. É tudo bastante complicado. Às vezes, eu viajo quando Rick tenta explicar coisas.

— Isso provavelmente é porque você está olhando para seus olhos perfeitos ou seus lábios perfeitos ou alguma outra característica perfeita dele.

Ela tenta parecer ofendida, mas depois caí na gargalhada. — Sim, isso provavelmente é verdade.

À medida que nossa risada diminui, lembro de uma pergunta que sempre tive quando penso na capacidade de Ver. — Às vezes, eu me pergunto por que os videntes nunca viram a Destruição chegando.

— Ugh, sim, você e todos os outros. Rick e eu quase tivemos uma briga sobre essa questão, porque aparentemente todos perguntam aos Videntes sobre isso, e eles estão cansados disso. Foi a única vez que ele já ficou chateado comigo.

— Mas ele te respondeu? Ele sabe por que eles não Viram acontecer?

— Aparentemente alguém do exército especial de Draven, uma das primeiras pessoas que acabaram na Lista Griffin depois do reinado de Draven terminar, era uma mulher que podia bloquear visões. Os Videntes sempre dizem que Draven a estava usando para bloquear suas visões sobre o que estava por vir.

— Oh, tudo bem. Hum, qual a sua opinião sobre a Lista Griffin? — Eu pergunto de forma casual.

Gemma solta um longo suspiro e solta a folha sobre a borda do caminho. — A Lista Griffin é estúpida. Quero dizer, pense sobre isso. Essas pessoas e sua magia especial existem há séculos e nunca incomodaram ninguém antes. Não é culpa deles que o príncipe Marzell os prendeu a um exército quase imparável. Eles estavam sob o controle dele e de Draven, tanto quanto qualquer outro ser mágico. Mas então, a Guilda vem e tem que dar rótulos a tudo - habilidades especial, pessoas Dotadas e ordenar tudo em um registro da maneira que eles fazem para halflings, a maioria dos quais também são inofensivos. É simplesmente ridículo.

— Eu concordo — eu digo, — mas, por outro lado, você pode entender o objetivo da lista, não pode? Algumas dessas habilidades especiais são realmente perigosas.

— Bem, sim, há alguns perigosos, mas isso não significa que as pessoas que as possuem são perigosas. É só... — Ela hesita, reunindo seus pensamentos. — Os criminosos vêm de todas as formas e tamanhos e raças, de todos os tipos de origens e com todos os tipos de magia. Qualquer um poderia ser um criminoso, não apenas um dos Dotados. Então, por que tratá-los de forma diferente?

Estou gostando cada vez mais dessa garota. — Isso faz todo o sentido para mim. Se o resto do mundo enxergasse dessa maneira.

— Eu sei. Mas você não pode argumentar demais sobre isso, de outra forma as pessoas começam a pensar que você é Dotada.

— Sim. — Eu começo a pensar que este provavelmente é um bom momento para eu ir para casa. É ótimo que Gemma e eu estejamos de acordo sobre a Lista Griffin, mas se continuarmos conversando sobre isso por muito mais tempo, eu posso acabar deixando escapar algo. — Eu provavelmente deveria ir para casa.

— Eu também — diz ela. — É aqui onde eu costumo entrar nos caminhos das fadas. Minha casa está perto, mas é mais fácil seguir os caminhos do que descer todas as escadas.

Dizemos adeus e trocamos um abraço meio-estranho. Então eu abro um portal e entro nele. Em vez de levar os caminhos das fadas diretamente ao meu quarto, saio perto de uma das cachoeiras perto da minha casa. Vivemos no Vale Carnelian agora. Não é uma área florestal natural como Creepy Hollow ou Woodsinger Grove. As árvores foram plantadas especificamente para serem usadas como casas de fadas. Elas estão dispostas em círculos concêntricos em volta de um sistema de oito lagos interligados na base do vale. Supostamente é uma área cara e altamente procurada. Ryn disse que papai deve ter usado influência para conseguir uma casa aqui tão rapidamente depois que mamãe escolheu essa área.

Fico com as mãos nos meus quadris e examino a área, comparando-a com a floresta que acabei de passar. Os lagos e cachoeiras em cascata são lindos, mas não há nada que me atraia nos círculos perfeitos das árvores subindo pelos lados do vale. Eu preferiria ter uma casa na floresta emaranhada de Creepy Hollow.

Eu me afasto da água. Conforme vou me aproximando da nossa árvore, percebo alguém sentado no chão ao lado. Paro e olho mais de perto. No momento em que eu o reconheço, sinto o choque familiar no meu estômago. Não é tão forte como costumava ser, no entanto. Eu acho que estou superando minha paixão tola.

— O que você está fazendo aqui, Zed? — Pergunto enquanto eu ando em direção a ele.

— Você está me ignorando — ele diz ficando de pé. — Eu queria ver você.

— Então, você decidiu espreitar fora da minha casa? Estou surpresa que meu pai não tenha vindo aqui para descobrir quem você é e o que deseja.

— Oh, conheci seus pais. Eu disse a eles que eu sou um dos instrutores de treinamento da Guilda e que eu vim para organizar um cronograma para treinamento extra que você solicitou. Eles disseram que você ainda não estava em casa, então eu disse que esperaria aqui fora.

Pisco, depois solto minha mochila no chão e cruzo meus braços. — Então você não veio explicar por que estava saindo com o drakoni que queria me matar?

— Olha, não percebi que ele odiava tanto guardiões. Eu mal conhecia o cara. Ele faz parte de um grupo de pessoas com... bem, interesses semelhantes.

— Interesses semelhantes?

— Sim, é... — Zed coça a cabeça. — Nós somos todos sobreviventes que foram trancados no calabouço do príncipe Zell antes da Destruição. É como... um grupo de apoio.

— Um grupo de apoio? Agora você está inventando coisas.

— Eu não estou, Calla. Realmente existe um grupo. Eu não sei como esses caras se encontraram, mas eles se encontraram, e agora eles me encontraram.

— Bem... isso é ótimo.

— O que aconteceu ontem à noite quando você desapareceu? — Zed pergunta, aproximando-se de mim. — Aquilo foi realmente estranho.

— Ah, não era nada. Não é grande coisa. — Passo por ele e escrevo um portal na grande árvore que esconde minha casa.

— Você tem certeza? Porque você parecia seriamente...

— Tenho certeza. Foi uma das minhas ilusões. Eu fiz que todos pensassem que eu tinha desaparecido. Mas então, não consegui segurar porque, hum... — Um choque passa por mim. Ondas irradiam longe de mim. — Oh, não. — Giro e alcanço Zed, mas tudo desaparece.

Eu me vejo parada na mesma cena em que eu estava antes. Zed está sentado ao lado da minha versão mais nova no sofá no café, eu estou dizendo, “...muito feliz por você aparecer aqui. Sempre me perguntei o que aconteceu com você. Meu irmão disse que a Guilda resgataria todos, mas nunca soube com certeza se resgataram.”

— Não! — Eu grito. Eu não deveria mais estar viajando pelo tempo. Não estou perto daquela pulseira estúpida. Por que ela ainda me afeta?

— Eles não nos resgataram — Zed diz para o eu mais jovem.

— O quê? Mas então, como você saiu? Você... oh meu Deus, você teve que lutar por Draven? Ele fez lavagem cerebral em você?

Coloco meus dedos no meu cabelo e o puxo. Leve-me de volta ao presente. De volta ao presente. DE VOLTA AO PRESENTE, DROGA!

— Não — diz Zed. — Eles tiveram que nos tirar de nossas gaiolas para nos marcar, e foi quando alguns de nós conseguiram. Foi... bem, não vou dizer-lhe como fizemos porque foi bastante horrível. Estávamos desesperados. Sabíamos que a Guilda nunca viria.

— Não foi culpa da Guilda, ok? — Grito a Zed enquanto ele continua contando para minha versão mais nova como ele decidiu nunca mais voltar para a Guilda. — É complicado com as Cortes Seelie e Unseelie. A Guilda não pode simplesmente marchar para qualquer lugar que quiser. Eles provavelmente teriam iniciado uma guerra bastante cedo se ignorassem todas as leis, e você sabe disso.

A cena desaparece junto com o som súbito ao qual estou me acostumando. A náusea e a tontura me atingem no momento em que eu volto para o Vale Carnelian. Eu tento me estabilizar contra a árvore e encontrar a entrada na minha casa ainda aberta.

— O que foi isso? — Exige Zed. — O que acabou de acontecer?

— Q-quanto tempo eu sumi? — Eu pergunto entre suspiros profundos de ar.

— Eu não sei. Dois ou três segundos, como ontem à noite. O que está acontecendo?

— Nada, estou bem. — Eu o afasto e arrasto a mim e a minha bolsa para dentro. A porta fecha e caio na poltrona mais próxima. Inclino-me para frente e coloco minha cabeça entre meus joelhos. Não passe mal, não passe mal, não passe mal.

— Ei, docinho, — mamãe chama da cozinha. — Você viu o instrutor lá fora?

Eu respiro profundamente e digo, — Sim, falei com ele.

— Bom. Fico feliz que você esteja em casa. O jantar estará pronto em breve e você precisa de muita comida para manter sua força para todo esse treinamento extra.

— Ótimo — eu murmuro, inclinando minha cabeça para trás e fechando meus olhos. Eu só preciso de uma coisa agora, e não é comida.

Preciso do tatuador.


Capítulo 13

Depois que mamãe e papai vão para a cama, eu me visto e abro um portal. Eu sei exatamente como é dentro da sala de estar do tatuador, então eu me concentro nisso enquanto entro na escuridão. À medida que a luz aparece, eu me apresso, mas estou deixando os caminhos das fadas quando me sinto caindo, girando, virando. Eu agarro desesperadamente o ar enquanto meu corpo é arremessado por uma força invisível e um grito de banshee guinchando nos meus ouvidos. Quando ao meu redor finalmente se torna uma paisagem lentamente balançando ao invés de uma mistura de turvo, percebo que estou pendurada de cabeça para baixo.

— O que... o que foi isso? — Eu suspiro.

O grito para, e uma voz atrás de mim diz — Bem, estou feliz em ver que o meu alarme de intruso está funcionando. — Uma força invisível me balança de cabeça para cima e me deposita em cima do sofá. — Provavelmente devo agradecer por me alertar sobre a pequena falha no meu sistema de segurança — diz o tatuador. Ele se inclina sobre as costas da poltrona e me examina. As pontas de seus dedos estão manchadas de preto. Tinta? Pintura? Carvão? Não posso dizer daqui. — Então, Calla. Estou assumindo que você mudou de ideia esta tarde? — Ele diz.

— Na verdade — eu digo com cuidado, — eu preciso da sua ajuda. A coisa de viagem no tempo... está acontecendo mesmo quando não estou usando a pulseira.

Ele fecha seus olhos e suspira. — Eu disse para você não a colocar.

— Não. Você me encontrou depois de colocá-la e depois perguntou o que tinha de errado comigo. Agora, realmente há algo de errado comigo, e não tenho ideia de como fazer parar.

— E você acha que posso ajudá-la.

— Bem, você parecia saber o que ela ia fazer comigo.

Ele acena com a cabeça lentamente. — Eu sabia.

Espero que ele me diga se sabe como me consertar ou não, mas ele não diz nada. — Ok, quanto a isso — eu digo. — Se você puder me ajudar, eu vou te devolver a pulseira. — Isso pode não ser mais possível, mas ele não precisa saber disso. Ainda não.

O tatuador arqueia uma sobrancelha. — Eu não acho que você está em posição de negociar comigo.

— Mas eu tenho algo que você quer. Não é assim que negociar funciona?

Ele se endireita, anda em volta da cadeira, e se senta. — Que tal isso — diz ele. — Você me dá a pulseira, e eu concordo em não contar a Guilda sobre sua Habilidade especial.

— O...o quê? — Eu pressiono meus dedos na almofada macia enquanto dentro de mim congela.

— A Lista Griffin? — Diz o tatuador. — Eu acho que você ouviu falar sobre isso. Eu também acho que você não está nela. Se estivesse, a Guilda não permitiria que você fosse um dos seus guardiões.

Suas palavras ficam no ar entre nós. Palavras que ameaçam roubar tudo o que eu sonhei. Respiro fundo e coloco minhas mãos cuidadosamente no meu colo. — Qual é o seu nome? — Pergunto.

— Meu nome é Chase.

— Bem, Chase — digo devagar. — Eu não estou mais com a pulseira.

Sua expressão mal muda, mas seus lábios ficam mais apertados. Quando ele fala, sua voz é mais tranquila do que antes. — Você devolveu para a Guilda?

— Devolvi.

Ele me olha por um momento a mais e depois deixa a cabeça cair entre suas mãos. Ele geme e esfrega as têmporas. — Você não sabe o que fez.

Ele parece tão desanimado que me pergunto pela primeira vez, se eu de fato cometi um erro ao devolver a pulseira a Guilda. — Algo... algo ruim vai acontecer porque eu fiz isso?

— Provavelmente. — Chase esfrega o queixo e olha para a cachoeira pintada à direita. — Se ele roubou antes, ele vai roubá-la novamente.

— Ele? — Pergunto, me sentando para frente.

— Saber. O homem que nos encontrou no túnel na noite passada. Desde que ele começou a se encontrar com um dos prisioneiros em Velazar, ele está caçando a pulseira. Eu acho que é porque ele foi informado que deve voltar no tempo e encontrar uma informação importante. E este prisioneiro... bem, ele é extremamente perigoso. Qualquer informação que ele esteja procurando, eu preferiria que ele não encontrasse.

Inclino minha cabeça para o lado, olhando-o com suspeita. — Como você sabe tudo isso? Você está trabalhando para a Guilda? A Corte Seelie?

Ele ri silenciosamente e balança a cabeça. — Os guardiões não são os únicos que tentam livrar o mundo do mal.

— Então você é... o que... um tipo de vigilante?

Ele ri de novo, então vira seu olhar brilhante sobre mim. — Eu pareço um vigilante?

— Eu não sei. Não posso dizer que conheci muitos vigilantes, então não tenho certeza de como eles parecem. Eu sei que eles agem fora da lei, porém, e provavelmente devem ser relatados à Guilda.

Divertido, Chase diz — Você está me ameaçando? Você, aquela com o perigoso segredo que está tentando esconder da Guilda, está ameaçando me denunciar, a pessoa que conhece seu segredo. — Ele balança a cabeça. — Você não tem ideia de como essa coisa de negociar funciona, não é.

— Eu sei exatamente como isso funciona — digo enquanto levanto. — Eu estava apenas esperando que você quisesse manter seu segredo guardado quanto eu quero manter o meu. — Eu caio sobre um joelho e escrevo um portal no tapete desgastado.

— Ei, espere um minuto. — Chase pula, mas eu já estou caindo através da escuridão.

Eu caio nas antigas ruínas da Guilda, depois abro outro portal e saio mais perto da nova Guilda. Ryn me avisou antes que é possível ser seguido pelos caminhos das fadas, e eu prefiro não ter Chase vindo atrás de mim. Eu preciso pensar.

Eu permaneço em meio a um grupo de cogumelos gigantes e mordo meu lábio. Eu sei o que devo fazer agora. Eu deveria ir ao Conselho da Guilda e contar-lhes tudo o que sei. A pulseira, o tatuador vigilante, esse cara chamado Saber e como ele se encontrou com alguém na prisão de Velazar, que abriga os criminosos mais perigosos em nosso mundo. Mas se eu fizer isso, vou sacrificar meu futuro como guardiã. Estarei sacrificando minha liberdade. Chase irá dizer-lhes o que posso fazer, e meu nome acabará na Lista Griffin, disponível para quem quiser procurar. A Guilda terá controle sobre mim pelo resto da minha vida. Eles acompanharão tudo o que eu faço e em todos os lugares que eu vou. Eles podem até descobrir sobre... aquele incidente. Aquele que eu gosto de fingir que nunca aconteceu.

Não. Eu tenho que pegar aquela pulseira de volta. Além disso, se Chase estiver certo e o Saber pegá-la novamente porque eu a devolvi para a Guilda, então, na verdade, estou fazendo o certo ao roubá-la de volta. E, agora que penso nisso, quem sou eu para julgar Chase por trabalhar fora da lei quando passei os últimos anos fazendo o mesmo? A Guilda não tinha nada a ver com nenhuma dessas “tarefas” que Zed me deu.

Decisão tomada, eu me dirijo para a entrada dentro da Guilda através dos caminhos das fadas. Felizmente, meu pingente de aprendiz ainda está em volta do meu pescoço, então não tenho que ir para casa para pegá-lo. Espero que o guarda noturno me questione quando apareço na sala de entrada, mas ele não diz nada. Eu acho que seja normal que os aprendizes apareçam em horas estranhas se tiveram tarefas tarde da noite. E pessoas como Saskia que estão obcecadas com os rankings provavelmente vêm aqui para treinar no meio da noite.

Eu corro para a biblioteca, esperando que isso seja tão fácil quanto voltar ao ponto em que deixei a pulseira e pegá-la. Não é, é claro. A pulseira desapareceu. — Obviamente — eu murmuro para mim mesma. A vida nunca é fácil. Eu ando até a recepção. Depois de me certificar de que ninguém está por perto, eu procuro, levantando cuidadosamente em livros e pergaminhos e abrindo gavetas.

Não encontro a pulseira.

Merda. Provavelmente já foi devolvida ao andar dos artefatos. O andar de artefatos altamente seguro. Posso criar uma ilusão suficientemente boa para entrar e sair daqui sem ser pega? Eu acho que vou ter que se eu...

Espera aí. Ao percorrer o escritório do bibliotecário, vejo algo deitado sobre sua mesa. Algo com peças de relógio e pedras verdes. — Sim! — Eu sussurro. Olho em volta mais uma vez, mas ainda não vejo ninguém aqui. Se a porta do escritório estiver aberta, isso significa que o bibliotecário está em algum lugar? Provavelmente não. Ele não pode trabalhar o dia inteiro e a noite toda.

Deslizo para dentro e pego a pulseira - e escuto um baque na recepção da biblioteca.

Claro. Porque a vida nunca é fácil.

Eu me abaixo e rastejo para trás da mesa, logo quando alguém entra no escritório cantarolando discretamente. Olho abaixo da mesa e vejo os sapatos rosa de salto alto da assistente do bibliotecário. Ela coloca algo pesado sobre a mesa, então se move em torno do lado.

Pense, pense, pense! Eu abaixo as defesas da minha mente e projeto uma imagem de um dos anões mensageiros batendo na porta. E ele diz... Merda, o que um mensageiro diria a essa hora da noite?

— Boa noite, senhora — eu imagino o anão dizendo. — Acabei de ver um aprendiz tentando vandalizar uma das placas no Salão de Honra. Não consegui encontrar ninguém nos outros escritórios abertos, e já que sabia que você estava aqui esta noite, pensei que você talvez pudesse lidar com isso.

— Oh, obrigada por me contar. Isso é muito estranho, mas vou lidar com isso.

Eu faço o anão se mover para fora do caminho enquanto a assistente de bibliotecário se apressa para fora do escritório. Quando tenho certeza de que ela se foi, eu pulo e saio. Empurro a pulseira no bolso do meu casaco e pego o elevador até o saguão. Um minuto depois, estou pendurada de cabeça para baixo na sala de estar de Chase com aquele estranho grito que ameaça me ensurdecer mais uma vez.

— Ugh! Me tira daqui! — Grito. Um momento depois, eu caio desajeitadamente no sofá quando o ruído para. Eu me ajeito para uma posição sentada e aponto um dedo para ele. — Você poderia ter impedido a sua magia de intruso de me pegar uma segunda vez.

Ele encolhe os ombros. — Talvez.

Eu tiro a pulseira do bolso e jogo na mesa de café. — Aí. Agora você não tem motivos para dizer à Guilda o que posso fazer.

Incrédulo, Chase diz, — Você tocou nela novamente?

— Eu não tive tempo para fazer outro plano. Além disso, já me afetou, não é? O quão pior pode ficar? Agora me diga o que tenho que fazer, então você me ajudará com esse problema de viagem no tempo.

Ele suspira e pega um pano manchado de tinta de uma caixa ao lado da mesa. — Você não precisa fazer nada, Calla. Claro que vou ajudá-la.

— Você... você vai?

— Sim. — Usando o pano, ele pega a pulseira encantada. — Apesar do que você provavelmente está pensando, não sou o cara mau nesta situação.

— Mas... você ameaçou expor minha habilidade à Guilda.

— Eu não ia realmente fazer isso. Eu estava apenas tentando recuperar a pulseira. E na esperança de impedi-la de correr para a Guilda com histórias loucas sobre eu ser um vigilante. — Ele remove uma pequena caixa de madeira de um desenho e coloca a pulseira dentro. — Eu realmente me oponho fortemente à Lista Griffin, como acontece. Compreendo por que existe, é claro, mas acredito que todos têm direito à privacidade. Eu não gostaria de ser responsável por colocar o nome de alguém nessa lista. — Ele tranca a caixa e segura a chave na frente do rosto. Ele sopra suavemente sobre ela e ela desaparece. — Provavelmente deveria ter trancado da primeira vez, — diz ele, olhando para mim. — Então você não estaria nesta bagunça.

Sento no braço do sofá e olho para a caixa de madeira. — Como funciona? Quero dizer, parece aleatório - eu não sei quando vai acontecer, e não sei a que horas vai me enviar de volta - mas eu acho que seja algo que pode ser controlado se eu souber como.

Chase acena com a cabeça e se inclina contra a borda da mesa. — Há alguém que sabe como controlar esse poder. Infelizmente, não sou essa pessoa.

Meus ombros caem. — Formidável.

— Mas aqui está o que eu sei — ele continua. — A magia deveria ficar dentro da pulseira e só funcionava quando alguém a usava, mas parece que está um pouco... apegada. Gosta de ficar com as pessoas. Parece que os picos de emoção são o que desencadeiam a magia para levar desse tempo para outro. Ela só pode enviá-la para trás, não para frente, e você não pode fazer nada para influenciar a cena que ela envia para você. Você só pode observar. Você não pode usar qualquer mágica quando você está lá, e nenhum de seus dispositivos de comunicação funcionará. Quando você retorna ao presente, você se sente doente. Quanto mais longe você viaja, pior você se sente quando retorna.

— Estou familiarizada com esse efeito secundário delicioso, — digo com um aceno de cabeça. — Eu acho que tudo isso que você sabe é de experiência?

— Sim.

— Mas você está melhor agora, certo? O que significa que você pode me ajudar.

— Não posso, mas posso levá-la a alguém que pode.

— Graças a Deus. — Levanto. — Podemos ir agora?

— Desculpe, tenho outros negócios para resolver esta noite. — Ele afasta-se da mesa e caminha até a porta. — Volte amanhã à noite.

— Hum, está bem. Não, espere, eu vou fazer a minha primeira tarefa amanhã à noite.

— Bem, na próxima noite, então. — Ele abre a porta.

Olho para a porta aberta, depois para ele. — Eu não posso esperar tanto tempo.

— Parece que você não tem escolha.

— Mas e se acontecer quando eu estiver na aula? Ou no centro de treinamento? Ou, eu não sei, quando estiver no meio do refeitório com metade da Guilda observando?

Uma onda desliza para mim, distorcendo a sala por um momento.

— Droga.

— Fique calma — instrui Chase. Ele pula sobre uma pequena mesa lateral e se move em minha direção.

A vibração se intensifica. Eu atiro minhas mãos quando o som corrente começa.

— Pare! — Chase grita, agarrando minha mão firmemente.

Tudo para - e permaneço exatamente onde estou, no presente, na sala de estar de Chase. — Como... como você fez isso?

— Você não pode levar ninguém com você. — Ele solta minha mão. — Então eu acho que ajuda se tiver alguém forte o suficiente para ancorar você no presente. — Ele desvia os olhos e depois volta para a porta.

Forte o suficiente.

Ele é forte o suficiente para derrubar um escudo de magia em um só golpe, forte o suficiente para bloquear minhas projeções e forte o suficiente para me ancorar no presente, quando uma força mágica quer me afastar desta linha de tempo. O instinto me diz que é perigoso se envolver com alguém com muito mais poder do que um faerie mediano. Mas que escolha eu tenho? Ele é o único que pode me ajudar.


Capítulo 14

Eu passo o meu quarto dia na Guilda com foco em pensamentos tranquilos, como ventos suaves e flocos de neve cobrindo paisagens de inverno silenciosas. Passo o dia sem viajar para um tempo diferente, mas quase projeto uma imagem de um pôr-do-sol em Ned quando nós dois entramos no Aquário para lutar um contra o outro. Eu o vejo franzir a testa, piscar, então balançar a cabeça enquanto eu mentalmente reforço a barreira em minha mente. Ned então prossegue para acabar comigo, porque, como se mostra, ele é muito melhor lutando do que é conversando com as pessoas.

Depois do jantar, volto para a Guilda para encontrar Olive para que ela possa me dar minha primeira tarefa. Ela não me cumprimenta quando entro em seu escritório, mas estou rapidamente me acostumando com isso. Irritada com a vida parece ser sua configuração padrão.

— Sente-se — ela diz depois que eu pairo perto de sua mesa por vários momentos desconfortáveis. — Eu tenho coisas para fazer, então vamos acabar logo com isso.

Vamos acabar logo com isso? Fantástico. É exatamente isso que eu quero ouvir antes na minha primeira tarefa como verdadeira aprendiz. Pensamentos calmos, Calla. Pensamentos calmos.

— É uma tarefa bastante simples — diz Olive enquanto examina o papel em sua mão. — Normalmente, eu ficaria feliz com você lidando com isso sozinha, mas como nunca a observei em ação antes, sinto que seria irresponsável que eu não estivesse presente. Dependendo de como você vai fazer hoje à noite, eu vou decidir se preciso ser babá de mais alguma de suas tarefas.

Fique calma, fique calma, fique calma.

— Então. Nós vamos para uma casa no reino humano esperar uma harpia aparecer e tentar levar um garoto de quatro anos. Você já deve saber as regras da tarefa, mas considerando que tem faltado bastante treinamento para você, e as coisas mudaram desde a época do seu irmão, você provavelmente não sabe.

— Estou ciente da...

— Você não pode fazer nada para a harpia, a menos que ela faça um movimento contra um humano. Quando ela fizer, você deve proteger o humano em primeiro lugar, depois prendê-la para que ela possa ser levada à Guilda. Se ela fugir, você não pode fazer mais nada, e sua tarefa acabará assim que você tiver colocado feitiços de proteção ao redor da área. Se ela lutar de volta e você não tiver como resolver a situação sem matá-la, então você tem que fazer isso. Haverá um inquérito para determinar se você foi justa ao matá-la. Se foi, você continuará com a sua vida normal. Se não, você será suspensa. E há o conselho, é claro. — Ela parece estremecer ligeiramente, provavelmente no pensamento de ter que me aconselhar. Espero que nunca aconteça, já que não planejo matar ninguém. — Aqui está sua faixa rastreadora. — Ela me entrega uma tira de couro estreita. — Coloque-a, e não a retire até a tarefa acabar.

— Ah, ainda é necessário usá-la se você estiver comigo?

— Sim. Todas as tarefas são gravadas através de um dispositivo de repetição e guardadas por três anos, depois disso são descartadas. Se houver um inquérito, será usado para evidências. Ninguém registrou as tarefas que você fez durante o curso intensivo de férias de verão?

— Oh, não. Eu não tinha uma faixa rastreadora até então.

Olive faz um som de tsk irritado e sacode a cabeça. — Como devemos executar corretamente as coisas quando as pessoas simplesmente ignoram as políticas? Foi assim que as coisas deram errado na primeira vez. Foi assim que a Guilda caiu.

— Na verdade, acho que a Guilda caiu porque um lunático chamado Draven de alguma forma conseguiu colocar um dispositivo explosivo dentro da antiga Guilda Creepy Hollow, onde a maioria dos membros do Conselho que estavam seguindo políticas para se reunir para lidar com uma ameaça iminente, foram mortos.

Os lábios de Olive formam uma linha reta e apertada, e sua mandíbula fica tensa.

— Pelo menos, é o que o meu livro diz — eu acrescento antes que ela possa explodir. — De qualquer forma, provavelmente devemos começar essa tarefa.

— Deveríamos. E você deve manter sua boca fechada se quiser chegar até o final deste ano sem falhar.

Eu considero adicionar um “Sim, senhora,” mas decido seguir o conselho dela de manter-a-minha-boca-fechada em vez disso.

Chegamos à cozinha da casa onde a minha missão se realizará. Olive sai dos caminhos atrás de mim e paira perto enquanto eu tento fingir que ela não está lá. A cozinha está vazia, mas uma campainha toca momentos depois de chegarmos, então saio da cozinha e procuro uma porta da frente. Entro em uma grande área de estar e vejo uma mulher deixando uma adolescente entrar. — Obrigada, Lizzie. Eu sei que o pedido foi em cima da hora — diz ela. — Ele já jantou, então você não precisa se preocupar com isso. Ele está na sala de jogos agora. Você pode deixá-lo jogar por mais — ela verifica seu relógio — meia hora ou mais, mas então ele deve ir para a cama. De qualquer forma, você sabe o que fazer. — Ela corre para o pé de uma escada e grita, — Simon, precisamos ir.

Eu a sigo até lá e a encontro abraçando um pequeno garoto dando adeus e o lembrando para ser bom. Eu suponho que este é o menino que eu estou aqui para proteger.

— Vamos, Mary, vamos — uma voz masculina chama. A mulher se afasta e Olive anda atrás de Lizzie.

— Ei, Jamie — diz Lizzie. Ela senta no chão e junta os carros para brincar. Fico com os meus braços ao meu lado, esperando que algo aconteça. Na minha mão esquerda, eu reúno magia do meu núcleo, para que eu possa atordoar a harpia assim que ela aparecer e fazer com que ela se mova. Minha mão direita está pronta para pegar uma arma, se necessário. Olive fica em um canto, parecendo aborrecida.

Depois de alguns minutos, Lizzie se move para o sofá, encontra o controle remoto da TV e troca os canais enquanto o menino empurra seus carros ao redor do chão. Passa outro minuto. Eu ando sobre os vários brinquedos espalhados pelo tapete e espio pelas persianas. Sem movimento no jardim.

Então eu ouço o som de asas batendo.

Eu giro. A harpia desce em direção ao menino, suas asas emplumadas batendo no ar e suas grandes garras de aves estendem na direção dele. Seu rosto como humano está retorcido em uma expressão irritada. Eu jogo a minha magia de atordoar, mas ela joga suas asas no meio caminho, e a magia atinge a parede atrás dela, deixando um buraco. Droga. Eu vou em direção a ela, percebendo que enquanto eu estou indo já há uma espada sobre meu controle. Estou vagamente consciente de que Chase estava certo - acontece com facilidade quando você não está pensando nisso – então eu corto a harpia. Ela retrocede com um grito que soa não natural vindo de uma boca humana. Seus olhos negros me encaram com ódio. Então ela mergulha de novo.

Eu levanto a minha arma para cortá-la, mas ela se move em uma velocidade notável e envolve suas garras em meu braço antes que eu possa balançar a espada. Ela me balança vigorosamente, me levantando antes de me deixar cair de volta. Eu tropeço, depois me abaixo quando ela mergulha mais uma vez. Quando ela desvia no pequeno espaço e volta minha direção, solto a espada e me atiro nela. Nós caímos no chão em uma confusão de agarrar, bater e arranhar. Os brinquedos são chutados para o lado, e o menino está gritando, e Lizzie está gritando, e eu simplesmente... não consigo... Imobilizá-la...

— Isso não é da sua maldita conta! — A harpia grita enquanto suas asas se abaixam pesadamente ao meu redor, quase me derrubando. Com um grande impulso de suas garras, ela me chuta. Eu caio sobre minhas costas, depois rolo para o lado e pulo. Estou de pé contra uma parede - e a harpia vem diretamente para mim.

Não tenho para onde ir.

Eu chicoteio minha mão. Uma adaga se materializa sobre meu aperto, eu aponto diretamente para ela. É tarde demais para ela diminuir. Ela vai voar diretamente para a adaga. A lâmina irá perfurar seu coração, e ela vai morrer. Esta luta acabará.

Mas eu não posso fazer isso.

No último segundo, eu movo meu braço para fora do caminho. Ela cai sobre mim, me achatando contra a parede, espremendo todo o ar dos meus pulmões, e batendo minha cabeça tão forte que eu sinto a dor em todo o meu corpo. Eu pisco e gemo e tento sugar o ar. A faca ainda está na minha mão, e eu corto cegamente sua asa. Eu sinto que afunda em carne e penas. Ela grita de dor e se afasta de mim. Batendo as asas desajeitadamente, ela ergue-se até o teto. Eu cambaleio em direção ao menino e me coloco na frente dele. Apesar da intensa dor latejante que me faz querer cair no chão e apertar minha cabeça, eu levanto meus olhos e dou à harpia um olhar desafiante que diz: Você terá que passar por mim para chegar até ele. Ela abaixa um pouco mais, seus olhos escuros me avaliando e depois desce em direção à garota choramingando no sofá.

— Não! — Grito enquanto a harpia agarra o braço de Lizzie e a puxa para o ar. Ela mergulha passando por mim, seguindo para a porta junto com a garota gritando que não pode ver nada do que está acontecendo. Eu mergulho atrás delas e consigo pegar os tornozelos de Lizzie. Eu puxo com força, arrastando-a para mais perto do chão. Com um último grito furioso, a harpia solta e desaparece.

Lizzie e eu batemos no chão. Ela ainda está gritando, e ainda estou tentando recuperar o fôlego depois de ser achatada contra uma parede. Mas ninguém está morto, e o menino não foi levado, então espero que isso signifique que eu consegui ganhar algum...

— Levante-se — Olive sibila, agarrando meu braço e me afastando de Lizzie. Ela se ajoelha ao lado da garota e segura um pequeno frasco em seus lábios por um momento. Então ela se move para o menino e faz o mesmo. Ela abre um portal para os caminhos das fadas e me puxa para dentro dele. Segundos depois, aparecemos no jardim. — Não se mexa — ela retruca. Ela caminha até a parede exterior da casa, segura sua mão contra ela e murmura algum tipo de feitiço de proteção. Então ela abre outro portal, aperta meu braço grosseiramente e me puxa atrás dela. Nós saímos em Creepy Hollow em algum lugar perto da entrada da Guilda.

— Um desastre absoluto — diz Olive.

— O quê? Mas consegui...

— Você sabe quanto isso custa? — Ela exige, empurrando o pequeno frasco na minha cara. Eu consigo distinguir a palavra Esquecer no rótulo antes que ela afaste. — Muito. E eu não teria que usar nada se você tivesse feito seu trabalho corretamente.

— Feito meu... mas eu fiz. Impedi a harpia de pegar o...

— O que há de errado com você? Você tinha a faca apontada para ela. Ela estava correndo para a faca. Isso teria acabado. Fim. Não precisaria se preocupar com ela provavelmente tentando voltar.

— Mas isso significaria matá-la.

— Sim — diz Olive, balançando a cabeça lentamente e olhando para mim como se eu fosse estúpida. — Porque ela estava tentando matar você. Você estava se defendendo.

— Essa não era a única maneira de acabar com a situação.

— Não, mas era melhor do que quase se matar, ter ambos os seres humanos mais envolvidos na bagunça do que deveriam ter estado, e deixando a harpia fugir.

— Eu não queria matá-la, ok? Eu só queria detê-la. Eu estava tentando encontrar outra maneira de...

— Às vezes, não há outra maneira! — Olive grita. — Este é o trabalho pelo qual você está treinando. O que você pensou que fosse acontecer? Que você poderia salvar o mundo sem que ninguém morresse?

Sim. Isso é exatamente o que eu quero, e não deveria ser ridicularizada por isso. Minha voz é discretamente desafiadora, quando digo, — deve ser possível fazer isso.

— Deveria ser. E em um mundo perfeito, seria. Mas não estamos em um mundo perfeito. — Olive balança a cabeça. — Se você está com muito medo de matar alguém, então você não é apta para essa vida.

— Não tenho medo, eu simplesmente não quero.

— Ninguém quer. Mas o resto de nós entende e faz se tivermos que fazer.

— Bom — digo calmamente, — acredito que não é a única opção.

— Então, você vai acabar morta muito mais cedo do que eu pensava. — Sem esperar por uma resposta, ela se vira e anda pela floresta, me deixando pensando se talvez ela esteja certa.


Capítulo 15

— Vejam isso — diz Perry, deslizando na cadeira em frente à Gemma e eu no café da manhã na manhã seguinte. Ele empurra um delgado âmbar retângulo em nossa direção. — É épico. Tudo em um. Âmbar de um lado, vidro do outro. Você tem suas chamadas no vidro, feitiços sociais, últimas notícias, tudo. E um X rápido como esse - ele desenha um X na tela com a stylus - e ele encolhe para caber facilmente em seu bolso.

Gemma e eu observamos o dispositivo diminuir até cerca de um quarto de seu tamanho. — Muito legal — eu digo. — Eu acho que isso significa que meu âmbar não é mais última geração. — Eu removo meu âmbar do bolso da minha jaqueta e o coloco na mesa ao lado de Perry.

— Ha! — Perry aponta e ri. — Esse âmbar é tão mês passado.

— Tapado — Gemma murmura, mas ela está sorrindo para o seu copo de vitamina.

— Bom, meu âmbar tão-mês-passado me serve muito bem. — Eu o colo no meu bolso enquanto Perry cuidadosamente desliza seu novo âmbar em sua bolsa.

— Você vai comer o café da manhã? — Gemma pergunta.

— Nah, eu comi em casa hoje. Mamãe fez waffles.

— Sorte sua — eu digo. Gemma me convenceu a experimentar a vitamina saudável hoje, e não posso dizer que estou impressionada.

— Você tem espaço para metade de uma vitamina? — Gemma empurra o copo para ele. — Eu também comi algo em casa, então estou meio cheia agora.

— Não, obrigado. Você sabe que eu não curto o estilo terra. Folhas e cocô de esquilo não são minha praia.

— Oh meu Deus, não é cocô de esquilo! Quantas vezes eu tenho que lhe dizer isso? É uma mistura de vários tipos de nozes e...

— Ela é tão fácil de irritar — Perry me diz com um grande sorriso esticado em seu rosto. — Ow! — Ele olha para Gemma. — Sério? Você acabou de me chutar embaixo da mesa?

— Sério, pessoal? — Ned coloca uma bandeja na mesa e senta ao lado de Perry. — Vocês já não têm mais seis anos.

— Bem, eu sei que não tenho — diz Gemma. — Eu não sei sobre Perry.

— Ei, Ned — eu digo a ele, esperando que ele fique mais relaxado ao meu redor depois do nosso tempo no Aquário ontem.

— Oh, hum, oi. — Ele encontra meu olhar brevemente antes de olhar atentamente para sua comida. Acho que ele precisa de um pouco mais de tempo. — Hum, Calla, acho que há uma nota presa na parte de trás de sua jaqueta — acrescenta Ned antes de empurrar um pouco de comida para dentro de sua boca.

Gemma se inclina atrás de mim e remove algo das minhas costas. — Família Traidora da Guilda — ela lê. — Afinal, o que isso quer dizer?

— Tão estúpido — eu murmuro, pegando o papel dela e amassando. — Está se referindo à esposa do meu irmão. — Deixo de lado meu aborrecimento tentando esmagar o papel amassado contra a superfície da mesa. Com as sobrancelhas levantadas de meus amigos, eu acrescento, — Ela estava muito a favor dos reptilianos se juntarem à Guilda, e quando as petições foram negadas, ela foi uma das primeiras que ajudou com o plano para que eles começassem os seus próprios programa de treinamento de guardiões.

— Oh, sim, eu lembro quando tudo estava acontecendo — diz Gemma. — Nós estávamos na escola secundária. Minha mãe voltava para casa e nos contava sobre todas as discussões acontecendo na Guilda. Quão estúpido era que todos estivessem tão divididos sobre essa questão quando todos lutamos juntos tão bem depois da Destruição.

— Sim, então, depois que o Conselho votou e decidiu que a Guilda deveria apoiar o instituto de treinamento dos reptilianos, alguns guardiões se ofereceram para ir trabalhar lá. Você sabe, ajudá-los a ajustar todo o seu sistema e desenvolver treinamento e tudo mais.

— Nada de errado com isso — diz Perry enquanto cutuca o conteúdo restante da vitamina da Gemma com uma colher.

— Exatamente. Mas obviamente havia pessoas na Guilda que não estavam felizes com isso. Vi e todos os outros que se ofereceram foram chamados de traidores da Guilda. Na verdade, é realmente uma piada na nossa família, mas, se você pensar sobre isso, é completamente injusto. Eles estão tentando fazer do nosso mundo um lugar mais seguro treinando mais pessoas para protegê-lo, e eles dizem que são traidores por fazer isso?

— Não é legal — diz Ned calmamente, balançando a cabeça.

— Em quem devemos jogar? — Perry pergunta, pegando o papel amassado e achatado de mim e o moldando em uma bola. Ele olha ao redor. — Nós provavelmente poderíamos alcançar Blaze daqui. Ou... oh, sua mentora está aqui esta manhã, Calla. Devemos jogar na parte de trás da cabeça?

— Não! — Eu pego o papel de volta dele. — Ela vai usar isso como motivo para me deixar suspensa. Ela adoraria me ver...

Uma sirene estridente soa, cortando o resto das minhas palavras. — Ah, cara — Ned diz acima do barulho. — Eu acabei de começar a comer.

— O que isso significa? — Pergunto. Ao redor do refeitório, as pessoas estão tocando suas bandejas e ficando de pé.

— Exercício de emergência — diz Gemma. — Eles nos fazem praticar pelo menos três vezes por ano. Temos que relatar à sala de aula quatro.

— Cinco — Perry corrige enquanto nos juntamos a multidão se movendo em direção à porta. — Estamos no quinto ano agora, lembra?

— Ah, sim.

— Espere, escute. — Pego o braço de Gemma enquanto escuto uma voz feminina falando sobre a sirene.

— Isto não é um exercício. Isto não é um exercício. Isto não é um...

— Oh, merda — diz Gemma.

A multidão move-se mais rapidamente à medida que as pessoas tomam conhecimento da mensagem. Vozes altas e expressões de medo nos cercam enquanto todos se empurram para sair do refeitório. Chegamos finalmente à sala de aula cinco, onde temos que ouvir as teorias dos nossos colegas sobre o que deu errado enquanto aguardamos que um mentor apareça. Após cerca de dez minutos, Olive entra.

— Ok, aqui está o que está acontecendo — ela diz, cruzando os braços. — Uma tempestade encantada foi detectada nas Montanhas Bordeon, não muito longe da fronteira de Creepy Hollow.

Silêncio cumprimenta sua declaração, então alguém murmura, — Draven?

— De jeito nenhum — diz Blaze. — Ele se foi.

— Deve haver outras pessoas que podem fazer feitiços que influenciam o clima — diz Ling. — Draven não pode ter sido o único.

— Seja o que for que causou a tempestade — diz Olive, — é grande o suficiente e perto o suficiente para ser considerada uma ameaça. Todos os aprendizes estão sendo enviados para casa até novo aviso.

— Sim! — Perry sussurra ao meu lado. — Feriado!

— Por que não podemos ficar aqui? — Saskia pergunta. — E se houver algum tipo de ataque e vocês precisarem de nossa ajuda?

— Não vamos — diz Olive com firmeza. — Os únicos guardiões autorizados a lutar pela Guilda são os formados. Os aprendizes devem ser enviados para casa. Esse é o protocolo nessa situação.

— Protocolo estúpido — murmura Saskia.

— Por favor, vão ao saguão e formem duas filas — diz Olive. — Os caminhos das fadas bloqueados por encanto serão retirados das paredes do saguão nos próximos minutos para que possamos enviar todos vocês para casa o mais rápido possível.

Em meio a vários murmúrios, todos começam a sair da sala. Eu ando até Olive, tentando não pensar em minha desastrosa tarefa na noite passada e na troca desagradável que tivemos depois. — Você realmente não acha que Draven está de volta, não é?

— Certamente parece que ele pode estar — ela diz, seus olhos afiados olhando sobre o meu ombro enquanto olha os aprendizes irem embora.

— Isso não é possível, no entanto. Draven está morto. — Ouvi a história de primeira mão da pessoa que o matou: Violet.

Olive vira seu olhar para mim. — Ele está? Não havia nada. E nunca estou satisfeita a menos que eu veja um corpo.

Bem, isso é levemente perturbador. — Um cadáver não prova nada — eu digo a ela. — Pode ser falso.

Sua testa franze em suspeita, em seguida, suaviza quando a compreensão aparece em seus olhos. — Claro. Você obviamente ouviu a história de Kale Fairdale por causa de seu irmão.

— Sua história não é mais um segredo, não é? — Eu digo um pouco defensivamente.

— Não. Mas também não espalhamos.

— Nós? — Olive estava envolvida na morte falsa do pai de Vi?

Olive faz o barulho que é o jeito dela de dizer que você está desperdiçando seu tempo. — Aqueles de nós que estavam por perto quando Kale “morreu” e depois descobriram depois da Destruição que sua morte era uma artimanha. Mas isso não tem relevância agora. Não há nenhuma prova de que Draven foi realmente morto, o que significa que é possível que ele tenha sobrevivido.

— Que tal o fato dele desaparecer completamente junto com o inverno encantado que cobriu quase todo o mundo dos fae. Essa prova não é suficiente?

— Não. Meu palpite é que ele estava enfraquecido, e demorou muito tempo para recuperar seu antigo poder. Agora, você precisa se juntar aos seus colegas aprendizes no saguão. — Ela aponta para a porta e percebo que sou a única que está na sala.

Eu corro pelo corredor em direção ao saguão. Quando chego lá, vejo uma série de caminhos das fadas abrindo e se fechando quando os aprendizes entram neles um após o outro. Um mentor fica em cada porta, marcando nomes em um pergaminho. Eu me junto a Gemma, Perry e Ned.

— Ah, aí está você — diz Gemma. — Você quer ficar com a gente pelo o resto do dia?

— Hum, eu tenho algumas coisas para fazer na verdade. — Eu me aproximo dela e digo, — Você conhece aquele tatuador que eu conheci quando eu estava no Subterrâneo na outra noite? Você sabe onde posso encontrá-lo durante o dia?

— Essa é a “coisa” que você precisa fazer? — Ela diz com as sobrancelhas levantadas. — Uma tatuagem?

— Não, eu só preciso conversar com ele sobre... algo.

— Tudo bem, eu vou tentar fingir que não estou super curiosa sobre o que está acontecendo com você e com o cara da tatuagem...

— Não há nada acontecendo.

— ...e, em vez disso, vou dizer que você pode encontrá-lo no Subterrâneo em um lugar chamado Wickedly Inked.

— Tudo bem, obrigada. Você esteve lá? — Gemma não parece do tipo que tem tatuagem, mas não quero ofendê-la dizendo isso.

— Algumas vezes. Meu irmão tem um pequeno vício em tatuagem, e Chase é seu tatuador favorito. Às vezes, eu vou lá com quando ele quer fazer uma nova.

Eu aceno com a cabeça quando avançamos na fila. Quando é minha vez de entrar nos caminhos escuros, não penso em minha casa no Vale Carnelian. Em vez disso, penso nos túneis no Subterrâneo e seguro as palavras Wickedly Inked na minha mente.

***

Eu entro em Wickedly Inked e encontro uma garota elfa com o cabelo espetado atrás do balcão escrevendo em seu âmbar. Depois de olhar para as muitas obras de arte emolduradas penduradas nas paredes, entro e me aproximo, — Olá, Chase está aqui?

Ela passa mais alguns minutos escrevendo no seu âmbar, então olha para cima. Ela olha para mim antes de dizer — Você não tem hora marcada.

Uau. Garota simpática. — Eu sei disso. Chase está aqui?

— Sim, mas ele está ocupado.

— Bem, espero então.

— Para quê? Você não tem hora marcada.

Um lampejo de raiva arde dentro de mim, mas eu abafo, me lembrando de permanecer tão emocional quanto possível, se não quiser me encontrar sendo lançada para o passado. — Ok, então eu gostaria de marcar uma hora.

— Para que horas?

— Para qualquer momento que você tenha disponível.

— Não creio que possamos...

A porta atrás do balcão abre e um homem sai andando na frente de Chase. Ele tem a mesma cabeça calva e olhos semicerrados que o dono do Clube Drakoni, o que faz com que o pânico agarre minhas entranhas. Mas ele é mais alto e mais magro e não pode ser o mesmo homem.

Fique calma, fique calma, fique calma, eu me lembro.

— Tudo vai se acalmar em pouco tempo — diz o homem Drakoni. — Então podemos voltar ao negócio como de costume.

— Sim, apenas me mantenha atualizado. — Chase balança a mão do homem e diz adeus antes de olhar na minha direção. Se ele está surpreso ao me ver aqui, ele não demonstra isso. — Senhorita Cachinhos Dourados — diz ele. — Matando aula hoje?

— Senhorita Cachinhos Dourados?

— Sim. Uma garotinha com cabelo dourado apresentada em uma conhecida história para crianças humanas que você provavelmente nunca ouviu falar.

Fantástico. Então, agora eu sou uma garotinha. — Sim, estou matando aula, — digo enquanto cruzo meus braços. — Eu decidi que eu preferia fazer uma tatuagem do que uma educação como guardiã. Eu estava pensando em um dragão. Um grande. Nas minhas costas.

Eu estava esperando chocá-los, mas a garota me dá um olhar não impressionado de eu acho que não, enquanto Chase parece divertido.

— Bem. Não estou matando aula. A Guilda está enlouquecendo por causa de uma tempestade encantada, então eles nos enviaram para casa pelo resto do dia. Eu pensei em vim vê-lo agora.

— Uma tempestade encantada — diz a elfa, sua voz desprovida de emoção. — Isso parece terrível. Você não acha que isso parece terrível, Chase? — Ela não está olhando para ele, no entanto. Ela ainda está olhando para mim, e tenho cerca de noventa e oito por cento de certeza de que ela está se divertindo comigo.

— De qualquer forma. — Eu me viro para Chase. — Há algum lugar em que possamos conversar?

Ainda parecendo divertido, Chase avança para o lado e gesticula para a porta aberta atrás do balcão. Ignorando a menina, passo por ele e entro em uma sala onde a cadeira reclinável no centro ocupa a maior parte do espaço. Uma pequena cadeira de rodas está empurrada contra a parede sob prateleiras de recipientes de tinta, agulhas de tatuagem e o que eu suponho que sejam outras coisas relacionadas a tatuagens.

— Então — Chase diz quando ele fecha a porta. — Hora de se livrar daquela habilidade de viagem do tempo irritante que você adquiriu recentemente.

— Sim. Quero dizer, se você não estiver ocupado agora.

— De modo nenhum. Deixe-me apenas cancelar esse compromisso com a princesa da Corte Seelie, e eu sou todo seu.

Eu reviro meus olhos. — Você espera que eu acredite que você tem clientes na família real?

— A família real Unseelie conta? — Ele pergunta inocentemente.

Eu cruzo meus braços. — Isso deveria me intimidar? Porque não vai. Acontece que eu já tive a minha quota de encontrar a realeza Unseelie. — E foi intimidante, mas ele não precisa saber disso.

— Certo — Chase diz com uma risada. — Claro que teve. Enfim, como acontece, minha agenda está livre hoje.

— Ótimo. Vamos então. Onde nós vamos — Espere aí, o que aconteceu com sua fênix? — Pergunto, percebendo de repente a forma escura em seu braço superior direito. Estou quase certa de ter visto uma fênix na outra noite, mas parece que a metade inferior é de um cavalo agora.

— Ah, a fênix se foi por enquanto — diz Chase, levantando a manga da camiseta para que eu possa ver o resto da tatuagem. — Eu desenhei este pégasus um tempo atrás, e um amigo meu fez ontem.

— Mas... eu pensei que as tatuagens eram permanentes.

— Só da maneira como os humanos fazem. — Ele solta a manga e alcança um casaco preto. Ao meu olhar questionador, ele acrescenta — As tatuagens humanas, obviamente, não envolvem magia. Elas são apenas tinta debaixo da pele. Para os humanos, a tinta permanece lá, mas para seres mágicos, a magia curativa do corpo atua sobre tinta. A tatuagem desaparece dentro de alguns dias.

— Então, se eu quisesse uma tatuagem permanente...

— Seu tatuador usaria tinta encantada. — Ele coloca o casaco. — Certifique-se de verificar isso antes de fazer o seu dragão gigante.

Eu ando até uma das prateleiras onde uma coleção de diferentes garrafas coloridas está de pé. Levanto uma. — É tinta encantada?

— Sim.

— Ok, então eu verifiquei.

— Bem, então — diz Chase enquanto abre um portal contra um espaço vazio na parede. — Eu vou fazer a minha assistente amigável marcar uma hora para você quando voltarmos.

— Boa sorte com isso.

Eu seguro sua mão estendida e entro nos caminhos das fadas com ele. À medida que a luz se forma na outra extremidade, um vento gelado sopra meu cabelo para trás. Saímos para um terreno coberto de gelo. Tremendo, olho em volta. Sem árvores, sem arbustos, sem sinais de vida. As nuvens são algodões cinza e brancos acima de nós e espalhado diante de nós está um vasto lago, sua superfície escura marcada apenas por fracas ondulações. À distância, além da água, o solo sobe abruptamente para uma montanha coberta de neve.

— Onde estamos? — Pergunto.

— Longe de casa.

— Sim, eu adivinhei essa parte. A mudança súbita nas estações foi uma pequena dica. — Eu esfrego minhas mãos para cima e para baixo nos meus braços. Minha fina jaqueta de verão não fará muito por mim aqui.

— Você ficará quente depois de entrarmos.

— Entrar onde?

Ele aponta do outro lado do lago para o pico da montanha. — Lá.

— Entendo. E você talvez não quisesse nos deixar mais perto com os caminhos?

— Não é possível. Tudo a partir do lago em diante é protegido. Nós iremos voar até lá em cima. — Ele leva os dedos aos lábios e solta um assobio penetrante.

Segundos passam, e nada acontece. — Você tem certeza de que o seu assobio funcionou? — Pergunto.

— Paciência — diz Chase. — Ele está vindo.

Sigo seu olhar e vejo uma forma cinza no ar acima do lago. Cresce à medida que ele se move em nossa direção. Em breve, posso distinguir asas, quatro membros e uma cauda, mas não até que a criatura desça e caia ao lado de Chase, que percebo o que ela é.

Sua cabeça é como a de um demônio, com chifres ondulados se curvando para trás e presas sobressaindo de sua ampla boca. Seus membros musculosos terminam em grandes garras. Há rugas através de sua pele cinzenta, fazendo parecer quase como se a criatura fosse coberta de pedra rachada.

— Isso é... isso é uma gárgula — suspiro, pisando precipitadamente para trás.

— É.

— E você quer que eu monte em uma? Está doido? É ilegal o suficiente ter um, muito menos montá-la.

— Hum, ilegal? Ou simplesmente não é encorajado?

— Ilegal. Definitivamente ilegal. Eles são obrigados a proteger a Corte Unseelie. Eles não respondem a mais ninguém.

— Bem, Jarvis me responde.

— Jarvis? Você colocou um nome nisso?

A gárgula solta um grunhido baixo.

— Ele — diz Chase. — Não isso. E sim, eu o nomeei. É uma referência para... bem, deixa para lá. Eu duvido que você entenda. Agora, apresse-se e venha aqui. Se passarmos mais tempo neste frio, teremos que gastar magia para nos aquecer.

— Não. — Eu dou outro passo para trás, balançando a cabeça. — Não. Você sabe o quê? Isso é loucura. É apenas... isso é muito longe. Eu mal conheço você, eu te segui para quem sabe onde, e agora você está tentando me levar em uma criatura muito perigosa e ilegal para uma montanha distante, onde provavelmente nunca mais serei vista novamente.

Chase me dá um olhar questionador. — O que exatamente você acha que eu pretendo fazer com você?

— Eu não sei, mas...

Uma vibração treme através do chão. Tudo fica borrado quando uma onda se afasta de mim. — Não, não novamente — gemo. Fique calma, fique calma, fique calma.

Um segundo depois, Chase está de pé na minha frente, suas mãos agarrando meus ombros com força. — Não — ele diz, sua voz soando alto acima do que eu estou ouvindo. E, assim como na outra noite, o tremor nunca vem. Ficamos assim por vários momentos, congelados no lugar, até ficar claro que não vou a lugar nenhum. As mãos de Chase se afastam de mim, deixando meus ombros mais frios do que antes. Ele se afasta. — Eu não a obriguei a nada, Calla. Tudo o que estou tentando fazer é ajudar. Você veio aqui por sua própria vontade, lembra? E você pode ir embora agora mesmo se for o que você quer.

Eu coloco meus braços ao redor de mim e franzo o cenho para meus pés. — Mas então continuarei sendo jogada para o passado.

— Exatamente.

Fecho meus olhos e me resigno ao fato de que não há outra maneira de corrigir isso. — Ok. Vamos fazer isso.


Capítulo 16

Montar na gárgula é uma experiência terrível. As asas de Jarvis batem e levantam fazendo um voo excepcionalmente instável, e eu sinto como se eu estivesse presa ao lado de alguma coisa ao invés de sentada sobre ela. Chase paira sobre uma sela presa nas costas da gárgula, e mantenho meus braços bem apertados ao redor dele e minha cabeça enterrada atrás de suas costas. Ele reclama várias vezes sobre ter problemas para respirar, mas não afrouxo meu aperto por nenhum segundo. Provavelmente eu poderia diminuir minha queda se eu caísse de Jarvis, mas ainda teria que atingir a água em algum ponto, e quem sabe o que poderia estar à espreita sob sua superfície escura.

Depois do que parece um tempo incrivelmente longo, Jarvis cai através do ar e pousa desajeitadamente em uma borda muito acima da base da montanha. Eu solto Chase e deslizo das costas de Jarvis. Minhas pernas trêmulas quase me fazem cair sobre meu traseiro, mas consigo permanecer em pé. Chase sai da gárgula e bate nas costas dele. — Não foi divertido? — Ele pergunta.

— Isso foi horrível. Deve haver uma maneira mais fácil de chegar aqui. Vivemos em um mundo de magia, pelo amor de Deus. Montar na parte de trás de uma gárgula não pode ser a nossa única opção.

— Bem, desculpe, meu pégaso e tapete mágico não estavam disponíveis hoje. Vou garantir que eles estejam da próxima vez. Ou talvez você prefira um dragão? Você parece ter um certo carinho por eles.

— Seu sarcasmo não está ajudando.

— Nem a sua falta de educação.

Eu fico boquiaberta.

— Sim, você me ouviu. Agora entre antes que ambos congelem. Você pode pedir desculpas a Jarvis na viagem para casa.

Eu tento encontrar uma resposta rápida, mas parte de mim reconhece que Chase tem razão. Ele está tentando realmente me ajudar, então eu provavelmente deveria parar de me queixar dos meios de transporte pouco ortodoxos.

Chase enfia uma mão dentro de sua jaqueta e tira um quadrado fino de metal com padrões gravados nele. Ele atravessa até a borda e pressiona o metal contra a pedra. Quando ele retrocede, um esboço em forma de arco brilha por um momento antes de desaparecer, deixando uma arcada aberta no lado da montanha. — Depois de você — diz Chase.

Eu entro num saguão de entrada com piso de madeira e paredes pintadas na cor de creme. Uma esfera de vidro transparente contendo uma coleção de insetos brilhantes está presa no centro do teto, iluminando a sala. O aroma de uma refeição saudável paira no ar. — O que exatamente é esse lugar? — Pergunto, me virando para olhar para Chase.

— Uh, um amigo meu vive aqui — ele diz enquanto usa o quadrado de metal para fechar o arco. — É a casa dele.

— Ele deve ser um bom amigo se ele lhe deu uma chave para a porta da frente.

Chase sorri e passa por mim em direção à escada. — Venha. Ele está lá em cima aqui.

Sigo Chase até as escadas enquanto ele chama, — Gaius? Sou eu.

No próximo andar, caminhamos por um corredor com tapete e, depois de uma breve batida em uma porta aberta, entramos em um escritório. É muito mais caótico do que qualquer um que já vi antes, e não é apenas por causa dos livros, pergaminhos e pedaços de máquinas empilhados em todos os lugares. É por causa das plantas. Plantas em todos os lugares, espalhadas em tigelas de vidro, nas estantes e ao redor das pernas da mesa. Em meio ao caos, estava um homem magro com o cabelo despenteado, folheando as páginas de um livro enquanto andava.

— Gaius? — Chase diz.

O homem olha para cima. — Chase, meu querido! Que bom que finalmente terminou o... — Chase o interrompe com uma forte tosse, depois olha para mim. Gaius segue seu olhar. — Ah. Entendo. Ainda bem que terminou o...seu negócio de tatuagem.

Quero revirar meus olhos. É tão óbvio que eles não estão se referindo a nada relacionado à tatuagem.

— É ela? — Gaius pergunta, atravessando a sala com um amplo sorriso. — A jovem senhorita com o problema de viagem no tempo?

Com um sorriso incerto, eu digo — Essa parece eu.

— Gaius, essa é Calla — diz Chase. — A garota da Guilda que mencionei para você. Calla, esse é Gaius. Ele... bem, como você provavelmente pode ver... um botânico. Ele, na verdade, trabalhou para uma Guilda uma vez, cerca de dois séculos atrás.

— Sim. Guilda de Londres. — Gaius acena com a cabeça. — Eu fiquei lá por quatro anos antes que eles, uh, reestruturaram meu departamento. Parece que eles reestruturaram meu trabalho também. O deram a outra pessoa.

— Oh. Desculpe-me, por isso.

— Não se preocupe. Foi há muito tempo. — Ele fecha o livro. — Então, jovem senhor. Vamos consertar essa garota, e então vocês dois podem voltar para vida de vocês?

— Jovem senhor? — Eu sufoco uma risada.

— Sim, ele... tem o quê? — Gaius vira para Chase. — Trinta e poucos?

— Vinte e pouco.

— Vinte e pouco? — Repito, virando para Chase. — E aqui está você me chamando de Senhorita Cachinhos Dourados como se você fosse o avô de alguém.

— Então, Gaius, você já saiu da montanha? — Pergunto.

— Bem, na maioria das vezes estou feliz por ficar aqui - tenho muitas coisas para me manter ocupado - mas saio ocasionalmente.

— E você gosta de montar a gárgula?

— Montar gárgula? — Gaius ri quando ele recolhe alguns papéis da poltrona e os amassa. — Não, não, a gárgula é de Chase. Eu uso os caminhos das fadas.

— É mesmo. — Eu cruzo meus braços e viro para Chase, que está me olhando com uma expressão inocente.

— Sim, bem, um daqueles portais das fadas — continua Gaius. — Você as conhece? Onde há um destino definido em cada lado.

A raiva surge dentro de mim enquanto eu olho para Chase. — Então você me fez montar aquela coisa quando podíamos sair direto do seu estúdio de tatuagem e entrar nesta montanha?

— Não é uma coisa. É Jarvis.

— Por que você fez isso?

— Hmm. Para me divertir?

— Chase!

— Você está certa. Na verdade, não foi tão divertido. — Ele coloca a mão no bolso de trás e tira uma chave de ouro retorcida. — Gaius, talvez eu tenha acidentalmente derretido minha chave para o portal das fadas — ele me dá um olhar aguçado — deixando Jarvis como minha única opção de viagem. Você poderia me fazer outra?

Acontece rapidamente desta vez. As vibrações, o borrão, a onda de choque se afastando de mim. O medo me agarra. Eu jogo minhas mãos para ele. — Chase...

Mas eu já fui embora.

Eu sou jogada para uma sala de estar familiar no Subterrâneo. Chase está perto, suas mãos empurradas para dentro dos bolsos de seu agasalho, o capuz sobre sua cabeça. — O que você acha? — Ele pergunta. Ele não pode estar falando comigo, então deve haver alguém mais aqui. Ainda sem fôlego e tonta com o choque da viagem no tempo, tomo um momento para parar e respirar antes de olhar por cima do meu ombro. Uma mulher está ali, cabelo escuro e vestida para o inverno: casaco elegante, cachecol grosso, botas de pele de salto alto.

— Não é realmente o meu estilo — diz ela, passando os dedos enluvados através da borda do velho abajur, — mas é uma grande melhoria do barraco em que você morava antes.

— Eu não chamaria aquilo de “morar” — diz Chase em voz baixa. Ele pega uma almofada decorada com renda da cadeira. — Este não é exatamente meu estilo, mas... bem, foi um presente. Sou grato.

Isso é bom, eu digo a mim mesma. Isto é bom. Isto é bom. Eu já fui para o passado várias vezes agora, e sempre consigo voltar ao presente depois de alguns minutos. Eu só preciso ficar calma e esperar - Não. Espera aí. Eu devo me manter calma se eu não quiser viajar no tempo. Então, eu preciso... me tornar emocional?

— Eu não sabia que você podia desenhar — diz a mulher, caminhando até a mesa e levantando um esboço da superfície.

— Oh, isso não é nada. — Chase arranca o papel da mão dela e o desliza para dentro de uma gaveta. — Apenas um... passatempo recente.

Minha mente se volta para Zed e sua namorada. Isso geralmente é um pensamento bastante perturbador. Eu o imagino propositadamente com outras pessoas – e descubro que isso não suscita muita reação de mim. — Droga — eu murmuro. Parece que finalmente consegui superar a paixão que tive nos últimos dois anos. E no momento mais inconveniente.

— Mas, querido, é tão bom — diz a mulher a Chase. — Não esconda.

Querido? Minha atenção retorna para a cena em que estou de pé. Eu chego mais perto quando a mulher serpenteia seus braços ao redor do pescoço de Chase. Algo parece diferente em seu rosto, mas não consigo descobrir o quê. Talvez seja à sombra do seu capuz, ou o fato de que ele é provavelmente mais jovem aqui do que o Chase que eu conheço no presente. — Tudo bem, não me mostre seus belos desenhos — a mulher diz. — Mas posso convencê-lo a vir comigo esta noite? Podemos ir dançar como costumávamos. Vai ser divertido.

Ele se aproxima mais dela. Por um momento, eu me pergunto se ele vai beijá-la - um pensamento que faz meu interior se retorcer com estranheza - mas então seus lábios se esticam em um sorriso sombrio. — Desculpe — diz ele. — Não vai rolar.

Ela lhe dá um beijo rápido na bochecha, depois se afasta dele com uma risada. — Sempre vale a pena tentar. — Ela atravessa a sala em direção a porta e abre. — Eu preciso ir. Cuide-se, querido. — Ela sai, então olha para trás por cima do ombro. — E... Fico feliz em ver que você está muito melhor do que a última vez. Tente manter o foco nas coisas boas, ok? Tudo ficará bem.

Ele acena com a cabeça, e ela fecha a porta. No momento em que ela se vai, ele se abaixa na cadeira e coloca a cabeça nas mãos. Com os ombros inclinados e o rosto coberto, ele respira lentamente e tremendo. — Nada vai ficar bem — ele murmura.

Meu coração dói por ele. Mesmo por trás desse estranho véu de tingimento verde que nos separa, posso sentir sua dor. Como eu não poderia? Somente os corações duros poderiam deixar de simpatizar com o desespero e...

Vibrações e ondulações. Um som sibilante. O solavanco bate a náusea com tanta força que quase vomito no momento em que o escritório cheio de plantas reaparece. Tonta, tonta, girando. Cambaleando e girando, e porque a sala não pode ficar parada?

— Calla? — Eu sinto mãos sobre mim.

— Vomitar... vou vomitar, vou vomitar. — Eu sinto o chão sob meus joelhos. Uma lixeira está sendo empurrada na minha frente. Eu a agarro enquanto meu estômago se contrai e solta seu conteúdo. Limpo minha boca com a parte de trás da minha mão, e depois há mais giros e sacudidas até eu finalmente estar deitada em alguma coisa.

Fecho meus olhos e espero.

Quando o mundo para de girar e a náusea desaparece, eu pisco e me encontro deitada em uma cama com dossel.

— Sentindo-se melhor? — Pergunta Chase.

— Isso foi tão nojento — eu murmuro. — Eu sinto muito.

— Há um banheiro por ali — ele diz, apontando para uma porta. — Se você quiser se limpar.

— Eu quero. — Eu ainda estou um pouco instável, mas preciso me livrar do sabor horrível na minha boca.

Quando eu limpo minhas mãos, enxáguo minha boca e espirro água no meu rosto, volto para o quarto e sento na cama.

— Desculpe — Chase diz calmamente. Ele afasta da parede e fica ao lado da cama. — Isso foi minha culpa. Eu estava... provocando você. E eu deveria ter conseguido te impedir, mas não alcancei você a tempo.

Eu puxo minhas pernas para cima e enrolo meus braços ao redor dos meus joelhos. — Eu vi você — eu digo a ele. — No passado. Na sua casa.

— O quê? — Sua mão fica tensa ao redor da cabeceira da cama. — O que você viu?

— Não se preocupe, não foi nada inapropriado. Você tinha acabado de se mudar para lá. Havia uma mulher lá. Ela disse que o mobiliário não era realmente seu estilo, e você também disse que não era o seu.

— Oh, essa casa. — Chase parece aliviado, mas seu aperto na cama não mudou. — O que mais você viu?

— Nada. Foi só isso. — Não posso dizer-lhe o que mais ouvi, o que vi. É muito pessoal. Ele não gostaria do fato de eu ter testemunhado um momento tão desesperado.

— Isso foi a oito ou nove anos atrás. Não é de se admirar que você se sentiu tão mal quando voltou. — Ele gira em torno da cabeceira da cama e fica ao meu lado. — Quando eu estava experimentando, tentando descobrir se eu poderia controlar esse poder, acabei vendo o momento em que meus pais se conheceram. Isso foi quase trinta anos atrás.

— Uau. Isso deve ter deixado você realmente doente.

— Eu fiquei na cama por um dia inteiro. O mundo não parava de girar.

Eu olho para cima ao som de passos e vejo Gaius na entrada. — Tudo bem? — Ele pergunta. — Tenho certeza que você está pronta para se livrar dessa habilidade agora.

— Definitivamente. — Eu levanto. — Então, como isso funciona? Você tem alguma mistura especial de plantas para eu tomar?

— Não, não. — Ele acena como se ideia fosse ridícula. — Nada tão complicado quanto isso. — Ele estende sua mão para mim. Olho, depois olho para Chase.

— Não se preocupe, ele não vai morder — diz Chase.

— Tuuudo bem. — Levanto a mão e aperto a de Gaius.

Ele fecha os olhos e os abre um momento depois. — Oh. Não esperava isso.

— Esperava o quê?

— Duas habilidades especiais. Uma é sua, eu suponho?

Eu arranco minha mão para longe da dele, enquanto um arrepio rasteja pela minha espinha. — Como você sabe disso?

— Porque, minha querida — diz ele gentilmente, — essa é a minha habilidade especial. Eu posso sentir, absorver e transferir outras habilidades.

Eu olho de Gaius para Chase. Chase assente com a cabeça. — Então você também é um dos Dotados — eu digo a Gaius. — Isso significa que a capacidade de viajar no tempo da pulseira pertenceu a outra pessoa dotada?

— Pertencia a Saber — diz Chase. — O homem que está tentando roubá-la de volta.

— Mas então...

— Eu sei, eu sei. Que direito temos de tirar sua própria habilidade para longe dele? Bem, depois de continuar usando seu poder para descobrir segredos importantes que acabaram fazendo muita gente sofrer, decidimos que todos ficariam melhores se ele não pudesse mais visitar o passado.

— Mas essa não é uma decisão sua. A Guilda deve prendê-lo.

— Eles prenderam. Eles o prenderam duas vezes no ano passado. Nada além de drogá-lo o conterá.

— Então...

— Então o quê? Drogar o homem pelo resto da vida? Como isso é melhor do que matá-lo?

Coloco minhas mãos na minha cintura. — Esta é a parte em que eu provavelmente deveria perguntar como você sabe tudo isso, mas eu duvido que você vai me responder.

— Você duvidou corretamente — diz Chase.

Eu balanço a minha cabeça e viro para Gaius. — Quando você absorve a habilidade de viajar no tempo, isso afetará minha habilidade de alguma forma?

— Não — diz ele. — Não vou tocar no que é seu.

— Ok. — Eu estendo minha mão. — Então, por favor, tire este problema de viagem no tempo de mim antes que eu acabe no passado novamente.

Ele pega minha mão e fecha seus olhos. Eu me sinto bastante estúpida enquanto permaneço ali, esperando que algo aconteça, imaginando se isso vai doer quando acontecer. Eu encontro Chase me observando, e consigo segurar seu olhar por vários momentos antes de olhar para longe. Ele não sabe que é grosseiro encarar?

Gaius solta minha mão e diz — Acabou.

Surpresa, pergunto, — Você tem certeza? Não senti nada.

Ele ri. — Sim, eu tenho certeza.

Chase coloca a mão no bolso do casaco e remove alguma coisa embrulhada em pano. A pulseira de bronze. — Você pode colocar o poder de volta aqui — ele diz a Gaius, entregando-lhe a joia encantada. — Então eu vou destruí-la. Eu deveria ter feito isso na primeira vez ao invés de experimentar. — Ele cruza os braços e olha para mim. — Foi uma aventura desde então. Alguém estava fazendo uma tatuagem e me ouviu falar sobre ela. Ela roubou depois de voltar para uma segunda tatuagem. A Guilda ficou sabendo depois disso, que é como ela acabou em sua coleção de artefatos. Estava lá há vários meses antes de Saber telá-la. Eu a roubei dele, e então você roubou de mim.

— E agora você vai destruí-la.

— Sim.

Há algo que não parece completamente certo sobre tirar a magia de outra pessoa. Mas tenho que admitir que Chase estar certo. Se esse cara é perigoso e a única outra opção para a Guilda é mantê-lo drogado durante o resto de sua vida, então ele está melhor sem essa habilidade. — É fácil destruir essa pulseira? Não há um ritual longo e complicado que fornecerá uma grande oportunidade para o vilão roubá-la de volta?

— Nós não temos que viajar para a Montanha da Perdição{1}, se é isso que você quer dizer.

— Montanha da perdição?

— Não importa — ele diz com um suspiro. — Vamos. Podemos usar o portal das fadas desta vez. Eu sei o quanto você gosta de Jarvis, mas será mais rápido assim.

Eu sigo Chase e Gaius pelo corredor e para o andar de baixo para o saguão de entrada. Ele para em frente a uma das portas e percebo que é um pouco diferente das outras que conduzem a essa sala. Os padrões que cobrem sua superfície são mais intrincados. Gaius produz uma chave de ouro semelhante à que Chase entregou antes - embora esta não pareça ter sido retorcida em uma forma estranha - e destrava a porta. Ela derrete e desaparece, deixando a escuridão além. — Você pode pegar minha chave — diz Gaius, entregando-a a Chase. — Eu farei outra.

— Obrigado. — Chase gesticula para que eu vá em frente dele.

— Eu deveria segurar sua mão? — Pergunto. Nunca usei um portal de fadas antes; Não sei se elas funcionam do mesmo jeito que os caminhos das fadas.

— Não. Este caminho tem apenas um destino para o outro lado. Não é possível você acabar em qualquer outro lugar. Mas — ele acrescenta com um sorriso malicioso — você pode segurar minha mão, se é isso que você quer.

Eu tiro a sua mão estendida para fora do caminho e ando na frente dele. Eu continuo caminhando, através da leveza e através da escuridão total pressionando contra meus olhos. Um contorno de luz retangular aparece à minha frente. Eu ando em direção a ela - então bato direto em uma superfície dura.

— É uma porta, Calla — diz Chase. — Você tem que abri-la.

— Obrigada pelo aviso — eu murmuro conforme procuro por uma maçaneta na porta. Eu a viro, abro a porta e entro na sala dos fundos do estúdio de tatuagem da Chase. Conveniente. Claramente, Chase visita Gaius com bastante frequência. Gostaria de perguntar-lhe do que se trata tudo isso, se ao menos ele me desse uma resposta certa.

— Bem — eu digo, virando para ele, — obrigada por me ajudar, Chase. Eu agradeço.

Ele inclina a cabeça. — Foi um prazer conhecer tanto você quanto sua mágica de ilusão. — Ele desliza sua mão para dentro de um bolso interno do casaco e tira seu âmbar. Ele o segura em minha direção. — No caso de você precisar de ajuda novamente.

Certo. Porque enviar uma mensagem no âmbar será muito mais simples do que aparecer sem aviso prévio dentro de sua casa e pendurada de cabeça para baixo. Eu puxo meu próprio âmbar do meu bolso, avanço e escovo o meu contra o dele. Os dois dispositivos retangulares brilham brevemente à medida que suas identificações âmbar se conectam. Agora, quando escrever uma mensagem e pensar em Chase, a mensagem aparecerá em seu âmbar. Eu devolvo o meu para o meu bolso e limpo minha garganta. — Eu acho que vou voltar para casa.

— Ok. — Ele abre um armário do outro lado da sala e remove uma urna de pedra. Ele a coloca no chão com algum esforço. — Você voltará para fazer sua tatuagem, é claro.

— Claro — eu falo distraidamente, curiosidade me distraindo de encontrar uma resposta inteligente. Chase levanta a tampa da urna e me inclino para a frente para que eu possa ver o conteúdo. Um brilho alaranjado emana da abertura. Dando um passo para perto, vejo chamas queimando. Sinto o calor delas.

Chase olha para cima. — Eu pensei que você estava indo para casa.

— Hum, sim. — Eu hesito antes de me afastar. Coloco minha mão em seu braço. — Lembre-se. Enquanto meu segredo permanecer secreto, o mesmo acontece com o seu. Eu sou apenas uma faerie normal, e você não é mais do que um tatuador.

Ele me considera com olhos brilhantes que eu queria poder pintar. Eu me pergunto se poderia conseguir a cor certa. A mistura perfeita de tempestade cinza, verde claro e o luar. Enquanto olho para ele, sua expressão muda. Ele franze a testa, seus olhos me olhando como se fosse pela primeira vez.

— Tem alguma coisa errada? — Pergunto, hesitante.

— Não — ele diz devagar. — Eu só... lembrei de algo que me disseram há muito tempo. — Ele pisca, balança a cabeça e então estende a mão para mim. Eu agarro. — Concordo — diz ele.

Eu me afasto dele. Abro a porta, me perguntando se possivelmente posso ser corajosa o suficiente para marcar uma hora para fazer uma tatuagem de verdade. Porém, sou salva por ter que tomar essa decisão, porque do outro lado da porta, encostado no balcão com uma besta em uma mão, está Saber.

— Ah, você voltou — diz ele. — Já estava na hora.


Capítulo 17

Depois de uma olhada para o elfo imóvel deitado no chão, volto lentamente levantando as mãos. A magia do escudo fica no ar na minha frente, mas não vai demorar muito se eu for atacada repetidamente com uma besta. — Chase? — Eu digo quando coloco um pé atrás do outro. — Parece que ainda não vou para casa.

Saber atravessa o limiar na sala, e eu lanço um olhar rápido sobre meu ombro para Chase. Ele está de pé sobre a urna com a pulseira mantida em um pano. — Ah, olha quem decidiu se juntar a nós para as festividades — diz ele. — Você chegou bem a tempo, Sr. Saber.

— Isso é meu — Saber rosna. — Eu quero de volta.

— Você ficou bem sem issl todos esses meses na Guilda.

— As coisas mudaram.

Eu avanço mais para trás até eu estar ao lado de Chase. Eu sinto sua magia de escudo se juntar à minha. — Por “as coisas mudaram” — diz Chase, — quer dizer que alguém na prisão de Velazar lhe disse para recuperá-la?

Faíscas voam da língua de Saber enquanto ele fala. — O que eu faço na prisão de Velazar não é da sua conta. Agora me dê a pulseira antes que eu atire na cabeça da sua namorada.

— Qualquer coisa a ver com aquele prisioneiro em particular é da minha conta, Saber. Que informação ele quer que você ache?

— Você não saberá até que seja tarde demais.

— Então eu suponho que não temos motivos para adiar isso por mais tempo. — Chase solta a pulseira dentro na urna e a fecha.

— Não! — Saber dá alguns passos para frente, então para quando o som de uma explosão passa através do ar parado. A urna treme, mas permanece intacta. — NÃO! — Saber ergue a besta e dispara. De novo e de novo, as flechas atingem nosso escudo combinado.

— Agora seria um bom momento para fazer a sua coisa — diz Chase entre dentes cerrados.

— Mas estou gastando toda a minha energia no escudo. Eu não posso...

— Eu vou segurar o escudo. Você o distrai.

Eu expiro lentamente, liberando meu escudo e o controle em torno da minha mente. Fecho meus olhos e me concentro no que preciso que Saber veja. Imagino uma segunda explosão dentro da urna de pedra. Desta vez, ela racha. Quebra. Mandando pedra e fogo e calor voando pela sala. Quando abro os olhos, vejo a cena que estou imaginando. Eu sinto o calor abrasador. Saber está do outro lado da sala, ele levanta o braço para proteger seu rosto contra os escombros imaginários que passam por ele.

Chase chuta a cadeira reclinada pela sala, jogando Saber no chão. A besta bate no chão, e Chase força uma rajada de vento de sua mão suficientemente forte para varrer a arma pela porta. Saber se afasta da cadeira quebrada, pula e corre em direção a Chase. Chase se curva e usa o impulso do homem para jogá-lo sobre seu ombro. Saber pousa sobre seu lado e chuta Chase, mas o tatuador sai do caminho. À medida que Saber levanta e lança faíscas em seu oponente, Chase se abaixa. Então ele pula e chuta, golpeando Saber no peito com sua bota de combate sólida. Saber cai com um barulho, e Chase ergue uma bola de magia girando e crepitando acima de sua mão e a joga em Saber. O homem verde colapsa, sua cabeça cai de volta ao chão e seus membros ficam moles.

As chamas, a fumaça e o calor da minha projeção desaparecem. — Você pode lutar — é a primeira coisa que eu digo, seguido rapidamente por, — Era magia de atordoamento?

Chase assente com a cabeça enquanto olha para o homem desmaiado.

— Como você reuniu tanto poder tão rápido? Me leva minutos de concentração para reunir o suficiente para atordoar alguém.

Sem encontrar meus olhos, Chase diz — Suponho que você precise praticar. A questão mais importante, porém, é a seguinte: o que Saber fez com a minha adorável assistente?

— Oh, não. — Eu pulo sobre o Saber e corro até a entrada. — Eu a vi deitada aqui quando abri a porta, mas... — Eu olho ao redor da sala. — Ela se foi.

Chase caminha ao meu lado. — Ela deve ter ido buscar ajuda.

— Espero que isso signifique que ela está...

Eu caio para trás com um grito, enquanto algo agarra meu braço e puxa. Eu caio na escuridão. Chase caí ao meu lado, gritando palavras irritadas, e o aperto no meu pulso se solta.

Até batermos no chão.

Eu sugo uma respiração ou duas antes de poder me mover. Então eu puxo meus joelhos para cima, rolo meu peso de volta sobre meus ombros e chuto diretamente no ar. A força do meu chute puxa o resto do meu corpo para cima. Eu coloco minhas pernas para baixo e pouso em um agachamento. Eu me endireito e giro ao redor, tentando me orientar. — Vocês podem ficar aqui até ele decidir o que fazer com vocês — Saber grita. Eu o vejo a alguns metros de distância, uma brilhante bola branca de magia pairando acima de cada mão. Eu alcanço uma shuriken, aponto para o ombro dele e a solto. — Pessoalmente — ele acrescenta à medida que a arma brilhante brilha sobre seu ombro e desaparece nos caminhos das fadas — espero que você morra uma morte horrível primeiro.

Eu levanto minhas mãos quando um arco e uma flecha aparecem sobre meu alcance. Eu solto a flecha – no momento em que Saber salta para trás no vazio. A flecha voa para dentro da abertura estreita à medida que as bordas da entrada vão em direção umas às outras. Um segundo depois, o portal e os caminhos das fadas desapareceram. E a luz também.

— Chase? — Pergunto estavelmente. Um gemido é a minha única resposta. Reúno magia em uma bola de luz amarela e a envio para o ar acima de mim. Olhando em volta, acho que estamos em um túnel. Mais estreito e mais embaixo do que eu estou confortável - não entre em pânico, não entre em pânico - e completamente desprotegida. No chão Chase está deitado. — Merda. — Eu caio de joelhos ao lado dele. — O que aconteceu? Você está bem? Você está machucado?

Ele ergue a mão para a parte de trás da sua cabeça. — Parece que eu quebrei meu crânio. Parece que nada está sangrando, no entanto. Deve ter me deixado um pouco atordoado.

— Deixe-me verificar. — Levanto minhas mãos quando ele se senta, mas ele as afasta.

— Não se preocupe, estou bem. O que aconteceu?

— Saber nos trouxe aqui através dos caminhos das fadas.

— Um truque impressionante para um homem inconsciente.

— Sim. Aparentemente, havia algo de errado com seu feitiço.

— Não havia. — Chase esfrega cuidadosamente a parte de trás da cabeça. — Ele deve ter jogado um escudo no último momento. Isso teria absorvido a maior parte da magia de atordoamento.

— Talvez. — Eu levanto, pego seu braço e o puxo para levantar.

— Então ele teve um chilique e nos levou para outro túnel no Subterrâneo, — diz Chase enquanto olha ao redor. — Parece um desperdício de todos os tempos.

— Talvez ele esteja ocupado destruindo seu estúdio de tatuagem. — Eu deslizo minha stylus para fora da minha bota. — Provavelmente devemos verificar. — Escrevo um feitiço de portal contra a parede empoeirada do túnel. As palavras brilham e desaparecem - e nada acontece. — Isso é estranho.

— Honestamente, eu tenho que fazer tudo sozinho? — Chase produz sua stylus e escreve no chão do túnel. O resultado é o mesmo: sem portal.

— O que você estava dizendo?

— Droga. Isso não é bom. Eu acho que sei onde estamos. — Ele empurra sua mão através de seu cabelo enquanto ele olha para o túnel. — Deve ser o labirinto.

Minha frequência cardíaca aumenta ao pensamento de ficar presa em um túnel conhecido como O Labirinto. — Você está certo. Isso não soa bem. — Não entre em pânico. NÃO. ENTRE. EM. PÂNICO.

— Você nunca ouviu falar dele?

Eu balanço minha cabeça.

— Se tornou uma lenda. Eles dizem que há criaturas perigosas que percorrem essas passagens e encantamentos que confundem e atrapalham o cérebro, tornando ainda mais difícil encontrar uma saída. Está conectado aos túneis no Subterrâneo e, pelo o que eu sei, essa é a única saída.

— Criaturas perigosas, hein? — Eu olho para a escuridão além da minha luz e me lembro de que eu sou treinada para combater criaturas de todos os tipos. O pensamento de enfrentar uma aqui não deveria me incomodar.

— Sim, mas eu ouvi que esses túneis foram abandonados após a Destruição, então espero que não encontremos nenhum.

— Ok, então, sem criaturas, mas ainda estamos perdidos em um labirinto de túneis. — Eu engulo. — Precisamos começar a andar.

— Não se preocupe. — Chase pega seu âmbar do bolso do casaco. — Nós nunca encontraremos nossa saída.

Apesar dos meus melhores esforços para manter a calma, minha respiração definitivamente está se tornando mais rápida. — Bem, então, Sr. Otimismo. O que você planeja fazer?

— Não estou acima de pedir ajuda. — Ele escreve rapidamente sobre a superfície de seu âmbar. Depois de guardar âmbar e stylus, ele olha para mim. — Pedi a Gaius que enviasse corujas de rastreamento para a entrada do labirinto. Não deve ser muito difícil para ele pedir um favor ou dois e descobrir onde está. Uma vez que as corujas estiverem nos túneis, elas nos rastrearão facilmente.

— E elas poderão encontrar o caminho para a entrada?

— Claro. Elas são corujas que rastreiam.

— Certo. — Eu envio calor para minhas mãos antes de corrê-las sobre meus braços algumas vezes. — E então?

Chase abaixa-se no chão e se inclina contra a parede do túnel. — Nós esperamos.

Esperar. Em um espaço confinado. Que pode ficar sem ar. — Se estiver tudo bem para você — eu digo, — eu preferiria continuar andando.

Chase olha para mim. — Uh, ok.

Eu escolho uma direção e Chase me segue. Minha bola de luz conjurada vem conosco. Eu aumento o seu brilho, na esperança de que, ao iluminar mais o túnel, o espaço parecerá maior. Não. O que cresce, porém, é o silêncio. Eu não digo nada, Chase não diz nada e, em breve, parece que é muito tarde e óbvio demais, tentar iniciar uma conversa. Além disso, o pensamento das paredes do túnel se estreitando até nos esmagar até a morte está ocupando muito do meu cérebro. Não há espaço para pensar em nada para dizer.

Concentre-se em outra coisa.

É a coisa lógica se fazer. Afinal, você não pode parar de pensar em um pensamento dizendo a si mesma para não pensar. Você deve pensar um pensamento diferente em vez disso. Um conselho tão simples, mas tão difícil de executar. Na primeira vez que tentei, estava na minha terceira escola secundária e queria ir para o tobogã azul, que todas as outras crianças adoravam tanto. Concentrei no pensamento de voar. Funcionou até chegar a uma das curvas e parei de me mover. Eu pensei que estava presa. Eu entrei em pânico. Esse também foi o dia em que o incidente número dois aconteceu. Não era...

— Calla. — Chase coloca uma mão e me para. Eu olho para cima e, no momento seguinte isso desaparece, vejo uma cena de um playground com um tobogã azul quebrado e crianças fugindo com terror. Então se foi, sem deixar nada além do túnel vazio à nossa frente.

— Ugh, desculpe. Era eu. — Eu esfrego minhas têmporas enquanto reforço mentalmente a parede de tijolos da minha mente. — Não tenho certeza de como essa imagem escorregou. Talvez eu não esteja sendo tão cuidadosa quanto costumo ser porque você já sabe o que posso fazer. — Deixo minhas mãos aos meus lados. — Mas como você viu isso? Eu pensei que você poderia proteger sua mente de mim.

— Eu posso — ele diz quando começamos a andar de novo, — mas eu não preciso desde que você me devolveu a pulseira. Eu não esperava mais ataques mentais de você. O que eu tenho me perguntado, porém, é como você conseguiu manter sua habilidade em segredo da Guilda todo esse tempo.

— Provavelmente porque só estou lá há uma semana.

— O quê? — Ele se inclina enquanto ele me examina. — É possível que eu possa estar errado, mas você não parece uma aprendiz de treze anos do primeiro ano.

— Eu não sou. Obrigado por notar. — Eu explico meu desespero ao longo da vida para ser uma guardiã, a determinação de mamãe para me manter longe da Guilda, como tudo explodiu quando ela descobriu que eu estava treinando escondido, e então sua mudança repentina de ideia. O que me lembra que eu preciso perguntar a Ryn se ele descobriu alguma coisa sobre a pessoa chamada Tamaria. Eu guardo o pensamento para mais tarde. — Sim, então, depois de provar à Guilda que minhas habilidades estavam à altura, eles me deixaram começar no quinto ano em vez de começar do primeiro.

— E por que, Senhorita Cachinhos Dourados, você quer tanto ser uma guardiã?

Ignorando o apelido, eu digo — Quero ajudar as pessoas. Eu quero lutar contra os vilões e livrar o mundo do mal. Todas essas coisas honestas.

— Você sabe que pode fazer tudo sem ser guardiã, certo? Você não precisa de armas de guarda. Você nem precisa de magia.

— Eu sei, mas é assim que eu quero fazer.

— Justo. Então, se você acabou de se juntar à Guilda, em que escola você estava antes?

Com uma risada sem humor, eu digo — Por onde devo começar?

Chase olha para mim. — Muitas, hein?

Eu puxo um fio solto do meu casaco e lentamente o torço ao redor do meu dedo. — Isso é o que acontece quando você tem uma imaginação excessiva e continua compartilhando-a acidentalmente com todos os outros. — Eu desenrolo o fio, depois o enrolo novamente, mais apertado dessa vez. — Eu deixei minha primeira escola secundária porque eu projetei uma imagem de troll com um tutu depois que duas garotas que estavam comigo decidiram que um troll dançando seria muito engraçado. Saí da minha segunda escola secundária porque imaginei que o cabelo de um menino estava em chamas depois que ele me empurrou para uma porta e três pessoas viram o fogo imaginário. Na minha terceira escola secundária, todas as crianças no playground viram um tobogã explodindo. Era do tipo que tinha várias voltas, e fiquei presa dentro dele e assustada. Na minha cabeça, eu desejei que fosse forte o suficiente para sair. Acho que acabei projetando uma ilusão de mim esmagando o tobogã e saindo. Essa foi a projeção que você viu lá. — Eu aceno desajeitadamente por cima do meu ombro.

O que diabos você está fazendo, Calla?

Eu não sei. Não sei por que estou contando tudo.

Não. Isso não é verdade. Eu sei o motivo. Estou contando a Chase porque ele é a única pessoa que é seguro contar. Eu tive que ficar quieta toda a minha vida, mas finalmente encontrei alguém com quem não tenho que ficar quieta. Ele já sabe o que posso fazer, e ele não contará à Guilda.

— Cheguei à minha quarta escola secundária sem incidentes, como minha mãe os chama. Eu queria me juntar à Guilda, mas mamãe disse que não. Ela sugeriu uma escola de curandeiro, então, como uma boa garota, concordei. Havia um menino da minha turma que tinha ouvido falar de todas as escolas que eu fui. Ele tinha ouvido os rumores sobre como eu era... anormal. Até mesmo perigosa. Ele se certificou de que todos soubessem que eu era uma aberração. Logo que comecei lá, eu tinha tido o suficiente de sua provocação. Ele simplesmente não parava. No décimo dia, ele chegou à escola com uma daquelas bicicletas aladas, assim que cheguei lá. Ele voou diretamente em minha direção, me derrubou e gritou, “Pontuação! Ben: um, Aberração: zero. ” Então eu derrubei o muro e mostrei exatamente o que eu queria que ele visse: Ele estava dentro de um labirinto sendo perseguido por uma harpia. Ela já tinha comido as asas de sua bicicleta para que ele não pudesse voar para longe. Ele tinha que continuar andando ou ela também o comeria.

Chase bufa, e cobre com uma tosse. — É, parece que ele conseguiu o que merecia.

— Sim. Como acontece, foi exatamente o que todos disseram sobre mim quando me pediram para sair.

O sorriso de Chase desaparece. — Desculpe, Calla.

Eu encolho os ombros e solto o fio. Eu enrolei tantas vezes em torno do indicador esquerdo que a pele está coberta de linhas finas. — É a vida, certo? — Eu digo, tentando manter minha voz leve. — Todos têm dificuldades com as quais temos que lidar. Minha dificuldade acontece de ser uma a qual eu não devo contar para ninguém. — Chase acena lentamente, sem olhar para mim. — Então, mamãe sugeriu que eu me tornasse uma cozinheira chefe — eu digo a ele. — Eu não estava muito animada com essa ideia, mas a Guilda ainda não era uma opção, então eu disse tudo bem. Eu estava lá por dois meses e então...

E então...

Não. Não pense nisso. Apenas continue fingindo que não aconteceu.

— Espere, por que pegamos esse túnel? — Pergunto. Eu lembro vagamente de virar à esquerda em uma encruzilhada quase agora, e de repente percebi o quão baixo o teto se tornou.

— Sem motivo particular — diz Chase. — Não importa qual caminho nós vamos. Eu pensei que estávamos caminhando porque você não podia ficar quieta.

— Posso ficar quieta. Apenas não... aqui. Vamos voltar e pegar o outro túnel.

— O que há de errado com este?

— É, hum, cheiro estranho.

Chase me dar um olhar confuso, mas não diz nada.

— Uh, então eu decidi que não estava interessada em cozinhar ou assar. Mamãe ainda não me deixaria em nenhum lugar perto da Guilda, e a única coisa que eu poderia pensar era em arte. Então entrei para a Academia Ellinhart de Artes. Artes visuais, literárias e de artes cênicas. Eu escolhi visuais.

Chase para de andar. — Você também é uma artista?

— Sim. Bem, mais ou menos. Não da mesma liga que você.

— Então, quando você invadiu minha casa, você realmente estava admirando minha arte?

— Sim. — Então eu acrescento, — Junto com a procura de alguma coisa para roubar para uma iniciação estúpida.

Um sorriso divertido aparece nos seus lábios. — De todos os vilões que pensei que poderiam encontrar uma maneira de entrar na minha casa um dia, uma guardiã aprendiz apreciadora de artes era o que eu menos esperava.

Eu coloco meu cabelo atrás das minhas orelhas e sorrio para ele. — Fico feliz em poder manter sua vida interessante.

Começamos a andar novamente, e ele pergunta, — Você gostou de Ellinhart?

— Era... bom. Assim como com a escola de curandeiros e a escola de chefe, eu não desejei inteiramente estar lá. Mas eu gostava de desenhar e pintar, então decidi que, se não podia ter minha primeira opção, então eu teria que fazer a arte funcionar. Os rumores me seguiram até lá, é claro, mas consegui fazer alguns amigos. Eles disseram que não eram do tipo que prestavam atenção aos rumores. No final, porém, todo mundo escuta rumores. Como não quando todos viam coisas ao meu redor que não poderiam ser explicadas.

E com isso, a história de todas as minhas escolas e incidentes chega ao fim. No silêncio que se segue, nossos passos soam muito alto. Balanço meus braços aos meus lados, de repente me sentindo incrivelmente estranha por ter despejado toda essa informação a alguém que mal conheço. — De qualquer forma, — continuo, — essa sou eu. Qual é a sua história?

Ao invés de me responder, Chase diz — Estou impressionado que a Guilda não ouviu sobre nenhum de seus... como você chama? Incidentes?

Eu concordo. O túnel faz uma curvatura em forma de gancho para a esquerda e continuamos seguindo. — Meus pais sempre explicavam as coisas de alguma forma. Ou, como descobri recentemente, eles subornavam as pessoas para ficarem quietas.

— Subornos? Essa é sempre uma conversa interessante para os pais.

— Oh, eles não sabem que eu sei. Foi algo que eu ouvi meu pai dizendo durante uma das minhas viagens no tempo. Nem tenho certeza se minha mãe sabe. Ele pode ter escondido isso dela também.

— Bem, todos têm seus segredos.

Eu aceno lentamente, mordendo meu lábio enquanto considero meu pai e seus segredos. Eu me pergunto se ele tem outros. Talvez ele simplesmente não cuide da segurança para uma empresa comercial para a qual ele trabalha. Talvez ele seja um dos seus guarda-costas.

— Você pode ouvir isso? — Chase diz, parando de repente.

Paro meus passos e escuto. — Água pingando?

— Parece.

— Talvez devêssemos voltar. Eu normalmente assumiria que água pingando é inofensiva, mas provavelmente não é esse o caso aqui embaixo.

— Provavelmente não.

Nós voltamos e caminhamos para a direção oposta. Eu coloco minhas mãos nos bolsos do meu casaco para evitar ficar balançando-as ou arrancar mais fios da minha roupa. — Então — eu digo, — agora que falei todos os meus dramas de infância, por que você não fala os seus?

— Fala sério. A infância de todo mundo tem algum tipo de drama, quando seus pais se recusam a comprar aquele brinquedo que todo mundo tem ou aquele garoto que chama você de cocô de unicórnio.

Ele olha para mim. — Alguém chamou você de cocô de unicórnio?

— A Destruição! — Eu digo. — Se isso não se qualifica como drama, eu não sei o que pode. Onde você estava quando aconteceu?

Ele olha para longe. — Em casa. Pelo menos, não era exatamente minha casa, mas é onde eu vivia na época.

— Espere. Ouça. — Em vez de ficar mais silencioso conforme nos afastamos, o som da água pingando está ficando mais alto.

— Muito estranho — diz Chase depois de uma pausa. Ele começa a caminhar novamente, e eu me apresso para alcançá-lo. Alcançamos a curva fechada e continuamos. Do outro lado, encontramos a fonte do ruído.

Água, brilhante, como se cada gota contivesse uma pedra colorida diferente, corria em pequenos córregos do centro do teto túnel, em ambos os lados e encontravam-se no centro do túnel, onde eu suponho que ela se infiltre no chão.

— Isso definitivamente não estava aqui há um minuto — diz Chase.

— Eu estou ciente disso. Eu estava caminhando ao seu lado. — É lindo, porém, essa água colorida como arco-íris. Eu ando um ou dois passos para mais perto para examiná-la. Talvez se eu espirrar todas as cores que tenho sobre uma tela e deixar na chuva, eu conseguiria um efeito semelhante. E para os brilhos cintilantes onde a água captura a luz, eu capturaria a luz solar pingando gotas sobre a tela. Eu precisaria de um encanto para manter a pintura e a luz do sol em movimento, imitar o efeito de...

— Você está brincando comigo? — Chase agarra meu braço e me puxa de volta. — Eles não te ensinam na escola de guardiões para não tocar em coisas aleatórias? Você poderia se matar.

Eu puxo meu braço do seu alcance. — Eu não ia tocar. — Mas eu percebo que minha mão estava levantando, e parece que eu estava muito mais perto da água do que eu pensava.

— Oh, sério? — Ele pergunta. — É o que você disse antes de pegar a joia encantada de um estranho e tocá-la?

Eu cruzo meus braços, mantendo minhas mãos presas por baixo deles para que não possam me trair de novo. — Sim, esse foi o meu erro. Mas isso... — Eu aceno com a cabeça para a água. — Isso é outra coisa. Vamos continuar no outro sentido.

Nós viramos - e a curva fechada desapareceu. Em vez disso, o túnel se estendia direto e o chão parecia estar coberto de musgo.

— Agora estou assustada — eu sussurro.

Chase não diz nada. Ele olha por cima do ombro e depois avança novamente. — Alguém ou algo está brincando com a gente. — Ele desliza uma mão dentro de seu casaco e produz uma faca com uma lâmina curva. — Quem quer que seja, é melhor torcermos para não nos encontremos com ele.

O medo faz minha mão formigar. — Eu pensei que você disse que esses túneis foram abandonados.

— Eu achava. Parece que eu estava errado, no entanto. Este labirinto está definitivamente sendo usado novamente.

— Maravilha. — Eu enrolo minha mão em torno do ar e penso na minha adaga. Ela aparece sobre o meu controle um momento depois. — Bem, minha mentora amigável continua me dizendo para praticar, e não há nada melhor que o agora, certo? Assim. Devemos enfrentar a água ou o musgo?

— Nenhum. — Chase ergue a mão livre, a aperta em punho e a abre. Uma única chama arde acima de sua palma. Ele se inclina para frente e sopra a chama em direção ao lado coberto de musgo do túnel. Fogo atravessa o ar e aterrissa no musgo. Acende-se imediatamente, crescendo rapidamente em uma chama de luz e calor. À medida que o rugido das chamas aumenta para um nível que ameaça nos ensurdecer, Chase ergue o braço como se estivesse protegendo o rosto. A temperatura cai imediatamente, assim como o ruído, e eu sei que ele colocou um escudo entre nós e o fogo.

O inferno explode, enviando chamas em direção a nós com uma velocidade alarmante. Eu retrocedo com um grito, mas as chamas batem contra o escudo invisível de Chase e não vão muito longe. Então, como se a explosão acontecesse no sentido inverso, às chamas são sugadas para trás em uma rápida corrida. Um momento depois, elas se foram, sem deixar evidências de musgo, chamas ou fumaça. O túnel está completamente nu.

Chase abaixa o braço. — Tudo bem. O caminho está livre. Vamos.

Eu corro atrás dele, sem nunca soltar minha adaga ou o fio de concentração que mantém minha bola de luz brilhando acima de nós. — Isso foi um fogo impressionante.

— Obrigado. Eu adquiri uma série de feitiços de fogo úteis ao longo dos anos.

— Entendo. A arte da tatuagem deve ser um negócio perigoso.

Seus olhos continuam treinados adiante, mas eu vejo a sugestão de um sorriso em seus lábios. Balanço a cabeça e sorrio para mim mesma. Eu me pergunto se vou descobrir o que ele realmente faz. Provavelmente não, já que duvido que eu o veja novamente depois de sairmos daqui. Bem, a menos que eu faça uma tatuagem. Ou várias. Mamãe odiaria. Ela também não ficaria muito feliz de me ver passando tempo com alguém como Chase. O pensamento me deixa feliz. Ou talvez seja o pensamento de não dizer adeus a Chase ainda.

— Você está fazendo de novo — ele diz sem perder o ritmo.

Levanto meus olhos e vejo a imagem que acabou de passar na minha mente: o momento em que Chase aperta minha mão em seu estúdio de tatuagem. Naquele momento, antes de abrir a porta e encontrar Saber lá.

— Droga — eu murmuro enquanto a imagem desaparece. O túnel curva-se bruscamente para a esquerda. Continuamos caminhando, e eu bato meu punho na minha testa algumas vezes, como se isso pudesse ajudar a manter as projeções dentro. — Desculpe.

— Por quê? Você não fez nada de errado.

— Eu fiz. Eu deveria ter isso perfeitamente sob controle, e agora estou deixando sair. Isso nunca pode acontecer na Guilda, o que significa que eu preciso ter certeza de que isso também não aconteça em privado. Eu — Uma vibração treme no chão e sobe aos meus pés. Meu primeiro pensamento é que estou prestes a ser levada para o passado, mas o chão treme novamente, e novamente, como passos pesados de um gigante.

— E agora? — Eu murmuro.

— Agora — diz Chase, virando para enfrentar o som, — é hora de brincar.

Os passos estremecendo ficam cada vez mais alto e perto. Parte de mim quer correr, mas o resto de mim sente a excitação antecipatória que sempre traz vida às minhas veias nos momentos que estou prestes a enfrentar um inimigo. Eu solto minha adaga e sinto meu arco e flecha em vez disso. Flechas primeiro, depois shurikens, depois lâminas. Esse é o meu plano.

Os passos alcançam a curva no túnel, minhas mãos estão tensas ao redor da minha arma, e na minha linha de visão aparece uma besta enorme. Uma cabeça de touro feroz fica acima de um corpo musculoso e ereto. Suas pernas terminam em cascos grandes, e uma mão com garras segura um machado de batalha com duas pontas.

— Minotauro — sussurro, meio horrorizada e meio admirada.

O minotauro abre a boca para revelar dentes afiados. Ele solta uma risada profunda e grave, e juro que posso sentir a vibração no meu peito. Seus olhos brilhantes focam em Chase e, em um tom grosseiro e ruidoso, ele diz — Então. Nos encontramos de novo.

Espere o quê? Encontraram-se de novo?

Eu afasto os olhos do minotauro tempo suficiente para olhar para Chase. Pela primeira vez desde que o conheci, ele parece ter medo. O que significa que eu também deveria ter medo. Eu foco meus olhos no minotauro mais uma vez, apontando minha flecha no seu peito e engolindo contra a secura na minha garganta. As palavras de Olive são uma memória sussurrada dentro da minha cabeça: você vai acabar morta muito mais cedo do que eu pensava.

Do canto do meu olho, vejo Chase se afastando. — O que você está fazendo? — Eu sussurro. — Nós podemos ganhar desse cara. Com minhas ilusões e sua força, podemos ...

— Não — diz ele. — Nós vamos correr.

— Mas...

— CORRE!

Libero minhas armas. Chase me empurra para frente. Avançamos ao longo do túnel com os gritos irritados do minotauro e passos batendo nos seguindo. O túnel se divide e torce e se endireita mais uma vez. Meu coração bombeia adrenalina através do meu corpo. O medo me empresta velocidade. Nós corremos e corremos e corremos e o minotauro ainda está atrás de nós. Nós corremos e corremos e corremos...

E depois caímos.

Não vejo acontecer. Eu não vejo o abismo até que corremos em direção a borda. E agora estamos caindo, caindo, caindo, agitando os membros e gritando, a escuridão ao redor e uma luz azul pálida muito abaixo.

— Diminua! — Chase grita.

Eu sei que eu deveria poder fazer isso. Enviar a magia, a empurrar contra o chão e diminuir. E eu estou tentando, mas não consigo ver o chão, e não posso direcionar minha magia porque correntes de ar estão passando por nós, e tudo o que sei é que estou caindo para a minha morte.

Uma mão pega a minha. Chase me puxa para mais perto, me puxando para um abraço. Nós giramos no ar juntos conforme um redemoinho nos rodeia, nos retardando. Desacelerando, desacelerando...

E então atingimos o chão.


Capítulo 18

O cheiro de areia e água enche meu nariz. Uma superfície dura e irregular pressiona minhas costas. Estou ciente de ter dormido, mas não sei por quanto tempo. Um gemido baixo me escapa enquanto eu estico meus membros e tento lembrar onde eu estava antes de adormecer.

O labirinto.

O minotauro.

A queda.

A adrenalina dispara através de mim, ajudando meus esforços para me puxar da superfície da consciência. Eu pisco. Depois de me concentrar na luz azul fraca, meus olhos conseguem distinguir uma parede de pedra em algum lugar acima e atrás de mim. Com um grande esforço, eu me sento. A ação faz com que minha cabeça lateje, e levanto minha mão para a fonte da dor. Sinto algo molhado na minha cabeça. Eu retiro minhas mãos e encontro uma substância escura em meus dedos. Sangue. Sinto a cabeça novamente, mas não consigo encontrar uma ferida aberta. Obviamente, teve tempo de curar desde que atingimos o chão.

Nós.

Chase.

Eu olho para baixo e o encontro ao meu lado. — Chase? — Ele não responde. Eu quase não consigo ver nada na luz pálida, então eu reúno magia em uma bola de luz quente acima da minha palma e a deixo pairar perto de Chase. Com dedos hesitantes, eu o examino. Uma quantidade alarmante de sangue debaixo de sua cabeça, mas quando eu inclino para o lado, eu encontro apenas uma ferida superficial. Graças a Deus pelas nossas habilidades curativas superiores. Se fôssemos seres mágicos menores, essa queda definitivamente acabaria conosco.

Eu descanso minha mão em seu braço enquanto eu olho em volta. Estamos no fundo de um desfiladeiro com paredes rochosas crescendo abruptamente em torno de nós. A poucos passos de distância, um riacho raso passa por nós, tropeçando em torno das pedras afiadas. A fonte da luz pálida está em algum lugar à direita. Eu me pergunto se é uma saída. Se eu seguir o fluxo, vou descobrir, mas não quero deixar Chase em seu estado atual. Pode aparecer alguma criatura e arrastá-lo para o seu covil.

Minha atenção retorna para ele quando seu braço se contrai. Ele respira profundamente e depois solta um longo gemido.

— Você está bem? — Pergunto.

— Você pousou em cima de mim — ele murmura, seus olhos ainda fechados.

— Pousei?

— Eu acho que quebrei todos os ossos do meu corpo.

— Eu acho que você pode estar exagerando. Mas desculpe. Eu não estava planejando pousar em você. E obrigada. Por desacelerar nos dois.

Ele abre um olho. — Claramente não foi suficiente.

— Bem, o suficiente para nos impedir de espatifar nas pedras aqui embaixo.

Ele abre o outro olho e franze a testa para mim. — Não é uma imagem bonita, Calla.

— Desculpa.

Ele se move como se fosse sentar, então colapsa de volta com um gemido. — Malditas costelas — ele diz entre respirações rasas. — Diga o que quiser sobre exageros, mas tenho certeza de que eu fraturei algumas delas.

— Bem, fique quieto até que elas terminem de se curar. — Eu coloco minha mão em seu braço para que eu possa empurrá-lo para baixo, se necessário.

— Por quanto tempo estive desmaiado? — Ele pergunta.

— Eu não sei. Acabei de acordar. Espero que não mais do que algumas horas. — Eu tiro meu âmbar do meu casaco e toco a tela, percebendo tardiamente que agora espalhei sangue por toda parte. Meu coração afunda quando vejo a hora. — Ugh. Vinte e dois minutos para as cinco. É provável que estejamos em casa nos próximos vinte e dois minutos, não é?

— Por que, o que acontece às cinco horas? Tem um encontro caloroso?

— Não, é quando minha mãe chega em casa do trabalho. A Guilda a terá notificado sobre enviar todos os aprendizes para casa mais cedo hoje, então ela vai esperar me ver lá.

— Então, diga a ela que você está com um amigo. Isso não é mentira.

— Oh, somos amigos agora?

— Sim. Eu acho que é um rótulo melhor do que “aquela ladra que invadiu a minha casa”.

— É verdade. — Eu acho minha stylus, que felizmente ainda está intacta, e escrevo uma mensagem para minha mãe dizendo-lhe que estou saindo com um novo amigo e voltarei mais tarde esta noite. — Tudo bem — eu digo quando guardo o âmbar. — Isso nos dá mais algumas horas. Agora temos até as 11 horas. Se eu não estiver em casa até então, minha mãe entrará no modo pânico precisamente às onze horas.

Chase tenta rir, mas seu rosto enruga em uma careta de dor. Quando ele se recupera, ele diz, — Você tem um toque de recolher?

— Cale-se. Claro que tenho um toque de recolher. E tenho certeza que não foi há muito tempo que você também tinha um toque de recolher.

Ele inclina a cabeça para longe de mim e fecha os olhos. — Parece a muito tempo atrás.

Vejo seu peito subindo e caindo enquanto ele respira através da sua dor. — Você precisa de alguma magia de cura? — Pergunto eventualmente.

Ele abre apenas uma fresta dos olhos. — Eu achava que você só durou dez dias na escola de curandeiros.

— Sim, mas meu treinador guardião neste verão incluiu um curso intensivo sobre magia básica de cura básica.

Seus olhos fecham. — Perdoe-me se eu não acho isso inteiramente reconfortante.

— Por que não? É coisa simples. Apenas transfiro magia através da sua pele para ajudar o processo de cura do seu corpo.

— Não se preocupe com isso. Meu corpo é muito bom com a cura em si. Estarei bem em alguns minutos.

— Você tem certeza?

— Sim. E se esta é sua maneira de perguntar se você pode rasgar minha camisa e sentir meu peito, você não está exatamente sendo sutil sobre isso.

Depois de uma segunda hesitação, eu digo — Sim. Isso é exatamente o que eu estou perguntando. Posso começar agora?

Os olhos dele abrem. Seus lábios abrem, mas nenhum som sai.

— O quê? — Pergunto. — Você pode fazer comentários projetados para que os outros se sintam estranhos, mas você não pode ter respostas?

— Estou... apenas... surpreso.

— Porque você esperava que eu respondesse defensivamente sobre como eu não tenho interesse em tocar em seu peito nu?

— Eu só estava brincando.

Eu me aproximo e digo, — Eu também estava. — Não era a minha primeira reação, mas naquela fração de segundo antes de responder, decidi não ser a garota que gagueja e fica envergonhada. Meu rosto não pareceu dar a mensagem, porém, e estou feliz por não haver luz suficiente para Chase para ver o calor nas minhas bochechas.

Ele ergue o braço e coloca a mão sobre a minha. — Eu gosto de você, Calla. Se eu tivesse que cair em outro abismo com alguém acho que posso escolher você.

Consciente de que ele provavelmente estava me zoando de novo, coloco a mão sobre a dele e digo, — Bem, essa é a coisa mais doce que alguém me disse.

Ele ri, o que é uma boa indicação de que ele está quase completamente curado. Eu também rio, embora não seja muito genuíno, por causa de todas as coisas que já foram ditas para mim, provavelmente é uma das mais legais. E isso é um pensamento triste.

O som de pedras caindo faz nosso riso parar. Eu apago minha bola de luz e olho mais para baixo do desfiladeiro. Na luz fraca, vejo uma forma magra se movendo rio acima, molhando-se enquanto passa, chutando pedras aqui e ali.

— Aqui vamos nós de novo — Chase murmura enquanto ele se senta. Ele olha através da penumbra.

— Pelo menos não é um minotauro imponente. Seja lá o que for, devemos ser capazes de se livrar dele facilmente.

— Talvez não nos faça mal. Parece bastante preocupado com a própria vida.

— Você — diz Chase, — é tão ingênua. Tudo aqui é prejudicial. Provavelmente quer nos estrangular e comer nossos cérebros para o jantar.

— Muito gráfico — eu comento. — E cínico.

— Eu tenho razões para ser. — Ele se move para se levantar, mas eu coloco minha mão em seu braço.

— Não. Deixe-me projetar uma ilusão simples. A criatura nem saberá que estamos aqui.

Chase relaxa e acena com a cabeça. — Parece sensato.

Estou cansada dos esforços do meu corpo para se curar, então uma ilusão simples é tudo para a qual eu tenho energia. Felizmente, nesta situação, é tudo o que é necessário. Imagino a área em que estamos sentados e a pedra atrás de nós. Eu imagino a cena como seria se não estivéssemos aqui. Eu mantenho a imagem em minha mente conforme a criatura passa por nós. É cerca da metade da minha altura e parece ser lagarto, caminhando sobre as patas traseiras ao invés de rastejar. Faz um zumbido estranho enquanto ele passa através da água. Ele continua em movimento, e Chase e eu permanecemos em silêncio até que não possamos mais vê-lo.

— Olhe para isso, Sr. Cínico — eu digo a ele, cutucando seu braço. — Seguiu seu caminho felizmente.

— Isso não prova que não é prejudicial, Senhorita Ingenuidade. Poderia ter nos comido se soubesse que estávamos aqui.

— Senhorita Ingenuidade? — Eu balanço a cabeça e olho para o meu colo. — Eu não sou tão ingênua como você pensa que eu sou. Eu simplesmente gosto de assumir que alguém é inocente até que se prove ser de outra forma.

— E quase todos provam ser de outra forma. — Chase inclina a cabeça, tentando encontrar meu olhar. — Você não sabe como é o mundo?

Eu bloqueio as barreiras da minha mente quando imagens de uma masmorra cheia de gaiolas penduradas e prisioneiros lamentando surgem das profundezas da minha memória. — Eu sei exatamente como é o mundo, — digo calmamente. — Eu conheço o mal que existe. Conheço as coisas terríveis que as pessoas fazem umas com as outras. Eu vivi isso. Eu sobrevivi. Mas apenas porque eu vi a paleta de cores escuras não significa que eu tenho que pintar o resto do meu mundo desse jeito. Eu posso escolher as cores brilhantes em vez disso. Eu posso vê-las, pintá-las, desenhá-las, me cercar com elas como uma música alta e gloriosa afogando todas as trevas do mundo. — Eu olho para ele. — Você sabe?

Ele balança a cabeça. — Não. Eu não sei. Mas eu queria saber.

Suas palavras não fazem sentido para mim. — Mas você sabe. Eu vi suas pinturas. Eles são vida, luz e alegria. Você não pode criar obras-primas assim e me dizer que você não sabe nada sobre a beleza do mundo.

— Isso não é o que eu quero dizer. O que quero dizer é... — Ele esfrega uma mão em sua sobrancelha. — Há muita escuridão, e não importa quanta vida, luz e alegria eu pinte, nunca poderei afogá-la.

A maneira como ele soa - tão sombrio, tão desanimado - me lembra do Chase que vi quando viajei no tempo. O Chase, que disse que nada ficaria bem novamente. — Por que você...

— Devemos nos mover — diz Chase, de repente. — Eu me sinto bem agora. Eu disse a você que meu corpo é ótimo para se curar.

— Uh, ok. — Eu levanto quando Chase examina seu âmbar.

— Droga, eu deveria ter verificado mais cedo. Gaius lançou as corujas no labirinto duas horas atrás. Uma hora atrás, ele enviou outra mensagem dizendo que as corujas retornaram com nada.

— Isso é estranho.

— É. Essas corujas nunca falharam comigo antes.

— Talvez nós tenhamos ido longe demais para elas nos detectar.

— Ou talvez — diz Chase, — não estamos mais dentro do labirinto. — Ele pega a stylus e escreve um feitiço de portal contra a parede de pedra. A superfície derrete para revelar um portal para os caminhos das fadas.

— Sim! — Eu bato minhas mãos.

— Nós podemos passar pela sua casa primeiro — diz Chase, segurando meu pulso vagamente enquanto entramos na escuridão. — Dessa forma, sua mãe não terá motivos para entrar em pânico.

— Não, precisamos verificar seu estúdio de tatuagem, lembra? Além disso, mamãe pensa que vou ficar fora até mais tarde. Não preciso voltar imediatamente.

— Tudo bem. Mas se ela de alguma forma perder a sua mensagem e estiver esperando por você, não me culpe.

— Sim, sim.

Nós saímos dos caminhos das fadas para a sala de trás do Wickedly Inked para encontrá-la no mesmo estado em que a deixamos: sem muito dano além da cadeira quebrada. Saber, obviamente, não voltou aqui depois de nos jogar no labirinto. Na luz brilhante, estou muito mais consciente do sangue seco em minhas mãos e atravessando minhas roupas. Eu toco na parte de trás da minha cabeça e sinto fios de cabelo encrostado.

— Você parece terrível — diz Chase.

— Obrigada. Você também não parece muito bem. — A parte de trás de sua cabeça, pescoço e casaco estão cobertos de sangue meio seco.

Ele se inclina contra um balcão e gesticula para mim. — Você está planejando ir para casa assim?

— Sabe, isso soa como o inverso do que minha mãe diz quando eu quero sair com algo que ela não aprova.

Ele sorri para seus pés. — Desculpe, eu simplesmente não quero que você fique com problemas. Se eu tivesse chegado em casa assim, meus pais não me deixariam sair de casa novamente.

— Sim, você está certo. Isso definitivamente se qualifica para o modo pânico aos olhos da minha mãe.

Chase passa as mãos nos bolsos do casaco. — Você pode se limpar na minha casa, se quiser.

— Obrigada. Eu acho que vou aceitar essa oferta. — Minha única outra opção é a casa de Ryn, e, enquanto Ryn não entraria em pânico como mamãe, ele definitivamente faria perguntas.

— Ótimo. — Chase pega seu âmbar. — Deixe-me apenas dizer a Gaius que nós dois estamos bem. Então podemos ir.

***

Eu mergulho na piscina no banheiro de Chase enquanto minhas roupas sujas estão colocadas no chão encantado da grama ao meu lado, são lentamente limpas e secas por um feitiço de lavanderia. Não é um feitiço em que sou particularmente proficiente, já que mamãe é quem faz a maior parte de lavar a roupa em casa, mas acho que vai remover a maior parte do sangue. De alguma forma, consigo limpar toda minha roupa.

— Pare de monopolizar a piscina — Chase fala de fora da porta, me surpreendendo. — Você não é a única que precisa se limpar.

— Desculpe! — Eu grito. — Quase pronta.

Ele usa o banheiro quando eu termino, e descubro mais de suas pinturas e esboços enquanto ele está ocupado. Ele tem uma pequena sala de estar - cozinha, quarto, banheiro, e cada sala está cheia de seu trabalho. Estou sentada na mesa da sala examinando um esboço grosseiro de um minotauro, que eu suponho que ele fez enquanto eu estava na piscina - quando ele entra na sala.

— Oh, você ainda está aqui. Eu pensei que você poderia ter ido para casa.

Eu levanto. — Seria rude ir embora sem dizer adeus, não é?

— Eu acho que sim.

— Bem, de qualquer forma, obrigado novamente. Por bem, por uma série de coisas agora. — Como antes, eu aperto a mão dele.

— Feliz em ajudar — ele diz com um encolher de ombros. — Se você precisar da minha ajuda com qualquer coisa no futuro...

— Eu vou saber onde te encontrar — digo com um sorriso. Eu percebo que nossas mãos ainda estão apertadas, e eu me afasto antes que o momento se torne estranho. Eu verifico a barreira ao redor da minha mente para que eu não projete nada embaraçoso, como o desejo inquietante de poder abraçá-lo em forma de adeus em vez de simplesmente apertar as mãos. Então eu abro um portal e me envio para casa.

Ainda há um sorriso nos meus lábios quando eu saio dos caminhos das fadas e entro na cozinha de casa. Um sorriso que desaparece no momento em que vejo a mesa virada e os pratos de jantar quebrados. Por um momento congelado, eu fico lá, meus olhos se dirigindo ao redor conforme o medo e a adrenalina correm através de mim. Pego uma shuriken em uma mão e uma faca na outra.

Eu ando silenciosamente sobre os detritos. A porta da cozinha está meio aberta. Na parte visível da sala de estar, vejo almofadas rasgadas, terra escura saindo de um vaso de flores caído - e um braço esbelto esticado no chão.

— Mãe!

Eu abandono todos os esforços de ser silenciosa e corro para a sala de estar. Em meio aos destroços dos móveis virados e quebrados, deitados imóveis e silenciosos, estão meus pais.


Capítulo 19

Caos.

— Claro que estão conectados! Por que dois criminosos não relacionados atacariam a mesma casa no espaço de um mês?

— Ela ainda respira, mas não consigo acordá-la.

— Maroon, sim. E uma cicatriz na bochecha esquerda. Veja se alguém sabe de qualquer coisa no Subterrâneo.

Ryn está discutindo com vários guardiões enquanto três curandeiros se ajoelham no chão atendendo mamãe e o papai. Violet colocou o braço ao redor de mim enquanto fala calmamente em um espelho com um de seus contatos reptilianos.

Eu queria que eles se calassem. Eu queria que eles me deixassem ficar perto dos meus pais. Eu queria poder fazer algo. Em vez disso, estou sentada na beira de um sofá de cabeça para baixo, pois essa imagem - essa imagem da qual nunca vou me livrar - me atormenta: mamãe e papai deitados com membros inclinados em ângulos desconfortáveis, uma faca dentro do aperto frouxo de papai, o enchimento de uma almofada formando um halo acima da cabeça da mamãe, e uma pequena garrafa de vidro entre eles.

— Com licença. — Eu pisco e encontro um dos curandeiros de pé na minha frente. Ela olha por cima do ombro e acrescenta, — Sr. Larkenwood?

Ryn abandona sua discussão e corre para o meu lado. — Sim? O que você encontrou? Eles vão ficar bem?

— Seu pai parece ter sido atordoado. Ele deve acordar e ficar bem dentro de algumas horas. Sua mãe... — O curandeiro olha para mim. — Não conseguimos encontrar nada de errado com ela, mas não conseguimos acordá-la. Ela precisa ser levada para um instituto de cura para...

— Há uma ala de cura anexada à Guilda Creepy Hollow, — diz Ryn.

— Você pode levá-la para lá?

— Certamente.

— E também meu pai, no caso dele precisar de mais cura quando ele acordar.

A mulher curadora acena com a cabeça antes de voltar para mamãe e papai.

— Cal, você pode ficar conosco esta noite — diz Ryn.

Eu concordo entorpecida. Ryn se afasta, mas agarro seu braço. — E se... e se ela não melhorar? — A culpa me enche de todas as palavras negativas que eu já apliquei para minha mãe aparecendo na superfície da minha mente - louca, fraca, super protetora, boba e mente fechada. E se eu nunca chegar a dizer algo legal para ela? E se eu nunca puder dizer a ela o quanto eu realmente a amo?

Ryn vira e pega minha mão na dele. Seu olhar é determinado, sem piscar. — Ela vai melhorar.

***

Eu sento no sofá de Ryn e Vi com um cobertor sobre os joelhos e um bloco de desenho no meu colo. Eu rabisco distraidamente enquanto minha mente vaga de um pensamento aleatório para outro pensamento aleatório. Estava tão quente alguns dias atrás, mas agora uma leve brisa no ar avisa a chegada do outono. O verão não dura para sempre, eu digo a mim mesma quando meu lápis risca uma imagem de um sol caindo do céu. Pergunto-me se a tempestade encantada acabou. Todos na Guilda estavam tão preocupados com ela. Nuvens girando, chuva batendo, um céu pintado em tons de raiva. Ryn não disse uma palavra sobre isso, então eu suponho que não é uma ameaça real. As gotas pretas de chuva ao longo da borda da minha página se transformam em uma videira de espinhos. Eu esqueci de perguntar a Chase se essa era uma tatuagem permanente ou se ela desapareceria como o pégaso em seu outro braço. O que ele está fazendo agora? Ele não precisava ter se preocupado com o fato de eu ficar em apuros com minha mãe. Talvez eu nunca fique em apuros com ela novamente...

Pare. Não pense assim. Ela vai ficar...

Mamãe.

Deitada no chão.

Seu peito mal se movendo.

Empurro o bloco de desenho para o lado e me levanto. O cobertor cai no chão, mas eu ignoro. Eu caminho pela sala de estar, porque não consigo pensar em mais nada para fazer. Tentei distrair minha mente repetidamente e nunca dura por muito tempo. Ryn e Vi estão na cozinha, discutindo sabe lá o que. Eles têm um ao outro, e eu não tenho ninguém. Sem amigos para ligar. Ninguém que me conhece bem o suficiente para se preocupar com isso. Ninguém com quem eu quero sentar e conversar.

Bem, exceto talvez por...

Uma batida alta interrompe minha caminhada. Ryn entra na sala de estar um momento depois. Ele abre uma seção na parede e meu pai entra. Corro para os seus braços e ele me abraça com força. — O que aconteceu, papai? — Eu pergunto quando me afasto. — Foi o mesmo cara de antes? Mamãe vai ficar bem? Eles já sabem o que há de errado com ela?

— Foi o mesmo homem — diz papai. Ele entra mais ainda na sala, mas não se senta. — Eu não entendo como ele entrou. Essa casa é protegida por todas as defesas às quais eu poderia ter acesso. Eu lutei com ele por um tempo - disse para sua mãe correr - mas depois ele me aturdiu. Eu não estava ciente de mais nada até o momento em que acordei.

— E a mamãe? Os curandeiros sabem mais alguma coisa?

Papai cruza os braços. — Esses gênios me dizem apenas uma coisa: ela está dormindo.

Vi solta um som frustrado. — Isso não é muito útil.

— A garrafa — eu digo, lembrando de repente. — Havia uma garrafa de vidro vazia no chão perto de mamãe. Uma pequena, como as que ela coloca suas poções para dormir.

Rugas se formam através da testa do papai. — Por que o homem a drogaria para dormir? Isso não faz sentido.

— Não — diz Ryn. — Isso teria mais sentido se ela se drogasse.

— Se ela quisesse esconder informações — acrescenta Vi.

— Que informação mamãe poderia possivelmente precisar esconder? — Pergunto. — Ela é bibliotecária em uma escola de curandeiros. Não é exatamente uma organização secreta.

— Eu não me importo com o motivo — diz papai. — Eu me importo que alguém esteja ameaçando minha família. Eu vou encontrar esse homem e garantir que ele esteja preso, onde não possa ameaçar mais ninguém. — Ele coloca uma mão no meu ombro. — Cal, você precisa ficar aqui por... eu não sei. Um pouco de tempo.

— Onde você está indo? — Pergunto com descrença. — Você não pode simplesmente ter uma missão. Você não trabalha mais para a Guilda.

— Não, mas eu tenho um amigo que trabalha.

— Meu pai — diz Vi calmamente. — Então, você finalmente vai falar com ele?

— Suponho que vou ter que precisar da ajuda dele. — Papai era um bom amigo do pai de Vi, Kale, por muitos anos. Depois que o reinado de Draven terminou e ele descobriu que a morte de Kale tinha sido um truque elaborado, ele ficou furioso. Os dois não se falam mais, então papai deve estar desesperado se está disposto a pedir ajuda a Kale.

— Você está ciente de que ele trabalha na Corte Seelie, não é? — Diz Ryn. — Ele não saberá nada sobre isso.

— Provavelmente não, mas ele tem mais conexões do que qualquer outra pessoa que conheço. Ele poderá me apontar alguém que possa ajudar.

— Pai, este não é o caminho certo para...

— Eu sei o que estou fazendo, Ryn. — Papai me abraça brevemente, então se vira para sair.

— Espere. — A voz de Ryn é alta o suficiente para impedir que papai siga seu caminho. Eu olho meu irmão conforme ele parece debater suas próximas palavras antes dele finalmente dizer, — Você precisa dizer a Calla.

Quando ninguém se move ou solta um som, eu digo, — Dizer o quê? — A apreensão desperta uma sensação de mal-estar no meu estômago. — Papai?

Os ombros de papai se inclinam ligeiramente. Ryn caminha ao seu lado e diz, — Ninguém prestou muita atenção a este caso quando era apenas uma invasão. Eu sou o único que seguiu a informação que Calla nos deu. Mas agora que houve uma invasão e você confirmou que era o mesmo homem que invadiu antes, eles vão procurar todos os registros do nome de Tamaria. Eles encontrarão o que encontrei, e não demorará muito para que Calla saiba.

— Saber o quê? — Exijo. — Papai? Diga sobre o que Ryn está falando.

Papai se vira devagar e diz — Não é meu segredo para compartilhar.

— Então de quem é o segredo? — Quando ele não responde, eu movo meu olhar para Ryn. — Você pode me dizer o que está acontecendo?

Com um último olhar para papai, Ryn atravessa a sala e senta na beira de uma poltrona. — Depois que o homem da cicatriz entrou em sua casa há várias semanas, eu procurei por cada Tamaria que eu poderia encontrar no registro na Guilda. Uma foi uma mentora há mais de um século, uma era uma designer de configuração do Aquário, e uma era um vidente. Ela treinou na Guilda Estra algumas décadas atrás. E adivinha quem estava na sua turma.

— De jeito nenhum.

— Sua mãe.

Eu balanço minha cabeça. — Isso não é possível. Se minha mãe fosse Vidente, eu saberia.

— Sua mãe é uma Vidente, Calla, — diz papai. Ele se inclina contra a parte de trás do sofá. — Ela nasceu com a habilidade de Ver. Ela sempre odiou. Ela foi para a Guilda porque é o que é bons videntes cumpridores de leis fazem: usar suas habilidades para ajudar o resto do tipo fae. Ela estava perto do final de seu primeiro ano quando teve uma... grande visão. Algo terrível. Algo que a Guilda tentou forçá-la a falar sobre. Ela ficou traumatizada por isso e por qualquer coisa que a Guilda fez para tentar fazer com que ela conversasse. Ela saiu e não pôs o pé dentro de uma Guilda desde então.

— Tuuudo bem — eu digo, me abaixando lentamente em um assento.

— Ela tem visões quase todos os dias, enquanto ela está acordada e enquanto está dormindo. Ela toma poções de sono fortes todas as noites para que ela não se lembre das visões quando acordar, e durante o dia... bem, você viu a maneira como ela se vira. Em vez de abraçar as visões, deixar que elas a puxem, ela descobriu que, se ela se afasta fisicamente delas, ela pode resistir a elas.

Os círculos loucos que a mamãe às vezes faz. Ela está parando uma visão cada vez que acontece? — Eu não entendo — eu digo. — Por que isso é um segredo? Por que não sei disso sobre ela?

— Porque ela não gosta desse lado de si mesma. Ela prefere que as pessoas não saibam disso.

— Pessoas? Eu sou a filha dela! Isso é parte de quem ela é. Como ela pôde esconder isso de mim?

— Calla, você realmente não precisa ficar tão chateada — diz papai no tipo de tom paternalista que costumava usar quando eu era pequena. — Não é um grande problema que ela seja uma Vidente.

— Não. Não é. — Minha mão direita aperta em torno da almofada decorativa mais próxima. — É um grande problema que vocês dois estão mentindo para mim: a mãe tem problemas de sono; Mamãe foi apenas para a Escola Hellenway Business; Ninguém na família da mamãe teve alguma coisa a ver com a Guilda. Tudo isso é uma mentira.

— Calla...

— Como você se sentiria se descobrisse agora que posso projetar ilusões na mente das pessoas? Como você se sentiria sabendo que eu mantive uma grande parte de quem eu sou em segredo de você durante todos esses anos?

Papai se afasta do sofá, balançando a cabeça. — Não é mesma cosa.

Eu me levanto, apertando a pequena almofada no meu peito. — É claro que é a mesma coisa!

— Eu não queria que você tivesse que mentir sobre outra coisa! — Papai grita. — Você já tem que manter sua própria habilidade em segredo. Não é responsabilidade o suficiente?

— Mas... ser uma Vidente não é uma coisa ruim. Por que eu teria que manter isso em segredo?

— Ser uma Vidente não é ruim. Mas quando um Vidente rompe o contrato que ela assinou, recusando-se a revelar uma visão que ela foi especificamente treinada para ver e depois fugir com sua família para que a Guilda nunca possa encontrá-la... é uma coisa ruim.

— Ela... o quê? — Minha voz incrédula é um pouco mais do que um sussurro. — Você está me dizendo que mamãe é uma fugitiva da Guilda?

— Essencialmente, sim. É uma das razões pelas quais eu deixei a Guilda. É a razão pela qual ela não queria saber de você se juntando ao programa de treinamento dos guardiões por tanto tempo. Ela não confia em quem trabalha lá, e ela nunca mais quer que sua família tenha algo a ver com eles novamente. Então, o fato de que ela decidiu que você estaria mais segura lá do que em qualquer outro lugar deve significar que há algo de que ela tem muito medo.

— Ela... isso... não posso acreditar que você nunca me disse nada disso.

— Nós decidimos que você era muito jovem para guardar este segredo...

— Muito jovem? Há quanto tempo eu mantenho meu segredo da Habilidade especial, papai? A minha vida inteira!

— ...e então decidimos que não havia nenhum motivo para contar. Sua mãe não gosta de falar sobre isso, então...

— Então, basicamente, você nunca iria me contar. Isso parece um plano brilhante, pai. O que você acha que aconteceria quando a Guilda descobrisse?

— Eles nunca iriam descobrir... até que algum lunático apareceu e trouxe seu passado à tona.

O medo reveste minhas veias com gelo. Eu olho para Ryn. — Eles já sabem?

— Não. Como eu disse a papai, os guardiões que receberam este caso tiveram coisas muito mais importantes para tratar do que acompanhar uma invasão, mas agora que houve um ataque e alguém está inconsciente, o caso será investigado. Eles descobrirão quem é sua mãe dentro de um dia ou dois. Eles certamente saberão na segunda-feira.

— E então o quê? — Eu aperto mais a almofada quando eu começo a me sentir mal.

— Bem, eles não podem fazer nada enquanto a sua mãe estiver adormecida. Não tenho certeza qual será o protocolo uma vez que ela estiver acordada. Preciso falar com o representante Vidente no Conselho.

— E eu? Eles não vão acreditar que eu não sabia sobre isso. Eles vão pensar que eu escondi isso deles.

— Você não sabe o que eles vão pensar — diz papai.

— Eu sei que eles não querem alguém que não confiam para trabalhar por eles. E minha posição na Guilda já é precária com tantas pessoas pensando que eu não deveria ter sido permitida a entrar. Eles provavelmente... — Minha voz diminui quando considero as consequências uma vez que o Conselho descobrir quem é minha mãe. — Eles provavelmente me pedirão para sair.

Não, não, por favor, isso é tudo o que sempre quis.

— Pare de ser o centro das atenções, Calla — diz papai. — Sua mãe está em um sono encantado depois de ser atacada, e tudo o que você está pensando é em você mesma e seu próprio futuro?

— Sou eu que está sendo o centro das atenções? Se tudo o que você me disse é verdade, então a mamãe é a egocêntrica. E uma covarde. Suas visões poderiam ser usadas para salvar milhares de pessoas ao longo de sua vida e, em vez disso, ela se droga para que não precise vê-las. E sim, é sua escolha fazer isso, mas não me diga que não é egoísta.

O pai atravessa a sala e para bem na minha frente. — Não se atreva a falar sobre sua mãe desse jeito — ele diz, sua voz cheia de emoção. — Você não faz ideia do que ela passou por essa ser a suposta habilidade dela...

— E o que eu passei? — Exijo, lágrimas quentes se acumulando nos meus olhos. — Vivendo por anos com um medo desesperado da minha própria magia. Meus pensamentos particulares saírem para as mentes de outras pessoas. Todas as provocações e a maldade e as mentiras para encobrir o que fiz. Eu também não queria isso. Então não me diga que não tenho ideia do que a mãe passou. EU ENTENDO. Eu sei como é quando você quer apenas ser normal, mas nunca será uma opção. — As gotas pesadas fazem o meu caminho pelo meu rosto e odeio que não consigo controlar a vacilação na minha voz. — Mas eu não aquela que se esconde do que posso fazer. Eu sou aquela que quer ajudar as pessoas, e se eu puder usar minhas ilusões para fazer isso, então eu vou.

— Era escolha dela não lhe dizer, Calla, e ela tinha todo o direito de...

— Por quê? — Eu lamento. — Por que ela escolheu isso? Por que ela escolheu mentir quando esta é a única coisa que poderia nos aproximar e me ajudar a compreendê-la?

— Parem com isso — diz Ryn, alto o suficiente para me cortar. — Vocês dois. Isso não está ajudando.

— Certamente não está — diz papai, ficando mais irritado do que eu o vi há muito tempo. — Não quando o homem que atacou minha família ainda está lá fora. Então, obrigado, Oryn, pelo seu tempo impecável. Talvez você pense duas vezes na próxima vez antes de decidir quando revelar informações privadas que não têm nada a ver com você. — Papai escreve na parede e passa com raiva pelo portal resultante. A parede se junta, e eu arremesso minha almofada furiosamente. Ela cai no chão com um baque quase inaudível e altamente insatisfatório.

Pressiono meus punhos contra meus olhos, como se eu pudesse forçar as lágrimas de volta. Sem olhar para cima, pergunto — Há quanto tempo você sabe?

Ryn fica em silêncio por vários momentos, e é assim que eu sei que não vou gostar da resposta. — Cerca de um mês.

— Um mês? — Eu olho para cima, piscando minhas lágrimas para que eu possa vê-lo com mais clareza. — Você sabia disso por um mês e não disse nada?

Vi se aproxima. — Calla, nós...

— Você também sabia e não disse uma palavra.

— Você estava fazendo todo aquele treinamento e estudando — diz Vi. — Nós não queríamos...

— Eu não me importo! — Eu grito. — Eu não... eu só...

Não quero estar aqui.

Eu não quero ser madura.

Eu não quero entender.

Quero ficar com raiva e não ter que me sentir culpada por isso. Minha mãe mentiu. Papai mentiu. Ryn e Vi descobriram, e eles não disseram nada até que tivessem que contar. Não posso ficar com raiva de nada disso?

Não depois do que você fez. Hipócrita.

Eu bato na voz insidiosa para que eu não tenha que escutá-la. — Eu vou embora — eu anuncio. Eu atravesso a sala, pego minha jaqueta de um gancho na parede e empurro meus braços para dentro das mangas.

— Calla — diz Ryn. — Este não é o melhor momento para...

— Adeus.

Um portal se forma na minha frente, e passo por ela.


PARTE 3


Capítulo 20

Eu saio dos caminhos das fadas para a casa de Chase - e nada acontece. Sem alarme, sem cair pelo ar, sem balançando de cabeça para baixo. Está tarde, mas o abajur no canto está aceso, e eu consigo ouvir um movimento vindo do seu quarto. Eu decido imediatamente que isso foi um erro. Ele não vai querer me ver. Provavelmente ele ficou satisfeito por se livrar de mim depois da bagunça de viagem no tempo terminou. A minha stylus ainda está na minha mão, então eu procuro ao redor pela superfície mais próxima para escrever um feitiço de portal.

— Calla? — Eu olho para o quarto. Chase sai, prendendo um chicote em torno de seu tronco. Tiras de couro em diagonais com duas facas de cada lado do peito. Um cinto de armas pequeno está pendurado em sua cintura. — Eu percebi que alguém estava aqui — ele diz, — mas não esperava que fosse você.

Eu olho para ele. — Saindo?

— Sim, tenho alguns... negócios para tratar. Mas podem esperar um pouco mais.

— Negócios? Você está me dizendo que alguém precisa urgentemente de uma tatuagem? No meio da noite? E você precisa se armar com facas e várias outras armas brancas para cuidar deles?

— Não. — Chase aperta o cinto. — Eu não estou planejando contar nada a você. Prefiro não mentir.

Uma risada sem humor me escapa. — Bem, então você é o único na minha vida.

Ele atravessa a sala e para na minha frente. — Cinismo amargo. Eu pensei que esse era o meu papel.

Eu balanço minha cabeça e olho além dele. — Acho que a Senhorita Ingenuidade deixou de existir.

— O que aconteceu?

Eu me afasto e sento na borda do sofá. Chase fica ao meu lado. — Cheguei em casa mais cedo e encontrei... eu vi... — Eu levanto de repente. — Eu sinto muito. Eu não sei o que estou fazendo aqui. — Eu me afasto do sofá. — Nós mal nos conhecemos, e você não deveria ter que ouvir meus problemas tolos. Você tem coisas para fazer, e você provavelmente está pensando: “Por que essa menina não vai embora...”

— Calla. — Ele pega minha mão e me puxa de volta. — Você me roubou, você lutou contra mim, você montou em uma gárgula comigo, viajou para o meu passado, nos perdemos em um labirinto, caímos em um abismo, você sabe que eu não sou apenas um tatuador, e eu sei que você está escondendo uma habilidade especial da Guilda. Eu diria que ultrapassamos a fase de mal nos conhecemos.

— Eu... eu acho que sim. — Eu volto lentamente para o sofá. Eu percebi que minha mão ainda está na dele, então a deslizo e a aperto firmemente em torno da minha outra mão no meu colo. Então eu conto a Chase o que encontrei quando voltei para casa horas atrás. Eu falo para ele do segredo que meu irmão revelou sobre minha mãe. O segredo que todos na Guilda em breve saberão. No momento em que eu estou falando com ele todas as coisas que papai e eu gritamos um ao outro, estou afastando novamente as lágrimas. — Eu sei que estou sendo egoísta. Eu sei que estou sendo infantil. Mas eu só quero ficar com raiva.

Chase se inclina para frente sobre os joelhos. — A raiva não é infantil. É uma resposta natural por descobrir informações das quais você sente que deveria ter sido informada antes. E você pode dizer a si mesma que não deve sentir isso, mas se é isso que você sente, é isso que você tem que sentir.

Enterro minha cabeça em minhas mãos. — No entanto, isso não é o que eu sinto. Tudo o que sinto é culpa.

— Por quê?

— Porque — eu sussurro, — eu também tenho um segredo. Todos pensam que me conhecem, mas eles não conhecem. Eles não sabem o que fiz. — Incapaz de ficar sentada por mais tempo, eu levanto. Eu ando em padrões irregulares ao redor e entre os móveis. — Você sabe das coisas obscuras do mundo? — Eu digo, porque agora que eu comecei, não posso parar. Eu tenho que continuar. Eu tenho que dizer em voz alta. — As coisas obscuras que falamos mais cedo? As coisas que fazemos o nosso melhor para sufocar? — Eu paro de andar de um lado para o outro e eu olho para seus pés, não querendo encontrar seus olhos quando eu sussurro, — eu acho que sou uma dessas coisas obscuras.

— O quê? — Chase solta uma risada desconfortável. — Isso não faz sentido, Calla. Você é a que escolhe as cores brilhantes na vida. Não há nada sobre você que é obscuro ou malvado.

Eu me obrigo a sentar. — Mas não é. Eu... eu fiz algo terrível. — Eu puxo meus joelhos para cima e começo a balançar para frente e para trás. — Realmente terrível. Este é o meu segredo. Meu verdadeiro segredo. Pior do que nascer com uma Habilidade especial. Porque se a Guilda souber sobre isso, eles não iriam me colocar em uma lista. Eles me prenderiam para sempre.

Chase apoia uma mão no meu ombro. — Seja lá o que for, não pode ser tão terrível como as coisas que eu fiz.

Eu hesito, sabendo que ainda posso voltar. Posso sair sem dizer outra palavra. Posso guardar o meu segredo até o dia em que eu morrer. Mas eu não quero carregar isso por tanto tempo. Não quero carregar mais por mais nenhum minuto. — Na escola de chefe que eu participei brevemente — eu digo, — havia um menino que eu... Que se matou. Ninguém sabia que eu estava lá quando aconteceu. Ninguém jamais suspeitou de mim. Ninguém nunca descobriu — Eu solto uma respiração instável. Eu estive esperando anos para respirar e finalmente, finalmente soltar — Fui eu quem o fez fazer isso. — Eu continuo, minhas palavras vindo facilmente agora que confessei a pior parte. — Ele era temperamental e manipulador. Amigável e lisonjeiro um dia, então desagradável no outro, me dizendo que eu simplesmente nasci bonita para poder atrair as pessoas o suficiente para deixá-los loucos. Ele sempre se desculpava quando estava tendo um bom dia, mas voltava a ser vingativo quando seu humor mudava. Eu ficava longe dele sempre que possível, e quando não era possível, o ignorava, não importa seu humor.

— Um dia ele apareceu em Woodsinger Grove, onde eu costumava morar. Eu estava fazendo algum exercício, e eu me deparei com ele perto da minha casa no meu caminho de volta. Ele me surpreendeu e me puxou para os caminhos das fadas. Nós saímos em cima da escola. Não era um lugar escondido como as Guildas. Estava fora ao ar livre, um grande edifício com muitos andares. Havia uma seção plana do telhado onde as pessoas - casais - costumavam ir para que eles pudessem ficar sozinhos sem professores perto.

— Eu sabia o que ele planejava fazer comigo no momento em que chegamos lá. Depois que ele me derrubou e ficou sobre o meu braço para que eu não pudesse me afastar, ele me disse que não acreditava nessas bobagens sobre eu possuir magia negra poderosa. Se possuísse, facilmente conseguiria parar o que estava prestes a acontecer. “E você sabe o que vai acontecer com você, não é”, ele me disse enquanto começava a desabotoar suas roupas.

— Eu o odiei então. Eu o odiava como nunca odiei ninguém antes ou depois. E naquele momento, lembrei de uma garota me avisando para ficar longe dele. Com medo, ela disse, “Você não quer ser o objeto de sua atenção.” Eu percebi que ele havia feito isso antes, e ele provavelmente faria de novo. E esse ódio dentro de mim ferveu em um desejo profundo de machucá-lo. Pará-lo. Para sempre.

— Imaginei uma grande serpente negra passando por mim através do telhado. Ela encurralou o menino em um canto até que ele não tivesse para onde ir, apenas o muro que cercava a área. Ele procurou desesperadamente por uma fuga, e foi quando eu mostrei uma ponte. Uma ponte da parede que conduzia às copas das árvores próximas. Ele não questionou. Ele pisou nela e caiu.

— Ele era um faerie, mas era alto, e o chão era sólido, e sua cabeça ficou ferida além de qualquer coisa que seu corpo pudesse curar, e eu olhei para baixo e eu não me importei. Mais tarde, tentei lavar a escuridão da minha alma, a culpa terrível de ter acabado com uma vida, mas é uma mancha da qual nunca vou me livrar. Está sempre lá, no cerne do meu ser, junto com aquela voz obscura que sussurra, “Ele teve o que ele merecia”. — Olho para Chase pela primeira vez desde o início da minha confissão. — Então eu sou uma das coisas obscuras do mundo, — digo a ele, — porque no fundo, dentro de mim, há algo que anseia a morte e a escuridão. E não importa o que a minha mentora diga sobre todos os guardiões que precisam matar em algum momento, não vou fazer isso. Eu me recuso a ceder a esse lado de mim. Se eu fizer isso, tenho medo que me consume, e tudo o que eu deseje tão desesperadamente ser - uma protetora forte, uma boa pessoa - desaparecerá.

— Calla — diz Chase, cobrindo minhas duas mãos com as dele. — Eu queria poder explicar o quão errada você está. Confie em mim: eu vi as coisas sombrias no mundo, e você não é uma delas. O próprio fato de que você deseja proteger e salvar os outros - mesmo seus inimigos - mostra que você não é malvada.

— Mas eu matei aquele garoto! E não era apenas autodefesa. Eu poderia ter projetado algo diferente. Eu poderia ter fugido sem matá-lo. Mas eu queria que ele morresse. Isso diz que há algo maligno dentro de mim.

— E depois você foi dominada por uma imensa culpa. Isso diz que você tem uma consciência.

— Mas... isso não muda o fato de que eu o matei.

— Não. Não muda. — Ele se aproxima de mim, olhando mais atentamente para os meus olhos. — Calla, isso faz parte da vida. Às vezes, as pessoas fazem coisas terríveis que, mais tarde, eles gostariam que nunca tivessem feito. Mas nenhum remorso pode mudar o passado. Acredite, estou horrivelmente consciente desse fato. A única coisa da qual você tem controle agora é o seu futuro. Se você quer proteger as pessoas, então faça isso. Se você quer salvar vidas sem matar nenhum inimigo, então faça isso também. Eu sei, por experiência própria, que é muito difícil fazer dessa forma, mas também posso dizer que é possível.

Eu pisco através das minhas lágrimas para ele, percebendo que isso é o mais próximo que ele chegou a me dizer o que ele realmente faz durante suas horas de não tatuagem. Eu olho para nossas mãos juntas e mordo meu lábio. Estou parcialmente horrorizada por ter compartilhado meu maior segredo com alguém, mas principalmente estou imensamente aliviada. Eu pensei que Chase ficaria chocado ao ouvir o que fiz, mas parece que ele entendeu melhor do que eu esperava. — Se eu perguntasse — eu digo com cuidado, — você poderia me dizer sobre o que você tem tanto remorso?

Eu olho para cima e o encontro me dando um sorriso irônico. — Você não gostaria tanto de mim se soubesse.

Respondendo com meu próprio sorriso, eu digo — O que faz você pensar que eu gosto de você agora?

— Você está aqui, não é? Imagino que você teria ido a outro lugar se não gostasse de mim.

Eu aceno com a cabeça lentamente, então mantenho os olhos nele quando pergunto, — Tem... algo a ver com o que você disse mais cedo? Sobre haver muita escuridão para afogar?

O sorriso de Chase desaparece, mas seus olhos nunca deixam os meus quando ele diz, — Sim. É. — Ele desvia o olhar e levanta as mãos das minhas. — E espero que você me perdoe por não dizer nada além disso. O passado é... bem, é o passado.

— Tudo bem — eu digo, esfregando minhas mãos ao longo do topo das minhas pernas. — Melhor não dizer nada do que mentir, certo?

— Certo. — Ele ergue a mão em direção a seu casaco pendurado na parte de trás da cadeira e enrola seus dedos em um movimento de vem aqui. Seu âmbar desliza para fora de um bolso interno e voa pelo ar. Ele lê uma mensagem rapidamente, então levanta. — Sinto muito, mas não posso ficar. Eu preciso estar em outro lugar.

— Oh, isso é completamente compreensível. Não é como se eu...

— Você pode ficar, no entanto — ele acrescenta apressadamente enquanto eu levanto. — Quero dizer, se você não quer ir para casa. Nada impróprio, apenas... você pode ficar aqui se você não tem outro lugar para ir agora. — Ele franze a testa. — Isso pareceu muito menos estranho na minha cabeça.

Eu rio e enxugo a última umidade abaixo dos meus olhos. — Obrigada. Acho que vou. Apenas um pouco.

— Tudo bem.

— Ah, seu alarme horrível não acionou quando eu cheguei. Você desativou?

— Eu estava brincando com algumas modificações. — Chase desliza o casaco nele, escondendo as armas presas no seu corpo. — Eu vou colocar o feitiço novamente quando eu estiver fora. Você não precisará se preocupar com visitas surpresas aparecendo.

— Isso é algo que acontece com frequência?

— Não, na verdade, você foi a primeira. — Ele me considera com uma expressão pensativa. — E você foi do tipo agradável em vez do tipo mate agora.

— Entendo. — Minha pele aquece com o pensamento de que ele considera minha chegada abrupta em sua vida “agradável”, mas eu duvido que ele diga qualquer coisa, além disso. — Adquiriu alguns inimigos ao longo dos anos, não é?

— Alguns. — Ele guarda o âmbar e a stylus e dirige-se para a porta. — O que você provavelmente vai descobrir o que significa “muito”.

Ele saí com um último adeus, e eu retorno minhas costas para o sofá. Depois de olhar sonolenta para as pinturas por um tempo - não consigo decidir se as folhas na cena da floresta estão realmente em movimento, ou se é minha imaginação - eu olho para o âmbar e encontro uma mensagem de alguns minutos atrás.

Eu sei que você está no Subterrâneo. Não se preocupe, não vou atrás de você. Eu sei que você está com raiva. Eu entendo o porquê. Apenas me diga que você está bem (caso contrário, eu vou ter que ir encontrá-la). V

Droga da minha família e suas irritantes Habilidades especial. Não consigo me esconder em nenhum lugar sem que Violet me encontre. Soltando uma respiração frustrada, escrevo duas palavras: estou bem.

Depois de um grande bocejo de doer o maxilar, eu me levanto e procuro no quarto por um cobertor. Encontro um no guarda-roupa ao lado da porta e o envolvo em torno de mim antes de voltar para o sofá. Estou exausta da provação do labirinto, ansiosa sobre o ataque à mamãe e papai e a agitação emocional desde então. Só vou descansar um pouco antes de voltar para a casa de Ryn.

Aconchego-me contra as almofadas, deixando minha mente vagar sobre meu confronto com o papai. Com a mente relaxada, os flashes da cena se desenrolam contra o pano de fundo da sala de estar de Chase. Papai discutindo comigo, Ryn tentando parar que nós dois briguemos, eu jogando uma almofada na parede.

Uma vidente. Mamãe é uma Vidente. As poções para dormir e os estranhos giros em círculos e os olhares atordoados e a paranoia sobre a Guilda. Tudo faz sentido agora, mas meu cérebro ainda tem problemas para conciliar essa nova informação com a imagem que já tenho da minha mãe. A mulher que eu sempre pensei como delicada e, bem, fraca, na verdade, tem magia poderosa o suficiente para mostrar-lhe o futuro.

E ela planejou nunca me contar.

Por quê? E por que ela fugiu da Guilda? Por que ela não podia apenas dizer o que viu, passar pelo processo de terminar oficialmente seu treinamento e viver uma vida livre?

Eu me pergunto o que ela viu que a traumatizou tanto.

Claro! Minhas pálpebras sonolentas abrem quando percebo algo. Esta deve ser a informação que o homem com cicatriz está atrás. Ele quer saber o que a mamãe viu em sua visão todos aqueles anos atrás. Mas como ele saberia disso em primeiro lugar? Tamaria. Ele deve ter escutado isso dela. Ela estava na turma da mamãe, então ela deve saber algo sobre o que a mamãe viu. Mas não o suficiente, obviamente, ou o homem com cicatriz não teria vindo atrás da mamãe.

Minha mente mantém o ciclismo através de possibilidades e teorias à medida que meu corpo se aproxima de dormir. O último pensamento claro que eu tenho antes de derivar para a inconsciência é o que o papai disse antes de começarmos a gritar um com o outro: Ela não confia em quem trabalha na Guilda, e ela nunca mais quer que sua família tenha algo a ver com eles novamente. Então, o fato de que ela decidiu que você estaria mais segura lá do que em qualquer outro lugar deve significar que há algo que ela tem muito medo.


Capítulo 21


— E aquele? — Eu aponto para o esboço meio acabado de uma asa que pode pertencer a uma fênix.

— Não, acho que tem mais pena do que como ela quer — diz Chase. — Eu tenho este, que é baseado em asas de sprite e sílfides, muito longas e cheias. Aquele lá é apenas uma pluma, então ela pode estar aberta a esse. E este... bem, é um pouco diferente.

Nós estamos sentados no chão da sala de estar de Chase com alguns dos móveis empurrados para os lados, por isso há espaço para os esboços que nos espalhamos ao nosso redor. Apesar da minha intenção de voltar à casa de Ryn ontem à noite, nunca acordei do meu breve cochilo - o que acabou por não ser tão breve, como descobri quando Chase me acordou em algum momento desta manhã. Fiquei bastante confusa por pelo menos cinco segundos antes de me lembrar de onde estava e por quê.

Agora, depois de dez minutos no banheiro, eu estou ajudando Chase a decidir quais os desenhos apresentar a sua cliente que requer mais atenção, que decidiu que quer um par de asas tatuadas em seus ombros - e ela quer que seja feito agora. — Oh, eu realmente gosto desse. — Eu aponto para o esboço na mão de Chase. — Parece que a tinta está escorrendo das extremidades das asas. Definitivamente mostre esse para ela. — Eu olho em volta e adiciono, — Todos são incríveis. Gostaria de ter nascido com seu tipo de habilidade.

Com uma risada curta, Chase diz — Às vezes, eu queria ter nascido com essa habilidade também.

— O que você quer dizer?

Ele passa uma mão por seu cabelo enquanto examina os desenhos espalhados pelo chão. — Isso não é algo que eu sempre consegui fazer. Foi um presente. De... uma amiga. Ela era a verdadeira artista. Antes de morrer, ela me deu essa habilidade.

Eu tento lembrar se já ouvi falar de algo assim antes, mas meu cérebro não lembra de nada. — Eu não sabia que era possível.

— Eu também não, mas aparentemente é. Ela era uma elfa. Talvez seja um tipo de magia que não conhecemos.

— Talvez — eu digo. — Então... desenhos com a stylus um dia, e tatuador no outro?

— Algo parecido. Nunca tive o desejo de desenhar ou pintar qualquer coisa quando eu era mais jovem. Nem mesmo desenhos com a stylus. Eu certamente não era do tipo criativo.

— Eu rabiscava em tudo — eu digo, sorrindo enquanto considero os inúmeros desenhos a tinta cobrindo cada caderno escolar que eu já tive. Bem, exceto os meus mais recentes. Eu quase não tive tempo para viajar na maionese e desenhar em meio a meus esforços para recuperar o atraso - e depois continuar com todos os meus estudos de guardiã. — Ei, você já usou tinta de fogo?

— Não, eu uso apenas tinta comum. Nada dessa coisa extravagante com chamas ou brilhos ou água ou fumaça ou... qualquer outra coisa que você pense.

— Eles tinham coisas extravagantes em Ellinhart, mas é caro, então só conseguimos usar uma vez. A pintura a fogo foi definitivamente a experiência de pintura mais excitante que já tive. Quero dizer, você está pintando com chamas. Apenas imagine isso.

— Eu estou. Estou imaginando uma tela carbonizada.

— Não! Você pensaria que isso aconteceria, mas não. É incrível. As chamas continuam a queimar onde quer que você coloque seu pincel, como se a tinta fosse feita de magma queimando. Eu acabei com queimaduras sobre toda minha mão e mamãe ficou louca sobre isso, mas valeu a pena.

— Talvez eu devesse tentar.

— Você deva. E a água também. É lindo.

— Está bem então.

Eu sorrio para ele e seguro seu olhar por um momento muito longo. Sentindo-me estranha de repente, olho para baixo e procuro outra coisa para dizer. — Então, hum, eu sei que você é talentoso, mas você não desenhou tudo isso esta manhã, não é?

— Não, a maioria é antigo — diz Chase ao reunir os desenhos em duas pilhas separadas. — Eu só tive tempo de fazer mais três com base no breve e vago relatório da minha cliente depois que eu voltei esta manhã.

— Esta manhã? Você quer dizer que você ainda não dormiu?

— Quem precisa dormir?

— Hum... eu? — Eu falo em uma voz baixa.

Ele sorri. — Eu durmo, não muito. Sorte, já que meu trabalho de não-tatuagem pega muitas das minhas horas noturnas.

— Sério? — Eu digo a ele. — Seu trabalho de não-tatuagem? Apenas fale e admita o que você realmente faz. Você sabe que eu sei.

— Eu não admitirei nada — ele diz com um sorriso superior. — E você não sabe quase nada do que você acha que sabe. — Ele levanta e leva as duas pilhas de desenhos para a mesa. — Tudo bem, eu preciso ir para o trabalho, e você precisa fazer o que as pessoas fazem quando têm um membro da família em um hospital. — Ele me dá um olhar aguçado.

— Hospital? Isso parece muito como uma palavra que os humanos usam para descrever seus institutos de cura.

— Você deveria visitá-la.

— Isso significa que você passou muito tempo no reino humano?

— Isso significa que eu decidi que é mais rápido dizer “hospital” do que “instituto de cura”. E não pense que não percebi que você está fazendo o seu melhor para evitar o assunto.

Eu solto um gemido excessivamente dramático e digo, — Em primeiro lugar, qual é o ponto em visitar alguém que está dormindo e não consegue ouvir uma coisa que eu digo? Em segundo, ainda estou com raiva dela e do meu pai, e, por mais infantil que pareça, não estou pronta para deixar essa raiva ainda. E em terceiro lugar, por que você se importa se eu vou visitar minha mãe?

— Em primeiro lugar — Chase mostra um dedo — não importa se ela não pode ouvi-la. Em segundo lugar, visitá-la não significa que você deva parar de ficar com raiva. E em terceiro lugar... que tipo de pergunta é essa? Eu não sou um estranho, e não sou um monstro sem coração, então é claro que me importo.

— Hum... tudo bem — Eu me instruo a não me preocupar com a parte em que ele disse que ele se importa - ele se importaria com qualquer pessoa nesta situação, Calla. Você não é especial - e se concentre nos pontos número um e dois. — Eu acho que eu poderia pensar sobre a possibilidade de visitá-la.

— Isso parece um começo. — Chase enrola a obra de arte escolhida e abre um portal perto da mesa. — Damas primeiro — diz ele.

— Certo. — Eu preciso ir para Ryn agora, onde ele provavelmente vai querer saber onde eu estive a noite toda - e duvido que ele se conforme com a vaga resposta que Vi já lhe deu: Subterrâneo. Suas tendências protetoras eram legais quando eu era pequena, mas estou superando isso agora. Ele precisa perceber que não sou mais uma criança.

— Oh, antes de ir, eu queria te perguntar algo. — Chase esfrega a parte de trás do pescoço e hesita, sua boca meio aberta como se ele estivesse prestes a falar. — Na verdade, não se preocupe com isso.

Ele fica estranho de repente, e eu me pergunto se... talvez... Não, não seja ridícula, Calla. O faerie legal, tatuado e vigilante não se sente assim por você. — Bem, agora estou curiosa — digo, enquanto asas de sprite se agitam na minha barriga. Não. Você não está curiosa. Você não aprendeu sua lição com o Zed?

— Eu ia sugerir algo — diz Chase, — mas...

— Você iria sugerir o quê? — Eu pergunto antes que o lado lógico do meu cérebro possa assumir o controle e me parar.

— Estou fascinado pela sua Habilidade especial e as oportunidades que ela apresenta. Eu adoraria trabalhar com você, mas com sua lealdade estritamente alinhada com a Guilda e sua maneira de fazer as coisas, e eu sendo... não da Guilda, provavelmente não funcionaria tão bem.

— Oh, certo, sim. Provavelmente não é uma boa ideia. — O que torna tão confuso é que meu primeiro pensamento foi realmente, Que seria muito divertido! Seria divertido, mas tenho a sensação de que Chase opera fora da lei, e isso seria um problema para mim. Eu ando através da porta que Chase tem segurado aberta com o seu pé e viro. — Obrigado por ouvir ontem à noite. E por me deixar ficar. — Então entro na escuridão, tento afastar aqueles intensos olhos de tempestade verde e penso na floresta perto da casa de Ryn.

 

***

Eu ando pelas árvores por um tempo antes de voltar para casa de Ryn. Quando eu chego lá, Violet está fora, então eu tenho que enfrentar Ryn sozinha. Digo-lhe que passei a noite com um amigo. Ele diz, — Um amigo que vive no Subterrâneo? — Eu não respondo, e, com o que parece uma dificuldade extrema, ele deixa de lado. Vi provavelmente lhe disse para me dar um tempo. Esperançosamente, ela lembrou-lhe que quando eles tinham minha idade, eles estavam correndo por ai fazendo o que quer que eles gostassem. Ele então oferece para me levar para a ala de cura da Guilda Creepy Hollow para ver mamãe e falar com os curandeiros. Depois de decidir que Chase pode estar certo afinal de contas, eu digo sim.

A ala de cura cheira estranho, como a substância que mamãe derrama no chão da cozinha em casa antes de recitar o feitiço de limpeza. É mais forte, porém, e misturado com o aroma doce subjacente de poppinies, as flores que costumam fazer um analgésico excepcionalmente forte. Eu esfrego meu nariz enquanto eu sigo um curandeiro para um quarto longo e ando entre duas fileiras de camas. Algumas das camas estão escondidas por cortinas flutuantes colocadas ao redor, enquanto outras camas são visíveis, seus ocupantes sentados e conversando calmamente com os visitantes.

— Ela está aqui — disse o homem de uniforme azul na minha frente, parando e apontando para uma cortina flutuante à minha direita. Agradeço-lhe e ele vai embora. Depois de um momento de pausa, eu puxo a cortina apenas o suficiente para entrar na área fechada.

Eu paro e olho para ela, viva, uma forma silenciosa em uma cama branca e limpa. Se não fosse pela suave elevação e queda do seu peito e pela vibração ocasional atrás de suas pálpebras, eu não acreditaria que ela estivesse viva. Eu dou passos lentos e cuidadosos em sua direção. Ao chegar ao lado da cama, galhos esguios se levantam do chão e formam um banquinho. Uma almofada aparece em cima dela. Eu empurro o banquinho com o joelho para me certificar de que é mais resistente do que parece, então sento.

Minha mão cai para frente e repousa na beira da cama ao lado do braço pálido da mamãe. — Apenas para que você saiba — eu sussurro, — estou realmente brava com você. Não consigo acreditar que você não me disse. Por quê? Você inventou todas essas histórias quando você poderia simplesmente me dizer a verdade. — Pressiono meus dedos no cobertor. — Você realmente precisa acordar para que eu possa gritar com você corretamente. Esse sussurro não está funcionando. E também... é simplesmente estranho vê-la deitada aqui. Então você tem que acordar. Ok? — Eu me inclino para trás e a observo, esperando, esperando que de alguma forma minha voz possa arrastá-la das profundezas desse sono encantado. No entanto, não. Claro que não.

Eu levanto, encontro a lacuna na cortina flutuante e saio. Eu passo pela fila de cortinas flutuantes idênticas e vou para o corredor onde vi Ryn pela última vez. Uma mulher vestida com um uniforme azul pálido dos curandeiros aproxima-se dele pelo outro lado. Eu o alcanço ao mesmo tempo que ela. — Você é a filha de Kara Larkenwood? — Ela me diz.

— Sim. Você sabe mais alguma coisa sobre a minha mãe?

— Seu pai está aqui? — Ela pergunta. — Eu provavelmente deveria falar com vocês dois juntos.

— Hum, não.

— Nós não sabemos quando ele estará aqui — diz Ryn, — então, se você souber alguma coisa, nos conte.

Os olhos da curandeira movem-se com incerteza em relação a Ryn. — Você é...

— O filho de Linden Larkenwood.

— Por favor — eu digo. — Tudo o que você sabe, basta nos contar. Você está começando a me assustar.

Ryn coloca um braço ao redor dos meus ombros. O curandeiro aperta as mãos na frente dela. — A garrafa que foi encontrada ao lado de sua mãe tinha várias gotas deixadas dentro dela. Nossos feitiços de análise identificaram como uma poção de sono.

Eu concordo. — Foi o que eu pensei.

— Você sabia o quão forte era?

— Bem, ela só tomava algumas gotas todas as noites, então deve ser bastante forte.

A curandeira balança a cabeça. — Mais forte do que isso. Uma gota poderia enviar uma pessoa a um sono profundo por dias. É ilegal comprar e vender poções dessa força sem autorização. Nós não sabemos o quanto sua mãe ingeriu, mas se a garrafa estava cheia, calculamos que ela pode dormir por... A curandeira junta as mãos, olhando entre nós dois, possivelmente pesando sobre a melhor maneira de compartilhar essa última informação.

— Por? — Incentivo, não estou disposta a esperar mais um segundo.

— Pelo menos um ano.

— O quê?

— Provavelmente mais tempo.

— Isso é insano! Como ela vai sobreviver por tanto tempo?

— Poções deste tipo são projetadas para sustentar o corpo enquanto...

— Há algo que possamos fazer além de esperar? — Pergunta Ryn. — Qualquer poção ou magia que possa reverter os efeitos de uma poção para dormir?

— Não há algo tão forte — diz a curandeira, depois corre para adicionar, — mas nós estamos trabalhando na criação de um antídoto. E os nossos fabricantes de poções são muito habilidosos. Não se preocupe, tenho certeza de que eles encontrarão alguma coisa.


Capítulo 22

Estou folheando o Manual de Poção Gringel, Décima Oitava Edição no sábado à noite, quando Vi chega em casa do trabalho. Depois da minha visita à mamãe, reuni todos os livros sobre poções que consegui encontrar na casa de Ryn e os espalhei sobre a mesa da cozinha. Eu sei que a possibilidade de encontrar algo que todos os curandeiros especialistas e os fabricantes de poções já não saibam é pouca, mas não tenho nenhum dever de casa e não há nenhuma maneira de que desenhar me distrairá agora, então isso é tudo que tenho para me concentrar.

Eu ouço Vi falar com Ryn antes de entrar na cozinha. Ela se inclina e abraça meus ombros e diz — Ryn me disse. Eu sinto muito. Mas pelo menos não há nada de errado com ela além do sono.

— Um ano, Vi — eu digo enquanto folheio através do Gringel. — Um ano. Ou mais! Imagine o quanto ela pode perder durante esse tempo?

— Não demorará muito, Calla. — Ao contrário das falsas garantias da curandeira, a voz de Vi traz convicção de verdade. — Nós não sabemos quanto da poção sua mãe realmente bebeu. E ela tem tomado poções para dormir desde que era adolescente. Tenho certeza de que ela desenvolveu alguma tolerância em relação a elas. Por que mais ela estaria na posse de uma tão forte?

Eu bato um lápis contra meu queixo e aceno com a cabeça enquanto Vi senta em frente a mim com um copo de sua mistura favorita de energia e cura corporal. É uma mistura com pelo menos vinte ingredientes diferentes, todos com gosto nojento. — Eu suponho que isso faça sentido. Isso também explicaria por que ela faz poções para dormir com tanta frequência.

— Exatamente. Você disse que ela faz uma nova toda semana, certo? Ela não precisaria fazer isso se tivesse uma poção forte o suficiente para durar um ano. Ou dois ou três anos, se você levar em conta todas as horas acordada em um dia em que ela não precisaria delas.

— Certo. Tudo bem. — Eu me sento e fecho a capa pesada de Gringel. — Por que não pensei nisso antes de passar toda a tarde procurando por todas as referências de poções para dormir?

Vi toma um grande gole de sua bebida, faz uma careta e diz — Muito ansiosa para pensar corretamente?

— Talvez. Então, espero que demore apenas algumas semanas antes dela acordar. — Inclino a cabeça para o lado e acrescento — Você realmente gosta dessa coisa que está bebendo?

— Ugh, não. Mas funciona. — Ela toma o resto da bebida, estremece enquanto engole, depois levanta e leva o copo para a pia.

— Uau — eu digo quando ela se vira. — O que aconteceu? — Seu cabelo está preso sobre sua cabeça, e na parte de trás do pescoço, há três cortes profundos.

— O quê? Ah, apenas alguns exercícios de treinamento com uma manticore que ficou um pouco fora de controle. As feridas já foram tratadas, e a Bebida Suprema Grosseira — ela acena para o copo que acabou de limpar — ajudará. Eu ficarei curada em poucas horas.

— Ótima maneira de terminar um sábado — murmuro.

— Foi ótimo — diz ela, entusiasmo iluminando seu rosto. — Esta equipe fez muitas melhorias. Eles estão quase prontos para ir lá fora e consertar alguma bagunça verdadeira.

A porta que leva para sala de estar abre-se e Ryn entra. — Não é bom quando o criminoso que você perseguiu durante semanas aparece inconsciente na sua porta?

— Que conveniente — diz Vi. — A qual porta você está se referindo, exatamente?

— A da Guilda. Então eu preciso ir por algumas horas.

— Vocês nunca têm finais de semana de folga? — Pergunto. — Vi acabou de chegar em casa e agora você está indo trabalhar.

— Uh, às vezes — diz Vi. — Por que você acha que ele se entregou? — Ela pergunta a Ryn.

— Ainda não tenho certeza. Eu acho que talvez um dos seus se voltou contra ele.

— Parece que os criminosos estão fazendo o seu trabalho por você.

— Não estou reclamando — ele diz com um sorriso.

— Preguiçoso — diz Vi. — Você deveria vir até minha Guilda em algum momento. Nós fazemos um trabalho real lá.

— Seu Instituto está cheio de reptilianos.

— É isso é o que torna incrível — ela diz com uma voz cantante. — Tudo bem, eu vou me limpar antes de Calla e eu fazermos algo incrível para o jantar.

— Ei — diz Ryn enquanto ela passa por ele. — O que aconteceu com seu pescoço? Não vi isso quando você entrou.

— Oh, apenas alguns arranhões. — Vi toca o lado de seu pescoço cautelosamente. — O treinamento manticore foi hoje, lembra? Me bateu um pouco, mas estou bem.

— Te bateu? — Ryn parece horrorizado, o que é intrigante, uma vez que ser nocauteado não é nada novo na linha de trabalho de guardião. — É disso que eu estou falando, V. É por isso que não é seguro que você trabalhe mais.

— Não, não, não — ela diz, virando para ele e balançando a cabeça. — Isso não faz parte do acordo. Nós concordamos que eu não teria que parar de trabalhar agora.

— Bem, talvez estivéssemos errados.

— Hum, eu deveria sair da sala agora? — Pergunto.

— Se você tem permissão para trabalhar — diz Vi, completamente alheia a minha pergunta, — eu também tenho.

— Não sou eu quem... — Ryn para quando ele olha para mim. — Vamos falar sobre isso mais tarde — ele diz para Vi, depois sai da sala.

— Sim. Nós vamos — ela grita atrás dele. — Eu falarei, e você vai ouvir o meu lado das coisas.

— Não consigo ouvir você — ele grita de volta. Vi me olha e revira os olhos. Um momento depois, ouvimos uma batida vindo de fora da sala de estar, seguido logo por Ryn dizendo — Tilly?

— Tilly? — Vi diz, franzindo a testa. Ela se afasta da cozinha e eu me levanto para segui-la. — Tilly! — Grita alegremente, e entro na sala de estar a tempo de vê-la envolver seus braços em torno de alguém com cabelo loiro e cor-de-rosa. — Eu não sabia que você vinha.

— Desculpe por ter chegado sem aviso prévio — diz Tilly, — mas de repente eu tive algum tempo de folga, e pensei, “Por que não?” Então, aqui estou eu! E trouxe o jantar. Oi, Calla! — Ela acena para mim sobre o ombro de Vi.

— Ei. — Eu sorrio e aceno de volta. De todos os amigos de Vi e Ryn, a exploradora maluca Tilly é provavelmente a mais divertida. Ela fala sem parar e conta histórias incríveis - que são mais surpreendentes pelo fato de serem todas verdadeiras.

— Tilly, você tem um timing horrível — Ryn reclama. — Estou indo para o trabalho.

— Oh, que pena. — Tilly parece triste por um momento, mas depois sorri. — Noite das garotas! — Ela joga suas mãos no ar e acidentalmente golpeia Filigree em seu pequeno rosto de coruja. — Oh! Desculpe, Fili. Eu não vi você sentado aí nesse gancho de casaco totalmente imperceptível.

Filigree golpeia sua desaprovação, depois pousa no chão, se transforma em um gato e sai sem outro olhar na direção de Tilly.

— Eu realmente tenho que ir — diz Ryn. — Aproveite sua noite das garotas.

Meia hora depois, estamos sentadas na mesa da cozinha cavando nos vários recipientes que Tilly trouxe do The Brownies Munch Box enquanto Filigree na forma de rato mordisca os nixles cobertos de chocolate. Nunca tendo comido nenhum Brownie antes - mamãe tem uma política rigorosa de apenas refeições caseiras - eu me certifico de provar algo dos sete recipientes.

— Então eu estou perdida no meio de uma selva — diz Tilly entre mordidas, — minha stylus foi comida por uma coisa gigante em forma de sapo-coelho, luto com dois lagartos para manter a gema segura e agora estou diante de um grupo de dríades guerreiras que obviamente pensam que estou ameaçando sua casa. Estou pensando que esta expedição é uma falha absoluta quando, do nada, Jayshu vem balançando através das árvores em uma videira, berrando como um ogro. Ele pousa no meio das dríades, espirra o spray de riso e, dentro de meio minuto, todas as dríades estão dobradas, rindo histericamente.

— Isso não aconteceu — diz Vi enquanto ela se recupera de seu riso.

— Cem por cento história verdadeira — diz Tilly. — Spray de riso. Jayshu planeja patenteá-lo. Vai fazer uma fortuna.

— Quem vai comprar essas coisas?

— A Guilda. Uma vez que os guardiões perceberem que vocês podem ganhar todas as batalhas fazendo com que seus inimigos riam.

— Isso é tão ridículo, eu nem sei por onde começar.

— Eu sei. Eles nunca verão chegando. Oh! — Tilly acerta seu garfo com entusiasmo no ar. — Eu quase esqueci a melhor parte da refeição. — Ela alcança a bolsa pendurada sobre um lado de sua cadeira e tira uma garrafa de vidro marrom. — Hidromel da poesia. Essa coisa, senhoras, é incrível.

— Ooh, sim, eu quero experimentar — eu digo, alcançando a garrafa.

— Não tenho certeza de que sua mãe ficaria muito satisfeita se eu deixar você fazer isso — diz Vi.

— Mamãe está dormindo, lembra? E quando ela acordar, terá coisas muito mais importantes para se preocupar com o fato de eu ter provado — Eu examino o rótulo — o hidromel doze anos. Uau. Isso é bastante antigo.

— E é maravilhoso — diz Tilly, levantando-se e procurando taças adequadas nos armários.

— Oh, não vou querer — diz Vi quando Tilly volta à mesa com três taças.

— O quê? Não seja chata. — Tilly bate na rolha com a stylus. A rolha salta e Filigree escorrega para obter um cheiro melhor do conteúdo da garrafa.

— Eu não sou, eu simplesmente não quero...

— Não. Não quero, não é uma opção. Eu fui por todo o caminho para as Montanhas Slievaran onde os anões Galar criaram essa coisa. Você tem alguma ideia do quão longe é?

— Hum... cinco segundos através dos caminhos das fadas?

Com uma expressão em branco, Tilly pisca e diz — Tudo bem. Você tem alguma ideia do quão difícil você precisa se concentrar para acabar precisamente no ponto certo nas Montanhas Slievaran para encontrar essa coisa?

— Muito?

— Exatamente. Isso é o quão longe é este lugar. Então você tem que experimentar o hidromel.

Vi geme. — Eu sinto muito. Eu gostaria de poder, mas eu realmente não estou podendo.

Tilly me passa um copo com uma pequena quantidade de hidromel, então se inclina para trás e examina Vi com uma careta. — Nós bebemos hidromel juntas antes.

— Nós bebemos.

— Você gostou. Muito. Você disse que era sua nova bebida favorita.

— Eu sei, mas...

— OhmeuDeus. — Tilly endireita-se de repente, seus olhos arregalados.

— O quê? — Vi e eu perguntamos ao mesmo tempo.

— OhmeuDeus. Oh. Meu. Deus. — O sorriso de Tilly se estende mais do que eu pensaria que fosse possível, como se estivesse gritando silenciosamente. — Você vai ter um bebê!

Eu quase solto meu copo. — O quê?

A expressão de Vi congela, sua boca meio aberta e suas bochechas ficando rapidamente cor-de-rosa. Então, ela bate a mão sobre a mesa. — Como diabos você sabe disso?

— Oh, é tão óbvio.

— Não é!

— ISSO É TÃO EXCITANTE! — Eu grito, pulando e jogando meus braços ao redor dela, espirrando metade do meu hidromel no chão. Um segundo depois, Tilly se junta a nós, completando o nosso abraço grupal com pulos e gritos.

— Não – parem – não é excitante, é aterrorizante! — Vi exclama, tentando nos afastar.

— Bem, claro, é um pouco aterrorizante, — diz Tilly enquanto ela e eu retornamos aos nossos lugares, — mas é principalmente excitante, certo?

— Um pouco, suponho — diz Vi. — Mas eu serei a primeira a admitir que isso não fazia parte do plano por pelo menos nos próximos cinquenta anos.

— É por isso que você e Ryn discutiram, certo? — Pergunto. — É por isso que ele não quer que você trabalhe.

— Sim — diz Vi com um suspiro.

— Bem, agora que esta coisa do bebê está acontecendo — diz Tilly, levantando seu copo e tilintando contra o meu, — vocês provavelmente deveriam se casar. Tornar oficial.

Vi revira os olhos. — Somos casados, Tilly.

— Oh, por favor. Aquele encontro chato-como-lama que tivemos na Guilda, onde vocês assinaram um pergaminho e depois voltaram para o trabalho? Aquilo não foi um casamento.

— Você está certa. Não era um casamento porque não somos humanos e não os chamamos assim. Nós os chamamos de cerimônias de união.

— Ugh, você soa como minha avó. Basta chamar de casamento. Quase todo mundo chama assim hoje em dia.

Eu sento para trás, sorvo minha bebida ligeiramente seca e com uma pitada de mel, e vejo a discussão na minha frente. Eu sei que Tilly vai ganhar, e eu estou bem com isso. Eu concordo com ela.

— Tudo bem. Casamento. Que seja — diz Vi. — E tentamos ter uma três vezes, lembra? Isso nunca funcionou.

— Certo, porque alguma emergência sobre o fim do mundo sempre surgiu, e vocês tiveram que correr e lidar com elas.

— Exatamente.

— Bem, não desta vez. Desta vez, eu vou planejar seu casamento e outra pessoa pode lidar com os terremotos e inundações.

— Era um vulcão.

— Tanto faz.

— Yay! — Eu levanto meu copo no ar novamente. — Hora de casamento!


Capítulo 23

Segunda de manhã chega, e ainda estou radiante por saber que vou ser tia. O fato de que mamãe ainda está em um sono induzido por poções é um pouco amortecedor, mas estou quase certa de que não demorará muito para que ela acorde. Junto com o fato de que eu não estou mais furiosa sobre ela mentir para mim - minha raiva diminui um pouco a cada dia - parece ser uma boa segunda-feira. Até mesmo um interrogatório sobre minha mãe fugitiva - que tenho certeza de que está chegando - não pode arruinar meu dia, graças a um fato pequeno e óbvio que eu me lembrei sobre os interrogatórios da Guilda ontem.

Um envelope apareceu na nossa mesa da cozinha ontem à noite com uma nota da Guilda me informando que o treinamento voltaria ao normal hoje. Depois de tudo o que aconteceu desde que deixei a Guilda na sexta-feira de manhã - viajando para uma montanha distante, caindo em um abismo, o ataque dos meus pais, mamãe se revelando ser uma Vidente, o bebê de Vi e Ryn - esqueci completamente a tempestade encantada que a Guilda considerava uma ameaça potencial.

— Então, alguém sabe sobre o que era aquela tempestade na verdade? — Perry pergunta. Nós quatro estamos sentados em uma sala de aula esperando nossa primeira aula do dia.

— Meu mentor disse que era por causa de um duelo bobo que dois faeries estavam tendo — diz Gemma. — Depois que a tempestade terminou, os guardiões descobriram que ambos desmaiaram no pico de uma montanha.

— Idiotas — Perry murmura.

— Pelo menos seu mentor diz as coisas para você — eu digo. — Olive mantém nossas conversas no mínimo possível.

— Provavelmente é uma coisa boa — diz Perry enquanto ele inclina sua cadeira para trás sobre duas pernas e usa magia para manter-se assim, — considerando o quão fantasticamente hostil ela é.

Fazemos nossas lições pela a manhã - os vários procedimentos que a Guilda segue depois que guardiões quebram a lei fae - e quando estamos prestes a nos dirigir para o refeitório para o almoço, uma aprendiz do primeiro ano aparece na entrada da nossa sala de aula. Quando meus colegas de classe saem, ela levanta a voz e pergunta — Calla Larkenwood está aqui? — Eu aceno e me apresso em direção a ela. — Sua mentora quer vê-la — diz ela.

Aqui vai.

Subo as escadas até o segundo andar e encontro Olive batendo sua stylus com impaciência contra a superfície de sua mesa. Eu me sento, ela me observa por um momento, e então diz — Por que não estou surpresa?

Estou quase certa de saber o que ela está falando, mas como eu prefiro não perguntar, espero sem dizer nada.

— É claro que você tem uma mãe fugitiva que é culpada de quebrar seu contrato com a Guilda e criar poções ilegais. Então, o que você sugere que façamos com você agora que estamos cientes disso? Não parece ser bom para você que você escondeu essa informação de nós.

— Eu não sabia até dois dias atrás — eu digo, me certificando de que meu olhar nunca deixe o dela.

Ela ri. — Você não sabia? Você viveu com um vidente toda sua vida. Isso não é algo que você possa não saber.

— Sim, havia sinais de que havia algo diferente sobre ela, mas eu não sabia o que eles queriam dizer. Nem minha mãe nem meu pai nunca disseram nada sobre ela ser uma Vidente.

— Bem, não é uma história adorável. — Olive empurra a cadeira para trás e fica de pé. — Vamos ter que ver o que o Conselho pensa sobre isso. Espero que eles vejam isso assim como eu, e finalmente todos concordaremos que Calla Larkenwood não deveria estar aqui.

— Vou ver os membros do Conselho agora?

— Sim. Três deles. Em precisamente seis minutos. Então espero que você tenha sua história verdadeira.

— Eu tenho. — Eu levanto e ando com Olive para fora de seu escritório. — Eu suponho que eles vão me questionar com uma poção de compulsão?

— Claro. Então, não importa qual história você tenha planejado, a poção irá forçar a verdade de você no final.

— Ótimo. — A poção de compulsão é o pequeno fato do qual me lembrei ontem. O pequeno fato que significa que isso será resolvido em breve.

***

Uma vez que o Conselho está convencido de que eu não os enganei de forma alguma, eles chegam à conclusão inteiramente razoável de que os crimes da minha mãe não têm nada a ver comigo e me enviam de volta. Olive está furiosa. Ela não diz isso, e não demonstra, mas a atmosfera entre nós quando saímos da sala de interrogatório parece uma tempestade se formando. Ela me acompanha até o centro de treinamento e me informa que estará prestando muita atenção a cada manobra que eu pratico hoje. — Você não vai sair até que tudo esteja perfeito — diz ela.

E é assim que eu sei que a minha segunda-feira não vai ser tão boa, afinal.

Dirijo-me primeiro à estação de prática ao alvo. Olive paira no limite da minha visão, me fazendo me sentir desconfortável. Eu tinha planejado praticar mais com a faca que o meu pai me deu, mas no momento em que eu a deslizo da bota, Olive diz — Não. Eu não quero que você perca metade da tarde andando para frente para trás com uma faca. As facas dos Guardiões desaparecem quando atingem o alvo, então você usará essas. Quero ver cinquenta lances seguidos perfeitos. Se você errar, começamos a contar novamente.

— Cinquenta? — Eu digo antes que eu possa me parar.

Olive cruza os braços sobre o peito, e eu vislumbro a raiva subjacente em seus olhos. — Você tem um problema com isso, aprendiz?

Eu balanço a cabeça e volto para o meu alvo sem outra palavra. Eu penso no meu esconderijo invisível de armas e tento escolher uma faca que pareça com o tamanho e o peso da que o meu pai me deu. Eu agarro o ar e sinto o punho sobre o meu aperto. Ignore Olive, ignore Olive. Aperto o punho, trago para trás da minha orelha direita, me posiciono com a perna esquerda para frente e lanço.

O cabo bate no alvo e a faca bate no chão. Possivelmente o pior lance que eu executei desde que Zed me deu minha primeira lição.

Uma Olive exasperada entra na minha linha de visão e diz — Não me diga que essa é a primeira vez que joga essa faca.

— Claro que joguei facas antes. Eu...

— Essa faca. Você jogou essa faca específica?

— Eu joguei muitas facas, então eu tenho certeza de que pelo menos uma delas era...

— O cabo é pesado, a lâmina é pesada, equilibrada? Até onde você consegue jogar? O cabo pode ser arremessado ou a lâmina? Você deve saber dessas coisas!

— Você pode me dar uma chance de sentir isso? — Eu arremessei muitas facas antes com Zed, e sempre demora alguns lances para eu entrar no ritmo certo. Ajustando minha distância, mudando meu controle. E então, uma vez que conseguir isso, posso atingir meu alvo quase sempre.

— Sentir? — Olive diz. — Você não tem tempo para sentir qualquer coisa quando estiver no meio da batalha. Em uma fração de segundo, você precisa avaliar sua distância de um alvo, escolher a faca correta e saber se deve segurar a lâmina ou o cabo para que, quando atirar, atinja o alvo. Entendeu?

— Ou eu poderia usar algo além de uma faca — eu murmuro.

— Ou você pode praticar com cada faca que você tem até saber o que diabos você está fazendo! — Olive grita.

Os outros aprendizes na área de prática ao alvo mantêm seus olhos afastados, mas posso dizer que a atenção de todos está sobre Olive e eu. Como não quando Olive está gritando alto o suficiente para que todos no centro de treinamento ouçam?

— Novo plano — diz Olive, andando atrás de mim. — Você fará isso com cada faca em sua coleção de guardiã. Quando eu ver vinte jogadas seguidas perfeitas por faca, você passa para a próxima.

Eu não discuto. Eu sei que não tem sentido.

Quando a sessão acaba, eu apenas joguei metade das minhas facas. Eu olho para Olive, esperando que ela me dê permissão para passar para a próxima atividade na minha agenda - lutar com Perry como oponente, mas tudo o que ela diz é, — Por que você está parando?

Então eu continuo. Pergunto-me se Perry acabou lutando consigo mesmo com uma stylus durante a segunda sessão porque quando acabo de terminar com as facas é quando a terceira sessão começa. Meu braço dói de todos os lançamentos, então é uma coisa boa que a minha próxima atividade seja – correr – e não exige muito trabalho no braço. Eu vou para os retângulos de corrida, imaginando quantas coisas Olive será capaz de criticar sobre está atividade simples. Não consigo imaginar que haja mais que muito rápido e muito devagar, mas tenho certeza que ela vai encontrar alguma coisa.

— Não, não, não — diz Olive ao perceber que nos aproximamos dos retângulos no piso se movendo. — Você pode fazer isso em seu tempo livre. Neste momento precisamos de algo mais desafiador. — Ela olha ao redor, examinando as várias áreas do centro de treinamento. — Pista de obstáculos — diz ela. — Perfeito. Podemos nos divertir com isso.

Seja qual for a ideia de diversão de Olive, eu acho que não gostei disso.

— Você — diz ela, apontando para o aprendiz que já está na área de obstáculos examinando a coleção de obstáculos armazenados no canto. — Você agora vai correr. Você vai embora. E você — ela aponta para mim dessa vez — faça algum alongamento enquanto eu configuro isso.

Eu faço o que ela me diz, enquanto Olive levanta as mãos e usa sua magia para mover os obstáculos ao redor, afastando o que não quer e criando um curso usando as peças escolhidas. Quando ela termina, vejo um círculo com sete obstáculos: uma mesa, seis pedras flutuando acima da areia movediça, cinco painéis deslizantes, uma rede de escalada, uma série de paredes de pedra baixas, um aro em chamas e uma ponte balançando. Não é muito difícil.

— Fique em cima da mesa — Olive me diz. — Esse é seu ponto de partida. Você vai dar uma cambalhota para trás da mesa para o chão – pousar de cócoras – então role para debaixo da mesa em direção à areia movediça. Três saltos com impulso de mão para frente devem levá-la sobre as pedras. Atravesse as portas nos painéis deslizantes o mais rápido possível, não é tão fácil quanto parece, uma vez que os painéis continuam deslizando para frente e para trás e as portas continuam mudando de posição. Então suba a rede e dê uma cambalhota quando estiver em cima. Você vai pular sobre cada parede de pedra, depois mergulhar através do aro em chamas, dobrar-se sobre um ombro quando atingir o chão, e se levantar. Corra para o caminho estreito e atravesse a ponte balançando, pule para a outra extremidade, e volte para cima da mesa. Sem vacilar.

— Tudo bem. — Eu subo na mesa.

— E sem magia — acrescenta Olive. — Obviamente.

Quando Olive levanta sua stylus, eu fico e me preparo para dar uma cambalhota para trás. Ela balança a stylus e solta um som de buzina e eu pulo. Eu pouso bem e imediatamente rolo para frente para debaixo da mesa. Eu pulo para o outro lado e corro em direção a areia movediça, lançando-me em um salto para frente no momento em que eu a alcanço. Mãos, pés, mãos, pés – mas eu julguei mal a distância, meus dedos dos pés pegam na ponta da última pedra, e eu caio para trás na areia movediça.

Parabéns, Calla.

Eu me impulsiono para sair da areia que está puxando com magia, me limpo com outro feitiço rápido e volto para a mesa. Olive me olha com uma expressão fulminante conforme eu escalo de volto à mesa, espero pela buzina de partida e começo novamente. Eu quase consigo acabar na segunda vez, mas depois de correr para o caminho estreito e para a ponte balançando, eu perco o equilíbrio e caio para o lado. Terceira vez, faço todo o caminho de volta para a mesa, levantando do meu salto mortal com apenas um pequeno vacilo.

Soando entediada, Olive diz — Mais uma vez.

Tudo bem então.

Depois de completar o curso mais cinco vezes, com Olive apontando um pequeno erro toda vez, ela coloca as mãos nos quadris e suspira. — Imagine que você é uma artista. Esta sequência de obstáculos é a sua dança. Você não conseguirá sair daqui até que sua dança esteja perfeita.

Uma apresentação. Tudo bem. Você pode fazer isso, Calla.

A terceira sessão chega ao fim, mas eu subo na minha mesa. Ignorando todos os aprendizes se movendo para encontrar a sua última sessão para terminar por hoje, me dou alguns segundos para recuperar o fôlego. Imagino o meu público, digo a mim mesma que isso é uma arte, não apenas exercício, e pulo para trás. Eu me movo perfeitamente para frente, rolando. Minhas cambalhotas são perfeitas. Eu atravesso de um lado para o outro através dos painéis deslizantes e me jogo na rede, subindo tão rápido como se uma horda de goblins estivessem na minha cola. O resto é fácil. Estou acostumada com a forma como a ponte balançando se move agora. Eu acelero através dela, me jogo no ar no final, giro e aterrisso na mesa. Eu me levanto, respirando com dificuldade enquanto faço uma reverencia para o meu público imaginário.

— Não — diz Olive. — De novo.

— O quê? Foi perfeito!

— Não está perfeito até eu dizer que está perfeito.

E então eu faço de novo. Continuo fazendo durante o restante da quarta sessão. A sessão termina, os aprendizes começam a sair, e Olive ainda não me deixa ir embora. — Você está piorando! — Ela grita depois que eu termino o curso pelo o que parece ser a centésima vez.

Em vez de gritar que estou exausta por isso obviamente estou piorando, me sento na borda da mesa e limpo o suor do meu rosto enquanto me lembro o que é respirar. Olive olha para mim com um olhar de descrença. — Eu disse para você se sentar? Levante e faça de novo. — Por trás de sua expressão severa, vejo uma espécie de alegria vingativa. Ela está gostando de me fazer sofrer.

Não vou deixar que ela vença.

Eu me dou mais alguns momentos para respirar, depois me levanto. Vários aprendizes ainda estão aqui, e pelo menos metade deles está assistindo. Isto é realmente uma apresentação. Eles são o meu público.

Única chance, eu digo a mim mesma. Faça. Isto. Perfeito.

Meu corpo se move sem hesitação de um obstáculo para o outro. Pulando, me lançando, dando cambalhota, escalando, correndo, pulando - mais rápido, mais rápido e mais rápido! É uma apresentação perfeita. Pelo menos, é assim que sinto no momento em que meus pés batem na mesa e eu me ajoelho. À medida que meu peito se ergue, eu olho para Olive.

— Bem — diz ela. — Não tenho certeza de que isso seja perfeito, mas provavelmente é o mais próximo que você vai conseguir. — Ela se vira e se afasta. — Oh, e certifique-se de mover todos os obstáculos de volta contra a parede, — ela fala sem olhar para trás.

Eu desço da mesa com as minhas pernas começando a parecer gelatina. Me arrasto para o tapete mais próximo e me deito. Meu peito sobe e desce rapidamente enquanto tento ter minha respiração de volta ao normal.

— Isso foi espetacular — diz Gemma. Levanto minha cabeça o suficiente para ver ela, Perry e Ned sentados na esteira ao meu lado. — Nunca vi ninguém completar uma pista de obstáculos com tal... requinte.

— Ou tal velocidade — acrescenta Perry. — Tenho certeza de que você quebrou um recorde.

— Vários recordes — corrige Gemma.

Eu deixo minha cabeça cair de volta no tapete. — Isso é o que acontece quando... você tem uma mentora que é... insana.

— Ei, se sua insanidade te faz uma boa guardiã, tudo vale a pena — diz Perry.

— É? — Pergunto enquanto observo o interior de minhas pálpebras. — Não tenho certeza de que eu concorde com isso agora. Pergunte novamente em... meia hora. Ou amanhã... quando meus músculos se recuperarem. — Eu deito na esteira por mais alguns minutos. Quando eu me sento, meus três amigos moveram todos os obstáculos contra a parede. — Ei, obrigada. — Eu consigo me levantar. — Vocês não precisavam fazer isso.

— Eu acho que nós precisávamos — diz Gemma. — Parece que você precisa de toda a sua magia apenas para manter suas pernas funcionando.

— Você acha que se recuperará até hoje à noite? — Perry pergunta.

— Sim, provavelmente. Eu estava brincando quando eu disse “amanhã”. Por que, você tem algo emocionante planejado?

— Bem, nós não — diz Perry, um sorriso em seu rosto, — mas alguém tem, e nós fomos convidados. Tipo assim. Quero dizer, eu encontrei um convite.

— Então... na verdade, não fomos convidados? — Pergunto, lutando para entender o que ele está dizendo.

— Foi o tipo de coisa siga a pista e encontre um convite. Eu vi escrito na perna de alguém quando estávamos no Subterrâneo na semana passada cuidando de você. Então, eu segui a pista. E agora temos um convite.

— É uma festa no Subterrâneo? — Por algum motivo, meu primeiro pensamento é, eu me pergunto se Chase estará lá. Pensamento estúpido. Estúpido, estúpido.

— Não, é no topo da Torre Estellyn.

— Sério? — Eu olho de Perry para Gemma. Gemma assente com a cabeça. — Esse lugar é super chique. Tem certeza de que podemos ir?

— Bem, temos três convites inteiramente legítimos — diz Perry, — então sim.

— Eu não vou — diz Ned rapidamente, seus olhos passando por mim de olhar para longe. — Então o terceiro convite é seu.

— A pista levou a uma velha e aleatória árvore, e quando coloquei minha mão dentro de um dos nós, consegui retirar um convite — explica Perry. — Apenas um por pessoa, porém, consegui que Gemma e Ned voltassem comigo para que conseguíssemos os outros dois.

— Porque não podemos deixá-lo vagando em uma festa de celebridades sozinho — diz Gemma. — Precisamos manter um olho nele. Então você pode ir?

— Eu duvido que tenha outra chance de me misturar com a elite fae, então sim. Definitivamente.

— Incrível! — Gemma passa o braço pelos meus enquanto nos dirigimos para a porta do centro de treinamento. — Agora, o que vamos usar?


Capítulo 24

Algum tempo depois do jantar na noite de segunda-feira, eu desço as escadas com um longo vestido de noite preto, luvas e sapatos de salto alto. Meu cabelo está preso para trás com um grampo de pedra preciosa em um lado, cachos em cascata sobre o meu outro ombro. A única coisa que a mamãe me ensinou – além de fazer porções para dormir aparentemente de forma ilegal – foi feitiços de penteados. Ela nunca parece usar nela, mas ela deve ter decidido que alguém que nasceu com os cabelos dourados sempre deve manter uma boa aparência. Nós costumávamos tentar algo diferente todos os dias quando eu estava na escola secundária. Hoje em dia, deixo-o solto e sem penteado na maioria das vezes, mas lembro dos feitiços que mamãe me ensinou.

Encontro Ryn e Vi na sala de estar. Ryn está jogado através do sofá, lendo alguns papéis e Vi sentada no chão perto da mesa de café jogando um jogo de cartas com o Filigree. Ele não pode segurar as cartas com suas patas de esquilo, então elas estão colocadas atrás da tampa de uma caixa onde Vi não pode vê-las. Seu âmbar vibra sobre a mesa e ela o pega. — Tilly enviou uma mensagem — ela diz a Ryn. — Branco ou marfim? Laço ou fitas? Mesas ou cobertores de piquenique?

Sem olhar para cima, Ryn diz — Você é a garota. Você não deveria decidir essas coisas?

Vi faz uma careta enquanto olha para seu âmbar. — Eu não sou realmente esse tipo de garota.

— Diga-lhe para perguntar a Raven.

Limpo minha garganta e espero que todos na sala olhem. As bocas abertas em confusão que recebo é o suficiente para me fazer rir. Até Filigree parece desconcertado. Quando eu termino de rir, eu digo — Eu decidi apenas ser honesta e evitar ter que tentar me esgueirar. Eu vou a uma festa esta noite.

Ryn franze o cenho. — Festa na escola?

— Vejo que você está no seu caminho para se tornar pai — eu digo a ele, e ele parece bastante satisfeito. — Então, temos que discutir sobre isso, ou você pode ser meu irmão mais velho e legal, que não se importa que eu saia?

Ryn estreita os olhos. — Eu sinto que você está tentando me bajular para lhe dar a resposta que você quer.

— Onde é a festa? — Pergunta Vi. — Não... — ela acrescenta apressadamente, — que eu esteja tentando ser maternal e sufocante. Estou apenas interessada. Você parece ser mais esperta do que eu esperava da maioria para festas adolescentes.

— É na Torre Estellyn. Um dos meus amigos na Guilda encontrou um convite depois de seguir uma pista, então vou com ele e outra amiga.

— Oh, eu ouvi falar sobre essas festas — diz Ryn, parecendo impressionado. — Uma mistura da alta sociedade e qualquer outra pessoa que consiga encontrar um convite. Seu amigo deve ser bastante inteligente. Ouvi dizer que as pistas podem ser difíceis.

— Eu suponho que você não ouviu nada de ruim sobre essas festas, ou você estaria me dizendo para não ir em vez de comentar sobre o quão inteligente meu amigo é.

— Com o número de faes importantes que participam dessas festas, tenho certeza de que há muita segurança. Você sabe se é bem no topo da Torre Estellyn?

— Hum, eu não sei. Vi, onde é o melhor lugar para guardar o meu âmbar e stylus vestida assim?

— Oh, eu tenho uma cinta de perna que você pode usar. — Ela pula, atravessa a sala e abre o armário no corredor.

— Eu acho que a cobertura é de propriedade desse cara que faz essas stylus de grife — diz Ryn, enrolando seus papéis e tocando no seu queixo.

— Ah, sim — diz Vi enquanto ela vasculha dentro do armário. — Lucien de la alguma coisa. Acho que Raven o conheceu uma vez. Sempre que vejo seu nome nas notícias ele está doando montantes obscenos de dinheiro para outro instituto de cura.

— Oh, o cara com a esposa que tem a doença estranha e incurável? — Pergunto.

— Esse mesmo — diz Ryn. — Se a festa for na sua casa, será incrível. Ele tem um monte de dinheiro para gastar.

— Ah, aqui está — diz Vi, segurando uma cinta preta e elástica com várias tiras pequenas ligadas a ela. — Seu âmbar desliza aqui e sua stylus aqui. Os outros são para facas, mas você tem armas de guardiã, então não precisa de mais nada. — Ela me entrega. — Coloque em qualquer lugar acima do seu joelho.

— Certo. Isso não será estranho, se eu precisar usar em público. Ei, com licença enquanto eu levanto minha saia.

Vi ri. — Sim, funciona melhor se você estiver vestindo um vestido com uma fenda, então simplesmente não a prenda muito alto. Será fácil o suficiente para acessar quando estiver sentada.

— Ou tire em outra sala — diz Ryn, soando distraído enquanto examina seus papéis mais uma vez.

— Tudo bem. — Eu termino de prender a cinta, então abro um portal para os caminhos antes de guardar minha stylus. Mantenho-a aberta com o braço enquanto volto para perguntar — Ryn, você não soube nada do papai, não é?

— Não. — Ryn olha por cima das páginas. — Ele não vai me dizer o que ele está fazendo, provavelmente assim não posso ser implicado se a Guilda descobrir que ele está fazendo sua própria investigação. Eles não aprovam exatamente ex-guardiões fazendo isso.

Eu gemo. — Espero que ele não acabe em problemas por causa disso.

— Não se preocupe, ele provavelmente não encontrará nada e voltará para casa em alguns dias.

Eu aceno com a cabeça, esperando que Ryn esteja certo. — Tudo bem. Eu estou indo agora. Vocês se divertam com sua leitura e jogo de cartas. Tentem não pensar em como vocês estão velhos e chatos agora.

— Jogar cartas com Filigree não é chato — diz Vi enquanto volta ao lugar dela no chão. — O que você obviamente sabe, já que você mesma jogou com ele muitas vezes.

— Somente quando me sinto velha e chata — digo com uma risada quando entro nos caminhos das fadas.

— Volte à meia-noite — Ryn grita atrás de mim. — Você tem treinamento ama... — Suas últimas palavras são engolidas quando a porta se fecha e eu mergulho na escuridão.

Torre Estellyn não é em Creepy Hollow – “Essas pessoas ricas não querem morar em uma floresta cheia de criaturas assustadoras,” Perry disse mais cedo – mas não é muito longe, então eu não tenho que me concentrar tanto para chegar ao lugar certo. Saio da escuridão e me vejo parada em uma calçada circular de pedra cercada por um gramado limpo de grama azul escuro que se estende passando de onde eu posso ver em todas as direções. No centro do círculo está uma elaborada exibição de água completa com faíscas brilhantes de magia voando em torno dos vários jorros de água colorida. Afastando-se da fonte, vejo o palácio Torre Estellyn subindo magnificamente em direção ao céu noturno do outro lado da entrada. A parede exterior da estrutura está coberta de milhões de pedras preciosas, fazendo brilhar na luz emitida pelas lâmpadas alinhadas na grande escada.

Estou prestes a atravessar a entrada para as escadas quando uma enorme porta dos caminhos das fadas se abre acima de mim, e uma carruagem puxada por dois pégasos sai e pousa na entrada. Depois de trotar uma curta distância, os cavalos alados param, permitindo que os ocupantes da carruagem saiam. Momentos depois, a carruagem começa a se mover de novo. Eu observo os pégasos enquanto eles continuam em torno da entrada circular, correndo mais rápido e batendo o ar com suas asas até que eles levantam do chão e desaparecem em um portal que de alguma maneira foi aberta remotamente.

— Ei, você quase foi atropelada — Perry grita de algum lugar atrás de mim. Eu viro e encontro ele e Gemma andando em minha direção. Perry ri e aponta para mim, e Gemma dá uma cotovelada nele.

— Você não tem o direito de rir — diz ela, — depois que você quase nos pousou no meio da fonte.

— Isso foi intencional. Eu estava praticando minhas habilidades de parar antes de atingir à água.

— Tanto faz. Calla, esse vestido parece ótimo em você! Minha irmã ficará tão satisfeita. Ela usou no dia em que se formou na Hellenway e não tirou do guarda roupa desde então.

— Oh, obrigada. Você também parece ótima. — Gemma parece adorável em seu vestido de noite marrom e cabelo lustroso e liso. E eu não sou a única que notou. Perry continua olhando furtivamente para ela.

Sorrindo para mim mesma, atravesso a calçada com os dois. Nós nos juntamos a outras faeries bem-vestidas na escada, algumas das quais também chegaram através dos caminhos das fadas. Na entrada do saguão, somos examinados da cabeça aos pés por um guarda da segurança antes de poder entrar.

— Eu li sobre esse lugar esta tarde — diz Gemma. — Há um restaurante no piso térreo que nenhum de nós nunca comerá lá, a menos que você tenha um esconderijo de ouro escondido debaixo de sua cama. Então o Grande Hotel Estellyn ocupa os primeiros dez andares com quartos que custam mais por noite do que a minha mãe ganha em um ano inteiro. E cada andar acima disso é a casa de um faerie rico e influente.

— Cara, estou tão feliz por ter visto essa pista passando por mim na semana passada — diz Perry enquanto andamos para um elevador que parece grande o suficiente para caber pelo menos oito dos elevadores da Guilda dentro dele. Ele empurra o punho no ar e diz, — Festa na cobertura, aqui vamos nós.

— Não faça isso! — Gemma agarra seu braço e o puxa para baixo, parecendo escandalizada pelo comportamento inadequado de Perry. — Você está nos fazendo parecer com pessoas comuns.

— Quem se importa? — Perry diz, mas em vez de ficar irritado, ele parece satisfeito – provavelmente porque a mão de Gemma ainda está em seu braço.

— Então, vamos ao topo deste prédio? — Pergunto. — Onde vive esse designer Lucien de la Mer?

— O primeiro e único — Gemma diz com um pequeno grito.

Chegamos ao elevador. Depois de dizer ao guarda da segurança em que andar nós queremos ir, ele nos aponta para um elevador menor passando por uma estátua de bronze de uma esfinge. Pedem que mostremos nossos convites no segundo elevador e, em seguida, todos nós somos revistados novamente antes de podermos entrar. Mais cinco pessoas chegam e seguem o mesmo procedimento antes que a porta do elevador reapareça, selando todos nós lá dentro. Um homem de uniforme azul e dourado com as palavras Torre Estellyn bordado no bolso da frente direciona o elevador até o último andar.

Enquanto nos movemos para cima, eu me inclino para Perry e sussurro — se você viu essa pista no Subterrâneo, então deve haver alguns Subterrâneos aqui esta noite.

— Possivelmente. Os que foram inteligentes o suficiente para resolver a pista e rápidos o suficiente para chegar à árvore antes que todos os convites acabassem.

— Onde você estava quando viu a pista?

— Naquele lugar onde você deveria encontrar Saskia e Blaze. O Clube Deviant.

Apreensão se instala no meu estômago. O homem drakoni não iria participar de algo assim, não é? Não, ele tem seu próprio clube para comandar. Além disso, eu pareço bem diferente hoje à noite. Ele provavelmente não se lembraria de mim.

O cabelo dourado geralmente é bastante memorável, Calla.

Eu não tenho tempo para me preocupar sobre o quão memorável eu possa ser, no entanto, porque a porta do elevador derrete e eu me junto ao resto dos convidados na casa do designer Lucien de la Mer. É uma festa de imagens, sons e cheiros. Pequenas esferas de vidro com pequenas luzes dentro delas flutuam perto do teto, enquanto o piso polido brilha fracamente sob nossos pés. Eu vejo figuras aladas patinando em formação através de uma lagoa de gelo, uma banda de músicos em cima de um palco de fumaça de carvão, faeries vestidas de todas as cores imagináveis, perucas de nuvens e penas e fitas e rostos pintados com padrões exóticos.

— Pessoal? — Eu digo. — Eu me sinto um pouco malvestida.

— Não — diz Perry. — Aquilo é malvestida. — Eu sigo seu olhar para uma garota de cabelos prateados rindo de algo que seu companheiro reptiliano acabou de dizer. Fios de seda de aranha cintilante estão cobrindo o seu corpo, cobrindo suas partes importantes e praticamente nada mais.

— Oh, meu — diz Gemma. — Parece... frio.

Eu rio da descrição da Gemma antes de nos virar e caminhar para o outro lado. À medida que avançamos para a multidão, passamos por bandejas flutuantes de alimentos e bebidas: bombons de chocolate de formas variadas, maçãs esculpidas em versões em miniatura da Torre Estellyn, taças altas de um líquido azul brilhante e vários outros deleites saborosos que desejo experimentar.

— Você acha que ele está aqui? — Gemma pergunta uma vez que todos pegamos uma bebida e nos posicionamos perto das altas janelas de vidro que mostram vários locais exóticos ao redor do mundo. — Lucien, quero dizer. Ou você acha que ele se esconde em algum de seus outros quartos, relaxando em um roupão, enquanto todas essas pessoas festejam as custas dele.

— Bem, eu não tenho ideia de como ele parece — eu digo enquanto levanto a minha taça para os meus lábios. — Então, não saberia se o visse. — Eu tomo um gole da minha bebida em camadas. As cores - rosa, roxo e laranja - misturam no momento em que inclino o líquido dentro da minha boca. Quando abaixo a taça, as camadas se separam imediatamente. — Hum. Tem gosto de nascer do sol — eu digo.

— O nascer do sol não tem um gosto, boba — diz Gemma enquanto olha as esferas gelatinosas flutuantes em sua bebida incolor.

— Mas se tivessem, seria assim.

— O meu tem gosto de remédios — diz Perry. Uma bandeja flutua passando por nós, e ele coloca sua bebida meio acabada sobre ela.

— Perry, você não pode colocar de volta! — Gemma diz, parecendo tão horrorizada como quando ele socou o ar na frente de todo o saguão.

— Eu coloquei. Venha, dance comigo — ele diz a Gemma quando a música muda para algo com uma batida animada.

— Oh. Hum... mas e quanto a...

— Eu vou ficar bem — asseguro-lhe enquanto ela olha hesitante no meu caminho. — Vocês vão dançar. Eu vou encontrá-los depois. — Eles desaparecem na multidão de dançarinos, Perry fazendo algum tipo de passo que, sem dúvida, deve envergonhar Gemma. Eu acho que eles são fofos juntos - exceto que a Gemma está apaixonada por outra pessoa. Pergunto-me se Perry sabe disso.

Eu ando ao redor da borda da sala, degustando a comida e olhando as stylus de grife desenhadas nas paredes. Uma de ouro sólido, uma incrustada de diamantes, uma de madeira com padrões intricados. Em uma vitrine de vidro, eu vejo uma com dezenas de asas de borboletas presas ao redor. Eu me pergunto se alguma delas realmente funciona, ou se elas são apenas para exibição.

— Ei, linda dama — um elfo com cabelos brancos e vários piercings faciais diz para mim. Seus olhos me examinam antes de acrescentar, — Posso pegar uma bebida para você?

— Uh, não, obrigada. — Assustador.

Depois de receber várias ofertas - nem todas tão mansas como a primeira - eu continuo me movendo sem encontrar o olhar de ninguém. Eu ando em torno de pilares esculpidos e entre grupos de fae antes de encontrar uma seção da vasta sala onde a luz é mais fraca e várias cadeiras estofadas, cada uma aberta de um lado, estão penduradas no teto. Eu sento em uma feita de galhos entrelaçados, grata pela privacidade que é fornecida ao meu redor. Eu me inclino contra a almofada e me balanço suavemente no banco. Pergunto-me se Gemma e Perry ainda estão dançando, ou se estão procurando por mim. Uma vez que estas cadeiras penduradas são tão privativas quanto quem fica nesta sala, eu provavelmente deveria aproveitar a oportunidade para puxar meu vestido e encontrar o meu âmbar. Eu me inclino para frente.

E é quando ouço sua voz.

Chase.


Capítulo 25

 

Eu congelo, ouvindo atentamente, mas definitivamente é Chase. Sua voz tem um tom profundo e seguro da qual eu rapidamente me familiarizei. Uma emoção corre através de mim - ele está aqui! – o que eu tento silenciar imediatamente. Eu olho entre os galhos entrelaçados, balançando minha cadeira lentamente ao redor até encontrá-lo. Ele está de pé com uma mulher ao lado de uma das janelas do chão ao teto, uma que claramente oferece uma excelente visão das estrelas brilhando contra um céu escuro. Ele parece delicioso em seu terno perfeito, mas discreto - sem penas, brilhos ou fitas nele - e a mulher parece igualmente elegante.

Você realmente usou a palavra “delicioso”?

Cale-se.

Eu afasto o meu argumento interno e reparo que a mulher é a mesma que vi quando viajei no tempo para o passado de Chase. Seu cabelo está mais curto agora, ondas lustrosas e pretas descansam sobre seus ombros, mas é a mesma pessoa. Postura confiante e sorriso sedutor. Ela parece fabulosa em um vestido vermelho formidável e luvas de renda preta que são mais bonitas do que as minhas.

Eu não gosto dela.

— Você tem certeza de que ele vem? — Ela pergunta antes de tomar um gole da bebida e examinar a sala sobre a borda da taça.

— Sim. Ele fez um grande esforço nos últimos dois dias para garantir um convite.

— Você vai me dizer como você sabe disso?

— Não. — Chase empurra as mãos dentro dos bolsos. — Você não quer fazer parte da minha equipe, então você não vai saber minhas fontes.

Ela faz biquinho. — Você sabe que eu não me dou bem com outros.

— E, no entanto, você sempre concorda em me ajudar quando eu peço.

Ela olha para longe, e mal consigo ouvi-la quando ela diz. — Você sabe por quê.

Você está espiando, eu digo a mim mesma. Você definitivamente está espiando. Mas eu cheguei aqui primeiro, e não é minha culpa que eles estejam falando alto demais para que eu ouça. Eu não deveria ter que ir embora, deveria?

— Você realmente acha que ele vai me dizer o que está procurando? — Pergunta a mulher.

Chase gira e olha pela janela. — Você convenceu muitos homens a contarem muitas coisas. Não tenho dúvidas de que você pode fazê-lo falar.

Um meio sorriso malicioso se estende em seus lábios vermelhos. — Você está certo. Eu tenho uma taxa de sucesso excepcionalmente alta.

Chase ri. — Graças a Deus por isso. Não parece haver outra maneira de descobrir o que Saber está procurando.

Saber? Oh merda. Eu não quero me encontrar com aquele homem novamente. Talvez eu não tenha mais sua pulseira, mas ele provavelmente ainda está furioso com qualquer pessoa envolvida em roubá-la e destruí-la. Tenho certeza de que ele ficaria feliz em se vingar se a oportunidade aparecesse.

— E se ele não me disser? — A mulher diz a Chase. — Então o quê? Talvez você deva passar para outra coisa. Este projeto em particular consumiu muito do seu tempo.

— Você sabe para quem ele está trabalhando — Chase diz, cruzando os braços e afastando-se da janela. Ele lança um olhar pela sala. — Sem dúvida, o homem mais perigoso que conhecemos. Não consigo seguir em frente se eu não souber o que ele está planejando.

O homem mais perigoso? Meus pensamentos voltam imediatamente para Draven. Ele definitivamente é a pior ameaça que nosso mundo enfrentou. Mas ele se foi. Eu sei que Olive tem suas dúvidas, e houve aquela tempestade encantada que deixou todos preocupados, mas Vi e Tilly - as duas pessoas que estavam realmente lá no momento enquanto todos os livros de história encobriram: o momento em que Draven foi esfaqueado com uma arma especial - parecem pensar que ele se foi. E alguém não disse que a tempestade foi causada por dois faeries brigando um contra o outro?

— E a garota da Guilda? — Pergunta a mulher. — Você disse que ela poderia ajudá-lo.

Garota da Guilda, sou eu!

— Sim, mas trabalhar com alguém da Guilda provavelmente não terminaria bem para você e para mim.

— Apenas para você — diz ela. — Não estou na sua equipe, lembra?

— Você está conectada a mim. Se a garota da Guilda quiser me entregar, não demorará muito para eles irem procurá-la.

— Então a use sem dar-lhe informações suficientes para poder fazer isso — continua a mulher. — Esqueça os detalhes, ou lhe dê falsos. Se ela não souber o suficiente, ela não pode fazer nada.

Tudo bem, não posso ficar sentada e ouvindo isso enquanto falam sobre mim assim. Aqui estava eu tendo palpitações ridículas pelo tatuador gostoso, e tudo o que ele quer é usar minha Habilidade Griffin. Balanço minha cadeira e me levanto.

— Isso não vai funcionar — diz Chase. — Ela já sabe muito.

— Entendo — diz a mulher enquanto eu ando em direção a eles. Ela ri, e o som é encantador. — Que interessante. Você conseguiu manter seus segredos por anos, e agora uma menina vem e...

— Não é assim.

— Sério?

Meus pés param porquê de repente eu sinto que isso pode ser uma conversa que eu quero ouvir mais. Mas estou muito perto deles e minha parada repentina chamou a atenção deles. Os olhos de Chase se arregalam de surpresa. — Calla?

Eu fecho a distância entre nós com passos seguros, cruzando meus braços sobre meu peito. — Que surpresa ver você aqui — digo.

— De fato — diz ele. — Você parece...

— Eu pareço?

— Mais velha.

— Que adorável. Porque toda garota quer ouvir que ela parece mais velha.

Ele me dá um pequeno sorriso. — Eu acho que você sabe que não é o que eu quis dizer.

Eu giro meu olhar para a mulher, a companheira impecável de Chase, que parece estar me examinando com choque. Ela olha para Chase, depois de volta para mim. — Mulher dourada — ela sussurra.

— Desculpa? — Pergunto, embora eu tenha o prazer de ouvi-la se referir a mim como mulher e não como garota. Isso me faz sentir como se estivéssemos em pé de igualdade.

— Uh, nada — ela diz, então sorri, parecendo recuperar a compostura. — Eu estava apenas pensando em algo que Chase me disse há anos. Você é a garota da Guilda, eu suponho?

— Sim. E você é? — Estou ciente de que estou sendo grosseira, mas não posso evitar. Não há nada sobre essa mulher que me faz querer ser educada com ela.

— Eu sou a cabeleireira de Chase — diz ela, inclinando-se para correr seus dedos enluvados através do cabelo dele.

Cabeleireira. Certo. E eu sou um coelho roxo cuspidor de fogo.

Chase levanta a mão e remove calmamente as mãos da mulher. — Elizabeth, — diz ele. — Você não tem um lugar para estar agora?

Ela suspira. — Por que você sempre insiste em me chamar de nomes desagradáveis?

— É o seu nome — diz ele. — Não é desagradável. Agora você precisa encontrar Saber e fazê-lo falar.

— Bem. Se for preciso. — Ela passa as mãos sobre as coxas dela. — Apreciem a companhia um do outro — ela acrescenta com um sorriso de conhecimento. Ela vai embora enquanto tento descobrir se sou corajosa o suficiente para perguntar a Chase porque eu sou a única garota que descobriu alguns de seus segredos.

— Então, estou aqui por causa de Saber — diz Chase antes que eu possa encontrar minha coragem. — Por quê você está aqui?

— Hum... eu não te contei? — Minha mente corre para encontrar uma piada inteligente. — Eu moro aqui. Na Torre Estellyn.

A expressão de Chase não muda. Provavelmente, porque isso é mais estranho do que inteligente e ele não vai se incomodar em responder até eu lhe dar uma resposta verdadeira.

Com um suspiro, eu digo, — Meu amigo seguiu uma pista e encontrou um convite. Imaginei que sair com celebridades fae era uma boa maneira de terminar um dia ruim.

— Um dia ruim?

— Apenas minha mentora me lembrando que nada que eu faço é bom o suficiente. Ei, você também precisou resolver uma pista e caçar um convite? — De alguma forma, não consigo imaginar Chase fazendo isso.

— Não. Tenho maneiras de me fazer convidar para eventos sem ter que caçar qualquer coisa.

— Claro. Você caça criminosos, não convites de festa.

Um sorriso divertido toca seus lábios, mas ele não diz nada.

— Eu sei, eu sei. Você não admitirá nada. Se você admitir, eu poderia usar isso quando entregá-lo, certo?

— Calla...

— Você sabe que eu não vou fazer isso.

— E você sabe que não vou usar você apenas pela sua habilidade, então, porque você está chateada?

— Eu... — Porque estou chateada? Elizabeth, provavelmente. Tentando convencê-lo a me usar, colocando as mãos sobre ele, fazendo observação sobre um comentário de anos atrás para me conscientizar plenamente de que eles têm algum tipo de história juntos.

— Você deveria ir para casa, Calla. Se Saber vê-la aqui, as coisas podem ficar bagunçadas.

— E se ele ver você?

— Ele não vai. A minha encantadora companheira vai mantê-lo ocupado.

— Então, ele não vai prestar atenção em mim, não é?

— Calla, você...

— Por favor. — Eu levanto minha mão. — Não faça essa coisa de superprotetor. Eu já tenho o suficiente dos meus pais e meu irmão. Eu fui sequestrada e presa, fui ridicularizada e provocada, enfrentei dezenas de adversários durante tarefas não oficiais, e eu sobrevivi a tudo. Eu acho que posso cuidar de mim mesma.

Chase franze o cenho. — Você foi sequestrada?

— Sim. Não é algo que eu...

— Callaaa! Aí está você! — Gemma corre, arremessa os braços em volta de mim e me aperta. Perry segue muito atrás, parecendo preocupado.

— Oi, nós estamos procurando por você faz um tempo — ele diz, — eu acho...

— Oh, meu Deus — diz Gemma, pendurada no meu braço e olhando com os olhos arregalados para Chase. — Você é o cara gostoso da tatuagem. E você está bem aqui. Sabe o quê? Sempre quis fazer uma tatuagem na — ela ri, então sussurra — até parece. Você faz tatuagens? Por favor diga sim. Você é o melhor tatuador do mundo inteiro.

— Hum... — Eu lanço um olhar interrogativo sobre a cabeça de Gemma para Perry.

— Eu acho que ela comeu algo estranho — diz ele. — Ela está assim faz dez minutos.

— Alguns dos bombons de chocolate têm álcool dentro deles — diz Chase, sem parecer nem um pouco perturbado pela explosão da Gemma. — Álcool humano, não álcool de fadas. Atua rapidamente em nossos sistemas.

— Provavelmente é isso — diz Perry. — Ela comeu um monte de bombons diferentes.

— Eles eram M-aravilhosos — diz Gemma em voz alta.

— Eu tenho certeza que eram. — Eu acaricio o seu braço. — Perry, talvez você devesse — Eu me abaixo quando um grupo de sprites voando em formação investe sobre nossas cabeças antes de continuar em torno da sala onde recebem aplausos da maioria dos fae que eles voaram sobre.

— Este tal Lucien de la Mer fornece o entretenimento mais estranho — comenta Chase.

— Hum, eu não me sinto muito bem — diz Gemma.

— Chase? — Elizabeth se apressa em nossa direção. Ela franze o cenho para Gemma, atualmente se curvando e respirando profundamente enquanto Perry esfrega o seu braço. Elizabeth se aproxima de Chase e baixa a voz para dizer — Algo deu errado. Eu não cheguei a Saber a tempo. Eu o vi pegar a esposa de Lucien e puxá-la para outra sala pela porta atrás da lagoa de gelo. Ninguém mais pareceu notar.

— Droga. O que ele quer com ela?

— Eu não sei, mas não vou me aprofundar para descobrir. — Ela toca no braço de Chase, depois se afasta. — Estou indo embora. Eu não posso dar conta de ficar aqui se as coisas derem errado e a segurança fechar esse lugar.

Chase dá um aceno rápido e diz — Eu entendo.

— Covarde — murmuro em voz baixa.

— Calla, realmente devemos levar Gemma para casa — diz Perry.

— Sim. Você pode levá-la? Preciso ajudar Chase com algo aqui.

Perry franze o cenho. — Uh, tudo bem. Vou enviar uma mensagem à irmã da Gemma. Ela a ajudou a se esgueirar, então, espero que ela ainda esteja por perto para distrair os pais enquanto eu a levo de volta. — Ele arruma o braço de Gemma sobre seus ombros e a ajuda a atravessar a sala em direção ao elevador. Ele terá que levá-la até o gramado antes que possa abrir um portal para os caminhos.

— Você também deveria ir — diz Chase, olhando para a lagoa de gelo. Ele vê os patinadores e começa a andar em direção deles.

Eu corro atrás dele. — Posso te ajudar.

— Eu sei, mas não acho sua ajuda necessária hoje à noite. Eu só preciso entrar lá, atordoar Saber e tirá-lo daqui antes de ele machucar qualquer um ou fazer o que for que ele veio fazer aqui.

— E você não acha que poderia usar uma mestra da ilusão para fazer que sua pequena missão de resgate seja tranquila?

Chase hesita um momento, parecendo pesar as opções quando ele olha para a porta do outro lado da lagoa congelada. — Tudo bem. Mas você precisa fazer o que eu disser.

— Eu acho que provavelmente posso fazer isso.

Nós nos movemos através da multidão rindo, bebendo, convidados dançando o mais rápido possível sem parecermos visíveis. Quando chegamos ao outro lado da lagoa de gelo, perto da porta que Saber pegou a esposa de Lucien, eu começo a trabalhar. Imagino a porta sem ninguém na frente dela e projeto a imagem o máximo que consigo. Pelo menos, acho que é isso que estou fazendo. Eu nunca pensei na distância nem em quantas pessoas minhas projeções poderiam influenciar ao mesmo tempo. Não sei se todos nesta sala verão automaticamente o que quero que vejam, ou se eu tenho que me imaginar forçando a imagem mais e mais longe. Parece estranho que eu não conheça os limites da minha própria habilidade. Por que eu nunca testei isso antes?

— Você está fazendo? — Pergunta Chase. Eu aceno e ele se move para frente da porta. Ele reúne poder suficiente para atordoar alguém - o que leva quatro segundos - caso Saber o ataque no momento em que ele abrir a porta. Ele tenta a maçaneta, mas está trancada. — Apenas me dê um minuto para abrir isso. — Ele se ajoelha e faz algum tipo de feitiço no buraco da fechadura com sua stylus.

— Certo. Só vou ficar aqui, imaginando uma porta vazia.

— Ótimo. Isso não vai demorar muito - Ah, lá vamos nós. Apenas um simples feitiço de bloqueio, como eu suspeitava. — Ele coloca a stylus dentro de um bolso da jaqueta, ergue-se e segura a maçaneta. — Prepare-se para ser criativa, se necessário.

Eu concordo. Ele abre a porta e entra rapidamente, ambas as mãos levantadas e prontas para liberar magia. Quando nada de excitante acontece, eu olho além dele e vejo uma passagem vazia com o mesmo chão polido que a vasta área de estar na qual a festa está acontecendo. Eu o sigo e fecho a porta atrás de mim, finalmente soltando a imagem da porta vazia. Avançamos ao longo da passagem. Nenhum portal, mas não muito à frente, eu posso vê-lo virar para a esquerda.

Um baque surdo. O som de pés correndo. Meu coração acelera, e levanto minhas mãos para colocar um escudo de magia protetora na minha frente. Um segundo depois, Saber vem correndo através do canto. Chase envia seu feitiço de atordoar através do ar. Saber abaixa, desliza pelo chão polido, e joga as mãos em nossa direção. As faíscas voam das pontas dos seus dedos, transformando-se em uma enxurrada de folhas que atacam meu escudo e giram em torno da cabeça de Chase antes de ele estender um escudo à sua frente.

— Solte o escudo — ele me diz, então eu solto. Ele curva a mão e as folhas caem. Com o ar limpo agora, vejo Saber de joelhos, jogando uma bola metálica pelo chão em nossa direção.

— O que é...

Eu não tenho tempo para terminar a minha pergunta antes que Chase se atire contra mim e me puxe para a parede. Uma explosão me ensurdece, estremecendo o chão e as paredes e enchendo o corredor com ondas de fumaça cinzenta e grossa. Acima do zumbindo nos meus ouvidos eu ouço Saber gritando, — Eu já tenho o que vim pegar.

Chase se afasta de mim e desaparece na fumaça. Meus olhos ardem e não consigo parar de tossir, então eu formo uma bolha de proteção ao meu redor enquanto a fumaça se dissipa. Após cerca de um minuto que ele se foi. Chase vem correndo de volta pela passagem, balançando a cabeça e parecendo sombrio. — Eu não consegui encontrá-lo. Ele se foi.

— E a esposa de Lucien? — Eu digo. Giro e corro na outra direção pelo corredor. Encontramos numa sala de estar ao virar a esquina, deitada no chão. Ela se senta quando a alcançamos, esfregando a cabeça e parecendo confusa. — Você está bem? — Pergunto, ajudando-a a sentar numa cadeira. Seus braços são apenas pele e osso, e seus cabelos curtos são tão finos que eu posso ver seu couro cabeludo. Lembro de ter lido nas notícias sobre a estranha doença dessa mulher que a magia de seu corpo não pode curar e ninguém pode curar.

Ainda parecendo um pouco atordoada, ela diz — Eu acho que sim.

— O homem que a trouxe aqui — Chase fala. — O que ele queria?

Seus olhos estão arregalados com perplexidade. — Que homem? O que aconteceu? Não me lembro de entrar aqui.

Eu percebo um pequeno frasco de vidro no chão. — Ele a fez esquecer — digo calmamente a Chase. — Ela não sabe de nada.

Passos correndo soam no corredor. — Seguranças — diz Chase. — Você pode fazê-los pensar que não estamos aqui?

Eu aceno com a cabeça, já imaginando a sala sem nós nela. Apenas o piso polido, a cadeira quadrada, o tapete excessivamente fofo e a mulher se recuperando. Quando vários guardas correm para dentro da sala, eles se apressam passando por nós. Caminhamos lentamente e silenciosamente de volta ao corredor, e então aumentamos o ritmo. Mais dois guardas estão na entrada, segurando a multidão questionadora. Eu tenho que manter uma imagem do corredor vazio em minha mente enquanto caminhamos em direção a todos. É assustador, saber que posso perder o foco a qualquer momento e permitir que nos tornemos visíveis. No meio do corredor, pego o braço de Chase e fecho os olhos para me concentrar na ilusão que estou projetando. — Não deixe que eu esbarre em ninguém — eu sussurro.

Nós conseguimos sair com segurança, passando rapidamente pela multidão depois de eu acidentalmente esbarrar contra um dos guardas. — Eu tenho que admitir — diz Chase, uma vez que estamos a uma distância segura do corredor e a barreira está de volta à minha mente, — sua habilidade foi bastante útil para nos fazer entrar e sair daqui.

Eu encolho os ombros. — De nada.

— Eu só queria saber o que Saber veio fazer aqui. — Chase aperta o punho e o pressiona contra o pilar que estamos de pé ao lado. — Ele está a vários passos à minha frente, e não gosto disso. O fato de eu saber para quem ele está trabalhando torna ainda pior.

Sem dúvida, o homem mais perigoso que conhecemos. Foi o que Chase disse mais cedo.

— Quem? O que torna essa pessoa tão perigosa? Não é... — Eu me sinto tão estúpida dizendo o nome de Draven. Não pode ser ele.

Chase balança a cabeça. — Eu não quero envolver você.

— Certo, como se eu já não estivesse envolvida. — Quando ele não mostra nenhum sinal de que vai responder, eu digo, — A Guilda sabe alguma coisa sobre essa... situação? Os guardiões deveriam lidar com isso.

— A Guilda está ciente de algumas coisas.

Eu levanto minhas sobrancelhas. — E? Você vai deixá-los conscientes do resto?

— E... eu acho que esse é o fim de nossa conversa.

Eu gemo alto e pego um espeto de morangos de uma bandeja passando. — Você é irritante. É por isso que não vamos trabalhar juntos.

— Sim. Este é um dos motivos.

— Mas, você sabe, ainda podemos ser amigos. Eu vou ajudá-lo a escolher desenhos para seus clientes que querem fazer tatuagem, e você pode me ensinar à melhor maneira de esfaquear um inimigo sem matá-lo.

Chase permite-se um sorriso. — Parece a base para uma amizade para o resto da vida.

Eu aceno com a cabeça e acabo de mastigar meus morangos. Deixo o espeto na outra bandeja passando e digo — Bem, boa noite. Eu acho que te vejo por aí.

— Para uma lição de esfaqueamento.

— Certo.

Eu me viro para ir embora, mas ele agarra meu braço. — Calla? — Seu olhar cai no chão em um momento de hesitação. — Quando eu disse “mais velha” — seus olhos, lindos e intensos, sobem para encontrar os meus — não queria dizer “velha”

Pressiono meus lábios juntos enquanto eu tento segurar meu sorriso. — Eu sei.


Capítulo 26

Eu acordo na manhã seguinte e me permito alguns minutos deitada sorrindo antes de me levantar. Eu posso ter uma mãe no hospital e uma mentora que me odeia, mas finalmente estou fazendo o que sempre quis fazer, e na verdade, tenho amigos verdadeiros que estão fazendo o mesmo, e eu ocasionalmente saio com um tatuador legal do Subterrâneo que pensa que eu parecia bonita no vestido de noite.

Chego ao refeitório da Guilda a tempo do café da manhã, mas a única pessoa sentada em nossa mesa habitual é Ned. Gemma aparentemente “não está se sentindo bem”, e Ned recebeu uma mensagem de Perry dizendo que ele dormiu invés de acordar.

— Deve ter sido uma festa e tanto, hein? — Ned murmura.

— Foi. É seguro dizer que Gemma não vai comer bombons de chocolate por um tempo.

Ned assente com a cabeça. Ele então coloca a comida em sua boca com uma velocidade alarmante antes de se despedir para terminar a tarefa de casa. Tenho certeza de que não tivemos tarefa para casa ontem, o que significa que Ned simplesmente está escapando. Eu acho que ele ainda é muito tímido perto de mim para considerar falar em uma conversa sem a rede de segurança de seus outros dois amigos.

Já que as aulas vão demorar vinte e cinco minutos para começar, e - felizmente - não tenho reunião com Olive hoje de manhã, eu decido ir à ala de cura e visitar a mamãe. A mulher atrás da mesa na área de espera faz um comentário sobre mim, sobre não observar as horas de visita, mas com um sorriso conspiratório, ela me deixa ir de qualquer jeito.

Eu me sento no banquinho que aparece ao lado da cama da mamãe e a observo por um tempo. Eu tento encontrar a raiva que senti quando descobri seu segredo, mas a maior parte desapareceu. Estou aliviada. Ficar com essa raiva teria sido cansativo. Quando eu olho para ela agora, eu apenas me sinto... triste. Eu sinto como se não soubesse o suficiente sobre ela e, para ser sincera, ela também não me conhece tão bem. — Nós não tivemos uma relação saudável de mãe-filha, não é? — Eu digo enquanto coloco minha mão sobre a dela. — Nós sorrimos uma para a outra e roçamos a superfície de nossas vidas com brincadeiras, mas nenhuma de nós jamais confiou uma na outra o suficiente para ir mais fundo do que isso. Há coisas, tantas coisas que eu poderia ter compartilhado com você. Os comentários desagradáveis que me deixaram chorando, o meu medo de desperdiçar minha vida como artista e nunca ajudar ninguém, a emoção que senti pela primeira vez que eu fiz um mortal para trás, minha paixão por Zed, a verdade sobre o que realmente aconteceu com... aquele garoto que cometeu suicídio. — Eu aperto a mão da mamãe, me perguntando se ela vai se lembrar de tudo isso quando ela acordar. — Nenhuma de nós precisava ficar sozinha, mãe, mas escolhemos guardar segredos para nós mesmas. Eu acho que veremos se podemos mudar isso quando você acordar.

Eu levanto, depois volto quando me lembro de algo. — Ryn e Vi estão finalmente tendo um casamento apropriado. Cerimônia de união, eu quero dizer. — Se mamãe estivesse acordada, eu sei que ela me corrigiria. — Vai acontecer no próximo fim de semana. Eu sei que eles quase não têm tempo para organizar qualquer coisa, mas uma amiga deles tem tempo livre, então ela se ofereceu para planejar tudo. Então, você sabe, se houver uma data prevista para você acordar, a qualquer momento antes do próximo sábado seria...

Do canto do meu olho, vejo a cortina balançando. Eu olho para cima quando dois curandeiros masculinos entram. Eles ficam surpresos ao me ver aqui, mas não tão surpresos quanto eu em vê-los. Porque, apesar dos uniformes que estes dois homens estão vestindo, eu sei que eles não são curandeiros. Um é o homem com cicatriz que lutou contra mim e atacou meus pais, e o outro é Saber.

 

***

Eles me atordoaram.

Estou perdida em uma terra de ninguém e semiconsciente quando percebo isso. Lembro de arremessar faíscas e agarrar o ar para pegar uma shuriken. Eu lancei uma - deve ter sido esse momento em que fiquei atordoada porque não me lembro de nada depois disso.

Sinto um movimento de balanço, mas não posso dizer se é real ou se é parte do meu estado confuso meio-sonhando. Eu nado em câmera lenta através da água grossa como xarope. Meus braços estão fracos. Tão fracos que eu mal consigo me puxar através da água grossa. Eu tento chutar contra ela com minhas pernas, mas elas estão ainda mais lentas do que meus braços.

Uma brisa fria. Deriva pelo meu rosto, cheirando como sal. O movimento de balanço continua, e um som esmagador se junta. Levanto uma pálpebra por um momento e vejo nuvens escuras movendo-se acima de mim antes que a escuridão desça sobre minha visão mais uma vez.

Mamãe. O que eles fizeram com a mamãe?

Ao longo dos próximos minutos, pego vislumbres do céu turbulento acima, alguém se movendo ao meu lado, e depois uma forma escura borrando o céu. Neste momento, estou consciente o suficiente para saber que estou em um barco e que meus pulsos e tornozelos estão presos. Com um grande esforço, consigo manter meus olhos abertos mais do que um segundo ou dois, e é quando percebo o que é a forma escura: uma ilha flutuante.

— Onde... estamos...

Um rosto aparece acima do meu. Um rosto que eu reconheço. — Está acordando — diz Saber.

— Bem, estamos aqui agora — responde uma voz masculina. — Provavelmente é uma coisa boa ela estar acordada.

— Estamos no lugar certo? — Saber pergunta.

— Sim, acabei de receber o sinal.

Um momento depois, o balanço e o esguicho desaparecem. Eu consigo levantar a cabeça o suficiente para descobrir o que está acontecendo: o barco está subindo pelo ar em direção ao lado de baixo da ilha flutuante. Eu vejo terra preta, videiras penduradas, escadas de cordas e cachoeiras. Então eu vejo uma forma circular distinta. Enquanto navegamos suavemente para cima em direção ao círculo, percebo que é um buraco. Nós subimos através, voamos para o lado, e, com uma guinada brusca, o balanço e esguicho retornam. Devemos estar flutuando na água mais uma vez.

Estou completamente acordada agora, embora meus membros ainda estejam com sono do feitiço de atordoamento. Olho em volta e vejo portões de metal e paredes de pedra e chamas dançando em tochas. Saber se inclina sobre mim mais uma vez. — Bem-vinda à Prisão de Velazar — ele diz com um sorriso.

Prisão de Velazar? — O quê? — Eu consigo falar. — Por quê?

Saber desaparece da minha linha de visão. Usando meu cotovelo, eu consigo me empurrar para uma posição sentada. Nós estamos flutuando em um canal subterrâneo ao lado de vários outros pequenos barcos, e ao lado de mim, seus braços e pernas também presos, está Gaius.

— O que está acontecendo? — Eu pergunto a Saber. — Por que você nos pegou, e por que estamos em uma prisão?

Saber ri. — Você ouviu isso, Marlin? — Ele diz ao seu companheiro com cicatrizes que acaba de terminar de prender o barco em um poste em um lado do canal. — Ela acha que pode nos interrogar.

— Vocês se conhecem — digo, olhando de Saber para o homem com cicatrizes e de volta novamente. — Vocês estão trabalhando juntos?

— Vamos lá, Dourada. — Saber estala os dedos várias vezes. — Descubra. Não é tão difícil unir as peças.

Marlin grita algo para um homem do outro lado de um portão trancado. — Ele veio atrás de minha mãe — eu digo, acenando com a cabeça para Marlin, — porque ele quer saber sobre a visão que ela viu há anos atrás. E você... Eu penso de novo no que Chase me disse... Você queria viajar no tempo para descobrir algo. — A conexão se encaixa no lugar. — A mesma coisa que Marlin quer saber. Você iria voltar ao momento em que minha mãe teve a visão e descobrir seja lá o que for sobre ela.

Saber estala os dedos novamente. — Parabéns. Você não é inteligente?

— Mas por quê? O que é tão importante sobre essa visão que ela teve?

Ele empurra o rosto na minha frente. — Agora, por que eu disse isso para você? Você é a garota que ajudou a destruir uma habilidade que era minha. Nunca a terei de volta, e depois que o chefe terminar com você, vou garantir que você pague por isso.

Eu me encolho para longe de suas palavras rosnadas. Piscando contra os últimos vestígios de embriaguez flutuando em minha mente, eu tento me concentrar em projetar uma...

— Todo mundo, coloque isso. — O homem que estava atrás do portão - um guarda, eu presumo, a julgar pelo seu uniforme – anda até a borda do canal e atira quatro anéis de metal para Marlin. — Você sabe o que fazer. Você não poderá sair do seu barco a menos que você os use, e você não poderá tirá-los até voltar ao seu barco no final da sua visita.

Marlin se inclina e coloca um anel em um dos meus dedos. — Sem mais truques de ilusão vindo de você — ele diz.

Então é isso. Achei que tinha reconhecido o metal. Eu o vi no calabouço de Zell, colocado em torno dos pulsos e dos tornozelos da maioria dos outros prisioneiros. Eu deveria ter uma faixa deste metal para me impedir de projetar ilusões enquanto eu estava trancada lá, mas os homens de Zell ainda não tinham feito um pequeno o suficiente para mim quando Ryn veio me pegar.

— E deixe as armas no barco — acrescenta o guarda. — Vocês não poderão passar com elas após o primeiro portão. Certo, então vamos. — Um movimento de sua mão produz um conjunto de escadas que levam do lado do canal até a borda do nosso barco. Claramente, ele ainda tem acesso a sua magia.

Saber corta a corda ao redor dos meus tornozelos com uma faca e me levanta. Então balança Gaius e bate nele algumas vezes até o pobre homem acordar.

Piscando, ele gagueja — O... o que está...

— Apenas levante-se — diz Saber, cortando a corda que prende os tornozelos de Gaius e o levanta. Ele joga sua faca e várias outras armas sobre uma almofada embaixo de um banco.

— Eu não entendo. Calla? O que nós estamos...

— Cala a boca, — diz Marlin. Ele agarra meu braço e me empurra para frente dele para subir os degraus.

Nós quatro seguimos o guarda através do portão - que é trancado atrás de nós por outro guarda que nos revista procurando por armas - ao longo de um corredor de pedra fria com água escorrendo pelas paredes, e para dentro do que parece ser uma sala de espera com uma cela. Duas fileiras de cadeiras de madeira levemente empenadas estão alinhadas atrás das grades, e na frente das grades está uma mesa. O guarda caminha até a mesa onde formulários estão, esperando para serem preenchidos. — Eu presumo que você está aqui para ver a mesma pessoa que você sempre vê? — Ele pergunta.

— Sim — diz Saber, e o guarda preenche vários dos espaços em branco no formulário.

— Certo. — Ele endireita-se. — Eu não sei porque você está aqui com pessoas amarradas, mas você sabe que eu só posso deixar entrar um de vocês de cada vez. O resto de vocês tem que esperar lá. — Ele gesticula para as cadeiras atrás das grades.

— Precisamos vê-lo juntos — diz Marlin.

— Isso não vai acontecer. Um por vez. É assim que funciona aqui.

Marlin remove um envelope dobrado de um de seus bolsos e o entrega ao guarda. — Faça acontecer.

O guarda abre o envelope e remove uma página de dentro. Na luz maçante e bruxuleante torna difícil dizer, mas acho que sua pele perde parte de sua cor enquanto ele examina a página. Sua mandíbula aperta. Ele retorna a página para o envelope e entrega de volta a Marlin. — Mesmo que eu pudesse levar todos vocês ao mesmo tempo, não posso. Há doze guardas entre aqui e as salas de visitas. Você está planejando chantagear todos eles?

— Tire o anel da garota — diz Saber, — e ela pode nos levar lá sem que ninguém saiba.

O maxilar do guarda fica tenso novamente. — Não posso fazer isso.

— A menos que você queira que sua esposa e filhos saibam o que está neste envelope, você vai fazer.

O guarda suga uma respiração lenta e profunda, observando Marlin enquanto ele considera essa ameaça. Então me puxa para o lado da sala e levanta minha mão. — Vai doer? — Pergunto, incapaz de manter o medo da minha voz. Este é o mesmo metal que marcou Ryn quando foi retirado do seu braço. Vi passou pelo mesmo. Ela me disse que ela apagou de dor.

— Não quando feito corretamente — diz o guarda. — E eu sou um dos poucos que sabe como fazer isso corretamente. — Ele esfrega o dedo de um lado para o outro ao longo do anel, murmurando palavras em voz baixa. Então, ele desliza o anel tão facilmente como se fosse um anel comum.

— Bom — diz Marlin. — Estou surpreso por não ter demonstrado sua habilidade no dia em que invadi sua casa — ele acrescenta enquanto me afasta do guarda. — Se eu soubesse o que você pode fazer, eu poderia ter solicitado um pequeno show.

— Por que eu deveria fazer algo para você agora? — Exijo.

— Porque eu vou te machucar se você não fizer. Ou machucarei este homem aqui. — Ele gesticula para Gaius. — Cortar um dedo, talvez. Ou — ele toca no seu queixo pensativamente — Eu simplesmente lembrarei que eu estou com sua mãe. Essa provavelmente seria a ameaça mais eficaz, você não acha?

Então ele pegou a mamãe. O desespero ameaça me sobrecarregar quando os meus medos são confirmados, mas eu faço o meu melhor para defender meu terreno. — Você não fará nada com ela. Você precisa dela.

— Eu preciso dela viva, sim. Não importa para mim se ela está ferida de qualquer maneira.

Eu cerro meus dentes. — Bem. O que você quer que eu faça?

— É simples. Sempre que passarmos por um guarda, ele ou ela deverá ver apenas Saber e este homem. — Ele aponta para o guarda que claramente está sendo chantageado para fazer tudo isso. — Se isso não acontecer, estamos todos com problemas - incluindo sua mãe.

— Tudo bem. Eu posso fazer isso.

Saber caminha com o guarda, e Marlin, Gaius e eu seguimos silenciosamente atrás deles. Percorremos vários guardas através de um confuso labirinto de escadas, corredores e elevadores antigos e raquíticos, tudo tão escuro e úmido como o primeiro corredor pelo qual passamos. Mesmo que não estivesse me concentrando intensamente em projetar imagens de espaço vazio, duvido que eu pudesse lembrar meu caminho para sair daqui. Antes de passar por outro portão trancado, o guarda tem que entregar o formulário que ele preencheu para aprovação de outro guarda. Depois de receber um selo no formulário, é permitido passar.

Finalmente, caminhamos para uma ponte que se estende de um lado de uma enorme caverna para outra. E é quando eu quase arruíno tudo, porque estou tão atordoada com o que vejo, por um segundo, que eu perco o foco. Contudo, eu rapidamente a agarro, enviando a maior parte da minha energia para projetar a ilusão de que Marlin, Gaius e eu não estamos aqui, enquanto permito que uma pequena parte do meu cérebro se maravilhe com o que estou vendo.

Centenas e centenas de celas individuais da prisão flutuam no ar, enchem a caverna e movem-se lentamente em diferentes direções para que não haja duas celas próximas uma da outra por mais de meio minuto. O guarda que está nos guiando mostra seu formulário carimbado ao homem que espera no portão, a meio caminho da ponte. — Tudo bem — diz o homem com um aceno de cabeça depois de verificar o formulário. — Vou enviá-lo para a Sala de Visitas 2.

Enquanto atravessamos o portão, vejo uma cela alta acima do limite do teto e avançamos para o outro lado da caverna. Eu acho que contém o homem que estamos aqui para ver. Atravessamos a ponte para o outro lado da caverna e descemos por outro corredor antes de nos aproximarmos de uma porta fechada com um número 2.

— Espero que você não ache que eu esperarei lá fora — diz o guarda. — Há outros guardas que patrulham este corredor, e eles vão querer saber por que não estou lá dentro com você.

— Oh, por favor, entre — diz Marlin. — Nós precisaremos de você.

A sala de visitas é dividida pela metade por barras feitas do mesmo metal que os anéis. Esperamos de um lado, e uma porta do outro lado se abre. Um homem com um macacão de prisão sujo e um cabelo de dois tons entra. Ela não tem nada de notável em sua aparência, nada que o faça se destacar na multidão. Seu comportamento não denota liderança, mas sinto uma mudança nos dois homens que nos trouxeram aqui. Lá fora, eles estavam no comando, mas aqui respondem.

— Oh, meu Deus — murmura Gaius. — Nada bom, nada bom.

— Boa noite — o prisioneiro diz, um sorriso agradável no rosto. — Obrigado, Sr. Saber e Sr. Marlin por trazer esses dois aqui tão prontamente. Ainda assim, as cordas são realmente necessárias? Elas tornam todo esse negócio bastante desagradável. Nossos convidados não podem usar magia, nem têm qualquer lugar para ir. Sr. Saber? — Saber se aproxima de mim e desata os nós ao redor dos meus pulsos até que as cordas se soltam e caem no chão. Então ele se move para Gaius enquanto o prisioneiro acena para mim. — Senhorita Larkenwood. Por que você não chega um pouco mais perto para que eu possa vê-la corretamente. — Em vez de me aproximar, eu dou um passo para trás. — Oh, eu não posso te machucar, se é com isso que você está preocupada — ele diz, segurando os pulsos para mostrar uma faixa de metal em torno de cada um. — Você provavelmente descobriu agora que essa substância bloqueia a magia. É um metal raro, usado na maioria das prisões, mas difícil de encontrar em outros lugares. Príncipe Marzel conseguiu adquirir alguns, que é como eu inicialmente consegui vê-lo em ação.

Eu franzo o cenho para ele. — Quem é você?

— Meu nome é Amon. Eu fui um espião dentro da Guilda Creepy Hollow por muitos anos. Primeiro trabalhei para o Príncipe Marzell, e então trabalhei para Lord Draven. Agora — ele mexe a ponta dos dedos — não trabalho para ninguém, apenas para mim.

Este deve ser o homem que Chase estava falando. O homem mais perigoso que conhecemos.

— Então... Draven realmente está morto? Aquela tempestade encantada que apareceu na semana passada não teve nada a ver com ele?

Um sorriso se insinua nos lábios de Amon, mas, além disso, a expressão dele permanece ilegível. — Como eu saberia algo sobre isso? Estou preso dentro de uma prisão. — Ele abaixa as mãos e as aperta atrás das costas. — Você provavelmente está se perguntando por que você está aqui — ele continua. — Não fazia parte do plano. Eu nem sabia sobre você. O plano era levar sua mãe, mas você estava na sala na hora, então você também foi levada. Quando Saber me visitou hoje mais cedo, eu disse a ele que simplesmente se livrasse de você. Mas então ele me disse que você pode produzir ilusões de alguns tipos, e eu tinha que ver por mim mesmo.

— Bem, então — eu digo, porque não vejo outra maneira de sair disto. — O que você gostaria de ver?

— Hmm. — Amon inclina a cabeça para o lado. — Mostre-me um unicórnio. Nunca vi um na vida real.

Eu resisto ao desejo de dizer que ele ainda não vai ter visto um na vida real mesmo assim. Em vez disso, relaxo o controle na minha parede imaginária e imagino um unicórnio dentro da cela com Amon. Ele afasta-se, assustado, depois ri.

— Notável — diz ele, avançando para tocá-lo. Sua mão passa pelo unicórnio, é claro, porque ele realmente não está lá. Ele desaparece quando eu bloqueio minha mente novamente.

— Mais alguma coisa que eu possa fazer para entretê-lo? — Pergunto, incapaz de manter o sarcasmo da minha voz.

— Não, não, isso é tudo por enquanto. — Ele olha por cima do meu ombro até onde Gaius está de pé. — Este é o homem que tirou seu poder de você, Sr. Saber?

— Sim, senhor.

— Impressionante. Essa é uma habilidade que definitivamente pode ser útil para mim. Primeiro, porém, gostaria de ver uma demonstração.

— U-uma demonstração? — Gaius gagueja.

— Nela. — Ele aponta para mim.

— O quê? — Eu recuo, mas não há para onde ir.

— Eu quero o que ela pode fazer — Amon diz simplesmente. — E você, Gaius, será o homem que vai armazenar todas as habilidades que eu quero coletar até que eu possa sair daqui e usá-las. Agora, pegue. E não pare por aí. — Ele agarra as barras da cela e me olha atentamente. — Pegue tudo. Toda gota de magia que ela possuir.

— O quê? — Eu engasgo.

— Eu... eu não posso fazer isso — diz Gaius. — Eu posso pegar Habilidades Griffin, mas não posso pegar a magia do núcleo.

— Não pode? Mesmo? Como você sabe disso?

— Bem, eu nunca fiz isso. Não sei se...

— Agora é a sua chance de tentar. Trate isso como uma experiência. Mas, por favor, não finja que não pode fazer isso em uma fraca tentativa de salvá-la. Isso não funcionará bem para qualquer um de vocês.

Gaius continua balançando a cabeça conforme ele se afasta de mim.

Amon suspira, como se esse pequeno drama o impedisse de algo mais importante. — Você estará salvando sua vida ao fazer isso. Eu prometi a Saber que ele teria sua vingança, e a maneira como estamos fazendo isso é removendo toda a sua magia. Então, se você não pode fazer isso, eu receio que vou ter que matá-la.

Gaius continua imóvel, mas seus grandes olhos nunca me deixam. Eu vejo sua renúncia, e eu sei que decisão ele tomou. — Não faça isso, não faça isso — imploro. — Por favor, não faça isso. — Eu não quero morrer, mas também não quero acabar sem magia. Deve haver outra maneira de sair disto.

— Eu-eu tenho que fazer — diz Gaius, puxando inutilmente o anel em seu dedo. — Não posso deixá-los te matar.

— Você. Guarda — diz Marlin. — Venha aqui e remova o anel deste homem.

O guarda hesita, então incha o peito e coloca as mãos nos quadris. — Não. Não posso deixar você fazer isso. Tudo isso está indo longe demais agora.

— Oh, não seja ridículo — diz Marlin. — Este não é o seu momento para ser um herói. Você realmente quer assistir a sua própria vida - a vida da sua família – ser destruída porque você tentou salvar alguém que você nem conhece? Você realmente acha que vale a pena?

O homem parece torturado, mas no final, com um grito de raiva, ele atravessa a sala e remove o anel de Gaius. Então, antes que eu possa pensar em lutar de volta com magia, ele agarra minha mão e coloca o anel nela.

— Não! — Eu grito. Eu corro para a porta, mas Saber e Marlin me pegam antes de eu estar a meio caminho. Eu chuto e arranho e bato, mas eles me prendem no chão. Gaius avança em minha direção, culpa e medo escrito em seu rosto.

— Por favor, perdoe-me — diz ele. — Eu só estou tentando salvá-la. — Ele pega minha mão agitada e a segura. Ele fecha os olhos e faço uma última tentativa desesperada de fugir. Eu grito e chuto e bato, mas Gaius nunca solta minha mão.

Eu não sei o momento em que finalmente perco a minha Habilidade Griffin, mas eu sinto quando ele começa a tirar minha magia do meu núcleo. É minha essência, minha energia, o que me distingue de outros seres e seres mágicos sem magia. Eu lentamente fico mais fraca. Mais fraca e com frio. Minha visão escurece, e eu me pergunto se isso vai me matar de qualquer maneira. A magia é o que me mantém viva, ou posso sobreviver sem ela?

Mais fraca... mais fria... mais escuro...

Nuvens negras borram a minha visão quando o último resto da minha magia é sugada de mim.


Capítulo 27

Eu não tenho nada. Sem ilusões, sem armas dos guardiões, sem magia. Mas eu não estou morta. Eu me deito no chão frio de pedra ficando fraca e doente e... Diferente. Como se um zumbido que eu nunca tinha percebido tivesse desaparecido. Como um ruído de fundo que você não percebe até que não esteja mais lá.

Você não tem magia.

Não sei por quanto tempo estou deitada aqui, as lágrimas secaram sobre meu rosto e frio está se arrastando pelas minhas roupas. Estou vagamente ciente dos outros na sala: o guarda andando no canto, lidando com seus próprios demônios pessoais; Saber e Marlin conversando com Amon; Gaius pairando perto de mim, quase protetoramente.

Você não tem magia.

Eu pisco algumas vezes e vejo o anel de volta na mão de Gaius. Ele está extremamente poderoso agora que ele tem minha magia e a sua? Do que ele seria capaz se não estivesse limitado por esse anel? Eu quero odiá-lo por ter tomado o que sempre deveria ter sido meu, mas não posso reunir forças. Além disso, eu sei que nada disso foi culpa dele. Ele estava apenas tentando me salvar. Se ao menos ele soubesse que a vida como uma casca vazia não é uma vida que vale a pena ser salva.

Você não tem magia.

A realização me atinge de novo, me lembrando de todas as coisas que eu nunca farei ou terei. Eu quero desmoronar e chorar até que não haja lágrimas dentro de mim. O que eu deveria fazer agora? Quem sou eu sem magia? Onde eu posso ir? Onde eu pertenço?

Nunca senti esse desespero antes. Espero que ele me consuma, que acabe comigo, mas ainda estou deitada aqui, muito viva. De alguma maneira, eu me sinto mais acordada do eu me sentia até agora. Talvez eu esteja me recuperando lentamente do choque de perder tudo. No começo, isso não faz sentido para mim, mas depois lembro que seres sem magia também são capazes de se curar. Os seres humanos ficam doentes e feridos, e seus corpos conseguem se consertar.

— Mantenha-o em algum lugar seguro — diz Amon, balançando a cabeça em direção a Gaius. — Em algum lugar que ele não pode se prejudicar ou pensar em escapar. Coletar Habilidades Griffin certamente não é nosso foco, mas já que a oportunidade se apresentou, podemos usá-lo.

— Sim, senhor — diz Marlin. — Nós temos os Videntes na casa amoreira. Ela nunca foi comprometida, então...

— Não. Não lá. Mantenha-o em um dos outros locais. Não quero todos os meus ativos em um só lugar.

— Claro, senhor.

— Coloque os dois primeiros Videntes em algum outro lugar também. Eles não precisam ficar todos juntos.

Eu sou distraída da minha própria miséria enquanto escuto as instruções de Amon. Ele vai usar Gaius para roubar Habilidades Griffin. Sem mais exército de soldados especiais, como Draven usou. Ele não terá que manter centenas de pessoas superdotadas sob controle. Agora ele pode armazenar as habilidades em joias ou outros objetos até que ele decida usá-las. E não importa que ele esteja trancado atrás das grades. Não quando ele tem seguidores tão claramente dispostos a seguir suas ordens.

Por um momento, me lembro de por que sempre quis ser guardiã: proteger os outros. Para parar o tipo de mal que trancou a mim e centenas de outras pessoas em gaiolas e depois começou a devastar o nosso mundo. O tipo de mal que vê magia rara nos outros e quer roubá-la. Eu quero parar isso. E agora eu nunca mais vou poder.

Você sabe que pode fazer tudo isso sem ser guardiã, certo? A memória da voz de Chase traz cores para o cinza sombrio pintado em minha mente. Você não precisa de armas dos guardiões. Você nem precisa de magia.

Não preciso de magia? Que conceito inimaginável.

— Isso é tudo por enquanto — diz Amon. — Avise quando a Vidente acordar. Pode demorar um tempo, mas sou um homem paciente.

Através das minhas pálpebras meio abertas, vejo Marlin assentir e agarrar Gaius. — Prepare-se para começar a usar sua nova habilidade. Você vai nos tirar daqui com uma ilusão.

— Mas... eu nunca a usei isso antes. Eu não sei como fazer ilusões. — Quando Gaius diz isso, imagens de guardas nos arrastando para longe aparecem em todas as paredes. — O quê? Como eu...

O que Gaius não sabe ainda é que criar ilusões não será um problema. Descobrir como mantê-las para si será.

— Você tem cerca de meio minuto — diz Marlin, — então é melhor descobrir. E nem pense em revelar todos nós para que os guardas possam nos pegar. Nós sabemos sobre sua avó.

Os olhos cheios de medo de Gaius se arregalam ainda mais.

— O que devemos fazer com a garota? — Saber pergunta, andando do meu lado e empurrando meu braço com o sapato. A raiva queima dentro de mim, trazendo vida aos meus membros. Eu quase me sinto forte o suficiente para chutá-lo.

— Jogue-a no oceano — diz Amon.

Minha raiva congela à medida que o medo toma seu lugar.

— Você não pode fazer isso — protesta Gaius. — Você disse que não a mataria se eu tirasse sua magia.

— Eu sei, mas eu estava mentindo — explica Amon. — Vamos lá, seja razoável. Ela sabe demais. Não posso deixá-la voltar para casa e contar a todos o que aconteceu. Além disso, que tipo de vida ela pode ter sem magia? Será mais gentil jogá-la no oceano.

Gentil? Gentil, minha bunda! Poucos minutos atrás, afundando em desespero, eu teria concordado com Amon. E ainda não consigo entender como vou viver sem magia, mas a única coisa que sei agora é que não quero morrer.

— Estou ansioso para empurrá-la para fora do barco — diz Saber, segurando meu braço e me puxando para cima. — De preferência de uma grande altura.

Eu vacilo sobre meus pés quando a vertigem faz minha cabeça girar, mas eu consigo ficar ereta. Eu ainda estou muito mais fraca do que o normal, e não tenho ideia de como vou lutar para sair disso, só que eu preciso. Primeiro, precisamos passar tantos guardas quanto possível. — Gaius. — Eu balanço minha mão fracamente em sua direção. Até a minha voz está instável. Odeio o som dela, mas quanto mais fraca pensam que eu estou, melhor. — Imagine o que você quer que eles vejam, — eu digo, mantendo minha voz em um sussurro rouco. — Mantenha essa imagem em sua mente. Foque. Isso é tudo o que é preciso.

O guarda e Saber lideram, Gaius os segue, e Marlin me puxa para a parte de trás da procissão. — Todo esse truque para entrar e sair daqui só para ele poder ver dois Dotados — murmura Saber. — Eles nem são parte do plano principal. Se nos pegarem fazendo isso...

— Então enfrentaremos as consequências — diz Marlin. — Ou a sua lealdade não vai tão longe?

— Claro que sim — Saber resmunga.

Nenhum dos guardas nos impede, então eu suponho que Gaius está conseguindo manter a ilusão. No entanto, eu me digo para estar preparada para correr em qualquer etapa. Eu não sei o quão rápido eu posso ir no meu estado atual, mas o elemento surpresa pode me ajudar. Movo minha perna direita um pouquinho para ver se eu posso sentir a faca do meu pai na bainha dentro da bota, mas não posso dizer se ela está lá. Saber e Marlin pensaram em procurar por uma arma?

Nós finalmente chegamos de volta ao primeiro corredor. Passamos a sala de espera e vejo outro guarda sentado na mesa. Ele deve ter entrado depois que partimos para tomar o lugar do primeiro guarda. Com a sala de espera atrás de nós, Gaius sussurra de alívio, e eu sei que ele soltou a ilusão. Não precisamos mais dela. Apenas passar outro portão, e o guarda de lá sabe que nós quatro entramos juntos. Do outro lado do portão, o guarda chantageado nos acompanha de volta ao nosso barco.

O meu movimento vai acontecer em breve.

A adrenalina bombeia através do meu sistema, me preparando para o que está para acontecer. As escadas aparecem, Saber desce primeiro, e sou empurrada depois dele. Eu me asseguro de balançar mais do que o necessário quando entro no barco. Eu caio em uma pilha de cobertores e deixo minhas pálpebras tremerem meio fechadas. Eu odeio agir pateticamente, mas é necessário se eu não quiser que eles vejam todos os meus movimentos.

Os homens removem seus anéis. As escadas desaparecem e o barco começa a se mover com a corrente. O guarda nos observa com os braços cruzados e uma expressão sombria. Estamos nos dirigindo em direção a uma espécie de redemoinho, que eu acho que nos puxará para baixo e nos deixará na parte inferior da ilha flutuante. O barco se move mais rápido. Minha respiração acelera. Meus dedos enrolam-se na borda do barco e apertam.

Nós atingimos o redemoinho. A água se afasta de nós e o barco desce. Com a água girando ao nosso redor, a parte inferior da ilha vem à tona.

E é aí que o meu plano brilhante entra em ação.

Eu pulo e me jogo para fora do barco, indo em direção de uma das muitas videiras penduradas. Eu a agarro quando começo a cair. Ela rasga as palmas das minhas mãos, queimando minha pele enquanto eu escorrego. A videira balança para frente com meu impulso, e a solto e agarro outra. Minhas palmas doloridas gritam comigo, mas não vou soltar. Eu estou apenas uma videira de distância do meu alvo: uma escada de corda. Eu pulo novamente - e essa é a videira que se quebra.

Eu caio, agarrando o ar, meu impulso me levando perto o suficiente para agarrar um lado da escada. A corda queima ainda mais a pele das minhas mãos, mas me penduro mais apertado do que eu já segurei em qualquer coisa. Ouço um grito irritado em algum lugar atrás de mim, mas eu não olho para trás. À medida que o balanço da escada de corda diminui, encontro um ponto de apoio em um degrau mais baixo e começo a subir. — Ignore a dor — eu digo a mim mesma através de dentes cerrados. — Ignore a dor, ignore a dor.

Estou subindo em direção a um buraco estreito e vertical no chão. Através dele, vejo uma luz cinza e maçante. Estou quase na base do buraco quando a escada de corda se move abruptamente abaixo de mim. Olho para baixo e vejo Saber no final. Uma trilha de videiras balançando me diz que ele pegou a mesma rota que eu. — Droga. Suba mais rápido — me instruo. — Suba mais rápido, suba mais rápido.

Eu alcanço o fundo do buraco - e é mais estreito do que qualquer coisa em que eu já subi. O pânico me atrapalha. Saber está abaixo, subindo rapidamente, e na minha frente está a única coisa que eu nunca quis enfrentar.

Eu congelo.

Saber vai te matar! Eu grito para mim mesma. MOVA-SE! Eu tomo um grande gole de ar e continuo subindo. As paredes de terra do túnel em vertical estão tão próximas de mim que quase posso sentir a areia escovando contra minhas costas. Eu me encolho para longe, um grito se formando na minha garganta. Eu escalo mais rápido. — Continue, continue, continue, — eu canto sob meus soluços. Eu posso ver as nuvens acima de mim, e eu posso sentir o túnel pressionando mais perto, sentir o aperto fantasma da mão de Saber em torno do meu tornozelo, e eu escalo e escalo e escalo - e então eu passo! Eu cavo meus dedos na grama, me puxo para fora do buraco e me levanto sobre pernas tremendo. A prisão ergue-se à minha esquerda, uma escura fortaleza de pedra. À minha direita, uma parede circunda a borda da ilha flutuante.

Eu corro.

Eu não sei para onde vou ou como isso deveria me ajudar a chegar em casa, mas eu sei que não posso deixar Saber me pegar. Eu pulo sobre uma corrente de água que flui para fora da base da prisão. As faíscas disparam sobre meu ombro, e eu me jogo para o lado com medo. Eu tropeço quando evito um buraco como aquele que subi, mas consigo me estabilizar antes de cair. Outra faísca passa por mim. Ela se transforma em uma videira frondosa e serpenteia de volta para mim. Envolve meu tornozelo e me puxa para o chão.

Sem chance de pousar corretamente, sinto o lado esquerdo do meu corpo batendo no chão. Eu grito de dor, mas não tenho tempo para esperar ela diminuir. Deslizo minha mão na minha bota direita e procuro a bainha - e a faca de papai está lá! Eu a retiro, corto a videira, e rolo para longe dela. Eu levanto e vejo Saber pulando através da corrente.

Eu me viro e corro. Eu corro e corro e corro, e estou tão cansada, mas tenho que continuar. Posso ver o fim deste lado da prisão, e sei que vou virar a esquina em breve. Talvez haja algum lugar que eu possa me esconder. Algum lugar em que eu posso entrar antes de Saber ver para onde eu fui. Outro buraco, ou uma escada, ou escadas. Alguma coisa.

Eu viro na esquina - e vejo uma parede de pedra sólida à minha frente. Droga! Eu continuo correndo, mas viro para a direita. A parede que circunda a borda da ilha é mais baixa do que a da minha frente, e as pedras que desmoronaram vão providenciar pontos de apoio aqui e ali. Se eu conseguir chegar até está parede, então eu posso andar ao longo dela e...

Uma risada atrás de mim me diz que é muito tarde. Giro ao redor, segurando minha faca. É a única proteção que eu tenho. Eu nem estou usando meu colete protetor sob minhas roupas. Agora, na verdade, eu realmente preciso desse colete, que está dentro da minha bolsa de treinamento na Guilda. Mas é inútil pensar nisso agora, quando tudo que eu tenho com o que contar é a faca. Você pode fazer isso, eu digo a mim mesma, quando aperto forte no punho esculpido. Você não precisa das armas dos guardiões. Você não precisa de magia. Você consegue fazer isso.

— Uma faca — diz Saber, — e nada mais. — Ele ri novamente. — Isso deve ser fácil.

Veremos sobre isso.

Troco a faca para a minha mão esquerda. Abaixo para me agachar, pego uma pedra plana com bordas afiadas e quebradas, e a jogo nele como se fosse uma shuriken. Pega na borda de seu ombro enquanto ele se afasta. Eu alcanço uma pequena e redonda e atiro na cabeça dele. Ela atinge o lado esquerdo de sua testa, deixando um corte. Com um grito de raiva, ele lança magia na minha direção. Suas faíscas disparam pelo ar e formam chamas quando me alcançam. Eu desvio, rolo sobre um ombro, e deixo o impulso me levantar.

Então, uma vez que não posso fugir dele, eu corro direto para ele. Eu o vejo ficar tenso e inclinar seus joelhos ligeiramente, se preparando para me jogar por cima do seu ombro. Não vai acontecer. No último segundo, eu forço toda a minha energia em um salto, trago ambos os joelhos para o meu peito enquanto eu navego em sua direção e chuto o mais forte que posso. Ele atinge o chão, e eu pouso do outro lado dele. Ele geme e tosse e levanta, mas estou pronta com um chute lateral que o manda tropeçando para trás. Eu avanço sobre ele, cortando com minha faca quando ele tenta pular sobre mim.

Com um grunhido de raiva, ele empurra fortemente o ar entre nós. Um pulso de magia bate em mim, me enviando voando para trás através do ar. Todo o ar é tirado dos meus pulmões quando eu atinjo o chão. Lutando para respirar, eu me inclino sobre pernas trêmulas. Meu impulso de energia infundida de adrenalina está desaparecendo rapidamente.

— Vamos lá, eu posso fazer isso o dia todo — Saber fala, me provocando.

Eu não posso, e ele sabe disso. Mas eu tenho uma faca. Uma faca que eu sei exatamente como jogar graças às horas de prática tortuosa que Olive me fez passar ontem. Até meus sonhos estavam cheios de faca na noite passada.

Outra faísca brota em minha direção, e eu me abaixo para evitá-la. — Você quer continuar dançando por mais um tempo? — Saber grita. — Ou vamos acabar com isso agora?

Vamos acabar com isso agora. Aperto o punho da faca entre o meu polegar e o indicador. Levanto a mão e depois a solto rapidamente. A faca gira - e atinge seu alvo. No fundo do peito de Saber, exatamente onde está o coração dele. Ele solta um suspiro chocado. Ele agarra o peito e cai de joelhos. Ele coloca sua mão ao redor da faca e a tira do corpo antes de cair no chão.

Ele não está morto. Eu sei disso. Feridas de facadas não matam faeries, a menos que sejam tão ruins que a magia do corpo não pode curá-las antes que a magia se esgote. Se eu deixar Saber, ele vai se recuperar. O que eu provavelmente deveria fazer - o que Olive iria me dizer para fazer - é correr para lá e terminar o trabalho enquanto ele está derrotado. Alguns golpes certeiros na cabeça. Isso certamente o mataria.

O pensamento me deixa doente.

Eu nunca mais quero acabar com outra vida novamente.

Tudo o que quero é fugir daqui, e agora que Saber está derrotado, posso fazer exatamente isso. Eu me viro e corro de volta pelo caminho do qual eu vim tão rápido quanto meus membros exaustos me deixam. Meu corpo sem magia está enfraquecendo rápido, mas eu ainda não estou pronta para desistir. Preciso encontrar um caminho de volta para essa prisão para que eu possa conseguir ajuda. Os guardas vão me ajudar, não vão? Eu não sou uma criminosa. Mesmo que eles decidam me prender enquanto entram em contato com a Guilda, pelo menos eu estarei longe de Saber. A menos que ele se recupere rapidamente e entre na prisão procurando por mim.

— Ei!

O grito vem de trás de mim. Eu giro. Saber está correndo em minha direção com dificuldade, como se cada passo fosse um grande esforço. Ele diminui. Ele levanta minha faca. E ele atira em mim.

Um grito escapa de meus lábios quando a faca perfura meu abdômen. Eu tropeço para trás um passo ou dois. Olho horrorizada, mal conseguindo acreditar que essa arma - minha arma - está cravada no meu corpo. Eu vejo uma umidade escura penetrar na minha roupa ao redor do punho da faca.

Eu vou morrer.

Levanto meus olhos e vejo Saber cambaleando em minha direção. Ele ergue a mão. Faíscas ardentes disparam de seus dedos, e desta vez não tenho esperança de esquivá-las. Elas atingem meu peito, logo abaixo do meu ombro direito, e me derrubam no chão. Minha cabeça atinge algo duro, e a dor aguda e latejante mistura-se com a dor abrasadora do meu peito até que tudo seja apenas dor e tontura e náusea.

Uma sombra passa sobre mim, bloqueando o céu cinzento girando por um momento. Mas então Saber entra na minha linha de visão e percebo que a sombra deve ter sido ele. Ele olha para mim. — Você deveria ter me matado quando teve a chance — diz ele. Então, ele se inclina e me pega. Ele caminha em direção à parede...

— Não — eu sussurro.

... e ele me joga.

Eu solto um grito sem palavras enquanto eu caio. O ar chia e pisca em torno de mim enquanto atravesso uma camada de algo invisível. Caio e giro, me agarrando ao ar como se eu pudesse me agarrar nele. Agarrando, pegando, apertando - e então vejo uma faísca deixando as pontas dos meus dedos.

Magia?

Mas, seja o que for, é tarde demais, porque as sombras estão escurecendo as bordas da minha visão e as ondas estão correndo em minha direção...

Algo me agarra antes de eu bater na água, tirando a minha respiração mais uma vez. Meus dedos tocam nas ondas antes de eu subir de repente, em vez de cair. Há um braço em volta da minha cintura, logo acima da faca, e uma asa cinza e coriácea batendo ao meu lado.

Jarvis?

— Espere! — Grita uma voz familiar.

Isto é um sonho. Deve ser. Eu bati na água e estou morrendo e meus pensamentos finais são de Chase e sua gárgula aparecendo no exato momento em que mais preciso. Escuridão e a tontura lutam para me reivindicar. A agitada sensação de voo começa a parecer como se estivesse acontecendo em câmera lenta.

Tudo acelera novamente quando chegamos a uma parada súbita. Os braços me balançam, e meu rosto está pressionado contra o pescoço de Chase, e ele está sussurrando algo que eu não consigo ouvir corretamente. Algo desesperado, algo como se estivesse implorando.

Então estou deitada em uma superfície dura. Uma superfície dura que rola suavemente de um lado para o outro. — Saia daqui — grita Chase para alguém. Seu rosto aparece acima de mim, ansiedade torcendo seus traços. — Calla? Você pode me ouvir?

Com a dor e a tontura e a escuridão querendo me puxar para baixo, descubro que é preciso um grande esforço para forçar as palavras para fora da minha boca. — Como você... sabia que eu estava...

— Eu não sabia — diz Chase. Seus olhos indo para o meu peito. Sinto a mão dele no meu ombro. — Mas eu sabia que Gaius estava aqui. Dispositivo de rastreamento dentro de seu relógio. O sinal desapareceu quando ele estava dentro da prisão, mas eu sabia onde ele estava. — Ele puxa minha manga para trás e envolve ambas as mãos ao redor do meu braço.

— Você o encontrou?

— Não se preocupe com ele. Você vai ficar bem, ok? Você pode se curar facilmente disso. Estou aumentando a magia do seu corpo agora mesmo.

— Mas eu não tenho... nenhuma... para aumentar. Ele tirou tudo.

— O quê? — A expressão ansiosa de Chase se transforma em alarme.

— Gaius... pegou. — Ele pegou tudo. Mas eu vi uma faísca, não foi? Ou eu imaginei isso?

— Isso não importa — diz Chase, mas posso ver o medo em seus olhos. — Eu estou lhe dando magia agora. Você vai ficar bem. — Ele levanta meu braço e beija minha mão, e seus lábios são tão quentes quanto a magia que eu posso sentir fluindo em mim. — Você tem que ficar. Você deve ficar por ainda muito tempo. Não está na hora de você deixar o mundo.

Eu aceno com a cabeça e deixo minhas pálpebras fecharem. A dor está diminuindo, dando lugar a um profundo cansaço. O sono me chama, e eu estou feliz em deixar ele me levar. Então, eu posso esquecer tudo o que aconteceu desde...

Mamãe.

— Mãe — eu digo em voz alta, conseguindo me despertar o suficiente para abrir meus olhos. — Eles estão com ela... na... casa amoreira.

— Tudo bem — diz Chase, tirando uma mão do meu braço e segurando minha bochecha. — Eu a encontrarei. Eu vou pegá-la.

Com esse peso tirado de mim, eu me deixo afundar na escuridão.


Capítulo 28

Eu posso dizer pelo cheiro que estou deitada em um instituto de cura. Memórias do meu encontro com Amon e minha luta com Saber ficam aparecendo na parte de trás das minhas pálpebras, cenas pintadas com desolação e dor e pensamentos de morte que rasgam a tela da minha mente. Espero um pouco, me permitindo tempo para limpar as imagens com um pano imaginário.

Minha tela está limpa. Toda.

Eu estou viva.

Eu levanto minhas pálpebras e me encontro em uma cama exatamente como a que a minha mãe estava. Depois de piscar algumas vezes, giro minha cabeça para o lado e vejo a garota elfa do Wickedly Inked sentada no banco ao lado da cama. Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela se aproxima de mim e me conta a história que ela aparentemente disse a todos: ela estava a caminho da prisão de Velazar para visitar alguém e passou por um barco que acabava de sair. Eu estava no barco, e eu estava lutando contra dois homens. Usando um remo, ela os surpreendeu e os derrubou do barco, depois me resgatou. Ela navegou o mais rápido possível para onde os caminhos das fadas podiam ser acessados e me levou diretamente para a ala de cura na Guilda Creepy Hollow.

Eu me empurro para cima na cama, me sentindo cem vezes melhor do que a última vez que eu estava acordada. — Então, você quer que eu minta?

— Para essa parte da história, sim. Você pode dizer a verdade sobre todo o resto. — Ela levanta. — Bem, adeus.

— Espere. Onde está Chase? Ele esteve aqui?

— Não. Se ele pudesse estar aqui, não haveria necessidade de você mentir sobre a última parte da sua história.

— Ele encontrou minha mãe?

— Eu não sei. Eu estou indo agora. Sua família voltará em breve. — Sem outra palavra, ela desliza entre as cortinas.

Imediatamente, tiro o cobertor e saio da cama. Espreitando sob a rígida roupa de hospital para meu abdômen, encontro a ferida da faca perfeitamente curada. Chase deve ter me dado muita magia. Eu cruzo a área fechada e coloco minha cabeça entre as cortinas. Não vejo ninguém que eu reconheça no corredor.

— Senhorita Larkenwood! — Assustada, olho para o outro lado e vejo uma curandeira apressando-se em minha direção. — Volte para a cama — diz ela.

— Mas eu estou bem. Meu irmão está por perto?

— Por que você não volta para a cama e eu vou dar uma olhada na área de espera para você.

— Mas eu não preciso mais estar na cama. Estou bem. Estou apenas ocupando espaço que você poderia usar para outro paciente.

— Senhorita Larkenwood. — Ela me guia de volta pelas cortinas. — Você chegou aqui ontem à noite com níveis de magia severamente baixos. Você pode se sentir bem, mas eu duvido que sua magia tenha reabastecido completamente. Para que isso aconteça, você precisa descansar. — Ela aponta para a cama. Eu reviro meus olhos e volto para a cama.

— Cal, você está acordada.

Eu me viro antes de chegar na cama e vejo Ryn afastando a cortina. Eu corro passando a curandeira e vou para seus braços. — Papai está aqui? — Pergunto enquanto ele me abraça com força. — Você sabe alguma coisa sobre a mamãe?

Ryn afasta-se. — Papai está gritando com o diretor da ala de cura, e ainda não ouvi nada sobre sua mãe. O que aconteceu? Papai estava desaparecido, então fui eu quem recebeu a notificação ontem que sua mãe tinha desaparecido. Então ninguém poderia encontrá-la. Nem mesmo Vi. — Ele hesita por um segundo, seus olhos se dirigindo para a curandeira, mas ele não disse o suficiente para revelar a Habilidade especial de Violet. — Então uma elfa chegou aqui ontem a noite com você e uma história sobre a prisão de Velazar. O que...

— Sr. Larkenwood, deixe sua irmã se deitar — a curandeiro interrompe. — Ela precisa...

— ...descansar, eu sei, — eu termino por ela, voltando para a cama. — Posso falar enquanto estou sentada, ou isso não é repouso o suficiente?

A curandeira faz um barulho irritado na parte de trás da garganta e sai num acesso de raiva. Como ela não respondeu minha pergunta, eu suponho que tenho permissão para conversar. Eu conto a Ryn sobre os dois homens que apareceram enquanto eu estava visitando a mamãe ontem de manhã, sobre acordar no caminho para a prisão de Velazar e sobre ser forçada a ficar na frente de um prisioneiro que era um espião do Príncipe Zell e Lorde Draven. Eu conto tudo, deixando de lado qualquer referência à capacidade de viajar no tempo que Saber tinha, e depois acabo com a versão da elfa da história. Não importa que não seja a versão que realmente aconteceu; o resultado final ainda é o mesmo. Eu fui resgatada, Saber e Marlin fugiram, e eles levaram Gaius com eles.

— Então, foi uma má sorte que você estivesse aqui ao mesmo tempo em que eles vieram pegar sua mãe — diz Ryn.

— Sim. Eles iriam se livrar de mim, mas quando Amon soube da minha Habilidade Griffin, ele disse para eles — Eu congelo. Como se uma pedra pesada estivesse afundando no meu estômago, uma percepção que pesa sobre mim. — Acabou. Minha Habilidade Griffin. Eu não... Eu não a tenho mais. Eu pensei que Gaius tinha tirado toda a minha magia, e eu estava tão aliviada ao descobrir que ainda tinha alguma que não percebi que eu não tinha mais essa magia. — Lágrimas brotam nos meus olhos. Minha Habilidade especial fora a única coisa que tornara minha vida mais difícil que qualquer outra coisa, mas agora é a única coisa que eu mais quero. É minha. É parte de mim e nunca quis me livrar dela, por mais fácil que fosse minha vida sem ela.

— Ei, não é tão ruim. — Ryn se inclina para mais perto e pega minha mão. — Este homem, Gaius. Você sabe se ele pode dar as Habilidades Griffin de volta quando ele as pega?

Eu aceno e fungo quando eu sussurro, — Sim.

— Então não é para sempre. Nós o encontraremos, e você terá sua habilidade de volta.

Continuo assentindo. Ryn está certo. Mesmo que ninguém na Guilda fique perto de encontrar Gaius, Chase irá. Não duvido disso.

Ouço passos apressados para fora da minha cortina, e então Vi entra. — Você está acordada! — Ela corre para o meu lado. — Tenho boas notícias. Acabei de ouvir que os guardas que patrulham a floresta fora da Guilda encontraram sua mãe. Ela estava deitada perto da entrada da Guilda, ainda dormindo. Ninguém viu quem a deixou lá.

Chase, uma voz dentro da minha cabeça diz imediatamente. Tenho certeza de que foi ele.

— Uau, isso é... suspeito — diz Ryn. — Quem a trouxe de volta? Onde ela está agora?

— Eles estão trazendo-a para a ala de cura enquanto conversamos.

— Oh, obrigada Deus — eu me inclino contra meus travesseiros de alívio. — Haverá alguém para protegê-la no caso de Saber e Marlin voltarem para pegá-la?

— Sim, haverá mais de um guarda — diz Ryn. — E esses homens esperançosamente não poderão voltar para a ala de cura, pelo menos não da mesma forma que eles fizeram ontem.

— Como eles entraram ontem? — Eu estava pensando sobre isso. Deveria ser impossível entrar na Guilda se você não está autorizado a estar aqui.

— Lembra da festa que você foi na outra noite? — Diz Ryn. — Lucien de la Mer? Bem, desde que ele e sua esposa passaram tanto tempo em vários institutos de cura por causa da doença dela, cada um tem pingentes de acesso para todos eles. E adivinhe o que ele relatou ter desaparecido esta manhã.

— Seus pingentes de acesso — digo devagar. Então era isso que Saber estava fazendo na festa de Lucien. — Mas os pingentes de acesso têm nomes escritos neles. Quem escaneou esses pingentes deveria ter visto que os nomes não correspondem às pessoas que os usavam.

— Isso é o que deveria ter acontecido — diz Vi. — Mas a entrada para funcionários da ala de cura não é tão cuidadosamente guardada como a entrada principal da Guilda, e se um guarda não está prestando atenção, ele pode perder detalhes como esse.

— É por isso que papai está gritando com o diretor — diz Ryn.

— Guardas incompetentes.

— Talvez alguém diga a ele que mamãe está de volta.

— Provavelmente — diz Ryn. — E você deveria...

— ...descansar. Eu sei. Já ouvi isso.

Depois de mais alguns abraços e apertos de mão, Vi e Ryn saem. Abro as gavetas do criado-mudo e encontro meus pertences em uma pilha limpa dentro de uma delas. Eu procuro minhas roupas até encontrar o âmbar e a stylus. Então eu escrevo uma palavra para Chase: Obrigada.

***

Depois de algumas horas de repouso chato, Gemma chega inesperadamente. — Eu acho que eu não deveria saber que você está aqui — diz ela. — Quero dizer, nenhum de nós foi informado de nada. Nós só sabemos que as pessoas estavam procurando por você ontem. Saskia disse a todos que você provavelmente decidiu ignorar um ou dois dias porque você é mole e não consegue lidar com a maneira como sua mentora a pressiona. Enfim, minha mãe ouviu falar que você estava aqui, então ela me contou.

Ela pergunta o que aconteceu. Depois de hesitar por muito tempo, tentando descobrir o que é seguro dizer e o que não é, acabo dizendo, — Eu estava com a minha mãe. Alguns homens vieram atrás dela, e eu estava visitando na hora, então eles também me levaram. Isso é tudo o que posso dizer.

Gemma permanece por um tempo, me contando sobre as tarefas que perdi ontem e hoje e me conta tudo sobre o triunfo de Perry vencendo Blaze no Aquário na tarde de ontem. O cenário era uma tenda de circo, e Perry usou palafitas e uma argola de metal girando para derrubar o oponente.

Pouco tempo depois, Gemma sai, eu ouço um — Bem, bem, — vindo da abertura na cortina. Eu olho surpresa ao ver Olive de pé lá. — Então — ela diz. — Você não poderia esperar até depois da sua formatura antes de se envolver com os grandes criminosos. Ah não. Mais uma vez, você tinha que pular a frente de todos os outros. — Ela cruza os braços. — Prisão de Velazar. Você não brinca em serviço, não é?

Fabuloso. Minha amigável mentora obviamente falou com Ryn, caso contrário, ela não saberia nada disso ainda. — Eu não escolhi me envolver com um homem perigoso que espiou a Guilda tanto para o Príncipe Zell quanto para o Lorde Draven — digo. — Mas já que acabei por ter uma audiência involuntária com ele, agora sabemos quais informações ele está procurando, e sabemos que ele ainda não as tem. Isso é bom, certo? E a Guilda também sabe que eles deveriam estar indo atrás de Marlin e Saber, os dois caras que ainda estão lá fora fazendo o trabalho sujo de Amon.

Olive balança lentamente a cabeça. — Você acha que é tão simples assim.

— Sim, eu acho. Por que não deveria ser? Alguém aponta os vilões, e os guardiões saem e os pegam.

— Existem processos, procedimentos e leis. Há restrições de tempo. Há muitos problemas com os quais a Guilda está lidando, tanto neste reino quanto no humano, e este caso não exige atenção imediata e urgente apenas porque uma aprendiz acha que deveria.

— Mas isso é importante!

— Isso é o que todos dizem sobre seus casos. E um caso em que o “vilão” — ela repete zombando das minhas palavras junto com as citações no ar — já está preso pelo resto da vida não é prioridade de ninguém.

— Mas... vocês deveriam consertar coisas assim. É para isso que a Guilda serve.

— O que há para consertar? Você está viva e sua mãe foi encontrada. Sim, os dois homens que as capturaram ainda estão lá fora, mas enquanto ninguém estiver em perigo imediato, e a Guilda pediu para ser alertada assim que eles tentarem visitar novamente o prisioneiro, não há também muito mais a se fazer neste momento. A investigação permanecerá aberta, mas qualquer guardião que trabalhe nela dedicará seu tempo a casos mais importantes primeiro.

Eu tento reter minha frustração, mas é difícil. — Eu esperava mais da Guilda.

Olive joga a cabeça para trás e ri. — Lamento decepcioná-la, mas é assim que as coisas funcionam aqui e em todas as outras Guildas. Se você estava esperando por algo diferente, você é mais do que bem-vinda a sair.

Ela adoraria isso, mas não há como eu lhe dar essa satisfação. Além disso, a Guilda ainda é onde eu quero estar, mesmo que todo o sistema não funcione tão perfeitamente quanto eu pensava. Olho desafiadoramente de volta para Olive, e ela sai depois de soltar um suspiro de desapontamento.

Depois que ela se vai, papai aparece e convence os curandeiros a me deixar descansar em casa em vez daqui. Na minha opinião, eu já tive bastante descanso para durar um ano completo de treinamento. E falando de treinamento, perdi quase dois dias completos e estou ansiosa para voltar ao trabalho. Porém, papai não ouve meus protestos. Ele me manda para a cama quando chegamos em casa. Passo o restante da quarta-feira à tarde, sentada na cama, desenhando imagens de céus tempestuosos e mares turbulentos e tentando não olhar meu âmbar a cada dois segundos para ver se Chase respondeu.

No dia seguinte, eu encontro os guardiões que trabalham no caso da minha mãe para que eu possa repetir minha história para eles, deixando de lado a parte em que eu tinha uma Habilidade especial que foi roubada de mim e adiciono o final alternativo. Eu tenho que prestar atenção para que eu não perca o controle exatamente do que estou autorizada a dizer. Chase vai ter toda a história, Ryn e Vi receberam a maior parte da história, e qualquer outra pessoa da Guilda conseguiu o que eles precisavam saber sobre os vilões e não muito mais.

Depois disso, volto para as aulas. Eu sofro olhares rancorosos de Saskia e perguntas de outros aprendizes. Passo à tarde no centro de treinamento.

E então recebo uma mensagem de Chase.

Ruínas da Velha Guilda? 17:00 horas?


Capítulo 29

Eu sorrio durante os quatorze minutos restantes da minha última sessão de treinamento. Quando chego às antigas ruínas da Guilda, está chovendo lá. Eu estava quente por causa da uma hora de exercícios de fortalecimento do braço, mas o ar lá fora está frio. Eu tiro um moletom com capuz da minha bolsa de treinamento e coloco sobre minha cabeça. Um largo arco coberto de musgo não está muito longe. Está desmoronando em alguns lugares, mas ainda intacto o suficiente para me proteger da chuva, então espero debaixo, me apoiando em um lado.

Chase chega através de um portal dos caminhos. Ele olha em volta, então caminha em minha direção com as mãos empurradas para dentro dos bolsos do casaco. Ele alcança à arcada e se inclina contra o lado oposto. As gotas de chuva se agarram ao seu cabelo e seus olhos parecem mais brilhantes do que o habitual na luz estranha provocada pelo tempo chuvoso.

— Você parece estar de volta ao normal, Senhorita Cachinhos Dourados — diz ele. — Eu não te disse que você ficaria bem?

— Você me salvou — eu digo simplesmente. — É por isso que estou bem.

Ele olha para longe por um momento, uma expressão indefinível no rosto.

— Você encontrou minha mãe.

— Encontrei — ele diz, voltando seu olhar para mim.

— Como?

— Estou ciente de alguns dos locais que Amon, o prisioneiro que eu acho que você estava lá para ver, tem usado. Um é uma casa em uma propriedade atrás de Thistle Orchard em Eilemor. É isolada e cercada por arbustos de amoreira. Foi aí que eu fui primeiro e, com certeza, ela estava lá. É protegida, é claro, então demorei um tempo para entrar.

Com base apenas nas palavras “casa amoreira”, seria quase impossível para a Guilda encontrar mamãe. Chase fez isso em menos de um dia. — Não sei como agradecer. Sem você, eu estaria morta e minha mãe ainda estaria desaparecida. Minha família ficaria quebrada.

Chase sorri. — Eu diria que foi sorte ou acaso que eu cheguei a tempo de te pegar e que eu conheço a localização em que Amon se refere como a “casa amoreira”, mas não acredito inteiramente na sorte nem em acaso.

Estou começando a pensar que eu também não. Ninguém é tão sortudo, não é? — Você estava lá procurando por Gaius — eu digo.

— Sim. Ele foi pego na Wickedly Inked onde ele estava me esperando. Eu mantenho meu trabalho diário separado do meu trabalho noturno, então a loja de tatuagens costumava ser um lugar seguro até Saber descobrir que eu trabalho lá.

— E você pode rastrear Gaius por causa de seu relógio? — Eu estava um pouco sobrecarregada com a dor e as tonturas no momento em que Chase começou a transferir a magia de cura para mim, mas acho que me lembro dele dizendo isso.

— Sim. Eu sabia que ele estava na prisão de Velazar antes que o sinal de rastreamento desaparecesse. Reapareceu quando cheguei mais perto da ilha, então eu sabia que ele deveria ter saído. Comecei a circular a área com Jarvis, esperando vê-lo em algum lugar na água ou na ilha fora da prisão, mas o sinal desapareceu. Foi quando vi você com Saber. Eu não consegui chegar até você por causa da camada protetora ao redor da ilha que mantém a magia dentro e fora. Então, se você pensar sobre isso, o melhor que poderia ter acontecido com você foi Saber jogá-la sobre a parede.

— E a razão pela qual eu caí através da camada protetora — eu digo enquanto lembro do flash no ar à minha volta — é porque eu não tinha magia.

— Bem, você tinha pouca magia. Provavelmente muito pouca para ser detectada.

— Como, no entanto, se Amon disse a Gaius para tirar tudo?

Chase balança a cabeça. — Gaius pode não ter tirado tudo. Se ele tivesse, você não estaria aqui. Tirar magia de alguém... a maioria das pessoas não pode fazer isso, e a maioria das pessoas nunca viu isso, então eles não sabem como é. A maioria das pessoas nem sabe que é possível. Gaius pode fazer porque essa é sua Habilidade Griffin. A única maneira é usando a magia negra. Magias obscuras. Se for feito corretamente - se cada pedaço da sua magia for drenado de você - isso te mata.

Sinto minhas sobrancelhas arquearem. Um tentáculo de náuseas torce em volta do meu estômago. — Mata?

— A magia faz parte de quem somos, Calla. Não podemos sobreviver sem ela. Amon obviamente não sabe disso, ou ele saberia que Gaius não fez o trabalho corretamente.

— Com certeza, pareceu como se ele tivesse feito o trabalho corretamente, — eu murmuro, lembrando o sentimento doentio e vazio enquanto eu estava deitava no chão da prisão. — Você o encontrou?

— Não. Ele não estava na casa amoreira. Eu enviei pessoas para verificar os outros locais que eu conheço, mas até agora ninguém o encontrou.

— Desculpe-me. — Eu me sinto parcialmente responsável. Se Chase não tivesse vindo em minha ajuda, ele poderia encontrar Gaius naquele momento?

— Não há necessidade de se desculpar. Eu o encontrarei. — Ele coloca uma mão através de seu cabelo. — Agora que você não está mais à beira da morte, você pode me dizer o que aconteceu ontem? Amon é o homem perigoso de quem eu estava falando, o prisioneiro a quem Saber vem se reportando. Ele está planejando algo, mas não consigo descobrir o quê.

— Eu acho que posso ajudá-lo — eu digo, lembrando o momento em que percebi que Saber e Marlin estavam atrás da mesma coisa. — Por mais estranho que seja, tudo o que Amon está planejando, tem a ver com uma visão que minha mãe teve há décadas. A visão que ela ficou tão traumatizada que a fez fugir da Guilda.

— Entendo. — Chase esfrega o queixo. — Graças a Deus, ela não acordou antes de eu encontrá-la.

— Sim. — Eu digo a Chase tudo o que eu lembro, caso haja alguma informação que possa significar algo para ele. Ele escuta atentamente, seu rosto não demonstra nenhuma emoção, exceto quando eu falo a ele sobre ser presa para que então Gaius pudesse pegar minha magia. Ele parece perturbado, então eu falo rápido, ignorando o horror daquela agonia.

— Lamento que você teve que passar por isso — ele diz quando termino.

Eu encolho os ombros. — Você sabe o que eles dizem sobre coisas que não te matam, certo?

— Eles deixam você se sentindo semiconsciente em um barco com uma faca no seu estômago? — Ele diz, um brilho provocador em seus olhos.

— Sim. Eu acredito que é exatamente o que eles dizem.

Um sorriso curva um dos lados da sua boca, mas depois ele olha para baixo. — Desculpa. Provavelmente não devo brincar com algo tão grave como ser esfaqueada. Ou sobre perder sua magia - especialmente não sobre isso.

— Está tudo bem — eu digo a ele, tentando parecer indiferente. — Estou bem agora, para que possa fazer brincadeiras o quanto você quiser. É melhor rir do que ser sugada pelo desespero, certo?

Depois de considerar minhas palavras por um momento, ele diz, — Sim. É. Eu não olhava para as coisas dessa maneira durante um longo tempo, mas acho que você provavelmente está certa.

Provocativamente, eu digo — Eu sou conhecida por estar certa de vez em quando.

O sorriso que ele me dá faz coisas estranhas aos meus joelhos. É estúpido. É muito estúpido. Não é a mesma coisa que aconteceu com o Zed? Eu me deixo levar por sentimentos ridículos e a próxima coisa é - wham! Eu encontro a rejeição batendo na minha cara depois de um beijo espontâneo, unilateral, o mais estranho de todos os tempos. O mesmo aconteceria agora? Chase poderia me dizer que eu sou muito jovem? Ele diria que ele não pensa em mim assim? Com a forma como ele está me olhando...

Não seja boba. Gaius ainda está desaparecido, sua mãe ainda está em um sono encantado, e você ainda tem uma enorme quantidade de trabalho para fazer antes de sua mentora desagradável pensar em deixar você se formar. Este não é o momento para romance.

Limpo minha garganta e força meu olhar para longe do dele. — Hum, há algo que tenho curiosidade. Eu sei que estava fraca e semiconsciente depois que você me pegou, mas definitivamente me lembro de você dizer algo estranho.

— O que é?

— Você me disse que eu devo ainda viver por bastante tempo. Que não era a minha hora de deixar o mundo. Você parecia bastante certo. Como você sabia disso?

— Oh, você sabe. — Ele olha para longe. — É apenas uma daquelas coisas que você diz às pessoas quando quer tranquilizá-las.

— Sério? Isso é tudo? — Eu pensei que parecia mais.

— E... — Ele tira uma mão de um bolso e esfrega a parte de trás do pescoço. — Eu sei coisas.

— Você sabe coisas?

— Sim.

Eu empurro minha cabeça para trás um pouco e estreito meus olhos. — Essa maneira enigmática e misteriosa de agir funciona para todas as meninas?

Com um sorriso que o faz parecer mais jovem, quase juvenil, ele diz — Parece estar funcionando com você.

Calor queima nas minhas bochechas enquanto tento parece indignada. Gostaria de balbuciar uma negação, mas tenho certeza de que meu rubor já está me dando. Olho para o lado, balançando a cabeça e tentando não rir.

— Eu também queria te contar uma coisa — diz ele.

Eu olho para ele quando meu coração tolo começa a voar.

— Eu vou embora por uma semana ou duas. Alguns assuntos que eu preciso tratar.

Meu coração cai de volta ao chão da floresta. — Oh. Você vai procurar por Gaius?

— Não, eu tenho outras pessoas fazendo isso. Isso é algo que eu planejei algum tempo atrás. Algo que não posso adiar.

— Oh. Tudo bem. Isso é lamentável. — Eu torço minhas mãos juntas. — Eu iria pedir-lhe que você fosse... bem... não importa agora.

— Fosse para onde?

— O casamento do meu irmão – cerimônia de união – tanto faz como você queira chamar. Ele já está casado há mais de sete anos, mas ele e sua esposa nunca tiveram a grande festa, então finalmente estão fazendo isso. Eu ia te perguntar se, você sabe, queria ir comigo. Como meu encontro. Não é como em um encontro encontro, mas apenas... para me acompanhar. Mas você não estará aqui, então não se preocupe...

— Vou tentar voltar.

Eu hesito, pensando se ele está falando sério. — Sério?

— Sim. Gostaria muito de ir com você. Como seu encontro.

— Oh. Ótimo. Bem, talvez eu veja você lá.

— Espero que sim. — Ele sorri novamente.

Eu digo adeus, ele diz adeus, e então eu desapareço dentro dos caminhos das fadas com um salto sobre meu passo.


Capítulo 30

 

O clima não poderia ser mais perfeito. Um sol quente da tarde paira em um céu claro, iluminando o chão da floresta com raios de luz dourada. As árvores vestidas com uma paleta vermelha, laranja, dourada e amarela do outono mais bonitos que qualquer coisa que eu possa pintar. As folhas derivam no chão como confetes. Jarros de vidro com insetos brilhantes pendem dos galhos. No centro da cena tem um pavilhão simples com galhos finos formando um dossel abobadado. Videiras com pequenas flores cor de creme torcem em torno da estrutura, e as pétalas da mesma cor polvilham o chão. De um lado do pavilhão, familiares e amigos estão sentados em fileira em bancos de madeira simples.

Este casamento foi organizado em tempo recorde, e as organizadoras - Tilly e Raven - fizeram um trabalho espetacular. A cena não é perfeita quanto poderia ser, no entanto. Mamãe ainda não acordou, então ela não está aqui, e Chase não voltou do seu negócio, então ele também não está. Mas mamãe está segura, e Chase ainda está vivo e esta gloriosa celebração é tudo o que sempre quis para o meu irmão e Violet, então estou cheia de felicidades apesar dos dois assentos vazios.

Um silêncio cai sobre a reunião quando a amiga de Vi e Ryn, Natesa, levanta da cadeira e fica de um lado. Ela começa a cantar, e sua voz encantadora é a sugestão para a cerimônia começar. De acordo com a tradição, Vi e Ryn entram de lados opostos, com Vi aparecendo à esquerda e Ryn à direita. Eles caminham lentamente um para o outro, seus olhos presos, como se eles estivessem em seu próprio mundo, inconscientes do resto de nós.

O vestido de renda de marfim de Vi é simples, mas elegante, com um decote em V, uma tira de renda sobre cada ombro e uma calda de renda não muito longa. Não consigo ver os pés dela, mas sei que ela está com os pés descalços. Raven apresentou pelo menos vinte ideias de sapatos diferentes, e Vi disse que não estava interessada em nenhuma delas. Seu cabelo está solto com pequenas flores presas, e ela carrega um simples buquê de três rosas.

Ryn a encontra na frente do pavilhão. Eles compartilham um olhar cheio de significado. Sonhos realizados, medos antigos, esperanças compartilhadas e uma vida memorável. Eles apertam as mãos e ficam debaixo do dossel juntos, onde o oficial da Corte Seelie está de pé. Ele fala sobre o vínculo da união, a forte conexão mágica criada quando duas pessoas prometem suas vidas uma a outra. E mesmo que isso tenha acontecido tecnicamente antes, quando Vi e Ryn assinaram o pergaminho de união na Guilda, não parecia tão especial ou real como agora.

Uma lágrima desliza pela minha bochecha, e Filigree em forma de rato, de pé no meu ombro e agarrando a minha a orelha - tenta limpá-la. Eu lhe dou um tampinha carinhosamente enquanto vejo o oficial segurar os dois anéis que Vi e Ryn normalmente usam sobre as marcas do anel. Se está união fosse feita pela primeira vez, este seria o ponto na cerimônia em que os dois receberiam marcas douradas como tatuagem que circundariam os dedos que ficam com o anel. Mas essas marcas já estão lá, então eles simplesmente colocam os anéis nos dedos um do outro. O oficial segura à mão deles e fala o feitiço da ligação final.

A cerimônia termina com um beijo e muitos aplausos. Todo mundo fica de pé e para perto do casal. Risos e bons votos e parabéns pelo bebê que vem para completá-los. A reunião feliz de pessoas se move lentamente do pavilhão para através das árvores para onde as mesas foram colocadas em forma de U. À medida que o sol da tarde desliza mais perto do horizonte, tomamos nossos lugares ao redor da mesa. Nós comemos e bebemos e compartilhamos histórias, e todas as preocupações dos últimos dias - Gaius desaparecido, minha Habilidade especial perdida, Saber e Marlin à solta – foram esquecidas.

***

Depois que o primeiro prato termina, eu saio da mesa por um instante e ando de volta para o pavilhão. É tão bonito lá. Eu quero vê-lo na luz suave do pôr-do-sol, enquanto os insetos brilhantes nos jarros ficam mais brilhantes. Eu me inclino contra uma das pernas segurando a estrutura e levanto meu olhar para as copas das árvores. Vermelho-laranja passa através das folhas da mesma cor, tornando a cena mais quente do que parece. Conforme um arrepio corre ao longo dos meus braços nus, tento aproveitar este último momento de paz antes que o trabalho duro realmente comece.

Aparentemente, não estou tentando o suficiente. Não consigo deixar de imaginar a pilha de trabalhos extras que me esperam em casa e as sessões de treinamento extra programadas para a próxima semana. Olive, obviamente, decidiu que se uma combinação de desinteresse e abuso verbal não me fez sair, talvez o excesso de trabalho faça. Seu plano falhará, no entanto. Passei a semana passada me forçando em cada sessão de treinamento para ser mais rápida, mais forte e mais habilidosa. Estou decidida a provar a Olive que estou apta para esta vida e que não vou a lugar nenhum. Ela pode me desfazer com suas palavras e acumular trabalho em cima de mim como ela quiser, mas ela não vai me quebrar.

Gemma, Perry e Ned me ajudam sempre que podem, indicando livros úteis na biblioteca e voluntariando-se nas horas extras no Aquário se eu precisar de um oponente. Foi difícil, no início, aceitar a ajuda deles quando eu ainda não acredito que seremos amigos por muito tempo. Mas a cada dia que passa, e eles continuam rindo da história seja qual for que Saskia trouxe do meu passado, eu me pergunto se talvez eles não sejam os amigos que vão ficar.

— Você parece estar com um pouco de frio, Srta. Cachinhos Dourados.

Meu estômago vira ao som de sua voz, e já estou sorrindo quando viro. — Você veio — eu digo.

— Desculpe-me, eu estou atrasado. — Ele caminha em minha direção e tira o casaco dos ombros enquanto atravessa o pavilhão carregado de flores. É o casaco que ele sempre usa, o preto que vai até abaixo do topo das suas pernas. O casaco que sempre o faz parece sexy. Calor sobe para as minhas bochechas quando ele coloca o casaco sobre meus ombros. Eu olho para cima. Seu rosto está perto o suficiente para beijar, se eu ficasse na ponta dos pés e me inclinasse para mais perto. Então eu percebo o hematoma sumindo em sua bochecha. — Isso aconteceu enquanto você estava cuidando do seu “negócio”? — Eu pergunto, levantando a mão e tocando as pontas dos meus dedos em sua pele.

— Foi — diz ele. Um leve rubor rosa aparece nas suas bochechas, e isso me faz sentir ridiculamente quente por dentro sabendo que é o meu toque que está causando isso.

Eu abaixo a mão e pergunto — Acabou? O que quer que você tinha que fazer?

Ele acena com a cabeça e pega minha mão antes de chegar ao meu lado. Seus dedos deslizam entre os meus, e de repente, eu acho mais difícil respirar. Eu olho para nossos dedos entrelaçados e não lembro sobre o que estava falando ou o que eu estava planejando dizer em seguida. Ficar de mãos dadas não deve ser uma coisa importante, não é? Não deveria acelerar minha respiração e acelerar meu coração e incendiar a minha pele.

Não é?

Uma centelha de luz brilhante aparece acima de nós, e depois outra e outra. Olho para cima e vejo as minúsculas flores em torno do dossel abobadado queimarem, cada uma estourando com uma pequena chama antes de apagar.

— Isso deveria acontecer? — Pergunta Chase.

— Uh, eu acho que não. — Felizmente, os pequenos incêndios espontâneos param momentos depois de começarem. Encontro o olhar de Chase mais uma vez com uma careta. — Estranho.

O sorriso dele me diz que ele sabe alguma coisa que eu não sei. — Estranho, de fato — diz ele. Seus olhos permanecem presos nos meus quando sua expressão se torna séria. Ele olha para baixo, depois volta. — O seu coração ainda está comprometido a trabalhar para a Guilda?

Ele parece quase esperançoso, e eu odeio que minha resposta irá sufocar isso. — Sim. Não é exatamente o que eu pensei, mas ainda quero trabalhar lá. Ainda é meu sonho ser uma guardiã.

Ele acena com a cabeça, mas não diz nada. Eu sei o que ele está pensando, porém, porque também estou pensando. Como qualquer coisa irá funcionar entre nós se um de nós está defendendo a lei e o outro está continuamente quebrando?

— Diga-me o que você faz — digo. Eu acho que adivinhei corretamente, mas eu quero ouvir isso dele.

— Eu... ajudo as pessoas.

— Mas você trabalha fora da lei para fazer isso.

Depois de uma pausa, ele diz, — Sim.

— Por quê? Se o que você está fazendo é bom, então, por que você não trabalha para a Guilda?

O sorriso que ele me dá é triste. — Eles não vão me querer.

— Por que não?

Ele olha para longe. — Se eles soubessem minha história...

— Se eles soubessem minha história, eles também não iriam me querer.

— Eu já guardo segredos de pessoas demais — diz ele. — Eu não quero adicionar mais pessoas a essa lista.

Essa lista. Suas palavras despertam algo dentro de mim, me sacudindo de sonhos quentes para a realidade fria. Eu sou uma idiota ao pensar que eu sou diferente ou especial, ou que isso poderia funcionar. Não quando eu estou nessa lista como todos os outros, Chase mantém segredos. Eu tiro minha mão da dele e me afasto. — Nós não temos apenas o problema de eu trabalhar para a lei e você trabalhando fora dela — digo. — Há o problema de todos os segredos que você está guardando de mim.

Depois de um longo momento, ele diz — Sim. Mas isso não vai ser um problema depois de que eu lhe contar tudo.

Tudo? Depois de todo o mistério em torno desse cara, não esperava ouvir essas palavras. — Você quer dizer?

Ele dá uma respiração que parece um pouco instável. — Sim. Se você quiser ouvir a verdade.

A verdade. Eu realmente quero saber a verdade sobre Chase? Talvez não saber é melhor. Será mais fácil encarar a Guilda todos os dias se eu não souber todos os detalhes de sua atividade ilegal. Mas não saber significa que não pode haver nada... mais entre nós. Porque um relacionamento não pode funcionar quando há segredos.

— Calla? Cal, você está aí? — A voz de Violet me tira dos meus pensamentos.

— Quem é? — Chase pergunta, um franzido enrugando sua testa.

Olho por cima do ombro para as árvores de onde veio a voz e vejo uma figura em branco se movendo entre elas. — A esposa do meu irmão.

— Cal, volte — ela chama, acenando quando ela me vê. — Tilly quer que façamos uma dança boba e eu não vou dançar sem você.

— Vamos — eu digo a Chase, decidindo que posso fazer minha escolha sobre ouvir sua verdade ou não mais tarde. — Você pode conhecer minha família e se divertir comigo, enquanto eu finjo que sei dançar. — Eu puxo sua mão, mas ele não se move. Seu rosto está congelado em uma expressão estranha.

— Não — ele murmura, olhando sem ver o chão.

— O quê?

— Eu conheço você.

— O que você...

Ele olha para cima, seu olhar intenso de repente. — No momento em que a vi pela primeira vez, eu sabia que já conhecia você. Eu sabia.

— Chase...

— Desculpe-me, Calla. — Ele dá um passo para trás e, por cima do ombro, vejo Violet vindo em nossa direção.

— Chase, o que está acontecendo?

— Eu nunca menti para você, eu juro. Esse é quem eu sou.

— O que você está...

Minha voz para quando Vi para fora do pavilhão, com a boca aberta para dizer algo antes de congelar, sua expressão lentamente se transformando em horror. Várias coisas acontecem de uma só vez, e as vejo como se estivessem em câmera lenta: os braços de Vi levantando para uma posição e agarrando um arco e flecha, a mão de Chase varrendo o ar quando ele se afasta de nós duas e flocos de neve - flocos de neve? - caindo por toda parte.

Então tudo acelera. A neve vira uma tempestade de neve, e o vento chicoteia meu cabelo ao redor do meu rosto, e tudo o que posso ver é branco quando levanto minhas mãos para proteger meu rosto.

O vento desaparece. A neve se afasta. Um silêncio cai sobre a área.

Chase se foi.

Estou totalmente confusa. Olho de volta para Violet, com uma expressão atordoada no rosto dela. — Não pode ser — ela sussurra. E então, o maior segredo de todos saem de seus lábios:

— Draven.

 

 


{1} Montanha da Perdição, também chamada de Orodruin, é um vulcão que aparece na obra de J.R.R.Tolkien. Localizado no centro da terra de Mordor, foi o local onde o Um Anel foi forjado pelo Senhor do Escuro, Sauron, e representa o fim da aventura de Frodo Bolseiro para destruir o Anel, aventura esta relatada em O Senhor dos Anéis.

 

 

                                                                                                    Rachel Morgan

 

 

 

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