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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE RECRUIT / Monica McCarty
THE RECRUIT / Monica McCarty

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O feroz, agressivo e audaz Kenneth Sutherland é um grande guerreiro e um vencedor nato. Está pronto para enfrentar seu maior desafio: se juntar à Guarda secreta de Robert Bruce para libertar a Escócia do domínio dos ingleses. Os Jogos dos Highlanders são a oportunidade que estava esperando para demonstrar suas habilidades e alcançar o seu objetivo, mas a chegada inesperada de uma bela mulher está prestes a destroçar todos os seus planos.
Mary havia jurado que nunca voltaria a cair nos braços de nenhum outro homem, mas não consegue resistir à atração que sente por Kenneth, que culmina com um encontro casual de paixão descontrolada.... Ambos se encontram em uma encruzilhada: serão capazes de renunciar a tudo por amor?

Ano do Nosso Senhor de mil e trezentos e nove. Haviam se passado três anos desde que Robert Bruce tinha reivindicado o trono escocês e a chama da independência foi reduzida a rescaldos. Mas, contra todas as probabilidades quase insuperáveis, e com a ajuda do bando secreto de guerreiros de elite conhecido como a Guarda dos Highlanders, Robert Bruce tem travado uma das maiores reviravoltas da história, retomando o seu reino ao norte do rio Tay. Em março, o rei Robert convoca o seu primeiro Parlamento e goza de um breve indulto de batalha, após uma trégua muito necessária.
Entretanto, problemas com os seus barões não vão manter o rei da Inglaterra, Edward II, ocupado para sempre. Em duas ocasiões o fim da trégua é adiado, mas, finalmente, as tropas são convocadas em Berwick-upon-Tweed para marchar contra os escoceses rebeldes.
Com os ingleses prontos para a invasão e a guerra cada vez mais próxima, o reinado de Bruce enfrentará seu primeiro grande teste e, mais uma vez, vai confiar nas habilidades extraordinárias da Guarda dos Highlanders para derrotar seus inimigos, tanto ingleses, quanto escoceses. O seu reinado pode ter dividido uma nação, mas ele não perdeu a esperança de unir todos os escoceses, mesmo aqueles que ainda são leais à coroa inglesa, sob uma mesma bandeira. Ganhar sua lealdade é o desafio mais importante com o qual vai ter que lidar.

 

 

 


 

 

 


Prólogo

Setembro de 1306

Castelo inglês de Ponteland, Northumberland

Querido Deus, quem poderia ser a esta hora?

O coração da Mary estava na garganta enquanto se apressava a descer a escada iluminada por tochas, amarrando o cinto do robe de veludo que vestiu sobre a camisola. Quando você está casada com um dos homens mais caçados da Escócia e cujo principal inimigo é o rei mais poderoso da cristandade, ser acordada no meio da noite com a notícia de que alguém está no portão, causa uma certa quantidade de pânico. Um pânico que se mostrou justificado quando Mary entrou no salão e a pessoa que a esperava se virou e retirou o capuz da capa completamente ensopada.

Seu coração falhou uma batida. Apesar da mulher estar com o longo cabelo dourado escondido debaixo da touca mais feia que já tinha visto e suas feições delicadas estarem manchadas de lama, Mary soube quem era ela em um instante.

Observou, horrorizada, aquelas feições que tanto se pareciam com as suas.

"Janet, o que você está fazendo aqui? Você não devia ter vindo!"

A Inglaterra não era lugar para escoceses, homem ou mulher, que esteve relacionado com Robert Bruce. E Janet, assim como a Mary, sabia demais. Sua irmã mais velha tinha sido a primeira esposa do Robert; seu irmão mais velho foi casado com a irmã do Robert; seu sobrinho, com quatro anos de idade, o atual conde de Mar, estava sendo caçado, junto com esposa e a atual rainha do Robert, pelas tropas inglesas; e sua sobrinha era a única herdeira do rei escocês. Poucas coisas alegrariam mais ao Edward da Inglaterra que colocar as mãos em outra filha de Mar.

Ao ouvir a censura na voz da Mary, sua irmã gêmea, apenas alguns minutos mais nova do que ela, lhe lançou um sorriso impertinente e colocou as mãos nos quadris. “Bem, é assim que você recebe a sua irmã, a mesma que acabou de ter navegado em torno da Escócia e cavalgou cerca de dez quilômetros debaixo de uma chuva constante, no lombo do cavalo mais velho e desagradável que você pode imaginar...”

"Janet!" Ela a interrompeu, impaciente. Embora sua irmã pudesse parecer indiferente ao perigo, Mary sabia que não era. Ela sempre preferiu encarar a realidade de frente, enquanto a Janet preferia correr, na esperança dos problemas não a alcançarem.

Janet franziu os lábios do jeito que sempre fazia quando a Mary a obrigava a se acalmar. "Vim para te levar para casa, é claro!"

Levá-la de volta para casa. Escócia. O coração da Mary se contraiu. Deus, se ao menos fosse tão simples.

"O Walter sabe que você está aqui?" Não podia acreditar que o seu irmão tinha autorizado uma viagem tão perigosa. O olhar da Mary percorreu a irmã de cima a baixo. "E posso saber o que é isso que você está vestindo?"

Mary cometeu um erro imperdoável ao fazer duas perguntas ao mesmo tempo, porque deu à sua irmã a chance de ignorar a que ela não gostou. Janet sorriu de novo, puxando a capa de lã escura para um lado e mostrou a saia do vestido, também de lã, mas de cor marrom, como se fosse a mais fina seda, a qual, levando-se em conta a propensão da sua irmã de usar o que estava na última moda, tornava sua escolha atual de vestuário ainda mais notável. "Você gosta?"

"Claro que não gosto, é horrível." Mary franziu o nariz, já que não podia esconder que compartilhava o mesmo gosto da irmã por coisas finas. Aquilo eram buracos de traça? "Com essa touca antiquada você parece uma freira, uma freira muito pobre."

Aparentemente, essa foi a coisa certa a dizer. Os olhos da Janet se iluminaram. "Você acha? Eu me esforcei, mas não tinha muito com o que trabalhar-"

"Janet!" Mary a interrompeu antes de se deixar levar pela emoção novamente. Mas Deus, era tão bom vê-la! Seus olhos se encontraram, e sua garganta começou a fechar. "Você não deveria estar a-aqui."

Não conseguiu evitar que a voz falhasse e todos os vestígios do bom humor fingido da Janet fugiram. Um momento depois, Mary foi envolvida pelos braços da irmã. As lágrimas que tinha conseguido segurar por seis horríveis meses, desde que o seu marido a abandonara.

"Você estará segura, aqui", ele disse despreocupadamente, a mente já na batalha que o esperava. John Strathbogie, Conde de Atholl, tinha decidido o caminho que queria seguir e não permitiria que nada, nem ninguém, se interpusesse contra os seus desejos, muito menos ela, a garota que nunca quis ao seu lado, e a esposa que mal notava.

Engoliu o pouco orgulho que ainda lhe restava e perguntou: "Por que não podemos ir com você?"

Ele franziu a testa, e voltou o rosto para ela, com um gesto impaciente, o mesmo rosto incrivelmente bonito e perfeito que, um dia não muito distante, havia capturado o coração da Mary. "Estou tentando proteger você e o David." O filho que era tão estranho para ele quanto sua própria esposa. Ao ver sua expressão, ele suspirou. "Virei buscá-la assim que puder. Estará mais segura aqui na Inglaterra. Edward não terá motivos para culpá-los, se as coisas correrem mal."

Mas nunca poderiam ter imaginado o quão mal as coisas iriam correr. Ele tinha partido tão confiante, tão certo da justiça da sua causa e ansioso pela batalha que o aguardava. O Conde de Atholl era um herói, sempre entre os primeiros voluntários a levantar a espada para responder ao chamado da liberdade. Lutou em quase todas as grandes batalhas que ingleses e escoceses haviam travado, para conseguir a independência da Escócia. Pela causa, tinha sido preso, forçado a lutar no exército do Edward, havia sido obrigado a entregar o próprio filho como refém há mais de oito anos, e suas terras, em ambos os lados da fronteira foram confiscadas – até que, finalmente, lhe foram devolvidas. Mesmo assim, nada disso o impediu de responder ao chamado novamente, desta vez, para apoiar as pretensões de Robert Bruce ao trono, ele que era cunhado da sua esposa, Mary.

Mas, depois de sofrer duas derrotas catastróficas no campo de batalha, o exército do Robert estava disperso. Como um dos únicos três condes que tinha testemunhado a coroação do Bruce e se juntou a ele na rebelião contra Edward da Inglaterra, seu marido era um dos homens mais procurados da Escócia.

Mas, até agora, Atholl tinha razão: Edward não tinha dirigido o olhar vingativo sobre a esposa e o filho que o "traidor" tinha deixado para trás. O filho que tinha sido tirado dela antes de completar seis meses, para ser criado na corte inglesa e só tinha sido devolvido no início deste ano com a condição de permanecer confinado às terras inglesas. Mas, até quando conseguiriam escapar da ira do Edward e da mácula da traição do Atholl? Todos os dias, temia chegar na janela da torre e ver o exército do rei, cercando-os.

Estava tão cansada de viver com medo o tempo todo, se esforçando para ser corajosa. Chorou no ombro da irmã, deixando as emoções que lutou tão corajosamente para conter, transbordarem em uma torrente de soluços sentidos e cheios de dor.

"É claro que eu tinha que vir", disse Janet, murmurando palavras suaves até as lágrimas diminuírem. Só então, segurou a Mary pelos ombros e a afastou para poder encará-la. "Posso saber o que você está fazendo? Está magra como um bambu. Qual foi a última vez que você comeu?"

Sua voz se parecia tanto com a da sua mãe, falecida há quase quinze anos, que Mary quase deixou escapar um sorriso. Apesar de ser a mais jovem das duas, Janet sempre havia sido a irmã protetora. A decepção e a desilusão do casamento da Mary, a tomada do seu filho, a morte dos seus pais, da sua irmã e do seu irmão; Janet sempre se encarregou de enxugar as lágrimas da irmã gêmea.

Não tinha percebido quão terrivelmente sozinha se sentia até o momento em que viu a Janet, em pé diante do fogo, toda molhada e vestindo roupas estranhas, mas ali, com ela.

Sem esperar uma resposta, Janet assumiu o comando, chamando uma das criadas para providenciar um pouco de vinho, pão e queijo. A jovem observou, por um momento, as faces quase idênticas das irmãs, porém, não hesitou em seguir as ordens da irmã mais nova. Mary não conseguiu evitar de sorrir quando, um pouco mais tarde, se encontrou sentada à mesa com um enorme prato de comida à sua frente. Janet tinha tirado a capa molhada e a pendurou perto do fogo para secar, mas ainda usava a touca e o véu que, junto com a grande cruz de madeira pendurada no pescoço, pareciam sugerir que sua irmã era uma freira.

Olhou para a irmã novamente, e não pôde evitar temer por ela. "Você não devia ter vindo, Janet. Duncan vai ficar furioso quando souber o que você fez." Hesitou um instante, antes de perguntar. "Como você conseguiu viajar todo o caminho do Castelo Tioram até aqui sem a ajuda dele?"

Janet esboçou um sorriso. "Encontrei um par de ouvidos mais compassivo do que os dele."

Seus olhos se encontraram. Não foi difícil adivinhar o que ela quis dizer. "Lady Christina?"

Seu irmão, Duncan, era casado com Christina MacRuairi, conhecida como a Dama das Ilhas, a única herdeira legítima ao senhorio de Garmoran. Ela era uma força da natureza e nunca hesitava em desafiar seu formidável irmão se acreditasse que a causa valia a pena.

Janet assentiu. "Foi ideia dela eu me vestir assim. Também se encarregou dos homens e do barco." Claro, Mary pensou. Apenas os Islanders da Lady Christina possuíam a destreza necessária como marinheiros para passar bem debaixo do nariz da frota inglesa. "Desembarquei ao norte de Newcastle-upon-Tyne e ali comprei um cavalo. Doze libras por um pangaré teimoso, que deve ser mais velho do que eu e não vale nem sequer a metade desse dinheiro! Espero que o dono vá para o inferno por tirar proveito de uma freira."

Janet estava tão indignada que Mary decidiu não apontar que ela não era, realmente, uma freira.

"Demorei algumas horas a mais do que esperava, mas consegui. Cruzei com um destacamento de soldados ingleses e nenhum deles me deu uma segunda olhada."

Mary ficou feliz por estar sentada. Só a sua irmã era capaz de relatar a peripécia de velejar centenas de quilômetros ao redor da Escócia através de águas traiçoeiras, até o coração da frota inglesa, seguida de uma cavalgada de quinze quilômetros, atravessando terras devastadas pela guerra, e, em seguida, se encontrar frente a frente com o inimigo como se não fosse nada. "Por favor, não me diga que você não veio até aqui, sozinha?"

Janet a olhou como se ela fosse idiota. "Claro que não. Eu trouxe Cailin comigo."

Mary gemeu. Cailin tinha, no mínimo, sessenta anos, nem um dia a menos. Casado com sua babá, havia sido o chefe dos estábulos do seu pai, e a Janet o tinha na palma da mão desde que as irmãs tinham dois anos. Estava disposto a protegê-las até a morte, se necessário, mas de nenhuma maneira podia ser considerado um guerreiro.

Janet sorriu. "Ele não ficou muito feliz de ter o topo da cabeça raspado, mas é certo que ficou parecido com um monge de verdade. Eu o mandei para a cozinha para se secar e conseguir algo para comer enquanto você recolhe as suas coisas e as do David. Devemos partir o mais rápido que pudermos. Trouxe um vestido para você como o meu, embora suspeite que vai ficar muito grande." Olhou sua irmã de cima abaixo e torceu o nariz de novo, diante da aparência da Mary. "Pelo sagrado templo de Jerusalém, Mary, você está magra como um pardal meio morto de fome." Janet era incapaz de controlar a língua por causa da vaidade. Mary sabia que tinha perdido peso, mas não tinha percebido o quanto, até que viu a expressão preocupada da irmã. "Mas vai ter que servir. Também trouxe um manto para o Davey; ele é um pouco jovem para passar por um monge."

Seu filho tinha nove anos, concebido na noite de núpcias, quando ela tinha apenas quatorze anos e nasceu enquanto seu marido estava preso na Torre de Londres, depois da sua primeira rebelião. Não tinha visto o marido por quase dois anos, depois de se casarem. Tinha sido um prenúncio do que estava por vir.

Desejava com toda sua alma aceitar a oferta da sua irmã, e se, se tratasse apenas dela, o faria sem pensar duas vezes. Faria quase qualquer coisa para voltar para a Escócia, quase. Mas tinha o futuro do David no qual pensar. As rebeliões do conde de Atholl contra o rei Edward tinham roubado a infância do seu filho, e não estava disposta a permitir que ocorresse o mesmo com o seu patrimônio. Não, enquanto existisse a possibilidade de escaparem ilesos do pesadelo no qual viviam.

Mary balançou a cabeça lentamente e, por um momento, acreditou que não seria capaz de controlar as lágrimas. "Eu não posso. Adoraria, mas não me atrevo. Se tentarmos deixar a Inglaterra, Edward irá nos considerar traidores e o David vai perder todos os direitos sobre o título do pai. Atholl virá nos buscar quando puder."

Tinha que confiar nele. Mesmo com tudo o que tinha acontecido, não podia acreditar que o conde ia abandoná-los à própria sorte.

Janet permaneceu imóvel, os olhos azuis arregalados, redondos como um parto. "Você não sabe?"

Algo na voz da sua irmã a alertou; um calafrio percorreu sua pele como uma fina camada de gelo. "Sei o quê?"

"Robert escapou, fugindo para as ilhas com a ajuda do nosso irmão e da Lady Christina. Por desgraça, a comitiva da rainha foi interceptada em Tain, pouco mais de uma semana atrás. O conde de Ross violou o santuário de St. Duthac e os manteve presos." Mary prendeu a respiração diante de tamanho sacrilégio. "Por isso estou aqui."

O sangue sumiu do rosto da Mary. "E Atholl?" Perguntou aturdida, embora soubesse a resposta.

Janet não disse nada. Não precisou. Mary sabia que seu marido estaria com as mulheres. Ele sempre estava com as mulheres. Elas o adoravam. Ele era um herói, apesar de tudo.

Mas agora tudo havia terminado. O heroico conde escocês tinha caído nas mãos do inimigo. Seu coração se apertou. Depois de todas as decepções e toda a mágoa, ainda sentia as dores do amor de menina que uma vez tinha lhe dado. Fazia tempo que aqueles sentimentos haviam desvanecido quase por completo, mas imaginá-lo encarcerado em uma masmorra foi o suficiente para ressuscitar qualquer vestígio dos sonhos que, uma vez, haviam ocupado e ainda se aninhavam em seu coração.

Porque, John? Por que tinha que acabar assim? Não sabia se estava falando sobre o seu casamento ou sobre sua vida. Talvez, ambos.

"Sinto muito", disse a Janet, colocando a mão sobre a dela. Nunca tinha gostado marido da Mary, mas pareceu entender seus sentimentos. "Pensei que você soubesse."

Mary negou com a cabeça. "Estamos isolados, aqui. Sir Adam vem quando pode, mas faz uma semana que sua presença foi requerida na corte..." Imediatamente, ficou em silêncio, consciente que as datas, provavelmente, não foram uma coincidência. Ele sabia?

Não. Mary rechaçou a ideia de imediato. Sir Adam Gordon tinha feito tudo o que podia para protegê-la e ao David nos últimos seis meses, até mesmo o extremo de se converter em garantia para a liberação do seu filho. Ele era um dos amigos mais próximos do Atholl. Os dois homens tinham lutado juntos pela Escócia em Dunbar e Falkirk, e, depois da derrota, serviram algum tempo juntos no exército do Edward, em Flandres. Embora os dois amigos tivessem tomado lados opostos sobre a questão da realeza do Bruce - Sir Adam seguia sendo leal ao rei deposto, John Balliol, e havia se posicionado contra o Bruce, ao lado dos seus antigos inimigos, os ingleses - ela sabia que Sir Adam faria tudo o que pudesse para mantê-los seguros.

"Nós não podemos demorar", disse Janet. "Os homens da Christina estão esperando por nós. Precisamos estar lá antes do amanhecer."

Ainda assim, Mary duvidou, já que a captura do Atholl não havia mudado nada. Ou talvez, agora, mais do que nunca, era importante não tomar decisões precipitadas. Mas esperar para ver se a ira do Edward acabaria caindo sobre eles, era como entrar em uma jaula com um leão faminto e esperar que ele não percebesse você.

O que fazer? Mary tinha pouca experiência na tomada de decisões importantes. Primeiro o seu pai e, em seguida, o seu marido, tinham feito isso para ela. Invejava a independência da sua irmã em um mundo dominado pelos homens. Janet tinha sido prometida duas vezes, mas ambos os noivados haviam sido cancelados por causa da morte do futuro esposo.

Janet deve ter percebido sua incerteza. Ela a segurou pelos ombros e obrigou a Mary a olhar para ela. "Você não pode ficar aqui, Mary. Edward perdeu toda a razão. Dizem que ..."

Ela parou, como se as palavras fossem muito dolorosas.

"O quê?" Perguntou Mary.

Lágrimas encheram os olhos da sua irmã. "Há rumores de que ele ordenou que nossa sobrinha, Marjory, fosse colocada em uma jaula no alto da Torre de Londres."

Mary engasgou. Uma jaula? Não podia acreditar, nem mesmo de Edward Plantagenet, o autointitulado "Martelo dos escoceses", e o rei mais cruel da Cristandade. Marjory, filha do Robert com sua irmã falecida, era apenas uma menina. "Você deve estar enganada."

Janet balançou a cabeça. "E Mary Bruce e Isabella MacDuff, também."

Deus do céu! Era quase demasiadamente horrível imaginar alguém capaz de semelhante barbaridade contra as mulheres, nem mais, nem menos. Engoliu em seco, apesar do nó que obstruía sua garganta.

De repente, sua irmã se virou para a janela. "Você ouviu isso?"

Mary assentiu e, pela segunda vez naquela noite, seu coração acelerou, em pânico. "Parecem cavalos."

Era tarde demais? Tinham chegado os soldados que tanto temia? Uma jaula…

As duas mulheres correram para a janela da torre, uma estrutura defensiva em forma de quadrado que era comum nas fronteiras. Estava escuro e ainda chuva torrencialmente, mas Mary conseguiu distinguir a sombra de três cavaleiros que se aproximavam. Somente quando entraram no círculo de luz que as tochas projetavam no portão, no entanto, que viu os brasões familiares e respirou tranquila. Soltou um suspiro de alívio. "É o Sir Adam."

Mas o alívio durou pouco. Se o Sir Adam estava aqui, a esta hora da noite, havia uma razão e, tendo em conta as circunstâncias atuais, provavelmente não era boa.

O mordomo do conde abriu as portas do salão poucos minutos depois. Mal esperou que a porta se fechar atrás dele, antes de correr até o cavaleiro. "É verdade? Atholl foi capturado?"

Obviamente surpreso ao ver que ela já sabia do ocorrido, ele franziu a testa. Mas, percebendo a irmã atrás dela, sentada à mesa, sua surpresa desapareceu. "Lady Janet", disse ele com um aceno de cabeça. "O que está fazendo aqui?"

Antes que sua irmã pudesse responder, Mary lhe perguntou novamente. "É verdade?"

Sir Adam assentiu e a expressão do seu rosto, impassível e curtida por mil batalhas, cedeu. Tinha apenas quarenta anos, os mesmos que Atholl, mas os rigores da guerra o tinham envelhecido. Tal como havia feito com todos eles, pensou Mary. Ela tinha apenas vinte e três anos, mas, às vezes, sentia como se tivesse vivido o dobro do tempo.

"Sim, menina, é verdade. Agora mesmo, o estão transferindo de Kent, para ser julgado em Canterbury."

Mary soltou uma exclamação de horror. Ao escolher Kent como o lugar de julgamento, o rei Edward estava deixando pouca dúvida sobre o resultado. Como tantos outros nobres escoceses, Atholl tinha um número significativo de terras na Inglaterra, incluindo vastas propriedades em Kent. Para conservá-las, tinha sido forçado a jurar lealdade ao Edward, de modo que, apesar da sua origem escocesa, seria julgado como um súdito inglês.

O mundo desmoronou ao seu redor; desta vez, nada nem ninguém livraria o conde de Atholl de escapar da forca. Viu esse conhecimento refletido no rosto do Sir Adam, entretanto, também viu algo mais. "O que aconteceu?"

Sir Adam desviou o olhar para sua irmã. "Você não devia estar aqui, moça. Não pode permitir que vejam você." Olhou para a Mary e, outra vez, para a Janet. "Se eu não as conhecesse tão bem, teria dificuldade em saber quem é quem."

"Quem não pode me ver?" Perguntou Janet, ecoando os pensamentos da Mary.

Sir Adam suspirou e se voltou para a Mary. "Por isso estou aqui. Vim na frente para avisá-la. Edward enviou seus homens para buscar você e o David."

Mary congelou. Mal conseguiu pronunciar as palavras. "Vão nos prender?"

"Não, não. Me desculpe, não queria assustá-la. O rei deseja apenas se assegurar que, tanto as suas necessidades, como as do Davey, estarão garantidas."

Janet teve que reprimir uma risada de escárnio. "Que suas necessidades sejam garantidas? Uma maneira curiosa de colocar. Ele também está se ocupando das necessidades da nossa sobrinha, a Marjory?"

Sir Adam não conseguiu esconder a careta de repugnância. "Edward está se deixando levar pela raiva, agora, mas vai reconsiderar quando se acalmar. Não creio que ele pense em colocar aquela pobre criança em uma jaula." Seus olhos encontraram os da Mary. "O rei não os culpa, nem a você ou ao David, pelas ações do Atholl. Sabe que você tem sido uma súdita leal a ele e o David é quase como um neto para ele, depois de haver passado oito anos com o Príncipe Edward. Você e o menino não estarão em perigo."

"Mas, e se você estiver errado?" Janet falou. "Está disposto a arriscar a vida da minha irmã, deixando-a à mercê do temperamento imprevisível de Edward Plantagenet?" Todo mundo sabia dos ataques de ira do monarca, herança dos seus antepassados Angevin que, segundo as más línguas, descendiam diretamente do Diabo. Janet balançou a cabeça. "De maneira nenhuma, eu vim para levá-la de volta à Escócia."

Sir Adam olhou atentamente para ela. "É verdade, moça? Você está pensando em fugir da Inglaterra?"

Mas Mary não respondeu à pergunta. Olhou para ele, silenciosamente implorando para lhe dizer a verdade. "Será que o rei tem a intenção de levar meu filho como prisioneiro para outra fortaleza inglesa?"

Nos olhos do Sir Adam, brilhou uma leve centelha de incerteza. "Eu não sei."

Seu peito se contraiu dolorosamente. Nove anos se passaram, mas a recordação do dia em que haviam arrancado o filho dos seus braços era tão intensa, que pareciam haver passado apenas algumas horas.

Mary tomou sua decisão. Não permitiria que lhe tirassem o filho, novamente, seu pobre filho que era mais inglês que escocês. Ela sustentou o olhar do Sir Adam. "Você vai nos ajudar?"

Ele hesitou por um instante, e não podia culpá-lo por isso. Mary odiava ter que pedir sua ajuda uma vez mais, quando já havia feito tanto por ela, mas com os homens do Edward tão perto, ela não teve escolha.

Seu momento de hesitação não durou muito. "Você está determinada a fazer isso?"

Ela assentiu. Desta vez, Atholl não viria em sua ajuda, assim, tudo dependia dela.

Ele suspirou, de uma forma que lhe disse que não estava de acordo, mas reconheceu a futilidade de argumentar. "Então, vou fazer o que puder para atrasá-los." Se virou para a Janet. "Vocês têm como se deslocar?"

Janet assentiu. "Sim."

"Então é melhor você buscar o David e partir. Eles estarão aqui a qualquer momento."

Mary abraçou o cavaleiro. "Obrigada", disse ela, olhando para ele com os olhos cheios de lágrimas.

"Vou fazer o que for necessário para protegê-los", disse ele solenemente. O coração da Mary se encheu de gratidão. Quisera seu marido estivesse disposto a fazer o mesmo por ela. "Devo ao Atholl a minha vida."

Embora o pai do Sir Adam tivesse caído no campo de batalha em Dunbar, o heroísmo do seu marido tinha permitido que Sir Adam escapasse. Mary ainda recordava da época em sentia orgulho da bravura e da valentia do seu marido no campo de batalha. Mas seu orgulho não tinha sido suficiente para ele. Admirar um homem à distância era muito diferente de ser casada com ele.

Vestiu as roupas que a Janet tinha trazido para ela, que, de fato, ficaram muito grandes e escorregavam dos seus ombros como um saco e foi acordar seu filho. Se a sua irmã notou a cautela nos olhos do garoto quando ele olhou para a mãe, Janet não disse nada. David precisava de um tempo, Mary disse a si mesma pela enésima vez. Mas, passados três meses desde o seu regresso, David ainda relutava diante do seu toque. Talvez, se não se parecesse tanto com o pai, não ia doer tanto. Mas, à exceção do cabelo claro, que havia herdado dela, o rapaz era a imagem viva do seu belo marido.

Felizmente, David não levantou nenhuma objeção quando o acordaram no meio da noite, o cobriram com um manto de lã áspera e o fizeram sair para o exterior, apesar da tormenta que ainda desabava. Crescer na Inglaterra como um prisioneiro, ainda que com mais privilégios do que a maioria, o havia convertido em um mestre em manter seus pensamentos para si mesmo, tanto que nem sequer sua própria mãe havia sido capaz, até o momento, de esclarecer o enigma que era o seu filho.

Cailin, ao vê-la, lhe deu um abraço forte como o de um urso e Mary teve dissimular um sorriso. Janet estava certa; com seu rosto redondo e jovial e a uma barriga igualmente generosa, realmente podia passar por um monge, sem despertar a mínima suspeita.

Trocou o cavalo que a Janet tinha comprado por dois dos seus próprios estábulos – ela iria com o David e Janet iria com o Cailin – e partiram em direção à costa leste.

Avançaram lentamente pelo caminho, escorregadio e coberto de barro por causa da chuva. A tormenta caía com tanta força que não conseguiam manter as tochas acesas, por isso também era difícil enxergar. Mas, muito pior, era o medo constante, os nervos à flor da pele e os sentidos aguçados, à espera de perceber o menor ruído que delataria a posição dos seus perseguidores.

Afortunadamente, a cada quilômetro que deixavam para trás, um pouco desse medo se desvanecia.

Pouco depois, Janet confirmou o que Mary já suspeitava: estavam perto do seu destino. "Estamos quase lá. O barco está escondido em uma enseada, um pouco além da ponte."

Mary mal podia acreditar. Estavam a ponto de conseguir! Ela estava indo para casa. Escócia!

Mas, enquanto atravessavam a ponte de madeira sobre o rio Tyne, ela ouviu um som distante que gelou seu sangue. Não eram os cascos dos cavalos sobre o barro, que tanto havia temido, mas o fragor de metal do outro lado da ponte.

Janet também ouviu. Seus olhos se encontraram durante uma fração de segundo antes da sua irmã sacudir as rédeas e se lançar para a ponte com um grito assustador.

Mary gritou para que ela parasse, mas Janet, com Cailin atrás dela, seguiu avançando a galope. Mary agarrou o filho pela cintura com todas as suas forças e partiu atrás dela, mergulhando na escuridão e se dirigindo ao coração da batalha, cada vez mais próxima.

"Janet, pare!" Ela gritou. Sua irmã se dirigia para uma morte certa. De alguma forma, os ingleses deviam ter encontrado os Islanders, que, agora, estavam lutando por suas vidas.

Felizmente, já que a Janet não estava pensando racionalmente, Cailin estava. O velho ajudante puxou as rédeas do cavalo até que ele reduzisse a velocidade, permitindo que Mary e o David os alcançassem.

Janet estava tentando arrancar as rédeas do homem mais velho. "Cailin, me devolva." Maria estava perto o suficiente para ver a selvageria frenética nos olhos da irmã. "Tenho que ir. Tenho que ver o que está acontecendo."

"Deixar que eles te matem, não vai ser de ajuda alguma", disse o Cailin com dureza, mais severo do que a Mary já o tinha ouvido falar com ela. "Se você ficar no caminho, vão preferir defender você, e não a si mesmos."

Os olhos da Janet se encheram de lágrimas. "Mas a culpa é minha."

"Nada disso," Mary disse ferozmente. "Não é culpa sua, é minha." E era. Nunca deveria ter deixado as coisas chegarem a este ponto. Devia ter fugido meses atrás. Mas, quando ficou claro que a causa do Bruce estava perdida, preferiu acreditar que seu marido viria até eles. Será que o conde havia dedicado um só momento dos seus pensamentos para eles e o que lhes aconteceria, enquanto cavalgava velozmente para a glória eterna?

"Quem está lutando, mãe?" Perguntou David.

Mary olhou para o rosto solene do seu filho. "Os homens que trouxeram sua tia até nós."

"Isso significa que não vamos mais embora?"

Seu coração apertou ao ouvir o toque de alívio na voz dele. Poderia culpá-lo por não querer partir? A Inglaterra era o único lar que ele já tinha conhecido.

Deus, como tinham falhado com ele!

Não respondeu diretamente, mas olhou para a irmã. "Temos que voltar antes que nos descubram."

Não podiam voltar para a Escócia, não por seus próprios meios.

"Não se dê por vencida, ainda, minha senhora", disse Cailin. "Os MacRuairis sabem lutar."

Mas, quanto tempo seriam capazes de esperar?

Ao final, não tiveram que tomar nenhuma decisão. Apenas alguns segundos mais tarde, ouviram o som dos cascos dos cavalos vindo em sua direção. Os ingleses estavam fugindo! Mas, infelizmente, os soldados estavam indo para a ponte, e se encontravam, precisamente, no caminho deles.

"Depressa", disse Mary. Correram de volta para o outro lado da ponte, antes que acabassem no meio dos ingleses e os Islanders que, a julgar pelo fragor da perseguição, haviam se lançado a galope atrás dos inimigos.

Mary tinha acabado de chegar ao outro lado da ponte, quando ouviu a Janet gritar atrás dela. Mary olhou em volta bem a tempo de ver o Cailin cair do cavalo, aterrissando com um baque horrível sobre as pranchas de madeira.

Tudo pareceu acontecer ao mesmo tempo. Janet deteve sua montaria, desmontando com um salto para ajudar o Cailin. O ancião havia caído de barriga para baixo, e tinha uma flecha cravada nas costas. Mary olhou para cima da sua irmã e viu que a colina da qual tinham acabado escapar, estava repleta de homens. Os gritos de guerra ferozes dos Islanders atravessaram o ar da noite. Os perseguidores haviam alcançado sua presa, e as margens do rio haviam se transformado em um autêntico campo de batalha.

Mary levantou a voz por cima do estrépito do metal. "Deixe-o, Janet! Você tem que deixá-lo." Os ingleses estavam indo direto para ela, tentando fugir dos Islanders. Se não fizesse algo, e logo, Janet terminaria sendo pisoteada.

Seus olhos se encontraram, apesar dos quinze metros que as separavam. Mary sabia que a Janet jamais abandonaria o Cailin. Estava tentando levantá-lo do chão, segurando-o sob os braços, mas o ancião pesava muito para ela.

Mary girou sua montaria, com a intenção de tirar sua irmã daquela ponte, arrastando-a, se fosse preciso, quando pensou ter ouvido uma voz que gritava "não", atrás dela, no exato momento em que um estrondo ensurdecedor fez tremer a terra.

Gritou, apertando o David contra o seu peito e segurando as rédeas do cavalo como se a sua vida dependesse disso, enquanto lutava para não deslizar para fora da sela. Tinha quase conseguido dominar o animal quando um clarão de luz ofuscante caiu sobre a ponte. Um relâmpago? O mais estranho que já tinha visto.

Oh Deus, Janet! Horrorizada, viu quando a ponte explodiu em uma bola de fogo e sua irmã desapareceu, engolida pela luz. A última coisa que se lembrava era de si mesma segurando o filho contra o peito, enquanto ambos caíam, quando foram lançados para fora do cavalo.

Quando acordou, horas depois, seca e abrigada em seu quarto, a princípio, pensou que tinha sido um sonho ruim. Mas, então, percebeu que o pesadelo tinha apenas começado.

Cailin estava morto e a sua irmã, provavelmente, havia tido a mesma sorte, depois de ser arrastada para as águas escuras do rio quando a ponte se desintegrou sob os seus pés. A voz que tinha ouvido era do Sir Adam. O cavaleiro chegou bem a tempo de ver a sua queda. David estava ileso, mas Mary havia perdido a consciência quando bateu a cabeça contra uma pedra e suas costas estavam bastante doloridas.

Mas seus ferimentos eram o menor dos seus problemas. Se não fosse por Sir Adam, as semanas seguintes teriam sido, sem dúvida, um autêntico calvário.

Para proteger Mary da ira do rei Edward, Sir Adam mentiu, dizendo que ela tinha sido levada à força pelos homens do Bruce. Sir Adam também fez um apelo ao rei para permitir que a jovem se recuperasse dos seus ferimentos antes de viajar para Londres. Deste modo, Mary e David não tiveram que se apresentar ao monarca até novembro e puderam passar quase dois meses juntos até que ele foi, mais uma vez, tirado dela e levado pelos homens de Edward para a residência do príncipe de Gales, para servir na guarda real.

Mary deixou a corte e regressou para Ponteland – onde devia permanecer seguindo as ordens do rei Edward – em quatorze de novembro, uma semana após o conde de Atholl ter sido enforcado em um patíbulo mais alto que o normal, especialmente construído para a ocasião, para condizer com alguém com um status tão elevado quanto o dele, uma resposta cruel do rei Edward para lembrá-la do vínculo familiar que a unia ao seu esposo. Saindo da cidade, teve o cuidado de não olhar para cima quando passou sob o portão da Ponte de Londres, onde a cabeça do seu marido tinha sido empalada, junto com as de William Wallace e Simon Fraser, também ilustres traidores escoceses como ele – ou heróis, de acordo com o lado da fronteira no qual perguntassem.

Foi a última vez que o galante cavaleiro levantou sua espada em defesa de uma causa nobre. Mary havia superado há muito tempo o amor que sentia por Atholl – quem sabe não havia sido mais que uma obsessão da juventude – por isso, a profundidade da sua tristeza a pegou de surpresa. Mas não era só tristeza, também era raiva e impotência pelo que tinha feito com eles.

Ela podia se considerar afortunada, ou ao menos era isso que diziam, por não acabar seus dias em um convento, como as outras esposas e filhas de traidores. Foi salva graças à sua "lealdade", o carinho que o rei sentia pelo seu filho e pela garantia, supunha, que foi o apoio incondicional do Sir Adam. Em outras circunstâncias haveria aceitado com gosto a paz e a solidão de um convento, longe do tumulto de uma guerra que já havia levado seu pai, seu irmão, e agora o seu marido. Mas havia prometido a si mesma que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para que, um dia, seu filho herdasse o título do pai, e que jamais pararia de procurar sua irmã, que no mais profundo do seu coração, se recusava a acreditar que estivesse morta. A vida que ela conhecia, no entanto, já era coisa do passado.

 

Capítulo Um

Julho, 1309

Newcastle-upon-Tyne, Northumberland, Inglaterra


Mary entregou ao comerciante o pacote que representava quase três centenas de horas de trabalho e esperou pacientemente enquanto ele examinava as várias bolsas, fitas, e toucas com a mesma atenção meticulosa aos detalhes que havia mostrado na primeira vez que havia levado as mercadorias para vender, há quase três anos.

Quando terminou, o velho cruzou os braços e lhe mostrou uma carranca ameaçadora. "Você fez tudo isso em quatro semanas? Você deve ter uma boa equipe de fadinhas ajudando você à noite, milady, porque me prometeu que ia abrandar o ritmo este mês."

"Vou desacelerar no próximo mês, prometo", assegurou ela, "depois da Festa da Colheita."

"E o que me dizes das festividades de São Miguel Arcanjo?" Falou ele, lembrando-a da grande festividade em setembro.

Ela sorriu para o homem carrancudo. Ele estava se esforçando para parecer imponente, mas com seu corpo generoso e o rosto afável, com cara de avô, não estava tendo muito sucesso.

"Quando terminarem as festividades de São Miguel, ficarei tão preguiçosa que vou ter que comprar uma indulgência do Padre Andrew, ou minha alma estará em perigo."

Ele tentou manter a carranca, mas, por fim, não conseguiu evitar que uma gargalhada escapasse.

"Gostaria de ver isso com meus próprios olhos." Respondeu, balançando a cabeça como faria um pai amoroso com um filho travesso, e lhe entregou o saco de moedas que tinham combinado.

Mary agradeceu e o enfiou na bolsa que usava amarrada em sua cintura, apreciando o peso que puxava o tecido para baixo.

O ancião arqueou uma sobrancelha espessa, salpicada com longos fios grisalhos, especulativamente. "Você não precisaria trabalhar tão duro se concordasse em aceitar um dos pedidos que recebi. Um bordado opus anglicanum tão delicado como este não deveria ser desperdiçado nas mãos desses camponeses."

Ele disse isso com tanta repugnância que Mary teve que se esforçar para não rir. Os clientes que frequentavam seu comércio não eram camponeses, mas sim comerciantes burgueses – pessoas como ele – que estavam ajudando a transformar Newcastle-upon-Tyne em uma cidade importante.

Os mercados e as feiras, tais como os de hoje, eram alguns dos melhores do norte de Londres. E o comércio do John Bureford, cheio de tecidos e de acessórios finos, era um dos mais populares. Em menos de uma hora, estaria cheio de jovens ansiosas que buscavam as últimas modas de Londres e do continente.

Bureford pegou uma das fitas, uma de veludo cor de rubi, na qual ela tinha bordado um motivo de folhas de parreira com fios de ouro. "Até mesmo este, elas reparam. As senhoras da cidade estão disputando a honra de serem as primeiras a procurar seus serviços para uma túnica ou para uma tapeçaria. Se conformariam com a bainha de uma camisa. Permita-me que interceda em vosso nome; você pode determinar o seu preço."

Mary observou o comerciante em silêncio, paralisada por um velho temor que, novamente, se materializava. Sua voz baixou automaticamente para um sussurro. "Você não contou a elas?"

Ele pareceu ofendido. "Não entendo o seu desejo de sigilo, minha senhora, mas honro o nosso acordo. Ninguém precisa saber quem é você. Mas, tem certeza que não quer aceitar alguns pedidos?"

Mary respondeu que não, balançando a cabeça. Preservar sua privacidade era mais importante para ela do que ganhar algumas moedas extras. Já haviam se passado três anos, desde que tinha sido deixada sozinha, assustadoramente mal preparada para lidar com as novas circunstâncias, com não mais do que um punhado de libras em seu nome para seguir adiante. Podia ter procurado o rei em busca de ajuda, como outros na sua posição se viram obrigados a fazer, mas temia chamar atenção para si mesma. Sabia que a maneira mais rápida de acabar casada por conveniência, novamente, era suplicar ajuda procedente dos cofres reais. Podia ter pedido ajuda para Sir Adam – de fato, ele se ofereceu para ajudar, mas não queria estar em dívida com ele mais do que já estava.

Os rendimentos do castelo mal davam para pagar os servos e alimentar a si mesma e à sua única criada. Sabia que tinha que fazer algo a respeito. O que a Janet faria, no meu lugar? Se perguntou várias vezes, enquanto enfrentava a árdua tarefa de seguir adiante por sua própria conta.

Por sua condição de nobre e de mulher, havia recebido uma educação baseada na superproteção e não em conhecimentos, então, suas opções eram, decididamente, limitadas. A única coisa que sabia fazer era bordar, uma habilidade que tinha compartilhado com sua irmã e, embora lhe trouxesse memórias dolorosas, ela começou a bordar pequenos itens como fitas, toucas e, eventualmente, bolsas, coisas que não despertariam a curiosidade das clientes sobre a artesã.

Infelizmente, essa parte do seu plano não funcionou como ela esperava e seus pequenos enfeites haviam atraído atenção, ainda que não para ela. O filho do rei Edward não parecia possuir o mesmo ódio pelo seu marido e o resto dos escoceses traidores, como o seu pai. Até agora, o novo rei a tinha deixado em paz e Mary esperava que continuasse assim por muito tempo.

"Tenho tudo o que preciso", Mary disse ao mercador, surpresa ao perceber que era verdade.

Teria sido fácil desmoronar depois de perder a sua irmã e o seu marido, ser separada à força do seu filho, novamente, e se converter em uma prisioneira em terras inimigas. Um sorriso amargo surgiu em sua boca. Sem dúvida, Janet teria lutado contra as algemas de veludo e protestado sem descanso contra as injustiças das quais era vítima. Mary, porém, sempre foi a mais pragmática das duas, lidando com as circunstâncias, ainda que não coincidissem com seus desejos. Não gostava de perder tempo se lamentando por coisas que não podia mudar. As decepções do início do seu casamento a tinham preparado para isso.

Embora a busca por sua irmã tivesse rendido poucos frutos e as visitas ao seu filho fossem curtas e escassas, pouco a pouco, construiu uma vida para si mesma na Inglaterra. Uma vida tranquila e pacífica, livre da destruição da guerra.

O perigo constante de ser casada com o Atholl se foi, assim como a dor de ser casada com um homem que mal a notava. De repente, sentia que um peso que não sabia que estava carregando, tivesse sido tirado de seus ombros. Pela primeira vez na vida, não tinha um pai ou um marido para controlar suas ações, ou sua irmã para protegê-la, e sua confiança nas próprias decisões tinha crescido. Descobriu que a independência lhe convinha; e gostava muito de estar sozinha.

Os dias se sucediam em um ritmo previsível. Mary se ocupava dos seus deveres como senhora do castelo, dedicava cada hora livre do seu tempo a bordar e, em geral, levava uma vida reservada. Havia extraído o melhor da situação e, se não feliz, ao menos podia dizer que estava satisfeita. Seus únicos desejos eram ter notícias da Janet e poder passar mais tempo com seu filho, e esperava que o Sir Adam tivesse, em breve, boas notícias para ela, a esse respeito.

Não tinha necessidade de chamar mais atenção para si mesma, assumindo mais trabalho do que já tinha.

O comerciante olhou para ela como se tivesse blasfemado. "Todo trabalho que já tem? Mas quem falou de necessidade? Nunca se tem moedas suficientes. Como espera que eu faça de você uma boa comerciante, se insiste em falar dessa maneira?"

Sua indignação a fez rir.

O ancião sorriu de volta para ela. "É bom vê-la sorrir, minha senhora. Você é jovem demais para se esconder por trás dessas roupas escuras." Ela tinha apenas vinte e seis anos, mas parecia dez anos mais velha. Ou, ao menos, tentava parecer. Ele fez uma careta. "E esse véu." Ele levantou uma das fitas bordadas que a Mary tinha acabado de lhe entregar. "Você faz essas coisas bonitas para os outros e se nega a usá-las. Espero que desta vez me permita encontrar algo colorido para usar…"

Mary o interrompeu. "Hoje não, Mestre Bureford."

A monotonia da sua roupa, assim como a quantidade de horas que dedicava ao trabalho, haviam se tornado um tema recorrente entre eles. Mas, como todo o resto, sua aparência tinha sido projetada para chamar pouca atenção. Com que facilidade o formoso podia se converter em comum. Roupas escuras e disformes, véus espessos e toucas escuras e pouco favorecedoras em contraste com a cor da sua pele ou do seu cabelo, longas horas sem sono revertidas em trabalho sob a luz das velas e, sobretudo, a magreza que afilava suas feições, antes suaves e delicadas. Um pardal meio morto de fome. Lembrou as palavras da sua irmã com um sorriso melancólico. Se Janet estivesse aqui, colocaria uma pilha de tortas na frente dela e não deixaria que saísse da mesa até que tivesse recuperado, pelo menos, dez quilos.

Mary estava ciente que Bureford não estava de acordo, mas as diferenças sociais entre ambos o impediam de continuar discutindo.

"Tenho que ir", disse ela, ao se dar conta da hora. O alvorecer tinha dado lugar à manhã, e já haviam pessoas se amontoando em torno das lojas.

O céu prometia um dia esplêndido, como os outros dias. Mary gostava do norte da Inglaterra no verão. A paisagem, verde e exuberante, não era tão diferente do nordeste da Escócia, onde tinha crescido, no castelo de Kildrummy. Afastou a nostalgia, antes que pudesse se formar. Já não pensava na sua vida de antes. Era mais fácil de viver.

"Espere", disse o comerciante. "Tenho algo para a senhora."

Antes que pudesse protestar, o homem desapareceu no interior da tenda de lona que havia erguido atrás do balcão, deixando-a sozinha e com o encargo de vigiar suas mercadorias. Podia ouvi-lo procurando entre a infinidade de artigos que guardava em seu interior. Como era capaz de encontrar alguma coisa entre tantas caixas e baús era um autêntico mistério.

Inconscientemente, seu olhar esquadrinhou a multidão buscando uma cabeleira dourada em uma mulher de estatura mediana. Imaginou se alguma vez seria capaz de estar rodeada por uma multidão sem sentir a necessidade de procurar sua irmã – e a consequente decepção ao não encontrá-la. Sir Adam havia suplicado, em várias ocasiões, que deixasse de fazê-lo. Só estava torturando a si mesma, dizia ele. Entretanto, mesmo que suas pesquisas nunca dessem resultado, Mary se negava a aceitar que sua irmã havia falecido. Ela saberia… ou não?

Prontamente se virou ao ouvir um ruído, vendo uma mãe com duas crianças pequenas que tinham se aproximado para examinar as fitas coloridas que descansavam no lado oposto do balcão. Por suas roupas, ficava evidente que não possuíam a riqueza dos clientes típicos do Bureford. Mary supôs que devia ser esposa de um dos camponeses. Seu esgotamento era evidente. Carregava uma das crianças nos braços – um bebê de cerca de seis meses – e o outro pela mão, uma menina de três ou quatro anos. A menina, que estava olhando para as fitas como se fossem feitas de ouro, tentou pegar uma, mas sua mãe a puxou com força. "Não, Beth. Não toque em nada."

De repente, uma outra menina apareceu por trás das saias da mulher e envolveu uma das mãos roliças sobre um punhado de fitas. Antes que a mãe pudesse detê-la, se virou e correu para dentro da multidão.

A jovem gritou para ela, em pânico. "Meggie, não!" Ao ver Mary do outro lado do balcão e supondo que se tratava da dona do comércio, empurrou o bebê nos seus braços e colocou a mão da menina na dela. "Sinto muito. Vou trazê-las de volta para você."

Tudo tinha acontecido tão rápido que Mary demorou alguns segundos para perceber que estava encarregada de duas crianças. Mary não sabia quem estava mais chocada, ela ou as crianças. Tanto o bebê como a menina olhavam para ela com os olhos arregalados, como se ainda não tivessem decidido se choravam ou esperavam.

Mary sentiu que seu coração deu um salto. Tinha apenas algumas poucas recordações dos poucos meses que havia passado com o David depois que ele nasceu, mas aquele olhar era inconfundível. Ainda lembrava de quanto o temia, de quanto temia o bebê. Lhe aterrorizavam seus choros, os sons que fazia enquanto dormia, o simples ato de segurá-lo nos braços e a incerteza de não saber se o leite da ama, era suficiente para alimentá-lo.

Lhe aterrorizava que o tirassem dela.

Afastou a recordação da mente. Já havia passado muito tempo, desde então. Ela era muito jovem, e agora …

Agora tudo aquilo fazia parte do passado.

Mas, quando seu olhar encontrou o azul intenso dos olhos do bebê, a sensação aumentou ainda mais. David era mais jovem do que ele, quando foi tirado dela, e não recordava de haver segurado nenhum outro bebê desde então. Tinha esquecido as sensações, a forma como o pequeno, instintivamente, se aninhava contra o seu peito, o calor que desprendia do seu corpinho e o aroma suave da sua pele.

Convencido que a Mary não era nenhuma ameaça, o bebê lhe deu um grande sorriso sem dentes e começou a balbuciar como uma ovelha. "Ba, ba…"

Mary não conseguiu não devolver o sorriso. O bebê – menino ou menina, impossível dizer nesse momento – era um diabinho bonito e encantador, com enormes olhos azuis, um tufo aveludado de cabelos castanhos e bochechas rosadas e brilhantes.

De repente, Mary notou que alguém puxava sua mão e olhou para baixo. Por um momento havia esquecido da menina que, aparentemente, tinha decidido que não precisava chorar, também. "Ele quer a bola dele."

Mary mordeu o lábio. A menina parecia muito pequena para falar, mas possuía uma confiança invejável. "Temo que não tenho uma." Ela olhou ao redor, não vendo nada que se assemelhasse a um brinquedo em cima do balcão. De repente, lembrou das moedas que o comerciante lhe entregou; enfiou uma mão na bolsa que pendia da cintura e pegou uma outra bolsa menor, de couro. "Que tal isso?"

Segurou a bolsa na frente do rosto do bebê e começou a agitá-la com energia, até que foi recompensada com uma gargalhada acompanhada de um movimento entusiasmado dos braços. De imediato, o bebê pegou a pequena bolsa e Mary não pôde deixar de sorrir ao ver que o pequeno a imitava e a balançava para cima e para baixo, embora com muito mais entusiasmo. Esperava que a corda que fazia as vezes de fecho estivesse bem amarrada.

A menina – Beth – deve ter lido sua mente. "Cuidado para ele não a abrir. Ele coloca tudo na boca, especialmente coisas brilhantes. Ele quase engasgou com um centavo, na semana passada."

Mary franziu a testa, percebendo que não tinha pensado nisso. Esta menina sabia mais sobre bebês do que ela. Também era mais velha do que Mary tinha pensado. "Quantos anos você tem?"

"Quatro e meio", disse ela com orgulho. Lendo a mente da Mary novamente, ela acrescentou: "Papai diz que sou pequena para a minha idade."

Mary notou que, de vez em quando, seu olhar pousava sobre as fitas. "Está tudo bem", disse. "Gostaria de pegar uma?"

Os olhos da garota se arregalaram em proporções enormes e ela assentiu com veemência. Sem dar a Mary uma oportunidade para reconsiderar, se apressou a pegar uma rosa clara, bordada com flores de prata. Ela a pegou entre os dedos minúsculos com tanta reverência, Mary não pôde deixar de sorrir.

"Você tem um gosto excelente. Escolheu a mais bonita de todas."

O sorriso da criança roubou seu fôlego. Uma intensa sensação de nostalgia começou a crescer dentro dela que mal teve tempo de contê-la.

O passado …

A mãe apareceu de novo em frente ao comércio com a respiração acelerada, desfazendo-se em desculpas e com a pequena delinquente firmemente presa pelo pulso.

"Eu sinto muito." Colocou as fitas roubadas sobre a mesa e pegou o bebê dos braços da Mary com a mão que, agora, tinha voltado a ficar livre.

Mary sentiu o impulso de protestar, mas se conteve a tempo, surpreendida pela intensidade da sua própria reação. De repente, se sentiu ... vazia. Ignorou o momento estranhamente sentimental, e conseguiu esboçar um sorriso cúmplice. "Parece que está com as mãos ocupadas."

A mulher devolveu o sorriso, visivelmente aliviada ao escutar suas palavras. "Estes são apenas a metade. Os três maiores ficaram em casa, ajudando o pai com o gado. "De repente, notou a bolsa que o bebê tinha na mão. Seus olhos se arregalaram, tal como os da sua filha e exclamou: "Willie! Onde você conseguiu isso?"

"Não se preocupe", disse Mary, pegando-a de volta. "Eu deixei que brincasse com ela." Antecipando uma reação similar quando visse a fita nas mãos da Beth, acrescentou: "Espero que você não se importe, mas gostaria que a Beth ficasse com isso."

A mulher começou a protestar que era muito, mas Mary insistiu. "Por favor, é um enfeite sem importância, e a pequena-" Parou, sentindo que a garganta estava seca e ficou sem palavras. "Ela me lembra alguém."

Não estava consciente do fato até agora, mas a menina guardava uma semelhança considerável com a Janet e consigo mesma, quando eram pequenas. Cabelo loiro, grandes olhos azuis, pele pálida e feições delicadas.

Parecendo sentir a emoção que se escondia por trás do oferecimento, a jovem agradeceu e desapareceu com seus filhos entre a multidão.

"Eu a deixo sozinha por alguns minutos e você está dando a mercadoria de graça? Está bem, pode saber que a partir de hoje, lavo as minhas mãos. Nunca conseguirei transformá-la em uma boa comerciante."

Mary se virou, surpresa ao ver Bureford ali, de pé, olhando para ela. Embora suas palavras fossem de reprimenda, seu tom não era. Pelo brilho triste em seus olhos, Mary supôs que ele tinha visto mais do que ela gostaria.

Ela juntou as pontas desfiadas das suas emoções e as amarrou, para que não voltassem a se soltar. Aquela parte da sua vida tinha acabado. Tinha sido esposa e mãe, mesmo que, em nenhum dos casos, as coisas haviam saído como ela esperava. Não fazia sentido viver amarrada ao passado. Mas, o breve intercâmbio com os filhos da camponesa, havia despertado um anseio que acreditava ter esquecido, e a fez recordar tudo o que tinha perdido.

Seguramente, não podia recuperar a infância do David, mas estava determinada a ter um papel importante no seu futuro. As poucas vezes que tinham se visto nos últimos anos não conseguiram estreitar os laços entre eles, mas esperava que isso ia mudar. Seu filho estaria deixando a casa do rei para se tornar um escudeiro e Sir Adam estava se esforçando para que o destinassem a um dos barões do norte da Inglaterra, perto dela.

O comerciante lhe entregou uma pequena caixa de madeira.

"O que é isso?" Ela perguntou.

"Abra."

Ela o fez e, ao ver o conteúdo da caixa, teve que reprimir uma exclamação de surpresa. Com extremo cuidado, ergueu as duas peças redondas de cristal, emolduradas por uma armação de chifre e conectadas por um pequeno rebite central, do fundo de veludo sobre o qual repousavam. "Você achou!"

Ele balançou a cabeça, encantado ao ver a sua reação. "Na Itália, nem mais, nem menos."

Mary colocou os cristais diante dos olhos e, como um passe de mágica, o mundo, de repente, se tornou maior. Occhiale, assim os chamavam. Óculos. Inventados por um monge italiano há mais de duas décadas atrás, ainda eram bastante raros. Ela os tinha mencionado uma vez quando percebeu o dano que as longas horas de trabalho sob a luz das velas estavam causando à sua visão. Estava ficando cada vez mais difícil ver os pontos minúsculos.

"São magníficos." Cuidadosamente, colocou-os na caixa de novo e jogou os braços ao redor do comerciante, dando-lhe um grande abraço. "Obrigada."

Ele corou, rindo alegremente.

Tais demonstrações de emoção não eram normais para ela, pelo menos, não desde que era uma menina, e ficou surpresa com a emoção que inundou seu peito. Percebeu que sentia mais afeição pelo comerciante do que por seu próprio pai.

Apenas por um momento, seus braços o apertaram como se a sua vida dependesse disso.

Então, de repente envergonhada, se afastou. O que devia estar pensando sobre ela? Mas sua reserva habitual parecia tê-la abandonado.

"Quanto lhe devo?" Perguntou.

O comerciante, ofendido, fez um gesto com a mão, para que esquecesse o assunto. "É um presente."

Mary o olhou bruscamente. "Dando mercadoria de graça? Devia ter vergonha de ser chamado de comerciante."

Ele riu da sua tentativa de falar como ele. "É um investimento que será restituído com o tempo. Como poderá costurar, se não conseguir enxergar? Tenho a intenção de conseguir um lucro bastante considerável, graças a você, minha senhora."

Os olhos da Mary desprendiam um brilho suspeito. "Cuidado, meu velho, sua reputação como negociador implacável está em perigo."

Os olhos do comerciante também pareciam estar com o mesmo brilho suspeito que os da Mary. "Negarei até a última palavra. Agora, é melhor que parta o quanto antes, ou o meu segredo não será o único que estará em perigo."

Depois de um último abraço, Mary seguiu o conselho do comerciante.

Nada lhe daria mais gosto que desfrutar o esplêndido dia passeando pelos comércios do mercado, mas sabia que não devia fazê-lo. O instinto de não chamar a atenção para si mesma era profundo.

Ainda podia perceber uma vaga sensação de vazio, de melancolia, depois do encontro com as crianças e o comerciante, mas sabia que não tardaria a passar. Tinha tudo o que precisava e, se às vezes sentia faltava alguma coisa, só tinha que lembrar a si mesma que devia ser grata pelo que tinha.

Depois de encontrar o cavalariço, que não havia se movido do lugar de onde o tinha deixado, Mary montou seu cavalo e começou a longa viagem de volta para o castelo.

Com a bolsa repleta de moedas e os raios do sol brilhando em seu rosto, agora que já não temia mais ter que olhar por cima do ombro, sentiu uma sensação de paz que havia pensado ser impossível, há três anos. Contra todas as probabilidades a esposa, assustada e superprotegida, de um traidor escocês havia construído uma nova vida. E o havia feito por conta própria.

O contentamento duramente conquistado pela Mary se transformou em nervosismo contido quando viu quem aguardava sua chegada. Sir Adam! Será que trazia notícias do seu filho? Por favor, que o rei o mande para algum castelo nas proximidades ...

Entrou na sala. "Sir Adam, que notícias trazes do-"

Mas o resto da pergunta morreu abruptamente em seus lábios quando percebeu que ele não tinha vindo sozinho. Seus olhos se arregalaram. O Bispo de St. Andrews? O que William Lamberton estava fazendo aqui? Ele que foi um dos patriotas escoceses mais importantes, que a maioria acreditava ser responsável pela candidatura do Robert Bruce à coroa, havia sido preso pelo Edward pai durante mais de um ano, até que, por fim, fez as pazes com o filho do rei, havia apenas alguns meses, depois da qual lhe foi concedida uma liberdade parcial, na diocese de Durham. Na mente da Mary, Lamberton estava inexoravelmente ligado à guerra.

O nervosismo se converteu em inquietude diante do que suspeitava, antes mesmo antes de ouvir o que o Bispo tinha a dizer, que o dia que tanto temia, por fim, havia chegado.

Após uma rápida troca de cumprimentos, não demoraram muito para dizerem o que queriam. Mary sentiu suas pernas vacilarem e se deixou cair em um banco, em estado de choque. Em questão de segundos, as paredes da vida que tanto havia custado para levantar, desabaram.

Uma parte dela sempre soube que aquele dia chegaria. Como filha de um conde escocês e viúva de outro – ainda que este último houvesse sido enforcado por traição – e, portanto, um elemento muito valioso para ser ignorado para sempre.

Mas, não esperava isso. Impossível, não podia fazer aquilo.

Olhou fixamente para o Sir Adam, com os dedos apertados na lã preta do vestido. "O Rei quer que eu vá para a Escócia?"

Seu velho amigo assentiu. "Para o Castelo de Dunstaffnage, em Lorn. Bruce – os barões escoceses que haviam se aliado aos ingleses, se recusavam a chamá-lo de rei Robert – vai celebrar lá os Jogos dos Highlanders, no próximo mês."

Mary conhecia bem o antigo castelo MacDougall. Tinha estado lá, uma vez, com o seu marido, anos atrás, em uma visita à sua irmã, que havia se casado com o chefe dos MacKenzie e residia no Castelo de Eileen Donan, que não era muito longe.

"Você vai fazer parte de uma delegação de paz, encarregada de negociar uma extensão da trégua", acrescentou o Bispo.

Mary não conseguia acreditar que o rei havia concedido permissão ao prelado para viajar para a Escócia e negociar em seu nome quando, fazia pouco mais de um ano, estava preso por ordem do seu pai e, além disso, continuava estreitamente ligado à figura do Bruce. Era como entregar ao prisioneiro as chaves da cela e lhe dizer para se assegurar de trancá-la bem, uma vez lá dentro. Ao contrário dela, o Bispo não tinha um filho na Inglaterra, que podia garantir sua lealdade.

"O Rei concedeu permissão para você, para representar os interesses do jovem Conde", explicou Sir Adam.

Mary olhou fixamente para o cavaleiro. Acaso Edward não se dava conta que era inútil enviá-la para suplicar em nome do seu filho por terras que o Robert não tinha intenção de devolver? Salvo algumas notáveis exceções, como os Balliol, os Comyn e os MacDougall, Robert Bruce havia insistido em não entregar uma só terra aos Condes e Barões que haviam se levantado contra ele, como o Davey, na esperança de, eventualmente, levá-los de volta ao redil no futuro e ganhar, assim, sua lealdade. Do mesmo modo, se negava a reconhecer a legitimidade dos seus pedidos, assim como o direito às suas terras, para aqueles que se recusaram a lhe render homenagens. Essencialmente, estavam em um impasse. David era um Conde escocês sem terras na Escócia, que o convertiam como tal.

Edward devia estar consciente das poucas possibilidades de sucesso que teria, pelo menos enquanto o David permanecesse na Inglaterra. Tinha que haver outra razão.

"Isso é tudo?"

Sir Adam, incapaz de ocultar seu desagrado, apertou os lábios. "O rei sabe que o Bruce os tem em grande estima."

Ah, então era isso! Edward queria que espionasse para ele. Consciente do olhar atento do bispo sobre ela, manteve a expressão do rosto impassível.

"Você quer dizer que ele me tinha em grande estima. Há muitos anos não vejo o esposo da minha falecida irmã. Ainda que aceitasse o encargo – que não tinha intenção alguma – é pouco provável que ele confie em mim."

"Foi o mesmo que disse a ele", Sir Adam disse, com um encolher de ombros, como se quisesse dizer, mas você conhece o rei. Felizmente, ela não o conhecia, e tinha se esforçado para que continuasse assim. "Mas Edward insiste em adicionar uma mulher ao grupo. Ele acha que uma voz feminina vai definir o tom perfeito para as negociações, e quem melhor do que a irmã da falecida esposa do Bruce?"

Dito de outra forma, que membro da expedição podia se dar ao luxo de não?

"Então, meu compromisso é abrandar o Robert para aceitar as condições do Edward, é isso?"

Lambert não conseguiu dissimular o sorriso ao escutar as duras palavras da Mary.

"Em outras palavras, sim."

"Pensei que você ficaria satisfeita", disse Sir Adam, estudando-a com uma expressão preocupada no rosto, a mesma que Mary já havia visto várias vezes ao longo dos últimos anos.

"E me alegro", disse ela, automaticamente. Sabia que deveria estar feliz. Três anos atrás, o que mais desejava era ir para casa. Mas se surpreendeu ao descobrir que uma parte dela não queria ir. Uma parte importante que não queria despertar memórias dolorosas.

Não havia mais nada para ela na Escócia. Seu irmão Duncan tinha morrido com os irmãos do Bruce, há mais de dois anos, no desembarque fracassado em Loch Ryan, enquanto Bruce tentava retomar o trono. Tudo o que restava da sua família era o seu filho e um sobrinho, o atual Conde de Mar, que tinha apenas cinco anos e foi capturado com sua mãe, irmã do Bruce, e o resto da comitiva da rainha em Tain. Entretanto, ambos estavam na Inglaterra. Como o seu filho, o jovem Conde de Mar vivia na corte do Edward na condição de prisioneiro.

Então, por que agora? Por que o rei havia esperado quase três anos para reparar na sua existência? Justo quando havia encontrado um remanso de paz, longe da política e da guerra, Edward aparecia para arrastá-la de volta. Mary sentiu o lento borbulhar de um ressentimento que nem sabia que carregava. Já não tinham tomado o suficiente dela? Por que não podiam deixá-la viver em paz?

Consciente de que ambos a observavam com expressões preocupadas e que não tinha palavras para explicar o que estava sentindo, tentou disfarçar sua reação. "Estava apenas esperando outras notícias, nada mais."

Sir Adam sabia ao que ela se referia. "O Rei tem o vosso filho David em grande estima e parece não ter nenhuma pressa para abrir mão dele. Todavia, não decidiu qual dos barões terá o Conde de Atholl como seu escudeiro, mas creio que há uma boa chance do Percy receber esta honra."

Mary apertou ainda mais os punhos. Era demasiado bom para ser verdade. Lorde Henry Percy, primeiro barão Percy, tinha acabado de comprar o Castelo de Alnwick, em Northumberland. Seu filho estaria tão perto.

"Você acha que …" Não teve coragem de dizer as palavras.

Sir Adam terminou a frase para ela. "Não vejo nenhuma razão para você não ter permissão para vê-lo sempre que as obrigações do jovem assim o permitam. Sempre que-"

Imediatamente, fez silêncio, mas Mary sabia o que ia dizer a seguir.

"Sempre que fizer o que o Edward espera de mim."

Ele deu de ombros, se desculpando. "David, o Conde deseja que você faça esta viagem em seu nome."

Seu coração saltou com entusiasmo embaraçoso. "Ele disse isso?"

Sir Adam assentiu. "Ele não esqueceu que foi você quem pediu ao rei, há dois anos, para lhe devolver as terras inglesas que haviam sido confiscadas após a morte do Atholl."

Foi a única vez que ela havia chamado a atenção do rei para a sua pessoa, de forma intencional. Com a ajuda do Sir Adam e do Sir Alexander Abernethy, que havia se encarregado de reunir o dinheiro necessário para pagar ao De Monthermer, o recebedor temporário do título de conde de Atholl, sua petição tinha sido um êxito. Seu filho havia recuperado parte do seu patrimônio: a metade inglesa.

Se, em algum momento, pensou na possibilidade de recusar, agora sabia que não podia fazê-lo. Seu filho nunca lhe pedira qualquer coisa, antes. Esta era a sua chance de fazer algo por ele. David tinha quase treze anos e ainda seguia sendo quase um estranho para ela. Quanto mais crescia, quanto mais se aproximava o momento de ser nomeado cavaleiro, mais aumentaria o abismo que os separava. Esta podia ser sua última chance de trazê-lo para mais perto.

Havia chegado o momento de manter sua palavra e lutar para que o David recuperasse o título de Conde que havia pertencido ao pai. E, talvez, fosse uma oportunidade de cumprir outra promessa que a atormentava há três anos. Poderia a Janet, por mais inverossímil que parecesse, ter conseguido voltar para a Escócia? Parecia pouco provável, além disso, Lady Christina tinha lhe assegurado que os homens haviam retornado para as Ilhas sozinhos, mas Mary nunca perguntou ao Robert se ele sabia alguma coisa sobre ela. Agora, por fim, podia fazê-lo.

Ecoando seus pensamentos, o bispo falou suavemente: "Está na hora de se decidir, moça."

Mary encontrou o olhar do prelado. Os anos na prisão não tinham sido gentis com William Lamberton. Como ela, estava esquálido, o rosto marcado, ainda que seus olhos continuassem gentis e, estranhamente compreensivos. Suas palavras a tiraram da letargia, quase como se ele estivesse tentando lhe dizer alguma coisa.

“Claro”, assentiu, decidida. "Claro que irei."

Talvez não fosse tão doloroso como temia. Podia ser muito pior. Sempre pensou que, quando o Edward finalmente se lembrasse dela, seria para tentar casá-la com um dos seus barões. Ela estremeceu. Viajar para a Escócia como uma mensageira da paz era infinitamente mais agradável do que isso.

Não tinha a intenção de espionar para o Edward, mas cumpriria seu dever e, logo, retornaria à vida tranquila na Inglaterra e, com um pouco de sorte, poderia ter mais oportunidades de ver o filho.

Sir Adam pareceu aliviado. Pegou a mão dela e deu umas palmadinhas carinhosas. "Isso vai ser bom, você vai ver. Você tem estado sozinha há muito tempo. Tem apenas vinte e seis anos. É muito jovem para se isolar do mundo."

Depois de ter ouvido palavras semelhantes algumas horas antes, Mary reprimiu um sorriso. Sem dúvida, o cavaleiro orgulhoso que virou estadista respeitado, ficaria surpreso ao perceber o quanto tinha em comum com um comerciante. Sir Adam, tampouco, aprovava sua escolha de vestuário, mas suspeitava que ele tinha adivinhado a verdadeira razão por trás daquela decisão.

"Há muitos anos que não vou para os Jogos dos Highlanders", disse Lamberton. "Pelo que me lembro, seu marido foi um concorrente dos mais temidos." Mary lembrava perfeitamente. Foi exatamente ali que sua armadura tinha começado a brilhar. "Vai ser divertido." Então, aparentemente esquecendo de que lado devia estar, acrescentou: "Talvez, um dos concorrentes chame a sua atenção."

Mary pensou que era mais provável – inclusive a apetecia mais – pegar uma praga.


Capítulo Dois

Final de agosto, 1309

Castelo de Dunstaffnage, Lorn, Escócia


Kenneth Sutherland foi cercado assim que entrou no Salão do Castelo Dunstaffnage. Estava acostumado a uma certa quantidade de atenção feminina, mas ainda estava se acostumando à atmosfera frenética dos Jogos dos Highlanders. Os concorrentes gozavam de um status quase divino e os favoritos, assim como ele, eram seguidos por toda a parte por um séquito de admiradoras, cada uma mais entusiasmada que a outra.

Embora, normalmente, não houvesse nada que gostasse mais, do que ser o foco de tantas mulheres bonitas, hoje à noite, estava em uma missão. Enquanto o Rei negociava com os enviados da Inglaterra, ali mesmo em Dunstaffnage, Kenneth tinha concluído sua própria missão de paz. Tinha acabado de chegar do Norte, depois de uma viagem de duas semanas, para apaziguar os ânimos dos Munro, aliados de longa data do seu clã, depois de uma tentativa frustrada do Donald Munro de matar o rei.

Agora que Kenneth, por fim, havia regressado, estava ansioso para falar com o Rei. Bruce, como era conhecido pelas tropas, demorou muito tempo arranjando aquele encontro. Hoje, voltou a se reunir com seus homens nas dependências privadas do castelo, de modo que a conversa teria que esperar.

Devia estar desfrutando do relato pormenorizado das suas façanhas no campo de batalha, mas havia parado um pouco a caminho da sua mesa, bem na frente da plataforma das autoridades, para aceitar os cumprimentos e as provocações das damas, ainda que, mais por costume do que por realmente gostar. Em uma situação normal, sua condição de herdeiro de um título teria assegurado um lugar na mesa principal, sobre a plataforma, mas os Jogos dos Highlanders estavam prestes a começar e quase todos os nobres da Escócia – ao menos os que eram leais ao Bruce – haviam marcado sua presença.

Sua irmã Helen estava sentada na extremidade oposta da mesa e observava seu "rebanho de admiradoras", como gostava de chamá-las, com uma expressão de desgosto. Kenneth lhe respondeu com um suspiro resignado, no qual ela não acreditou nem por um momento. Se aquelas mulheres queriam se jogar nos seus braços, com certeza não ia detê-las.

Supôs que haviam maneiras muito menos prazerosas de passar o tempo do que estar sentado entre duas belas donzelas com uma taça de vinho na mão. Entretanto, sem que servisse de precedente, olhos azuis, lábios vermelhos e decotes pronunciados não bastaram para atrair sua atenção. Seu olhar se fixava na porta das dependências privadas do rei.

"Você vai competir em todos os eventos, meu senhor?"

Kenneth se virou para a mulher à sua esquerda, ciente da pressão suave da sua perna contra a dele. Lady Alice Barclay continuava lhe enviando toda a sorte de sinais, alguns menos sutis. Era impossível ignorar o convite que havia em seus olhos, cada vez que piscava os cílios para ele. Se houvesse alguma dúvida, que não era o caso, ela se inclinou para ele e lhe ofereceu um panorama tão evidente do decote generoso, que era como se estivesse dizendo, me tome.

Ele sorriu. Embora fosse realmente bonita e seus seios, macios e redondos, possuíssem tamanho suficiente para seduzir um monge, este era um convite que não pretendia aceitar. Lady Alice era a jovem esposa de um dos comandantes mais confiáveis do Bruce, Sir David Barclay, o que a convertia em um fruto proibido. Kenneth não ia fazer nada para provocar a ira do rei. Trabalhou duramente para demonstrar seu valor e não estava disposto a jogar tudo fora por uma mulher, por mais tentadora que fosse.

Mas Lady Alice não estava tornando isso mais fácil. Ela se inclinou um pouco mais, descansando a mão sobre sua coxa debaixo da mesa e roçou um daqueles seios generosos no seu braço. Sentiu o roçar do mamilo túrgido através da lã da sua túnica, e não conseguiu evitar que seu corpo reagisse, como se tivesse vida própria.

Um lento sorriso curvou sua boca. Fruto proibido até que o Bruce lhe desse uma resposta; a partir de então, quem sabe, teria que reconsiderar sua decisão.

"Na maioria dos eventos, Lady Alice, embora tema que não seja um dançarino muito bom. Vou deixar a dança das espadas para aqueles que têm a sorte de ter pés mais ágeis."

"Não precisa ser modesto comigo, meu senhor. Ouvi dizer que é bastante ágil. Especialmente com a espada", disse Lady Alice, e como se Kenneth não houvesse captado a mensagem, deslizou lentamente a mão até a protuberância que não parava de crescer entre suas pernas.

Embora estivesse tentado a ver quão longe ela iria levá-lo – ele era um escudeiro na última vez que uma moça lhe acariciou sob a toalha da mesa no meio de uma festa – não ia correr nenhum risco. Com um suspiro de pesar, cobriu a mão da Lady Alice com a sua e a retirou do seu colo. Sorriu, na esperança de aliviar a dor da rejeição.

"No campo de treinamento, talvez. Infelizmente, isso é tudo o que me interessa, agora."

Felizmente, a mulher à sua direita decidiu que já havia dedicado atenção demais à Lady Alice. "Algumas damas já fizeram suas apostas, meu senhor. Creio que você é o favorito para ganhar muitas das competições com armas."

Levantou uma sobrancelha, com falsa decepção. "Só com as armas?"

Lady Eleanor, filha de Sir William Wiseman, outro dos comandantes mais próximos do Bruce, corou, sem perceber que estava brincando com ela. "Talvez o evento de luta livre, também. Mas o Robbie Boyd ainda não disse se vai participar ou não."

Como Kenneth tinha quase certeza que Robbie Boyd era um membro do exército secreto do Bruce, duvidava que o Rei permitiria que se aproximasse das competições. O mesmo podia dizer de Magnus MacKay, Tor MacLeod, Erik MacSorley, e Gregor MacGregor, todos eles campeões nas últimas edições dos Jogos e todos, suspeitava, membros do legendário grupo fantasma dos guerreiros de Bruce. "Legendário" por causa das suas façanhas quase míticas, e "fantasma" porque pareciam capazes de se mover entre as sombras como espectros, suas identidades desconhecidas. O Rei não queria chamar atenção para suas habilidades, não quando os nomes dos membros do seu exército secreto eram tão procurados.

Fazia anos que corriam rumores sobre a existência de um grupo secreto de guerreiros de elite, algo assim como um exército secreto, mas só no ano anterior, no qual ele e o resto do clã Sutherland haviam se unido ao Bruce, que Kenneth tinha descoberto que não só era real, mas seu irmão adotivo tinha feito parte dele, ao menos, até o dia que tinha sido morto em combate. Kenneth tinha a intenção de ocupar o lugar do amigo entre os melhores guerreiros da Escócia e, se os Jogos dos Highlanders eram o campo de recrutamento para o exército secreto, não ia deixar qualquer dúvida quanto às suas habilidades.

Não importava quem tivesse que enfrentar.

"Aceitaria com gosto o desafio", disse ele com sinceridade. Luta livre era um nome meio equivocado. Combate corpo a corpo definia muito melhor no que consistia a competição. Era uma briga corpo a corpo, em campo aberto. Era o combate definitivo, no qual dois oponentes se enfrentavam com nada além dos seus punhos.

Embora Robbie Boyd nunca tivesse perdido um só combate corpo a corpo e fosse considerado por muitos o homem mais forte da Escócia, Kenneth não se assustava com facilidade, o que de vez em quando, o colocava em apuros.

"Está tão seguro assim, Sutherland?" Kenneth enrijeceu ao ouvir a voz familiar vindo de trás dele. "Pelo que me lembro, da última vez as coisas não correram tão bem."

Seus ombros enrijeceram instintivamente, mas quando Kenneth se virou para olhar para o homem que tinha sentado ao lado da sua irmã, enquanto sua atenção estava fixa na porta das dependências do Rei, seu rosto não mostrava nenhum sinal que tinha ouvido a provocação.

Não estava acostumado a evitar uma provocação, ao menos, até o momento. Sangue frio, disse a si mesmo. Kenneth queria mostrar o melhor comportamento possível, mesmo que fosse quase impossível. E não apenas com as mulheres. Estava determinado a manter seu temperamento sob controle e não permitir que aquele bastardo, que logo seria seu cunhado, o fizesse perder a cabeça, por mais que o MacKay parecesse decidido a irritar sua paciência e provar que ele era indigno do exército secreto do Bruce.

Ele não era tão temerário, nem tão impulsivo, maldito fosse!

Magnus MacKay tinha sido seu inimigo, seu castigo e o espinho cravado no seu traseiro, desde que Kenneth tinha idade suficiente para segurar uma espada. MacKay o havia vencido, quando eram jovens, mais vezes do que gostaria de lembrar, ainda que recordasse cada uma delas. Aquilo tinha que acabar. Kenneth estava cansado de ser o eterno vice-campeão e, por isso, havia passado a maior parte dos últimos três anos aprimorando suas habilidades, se tornando um dos melhores guerreiros das Terras Altas. Estava determinado a provar isso ao ganhar um lugar no exército do Bruce. Se MacKay não ficasse em seu caminho, claro.

Olhou para o homem com o qual sua irmã planejava se casar quando terminassem os Jogos e sorriu.

"Pelo que me lembro, você também estava." As feições do Magnus escureceram. Não gostava de perder, tanto quanto o Kenneth, e ambos haviam sido derrotados no mesmo ano pelas mãos do Robbie Boyd. "Mas isso foi há quatro anos. Talvez nós dois tenhamos melhorado?" E, como sempre acontecia em relação ao Magnus, não pôde se conter e, dirigindo-se às mulheres ao seu redor, falou: "Temo, senhoras, que este ano não poderão ver o MacKay lutar. Ainda está se curando de uma lesão no braço."

Todas expressaram sua decepção e desejaram que sua recuperação fosse rápida, enquanto o Kenneth sorria para a carranca do Magnus. Sabia muito bem que o braço do MacKay estava bem, mas o Bruce lhe havia proibido de entrar na competição, assim como sabia o quanto o enfureceria a ideia de ter que se curar; Magnus MacKay, um guerreiro que se orgulhava da sua força e resistência, porque ele sentiria o mesmo.

"Não estou-" MacKay parou tão de repente e com uma expiração tão exagerada que Kenneth suspeitou que o cotovelo da sua irmã tinha acabado de se chocar com suas costelas. Depois de olhar para a noiva, que devolveu seu gesto com um sorriso angelical nos lábios, a ira que transmitia o rosto do MacKay pareceu se dissipar. "Felizmente, conto com a ajuda de uma excelente curandeira, que cuida de mim, para que me recupere o quanto antes."

Foi a vez do Kenneth franzir o cenho com um ar ameaçador. Ao que parecia, ninguém na mesa tinha captado a insinuação sensual das palavras do Mackay, mas ele, com certeza, tinha. A ideia de que aquela besta estava a ponto de se casar com sua irmã mais nova já era ruim o suficiente por si só. Kenneth esperava, no mínimo, que o bastardo mantivesse as mãos longe dela até depois do casamento, ainda que, a julgar pelo rubor no rosto da sua irmã, já era tarde demais.

Estava reconsiderando o voto de não lutar com o MacKay, algo que havia prometido não voltar a fazer, quando a porta que levava aos aposentos do Rei abriu, repentinamente, e por ela começaram a aparecer seus homens. Kenneth estava decidido a conseguir falar com ele desta vez, de modo que se desculpou e cruzou os cinco ou seis metros que o separavam da zona privada do castelo. Os guardas que vigiavam a porta teriam impedido sua entrada, se o Rei não tivesse olhado para cima e acenado para ele entrar.

"Exatamente o homem que eu queria ver. Entre, Sutherland, entre", disse Bruce.

Como o Rei parecia estar o evitando, Kenneth ficou surpreso com suas palavras. "Queria me ver, senhor?"

Bruce o convidou para se sentar na mesa do conselho, exatamente no assento em frente a ele. Apenas alguns homens permaneceram na sala. Kenneth reconheceu o famoso espadachim e treinador Tor MacLeod à sua esquerda, Sir Neil Campbell à sua direita e, para sua surpresa, William Lamberton, o Bispo de St. Andrews, junto a ele. Sabia que o Bispo fazia parte da delegação de paz do Edward, mas o que fazia ali, agora?

Depois que as saudações foram trocadas, Bruce disse: "Você pensou na nossa última conversa?"

Demorou um pouco para o Kenneth perceber sobre o que ele estava se referindo.

Então, se lembrou. A última conversa que teve com o rei foi depois que o seu irmão, William, Conde de Sutherland, anunciou seus planos de casar com a curandeira do seu clã, Muriel, em vez de casar com a irmã do Rei, Christina, quando foi liberada pelos ingleses. O Rei queria uma aliança com os Sutherland e, agora, essa responsabilidade recaía sobre ele, já que o William o havia nomeado como seu herdeiro. Kenneth não sabia os detalhes, mas a Muriel, aparentemente, era estéril. Em algum momento – esperava que daqui a muitos anos – o título de conde recairia sobre o Kenneth ou o seu filho.

Mas encontrar uma esposa não havia estado entre as suas prioridades. Não que ele não quisesse; simplesmente, não lhe importava quem se casaria. Enquanto fosse de origem nobre com as conexões certas e pudesse lhe dar alguns filhos, uma mulher era tão boa quanto outra. Melhor se fosse atraente, uma vez que tornaria mais fácil a geração desses herdeiros, mas tinha experiência suficiente para invocar alguma recordação memorável, se precisasse de um pouco de ajuda.

Se tinha certeza de uma coisa, era que ter uma esposa não mudaria nada na rotina do seu dia a dia. Seguiria se comportando como sempre tinha feito. Sua irmã e seu irmão pensavam de outra forma, mas Kenneth não era movido pela emoção. Para homens como ele, o casamento era um dever. Já tinha amado muitas mulheres; não precisava amar sua esposa, também.

“Sim”, ele mentiu. "Pensei. Você tem alguém em mente?"

Kenneth estava esperando que o rei oferecesse sua irmã, Christina, do mesmo modo como a tinha oferecido, antes, ao seu irmão Will. A ex Condessa de Mar ainda estava retida na Inglaterra, assim como o seu filho, o atual conde de Mar. Kenneth sabia o quanto era importante para Bruce unir todos os Condes escoceses sob o seu estandarte e o próximo marido da Condessa poderia ser determinante.

Entretanto, Bruce falou de outra Condessa viúva – a do Atholl. "Eu não tenho certeza se você está ciente, mas a minha ex cunhada, Mary, faz parte da delegação do Edward." De repente, a presença do Bispo fez um pouco mais de sentido. Kenneth recordava, vagamente, de ter visto a esposa do Atholl uma vez, anos atrás, quando ainda era escudeiro do conde de Ross. Lembrava que era muito bonita e muito mais jovem que o marido. Também sabia que, depois da execução do Atholl, havia permanecido na Inglaterra, quase como uma prisioneira.

Assentiu e o Bruce continuou: "Sempre a tive em grande estima. Era apenas uma criança quando me casei com a irmã dela e pensei que se pudesse convencê-la a se casar novamente com um dos meus homens…"

Ele não precisou dizer o resto. Tal como aconteceu com Christina Bruce, Mary de Mar tinha um filho pequeno, conde na Inglaterra. Um marido adequado poderia convencê-los, a ela e ao seu filho, a se unirem à causa do Bruce, ainda que tivessem um grande obstáculo. "Duvido que o Edward aprove a união."

Bruce sorriu ironicamente. "Tal como as coisas estão agora, você tem razão. Mas podemos ser capazes de contornar isso. No entanto, temos um problema maior."

"Do que se trata?"

Desta vez, foi o Bispo quem respondeu. "A moça não tem interesse algum em casar, novamente." Fez uma pausa. "Os últimos anos foram muito difíceis para ela."

Compreensível, dadas as circunstâncias. Kenneth sabia que o Atholl havia sido enforcado sob a acusação de ser um traidor e teve que reprimir o impulso de levar uma mão ao pescoço.

"A quem ela é leal?"

O Rei e o Bispo trocaram olhares, mas foi Bruce quem falou.

"Ao filho, mas além disso, não tenho certeza. Sei que não tem demasiado apreço pelo Rei inglês, mas desconheço se ela estaria disposta a convencer seu filho a se juntar às nossas fileiras." Ele sorriu. "Minha ex cunhada é muito mais obstinada do que me lembrava e muito mais diplomática em suas respostas. Não creio que consiga descobrir nada. Tudo o que eu peço é que você a encontre e veja se é do seu agrado. Se não, disponho de outras mulheres para você considerar."

Passaram algum tempo discutindo outras possibilidades, mas era difícil para o Kenneth fingir entusiasmo, quando tinha outra coisa muito mais importante na cabeça. Finalmente, teve uma oportunidade quando a reunião terminou.

"Senhor, há algo que gostaria de discutir, se puder me dispensar mais alguns minutos."

O Rei assentiu e Kenneth suspeitou que já sabia do que se tratava quando pediu ao Campbell e ao bispo para lhes deixarem a sós, mas não ao MacLeod. Podia sentir o olhar intenso do chefe das Ilhas cravado sobre ele, mas dirigiu suas palavras para o Bruce.

"Quero entrar. Quero fazer parte do seu exército secreto." Considerou um bom sinal quando nenhum dos dois protestou com um ‘que exército secreto?’, assim, continuou. "Creio que já provei minha lealdade a você, nestes últimos meses."

Kenneth fazia parte da comitiva real em seus deslocamentos através das Terras Altas e havia ajudado a salvar a vida do Rei, duas semanas atrás, quando um assistente do seu irmão, ajudado por um grupo secreto de assassinos ao estilo sarraceno, haviam tentado atentar contra o monarca.

"Certo, você provou", o Rei concordou.

Não devia ter que provar seu valor, maldição. "Se duvida das minhas habilidades na batalha, estou disposto a duelar com qualquer homem-"

MacLeod arqueou uma sobrancelha para provocá-lo, mas foi o Rei quem o interrompeu. "Suas habilidades não estão em causa."

"Não sou tão experiente no uso da pólvora quanto o Gordon, mas tenho algum conhecimento."

Seu amigo, irmão adotivo e membro do exército secreto do Bruce, William Gordon, havia perdido a vida no ano anterior em uma explosão. Kenneth suspeitava que uma das razões pelas quais havia entrado no grupo foi, precisamente, o conhecimento incomum da pólvora sarracena.

MacLeod e o Rei trocaram outro olhar, mas ambos permanecerem em silêncio. Apesar das suas intenções, Kenneth começou a sentir que sua paciência se esgotava.

"É por causa do MacKay, não é?"

"Ele expressou alguma preocupação", o rei admitiu.

"Ele diz que você é impulsivo, tem um gênio ruim e que lhe falta disciplina", disse MacLeod, sem rodeios.

Kenneth engoliu a raiva. Como suspeitava, Bruce o queria na equipe, mas não iria lhe oferecer um posto, a menos que o MacKay estivesse de acordo.

"Se ele quis dizer, na realidade, que sou batalhador, agressivo e que não tenho medo de nada, não vou discutir isso. Se você quisesse disciplina, suponho que estaria em um torneio de cavaleiros, não nos Jogos dos Highlanders. Nós, os guerreiros das Terras Altas, não somos disciplinados. Lutamos para vencer." Fez uma pausa, vendo a sombra de um sorriso curvar a boca do Bruce. "Se o MacKay der seu consentimento, você consideraria?"

Depois de um momento, o Rei concordou.

Kenneth se virou para ir ter uma conversa franca com seu futuro cunhado, quando o MacLeod o deteve. "Antes, vai ter que provar seu valor para mim."

A maneira como ele disse isso, sugeriu que não ia gostar do que o MacLeod tinha em mente. Por sorte ou azar, estava acostumado a ter que provar seu valor; Kenneth fazia isso desde o dia em que nasceu, porque até nisso, havia sido o segundo.

Kenneth esperou sua irmã deixar o salão antes de confrontar o homem com o qual sua irmã mais nova pretendia se casar, só Deus sabia por quê. Se interpôs no seu caminho, quando ele saía da torre em direção às barracas. "Pensei que tínhamos um acordo."

MacKay sorriu. "Que acordo?"

Cerrou os dentes, e reuniu toda sua paciência. "Eu não tentaria impedi-lo de se casar com a minha irmã, e você não tentaria me impedir de entrar no exército secreto."

"Lembro-me de uma conversa sobre o assunto, mas não me lembro de ter concordado com qualquer coisa. E se você acha que poderia me impedir de casar com a Helen, gostaria de vê-lo tentar."

Kenneth franziu o cenho, sabendo que ele estava certo. Sua irmã havia deixado claro que a sua opinião sobre o casamento dela não importava. Que Deus o livrasse de uma mulher moderna e "independente" como a Helen! Preferia as doces e submissas, como cordeirinhas.

A verdade é que, se não estivesse tão acostumado a odiar o MacKay, podia, na verdade, até gostar do bastardo. Seus antepassados Sutherland provavelmente estavam rolando em seus túmulos diante de tal sacrilégio. Os MacKays e os Sutherlands eram inimigos desde quando conseguia se lembrar. MacKay podia ser um bastardo teimoso, mas também era um dos melhores guerreiros com os quais Kenneth já havia lutado junto.

"Talvez não, mas não acho que você quer ser a causa da discórdia entre a Helen e eu. Ela te ama, não tenho a menor dúvida, mas também ama a mim."

MacKay franziu a testa, como se não tivesse gostado de ser lembrado disso. "O que você quer? Se acha que vou cantar suas virtudes para o Bruce…"

"Não preciso que me elogie, posso fazer isso por mim mesmo, no campo de batalha. Só preciso que você fique fora do meu caminho."

Seu velho inimigo e adversário de longa data o olhou com cautela. "Tenho que admitir que você não é ruim, mas ‘não ser ruim’ é bem diferente de ser o melhor. Não está mais lutando com os ingleses", disse sarcasticamente, se referindo à recente mudança dos Sutherlands em obséquio do Bruce. "Tem certeza que pode competir com a elite dos guerreiros escoceses?"

"Não só competir, mas ganhar." Fez uma pausa. "Olha, sei que você precisa de alguém para ocupar o lugar do Gordon."

"Ninguém pode ocupar o lugar do Gordon", MacKay respondeu.

Seus olhos se encontraram. Compreendia aquelas palavras melhor do que ninguém. Gordon havia sido seu irmão de criação, mas também foi companheiro de equipe do MacKay. Um amigo para ambos, por mais irônico que fosse, levando em conta a inimizade que os separava.

"Você tem razão. Mas sou o melhor homem para esse posto, depois dele, e você sabe disso."

MacKay guardou silêncio, como se ao fazê-lo, desse razão a ele, e Kenneth, que havia captado a guarda baixa do oponente, partiu para o ataque final.

"Bruce já recrutou outros homens nos Jogos dos Highlanders, antes. Aposto o que você quiser, que foi assim que você chamou sua atenção, quatro anos atrás." Mais silêncio. "Que este ano não seja diferente. Se eu for o campeão absoluto, você concorda em não interferir mais."

Era uma aposta arriscada. O campeão absoluto era o competidor que obtinha a classificação mais alta em todos os eventos. Se queria alcançar tamanha distinção, tendo em conta que não era um dançarino muito bom e seu estilo como nadador estava longe de ser perfeito, teria que ir muito bem em todos os outros eventos.

McKay balançou a cabeça. "Não é suficiente. Este ano, vários dos melhores concorrentes não estarão competindo."

Se referia a si mesmo, assim como os demais membros do exército secreto.

Kenneth tentou controlar seu temperamento, mas o MacKay estava tornando isso malditamente difícil. Era um bastardo provocador.

"Então, o que você sugere?"

"Ganhar todas as competições e eu mesmo lhe darei as boas-vindas ao exército."

Ele não podia estar falando sério. "Todas?"

"Apenas as competições com armas", MacKay esclareceu, como se fosse a coisa mais razoável do mundo.

"Ninguém nunca conseguiu algo assim." Kenneth estava tão indignado que, por um momento, temeu que as palavras não saíssem.

MacKay deu de ombros, sem se preocupar em esconder o sorriso.

Kenneth amaldiçoou sua própria arrogância, entre os dentes, que agora o MacKay tinha virado contra ele.

"Você sabe que não sou muito bom com o arco. Nem você, se bem me lembro. Gregor MacGregor pode não estar competindo, mas seu irmão mais novo, John, está e segundo o que dizem, é quase tão bom quanto ele."

"De acordo. Eliminamos o arco, mas você vai ter que vencer a competição de luta livre, em vez disso."

Kenneth rangeu os dentes. Sangue frio, maldito fosse. Mas ainda podia sentir o calor cada vez mais intenso que corria pelas suas veias. MacKay o tinha encurralado e sabia disso. "De acordo. Trato feito."

Se afastou para o lado para que MacKay pudesse passar, ou pavonear-se, o bastardo presunçoso.

"Boa sorte, Sutherland. Você vai precisar dela."

Kenneth não ia lhe dar a satisfação de mostrar sua raiva. Não importava o quanto custasse, ia ganhar.

Se havia algo que o Kenneth sabia fazer, era lutar. Vinha fazendo isso, praticamente, desde o dia em que nasceu. As coisas nunca haviam sido fáceis para ele, mas não importava. Com o tempo, havia ganhado força e determinação.

Estava prestes a voltar para o salão do castelo em busca de uma boa jarra de cerveja com a qual esfriar sua ira, quando um grupo de mulheres o cercou e, de repente, lhe ocorreu uma forma melhor de acalmar seu temperamento.

Quem sabe, havia algo que sempre acabava sendo insultantemente fácil.


Capítulo Três

Mary decidiu deixar o bordado depois do terceiro erro nos últimos dez minutos. Tinha que fazer alguma coisa. Estava tão inquieta. Esticar as pernas, talvez? Apesar do adiantado da hora, decidiu fazer uma caminhada.

A viagem, regressar à casa depois de tantos anos, o simples fato de estar na Escócia novamente, tudo isso a tinha afetado mais do que havia imaginado. Embora seus familiares mais próximos já tivessem partido, ver Lady Christina, Lady Margaret (a irmã do Atholl que agora estava casada com o chefe do clã MacKenzie), e até mesmo o Robert, estava sendo quase que esmagador.

Todas as memórias que tinha mantido tão cuidadosamente trancadas dentro do seu coração estavam ameaçando explodir. Não queria se lembrar. Não queria lembrar da perda dos seus. Não queria pensar na Escócia como sua casa, quando sua vida estava na Inglaterra.

Apesar de estar aqui somente há uma semana, a atração era tão forte que ameaçava destruir o contentamento que tanto lutou para conseguir. Era como se houvesse limpado um pedaço de ardósia, só para descobrir, mais tarde, que as linhas tinham sido gravadas na pedra, não feitas com giz.

Pior, sua missão tinha sido um fracasso. As negociações de paz tinham empacado, como sempre ocorriam quando se tratava de reconhecer a realeza do Bruce. Robert se recusava a assinar um tratado de paz que não reconhecesse sua soberania e Edward se recusava a assinar um que a reconhecesse. Nenhuma mulher, por mais persuasiva que fosse, podia mudar isso.

Como esperava, Robert foi simpático e compreensivo com respeito à situação do seu filho – ainda que não tivesse nenhuma intenção de devolver suas terras – mas também não reconheceria o David como Conde de Atholl até que ele jurasse lealdade a elas. Algo que era impossível enquanto seu filho estivesse nas mãos do Edward.

O impasse continuou.

Além disso, tal como esperava, Robert parecia pouco disposto a compartilhar seus segredos com ela, pensou Mary com um sorriso irônico nos lábios, especialmente depois que lhe disse, abertamente, que o Edward queria que o espionasse para ele. Por isso, se tinha algum segredo obscuro, devia fazer o favor de se assegurar que ela o descobrisse facilmente.

Depois de um momento de choque, Robert desatou a rir e disse que ela falava como a sua irmã. Se referia a Isabel, a jovem corajosa e sincera pela qual Bruce tinha se apaixonado quando era um rapaz de dezoito anos, e que tinha morrido alguns anos mais tarde, no parto. Mary não tinha percebido o quanto tinha mudado, mas sabia que seu cunhado estava certo.

Quanto à presumida morte da Janet, sua tristeza tinha sido quase tão grande quanto a da Lady Christina e, tal qual a viúva do seu irmão, alegou não saber nada do que tinha acontecido com ela.

A delegação de paz tinha conseguido um pequeno sucesso, no entanto, ao estender a trégua até novembro.

Mary podia ouvir os sons alegres que vinham do salão, quando se apressou a descer a escada dos aposentos que dividia com algumas outras damas e as duas donzelas que o Edward havia colocado ao seu serviço, provavelmente para manter um olho nela.

Os guerreiros podiam dançar até o amanhecer e, a julgar pela algazarra, o banquete ainda não havia terminado. Quem sabe, deveria…

Se deteve antes de terminar a frase. Havia feito o correto ao se desculpar por não comparecer ao banquete hoje à noite. Não podia se permitir ao luxo de se deixar levar.

Estava se esforçando para se manter isolada, mas estava ficando cada vez mais difícil ficar longe das festividades. Cada vez mais difícil não se enredar na torrente de emoções, na diversão que percorria o castelo dia e noite.

Deus, quanto tempo fazia desde que tinha se divertido? Já tinha quase esquecido como era.

Estar ali a fez recordar, não só dos bailes intermináveis e das risadas, mas sim de muitas outras coisas mais.

Mais uma semana. Isso era tudo o que precisava aguentar. O grupo partiria no término dos jogos e, então, poderia voltar para a sua vida na Inglaterra.

Mas os sons ao seu redor, pareciam desafiar sua força de vontade. Música. Vozes. Risos. Aqueles eram os sons da vida.

Não. Afastou a ideia. Tranquilidade. Paz. Solidão. Independência. Era isso o que queria para sua vida.

Encontrar essas coisas em um castelo no meio dos Jogos dos Highlanders, no entanto, era praticamente impossível. Cruzou o corredor rapidamente e foi até a muralha, se dirigindo para a porta traseira, que dava na praia.

Ali teria, por fim, a paz que tanto ansiava, acompanhada unicamente por um céu espetacular, iluminado pela lua. As estrelas eram diferentes nas Terras Altas. Maiores, mais brilhantes, mais próximas. Sua mãe lhe havia dito que era porque as Terras Altas ficavam mais perto do céu. Mary quase podia acreditar nisso.

As estrelas na Inglaterra eram—

Se deteve de novo no meio da frase. Não podia seguir fazendo comparações entre as duas terras; só tornaria a despedida muito mais difícil.

Não deseje aquilo que não pode ter.

Estava prestes a passar pelos estábulos quando ouviu um ruído que a fez parar, imediatamente. Soou como um gemido de dor. Olhou ao redor e, não vendo ninguém, pensou que era estranho não ter ninguém na entrada dos estábulos. Estava prestes a ir embora, quando ouviu aquilo de novo, desta vez mais alto e seguido por um grunhido sonoro.

Algum dos cavalos estava em perigo?

Correu para o interior do edifício seguindo a luz das tochas, mal percebendo o cheiro pungente dos animais e do feno que a atingiram no momento em que entrou.

Duas tochas tinham sido fixadas nas colunas da entrada, que projetavam luz suficiente para ver que nada parecia fora do comum. Bem, exceto pela ausência de quaisquer pessoas para vigiar os animais. Os cavalos estavam todos em suas baias e-Imediatamente, ficou imóvel ao ouvir o som estranho novamente. Então, como se tivessem vida própria, seus pés começaram a se mover na direção do som, que parecia estar vindo de uma das baias no canto mais distante do edifício. Mais gemidos e gritos. Não pareciam animais, percebeu, mas sim…

Um arrepio percorreu sua espinha, uma espécie de premonição, exatamente antes da cena se materializar diante dos seus olhos.

Humano.

Parou abruptamente, como se tivesse se chocado contra uma parede. Prendeu a respiração, o corpo congelado, em estado de choque. A visão que estava diante dos seus olhos era diferente de tudo que já tinha visto. De repente, sentiu como se a tivessem empurrado em um antro de pecado, em uma orgia de sensações, em um banquete sensual para os olhos.

Um homem – de constituição poderosa e musculatura impressionante – nu até a cintura, com as calças abertas e quase escorregando pelas nádegas, estava de joelhos sobre o feno, segurando os quadris de uma mulher, apoiada sobre as mãos e os joelhos, diante dele. Estava mergulhando dentro e fora, por trás dela. Os olhos da Mary se arregalaram. Por trás!

Sua primeira reação foi de preocupação. Ele a estaria machucando? Mas, embora visse a cena de lado, pelas pálpebras meio cerradas e os sons de prazer que a mulher não fazia nenhum esforço para conter, estava gostando. Bastante.

Mary sabia que devia sair, mas seus pés pareciam incapaz de fazer um só movimento. Estava paralisada pelo olhar de êxtase no rosto da mulher. Não a reconheceu, mas era jovem, provavelmente, dezenove ou vinte anos, e muito bonita. Seu longo cabelo loiro estava solto e caía em torno dos seus ombros em ondas suaves. Tinha um corpo voluptuoso, com quadris largos, seios fartos e pernas suavemente torneadas. Embora, tecnicamente, a mulher estivesse vestida, seu vestido estava aberto, ao ponto de escorregar dos seus ombros e a bainha levantada até a cintura, deixando poucas partes do seu corpo não expostas.

"Oh, sim!" Exclamou a mulher. "Deus, isso é tão bom. Você é tão grande." Ela tinha as costas arqueadas e balançava os quadris contra ele, ansiosamente.

Os movimentos do homem, pelo contrário, eram quase preguiçosos. Se inclinou sobre ela e acariciou um dos seios generosos, o que provocou uma sucessão de gemidos e gritos frenéticos.

Mary não conseguia desviar os olhos das mãos daquele desconhecido. Bronzeadas pelo sol, em contraste com a suave palidez da pele da mulher, eram grandes, bem formadas, e tão fortes quanto o resto da sua aparência. Todo ele parecia uma arma de guerra, esbelta e perfeitamente polida. Atholl também tinha sido um homem musculoso, mas o que estava na frente dela, desafiava qualquer comparação.

Um ferreiro podia ter forjado o amplo escudo do seu peito, e nem uma grama de gordura cobria os picos e os músculos que se estreitavam em um V, até a cintura e os quadris. Tinha o estômago coberto por músculos grossos, como degraus esculpidos diretamente sobre a parede de granito de um penhasco. Inclusive as linhas arredondadas do seu traseiro pareciam firmes e musculosas. E que braços.... Eram como aríetes, grossos e poderosos, dobrando-se e estendendo-se a cada movimento.

Músculos como aqueles só se conquistavam no campo de batalha.

A perfeição do seu corpo podia criar a ilusão de estar à frente de um deus grego, mas as inúmeras cicatrizes davam prova da sua humanidade. Ainda assim, era algo belo, digno de se admirar. Duro e esculpido como se fosse uma estátua, porém bronzeado e irradiando calor.

Ou, talvez, o calor se desprendia dela. Bastou um olhar para ele para fazê-la se sentir toda quente e formigando.

"Você gosta disso, meu doce?" Ele sussurrou.

Mary estremeceu ao som da sua voz. Por todos os santos! Era rouca e profunda, quase hipnótica, e carregava um encanto cheio de sensualidade. Era a voz do pecado, e cobriu o corpo da Mary com um intenso calor.

"Diga-me o que você quer", ele murmurou, tecendo sua teia sensual em torno de ambos. Era como se estivesse se dirigindo a ela.

Mary queria olhar para o rosto dele, mas não conseguia tirar os olhos das suas mãos. Ele estava acariciando o mamilo da mulher entre os dedos, como se o massageasse e, em seguida, o apertou suavemente. Ver aqueles dedos, grandes e masculinos, trabalharem com tanta destreza…

Notou seus próprios seios pesados, os mamilos duros sob a lã grossa do vestido.

A mulher parecia incapaz de dizer uma só palavra. Seus olhos estavam fechados, os lábios entreabertos, com uma expressão de êxtase total.

Repentinamente, um torvelinho de recordações que haviam sido enterradas há muito tempo, golpeou Mary. Sentimentos e sensações que a tinham deixado confusa aos quinze anos e que haviam se intensificado aos dezoito, voltaram mais claros e mais fortes. Muito mais fortes.

Paixão, Mary percebeu. Em um olhar viu a realização de algo que nunca tinha conhecido, mas instintivamente sempre tinha desejado. Como invejava aquela mulher!

"Por favor", implorou a desconhecida.

Ela queria algo e parecia cada vez mais ansiosa para encontrá-lo. As poderosas mãos do homem começaram a vagar pelo seu corpo, tocando-a de maneiras que pareciam aumentar a agonia da mulher. Ou o prazer; ambas as sensações pareciam haver se convertido em uma só. Ele estava provocando-a com cada carícia das suas mãos, calculadas para atiçar as chamas do seu desejo.

Seus quadris se moviam em um ritmo constante, lento e pausado, com investidas longas e profundas. Não se pareciam em nada com o assalto apressado e torpe do qual Mary se lembrava e cujo principal objetivo parecia ser acabar o quanto antes.

O objetivo daquele desconhecido era provocar prazer.

Meu Deus, ele se preocupava com o prazer dela. Todos os seus esforços pareciam estar focados na mulher. Ele estava se movendo como se tivesse todo o tempo do mundo.

Mas a mulher parecia não aguentar mais. "Por favor …"

Mary se apiedou dela ao ponto de quase suplicar ao indivíduo que fizesse o favor de aliviar o sofrimento daquela pobre criatura.

Mas o certo era que a mulher não sofria e nem era uma pobre criatura, mas sim que estava no céu.

O homem deslizou a mão entre as pernas da mulher e seus dedos mergulharam naquele lugar…

Mary engasgou, sentindo um intenso calor entre as pernas, quase como se ele a estivesse tocando lá, também. Se sentia tão incomodada e quente, que teve que trocar de posição. O ambiente nos estábulos era sufocante, o espaço, demasiadamente íntimo.

Mal conseguia respirar, imaginando o que viria a seguir.

O homem se inclinou para frente e, puxando a mulher contra ele, pousou a boca sobre a sua nuca, mordiscando-a, quase como se fosse um cavalo.

Era isso o que ele era, um garanhão, Mary pensou. Um exemplar belíssimo, esbelto, elegante e musculoso, exalando uma força primitiva. Uma criatura magnífica, um prazer para os olhos.

Mesmo de perfil, era evidente que se tratava de um homem atraente. Tinha cabelos escuros e ondulados, um pouco mais longos do que o habitual, um nariz que parecia ter sido quebrado mais de uma vez, mas que ainda conservava suas proporções e a forma original, as maçãs do rosto altas, uma boca generosa, e uma mandíbula proeminente e poderosa.

Mary estava convencida de que ele era um Lorde. Ainda que não tivesse visto o cabo da espada – adornado com pedras preciosas e que descansava contra um banquinho ao lado da sua veste de couro – a aura de arrogância e autoridade que ele desprendia era estranhamente familiar.

Era inegavelmente atraente, disso não havia a menor dúvida, mas o que a impedia de desviar o olhar, o que a havia deixado sem alento, com a pele corada e os seios pesados, era o que ele estava fazendo com a mulher.

Por um momento desejou que estivesse fazendo aquilo com ela.

De repente a mulher ficou imóvel e gritou, e seu corpo tremeu com a liberação de algo incrível. Mary não conseguia desviar o olhar. O rosto da desconhecida expressava tal arrebatamento, que era próximo ao divino. Era incrível!

Quando, por fim, terminou, o corpo da mulher estava completamente mole, como se seus membros houvessem perdido os ossos. A única coisa que a mantinha segura, eram as mãos do homem.

Mary as observou, com seus dedos grandes e poderosos, e seguiu braço acima, pelo estômago coberto por grossas faixas de músculos, através do peito, imponente e masculino, até o rosto igualmente impressionante que, agora, estava virado na direção dela.

Meu Deus, ele estava olhando para ela! Permaneceu imóvel, cravada no chão por aquele par de olhos azuis, sentindo o choque não apenas por ter sido descoberta, mas sim porque, imediatamente, voltou a ficar dolorosamente consciente da sua própria presença.

Dizer que era atraente era um eufemismo. Era um dos homens mais bonitos que já tinha visto. Com um olhar profundo e brilhantes olhos azuis em contraste com o tom escuro do cabelo, a boca sensual e generosa, o nariz que tinha sido quebrado em mais de uma ocasião (como tinha previsto), mas cujo formato só potencializava o apelo masculino. Nenhuma das suas características era perfeita, mas todas juntas…

Esteve a ponto de soltar um suspiro sonhador. Juntas, eram incríveis. Duras, físicas, brutalmente masculinas. Aquele era um rosto capaz de comover até mesmo o coração mais impassível.

Mas foi a forma com a qual estava olhando para ela que fez com que seu estômago caísse aos pés dela.

Os sentidos aguçados de guerreiro tinham alertado Kenneth da presença da mulher bem antes de ouvir sua exclamação de surpresa. Não teria durado muito tempo em uma guerra se alguém pudesse se aproximar dele com sigilo, mesmo quando se encontrava imerso em atividades menos bélicas e mais prazerosas.

Apesar de que “imerso”, seguramente, não era o melhor termo para descrevê-lo. Imerso implicava interesse, e naquele preciso instante, estava lutando arduamente para mantê-lo. Havia começado a suplicar silenciosamente que a mulher gozasse o quanto antes, quando a desconhecida os encontrou.

Em um castelo tão abarrotado quanto aquele, era muito comum encontrar pessoas aliviando suas necessidades mais básicas. Não era comum, no entanto, ficar e observar o espetáculo.

Em vez de correr envergonhada como Kenneth esperava que fizesse, como ela deveria ter feito, a mulher pareceu ficar paralisada. No início, quando tinha visto a touca e aquela cor tão escura por todas as partes, pensou que era uma freira. A única coisa que faltava era o escapulário sobre a lã do vestido.

Intrigado por sua vestimenta puritana e não querendo assustá-la, evitou olhar diretamente no seu rosto e se limitou a observá-la com o canto do olho. Não que parecesse provável que ela captasse o seu olhar, já que seus olhos não se afastaram nem um segundo do rosto da mulher que estava embaixo dele.

Lady Moira havia parecido a opção mais inteligente, entre todas as que haviam se apresentado aquela noite. Ultimamente, escolher uma companheira de cama estava se tornando algo cada vez mais complicado. Tinha que evitar qualquer conexão direta com o Rei ou com alguns dos seus senhores importantes, se não quisesse se meter em problemas e, como acompanhante viúva da Lady Elizabeth Lindsay, Lady Moira não aparentava poder provocar muitas dores de cabeça.

Além disso, era jovem, saudável e disposta a agradá-lo. Uma combinação perfeita, na sua opinião.

Só que ele não tinha sido capaz de sentir muito entusiasmo diante da tarefa. Tais interlúdios cada vez se tornavam mais rotineiros e repetitivos. Intercambiáveis.

Até então, havia atribuído sua falta de interesse à preocupação com a tarefa que tinha adiante, mas talvez fosse outra coisa. Talvez, precisasse de um pouco de emoção.

E aquela intrometida acabava de proporcioná-la.

O certo é que não sabia muito bem por quê. A primeira impressão havia sido a de um fantasma, uma criatura incolor, escondida debaixo das roupas mais feias e disformes que já tinha visto em uma mulher que não tinha idade suficiente para ser sua avó ou que vivia em um convento.

Aquela desconhecida não era nenhuma das duas coisas. O rosto miúdo, meio escondido atrás de um par do que imaginou que seriam óculos, não apresentava uma ruga, e os anéis que usava nos dedos, junto com o broche que adornava o vestido, sugeriam que se tratava de uma dama de certa posição. Talvez, como a Lady Moira, fosse acompanhante de alguma das nobres que abarrotavam o castelo.

Quando olhou para ela, pela primeira vez, achou que havia algo familiar. Talvez houvessem sido apresentados no passado, mas Kenneth não conseguia recordar quando ou onde.

Não era de se estranhar. Toda ela parecia perfeitamente esquecível, quase perfeitamente esquecível. Havia algo obscuro nas feições delicadas, um eco de uma beleza que não podia ser completamente apagada.

Kenneth desejou poder observar melhor os olhos dela. E o seu cabelo, ainda que, pelo castanho claro das sobrancelhas levemente arqueadas, suspeitava que fosse loiro.

Não havia um só motivo lógico para que a mulher insossa e sem graça, que não despertava nele a mínima excitação, pudesse inspirá-lo.

Queria deixá-la sem palavras, ver a pele pálida das bochechas, corar. Escandalizar a seriedade da sua fachada puritana. Lhe oferecer um espetáculo que jamais esqueceria.

A desconhecida parecia absorta no prazer da Lady Moira, como se nunca tivesse visto nada parecido. Imediatamente, Kenneth compreendeu que era, precisamente, o que ocorria e decidiu instruí-la na arte do amor. Ele sempre se preocupava com o prazer das suas amantes, mas desta vez se estendeu, propositadamente tocando a Lady Moira em lugares que sabia que escandalizariam a desconhecida.

E assim foi, até que, para sua surpresa, também a excitou.

Ambos se excitaram. Quando a respiração da pequena voyeuse ficou mais rápida, mais superficial, Kenneth sentiu que seu próprio corpo responder. De repente, tudo parecia desprender mais calor e estava muito mais duro.

Não podia acreditar – aquela pequena ratinha havia sido capaz de despertar seu interesse.

Inferno, se soubesse quão divertido seria ter alguém a observá-lo, teria feito isso há muito tempo atrás.

Apenas podia conter a excitação. Por um momento ficou tentado a demorar um pouco mais, mas mal podia esperar para ver como ela reagiria ao que ia fazer a seguir. Estava convencido de que ela ia gostar. Quase tanto como a Lady Moira.

Introduziu o pênis até o fundo, deslizando uma mão entre as pernas da Lady Moira e acariciando-a até que ela começou a gozar, entre gemidos suaves e agudos.

Kenneth, por sua vez, manteve o olhar fixo na intrusa o tempo todo. Observou seu rosto suavizar, os lábios se abrirem ligeiramente, e seus olhos se encherem de um anseio tão cru e tão sincero, que teria dado qualquer coisa, naquele momento, para ser o único a lhe dar o prazer que ela tanto ansiava.

Jesus. Sentiu os músculos do estômago se contraírem, em uma vã tentativa de lutar contra a investida daquela luxúria incontrolável. Não esperava algo assim, não esperava que o afetasse tanto, mas presenciar semelhante despertar no seu rosto, a combinação de choque e desejo – reticente, mas ainda assim, desejo - foi uma das coisas mais eróticas que já tinha visto.

Já não tinha dúvida de que seria capaz de gozar.

Quem podia imaginar que debaixo de um exterior tão maçante e apático se escondia tal luxúria e paixão?

A moça não tinha ideia do que estava fazendo com ele, mas Kenneth queria que ela soubesse, queria que ela olhasse para ele.

Finalmente, ela o fez.

No começo, ficou um pouco irritado quando Lady Moira pediu para ele tirar a camisa, sentindo-se um pouco como um garanhão no mercado. Agora, sem dúvida, ficou feliz porque podia ver a admiração aberta e o desejo inocente no olhar da mulher, que percorria cada centímetro da sua pele nua.

Sim, ela o queria. Mas o mais surpreendente era que ele também a queria. Como desejava que fosse o corpo dela que estivesse à sua mercê agora mesmo, e não o da Lady Moira.

Quando seus olhos se encontraram, ele a deixou ver exatamente o que estava pensando. Seus olhos pareciam enormes por trás dos discos de cristal dos óculos e se abriram ainda mais quando sentiu a força da sua luxúria, que os envolvia, os apertava, e os atraía, um para o outro, como se não houvesse mais ninguém ali.

Kenneth podia notar o sangue correndo com força em suas veias, as sensações que se avolumavam na base da sua espinha e sabia que não aguentaria muito mais.

Sem pensar no que estava fazendo, mas consciente que não queria que nada – nem ninguém – se interpusesse entre eles, se afastou da mulher debaixo dele e cerrou a mão ao redor do seu pau para, mantendo o olhar na outra mulher, começar a se masturbar. Imaginou que era ela quem o tocava, seu calor, intenso e úmido, levando-o até o limite. O olhar ansioso da desconhecida não fez mais do que facilitar as coisas.

Grunhiu entre os dentes e acelerou o ritmo dos movimentos. Até que o último músculo do seu corpo se contraiu, com antecipação. Podia sentir. Quase…

Os olhos da mulher não haviam deixado os seus, mas sabia que ela tinha adivinhado o que estava fazendo porque abriu a boca, surpresa. Um O perfeitamente redondo.

Imediatamente, sua respiração se transformou em um suspiro chocado, e o som erótico da sua voz o levou até o orgasmo. Contraiu as nádegas e deixou escapar um suspiro profundo, enquanto libertava seu prazer em uma torrente cálida e pulsante.

Quando terminou, seus olhos se encontraram, presos em uma consciência quase primitiva. Kenneth quase podia sentir a batida frenética do coração da mulher sobre o seu, e ouvir a respiração acelerada como se estivesse sussurrando no ouvido. Teria dado quase qualquer coisa pela oportunidade de tocá-la naquele instante precioso, para deslizar a mão entre as coxas dela e sentir o calor e a umidade que sabia que ia encontrar ali. Quantas carícias seriam necessárias para levá-la ao limite?

Mas o encanto foi quebrado por Lady Moira. "Isso foi incrível. Fico feliz em dizer que, desta vez, os rumores não exageraram nem um pouco. Você é um maestro com essa longa espada que empunha."

Kenneth sentiu uma picada de aborrecimento, sem dúvida, de forma injustificada. A única coisa que havia lhe interessado na mulher era a possibilidade de poder dar uma boa trepada, então por que esperava um comentário mais interessante do que uma referência ao tamanho do seu pênis?

Lady Moira tinha caído no chão coberto de feno quando a soltou, mas já havia se recuperado o suficiente para se colocar em uma posição ligeiramente mais elegante, de costas.

Kenneth havia esquecido dela, assim como a intrusa. Teve tempo, apenas, de vislumbrar a expressão horrorizada no seu rosto, antes que ela desse a volta e saísse correndo do estábulo, como se o diabo estivesse nos seus calcanhares.

Ele a deixou ir, apesar de uma parte dele desejar sair correndo atrás dela.

Lady Moira sentou. "Você ouviu alguma coisa?"

Ele negou com a cabeça e pegou a camisa no chão, perguntando o que, diabos, estava acontecendo com ele.

"Deve ter sido um dos cavalos. É melhor se arrumar suas roupas o quanto antes. Os cavalariços vão voltar em breve."

Lady Moira passou o próximo quarto de hora seguinte balbuciando expressões aborrecidas de admiração, enquanto ele ajudava a recompor seu penteado e o vestido, antes que pudesse finalmente acompanhá-la para fora dos estábulos. Sua mente não deixava de voltar o pensamento para a outra mulher. Quem era ela? E, mais importante, por que diabos se importava tanto?

Ele nunca tinha feito nada parecido antes em sua vida e não tinha certeza do que o havia levado a agir com tanta desfaçatez. Geralmente não gostava das moscas mortas, mas algo na reação daquela desconhecida – a inocência da sua excitação e o desejo não tão inocente – havia incendiado o seu sangue de uma maneira que desafiava qualquer explicação, transformando algo perfeitamente esquecível em algo… diferente. Memorável.

O que havia começado como um simples jogo de provocação tinha tomado um rumo inesperado, deixando-o um tanto inquieto. Tinha ido longe demais, e sabia disso. Mas ele não a tinha obrigado a ficar lá e assistir. E, em nenhum momento, havia imaginado que ambos desfrutariam tanto.

Aquela moça era um mistério, mas, nesse momento, todo o seu foco estava em ganhar um lugar no exército secreto do Bruce. Uma moça, por mais intrigante que fosse, não bastava para distraí-lo do seu propósito.

 


Capítulo Quatro

"Estou contente que tenha se recuperado, Lady Mary."

O Rei se deteve junto a ela, a caminho do seu assento nas arquibancadas que haviam sido especialmente criadas para a competição. Inspirada em um antigo anfiteatro romano, a arena tinha formato circular e era rodeada por uma cerca de madeira, ao redor da qual se levantavam os estrados com os bancos de madeira. O grupo do rei, no entanto, observava a celebração a partir de uma plataforma especial, erguida especialmente para os Jogos dos Highlanders. Como era um dia quente, ficou feliz por alguém ter se lembrado de colocar uma lona por cima das suas cabeças.

Mary estava sentada em uma extremidade perto das escadas, junto da sua antiga cunhada, do chefe do clã MacKenzie e suas três filhas mais novas. Seus dois filhos estavam competindo em alguns dos eventos. Retribuiu o sorriso do Rei, esperando com todas as forças que confundisse o rubor das bochechas com o calor, e não com a vergonha. "Estou muito melhor, senhor."

Durante os quatro dias seguintes àquela noite horrível, fingiu estar doente para evitar a possibilidade de encontrar cara a cara com ele. Sim, estava se escondendo como uma covarde e não tinha vergonha de admitir isso para si mesma.

"Estava preocupado que você perdesse toda a diversão. Até agora, a competição tem sido muito emocionante. Um dos meus cavaleiros está criando uma grande celeuma. Já ganhou quase todas as competições das quais participou e, se as coisas não mudarem, está a caminho de ser nomeado campeão. É o irmão do Conde de Sutherland e seu herdeiro, Sir Kenneth. Você o conhece?"

Mary respondeu que não com a cabeça, sem deixar de imaginar por que aquele intercâmbio parecia algo mais que uma conversa educada. "Já se passaram muitos anos desde a última vez que fui à corte, meu senhor."

As feições do Robert se fecharam. Tem toda razão e gostaria que tivesse sido diferente. Nós deixamos por menos. Espero que você volte em breve." Fez uma pausa e lhe deu um sorriso inocente. "Talvez, da próxima vez, traga o seu filho."

Mary reprimiu um sorriso. Robert Bruce nunca havia sido um homem sutil, especialmente quando se tratava de expressar seus desejos. Sempre havia tido um caráter atrevido, o suficiente para arrebatar a coroa do punho de ferro de Edward Plantagenet. Robert nunca ocultou o desejo de ter o filho da Mary sob o seu estandarte, mas tomá-lo em segredo, bem debaixo do nariz do Rei inglês, parecia uma proposta arriscada, e para quê? O que havia para ela na Escócia, além de política, intriga e homens que controlariam o seu futuro? Coisas das quais estava abençoadamente livre na Inglaterra. Além disso, ainda lembrava do que tinha acontecido na última vez que tentou fugir.

"Não sabe quanto me agradaria, senhor", disse ela, sem se comprometer.

"Gostaria que o conhecesse." Ao ver a confusão de Mary, ele acrescentou: "Nosso futuro campeão. Talvez nos dê o prazer de se sentar conosco durante o banquete, hoje à noite?"

Algo em sua voz, a maneira como disse aquilo, detonou todos os alarmes em sua cabeça. O Rei desejava que conhecesse um homem, e não era difícil adivinhar o porquê. Mas tinha a mesma vontade de contrair matrimônio com um escocês do que com um inglês.

"Seria uma honra, senhor. Espero ter forças suficientes para participar."

Mas, infelizmente, suspeitava que sua enfermidade não tardaria a regressar, e desta vez, com força total.

O Rei se afastou para trocar algumas palavras com o chefe do clã MacKenzie e Mary se acomodou em seu assento, disposta a ver os concorrentes, que começavam a se reunir no centro da arena.

Podia sentir a excitação crescente ao seu redor; era impossível não se deixar levar por ela. Mesmo no exílio auto imposto em seu quarto, não havia conseguido ficar imune. Havia assistido as provas da janela da torre, muito longe para sentir que fazia parte daquela algazarra alegre, mas não longe o suficiente para não querer fazer parte dela.

No fim das contas, não tinha sido capaz de resistir à tentação. Disse a si mesma que era porque as pessoas estavam começando a se preocupar com sua saúde, não apenas sua ex cunhada, Lady Christina, e Margaret, mas também, a senhora do castelo, Lady Anna Campbell. Mas o certo é que se sentia incapaz de passar mais uma noite escutando da boca das damas com as quais compartilhava os aposentos, o relato pormenorizado dos eventos do dia, sem presenciá-los com seus próprios olhos. Só havia estado uma vez nos Jogos dos Highlanders, há muitos anos atrás, mas estava tão encantada por seu marido, que não lembrava muito das competições.

De repente, ouviu um rugido ensurdecedor se levantar da multidão. Se virou para a Margaret. "O que é isso?"

Margaret sorriu, apontando para um homem que tinha acabado de entrar na arena. "Ele."

Mary seguiu a direção que ela tinha indicado e congelou. Oh Deus, era ele! Embora usasse um elmo de aço que cobria o seu rosto, algo na posição arrogante dos ombros, fez cada músculo, cada nervo, cada centímetro do corpo da Mary se retesar diante do reconhecimento imediato. Ou talvez, fosse a própria amplitude daqueles ombros, a grossura dos braços e todos os músculos do peito imponente que tinham ficado gravados na sua memória.

Baixou o olhar, envergonhada, sem se dar conta do que estava fazendo. Naquela noite, ao regressar para os seus aposentos, foi que percebeu que ainda usava os óculos - ela os havia amarrado em torno da cabeça com uma fita para que não continuassem caindo, enquanto bordava. Devia ser por isso que ele havia parecido tão ... grande.

Acabaram-se as esperanças de não voltar a vê-lo, de enterrar o acontecimento no canto mais profundo e escuro da sua memória e fingir que nunca tinha ocorrido. Voltar a vê-lo, trouxe tudo de volta à superfície.

Podia sentir o calor se estendendo, lentamente, pelo rosto. O que ela tinha pensado? Por que não fugiu? Devia ter fugido do estábulo sem olhar para trás. Ainda não podia acreditar que tinha ficado lá observando a cena, vendo, primeiro, como dava prazer à outra mulher e, em seguida ...

Como tinha dado prazer a si mesmo.

Foi a primeira vez que tinha visto um homem fazê-lo com as próprias mãos. Aquilo não podia estar certo, pensou. O que a Mary não havia se dado conta, até então, era que o que não estava certo, podia ser tão excitante.

Não conseguia pensar naquilo sem se sentir completamente envergonhada – pelo menos era o que dizia a si mesma, que a explosão de calor que sentia sobre todo o corpo era de vergonha. Doce céu, nunca tinha sentido nada parecido antes em sua vida. Por um momento, quando ele olhou em seus olhos, enquanto se dava prazer, realmente acreditou que ela tinha feito isso com ele. Que aquele calor sufocante, aquela intensidade e energia masculina eram por causa dela.

A maneira como ele olhou para ela ...

Nenhum homem jamais olhou para ela assim, como se fosse desejável. Mesmo quando era jovem e bonita, seu marido não parecia notar. Não quando tinha tantas mulheres bonitas aos seus pés.

Prestar atenção nela! Que estúpida havia sido! Depois de todos esses anos, ainda seguia sem se considerar digna de despertar a luxúria de um homem. Não tinha sido capaz de manter o interesse do marido quando estava no auge da beleza; como podia pensar em atrair um homem, quando, propositadamente, transformou sua aparência, para parecer o menos atraente possível?

Pior, sabia que o desconhecido tinha percebido sua excitação e tinha adivinhado o quanto ela queria o que ele estava dando para aquela mulher. A paixão e o prazer que havia apenas vislumbrado, mas nunca tinha experimentado na própria carne.

Que ironia! O momento mais sensual de toda a sua vida e ela nem sequer havia participado dele!

Mary não sabia se estava mais horrorizada com ele ou consigo mesma. Ele, por se comportar com tanto descaramento, ou ela por desfrutar da cena. Estava envergonhada e o pior de tudo era que ele, provavelmente, ainda estaria rindo dela. A pequena e insignificante mortal que tinha pensado que um deus podia, realmente, estar interessado nela, mesmo que por um momento.

Mas não conseguiu deixar de perguntar: "Quem é ele?"

"Impressionante, não é?" Disse a Margaret com um brilho malicioso nos olhos.

Obviamente, Mary tinha delatado a si mesma, seguramente pela expressão em seu rosto. Encolheu os ombros com indiferença, mas não enganou ninguém.

"É o homem que o Rei mencionou", disse Margaret. "Sir Kenneth Sutherland de Moray. Está sendo uma surpresa. Ninguém esperava que se saísse tão bem. Seu irmão foi o campeão, há alguns anos, mas Sir Kenneth nunca havia ganho nada, até agora."

O coração da Mary deu uma guinada antes que tivesse tempo de voltar à realidade. Era natural experimentar um lampejo de alegria juvenil com a perspectiva de uma aliança com um homem tão bonito, disse a si mesma. Mas não era uma jovem ingênua. Era uma mulher que sabia que não devia se deixar levar por ilusões. Já havia se casado com um cavaleiro arrogante e de boa aparência, que a encheu de sofrimento suficiente para toda uma vida.

"Seria um golpe de mestre, sabe?" Disse sua ex cunhada.

Mary franziu o cenho diante da pergunta. "Um golpe de mestre?"

"Levá-lo ao altar. Não há uma mulher jovem e solteira, aqui, que não gostaria de fazer isso. Especialmente desde que o seu irmão, o Conde, o nomeou como herdeiro."

Margaret parecia ter compreendido as intenções do Rei, assim como a própria Mary.

"Mas, com certeza, é apenas temporário, até que o conde tenha seus próprios filhos, não é?"

Margaret negou com a cabeça. "Segundo os rumores, o Conde não pode ter filhos. Um dia, Kenneth Sutherland, ou o seu filho, será o Conde. Se o seu belo rosto não fosse suficientemente tentador, o futuro título de Conde fez dele um dos homens mais cobiçados da Escócia. E parece que o Rei o está oferecendo a você em uma bandeja de prata."

A imagem era tão ridícula que a boca da Mary se arqueou em um sorriso. Já havia tido sua cota de pavões reais para toda a vida. "Se essas são as intenções do Robert, temo que ele vai ficar desapontado."

Mary podia sentir o olhar da Margaret estudando seu rosto e manteve a expressão impassível. "Você não pode me dizer que não está nem um pouquinho tentada."

Margaret não estava errada, ainda que o que tentava a Margaret, não era o casamento, precisamente. O pensamento pecaminoso passou por sua mente antes que pudesse detê-lo.

Bom Deus, o que havia de errado com ela?

Suspirou, consciente do que, na realidade, ocorria com ela. Balançou a cabeça com firmeza. "Não tenho nenhum desejo de me casar novamente."

Margaret lhe deu um olhar de simpatia. Havia testemunhado o desgosto e a decepção do casamento de Mary, em primeira mão. "Desejo tem muito pouco a ver com o casamento das mulheres da nossa posição, porém, não é?"

Era a dura realidade. Mary, porém, preferia entrar em um convento do que ser forçada a se casar novamente. Pelo menos, assim, seguiria no controle do seu próprio destino.

"Nem todos os homens são como o meu irmão, Mary." Margaret franziu a testa, sem desviar os olhos de Kenneth Sutherland enquanto se dirigia ao centro da arena para enfrentar o primeiro adversário na prova do martelo. "Mas faz muito bem em não se sentir tentada por ele. Temo que o Kenneth Sutherland deixou um rastro de corações quebrados atrás dele, quase tão grande como o do meu irmão."

Ter suas piores suspeitas confirmadas era estranhamente decepcionante, mas em comparação, uma vez feita, seria difícil de esquecer. À medida que a competição avançava, só se tornou mais sólida em sua mente.

Parecia que tinha dezoito anos outra vez, sentada na arquibancada, vendo seu marido pela primeira vez e testemunhando o nascimento de uma lenda. Atholl também tinha sido magnífico. Nunca esqueceria como estava nervosa, sentada em sua cadeira, o coração na garganta, sem desviar o olhar do homem com o qual estava casada há três anos, mas que ainda era, essencialmente, um estranho para ela.

Fazia apenas alguns meses que o Atholl havia recebido permissão para regressar à Escócia. O primeiro ano do matrimônio, havia passado entre as grades e o segundo, forçado a lutar em Flandes, sob o estandarte do Edward. Se juntou a ela no castelo de Blair por apenas algumas semanas, antes de marchar de novo para atender suas obrigações na corte. Mary havia esperado com ansiedade a celebração dos Jogos dos Highlanders, não só porque era a primeira vez que tinha sido autorizada a participar, mas também porque finalmente teria a oportunidade de passar um tempo com o homem com quem havia se casado. O incômodo da primeira vez na noite de núpcias, tinha dado lugar a uma experiência um pouco mais agradável dois anos depois, com seu regresso, e com o passar dos meses, Mary havia desenvolvido um interesse não muito apropriado para uma dama, de aprender mais a respeito.

No princípio, havia sentido como se estivesse em um conto de fadas, ele no papel do belo cavaleiro de armadura brilhante e ela como a bela donzela esperando para ser resgatada. Nunca esqueceria do dia em que ele venceu a competição com lança e se virou para ela, para lhe oferecer a vitória. A multidão rugiu, emocionada com o gesto romântico. Pensou que seu coração fosse explodir de orgulho e felicidade.

Mas o conto de fadas não durou muito tempo. Atholl sempre soube como atuar para seu público. O gesto tinha sido para eles, não para ela. Algumas noites depois, descobriu a verdade. Seu marido não veio para a cama, porque havia se encontrado com outra. Com efeito, se a conversa que tinha escutado na manhã seguinte fosse correta, havia encontrado várias para escolher ao seu bel prazer.

Quando conseguiu reunir coragem suficiente para confrontá-lo, ele não se preocupou em negar. Em vez disso, tinha ficado zangado com ela por interferir em assuntos que não diziam respeito a ela. No entanto, mesmo depois dessa conversa horrível, se recusou a aceitar a verdade. Pensou que, se pudesse fazê-lo se apaixonar por ela, ele iria esquecer as outras mulheres. Mas suas tentativas só pareciam piorar a relação. Quanto mais se aferrava a ele, mais ele se distanciava dela.

Ela era sua esposa, mãe do seu filho, sua companheira de cama ocasional, quando alguém o lembrava do seu dever. Mas uma mulher nunca seria suficiente para um homem como ele. Haviam alguns homens que desejavam – melhor, cobiçavam – a admiração de várias mulheres, quanto mais melhor. Atholl era um deles. Mary havia necessitado de anos de decepções, inveja e desilusões, para acabar entendendo.

Em parte, a culpa havia sido sua e ela sabia. Ela o havia idolatrado, colocando-o em um pedestal tão alto que a única coisa que ele podia fazer, era cair. Aprendeu que não existiam heróis, apenas homens de carne e osso. O tempo havia lhe dado a perspectiva necessária. Tinha sido uma estupidez da sua parte projetar sonhos sobre ele, que jamais poderia cumprir. O casamento deles tinha sido um casamento de conveniência. Se não fosse tão jovem e cheia de sonhos e ideais, talvez tivesse sido diferente.

Pela forma como o Kenneth Sutherland incitava a multidão, Mary suspeitava que foi talhado nos mesmos moldes que o Atholl. Cada vez que eliminava um dos seus adversários, parecia se deleitar com os gritos de júbilo do público. No entanto, se viu aplaudindo junto com os demais quando ele conseguia uma vitória particularmente rápida ou espetacular.

Era uma luta brutal, rápida e suja. Os dois combatentes se moviam na arena, trocando golpe após golpe do martelo esmagador, até que um deles caía, derrotado, no chão. Com o Sir Kenneth a batalha não parecia demorar muito. Seus ataques eram rápidos e violentos. Ele manejava a arma como se fosse um brinquedo, fazendo com que seus oponentes parecessem crianças.

Somente os dois últimos adversários opuseram certa resistência. Quando Fergal MacKinnon, um homem corpulento, conseguiu aplicar um sólido golpe no seu lado esquerdo, Mary prendeu a respiração junto com o resto da multidão, enquanto esperavam para ver se ele iria cair. Ele não o fez. O golpe só pareceu deixá-lo mais alerta, tornando-o mais forte e mais determinado. Lançou um ataque destemido sobre o guerreiro oponente, derrubando-o com uma série de movimentos poderosos e implacáveis do martelo.

Mary agarrou a prancha de madeira do seu assento mais de uma vez durante a competição final, mas nunca duvidou que ele ia ganhar. Havia algo que o impulsionava, uma força poderosa que ela, juntamente com o resto da multidão, parecia haver captado. O guerreiro Graham ofereceu uma resistência um pouco menos digna, mas no fim, não foi suficiente.

Kenneth Sutherland foi saudado como vencedor da luta do martelo entre os aplausos entusiasmados da multidão. E, por um momento, quando arrancou o elmo e o sol banhou o seu rosto com seus raios cálidos, Mary parou de respirar. Ele era verdadeiramente magnífico. Um homem a ser admirado, opinião que, com certeza, compartilhava o grupo de mulheres que, de repente, o cercou.

Inexplicavelmente decepcionada, Mary começou a se virar. Mas alguma coisa a fez olhar para trás. Ela engasgou, sentindo a força do seu olhar se conectar com o dela, como um para-raios. Por um momento, ficou imóvel, presa ao chão pela intensidade do olhar penetrante. Seu coração acelerou dentro do peito quando ele fez um gesto com a cabeça. A história estava se repetindo, e que Deus a ajudasse porque, como naquela ocasião, havia começado a sentir um prazer absurdo e infantil crescer rapidamente dentro dela. Rapidamente, desviou o olhar, escondendo-se atrás do homem que estava sentado na frente dela.

Era impossível, não era? Havia muita gente ao redor; não parecia lógico que a tivesse localizado no meio da multidão com tanta facilidade. Olhou ao redor, pensando que, talvez, pudesse ter olhado para outra pessoa. Mas, quando se atreveu a olhar novamente para a arena, seu coração congelou.

Querido Deus, ele caminhava exatamente na direção dela!

*


Kenneth estava em seu elemento, curtindo cada minuto da sua vitória debaixo dos raios cálidos do sol. Tinha nascido para isso. Competir. Vencer. Sim, sobretudo ganhar.

Havia necessitado de anos de trabalho duro e muita determinação, para levantar do chão mais vezes do que gostava de lembrar, mas estava à beira de alcançar o que queria: ser o melhor.

Mais uma luta e o lugar no exército secreto do Bruce seria dele. Ia conseguir, podia sentir isso. Exultava com os aplausos da multidão, sabendo que ela sentia isso, também. O destino e a sorte estavam ao seu lado, e nada ficaria no seu caminho. Pela primeira vez, não tinha nenhum obstáculo à sua frente. Amanhã, depois da luta corpo a corpo, seria nomeado campeão dos Jogos dos Highlanders.

Já tinha conseguido algo que nenhum outro homem tinha feito, até então: ganhar as cinco competições com armas. Em mais um sinal de que o destino estava com ele, venceu a prova com o arco. Tinha necessitado do tiro da sua vida para derrotar o John MacGregor, mas tinha feito isso por menos de um centímetro.

Desejava ter podido ver o rosto do MacKay. Depois de amanhã, não haveria dúvida de que ele merecia ocupar o lugar entre os melhores guerreiros da Escócia, fazendo parte do exército secreto do Bruce, e seu ex rival não poderia fazer absolutamente nada para impedi-lo.

Kenneth olhou para cima, para o pavilhão do Rei, satisfeito por ver o Bruce batendo palmas junto com a multidão.

Foi quando a viu. Sua pequena voyeuse.

Durante os últimos dias - quatro, para ser mais exato – havia se surpreendido procurando por ela entre a multidão em mais de uma ocasião, e inclusive começou a se perguntar se havia sido sua imaginação. Mas não, lá estava ela, sentada em um extremo da plataforma do rei, serena e distante, junto ao Alexander MacKenzie e sua esposa. Seria uma das assistentes da Lady Margaret?

Agora que, por fim, havia conseguido alguma luz sobre o mistério, podia esquecer o assunto e seguir seu caminho. Tinha coisas muito mais importantes para pensar: a competição do dia seguinte. Não devia estar imaginando como seria cortar os laços apertados daquela mulher e liberar um pouco da paixão que parecia reprimir tão firmemente sob a fachada austera.

Maldição, sabia que alguns homens fantasiavam com a possibilidade de corromper uma freira; mas jamais tinha pensado que fosse um deles. Não podia negar o zumbido feroz que percorria suas veias quando se imaginava arrancando aquele vestido preto e disforme que ela usava como uma armadura para revelar a devassa que tinha vislumbrado, escondida debaixo daquela fachada.

Queria fazê-la ofegar. Queria ver os lábios se abrirem e sua pele corar enquanto a tocava. Queria ser o homem que derrubaria os seus muros e a fizesse gozar pela primeira vez.

Quando seus olhos se encontraram, se viu acenando para ela, sem se dar conta do que estava fazendo. De alguma forma, era sua maneira de dizer que não tinha esquecido dela. Era a primeira vez que fazia um gesto como aquele em público – ou qualquer outra coisa que pudesse ser interpretada como romântica – e a própria reação o tomou de surpresa.

Embora duvidasse que mais alguém tenha notado, ela o fez. Os cinquenta passos que os separavam não foram suficientes para dissimular sua reação: arregalou os olhos com tanta veemência que Kenneth conseguiria perceber o gesto do outro extremo da Escócia. Ficou mais divertido do que surpreso, quando ela, imediatamente, se escondeu atrás do homem que estava na frente dela. Mas se ela achava que podia escapar tão facilmente, estava enganada.

Kenneth decidiu mudar a decisão que havia tomado há, apenas, alguns instantes. Inferno, havia trabalhado duramente. Podia se dar ao luxo de relaxar e desfrutar de uma pequena celebração prévia da vitória no dia seguinte. Ele a queria e não via porque tinha que esperar.

Se dirigiu até a área das grades, onde ela se encontrava, mas, mal tinha saído da arena quando seu caminho foi bloqueado por um grupo de admiradores. Ouviu vários elogios do tipo, "Sir Kenneth, você foi magnífico" por parte do contingente feminino, e "uma luta malditamente impressionante, Sutherland", dos homens.

Depois de trabalhar tão duro para chegar aqui, devia estar saboreando cada minuto de glória; foi o que ele sempre quis. No entanto, não conseguia desviar o olhar da arquibancada, nem do lugar onde tinha visto a moça pela última vez. Mas a multidão era enorme e a moça, pequena demais para localizá-la entre as pessoas.

Quando, finalmente, conseguiu abrir passo entre a multidão de admiradores, se dirigiu até a base da arquibancada e teve um vislumbre de uma sombra preta abrindo caminho no mar de sedas coloridas que a rodeavam, afastando-se dele. Ele sorriu, ao pensar quão irônico era o fato das suas roupas simples, que suspeitava deviam servir para escondê-la, na realidade, era o que a identificava.

Se dispôs a ir atrás dela, mas Lady Moira o interceptou antes que o fizesse. "Parabéns, meu Senhor, por mais uma vitória. Está, por acaso, à procura de alguém?" Ela piscou os cílios tão agressivamente que ficou tentado a perguntar se ela tinha algo no olho. Normalmente, tais faceirices o divertiam, mas agora achava chato.

Sua boca se apertou, impaciente, quando viu sua presa escapando.

Moira estava acompanhada pela Lady Elizabeth Lindsay, que parecia se divertir com os esforços da sua acompanhante. Lady Elizabeth era dedicada ao seu marido e nada que o Kenneth havia visto sugeria o contrário. Ela era simpática e educada, mas nada além disso. O que lhe convinha muito bem. Embora fosse uma mulher bonita, era astuta, teimosa e opinativa. Ele não invejava seu esposo pelas dores de cabeça que isso provocaria. Desafios eram para o campo de batalha, não o quarto.

"Creio que estamos todos tentando adivinhar", disse Lady Elizabeth.

"Adivinhar o quê?" Ele perguntou, olhando por cima do ombro, tentando manter o olho na sua presa.

"Para quem foi sua saudação", disse Lady Elizabeth.

Ele olhou para ela, mal escondendo sua surpresa. "Saudação?"

"Sim, ela criou uma grande celeuma. As senhoras sentadas ao meu lado estavam bastante certas de que era para elas", Lady Elizabeth falou, com um sorriso.

Maldição, pelo visto tinha sido mais evidente do que achou. Kenneth escondeu sua reação por trás de um sorriso brincalhão.

"E era", disse ele.

Lady Moira quase gritou de prazer, batendo palmas. "Eu sabia. Para quem foi?"

"Vou deixar que você descubra", disse ele com uma piscadela. "Agora, se me dão licença. Estou vendo a minha irmã, e preciso que me trate o quanto antes, se quiser estar pronto para a competição de amanhã."

Era, apenas, uma mentira parcial. O golpe que tinha tomado nas costelas estava começando a latejar. A cota de malha oferecia pouca proteção contra o impacto do aço no osso, e suspeitava que tinha uma bela contusão na lateral. Veria a Helen para curá-lo, mas depois de encontrar a pequena freira, que estava abrindo caminho através da multidão, quase correndo, em seu esforço para evitá-lo.

Ela só estava fugindo do inevitável. Quase tão certo quanto ia ganhar amanhã, Kenneth tinha certeza que, antes da noite acabar, ele a teria aos seus pés. Ou, talvez, em cima dele.

Sentiu um aperto agradável na virilha só de pensar nisso.

Ela tinha acabado de cruzar as portas do castelo quando a viu parar e se virar.

"Mary, espere!" Gritou uma voz feminina. Kenneth virou a cabeça e descobriu que a dona da voz era Lady Margaret MacKenzie. "Aonde você vai com tanta pressa?"

Mary. Devia ter adivinhado. Um nome normal e comum para não atrair nenhuma atenção, exatamente como o resto da sua pessoa. Estava, apenas, a poucos passos de distância, mas ela não o tinha visto ainda. "Acho que o sol-"

De repente, seus olhos se encontraram com os do Kenneth e ela parou, sem palavras. Arregalou os olhos e sua boca formou um O perfeito, que naquele rosto tão severo não deveria transmitir sensualidade, mas tinha a mesma expressão que, naquela noite no estábulo, tinha levado o Kenneth à borda do precipício.

Sob a luz do sol, sem os óculos escondendo metade do seu rosto, conseguiu observá-la detalhadamente, pela primeira vez. Seu cabelo ainda estava escondido debaixo de uma touca e um véu negro horrorosos, o vestido era igualmente insosso e sem forma, a pele desprendia a mesma palidez, as feições eram demasiadamente acentuadas, especialmente as maçãs do rosto, que se projetavam sobre as bochechas fundas, e ainda desprendia uma aura cinza e fantasmagórica, mas, agora, que a via mais de perto, Kenneth soube que seus instintos estavam certos. A beleza que se escondia sob aquela fachada tão estudada era ainda mais evidente à luz crua do dia.

Não havia como esconder, por exemplo, seus olhos, que eram espetaculares. Redondos e enormes no rosto encovado, eram de uma estranha cor entre o azul e o verde, emoldurados por cílios grossos e longos, que pareciam demasiadamente delicados para um exterior tão frágil quanto o dela. A boca também era suave e generosa, com um arco sensual que o fez lembrar da forma de um laço de um embrulho que o encantaria desembrulhar. De preferência, com a língua.

Assim que seus olhos se encontraram, ela instintivamente baixou o olhar, como se tentasse escondê-lo.

Esconder-se. Era exatamente isso o que ela estava fazendo. A questão era por que, e de quem.

"Lady Mary, Lady Margaret", as saudou enquanto se aproximava delas fazendo uma reverência.

Lady Margaret se virou, surpresa. Ela o olhou fixamente e, logo depois, se virou para a Mary. "Você o conhece?"

Ele sorriu, ao ver a rapidez com que a Mary corava.

"Brevemente", disse ela, um tanto incomodada.

A pobrezinha teria que aprender a relaxar. Estava tão tensa quanto a corda de um arco.

"Não tão brevemente", ele corrigiu, incapaz de se conter. Preferia o rubor à palidez. "Estou ansioso para seguir nos conhecendo. Espero que não esteja entediada com os jogos. Talvez não sejam suficientemente emocionantes para você?"

Sabia que estava se portando mal com ela, mas não conseguia parar de provocá-la.

Mary, por sua parte, tampouco era a menina tímida que aparentava ser. O encarou diretamente, fulminando-o com o olhar.

"Oh, foi emocionante, não foi, Mary?" Lady Margaret interviu.

Para o Kenneth parecia que ela tinha acenado com a cabeça, mas sua mandíbula estava tão cerrada que era difícil dizer. "Tenho certeza que Sir Kenneth já ouviu elogios suficientes por um dia, Margaret. Não precisa ouvi-los de nós, também."

Dito isto, lhe deu um sorriso estranho que o fez franzir a testa. Havia falado de um jeito que não soava, em absoluto, lisonjeiro. Estava acostumado a perceber certa admiração no olhar das mulheres com as quais conversava, mas na Mary só encontrou um desafio frio e direto, e não estava seguro que gostara.

"Ainda tem a dança das espadas hoje à noite. Se Lady Margaret não se opuser, ficaria feliz em acompanhá-las."

Lady Margaret olhou para ele com surpresa. "Por que eu iria me opor?"

"Não!" Exclamou Mary e, consciente de que havia falado com demasiada veemência, ficou ainda mais ruborizada. "Quero dizer, lamento, mas tenho que retornar para o castelo. Não estou me sentindo bem."

Lady Margaret, preocupada com a saúde da amiga, colocou uma mão no braço da Mary. "Por isso caminhava com tanta pressa?" Colocou a palma da mão na testa da Mary. "Você parece acalorada."

Mary acenou com a cabeça, sem olhar na direção do Kenneth. Provavelmente, para evitar seu sorriso provocante. "Acho que fiquei muito tempo no sol."

Lady Margaret se virou para ele. "Mary acaba de se recuperar de uma doença. Esta foi a primeira vez que teve a chance de ver os Jogos, em toda a semana."

"É mesmo?" Perguntou Kenneth, demorando em pronunciar as palavras.

Ela não conseguiu evitar olhar para ele, por mais tempo. Pôde ver um flash de raiva nos olhos azuis-esverdeados que o lembravam do brilho do sol sobre o mar. Cada vez ficava mais intrigado, pois não esperava que um exterior tão insosso pudesse esconder tanta energia.

"Sim, estive muito doente."

Podia jurar que acabara de vê-la enrijecer o queixo, desafiando-o a discordar dela.

"Minha irmã é uma curandeira. Se quiser, posso enviá-la para ver você."

Mary apertou os lábios, consciente da provocação que se escondia nas palavras do Kenneth. "É muito gentil de sua parte, mas tenho certeza que não será necessário. Acho que só preciso me deitar."

"Cair na cama, uma ideia maravilhosa."

Embora não houvesse nada sugestivo em sua voz, sabia que ela tinha captado o duplo sentido das palavras, quando a ouviu inspirar profundamente.

Ela ficou indignada, e tinha motivos de sobra para estar. Mas também podia ver, pela vibração delicada do pulso embaixo da pele delicada da bochecha que ela estava mais intrigada do que estava disposta a admitir.

*


Que demônio! O homem não tinha vergonha. Se atrevia a fazer propostas bem na frente da Margaret, e com aquele olhar zombeteiro nos olhos, como se soubesse de um segredo impertinente. E o pior é que sabia!

A troca de palavras entre os dois escondia tantas insinuações que Mary estava convencida que a Margaret havia se dado conta. Não queria imaginar o que ele ia dizer a seguir, então se alegrou bastante quando uma das filhas da Margaret se aproximou deles e distraiu sua mãe com súplicas para que ela fosse com seus amigos para a dança das espadas.

Consciente de que o seu verdadeiro objetivo era chegar até ela, Mary colocou sua máscara mais amável e baixou a cabeça. "Meu Senhor."

Deu meia volta, disposta a se dirigir até a torre mais próxima, mas ele agarrou seu braço.

"Espere."

Ela recuou ao sentir o contato. O calor da mão dele em seu braço era como um ferro ardente, surpreendente por sua intensidade. Podia sentir a impressão de cada um daqueles dedos grandes e poderosos apertando sua carne, aqueles dedos hábeis e talentosos, capazes de despertar tanto prazer.

Imediatamente, sentiu um calor intenso. Nem pense nisso.

Mas não conseguia tirar aquilo da cabeça.

Estar tão perto dele era difícil demais. O pulso dela tinha tomado uma guinada súbita e errática e sua pele parecia estranha, como se mil abelhas estivessem zumbindo em cima dela. Se sentia como um galho seco que paira sobre uma lareira. Quando ele a tocou, um calor úmido e intenso se estendeu por todo o seu corpo, que mostrou a ela, exatamente, o que estava sentindo: desejo.

Instintivamente, percebendo o perigo, se afastou dele.

Surpreendentemente, ele a soltou em seguida, quase com a mesma rapidez com a qual ela tentou se soltar. Quando olhou para ele, viu que tinha o cenho ligeiramente franzido, quase como se tivesse sentido aquilo, também. Ridículo.

Piscou com força para se proteger da luz. Era a segunda vez que isso acontecia em um breve espaço de tempo. Já havia ocorrido ao vê-lo ali, à sua frente, um fulgor como se estivesse olhando diretamente para o sol, ou melhor ainda, para o deus Sol personificado.

Não era mais do que o reflexo do sol brilhando sobre a cota de malha, disse a si mesma. Mas, com a grossa camada de sujeira da batalha cobrindo-o, sabia que não era só isso. Era ele. Brilhava como uma estrela a mais no firmamento. Todo ele reluzia, desde o reflexo dourado do sol na sua cabeleira castanha escura até o brilho perigoso nos olhos azuis desafiadores, as linhas cinzeladas do belo rosto de guerreiro e o branco imaculado do seu sorriso implacável. Apesar de possuírem atrativos muito diferentes, Sir Kenneth Sutherland podia duelar com Gregor MacGregor pelo título de homem mais bonito da Escócia, e suspeitou que ele sabia disso.

Sir Kenneth exalava confiança e uma arrogância descarada. Provavelmente, pensou que ela ia cair aos seus pés, assim como todas as outras jovens de olhar sonhador pareciam estar fazendo. Mas ela já não era jovem, e as estrelas tinham sido arrancadas dos seus olhos há muito tempo atrás.

Ainda assim, sentiu uma emoção inconfundível correndo em suas veias, uma faísca de emoção que não sentia há muito tempo. Provavelmente, não era mais do que uma reação do seu próprio temperamento, um surto de combatividade que, até então, havia mantido oculto em seu interior.

Era a maneira como olhava para ela. Confiante e arrogante, sim, mas também, provocador. Como se desafiasse o mundo inteiro e a quem se atrevesse a se interpor no seu caminho. Como se estivesse sempre tentando provar alguma coisa. Não achava que ela seria capaz de resistir aos seus encantos e a estava desafiando a tentar.

"Já vai, minha senhora?" Ele zombou, baixinho. "Quem sabe, desta vez, não tenha outra escolha a não ser ir atrás de você."

Ela manteve a voz firme, apesar do coração estar vibrando como uma mariposa presa sob uma luminária de vidro. "Já disse a você, não estou me sentindo bem. Preciso descansar."

Mas ele estava certo. Estava fugindo, e não havia gostado que ele a recordasse.

Se virou para ele e olhou nos seus olhos. Foi um erro. Ali estava, de novo, aquela sensação estranha, aquela tensão penetrante e cativante. E o calor que pulsava através do seu corpo.

"Você não precisa ter vergonha." Sua voz se espalhou sobre sua pele como uma carícia, sedutora e morna.

"Eu não estou envergonhada", ela protestou. Mas o calor que subiu às suas bochechas contou uma história muito diferente.

"É muito mais divertido fazer do que assistir, sabia?"

Mary o olhou, estupefata, sem estar completamente certa que havia entendido bem o que ele acabou de dizer. Mas tinha. Olhou em volta para se certificar de que ninguém o tinha ouvido. Felizmente, Margaret ainda estava falando com a filha. Alguns olhares curiosos dos transeuntes, mas ninguém pareceu ter ouvido nada.

Kenneth não lhe deu a chance de responder. "Encontre-me hoje à noite. Depois da festa." Mary arregalou os olhos, debatendo-se entre a indignação com a sugestão pecadora e a franqueza ousada com a qual tinha sido feita. Aquele homem era um espetáculo. "Uma vez que tenha terminado seus deveres", completou.

Mary franziu ligeiramente o cenho. "Meus deveres?"

"Com a vossa senhora", disse ele, apontando para a Lady Margaret. "Você é uma das suas acompanhantes?"

Meu Deus, ele não sabia quem ela era! Mary estava prestes a corrigi-lo, quando algo a deteve. Imaginou o que ele faria quando descobrisse que tinha acabado de se insinuar para a mulher com a qual o rei queria que ele se casasse.

"Você, certamente, não perde tempo", disse ela, ironicamente. Não sabia por que estava surpresa; tinha visto sua agressividade no campo de batalha.

"Não gosto de jogos. Nós dois sabemos o que queremos."

Ele a queria? Mas, por que, quando tinha um bando de mulheres a segui-lo por todo o lado, como um séquito? Desejar a ela, que tanto havia se esforçado para tornar sua aparência maçante e que, agora, estava estranhamente lisonjeada. E o mais surpreendente, se encontrou estranhamente encantada por aquele guerreiro demasiado arrogante, que, com seu sorriso provocante, sabia o que queria e ia direto a isso.

Inclinou a cabeça para o lado, com os olhos cravados no sorriso brilhante do Kenneth. "Alguém, alguma vez, já o rechaçou?"

Sua boca se curvou. "Não muito, ultimamente. Se você lembra, tenho muito a oferecer."

Como esquecer. Mary recordava exatamente do aspecto do torso por debaixo da cota de malha, do corpo duro e esculpido dos pés à cabeça. Mary estava mais tentada do que queria admitir, e o homem era como uma bandeja cheia dos doces mais exóticos, só que convertidos em um homem. Um sultão do pecado. Mas, sem dúvida, não tinha interesse em se juntar a outro harém.

"Nesse caso, temo que não tenha outra alternativa, a não ser decepcioná-lo."

Ele não pareceu ter levado sua recusa a sério. "Você é casada?

Ela balançou a cabeça. "Viúva."

Ele balançou a cabeça como se tivesse antecipado a resposta. "Então, não há nada que a impeça."

"Que a impeça de quê?" Perguntou Margaret.

"Bailar comigo depois do banquete", ele respondeu, sem pensar duas vezes. "Com sua permissão, é claro, minha senhora."

"Minha permissão?" Repetiu Margaret.

"Lady Margaret é muito generosa com todas as suas acompanhantes", interrompeu Mary.

Margaret estava olhando para ela, como se tivesse duas cabeças, mas Sir Kenneth não pareceu notar.

Ele se curvou para Margaret e, em seguida, para ela mesma, com muito mais floreios do que a situação requeria.

"Nesse caso, espero vê-las depois do banquete."

O olhar que dedicou à Mary não deixava dúvida quanto às suas intenções. Realmente, esse homem era obsceno. Prontamente, uma parte perversa dela cuja existência, ao menos até então, jamais havia percebido, pensou que seria divertido derrubar o futuro campeão dos campeões. Mary sentiu um sorriso aflorar em seus lábios. Talvez, fosse participar do banquete, depois de tudo. Queria ver a sua cara quando ele percebesse seu erro.


Capítulo Cinco

Mary conseguiu se livrar do interrogatório da Margaret, ao menos por enquanto, que foi arrastada para a dança das espadas por sua filha, depois do Sir Kenneth se despedir, mas algumas horas mais tarde, ela irrompeu na câmara que Mary compartilhava com suas acompanhantes e algumas outras damas.

"Era para você!" Exclamou, emocionada.

Olhou em volta e percebeu os olhares curiosos das outras mulheres, que já estavam começando a se preparar para a festa. Aquele não era o melhor lugar para tratar um tema tão delicado, assim deixou o bordado sobre uma mesa e conduziu a Margaret até à câmara entre os muros, talhada no muro de pedra grossa. Não era bem uma câmara, mas continha um grande banco de pedra com uma almofada, e oculto por uma cortina de veludo pesado para conseguir um pouco de privacidade.

Após se acomodar no banco, cruzou as mãos no colo e perguntou calmamente: "O que foi para mim?"

"Ele acenou para você, não é verdade? Oh, todo mundo está falando sobre isso, tentando descobrir para quem foi o gesto do Sir Kenneth, depois da sua vitória. Lady Moira e Lady Alice, ambas insistem que foi para elas, mas estou segura que foi para você!" Margaret estava sorrindo como uma adolescente com um segredo inconfessável. "É tão romântico!"

Mary fez uma careta. Se alguém sabia o real valor de um gesto romântico, era ela. Desviou o olhar. "Pode ter sido para qualquer uma."

Mas Margaret não se deixou enganar. "Não foi para qualquer uma, foi para você. Se não, por que sairia correndo atrás de você, depois que terminou a competição? Vi o jeito como ele a olhava. Por que você não me disse que o conhecia?" De repente, com a sobrancelha franzida. "Mas por que deixou ele pensar que era uma das minhas acompanhantes?"

Mary mordeu o lábio, sentindo a vergonha aquecer suas bochechas. Encontrou os olhos bondosos da sua ex cunhada e pensou no que deveria dizer. Haviam passado muitos anos desde a última vez que sentiu necessidade de confiar em alguém – ou que havia tido alguém para confiar, que no caso era o mesmo. Não, desde a Janet. Mas a Margaret sempre havia sido muito gentil com ela, talvez por ter se apiedado da jovem com quem o irmão dela tinha se casado. Ela também tinha sido uma jovem noiva, apesar de que o seu casamento ter se saído bem melhor.

"Não nos conhecemos", respondeu Mary. "Ao menos, não como crês."

Respirou fundo e lhe deu uma breve explicação sobre o que tinha acontecido aquela noite, no estábulo. Os olhos da Margaret se arregalaram e sua boca foi se abrindo depois de cada palavra. Mary não sabia o que a outra mulher esperava ouvir, mas certamente não era aquilo. Choque estava escrito em cada centímetro do seu rosto bonito. Embora Margaret devesse estar se aproximando de completar quarenta anos, como o seu irmão, suas feições clássicas lhe conferiam uma beleza atemporal.

"Como vê", Mary finalizou, "é apenas um jogo para ele. Ele acha que, por causa do que testemunhei, sou um alvo fácil e que estou muito ansiosa para ser a próxima mulher da fila a pular em sua cama."

Embora Mary tivesse pulado sobre os detalhes mais picantes, como a posição na qual o tinha encontrado, a forma com a qual gozou e a vergonhosa intensidade da sua própria reação, da forma como a Margaret estava olhando para ela, devia ter adivinhado. "E você está?"

Mary pensou em mentir, mas em vez disso, soltou um suspiro exasperado. "Mais do que eu gostaria de admitir." O calor em suas bochechas se intensificou. Ela não estava acostumada a falar tão abertamente. "Eu sei que é errado, e nunca faria algo tão pecaminoso. Provavelmente, o surpreendi com a minha reação, mas ele é um homem bastante ... impressionante." Fez uma careta. "Como ele está bem ciente. O homem é quase tão arrogante quanto convencido."

Um sorriso malicioso curvou a boca da Margaret. "Dizem que é bastante ... impressionante." Ela baixou a voz para um sussurro. "Tem a reputação de ter, humm, apêndice masculino bastante generoso."

Demorou um momento para a Mary perceber o que ela quis dizer. Imediatamente, arregalou os olhos com o choque. "Margaret!"

Espada longa, Lady Moira tinha dito. Agora, entendia. Aparentemente, nem tudo era produto dos óculos.

Margaret deu de ombros. "As mulheres falam. É quase um segredo, embora admita que não é uma para uma conversa educada. Mas, depois de um longo banquete e algumas taças de vinho, algumas mulheres podem envergonhar o mais rude dos homens."

Mary tinha vivido mais protegida do que ela imaginava. Ao que parece, havia um mundo ao seu redor que estava perdendo.

"Ele é o homem perfeito, você já sabe, para uma noite de pecado. Se, por um acaso, você já pensou nessa possibilidade."

Pela primeira vez, Mary não imaginou o que a sua irmã faria. Temia a resposta. "Mas esse é o problema, não é? Um encontro de uma noite não é uma opção para mulheres como nós. E eu nunca poderia me casar com um homem assim. Ele só me procurou porque não sabe quem eu sou. Seduzir uma acompanhante viúva é muito diferente de uma Condessa com a qual o Rei deseja que se case." Ela sorriu. "Admito, estou ansiosa para ver sua reação quando descobrir seu erro."

Margaret retribui o sorriso. "Eu também. Sir Kenneth é um canalha encantador, mas seu comportamento foi escandaloso. Talvez ele aprenda uma lição." Ela fez uma pausa. "Mas você pode lhe contar depois. Se você o deseja, por que não deveria ter direito, também, a uma noite de pecado? Se alguém merece um pouco de diversão, depois de tudo o que já passou, esse alguém é você. Você é viúva, não tem compromisso com nenhum homem. Certamente, você sabe que é bastante usual."

O certo era que não, obviamente graças ao Atholl.

"Isso não torna menos errado", ela disse suavemente.

Margaret sorriu e acariciou sua mão. "Claro, você está certa. Agora, quem está sendo malvada?" Ela riu e lhe deu uma piscadela maliciosa. "Mas não se esqueça, se mudar de ideia, sempre pode se arrepender dos seus pecados mais tarde. Creio que não estou errada quando digo que ele vale, pelo menos, algumas dezenas de Ave Marias."

Mais como algumas centenas. Mary lutou contra o sorriso, mas no fim, se juntou às gargalhadas da sua ex cunhada. Quem diria que podia ser tão divertido ser um pouco perversa?

*


As tochas já estavam acesas quando Kenneth, finalmente, conseguiu reunir a força de vontade necessária para sair do banho quente que sua irmã tinha preparado para ele. Helen não achou que nenhuma das suas costelas estivesse quebrada, mas a julgar pela enorme mancha roxa, preta e vermelha que cobria uma grande parte do seu lado esquerdo e pela dor de mil demônios que atacava o costado esquerdo, parecia que sim.

Tinha cometido um erro, se mostrara agressivo demais. Estava tão seguro da vitória, que havia tentado terminar o quanto antes e, no processo, tinha dado ao MacKinnon uma abertura. O outro guerreiro tinha tomado o máximo proveito, com um golpe que podia ter dado um fim rápido a todos os planos do Kenneth. A partir de agora, se asseguraria que não voltasse a se repetir algo parecido.

Não havia nada que sua irmã pudesse ter feito por ele, além de preparar um banho quente, obrigá-lo a tomar uma horrível beberagem para a dor e enfaixar seu peito até o dia seguinte, antes de entrar na arena pela última vez. Aos menos, seus cuidados o relaxaram. Talvez, um pouco demais. Não se importaria de dar uma cochilada na água morna e ficaria feliz em ignorar por completo o banquete hoje à noite.

Tinha evitado a maioria dos banquetes e celebrações durante a semana, preferindo uma rotina espartana enquanto competia. Mas o Rei tinha solicitado expressamente sua presença hoje à noite, para conhecer a viúva do Atholl, que estava partindo em breve, e o MacKay lhe tinha dito, em termos inequívocos, quando veio buscar a Helen, agora a pouco, que era melhor ele estar lá. Com o resultado do dia seguinte mais que assegurado, tal como Kenneth supunha, Robbie Boyd não participaria da prova, podia se dar ao luxo de relaxar a guarda por algumas horas.

Além disso, tinha outros planos que não queria perder.

Ficou surpreso em quão ansioso estava para ver Lady Mary novamente. Não pensava em se dar por vencido tão facilmente, e confiava em suas habilidades persuasivas. Ela havia ficado chocada e indignada, mas também tinha ficado tentada. Tinha visto isso nos olhos brilhantes, antes que tivesse começado a piscar para ele.

Não sabia o que havia na moça que o forçava a agir como um sátiro, uma qualidade indeterminada na maneira como olhava para ele, que o fazia sentir como se ainda estivesse usando os óculos, como se ela o visse muito claramente e o julgasse de forma muito dura, e não conseguia resistir.

Franziu a testa. Mary era muito mais que a mulher reprimida, disfarçada de freira, que aparentava ser. Esperava uma moça tímida e passiva, que ficaria lisonjeada com a atenção dele.

Entretanto, Mary não era assim.

Seu cenho se franziu ainda mais. Não sabia nem por que estava se esforçando tanto por aquela moça. Não era como suas amantes habituais. Era melhor que elas, muito mais sensível e não pertencia ao seu “rebanho” de adoradoras, como sua irmã gostava de chamar.

Não estava acostumado a se esforçar tanto, já que as mulheres se jogavam sobre ele. Inferno, não conseguia se lembrar da última vez que havia se esforçado tanto para conseguir os favores de uma moça.

O mais provável era que se sentisse atraído pela novidade, ainda que também estivesse extremamente ansioso para a segunda parte da sua noite começar. Mal podia esperar para ver se o vislumbre de sensualidade que vislumbrou nela era tão quente como parecia.

Fazia um bom tempo que não prestava atenção aos olhares cúmplices e aos risos das duas criadas que se ocuparam de preparar o banho dele, mas não pôde deixar de ouvir, agora, quando começaram a ajudá-lo a colocar os calções. Não incentivou seu interesse óbvio, entretanto, e sem perder tempo, levantou os braços com uma careta de dor, quando teve que levantá-los para colocar a túnica e o manto sobre os ombros. Permitiu que o ajudassem a colocar as botas, para não ter que se agachar, mas ele mesmo amarrou o punhal em volta da cintura, aquele do qual nunca se separava.

Seu cabelo ainda estava úmido quando caminhou através do pátio da casa de banho improvisada em um pequeno canto da cozinha, onde o fogo não só a mantinha quente, mas se havia revelado eficiente para manter o aquecimento da água, também.

Não haviam muitas pessoas no exterior do castelo, assim Kenneth supôs que o banquete já havia começado. Cumprimentou os guardas que rodeavam a muralha e se dirigiu às escadas do lado leste do castelo. Ainda não havia começado a subir, quando ouviu os sons estridentes da celebração, vindo das janelas abertas do Salão Principal. Estava contente de ver que não era o último a chegar; o corredor à sua esquerda ainda estava cheio de pessoas a caminho do banquete. Antes que pudesse se unir a eles, MacKay bloqueou seu caminho.

"Você está atrasado", retrucou.

A mandíbula do Kenneth se contraiu, o que havia se tornado quase um reflexo quando se tratava das interações com seu futuro cunhado. "Você tem as características de uma babá, já lhe disseram alguma vez? Quando estiver cansado da guerra, já sabe que outra função pode exercer. Não sabia que as minhas idas e vindas eram tão importantes para você."

MacKay devolveu seu olhar com a mesma intensidade. "Não são. O Rei me mandou averiguar porque estava demorando tanto."

"Tinha assuntos com os quais me ocupar."

MacKay sorriu. "Helen me disse que está ferido. Espero que não seja sério." Balançou a cabeça, fingindo decepção. "Seria uma vergonha se você perdesse, amanhã."

"Helen exagera. Vou ficar bem para lutar amanhã e, assim como todos os outros eventos, vou ganhar. Espero que você esteja pronto para ter um novo parceiro."

Os olhos do MacKay queimaram. "Se você ganhar amanhã, merece ser meu parceiro. Mas não contaria com a vitória cedo demais; isso ainda não acabou."

Kenneth não estava ouvindo; mal registrou meio sorriso do MacKay, antes de se virar. Com o canto do olho, algo chamou sua atenção. Ou deveria dizer que alguém tinha chamado sua atenção?

"Tem sorte de a Lady Mary ainda não ter chegado", disse MacKay.

Outra Mary. Kenneth tinha esquecido que este era o nome da viúva do Atholl. Sua mente estava na Mary no outro extremo do corredor, perto da torre de moagem. Pelo menos, achava que era ela. Não podia ver seu rosto, mas as roupas eram escuras e simples o suficiente para se destacarem.

Exceto que esta mulher parecia estar sorrindo. Tinha a cabeça levantada e olhava fixamente para o homem que ...

Kenneth ficou imóvel como uma estátua. Maldição.

Sem se dar conta do que estava fazendo, contraiu os lábios e cerrou os punhos ao lado do corpo.

Por que ela estava falando com o Gregor MacGregor?

Se dirigiu até eles, furioso.

"Aonde diabos pensa que vai?" MacKay gritou. "O Rei está esperando por você."

Mas Kenneth estava zangado demais para prestar atenção nele. "Vou demorar apenas alguns minutos."

Ouviu o MacKay murmurar algo parecido com "é melhor que seja importante" atrás dele, mas já estava avançando pelo corredor com passos ligeiros – provavelmente, a passos largos era mais preciso – até a dupla.

Enquanto se aproximava, confirmou que seus instintos não haviam falhado. Era a sua freira favorita que, para a ocasião, havia trocado o hábito negro por um vestido de veludo verde escuro. Por sorte, desta vez não usava a touca horrível de sempre e podia ver o seu pescoço. Era bonito, longo e fino, com uma pele macia e branca como leite. Seus olhos se estreitaram. O que mais ela estava escondendo? O corte do vestido ainda era disforme e os enfeites simples, mas supôs que verde era uma melhora substancial sobre o preto. A cor, no entanto, era muito escura para o tom da sua pele ...

De repente, deteve o rumo dos seus pensamentos. Maldição, estava falando como uma donzela. Não se lembrava de haver prestado tanta atenção à vestimenta de uma dama jamais, exceto, talvez, para descobrir como tirá-la.

Seus passos ficaram mais pesados e o franzido dos lábios ficou mais pronunciado, à medida que se aproximava. Não sabia por que estava tão irritado. Mas, quando ela colocou a mão no braço do MacGregor, olhou para ele e sorriu, Kenneth sentiu uma pontada de algo mais intenso e incontrolável do que irritação.

MacGregor o viu primeiro vez e fez uma saudação com a cabeça. "Sutherland."

Kenneth podia dizer pelo tom da sua voz que ele tinha percebido que algo estava errado, ainda que nem ele tivesse a mais remota ideia do que se tratava.

Quando ouviu o seu nome, Lady Mary se virou e o sorriso que iluminava seu rosto desapareceu imediatamente. Não percebeu, mas aquela reação não havia feito nada mais do que aumentar sua raiva.

"O banquete já começou", falou entre os dentes.

Mary o ignorou por completo.

"Obrigado, meu senhor", falou, dirigindo-se ao MacGregor. "Se não fosse por sua ajuda, temo que passaria horas procurando, sem êxito."

MacGregor explicou. "Lady Elizabeth perdeu seu cachorrinho."

"A filha mais nova da Lady Margaret", Mary esclareceu quando ficou claro que ele não sabia a quem estavam se referindo. "Por sorte, pude contar com a ajuda inestimável do Gregor."

Ao ver o sorriso que acabara de florescer nos seus lábios e o rubor em suas bochechas, Kenneth não conseguiu evitar de apertar os punhos e a mandíbula, ainda mais. Já não parecia a mesma mulher séria e insossa de antes.

"Sorte, na verdade", disse ele, incapaz de mascarar completamente a secura em seu tom. Sir Gregor não era um "Sir", absolutamente; MacGregor não havia sido ordenado cavaleiro.

Os homens trocaram olhares por cima da cabeça da Mary. Cai fora, disse o MacGregor sem palavras.

"Se nos desculpar, devo acompanhar Lady Mary até o Grande Salão."

MacGregor pareceu mais surpreso do que incomodado, mas assentiu sem argumentar. Kenneth estava irritado demais para se perguntar o porquê.

"Minha senhora", se despediu dela com uma reverência e logo depois se dirigiu a ele, "Sutherland."

Kenneth não tinha percebido o quão tenso tinha estado, até que o homem mais bonito de toda a Escócia, tal como era conhecido, se afastou lentamente pelo corredor.

Lady Mary tinha o olhar cravado nele e estava com o cenho franzido. "Posso saber o que foi isso?"

Maldição, Kenneth não reconhecia a si mesmo e, de repente, sentiu como se tivesse revelado algo que ele não devia. Enterrou sua raiva atrás de uma máscara de preocupação fingida, e disse a si mesmo que era seu dever como cavaleiro velar pela segurança de qualquer mulher.

"Você devia ter mais cuidado. MacGregor já fez mais de uma mulher perder a cabeça."

Ela teve a ousadia começar a rir na sua cara. "E é você quem diz isso? Não é um pouco irônico, considerando as circunstâncias do nosso primeiro encontro?" Seus olhos se encontraram e Kenneth sentiu a estranha necessidade de mudar sua postura. Se fosse possível, diria que estava envergonhado. "Tampouco me convidou para sua cama na primeira vez que nos falamos." Mary desviou o olhar e seguiu a figura do MacGregor, que se afastava. "Uma lástima", murmurou em voz baixa.

Mas ele ouviu perfeitamente. Imediatamente, sentiu o sangue ferver e a irritação de antes voltou com força total. Seus músculos enrijeceram e sua boca se contraiu em uma linha fina e inflexível. Ele a pegou pelo braço e a obrigou a olhar para ele, de novo. "Fique longe dele."

Faria bem em ter medo. Jamais falou assim com mulher alguma, com a violência e a dureza de um guerreiro. Mas Mary se limitou a desviar os olhos e, quando ficou claro que, desta vez, não ia se livrar tão facilmente, pousou o olhar sobre a mão com a qual a segurava.

"Está louco? Você não tem nenhum direito de falar assim comigo."

Kenneth tentou se acalmar, mas havia algo no olhar da Mary que quebrou, como um galho seco, o pouco controle que ainda tinha sobre suas emoções. Talvez, sua intenção não fosse desafiá-lo, mas foi assim que ele entendeu. Jovem, sensível, ansiosa para agradar e ardente. Com um pouco de sorte cumpriria a última condição, mas Kenneth já estava começando a se arrepender de não haver se limitado ao perfil habitual das suas amantes.

Vendo uma porta atrás dela, abriu-a e a puxou para dentro. Provavelmente tinha sido uma sala de armazenamento, em algum momento, embora a julgar pelas estantes repletas de livros, o banco, as cadeiras almofadadas e o braseiro, tinha sido transformada em uma biblioteca. Mas estava apenas vagamente consciente do que havia ao seu redor. Fechou a porta atrás dele, girou a Mary contra ela e a imobilizou com a força do seu corpo.

Ela engasgou, surpresa com a rapidez dos seus movimentos ou com a sensação dos corpos unidos, não sabia dizer.

Maldição, tinha esquecido da lesão nas costelas. No entanto, pressionado contra ela, não era dor, precisamente, o que ele estava sentindo, mas uma consciência de si mesmo como nunca havia experimentado. Mary era mais delgada do que havia imaginado, mais miúda e delicada. Tinha que ter cuidado para não a esmagar. Podia sentir os ossos dos seus quadris, mas, também, as curvas suaves dos seus seios. Para o tamanho que tinham, consideravelmente pequenos em comparação com outras mulheres muito mais dotadas, estavam provocando nele uma reação considerável. Kenneth sentiu uma energia intensa e desconhecida percorrendo seu corpo. Era desejo, muito mais profundo do que já tinha sentido antes.

Nada daquilo fazia sentido, mas estava zangado demais para se perguntar como uma viúva esquálida e que já havia passado do seu auge, além do mais se esforçando para parecer pouco atraente, o fazia se sentir como um escudeiro prestes a deflorar sua primeira donzela.

Agora, lhe mostraria se tinha o direito de falar assim ou não. Ele a tinha visto em primeiro lugar, maldição. Se alguém merecia cortar as cordas que a prendiam e vê-la aflorar, esse alguém era ele.

Segurou seu rosto entre as mãos e se inclinou sobre ela. Desprendia um odor muito agradável, não um perfume intenso e enjoativo, mas um leve aroma de flores, como se ela tivesse se banhado em pétalas de rosa.

A respiração da Mary acelerou no décimo de segundo enquanto ele abaixava o rosto. Sob a luz do fogo tênue, viu quando seus lábios se abriram em um convite inocente, mas foi o pulsar logo abaixo da mandíbula que enviou um arrepio úmido e quente até sua virilha.

Sim, ela o queria tanto quanto ele, quase podia sentir nos seus lábios. A sensação era tão intensa que o atravessou com uma força e uma energia surpreendentes.

"Eu tenho esse direito, você sabe", falou, olhando em seus olhos e desafiando-a a negar.

"Eu não ..." balbuciou Mary com os olhos arregalados ao compreender o significado daquelas palavras.

Mas Kenneth cortou o protesto com um beijo. Só queria deixar as coisas mais claras, reclamar o que considerava que lhe pertencia com a pressão possessiva e irrefutável da sua boca. Entretanto, mudou de ideia quando seus lábios se tocaram.

Imediatamente, compreendeu os desvarios poéticos dos bardos. O solo tremeu debaixo dos seus pés enquanto uma descarga de sensações atravessava seu corpo. Um leve contato bastou para que a paixão explodisse entre eles, um sentimento primitivo e milenar que o pegou com força pelos testículos. Sim, podia sentir os testículos, assim como o seu pau.

A reação do seu corpo diante do contato com o da Mary foi violenta, primitiva. A estranha atração que vibrava entre ambos, se intensificou; uma vez estabelecida, já não podia ser desfeita. Já tinha acontecido aquilo com ele uma vez, uma reação inesperadamente poderosa com uma mulher, ainda que em um nível muito elementar, mas nunca naquele extremo.

Santo Deus, se pudesse engarrafar aquela intensidade não precisaria da fórmula da pólvora para nada.

Não esperava tudo isso. Foi uma surpresa, agradável, mas uma surpresa, no entanto. Quem teria pensado que uma mulher tão miúda e insossa seria capaz de excitá-lo daquela maneira? A atração feroz não fazia sentido, mas era inegável.

Cristo, seus lábios eram tão suaves que não pareciam ser reais. E tão doces. Não conseguia acreditar que existia um sabor como aquele. Uma vez, havia provado madressilva e era o mais parecido com o sabor da boca da Mary, florescendo sob os raios cálidos do sol.

Moveu os lábios sobre os dela, a princípio lentamente, exigindo uma resposta. Ela não estava lutando contra ele, como se estivesse possuída por uma espécie de torpor, ainda que fosse evidente que, na realidade, não sabia o que fazer.

E Kenneth mostrou a ela. Com movimentos lentos e delicados, mostrou com cada carícia dos lábios sobre os dela, exatamente o que queria que fizesse.

Ela imitou seus movimentos, vacilante no início e logo, à medida que o beijo se intensificava, cada vez com mais confiança.

Kenneth sentia calafrios por todo o corpo e uma sensação estranha no estômago. A sensação era incrível, tanto que teve que controlar o impulso de se deixar levar, de se inclinar sobre ela e tomá-la de um só golpe.

Parecia estranho, como se estivesse drogado pelo desejo, e seu corpo reagia com rapidez. Estava nervoso e, a cada instante que passava, mais e mais excitado. E ela praticamente se derretia sob ele. A pressão do seu quadril sobre o dela havia se transformado em um movimento sensual, como a suave fricção do beijo que os unia.

Deus.

Gemeu, ansioso por provar sua boca. Com a mão sobre a sua bochecha, acariciava a pele, suave e aveludada, implorando-lhe com os dedos que abrisse a boca. Quando, por fim, o fez, Kenneth chegou ao ponto de celebrar com um grunhido masculino de prazer. Queria explorar sua boca com a língua, reclamar cada centímetro da sua rendição.

Mas, em vez disso, se obrigou a abrandar o ritmo. Engolindo o suspiro de surpresa da Mary, deslizou a língua até o interior da sua boca, deixando-a se acostumar com a sensação.

Mas, a lentidão não funcionava, não se ela correspondia. Ao notar o primeiro roçar da sua língua, Kenneth sentiu que perdia o controle. A cada carícia, cada movimento, se fundia mais e mais em uma névoa sem sentido. A sedução suave estava se tornando uma conflagração de gemidos exigentes e movimentos frenéticos.

Seu corpo estava respondendo ao dela com uma urgência que não recordava haver experimentado antes. Era como se não tivesse o bastante.

O rugido da luxúria era cada vez mais intenso, O afogava completamente. Corria por suas veias como um rio de lava incandescente. Kenneth só conseguia pensar na diminuta mulher que estava diante dele; na sensação indescritível que era ter o corpo miúdo e delgado contra o seu, na sua boca, nos seus lábios, na sua língua; no muito que queria levantá-la contra a porta, passar suas pernas ao redor da cintura dele e afundar dentro dela.

Não conseguia lembrar da última vez que havia se excitado tanto com um simples beijo. O despertar do desejo da Mary o estava afetando mais do que havia imaginado.

Deslizou os dedos por baixo do véu e afundou os dedos no cabelo, grunhindo ao sentir a suavidade sedosa. Logo a segurou pela nuca e trouxe sua boca mais para perto da sua. Imediatamente, o beijo se tornou mais duro, mais excitante, mais carnal. Mary estava se derretendo contra o seu peito como se fosse açúcar no fogo e ele não sabia se conseguiria devorá-la com suficiente rapidez.

As sensações que inundavam seu peito eram demasiadamente intensas, o desejo, demasiadamente forte. O coração batia acelerado, o sangue corria pelas veias, a pele irradiava intenso calor. Kenneth sentia que estava se perdendo naquele beijo, como se caísse mais e mais no vazio, dentro da Mary. Como se estivesse se aproximando perigosamente a um ponto sem retorno.

E tudo aquilo, apenas, com um beijo.

Tinha que parar.

Afastou a boca com um xingamento e necessitou de toda sua concentração para não se lançar, de novo, sobre ela. Parecia que tinha caído no centro de um redemoinho que, agora, o cuspia para fora.

Deu um passo para trás, para colocar distância entre eles, tentando pensar com clareza. A cabeça dava voltas, assim como tudo ao seu redor.

O que, diabos, havia de errado com ele? A beberagem que a sua irmã o obrigou a tomar devia ser mais potente do que havia suposto, a princípio.

Tudo aquilo não podia ser por um simples beijo, ainda que bastou olhar nos olhos da Mary, tão confusos quanto os seus, para fazê-lo duvidar.

Olhar para ela foi um erro. Podia sentir a pressão, quase uma dor, na virilha. Já não tinha dúvidas sobre a fantasia que havia imaginado. Mary era a imagem viva da freira insaciável; os lábios inchados, os olhos meio cerrados, as bochechas coradas. Bastava um olhar para querer arrancar sua roupa e devorá-la lentamente.

"Encontre-me depois do banquete." O coração batia tão depressa que mal foi capaz de pronunciar as palavras.

Ela o olhou, surpresa, tentando se livrar daquela neblina, assim como ele, que havia anulado o entendimento. Seus olhos se encontraram sob o suave resplendor do fogo. Mary não disse uma só palavra; só as respirações pesadas e o crepitar silencioso do fogo no braseiro rompia o silêncio que inundava o ambiente. Olhou fixamente nos seus olhos buscando algo que se escondia nas suas profundezas, enquanto travava uma batalha interna e mortal.

"Não posso", respondeu finalmente, depois de uma pausa que pareceu interminável. Kenneth tentou puxá-la para os seus braços de novo, para tentar fazê-la mudar de ideia, mas ela o deteve com uma mão sobre o peito dele. Para alguém tão pequena o gesto se mostrou surpreendentemente potente. "Tem que ser agora."

Ele a observou, imóvel. "Agora? Por quê?"

Mary sacudiu a cabeça. "Tem que ser assim, não posso explicar."

"Mas, o banquete ..." Droga, Bruce já estava esperando por ele. Ficaria furioso se perdesse o encontro que havia organizado com a condessa. "Certamente, algumas horas não vão fazer diferença."

Deu passo na direção dela, mas a Mary o afastou com um gesto da cabeça. "Agora ou nunca, depende de você."

Kenneth captou algo em sua voz que o fez crer que falava a sério. Nunca gostou de ultimatos, mas também havia percebido algo mais: Mary acreditava que ele diria que não.

O melhor que podia fazer era regressar para o banquete e esquecê-la, mas um só olhar para as bochechas rosadas e os lábios inchados bastou para que não estivesse seguro da sua capacidade para fazê-lo. Mary era a classe de distração que não necessitava, muito menos agora, mas também era incrivelmente tentadora.

Que diabos. O que era uma meia hora? O Rei e a Condessa podiam esperar um pouco mais.

Sorriu e decidiu seguir com o jogo. "Então, que seja agora."

*


Mary arregalou os olhos. "O quê?"

Supunha que não devia dizer que sim.

Ele a olhou com aquele meio sorriso nos lábios capaz de lhe dar calafrios e afastou o pouco entendimento que sobrou.

Kenneth se aproximou dela e a envolveu com o calor que o seu corpo exalava. Era como estar junto à uma enorme fogueira. Desprendia tanto calor que Mary não conseguia pensar direito.

Será que era incapaz, pelo menos uma vez na vida, de se sentir atraída por um homem com proporções normais? Se afastou dele e, instintivamente, olhou ao seu redor em busca de um lugar no qual se refugiasse. Mas ele parecia ocupar todo o espaço. Alto e de ombros largos, sua silhueta dominava o ambiente e irradiava uma energia quase volátil.

Havia roubado até o ar. Cada vez que respirava percebia o sutil aroma do seu sabão. Jamais haveria dito que um homem podia cheirar tão bem, a limpeza e o calor, com um suave toque de sândalo.

Estava demasiadamente consciente dele, de cada centímetro daquele físico firme e musculoso que a havia prensado contra a porta. Nunca havia notado tantos músculos e, agora, todos eles, desde o menor até o maior, estavam gravados na sua memória.

O mesmo podia dizer do beijo. Meu Deus, jamais havia sentido nada parecido! Ainda lhe tremia o corpo todo. Se deixou consumir por sensações que não se pareciam em nada com o que havia imaginado. Havia roubado o seu alento, a capacidade de raciocinar, inclusive seus ossos, que haviam se derretido em uma poça de desejo incontrolável. Só conseguia pensar na pressão da sua boca, no calor da sua língua sobre a dela, na firmeza do seu corpo, na sensação dos braços ao redor da sua cintura e nas estranhas reações do seu corpo.

Não queria que acabasse, nunca.

Havia sido, somente, um primeiro contato - ainda que maravilhoso e carregado de poder – com tudo o que estava perdendo durante todos aqueles anos. E estava lhe oferecendo a oportunidade de desfrutar de mais. Desta vez não era a Eva que carregava a maçã do pecado, mas sim, Adão. E uma só mordida não era suficiente.

Mas não podia esquecer do que havia acontecido com Adão e Eva.

Parou, de repente, ao notar contato do que parecia ser uma mesa contra a parte traseira das suas pernas. Não havia tido muito tempo para examinar o ambiente antes do Kenneth bloquear seu campo de visão com o próprio corpo.

O coração batia com força dentro do peito, tratando de manter acelerado o ritmo a pulsação. Ela poderia, realmente, fazer aquilo?

"Eu-eu pensei que você estava ansioso para ir para o banquete." Estava tão nervosa quanto se sentia.

Kenneth cobriu o espaço que os separava com uma só passada, um metro e noventa, ou noventa e cinco, de pura tentação masculina e, em sua boca apareceu o mesmo sorriso provocativo de outras ocasiões, que parecia querer dizer “resista se puder”, revelando uma fila de dentes perfeitos e brancos. O cabelo, demasiadamente comprido, caía sobre a testa com tanta graça que a Mary teve que se conter para não levantar a mão para afastá-lo. Gostaria de dizer que não era tão superficial para cair, rendida, diante de um rosto bonito como aquele, mas a batida do seu coração a traía.

"O banquete pode esperar."

Kenneth a olhou de cima a baixo. Mary não era uma mulher alta, mas o movimento sensual e preguiçoso dos seus fez com que se sentisse assim. Se deteve sobre os seios, como se fosse capaz de atravessar a lã grossa do vestido até os mamilos túrgidos que Mary escondia, e o desejo que ardia no seu olhar transformou suas pernas em gelatina. Por um momento, Mary desejou que fosse uma reação ao medo, mas também sentia um estranho formigamento no estômago que só podia significar uma coisa: a expectativa sobre tudo o que estava prestes a ocorrer.

Uma noite …

A tentação era grande, mas tentou resistir. "O Rei não estava esperando por você?"

Em nenhum momento havia levado em conta a possibilidade de ele aceitar a oferta. Ou será que sim? O havia posto à prova para saber até que ponto desejava estar com ela? Se desejavam um ao outro com a mesma intensidade?

Aparentemente, sim, por mais que a Mary não compreendesse por que estava tão interessado nela quando passava dia e noite rodeado de mulheres muito mais jovens e formosas que ela.

Não veja coisas onde não existem.

"Ele vai esperar."

Ela podia esperar, em outras palavras. À Mary incomodou a evidente falta de interesse pela mulher que o Rei havia escolhido para ser sua esposa, mas, então, Kenneth levantou uma mão e a deslizou pela curva da sua bochecha. Afogou uma exclamação de surpresa. O toque dos seus dedos, quentes e ásperos, provocou uma descarga de eletricidade em cada um dos nervos do seu corpo. Sem dúvida, foi a delicadeza do gesto que a desarmou por completo. Carregava uma ânsia tão intensa que roubou seu coração. Por um instante, breve e absurdo, desejou poder se abandonar àquela carícia.

Não! Ela já não era a jovem romântica de antigamente e aquilo era paixão, nada mais. Não podia esquecer, já que Kenneth Sutherland era muito mais perigoso do que tinha imaginado. Seus beijos haviam bastado para fazer o seu sangue ferver com paixão, mas suas carícias eram capazes de despertar sentimentos muito mais perigosos.

E aquele guerreiro altivo e arrogante, com o rosto e o físico arrebatador de um deus grego, pertencia ao mundo de fantasias, nada mais.

"Você não tem nenhuma razão para estar nervosa, pequena. Vou tratá-la com delicadeza."

Infelizmente, delicadeza não era o que Mary esperava dele. Queria uma tormenta incontrolável de paixão. Luxúria, não ternura. Queria sentir o mesmo que a mulher do estábulo, ainda que, só por uma vez.

Ele a olhou nos olhos, a curva suave da sua boca tentadoramente próxima, os lábios que haviam acariciado os seus apenas a alguns centímetros de distância. Ainda podia sentir seu sabor na língua, obscuro e picante, com um toque de cravo.

"Você quer isso, Mary, sei que quer. Só tem que dizer sim."

Ela olhou para ele e se sentiu impotente, paralisada pela intensidade pecaminosa do seu desejo, incapaz de pronunciar as palavras que acabariam para sempre com uma vida regida pela retidão e pela moral.

Aquilo não estava certo.

Mas, o que tinha de tão ruim?

Nenhum dos dois era casado, assim não causariam dano a ninguém. Ela tinha vinte e seis anos; já faziam três que era viúva e, antes disso, uns quantos mais como esposa ignorada e preterida. Aquela podia ser sua única oportunidade de experimentar o que tantas vezes havia sonhado e que seu esposo, incapaz de querê-la ou dar-lhe nada remotamente parecido com o que havia visto aquela noite no estábulo, havia destruído de uma só vez.

Kenneth, sim, a desejava e podia lhe dar aquilo, sem limitações, sem amarras. Era um homem com suas próprias condições.

Seria apenas uma vez. Uma noite de paixão, de pecado. Acaso pedia demais?

Parecia que ele havia se dado conta das suas dúvidas e, passando colocando uma mão atrás dela, pegou uma jarra de vinho que devia estar sobre a mesa.

"Aqui", ele disse, oferecendo-a para ela. "Beba um pouco. Vai ajudá-la a relaxar."

Mary obedeceu e quando estava a ponto de engasgar, quando se deu conta de que não era vinho, e sim, uísque. Ele riu, exortando-a a tomar mais um pouco, e Mary tomou outro gole da bebida ardente.

Quando terminou, devolveu a jarra para ele e, ao vê-lo beber um bom trago, até esvaziar a jarra, não pôde evitar de imaginar se, talvez, ele não se sentia tão seguro de si mesmo como aparentava.

Quando se inclinou de novo sobre ela e a pressionou contra a cadeira, seus olhos desprendiam um brilho renovado.

"Decida, Mary", repetiu, com uma nota rouca na voz que adicionava um novo nível de tentação à conversação. Mary havia se adiantado do purgatório até, exatamente, às portas do inferno.

Um calafrio percorreu seu corpo. Seus braços poderosos e o amplo escudo que era o seu peito a rodeavam como fosse uma jaula com barras de aço. Não conseguiria escapar nem que quisesse.

Mas não queria. Se havia aprendido algo, ultimamente, era a tomar suas próprias decisões. Desejava seguir adiante.

Isso, se o seu coração se acalmasse o suficiente para que pudesse recuperar o fôlego.

Respirar, sem dúvida, se converteu em algo secundário quando a boca do Kenneth pousou junto à sua orelha. O calor da sua respiração sobre a pele úmida de suor levantou uma corrente de desejo que se estendeu por todo o seu corpo. Seguiu a linha da mandíbula com a boca e logo mergulhou em seu pescoço, descobrindo todos os pontos sensíveis ao longo do caminho. Mary estremeceu e não pôde reprimir um gemido, indefesa diante daquela miríade de sensações. Kenneth a beijou sobre a pulsação frenética que dilatava suas veias.

"Diga que sim, Mary", ele sussurrou.

"Sim. Por favor, sim." Respondeu.

 


Capítulo Seis

Um segundo depois da palavra abandonar sua boca, Kenneth se lançou sobre ela com um gemido quase animal, que ressoou por todo o seu corpo. Por fim, ela havia se desfeito das amarras da paixão e nada mais o reteria. Era um espetáculo absolutamente magnífico, a prova física do desejo que sentia por ela.

A carícia lenta e sedutora dos seus lábios sobre o pescoço se tornou violenta, como se quisesse devorara até o último centímetro da pele que aparecesse em seu caminho, beijando, chupando, lambendo a pele acalorada da Mary até que ela pensou que morreria de prazer. Foi então que seus lábios repousaram de novo sobre os dela, e Mary achou que isso aconteceria.

Kenneth deslizou a língua dentro da sua boca e a encheu com seu sabor requintado.

Apesar de ser um homem corpulento, seus lábios eram assombrosamente suaves e cálidos, deliciosamente ardentes. Mary queria se perder nos braços dele e não sair mais dali. Retribui o beijo com a paixão recém descoberta que fluía por suas veias.

Os beijos daquele homem eram devastadores, capazes de destruir, a cada nova investida, até a menor dúvida que lhe acometera. Aquilo era exatamente o que Mary tanto havia desejado, o que ansiava mais do jamais havia imaginado. Kenneth a fazia experimentar coisas que nem sequer sabia que existiam. Sentia um imenso formigamento por todo o corpo e o calor abrasador da energia que ameaçava transbordar. Imediatamente, voltaram à vida os sentimentos há muito esquecidos. Mary os saboreou, os recebeu de braços abertos, deixou que se chocassem contra ela uma vez atrás da outra, como as ondas do mar sobre a praia. Aquele homem era como uma tempestade de verão, desabando sobre as dunas áridas do seu deserto.

Podia sentir a batida enlouquecida do seu coração, em uma corrida incontrolável até o desconhecido. Se sujeitou a ele, cravando os dedos na dureza dos seus ombros, enquanto a reclamava para si com a língua, até o último centímetro da sua boca. E ela permitiu que a tomasse, se rendendo ao saque com absoluto abandono.

Seus seios foram esmagados pela força do torso do Kenneth. Gemeu diante do contato, deleitando-se com a sensação do peso tão sólido sobre ela. Havia algo profundamente excitante diante da ideia de todos aqueles músculos em contato com a sua carne, algo primitivo na prova física da sua masculinidade e na feminilidade dela. Kenneth era grande e forte; se algum homem havia nascido para proteger, esse alguém era ele.

Fazia muito tempo que Mary não buscava um homem para protegê-la, mas, ainda assim, gostava de sentir todos aqueles músculos contra o seu peito. Parecia estranho que algo tão firme e duro pudesse despertar nela aquela ânsia de se aninhar contra ele e não sair dali nunca mais.

Mas não eram apenas seus peitos que se tocavam. Kenneth mergulhou o quadril até tocar o dela e lhe arrancou uma exclamação de surpresa.

Santo Deus! Uma coisa era dar-se conta do tamanho através de uma rápida olhada de lado e outra muita distinta, sentir a prova evidente sobre o estômago. Grosso e duro, notava cada centímetro da sua masculinidade pulsando contra sua pele.

Mas, em vez do medo, a prova física da sua excitação despertou uma sensação latente entre as pernas dela. Imediatamente, sentiu uma estranha necessidade de se mover, de se esfregar para cima e para baixo contra aquela dureza que se elevava entre as pernas dele.

Como se tivesse lido a sua mente, Kenneth deslizou uma mão até suas nádegas, a segurou com mais firmeza e, com um grunhido, começou a mover os quadris.

Mary acreditou ver as estrelas, uma explosão de sensações que se materializou em forma de calor líquido entre as pernas dela.

Já não pensava em se mover, agora tinha a necessidade incontrolável de fazê-lo. Empurrou os quadris contra a forma rígida e dura que era a fonte do seu desassossego e ao mesmo tempo, a única que podia acalmar tão estranha inquietude.

Queria senti-lo dentro dela, sentir-se preenchida por ele, sofrer as investidas e desfrutar do mesmo prazer que havia visto na mulher do estábulo.

Sentimentos, respostas, necessidades que havia experimentado quando era uma jovem esposa, mas que haviam sido vítimas da vergonha de um marido indiferente, hoje, por fim, vinham à tona.

Concentrou todos os esforços nele, sem guardar nada para ela. Grudou cada centímetro do seu corpo nele, mas, ainda assim, era insuficiente. Podia sentir a paixão reverberando através dos músculos do Kenneth, que se retorciam por baixo dos dedos dela. Ele também estava se entregando de corpo e alma, lutando contra algo que desejava com a mesma gana que ela. Era como tentar controlar um raio, o trovão que retumba no céu, energia primitiva e volátil, pronta para ser liberada.

Podia sentir a batida do coração dele, ouvir sua respiração pesada. Era ela que queria ir mais depressa, aquela que desejava que fosse ele a se ocupar de entregar tudo o que estava ocorrendo entre os dois e que era impossível de ignorar, uma promessa que podia sentir no seu ventre.

Ele a beijava com tanta entrega, apertando os lábios contra os dela com tanta firmeza, que era como se nada pudesse se colocar entre os dois. Haviam se fundido em uma só pessoa; nem mesmo um sopro de ar passava entre eles, só calor, em uma temperatura impossível.

De repente, Kenneth afastou a boca, amaldiçoando. "Maldição, espere!"

Se estava falando consigo mesmo ou com ela, Mary não sabia.

Olhou para ele, confusa e um tanto surpresa. Se sentia como uma criança que estivera se abarrotando de doces roubados e tivessem roubado o seu prato. Culpada e insatisfeita. No mínimo, lhe restava o consolo de estar ainda nos seus braços, mas em seguida, antes de se dar conta, ele também os afastou.

Sentiu o desejo irreprimível de soltar o gemido que subiu à sua boca, uma boca com lábios inchados que, apenas alguns segundos antes, estavam cobertos pelos dele.

Kenneth a olhou com o cenho franzido, como se a culpasse de algo. "Vamos fazer isso direito."

"Por acaso não estávamos fazendo certo?" Perguntou Mary, e em seguida corou, percebendo que tinha falado em voz alta.

Sua boca se curvou em um meio sorriso. "Entendo o que quer dizer. Talvez, deveria ter dito que esta mesa não parece muito confortável. Também não parece muito forte. Não gostaria de quebrá-la."

Mary captou o brilho provocador no seu olhar e não pôde evitar de sentir uma onda de calor, e não apenas no rosto, ao pensar na força que era necessária para romper uma peça tão sólida quanto aquela. As fortes investidas, os movimentos bruscos ...

Imediatamente, se deteve e tentou afastar aquelas imagens da sua mente. Santo Deus, um leve sabor da paixão e já se havia convertido em uma alma lasciva!

Quase como se pudesse ler os seus pensamentos, viu a chama que iluminou os olhos do Kenneth. O azul penetrante ficou quase negro.

Murmurou algo entre os dentes, talvez outro xingamento, e se virou. Se ainda fosse a jovem inocente, com a cabeça cheia de pássaros da sua adolescência, acreditaria que aquele portento de masculinidade masculina tinha que usar de todo o seu empenho para se controlar.

Ele tinha trocado as roupas de guerreiro por uma túnica azul bordada e um manto xadrez. Abriu o fecho do broche, tirou o manto e, abrindo-o, o esticou sobre o chão de pedra. Logo, se ajoelhou sobre ele e estendeu a mão.

"Não é tão confortável como o feno, mas vai ter que servir."

Mary mordeu o lábio e tentou não sorrir. Utilizar aquele detalhe com ela era realmente perverso. Baixou o olhar e observou a mão que ele estendia. Agora era a hora dela vacilar, mas que Deus salvasse a sua alma, porque não tinha a mais remota dúvida de que o queria. Pôs a mão sobre a dele e permitiu que a ajudasse a se abaixar, sem deixar de repetir que não havia nada de romântico em tudo aquilo. Aquele homem não era o seu cavaleiro de armadura brilhante, somente uma fantasia, nada mais.

Entretanto, quando a envolveu em seus braços e a deitou suavemente sobre o manto, sem deixar de olhar em seus olhos, Mary sentiu que o coração batia com a força de uma tropa de cavalos.

De novo, experimentou aquele calor. Kenneth voltou a segurá-la e ela, deitada ao seu lado no chão, se sentia extremamente consciente da intimidade da cena que estavam vivendo. Se, no lugar da pedra fria, estivessem em cima de uma cama, poderiam passar perfeitamente por marido e mulher.

E, sem dúvida, não tinha a sensação de estar fazendo algo ilícito ou que fosse ruim, pelo contrário.

Não! Sentiu a fria punhalada do medo e quis poder dizer que voltassem para a mesa. Desejou que ele nunca houvesse parado, que tivesse deixado extravasar a paixão e acabar com aquilo de uma vez por todas.

Kenneth a beijou suavemente na boca, sem desviar os olhos dos seus.

Seus olhos eram hipnóticos. Estava seduzindo-a, submetendo-a a algum tipo de feitiço para que pensasse, que acreditasse que o que estava acontecendo entre eles era especial.

Uma noite.

Com um dedo, acariciou a bochecha dela e seguiu até se deter atrás da sua orelha. "Seu véu", sussurrou com a voz rouca. "Consegue colocá-lo de volta, sozinha?"

Ela assentiu com a cabeça. "Por quê?"

Mary teve sua resposta quando ele começou a retirar as presilhas que o mantinham na sua cabeça. Um segundo depois, o véu caía no chão.

Kenneth prendeu a respiração.

Ela buscou seus olhos e o que descobriu neles, a fez desviar a vista para se proteger de tão inesperado prazer. Seu cabelo sempre havia sido seu grande orgulho, sua única vaidade, mas fazia tanto tempo que o levava escondido, que se perguntava se os homens continuavam a achá-lo bonito. Se a expressão do Kenneth podia ser considerada como uma indicação, a resposta era sim.

Podia sentir o peso do seu olhar, enquanto deslizava os dedos pelas madeixas da cabeleira.

"É um pecado cobrir algo tão bonito." Sua voz era quase reverente. Depois de um momento, segurou seu queixo, e a obrigou a olhar para ele. "O que mais você está escondendo, minha querida Mary?"

Ela sacudiu a cabeça, incapaz de pronunciar uma só palavra e aterrorizada por algo que havia acreditado ouvir na sua voz. Tinha à sua frente um homem capaz de descobrir segredos, de desenterrar emoções que estavam enterradas há muito tempo. Minha querida Mary ...

"Nada", conseguiu responder, enfim, com um fio de voz.

Ele não acreditou nela. "Veremos."

E, então, a beijou, transformando sua exclamação de surpresa em uma de prazer.

Mary pôde saborear sua decisão. Ele a beijava como um homem com um propósito. Aquele não era um beijo pensado para seduzir, e sim, um cujo desenlace já estava decidido de antemão. Corajoso. Atrevido. Carnal. Estava tomando o que queria dela, mas, ao mesmo tempo, lhe dando tudo em troca. A beijava como se não tivesse a intenção de deixá-la partir.

O corpo da Mary respondeu como se não houvesse existido interrupção alguma. Toda a paixão que havia despertado nela regressou com forças renovadas. Passou uma mão ao redor do seu pescoço e puxou seu peso ainda mais para ela.

Podia sentir a pressão da sua ereção sobre a coxa, mas, por sorte, Kenneth não tardou a se mover e colocá-la mais perto do ponto em que a Mary desejava senti-la.

Seguramente, deve ter deixado escapar um gemido sem perceber, porque ele respondeu com um grunhido e seus movimentos ficaram mais rápidos, mais frenéticos. Deslizou uma mão pela curva que delineava seu quadril e ela arqueou as costas como um gato.

Quem era aquela mulher? O que ele havia feito com ela?

Seu beijo deslizou da sua boca e foi baixando até a garganta dela. "Você é tão doce." Sua voz soava tensa, retorcida.

Mary podia ouvir o som da própria respiração, mas estava demasiadamente alterada para pensar naquilo Só era capaz de se retorcer de prazer, enquanto a boca do Kenneth marcava a fogo uma trilha no seu pescoço e suas mãos faziam o mesmo no seu corpo. Sabia exatamente onde tocá-la: no quadril, no ventre, na curva da cintura e, por fim, nos seios.

Acariciou-os, apertou-os, os moldou sob as próprias mãos, enquanto ela gemia diante de tão incrível sensação.

A boca do Kenneth foi descendo pelo seu colo até se deter na linha do modesto corpete que ela usava.

"Deus, gostaria que tivéssemos mais tempo", murmurou. "Queria vê-la nua." A memória do seu torso nu atravessou a mente da Mary, que não conseguiu evitar de estremecer ao pensar em toda aquela pele, quente e bronzeada, sobre a sua. "Quero ver esses belos mamilos antes de colocá-los na minha boca."

E, sem falar mais nada, colocou a boca exatamente sobre um dos picos sobre os quais estava falando. Mary sentiu o calor úmido atravessar a seda e o linho e não conseguiu conter uma exclamação de surpresa.

Arqueou as costas contra a sua boca e observou que ele amaldiçoou, de novo, entre os dentes, antes de seguir chupando, agora, com mais força para que ela pudesse sentir a doce tensão ao redor do mamilo e as descargas de prazer expandindo-se por todo o corpo. Imediatamente, se deu conta que havia começado a gemer, sons suaves e urgentes que, até então, nunca haviam saído da sua boca.

Kenneth emitiu um murmúrio áspero e se afastou.

"Deus, você está me matando", disse ele, antes de retornar à sua boca para lhe dar um beijo arrebatador.

Agora, se movia mais depressa, sem o traço de delicadeza que havia mostrado até então. Seus movimentos eram bruscos e secos, quase desajeitados, sem que mostrassem o rastro de controle que havia presenciado no estábulo. Seria certo que era ela quem provocava aquela reação?

Ele afrouxou a túnica, se atrapalhou com os laços dos calções e levantou a bainha do seu vestido até a cintura. Logo, interrompeu o beijo e se inclinou sobre ela. Sobre a sua testa caía uma mecha do cabelo escuro e Mary teve que conter o impulso de colocá-la no lugar. Parecia que seus olhos estavam mais escuros e ardendo com a mesma emoção que havia visto neles, na noite em que o havia visto se dar prazer com as próprias mãos: desejo.

Por mim.

"Preciso estar dentro de você."

Deslizou uma mão entre as pernas dela, que surpresa, prendeu a respiração. O suave roçar dos dedos sobre a carne sensível daquele ponto da sua anatomia, bastou para lhe provocar calafrios por toda a espinha.

"Você está tão quente", grunhiu o Kenneth.

Toda vergonha que podia sentir ao escutar aquelas palavras se desvaneceu quando sentiu seus dedos deslizarem dentro dela e não conseguiu evitar de se retorcer diante do requinte da carícia.

"Sabia que você seria assim." Sussurrou. "Você foi feita para isso, pequena."

Mary não sabia do que ele estava falando, mas a sensação que se avolumava entre as suas pernas era demasiadamente prazerosa para que se importasse. Estava acontecendo algo muito estranho. As necessidades do seu corpo haviam tomado o controle. O leve tremor se intensificou até se converter em uma pulsação rítmica e insistente. Se sentia como se estivesse subindo, perseguindo algo que não conseguia ver.

"Assim que eu gosto", disse ele, encorajando-a. "Deixe que venha, amor. Deixe que venha."

A ternura das suas palavras rompeu, por um instante, a névoa do prazer, mas Mary a descartou rapidamente. Não significava nada.

Mas era certo que não esperava que um guerreiro tão audaz e mulherengo como Kenneth Sutherland fosse, além de tudo, tão... terno.

Seguiu enfiando e tirando o dedo, sem descanso, enquanto Mary levantava o quadril até encontrar a base da sua mão. Kenneth se pressionou contra ela, sem deixar de sussurrar no seu ouvido, "Isso, amor. Goze."

Olhou nos olhos dele e, de repente, ficou imóvel, petrificada, diante da intensidade da sensação que se estendeu por todo o seu corpo. Durante uma fração de segundo praticamente interminável, seus olhos se encontraram, exatamente antes dela fechá-los e a sensação explodisse em seu interior em forma de espasmo líquido e latente. O prazer era indescritível, muito mais intenso do que jamais havia imaginado, mas não conseguiu se aferrar a ele e, em questão de segundos, já havia desaparecido.

Quando abriu os olhos, viu o Kenneth inclinado sobre ela, com uma emoção nos olhos que não conseguiu decifrar.

"Você é linda", disse com veemência.

Ela ignorou o prazer que aquelas palavras podiam provocar. Não significavam nada. O mais provável era que dissesse o mesmo a todas as mulheres.

Ainda que o certo era que não se recordava do que havia dito à mulher no estábulo.

Kenneth se colocou em cima dela, com o peito sobre o seu, e Mary teve que reprimir o impulso de olhar para baixo, para saciar sua curiosidade feminina.

De repente, sentiu a ponta arredondada da sua masculinidade entre as pernas e se preparou para a dor que, seguramente, estava a ponto de chegar.

"Relaxe", disse ele. "Eu disse que ia ser gentil."

Mary corou. Como conseguiria ser gentil? Sem dúvida, se tratava de uma espada larga e forjada em aço!

Mas, em seguida, se deu conta de que acreditava. Kenneth esfregou a ponta contra o seu sexo até que, por fim, começou a relaxar.

Os tremores não tardaram a regressar e Mary notou que sua respiração começou a acelerar. Observou o rosto do Kenneth na penumbra do aposento: a mandíbula, agressiva e masculina, estava contraída, a boca, sensual e firme, os olhos azuis e penetrantes, a força que retesava os músculos.

Aquele ritmo tão lento era demais para ele, mas o fazia por ela.

Tanta delicadeza, tanta consideração a confundia. Não era o que esperava dele, nem sequer era o que ela queria.

"Agora, por favor", sussurrou sem deixar de olhar nos seus olhos.

Se a sua súplica o surpreendeu, não o demonstrou em nenhum momento. Estava muito excitado para argumentar com ela. Pouco a pouco, começou a deslizar em seu interior, aproveitando a umidade do corpo dela, para facilitar a entrada.

Mary arregalou os olhos ao sentir que seu corpo se amoldava à forma do seu pênis.

Acreditou que ia doer, deveria doer, mas, em seu lugar, se deu conta que a sensação era... incrível. Kenneth a preenchia como nenhum outro homem o havia feito antes. Cada centímetro era pura possessão, pura reivindicação, como uma descarga de calor latejante através dela.

Oh Deus, sim. Até que enfim! Isso era o que ela estava esperando. Mary não via o momento de sentir como ele se movia em cima dela, como investiria até possuí-la por completo. Toda a luxúria, toda a paixão crua que havia presenciado naquela noite, no estábulo.

Só que o Kenneth estava fazendo, não tinha nada a ver com aquela noite. Se mantinha perfeitamente imóvel, observando-a com um olhar capaz de fazer seu coração dar uma cambalhota. Se tratava de uma estranha mescla de surpresa e confusão, um olhar intenso e profundo de quem busca respostas.

Entre eles, passou algo emotivo e comovente, uma sensação bela e impossível, que não parecia ter lugar em uma fantasia pecaminosa.

Instintivamente, Mary quis se afastar daquilo, mas não se sentia capaz de romper a conexão.

Finalmente, quando acreditou que não podia suportar tanta intensidade nem um segundo a mais, ele começou a se mover. A primeira investida enviou uma descarga de sensações por todo o seu corpo, um prazer indescritível que se propagava mais e mais a cada nova carícia, algo tão maravilhoso que não pôde conter uma exclamação de surpresa.

Kenneth fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás, como se ele também se sentisse superado por aquele prazer tão intenso.

"Deus, que maravilha estar dentro de você", murmurou com um gemido, enquanto seus quadris subiam e desciam, descrevendo um movimento circular que ressoava através dela.

Mary se agarrou nele com firmeza, lutando para manter a sanidade enquanto uma onda de sensações atrás da outra ameaçava arrastá-la para o centro do redemoinho. Queria fechar os olhos e se entregar a aquele prazer tão indescritível.

Mas ele não permitiu. Seus olhos pousaram de novo sobre os dela, em um gesto íntimo e sensual, negando-se a soltá-la. Mary sentiu que ficava sem fôlego e que uma pressão apertava seu peito.

Não! Algo não ia bem. Aquilo não era o que ela queria, não enquanto houvesse emoções envolvidas. Não deveria sentir aquele aperto no coração. Tudo era demasiadamente doce, demasiadamente íntimo.

Kenneth não era mais que uma fantasia, mas Mary sentiu que a situação resultou demasiadamente real, que despertava emoções nela que há muito tempo estavam enterradas.

Se ao menos ele parasse de olhar para ela.

Tinha que fazer algo, se concentrar em outra coisa. Por um momento desejou estar de quatro como a mulher no estábulo, para não ter que olhá-lo nos olhos. Não era tão valente, nunca havia sido, mas logo lhe ocorreu algo.

"Você poderia tirar a túnica?"

*


Kenneth sentia que havia entrado em outro mundo, um em que tudo era novo para ele. Um mundo onde toda sua experiência não importava merda nenhuma. Navegava às cegas e sem âncora, e a sensação era inquietante e estimulante, ao mesmo tempo.

Ele gostava de sexo, e muito. Maldição, ainda que não fosse especialmente espetacular, seguia sendo incrível. E quando era, não havia nada comparável.

Mas isso …

Isso era diferente de tudo o que havia experimentado antes. Desde o momento em que a havia penetrado, a sensação havia sido distinta. O prazer era muito intenso, o êxtase de penetrar sua carne e sentir seu corpo se adaptando a ele como uma luva, quase comovente. Uma luva encharcada, muito pronta e muito quente. Na primeira estocada havia notado uma descarga de sensações propagando-se desde a base até a ponta do seu pênis.

Aquilo ele conseguia entender, o que escapava era todo o resto. O sentimento de posse, intenso e primitivo, que impulsionava cada poro do seu corpo a gritar “minha”, seguido de uma estranha sensação de pertencer a ela, além de um impulso protetor igualmente poderoso.

Tinha prometido a ela que tomaria cuidado e pretendia cumprir a palavra. Queria que ela também se sentisse bem.

Tinha observado seu rosto enquanto a penetrava pela primeira vez, como haviam corado suas bochechas, sua respiração acelerou quando abriu caminho, cada vez mais para dentro, preenchendo-a com seu corpo.

E, quando por fim, o havia conseguido, no momento em que seus corpos haviam se unido completamente...

Uma emoção descontrolada e violenta o pegou pelo pescoço. Jamais havia experimentado um desejo tão intenso, uma luxúria que havia se instalado em seu peito e ameaçava deixá-lo sem ar.

Devia se apressar, o Rei estava esperando por ele. Sem dúvida, estava se sentindo tão malditamente bem que não queria que aquilo terminasse. Enterrado nas profundezas do seu corpo, sujeitado pelo punho firme e cálido do seu sexo, pensou que não se importaria de ficar ali para sempre Se moveu lentamente, penetrando até o último centímetro a cada investida, retirando-se quase por completo antes de penetrá-la outra vez, mas nem sequer assim ficava satisfeito, não se acercava o suficiente.

Era muito estranho porque, ainda que já tivesse tentado, se sentia incapaz de deixar de olhar para ela. Deus, não se recordava de haver sustentado o olhar de uma mulher durante tanto tempo, jamais. Com a Mary – o cabelo emoldurando sua face, as bochechas rosadas, os lábios inchados, os olhos entrecerrados e cobertos pela neblina da paixão – não conseguia desviar o olhar. Era como se houvesse voltado à vida nos seus braços.

Cristo, se deu conta, de repente, ela é linda.

Imediatamente, foi como se deixasse de respirar. Algo tenso e apertado havia se apoderado do seu peito, algo que o impelia a manter seu olhar, a acariciar as bochechas dela e a pousar delicadamente os lábios sobre os dela.

A singularidade da sua própria reação fez com que o pedido da Mary se tornasse ainda mais chocante.

"O quê?" Perguntou, imóvel.

Ela desviou o olhar, mordendo o lábio, um ligeiro rubor tingindo suas bochechas.

"Eu, eu ..." Gaguejou, olhando para ele, timidamente. "Acabei de me lembrar e pensei que seria agradável..."

Ela não conseguiu terminar a frase.

"Você achou que seria bom se eu tirasse a túnica?" Perguntou Kenneth, terminando a frase por ela.

Mary assentiu, claramente mortificada. "Sim."

Não havia nenhuma razão para ficar irritado, inclusive, devia se sentir satisfeito. Obviamente, ela gostado do que viu no estábulo e queria voltar a vê-lo. Para ela, que as mulheres admirassem seu corpo não era nenhuma novidade. Maldição, queria a admiração da Mary, mas algo nas palavras dela fez com que se sentisse um garanhão no mercado e, levando-se em conta a fragilidade dos seus sentimentos mais recentes, aquilo o magoou.

Por todos os santos, que diabos havia com ele? Soava como uma mulher hipersensível e analisando até o mais mínimo dos detalhes. Por que se importava se ela queria admirar seu corpo? Acaso não havia lhe dito o mesmo? Queria vê-la nua e, se não fosse porque sabia o quão difícil seria se arrumar sozinha, teria arrancado o maldito vestido com os dentes.

Uma túnica, sem dúvida, era muito mais fácil de colocar de volta. E seria bom sentir as mãos dela sobre sua pele.

Com esse pensamento em mente, agarrou a bainha da túnica, que já estava embolada ao redor da sua cintura, a puxou pela cabeça e jogou-a de lado. "Como você quiser, minha senhora", disse ele, com um sorriso arrogante.

"Você está ferido!" Exclamou ela, com um gesto preocupado. Estendeu a mão para tocá-lo, mas em seguida, a puxou para trás como se tivesse medo de lhe causar dor.

Kenneth, que havia esquecido do golpe, baixou o olhar para a pele arroxeada, que cobria toda a zona lateral. O prazer que a Mary estava lhe dando era um remédio muito mais eficaz para a dor do que a beberagem de sabor repugnante que sua irmã o havia obrigado a tomar ou que o grande gole de uísque que havia bebido, alguns momentos atrás.

"Não é nada."

Ela ia começar a protestar, quando Kenneth a obrigou a se centrar, novamente, no que estavam fazendo, com uma pequena investida.

Mary se sobressaltou e, sem pensar, se agarrou a ele, que era exatamente o que Kenneth pretendia. O calor suave das palmas das mãos dela sobre sua pele, produziu uma nova onda de calor, que se concentrou rapidamente sobre a sua virilha. Maravilhoso.

Empurrou novamente. Desta vez, mais forte e mais profundamente.

Mary se segurou com mais força, cravando os dedos na parte de trás dos seus braços.

Sim, era assim que tinha que ser. Se manteve imóvel por um instante saboreando o momento de conexão.

"Mais algum pedido, minha senhora?" Sussurrou com voz rouca, em uma provocação mais que evidente.

Mary levantou os olhos do seu peito o tempo certo para olhar em seus olhos, por um instante. Ele estava brincando e ela, sem dúvida, parecia extremamente séria, quase preocupada, até.

"Mais rápido, por favor. Seja mais rápido."

Kenneth franziu a testa. Obviamente, não compartilhavam a mesma intenção de fazer durar o maior tempo possível, disse a si mesmo, um tanto mal-humorado.

Cerrou a boca e apertou a mandíbula. Bem, ao menos, que não dissessem que não dava às suas amantes o que elas queriam.

"Passe as pernas ao redor da minha cintura", ele ordenou, e logo acrescentou, olhando-a fixamente. "E segure-se bem."

Ia lhe dar a melhor cavalgada de toda sua vida.

A penetrou novamente, desta vez, com mais ímpeto. Ela gritou ao notar a força do impacto e seus olhos buscaram, rapidamente, os dele.

"Assim é melhor, não é?" Perguntou Kenneth, provocando-a com um tom brincalhão.

Ela assentiu, um tanto atordoada.

Kenneth notou uma descarga de satisfação percorrendo suas veias. Sem desviar os olhos dos dela, voltou a penetrá-la, cada vez mais rápido, dando-lhe exatamente o que ela queria, excitando-se com o suave eco da respiração dela.

Imediatamente, sentiu aquela conhecida pressão que começava a se formar na sua virilha e a se concentrar na base da sua espinha, e não pôde reprimir um gemido de prazer.

Maldição, se sentia tão bem...

Podia sentir os saltos dos sapatos da Mary afundando nas suas nádegas, as mãos deslizando por seus braços até as costas, para poder acariciar sua pele, cada vez mais quente e escorregadia. Estava dando tudo o que tinha e seu corpo começava a mostrar os primeiros sinais de cansaço. Os músculos se contraíam, os braços doíam por se manter erguido e cada vez respirava mais depressa, devido ao esforço de se mover com tanta energia.

Era um intercâmbio sem piedade, luxúria no seu estado mais cru e primitivo, mas também, alguma coisa a mais. Algo mais profundo, que revolvia os recantos mais profundos da sua alma cada vez que sondava o azul insondável do seu olhar.

Bela.

Podia sentir como se aproximava, como a sensação crescia e crescia até se converter em uma batida frenética e descontrolada. Todo seu corpo enrijeceu, preparado para o que estava a ponto de acontecer. Apertou os dentes com força e tentou controlar a necessidade irrefreável de se apressar.

Não queria gozar sozinho.

Não tinha motivo algum para se conter, porque já havia se ocupado de satisfazer a Mary. Havia cumprido com sua parte do trato, com a obrigação tácita que sempre observava em encontros como aquele. Ele dava prazer a elas e elas lhe davam prazer.

Mas, desta vez, não tinha nada a ver com dever, e tampouco se parecia com qualquer dos encontros que havia vivido até a data de hoje. Hoje à noite percebeu que havia algo importante entre eles e sabia que não se sentiria bem consigo mesmo até que os dois gozassem juntos.

Não sabia por que – nem sequer queria pensar sobre isso, maldição – só que era assim que tinham que ser as coisas.

Mas, Deus, como queria gozar. Os músculos da sua bunda se contraíram diante da sensação de saber que Mary o retinha entre suas carnes e o estimulava, enquanto tentava se segurar a cada golpe duro.

Não teria que esperar muito. A respiração da Mary acelerava junto com seus movimentos, se tornava mais intensa e insistente, seu corpo se retorcia debaixo do peso do Kenneth, arqueava as costas e levantava os quadris, seguindo o ritmo frenético das suas investidas. Tinha os olhos semicerrados, os lábios entreabertos, a cabeça inclinada para trás...

"Olhe para mim", ordenou ele, com a voz tensa pela pressão.

Não queria fazê-lo, podia ver em seus olhos enquanto os abria lentamente e buscava os olhos dele. De repente, Kenneth sentiu uma descarga que percorreu sua espinha de cima a baixo. Algo havia passado entre os dois, algo cálido e intenso, que os levou ao limite.

Mary soltou uma exclamação de surpresa.

Kenneth sentiu que todo o seu corpo se contraía.

Ela deixou escapar um grito agudo de prazer, que terminou por atravessar suas últimas defesas. Imediatamente, a pressão que havia estado contendo, explodiu em um clarão ofuscante de paixão. Não conseguiria ter se retirado, nem que quisesse. A penetrou uma última vez, forte e profundamente, e seu corpo explodiu em mil pedaços enquanto o orgasmo mais poderoso que já havia experimentado, arrastou tudo em seu caminho, onda após onda.

Jesus.

Foi o pensamento mais inteligente que lhe ocorreu. Tinha a mente em branco e tudo o que restou foi o prazer, uma sensação incrível, como jamais havia experimentado.

Quando os últimos espasmos do gozo, por fim, arrefeceram, se deixou cair em cima dela, cada músculo, cada centímetro do seu corpo, completamente esgotado. Sentia, inclusive, que seus ossos tinham virado geleia.

Depois de alguns instantes, o ruído acelerado das suas respirações começou a se acalmar. Foi então que se deu conta que, provavelmente, a estava esmagando, e conseguiu encontrar força para rolar para o lado.

Não lembrava de haver se sentido tão débil em toda a sua vida, pensou, aliviado pela competição só recomeçar no dia seguinte. Não seria capaz, nem sequer, de se manter em pé, quanto mais derrotar qualquer que fosse o seu adversário. Mary o havia surpreendido. A doçura da sua paixão ia muito mais além da promessa sensual que acreditava ter visto aquela noite no estábulo. Não lembrava da última vez que havia se ligado tanto a uma mulher. Inferno, duvidava que já tivesse se sentido ligado a uma mulher, em toda a sua vida. Imediatamente, se deu conta de outra coisa e franziu o cenho, surpreso. Mesmo quando era apenas um escudeiro, sempre havia se retirado antes de derramar sua semente dentro da sua amante. Desta vez, estava tão excitado, tão extasiado, que nem se preocupou com isso. Só sabia que o estranho incômodo que rondava sua cabeça há vários dias, havia desaparecido e que não estava pronto para deixá-la partir. Ainda não.

*


O que ela fez?

Mary podia sentir o coração batendo com força dentro do peito enquanto observava, fixamente, o teto do aposento. Era de pedra. A pequena biblioteca havia sido construída entre as grossas paredes do castelo, assim como os armazéns que ficavam mais abaixo.

Infelizmente, o teto era cinza e sem graça, sem nenhum detalhe que pudesse distrair a atenção do observador, de modo que seus pensamentos não tardaram a voltar ao que havia acabado de ocorrer, para o evento cataclísmico que a havia derrubado com a dureza e a crueldade de um incêndio sem controle, deixando atrás de si, somente cinzas e morte. Havia sido incrível, maravilhoso, melhor do que qualquer coisa que poderia ter imaginado. E esse era o problema. Como superar algo como isso? Como regressar à sua vida na Inglaterra e esquecer a paixão que havia encontrado nos braços dele?

Como iria esquecê-lo?

Não esperava que o Kenneth fosse assim. Ela queria um homem atraente e arrogante, feito para o pecado. Queria luxúria e desejo, nada mais.

Kenneth rolou para o lado e se apoiou no cotovelo para poder olhar para ela. Mary sentiu seu olhar fixo e prendeu a respiração, enquanto ele afastava algumas mechas de cabelo do seu rosto que, sem se dar conta, tinham caído sobre os seus olhos. O contato foi tão íntimo, tão doce, que não pôde evitar que a retorcesse por dentro.

"Você é cheia de surpresas, não é, pequena?" Sussurrou Kenneth, colocando os dedos sobre a sua bochecha, obrigando-a a virar o rosto para ele.

Ele a olhava com uma intensidade comovedora. Ela devolveu o olhar em silêncio, sem saber o que dizer. Se sentia exposta, vulnerável. O que acabara de acontecer entre eles, havia arrancado os últimos anos de independência que tanto havia lutado para conseguir, como se fossem nada mais do que uma camisa simples e fina, deixando descoberta a menina solitária e com o coração em pedaços, e que só queria que seu esposo a amasse. E Kenneth Sutherland, o futuro campeão dos Jogos dos Highlanders, o herói com um séquito de admiradoras, era moldado nos mesmos padrões.

Ao menos, era o que achava. Será que estava sendo injusta com ele? E havia muitos mais do que aparentava?

Lhe surpreendeu a veemência com o quanto esperava estar errada.

De repente, Kenneth se inclinou sobre ela e a beijou. Foi um beijo lento e um tanto preguiçoso. Um beijo carinhoso. Tudo o que a Mary não devia desejar, mas, mesmo assim, desejava com a entrega de uma criança gulosa.

"Quando posso voltar a vê-la?" Perguntou ele, com um sorriso, depois que os seus lábios se separaram.

Mary sentiu que seu coração parou de bater. Uma noite.

"Eu-eu vou partir em breve", conseguiu responder.

Seus olhos se estreitaram. "Espero que não muito em breve. Você vai ficar pelo menos até acabar a competição, não é? Minha irmã se casa no próximo sábado. Os festejos durarão alguns dias."

Será que ele queria que ela fosse ao casamento da sua irmã? Tentou contar as batidas aceleradas do seu coração, mas já era tarde demais. "Eu não sei."

"Claro... Depende da Lady Margaret. Ajudaria se eu falasse com ela?" Acariciou o pescoço dela com as costas dos dedos e, logo, deslizou-os para baixo, até a inclinação firme dos seus seios, onde se entreteve desenhando círculos ao redor dos mamilos. "Ainda não terminei com você", disse ele, com a voz rouca e profunda, que a fazia esquecer do pouco juízo que lhe restava. "Não creio que uma temporada seja o suficiente com você."

Mary sentiu que seu pelo se eriçava, que os mamilos endureciam e a respiração acelerava. Todo o seu corpo reagiu ao escutar a promessa erótica que se escondia atrás das palavras dele. Eram apenas palavras ou significavam algo mais? Tinha que descobrir.

"Lady Margaret me disse que está prestes a ficar noivo."

Ele franziu a testa, como se estivesse surpreso que a Mary soubesse. "O que isso tem a ver conosco?"

Ela desviou o olhar para que ele não visse a decepção refletida em seus olhos. Falou com tanta naturalidade que nem, sequer, conseguiu ficar com raiva dele, mas sim de si mesma.

"Nada", falou suavemente. "Não tem nada a ver conosco."

Por que ele devia achar que havia algo errado em fazer amor com outra mulher, enquanto sua prometida ou sua esposa o esperava no castelo em que escolheria instalá-la? Óbvio que não havia mal nenhum. Era o que sempre acontecia, o que se esperava entre os casais pertencentes à nobreza que se casavam por conveniência. Era ela que mantinha expectativas pouco realistas, não ele.

Uma noite era o que ela queria, isso era tudo, então, por que foi uma decepção saber que seria somente isso que teria dele? Sua resposta confirmou isso.

"Bom", disse ele, deitando de costas e a puxando sobre ele.

Mary apoiou a bochecha contra o peito dele, ouvindo as batidas do seu coração e tentando não chorar.

"Devíamos sair daqui", disse ele, ainda que, a julgar por sua voz, não parecia ter nenhuma pressa. "Mas a verdade é que estou esgotado. Não sei se consigo ficar de pé."

Sua voz foi perdendo a força, lentamente, e Mary não se surpreendeu ao descobrir, um pouco mais tarde, que ele havia adormecido.

Aproveitou a oportunidade e se levantou, procurando não despertá-lo. Só conseguia pensar em sair dali o quanto antes. Não queria voltar a vê-lo nunca mais, nem ali, nem no banquete.

Tudo havia sido um tremendo erro.

Kenneth Sutherland não só se parecia com o seu falecido marido, mas era muito mais perigoso que ele. Atholl nunca havia se preocupado em tentar seduzi-la. Kenneth Sutherland, entretanto, o fazia com cada olhar, com cada carícia, com cada beijo que saía dos seus lábios.

Maldição, Mary. Será não vai aprender nunca?

Tinha que sair dali o quanto antes, não só daquele aposento, mas da Escócia. Antes que não pudesse se contentar com o que tinha e ansiasse por coisas que só a tornariam mais infeliz. Mais uma vez.


Capítulo Sete


Kenneth despertou lentamente, tentando se desfazer da névoa que ofuscava sua mente. A cabeça pesava e não conseguia pensar com clareza. Abriu os olhos e se sentou de um salto, surpreendido com o que via aos eu redor e pela luz que entrava pelas frestas da porta.

Imediatamente, sentiu uma dor intensa no lado, como se tivessem cravado um punhal entre as costelas.

Inferno. Cobriu a área com a mão e, esboçando uma careta de dor, se levantou do chão como pôde. A noite anterior havia exercido um efeito milagroso sobre a ferida, mas era evidente que já havia passado.

Noite passada. De repente, se deu conta de três coisas: era de dia, havia perdido o banquete e estava sozinho.

Amaldiçoou entre os dentes, sem saber muito bem qual das três o irritou mais.

Que diabos tinha acontecido com ele? Sentia como se tivesse sido nocauteado. No momento em que fechou os olhos, caiu em um sono profundo. Fazia anos que não dormia assim.

Se abaixou para recolher a túnica do chão e viu uma peça de seda verde escura sobre ela. Sua boca se contraiu em uma linha fina. Já sabia o que tinha acontecido com ele. Ela.

Por que, demônios, havia saído daquela maneira, sem acordá-lo?

Na maioria dos casos, preferia acordar sozinho depois de uma noite de paixão, mas, maldição, aquele não era o caso. Jurou que, quando terminasse com ela, voltaria ao tipo de mulher fácil e ansiosa para lhe dar prazer, que nunca havia lhe dado qualquer problema.

Colocou a túnica, passou o manto pelos ombros – o fogo do braseiro tinha apagado há várias horas e fazia um frio dos diabos ali – e recolheu o véu do chão.

Quando tivesse a oportunidade, ele e a Lady Mary teriam uma longa conversa sobre o que esperava dela, por exemplo, um pouco de consideração. Se asseguraria de que não voltaria a agir daquela maneira. A partir de agora, ele decidiria quando ela podia sair, maldição.

Saiu da biblioteca, batendo a porta atrás de si, e se dirigiu ao Grande Salão em busca da Mary. Entretanto, o café da manhã já tinha terminado há algum tempo e só restavam algumas pessoas zanzando por ali, e entre elas não estava aquela que queria ver.

Por todos os santos, que horas eram?

Xingou novamente. A manhã estava indo, rapidamente, de mal a pior. Se o café da manhã tinha acabado, significava que ele não tinha muito tempo até que a competição de luta corpo a corpo começasse. Um dos dias mais importantes da sua vida, e por muito pouco não o perdeu por ter ficado dormindo. Mary o havia distraído de uma tal maneira...

Pegou um pedaço de pão e outro de queijo da bandeja de um dos criados que passou ao seu lado, comeu tudo com a ajuda de um bom trago de vinho, e se dirigiu para a saída. Quando pôs os pés no exterior, teve que cobrir os olhos com a mão para se proteger do sol radiante que caía, implacável, sobre o pátio. Maldição, sua cabeça doía como se tivesse bebido um barril de uísque. Com os olhos semicerrados olhou ao redor e seu rosto se contraiu, de novo, em uma careta, ainda que desta vez não fosse por causa do sol, mas sim pela pessoa que se dirigia até ele com muita pressa.

"Onde, diabos, você se meteu?" MacKay perguntou. "Espero que você tenha uma boa explicação para desaparecer na noite passada. O Rei ficou furioso."

Kenneth ignorou o MacKay e cumprimentou sua irmã, que tinha acabado de se reunir a eles.

"Está tudo bem, Kenneth? Você não parece bem", disse Helen.

Sua lateral doía muito, mas não ia falar isso na frente do MacKay.

"Que tipo de beberagem você me deu? Perguntou. Caí no sono e acabei de acordar."

"Nada que devia..." Ela parou, mordendo o lábio. "Você tomou vinho ou uísque na noite passada, por acaso?"

"Bebo vinho ou uísque todas as noites. Por que pergunta?"

Ela olhou para ele com culpa. "Devo ter esquecido de mencionar que misturar a beberagem com vinho ou uísque podia deixá-lo um pouco sonolento."

Kenneth apertou os lábios. "Sim, parece que você esqueceu essa parte."

Bem, ao menos sabia porque tinha dormido tão profundamente. Embora suspeitasse que havia mais uma outra causa, que tinha lhe afetado tanto quanto o uísque. Havia dormido o sono profundo de um homem cujas necessidades estavam satisfeitas, até demais. Em lugar de se preocupar com a pequena devassa, devia estar se preparando para a competição.

"Vou explicar ao Rei o que aconteceu, depois da competição", disse ao MacKay, que não tirava o olho de cima dele. "E pedirei desculpas à Lady Mary."

McKay o fulminou com o olhar. "Sim, bem, parece que teve sorte com isso. Lady Mary, na última hora, enviou uma nota para o Rei avisando-o que não se encontrava em condições para participar do banquete."

Kenneth franziu a testa, consciente do quão afortunado havia sido. Até demais. Imediatamente, não pôde evitar de se sentir inquieto.

"O que é isso?" Quis saber o MacKay, apontando para o véu.

Droga.

"Nada", respondeu, apertando a seda contra a mão e tratando de escondê-la, colocando o punho do seu lado.

Por desgraça, MacKay não era tão inocente e não desviou o olhar do véu nem por um instante.

"Não me diga que você ignorou o convite do Rei por causa de uma mulher? No que você estava pensando? Pelo visto, você tem tanto controle sobre o seu pa-" Ele parou, dando a Helen um olhar de desculpas. "Quis dizer, sobre o seu desejo tanto quanto o seu temperamento." Balançou a cabeça. "Espero que a garota, ao menos, tenha valido a pena."

Kenneth apertou os dentes. Imediatamente, achou que sim, que ela valia a pena, mas não tinha a mínima intenção de dar explicações ao MacKay. E tampouco gostou de ser repreendido, como se fosse nada mais que um simples escudeiro novato.

Droga, já estava farto, cansado do seu arqui-inimigo desde a juventude criticá-lo continuamente, como se fosse seu superior. Não era. E, hoje, Kenneth por fim provaria isso.

"Tenho que me preparar para o combate", disse ele, se recusando a morder a isca que o MacKay acabara de lançar. Precisava que sua irmã enfaixasse suas costelas. "Helen, se você puder me acompanhar até a barraca-"

"Aí está você", disse Gregor MacGregor, caminhando na direção eles, vindo do lago. Pelo cabelo molhado e a toalha úmida ao redor do pescoço, Kenneth imaginou que acabara de se banhar. O mais provável era que metade da população do castelo, ao menos a feminina, provavelmente ainda estivesse na praia, no momento. "Pensei que você tinha dito que ia escoltar a Lady Mary até o banquete?" Por seu olhar, era evidente que estava se divertindo. "Aposto que o Rei está se perguntando o que aconteceu com vocês dois. Pensei que ela não estava interessada em um noivado. Claro que, talvez, tenha se ocupado de convencê-la."

Kenneth ficou imóvel como uma estátua e o sangue desapareceu do seu rosto. "Quem?"

MacGregor franziu o cenho, confuso. "Lady Mary. Imaginei que, depois de vê-lo com ela no passadiço..."

"Mary de Mar", Kenneth o interrompeu, com um tom de voz inexpressivo, como se, de repente, o céu tivesse se aberto sobre a sua cabeça. Mary o havia enganado por completo. A freira misteriosa não era acompanhante de nenhuma dama, e sim a Condessa de Atholl, a mulher que o Rei havia escolhido para ser sua esposa.

Por que não contou a ele?

Seus lábios se contraíram em uma linha fina, convencido de que não ia gostar da explicação.

"Você não fez isso", disse o MacKay em voz baixa, olhando para o véu.

Kenneth ficou tão tenso que os músculos da sua bochecha se contraíram por conta própria. Olhou para o MacKay fixamente, desafiando-o a dizer uma só palavra.

Por desgraça, seu carma, assim como ele mesmo, jamais recuava. Talvez, esse fosse um dos motivos pelos quais estavam sempre se pegando pelo pescoço.

"Meu Deus", exclamou MacKay, desatando a rir, "você nem sabia quem ela era! Sabia que você ia encontrar uma maneira de estragar tudo. Quando o Rei descobrir, não importará se o tiver contemplado com o título de campeão ou não."

Kenneth cerrou os punhos, incapaz de suportar aquela risada por mais nem um segundo. Pior ainda, sabia que o MacKay tinha razão. O Rei não aceitaria muito bem que tivesse tomado a liberdade de seduzir aquela que havia sido sua cunhada. Tanto que havia se esforçado para evitar a sedutora tentação das mulheres mais perigosas! Não podia ter escolhido uma amante mais inapropriada que aquela, nem que houvesse tentado.

MacGregor, tampouco se conteve e soltou um assobio discreto. "Duvido que o que o Rei planejava convencê-la dessa maneira."

"O Rei não precisa saber de nada", ele os advertiu.

Ninguém discordou, mas tampouco se mostraram de acordo.

Helen olhou para ele com um olhar preocupado no rosto. Ela sabia o quanto aquilo significava para ele e temia que houvesse feito algo que não poderia consertar.

"É melhor fazer alguma coisa para consertar o seu erro", disse ela. "E fazer logo. Lady Anna me disse que a Lady Mary partirá em breve."

Kenneth sentiu que o sangue ferveu. Lady Mary não ia a lugar nenhum, diabos. Kenneth girou nos calcanhares e saiu em direção à torre central com uma exalação, incapaz de disfarçar a ira que o consumia por dentro. Não lembrava de haver sentido tanto ódio por uma mulher em toda sua vida. Normalmente eram criaturas descomplicadas que não costumavam lhe dar problemas e, tampouco lhe davam motivos para se aborrecer. Lady Mary, no entanto, parecia possuir a estranha habilidade de provocar todo tipo de reações nele.

"Não demore muito", McKay provocou. "A competição está prestes a começar e não creio que não quer perder o seu posto."

Kenneth o fulminou com o olhar. "Não se preocupe. Voltarei logo."

Sua futura prometida e ele iam ter uma conversa breve, porém, intensa.

*


A frenética atividade que as rodeava não deteve a Margaret, que morria de curiosidade.

"Mas por que você tem que ir agora? Pensei que planejava ficar até o banquete de amanhã. Haverá uma grande festa para encerrar os Jogos dos Highlanders."

Mary se virou, antes de responder, para indicar a uma das donzelas em que baú devia guardar as poucas joias que ainda lhe restavam.

"Como já disse, o Rei Edward quer que o Bispo permaneça na Escócia mais alguns meses e tente chegar a um acordo sobre a trégua, mas, ao mesmo tempo, está impaciente para receber notícias e o Bispo acha melhor que as receba de mim, pessoalmente." Por sugestão dela, é claro.

Margaret não parecia muito convencida. "Tem certeza que isso é tudo? Você não me contou onde passou a noite. Enviei uma das minhas acompanhantes para ver se estava bem e ela não a encontrou nos seus aposentos." Margaret fez uma pausa significativa. "É estranho. Notei que o Sir Kenneth estava ausente, também. O Rei ficou bastante irritado com a ausência dele."

Mary se virou para dar mais instruções à donzela e, assim, ocultar o rubor que tomou conta das suas bochechas. Margaret suspeitava do que tinha acontecido, mas, por alguma razão, Mary não se atrevia a contar a ela. Não queria falar sobre isso. Não queria pensar nisso. Também não parecia um assunto sobre o qual conversar.

Por sorte, quando terminou de falar com a serviçal, já havia conseguido se recompor. "Provavelmente, foi quando eu estava na praia. Precisava tomar um pouco de ar fresco." Sabia que sua cunhada queria mais informações, então acrescentou, "David estará no Castelo de Alnwick em breve, e gostaria de estar lá quando ele chegar. Já faz quase um ano, desde que o vi."

Margaret se arrependeu logo em seguida ao perceber a ânsia que transmitiam as palavras da sua amiga. "Claro que sim! Não sabe o quanto eu sinto, entendo que está ansiosa para partir. Nem posso imaginar como me sentiria se tivesse que me separar de um dos meus filhos." Ela estremeceu como se o mero pensamento houvesse lhe provocado um arrepio.

Como explicar que era muito pior do que isso? Impossível imaginar uma dor assim, até que a sentia na própria carne. Era uma das piores experiências que uma mãe podia passar.

"Você ainda é jovem, Mary. Alguma vez já pensou em ter outro filho?"

A dor surda em seu peito se transformou em uma punhalada dura, cruel e impiedosa. Ainda que estivesse disposta a admitir que desejava ter outro filho, sabia que teria que pagar um preço muito alto por isso. Perderia a independência e o controle sobre o próprio destino.

"Se não estou enganada, preciso de um marido para isso", ela falou ironicamente.

De repente, a batida seca da porta, ao se abrir, interrompeu suas palavras.

Meia dúzia de rostos se voltaram para olhar para Sir Kenneth Sutherland, que acabara de entrar nos aposentos como um bárbaro conquistador.

Mary parou, petrificada, sentindo o sangue fugir do seu rosto, pálida como se tivesse visto um fantasma. Kenneth estava olhando diretamente para ela. Não, "olhando" era um verbo demasiadamente neutro para definir o gesto obscuro e impiedoso que atravessava o aposento de um extremo a outro e a imobilizava com suas garras de aço.

Instintivamente, deu alguns passos para trás.

Apesar da fúria que emanava de cada poro do seu corpo, Kenneth arqueou uma sobrancelha com um gesto zombeteiro. "Vai a algum lugar, Lady Mary?" A ênfase que colocou no nome lhe provocou calafrios. "Espero que não estivesse planejando sair sem dizer adeus."

Mary não se deixou enganar pelo tom de enfado na sua voz. Ele a estava olhando como se quisesse estrangulá-la. Cada uma das suas palavras era uma ameaça, um desafio. Um convite para a batalha.

Kenneth deslizou o olhar sobre as pilhas de roupas e os baús abertos. "Há algo que gostaria de falar com você, antes que parta."

Mary podia sentir a batida frenética do coração na garganta. Assim devia se sentir um cervo quando virava a cabeça e se via na mira do caçador, uma flecha apontada para o seu coração. Preso. Encurralado. Sem ter para onde correr.

Ela conseguiu encontrar a voz. "Você não pode entrar aqui como se-"

"Saiam", ele ordenou às outras mulheres no quarto. "Sua senhora e eu temos algo a discutir em particular."

Mary observou, horrorizada enquanto elas corriam para a porta, como ratinhos assustados. Apenas Margaret fez uma pausa, mas até ela parecia reconhecer sua autoridade.

Ele não tinha, ao menos sobre ela, maldição! Aquilo era exatamente o que Mary queria evitar.

Sua cunhada lhe enviou um olhar preocupado. "Você vai ficar bem?"

Por um momento, Mary ficou tentada a responder que não, mas podia ler a determinação em cada centímetro do rosto furioso e combativo do Kenneth, desde a mandíbula tensa até os lábios apertados e os olhos de um azul profundo, que não se desviaram dela. Era evidente que estava decidido a falar com ela, com ou sem a Margaret no quarto.

Finalmente, assentiu. Margaret a olhou fixamente e saiu.

O choque inicial depois da sua chegada tinha se dissipado, e o tempo que levou para deixá-los a sós, bastou para a Mary recuperar a coragem. Endireitou os ombros, levantou a cabeça e se virou, disposta e se virou para ele com frieza.

"Que direito você tem-"

Imediatamente, ficou sem palavras ao ver que o Kenneth lançava algo sobre a cama. Uma nuvem verde escura aterrissou suavemente sobre os lençóis, uma recordação cruel e inegável das suas ações.

"Você esqueceu de uma coisa antes de fugir, ontem à noite, Lady Mary." Lá estava de novo, a ênfase no seu nome. "Ou, deveria dizer, Condessa."

Mary estremeceu diante da confirmação das suas piores suspeitas. Kenneth sabia quem ela era. Desde o primeiro momento, havia suposto que se sentiria enganado quando descobrisse sua identidade, mas não esperava uma reação tão extrema diante de uma mentira sem importância como aquela, fruto do orgulho excessivo.

Kenneth percorreu a distância que os separava, mas se manteve firme, decidida a não retroceder, apesar de o instinto lhe pedir para correr. O coração batia freneticamente. Ter um guerreiro furioso e irritado, com quase um metro e noventa, a poucos centímetros do seu rosto era, no mínimo, intimidante.

Entretanto, estava segura que ele não iria machucá-la, não sabia por quê. Por baixo daquele temperamento tempestuoso, podia perceber uma corrente de autocontrole.

"Por que você não me contou? Por que me deixou acreditar que era uma das acompanhantes da Lady Margaret?"

Mary balançou os ombros com mais indiferença do que realmente sentia.

"Você chegou a essa conclusão. E não vi nenhuma razão para corrigir isso."

Seus olhos se estreitaram. Era evidente que ele não havia gostado da sua atitude. O que esperava dela? Que se ajoelhasse no chão e implorasse o seu perdão? Sem dúvida, era o que teria feito a maioria das mulheres com as quais se relacionava, mulheres desejosas em agradá-lo. Pois bem, ela não era uma dessas mulheres.

Não tinha que se desculpar por nada. Ele havia começado, primeiro no estábulo e depois tentando-a com os sentimentos que havia despertado nela. Havia recebido o mesmo que havia entregue, exatamente aquilo que pediu.

"Nem mesmo quando soube o que o Rei pretendia? Nem quando soube que ele pretendia nos ver casados?"

Mary endireitou o corpo o quanto pôde, e o olhou nos olhos com a cabeça erguida. Infelizmente, a diferença de altura entre eles era tal, que o gesto carecia do efeito desejado, ainda que tenha cumprido parte do seu propósito, a julgar pela forma com a qual Kenneth não tardou em cerrar os punhos. "Especialmente depois disso. Não procuro um marido nem estou à disposição."

Os olhos do Kenneth brilharam como uma tempestade de raios. Seu temperamento difícil era digno de menção, e Mary não pôde evitar de imaginar se havia se apressado ao supor que não estava em perigo.

"Mas você está disponível para outras coisas, não é?"

Mary encolheu os ombros com tanta indiferença e naturalidade que ele contraiu ainda mais a mandíbula. Sabia que ele estava chegando ao limite da sua capacidade de manter o controle, mas não ia parar. Alguma coisa naquele homem despertava até o último dos seus instintos de luta.

"Por que você está agindo como se estivesse ofendido? Você fez uma oferta, eu aceitei. Estou segura que já fez isso muitas outras vezes, no passado."

Kenneth segurou seu braço antes que pudesse lhe dar as costas e a puxou contra o peito. O calor que se desprendia do corpo dele a envolveu instantaneamente.

"O que significa isto?"

Mary tentou se libertar, mas suas mãos eram fortes como grilhões. Por que tinha que cheirar tão bem? O aroma da sua pele a confundiu por alguns instantes, recordando-a do que havia acontecido na noite anterior.

“Significa que estou segura de que não é a primeira vez que você desfruta de um encontro com uma mulher cujo nome você não sabe ou não lembra.”

Kenneth enrubesceu com raiva, imediatamente. "Então, você só queria rolar um pouco no feno, é isso?"

Mary sentiu um calor intenso nas bochechas diante da vulgaridade das suas palavras, ainda que fossem verdadeiras. "Não era isso que você queria, também?"

Kenneth aproximou a boca da dela, que não conseguiu evitar que um arrepio de prazer a percorresse de cima a baixo. Pelo visto, seu corpo não se importava se ele estava com raiva. Só reconhecia sua masculinidade, intensa e selvagemente agressiva.

"O que eu quero? Prefiro estar ciente se a mulher que vou levar para a cama vai ser minha futura esposa ou não."

Mary enrijeceu. Talvez, se houvesse falado com um mínimo de suavidade, as coisas teriam sido diferentes, mas, infelizmente, não foi assim e ela não conseguiu evitar de se irritar ainda mais com o tom da voz dele e com a suposição insultante. Olhou nos olhos dele com a mesma dureza com que ele a olhava, talvez até mais. Ao que parecia, em questão de gênio, não ficava nada a dever a ele.

"Você presume muito, meu senhor. Acredito que ainda é de costume pedir a mão de uma senhora antes de assumir um compromisso."

Os olhos do Kenneth brilharam diante do desafio. "E acredito que durante a noite, já pedi tudo o que tinha que pedir, até mais." Pressionou o corpo rijo contra o dela, como se quisesse que ela recordasse exatamente ao que se referia. Ela tentou se afastar. "E, se a memória não me falha, você respondeu com um entusiasmado 'sim, por favor, sim'."

Sua voz era baixa e hipnótica, capaz de provocar uma explosão de calor líquido, ao ponto do seu corpo despertar. Mary estremeceu, consciente, por causa do sorriso provocador que curvava os lábios do Kenneth, que ele sabia perfeitamente o poder que exercia sobre ela.

Deslizou uma mão enorme e possessiva por suas costas e parou em cima do seu traseiro, para puxá-la, mais ainda, contra ele. "Devo perguntar novamente, Mary?" Sussurrou, sua boca a um suspiro da dela.

Por um momento, Mary sentiu o impulso de responder que sim. Queria levantar os lábios até alcançar os dele e aceitar o prazer que ofereciam. Todo o seu corpo vibrava, pulsava, com uma energia incontrolável.

Mas nem tudo se resumia ao prazer, havia muito mais. Sucumbir à tentação significava perder tudo aquilo que havia conseguido nos últimos anos, renunciar novamente a si mesma.

A aborrecia se sentir tão débil, tão vulnerável. Quanto desejava poder dizer que sim. Que facilidade tinha aquele homem para fazê-la perder a perspectiva.

Kenneth Sutherland exercia sobre ela um poder muito mais perigoso que qualquer admiração infantil que podia ter sentido pelo seu marido. O desejo que despertava nela era o de uma adulta, uma mulher que sabia exatamente a influência que exercia sobre ela, que era experimentar o prazer da paixão na própria carne.

Mas não importava o quanto o desejava, não pensava em deixar se controlar por seus impulsos, tampouco por ele, por mais bonito e irresistível que fosse. Nem sequer havia se preocupado em lhe propor casamento, porque supunha que ela ficaria encantada com o acordo. E como não ficaria? Só tinha que lhe lançar um olhar. Imediatamente, sentiu um intenso ardor nos olhos.

Pela primeira vez, não precisou imaginar o que teria feito sua irmã, se estivesse no seu lugar. Colocou as mãos no seu peito e o empurrou.

"Me solta!" Para sua surpresa, Kenneth obedeceu. "Como se atreve a me tratar assim! Não pode me obrigar a aceitar um matrimônio que não desejo, nem você, nem ninguém. Já disse que não estou procurando um marido e, por mais incrível que pareça a ideia, isso também inclui você. Especialmente você."

Os olhos do Kenneth reluziram com um brilho gelado. "O que quer dizer com isso?"

"Significa que, se algum dia voltar a me casar, o que não tenho a mínima intenção, em nenhum caso seria com um libertino como você, acostumado a tomar mulheres em estábulos, depósitos ou onde lhe aprouver."

Apesar da expressão do Kenneth não transmitir nada, Mary podia sentir a fúria que irradiava do seu corpo, em ondas latentes e ritmadas.

"Acho que você quis dizer biblioteca."

"O que for", disse ela. "A questão é que não combinamos."

"Pelo contrário, acho que combinamos, e muito."

O calor que desprendia do seu olhar não deixava dúvidas sobre o que queriam dizer suas palavras. E não estava errado. Inclusive agora, a atração entre os dois crepitava como um fogo descontrolado.

Mas não era suficiente.

"Como você disse ontem à noite, o que isso tem a ver com casamento?"

Mary precisou recorrer a toda sua força de vontade para não se encolher diante do olhar intenso do Kenneth. Sua voz soou estranhamente calma, ainda que pudesse captar perfeitamente a tensão.

"Você está dizendo que aceitaria ser minha amante, mas não minha esposa?"

Mary levantou o queixo e o encarou. "Estou dizendo que não penso ser nenhuma das duas coisas. Estou voltando para a Inglaterra, agora mesmo, e você não vai me ver mais."

Deu as costas para ele, mas antes pôde ver as linhas brancas que apareceram ao redor dos seus lábios. Estava se esforçando para controlar o temperamento e Mary sabia que o desdém que demonstrava, estava colocando-o à prova. Suspeitava que fazia muito tempo que ninguém negava nada a Kenneth Sutherland e, vindo de uma mulher pequena e mais velha como ela, a afronta devia ser muito mais dolorosa. Entretanto, sabia que era melhor assim. Kenneth era um lutador e mostrar qualquer debilidade diante dele, significava arriscar-se a receber um ataque.

"E o Rei?" Ele falou. "Você informou o Bruce das suas intenções?"

"Robert compreende a minha posição e sabe que não desejo me casar com ninguém, escocês ou inglês. Isso não mudou." Ao ver que o Kenneth ia rebater esse ponto, Mary acrescentou. "Não tenho nenhuma intenção de lhe contar nada e, mesmo que descubra o que ocorreu entre nós dois, não creio que pareça incomum."

Kenneth apertou os dentes com tanta força que quase pôde ouvi-los rangendo.

"Sim, você já disse isso."

Algo em sua voz a desconcertou. Se não estivesse convencida de que era o seu orgulho que falava, podia, inclusive, pensar que sua recusa o havia ofendido de verdade.

Recolheu o véu que estava sobre a cama e o dobrou com cuidado. "Agora, se você me desculpa, preciso terminar de arrumar minhas coisas." Lançou um olhar por baixo dos cílios. Pela tensão nos músculos dos seus ombros e pela forma como cerrava os punhos, parecia disposto a seguir com a discussão. Mary sentiu o pulso acelerar. Necessitava encontrar uma maneira de se livrar dele.

"Você não tem que ganhar uma competição?" Olhou pela janela até as arquibancadas, que estavam começando a encher. "Parece que não vão demorar muito a começar."

Kenneth deu um passo na sua direção e ela prendeu a respiração quando ele estendeu a mão, como se quisesse segurar seu braço novamente. Em vez disso, desviou o olhar para a janela da torre e a baixou.

Por um momento, a olhou como se quisesse dizer algo, ou muitas coisas, mas pensou duas vezes.

"Minha senhora", falou finalmente, com uma reverência irônica.

E em um piscar de olhos, tinha ido embora.

Mary sabia que devia se sentir aliviada, mas ali, de pé, sozinha naquele aposento tão repentinamente vazio, não pôde evitar sofrer uma sensação de perda que parecia não fazer sentido, assim como a certeza de que acabara de cometer um erro terrível.

 

Capítulo Oito

Kenneth tentou manter a mente clara, mas tudo ao seu redor havia sido tingido de vermelho. Estava perdendo o controle em alguns momentos e o fragor da batalha só fazia piorar as coisas. Interceptou o punho que se dirigia para a sua cara e o retorceu atrás das costas do oponente até ouvir um estalo.

Não procurava um marido, caralho!

Deu uma rasteira no adversário, que ainda urrava de dor por causa do braço deslocado, o derrubou, o imobilizou com um pé – algo totalmente desnecessário, já que ele não tinha intenção alguma de se levantar – e reivindicou sua vitória, a terceira de uma longa manhã.

Tudo o que ela queria era uma rolada rápida no feno. Não sabia por que aquilo o irritava tanto, mas não conseguia parar de pensar naqueles olhos enormes, encarando-o sem pestanejar, arregalados. Intencionalmente.

Libertino? Pelos chifres de Lúcifer!

Arrancou o elmo e deixou a arena com um suspiro, alheio aos aplausos da multidão. Estava à uma vitória de se proclamar campeão e ganhar a aposta com o MacKay, o que significava ganhar um posto no exército secreto do Bruce, mas não estava se divertindo. Não conseguia parar de pensar na conversa que havia tido com a Lady Mary. Mary de Mar, maldição!

Seu sangue ainda fervia e o coração acelerava só de pensar nisso. Na verdade, estava dedicando mais tempo a pensar nela do que nos seus adversários. Sabia que, até então, havia tido sorte; nenhum dos os homens que enfrentou havia oferecido muita resistência. Ainda assim, precisava recobrar o controle antes da batalha final.

Havia se retirado para a barraca entre cada batalha, para descansar e para a Helen fixar a faixa nas suas costelas, mas o seu escudeiro, Willy, lhe disse que havia aparecido um novo participante que estava criando uma grande celeuma entre o público. Seguramente, não era mais que curiosidade porque o tipo havia se negado a revelar sua identidade. Nada como um mistério para avivar a curiosidade das multidões. Inferno, podia ter feito o mesmo se tivesse pensado nisso, antes.

Willy, entretanto, insistiu que o lutador era muito mais hábil e quase tão forte quanto o Robert Boyd. Kenneth sabia que ele estava exagerando, senão já teria ouvido falar dele.

Não o preocupava em absoluto, mas pensou que seria melhor ver com os próprios olhos.

Se sentou em um dos bancos juntos à porta, reservado para os participantes e, enquanto esperava que os próximos competidores entrassem na arena, deixou que Willy limpasse o sangue e o suor da sua testa e lhe levasse uma jarra de cerveja diluída com água.

Havia algo que doía mais que o seu orgulho. Sua lateral. Por sorte, as costelas pareciam intactas e a dor era perfeitamente suportável. Até o momento, havia conseguido proteger a zona dos golpes, sem que ficasse demasiadamente óbvio, para não entregar um alvo fácil aos seus oponentes. A camisa fina e a cota de malha que todos os concorrentes usavam para se proteger cobriam as faixas. Era habitual que aqueles tipos de eventos fossem celebrados com os participantes nus da cintura para cima, mas Bruce preferia a versão mais moderna e civilizada, com uma armadura leve. Em outras circunstâncias, teria parecido um empecilho, mas neste momento, estava grato por isso.

Seus olhos continuavam se desviando para a plataforma do Rei, embora soubesse que ela não estaria lá. Será que já havia partido? O envergonhava admitir que sentia a tentação de sair correndo atrás dela para detê-la. Por que e como, isso não sabia. Ao fim de tudo, Mary havia deixado bem claros os seus sentimentos. Muito claros.

Ela o recusou. Ainda não conseguia acreditar.

Apertou os dentes e sentiu o sangue ferver, novamente. Ela o havia usado. Se não fosse tão humilhante, acharia até gracioso, ainda que tivesse que ignorar que havia sido ele quem havia dado a oportunidade de humilhá-lo e quem havia provocado toda aquela confusão ao incitá-la aquela noite, no estábulo.

O importante era que ela o havia enganado, o havia usado sabendo que o Rei desejava uma aliança entre eles. Mary suspeitava que, se descobrisse sua identidade, Kenneth se negaria a levá-la para a cama e, por isso, havia ocultado a verdade.

Por que isso o incomodava tanto? Tampouco era a primeira vez que isso ocorria. Sabia que não era a única que só desejava uma coisa dele – uma boa transa – mas, diabos, ouvir isso da sua boca era diferente.

Porque não era o que queria dela, esse era o problema. Estava furioso consigo mesmo porque havia sentido algo pela Mary e ela, não.

Não sabia por que, mas era a primeira vez que sentia ternura por uma mulher e ela havia se dedicado a desmontar cada uma das suas tentativas de provar. Disse a si mesmo que todas as coisas, os pequenos detalhes que havia detectado enquanto faziam amor, haviam sido produto da sua imaginação. A forma de retribuir seu olhar. O pedido para tirar a camisa. Quando implorou que fosse mais rápido.

Mas não tinha sido sua imaginação, maldição!

Bebeu outro gole da cerveja e tentou acalmar a batida acelerada do coração. A energia incontrolável. O impulso de socar o punho na parede uma e outra vez.

Tinha que se acalmar, recuperar o controle e esquecer de tudo. Inferno, deveria estar agradecido. Já tinha problemas suficientes na vida, a última coisa que necessitava era de uma mulher provocando-o ainda mais.

Olhou para o castelo, mas o pátio seguia deserto. Havia partido enquanto ele estava lutando?

De repente, um silêncio caiu sobre a multidão.

"Lá está ele, meu Senhor", Willy sussurrou.

Kenneth observou com os olhos semicerrados o homem que acabara de entrar na arena. O desconhecido usava um elmo de aço que cobria o seu rosto, mas à primeira vista era evidente que o Willy não havia se enganado. Era quase tão alto e corpulento quanto...

Pelas chagas de Cristo!

De repente, foi como se tivesse visto uma aparição. Ficou pálido como um fantasma e, um segundo depois, vermelho como um tomate. Apertou os lábios e cerrou os punhos em ambos os lados do corpo.

Havia reconhecido aquele homem, apesar de o público ainda não saber quem era! Magnus MacKay, o bastardo! Aparentemente, estava disposto a fazer o que fosse preciso para se assegurar que Kenneth não ganhasse, inclusive entrar na competição, contrariando as ordens diretas do Rei.

Kenneth observou a cena, consumido pela raiva, enquanto o MacKay acenava para a multidão, que gritava enfurecida. Podia haver derrotado o adversário que se interpunha entre ele e a rodada final em pouco tempo, mas preferiu estender a luta com a habilidade de um mestre de cerimônias nato. Não, na realidade era muito mais do que isso e Kenneth sabia. MacKay era bom, um dos melhores que já havia visto em toda sua vida. Mas Kenneth era melhor. Só precisava fazer o mesmo que vinha fazendo desde o dia em que nasceu: lutar para provar.

Mas era um homem para ser levado a sério, apesar da imagem da intrometida com roupas de freira não deixar, uma parte dele queria que ela estivesse ali para vê-lo, mas ao mesmo tempo não queria continuar pensando nela. Estava a ponto de lutar a batalha da sua vida e não podia se permitir uma só distração.

Sangue frio, maldição. Tinha que se concentrar.

*


"Surpreso ao me ver, Sutherland?" MacKay perguntou quando se encontraram cara a cara na arena, um pouco depois.

Avançavam em círculos, um ao redor do outro, esperando que o adversário fizesse o primeiro movimento.

"Aposto que não sou o único", Kenneth respondeu. "Contou ao Rei o que tinha planejado, ou esse disfarce também serve para ele?"

Pode ver os olhos do outro homem endurecerem através das fendas do elmo de aço. "Eu disse que você teria que passar por mim primeiro."

"Vencer você só tornará a vitória muito mais doce."

"Você parece muito confiante para um homem que já sofreu alguns golpes hoje."

MacKay deu um passo para a frente, como se estivesse a ponto de atacar, mas Kenneth não caiu no seu truque e obrigou o oponente e recuar rapidamente.

"Do que está falando?" Kenneth havia ganho todos os combates do dia.

"Da Lady Mary, é claro. Ela continua decidida a partir, então, imagino que não conseguiu convencê-la a se casar com você. O Rei não vai gostar de saber disso."

Kenneth não precisava ver seu rosto para saber que o MacKay estava sorrindo. Podia ouvi-lo perfeitamente na maldita voz. Por um momento, quis avançar sobre ele, mas conseguiu se controlar e esperar. Seja paciente, disse a si mesmo. Não se rebaixe ao nível dele. Infelizmente, a provocação era um dos fortes do seu adversário.

"Deixe que eu me preocupe com o Rei."

"Não vai ser necessário."

MacKay fez o primeiro movimento, e um muito bom, na verdade. Lançou um soco de direita e, logo depois, um gancho de esquerda bem abaixo do seu ombro. Quando Kenneth se moveu para bloquear o ataque, tentou imobilizá-lo, retorcendo o corpo e sujeitando-o a uma gravata estranguladora, mas Kenneth adivinhou suas intenções e respondeu com seu próprio ataque, que acertou a mandíbula do seu oponente debaixo do elmo e projetou sua cabeça para trás com violência.

MacKay xingou entre os dentes e esse foi o último som reconhecível que ambos emitiram durante o seguinte espaço de tempo em que se entregaram à luta de corpo e alma. Atacaram com os punhos, davam golpes com os pés, e seguiram aproveitando o peso dos seus corpos. Eles se revezaram em uma sucessão de golpes, cada qual mais perigoso que o outro, que iam liberando um atrás do outro.

Estavam empatados, tanto em força quanto em obstinação. Nenhum dos dois estava disposto a jogar a toalha.

E ambos sabiam lutar sujo. MacKay não perdia a oportunidade de dirigir os golpes na lateral do Kenneth, já sabendo que tinha as costelas machucadas.

"Como estão as costelas, Sutherland?" Provocou entre respirações curtas. "Espero que nenhuma esteja quebrada."

Se até então não haviam estado, agora já era demasiadamente tarde. Entretanto, para Kenneth isso não importava. Só pensava em ver aquele bastardo no chão e deixar bem claro, de uma vez por todas, quem era o melhor dos dois.

E estava perto de conseguir, porra. Podia sentir. Um erro era tudo que precisava. Uma pequena abertura e conseguiria.

"Minhas costelas estão bem", conseguiu responder, a respiração tão entrecortada quanto a do MacKay. "Como está a sua mandíbula?" Kenneth fintou com a mão direita e conseguiu desferir outro gancho de esquerda na mandíbula do MacKay. "Não creio que a Helen vá ficar muito feliz se você aparecer com a mandíbula quebrada no seu casamento."

Algo brilhou nos olhos do adversário. Culpa? Kenneth negou lentamente com a cabeça.

"Ela não sabe de nada disso, não é?" Perguntou, com uma risada. "Pode ser que, no fim das contas, nem haja um casamento com o qual se preocupar."

MacKay xingou em voz baixa e se lançou sobre o Kenneth, rodeando-o e golpeando-o com tanta ferocidade que precisou de todas as suas habilidades para se defender.

MacKay ia vacilar, eventualmente. Kenneth apenas tinha que ser paciente por mais algum tempo.

Finalmente se separaram e, com as mãos apoiadas nos quadris, trataram de respirar grandes bocados de ar para recuperar o fôlego.

Inconscientemente, Kenneth olhou para o castelo e seu corpo enrijeceu no mesmo instante. Divisou um grupo de guardas reunidos no pátio das armas e uma figura pequena descendo as escadas da torre.

Desviou o olhar rapidamente, mas não foi suficiente. Acabara de cometer um erro. MacKay havia visto sua reação e sabia o que estava sucedendo.

"Se você quiser ir atrás dela, posso esperar", ele zombou.

Kenneth o mandou para o inferno.

"Acertei um ponto fraco, não é?" Acrescentou MacKay. "Não me diga que você, realmente, queria casar com a moça."

Kenneth sentiu o pulso acelerar, mas conseguiu se controlar a tempo. Mantenha a calma, falou para si mesmo, apesar de não conseguir evitar de contrair os punhos. Não estava acostumado a evitar uma provocação, muito menos se mostrar paciente.

"Pensei que não veria esse dia", continuou MacKay. "Suponho que Lady Mary não seja uma mulher fácil de impressionar."

"Cala a boca, MacKay."

"Ou, o quê?"

Kenneth seguia imóvel, convencido que o melhor que podia fazer era ignorar as provocações do adversário. Entretanto, tinha vontade de apagar o sorriso que se ocultava sob o elmo e que era quase insuportável.

"Ou, talvez, não queria nada além disso, de você? Foi isso, não é verdade, Sutherland? Diga-me, ela pagou pelos seus serviços como o fariam com um reprodutor? Sim, como um garanhão." E se pôs a gargalhar.

Aquela foi a gota d’água. Kenneth se lançou sobre o MacKay sem pensar em nada que não fosse fazê-lo calar a boca o quanto antes.

Perdeu o controle e, com ele, a batalha. MacKay se aproveitou da situação, o fez acreditar que a vitória era certa para, no último momento, arrebatá-la dos seus dedos. Se deixou imobilizar e, logo, voltou a golpeá-lo uma e outra vez, até que o Kenneth estava exausto. Só então se levantou do que parecia uma morte segura e o rodeou, desferindo uma série de golpes nas costelas machucadas, que o derrubaram em questão de segundos.

Kenneth pensou que devia ter desmaiado. Tinha que ser isso ou, quem sabe, havia ficado surdo e não conseguia ouvir os gritos da multidão porque em nenhum momento ouviu a proclamação do MacKay como vencedor da luta.

Tinha perdido. Perdido!

Permaneceu deitado no chão, sem o desejo nem a força necessária para se levantar.

MacKay se colocou ao seu lado e o olhou de cima, com o sorriso de superioridade que o caracterizava.

"Esse gênio, Sutherland. Até aprender a controlá-lo, nunca vai ser um dos melhores."

O pior de tudo era que ele tinha razão. Kenneth havia se deixado dominar pela ira; por causa disso, havia baixado a guarda.

Apoiou as mãos no chão e se levantou a duras penas, como tantas outras vezes. Demasiadas vezes. A certeza de uma nova derrota queimava suas entranhas. Havia estado tão perto de conseguir...

Mas aquilo ainda não tinha acabado. Não pensava em se dar por vencido. Encontraria outra maneira de entrar para o exército do Bruce, nem que para isso tivesse que ser esfolado.

E que Mary de Mar pedisse a todos os santos que seus caminhos não voltassem a se cruzar. Se encarregaria de lhe ensinar uma lição que ela jamais esqueceria.

 


Capítulo Nove

Meados de janeiro, 1310

Montanhas Black Cuillin, Ilha de Skye

Kenneth estava decidido a ser o último homem a permanecer de pé ainda que morresse por causa disso, e parecia que os demais pensavam em lhe dar uma mão a esse respeito. Perdição? Era uma forma muito suave de se referir a aquele suplício. Preferia passar o resto da eternidade no abismo mais profundo do inferno que treinar mais quinze dias sob as ordens de Tor MacLeod nas gélidas entranhas da cordilheira Cuillin.

Já estavam há varias horas escalando a encosta de uma montanha desolada e coberta de gelo a um passo tão rápido que quase parecia uma corrida. Kenneth não recordava de haver passado tanto frio, nem de estar tão esgotado em toda sua vida. Doía-lhe desde o primeiro até o último músculo, incluindo os dentes, ainda que estes últimos, seguramente, porque não deixava de apertá-los em um intento desesperado de controlar seu gênio. Sangue frio! A temperatura era tão baixa que tinha as veias congeladas.

Mas, infelizmente, seu temperamento seguia tão inflamável como sempre. Já não era só o MacKay o encarregado de testá-lo; agora, tinha dez dos guerreiros mais ferozes e valentes da cristandade fazendo tudo que estava em suas mãos para conseguir que perdesse as estribeiras e desistisse. Entretanto, por mais desagradáveis ou por mais difíceis que fossem as tarefas ou por mais irritantes que fossem os apelidos que utilizavam para se dirigir a ele, estava decidido a morder a língua e aguentar. Haviam lhe dado outra oportunidade e nada impediria que, desta vez, ganhasse um posto no exército secreto do Bruce.

Do punhado de recrutas que haviam começado com ele, mais de três meses atrás, só restavam dois naquela guerra desgastante que o MacLeod usava como método de treinamento. Um havia partido na primeira semana; mais dois haviam durado um par de meses, para desistir durante os primeiros dias da Perdição, depois de um breve descanso de doze dias, entre a véspera do Natal e a Epifania do Senhor.

Aparentemente, MacLeod era mais humano do que parecia e queria passar aqueles dias tão especiais na companhia da esposa grávida e da filha pequena. Se não fosse por esse detalhe, Kenneth teria duvidado seriamente da sua humanidade. Durante os últimos meses de treinamento MacLeod os havia levado até o limite das suas forças, tanto físicas quanto emocionais. Kenneth havia odiado o Chefe, como era conhecido entre os companheiros – para proteger suas identidades, os membros do exército adotavam nomes de guerra – que não só realizava cada uma das tarefas que delegava como se fosse um deles, mas, invariavelmente, melhor do que todos eles. Inclusive, a essa altura, quando todos estavam a ponto de desmaiar, ele nem sequer parecia cansado. Kenneth não podia evitar de sentir um respeito absoluto por um tipo como aquele.

A resistência do MacLeod era quase comparável à do MacKay, que também havia ganho seu respeito incondicional depois de três meses de convivência. Com o passar dos dias, Kenneth havia aprendido a distinguir as habilidades que mais haviam chamado a atenção do Bruce, e as do seu cunhado – porque as bodas haviam seguido seu curso, apesar de a Helen ter se irritado com seu futuro esposo tanto quanto o Bruce, propiciando, assim, aquela que seria a última oportunidade do seu irmão – que incluía um conhecimento amplo das Terras Altas e uma grande força e resistência físicas; eram realmente extraordinárias. Precisamente esse título, o de guerreiro mais completo da equipe, era o que Kenneth pretendia arrebatar do MacKay quando tivesse oportunidade.

Seus esforços para aperfeiçoar a fórmula da pólvora não progrediram segundo o esperado. Até o momento só havia conseguido fabricar um composto instável, inconsistente e altamente perigoso, suficiente para causar um dano mínimo, mas muito longe do nível de perfeição alcançado pelo Gordon. Infelizmente, ao amigo não havia ocorrido deixar a fórmula escrita, para o caso de alguém, um dia, precisar dela.

Finalmente, MacLeod ordenou ao grupo que parasse, "Passaremos a noite aqui."

Kenneth não foi o único a dar um suspiro de alívio. Se desfez da mochila pesada que carregava nos ombros – o terreno era demasiadamente escarpado, inclusive para as cabras e os cervos, quanto mais para os cavalos – e se deixou cair sobre a rocha mais próxima. Uma rápida olhada para o rosto dos companheiros, a maioria escondida debaixo de várias formas de toucas de lã e de pele, bastou para constatar que todos haviam tido a mesma ideia.

Até Erik MacSorley, conhecido como Falcão, estava muito calado, algo estranho nele. Alguns dos seus companheiros seguiam sendo um mistério, mas o Falcão não era um deles. Como um marinheiro propenso a fazer piadas e de caráter sociável, sempre podiam contar com ele para levantar os ânimos do grupo. Era um homem fácil de gostar, igual ao Gordon, pensou Kenneth, com melancolia.

Se inclinou para a frente e, apoiando os cotovelos nos joelhos, esperou que seu corpo se recuperasse do esforço. Se havia aprendido alguma coisa nos últimos meses era que quanto mais débil se sentia, quanto mais necessitasse de um descanso, menos probabilidade teria de poder desfrutá-lo.

MacKay só precisou de um breve espaço de tempo para demonstrar a veracidade da sua teoria. Kenneth não precisou levantar a cabeça; podia sentir sua presença, imponente e ameaçadora, junto a ele, como se fosse a sombra da morte.

"Acabou o descanso, Recruta. Esta noite você está de guarda", disse MacKay. "A menos que esteja muito cansado."

Admitir isso seria lhe dar uma satisfação que ele não merecia. Keneth apertou a mandíbula e juntou a pouca energia que lhe restava para se colocar de pé.

"Não, quando se trata de cumprir com o meu dever."

Era incapaz de se dirigir a ele por seu nome de guerra, Santo, já que o apelido não podia estar mais distante da realidade. Convinha muito mais Assitente do Diabo ou alguma coisa nesse estilo. Bruce e Helen haviam intercedido para que o MacKay permitisse que o Kenneth lutasse por um lugar junto ao grupo, mas isso não significava que o guerreiro estivesse de acordo com eles, nem que tivesse a menor intenção de tornar o seu caminho mais fácil.

Entretanto, por mais que o Kenneth houvesse gostado de dizer o contrário, MacKay não tinha implicado somente com ele, mas havia repartido as torturas entre todo o grupo, sem fazer distinções. Nunca teve que se ocupar de tantas tarefas, algumas mínimas e insignificantes, nem sequer quando era um simples escudeiro. Jamais havia cavado tantas fossas, nem recolhido tanta lenha para a fogueira, nem limpado tantas armaduras até ficar com os dedos em carne viva, nem lavado tanta roupa suja. Ironicamente, todos aqueles trabalhos, que até alguns meses atrás eram humilhantes demais para alguém da sua posição social, haviam se convertido em seus momentos favoritos, de paz e relativo relaxamento.

"Bom", respondeu MacKay. "Você também, Recruta", adicionou, dirigindo-se ao único desgraçado que andava por ali e que também podia responder a esse nome. Ao Kenneth, não irritava ser chamado assim. De fato, o preferia aos outros apelidos que insistiam em utilizar.

Na primeira vez que o Falcão o tinha visto mijando, começou a se referir a ele como Corcel. Kenneth estava acostumado que as pessoas brincassem com o tamanho do seu membro e, normalmente, não teria dado atenção ao assunto se, graças à ajuda inestimável do MacKay, Corcel não fosse substituído por Garanhão. Apesar do seu cunhado não conhecer a origem daquele nome, Kenneth não podia evitar de ficar tenso cada vez que o ouvia, já que era uma lembrança constante de quem era a culpada por haver acabado em tal situação.

Estava convencido de que este era o motivo pelo qual pensava nela com tanta frequência. Mais de quatro meses depois, a recusa da Lady Mary em se casar com ele, seguia sendo uma ferida aberta. E no que tentava não pensar era na sua própria reação a ela. Provavelmente, não era tão incrível quanto recordava. Já havia conhecido melhores, claro, ainda que não conseguisse lembrar de nenhuma delas. Provaria, quando terminasse o treinamento. Libertino? Mais para monge, ultimamente.

Aceitar algumas propostas de vez em quando não o convertia em um libertino. E mais, agora se alegrava com a recusa da Mary. A última coisa que queria na sua vida era uma esposa que não entendia que um homem tinha necessidades. Por que parecia incomodá-la tanto?

"Você vai preparar a ceia", MacKay estava dizendo para o outro recruta. "Começará acendendo o fogo. Depois, pode sair para procurar algo para comermos. Creio que cairia muito bem, um pouco de carne fresca para todos."

Embora soubesse tudo sobre ele como guerreiro, Kenneth tinha poucas informações sobre seu companheiro recruta, além de que falava e se vestia como um homem das Ilhas. Era corpulento e tinha feições agradáveis; talvez tivesse sangue viking em suas veias. Seu irmão de desventuras foi incapaz de reprimir um gemido de protesto, ainda que ninguém pudesse culpá-lo sobre isso. Encontrar algo comestível naquelas montanhas áridas e geladas prometia ser um trabalho hercúleo, inclusive mais apropriado para o próprio Prometeu.

De repente, montar guarda pareceu um passeio em comparação com a tarefa do seu companheiro. Pegou algumas coisas na mochila e, enquanto se dirigia para sua posição no perímetro do campo, se perguntou porque o MacKay havia se mostrado tão generoso, algo muito incomum nele.

Infelizmente, uma voz que não era nada benévola o deteve antes que pudesse dar dois passos.

"Aonde você pensa que está indo, Recruta?" Kenneth se virou lentamente, exalando pavor de cada um dos poros da sua pele. "Você vai vigiar lá de cima."

Kenneth seguiu a direção do dedo até o cume da montanha, que se elevava acima do acampamento, uns sessenta ou setenta metros encosta acima e, imediatamente, sentiu que se formava um nó em sua garganta. O problema não era tanto a distância, e sim a parede quase vertical que o separava do topo. Para chegar ao ponto que o MacKay indicava, teria que escalar uma parede de pedra somente com a ajuda das mãos e dos pés, uma tarefa difícil para alguém que ainda tinha sensibilidade nos dedos das mãos, que não era o seu caso. Levantar seu próprio peso com as extremidades tão debilitadas era quase impossível.

Durante as últimas semanas havia nadado até sentir que os pulmões iam explodir, havia corrido por terrenos de todo o tipo em um ritmo capaz de acabar com qualquer homem, havia lutado com todo o tipo de armas imagináveis e, inclusive, havia se deixado enterrar até a cintura para, logo depois, se proteger, com a ajuda de um escudo, dos ataques com lança de um grupo de guerreiros reunidos à sua volta. Jamais havia dito não a nenhuma daquelas provas por mais impossíveis que parecessem, mas desta vez era demais.

Os dois homens se olharam nos olhos, rodeados por uma escuridão quase total. Haviam se passado algumas horas desde o meio dia, mas a luz já havia se retirado quase completamente. Kenneth podia sentir o olhar silencioso dos outros dez membros da expedição esperando sua resposta, ainda que ninguém parecesse disposto a intervir. Aquele enfrentamento era entre o MacKay e ele.

Todos seus instintos gritavam que mandasse o MacKay ir para o inferno, que se negava.

Que desistia.

Naquele momento, ir até lá em cima era uma missão suicida. Um escorregão nas rochas geladas significaria morte certa. MacKay sabia disso, também. Kenneth podia ver a provocação no olhar do seu adversário, desafiando-a a negar ou aceitar, tudo ao mesmo tempo.

Até onde você vai ser capaz de chegar? Parecia estar perguntando.

Até a morte. Isso era o que se esperava deles. O Chefe lhes tinha dito várias vezes antes. Se você quiser entrar na equipe, tem que estar disposto a sacrificar a sua vida pelo bem dos seus companheiros. Será que Kenneth queria tanto assim?

Até então, acreditava que sim, mas agora, se dava conta do ponto a que chegaria. Queria ser o melhor, queria fazer parte de algo que não só fosse importante, mas também histórico. Passara a vida inteira trabalhando por aquele momento e não tinha a menor intenção de recuar.

"Sim, você tem razão", respondeu tranquilamente. "Vou ter uma visão muito melhor lá de cima."

Algo brilhou nos olhos do outro homem. Respeito? Kenneth não estava seguro e o certo era que não se importava. Não tinha que provar nada para ele, só para si mesmo. Deu meia volta e se dirigiu para o cume. Quase impossível não era impossível. Ia conseguir, maldição!

Tinha acabado de alcançar a base de onde iniciaria a subida quando ouviu o som de passos atrás dele. Era desconcertante a segurança com a qual sabia a quem pertencia aqueles pés. Pelo visto, já nem sequer precisava da sua sombra para reconhecer seu inimigo número um.

"Você não aprendeu nada em três meses?"

Kenneth se virou lentamente para encarar seu cunhado. Descartou as primeiras respostas que passaram pela cabeça e, finalmente, se contentou em lhe devolver o olhar. Pela primeira vez em muito tempo, estava tão cansado que não tinha gana de lutar, nem com o MacKay.

"Se tem a intenção de se matar, ao menos não o faça sem o seu parceiro."

"Sim, bem, lembro que você o enviou atrás de carne fresca. Não creio que regresse nunca."

Não conseguiu reprimir o sarcasmo, que MacKay recebeu sacudindo lentamente a cabeça.

"Você me deixou preocupado. Estou tão acostumado a ver aquela expressão beligerante no seu rosto, aquele contínuo olhar de desafio-o a tentar, que pensei que o tínhamos perdido para sempre. Maldição, sem essa atitude tão irritante, poderia realmente aprender a gostar de você." Encolheu os ombros em um gesto dramático, protegidos debaixo do largo cachecol de lã que cobria todo o seu pescoço e a parte inferior do rosto. Igual a todos os demais, não se barbeava há quase duas semanas e tinha o rosto coberto por pequenas gotas de gelo. Fazia dias que todos cheiravam como bestas selvagens. "E nunca se sabe, pode ser que o recruta encontre alguma coisa. Só precisa saber para onde olhar."

Beligerante? De que, diabos, ele estava falando?

MacKay tinha pego um pedaço de corda na mochila e a estava atando ao redor da cintura. Quando terminou, entregou a outra ponta para o Kenneth.

"Você vai ser meu parceiro?" Perguntou, incapaz de dissimular a incredulidade na voz.

Um flash de dor atravessou o rosto do MacKay e, então, Kenneth supôs que seu cunhado estava pensando no seu primeiro parceiro, o homem cuja amizade ambos haviam compartilhado: William Gordon.

Entretanto, em vez de contestá-lo como sempre fazia, MacKay se limitou a encolher os ombros.

"Sim, bem, os demais estão muito cansados. Além disso, a sua irmã me mataria se eu permitisse que quebrasse o pescoço nessas rochas. Ainda está zangada comigo por ter me aproveitado dos seus ferimentos durante o combate nos Jogos dos Highlanders." Sacudiu lentamente a cabeça. "Devo admitir que nestes últimos meses você me surpreendeu. Não acreditava que você tinha o necessário, mas demonstrou possuir mais controle do que eu pensava ser possível. Inferno, se até eu mesmo perdia os estribos de vez em quando com as provocações do Falcão."

Kenneth não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

"Isso quer dizer que não vai ficar no caminho, para que eu possa me unir aos Guardiões?" Perguntou, observando com os olhos arregalados o homem que havia sido seu grande inimigo desde o dia em que nasceu.

Os Guardiões das Terras Altas era como todos se referiam à equipe.

"Ainda não terminamos", respondeu MacKay, observando-o atentamente, "mas se você superar o treinamento e todo o resto, asseguro que não colocarei nenhuma objeção ao seu ingresso."

Kenneth se perguntou o que ele queria dizer com todo o resto, mas sabia que devia se concentrar em uma só coisa: escalar aquela maldita montanha. Não importava o que ocorreria nos próximos dias, aqueles que restavam da Perdição. Depois disso, com certeza, todo o resto seria fácil, ao menos em comparação.


Castelo de Alnwick, Northumberland, Inglaterra

Mary estava sentada na frente da penteadeira, nos aposentos da torre na qual a haviam instalado e às suas serviçais, enquanto uma das garotas dava os últimos retoques no seu penteado. Ela havia escovado seu cabelo até transformá-lo em um véu brilhante e dourado, para depois trançá-lo ao redor da cabeça com a ajuda de uma fita de seda que combinava com o vestido e com os seus olhos. A parte de trás caía livremente sobre as costas, segundo a moda que seguiam as mulheres mais jovens. Diziam que aquele penteado tão complicado era famoso no Continente, o que, para a Mary, era um exagero.

Depois de anos se escondendo até se confundir com o entorno, parecia estranho usar o cabelo solto. Estranho, mas ao mesmo tempo, libertador. Lentamente e com muita cautela havia se desfeito do humor taciturno atrás do qual se protegia, uma armadura que a havia mantido a salvo e oculta, mas que também a havia impedido de viver uma vida plena, sem se basear unicamente na aceitação, mas sim na paixão e na felicidade.

Pois bem, já havia se escondido o suficiente.

Tentou não pensar naquele que havia sido o responsável por sua transformação, o homem que a fez descobrir a paixão junto com muitas outras coisas. Pensava naquela noite, e nele, muito mais do que estava disposta a admitir, inclusive para si mesma.

O passar das semanas não levou consigo a sensação de que havia cometido um erro tremendo. Havia perdido a razão, superada por uma cacofonia de sentimentos imprevistos. Se arrependia de havê-lo rechaçado com tanta frieza. Quem sabe, talvez, havia interpretado mal suas intenções. O certo era que mal se conheciam, mas havia lhe recordado tanto seu esposo e o doloroso passado que havia compartilhado com ele, que não havia podido evitar sentir que voltaria a ter o coração quebrado em mil pedaços.

Bem, ao menos havia lhe dado uma oportunidade, disse a si mesma, mas quando perguntou sobre a sua prometida, ele havia deixado bem clara qual era a sua postura sobre fidelidade dentro do matrimônio. O que isso tem a ver conosco?

Se acreditava que fugir ia fazê-la esquecer dele mais rápido, estava muito enganada.

Infelizmente, agora era tarde demais. Tinha sua vida ali, na Inglaterra, e o medo de se ver presa em uma relação novamente, nem sequer era a razão principal pela qual não queria ver o Kenneth Sutherland em toda sua vida. Ainda assim, tinha que lhe agradecer pelo presente mais maravilhoso que lhe havia dado. Fechou os olhos por um instante enquanto uma bolha de felicidade incontrolável crescia em seu interior.

Quando a criada finalmente terminou, Mary se olhou atentamente no espelho e assentiu com a cabeça. Não restava quase nada da mulher pálida e magra que havia ido à Escócia para negociar em nome do filho e que havia despertado para a vida com a delicadeza da borboleta que sai do casulo. Tinha o rosto mais redondo, os olhos brilhantes, os lábios mais vermelhos e a pele de uma cor muito mais saudável. O vestido, ainda que não seguia os ditames extravagantes dos quais tanto gostava quando era mais jovem, era elegante e apropriado para uma dama da sua posição social, totalmente oposto aos vestidos pretos, cinzas e marrons, por trás dos quais havia se escondido nos últimos três anos.

O velho comerciante se sentiria orgulhoso dela, pensou com um sorriso nos lábios. Podia não estar na flor da juventude, todavia ainda lhe restavam algumas pétalas intactas. E o mais importante de tudo: era feliz, mais do que havia sido em muito tempo. Saltava à vista.

Agradeceu à criada e se dirigiu para o Grande Salão do Castelo de Alnwick escoltada por suas damas de companhia, lady Eleanor e Lady Katherine, as mesmas que haviam ido com ela para a Escócia. Com o tempo, havia aprendido a valorizar os momentos agradáveis que passava com elas. Quando havia baixado a guarda, se deu conta do tanto que perdia em não ter companhia feminina. Seguramente, o mérito por haver refrescado sua memória, devia completamente à Margaret.

A viagem para a Escócia a havia feito relembrar muitas coisas e, ainda que soubesse que era melhor não se apegar a elas, não conseguia evitar de sentir saudade das suas antigas amizades e da terra que havia sido o seu lar. Quem sabe, algum dia...

Deteve as palavras antes que acabassem de se formar em sua cabeça. Agora, sua vida estava ali; teria que se conformar com o que tinha.

Quando chegaram, o salão já estava repleto de gente. O Grande Salão do Castelo Alnwick era digno de admiração, inclusive sem a presença dos nobres, homens e mulheres, reunidos ali para a refeição do meio-dia, ostentando roupas de todas as cores. O próprio castelo era um dos maiores e mais imponentes que já havia visto, com suas sete torres semicirculares, a torre principal com formato quadrado e um enorme muro de cortinas. O Grande Salão era a joia da Coroa, um aposento enorme com teto abobadado que parecia uma pequena catedral, não fossem as vigas do teto que eram de madeira e não de pedra. O reboco das paredes estava pintado de amarelo-claro e coberto por painéis de madeira e formosas tapeçarias. As grandes mesas estavam cobertas por toalhas coloridas de seda bordadas com um gosto requintado e arrumadas com pratos, talheres, candelabros e copos de prata. Das vigas pendiam grandes lustres com centenas de velas acesas, apesar de ser só meio-dia.

Lord Henry Percy havia se tornado um dos mais ricos aliados do Edward, e seu castelo era a prova disso. Pensava em transformá-lo, assim havia contado à Mary, em uma estrutura ainda mais formidável adicionando torres e realizando melhorias nas muralhas e nas vigias. Os bárbaros escoceses – se desculpou imediatamente excluindo-a – não se atreveriam a atacar uma fortaleza como aquela.

Sir Adam já havia ocupado seu lugar na plataforma, mas se levantou e se aproximou para cumprimentá-la quando a viu entrar no aposento. Mary retribuiu o sorriso, grata como sempre de poder contar com a companhia do seu velho amigo.

"Você está espetacular, querida", disse ele, acompanhando-a até o seu lugar.

Ela corou, pouco acostumada como estava, a receber elogios. Outro homem se levantou da mesa e a saudou com uma reverência.

"Não poderia estar mais de acordo", falou, e a forma como passou o olhar sobre o seu corpo não fez nada mais do eu intensificar o rubor das bochechas da Mary.

Sir John Felton era o melhor cavaleiro do Percy, sua mão direita e, para surpresa da Mary, desde a sua chegada há algumas semanas atrás, havia mostrado um interesse especial sobre ela. Como mãe de um Conde tão jovem e suscetível de ser manipulado, sua mão era um prêmio cobiçado tanto pelos ingleses quanto pelos escoceses. Entretanto, o interesse do Felton parecia ir mais além do que o evidente, o que para a Mary era um elogio e tanto.

Aos trinta anos de idade, Sir John estava no auge de sua masculinidade. Media quase um metro e oitenta de altura – um pouco mais baixo que o Kenneth, pensou Mary, antes de ignorar as comparações – e tinha constituição forte e musculosa, o que explicava porque tinha a fama de invencível no campo de batalha. Também era conhecido por ser um dos cavaleiros mais atraentes do Percy, algo com o qual a Mary estava de acordo. Com uma cabeleira abundante e loira, olhos verdes escuros e traços perfeitamente cinzelados, poderia se igualar ao Gregor MacGregor – ou ao Sir Kenneth – pensou, de novo, incapaz de controlar o impulso de comparar os dois homens.

Por que fazia isso? Que estranho poder aquele homem tinha sobre ela? Pelo amor de Deus, havia sido só uma noite.

Mas, que noite! As memórias tomaram vida novamente em sua cabeça e teve que se concentrar para esquecê-las. Tinha que superar aquela absurda fixação por um homem que jamais lhe pertenceria. Seu futuro estava ali, na Inglaterra, e talvez, algum dia, encontrasse um com quem compartilhá-lo.

A ideia de contrair matrimônio, de renunciar à sua independência, algo que há não muito tempo era pouco menos que prejudicial, vinha abrindo passo pouco a pouco, até considerar aceitável. Com o homem adequado, sob circunstâncias idôneas, quem sabe seria possível convencê-la. A paz e a solidão que antes tanto ansiava a haviam enchido de nostalgia. Teve um vislumbre da vida que estava perdendo e decidiu abrir os olhos para essa possibilidade.

Não seria com o Sir John, haviam muitas… complicações, mas talvez encontrasse alguém depois do verão, quando regressaria da França – mais uma coisa a agradecer ao Sir Adam. Havia arranjado tudo para que pudesse acompanhá-lo em sua viagem para a corte francesa ao final da primavera.

Havia descoberto a verdade? Mary se perguntava a todo momento. Algo em sua relação havia mudado, ainda que não estivesse segura do que era. Não parecia muito contente do Sir John cortejá-la.

Ao contrário do seu filho.

Murmurou umas palavras de agradecimento e ocupou seu lugar no banco, entre os dois homens. Não pôde evitar de sorrir ao pensar no David. Seu filho teria uma bela decepção, já que havia idealizado o Sir John como só um escudeiro podia fazer, tanto que havia se mostrado muito surpreso ao descobrir o interesse do seu herói em sua mãe.

Na verdade, se Mary havia apresentado uma mudança radical nos últimos tempos era tanto pelo Sir Kenneth, quanto pela reação do David. A primeira vez que seu filho avaliou sua aparência, Mary se deu conta de que gostava de vê-la com aquele novo aspecto, mais bonita, menos disforme. Queria que ele ficasse orgulhoso dela. Será que o havia envergonhado, inconscientemente, com sua antiga aparência? Esperava que não.

Não sabia nada sobre os garotos da sua idade, mas desde que o David havia se transformado no escudeiro do Sir Percy, há alguns meses, Mary tinha a sensação que começava a entender um pouco mais o seu filho. Estava em uma fase crítica, decisiva para a afirmação da sua masculinidade. Tal como Sir Adam havia previsto, o Rei estava muito satisfeito com o trabalho que Mary havia realizado no seu nome – apesar de que quase não havia dado frutos – e a deixava ver o Davey tantas vezes quanto suas obrigações permitiam. Sir Adam a acompanhava algum domingo ou outro a Ponteland para uma visita rápida, mas, até que recebeu o convite para visitar o Castelo de Alnwick, não pôde passar um tempo de verdade na companhia do filho.

A cautela, que até então havia caracterizado a relação entre eles, havia relaxado o suficiente para a Mary começar a visualizar os primeiros sinais de um afeto muito mais genuíno. Sir John era o responsável por isso, pelo menos em parte, e Mary estava consciente disso. Observou de relance o formidável cavaleiro que se sentava ao seu lado. Era evidente que a admirava e desfrutava da sua companhia, o que, aos olhos do Davey, só podia significar que sua mãe não podia ser tão ruim assim.

Mary estava tentando não forçar a relação, mas ultimamente já não tinha a mesma paciência de antes. Queria estar mais próxima do seu filho, mas temia que ele se inteirasse do nervosismo e do orgulho que impregnava cada um dos seus olhares. Davey era um dos favoritos do Rei e estava a caminho de se tornar um dos favoritos do Lorde Percy. Fazia pouco que havia completado treze anos, mas já mostrava os primeiros sinais da coragem do seu pai no campo de batalha. Era um rapaz bem formado, alto e de uma beleza ainda infantil, mais tranquilo e reservado do que o seu pai, também mais reflexivo e mais prudente. Cauteloso, pensou Mary. Como ela. Tinha todo o direito do mundo de se sentir orgulhosa dele, e estava.

"Espero que você não se importe”, disse Sir John ao seu lado. “Mas pedi ao David e alguns dos seus amigos para se juntarem a nós, na refeição."

"Me importar?" Mary, surpresa, se virou para ele, exatamente a tempo de ver o seu filho entrar no salão e a buscar com o olhar. De repente, sentiu que os olhos se enchiam de lágrimas, não só pela gentileza do Sir John – não era fácil conseguir que um escudeiro pudesse se sentar no espaço reservado às autoridades – mas também pelo que o seu filho vestia. Por debaixo da túnica de veludo, aparecia o bordado da camisa, a mesma que havia feito para ele. Não era a primeira vez que lhe dava um presente, mas a primeira que o via usando em público. "Obrigada", conseguiu dizer com os olhos cheios de lágrimas.

Sir John pegou sua mão e inclinou a cabeça sobre ela enquanto se levantava para dar lugar aos recém-chegados. "Não precisa agradecer", respondeu com um sorriso que beirava a fina linha da intimidade. "Espero ter muitas outras oportunidades para fazê-la sorrir."

Mary baixou os olhos, aturdida com o calor que lhe abrasava as bochechas. Sabia que podia colocar um fim naquilo quando quisesse, que não agia bem lhe dando esperanças, mas fazia tanto tempo que um homem não mostrava interesse por ela… um interesse apropriado, corrigiu a si mesma, pensando pela milésima vez no homem que havia jurado não pensar nunca mais.

Mas não conseguia esquecer o rosto do Sir Kenneth. Sério e decidido, na penumbra da biblioteca enquanto sustentava o peso do corpo sobre ela…

Afastou a imagem com um sobressalto. Não havia significado nada. Seguramente, olhava daquela maneira todas as mulheres com as quais fazia amor. Claro que a Mary sabia que isso não era verdade, ao menos com a mulher do estábulo.

Tinha que esquecer dele o quanto antes, por mais que houvesse dado a ela em uma só noite o que seu falecido marido em todo o casamento, em mais de um sentido.

Sir John não se deu conta de nada, ou ao menos, não demonstrou.

"Espero que tenha aceitado o convite do Lorde Percy para recepcionar o Gaveston em Berwick, na companhia do Sir Adam."

Mary assentiu. Não podia recusar. Piers Gaveston, recentemente nomeado conde de Cornwall e o favorito do Rei Edward, acabara de chegar do exílio na Irlanda – aonde o Edward se viu obrigado a enviá-lo, porque Gaveston havia atraído o ódio de muitos dos nobres mais importantes – e havia sido destinado à Berwick, de onde se prepararia para a campanha contra a Escócia, que teria lugar no final de março. O Rei o seguiria no final da primavera. Os Barões haviam sido convocados em Berwick, inclusive Sir Adam e Lorde Percy, o que significava que Davey também. Apesar de ser uma convocação para a guerra, a presença do seu filho garantiu que Mary aceitasse, encantada.

"Me alegro", continuou Sir John, com um brilho nos olhos. "Quero que saiba, Lady Mary, que pode confiar em mim para o que precisar."

Mary não sabia o que dizer. A última coisa que queria fazer era confiar em um homem novamente, mas lhe pareceu que suas palavras eram sinceras e honestas e uma pequena parte dela, aquela que fantasiava com um cavaleiro atraente e valente, respondeu.

Será que se sentiria da mesma maneira quando a Mary regressasse da França? Parecia improvável. Um homem não podia ignorar certas coisas e, apesar dela ter um plano, sabia que as pessoas falariam.

A chegada do seu filho e dos seus amigos a salvou de ter que responder. Sir John havia cedido a ele seu lugar no banco, junto à sua mãe e, quando Davey por fim se sentou, todos os seus pensamentos se centraram no seu filho.

"Você está usando a camisa que bordei", disse ela, incapaz de esconder a emoção.

Davey olhou para os amigos de relance, vermelho como um tomate. Por sorte, não haviam ouvido nada.

"Es-está tudo bem."

Mary não sabia se isso era bom ou mal. Quem sabe não devia ter dito nada, pensou, mordendo o lábio.

"Obrigado", acrescentou Davey, visivelmente incomodado, mas não parecendo ingrato.

"De nada", ela respondeu em voz baixa.

Era evidente que Davey estava perplexo! Estava sentado à mesa de honra! Sem dúvida, não queria que seus companheiros notassem isso. Mary morria de vontade de crivá-lo de perguntas saber tudo sobre as suas novas obrigações, mas decidiu imitar a contenção do seu filho e atuar com uma serenidade que não sentia. Seguia pensando nele como o bebê que haviam lhe arrancado dos braços, mas Davey já não era uma criança. Não precisava que limpassem o seu nariz quando espirrava, que cortassem a carne para poder comer ou que enxugassem suas lágrimas quando caía no choro.

Então, para que precisava dela?

Não sabia, mas estava determinada a descobrir.

Logo se tornou evidente que, por mais ansiosa que estivesse para saber das coisas, os rapazes estavam ansiosos para ouvir o Sir John, de modo que, em vez de fazer perguntas, Mary se conformou em presenciar a felicidade do seu filho enquanto o cavaleiro os regalava com histórias da guerra. Muitas vezes teve vontade de colocar objeção aos detalhes mais sangrentos, mas preferiu manter a boca firmemente cerrada. Davey e os outros meninos pareciam encantados com os relatos do Sir John.

Ao final da refeição, Mary teve sua recompensa. Davey estava correndo atrás dos seus companheiros quando se deteve e a olhou por cima do ombro.

"Obrigado, mãe. Foi a melhor refeição da minha vida."

Davey era jovem demais para se dar conta do presente incrível que acabara de lhe dar e da felicidade que foi capaz de lhe proporcionar com tão poucas palavras.

Daria certo.

Aquela era sua segunda oportunidade de ser mãe e estava disposta a fazer qualquer coisa para que tudo saísse bem. Desta vez nada, nem ninguém, tiraria o que era seu.

 

Capítulo Dez

Final de janeiro de 1310

Castelo de Dunstaffnage, Lorn, Escócia


“Ouvi dizer que tenho que parabenizá-lo”, disse o Rei, levantando os olhos da pilha de pergaminhos que estavam à espera da sua assinatura.

Havia passado uma semana desde que finalizara o treinamento nos picos gelados das Black Cuillin. Kenneth havia conseguido evitar ser capturado por qualquer um dos dez membros dos Guardiões das Terras Altas durante quase dois dias (um a mais que o outro recruta), e agora estava nas dependências privadas do Castelo de Dunstaffnage diante de Robert Bruce e de todos os seus novos companheiros da Guarda. Só faltavam Boyd e Seton, que haviam se dirigido ao sul para se reunir com Edward Bruce na fronteira, enquanto terminavam o treinamento na Ilha de Skye.

Kenneth havia conseguido ser o último homem a se manter de pé e a satisfação pela vitória ainda seguia intacta. Havia conseguido, havia ganho um posto no exército secreto do Bruce, ainda que não como havia planejado.

"Obrigado, senhor", respondeu.

"Permita que o felicite", acrescentou Bruce. "Pelo que sei sobre as provas do Chefe, sobreviver já é uma façanha, mas segundo me contaram, você se destacou notavelmente." Bruce lançou um olhar na direção do MacKay, que estava de pé, em um canto afastado do aposento. "Conseguiu até mesmo calar os protestos do Santo, pelo que posso ver."

Não completamente, Kenneth pensou. Talvez, o suficiente para o MacKay não ficar no seu caminho para ingressar na equipe, mas não o bastante para aceitá-lo como parceiro. Seu cunhado havia deixado claro que a parceria que formaram na montanha tinha sido algo temporário. Kenneth sabia que não devia se importar com o que pensava aquele que havia sido seu principal inimigo por tanto tempo, mas, para sua surpresa, se importava, ainda que soubesse, lá no fundo, que a culpa não era dele, e sim, toda sua. Em mais de uma ocasião havia se deixado levar pela raiva, com o MacKay estando por perto para testemunhar, incluindo a vez que havia se lançado sobre o cunhado com todas as suas forças, ao ponto de quase decapitar sua irmã no processo. Agora, se comprometia a ganhar essa confiança.

Ainda que o MacKay jamais reconhecesse, Kenneth sabia que havia algo mais que o preocupava, a ele e ao resto dos companheiros. Sim, havia conseguido entrar na equipe, mas ainda teria que conquistar um posto entre os melhores guerreiros da Cristandade, homens cujas habilidades eram mais que evidentes, que lutavam há vários anos juntos e que haviam criado uma ligação muito poderosa entre eles. Ele não era mais do que o novato, o recruta que ainda não havia demonstrado nada, apesar das suas vitórias nos Jogos dos Highlanders e durante o treinamento. Tinham muitas perguntas em aberto e estava disposto a respondê-las quando chegasse o momento, mas até então sabia que o observariam atentamente, descobrindo o que era capaz de fazer, avaliando e decidindo onde seus serviços seriam melhor utilizados.

Sua força, sua habilidade, residia em sua capacidade de ser versátil. Bruce e MacLeod se assegurariam que pudesse ajudar em tudo. Tanto se acabasse como companheiro do MacSorley e MacRuairi no mar, com o MacKay, Campbell e o MacGregor nas Terras Altas ou com o Seton, o Boyd, o MacLean e o Lamont na fronteira, podia participar em qualquer missão nas quais os seus serviços fossem necessários.

Além do mais, nesse momento, ele era o melhor substituto que tinham para ocupar o lugar do Gordon, ainda que não houvesse demonstrado suas habilidades com a pólvora. Se ao menos tivesse aquelas anotações do avô do Gordon. O homem considerava a si mesmo como um alquimista e havia escrito numerosas anotações sobre suas experiências com o explosivo sarraceno e o fogo voador, enquanto participava de uma cruzada com o avô do Kenneth. Foi precisamente em Outremer onde havia sido firmada a aliança entre os clãs. Infelizmente, o diário do velho guerreiro havia queimado em um dos experimentos falidos do Kenneth e do Gordon, quando ambos viviam sob a tutela do conde de Ross.

Não importava o que fazia, de um modo ou de outro, sempre acabava tendo que demonstrar seu valor. As coisas seriam muito diferentes se tivesse conseguido derrotar o MacKay nos Jogos dos Highlanders, mas não o fez. Havia estado tão perto…

Apertou os dentes inconscientemente ao recordar o rosto da sua amiga, a freira intrometida. Não era a primeira vez que desejava com todas as suas forças que seus caminhos voltassem a se cruzar. Não podia evitar a sensação de que, de algum modo, ela havia saído vitoriosa. Da próxima vez, e esse dia chegaria, não teria tanta sorte.

Kenneth suspeitava que teria que esperar muito tempo antes de voltar a ver Mary de Mar. A trégua seguia, mas a guerra ainda não havia terminado. Continuavam havendo escaramuças isoladas, especialmente ao longo da fronteira. Além disso, a trégua não duraria para sempre. Devia ter acabado em novembro, mas já havia sido prorrogada em duas ocasiões: primeiro, até janeiro e agora, até março.

Ewen Lamont e Eoin MacLean partiriam, em breve, para a fronteira para ajudar Boyd e Seton a pressionar as linhas do rei Edwrd, pressão com a qual esperavam conseguir uma trégua permanente. Entretanto, Kenneth estava convencido que teria que ficar em Lorn com o Campbell, MacGregor, MacKay e Helen – ainda não podia acreditar que o MacKay havia concordado que ela fizesse as vezes de médica da Guarda – enquanto MacSorley, MacRuairi, e MacLeod vigiavam toda a zona oeste. Além de manter as rotas de comércio abertas, a maior ameaça, agora, vinha da costa oeste. John de Lorn, herdeiro do Clã MacDougall, voltou a ficar ativo.

Mary de Mar teria que esperar.

Ao ver que nem ele nem o MacKay pareciam dispostos a responder, o rei decidiu não insistir.

"Sua irmã mencionou que é amigo íntimo do Henry Percy. Isso é verdade?"

A pergunta pegou o Kenneth de surpresa. Sentiu que seu corpo enrijecia e tentou não se colocar na defensiva, como acontecia cada vez que alguém mencionava sua recente troca de lado. Um ano antes estava lutando contra o Bruce, como mais um entre as fileiras inglesas.

"Era", disse ele com cuidado. "Mas essa amizade morreu quando lhe jurei lealdade, senhor."

Bruce deve ter se dado conta da estranheza da pergunta.

"Ninguém questiona sua lealdade. Só me pergunto se você acha que é possível reatar a amizade com o Percy."

Kenneth franziu a testa e se perguntou onde o Bruce queria chegar.

"Duvido que apreciasse muito o que sem dúvida, para ele, foi uma deserção em toda regra. Como um bom inglês, Percy é um homem orgulhoso e arrogante, incapaz de perdoar quando acredita ter recebido uma afronta pessoal." A deles, sem dúvida, havia sido uma amizade baseada na mútua admiração das habilidades de cada um no campo de batalha. "Nas circunstâncias certas, sim, acho que poderíamos ser amigos novamente." Um sorriso irônico levantou um canto da sua boca. "Mas, permita-me que o advirta, senhor. Se espera encontrar um ombro amigo no Percy, lutará uma guerra que não pode ganhar. Ele é inglês até o osso e, embora ele e o Edward não estejam de acordo sobre a questão de Galveston, ele é leal à coroa inglesa." Suas terras e fortuna dependiam disso.

Bruce sorriu. "Não estava pensando na lealdade dele, mas sim, na sua." Kenneth ficou tenso novamente, mas o rei menosprezou o assunto com um aceno da mão. "Uma mudança temporária, isso é tudo. Quero que você vá para a Inglaterra, renove sua amizade com o Percy e faça o que estiver ao seu alcance para descobrir os planos do Edward. Não é a primeira vez que o Percy faz campanha na Escócia; Edward confiará na sua experiência."

"Então, acredita que a guerra está chegando, finalmente? Não haverá mais atrasos por conta dos problemas com seus Barões?"

Bruce respondeu que não com a cabeça.

"Creio que a eleição dos senhores ordenantes obrigará o Edward a concentrar toda sua atenção no norte. Irá à guerra com a Escócia para evitar a supervisão dos seus Barões." Em grande parte, por culpa do problema com Gaveston, o rei Edward havia sido forçado a reformar a casa real e a nomear ordenantes que se encarregariam de supervisionar o processo. "Sim, a guerra está próxima", disse Bruce. "Este será nosso primeiro grande teste contra os ingleses desde Loudoun Hill, há mais de dois anos e meio, e pretendo que estejamos preparados. Supomos que eles vão usar o Castelo de Edimburgo como base, mas vamos ver se você é capaz de averiguar mais alguma coisa. Queremos saber aonde ele vai, para cairmos sobre ele com a força de um martelo."

Kenneth não questionava a importância da missão, apenas o seu papel nela. Nunca tinha espionado antes, e, francamente, não acreditava que fingir fosse o seu forte. Ele era um Highlander, mas também era um cavaleiro. MacRuairi já o havia advertido que, se quisesse lutar com os Guardiões das Terras Altas, teria que sujar as mãos, e Kenneth suspeitava que aquela seria sua primeira prova. O que não havia imaginado era que teria que trabalhar sozinho. Jamais conseguiria romper o vínculo forte que unia os seus companheiros, lá da Inglaterra.

Uma parte dele não deixava de imaginar se existia outra razão para que o Bruce tivesse escolhido ele. Talvez fosse uma prova de outro tipo. E se ainda seguiam duvidando da sua lealdade?

Notou o sabor amargo da bile subindo por sua garganta, mas conseguiu dominá-lo.

"Eles vão suspeitar de mim", disse finalmente. Teria sorte se os ingleses não o prendessem na masmorra mais próxima.

"A princípio, pode ser que sim", o rei concordou, "mas seu passado deve funcionar ao seu favor. Sua mudança de lealdade é muito recente e fruto das circunstâncias."

Kenneth apertou os lábios. Queria afirmar o contrário, mas sabia que o Bruce falava a verdade.

"No começo, talvez."

"Isso é o que eles não sabem", MacLeod apontou.

"Você não é conhecido, exatamente, pelo seu temperamento equilibrado", acrescentou MacKay. "Esse temperamento quente pode trabalhar a nosso favor. Um desentendimento com o seu irmão, o conde, bastará para tirar o Bruce da equação."

Kenneth mordeu a língua e tentou manter a calma. Teria gostado de esclarecer que ter um temperamento explosivo não equivalia a ser desleal, mas em vez disso, se dirigiu novamente ao rei.

"Percy suspeitará."

"Bem", respondeu o rei, "nesse caso, você só vai ter que provar isso a ele."

Qualquer relutância que podia ter sentido se desvaneceu no instante em que ouviu o plano do Bruce, que não era isento de perigo, mas que deveria servir para provar sua "lealdade".

Se pudesse escolher, seguramente não teria eleito a Inglaterra como destino da sua primeira missão, ainda que tivesse que reconhecer que tinha um lado bom. Lady Mary estava na Inglaterra. Quem sabe, tivesse a oportunidade de reavivar sua “amizade” e se vingar dela antes do esperado.


Capítulo Onze

Uma semana depois, 02 de fevereiro de 1310

Castelo de Berwick, Berwick-upon-Tweed, Northumberland, Inglaterra


Kenneth não imaginava quão útil ia resultar o treinamento com os Guardiões das Terras Altas e que, comparado com as “comodidades” da Ilha de Skye, o calabouço úmido e sombrio do Castelo Berwick parecia uma pousada de primeira categoria. Na verdade, quando conseguiu se acostumar ao cheiro intenso de urina e dos excrementos do antigo inquilino, conseguiu, inclusive, conciliar o sono.

A primeira parte do plano não tinha ido tão bem quanto ele esperava. Sua chegada havia causado um rebuliço importante; até ali, tudo normal. O que não imaginava era que a primeira pessoa que veria seria Sir John Felton. Encontrar-se cara a cara com o campeão do Percy foi, no mínimo, um golpe de azar.

Desde o primeiro momento haviam saltado fagulhas entre os dois cavaleiros. Felton não gostava da amizade que havia surgido entre Percy e o Kenneth. Tampouco havia aceitado muito bem que um dia, Kenneth esteve a ponto de derrotá-lo com a espada no campo de treinamento, um episódio que ele interpretava como uma ameaça ao seu status de favorito do Percy.

Ao se inteirar que o Kenneth pretendia mudar de lado, outra vez, Felton mandou encarcerá-lo na pior cela de todo o calabouço enquanto localizava o seu senhor, tarefa para a qual necessitou de toda a noite, talvez por não ter buscado com demasiado afinco.

A recepção do Percy tampouco foi muito melhor, ainda que seu antigo amigo não tardou a se abrandar quando escutou o que o Kenneth tinha a dizer. Apenas piscou enquanto lhe explicava que, ultimamente, seu irmão e ele haviam se distanciado por causa de uma discussão um tanto acalorada sobre a tentativa de assassinato do Bruce pelas mãos de um dos seus partidários – por quem Kenneth fingiu ter simpatia. Trocar de lado durante a guerra era algo muito comum, especialmente se o conflito se estendia no tempo; as manobras do Kenneth para reclamar os títulos do seu irmão se o Bruce fosse derrotado eram, certamente, oportunistas, o que as tornava mais críveis. Além disso, tinha consciência de que sua fama de homem temperamental – maldito fosse o MacKay por dizer isso – contribuía para a veracidade da sua história.

Talvez devesse ficar ofendido com a facilidade com que acreditaram nele – todos menos Felton, que não tardou a sair, amaldiçoando entre os dentes – mas ao mesmo tempo se alegrava que sua passagem pelas masmorras do castelo tivesse sido tão breve.

Seus novos companheiros não acudiriam ao resgate, ao menos por enquanto. Aquela era a oportunidade perfeita para demonstrar seu valor. Convenceria os ingleses da sua lealdade traindo o Bruce, ou ao menos, era isso que pareceria.

Observou os rostos que tinha ao redor, muito mais amigáveis do que os que havia visto até então. Agora que o Felton havia partido, só estavam Percy, alguns cavaleiros da sua confiança e Sir Adam Gordon.

Kenneth havia tido uma grata surpresa ao ver o velho guerreiro entre os homens do barão. Sir Adam era tio do William Gordon e o chefe da sua família. Havia se portado muito bem com ele, quando Kenneth não era mais do que um rapazote. No dia em que o William decidiu lutar pelo Bruce, ambos compartilharam a decepção pela decisão do seu amigo e sobrinho.

O velho cavaleiro havia cuidado do Kenneth enquanto este lutava pelos ingleses, sussurrando nos ouvidos adequados para providenciar uma carreira brilhante para ele no exército do Rei Edward. Se havia alguém a quem não queria trair, inclusive menos do que o Percy, esse era Sir Adam.

"Partiremos ao amanhecer", Percy anunciou. "Assim teremos tempo suficiente para chegar no bosque de Ettrick e interceptar as carroças de suprimentos antes do sol se pôr. Está seguro que o ataque terá lugar amanhã à noite?

Apesar dos principais castelos escoceses na fronteira seguirem sob o poder das guarnições inglesas – Edimburgo, Sterling, Bothwell, Roxburgh, e Perth entre outros – provou ser um desafio mantê-los provisionados, sobretudo aqueles que não tinham acesso por mar. Os ingleses controlavam as fortalezas, mas Bruce controlava o território e as caravanas de provisões eram atacadas, frequentemente, por grupos de “rebeldes”. Conhecer com antecedência os planos de alguns desses grupos seria uma tentação difícil de resistir; além disso, se somasse o exército fantasma do Bruce, toda precaução resultava impossível.

Kenneth não ficou surpreso com o fato do Percy decidir ir pessoalmente. A possibilidade de capturar algum membro do exército secreto do Bruce era uma tentação que nenhum inglês ambicioso e com pretensões de grandeza podia resistir. A recompensa do Rei seria considerável, certamente, mas ser reconhecido como o responsável pela captura do grupo fantasma mais famoso das Ilhas o converteria em uma lenda.

"Os homens do Bruce só atacam à noite e em áreas isoladas", respondeu Kenneth, assentindo com a cabeça. "Este pedaço do bosque bem antes do desvio à leste até Roxburgh", assinalou um ponto no mapa, perto do rio Aln e da pequena aldeia de Ashkirk, "foi escolhido exatamente por isso."

"Táticas de dissimulados", disse Percy sem ocultar o desprezo.

"Exato", concordou. "As táticas piratas do Bruce são úteis para capturar carroças de provisões, mas demonstram que não estão preparados para enfrentar o exército do Edward no campo de batalha, como autênticos cavaleiros.

O iminente estouro da guerra era outra das razões que Kenneth havia utilizado para justificar a troca de lado. Sem nenhuma dúvida, ele compreendia o que aqueles homens eram incapazes de ver: que Bruce não tinha a menor intenção de enfrentar Edward em terra firme até que estivesse preparado para isso.

Percy se levantou e o observou detidamente.

"Espero que esteja certo, porque como os enganou, a sorte deixará de lhes sorrir. Agora, se me desculpa, tenho um banquete a participar e um atraso para explicar ao Gaves-" De repente, ficou em silêncio e, em seguida, se corrigiu. "Cornwall. Pode ser que ele também tenha algumas perguntas para você. Depois que trocar a roupa, é claro." Olhou para o Kenneth de cima a baixo e estremeceu. "Parece que o Felton pecou por excesso de zelo ao recebê-lo. Deveria ter me informado o quanto antes da sua chegada."

Kenneth agradeceu as desculpas veladas inclinando levemente a cabeça.

"Trouxe alguns homens com você?" Quis saber Percy.

"Só alguns serviçais", respondeu ele. "Não me atrevi a partir com mais. Estão me esperando no bosque." Franziu os lábios. "Não tinha certeza da recepção que me esperava."

Percy sorriu pela primeira vez. "Vossa cautela é completamente compreensível diante das circunstâncias."

"Enviarei alguns dos meus homens para que os escoltem até o castelo", disse Sir Adam. "Sutherland pode se instalar comigo no meu quarto."

Sob vigilância. Nem Percy, nem Sir Adam haviam sido tão explícitos, mas Kenneth sabia ler as entrelinhas e tampouco se surpreendeu. O vigiariam de perto, ao menos, durante uma temporada.

Dois homens do Sir Adam escoltaram o Kenneth até a Torre principal onde pôde tomar um banho de água quente, enquanto o serviço do castelo se ocupava do seu cavalo e dos poucos pertences que havia trazido consigo. Trocou a cota de malha por uma túnica e a entregou a um dos seus homens para que se ocupasse de limpá-la enquanto era escoltado até o Grande Salão, onde o conde de Cornwall esperava, ansioso, para fazer várias perguntas para ele.

Estava há quase vinte e quatro horas sem comer, mas o serviço do salão já havia retirado as mesas e as cadeiras para o baile. Ainda assim, conseguiu arrebatar alguns pedaços de queijo que uma das serviçais levava em uma bandeja.

A música já havia começado e os mais entusiasmados haviam formado um círculo no centro da pista. Kenneth mal prestou atenção aos dançarinos enquanto abria caminho na multidão até a plataforma que se elevava no fundo do salão.

Sir Adam se inclinou para o homem que se sentava ao seu lado e murmurou algo em seu ouvido. Apesar de ser a primeira que o via pessoalmente, Kenneth supôs que se tratava do favorito do rei. Seu aspecto era inconfundível: rosto fino e delicado, um manto de arminho e uma corrente de ouro no pescoço com a maior safira que já tinha visto em sua vida. Demônios, quase parecia o próprio rei em pessoa.

O conde franziu a testa e observou o Kenneth com interesse enquanto este, depois de receber um gesto de consentimento do Sir Adam, se aproximou da plataforma.

"Sutherland", disse o Conde. "Ouvi dizer que você trocou de lado, novamente."

"Sim, meu senhor."

O olhar daquele homem era muito mais intenso do que havia imaginado. Por mais ódio que inspirasse, Kenneth se deu conta que Piers Gaveston era um homem que convinha não se perder de vista, já que para chegar tão longe, não podia ser um tolo, ao menos, não completamente.

"Gostarei de escutar seu relato depois do banquete."

Com estas palavras deu por encerrada a breve entrevista, momento no qual Kenneth e Sir Adam aproveitaram para se retirar.

Tinham acabado de descer da plataforma quando Kenneth sentiu um formigamento na nuca e, com o rabo do olho, avistou o brilho de uma cabeleira dourada flutuando em uma nuvem de seda vaporosa.

Um calafrio percorreu sua espinha. Se deteve bruscamente e sentiu que todas as terminações nervosas do seu corpo ganhavam vida ao mesmo tempo.

Virou a cabeça e dirigiu o olhar para a mulher que tanto chamou sua atenção. Estava de costas para ele e, ao menos objetivamente, não havia nada nela que fosse familiar. Para começar, estava rindo. E dançando. Levava o cabelo solto sobre os ombros para que todo mundo pudesse admirá-lo, não oculto sob um véu horroroso. Tampouco estava magérrima como um passarinho desnutrido cujo voo podia se interceptar com um simples sopro, mas mostrava um aspecto saudável com curvas delicadas e suaves… suaves, não, bem mais generosas, Kenneth se corrigiu, incapaz de desviar o olhar do seu traseiro.

Estava tão diferente que parecia impossível que a houvesse reconhecido.

E, sem dúvida, o fez.

Só percebeu a presença do seu acompanhante quando viu uma mão apoiada na cintura dela. A mão do homem que a havia feito sorrir.

Kenneth sentiu que todos os músculos do seu corpo – alguns que nem sequer sabia que existiam – enrijeceram em uníssono.

Felton. Que diabos ela estava fazendo com o Felton?

Imediatamente, franziu o cenho ao compreender que ela era a razão pelo qual o Felton havia abandonado a reunião antes do tempo.

"Está tudo bem?" Sir Adam perguntou.

Kenneth abriu os punhos lentamente – nem sequer havia se dado conta que os havia cerrado – e respondeu que não com a cabeça, incapaz de pronunciar uma única palavra que não estivesse impregnada pelo veneno que corria por suas veias.

A dança terminou e Felton a acompanhou até o exterior da pista, bem na direção deles. Estavam a poucos passos de distância, quando Mary levantou a cabeça.

Kenneth sentiu que ficava sem respiração, como se houvessem aplicado um golpe demolidor no seu peito. A beleza que havia acreditado vislumbrar debaixo da aparência de freira podia ser admirada, agora, em todo o seu esplendor. Os traços do seu rosto estavam mais suaves, menos angulosos, a pele, de um marfim imaculado, desprendia um brilho luminoso ligeiramente rosado na área das bochechas por causa da dança. Seus olhos eram de um azul intenso e seus lábios vermelhos e sorridentes. Inclusive, tinha uma pequena covinha à esquerda da boca.

As feições do Kenneth, ao contrário, eram duras.

A princípio, Mary só viu o Sir Adam, mas, como havia ocorrido com o Kenneth, foi como se tivesse notado sua presença imediatamente e seus olhos pousaram sobre os dele.

Kenneth teve a satisfação de ver quando a Mary arregalou os olhos e o rubor que coloria suas bochechas por causa da dança com o Felton, desapareceu completamente do seu rosto.

Os olhos de ambos se encontraram e todas as emoções que havia sentido naquela manhã há quase cinco meses, a ira que o havia levado a perder o controle e cair derrotado diante do MacKay, regressou com a violência de uma avalanche. Olhou para ela como o caçador que se encontra cara a cara com a presa que levou meses perseguindo. Melhor ainda, a presa que fugiu bem debaixo do seu nariz.

Mas, agora, seria sua.

"Lady Mary", Kenneth a saudou com um sorriso zombeteiro nos lábios. "Parece que nos encontramos novamente."

E, pelo tom da sua voz, ficou bem claro que, dessa vez, não teria escapatória.

*


Mary passou o dia todo com uma sensação estranha, como se algo distinto pairasse no ambiente. Havia chegado a Berwick na noite anterior, mas, desde então, só havia visto um homem. Sir John havia se atrasado para acompanhá-la até o banquete que celebrava a festa da Purificação da Santa Virgem Maria. Sir Adam havia chegado mais tarde ainda, acompanhado por Lorde Percy e havia lhe endereçado um sorriso de desculpas enquanto ocupava seu lugar ao lado do Gaveston, ou melhor dizendo, o Conde de Cornwall.

O Conde era conhecido por ser extremamente sensível com qualquer falta de consideração ao seu cargo ou à sua pessoa. Algo tão delicado como chamá-lo de Gaveston em vez de conde de Cornwall podia significar cair em desgraça imediatamente. Entretanto, quando não estava presente, muitos nobres se negavam a usar o título que desde sempre havia sido reservado unicamente aos membros da família real. Quanto mais títulos e riquezas recebia por parte do Edward por sua condição de favorito, mais os Barões o odiavam.

Embora Lorde Percy tivesse respondido ao chamado do rei – um dos poucos barões ingleses que o tinha feito – sua inimizade com Saint Peters era pública e notória. Ainda assim, haviam passado boa parte da refeição conversando animadamente.

Algo havia chamado a atenção deles. Mary se perguntou do que se tratava.

A pergunta havia acabado de se formular na sua cabeça quando, de repente, sentiu um formigamento na nuca, a típica sensação de se sentir observada, como um rato sob o olhar atento do falcão que está prestes a atacá-lo.

Dirigiu o olhar para o ponto de onde vinha aquela estranha pressão e estacou, petrificada. O coração deu uma volta no peito. Os joelhos ameaçaram dobrar sob o peso do seu corpo.

Não podia ser, entretanto …

Santo Deus, era ele. Sir Kenneth Sutherland em toda sua perfeita e agressiva masculinidade. Parecia que estava ainda mais bonito desde a última vez que o viu, e isso porque recordava absolutamente tudo daquela noite. Seus olhos azuis estavam com um tom mais escuro, a mandíbula mais angulosa e desafiante, o rosto mais fino e com alguns arranhões novos, os ombros mais largos e os braços ainda mais musculosos. Mary havia esquecido de como se sentia ao tê-lo tão próximo, tão alto e atraente como era.

Mas, acima de tudo, havia esquecido da sensação de ser capturada pelo olhar magnético. Capturada. Assim, era exatamente como se sentia.

"O que você faz aqui?" Exclamou Mary, temendo que Kenneth tivesse descoberto a verdade.

Era impossível, disse a si mesma. Não podia ter descoberto, de nenhuma maneira.

"Você o conhece?"

A pergunta do Sir John a despertou do transe em que havia entrado, no meio do caminho entre o pânico e o medo.

Ele não parecia satisfeito.

De repente, Mary compreendeu o verdadeiro significado da pergunta e olhou para Sir Kenneth em silêncio, aterrorizada, sem saber muito bem o que responder. Será que o havia delatado com sua atitude? Sabiam que estava do lado do Bruce? Ao que parece, não era nenhum segredo.

"Sim", respondeu Sir Kenneth. "Nos conhecemos na Escócia, no outono passado, durante os Jogos dos Highlanders."

Pela forma com a qual se encaravam, saltava à vista que aqueles homens não sentiam simpatia alguma um pelo outro.

"Sim, foi isso mesmo", concordou Mary, como se a pergunta não carecesse de maior importância. "Quase havia esquecido."

Pegou a faísca nos olhos do Sir Kenneth, prova de que havia compreendido as implicações da sua resposta.

"É claro", disse Sir John, e lhe deu um sorriso meio indulgente e com um exacerbado sentimento de posse. "Você assistiu a competição durante a missão de paz do rei Edward. Suponho que conheceu vários dos rebeldes." Adicionou, com gesto evidente de desprezo no rosto.

Graças a Deus, Sir Adam finalmente se apiedou da confusão da Mary.

"O jovem Sutherland declarou sua lealdade para Edward."

Mary buscou os olhos de Sir Kenneth, incapaz de dissimular a surpresa.

"Você fez isso?"

Um músculo se contraiu na mandíbula do cavaleiro, como se houvesse detectado sua reprovação. "Sim."

"Quando?"

"Ontem à noite", interveio Sir John, não sem um certo sarcasmo. "Podemos nos considerar afortunados de tê-lo novamente em nossas fileiras."

A julgar pelas linhas finas que apareceram ao redor da sua boca e o pelo brilho selvagem em seu olhar, era evidente que Kenneth havia tomado as palavras do Sir John pelo que eram: um desplante. Ainda assim, preferiu não se defender, algo que resultava, no mínimo, surpreendente, sobretudo, levando-se em conta o que a Mary sabia sobre ele. Sir Kenneth não parecia ser o tipo de pessoa que deixava passar uma afronta, muito pelo contrário.

Apesar das trocas de lado serem bastante habituais, Mary não pôde evitar de se sentir decepcionada ao saber que Kenneth havia abandonado o exército do Bruce. Durante os últimos meses, vez ou outra, havia se perguntado se, talvez, tinha se equivocado sobre ele, mas aquela mostra de lealdade – ou, nesse caso, deslealdade – parecia a prova definitiva de que não o havia feito.

Queria lhe perguntar o porquê, mas não se atreveu a prolongar a conversa que já tinha ido longe demais.

"Muito afortunados, sim", assentiu, fingindo que o assunto não lhe importava nem um pouco e, em seguida, dirigindo-se ao Sir Adam, adicionou: "Estou um pouco cansada. Acho que vou voltar para os meus aposentos."

"Eu a acomp-"

Sir John começou, mas ela o interrompeu. A última coisa que precisava nesse momento era de um pretendente insistente.

"Não será necessário. Lady Eleanor e Lady Katherine estão esperando por mim. Eu os verei amanhã de manhã."

"Infelizmente, parece que teremos que adiar o passeio a cavalo que prometi", Sir John disse.

"Oh!" Mary não conseguiu esconder por completo sua decepção. Sir John havia prometido que sairiam para um passeio no dia seguinte e que Davey podia ir com eles. A última parte, claro, preferiu ocultar, como se houvesse percebido algo raro entre ela e o Sir Kenneth.

Mas não havia nada entre eles. Não podia haver.

"Surgiu algo", explicou Sir John. "Vou ficar fora um dia ou dois, mas prometo que, quando regressar, faremos esse passeio."

Mary não precisou olhar para Sir Kenneth para perceber sua tensão; podia notar a ira que emanava do seu corpo em ondas intensas e poderosas. Começava a se sentir como o osso que dois cachorros disputavam, e já havia suportado incômodo suficiente. Nenhum dos dois tinha direito nenhum sobre ela.

Entretanto, uma voz no fundo da sua cabeça lhe recordou que isso não era totalmente certo. E quanto mais tempo permanecesse ali, maior era o risco do Kenneth descobrir a verdade. Tinha que partir o quanto antes, mas, aonde podia ir? E o que aconteceria com o Davey? Justo agora, quando começavam a conhecer um ao outro, novamente.

Imediatamente, sentiu que o mundo desmoronava ao seu redor, mas conseguiu se controlar e, em vez de sair correndo, se afastou lentamente. Havia dado poucos passos quando a voz do Sir Kenneth a envolveu com seu timbre sedutor.

"Lady Mary."

Voltou a cabeça com cautela e o olhou por cima do ombro.

Kenneth sorriu. Um sorriso que se enredou no seu peito até se alojar na parte baixa do seu ventre.

"Espero que possamos retomar nossa relação."

Mary sentiu que ficava sem respiração, mas conseguiu conter uma exclamação de surpresa no último momento. Com um pouco de sorte, seu rosto não mostraria o pânico que a dominava por dentro. Assentiu, como se não houvesse sido mais que um comentário cortês, inócuo e inocente como parecia.

Mas não foi um gesto cortês, muito menos inócuo. Mary sabia, perfeitamente, o que ele queria dizer, na verdade. Atravessou as portas do Grande Salão e começou a correr com todas as suas forças. Somente um pouco mais tarde, quando por fim pôde se resguardar na segurança dos seus aposentos, se deu conta que havia esquecido das suas damas de companhia.

Capítulo Doze

Quando, por fim, chegaram à área do bosque real de Ettrick onde, segundo suas informações, poderiam "surpreender" os homens do Bruce que, escondidos no bosque, esperavam para atacar as carroças com os suprimentos para Carslile, Keneth já havia perdido a paciência há muito tempo. Felton passou todo o caminho desde o castelo de Berwick pedindo por uma briga aos gritos, e aproveitando cada oportunidade que surgia para insultá-lo, desacreditá-lo e discutir até o último detalhe da missão.

Devia estar mais do que acostumado. Afinal, já havia ouvido coisas piores da boca do MacKay. Além disso, depois de sofrer, durante meses, a perseguição do resto da Guarda dos Highlanders, devia ter aprendido a controlar seu temperamento e, no lugar do sangue, ter gelo nas veias.

E assim foi. Exceto, aparentemente, em relação a uma questão muito específica. Cada vez que o Felton mencionava a Mary, algo que acontecia praticamente toda vez que ele abria a boca, Kenneth sentia que, de alguma forma, perdia o controle. Tinha os ombros tão tensos que começava a sentir fortes câimbras.

Se tudo o que o Felton dizia era certo, Mary e ele estavam quase comprometidos. E, se a sua relação com o jovem Conde indicava alguma coisa, provavelmente, era verdade.

David Strathbogie, Conde de Atholl, fazia parte da expedição na qualidade de escudeiro do Percy. Ao amanhecer, quando o grupo havia se reunido no pátio das armas pronto para partir, Kenneth reparou na presença do jovem filho da Lady Mary e havia mostrado suas reservas.

"É muito perigoso para o rapaz", disse ao Percy. "Se algo der errado, vai ser um prisioneiro muito valioso nas mãos dos homens do Bruce."

E era verdade. Deus, como o Bruce gostaria de pôr as mãos no jovem conde de Atholl. Então, por que estava tentando evitar isso?

Percy parecia prestes a concordar quando o Felton interveio na conversa.

"Se o Sutherland disse a verdade, o perigo deve ser mínimo." Sua voz não deixou dúvida acerca da sua opinião sobre o assunto. "Se não disse, me ocuparei de vigiar o rapaz. Não acontecerá nada a ele sob a minha supervisão. Vai ficar na retaguarda, protegido e afastado de qualquer perigo. Além do mais, o garoto está pronto para entrar em ação, além do pátio de treinamento, não é verdade, David?"

O jovem conde, com sua pose solene e os belos olhos azuis esverdeados da sua mãe, parecia indeciso, mas ao ouvir as palavras do Felton, se animou.

"Sim, meu senhor", disse ao Percy e, em seguida, lançou um olhar hostil para o Kenneth. "Estou pronto e gostaria de estar presente quando capturar os fantasmas do usurpador."

O rapaz falava como se fosse inglês, tanto que parecia impossível que seu pai houvesse morrido, precisamente, por aquele "usurpador".

Kenneth não havia chegado a conhecer o conde anterior de Atholl, mas, assim como falavam do Bruce e dos membros da sua Guarda, o ex-marido da Lady Mary era um patriota convencido, um cavaleiro valente e um guerreiro temível. Um herói com pleno direito, pensou Kenneth, sem saber muito bem por que a ideia o desagradava tanto.

De qualquer maneira, as recomendações do Felton e o entusiasmo do rapaz haviam bastado para convencer o Percy.

"Será uma ótima experiência para ele. Eu mesmo tinha sua idade quando servi como escudeiro na minha primeira batalha. Assegure-se de não o perder de vista, Felton."

Felton assentiu e deu um olhar de relance para o Kenneth, vitorioso.

Era com o David que Felton estava falando sobre a Lady Mary durante todo o caminho, ainda que Kenneth soubesse que o verdadeiro destinatário das suas palavras era ele, e não o rapaz. Felton estava proclamando suas intenções em voz alta e o jovem conde parecia encantado com a ideia de uma união entre sua mãe e o laureado cavaleiro.

Kenneth, entretanto, não conseguia evitar que o sangue fervesse em alguns momentos. Fazia tanto tempo que estava apertando os dentes, que a sua mandíbula tinha começado a doer. Se não se conhecesse tão bem, pensaria que estava com ciúmes.

Por uma mulher! Que ridículo! Ele, que podia escolher a mulher que quisesse; não tinha que se preocupar só com uma, ainda que essa fizesse seu sangue só de estar próxima a ele.

Devia se alegrar com as mudanças na sua aparência, desde a última vez que a havia visto. Ao menos, agora compreendia por que havia se sentido tão atraído por ela. Entretanto, não estava conformado. Queria que voltasse a ser como antes, quando era o único que sabia da paixão que se escondia por trás daquela fachada insossa.

Imediatamente, recordou a sua curva do seu traseiro enquanto dançava com o Felton. Bem, talvez, não precisaria renunciar a todas as mudanças. As curvas podiam ficar.

E não estava com ciúmes. A única razão pela qual as provocações do Felton lhe afetavam tanto, era que pretendia dar uma lição na Mary e não queria que nada ficasse no seu caminho.

Não havia esquecido a maneira como o abandonou à própria sorte aquela noite, e que isso havia custado uma derrota decisiva frente ao MacKay. Ainda lhe doía a maneira como foi rechaçado, tanto em Dunstaffnage, como no dia anterior.

"Eu tinha quase esquecido."

Para um homem com seu instinto para a guerra, aquelas palavras eram como uma luva jogada na sua cara, um desafio que não podia ignorar. E esta batalha, não tinha intenção de perder. Estava acostumado a restringir os enfrentamentos unicamente ao pátio de armas e ao campo de batalha, e precisamente por isso lhe surpreendia a gana que tinha de solucionar aquela questão o quanto antes.

Se asseguraria que a Mary pagasse por todos os problemas que havia lhe causado, primeiro usando seu corpo e logo depois, fazendo o mesmo com o seu coração. Quando acabasse com ela, Mary o fitaria como se estivesse na presença de um semideus. Observou de relance os cavaleiros que o seguiam e sua boca se torceu em um gesto de desgosto. Mais ou menos como o jovem conde de Atholl olhava para o Felton.

"Quanto falta?" Felton o provocou, aproximando-se da sua montaria. "Logo vai anoitecer e, se este ataque do qual você falou é real, deveríamos começar a nos colocar em posição. Se isso for algum tipo de truque, me assegurarei de que o pendurem…"

"Relaxe", Kenneth o interrompeu, como se tentasse acalmar uma criança ansiosa. "Estamos quase lá. Se for um truque, saberá logo."

Felton ficou vermelho como um tomate.

"Supõe que isso deveria me convencer?"

Kenneth o fulminou com o olhar, mostrando-lhe parte da ira que havia acumulado dentro de si.

"Não estou tentando convencê-lo de nada. E mais, não dou a mínima para o que você pensa, Felton. Deus, estou cansado de ouvir você dizer o que faria ou o que deixaria de fazer se algum dia se encontrasse cara a cara com um dos fantasmas do Bruce. Bem, hoje é esse dia. E se o preocupa uma guarnição média não ser suficiente para derrotar um punhado de rebeldes…"

Felton, sempre tão comedido, estava a ponto de perder o controle.

"Eu não estou preocupado, maldição."

"Bom", disse Kenneth e, ignorando o cavaleiro furioso, se virou para o Percy. "A passagem que mencionei está logo à frente. Será melhor esconder os seus homens, antes que os do Bruce cheguem, no caso de terem enviado um observador para vigiar a caravana de suprimentos."

O plano do Percy consistia em se esconder a pouca distância do ponto em que os homens do Bruce planejavam lançar seu ataque "surpresa". As carroças e os homens armados de Carlisle procederiam como o previsto, mas quando os homens do Bruce atacassem, os soldados estariam preparados para repelir o ataque. Com a batalha em plena ebulição, Percy e seus homens rodeariam o grupo, capturando-os em uma rede impenetrável.

Ainda que "impenetrável", seguramente, não bastava para deter a Guarda dos Highlanders.

O número do efetivo que o Percy levava consigo poderia chegar a ser preocupante – não queria arriscar que os famosos guerreiros fantasmas escapassem das suas mãos, de modo que havia escolhido cinquenta dos seus melhores homens, que iam reforçar os efetivos de Carslile, que escoltavam a caravana – mas Kenneth havia visto a Guarda em ação e sabia do que eram capazes. Acreditava que nem cem homens bastariam para contê-los. Além disso, Assalto – Eoin MacLean – havia planejado o “ataque" com uma segunda rota de fuga, se fosse necessário.

Percy se virou para o Felton. "Seus homens estão prontos? Estou contando com eles para impedir que abram passo entre as nossas fileiras. Não me importo com o que tenha que fazer para evitá-lo, mas não podem escapar!"

Felton parecia alheio às preocupações do seu senhor.

"Se o Sutherland disse a verdade, meus homens estarão preparados. O ponto que escolheram no caminho, lhes deixa pouco espaço para manobras." Se ajoelhou para desenhar um mapa rudimentar no chão. "Este lado do bosque é muito denso e há um declive muito acentuado, e do outro, há o rio Aln. Vamos cercá-los em todas as direções uma vez que eles lançarem o ataque. Se os soldados que protegem a caravana forem capazes de segurá-los enquanto entramos em posição, então não tardarão em cair nas nossas redes."

Percy observou o mapa detidamente, estudando cada possível rota de fuga. O penhasco era uma delas, ainda que não tardasse a descartá-lo. Quem se atreveria a saltar mais de seis metros no escuro, em um rio tão estreito como o Aln?

"Bom", disse finalmente, com um breve aceno da cabeça.

Enquanto Percy se afastava na direção da cabeceira do grupo, Kenneth se virou para o Felton.

"Não se esqueça do rapaz", disse a ele, indicando o jovem Conde de Atholl. "Não acho que a mãe dele ficaria muito contente com você se permitisse que o capturassem."

Embora houvesse pouca luz natural, Kenneth percebeu que o Felton havia ficado vermelho de raiva.

"O menino não é problema seu, e tampouco é a mãe dele."

Era uma advertência clara. Kenneth devia ter sido mais inteligente que ele e ter se afastado dali, mas levara horas demais suportando todo tipo de comentário sobre a Mary, e não conseguiu se conter.

"Está seguro disso?" Perguntou, com um sorriso nos lábios.

Felton cerrou os punhos e, por um momento, Kenneth pensou que ia atacá-lo. Tomara que o fizesse, inferno! Entretanto, se limitou a encará-lo antes de devolver seu sorriso.

"Não seria a primeira vez que competimos por alguma coisa e, como todas as outras vezes, tenho certeza que o resultado seria o mesmo."

Por fora, Kenneth não mostrou reação alguma às provocações do Felton, mas por dentro, as coisas eram muito diferentes. Nada lhe daria mais satisfação do que poder mostrar a ele quão equivocado estava, mas Bruce o havia advertido que mantivesse um perfil baixo, que não atraísse atenção para si mesmo, nem para as suas habilidades. Derrotar o campeão do Percy não ajudaria nada em seus propósitos.

Prontamente, sentiu uma repentina simpatia pelo MacKay, que havia passado o último ano suportando estoicamente os seus ataques.

Tudo o que podia fazer era cerrar os dentes, mais uma vez. "Prepare-se."

*


Não tiveram que esperar muito tempo. Seus companheiros da Guarda dos Highlanders – ou, ao menos, a maioria deles; MacLeod, MacRuairi e MacSorley haviam permanecido com o rei – chegaram uma hora depois do sol se pôr, para ocupar suas posições. Campbell e MacGregor haviam passado a poucos metros da posição dos ingleses, fingindo uma suposta missão de reconhecimento da caravana de provisões. Kenneth estava seguro que os haviam visto, ainda que nenhum dos dois demonstrasse. Campbell era bom demais no seu trabalho e a lua lhe assegurava luz suficiente para detectar o rastro sobre o terreno, de um grupo de cinquenta homens.

Não muito tempo depois do Campbell e do MacGregor haverem passado junto a eles, ouviram o tropel dos cavalos e o barulho das carroças sendo puxadas ao longo da estrada esburacada. Felton fez um sinal a um dos soldados para avisá-lo de que estavam chegando ao lugar do ataque, mas ocultando-se para que não o vissem desde o caminho.

O ambiente foi se carregando com tensão à medida que as carroças iam desfilando à frente deles. De onde estavam, não podiam ver o ataque, só ouvi-lo.

O tempo passava lentamente. Kenneth podia ver o nervosismo no rosto dos soldados enquanto esperavam ouvir os primeiros sons da batalha. O cheiro do medo, velho conhecido de todas as contendas, se mesclava com a expectativa.

Por fim, se ouviu um grito de guerra atravessando a noite com a precisão de uma adaga e, segundos depois, o ressoar do aço como resposta. Felton saltou da sua posição junto do Percy e começou a gritar ordens a torto e à direita. Seus homens se dispersaram em todas as direções para impedir qualquer possibilidade de fuga do inimigo.

Kenneth, Percy e Felton se aproximaram lentamente, tomando cuidado para não alertar os homens do Bruce da sua presença.

Os soldados do Percy eram bons, tinha que reconhecer isso. Por serem ingleses, estavam imitando os métodos furtivos do Bruce com uma precisão assombrosa. Se aquele fosse um ataque de verdade, a Guarda dos Highlanders poderia se ver em apuros.

Mas seus companheiros sabiam o que estava por vir, e estavam preparados.

Finalmente, Kenneth e os ingleses chegaram a uma curva do caminho, de onde podiam ver a batalha. A uns trinta metros de distância de onde se encontravam, reinava o caos absoluto. Espadas, lanças, machados, martelos.... Uma sinfonia de armas que brilhavam como raios e fagulhas em uma noite estrelada. Se já não os tivesse visto antes, a visão dos “fantasmas” do Bruce também o teria impressionado. Envoltos em mantos escuros, com os rostos obscurecidos pelas sombras e protegidos por elmos e cotas de malha, os Guardiões das Terras Altas pareciam espectros, enchendo o céu noturno em seu torvelinho de morte e destruição. Mais de um homem ao seu lado olhava para eles com os olhos arregalados.

"São apenas homens" Percy lembrou a eles em voz baixa, mas suas palavras destilavam uma pitada sutil de incerteza. Então, se pôs de pé e brandiu a espada por cima da cabeça. "Pela Inglaterra!" Gritou, correndo à frente do grupo.

Kenneth foi o único que vacilou. Olhou para o lugar onde o Felton havia dito que o jovem conde esperaria, protegido por meia dúzia de soldados, cuja missão era evitar que a Guarda escapasse pelo sul.

"Lembre-se", gritou para o rapaz. "Mantenha-se afastado da ação e fique fora do caminho."

Com os olhos arregalados, impressionado pela primeira batalha que via em sua vida, David concordou.

Kenneth correu até a batalha e ocupou o flanco ao leste, de onde o Percy não deixava de gritar ordens. A Guarda dos Highlanders já havia superado a primeira linha de defesa – os soldados que protegiam a caravana – e Percy estava ordenando que a linha externa avançasse, fechando o cerco sobre o grupo.

O plano era abrir um buraco na defesa e infiltrar-se através dele antes que os ingleses pudessem ocupar suas posições. Fazia sentido. Com os homens do Percy espalhados por todo o perímetro, os oito membros da Guarda podiam derrotar facilmente os dez ou doze soldados mais próximos e desaparecer na escuridão da noite.

Mas algo estava errado. Estavam demorando demais.

Kenneth se deu conta, em seguida, que um dos membros da guarda havia sido ferido – Seton, talvez? Estava escuro demais para saber com certeza. Seu companheiro mais próximo – desta vez não teve problema em reconhecê-lo; a poderosa silhueta do Boyd era inconfundível – estava lutando com três homens do Felton, ao mesmo tempo, e não conseguia se livrar deles. MacKay tentou abrir caminho para ajudá-lo, mas Felton se deu conta do que estava sucedendo e ordenou a um punhado de homens que o detivesse.

Infelizmente, Seton – agora tinha certeza que era ele – Boyd e Mackay estavam no lado oposto dos seus companheiros e o tempo estava acabando. O círculo estava se estreitando e cada vez demoraria mais abrir passo através das fileiras.

O tempo era tudo e escapava entre os dedos deles. Kenneth estava tentando encontrar uma maneira de ajudar sem que fosse óbvio demais, mas sua própria posição, na linha exterior, ao lado do Percy, o impedia.

Foi então que as coisas começaram a ir de mal a pior. Improvisando, a Guarda decidiu abrir dois flancos, em vez de um. MacGregor, Campbell, MacLean, e Lamont abriram caminho pelo flanco noroeste e escaparam pela rota planejada através da passagem elevada. MacKay, Boyd, e Seton tomariam a rota alternativa, que corria ao longo do rio. Fazia sentido dividir o grupo em dois, esse não era o problema. A questão é que, entre os três soldados e a possível escapatória estava o jovem conde Atholl.

Com tão pouca luz, se dariam conta de que não era mais que um garoto? O jovem David era bastante alto, e com a cota de malha e o elmo…

Por todos os fogos do inferno!

"Para trás!" Kenneth gritou, mas o rapaz estava muito longe e o estrépito da batalha era alto demais para ele ouvir sua advertência.

Percebendo o perigo, Felton havia ordenado aos seus homens que retrocedessem para proteger o garoto, dificultando ainda mais a fuga da guarda e dando ao Percy o tempo que precisava "Não deixe que escapem!" Percy gritou, ordenando ao resto dos seus homens para que os rodeassem pelas costas.

MacKay, Boyd, e Seton iam abrindo caminho pouco a pouco, mas teriam que se apressar porque o grosso do exército se aproximava rapidamente. Só tinham, apenas, alguns segundos para fugir.

Um por um, foram abrindo caminho através da linha de soldados que protegia o rapaz. David tentou recuar, mas já era tarde demais. Felton estava fazendo tudo o que era possível para conter o avanço do MacKay, mas os demais não conseguiam fazer nada contra o Boyd, nem sequer contra o Seton, apesar dos seus ferimentos.

Finalmente, tiveram uma brecha. Seton e Boyd a atravessaram e se dirigiram para a beira da encosta.

"Detenha-os, Felton!" Percy gritou. "Eles estão fugindo!"

Seu campeão, o melhor entre os seus cavaleiros, era bom, mas MacKay era muito melhor. Balançou a espada com a mão direita, mas, no último instante, baixou a mão, girou sobre si mesmo e desferiu o golpe do lado contrário. Felton se virou bruscamente e acabou com a bunda no chão.

Infelizmente, Kenneth não teve tempo para desfrutar o momento. MacKay havia passado pelo Felton e corria até seus companheiros quando viu o rapaz, ainda que na realidade não soubesse que se tratava de um garoto. Pensou que era apenas mais um soldado em seu caminho.

Kenneth estava quase lá.

MacKay ergueu a espada.

"Nãoooo!" Kenneth gritou, e saltou no ar com a espada levantada para bloquear o ataque que podia acabar com a vida do David.

Seu olhar se encontrou com o gesto surpreso do MacKay, exatamente no momento em que suas espadas se chocavam na frente do rosto aterrorizado do rapaz. Infelizmente, o ângulo do ataque e o impulso desmesurado do Kenneth fez com que as armas se chocassem de frente, e a lâmina da espada de dois lados do MacKay resvalou contra a sua até acabar incrustada em seu braço.

Pela amplitude e a velocidade da dor que o atingiu, Kenneth supôs, imediatamente, que a arma do seu companheiro havia aberto caminho entre a manga da cota de malha e a manopla, atravessando o enchimento e penetrando a carne. Um corte feio, suspeitava, enquanto tentava cobrir a ferida com a mão, a julgar pela quantidade de sangue que saía.

MacKay xingou entre os dentes e emitiu uma desculpa em gaélico antes de desaparecer na escuridão da noite. Kenneth esperava ter sido o único a ouvir.

Segundos mais tarde, ouviu algo caindo no rio e supôs que seus amigos estavam a salvo.

Surpreendentemente, ou não, nenhum dos ingleses tentou saltar no precipício para ir atrás deles.


Capítulo Treze

Durante os dois dias seguintes, Mary dispôs de todo o tempo do mundo para tomar uma decisão. Sir Adam passava o dia com o Conde de Cornwall e David havia acompanhado Lorde Percy, Sir John e Sir Kenneth – este último, para sua surpresa – em uma viagem de última hora até Roxburgh – ao menos era isso que achava, já que, ultimamente, Sir Adam vinha se mostrando estranhamente reservado – de modo que passava boa parte do tempo do dia sozinha.

Por um lado, queria evitar a todo custo cruzar com Sir Kenneth – e com o Sir John também, verdade seja dita – mas por outro lado, queria conversar com Sir Adam e com o Davey e contar sobre seus planos de regressar para Ponteland o mais rápido possível.

Doía ter que partir quando fazia tão pouco tempo que havia chegado. Não era justo, ainda mais agora, que havia retomado o contato com seu filho, a conhecê-lo melhor. Somente com sua presença, Sir Kenneth havia se encarregado de estragar tudo.

Seu primeiro impulso, naquela mesma noite, havia sido colocar algumas coisas em uma bolsa e pegar o barco mais próximo, para levá-la imediatamente para a França. Entretanto, uma vez superada a impressão inicial que havia lhe causado encontrar-se cara a cara com Kenneth Sutherland em todo o seu esplendor e em terras inglesas, havia conseguido se acalmar. Bom, ao menos o suficiente para não ir correndo aos estábulos e montar o primeiro cavalo que encontrasse.

Não tinha por que ficar assustada, disse a si mesma, nem motivos suficientes para exagerar ou agir de forma precipitada. Talvez, Sir Kenneth não tivesse intenção de ficar por muito tempo…

Mas Mary sabia que, ainda que fossem poucos dias, era arriscado demais. Regressaria à Ponteland sob o pretexto que precisava resolver alguns assuntos pessoalmente e não voltaria para Berwick, nem para junto do Davey, até que fosse capaz. Até que o Kenneth tivesse partido.

Depois disso …

Seu coração se apertou, novamente.

Depois disso, ia ver.

Instintivamente, cobriu a barriga com as mãos. Faria o que pudesse para proteger a criança que carregava no ventre.

A criança que não tinha planejado.

O bebê que nunca acreditou que pudesse chegar a existir.

A criança que, no primeiro momento, não havia querido que nascesse. O que faria? Não era casada. O bebê seria marcado como um bastardo e ela, uma prostituta.

Mas, a insegurança do primeiro momento havia se desvanecido rapidamente, deixando atrás de si uma felicidade indescritível, uma plenitude que impregnava até o último osso do seu corpo, a alegria pelo milagre com o qual fora presenteada. Um filho, a oportunidade de ser mãe novamente. Diante de tal presente dos céus, por mais ilícita que fosse sua origem, o resto parecia secundário.

Mary não havia podido evitar que a afastassem do seu primogênito, mas desta vez as coisas seriam diferentes.

Tampouco era tão iludida a ponto de enganar a si mesma. Sabia que não ia ser nada fácil que não devia minimizar as dificuldades que, sem dúvida, encontraria pelo caminho, mas estava decidida a fazer qualquer coisa para impedir que a história se repetisse.

Não seria a primeira mulher a dar à luz fora do matrimônio, nem seria a última. Enquanto fosse cuidadosa e tivesse uma boa história na qual se apoiar, as pessoas murmurariam e falariam pelas suas costas, mas o que mais poderiam fazer?

A França seria seu álibi. Poderia se retirar lá durante um tempo, longe dos olhos da corte do Rei Edward. O bebê seria um órfão que levaria consigo de volta para a Inglaterra.

Alguns suspeitariam da verdade, mas Lady Mary de Mar, esposa do finado Conde de Atholl das terras do norte, assoladas pela guerra – tão longe de Londres – dificilmente provocaria tantos rumores. Já sabia o que era estar condenada ao ostracismo sem nem sequer ser culpada do delito, assim, estava disposta a suportar o que fosse pelo seu filho.

Seu plano contava com um benefício adicional. Como órfã, a criança não seria submetida ao escrutínio de nenhum rei, nem inglês, tampouco escocês. Seria só sua. Ninguém poderia afastá-la dela.

Exceto uma pessoa.

Estremeceu ao recordar o instante em que seus olhares se encontraram no salão do castelo. Se Sir Kenneth descobrisse a verdade, poderia se transformar em uma ameaça aos seus planos. Talvez não se importasse – tendo em conta sua reputação, o mais provável era que já tivesse concebido centenas de filhos bastardos – mas, de algum modo, Mary sabia que não seria assim. Aquele homem escondia muito mais do que aparentava à primeira vista.

Nem sequer havia considerado a hipótese de contar para ele. Era tarde demais. Um filho não mudaria nada. O que isso tem a ver conosco? Não aguentaria passar por isso de novo. Sir Kenneth continuava parecendo muito com o seu marido e, lembrando do formigamento que havia sentido no estômago ao voltar a vê-lo, ela ainda conservava muitas coisas da jovem inocente e impressionável que deixaria que partissem seu coração.

O mais difícil de tudo seria se separar do Davey. Também havia alimentado a esperança de poder estender a busca por sua irmã até Berwick-upon-Tweed. Se consolou por saber que não seria por muito tempo. Davey estaria ocupado demais com seus deveres para com Lorde Percy, para sentir falta dela, e Janet …

Sua irmã podia estar em qualquer lugar. Inclusive na França.

Mary estava voltando para os seus aposentos, depois do café da manhã, quando soube que Percy e os demais já tinham regressado, mas, ao perguntar a um dos escudeiros onde podia encontrar o Davey, este lhe respondeu que havia ido aos aposentos do Sir Adam, com o médico. Em um ataque de pânico, Mary cruzou o pátio das armas até a Torre Constable, na qual se alojavam os nobres de maior posição.

Apesar de ser um castelo real, Berwick fazia as vezes de centro administrativo e, também, de guarnição. Com a convocação para a guerra, entretanto, o castelo – que, por sua posição privilegiada perto da fronteira já havia visto mais batalhas que a maioria das fortalezas inglesas – só podia abrigar uma pequena parte dos três mil cavaleiros, homens de armas e serviçais que eram esperados para atender ao chamado do rei. Mary suspeitava que o fato de ter aberto mão dos seus próprios aposentos na enorme torre central, para ela e suas damas de companhia, não era mais do que outra prova indiscutível da grande bondade do Sir Adam e da estima que sentia por ela.

Subiu os três lances de escadas que a separavam dos aposentos do Sir Adam e abriu a porta sem se preocupar em bater.

"Davey, você está-"

Estacou, petrificada. Três rostos a observavam do interior do quarto. Davey, um homem mais velho, que devia ser o médico, e a última pessoa que queria ver no mundo: Sir Kenneth Sutherland.

-Bem? Finalizou a pergunta para si mesma. Mas ficou claro que Davey estava bem. Estava de pé, junto ao médico, enquanto ele terminava de envolver o antebraço do Sir Kenneth com uma faixa. O ferido era ele, não o seu filho.

Os três homens seguiam olhando para ela, que não conseguiu evitar de ficar ruborizada.

"Sinto muito. Disseram-me que alguém precisava de cuidados médicos e temi que fosse o Davey."

"Estou bem, mãe", disse o jovem Atholl, envergonhado.

"Já vi", ela respondeu ela com um sorriso nos lábios.

Seu olhar se voltou, então, para o Sir Kenneth, com o cuidado de não se deter demais sobre ele, já que não usava camisa. As memórias daquele peito moreno e dos músculos esculpidos ainda a perseguiam à noite e temia que seu rosto delatasse cada um dos sonhos pecaminosos que havia tido desde então. Santo Deus, estava mais forte do que antes. O que havia estado fazendo todo aquele tempo, levantando pedras o dia inteiro?

Notou que a boca ficava seca e desviou o olhar.

"Espero que não seja nada sério."

"Era, precisamente, o que eu estava dizendo, agora mesmo, ao seu filho. Estou bem, não é verdade, Welford?"

O homem mais velho franziu a testa, seus olhos como dois dardos azuis, debaixo de umas sobrancelhas muito brancas e espessas.

"Se não infeccionar. Parece que o barbeiro fez um bom trabalho com seus ferros." O desprezo que sua voz destilava parecia denotar que esse não era sempre o caso. "Contive a hemorragia, ao menos por enquanto, mas o corte é muito profundo. Pode ser que tenha que cauterizá-lo novamente."

Mary estremeceu, pensando na dor do ferro em brasa sobre a ferida aberta.

Kenneth deu pouca importância às palavras do médico fazendo um gesto com a mão e enfiou uma camisa de linho pela cabeça, para alívio da Mary que, por fim, podia voltar a respirar.

"Vou ficar bem."

Saltava aos olhos que aquela não era a primeira que o médico lidava com um guerreiro teimoso e difícil como o Kenneth. O homem recolheu seus instrumentos e se dirigiu até a porta. "Se estiver doendo, posso preparar uma beberagem..." Parou, balançando a cabeça. "Já sei, já sei, não está doendo." Murmurou algo entre os dentes e fechou a porta atrás de si.

Mary sentiu a tentação de segui-lo, mas não sem o seu filho. O que ele estava fazendo aqui, afinal? E como o Sir Kenneth tinha sido ferido daquele jeito?

"Davey, talvez devêssemos deixar o Sir Kenneth sozinho para que se recupere da sua lesão. Além do mais, estou ansiosa para que me conte até o último detalhe da sua viagem até Roxburgh."

O jovem Davey lhe deu um olhar esquisito. "Nós não fomos a Roxburgh, mãe, e sim ao bosque de Ettrick, para capturar os fantasmas do Bruce."

Pela segunda vez em uma só manhã, a cor sumiu do rosto da Mary. "Você, o quê?"

Sem perceber o ataque de nervos que acabava de provocar na sua mãe, Davey continuou como se não fosse nada. "Pelos portões do inferno, foi incrível! Quase os pegamos, graças ao Sir Kenneth." Balançou a cabeça com o entusiasmo próprio de um rapaz da sua idade. "Nunca tinha visto um grupo de homens lutando assim. Pelo menos, acho que eram homens. Era difícil de saber, até que um deles me atacou com a espada."

Mary agradeceu pela beirada da cama estar tão perto porque, de repente, suas pernas já não pareciam aguentar o peso do próprio corpo. Se deixou cair sobre o colchão macio e se agarrou a um dos quatro pilares da cama em busca de equilíbrio.

Davey, que não havia se dado conta de nada, abriu a boca disposto a continuar com seu relato, mas Sir Kenneth o deteve a tempo.

"Você está assustando a sua mãe, rapaz. Talvez prefira compartilhar suas histórias com algum outro escudeiro, em vez disso?"

Os olhos do menino se iluminaram de emoção. A perspectiva de contar a história da batalha para uma audiência receptiva era tentadora demais para resistir.

"Tem certeza que não precisa de nada?" Desta vez, foi Mary que franziu o cenho. Por que seu filho se mostrava tão atento com Sir Kenneth? "Precisa de ajuda com a armadura?" Perguntou.

"Não creio que poderei usá-la por um bom tempo. De toda forma, estou seguro que a sua mãe pode providenciar o que eu precisar."

Mary o fulminou com o olhar, consciente do duplo sentido das palavras.

"Vá", disse ele para o Davey. "Vejo você no pátio das armas, em poucos minutos."

Davey saiu correndo para a porta, mas Mary o interceptou quando passava ao seu lado.

"Espere", disse ela, pegando-o pelo braço. Se colocou na frente dele e afastou os cabelos da sua testa com um doce sorriso nos lábios. "Você tem uma sujeira na testa." Tentou limpá-la com o polegar.

Por um momento, Davey se deixou levar pela carícia, desfrutando do contato maternal, mas imediatamente, como se estivesse assustado, afastou o rosto.

"Não!" Lançou um olhar mortificado para o Kenneth. "Não é nada."

Antes que Mary tivesse tempo para responder, ele correu para fora do quarto.

A rejeição, embora compreensível, magoava. Meninos de treze anos de idade não precisavam que a mãe limpasse os seus rostos. Por mais que se esforçasse em recuperar sua infância, estava claro que não podia.

Não com o Davey, ao menos.

"Quando eu tinha a idade dele, meus pais me envergonhavam toda hora, sobretudo a minha mãe. Agora, daria qualquer coisa para tê-la se alvoroçando ao meu redor."

Mary se pôs, imediatamente, na defensiva. Não havia reparado na intensidade do olhar do Kenneth e tampouco sabia se sua reação a havia delatado. Se sentia envergonhada e extremamente emocionada pelos esforços do cavaleiro para tranquilizá-la.

"Ela já morreu?"

Ele assentiu. "Alguns anos atrás."

Não gostando do momento de conexão ou, talvez, gostando muito, mudou de assunto e aproveitou para sanar suas dúvidas.

"Por que está aqui nos aposentos do Sir Adam e por que o Davey estava com você?"

Sir Kenneth pegou uma túnica de couro negro das costas de uma cadeira e iniciou a complicada manobra de colocá-la com um braço enfaixado. Mary reprimiu o ato reflexo de lhe oferecer ajuda, consciente que não convinha chegar tão perto dele.

"Durmo nos aposentos do Sir Adam e o garoto se ofereceu para me ajudar." Respondeu o Kenneth finalmente, quando Mary começava a pensar que ele ia ignorar a pergunta dela. Ele a olhou fixamente e levantou uma sobrancelha. "Poderia perguntar o mesmo para você."

Mary corou, ao se dar conta que o Kenneth tinha razão. Jamais deveria ter entrado daquele jeito nos aposentos do Sir Adam, muito menos sozinha.

"Sir Adam é um velho amigo do meu marido… e meu."

"Então, parece que temos algo em comum. O pai do Sir Adam lutou com o meu avô, na última cruzada. Eu o conheço desde que era pequeno. E mais, me criei com os sobrinhos dele."

Ao passar o braço enfaixado pela manga, não conseguiu reprimir uma careta de dor. Mary mordeu o lábio, mas seus pés não se moveram do lugar.

"Seu braço? Ele vai ficar bom?"

Sir Kenneth lhe deu um sorriso zombeteiro enquanto terminava de colocar a túnica sobre os ombros.

"Achei que você não se importava, Lady Mary."

Ela o fulminou com o olhar e Kenneth respondeu com uma careta. "Não creio que possa segurar a espada por alguns dias, mas o dano não parece ser irreversível. Também não deve afetar outras partes do corpo, se é isso que a preocupa."

Mary não conseguiu evitar de ficar ruborizada, apesar de saber que ele estava apenas tentando provocá-la. Aparentemente, o homem era ultrajante, independentemente do lado da fronteira no qual se encontrava.

"Tenho certeza que as jovens viúvas da Inglaterra e suas damas de companhia receberão a notícia com grande alívio."

O comentário, apesar da sua dureza, só serviu para diverti-lo. Sabia que devia sair dali o quanto antes, mas havia algo que a detinha, algo que o Davey havia dito e que ela se negava a acreditar.

O que Davey quis dizer com Graças ao Sir Kenneth? Começou a entender, à medida que ia falando.

"Esta viagem para Ettrick foi ideia sua. Você disse a eles onde encontrar os homens do Bruce." Ela parou de falar e olhou para ele, os olhos arregalados. "Você os traiu."

Apesar de que, à primeira vista, não parecesse que a sua acusação o havia incomodado – seu rosto permanecia impassível – Mary acreditou ter percebido o contrário. Os lábios dele, tentadores em sua perfeição, se contraíram ligeiramente.

"Creio que é uma forma um tanto dramática de descrever os feitos. Eu tinha uma certa informação e fiz uso dela. Estamos em guerra, minha senhora. " 'Traição' faz parte do jogo."

"É isso que é para você? Um jogo? Peças em um tabuleiro de xadrez para mover de um lado para o outro? Pretas ou brancas? Você escolhe as que mais lhe convém a cada momento?" Viu um leve movimento na sua mandíbula; esse era o único sinal visível de que havia, por fim, atravessado sua fachada. "O que acontece com a sua honra? Com a sua lealdade?"

Kenneth devolveu o desafio com um sorriso sarcástico.

"Todos fazemos escolhas. O que me diz de você, Lady Mary? Você é uma escocesa, mas está na Inglaterra, assim como eu. O que acontece com a sua honra? E a sua lealdade?"

"Minha honra e minha lealdade estão onde o meu filho se encontra", respondeu ela, ficando ruborizada.

Kenneth a observou atentamente, quase como se tentasse ver através dela, ler seus segredos.

"Por que você se importa tanto, Mary? Por que tenho a sensação que a minha presença, aqui, lhe causa tanto mal estar?"

Parte do calor que inundava suas bochechas se desvaneceu, substituído por um medo intenso que correu por suas veias. De repente, se deu conta que estavam sozinhos em um quarto e que ela estava sentada na cama dele. Se levantou de um salto.

"Isso não acontece, você não me importa, nem me afeta. Na última vez que o vi, Robert estava enumerando seus numerosos talentos e se dispondo a celebrar um banquete em sua honra."

Algo brilhou nos olhos do Kenneth.

"Sim, bem, as coisas mudam." Passou o olhar sobre o corpo dela. Um reconhecimento breve, frio, impassível, sem nada que devesse provocar um nó no seu estômago uma subida instantânea na sua temperatura corporal. Porém, Mary sentiu que ele havia registrado cada mudança, cada detalhe, cada pequena diferença que havia ocorrido na sua aparência. Suas palavras a atravessaram. "Assim como você, por exemplo. Vejo que não está se escondendo mais."

Mary enrijeceu, sem saber direito por que suas palavras a incomodavam daquela maneira. Era quase como se ele não gostasse das mudanças. "Eu não estava me escondendo."

"Verdade? Nesse caso, imagino que você reconsiderou a ideia de passar o resto dos seus dias em um convento, não?" Um sorriso curvou sua boca. Não havia se movido um milímetro, mas Mary não conseguiu evitar retroceder até a porta. O olhar do Kenneth escureceu em alguns momentos. "Talvez, eu tenha algo a ver com isso?"

Mary tentou se convencer que era a indignação que lhe provocava tanto calor, não a recordação que a voz grave do cavaleiro evocava em sua memória. Se concentrou com todas as suas forças, decidida a não se deixar levar, e lhe presenteou com um sorriso carregado de desdém.

"Algumas coisas não mudaram. Você é tão arrogante na Inglaterra quanto na Escócia."

"Portanto, existe outro motivo para encontrá-la tão bonita e fresca como primavera, e não enterrada debaixo daquela roupa horrível de freira?"

Mary se aborreceu consigo mesma pela forma com a qual o seu coração havia acelerado ao ouvir a palavra bonita. Realmente a achava bonita? Não devia se regozijar com aquilo.

"O que o faz pensar que pensei em você desde que deixei Dunstaffnage?" Mary provocou, envergonhada por ele estar muito próximo da verdade e por sua própria debilidade.

"Porque eu não consigo pensar em mais nada."

As palavras do Sir Kenneth a pegaram de surpresa. Foram ditas de uma forma tão direta, com tanta naturalidade, que Mary esperava que, a qualquer momento, ele as retirasse com um sorriso irônico o que as convertesse em uma manobra sensual, com um olhar aquecido. Mas ele não o fez. Se limitou a olhá-la fixamente, desafiando-a com os belos olhos azuis.

Seria verdade? Havia estado pensando nela?

Mary sentiu uma pontada no peito, mas decidiu ignorá-la. Por que estava se comportando assim com ela? Que jogo ele estava jogando?

Talvez, fosse exatamente isso, um jogo que, como a guerra, queria ganhar a todo custo. Havia se atrevido a rechaçá-lo e ele estava disposto a fazer o que fosse preciso para dizer a última palavra.

"De verdade, espera que eu acredite nisso?" Provocou Mary, com uma gargalhada. "O que está acontecendo, meu senhor? Não havia suficientes admiradoras lançando flores para você no desfile da vitória? Necessitava de mais uma? A única razão pela qual fala isso é porque não me ajoelhei aos seus pés como todas as demais. Talvez, devesse dizer quão maravilhoso você é, para que, assim, possa esquecer o ocorrido, assim como o fiz. Por isso vive rodeado de jovens admiradoras? Garotas que não vêm além do rosto bonito e do corpo musculoso? Talvez, prendessem sua atenção por mais tempo se tivessem algo mais interessante para falar!"

Por um minuto, se perguntou se tinha ido longe demais. Instintivamente, olhou para a porta, preparada para escapar a qualquer momento, mas, com três passadas largas Kenneth cruzou a distância que os separava e bloqueou seu caminho.

Como podia se mover tão rápido? Para um homem tão grande, se movia como um gato, grande e poderoso, mas um gato.

Eles estavam próximos um do outro. Muito próximos. Mary podia sentir o calor que emanava do corpo dele, a sombra que projetava sobre seu corpo. Devia cheirar mal, o suor da batalha e da viagem de volta, mas, em lugar disso, desprendia um agradável aroma de couro e vento, que a faziam querer inalar com toda a capacidade dos seus pulmões. As memórias se avolumavam, o desejo se apoderava rapidamente dela. A pele, quente e úmida, o leve gosto de sal na sua língua.

"Não houve desfile da vitória."

As palavras abriram caminho através do torvelinho de sensações no qual havia entrado.

"O quê? Quando parti, você estava-"

"Quando você foi embora, só faltava o combate final. E perdi."

Havia algo em sua voz que era preocupante.

"Era só mais um evento", disse Mary com o cenho franzido. "Você ganhou muitos outros."

Sir Kenneth deu de ombros.

"Ainda o nomearam campeão?"

"Sim."

Mary não conseguia entender por que uma perda era tão importante para ele, mas sentiu que era. Muito importante. "Era apenas um jogo."

Ele a olhou fixamente. "Não para mim."

"Por que não gosta de perder."

"Porque eu sei o que é perder."

De algum modo, parecia que a culpava pela derrota.

"Bem, sinto muito, mas como eu não tinha nada a ver-"

Tentou passar por ele, mas ele a segurou pelo braço.

"É nisso que acredita? Você partiu antes de terminarmos." O coração da Mary batia loucamente. É o medo, disse a si mesma. "Eu quase podia jurar que você estava fugindo de mim. Como está fazendo agora. Se eu importo tão pouco para você, diga-me, do que tem tanto medo?"

Ela ficou imóvel. "De nada."

"Eu não acredito em você", disse o Kenneth olhando-a nos olhos, firmemente.

Se inclinou sobre ela e Mary sentiu que estava a ponto de perder os nervos.

"Nós tínhamos terminado, querendo você aceitar ou não. Talvez, custe a acreditar, mas você não é o único homem no reino, meu senhor."

Imediatamente, algo brilhou nos olhos do cavaleiro, Mary não sabia o porquê, mas se sentia incapaz de conter o impulso de provocá-lo.

"Você não pode estar falando sobre o Felton ..."

Algo sobre sua atitude a enfureceu. Será que ele achava que o belo cavaleiro não podia estar interessado nela?

"Só porque não quis me casar com você, não significa que não posso ser persuadida a me casar com outra pessoa. Por que não com o homem mais bonito de toda Berwick?"

Estava fazendo aquilo de novo. Desafiando a quem não sabia dizer não a um desafio, um homem volátil e perigoso que estava sempre preparado para a batalha. Era como dar guloseimas a uma criança e lhe dizer que não podia comê-las.

Kenneth se inclinou sobre ela e, por um momento, Mary achou que ia beijá-la. Não queria, por conseguinte, o martelar contínuo em seu peito. Não queria sentir a suavidade que desprendiam seus lábios cálidos.

"Acho que será melhor reconsiderar sua decisão."

Mary tinha a respiração tão acelerada que mal consegui falar. "Por quê?"

"Porque não acho que o Felton vá gostar que a sua esposa esteja na minha cama, e é lá que você vai estar."

Mary reprimiu uma exclamação de surpresa, mas ele não a deixou responder. Abriu a porta em um movimento rápido e a deixou ali, plantada, sozinha e de boca aberta.

Capítulo Quatorze

"Quando você parte?" Quis saber Sir Adam.

Mary tinha percebido a pequena ruga que havia se formado entre as sobrancelhas do cavaleiro. Tinha levado quase o dia todo, mas, por fim, havia conseguido monopolizar a atenção do seu amigo durante um breve espaço de tempo para poder falar a sós com ele. Sir Adam sabia o quanto gostava de ver o Davey treinando e havia sugerido que se sentassem junto a uma das janelas do grande salão, que dava para o pátio das armas.

Os guerreiros ainda não estavam em posição, mas Mary não conseguia desviar o olhar da janela. Seu estômago se revolveu pela milésima vez ao pensar na injustiça daquela situação, mas não podia perder mais tempo. A última conversa com Sir Kenneth era prova mais que suficiente; se havia algo que Mary havia aprendido nos últimos anos era que, quando pressentia algum perigo, o melhor era sair correndo e não esperar que alguém a acudisse.

Em sua cama? Santo Deus.

"Assim que conseguir um meio de transporte", respondeu. "Amanhã, possivelmente."

O rosto do Sir Adam se contraiu ainda mais. Mary conhecia tão bem aquelas feições que raramente se detinha para observá-las atentamente. Devia estar perto dos quarenta anos, talvez um pouco mais, porém era um homem atraente apesar do passar inexorável do tempo. Quem dera pudesse vê-lo com outros olhos, mas sua mente insistia em lhe mostrar imagens de outro homem, por mais que não desejasse fazê-lo.

Ironias da vida que, às vezes, não tinham graça nenhuma.

"O Davey já sabe?"

Ela assentiu. "Falei com ele antes do almoço."

"Quando você volta?"

Algo no olhar do Sir Adam fez com que desviasse o dela. "Assim que puder."

Houve um longo silêncio e Mary aproveitou para olhar pela janela, novamente. Imediatamente, pareceu ver o Davey à distância e seus lábios começaram a esboçar um sorriso, até que viu o cavaleiro com quem estava conversando: Sir Kenneth. Mary não conseguia compreender por que, de repente, seu filho parecia tão unido ao cavaleiro rebelde. Era como se tivesse transferido a adoração que sentia pelo Sir John para o Sir Kenneth. De fato, agora que pensou nisso, mal havia visto o Sir John o dia inteiro. Durante a refeição ele a havia cumprimentado, mas com menos entusiasmo do que de costume, quase como se tivesse vergonha de alguma coisa.

Mas era Sir Kenneth que a preocupava. Estaria tentando chegar até ela através do seu filho?

"É ele, não é?"

Mary olhou para o Sir Adam, confusa.

"O que você quer dizer?"

"Sutherland. Ele é o homem que você conheceu na Escócia. Ele é o pai do seu filho."

Mary sentiu que seu coração parava. Arregalou os olhos, assustada e incapaz de acreditar no que seus ouvidos acabaram de escutar. Com certeza, os havia visto juntos, só podia ser isso.

"Você não tem nada a temer, Mary. Seu segredo está a salvo comigo. Vou fazer tudo o que puder para ajudá-la. Porque você acha que me ofereci para ir à França e lhe pedi para me acompanhar?"

Mary não conseguia desviar os olhos dele, chocada. "Você sabia?"

Um sorriso irônico suavizou suas feições duras.

"Minha esposa engravidou dez vezes. Mesmo que tenha ganhado pouco peso, apenas o necessário, sei reconhecer os sinais." Olhou nos seus olhos e disse baixinho: "E eu a conheço."

Mary sentiu que corava. Mordeu o lábio e baixou a cabeça. Ele me ama, ela percebeu com uma pontada de tristeza. Como não havia se dado conta, antes? Agora, parecia tão evidente…

"Sinto muito", disse olhando-o nos olhos.

Sir Adam pareceu compreender o que ela quis dizer. O sentimento era correspondido, mas não da mesma maneira. Pigarreou e desviou o olhar para a janela.

"Ele sabe? Por isso veio para a Inglaterra?"

O medo substituiu o momento de constrangimento, que se tornou incômodo para ambos, e Mary balançou a cabeça com veemência.

"Não, e não quero que ele descubra. Sua vinda para o castelo não tem nada a ver comigo."

Saltava à vista que Sir Adam não aprovava isso.

"Eu conheço o Sutherland há muito tempo. Pode estar segura que fará o que se espera dele."

"Não quero que ele faça nada." Prontamente, um nó se formou em sua garganta e notou que seus olhos se encheram de lágrimas. "Não posso passar por isso outra vez, não posso me casar com outro homem como o Atholl."

Sir Adam a olhou nos olhos; Mary viu tanta compaixão neles que ficou a ponto de desmoronar, ainda que escondessem raiva e frustração, também.

"Gostava do seu marido como um irmão, mas ele tinha o tato de um cavalo. Não tinha a mínima ideia de como tratar uma menina tão jovem como você. Disse isso a ele várias vezes, mas…" Deu de ombros. "Era teimoso e estava acostumado a fazer o que queria. Sempre dizia que você ia se acostumar."

"Eu era muito jovem e ingênua."

Ele fez uma careta. "Isso não desculpa o comportamento dele. Mas, você está segura que o Sutherland fará o mesmo?" Perguntou, balançando a cabeça. "Deus sabe que, quando não era mais que um garoto, eu passava metade do meu tempo tirando-o de todo tipo de briga. Se ofendia rapidamente e recorria aos punhos com mais rapidez ainda, mas sempre me pareceu um rapaz sensível."

Mary por pouco não engasgou. Sensível?

"Estamos falando do mesmo homem? Para começar, Sir Kenneth Sutherland é muito arrogante, muito impulsivo e muito popular entre as mulheres." O que isso tem a ver conosco? Aquelas não eram palavras de um homem sensível, precisamente. "O mais provável é que tente tirar a criança de mim por ter me atrevido a recusá-lo."

Sir Adam levantou uma sobrancelha.

"Então, ele lhe pediu para casar com ele? Fiquei surpreso que não o fizesse. O rapaz sempre teve um sentido de honra muito arraigado."

Mary preferiu não comentar mais nada sobre o "rapaz". Não havia sido a honra que tinha apressado sua oferta – ou melhor dizendo, a não oferta – mas sim, Robert Bruce. Agora já não estava sob as ordens do Rei escocês, de modo que tampouco precisava agradá-lo casando-se com ela.

"Por favor", ela suplicou, colocando a mão no seu braço. "Me prometa que não vai dizer nada."

Sir Adam pousou o olhar na sua mão. De imediato, Mary se deu conta das implicações do seu gesto e a retirou disfarçadamente, sentindo que suas bochechas ardiam.

"O segredo é seu, Mary. Prometo que não vou interferir, a menos que você me peça. Há outras opções, se você não quiser se casar com ele. Vou protegê-la e a ajudarei em tudo o que eu puder."

Mary entendeu o oferecimento do Sir Adam e estava profundamente agradecida por isso, mas não se sentia capaz de fazer algo assim. Não queria se aproveitar dos seus sentimentos e se casar com ele para dar um nome ao seu filho. Se importava demais com ele para machucá-lo, e era o que aconteceria.

"Eu sei", respondeu com um sussurro, "e agradeço por isso, mas posso me virar sozinha."

Sir Adam assentiu como se já soubesse que essa seria sua resposta.

"Nesse caso, iremos para a França na primavera, como havíamos planejado."

Apesar de que não lhe restava mais remédio do que deixar Berwick, Mary sentiu uma onda de alívio ao saber que nem todos os seus planos tinham ido por água abaixo. E era reconfortante saber que tinha alguém com quem compartilhar seu segredo.

Sir Adam se levantou do banco.

"Meus homens a escoltarão até Ponteland, amanhã."

"Obrigada."

Sir adam estava se virando quando Mary o deteve. Por mais incrível que parecesse, quase havia esquecido da pergunta que queria lhe fazer. Pegou duas moedas de prata da bolsa que levava pendurada na cintura.

"Havia pensado em enviar um homem para fazer perguntas nas igrejas da área. Se importaria de fazê-lo por mim e entregar isto como uma compensação por seu trabalho?"

Mary não precisou lhe dar mais explicações e ele, tampouco, precisou pedi-las. Enviar pessoas para perguntar nas igrejas era um pedido muito habitual entre os dois. Sir Adam recolheu as moedas de má vontade, mas não disse nada. Não precisava. Mary já sabia da sua opinião: que aquilo era uma perda de tempo e de dinheiro, e que sua negativa em aceitar a morte da irmã, fazia com que não conseguisse aceitá-la.

Janet sempre havia sido um tema difícil entre os dois. Desde a noite do seu desaparecimento, incomodava ao Sir Adam falar sobre ela, quase como se ele se culpasse pelo que havia acontecido. E, sem dúvida, não tinha nada a ver com isso; se alguém tinha culpa, esse alguém era a Mary.

Olhou pela janela novamente e franziu o cenho. Sir Kenneth e seu filho seguiam no pátio de armas, e Sir John havia se unido a eles. Estavam discutindo, ao que parece, até que Davey deu meia volta e se afastou com a cabeça baixa.

"Há algo errado?" Perguntou Sir Adam.

"Eu não sei. Parece que o Davey está se afeiçoando ao Sir Kenneth e tenho que admitir que a ideia me deixa nervosa."

Desta vez, quem franziu o cenho foi Sir Adam.

"Quer dizer que você não sabe?"

"Sei o quê?"

"É o assunto no castelo. Sutherland salvou a vida do seu filho."

Ao salvar a vida do jovem Conde, Kenneth havia se convertido, da noite para o dia, em um herói entre as fileiras inglesas e, por consequência, havia ganho um inimigo implacável. Felton nunca tinha sentido simpatia por ele, mas agora o desprezava abertamente. Não só havia sido derrotado por um dos rebeldes e sofrido a afronta de acabar com a bunda no chão, mas por pouco não se convertia no responsável direto pela morte do jovem Conde de Atholl. Como um escárnio maior ainda, Kenneth havia se convertido no salvador do rapaz, o que pareceu tomar como um insulto pessoal. O fato de que o jovem Conde parecia ter transferido sua idolatria só piorava as coisas.

Kenneth acabara de se inteirar pela boca do rapaz que sua mãe tinha a intenção de voltar a fugir, quando Felton interrompeu a conversação e mandou o David fazer uma tarefa idiota.

"Fique longe do meu escudeiro, Sutherland. Não quero que o rapaz pegue alguns dos seus maus hábitos, nem que o impeça de cumprir suas obrigações."

Kenneth arqueou uma sobrancelha.

"Seu escudeiro? Pensei que o David estava a serviço do Percy."

Felton ficou vermelho como um tomate.

"Como seu campeão e o melhor cavaleiro do seu séquito, Lorde Percy me encarregou da formação do Conde."

Kenneth sentiu a tentação de lhe perguntar se isso incluía cair de bunda, mas sabia que era mais inteligente não provocá-lo, mais ainda. Já estava furioso e Kenneth sabia que o vigiaria de perto. Teria que se esforçar para manter seu temperamento sob controle.

Mas Felton estava tornando tudo mais difícil e não sabia se seria capaz de oferecer a outra face. O cavaleiro se aproximou para que ninguém mais pudesse ouvir suas palavras, com o olhar fixo e os olhos semicerrados.

"Eu sei o que você está fazendo, mas não vai funcionar. Ganhar o apreço do menino não vai conquistar sua mãe."

A menção da Lady Mary foi o suficiente para soltar a língua do Kenneth. "E conseguir que o matem, sim?"

Felton explodiu em fúria.

"Como se atreve a sugerir que tive alguma coisa a ver com o que aconteceu! Ninguém podia ter imaginado que tentariam escapar pulando de um penhasco. O Conde estava bem protegido."

"É nisso que acredita? Esclareça-me, então, porque ele esteve a ponto de morrer, e eu acabei com isso?" Kenneth ergueu o braço ferido, que doía como o diabo. "Avisei que era perigoso demais levar o rapaz. Da próxima vez, não permita que o desejo de impressionar uma mulher afete o seu julgamento."

"Por Deus, se não fosse por estar ferido, você pagaria por sua arrogância. Ainda sou o melhor cavaleiro deste castelo e não permitirei que um traidor das Terras Altas, desleal e oportunista, questione minhas decisões. Ganhar uma competição de bárbaros não o converte em um campeão. Aqui você não é nada, até que prove o contrário."

O bastardo presunçoso havia conseguido atingir um ponto, um especialmente sensível. Kenneth sentiu que o sangue ferveu e esqueceu qualquer propósito de se manter sob controle.

"Não sei, talvez teria feito bem a você passar uma boa temporada treinando nas Terras Altas. Assim, ao menos, os bárbaros não o teriam deixado com a bunda no chão com tanta facilidade."

O rosto do Felton desprendia tanto ódio que, por um momento, Kenneth quase se arrependeu das suas palavras. Quase.

"Você vai pagar pelo que acaba de dizer, maldito bastardo traidor."

"Estarei esperando."

Teriam acabado em bofetadas – com o braço ferido ou sem ele – se Kenneth não tivesse desviado o olhar para as portas do castelo e tivesse visto algo que fez seu sangue gelar e o ódio que sentia pelo Felton evaporar como um jorro de água fria sobre os rescaldos de uma fogueira.

Jesus Cristo. Pelos chifres do demônio. Kenneth prosseguiu com uma série de xingamentos e blasfêmias – ainda que em voz baixa, graças a Deus – mas necessitou de todo o seu treinamento para que sua reação não fosse visível no exterior. Com a expressão mais neutra que foi capaz de esboçar, desviou o olhar do grupo de mulheres que acabara de atravessar as portas do castelo, mas o medo já tinha se agarrado à sua pele como uma fina camada de gelo.

"Espero que não demore." Adicionou, antes que o Felton tivesse tempo de responder ou percebesse o que estava acontecendo, e se afastou em direção ao campo de treinamento, seguindo a mesma direção que o grupo de mulheres.

Não era incomum que as mulheres da aldeia viessem observar os soldados praticando, do mesmo modo que também não era incomum para os soldados encontrarem entretenimento para a noite entre as espectadoras. Cada campo tinha suas seguidoras, e o mesmo acontecia com os castelos.

Quando Kenneth chegou ao outro extremo do campo de treinamento, perto das barracas, as mulheres já haviam começado a se misturar com os soldados que haviam cumprido suas tarefas do dia, incluindo a bela ruiva que havia chamado sua atenção.

Tinha o cabelo comprido com uma bela cor de mogno, que caía sobre os ombros em ondas suaves. Usava um vestido um tanto tosco, de ficar em casa, com um amplo decote que mostrava mais do que o Kenneth gostaria de ver, mas que não deixava dúvidas sobre sua intenção de buscar um companheiro para aquela noite.

Quando Kenneth se aproximou, estava flertando com um dos homens de armas mais velho de toda a guarnição. Uma escolha segura, sem dúvida, mas insuficiente para aplacar a ira do Kenneth.

Quando o viu se aproximar, arregalou os olhos e esboçou um sorriso tão sensual e promissor quanto o de uma devassa.

"Meu senhor", disse com voz rouca e sussurrante. "Onde você esteve? Já faz muito tempo que não o vejo e comecei a pensar que havia se esquecido de mim."

O homem de armas se virou para ele e, ao ver de quem se tratava, seu rosto se converteu na imagem viva da decepção.

"Sir Kenneth." O saudou com uma reverência. "Não sabia que a Helen era sua."

"E não é", respondeu Kenneth, olhando sua irmã nos olhos. Maldição, ela era responsabilidade do MacKay, agora. Que diabos o bastardo estava pensando? Conseguiu controlar sua raiva, ao menos pelo tempo necessário para desempenhar seu papel. "Nos conhecemos na última vez que estive em Berwick." Pegou sua mão e deu um beijo galante nela. "Estou morrendo de vontade de colocarmos os assuntos em dia."

Resignado por outro desfrutar o que, até segundos atrás, seria seu entretenimento daquela noite, o homem de armas se afastou em silêncio.

A seguir, ambos se entregaram à representação pública do que significava “colocar em dia”. Helen se colocou ao lado do irmão, batendo os cílios e exibindo sua, até então, mercadoria desconhecida, para que todos pudessem ver. Se fosse o MacKay, pensou seu irmão, lhe daria umas boas chicotadas por se comportar como uma qualquer. Maldição, até se alegrava, pelo bem da sua irmã, que o Highlander feroz não estivesse por perto para presenciar os olhares que os ingleses dedicavam aos seus seios, que ameaçavam transbordar a qualquer momento. Como seu irmão, teve que reprimir o impulso de puxar o vestido até o pescoço e destroçar alguns dentes com os punhos.

Helen passou os dedos por seu braço. "Você está ferido!" Seus olhos brilharam, provocantes. "Talvez possa fazer algo para você se sentir melhor?"

Não era nada fácil fingir aquele jogo de sedução com sua irmã mais nova, especialmente quando gostaria, na verdade, de estrangulá-la, mas Kenneth prosseguiu com o jogo.

"Por que não vamos para algum lugar onde você possa examiná-lo em particular?" Passou o braço ao redor da sua cintura e a puxou contra ele, se virando para o soldado que se encontrava mais próximo. Percy, apesar de tudo, ainda o estava vigiando de perto. "Diga ao Percy que voltarei a tempo para a ceia. A senhorita vai se ocupar dos meus ferimentos."

"Sim, vou fazer você se sentir melhor em um minuto", disse ela com uma piscadela lasciva.

Antes que o soldado tivesse tempo de responder, Kenneth se dirigiu até o armazém mais próximo, mas mudou de direção ao ouvir que sua irmã sussurrava a palavra “estábulo” em voz baixa.

"Rapazes, nos deem alguns minutos", disse ele. "Não vamos demorar muito."

Os rapazes saíram do estábulo entre risos contidos.

Quando a porta se fechou, Kenneth se virou para sua irmã, furioso.

"O que, em nome de Deus, você está fazendo aqui? E por que, diabos, o Santo a deixou vir sozinha?"

"Ela não veio sozinha", disse MacKay, saltando das vigas do teto e aterrissando sobre uma pilha de feno seco. Estava vestido como um camponês, e Kenneth acreditou perceber um forte cheiro de peixe. "E mantenha a voz baixa, Ice, a menos que queira chamar a atenção de metade do exército inglês." Se voltou para sua esposa e a fulminou com o olhar. Ainda que acabasse de se dirigir a ele com um dos apelidos irônicos que o MacSorley havia inventado para zombar do temperamento incendiário do Kenneth, o mesmo parecia ter se esquecido do seu próprio apelido. "E faça o favor de puxar esse maldito vestido para cima!"

Helen ignorou a ordem, colocou as mãos nos quadris e olhou fixamente para os dois.

"Se vocês fizessem o favor de relaxar-"

Não podia ter escolhido pior as palavras. Tanto Kenneth quanto MacKay explodiram em uníssono, um estupor que pouco tinha de relaxado, depois de vê-la se comportando como uma qualquer em um campo de treinamento dos ingleses. Aparentemente, MacKay tinha presenciado boa parte da atuação da sua esposa.

Helen deixou que desafogassem, mas chamou atenção para o assunto.

"Quando vocês terminarem de se comportar como crianças histéricas, poderemos falar sobre o que viemos fazer aqui."

Antes que o Kenneth pudesse reclamar da sua presença ali, novamente, MacKay se adiantou.

"Ela insistiu em examinar o ferimento."

"E você permitiu?"

MacKay o fulminou com o olhar.

"Gostaria de ver você no meu lugar. Ela disse que você fazia parte da equipe e que, portanto, era sua obrigação." Cuspiu a última palavra, murmurando baixinho que devia estar louco para deixá-la se arriscar daquela maneira, um ponto no qual ambos estavam de acordo. "Que foi culpa minha você ter sido ferido e que se, por um acaso, você perdesse o braço, ia me culpar para o resto da vida."

Kenneth olhou para sua irmã com os olhos semicerrados. "Você está passando muito tempo com o Viper." Estava aprendendo a jogar sujo muito rápido.

Helen ergueu o queixo.

"Funcionou, não foi? Agora, deixe-me examiná-lo."

MacKay entregou uma bolsa de couro para sua esposa, da qual ela pegou algumas coisas enquanto Kenneth tirava a túnica e a faixa com a qual o médico havia enfaixado seu braço. Helen levou as mãos ao peito ao ver o aspecto da ferida, chamuscada e coberta de sangue, mas rapidamente começou a trabalhar nela.

Para que não pensasse na dor, MacKay lhe perguntou o que havia acontecido, exatamente, na noite da emboscada e Kenneth explicou brevemente, mencionando, de passagem, a identidade do soldado que seu companheiro havia estado a ponto de matar.

"Maldição, estava muito escuro para ver seus braços."

Kenneth assentiu. "Foi o que achei. Foi questão de azar que a sua lâmina encontrou o ponto exato entre a cota de malha e a luva."

Helen seguiu manipulando a ferida antes de aplicar um unguento.

"Ai", disse ele, se afastando da irmã com uma careta de dor. "Isso queima."

"É mais importante se colocar no caminho de uma espada, mas reclama de uma simples pomada? Por Deus, você homens são todos iguais. Não sei por que não lavo minhas mãos e me dedico a coisas mais importantes."

Kenneth viu que sua irmã tinha os olhos cheios de lágrimas e se deu conta do quão preocupada ela havia estado. Ele a puxou contra o peito e beijou o alto da sua cabeça. "Estou bem, Angel." Usou o nome de guerra como curandeira da Guarda dos Highlanders. "Obrigado."

Helen levantou o olhar, assentiu e, em seguida, recitou a enorme lista de cuidados que devia seguir para curar o ferimento, além dos sinais a se levar em conta para saber que estava tudo bem. MacKay lhe deu o nome de um homem da aldeia a quem podia confiar uma mensagem sem se preocupar, ainda que, previamente, haviam combinado outras formas de se comunicar se as coisas dessem errado.

Kenneth aproveitou a oportunidade para informar ao MacKay tudo que tinha descoberto sobre os ingleses. Até o momento não era grande coisa, o que o preocupava demais.

"À esta altura esperava mais atividade, mais suprimentos a caminho dos castelos do norte, para quando chegarem os reforços do sul."

"Ainda há muito tempo."

"Sim." E era verdade. De imediato, franziu a testa.

"O quê?"

"Não sei. Suponho que esperava que o Clifford estivesse muito mais envolvido. Ele e o Percy são próximos, e com os interesses que têm na fronteira…" Sir Robert Clifford possuía vastas propriedades ao norte da Inglaterra e, além disso, as terras do James Douglas, que havia recebido do rei e que se estendiam do lado escocês da fronteira. "Esperava que tivesse mais contato com o Percy, mas parece que prefere ficar perto do castelo de Carlisle. Pensei em me apresentar como voluntário na sua próxima…"

"Nós vamos nos ocupar do Clifford. Seu trabalho é ficar perto do Percy. Concentre-se na sua tarefa, Sutherland, e não estrague tudo."

Kenneth apertou a mandíbula, consciente que as palavras do MacKay escondiam uma ameaça velada que não precisava ouvir: ainda estava à prova. Assentiu. Mensagem recebida, em alto e bom som.

De imediato, se deu conta que os cavalariços não tardariam a regressar.

"Você precisa sair daqui o quanto antes. Suponho que você tem um plano?"

"Eu vou sair por onde entrei", disse Helen.

"Striker e o Hunter estão esperando lá fora", disse o MacKay antes que o Kenneth pudesse objetar. "Eu entrei pelo portão dos fundos, vindo de um dos barcos de pesca." Isso explicava o cheiro. "Deixei um saco com salmões apetitosos perto da cozinha, para recolhê-lo no caminho da saída." Ele sorriu. "O cheiro evitou que me fizessem muitas perguntas."

Enquanto a Helen recolhia suas coisas, MacKay perguntou em voz baixa, "E o resto, está tudo bem? Eles não suspeitaram de nada?"

Kenneth fez que não com a cabeça. "O plano funcionou. Como está o Dragon?"

MacKay franziu a testa. "Irritado, amargo e de pavio curto, como de costume, mas ele vai se recuperar."

Kenneth ficou surpreso ao ver que Alex Seton fazia parte da Guarda. Pelo que havia podido ver, o guerreiro, nascido em Yorkshire, mas criado na Escócia, só sabia discutir com o resto dos membros da Guarda, especialmente com o seu companheiro, Robbie Boyd.

Imediatamente, lhe ocorreu que, talvez, devesse mencionar a presença da Lady Mary no castelo, mas algo lhe disse que era melhor não o fazer. Era certo que o MacKay aproveitaria para adverti-lo a não se aproximar dela e ele não ia ouvi-lo.

"Bàs roimh Gèill", disse. Morte antes da rendição.

MacKay repetiu as palavras de despedida da Guarda dos Highlanders e deu um beijo na sua esposa – longo demais para o seu gosto – antes de se retirar para o seu esconderijo, novamente.

Kenneth estava prestes a colocar a túnica quando Helen lhe disse para não o fazer. Se aproximou dele, desatou a camisa e a puxou para fora das calças.

"Melhor assim, está mais natural."

Ele aproveitou para pegar um punhado de feno e o jogou sobre sua cabeça, rindo enquanto ela agitava os braços em sinal de protesto. Então, arrancou uma palha do cabelo dela e sorriu.

"Você também."

Helen sacudiu a cabeça, parecendo ofendida.

"Deus sabe que você tem muito mais prática do que eu nesse assunto. Suponho que as garotas inglesas são tão tontas e manipuláveis quanto as escocesas?"

Ela estava certa sobre a prática, pensou Kenneth com um meio sorriso nos lábios e recordando a última vez que o haviam surpreendido em um estábulo. Entretanto, ao ouvir as palavras “tontas e manipuláveis” o sorriso desapareceu da sua boca. As palavras da sua irmã se pareciam muito com as da Mary, e ambas estavam equivocadas. Nem sempre estava rodeado de mulheres que o adulavam. Estava seguro de haver mantido várias conversas sobre muitos outros temas, ainda que, por mais que tentasse, não recordava de nenhuma em que a sua irmã não estivesse presente… ou a Mary. No fim das contas, nenhuma mulher havia chamado mais sua atenção do que ela, por mais que não gostasse de mais da metade do que ela dizia.

Também recordou do que havia descoberto exatamente antes da chegada da irmã. Se Mary de Mar acreditava que ia conseguir escapar dele outra vez, ia ter uma boa surpresa.

Saíram do estábulo de braços dados, como dois amantes satisfeitos. Kenneth não ficou surpreso ao ver os homens do Percy, que se encarregavam de vigiá-lo, perto da porta do estábulo, nem tampouco o surpreendeu que os seguiram até o portão.

Se despediu da Helen com um tapinha no traseiro. Ela se virou e, entre risos, beijou sua bochecha e aproveitou para sussurrar que tivesse cuidado, antes de atravessar as portas do castelo e desaparecer na escuridão da noite.

Kenneth se virou e começou a caminhar de volta para o grande salão. Tinha avançado alguns passos quando sentiu o peso inconfundível do olhar de alguém sobre ele. Levantou os olhos até o outro extremo do pátio de armas e viu uma mulher descer a escada correndo e cruzar o pátio até a torre central. Lady Mary. Sabia que era ela, do mesmo modo que sabia que ela também o havia visto.

Ele xingou entre os dentes, imaginando o quanto ela tinha visto.

Se o passo acelerado dos seus pés fosse indicativo de alguma coisa, tinha visto mais que o suficiente.

Cruzou os dedos na esperança que ela tivesse reconhecido a Helen e, ao mesmo tempo, ficou consciente do que ela pensaria caso não tivesse reconhecido. Sua boca se contraiu em uma linha fina. Não havia nada pelo qual tinha que sentir culpado. Tinha todo o direito do mundo de estar com outras mulheres. Era ela que tinha deixado bem claro o que pensava dele: que não era mais do que uma boa transa no feno. Não estava fazendo nada mais do que cumprir com suas expectativas.

Mas, ainda assim, desejava que ela não o tivesse visto.

Ele a deixou ir, pelo menos, por enquanto, mas aquilo ainda não tinha acabado.

*


Não importa. As lágrimas nublavam sua visão. A única coisa que Mary conseguia ver era uma mancha verde escura ao pegar outro vestido no armário e jogá-lo sobre a cama. Os vestidos que tinham sido pendurados apenas alguns dias atrás, regressavam aos baús sem nem ter usado. Uma serva corria de um lado para o outro, tentando acompanhar o seu ritmo.

"Você tem certeza que está tudo bem?" Lady Eleanor perguntou, com preocupação óbvia.

Mary assentiu e se obrigou a sorrir, apesar de ter um nó na garganta e muita vontade de chorar.

"Só estou cansada, isso é tudo", respondeu, fingindo uma alegria que não sentia para dissimular a emoção, tão intensa que distorcia sua voz.

O que lhe importava se o Sir Kenneth estava com uma mulher? Não importava o que havia sentido ao vê-lo sair do estábulo de braço dado com aquela ruiva, ainda que a sensação tivesse sido mais parecida com uma pedra sendo jogada sobre o seu peito.

Os estábulos. Ela sabia muito bem o que ele gostava de fazer nos estábulos, não era nenhuma novidade, de modo que não tinha por que ficar tão afetada. Sabia que classe de pessoa era e o que havia presenciado não havia feito nada mais do que mostrar que ele não servia para ela. Mas o ardor em seu peito, a sensação de decepção materializada como um peso insuportável, não parecia querer entender.

Não eram nada um para o outro. Só porque tinham compartilhado uma noite de paixão, ou só porque ela havia sentido algo mais, ou porque ele havia lhe proposto matrimônio, ou porque não havia passado uma só noite, desde então, sem pensar nele, ou porque carregava o seu filho no ventre, ou porque seu coração havia chegado a todo tipo de conclusões absurdas ao vê-lo chegar, nada disso tinha o mínimo significado. Apesar de tudo o que ele havia dito, o mais seguro era que não havia voltado a pensar nela até o preciso momento em que a havia visto dançando com o Sir John.

Ao se inteirar do que o Kenneth havia feito pelo Davey, Mary havia ficado tão agradecida que ficou disposta a confessar tudo e acreditar no que ele tinha dito. Menos mal que não havia se precipitado. Por mais heroicas que fossem suas atuações no campo de batalha, elas não o transformavam em um bom marido. Na verdade, sabia por experiência própria, que era exatamente o contrário. Estava agradecida pelo que tinha feito por seu filho, mas isso não tinha nada a ver com eles.

"Você tem certeza de que não deseja descer para ir comer?" Perguntou Lady Katherine.

Mary respondeu que não com a cabeça, inundada por uma onda de náusea que não tinha nada a ver com a gravidez e tudo a ver com a possibilidade de se encontrar com ele, satisfeito e desalinhado depois de rolar no feno.

"Se eu ficar com fome, pedirei à Beth para trazer algo da cozinha."

A donzela assentiu com veemência. "Sim, minha senhora. Farei com que tragam uma bandeja de comida o quanto antes."

E uma grande jarra de vinho, Mary quis acrescentar.

"Estão vendo?" Mary insistiu, dirigindo-se às duas mulheres que a observavam com expressões de preocupação no rosto. Aparentemente, não sabia mentir tão bem quanto imaginava. "Vou ficar bem. A Beth vai cuidar de mim. Além disso, acredito que o conde convidou um par de menestréis para hoje à noite. Provavelmente, vou cair no sono logo que terminar de embalar as coisas."

As damas de companhia hesitaram por um instante, mas, ao final, conseguiu se desfazer delas. Quando, por fim, terminou de arrumar os baús e as bolsas, com a ajuda inestimável da menina, estava tão esgotada que só queria dormir. Beth a ajudou a tirar o vestido e lhe deu um robe de veludo vermelho para que ficasse mais cômoda enquanto concluía o bordado acomodada junto ao braseiro.

Assim que a garota saiu do quarto para arranjar algo para ela comer, Mary pegou a minúscula peça de linho e, imediatamente, sentiu que o coração acelerava. Era uma touca para o bebê, na qual vinha trabalhando há alguns dias em segredo. Às vezes, a necessidade, o desespero que sentia de ter o bebê nos seus braços era tão intenso que não conseguia respirar. Todo o amor que havia gostado de repartir entre seu esposo e seu filho.

Colocou os óculos e, com a mente concentrada no bebê, pôs as mãos à obra o quanto antes.

Não importava o que tinha acontecido desde então; não tinha a intenção de se arrepender mais do que havia feito. Sua única noite de pecado com o Sir Kenneth havia se transformado em um presente, que era aquele bebê.

Mas isso não diminuía a dor. Como podia ser tão estúpida? O que esperava? Não significava nada para ele e o sentimento devia ser mútuo. Mordeu o lábio inferior com força. Quem dera a a mulher no estábulo não fosse tão jovem e bonita. Apesar da distância, havia vislumbrado perfeitamente as linhas do seu rosto e a espetacular cabeleira ruiva. Seu rosto parecia familiar, mas, provavelmente por tê-la visto no grande salão do castelo.

Suas mãos pareciam incapazes de bordar os pontos minúsculos, então, tirou os óculos, colocou o bordado de lado e fechou os olhos por um momento.

Alguém bateu à porta e Mary, supondo que se tratava da Beth, disse para entrar. Ouviu a porta ser fechada e, ao ver que a jovem não falava nada, abriu os olhos para lhe dizer que deixasse a bandeja onde quisesse. Em vez disso, deu um salto com a surpresa.

Olhou fixamente para o homem que havia invadido a privacidade dos seus aposentos e havia feito o mesmo com sua sanidade. Sir Kenneth tinha as costas apoiadas contra a porta, os braços cruzados sobre o peito e a observava. Mary não se deixou enganar pela postura relaxada do seu corpo. Podia perceber a sensação de perigo que emanava dele.

De repente, o medo caiu sobre ela como uma laje de pedra.

"O que faz aqui? Saia!" Exclamou, com a esperança das suas palavras não refletirem o temor que havia se apoderado dela.

Ele sorriu e desviou o olhar para os baús.

"Fugindo de mim, novamente, Mary?" A olhou de cima a baixo, e ela se apressou a se cobrir melhor com o roupão, embora soubesse que ele não podia ver nada. Kenneth baixou as mãos que estavam sobre o peito e estalou a língua. "Para alguém que diz que não se importa nem um pouco e de não haver pensado nenhuma vez no que aconteceu aquela noite entre nós dois, diria que está muito ansiosa para ficar longe de mim."

Se aproximou alguns passos. Por que nunca havia se dado conta de quão pequeno era o quarto? E quem havia alimentado tanto o fogo? A temperatura parecia haver subido ao menos cinco graus em pouquíssimo tempo, mas a origem daquele calor não estava no braseiro. As batidas do seu coração deixaram bem clara qual era a fonte daquele calor.

"Me pergunto por que será", continuou o Kenneth com ironia. Deu outro passo à frente e Mary ficou a ponto de gritar como um cachorrinho assustado. Ele se deu conta e esboçou um sorriso amplo, lento e deliberado que ativou até o último alarme do seu corpo. "Sabe o que eu acho? Acho que a assusta o que faço você sentir, que tem medo não porque não significou nada, mas sim, o contrário. Acho que se você se importasse tão pouco quanto diz, agora mesmo estaria tranquilamente sentada no grande salão esperando que servissem a ceia, e não escondida nos seus aposentos." Ele a olhou fixamente nos olhos. "Eu acho que você me quer."

Mary reprimiu uma exclamação de surpresa. Parecia mentira que aquele homem fosse tão arrogante e autoritário e, além disso, tão seguro de si mesmo. Tampouco ajudava que ele tivesse razão, mas claro que não saberia disso nunca.

"Não estou me escondendo, estou arrumando as coisas. Não que isso seja da sua conta, mas não estou partindo para evitar você. Há um assunto urgente que requere a minha atenção."

Kenneth começou a rir.

"Muito urgente, com certeza." Mary levantou o olhar e ficou surpresa ao ver quão perto estava dela. Não mais do que meio metro os separava. "Por isso está tão corada e seu coração bate com tanta força que posso ouvi-lo daqui?"

Ela arregalou os olhos, visivelmente alarmada – Isso não era possível, era? – Ele se limitou a sorrir, consciente de que sua reação acabara de deletá-la.

Mary começou a recuar, afastando-se lentamente da cadeira que estava segurando como se fosse uma tábua de salvação. Só então se lembrou da touca do bebê. Prendeu a respiração. Ali estava, em cima da cadeira, junto com os óculos, como um farol. Tudo o que ele tinha a fazer era olhar para baixo e prestar atenção. Se, até então, não tinha ouvido as batidas do seu coração, sem dúvida, agora, podia fazê-lo. Mary rezou em silêncio…

Mas era tarde demais.

"O que você está fazendo?"

Tentou pegá-lo, mas ela a arrancou das suas mãos junto com os óculos, antes que tivesse tempo de examiná-lo.

"Cuidado! Você vai quebrar os óculos." Rezando para suas bochechas não estivessem tão coradas quanto pareciam para ela, acrescentou: "É um bordado no qual estou trabalhando." E o guardou na cesta que usava para os seus bordados antes que ele tivesse tempo de dar uma olhada mais de perto.

Kenneth estreitou os olhos estranhando seu comportamento. Mary temeu que ele tentasse pegá-lo novamente.

"Para quem é?"

"Eu os vendo no mercado de Newcastle", respondeu ela recorrendo à primeira coisa que passou pela sua cabeça. Ao ver que Sir Kenneth arqueava uma sobrancelha, acrescentou: "É uma forma perfeitamente aceitável de ganhar o meu sustento. De que outra forma teria arcado com as despesas depois que o meu marido foi executado e suas terras confiscadas?"

Ele a olhou firmemente.

"Eu não estava julgando você. Honestamente, só fiquei surpreso. Isso é tudo."

Uma vez evitado o desastre evitado, Mary só queria que ele saísse.

"Por que você está aqui? O que quer de mim? Por que parece que se importa tanto com o que faço ou deixo de fazer, quando há tantas mulheres ao seu redor para escolher? Por um acaso não ficou satisfeito em rolar no feno essa tarde, nos estábulos?"

Sir Kenneth não tentou negar, nem tampouco se mostrou arrependido. Acaso Mary tinha alguma esperança que assim fosse? Em vez disso, ele se limitou a arquear uma sobrancelha com um olhar irônico. Santo Deus, até aquele simples gesto era incrivelmente sensual!

"Está com ciúmes, pequena?"

"Não!"

Mas havia respondido rápido demais e com demasiada veemência. Sir Kenneth diminuiu o espaço que os separava com uma só passada. Ela tentou recuar, mas se encontrou com a fria superfície da pedra. Ele a havia encurralado contra a parede e não existia escapatória possível.

"De verdade, você não se importa?" Insistiu, sem desviar os olhos dos dela.

Dentro dela, tudo estava acelerado: o coração, a pulsação, o sangue.

"Em absoluto."

Se inclinou sobre ela, os rostos de ambos separados por alguns centímetros, apenas. Seus corpos não se tocavam, mas Mary podia notar o calor, sentir o peso do seu corpo ameaçador sobre o dela.

Mal conseguia respirar, consciente da ondulação suave do seu ventre entre eles. No momento, passava despercebida – por sorte, o peso que tinha ganho tinha sido distribuído de forma bastante equilibrada por todo o seu corpo – mas, ainda assim, estava convencida de que ele descobriria quando a tocasse. Ela recordava até o último centímetro do corpo dele e supunha que ele, também, repararia em qualquer diferença.

Mas não foi assim. Kenneth passou uma mão ao redor da sua cintura e a puxou contra ele. Só podia usar um braço, mas, ainda assim, Mary não havia conseguido se livrar do aperto, ainda que houvesse tentado com todas as suas forças.

"Então, prove. Beije-me." Seus lábios estavam a poucos centímetros dos dela. “Beije-me, Mary”, ele sussurrou, antes da sua boca cair sobre a dela.

Ao primeiro contato, Mary sentiu que o coração acelerava ainda mais. Se fundiu entre os braços dele, se derretendo contra a dureza do seu corpo e a suavidade aveludada dos lábios dele.

Desceu – não, despencou – em um vórtice interminável de prazer, em uma sensação tórrida e sem sentido que a arrastou para o centro de um redemoinho de loucura. Mary retribuiu o beijo, se agarrou a ele e afundou os dedos nos músculos dos seus braços, lutando para chegar ainda mais perto.

Gemeu ao sentir a carícia da língua em sua boca, a força dos seus lábios saqueando até os confins mais remotos da sua alma, sem deixar nada para trás, sem saborear, sem reclamar, sem possuir.

O coração batia loucamente dentro do peito, o sangue martelava em seus ouvidos. Ela se sentia fraca, acalorada, necessitada do contato das mãos dele. Todo o seu corpo tremia em antecipação.

Kenneth grunhiu, um som gutural e profundo, e enfiou os dedos no cabelo dela para puxar sua cabeça para trás e poder mudar o ângulo do beijo, torná-lo ainda mais profundo.

Mary podia sentir a dureza da sua virilidade pressionando insistentemente contra ela. Imediatamente, Kenneth começou a roçar o quadril contra o dela e Mary não conseguiu reprimir um gemido de prazer. Podia sentir o corpo amolecendo, enfraquecendo, se abrindo para ele.

A recordação da paixão que haviam compartilhado foi visceral e imediata. Queria senti-lo dentro dela, ali mesmo, o quanto antes. Queria que ele levantasse sua saia, que a empurrasse contra a parede e a penetrasse profundamente; sentir os movimentos, as investidas cada vez mais poderosas; o doce clímax da paixão, seu corpo se contraindo em espasmos. E queria ouvi-lo gritar de prazer, sentir como todos os músculos do seu corpo enrijeciam, ver seu rosto contorcido pela força da paixão.

E ele queria, também. Deslizou as mãos pelo quadril da Mary, seguiu até as nádegas e logo foi subindo lentamente pela barriga, até os seios e logo…

Barriga. Mary reagiu tarde demais, apenas uma fração de segundo, e já não podia fazer mais nada para evitar.

Kenneth havia parado na sua barriga.

A princípio, não aconteceu nada. Mary esperou, enganando a si mesma, acreditando que ele não havia notado nada.

Mas a calma foi apenas o mal presságio da tormenta que estava prestes a desabar. Quando Kenneth levantou a cabeça e seu olhar pousou no da Mary, a ira desabou, implacável.

 


Capítulo Quinze

A princípio, quando deslizou a mão sobre o suave montículo do seu ventre, Kenneth não percebeu nada. Estava tão ofuscado pela paixão que nem sequer conseguia processar o que acabara de notar.

Mary era tão doce, tão suave. Gostava de tê-la em seus braços. Os sons que saíam da sua boca o deixavam louco. Só conseguia pensar em uma coisa: estar dentro dela. Queria possuí-la, reivindicá-la, obrigá-la a reconhecer a estranha conexão que os unia.

Nunca havia sentido nada tão poderoso e, inferno, precisava saber se ela sentia o mesmo.

Mas, pouco a pouco, a leve pontada que havia se originado em algum ponto distante da sua consciência foi crescendo até que, por fim, a verdade abriu caminho através da espessa neblina da paixão como a lâmina de uma espada, rasgando de um lado ao outro e deixando unicamente uma raiva fria e dura atrás de si.

Não podia acreditar. Não queria acreditar, mas a verdade estava ali, bem debaixo da palma da sua mão.

De repente, as mudanças que havia reparado nela, adquiriram um significado muito diferente, assim como a urgência em abandonar o castelo.

Retirou a mão do ventre da Mary e se afastou dela como se tivesse sido queimado. E havia, maldição. Havia se deixado queimar pela ofensa da sua traição.

"Você está grávida." Sua voz expressava a mesma dureza e a frieza que sentia por dentro.

Desta vez, o medo que refletiam nos olhos da Mary era mais do que justificado. Kenneth podia sentir como as emoções se sucediam em seu interior, crepitando e se incendiando perigosamente, enquanto tentava de todas as maneiras não perder o controle. A batalha, infelizmente, já estava perdida. Cerrou os punhos com firmeza e sentiu que até o último músculo do seu corpo ficava tenso.

Mary não disse nada, como se a tensão a tivesse deixado muda. Se limitou a olhar fixamente para ele com seus enormes olhos azuis, tão vulnerável, tão inocente.... Mas Kenneth sabia que não era nem uma coisa, nem outra.

"De quanto tempo?" Sua voz soou embragada, quebrada, como um chicote se agitando dentro dele. Segurou-a pelo braço e a puxou com força. "Quanto tempo?" Repetiu, não dando a mínima se a estava assustando ou não. "E não pense em mentir para mim."

"Eu, eu..." Mary desviou o olhar, acovardada pela primeira vez, desde que a conhecia, mas Kenneth estava furioso demais para desfrutar o momento.

"É meu", disse ele, categoricamente. Soube desde o primeiro momento, quando sua mão havia acariciado a suave elevação. Não precisava que ela confirmasse, mas, ainda assim, a obrigaria a fazê-lo. "Diga-me, maldição."

Talvez, se lhe houvesse suplicado que fosse compreensivo, se houvesse mantido a atitude dócil e arrependida do primeiro momento, Kenneth teria reagido de uma maneira diferente, mas Mary não tardou a mostrar seu lado mais desafiante, o mesmo que tanto havia o incomodado desde o primeiro momento.

Não recordava de haver estado tão irritado em toda sua vida, mas ela não parecia se importar. Kenneth havia visto imponentes guerreiros tremerem de medo diante de um dos seus famosos ataques de raiva, mas a Mary permanecia impassível, totalmente alheia ao perigo que enfrentava. Aparentemente, sabia tão bem quanto ele que esse perigo, na verdade, não existia. Mesmo furioso como estava, jamais a machucaria. Não estava acostumado a lutar sem a vantagem da força física e a sensação era, no mínimo, desconcertante.

"É minha!" Exclamou Mary, puxando o braço que o Kenneth ainda segurava e se soltando. "A semente é sua, mas a criança é só minha. E não quero nada de você, como deve ficar feliz em saber."

Kenneth se encolheu, como se a Mary o tivesse esbofeteado. Não podia deixar mais clara a opinião que tinha dele, o desprezo que sentia por sua pessoa. Só queria uma coisa dele.

De repente, lhe ocorreu uma explicação que o deixou petrificado. Já era suficientemente humilhante que não o levasse a sério ou que pensasse nele como pouco mais do que um pau sempre pronto para a ação, mas, e se houvesse se aproximado dele em busca de algo mais do que paixão? Sua mandíbula enrijeceu de tal maneira que mal conseguiu pronunciar as palavras.

"Minha semente, Mary? Isso é tudo? Por Deus, você planejou isso?"

Ela o olhou, horrorizada.

"Claro que não!"

Kenneth devolveu seu olhar em busca de algum sinal que delatasse o engano ou o sentimento de culpa. Não encontrou nenhum, mas sabia que não devia se deixar enganar pelo ar de inocência que desprendia.

"Se não lhe falha a memória, recordará que não fui eu quem se dedicou a persegui-lo por toda a parte." Falou Mary, que havia notado sua indecisão. "Isto me surpreendeu, tanto quanto a você. Foi um acidente. Fui casada por dez anos com o mesmo homem e só tive um filho. Nem me ocorreu que isso podia acontecer."

Havia levado as mãos à barriga, inconscientemente, e as feições do rosto haviam suavizado. Parecia tão feliz, tão plena, tão diferente da freira morta de fome da qual Kenneth se lembrava, que não pôde evitar que o coração desse um salto.

Queria tocá-la de novo, terminar o que haviam começado, mas não conseguia esquecer que o havia enganado.

"No entanto, está satisfeita por ter acontecido."

Não era uma pergunta, ainda que a Mary houvesse entendido como tal.

"Sim", disse, encarando-o. Me tiraram o meu filho antes que ele completasse seis meses. Pode imaginar o que é isso? Eu era uma criança naquela época, tinha apenas quatorze anos. Nunca tive a oportunidade de ser uma mãe para ele, mas desta vez…" Ficou em silêncio por um instante; a voz a ponto de se quebrar por causa da emoção. "Desta vez vai ser diferente."

Kenneth sabia por alto as circunstâncias do seu passado, mas não sabia que a haviam separado do seu filho sendo um bebê tão pequeno. Lembrou da sua mãe, como havia cuidado dele e dos seus irmãos, tão terna e carinhosa, tão diferente da maioria das mulheres da nobreza. E, agora, se dava conta que a Mary era igual a ela.

Mas não queria sentir pena dela, não queria pensar no quanto ela sofreu. Intencionalmente ou não, havia se aproveitado dele também havia tentado esconder isso dele.

Mary o observava com as mãos sobre a barriga, em um gesto claramente protetor, como se ele fosse uma ameaça para o seu filho. Ela havia lhe conferido o papel de inimigo e Kenneth queria saber por quê.

"Você devia ter me contado."

Ela o fulminou com o olhar, fazendo pouco caso da advertência que havia em suas palavras.

"Que diferença teria feito? Você estava na Escócia e eu tinha acabado de chegar aqui. Estávamos em lados opostos da guerra."

"E agora que já não estamos?"

Mary baixou o olhar e um leve rubor tingiu suas bochechas.

"Não pensei que se importaria. Você é tão prolífico com seus… humm, relacionamentos, que imaginei que não seria a primeira vez que passava por isso. Achei que ia preferir não saber."

Kenneth sentiu que a ira se apoderava dele novamente. Aquela mulher não sabia nada sobre ele.

"Pois eu me importo. Suas suposições estão todas equivocadas. Pode ser que tenha compartilhado a cama com muitas mulheres, algo pelo qual não tenho que me desculpar, mas jamais tive um só “acidente”, como você o chama."

Tampouco havia se permitido gozar dentro de uma mulher, até que havia conhecido a Mary, mas preferia que ela não soubesse disso.

Mary mordeu o lábio. Parecia arrependida e, por mais que odiasse reconhecer, estava adorável.

"Verdade?" Perguntou Mary, levantando o olhar para o seu rosto.

Kenneth ignorou o impulso de mordiscar aqueles lábios com os dele. A ira e o desejo eram uma mistura explosiva, a qual parecia impossível resistir.

"Não, temo que não encontrarei nem um só bastardo meu e não tenho a intenção de permitir que o meu herdeiro seja um."

"Herdeiro? Por que está tão seguro de que será um menino?"

Kenneth cerrou os dentes. "Porque já que não tenho outro remédio a não ser me casar com você para dar um nome à criança, espero que tenha, ao menos, a preocupação de me dar um herdeiro."

Mary empalideceu. "Casar? Você não me entendeu. Não tenho nenhuma intenção de me casar com você. Não é necessário. Já fiz os arranjos-"

"Não dou a mínima para a merda dos arranjos que você fez. Mary se surpreendeu com a crueza do seu vocabulário e ficou ainda mais pálida do que já estava. "Foi você quem não entendeu. Não estou pedindo a sua opinião. Vai se casar comigo e ponto final."

Mary sentiu que seu coração falhou. "Não", conseguiu responder balbuciando, sacudindo a cabeça com força. "Não."

O sorriso do Kenneth era impiedoso. "Não estou pedindo. Você vai se casar comigo se quiser conhecer o seu filho."

Mary olhou nos olhos dele, com aquele olhar duro e implacável, que irradiavam um ódio frio e calculado, e descobriu, horrorizada que ele estava falando sério. O pior de tudo era que ele tinha todo o poder para cumprir suas ameaças. Ela levava a criança no ventre, mas, legalmente, não tinha o mínimo direito sobre ela. No fim das contas, era apenas uma mulher em um mundo comandado por homens. Qualquer independência que havia adquirido até aquele momento não era mais que uma ilusão, e o odiou com todas as forças por fazê-la enxergar a verdade.

Havia subestimado o Kenneth, havia pensado que ele era tão irresponsável e insensível quanto o seu finado marido.

Mas tinha cometido um erro, um terrível e imperdoável, e agora era tarde demais para consertar o estrago. Pela primeira vez, enxergava o belo guerreiro com seu séquito de admiradoras como ele realmente era: uma besta com um coração de aço e uma vontade de ferro, forjada depois de anos de treinamentos e batalhas; um homem que odiava perder, com perseverança para se converter em um campeão. Não se daria por vencido até que conseguisse o que queria. O bebê. Ela. Nada mais importava.

Seu estômago se revirou. Aquilo não podia acontecer. Da noite para o dia, seus medos mais sombrios haviam se tornado realidade. Para evitar que lhe tirassem seu segundo filho, também, teria que se submeter à vontade de outro homem que não se importava com ela. Perderia a capacidade de tomar suas próprias decisões, de controlar sua vida, e se veria obrigada a fazer o que ele quisesse.

E o pior de tudo era que, não só estava em perigo sua independência, mas, também, seu coração. Até mesmo ali, de pé, naqueles aposentos, suportando a ira do Kenneth e a humilhação de saber que estava à sua mercê, uma parte dela se perguntava se as coisas poderiam ter sido diferentes. Com ele, sentia coisas que não queria sentir; havia tentado se proteger ficando o mais longe possível, mas poderia continuar fazendo isso uma vez que fossem marido e mulher?

Estava condenada a outro casamento sem amor? A observar, enquanto seu marido era venerado e adulado por um verdadeiro séquito de admiradoras?

Seu estômago se revolveu. Não ia aguentar. Depois de tudo o que havia sofrido, não queria – não podia – retomar o papel de esposa dócil, confiante e servil. Não seria capaz de fingir que não doía vê-lo abandonar sua cama para ocupar a de outra mulher. Porque sabia que ia doer, ainda mais depois do que havia presenciado naquela mesma tarde.

Mas, que outra escolha ela tinha? Seu coração se apertou. Seu bebê ...

Kenneth nem se incomodou em esperar sua resposta. Pela segunda vez, desde que se conheceram, não se preocupou em pedir sua mão. Não restava outra escolha e ambos sabiam disso.

"Vou falar com Sir Adam e partirei para Londres ao raiar do sol."

"Londres?"

"Edward ficaria furioso se nos casássemos sem a sua permissão. Felizmente, o novo Rei é muito mais romântico que o seu pai, e acredito que posso convencê-lo da necessidade de uma cerimônia rápida e discreta. Temos que nos apressar, agora que a Quaresma está próxima."

Mary se debatia entre a tristeza e o desespero. Já estava arrastando-a consigo, sem se preocupar em perguntar a opinião dela.

"Por que você está fazendo isso?" Ela sussurrou. "Por que está me forçando a casar com você, quando sabe que não tenho nenhum desejo de fazer isso?"

"Já disse a você, meu filho terá o meu nome."

"E depois disso? O que acontecerá depois de ter seu herdeiro, então? Será o suficiente?"

Kenneth a observou em silêncio. "O que você quer dizer?"

Mary levantou a cabeça bem alta e o olhou diretamente nos olhos, desafiante. "Exijo saber o que mais será esperado de mim."

Kenneth estreitou os olhos e franziu os lábios em um gesto tão severo que Mary quase retrocedeu alguns passos.

"Nosso casamento não será de fachada, se você se refere a isso. Não permitirei que me negue o direito de compartilhar a cama com a minha esposa. "

"Mesmo que eu não o queira lá?"

Kenneth a observou longamente e, por um momento, Mary temeu que ele provasse que ela estava errada.

"Você está segura disso, Mary?"

Sua voz era baixa e rouca. Fascinante. Sedutora. Uma tentação impossível de resistir. Mary sentiu que o coração acelerava. Já não tinha certeza de nada. Só com um olhar, Kenneth era capaz de causar um formigamento no seu estômago e uma fina camada de suor em sua pele.

Mas não se deixaria enganar.

"Então, terei que lhe dar mais filhos. Que mais?"

Aparentemente, Kenneth não gostava do tom frio e distante da sua voz. Ele a segurou pelos ombros e a forçou a olhar para ele.

"Por que você está agindo assim, maldição?"

Mary sentiu que seu coração se apertou. Porque já não era a menina tola e inocente de antes. Porque a única forma de se proteger era não ter ilusões ou expectativas pouco realistas. Não queria começar um novo matrimônio como havia feito a primeira vez: cegada pelo amor e cheia de sonhos tolos e românticos. Esta seria uma aliança nascida da necessidade, um acordo de negócios, e tinha a intenção de tratá-la como tal.

"Estou, simplesmente, tentando saber o que espera de mim. É a primeira vez que alguém me impõe um casamento."

Claramente, Kenneth não gostou do sarcasmo que suas palavras destilavam.

"Tem que cumprir com seus deveres e jurar fidelidade, diabos. Assim como em qualquer outro casamento."

Fidelidade. Com que facilidade aquela flecha tinha acertado o alvo, sem nem mesmo precisar apontá-la. "Posso esperar o mesmo de você?"

Não pretendia que fosse mais do que uma ironia, mas pela forma com a qual a olhava, Mary temeu ter falado demais.

"É isso que você deseja?"

Mary disfarçou a vergonha com uma gargalhada. Como se tal coisa fosse possível. "Você esquece que já o vi em ação, por assim dizer. Além disso, já fui casada, antes, e sei como funcionam as alianças entre os nobres. Farei vista grossa para os seus flertes, e uma vez que tiver cumprido com os meus deveres e tiver lhe dado vários filhos, você vai fazer o mesmo comigo. O que queria dizer era, o que eu ganho por trazer os seus filhos ao mundo?"

O olhar do Kenneth endureceu ainda mais e seus olhos brilharam com uma perigosa faísca de aço.

"Você vai ter o meu nome, a minha proteção e será a senhora de todas as terras que o rei achar por bem me devolver. Algum dia o filho que carrega no ventre será o Conde de Sutherland." Se inclinou sobre ela e, ao ver a sombra da barba incipiente, que crescia ao longo da linha da mandíbula, Mary não pôde evitar a lembrança da sensação áspera sobre sua pele. "E, toda vez que lhe chamar para a minha cama, você vai vir. Isso é o que você terá em troca, minha senhora." Mary se encolheu ao notar a dureza das suas palavras. "Mas tenha em conta o seguinte: desconheço quais foram suas experiências passadas, mas saiba que jamais farei vista grossa."

Mary corou, consciente do significado daquelas palavras. A fidelidade era só de um lado. Kenneth esperava que ela fosse fiel, mas não prometia nada em troca.

"Abra os olhos de uma vez", disse a si mesma. "Nada de ilusões."

Decidiu endurecer o coração. Era uma aliança, nada mais. Ele havia deixado bem claro e ela ia lembrar disso muito bem.

"Entendo que você vai assumir a tutela do meu filho e do seu futuro matrimônio."

Ele franziu o cenho por um instante, como se não tivesse pensado nisso.

"Sim."

Como seu marido, era natural que quisesse o controle sobre o jovem Conde de Atholl. Acabara de trocar de lado, mas o poder e a influência que conseguiria se casando com ela, seguiam os mesmos. Na verdade, Mary sabia que Sir John também tinha levado isso em conta.

Sir John. Ele não ficaria muito satisfeito quando soubesse da notícia, pensou Mary, mordendo o lábio. Mas não havia nada que pudesse fazer, só esperar que compreendesse.

Sabia que estava presa e que não tinha outra opção. Protegeria seu coração com uma couraça e se asseguraria que Sir Kenneth cumpriria sua parte do trato.

"Você vai nos proteger, a mim e aos meus filhos?"

Kenneth a observou com cautela.

"Sim."

"E não vai fazer nada que possa nos colocar em perigo sem me consultar antes?"

Por um instante, acreditou ver algo em seus olhos, mas em seguida, a boca do Kenneth se transformou em uma linha fina e Mary supôs que não havia sido mais do que fruto do seu temperamento.

"Estamos em guerra, Mary, mas você tem a minha palavra que farei tudo ao meu alcance para mantê-los seguros."

"Isso não é suficiente. Preciso que me dê sua palavra que não vai tomar decisões que afetem a todos nós, sem me consultar antes. Não passarei por outro casamento como o primeiro."

Sir Kenneth fez uma careta. Era evidente que não gostava de se sentir encurralado. Bom, pior para ele. Ela também não gostava nem um pouco e era precisamente o que ele estava fazendo ao forçá-la a se casar com ele.

"Tentarei", concordou finalmente.

Se encararam fixamente, em silêncio, e Mary teve a sensação que Sir Kenneth queria lhe dizer alguma coisa, mas também sentiu que ele estava dizendo a verdade. O que ela poderia fazer, além de confiar nele? Rezou para que fosse mais digno da sua confiança do que o Atholl havia sido. Sua vida e a dos seus filhos estavam nas mãos dele. Finalmente, assentiu. Teria que se conformar com aquela promessa vaga.

"Nesse caso, esperarei seu retorno de Londres."

Ele se virou e vacilou por um instante, como se quisesse falar alguma coisa, mas logo em seguida se dirigiu à porta. Estava prestes a fechá-la atrás de si, quando Mary o deteve.

"Sir Kenneth."

Ele a olhou por cima do ombro.

"Sim, minha Senhora?"

Seus olhos se encontraram. Tenha cuidado.

"Que Deus o abençoe", ela sussurrou.

Sir Kenneth assentiu e seus lábios esboçaram um meio sorriso quase infantil.

Mary sentiu que o coração falhava, paralisado por um desejo tão poderoso que mal conseguia respirar. Quando a olhava daquela maneira, sentia que podia voltar a acreditar em contos de fadas, nas histórias dos cavaleiros bonitos e galantes que povoavam os sonhos e o coração de todas as meninas.

Santo Deus, como poderia se proteger de algo tão poderoso?

O que ia fazer?

O que sempre fazia. Tirar o melhor de cada situação. Mas, quando a porta se fechou atrás dele, Mary se deixou cair na cadeira, cobriu o rosto com as mãos e desatou a chorar.


Capítulo Dezesseis


Igreja do Convento de Coldingham,

Berwickshire


Uma semana mais tarde, Kenneth estava na frente do altar do Convento de Coldingham junto ao Sir Adam e ao Bispo de Sanint Andrews, que acabava de regressar da Escócia, esperando sua futura esposa.

A viagem a Londres havia sido mais bem-sucedida do que esperava, graças, em parte, a um dos homens que estava ao seu lado. Sir Adam havia facilitado as coisas, primeiro com Cornwall e Percy, para que pudesse sair de Berwick, oferecendo-se para acompanhá-lo até o digníssimo Rei Edward.

Graças ao seu velho amigo, não só havia obtido a permissão do Rei, mas também uma história com a qual justificar o anúncio inesperado do seu casamento. Um encontro casual entre os inimigos, na Escócia, um compromisso secreto e um amor tão forte que havia feito, inclusive, com que um dos enamorados trocasse de lado na guerra. Ironia da vida, o matrimônio não só serviria para legitimar o bebê que estava a caminho, mas também os motivos pelos quais estava na Inglaterra.

Se a história fosse real, já podiam se considerar casados. Segundo a tradição, se um casal de prometidos consumasse sua relação, isso bastava para criar os laços matrimoniais. Entretanto, a Igreja não se mostrava muito partidária desse tipo de união clandestina, de modo que haviam decidido celebrar uma cerimônia, ainda que privada. Já que não haviam tido tempo hábil para anunciarem os proclamas, o Bispo de Durham – que exercia a autoridade sobre a Abadia de Coldingham e sobre o Bispo escocês de Saint Andrews enquanto ele permanecia na Inglaterra – lhes havia concedido uma licença especial para que pudessem se casar imediatamente. Pensando na Mary e na recente viagem de ambos, Sir Adam havia sugerido que Lamberton se ocupasse de oficiar a cerimônia. Kenneth suspeitava que ele o Bispo ainda eram fiéis ao Bruce, de modo que lhe convinha comunicar o matrimônio ao Rei o quanto antes, por mais que tarefa não fosse das mais agradáveis.

A viagem só podia ter sido mais exitosa se tivesse conseguido descobrir alguma informação importante para a missão. Infelizmente, a única incursão noturna aos aposentos do Rei que lhe foi permitida, sempre debaixo do olhar atento do Sir Adam e dos seus homens, não havia resultado em nada de valor. De fato, até o momento só havia corroborado o que já sabiam. Os ingleses estavam se agrupando em Berwick e o Rei se untaria a eles na primavera. Até agora, sua missão só havia proporcionado duas coisas: um braço ferido e, pouco mais tarde, uma esposa. Nenhuma das duas bastaria para impressionar o Rei, nem o resto dos seus companheiros da Guarda. Fazia parte da equipe, certo, mas até provar o seu valor, seguia sendo um simples recruta.

Quando um dos monges se aproximou do Bispo para lhe informar que a noiva havia chegado, Sir Adam puxou o Kenneth para o lado.

"Está seguro que quer seguir adiante com isto? Se tem alguma dúvida..."

"Não tenho dúvida nenhuma", insistiu Kenneth, desta vez com mais seriedade que antes.

Apesar de continuar irritado com a Mary por haver tentado esconder a existência do seu futuro filho, e pretendia lhe dar uma boa lição por causa disso, com o passar das horas sua mente foi se acalmando e agora já pensava com mais frieza. Se arrependia das ameaças que havia proferido para obrigá-la a aceitar, produto, sem dúvida, da tensão do momento. Jamais pensaria em afastá-la da criança – não era nenhum monstro – mas naquele momento, só se preocupou em fazê-la aceitar a todo custo. Era a única coisa que importava, o que, no fundo, não fazia nenhum sentido. Nunca havia se preocupado com quem acabaria se casando, desde que fosse uma mulher, no mínimo, aceitável. Queria pensar que, na realidade, se tratava do bebê, mas sabia que não era inteiramente verdade. Uma parte dele queria casar com a Mary.

Só Deus sabe o porquê. Desde que se conheceram lhe havia causado mais problemas do que qualquer outra mulher e sempre parecia disposta a enfrentá-lo. Não cumpria nenhum dos requisitos que o Kenneth buscava em uma esposa. Bem, ao menos, era fogosa.

"Sei o que estou fazendo", adicionou, com o pensamento na noite de núpcias.

Imediatamente, pareceu ver alguma coisa no rosto do Sir Adam que o deixou pensativo, e não era a primeira vez. O cavaleiro ficou devendo muitos favores para ajudá-los e, ainda que o Kenneth fosse grato por isso, também havia começado a suspeitar do motivo de tanta bondade. Não o fazia pela amizade que os unia, nem sequer pela recordação do Atholl, mas sim porque estava apaixonado pela Mary.

"A moça já sofreu o suficiente. A perda dos pais, dos seus irmãos e irmãs, incluindo sua gêmea..." Kenneth não sabia que a Mary tinha uma irmã gêmea. Logo tiraram o seu filho, sendo ainda tão jovem e, para completar, Atholl..." Sir Adam guardou silêncio um instante, como se procurasse as palavras adequadas. "Atholl partiu seu coração antes de se envolver na rebelião. Nem ela mesma sabe quão perto esteve de acabar entre as grades.

Kenneth sentiu uma pontada no peito. Não sabia se era por causa da menção do seu esposo, que ela evidentemente havia amado, ou porque planejava fazer o mesmo que ele e se sentiu culpado. Talvez, por tudo isso. Havia feito uma promessa que não planejava cumprir. Ademais, se arrependia de haver ocultado o verdadeiro propósito da sua presença na Inglaterra, ainda que tivesse sentido a tentação de lhe confiar os planos da Guarda – algo que não tinha intenção de fazer. Era mais seguro para ela permanecer na ignorância se algo não saísse bem. Mary havia feito a sua escolha naquela noite em que se entregou ao Kenneth na biblioteca e, agora, os dois teriam que lidar com as consequências.

O que não sabia ao certo era como o Bruce reagiria quando soubesse do matrimônio. O certo era que aquilo complicava a missão. Kenneth sabia que o Rei não queria que sua ex cunhada ficasse em perigo de maneira nenhuma, mas também sabia que se pudesse persuadir a Mary de convencer o seu filho a trocar de lado, Bruce ficaria encantado de ter o jovem Conde de volta à Escócia. Suficientemente encantado, ao menos, para esquecer que havia seduzido sua querida cunhada e que, além disso, a engravidara.

Já não o impulsionava, unicamente, o orgulho ferido, mas sim que agora tinha uma missão: pensava em se assegurar que, quando chegasse o momento, a Mary estivesse pronta para se juntar a ele. Desejando-o muito, com cada centímetro do seu corpo. Entretanto, no momento, as coisas não avançavam no ritmo desejado. Kenneth estava acostumado que as mulheres o perseguissem, assim não tinha muita experiência na arte do cortejo. Nunca, antes, havia cortejado uma mulher, mas tampouco podia ser tão difícil, não é?

A Mary não era tão indiferente a ele como pretendia fazê-lo acreditar. Que Deus o abençoe. Aquelas palavras o haviam surpreendido. Se preocupava com ele, no final das contas, então, talvez, não fosse tão difícil quanto pensava.

Por alguma estranha razão, ouvir o nome do Atholl o irritou. De algum modo, o lembrava que voltava a ser o segundo, desta vez como marido, ainda que ao mesmo tempo fosse uma oportunidade de ouro para saber mais sobre a Mary.

"O que aconteceu?"

Sir Adam vacilou de novo. Sua lealdade com o Atholl o fez medir as palavras com cuidado.

"A Mary era apenas uma criança quando se casaram e o Atholl, bem, estava no auge. Era um dos melhores cavaleiros da corte, atraente, encantador.... Todo mundo o adorava, incluindo sua jovem esposa. Mas ele estava ocupado demais empunhando a espada em busca de glória e aproveitando para levantar as saias de metade das mulheres da corte, para se preocupar com os sentimentos de uma menina. A obrigação de ir para a cama com uma criança, como ele a chamava, era desagradável, mas cumpria o seu dever. O tempo foi passando, mas ele continuava enxergando-a como uma criança. Tinha todas as damas da corte aos seus pés e não via necessidade de ocultar isso da sua esposa. Nunca esquecerei o rosto da Lady Mary no dia em que descobriu a verdade." Tinha um olhar nostálgico que despertou a simpatia do Kenneth, ainda que, segundos mais tarde, voltasse o olhar para ele, com o cenho franzido. "Espero que seja mais cuidadoso."

Kenneth desviou o olhar e, por um momento, se arrependeu de haver perguntado. Queria uma visão mais precisa da Mary e a havia conseguido. Libertino. Agora compreendia a origem do seu desprezo e da sua desconfiança.

Entretanto, isso não significava que pensava em se atar a uma mulher para o resto da eternidade. Em qualquer outro momento teria começado a rir às gargalhadas, mas agora o que tinha vontade de fazer era franzir o cenho. Mary de Mar ocupava os seus pensamentos – e os seus sonhos – há cinco meses, mas o mais provável era que aquilo não durasse muito mais.

Ainda assim, não se considerava um cretino insensível, pelo menos, não sempre. Teria cuidado e não alardearia suas aventuras.

"Serei."

Era evidente que a sua resposta não havia satisfeito o Sir Adam. Por um momento, pareceu que ia falar mais alguma coisa, mas, então, a Mary entrou na igreja e todos os olhares se voltaram para ela.

Kenneth ficou sem respiração. O ardor que vinha atormentando o seu peito há poucos momentos, se intensificou. Estava ... linda. Uma criatura quase sobrenatural, algo que não pertencia a este mundo. Um raio de sol iluminou seu cabelo, projetando um halo dourado ao seu redor. O vestido era de seda azul, tão claro e iridescente que parecia feito de prata, e também brilhava a cada passo que ela dava em direção ao altar.

Kenneth nem havia se dado conta que o David caminhava junto à sua mãe. Só via os lindíssimos olhos azuis da Mary presos nos seus, com aquele olhar meio indeciso e desconfiado, e palidez da sua pele formosa, translúcida e branca como o leite. Como ela ocupava toda a sua mente, esqueceu como era pequena na realidade, apesar de que a enormidade da igreja, com suas colunas e os tetos abobadados, a faziam parecer especialmente pequena e vulnerável.

Estava assustada, maldição, e por mais irritado que estivesse com ela, não gostava de vê-la assim. Se dirigiu até a Mary pelo corredor da igreja e percorreu a distância que os separava com poucas passadas.

"Minha Senhora", lhe disse, estendendo a mão para ela.

Mary abriu ainda mais os olhos diante daquele gesto de cortesia, mas, depois de alguns segundos de incerteza, colocou os dedos minúsculos sobre a mão do Kenneth. Deus, eram tão suaves e estavam tão frios. Colocou a mão dela ao redor do seu braço e, juntos, percorreram o caminho até o altar, onde Sir adam e o Bispo os aguardavam.

Cortejar sua esposa, no fim das contas, não ia ser tão difícil como havia pensado.

*


Mary não esperava ficar tão nervosa, sobretudo se levando em conta que aquilo não era mais do que um matrimônio por conveniência. O Rei Edward ficaria irritado? Estava de acordo? O que não a preocupava em absoluto era o Kenneth...

Ao menos, era o que dizia a si mesma uma e outra vez. Entretanto, na noite anterior, quando havia recebido a nota em que Sir Kenneth a convidava a se reunir a ele na abadia no dia seguinte, ou quando o havia visto cruzar a igreja ou de pé junto ao altar...

A pressão que sentia no peito a fazia pensar algo muito diferente.

Era tão grande e tão forte, tão atraente. Parecia impossível que, dentro de alguns instantes, se tornaria seu esposo.

O que iria fazer? Como conseguiria criar uma couraça ao redor do seu coração se, a cada vez que o via, sentia aquela explosão de emoções?

Não importava o quanto abrisse os olhos porque seu coração sempre estaria cego.

A consideração que havia demonstrado com ela, não mais nada além de piorar as coisas. Quando se aproximou para lhe oferecer o braço – para oferecer-lhe a segurança da sua companhia – Mary achou preferível a indiferença do Atholl, muito mais fácil de combater do que o cavalheirismo do Kenneth.

Entretanto, tinha que admitir que sentir a força daquele braço sob a sua mão durante toda a cerimônia havia sido como um bote salva vidas, algo sólido no qual se agarrar naquela neblina que ameaçava subjugá-la.

Estava acontecendo outra vez, estava colocando a sua vida nas mãos de outro homem. Seu instinto gritava que parasse, que não seguisse adiante, mas que outra coisa podia fazer?

Tudo havia acontecido muito rápido. Em um momento estavam discutindo os termos do acordo que haviam chegado com o Rei – Edward havia decidido devolver parte das propriedades em Kent, que haviam sido confiscadas depois da captura do Atholl – no seguinte, se encontravam na frente das portas da igreja, cumprindo a formalidade de recitar seus votos em público – ainda que só houvessem monges presentes que nada tinham a objetar – mas, antes que se desse conta, Kenneth os havia selado com um beijo casto.

Ao menos, assim era como devia ter sido, mas no momento em que seus lábios se roçaram, Mary sentiu uma explosão de desejo se propagando por todo o seu corpo, que era qualquer coisa, menos casta. Podia afirmar, inclusive, que era puramente carnal. Kenneth também sentiu. Seus dedos permaneceram um instante sobre a sua pele, acariciando a curva do seu queixo.

Quando, finalmente, levantou a cabeça, seus olhos se encontraram sob a luz suave da manhã. Pareciam ser as duas últimas pessoas sobre a face da terra. Tudo ao seu redor se desvaneceu, por alguns momentos. Mary não conseguia definir o que havia acabado de ocorrer entre os dois, somente que parecia importante.

Mary se surpreendeu ao descobrir que a cerimônia havia terminado. Ainda estava aturdida, ainda que, desta vez, a culpa fosse do beijo. Por ser viúva, não havia benção nem tampouco uma missa, depois que os votos foram recitados. Dadas as circunstâncias, tampouco celebrariam com um banquete para comemorar o matrimônio.

Assim, sem mais preâmbulos, Mary se tornou a esposa do Sir Kenneth e seu filho herdeiro legítimo dos Sutherland, sem que importassem os meses que durariam até o seu nascimento.

Aceitou os cumprimentos do Sir Adam e também do Bispo, muito mais entusiasmado que o cavaleiro, antes de se virar para o seu filho. Se alguém estava mais surpreso que ela com a rapidez do matrimônio, esse era o Davey. Estava muito envergonhada para lhe contar a verdade. Ela o faria, pensou, quando encontrasse o momento adequado.

"Sei que tudo isso foi uma surpresa para você", ela disse. "Espero que não esteja decepcionado."

Mary sabia que o Davey estava convencido que sua mãe casaria com o Sir John, inclusive desejava aquilo, mas seu rosto, no momento, era impossível de decifrar. Sentiu que alguma coisa se rompia em seu interior ao recordar como havia adquirido aquela estranha habilidade, e amaldiçoou o Atholl, a guerra e ao destino por haver levado a infância do seu filho com tanta crueldade.

"É a sua vida, mãe. Espero que Sir Kenneth a faça feliz."

Ser feliz era pedir muito. Mary se conformava em não estar completamente desgraçada.

"Também quero que você seja muito feliz." A ideia parecia desconcertante para o Davey, e Mary não pode evitar sentir outra punhalada de culpa. Pegou a mão dele e a segurou entre as suas. "Você é uma parte muito importante da minha, sempre foi. Inclusive quando não estávamos juntos, não havia um só dia em que não pensava em você."

Ele a olhou por um momento e a expressão sempre tão solene do seu rosto, se transformou. Mary acreditou ver o reflexo de um anseio muito parecido com o seu e a surpreendeu a ideia de que seu filho e ela se pareciam mais do que acreditava. Ambos estavam percorrendo novos caminhos e não sabiam como se aproximar um do outro.

"Eu também pensava muito em você."

Mary sorriu, feliz e agradecida pelo presente que seu filho acabara de lhe dar, enquanto uma torrente de lágrimas ameaçava transbordar a qualquer momento.

Sir Kenneth – seu esposo – que até o momento havia estado falando com Sir Adam e com o Bispo, se voltou para ela.

"Se está pronta, devemos nos colocar a caminho."

Mary tentou engolir o nó que havia se formado na garganta. De imediato, se deu conta que nem sequer sabia aonde iriam. Sir Kenneth podia enviá-la para onde quisesse sem que ela pudesse dizer nada a respeito.

Novamente, se surpreendeu ao constatar quão observador era o seu novo marido.

"Receio que devo voltar o quanto antes para o castelo. Pensei que poderia voltar comigo, mas se tem outros planos..."

"Não", disse ela. "O castelo está ótimo." Por um momento, havia receado que a mandasse para longe, quando o que ela mais queria era estar perto do Davey o maior tempo possível.

"Muito bem. Darei as instruções necessárias para que movam seus pertences para os meus aposentos. Sir adam, muito amavelmente, nos cedeu o uso dos seus."

Mary empalideceu. Santo Deus! Iam compartilhar o quarto. Por que não havia pensado nisso, até agora? De repente, já não lhe pareceu tão horrível a ideia de enviá-la para longe dali. Procurou o filho com o olhar. O desejo de estar com o Davey batia de frente com tudo o que implicava dividir o quarto com seu marido.

Não permitirei que me negue o direito de compartilhar a cama da minha esposa.

Imediatamente, pensou na noite que tinha à frente e que parecia muito longa. Não era a primeira vez que se casava, de modo que sabia perfeitamente o que esperar. O nó que tinha na garganta ficava cada vez maior. Não é expectativa, é ... estupidez!

"Minha Senhora?" Sir Kenneth lhe ofereceu o braço novamente. A julgar pela expressão em seu rosto, o meio sorriso e a sobrancelha arqueada, havia adivinhado a origem da sua preocupação. Com um último olhar para o Davey, se concentrou em ignorar a desconfiança que ia abrindo caminho dentro dela, lentamente, e deslizou a mão na do seu esposo. Só conseguia pensar na noite que tinha pela frente.

*


Mary olhou pela janela da torre para o pátio de armas, mas conseguiu enxergar pouca coisa sob a luz tênue das tochas. Os nervos, que haviam se convertido nos seus fiéis companheiros enquanto esperava a chegada do seu novo esposo, haviam começado a evaporar à medida que a noite avançava. De fato, já era tão tarde que já fazia um bom tempo que havia começado a imaginar a possibilidade que o Kenneth nem sequer sentiria falta da sua presença.

Ela o viu sair do castelo a cavalo, como parte de uma comitiva importante de soldados, todavia, ainda não tinha regressado. Não que a Mary estivesse vigiando a sua chegada, claro que não. Tinha, somente, o hábito de olhar pelas janelas das torres, todo o tempo.

Ainda que, normalmente, não na metade da noite.

Fazia horas que havia dispensado suas criadas. Devia ser quase meia noite. Será que havia acontecido alguma coisa? Será que ele pensou melhor?

Passou uma mão sobre o ventre e acariciou o suave montículo que se elevava sob a palma da sua mão. Não se sentia particularmente inchada, mas havia mudado bastante desde a última vez que Sir Kenneth a tinha visto. Havia engordado demais? Quem sabe não gostava da ideia de se deitar com uma mulher grávida.

Até agora não havia se preocupado muito com a sua aparência. E se já não a achava tão atraente?

Ficaria encantada, claro. Isso a livrava de cumprir com suas obrigações maritais e seria muito mais fácil manter a si mesma – e ao seu coração – a uma distância prudente. Entretanto, o que sentia nesse momento pouco tinha a ver com alívio. Na verdade, o vazio que carregava no peito se parecia muito mais com decepção.

Resignada com aquele matrimônio e também que Sir Kenneth pretendia deitar com ela, Mary sabia que não seria capaz de controlar o desejo, de modo que também havia se resignado a sentir paixão. Ficou corada ao recordar a dureza das suas palavras. Enquanto conseguisse manter essa mesma postura, restringir a relação unicamente à paixão, seu coração estaria a salvo.

Como sempre, estava decidida a tirar proveito daquela situação, também. Que outra coisa podia fazer?

Com um suspiro, Mary regressou para a cadeira sobre a qual havia deixado o trabalho. A cama se elevava, ameaçadora, à sua direita, mas havia concentrado todos os seus esforços para ignorá-la. Havia sido um dia longo, entre mudanças e perguntas indiscretas sobre o casamento, mas apesar de tudo, Mary sabia que, se fosse para a cama, não conseguiria dormir, ao menos não em breve, então preferiu aproveitar o tempo com algo mais produtivo. Além do mais, já havia quase terminado a touquinha do bebê. Havia investido muitas horas nela e era uma das suas melhores peças.

Pegou os óculos na caixa, colocou-os sobre o nariz e começou a trabalhar. Já havia perdido a noção das horas há algum tempo que, de repente, a porta se abriu.

Mary se sobressaltou e sentiu que o coração acelerava. Era o seu esposo. Ao que parece, havia decidido dar o ar da sua graça.

Sir Kenneth entrou no aposento e ela sentiu que uma onda de calor a envolveu dos pés à cabeça. Expectativa, nervoso e inquietude, tudo mesclado em um magma insolúvel. Sir Kenneth tinha o direito de estar ali, mas Mary não podia evitar de sentir como se houvessem invadido o seu espaço. A mera presença dele bastava para dominar o recinto todo. Por isso, e tendo em conta a imponência do seu físico, era ainda mais curioso que nunca havia se sentido intimidada por ele. Era grande e corpulento, agressivo, os músculos esculpidos com precisão. Parecia que tinha nascido para lutar em uma arena. Um gladiador da antiguidade, com toda a virilidade e a violência dos seus ancestrais e um fogo, apenas, contido com o qual alimentá-la. Entretanto, não era medo o que a Mary sentia na boca do estômago, o que acelerava seu pulso e causava um formigamento por todo o seu corpo.

Ele era atraente por natureza. Tinha o cabelo molhado que caía em suaves ondas ao redor so rosto. Mary não sabia de onde vinha, mas era evidente que havia se preocupado em tomar um banho. O que não fez foi se barbear, e a sombra de uma barba incipiente marcava sua mandíbula, por si só robusta e masculina. Havia retirado a armadura com a qual havia saído do castelo naquela mesma tarde e em seu lugar usava um manto simples sobre a camisa de linho e os calções.

O coração da Mary doía só de olhar para ele. Quem dera fosse uma dessas mulheres imunes à beleza masculina. As coisas seriam muito mais fáceis.

"Ainda acordada? Pensei que já estivesse na cama."

"Estava a ponto de me deitar", mentiu Mary. "Onde você estava?"

Atholl sempre havia odiado que perguntasse sobre suas ausências, mas o Kenneth nem sequer se irritou.

"Fui com o Percy perto da Abadia de Kelso. Ao que parece, alguém viu rebeldes pela área, mas quando chegamos já haviam sumido há muito tempo."

"Fico surpresa por ter voltado tão rápido. Kelso é bastante longe daqui."

"Quase todo o destacamento resolveu passar a noite lá, mas eu estava louco para voltar."

Ele sorriu e Mary não conseguiu reprimir um calafrio de prazer. De imediato ficou consciente de duas coisas: estavam sozinhos e eram marido e mulher.

Para sua surpresa, Sir Kenneth preferiu não seguir por aquele caminho. Se aproximou da mesa, sobre a qual descansava uma jarra de vinho, se serviu de um copo e se deixou cair sobre uma das cadeiras, exatamente na frente da Mary. Ela tentou não olhar para as pernas musculosas e imponentes, mas Santo deus, o couro negro se agarrava aos músculos como uma segunda pele! Estava esgotado – tinha olheiras debaixo dos olhos e a pele ao redor da boca ligeiramente franzida – mas não parecia ter pressa.

Mary desviou o olhar para a pequena lareira que havia à sua esquerda, entre os dois, mas o fogo que ardia nela não parecia que vinha de lá. Era ele. Ou os dois. Tomara que aquele comichão em seu estômago desaparecesse, pois não conseguia pensar...

"Me surpreende que eles o deixem se mover com tanta liberdade", disse a Mary, tentando acabar com o silêncio que ficava cada vez mais incômodo.

Sir Kenneth esboçou um sorriso irônico.

"Você viu os meus cães de guarda, não é? Sim, bem, parece que relaxaram um pouco. Nosso casamento foi de grande ajuda. Percy está quase convencido da minha lealdade."

"Sir Adam me contou sobre os detalhes que você adicionou especialmente para a versão que contou ao Rei. Não devem conhecê-lo muito bem se acreditam que você mudaria de lado somente pelo amor de uma mulher."

Sir Kenneth arqueou uma sobrancelha.

"E você conhece?"

Seus olhares se encontraram e Mary sentiu que ruborizava. Kenneth tinha razão, mal o conhecia. Suas opiniões eram baseadas, unicamente, em suposições. Assim se tornava muito mais fácil mantê-lo distante.

"De fato, creio que tem muito mais a ver com a tutela do David. Por que faria algo que pusesse em perigo uma oportunidade como essa? Meus interesses, como pode ver, estão todos na Inglaterra."

Mary não pôde evitar de se sentir decepcionada.

"E essa é a única coisa que importa?"

"Todos fazemos o que precisamos fazer, Mary. Acaso você não está na Inglaterra precisamente por isso? Seus interesses e os do Davis estão aqui. Ou, quem sabe, é contrária às aspirações do Bruce?"

"Claro que não", respondeu de forma automática. Logo, aos dar conta que suas palavras podiam ser consideradas como traição, adicionou, "Robert e eu somos cunhados duas vezes. Sua irmã e ele eram casados com dois dos meus irmãos. Sempre senti um grande afeto por ele."

Sir Kenneth permaneceu em silêncio por alguns segundos, mas, em seguida, mudou de assunto.

"É para o bebê, não é?" Perguntou, apontando para a touquinha que a Mary havia deixado sobre o colo, ao vê-lo entrar.

Ela assentiu. Imediatamente, recordou que estava usando os óculos e tentou tirá-los com a maior naturalidade que fi capaz de fingir.

"Posso ver?"

Mary lhe entregou o gorro e esperou, ansiosa, pelo seu veredito enquanto ele o examinava com tanta dedicação que o mestre Bureford teria sentido orgulho dele.

"É magnífico", anunciou, finalmente.

Mary disse a si mesma que não devia se sentir tão satisfeita, mas não conseguiu deter a explosão de prazer e orgulho que a inundou.

"Obrigada", conseguiu dizer, envergonhada pela própria reação.

"Você os vendia, de verdade?"

Mary se sentiu, repentinamente, incomodada, convencida que Sir Kenneth não tardaria a expressar seu desgosto pela ideia.

"Sim", respondeu, e tinha a intenção de continuar fazendo isso, mas como não sabia como ele reagiria diante da notícia, preferiu guardar para ela.

"Confesso que estou impressionado. Suponho que não deve ter sido fácil."

Simpatia? Era a última coisa que esperava dele e o que menos precisava nesse momento. Por si só a atração que sentia já era suficiente – uma atração tão intensa que, às vezes, não conseguia sequer pensar com clareza – e ainda por cima começava a parecer boa.

"Não foi, mas já faz muito tempo e é uma época da minha vida na qual prefiro não pensar."

Mary não sabia se seu esposo havia percebido o muro que havia levantado ao redor do seu passado. Pelo menos, não dava mostras disso.

"Talvez, algum dia, você possa bordar alguma coisa para mim", disse Kenneth e lhe devolveu a touca.

Mary ficou paralisada, como se houvesse recebido uma patada no peito. Nada podia tê-la surpreendido mais do aquele pedido. Imediatamente, lembrou das horas intermináveis que havia investido no bordado de uma túnica para o Atholl, que a havia atirado de qualquer maneira sobre a cama, sem um único olhar. Ela havia colocado todo o seu amor naquele presente e ele o havia rechaçado como se não valesse nada. Para ele, qualquer coisa que a Mary fazia não tinha valor algum.

E agora o Kenneth pedia que bordasse alguma coisa para ele? Pela primeira vez, não se fixou nas semelhanças entre ambos, e sim nas diferenças, ainda que parte dela preferisse não fazer isso.

"Talvez", respondeu, um tanto na defensiva.

Kenneth a observou por cima da borda do copo, como se tivesse consciência que havia tocado em um ponto delicado e tentasse determinar a fonte.

Mary retomou o trabalho para evitar que seus olhares se encontrassem, mas ela a observava com tanta intensidade que se espetou com a agulha, algumas vezes.

Quanto mais o silêncio se prolongava, mais rápido batia o seu coração. As mãos suavam, sua garganta secou, voltou a ter um nó na garganta e um bando inteiro de borboletas revoavam no seu estômago.

Ele também estava ficando tenso em alguns momentos. Se levantou da cadeira para encher o copo de vinho, murmurando algo sobre um gole de uísque. Olhando com o rabo de olho, Mary viu quando esvaziou o copo de uma só vez e o colocou na mesa com um golpe seco.

"Pretende passar a noite inteira nisso?" Perguntou.

Surpresa, Mary depositou a touca lentamente sobre a mesa. Meus Deus, ele está nervoso! Parecia incrível que um guerreiro como ele, arrogante, vaidoso e sempre rodeado de mulheres, pudesse ficar nervoso. Resultava encantador e muito terno, duas palavras que jamais havia imaginado que acabaria usando para descrever Kenneth Sutherland.

"Poso deixá-lo já, se é isso o que quer."

De repente, a atitude do seu esposo mudou. Xingou entre os dentes e passou as mãos pelo cabelo, ainda úmido.

"Maldição, me perdoe", se desculpou e lhe dedicou um daqueles sorrisos que aterrissou no peito da Mary com um ruído surdo. "É a primeira vez que faço isto." Ao ver que ela arqueava a sobrancelha, começou a rir. "Me refiro à noite de núpcias", esclareceu.

Mary tinha experiência, mas o pouco que recordava não tinha nada a ver com o que estava vivendo aquela noite. Mas não era mais que uma menina assustada, que ignorava o que vinha a seguir e que sentia uma adoração incondicional por um marido mito mais velho que ela. Era tão vergonhoso e sentia tão intimidade que havia dito uma única palavra. O que recordava era a sensação de decepção, a dor e a vergonha.

Agora, entretanto, era uma mulher feita, também mais nova que o seu marido, mas não tanto, mas sim, muito mais forte. Mais atrevida. Já não sonhava com supostos cavaleiros montados em cavalos brancos. Sabia que esses heróis não existiam, que não nada além de homens. Ainda estava assustada, reconhecia, pelo que sabia que ia passar, por mais que o desejasse. Kenneth havia falado mais, em apenas alguns instantes, do que o Atholl em todo o tempo que haviam sido casados.

"Suponho que será como qualquer outra noite", disse Mary, tratando de dissimular um sorriso, "mas se preferir, podemos esperar..."

Era o pior que podia haver dito, ou talvez, o melhor. Kenneth cruzou o aposento em três passadas a levantou da cadeira e a envolveu nos seus braços.

"Nem pensar, querida. Não vai se livrar de mim tão facilmente."

Livrar-se dele. Enquanto a abraçava, enquanto aquela sensação cálida e deliciosa se estendia por todo o corpo dela, Mary pensou consigo mesma que aquilo era, precisamente, o que devia fazer. Se livrar dele. Ou, talvez não.


Capítulo Dezessete

A antecipação vinha crescendo dentro dele o dia todo. No momento em que o Kenneth entrou no quarto, estava pronto para pegá-la, atirá-la na cama e se perder no turbilhão de esquecimento e entrega.

Não havia estado com outra mulher desde…

Nem queria pensar nisso. Tinha feito amor com outra mulher desde aquela noite em Dunstaffnage? Não conseguia se lembrar. Mentiroso.

No início estava furioso demais, maldição, e depois tão ocupado em ganhar um posto na Guarda, que não havia encontrado o momento.

Oportunidades, teve de sobra; simplesmente, não tinha encontrado motivação necessária para agir. O simples ato de não fazer absolutamente nada lhe parecia esforço demais, o que não fazia nenhum sentido, especialmente tendo em conta tudo o que estava fazendo ultimamente pela Mary.

Apesar do estado lastimável do seu pênis, não precisava ter mais que um vislumbre dela para acabar com uma dor considerável nas partes nobres, se esforçou em levar as coisas com calma. Cortejá-la. Seduzi-la. Deixá-la à vontade. Nada daquilo devia deixá-lo nervoso.

Nervoso? Inferno, nunca tinha ficado nervoso com uma mulher. Nunca. Nem mesmo quando era jovem e inexperiente.

Claro que era a primeira vez que ia fazer amor com a sua esposa. Nunca, antes, havia tido que se preocupar em fazer as coisas bem. Queria que fosse perfeito. Pelo bem da missão, obviamente.

Mas, no momento em que a envolveu em seus braços, foi como se o nervosismo desaparecesse. Voltava a pisar em terreno firme. Nada de pensamentos. Nada de conversas. Hora de deixar o instinto assumir.

"Não estava tentando me livrar", Mary sussurrou.

"Verdade?" Kenneth deslizou a mão lentamente por suas costas. Gostava de sentir como ela estremecia contra o corpo dele.

Mary negou com a cabeça.

Parecia tão doce, tão inocente, que não pôde mais se conter e e se abaixou sobre os seus lábios com um grunhido. O desejo se avolumava dentro dele com a violência de um turbilhão. Tentou se conter, impor um ritmo mais lento enquanto saboreava o doce mel dos seus lábios com uma carícia suave e terna, e deixou que seus lábios se movessem sobre os dela em uma dança lenta e sensual.

Santo Deus, era como tocar o céu com a ponta dos dedos. Deslizou a língua, mais e mais para dentro, imitando o ritmo co o qual queria fazer amor com ela. Apertou os braços em volta da sua cintura e a puxou contra ele, mas, imediatamente, a curva suave do seu ventre o deteve.

Inferno, como podia não ter pensado no bebê?

"Não sei se esta é uma boa ideia", disse, afastando-se ligeiramente dela.

O rosto da Mary se transformou em um instante, de uma expressão sonhadora para outra muito diferente, pálida e abatida, mesclada com algo mais que não conseguiu identificar imediatamente. Talvez, vulnerabilidade?

"Claro", disse ela, baixando o olhar e tentando se afastar dele. "Me vejo todos os dias no espelho, então não percebo o quanto devo ter mudado."

Kenneth franziu o cenho. Do que, diabos, ela estava falando? Isso nem sequer tinha passado pela sua cabeça, de modo que precisou de alguns instantes para descobrir o que ela queria dizer.

"Você mudou", ele disse, segurando-a para evitar que escapasse. "Está ainda mais bonita do que antes, se é que é possível."

"O que, tampouco, quer dizer muito", ela respondeu com ironia.

Kenneth começou a rir.

"Suspeito que essa era, precisamente, a sua intenção." Ao ver que ela não negava, continuou. "Alguns meses atrás, você estava magra demais. Acredite quando digo que as suas curvas não fizeram nada mais do que aumentar a sua beleza e, também, o desejo que sinto por você. Se não acredita, pode comprovar por si mesma." Observou, satisfeito, como ela corava, mas, infelizmente, não aceitou sua oferta. "Minha preocupação é com o bebê. Você acha que … Eu não quero fazer nada para machucá-lo.

Mary sorriu timidamente.

"O bebê não vai se machucar. Pode ser que a Igrja não goste, mas é bastante habitual que o casal compartilhe a cama até pouco antes do final da gravidez.

"Você tem certeza?"

Ela assentiu e, para o Kenneth, isso foi mais que suficiente. Ele a pegou nos braços – ou melhor dizendo, no braço; podia carregar facilmente seu peso com o braço bom – e a levou para a cama.

Ele a deitou delicadamente em cima das cobertas da cama e começou a tirar as botas, o manto e a camisa. Quando estava nu da cintura para cima, se virou para ela e viu que o observava com uma expressão de consternação no rosto.

"O que foi?"

Mary levantou o olhar e dos seus olhos se desprendia uma profunda preocupação.

"Seu braço. Dói muito? Não lhe agradeci pelo que você fez pelo Davey. Se você não estivesse lá…"

Kenneth se sentou na beira da cama e, inclinando-se sobre ela, colocou o dedo sobre os seus lábios para impedi-la de terminar a frase.

"Não pense nisso. Mas, obrigada." Levantou o braço ferido e o girou no ar. Estava rígido e ainda um pouco dolorido, mas havia recuperado a força quase por completo. Graças à sua irmã. "A ferida está cicatrizando bem. Suponho que, em breve, poderei retomar minhas funções no campo de batalha."

Ainda que não tão rápido assim.

"Quem dera pudesse fazer algo para aliviar a dor."

Foi um oferecimento feito com a mais pura inocência, mas, mesmo assim, Kenneth não pôde evitar que o sangue fervesse em suas veias. Podia pensar em um monte de coisas, mas preferia reservá-las para mais tarde.

O certo era que já estava fazendo o suficiente, estendida na cama diante dele, com sua bela cabeleira dourada espalhada sobre o travesseiro, coberta unicamente por uma fina camisola e um robe de veludo amarrado frouxamente na cintura, e com os pés minúsculos aparecendo por baixo. Kenneth suspirou e traçou as curvas do seu belo corpo e o contorno dos pés com as costas dos dedos.

Pareceu que ela também suspirava e, quando a olhou nos olhos, viu que o desejo havia se apoderado dela. Tinha os lábios entreabertos, as bochechas rosadas e os olhos pesados. O conjunto era uma das visões mais eróticas que já tinha visto.

Uma só carícia havia bastado para despertar a paixão que se escondia dentro dela, que era tão intensa e desenfreada quanto a sua própria.

Uma torrente de desejo abriu caminho por suas veias. Sentiu que o pulso acelerava e que seu pênis pulsava, aprisionado pelo tecido do calção. Queria pegar uma das mãos pequenas e envolve-la com ela, sentir o calor úmido da sua boca sugando-o sem descanso, mas, acima de tudo, queria se fundir nas profundezas do seu corpo, até que a Mary não pudesse negar a conexão que existia entre eles.

"Há uma coisa que você pode fazer", ele murmurou, e o calor que se desprendia dos seus olhos não deixou nenhuma dúvida ao que ele se referia.

Mary fingiu estar surpresa.

"Você está me pedindo que devolva o favor com o meu corpo, meu Lorde?"

Ele sorriu, incorrigível como sempre. "Vejo que você entendeu. E, para sua informação, tenho a intenção de fazê-la pagar caro, começando agora mesmo."

Seu dedo alcançou o mamilo da Mary e começou a desenhar pequenos círculos ao seu redor até convertê-lo em uma deliciosa pérola endurecida. Necessitou de toda a sua força de vontade para não arrancar o robe e a camisola e tomá-lo em sua boca. Seus seios eram incríveis, cheios e generosos.

Mas, desta vez, não se tratava unicamente de luxúria. Seduziria sua esposa, ainda que fosse a última coisa que fizesse na vida. Queria vê-la suplicar, implorar desesperada por suas atenções.

Mary não conseguia se mover. Todas as terminações nervosas do seu corpo estavam em alerta, rígidas e concentradas no dedo do Kenneth. Santo Deus, o que estava fazendo com ela? As coisas não estavam indo como ela esperava. Mary havia imaginado uma cópula rápida e apaixonada, de preferência, no escuro, sem intimidade, sem conversas. Exatamente o oposto daquele jogo de sedução, lento e deliberado.

Como uma aranha faz com uma mosca, Kenneth a estava atraindo para sua teia perigosa. Notava como deslizava lentamente até ela, como adentrava no reino dos sentimentos confusos, um lugar no qual não teria proteção e seria vulnerável à todas aquelas emoções que não queria sentir.

Tinha que recuperar o controle da situação. Abrir os olhos e construir uma couraça, atrás da qual protegeria seu coração. Paixão, não ternura. Luxúria, não intimidade.

Mas, quanto mais conhecia o Kenneth, mais difícil era resistir aos seus encantos. Não era só o canalha travesso e bonito que a havia seduzido aquela noite na biblioteca. Seguia sendo o mesmo cavaleiro arrogante e vaidoso, rodeado todo o tempo por uma legião de mulheres dispostas a se prostrar aos pés dele, mas, por trás daquela fachada de mulherengo, se escondia um homem amável e atencioso, até mesmo doce em algumas ocasiões. Parecia impossível, à primeira vista, mas Mary havia presenciado com seus próprios olhos.

Se, ao menos, parasse de tocá-la, de olhar para ela daquela maneira.... Havia tomado o controle do seu corpo e, para isso, havia precisado unicamente de um dedo.

"Gosta disso, amor?" Kenneth perguntou, suavemente.

Mary teria gostado de responder que não. Não queria que aquilo se prolongasse mais do que o necessário, mas sentia os seios pesados e os mamilos túrgidos, suplicando que ele continuasse.

Tentou resistir com todas as suas forças, mas a sensação de impaciência foi crescendo até que, já não pôde mais contê-la.

"Por favor", implorou com um gemido, arqueando as costas contra ele.

Kenneth envolveu seus seios completamente, sem esquecer de apertar os mamilos entre o indicador e o polegar, aplicando a quantidade exata de pressão. Mary ainda recordava da vez anterior, do calor da sua respiração através da roupa…

Gemeu de novo, surpresa com a intensidade do calor que se concentrava entre as suas coxas.

Kenneth perdeu, momentaneamente, o controle. Grunhiu entre os dentes e cobriu a sua boca com a dele, apertando e manuseando seus peitos com mais entrega do que ela jamais poderia haver sonhado.

Com o peito inclinado sobre o dela – nu, quente, imponente – Mary não precisou enviar a ordem para o seu cérebro para levantar as mãos e acariciá-lo. Foi uma reação instintiva. Com o primeiro contato sentiu que uma descarga de calor atravessava seu corpo. Kenneth tinha uma pele suave e delicada, o que parecia impossível, levando-se em conta que os músculos abaixo dela eram talhados em granito puro. Músculos que enrijeciam e relaxavam ao tocá-lo com as mãos, sobre os ombros e na planície das suas costas A cada segundo que passava, Kenneth a beijava com mais paixão e mais agressividade, enfiando a língua em sua boca com selvageria e abandono.

Mary podia sentir a pressão da sua ereção contra sua coxa. Sentiu suas mãos deslizando sobre o roupão, para arrancá-lo.

Sim, ela pensou. Era exatamente assim que ela queria que acontecesse. Apressado e frenético. Quente e apaixonado.

Gemeu como se quisesse encorajá-lo, e deslizou as mãos pelas suas costas, até cintura dele, para apertá-lo contra o seu corpo.

Mas ele tinha muito mais controle do que ela. Justamente quando pensou que ele estava a ponto de levantar sua camisola e baixar as calças para penetrá-la, Kenneth recuou com um grunhido quase gutural.

"Não tão rápido, pequena. Temos a noite toda e acredite quando digo que tenho a intenção de aproveitar até o último segundo.

Kenneth viu que a Mary arregalou os olhos com uma expressão muita parecida com medo.

"É… n-necessário?" Ao ver que ele estreitava os olhos, Mary se apressou a explicar. "É que foi um longo dia para mim, assim como para você, também. Estou bastante cansada.

Cansada? Quando não fazia trinta segundos estava se retorcendo nos seus braços, com o corpo convertido em um barril de pólvora pronto para explodir?

Apertou os lábios em uma linha fina e dura, suspeitando do que se tratava. Aparentemente, ela ainda queria apenas uma coisa dele. Mas não tinha nenhuma intenção de deixá-la ditar os termos no leito conjugal. Involuntariamente, sua noiva tinha acabado de lançar um desafio para um homem que não conseguia resistir a um.

"Claro", respondeu finalmente, dissimulando sua irritação por trás de um sorriso complacente. "Compreendo. Podemos ir mais rápido ou mais devagar, como você deseja.

Ela franziu o cenho, com ceticismo.

"De verdade?"

"De verdade."

O que ela não sabia era que pretendia se assegurar que ela nunca tivesse o suficiente.

Mary o olhou com cautela.

Moça inteligente, pensou Kenneth e sem mais preâmbulos, começou a afrouxar o cinto que mantinha o robe fechado.

"O-o que você está fazendo?" Mary perguntou, segurando a mão dele.

"Quanto antes você tirar a roupa, mais rápido acabamos."

Seus olhos se arregalaram de novo, e ela segurou o manto contra o peito em um gesto claramente protetor.

"Eu gosto desta roupa."

Ele encolheu os ombros.

"Como preferir. Fique com a camisola se isso a faz se sentir mais confortável, mas tire o restante da roupa." Deu um sorriso zombeteiro. "Assim vai ser muito mais rápido."

Mary estreitou os olhos, suspeitando que ele estava tramando alguma coisa. Surpreendentemente, fez o que ele pediu sem reclamar. Sentando-se, afrouxou o cinto, encolheu os ombros e tirou o robe, jogando-o em cima do baú que ficava aos pés da cama.

Kenneth prendeu a respiração, momentaneamente distraído pelo corpo revelado pela fina peça de linho. Seus seios se apertavam contra o tecido, muito maiores do que as medidas para as quais foi projetado. O discreto volume do qual se lembrava, havia aumentado para dois montes redondos, firmes como pêssegos, grandes e maduros. Seus mamilos, do tamanho de pérolas, ameaçavam furar o tecido.

De imediato, achou que o seu pênis ia fazer o mesmo com o tecido grosso da sua calça.

Reprimiu um gemido de dor e se apressou a desviar o olhar antes que aquela visão o distraísse dos seus objetivos. Maldição, já era tarde demais, mas tinha sido ela quem havia traçado as frentes daquela batalha que Kenneth ia ganhar a todo custo.

Se levantou da cama e começou a desamarrar os laços do calção, o que, levando em conta o tamanho da sua ereção, não foi fácil.

Mary proferiu um som parecido com um guinchado. "O que você está fazendo?"

Kenneth sorriu, por fim, liberado da pressão do calção.

"Eu durmo nu."

"C-como?"

"Todas as noites."

Seus olhos se encontraram e Kenneth pensou ter visto uma leve ruga entre as sobrancelhas da Mary, quase como se ela tivesse descoberto o plano dele. Mas, antes, que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele deslizou a calça para baixo.

Mary estava a ponto de sufocar. Kenneth tirou os pés do calção e, sufocando uma risada, chutou-o de lado. Enfim, estava nu, como uma daquelas estátuas gregas que havia visto em pinturas. Será que ela gostava do seu corpo? Bem, ia se assegurar que ela tivesse uma bela visão.

Se virou para a cama e comprovou que suas ações haviam provocado a resposta esperada. Mary estava olhando para ele como se estivesse tentando memorizar até o último milímetro da sua pele.

Mas ela era mais teimosa do que havia imaginado. Olhou nos olhos dele e passou a língua nos lábios.

"Você se importaria de apagar as velas? Sinto um pouco de vergonha."

Sua boca se apertou. A pequena raposa! Ela não fazia a mínima ideia do que era vergonha! Estava prestes a recusar quando ela se adiantou.

"A menos que seja difícil fazer no escuro.

Kenneth quase engasgou. Mais difícil no escuro? Para quem, para ele? Deus, acaso não havia visto o tamanho da sua ereção? Consciente de que ela o estava desafiando de novo, apertou a mandíbula, se aproximou do candelabro que ficava em cima do aparador e, uma a uma, apagou todas as velas. Logo, regressou para a cama e fez o mesmo com a que estava na mesinha de cabeceira, também.

O quarto ficou escuro por um momento, mas quando seus olhos se acostumaram à penumbra, percebeu que ainda havia um brilho suave da luz que vinha do fogo da lareira.

Mais do que suficiente para o que ele pretendia. Seus olhos pousaram na mulher esperava na cama.

"Se não tem mais nenhuma ordem", disse, com um sorriso predador nos lábios, "que tal começarmos?"

Mary soube que tinha cometido um erro. De alguma forma, o Kenneth tinha descoberto suas intenções. Pior ainda, tomou aquilo como um desafio e o transformou em uma espécie de competição.

Prontamente, ouviu seus passos se acercando da cama e sentiu que o coração batia desordenadamente. Apagar as velas havia servido, apenas, para criar uma suave penumbra no aposento, de modo que ainda conseguia vê-lo perfeitamente.

Era impressionante. Podia um homem ser viril e formoso ao mesmo tempo? Kenneth era. Seu corpo era como uma estátua, enorme e entalhada com perfeição. Tornava difícil saber para onde olhar. Para os ombros largos e os braços musculosos? Para o peito, esculpido com um feixe de músculos atrás do outro? Para as coxas, poderosas e torneadas? E lá estava aquela outra parte da sua anatomia na qual não deveria se fixar, mas que não conseguia parar de olhar, movida por uma curiosidade pouco própria para uma dama. A volumosa coluna de carne, firme e roliça, coberta por um grosso capuz e que se estendia bem além do seu umbigo. Morria de vontade de tocá-la, senti-la em suas mãos.

Kenneth deitou ao lado dela e a cama afundou com o seu peso. Por um momento, simplesmente permaneceu imóvel, em silêncio, ambos rodeados por uma ligeira penumbra. Mary estava tão excitada, tão consciente da sua presença que não conseguiu evitar de ficar mais nervosa ainda.

Por que ele tinha que ser tão sensual? Seu corpo irradiava um calor tão intenso que Mary se sentia incômoda dentro da própria pele, como se, de repente, fosse pequena demais para ela.

Ele está nu.

Tente não pensar nisso.

Mas não podia evitar. Não deixava em como se sentiria ao ter aquela pele tão quente pressionada contra ela.

Ele a estava torturando. E Mary sabia disso.

"Ainda está cansada, Mary?"

Maldito patife.

"Um pouco", ela respondeu, se retorcendo sobre a cama, enquanto seu corpo suplicava que ele a tocasse.

"A cama não está confortável?" Kenneth perguntou, fingindo ser tão inocente quanto um querubim.

"Está", ela respondeu.

"Achei que tinha ouvido você se remexer…"

"Eu não estava me remexendo!"

Kenneth se apoiou sobre um cotovelo e retomou o jogo, cruel e desalmado, de traçar cada centímetro do corpo dela com a ponta do dedo, quando o que ela queria era sentir, de uma vez por todas, a pressão das suas mãos enormes. Nunca, em toda sua vida, havia ficado mais excitada do que naquele preciso momento.

"Alguma outra instrução, Mary? Ou está pronta para continuar?"

Kenneth exalava algo, uma espécie de aura, que provocava uma vontade incontrolável de contrariá-lo. Não pensava em se deixar levar daquela maneira.

"Neste exato momento, não me ocorre mais nada", respondeu levantando a cabeça, "mas fique tranquilo, que será o primeiro a saber."

"A mim, ocorreu uma coisa", ele murmurou, um tanto enfadado.

Mary sorriu, feliz em saber que ela não era a única que estava sofrendo.

"E do que se trata?" Perguntou, inocentemente.

Sua resposta foi um beijo. Um beijo lento e deliberado, de um expert. Um beijo que se estendeu por todo o seu corpo, da cabeça aos dedos dos pés. Um beijo que derreteu seus ossos e deixou seus membros pesados. Um beijo que a encheu de desejo e prazer.

Ele a estava seduzindo e, se Mary não fizesse algo a respeito, seria tarde demais. Estava a ponto de perder o combate. Tinha que encontrar uma maneira de recuperar o controle.

Kenneth estava deitado de lado, inclinado sobre ela, e Mary podia sentir a marca imponente da sua virilidade aprisionada contra o seu ventre. Imediatamente, veio à sua cabeça a imagem do estábulo, ele se tocando com a própria mão, e o fato que coincidiu com o que ela havia pensado apenas alguns instantes atrás, tornou a possibilidade ainda mais intrigante.

Se havia dado prazer a si mesmo daquela maneira, gostaria que ela fizesse o mesmo?

Decidiu colocar à prova sua teoria e moveu uma mão do braço até o peito, de onde foi descendo lentamente, acariciando os gomos dos músculos que cobriam o abdômen dele.

Algo estava fazendo bem porque, imediatamente, Kenneth ficou petrificado, com os lábios sobre os da Mary, ainda, e os músculos do seu torso se retesaram em uníssono. Continuou descendo e, quando por fim chegou naquele ponto, e roçou a ponta arredondada com a palma da mão, ele emitiu um leve grunhido.

"O que você está fazendo?"

Mary o envolveu com a mão e ele gemeu, desta vez mais alto e, instintivamente, moveu o quadril para a frente, para deslizar completamente, entre os dedos dela. Mary se maravilhou com o turbilhão de sensações, com a suavidade e o calor da pele dele, como uma luva de veludo sobre o aço.

"Acho que é óbvio", disse ela. "Quero tocar você." Buscou os olhos dele através da escuridão, mantendo o seu olhar. Lentamente, começou a mover a mão do jeito que ele tinha feito no estábulo. Kenneth gemeu de novo, fechando os olhos, como se o prazer fosse demais para aguentar. "Assim está bom?"

"Oh, Deus" ele murmurou, cobrindo a mão dela com a sua, para lhe mostrar o ritmo perfeito. "Deus, isso é tão bom. Eu sonhei com esse dia."

"Sério?"

Mas Kenneth parecia incapaz de falar. Mary podia ver o prazer se avolumando dentro dele, como a expressão do seu rosto mudou enquanto ele lutava contra o orgasmo, que ela sabia que estava próximo. Ele estava palpitando, pulsando sob a pressão da sua mão.

Kenneth encontrou a bainha da sua camisola enfiou a mão debaixo dela, para acaricia-la entre as pernas, provocando uma onda de prazer tão intensa que Mary esqueceu, por um instante, de continuar movendo a mão.

Kenneth introduziu dois dedos dentro dela. Haviam acabado as provocações. Ele a acariciou e a penetrou, preparando-a para que o recebesse como devia.

Mary se deu conta que a respiração do Kenneth havia acelerado e que todo o seu corpo estava contraído. Quando ele afastou a mão, girou na cama e se colocou entre as pernas dela, Mary achou que havia ganhado.

Luxúria. Podia senti-la flutuando no ar. Kenneth havia perdido a cabeça por ela, assim como ela, por ele.

Cheque… mate!

*


Kenneth sabia que deveria tê-la impedido, mas a sensação da pequena mão macia sobre o seu corpo, acariciando-o, lhe dando prazer, foi mais do que podia aguentar.

Queria estar dentro dela, não conseguia pensar em outra coisa. Desejava tanto gozar, que doía.

Mas, quando se posicionou entre as pernas dela e olhou nos seus olhos, soube que tinha que encontrar uma maneira de se afastar da borda do precipício. Jamais conseguiria derrubar os muros que a Mary havia levantado entre os dois, se permitisse que ela descobrisse como era fácil controlá-lo.

Assim, decidiu que o melhor que podia fazer era retribuir o ataque. Sem lhe dar tempo para reagir, deslizou o corpo sobre o dela, até estar com o rosto no meio das pernas dela.

"O que você está…"

Ele a acariciou com os lábios.

"Oh!"

Mary levantou o quadril, momento no qual o Kenneth aproveitou para deslizar as mãos para baixo das suas nádegas e assim, controlá-la melhor. Voltou a beijá-la, esfregando o rosto contra o seu monte de Vênus enquanto introduzia a língua com movimentos largos e pausados. Ela tinha um gosto tão bom, tão doce e pungente, que sentiu que nunca seria o bastante. Fez amor com ela, com a boca e a língua, enquanto ela arqueava as costas e levantava os quadris para facilitar a perversa arremetida dos seus beijos.

A respiração da Mary havia acelerado e não parava de emitir pequenos gemidos que ressoavam nos ouvidos do Kenneth. Sabia que podia levá-la ao orgasmo a qualquer momento, mas preferiu alongar o momento até que a agonia se tornasse insuportável.

Levantou a cabeça e olhou para ela. A curva suave da sua barriga fez com que seu peito inchasse, com uma emoção estranha. Quando, por fim, encontrou sua voz, estava estranhamente rouca e profunda.

"Olhe para mim, Mary."

Tinha o olhar ausente e desfocado, tão impregnado de luxúria e desejo que Kenneth sentiu que o seu membro reagia no mesmo instante. Sem desviar os olhos, a acariciou com a ponta da língua. Ela estremeceu. Ela lhe pertencia, era sua, por completo. Pressionou a boca contra o sexo dela e lhe deu o prazer que ela tanto ansiava, enviando-a além do limite.

Mary nunca havia se sentido tão próxima a alguém em toda sua vida. Olhar nos olhos dele enquanto a beijava daquela maneira…

Jamais havia imaginado que fosse possível compartilhar semelhante nível de intimidade com alguém.

Finalmente, havia conseguido o alívio que tanto ansiava e estava tão cansada que não tinha mais forças para resistir.

Ainda estava sentindo os últimos espasmos do orgasmo quando o Kenneth abriu caminho entre as suas pernas, enchendo-a, penetrando-a e convertendo-se em uma parte dela.

Com a primeira investida, a obrigou a olhar nos olhos dele, ou ao menos, foi o que disse a si mesma. Não conseguiria desviar o olhar nem que quisesse.

Começou a se mover lentamente, pouco a pouco, mas a batalha provou ser acirrada demais para ambos. Penetrou uma vez, duas e, na terceira, seu corpo enrijeceu com os espasmos do seu próprio gozo.

Quando tudo acabou, os dois estavam cansados demais para falar. Ele rolou para o lado e a puxou contra ele. Estranhamente, Mary não resistiu.

A batalha teria um vencedor, mas, quem seria?

 


Capítulo Dezoito

Mary despertou com a carícia dos raios do sol no rosto e um intenso perfume de flores no nariz, e se espreguiçou como um gato deitado no meio da rua. Se sentir tão bem devia ser pecado, certamente. Ao abrir os olhos, descobriu a origem do perfume: um pequeno ramo de lavanda que descansava sobre o travesseiro ao seu lado. Sorriu e o aproximou do nariz para desfrutar da fragrância delicada.

Consciente de que o responsável pelo presente estava olhando para ela do outro lado da sala, de pé em frente a uma bacia e com uma navalha na mão, olhou para ele e levantou uma sobrancelha.

"Hoje são flores?"

Na primeira manhã, ele a surpreendeu com um banho quente. Na segunda, com uma bela fita para o cabelo – que ela mesma havia bordado, mas não teve coragem de dizer a ele. Na terceira, com uma bandeja cheia com os seus doces favoritos, que ela tinha mencionado no dia anterior. E hoje, com flores.

Se já não fosse suficiente a paixão desenfreada de todas as noites, ainda por cima tinha que resistir ao cortejo que ela a submetia durante o dia. Ainda que soubesse que para ele não era nada mais que um desafio, uma espécie de aposta, e que tantas atenções não tardariam a desparecer, Mary não conseguia evitar que tudo aquilo se tornasse divertido – e emocionante. Mais do que estava disposta a admitir. Nunca havia prestado especial atenção aos gestos românticos, mas não podia negar que começava a abalar seu coração e, ainda que os gestos do Kenneth não fossem especialmente premeditados, tampouco careciam de intenção.

"Gostou?" Kenneth perguntou e franziu o cenho. "Sei que você disse que as suas favoritas são as rosas, mas levando em conta minha recente troca de lealdade, não estava seguro que seria muito sensato.

"Não, você tem razão." As rosas cor de rosa haviam se transformado em um símbolo subversivo dos simpatizantes do Bruce, depois que Isabella MacDuff, a Condessa de Buchan, levava uma presa à capa, no caminho da cela na qual ficaria prisioneira. Mary estremeceu e tentou apagar a imagem da sua cabeça. Sabia o quão perto chegou de partilhar o mesmo destino. Felizmente, tudo aquilo era parte do passado. "Elas são perfeitas", falou, inalando o pequeno buquê de novo. "Não me diga que você mesmo as colheu?"

Kenneth abaixou a lâmina com a qual barbeava a mandíbula – uma mandíbula dura e muito masculina – e fez uma careta.

"Queria ter colhido eu mesmo, mas tive que enviar o meu escudeiro, o qual, certamente, ainda não aprendeu a manter a boca fechada.

Mary tentou disfarçar o sorriso.

"Causou danos à sua terrível reputação?"

"Mais do que você pode imaginar", ele disse secamente.

Mary ficou séria.

"Você não tem que fazer isso, sabe...tudo o que está fazendo."

Seus olhos se encontraram algo que acontecia com mais frequência e durante mais tempo. Para a Mary, ficava cada vez mais difícil desviar o olhar.

E se ele houvesse tomado suas palavras como uma provocação, destinada a fazê-lo desistir? Porque não foi o que ela quis dizer.

"Sim, tem razão", respondeu com um fio de voz e, logo, mais baixo ainda, "Não se preocupe, não seria a primeira punhalada que recebo. Eu posso suportar."

"Você? O que pode ser dito de você? De onde estou, você me parece irritantemente perfeito."

Um sorriso arrogante se espalhou pelo rosto do Kenneth.

"Você acha? Imaginava se você ia perceber, um dia."

"Queria dizer nauseantemente perfeito." Jogou o travesseiro nele.

Ele riu, pegando-o no ar e, sem deixar de rir, o lançou de volta.

Mary caiu de costas na cama enquanto ele acabava de se arrumar. Como todas as manhãs, fingiu que não o observava e ele fingia não ver que ela o olhava de cima a baixo.

Quanto tempo mais duraria aquele jogo? Porque era disso que se tratava, certo? Infelizmente, não parecia um jogo e sim, algo muito real.

À noite, era muito mais fácil fingir que controlava suas emoções. Podia se deixar levar pela paixão, dormir e não ter que pensar naquilo, não ter que reconhecer que, cada vez que a abraçava, que a acariciava com uma ternura demolidora, que a olhava nos olhos enquanto seus corpos se tornavam um só, demorava mais a se convencer que tudo aquilo, na verdade, não queria dizer nada.

Ela estava ficando sem defesas. Era uma novata competindo com um mestre na arte da paixão. Quais outros métodos usaria para distraí-lo? Para levá-lo de volta para os domínios da luxúria?

À luz do dia era pior. Durante o dia não havia nenhum lugar no qual se resguardar, no qual esconder esses sentimentos.

Kenneth passou a mão na mandíbula, em busca de algum ponto no qual não houvesse passado a lâmina e, em seguida, enxugou o rosto com uma toalha úmida. Quando terminou, se aproximou da cama e olhou a Mary de cima a baixo.

"A água está esfriando."

Ela o fulminou com o olhar. Embora a expressão no seu rosto não demonstrasse, sabia que ele estava zombando dela.

"Não me importo. Um banho frio pode ser ... humm, revigorante, você não acha?"

"Acho que, depois de providenciar que tragam água quente todas as manhãs sem despertá-la, mereço ao menos que deixe eu olhar." Negou lentamente com a cabeça. "Você dorme o sono dos mortos."

Nunca havia dormido tão profundamente quanto nesses últimos dias, mas preferiu não dizer nada.

"Sou muito tímida, lembra?"

Mas Kenneth sabia qual era o problema na verdade. Ela tinha vergonha.

"Quero ver você, Mary. Inteira."

Ela desviou o olhar.

"Não há muito para ver."

Ele começou a rir, se sentou na beirada da cama e levantou seu queixo.

"Você é linda."

"É o que os homens sempre dizem quando querem alguma coisa."

Ele riu.

"Talvez, você tenha razão", Kenneth falou entre as risadas. "Nesse caso, desfrute do seu banho com privacidade. Ao menos, por enquanto. Não acho que vá permitir que você se esconda de mim para sempre. Eu a vejo ... em breve." Levantou da cama. "O que você planejou para o dia de hoje?"

Mary suspirou, antecipando as longas horas de espera até que voltasse a...

Imediatamente, se deteve. Santo Deus, como aquilo havia ocorrido tão rápido? Já estava contando as horas até que voltasse a vê-lo?

Sentiu que o coração falhava uma batida. Era verdade. Durante o dia, Kenneth estava ocupado com seus assuntos. Ela o via, de vez em quando, no pátio de armas, enquanto observava a evolução do Davey e durante as refeições, é claro, mas só quando a noite chegava, quando finalmente ficavam sozinhos, que ele lhe pertencia inteiramente.

Claro que, na verdade, ele não pertencia a ela. Mantenha os olhos abertos.

"O mesmo de sempre", respondeu, finalmente. "Entre as orações e as comidas, trabalharei com as mulheres em algum bordado e escutarei as fofocas do castelo, checarei a correspondência com o secretário e, no caso do Davey estar no castelo, o verei durante a prática no pátio das armas."

"Que lástima. Esperava que tivesse algum tempo livre para mim."

Ela se animou, tentando esconder a curiosidade que sentia.

"Um tempo?"

"Sim, para dar uma cavalgada comigo. Estou ficando cansado de olhar para as mesmas paredes de pedra."

"Mas você pode?" Ela corou. "Quero dizer, você tem permissão para deixar o castelo sozinho?

Kenneth sorriu.

"Sim, suponho que o Percy chegou à conclusão que não sou uma ameaça.

Mary teve que conter a risada. Se havia algo que o Kenneth Sutherland era, precisamente, era isso, uma ameaça.

"O que foi?" Perguntou ele com um brilho risonho no olhar.

Ela fez uma careta para ele, percebendo que havia expressado seus pensamentos em voz alta.

"Mas, se você estiver muito ocupada..."

"Não estou", o interrompeu, talvez com muita rapidez. Mas não conseguia esconder a excitação. Também estava começando a se sentir enjaulada entre os grossos muros do castelo. "Adoraria dar um passeio com você." Ela franziu a testa, as mãos, instintivamente, indo até a barriga. "Embora não tenha certeza se devo."

Kenneth pareceu entender seus medos.

"Não se preocupe. Você estará perfeitamente segura e a salvo. Não vou deixar que nada aconteça com vocês."

Disse aquilo de uma maneira que Mary não pôde evitar de imaginar o que ele tinha em mente. Conhecendo-o, seguramente se tratava de uma artimanha idealizada para minar sua vontade. Se havia aprendido alguma coisa sobre o seu marido, era que jamais se dava por vencido.

*


Kenneth estava ficando sem ideias. Era a primeira que se esforçava tanto para conquistar o coração de uma mulher, assim, não tinha, exatamente, um repertório extenso com o qual trabalhar. Até agora, tinha se guiado pelo instinto e as coisas não tinha ido muito mal. Mary havia ficado encantada com o banho – ainda que lhe houvesse negado o prazer de presenciá-lo – com a fita bordada e com os doces.

Mas era uma mulher muito – e muito desconfiada quanto à verdadeira origem das suas intenções – o que a tornava uma esposa muito inteligente.

Não ia ser tão fácil como o Kenneth havia imaginado.

Tinha que admitir, entretanto, que havia uma parte dele que nunca se cansava dos desafios contínuos da Mary e onde esperava, ansioso, para conhecer o próximo truque da sua esposa, com o qual o faria perder o controle durante a noite.

Pode ser que ela tenha ganho algumas batalhas, mas ele sabia que ia ganhar a guerra. Aquele desejo incontrolável não podia durar para sempre; quando começasse a diminuir, ele recuperaria o controle. Eventualmente, a novidade deixaria de existir e sentiria menos interesse por ela, como tinha acontecido com todas as suas conquistas.

Porque seria assim, ou acreditava nisso. Imediatamente, lhe ocorreu um pensamento um tanto perturbador. E se nunca cansasse dela?

Mas é claro que acabaria se cansando. O fato da Mary não se parecer com nenhuma das mulheres que havia conhecido até então, não significava que a sua vida, que todas as suas teorias e a sua forma de pensar, teriam que mudar.

Ele gostava da variedade. E de simplicidade, nesses assuntos.

Ao menos, assim havia sido, até então. No entanto, confrontar sua esposa, sempre tão complicada e tão difícil de contentar, era uma novidade interessante.

Franziu o cenho, afastou o pensamento perturbador para longe e abriu a porta.

Se alegrou ao ver que estava sozinha. Algumas damas mostravam seu interesse da forma menos sutil possível, o que o deixava desconfortável e irritado.

Aquelas mulheres eram amigas da sua esposa; deviam tentar agir como tal. Agora que sabia do sofrimento que havia passado em seu primeiro casamento, a última coisa que queria fazer era lembrá-la do Atholl.

Reparou a capa com capuz, as luvas e as botas de montar.

"Está pronta?" Sorriu, suspeitando que ela já estava pronta há algum tempo.

Ela assentiu e, pegando a sua mão, Kenneth a guiou escada abaixo até o pátio das armas.

Ela esperou do lado de fora enquanto ele foi pegar o seu Corcel. Demorou apenas alguns instantes, mas foi o suficiente para o Felton encontrá-la.

Kenneth sentiu o sangue esquentar. Se tinha a esperança que o casamento com a Mary colocaria um fim no interesse da Felton em sua esposa, ficou desapontado. O bastardo estava furioso, mas sabia dissimular muito bem, e dirigia todo o seu veneno diretamente contra o Kenneth. Diante da Mary, era a personificação do cavalheirismo inglês, charmoso e solícito como sempre.

Kenneth, por outro lado, não podia negar que o sangue que corria em suas veias era bárbaro. Quando viu a mão do Felton no braço da sua esposa, o primeiro instinto foi pegar o machado. A onda de possessividade que o atingiu era tão primitiva quanto inegável.

De repente, se deu conta que estava com ciúmes. Profunda e pateticamente com ciúmes, e não podia fazer nada sobre isso.

Se o Felton tivesse aproveitado aquele preciso instante para continuar com os seus ataques, Kenneth não estava seguro de poder se controlar.

Mary pareceu se dar conta que algo não ia bem porque, em seguida, puxou seu braço dissimuladamente. Só então, Kenneth começou a pensar, novamente, com clareza.

"Aonde você pensa que vai?" Felton perguntou.

"Entregar uma mensagem para o Bruce, revelando todos os segredos dos ingleses", respondeu Kenneth com ironia, incapaz de resistir. Era óbvio que ainda não conseguia pensar com clareza. "Aonde você acha que eu vou? Talvez, dar um passeio a cavalo com a minha esposa?"

Ao ver a Mary arregalar os olhos, soube que tinha colocado muita ênfase sobre as duas últimas palavras. Felton, no entanto, estreitou os dele.

"Você não tem permissão para sair ..."

"Claro que tenho. Fale com o Percy se não acredita, ainda que, isso não seja da sua incumbência." E, então falou, ciente de que a ira do Felton seria ainda maior. "Pode ser que, no momento, você seja o campeão do seu Senhor, mas não tenho que aceitar as suas ordens."

Como herdeiro do seu irmão, Kenneth tinha uma posição mais elevada.

"No momento?" Felton repetiu, com o rosto repentinamente vermelho. "Pensei que já estivesse cansado de perder, mas assim que você parar de se esconder atrás desse ferimento no seu braço, vou ficar feliz em fazê-lo comer pó, novamente. Veremos se os bárbaros lhe ensinaram alguma coisa."

Kenneth estava disposto a pular sobre ele, pronto para mostrar exatamente o quanto os bárbaros tinham lhe ensinado. Teria lançado o punho direito no sorriso sarcástico do Felton, se não tivesse sentido a pressão de uma mão em seu braço.

A mão da sua esposa.

A ideia de que algo tão pequeno fosse capaz de detê-lo era absurda. Entretanto, quando baixou o olhar e viu a pequena mão enluvada sobre o seu braço, soube que, de absurdo, não tinha nada.

Como, diabos, ela tinha feito isso? Quando Kenneth perdia o controle, nada podia detê-lo. Não pensava, não escutava, apenas reagia. Por que era tão difícil se controlar. Entretanto, Mary foi capaz de conter sua ira unicamente com a delicada pressão da sua mão. Kenneth estava tão atordoado que nem conseguia falar.

"Estou convencida que o meu marido não vê o momento de poder enfrentá-lo no pátio das armas, Sir John, mas concordará comigo que, até que esteja completamente recuperado, será uma vitória fajuta, isso no melhor dos casos.

Ela acabara de dizer vitória fajuta? Parecia. Pelo visto, sua esposa não achava ruim enfrentar Sir John.

O cavaleiro ficou tenso.

"Claro. Eu só quis dizer..."

"Eu sei o que você quis dizer", falou docemente. Felton sustentou o olhar dela por um momento, em seguida, lhe deu um breve aceno com a cabeça e se afastou como se tivesse uma lança na bunda.

O sangue do Kenneth ainda estava fervendo quando ela se virou para ele.

"Você não deveria contrariá-lo. Sir John não é o tipo de homem que convém ter como inimigo.

" O Felton não me preocupa nem um pouco."

"Pois devia. Ele é o campeão do Percy e um dos melhores cavaleiros em toda a Inglaterra."

Kenneth sentiu algo parecido com decepção, só que mais duro e afiado.

"Você acha que ele me venceria se nos enfrentássemos?"

Mary franziu o cenho. Algo na sua voz devia tê-la alertado.

"Não me referia a isso. Quem ganha não é importante. Simplesmente não acho que prudente que tenha um homem poderoso como inimigo. Tampouco gostaria que o ferissem.

Sua resposta aplacou a ira do Kenneth, mas ainda doía a falta de fé nele.

"Quem ganha sempre é importante."

Mary estudou sua expressão e, quem sabe, viu mais do que ele estava disposto a mostrar.

"Se você diz. E agora, podemos ir?"

Ele assentiu e fez um gesto para o rapaz dos estábulos levar o cavalo até eles.

"Onde está a minha montaria?" Mary perguntou, olhando ao redor.

"Aqui está", respondeu ele com um sorriso.

"Você não espera que eu monte nessa besta!

Kenneth bateu na garupa do seu Corcel, uma raça imponente e enorme que os cavaleiros só utilizavam para ir à guerra.

"Oh, ele é tranquilo como um carneirinho.

Mary o olhou como se estivesse louco e ele começou a rir.

"Além disso", acrescentou, "vou montar com você."

Sua esposa estreitou os olhos, consciente de quais eram as suas intenções.

"Talvez não é com o cavalo que eu deva estar preocupada.

Menina inteligente, pensou o Kenneth.

*

Infelizmente, o plano que tinha idealizado tão minuciosamente, e que consistia em se aproveitar dela durante todo o trajeto a cavalo, não funcionou. Assim que a colocou diante dele e a aconchegou contra o seu peito, ela adormeceu.

Em vez de provocá-la com o movimento suave do seu membro contra o traseiro dela ou com toques “acidentais” das suas mãos sobre seus seios e coxas, Kenneth teve que se contentar com o calor das suas costas contra o peito dele e o doce aroma floral da formosa cabeleira.

Surpreendentemente, descobriu que não era difícil. Estava contente, muito contente. Enquanto dormia, Mary deixava de ser a mulher precavida e desconfiada que havia conhecido, até então. Havia algo na postura do seu corpo, aninhada contra ele, o rosto encostado sobre o couro no seu peito como uma criança, e não como uma mulher de vinte e seis anos, que transmitia confiança e abandono absolutos. Parecia tão pequena e tão vulnerável com aquela barriga de grávida, que Kenneth não conseguiu reprimir uma necessidade imperiosa de protegê-la.

Morreria uma centena de vezes antes de deixar algo acontecer com ela.

A intensidade da sua própria reação o pegou de surpresa. No que ela o estava transformando?

Cavalgaram por, aproximadamente, uma hora, em direção ao sudeste pela charneca coberta pelas colinas suaves de Northumberland. Os montes Cheviot, a serra que delimitava a fronteira entre a Escócia e a Inglaterra, dominavam a paisagem. Passaram por algumas aldeias e fazendas isoladas, mas no caminho, reinava uma paz absoluta. A estrada não era perigosa – jamais a haveria escolhido se acreditasse no contrário – mas, estando tão perto da fronteira, o melhor era ir com cuidado, de modo que se manteve alerta.

À medida que iam se aproximando do seu destino, a paisagem ia se tornando ainda mais desolada. Os ingleses, assim como os escoceses, eram um povo supersticioso, que acreditava que as pedras que salpicavam o caminho guardavam algum tipo de magia, então preferiam não passar perto delas.

Para Kenneth, entretanto, aquelas mesmas pedras eram uma forma de comunicação. Ali poderia deixar uma mensagem para a Guarda. Como filho de um Conde, havia recebido uma educação formal – suficiente, ao menos, para deixar uma nota rudimentar explicando sobre o seu casamento, assim como o seu plano de levar a Mary e o jovem Conde com ele, para a Escócia. Também tinha escrito o nome de todos os senhores e cavaleiros que haviam se reunido no castelo até o momento, junto com o número dos seus efetivos. Não era muito, mas ao menos estariam informados.

Seguia preocupado com a falta de provisões a caminho do norte, assim como as contínuas idas e vindas do Clifford, mas recordou as advertências do Mackay e preferiu manter seus pensamentos para si mesmo. Tampouco disse nada sobre a viagem até Roxburgh, para a qual havia se voluntariado e que não havia servido de nada.

Quando chegaram na altura do círculo formado pelas cinco pedras conhecidas localmente como Pedras Duddo, Kenneth deteve a montaria e baixou os olhos para a mulher que ainda dormia em seus braços. Prontamente, sentiu que algo se revolvia dentro dele, um estranho anseio ao ver a linda cabeleira dourada brilhando sob o sol, a pele macia e suave, o queixo, pequeno e pontudo, os lábios rosados e carnudos, e os longos cílios escuros descansando sobre as bochechas rosadas. Os traços do seu rosto eram delicados, assim como a sua beleza. Clássicos e discretos, em vez de ousados e chamativos. Ela tinha uma beleza atemporal, que duraria muitos anos, mesmo quando o frescor da juventude tivesse secado, um rosto pelo qual qualquer homem mataria para poder olhar pelo resto da vida.

Santo Deus, o que ele estava dizendo! De tanto bancar o cavaleiro apaixonado estava se transformando em um. Quase podia ouvir o MacKay rindo da cara dele.

Mary abriu os olhos. Kenneth a observou piscar os olhos em silêncio enquanto tentava se localizar e, quando levantou o olhar e sorriu para ele, sentiu como se um raio de sol o cegasse.

"Chegamos?"

"Sim", respondeu, retribuindo o sorriso. "Achei que você só ia acordar amanhã."

As bochechas da Mary se tingiram com um rubor adorável.

"Parece que, ultimamente, estou dormindo mais do que o normal. Acho que tem alguma coisa a ver com o bebê." Suas mãos cobriram o ventre, como já havia visto ela fazer inúmeras vezes e, de repente, estremeceu e exclamou. "Oh!"

"O que foi?" Perguntou, instantaneamente. "O bebê?"

Ela assentiu.

"Sim, é ele. Acaba de me dar um chute." Ao ver sua expressão atônita, acrescentou: "Quer sentir?"

Kenneth não tinha certeza, mas balançou a cabeça.

Mary pegou a mão dele e a colocou sobre a sua barriga e, um momento depois, ele se assustou ao notar que algo a golpeava por dentro. Mary não conseguiu conter o riso ao ver a expressão horrorizada no seu rosto.

"Está tudo bem. É perfeitamente normal, embora esse bebê pareça ser muito mais ativo do que o David. Acho que está ansioso para sair."

Kenneth ficou surpreso ao ver o pouco que sabia sobre aquele assunto. " E quando será isso?"

"Creio que perto do Domingo da Ressurreição."

Kenneth sentiu que sua respiração relaxava. No final de maio. Ainda tinha tempo. Queria se assegurar que a Mary estivesse a salvo e longe dali, quando o bebê nascesse. Seu filho. O sentimento de proteção ficou ainda mais forte.

"Aonde você me trouxe?"

"Veja por si mesma."

Ele a ajudou a descer do cavalo para que pudesse olhar ao redor e Mary se surpreendeu ao ver as cinco pedras que formavam um pequeno círculo no alto da colina.

"Pedras Druidas? São magníficas." Mas, então, divisou a linha de montanhas muito maiores que se estendiam ao longe. "Isso é a fronteira?"

"Sim."

"E é seguro estar assim tão perto da fronteira sem uma escolta?" Perguntou, estremecendo.

"Não deixarei que nada aconteça com você, Mary. Você não tem nada a temer."

Ela sustentou seu olhar e Kenneth supôs que ela não acreditou nas suas palavras.

"Não é a primeira vez que me fazem essa mesma promessa", disse Mary com um sorriso meio irônico nos lábios.

Kenneth apertou os lábios e tentou ignorar a cruel punhalada do ciúme. Atholl.

"Mas não da minha boca. Não sou como o seu primeiro marido, Mary."

Ela levantou o olhar e piscou para se proteger do sol.

"Não, não é."

"O que ele fez para converter você em uma pessoa tão cínica?"

"Cínica?" Ela repetiu, como se nunca tivesse imaginado isso. "Suponho que você está certo. Atholl jurou nos proteger, mas não pensou uma só vez em nós, quando se rebelou contra o Rei. Se preocupava mais com a glória e em ser um herói do que com a esposa e o filho. Sim, nos protegeu, desde que não interferisse com o que ele, realmente, queria fazer. Pedi que nos levasse com ele, mas ele se recusou. Disse que estaríamos a salvo, que voltaria para nos buscar se algo desse errado. Eu confiei nele, mas, obviamente, ele nunca voltou. Nos abandonou, nos deixou à mercê da piedade do Edward. A mim não sobrou mais escolha que recolher os destroços das decisões dele, decisões que me tomaram tudo, meu filho, minha casa, minha família, mas sobre as quais nunca pude dizer nada."

Kenneth sentiu uma pontada – não, uma punhalada – de inquietação.

"Foi por isso que queria que eu prometesse levar em conta sua opinião em minhas decisões?"

Mary o olhou nos olhos.

"Sim. Jurei que nunca deixaria um homem me colocar nesse tipo de posição novamente."

Maldição. Não era mesma coisa, pensou Kenneth. Ele a protegeria. Não se preocupava só com a glória. Não foi por isso que ele estava havia querido entrar para a Guarda dos Highlanders. Pelo menos, não só por isso. Não estava tomando decisões por ela. Quando chegasse a hora, ela ia querer partir unto com ele.

Mas, por mais que tentasse racionalizar a situação, não conseguia se livrar da inquietação que pairava sobre o dia, como uma sombra escura.

"Venha", disse ele, pegando uma bolsa na cela do cavalo. "Tenho uma surpresa para você."

"Não preciso de mais surpresas", respondeu ela, recuperando a desconfiança de antes.

"Talvez não, mas você vai gostar do mesmo jeito."

Ele tinha razão. Alguns minutos mais tarde, depois de guiá-la até o círculo de pedras, estender uma manta no chão e lhe entregar um pequeno pacote envolto em um tecido, Mary lambeu os lábios ao reconhecer o aroma de canela e caramelo que passava através do tecido.

"Mais doces? Vou ficar tão gorda quanto aquela gata que fica no celeiro, se você continuar a pedir para o cozinheiro fazer estes doces para mim."

“Eu gosto de você cheia de curvas."

Mary não respondeu; estava muito ocupada mordendo um dos pequenos doces cobertos com açúcar e emitindo todos os tipos de gemidos que iam direto para o pênis do Kenneth, sem falar no olhar extasiado em seus olhos.

Jesus. Ele ajustou a calça. Uma mulher não devia ter aquele aspecto, a menos que estivesse nua e debaixo dele.

Mary terminou de mastigar e levantou o olhar, consciente que ele não tirava os olhos dela.

"Quer um?"

"Prefiro observar", respondeu ele, negando com a cabeça e, logo depois, passou a ponta do dedo sobre o seu lábio superior.

Mary reprimiu uma exclamação de surpresa com os olhos arregalados.

"Tem um pouco de açúcar aqui", ele disse aproximando a boca da sua e, ainda que quisesse limpá-la com a língua, se limitou a limpá-la com o dedo e levá-lo até a boca. "Humm. Muito doce."

Mary se afastou.

"Por que você está fazendo isso? Por que está tendo todo esse trabalho? O que você quer de mim?" Parecia que sua voz transmitia medo.

"Eu quero você." Ficou surpreso ao perceber que era a verdade. Não se tratava apenas do seu orgulho ferido, nem provar a si mesmo que a Mary não era imune aos seus encantos; tampouco era sobre conquistar o seu coração pelo bem da missão. A queria para ele, para sempre.

"Nós já estamos casados. Você já me tem."

"Eu?" Ele sorriu. "Duvido." Se reclinou e a observou atentamente. "O que, exatamente, você não gosta em mim?"

Mary revirou os olhos.

"Não serei eu quem vai recitar todas as suas virtudes, meu Senhor. Estou certa que já as escutou da boca de várias mulheres."

Talvez estivesse certa, mas estava surpreso com o quanto queria ouvir isso dela. Não sua admiração, mas o seu respeito. O pensamento o fez franzir o cenho.

"Nunca conheci uma mulher como você."

"Uma que não caiu aos seus pés?"

Estava zombando dele, percebeu. Kenneth sacudiu lentamente a cabeça.

"Você fala como a minha irmã."

"Aquela que se casou em Dunstaffnage?"

"Sim, eu só tenho uma irmã. Seu nome é Helen."

Mary o olhou muito séria.

"Tomara que algum dia possa conhecê-la. Com quem ela se casou?"

"Com o filho do chefe do clã MacKay."

Ao ouvir aquilo, os olhos da Mary se arregalaram. Era evidente que sabia alguma coisa sobra a história das rixas entre os MacKay e os Sutherland.

"Me lembro de tê-lo conhecido. Deve ter sido uma festa de casamento interessante."

Kenneth começou a rir.

"Foi. Você devia ter visto o Will tentando manter a paz. Você já conheceu o meu irmão, mas aviso que ele é um dos guerreiros mais ferozes que eu conheço, sempre pronto para lutar. Não tem nada de pacificador e, apesar disso, passou a maior parte dos três dias tentando evitar brigas, ameaçando quem fosse de deixá-los inconscientes se provocassem problemas."

"Isso soa familiar", disse ela com um sorriso. "Tenho certeza que, quando era jovem, passava o dia brigando."

"Apanhando, você quer dizer. Na sua maior parte."

"É difícil imaginar você no lado perdedor."

Ele deu de ombros, como se não significasse nada para ele. "Me obrigava a treinar mais duro. Meu irmão me transformou no guerreiro que sou hoje."

"Vocês são muito unidos?"

De repente, percebeu seu erro. Maldição. Estava tagarelando tranquilamente, como se não tivesse acabado de romper os laços com a sua família.

"Éramos", ele corrigiu.

Mas, pela forma com que o olhava, temia que ela também havia percebido o seu erro.

"Por que você decidiu mudar de lado?"

Droga.

"É complicado", respondeu e, em seguida, devolveu a pergunta para ela. "Alguma vez você considerou retornar para a Escócia?"

Mary assentiu e uma expressão de dor obscureceu, repentinamente, o rosto dela.

"Sim. Uma vez."

"O que aconteceu?"

Por um momento, achou que ela não fosse responder, até que se inclinou para arrancar um pedaço de grama e começou a fazer nós com ela.

"Perdi a minha irmã.

Explicou brevemente o que havia acontecido. Como sua irmã havia aparecido uma noite em Ponteland para levá-la de volta para casa depois da prisão do Atholl, como Sir Adam havia se adiantado aos homens do Rei, como haviam cavalgado em plena noite, só para acabarem presos no meio da batalha.

"Nunca vou esquecer desse momento. Estava olhando para a minha irmã e, um segundo depois, a ponte explodiu em chamas. Deve ter sido um raio, ainda que não recorde de ter ouvido nenhum naquela noite. Houve uma forte explosão, o trovão mais estranho e mais alto que já ouvi e, então, tudo ficou escuro. Quando despertei, minha irmã tinha desaparecido."

Alguma coisa naquela história era um pouco estranaha.

"Sir Adam estava lá?"

Mary assentiu.

"Ouvi a sua voz antes de cair. Foi uma dádiva de Deus. Se não fosse por ele, tenho certeza que David e eu teríamos sido presos. Fez com que seus homens procurassem a Janet por várias horas, mas era como se ela tivesse virado fumaça."

Todos os seus instintos estavam em alerta. Seria possível? Deus, se fosse verdade, era exatamente o que ele precisava.

"Você se lembra de algum cheiro em especial?"

Ela olhou para ele, espantada.

"Que curioso que você pergunte exatamente isso. Me lembro que cheirava a ovos podres."

Maldição. Então, era verdade. Sir Adam Gordon compartilhava os mesmos conhecimentos que o seu sobrinho. Ele sabia como fabricar a pólvora.

Mary sabia que havia falado demais. Tinha que se preocupar em proteger seu frágil coração, entretanto, ali estava, contando todos os seus segredos para ele. Era curioso que fosse tão fácil falar com um homem de trato difícil e voluntarioso como o Kenneth. Sabia escutar e parecia genuinamente interessado no que ela tinha para contar, o que era uma novidade entre os homens da sua posição. Ao menos, assim era segundo a sua experiência. Entretanto, começava a se dar conta que a sua experiência não era, de nenhuma maneira, única. Kenneth tinha razão; ele não era o Atholl.

O que sabia, com certeza era que o interesse que, agora, sentia por ela – tudo parte do jogo – acabaria diminuindo com o tempo e que, quando isso acontecesse, não tinha a intenção de permitir que partisse o coração dela.

Devia ir com cuidado, com muito, muito cuidado. Se dava conta do quão fácil seria se deixar levar e acreditar em contos de fadas e finais felizes.

Kenneth havia se casado com ela, havia dado um nome para o seu filho e havia prometido não fazer nada arriscado sem consultá-la antes. Isso lhe bastava. Se conformaria com o que tinha.

E a paixão. Sim, também tinha dado isso a ela e, sabendo que não duraria para sempre, pensava em aproveitar até o último segundo.

Kenneth permaneceu estranhamente contemplativo depois de escutar a história sobre a sua irmã. Mary terminou de comer o doce recusou um segundo e aceitou o vinho que ofereceu para digerir a comida dando um bom trago direto da bolsa de couro.

Quando terminou, entregou a bolsa de volta para ele apoiou as costas contra uma das enormes pedras entre as quais o Kenneth havia estendido a manta.

Ainda estava quente, e a sensação do sol no seu rosto era tão agradável que, por um momento, sentiu que seus olhos se fechavam.

"Você não vai dormir novamente, não é?"

Mary abriu os olhos. Como o que Kenneth havia se aproximado tanto sem que ela percebesse?

"Está na hora de irmos?" Seu coração estava batendo tão rápido, que suas palavras saíram atrapalhadas e em um tom demasiadamente agudo.

Kenneth sorriu meio de lado com aquele gesto seu, tão perverso.

"Ainda não."

Por um momento Mary pesou a possibilidade de tentar escapar, mas sabia que era inútil. Ele a pegaria. A beijaria. Faria co que derretesse em um mar de sensações.

"O que mais você planejou?" Perguntou, tratando de evitar a importância do assunto.

Kenneth se inclinou sobre ela, ficando com a boca a centímetros da sua. Podia sentir o aroma do vinho no seu hálito, que era embriagador. Ele era embriagador.

"Oh, tenho certeza que podemos pensar em alguma coisa."

Sua boca caiu sobre a dela com um gemido que atravessou seu coração. Durou apenas um instante, mas foi mais do que suficiente para deixá-la sem fôlego e desejando mais. Kenneth deslizou os lábios por sua mandíbula, garganta abaixo, até o corpete do seu vestido. Quando começou a abri-lo, Mary o deteve.

"Não podemos. Aqui não."

"Por que não?"

Não era óbvio?

"É de dia. Alguém poderia nos ver."

Ele sorriu.

"Não há ninguém por perto. Fique tranquila, não tirarei sua roupa."

Mary olhou para ele fixamente, sem confiar nele.

"Eu pensei que havia me trazido para cavalgar, não para me seduzir."

Os olhos do Kenneth brilharam com uma centelha malvada. Ele a ergueu como se não pesasse nada e a sentou sobre o seu colo, de frente para ele, com as pernas abertas ao redor dele. Mary se surpreendeu ao notar a ereção do seu esposo contra a parte mais íntima da sua anatomia.

"Você vai ter a sua cavalgada, Mary."

Ele a levantou por cima dele e lhe mostrou exatamente o que quis dizer. Ela murmurou um protesto, mas sem nenhum entusiasmo. Estava excitada e havia começado a se derreter por ele.

Com um rápido movimento, Kenneth abriu a parte dianteira do calção e liberou o seu membro para, um segundo mais tarde, deslizar dentro dela e empalá-la até a base.

Mary gemeu de prazer enquanto ele a ensinava a montá-lo, a encontrar o ritmo perfeito, a descrever movimentos circulares, a proporcionar prazer para si mesma.

Sob o sol cálido da tarde, uma e outra vez, Mary aceitou o prazer que ele lhe oferecia. O que não devia esquecer era que essa era a única coisa que podia aceitar da parte dele.


Capítulo Dezenove

Mary manteve os olhos fechados e tentou ignorar a leve batida da porta quando Kenneth deixou o aposento. Disse a si mesma, pela milésima vez, que não havia nada pelo qual se sentir culpada, mas não conseguia sequer convencer a si mesma.

Kenneth havia feito amor com ela com tanta emoção, com tanta doçura, que Mary tinha se assustado e havia tentado o truque da prostituta, o qual tinha ouvido algumas mulheres falarem.

Tinha funcionado. Mary sabia que devia estar feliz. Havia ganhado, no entanto, em nenhum momento havia se sentido vitoriosa. Cada vez mais, sua tentativa de se manter à distância, e não permitir que as emoções se embaralhassem com a paixão que compartilhavam, parecia errado. Não, se corrigiu, sempre havia parecido errado.

As últimas semanas tinham sido as mais felizes da sua vida. Havia passado um tempo com o seu filho, Davey, havia sentido como seu outro filho crescia dentro dela e havia experimentado uma paixão que jamais havia imaginado que pudesse existir. Mas era consciente de que havia muito mais do que isso. Também havia o seu matrimônio ou, melhor dizendo, seu marido. Kenneth a havia liberado de um enorme fardo que ela nem tinha percebido que carregava sobre os ombros. Com ele, se sentia segura pela primeira vez em muito tempo. De imediato, não importava estivesse mais próxima, que em um futuro próximo ele tivesse que marchar para lutar contra os seus compatriotas; ainda assim, Mary se sentia segura e protegida.

Com passo lento, mas seguro, Kenneth estava minando suas defesas. A paixão que compartilhavam à noite se estendia, dissimuladamente, também durante o dia, e não apenas pelos gestos românticos como os banhos, as flores, os doces e as fitas bordadas. Era complicado se manter afastada do homem que conhecia cada parte do seu corpo, que era capaz de fazê-la chorar de prazer e que dormia ao seu lado todas as noites. Até mesmo observá-lo se vestir, a cada manhã, havia se convertido em algo que a fascinava. Todas essas pequenas coisas que nunca havia compartilhado com um homem – nem com ninguém – estava servindo para aproximá-los cada vez mais. Tudo era tão diferente do seu primeiro casamento. Atholl e ela nunca tinham compartilhado o leito, nem uma jarra de água fresca de manhã. Nunca o havia ajudado com a camisa e a túnica, nem tampouco havia brincado com ele. Nunca havia conversado com ele, nunca havia chegado a conhecê-lo, não como começava a conhecer o Kenneth.

Ela gostava de provocá-lo e dos combates de vontades que travavam de vez em quando. Kenneth a fazia se sentir forte e atrevida, tão diferente de como havia se sentido com o Atholl. Com ele era tímida e submissa. Kenneth não só a escutava, mas parecia interessado no que ela falava.

Cada vez mais, podia ver que seu novo marido não tinha nada a ver com o primeiro.

Ele era divertido e inteligente, perverso e apaixonado, e a intensa atração que sentia a começava a consumi-la por dentro.

Ela gostava dele essa certeza se mostrava aterradora.

E se ela o tivesse julgado mal?

Kenneth não havia lhe dado nenhum motivo para duvidar dele.

Na verdade, era atencioso, chegando quase ao ponto da adoração. Era claro que estava tentando ganhar o seu coração, mas, por quê? Era apenas algum tipo de jogo, ou havia algo mais?

Podia se dar ao luxo de sonhar com um final feliz?

Infelizmente, sabia que era tarde demais para fazer essa pergunta para si mesma. A chama da esperança foi acesa desde a primeira noite e, no tempo que havia passado, não havia feito mais do que arder com mais energia.

Não sabia por quanto tempo mais conseguiria manter suas defesas erguidas. Talvez… talvez naquela mesma noite, já não encontrasse mais forças.

Um sorriso iluminou seu rosto. Animada com a ideia, jogou as cobertas de lado e chamou sua criada. Tinha um dia agitado à sua frente e queria se assegurar de ter tempo de sobra para se preparar para o importante banquete que celebrariam essa noite.

No dia seguinte, seria Quarta-feira de Cinzas, que marcava o início da Quaresma, de modo que esta seria a última celebração até a Páscoa. Conscientes das privações que os esperavam pelos próximos quarenta dias, os habitantes do castelo celebrariam a data com todo tipo de excessos. Cornwall amava entreter seus convidados, por isso, parecia mais uma celebração do que uma preparação para a guerra.

Apesar da sua reticência inicial, Mary havia conseguido arrancar dele a promessa de uma dança com ela. Sabia que era bobagem, mas se sentia como a garota que era cortejada pelo cavaleiro mais bonito de toda a festa, e estava ansiosa para aquele momento chegar.

Se vestiu rapidamente, correu escada abaixo para tomar o café da manhã e quase colidiu com o seu filho, Davey. Ele estava segurando uma espada e resmungando para si mesmo, tão concentrado que, a princípio, nem sequer a viu.

"Davey, aonde vai com tanta pressa?" Ele olhou para cima e Mary soube, imediatamente, que algo não ia bem. "O que houve?"

David retrocedeu alguns passos e se negou a olhar nos olhos dela.

"Nada."

No entanto, era evidente que alguma coisa tinha acontecido. De imediato, lembrou que na semana passada também parecia preocupado, mas não tinha dado maior importância a isso.

"Existe alguma coisa que eu possa fazer? Será que tem a ver com as suas obrigações coo escudeiro? Quer que eu fale com o Sir John?"

Ele a olhou, horrorizado.

"Por Deus, mãe! Não! Isso só faria piorar.

"Piorar o quê?"

O rosto do seu filho contraiu com uma emoção que Mary não conseguiu decifrar. Estava profundamente confuso, isso era óbvio. Por um momento, sentiu o impulso de abraçá-lo e sussurrar palavras de incentivo em seu ouvido, mas sabia que isso era, precisamente, a última coisa que o jovem Davey necessitava nesse momento.

"Tenho que ir", disse ele, afastando-se ainda mais, como se tivesse intuído suas intenções. "Tenho que cuidar de um problema." Antes de sair correndo até o grande salão, Mary pensou ter ouvido ele murmurar um outra vez entre os dentes.

Ela o seguiu com o olhar enquanto ele acelerava o passo, incomodada por uma sensação de impotência que lhe era tão desagradável, quanto familiar. Ser a mãe de um menino de treze anos era como atravessar um bosque cerrado. À noite. Sob a neve. Sem um único sinal para marcar o caminho. Justo quando pensava que tinha encontrado a saída, aparecia outro obstáculo que bloqueava o caminho.

De repente, teve uma ideia. Talvez, o que ela precisava era de outro par de olhos.

Era isso! Quem melhor para decifrar a mente de um jovem que alguém que havia passado pelas mesmas fases que ele? Kenneth, talvez, pudesse ajudá-la.

Se apressou a cumprir suas tarefas, leve como uma pena, agora que havia tirado aquele peso dos ombros. Esperava, ansiosamente, a chegada da noite, mas desta vez por mais de um motivo.

*


Kenneth deixou a torre após de tomar o café da manhã e atravessou o pátio em direção ao arsenal. Estava de mau humor, sobretudo, levando em conta que havia dedicado toda a manhã para receber prazer da maneira com a qual todos os homens sonhavam. Seu corpo estava saciado, depois de mais de três semanas de uma paixão cada vez mais intensa, mas o resto da sua pessoa era um poço de frustração.

A missão não podia ir pior. Bruce estava furioso com ele por ter se casado com a Mary sem a sua permissão; Kenneth não havia conseguido aplacar sua ira, oferecendo alguma informação importante para a missão; além disso, ficaram chateados com ele por não ter contado seus planos – aparentemente, alguém o vigiava e havia informado ao Rei da viagem até Roxburgh, com o Clifford; a cada dia que passava sem poder praticar, sentia que suas habilidades de combate estavam diminuindo. Felton aproveitava todas as oportunidades para provocá-lo de forma tão maldosa que o MacKay empalidecia em comparação; e, além disso tudo, sua amada esposa estava se mostrando particularmente resistente às suas tentativas de seduzi-la.

Não entendia. Ele, um dos guerreiros de elite mais importante da Escócia, a poucos meses do que poderia ser a batalha mais importante de toda a sua vida, estava há mais de duas semanas pairando ao redor da Mary, como um apaixonado retirado da canção de um trovador qualquer, e o pior de tudo, era que isso não o incomodava, absolutamente. Gostava de passar o tempo com ela, algo estranho para ele, especialmente, levando em conta que a Mary não era, exatamente, a mulher menos complicada, nem a mais disposta a agradá-lo de todas as que havia conhecido ao longo da sua vida.

Talvez você estivesse mais atento se elas tivessem algo interessante para falar. Kenneth recordou as palavras que ela mesma havia lhe dito. Pois bem, estava claro que, neste caso, havia conseguido captar sua atenção.

Acreditava que as mulheres não eram tão complicadas, diabos, mas cada vez que pensava que estava mais perto de atravessar o muro que a Mary tinha erguido em torno do seu coração, ela o contrariava o assalto com um ataque ousado e sensual, com o qual sempre conseguia fazer com que ele perdesse o controle.

Como naquela manhã. Ao despertar e ver seu corpo banhado pelos raios de sol, uma sensação de ternura inexplicável o invadiu. Parecia tão jovem e tão doce, tão calma e tranquila... Incapaz de resistir à tentação, começou a fazer amor com ela enquanto ela ainda dormia. Lentamente, a havia acariciado com as mãos, a língua, até sentir que, por fim, vencia sua resistência. Tinha visto em seus olhos, maldição. Estava se apaixonando por ele.

Mas, em seguida, Mary tinha virado o jogo.

Não era a primeira vez que ela o beijava no peito então, a princípio, não tinha percebido o que ela pretendia fazer. Só ficou ciente do que estava acontecendo, quando ela começou a descer, pouco a pouco, pelo seu torso e, em seguida, já era tarde demais.

Sua mente se fechou e o instinto mais primitivo assumiu o controle. Com a boca a poucos centímetros da ponta do seu membro, Mary podia ter arrancado o que quisesse dele. Nunca havia considerado a si mesmo como um desses homens que são dominados pela cabeça de baixo, mas, pela primeira vez, percebeu que estava errado.

Os lábios acariciando, a língua fazendo breves incursões para lambê-lo e, em seguida, Santo Deus, os lábios se fechando ao redor dele e o guiando para as profundezas da sua boca, era mais do que um homem de sangue quente como ele podia aguentar. O desejo havia se apoderado dele com tanto ímpeto – sem dúvida, essa era a intenção da Mary – que o plano de fazer amor com ela lentamente, foi para o cacete.

Era evidente que aquilo era novo para a Mary, mas havia se entregado à tarefa com tanto entusiasmo que Kenneth estava convencido que, em breve, seria uma mestra.

Maravilhoso.

Devia se dedicar a contar as bênçãos que caíam do céu todos os dias, maldição. Uma esposa que se entregava com a paixão de uma prostituta no leito nupcial era o sonho de qualquer homem, certo?

Mas não queria apenas a sua paixão, mas também o seu coração.

Pelo bem da missão, diabos.

Deus o estava fazendo passar por aquele momento, disso não havia a menor dúvida. A primeira mulher que se havia proposto a conquistar em toda a sua vida e ela era queria apenas uma coisa dele. Ironias do destino. Garanhão.

Fez uma careta. Felizmente, não tinha a intenção de deixar as emoções interferirem no seu casamento. Ele não era parecido com os seus irmãos. Era muito diferente.

Embora, naquele momento, não se sentia tão diferente deles.

Estava tão irritado consigo mesmo, que mal prestou atenção nos soldados que haviam se reunido no pátio de armas para treinar, mas quando viu Felton e o David junto à porta do arsenal, o que até então tinha sido um mero aborrecimento se converteu em um ataque de fúria a ponto de explodir.

O bastardo estava repreendendo o pobre garoto novamente.

Apesar de tentar ocultá-lo na frente da Mary e dos demais, a verdade era que o Felton tinha adotado o hábito desagradável de descarregar sua ira sobre o jovem Conde. Infelizmente, Kenneth sabia que se intervisse apenas pioraria as coisas. Até que tivesse a tutela do David – algo que ainda podia demorar algum tempo – Percy, através do Felton, eram os únicos que tinham autoridade sobre o menino. Ainda assim, não conseguia suportar ver como ele se aproveitava disso e, uma vez que já havia ganhado a ira do cavaleiro, não se importava que a dirigisse toda contra ele.

Felton disse algumas palavras finais para David e se afastou rapidamente. O menino, por sua vez, se virou e entrou no arsenal com os ombros caídos e o rosto fechado; era a imagem viva do desespero.

Kenneth estava prestes a ir atrás dele quando Percy o interceptou.

"Ah, Sutherland. Que alegria vê-lo, novamente, com sua armadura. Comecei a acreditar que seu braço nunca cicatrizaria. Ou, talvez, o que está demorando é se separar da sua bela esposa?" Ele riu ruidosamente e deu um tapinha nas suas costas. Kenneth tentou não franzir o cenho, mas sabia que essas palavras continham mais verdade do que estava disposto a admitir. Tinha que se concentrar mais na missão como um todo e não apenas na parte que cabia à sua esposa e ao filho dela. "Precisamos de sua ajuda", Percy disse, ainda sorrindo, "se quisermos que esta campanha se coloque em marcha algum dia."

Kenneth não mostrou nenhuma reação, mas todos os seus sentidos ficaram em alerta.

"Então, já temos uma data?"

Percy evitou uma resposta direta. Kenneth sabia que seu antigo compatriota começava a confiar nele, mas só um pouco.

"Mais de uma. O Rei deveria chegar depois da Páscoa, mas recebemos a notícia que ele pode se atrasar." As linhas da sua boca endureceram. "Cornwall está ansioso para demonstrar seu poderio militar e escreveu para o Edward, pedindo sua licença para avançar sem ele. Aconselhei o contrário. Precisamos de um Rei que seja um líder para as tropas, não um pavão real, orgulhoso e pretensioso.

Aparentemente, a distância entre o Cornwall e os outros Barões estava ficando cada vez maior. Percy nem sequer se preocupava em esconder o desprezo pelo favorito do rei. Kenneth guardou essas informações em um canto da sua mente para a próxima vez que pudesse enviar uma mensagem para o Bruce e para a Guarda. A divisão entre as tropas britânicas beneficiava, especialmente, aos escoceses, porque enquanto estavam distraídos lutando entre si mesmos, não seriam capazes de unir suas forças contra eles.

"Entendo que o Clifford está de acordo com você. Faz tempo que não o vejo por aqui."

Percy olhou para ele com uma expressão nos olhos difícil de classificar. Não era desconfiança, mas deixou claro que prestou mais atenção na pergunta do que o Kenneth havia gostado.

"Tem havido problemas em Douglasdale, novamente, com os rebeldes, mas sim, está de acordo comigo, é claro."

Era a explicação mais lógica. Sempre houve problemas em Douglasdale, mas isso era tudo?

"Você tem alguma ideia de quanto tempo o Rei deve demorar?"

"Espero que não muito." Percy deu outro tapinha nas suas costas. "O suficiente para você recuperar a força. Sei que o Felton está morrendo de vontade de enfrentá-lo. Receio que o meu campeão não esqueceu da última vez que você esteve a ponto de vencê-lo.

Kenneth queria perguntar mais sobre os planos do Edward, mas era claro que o Percy havia dado o assunto por encerrado. Estava evitando falar sobre isso com ele, de propósito? Não podia ter certeza, mas o fato do Percy estar mantendo os planos de ataque em segredo já indicavam alguma coisa. Os ingleses não só confiavam no sigilo, mas na superioridade numérica e no seu armamento. Talvez, tivessem aprendido uma lição com o Bruce.

"Mal posso esperar para lutar com ele", Kenneth mentiu. Nada lhe daria mais prazer do que calar a boca do Felton, mas sabia que não podia e a ideia de perder para semelhante bastardo era insuportável. Ainda assim, não podia adiar muito mais. Felton já o tinha acusado de estender a recuperação do braço. "Ainda preciso de algumas semanas para recuperar a força no braço. Por pouco, não perco os ligamentos."

"Certo. Welford não consegue acreditar quão bem você está se recuperando do ferimento."

Não era de estranhar, sobretudo, levando em conta que não haviam sido as habilidades do médico do castelo, as responsáveis pela sua rápida recuperação.

"Eu tive muita sorte."

"Vejo você no campo de treinamento?"

Kenneth assentiu.

"Sim, mas antes, preciso localizar meu escudeiro. O enviei um tempo atrás para afiar minha espada. Temo que a lâmina pode ter se deteriorado pela falta de uso.

Assim como havia acontecido com suas habilidades no combate. Quando chegou ao castelo, Kenneth estava em sua melhor forma, tanto física como emocionalmente. Sua intenção era estar preparado para quando chegasse a oportunidade, tanto na guerra e como com o MacKay. Como, diabos, faria isso, agora, enferrujado como estava, de tanto esperar?

Se despediu do Percy e se dirigiu, novamente, para o arsenal.

Ao entrar, encontrou seu escudeiro conversando com um David furioso e prestes a perder o controle. O jovem Conde estava contando seus problemas para o amigo, que, compreensivo, ouvia pacientemente as queixas proferidas quase sendo gritadas. Apesar das circunstâncias, Kenneth se alegrou ao ver alguma emoção no rosto do rapaz. David mantinha durante todo o tempo uma expressão inquietantemente neutra, muito incomum para alguém da sua idade e que impedia que soubessem o que ele estava pensando em cada momento.

O casamento tinha sido um revés para o status de herói e salvador do qual o Kenneth gozava recentemente. Era evidente que o jovem Atholl não sabia como se encaixar no casamento repentino da sua mãe, portanto, seu comportamento se tornou observador e um tanto receoso.

Os dois escudeiros se calaram quando o viram.

"Meu Senhor", Willy disse com uma expressão de culpa no rosto, "estava prestes a ir à sua procura. Terminei de afiar sua espada."

Kenneth olhou fixamente para ele, querendo dizer que era bom mesmo, mas depois, decidiu se calar. Pegou a espada das suas mãos – era um dos exemplares da sua coleção – e, depois de inspecioná-la brevemente, pendurou-a na bainha da cintura.

"Espere lá fora, um momento. Quero falar com o David."

Willy se apressou a obedecer ao seu senhor, mas, primeiro, olhou brevemente para o David, tentando se desculpar. Não havia necessidade; Kenneth não tinha a intenção de adicionar mais preocupações às que o pobre menino já tinha.

Quando, finalmente, ficaram sozinhos, se sentou ao lado do David no lugar que o seu escudeiro tinha desocupado. Podia ver a desconfiança no rosto dele enquanto afiava a espada do Felton.

"Posso vê-la?" Perguntou.

David franziu o cenho, mas, em seguida, a entregou. Kenneth a ergueu contra a luz que filtrava através das ripas do telhado para inspecionar a lâmina e, em seguida, passou um dedo enluvado ao longo do fio.

"Não está nada mal, embora suponha que o Sir John não esteja de acordo."

A boca do David se contraiu em uma linha fina, claramente beligerante; sabia que não devia falar mal do seu senhor.

"Temo que tudo isso é culpa minha", disse Kenneth.

David o olhou, surpreso.

"De verdade?"

"Sim", disse, acenando com a cabeça. "Sir John esperava casar com a sua mãe. Está com raiva de mim por ter me adiantado e, como não pode descarregar sua frustração comigo", disse, levantando o braço, "temo que você seja o bode expiatório perfeito."

"Eu também pensei que ele acabaria se casando com a minha mãe."

"E isso incomoda você?"

O garoto o observou atentamente com demasiada compostura e maturidade para a sua idade. Às vezes era fácil esquecer que ele tinha apenas treze anos.

"Foi uma surpresa, isso é tudo", disse o David encolhendo os ombros e descartando o assunto.

Em seguida, inclinou a cabeça e continuou afiando a espada do Felton. Kenneth não sabia muito bem o que dizer. Era óbvio que o rapaz estava confuso e o mínimo que merecia era uma explicação.

"Se eu te contar uma coisa, você promete não dizer nada a ninguém?"

Intrigado, David concordou.

Tínhamos que casar o quanto antes", disse ele, enfatizando cada palavra, mas o menino parecia não entender o que ele estava tentando dizer. "Sua mãe está esperando um filho meu."

A surpresa foi tanta que a mão do David escorregou. Se não estivesse usando luvas poderia ter cortado um dedo. Quando conseguiu se recuperar do choque, olhou para o Kenneth fixamente.

"Por que ela não me disse?"

"Imagino que esteja envergonhada e está esperando o momento adequado." De repente, Kenneth se deu conta que, talvez, a Mary não gostaria que ele tivesse contado sobre a gravidez para o seu filho.

"Por isso que, ultimamente, ela parece tão feliz", David disse, quase para si mesmo, e ficou um momento em silêncio, como se estivesse tentando clarear os pensamentos. “Estou feliz por ela. Ultimamente, ela não parecia muito bem."

Voltou a surpreender o Kenneth, ver quão composto e maduro o David era. Talvez, uma das consequências do seu longo cativeiro?

"E, se me permite, tampouco você", disse com voz baixa.

David olhou para ele e encolheu os ombros.

"Você não tem que se preocupar mais com ela, David. Protegerei sua mãe … e a você, se me conceder essa honra.

O menino olhou para ele como se quisesse acreditar, mas uma desconfiança há muito tempo aprendida o impediu de fazê-lo. Era normal, considerando tudo o que tinha acontecido com ele durante a sua curta vida. Igualzinho à sua mãe, pensou Kenneth. Mary também se mostrava receosa por causa do seu passado. Ganhar sua confiança era a chave que finalmente abriria seu coração. Mas como, diabos, faria isso se não tinha nem mesmo dito a verdade sobre sua troca de aliança e a verdadeira razão para a sua presença ali?

"Tenho que voltar para o Sir John", David disse, levantando do banco, "ou me colocará para cuidar dos cavalos ou limpar as latrinas pelo resto do dia como um servo qualquer."

Kenneth não conseguiu conter a risada.

"Você não deve ter vergonha do trabalho duro, rapaz. Eu mesmo já limpei algumas latrinas e cavei algumas sepulturas com as próprias mãos."

Pela reação do David, parecia que acabara de anunciar que tinha asas e podia voar até a lua.

"Verdade?"

"Sim. Enumere qualquer trabalho desagradável que possa imaginar e, certamente, já o fiz."

David olhou para ele com ceticismo.

"Quando você era escudeiro?"

"Não, quando já era um cavaleiro. Na guerra você faz o que tem que fazer, por mais trivial ou desagradável que seja a tarefa. Vou lhe contar um pequeno segredo: os trabalhos mais simples sempre me pareceram os mais relaxantes."

David riu como se soubesse que ele estava, apenas, brincando.

"Já sei a quem recorrer na próxima vez que receber um castigo."

Kenneth sorriu enquanto observava o garoto se afastar. Então, esperou um momento e o seguiu. Relutantemente. David não era o único que não gostava de ser o alvo das punições do Felton, e sabia que precisaria de toda a sua força de vontade para manter o temperamento sob controle.

Quando a Mary, finalmente, fechou negócio com o comerciante local que o Mestre Bureford tinha recomendado, já tinha passado boa parte da manhã, mas se ela se apressasse ainda teria tempo para executar outra missão antes de voltar para o castelo.

Perto de onde estava havia uma igreja e um pequeno convento e não podia passar junto a eles sem parar e perguntar sobre a sua irmã. Olhou para o céu e viu que o sol estava brilhando alto. Mordeu o lábio, consciente de que o banquete estava prestes a começar, mas isso só levaria alguns minutos.

Foi procurar os dois soldados que a haviam acompanhado e que a estavam esperando nas proximidades – não queria que eles soubessem que não tinha ido ao mercado para fazer compras, mas sim para vender – montou nas costas de um velho cavalo que o Sir Adam tinha lhe emprestado, e informou o próximo destino. Os soldados imaginaram que queria rezar ou fazer um donativo, assim, não protestaram, apesar da mudança de plano entrar em conflito com as ordens do Sir Adam, para acompanhá-la até o mercado e retornar imediatamente para o castelo. Era um animal manso e ela ainda podia montar sem problemas, mas não teria se importado de sentir os braços do Kenneth em volta dela.

De repente, se sentiu culpada por não ter contado ao Kenneth aonde estava indo, mas sabia que ele ia fazer perguntas e não queria ser obrigada a mentir. Não era a primeira vez que estava sozinha e indefesa em sua vida e o dinheiro dos bordados era a sua maneira de evitar que aquela situação se repetisse novamente. Na realidade, não tinha por que se sentir culpada.

No entanto, assim era exatamente como se sentia, por esconder o dinheiro e, também, pela escapada naquela manhã. Ia encontrar uma maneira de compensá-lo, pensou, mas isso não a ajudou a se livrar do sentimento de desassossego.

A pequena igreja e o convento adjacente se encontravam no topo de uma colina, exatamente acima do movimentado mercado de Berwick-upon-Tweed. Demorou apenas um breve período de tempo para chegar lá. A maioria das igrejas de Berwick e de outras cidades próximas à fronteira eram protegidas por muros, mas isso não era o suficiente para manter os ladrões afastados.

Deixou os soldados cuidando dos cavalos e se dirigiu, primeiro, para a igreja e, em seguida, quando não obteve respostas para suas perguntas, foi até o convento.

"Desculpe, minha senhora", disse a abadessa. "Há três anos eu já estava aqui, mas não lembro de nenhuma mulher como a que descreveu tenha pedido refúgio no convento." Estudou a Mary mais atentamente. "Você disse que ela é sua irmã gêmea?"

Mary assentiu.

"Nós somos muito parecidas." Mas, agora, Mary já não parecia um pardal moribundo. Ela olhou para baixo e viu o tecido do vestido que usava. Para a viagem até Berwick, havia recuperado um dos seus antigos conjuntos de vestido e véu escuros, e tinha se surpreendido com quão desconfortável foi aquela escolha. A rapidez com a qual se acostumara novamente com as coisas boas. No entanto, parecia mais inteligente não atrair atenção para si mesma, enquanto estava no mercado. "Embora ela, provavelmente, usasse algo mais colorido que eu", acrescentou, fazendo um beicinho com a boca. "Com longos cabelos loiros…

A freira a interrompeu, balançando a cabeça.

"Desculpe, minha senhora. Esta mulher nunca esteve aqui."

Mary tentou sorrir, mas por mais que estivesse acostumada a receber sempre a mesma resposta, não conseguia esconder sua decepção.

"Obrigada." Lhe deu uma moeda. "Por favor, aceite isto e a coloque em suas orações noturnas."

A mulher assentiu com a cabeça, mas evitou olhar nos seus olhos. Mary estava quase na porta quando a freira a chamou.

"Espero que a encontre, minha senhora. Algum dia."

Mary sorriu, desta vez de verdade, com os olhos cheios de lágrimas.

"É o que também espero."

Absorta em seus pensamentos, abaixou a cabeça e quase se chocou com um monge que cruzou o seu caminho. O homem deixou cair o livro que estava nas suas mãos – aparentemente, tampouco olhava aonde estava indo – e se abaixou para pegá-lo.

"Desculpe, irmã…" Ele olhou para seu rosto e sua surpresa foi mais do que evidente. "Você voltou!" Ele exclamou com um sorriso.

Mary sentiu um choque percorrer suas costas e todo o seu corpo ficou imóvel, petrificado com a emoção.

"Você me conhece, irmão?"

Ele pareceu duplamente surpreso e notou, pela primeira vez, os detalhes do seu rosto e nas roupas, nos quais não tinha reparado antes.

"Você não é uma freira."

"Mas você já me viu antes?"

A expressão no seu rosto mudou, de repente.

"Achei que sim, mas agora percebo que estava errado. Você se parece com uma jovem freira que passou por aqui, há algum tempo."

Mary podia sentir cada nervo do seu corpo enrijecer. Finalmente. Esse era o dia pelo qual estava esperando. Tentou controlar o coração, que batia em um ritmo acelerado, mas as batidas ecoavam nos seus ouvidos com um estrondo ensurdecedor.

"Quando?" Conseguiu perguntar.

O monge esfregou o queixo.

"Há mais ou menos um ano, se não estou enganado."

"O que você sabe sobre ela? Com quem ela estava?"

Sem perceber o que fazia, Mary segurou o braço do monge, que a olhava como se ela tivesse perdido a razão.

"Nada, minha Senhora. Parou no convento para passar a noite, só isso."

"Aonde estava indo?"

Desejando não haver dito nada, o jovem clérigo retirou cuidadosamente o braço das mãos da Mary.

"Eu não sei, minha senhora. Você a conhece?"

"Eu acho que é a minha irmã. Ela está desaparecida há mais de três anos."

Os olhos do monge se encheram de simpatia e algo mais. Pena, pensou Mary.

"Desculpe, minha senhora, mas temo que não seja a sua irmã. A mulher com quem eu falei era italiana."

Mary sentiu o coração falhar.

"Você tem certeza?"

Ele assentiu.

"Ela não sabia falar inglês e conhecia algumas palavras em francês."

A decepção foi ainda mais devastadora do que antes. Apesar da segurança com a qual o monge falava, Mary imaginou se havia alguma chance dele estar errado. Mas, qual razão podia ter a sua irmã para se passar por italiana? Quando falavam muito mal o idioma?

Pediu desculpas ao monge por insistir nas perguntas e saiu em disparada. No entanto, durante todo o caminho de volta até o castelo não conseguiu pensar em mais nada.

Quando finalmente cruzou os portões do castelo, percebeu que era mais tarde do que pensava. Trocou de roupa apressadamente e foi para o grande salão onde o banquete já tinha começado há mais de uma hora.

Esperava que o Kenneth estivesse à sua espera. Não só estava ansiosa para falar com ele sobre o Davey, mas também queria saber a sua opinião sobre o que aconteceu aquela manhã na igreja. Normalmente, teria ido direto até o Sir Adam, mas desta vez o seu primeiro instinto foi o de encontrar o seu marido.

Teria que lhe pedir desculpas por esta manhã. Bem, talvez não precisasse se desculpar, corou com o pensamento, a julgar pelo quanto ele tinha gostado, mas, no fundo, sabia que as coisas não podiam continuar como antes. Queria lhe dar uma oportunidade e, também, a si mesma.

O grande salão era um mar de sons e cores. Aparentemente, já fazia algum tempo que o vinho e a cerveja tinham começado a ser servidos livremente e as pessoas não paravam de se mover ao redor da sala. Ficou na ponta dos pés para tentar localizar o Kenneth, mas não conseguia ver nada acima do mar de cabeças.

Quando, finalmente, conseguiu abrir caminho através da multidão reunida na porta, ela o viu e o seu rosto se iluminou com o mesmo sorriso que, ultimamente, vinha à tona em seu rosto, quase como um reflexo. Infelizmente, a alegria inicial logo se transformou em espanto. Empalideceu instantaneamente e algo se agitou dentro dela. O coração. O estômago. As esperanças.

A dor que atravessou o seu peito era quase inimaginável.

Kenneth estava rodeado de mulheres e desfrutava, extasiado, das suas atenções como se fosse um deus grego, em cima do altar do seu templo. As mulheres que estavam em ambos os seus lados estavam tão próximas que seus seios roçavam os seus braços. Ele não fazia nada para encorajá-las, ainda não, mas era uma questão de tempo. Afinal, ele não tinha prometido nada. Toda a cena era brutalmente familiar para ela, um lembrete do que nunca devia ter esquecido, por mais que quisesse. Queria abrir os olhos? Pois, agora, finalmente, estavam abertos.

Oh, Deus. Não posso passar por isso novamente.

"Está se sentindo bem, minha Senhora?"

Atordoada, Mary virou a cabeça e viu o Sir John ao lado dela.

"Você está muito pálida."

"Não estou me sentindo muito bem. P-preciso voltar para os meus aposentos."

A preocupação era evidente no rosto do cavaleiro.

"Eu a acompanho."

Mary acenou com a cabeça, chocada demais para reagir.

 

Capítulo Vinte


Kenneth sabia que a Mary tinha deixado o castelo sem dizer nada e que também foi ao Sir Adam pedir sua ajuda, em vez de pedir a ajuda dele. Estava com raiva, sim, e talvez com um pouco de ciúmes, mas nada grave em comparação com o que tinha acabado de sentir ao descobrir que ele a havia escoltado de volta para os seus aposentos.

"Felton? Tem certeza?"

Lady Eleanor o olhou, surpresa.

"Sim, cerca de uma hora atrás. Pensei que você soubesse."

Kenneth tinha tentado se divertir, esquecer as preocupações e se deixar levar pela atmosfera de festa em torno dele, mas como as horas estavam passando e a Mary ainda não tinha chegado, a raiva inicial foi se transformando em preocupação até que, finalmente, não aguentou mais e perguntou a uma das damas de companhia da sua esposa.

Tentou esconder a raiva, sem muito sucesso.

"Eu não sabia."

"Ela estava bem ali." Lady Eleanor apontou para um grupo de mesas a poucos metros de onde estavam. "Felizmente, o Sir John estava com ela, meu Senhor. Por um momento, pensei que ela estava prestes a desmaiar. Não parecia muito bem."

Kenneth sentiu o estômago revirar. Santo Deus, seria o bebê?

"Tenho certeza não tem por que se preocupar, meu Senhor", disse Lady Eleanor ao ver sua reação. "De acordo com o Sir John, não foi nada mais do que uma simples tontura."

Mas Kenneth já não a estava escutando mais e se afastou em direção à saída do salão.

Tinha acontecido alguma coisa? Sua mente revisou todos os percalços que podem acontecer a uma mulher grávida. Droga, por que ela não tinha dito nada? Nunca mais a deixaria ir sozinha até a cidade.

Chegou em seus aposentos a ponto de perder a cabeça, oprimido por uma emoção que era desconhecida. Pânico? Medo? Pela forma como o seu coração batia, podia ser qualquer uma dessas coisas.

Ele abriu a porta e entrou.

"Você está be…?"

Ali estava a Mary, de pé em frente à janela, com a silhueta recortada pelos últimos raios de sol. Ela tinha se virado ao ouvi-lo entrar; seu rosto era uma máscara de compostura serena. Serenidade e compostura que não fizeram nada, além de piorar o estado de nervos do Kenneth.

Não precisou terminar a frase. Era óbvio que o seu desconforto foi desnecessário; sua esposa estava perfeitamente bem.

"Você chegou rápido."

Havia algo em sua voz, um tom ligeiramente sarcástico, que não o agradou.

"E você não. Posso saber no que você estava pensando ao deixar o castelo sem me dizer nada?"

Mary arqueou uma das sobrancelhas delicadas.

"Não sabia que precisava da sua permissão."

Lá estava, de novo, nos seus olhos, aquele olhar frio, desafiante, mas Kenneth estava zangado demais para prestar atenção aos sinais.

"Sim, precisa. Não volte a sair do castelo ou vá a nenhuma outra parte sem o meu conhecimento." Ele atravessou o aposento, agarrou o braço dela e a puxou contra o seu corpo. "Ouviu, Mary?"

Mas ela não estava disposta a se deixar intimidar. Todo o calor que o corpo dele projetava não foi suficiente para derreter o gelo que se formou em torno dela.

"Sim, ouvi perfeitamente. Porque está gritando no meu ouvido."

A tranquilidade com a qual ela falava era irritante. Nesse momento, ela mostrava uma calma que era incapaz de sentir. Ele queria deixá-la irritada, furiosa, tanto ou mais do que ele. Era inconcebível ser tão apaixonado por uma mulher como ela… não, não era.

"E não quero que fique perto do Felton. Ou tenho que lembrá-la que você é uma mulher casada?"

Os olhos da Mary pousaram nos seus, a primeira brecha em sua compostura.

"E você também é um homem casado, mas nós dois sabemos o quão pouco isso significa para você."

"Do que você está falando? Eu não fiz nada…"

"Eu vi você no banquete. Não sei sobre o que você estava falando, mas aposto que era interessante. Contava com uma audiência considerável, todas elas fascinadas com suas histórias.

Kenneth não tinha parado de pensar nela porque estava muito preocupado, mas não tinha a menor intenção de contar para ela, não enquanto sua opinião sobre ele fosse tão… superficial. Ainda assim, não pôde deixar de se sentir culpado. Estava com o orgulho ferido. Não tinha ido ao banquete com a intenção de encontrar uma companhia mais agradecida, embora não pudesse dizer que havia afastado suas fãs. Para ele, era comum. Elas eram comuns.

A Mary, no entanto, não era.

Tinha cometido um erro, agora enxergava, claramente. Sabia quão sensível a Mary era com toda aquela questão do Atholl, maldição, mas suas expectativas eram pouco realistas. Qual homem, em seu juízo perfeito, gostaria de estar amarrado a uma mulher para o resto da sua vida?

De repente, pensou no MacLeod. E no MacSorley. E no Campbell, no MacKay e no seu irmão. Até mesmo no Lachlan e no MacRuairi. Eram homens que admirava e não podiam ser mais sensatos.

Mas, não era como eles, não confundia o dever com as emoções. Mary era só a sua esposa, diabos.

Sentiu uma forte pressão no peito, sem dúvida, resultado da raiva que o corroía por dentro.

No entanto, se em algum momento chegou a pensar em pedir desculpas, Mary se ocupou de silenciar suas palavras.

"Finalmente, terminou o jogo, meu Senhor? Tão cedo? Já está cansado de bancar o marido complacente? Ou, talvez, você ache que não amo os seus presentes nem lhe dou atenção suficiente?"

Kenneth apertou os lábios.

"Nem todas as mulheres são tão difíceis de agradar, como você, minha Senhora."

"Não confunda adoração com respeito."

Kenneth sentiu os músculos do seu corpo ficarem tensos. Ele, obviamente, não tinha o respeito da Mary, mas por que se importava tanto?"

"Achei que nada que eu fazia a afetasse."

Mary enrijeceu e puxou o braço, como se as mãos dele a queimassem.

"Eu não me importo."

Kenneth podia sentir o calor da lava que corria em suas veias.

"Nesse caso, pare de agir como se quisesse mais."

Mary levantou a cabeça.

"Eu não sabia que tinha escolha."

Ficou ciente do desafio que transmitiam suas palavras, mas estava zangado demais para seguir a corrente ou fazer promessas que não sabia se podia cumprir. Tudo o que podia fazer era olhar para ela, furioso, apertando a mandíbula quase tanto como os punhos.

"O que, diabos, você quer de mim, Mary?"

Ele a olhou nos olhos e sentiu que algo se retesava entre eles, como um cabo prestes a romper. Ela sentiu isso também, ou assim ele achou, mas em seguida ela desviou o olhar.

"Só o que você me prometeu", disse Mary. "Como deve entender, seus serviços não serão necessários durante uma boa temporada..."

Kenneth estreitou os olhos.

"Que diabos você está falando? Eu a adverti que ninguém ia me impedir de compartilhar a cama com a minha esposa."

"Você esqueceu? Amanhã é Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. É pecado copular durante a Quaresma.

Kenneth estava prestes a perder o controle. Sabia, exatamente, o que ela estava fazendo e não tinha nada a ver com a Quaresma, mas era uma desculpa esfarrapada para mantê-lo afastado da sua cama. Maldição, se para a Igreja o prazer ou a paixão no leito conjugal também era pecado!

Mas estava tão irritado que não se importava. Se ela o queria, como havia dito, então, as coisas mudariam a partir de agora. Não conseguiu ganhar o coração dela na cama; quem sabe, tudo mudasse em sua ausência.

O que não estava disposto a permitir era deixá-la fugir sem mostrar o mínimo de resistência, sem deixá-la com algo para pensar. Daria, exatamente, o que ela queria, inferno. Para ela, não era nada mais além de um garanhão de aluguel, certo? Bem, isso era exatamente o que teria dele.

"Como você quiser."

Ele a rodeou com os braços, obrigou-a a se virar e a empurrou contra a parede.

"O q-que você está fazendo? Achei que tinha dito…"

Kenneth afundou o rosto no seu cabelo, no seu pescoço, atacando a pele macia com toda a fúria de emoções que corria por suas veias.

"A Quaresma ainda não começou."

*


Mary viu a raiva que brilhava nos olhos de Kenneth e soube que tinha ido longe demais. Não devia haver tentado provocá-lo, mas uma parte dela – uma parte bastante importante – esperava conseguir uma resposta muito concreta, um monte de promessas que sabia que não tinha o direito de exigir.

Quando aprenderia?

O calor se espalhou pelo seu corpo quando ele a segurou em seus braços, moldando seus corpos, queimando a pele fina do pescoço, com a boca e a mandíbula. A dor que havia estado a ponto de vir à superfície se transformou em uma emoção diferente: desejo, ânsia e a necessidade desesperada de não se separar dele.

Kenneth a estava beijando com uma entrega e um frenesi que nunca antes havia mostrado e Mary respondeu com seu próprio desespero. Se rendeu completamente a ele, se fundiu contra o corpo dele e deixou que fizesse com ela o que quisesse. Kenneth agarrou e apertou seus seios enquanto devorava cada centímetro da pele do pescoço e dos ombros.

Cuidadosamente, levantou suas mãos e as apoiou contra a parede.

"Isto é o que você quer, certo?"

Havia um tom em sua voz que nunca tinha ouvido antes. Mary estava muito quente e sua pele queimava. Kenneth a agarrou pela cintura e a puxou para trás, até que Mary sentiu a protuberância inconfundível que se situava entre as pernas dele. Então, lentamente, começou a se esfregar contra ela.

De repente, recordou as imagens do estábulo.

Sabia o que ele pretendia fazer e, por um momento, pensou em impedi-lo. No entanto, talvez por causa da vergonha ou por um desejo incontrolável, não sabia como escapar da teia de aranha que seu marido estava tecendo ao redor.

Gemeu, apertando o quadril contra ele e arqueando as costas para que ele tivesse melhor acesso ao seu pescoço.

Kenneth grunhiu e xingou em voz baixa, ainda acariciando seu peito com uma mão, enquanto com a outra tentava abrir a braguilha da calça. Então, levantou sua saia e Mary sentiu, nas pernas e nas costas, a carícia do ar frio que corria ao redor do recinto.

Quando ele enfiou os dedos, já fazia tempo que estava molhada.

"O que você quer, Mary?" Devia ter se alertado pela tensão que havia na voz dele, mas estava muito absorta e imersa na espessa névoa da paixão para tentar ser cautelosa.

Kenneth apoiou a ponta da sua ereção entre as pernas da Mary e a acariciou com movimentos deliberadamente lentos. Ela o sentia tão grande, tão espesso entre as pernas, que as sensações que estava despertando nela ameaçavam levá-la ao pico do prazer a qualquer momento.

Podia ouvir seus próprios gemidos e sentir seu corpo implorando que a liberasse daquela agitação que ele mesmo havia despertado dentro dela.

Kenneth agarrou seus quadris e se colocou entre as pernas dela.

"Você quer gozar, certo?"

A dureza das suas palavras lhe causou um arrepio, que atingiu a parte mais escura da sua alma, aquela que sempre reagia tão prontamente à perversão das suas intenções. Não com repulsa, mas com desejo. Aquilo era errado, tinha que ser errado, e Mary sabia, mas era tarde demais. Kenneth havia alimentado o fogo. Além disso, havia algo naquele aspecto da sua personalidade, mais agressivo, mais feroz, que a fazia perder a cabeça, enganava suas emoções, a fazia pensar que ele se importava. Que, se perdia o controle daquela maneira, era porque realmente se importava com ela.

Podia sentir a carne quente e dura contra o seu corpo, o membro grosso acariciando a parte exterior do sexo dela. Suas pernas tremiam e todo o seu corpo pulsava com excitação. Queria senti-lo dentro dela, o desejava com tal ânsia que, por um momento, acreditou que não conseguiria segurar as lágrimas.

Kenneth se esfregava contra ela descrevendo círculos e Mary empurrava os quadris para trás ao ritmo dos seus movimentos.

Mas não tinha a intenção de lhe dar o que ela mais ansiava. Estava brincando com ela, atormentando-a, obrigando-a a ficar ciente da profundidade do desejo que sentia por ele.

"Quero que você peça." Kenneth sussurrou no ouvido dela.

"Sim!" Ela exclamou. "Por favor, sim."

Kenneth agarrou seus quadris e a penetrou com força e em um só movimento, que fez estremecer até o âmago do seu ser. Então, se retirou até conseguir um ângulo perfeito e golpeou novamente, penetrando-a ainda mais profundamente.

Ele a manteve assim até que conseguiu arrancar um gemido, até que a Mary acreditou que seu corpo estava prestes a se romper em pedaços pela força bruta do seu membro dentro dela. Ele a encheu por completo, até suas profundezas. E, então, a fez gozar investindo com movimentos longos e profundos, tão crus, tão frenéticos quanto os gritos de prazer que havia arrancado dela.

Aquilo era grosseiro e delirante, era a luxúria em seu estado mais primitivo. Ainda podia sentir os espasmos entre as pernas quando Kenneth grunhiu mais alto do que nunca e enviou uma corrente quente e latente através de seu corpo.

Mas, como ocorre com todas as tempestades, especialmente com as mais violentas, a única coisa que deixam atrás de si são destruição e desolação. O silêncio no quarto era quase doloroso. Kenneth se afastou dela e uma corrente de ar frio invadiu as partes expostas do seu corpo. Ainda estava inclinada para a frente com as mãos na parede; caso contrário, provavelmente, teria caído no chão.

Quando se endireitou, percebeu que o corpete do seu vestido estava rasgado e tinha que segurá-lo com as mãos. A saia escorregou sobre suas nádegas nuas para o chão, mas o frio que ainda sentia entre as pernas era um lembrete brutal do que tinha acontecido entre eles.

De repente, se sentiu suja e envergonhada. Por que tinha permitido que a tratasse assim? Pior, como podia ter gostado?

Ela cambaleou e Kenneth correu para segurar o seu braço.

"Santo Deus, Mary, o que…"

"Obrigada", ela o interrompeu, obrigando-se a olhar nos olhos dele, quando a única coisa que queria era se enrolar no chão e chorar. Acima de tudo, proteja a si mesma. "Era exatamente o que eu queria. A mulher do estábulo estava certa. Você é tão bom quanto comentam."

Pareceu que o Kenneth se encolheu ainda que, talvez, pudesse ser, apenas, o clarão do fogo na lareira. Olhou para ela fixamente, com uma emoção crua e primitiva nos olhos, tão intensa que se transformou em um nó na sua garganta e o peito ardia por dentro.

Queria retirar o que havia dito, mas era tarde demais. Kenneth se virou e caminhou, batendo a porta ao sair.

Sem olhar para trás.

Se o tivesse feito, teria visto ela desabar no chão, convertida em um mar de lágrimas e desespero. Ele tinha dado exatamente o que ela queria – luxúria sem qualquer traço de ternura – mas, na realidade não era isso o que ela esperava.

O que eu fiz?

*

Kenneth se manteve tão afastado do castelo quanto foi possível. Se ofereceu para, absolutamente, qualquer coisa que exigisse atravessar os muros: reconhecimento, trabalhos de escolta, até mesmo a reparação da parede de um castelo nas proximidades, que foi danificada depois de um ataque dos homens do Bruce.

Entretanto, se acreditava que se afastar do castelo seria suficiente para aplacar as emoções perigosas em seu interior, estava enganado. Não havia nada, nenhuma missão, nenhuma tarefa, nenhum trabalho físico por mais duro que fosse, capaz de fazê-lo esquecer o que aconteceu. Nada podia atravessar a ira que flutuava em torno dele como uma neblina escura e maligna. Era um homem prestes a explodir e sabia disso.

Havia perdido o controle. Queria que a Mary reconhecesse que havia algo entre eles, mas só tinha conseguido provar que ela estava certa.

Talvez o MacKay estivesse certo, talvez não houvesse nascido para isso. Quanto tempo levaria antes de cometer alguma imprudência? A missão na qual tinha colocado todas as suas esperanças e determinaria o seu lugar na Guarda não estava indo como planejado. Ninguém havia ficado impressionado com o seu progresso. Ficar perto do Percy não havia lhe trazido informações valiosas; não foi capaz de confirmar a lista de castelos que os ingleses planejavam utilizar durante a campanha; a esperança de convencer sua esposa e seu filho para a causa do Bruce eram cada vez mais remotas; fazia semanas que não empunhava uma arma e, por último, mas não menos importante, o controle férreo que havia custado tanto para dominar estava escapando das suas mãos.

Sangue-frio, diabos! Naquele momento, estava disposto a se contentar com qualquer coisa que estava abaixo da temperatura de ebulição.

Demorou uma semana antes que decidisse voltar, mas descobriu que sete dias não foram suficientes.

Mal teve tempo de limpar a poeira e a sujeira da estrada, quando, ao cruzar o pátio de armas, vindo do portão que dava para o mar – havia preferido um mergulho nas águas frias do Tweed do que uma tina com água quente nos seus aposentos – viu algo que chamou sua atenção e despertou todos os seus instintos para o combate, que não eram poucos.

Felton estava no pátio, praticando com alguns dos seus homens.

"Outra vez!" Ele gritou.

Aparentemente, estava demonstrando algumas técnicas com a espada, mas o desafortunado objeto da lição não era outro senão David Strathbogie.

O jovem Conde de Atholl estava ajoelhado, vítima de um possível golpe que, a julgar pela quantidade de lama que cobria sua armadura e a dificuldades que tinha em se levantar, não parecia ser o primeiro.

Talvez porque ele mesmo teve que levantar do chão mais vezes do que podia se lembrar ou porque a situação apelava ao sentido mais primitivo do que era certo e o que não era, que ver o Felton humilhando o menino, contraiu até o último músculo do seu corpo.

David conseguiu se levantar, mas Felton já estava em cima dele, gritando para pegar sua espada, para defender a si mesmo como um homem, antes de derrubá-lo novamente com uma complicada sucessão de estocadas, que exigia muita experiência, movimentos contra os quais um escudeiro tão inexperiente como o David não tinha absolutamente nada a fazer.

Kenneth sentiu o sangue ferver. Cerrou os punhos uma e outra vez contra os lados do seu corpo. Certo, era apenas uma lição, mas era pensada, unicamente, para humilhar quem a recebia. A intenção do Felton era fazer o menino ficar mal na frente dos outros homens.

"Levante e lute", disse o Felton, cutucando o menino com a espada. "Nós ainda não terminamos."

De repente, um espesso véu vermelho encobriu tudo. Kenneth quase podia sentir a humilhação do menino, assim como a dor aguda no seu jovem orgulho. Antes de perceber o que estava fazendo, desembainhou a espada – usando a mão esquerda, graças a um momento de especial lucidez, já que a versão oficial dizia que ainda estava se recuperando da lesão e não podia lutar com plena capacidade – e ele foi até o cavaleiro, abrindo caminho através do círculo de homens. Tudo o que conseguia ver era a espada do Felton voltada para o menino. Com um movimento rápido, Kenneth arrancou a arma da sua mão e a atirou há vários metros de distância.

O estrondo do metal ricocheteou contra as paredes do castelo, criando um eco que atravessou o silêncio de espanto da plateia.

Debaixo do elmo de aço, Kenneth viu o rosto do Felton explodir de raiva.

"Que diabos você pensa que está fazendo?"

"Uma espada não é um brinquedo. Estou mostrando aos jovens porque não devem segurá-la assim. Faria bem lembrar disso quando a recolher."

"Como se atreve a interferir…?"

"Talvez seus homens gostariam de vê-lo praticar essa técnica com alguém do seu tamanho."

Felton captou o desprezo nas suas palavras e ficou ainda mais vermelho do que já estava. Enquanto isso, um dos seus homens, que havia pego a espada do chão, se adiantou e a estendeu para ele.

Os olhos do Felton brilharam com expectativa enquanto a pegava.

"Pensei que o seu braço ainda estava curando."

"E está. Vou usar o outro." Não era especialmente bom com a esquerda, mas seria o suficiente para dar o troco em tudo o que ele fez com o David, só que, desta vez, multiplicado por dez. E pensava em desfrutar até último segundo.

"Espere!"

Kenneth se virou ao ouvir aquela voz que era tão familiar. Olhou por cima do ombro e, ao ver a Mary correndo até eles, sentiu que o coração pulava uma batida dentro do peito, uma reação que preferiu ignorar. Ela usava um manto com capuz que a cobria da cabeça aos pés e que servia a dois propósitos: esconder a gravidez e protegê-la contra o frio.

"Até que enfim o encontrei", disse Mary ao chegar ao seu lado, quase sem fôlego. "Estava à sua espera."

Suas palavras teriam causado uma reação muito diferente se não tivesse visto antes a expressão de preocupação que encobriu seu belo sorriso.

Kenneth cerrou os dentes e se perguntou o que estava acontecendo. As próximas palavras da Mary confirmaram suas suspeitas.

"Sinto muito, interrompi alguma coisa?" Perguntou, olhando ao redor e fingindo estar surpresa com a multidão que estava em torno deles. Arregalou os olhos e suas bochechas se tingiram com um delicado tom de rosa.

Sabia perfeitamente o que estava acontecendo ali e o que tinha interrompido. Além do mais, o fez de propósito. Ela não queria que ele enfrentasse o Felton, porque acreditava que ele podia perder.

De repente, viu o David, ainda no chão e coberto de lama. Kenneth antecipou a sua reação e, antes que pudesse constranger ainda mais o menino, correndo para ele e enchendo-o com todos os tipos de cuidados maternos, ele a agarrou pelo braço para detê-la e lhe enviou um olhar de advertência.

"Nada que não possamos resolver mais tarde. Precisa de alguma coisa?"

Mary olhou para o seu filho. Parecia que tinha entendido a mensagem, mas tinha a intenção de ignorá-la.

"Humm, sim." Desviou o olhar do seu filho e se dirigiu para o Felton, com um sorriso radiante. "Espero que não se importe, Sir John, mas há um problema com uma das propriedades herdadas do meu marido que precisa da minha atenção o mais rápido possível."

Felton respondeu com uma reverência.

"Claro, minha Senhora." Mas, a julgar pelo olhar desafiador que deu ao Kenneth, evidentemente, também adivinhou a verdadeira razão para a interrupção e sabia que, para a Mary, Felton era melhor lutador do que ele. "Posso acabar com isso a qualquer momento."

Kenneth cerrou os dentes e tentou lutar com todas as suas forças contra o calor que ameaçava consumi-lo por dentro. Não precisava provar nada a ninguém, mas queria fazê-lo, inferno. Os músculos do seu corpo estavam tensos.

"Kenneth." Mary disse, passando a mão em volta do seu braço.

A doce voz da sua esposa, abriu caminho através da neblina que ameaçava ofuscar completamente a sua razão. Por mais tentador que fosse, não podia se dar ao luxo de cometer um erro como esse. Além disso, a satisfação pessoal de espancar o Felton não compensava qualquer risco. Sua esposa estava certa, mas pelas razões erradas, uma vez que enfrentar o Felton era a coisa menos inteligente a fazer. Foi um erro ganhar sua inimizade desde o início e, com o seu discurso, Mary evitou que cometesse um erro ainda pior. Kenneth teria humilhado o campeão do Percy e, depois que isso acontecesse, o objetivo principal do Felton, seria desacreditá-lo. Como se não bastasse a vigilância com a qual o submetia. No entanto, e apesar de mais tarde, certamente, apreciar a interrupção, nesse momento era doloroso, já que não queria parecer o segundo, eternamente, na frente da sua esposa.

Olhou para o Felton, para deixar claro que aquilo não tinha acabado e, em seguida, se afastou com a sua esposa, segurando o braço dela.

Caminharam em silêncio até os aposentos que haviam compartilhado desde o dia do casamento. Uma vez lá, Mary desabotoou o manto e o colocou no baú que estava aos pés da cama. Estava nervosa, a julgar pelo aperto das suas mãos ou pelo caminhar contínuo ao redor do quarto, tentando evitar seu olhar.

Kenneth esperou pacientemente junto à porta, imóvel como uma rocha.

"Você quer?" Mary perguntou enquanto enchia um copo de vinho da jarra que descansava sobre a mesa.

"Não."

Ela se virou e Kenneth pôde ver a curva suave da sua barriga sob as dobras do vestido de lã. Tinha mudado, apenas, em uma semana. Logo as saias e casacos largos não serviriam para esconder sua gravidez. Devia mandá-la para longe o mais rápido possível…

"O bebê…" Perguntou, limpando a garganta. "Está bem?

Ela olhou para cima, surpresa.

"Perfeitamente."

E o silêncio se instalou novamente, um silêncio pesado, desconfortável, em contraste com a relação que haviam compartilhado até muito recentemente. Por um momento, Kenneth acreditou que as paredes do pequeno recinto cairiam em cima dele. Mary estava muito próxima. Queria tocá-la, abraçá-la, levantá-la em seus braços e fazer amor até que ela admitisse que sentia algo por ele.

Tinha que sair de lá o mais rápido possível.

"Se bem me lembro, você mencionou uma questão sobre uma propriedade."

Mary corou.

"Não há nenhum assunto sobre propriedades. Estava a caminho do grande salão quando vi você com o Sir John. A forma como você o olhava…" Ela estremeceu. "Não sei qual é o problema entre vocês dois, mas gostaria que o superasse."

Kenneth a observou longamente.

"Isso é impossível."

Porque ela era o problema, mesmo que ainda seguisse sem se dar conta disso.

"Por que não?" Seu rosto escureceu. "Santo Deus, por um momento, pensei que ele ia te matar."

"Você devia ter mais fé em mim."

Mary notou algo em sua voz e franziu a testa.

"E eu tenho, mas…" Ela desviou o olhar. "Você ainda não se recuperou totalmente do braço."

Mas… Os dois sabiam que o problema não era apenas o braço.

"Não há nenhuma razão para se preocupar. Não tenho a intenção de duelar com o Felton."

Ela olhou para ele, intrigada.

"Ah, não?"

"Não pretendo deixá-la viúva tão facilmente", Kenneth respondeu, forçando um sorriso que realmente não sentia.

"Eu não quis dizer isso", Mary protestou, franzindo o cenho.

"Verdade?" Balançou os ombros como se nada disto tivesse muita importância, embora tivesse. E muita. Descobriu, surpreso, o quanto lhe importava que ela acreditasse nele. Não sabia quando essa mudança tinha ocorrido, mas era inegável. Maldição, quando pensava que havia superado…. Passara a vida toda provando o seu valor; nunca teria imaginado que também teria que fazer o mesmo com sua própria esposa.

"A discussão teve algo a ver com o Davey? Queria falar com você, estou um pouco preocupada…"

"Deixe o garoto em paz, Mary. Tem que resolver sozinho."

Os olhos dela se arregalaram.

"Resolver? Eu sabia que algo estava errado. Está muito quieto ultimamente, mais do que o habitual. É o Sir John? Ou um dos outros garotos? Se você sabe de alguma coisa, por favor me diga."

Mary sempre se mostrava muito beligerante quando se tratava de defender o seu filho; quem dera tivesse o mesmo interesse nele, pensou Kenneth. Quando chegasse o dia, seria uma boa mãe para o seu filho, no entanto, não era exatamente isso o que o David precisava: de uma mãe tão protetora. Pelo menos, não nesse momento.

"Ele já é velho demais para concordar com isso, Mary."

"Eu sei", respondeu com os olhos brilhantes.

"Ele vai precisar de você novamente, você vai ver. Dê um tempo para ele."

E se virou, pronto para sair.

"Espere, aonde você está indo? Vai partir de novo?"

"Receio que não. Percy está esperando pelo meu relatório." Ele a olhou nos olhos. "Precisa de algo mais?"

Mary corou e desviou o olhar.

"Não."

Kenneth a olhou diretamente nos olhos. O que ela queria?

"Devo voltar muito tarde. Não me espere acordada."

"Ah", disse ela com uma expressão estranha no rosto. Decepção, talvez? Não sabia. Estava muito absorvido em suas próprias emoções para tentar decifrar sua esposa.

Enquanto escapava daquele aposento que, para ele, estava se tornando uma autêntica câmara de tortura, sabia que mais cedo ou mais tarde, teria que fazer alguma coisa. Se não encontrasse uma maneira de se livrar da frustração que o corroía por dentro, provavelmente não suportaria nem mais quatro dias, e não queria nem pensar nos trinta e três dias da Quaresma.


Capítulo Vinte e Um

Mary tinha cometido um erro, e sabia disso. A conversação que havia mantido com o Kenneth, uma semana depois de possuí-la contra a parede em uma explosão de luxúria – e nada mais – havia sido um claro prenúncio do que estava por vir.

Nos quase quarenta dias que haviam passado desde que o expulsou da sua cama, haviam acabado as fitas para o cabelo, as flores, os doces, os passeios a cavalo e as conversas, longas e significativas. Mary preparava o seu próprio banho e não tinha desculpas para sair e montar a cavalo e as conversas com o seu esposo eram breves e impessoais.

Era como se estivesse casada com o Atholl de novo, com a diferença que era o Kenneth que desabava ao lado dela à noite, quando finalmente regressava do que quer que fosse que o mantinha fora do castelo até tão tarde, cheirando a uísque e ainda molhado depois de um rápido mergulho no rio.

Ele partiu seu coração. Pelo menos, o Kenneth tinha a decência de lavar o cheiro das suas amantes antes de vir para a cama. Apesar disso, não podia ser grata pela sua discrição, quando, só de imaginá-lo com outra mulher fazia empalidecer a recordação da dor que havia sentido com o Atholl.

Apesar de todos os seus esforços para enfrentar seu segundo casamento com os olhos abertos e o coração endurecido, Mary havia falhado miseravelmente. Tinha se apaixonado pelo seu marido, não com a adoração cega e incondicional de uma adolescente, baseada em mitos e lendas, mas com o amor maduro de uma mulher que apreciava as falhas do seu esposo, tanto quanto as suas qualidades.

Amava o jovem que sempre teve que lutar para provar o seu valor e que possuía a confiança suficiente em si mesmo para se tornar o melhor. A encantava saber que sob a couraça impenetrável do guerreiro feroz, se escondia um homem de surpreendente profundidade e – sim, Sir Adam estava certo – sensibilidade. Adorava a paixão que colocava em tudo que fazia; e mais, a invejava, se sentia atraída por ela, inclusive quando ele perdia o controle. Gostava de ser direta com ele, de desafiá-lo. Kenneth despertava a leoa que havia dentro dela e a fazia se sentir mais forte e mais corajosa em toda a sua vida. Nunca a havia tratado como uma possessão ou como um ser inferior a ele, mas como uma igual. Escutava atentamente tudo o que ela tinha a dizer e se interessava pela sua opinião.

Ironicamente, ao tentar evitar que o seu casamento com o Kenneth terminasse igual ao primeiro, na realidade, o que havia conseguido foi se assegurar que ambos acabassem da mesma forma. Ela o expulsou da sua cama, assim, porque estava tão surpresa que ele tivesse encontrado outra?

Se arrependia de tantas coisas. Havia sido uma estúpida ao pensar que a paixão era o único pilar que sustentava a sua relação. O havia comprovado há apenas algumas noites, quando ele partiu, deixando-a sozinha e com um vazio insuportável no coração. Não devia ter deixado que o orgulho e o ciúme a impedissem de dizer o quanto era importante para ela. E, tampouco, deveria ter interferido na discussão com o Sir John. Davey se negava a falar sobre o que havia acontecido, mas tinha quase certeza que, naquele dia, Kenneth estava tentando proteger o seu filho.

Também acertara ao pedir que fosse paciente com o jovem Conde. Seu filho não estava acostumado a ter uma mãe por perto, que lhe demonstrasse carinho, assim, era normal que se sentisse incomodado e se colocasse na defensiva Necessitaria de tempo para derrubar os muros que havia levantado ao seu redor, especialmente agora que o Davey tinha toda a sua atenção focada em se converter em um cavaleiro. Devia se acostumar apensar nele como o homem que seria algum dia e não como a criança que nunca havia tido a chance de conhecer.

Mas, havia muito mais do que isso.

Você devia ter mais fé em mim. Ele estava certo. Ela o havia visto lutar e sabia do que era capaz, só precisava acabar de se recuperar do ferimento no braço. Suas palavras, entretanto, não se referiam unicamente às suas habilidades com a espada, mas, sim, abrangiam muito mais. Mas, como podia acreditar nele quando parecia incapaz de manter uma simples promessa?

Claro que ela, tampouco, se preocupou em perguntar, mas tinha simplesmente aceitado o que acreditava ser o seu destino. Havia tentado se acostumar com sua nova vida como sempre fazia.

Entretanto, dessa vez, não seria suficiente. Não se contentava com o que tinha, ainda que se sentisse agradecida pelo que tinha. Ela queria mais. Queria o seu coração.

Mas, como faria para derrubar o muro que os separava?

Toda vez que ela perguntava como havia sido o seu dia e o que ele havia feito, ele a interrompia, secamente. Um dia havia tentado limpar uma ferida que lhe haviam infligido na mandíbula, durante uma briga na taverna, mas ele havia recusado. Apesar de ainda não haver retomado os treinamentos no pátio de armas, ultimamente aparecia com um número importante de arranhões e contusões por todo o corpo. Quando Mary expressava sua preocupação, ele se enfurecia como se estivesse pondo em dúvida suas habilidades pessoais, de modo que, por fim, havia optado por não falar nada.

A Quaresma estava quase no fim, mas Mary não tinha esperança de que voltaria a dormir com ela. E se o fizesse e tudo voltasse a ser uma repetição da última vez? Ou, pior ainda, e se não regressasse jamais?

Soube o que tinha que fazer no dia em que recebeu uma carta do irmão Thomas, o monge que a havia confundido com a freira italiana, apenas alguns dias antes da Páscoa. Mary havia considerado a ideia de pedir ao seu marido ou ao Sir Adam para ajudá-la a recolher informações sobre a freira, mas, como não teve a oportunidade de pedir ao Kenneth e o Sir Adam havia retornado ao castelo Huntlywood para prepara sua viagem à França, enviou um dos rapazes do celeiro com uma doação considerável para a igreja, e uma nota pedindo ao monge que a avisasse se soubesse mais alguma coisa mais sobre a freira que era tão parecida com ela.

Para sua surpresa, um dia, depois da refeição do meio-dia, o sacerdote do castelo a procurou e passou uma mensagem do irmão Thomas. A freira em questão tinha retornado.

Mary retornou ao grande salão apressadamente, com o intuito de encontrar seu esposo ali, acompanhado dos seus homens. Fazia dias que esperava a oportunidade de lhe pedir ajuda com o assunto da sua irmã e, agora, enfim, podia fazê-lo. Ele a ajudaria? Acreditava que sim.

Encontrou seu escudeiro, Willy, e para sua surpresa, descobriu que o Kenneth tinha retornado aos aposentos. Cruzou o pátio e subiu as escadas correndo.

Mas, quando abriu a porta, toda a excitação desapareceu do seu rosto. Kenneth tinha trocado a túnica que havia usado durante a refeição por uma peça de couro escuro e gasto, e calções. O desespero a atravessou como uma flecha em chamas, queimando o interior do seu peito e a garganta. Sabia o que significava aquela troca de roupa.

"Você vai sair?"

Ele enrijeceu, como se estivesse se preparando para algo desagradável.

"Sim, tenho negócios na cidade."

"Em outra taberna?"

Kenneth deu um meio sorriso, consciente da acusação velada que escondiam as palavras da sua esposa.

"Achei que você não se importava."

Mary engoliu a saliva e, fazendo pouco caso do seu orgulho pela primeira vez depois de muito tempo, deu o primeiro passo.

"E se eu me importar?" Perguntou suavemente, o coração batendo enlouquecidamente dentro do peito. Seus olhos se encontraram e, por um momento, pareceu que o Kenneth ia dizer algo, mas imediatamente lhe deu as costas.

"Talvez eu demore."

Como todas as noites. Mary voltou a engolir em seco e se preparou para uma segunda tentativa, que prometia ser muito mais difícil que a primeira. Seu orgulho e o seu coração estavam machucados, em carne viva. Se sentia como naquela vezem que pediu ao Atholl que os levasse, ao seu filho e a ela, com ele.

"Posso ir com você? Preciso fazer uma coisa na cidade. Recebi notícias animadoras e agradeceria se pudesse me ajudar.

"Receio que vá ter que esperar."

"Não posso…"

"Hoje não, Mary."

Mary se assustou diante da dureza na sua voz. Talvez, fosse tarde demais. Talvez, tivesse perdido o interesse por ela. Talvez, tudo não havia passado de um jogo.

"Compreendo." Tentou ocultar a decepção, mas, por um momento, temeu que seu rosto tivesse refletido a dor que sentia por dentro.

"Não é o que você pensa." Sem se dar conta do que fazia, Kenneth deu um passo em direção a ela. "Maldição." Ele murmurou outro xingamento, passando os dedos pelo cabelo. "Há muita coisa acontecendo agora. Tenho muitas coisas na cabeça."

Coisas que não ia falar com ela.

"Entendo", disse ela, mesmo que não o fizesse. "Você está ocupado se preparando para a guerra." E para outras mulheres que não eram ela.

"Sim."

Mas, havia algo mais. Tinha certeza disso. Algo o incomodava. O que estava escondendo dela?

"Edward viajará logo, vindo do norte. Falei com o Sir Adam, e acho que chegou a hora."

"A hora?" Ela repetiu.

"Para você deixar o castelo."

Mary permaneceu imóvel, petrificada, com os sentidos anestesiados pela notícia.

"Você está pensando em me mandar embora?" Sua voz soava tão rouca e seca como ela se sentia.

"O bebê." Disse Kenneth. "Você não vai conseguir esconder por muito mais tempo. Haverá menos falatório, dessa maneira."

Mary não disse nada. Podia sentir as lágrimas ameaçando transbordar e ficou com medo de abrir a boca e não conseguir contê-las. Kenneth tinha razão – os serviçais e suas damas de companhia haviam adivinhado seu segredo há várias semanas – mas sabia que era a desculpa perfeita.

"O plano sempre foi esse, Mary." Ele a olhou nos olhos. "Estou tentando protegê-la."

"Quando?" Perguntou.

"Depois da celebração da Páscoa. Não será por muito tempo, e você estará, apenas, há alguns quilômetros de distância. Sir Adam nos cedeu o uso do castelo de Huntlywood enquanto ele está na França. Pode levar suas damas de companhia. Está tudo preparado."

Mas, para a Mary não importava o que o seu esposo dissera, o certo era que ele a estava enviando para longe.

"Que atenciosos vocês são. Em algum momento, lhes ocorreu a possibilidade de levar em conta a minha opinião?"

Acaso tinha a obrigação de fazê-lo? Ela lhe pertencia e podia fazer o que quisesse com ela.

Kenneth se dirigiu para a porta sem responder.

"Sei que, nesse exato momento, você não entende, mas é para o seu bem."

Para o bem dela? Mary já não sabia o que isso significava, mas tinha que deixar claro que queria tomar suas próprias decisões.

"É muito atencioso decidindo isso por mim."

Se o Kenneth captou o sarcasmo ou não, Mary nunca saberia. Não estava olhando para ele. Pareceu que ele havia parado, por uma fração de segundo, ao passar junto a ela a caminho da porta, mas se sentiu algo, não foi o bastante para detê-lo.

*


Pouco tempo depois que o Kenneth saiu do quarto, Mary pegou seu manto e se dirigiu para os estábulos. Seu coração podia estar quebrando, reduzido a mil pedaços e pisoteado, mas não pensava em permitir que lhe escapasse a primeira e única pista sobre o paradeiro da sua irmã, depois de todo aquele tempo.

A ideia era levar alguns dos homens do Percy com ela, mas o Sir John a viu junto aos estábulos e insistiu em escoltá-la, ele próprio. Mary sabia que o seu marido ia ficar furioso se descobrisse e precisamente por isso, não fez nada para dissuadi-lo.

Rapidamente, se arrependeu. Por sua forma de agir, era evidente que para o Sir John seu matrimônio não era um impedimento. Em várias ocasiões – muitas, para não captar a mensagem – insinuou que se algo acontecesse com o Kenneth ou as coisas não progredissem como o esperado, ele estaria ao seu lado. Ao seu lado e do seu filho, claro. Se o trajeto até o vilarejo foi especialmente incômodo, nesse caso a gravidez não teve nada a ver com isso.

Quando, por fim, chegaram à igreja e ninguém soube lhe dizer onde estavam o monge, nem a freira – de fato, a abadessa lhe assegurou que a única visita que haviam recebido ultimamente foi a do Bispo de Saint Andrews, e que o monge devia estar equivocado – a decepção foi tanta que havia agradecido a paz e a tranquilidade dos seus próprios pensamentos.

Já estava escuro quando saíram da igreja. No caminho do povoado, colina abaixo, Mary olhou pela primeira vez ao redor. Nunca havia visitado o vilarejo a essa hora da noite e lhe pareceu que os mercadores e os artesãos que ocupavam as ruas durante o dia, haviam sido substituídos por uma sensação crescente de insegurança.

Sir John deve ter sentido seu desconforto.

"Não tenha medo, Lady Mary, comigo está a salvo. Ninguém se atreveria a atacar os homens do Rei.

Mary não estava tão segura disso. Muitos dos homens de aparência rude com os quais cruzavam de vez em quando, pareciam dispostos a isso e muito mais. Afortunadamente, entre a multidão que perambulava pelas ruas também havia mulheres.

A rua principal estava lotada. Parecia que algum acontecimento importante se avizinhava. Uma performance, talvez? Alguma festividade que lhe era desconhecida?

Suas suspeitas foram confirmadas quando, de imediato, ouviu um grito alto que a multidão recebeu com assobios e aplausos.

"O que é isso?" Ela perguntou.

Sir John estreitou os olhos, ordenou aos seus homens que parassem com um gesto da mão e observou a larga fileira de casas e becos estreitos que as separavam. Era evidente de onde vinha oda aquela algazarra: de um dos becos laterais, muito mais iluminado que os outros.

"Não sei, mas vamos descobrir." Ele estendeu a mão. Quando ela hesitou, ele acrescentou: "Não vamos demorar muito."

Incapaz de conter a curiosidade e envolta pela presença de meia dezena de homens do Felton, protegidos e armados até os dentes, Mary deixou que Sir John a ajudasse a desmontar, protegendo a barriga a todo momento, para que ninguém descobrisse seu segredo. Como na primeira gravidez, só havia ganhado peso e, aos olhos de qualquer um, parecia mais saudável e roliça do que grávida. Porém, cada vez se sentia mais desconfortável e se cansava com mais facilidade.

Exatamente quando entraram no beco, ouviram, de novo, o grito de antes. Estava muito escuro entre as edificações e só conseguiam avançar graças a luz que brilhava mais à frente.

À medida que se aproximavam, pôde ver como a expressão do rosto do Sir John endurecia.

"O que foi? Alguma coisa errada?"

Ele respondeu que não com a cabeça.

"Era o que eu imaginava."

Não tardaram a chegar na fonte da luz e, então, Mary viu ao que ele se referia O beco estreito se alargava até se converter em um pequeno pátio quadrado, um espaço no qual, antes, havia uma edificação, e em cujas entranhas dois homens lutavam.

O ringue improvisado estava cercado de tochas por todos os lados, que inundavam a cena com sua luz ofuscante. A multidão se aglomerava em torno do ringue em uma mistura de pedras, restos de paredes e pranchas de madeira colocadas como arquibancadas. Também havia gente presenciando o espetáculo dos telhado e janelas das casas adjacentes.

"Um torneio clandestino?" Ela perguntou.

Sir John assentiu.

"O Rei vai ficar muito contente ao saber o que descobrimos. Faz tempo que ele tenta dar um fim a este tipo de torneios ilegais na fronteira, se é que se pode chamar de torneio essa reunião de rufiões e meliantes.

Mary já havia ouvido falar das lutas ilegais, mas nunca havia presenciado uma. Consistiam, basicamente, em uma luta corpo a corpo, uma luta sem regras que só terminava quando um dos dois lutadores gritava “covarde”, mas muitas vezes terminava em morte.

A multidão cantava alguma coisa parecida com “gelo” e Mary, intrigada, se adiantou para tentar conseguir uma visão melhor doa lutadores.

Imediatamente, soltou uma exclamação de surpresa. Ambos os lutadores usavam elmo, calções e braçadeiras, mas traziam o peito descoberto, salpicado de sangue e suor enquanto se atacavam mutuamente com uma ferocidade que Mary nunca havia visto antes. Não havia nada elegante nem nobre naquele enfrentamento, era uma competição de força bruta e crueldade. Cada competidor empunhava uma arma, além dos punhos. O mais alto e mais magro dos dois carregava um martelo de aparência rudimentar; seu oponente, mais corpulento e com um pescoço tão grosso quanto a cabeça, uma marreta. Ao contrário dos torneios normais, aqui, as armas eram afiadas.

Semelhante brutalidade haveria bastado para que seus joelhos dobrassem, mas não foi isso que revirou seu estômago e transformou suas pernas em geleia. Apesar dos elmos que ocultavam suas identidades, Mary reconheceu, instantaneamente o mais alto dos dois competidores como o seu marido. Reconheceria aqueles braços e aquele peito em qualquer lugar.

Ainda que, a princípio, havia sentido alívio ao saber que ele não estava em uma taberna de má reputação rodeado de mulheres, no mesmo instante a invadiu uma preocupação muito mais imediata pelo perigo no qual ele se encontrava, tanto nas mãos do seu oponente, quanto nas mãos do Sir John, caso ele descobrisse que era um dos participantes daquele torneio ilegal.

Por enquanto, decidiu adiar a pergunta do porquê estar lutando aqui e não com os outros soldados ingleses do castelo e preferiu se concentrar em como sair dali o quanto antes, com Sir ohn e o resto dos seus homens.

Deu meia volta, disposta a insistir com o Sir John sobre a urgência de regressar ao castelo e se chocou acidentalmente com um homem que estava ao seu lado. Em circunstâncias normais, não teria acontecido nada, mas, justo naquele momento, ocorreu algo no ringue, que fez com que a multidão que o rodeava tentasse se aproximar para ver melhor. Mary perdeu o equilíbrio, tanto pelo movimento como pelo peso extra do seu ventre e se preparou para se estatelar no chão.

Teria caído de costas no quadrado, uns quatro metros abaixo, se Sir John não a houvesse segurado a tempo.

Ainda estava inclinada sobre o ringue, com os braços entrelaçados em torno do pescoço do cavaleiro, quando seus olhos se encontraram.

Os dele não acreditavam no que acabara de descobrir.

"Você está grávida!"

*


Algo não ia bem aquela noite. Durante quase um mês, Kenneth havia lutado duas vezes por semana, às vezes três, no Poço do Inferno, nome pelo qual era conhecido aquele torneio secreto. Sabia que era arriscado participar de torneios ilegais, mas os ataques do Felton haviam se intensificado nas últimas semanas e seu autocontrole, ao menos no que se referia à sua esposa, ameaçava se romper a qualquer momento. Aquelas lutas clandestinas eram a forma perfeita de liberar a raiva que o corroía por dentro e, ao mesmo tempo, de se preparar para uma guerra cada vez mais próxima e para ocupar o seu lugar na Guarda. Ironicamente, havia sido a aparição do MacKay, ocultando sua identidade nos Jogos dos Highlanders que havia lhe dado aquela ideia.

Seguia invicto. Era o campeão da competição e o favorito do público. Normalmente, os gritos de “Ice” – o nome de guerra que havia escolhido para recordar a todo momento porque estava ali – lhe davam energia. Faziam o seu sangue ferver e retesavam até o último músculo do seu corpo.

Mas, nesta noite, não sentia a emoção das outras vezes ou a sede de sangue. Trocava golpe atrás golpe com seu oponente, pensando mais em terminar o quanto antes do que em saborear os louros da vitória.

Seus pensamentos não estavam na luta, mas na conversa que havia tido anteriormente com a Mary. Ela havia tentado lhe dizer alguma coisa, mas estava concentrado demais nas suas coisas para escutá-la. O tempo estava acabando e tinha que colocá-la a salvo o quanto antes. Tirá-la daquele castelo seria o primeiro passo, mas, claro, ela não havia entendido. Como poderia, se nem sequer conhecia a verdade? Absorto em seus pensamentos, sentiu uma pontada no pescoço quando seu oponente conseguiu conectar um golpe direto na sua mandíbula, seguido de um ataque com a marreta que por pouco não destroçou suas costelas. De imediato, Kenneth se deu conta que era melhor se concentrar no brutamontes de pescoço grosso que tinha como oponente, se não quisesse acabar morto.

Acabara de dar um golpe com o machado nas costas do oponente, seguido de um chute potente, que o enviou cambaleando para o chão, quando, de repente, se ouviu um grito. Um grito de mulher.

Seu olhar se desviou para a fonte de som e teve, apenas, tempo de ver um indício, a imagem de uma mulher empurrada pela multidão para dentro do ringue e salva de cair, no último segundo, por um homem.

E não era uma mulher qualquer. Tentou convencer a si mesmo que não podia ser verdade, mas todos os nervos do seu corpo, do primeiro ao último, lhe diziam que era a sua esposa.

Talvez, foi a sensação horrível de vê-la se precipitando no vazio, consciente de que não havia nada que ele pudesse fazer a respeito, ou talvez, a descoberta do de que o homem que a havia resgatado e, agora a segurava firmemente nos braços e durante muito tempo era o Felton; a questão era que imediatamente sentiu que algo explodia dentro de si e perdeu o controle.

Até pareci que estava a ponto de beijá-la, maldição.

Pulou para fora da arena com a ajuda de um pedaço de parede caída e se lançou sobre o Felton.

"Não se atreva a tocá-la!"

Felton levantou o olhar, visivelmente chocado.

"Kenneth, não!" Exclamou Mary, se livrando do abraço do outro homem.

Mas estava muito ofuscado e nem sequer ouviu sua súplica. A frustração; a paralisante confusão acerca dos seus sentimentos pela sua esposa; ver o homem que há semanas o provocava com as mãos em cima dela; tudo aquilo veio de repente em forma de uma ira incontrolável.

Por fim, o bastardo ia conseguir a luta corpo a corpo que há tanto tempo implorava. O primeiro golpe atingiu o elmo do Felton e o segundo na barriga protegida pela cota de malha. Os homens do Felton teriam corrido para ajudá-lo se alguém na multidão não houvesse gritado “soldados”. O povo se dirigiu em massa para a saída do beco; pensando que aquilo era um ataque, os soldados desembainharam as espadas e, imediatamente, se viram rodeados pela multidão, que respondeu à ameaça.

Felton também tentou pegar sua espada, mas Kenneth antecipou seu movimento e a tirou da sua mão.

O cavaleiro estava protegido dos pés à cabeça por uma espessa cota de malha, enquanto o Kenneth estava nu da cintura para cima, protegido apenas pelo elmo. Mas isso não importava. Não havia nada de nobreza, nem código de honra, na forma com a qual o Kenneth lutava. Utilizou os punhos, os cotovelos, as pernas, os pés... qualquer coisa serviria para vencer. Felton se protegia atrás do escudo – até que o Kenneth o arrancou das suas mãos – e, logo, brandiu uma adaga, qualquer coisa que estivesse ao seu alcance, mas suas armas não eram rivais para as habilidades e a força bruta do seu oponente. Kenneth havia recebido tantos golpes durante as últimas semanas que seu corpo, praticamente, era imune à dor. Mais alguns instantes e a vitória que tanto havia desejado, era sua. Tinha o Felton de barriga para cima, no chão, e o estava mantendo no chão com um pé apoiado na sua garganta.

"Coloque as mãos sobre a minha mulher, de novo, e eu vou te matar."

Os olhos do Felton despejavam um ódio infinito através da abertura do elmo. Queria dizer algo, mas o pé do Kenneth sobre o seu pescoço o impedia.

A multidão havia formado um amplo círculo ao redor deles, mas só tinha consciência de um olhar. Mary o observava com os olhos arregalados, quase como se aquela fosse a primeira vez que o via realmente.

"Por favor", disse ela, a voz suave o acalmando como um bálsamo. "Estou bem. Já passou. Ele só estava me ajudando."

Kenneth apertou a mandíbula, se debatendo entre os instintos mais selvagens e a honra. Queria matar o Felton, mas não havia perdido a cabeça por completo e razão abriu caminho através da névoa espessa. Podia ser que o bastardo a havia segurado por muito tempo, mas, ao fazê-lo a havia salvo. Kenneth tinha motivos de sobra para matar o homem, mas o que acabara de acontecer não era um deles.

Tirou o pé de cima do pescoço do Felton e recuou. Mary correu ao seu encontro, abraçando-o, sem se importar com o sangue e sujeira, enterrando o rosto contra o seu peito. Cerrou os braços ao redor dela e o que sentiu foi tão perfeito, tão puro, que, de repente, ele reconheceu a verdade.

Se concentrou em acalmar o choro da sua esposa enquanto observava os esforços do Felton para ficar de pé.

"Me encarregarei que o joguem no calabouço por isto", provocou o cavaleiro, esfregando o pescoço.

O olhar de Kenneth se estreitou.

"Se você valoriza o seu lugar como campeão do Percy, é melhor não dizer nada."

"Combate clandestino é ilegal."

"A guerra está a ponto de explodir. Você que o Edward meteria na prisão um dos seus melhores cavaleiros? Especialmente depois de tomar conhecimento que superei o campeão do Percy? Quem sabe, inclusive, poderia escolher um duelo como forma de julgamento e que todo o castelo presencie o seu destronamento."

O rosto de Felton estava lívido de raiva.

"Maldito bastardo! O que aconteceu com a lesão no seu braço? Por que está lutando aqui e não no castelo, com o resto dos soldados? O que você está escondendo?"

Kenneth amaldiçoou internamente, mas externamente não demonstrou nenhuma emoção.

"Isso faz parte da minha recuperação. Só queria me assegurar de recuperar totalmente a força antes de enfrentar você no castelo." Ele sorriu. "Mas acho que ficou claro que estou pronto para entrar em ação. É um estilo de luta diferente, que você não vai aprender lutando com outros cavaleiros.

Felton xingou novamente, mas Kenneth havia dito o que tinha a dizer. Ambos sabiam que manteria o que aconteceu em segredo.

"Encontre os seus homens e retorne ao castelo."

Mary tinha afastado a cabeça do seu peito e observava o duelo verbal entre os dois homens com lágrimas nos olhos.

"Lady Mary", disse o Felton, estendendo a mão.

Kenneth ficou rígido, mas antes que pudesse responder, ela balançou a cabeça e apertou com mais força a sua cintura.

"Eu me ocuparei de devolvê-la, sã e salva, ao castelo", disse o Kenneth com o peito cheio de orgulho.

Lançando um olhar duro o suficiente para atravessar o aço, Felton girou sobre os calcanhares e saiu.

Kenneth sabia que acabara de cometer um erro. Havia perdido o controle e isso dava ao Felton mais razões ainda para desacreditá-lo. Mas, não importava. Mary o havia escolhido.

 

Capítulo Vinte e Dois

Kenneth não teria se importado em sair dali, coma Mary em seus braços, para sempre, mas a multidão estava muito exaltada. Segurou seu queixo e a forçou a olhar para cima.

"Você está bem?"

Ela assentiu com a cabeça, e a emoção que transmitiam seus enormes olhos azul esverdeados revolveu algo dentro do seu peito.

Levou uma eternidade, ou assim pareceu para ele, para recolher suas coisas, trocar a roupa e localizar seu cavalo, que havia deixado aos cuidados de um menino em troca de uma moeda, mas finalmente, puderam percorrer o caminho de volta para o castelo em silêncio, Mary confortavelmente sentada na frente dele. Quando pensava em quão perto havia estado de cair…

Que diabos estava fazendo lá? E por que estava com o Felton? As perguntas não deixaram de lhe atormentar durante todo o trajeto de volta ao castelo.

Quando, finalmente, atravessaram os portões de Berwick, Kenneth não se surpreendeu quando nenhum membro da guarda veio recebê-los. Felton valorizava demais o seu lugar como campeão entre os cavaleiros para se arriscar a perdê-lo, sem estar seguro do resultado. Entretanto, Kenneth sabia que um cachorro encurralado como o Felton, esperaria pacientemente uma oportunidade para devolver o golpe.

Apesar da vitória, Kenneth preferia não enganar a si mesmo; ao perder o controle diante do Felton, havia lhe entregue o machado que, agora, pendia sobre a sua cabeça.

Mas o que realmente era intrigante era o papel da Mary em tudo aquilo. Quando, por fim, puderam se refugiar na solidão dos seus aposentos, Kenneth já estava a um bom tempo tentando conter um ataque de ciúmes e de suspeitas.

Nem sequer esperou a porta se fechar completamente, atrás deles. Ele a segurou pelos ombros e a obrigou a encará-lo. Seu coração se apertou ao ver o rosto da sua esposa devastado pelas lágrimas, mas, ainda assim, não conseguiu se conter.

"Por que, Mary? O que você estava fazendo na cidade, com ele?"

Ela tentou recuar, em choque.

"Por acaso, está me acusando de algo?"

Apertou os lábios enquanto o músculo que percorria sua mandíbula, se contraía com leves espasmos.

"Você realmente acha que não tenho o direito de suspeitar quando encontro minha esposa com outro homem, no meio de um tumulto danado, no qual ela, inclusive, poderia ter perdido a vida? Você estava me seguindo ou há alguma outra razão que explique por que você foi até o vilarejo na companhia do Felton?"

A centelha de sempre voltou a iluminar o olhar da Mary.

"Você suspeita de mim? Então, o que eu devia fazer? Você sabia perfeitamente o que eu achava que você estava fazendo à noite, na cidade, mas não, preferiu deixar eu acreditar que estava com outras mulheres, quando estava lutando em um torneio ilegal que poderia acabar morto, ou no melhor dos casos, preso."

Kenneth cravou o olhar nas suas pupilas.

"Eu pensei que você não se importava."

Ela retribuiu o gesto.

"Bem, eu me importo. E muito, então, receio que não tenha outro remédio a não ser começar a se acostumar.

Kenneth ficou tão surpreso com aquela confissão que precisou de alguns segundos para responder. O que ela queria dizer? Estava um pouco confuso.

"Está dizendo a verdade?"

Ela assentiu.

"Eu não estava seguindo você, e é culpa sua eu estar lá com o Sir John, em primeiro lugar."

"Minha culpa? Creio que minhas instruções eram que não saísse do castelo sem a minha permissão."

Mary o encarou e Kenneth supôs que, em nenhum momento, havia acredito nas suas advertências.

"Obviamente, não achei que tinha falado a sério. Que tinha se deixado levar pela raiva."

Mas é claro que tinha falado sério. Se dependesse dele, a trancaria na torre mais alta em alguma ilha remota ao oeste do país e não a deixaria sair até que a guerra tivesse acabado.

Escutou pacientemente enquanto a Mary explicava que havia recebido uma mensagem sobre a freira que tanto se parecia com ela e que havia procurado por ele em busca de ajuda, mas depois de se sentir ignorada, não teve outra opção a não ser aceitar a oferta do Sir John.

Maldição. Nem sequer havia se dado conta. Imediatamente, se sentiu culpado. Pela primeira vez desde que se conheceram, Mary havia recorrido a ele em busca de ajuda e ele a havia rechaçado.

"Quando estávamos voltando para o castelo", ela continuou, "ouvimos o alvoroço e Sir John decidiu investigar."

"Não devia ter levado você com ele." Quando pensou no que podia ter acontecido com ela, no que havia estado a ponto de ocorrer, não pôde evitar que se apoderasse dele uma sensação esmagadora e insalubre. "Santo Deus, você podia ter perdido a vida!"

Mary estudou seu rosto, como se tentasse discernir qual sentimento se escondia por trás das palavras.

"Foi um acidente. Estava tentando sair dali antes que o Sir John reconhecesse você e tropecei. Sei que, seguramente, preferiria não ouvir isso, mas Sir John me foi de grande utilidade."

Ela estava certa, em ambas as afirmações.

"Posso ter exagerado…"

"Pode?"

Kenneth continuou, como se ela não o tivesse interrompido.

"Mas não me diga que ele não se aproveitou da situação. Já estava segurando você por muito tempo e parecia que ia beijá-la."

Que a Mary escutasse as suas palavras como se estivesse a ponto de começar a gargalhar, não era a melhor maneira de recobrar sua sanidade.

"Creio que estava chocado com o que acabara de descobrir." Levou a mão ao ventre e alisou o tecido do vestido enquanto Kenneth observava a cena em silêncio, orgulhoso do quanto a Mary havia mudado nos últimos meses. "Ele descobriu que estou grávida."

Kenneth também sentiu vontade de sorrir.

"Bom, talvez assim, vá se dar conta, de uma vez por todas, que você não tem nenhuma intenção de mudar de ideia."

Se encaram fixamente.

"Nunca tive essa intenção." Antes que ele pudesse refletir sobre o que ela acabara de dizer, acrescentou, "por que você estava lá, Kenneth? Por que estava lutando como um rufião qualquer em um torneio ilegal e não no pátio, com os outros cavaleiros?"

"Digo o mesmo que falei ao Felton. Há semanas, venho tentando recuperar a forma física para poder enfrentá-lo em pé de igualdade."

Era uma desculpa bastante pobre, e podia ver que ela não acreditou nele, mas o que mais poderia dizer? A missão ainda não tinha acabado. Não podia lhe contar a verdade. Não até que ela estivesse em segurança, na Escócia, e tampouco queria se arriscar, justo agora, consciente que, quando a Mary descobrisse seus planos, se sentiria traída.

Aquilo não era nada parecido com o que o Atholl havia feito, ou ao menos, erro o que Kenneth não deixava de repetir para si mesmo, uma e outra vez. Sim, estava tomando decisões por ela – decisões que podiam deixá-la em uma posição perigosa – mas não tinha outra opção. Além do mais, quando descobriu que a Mary carregava um filho seu, já fazia muito tempo que havia decidido o plano a seguir. E, diferentemente do Atholl, ele a protegeria, ainda que não tivesse certeza que ela perceberia a diferença.

"Me desculpe por não levá-la até a igreja. Descobriu algo sobre a sua irmã?"

Ela respondeu que não com a cabeça e seus olhos se encheram de tristeza. Repetiu o que a abadessa tinha dito a ela.

"Isso não faz sentido. Como poderia o irmão Thomas cometer tal erro? Só espero que ele volte em breve para que eu possa perguntar pessoalmente. Ele partiu, há alguns dias, com o Bispo de Saint Andrews."

Lamberton? Kenneth ocultou sua reação ao ouvir o nome do antigo aliado do Bruce, mas todos os seus sentidos ficaram em alerta.

"Se você quiser, posso fazer algumas averiguações", disse, consciente, assim como ela, que havia algo estranho naquilo tudo.

Mary o olhou com uma expressão tão genuína no rosto que Kenneth ficou sem respiração. Pela primeira vez, soube o que era ter a sua admiração, como se houvesse pego uma estrela no céu e a tivesse presenteado com ela. Já tinha sido o objeto daquele tipo de olhar em incontáveis ocasiões, mas nenhum havia significado tanto quanto este. Desta vez, sentiu que a havia conquistado.

"Você faria isso por mim?"

Suspeitava que havia poucas coisas que não faria por ela.

"Ainda tenho alguns contatos na Escócia que podem ser úteis." Contatos era, no mínimo, um eufemismo.

Observou atentamente a reação dela, mas viu unicamente preocupação, e não suspeita.

"Não vai fazer nada que possa colocá-lo em perigo, certo?"

Kenneth deixou escapar um leve sorriso. Cada dia que passava ali, estava se colocando mais e mais em perigo.

"Vou ser cuidadoso."

"Nesse caso, fico muito grata por você tentar."

Seus olhos se iluminaram e Kenneth sentiu que o coração acelerava dentro do peito. Sentiu uma vontade quase irresistível de abraçá-la, mas não sabia se seria capaz de conter os impulsos que o vinham atormentado há, nada menos, que trinta e sete dias. Ainda, realmente, estava contando?

Assentiu, rompendo a conexão.

"Você deve estar cansada e desejando ir para a cama, o quanto antes."

"Você vai sair?" Mary perguntou, com o rosto repentinamente sério. "Pensei que…"

A decepção em sua voz o deixou surpreso. Droga, ela não sabia o quão difícil era para ele? Cerrou os punhos ao lado do corpo, lutando contra os instintos primitivos que pareciam se apoderar dele cada vez que estava no mesmo recinto que ela. Depois da luta, era ainda pior. O coração batia mais forte que de costume.

"O que você pensou, diabos? Que os últimos trinta e sete dias foram fácies? Eu não sou um monge, Mary. O desejo que sinto por você é tão intenso que nem sequer consigo pensar com clareza."

Mary arregalou os olhos e levou as mãos ao peito, surpresa.

"Você está dizendo a verdade?"

"O que você acha? Que deitaria ao seu lado todas as noites sem querer fazer amor com você?"

"Você sabe, exatamente, o que eu achava. Que você estava exausto depois de estar com outra mulher."

"Não quero saber de nenhuma outra mulher."

Era a verdade. E, hoje à noite, depois de quase vê-la cair, finalmente admitiu o que estava na sua cara, mas seu orgulho não o deixava reconhecer. Ele amava a Mary. Ela iria odiá-lo quando soubesse a verdade, mas o certo era que a queria de uma maneira que nunca imaginou ser possível. Aparentemente, era tão suscetível à emoção como todos os outros. Só não tinha encontrado a mulher certa.

Com a Mary, tudo tinha sido diferente, desde o início. Não só porque não tinha caído aos seus pés, embora admitisse que sua resistência havia tido sua importância. Além do mais era provocante, teimosa, misteriosa e não parecia estar interessada em suas realizações, mas, sim, nele.

Nem sequer se importava em discutir com ela. Na verdade, de certo modo, gostava. Quando estava com ela podia perder a paciência sem se sentir um valentão porque ela respondia, uma vez atrás da outra. Era estranhamente libertador, até mesmo revigorante.

Pela primeira vez em toda sua vida, não sentia a necessidade de impressionar, nem de ser o melhor, ainda que quisesse que a Mary acreditasse nele. Desejava ser o merecedor da sua confiança, ainda que, no fundo, não a merecesse.

Se não estivesse tão ocupado consigo mesmo, talvez, poderia ter desfrutado mais da expressão de incredulidade com a qual a Mary o observava.

"Você não esteve com nenhuma outra?"

Ele balançou a cabeça.

"Não estive com outra mulher desde que a conheci."

Era evidente que a Mary não acreditou nele.

"E a mulher nos estábulos?"

Queria dizer a ela que era a sua irmã, mas como poderia explicar? Não podia.

"Não foi o que pareceu." Incapaz de resistir, estendeu a mão e acariciou sua bochecha com as costas do dedo indicador. Sua pele era tão suave que fez seu peito apertar. Inferno, não havia nada na Mary que não lhe provocava aquela sensação. Um olhar para os enormes olhos azuis esverdeados, para os traços delicados, para os exuberantes lábios rosados e para a pele suave como a de um bebê, bastava para deixá-lo sem uma gota de ar nos pulmões. "Eu só quero você, Mary."

O coração da Mary batia tão forte e alto que ela mal podia escutar acima do ruído ensurdecedor. Tinha ouvido corretamente? Parte dela disse para deixar por isso mesmo. Eu só quero você era o suficiente, por enquanto. Aceitaria aquele pequeno presente e se contentaria com ele. A outra parte, entretanto, a mais prudente das duas, sabia que não era suficiente.

"Até quando?"

Kenneth estava tão quieto, tão imóvel, que só a intensidade nos seus olhos sugeria a profundidade das emoções que batalhavam dentro dele. Sabia perfeitamente o que a Mary estava pedindo. Queria um compromisso firme. Fidelidade. Uma promessa.

Não hesitou.

"Por quanto tempo você me quiser."

Mary ficou petrificada, como se, imediatamente, tudo houvesse se imobilizado dentro dela. Sentiu que seu coração estava à beira de um precipício, prestes a despencar com o mínimo contato.

"E se eu não me cansar nunca? E se for para sempre?"

Kenneth lhe dedicou um dos seus sorrisos mais travessos, capaz de deixar em pé de guerra até o último pedaço do seu coração.

"Nesse caso, vai me fazer o homem mais feliz do mundo." Segurou suavemente o seu queixo para que pudesse olhar nos olhos dela. "Se você ainda não descobriu, estou apaixonado por você."

Mary ficou sem respiração ao ouvir aquelas palavras que pensou que ninguém lhe diria. Se sentia atordoada, assombrada e descrente, tudo ao mesmo tempo. Parecia impossível que aquilo estava acontecendo. Fazia tempo que havia se resignado a não conhecer a felicidade, a viver sem a esperança de conhecer o amor com o qual tanto havia sonhado quando era uma menina. Entretanto, ali estava aquele homem incrível confessando que a amava.

Se ouvisse a voz da experiência, tinha todos os motivos para não acreditar nele. Era tão bonito, tão magnífico, tão popular com as mulheres como o Atholl tinha sido. Mas, ele não era o Atholl. E isto não era o passado. Se ouvisse o coração, e o julgasse por si mesma, saberia que era verdade. Desde o início, ele sempre a tratou de forma diferente. Ela havia percebido, mas havia se negado a acreditar.

Deslizou as mãos em volta do pescoço dele e ficou na ponta dos pés para beijá-lo suavemente na boca. Seus olhos se encontraram, e o que a Mary viu neles lhe deu coragem para seguir adiante, para pronunciar em voz alta as palavras que, até então, o medo havia mantido presas em sua garganta.

"Eu também te amo."

Foi como se uma represa tivesse estourado e todas as emoções, todos os sentimentos que haviam levado meses retendo, afloraram à superfície em uma onda torrencial.

Kenneth gemeu, passou os braços em volta dela, e cobriu sua boca com a dele.

Ele a beijou, e Deus, que beijo! A beijou até que a Mary sentiu que os joelhos fraquejavam, que seus olhos se enchiam de emoção que o toque cálido da sua língua inundava seu coração de sensações.

Mas, talvez, a palavra “beijo” era muito vulgar para descrever a perfeição da sua boca se movendo sobre a dela, a suave carícia da sua língua, a dolorosa ternura das emoções que despertava nela com cada uma das suas demonstrações de afeto. Não só a beijava, ele a devastava.

Era incrível. O calor quente e suave da sua boca na dela. O sabor misterioso e exótico dos lábios dele. A delicada carícia da sua língua, mergulhando... persuadindo... suplicando.

Nunca havia duvidado das habilidades amorosas do seu marido. Kenneth sabia exatamente o que fazer para dobrar a vontade de uma mulher, utilizando o prazer como única arma. Os movimentos precisos dos seus lábios e da sua língua eram capazes de despertar a sua paixão em um instante.

Mas, desta vez, era diferente. Não se tratava, unicamente, de paixão. A carícia suave da sua boca sobre a dela, os movimentos incessantes da língua eram delicados e doces, ternos e carregados de curiosidade. Não eram um ataque, e sim, uma promessa. Um vínculo. Um juramento.

Não era só um beijo executado para excitar, para despertar desejo e necessidade. Era uma forma de seduzir, também, seu coração e sua alma. Era tudo contra o qual a Mary havia lutado, tudo o que havia tentado negar, mas que havia nascido entre os dois desde o primeiro momento. Não era apenas paixão, era emoção, uma conexão mais profunda, uma união dos corpos, mas, também, das almas. Finalmente, se permitiu aceitar toda a ternura que o Kenneth vinha tentando lhe dar e que ela sempre havia rejeitado.

Custava a crer que o mesmo homem que ela havia visto lutar com tanta brutalidade apenas algumas antes, que parecia tão duro, tão inflexível e implacável, e cujo corpo, maravilhoso e musculoso, podia ser usado como uma arma tão mortal, pudesse tocá-la, agora, com tanta delicadeza. Jamais haveria imaginado que o guerreiro arrogante, que havia visto pela primeira vez naquele estábulo, exalando paixão e virilidade por cada um dos poros do seu corpo, seria capaz de sentir e demonstrar emoções tão ternas.

Embalada contra o enorme escudo que era o seu peito, Mary se sentiu a mulher mais preciosa do mundo. Se sentiu valorizada e protegida. E, acima de tudo, amada.

Tudo era tão perfeito, tão comovente, que era quase doloroso – e era, como pôde comprovar quando Kenneth parou. Ele levantou a cabeça e ela gemeu, em protesto contra a perda.

Ele sorriu e a olhou fixamente, sem deixar de segurá-la firmemente em seus braços. Mary nunca se acostumaria a sentir o calor daquele corpo imponente ao redor dela. Fazia com que sentisse como se nada no mundo pudesse machucá-la.

"Você sabe o que isso significa, não é?"

Vendo o brilho desafiador em seu olho, ela hesitou em responder.

"Temo que não."

"Não haverá mais camisolas, Mary. Você não vai mais se esconder. Tenho a intenção de ver cada centímetro do seu corpo, lindo e desnudo."

Sentiu um calor intenso e repentino nas bochechas, mas não discutiu. Kenneth estava certo. A partir de agora, não queria nada entre eles, nem mesmo o seu pudor.

Ao ver que ela não dizia nada, Kenneth sorriu e a levantou nos braços em um movimento rápido e fluido. Mary passou as mãos em volta do pescoço dele e enterrou o rosto no calor suave do manto que seu marido levava ao redor dos ombros. Uma vez junto à cama, ele a deitou sobre as cobertas e começou a tirar a roupa.

Era mais do que evidente que o Kenneth não sabia o que era vergonha. Tampouco tinha motivos para isso, pensou Mary. Possuía um corpo incrível, e sabia muito bem disso. E, depois de quase dois meses partilhando a mesma habitação, também sabia exatamente a admiração que o seu físico despertava em sua esposa.

Se desfez do arsenal de armas que trazia amarradas em várias partes do seu corpo e, em seguida, peça por peça, foi lançando a roupa que ia tirando em cima de uma cadeira que ficava em frente à lareira. Manto. Túnica. Braçadeira. Botas. Camisa. E, finalmente, a calça.

Ficou ali, de pé, em frente a ela, em toda sua maravilhosa masculinidade. E, Santo Deus, aquilo sim, era um corpo maravilhoso. Mary respirou fundo enquanto um calor líquido se espalhava por toda a sua pele. Nem mesmo o sorriso convencido em seu rosto conseguiria fazê-la desviar o olhar. Era o homem mais arrogante que já havia conhecido. Sabia que deveria fazê-lo descer alguns degraus na sua escalada até a perfeição, mas temia que fosse impossível. Em relação ao seu físico, não havia nada a criticar. A menos, claro, que você não gostasse de lotes e lotes de músculos perfeitamente esculpidos, duros como o granito. Infelizmente, Mary era apenas uma mulher, e estaria mentindo se dissesse que não gostava.

Seu corpo era uma arma de guerra, afiada e letal, tão dura e impenetrável quanto a armadura com a qual se protegia. Desde a largura dos ombros até os braços grossos e poderosos, a cintura estreita e as faixas de músculos que recobriam o abdômen, era difícil saber para onde olhar. Claro, havia também aquela outra parte da sua anatomia que tampouco ficava atrás, e que também chamava a atenção. A coluna de carne, longa e grossa, que balançava contra o seu estômago, prova irrefutável do quanto ele a queria.

"Vê algo que a interesse, em especial?"

Mary o fulminou com o olhar.

"Acreditaria em mim, se dissesse que não?"

Ele riu.

Levando em conta a maneira como você está olhando para mim, acho que não." Se deixou cair sobre a cama, ao lado dela, e se cruzou os braços atrás da cabeça. "Sua vez."

"Espero que não conte com um espetáculo como o que acabou de me oferecer." Mary disse, resistindo ao inevitável.

"Esta noite, não."

Um guerreiro tão robusto e encorpado como o Kenneth não deveria parecer tão travesso.

Mary deslizou uma mão pelos cumes duros do seu estômago, roçando o punho na ponta inchada da sua ereção.

"Tem certeza que consegue esperar? Para mim, parece estar mais do que pronto."

Kenneth grunhiu ao sentir a mão da Mary ao redor do seu membro e deixou que a deslizasse para cima e para baixo algumas vezes, antes de segurar seu pulso para detê-la.

"Não vou deixar você me distrair, Mary. Tenho esperado há muito tempo por esse momento. Tire a roupa agora mesmo... toda."

Ela mordeu o lábio enquanto o coração bombeava, nervoso, dentro do peito.

"Talvez pudéssemos apagar algumas velas?"

"Nem pensar."

"Já vi que você não vai tornar as coisas mais fáceis para mim", ela se queixou com o cenho franzido.

"Estou esperando, amor. Faça-me esperar mais tempo e deixaremos para amanhã de manhã. Com o céu tão claro de hoje à noite, o mais provável é que amanhã despertemos com um sol radiante."

Mary lhe enviou um olhar que prometia vingança, se sentou e começou a remover suas vestes. Precisou da ajuda do seu esposo e não se surpreendeu ao descobrir que era muito mais eficiente do que qualquer dama de companhia que já tivera. "Parece que não é a primeira vez que faz isso."

"Não é", ele respondeu suavemente, decidido a não cair na sua provocação."

Quando chegou na última camada de roupa, agarrou a camisa como se sua vida dependesse dela. Talvez, devesse prepará-lo?

"Estou muito mais volumosa…"

"Você está carregando o meu filho, Mary. Duvido que possa parecer mais bonita."

O que responder depois disso? Kenneth anulava todos os seus lamentos com a doçura das suas palavras.

Respirando fundo, ergueu a última camada de tecido que os separava pela cabeça e jogou a camisa de linho fino em cima dos outros itens de vestuário. Instintivamente, cruzou as mãos na frente dela, mas não havia como esconder o grande volume da sua barriga ou os seios inchados pela gravidez.

Se sentia tão vulnerável que não conseguia olhar para ele. Nunca havia estado nua na presença de um homem, antes, e podia sentir o calor subindo para as suas bochechas. Por que ele estava tão quieto? Estava tão feia assim? No final, não conseguiu mais suportar o silêncio e se atreveu a levantar o olhar por um instante.

A expressão que viu no rosto do seu esposo a fez esquecer todas as suas inseguranças. Ele parecia emocionado, impressionado, superado por um sentimento que ela não conseguiu identificar.

"Você é tão linda", ele sussurrou. Estendeu a mão traçando com o dedo a curva do seu seio. "Seus seios são incríveis." Ele o segurou na mão quente, calejada, circulando o polegar sobre o mamilo, que endureceu até virar um pico tenso.

"Você não acha que eles são muito grandes?"

A pergunta lhe arrancou uma gargalhada.

"Querida, não acho que há um só homem vivo em toda a cristandade capaz de pensar algo assim. Eles são perfeitos."

Se inclinou e cobriu com a boca o mamilo que acabara de estimular.

Mary notou uma sensação líquida entre as pernas e não conseguiu evitar prender a respiração. Afundou os dedos nos cabelos escuros do Kenneth e puxou com força contra o seu corpo enquanto ele chupava o mamilo, descrevia círculos ao redor dele com a língua e o mordiscava. Podia sentir centenas, milhares de pequenas agulhadas afiadas atravessando o seu corpo, desde o peito até o meio das coxas. Gemia sem parar, tinha os seios pesados e cada vez mais volumosos e os mamilos sensíveis e latejantes.

Mas ele tinha apenas começado. Se demorou explorando cada polegada do corpo nu que ela havia mantido escondido dele. Acariciou-a com as mãos, provou-a com a boca, e a devorou com os olhos, até que não sobrasse nenhuma parte intocada no seu corpo.

Finalmente, quando a levou até o limite, e cada centímetro da sua pele estava queimando por causa dos seus beijos e seu corpo estava molhado e se contorcendo com o desejo insatisfeito, sua boca encontrou a dela novamente.

Mary gemeu e o abraçou com força, apoiando as mãos sobre os poderosos blocos que eram os seus ombros.

Kenneth estava deitado ao seu lado, inclinado sobre o seu corpo, e o calor que desprendia da pele nua era tão bom, que ela queria mais. Tentou puxar seu peito sobre ela, tentando sentir a solidez do seu corpo em cima dela, mas ele se manteve afastado.

"O bebê." Ele disse, colocando a mão sobre a sua barriga.

Não achava que havia uma razão para se preocupar, mas decidiu não discutir. Em vez disso, sucumbiu ao poder do seu beijo, deixando o calor se espalhar através dos seus membros como lava derretida, dissolvendo tudo em seu rastro.

Mas claro que isso não foi o suficiente para nenhum dos dois.

A sedução, lenta e preguiçosa, e a exploração suave dos seus corpos, haviam chegado ao seu limite.

Os beijos do Kenneth se tornaram mais duros, mais determinados. A cada movimento da língua, com cada carícia possessiva, se introduzia mais fundo na sua boca. Seus gemidos ecoavam em uníssono, vítimas da mesma paixão desenfreada, e ela podia notar que o coração dele batia cada vez mais rápido contra o dela.

A grossa coluna da masculinidade dele pressionava contra o seu quadril e, instintivamente, ela se virou para ele, precisando sentir sua dureza. Sua grossura. A doce pressão contra o seu corpo. As sensações eram tão intensas que o coração acelerou dentro do peito.

Se esfregava contra ele, como um gato, um felino quente e sensual. Nunca se sentiu tão livre, tão aberta a tudo. Pela primeira vez em sua vida, não estava se contendo. Com cada toque, cada beijo, cada movimento lento e deliberado contra ele, Mary estava mostrando o quanto o amava.

Kenneth nunca tinha sentido nada assim. A atração primitiva que havia surgido entre eles, a paixão desenfreada que ele achou que não podia ficar melhor, empalideceu sob a força das sensações que passavam através dele, agora. Tudo parecia mais profundo. Mais forte. Mais significativo. O calor não apenas queimava o seu sangue, ardia em seu coração. Inferno, era mais profundo do que isso, queimava sua alma.

Sua beleza era como uma lição de humildade. Era linda dos pés à cabeça, desde as pontas dos dedos até a sedosa cabeleira loira. Um conjunto exótico de feminilidade suntuosa e exuberante. As pernas bem torneadas, a curva delicada da sua barriga, a generosidade dos seios, a suavidade da pele aveludada…

Sua garganta ficou seca só de olhar para ela, mas seguiu acariciando-a, deslizando os lábios por cada centímetro da sua pele e raspando o caminho com a barba, até que pensou que tinha morrido e vislumbrava o Monte Olimpo. Mary era uma deusa, diante da qual só o que podia fazer era ficar de joelhos.

Ele sorriu. Quem teria imaginado que a freira esquálida e intrometida acabaria se convertendo na fonte de semelhante inspiração divina?

Queria estender aquele momento para sempre. Mas, infelizmente, quando ela começou a se esfregar contra ele, seu corpo discordou poderosamente.

Levantou a cabeça e rolou para a beira da cama, e a Mary piscou como se, de repente, voltasse para a Terra. Ele a entendia, também conhecia aquele sentimento.

"Aonde você está indo?"

Kenneth ficou de pé junto à cama.

"Bem aqui."

Segurou suas pernas e a puxou para a beirada do colchão, que era da altura perfeita para o que ele tinha em mente. Passou os braços sob os joelhos dela, abriu suas pernas e a acariciou delicadamente com a ponta do seu pênis.

"Não quero ficar em cima de você, assim, até que o bebê nasça, teremos que ser um pouco criativos."

Mary sentiu uma pressão mais forte entre as pernas. E arqueou as costas, instintivamente, respondendo com um som mais alto, uma espécie de gemido, enquanto o Kenneth movia o quadril para trás e para frente, preparando-a com pequenas investidas.

Gostava de fazê-la gemer. Gostava de fazê-la jogar a cabeça para trás e abrir os lábios enquanto implorava para ele aliviar sua agonia. Mas não era o que queria, agora. Não queria provocá-la, queria amá-la. Queria abraçá-la, queria olhar em seus olhos quando a penetrasse, quando ela o recebesse no seu corpo. Quando ela o recebesse no seu coração.

"Olhe para mim, Mary."

Seus olhos se encontraram. Só então a penetrou, pouco a pouco, muito lentamente, abrindo caminho centímetro a centímetro através do calor úmido e aveludado do seu corpo.

A sensação era tão deliciosa que uma descarga de adrenalina passou através dele como um para-raios. Podia ter soltado um gemido de prazer, mas não quis. Estava muito concentrado na mulher diante dele. Ia se lembrar daquele momento para sempre, a sensação indescritível de olhar nos olhos dela enquanto a penetrava e descobrir neles uma emoção esmagadora equivalente a que ele mesmo sentia. Estavam tão unidos, quase como se fossem uma só pessoa, que nada, nem ninguém poderia separá-los.

Quando a havia penetrado até o fundo, como o membro enterrado até a base na prisão apertada do corpo dela, se deteve por um instante, segurou seu olhar e empurrou um pouco mais, arrancando uma exclamação de surpresa dos lábios dela.

"Kenneth...!"

"Eu te amo", disse ele. "Deixe eu mostrar quanto."

E, então, começou a se mover. Lenta e suavemente, em movimentos longos e pausados. Pela primeira vez em sua vida, Kenneth fez amor com uma mulher, demonstrando com o seu corpo o quanto ela significava para ele.

Mary estava no céu. Seu marido havia despertado nela uma paixão que acreditava estar morta, levou-a para os picos mais altos do prazer que, nem sequer sabia que existiam, mas não esperava por aquilo.

A tempestade furiosa de luxúria tinha dado lugar a um fogo que se tornou gradualmente mais lento e profundo, que se mostrou tão quente e ainda mais devastador. Não havia uma parte dela que ele deixou intocada, ou não reclamada. Ele possuiu seu corpo, sua alma, seu ser, com cada estocada.

Ele não fez nenhuma pausa, mantendo o olhar cravado no dela. Era impossível desviar o olhar da emoção que ardia nas pupilas dele. Ela a devorou como uma criança gulosa, enterrando-a no fundo de seu coração, onde estaria a salvo para sempre. De onde ninguém poderia tirá-la.

Não queria que acabasse, mas a sensação era tão intensa, tão boa, e já durava tanto tempo que seu corpo respondeu.

Levantou os quadris para encontrar o ritmo suave de suas estocadas, aumentando a velocidade, assim como as sensações que se avolumavam dentro dela.

Ela suspirou, gemeu, gritou enquanto suas estocadas ficavam mais fortes, mais profundas. Kenneth desenhou círculos com os quadris, guiando-a para um frenesi cada vez mais apaixonado.

Mary passou as pernas em volta da cintura dele, trazendo-o para mais perto, querendo aumentar o atrito e a pressão, enquanto ele deslizava as mãos até a sua bunda, agarrando-a mais forte, firmando-a, agora que suas investidas eram cada vez mais violentas.

Tudo se movia ao seu redor, sacudido pelo martelar incessante do corpo do Kenneth contra o seu.

A sensação era tão incrível que não conseguia aguentar mais. Arqueou as costas e sentiu quando todo o seu corpo enrijecia, agarrando-o cada vez mais forte.

O rosto de Kenneth era o retrato do esforço, com todos os músculos tensos e rígidos. Os braços dobrados e os músculos do estômago claramente marcados sob a pele.

"Deus, estou prestes a gozar", ele falou entre os dentes cerrados.

De repente, os músculos da Mary relaxaram e ela mergulhou em um abismo de prazer tão intenso que por um momento parou de respirar.

Kenneth engoliu em seco e gemeu, e a Mary sentiu uma torrente de calor em seu interior, que se misturava com os seus próprios espasmos.

Deslizou as pernas dela para baixo da sua cintura e se inclinou sobre o seu corpo, esgotado, como se tivesse acabado de correr uma distância enorme. Logo, desabou na cama e a rodeou com um braço, puxando-a contra ele. Em um emaranhado de pernas nuas e úmidas, com o rosto pressionado contra o peito dele, seu bebê aninhado entre eles, a palma descansando em seu coração, soube que tinha finalmente o encontrado. Demorou vinte e seis anos, mas Mary encontrou o amor que tinha procurado por toda a sua vida.

 


Capítulo Vinte e Três

"Quando você vai voltar?"

Kenneth olhou por cima do ombro para a mulher nua, deitada na cama enrolada em lençóis. Com o cabelo despenteado e os lábios inchados, Mary parecia uma vítima de um banquete carnal, o qual, de certo modo, não deixava de ser certo. Mas isso não o impediu de querer subir de volta na cama e fazer amor com ela novamente.

Parecia que não conseguia pensar em mais nada. Tinha uma necessidade quase desesperada para uni-la a ele. Era como se quanto mais fizesse amor com ela, mais forte seu amor seria, para enfrentar a tempestade que estava pairando no horizonte, não muito distante.

Mas a única coisa que conseguia fazer era sofrer mais ainda, pensando em tudo o que tinha a perder. E se ela nunca o perdoasse? Sabia que era melhor esperar até que ela estivesse em algum lugar seguro para lhe explicar, mas cada instinto lhe dizia para contar o quanto antes. Que cada dia que ele esperava tornava sua traição pior.

Incapaz de se controlar, apoiou o joelho na cama, se inclinou se sobre ela e, lentamente, beijou o centro de seus lábios. Quando ela respondeu, enfiando os dedos no seu cabelo e puxando sua boca mais para perto, para poder entrelaçar sua língua com a dele, um intenso calor acendeu dentro dele e ameaçou arrastá-lo de novo.

Ao final, não teve outra saída a não ser afastar a boca.

"Daqui a alguns dias. Você não vai nem mesmo ter tempo para perceber que parti." Ele sorriu, incapaz de resistir a provocá-la. Ela não havia parado quieta desde que tinham chegado ao Castelo Huntlywood, como um pássaro construindo seu ninho. "Embora, talvez, você tenha fortificado tanto a torre, que não vou reconhecer o lugar."

"Seu desgraçado." Jogou um travesseiro nele. "Sir Adam disse que eu era livre para tornar o lugar mais confortável para a minha estadia aqui. Já faz algum tempo desde que alguém ocupou essas habitações.

"E você já se entregou à tarefa com entusiasmo."

"Já que vou passar algum tempo sozinha aqui, o que mais há para eu fazer?"

Kenneth sentiu uma pontada de culpa e imediatamente ficou sério.

"Voltarei o mais rápido que puder. Sei que não é o mesmo que estar no castelo, mas não será por muito tempo."

Se ela soubesse quão curta sua permanência seria. Esperava que em questão de dias, mais tardar uma semana, ele já a teria seguramente abrigada na Escócia. Mary podia ficar com Helen, a mulher do Campbell, em Dunstaffnage. Perto o suficiente para estar com ela quando o bebê chegasse. Mais tarde, ia mandá-la para o norte, para Skelbo, o castelo que ocupava em nome do seu irmão.

Mary se sentou, arrastando o lençol junto com ela. Tirou alguns fios do cabelo louro dourado do seu rosto, enfiando-o atrás da orelha. "Eu não devia reclamar. Sei que poderia ser muito pior. Tenho sorte de estar tão perto do castelo. Em Ponteland, iria vê-lo muito menos."

"Sir Adam ficará aqui para lhe fazer companhia por mais alguns dias." Ele sabia a resposta, mas pensou em tentar, de qualquer maneira. "Tem certeza que não deseja reconsiderar? A França …" Ele fez uma pausa. "Pode ser uma boa ideia. Será mais seguro para você, lá."

Mary arregalou ainda mais os olhos e seu rosto se anuviou no mesmo instante.

"Eu não quero ir para a França, quero ficar aqui, com você e com o Davey. Pensei que você quisesse isso, também."

"Eu quero", garantiu ele. "É só que eu me preocupo com a sua segurança enquanto estiver fora. Quando a guerra tiver começado."

"Temos tempo de sobra para isso. O Rei nem sequer chegou, ainda. Quando você for para a Escócia, eu irei mais para o sul. Para uma das propriedades que herdei do Conde, em Kent, se for necessário. Mas não me mande embora agora, é muito cedo."

Kenneth entendia muito bem o que ela queria dizer. Era muito cedo. Seu amor era muito novo, muito frágil. Precisava de tempo para se fortalecer antes de ser testado – pela distância ou pelo engano, inferno – mas tempo era o que ele não tinha.

Se inclinou novamente e lhe deu um leve beijo no rosto para que não ficasse tentado a ficar. Mas a o toque aveludado da sua pele e o doce aroma de flores que desprendia eram capazes de fazer mágica. Queria afundar nela. Para inalar sua doce feminilidade.

"Muito bem. Você ganhou. Mas só porque sou egoísta e quero você perto de mim, por tanto tempo quanto possível."

O rosto da Mary se iluminou com um sorriso de orelha a orelha, fazendo com que o seu peito se expandisse.

"Tem certeza que você tem que ir? Será que não há mais ninguém que possa levar essa carta até Edimburgo?"

"Sim, tenho certeza." A rara oportunidade de ler a correspondência do Percy não podia ser desperdiçada. Além disso, tinha recebido uma mensagem do seu contato na aldeia, que seus amigos estavam ansiosos para vê-lo. Esta era a primeira chance que tinha para marcar uma reunião com os Guardiões das Terras Altas, a uma distância segura do castelo... e do Felton.

Como tinha antecipado, Felton estava observando-o ainda mais de perto, do que antes. Kenneth, inclusive, esperava que ele insistisse em acompanhá-lo na viagem até Edimburgo. Que ele não o tivesse feito, o incomodava.

Não percebeu que estava franzindo a testa até que ela disse, "Há algo errado? Você parece distraído nos últimos dias."

Sua esposa tinha aprendido a ler as expressões no seu rosto, muito bem.

"Além de ter que passar a noite na chuva fria, com uma meia dúzia de homens em vez de na cama, com a minha esposa?"

Mas ela não era mulher de se contentar tão facilmente. Olhou para ele, atentamente. "Sei que algo está errado." Ela mordeu os lábios, os olhos parecendo enormes em seu rosto. "Será que tem algo a ver com a minha irmã? Você teve notícias?"

Seu peito se apertou, desejando que houvesse alguma maneira de aliviar sua tristeza. Esperava suavizar a dor da sua traição com notícias da sua irmã, mas até agora só havia encontrado um muro de negativas e silêncio. Lamberton havia lhe instruído a não perturbar os fantasmas do passado. Se isso foi feito como um aviso ou uma confirmação da sua morte, ele não sabia.

"Receio que não", disse ele. Não descobri mais nada do que você já sabe. A abadessa insiste que nenhuma freira esteve lá e o irmão Thomas ainda não voltou."

"Quando voltar..."

"Quando ele voltar, vou falar com ele."

Ela relaxou contra a cabeceira de madeira com um suspiro. "Obrigada."

"Eu volto assim que puder."

Ela assentiu com a cabeça, e ele se virou para sair.

"Kenneth."

Ele olhou para ela.

"Eu te amo."

Parecia que estava tentando lhe dizer alguma coisa, quase como se quisesse liberá-lo do peso que sabia que ele carregava sobre os ombros.

"Eu sei", respondeu com um sorriso.

Só esperava que, quando tudo aquilo tivesse acabado, ela continuasse se sentindo da mesma maneira.

*

Eles iam tirá-lo de lá. Maldição, era cedo demais.

"Eu não estou pronto", Kenneth falou. "Preciso de mais tempo."

MacKay lhe lançou um olhar tão intenso, que foi perfeitamente visível sob a tênue luz do luar.

"A julgar pelo que se comenta por aí, Ice, poderia jurar que você está mais do que pronto."

Ah, inferno. Eles deviam ter ouvido falar sobre as lutas. Kenneth apertou a mandíbula, pronto para o sermão que sabia que estava prestes a chegar.

MacKay não o decepcionou, como nunca fazia naquele tipo de situação.

"Que, diabos, você estava pensando? E se alguém do castelo chegasse a descobrir o que você estava fazendo? Você teria um monte de explicações a dar."

Que alguém no castelo o tivesse descoberto tornava a ira do MacKay mais justificada ainda. Mas, com certeza, não ia contar a ele sobre o Felton.

Foi a única maneira que me ocorreu para manter minhas habilidades afiadas. Teria pouca serventia para o Bruce se não estivesse pronto quando ele precisasse de mim.

"O que ele precisa que você faça é ficar perto do Percy e descobrir tudo o que puder sobre o que o Edward está planejando. Não precisa que você lute em torneios secretos ou no calabouço. Ele também não precisa que você se preocupe com as ausências do Clifford ou saia perguntando por aí sobre freiras desaparecidas, já que falou sobre isso.

Kenneth ficou petrificado. Se o MacKay sabia sobre as suas investigações, significava que o Lamberton contara ao Bruce. Não precisava ter o sexto sentido do Campbell para saber que estavam escondendo algo. O que significava que ele tinha acabado de encontrar a origem do muro de pedra contra o qual havia se chocado desde o primeiro momento e, pior, suspeitava que tinha sido colocada lá, propositadamente. Eles sabiam alguma coisa. E não podia contar à Mary. Queria encontrar uma maneira de suavizar o golpe por enganá-la, mas, em vez disso, não fazia outra coisa a não ser acumular mais segredos entre eles.

"Deixe ele em paz, Santo", Ewen Lamont disse do seu lugar, nas sombras. Haviam se reunido na floresta ao leste das colinas Pentland, a uma curta distância de Edimburgo. Kenneth tinha conseguido escapar do resto dos homens com os quais viajava, com o pretexto de reconhecer a estrada pela qual avançavam para o norte, quando ele os viu. Mas não tinham muito tempo. "Pelo que ouvi, o recruta nos deixou orgulhosos. Seus erros não causaram nenhuma consequência negativa e a informação que nos trouxe é muito melhor do que poderíamos ter esperado."

Kenneth não sabia o que o surpreendeu mais: que o aclamado rastreador houvesse saltado em sua defesa ou que houvesse utilizado tantas palavras para fazer isso. Estava bastante seguro de não ter ouvido ele pronunciar uma sequência com mais do que duas ou três palavras seguidas durante todo o tempo que havia durado o treinamento. Lamont, cujo nome de guerra era Caçador, era o oposto do MacSorley no que se referia a habilidades sociais. Cortante, podia ser uma forma de defini-lo. Torpe era outra. O homem dizia o que pensava quando queria e com o menor número de palavras possível.

Por tudo isso, e pelo fato do Eoin MacLean ser o seu companheiro na Guarda, os tornava a dupla mais silenciosa de todas, já que o afamado estrategista exibia uma intensidade silenciosa e um tanto sombria, e também tendia a ser parco com as palavras.

MacLean falou, em seguida.

"Esta carta é a confirmação que precisávamos. Agora que sabemos que o Edward está enviando suprimentos para o castelo de Edinburgh e, provavelmente, também para Stirling, em preparação para a sua campanha, isso significa que podemos adivinhar a rota que ele vai escolher, o que tornará mais fácil a preparação dos nossos ataques. Creio que chegou a hora de tirá-lo de lá. Pelo que sabemos, um dos homens do Percy não deixou de fazer perguntas sobre você. O navio do Edward vai zarpar, qualquer dia desses, de Londres. Por que esperar e arriscar que algo dê errado? Parte do êxito de qualquer missão reside em saber quando se retirar. Você foi muito bem, melhor do que esperávamos, mas agora precisamos de você ao nosso lado. Bruce nos quer no bosque com o Douglas, conseguindo apoio e preparando as tropas.

Kenneth sacudiu a cabeça.

"Foi muito fácil" Ergueu a carta que lhe havia sido confiada para que a entregasse ao responsável militar em Edimburgo. "Percy precisava de alguém que entregasse uma carta sobre uma entrega iminente e não lhe ocorreu ninguém melhor do que eu? Tem alguma coisa que não me cheira bem." No momento em que a leu, soube que era bom demais para ser verdade.

"Me dê um pouco mais de tempo. Assim que o Sir Adam partir para a França, partirei com a Mary sem que ninguém saiba de nada e logo nos veremos. De qualquer maneira, teremos que esperar pelo Falcão."

Com a Mary grávida, decidiu que seria mais fácil tirá-la dali de barco do que por terra.

"E o jovem Conde?" Perguntou MacKay.

"Uma vez que o tivermos conosco, não creio que demore muito a convencê-lo." Era o que esperava, ainda que o Davey estivesse tão acostumado a guardar seus pensamentos para si mesmo, que era muito difícil descobrir suas intenções. Kenneth contava com a admiração do menino por ele, e o poder de persuasão da Mary.

Os três homens se entreolharam. Depois de um momento, MacKay tomou a palavra.

"Não se arrisque. Se algo não cheirar bem, saia de lá o quanto antes. Com três mil soldados ingleses acampados nas imediações, necessitaremos de muito tempo para tirá-los dos calabouços de Berwick e, acredite em mim, não é um lugar no qual você vai querer passar muito tempo. Pergunte ao MacRuairi se não acredita em mim.

Kenneth ainda lembrava daquele buraco infecto. Sua passagem foi curta, mas suficiente.

"E se algo der errado?"

Seu cunhado o olhou fixamente nos olhos. "Nós vamos cuidar dela."

Kenneth assentiu. Estranho, mas a única pessoa a quem estava disposto a confiar a segurança da sua esposa era o seu antigo inimigo. MacKay cuidaria dela e se asseguraria que, seja lá o que acontecesse, a Mary estivesse a salvo. Ao menos, podia se consolar com a certeza que ele cumpriria com a sua promessa.

Só esperava que as coisas não chegassem tão longe.

*

Mary puxou a alça de couro, mas a maldita coisa se negava a se mover. Se sentou em cima do baú, suspirou profundamente e soprou uma mecha do cabelo do rosto. Achou que conseguiria movê-lo sozinha, mas, pelo que parecia, estava cheio de pedras.

Havia convocado algumas serviçais para ajudá-la a limpar o quarto do bebê, mas tiveram que ir preparar o almoço e ela decidiu continuar sem a sua ajuda.

O trabalho duro a mantinha ocupada e evitava que sua cabeça inventasse razões com as quais se preocupar. Seu esposo queria cumprir com o seu dever, nada mais. Percy o mantinha ocupado todo o tempo, tanto que mal haviam se visto desde que ela tinha deixado o castelo de Berwick. Já faziam três dias que ele havia partido para Edimburgh. Não havia nenhuma razão para se preocupar. Iria vê-la quando fosse possível.

Mas não conseguia afastar a sensação que algo não ia bem. Em sua última visita, Kenneth havia feito amor com ela com um frenesi e uma entrega fora do comum. Nunca se sentiu tão próxima a ele, mas, às vezes, notava que ele se fechava em si mesmo, em algum recôndito da sua mente ao qual ela não tinha acesso.

Queria que ele confiasse nela, sabia que podia conseguir, mas o que o preocupava tanto e por que não tinha a intenção de compartilhar com ela?

Suspirou. Levantou do baú e sacudiu a saia. A nuvem de pó que se formou foi tal, que teve que limpar as mãos no avental, o qual já estava suficientemente imundo por si só. Havia pó demais para um quarto tão pequeno como aquele, sem falar nas teias de aranha, recordou Mary, com um calafrio. Felizmente, já haviam limpado o pior. Quando terminassem, o cômodo estaria impecável.

Voltando ao problema do baú, Mary se ajoelhou em frente a ele, ergueu a tampa e levantou outra nuvem de poeira que nublou sua visão e a fez tossir. Cheirava a mofo, como se fizesse anos que ninguém o abria.

Olhou para dentro e descobriu porque havia sido tão difícil movê-lo. Não estava cheio de pedras, e sim de livros, um autêntico tesouro de volumes encadernados em couro e envoltos em tecidos com aspecto exótico que Mary, em seguida, reconheceu com procedentes de além-mar, além de alguns jarros de cerâmica de bom tamanho selados com cera, nos quais preferiu não tocar. Curiosa, pegou um dos livros e folheou as grossas páginas de papel de pergaminho.

Parecia ser uma espécie de diário, do qual só conseguia entender algumas palavras soltas, apesar de haver recebido uma educação de acordo com a sua posição social. Muitas das anotações pareciam ter sido escritas rapidamente, e a letra era quase impossível de decifrar. Os desenhos, no entanto, eram bonitos. Flores. Plantas. Paisagens. Uma mulher coberta por um véu. E alguns dos animais mais estranhos que ela já tinha visto em toda sua vida, incluindo um que parecia um cavalo, ainda que maior e mais desengonçado, com pescoço longo e uma corcunda nas costas.

O livro era magnífico. Teria gostado de folhear outro, mas ouviu um som que a fez se levantar de um salto.

Quando colocou a cabeça para fora da pequena janela do quarto, não pôde conter um grito de alegria. Kenneth havia voltado! Ele e alguns dos seus homens, que acabavam de entrar no pátio de armas montados em seus cavalos.

Colocando o livro de lado, Mary desceu correndo os três lances de escadas que a separavam do salão. Quando, por fim, chegou, exausta e sem fôlego, atravessou as portas do salão no exato momento em que o Kenneth fazia o mesmo do lado oposto e correu ao seu encontro com uma expressão no rosto que deixava bem claro quão preocupada havia estado por ele.

Kenneth a levantou do chão e girou sobre si mesmo, enquanto Mary ouvia o som trovejante da sua risada reverberando no seu peito. Sem soltá-la um segundo, a colocou no chão e plantou um beijo em seus lábios cuja brevidade, Mary suspeitou, se devia ao público que os rodeava.

"Sentiu saudade?" Kenneth perguntou, com a voz grave e rouca.

Prontamente, Mary sentiu que os olhos se inundaram de lágrimas e que, ultimamente, a queda de um alfinete bastava para fazê-la chorar.

"Muito. Não sabe o quanto me alegro por estar aqui."

O rosto do Kenneth se anuviou quase imperceptivelmente.

"Sinto dizer que não será por muito tempo. Tenho que voltar ao castelo o quanto antes, mas já que Huntlywood está no caminho, decidi fazer uma breve parada para saber como você está."

Mary tentou dissimular a decepção com um sorriso.

"Como você pode ver, estou bem."

"Fico feliz em ouvir isso." Deu um beijo na ponta do seu nariz e a soltou.

De repente, Mary reparou nos homens que esperavam atrás do seu marido e, recordando dos seus deveres como senhora do castelo, ordenou que servissem bebida e comida para todos.

Um pouco mais tarde, sentados ao redor da mesa e havendo dado conta de mais da metade da comida, Kenneth olhou ao redor com o cenho franzido. "Onde está Sir Adam?"

"Ele foi chamado para o castelo."

"Pensei que ele ia partir amanhã."

"Ia. Sua viagem foi postergada por alguns dias."

"Por quê?"

"Mary enrugou o nariz."

"Ele não disse nada? Aconteceu alguma coisa?"

Mary franziu o cenho diante da insistência do seu esposo.

"Terá que perguntar a ele."

"Se for alguma coisa importante, não tardarei em averiguá-la", replicou Kenneth tentando diminuir a importância do assunto, mas Mary se deu conta, em seguida que era importante.

"Está tudo bem?"

Ele ergueu sua taça e tomou um bom gole de vinho.

"Por que pergunta?"

Mary encolheu os ombros. Presumia que algo estava acontecendo, mas não sabia, exatamente, do que se tratava.

"Você parece preocupado. Como se algo o inquietasse."

"Estou cansado, isso é tudo, e gostaria de poder ficar mais tempo."

Mary o encarou e desejou com todas as forças poder acreditar nele.

"Você tem que ir já?"

Ele assentiu. "Vou voltar assim que puder. O que você tem planejado, à exceção da limpeza?"

Como é que ele …

De repente, Mary baixou o olhar e corou ao ver a sujeira. Havia esquecido por completo de toda a poeira.

"Devo parecer uma louca", lamentou passando a mão pelo cabelo.

"Você está linda."

O olhar nos olhos do Kenneth a fez corar mais ainda, só que desta vez por um motivo bem diferente.

"Estava limpando um dos quartos do sótão para o bebê." Sabia que estava sorrindo como uma criança, mas não conseguia se conter. "Vai ficar perfeito. Tem uma bonita janela, onde posso colocar uma cadeira e uma pequena antecâmara, para a babá dormir. Quem me dera ter tempo de fazer alguma coisa eu mesma, mas Sir Adam disse que tem algumas tapeçarias que posso usar nas paredes. Mal posso esperar para que você possa vê-lo."

Uma sombra cruzou o rosto do Kenneth.

"Mary, você sabe que isto é temporário."

O lembrete, dito com todo o carinho do mundo, fez com que a Mary corasse de vergonha.

"Eu sei. É muito difícil não me deixar levar pela emoção quando estou tão feliz como agora." Com certeza ele se sentia da mesma forma, ainda que não parecesse. De fato, parecia bastante sério. "Pensei que você iria entender."

"Claro que entendo. Sinto muito. Você tem razão. Devo estar mais preocupado do que imaginei. Adorarei ver o quarto, quando voltar."

Parecia tão arrependido que a Mary não conseguir reprimir o sorriso.

"Você poderia me ajudar a mover um baú. Creio que pertenceu ao pai do Sir Adam. Algo único.

"Por que diz isso?" Perguntou o Kenneth que, de repente, parecia muito interessado no tema.

"Porque está cheio de tesouros maravilhosos trazidos do leste. O pai do Sir Adam foi às Cruzadas, há muitos anos, com o rei Edward."

"E com o meu avô", disse ele com cuidado.

"É claro, eu tinha esquecido. Nesse caso, vai ficar encantado com os diários."

Kenneth sentiu que a taça escorregava entre os seus dedos, mas conseguiu agarrá-la a tempo, antes que virasse sobre a mesa.

"Diários? " Perguntou, em voz baixa.

Mary assentiu, intrigada com a intensidade da sua reação.

"Sim, um baú cheio até em cima."

*

Kenneth mal podia acreditar. E se a fórmula da pólvora estava escondida em um daqueles diários? Ansioso para investigar, partiu para o castelo com a esperança de poder voltar mais tarde, mas, no final, teve que esperar até a noite seguinte antes de poder subir novamente as escadas da torre de Huntlywood.

Com o Rei Edward a ponto de abandonar Londres a qualquer momento e os preparativos para a guerra em seu ápice, Percy mantinha os homens ocupados dia e noite. Kenneth, por sua vez, estava consciente de que estava demorando muito tempo e por isso aproveitava qualquer oportunidade para descobrir informações que pudessem ser úteis. Não conseguia afastar a sensação que os ingleses estavam planejando algo em segredo e que o Clifford era a peça decisiva.

Além do mais, tinha a suspeita de que o vigiavam, quem sabe, talvez, não era mais do que a sua imaginação inspirada pelas palavras de aviso do Rastreador. Também o preocupava aquela carta que, quase como um passe de mágica, havia caído em suas mãos, e o comentário que o Percy havia feito na sua chegada. Na próxima vez que levasse uma mensagem, faria bem em se assegurar que chegasse em perfeitas condições ao seu destino. Pelo visto, ao abri-la havia feito uma pequena rachadura no selo, algo sem importância, mas o comandante das tropas havia considerado oportuno informar ao Percy por meio de um dos seus homens.

E se o Felton tivesse contado algo para o seu Senhor? Não o surpreenderia nem um pouco.

A tudo isso havia que somar uma preocupação a mais, a pior de todas. Havia chegado a hora de enviar a Mary para a Escócia. Só quando ela estivesse a salvo poderia se concentrar na sua vida e na do jovem Conde. Sua presença ali se havia convertido em uma carga, em seu ponto fraco. Se alguma coisa desse errada, ele a queria bem longe dali.

O atraso inesperado na viagem do Sir Adam havia complicava tudo, ainda que teria que esperar só mais dois dias. Enquanto o velho cavaleiro atravessava as portas do seu castelo e tomava o rumo do sul, ele aproveitaria para colocar o seu plano em prática.

Kenneth passou diante do quarto da Mary, a caminho dos pisos mais altos da torre. Apesar de ser mais de meia-noite, tinha a intenção de surpreender a esposa, mas antes queria revisar o conteúdo do baú sobre o qual ela havia falado.

Encontrou duas portas no alto da escada. Escolheu a da direita e a empurrou o mais silenciosamente possível, no caso de haver alguém dormindo lá dentro. Felizmente, o quarto parecia vazio. As janelas estavam fechadas. Não havia nada demais e, além disso, fazia frio. A vela que trazia consigo não iluminava muito, mas seria suficiente.

Só haviam apenas alguns objetos dispersos pelo quarto, assim, logo em seguida, localizou o baú.

Saltava à vista que a Mary havia se mantido ocupada. O quarto estava impecável. Os pisos de madeira varridos, as paredes rebocadas limpas e com uma nova camada de cal. Inclusive o teto, baixo e inclinado, parecia limpo.

Cruzou a habitação abaixando a cabeça para não batê-la nas vigas e, quando chegou junto ao baú, levantou a tampa e soube, imediatamente, que a Mary tinha razão sobre a identidade do proprietário. Kenneth conhecia aquelas capas de couro porque eram iguais às do diário do seu amigo, William Gordon, que haviam ardido nas chamas, tantos anos atrás. De imediato, uma descarga de excitação percorreu todo o seu corpo, se intensificando ao ver os jarros de cerâmica lacrados. Acreditava saber o que eles continham, assim os deixou de lado e começou a examinar os diários. Folheou página após página, à procura de qualquer coisa que pudesse parecer uma receita ou uma fórmula. A cada minuto que passava, sua decepção crescia. Tinha que estar ali, estava tão seguro, caramba. Já estava no terceiro volume quando, de repente, ouviu a porta atrás dele ser aberta.

"O que você está fazendo?"

Maldição, era Mary. Fechou o diário e o colocou de volta no baú. "Eu não queria te acordar."

"Meu quarto é bem embaixo deste e pensei ter ouvido um barulho. O que está fazendo aqui em cima?"

Kenneth sorriu.

"Pensei em mover o baú sobre o qual você me falou antes."

"No meio da noite?"

"Senti curiosidade."

O rosto da Mary se iluminou no mesmo instante.

"Para ver o quarto do bebê? Você devia ter me acordado. O que você achou?"

Parecia tão feliz, tão emocionada que sentiu uma pontada de culpa. Sua felicidade e emoção comeram ele. Não havia pensado em nenhum instante no quarto do bebê porque sabia que, quando nascesse, estariam muito longe dali.

"Está muito bom", falou, olhando ao redor do pequeno dormitório.

Mary revirou os olhos, caminhando em direção a ele.

"Bom? Está perfeito. Vou colocar uma cadeira aqui", ela apontou para o espaço que se abria na frente da janela, "o berço ficará contra aquela parede oposta e a babá vai dormir na antecâmara."

Kenneth se sentiu enjoado durante alguns segundos. "Você já tem tudo planejado."

Mary olhou para ele, parecendo intrigada e divertida.

"Já falta muito pouco. O Davey nasceu algumas semanas mais cedo. Talvez com esse aconteça o mesmo."

Kenneth rezou para que a palidez no seu rosto não fosse visível à luz das velas. "Eu não sabia …"

Havia calculado mal. Oh, Deus, tinha que tirá-la dali o quanto antes.

Mary começou a rir.

"Os bebês têm o seu próprio tempo e chegam quando querem. Só quero estar pronta."

E Kenneth começava a se dar conta do quão pouco ele estava.

"Está tudo bem, Kenneth? Há algo te incomodando?"

Claro que algo o incomodava. Ela estava tão feliz e ele estava fazendo tudo errado. Havia criado um mundo de ilusões a ponto de desmoronar, para uma mulher que já havia passado por essa mesma situação.

Mas, como lhe dizer a verdade?

"Nada em particular. Ultimamente, mais ocupado do que de costume, isso é tudo. O Rei está a ponto de sair Londres e todo mundo está ansioso."

"Você tem certeza que isso é tudo?"

"Que outra coisa poderia ser?"

"Pensei que podia ter algo a ver comigo. Fiz alguma coisa que o desagradou?"

Ele sorriu e acariciou seu rosto com a mão.

"Pelo contrário. Você me agrada muito."

Mas, desta vez, Mary não pensava em se deixar distrair pelas provocações sensuais do seu esposo.

"Não me referia a isso", respondeu, afastando o rosto da mão dele. "Fiz alguma coisa para você não confiar em mim? Esperava que você confiaria em mim para compartilhar seus segredos."

"Eu confio em você." Pelo menos, queria fazê-lo, mas era tudo tão novo para ele. Agora que, por fim, tinha encontrado o amor, não queria perdê-lo.

"Eu também confio em você. Sinto muito haver duvidado da sua palavra." Apoiou a mão sobre o peito do seu esposo e olhou nos olhos dele, a confiança que brilhava nos olhos dela atravessando-o como se fosse uma adaga. "Você não se parece em nada com o Atholl, faz tempo que me dei conta disso."

Kenneth sentiu como se houvessem acabado de golpeá-lo. Mary tinha razão, ele não era como o Atholl, era pior. Atholl, ao menos, não a amava e não a havia enganado.

Tinha que contar o quanto antes. De fato, deveria ter feito isso há muito tempo. O mais prudente era esperar que estivessem a salvo na Escócia, porque, então, já seria tarde demais para ela se negar a ir. Por outro lado, se contasse agora, ainda poderia manter parte da promessa que havia feito a ela. Tinha que ter fé nela. Nos dois. Ela ficaria irritada no início, mas acabaria entendendo.

"Se o Atholl tivesse lhe dado uma escolha, Mary, o que você faria? Teria dito a ele para lutar com o Bruce ou com o Edward?"

Ela piscou sob a luz tênue das velas, obviamente surpresa com a pergunta.

"Teria pedido para nos proteger."

"Sim, mas depois disso. Se as coisas fossem diferentes, qual lado você teria escolhido?"

Mary franziu o cenho.

"O que importa isso, agora? Ele tomou a decisão por mim, há muitos anos."

"E se importasse? E se você pudesse voltar no tempo? E se, agora mesmo, você e o David pudessem regressar à Escócia, e se reunirem com o seu ex cunhado? O que você faria?"

O rosto da Mary se anuviou. Podia afirmar que ela estava começando a ficar irritada com suas perguntas.

"Que diferença isso faz? Não passam de hipóteses. Agora mesmo, estamos aqui, tirando o melhor proveito da nossa situação."

"Você não quer voltar para casa Mary?"

"Claro que sim", ela retrucou, finalmente, perdendo a paciência. "Eu sinto falta da minha casa, como tenho certeza que você também sente, mas prefiro não perder tempo desejando coisas impossíveis."

"E se não fossem?" Kenneth perguntou, olhando nos olhos dela.

Mary retribuiu o seu olhar, imóvel, paralisada.

"Você não deve falar assim," respondeu, sua voz baixando para um sussurro, como se as paredes tivessem ouvidos. "É muito perigoso."

"Jamais deixaria alguma coisa acontecer com você, Mary. Você sabe disso, não é verdade?"

"Por que está falando isso? O que está tentando me dizer?"

"Que é hora de voltar para casa."

 


Capítulo Vinte e Quatro

Mary olhou para ele, a princípio, sem entender o que ele estava dizendo, ainda que, no mais profundo da sua consciência começava a rastejar uma estranha sensação, uma premonição sombria e terrível.

"Eu não posso ir para casa. O Rei Edward jamais permitiria isso."

"Edward não vai saber. Não até que seja tarde demais, de qualquer maneira."

"Não", disse ela sacudindo a cabeça, visivelmente afetada. Na última vez que tentei fugir, perdi a minha irmã. Por que está falando assim? Aconteceu alguma coisa? É por causa do Sir John? Está tornando as coisas difíceis? Certamente, não pode ser tão grave para fazer você questionar sua lealdade..."

Kenneth não disse nada e, de repente, Mary descobriu a verdade. Lealdade...

Deu um passo atrás, horrorizada, e o peso da mentira afundou no seu estômago, como uma pedra. Por fim, entendeu por que ele tinha feito todas aquelas perguntas, por que a repentina mudança de lado não parecia fazer sentido, por que havia falado tão bem do irmão que, supostamente, deveria odiar.

"Oh, Deus." De repente, sentiu que ficava enjoada e cobriu a boca com as mãos. A certeza da traição era como um cutelo afiado que a atravessava uma e outra vez. "Você nunca mudou de lado, não é? Você está trabalhando para o Robert."

Tentou se afastar, mas ele a segurou pelo braço.

"Mary, deixe eu explicar."

Com os olhos cheios de lágrimas, mal podia controlar o calor que sufocava sua garganta.

"Explicar o quê? Que você me enganou?"

"Eu não tinha escolha. Com certeza, nem devia estar contando isso agora, mas lhe fiz uma promessa e pretendo cumpri-la."

A raiva a ajudou a conter as lágrimas.

"É um pouco tarde para se lembrar disso, não é? Provocou Mary, expressando sua incredulidade com um som estridente. "Você prometeu não colocar a mim e aos meus filhos em perigo, mas foi exatamente o que fez, no momento em que me levou, obrigada, ao altar."

Pelo brilho que viu em seus olhos, Mary supôs que o Kenneth não estava de acordo com as palavras que ela havia escolhido.

"Não podia lhe contar, não sem estar seguro dos seus sentimentos por mim."

A verdade golpeou a Mary pela segunda vez, muito mais forte do que a primeira, se isso era possível.

"E, agora, você está", disse ela, entorpecida. "Entendo. Foi por isso que fez tanto esforço para me seduzir? Para que, quando chegasse o dia, o seguisse de bom grado, como mais uma das suas admiradoras?"

Alguma vez ele a teria amado?

"Não vou negar que desejava que viesse comigo", respondeu Kenneth com os lábios franzidos e a expressão séria, "e pensei que seria mais fácil se você se apaixonasse por mim, mas isso não muda o que sinto por você. Eu te amo, Mary. Nunca disse essas palavras para outra mulher na minha vida. Inferno, nunca imaginei que fosse possível me sentir desse jeito sobre uma mulher."

Mary notou o sabor amargo da bile na boca. Deus, então era verdade. Ele tinha a intenção de fazê-la se apaixonar por ele. Ela achou que tudo não passava de um jogo e, no fim, estava certa. Não só havia colocado em perigo os seus sentimentos, mas, também, a sua vida e a dos seus filhos. Sentiu que o coração se reduzia a cinzas como um pedaço de pergaminho em chamas.

Como podia ter feito amor com ela tantas vezes, sabendo que ia trai-la?

"E supõe que isso faz com que eu me sinta melhor?" Ela disse com a voz rouca pela emoção. "Eu te traí. Eu menti para você. Eu usei você. Mas amo você, então está tudo bem?"

Kenneth apertou os dentes.

"Mereço ser o alvo da sua raiva, mas não do seu desprezo. Que outra escolha eu tinha?"

"Você podia ter me contado a verdade."

"E o que você teria feito com essa informação? Podia estar seguro que você não ia correr para o Sir Adam ou alguma outra pessoa para lhes contar a verdade? Você deixou sua opinião sobre mim bastante clara, em mais de uma ocasião, se bem me lembro. Há pessoas cuja segurança depende de mim. Não podia me arriscar."

Mary lhe deu as costas.

"Então, devia ter me deixado quieta."

"Não podia. Eu a desejava, a amava. E, além do mais, você já estava grávida do meu filho."

"E o meu outro filho? Onde é que o Davey se encaixa nisso tudo? Suponho que seria um golpe de sorte levar o Conde de Atholl de volta à Escócia."

Kenneth enrijeceu, ainda que não negasse a verdade.

"Uma vez que você estiver a salvo, vou segui-los com o David."

Um terror incontrolável a sacudiu com a força de um raio.

"Não!" Exclamou, sacudindo a cabeça. "É muito perigoso. Estarão vigiando-o de perto. Não permitirão que saia do castelo de Berwick com o Conde de Atholl."

"Eu tenho um plano. Confie em mim."

Ela havia confiado e, em troca, só havia recebido mentiras. Acaso estava condenada a ver seus maridos, cada um mais egoísta e sem consideração do que o outro, reduzirem sua vida a escombros, tentando alcançar a glória? Kenneth acabava de empurrá-la de volta em outro sem pensar nem um segundo nela. Havia posto seu destino nas suas mãos e ele havia agradecido, traindo-a.

"Você pede demais", falou, endireitando os ombros. "Davey não irá com você, muito menos eu."

Kenneth franziu ainda mais os lábios e Mary supôs que estava tentando controlar a raiva. "Seu filho é um conde escocês, Mary. Ele pertence à Escócia, ainda que pareça mais inglês do que o maldito Rei Edward."

Mary não pensou em responder, talvez porque sabia que aquelas palavras continham mais verdade que mentira. Acaso não havia pensado o mesmo em mais de uma ocasião? Mas, agora, não importava. Preferia que David ficasse na Inglaterra do que acabasse na prisão ou com a cabeça pendurada no mesmo lugar que a do seu pai.

"Sou eu quem decide o que é melhor para o meu filho, não você."

"Errado", replicou Kenneth com um brilho perigoso no olhar. "Você me deu esse poder no dia em que casou comigo. Jurei protegê-los e vou cumprir minha promessa. Terá que confiar em mim."

"E se eu me recusar a ir com você? Me levará contra a minha vontade? Raptará sua própria esposa?"

Os lábios do Kenneth se contraíram em uma linha fina.

Vou fazer o que precisar para colocá-los a salvo. Você não vê? É a única saída. Quando os ingleses descobrirem a verdade, colocarão um preço sobre a minha cabeça e você será a esposa de um traidor."

"Não seria a primeira vez, lembra? Já sobrevivi a um traidor, não vejo por que não poderia sobreviver a outro."

Kenneth a fulminou com o olhar.

"Você não está falando sério."

"Não acredita?" Estava revivendo o mesmo pesadelo que passou com o Atholl. Como podia ter feito aquilo? Como havia se atrevido a colocá-la, colocar a todos, em semelhante situação? Não conseguiria passar por tudo aquilo outra vez, sinceramente, não podia.

"Você me ama. Quando a sua raiva esfriar você vai ver que isto é o melhor para todos."

Mary queria machucá-lo, do mesmo modo que ele a machucou.

"Está tão seguro disso? Eu sobrevivi a um coração partido antes, o que faz você pensar que não posso fazer isso de novo?"

Seus olhos brilharam. Ele a agarrou pelo braço e a puxou para perto dele.

"Desta vez é diferente, e você sabe disso. Não é uma fantasia de adolescente, é real."

Mary nem sequer tentou resistir. Se queria brigar, não seria ela que lhe daria esse gosto.

"É nisso que acredita? Porque, para mim, nada disso parece real, e sim, uma grande mentira."

Kenneth a soltou, passando a mão pelo cabelo, tentando se controlar.

"Vamos descer. Podemos falar sobre isso…"

"Você, honestamente, acha que vou me meter na mesma cama que você? Se nem posso suportar a ideia de olhar na sua cara." Ela lhe lançou um olhar duro. "Eu quero que você saia."

"Mary…"

Kenneth tentou tocá-la, mas ela se afastou. Imediatamente seus olhos se encheram de lágrimas e ficou a ponto de perder a voz.

"Deus, nem sequer nisso vai me respeitar? Ou está pensando em me jogar sobre o seu ombro e me tirar daqui, agora mesmo?"

Se não estivesse com tanta raiva, teria se comovido ao ver a torrente de emoções que se sucediam no rosto do seu esposo.

"Depois de amanhã", disse ele. "Assim que o Sir Adam sair."

Mary o olhou, horrorizada.

"Então só tenho dois dias para me decidir."

"tem dois dias para se preparar."

Ela olhou para ele em silêncio, compreendendo, afinal. Não estava lhe dando uma escolha, mas sim atravessando seu coração com uma última estocada.

"Parece que você já tem tudo decidido."

"Não é isso, Mary." Estendeu a mão para tocá-la, mas ela voltou a se afastar. A expressão de dor que ensombreceu o olhar do Kenneth foi ligeiramente gratificante. Queria que se sentisse tão mal quanto ela. Se pudesse transmitir-lhe uma parte, por mais minúscula que fosse, da dor que ele tinha acabado de infligir sobre ela. "Eu amo você, Mary."

"Basta! Como se atreve a dizer isso para mim! Se você me amasse, não teria feito isso comigo."

Kenneth baixou o olhar, fugindo do desafio que se escondia no olhar dela.

"Está bem, partirei. De qualquer forma, tenho que estar de volta ao castelo pela manhã." Segurou o seu queixo e a forçou a olhar para ele. "Sei que você está assustada e furiosa comigo, mas temos toda a nossa vida pela frente. Eu a compensarei, prometo. Só peço que tenha fé em mim, Mary."

Mary lhe deu as costas, incapaz de tirar da boca o sabor amargo da traição. Ele estava lhe pedindo mais do que ela podia dar.

*


Ainda faltavam algumas horas para amanhecer quando Kenneth se deteve em frente aos muros do castelo de Berwick. O portão seguia fechado, assim, desmontou e procurou uma pedra para se sentar, enquanto esperava.

Tinha sido pior do que ele esperava. Sabia que a Mary se irritaria, era o que tinha imaginado, mas que não havia imaginado era a expressão de profunda decepção nos seus olhos. Ela se sentira enganada. Desiludida. Ferida. Olhou para ele como se não o conhecesse. Como se a tivesse decepcionado além de qualquer perdão.

Não podia ser. Kenneth não queria sequer considerar a possibilidade de que ela não o perdoaria. Ele a havia magoado e ela estava furiosa, mas, com o tempo, passaria.

Ou não?

Um nó de incerteza se alojou no seu peito. E se ela não o perdoasse? E se tivesse causado um dano tão irreparável que havia perdido o amor dela para sempre?

Santo Deuses. Seu estômago revirou e ele sentiu uma necessidade súbita de vomitar.

Não, não podia se permitir pensar assim. Acabaria perdoando-o. Uma vez que parasse para pensar, ia ver que ele não teve escolha. Que tinha feito o melhor que podia diante das circunstâncias.

Só esperava que ela não demorasse muito para pensar. Não sabia o que diabos ia fazer, se aparecesse para levá-la embora e ela se recusasse a ir. De repente, recordou o que a Mary havia lhe dito: não, não apreciava a ideia de ter que sequestrar sua própria esposa.

Maldição, que desastre!

Sabendo que não havia nada que pudesse fazer sobre isso, por enquanto, trocou a rocha por uma árvore, para se recostar, fechou os olhos e tentou recuperar algumas horas de sono.

Porém, entre a recordação da conversa com a Mary, o frio da noite e o incômodo de usar uma árvore como uma cama, o máximo que conseguiu foi um sono agitado, o qual provou ser a sua sorte. Cerca de uma hora antes do amanhecer, quando a escuridão cerrada do céu começava a se converter em um cinza pálido, ouviu um ruído metálico ao longe.

Abriu os olhos, completamente acordado, e observou a silhueta fantasmagórica do castelo, onde o portão estava sendo levantado. O que ele ouviu, foi o som das correntes e do portão sendo içado.

Lhe pareceu estranho que abrissem o portão tão cedo. Espiando através da névoa, viu aparecer meia dúzia de homens montados a cavalo.

Em seguida, reconheceu o brasão do Clifford, estampado em azul celeste e dourado, com uma faixa roxa no meio. Aquilo chamou sua atenção. Os cavaleiros ingleses preferiam viajar em grupos muito mais numerosos e fortemente armados. Então, aonde ia o Clifford tão cedo e sem nenhuma proteção?

Só podia se tratar de uma missão secreta ou, ao menos, clandestina.

O instinto lhe dizia para segui-los, mas o Percy o esperava logo na primeira hora da manhã. Como poderia explicar sua ausência?

Dedicou apenas dez segundos para considerar as possibilidades. Pensaria em algo. Esta era a oportunidade que estava esperando há tanto tempo.

Nós cuidaremos do Clifford. Ignorou as palavras do MacKay. Sua missão consistia em ficar perto do Percy, mas parte da sua habilidade como guerreiro era a versatilidade, sua capacidade de adaptação, em saber se acomodar às tarefas em que a sua presença era necessária. E todos os seus instintos clamavam que aquilo era importante.

Montou no cavalo e partiu atrás deles. Podia não ser tão sigiloso quanto o Campbell ou o MacRuairi, nem tão bom rastreador como o Lamont, mas como o segundo melhor era malditamente bom.

*


"Você tem certeza que não há nada de errado, minha querida? Você parece um pouco pálida."

Mary olhou por cima do prato de guisado para o rosto preocupado do seu velho amigo. Tudo estava errado. Tinha entregue seu coração a um homem que acabara de trai-la da pior maneira possível. Kenneth era um traidor. Um rebelde. Por um momento, sentiu a tentação de afundar o rosto entre as mãos e chorar. Mas já tinha feito isso durante a maior parte da noite, e não havia tinha sido de muita ajuda.

"Eu não dormi muito bem", respondeu, forçando um sorriso débil. E era verdade, ainda que representasse uma pequena parte das razões que a convertiam em uma péssima companhia.

Sir Adam retribui o seu sorriso. "Eu lembro que os dois últimos meses sempre foram os mais difíceis para a minha esposa. Mal conseguia dormir. Está tão desconfortável assim?"

"Nada tão grave, por enquanto."

Sir Adam a observou atentamente, como se suspeitasse de algo mais. Talvez, deveria ter avisado que estava trazendo o David comigo. Queria que fosse uma surpresa, mas devia ter pensado..."

"Não!" Mary protestou. "Foi uma surpresa maravilhosa. Não sabe como sentia falta dele, desde que deixei o castelo. Tenho sorte por Huntlywood ser tão próximo. Nunca conseguirei agradecer o suficiente por nos permitir ficar aqui."

Sir Adam fez pouco caso, com um aceno da mão.

"Gosto de saber que estes velhos muros de pedra se encherão de vida enquanto estou fora."

Uma sombra obscureceu os pensamentos da Mary. Quanto tempo permaneceria ali? Que outra escolha tinha? Apesar das palavras corajosas, não sabia se poderia enfrentar outra tempestade quando fosse declarada mulher de um traidor. Sentiu a fria pontada da raiva e odiou o seu marido por colocá-la nessa posição, não só de impedi-la de tomar suas próprias decisões, mas também por obriga-la a enganar um homem que sempre havia sido maravilhoso para ela. "Vou sentir saudades."

Algo em sua voz deve tê-la traído, porque Sir Adam franziu o cenho. Ele a estudou cuidadosamente antes de responder.

"Não ficarei fora por muito tempo. Além disso, acho que você vai estar tão ocupada, que não vai se dar conta da minha ausência."

Falaram por alguns minutos sobre outros temas antes do Sir Adam voltar a questioná-la. "Onde está o Sutherland? Esperava encontrá-lo aqui."

Mary tentou manter uma expressão neutra, sem saber se havia se encolhido ao ouvir o nome do seu marido.

"Ele voltou para o castelo ainda era noite."

"Que estranho." Sir Adam franziu a testa. "Eu não o vi esta manhã. Percy estava procurando por ele. Devia ajudá-lo em uma reunião com o Cornwall."

O coração da Mary que, depois daquela noite, quase havia parado de bater, voltou imediatamente à vida. Não há nenhuma razão para se preocupar.

"Já era tarde quando ele saiu. Talvez tenha dormido demais." Percebendo como soaram suas palavras, se apressou a explicar. "Ele estava me ajudando a limpar o sótão. E encontrei um velho baú de seu pai."

Sir Adam ficou rígido, quase que imperceptivelmente, mas ela notou.

"Eu tinha esquecido que estava lá em cima. Fazem muitos anos desde que mexi nele."

"O seu pai escrevia uns diários maravilhosos. Espero que não se importe que os tenha folheado", Mary se desculpou ficando ruborizada.

"Claro que não." Voltou a concentrar toda sua atenção na comida, fazendo um esforço para aparentar normalidade, mas não era mais que um esforço simulado, ela percebeu. "E o seu marido, também esteve admirando os diários?"

Mary recordou a intensidade com a qual Kenneth folheava os diários. Estava tão surpresa ao vê-lo, que não tinha pensado nisso na hora.

"Eu acredito que sim, embora não tenhamos falado sobre isso." Fez uma pausa. "Talvez… Você se importaria se eu os mostrasse ao Davey? Creio que ele acharia algumas das ilustrações muito interessantes."

"De modo algum. E então, quando tiver terminado, arranjarei alguém para tirar aquele velho baú do seu caminho."

*


Mais tarde, Mary estava com o filho mais velho no que seria o futuro dormitório do seu irmão. Tal como tinha suspeitado, Davey ficou encantado com os desenhos dos exóticos habitantes do leste. Entretanto, o motivo para trazê-lo até ali em cima era bem diferente. Fazia tempo que lhe contar sobre o bebê, mas não sabia como ele reagiria. Tendo em conta a data do seu casamento e a chegada iminente do seu irmão ou irmã, não queria que ele pensasse mal dela.

Na falta de um par de cadeiras, ela fechou a tampa do baú e o convidou para sentar ao lado dela. "Há algo que eu gostaria de lhe dizer, e espero que você fique tão animado como eu", disse ela.

O jovem Conde, que estava a ponto de entrar na idade adulta, olhou para ela de modo estranho. "Sobre o bebê?"

Mary arregalou os olhos. "Como você soube?"

"Sir Kenneth me contou, algum tempo atrás. Ele pensou que eu estava chateado com a rapidez do casamento de vocês."

"E você estava?" Mary perguntou, surpresa com a capacidade de observação do seu esposo.

Ele deu de ombros.

Ela mordeu o lábio. Como não tinha percebido? Com certeza havia sido, no mínimo, confuso para ele.

"Eu sinto muito, devia ter dito a você."

O observou atentamente, tentando penetrar a máscara enigmática por trás da qual Davey escondia seus sentimentos. Mais do que tudo, teria gostado de ver alguma emoção real, ira, tristeza, qualquer coisa, menos a mesma aceitação resignada de sempre. Parecia ser a maneira como ele reagia a tudo.

Deus, o que os longos anos no cativeiro fizeram com ele?

"Estou contente de vê-la feliz, mãe. Sir Kenneth é um excelente cavaleiro."

"E você, David? É feliz?"

David considerou a pergunta como se nunca tivesse pensado nela. "Eu me viro."

Sua resposta a pegou de surpresa. Seu filho era mais parecido com ela do que tinha pensado. Mas parecia diferente, vindo dele. Se virar era suficiente para o seu filho?

E para ela? Era suficiente? Será que eles não mereciam algo melhor?

"Sei que as coisas não têm sido fáceis depois que o seu pai morreu."

Davey apertou os lábios e, imediatamente, seus olhos se encheram de veneno.

"Você quis dizer que foi executado por ser um traidor. Meu pai era um traidor e sofreu o castigo que merecia. Sua desonra não tem nada a ver comigo."

Mary queria ver emoção no rosto do seu filho, mas não daquele tipo.

"Seu pai lutou por aquilo no qual acreditava, Davey, e não era nenhum traidor para o seu povo, que é o mesmo que o seu."

Era estranho defender o Atholl depois de tantos anos, mas não importava o que havia feito para ela, ou aos dois. Ele havia sido um grande patriota. Queria que o Davey fosse consciente disso. O tempo e o seu casamento com o Kenneth haviam levado consigo boa parte da amargura de antes e agora podia revisar aquela etapa da sua vida, de outra perspectiva totalmente diferente.

Davey franziu o nariz, como se tivesse ouvido alguma coisa desagradável, em um gesto tão genuinamente inglês que Mary não pôde evitar ficar horrorizada.

"Meu povo está sob a influência de um usurpador. Uma vez que o Bruce for derrotado, se darão conta da verdade."

Kenneth tinha razão, pelo menos nisto. Não havia nada escocês em seu filho. Meu Deus, como havia falhado com ele! Mary havia prometido lutar por sua herança, lutar por seu patrimônio, mas ignorou a parte mais importante: sua identidade. Ele era um escocês. Seu pai havia sido morto lutando pela independência do seu país, executado pelos mesmos homens que agora se referiam ao seu filho como o querido primo Davey.

De repente, recordou a pergunta que o Kenneth havia formulado na noite anterior. O que ela teria feito se alguém tivesse se preocupado em pedir sua opinião? Depois de escutar o seu filho, enfim, soube a resposta. Teria permanecido ao lado do Bruce. Acreditava no Robert, tanto quanto o Atholl o havia feito e, ainda que essa confiança estivesse enterrada depois de anos de medo e de incertezas, ainda estava lá. Atholl devia ter protegido melhor a sua família, devia ter perguntado sua opinião sobre o futuro, mas não podia culpá-lo por sua aliança com o Bruce.

"Minha irmã foi casada com esse “usurpador ”, David. Robert é um grande homem e um dos maiores cavaleiros da Cristandade", acrescentou ela, sabendo que isso impressionaria o seu filho. "Eu gostaria que você o encontrasse. Acho que você gostaria dele."

"Eu vou encontrá-lo. No campo de batalha."

"Ele gostaria que você voltasse à Escócia."

Ele franziu a testa. "Como você sabe disso?"

"Ele me disse quando eu estive lá."

"Eu irei. Quando ganharmos."

Mary sabia que tinha que proceder com cautela, mas era a vida do seu filho que estava em perigo; merecia a oportunidade de opinar a respeito.

Você não é inglês, sabe disso, não sabe, Davey? Você é um Conde Escocês. O seu lugar é na Escócia. Não gostaria de voltar para casa? Ver as terras dos seus antepassados?"

Ele olhou para ela como se ela tivesse acabado de cometer alta traição, o que, de certo modo, não deixava de ser certo.

"Por que você está dizendo isso, mãe?"

Mary guardou silêncio, debatendo o quanto dizer a ele. No final, decidiu que já havia dito demais. Por que estava pressionando seu filho em busca de uma resposta, quando nem ela sabia o que responder?

"Não me leve a sério, filho", lhe disse com um sorriso. "Estou um pouco sensível, ultimamente."

Ele a observou atentamente e assentiu. Se levantou do baú e dirigiu até a janela.

"Que estranho."

"O quê?"

"Sir John se aproxima com pelo menos duas dezenas de homens."

O coração da Mary afundou. Provavelmente não era nada, disse a si mesma. Mas o instinto lhe dizia o contrário.

 


Capítulo Vinte e Cinco


Kenneth estava atrás do grupo de Clifford há horas. Pensou que eles pegariam a estrada para o sudoeste, ao longo da linha da fronteira até Jedburgh, mas, em vez disso, pegaram um desvio à oeste da cidade de Biggar, evitando a perigosa floresta de Selkirk, que era controlada pelos homens do Bruce, sob as ordens de Sir James Douglas.

Aonde, diabos, estavam indo? Se seguissem se movendo na direção de Clydesdale chegariam ao Castelo Bothwell, ao sul de Glasgow. “Um momento”, pensou Kenneth. Castelo Bothwell, onde as tropas britânicas podiam ser facilmente abastecidas, desde os castelos fronteiriços de Clifford, Carlisle e Caerlaverock.

Seu cérebro funcionava a toda velocidade. Havia descoberto algo importante, estava convencido disso. E se a razão pela qual nunca encontravam as provisões viajando para o norte, até Edimburgh, era que aquele não era o caminho que pensavam tomar? E se tivesse acabado de descobrir a verdadeira rota? E se Bothwell, Rutherglen e Renfrew eram os castelos em poder dos ingleses encarregados de abastecer o exército e protegê-lo em seu avanço pelas terras escocesas?

Podia ser, mas como provar isso? Por enquanto, era apenas um palpite.

No entanto, Clifford não parecia muito disposto a lhe fornecer provas conclusivas para provar sua teoria. Ao meio-dia, o pequeno grupo de homens deu meia volta e se dirigiu, novamente, para o castelo. Kenneth os seguiu. Esta expedição a nenhum lugar, apenas para serviu para convencê-lo de que esta era uma missão de reconhecimento antes da chegada do exército.

Mas precisava de provas, caramba. Por que nunca encontrava mapas, primorosamente desenhados e com os destinos marcados com um X? Era pedir muito? Quem dera fosse fácil espionar.

Era quase noite quando o grupo do Clifford atravessou os portões do castelo de Berwick. Kenneth esperou alguns momentos e os seguiu.

Sabia que teria que explicar o motivo de sua ausência, mas, à medida que se aproximava da porta, se perguntou se, talvez, precisaria muito mais do que isso.

Ouviu a voz do alarme quando os homens que vigiavam a muralha o viram. Era sua imaginação ou, de repente, a atmosfera estava muito mais carregada? Os homens que guardavam a porta pareciam nervosos? Evitaram olhar nos seus olhos e um deles tinha a mão no cabo da espada. Aquilo começou a lhe dar uma má sensação, algo muito desconfortável.

E se a Mary o havia delatado? Não podia evitar de imaginar, ainda que, não tardou a descartar a ideia. Mary jamais faria algo assim. Não importa o quanto estivesse zangada, seria incapaz de condená-lo ao mesmo destino do Atholl.

Ainda assim, ficou claro que algo estava errado. Ao cruzar a porta do castelo, percebeu o movimento de homens se posicionando atrás dele.

Amaldiçoou entre os dentes. De repente, viu o Percy descendo as escadas do grande salão e pela expressão no seu rosto, soube que teria problemas. Não sabia se o Felton o tinha denunciado por participar de lutas ilegais, ou se seria a ausência injustificada naquela manhã ou se o problema era outro; a questão era que não planejava ficar ali para descobrir.

Seu tempo na Inglaterra havia se esgotado e preferia fugir agora, que só tinha um punhado de homens cuidando das suas costas, do que fazê-lo de uma cela de prisão.

Talvez estivesse errado, mas se a guerra tinha lhe ensinado alguma coisa, era que, quando havia dúvidas, era melhor confiar no instinto. Às vezes era a única coisa capaz de mantê-lo vivo.

Não hesitou. Virou o cavalo e se lançou sobre os homens que tentaram bloquear sua saída. O movimento rápido os pegou de surpresa, mas um deles teve tempo de desembainhar a espada e atacar. Kenneth pegou a sua, amarrada às costas, e conseguiu salvar a perna – e mais importante ainda, o cavalo – da arma do soldado.

Com um grito ensurdecedor, ele atingiu um dos homens que guardava o portão, à sua direita e, reagindo rapidamente, evitou o ataque de outro soldado à sua esquerda. Podia ouvir os gritos à sua volta, ordenando que fechassem o portão, para que não escapasse, mas já era tarde demais. Abaixou a cabeça para ficar no mesmo nível que o pescoço do cavalo e atravessou a muralha, tentando não pensar na chuva de flechas que estava prestes a…

De repente, sentiu o primeiro impacto nas costas, foi mais um golpe do que uma dor real, então imaginou que a ponta tinha atingido a cota de malha. A segunda o atingiu no braço, quando ele começou a ziguezaguear para que os arqueiros não pudessem apontar com facilidade.

Outra flecha golpeou o flanco do cavalo, mas esta também encontrou a armadura sob a sela do animal. Os cavalos de guerra usados pelos britânicos, eram bestas enormes e fortemente protegidas, mas eram mais lentos e menos manobráveis que as cópias escocesas, mas, às vezes, também tinham suas vantagens.

Kenneth se concentrou no seu destino, uma linha de árvores a poucos metros do castelo, e cavalgou o mais rápido que pôde, considerando que seu cavalo estava cansado. Sabia que em questão de segundos estaria fora do alcance das flechas, que já não caíam tão perto e não com a mesma frequência. Cerrou os dentes com força e rezou para que a sua sorte durasse, pelo menos, um pouco mais…

E durou. Cruzou a linha de árvores e suspirou de alívio. Tinha conseguido, mas ainda não estava seguro. Não tardariam a sair para caçá-lo.

Fez uma careta, desgostoso. Aquela não era a despedida da Inglaterra que tinha imaginado. A missão tinha explodido em seu rosto. Já não podia recolher evidências para provar suas suspeitas e o que era pior, tirar a Mary do país acabava de se tornar um resgate muito mais perigoso. O jovem David teria que esperar.

Não tinha tempo a perder se lamentando com os seus erros. Agora, só conseguia pensar na Mary. Um calafrio percorreu sua espinha. Eles também iriam atrás dela. Tinha que encontrá-la primeiro.

Em vez de tomar o caminho para Huntlywood, desviou a montaria e se dirigiu através do campo. Necessitava de todo tempo extra que pudesse conseguir. Os ingleses, em breve, descobririam para onde estava indo, mas não tinha intenção de estar lá quando eles chegassem.

*


Mary estava convencida de que o pior momento da sua vida seria sempre o dia em que descobriu que o seu marido mentia para ela, que na realidade era fiel ao Bruce e que pretendia levá-la com ele, de volta para a Escócia.

Mas, estava errada. O pior momento seria a chegada do Sir John anunciando, com arrogância mal disfarçada, o mandado de prisão contra o Kenneth.

Mary quase desmaiou, e teria caído se Sir Adam não a amparasse.

"É melhor que você tenha uma boa explicação para isso, Felton", retrucou Sir Adam Knight, após acompanhá-la até um banco, para se sentar.

Mary escutou, horrorizada as explicações que Sir John lhe dava. As acusações contra o seu esposo eram por luta ilegal e também tinha falhado em um teste de lealdade, por entregar uma carta com o lacre quebrado. A deserção daquele dia não fez nada além de piorar a situação. Onde ele estava?

Mary reprimiu um soluço. A ideia de seu marido na prisão e provavelmente executado...

Sentiu como se a apunhalassem, como se todas as fibras do seu corpo se agitassem, aterrorizadas.

Mas, quando superou a impressão do primeiro momento, Mary soube que Sir John tinha acabado de lhe dar um momento de clareza que, provavelmente, não teria sido capaz de chegar sozinha. Agora que enfrentava a possível prisão do seu marido, não podia negar a verdade que abrigava o seu coração. Estava furiosa com ele por ter mentido para ela, mas ainda o amava.

"Encontre-o", Sir John disse a seus homens.

"Eu já disse que ele não está aqui", Sir Adam interveio, seu temperamento geralmente calmo se transformando em uma ira fria, mas mortal. "Você está colocando em dúvida a minha palavra?

Sir John sorriu.

"Eu não quero que haja qualquer confusão. Você conhece Sutherland e a sua esposa há muitos anos, certo?"

O rosto do Sir Adam ficou vermelho como um tomate.

"Tenha cuidado, Felton. Pense muito bem antes de questionar minha lealdade, porque quando provar que você está errado, vou para cima de você. Vou me certificar de você pague pelo que está fazendo."

Felton, amedrontado, alterou suas táticas instantaneamente. Sir Adam era um homem poderoso, um dos escoceses mais influentes do lado dos ingleses. Convertê-lo em um inimigo podia custar caro.

"Eu não tive a intenção de ofender. Tenho ordens de escoltar o Conde de Atholl, imediatamente, para Berwick e encontrar o Sutherland. Estou apenas seguindo ordens."

"Faça o que tem que fazer, mas seja rápido", retrucou Sir Adam, "e, em seguida, desapareça da vista."

Enquanto Sir John estava coordenando a busca, Sir Adam tentou acalmar Mary.

"Fique tranquila", ele disse. "Tenho certeza que tudo se esclarecerá, mais cedo do que você pensa."

Mary, que conhecia a verdade, assentiu com a cabeça, sem muita convicção.

"Você sabe se é verdade a acusação de luta ilegal? Felton disse que você estava presente."

Ela assentiu com a cabeça.

"Temo que sim."

"O Rei não vai ficar feliz, mas Kenneth deve ter uma boa explicação, não creio que será muito difícil se livrar das acusações. Me preocupo mais com a acusação de traição. É possível…? Você acha que há alguma verdade no que o Felton diz? Existe a possibilidade do Sutherland estar nos enganando?"

Mary não sabia o que fazer. Queria proteger seu marido, mas não podia suportar a ideia de mentir para o seu velho amigo.

"Tudo é possível", respondeu, olhando para o chão.

De repente, olhando com o canto do olho, viu o Davey do outro lado do salão conversando com o Felton e, pela forma com que os olhos do seu filho se desviavam continuamente para ela, supôs que algo estava errado.

"David sabe de alguma coisa?" Sir Adam perguntou, seguindo a direção do seu olhar.

Mary se lembrou da conversa que acabara de ter com ele. E se ele tivesse ligado as suas palavras sobre o retorno para a Escócia com as acusações contra o Kenneth?

"Não creio."

Mas não conseguia parar de retorcer as mãos no colo. Há apenas alguns segundos seus olhos e os do seu filho tinham se encontrado e o Davey, com as faces coradas pelo remorso, não havia demorado a desviar os seus. Definitivamente, algo estava errado.

David jamais a trairia. Ou, talvez, sim? Seu coração falhou uma batida. Se sentia algum tipo de devoção filial por ela, era tão recente que nunca tinha sido colocada à prova. Seria capaz de dizer algo contra o Kenneth?

Nunca devia ter falado sobre o Bruce e o seu pai. A decisão de voltar para a Escócia era complexa demais para um menino de treze anos.

Por um momento, parecia que seus receios eram infundados. Davey saiu do salão, presumivelmente, para recolher seus pertences e Sir John voltou para a coordenação dos seus homens. No entanto, um pouco mais tarde, quando a busca finalmente terminou, sir John se dirigiu para ela com um olhar em seus olhos que não prometia nada de bom.

"Reúna suas coisas. Você vai voltar para o castelo conosco."

Mary empalideceu.

"Do que você está falando, Felton?" Sir Adam interveio. "Lady Mary vai ficar aqui."

Sir John olhou para o homem mais velho.

"Não mais. Parece que Lady Mary está pensando em retornar para a Escócia."

Sir Adam nem sequer a olhou para que confirmasse ou negasse essa afirmação.

"Que provas você tem?"

"Ela tem mantido algumas conversas muito interessantes com o seu filho."

Mary sentiu uma pontada no coração. Oh, Davey, o que você fez?

"Eu não disse nada sobre voltar para a Escócia", disse ele.

E era verdade, mas Sir John permaneceu impassível.

"Dadas as circunstâncias, acho que é melhor tomar um cuidado especial, você não acha, Sir Adam? Com a sua segurança, é claro."

"Você está me prendendo?"

"Não se me forçar a fazê-lo." Mas os homens do Sir John se reuniram em torno dela. Mary podia sentir a presença da guarda do Sir Adam atrás dela. Se pedisse a ele, eles a defenderiam sem hesitação, mas que sentido teria colocar Sir Adam em uma posição ainda mais difícil, se um dia a verdade viesse à tona?

Só então o Davey voltou para a sala. Ele olhou para um lado, depois para o outro e, em seguida, percebeu o que estava acontecendo.

"O que você está fazendo?" Perguntou ao Sir John, com a traição gravada a fogo em cada centímetro do seu rosto jovem.

"Sua mãe está vindo conosco, não é, Lady Mary?"

"Mas eu não quis dizer… Se supunha que não devia…"

Mary olhou para o filho e ao ver a expressão de horror em seus olhos, soube que não tinha calculado o efeito que suas palavras produziriam em Sir John. Sua intenção não era machucá-la.

Ela colocou uma mão em seu braço para que ele soubesse que estava tudo bem.

"Agora mesmo vou pegar minhas coisas."

Sir Adam tentou intervir, mas ela o deteve.

"Por favor, não quero que haja problemas. Cobriu a barriga com a mão em um gesto cheio de significado. Se uma situação violenta ocorresse, as consequências seriam imprevisíveis. "Vamos resolver isso quando estivermos em Berwick."

Kenneth faria algo, teria que confiar nele, mas a ideia de entrar um dos castelos mais fortemente armados de toda a fronteira a deixou sem um pingo de esperança.

Sir Adam olhou em seus olhos e assentiu.

"Vou deixar alguns dos meus homens, caso o Sutherland tente retornar", disse Sir John.

Ambos compreenderam o verdadeiro significado daquelas palavras: se Sir Adam tentasse avisar o Kenneth, os homens do Felton o impediriam.

Mas, onde quer que estivesse, Mary sabia que Kenneth encontraria uma maneira de tirá-los daquela enrascada. Ele não permitiria que sua esposa enfrentasse o perigo sozinha. Só queria que nada daquilo tivesse acontecido para fazê-la se dar conta disso.

*


Embora seu primeiro impulso fosse cruzar os portões do castelo e se encontrar com a Mary o quanto antes, Kenneth decidiu observar Huntlywood na segurança da floresta que o rodeava. Aquela medida de precaução tão pouco habitual nele se viu recompensada quando notou o número de guardas na entrada. Uma inspeção mais detalhada revelou que, pelo menos um dos guardas, usava as cores dos homens do Felton.

Maldição. Estava certo que o Felton não tinha sido capaz de ultrapassá-lo, pelo menos, não vindo de Berwick, então, provavelmente ele já estava lá. Isso significava que o Kenneth tinha perdido qualquer vantagem tempo que ele poderia haver tido.

Concebeu um plano, tão rápido quanto podia. Não sabia o que o esperava no interior, então teria que fugir da vigilância dos guardas da entrada. Decidiu usar duas das táticas favoritas da dos Guardiões das Terras Altas: distração e velocidade.

Pegou tudo o que poderia precisar nas bolsas penduradas na sela, acariciou o focinho do cavalo e lhe agradeceu pelo fiel serviço que tinha lhe prestado. Sabia que o animal estava exausto e não conseguiria ser útil naquela noite, mas, ainda assim, custou a se separar dele. Deu um tapinha no seu flanco e o enviou, trotando, em direção aos portões do castelo.

O cavalo passou através das árvores em linha reta até o seu objetivo. Enquanto isso, Kenneth cercou o castelo a pé, pelo lado oposto e, antes de fazer qualquer coisa, esperou que um dos guardas avistasse o cavalo e desse o aviso.

Acabou de entrar em posição quando ouviu: Cavaleiro à vista!

Esperava que com aquele truque simples, teria tempo para escalar a muralha. Nunca poderia agradecer o suficiente por todas as vezes que o MacLeod o obrigou a se pendurar em qualquer lugar e levantar seu peso morto. Ainda assim, sem uma boa aderência e carregado com o peso das armas e a cota de malha, não foi fácil se impulsionar em um movimento rápido e silencioso. Felizmente, Sir Adam ainda não tinha construído as paredes de pedra que pretendia levantar ao redor do castelo.

Havia escolhido um ponto da parede oposta à porta, em um canto escuro entre os estábulos e o arsenal. Usou as sombras para se esconder, desembainhou a espada e esperou para ver se alguém havia percebido sua presença.

Mas seu plano tinha funcionado. Ainda podia ouvir alvoroço no portão principal, onde acabara de aparecer o cavalo sem o seu cavaleiro. Circulou o arsenal, repetindo uma e outra vez que algo estava errado. Muitas pessoas vagavam ao redor do pátio, muitos soldados. Contou pelo menos meia dezena de homens do Felton, que em nenhum momento interagiam com os do Sir Adam. Interessante. Daquela distância parecia que os dois grupos se observavam mutuamente.

A cada momento que passava, o medo por sua esposa se intensificava, de modo que não podia se distrair em nenhum momento. Quando viu uma abertura, atravessou o pátio e subiu as escadas da torre.

Uma vez lá dentro, primeiro verificou o salão. Nem sinal da Mary, em nenhum lugar. Se dirigiu para a escadas que tinha diante de si e, com o coração apertado, subiu os dois primeiros andares. Antes de abrir a porta, sabia que não a encontraria lá. Ainda assim, entrou no quarto e não pôde deixar de sentir seu coração dar uma guinada ao encontrar apenas o silêncio.

Onde, diabos, estava a Mary?

Talvez, no quarto do bebê?

Ainda tinha esperanças. Subiu o último lance de escadas e abriu a porta. O impacto de receber apenas silêncio e vazio foi ainda maior.

Seu coração batia forte e começava a sentir o gosto metálico do pânico na garganta.

Mary tinha que estar lá. Ele ia encontrá-la nem que tivesse que derrubar o castelo, pedra por pedra, com ou sem os homens do Felton. O exército inglês inteiro não seria suficiente para mantê-lo longe dela.

Tudo seria muito mais fácil com um pouco de ajuda. Cairiam bem os potes de cerâmicas que havia visto ali mesmo, mas o baú tinha sumido. Só poderia ir até o Sir Adam. O cavaleiro se preocupava com a Mary; Kenneth esperava não ter julgado mal a sinceridade dos seus sentimentos.

Regressou por onde tinha vindo, parou no primeiro andar, logo abaixo do quarto da Mary e, sem se preocupar em anunciar sua presença, abriu a porta com um golpe.

Sir Adam estava junto à janela, olhando para o pátio através do vidro. Olhou por cima do ombro e seus olhos se encontraram com os do Kenneth.

"Me perguntava quanto tempo demoraria a chegar. O cavalo foi uma jogada muito inteligente."

Kenneth entrou na sala.

"Onde ela está?"

"Felton a levou, há pouco tempo atrás."

"Levou? Aonde?" Kenneth perguntou, com o coração apertado.

"Para o castelo de Berwick." Sir Adam revirou os olhos. "Ele veio procurando por você. Tem um mandado de prisão em seu nome."

Kenneth xingou.

"Não vai perguntar sobre as acusações?"

"E, por acaso, importam?"

Sir Adam balançou a cabeça.

"Acho que não."

Kenneth tentou ignorar a decepção que brilhava nos olhos do cavaleiro, mas não funcionou. A traição nunca era fácil e desta vez, muito menos. Só esperava que um dia seus caminhos se cruzassem novamente, mas, desta vez, como verdadeiros aliados.

"Faz tempo que saíram?" Ele perguntou.

"Não muito. Pouco tempo atrás."

"Então, ainda estou em tempo de alcançá-los."

"O que faz você pensar que não vou chamar meus homens para prendê-lo, agora?"

Kenneth ficou tenso e o encarou.

"Porque sei que você ama a Mary e deseja que ela seja feliz."

"E você a fará feliz?"

"Sei que posso fazê-lo." Ficou em silêncio por um momento. "Também sei que não é tão contrário ao Bruce como parece."

"Minha lealdade está com o Rei Edward."

"Balliol foi derrotado e, agora, vive na França. Você sabe perfeitamente que nunca vai ser aceito como Rei."

Sir Adam não disse nada.

"Suspeito que esse é o motivo pelo qual os ingleses não sabem nada dos seus conhecimentos sobre o povo sarraceno."

O cavaleiro ficou tenso. Kenneth sentiu que ele estava prestes a negar e não o deixou falar.

"Eu sei sobre a explosão na ponte, no dia que a Mary perdeu a irmã. Foi obra sua, não foi?"

Sir Adam empalideceu.

"Parece que o meu sobrinho compartilhou com você, o segredo da família. Já imaginava. Foi um acidente. Ela sabe?"

Kenneth balançou a cabeça, negando.

"Ainda não."

Mas você dirá a ela."

"Sim, mas você ainda pode compensá-la. Preciso da sua ajuda."

Sir Adam considerou o pedido em silêncio. Kenneth quase podia ver a batalha que estava sendo travada em sua cabeça entre a lealdade ao seu Rei destronado e o seu amor pela Mary. Finalmente, sua expressão mudou e seus ombros caíram, como se a batalha tivesse sido demais para ele.

"Diga-me o que você precisa."

*


A viagem para o castelo poderia ser feita em pouco mais de uma hora, mas a escuridão e o estado da Mary estavam atrasando consideravelmente o grupo.

Poderia dizer que os estava atrasando de propósito, mas a verdade é que estava realmente, desconfortável. Suas costas doíam e tinha câimbras, de vez em quando.

Sir John estava irritado com ela, mas, acima de tudo, era um cavalheiro gentil e generoso, por isso, quando alguém o lembrava do estado da Mary, diminuía, consideravelmente, o ritmo da expedição.

Seu coração saltava com cada som. Olhava para a escuridão incessantemente, na esperança de ver seu marido emergir da escuridão como um anjo vingador. Sabia que era tolice confiar que ele, sozinho, daria conta de quase vinte soldados ingleses, mas outra parte dela sabia que ele tentaria, se tivesse chance. A outra, porém, temia que ele fizesse exatamente isso.

Onde havia se metido?

Não demorou muito para saber a resposta. Estavam há, apenas, cerca de três quilômetros do castelo quando chegaram à ponte sobre o rio Tweed.

Mary estava no final da comitiva, então, a princípio, só ouviu um grito seguido, imediatamente, pelo tumulto generalizado de homens ao seu redor. Sir John gritou ordens e uma dúzia dos seus homens cercaram ela e o David.

"O que aconteceu?" Ela perguntou. "O que está acontecendo?"

Ninguém respondeu. Através da linha de homens fortemente armados ao seu redor, conseguiu ver o brilho de uma tocha solitária, a uns vinte metros de distância. Um homem a sustentava no alto: seu marido. Mary não precisava ver o escudo amarelo com três estrelas vermelhas para reconhecê-lo.

De repente, seu pulso acelerou e seus olhos se encheram de lágrimas, sem saber se, pela felicidade de vê-lo vivo, ou o medo de perdê-lo em breve. Era o Kenneth. Mas o que ele estava fazendo?

"Solte a minha esposa!" Ele gritou com voz clara e poderosa, perturbando a escuridão com a violência de um chicote.

Sir John se adiantou uns passos para conversar.

"Você não está em posição de dar ordens. Você está preso."

"Tudo bem, mas a Lady Mary não tem nada a ver com isso. Os meus homens estão do outro lado da ponte. Se a libertar, abaixarei minha espada."

Sir John riu.

"Por que deveria?"

Mary quase conseguiu ouvir seu marido balançar os ombros.

"Você prefere tentar me pegar?" Ele fez uma pausa. Mary tinha certeza que ambos tinham acabado de recordar a última vez que haviam se enfrentado. "Felton", continuou Kenneth, "o seu problema não é com a Mary. Sei que não quer que nada de ruim aconteça com ela. Deixe que os meus homens a levem e terá o que está realmente buscando: a mim. Podemos resolver isso agora, a decisão é sua, mas não espere muito. Meus homens estão ficando nervosos."

Assim que ele terminou de falar, do outro lado da ponte se acendeu um bom número de tochas que iluminaram a escuridão da noite com seu brilho laranja.

Se Sir John acreditava que o Kenneth estava blefando, logo reconsiderou suas opiniões.

"Está bem. Largue as armas e se renda."

"Tenho a sua palavra de cavaleiro que a libertará?"

Sir John ficou tenso.

"Você a tem."

Vou soltar as armas e, em seguida, caminharei até aquela árvore. Apenas, no caso de você sentir o desejo de reconsiderar sua postura antes que a Lady Mary tenha cruzado a ponte."

"Parece bom", retrucou o Sir John, visivelmente chateado por aquele ataque à sua honra.

Mary ouviu o baque de armas caindo ao chão. Um pouco mais tarde, Sir John fez um gesto para que ela começasse a andar.

"Vá em frente", disse ele.

Mary olhou para o David. Ambos sabiam que Sir John nunca o deixaria ir.

"Sinto muito, mãe."

"Eu também sinto muito, Davey." Não sabia quanto tempo passaria antes que voltasse a vê-lo, então, se aproximou dele e o abraçou. "Não se esqueça do que eu disse a você", sussurrou no ouvido dele.

Quando se afastou, viu o Davey assentir com a cabeça e, em seguida, olhar para o Sir John com um olhar venenoso. Aparentemente, a admiração que seu filho sentia em relação ao cavaleiro, havia recebido um revés que seria difícil de recuperar. Talvez, no fundo, Sir John havia feito um favor para eles, em levá-la de Huntlywood. Quem sabe se suas ações ajudariam a influenciar o seu filho, no momento certo.

Manobrando o cavalo, abriu caminho através da parede de soldados ingleses, sem dedicar um mísero olhar para o Sir John. Foi em direção ao Kenneth e, em seguida, seus olhos se encontraram pela primeira vez. Seu coração falhou uma batida e Mary teve que lutar contra o impulso de correr para os seus braços.

"Vá", ele disse. "Não se preocupe comigo. Estarei bem."

Olharam um para o outro. Kenneth estava pedindo que confiasse nele.

E ela o fez, embora esperasse que o plano incluísse mais do que, simplesmente, se render.

Assentiu, o olhou uma última vez e dirigiu sua montaria para a ponte. O som dos cascos sobre as pranchas de madeira trouxe lembranças da última vez que havia tentado fugir da Inglaterra.

Por favor, que desta vez seja diferente, pensou ela, sentindo o coração encolher.

De repente, olhou em volta e descobriu com espanto que os homens ao seu redor não eram os do Kenneth, mas sim os do Sir Adam.

"Venha", disse Sir Adam. "Nós não temos muito tempo."

"Espere", disse a Mary. "Não podemos deixá-lo sozinho. Aonde vamos?"

"Para o litoral. Não se preocupe. Nos alcançará assim que for possível."

Custou cada milímetro da fé no velho amigo para concordar.

"Obrigada", ela disse. "Obrigada por ajudar."

Sir Adam assentiu.

"Espero que tudo corra bem, desta vez."

Ela também esperava.

Partiram imediatamente, apressando os cavalos em um ritmo muito mais rápido e esquecendo os incômodos próprios da gravidez. Mary ainda podia ver a ponte à distância, quando ouviu um som que abalou seu coração: um grande estrondo, seguido por um clarão ofuscante como um relâmpago. As memórias passaram através da sua cabeça. Foi exatamente como antes, só que desta vez não havia nenhuma tempestade para explicar os sons estranhos.

Ela olhou para trás e não pôde evitar de gritar, apavorada, ao ver uma bola de fogo, à distância. A ponte estava queimando.

"Espere! Temos que voltar para ajudar o Kenneth."

Sir Adam foi até seu cavalo e agarrou as rédeas para impedi-la de fazer isso.

"Não é necessário."

Mary congelou ao ouvir aquela voz sem dono vindo de algum lugar à frente deles na escuridão. Olhou para Sir Adam, mas o cavaleiro parecia tão confuso quanto ela. A meia dúzia de homens que haviam levado consigo se colocaram em formação, ao redor da Mary.

Ela manteve o olhar fixo na direção de onde vinha a voz. Momentos depois, o guerreiro de aspecto mais terrível que já havia visto, deu um passo adiante e se deteve bem embaixo de um raio da lua. Mary estremeceu, incapaz de esconder o medo.

Santo Deus, o homem era ainda mais robusto do que o seu marido! Mais quatro guerreiros, cada qual mais alto e musculoso, saíram de trás dele. Todos os cinco usavam elmos negros, cotas da mesma cor e mantos com a mesma aparência singular em torno de seus ombros. Até a pele era escurecida com algum tipo de produto, a tal ponto que se confundiam com a noite, como se fossem fantasmas. De repente, soube quem eles eram: Os fantasmas do Bruce! Seriam os guerreiros que espalharam o terror nos corações dos ingleses?

Estava tão assustada que precisou de um momento para reconhecer o sorriso que se escondia sob o elmo.

"Milady", disse o estranho com uma reverência. "Nos encontramos novamente."

Com o rosto meio escondido sob um elmo de aspecto terrível, que também cobria o seu nariz, Mary se viu olhando, cara a cara, o temível guerreiro que o Robert lhe havia apresentado no verão anterior: Magnus MacKay, marido da irmã do Kenneth.

 


Capítulo Vinte e Seis


Quando Felton falou, as tochas do Sir Adam ainda eram visíveis.

"Ela se foi. Renda-se agora."

"Eu lhe disse que você poderia me prender e mantenho a minha palavra", disse Kenneth. Em nenhum momento falou em rendição. Se o Felton quisesse detê-lo, teria que fazer com suas próprias mãos.

Mas, primeiro, queria ter certeza de que o inimigo não mudaria de ideia e fosse atrás da Mary.

Segurando a tocha na frente dele para que pudessem vê-lo, Kenneth começou a andar até o Felton e se deteve a cerca de três metros, entre seus homens e a ponte. Olhou para baixo e viu a fina trilha de pólvora aos seus pés, indetectável para qualquer um que não estivesse procurando por ela.

Esperava que o plano fosse bem-sucedido. Teria pouco tempo, uma vez que acendesse o pavio.

"Solte a tocha", Felton ordenou.

Kenneth obedeceu, se certificando de cair suficientemento perto dos seus pés para, quando estivesse preparado, empurrá-la com os pés até a pólvora.

"Pegue-o", Felton ordenou a dois dos seus homens. Kenneth permitiu que se aproximassem e os manteve um de cada lado. "Vocês cinco", acrescentou, apontando para o grupo à sua direita, "tragam a Lady Mary."

David ficou surpreso.

"Mas você prometeu que a deixaria ir."

Felton se virou-se para o jovem Conde.

"Este homem está preso, e não está em posição de negociar nada."

Ao contrário do jovem Atholl, Kenneth não tinha acreditado nas promessas do Felton. Com um rugido ensurdecedor, tentou se libertar dos seus captores erguendo os braços e sacudindo-os vigorosamente, ao mesmo tempo que chutou a tocha e a mandou para a trilha de pólvora.

O pavio não acendeu.

"Segurem ele! Felton gritou. "Tragam algo para amarrá-lo, rápido."

Seus homens foram rápidos em seguir as ordens.

Kenneth sabia que tinha que improvisar. Precisava acender a pólvora de qualquer jeito, mas os dois homens que o seguravam eram fortes e surpreendentemente habilidosos. Com os braços imobilizados, só podia usar os pés, e rápido, antes que os outros lhe colocassem grilhões.

Usando o calcanhar da bota, chutou um deles e, em seguida, moveu o mesmo pé rapidamente, acertando a perna enfraquecida para fazê-lo perder o equilíbrio. O soldado caiu no chão, arrastando seu companheiro e o Kenneth, com ele. Aproveitando-se do fator surpresa, Kenneth conseguiu liberar o outro braço antes de acertar o chão. Os punhos não serviriam muito bem se quisesse causar danos permanentes nos soldados, que estavam protegidos pela cota de malha, mas alguns solavancos e ocasionais pontapés bem colocados os manteriam fora do caminho, pelo menos, por enquanto.

Ele precisava da sua espada, mas, primeiro, pegou a tocha do chão e ateou fogo à trilha de pólvora que, desta vez, queimou.

Uma bola de fogo de cor amarelo alaranjado rapidamente fez o seu caminho até a ponte, deixando para trás uma coluna de fumaça branca. Tentou correr, mas os homens do Felton o alcançaram.

Eles eram muitos e atrasavam o seu avanço, especialmente considerando que continuava desarmado. Teve que se desviar de mais de uma estocada e algum golpe mais mortal que outro.

Não conseguiu alcançar sua espada antes que a noite explodisse – ou, para ser mais preciso, a meia dúzia de sacos de pólvora do Sir Adam que Kenneth tinha, estrategicamente, colocado debaixo da ponte. A explosão derrubou todo mundo.

O plano tinha funcionado perfeitamente, exceto por um pequeno detalhe: Kenneth já devia estar do outro lado da ponte. A pólvora havia explodido cedo demais.

Maldição! Realmente acreditava que tudo seria tão fácil?

Não tinha outra escolha a não ser sair de lá usando suas habilidades. Ele, sozinho, contra… dezoito homens, se havia feito bem as contas. Infelizmente, não poderia usar sua espada, que estava enterrada na grossa nuvem de fumaça, um problema que foi resolvido quando um dos homens do Sir John se lançou sobre ele, brandindo a arma acima da cabeça. Kenneth olhou para a espada, esperando até que ele estivesse perto o suficiente do soldado e, no último segundo, se afastou do seu caminho. O homem havia tomado tanto impulso que todo o seu corpo girou sobre si mesmo, momento que o Kenneth utilizou para se aproveitar do flanco mais desprotegido. O golpeou nos rins, lhe deu uma rasteira e, em seguida, saltou sobre o punho que segurava a espada para poder arrebatá-la.

Agora que, finalmente, estava armado e podia se defender, se situou ao lado da ponte que ainda ardia em chamas e esperou que os homens do Sir John se aproximassem. No início, o atacaram de um em um, mas ao ver que todos terminavam aos seus pés, começaram a se acercar em grupos de dois, três e até quatro de cada vez. Felizmente, o fogo e a fumaça os impediam de rodeá-lo completamente.

Kenneth lutou como um homem possuído. Seu único objetivo era se livrar desses homens, atravessar o rio e encontrar sua esposa, antes que o navio zarpasse sem esperar por ele.

Estava perto de conseguir isso. Restavam apenas meia dúzia de homens em pé, além do Felton e do jovem David.

Sir John estava furioso. Kenneth podia ouvir seus gritos, mandando seus homens não pararem de atacar, que o capturassem e o matassem.

Aparentemente, tinha reservado seus melhores homens para o final. Os seis se lançaram sobre ele em uníssono, como uma só unidade. Kenneth tentou afastá-los, mas o estavam obrigando a recuar. Cada vez se encontrava mais perto do rio. Pegou a lança de um dos homens que tinha caído aos seus pés e a usou para mantê-los a uma certa distância. Eles não atacavam, se limitavam a fazê-lo retroceder. Esperou para ver se em algum momento se abria uma brecha, mas os soldados não pensavam em tornar as coisas tão fáceis.

Maldição. Xingou entre os dentes, consciente que teria que pensar em algo, rápido. Era como se uma parede de aço viesse na sua direção, lenta, mas implacável, e não tinha para onde ir. Tinha que quebrar a formação, de qualquer jeito. Escolheu o segundo soldado a partir da esquerda, jogou a lança na sua cabeça com força suficiente para derrubá-lo e, em seguida, fingiu correr na direção contrária, deixando atrás de si a abertura perfeita. Um dos soldados o acertou e Kenneth reagiu instantaneamente, descarregando um golpe quase fatal e cortando o homem na altura do joelho, literalmente. Finalmente, teve espaço suficiente para avançar e sair daquela armadilha.

De repente, ouviu aplausos de algum lugar atrás dele. Se virou e viu três silhuetas conhecidas assistindo a cena do outro lado do rio, banhadas pela luz intermitente do fogo: MacKay, Lamont e MacLean. Para a maioria dos homens, uma distância de dez metros era uma barreira intransponível, mas Kenneth sabia que nada podia parar os Guardiões. Na verdade, não tardou a localizar o mecanismo que lhe permitiria escapar, a poucos metros de onde estava. Alguém – certamente o Lamont, que era particularmente hábil com o arco – havia lançado por cima de uma árvore, uma corda amarrada à extremidade de uma flecha.

"Muito bem", ouviu o MacKay falar, entre risadas.

Kenneth xingou baixinho, incapaz de achar graça na situação.

"Não me faria mal um pouco de ajuda!" Gritou por cima do ombro, enquanto se esquivava do ataque dos quatro soldados do Felton que ainda permaneciam de pé.

"No momento, está indo muito bem sozinho."

Como se quisesse corroborar as palavras do MacKay, Kenneth acertou outro soldado, que havia cometido a imprudência de tentar um ataque.

Três soldados ainda estavam de pé, mas só tinha olhos para o homem que observava a cena de certa distância.

"O que houve, Felton? Você queria me enfrentar e, finalmente, pode fazê-lo."

Felton vacilou, cuspindo todos os tipos de insultos e palavrões, mas segurando firmemente o pulso do Conde de Atholl. Já tinha perdido a Mary e o Kenneth; não podia se dar ao luxo de perder o Atholl, pois sua vergonha seria enorme.

"Vamos, David", disse ele, sem soltar o menino.

Mas o jovem Conde surpreendeu os dois.

"Solte-me! Ele exclamou, se libertando do agarre do Felton e olhando para ele e, em seguida, para o Kenneth, como se não confiasse em nenhum dos dois.

Felton se lançou sobre ele, só para ver o jovem recuar ainda mais, desta vez, até o Kenneth. Ciente da oportunidade que lhes havia sido apresentada, os companheiros da Guarda decidiram intervir e atiraram algumas flechas contra os soldados restantes, forçando-os a recuar. Kenneth olhou em direção à corda, a poucos metros de distância. Era melhor que ela suportasse o peso de duas pessoas.

Se virou para o David e estendeu a mão.

"Vamos lá, garoto, está na hora de se decidir."

"Não, David. Ordeno que você não se mova de onde está. Você é súdito da coroa inglesa."

David olhou para o Felton com os olhos estreitados.

"Mas sou um Conde, e escocês."

E correu para o Kenneth.

Felton foi atrás dele. Kenneth adoraria aproveitar a oportunidade para pôr fim à sua disputa com o cavaleiro inglês, mas agora que o David tinha, finalmente, se decidido, não podia arriscar. Tinha que proteger o menino e colocá-lo em segurança, o mais rapidamente possível.

Agarrou o David pela cintura, correu a distância que os separava da corda e, rezando todas as orações que sabia, a cortou, jogou a espada no chão, agarrou a ponta da corda e saltou sobre o rio, em direção à outra borda. Quando pareceu ter visto terra firme sob os seus pés, se soltou e MacKay correu para cortar a corda da árvore na qual a tinham amarrado.

Kenneth, que havia aterrissado primeiro, rolou sobre si mesmo para absorver o impacto, mas quando conseguiu se livrar da corda, olhou para o David.

"Você está bem?"

"A... acho que sim." Mas o menino não desviava o olhar dos três guerreiros que assistiam a cena. "Quem são?"

"Amigos", Kenneth disse, enquanto o ajudava a se levantar do chão. Os Guardiões das Terras Altas eram um segredo que não precisava saber, pelo menos, por enquanto. "E a Mary?" Perguntou, dirigindo-se ao MacKay.

"Salva", respondeu seu cunhado. "Esperando por você no barco."

Kenneth fulminou seu parceiro com o olhar.

"Teria demorado menos tempo se tivesse aparecido antes."

"E perder a diversão?" MacKay perguntou. "Acho que não. Por um momento, pensei que teríamos que intervir. Seis contra um, encurralado e sem poder recuar." Ele balançou a cabeça lentamente. "Você se arriscou muito abrindo uma lacuna para tentar atacá-los."

"Funcionou", respondeu Kenneth.

MacKay sorriu.

"Sim, funcionou. Tenho que tomar nota."

Sem mais tempo a perder, montaram em seus cavalos e galoparam em direção ao litoral. Tinham um barco para pegar.

*


Mary sentiu as primeiras dores logo após Sir Adam a deixar, algo que fez a contragosto. Magnus MacKay – interrompendo-a antes que o identificasse – informou ao Sir Adam que Kenneth o enviou para protegê-la e garantir que chegasse em segurança na Escócia. Já tinha feito o suficiente, disse ele. Para o seu bem, era melhor não saber mais nada sobre o plano de fuga.

Santo Deus! Os fantasmas do Bruce! Seu marido tinha enviado o grupo de guerreiros mais famoso de toda a Escócia para protegê-la? Não fazia ideia de como ele conseguiu, mas Mary não conseguiu impedir que o gesto suavizasse, um pouco, o ressentimento que ainda sentia por ele, já que se sentiu lisonjeada por saber que era cuidada e protegida pela elite dos soldados escoceses. Mas, como o Kenneth os conhecia? Como se conectavam?

Sir Adam também soube imediatamente quem eram. No entanto, só depois que a Mary lhe assegurou que conhecia um dos homens, concordou em partir, mas não antes de abordar o Magnus.

"Conhecia o meu sobrinho? Fazia parte desse… exército secreto."

Magnus pareceu surpreso.

"Sim."

"Ele teve uma morte digna?"

Magnus apertou a mandíbula.

"Teve", respondeu solenemente. "Seu sobrinho foi um dos melhores homens que já conheci na minha vida."

Eles se fitaram nos olhos, até que, finalmente, Sir Adam assentiu, aparentemente satisfeito com a resposta. Tirou algo do bolso e colocou nas mãos da Mary.

"Certifique-se de que o seu marido receba isto."

Mary franziu a testa, confusa, olhando o pedaço de pergaminho dobrado que tinha acabado de receber.

"Me certificarei."

Seu velho amigo parecia desconfortável, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas.

"Quando contar a você… Espero que um dia me perdoe. Estava, apenas, estava tentando fazer o que pensei que fosse melhor para todos."

Mary franziu anda mais o cenho, sem compreender. Sir Adam tinha feito muito por ela…. Mas não havia tempo a perder. Magnus Knight se despediu do cavaleiro, e ordenou a ela que acompanhasse dois dos seus companheiros, a quem chamou de Falcão e Víbora, e saiu com os outros dois, Caçador e Rastreador, à procura do Kenneth.

Mal tinham cavalgado por pouco tempo quando sentiu a primeira contração, de uma intensidade alarmante, e puxou as rédeas do cavalo com tanta força que quase foi ao chão.

O que pouco impressionou os dois, uma vez que sorria de vez em quando, xingava entre os dentes e conseguia controlar o cavalo.

"O que está acontecendo?"

Mary levou a mão até o ventre.

"Não sei." Mas sabia sim. "Eu acho que é… quero dizer que o bebê…"

Era muito cedo. Pelas suas contas, ainda faltava um mês.

O guerreiro que o Magnus havia chamado de Víbora, franziu a testa.

"Maldição, não me diga que você vai ter o bebê agora."

Se não fosse pela contração, que sequer a deixava respirar, Mary teria rido ao ver os rostos aterrorizados dos dois homens cujo aspecto parecia saído do pior pesadelo de qualquer criança.

"Agora mesmo", respondeu.

"Mas, já começaram as contrações?" O homem a quem chamavam Víbora perguntou com um tom de voz muito mais amigável do que o seu companheiro.

Ela assentiu.

O tal Víbora murmurou algo entre os dentes e olhou para o companheiro.

"Você a leva. Já fez isso mais vezes. Não acho que consigo lidar com isso de novo."

"E eu achava que você conseguia lidar com qualquer coisa, primo. Se não o conhecesse, diria que você parece assustado."

"E você não está?"

Falcão sorriu.

"Você está certo. Maldição, quem dera a Angel estivesse aqui."

Enquanto os dois homens discutiam, Mary tentava reprimir a vontade de gritar. No entanto, em algum momento, ela deixou escapar um gemido.

Os dois guerreiros amaldiçoaram em uníssono, mas Víbora usou uma palavra muito mais ofensiva do que o seu companheiro. Em poucos segundos, Mary se viu levantada da sela do seu cavalo e a sentaram na frente do homem que sorria de vez em quando, ainda que, fazia um bom tempo que já não o fazia.

Sentia a tensão que emanava do seu companheiro de sela durante todo o tempo que durou a viagem até a costa, que pareceu eterna, mas foram apenas alguns quilômetros. Cada vez que sentia dor – as contrações, até agora, eram irregulares, mas o intervalo entre elas não era muito longo – podia sentir a ansiedade crescendo dentro dela.

"Apenas aguente, moça", disse ele, tentando acalmá-la.

Mas os dois guerreiros estavam, claramente, fora do seu elemento e tudo o que conseguiam era deixá-la ainda mais nervosa. Mary queria o seu marido, mas onde havia se metido o Kenneth?

Devia ter feito a pergunta em voz alta porque Falcão se apressou a responder.

"Não tardará", ele respondeu, sussurrando um assim espero, que Mary compreendeu perfeitamente.

Chegaram ao barco junto com a próxima contração. A embarcação estava escondida em uma caverna, em algum lugar ao norte de Berwick. Uma dúzia de homens esperava a bordo do birlinn o tipo de barco favorito entre os marinheiros da costa leste das Terras Altas. Mary não pôde reprimir um arrepio quando viu o aspecto do terrível falcão esculpido na proa da embarcação, uma antiga reminiscência dos barcos vikings dos seus antepassados.

Ao menos, já sabia o porquê do apelido de um dos homens; dos demais, preferia não saber. Víbora tinha todo tipo de conotações sinistras que pareciam encaixar com o aspecto ameaçador do dono do nome. O capitão – Falcão – a ajudou a subir a bordo e tentou deixá-la o mais confortável possível. Não tardou a perceber os olhares de preocupação trocados entre a tripulação pela situação dela, o que não ajudou muito a tranquilizá-la. Mary estava assustada e dolorida, mas ao se dar conta de que nada podia fazer, tentou dissimular da melhor maneira possível.

Tentou respirar profundamente, pensando que assim se acalmaria e, apesar de não ter funcionado, pelo menos manteria a mente focada em algo que não fosse a ausência do seu marido. Sabia que os homens começavam a ficar nervosos. Obviamente, se sentar e esperar a escassos quilômetros de três mil soldados ingleses não ajudava, precisamente.

Kenneth já devia estar lá. O grupo da Mary havia sido forçado a se mover muito mais lentamente. Ele devia tê-los alcançado, em seguida. E se não havia conseguido escapar? E se o haviam levado preso para as masmorras do Castelo Berwick? Bastariam três homens, mesmo que fossem os fantasmas do Bruce, para tirá-lo de lá?

De repente, sentiu outra contração. Sufocou um grito, segurando a barriga com as mãos e se enrolou em uma bola quando outra onda de dor a atingiu.

"Conte", aconselhou um dos marinheiros. O homem usava uma barba longa e tinha a tez escura e bronzeada depois de muitos anos no mar. "Minha esposa teve dez filhos e diz que aliviava a dor se contasse em voz alta. Se você contar quanto tempo passa entre as contrações, será mais fácil suportar a dor."

Mary não tinha certeza sobre isso, mas pelo menos lhe daria algo para pensar. Contou até vinte antes de outra contração começar.

"Homens se aproximando, Capitão!" Alguém gritou.

Foi como se toda a tripulação comemorasse a notícia em uníssono, mas em silêncio. Aparentemente, os homens estavam ansiosos para abdicar da sua responsabilidade: ela. De onde estava, na curva do casco, não seria fácil se levantar, então não teve outra escolha a não ser esperar que ele a encontrasse.

"Onde ela está?"

Os homens abriram caminho e Mary pôde vê-lo através da multidão. Estava sujo, coberto de sangue e lama, com o rosto manchado de fuligem e o cabelo emaranhado por causa do elmo, mas nunca pareceu mais magnífico. Queria se jogar em seus braços e esconder o rosto no seu peito, como se fosse uma criança, mas, quando tentou se levantar, sentiu uma dor tão intensa que teve que se deitar novamente.

Kenneth xingou entre os dentes e trocou um olhar com o Falcão.

"O que está acontecendo? Você está ferida?"

"Nada…"

Sem esperar para ouvir a resposta do Falcão, Kenneth saltou de um banco para o outro – ou, para ser mais exato, de uma tábua de madeira para outra – para cobrir a distância que os separava. Mary chorou, aliviada, agora que finalmente estava de volta aos braços protetores do seu marido.

Tudo ficaria bem. Kenneth estava ao seu lado. Não teria que passar por isso sozinha. Liberou parte do medo que estava acumulando, sabendo que ele não tardaria a tomar o controle.

"O que está acontecendo?" Perguntou Kenneth com doçura. "Onde dói?"

"Não estou…"

"Mãe?"

Mary emudeceu, atordoada. Olhou para o fundo do barco e viu seu filho aparecer, acompanhado por Magnus MacKay.

"Davey?" Sussurrou.

Seu coração se encheu de alegria.

"Como?" Perguntou, olhando para o Kenneth.

Ele lhe deu um sorriso gentil.

"Vou te contar mais tarde, mas primeiro me diga…"

De repente, parou ao ouvir um novo gemido de dor da sua esposa. Mary colocou as mãos na barriga e começou a contar. Desta vez, chegou a trinta.

"O que, diabos, está errado, maldição? Por que está contando? Faça algo para ajudá-la!"

Mary não sabia para quem ele havia gritado a última ordem, mas foi Magnus MacKay quem respondeu.

"Parabéns, Recruta."

"Posso saber sobre o que está falando?"

"Você vai ser pai."

Kenneth olhou para a Mary em busca de confirmação e ela aproveitou que a dor começou a diminuir, para assentir, com um sorriso nos lábios. O rosto do seu marido não demorou para demonstrar a mesma expressão de medo e impotência que aparecia no resto da tripulação, ainda que, rapidamente, a preocupação deu lugar a uma determinação de ferro.

"Não, ainda não. O bebê nascerá em Dunstaffnage com a ajuda da minha irmã."

Ninguém se atreveu a contradizê-lo.

"Quando chegaremos em casa, Hawk?" Perguntou.

Mary sentiu seu coração se acelerar. Casa. Jamais havia considerado essa possibilidade. Nem em seus melhores sonhos.

"Amanhã à noite, talvez um pouco mais cedo, se os ventos nos forem favoráveis."

"Amanhã à noite!" Exclamou a Mary. Não conseguiria suportar aquela dor durante um dia inteiro. Quanto tempo tinha demorado com o Davey? Mais ou menos um dia, recordou, não sem uma certa tristeza. Era algo que preferia não lembrar. "E se o bebê chegar antes?"

"Não o fará", disse Kenneth, com tanta convicção que Mary quase acreditou.

Se sentou atrás dela para que ela pudesse apoiar as costas contra o seu peito e a envolveu com os braços, ambos prontos para a batalha que tinham pela frente. Ele a segurou assim, por horas. Seu marido, volátil, irascível e apaixonado, havia se convertido na âncora na qual se segurou durante a tormenta. Ele acariciou seus cabelos, enxugou sua testa com um pano molhado, sussurrou palavras doces no seu ouvido e ajudou a contar as contrações, que estavam se tornando cada vez mais frequentes e mais longas. Contou histórias para acalmá-la quando a dor se tornou insuportável e Mary achou que não aguentaria mais.

"Sim, é claro que você consegue", sussurrou. "Você é uma mulher muito forte. E estou ao seu lado."

Sua voz, firme e tranquila, conseguiu manter o pânico sob controle. Falou sobre a vida que teriam, agora que, finalmente, estavam juntos, o castelo no norte da Escócia, que cuidava em nome do irmão; o verde dos pastos, o branco das areias da praia, o azul magnífico do mar, a espuma branca das ondas se chocando contra as rochas, o cheiro do sal que impregnava tudo. Falou da sua família, dos filhos que teriam, da tranquilidade dos anos que passariam juntos.

Era como ouvir falar sobre o paraíso. Quando Mary acreditava que não ia aguentar nem mais um segundo, aquelas histórias a ajudavam a seguir em frente. Queria compartilhar aquela vida com ele.

Quase havia esquecido do resto da tripulação quando, de repente, ouviu uma voz que gritava, Castelo à vista, Capitão!

O alívio generalizado foi quase palpável.

"Você conseguiu, amor." As contrações se sucediam continuamente e Mary já tinha começado a sentir a seguinte. Kenneth a segurou como se tentasse absorver a dor. "Aguente só um pouco mais…"

Mas não aguentava mais. Estava muito fraca. Gritou de dor e a necessidade de empurrar se tornou insuportável.

"Ele está vindo", exclamou com a voz distorcida pelo pânico.

Se olharam nos olhos. A determinação férrea do Kenneth, sua absoluta confiança nela, a certeza de que tudo ficaria bem eram como faróis à noite, que a ajudavam a superar o medo.

"Alguém me traga uma luz!" Kenneth ordenou.

O dia havia dado lugar à noite e Mary nem tinha notado. Alguém apareceu com uma tocha e Kenneth a entregou a um dos homens que estava sentado nas proximidades. A maioria havia preferido se afastar, mas Mary sabia que, com o passar do tempo, quando recordasse daquele dia, agradeceria por haver podido levantar a saia com certa modéstia e respeito pela sua integridade.

Não desviou os olhos do Kenneth por um segundo, mas era impossível saber se ele estava preocupado ou não.

"Falcão, é melhor você se apressar."

 

Capítulo Vinte e Sete

Kenneth nunca havia sentido tanto medo na sua vida, do que quando viu o topo da cabeça do seu filho entre as pernas da sua esposa. No entanto, desta vez, a confiança que tantos problemas que já havia lhe causado, se converteu na máscara perfeita atrás da qual se esconder. A mulher que sempre o tranquilizava, precisava que lhe transmitisse segurança.

As últimas vinte e quatro horas haviam sido as mais agoniantes de toda a sua vida. Se sentia como se tivesse sido mastigado por uma grande besta que, logo o havia cuspido em pedaços. Tinha os nervos à flor da pele, mas aquilo ainda não havia terminado. Se tivesse que trazer seu filho ao mundo neste maldito barco, o faria sem hesitar um instante.

Felizmente, não precisou chegar a tanto. Falcão desafiou as leis da natureza e os levou até o pequeno porto do castelo em tempo recorde. O barco já havia sido avistado e sua irmã já estava na costa, ansiosa para recebê-los. Em vez disso, teve que pôr as mãos à obra. Já não dava mais tempo para mover a Mary, então, mandaram um grupo de homens até o castelo para buscar as coisas que a Helen poderia precisar para o parto.

Quando Mary viu a Helen, a dor se converteu em surpresa.

"Sua irmã? A mulher nos estábulos era a sua irmã?"

Levando em conta as circunstâncias, faltou pouco para o Kenneth cair na risada, quando viu o olhar furioso nos olhos da sua esposa.

"Eu lhe disse que não era o que parecia."

Mary olhou para ele, muito séria, até que começou a seguinte contração. Ele ofereceu a mão para que ela pudesse apertar e deixou que afundasse as unhas na sua carne a cada novo espasmo.

Kenneth não compreendia como a Mary conseguia aguentar aquilo. Tinha vontade de gritar, matar alguém pelo que havia feito, aceitar a dor no seu lugar, mas não podia. Então, em vez disso, permaneceu ao seu lado, tranquilizando-a e tentando aliviar seu sofrimento.

Depois de todo o trabalho que tinha feito durante a viagem, para o Kenneth pareceu injusto que a Helen chegasse bem a tempo para, depois de apenas três empurrões, receber toda a glória quando, poucos momentos depois, o futuro Conde de Sutherland fez sua aparição. Pequeno e enrugado, o pequeno possuía, no entanto, um notável par de pulmões e seu choro prometia se converter, ao longo dos anos, em um grito de guerra formidável.

Kenneth estava tão feliz que tanto Mary como a criança estavam bem, quando por fim conseguiu soltar os braços da sua esposa, abraçou sua irmã e estreitou com força contra o seu peito.

"Obrigado."

Helen retribuiu o seu abraço com os olhos cheios de lágrimas de emoção.

"Ele é lindo, mas você está horrível. Vamos para o castelo."

Kenneth insistiu em levar a Mary nos braços, que havia caído em um sono profundo, e Helen se ocupou do bebê enquanto subiam pela praia e atravessavam os portões à beira mar do castelo real de Dunstaffnage, quartel general do Bruce no oeste das Terras Altas. Seu companheiro de armas, Arthur Campbell, havia sido nomeado guardião do castelo e sua esposa, Anna, já havia se ocupado de preparar seus aposentos.

Kenneth mal se lembrava do que havia acontecido nas durante as próximas vinte e quatro horas. Uma vez que se assegurou que a Mary e o bebê seriam bem atendidos, desabou sobre a cama de um dos quartos anexos e dormiu durante o resto do dia. Quando despertou, quis ir ver a Mary, mas sua irmã lhe disse que ela e o bebê estavam dormindo, assim, tomou um banho e, sempre atento às suas obrigações, se dirigiu para o grande salão para informar ao Rei sobre o que havia descoberto.

Sua missão não havia sido um completo fracasso. Havia conseguido devolver o Conde de Atholl às terras escocesas. Mas gostaria de ter feito mais.

Esperava encontrar provas que corroborassem – explicou ao Rei sobre sua teoria da rota que os ingleses planejavam usar – mas o Felton utilizou as acusações sobre luta ilegal para garantir um mandado de prisão. Tive que partir o quanto antes.

"Sim, bem, já vamos falar sobre isso, Ice." A boca do rei se curvou em um sorriso irônico. Apesar do que o MacKay e os outros contaram, você ganhou esse nome na viagem de volta. MacKay disse que foi a experiência mais inquietante de toda a sua vida, mas que você se manteve frio como gelo o tempo todo."

"Fiz o que a situação exigia."

O rei começou a rir.

"Claro que sim. Por isso está aqui, não é? Ainda que, nem mesmo eu, havia previsto semelhante nível de versatilidade. Você foi muito bem, Sutherland. Se você acredita que há algo estranho nessa missão de reconhecimento do Clifford, é suficiente para mim."

Kenneth olhou ao seu redor, para o rosto dos seus companheiros de armas, e ficou surpreso ao descobrir que todos pareciam estar de acordo. Confiavam no seu instinto, mesmo sem provas que demonstrassem sua teoria. "Quando o Edward sair do Castelo Berwick, teremos homens prontos ao longo de todo o percurso. Nós o golpearemos rápido e com força, e asseguraremos que a sua incursão na Escócia seja a mais breve possível.

Discutiram os pormenores da batalha futura por mais algum tempo, antes do Kenneth pedir licença para ir ver a Mary.

Ele a encontrou sentada contra a cabeceira da cama, com o bebê nos braços e acompanhada pela Helen e um grupo de mulheres, mas só se deu conta da presença dela. Só tinha olhos para a sua esposa e para o seu filho. Seu coração batia tão depressa que quase não conseguia respirar. Estava seguro que não havia visto nada mais bonito em toda sua vida.

Mas, quando pensou em tudo que a Mary havia passado, em como devia culpá-lo por colocá-la em perigo, a pressão se tornou insuportável. Seria capaz de perdoá-lo?

Cruzou o recinto sem saber muito bem o que esperar. O tumulto da fuga e a viagem por mar não lhes havia deixado nem um só momento livre para compartilhar silêncios nem tampouco perguntas. As emoções haviam sido reduzidas ao mais básico. Amor, simples e alheio às complicações. Mas, agora, a mágoa e a dor se interpunham entre eles.

O bebê, comodamente instalado nos seus braços, estava envolto em uma manta de lá macia.

"Parece tão pequeno", Kenneth disse, superado pela intensidade das emoções.

"Ele é", interveio a Helen, "mas também é um lutador."

"Vai ficar...?" Começou a perguntar, mas a voz falhou; nem conseguia falar as palavras em voz alta.

Helen sorriu.

"Parece um rapaz muito forte. Está respirando bem e já se alimentou várias vezes enquanto você dormia."

"Você devia ter me acordado", Kenneth reclamou.

Helen riu.

"Você precisava dormir. Pelo que ouvi do Magnus todos vocês tiveram uma longa noite. Não creio que o meu marido se recuperou, ainda, nem que queira voltar a passar por isso por um bom tempo."

Kenneth podia imaginar a batalha de vontades entre a sua irmã e o MacKay quando ela ficasse grávida. Helen estava gostando da sua posição dentro da Guarda e não queria renunciar a ela, ao menos, sem oferecer resitência.

Kenneth se deu conta que a Mary observava a interação entre a sua irmã e ele com uma expressão melancólica no rosto. Sabia que ela estava pensando na Janet. Ainda tinha uma conversa pendente com o Bruce a esse respeito. Se o Rei sabia de alguma coisa sobre sua cunhada, Kenneth ia descobrir. Mary merecia uma resposta.

"Como está se sentindo?" Perguntou.

"Muito melhor", ela respondeu olhando fixamente nos olhos dele. "Quer segurá-lo?" Perguntou, oferecendo o bebê.

Kenneth tentou dissimular o pavor que lhe dava a ideia de segurar seu filho nos braços, mas quando todas as mulheres que estavam no quarto começaram a rir ao mesmo tempo, soube que havia fracassado.

Helen ainda estava rindo quando estendeu a mão para o bebê.

"Fique tranquilo, vou me ocupar dele. Vocês dois vão querer um pouco de privacidade. E quando o meu irmão perder esse medo irracional – que o Kenneth nem se preocupou em negar – suspeito que não vá ter a chance de segurá-lo com muita frequência." Helen se virou para ele. "Você já pensou em algum nome?"

Kenneth olhou para a Mary.

"Gosto de William", disse ela. "Em homenagem ao seu irmão."

Kenneth sentiu que o peito inchava, tocado pelo gesto em consideração ao seu irmão, que nunca teria filhos. Helen também estava emocionada. Ele balançou a cabeça, recordando, por sua vez, de outro William.

Helen saiu do quarto com o pequeno William nos braços, seguida pelo resto das mulheres.

Imediatamente, Kenneth sentiu que ficava sem palavras. Se sentou na beira da cama e segurou a mão da sua esposa entre as suas.

"Eu sinto muito, Mary. Sinto por tê-la envolvido em tudo isso. Sei que você não queria vir…"

"Mas eu queria", ela o interrompeu. Você estava certo, já estava na hora de voltar para casa."

"Mas eu tinha que haver lhe dado a opção de decidir."

"Sim", ela concordou. "Mas entendo porque não o fez desde o primeiro momento."

"Estava com medo de perder você", falou, tentando explicar os motivos pelos quais não havia contado a verdade.

Mary assentiu.

"Eu entendo. Quando soube que iam prendê-lo…" Ficou em silêncio e seu rosto empalideceu, de repente. "Soube que a única coisa que importava era que estivesse a salvo. Entrei em pânico ao pensar que podiam tê-lo levado preso. O que aconteceu?"

Kenneth lhe explicou brevemente o que havia acontecido, unindo o que sabia com o que o Sir Adam havia lhe contado.

"Sabia que tinha que alcançá-los antes que chegassem no castelo. Não é impenetrável, mas levaria muito mais tempo e a manobra teria sido muito mais perigosa para você."

"Convenceu o Sir Adam a ajudá-lo?"

"Não foi difícil. Ele era o primeiro interessado em fazê-lo."

"Ele me disse algo muito estranho antes de partir. Pediu o meu perdão."

Kenneth viu seus olhos se arregalarem de surpresa, e depois se encherem de lágrimas, quando contou sobre o papel do Sir Adam no dia que ela tentou fugir.

"Eu não acredito nisso", disse ela. "Ele me traiu?"

"Ele não achava que estava traindo você, pensou que estava protegendo você. Os ingleses estavam muito próximos. Pensou que iriam alcançá-la e você seria presa, assim fez um acordo com os soldados ingleses: ele lhes entregava os homens da Lady Christina em troca da promessa que você não sofreria nenhum dano. Mas, quando os MacRuairis derrotaram os soldados, tudo deu errado. Então decidiu destruir a ponte para evitar que ficassem presas, mas o criado caiu e sua irmã acabou justamente onde não devia estar. Desde então, se sente culpado pelo acontecido, apesar de que não teria como saber que ela voltaria.

Mary parecia atordoada.

"Agora compreendo porque ficava tão chateado cada vez que lhe pedia para me ajudar a encontrá-la." Franziu o cenho. "O som daquela noite na ponte, a explosão e o clarão de luz, foi exatamente igual ao da noite em que a minha irmã desapareceu. O que era?"

"Pólvora. William Gordon, meu irmão adotivo e sobrinho do Sir Adam, sabia da sua existência, assim como eu, ainda que não no mesmo nível deles. Aquela noite que você me encontrou no berçário, estava procurando a fórmula nos velhos diários que o Sir Adam mantinha no baú. Não encontrei nada, mas depois que você me contou sobre aquela noite, soube que o Sir Adam possuía conhecimentos similares aos do seu sobrinho. Sabia que, com a ajuda da pólvora, teríamos mais oportunidades de escapar com vida, e ele concordou em me entregá-la de boa vontade." Ele sorriu. "Quem dera pudesse ter trazido mais um pouco comigo. Seria de grande ajuda nos próximos meses."

De repente, Mary pareceu se lembrar de alguma coisa.

"Se você alcançar a minha bolsa, vai ver que isso não será necessário."

Kenneth lhe entregou a bolsa, da qual a Mary tirou um pedaço de pergaminho dobrado e o deu a ele. Intrigado, olhou o conteúdo do pergaminho e arregalou os olhos ao reconhecer a fórmula que vinha procurando há muito tempo.

"Sir Adam deu isso para você?"

Ela assentiu com a cabeça.

"Para que entregasse a você."

Kenneth olhava, assombrado, para sua esposa que, sem saber, acabava de lhe assegurar um lugar na Guarda.

Não, percebeu de repente. Ele tinha feito isso por conta própria, mesmo sem a pólvora. Trouxe a Mary e o Atholl de volta para a Escócia e encontrou informações vitais sobre os movimentos das tropas britânicas, que seriam de grande ajuda na guerra que estava prestes a explodir. Sem falar que, sozinho, derrotou quase vinte soldados ingleses. Provou estar mais do que à altura da tarefa. Provou ser um dos melhores.

Tinha conseguido o que queria – até mais do que queria – então por que não estava feliz?

Porque, enquanto olhava para sua mulher, soube que nada daquilo tinha relevância se ela não estivesse ao seu lado. Kenneth havia passado a vida toda lutando, mas conquistar o amor da Mary era a única batalha que realmente importava.

Cobriu sua pequena mão com a dele, olhando profundamente nos seus enormes olhos azuis.

"Você pode me perdoar, Mary? Sei que eu te machuquei. Devia ter contado tudo muito antes, mas estava com medo de perder você. Eu te amo. Me dê só uma chance para provar isso.

*


Mary nunca o tinha visto assim. O arrogante cavaleiro, muito bonito para seu próprio bem, parecia preocupado e inseguro de si mesmo. Acaso não sabia que tinha mostrado o seu amor muitas vezes ao longo dos últimos dias? Não apenas durante as longas horas horríveis no navio, onde ele a tinha apoiado e ajudado em uma das horas mais difíceis e terríveis da sua vida, mas se ariscando por ela, se preocupando com a segurança dela e do seu filho, resgatando-a das mãos dos ingleses, protegendo-a.

"Não", ela respondeu, balançando a cabeça.

A expressão no rosto do Kenneth se anuviou.

"Você não vai me dar nem uma chance?"

Ao ver a decepção em seu rosto, Mary não pôde evitar de sorrir.

"Não, você não precisa demonstrar nada para mim. Acredito. Eu acredito em você. Como não poderia, depois de tudo o que fez por mim? Você é o único homem que quero do meu lado.

"Você está falando sério?" Kenneth insistiu, ainda que seu corpo havia relaxado visivelmente.

Mary assentiu. Sabia que poderia enfrentar os desafios à sua frente por conta própria, mas não queria fazer isso. Preferia ter alguém ao seu lado. Queria compartilhar sua vida com ele.

"Mas, desta vez, você tem que manter sua palavra e me consultar sobre tudo. A partir de agora, se você se envolver em algo perigoso, por favor, me avise."

Mary só queria provocá-lo, mas a expressão no rosto do Kenneth escureceu.

"Sim, bem, sobre isso..."

Mary se empertigou contra a cabeceira da cama.

"Não me diga que há mais?"

Ele fez uma careta.

"Fiz um voto de silêncio antes de te conhecer."

Ela franziu a testa, e enrugou o nariz.

"Tem algo a ver com os fantasmas do Bruce?"

Kenneth pareceu surpreso.

"Como você adivinhou?"

Ela o encarou. Como podia ser que não soubesse?

"Talvez, porque sei que os fantasmas do Bruce possuem uma força e uma habilidade com as armas quase desumanas, e já vi você lutar? Ou porque sei que são extraordinariamente altos e possuem a constituição de um aríete. Ainda que, o mais importante de tudo é que vi você com eles e, apesar da dor, era evidente que você era um deles.

Kenneth não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

"Você se deu conta?"

Era óbvio para qualquer um, exceto para ele.

"Tenho que admitir que fiquei surpresa por você ter uma relação tão estreita com o marido da sua irmã, considerando o histórico dos seus clãs."

"Com o MacKay?" Ele balançou a cabeça. "Nos odiamos."

Mary arqueou uma sobrancelha. Os homens eram tão cegos, às vezes...

"Pois, para mim, vocês agem como irmãos."

Ele franziu o cenho, como se ele nunca tivesse considerado aquela hipótese e Mary reprimiu o impulso de revirar os olhos e começar a rir.

"Por que eles o chamam de Recruta?"

"Porque é o que eu sou. Venho tentando entrar na equipe desde que te conheci, no verão passado, em Dunstaffnage.

Contou a ela porque a derrota daquele dia tinha doído tanto.

"Deixei o meu temperamento levar a melhor sobre mim", explicou ele, "e o MacKay se aproveitou disso. Em vez de ganhar um lugar imediato na equipe, tenho lutado desde então para consegui-lo."

Mary compreendeu a verdade que se escondia naquelas palavras e não pôde deixar de sentir pena dele. Para o Kenneth, as coisas eram sempre assim, sempre teve que lutar para abrir caminho e provar o seu valor a todo momento. Por isso, para ele, era tão importante ganhar.

"E você conseguiu?"

"Sim, acho que finalmente consegui."

"Fico feliz por você."

Kenneth acariciou sua bochecha.

"Sempre acreditei que era isso o que eu queria, mas não é. Você e o nosso filho são o mais importante do mundo para mim. Sei que você já sofreu muito e não a farei passar por isso, a menos que você esteja segura que consegue suportar. Não vou mentir para você, ser parte da Guarda é extremamente perigoso e não apenas para mim. Se algum dia eu for descoberto, você também ficará em perigo. Se não quiser fazer parte disso, vou entender."

"Do que você está falando?"

"Vou dizer ao Bruce que não posso fazer isso, se isso é o que você quer. Posso lutar para ele de outras formas."

Mary estava atordoada. Sabia o quanto aquilo significava para ele. Depois de dedicar a vida toda a demonstrar o seu valor, o que finalmente fez, ganhando um lugar na equipe de guerreiros mais temida da cristandade e estava disposto a deixá-lo por ela?

"Você faria isso por mim?"

"Eu faria qualquer coisa por você."

Mary sentiu que seu coração acelerava e os olhos se enchiam de lágrimas. Kenneth nunca teria consciência de quanto significava aquele oferecimento para ela.

"Não sei, mas acho que gostaria de estar casada com um herói de verdade." Ela sorriu. "Além disso, tenho certeza que não quer ver o seu cunhado levar toda a glória, não é?"

Kenneth não pode conter o sorriso de orelha a orelha.

"De jeito nenhum! Como se já não fosse insuportável."

"Então, você deve mantê-lo no seu lugar."

Kenneth se inclinou até ela e acariciou sua bochecha.

"Eu te amo."

Seus olhos desprendiam tanta ternura que formou um nó na garganta da Mary e seus olhos se encheram de lágrimas.

"E eu amo você."

Ele a beijou. Com ternura, com reverência, uma carícia suave com os lábios que fez com que seu coração batesse com força dentro do peito. Cedo demais para o seu gosto, Kenneth levantou a cabeça e sorriu.

"É melhor você descansar um pouco."

Mary lhe suplicou com o olhar.

"Não vá, não estou cansada." Tinha acabado de tê-lo de volta e não queria que saísse do seu lado nunca mais.

Ele pareceu compreender.

"Nesse caso, me dê um espaço."

Deitou ao seu lado, com as costas apoiadas na cabeceira da cama para que a Mary pudesse se aconchegar contra o seu corpo. Ela suspirou, satisfeita, descansou a bochecha contra o seu peito e relaxou, protegida pela segurança que lhe transmitiam os braços em volta dela.

Não tardou a dormir, aquecida e mais feliz do que pensou que fosse humanamente possível. E, pela primeira vez em muito tempo, se deixou sonhar. Porque sonhos se tornam realidade. Nunca mais se contentaria com menos do que isso, novamente.

 


Epílogo

Castelo de Skelbo, Sutherland, Escócia,

Final do verão de 1310


Mary beijou o cabelo macio que cobria a cabeça de seu filho e o entregou à babá. O pequeno protestou com uma pitada de lágrimas, mas logo se acomodou nos braços da outra mulher.

"Boa noite, querido", disse ela, quando a anciã o levou para sua soneca.

"Não creio que ele vá dormir muito com o alvoroço que estão fazendo lá embaixo", sua cunhada falou do seu lugar ao lado da janela com vista para o pátio.

Mary suspirou.

"Quem está ganhando desta vez?"

Helen olhou pela janela, protegendo os olhos do sol brilhante.

"Acho que o seu marido."

"Qual o placar, agora?"

Helen balançou os ombros.

"Perdi a conta. Cinco a cinco?"

"Quando você acha que eles vão parar?" Helen olhou para ela e Mary começou a rir. "Está bem, você está certa. Não vão parar nunca." Ela balançou a cabeça. "Vendo os dois, qualquer um poderia pensar que não tiveram lutas suficientes nos últimos dois meses."

"Ah, mas é mais fácil quando é contra os ingleses", retrucou a Helen com um sorriso. "Agora estão lutando para provar quem é o melhor Highlander."

Mary se reuniu à sua cunhada na janela.

"Acho melhor você ir buscar suas coisas, Angel. Parece que você tem algumas contusões e cortes para cuidar."

Helen franziu os lábios.

"Eu não sei por que me preocupo, se eles vão fazer tudo de novo, amanhã."

Se estivessem ali no dia seguinte. Mary sabia que o breve descanso de três dias do seu marido, podia acabar a qualquer momento. Faziam quase dois meses que o Edward marchara para a Escócia com suas tropas, encontrando um Bruce mais do que preparado. Os instintos do Kenneth se mostraram corretos. O Castelo de Edimburgh não foi nada mais do que uma manobra de distração dos ingleses. As tropas tinham seguido o mesmo caminho do Clifford, mas a viagem de reconhecimento que tinham feito, tinha sido crucial. Graças ao seu marido, os homens do Bruce estavam esperando por eles. Os ingleses tinham sido duramente atingidos várias vezes, em seu progresso para o norte. Edward estava, atualmente, se abrigando no Castelo Renfrew, ao sudoeste de Glasgow, mas Bruce esperava poder mandá-lo de volta a Berwick em breve, para lamber suas feridas.

Mary seguiu a Helen através do salão e escada abaixo até o pátio. Seus respectivos esposos estavam sentados em caixotes de madeira, discutindo. Pela aparência deles, era difícil dizer quem ganhou. Ambos estavam machucados, arranhados e parecia que tinham rolado na lama, o que era bastante próximo da realidade.

Helen não disse nada. Só parou diante do seu marido, cruzou os braços e o olhou fixamente, até que ele baixou a cabeça.

"Ah, Helen, não olhe para mim assim. Ele mereceu."

"Como sempre. E desta vez, provou alguma coisa?"

"Sim, que o seu pescoço fica muito bem sob o fio da minha espada", Kenneth interrompeu corajosamente.

Sua irmã o fulminou com o olhar.

"Já vou me ocupar de você. Venha", ela disse para o Magnus, com o suspiro próprio de uma esposa sofredora. Deixe-me ver o que posso fazer com esse olho."

Mary cruzou os braços enquanto sacudia a cabeça lentamente, sem desviar os olhos do seu marido.

"Bem, Ice, o que você tem a dizer?" Usou o nome de guerra com o qual os Guardiões das Terras Altas o haviam batizado, há alguns meses atrás, em uma cerimônia compartilhada com a sua irmã. "Pensei que você já havia tido o suficiente de luta com a espada, mas, aparentemente, é provável que essa competição vá durar para sempre.

Kenneth tinha perdido sua espada durante o resgate da Mary, mas Bruce tinha lhe dado uma nova com uma inscrição no cabo: Par omnibus operibus, secundum ad neminem. Iguais em tudo, segundos em nada.

"Foi culpa dele."

"Sempre é. Quando é que vocês dois vão admitir que não se odeiam?

Kenneth lhe deu o seu melhor sorriso, aquele que transformava seus joelhos em geleia.

"Por que faríamos isso? Ele é o melhor parceiro de treino que eu tenho."

Também havia se convertido em seu companheiro dentro da Guarda. Pelo visto, o inferno havia congelado.

Mary desistiu. Seu cunhado e seu marido, cada qual mais teimoso que o outro, teriam que descobrir isso por conta própria e, com um pouco de sorte, sem acabar com a vida um do outro no processo.

Kenneth a levantou e girou em volta de si mesmo.

"Ponha-me no chão." Ela franziu o nariz, tentando golpear as mãos dele. "Você está cheio de lama."

Ele a beijou com entrega e paixão até que Mary sentiu que o coração batia acelerado.

"Onde está o William?"

"Com a babá, tirando uma soneca."

Seu sorriso se aprofundou.

"Parece uma excelente ideia."

Mary corou. Helen tinha lhe dado permissão para retomar suas “obrigações” conjugais e Kenneth parecia determinado a recuperar o tempo perdido.

"Às vezes, acredito que você vem me propondo essas sonecas impróprias desde o dia em que te conheci."

Seus olhos se encontraram e ambos recordaram a primeira conversa que tiveram, durante os jogos dos Highlanders.

"Foi a melhor proposta que já fiz", disse ele em voz baixa. "Mas eu devia ter jogado você sobre o meu ombro e levado para os meus aposentos. Teria sido muito mais fácil."

Mary olhou nos seus olhos, incapaz de disfarçar todo o amor que sentia por ele.

"Mas não teria nem metade da graça. Que sentido tem a vitória, sem uma batalha que a justifique?"

Kenneth começou a rir e assentiu.

"Falou como uma verdadeira guerreira."

"Aprendi com o melhor."

E era verdade.

 

 

                                                   Monica McCarty         

 

 

 

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