Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE SHADOW FAERIE
THE SHADOW FAERIE

 

 

                                                                                                                                                 

 

 

 

 

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

Capítulo 29

 

 

— DROGA! — EU GRITO. ESTOU CORRENDO TÃO RÁPIDO QUE QUASE TROPEÇO NOS MEUS PRÓPRIOS PÉS ENQUANTO TENTO PARAR. DASH agarra meu braço e me puxa de volta. — Para o palácio, — eu ofego. — Não temos... escolha agora. Podemos nos esconder... em algum lugar lá dentro.

Existem portas abertas e arcadas por todo o térreo, e é muito fácil entrar no palácio. É uma armadilha, é claro. Estamos correndo para uma armadilha elaborada e luxuosamente decorada. Porque uma vez que todas as portas e janelas estiverem fechadas — e eu não tenho dúvida de que o rei pode fazer isso em questão de segundos com a ajuda da magia — não teremos mais para onde ir.

Exceto...

Eu paro de correr no meio de um corredor forrado com retratos e Dash quase colide em mim.

— O quê? — ele pergunta. — O que aconteceu?

— Existe uma saída.

— Onde? — Zed pergunta.

— É—espere. Vamos. — Ao som de passos atrás de nós, continuamos em movimento. Guio o caminho por outro corredor, por uma pequena sala de estar, depois dou algumas voltas por passagens cada vez mais estreitas e, por fim, corro por uma cozinha enorme. Atravesso a primeira porta aberta que vejo, que acaba estando empacotada até o teto com sacos de vários tipos de grãos.

Depois de olhar para fora para se certificar de que ninguém nos viu, Dash silenciosamente fecha a porta. Ele me encara. — Onde é essa outra saída?

— É um portal. Um portal de entrada para outro mundo. — Faço uma pausa para recuperar o fôlego e limpo pequenas gotas de suor da minha testa. — Não é o mundo humano e não é este. O outro mundo que Aurora e Roarke nos levaram. O mundo sombra.

Linhas profundas enrugam a testa de Dash. — Aquele lugar com quase nenhuma cor? Onde aquela criatura negra e disforme nos perseguiu?

— Sim. Não é um lugar neste mundo. Está —

— Entre os mundos, — Dash murmura.

— Sim. Como você disse. Existe um portal no quarto de Roarke que leva direto para esse mundo e, quando estivermos lá, podemos usar as velas para sair.

— Velas?

— Sim. Com — do jeito que as bruxas — eu explico mais tarde. O ponto é que podemos sair desse mundo.

— E as criaturas que se levantaram das sombras e queriam nos matar?

— Nós podemos correr se for preciso. Eu estou segura, na verdade. — Eu puxo a corrente em volta do meu pescoço e levanto o pingente de onde está escondido debaixo da minha camisa. — E vocês sabem como lutar. Então devemos ficar bem. Prefiro me arriscar contra um monte de sombras do que contra um exército Unseelie.

— Espero que vocês percebam, — diz Zed, — que o que vocês estão falando não faz sentido. Um mundo entre mundos? Afinal, o que isso quer dizer?

— Agora não é exatamente o momento para entrar em detalhes, — aponto, — mas é real. Eu prometo. Surgiu quando o véu foi rasgado. E é a única maneira que eu conheço de sair deste palácio.

Lentamente, Zed assente. — Tudo bem. Mas este portal não será tão fortemente protegido quanto qualquer outra saída?

— Acho que não. Roarke e seu pai não querem que ninguém além de seus guardas mais próximos conheçam o mundo das sombras. E acho que o rei não conhece o portal. Tenho certeza de que Roarke manteve isso em segredo dele. Eu sei que Roarke colocou alguns de seus homens em ambos os lados do portal, mas ele pode não ter tido a chance de enviar mais guardas para lá ainda. Se chegarmos lá rapidamente, e houver apenas alguns guardas —

— Nós podemos lidar com eles, — diz Dash. — Definitivamente.

— Qual é a distância dos aposentos dele? — Zed pergunta.

Meu entusiasmo murcha um pouco. Parece impossivelmente longe agora. — Hum... longe o suficiente para que a chance de sermos visto seja extremamente alta.

— A chave é se misturar, — diz Dash. — Se não estamos fugindo de nada, não chamaremos a atenção de ninguém. Só precisamos parecer seus três nobres vagando pelo palácio.

— Bem, já falhamos então. Vocês parecem horríveis.

— Obrigado, — Dash diz secamente. — Mas não podemos trocar nossas roupas. Vamos chamar mais atenção se passearmos pelos corredores sem... Oh. — Seu rosto se ilumina. — Isso pode funcionar.

— O quê?

— Lembra onde eu fui quando cheguei aqui?

— Hum... não. Eu não estava com você quando você chegou aqui. Você estava... Oh, as roupas.

— Sim. Eu tive que deixar seu vestido na sala de trabalho dos designers. E adivinhe onde é?

Eu levanto uma sobrancelha. — Se a resposta não for a próxima sala, seria um final muito triste para esta história.

Dash sorri. — Está quase ao lado.

Zed assente. — Isso é quase tão bom.

Saímos da despensa e chegamos à sala de trabalho dos designers sem sermos notados por ninguém. Por algum milagre, a sala de trabalho está vazia e contém inúmeras prateleiras de roupas apropriadas para a corte, tanto para homens quanto para mulheres. — Perfeito, — eu digo. — Pena que não temos tempo para vocês tomarem banho. Espero que as roupas limpas sejam suficientes para mascarar seus cabelos sujos e... vocês sabem...

— O cheiro? — Zed incita.

— Sim.

— Sem tempo para tomar banho? — Dash repete. — Ha. Você já ouviu falar de magia, certo?

Coloco minhas mãos nos quadris. — Sério? Faeries têm feitiços para tomar banho?

— Algo parecido. Não é tão satisfatório quanto mergulhar de verdade em uma piscina quente, mas tem o mesmo efeito.

Dez minutos depois, depois de se esconderem atrás de uma tela e se molharem com água e sabão com cheiro de menta que de alguma forma nunca toca o chão e seca quase imediatamente, Dash e Zed saem como membros bem-arrumados da Corte Unseelie. Eles só precisam tomar cuidado para manter os pulsos cobertos.

— Certo, — diz Zed. — Vamos fazer isso.

É difícil andar devagar quando tudo o que quero é correr, mas consigo manter o ritmo em um passeio casual ao lado de Dash e Zed. Depois que deixamos as despensas e as salas de trabalho para trás e passeamos pelos corredores de mármore brilhante mais uma vez, Dash se aproxima um pouco mais e coloca meu braço sobre o dele. — Pegue o outro braço dela, — ele diz a Zed.

— Minha nossa, que sortuda eu sou, — eu falo, sarcasmo cobrindo minhas palavras. — Um homem em cada braço.

— É muito menos provável que você seja notada como a futura esposa do príncipe Roarke, — diz Dash, — quando você tem um homem em cada braço, não acha?

— Eu acho que sim, — Eu olho para baixo e noto magia girando em torno de sua outra mão, enquanto paira frouxamente ao seu lado. — Se preparando para lutar?

— Atordoar, na verdade. Será mais rápido e limpo.

— Atordoar alguém significa deixá-lo inconsciente com magia, certo?

— Sim. Não é um feitiço rápido, no entanto. A magia precisa ser suficiente reunida primeiro. Pode demorar —

— Lá! — O grito vem do topo da escada no final do corredor. A escada que precisamos subir. Faíscas de magia passam por nós enquanto os guardas correm escada abaixo.

Nós nos abaixamos imediatamente, Zed xingando baixinho. — Vamos ter que lutar, — diz Dash.

— Não desperdice sua magia de atordoamento, se você puder evitar, — diz Zed. — Guarde para — ele se esquiva para evitar mais faíscas — para os guardas do portal.

— Sim. E Em —

— Eu vou ficar bem. — Eu me concentro no corrimão que corre ao longo da galeria para o topo da escada. — Vejo você lá em cima. — Eu me jogo para frente com uma explosão de velocidade. Os guardas — chegando à base da escada — podem pensar que estou correndo diretamente para eles. Mas eu mergulho por baixo das faíscas e esquivo para o lado, indo direto para uma mesa com um vaso de flores em cima, ao lado da escada. Eu pulo, eu chuto a mesa com um pé e pulo novamente. Meus dedos agarram o corrimão. Eu me levanto, balanço por cima da balaustrada, rolo o chão da galeria e levanto. Um olhar momentâneo para o salão me mostra Dash e Zed seguindo o mesmo caminho que eu segui, com guardas logo atrás deles e outros correndo pelas escadas.

Eu giro e corro. Os pisos altamente polidos passam por baixo dos meus pés e sou grata por meus sapatos terem aderência suficiente para me impedir de escorregar sobre meu traseiro. Eu arrisco olhar por cima do ombro e Dash grita, — Não pare! — Eu corro em direção à escada final que nos levará à ala do palácio da família real. Mas é claro que não é fácil.

Os guardas estão alinhados no topo da escada e não estão correndo para nos encontrar. Eu sei que nada os fará deixar seus postos. A magia gira em torno de seus dedos enquanto eles levantam suas mãos para atacar. Enquanto faíscas coloridas voam em minha direção, giro um pé, caio de lado e deslizo pelo chão sob a magia deles. Sem tempo para me preocupar com a dor que grita do meu quadril e ombro quando atingem o chão, eu me jogo para porta mais próxima. Então, estou de novo correndo por um novo corredor, mancando apenas com um pouco de dor. — Continue! — Dash grita, o que me diz que ele e Zed escaparam do ataque mágico.

Meus pensamentos correm, planejando um novo caminho. O único caminho para a suíte do Roarke é subir a escada — a menos que você conte a varanda e as janelas dele, o que eu conto. Desça um andar, volte, se esgueire pela janela de outra pessoa e suba, meu cérebro instrui. Quando a dor no meu quadril começa a diminuir, corro para frente com uma nova explosão de velocidade. Viro em uma esquina e encontro a escada em espiral que eu estava esperando. Com cada segundo contando, eu não me incomodo com as escadas reais. Eu me balanço facilmente sobre a grade ao lado do degrau mais alto. Saltar, pousar, rolar sobre os ombros, levantar, continuar correndo, recito mentalmente enquanto executo a manobra quase perfeitamente. Apesar das circunstâncias que ameaçam minha vida, não posso deixar de levantar um punho mentalmente. Val ficaria tão orgulhosa de mim.

Eu corro de volta pelos corredores e passagens até chegar em um grande salão que julgo ser debaixo da escada que leva para a ala da realeza. Por andar nessa sala antes, eu sei que vários corredores que levam a essa sala me levarão aos aposentos dos membros estendidos da família e de outros lordes e ladies que moram aqui. Uma rápida olhada por cima do ombro confirma que ainda Dash e Zed estão seguindo logo atrás de mim. Quando chegam à sala, corro por outro corredor, passo duas ou três portas e depois paro. Depois de ouvir por um momento, abro a porta silenciosamente. Dash e Zed chegam ao meu lado enquanto espio o quarto e confirmo que está vazio. Entramos rapidamente e fecho a porta atrás de nós.

— Puta merda, Em, — Dash diz entre arquejos por ar. — Você seria uma ótima guardiã se soubesse lutar.

— Sim. Saber lutar pode ser útil. — Eu engulo e respiro fundo outra vez. — Mas prefiro não fazer parte de nenhuma Guilda, muito obrigada. — Atravesso o quarto — não tão luxuosamente decorado quanto o meu — e olho pela janela. — Tudo bem, acho que devemos passar por mais um quarto para a direita. Quando estivermos diretamente alinhados com a escultura de cobra, devemos estar abaixo da varanda de Roarke.

— Nós vamos escalar para o quarto dele? — Zed pergunta.

— Sim. Mais fácil do que lutar contra todos aqueles guardas, não acha?

Passamos para o próximo quarto, que também está vazio. Todo mundo provavelmente está no piquenique. Balanço minhas pernas sobre o parapeito da janela, viro com cuidado para encarar a parede e começo a subir. Giro um pouco para a esquerda enquanto subo e, em pouco tempo, estou no andar da varanda de Roarke. Agarro o corrimão e passo por cima dele. Na ponta dos pés, ando em direção à porta aberta.

— Este é o caminho certo? — Zed sussurra atrás de mim.

— Sim. — Eu reconheço o interior da sala de estar.

— Deixe-me ir primeiro, — diz Dash, passando por mim. — Podemos precisar usar magia. — Percebo que faíscas de luz ainda dançam em torno de sua mão. Parece que ele conseguiu segurar à magia de atordoamento que estava reunindo anteriormente.

Ele se arrasta para dentro. Eu o sigo, pronta para me esquivar ao primeiro sinal de magia. Mas a sala está vazia. — O portal é por lá, — digo em voz baixa, apontando para a porta que leva ao quarto de Roarke. Dash caminha à minha frente para o quarto, depois olha por cima do ombro para mim em confusão. — O banheiro, — eu sussurro enquanto Zed e eu o seguimos. Ele concorda. Eu passo por ele e paro ao lado da porta do banheiro, que está entreaberta. Olho para Dash. Ele levanta sua magia e assente novamente. Respiro fundo e chuto a porta. Ele e Zed entram correndo — e param.

— Não há ninguém aqui, — diz Dash. — Mas — puta furão. — Seus olhos se arregalam, junto com os de Zed. — Isso é um portal.

Eu entro no banheiro atrás dele. — Sim. É isso aí. Tudo o que precisamos fazer é andar —

A porta do banheiro se fecha. Contra a parede, exatamente no mesmo lugar em que eu estava quando me escondi aqui, está Roarke. — Indo para algum lugar? — ele zomba.


Capítulo 30

 

 

A LUTA É TÃO RÁPIDA, MEUS OLHOS MAL SEGUINDO O QUE ACONTECE: DASH LANÇA SUA MAGIA; ROARKE esquiva enquanto lança uma massa crepitante de poder sobre mim; Zed se joga na frete, grita e cai no chão. No momento que um suspiro inútil sai da minha boca, a ação acaba. Dash agora segura uma camada protetora de magia na nossa frente, e a mão levantada de Roarke sugere que ele está fazendo a mesma coisa. Zed, que levou toda a força da magia que Roarke tentou atacar em mim, está imóvel aos nossos pés.

— Ele... ele está...

— Não está morto, — diz Dash, seus olhos treinados em Roarke. — Atordoado.

— Sim, — diz Roarke. — E vocês dois em breve estarão na mesma posição.

— Acho que não, — responde Dash. — Temos o portal logo atrás de nós agora, e você levará muito tempo para reunir magia suficiente para mais dois feitiços de atordoamento. Nós partiremos muito antes que você possa realizar suas ameaças.

Roarke levanta um ombro em um encolher de ombros despreocupado. — Você pode acessar esse portal. Meus guardas estão esperando do outro lado, prontos para atordoar vocês quando aparecerem. E, diferentemente de você e eu, eles ainda não usaram a magia de atordoamento que estão reunindo.

— Bem, obrigado por me dizer exatamente o que esperar do outro lado. Agora que estou preparado, não tenho dúvidas de que posso parar todos eles.

Roarke bufa. — Guardiões sempre foram excessivamente confiantes. Só espero que você seja morto.

— Minha confiança excessiva me serviu bem até agora. — Com a mão que não está segurando o escudo, Dash me puxa para mais perto do portal.

— Emerson, — Roarke diz, dirigindo seu olhar duro para mim. — Por que você não me diz sobre o que é toda essa bobagem? Eu pensei que você e eu tínhamos um acordo. Nós dois queremos algo, e nossa união nos dará o que queremos. Se você mudou de ideia, nunca mais recuperará sua mãe do jeito que você a quer.

— Em, não o ouça. Ele está apenas ganhando tempo para que ele possa...

— Eu nunca vou conseguir o que quero de você de qualquer maneira, — digo a Roarke.

— Ah? Isso é uma mentira que seu amigo guardião lhe contou?

— Eu sei o que você planeja fazer. Eu sei o significado das palavras que você tem me feito memorizar e sei que você planeja pegar cada pedaço da minha magia e torná-la sua.

Vários segundos de silêncio passam enquanto o olhar frio de Roarke fica mais gelado. — Interessante, — diz ele, triturando lentamente a palavra. — No entanto, como você descobriu isso?

Eu gostaria de poder dizer a ele que foi sua própria irmã quem compartilhou essa informação, apenas para que eu pudesse ver o olhar em seu rosto. Mas não entregarei Aurora. Quaisquer que fossem os motivos dela para agir pelas costas do irmão, ela não merece a ira dele. — Todo mundo tem sido tão insistente para que eu encha minha cabeça com o máximo de conhecimento deste mundo que eu puder, — digo a ele. — Você não gostaria que sua futura esposa fosse uma vergonha para esta corte, não é? Bem, adivinhe? Com toda aquela leitura, me deparei com o conhecimento que precisava mais do que qualquer outra coisa — as palavras de um feitiço de bruxa em particular e o significado delas.

— Uma coincidência? — Roarke cospe. — Você espera que eu acredite que você tropeçou nesse feitiço por acaso?

Eu forço uma risada. — Engraçado, não é? Você pensou que era bobagem a leitura que eu estava fazendo, e ainda assim foi o que acabou me salvando.

— Em, nós precisamos...

— Salvando você? — A risada silenciosa de Roarke me arrepia. — Você acha que vai fugir de mim? Assim como seu amigo idiota guardião pensou que iria fugir deste palácio? — Ele olha para Dash. — Você realmente pensou que eu deixaria você sair naquela carruagem, não foi? Seu tolo, — ele chia. — Você achou que poderia entrar furtivamente no quarto da minha noiva e não haveria consequências?

Eu respiro fundo. — Como você — Espere, você estava me ouvindo. Você é nojento.

— Claro que eu estava ouvindo. Meu pai e eu fazemos questão de saber exatamente o que todo mundo diz e faz sob nosso teto. Temos feitiços não rastreáveis em quase todos os lugares. — Seu olhar volta para Dash. — Eu não podia permitir que um guardião imundo continuasse se esgueirando com minha futura esposa depois que eu soube.

— Nós estávamos conversando

— Em, vamos...

— Ah, mas e se conversa se transformasse em outra coisa? Algo muito menos apropriado e muito mais... íntimo. Eu não poderia ter alguém magoando minha futura noiva.

— Estávamos conversando sobre o funeral da minha família, seu bastardo doente, — eu grito, enquanto meu rosto queima com o pensamento do que ele está implicando.

— Sim, e então ele iria se esgueirar pela minha casa e caçar informações que ele poderia usar contra mim. Portanto, ele precisava ser removido do palácio.

— Em! — Dash diz, colocando mais força por trás da palavra dessa vez. Aos nossos pés, Zed geme. Claramente, não havia muita magia por trás do feitiço de atordoamento de Roarke. — Estamos indo embora agora, — diz Dash. Uma magia invisível levanta Zed meio consciente no ar, onde ele cai sobre o ombro de Dash com um grunhido. Olho imediatamente para Roarke para ver o que ele fará para nos impedir.

— Não estou preocupado, Emerson, — diz ele com um sorriso, lendo meus pensamentos não ditos. — Meus homens do outro lado do portal vão impedi-la de fugir.

— Eles não vão, — Dash diz a ele. Ele pega minha mão e me puxa em direção ao portal. — Prepare-se para jogar um pouco de magia assim que passarmos, — ele sussurra para mim. — Tudo o que você puder conseguir. Eu farei o resto.

Eu tomo minha decisão então, não me dando nem um segundo para considerar todas as coisas que podem dar errado. Eu solto meu braço, empurro Dash e Zed através do portal e giro de volta para enfrentar Roarke. Ele deixa cair seu escudo de magia, um sorriso perverso se espalhando por seu rosto.

Mas antes que ele possa fazer qualquer coisa, abro a boca e falo. Eu solto a última parte da minha Habilidade Griffin e digo a única coisa que queria dizer desde o momento em que cheguei aqui. As palavras que repeti sem parar na outra noite, — Conte tudo o que você sabe sobre minha mãe e como ajudá-la!

Roarke fica rígido. Suas mãos se levantam para apertar sua garganta, como se ele pudesse impedir as palavras de escapar de seus lábios. Então sua boca se torce em um sorriso maligno quando uma única frase é arrancada magicamente dele. — Eu... não sei... nada.

Meu choque me silencia por vários segundos. — O quê? — Eu finalmente consigo dizer. Como ele pode mentir assim? Como é possível que ele desobedeça a minha Habilidade Griffin? — Isso não é verdade. Você sabe coisas. Você me contou coisas sobre minha mãe e seu passado. Você...

— Não. — Ele abaixa as mãos e revira os ombros enquanto se recupera dos efeitos da magia. — Eu te contei coisas sobre a mulher que a criou e depois enlouqueceu e acabou no hospital. Eu não contei nada sobre sua mãe.

Eu pisco.

O significado completo de suas palavras leva tempo até chegar ao meu cérebro, mas quando finalmente chega lá, quase me derruba. Eu engulo, balançando a cabeça, me recusando a acreditar nele. Já segui esse caminho e não irei percorrê-lo novamente. — Ela é minha mãe. Todo mundo pensou que ela era humana, mas ela não é. Nós duas temos magia. Nós duas somos faeries, então —

— Oh, pare, — Roarke diz em um tom que quase parece entediado. — Essa é a lógica mais estúpida de todos os tempos e você sabe disso. Só porque vocês duas são faeries, ela deve ser sua mãe? Ha! Ela poderia ser minha mãe então, e nós dois sabemos que isso não é verdade.

— Mas... então...

— Não, não, garota boba. É tarde demais agora. — Roarke dá um passo em minha direção. — Você deveria ter feito a pergunta certa enquanto ainda tinha algum poder em sua voz. Você deveria ter pensado no que estava perguntando. Você deveria se concentrar mentalmente em Daniela Clarke, em vez de simplesmente soltar as palavras sem colocar nenhuma intenção verdadeira por trás delas. Mais um passo. — Além disso, não teria me ajudado a dizer como curar sua mãe. Eu tenho que fazer isso sozinho. Você pode ter aprendido a história de Daniela Clarke, mas não — mais um passo — aprendeu como ajudá-la.

Merda. Meu plano semi-formado — ir direto ao portal enquanto Roarke estava me dizendo tudo o que eu precisava saber para que eu pudesse correr quando ele terminasse de falar — se desfaz em pó imaginário ao meu redor. Eu me viro, jogando meu corpo na direção do portal enquanto Roarke se lança em minha direção. Ele pega meu braço, me puxando para trás e para os lados, e caímos no chão em frente ao portal. Com meu ombro gritando de dor, me afasto dele. Sua mão ataca, torcendo no meu cabelo e arranhando a lateral do meu pescoço antes de agarrar uma mecha do meu cabelo e me puxar de volta para ele. Eu grito, estendendo a mão para agarrar seus braços. Eu golpeio minhas unhas ao longo de sua pele, e quando ele puxa uma mão para trás, eu me contorço, puxo minhas pernas para o meu peito e o chuto o mais forte que posso. Então eu levanto sobre minhas mãos e joelhos e mergulho através do portal.

***

Eu rolo no chão no mundo das sombras para encontrar a paisagem sombria iluminada por magia brilhante e colorida zunindo pelo ar em todas as direções. Três guardas estão imóveis no chão, enquanto Dash e Zed lutam com outros dois homens. Eles chutam, giram, socam e esquivam-se em meio a nuvens de areia, morcegos guinchando e agulhas voadoras. Através de seus grunhidos de dor e gritos de raiva, ouço Dash gritando, — O que diabos você fez?

Eu sei que ele está gritando comigo.

Eu me levanto e me viro para encarar o portal. Eu preciso de magia. Ou uma arma. Roarke chegará a qualquer segundo. Olho para o chão rochoso em que estou, procuro uma pedra afiada — e me perguntando brevemente por que Roarke e Aurora transformaram parte do mundo que tinha grama que encontraram em terra dura, coberta de seixos e pedras. Vejo uma pedra afiada e me curvo rapidamente para recuperá-la.

E a dor colide repentinamente, chocantemente, com meu abdômen. Eu sou levantada e bato no chão com força no lado esquerdo. Eu me enrolo, sugando inutilmente o ar e não recebendo nada. Respire, digo a mim mesma. RESPIRE! Uma força invisível me joga no ar e, quando paro, suspensa em algum lugar acima do solo, vejo Roarke ao meu lado. Com um movimento da sua mão, começo a voltar para o portal enquanto ele caminha ao meu lado. Eu ainda estou ofegante por oxigênio, me contorcendo no ar, horrorizada com o quão impotente sou contra a magia de Roarke, quando um grito sem palavras chega aos meus ouvidos.

Uma fração de segundo depois, um clarão ofuscante de luz branca-esverdeada atinge o portal — e a coisa toda explode em mais luz, faíscas e brilho girando. Roarke e eu somos jogados para trás, embora sua magia pareça amortecer minha queda. Meus ouvidos estão reverberando. Meu lado esquerdo ainda dói. De alguma forma, porém, respirar está se tornando quase uma possibilidade. À medida que o clarão desaparece, eu me levanto para ver o que resta do portal.

Sumiu.

Ao meu lado, Roarke amaldiçoa alto. Eu me afasto dele. Não tenho tempo para encontrar uma pedra afiada, então aponto para a pedra mais pesada que acho que posso levantar. Sem pausa, eu a levanto e atiro na cabeça de Roarke. Atinge exatamente onde eu pretendia. Horrorizada, eu vejo como ele cai no chão. O sangue começa a escorrer de algum lugar no meio de seus cabelos. — Oh merda, oh merda, oh merda, — eu murmuro.

E então, depois de um último baque, tudo fica quieto, exceto pelo som da respiração pesada. Todos os guardas estão nocauteados, e Dash e Zed — cobertos de arranhões e cortes, com as roupas parcialmente rasgadas — recuperam o fôlego enquanto cambaleiam em minha direção. Olho para Roarke, enojada com o que fiz. — Eu não o matei... matei? — Eu ofego.

— Não, — diz Zed. — Ele sobreviverá facilmente a isso.

— O que há de errado com você, Em? — Dash exige. — Você deveria vir conosco, não tornar mais fácil Roarke pegar você.

Eu ignoro Dash e mantenho meus olhos fixos em Roarke. — Podemos amarrá-lo? E os guardas. Eu não quero que eles escapem. Roarke sabe de coisas. Eu... ainda preciso questioná-lo.

— Você já não fez isso? Não foi por isso que você me empurrou pelo portal sem você? — Dash responde. — Então você podia ficar para trás e questioná-lo? — Apesar de seu tom frustrado, ele se agacha ao lado de Roarke enquanto uma corda brilhante se forma em suas mãos. Zed faz o mesmo com um dos guardas.

— Eu o questionei. Parece que fiz a pergunta errada.

Dash olha para mim, parando com a corda parcialmente enrolada nos pulsos de Roarke. — Você não perguntou sobre sua mãe?

— Perguntei. — Eu me concentro no chão aos pés de Dash. — Usei as palavras 'minha mãe'. E isso, aparentemente, foi um erro. — Meus olhos sobem para encontrar os dele quando uma dor insuportável se forma no meu peito. — Afinal, ela não é minha mãe.

Dash me encara com o mesmo tipo de expressão que eu provavelmente dei a Roarke. — Droga, — ele murmura eventualmente. — Eu realmente pensei — depois que ela mostrou magia — que ela deveria ser sua mãe de verdade.

— Sim. Eu também.

— Eu sinto muito, Em.

— Este mundo... — Zed diz, olhando em volta. — É um reino completamente diferente. Isso é... louco.

— É, — Dash concorda.

— Em. — Zed se aproxima de mim. — Onde estão as velas das quais você falou? Precisamos sair daqui. Quando estivermos em algum lugar seguro, podemos conversar. Eu tenho muito o que...

— Cuidado! — Eu agarro sua mão e o puxo para baixo quando uma forma escura se espalha sobre ele como um cobertor ondulante com bordas finas. — Merda, eu esqueci completamente dos sombra de tintas. — Eu me aproximo de Dash e Zed enquanto formas negras se juntam ao nosso redor. Pego meu colar — minha proteção — mas meu estômago cai quando meus dedos não encontram a corrente sobre a minha pele. Tudo o que resta são os arranhões doloridos deixados para trás das unhas de Roarke raspando na lateral do meu pescoço. — Droga. Precisamos chegar ao castelo.

— Mas você está protegida, não é? — Dash diz. — Se Zed e eu ficarmos perto de você, nós podemos...

— Meu colar se foi. Roarke deve ter quebrado a corrente quando ele me atacou no banheiro.

— Ótimo, — Dash murmura. Depois, à medida que os sombra de tintas se aproximam, ele acrescenta, — Acho que é hora de correr de novo!

Estou de pé, correndo ao lado de Dash e Zed, esperando que Roarke esteja usando seu amuleto. Caso contrário, ele não vai durar muito e levará todo o seu conhecimento sobre minha mãe. Olho por cima do ombro, mas tudo o que vejo são figuras escuras voando como morcegos deformados. — Em direção ao portão principal do castelo! — Eu grito enquanto olho para frente mais uma vez. — A ponte levadiça está abaixada.

Eu grito de susto quando uma sombra passa por mim. Dash e eu viramos para a esquerda, enquanto Zed, do outro lado do sombra de tinta, desvia para a direita. Saindo do chão, mais uma dúzia de sombras de tintas se juntam àquele que me assustou. E, por alguma razão, eles gravitam em direção a Dash e a mim, forçando-nos mais à esquerda. — Droga, eles são rápidos, — Dash ofega. — Não podemos contorná-los.

— A torre, — respondo entre respirações. — O fosso ainda não existe... e as janelas estão baixas. Nós podemos subir. — Com uma explosão extra de velocidade, corremos para a torre. — Zed! — Eu grito para ele, então gostaria de não ter gritado quando ele quase tropeça enquanto olha em volta para nós.

— Continue! — Dash grita para ele. — Melhor para ele... seguir esse caminho, — ele acrescenta para mim. — Ele chegará ao portão.

Meus pés batem no chão e meu peito começa a queimar, mas vamos conseguir. Somos rápidos, e o castelo está a menos de cem metros de distância agora.

E então, em um movimento que Val certamente não se orgulharia, tropeço em um monte de grama e caio de cara no chão. Lutando por ar mais uma vez, eu consigo me virar. Uma forma escura desce e se instala sobre mim, me cobrindo completamente. Enquanto eu engatinho inutilmente o chão, sinto a sensação de lábios frios no meu pescoço. Toda a força é drenada do meu corpo. Meus membros ficam pesados e frios. Minhas pálpebras se fecham quando o cansaço me consome e um calafrio mortal invade meu corpo.


Capítulo 31

 

 

ATRAVÉS DA ESCURIDÃO E DO SILÊNCIO, UM ESTALIDO IMPRESSIONANTE ATINGE MEUS OUVIDOS, SEGUIDO IMEDIATAMENTE POR um grito agudo. Minhas pálpebras se abrem e vejo o céu cinzento e muito alto em vez de uma forma como um manto. Adrenalina corre através de mim. Minha exaustão desaparece. — Vamos lá, — Dash diz, suas mãos já em volta dos meus braços. Ele me puxa para cima. — Minha magia o assustou, mas não o matou. Não sei que feitiço usar e — merda, eles já estão voltando.

Nós corremos a distância final em direção ao castelo e, embora eu sempre goste de correr, estou me aproximando rapidamente do ponto em que tive o suficiente por um dia. Eu pulo do chão quando chego à parede, e meus dedos alcançam à borda da janela mais baixa. Dash se arrasta e mergulha através da janela. Ele pula e agarra meus pulsos, me puxando os últimos centímetros. Uma vez que eu passo, ele estende a mão — mas não há janela para ele fechar. — Que diabos? Onde está o resto da janela?

— Não terminaram, — Eu ofego, assim que uma forma escura se separa da parede e se ergue atrás de Dash. Eu o puxo para frente. — As torres ainda não estão protegidas. Precisamos entrar... em uma sala.

Nós corremos escada abaixo, girando e girando, e quase caímos dentro da sala pouco mobiliada na base da torre. Juntos, fechamos a porta e damos alguns passos apressados para trás. Meu calcanhar prende na beira de um tapete e eu caio de bunda, acidentalmente puxando Dash para baixo comigo. — Tem certeza de que é seguro aqui? — ele pergunta, seu peito subindo e descendo rapidamente.

Eu aceno, apenas sei com certeza porque já estive nesta sala antes. — Essa coisa, — eu sussurro, — era tão fria. — Dash se inclina para mais perto e me envolve em seus braços, e agora que finalmente estou quieta e não estou correndo para salvar a minha vida, percebo que todo o meu corpo está tremendo. Eu envolvo meus braços com força em torno dele e não o solto, mesmo quando meu coração fica mais lento e minha respiração volta ao normal. Finalmente paro de tremer, mas ainda assim seguro o calor dele. Aquela criatura estava muito fria. Eu nunca mais quero sentir tanto frio de novo.

Eventualmente, quando estou dizendo a mim mesma que provavelmente deveria soltar Dash, ele pergunta, — Você está bem?

Eu me separo dele e me afasto alguns centímetros. — Sim. Acho que sim. Só me pegou por alguns segundos, certo? Eu senti muito frio, muito cansada, mas foi só um pouco.

Dash assente. — Bom. Eu também quis dizer... sobre sua mãe.

A revelação chocante de Roarke cai sobre meus ombros novamente. Desvio o olhar de Dash enquanto balanço minha cabeça. Pressiono as mãos no rosto e esfrego os olhos. — Parece que estou nessa gangorra de emoção louca desde que descobri a magia e o mundo fae. Ela não era minha mãe, e então ela era minha mãe, e agora ela não é minha mãe novamente. — Eu abaixo minhas mãos. — Eu suponho que tenho que me lembrar de todas as coisas que disse a mim mesma da última vez. Não importa como estamos relacionadas. Eu ainda a amo da mesma maneira. Eu ainda faria qualquer coisa para ajudá-la a melhorar. E — Oh! Bandit! — Um movimento repentino no meu quadril me lembra que eu não o vejo desde que escapamos da prisão. Eu caí no chão várias vezes e não ouvi nenhum grunhido dele. E se ele estiver machucado? Eu levanto delicadamente a borda do meu bolso e olho para dentro — e pequenos olhos de lagarto olham de volta para mim. — Bandit, — eu suspiro. — Estou tão feliz que você esteja bem.

— Uau, ele sobreviveu a muita coisa, — diz Dash. — Eu me pergunto se ele esteve no seu bolso o tempo todo.

— Sim, eu também me pergunto, — eu digo, meus pensamentos voltando para minha mãe novamente.

— De qualquer forma, devemos voltar ao oásis. Ei, olha isso. — Ele resplandece. — Eu posso dizer a palavra. Oásis.

O oásis. Cercado por todos aqueles tons suaves, desejo a cor e o calor do oásis. Espero que todos os responsáveis me perdoem por qualquer problema que eu tenha os colocado e me permitam retornar. — Nós devemos estar verdadeiramente sozinhos se podemos falar sobre o oásis. Bem, além de Zed, mas acho que ele não está perto o suficiente para nos ouvir. — Eu me levanto. — Você acha que ele conseguiu entrar?

Dash assente enquanto se levanta. — Sim. Eu o vi atravessar a ponte levadiça antes de chegarmos à torre.

— Se ele encontrou velas, provavelmente já foi. Eu não ficaria por aqui se fosse ele.

— Sim. Tenho certeza de que ele tem uma vida para voltar. Vou ver se consigo descobrir alguma coisa sobre ele quando voltar ao trabalho — se eu ainda tiver um emprego, é claro. É estranho que ele ainda tenha suas marcas se não está mais trabalhando para a Guilda. Geralmente eles as desativam se um guardião deixa o serviço da Guilda.

— Você sabe como ele acabou preso em uma prisão Unseelie?

— Não. Ele continuou dizendo que me contaria isso quando estivéssemos menos drogados. E nunca chegamos ao ponto em que isso acontecesse. — Dash olha em volta. — Então, onde estão essas velas que você mencionou?

— Espera. E o Roarke? — Ando até a janela e olho para fora, mas estamos muito longe do local onde o portal estava para eu poder ver Roarke. — Eu preciso dele.

— Você precisa dele? — Olho para trás e vejo Dash me olhando com as sobrancelhas levantadas.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode curar minha mãe. Ou... você sabe, a mulher que eu considero minha mãe.

— Nós não vamos levá-lo conosco, Em. Mesmo que eu quisesse, o feitiço protetor ao redor do oásis proibiria. Quando estivermos perto dele, nós não lembraremos para onde devemos ir.

— Sim, eu sei. Portanto, a única outra coisa a fazer, — eu continuo devagar, sabendo que Dash não vai gostar disso, — é trazer minha mãe aqui.

— Você percebe que isso é loucura, certo? Sua mãe está segura agora. Se a trouxermos aqui, ela não estará. E nós também não.

— Você está falando sobre os sombras de tintas? Porque eu posso ordenar que eles nunca mais ataquem faeries novamente. Só precisamos esperar até hoje à noite para que minha Habilidade Griffin se torne útil novamente.

— Não apenas os... como você os chamou? Sombra de tintas? Quero dizer, o que dizer de todas as pessoas, além de Roarke, que conhecem esse mundo? A irmã, os guardas pessoais, o pai dele. Em, o próprio rei Unseelie pode aparecer aqui a qualquer momento.

Eu me inclino contra o peitoril da janela e cruzo os braços sobre o peito. — O Rei Unseelie provavelmente acha que ainda estamos escondidos em seu palácio em algum lugar.

— E quando ele descobrir que não estamos? Ele descobrirá que Roarke também está desaparecido e onde ele vai procurar primeiro?

— Honestamente, acho que ele não pensará nesse lugar. Ele não sabe que Roarke me mostrou esse mundo. E ele não vê o portal porque não está mais lá. Mesmo que o rei pense que de alguma maneira eu venci Roarke com a ajuda de meus dois amigos prisioneiros, ele não tem motivos para suspeitar que o traríamos para cá.

Dash franze a testa e franze os lábios, pensando. — Suponho que não. Então seu plano é trazer sua mãe para cá, esperar até mais tarde para ordenar que as criaturas das sombras nos deixem em paz e depois a levar para Roarke. Presumo que você esteja planejando ainda ter algum poder em sua voz para ordenar que ele a acorde e a cure?

— Sim. E não precisamos necessariamente esperar até que possamos fazer os comandos. Podemos procurar as passagens subterrâneas que levam de volta às sebes perto de onde estava o portal. Podemos chegar a Roarke assim.

O cenho franzido de Dash não sai de seu rosto. — Não tenho certeza de que faz sentido se sua Habilidade Griffin não estiver pronta para mandar nele.

— Certo. Isso é verdade. — Eu deixo meus braços caírem de volta para os meus lados. — Então sim, faremos o que você disse: buscar minha mãe, mandar nos sombra de tintas, mandar no Roarke. E depois que ele curar minha mãe, iremos embora imediatamente e voltaremos para o oásis.

— Onde todos viveremos felizes para sempre, — finaliza Dash.

— Bem... — Eu olho para longe. — As coisas nunca dão certo de forma simples, então presumo que algo vai dar errado ao longo do caminho. Alguém inesperado aparecerá do nada e tentará estragar nossos planos, e teremos que lutar contra eles, para que então possamos viver felizes para sempre.

— Aqui está a minha cínica Em. — Dash sorri. — Eu estava com saudades de você.

Eu dou a ele um olhar fulminante. — Você sabe que tenho boas razões para ser cínica.

— Sim. — Ele se aproxima e coloca a mão no meu braço. — Mas às vezes, Em, as coisas dão certo. Espero que seja sua vez dessa vez.

Cubro a mão dele com a minha, desejando poder acreditar nele. — Espero que você esteja certo.

— Eu estou. — Ele se balança um pouco para frente e, por um momento insano, acho que ele quer me beijar. Mas sua mão desliza para longe do meu braço e ele se vira, olhando ao redor da sala mais uma vez. — As velas? — ele pergunta. — Elas estão por aqui em algum lugar?

— Hum, na gaveta de cima. — Aponto para o aparador. É a única outra peça de mobiliário nesta sala. Aparentemente, Aurora passou dias a construindo enquanto ensinava a si mesma feitiços relevantes. Roarke então acrescentou seu toque pessoal criando uma cobra de ouro maciço segurando uma adaga na boca em cima do aparador.

Dash atravessa a sala. — Não posso deixar de sentir que essa cobra vai ganhar vida e apunhalar minha mão, — ele comenta.

— Não se preocupe. Não acho que Roarke tenha tido tempo de adicionar feitiços como esses aos itens decorativos em seu castelo. Ele ainda estava muito ocupado com a arquitetura.

Dash pega duas velas da gaveta de cima e deixa outras deitadas em cima do aparador, ao lado da cobra. — Caso Zed ainda não tenha encontrado e ele passe por aqui enquanto estivermos fora. — Ele se junta a mim na janela. — Então é assim que as velas de bruxa funcionam? Você as acende, pensa no seu destino e é levado imediatamente para lá?

— Sim. Acho que foi assim que Roarke e Aurora nos trouxeram aqui pela primeira vez.

Ele hesita. — Talvez um de nós deva ficar aqui. Continuar observando. Apenas no caso de alguém indesejável chegar enquanto estivermos fora. Não queremos surpresas desagradáveis quando voltarmos aqui com sua mãe.

— Hum. Talvez você —

A maçaneta da porta que leva à próxima sala gira. Dash deixa cair as velas. Sem pensar, me jogo para o outro lado da sala, paro contra o aparador e tiro a adaga da boca da cobra. A porta se abre.

— Uau. — Zed levanta as mãos quando me vê brandindo a adaga. — Sou só eu.

— Desculpe. — Abaixo a arma da qual eu não teria ideia do que fazer se não fosse Zed quem tivesse entrado. — Presumi que você já teria encontrado uma vela e teria ido embora.

Ele assente enquanto dá um suspiro. — Eu encontrei algumas velas. Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter desaparecido e nunca mais vê-los. Mas... — Um punho aperta e abre quando ele olha para o chão aos meus pés. — Eu te devo, Em.

Eu me concentro nesse punho por um momento, depois novamente em seu rosto. — Você me deve? — Minha risada parece forçada. — Por que eu te libertei? Acho que estamos quites, Zed. Você se jogou entre mim e um feitiço de atordoamento, lembra?

— Eu gostaria que isso nos deixasse quites. Eu gostaria que isso chegasse perto de compensar a bagunça de uma vida na qual você acabou.

Meu aperto aperta em torno do punho da adaga e, a partir do canto da minha visão, vejo algo brilhante e dourado nas mãos de Dash. — Quem diabos é você? — Eu sussurro.

— Não sei se esse é o melhor lugar para conversar, — diz Zed, seu olhar se alternando entre Dash e eu. — Essas criaturas sombrias estão por toda parte, e Roarke ainda está —

— Estamos exatamente onde deveríamos estar, — diz Dash, sua voz baixa e ameaçadora enquanto ele ergue uma besta brilhante e aponta para Zed.

— Como você me conhece? — Eu exijo, mais alto desta vez.

Zed levanta as mãos mais uma vez. — Quase dezoito anos atrás, — ele diz lentamente, — eu deveria matar você.

Minha respiração se torna mais superficial. Meu coração bate mais forte. Mas engulo, firmo minha voz e pergunto, — Por quê?

— As pessoas com quem trabalhei queriam machucar seus pais.

— Por quê? Quem eram meus pais? O que eles fizeram de errado?

— O que eles não fizeram foi o problema. Não foi culpa deles, mas sua inação levou à dor e ao sofrimento de muitas pessoas — inclusive eu. Anos depois, aqueles de nós que sobreviveram não conseguiram superar isso. Alguns queriam vingança. Alguns de nós... — Ele balança a cabeça. — Bem, alguns de nós finalmente sentimos pertencer a algum lugar e ter um propósito novamente.

Não tenho palavras para responder. Tudo o que posso fazer é olhar horrorizada.

— Disseram-me para matá-la, — continua Zed, sua voz tremendo levemente, — mas eu não consegui. Eu não poderia matar um bebê faerie. Especialmente um bebê faerie que era parente de alguém que costumava ser meu amigo há muito tempo. Então eu fiz outra coisa. Algo que pode ser considerado ainda pior.

Meu coração dispara enquanto espero que ele continue. — O que você fez? — Eu sussurro.

— Um feitiço de troca.


Capítulo 32

 

 

— PU-TA PÁ, — DASH SUSSURRA.

Meu olhar vai para ele, depois de volta para Zed. — O quê? O que é isso? O que é um feitiço de troca?

— Magia de bruxa, — Dash diz sombriamente. — Trocar um bebê faerie por um bebê humano. Eu pensei que as bruxas pararam de fazer esse tipo de coisa há mais de um século.

— O feitiço muda a aparência dos humanos e das faeries, — explica Zed, — para que eles se pareçam. Com o tempo, essa parte da magia desaparece, deixando a criança faerie parecendo o que seria sem o feitiço de troca. A magia da faerie permanece bloqueada, no entanto, e crescerá como humano no reino não mágico, sem saber nada do mundo ao qual realmente pertence. Geralmente, a magia da faerie permanece bloqueada pelo resto de sua vida humana. Mas às vezes a magia se liberta.

— Foi o que aconteceu comigo, — murmuro. Não parece real. Parece a história da vida de outra pessoa. O tipo de coisa que eu poderia assistir em um filme, sentada lado a lado com Val e comendo pipoca.

— Você esqueceu de mencionar, — Dash rosna, — o que acontece com o bebê humano. Não dura muito tempo. Com a magia percorrendo seu minúsculo corpo humano, ela mal sobrevive alguns dias.

Estou segurando a adaga com tanta força agora que minha mão começa a doer. — Então você não pôde me matar, — digo a Zed, — mas você pôde matar um bebê humano? Você é desprezível.

— Eu sei, — diz ele. — Mas, de alguma forma, me senti menos desprezível do que se tivesse matado você.

Isto é loucura. Isso é quase impossível de acreditar. Nasci em um mundo e fui roubada para outro, e —

— Espera. — Eu aponto a adaga para ele. — Se você tirou um bebê humano da mãe e o substituiu por mim, por que minha mãe — a mulher que me criou, Daniela Clarke — não é humana?

Zed fecha os olhos e solta um longo suspiro antes de falar. — É aí que as coisas ficam muito mais complicadas.

— Mais complicadas?

— É melhor começar a explicar, — diz Dash, a besta ainda apontada para o peito de Zed, — porque não vamos a lugar nenhum até que Em receba todas as respostas que ela está procurando.

Zed olha entre nós dois. — Posso me sentar?

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo.

— Está bem então. — Ele concorda. — Acho que devo começar com o fato de eu ser um Dotado Griffin. Não se preocupe, — ele acrescenta quando eu recuo um pouco. — Eu não vou usar em nenhum de vocês. Os efeitos são tão desagradáveis para mim quanto seriam para vocês.

— Perdoe-me se eu não acreditar na sua palavra, — diz Dash. — Esta besta ficará exatamente onde está.

— Acho que não culpo você. — Seus olhos se movem para a mão vazia de Dash, onde magia começou a se reunir. Então ele se concentra em mim novamente. — Há quase duas décadas, um grupo de fae se reuniu com base em um interesse comum: se vingar da Guilda por nos deixar à mercê de um ex-príncipe Unseelie. Você pode pensar que eu deveria sentir alguma lealdade à Guilda, visto que eu fui guardião por anos, mas não senti. Eu os odiava por permitir que pessoas inocentes sofressem. Por seu sistema imperfeito, que essencialmente permite-lhes escolher quem salvar. — Seu olhar volta para Dash por um momento. — Você sabe que estou certo. Então tentamos derrubar todo o sistema da Guilda. Mas nós falhamos. Decidimos, então, mirar em pessoas específicas. Foi quando eu fui encarregado de matar o filho de dois guardiões. E, até onde os líderes do nosso grupo sabiam, eu consegui. Isso os levou a ir atrás dos outros, mas esse feitiço de troca me perturbou mais do que eu queria admitir. Comecei a perder a fé em nossa causa. Não parecia mais justiça. Parecia... assassinato.

— Então eu fugi e uma das minhas amigas Dotada Griffin — Daniela — fugiu comigo. Ela também perdeu todo o interesse em se vingar. Ela não se importava mais se mataríamos todos os guardiões. Ela não se importava se fizemos as pessoas sofrerem com o assassinato de seus filhos. Ela estava cansada de tudo. Então, no final, porque Dani era a única em quem eu confiava, confiei nela e contei o que havia feito. Eu contei a ela sobre o feitiço de troca, e que eu realmente não tinha matado a criança faerie. Ela ficou feliz. Ela disse que eu fiz a coisa certa ao não matar um bebê inocente.

— Você matou, no entanto, — eu o lembro. — Você matou um bebê humano inocente. A vida humana significa menos para você do que a vida dos faeries?

— Não deveria, — diz ele, tão silenciosamente que mal posso ouvi-lo. — Anos atrás, prometi minha vida para proteger os fae e os humanos. Mas, quando me disseram para matar um bebê, eu estava longe da Guilda por tantos anos que consegui me convencer de que uma vida humana não importava.

— Isso —

— Eu sei. Todas as palavras terríveis em que você pode pensar, é isso que eu sou. Mas, assim como eu, Dani não parecia se importar muito com essa parte. Então nós dois estávamos fugindo. Viajamos por um tempo e, um dia, ela me pediu para mostrar a troca. Ela disse que deveríamos verificar se tudo estava bem e que a mãe humana não havia notado nada de estranho. Nós deveríamos garantir que a magia da criança esteja devidamente bloqueada. Se tivesse sido liberada, ela alertou, e a Guilda se envolvesse, eles poderiam rastrear de volta para nós. Eu não acreditei nela, mas aceitei de qualquer maneira. Todo o conceito de troca parecia fasciná-la, e eu sabia que ela não deixaria passar até ver um com seus próprios olhos.

— Então nós as observamos. Vimos Macy Clarke e sua filha Emerson. E ambas estavam completamente bem. Dani, no entanto... — Zed balança a cabeça. — Ela não estava bem. Ela viu essa vida humana simples e queria.

— Ela queria ser humana? — Eu confirmo.

— Sim. Não apenas humana, no entanto. Ela queria a vida de Macy. Ela queria a filha trocada, a adorável casinha, o trabalho de Macy e... tudo.

— Mas isso é... apenas... — Eu balanço minha cabeça. — Além de estar totalmente errado, isso simplesmente não faz sentido. Por que ela iria querer desistir de sua magia, seus amigos, seu próprio mundo?

— Se você soubesse do passado dela ... — Zed diz. — Não foi bom. A vida dela era horrível. Ela pensou que se vingar da Guilda a faria feliz, mas isso a deixou se sentindo ainda mais desolada. Ela queria uma chance de começar de novo. Um novo mundo, uma nova vida. Tudo novo. Então ela me pediu para fazer um feitiço de troca nela. Eu nunca ouvi falar disso em um adulto, mas ela estava tão desesperada, tão infeliz e estava convencida de que isso a faria feliz. Eu tive que descobrir.

— Você não precisava ajudá-la a cometer assassinato e roubar a vida de outra pessoa, — interpõe Dash. A massa de magia rodopiando acima de sua mão levantada tremula.

— Comecei a trabalhar no ajuste do feitiço, — continua Zed, ignorando Dash. — Normalmente, ele vincula a magia para sempre, mas muda a aparência do bebê por apenas um curto período — cerca de um ano — antes de desaparecer lentamente. Nesse período, um bebê cresceria e mudaria de qualquer maneira, então a diferença não é muito perceptível. Mas com um adulto... bem, eu não conseguia fazer que ela se parecesse com a Macy por apenas um ano e depois lentamente retornasse à sua aparência normal, então tive que descobrir como fazer durar mais tempo. Pelo resto da vida dela.

— O que agora seria reduzido, eu suponho, — diz Dash, — sem acesso à sua magia.

— Sim. Quando me convenci de que alterei corretamente o feitiço, seguimos em frente. E, pelo que poderíamos dizer, funcionou. Seu nome agora era Macy Clarke, mas ela não gostava, então ela mudou oficialmente para Daniela Clarke. Eu a checava toda semana, mais ou menos. Naquele tempo, nós... bem, começamos a nos tornar mais que amigos. Eu me apaixonei por ela. Ela não parecia a mesma, mas ainda era a Dani. Tivemos um mês ou dois em que tudo era uma felicidade. E então —

— Então? — Dash movimenta a besta para Zed continuar falando.

— O feitiço de troca que eu alterei tão drasticamente teve efeitos colaterais. Ele bloqueou toda a sua magia comum como deveria, mas de alguma forma não bloqueou sua Habilidade Griffin. E a mente dela... — Ele esfrega uma mão sobre o rosto. — Afetou sua mente. Ela começou a esquecer as coisas. Esqueceu que ela já foi mágica. Vendo coisas que realmente não estavam lá. Medo de coisas imaginárias.

— Então a culpa é sua, — eu sussurro. — Foi você quem a deixou louca.

— Eu só fiz o que ela pediu, — ele lamenta. — Eu só queria fazê-la feliz.

— Seu feitiço a deixou louca.

— E vou viver com a culpa para sempre, — ele sussurra. — No começo, não era tão ruim. Ela não se confundia com muita frequência. Assim como sua Habilidade Griffin não acontecia com frequência. Mas eu queria ajudá-la. Curá-la. Eu tentei convencê-la de que deveríamos encontrar uma maneira de reverter a magia da troca, mas ela recusou. Ela terminou as coisas entre nós. Me disse que estava feliz com sua vida humana e que não precisava mais de mim. Mas eu fiquei de olho nela. Eu observei como sua Habilidade Griffin ficou... fora de controle.

— O que foi? — Eu pergunto. — O que ela pode —

— Mas então parou, — diz Zed, ignorando minha pergunta. — Sua Habilidade Griffin desapareceu como o resto de sua magia. Logo depois disso, ela enlouqueceu completamente. Não testemunhei — no dia em que ela foi levada em uma ambulância — mas soube disso depois. Ouvi quando os médicos e enfermeiras falaram sobre ela. Depois disso, consultei curandeiros — alguns selecionados em quem eu confiava — mas eles não podiam fazer nada. Eu bloqueei corretamente a magia dela quando fiz o feitiço de troca, e agora sua Habilidade Griffin também se foi. Eles não podiam sentir nada nela, e ninguém queria tentar reverter o feitiço de troca. Ninguém foi corajoso o suficiente para tentar consertar a bagunça que eu fiz. De fato, eles me disseram que provavelmente era impossível. Então, como os curandeiros não podiam fazer nada por Dani, eu a transferi para uma instituição privada. A melhor que pude encontrar no seu mundo. Fiquei feliz em pagar por isso pelo resto de seus dias. E você —

— Acabei com uma tia que não era minha tia. Alguém que não me queria. Obrigada por isso.

— Olha, eu vou ser sincero com você, Em, — Zed diz com uma expressão de desculpas. — Eu nunca me importei muito com você. Era Dani que eu amava. Você era mais um incômodo do que qualquer outra coisa. Você era a criança que ela escolheu em vez de mim. Ser capaz de mandá-la para sua tia foi um alívio para mim. Dani amava você, então eu não queria que você acabasse órfã sem teto, mas não me importei muito além disso.

Cerro os dentes com tanta força que minha mandíbula começa a doer. Abro a boca e a fecho. Eu já disse a ele que ele é desprezível, então não faz sentido repetir isso.

— Eu checava Dani com bastante regularidade, — continua Zed. — Ao longo dos anos, o hospital tentou liberá-la algumas vezes, mas, como você sabe, nunca ocorreu bem. Ocasionalmente, eu tentava alguma nova forma de magia que encontrasse, mas nunca fui corajoso o suficiente para tentar algo drástico. Eu não queria arriscar matá-la. E com sua magia bloqueada — até onde eu sabia — ela era tão fraca quanto uma humana.

— Continuamos assim por anos. Então, um dia, sua magia finalmente se libertou do feitiço que eu coloquei em você, e sua Habilidade Griffin se revelou. De repente, todos com poder no mundo fae queriam colocar as mãos em você. E eu, infelizmente, ouvi as notícias tarde demais. O Rei Unseelie disse ao filho para aprender tudo o que podia sobre você. Sua busca o levou direto ao Hospital Psiquiátrico Tranquil Hills — onde eu estava tentando recuperar Dani. Ela sempre esteve segura lá, mas agora eu precisava levá-la para outro lugar. Eu não agi com rapidez suficiente. O príncipe Roarke apareceu enquanto eu estava no quarto de Dani. Ele me capturou e me levou de volta para sua casa, deixando Dani no hospital como isca para você, Em. Com duas poções — da verdade e compulsão — ele forçou que eu contasse a história. Ele descobriu que você e Dani eram trocadas.

— Ele trouxe uma bruxa então. Uma velha bruxa bem experiente na magia de seu povo. Crisanta. Ele me fez explicar exatamente como eu havia realizado o feitiço de troca em Dani, e juntos nós três descobrimos como poderíamos curá-la.

— Espere. — Eu levanto minha mão sem o punhal. — Por que Roarke faria isso? Ele não se importa com minha mãe. Ele não precisa dela. Ele nunca estava planejando cumprir seu lado da barganha que eu fiz com ele, então por que ele iria se dar ao trabalho de tentar consertá-la?

— Era o plano reserva dele. Ele pensou que, se tudo mais falhasse — se você acabasse com a Guilda ou os Seelies se recusassem a entrar em acordo com ele — ele roubaria sua mãe e a curaria. Então ele entraria em contato com você, apresentaria uma Daniela Clarke totalmente curada e só concordaria em libertá-la se você se entregasse a ele.

Encontro-me lentamente balançando a cabeça.

— Não? — Zed pergunta. — Você não acha que teria concordado com isso? Eu acho que você concordaria.

Ele tem razão. Não estou balançando a cabeça porque discordo dele. Estou balançando a cabeça porque ainda não consigo acreditar em tudo isso. Isso está muito longe de tudo que eu já imaginei para minha vida. Ele não pode estar falando de mim. Ele não pode estar falando da minha mãe. Ela não roubaria a vida de outra pessoa, não é? Mas, de alguma forma, no fundo daquela parte de mim que reconhece que estou totalmente fora da minha ossada desde o momento em que a terra se abriu aos meus pés, sei que a história de Zed é a verdade. É a minha história. É a história da minha mãe.

— Em? — Dash pergunta, sua besta ainda apontada firmemente para Zed. A magia que ele vem acumulando na palma da mão está quase do tamanho de uma bola de boliche agora. — Tudo bem?

Eu demoro alguns segundos para encontrar minha voz. — Eu... sim. Mas eu tenho muitas perguntas. Começando com a Habilidade Griffin da minha mãe. O que é? O que ela pode fazer?

Zed abre a boca e depois faz uma pausa antes de falar. — É complicado. Duvido que você tenha encontrado uma Habilidade Griffin como essa antes.

— Conheço magia há apenas algumas semanas, então há muitas Habilidades Griffin que nunca encontrei, Zed. Não me importo com o quão complicado é esta. Eu quero saber sobre ela.

— Bem. — Zed pressiona os lábios com força e diz, — Sua mãe tem... ela é... uma personalidade dividida.

Eu balanço a cabeça, suas palavras não fazendo nenhum sentido para mim. — O que você quer dizer? Que a doença mental dela é uma Habilidade Griffin? Então ela estava louca antes de você estragá-la com magia da troca?

— Não, assim não. Não é do jeito que você está pensando. Não há apenas duas personalidades vivendo dentro dela. Existem duas pessoas. E essas duas pessoas —

— podem se separar, — diz uma voz por trás de Zed. Ele gira para encarar a porta. Alguém a abre completamente, e lá está uma mulher com uma capa prateada e uma máscara preta muito familiar.

Ada.


Capítulo 33

 

 

E ESSAS PESSOAS PODEM SE SEPARAR. APESAR DA SÚBITA AMEAÇA DE ADA QUE ESTÁ NESTA sala conosco, meu cérebro se apega a essas palavras, correndo para juntar as peças desse quebra-cabeça.

Duas pessoas.

Elas podem se separar. Mamãe e sua 'amiga' sempre discutindo.

A amiga que ouvi através das paredes, mas nunca —

— Obrigada por compartilhar essa história fascinante, Zed, — diz Ada em um tom doce e doentio.

Uma faca aparece na mão de Zed. Dash dá um passo para o lado e aponta sua besta para Ada. — Adaline, — Zed fala entre os dentes. — Que bom vê-la novamente depois de tantos anos.

Adaline, meu cérebro repete. Outra peça do quebra-cabeça. Eu a viro repetidamente, desesperada para encaixar em algum lugar. Eu sei que se encaixa em algum lugar.

— Eu nunca gostei de você, — diz Adaline a Zed quando ela alcança a maçaneta da porta. — Eu nunca consegui entender o que Dani viu em você. — O vidro começa a se formar com velocidade alarmante através da porta e até o chão.

Meu cérebro abandona o quebra-cabeça. Minha mão levanta a adaga. Estou pronta para pular sobre o vidro e esfaquear Ada —

Mas a mão de Zed se move para frente. Sua faca brilhante perfura o estômago de Ada um instante depois. Ela grita e se dobra, pressionando as mãos contra o estômago. Seus cacos de vidro encantados param a centímetros dos pés de Zed. Ele levanta a mão e uma leve ondulação no ar sugere um escudo protetor que ele está segurando no lugar.

Ada olha para cima, com os olhos cheios de fúria. Ela puxa a faca e, depois que ela desaparece do seu aperto, ela pressiona as mãos sobre a ferida. — Você sabe que terá que fazer muito mais do que isso para me impedir, Zed.

— Sim, — diz ele. — Mas para pará-la, tenho que desacelerá-la primeiro.

— Dificilmente, — ela murmura. — Não demorará muito para que esta ferida se cure. Você não sabe que tipo de poder eu tenho agora.

— Eu ouvi rumores, — rosna Zed. — Rumores sobre rituais de bruxas.

— Você não pode me julgar, Zed. Não depois da magia de bruxas que você usou. — Ela pressiona as duas mãos com mais firmeza contra o estômago. — Agora, acho que é hora de você terminar sua história. Você estava terminando, mas receio ter interrompido você antes de você chegar à moral da história. — Seus olhos perversos pousam em mim. — Eu acho que Em não entendeu ainda. E que moral da história deliciosa!

E essas duas pessoas podem se separar.

Meu cérebro se atrapalha mais uma vez com as peças do quebra-cabeça reunidas quando Ada levanta uma mão ensopada de sangue, empurra o capuz para trás e remove a máscara. E de repente estou olhando para o rosto da minha mãe.

A adaga desliza do meu aperto. O ar é sugado do meu mundo. Meus joelhos começam a enfraquecer. Estou quente e fria, leve e pesada e, finalmente, todas as peças se encaixam. — Line, — eu sussurro. Essa é a única coisa que eu consigo lembrar da minha mãe gritando através das paredes enquanto discutia com o 'amigo' que eu nunca conheci. — Mas não era Line, — eu digo, minha voz saindo como um grasnido. — Era Adaline. Era você.

Ada assente, seu sorriso desaparecendo e seu olhar se tornando mais venenoso. — Eu não suportava o jeito que ela costumava dizer meu nome sempre que nos separávamos e acabávamos discutindo. ‘Adaline’, ela costumava dizer. 'Não seja tão estúpida, Adaline. Você não pode ir atrás da Guilda, Adaline. Sua Habilidade Griffin é fraca e inútil. Eu sou a forte. O que você fará sem mim? Enterrá-los vivos como bugigangas de vidro e ornamentos?’ — Uma risada amarga escapa dos lábios de Ada. — Bem, eu mostrei a ela, não mostrei. Quando ela estava perdida demais em sua própria mente para me controlar, eu saí. Ela não era forte o suficiente para me puxar de volta para dentro, e eu finalmente estava livre de uma vez por todas. As bruxas me ensinaram como aumentar meu poder e agora olhem para onde estou. Meu vidro não serve apenas para pequenas bugigangas. É uma força imparável. E quando você soltar esse escudo, enquanto vocês dois estão perdendo tempo com a elaborada magia dos guardiões que vocês acham que ninguém pode vencer, meu vidro vai pegar você. Vai quebrar vocês em segundos.

— Eu duvido, — Dash murmura.

— Ah, e existe esse ego guardião que todos conhecemos e gostamos de usar em nosso proveito, — diz Ada com uma risada pesada. — O que será hoje, jovem guardião? Lâminas, pássaros, pedras? Fragmentos de vidro, talvez? Você é habilidoso o suficiente para transformar sua magia na velocidade do pensamento, ou é um daqueles homens sem imaginação que gosta de jogar poder bruto?

— O último, — diz Dash. A mão de Zed cai para o lado dele, o escudo desaparece, Dash joga o braço para frente e todo o poder que ele esteve reunindo desde que Zed entrou nesta sala atinge Ada no peito. Um único segundo passa. Então seus olhos se fecham e ela cai no chão. — Feitiço de atordoamento, — diz Dash. — É incrível a frequência com que as pessoas esquecem desse.

— Demora um pouco para reunir a quantidade necessária de poder, — diz Zed, ajoelhando-se ao lado de Ada e segurando os pulsos juntos. — Provavelmente é por isso.

— Obrigado por ser tão rápido com o escudo, — diz Dash.

— Obrigado por ser tão rápido com o feitiço de atordoamento, — responde Zed, suas mãos rapidamente amarrando cordas douradas entre e ao redor dos pulsos de Ada.

Eu caio de joelhos quando minhas pernas finalmente cedem. — Ela é... ela é minha mãe. Ela faz parte da minha mãe. Ela é... são duas pessoas. Dentro de uma? Essa é a Habilidade Griffin? — Olho para Zed por confirmação.

— Sim.

— Isso... apenas... então...

— Complicado, — diz Zed. — Super complicado.

— Você sabia? Antes de você fazer o feitiço de troca?

— Sim. Dani me contou alguns meses depois que nos conhecermos. Ela disse que, desde que se lembrava, estava ciente dessa outra presença em sua mente. Ela tinha sete anos, eu acho, quando se separou e essa outra pessoa idêntica se revelou. Seus pais a nomearam Adaline. Adaline e Daniela. Um pouco como gêmeas, mas de uma maneira estranha, mágica, compartilhando um corpo na maior parte do tempo. Dani sempre foi a mais forte. Adaline não conseguia durar muito tempo sozinha. Ela se cansava, e as duas se fundiam e se tornavam uma novamente. Era estranho. Eu podia conversar com as duas e depois de um tempo, consegui descobrir quem estava falando. Mas se Dani se irritasse com Ada, ela conseguia silenciá-la. As coisas sempre foi assim.

— Até você mexer com a magia delas e deixar Dani fraca e louca, — eu digo.

— Sim, — Zed murmura. Terminado com a corda, ele se levanta. — Não sei por que aconteceu dessa maneira. Porque isso afetou a mente de Dani e não a de Ada. Porque a magia de Ada não foi bloqueada, mas a de Dani sim. Nada disso faz sentido.

— Parece que você mexeu demais com o feitiço de troca para que tudo isso faça sentido, — Dash diz calmamente.

— Mas mudou as aparências delas, no entanto, — aponto. — Elas parecem exatamente iguais. Isto é tão estranho. Se eu não tivesse visto a magia de vidro dela e se não tivesse ouvido o jeito que ela fala, eu teria dito sem dúvida que essa é a minha mãe.

— Sim. Elas sempre pareceram idênticas. É aí que as semelhanças terminam. Elas nunca quiseram as mesmas coisas. Era Ada, ao invés de Dani, quem quis se vingar da guilda. Dani também queria isso no começo — Ada obviamente não podia forçá-la — mas ela se cansou muito mais rápido. Ada queria ficar. Ela tentou convencer Dani, mas Dani não quis ouvir. Depois que fugimos, as duas não se separavam mais com frequência. Parecia que Ada estava meio que... de mau humor. Então, quando Dani me pediu para fazer o feitiço de troca, Ada ficou furiosa. Ela forçou a saída e disse a Dani o quão estúpida ela estava sendo, jogando sua magia fora por uma vida humana chata. Mas Dani ainda estava mais forte então. Ela forçou Ada de volta para dentro. Elas não se separaram por um longo tempo após o feitiço de troca, e eu comecei a pensar que a magia devia ter bloqueado Ada. Mas depois que Dani começou a enlouquecer, Ada começou a se separar dela novamente. Eu a vi algumas vezes, desaparecendo e voltando horas depois. Um dia, eu a vi desaparecer no início da noite — e nunca a vi voltar.

— Então você sabia que ela estava fora, então? — Eu pergunto. — Você sabia o que ela estava fazendo?

— Não. Não por anos. Eu assumi que ela começou uma nova vida no reino mágico, e fiquei feliz em esquecê-la. Eu esperava nunca mais vê-la. Mas, nos últimos meses, ouvi rumores sobre uma mulher mascarada que estava transformando pessoas em vidro, e me perguntei se poderia ser Ada. Eu não sabia ao certo até que ela entrou nesta sala e começou a falar. É... — Ele gesticula para ela. — É a primeira vez que a vejo desde que ela desapareceu.

— Então... quando as duas estão juntas, — digo, — a Habilidade Griffin delas é que elas podem se separar. Mas quando elas se separam, Ada tem sua própria Habilidade Griffin: transformar as coisas em vidro apenas tocando nelas. Minha mãe — Dani — tem sua própria habilidade quando está sozinha?

— Não. Bem, não que eu saiba. Do jeito que ela me explicou, sua magia Griffin era a capacidade de se dividir em duas pessoas diferentes. A habilidade de fazer com que essa outra pessoa se torne parte dela, mantendo uma consciência separada dentro dela.

— É tão estranho, — digo novamente, balançando a cabeça, sem me mover da minha posição no chão. — Muito super esquisito. É como... eu não sei. Talvez elas devessem ser gêmeas, e então um daqueles discos Griffin as afetou antes de nascerem, e elas acabaram nessa forma gêmea estranha, bagunçada e não convencional, com uma morando dentro da outra.

— Quem sabe, — diz Zed com um encolher de ombros. — Pode realmente ser o que aconteceu.

— E eu não entendo por que ela não me revelou seu rosto antes de agora. Ela poderia ter fingido ser minha mãe. Eu ficaria confusa, mas teria ido a qualquer lugar com ela.

— Acho que não, — diz Dash. — Você é mais esperta que isso. Você sabe agora que metamorfos e ilusões são reais. Você suspeitaria de algum tipo de magia. E ela realmente não queria você; ela queria sua mãe. Então ela provavelmente estava tentando evitar perguntas e explicações.

— Então por que ela está aqui agora? — Eu murmuro, mais para mim do que qualquer outra pessoa. Dash e Zed não sabem assim como eu porque Ada pode estar aqui. — De qualquer forma. — Engulo e pigarreio e me preparo para fazer a Zed minha pergunta mais importante, — Você pode curar Daniela Clarke? Depois de passar um tempo tentando descobrir isso com Roarke e aquela bruxa que você mencionou, você descobriu uma maneira de deixá-la bem novamente?

— Nós descobrimos, — diz ele, e meu interior floresce com calor e felicidade. — Pelo menos, pensamos que sim. Obviamente, ainda não tentamos. E há um problema.

Uma nuvem negra se espalha sobre a minha felicidade. — O quê?

— O feitiço de troca foi aplicado nas duas. Dani e Ada. Para removê-lo adequadamente, as duas precisam ser uma novamente.

Eu olho para Ada, considerando exatamente o que isso significa. — Ela nunca concordaria com isso, obviamente, e parece que agora ela é forte o suficiente para resistir, mas eu posso ordená-la a fazer. Para... mergir com Daniela, se é assim que você chama. — Eu olho para Zed. — Suponho que você saiba como acordar minha mãe de qualquer feitiço que Ada colocou nela? Ou suponho que posso apenas dizer a Ada para fazer. Ela chamou de 'irreversível', mas se Roarke estava planejando acordar minha mãe, Ada deve estar mentindo sobre essa parte.

— Eu sei como acordá-la com base no que ouvi do príncipe, — diz Zed. — Mas talvez seja melhor ordenar que Ada faça isso. Ela é a única pessoa que sabe exatamente qual magia ela usou.

Eu olho para o rubi na minha pulseira. — Muitas coisas para a minha Habilidade Griffin fazer. — Tendo me recuperado do meu choque inicial — fisicamente, pelo menos, não emocionalmente — eu me levanto. — É melhor eu ir buscar minha mãe para que ela esteja aqui quando minha habilidade estiver pronta para ser usada.

— Sozinha? — Dash pergunta, surpresa cobrindo seu rosto.

— Sim. Você disse que um de nós deveria ficar aqui, lembra? E isso foi antes de Zed entrar na sala e Ada aparecer. Agora você deve observar os dois, além de ficar atento a novos perigos. Você definitivamente não pode vir comigo.

— Ei, eu ainda não provei? — Zed pergunta. — Eu disse a verdade a você. Sobretudo a ver com você, Dani e o feitiço de troca. E ajudei a atordoar Ada. — Ele olha para Dash, que não está mais segurando uma besta. Suas mãos estão firmes ao seu lado, no entanto, como se ele estivesse preparado para pegar outra arma a qualquer momento. — Você não precisa se preocupar em ficar me olhando, — diz Zed. — Vou observar Ada se você quiser ir com Em.

— Não, — Dash e eu dizemos ao mesmo tempo. — Não vou deixar você sozinho aqui, — acrescenta Dash. — Mas Em, talvez você deva esperar. Podemos ir juntos depois que você tiver usado sua Habilidade Griffin para —

— Não. Não quero mais esperar. Eu vou ficar bem, Dash. Ninguém quer me machucar para onde vou.

— Tudo bem, mas sua mãe é pesada. Como você vai carregá-la?

Vou até o aparador e pego uma das velas. — Na verdade, não sou completamente inútil com a magia comum, Dash. Eu posso fazer isso — estalo os dedos e uma chama aparece no topo da vela — e posso carregar minha mãe.

Enquanto uma luz brilhante brilha ao meu redor, fecho os olhos e imagino o único outro lugar que posso pensar que seja seguro: a casa dos pais de Dash. Quando sinto a grama sob meus pés, abro os olhos e olho em volta. Espero encontrar o belo jardim — era o que estava imaginando — mas estou diante de uma cerca alta. — Merda, — murmuro. Eu devo estar fora da propriedade. Eu olho ao redor rapidamente, mas não há mais ninguém aqui. E agora que estou sozinha, longe de Zed e Ada, o feitiço protetor sobre o refúgio seguro dos rebeldes Griffin me permite pensar e imaginar novamente o oásis.

Eu tiro a stylus de Aurora de dentro do casaco e a substituo pela vela. A vela pode funcionar para me levar ao oásis, mas não tenho certeza. Pelo menos eu sei como os caminhos das fadas funcionam agora. Inclino-me e escrevo na grama enquanto falo as palavras que felizmente não esqueci. Uma sensação corre através de mim ao ver um portal aparecendo no chão aos meus pés; a novidade de realizar magia ainda não passou para mim. Sento na beira do buraco escuro e me deixo entrar nele. Eu posso estar caindo, mas não posso dizer. Tudo está totalmente escuro e imóvel, enquanto me concentro firmemente no deserto e na cúpula que protege o oásis.

Então, abruptamente, meus pés batem na areia e eu tropeço para frente. O ar quente me sufoca e a luz brilhante quase me cega. Eu consigo me segurar antes de cair de joelhos. Depois de me firmar, olho e giro até ver o contorno fraco de uma cúpula e formas nebulosas dentro dela. Quando fui embora, parte de mim pensou em nunca mais ver esse oásis. Eu sabia que nunca poderia voltar da Corte Unseelie. Eu esperava que sim, é claro, mas estava disposta a continuar com essa união como último recurso, se isso significasse curar minha mãe.

Agora, o pensamento dessa união me faz querer ficar doente.

Eu ando o mais rápido possível pela areia quente e deslizo através da cúpula para o ar fresco e gelado do oásis, esperando desesperadamente que ninguém me veja. Não tenho tempo para responder perguntas ou explicar para onde estou levando minha mãe. E não tenho tempo para me desculpar — o que definitivamente quero fazer corretamente quando tudo acabar e mamãe estiver segura e curada.

Meus olhos examinam o oásis enquanto eu ando rapidamente — mas não muito rapidamente em direção à árvore que está a casa em que deixei minha mãe. Abaixo a cabeça e tento permanecer discreta, mas então lembro que estou usando roupas completamente ridículas, e é claro que vou me destacar se alguém me ver. Mas parece que é o meio do dia aqui, então acho que todo mundo está ocupado.

Na base da árvore gigante, paro e olho em volta novamente. Duas crianças estão sentadas embaixo de outra árvore comendo alguma coisa, mas nenhuma delas olha na minha direção. À distância, alguém leva uma criatura grande — uma gárgula? — por trás de uma moita de arbustos. Mas ele ou ela está muito longe para perceber que não sou alguém que mora aqui.

Meus passos estão silenciosos nas muitas escadas que serpenteiam ao redor da árvore. Quando chego à porta de Ryn e Vi, escuto do lado de fora por vários instantes, sem ouvir movimentos ou vozes. Eles provavelmente estão longe em alguma missão importante. Eles podem, eu percebo com uma pontada de culpa, estar procurando por mim e pelo Dash. Eu quase continuo subindo, mas minha consciência leva o melhor sobre mim. Eu entro na cozinha e paro por um momento para respirar o cheiro de algo recém-assado. Olho através das bancadas e encontro um pergaminho em branco e um lápis que fica mudando de cor na minha mão. Rapidamente, escrevo uma recado: Dash e eu estamos bem. Eu levei minha mãe. Estaremos de volta em breve. Me desculpe, por ter ido embora. Em.

Eu deixo o papel no centro da mesa da cozinha e coloco um vaso por cima, para o caso de uma brisa passar por aqui. Dash faria mais do que isso. Ele procuraria alguém que ele conhece aqui. Ele explicaria as coisas. Ele garantiria que qualquer pessoa que estivesse procurando por nós fosse notificada imediatamente sobre nossa segurança e nosso paradeiro. Mas não tenho tempo para coisas assim e já sei que Dash é uma pessoa melhor do que eu.

Quando vou para a porta, meu estômago ronca e percebo de repente como estou com fome. Com fome e sede. Dizendo a mim mesma que não é roubo — mesmo que seja — eu pego o pedaço de pão embrulhado em um pano da parte superior do fogão, junto com o conteúdo da fruteira, e os jogo em uma mochila pendurada em uma das cadeiras. Eu procuro algo para beber. Eles têm garrafas neste mundo? Algo que eu possa levar comigo? Por alguma razão, duvido que plástico exista aqui. Então noto um vidro ornamentado com algo que pode ser uma rolha no topo. Depois de remover a rolha, cheirar o conteúdo, provar e confirmar que é água — e depois tomar um segundo gole grande — eu a adiciono à mochila.

E é aí que percebo três frascos de vidro alinhados ao longo da parte de trás do balcão. Frascos do mesmo tamanho daquele que contém o elixir para estimular minha Habilidade Griffin. Percebo que os frascos, quando me aproximo, têm meu nome escrito em letras minúsculas. — Perfeito, — eu sussurro, silenciosamente agradecendo Ana por fazer mais elixir para mim. Lembro dela dizendo que faria, mas sabia que teria ido embora quando ela terminasse com um novo lote.

Enfio os frascos no bolso dentro da mochila e corro para fora da casa. Eu continuo mais acima, logo depois da casinha simples que foi minha pelo breve período em que fiquei aqui. Parando do lado de fora do quarto ao lado, sinto um repentino e irracional medo de entrar e encontrar o quarto vazio. Giro a maçaneta e empurro a porta — e mamãe está exatamente onde eu a deixei. O alívio corre através de mim enquanto eu corro para o lado dela. Olhando para sua forma inconsciente, estou quase superando tudo o que aprendi na última hora. Você realmente não conhece essa mulher, uma pequena voz me lembra. Mas não consigo me concentrar nesse pensamento. Por enquanto, preciso tirá-la daqui.

Eu dou alguns passos para trás, lembro dos primeiros feitiços que pratiquei no Palácio Unseelie e murmuro as palavras que levantarão mamãe de sua cama. Ela desliza para o lado e rola desajeitadamente no ar. Com feroz concentração, eu consigo pegá-la e mantê-la flutuando. Quando tenho certeza de que ela não vai cair no chão, eu a direciono pelo ar logo à minha frente e saio da casa da árvore. Consigo chegar com sucesso até a escada em espiral, embora demore mais do que eu gostaria.

Eu percebo, quando chego ao final, que provavelmente é a última vez que vejo este lugar. Certa vez, sonhei secretamente com mamãe e eu vivendo o resto de nossos dias nesse paraíso mágico, mas isso foi antes de eu saber que ela não era apenas uma pessoa. Isso foi antes de eu saber que, para curá-la, ela teria que se juntar a Ada, uma das faeries mais perigosas que eu já conheci neste mundo. Quando os rebeldes Griffin descobrirem quem realmente é minha mãe, duvido que eles nos deixem voltar.

Eu ando pela grama, me mantendo perto da minha mãe enquanto ela flutua ao meu lado. Ao me aproximar da cúpula, um grito chega aos meus ouvidos. Olho por cima do ombro para ver alguém à distância acenando e se movendo rapidamente em minha direção. Não tenho tempo para isso, lembro quando passo pela camada protetora de magia. O calor me atinge enquanto coloco mamãe na areia. Ajoelho-me ao lado dela, seguro firmemente uma de suas mãos, levanto a vela negra que viaja entre nós e acendo uma chama.


Capítulo 34

 

 

A LUZ CINTILANTE BRILHA AO NOSSO REDOR ENQUANTO FECHO OS OLHOS E IMAGINO A SALA NA BASE DA torre no mundo das sombras. Depois de um momento, sinto uma superfície dura sob os joelhos e a luz do outro lado das pálpebras começa a escurecer.

— Em. Você conseguiu!

Eu abro os olhos para ver Dash na minha frente, um respingo de cor brilhante contra os tons suaves do mundo das sombras. — Não há necessidade de parecer tão surpreso. — Eu solto a mão da minha mãe.

— Não, eu só quero dizer que pensei que alguém iria pará-la. Eu pensei que alguém — pelo menos uma pessoa — voltaria com você.

— Eu não vi ninguém que eu conheça, — eu digo a ele, deixando de fora a parte de alguém correndo em minha direção quando saí. Zed atravessa a sala, ajoelha-se do outro lado da minha mãe e segura uma das mãos dela. — Acho que todo mundo deve estar ocupado no momento. Mas deixei um bilhete. — Não me lembro onde, agora que estou na companhia de alguém que não deveria saber dos rebeldes Griffin, mas sei que deixei um bilhete em algum lugar.

— Um recado? — Dash diz. — É isso?

— Alguém verá em breve, tenho certeza. E, além disso, isso terminará logo, certo? Então você pode voltar e eu vou encontrar um lugar seguro para mim e minha mãe. Espero que, uma vez que ela seja uma faerie saudável e normal de novo, ela seja mais forte que Ada, e Ada nunca mais conseguirá sair. Mamãe estará no controle e tudo ficará bem.

Dash e Zed me olham com expressões duvidosas.

— O quê? — Eu exijo. — Tudo vai dar certo, tudo bem?

Zed assente, voltando o olhar para minha mãe. — Vai. Só não tenho certeza se será tão fácil quanto você espera.

— Não se preocupe, estou acostumada a isso, — eu resmungo enquanto olho para Ada do outro lado da sala. Ela está na mesma posição em que a vi pela última vez, mas uma forma esférica semi opaca a envolve completamente. — O que é isso?

— Eu a coloquei em uma bolha, — diz Dash. — Um escudo. Imaginei que ela poderia acordar silenciosamente sem que percebêssemos. Ela provavelmente poderia transformar suas cordas em vidro em um instante e quebrá-las, e se isso acontecer, quero que ela permaneça contida.

— Bem pensado. — Eu tiro a mochila do meu ombro. — Eu trouxe comida. Bem, tecnicamente eu roubei um pouco de comida, mas espero que Vi e Ryn não se importem muito. Pelo menos podemos comer e beber alguma coisa enquanto esperamos que Ada e mamãe acordem.

— Esperar neste mundo é perigoso, — Zed diz calmamente. — Deveríamos ir para outro lugar. Minha casa, talvez. Ninguém importante sabe dela. Ninguém nos encontraria lá.

— Ótima ideia, — diz Dash. — Se soubéssemos que poderíamos confiar em você.

Zed olha com uma careta. — Você não esqueceu que eu a amo, não é? — ele diz ferozmente. — Eu não vou fugir disso. Estou aqui para corrigir meus erros.

— Olha, este pode ser um mundo estranho, — digo a eles, — mas é o lugar mais seguro para estarmos agora. A Guilda não sabe dele. A maioria dos Unseelies não sabe dele. E o outro lugar que é adequadamente seguro é impossível para nós, já que Dash e eu não estamos sozinhos. Então, tenhamos paciência até que Zed possa executar o feitiço, e então sairemos daqui. Dash, você pode retornar ao seu trabalho na Guilda — supondo que ainda tenha um — Zed, você pode voltar à sua vida se sentindo um pouco menos culpado do que antes, e mamãe e eu... encontraremos um lugar seguro para ir.

Zed abre a boca, provavelmente para me dizer onde ele acha que mamãe e eu deveríamos ir, mas eu o silencio com um olhar. Se ele está prestes a sugerir vivermos juntos como uma família feliz depois das coisas que ele fez para mamãe e eu, talvez eu tenha que machucá-lo.

Eu me afasto um pouco mais da mamãe, coloco a mochila na minha frente e abro. — Olha o que mais eu encontrei, — digo para Dash, segurando um dos três frascos de vidro.

Ele se senta ao meu lado e pega o frasco. — Isto é...

— O material que estimula minha Habilidade Griffin? Sim.

— Impressionante. — Ele devolve. — Agora não precisamos esperar até hoje à noite.

— Sim. Podemos continuar assim que Ada acordar. — Eu retiro o pão, a fruta e a garrafa com formato estranho da mochila. Minha garganta seca está desesperada por água, mas antes que eu possa beber, Dash coloca as duas mãos em volta da garrafa. Ele se concentra furiosamente, e gradualmente a garrafa dobra de tamanho. — Isso é conveniente, — eu digo.

Passamos a garrafa, cada um bebendo ansiosamente, apesar da forma estranha e tamanho. No silêncio que nos acompanha, enquanto comemos pedaços de pão, minha mente começa a revirar cada detalhe da história de Zed. Ainda é difícil acreditar que minha mãe — Dani — decidiu deixar sua própria vida para trás e assumir ser outra pessoa. E Zed nunca mencionou exatamente o que aconteceu com a Macy Clarke original após o feitiço de troca. Ela deve ter morrido, mas... quanto tempo levou? Isso aconteceu em sua própria casa? Ela sabia o que estava acontecendo com ela? E o que Zed e Dani fizeram com seu corpo depois?

É tão horrivelmente mórbido pensar nisso, mas não posso evitar. Macy não fez nada de errado. Zed a escolheu aleatoriamente, substituiu seu bebê por um impostor e, em seguida, essencialmente a matou também. E mamãe foi quem pediu que ele fizesse isso.

Eu me afasto dessa ideia, não querendo pensar em minha mãe como uma assassina. Ela deve ter tido uma boa razão para assumir a vida de Macy. Talvez tenha sido uma razão pela qual Zed nem sabia. Algo maior, algo que faz mais sentido. E ela provavelmente me dirá que foi um erro horrível e terrível ter causado a morte de um humano inocente, e eu direi a ela para não se arrepender, porque isso nos uniu.

Mesmo que eu mal possa pensar nas palavras sem me sentir mal do estômago.

— Oh, não devemos esquecer Roarke, — acrescenta Dash, interrompendo meus pensamentos. — E os guardas dele. Eles provavelmente estão acordados agora, amarrados com cordas de guardiões que esperançosamente não têm como quebrar. Suponho que eles estejam protegidos das criaturas sombrias?

— Hum, sim. — De bom grado, agarro essa distração para afastar meus pensamentos perturbadores. — Os amuletos deles os protegerão dos sombras de tinta. Eles devem ficar bem até que possamos voltar para eles.

— A menos que alguém os encontre primeiro, — diz Dash. — E a irmã de Roarke? Ela conhece esse mundo. Ela pode tê-lo resgatado.

— Sim, isso é possível. — Rasgo o pedaço de pão nas mãos em dois pedaços menores. — Ou talvez... haja outra mulher. Eu não a vi, mas a ouvi conversando com Roarke. Ela também conhece esse mundo. Ela já pode ter encontrado ele.

A expressão de Dash escurece. — Se for esse o caso, ela ainda pode estar aqui. Procurando por nós.

— Vê? — Zed murmura. — Ficar aqui é uma má ideia.

— Não vai dar nada errado, — digo severamente, pensando se devo tirar o elixir da mochila e colocar algum poder mágico por trás dessa declaração.

Dash cutuca meu joelho com a ponta do sapato. — Fico feliz em ver que minhas vibrações positivas estão passando para você.

Eu reviro meus olhos. — Não tenha muitas esperanças. Isso é o máximo de positividade que eu vou conseguir.

Dash me dá uma cara triste, depois puxa a garrafa grande demais para beber mais água. Coloco um pedaço de pão na boca e mastigo. Como os pensamentos de minha mãe estão confusos demais para enfrentar agora, deixo minha mente voltar ao início da história de Zed. Ao casal de guardiões, que ele foi instruído a roubar um bebê. O medo se emaranha com um sussurro de excitação. Eu quero saber quem eles são? Eu quero saber quem eu realmente sou? Quero saber como seria meu nome, se tenho irmãos, onde teria morado?

Eu pigarreio. — Você disse que está aqui para corrigir seus erros, — digo a Zed. — Você quer dizer seus erros em relação à minha mãe e ao feitiço de troca? Ou você quer dizer eu também? Porque não foi só a vida dela que você bagunçou. Você começou com a minha.

Ele olha longe de mim. — Gostaria de poder dizer que posso consertar sua vida também, mas —

— Mas você só se importa com a Dani.

Ele suspira. — É verdade que ela é minha primeira prioridade. Mas se eu pudesse ajudá-la também, Em, eu a ajudaria. Só não tenho ideia de onde seus pais estão agora ou se estão vivos.

Eu engulo. — O que você sabe sobre eles?

— Eles eram excelentes guardiões. Dois dos melhores, pelo que ouvi, embora não foi isso que experimentei quando fui à casa deles para levá-la. Eles estavam despreparados e foi fácil atordoar os dois. Não sei o que aconteceu com eles depois que te levei. Eles eram parentes de uma velha amiga minha, mas eu nunca a vi novamente.

— A enorme batalha na ilha de Velazar ocorreu pouco depois disso. Havia prisioneiros, guardiões, bruxas e até o próprio lorde Draven, com seu próprio exército de gárgulas. Ainda não sei como isso foi possível; ele deveria estar morto há uma década. Alguns disseram depois que tudo era mentira, mas muitos ainda acreditam que foi ele quem foi queimado até a morte depois que o véu foi rasgado. Enfim, meu argumento é que seus pais provavelmente estavam lá. Eles podem ter sido capturados pela Guilda depois que o Conselheiro Chefe da época revelou todos os Dotados Griffin. Porque eles deviam ter Habilidades Griffin, — ele acrescenta enquanto gesticula em minha direção. — Sua magia Griffin é prova disso. Ou eles podem ter sido mortos na luta. Eu não sei.

— E você nunca se importou em descobrir, — murmuro.

Ele balança a cabeça. — Não. Você pode me odiar por isso, mas eu não queria saber. Nunca mais quis pensar neles.

— Quem —

Crack.

Meu olhar se dirige para a bolha. A corda em torno dos pulsos de Ada agora é de vidro brilhante em vez de ouro brilhante. Com outro estalo, ela separa os braços, quebrando a corda em centenas de cacos antes de se levantar.


Capítulo 35

 

 

OS GRITOS DE RAIVA DE ADA, APENAS SILENCIADOS UM POUCO PELA BOLHA QUE A CERCA, SAÚDAM MEUS OUVIDOS. ELA esmurra o interior do escudo com vidro, granizo e pedras. — E ela zombou de nós por querer usar magia elaborada, — diz Dash a Zed.

— Dash, — digo enquanto mexo no bolso dentro da mochila, —talvez essa coisa de bolha escudo não tenha sido uma boa ideia. Você deveria ter reunido mais magia para atordoá-la uma segunda vez.

— E então ter que esperar mais algumas horas para ela acordar de novo?

— Um pequeno feitiço de atordoamento então! Mas isso? Ela vai se libertar. — Eu envolvo meus dedos em torno de um dos frascos e levanto.

— Ela não vai, — diz Zed. Ambas as mãos estão levantadas. Espero que ele esteja reforçando qualquer magia que esteja cercando Ada.

— Essa é a Dani? — Ada exige, parando brevemente o seu ataque na bolha escudo. — Vocês são pessoas estúpidas. Você sabe que ela não consegue acordar, não é? Eu a coloquei em um sono eterno! — Ela continua jogando sua magia, tentando se libertar.

— Em, você está pronta? — Dash pergunta. — Diga a ela o que você precisa dizer.

— Espere. Minha habilidade Griffin funcionará através do escudo?

— Eu não sei! Por que não?

— Eu vou matar vocês! — Ada grita, me lembrando por um momento da mulher na prisão Unseelie. — Vou matar os dois guardiões inúteis. Esconderei Dani em um buraco distante que ninguém jamais encontrará e depois pegarei o que vim buscar. Você! — ela cospe para mim.

— Então você mudou de ideia sobre mim? — Eu pergunto enquanto puxo a tampa do frasco. — Porque em Stanmeade, você fez parecer que não tinha muita utilidade para mim. Mas, sejam quais forem suas razões para aparecer aqui, Adaline, logo descobrirei todas elas. — Inclino pelo menos metade do conteúdo do frasco na minha garganta.

Ada fica quieta. Ela fecha os punhos, fecha os olhos e solta um grito de congelar o sangue. O vidro explode do chão em um círculo ao seu redor, corta direto através do escudo e alcança o teto.

O escudo some.

Ela congela por um segundo, um sorriso triunfante no rosto e um brilho aterrorizante nos olhos. Então ela levanta a mão em minha direção. Aquela sensação de formigamento familiar começa na base da minha espinha quando minha Habilidade Griffin se prepara para correr para a superfície. Mas ainda não está lá, e se eu não posso —

Zed se joga para outro lado da sala e colide com Ada.

— Não! — Eu suspiro quando os dois caem no chão. Espero que Zed vire vidro em um instante. Espero ver todas as minhas esperanças sobre minha mamãe se despedaçar. Mas os dois ficam estranhamente imóveis enquanto estão deitados no chão. A mão de Zed está envolta do pulso de Ada, mas seu aperto não é forte e ela não está lutando com ele. Eles estão olhando para algo além. Espasmos, gemidos. — Não, — Ada choraminga, observando algo que nem Dash nem eu podemos ver. — Não, por favor, não. Pare por favor.

Congelada no lugar, sem uma pista do que fazer, pergunto, — O que está acontecendo?

— Eu não sei. — Dash se aproxima dos dois.

Então, finalmente, minha magia Griffin corre para encher minha voz de poder. Palavras caem da minha boca, — Ada, sua magia de vidro não tem poder neste mundo. — Uma quantidade inesperadamente grande de magia flui do meu corpo, me deixando um pouco instável. Eu levanto minhas mãos para me firmar. Felizmente, sinto alguma magia Griffin remanescente persistindo na borda do meu controle. — Ada, você vai me obedecer quando eu disser para você acordar Dani do sono encantado que você colocou sobre ela, — acrescento rapidamente. — E Zed, você responderá minhas perguntas com a verdade e fará todo o possível para curar Dani e fazê-la ser do jeito que ela era antes do feitiço de troca.

Minha voz perdeu sua profunda ressonância nas últimas palavras do meu comando, mas estou confiante de que consegui dizer o suficiente para garantir que Zed não possa machucar intencionalmente minha mãe. Apenas no caso de ele ter mentido sobre tudo até agora.

Dou alguns passos cuidadosos para mais perto de Ada e Zed. A mão dele desliza para longe do pulso dela. Os gemidos dela terminam, e os dois ficam parados, tremendo um pouco. Quando Ada pisca e olha em volta, Dash corre em direção a ela, agarra suas mãos e as força para trás das suas costas. Zed se levanta, limpando a umidade debaixo dos olhos. — Você jurou que nunca faria isso comigo, — sussurra Ada trêmula para Zed.

— Eu jurei que nunca faria isso com a Dani, — ele responde sem olhar para ela. — Eu não jurei nada para você.

— O que você fez com ela? — Eu pergunto, meus olhos se movendo para frente e para trás entre eles.

Ele engole. — Minha Habilidade Griffin. Eu tento nunca usá-la. Mas... tempos desesperados e tudo isso. — Eu me agacho na frente deles. — O que ela faz?

— Pesadelos. Eu posso fazer as pessoas reviverem seus piores pesadelos. — Ele fecha os olhos. — O problema é que eu tenho que sentir cada grama de terror que eles estão experimentando. Portanto, minha Habilidade Griffin tortura eu e minhas vítimas.

Um arrepio involuntário se arrasta pela minha pele. — Isso é horrível.

Ada se empurra de repente contra a corda que agora segura as mãos atrás das costas. — O que você fez comigo? O que você disse?

— Se você percebeu que não pode mais usar sua Habilidade Griffin, provavelmente pode adivinhar o que eu disse.

— Sua pequena vaca, — ela cospe. — Como você ousa tirar minha magia de mim?

Meu olhar endurece. — Você matou pessoas. Você estava prestes a matar Zed e Dash. Você é a razão pela qual minha tia e minha prima estão mortas. Perdoe-me se não consigo ter piedade por você pelo fato de você não poder usar sua horrível magia de vidro.

O olhar dela estreita. — Você nunca amou sua tia e prima. Seu amigo me disse isso. Fiz um favor ao me livrar delas.

Eu fico de pé e dou um passo para trás. — Que amigo? Do que você está falando?

Seu olhar se transforma em um sorriso provocador. — Lembro de dizer para você que sempre tive alguém observando você. Alguém pronto para me atualizar a cada poucos meses, quando eu parei em Stanmeade para descobrir se algo interessante havia acontecido com você. Eu não vou lhe dizer quem, é claro. Talvez eu precise usar essa pessoa novamente.

— Você não vai, — asseguro a ela, — porque garantiremos que você volte exatamente para onde deveria estar.

Uma carranca franze sua testa quando ela olha entre nós três. Então o olhar dela para na minha mãe inconsciente — e eu vejo quando a compreensão finalmente surge em seus olhos. — Não, — ela diz. — Você não pode. Não é possível Dani tem que estar acordada para —

— Ela estará acordada. Você vai acordá-la.

Ela fica quieta por um momento, com a boca aberta, provavelmente pronta para recusar. Mas ela não pode escapar da minha Habilidade Griffin. Um grito de raiva sem palavras finalmente se liberta quando ela começa a se arrastar pelo chão em direção a minha mãe. Dash segura seus braços e a ajuda. Ele a coloca ao lado de minha mãe, onde ela começa a se debater de um lado para o outro. — Dash, os braços dela, — eu digo, me aproximando. — Eu acho que ela precisa usar as mãos. — Ele se dobra quando uma faca se forma instantaneamente em seu aperto. Ele corta as cordas que prendem os pulsos dela e ela passa as mãos sobre o corpo imóvel da mamãe.

— Droga — eu não quero — Argh! — Ela está lutando contra o meu comando mágico, mas mesmo quando seu grito furioso sai da boca, outras palavras estranhas começam a sair da sua língua. Dash dá um passo para trás e levanta uma besta, apontando diretamente para Ada. Zed se move para ficar ao lado dele, uma lâmina curta e curva aparecendo em cada mão. Por precaução, pego a adaga do chão e caminho para o lado de Dash.

— Não precisamos pará-la, — diz Zed a Dash, à medida que a velocidade do canto de Ada aumenta.

— Eu reconheço as palavras. Ela está dizendo a coisa certa. — Dash assente. — A voz de Em é difícil de resistir. Mas não sabemos o que ela tentará quando Dani acordar. Esteja pronto para agir.

Eu aperto meu punho suado no punho da adaga. Enquanto Ada canta seu feitiço repetidamente, sinto algo diferente e artificial invadindo a atmosfera. Algo que me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se algum tipo de força ameaçadora está se aproximando, prestes a me agarrar. Eu estremeço quando seu canto atinge um novo nível de frenesi. Ela inclina a cabeça para trás e um arrepio desconfortável levanta os cabelos na parte de trás do meu pescoço. A mão de Dash envolve a minha e não me afasto. Quero fugir o mais longe possível dessa magia antinatural, mas como não posso, é bom sentir o calor sólido e tranquilizador de alguém bem ao meu lado.

De repente, acaba. Ada abaixa a cabeça e para de falar. Zed deixa cair as facas — que desaparecem antes de cair no chão — e agarra os pulsos de Ada. Ela tenta soltar algumas faíscas de magia, mas ele consegue forçar seus braços para trás das costas sem muita dificuldade. — Não é tão perigosa sem o seu toque de vidro, não é? — ele diz.

— Por que ela não está acordada? — Eu pergunto, me ajoelhando ao lado de mamãe enquanto Zed arrasta Ada para longe dela.

— Ela acordará em breve, — diz Ada amargamente.

— Quanto tempo?

Ela me dá um sorriso retorcido. — Você não deveria estar tão ansiosa para ela acordar, Em. Você sabe que vou contar a ela o que você fez quando nós duas nos juntarmos novamente. Vou garantir que ela saiba tudo sobre como você a entregou para mim em sua fraca tentativa de salvar uma cidade humana da qual você nem gosta. Pelo menos vou ter um momento de satisfação com essa bagunça: contar a Dani que sua amada filha — a troca que ela roubou de outra pessoa — a traiu.

Tudo em mim anseia pular sobre Ada e rasgar minhas unhas pelo rosto dela, mas isso provavelmente daria a ela mais satisfação do que a mim. Então, eu finjo estar perfeitamente equilibrada e sensível e pergunto, — Por que minha Habilidade Griffin não funcionou para acordá-la?

Ada encolhe os ombros e desvia o olhar. — Claramente você não é tão poderosa quanto pensa que é.

— Isso não tem nada a ver, — diz Zed. Ele olha para mim. — As pessoas sabem das Habilidades Griffin há muito tempo. Algumas das bruxas descobriram isso antes mesmo de o Príncipe Zell começar a juntar as peças e começar a nos cercar para o seu exército. Então, as bruxas, que sempre foram particularmente criativas com seus feitiços —

— E particularmente maldosas, — acrescenta Dash.

— Criativas, — Ada repete com uma risada. — Elas certamente são.

— As bruxas, — continua Zed, — inventaram alguns feitiços que são resistentes às Habilidades Griffin. Não muitos. Apenas alguns básicos que elas podiam ter certeza que resistiriam a qualquer tipo de influência mágica. Por exemplo, colocar alguém em um sono permanente.

— O que não parece ser tão permanente, — eu respiro, aproximando-me mais da minha mãe quando ela começa a se mexer. Estou tão feliz que, por um momento, esqueço que ela provavelmente ainda ficará confusa e assustada. Eu tenho que me lembrar que sua mente ainda está tão confusa quanto no dia em que a resgatamos de Tranquil Hills. Ela pode até não me reconhecer.

— Olhe para você, — Ada murmura com nojo. — Tão animada por nada. Você não ganhará, sabe. Você não vai me parar.

Eu cerro os dentes e continuo olhando para o rosto da minha mãe. — Eu vou.

— Você não vai. Você sabe porquê? Porque você quer sua mãe. E enquanto ela estiver viva, eu também estou. E enquanto eu estiver viva, nunca desistirei.

— Para quê? — Eu exijo, olhando para cima novamente. — Qual é o seu objetivo, afinal? Transformar tantas pessoas em estátuas de vidro quanto possível e matá-las? Por nenhuma outra razão senão o fato de você gostar de estar no controle em vez de ter Dani controlando você?

— Você honestamente acha que não tenho uma razão melhor que essa? Eu tenho uma boa razão, Em. E, vendo como você foi caçada pela Guilda como eu — como Zed — você deve entender. Zed entendeu, uma vez, e então ele se assustou com um bebê. Com você.

Dash dá um passo em sua direção, aproximando sua besta da cabeça dela. — Todas as pessoas que você matou têm alguma relação com a Guilda. Guardiões, ex guardiões, família de guardiões. Então esse é o seu objetivo? Você ainda está tentando se vingar da Guilda, mesmo que o resto do seu grupo de ódio aos guardiões tenha se dissolvido anos atrás?

— Eu não estou apenas tentando. Estou conseguindo. — Ela dirige seu olhar para ele. — Pelo que mais eu tenho que viver? Era o objetivo da nossa vida até que Dani decidiu deixar a magia e fingir ser humana. De todas as coisas nojentas que ela me fez fazer contra a minha vontade, essa foi a pior. Ela mereceu enlouquecer. Ela mereceu.

— Em? — uma voz baixa e rouca diz.

Todo mundo fica calado. Meu olhar cai imediatamente no rosto da minha mãe. Confusão enche seus olhos, mas ela me reconhece! A emoção brota abruptamente, cortando quaisquer palavras que eu poderia estar planejando dizer. Lágrimas enchem meus olhos tão rapidamente que derramam sobre minhas bochechas antes que eu possa detê-las. — Mãe, — eu consigo falar. Eu pisco furiosamente e limpo a garganta. — Você está acordada.

Seus olhos passam por mim e pousam em Ada. E é aí que tudo dá errado. Ela se afasta fracamente de mim. — O que... o que está acontecendo? Quem são vocês?

— Mãe, está tudo bem. — Eu levanto minhas mãos para mostrar a ela que não quero seu mal. — Sou só eu. A Em.

— Dani, ei, apenas se acalme, — diz Zed gentilmente. Ele dá um passo em sua direção e depois para quando ela começa a se afastar dele.

Ela balança a cabeça. — Eu não... eu não sei quem...

— Sim, você sabe. Você me conhece. Você conhece o Zed. Essa é a Ada. — Aponto através da sala para a imagem exata da mamãe. — Você a conhece também. Ela é... ela é parte de você. E nós vamos torná-la uma de novo.

— Não, não, não, — mamãe geme, seus olhos aterrorizados fixos em Ada. — Ela não é real. Estou vendo coisas. Eles continuam me dizendo... que eu vejo coisas. — Sua respiração superficial fica instável. — Por que vocês estão todos... no meu quarto? — Ela se arrasta mais para trás, cobre a cabeça com as mãos e pressiona as costas contra a parede oposta.

Eu mordo o lábio para evitar estremecer. Eu envolvo meus braços em volta de mim, tentando me segurar e olho para Zed. — Você pode fazer isso por favor? Começar o feitiço. A inversão — tanto faz. Eu não quero vê-la assim.

Ele assente e se move em direção a mamãe sem parar, como se a única coisa que ele estivesse esperando fosse minha permissão. Ele gentilmente a pega nos braços e fala baixinho com ela, encorajando-a a deitar-se. Dash caminha até Ada e a levanta. — Não lute, — ele diz a ela. — Você só tornará as coisas mais difíceis.

— Fico feliz em tornar as coisas os mais difíceis possíveis para você, — diz ela entre os dentes cerrados enquanto enfia o cotovelo no estômago dele.

— Pare com isso, — ele geme, jogando-a no ar.

E lá fica ela, flutuando. Se contorcendo, mas incapaz de fugir. Com uma mão levantada, Dash a direciona pelo ar e em direção a minha mãe. Ele a abaixa no chão, onde ela continua se contorcendo. Mas a magia dele deve mantê-la no lugar, porque ela não se move para lugar nenhum. — Vou me libertar novamente, — diz ela. — Eu juro que vou. Você não pode me juntar a ela e esperar que eu seja a mais fraca. — Ela vira a cabeça para o lado e olha para Dani. — Veja como ela é fraca. Que patética. Inútil, insana —

Zed cobre a boca de Ada, cortando suas palavras com uma mão e produzindo um pedaço de pano que é tão dourado e brilhante quanto o resto das armas dos guardiões que eu vi até agora. Ele o coloca sobre a boca de Ada e, apesar do fato de ela se contorcer, o tecido se prende com sucesso atrás da cabeça em segundos.

— Não se preocupe, — diz Zed. — Dani pode estar fraca agora, mas vou ajudá-la a se tornar forte novamente. E até que isso aconteça, eu pessoalmente assegurarei que você não vá a lugar algum. — Ele se vira para mamãe. — Dani, — ele diz gentilmente. — Dani, amor, preciso que você faça alguma coisa. — Mamãe ainda está chorando baixinho, mas Zed consegue afastar delicadamente suas mãos de seu rosto. — Você vê essa mulher? Ela não é imaginária. Ela é real e é sua irmã. E tudo o que você vai fazer é tocar o braço dela, tudo bem? Toque o braço dela e não resista. — Mamãe parece muito incerta, mas ela passou os últimos anos fazendo o que médicos e enfermeiras diziam a ela o que fazer, talvez por isso ela permita que Zed pegue seu braço e estenda-o em direção a Ada. — Apenas relaxe, — diz Zed. — Relaxe e não resista.

A mão da mamãe toca o braço de Ada — e é a coisa mais estranha e menos natural que eu já vi acontecer. Com um grito abafado, Ada é sugada para corpo de mamãe. Acabou em menos de um segundo. Se eu piscasse, teria perdido.

— Desculpe, — diz Zed, olhando para mim. — É esquisito se você não está acostumado.

Eu engulo. — Hum... sim. Definitivamente esquisito. — O que é ainda mais esquisito é o modo como a expressão da mamãe continua alternando entre raiva e medo. Um momento, seus lábios se arregalam e, no outro, seu olhar corre com medo pela sala. Como se as duas personalidades dentro dela estivessem em guerra. — É... o feitiço vai demorar? — Eu pergunto a Zed.

— Sim, é bastante complexo.

— Você tem certeza que lembra de tudo?

— Sim. Fiz questão de memorizar cada passo enquanto o Príncipe, Crisanta e eu estávamos elaborando essa reversão da troca. Eu sabia que ele só planejava usá-lo como último recurso. Que ele provavelmente nunca faria isso. Eu esperava poder, eventualmente, encontrar Dani e executar o feitiço.

— Tudo bem, — eu sussurro. — Você pode começar.

Com a mamãe deitada, Zed coloca a mão no braço dela e fecha os olhos. Quando ele começa a falar, imagino que posso ver a magia escorrendo dos dedos dele para o corpo dela. Dash se aproxima um pouco e fica ao meu lado. — Está finalmente acontecendo, — diz ele calmamente. — Você queria isso há tanto tempo.

Eu aceno, ainda achando difícil falar. — E se... não funcionar?

Ele fica quieto por um tempo antes de dizer, — Então encontraremos outro jeito. Vocês duas são faeries. Vocês duas viverão por muitos anos. Temos tempo para encontrar uma solução. Olhe para o rasgo no véu. Depois que aconteceu, ninguém tinha ideia de como consertar. Ninguém sabia se seria possível. E agora, quase vinte anos depois, alguém encontrou uma maneira de consertar.

Um soluço escapa de mim, e minhas próximas palavras são interrompidas enquanto eu faço o meu melhor para não ceder às lágrimas. — Eu não quero esperar vinte anos. Eu esperei, já faz tempo.

Com cuidado, como se ele estivesse preocupado que eu pudesse afastá-lo, Dash coloca um braço em volta de mim. — Eu sei.

Ficamos assim e observamos o feitiço, e peço com tudo em mim para que funcione.

Depois de alguns minutos, Zed se levanta. — É isso? — Eu pergunto. Ele fez parecer um feitiço tão complicado que eu esperava que demorasse muito mais.

— Não, esse foi o primeiro passo. Eu a coloquei para dormir e iniciei o feitiço. Mas preciso de certos ingredientes para terminar. Alguns itens que são essenciais para o feitiço de troca e que Crisanta acreditava que seriam necessários para revertê-lo.

Meu coração afunda. — Você precisa de outros ingredientes? Por que você não disse nada sobre isso antes?

— Porque eu sabia como isso soaria. 'Ei, eu posso curar sua mãe, mas primeiro eu preciso ir para casa e pegar algumas coisas.' Você não teria acreditado em mim por um segundo, mas estou dizendo a verdade, Em. Eu juro que sim.

— Eu sei. — Eu solto um suspiro resignado. — Eu ordenei que você respondesse minhas perguntas com a verdade. E eu ordenei que você fizesse tudo ao seu alcance para curar minha mãe.

Ele faz uma careta. — Você fez isso?

— Sim. Você estava perdido em um pesadelo na hora. Você provavelmente não me ouviu.

Ele respira fundo. — Tudo bem. Isso é um pouco assustador.

— Por quê? Você está planejando esconder algo de mim?

Ele responde sem pausa, — Somente coisas que não têm nada a ver com você.

Eu concordo. — Parece justo.

Ele se aproxima. — Você sabe que eu quero que ela seja curada tanto quanto você.

— Sim, eu sei. Mas... Zed, o que exatamente você espera conseguir com isso? — Posso também descobrir qual é o seu objetivo final. Se ele estiver imaginando consertar as coisas com sua ex-namorada, terá que fazer um novo plano.

— Quero finalmente ter paz sobre todas as coisas que fiz anos atrás, — diz ele, sem desviar o olhar de mim. — Espero que Dani me perdoe por deixá-la louca. Espero que você me perdoe por roubá-la de sua família. Eu sei que não posso esperar ser feliz para sempre com isso, mas espero estar em paz quando deixar vocês duas. Saberei que fiz tudo o que posso para corrigir meus erros.

Eu fico feliz que ele não espera ficar conosco, se tornar parte de nossas vidas. Eu suponho que mamãe possa eventualmente escolher isso sozinha, se ela quiser, mas espero que não. Provavelmente é egoísta da minha parte, mas mexe com a imagem perfeita em que tenho trabalhado a vida toda.

— Tudo bem, — eu digo a ele. — Vá e pegue as coisas que você precisa. Esperaremos aqui.

Ele concorda. — Obrigado. E não toque nela. Você pode perturbar o feitiço.


Capítulo 36

 

 

— VOCÊ NÃO PRECISA FICAR SE NÃO QUISER, — EU DIGO A DASH QUANDO NOS SENTAMOS CONTRA A PAREDE AO LADO DA MINHA mãe. — Eu sei que você tem sua vida para voltar e já ajudou muito. — Eu quase ri das minhas próprias palavras. Ajudou muito? Agora isso é um eufemismo.

— Você está brincando? Eu não vou embora.

Não quero admitir como estou aliviada ao ouvir isso, então tudo o que digo é, — Obrigada.

— Nunca perdi a oportunidade de defender uma donzela em perigo, — continua ele, — e quem sabe que outros perigos podem aparecer antes que esse feitiço termine?

Eu consigo sorrir, agradecida por suas tentativas de aliviar a atmosfera pesada. — Obrigada pelo lembrete de que ainda sou essencialmente inútil no que diz respeito à magia normal.

— Ei, você sabe que eu estava apenas brincando, certo? Você nunca foi uma donzela em perigo. Nem em Stanmeade, nem no reino fae, nem aqui. Não duvido que você lutaria muito bem se alguém desagradável aparecesse.

— Bem, eu tenho uma adaga agora. Eu provavelmente poderia causar algum dano a ele.

— Exatamente. E também... — Ele puxa os joelhos para cima e descansa os braços sobre eles. — Imaginei que você provavelmente não gostaria de ficar aqui sozinha esperando Zed voltar.

— Sim. Na verdade, não. Embora eu tenha Bandit. — Eu observo Bandit, que saiu do meu bolso como um lagarto cerca de um minuto atrás, explorando a sala em forma de gato. Ele cheira as velas que Dash deixou cair no chão mais cedo e depois amassa uma parte do tapete com as patas. Quando ele me nota olhando para ele, ele muda para a forma de dragão — ainda não maior que um cachorro grande — e estica as asas. Ele para, aponta o rosto para o teto e tosse uma chama minúscula. — Muito bem, Bandit! — Eu abro meus braços para ele, e ele se encolhe rapidamente de volta na forma de um gato, atravessa o tapete e sobe no meu colo.

— Vocês são tão fofos, — diz Dash enquanto puxa a mochila para mais perto. — Ainda bem que eu te impedi de vendê-lo.

— Ei. — Eu cubro os ouvidos de Bandit com as mãos. — Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Eu só estava sendo...

— Contrária?

— Bem, sim. — Eu acaricio uma mão nas costas de Bandit.

— Amoras, — Dash estende um punhado na minha direção.

— Obrigada. — Inclino minha cabeça contra a parede enquanto mastigo. Bandit se vira no meu colo pelo menos três vezes antes de se enrolar e fechar os olhos. Olho para a janela. Uma forma escura flutua lentamente, me lembrando que eu ainda preciso dizer aos sombras de tinta nunca mais atacarem nenhum faerie. Depois que o feitiço de reversão de troca for concluído, vou beber mais elixir e sair para ordená-los. — Sabe, eu pensei que teria algum poder sobrando depois de ordenar Ada e Zed, — eu digo, — mas usei quase tudo dizendo a Ada para não usar sua magia de vidro.

— Eu acho que a Habilidade Griffin dela é poderosa. Faz sentido que seria necessário muito do seu poder para detê-lo. — Ele olha para mim então, com a testa franzida. — O que você disse a ela exatamente? Sua magia de vidro não tem poder neste mundo?

— Hum... acho que sim.

— E os outros mundos? Presumo que a magia dela ainda funcione neles.

— Merda. Suponho que sim. Me desculpe, eu não estava pensando claramente. Mas quando esse feitiço estiver completo, ela voltará à sua forma enfraquecida dentro da minha mãe. Ela não poderá fazer muito com sua magia.

— Sim. — Dash assente. — Você está certa. Tudo vai dar certo.

E embora eu continue me alertando para não ter muita esperança, acho que realmente acredito nele. Estou tão perto de recuperar minha mãe agora que não resta muito espaço para que algo dê errado.

Eu me permito relaxar contra a parede. É impossível saber que horas são, se é dia ou a noite olhando para fora, mas me parece que já deve ser noite na Corte Unseelie. Não dormi muito ontem à noite e passei metade da manhã fugindo das pessoas, por isso não me surpreende que minhas pálpebras estejam tão pesadas.

— Você não conseguiu terminar de perguntar sobre seus pais, — diz Dash, me despertando antes que minha cabeça possa se inclinar para frente. — Ele disse que eles eram um casal de guardiões, mas não mencionou nada sobre em que Guilda eles estavam.

— Não, ele não falou, — murmuro, piscando e observando mamãe novamente.

— Você quer saber mais sobre eles? Depois que Zed nos der seus nomes, eu posso procurá-los. Descobrir se eles ainda estão trabalhando em uma Guilda ou se... se algo mais aconteceu com eles.

Distraidamente, passo o dedo pelo pelo macio da cabeça de Bandit. — Eu não sei. Talvez. No momento, tudo em que realmente consigo pensar é na minha mãe. Mas quando a vida voltar ao normal — seja qual for o normal — acho que provavelmente ficarei curiosa. Provavelmente quero saber mais sobre eles.

— Sim. Bem, deixe-me saber quando estiver pronta e vou ver o que posso descobrir. Imagine, — ele acrescenta com um sorriso, — se seus pais estiverem vivos, quão felizes eles ficarão quando descobrirem que sua filha está realmente... — ele interrompe, um cenho franzido lentamente substituindo seu sorriso enquanto olha para o chão. Então ele olha para mim, seus olhos procurando algo no meu rosto. — Eu me pergunto se... não. Não pode ser disso que ela estava falando.

— O quê? Quem?

— Eu ouvi... mas provavelmente era outra coisa.

— Ouviu o quê?

Ele puxa a cabeça um pouco para trás enquanto examina meu rosto atentamente. Então ele balança a cabeça. — Eu não sei dizer. Seu rosto é muito familiar para mim agora.

— Do que diabos você está falando?

— Nada. Desculpe. Só pensando em voz alta.

— Se você for enigmático e se recusar a se explicar, então talvez você deva guardar seus pensamentos para si mesmo.

— Você está certa. — Ele desvia o olhar, a sombra de uma carranca ainda presente em sua testa. — Eu sinto muito.

Eu cutuco o braço dele com meu cotovelo. — Eu estou certa? Verdade? Provavelmente, isso não é algo que você costuma dizer às pessoas, — provoco.

Ele coloca seu sorriso de marca registrada de volta ao lugar. — Eu estava guardando para você. Já que você é tão especial e tudo mais.

Eu reviro meus olhos e balanço a cabeça. — Por favor, posso parar de ser especial? É seriamente superestimado. Eu só quero ser uma faerie comum que sabe como usar magia comum.

— Desculpe, Em, mas não vejo ‘comum’ em nenhum lugar do seu futuro.

— Ótimo, — eu digo com um suspiro. — Bem, se existe algo mais entre ‘comum’ e ‘especial’, eu gostaria de almejar isso então.

Dash ri e pega a garrafa de água gigante. Ele a pesa e oferece para mim. Eu tomo alguns goles e depois passo de volta. — Provavelmente é uma coisa estranha de se dizer, mas isso — ele gesticula vagamente entre nós com uma mão — parece confortável. Tipo, muito mais confortável do que teria sido há algumas semanas. É estranho a rapidez com que as coisas podem mudar, eu acho.

— Confortável. Sim. — Eu concordo. — Quero dizer, estamos em um mundo entre mundos em que sombras surgem das margens de tudo enquanto observamos minha mãe, que na verdade são duas pessoas, que se transforma em alguém que eu nunca conheci. Mas sim. Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, definitivamente estaríamos sentados em lados opostos da sala.

— Sim. Inimigos mortais e tudo isso, — ele diz em um tom mortalmente sério, antes de se permitir rir. Ele bebe da garrafa e depois a abaixa.

— Desculpe. Eu fui realmente má com você ao longo dos anos.

Ele encolhe os ombros. — Não é como se eu tivesse lhe dado uma razão para pensar que eu era outra coisa senão um idiota.

— Verdade. Mas pelo menos agora eu sei.

— Aah, você acha que sou mais que um idiota? — Ele pressiona uma mão sobre o peito. — Emmy, isso é tão gentil da sua parte. Enche meu coração de calor.

— Cale-se.

— Ainda não é fã de 'Emmy', hein?

Eu olho pela janela novamente. — Eu acho que não é tão ruim. É só que... sempre me senti muito familiar quando você me diz isso. Como um apelido que um amigo próximo ou um membro da família pudesse me dar. Mas você não era próximo de mim e eu não queria que você fosse.

— Sua mãe chamava você de Emmy?

— Às vezes. Principalmente Em, mas às vezes Emmy.

Ele assente lentamente, depois sorri novamente. — Bem, podemos ser amigos próximos agora, certo? Então eu posso te chamar de Emmy sem você querer... o que você disse antes? Me machucar?

Eu viro minha cabeça para encará-lo, um rubor estranho aquecendo minha pele como parte da conversa que tivemos na prisão. Ele disse que valia a pena acabar trancado em uma prisão porque ele me conheceu. Eu me pergunto se ele quis dizer isso mesmo, ou se era simplesmente a poção de drogas falando. — É isso que você quer ser? — Eu pergunto baixinho. — Um amigo próximo?

— Hum... — Ele se move e espelha minha posição, o lado da cabeça encostado na parede enquanto ele me observa. — Por que sinto que isso pode ser uma pergunta complicada?

— Eu não sei. Não é — Eu não tenho tempo para perguntas complicadas. Talvez se eu fosse uma garota comum de volta ao mundo humano preocupada com a escola e os amigos e um garoto me encarando da mesma maneira que Dash está me encarando agora. Eu podia fazer perguntas complicadas e bancar a difícil, e depois repassar cada segundo da conversa com Val tarde da noite, tentando descobrir o que ele queria dizer e o que eu queria dizer.

Mas meu mundo não é assim. Nunca foi realmente.

— Hum, vamos ver, — diz Dash. — Eu quero ser seu amigo próximo?

— Sim ou não, — eu digo simplesmente, embora parte de mim esteja começando a pensar que não é assim tão simples.

— Que tal sim e não?

Eu estreito meus olhos. — Eu já não disse como me sinto por você ser enigmático?

Ele assente lentamente. — Sim. Você falou. De alguma forma, estou achando difícil não ser.

Sem aviso, uma faísca verde brilhante desliza pelo chão, transformando-se em chamas verdes que correm de um lado da sala para o outro. Eu puxo meus joelhos para cima com medo. Bandit solta um uivo quando termina meio esmagado entre minhas pernas e peito. — Que diabo é isso?

— Hum... acho que fui eu.

— Você acha? — Eu levanto quando Bandit pula para longe de mim. As chamas verdes morrem e desaparecem. — E se não for? E se alguém mais estiver aqui?

Dash permanece sentado. — Fui eu. Eu sinto muito. Apenas... alguma magia fugindo. O que é realmente estranho. Eu pensei que tinha superado isso.

Depois de uma última olhada em volta, sento novamente, o cansaço já voltando aos meus ossos. — Superado o quê?

Ele examina meu rosto por um tempo antes de responder. — Explico quando você for mais velha.

Eu encontro energia suficiente para dar um soco no braço dele sem entusiasmo. — Idiota.

Ele ri. — Tudo bem. Você realmente quer saber?

A exaustão se aproxima. Eu me inclino contra a parede novamente. — Hum, hmm.

— Bem... — Ele olha para baixo quando sua mão cutuca a minha. Depois de um momento de hesitação em que meu coração começa a bater mais rápido e, de repente, não sinto mais nenhum sono, deixo que ele entrelace seus dedos entre os meus.

E então, em um clarão ofuscante, Zed reaparece. Eu afasto minha mão da de Dash e me sento. — Você conseguiu tudo o que precisa? Alguém te viu? Tudo —

— Sim, não, e sim, está tudo bem. Se é isso que você ia perguntar. — Eu aceno quando ele se agacha ao lado de mamãe. Ele olha para mim. — Posso continuar?

— Claro.

 

***

Parte de mim quer que Dash termine o que ele estava prestes a dizer antes de Zed retornar, mas acho que já sei, e não é algo que qualquer um de nós fique confortável conversando com Zed na sala. Além disso, o feitiço de reversão é muito mais importante, então eu deveria prestar atenção nisso.

Eu observo Zed trabalhando em seu feitiço o máximo que posso, mas depois da terceira vez que minha cabeça se inclina para frente e levanta novamente, Dash me diz para parar de ser boba e simplesmente se deitar e dormir. — Vou olhar Zed, — diz ele. — Vou confirmar de que nada dê errado. Vou te acordar quando acabar.

— Você não está cansado também? — Eu murmuro. — Você nem dormiu... naquela prisão.

— Não se preocupe comigo. Sou um faerie há muito mais tempo do que você. Eu posso sobreviver com quase nenhum sono.

— Isso... não... — Deslizo para baixo e descanso a cabeça no chão. — Fui uma faerie... a vida toda. Assim como você.

— Você sabe o que eu quero dizer. E aqui, deite-se nisso. — Ele empurra a mochila em minha direção e parece o maior esforço do mundo levantar minha cabeça. — Além disso, sou um guardião, — continua ele. — Estou acostumado a situações estressantes. Você não está. Estresse e terror são cansativos quando são coisas novas para você.

— Eu não sou... uma donzela, — consigo murmurar, e acho que ele responde, mas já estou derivando.


Capítulo 37

 

 

PARECE QUE PASSARAM APENAS ALGUNS MINUTOS QUANDO DASH APERTA MINHA MÃO E DIZ ALGUMAS PALAVRAS, MAS meu cérebro está confuso e sonolento demais para entender. — Hum? — Eu consigo abrir minhas pálpebras e apertar os olhos para ele. — O quê?

— O feitiço está completo.

— Tão rápido? — Eu me levanto e esfrego os olhos.

— Já faz uma hora.

— Oh. — Eu pisco novamente e rastejo em direção a minha mãe.

— Sim, um feitiço de troca normal não leva muito tempo, — diz Zed, — mas eu queria ter certeza de que desfiz corretamente todas as alterações que fiz a Dani há anos.

Eu chego ao lado da minha mãe — e um suspiro me escapa quando vejo o rosto dela. — Ela — ela não parece normal. O que aconteceu com o rosto dela?

— Sua aparência começou a mudar, — diz Zed.

Eu expiro lentamente. — Certo. Claro. — No fundo da minha mente, eu sabia que isso iria acontecer. Ela precisava retornar à sua forma original, e sua forma original obviamente não se parecia nada com Macy Clarke. Mas ainda é difícil imaginar olhar para uma estranha e pensar nela como a mãe que eu sempre conheci.

Ela não é a mãe que você sempre conheceu, eu me lembro. Ela estava escondendo muita coisa de você.

— Não se preocupe, você vai se acostumar com a aparência dela ao longo do tempo, — garante Zed. — Ela ainda é a mesma pessoa por dentro.

— Bem, as mesmas duas pessoas por dentro. — O que ainda é completamente estranho de se imaginar. — Quanto tempo você acha que vai demorar até que ela acorde?

— Não tenho certeza. Há muita magia trabalhando no sistema dela no momento. Pode demorar uma hora. Talvez mais, talvez menos.

— Devemos deixar este mundo agora? Caso não seja seguro aqui por muito mais tempo. Se Roarke ainda estiver amarrado lá fora, o rei procurará por ele. Eventualmente, ele ou alguns de seus guardas aparecerão aqui.

— Eu concordo que devemos sair o mais rápido possível, — diz Zed, — mas não tenho certeza de que devemos mover Dani até que o feitiço esteja completo. Deve estar tudo bem, mas não tenho certeza.

— Tudo bem, então vamos esperar. — Eu olho para mamãe e seu rosto já mudou um pouco mais. Até o cabelo dela parece mais claro do que há alguns momentos. E isso é... rosa pálido? Inclino-me para frente com as mãos nos joelhos e examino os fios de cabelo que caem sobre sua testa. — Rosa? — Eu pergunto a Zed.

— Rosa pêssego, ela sempre chamava assim.

Eu tento imaginar como ela ficará quando o feitiço terminar. — Rosa pêssego. Soa como uma cor de olho estranha.

— De onde você é, sim, — diz Zed. — Mas eu sempre achei os olhos dela muito bonitos.

Meus próprios olhos estão dolorosamente cansados. Eu os esfrego enquanto me levanto e começo a andar. Como uma criança impaciente, continuo querendo perguntar a Zed quanto tempo vai demorar até ela acordar. Mas eu sei que ele não sabe. Paro de me mover, cruzo os braços e olho através da sala para Dash. — Você deve estar exausto agora.

Ele se inclina e levanta a garrafa de vidro, que contém talvez um quarto da água que continha após o feitiço de aumento de Dash. — Eu posso ter colocado um pequeno feitiço nessa água. Um feitiço energético. — Ele estende a garrafa na minha direção. — Quer tentar?

— Um feitiço energético? Tudo bem. Pode ser. — Eu pego a garrafa com as duas mãos e a inclino sobre a boca. A água que corre sobre a minha língua e na minha garganta tem gosto de melancia. Abaixo a garrafa e é notável a rapidez com que começo a me sentir menos cansada. Eu bebo um pouco mais antes de levar a garrafa para o aparador. Verifico o rubi no meu pulso e percebo que sua cor está quase cheia, o que me diz que deve estar por volta da meia-noite na parte Unseelie do mundo fae.

Um murmúrio chama minha atenção de volta para mamãe. — Acho que ela está acordando, — diz Zed.

— Merda, merda, merda. — Eu volto para o lado da minha mãe. — Isto é tão estranho. Não tenho ideia de como agir ao seu redor. Eu não sei o que dizer.

— Nem me diga, — Zed murmura.

Eu me joelho e olho para o rosto de uma completa estranha. As maçãs do rosto estão mais altas e os lábios mais finos. Seu cabelo é quase loiro em meio aos fios cor de pêssego, e um punhado de sardas estão espalhadas pelo nariz. Essa é minha mãe. Essa é a pessoa que me escolheu. A pessoa que escolheu a vida simples que tivemos juntas enquanto eu crescia.

Essa é a mulher que roubou a vida de outra pessoa, acrescenta uma voz mais calma. Ela roubou você.

Eu afasto a voz. Mamãe e eu podemos não ter nos reunido da maneira convencional, mas isso não significa que não era para ser assim. Ela é minha mãe e eu sou filha dela. Essa é a única coisa que pareceu certa no meu mundo.

Eu pego a mão dela e afasto a ideia incômoda de que estou errada. Que talvez nada pareça certo no meu mundo.

Com minha ajuda, mamãe lentamente se coloca em uma posição sentada. Ela olha para as mãos, as sobrancelhas se juntando. Ela puxa o cabelo por cima do ombro e examina os fios loiros e pêssegos emaranhados. Seu olhar sobe — e, eventualmente, pousa em mim. — Emmy, — ela sussurra, seus olhos dançando sobre meu rosto. Ela se inclina para frente, me puxa para seus braços e me abraça com força, como se estivesse compensando cada abraço que perdemos desde o dia em que a ambulância a levou embora. Lágrimas embaçam minha visão enquanto meus braços se levantam para envolvê-la. Meu corpo começa a tremer quando eu finalmente me permito chorar direito.

 

***

Eu não quero soltá-la, mas acho que não devemos ficar no chão de um castelo semiacabado neste mundo estranho por muito mais tempo. Deve haver um lugar melhor para continuarmos nossa reunião. — Sinto muito por tudo o que escondi de você, — mamãe diz enquanto nos separamos. Ela passa o polegar pelas lágrimas na minha bochecha e enfia meu cabelo atrás da orelha. — Temos muitas coisas para conversar.

— Eu sei. Também tenho muitas coisas para lhe contar.

— E agora temos o resto de nossas vidas.

Eu aceno e sorrio e tento me impedir de chorar ainda mais.

Nós ficamos de pé, e ela olha ao redor da sala. — Zed, — diz ela. Observo o rosto dela de perto, enquanto desmorona por um momento, incapaz de descobrir se ela está oscilando em direção à dor ou à raiva. Mas então sua expressão suaviza em um sorriso hesitante. — Você conseguiu. Você me consertou.

Ele pisca para longe a umidade brilhando em seus olhos. — Eu — eu não sabia se você queria que eu fizesse.

— Eu sei. Durante muito tempo eu não queria. E quando me arrependi da minha decisão e desejei poder implorar que você me mudasse de volta, eu já estava perdida demais em minha própria mente.

— Então você... você se lembra de tudo? — Eu pergunto.

Ela assente lentamente. — Acho que sim. A maior parte. — Seus olhos caem sobre Dash. — Eu conheço você? — ela pergunta. — E onde nós estamos?

— Você não me conhece, — ele diz a ela, — mas sou amigo de Em. Eu ajudei no seu resgate do hospital psiquiátrico. E venho ajudando desde então. — Ele dá a ela um de seus sorrisos encantadores, mas eu o conheço bem o suficiente para notar uma breve cautela em sua expressão antes que esse sorriso tome conta. — É uma longa história. Tenho certeza de que Em lhe contará tudo em algum momento. — Ele não menciona que é um guardião, o que provavelmente é o melhor. Se mamãe passou grande parte de sua vida odiando a Guilda, provavelmente não se sentiria calorosa com alguém atualmente trabalhando para ela.

— E este é um mundo novo, — acrescenta Zed. — Um diferente. Um mundo que surgiu quando o véu foi rasgado. Lembra disso? — Mamãe assente enquanto caminha até a janela e olha para fora.

— Os sombras de tinta — aquelas criaturas sombrias por aí — não são seguros, — digo a ela. — Se ficarmos aqui por mais tempo, direi a eles para não nos machucarem, mas acho que provavelmente devemos ir embora em breve.

Ela olha por cima do ombro para mim. — Sua Habilidade Griffin é incrível.

— Você sabe sobre ela?

— Ada sabe. O que significa que agora eu também sei.

— Ela está... falando com você? — Tento não imaginar a estranheza da voz de outra pessoa dentro do meu cérebro. A expressão de mamãe fica pensativa. — Na verdade não. Ela está com raiva de mim, eu acho. Me ignorando. Mas estou ciente das lembranças dela como se fossem minhas.

— Isso é tão estranho.

— Em? — Dash diz. — Se você não precisa mais de mim, eu provavelmente deveria ir.

— Certo. Sim. Claro.

— Podemos... dizer adeus? — Ele aponta com a cabeça em direção à porta. — Lá fora?

— Hum, claro. — Eu sorrio para mamãe. — Não vou demorar. — Depois de um olhar hesitante para Zed, sigo Dash para o corredor. Caminhamos até o final e entramos em uma grande sala mobiliada com nada além de cortinas. Dash me encara. Ele começa a falar e, ao mesmo tempo, digo, — Muito obrigada por tudo.

Nós dois paramos e ele ri. — De nada, Em. — Ele rola uma das velas negras entre as palmas das mãos enquanto sua expressão fica séria. — Você tem certeza de que pode lidar com as coisas com sua mãe agora? Ela parece bem, mas e se Ada sair?

— Eu acho que tudo ficará bem. Nós temos Zed. Ele disse que garantiria que Ada continuasse sob controle até que Dani estivesse forte o suficiente sozinha. E minha Habilidade Griffin ajudará. Então, sim, não se preocupe conosco. Eu sei que você deve estar ansioso para voltar à sua vida.

— Eu, ansioso? Nunca.

Eu rio. — Bem, de qualquer forma, espero que você não tenha muitos problemas com a Guilda quando voltar.

Ele me dá aquele sorriso arrogante com o qual me familiarizei ao longo dos anos. — Tudo vai ficar bem. A pena de morte foi trazida de novo especialmente para a Princesa Angelica depois que ela rasgou o véu, mas o próximo Conselheiro Chefe a proibiu novamente. O pior que posso ter é uma vida inteira na prisão especial da Guilda, reservada aos piores guardiões traidores.

Eu pisco. — Você não seria mesmo preso por isso, não é?

— Não. Você sabe que eu posso me livrar de qualquer coisa.

Cruzo os braços sobre o peito. — Sim, eu vejo que funcionou muito bem para você com Roarke.

— Olhe, se Roarke fosse do sexo oposto, eu totalmente poderia ter saído daquela prisão.

— Hum. Eu duvido disso.

Ele ri, rola a vela um pouco mais e olha para todos os lugares, exceto diretamente para mim. Gostaria de saber se ele planeja terminar o que estava dizendo antes ou se acha que agora não é a hora certa. — De qualquer forma, para onde você e sua mãe vão agora? Preciso saber onde encontrar você. Você sabe, apenas no caso de você querer sair um pouco.

— Sair um pouco? — Eu sorrio. — Sim, talvez. Vou verificar minha agenda lotada e ver se consigo encaixar você em algum lugar nos próximos séculos. E acho que não preciso te dizer para onde vou, porque, desde que você seja amigo de Violet, sempre poderá me encontrar. Quero dizer, depois que isso acabar. — Meus dedos sobem para a parte de trás da minha orelha e tocam o pequeno círculo de metal ainda preso à minha pele.

— Oh, sim. — A mão de Dash sobe para o mesmo local atrás da orelha. — Eu preciso remover o meu também. Alguém na Guilda será capaz de tirar.

— Isso é bom. Vou ter que descobrir outra maneira, já que visitar a Guilda está fora de questão para mim.

Seus olhos finalmente se fixam nos meus. — Tenho a sensação de que, se você disser para você mesma remover, sairá.

— Oh. Sim. Por que eu não pensei nisso?

— Hum, tudo isso — ele gesticula por cima do ombro com o polegar — pode ter distraído você?

— Sim. Eu acho que você está certo.

— Bom, de qualquer forma. Vejo você em breve, Em. Você deve conseguir um âmbar para que possamos manter contato.

Eu concordo. — Tudo bem. Sim. Espero que a vida seja tão agradavelmente chata a partir de agora que não temos nada para conversar. — Exceto, talvez, o que você estava prestes a dizer antes de Zed voltar para terminar o feitiço.

— Podemos apenas torcer. — Ele dá alguns passos para trás, colocando alguma distância entre nós, e levanta a vela. Ele hesita. — Ah, que diabos. — Ele abaixa a mão, caminha até mim e me beija. Seus lábios macios se movem contra os meus enquanto uma mão desliza nos meus cabelos e a outra, ainda segurando a vela, pressiona minhas costas.

Estou tão surpresa que, quando percebo que estou gostando, acabou. Eu pisco quando ele dá um passo para trás. — Hum...

— Aqui. — Ele sorri e depois olha para o círculo de chamas verdes que se formam misteriosamente ao nosso redor. As chamas desaparecem um instante depois. — Agora teremos algo sobre o que conversar na próxima vez que eu te ver, — diz ele. — E agora eu posso parar de me torturar imaginando como é beijar você. Embora... — Ele esfrega a parte de trás do pescoço. — Agora provavelmente vou ser torturado desejando poder fazer isso novamente. — Ele ri e balança a cabeça. — Desculpe, isso é estranho. Eu geralmente sou muito mais legal —

Sem me dar nenhum segundo para pensar sobre isso, pego um punhado de sua camisa, puxo-o para mais perto e o beijo novamente. Desta vez, seus lábios estão abertos e sua boca tem um leve sabor de melancia. Quando ele me puxa para mais perto, pressionando os dedos nas minhas costas, arrepios quentes e frios atravessam minha pele, e uma luz brilhante aparece além das minhas pálpebras fechadas. Provavelmente estou imaginando, mas acho que algo quase como... explosões elétricas na minha língua e lábios. Eu me afasto dele, olho em seus olhos brilhantes e me dou um momento para recuperar o fôlego. — Você é mais legal quando para de tentar ser legal.

Ele engole, parecendo completamente agitado, e eu gosto muito mais do que o arrogante e convencido Dash. — Certo. — Ele pigarreia. — Tudo bem. Definitivamente, temos algo para conversar na próxima vez que eu ver você.

Dou de ombros, fingindo indiferença. — Talvez. Acho que vamos ver.

Seu sorriso confiante retorna. Ele levanta minha mão e a beija, mantendo seus olhos nos meus. — Tchau, Emmy. Não sinta muito a minha falta.

Eu o empurro de brincadeira. — Idiota.

— Guarda um beijo para mim. — Ele pisca quando dá um passo para trás e levanta a vela.

Fecho meus olhos contra a luz branca brilhante. Quando desaparece, abro os olhos para uma sala vazia. Eu me pergunto se devo me arrepender de agir sem pensar, mas não. Uma bolha de riso me escapa. Talvez esse beijo signifique algo grande e talvez não, mas e daí? A magia de vidro de Ada se foi. Mamãe está saudável. Ninguém está tentando nos prender, nos machucar ou nos usar, e em breve estaremos escondidas longe de quem quiser fazer essas coisas. E eu consegui beijar um cara gostoso. Duas vezes.

De repente, a vida é boa.

Bem, exceto pela parte em que Roarke quer rasgar ainda mais o véu, em vez de permitir que a Guilda feche o buraco. Mas posso ordenar que ele não o faça antes que mamãe e eu deixemos este mundo. E se de alguma forma ele já foi, a Guilda pode detê-lo. Mamãe e eu não precisamos nos envolver.

Com a minha alegria um tanto atenuada, volto para a sala na base da torre. — E você tem certeza que ela não está lutando para sair agora? — Zed pergunta a mamãe quando entro.

— Sim, eu tenho certeza. Eu sempre posso dizer, lembra? Eu ficaria meio nervosa se tentasse segurá-la e ela tentasse sair. Como naquela noite no show Punk and Mouse Face, lembra? Mas estou totalmente bem agora. — Ela estende as duas mãos e olha para elas. — Veja, sem tremer.

Um sorriso lento toma o lugar da expressão ansiosa de Zed. — Não consigo explicar como é estranho vê-la assim novamente. Se eu me esforçar o suficiente, posso quase imaginar que os últimos dezessete anos nunca aconteceram.

O sorriso da mamãe é triste. — Mas eles existiram. E nós dois mudamos.

— Sinto muito por tudo o que você passou, Dani.

Parecendo um pouco confusa, ela pergunta, — Você esperava que eu estivesse com raiva de você?

— Sim, claro. — Zed franze as sobrancelhas. — Você acabou enlouquecendo por causa de um feitiço que coloquei sobre você. Você deveria estar com raiva de mim.

Ela balança a cabeça. — Eu pensei que você ficaria bravo comigo. Fui eu quem insistiu que você fizesse o feitiço de troca. Você nunca quis fazer isso. Pensei que agora você estaria gritando 'eu te avisei!'.

— Eu nunca diria isso para você, Dani.

Entro um pouco mais na sala. Parece rude interrompê-los, mas, egoisticamente, quero um tempo com mamãe agora. Percebendo-me perto da porta, mamãe acena para mim. — De qualquer forma, Zed, — diz ela quando chego ao seu lado, — acho que você e eu provavelmente devemos nos separar agora.

— Oh. Eu pensei — talvez —

— Olha, nosso relacionamento não era saudável. Eu acho que você sabe disso. Portanto, provavelmente não é aconselhável que você esteja por perto enquanto estou tentando descobrir minha nova vida. Descobrir nossa nova vida, — ela se corrige, sorrindo para mim. — Isso apenas confundiria as coisas, — continua ela, olhando para Zed mais uma vez. — Você não concorda?

— Sim, — diz ele com cuidado, seus olhos se movendo para frente e para trás entre mamãe e eu, — e não estou pedindo o tipo de relacionamento que tínhamos antes. Só estou preocupado com você e quero ajudá-la a se reerguer. Há muitas coisas que você não sabe mais. Nosso mundo mudou.

— Não pode ter mudado muito. Eu vou descobrir. E se eu realmente estiver perdida, irei te encontrar. Ou talvez encontre alguns velhos amigos.

Ele faz uma careta. — Você não quer dizer... — Ele puxa a cabeça para trás um pouco. — Esse grupo não existe mais, Dani.

— Não eles. Eu tinha outros amigos antes de me juntar aos odiadores de guardiões. Eu tinha outros amigos antes de você, Zed. As coisas vão funcionar. — Ela coloca um braço em volta dos meus ombros. — Em e eu vamos encontrar o nosso caminho no mundo juntas.

Eu sorrio para ela. Eu pensei que ela acordaria do feitiço de reversão da troca um pouco confusa. Ou pelo menos com uma necessidade de alguma direção. Mas ela parece bastante certa de seus pensamentos e sentimentos. Isso tira um peso de responsabilidade dos meus ombros. Durante grande parte da minha vida, eu tenho tentado descobrir como eu cuidaria da minha mãe um dia. Até recentemente, eu não acreditava que ela voltaria a ser normal. E agora que ela está, é incrivelmente libertador perceber que ela é capaz de cuidar de si mesma. E não apenas dela mesma, mas de mim também, talvez. Ela não se parece com a pessoa que eu lembro, mas Zed estava certo. Ela é a mesma por dentro. Reconheço o jeito que ela fala, e essa é a confiança tranquilizadora de que me lembro de minha mãe antes de começar enlouquecer.

Zed, no entanto, não parece convencido. — Mas e se... e se Ada sair?

— Zed, você restaurou as coisas da maneira que eram antes. Ela está a mais fraca agora. Sim, ela pode sair de vez em quando, mas não será por muito tempo. Você se lembra de como as coisas eram. Ela não podia ficar separada de mim se eu não quisesse.

— Sim, eu lembro. Eu ainda estou preocupado. Não estou dizendo que quero o que você e eu tínhamos antes. Não estou lhe pedindo nada. Por que vocês não ficam comigo por algumas semanas até termos certeza de que você está no controle? Você estará segura na minha casa.

Em vez de discutir, mamãe vira o olhar para mim. — Em, o que você acha?

Surpresa ao ser questionada sobre minha opinião, levo alguns momentos para formular minha resposta. Eu sei que Zed não está mentindo. Eu sei que ele está apenas sugerindo que fiquemos com ele porque ele está preocupado com a mamãe. Mas acho que ele não tem nada com o que se preocupar. Mais importante, ele não pertence à imagem que eu — e mamãe, ao que parece — temos do futuro. — Agradeço sua preocupação, Zed, mas acho que mamãe e eu estamos bem sem você. Você corrigiu alguns dos seus erros, e acho que é o suficiente.

Com um suspiro cansado, ele assente. — Tudo bem. Suponho que você tenha sua Habilidade Griffin. Se Ada sair, você pode pedir para ela não machucar você, sua mãe ou qualquer outra pessoa. Mas você sabe onde me encontrar se precisar de ajuda, Dani, — ele diz para mamãe. — Orangebrush Grove. Caso você tenha esquecido. — Ele anda até o aparador e pega uma vela. Ele olha para mim. — Orangebrush Grove. Diga aos caminhos das fadas, e eles o levarão até lá. Se você precisar de ajuda.

— Obrigada. — Espero nunca precisar da ajuda dele novamente. Mamãe e eu não precisaríamos disso em primeiro lugar, se ele não tivesse mexido com nossas vidas, para começar. — Oh, — eu digo, levantando a mão para detê-lo, lembrando de repente que eu nunca perguntei o nome dos meus pais biológicos. Mas a vela já está acesa, e ele se foi em um flash de luz.

— Você precisava de algo? — Mamãe me pergunta.

Eu me viro para encará-la e percebo que tudo que preciso está bem aqui na minha frente. — Não. Não era importante. Provavelmente vamos vê-lo novamente em algum momento, então vou perguntar a ele.

— Talvez, — mamãe responde. Ela inclina a cabeça para trás, fecha os olhos e respira profundamente. Então ela ri e se concentra em mim novamente. — Mal posso esperar para passar horas e horas conversando, atualizando tudo o que aconteceu nos últimos anos.

Um sorriso largo se estende pelo meu rosto enquanto eu a observo. — Onde nós devemos ir? Podemos ir a qualquer lugar, mãe. Em qualquer lugar do mundo. Ou... você tem uma casa em algum lugar? De antes?

— Eu tinha, mas... — Ela se vira lentamente no local, olhando em volta. — Por que não ficamos aqui? Fazer disto a nossa casa.

— O quê? Mas... isso dificilmente é um lar. É um mundo meio formado. Um pequeno mundo semi-formado. E não é seguro.

— Nós podemos torná-lo seguro. — Suas mãos apertam meus braços enquanto ela olha orgulhosa para mim. — Você pode torná-lo seguro.

— Suponho que posso.

— E podemos preenchê-lo com vida. Seu poder pode criar quase qualquer coisa, e minha magia pode ajudar. Em pequenas quantidades, — ela acrescenta com uma risada. — Não importa que seja um mundo pequeno. Ele só precisa ser grande o suficiente para nós duas — e talvez para algumas outras pessoas ao longo do tempo. E você pode dizer para ser nosso, para que ninguém possa tentar tirá-lo de nós. Suas mãos deslizam para baixo para agarrar as minhas. Ela balança nossos braços para frente e para trás entre nós, como faria uma criança animada. — Este será o nosso lar, Em. Nosso novo começo. O que você acha?

Não sei se é imprudente ou estúpido, mas de repente não me importo. O entusiasmo da mamãe é contagioso e, do jeito que ela diz, parece uma ideia perfeita. — Sim. Tudo bem. Vamos fazer isso.

E assim, cerca de quinze minutos depois, quando a cor enche meu rubi completamente, mamãe e eu ficamos juntas na janela, olhando para o nosso entorno cinza, enquanto o poder preenche minha voz. — O mundo das sombras é nosso. Seu e meu. Os Unseelies nunca entrarão neste mundo. A Guilda e seus membros nunca entrarão neste mundo. Somente aqueles a quem damos permissão podem entrar neste mundo. As criaturas sombra de tinta nunca atacarão ninguém aqui. Estaremos a salvo.

Longe, uma onda de magia corre ao longo do horizonte enquanto meu poder Griffin sai de mim, me deixando fraca, mas feliz, sabendo que o mundo das sombras está prestes a se tornar nosso lar.


Capítulo 38

DASH

 

 

O ÚNICO LUGAR QUE DASH QUERIA ESTAR ERA EM CASA. PRIMEIRO, PARA ASSEGURAR SUA MÃE, QUE ELE NÃO ENCONTROU UM final horrível nas mãos dos Unseelies, então mandar uma mensagem para Ryn, e finalmente, desfrutar de um banho adequado e um bom sono. Mas ele sabia que depois de quase uma semana de ausência inexplicável, ele precisava primeiro se reportar a Guilda. Então, com a vela viajante em chamas em suas mãos, ele imaginou o interior da sala de entrada da Guilda Creepy Hollow — e foi exatamente aonde ele apareceu momentos depois.

A luz desvaneceu para revelar dois guardiões com armas apontadas diretamente para ele, provavelmente devido à sua chegada não ortodoxa. — Dash? — um deles disse, abaixando sua espada. — Você não está morto.

Dash levantou as duas sobrancelhas. — Não.

— Isso é uma vela? — o cara ao lado dela perguntou, suas facas desaparecendo quando ele as soltou.

— Sim. Sem stylus. Eu tive que improvisar. — Dash atravessou a arcada — que examinaria as marcas no pulso para determinar que ele não era um impostor e detectaria quaisquer outros feitiços perigosos que pudessem ter sido colocados nele — e entra no saguão principal. Ele subiu apressadamente as escadas. Quanto mais cedo ele se explicasse para um membro do Conselho, mais cedo ele poderia chegar em casa. Mas ele esperava que a reunião do relatório levasse um tempo; portanto, se ele pudesse enviar uma mensagem para sua mãe primeiro, seria ótimo.

Chegando à área de plano aberto do escritório que ele dividia com várias outras equipes juniores de guardiões, vasculhou as gavetas da mesa, procurando um velho âmbar. Ou talvez ele tivesse um espelho aqui em algum lugar. Ele poderia fazer uma ligação rápida enquanto estava a caminho do andar dos Conselheiros.

— Dash! — Ele olhou para cima e viu Jewel do outro lado da sala. Ele esperava que ela corresse e o abraçasse, mas sua expressão encantada logo se transformou em confusão cautelosa. A culpa se mexeu desconfortavelmente em seu peito. Ele abandonou sua equipe — incluindo uma de suas melhores amigas — para participar dessa missão não oficial. Espero que eles entendam por que ele fez isso, uma vez que ele se explicar, mas ele ainda se sentiu mal por qualquer preocupação que ele lhes causou.

— Dash? — Desta vez, uma voz diferente pronunciou seu nome e ele se virou para o lado, para ver a Conselheira Delmore entrando pela porta, acompanhada por vários guardiões seniores. — Fico feliz em ver que você voltou em segurança, — disse ela, embora seus olhos não tivessem o calor habitual. — Nós precisamos conversar.

— Ótimo momento, — disse ele. — Eu estava prestes a procurar um membro do Conselho. Eu tenho muita coisa a relatar.

— Bom, — diz ela. — Temos muita coisa para lhe perguntar.

— Vou ligar para meus pais primeiro, — Dash acrescentou, seus dedos finalmente localizando a borda de um espelho em uma de suas gavetas. — Eles não sabem que eu voltei.

— Enviaremos uma mensagem para seu pai, — disse a Conselheira Delmore. — Ele está de plantão nas proximidades da floresta. O seu interrogatório é mais importante.

Dash hesitou por um momento, depois se moveu para caminhar ao lado dela. Ele se perguntou sobre a presença dos guardiões adicionais que a acompanhavam, mas disse a si mesmo que não havia motivo para se preocupar. Ele assumiu que eles já sabiam que ele esteve com os Unseelies — ele disse à mãe para não mentir sobre essa parte segundos antes de subir na carruagem dos Unseelie — então eles provavelmente estavam aqui para garantir que não houvesse alguma forma de magia perigosa persistente sobre ele.

Mas um minuto depois, quando ele e a Conselheira Delmore se sentaram em frente a uma mesa em uma das salas ovais de conferência e seis guardiões alinhados ao longo da parede, sua apreensão voltou com força total. Definitivamente, havia algo diferente sobre esse interrogatório.

— Eu vou direto ao ponto, Dash. Recebemos correspondência dos Unseelies esta manhã sobre sua presença não autorizada na corte deles.

— Tudo bem, — disse Dash com alguma incerteza. — Mas você já estava ciente disso, não estava? Minha mãe não lhe informou logo depois que eu deixei o estúdio dela para o Palácio Unseelie?

— Ela falou.

— Eu sei que não era uma missão autorizada, — Dash se apressou em explicar, — mas não pude deixar passar a oportunidade. Ouvi rumores sobre uma nova jovem no palácio e o interesse da família real nela. Eu suspeitava fortemente que fosse a garota Dotada Griffin, Emerson. Descobri no último minuto que minha mãe estava entregando um vestido para um dos Unseelies, então tive que agir imediatamente. Não havia tempo para alertar a Guilda ou fazer um plano alternativo. Eu esperava me corresponder com você de lá, mas o príncipe pegou meu âmbar quando descobriu que eu era um guardião. Ah, e isso? — Dash bateu no pedaço de metal atrás da orelha. — O príncipe adicionou esse pequeno toque especial para garantir que você não poderia me chamar se eu estivesse marcado. E então fui jogado na prisão deles. Sobre a qual, devo acrescentar, não sabíamos nada. Eu acho que há muitas pessoas presas lá que não deveriam estar. A Guilda precisa se envolver.

— Bem, teremos a certeza de analisar isso, — disse a Conselheira Delmore. — Mas, por enquanto, estou muito mais preocupada com a parte da carta que implica que você tem conexões inadequadas com os rebeldes Griffin.

O estômago de Dash se mexeu. Depois de um momento de silêncio, ele disse, — O quê? Isso é insano.

— O Conselho revisou a carta e acreditamos que temos motivos suficientes para questioná-lo sob a influência de uma poção da verdade.

Merda, merda, merda. Dash tentou impedir que o alarme aparecesse em seu rosto. — Uau, sério? — Ele riu das palavras dela da maneira usual. — Você vai acreditar nos Unseelies em vez de mim?

Ela suspirou, recostando-se um pouco e olhando-o com uma expressão quase apologética. — Dash, eu te conheço desde que você começou seu treinamento aqui. Não acredito que você trabalhe contra nós assim. Nem por um segundo. Mas seria uma negligência nossa não estar absolutamente certos. E o fato de que você está desaparecido há dias... — Ela levantou as mãos do colo e as colocou sobre a mesa, revelando uma pequena garrafa em suas mãos. — Só precisamos saber o que está acontecendo. Não quero surpresas desagradáveis mais adiante.

Dash engoliu em seco, com os olhos no frasco da poção da verdade. Ele não podia recusar. Ele só podia torcer que o feitiço protetor o impedisse de revelar algo muito importante e que quaisquer outras perguntas fossem vagas o suficiente para que ele evitasse dar muita informação. — Bem, vamos acabar logo com isso, — disse ele, estendendo a mão para a garrafa. — Todos nós temos trabalho para voltar. — Ele abriu a garrafa, deixou cair algumas gotas na língua e depois devolveu a garrafa. Atrás dele, ele ouviu a porta se abrir e mais algumas pessoas entraram.

— Conselheiros, — disse a Conselheira Delmore com um aceno de cabeça, e Dash decidiu não olhar por cima do ombro para ver quem, exatamente, havia se juntado a eles. Ele precisava parecer despreocupado. Então ele se recostou e cruzou os braços, dando a Conselheira Delmore um sorriso expectante. Ele fingiria inocência o máximo que pudesse. Do outro lado da mesa, ela entrelaçou os dedos e fez sua primeira pergunta, — Você está escondendo informações de nós sobre os rebeldes Griffin?

Droga. Não havia como evitar isso. Dash tentou fechar a boca, mas não conseguiu. Ele não conseguiu. Sua resposta deixou sua boca quase como um grunhido. — Sim.

A conselheira Delmore piscou. Aos seus olhos, Dash viu não apenas decepção, mas também tristeza. Ela balançou a cabeça e desviou o olhar. — Sabe, eu não acreditava até o momento.

Ele queria gritar que não era o traidor que ela pensava que ele era. Os rebeldes Griffin eram boas pessoas. Ele estava fazendo a coisa certa, ajudando-os. Mas ele apenas cavou a sua própria sepultura, então mordeu o lábio e permaneceu em silêncio, esperando a próxima pergunta. — O que você sabe sobre os rebeldes Griffin?

— Eu... hum. — Ele apertou os lábios com força, respirando bruscamente enquanto lutava contra a enxurrada de informações que desejavam sair de sua boca. Havia certas informações que ele nunca seria capaz de dar, mas havia muitas outras coisas. Era demais. Demais para uma resposta. Ele nem sabia por onde começar, e isso — ele percebeu com alívio — foi o que o ajudou a combater a influência da poção.

Mas a Conselheira Delmore era mais esperta que isso. — Desculpe. Isso foi muito amplo. — Ela fez uma pausa e perguntou, — Onde estão os rebeldes Griffin?

— Eu não sei.

— Eles estão planejando uma jogada contra a Guilda?

— Não.

— Eles estão planejando interferir na cerimônia de restauração do véu?

Interferir. Concentre-se em interferir, ele instruiu a si mesmo. Eles não estavam planejando interferir. Eles só iam observar. Ele sugeriu e sabia que eles concordavam que era uma boa ideia. Eles seriam um apoio. Apenas no caso de algo acontecer — Não! Nada daria errado. Eles não precisariam interferir. — Nããããão, — ele conseguiu forçar.

Os olhos da Conselheira Delmore se estreitaram. — Você não parecia totalmente sincero, Dash.

— Eles não planejam interferir, — disse ele, as palavras saindo rapidamente de seus lábios.

Ela assentiu devagar. — Entendo. — Então ela perguntou, com muito mais ênfase em cada palavram, — Eles planejam estar lá?

Dash fechou os olhos com força, agarrou os braços da cadeira com força e tentou, com todas as suas forças, forçar a resposta de volta. Mas escorregou de sua boca de qualquer maneira. — Sim.

Passos soaram atrás dele quando alguém se moveu ao redor da mesa. A Conselheira chefe Ashlow, com sua postura rígida e sua expressão ilegível. Ela assentiu ao parar ao lado da Conselheira Delmore. — Bom. Agora sabemos quem é. Isso confirma o que os videntes viram e preenche os detalhes que não estavam claros para eles. — Ela olhou do outro lado da mesa. — Obrigada por ser tão útil, Dash. Nós o interrogaremos mais em outro momento.

Quando as algemas reluzentes estalaram sobre seus pulsos e mãos ásperas o puxaram se levantar, Dash fechou os olhos e deixou a terrível culpa por ter traído seus amigos afundar nele.


Capítulo 39

 

 

BANDIT ANDA DE ROCHA EM ROCHA ATRAVÉS DA PISCINA DE ÁGUA QUE CRIEI CEDO, SALTANDO DA ÚLTIMA ROCHA PARA O AR E aterrissando em meus braços como um gato. Mamãe ri dele. — Ele é muito fofo. Onde você disse que o encontrou?

— Na floresta do lado de fora da Chevalier House. E provavelmente seria mais preciso dizer que ele me encontrou. Ele está me seguindo desde então.

— Adorável, — diz mamãe. Ela se recosta em uma das duas cadeiras de praia das quais eu trouxe a existência anteriormente e olha para o que alcançamos em nosso primeiro dia juntas: um rio que flui longe da piscina de rochas, nuvens que mudam de forma, flutuam pelo céu, e nunca realmente desaparecem, e uma nova seção do castelo. Além disso, o que não está visível no momento: os dois guarda-roupas com roupas normais e inapropriadas para a corte dentro do castelo.

Meu comando para o mundo das sombras tarde da noite passada consumiu inteiramente meu poder Griffin, mas peguei um dos frascos de elixir da mochila e caminhei até onde o portal costumava estar, planejando ordenar que Roarke não interferisse no véu. Eu ia acender uma vela e dizer para levar ele e seus guardas de volta ao Palácio Unseelie. Mas não consegui encontrar ele ou seus homens. Talvez Aurora ou alguns dos guardas Unseelie tenham aparecido e os tenham levado enquanto estávamos escondidos dentro do castelo. Ou talvez tenha algo a ver com o comando que dei a este mundo sobre os Unseelies não serem capazes de entrar. De qualquer maneira, mamãe e eu agora parecemos ser as únicas neste mundo.

Então voltei ao castelo, onde mamãe havia escolhido dois quartos próximos um do outro, mobiliados principalmente, e preparado uma das camas para eu dormir. Eu quase chorei quando vi. Decidi culpar meu estado emocional pela exaustão, mas sabia o verdadeiro motivo: minha mãe finalmente estava aqui para cuidar de mim.

Eu dormi por tanto tempo que minha Habilidade Griffin estava quase reabastecida quando acordei. Depois de usá-la para as grandes coisas — o rio, as nuvens, o castelo e dizer à luz fraca do céu para imitar o dia e a noite da Corte Unseelie — mamãe me ensinou algumas coisas com magia comum. Como mudar os padrões de nossas colchas, usar um feitiço organizacional para todos os alimentos que encontramos na despensa e colocar um feitiço de limpeza na cozinha para cuidar dos pratos sujos deixados pelos guardas de Roarke. E o tempo todo conversávamos sem parar. Decidi não fazer nenhuma das minhas grandes questões ainda — como 'Como você pode permitir que um humano morresse para que você pudesse dominar a vida dela?' — escolhendo se ater a tópicos menos sérios até que mamãe e eu nos conheçamos um pouco melhor.

Agora estamos sentadas na nossa pequena piscina de pedra, bebendo algo que mamãe inventou quando a luz ao nosso redor gradualmente se torna mais fraca. Adoraria assistir a um pôr do sol real, mas vou ter que me contentar com a iluminação enfeitiçada. Talvez eu possa adicionar cor a ele quando minha próxima Habilidade Griffin se reabastecer. Ou eu poderia usar o elixir, mas prefiro guardá-lo para emergências.

Enquanto me sento na minha confortável cadeira com a mamãe ao meu lado, Bandit no meu colo e uma bebida estranha e saborosa na minha mão, meus pensamentos se voltam para Dash. Ele pode estar brincando quando disse que acabaria se sentindo torturado ao desejar poder me beijar de novo, mas estou começando a me sentir um pouco torturada. Não é como se eu nunca tivesse beijado mais ninguém, mas nenhum dos garotos de Stanmeade consegue se igualar a um cara com magia correndo em suas veias. Repito aquele beijo repetidamente em minha mente, e cada vez que lembro de alguma coisa que parece meio mágica... E não no sentido figurado e brega. Quero dizer magia de verdade. As luzes piscando que notei através dos meus olhos fechados, a sensação de faíscas na minha língua, o calafrio quente e frio que não parecia um calafrio normal. Sem mencionar as chamas que brevemente nos cercaram.

Interessante. Muito interessante. Como Dash disse, definitivamente teremos algo para conversar na próxima vez que nos encontrarmos. Eu provavelmente não deveria me apegar muito à ideia dele. Ele já deve ter se movido para as novas guardiãs que chegaram a Guilda em sua ausência. Pode parecer para mim que criamos algum tipo de vínculo enquanto sobrevivemos à vida e à morte juntos, mas ele provavelmente experimentou a mesma coisa com muitas outras guardiãs. Situações de vida e morte são uma ocorrência cotidiana para eles, certo?

— Tudo bem? — Mamãe pergunta, e eu percebo que ela está me observando.

— Sim. Melhor do que bem. Por quê?

— Você só estava com essa cara franzida, só isso.

— Oh. — Eu garanto que estou sorrindo. — Desculpe, eu nem percebi.

— Você tem mais perguntas? — Ela balança a cabeça. — Quero dizer, é claro que você tem perguntas. Mas há algo em particular que você estava pensando agora?

— Hum... — Suponho que poderia perguntar a ela sobre os efeitos colaterais mágicos do beijo, mas não me sinto totalmente confortável com isso. No momento, ainda parece algo particular que eu quero manter entre Dash e eu. Então, decido fazer uma pergunta diferente. — Você disse que tem as memórias de Ada desde que vocês duas se separaram, certo?

— Sim.

— Posso perguntar para você algumas coisas?

— Claro, querida. — Ela se vira um pouco na cadeira para me encarar. — Eu estava esperando que você perguntasse mais sobre minha Habilidade Griffin e Ada. Eu pensei que você ficaria mais curiosa.

— Estou curiosa, só não sabia se era algo que você gostaria de falar.

— Em, estou feliz em falar sobre qualquer coisa com você. — Seu sorriso enruga a pele ao redor de seus estranhos olhos cor de pêssego. — Sem mais segredos, ok? Quero que tudo seja um livro aberto.

— Tudo bem. Então... como Ada sabia sobre esse mundo? Eu pensei que apenas alguns dos Unseelies e seus guardas sabiam disso.

Mamãe faz uma pausa por alguns momentos, talvez vasculhando as memórias de Ada para encontrar a resposta. — Parece que ela descobriu por acidente, na verdade. Ela queria, hum... Ugh, isso é horrível. Ela queria matar os guardiões parados perto do rasgo no véu. Mas eles a viram chegando e a perseguiram com magia. Ela escapou pelos caminhos das fadas, mas os guardiões estavam tão perto dela que ela estava preocupada que eles pudessem realmente segui-la. Então ela ficou dentro dos caminhos. O que, caso você não saiba, é algo difícil de se fazer, — mamãe acrescenta. — E enquanto ela estava escondida lá, ela começou a notar uma luz à distância. Ela achou isso estranho, já que os caminhos das fadas deveriam estar completamente escuros, então ela seguiu a luz e descobriu este mundo. Havia uma parede e uma porta e, uma vez que ela passou por ela, encontrou um castelo meio formado e soldados ou guardas à distância. Ela não ficou muito tempo, mas posso lembrar pelas lembranças dela que ela esteve aqui algumas vezes desde então, apenas para ver o que está acontecendo.

A suspeita tem crescido dentro de mim enquanto minha mãe está falando. — Isso é muito estranho, — digo quando ela termina. — É quase exatamente como Roarke e Aurora descobriram este mundo.

— Oh. — Mamãe inclina a cabeça para o lado. — Isso é estranho. Eu me pergunto quantas outras pessoas também tropeçaram acidentalmente neste mundo, provavelmente nem mesmo percebendo o que é. Ainda bem que você disse a este mundo que ele pertence a nós. Agora não precisamos nos preocupar com estranhos vagando pela nossa casa.

— Sim... — eu digo, embora haja definitivamente dúvida na minha voz. — Espere, mas como Ada sabia que eu estava aqui ontem? Ela chegou e basicamente disse que veio me pegar.

— Ela... — Mamãe fechou os olhos, depois respirou fundo quando os abriu. — Ela está escondendo certas coisas de mim.

— Isso é possível?

— Sim. Se ela escolher deliberadamente não pensar em certas coisas, ou encobri-las pensando firmemente em outras coisas, será difícil para mim acessar suas memórias.

— Ela está... ganhando controle?

— Não, não. Ela está apenas escondendo algumas coisas de mim.

— Oh. Tudo bem. — No entanto, meus olhos examinam o corpo da mamãe em busca de sinais de contração. Foi o que ela disse para Zed, certo? Que ela costumava se debater quando estava lutando para manter o controle?

— Eu estou bem, Em, eu juro, — mamãe diz, me notando observando de perto. — E vou descobrir o que Ada está escondendo. Ela não poderá esconder as coisas de mim por muito tempo.

— Tudo bem. — Tomo um gole da minha bebida exótica e encontro minha mente voltando ao feitiço de troca. Quero entender por que mamãe decidiu que não há problema em roubar a vida de alguém. Ela devia saber que Macy Clarke não sobreviveria ao feitiço. Então era mais do que roubar, na verdade. Foi assassinato.

Eu afasto a imagem de minha mãe como assassina. Eu sei que não é quem ela é. Ela estava apenas confusa e perdida na época. E talvez ela não soubesse o que aconteceria. Certamente, não é possível que todo o mundo fae saiba todos os feitiços que existem, então talvez mamãe nunca tenha ouvido falar de um feitiço de troca. E talvez Zed tenha deixado de lado a parte sobre Macy acabar morta. Isso parece muito mais provável para mim do que mamãe concordando em matar.

Um movimento chama minha atenção. Olho para o lado e vejo mamãe segurando o copo na minha direção. Eu levanto o meu e o brindo contra o dela, sorrindo enquanto forço todas as minhas dúvidas para fundo da minha mente.

***

No final do segundo dia, quando Dash ainda não voltou, de repente me lembro que disse a este mundo que nenhum membro da Guilda jamais viria aqui. Então, antes de subir na cama, tomo um pouquinho do elixir de Habilidade Griffin e ouço minha voz estranhamente distorcida dizendo, — Dash Blackhallow está autorizado a entrar neste mundo.

Então, como parece que sobrou um pouco do meu poder Griffin, olho para meus pés e digo que eles estão usando chinelos de unicórnio. Um tecido branco macio se envolve em torno dos meus pés enquanto se enche com algum tipo de estofamento. Asas cor de prata saem dos lados, uma cabeça incha sobre os dedos dos pés, uma juba com cabelo felpudo da cor do arco-íris aparece e um chifre de ouro se materializa no topo da cabeça do unicórnio. Olhando com alegria para minha última criação, bato palmas e rio. Então imagino o que Val diria se me visse usando chinelos de unicórnio, de todas as coisas, e eu rio mais ainda.

Eu corro pelo corredor para o quarto da mamãe e me ofereço para fazer um par de chinelos de unicórnio para ela também com o último fragmento restante do meu poder. Depois que seus chinelos terminam, subo na cama dela. Nós esticamos nossas pernas para podermos mexer os pés para frente e para trás na nossa frente, enquanto mamãe compartilha histórias de seu passado. Lembro de Zed mencionando que sua vida era horrível, mas se isso era verdade, ela não fala sobre isso. Ela me conta apenas as coisas divertidas de sua infância. Escola das faeries, e conseguir sua primeira stylus, e as regras que ela adorava quebrar. Fico feliz em sentar aqui e adormecer ao som da voz dela.

Meus olhos estão semicerrados quando mamãe diz calmamente, — Eu não tinha certeza se eu deveria mencionar isso, mas eu falei sério quando disse que não quero que haja segredos entre nós.

Eu pisco, abro meus olhos completamente e me levanto um pouco mais ereta. — Tudo bem. O que foi?

Ela olha para o colo. — Eu sei o que aconteceu fora da casa de Chelsea. Quando Ada veio atrás de você. Eu sei que você me entregou.

Meu estômago cai instantaneamente, sobrecarregado pela culpa. — Mãe, me desculpe. Não era assim —

— Eu sei querida.

— Ela ia matar meus novos amigos. Ela estava acabando com toda Stanmeade. E a última coisa que eu queria fazer era contar a ela onde você estava. — Eu pego a mão dela. — Juro, mãe, se meu coração pudesse literalmente quebrar, teria quebrado. Mas eu não podia —

— Eu sei, Em, eu sei. — Ela acaricia meu cabelo como se eu fosse uma criança pequena. — Você não podia deixar todas aquelas pessoas morrerem. Você teve que escolher eles ao invés de mim.

— Eu não estava os escolhendo —

— Querida, eu sei. Compreendo. — Ela beija minha testa. — Eu perdoo você.

Deveria ser um alívio ouvir essas palavras, mas me sinto ainda pior. Ela não deveria ter que me perdoar. Eu nunca deveria ter feito algo para ela que exigiria perdão.

Dizemos boa noite e, com o coração pesado, volto para o meu quarto. Eu puxo Bandit para mais perto e o aconchego contra o meu peito, tentando me dizer para não ser boba. Mamãe me perdoou, então eu deveria ser capaz de me perdoar também, certo? Era uma situação impossível. Eu tive que escolher salvar uma cidade inteira de pessoas em vez de salvar apenas uma, certo? Mesmo se essa pessoa fosse minha mãe...

Eu me sento e caminho até o espelho sobre a cômoda. Não tentei ligar para ninguém, mas conheço as palavras. Toco no espelho, pensando em Dash, e imediatamente retiro minha mão. Duvido que ele queira ouvir sobre meus problemas. Ele provavelmente está ocupado salvando a vida de outra pessoa agora. Uma donzela em perigo. Ele não gostaria de interrupção.

A única outra pessoa com quem quero falar é Val, e isso é impossível no momento. Minha melhor amiga teria um ataque cardíaco se o espelho dela começasse a falar com ela, e eu não sei se o feitiço funcionaria em um espelho comum no mundo humano. Ou, se funcionaria no mundo das sombras. Mas isso não me impede de desejar contar tudo o que aconteceu desde aquela noite horrível na festa.

Eu volto para a cama sem tentar ligar para ela. Um dia, voltarei a Stanmeade e explicarei o meu desaparecimento da melhor maneira possível, mas agora não é a hora. Preciso me concentrar na nova vida que mamãe e eu estamos construindo e colocar o passado para trás.


Capítulo 40

 

 

NO FINAL DO TERCEIRO DIA, NOSSO MUNDO ESTÁ AINDA MAIS COMPLETO. FECHEI A LATERAL DO CASTELO, ACRESCENTEI algumas roseiras e outras flores ao longo do rio e instalei um carrinho de golfe. Mamãe achou o carrinho de golfe um pouco estranho, especialmente em um mundo de magia, mas achei que seria divertido andar de carro pela nossa terra. Ela me lembrou que não temos onde conectá-lo, e eu a lembrei de que podemos fazê-lo se mover com magia. Depois, usei o último pouquinho do poder Griffin da minha manhã para dizer a dois sombras de tintas que assumissem a forma de dragões do tamanho de Imperia — apenas para ver se podiam.

E eles conseguiram. Eu pulei para cima e para baixo com pura excitação antes de subir em um deles. Depois que superei a estranha sensação de estar sentada em uma nuvem de ar gelado, voei ao redor de nosso pequeno mundo, aterrissando apenas quando mamãe me disse para descer e aprender a transformar algumas fronhas em cortinas para nossos quartos.

Eu gostaria de poder mostrar a Dash tudo o que fizemos, mas ele não voltou. Totalmente compreensível, continuo me lembrando. Ele provavelmente tem uma tonelada de trabalho para recuperar o atraso depois de dias SEM FAZER NADA. Ainda assim... eu meio que sinto falta dele.

***

Eu entro na enorme cozinha do castelo para ajudar mamãe no jantar. — Posso cortar esses vegetais? — Eu pergunto, apontando para a pilha no balcão ao lado do fogão.

— Sim. Obrigada, querida. Você se lembra do feitiço de cortar?

— Acho que sim. — Eu movo algumas batatas, cenouras e algo que se parece com aipo roxo para outro balcão, maravilhada com o simples fato de poder ficar na cozinha com minha própria mãe enquanto preparamos uma refeição juntas. Empurro os vegetais para o lado para dar espaço para a minha tábua de cortar — e é quando percebo duas rosas de vidro perfeitas em um vaso no peitoril da janela.

Meu sangue gela instantaneamente. — Mãe, — eu digo com cuidado. — O que é isso?

— Hmm? Ah, eu queria adicionar algumas flores na cozinha, mas não estava com vontade de caminhar até as roseiras do rio. Você não acha que as de vidro são bonitas?

Engolindo, me viro lentamente para encará-la. — Ada as criou? Você... deu a ela algum controle para que ela pudesse fazer isso?

— O quê? — Os olhos da mãe se arregalam. — Não, não seja boba. Eu fiz isso.

— Mas é ela quem tem a habilidade de —

— Em, querida, ela não tem o monopólio da magia de vidro. Ela pode fazer muito mais que isso do que qualquer faerie comum, mas o resto de nós ainda pode usar feitiços simples envolvendo vidro. E você sabe que eu gosto tanto de bugigangas de vidro quanto ela.

— Sim, mas... tudo bem. — Essas rosas parecem longe de ser simples para mim, mas suponho que seja porque ainda sou nova na maioria das coisas que envolve magia. — Desculpe, acho que minha primeira resposta é surtar quando vejo algo que não espero que seja feito de vidro.

— Compreensível, — mamãe diz com uma risada enquanto se volta para o fogão.

— Acho que precisaremos comprar mais comida em breve, — digo. — Pensei que poderíamos criar uma horta aqui, mas lembrei que na verdade não temos sol neste mundo, então isso não funcionaria. Ah, e enquanto estamos no assunto do sol, isso não é exatamente saudável, é? Provavelmente deveríamos voltar a um dos outros dois mundos em algum momento, apenas para pegar um sol.

— Boa ideia. E você também está certa sobre os alimentos frescos. Não vai durar muito mais tempo.

— Sim. — Estou começando a pensar que viver neste mundo não é uma opção viável a longo prazo, mas decido não expressar essa opinião ainda. Mamãe parecia muito interessada na ideia, então estou feliz por ficar aqui por enquanto. Talvez até que todos no reino mágico se esqueçam de mim e não precise me preocupar em ficar olhando por cima do ombro onde quer que eu vá.

Eu início o feitiço de cortar e depois entro na despensa para verificar o estado de nossos suprimentos. — Quando você acha que devemos ir? — Eu digo para mamãe. — Para conseguir mais comida, quero dizer. E devemos ir ao mundo humano ou ao mundo fae? Ah, e o dinheiro? — Eu volto para a cozinha. — Merda. Isso pode ser um problema.

Mamãe instala uma colher para mexer a panela sozinha antes de me encarar. — Em, eu estava pensando que deveria ir sem você. Eu sei que você quer ver o mundo fae, mas não acho que seja sábio no momento. Não é seguro lá fora. As pessoas ainda estão procurando por você.

— Eu sei, mas não será por muito tempo. E podemos ir para uma área em que nunca estive antes, então não há risco de alguém me reconhecer.

— Em. — Ela me dá um sorriso indulgente. — Você sabe que não é uma boa ideia. Pelo menos ainda não. A Guilda tem outras maneiras de encontrar pessoas. Espere um pouco mais até que eles comecem a se preocupar com outras coisas.

— Hum, está bem.

— Ei, venha aqui. — Eu atravesso a cozinha e ela coloca o braço em volta dos meus ombros. — Você sabe que eu te amo, certo? Você é a coisa mais importante do mundo para mim. Em qualquer mundo.

— Claro. Eu também te amo. Mais do que tudo e qualquer um. — Ainda é um pouco estranho dizer isso para alguém que não se parece mais com minha mãe, mas eu ainda quero dizer essas palavras.

— Bom. — Ela esfrega a mão para cima e para baixo no meu braço. — Então você sabe que eu só quero mantê-la segura.

— Sim, claro. Mas... você sabe que eu estou cuidando de mim há muito tempo, certo? Acho que provavelmente ficaria bem agora que tenho uma noção melhor da minha magia.

— Tenho certeza que você consegue, querida, e eu sei que você pode se cuidar. Mas perdi tantos anos cuidando de você. Por que você não me deixa fazer isso por um tempo? Deixe-me compensar todos os anos que não —

— Mãe, você não precisa compensar nada. Sério.

— Em, por favor. Apenas deixe-me fazer isso.

Depois de um momento, desisto com um sorriso. — Certo. Claro. — Parece bobagem para mim, mas se isso a ajudar a se sentir como minha mãe novamente, então é legal. Eu posso lidar com isso por um tempo.

O silêncio é estranho por alguns minutos, enquanto continuamos a preparar o jantar, mas logo começamos a conversar sobre outras coisas. Não mencionei o problema do dinheiro novamente, mas isso não significa que não pense nisso. O que faremos quando precisarmos comprar comida? Não quero criar dinheiro do nada com a minha Habilidade Griffin. Não seria roubo, mas de alguma forma a ideia também não parece certa.

A sala de jantar está vazia, exceto pela longa mesa que Roarke construiu aqui, mas mamãe e eu arrastamos algumas cadeiras ontem de outras salas. Vou dar um jeito de mobiliá-la adequadamente em algum momento. Por enquanto, mamãe e eu sentamos uma ao lado da outra em cadeiras incompatíveis, e Bandit se senta do outro lado da mesa em forma de macaco com um cacho de frutas na frente dele.

— Sua Habilidade Griffin é muito impressionante, — diz mamãe quando estamos no meio do jantar, — mas me pergunto o que mais ela poderia conseguir. Eu acho que se você tivesse mais poder — se seus níveis básicos de magia fossem mais altos — provavelmente poderia fazer coisas ainda maiores.

— Talvez. — Eu termino mais um bocado de comida e acrescento, — Pensei que se pudesse economizar o poder da minha Habilidade Griffin em vez de usá-la, depois que ela for reabastecida pela segunda vez, eu espero ter o dobro de poder.

— Mas isso levaria muito tempo, — diz mamãe. — Seria muito mais rápido extrair magia diretamente de outra fonte.

— Tudo bem. Como o quê?

— Você sabe, do jeito que as bruxas extraem poder de outros seres. — Ela faz uma pausa para saborear seu vinho das faeries. — Eu posso ver exatamente como fazer isso nas memórias de Ada. Tenho certeza de que aumentaria sua Habilidade Griffin muito mais rápido.

Eu rio da sugestão maluca de mamãe. — Não podemos fazer isso.

— Claro que podemos. — Ela devolve a taça à mesa. — Encontraremos pessoas que não são importantes. Alguns humanos.

Abaixo lentamente o garfo, percebendo que ela pode não estar brincando. — Todas as pessoas importam, mãe. Incluindo humanos.

— Não os ruins. Existem humanos que fizeram coisas terríveis. Vamos procurar por esses. Invadir uma delegacia de polícia ou algo assim.

Eu a encaro por alguns momentos. Ela continua comendo como se nada estivesse errado. Como se ela não tivesse acabado de sugerir algo horrendo. — Você não está falando sério, está?

Confusão colore sua expressão. — Claro que estou.

— Nós não podemos fazer isso, mãe. Sério. Isso não vai acontecer.

É a vez dela de baixar os talheres. — Eu não entendo qual é o problema, Em.

— O problema é que não podemos matar pessoas apenas para obter poder.

— Em, estamos falando de pessoas que vão morrer de qualquer maneira. Você sabe, pessoas que foram condenadas à morte. O poder deles talvez possa ser útil para nós antes de morrerem.

— Eu... eu não posso...

— Sinto muito, Em, não sabia que você teria um problema com isso. — Ela coloca a mão sobre a minha e o seu polegar esfrega de um lado para o outro na minha pele. — Podemos esperar um pouco mais até que você esteja bem com isso.

Eu afasto minha mão. — Eu nunca vou ficar bem com isso.

Sua expressão lentamente se torna severa. — Não me lembro de você falando assim comigo antes.

— Provavelmente porque você nunca sugeriu que saíssemos e matássemos pessoas juntas.

— Em, eu sou sua mãe. Você precisa confiar que eu sei mais do que você sobre certas coisas.

— Eu acho que não, na verdade.

— Emerson! — Mamãe bate com a mão na mesa.

Bandit muda rapidamente para um dragão e rosna para ela, soltando um pequeno fluxo de chamas.

— Quieto! — Mamãe grita, varrendo o braço pelo ar. Um flash de faíscas o golpeia no rosto e o derruba. Ele cai da mesa, encolhe-se em forma de gato quando bate no chão e choraminga.

— Bandit! — Eu pulo e corro para o final da mesa, caindo de joelhos ao lado dele.

— Em, sinto muito, — diz mamãe. Sua cadeira raspa o chão enquanto ela se levanta. — Ainda estou me acostumando a ter magia novamente. Eu não conheço minha própria força. Eu não quis machucá-lo.

Bandit rasteja para minhas mãos como um rato, onde lambe repetidamente as patas da frente e as esfrega sobre as orelhas. — Acho que ele está bem, — digo em voz baixa. Eu levanto e o coloco dentro do bolso da frente do meu moletom. Então eu olho para mamãe.

— Eu realmente sinto muito, Em. Por favor, volte para a mesa e termine o jantar.

— Sim, — eu digo baixinho, ainda tentando entender o rumo altamente desagradável que nossa discussão tomou. — Tudo bem.

Eu sento e pego meu garfo e minha mãe diz, — Sinto muito por ter perdido a paciência. Estou apenas tentando fazer o melhor para você e não sei por que você está brigando comigo nisso.

— Porque você está falando sobre assa —

— Tivemos uma vida horrível, nós duas. Você viveu com aquela terrível irmã humana de Macy Clarke. E sofri com o feitiço de troca atormentando minha mente por anos. E então eu quase fiquei inconsciente pelo resto da minha vida porque — Ela se interrompe, fechando os olhos brevemente e segurando as palavras que eu imagino que ela queira dizer: porque eu revelei sua localização para a outra metade perigosa.

A culpa doentia gira dentro de mim mais uma vez enquanto eu pressiono meus lábios e olho para o meu jantar restante. Minha mão aperta meu garfo.

— Meu argumento é, Em, que esta é nossa chance de melhorar tudo. Então você precisa parar de me questionar. Sou sua mãe e sei o que é melhor para nós duas. Então, vamos aumentar seu poder, tudo bem? Vou dar um tempo para você se acostumar com a ideia e entender que é uma parte totalmente normal do nosso modo de vida, mas vamos fazer isso. Sem mais argumentos, tudo bem?

Eu me forço a olhar para ela e assentir. Eu até consegui dar um pequeno sorriso e um suspiro resignado. Mas por dentro, não consigo parar de tremer.


Capítulo 41

 

 

EU CONSIGO FINGIR QUE TUDO ESTÁ BEM, ATÉ QUE TERMINAMOS DE COMER O JANTAR. APÓS AJUDAR A LIMPAR, dou a mamãe o que espero que seja um sorriso alegre e digo a ela que vou relaxar na piscina no meu banheiro por um tempo, agora que aprendi alguns feitiços para mudar o aroma e a cor das bolhas. Mas quando subo o primeiro lance de escada, eu corro. Meus pés não param de bater no chão até chegar ao meu quarto. Minhas mãos tremem quando visto uma jaqueta por cima do moletom e pego uma vela e uma stylus da gaveta ao lado da minha cama. Verifico duas vezes para ter certeza de que Bandit ainda está no meu bolso.

Então eu congelo, completamente perdida por um momento sobre aonde ir ou o que fazer.

Mamãe quer que eu mate pessoas? Que diabos?

A imagem que tenho na minha cabeça da vida perfeita que nós duas deveríamos ter agora se tornou tão quebradiça de repente quanto as bugigangas de vidro que mamãe e Ada amam tanto. Está por um fio. Prestes a cair. Prestes a quebrar.

Não. Tudo ficará bem. Isso é apenas... um obstáculo. Um mal-entendido. Influência de Ada, provavelmente.

Com um estalar de dedos, a vela acende. Eu fecho os olhos e me concentro ferozmente no único lugar que sei que ainda podemos ser felizes: a casa em que cresci. Número vinte e nove da Phipton Way. Luz brilhante pisca além das minhas pálpebras. À medida que desaparece lentamente, a paz começa a acalmar o medo trêmulo em meu coração. Em breve estarei em casa. Em breve, tudo ficará bem.

Quando sinto um chão sólido debaixo dos pés, abro os olhos. Estou do lado de fora do número vinte e nove na penumbra que me lembra muito o mundo das sombras. A estrada molhada e o cheiro de terra úmida me dizem que choveu recentemente. Empurrando o pedaço restante da vela no bolso da frente da minha calça jeans, dou um passo para mais perto da cerca de madeira. Está emaranhada com mato, como antes. Mais mato cresceu agora do que me lembro, mas tudo bem. Meu coração bate desconfortavelmente contra a minha caixa torácica enquanto caminho em direção ao portão. O barulho dos meus sapatos contra a estrada úmida parece muito alto neste bairro tranquilo.

Bandit se contorce, sai do meu bolso e sobe do meu braço até o ombro. Chego ao portão e encontro suas dobradiças enferrujadas com o tempo. O número vinte e nove pintado em um bloco de madeira e pregado no portão está tão desbotado que mal consigo lê-lo, e a própria madeira está dividida em vários lugares. Não está certo, minha mente sussurra para mim. Não é para ser assim.

Engulo o nó doloroso na garganta antes de dar um passo à frente e abrir o portão. Ele chia com suas dobradiças enferrujadas. Uma vez lá dentro, eu olho em volta enquanto meu coração continua afundando cada vez mais. — Está tudo errado, Bandit, — eu murmuro. O sol poente deve lançar luz quente sobre o jardim, em vez de se esconder atrás de nuvens cinzentas. A grama deve ser cortada curta, não crescendo descontroladamente. As roseiras devem ser bem podadas, e não sufocadas até a morte por ervas daninhas. Esse pesadelo de jardim não é nada como o lar perfeito das minhas memórias.

Mas então, com uma clareza lenta e horrível, começo a perceber que nunca foi.

Eu empurro minhas mãos pelos meus cabelos quando as lembranças boas começam a se quebrar e a escuridão aparece entre as lacunas. Lembro agora que nem sempre estava ensolarado e a mamãe nem sempre era feliz. Eu a encontrava do lado de fora à noite, brandindo uma vassoura ou tesoura de jardim, gritando com ninguém. Ela não entrava, então eu começava a chorar. Eventualmente, ela largava a arma, me puxava para dentro e trancava todas as portas. Nós nos amontoávamos, e às vezes ela chorava também, e jurava me proteger dos bandidos. Nas primeiras vezes, fiquei apavorada com ela, mas logo percebi que não havia ninguém lá. As coisas que a assustavam existiam apenas em sua mente.

Eu deixo minhas mãos caírem aos meus lados. Como se estivesse atordoada, volto para o portão. Eu me viro e encaro a casa mais uma vez, percebendo finalmente que nunca foi o lugar seguro que pensei que fosse. E nunca foi nosso. Este era o lar de Macy Clarke. Essa era a casa que Dani roubou. Essa era a vida que Dani roubou. Este é o lugar que a verdadeira Macy Clarke e a verdadeira Emerson nunca tiveram a chance de viver suas vidas. A única coisa que vejo quando olho para ela agora é perda e miséria.

E nunca mais quero vê-la.

Meus pés me viram e me levam pelo portão e pela estrada. Eu continuo andando, embora não tenha ideia para onde estou indo. Acho que quero chorar — sinto que preciso chorar — mas estou muito vazia até para isso. Eu ando até o fim da estrada. Então coloco minha bunda no meio-fio duro e molhado e descanso a cabeça nas mãos.

Eu devo ter sonhado nos últimos dias. Um tipo de sonho bobo e feliz para sempre que nunca poderia existir na vida real. Como eu pude me deixar envolver nisso? Eu deveria saber mais do que acreditar nisso. Eu arrasto minhas mãos pelos lados do meu rosto e tento imaginar o meu futuro agora, mas onde costumava haver um objetivo sólido, agora existe um vazio onde minha vida deveria estar. A vida que Zed tirou de mim quando me roubou de meus pais de verdade e de meu verdadeiro lar.

Zed.

Eu olho para cima quando o menor vislumbre de esperança ilumina a escuridão no meu coração. Zed roubou minha vida, o que faz dele a única pessoa que pode me devolvê-la. Ele não acha que pode fazer mais nada para consertar a bagunça que fez, mas ele não me disse a única coisa que poderia fazer a diferença: quem é minha família de verdade.

***

Não tenho um plano coerente. Não sei o que farei com as informações que Zed me fornecer. Não sei o que direi a Dani quando voltar ao mundo das sombras. Só consigo pensar em um passo de cada vez. E o passo atual é este: encontrar Zed e perguntar a ele quem são meus verdadeiros pais.

Eu levanto e levo Bandit para o abrigo do meu bolso. Minha manga desliza um pouco para trás, então eu verifico o rubi. Eu calculo que esteja a cerca de uma hora ou duas de estar totalmente cheio. Eu provavelmente deveria ter trazido algum elixir comigo, apenas no caso de precisar sair de uma situação complicada antes de retornar ao mundo das sombras, mas não estava pensando claramente quando saí do castelo.

Eu pego a stylus de Aurora e lembro o que Zed nos disse antes dele ir embora. Orangebrush Grove, eu acho. Isso foi tudo. Sem nome da rua, sem número. Bem, aqui vou eu. Abro um portal para os caminhos das fadas na calçada. Não sei o que pensar, então tento pensar em nada enquanto deslizo para a escuridão conforme sussurro repetidamente, — Orangebrush Grove, Orangebrush Grove. — Quase se torna um trava-língua, mas não paro de dizer as palavras até que a escuridão comece a derreter ao meu redor.

Encontro-me em um pedaço de terra que contém algumas casas espalhadas em meio a árvores altas, com colinas e piquetes a distância e um sol poente banhando a cena com um calor dourado. Se eu tivesse tempo para formular algum tipo de expectativa antes de chegar aqui, não teria sido isso.

Eu me aproximo da casa mais próxima, olhando em volta e não vendo mais ninguém. Eu evito a porta da frente; Não vou bater quando não sei se esta é a casa certa. Em vez disso, dou a volta e olho através de uma janela semiaberta. Uma cama desfeita fica em um lado do quarto e roupas estão espalhadas pelo chão, mas nada me diz se essa casa pertence a Zed ou não. Vou para a próxima janela, mas os móveis da sala também não revelam muito, além do fato de estarem gastos e desatualizados. Estou prestes a ir para a casa seguinte quando vejo: roupas formais Unseelie penduradas nas costas de uma poltrona. As roupas que Zed usava quando escapamos do Palácio Unseelie.

Sim! Eu me parabenizo mentalmente por encontrar a casa certa. Então volto para a porta da frente e bato. Depois de esperar alguns segundos, bato novamente. Quando fica claro que Zed não está em casa, ando até a janela entreaberta, me levanto e balanço meu corpo para dentro. Invasão não é legal, eu acho, mas não vou esperar do lado de fora na porta da frente. Não quando não faço ideia de quem mais mora por aqui. E por que Zed deixou sua janela aberta? Eu pensei que casas mágicas tivessem uma segurança melhor que essa. Embora, agora que penso nisso, não tenha ideia se estou no mundo mágico ou não mágico.

Eu ando pelo quarto e vou para a sala de estar. Ainda cautelosa com os tipos de vizinhos que Zed pode ter, escolho uma cadeira que não pode ser vista da janela e me sento.

E eu espero.

E tento não pensar na minha mãe, porque, caramba, não sei mais o que devo pensar. Passei tantos anos a querendo de volta como costumava ser, apenas para descobrir que essa pessoa nunca existiu. Era tudo uma fachada. Ela era uma faerie fingindo ser humana. Ela era duas pessoas fingindo ser uma. E, o pior de tudo, ela estava fingindo ser minha mãe.

Merda. Isso não de não pensar sobre ela não está funcionando bem. Inclino-me para frente na cadeira e enfio os dedos nos cabelos. — Droga, droga, droga, — eu murmuro. Por que alguém teve que inventar um feitiço de troca em primeiro lugar? Que ideia seriamente confusa.

Uma batida.

Minha cabeça salta. Eu congelo. Tenho certeza de que é apenas Zed. Mas espero alguns segundos e nenhum outro som chega aos meus ouvidos. Sem porta abrindo, sem passos. Caramba, eu sussurro silenciosamente para mim mesma. E se alguém mais estiver aqui? E se Dani estivesse certa sobre a Guilda ter outras maneiras de me rastrear, e agora que eu deixei o mundo das sombras, eles enviaram alguém atrás de mim?

Eu me levanto silenciosamente da cadeira, ando na ponta dos pés para o outro lado da sala, deslizo para trás de uma cortina e me achato contra a parede. Meu sangue dispara em minhas veias e minha mão se move para a vela no meu bolso. Com que rapidez eu seria capaz de acendê-la se alguém entrasse na sala? E eu poderia fugir antes de queimar a cortina?

Então ouço o som de uma chave na fechadura. Uma porta se abre e se fecha. Passos cruzam o chão de madeira. Certamente deve ser Zed? Mas a pessoa ou coisa que causou a colisão ainda deve estar na casa em algum lugar. Ou talvez não fosse nada além de um pássaro ou um esquilo ou outro animal no telhado. Ou talvez fosse um daqueles barulhos que casas antigas fazem às vezes.

Eu corro o risco de mover minha cabeça alguns centímetros para o lado para que eu possa espiar além da cortina. Quando vejo Zed encolhendo os ombros para fora de uma jaqueta e a jogando em cima das roupas Unseelie, eu quase me murcho de alívio.

— Não se mova.

Eu congelo.

Zed também.

— Levante as mãos, — a voz de uma mulher vem da direção do quarto.

Mais uma vez, não me movo nenhum centímetro. Zed, no entanto, se move quando fala, — Quem está aí? — ele pergunta, virando a cabeça para o lado enquanto tenta ver por cima do ombro.

— Você é uma pessoa excepcionalmente difícil de encontrar, Zed, — diz a mulher, parando na porta do quarto com uma sombra na parte superior do corpo e luz iluminando uma faca em uma mão e uma shuriken na outra. — Eu não achei que teria tanta dificuldade em localizar você. — Ela se move totalmente para a luz da sala e, finalmente, vejo quem ela é.

— Calla, — diz Zed, virando-se para encará-la.

Que diabos? Eu exijo silenciosamente. Mesmo que eu quisesse me revelar agora, acho que não poderia. Meu corpo está chocado demais para se mover.

— Não seja tão dura consigo mesma, — acrescenta Zed. — Eu estava escondido recentemente. Magicamente oculto. Contra minha vontade.

— Sim. No palácio Unseelie.

— Você sabe disso?

Ela estreita os olhos dourados para ele. — Por que você está surpreso? Você sabe que posso descobrir praticamente qualquer informação que eu queira. Só é preciso a ilusão certa.

Ele assente enquanto lentamente abaixa as mãos. — Verdade. Acho que não estou surpreso que você saiba exatamente onde estive recentemente. Mas estou surpreso que demorou tanto tempo para vir me procurar. Eu pensei que você me pegaria há anos. Ou, pelo menos, pensei que alguém da sua família faria.

Calla atravessa a sala em cerca de dois segundos. Sua faca brilha no ar e descansa firmemente no pescoço de Zed. — Alguém da minha família quase fez isso. Alguém da minha família queria rasgar você em pedaços pelo que você fez. Eu mentiria se dissesse que não queria fazer a mesma coisa.

Zed não faz nenhum movimento para fugir ou revidar. — Então por que você não fez?

Calla dá um passo atrás. Ela gira a faca na mão antes de apontá-la novamente para Zed. — O que você fez com Victoria?

— Eu suspeito que você já sabe ou não viria me procurar depois de todo esse tempo.

— Fale o que você fez! — Ela grita.

Sua expiração é lenta. Ele engole. — Um feitiço de troca.

Eu observo como sua respiração se torna superficial e ela lentamente abaixa as mãos para os lados.

— Peguei o bebê e o substituí por um humano, — continua Zed. — Victoria cresceu no mundo humano.

— Então é verdade, — sussurra Calla, afastando-se um pouco de Zed. Quase em câmera lenta, ela cai de joelhos. Suas armas caem no chão ao lado dela enquanto ela olha sem ver Zed.

— Sinto muito, — diz ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que ela apareceu. — Sinto muito pelo que fiz. Mas eu posso te mostrar —

— Pare de falar. — Calla respira trêmula, quase ofegante dessa vez. Ela passa as mãos pelos cabelos, depois se inclina para frente e pressiona as palmas das mãos contra o chão. — Eu não acredito. Quando vi a marca de nascença, eu soube. Mas eu queria ter certeza. Eu tinha que ter certeza. Ela não morreu. Todo esse tempo... todo esse tempo, e ela estava realmente viva.

Enquanto ela repete a mesma coisa repetidamente, empurro a cortina para o lado e dou um passo à frente. Estou bastante certa — a menos que Zed seja algum tipo de serial de troca — de que o bebê de quem eles estão falando sou eu. Mas eles ainda não disseram o suficiente para eu entender quem eu sou e como Calla me conhecia naquela época. — Por favor, explique, — eu digo.

Zed se vira para me encarar. A resposta de Calla é mais lenta. Ela congela, com as mãos ainda no chão, antes de lentamente levantar a cabeça. Ela olha para mim entre os fios dourados de seus cabelos, os olhos arregalados e vermelhos, as bochechas manchadas de lágrimas. Então ela se levanta e corre em minha direção. Seus braços estão em volta de mim antes que eu possa me afastar, e ela me abraça com força, chorando no meu cabelo. — Você está viva, você está viva, você está viva.

— Hum... — Eu não sei mais o que dizer.

— Vimos seu recado e Vi tentou encontrá-la, mas ela continuava vendo um lugar sombrio que não conseguia alcançar, e ainda não soubemos nada sobre Dash, e... caramba, você está VIVA.

— Eu... eu estou. Sim.

— E você! — Ela chia, afastando-se de mim de repente e avançando em Zed. — Como você pode FAZER ISSO? Como você pode MATAR UMA CRIANÇA HUMANA? — Suas palavras são pontuadas com faíscas de magia que voam de seus dedos e língua, atingindo Zed.

— Ei, eu fiz o que era necessário para me manter vivo. Eu não —

— Você não fez o quê? — ela cospe quando magia salta pelo chão ao seu redor. — Teve escolha? Então você decidiu ir em frente e arruinar duas famílias?

— Fiz o melhor de uma situação ruim.

— Seu COVARDE!

Não sei quem se move primeiro, mas de repente eles estão brigando. Com os punhos e faíscas ofuscantes, móveis voam e grunhidos de raiva, esquivando-se e abaixando-se e socando. Calla gira e dá um chute diretamente no centro do abdômen de Zed. Ele cai no chão. Ela agarra uma cadeira, a balança na direção dele enquanto ele tenta se levantar e o golpeia solidamente na cabeça.

Ele cai no chão e não se move.

— Eu tenho vontade de fazer isso há anos, — ela respira enquanto abaixa a cadeira. Então ela se vira e me puxa para outro abraço. Só dura alguns segundos, no entanto, antes que ela se afaste de mim, enxuga algumas lágrimas no rosto e sorri. — Eu sinto muito. Você deve ter tantas perguntas.

— Apenas uma, realmente, — eu digo com uma voz trêmula. — Quem diabos eu sou?

O sorriso dela aumenta ainda mais. — Você é Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.


Capítulo 42

 

 

VICTORIA LARKENWOOD. FILHA DE VIOLET E DE RYN.

Eu tenho que repetir as palavras várias vezes na minha cabeça antes que elas comecem a fazer o menor sentido. Calla está dizendo alguma coisa, e eu estou olhando para ela, e ainda assim as palavras estão tentando penetrar no meu cérebro.

Victoria Larkenwood. Filha de Violet e de Ryn.

Eu tenho pais. Eu tenho um irmão. Eu tenho uma tia que está mais uma vez me abraçando com força. E a parte mais estranha é que eu já conheci todos eles. Conversei com eles, partilhei refeições com eles, tentei descobrir meu passado com eles e nunca imaginei que pudesse pertencer a eles. Eu provavelmente deveria estar feliz. Muito feliz. Mas estou atordoada demais para sentir qualquer coisa.

Exceto... enjoada?

Eu me afasto de Calla e pressiono uma mão contra o meu estômago. — Em? — ela diz. — Qual é o problema?

— Eu me sinto... apertada? Eu acho? — Eu me dobro quando a náusea me domina. A tontura gira meu cérebro. Eu jogo meu braço para me firmar contra algo.

— Em, o que é? — Calla pega minha mão. — Oh... merda.

— Tonta... — Eu consigo murmurar.

— Acho que alguém está usando um feitiço de convocação em você.

— Tudo está... me pressionando.

— Resista, — ela instrui. — É um feitiço difícil de acertar. Você pode resistir. Apenas seja forte. Enraíze sua mente e corpo firmemente aqui. Resista, Em! — Sua mão aperta a minha.

Então tudo fica escuro e eu sou esmagada, espremida e jogada através do nada. A força que pressiona meu corpo é quase insuportável. Quando penso que estou prestes a explodir, a pressão libera. Tudo finalmente para de se mover e a náusea começa a diminuir — mas o aperto de Calla na minha mão se foi. Ela não está aqui.

E onde é 'aqui'?

Estou ajoelhada no chão, minhas mãos pressionadas na grama cinza. Tentáculos de escuridão negra se erguem entre meus dedos, me dando minha resposta: estou de volta ao mundo das sombras. Dou uma tapinha no meu bolso da frente — mas Bandit não está aqui. — Não! — Eu sussurro. Se esse feitiço de convocação fez alguma coisa com ele, vou ter que machucar a pessoa que o lançou. Eu me levanto e me viro — e me vejo diante de dezenas e dezenas de homens e mulheres em uniformes Unseelie.

Meu coração acelera. Eu dou um passo para trás.

Unseelies. No meu mundo das sombras. Como eles chegaram aqui?

— Em, vejo que você decidiu fazer uma pequena viagem. — Meus olhos disparam para o lado ao som da voz de Dani. — Vamos garantir que você não possa fazer isso de novo. — Meu quadril é puxado para a frente quando a vela voa do meu bolso. Eu me firmo. Então, olhando para cima, vejo Dani levantar a mão em minha direção —

Chamas voam pelo chão, correndo para formar um círculo ardente ao meu redor. Eu me afasto, mas não tenho para onde ir. Em seguida, uma onda brilhante corre pelo ar, formando uma camada dentro do círculo de fogo. A ondulação indistinta se espalha para cima, me envolvendo completamente em um hemisfério. Ela está me aprisionando em magia.

Mas do outro lado da camada de magia e das chamas até a cintura, Dani parece confusa. Ela estreita os olhos para mim. — Quando você aprendeu um feitiço de escudo?

Eu pisco para ela quando algo de repente se torna dolorosamente óbvio. — Quando Ada se tornou a pessoa que estava no controle?

Ela inclina a cabeça. — Sério, Em? Você é tão estúpida? Eu estou no controle desde o momento em que acordei com o feitiço de reversão de Zed.

— Mas... era minha mãe... era Dani que...

— O que, você acha que eu não posso agir? Você acha que não posso fingir ser exatamente como ela depois de compartilhar meu corpo com ela a maior parte da minha vida? — Ela fica a alguns metros de distância, com as mãos nos quadris e luz piscando através de seu rosto. De jeans e camiseta, é difícil imaginá-la como a faerie mortal de vidro com capa prateada e a máscara preta. Mas é ela, não importa como ela seja agora. — Você é uma idiota, Em. Uma idiota por acreditar que Dani seria forte o suficiente para assumir o controle de nosso corpo depois que nos fundimos novamente. Ela é tão fraca que nem consigo ouvi-la. Ela pode muito bem estar morta. E como sou eu quem está no controle agora, ela nunca mais poderá usar sua Habilidade Griffin novamente. Ela nunca será capaz de nos forçar a nos separar.

— Se você é tão brilhante em agir como ela, — digo amargamente, — talvez não devesse sugerir que nosso vínculo mãe-filha inclua matar pessoas.

Ada revira os olhos. — Se você conhecesse Dani tão bem quanto eu, saberia que ela provavelmente sugerirá o uso de um humano insignificante para ganhar poder. Mas você não, Em. Você nunca soube como ela é realmente.

— Mas você deveria me conhecer, — digo a ela. — Eu cresci naquele mundo. Você realmente achou que eu ficaria feliz em matar um de seus habitantes? Você é a idiota, Ada.

Ela encolhe os ombros. — Sim. Eu sou a idiota com um exército Unseelie do meu lado.

— Sim, mas você também cometeu o erro de dizer que este mundo me pertence tanto quanto a você. Então, dei permissão aos Unseelies para entrar. Fácil assim. — Ela gira a mão no ar e uma pequena tempestade de areia ataca o escudo. Eu me abaixo, mas o escudo permanece intacto. — Impressionante, — diz Ada. — Você claramente esqueceu de mencionar que aprendeu a lançar um escudo.

Não digo nada enquanto me endireito. Não faço ideia de onde veio o escudo, mas não reclamo, desde que me separe de Ada e dos soldados atrás dela — e do calor das chamas. — Você deveria odiar os Unseelies, não é? Zed disse que vocês foram torturados por um ex-príncipe Unseelie. Então, por que você os traria aqui?

— Vamos lá, Em. Não posso responsabilizar uma família inteira por um príncipe que decidiu ser um patife e construir um exército para assumir o poder. Isso seria injusto da minha parte. As pessoas que eu odeio, no entanto, são os guardiões. Ainda preciso me livrar de muitas coisas, e essas coisas são mais fáceis quando você tem amigos para ajudá-la. Ah, e lá está ele, — ela acrescenta, olhando para mim. — Um dos meus novos amigos.

— Os guardiões estão se reunindo em Velazar II, — diz uma voz atrás de mim. Uma voz que vim a odiar. — Eles começarão a cerimônia em breve. Ah, você recuperou a Emerson. Bom trabalho. — Roarke passa pelo círculo de fogo e para ao lado de Ada. E com ele está...

— Clarina? Eu digo.

Ainda em uniforme de criada, Clarina cruza os braços sobre o peito e olha diretamente para mim. — Acho que estou gostando dessa expressão chocada que continuo vendo no rosto das pessoas. Aurora, esses homens e mulheres atrás de nós, e agora você. Quase faz todos os anos de espera valerem a pena. — Sua voz é desprovida de seu respeito usual. Percebo abruptamente que esta é a mulher que ouvi no quarto de Roarke.

— Uau, — eu digo, mudando minha atenção para Roarke. — Nunca levei você como alguém que se apaixonaria pela criada de uma dama.

Roarke bufa. — Clarina não é criada de uma dama. Ela é uma espiã. Minha espiã.

— E eu sou, de fato, de nascimento nobre, — acrescenta Clarina.

— Ah, bem, isso faz sentido então. Um príncipe Unseelie nunca teria amizade com a empregada. — Eu olho para ela, pensando em todas as vezes que ela viu Roarke e eu juntos. Nem uma vez ela pareceu chateada, mesmo quando nos pegou nos beijando. — Você é uma boa atriz. Eu admito, pelo menos.

— Sou uma atriz muito boa, — ela corrige. — E agora a pretensão está finalmente valendo a pena.

— Por quê? Qual era o objetivo? — Eu olho para Roarke. — Quem você estava espionando?

Ele sorri. — Todos.

— Onde está Aurora? — Eu pergunto, de repente percebendo que não a vejo desde a noite em que ela me avisou sobre os planos de Roarke. — Ela também —

— Não é da sua conta, na verdade, — continua Roarke, — e temos coisas mais importantes a fazer agora do que contar histórias. Eu levaria você conosco, Emerson — suspeito que sua Habilidade Griffin possa ser poderosa o suficiente para rasgar ainda mais o véu — mas não posso arriscar perdê-la para a Guilda. Talvez eu nunca a consiga de volta, e você valerá mais para mim no futuro do que hoje.

— E por que se preocupar com Em quando você me tem? — Ada acrescenta. — Reuni muito mais poder do que ela provavelmente terá.

— Isso é verdade. Por enquanto, pelo menos. — Roarke respira profundamente. — Tudo bem, se livre desse escudo dela, — ele diz para Ada, — então a entregue a Clarina. Ela sabe onde trancá-la.

— Com prazer, — Ada responde, levantando as duas mãos. Atrás dela, vários soldados fazem o mesmo. Eu me abaixo novamente quando centenas de pedras bombardeiam o escudo. Em segundos, a magia do escudo ondulante desaparece com um flash. O calor queima o ar ao meu redor. Eu cuidadosamente levanto minha cabeça o suficiente para espiar por cima das chamas, já planejando minha rota de fuga.

— Onde diabos ela está? — Roarke grita, seus olhos passando por mim.

O quê? Olho para baixo, mas até onde sei, ainda estou visível.

— Droga, onde ela foi? — ele grita, caminhando até o círculo. Este mundo está me protegendo, talvez? Por que eu disse que estaria segura aqui? Não sei, mas não vou desperdiçar essa oportunidade. Afastando-me de Roarke, dobro meus joelhos e depois chuto o chão com tanta força quanto posso. Meus joelhos chegam ao meu peito enquanto navego pelo círculo de fogo, roçando o anel de chamas dançantes. Eu bato no chão com os dois pés e me endireito imediatamente. Então, sem vela para me tirar daqui, corro na direção da parede que oculta a rasgo no véu.

— Encontrem ela! — Roarke grita. — E o resto de vocês, me sigam para Velazar.

Merda. É assim que eu vou. Um olhar por cima do meu ombro me diz que os soldados não estão marchando devagar; eles estão correndo. E Roarke e Ada estão subindo no ar na parte de trás dos meus dragões sombra de tintas!

Raiva passa pelo meu peito. Estes são meus! Eu quero gritar com eles. Mas preciso chegar a Velazar antes que eles, então forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que elas podem. Roarke pode ter esquecido que horas são, mas eu não. Minha Habilidade Griffin está quase pronta para ser usada, e se Roarke acha que minha magia é poderosa o suficiente para abrir ainda mais o véu, então deve ser poderosa o suficiente para fechá-lo. Tudo o que preciso fazer é me esconder em algum lugar e dizer as palavras certas assim que puder, e eu poderei salvar inúmeras vidas nos dois lados do véu.

Uma emoção inesperada corre através de mim, juntamente com o pensamento aterrorizante de que eu posso estar me aproximando do território dos heróis. Se eu tivesse fôlego suficiente nos pulmões, provavelmente riria de mim mesma. Será que conta ser uma heroína quando você se esconde enquanto está salvando o mundo? Acho que não. Eu acho que isso conta como fazer a coisa certa.

Com os sombras de tinta passando pelos dois lados, eu me esforço mais rápido do que nunca. Eu desacelero um pouco quando chego à parede e viro para o lado, então estou correndo ao longo dela. Quando chego à porta, a puxo, passo e a fecho com força. Então eu encaro o grande rasgo no céu, meus pulmões queimando enquanto eu ofego por ar. Quando paro perto da beira da abertura, vejo figuras de preto, algumas alinhadas, outras andando ao redor. Embora seja quase meia-noite no mundo das sombras — pelo menos, a versão enfeitiçada da meia-noite — parece final da tarde sobre a Ilha Velazar II.

Esperando que eu ainda esteja de alguma forma invisível para todos os outros, subo rapidamente no monumento, me movo ao redor do tridente e pulo no chão atrás dele. Eu me agacho, ouvindo atentamente através das minhas respirações pesadas. Quando não ouço gritos ou passos apressados, relaxo um pouco.

— Não grite, — diz uma voz ao meu lado.

Não posso evitar meu suspiro involuntário quando Calla aparece do nada ao meu lado. — O que — onde você...

— Estou com você desde que você foi convocada, — ela sussurra. — Eu me disfarcei com a invisibilidade.

— Então, o escudo era seu? E agora, quando eles não podiam me ver...

— Sim, fui eu. Desculpe por não esconder você antes. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, então a protegi, esperando que eles lhe dissessem algo útil. E eles disseram. — Ela se inclina um pouco para o lado e olha além do monumento. — Eu preciso avisar os outros.

— Outros?

— Sim, eles estão aqui em algum lugar, observando. De olho nas coisas.

— Violet e Ryn estão aqui?

Calla olha para mim. Ela coloca a mão no meu ombro e o aperta. — Sim. E todos nós vamos sair disso vivos. Você terá a sua reunião de família, tudo bem? Eu vou me certificar que aconteça.

— Antes de começarmos, — grita uma voz, — há um assunto importante que precisamos cuidar. — Inclino-me o suficiente para o lado para vislumbrar a pessoa em pé na frente do monumento que se dirige a todos. Eu a reconheço como a mulher que veio à Chevalier House para me levar embora depois que eu revelei minha Habilidade Griffin para todos lá. Conselheira Chefe Ashlow. Ela acena para alguém que não consigo ver —

E então a coisa mais estranha aparece à sua frente: uma cadeira com um homem firmemente amarrado a ela. E embora ele esteja virado para longe de nós, posso ver o suficiente do lado do rosto dele para reconhecê-lo.

Dash.


Capítulo 43

 

 

— DOTADOS GRIFFIN REBELDES, — A CONSELHEIRA GRITA EM UMA VOZ MAGICAMENTE MAGNIFICA, — NÓS SABEMOS que vocês estão escondidos aqui nos observando. Sabemos que Dash Blackhallow está trabalhando com vocês. E se você não se entregarem agora, nós o mataremos.

Eu coloco uma mão na boca. O aperto de Calla no meu ombro aperta.

— Vocês têm dois minutos, — acrescenta a Conselheira Ashlow. — Então, realizaremos a execução.

— Como eles podem fazer isso? — Eu exijo em voz baixa. — Certamente isso é contra a lei, mesmo para pessoas que fazem as leis.

— Eles estão desesperados, — Calla diz sombriamente. — Eles têm muito medo de nós que parece que farão qualquer coisa hoje em dia para nos prender. — Ela puxa a cabeça para trás do monumento, acrescentando, — Chase precisa estar aqui. — Ela pega o âmbar e a stylus, rabisca algumas palavras e depois coloca os dois no bolso. — Tudo bem, eu preciso ajudar os outros. E você precisa fugir daqui. Você tem uma stylus?

— Eu — sim, eu tenho, na verdade.

— Abra um portal e volte para a segurança.

— Mas eu posso ajudar —

— Não. Eu me recuso a perdê-la novamente, você me entende? Se Ryn e Vi estivessem escondidos aqui conosco, em vez de algum outro lugar da ilha, eles diriam a mesma coisa.

— Mas minha Habilidade Griffin pode...

— Não, Em. É sério. Podemos parar Roarke e seus soldados sem você. O exército dele não é tão grande. Não está nem perto do tamanho de todo o exército Unseelie. E você é muito importante para nós.

Eu sei que não há tempo para discutir, então não discuto. Concordo, mesmo que não tenha intenção de deixar este lugar. Se Roarke rasgar ainda mais o véu e essa ilha for consumida, a maior parte da família que me resta morrerá. Não há como deixar isso acontecer quando sei que posso pará-lo com apenas algumas palavras.

— Tudo bem, — Ela me dá um breve abraço. — Vejo você quando acabar. — Então ela desaparece. Não ouço os passos dela, mas, olhando atentamente para o terreno rochoso ao redor do monumento, vejo pequenas pedras se movendo aqui e ali enquanto ela se afasta.

Como não estou indo embora da ilha, provavelmente devo encontrar um lugar melhor para me esconder do que logo atrás do monumento que os Unseelies terão como alvo quando chegarem aqui — o que, agora que penso nisso, já deveria ter acontecido. Onde eles estão? Aqueles soldados estavam se movendo quase tão rápido quanto eu, e os sombras de tinta podem ser rápidos quando querem.

Eu olho em volta. O lugar mais próximo para me esconder é uma coleção de rochas a uma curta distância. O único problema? Eu quase certamente serei vista correndo.

— Ninguém está interessado em salvar a vida desse jovem? — A Conselheira Ashlow grita. Ela espera mais alguns segundos. — Não? Bem então. Acho que vamos começar com o feitiço de execução e o feitiço de restauração do véu.

Vários guardiões formam um círculo apertado em torno de Dash, enquanto outros sobem na base cilíndrica do monumento. Não consigo mais ver o que está acontecendo com Dash, mas digo a mim mesma para não entrar em pânico. Calla não deixaria nada acontecer com ele. Nem outros rebeldes Griffin. Eles devem ter um plano.

Jogo minhas mãos para frente quando o chão de repente estremece embaixo de mim. Afasto-me um pouco mais do monumento e olho para cima. É difícil ver a diferença no véu desse ângulo, pois está quase diretamente acima de mim, mas acho que as bordas estão começando a se mover.

Um grito alto me faz olhar ao redor do monumento novamente. Não é o Dash, não é o Dash, eu imploro. Mas é a Conselheira Ashlow, deitada no chão com sangue escorrendo do ombro dela. Os guardiões correm para o lado dela, enquanto outros levantam suas armas em direção o buraco que diminui lentamente. E então, com uma cacofonia de gritos e rugidos que gelam meu sangue, os Unseelies saltam através do rasgo para este mundo, brandindo suas armas.

O caos segue, e no meio dele, eu me levanto e corro para as rochas, esperando muito que ninguém me note. Caio atrás das pedras e pressiono minhas costas contra elas. Olho para cima e ao redor, mas não vejo os dragões sombra de tinta. Eles devem ter permanecido no mundo das sombras. Meu olhar desce então para o rubi, mas sua cor ainda não está completa. Então eu pressiono minhas mãos contra minhas orelhas, tentando abafar o choque e o barulho das lâminas, o rugido do vento, os gritos de homens e mulheres. Vamos, vamos, vamos, peço silenciosamente, como se isso pudesse ajudar minha Habilidade Griffin a se recuperar mais rápido.

— Pare ela! — A voz de alguém se eleva acima do barulho. — PARE ELA!

Eu arrisco um olhar ao redor da rocha e vejo uma mulher — Ada correndo para o monumento com cacos de vidro escorrendo da ponta dos dedos. E Ryn, correndo logo atrás dela, habilmente esquivando-se do vidro. Não! Eu quero gritar. Não toque nela! Ele se joga sobre ela, a leva ao chão e ela o chuta na cara e se levanta — o que faz eu ser quase grata, porque significa que ela não o transformou em vidro. Ada se joga para frente, agarra a borda do monumento, e a coisa toda se torna um reluzente vidro facetado. Ela se levanta e dá um bom chute no monumento, acompanhada por um flash de magia. Uma rachadura ziguezagueia pelo monumento. Então ela dança para longe, cacos de vidro chovendo dos dedos e correndo para formar uma parede de vidro. Eu seguro um suspiro quando Ryn sai do caminho bem a tempo. Ele se levanta quando o monumento se despedaça em milhares de pedaços de vidro do outro lado da parede de Ada.

Eu olho para cima. Meu estômago revira. O rasgo no céu agora está ficando maior, em vez de menor. Eu vejo o campo do outro lado, e parece rolar em nossa direção, pois os dois mundos estão sendo consumidos pelo mundo das sombras. Eu seguro meu pulso e olho para baixo, mas o maldito rubi ainda está faltando um pouco de cor. — Droga! — Eu lamento, lágrimas de frustração brotando nos meus olhos. — Apenas se apresse!

Com minhas mãos puxando inutilmente meus cabelos, e quase todos os outros membros da ilha ainda lutando, vejo o buraco no céu aumentando e se aproximando. Atinge a parede de vidro de Ada — e para. — Que... — murmuro sem fôlego. Eu não entendo o porquê. O monumento tinha poder antigo ou algo assim, mas a parede de vidro de Ada tem... o quê? O poder de todas as pessoas cuja energia ela consumiu recentemente?

Meu alívio momentâneo desaparece quando percebo que o mundo humano ainda está sendo consumido. Nosso mundo está bem, mas o outro ainda parece estar rolando lentamente em nossa direção. O campo se foi agora e depois a estrada, levando duas pessoas. Depois outro campo e um trator com um homem e a lateral de um prédio —

Eu não consigo olhar. Eu puxo minha cabeça para trás da rocha, me odiando por ser um fracasso. Eu tenho tanto poder, mas não posso fazer nada agora. Cerro os dentes e cerro os punhos e tento não contar cada segundo que passa. O tempo passa. E assim por diante. E assim por diante.

Então finalmente — finalmente — o formigamento familiar irradia por todo o meu corpo. Meus olhos se fecham por um momento, forçando as lágrimas rolarem sobre minhas bochechas enquanto relaxo nos últimos segundos que leva para que meu poder alcance minha voz. Então me viro para olhar o véu. Eu não grito nada. Não me afasto da rocha. Simplesmente concentro totalmente naquele rasgo crescendo no céu e digo, — Pare de crescer. Comece a fechar. Feche completamente para que o véu seja totalmente restaurado.

Eu caio de lado contra a rocha enquanto meu poder sai correndo de mim para fazer cumprir minhas ordens. Tudo de uma só vez. A tontura me envolve, mas dura apenas alguns segundos. Eu observo as bordas do buraco se moverem rapidamente uma em direção à outra. Elas se encontram, uma luz pisca em uma linha irregular e depois acaba, não deixando sinais de que alguma vez houve alguma imperfeição no céu.

Acabou.

Eu consegui.

Eu experimento um único segundo de satisfação antes de olhar ao redor da rocha e perceber que meu mundo inteiro está prestes a quebrar de qualquer maneira. Porque todo mundo parece estar lutando com renovado fervor, em vez de recuar, e perto da borda da ilha, Ada tem um círculo de vidro envolvendo Dash. E ao lado dele, de costas com armas brilhantes erguidas, estão Violet e Ryn.

Não não não não não. Eu pressiono minhas mãos contra minhas bochechas, procurando pela batalha pelas outras pessoas que conheço. Onde estão Calla e Chase? Ou algum dos outros rebeldes que conheci? Deve haver mais deles aqui. Mas há tantas pessoas, tantas armas, tanta magia voando por aqui. Como diabos alguém sabe o que está acontecendo? E porque ninguém parece se importar que o véu agora esteja fechado, droga!

Então percebo outro movimento dentro do círculo de vidro de Ada, e minha ansiedade aumenta um pouco. Que diabos é aquilo? Eles se parecem com as pessoas que eu vi Ada transformar em estátuas de vidro, exceto que estão se movendo. Ela deve ter animado suas estátuas em vez de quebrá-las. E vejo pelo menos sete — oito — dentro do círculo de vidro com Violet, Ryn e Dash. Dash está livre de suas amarras, pelo menos ele pode lutar, mas as estátuas de vidro parecem, curiosamente, tão rápidas quanto se fossem feitas de carne. Elas esquivam-se das armas brilhantes e bloqueiam a magia lançada contra elas.

Ada dá um soco no ar, como se estivesse torcendo. Como se isso fosse um jogo. Porque provavelmente é um jogo para ela, ela balança os dedos pelo ar em um movimento gracioso. Enquanto observo, o círculo de vidro irregular começa a se fragmentar para dentro, ficando cada vez menor.

Porcaria do inferno. Não estou mais me escondendo. Eu me levanto de trás da rocha e passo em disparada pela luta em direção à borda da ilha. O círculo de vidro atinge a primeira estátua e a tritura em pedaços. As outras estátuas se aproximam mais do centro, onde Ryn, Vi e Dash cortam o ar com suas armas, giram e lançam magia. Eles conseguem quebrar uma das estátuas e depois outra. Eles provavelmente poderiam derrubar cada uma quase instantaneamente em combate corpo a corpo, mas posso dizer que nenhum deles quer correr o risco de tocar no vidro de Ada.

O círculo fica menor e o sorriso de Ada fica mais distorcido, enquanto ela observa outra de suas estátuas sendo derrubadas pela borda invasora de seu círculo. — Pare! — Eu grito quando me aproximo deles. — Ada, pare! — Ela inclina a cabeça para o lado, depois se vira o suficiente para olhar para mim. Sua magia, no entanto, não se altera. — Ada, por favor, — eu suspiro, diminuindo a velocidade e esperando apelar para qualquer parte de Dani deixada dentro de seu corpo. A única parte que ainda pode se importar comigo. — Pare, por favor! — Eu grito de novo. — Eles são meus pais!

Eu paro a alguns passos de Ada, meu peito arfando enquanto recupero o fôlego, minhas palavras ainda ecoando em meus ouvidos. No centro do círculo, Violet e Ryn param de lutar. Seus olhos se fixam em mim, e em seus rostos eu vejo... choque.

Um sólido braço de vidro oscila na direção deles. Dash pula para frente, abaixa a espada e corta o braço da estátua. Ao mesmo tempo, Ada investe contra mim. Sua magia ataca, me dando um tapa no rosto e me derrubando de lado. Meus joelhos e palmas gritam comigo enquanto eu caio com força no chão. Mãos seguram meus ombros e me jogam de costas. A próxima coisa que sei é que Ada está debruçada sobre mim, as duas mãos em volta do meu pescoço. — Você está brincando comigo? Você me diz que esses guardiões são seus pais e espera que eu pare de atacá-los? Você é burra? — Ela aperta mais forte. — Foram essas duas pessoas que nos deixaram sofrer nas mãos do príncipe Marzell. Agora eu definitivamente quero fazê-los so — Argh!

Suas mãos desaparecem do meu pescoço. Ela se vira para o lado e, quando tusso e arquejo por ar, vejo uma flecha brilhante protuberante no seu ombro. — Malditos guardiões, — Ada chia, olhando para trás. Eu me levanto e sigo seu olhar. No centro do círculo de vidro, vejo Violet — minha mãe — com uma expressão feroz no rosto, e o arco e outra flecha apontados diretamente para Ada.

Ada rola instantaneamente para longe de mim e eu me abaixo também, apenas no caso de Vi soltar a flecha. Estou prestes a voltar para o círculo quando algo agarra meu tornozelo e me arrasta de volta. — Para onde você pensa que está indo? — Ada pergunta. A flecha desapareceu do ombro dela, o que significa que ela deve ter arrancado de alguma forma. — Eu não terminei com você. E não — ela acrescenta, agarrando minha mandíbula e me forçando a encará-la — se preocupe com seus pais. Meus guardiões de vidro estão se certificando de infligir o máximo de dor possível.

Eu afasto a mão dela, depois giro o braço e dou um soco no rosto dela o mais forte que posso — o que provavelmente me machucou tanto quanto a machucou, mas valeu a pena ver o olhar em seu rosto.

— Oh, sua pequena...

— Saia de cima de mim! — Eu grito com ela, chutando com os meus dois pés. Ela desliza um pouco mais longe de mim em direção à borda da ilha e, quando ela se senta novamente, eu tenho o menor vislumbre de magia girando entre minhas mãos.

Ela ri de mim, o que eu acho que é justificado. — O que você vai fazer com isso, Em? Me fazer cócegas? Porque essa é a única coisa que uma quantidade tão patética de magia pode alcançar.

Eu imagino cavando fundo onde quer que esteja meu núcleo de magia, e o soltando. Mais e mais e mais. Parece não fazer muita diferença, mas qualquer diferença é melhor que nenhuma.

— Você sabe de uma coisa, Em? — Ada diz, despreocupada com o poder que estou reunindo entre as palmas das mãos. — Eu não me importo particularmente se você vai sobreviver a esta batalha ou não. O príncipe me pediu para recuperá-la, então eu fiz. Mas ele não está observando agora, então posso facilmente dizer que foi outra pessoa que a matou quando eu levar seu corpo de volta para ele em várias partes.

— Você é doente.

— Não, apenas cuidando de mim mesma. Algo com que você pode se identificar.

— Não assim. — Atrás dela no céu, noto estranhas formas ovoides se movendo em nossa direção. Formas que parecem ter pessoas dentro delas. Merda. Com quem temos que lutar agora?

— Ele quer que nós duas usemos nossos poderes para ele, você sabia disso? — Ada diz. — E embora essa possa ser uma ótima ideia para ele, não vejo isso funcionando tão bem para mim. Eu não gostaria de ter que competir para ser a arma favorita, sabe? Então. — Ela se levanta e atira um fluxo de vidro em mim. Eu me afasto para o lado, e escapo por pouco. — Embora eu goste desse tipo de jogo, acho que provavelmente devemos trazer para um —

Eu atiro tudo o que tenho nela. É patético, provavelmente nem o suficiente para atordoá-la, mas a derruba, a gira mais de duas vezes — e a joga da borda da ilha.

— Caramba, — eu suspiro. — Merda, merda, merda. — Eu me levanto e corro para a borda. Lá embaixo, consigo distinguir as bolhas brancas do respingo onde ela deve ter caído. Ela está morta? Ou isso é outra coisa a que uma faerie pode sobreviver facilmente? E por que diabos eu me importo quando ela acabou de tentar me matar?

Eu me viro e corro de volta para as únicas pessoas que importam agora: Vi, Ryn e Dash, que estão — onde? Eu paro. Uma pilha de vidro quebrado está no meio do círculo fechado. Inferno, se eles são parte dessa pilha de vidro, talvez eu precise —

— Em! — Violet grita meu nome do outro lado do círculo, onde ela e Ryn estão lutando contra outras três estátuas de vidro. Eu vou em direção a eles —

E sou derrubada por um raio brilhante de magia.

Momentos depois, a escuridão se esvai das bordas da minha visão. Encontro-me de bruços no chão, uma dor horrenda queimando meu lado. Eu consigo rolar e me sentar. Minha mão se afasta do meu lado coberta de sangue, mas tento não entrar em pânico. Faeries podem se curar facilmente, eu me lembro. Isso é totalmente bom.

— Emerson! — alguém grita.

Eu olho em volta. As formas ovoides que vi no ar chegaram à ilha. Eles me lembram um pouco celas esferas da prisão, embora o vidro não seja tão escuro e não haja barras em lugar algum. De um lado, noto um emblema de ouro que eu posso ter visto nos uniformes da Guilda.

— Em! — alguém grita de novo. Em meio ao caos de Unseelies e guardiões correndo por toda parte, finalmente os vejo: Violet e Ryn, com as mãos e os pés amarrados, sendo jogados em um desses ovoides. Dash, igualmente contido, já está dentro.

— Não, — eu murmuro, conseguindo me levantar e cambalear alguns passos em direção a eles. — Não. Soltem eles. — Eu elevo minha voz. — Soltem eles!

O lado do ovoide se fecha e se eleva alguns metros acima do solo. — Não, pare. Pare! — Eu grito, pressionando uma mão contra a minha ferida e me movendo mais rapidamente em direção ao veículo. Ele desliza sobre o chão, ganhando velocidade e depois sai da ilha, deslizando para longe de mim, e a última vez que vejo meus pais são os seus rostos pressionados contra o vidro enquanto eles gritam palavras que não consigo ouvir.

Eu caio de joelhos. Eu golpeio o chão com um punho e solto um grito furioso. — Voltem! — Eu grito. Raiva, desespero e um coração partido e soluços se misturam, fazendo minha voz falhar enquanto eu grito ainda mais alto, — VOLTEM!

Mãos me agarram, e aquela voz que eu odeio tanto fala em meu ouvido. — Hora de voltar ao nosso mundo das sombras, minha querida. Não gostaria que os guardiões colocassem suas mãos sujas em você.

— NÃO! — Eu me debato contra Roarke. Então minha cabeça balança para frente abruptamente. Uma dor doentia irradia através do meu crânio e —

Escuridão.


Capítulo 44

 

 

EU ACORDO EM UM QUARTO COMPLETAMENTE COBERTO POR ESTOFAMENTO. O PISO, AS PAREDES, ATÉ MESMO O TETO. Provavelmente é a ideia de Roarke de uma piada de mau gosto, dado ao tipo de instituição que minha mãe — não, não minha mãe. Dani — passou os últimos cinco anos. Ou isso, ou ele honestamente pensa que estou tão deprimida com o atual estado da minha vida que planejo me machucar batendo nas paredes.

Ele não estaria completamente errado.

Não sobre bater nas paredes. Isso seria demais. Mas a parte deprimida não está muito longe. Os mesmos pensamentos me atormentam desde o momento em que acordei. As mesmas imagens. O choque de Vi e Ryn quando eu gritei: 'Eles são meus pais!' Seus corpos pressionados contra o vidro quando o veículo em forma oval os levou embora. Seus gritos silenciosos.

Salvei o véu, mas não pude salvar minha própria família. A magia é uma bagunça. Eu tenho uma Habilidade Griffin super poderosa, mas quando não posso usá-la, sou essencialmente inútil. Eu fico pensando em todas as maneiras que as coisas poderiam ter terminado de maneira diferente para nós, se eu soubesse o que fazer com minha própria magia. Eu poderia ter atacado Ada de longe. Eu poderia ter ajudado lutando com as estátuas de vidro. Eu poderia ter protegido alguém com um escudo enquanto eles lutavam com outra pessoa. Eu poderia, neste exato momento, estar sentada com minha família no oásis, finalmente reunidos depois de quase dezoito anos.

Eu também não consigo deixar de pensar em como as coisas teriam acontecido se eu não estivesse lá. Eu não teria distraído Violet e Ryn. Eles poderiam ter derrotado as estátuas de vidro antes. Eles não teriam ficado tão preocupados com o que estava acontecendo comigo que se deixaram ser pegos pela Guilda. Eles provavelmente estariam de volta ao oásis e esperançosamente Dash estaria com eles.

Embora, se eu não estivesse em Velazar hoje, o que teria acontecido com o crescente buraco no véu?

E, claro, há a culpa contínua em relação à minha mãe. Dani. A pessoa que ficou tão fraca que agora está presa dentro do corpo que precisa compartilhar. Ela não é a pessoa inocente que sempre acreditei que ela fosse, mas também não acho que ela seja parecida com Ada. Se eu tivesse a chance, eu poderia ter ordenado que cada uma tivesse seu próprio corpo. Ela e eu poderíamos ter uma segunda chance de nos conhecermos. Em vez disso, a empurrei sobre a borda de uma ilha flutuando alto no céu.

Eu posso possivelmente tê-la matado.

E depois há Dash. Dash que sempre quis me ajudar. Que acabou em problemas porque enfrentou a Corte Unseelie por entrar e me tirar. Que agora é um prisioneiro da Guilda, assim como meus pais. Quero vê-lo quase tanto quanto Violet e Ryn.

E Bandit! Onde está o meu Bandit?

Inclino minha cabeça contra a parede acolchoada, fecho bem os olhos e deixo minhas lágrimas caírem. Que absoluta bagunça eu fiz.

Um estrondo na porta da minha cela interrompe meu choro. Eu passo minhas mãos rapidamente em minhas bochechas e me levanto. A porta acolchoada se abre e Roarke entra. Meu ódio por ele faz querer bater na sua cabeça feia instantaneamente. Quase dou uma investida contra ele, mas noto o leve brilho no ar que me diz que ele colocou um escudo entre nós.

— Eu acredito que seu machucado se curou? — Ele pergunta.

Eu concordo. Apenas uma pequena cicatriz marcava minha pele quando acordei mais cedo. Agora, duas ou três horas depois, a leve cicatriz desapareceu. Eu fungo e pergunto, — Onde estou?

— No mundo das sombras, é claro. Eu falei sobre essas passagens subterrâneas, não falei? Embora eu provavelmente tenha escolhido não mencionar as celas da prisão.

— Eu me pergunto o porquê, — eu digo, minha voz pesada com sarcasmo. — Então, o que você está fazendo aqui na minha adorável cela? Tem mais alguma proposta de casamento para mim?

— Não. Esse plano sempre dependeu de sua total disposição. Isso nunca funcionaria agora. Vou me casar com Clarina, que sempre foi minha intenção final. Não precisamos mais esperar, agora que nos mudamos para este mundo.

— Você se mudou? Oficialmente? Mas este mundo pertence a mim, não a você. Eu o reivindiquei.

Roarke parece quase divertido. — Você está em uma cela de prisão, e eu estou no controle. Os rituais necessários ainda precisam ser realizados, mas para todos os efeitos, este mundo é meu.

Eu cruzo meus braços. — Seu pai deve estar feliz com isso.

— Não particularmente. Mas não estou aqui para falar sobre minha família. Estou aqui para falar sobre a sua.

— Onde está Aurora? Ela disse que não queria escolher lados, mas presumo que ela precise agora.

A compostura de Roarke cede por um segundo. — Mais especificamente, — continua ele, ignorando minha interrupção. — Estou aqui para falar sobre o enorme desapontamento que deve ter sido para você descobrir que tipo de pessoa sua mãe realmente é. Você ...

— E? Então ela ainda está viva?

Os olhos estreitos de Roarke me dizem que ele não gostaria de ser interrompido novamente. — Vamos descobrir em breve, suponho. Mas de qualquer forma, você deve se sentir tão perdida agora, quando o objetivo de sua vida sempre foi o de retornar sua mãe exatamente do jeito que você se lembrava dela. — Ele dá alguns passos mais perto da magia que nos separa. — Você precisa de um novo objetivo, Emerson. E eu adoraria te dar um.

— Você pode pegar seu novo objetivo e enfiá-lo no seu...

— Deixe-me lembrá-la, — diz ele, me interrompendo, — que você não tem mais nada.

— Eu tenho uma família. Eu tenho pais de verdade que...

— Que provavelmente estão sendo executados pela Guilda enquanto conversamos.

— Mentiroso! — Eu ando até o escudo e fecho minhas mãos em punhos enquanto o encaro desafiadoramente. — A pena de morte não existe mais.

— É verdade, mas a Guilda é conhecida por fazer exceções. E, dado o que eles sentem por esses rebeldes Dotados Grififn que fogem deles há anos, tenho quase certeza de que essa será uma dessas exceções. — Ele cruza as mãos cuidadosamente. — A Guilda os matará. Então eles encontrarão o resto dos seus amigos rebeldes Griffin e os prenderão. Você não terá ninguém e nada. Tudo o que você conhecerá é o interior desta cela. E quando você finalmente estiver quebrada, Emerson, podemos começar de novo. Podemos construir uma nova vida para você com um novo propósito. Um que envolve me servir.

— Sim, e porcos podem voar.

Ele sorri. — Bem, sempre há a poção de compulsão se você insistir em ser difícil. Assegurarei que seu primeiro comando sob a compulsão inclua dizer que porcos podem voar. — E com isso, ele sai da sala.

Eu volto à parede, deslizo contra ela e bato no chão acolchoado com os punhos algumas vezes. Mas minha raiva se dissipa rapidamente, minha miséria retornando ao seu lugar.

— Não grite.

— PUTA MERDA! — Eu suspiro, meu coração trovejando instantaneamente no meu peito. Olho através da sala para Calla encostada na parede. — O que você está... você é real? — Eu não acho que Roarke está fazendo jogos mentais comigo.

— Claro que sou real, — diz ela em voz baixa. — Eu segui você e Roarke para cá da Ilha Velazar. Estou esperando do lado de fora da sua cela há horas. Eu entrei quando ele abriu a porta.

Eu me levanto apressadamente. Com minhas emoções a flor da pele, não consigo evitar as palavras que saem da minha boca, — A Guilda os pegou. Eles pegaram Ryn e Vi, e eu não — eu não consegui falar com eles — ou... ou até mesmo tocar neles. Eu tentei muito afastar Ada deles, e então eles se foram. E Dash disse que a Guilda tem uma prisão especial para os piores traidores, mas Roarke disse que às vezes eles executam as pessoas. E eles estão com Dash, e sabem que ele está ajudando os rebeldes Griffin, e se a Guilda executar todos os três —

— Pare, — Calla me diz com firmeza. Ela atravessa a sala e coloca as mãos nos meus ombros. — Pare. Respire. Acalme-se. Nós vamos sair daqui. Então vamos recuperar Ryn, Vi e Dash. E então vamos chutar a bunda Unseelie desse príncipe. Tudo bem?

Eu expiro uma respiração longa e trêmula. — Tudo bem. Isso soa bem.

— Ah, e eu pensei que isso poderia ajudá-la a se sentir um pouco melhor. — Ela abre o zíper da sua jaqueta e, aninhada no seu estômago, está um coelho preto.

— Bandit! — Ele pula nos meus braços, e eu quase começo a chorar quando o abraço e esfrego minha bochecha contra seus pelos macios.

— Ele pulou de você depois que Ada convocou você mais cedo, mas eu o peguei e o escondi. Ele esteve comigo o tempo todo em Velazar.

— Obrigada por mantê-lo seguro.

— Claro, — diz ela com um aceno de cabeça. — Agora, me ajude a decidir sobre a melhor ilusão para nos tirar daqui.

 

  

                                                                                                    Rachel Morgan

 

 

 

                                          Voltar a Série

 

 

 

                                       

O melhor da literatura para todos os gostos e idades