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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


THE SPIDER / Jennifer Estep
THE SPIDER / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Como acabei em uma carreira onde sempre tenho sangue nas mãos? Bem, deixe-me contar uma história sobre uma assassina que achou que não poderia fazer nada errado...
Dez anos atrás. Uma noite quente de agosto. Eu lembro como se fosse ontem. Na noite em que eu, Gin Blanco, realmente me tornei a Aranha. Matar pessoas é o que eu faço melhor, especialmente agora que aprimorei minha magia de Gelo e Pedra. Mas naquela época, eu ainda tinha que aprender uma regra muito importante: a arrogância vai te pegar, todas as vezes.
Este trabalho em particular parecia simples: assassinar um empreiteiro com ligações com o implacável elementar de fogo Mab Monroe. Meu mentor, Fletcher Lane, tinha algumas dúvidas, mas eu tinha certeza de que tinha a situação sob controle... até que expus minhas fraquezas a um oponente impiedoso que explorou cada uma delas. Há uma razão pela qual os assassinos não devem sentir nada. Felizmente, uma faca no coração pode consertar esse problema, especialmente quando sou eu quem a empunha...

 

 

Capítulo 1

O dia em que a caixa chegou começou como qualquer outro.

Eu abri o Pork Pit, o meu restaurante de churrasco que funcionava no centro de Ashland, pontualmente. Liguei os aparelhos, amarrei um avental de trabalho azul por cima das minhas roupas e virei a placa na porta da frente para Aberto. Então eu passei o resto da manhã até a tarde, fazendo hambúrgueres, feijões cozidos e os grossos sanduíches de churrasco pelo qual meu local era tão famoso. Entre fazer os pedidos, eu conversei com os garçons, limpei as mesas, e me certifiquei de que meus clientes tivessem tudo o que precisassem para desfrutar de suas refeições quentes e gordurosas.

Durante todo o tempo, porém, fiquei esperando alguém tentar me matar.

Não pela primeira vez hoje, meu olhar varreu o local, que exibia uma variedade de mesas e cadeiras, além de cabines de vinil azul e rosa. Faixas de porcos da mesma cor, desbotadas e descascadas no piso levavam aos banheiros masculino e feminino, respectivamente. Um longo balcão com banquinhos acolchoados corria pela parede dos fundos do restaurante.

Como já passava das seis, a hora do jantar já estava chegando e quase todos os assentos estavam ocupados. Os garçons circulavam de um lado ao outro, anotando pedidos, pegando comida e servindo as bebidas, e o tilintar dos pratos encheu o restaurante, junto com o constante raspar de garfos, facas e colheres em pratos e tigelas. Murmúrios de mais de uma dúzia de conversas diferentes juntaram-se a agradável mistura de sons, enquanto os ricos e saudáveis cheiros de cominho, pimenta preta e outras especiarias faziam cócegas no meu nariz.

Tudo estava como deveria, mas eu ainda olhava primeiro para um cliente, e então para outro. Algumas pessoas ofegaram e rapidamente olharam para longe quando perceberam que eu as observava, não ousando encontrar meu olhar por mais de um segundo. Mas a maioria concentrava-se em sua comida e em seus companheiros, e não me dava mais atenção do que deveria. Eles estavam aqui apenas pelas delícias sulinas servidas no restaurante – não para tentar me matar e ganhar dinheiro com a minha reputação como a Aranha, a assassina mais notória de Ashland.

— Gin? — Uma profunda voz masculina cortou meu último exame da loja e seus ocupantes.

Olhei para o homem empoleirado no banco mais próximo da caixa registradora. Apesar de seu nariz ligeiramente torto e de uma cicatriz que cortava seu queixo, ele era rudemente bonito, com intensos olhos violetas e cabelos negros com reflexos azulados. Seu terno azul-marinho e camisa branca realçavam a força do seu tórax e ombros, e eu não fui a única mulher que fez uma pausa para lhe dar um olhar de admiração.

— Está tudo bem? — perguntou Owen Grayson, meu namorado.

Meus olhos foram para a esquerda e para a direita mais uma vez antes de responder. — Parece estar. Pelo menos, no momento.

Owen assentiu e voltou para sua refeição enquanto eu pegava um pano e começava a limpar o balcão.

Na verdade, até agora, a tarde havia passado de uma maneira perfeitamente normal, com a exceção gritante de que ninguém tinha tentado me matar... Ainda.

Pensando que eu poderia realmente passar pelo dia de trabalho incólume para variar, eu me permiti relaxar, pelo menos até o sino da porta da frente tocar. Olhei de relance para a entrada, esperando ver novos clientes prontos, dispostos e ansiosos para comer churrasco.

Só que este não era um cliente – era um homem baixo e magro, usando um uniforme de entrega com botas pretas e um macacão combinando.

O cara olhou ao redor por um minuto antes de seus olhos se fixarem em mim, e ele veio em minha direção. Eu fiquei tensa, olhando para a longa caixa branca na mão dele, e deixei meu braço direito cair atrás do balcão, fora de vista. Um segundo depois, uma faca deslizou na minha mão, uma das cinco armas que eu tinha escondidas em mim. Esta não seria a primeira vez que alguém se disfarçava de entregador para tentar se aproximar de mim no restaurante. O último cara ainda estava no refrigerador do lado de fora, esperando as habilidades de Sophia Deveraux, a cozinheira chefe do Pork Pit, que também trabalhava como minha própria descartadora de corpos.

Mas o cara veio até a caixa registradora, como se essa fosse realmente uma simples entrega.

— Eu tenho um pacote para Gin Blanco — ele disse, em uma voz entediada. — É você?

— Sim.

— Aqui. Assine isso.

Ele empurrou um scanner eletrônico para mim. Deslizei minha faca em uma fenda abaixo da caixa registradora, onde ela ainda estaria fora de vista, e peguei o dispositivo dele. O homem esperou enquanto eu usava a caneta para rabiscar algo parecido com a minha assinatura na tela. No segundo em que terminei, o cara pegou o scanner e empurrou a caixa branca em minhas mãos ao mesmo tempo.

Ele inclinou a cabeça para mim. — Tenha um bom dia.

Ele começou a se afastar, mas eu estendi a mão e segurei seu braço. O cara parou, olhou para mim por cima do ombro e franziu a testa, como se eu tivesse violado algum tipo de protocolo secreto de entregador por tocá-lo. Talvez eu tenha.

— Sim? — ele perguntou. — Você precisa de mais alguma coisa?

Cuidadosamente coloquei a caixa no balcão. O assento ao lado de Owen estava vazio, então eu consegui deslizá-la vários centímetros preciosos para longe de nós.

— O que está na caixa?

O cara encolheu os ombros. — Eu não sei, e não me importo. Eu apenas entrego. Não olho o que está dentro.

Ele começou a se afastar, mas apertei seu braço novamente. — Você realmente deveria me dizer o que está na caixa.

Ele revirou os olhos. — E por que eu deveria fazer isso?

— Para eu ter certeza de que não há nada... Desagradável dentro.

Confusão encheu seu rosto. — Desagradável? Por que você pensaria isso?

— Oh, eu não sei — eu disse. — Por que você não confere o nome na ordem de entrega novamente?

Ele olhou para o scanner e apertou um botão no dispositivo. — Sim, diz que a entrega é para Gin Blanco, dona do restaurante Pork Pit, no centro de Ashland. E daí? Isso deveria significar algo para mim...

Compreensão surgiu em seus olhos quando finalmente reconheceu meu nome, e ele percebeu quem e o que eu realmente era. Gin Blanco. Dona do restaurante. E, mais importante, a assassina, a Aranha.

Ele engoliu em seco, o pomo de Adão subindo e descendo pela garganta. — Olha, não quero nenhum problema, senhora. Eu sou apenas um entregador. Não sei o que está na caixa, e essa informação não está no meu scanner. Eu juro.

Mantive meu aperto em seu braço, olhando em seus olhos, mas não vi nada além de um desejo ardente de fugir de mim o mais rápido que ele pudesse. Homem inteligente. Ainda assim, deixei-o suar mais alguns segundos antes de soltar o braço dele. — Ok. Você pode ir agora.

O sujeito se virou. Ele havia começado a dar um passo à frente quando eu o chamei novamente.

— Espere. Mais uma coisa.

Ele congelou. Ele oscilou em seus pés, e eu quase podia ver as rodas girando em sua mente enquanto ele debatia se deveria parar ou correr até a porta. Mas ele deve ter percebido o quão tolo isso o faria parecer, porque ele finalmente se virou e me encarou novamente. Eu entortei meu dedo para ele. O cara engoliu em seco novamente, mas se aproximou de mim, embora ele se certificou de ficar fora do alcance do braço e manter a caixa registradora entre nós. Homem muito inteligente.

Nesse momento, minhas palavras e ações atraíram a atenção de alguns clientes, que me encaravam com os olhos arregalados, como se eu fosse sacar uma faca e cortar o entregador bem na frente deles. Por favor. Eu preferia ser um pouco mais discreta sobre essas coisas, mesmo que apenas para manter as aparências.

Olhei para o entregador por mais alguns segundos antes de me abaixar e pegar algo logo abaixo da caixa registradora. Ele engoliu em seco uma terceira vez, e gotas de suor se formaram em sua testa, apesar do ar-condicionado do restaurante. Levantei minha mão e ele ficou tenso.

Estendi a mão e coloquei uma nota de cem dólares no bolso na frente do seu macacão.

— Tenha um bom dia — eu disse em uma voz doce.

O cara me encarou, sua boca escancarada, como se não pudesse acreditar que eu estava deixando-o ir embora sem sequer um arranhão. Mas ele se recuperou rapidamente. Ele acenou para mim, sua cabeça subindo e descendo enquanto se dirigia para a porta.

— Volte — falei. — Quando você tiver a chance de sentar e comer. A comida aqui é ótima, no caso de você não ter ouvido.

O entregador não respondeu, mas manteve os olhos em mim até que sua bunda bateu na maçaneta da porta. Em seguida, ele respirou fundo, abriu a porta e saiu o mais rápido que pôde, sem realmente correr.

Owen ergueu uma sobrancelha para mim. — Eu acho que você provocou um ataque cardíaco naquele pobre rapaz.

Um sorriso curvou meus lábios. — Bem feito para ele, por não ser capaz de me dizer o que está no pacote.

Seu olhar foi para a caixa branca depositada ao lado. — Você vai abrir isso?

— Mais tarde — murmurei. — Quando estivermos sozinhos. Se há algo desagradável dentro, não há razão para deixar todo mundo ver.

— E se não for algo desagradável?

Bufei. — Então ficarei agradavelmente surpresa. Não estou prendendo a respiração por causa disso, no entanto.

 

****

 

Owen terminou seu cheeseburger e anéis de cebola, e pegou um pedaço de torta de cereja com sorvete de baunilha para a sobremesa enquanto eu passava a próxima hora trabalhando. Fatiar mais batatas para as últimas batatas fritas do dia. Verificar a panela com a receita secreta de molho de churrasco de Fletcher que borbulhava em um dos queimadores de trás. Reabastecer bebidas e atender aos pedidos.

Também levei a caixa até os fundos e a coloquei em um dos freezers. Eu não sabia o que havia na caixa, mas não queria que minha equipe ou clientes fossem feridos por qualquer coisa que estivesse escondida lá dentro.

Finalmente, por volta das sete horas, o último cliente pagou e saiu, e eu decidi fechar o restaurante cedo esta noite. Mandei Sophia e os garçons para casa, desliguei todos os eletrodomésticos e virei a placa para Fechado antes de trancar a porta da frente.

Agora, tudo o que restava fazer era abrir a caixa.

Cuidadosamente eu a tirei do freezer, levei-a para dentro do restaurante, e a coloquei no balcão, no mesmo local de antes. Fiz Owen ir para o outro lado do restaurante, bem fora do alcance de qualquer Fogo elemental ou outra magia que pudesse surgir dela. Então eu me abaixei e olhei o pacote.

Uma ordem de envio estava colada no topo, com o meu nome e o endereço do Pork Pit. Mas não havia nada no pedaço de papel para me dizer quem poderia ter enviado a caixa ou de onde ela viera. Todas essas informações foram deixadas em branco, o que só me deixou mais desconfiada sobre o que poderia estar dentro.

E a caixa em si não ofereceu mais pistas. Era simplesmente uma caixa branca robusta, comprida, retangular e com cerca de 22 centímetros de largura. Nenhuma marca, runa ou símbolo decorava a superfície, nem mesmo um carimbo do fabricante para me dizer quem tinha feito a caixa. Hesitei, depois coloquei minha orelha bem perto e escutei, no caso de alguém ter decidido colocar uma bomba com um relógio antiquado fazendo tique-taque do lado de dentro. Coisas estranhas aconteciam na minha linha de trabalho.

Mas nenhum som escapou da caixa. Também não tinha cheiro, e não senti nenhuma magia elemental emanando dela.

— Alguma coisa? — perguntou Owen de sua posição perto da porta da frente.

Balancei a cabeça. — Nada até agora.

A tampa da caixa tinha sido colada, então eu espalmei uma das minhas facas e cortei o material, tomando cuidado para não balançar o pacote mais do que o necessário. Então esperei, contando os segundos na minha cabeça. Dez... Vinte... Trinta... Quarenta e cinco... Sessenta...

Após dois minutos, eu estava razoavelmente certa de que nada aconteceria até que eu realmente abrisse a caixa.

— Aqui vai — avisei Owen.

Lentamente, eu abri a tampa da caixa e chamei minha magia de Pedra, usando-a para endurecer minha pele, cabeça, cabelo, olhos e qualquer outra parte de mim que pudesse ser atingida em uma explosão de uma bomba ou qualquer armadilha com runa que pudesse estar escondida lá dentro. Uma runa raio de sol faria o Fogo elemental explodir na minha cara, um símbolo de serra enviaria agulhas de Gelo em mim, pontiagudas e afiadas, talvez até algum tipo de runa de nuvem de Ar elemental, a qual sugaria todo o meu oxigênio e me sufocaria.

Mas nenhuma dessas coisas aconteceu, e tudo o que vi foi uma grossa camada de papel de seda branco envolvendo o que estava lá dentro.

Cuidadosamente afastei um lado do papel, depois o outro, ainda usando meu poder de Pedra para me proteger de quaisquer problemas possíveis. Mas, para minha surpresa, a caixa continha algo inofensivo, afinal de contas: flores.

Para ser exata... Rosas negras.

Larguei minha magia, minha pele voltou à sua textura macia normal, e franzi a testa, imaginando quem me mandaria rosas. Peguei uma das flores, atenta aos espinhos afiados e curvos que se projetavam do caule, e virei a flor, como se tivesse algum tipo de pista que me dissesse quem a enviara e por quê.

E o fez.

Porque esta não era uma rosa típica. O caule era de um branco leitoso, em vez do verde habitual, enquanto os espinhos eram do mesmo tom claro. Mas, na verdade, foram as pétalas que chamaram minha atenção, porque não eram negras, mas sim de um azul profundo, escuro e vívido, uma cor que eu só vi em um lugar.

— Tudo limpo — eu disse.

Owen foi até o balcão e olhou para a caixa. — Rosas? Alguém te mandou rosas?

— Parece que sim — murmurei.

Um cartão branco estava em cima das flores, e eu o peguei. Apenas duas palavras foram rabiscadas na frente, em tinta preta e letra manuscrita: Feliz Aniversário.

Era isso. Isso era tudo o que o cartão dizia, e nenhuma outra marca, runa ou símbolo decorava o papel.

Esfreguei os dedos sobre o cartão. Não era o que eu esperava que dissesse. Algum tipo de ameaça de morte teria sido muito mais apropriado. Então, novamente, eu não pensei que receberia um pacote como este hoje também. Mas, o mais preocupante foi o fato de que as duas palavras simples não me davam nenhuma pista sobre o tom, o estado de espírito ou o verdadeiro significado do autor. O cartão, a mensagem, as rosas poderiam significar qualquer coisa, desde uma simples saudação até o tipo mais mordaz de sarcasmo. Se eu estivesse apostando, no entanto, colocaria meu dinheiro no sarcasmo. Ou talvez um aviso. Talvez até mesmo uma promessa de revanche, retaliação, vingança.

— Feliz aniversário? — perguntou Owen, olhando para o cartão. — Aniversário de quê?

Olhei para a esquerda, para o calendário que eu prendi na parede perto da caixa registradora. 25 de agosto. Isso tinha acontecido dez anos atrás. Engraçado, mas agora, parecia que foi há dez minutos, dado quão forte meu coração martelava no meu peito. Eu respirei, tentando me acalmar, mas o cheiro doce e doentio das flores se ergueu para encher minha boca e deslizar pela garganta como um veneno perfumado. Por um momento, eu estava de volta lá, de volta com as rosas, de volta às sombras, espancada e sangrando, e me perguntando como eu iria sobreviver ao que viria a seguir...

— Gin? Você está bem? — perguntou Owen. — Parece que você está em algum lugar distante agora.

— Eu estou — disse em uma voz distraída, ainda vendo coisas que ele não podia ver, memórias de outro tempo, outro lugar.

Outro homem.

Owen colocou a mão em cima da minha. — Você quer falar comigo sobre isso? — perguntou ele, em uma voz suave.

Seu toque quebrou o feitiço que as rosas lançaram em mim, e saindo de minhas memórias, eu olhei para ele. Owen olhou para mim, seus olhos violeta brilharam com carinho, interesse e preocupação. Sempre me surpreendia ver esses sentimentos refletidos em seu rosto, especialmente desde que quase desistimos do nosso relacionamento alguns meses atrás. Mas nós estávamos juntos novamente, e mais fortes do que nunca agora. Mais importante, ele merecia saber disso. Ele merecia saber por que eu sou do jeito que sou – e quem me ajudou a ser assim.

Fiz um gesto para que ele sentasse novamente no banquinho enquanto eu colocava a rosa azul escura de volta na caixa com as outras. Mantive o cartão na minha mão, porém meu polegar traçava as palavras novamente e novamente. Depois me sentei no banco, apoiei os cotovelos no balcão e olhei para Owen.

— Fique confortável — falei. — Porque é uma longa história. Engraçado, tudo começa com uma garota... Uma garota estúpida e arrogante que achava que não podia fazer nada errado...


Capítulo 2

 

DEZ ANOS ATRÁS

 

Meu alvo nem sequer me viu chegando.

Ele aparentemente havia esquecido o fato de que eu era tão esperta e ainda mais implacável do que ele. Ele pensou que era muito inteligente, esperto, tão seguro, empoleirado em cima das pedras, em seu pequeno nicho de atirador, que não se lembrou de uma das regras mais importantes: cuide primeiro de suas próprias costas.

Ele escolheu um excelente local para sua emboscada, o ponto mais alto nesta parte do antigo Ashland Rock Quarry, que o permitia ver por quatrocentos metros em todas as direções. A pilha de rochas se curvava para cima, para cima e para cima, antes de se estender em uma grande plataforma, quase como o tronco de uma árvore que brotava e saía em um galho comprido, grosso e robusto. Dois pequenos pinheiros e arbustos de rododendros conseguiram, de alguma forma, se encaixar no topo da plataforma rochosa, dando-lhe ainda mais cobertura. Ele também se camuflara bem, com sua camiseta cinza e calça caqui misturando-se nas cores suaves das rochas e da vegetação. Se eu não soubesse que ele estava aqui me caçando, eu poderia nunca tê-lo visto.

Mas eu vi – e agora ele pagaria por seu erro.

Sua posição indicou que ele havia focado sua atenção na entrada da pedreira, onde ficava um portão de ferro alto, com mais do que algumas de suas barras faltando, como se fossem dentes arrancados da boca de metal. Mesmo estando a trinta metros de distância do portão, eu ainda podia ouvir a placa enferrujada presa às barras restantes rangendo e rangendo para frente e para trás com a rajada de vento. De vez em quando, eu vislumbrava as palavras desbotadas pintadas na placa: Entrada por sua conta e risco.

Muito apropriado, já que o homem na plataforma de pedra foi enviado para cá para me derrotar. Mas eu seria mais esperta do que ele. Minha fonte me disse que o atirador estaria espreitando em algum lugar da pedreira, então, ao invés de entrar pelo portão da frente como ele esperava, eu caminhei para a área por uma via de acesso pouco usada, a mesma que Bria e eu costumávamos descer correndo quando éramos crianças e íamos brincar na pedreira.

Meu coração se apertou com o pensamento da minha irmãzinha morta, com seus grandes olhos azuis, bochechas rosadas e a cabeça cheia de cachos dourados saltitantes. Mas impiedosamente afastei a memória da minha mente, junto com a raiva, tristeza e desamparo que sempre vinha com ela.

Eu não estava mais indefesa, e estava aqui para derrotar o meu inimigo, não lamentar sobre o passado e coisas que não poderiam ser mudadas.

Levou-me pelo menos meia hora para encontrar o poleiro do atirador, mas eu fui de rocha em rocha e de um lado da pedreira ao outro até localizá-lo. Agora, tudo o que restava a fazer era chegar perto o suficiente para atacar. Se ele estivesse aqui embaixo, eu já poderia ter começado com as coisas, mas ele decidiu dificultar as coisas.

Ele sempre dificultava.

Um pouco de aborrecimento passou por mim enquanto eu olhava para o topo. O atirador ficou onde ele estava nas sombras lançadas pelas árvores, o cano preto de sua arma mal espreitando por cima da borda da rocha. Eu estava encolhida embaixo de uma pequena pedra que ficava à sua direita, então ele não podia me ver, a menos que se virasse e olhasse especificamente nessa direção.

Ele não me veria... Até que fosse tarde demais.

Mas havia mais uma coisa que eu precisava fazer antes de me aproximar dele, coloquei minha mão na formação rochosa perto de mim e estendi minha magia.

Ao meu redor, as rochas sussurravam sobre sua história, sobre tudo o que acontecera com elas, sobre todas as coisas que as pessoas fizeram nelas e ao redor delas ao longo dos anos. Como uma Elemental de Pedra, eu não só poderia ouvir essas vibrações emocionais, mas também poderia interpretá-las.

As rochas da pedreira murmuravam de raiva sobre como foram destruídas, quebradas e furadas, forçadas a abandonar as preciosas gemas, minérios e os minerais que elas guardavam, até que não restava mais nada além dessas conchas vazias e em ruínas. Mas também havia murmúrios mais suaves e gentis, que falavam do alívio das rochas que o sol de verão começara a descer atrás das montanhas do oeste, levando todo o calor sufocante junto com ele.

Estendi a mão, afundando ainda mais na pedra e escutando qualquer sinal de preocupação, angústia, perigo.

Mas não ouvi nenhuma intenção maligna ondulando através das rochas queimadas pelo sol, apenas seu desejo de ser deixada sozinha e suas irritadas reclamações sobre o tempo que constantemente corroía-as aos poucos. Poucas pessoas vinham para cá agora, exceto vagabundos que procuravam um lugar tranquilo para acampar, ou pessoas com picaretas pequenas procurando por quaisquer sobras de gemas ou pedaços de minério que pudessem encontrar nas formações irregulares.

Satisfeita pelo fato do atirador estar sozinho, afastei a mão da rocha.

Sua posição no topo do cume podia ter dado a ele uma ótima visão da entrada, mas ele não podia ver o que estava diretamente abaixo dele, então ele não percebeu que eu corria de um afloramento de rocha para o próximo, até que eu fiz meu caminho para a parte de trás da sua localização.

Protegi meus olhos contra o brilho do sol e olhei para as pedras. O cume erguia-se cerca de trinta metros, grande parte liso e escorregadio com o tempo, mas algumas pedras projetavam-se aqui e ali para oferecer apoios para as mãos e para escalar. Mais aborrecimento jorrou em mim; eu queria abater meu inimigo e acabar com as coisas, mas meu mentor acreditava firmemente no velho ditado de que as coisas boas vinham às pessoas que esperavam. Na verdade, eu achava que as coisas boas vinham para aqueles que agiam.

Então eu pisei na encosta e coloquei minha mão nas pedras, mais uma vez ouvindo-as, mas elas ainda apenas murmuravam sobre o sol quente e o estrago havia sido causado a elas. Enrolei meus dedos ao redor das rochas, sentindo as bordas afiadas cavando em minhas palmas e me erguendo do chão alguns centímetros, certificando-me de que elas segurariam meu peso e não se esfarelariam.

Claro, eu poderia ter usado minha magia para ajudar... Minha magia de Gelo.

Além do meu poder de Pedra, eu era um dos raros elementais que eram talentosos em outra das quatro áreas principais – Gelo, no meu caso – embora essa magia fosse muito mais fraca do que o meu poder de Pedra. Ainda assim, eu poderia ter feito um par de pequenas facas de gelo para cravar nas rochas e me ajudar a fazer o meu caminho até o alto.

Mas decidi não fazer isso. O franco-atirador não tinha magia, então ele não me sentiria usando meu poder, como outro Elemental poderia ter feito. Mas ele chegou ao topo sem usar magia. Então, eu também faria. Além disso, eu não gostava de usar minha magia mais do que o necessário. Eu não queria que se tornasse uma muleta, sem a qual eu não pudesse funcionar sem.

Eu não podia permitir que isso acontecesse – não como a Aranha.

Eu teria gostado de subir nas rochas o mais rápido possível, mas isso seria muito barulhento, e estava muito determinada a vencer para arriscar minha vitória daquela maneira. Então, lentamente, com cuidado, escalei silenciosamente a cordilheira, passando de um trecho de pedras para o seguinte, e percorri o caminho mais e mais alto da encosta íngreme. Já passava das oito da noite e, embora o sol já não estivesse diretamente acima, o calor ainda tremulava pela pedreira, erguendo-se em ondas suaves e pegajosas. Era quase agosto, que costumava ser o mês mais quente de Ashland, mas o calor parecia particularmente sufocante naquele ano. As pedras estavam agradavelmente quentes sob minhas mãos, enquanto pedaços de quartzo branco e rosa brilhavam como diamantes claros e leitosos entre meus dedos ávidos. Talvez, após cuidar do atirador, eu pegaria minha picareta, voltaria um dia aqui e tentaria encontrar pedras preciosas para mim.

Cheguei ao topo da cordilheira e fiquei lá por um momento, como uma aranha pendurada no topo da sua própria teia de pedra. Então, ainda sendo o mais silenciosa possível, eu lentamente me levantei para que pudesse espiar a borda da pedra e ver o que o atirador estava fazendo e se ele ouvira minha aproximação e apontara o rifle na minha direção, pronto para colocar três balas no meu olho direito no segundo em que me visse.

O atirador estava aqui, certo, mas ele não percebeu que eu também estava.

Outra regra que ele esqueceu: a arrogância te pegará em algum momento.

Ele estava de costas para mim, deitado de bruços, o rifle apontado para o portão na frente da pedreira, na mesma posição de quando o vi pela primeira vez. Na verdade, parecia que ele não havia se movido uma polegada o tempo todo que eu estive escalando. Ele tinha o olho direito perto do telescópio montado na arma, e todo o seu corpo estava imóvel enquanto esperava que eu entrasse em sua mira. Bom para ele por ser tão diligente. Pena que isso não ia salvá-lo.

— Onde você está? — sussurrou ele, a brisa soprando suas palavras para mim. — Onde você está se escondendo?

Eu sorri. Ele descobriria isso em um minuto, dois no máximo.

Ainda sendo o mais silenciosa possível, eu enganchei uma perna sobre a borda da cordilheira, depois a outra, antes de me agachar. O atirador poderia ter seu rifle, mas eu tinha algo ainda melhor: minhas cinco facas de silverstone. Uma em cada manga, uma colocada na parte de baixo das minhas costas e duas escondidas nas laterais das minhas botas.

Ainda agachada, espalmei uma das facas da minha manga e fui em direção ao atirador. Eu não tentei mais ser silenciosa, não agora, quando sabia que já havia vencido.

Tarde demais, ele ouviu minhas botas rasparem as pedras. Ele rolou para o lado, tentando levantar o rifle para atirar em mim, mas fui mais rápida. Chutei a arma de suas mãos, enviando-a deslizando através das rochas. Ele pegou a segunda arma enfiada no coldre em seu cinto de couro preto, mas eu me joguei em cima dele e pressionei minha faca contra sua garganta, dizendo-lhe exatamente o que aconteceria se ele decidisse lutar.

A ação sempre triunfa – e eu também.

— Diga — zombei em seu rosto. — Vamos lá. Diga.

Meu oponente arqueou a cabeça para longe de mim, como se eu fosse burra o suficiente para afastar a faca de sua garganta só porque ele queria que eu fizesse. Os olhos verdes do meu irmão adotivo brilhavam de raiva em seu rosto bonito, embora seu cabelo cor de noz permanecesse perfeitamente arrumado no lugar, apesar de nossa briga.

— Tudo bem — murmurou Finnegan Lane. — Você venceu, Gin. Novamente. Você está feliz agora?

Sorri. — Em êxtase.

Eu rolei de cima dele, levantei, e coloquei a faca na minha manga. Então me inclinei e estendi a mão para ele. Finn olhou para a marca prateada marcada na palma da minha mão, um pequeno círculo cercado por oito raios finos. Uma runa de aranha – o símbolo da paciência e meu nome de assassina.

Finn me deu outro olhar azedo, mas estendeu a mão, pegou a minha e me deixou levantá-lo. Ele poderia ser meu irmão adotivo, mas não gostava de perder quando jogamos nossos jogos de guerra. Por outro lado, eu também não.

— Então, onde você acha que o velho está? — perguntou Finn, olhando para a pedreira.

Congelei. — Você não o viu? Então isso significa...

Um ponto vermelho apareceu no peito de Finn. Antes que eu pudesse reagir, antes que pudesse me mover, antes que pudesse me abaixar, o ponto pousou no meu peito, bem acima do meu coração.

Droga. Meu aborrecimento retornou, mais forte do que nunca, junto com mais do que um pouco de raiva. Dele, por ser um bastardo sorrateiro, mas principalmente de mim mesma, por ter caído em um truque tão simples.

— Isso significa que eu acabei de matar vocês dois — gritou uma voz baixa e profunda.

Finn poderia ter tomado primeiro o lugar na frente do cume sob os pinheiros, mas alguns arbustos retorcidos de azevinho se agarravam no lado esquerdo, junto com um emaranhado de amoreiras negras. Os arbustos e galhos pontudos balançavam para frente e para trás enquanto um homem se levantava e saía do denso bosque de folhas e galhos.

Ele usava uma camisa azul de mangas curtas, junto com calças combinando, enquanto botas marrons cobriam seus pés. Seu cabelo era mais prateado do que escuro agora, com uma leve onda na frente, enquanto linhas tênues se projetavam de seus olhos e se esticavam ao redor de sua boca, mostrando toda a vida que ele fazia em seus sessenta e alguns anos. Ainda assim, seus olhos eram do mesmo verde vítreo de Finn, e tão afiados e brilhantes quanto os de seu filho. Um rifle com uma mira a laser presa a ele estava apoiado em seu ombro direito – a arma que ele usara para zombar de nós.

Fletcher Lane. O pai do Finn. Meu mentor. O assassino Homem de Lata.

— Você deveria ter certeza de que era o único esperto o bastante para pensar em usar este cume como poleiro de um franco atirador — Fletcher falou lentamente, olhando para o filho. — Eu já estava aqui há vinte minutos antes de você aparecer.

— Eu sei, eu sei — resmungou Finn. — Não há mais ideias originais, especialmente quando se trata do negócio do assassinato.

Fletcher assentiu antes de fixar seu olhar em mim. — E você deveria ter certeza de que ele estava sozinho antes de se aproximar dele. Que alguém não estava à espreita para matar vocês dois.

Sua voz era muito mais severa comigo do que fora com Finn, uma vez que Fletcher estava me treinando para ser uma assassina, treinando-me para ser a Aranha, como o fazia desde que me tirou das ruas quando eu tinha treze anos.

Dei-lhe um breve aceno. Consegui esconder o meu estremecimento, se não o rubor embaraçoso que manchava minhas bochechas. Mesmo eu tendo vinte anos agora, Fletcher ainda tinha a capacidade de me fazer sentir como aquela menina perdida, aquela que não tinha ideia de como se defender. Sete anos de treinamento e ele tinha me derrotado – de novo – não por ser mais forte ou mais perigoso ou ter mais magia, mas simplesmente por ser mais esperto.

Fletcher estava sempre me dizendo para levar as coisas devagar, pensar, esperar, tramar e planejar, mas eu tinha visto uma oportunidade de vencer Finn, então a peguei, sem fazer nenhuma dessas coisas. Minha ação resultou exatamente em uma coisa: ser eliminada. Fletcher estava certo. Eu deveria ter pensado sobre isso.

Eu tenho que pensar , ou morreria de verdade um dia.

Fletcher olhou para mim mais um momento antes de acenar com a cabeça novamente, satisfeito por eu ter aprendido minha lição, pelo menos por hoje. — Tudo bem. Eu acho que é o suficiente por esta noite.

— Finalmente — murmurou Finn, inclinando-se para pegar seu rifle de onde pousara. — Já estamos aqui há três horas. Pensei que o dia nunca acabaria.

— Ah, você não diria isso se tivesse conseguido me matar uma única vez — eu disse lentamente. — Só porque eu te matei cinco vezes desde que estivemos aqui não é motivo para fazer cara feia.

Finn estreitou os olhos para mim. Antes de jogarmos franco-atirador contra assassino, fizemos alguns combates mano a mano, os quais eu ganhei facilmente. Tudo o que eu amava, desde que era uma arena aonde ação rápida e decisiva sempre veio a calhar, em vez da abordagem do tipo esperar para ver que Fletcher preferia.

— Seja como for — Finn murmurou novamente. — Eu preciso ir. Eu tenho trabalho a fazer.

— Mais relatórios chatos para ler para o seu trabalho de verão?

Ele bufou. — Os relatórios não são chatos e não é um trabalho de verão ruim. É um estágio em um dos bancos mais prestigiados de Ashland. Se eu jogar minhas cartas corretamente, isso pode levar a uma posição fixa.

Revirei os olhos para o tom arrogante e superior dele. Finn tinha completado recentemente vinte e três anos, e estava terminando seu MBA com seu estágio e algum tipo de programa de contabilidade que ele estava fazendo on-line através de uma universidade em Bigtime, Nova York. Com seu novo emprego e ternos elegantes, Finn pensava que estava arrasando – e mais um pouco.

— Que seja. Eu prefiro ficar cozinhando no Pork Pit a sentar em um banco antigo e abafado todos os dias.

Finn bufou novamente, mas não respondeu à minha provocação desta vez.

Fletcher não comentou sobre o nosso ataque verbal. Ele desistiu a muito de tentar arbitrar entre nós dois.

— Vamos — disse o velho. — Eu quero ir para casa e jantar.

 

* * *

 

Nós descermos a encosta usando uma corda que Fletcher tinha trazido, subimos em sua van branca e voltamos para a cidade. Trinta minutos depois, Fletcher deixou Finn em seu apartamento no centro da cidade.

— Você vem almoçar no restaurante amanhã? — perguntou Fletcher pela janela aberta.

Finn hesitou. — Vou tentar, mas depende do trabalho. Vou ligar e avisá-lo, ok?

Fletcher assentiu e sorriu, mas não antes de eu ver a pontada de dor que surgiu no seu rosto. Finn não estivera muito por perto neste verão, passando mais tempo naquele banco estúpido do que com o pai dele. Raiva encheu meu peito por ele ser tão desatencioso com Fletcher. Finn deveria ser grato por ele ainda ter um pai, especialmente um como Fletcher. Mas mantive minha boca fechada. Não adiantava discutir com Finn. Ele era ainda mais teimoso do que eu.

Finn acenou para o pai e foi para o prédio. Ele não acenou para mim ou disse adeus, no entanto. Ele ainda estava chateado por eu tê-lo vencido tantas vezes hoje à noite. Eu sorri. Que pena.

Fletcher engatou a van, afastou-se do meio-fio e seguiu pelo centro, indo para o Pork Pit. Como já passava das nove da noite, o restaurante estava fechado, embora o letreiro em néon na frente da porta estivesse iluminado com brilhantes luzes multicoloridas. A visão nunca deixava de me animar.

— Sabe, notei que há alguns apartamentos para alugar naquele prédio em frente ao Pit — falei, tentando deixar minha voz leve e casual ao apontar para janela. — Vê a placa ali? Achei que poderia ligar para um e ver quanto é o aluguel.

Fletcher fez um barulho de desaprovação no fundo da garganta, mas essa foi sua única reação. Finn tinha seu próprio apartamento, e eu estava louca para sair da casa de Fletcher também. Eu amava o velho, realmente, eu amava, mas eu era uma assassina. Era a Aranha. Fletcher estava me mandando em trabalhos solo por um tempo agora, e eu sentia que deveria ter meu próprio lugar, meu próprio espaço, e não o que eu consegui para mim em sua casa bagunçada.

— Então? — perguntei, com a impaciência rastejando na minha voz. — O que você acha? Sobre o apartamento?

Fletcher olhou pelo para-brisa em vez de olhar para mim. — Veremos.

Eu queria importuná-lo sobre isso e levá-lo a dizer sim, mas eu me forcei a esperar, ainda que rangesse os dentes o tempo todo.

Mas isso foi tudo o que ele disse.

Se Finn e eu éramos teimosos, então Fletcher era duplamente, e eu sabia que nada menos do que ser esquartejado por cavalos selvagens o faria dizer outra palavra antes que estivesse pronto.

Era difícil, mas fiquei quieta, embora não pudesse evitar bater os dedos contra a moldura da janela aberta em frustração. Enquanto observava o cenário que passava, eu me perguntei quanto tempo mais demoraria até o velho perceber que eu havia crescido.


Capítulo 3

 

Vinte minutos depois, Fletcher parou a van na frente de sua casa, que ficava no topo de um dos muitos cumes que havia ao redor de Ashland como parte das Montanhas Apalaches.

Saí do veículo e me dirigi para a varanda da frente, pronta para lavar toda a sujeira, poeira e suor de nossos treinamentos. Mas Fletcher permaneceu ao lado da van, como era sua rotina habitual, examinando a escura floresta que ficava ao lado da casa antes que seu olhar se movesse pelo pátio até o precipício que marcava a borda da propriedade.

Eu não sabia por que ele se incomodava. Fletcher era extremamente cuidadoso como o Homem de Lata, usando todos os tipos de perfis, pseudônimos e estratagemas para reservar trabalhos, e depois tomando ainda mais cuidado para não deixar nenhuma evidência nas cenas de seus crimes, muito menos quaisquer pistas de quem ele realmente era. Não havia como qualquer um poder rastrear o que ele fazia – o que fazíamos agora – até nós, mas toda vez que chegávamos em casa ele ainda parava, olhava e escutava, como se esperasse um ataque a qualquer segundo.

Suspirei e esperei na frente da porta, meus braços cruzados sobre o peito e meu pé direito batendo o padrão rítmico contra a varanda de madeira desgastada pelo tempo. Eu era a favor de ser cautelosa, mas isso beirava o ridiculamente paranoico.

Depois de cerca de três minutos, Fletcher finalmente ficou satisfeito por ninguém estar à espreita para tentar nos matar, saiu da van e se dirigiu para a casa. Ele inseriu a chave na fechadura, girando a maçaneta para abrir a porta, mas a madeira não se moveu.

— Porta estúpida — murmurou ele. — A madeira sempre adere nessa umidade. Eu deveria modernizar e instalar aquele granito preto como estive pensando.

Revirei os olhos. A casa já era uma monstruosidade enorme. Várias pessoas a possuíram ao longo dos anos, e cada uma delas adicionara um ou dois cômodos. Tudo em diferentes estilos, cores e materiais, incluindo ripas brancas, tijolos marrons e pedras cinzentas. E Fletcher só aumentara a estranheza ao instalar um telhado de estanho brilhante e venezianas negras há alguns meses. Eu sempre me perguntei por que ele não remodelou toda a estrutura e deu a ela algum tipo de estilo coeso, mas ele parecia gostar dos ângulos, dos pedaços de madeira e das pedras que não combinavam. Eu suponho que uma porta de granito preto se encaixaria com a sensação eclética do resto da casa.

Fletcher colocou o ombro na madeira, e a porta finalmente se abriu com um rangido violento.

Entramos na casa, que tinha tantos cantos estranhos e estilos incongruentes como o lado de fora, e seguimos caminhos diferentes. Subi as escadas, tomei um banho e vesti um robe azul de algodão por cima de uma camiseta branca e uma calça de pijama cor-de-rosa com estampa verde-limão. Então, desci as escadas e fui até a cozinha para pegar algo para comer.

Eu remexi na geladeira, pegando frios, queijos e mais coisas, antes de levar tudo ao balcão, onde um pão assado recentemente pela Sophia estava esperando. Cantarolei em voz baixa enquanto preparava minha refeição. Finas fatias de peru defumado e presunto; grossas fatias de queijo cheddar; alface romana doce e crocante; um par de anéis de cebola vermelha; tomates frescos em fatias polvilhados com sal e pimenta; tudo isso coberto com uma camada saudável de maionese, um pouco de mostarda e outro pedaço de pão. Três minutos depois, eu tinha o sanduíche perfeito.

Com muita fome para pegar um prato, fiquei no balcão e afundei meus dentes nas camadas de delícias. Os tomates eram como uma explosão brilhante de verão em minha boca, provocada pela maionese cremosa. As carnes eram a mistura ideal de defumada e doce, enquanto a alface e as cebolas davam a cada mordida um pouco de crocância. Terminei o sanduíche rapidamente e fiz outro para mim.

Fletcher entrou na cozinha, ainda vestido com suas roupas de trabalho azuis, embora tivesse tido tempo de lavar as mãos e o rosto.

Ele caminhou até o balcão. — Isso parece bom. — Seu estômago roncou junto com suas palavras.

Dei a Fletcher o segundo sanduíche e fiz um terceiro. Ele o colocou em um guardanapo, serviu-se de chá doce gelado que eu havia feito esta manhã, e levou tudo ao escritório. Eu pensei que ele ligaria a TV, mas a área permaneceu silenciosa. Eu fiquei na cozinha, terminei meu sanduíche e abri a geladeira novamente, imaginando o que eu poderia preparar para a sobremesa. Tinha alguns biscoitos de chocolate que eu fiz ontem. Talvez os usasse, junto com um litro de sorvete de chocolate para fazer alguns rápidos e fáceis sanduíches de sorvete...

— Gin — gritou Fletcher. — Venha aqui, por favor.

Suspirei com a interrupção, mas fechei a geladeira e entrei na sala, onde ele estava sentado no gasto sofá xadrez. — Sim?

Ele hesitou, em seguida, pegou uma pasta de papel pardo da mesa de café de madeira riscada e acenou para mim.

Eu me animei, esquecendo tudo sobre a sobremesa. — O que é isso?

— Um trabalho... Talvez.

Sentei-me no sofá ao lado dele. — Por que é apenas um talvez?

Ele deu de ombros.

Fletcher não era um Elemental, então as pedras nunca sussurravam para ele sobre quaisquer perigos em potencial como elas faziam para mim. Mas, mais de uma vez, ele recusou um emprego porque algo não parecia certo para ele. E mais de uma vez, ele descobriu depois que ele estava certo em recusar. Que a atribuição era algum tipo de armadilha ou traição, ou que o cliente só pagaria metade do dinheiro e tentaria matá-lo depois que o trabalho estivesse terminado. Eu poderia ter minha magia, mas Fletcher tinha seus instintos.

Ele hesitou por mais um momento, depois me entregou o arquivo. — Eu ia esperar. Pelo menos até que eu pudesse checar mais algumas coisas, como exatamente quem é o cliente e por que eles querem essa pessoa morta. Mas, aparentemente, o cliente quer permanecer tão anônimo quanto eu, porque até agora não consegui descobrir nada sobre ele.

— Como eles fizeram contato? — perguntei.

— Eu respondi a um anúncio de classificado bastante enigmático em um jornal pedindo informações sobre preços de carne suína, seguidos por algumas conversas mais pontuais através de uma de minhas contas anônimas de e-mail.

Anúncios em jornais, e-mails não rastreáveis e telefones celulares descartáveis eram algumas formas padrão de contratação de Fletcher, enquanto a menção ao preço da carne de porco era um de seus códigos. Outros códigos incluíam referências mais irônicas as recordações do Mágico de Oz, dado que o Homem de Lata era o apelido de Fletcher como assassino. Dessa forma, tudo o que ele precisava fazer era verificar o jornal todas as manhãs para ver se alguém poderia querer os serviços de um assassino, e depois seguir as informações que ele havia visto. Mesmo assim, ele permanecia anônimo, e ainda selecionava possíveis clientes o máximo possível, no caso de estratagemas e armadilhas.

— Não havia nada incomum sobre como o cliente me contatou, mas algo ainda parece um pouco estranho. — Ele deu de ombros. — Mas o adiantamento já está no banco, e tudo o mais parece legítimo, de modo que eu imaginei que poderíamos falar sobre isso.

— Quem é o alvo?

— Cesar Vaughn. Um Elemental de Pedra.

Fiz uma careta. — Por que esse nome soa familiar?

— Ele é dono da Vaughn Construções — respondeu Fletcher. — Tornou-se uma grande empresa em Ashland em poucos anos. Você provavelmente já viu o nome em placas nos canteiros de obras da cidade. Vaughn e sua empresa construíram muitos dos novos prédios de escritórios no centro da cidade.

Abri a pasta. O primeiro item era uma foto de Cesar Vaughn, tirada em algum evento de inauguração. Ele vestia um terno, segurava uma pá cheia de terra e sorria para a câmera. Ele parecia ser mais jovem que Fletcher, talvez uns cinquenta anos, com um cabeleira grisalha, pele bronzeada e olhos castanho-escuros. Ele estava radiante na foto, dando-lhe uma aparência orgulhosa e simpática, mas eu sabia quão enganadoras as aparências poderiam ser.

Mais fotos mostravam Vaughn em vários canteiros de obras. Parecia que ele era mais do que uma figura empresarial, dado o fato de que várias fotos o mostravam carregando sacos em caminhões, prendendo pregos em tábuas e até mesmo despejando concreto. Ele parecia feliz em suar ao lado de sua equipe, e seus sorrisos eram ainda mais amplos nessas fotos, como se realmente gostasse do trabalho duro e físico de construir algo desde as bases.

Uma foto em close mostrava o logotipo da Vaughn Construções. As palavras eram bastante simples, escritas em uma fonte simples, embora parecesse que dois espinhos se curvassem para formar o V de Vaughn. Essa deveria ser sua runa de negócios. Curioso. Eu teria esperado uma pilha de tijolos ou algo parecido para um Elemental de Pedra. Eu me perguntei o que os espinhos representavam para Vaughn.

— Então, o que ele fez?

Era a mesma pergunta que eu sempre fazia. Oh, eu sabia que o que estávamos fazendo não era correto. Nós éramos assassinos, afinal de contas, assassinos de aluguel treinados e implacáveis para qualquer um que tivesse dinheiro suficiente para pagar nossos preços. Mas as pessoas que matávamos eram geralmente piores do que nós. Alguém não pagava centenas de milhares ou até milhões de dólares para matar o professor de piano de seu filho ou o barista que fez uma péssima xícara de café. Bem, normalmente não. Você tinha que fazer alguma coisa para alguém, irritá-los, ser uma ameaça ou ficar no caminho daquilo que eles quisessem. Era quando nos chamavam.

Além disso, Fletcher tinha seu próprio conjunto de regras como um assassino, as quais ele me ensinou a viver: nada de crianças, nem animais de estimação, nem tortura. Então você não ficava no radar do Homem de Lata sendo inocente.

Às vezes eu achava que nós fazíamos um favor a todos matando algumas dessas pessoas. Isso não nos fazia os mocinhos de maneira alguma, mas não éramos os caras mais malvados tampouco. Longe disso. Não em Ashland.

Fletcher deu de ombros novamente. — Poderia ser qualquer coisa. Talvez Vaughn não tenha espalhado dinheiro de suborno suficiente para as pessoas certas, e eles estão zangados com isso. Talvez ele tenha aceitado um trabalho que um concorrente queria. Talvez ele esteja construindo na terra de alguém que quer que seu projeto desapareça.

Como na maioria dos outros negócios em Ashland, havia certas regras quando se tratava da indústria da construção civil. Você tinha que subornar algumas pessoas por tudo, desde planos de construção até licenças de zoneamento a materiais de construção. Essas coisas ajudavam a impedir que... Acidentes acontecessem – para você e para os seus.

— Mas eu suponho que a tarefa tenha algo a ver com o incidente ocorrido em Northtown há alguns meses — continuou Fletcher. — Aquele no novo shopping center.

— Eu me lembro disso. Um enorme terraço de pedra do terceiro andar desmoronou em um restaurante à noite. Esteve em todos os noticiários.

— Cinco pessoas morreram e mais uma dúzia ficaram feridas — disse Fletcher. — Eles ainda estão investigando o motivo. Mas adivinha quem construiu o restaurante e o resto do shopping?

— Cesar Vaughn.

Ele assentiu.

— E daí? Você acha que alguém o culpa pelo acidente?

— É possível — disse Fletcher. — Especialmente se Vaughn usou materiais de construção de baixo padrão ou cortou gastos. Esse é o boato, de qualquer maneira. Que ele economizou em suprimentos, mão-de-obra e muito mais, e é por isso que o terraço desmoronou. Supostamente, as famílias das vítimas estão se preparando para processá-lo por causa disso, levando-o à falência.

Acenei a pasta para ele. — Sim, mas se alguém quer Vaughn morto agora, então parece que eles não querem esperar por um processo ou qualquer dinheiro que possam receber. Eles só querem o sangue dele.

Fletcher assentiu. — Ou talvez eles percebam que um processo provavelmente se arrastará por anos, se não for rejeitado pelo tribunal em algum momento. Veja quem é o advogado dele.

Folheei as fotos e examinei alguns documentos do tribunal que Fletcher havia incluído no arquivo. — Jonah McAllister? Mas pensei que ele fosse o advogado pessoal de Mab Monroe. Que ele trabalhasse somente para ela.

— Ele é, e trabalha — respondeu Fletcher. — Mas Mab detém uma participação significativa na empresa de Vaughn. Então ela tem interesse em garantir que qualquer problema de Vaughn desapareça. Não me surpreenderia se ela já tivesse mandado Elliot Slater visitar algumas das famílias das vítimas para fazê-las reconsiderar a apresentação de seus processos.

Slater era o gigante que servia como chefe da equipe de segurança de Mab e supervisionava seus guarda-costas. Pelo menos, isso é o que ele fazia no papel. Mas todos no submundo sabiam que Slater era seu principal executor, aquele que realizava todos os seus comandos implacáveis. Nenhuma visita de Slater era agradável, e a maioria terminava com sangue e ossos quebrados – no mínimo.

— Você acha que Mab quer Vaughn morto? Com ele fora, isso pode dificultar um pouco para as famílias das vítimas o processarem.

Fletcher deu de ombros pela terceira vez. — Talvez. Mas a empresa de Vaughn é uma mina de dinheiro para Mab. Ele provavelmente vale mais para ela vivo e gerindo as coisas sem problemas do que morto e enterrado. — Ele hesitou novamente. — Mas há algo mais.

— O quê?

— De acordo com o nosso cliente misterioso, Vaughn tem estado sob sério estresse há meses, e está descontando esse estresse em sua filha, Charlotte. Batendo nela, dando tapas nela, gritando com ela.

— Onde está a mãe dela? — perguntei. — Por que ela não está protegendo Charlotte?

— Samantha Vaughn morreu em um acidente de carro há vários anos — respondeu Fletcher. — Eu verifiquei com algumas das minhas fontes. Vaughn chamou um curandeiro Elemental do Ar na mansão para ver a filha quatro vezes nos últimos seis meses, três vezes para ossos quebrados e uma vez para uma concussão. Supostamente, ela caiu de uma escada, caiu da bicicleta, etc., etc.

Eu bufei. — Sim. Certo.

Continuei lendo o arquivo até encontrar uma foto de Charlotte Vaughn. Ela era uma menina bonita, com os mesmos olhos castanhos de seu pai e cabelo preto brilhante preso em duas traças bagunçadas. Ela estava olhando para a câmera, mas seus lábios mal estavam curvados, e seu olhar parecia sombrio e perturbado, muito sombrio e perturbado para alguém tão jovem.

— Quantos anos ela tem? — perguntei.

— Treze.

Treze. A mesma idade que eu tinha quando um Elemental de Fogo invadiu minha casa e assassinou minha mãe, Eira, e minha irmã mais velha, Annabella. Antes de me torturar. Antes de usar minha magia para derrubar as pedras de nossa mansão, acidentalmente matando minha irmã mais nova, Bria, no processo.

Meus dedos se curvaram, as unhas cavando na palma da minha mão esquerda, onde estava a cicatriz de runa de aranha, aquele pequeno círculo rodeado por oito raios finos. Há muito tempo, a runa tinha sido um pingente de silverstone, que eu usava até que a Elemental de Fogo superaqueceu a runa com sua magia, queimando-o em minhas palmas como uma marca de gado.

Por um momento, o cheiro de carne queimada encheu minha pele. Eu estava de volta aos recônditos enfumaçados da casa da minha família, tentando sufocar meus gritos, minhas palmas ainda queimando, queimando, queimando do silverstone que foi tão cruelmente, tão brutalmente, fundido em minha pele...

— Gin — perguntou Fletcher. — O que você está pensando?

— Nada.

Eu forcei as memórias de volta ao passado, onde elas pertenciam, e concentrei-me no arquivo em minha mão, deixando a sensação suave e lisa das fotos e papéis me prenderem no aqui e agora. Folheei mais algumas fotos de Charlotte, até chegar a uma dela em pé com um cara que parecia estar em seus vinte e poucos anos. Ele tinha o mesmo cabelo preto, pele bronzeada e olhos castanhos, e era muito bonito, como uma versão mais jovem, magra e polida de seu pai. O sorriso astuto que ele dava a câmera me dizia que ele sabia exatamente quão lindo ele era. Eu via o mesmo sorriso presunçoso no rosto de Finn todos os dias.

— Quem é ele? — Perguntei, mostrando a foto para Fletcher.

— Sebastian Vaughn, irmão mais velho de Charlotte. Ele tem vinte e três anos e é um dos vice-presidentes da empresa de construção do pai. Cesar fez dele o homem número dois da firma alguns meses atrás.

— Alguma indicação de que ele saiba o que causou o desmoronamento do terraço? Ou o abuso que o pai deles está infligindo a Charlotte?

Fletcher sacudiu a cabeça. — Não que eu tenha sido capaz de encontrar. Alguns dos negócios de seu pai podem ser questionáveis, mas Sebastian parece ter mantido o nariz limpo até agora. Supostamente, ele adora Charlotte e sempre traz presentes para ela. Se ele soubesse do abuso, provavelmente tentaria detê-lo. Pelo menos, é isso que minhas fontes pensam.

— Então, qual é o problema? Vaughn obviamente não está completamente limpo, não tem negócios com Mab Monroe, e ele gosta de bater na filha. O que estamos esperando?

Fletcher sacudiu a cabeça. — Não sei. Na superfície, tudo parece legítimo e bom. Mas eu estive pesquisando todos que morreram naquela noite no restaurante e todos os seus amigos e familiares, e não consigo encontrar ninguém com dinheiro suficiente para pagar por um assassinato, pelo menos, não até que algumas das indenizações do seguro foram iniciadas . Mas, metade do dinheiro já foi pago, e não posso rastreá-lo até ninguém. Claro, alguém poderia ter alguns fundos escondidos que eu ainda não descobri. Não seria a primeira vez.

— Mas?

— Mas tenho a sensação de que há algo um pouco... Estranho neste trabalho. Algo que está faltando sobre toda a situação, embora eu não consiga definir o que poderia ser.

— Você perguntou a Jo-Jo sobre isso?

Jolene Jo-Jo Deveraux era uma anã Elemental do Ar que curava Fletcher e eu sempre que nos machucávamos durante um trabalho. E semelhante ao meu poder de Pedra, a magia do Ar de Jo-Jo sussurrava para ela – todas as coisas que poderiam acontecer. As pedras murmuravam sobre as ações que as pessoas já fizeram em determinado local, os crimes já cometidos, mas o vento trazia consigo sussurros de todas as maneiras pelas quais as pessoas poderiam agir no futuro. Normalmente, se Fletcher tinha dúvidas sobre um trabalho ele perguntaria a Jo-Jo, para ver o que ela pensava e se ela poderia perceber algo que ele perdeu. Às vezes, ela podia dizer se a preocupação dele era justificada.

Fletcher pegou um fio solto em uma das almofadas do sofá. — Eu perguntei a Jo-Jo, mas ela disse que não conseguia ter uma noção clara das coisas pelas informações que eu dei a ela.

Isso não era incomum. Jo-Jo não tinha vislumbres do futuro na hora. Como eu, ela precisava ouvir e interpretar todos os sussurros que ouvia. Os pensamentos e sentimentos das pessoas mudavam constantemente, mudando ainda mais do que o vento, e as coisas muitas vezes simplesmente se perdiam na tradução. Às vezes, Fletcher e eu só precisávamos confiar em nós mesmos, que éramos espertos, astutos e fortes o bastante para fazer o trabalho e nos safarmos.

Olhei para aquela foto de Charlotte Vaughn de novo, aquela em que ela parecia tão triste e cautelosa. Eu não tinha nenhuma reserva, hesitação ou dúvida sobre esse trabalho, nem uma única, não quando a vida de uma jovem estava em perigo. Talvez da próxima vez, o pai dela não se contentasse em dar-lhe contusões e ossos quebrados. Talvez da próxima vez, sua raiva seria maior do que nunca. Talvez da próxima vez, ele não parasse de bater nela até que ela estivesse morta.

— Vamos fazer isso — eu disse, me decidindo e fechando o arquivo sobre Cesar Vaughn. — Quanto mais cedo, melhor, no que me diz respeito.

Fletcher queria esperar até que tivesse mais informações sobre o cliente, mas eu o empurrei, em voz alta e repetidamente, apontando que Vaughn era uma bomba-relógio no que dizia respeito à Charlotte e, finalmente, com relutância, ele concordou e disse que trabalharia em alguns dos detalhes.

Eu teria ficado mais do que feliz em pegar minhas facas, dirigir até a mansão de Vaughn, esgueirar para dentro e fazer a ação hoje à noite, mas Fletcher queria primeiro fazer algumas investigações e ser excessivamente cauteloso sobre as coisas, do jeito que ele sempre era. Mesmo que eu me irritasse ao pensar em Charlotte aterrorizada e em perigo um segundo mais do que o necessário, eu cedi aos desejos dele. Por mais que eu odiasse admitir, entrar às cegas nunca era uma boa ideia. Fletcher havia me dito isso repetidas vezes, e ele provou isso no início desta noite ao zombar de Finn e eu.

Mas eu disse a Fletcher que se ele tivesse mais notícias de que Charlotte foi ferida, eu iria direto do reconhecimento para a parte da ação do trabalho. Ele assentiu, sabendo que eu falava sério.

Fletcher ficou na sala para revisar o arquivo novamente. Ele me deu a cópia que ele fizera, a qual eu levei para o meu quarto e reservei antes de me arrastar para a cama.

Em um momento, eu estava na escuridão suave do sono, sonhando com nada em particular. No momento seguinte, eu estava amarrada a uma cadeira, minha runa de aranha presa entre as palmas das minhas mãos, a prata superaquecida, derretendo, derretendo na minha pele. E o tempo todo eu podia ouvir a Elemental de Fogo rindo de mim em sua voz baixa, rouca e sedosa, rindo pelo quanto ela estava me machucando e o quanto ela estava gostando.

Mas não importava o quanto eu lutava contra as cordas que me prendiam, não importava o quanto eu tentasse arrancar o pano que me vendava, não importava quanto tempo eu gritasse, a tortura, a dor e a risada não pararam.

Nada fez parar.

Eu não sei quanto tempo estive presa naquele mundo de sonhos, em minhas próprias memórias horríveis, antes que eu conseguisse acordar. Tudo o que eu conseguia pensar era na dor. Então, de repente, eu me ergui, meu coração batendo, minha respiração entrando em suspiros curtos e ásperos, minhas mãos queimando como se eu ainda segurasse minha própria runa de aranha quente.

Antes de perceber o que estava fazendo, minha mão disparou para debaixo do travesseiro e segurei a faca que sempre mantinha lá, embora estivesse tão segura quanto poderia estar na casa de Fletcher. Mas a sensação fria, sólida e substancial do metal cortou a sensação de ardor fantasma e me ajudou a recuperar a realidade. Lentamente, eu me obriguei a desenrolar minha mão da arma, mesmo que meus dedos doessem onde eu estava segurando o punho com tanta força. Levou-me mais tempo ainda para retardar meu coração acelerado, recuperar o fôlego e enxugar o suor da testa.

Eu costumava ter pesadelos o tempo todo quando era mais jovem. Mais de uma vez, eu havia acordado gritando no meio da noite, o que tinha feito Fletcher e Finn virem correndo para o meu quarto para ver o que estava errado. Mas, eventualmente, eles pararam de vir quando perceberam que eu gritaria, eles estando lá ou não. Eu não podia culpá-los por isso, no entanto. Difícil acalmar alguém quando ela nem sequer lhe contava sobre o que eram seus pesadelos. E eu nunca disse uma palavra sobre eles, a tortura ou a minha família morta, para Fletcher ou Finn. Os pesadelos, as lembranças, a mágoa, a perda e a dor eram meus fardos para suportar, não deles.

Eu não conseguiria voltar a dormir, ainda não, então acendi a luz, pensando em rever as informações sobre Cesar Vaughn.

Negócios, amigos, restaurantes que ele gostava de frequentar, suas finanças, as instituições de caridade para as quais ele havia colaborado, as mulheres que ele namorava. Fletcher não era nada a não ser meticuloso, e o arquivo me dava uma bela imagem da vida de Vaughn.

Cesar Vaughn se apresentava como um empresário respeitável e responsável, e é exatamente isso que ele era no papel – e na vida real também. Vaughn tinha dezenas de milhões no banco, mas ainda era cuidadoso com suas finanças, não se sobrecarregando com muitos projetos de construção novos de uma só vez, não gastando em carros, jatos ou barcos, não trocando por uma mansão maior e melhor ou uma esposa troféu mais nova e mais quente a cada dois anos. Ele pagava bons salários a seus trabalhadores, e dava a todos seguro saúde e outros benefícios que eram devidos. Ele era conhecido por fazer um trabalho de qualidade e entregar projetos dentro do prazo e do orçamento. De todos os relatos, ele era um chefe severo que esperava o melhor de seus trabalhadores, mas também era justo.

Sim, alguns negócios de Vaughn eram um pouco sombrios, assim como Fletcher dissera, especialmente a quantia exorbitante que ele pagava em taxas de consultoria – em outras palavras, dinheiro de suborno. Mas isso não era novidade em Ashland. Teria sido mais estranho se as mãos de Vaughn não estivessem sujas. Ainda assim, ele não era o pior cara que Fletcher já havia me mandado atrás. Além do colapso do terraço e dos potenciais processos judiciais, parecia não haver nenhuma razão suficiente para alguém querer que Vaughn morresse a ponto de contratar Fletcher para que isso acontecesse. Então eu pude ver por que o velho tinha um mau pressentimento sobre o trabalho.

Mas eu não... Não quando eu olhava para a foto de Charlotte.

Tirei a foto do arquivo e olhei para ela. Algo estava acontecendo com ela. Ela tinha o mesmo olhar sombrio, ferido e assombrado que eu tive depois que minha família foi assassinada, o mesmo olhar que eu podia ver no espelho até hoje.

Oh, sim, Vaughn podia parecer um homem de negócios respeitável, mas ele estava abusando de sua filha. Eu tinha certeza disso. E só isso já era motivo suficiente para eu matá-lo.

Uma coisa era machucar outro adulto, fosse um amigo, um amante, um parceiro de negócios ou até um membro da família. Isso é o que as pessoas faziam umas às outras, quer elas significassem algo ou não. Isso era apenas a vida. Mas era especialmente assim em Ashland, onde todos, com dinheiro, poder, magia e prestígio, quase sempre tentavam foder todos os outros com dinheiro, poder, magia e prestígio.

Mas espancar uma menina de treze anos de idade? Isso era inaceitável. Ferir qualquer criança por qualquer motivo era inaceitável, mas caras como Vaughn realmente me irritavam. Aqueles com dinheiro suficiente, poder, magia e prestígio para se safar. Aqueles que poderiam se dar ao luxo de contratar um curandeiro Elemental de Ar para encobrir as contusões e ossos quebrados que eles deram aos filhos. Aqueles que não pensavam que fosse nada bater em seus filhos e filhas repetidamente, porque desfrutavam da emoção doentia e da ilusão de poder que isso dava a eles. Aqueles eram o tipo de pessoa que fazia meu sangue ferver, aqueles que eu estava muito feliz em mirar como uma assassina.

Cesar Vaughn não machucaria sua filha nunca mais, não se eu pudesse evitar.

— Eu vou te salvar dele — sussurrei.

Na foto, Charlotte continuou me olhando com seus grandes olhos castanhos, aquele olhar preocupado congelado no rosto dela, como se não acreditasse que eu manteria minha palavra. Que eu a salvaria do pesadelo que estava vivendo. Eu sabia o que era ser torturada, incapaz de parar a dor, o medo e o terror. Quando Fletcher me acolheu, quando começou a me treinar, eu fiz uma promessa de que ninguém jamais faria isso comigo de novo, que eu nunca me sentiria assim novamente, que nunca mais seria fraca.

Essa era uma das razões que me levaram a ser uma assassina. Claro, parte de mim queria ser uma pessoa totalmente intimidante, confiante, fria como o gelo, que poderia cuidar de si mesma, o tipo de pessoa que as pessoas sussurravam em voz baixa enquanto ela passava. Ainda que ninguém provavelmente jamais percebesse que eu era uma assassina, que eu era a Aranha, já era o suficiente que eu soubesse lá no fundo. Mas, ainda mais importante do que isso, eu queria ser forte para poder proteger as pessoas de quem eu gostava. Fletcher, Jo-Jo, até Finn e Sophia. Eu não deixaria ninguém tirá-los de mim, não como tiraram minha mãe e minha irmã.

E aqui estava outra garota com dor, que estava sendo ferida como eu fui machucada uma vez. Não fui capaz de salvar Bria, mas eu poderia ajudar Charlotte – eu a ajudaria. Eu não era mais fraca, desamparada ou medrosa, e ia gostar de mostrar a Cesar Vaughn exatamente o quão forte eu era, antes de abrir a garganta dele com a minha faca.

— Em breve — sussurrei para a foto de Charlotte novamente. — Você ficará livre dele em breve.

Minha promessa ratificada, eu deslizei a foto dela de volta para o arquivo, colocando-o de lado, apaguei a luz e fui dormir.


Capítulo 4

 

Duas noites depois, eu me vi em uma sala de jantar rústica.

Uma longa mesa retangular feita de madeira polida ocupava uma grande parte da área, tão grande que exigia três candelabros separados para iluminar as várias seções. Mas em vez do habitual latão ou cristal, esses candelabros eram feitos de veados, alces e outros chifres que foram amarrados juntos. Gigantes rodas de carroças cobriam as paredes, junto com o que eu só podia descrever como coisas de caubói – reluzentes prendedores de prata, cordas enroladas, e até mesmo um par de velhos revólveres entrecruzados um sobre o outro. Uma cabeça de bisão empalhada, quase tão grande quanto eu, estava pendurada sobre a lareira na parede do fundo. Os olhos escuros do bisão estavam fixos em um olhar semicerrado perpétuo e irado, como se a criatura quisesse pular e atacar todos com os chifres curtos e curvos que ainda restavam em sua cabeça.

A sala de jantar e todos os seus móveis de estilo faroeste eram propriedade de Tobias Dawson, e o anão aparentemente se vestiu para combinar com a decoração, ostentando um bigode caído, uma gravata de laço azul turquesa e botas pretas de pele de cobra, junto com um terno preto. Um chapéu preto de dez galões{1} empoleirava-se na cabeça, embora não pudesse conter a juba de cabelos que caía sobre os ombros. Dawson jogou a cabeça para trás e riu de algo que um lindo vampiro murmurava para ele.

Dawson era proprietário de grande mina de carvão, com operações localizadas em toda a Montanha Apalache. A especulação entre os outros convidados era de que Dawson estava pensando em se expandir nas Montanhas Rochosas ou até no Canadá. Eu teria que contar a Fletcher o que ouvi. O velho vivia para fofocas como essas.

De alguma forma, Fletcher ficou sabendo que Dawson convidara trinta de seus amigos mais próximos e associados de negócios à sua casa para um jantar. Agora, aqui estava eu, bem no meio de uma multidão de mulheres vestindo caros vestidos de noite e homens usando ternos de grife que custavam o mesmo, embora todas as suas roupas parecessem um pouco em desacordo com a coleção de caubóis que adornava as paredes...

— Ei, querida, você ficará aí parada e de boca aberta, ou me oferecerá algo para beber? — rosnou uma voz baixa.

Uma grande sombra caiu sobre mim, apagando a luz do lustre de chifre e me tirando de minhas observações maliciosas. Porque eu não estava aqui como um dos convidados mais abastados de Dawson. Em vez de um vestido de cetim e cascatas de diamantes, eu usava uma camisa preta de botões, um colete de smoking branco, e uma gravata borboleta branca por cima de um par de calças pretas e botas. Cinderela, eu não era.

Não, esta noite eu era a auxiliar.

Na verdade, eu era a auxiliar na maioria das noites. Fletcher muitas vezes era contratado para eventos como este, uma vez que era uma ótima maneira de descobrir alvos em potencial de forma clandestina. Ver quantos guardas um homem de negócios empregava, com quem conversava, a quem esnobava, e com quem ele dormia. Você nunca sabia que informação poderia ser útil e o ajudaria a chegar perto o suficiente para eliminar seu alvo para sempre. Eu estava trabalhando com o velho em serviços de bufê como esses há anos, trabalhando principalmente como garçonete, embora também o ajudasse na cozinha de vez em quando.

— Bem, querida? — grunhiu a voz novamente, o tom de voz um pouco mais afiado e mais exigente do que antes. — O que será?

Eu olhei para cima... Para cima... E para cima, até que meu olhar pousou no rosto do gigante na minha frente. Tudo nele era pálido, da sua pele até seus olhos cor de avelã e seus cabelos louros. Suas características eram tão suaves – quase albinas, na verdade – que ele poderia ter se desvanecido no fundo, se não fosse pelo seu tamanho enorme e sólido, dois metros e dez de grossos músculos ancorados por um peito duro como rocha. Não, Elliot Slater não era alguém que você ignorava, não se você quisesse sobreviver a qualquer encontro que tivesse com ele.

— Champagne, senhor? — perguntei, tomando cuidado para manter minha voz suave e neutra, mas ainda respeitosa.

Eu poderia ser uma assassina, mas Fletcher me ensinara que a discrição era a melhor parte da bravura, e Elliot Slater poderia estalar meu pescoço com uma mão se ele quisesse. E ele simplesmente poderia, desde que eu estava me passando por uma garçonete anônima. Sem dúvida, Dawson e seus convidados iriam rir com essa demonstração casual e brutal da força do gigante. Eles precisariam, porque Slater poderia facilmente virar sua ira para eles.

Slater pegou uma taça de champanhe da bandeja de prata que eu agora cuidadosamente, educadamente estendia para ele. — Assim está melhor — ele retrucou.

Ele bebeu aquela taça de champanhe e mais três em rápida sucessão. Todo o tempo, ele olhou para mim, seu olhar frio percorrendo meu corpo, do meu rabo de cavalo para os meus seios, as minhas pernas e novamente. Aparentemente, ele não ficou muito impressionado com o que viu, porque ele bufou, pegou uma taça de champanhe e me enxotou com um aceno de mão. O movimento de desprezo fez o diamante em seu dedo mindinho faiscar e brilhar embaixo das luzes.

Agarrei minha bandeja um pouco mais forte, mas me obriguei a sorrir educadamente, suavemente, e acenei para ele antes de me virar. Levou mais esforço ainda caminhar lenta e controladamente, como se eu não estivesse preocupada com o fato de que um gigante cruel estava olhando para minha bunda, avaliando tão friamente quanto ele fizera com o resto de mim. Animais como Slater eram atraídos pelo medo mais do que qualquer outra coisa.

Mas ele não era o único a me observar – Fletcher também estava.

Ele estava com outros quatro chefs ao longo da parede da frente da sala de jantar. Aparentemente, Dawson pensou que seria divertido deixar seus convidados verem a comida sendo preparada, apesar de estarem todos ocupados demais se embriagando para sequer olhar os chefs enquanto fatiavam montes de legumes, preparavam molhos cremosos e flambavam várias iguarias.

O jantar não começaria por mais quarenta e cinco minutos, então os convidados se aproximavam, riam, conversavam, avaliavam seus rivais e conspiraram contra todos à vista.

Incluindo Cesar Vaughn.

Ele estava em um canto, conversando com uma mulher mais velha que usava vários fios de pérolas que Jo-Jo teria admirado. Vaughn era uma figura ainda mais imponente e impressionante em pessoa. Alto, elegante, forte, bonito. Mas havia uma... Aspereza nele, uma que seu terno caro não conseguia esconder. Eu podia facilmente imaginá-lo balançando um martelo, empunhando uma pá ou carregando sacos de suprimentos, exatamente como nas fotos que Fletcher me mostrara. E parecia que Vaughn preferia estar fazendo qualquer uma dessas coisas agora, a julgar por seus muitos olhares para o relógio e a maneira como a mão dele continuava indo até a gravata azul e arrumando o tecido, como se achasse o nó desconfortável.

Bem, isso fez com que nós dois ficássemos pouco à vontade, já que eu preferiria tê-lo matado agora. Se eu achasse que poderia ter me safado, teria atraído Vaughn para algum canto escuro e o estrangulado com sua própria gravata. Sem confusão, sem problemas, sem sangue nas minhas roupas. Eu tinha chegado ao ponto de propor a ideia para Fletcher no caminho até aqui, mas ele recusou do jeito que eu sabia que ele faria. Até eu admitiria que não era o plano mais inteligente, mas matar Vaughn da maneira mais rápida possível tinha o seu apelo.

Nosso alvo estava na lista de convidados de Dawson porque ele havia feito algum trabalho nos prédios das minas de carvão do anão, e também em sua mansão, e era a razão pela qual Fletcher e eu estávamos aqui. Fletcher queria checar a segurança de Vaughn – ou a falta dela – pessoalmente antes de passarmos para a próxima fase do trabalho.

Ao contrário de alguns dos outros figurões, Vaughn não trouxe nenhum guarda-costas. De fato, de acordo com o que Fletcher conseguiu descobrir, exceto por alguns guardas em sua empresa e um par mais que servia como motorista, Vaughn não empregava quaisquer outros gigantes especificamente para protegê-lo.

Mas pensando bem, ele não precisava, tendo em conta a sua magia de Pedra.

Ainda distribuindo taças de champanhe, eu manobrei através da multidão e fui até o canto da sala onde estava Vaughn, até que eu estivesse perto o suficiente para sentir a magia emanando dele. Os Elementais de Pedra eram muito raros, mas Vaughn tinha o traço elemental mais comum, o de constantemente emitir ondas invisíveis de magia, mesmo quando não estava usando seu poder. No caso dele, uma sensação de solidez continuamente ondulava em seu corpo, como se seus músculos e ossos estivessem envoltos em cimento, em vez de apenas pele, e sua mão se estilhaçaria caso você tentasse socá-lo no queixo.

Além de Vaughn abusar de Charlotte, a magia era a outra coisa mais preocupante nele e a que poderia ser mais perigosa quando eu finalmente fosse matá-lo. Vaughn não era o Elemental mais forte que eu já encontrei, mas aparentava ter uma quantidade decente de poder, mais do que suficiente para fazer alguém pensar duas vezes sobre mexer com ele. Eu teria que derrubá-lo rapidamente quando tivermos nosso inevitável confronto...

O telefone de Vaughn tocou. Ele tirou o aparelho do paletó, olhou para a tela e franziu a testa. Depois, ele guardou o telefone, pediu licença à mulher com quem estava conversando e saiu da sala. Eu me perguntava o que poderia ser tão importante que fez Vaughn deixar a festa. Bem, eu ia descobrir.

Olhei para Fletcher, que estava preparando um molho de framboesa para cobrir o suflê de chocolate amargo que ele havia preparado antes. Inclinei minha cabeça para a figura em retirada de Vaughn, e Fletcher deu um pequeno aceno, dizendo-me para prosseguir. Ele sabia tão bem quanto eu que qualquer informação que se reunisse sobre Vaughn poderia ser útil para planejar sua morte.

Eu me movi no meio da multidão, distribuindo taças de champanhe. Elliot Slater já havia diminuído a maior parte do meu estoque, então não demorou muito. Quando minha bandeja estava vazia, dirigi-me para as portas duplas abertas, como se fosse à cozinha para reabastecer meu estoque de espumante. Eu poderia fazer isso... Eventualmente. Mas agora, eu estava muito mais interessada no que Vaughn estava fazendo.

Olhei em volta para ter certeza de que ninguém me observava, então saí da sala de jantar e segui meu alvo.

 

* * *

 

César Vaughn atravessou os corredores da mansão de Tobias Dawson como se fosse a sua. Seus passos eram longos e decididos, indicando que ele sabia exatamente para onde ia. Eu me perguntei com quem ele estaria se encontrando. Um parceiro de negócios para negociar um acordo secreto? Um rival que ele queria mandar ficar afastado de um projeto em potencial? Uma amante secreta? Poderia ser qualquer um.

Vaughn dobrou uma esquina e desapareceu de vista. Eu corri atrás dele...

— Ei! Aonde você pensa que vai?

Eu me virei com o som da voz atrás de mim.

Uma mulher vestida com as mesmas roupas de smoking que eu caminhava pelo corredor em minha direção. Ela tinha uma prancheta em uma das mãos enquanto um fone de ouvido se curvava em sua cabeça como uma coroa de plástico, tentando sem sucesso achatar seus cachos negros encaracolados. Meredith Ruiz, a organizadora de eventos para o jantar de hoje e muitos outros que eu tinha trabalhado. Ela parou na minha frente e endireitou-se para a sua altura total, que era alguns centímetros a mais de um metro e meio, já que ela era uma anã.

— Onde você pensa que vai? — estalou Meredith.

Dei a ela o meu melhor, mais inocente, e o sorriso mais sem noção e levantei minha bandeja vazia como um escudo na minha frente. Pena que o metal não me protegeria da ira dela. — Eu ia para a cozinha pegar mais champanhe. Multidão com sede hoje à noite.

Seus olhos castanhos se estreitaram, me avaliando, mas continuei sorrindo para ela, como se eu não estivesse fazendo nada de errado, em vez de estar fazendo nada de bom.

— Bem, a cozinha é do outro lado — disse Meredith. — Vamos. Eu te levarei lá.

Eu olhei por cima do meu ombro, mas Vaughn já havia ido embora. Mordi uma maldição. Claro que ele foi. Mas isso era apenas a sorte. Uma amante caprichosa na melhor das hipóteses, alguém que lhe daria uma folga de vez enquanto, mas que na maioria das vezes apenas te ferrava repetidamente. Minha má sorte era uma das coisas mais frustrantes sobre ser uma assassina. Porque não importava quantas vezes eu revisasse o arquivo de alguém, não importava o quanto planejasse, não importava quão cuidadosa eu fosse, algo inevitavelmente surgia e interrompia meus planos. Como uma organizadora de eventos intrometida aparecendo exatamente no momento errado.

— Vamos — disse Meredith, gesticulando com a mão. — Por aqui. Vamos.

— Qual é a pressa? — perguntei, ainda me fingindo de idiota e inocente.

Ela bufou. — Você teve a ideia certa de conseguir mais champanhe. Acredite em mim quando digo que você não quer que essas pessoas estejam com sede... Ou sóbrias.

Ela apertou a mão no meu braço e começou a me arrastar pelo corredor. Uma coisa fácil para ela, dada sua força de anã. Minhas mãos apertaram ao redor da minha bandeja, e considerei bater na cabeça dela com ela. Mas o metal frágil não faria nem um aranhão em seu crânio espesso. Além disso, ela não era o meu alvo, e danos colaterais eram algo que Fletcher havia me ensinado a evitar a qualquer custo.

— Algo errado? — perguntou Meredith.

Não havia nada que eu pudesse fazer. Não sem despertar ainda mais suas suspeitas, então balancei a cabeça e deixei que ela me arrastasse pelo corredor na direção oposta de Vaughn.

 

* * *

 

Meredith me levou para o outro lado da mansão, onde ficava a cozinha. Isso já era ruim o suficiente, mas eu também assisti enquanto um dos sommeliers servia vários copos de champanhe e os arrumava na minha bandeja.

— Você leva isso direto para a sala de jantar — ela falou quando o sommelier terminou. — E nem pense em roubar um copo para você. Você está aqui para trabalhar. Não beber.

— Sim, senhora — eu disse, agarrando a bandeja e correndo para longe dela.

A coisa toda levou apenas cinco minutos, mas isso foi tempo suficiente para eu perder completamente a trilha de Vaughn. Voltei para o local onde eu o vi pela última vez e olhei para cima e para baixo no corredor, que estava vazio. Eu segurei outra maldição. Para onde ele foi?

Controlei minha raiva e pensei nas plantas baixas da mansão de Dawson que Fletcher e eu revisamos hoje mais cedo. Vaughn estava descendo este corredor em direção à ala oeste. Se ele estava se unindo a uma amante, havia muitos quartos, áreas de estar e outros cantos escondidos onde um casal de amantes podia se encontrar e se deitar e rolar um com o outro. Mas Vaughn não me pareceu o tipo de cara que se afastava e se envolvia em uma rapidinha, especialmente não em um jantar de negócios. Ele era muito sólido, muito sensato para esse tipo de coisa. Então, com quem poderia estar se encontrando e para onde iriam? Deveria ser algo importante, algo sério, para ele sair da festa de Dawson.

A biblioteca, eu pensei. Esse era o único cômodo nessa parte da mansão onde as pessoas poderiam ter uma conversa tranquila quando queriam passar despercebidos por todos os outros.

Então eu segui naquela direção, com o cuidado de me manter fora da vista dos gigantes vagando pelos corredores. Como Vaughn, Tobias Dawson não tinha muitos guardas, mas eu não queria que alguém me visse e me perguntasse o que eu estava fazendo tão longe da sala de jantar – ou, pior, pedisse apoio.

Cheguei à biblioteca sem problemas, apesar de ter sido confrontada com um no segundo que cheguei: as portas duplas estavam fechadas.

Lentamente, cuidadosamente, silenciosamente tentei as maçanetas de latão, que tinham a forma de cabeças de bisão, mas ambas as portas estavam trancadas por dentro. Murmúrios leves soaram do outro lado da madeira pesada, e eu estava disposta a apostar que pelo menos uma das pessoas ali era Vaughn. Eu queria ver o que ele fazia, mas eu não poderia simplesmente entrar. Mesmo que as portas não estivessem trancadas, a minha atuação de garçonete confusa não daria certo aqui, e isso seria uma passagem para ser morta.

Sim, minha má sorte estava em pleno vigor, e ela estava sendo uma verdadeira vadia esta noite.

Fiquei ali, furiosa por alguns segundos, antes de me forçar a diminuir minha frustração. Pensei nas plantas da mansão novamente. Mas eu não me lembrava de haver qualquer outra entrada para a biblioteca, embora houvesse várias janelas no fundo da sala...

Um sorriso curvou meus lábios. Janelas. Claro.

Ainda carregando minha bandeja de champanhe, afastei-me das portas e corri para o corredor que ficava paralelo à biblioteca. Uma grande janela estava no final do corredor. Perfeito.

Coloquei minha bandeja no chão, atrás de uma mesa que tinha a forma de um barril gigante, esperando que ninguém a notasse escondida nas sombras. Então abri a janela e coloquei a cabeça para fora.

A sala de jantar e a biblioteca ficavam no terceiro andar, mas, pela primeira vez, tive sorte, porque o corrimão corria sob a janela e continuava em toda a extensão da mansão. Calculei a distância desta janela para o próximo conjunto, os da biblioteca.

Parecia estar a uns quatro metros das janelas e a quatro metros do chão. Uma distância preocupante. Se eu escorregasse e caísse, talvez não tivesse tempo suficiente para alcançar a minha magia de Pedra para endurecer minha pele antes de atingir o chão. Se isso acontecesse, eu quebraria pelo menos alguns ossos, se não meu pescoço. E gemer de dor seria uma maneira rápida de ser notada – e provavelmente executada – pelos guardas de Dawson.

Fletcher provavelmente teria me dito para fechar a janela, voltar para a sala de jantar e misturar-me com o resto dos garçons. Que essa era uma ideia arriscada na melhor das hipóteses, e fatal na pior delas. Mas valia a pena o perigo para ver com quem Vaughn estava conversando. Além disso, pelo menos assim eu me sentia como se estivesse realmente fazendo algo para ajudar Charlotte, em vez de apenas ficar de pé, girando os dedos e observando Vaughn.

Então eu me levantei e saí pela janela.

Segurando-me no peitoril, raspei minhas botas na pedra até meus dedos dos pés tocarem a borda, que ficava cerca de um metro abaixo da janela. Eu me movi para a esquerda por alguns centímetros e depois para a direita, cuidadosamente testando meu equilíbrio. A borda era fina, não tinha mais de cinco centímetros de largura, e era mais uma bonita decoração do que qualquer outra coisa, mas era resistente o suficiente para suportar meu peso. Então, eu pressionei meu corpo contra a parede, soltei o peitoril e comecei a andar na ponta dos pés em direção ao meu destino.

Foi difícil andar na lateral da mansão, especialmente porque meus dedos não tinham nada para segurar, exceto na pedra. Mas decidi não usar minha magia de Pedra para me ajudar a segurar. Vaughn poderia sentir isso através das grossas paredes, e eu não queria dar a ele nenhuma pista de que eu o observava.

Metro por metro, centímetro por centímetro, eu me aproximei das janelas da biblioteca, pressionado os meus dedos sobre a pedra e os pés ao longo da borda. Já passava das oito horas agora. Uma tempestade soprava do oeste, e o vento quente do verão chicoteava e uivava ao meu redor, enquanto clarões irregulares de raios dançavam pelo céu escuro. Tive uma imagem repentina de uma bifurcação branca descendo das grossas nuvens azuis acinzentadas e me fritando no local, sem deixar nada além do contorno preto e fumegante do meu corpo na parede, como um personagem de desenho animado.

Fiz uma careta. Talvez este não fosse um plano tão brilhante quanto eu pensava. Mas eu estava mais do que na metade do caminho, então continuei.

Finalmente, cheguei às janelas da biblioteca. Mais uma vez, fiquei surpresa com a sorte das janelas estarem abertas, provavelmente para deixar algum ar frio da tempestade que se aproximava invadir a sala. Coloquei meus braços sobre uma das venezianas pretas para que pudesse me segurar melhor e tirar um pouco da pressão das minhas pernas. Quando me senti firme o suficiente, espiei pela borda da veneziana na janela.

A biblioteca tinha o mesmo estilo rústico do resto da mansão, com muitos barris, cabeças de bisão e chifres decorando tudo, das mesas às cadeiras até as luminárias no teto. Se eu não soubesse melhor, teria pensado que Dawson era um cowboy em vez de um mineiro. Como esperado, prateleiras cheias de livros de capa dura e couro estavam alinhadas em duas paredes, mas minha atenção foi atraída para o centro da sala, onde Vaughn estava em frente a uma mesa de madeira e latão ornamentada.

Eu não esperava que Vaughn estivesse sozinho, mas fiquei levemente surpresa ao ver seu filho, Sebastian, de pé ao lado dele. O nome de Sebastian estava na lista de convidados, mas não o vi na sala de jantar. Talvez ele tivesse vindo direto até aqui em vez de parar para tomar uma bebida.

De qualquer forma, os Vaughns pareciam enfrentar um pelotão de fuzilamento. Ambos estavam eretos até a altura de quase dois metros, os corpos rígidos e tensos, os olhos cautelosos fixos em alguém sentado na cadeira de couro verde-escuro atrás da mesa.

Tobias Dawson estava sentado em um sofá de um lado da sala, junto com Elliot Slater. Eles devem ter saído da sala de jantar quando eu fiz meu desvio forçado para a cozinha. Os dois homens pareciam muito mais tranquilos do que os Vaughns.

— Você pode imaginar minha preocupação — saiu uma voz baixa e feminina pelas fendas da janela.

Vaughn mexeu as mãos algumas vezes antes de perceber o que estava fazendo. Suas mãos pararam, e ele juntou os dedos para evitar repetir o movimento nervoso e preocupado. Os olhos escuros de Sebastian voaram para o pai, mas essa foi a sua única reação.

— Eu entendo sua preocupação — disse Vaughn, sua voz mais forte do que eu pensava que seria dada sua óbvia apreensão. — Mas, como já disse várias vezes, não faço ideia do que aconteceu. Eu verifiquei uma dúzia de vezes – os materiais, o histórico de trabalho, até mesmo a equipe que fez o trabalho – e não consigo encontrar nada de errado. Nem um única coisa. Não sei por que esse terraço desabou.

Meus olhos se estreitaram. Eles estavam falando sobre o acidente no restaurante, o que matou e feriu tantas pessoas. A razão mais provável para alguém querer matar Vaughn.

— Realmente importa o motivo? — perguntou a mulher.

Vaughn lhe deu um olhar indefeso.

— Claro que não — ela respondeu sua própria pergunta —, tudo o que importa é que aconteceu. E agora precisamos encontrar alguém para culpar.

Por um momento, Vaughn olhou para o filho, mas ninguém pareceu notar. Se Vaughn fosse capaz de abusar de sua própria filha, eu não tinha dúvida de que ele jogaria Sebastian para os lobos à sua frente, a fim de salvar sua própria pele.

Então ele também era um covarde. Outra coisa que me fez querer matá-lo.

Um farfalhar de seda soou, e a mulher na cadeira levantou graciosamente. Ela usava um vestido verde-escuro que se agarrava às curvas em todos os lugares certos, e um pouco de ouro brilhava em volta de seu pescoço.

Vaughn e Sebastian engoliram em seco, como se estivessem com medo de que a mulher estalasse os dedos e os matasse imediatamente. Eu me perguntei de quem eles poderiam ter mais medo do que Slater, mas consegui minha resposta um momento depois. A mulher virou para as janelas, e finalmente dei uma boa olhada no rosto dela.

O cabelo acobreado estava preso em um coque perfeito, a cor brilhante contrastando com a escuridão absoluta de seus olhos. Sua pele era clara e luminosa, pontilhada aqui e ali com leves sardas acima do seu generoso decote. Mas meu olhar se fixou no colar ao redor da sua garganta: dúzias de raios dourados e ondulados com um grande rubi no meio do desenho. Eu o reconheci – e ela – imediatamente.

Um raio de sol, o símbolo do fogo, a runa pessoal de Mab Monroe.


Capítulo 5

 

Mab fez uma pausa, quase como se estivesse posando, para que todos na sala pudessem dar uma boa olhada nela em toda a sua glória. Então ela fez a pior coisa possível.

Ela caminhou em direção às janelas.

Mab se aproximou mais e mais do vidro, seu vestido verde ondulando como água ao redor dela, o tecido girando para longe e então se acomodando contra seu corpo, cada dobra perfeitamente no lugar uma vez mais. Ela caminhou devagar, com cuidado, deliberadamente, como se cada passo fosse para debater sobre alguma coisa – provavelmente sobre se Cesar e Sebastian viveriam ou morreriam.

E eu também, se ela me visse.

Eu congelei, mal ousando respirar, mas Mab continuou vindo e vindo, indo direto para as janelas – e para mim. Mais cinco passos e ela me veria pendurada na veneziana. Não era mais uma questão de se ela me notasse, mas quando. Quatro passos... Três... Dois... Um...

Mab parou.

Ela apertou as mãos atrás das costas e olhou diretamente para fora através do vidro, seus olhos negros percorrendo as sinistras nuvens e os relâmpagos que ainda estavam crepitando à distância.

Permaneci exatamente onde estava, pendurada na veneziana, meus pés empoleirados na borda abaixo das janelas, sem mexer um único músculo, não querendo fazer nada que pudesse chamar sua atenção. Eu não teria sequer respirado se fosse possível.

Porque se Mab me notasse, se ela percebesse que eu estava escutando, ela levantaria as mãos e me incineraria com sua magia de Fogo. Todos sabiam que Mab era a pessoa mais poderosa de Ashland. Alguns até disseram que ela era a Elemental mais forte nascida nos últimos quinhentos anos. Eu poderia ter zombado dos rumores antes, mas não agora – porque eu podia sentir exatamente quão poderosa ela realmente era.

Minha magia era autocontida, de modo que outro Elemental não podia sentir que eu tinha qualquer poder, a menos que eu estivesse ativamente usando-o de alguma forma, como fazer uma faca de gelo ou quebrar um pouco de rocha. Mas outros, como Vaughn, emanavam magia continuamente, como o calor que ondulava pela calçada em um dia de verão, mesmo quando eles não estavam fazendo nada mais árduo do que piscar.

E Mab também.

A sensação quente e pulsante de seu poder explodiu através do vidro e da pedra que nos separava, como se eu tivesse colocado meu rosto em um forno. Dezenas de pequenas e invisíveis agulhas perfuraram minha pele, cada uma deixando uma pontada de dor, e a sensação só se intensificou quanto mais tempo ela olhava pelas janelas. Minha respiração veio em rajadas curtas, e o suor escorria pelo meu rosto, fluindo em meus olhos. Mordi o lábio contra a dor quente e fantasma e concentrei-me em manter o aperto na veneziana e na borda, o que era duplamente difícil agora, quando tudo o que eu queria era soltar, apenas para me afastar da sensação horrível de sua magia passando sobre mim.

Mab continuou olhando através do vidro, como se estivesse contemplando todos os segredos do universo. Tudo o que ela necessitava fazer era virar a cabeça alguns centímetros para a esquerda, e me veria. Mordi o lábio novamente, mas fiquei onde estava, sabendo que até mesmo o menor movimento poderia fazer seus olhos escuros olharem para mim – e significaria minha morte.

Passou um minuto, depois dois, depois três, e ainda assim, Mab ficou olhando através das janelas. Meus dedos se contorciam, minhas pernas tremiam, e meus músculos doíam por manter a mesma posição por tanto tempo, mas fiquei parada. Eu não tinha outra escolha.

No começo, eu me perguntei o que Mab poderia achar tão fascinante na tempestade que se aproximava, mas então eu percebi que era tudo apenas uma manobra para fazer Vaughn e Sebastian suarem. Também estava funcionando, a julgar pelo fino brilho da transpiração na testa de Vaughn. Eu me perguntei se ele poderia sentir sua magia de Fogo da mesma forma que eu, e percebia como ela poderia facilmente matá-lo com ela.

Finalmente, Mab se afastou da janela e voltou para os dois homens, levando a sensação quente e penetrante de sua magia com ela. Soltei um suspiro suave de alívio e lentamente soltei meus dedos de um lado ao outro, mudando o meu peso e tentando aliviar a sensação de queimação em meus músculos. Foram os cinco minutos mais longos da minha vida.

— Então os inspetores ainda não encontraram nada? — perguntou ela.

A cabeça de Vaughn balançou de um lado ao outro enquanto ele se apressava em tranquilizá-la. — Não, nada. Nada para indicar que o acidente foi outra coisa senão isso.

— Nada que você possa ser responsabilizado por ser o construtor? — perguntou Mab, sua voz rouca ficando ainda mais baixa.

Ele continuou balançando a cabeça. — Não, nada. Nada mesmo. Eu já te disse antes, e vou te dizer de novo, eu não sei o que aconteceu. Não sei o que deu errado. Se soubesse, eu diria a você. Eu diria a todos.

Mab o estudou, seus olhos negros absorvendo tudo, desde sua mandíbula cerrada e a postura rígida até o fato de que ele estava mexendo as mãos novamente. Sebastian, Dawson e Slater ficaram onde estavam, congelados como eu estivera há pouco minutos. Eles sabiam tão bem quanto eu que o destino de Cesar Vaughn estava pendurado por um fio, um que Mab poderia transformá-lo em cinzas se quisesse, bem aqui, agora mesmo.

— Bem, então — disse Mab. — Vou pedir a Jonah que investigue as coisas para ter certeza de que você não terá culpa nisso. Mas se as coisas piorarem, talvez eu tenha que seguir com meu plano original de romper com a Vaughn Construções. E você sabe o que isso significaria.

Vaughn não conseguiu esconder o estremecimento que ondulou por seu corpo. — Claro. Eu entendo.

Sim, todos nós sabíamos exatamente o que Mab queria dizer – que Vaughn seria o único a sofrer caso acontecesse alguma coisa que a desagradasse, o mínimo que fosse.

Fletcher não precisava de mim para matar Vaughn. Nem quem nos contratou. Mab provavelmente cuidaria ela mesma de Vaughn em alguns dias, talvez semanas, se ele tivesse sorte.

— Estou feliz que nos entendemos. — Mab sorriu para ele, mas o único calor em seu rosto era a magia de Fogo queimando em seus olhos, fazendo-os parecer tão escuros e quentes quanto dois carvões fumegantes. — Pelo seu bem, espero que os inspetores de construção continuem considerando-o... Inocente.

Vaughn empalideceu, sua pele bronzeada assumindo um tom pálido e amarelado, mas ele lentamente endireitou os ombros e deu-lhe um aceno respeitoso.

Com seu aviso entregue, Mab passou por Vaughn, destrancou as portas, abriu-as e saiu da biblioteca, com Dawson e Slater seguindo-a.

 

* * *

 

Vaughn e Sebastian olharam para as portas abertas. Então Vaughn tropeçou e agarrou as costas da cadeira, se apoiando nela. Ele tirou um lenço de seda branco do bolso do paletó e limpou o suor da testa. Mas ele era feito de coisas mais duras do que eu pensava, porque guardou o pedaço de seda úmido e se endireitou novamente.

— Bem, isso aconteceu tão bem quanto se poderia esperar — resmungou. — Suponho que eu deveria estar grato por que ela não usar sua magia de Fogo em mim para realmente fazer o ponto dela.

— Bem, há esse pequeno favor — falou Sebastian.

Vaughn olhou para o filho, como se ele estivesse surpreso com seu sarcasmo, mas não respondeu. Em vez disso, ele andou de um lado ao outro antes de se afastar da mesa e ir até as janelas, aproximando-se ainda mais do vidro do que Mab.

Fiz uma careta e agarrei a persiana e a borda com mais força, tentando me pressionar ainda mais contra a parede para que ele não olhasse para a esquerda e me visse pendurada ao lado dele. O que era isso de todo mundo vir olhar mal humorado a janela hoje à noite? Você acharia que eles nunca tinha visto o ar livre antes.

Sebastian se aproximou e colocou a mão no ombro de seu pai.

— Precisa parar, papai — disse Sebastian, sua voz mais gentil do que antes. — Você precisa parar de se culpar pelo que aconteceu naquele restaurante. Você não fez nada de errado. Quando os inspetores divulgarem o relatório e confirmarem isso, todos os outros também perceberão. Foi apenas um acidente, apenas uma ocorrência estranha, nada mais. Não há ninguém para culpar, nada que você poderia ter feito para impedir isso, e nada que você possa fazer agora.

Suas palavras apaixonadas mostraram sua lealdade ao pai, mesmo que Vaughn não merecesse. Eu me perguntei se Sebastian sabia o que seu pai estava fazendo com Charlotte, como Cesar a machucava sempre que algo o incomodava. Eu me perguntei o que ele pensaria de seu amado papai então.

Vaughn afastou a mão do filho. — Vamos ver o que os inspetores encontram. Até lá, não estou descartando nenhuma possibilidade. Talvez um lote ruim de materiais tenha se misturado com o que eu pedi, afinal. Ainda pode ser minha culpa, eu sabendo ou não. Todas essas pessoas, as famílias... A perda, a dor, ou sofrimento deles... Ainda pode ser por minha causa.

O tom triste, ferido e derrotado na voz de Vaughn fez-me franzir a testa. Ele parecia genuinamente chateado com todas as mortes e ferimentos resultantes do colapso do terraço. Não como eu teria esperado que ele se sentisse, mas talvez a culpa finalmente tivesse subjugado sua ganância, se ele tivesse, de fato, feito cortes no trabalho. Mas isso não importava muito. Minha tarefa era matá-lo, não especular sobre quem o queria morto.

Vaughn se afastou das janelas. — De qualquer forma, devo voltar ao jantar. Não quero que os outros pensem que algo está errado.

— Oh, não — falou Sebastian novamente —, nós não queremos isso.

Cesar deu a seu filho outro olhar estranho, em seguida, saiu da biblioteca. Sebastian o seguiu, embora andasse muito mais devagar.

Como não havia mais nada para eu fazer ou ver aqui, eu soltei a persiana, agarrei a pedra com meus dedos novamente, e voltei na direção da qual eu originalmente vim.

A subida de volta foi muito mais rápida, e passei pela abertura da janela, sem problemas. Poeira e sujeira da pedra se espalharam em meu colete branco de smoking e calças pretas, e limpei o melhor que pude, esperando que ninguém notasse as manchas suaves ou os pequenos arranhões na seda branca de onde pedaços de rocha rasparam no material fino. Também tirei minha camisa e usei as pontas para limpar o suor do meu rosto antes de voltar a enfiar o tecido na minha calça.

Quando eu estava mais ou menos apresentável, eu fui em direção ao final do corredor. Eu andei três metros antes de perceber que esqueci a coisa mais importante: a bandeja de champanhe, com a qual eu deveria estar circulando pela sala de jantar vinte minutos atrás.

Resmunguei, me virei e peguei a bandeja de onde eu coloquei no chão. Eu a ergui em posição na curva do meu cotovelo e corri pelo corredor em direção ao corredor principal. Estava prestes a virar a esquina quando alguém apareceu à minha frente.

Sebastian Vaughn.


Capítulo 6

 

Sebastian parou, surpreso em me ver, assim como eu. Ele deve ter demorado na biblioteca mais do que eu pensava.

Ficamos nos encarando por alguns segundos antes de eu finalmente conseguir fazer a coisa apropriada e estender a bandeja para ele.

— Champanhe, senhor?

Sebastian piscou, como se minha oferta de uma bebida fosse algo surpreendente, mas pegou um copo de espumante. Bem, na verdade, não era tão borbulhante agora como quando foi servido na cozinha, mas eu esperava que ele não notasse – ou se perguntasse o que eu estava fazendo aqui.

— Obrigado — murmurou.

Assenti e dei um passo para o lado, pronta para sair.

Ele falou de novo. — Diga-me, o que você está fazendo nesta parte da mansão? Achei que todos já estariam na sala de jantar.

Minhas mãos apertaram em torno da bandeja. Não tinha essa sorte. Claro que não.

Eu não poderia dizer a verdade, então fiz a minha melhor expressão envergonhada. — Eu, ah, tive uma pequena reviravolta indo da cozinha para a sala de jantar. Todos esses corredores são parecidos, especialmente com os laços, armas e assustadoras cabeças de animais.

Fiz um gesto para a cabeça de um touro pendurada na parede e soltei um arrepio exagerado, como se a visão me assustasse até a morte. Na verdade, senti pena do pobre bicho. Que triste, triste destino, indo de vagar com seu rebanho para ser empalhado e exposto na casa de algum homem rico.

Sebastian franziu a testa, como se não acreditasse em minha história, então dei o meu melhor sorriso, acenei e comecei a passar por ele. — De qualquer forma, eu realmente preciso voltar. Não gostaria de ser demitida apenas por me perder. Então, por favor, desculpe-me, senhor...

Um sorriso apareceu no rosto dele. — Não me chame de senhor. Não posso ser muito mais velho do que você.

Eu não sabia o que dizer, e especialmente eu não tinha certeza do que fazer com a franqueza dele, avaliando a maneira que ele estava olhando para mim, quase como se estivesse... Intrigado comigo. Mas isso não poderia estar certo. Eu trabalhei em dezenas de jantares e encontrei mais caras como Sebastian Vaughn do que eu gostaria de lembrar. A única coisa que a maioria deles estava interessada era em quanta bebida eu poderia lhes servir, com que rapidez, e se eu estava disposta a deixá-los me foderem em algum canto escuro para ajudar a passar o tempo.

A resposta para essa última pergunta era sempre um alto e retumbante não. A maioria dos caras encolhia os ombros e passava para a próxima garçonete, mas havia alguns que não queriam aceitar um não como resposta. Mas eles também perceberam que a borda quebrada de uma taça de champanhe era uma excelente arma e que talvez não devessem foder com a garçonete, afinal, porque ela poderia acabar com eles.

Mas Sebastian continuou olhando para mim, seu interesse crescendo em vez de diminuir, então eu tentei descobrir o tipo de jogo que ele estava jogando. Eu pensava antes que ele se assemelhava a uma versão mais jovem de seu pai, com seus cabelos negros, pele bronzeada e olhos castanhos. Isso era verdade, mas as fotos no arquivo de Fletcher não faziam justiça a Sebastian. Nenhuma mera foto podia captar adequadamente a perfeição absoluta de suas feições, o nariz reto, a leve curva de seus lábios, o conjunto quadrado de sua mandíbula, as manchas suaves de âmbar em seu profundo e escuro olhar de mogno. Sem mencionar o jeito que seu terno cobria sua figura magra, insinuando todos os músculos suaves e flexíveis que jaziam debaixo do tecido.

Eu respirei, captando um cheiro de sua colônia, um perfume picante e inebriante com uma nota suave e doce que me fez pensar em rosas. De alguma forma, porém, a combinação floral só o fazia parecer mais masculino. Oh, sim, eu tinha achado Sebastian Vaughn bastante bonito nas fotos, e novamente quando o vi na biblioteca, mas em pessoa, face a face, ele era simplesmente... Deslumbrante.

Especialmente pela maneira como ele olhava para mim, com tanto interesse, como se eu fosse a pessoa mais importante de toda Ashland. Como uma assassina, eu estava acostumada a me misturar às sombras, desaparecendo na escuridão, ninguém me vendo até que fosse tarde demais – para ele. Era um pouco desconcertante ser o foco de tanta atenção, especialmente quando essa atenção veio em um pacote tão atraente. Mas também era meio lisonjeiro. Até mesmo divertido.

Ainda assim, eu tinha um trabalho a fazer – como garçonete, e de outra forma – e não podia me dar ao luxo de ficar longe da sala de jantar por mais tempo. Eu não queria receber uma bronca de Meredith, a organizadora de eventos, mas também não queria que Fletcher se preocupasse comigo. E ele se preocuparia. Ele sempre se preocupava, sobre tudo.

Então eu dei a Sebastian um sorriso brilhante e comecei a descer o corredor pela terceira vez. Mas ele me parou de novo, desta vez indo tão longe a ponto de entrar diretamente no meu caminho. Eu parei de repente, os copos em minha bandeja chacoalhando ameaçadoramente, mas consegui evitar derramar o champanhe, o que teria sido uma ofensa pior do que desaparecer da sala de jantar.

— Qual é o seu nome? — perguntou Sebastian, seu tom soando genuinamente curioso.

Eu deveria ter ficado irritada com ele, mas sua voz era tão perfeita quanto o resto dele; baixa e forte, com um tom profundo que ressoava através de cada uma de suas palavras. O tipo de voz que você poderia sentar e ouvir por horas.

Eu pensei bem, mas não vi mal em dizer a ele. Eu provavelmente nunca mais o veria depois desta noite. Além disso, duvidava que Sebastian carecesse de atenção feminina. Ele não era o tipo de cara que se lembraria de uma garçonete, nem mesmo uma perdida como eu. Eu era uma distração momentânea, uma leve curiosidade, algo para aliviar seu tédio por alguns minutos antes que voltasse ao jantar. Nada mais. Engraçado, no entanto, como essa fria realidade provocou uma ligeira pontada de saudade em meu coração, desejando sair das sombras, desejando ser algo mais.

— Gin — eu disse finalmente. — Meu nome é Gin.

— Jen?

— Não, Gin.

Ele franziu a testa. — Gen?

Balancei a cabeça. Eu tinha esse mesmo problema toda vez que eu dizia a alguém meu nome. Todos sempre pensavam que meu nome era diferente do que era. Frustrada, mudei de pé. O movimento fez algumas bolhas aparecerem no champanhe da minha bandeja. Um pensamento me surpreendeu.

— Gin — eu finalmente disse, inclinando a cabeça para os copos. — Meu nome é Gin, como o licor — hesitei. — Bem, não este licor, exatamente, mas você entende a ideia.

Seu rosto clareou. — Oh, isso faz sentido.

Bem, se eu soubesse que era assim tão fácil, eu teria começado a me apresentar assim para as pessoas anos atrás.

— Então, Gin — disse Sebastian, sua voz adquirindo uma nota leve e provocante —, o que uma garota bonita como você está fazendo trabalhando como garçonete? Você deveria estar bebendo champanhe em vez disso.

Ele ergueu o copo e brindou-me, dando-me uma piscadela maliciosa antes que seus lábios se voltassem para um pequeno sorriso conhecedor e devastador. Sério, ele praticamente exalava sex appeal, da mesma forma que Mab Monroe fizera com sua magia de Fogo, embora estar tão perto de Sebastian fosse muito mais agradável. Nem mesmo Finn era tão encantador, atraente... Ou confiante.

Por um momento, fiquei deslumbrada, sem palavras, mas depois afastei a ideia de conto de fadas, a ilusão de que ele poderia de alguma forma estar atraído por mim.

— Olha, você é bonitinho e tudo mais, mas não saio com caras que eu conheço no trabalho.

Seu sorriso se alargou, a expressão fazendo um pouco de calor ferver em minhas veias. — Bonitinho? Apenas bonitinho? Isso é tudo? Eu esperava por um lindo, no mínimo.

Apesar da minha exasperação, eu não pude deixar de retribuir o sorriso dele. — Ok, ok, você é bonito, sofisticado, lindo, mesmo. Feliz agora?

Ele arqueou uma sobrancelha. — Lindo? — Ele pensou nisso. — Sim, isso soa certo.

Meu sorriso diminuiu. — Egocêntrico também.

Com a maioria dos caras, isso teria terminado o flerte ali mesmo, mas não com Sebastian. O sorriso suave nunca escorregou de seu rosto, apesar do meu insulto afiado. Em vez disso, ele brindou com a taça novamente. Ele não recuou, o que me fez gostar mais dele.

— Linda e espirituosa — murmurou. — Eu aprovo. Mas minha pergunta anterior permanece. O que você está fazendo trabalhando como garçonete?

Dei de ombros. — É o que eu faço. Aqui, ali, em todo lugar.

— Oh. Você tem um trabalho diário também?

— Sim, em um restaurante no centro da cidade.

Uma coisa era dar a ele meu primeiro nome, mas isso era o máximo de informação que eu estava disposta a compartilhar. Fletcher sempre dizia que as melhores mentiras eram na maior parte verdades, e ser uma pobre garçonete trabalhadora se encaixava perfeitamente com a personagem que eu havia desenvolvido para esta noite. Além disso, eu sempre poderia ter a má sorte de encontrar com ele em outra festa. Na chance de que Sebastian se lembrasse de mim, tudo o que ele lembraria era de uma conversa vaga e ligeiramente sedutora que tivemos sobre eu ser uma garçonete. Nada pessoal e certamente nada importante.

Nada que lhe desse alguma pista sobre o que eu planejava fazer com o pai dele.

— Talvez eu possa ir ao seu restaurante algum dia — disse ele. — Levá-la para sair depois que seu turno acabar.

Eu bufei.

— O que?

Dei-lhe um olhar uniforme. — Garotos como você não saem com garotas como eu. Pelo menos, não por muito tempo.

— Quanto tempo não é muito?

Bufei novamente. — Só o suficiente para você conseguir o que quer antes de passar para a próxima garota. Você pode passar algumas semanas nos subúrbios ou mesmo em Southtown, se estiver se sentindo especialmente perigoso, mas caras como você sempre voltam para suas namoradas ricas de Northtown, mais cedo ou mais tarde. Além disso, você não iria querer arriscar chatear seu papai e fazê-lo cortar seu acesso ao seu fundo de investimento. Nenhuma garota vale isso, certo? — Quando terminei, minha voz estava pingando de veneno, desdém e sarcasmo.

Seus olhos brilhavam. — Bem, talvez eu seja uma exceção.

Dei de ombros. — Talvez. Mas isso não importa muito.

Sebastian se aproximou ainda mais de mim, sua voz caindo para um murmúrio baixo e rouco. — Não? Você não gostaria de descobrir? Porque eu certamente quero saber mais sobre você, Gin.

Eu deveria ter dado outra bufada zombeteira. Deveria ter feito alguns comentários ásperos e mordazes sobre sua abordagem pouco convincente. Deveria ter passado por ele e voltado para a sala de jantar sem outra palavra. Mas algo em seu intenso olhar me fez segurar minha língua, algo em seu lindo rosto me fez dar outra olhada nele, e algo em sua postura alta e forte me fez querer largar minha bandeja, correr minhas mãos sobre seus ombros e ver se seus músculos eram tão firmes quanto pareciam.

Sebastian deve ter sentido minha hesitação, porque ele estendeu a mão, puxando gentilmente a ponta do meu rabo de cavalo marrom escuro. — Sabe — disse ele, naquele mesmo tom rouco —, aposto que você ficaria ainda mais incrível com o cabelo solto.

— Certamente. Mas isso é algo que você nunca descobrirá.

Sebastian sorriu e apertou as mãos sobre o coração num falso exagero, como se eu o tivesse ferido mortalmente com minhas palavras. Se ao menos ele soubesse com que facilidade eu poderia fazer isso com uma das facas enfiadas em minhas mangas ele não estaria me dando tantos olhares ardentes. Não, ele teria suando, gritando e fugindo de mim o mais rápido que pudesse.

Claro, eu não estava exatamente sendo inteligente agora também. Deveria ter saído docilmente dessa conversa há muito tempo, e não ficar aqui trocando insultos zombeteiros e brincadeiras sedutoras com o filho do homem que eu planejava matar. Fletcher me ensinou melhor do que isso. Ele teria ficado horrorizado por muitas de suas regras que eu quebrara nos últimos cinco minutos: Não seja memorável. Não faça nada para atrair atenção para você. Não se envolva com inimigos ou alvos em potencial de qualquer forma.

Mas, por algum motivo, hoje à noite, eu não me importei com as regras do velho.

Talvez fosse o quão bonito Sebastian parecia com a luz brilhando em seu cabelo preto. Talvez fosse o modo como ele concentrava toda a sua atenção em mim. Ou talvez fosse o simples fato de que eu gostava de estar com alguém que realmente falava tão bem quanto ele. Mas eu estava falando com ele – muito mais do que eu deveria.

Outros garçons e garçonetes desfrutavam de flertes rápidos com os convidados nesses jantares o tempo todo. Hoje, pela primeira vez, eu queria meus próprios sete minutos do céu, e demorei mais do que deveria em reprimir essa sensação selvagem e imprudente que Sebastian agitou em mim.

Ele deu outro puxão no meu rabo de cavalo. — Não sei, Gin — murmurou ele novamente, seu olhar escuro encontrando o meu. — Eu posso ser muito persuasivo quando coloco minha mente nisso.

E eu poderia ser muito perigosa, embora não tenha dito isso a ele. Em vez disso, apertei mais a minha bandeja.

— Tenho certeza que você pode ser... Com outra garota. Agora eu preciso voltar ao trabalho. Por favor, me dê licença.

Desta vez, finalmente passei por ele, tomando cuidado para não derramar o champanhe. Caminhei pelo corredor o mais rápido que pude sem sacudir as delicadas taças. Todo o tempo, porém, eu estava ciente de Sebastian atrás de mim, e quase parecia que eu podia sentir seus olhos em mim, acompanhando o balanço suave dos meus quadris. Mais calor brotou em minhas veias ao pensar nele me observando.

— Você mudará de ideia sobre mim, Gin — gritou ele. — Eu vou ao seu restaurante e te buscarei uma noite. Conte com isso.

Cheguei ao final do corredor. O mais inteligente seria continuar andando, mas parei e me virei para encará-lo. — Eu nunca conto com nada. Especialmente com promessas de caras ricos e bonitinhos.

Ele sorriu. — Não é só bonitinho. Lindo, lembra?

Oh, sim. Sebastian Vaughn era muito bonito e muito arrogante para seu próprio bem. Ainda assim, encontrei-me sorrindo para ele antes de sacudir a cabeça e virar rapidamente no corredor.

 

* * *

 

Voltei à sala de jantar sem esbarrar em mais ninguém, incluindo Meredith, a organizadora do evento. O coquetel da noite havia chegado ao fim enquanto eu conversava com Sebastian, e tive que me apressar para onde os chefs estavam preparados para que eu pudesse entrar em linha com os outros garçons.

Sebastian entrou na sala um minuto depois. Seu olhar me encontrou e ele me deu outro sorriso arrogante. Algumas das outras garçonetes me deram olhares azedos, sem dúvida pensando que eu havia saído para foder com um dos convidados em vez de fazer meu trabalho, e com ciúmes de que tinha sido com alguém tão importante quanto Sebastian. Eu ignorei seus olhares mesquinhos e suas fungadas desaprovadoras. Deixe-as pensar o que quisessem. Não me importava nem um pouco.

Mas havia uma opinião de uma pessoa com a qual eu me importava – a de Fletcher – e a tensão em seu rosto me dizia que ele não estava muito feliz comigo. Ele apontou o dedo indicador para mim e depois o jogou para a direita. Suspirei, sabendo que eu provavelmente ouviria um sermão, mas o segui até o fim da linha de serviço, fora do alcance dos outros chefs e garçons.

— Onde você estava? — perguntou ele, tirando as taças de champanhe da minha bandeja e substituindo-as por cestos de pão quente com manteiga. — Eu estava ficando preocupado.

— Reconhecimento — murmurei. — Vaughn escapou para ter uma reunião secreta com Mab Monroe na biblioteca.

Eu olhei ao redor, mas não vi Mab na sala de jantar, embora Dawson e Slater tivessem voltado e tomado lugares na cabeceira da mesa. Eu me perguntei se a Elemental de Fogo saíra assim que entregou suas ameaças a Vaughn. Enquanto Fletcher empilhava cestas de pão na minha bandeja, eu rapidamente e silenciosamente disse a ele tudo o que Mab havia dito para Vaughn e todas as promessas que ele fizera a ela em troca. Fletcher gostaria de saber, e eu esperava que a informação cortasse qualquer potencial sermão antes de começar.

— Você acha que Mab está por trás da contratação para matar Vaughn, afinal? — perguntei quando terminei.

Fletcher colocou uma última cesta de pão na minha bandeja. — Não sei. Eu não descartaria isso, mas ela prefere fazer esse tipo de trabalho sujo sozinha. Ela gosta da mensagem que envia para todos os seus inimigos sobre quão poderosa ela é. Além disso, se ela realmente quisesse Vaughn morto, poderia ter usado a magia dela, o matado na biblioteca, e feito Slater e Dawson descartarem os restos carbonizados. Vou ver se consigo encontrar mais informações sobre quem quer Vaughn morto. Agora, vá. Você pode contar o resto disto no caminho para casa.

— O resto de quê?

Ele arqueou as sobrancelhas. — Como por que Sebastian Vaughn está olhando para você como se você fizesse parte do menu de jantar.

Eu deveria saber que não poderia esconder nada de Fletcher. Ele poderia ser irritantemente perceptivo vezes. E também que não deveria olhar por cima do meu ombro, mas eu fiz isso, de qualquer maneira. Sebastian estava me encarando. Ele levantou sua taça de vinho para mim em saudação antes de dar outra piscadela maliciosa. Calor inundou minhas bochechas e tive dificuldade em olhar Fletcher nos olhos.

— Não é nada — murmurei. — Encontrei com ele no corredor do lado de fora da biblioteca quando voltava para cá. Ele flertou comigo, então eu flertei de volta para que ele não pensasse muito sobre o que eu fazia lá. Isso é tudo.

Fletcher não disse nada, mas a desaprovação irradiava dele como o calor do pão. Ele não disse que eu deveria saber disso, que ele tinha me ensinado mais do que isso, porque nós dois sabíamos que ele tinha. Uma das chaves para ser um assassino era ser o mais invisível possível. Não apenas quando você fazia o ataque real ao seu alvo, mas também em todos os momentos que levaram àquele final fatal.

Mais de um assassino foi pego porque se tornou visível demais no mundo do alvo. Como ser o mecânico que trabalhara no carro do alvo horas antes de os freios falhassem desastradamente e o carro caísse do lado de uma estrada na montanha. Ou ser o novo garoto da piscina quando o alvo escorregou, bateu a cabeça e se afogou na parte rasa. Ou até mesmo ser visto em um encontro com o alvo na noite em que ele misteriosamente foi assaltado e espancado até a morte, voltando para casa após o jantar.

Matar alguém era fácil – ficar impune era o verdadeiro desafio.

— Me desculpe — eu disse. — Pensei que não faria mal falar com ele. Ele provavelmente teria pensado que seria mais estranho se eu o tivesse ignorado completamente.

Não acrescentei que Sebastian pareceu gostar da nossa conversa tanto quanto eu, ou da promessa que ele fez de me encontrar para levar em um encontro. Fletcher teria me tirado do trabalho imediatamente se soubesse disso. Mas seria eu quem mataria Vaughn, não ele. Eu queria ser a única a feri-lo, por causa de Charlotte.

— Tudo bem — respondeu Fletcher. — Você fez o melhor que pôde. Eu conheço o tipo dele. Um menino bonito que pensa que tem direito a tudo o que quer. Apenas ignore-o. Ele logo passará para outra pessoa.

Eu assenti, peguei a bandeja de pão e fui até a mesa com ela. Eu me movi atrás da fileira de convidados, parando a cada poucos metros para depositar cestas nos pontos apropriados. Muito rápido, porém, alcancei o assento de Sebastian. Em vez de me ignorar como todos os outros convidados, ele se virou na cadeira e tirou a cesta de mim, seus dedos roçando os meus por um breve instante.

Mais uma vez, aquele estranho e indesejado calor inundou meu rosto, antes do rubor se espalhar por meu pescoço, mas não era nada comparado ao calor correndo pelo resto do meu corpo. Sebastian notou meu embaraço e seus lábios se curvaram em um sorriso. Eu rapidamente fui servir o resto do pão, mas o tempo todo eu estava ciente do seu olhar em mim, e não pude deixar de olhar em sua direção. Ele ainda olhava para mim, aquele mesmo sorrisinho satisfeito no rosto, seus olhos escuros com algum tipo de triunfo secreto.

Eu engoli e continuei com minhas tarefas de serviço, mas não pude deixar de pensar que ignorar Sebastian Vaughn era mais fácil de dizer do que fazer.


Capítulo 7

 

O resto da noite passou em um borrão – exceto pelos olhares ardentes que Sebastian continuava me dando.

Seu olhar permaneceu em mim a maior parte da noite, tempo suficiente para que seu pai notasse e começasse a franzir a testa, como se não gostasse de pensar em seu filho se interessando por uma humilde garçonete. Perguntei-me se Vaughn mudaria de ideia se soubesse exatamente quem e o que eu era.

Provavelmente não.

Mas mantive minha cabeça baixa e misturei-me aos outros garçons, servindo sopa, salada e o prato principal, que era algum tipo de filé de urso que Dawson trouxera do Alasca. Naturalmente, eu me perguntei se ele tinha ido lá e matado os ursos para poder adicionar as cabeças à sua coleção.

Finalmente, três horas depois, removi o prato de sobremesa com restos do suflê de chocolate que Fletcher fizera anteriormente, junto com as frescas frutinhas de verão cobertas com um leve e areado pudim de baunilha e guarnecidas com biscoitos finos e crocantes. A festa terminara, e Dawson estava parado junto às portas abertas, cumprimentando seus convidados enquanto estes se dirigiam para suas limusines, que esperavam na entrada para levá-los às suas próprias mansões.

Sebastian hesitou, como se quisesse vir e flertar comigo uma última vez, mas o pai colocou a mão no ombro do filho e levou-o para fora da sala. Bom. Isso era bom, apesar da estranha sensação de decepção que me encheu. Eu não sabia por que me sentia assim. Sebastian Vaughn não era o primeiro menino bonito a conversar comigo, mas ele definitivamente causou mais impressão do que a maioria.

Fletcher e eu ajudamos o resto da equipe na limpeza, e já passava de uma da manhã quando entramos em sua van e saímos da propriedade de Dawson. Nós dirigimos em silêncio por cerca de dez minutos antes que o velho falasse.

— Eu não deveria ter que dizer isso — começou Fletcher, uma pequena nota de reprovação em sua voz. — Mas você precisa se afastar de Sebastian Vaughn.

Suspirei. — Como eu lhe disse antes, conversamos do lado de fora da biblioteca. Isso é tudo.

— Isso não parecia ser tudo pelo que vi na sala de jantar. Vocês dois se encararam durante todo o jantar.

Eu afundei um pouco mais no meu lugar e cruzei os braços sobre o peito. — Não é nada — repeti. — Ele estava se divertindo um pouco. Divertindo-se com a garçonete. Você sabe como é.

— E o que você estava fazendo?

Revirei os olhos. — Então, talvez eu estivesse me divertindo um pouco também. Um cara atraente queria falar comigo. Processe-me por aproveitar a atenção. Mas isso é tudo. Ele nem se lembrará da minha aparência amanhã.

— Talvez — murmurou Fletcher. — Talvez não. De qualquer maneira, as coisas estão começando a ficar complicadas. Não gosto de como você ficou exposta esta noite. Vaughn notou você também, ou pelo menos ele notou o filho dele olhando para você. Acho que é hora de cancelar o trabalho, devolver o dinheiro adiantado e dizer ao cliente para encontrar outra pessoa.

Eu me endireitei. — Não! Você não pode fazer isso.

— Por que não?

O rosto triste de Charlotte encheu minha mente.

— Por que... Por que... Seria pouco profissional — terminei com uma voz fraca. — Você disse ao cliente que faria o trabalho... Que eu faria o trabalho. Você não pode voltar atrás agora. Além disso, estamos tentando construir minha reputação de assassina, lembra? Eu finalmente estou começando a fazer um nome para mim, e meu preço está subindo lentamente. Recusar este trabalho nos atrasará por meses.

— Isso é sobre proteger sua crescente reputação como a Aranha ou alguma outra coisa?

— Sobre o que mais seria?

— Charlotte Vaughn.

Maldição. Não, essa palavra não era suficiente para expressar adequadamente minha surpresa e frustração. Maldição... E... E... Maldição dupla. Eu deveria saber que não conseguia esconder nada de Fletcher, especialmente as minhas próprias motivações sombrias. Ainda assim, isso não me impediu de tentar.

— Claro que não — insisti —, eu não faço trabalhos por causa de pessoas, e não deixo ninguém me influenciar de forma alguma. Receba a tarefa, faça a pesquisa, complete o golpe, pegue o dinheiro e vá embora. É isso que os assassinos fazem. Isso é o que você me ensinou a fazer como a Aranha. Nada mais importa.

— Nem mesmo uma garota sendo abusada? — perguntou Fletcher novamente, sua voz suave e conhecedora. — Sendo machucada como você foi machucada, Gin?

Todos os músculos do meu corpo se apertaram com a tensão, até que eu me senti como uma corda de arco esticado prestes a romper com a tensão. As memórias surgiram em minha mente, tentando quebrar minha fachada calma de dentro para fora. Memórias de calor, fumaça, fogo, morte e, acima de tudo, a agonia infindável, implacável e insuportável em minhas mãos. As cicatrizes de runas de aranha marcadas em minhas palmas coçavam e queimavam com a dor fantasma, do jeito que costumavam fazer quando eu pensava naquela noite horrível e na tortura que sofri. Mas não cedi à sensação e comecei a esfregar as marcas. Em vez disso, apoiei lentamente as mãos contra minhas pernas e mantive minhas feições em uma perfeita máscara de indiferença.

Fletcher nunca realmente perguntara o que havia acontecido com minha família, ou como acabei vivendo nas ruas com a marca de silverstone em minhas mãos. Embora eu suspeitasse que ele tivesse descoberto sozinho. As mortes violentas e horripilantes da família Snow foram uma grande notícia na época, e não teria sido muito difícil para ele conectar a menina magra e esfarrapada que cavava nas lixeiras atrás do Pork Pit com Genevieve Snow, a filha do meio que supostamente perecera no colapso impetuoso da mansão da família, junto com a mãe e duas irmãs.

Mas ele nunca perguntou, e eu nunca lhe contara. Fletcher respeitou minha privacidade desse jeito, assim como eu respeitei a dele. O velho tinha seus segredos, e eu tinha os meus, e ambos tínhamos cuidado, preocupação e amor suficientes um com o outro para não tentar descobri-los. Ou pelo menos fingir que não estamos secretamente intrigados e manter todos os fatos que descobrimos para nós mesmos.

— Gin? — perguntou Fletcher. — Isso é sobre Cesar Vaughn? Ou você e Charlotte?

Eu me virei para que ele pudesse ver quão frios e duros meus olhos cinzentos estavam. — É sobre fazer o trabalho, ser pago e ir embora. Nada mais. Agora, vamos falar sobre como eu posso me aproximar de Vaughn, ou você quer discutir um pouco mais sobre meus sentimentos?

Fletcher olhou para mim, observando o jogo de luz e sombra no meu rosto. Dada a hora tardia, havia mais escuridão do que qualquer outra coisa. Sempre havia.

— Tudo bem — disse ele, a censura anterior em sua voz se derretendo em resignação cansada. — Diga-me tudo o que você descobriu observando Vaughn hoje à noite.

 

* * *

 

Fletcher me perguntou sobre Vaughn o resto da viagem para casa, mas ele parecia satisfeito com as minhas respostas. Yeah, talvez eu tenha ficado um pouco mais encantada com Sebastian do que deveria, mas eu estava lá para analisar o meu alvo, e eu havia feito isso.

Eu sempre fazia o que era necessário.

Ele estacionou na garagem e entramos na casa, seguindo caminhos diferentes. Fletcher foi para o seu escritório assistir a alguns programas de TV e descontrair antes de ir para a cama, enquanto eu subi e tomei um banho longo e quente.

Enquanto escovava meu cabelo molhado, eu não pude deixar de me inclinar para o espelho do banheiro e olhar para meu reflexo, tentando me ver através dos olhos de Sebastian. Oh, eu era bonita, com meu cabelo castanho escuro, pele clara e olhos cinzentos, mas eu certamente não era nenhuma grande beleza. Não como eram minha mãe, Eira e Annabella, com seus cabelos dourados, pele rosada e olhos azuis centáurea. E Bria teria ficado ainda mais bonita do que as duas se tivesse tido a chance de crescer.

Meu corpo era magro, em forma e forte, graças a todos os anos treinando com Fletcher e, em seguida, meu tempo no trabalho como Aranha. Meus seios não eram grandes, mas eles eram decentes, e havia algumas curvas suaves aqui e ali. Tudo junto era um bom pacote, mas eu não sabia se era suficiente para chamar a atenção de alguém como Sebastian Vaughn e levá-lo a olhar além da minha aparente falta de dinheiro, magia e posição social – pelo menos, não por muito tempo.

Mas o jeito que ele sorriu, riu e flertou comigo... Nenhum homem me olhou assim... Bem, nunca, na verdade. Ah, eu recebi atenção suficiente dos caras da Faculdade comunitária de Ashland, onde fiz algumas aulas, mas todos estavam interessados em transar comigo entre cervejas e jogos de bola. E os professores, bem, eles só queriam se sentir jovens de novo dormindo com uma aluna. Nenhuma das opções expressava exatamente romance. Mas, mais importante, ninguém parecia realmente interessado em mim, e absolutamente nenhum deles despertou meu interesse como Sebastian.

Mas Fletcher estava certo. Era estúpido sonhar em ter qualquer tipo de relacionamento com Sebastian. Alguém me contratou para matar o pai dele. Não é exatamente o tipo de coisa que você procurava em uma namorada em potencial.

Namorada? Bufei. O que eu estava pensando? Nunca tive esse tipo de relacionamento com nenhum cara. Eu tinha acusado Sebastian de ser do tipo “amar sem se apegar”, mas a verdade é que eu também era assim. Eu tinha que ser enquanto a Aranha. E não só porque eu não queria acabar morta ou na cadeia por causa dos meus muitos crimes. Porque, que tipo de cara realmente ficaria bem com sua namorada sendo uma assassina a sangue frio?

Ainda assim, quando saí do banheiro, coloquei meu pijama e deslizei na cama, não pude deixar de pensar no caloroso interesse nos olhos de Sebastian, seus sorrisos provocantes e todas as piscadelas maliciosas que ele me dera durante o jantar. Pela primeira vez, eu me deixei lembrar. Não só isso, mas eu me deliciava com as lembranças, repetindo-as de novo e de novo em minha mente.

Mesmo que nada jamais ocorresse, mesmo que nada pudesse acontecer, ainda era bom ser notada, ser admirada, ser desejada, mesmo que apenas por uma noite.

Eu fui dormir com um sorriso nos lábios.


Capítulo 8

 

Nos próximos dias, tracei a melhor maneira de matar Cesar Vaughn.

Onde fazer o trabalho, como chegar perto dele, como realmente matá-lo e depois escapar. Revisei todas as informações que Fletcher me deu, depois saí e peguei as minhas, seguindo Vaughn discretamente enquanto ele vivia o seu dia a dia, vendo quais eram suas rotinas, quanta segurança ele tinha e quais eram seus vícios, se ele até tinha algum. Eu queria ir para a casa dele na noite após o jantar e matá-lo, mas Fletcher se recusou, falando sobre procedimento e cuidado. Eu cedi, mesmo porque sabia que ele cancelaria totalmente o negócio se não o fizesse, e eu queria proteger Charlotte de seu pai.

Mas Vaughn era de fato o empresário honesto, trabalhador e prático que parecia ser. Após uma visita rápida ao seu escritório pela manhã, ele passou a maior parte do dia dirigindo por Ashland, indo de um canteiro de obras ao outro e verificando suas equipes e seu progresso, antes de parar para um almoço rápido em algum lugar da estrada.

Este era o terceiro dia em que eu o seguia, e não pensei em nada quando ele estacionou o carro em uma das ruas do centro, saiu e começou a andar pela calçada. Era hora do almoço, então ele provavelmente estava à procura de algum tipo de alimento antes de ir para o próximo local de trabalho. Mas, conforme ele passava de restaurante, após restaurante, passando tudo desde mexicano até italiano, para a comida tailandesa, meu incômodo incessantemente aumentava lentamente a cada passo. Porque Vaughn ficava rapidamente sem opções de restaurantes nessa parte da cidade, a menos que ele estivesse com disposição para uma coisa em particular.

Churrasco.

Sem dúvida, ele foi direto para o Pork Pit, abriu a porta e entrou.

Fiquei tão surpresa que parei de repente no meio da calçada e teria ficado daquele jeito se alguém não tivesse batido no meu ombro, me tirando do choque. Correndo, eu saí do fluxo de tráfego na calçada, mas fiquei do lado de fora do restaurante, fingindo falar no meu celular, quando, na verdade, eu estava olhando através das janelas do restaurante, me perguntando se eu tinha sido descoberta de alguma forma, se Vaughn tinha percebido que eu o seguia, quem eu era, onde trabalhava, e que tinha planos para matá-lo assim que pudesse.

Meu coração batia forte e um pouco de suor de nervoso se acumulava na minha nuca enquanto eu observava ele caminhar até a parte de trás do restaurante e sentar perto do balcão, três bancos de distância de onde Fletcher estava sentado atrás da caixa registradora.

Vaughn se inclinou na direção de Fletcher, como se fosse falar com ele.

Fiquei um pouco mais tensa. Isso era ruim, muito, muito ruim...

Ele estendeu a mão para Fletcher como se estivesse tentando chamar a atenção do velho.

Respirei fundo, preocupada, imaginando o que poderia fazer para nos tirar dessa situação...

Vaughn pegou um cardápio que alguém havia deixado no balcão e se inclinou para trás, se afastando de Fletcher.

Eu caí contra a janela em alívio.

Fletcher deve ter visto Vaughn procurar o cardápio, porque ele ergueu os olhos da cópia surrada de Where the Red Fern Grows{2}, o qual ele tinha desde que eu podia me lembrar, e que ele lia pelo menos uma vez por ano. Fletcher começou a voltar à sua história, mas deu uma segunda olhada quando reconheceu Vaughn. Seu olhar permaneceu no outro homem um momento antes de passar para as janelas. Fletcher me viu espreitando do lado de fora e ergueu as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa. Estremeci e dei de ombros. Tanto quanto eu poderia dizer, Vaughn desejava um churrasco – nada mais. Caso contrário, ele já teria confrontado Fletcher. Ou chamado os policiais. Ou ambos.

Ainda assim, meus nervos estavam desgastados, e bati meus dedos na parede de tijolos, como um drogado que precisava de uma dose, enquanto observava Sophia preparar o sanduíche de carne de porco, salada de batata, anéis de cebola e limonada, do meu alvo. Se eu soubesse que ele em breve voltaria para almoçar, eu poderia colocar algo na comida dele, então deixaria a natureza seguir seu curso. Veneno não era meu método favorito de execução. Na verdade, pensava que era bastante sorrateiro, baixo e covarde, mas você usava o que funcionasse. Mas não havia nenhum padrão para os hábitos de almoço de Vaughn pelo o que eu pude perceber, então eu não podia contar com ele voltando ao restaurante.

Além disso, o veneno era uma morte boa demais para alguém que gostava de machucar sua própria filha.

De qualquer maneira, fiquei infinitamente aliviada quando Vaughn terminou sua refeição e deixou o Pork Pit sem incidentes. Eu sabia que havia me desviado de uma bala, o que era bastante irônico, já que eu era a assassina aqui, não ele.

Depois disso, Vaughn passou a tarde fiscalizando mais locais de trabalho antes de voltar ao escritório. Ele nunca saía do trabalho antes das oito da noite, e sempre voltava às nove da manhã seguinte para recomeçar. E fazia tudo de novo, com a mesma rotina todos os dias que eu o observara.

Então eu formulei minha abordagem, preparei meus suprimentos e me certifiquei de que minhas facas estivessem boas e afiadas. Também revisei meu plano com Fletcher, que ofereceu algumas sugestões, a maior delas sendo que nós adiássemos o trabalho, pelo menos até que ele descobrisse exatamente quem era o cliente.

— Sério, estamos esperando pelo que? — perguntei quando ele me disse isso uma noite em casa.

Passei o dia perdendo tempo e observando Vaughn de novo, em vez de me mover e terminar com as coisas. Então eu estava um pouco mal humorada.

— Estou tentando ser inteligente sobre as coisas — respondeu Fletcher, sua voz muito mais calma do que a minha. — Você deveria também, Gin.

Joguei minhas mãos para cima e caminhei de um lado ao outro do escritório. — Eu tenho observado o homem há dias agora. Confie em mim. Tudo está bem e tudo ficará ainda melhor quando eu fizer o trabalho. Eu sei o que estou fazendo. Você não pode confiar em mim?

Fletcher pressionou os lábios, como se quisesse dizer algo, mas estava segurando suas palavras.

Bem, eu supus que isso respondesse à minha pergunta sobre confiança. Doía como um tiro em mim, junto com mais de um pouco de raiva, e coloquei minhas mãos em meus quadris.

— Esqueça o dinheiro e quem é o cliente por um segundo. Você quer ver o obituário de Charlotte no jornal? — falei. — Porque eu tenho certeza que não. Mas isso poderia acontecer em qualquer dia. Enquanto Vaughn estiver vivo, ela está em perigo. Então vamos fazer isso para que ela esteja pelo menos segura. Ok?

Sim, era um golpe baixo, jogar Charlotte em seu rosto assim, e basicamente admiti que ela era a razão pela qual eu queria fazer o trabalho, mas não me importei. Fletcher podia não confiar em mim, mas eu protegeria Charlotte, com ou sem a bênção dele.

Fletcher suspirou, mas finalmente deu um aceno de cabeça.

Eu assenti, já planejando o ataque para amanhã.

 

* * *

 

Eram três horas da tarde no dia seguinte, e eu estava trabalhando no meu turno habitual no Pork Pit como se eu não estivesse planejando matar alguém naquela noite. Essa era outra coisa que Fletcher me ensinou. Atenha-se às suas rotinas regulares tanto tempo quanto possível, especialmente se soubesse que você estava tramando nada de bom para depois. Difícil para os policiais ligarem a garçonete que casualmente se ocupava com seu trabalho a uma assassina de sangue frio. Uma boa cobertura levava anos para ser construída, e investi demais em Gin Blanco para fazer qualquer coisa estúpida o suficiente para atrair mais atenção para ela do que absolutamente necessário.

Eu havia acabado de limpar os pratos sujos e estava limpando o balcão dos meus últimos clientes quando o sino acima da porta da frente soou. Coloquei um sorriso no rosto e olhei para cima, pronta para cumprimentar os recém-chegados. Mas meu sorriso congelou, então despencou dos meus lábios como um pingente de gelo caindo de um telhado quando percebi exatamente quem entrara pela porta.

Sebastian.

Ele estava ainda mais lindo do que eu me lembrava, embora ele estivesse vestido com uma calça jeans, botas e uma camisa polo preta de mangas curtas, que mostrava a bela cor bronzeada de sua pele. A camisa estava enfiada no jeans, mostrando a cintura magra e a figura musculosa.

Ele se virou e estendeu a mão, como se estivesse prestes a puxar alguém para dentro com ele. Um encontro, provavelmente. Meu coração afundou ainda mais rápido do que o meu sorriso com o pensamento de que ele trouxe outra garota aqui, especialmente após me provocar sobre me levar para sair.

Uma garota entrou no restaurante com ele, mas não era a bela loira que eu esperava – era Charlotte.

Ela era ainda mais bonita em pessoa do que nas fotos do arquivo de Fletcher. Cabelos longos e negros presos em tranças, pele bronzeada e grandes olhos castanhos. Aos treze anos, ela era adorável. Daqui a alguns anos, ela seria uma verdadeira destruidora de corações.

Ainda assim, o olhar de Charlotte era sombrio e cauteloso enquanto olhava ao redor do restaurante, como se esperasse que algo de ruim acontecesse em meio aos grupos de cabines, mesas e cadeiras. Mais do que isso, senti uma tristeza dolorosa nela, como se já tivesse visto tantas coisas terríveis em sua jovem vida que jamais conseguiria superá-las. Como se já tivesse sofrido tantas dores horríveis que nada poderia aliviá-las.

Eu conhecia muito bem esses sentimentos.

Sebastian olhou ao redor do restaurante, como se procurasse alguém. Poderia ser possível... Ele poderia estar aqui... Ele poderia realmente ter cumprido sua promessa de vir me encontrar? Meu coração disparou com o pensamento, mesmo enquanto eu tentava acalmar o súbito e feroz desejo que eu sentia que fosse verdade.

Mas, como esperava, os olhos de Sebastian encontraram os meus, e um largo sorriso dividiu seu rosto. Ele me deu um aceno antes de puxar Charlotte em minha direção.

— Quem é esse idiota? — resmungou uma voz. — E por que ele está acenando para você?

Eu olhei para Finn, que estava sentado no banco mais próximo da caixa registradora. Ele finalmente veio ao Pork Pit para almoçar, como prometera a Fletcher, embora o velho tivesse decidido tirar a tarde e ir pescar, já que os negócios estavam lentos. Fletcher tinha saído quinze minutos atrás. Ele pediu que Finn fosse ele, mas Finn disse não. A decepção no rosto do velho me fez querer bater em Finn por sua estupidez, por acreditar que seu pai sempre estaria aqui.

— Ele está aqui para ver você? — cutucou Finn novamente. — É o seu novo namorado ou algo assim?

— Cala a boca — assobiei. — Ele não é meu namorado.

Finn me deu um olhar avaliador, seus olhos verdes brilhantes e sabedores. — Oh... Mas você gostaria que fosse, não é?

Tudo o que eu podia fazer era ficar parada e com raiva, dando a Finn sua resposta.

— Bem, bem, bem, as coisas ficaram muito mais interessantes por aqui — ele arrastou. — Acho que ficarei por aqui e verei o esplendor do amor jovem.

Eu olhei para ele. — Se você estragar tudo para mim, você vai querer ter ido pescar com Fletcher. Você deveria ter ido, de qualquer maneira. Tudo o que ele queria era passar algum tempo com você.

Os olhos de Finn se estreitaram. — Não me diga o que fazer com o velho, Gin. Não quando você está tão excitada e ansiosa para sair da casa dele e começar a sua vida de grande aventura.

Abri a boca para atacá-lo novamente, mas Sebastian se aproximou do balcão, junto com Charlotte. Eu ignorei Finn e coloquei um sorriso no rosto, como se eu não quisesse alcançar o outro lado do balcão e estrangulá-lo com minhas próprias mãos.

— Surpresa? — Sebastian sorriu para mim. — Eu te disse que eu a encontraria, Gin.

Em vez de deixá-lo ver o meu prazer e surpresa, eu arqueei uma sobrancelha. — Sim, você disse. E realmente seguiu em frente com isso.

Ele deu de ombros modestamente. — Não foi difícil. Eu pedi para a organizadora de eventos do jantar perguntar por aí. Ela ouviu de uma garçonete que ouviu de um cozinheiro que ouviu de outro cozinheiro que disse que você mencionou algum lugar de churrasco. Eu ouvi meu pai falar sobre como a comida é boa aqui, então pensei em me arriscar e ver se era você.

Precisei me impedir de fazer caretas. Eu havia feito um comentário para um dos cozinheiros que a Pork Pit era a melhor churrascaria de Ashland, e Sebastian ligara os pontos. Provavelmente, tudo o que ele precisou fazer para conseguir que Meredith descobrisse a informação foi sorrir para ela do jeito que ele estava sorrindo para mim agora. Desleixada, Gin.

— Bem, bom para você — eu disse lentamente. — Se eu tivesse uma estrela dourada, eu colocaria uma em sua camisa.

Ele soltou uma risada baixa e gutural que fez meu coração disparar e minha raiva se evaporar. — E vejo que você está tão atrevida como sempre.

Seus olhos encontraram os meus novamente, e eu me vi admirando os pedaços de âmbar que brilhavam em seu olhar castanho escuro, as faíscas e flashes de cor tão intensa que pareciam manchas de ouro puro e polido. Talvez não tenha sido um desastre tão grande ele ter me encontrado...

Finn bufou mais alto que um cavalo de arado, quebrando o feitiço. Desviei minha atenção de Sebastian e foquei em Charlotte, que ainda segurava a mão de seu irmão, permanecendo atrás dele. Isso era um pouco estranho para uma adolescente.

— Oi, querida — eu disse. — Meu nome é Gin. Qual é o seu?

Charlotte não respondeu, embora ela continuasse me encarando.

Sebastião pendurou o braço em volta do ombro dela e a abraçou ao lado dele. — Não se preocupe com Charlotte. Minha irmã é apenas um pouco tímida.

Dei à garota outro sorriso. — Bem, a maioria das pessoas é, inclusive eu. Por que vocês não se sentam e nós serviremos alguma coisa para vocês?

Ela me estudou daquele jeito intenso que as crianças faziam com tanta frequência, como se ela pudesse ver todos os segredos da minha alma apenas olhando nos meus olhos. Depois de um momento, ela assentiu lentamente.

Meu coração se apertou, mas dei outro sorriso a ela. Eu não podia mudar o que havia acontecido com Charlotte, como o pai dela abusara dela, mas eu poderia garantir que ela tivesse uma boa refeição. Sim, não era muito no grande esquema das coisas, não era nada, na verdade, mas era tudo o que eu podia fazer agora.

Eu cuidaria do problema mais urgente de seu pai hoje à noite.

Sebastian sentou-se em um dos bancos, enquanto Charlotte subia no outro ao lado de Finn. Sendo o terrível paquerador que ele era, meu irmão adotivo fixou sua atenção nela. Finn não se importava com quão jovem ou velha, bonita ou não, alguém era, mas se ela era mulher, então ele sentia essa necessidade obsessiva de fazê-la gostar dele.

— Como você está hoje, pequena dama? — perguntou ele.

Charlote olhou para ele, algo quase como medo brilhava em seus olhos.

— Não se importe com ele — eu disse, estendendo a mão através do balcão para dar um soco no ombro de Finn. — Ele gosta de brincar com todas as garotas bonitas que entram.

Finn deu-lhe uma piscadela picante. — E você é tão bonita quanto aquela torta de pêssego naquele suporte de bolo.

Charlotte olhou para ele por mais alguns segundos antes de seu rosto enrugar abruptamente em um sorriso deliciado. Um rubor delicado tingiu suas bochechas. Ela abaixou a cabeça e começou a brincar com a ponta de uma das longas tranças negras, mas seu olhar continuava deslizando para ele, e eu sabia que Finnegan Lane voltara a atacar. Eu balancei a cabeça. Às vezes eu pensava que Finn poderia fazer amizade com um urso pardo mal-humorado, apenas dizendo a criatura como o seu casaco era brilhante.

Mas Sebastian teve uma reação diferente à brincadeira despreocupada de Finn. Ele colocou o braço ao redor do ombro de Charlotte, puxando-a para perto dele novamente. Ela congelou, apertou a mão em torno de seu cabelo e seu sorriso desapareceu.

— Você é amigo de Gin? — perguntou Sebastian, sua voz firme com desconfiança.

Finn sorriu, mas não havia calor na expressão, apenas um monte de dentes. — Não sou um amigo... Sou irmão dela.

Revirei os olhos. Finn sempre se apresentava dessa maneira para qualquer cara que eu levasse para a casa de Fletcher ou para o restaurante. Eu acho que ele tinha uma noção antiquada de que dar aos garotos olhares perversos evitaria que eles tentassem entrar nas minhas calças. Por favor. Finn não era tão assustador.

Mas eu certamente era.

— Oh. — Sebastian olhou entre nós dois, como se tentasse ver a semelhança familiar. — Bem, é bom conhecer você. Eu sou Sebastian Vaughn.

Ele estendeu a mão, que Finn balançou com excessivo entusiasmo para o meu gosto. Finn também segurou mais do que o necessário, apertando a mão de Sebastian só para constar. Finn notou que eu estava olhando furiosamente novamente. Desenhei meu dedo em um corte sutil através da minha garganta, dizendo-lhe exatamente o que eu faria com ele caso não cortasse o ato de besteira superprotetora. Finn olhou furioso para mim, mas soltou a mão de Sebastian.

— E eu sou o único, o único Finnegan Lane. — Finn deu um floreio excessivamente elaborado com a mão, indicando sua própria grandeza, antes de apoiar o cotovelo no balcão. — Você não estaria relacionado com Cesar Vaughn, não é? O grande magnata da construção?

Sebastian assentiu. — Eu sou filho dele.

Finn me deu um olhar aguçado, um que dizia que ele sabia tudo sobre a minha última missão. Fletcher deve ter dito a ele.

Antes que Finn pudesse fazer algum comentário sarcástico e velado nesse sentido, eu tirei meu bloco de pedidos de um dos bolsos traseiros do meu jeans. — Então, o que eu posso conseguir para vocês?

Sebastian pediu um sanduíche de churrasco, feijões cozidos, e uma salada de macarrão, juntamente com um cheeseburger, batatas fritas e um milkshake de chocolate triplo para Charlotte.

Os olhos de Sebastian e Charlotte se arregalaram quando entreguei o papel do pedido para Sophia Deveraux, provavelmente porque Sophia estava vestida com suas habituais roupas góticas – botas pretas, jeans pretos e uma camiseta preta que exibia uma rosa branca pingando sangue. Crânios de prata sorridentes pendiam da gargantilha preta em torno de seu pescoço, enquanto mechas vermelhas brilhavam em seus cabelos negros. Sophia olhou para o papel e grunhiu enquanto mexia na panela com a receita secreta de molho de churrasco de Fletcher que fervia em um dos fogões. Ela não falava muito.

Sebastian riu e brincou comigo enquanto eu ajudava Sophia a preparar a comida, mas Charlotte não dizia nada. Em vez disso, ela continuou traçando o dedo indicador sobre o balcão, pintando um padrão que só ela podia ver. Eu gostaria de saber o que ela estava pensando. Eu me perguntei se ela gostava de estar aqui com Sebastian ou se já estava preocupada em voltar para casa e o que poderia acontecer lá, o que o pai dela poderia fazer.

Bem, ela não deveria ter se preocupado. Porque depois dessa noite, Cesar Vaughn não a machucaria nunca mais.

— Tem alguma coisa errada? — perguntou Sebastian, notando o olhar sombrio no meu rosto.

Balancei a cabeça. — Claro que não. A menos que você se torne péssimo em dar gorjetas.

Ele riu, e eu me juntei com sua risada calorosa.

Finn olhou para Sebastian, então para mim. Sua carranca se aprofundou. Sem dúvida, Finn iria direto para Fletcher assim que Sebastian e Charlotte saíssem, e contaria ao velho tudo sobre os dois vindo ao restaurante. Mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então decidi me concentrar em meus dois clientes – e aproveitar esse momento inesperado com Sebastian.

Eu ainda precisava trabalhar, é claro, atendendo às necessidades dos poucos clientes restantes, mas fui capaz de gastar mais do meu tempo ficando no balcão com Sebastian. Ele era tão caloroso, espirituoso e encantador quanto fora na festa. Talvez ainda mais, já que hoje ele era apenas um cara comendo em um restaurante, flertando com uma garçonete bonita que gostava de cada segundo da atenção dele.

Finn finalmente se levantou para ajudar Sophia com algo na parte de trás do restaurante, e Charlotte saiu de seu banquinho e se dirigiu ao banheiro.

— Sozinhos, finalmente — murmurou Sebastian. — Pensei que seu irmão não fosse embora nunca. Ele não parece gostar muito de mim.

Bufei. — Finn não gosta de ninguém que seja mais bonito do que ele.

— Então eu sou mais bonito do que ele? É bom saber.

Sebastian sorriu, e eu me senti corando, exatamente como Charlotte fizera antes.

— E agora, a verdadeira razão pela qual eu vim aqui. — Ele se inclinou e capturou minha mão, embora eu estivesse limpando o balcão novamente. — Saia comigo, Gin.

Eu estava me divertindo tanto com Sebastian que eu quase disse que sim, sem sequer pensar nisso. Mas no último momento, eu engoli minha concordância fácil. Talvez eu tenha ficado perto de Fletcher por muito tempo, porque não conseguia reprimir o pequeno sussurro de preocupação no fundo da minha mente, aquele que insistia em que Sebastian tinha algum plano secreto, do jeito que caras ricos quase sempre tinham.

— Por que alguém como você quer sair com alguém como eu? Nós não andamos exatamente nos mesmos círculos — falei com uma voz leve e provocante, como se realmente não importasse se nós íamos sair ou não. Embora eu tenha me surpreendido com o quanto de repente isso importava – para mim.

Sua boca se transformou em uma linha teimosa. — Eu não me importo se você tem dinheiro, se é isso que você está perguntando. Não me importo com nada disso. Nem com dinheiro, poder, pessoas e como posso usá-las. Não como o meu pai.

Seus lábios apertaram, e eu me perguntei se ele falava sobre Charlotte, e se ele sabia o que seu pai fazia com ela. Mas sua expressão amarga desapareceu, e Sebastian sorriu para mim novamente.

— Você é a mulher mais interessante que eu conheci há anos, Gin. Então, vamos lá, me dê uma chance. Vamos sair para jantar, um filme, café, alguma coisa, qualquer coisa que você goste.

Seus olhos encontraram os meus, e olhei para as profundezas escuras e líquidas, ainda tentando discernir seus verdadeiros motivos. Mas tudo que eu vi em seu sério e suplicante olhar era um desejo de se aproximar de mim. Talvez ele realmente quisesse me conhecer, ou talvez pensasse que eu seria fácil de lidar, tão impressionada com seus movimentos suaves e sua bela aparência que eu deixaria ele transar comigo depois do jantar. De qualquer maneira, eu me senti vacilante, apesar da má ideia que era. Mas, na verdade, gostei da atenção e queria que durasse pelo menos um pouco mais.

— Tudo bem — eu disse, rindo um pouco de como eu me senti bem em ceder para ele. — Tudo bem. Você ganhou.

— Eu sempre ganho. — Ele sorriu novamente. — Que tal esta noite?

Pensei nos meus planos para o pai dele, planos que simplesmente não esperariam. Meu riso desapareceu e balancei a cabeça. — Eu não posso esta noite. Que tal sexta-feira?

Isso era daqui a três dias e uma dia mais usual para uma noite encontro do que a atual terça-feira. Mais importante, seria depois que eu tivesse matado o pai dele, e eu não tinha dúvida de que Sebastian teria outras coisas para pensar e esqueceria de mim.

Uma pontada atravessou o meu peito ao pensar nisso, mesmo sabendo que era o melhor. Ainda assim, me surpreendeu o quanto eu me importava em ver Sebastian de novo, mesmo que provavelmente nunca ocorresse depois de hoje.

Talvez se eu tivesse conhecido Sebastian antes de Fletcher ter conseguido o trabalho sobre Vaughn. Talvez se eu o tivesse conhecido meses depois disso. Mas, é claro, a minha terrível sorte nos fez cruzar o caminho precisamente no momento errado. Fletcher estava certo – nada de bom poderia surgir disso. Não importa o quanto eu pudesse querer isso. Meu coração apertou forte.

O sorriso de Sebastian aumentou. — Sexta-feira seria ótimo.

— Eu ainda tenho que trabalhar.

— Eu entendo. Pego você aqui por volta das sete?

Sorri para ele, mantendo a farsa até o amargo fim, embora minha expressão fosse tão insegura quanto meu coração. — É um encontro.

 

* * *

 

Finn retornou da parte de trás do restaurante, Charlotte saiu do banheiro, e ambos pegaram seus lugares novamente. Contudo, Sebastian continuou me dando pequenas piscadelas, como se tivéssemos algum segredo juntos.

Se ele soubesse quantos segredos eu tinha para guardar – especialmente dele.

Sebastian e Charlotte terminaram sua comida enquanto Finn finalmente raspava os restos da torta de pêssego que ele estava comendo quando eles chegaram. Eu disse a Sebastian que a refeição era por conta da casa, mas ele insistiu em pagar e dar-me uma gorjeta obscenamente generosa. Charlotte parecia cheia demais para a sobremesa, já que ela não tinha comido todo o seu cheeseburger, então eu embalei alguns cookies de chocolate para ela levar, colocando-os em um saco de papel branco com o logotipo de porco da Pork Pit impresso na lateral.

Empurrei o saco pelo balcão até ela. — Aqui está, querida. Caso você queira uma lanche depois.

Charlotte olhou para o saco de biscoitos e depois para mim. Ela olhou para Sebastian, que assentiu. Ela estendeu a mão e tirou o saco do balcão, abraçando-o em seu peito, quase como se o papel branco fosse um escudo que a protegeria de todas as coisas terríveis em sua vida, incluindo seu pai.

Nenhum saco, nenhum biscoito, poderia faça isso... Mas eu poderia.

— Obrigada — sussurrou Charlotte. Era a primeira vez que pronunciava uma única palavra desde que chegara ao restaurante.

Sebastian deu a sua irmã um sorriso encorajador, depois pôs o braço em volta do ombro dela novamente. Charlotte endureceu ao toque dele, mas o deixou conduzi-la para fora do restaurante, pela calçada, e fora de vista.

Finn observou-os ir embora antes de girar em seu banquinho e ficar de frente para mim novamente.

Eu suspirei. — Tudo bem. Eu sei que você sabe sobre o trabalho sobre o Vaughn. Eu percebi pela sua reação ao Sebastian. Então solte. Deixe-me saber disso. Diga-me que é um erro enorme, horrível e terrível que estou cometendo com ele.

Finn me lançou um olhar pensativo, depois sacudiu a cabeça. — Não direi ao papai, se é com isso que você está preocupada.

Pisquei. — Por que não? Você geralmente não é assim... Generoso.

O que eu realmente queria dizer era que ele era um completo dedo duro. Finn ficava muito feliz em me entregar a Fletcher sempre que eu fazia algo errado, geralmente gargalhando alegremente o tempo todo.

Finn franziu os lábios, dando-me um olhar amargo. Mas então ele olhou as janelas do restaurante novamente antes de voltar para mim, seus olhos verdes escuros e sérios. — Olha, sei que você realmente gosta desse cara — disse ele. — Ele é rico, bonito e encantador o suficiente para me deixar com inveja. Se eu fosse você, provavelmente estaria na dele também. Eu meio que estava, de qualquer maneira.

— Mas?

— Mas, eu não sei. Há algo nele que eu simplesmente não gosto. É como se ele estivesse... Tentando muito. Como se tivesse alguma necessidade desesperada de fazer você gostar dele.

Bufei. — Isso vem do cara que passa mais tempo arrumando o cabelo de manhã do que eu. Se isso não é desespero, eu não sei o que é.

Finn fungou, mas estendeu a mão e tocou seu cabelo, certificando-se de que todas as mechas escuras ainda estavam perfeitamente no lugar. — Não é minha culpa que você pense que prender o cabelo em um rabo de cavalo todo dia do ano é o estilo do momento.

Eu olhei para ele. Finn olhou para mim, mas depois de um momento, seu rosto suavizou. — Ciúme e tudo mais de lado, você sabe que ele nunca será bom o suficiente para você, certo?

Bufei novamente. — De acordo com você, o único cara que já foi bom o suficiente para mim era você.

— Verdade. — Ele sorriu. — Isso verdade.

Alguns verões atrás, Finn e eu tivemos mais do que um relacionamento irmão-irmã – muito mais. Talvez fosse inevitável, estar perto um do outro por tanto tempo, vivendo, lutando e treinando juntos, lentamente assumindo o negócio de assassinato de Fletcher juntos. Talvez fosse a natureza secreta da vida que levamos e o fato de que só poderíamos confiar um no outro e não em estranhos. Ou talvez tenha sido todos aqueles hormônios adolescentes furiosos em nossos sistemas. De qualquer maneira, nós passamos um verão longo e quente juntos antes de percebermos que éramos melhor como amigos.

De certa forma, Finn e eu éramos muito parecidos para ter qualquer tipo de relação romântica duradoura. Duros demais, frios demais, impiedosos demais, cada um de nós sempre pensando nos ângulos que poderíamos jogar e na melhor maneira de conseguir exatamente o que queríamos do outro. Em outras coisas, éramos diferentes demais. Ele ainda era caloroso, despreocupado e divertido, todas as emoções que foram tiradas de mim na noite em que minha família foi morta.

Hoje em dia, nós tínhamos mais uma rivalidade entre irmãos, especialmente quando se tornou mais e mais aparente que eu era mais adequada ao trabalho sujo de ser um assassino do que Finn. Às vezes, eu não achava que Finn se importava com os sentimentos que eu tinha por outros caras, tanto quanto se incomodava por eu estar muito mais perto de Fletcher nessa questão particular.

— Na verdade — disse Finn, bufando —, eu também era bom demais para você. Arruinei você para todos os outros homens.

— Dificilmente. Eu tive relacionamentos mais longos, mais profundos e significativos com cheeseburgers do que com você.

— Sim, mas pelo menos eu não fui direto para o seu traseiro — disse ele, em um tom presunçoso e superior.

Revirei os olhos e fiz aquele movimento ameaçador e cortante com o dedo novamente, deixando Finn saber exatamente o que eu queria fazer com ele. Na extremidade do balcão, Sophia riu da nossa brincadeira.

Finn e eu olhamos para ela, mas a anã gótica era imune aos nossos olhares cortantes, e ela continuou picando tomates para o resto dos sanduíches do dia. Ela podia nos pegar pelos nossos pescoços e nos sacudir como filhotes desobedientes, e todos nós sabíamos disso.

Finn fungou novamente, só para deixar Sophia saber o quanto ele estava irritado com ela. Então seu olhar brincalhão desapareceu, e ele me deu um olhar sério novamente.

— Brincadeiras de lado, apenas tenha cuidado com esse cara, ok, Gin? Um sorriso bonito pode esconder muitos pecados. — Ele fez uma pausa. — Confie em mim. Eu sei tudo sobre isso.

— Claro que você sabe. Você quebrou muito mais corações do que eu já cortei.

Apesar da minha brincadeira, Finn continuou me dando aquele olhar sério. — E não importa o que, você nunca deve contar a alguém todos os seus segredos.

Suspirei. — Não se preocupe. Não serei estúpida o suficiente para contar alguma coisa para o Sebastian sobre o que eu faço. Especialmente, já que envolverá o pai dele.

Ele balançou a cabeça. — Não estou falando apenas sobre o que fazemos, o que você faz. Estou falando sobre outras coisas.

— Que outras coisas?

Finn balançou a cabeça novamente. — Não posso te dizer isso. De verdade. É diferente para todos. Mas o mais engraçado é que você nem saberá que eles são segredos até depois de dizê-los... E perceber que é tarde demais para voltar atrás.

Eu olhei para ele, incrédula. Eu não sabia o que poderia ser mais importante do que o que eu fazia como a Aranha. Esse era o segredo mais profundo, mais escuro e mais negro do meu coração. Bem, isso e o que aconteceu na minha família. Mas eu não contaria isso para ninguém – jamais.

Finn continuou olhando para mim, seu rosto de repente parecendo tão velho e sábio quanto o de Fletcher, como se ele soubesse algo importante que eu não sabia. Então assenti, como se entendesse exatamente o que ele estava pensando, mesmo que eu não tivesse a menor ideia.

— Não se preocupe — eu disse. — Eu não contarei a Sebastian Vaughn nenhum dos meus segredos. Confie em mim. Depois dessa noite, eu serei a última coisa na mente dele.


Capítulo 9

 

Duas horas depois, eu estava sentada em uma van do lado de fora da entrada da Vaughn Construções.

Já passava das oito horas, e os raios quentes do sol poente fazia a cerca de arame que rodeava o local brilhar como prata derretida. Luzes de segurança estavam em intervalos de quinze metros ao longo da cerca, lançando pequenas poças de fraca luz branca contra a escuridão invasora. Dois guardas gigantes vigiavam a entrada principal, sentados em seus frágeis bancos de madeira e folheando revistas para tentar aliviar seu tédio de trabalhar no turno da noite. Mais longe no complexo, luzes brilhavam nas janelas do escritório de Vaughn. Ele estava trabalhando até tarde novamente, assim como havia feito todos os dias que eu o vigiei.

— Você tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou Fletcher pela terceira vez desde que saímos de casa. — Vaughn tem muito em mente agora, com o colapso do terraço e os processos iminentes. Sem mencionar o encontro com Mab na festa de Dawson. Ele deve estar nervoso e no limite.

Pensei na cautela nos olhos de Charlotte hoje mais cedo no Pork Pit e na maneira como ela observou o restaurante de novo e de novo, como se esperasse que alguém a machucasse a qualquer segundo.

— Tenho certeza.

— Você tem certeza de que tem tudo o que precisa? — perguntou Fletcher.

Após terminar meu turno no restaurante, troquei minha calça jeans e avental azul por minhas outras roupas de trabalho, as que só era de uma cor: preto. Agora eu o usava da cabeça aos pés – uma camiseta preta de mangas compridas, calça cargo preta e botas pretas. Um colete preto forrado com silverstone cobria meu peito. Além de absorver todas as formas de magia elemental, o silverstone era ótimo em deter as balas, e o colete ajudaria a me manter a salvo de quaisquer explosões de magia ou rajadas de tiros que Vaughn enviasse em minha direção. Apesar do calor sufocante, eu também puxei meu cabelo para trás e coloquei meu rabo de cavalo debaixo de um capuz preto confortável. Como uma precaução final, eu esfreguei um pouco de maquiagem preta sob os olhos para quebrar a palidez do meu rosto e me ajudar a me misturar com as sombras.

— Gin? — perguntou Fletcher novamente. — Nunca é demais fazer uma verificação final para ter certeza.

Ele gostava de estar o mais preparado possível, especialmente quando se tratava de ter certeza de que você não havia se esquecido de suprimentos importantes. Às vezes, Fletcher checava e verificava novamente suas armas duas, três ou até mais vezes antes de estar satisfeito e pronto, e me ensinara a fazer a mesma coisa.

Então mudei de posição em meu assento, fazendo um último inventário mental de minhas facas. Duas na minha manga, uma colocada nas minhas costas, e duas nas laterais das minhas botas, como de costume. Eu não estava carregando uma arma. Eu não precisava de uma. Não esta noite.

Não para este trabalho.

— Sim, eu tenho tudo.

Fletcher assentiu e olhou através do para-brisa para o complexo novamente. A Vaughn Construções ocupava um quarteirão cercado no centro da cidade, embora estivesse mais perto de Northtown do que de Southtown. Várias empresas se alinhavam na rua em frente ao complexo. Fletcher estacionou a van no estacionamento de um restaurante com uma dúzia de outros carros, e ninguém deu atenção a ela ou a nós. Ele era bom em escolher o lugar certo para se misturar com o ambiente.

— Sophia me disse que o rapaz foi ao restaurante hoje — disse Fletcher. — Sebastian.

Eu fiquei tensa. Estava tão preocupada com Finn dizendo a ele que nunca considerei que Sophia pudesse fazer isso.

— Sim. E daí? Isso não importa.

— Sophia disse que vocês ficaram muito confortáveis juntos.

— Não tão confortáveis — eu disse. — Considerando que ele levou a irmãzinha junto com ele.

— Não seja uma espertinha. Essa é a coisa do Finn.

Dei de ombros.

Fletcher balançou a cabeça. — Ainda há algo de que não gosto neste trabalho. E não é apenas o interesse do garoto em você.

Eu me arrepiei. Ele disse interesse como se fosse a pior coisa possível o Sebastian gostar de mim.

— Não se preocupe com isso — eu disse; minha voz áspera. — Depois que eu matar o pai dele, Sebastian esquecerá de mim. Ele terá muitas outras coisas para lidar. Nem se lembrará de uma garçonete aleatória com quem ele deveria sair. Mesmo se ele lembrar, eu duvido que ele venha bater à minha porta em breve. Então veja, você não tem nada com o que se preocupar. Problema resolvido.

As palavras eram tão verdadeiras como quando eu as disse para Finn mais cedo. E mais uma vez, elas dispararam uma flecha de dor diretamente em meu coração. Fletcher olhou para mim, seus olhos verdes brilhantes e procurando.

Eu retornei seu olhar com um frio, plano e impassível olhar. Não importava como eu me sentisse em relação à Sebastian, não havia tempo para nenhum tipo de sentimento suave.

Após alguns segundos, ele assentiu. — Você provavelmente está certa.

Ele respirou fundo, como se fosse dizer algo mais. Eu esperei, esperando que ele me perguntasse mais uma vez se eu realmente queria fazer isso, mas ele não perguntou. Em vez disso, sua boca se curvou com um pouco de tristeza, embora eu não fizesse a menor ideia do motivo.

— Só tenha cuidado — disse Fletcher finalmente.

Assenti. — Sempre.

 

* * *

 

Saí da van. Fletcher ficou onde estava ao volante, no caso das coisas não saírem como planejado e eu precisar fazer uma fuga rápida. Mas eu não previa nenhum problema – estava motivada demais para fazer isso.

Abaixei a cabeça, enfiei as mãos nos bolsos e caminhei pela rua, afastando-me do portão principal do complexo. Mantive meu ritmo lento e fácil, como se estivesse fora para um passeio tarde da noite, em vez de me preparar para matar um homem por dinheiro. Pensei em assobiar para adicionar cobertura, mas decidi contra. Finn poderia ter se entregado a tal teatralidade, mas eu não.

Cheguei ao final do quarteirão e arrisquei um rápido olhar ao redor. Mais adiante na rua, perto da van de Fletcher, as pessoas riam, conversavam e fumavam debaixo do toldo vermelho de um restaurante que se estendia até o meio-fio. O nome Underwood’s estava escrito no tecido do toldo, em letras douradas e elaboradas. Algum lugar novo e chique que eu ouvi falar através de Finn, o tipo de lugar elegante onde eles cobravam dez pratas por um copo de água da torneira. Alguns carros também passavam pela rua, mas ninguém olhava na minha direção.

Bom. Isso tornaria mais fácil.

Quando eu estava certa que ninguém me observava, atravessei o cruzamento, de modo que fiquei na rua, de frente para o complexo da construção. Fiz uma pausa novamente na esquina, como se fosse para o quarteirão seguinte, meu olhar examinando tudo. Satisfeita que a barra ainda estava limpa, virei à esquina, saí da rua, deslizei atrás de uma árvore e passei por alguns arbustos de ervas daninhas até chegar à cerca de arame que rodeava a Vaughn Construções.

Agachei-me, olhando à esquerda e direita por qualquer pedestre ou tráfego de veículos na calçada ou rua, e tentando ouvir qualquer som no complexo. Algum sussurro de roupa se esfregando, o arrastar de botas no chão duro, até as pegadas suaves de um cão de guarda.

Nada – não vi nem ouvi nada.

Abri o zíper de um dos bolsos do meu colete, tirei um pequeno cortador de arame, e rapidamente cortei uma linha reta nos elos de metal. Apesar de todo o equipamento caro que estava ali, Vaughn pensou que a cerca e todas as luzes ao redor eram suficientes para manter as pessoas fora, e não se incomodou em eletrificar o metal. Idiota. Fiquei levemente surpresa que membros de alguma gangue de Southtown não tivessem chegado até aqui, subido na cerca e roubado alguns caminhões de Vaughn, conduzindo-os através dos elos de metal.

Decidi fazer meu ataque a Vaughn aqui, já que havia menos segurança na construção do que em sua propriedade. Eu não sentia vontade de me esquivar de guardas gigantes para chegar perto o suficiente para tentar matá-lo. Além disso, eu não queria que Sebastian, e especialmente Charlotte, encontrassem o corpo do pai depois. Eu os pouparia daquele trauma.

Esperava que os policiais retirassem o cadáver de Vaughn do complexo antes de notificarem Sebastian da morte de seu pai, embora eu não fosse excessivamente otimista quanto a isso. A po-po era tão desonesta e preguiçosa que não me surpreenderia se fizessem com que Sebastian pagasse para que o corpo de seu pai fosse tirado em tempo hábil. Mas isso era um problema para amanhã. Eu precisava me concentrar no que estava fazendo hoje à noite.

Quando terminei de cortar o metal, recoloquei o alicate no colete e fechei o bolso de novo. Além do resto das minhas roupas pretas, eu também estava usando finas luvas de couro pretas, então eu não estava preocupada em deixar nenhuma impressão digital ou me cortar na cerca enquanto cuidadosamente afastava as bordas cortadas.

Escorreguei pela abertura para o outro lado e coloquei os elos de volta no lugar, certificando-me de que eu poderia lembrar o local exato que eu havia cortado, no caso de ter que sair com pressa. Então, ainda agachada, eu comecei a me dirigir para o prédio de escritórios no centro do complexo.

A maior parte do espaço atrás da cerca foi ocupada por fileiras e fileiras de equipamentos de construção. Tratores, retroescavadeiras e outras máquinas projetadas para escavar a terra e depois despejar em caminhões para levar para longe. Misturadores de cimento para assentamento de fundações, guindastes para içar as vigas no alto, e todos os outros equipamentos que você precisaria para preencher os espaços entre eles. Algumas construções externas de metal também se encontravam aqui e ali, cheias de ferramentas menores, fios, tintas, paredes de gesso e outros suprimentos.

À medida que eu deslizava de um equipamento e uma poça de escuridão para outra, escutei a pedra ao meu redor.

Tijolos, concreto, granito... Todos os tipos de pedra podiam ser encontrados em todo o complexo, alguns deles em campo aberto, como os sólidos blocos de concreto empilhados uns sobre os outros, enquanto outros, mais caros e delicados, ficavam atrás de lugares trancados, como o mármore que eu podia ouvir murmurando em uma das construções.

A maioria dos sussurros falava do tremor, do sacudir e do rolar de maquinaria pesada, enquanto as pedras eram continuamente recolhidas e movidas de um lugar para outro antes de serem enviadas para seus destinos derradeiros. Mas algumas das peças mais polidas, como as bancadas de mármore, cantavam de forma vaidosa sobre sua beleza suave e brilhante e de como ficariam lindas em qualquer nova casa em que acabassem sendo instaladas. As pedras mais sensatas e utilitárias resmungavam em resposta, não tendo nenhuma utilidade para o mármore frívolo. Eram tijolos duros, fortes e resistentes, destinados a proteger, sustentar e resistir a toda a chuva, vento, sol e neve a que estariam expostos. Isso era mais do que suficiente para eles.

Vaidade, inveja, exasperação... De muitas formas, as pedras eram como as pessoas, com orgulho, inseguranças e emoções para combinar.

Mas quanto mais eu ouvia, mais percebia que havia uma... Escuridão nas pedras. Não, não apenas a escuridão – o mal, a intenção maligna.

Ela ondulava por todo o local, desde os tijolos e blocos de cimento do lado de fora até as finas lajes de mármore e granito abrigadas dentro da dependência. Um presságio sombrio e agourento de que alguém ali era capaz de fazer coisas muito ruins a qualquer momento – e já cometera alguns pecados horripilantes naquele lugar. Uma pilha particular de tijolos praticamente zumbia com sussurros duros e assassinos, indicando que um ou mais deles foram usados para esmagar a cabeça de alguém e que a pessoa não se recuperou do ataque brutal.

Meu próprio humor escureceu em resposta aos gritos cruéis das pedras. Eu conhecia a causa de toda a comoção: Cesar Vaughn. Era mais um prego no caixão da sua culpa, do meu ponto de vista. Este era seu complexo, seu negócio, sua propriedade, então só fazia sentido que as pedras absorvessem suas emoções e intenções, especialmente desde que ele tinha o mesmo poder sobre elas que eu. As pedras tendiam a reagir ainda mais aos Elementais que podiam controlá-las, sentindo sua conexão primordial com os Elementais e refletindo suas ações mais intensamente.

Mas deixei os maliciosos murmúrios fora da minha mente e continuei em direção à construção principal do prédio, que era feita de lindos tijolos cinza. Alguns gigantes vagavam pelo local perto da estrutura, projetando suas lanternas sobre as fileiras de equipamentos e as fechaduras das construções, mas seus movimentos eram lentos, desleixados e indecisos. Eles não estavam esperando nenhum problema. Bom.

Eu me agachei nas sombras atrás de uma caminhonete e esperei até que os gigantes mudassem para a próxima parte de sua varredura de segurança. Então corri os últimos dez metros até a sede. Se estivesse fazendo o ataque durante o horário comercial, eu teria andado até a porta da frente, a aberto e ido direto para dentro, como se eu pertencesse aqui. Mas desde que havia um guarda gigante postado na recepção na entrada e esse não era exatamente um encontro de negócios, a abordagem direta estava fora de questão.

Em vez disso, eu me esgueirei ao redor do prédio até chegar a uma doca de carregamento no lado leste. A grande porta de metal estava fechada e trancada. Mesmo se eu tivesse a força para abri-la, teria feito muito barulho. Então fixei minha atenção em uma porta normal na parede a poucos metros de distância. Olhei através do vidro, mas o corredor do outro lado estava vazio, como eu esperava que estivesse. De acordo com meus cálculos, Vaughn deveria ser o único ainda dentro do prédio, além do guarda sentado na recepção.

Dei mais uma olhada, desta vez estendendo a mão e ouvindo os murmúrios dos tijolos para qualquer sinal de perigo, surpresa ou desconforto. Mas os mesmos sussurros de antes ecoaram para mim, talvez um pouco mais agudo, já que cheguei mais perto da minha vítima e do meu próprio objetivo assassino.

Satisfeita pela barra estar limpa, estendi a mão e tentei a maçaneta da porta. Trancada, mas eu poderia consertar isso. Tirei uma das minhas luvas e abri a mão, palma para cima.

Então alcancei minha magia de Gelo.

O poder fluiu em minhas veias, como uma fonte de cristal frio enterrado dentro de mim. Eu podia senti-la da mesma maneira que podia ouvir as lascas do cascalho sob meus pés e os murmúrios dos tijolos que compunham o prédio. Mas eu não conseguia acessá-la tão facilmente. Toda vez que eu pegava esse poder gelado, ele deslizava para longe, como gotas de chuva congeladas caindo pelas minhas mãos. Ou talvez só parecesse assim porque a minha magia do Gelo era muito mais fraca do que o meu poder de Pedra.

Então eu me concentrei, e uma luz prateada cintilou, piscou e finalmente se acendeu na palma da minha mão, centralizada na cicatriz da runa de aranha. Demorei um minuto, mas consegui reunir magia suficiente para formar duas formas pequenas e finas: picadores de gelo. Por que carregar um kit de arrombamento quando você pode fazer o seu?

Recoloquei a luva e fui trabalhar na fechadura com os picadores de gelo. Menos de um minuto depois, as travas se encaixaram e a porta se abriu. Larguei os picadores no cascalho, onde logo derreteriam; dada a noite quente e abafada. Então respirei fundo, entrei e silenciosamente, fechei e tranquei a porta.

Parei no final de um longo corredor que se estendia por cerca de quinze metros antes de se dividir para esquerda e direita. Fiz uma pausa novamente, olhando e ouvindo, mas não ouvi nenhum passo pesado vindo da frente naquela direção. Nenhum farfalhar de roupas, nenhum rangido de outra porta se abrindo, e nada mais para indicar que alguém havia me visto aproximar, entrar no prédio e me dirigir a esse caminho. Essa foi outra razão pela qual eu decidi fazer o ataque aqui: a falta de câmeras de segurança. Ah, duas câmeras estavam colocadas na entrada do complexo, onde os guardas estavam sentados em suas cabines, mas não havia nenhuma dentro dos escritórios, o que significava que não havia chance de alguém ver ou gravar o que eu estava aqui para fazer.

Então me afastei da porta e fui em direção ao meu destino final: o escritório de Cesar Vaughn.

De acordo com tudo o que eu li e observei sobre ele, Vaughn não era o tipo de homem que se importava com muitas frescuras, então o prédio era sólido, mas simples. Tinta branca cobria o teto e grossos tapetes persas estendiam-se pelo chão, mas era só isso. Nenhuma arte decorava as paredes, não havia esculturas nos cantos, nem vasos de plantas empoleirados nas janelas. Este edifício era para negócios e somente negócios. Eu não conseguia decidir se gostava ou não.

Eu me movia rápida e silenciosamente pelos corredores, deslizando de uma parte da estrutura para a outra. Olhei para todos os cômodos pelos quais passei, mas todos os escritórios estavam escuros. Por um momento, eu me perguntei o que Sebastian estava fazendo hoje à noite, se ele tinha encontrado outra garota para passar a noite desde que eu recusei o seu convite, mas afastei a pontada de desejo que ondulou através de mim. Finn e Fletcher estavam certos. Eu deveria esquecer Sebastian, porque ele certamente faria isso comigo. Além disso, precisava me concentrar no trabalho a fazer, e não sonhar acordada como uma garota boba e sorridente que nunca esteve em um encontro antes.

Eu me esgueirei até o final do corredor em que estava me escondendo e espiei depois da esquina. O escritório de Vaughn estava no final do corredor seguinte. A porta estava fechada, mas ele estava lá. A luz vazava por debaixo da porta, destacando os fios dourados no tapete em frente a ela, e eu podia ouvir o leve toque de seus dedos no teclado. Senti-me segura o suficiente para ir até a porta do escritório.

Então, esperei.

Passou um minuto, depois outro, mas aquelas batidas no teclado mantiveram um ritmo suave e constante, enquanto Vaughn digitava qualquer relatório, e-mail ou outro trabalho que ele precisava terminar. Respirei fundo e alcancei a maçaneta para ver se a porta estava trancada...

Um telefone no escritório tocou, fazendo-me congelar e momentaneamente interrompendo Vaughn. Um fraco som soou quando ele atendeu e falou com quem estava do outro lado da linha.

Mordi meu lábio, odiando o atraso, mas eu não podia exatamente matá-lo enquanto ele falava ao telefone. Então respirei fundo, pensei em Charlotte, e espalmei uma das minhas facas de silverstone. O peso familiar da arma me estabilizou, centrou-me e preparou-me para o que viria a seguir: a morte de Cesar Vaughn.

Comecei a virar a maçaneta novamente, mas ela começou a girar sozinha. Tarde demais, percebi que eu não conseguia ouvir Vaughn falando ou digitando mais. Segurei uma maldição cruel, porque eu cometi um erro simples, de novato. Fui muito cautelosa, muito lenta, e esperei muito tempo para atacar. Agora ele estava saindo do escritório, por qualquer motivo.

E eu não tinha para onde ir.

Oh, eu poderia ter enfiado minha faca nas costas de Vaughn no segundo em que ele passasse pela porta, mas esse não era o meu plano. Não, eu precisava que ele estivesse em seu escritório antes de eu atacar, realmente fora do alcance do guarda na recepção do outro lado do edifício. Se eu tentasse matá-lo aqui no corredor, ele poderia gritar e o guarda vir correndo. A chance que isso acontecesse era pequena, mas eu não queria arriscar, não quando já havia estragado minha abordagem. Não, eu não podia matar Vaughn agora, a não ser que não houvesse outra escolha.

Meus olhos se moviam para a esquerda e para a direita, embora não houvesse nada para ver. O corredor era longo demais para ter qualquer esperança de correr e desaparecer na esquina antes que Vaughn saísse do escritório. Isso me deixava com apenas uma opção.

A porta se abriu e eu corri para trás da porta, grudando na parede, esperando que Vaughn não abrisse demais a pesada madeira e que ele não parasse para fechar a porta.

Mas Vaughn estava com pressa, e simplesmente empurrou a porta e começou a descer pelo corredor a um ritmo rápido. Segurei a madeira logo antes de bater no meu rosto, então, inclinei para um lado para poder espreitar por trás da borda da porta.

Vaughn nunca olhou para trás. Ele achava que estava sozinho, e isso tornava sua saída repentina mais intrigante. Não era como se ele estivesse andando para outro escritório para checar com um de seus trabalhadores, e eu não achava que ele estava saindo do prédio para ir embora. Caso contrário, ele teria aproveitado o tempo para apagar as luzes do escritório e pegar a pasta que sempre carregava. Eu hesitei, imaginando para onde ele estava indo e por que havia escolhido um momento tão inconveniente para ir até lá. Talvez tivesse algo a ver com a ligação que ele recebeu.

Eu não tinha escolha a não ser segui-lo. Pelo que eu sabia, Vaughn estava, de fato, correndo para casa, e eu não o deixaria chegar perto de Charlotte novamente. Não após ter visto aquele olhar sombrio e assombrado nos olhos dela hoje no Pork Pit. Eu queria matar Vaughn no escritório dele, a fim de minimizar o barulho e maximizar meu tempo de fuga, mas se eu tivesse que improvisar e matá-lo em outro lugar, assim seja.

Vaughn dobrou a curva do corredor e saiu de vista. Afastei a porta da parede, saí de trás e corri atrás dele.


Capítulo 10

 

Para minha surpresa, em vez de ir em direção à frente do prédio para falar com o guarda, Vaughn dirigiu-se para a doca de carregamento, saindo pela mesma porta que eu abri com minha magia de Gelo mais cedo. Fiquei aliviada de ter me lembrado de trancá-la. Vaughn a destrancou, e girando a maçaneta, foi para o outro lado, desaparecendo de vista de novo.

Segurei outra maldição, perguntando-me para onde ele estava indo e quantas maneiras eu poderia estragar uma tarefa fácil. Vaughn deveria estar sangrando no chão de seu escritório agora, não andando por aí como se não tivesse nada para se preocupar. Talvez Fletcher estivesse certo em continuar me vigiando. Eu não tinha sido exatamente a assassina calma e suave até agora nesta noite.

Determinada a terminar isso, corri até a porta, que estava aberta alguns centímetros porque Vaughn havia se esquecido de fechá-la. Apoiei minhas costas contra a parede, depois me agachei e inclinei a cabeça, de modo que pudesse espiar pela abertura entre a porta e o batente.

Vaughn estava a uns três metros, andando de um lado para o outro na doca de carregamento.

Ele não era um fumante, então isso não era uma pausa para o cigarro. Então, o que ele estava fazendo?

Recebi minha resposta dois minutos depois, quando um carro virou a esquina do prédio. Era um velho sedan azul-marinho, grande, robusto, quadrado e desgastado, o tipo de carro que os criminosos reconheciam no mundo inteiro. Um carro da polícia, se alguma vez eu vi um. Um dos guardas de vigia deve ter avisado a Vaughn que ele tinha um visitante.

O sedan rolou até parar e um homem saiu carregando uma pasta grossa de papéis. Em contraste com o terno de Vaughn, o outro homem estava vestido com calça cáqui, botas marrons arranhadas e uma camisa branca de algodão folgada com estampa de rosas cor-de-rosa berrantes. Um chapéu de palha empoleirava-se em sua cabeça, escondendo grande parte de seu cabelo castanho escuro, embora ele inclinou o chapéu para trás em sua testa, para que pudesse ter uma visão melhor de seu entorno. Seus olhos claros se moveram sobre o complexo, seu olhar frio e avaliador, desde o equipamento de construção, as dependências, até Vaughn na doca de carga. Ah, sim. Se ele não fosse um policial, eu comeria uma das minhas próprias facas – começando pela ponta.

Ótimo. Agora meus erros começavam a se multiplicar exponencialmente. Porque não só Vaughn tinha uma visita, o que significava que eu não poderia matá-lo agora, mas aquele visitante também era policial. Fletcher amaria isso. Ele não viria e diria eu avisei, mas definitivamente estaria pensando nisso.

Ainda assim, mantive minha posição, tentando pensar nas coisas e ver como tudo se desenrolava. Por que Vaughn se encontraria com um policial depois do expediente? Até onde Fletcher foi capaz de determinar, Vaughn não tinha nada ilegal combinado com a po-po, além de alguns subornos necessários. Mas Fletcher disse que havia algo nesse trabalho que não se encaixava. Talvez Vaughn tivesse um policial na sua folha de pagamento às escondidas. Policiais em Ashland não gostavam de seus pagadores sendo assassinados. Essa era uma das poucas coisas que levariam a uma investigação completa e abrangente sobre a morte de alguém. Naqueles casos, os policiais estavam ansiosos para descobrir quem que havia cortado o seu fluxo de caixa e puni-los adequadamente.

Estudei o policial mais um pouco, mas não o reconheci. Talvez Fletcher soubesse quem ele era quando eu o descrevesse. Além de todos os criminosos da cidade, o velho também mantinha o controle sobre o funcionamento interno do departamento de polícia, incluindo quem subia, quem estava em seu caminho, e quem era deixado de lado em termos de poder, prestígio e a posição.

O policial subiu os degraus até a doca de carregamento. Vaughn deu um passo à frente e os dois homens apertaram as mãos.

— Bela camisa, Harry — disse Vaughn.

Harry, o policial, fez uma careta. — Um presente de aniversário da minha filha. Você sabe o quanto ela gosta de rosas.

Vaughn sorriu. — Eu lembro. Então ela gostou do globo de neve que Charlotte deu para ela em seu aniversário?

— Ela adorou — respondeu Harry. — Especialmente desde que estava cheio de glitter rosa. Naturalmente, o rosa é sua cor favorita agora. Ela ainda fala sobre isso. Ela está ansiosa pela festa e em ver Charlotte novamente.

Vaughn assentiu. Entre todas as informações que Fletcher conseguiu, ele descobriu que Vaughn planejava fazer uma grande festa em poucas semanas em homenagem ao aniversário dele e de Charlotte, que acontecia no mesmo dia. Amigos, parentes distantes, parceiros de negócios. Vaughn convidou praticamente todo mundo que conhecia para sua festa, e estava planejando tudo, como a comida e as decorações, de acordo com Fletcher.

Pena que Vaughn não iria à grande festa.

Vaughn assentiu novamente. — Bom. Tenho certeza de que Charlotte ficará feliz em vê-la.

Os dois homens ficaram em silêncio, embora Vaughn não conseguisse parar de olhar para a pasta na mão do policial. Perguntei que segredos ela continha que eram tão importantes. Finalmente, Vaughn suspirou e inclinou a cabeça para a pasta.

— Diga-me — disse ele. — Diga-me o que você descobriu.

Harry hesitou, e a simpatia encheu seu rosto, suavizando momentaneamente seu olhar de policial. — Talvez você devesse ler o arquivo primeiro. Então podemos conversar sobre as coisas.

Vaughn continuou olhando para a pasta. — Então é tão ruim quanto eu temia.

— Pior, na verdade. Todas as suas suspeitas estavam corretas.

— Você tem certeza?

Harry assentiu. — Já revisei tudo. Declarações de testemunhas, manifestos de construção, registros de materiais, ordens de trabalho. Eu até tive um Elemental de Pedra que conheço entrando e dando uma olhada na cena do crime, incluindo os escombros que foram removidos. Ele concordou com sua avaliação. Você estava certo sobre o que aconteceu.

Cena do crime? Ele deveria estar falando sobre o desmoronamento do terraço no restaurante. Aquele que tantas pessoas gritavam por sangue e dinheiro de Vaughn. Ele deve ter convencido o policial a investigar o acidente – soava como se Vaughn pensasse que não fora um acidente, afinal de contas.

— Maldição. — Vaughn apertou a ponte do nariz, como se de repente tivesse uma dor de cabeça.

Eu franzi a testa, imaginando que suspeitas o policial havia confirmado e por que o conhecimento incomodava tanto Vaughn. Mas isso não importava muito. Tudo o que fazia era garantir que Vaughn morresse. Era para isso que eu estava aqui; essa era minha tarefa, meu trabalho. Nada mais. Não importava quanta curiosidade esse arquivo levantasse em mim.

Vaughn baixou a mão do rosto e se recompôs. Harry deu a ele o arquivo. Vaughn suspirou e, lentamente, levantou a pasta, como se pesasse tanto quanto um dos blocos de cimento no complexo.

— Obrigado por olhar isso para mim — disse Vaughn, estendendo a mão e agitando a do outro homem novamente. — Você era o único em quem eu podia confiar.

Harry deu-lhe um sorriso fraco. — O quê? Quer dizer que você confia mais nas ações de um policial velho de Blue Marsh do que no melhor de Ashland?

Blue Marsh? Nunca ouvi falar disso, mas o nome peculiar soava como uma espécie de cidade pequena. Fiz uma nota mental para perguntar a Fletcher onde era mais tarde.

Vaughn soltou uma gargalhada amarga e severa. — Você sabe o que os policiais por aqui são tão bem quanto eu.

Harry assentiu, em seguida, olhou para o amigo novamente. — Então, o que você fará?

Dessa vez, Vaughn olhou para o arquivo em sua mão como se fosse uma cobra venenosa, uma que estava prestes a mordê-lo. Seus lábios se curvaram com desgosto. — O que eu preciso fazer. Eu tenho que consertar isso, não importa o que me custar.

Harry assentiu novamente e deu um tapinha no ombro dele. — Tome cuidado, Cesar. Eu te verei na festa. Se precisar da minha ajuda enquanto isso, me avise.

Vaughn acenou e os dois homens apertaram as mãos pela última vez. Um pouco de esperança explodiu no meu peito, de que talvez eu ainda pudesse continuar com o trabalho, afinal, a esperança se intensificou quando Harry entrou no carro, deu a volta e foi em direção ao portão da frente. Vaughn viu o amigo sair. Então suspirou e os ombros caíram, como se uma carga de tijolos fosse fixada neles. Ele se virou para a porta – a que eu ainda estava me escondendo atrás.

Eu rapidamente me afastei da entrada, fiquei de pé, e corri pelo corredor e virei no canto. Com o coração disparado, deslizei por uma porta aberta do escritório quando Vaughn apareceu, e fiquei lá até que ele desapareceu de vista.

Vaughn foi direto para o escritório dele. Ele nunca se preocupou em olhar em volta para se certificar de que estava sozinho. Mas a minha falta de sorte continuou, porque ele deixou a porta aberta desta vez, o que significava que ele me veria antes que eu pudesse chegar perto o suficiente para matá-lo. Eu silvei em frustração. Em vez de apenas continuar com o negócio de matá-lo, mais uma vez precisei parar no corredor seguinte, agachar-me e dar uma olhada na esquina, olhando para o corredor e pela porta.

Vaughn jogou o arquivo em cima de sua mesa. Ele olhou para ele por um momento antes de se sentar, puxar a cadeira, abrir a pasta e folhear todos os papéis e fotos lá dentro. O que quer que Harry tenha lhe dado, não deixou Vaughn feliz. Sua carranca aprofundou-se e as rugas em seu rosto tornaram-se cada vez mais pronunciadas quanto mais ele lia as informações. No momento em que fechou o arquivo, ele parecia doente e abatido, como se o que estivesse lá dentro o tivesse enojado.

Vaughn olhou fixamente para a pasta fechada por quase um minuto. Em seguida, ele a afastou de seus pensamentos, pegou o arquivo, levantou-se da mesa e foi até o lado direito do escritório, fora da minha linha de visão. Alguns segundos depois, vários estalidos soaram, junto com o estalo afiado de uma alavanca sendo aberta e então o estrondo de uma porta se fechando. Meus olhos se estreitaram. Ele deve ter colocado a pasta em seu cofre de segurança, o qual estava escondido atrás de um painel no fundo de uma estante, de acordo com a informação de Fletcher.

Vaughn voltou à vista enquanto caminhava para o lado esquerdo de seu escritório. Desta vez, ouvi o tilintar de gelo caindo em um copo, seguido por barulhos de garrafas batendo e de líquido caindo. Agora ele se servia de uma bebida, tentando afogar a tristeza de tudo o que havia descoberto.

Esperei, pensando que Vaughn poderia levar sua bebida até a mesa, mas ele ficou onde estava, fora da minha linha de visão. Bem, se eu não podia vê-lo, então isso significava que ele não podia me ver também.

E eu estava pronta para terminar isso.

Levantei e desci o corredor, encostada na parede. Mais garrafas bateram, e fiz uma pausa, até perceber que Vaughn estava preparando outra bebida. Ele deve ter decidido tomar outra rodada, porque não ouvi mais nada quando me arrastei até a porta aberta, me encolhi contra a parede do lado de fora do escritório e olhei para dentro, tomando o cuidado de ficar mais quieta e oculta possível.

O escritório era uma área espaçosa, ocupando uma parte lateral do prédio, e era o único cômodo que eu vi até então que tinha um pouco de luxo nele. Mais grossos tapetes persas cobriam o chão, os tons vermelhos brilhantes e dourados criavam um bonito contraste contra a pedra cinzenta, enquanto todos os móveis eram feitos de madeira escura, desde a mesa antiga no fundo da sala até as cadeiras almofadadas que ficavam na frente dela, e das outras mesinhas que ficavam aqui e ali.

Mas a estante era a maior e mais impressionante coisa do escritório. Ocupava toda a parede direita do chão ao teto. Mas, em vez de estarem cheias de livros, as prateleiras repletas de modelos em miniatura. Arranha-céus altos e finos com pontas de silverstone brilhantes, longos shoppings completos com carrinhos de brinquedo estacionados em minúsculos estacionamentos pavimentados, uma estufa com painéis de vidro cintilante, até uma miniatura de um mausoléu cercada por um tapete de grama falsa e árvores esguias. Todas os modelos eram requintados em detalhes perfeitos, e todos eram feitos de vários tipos de pedra – granito para os arranha-céus, tijolos para o shopping, mármore para o mausoléu.

Reconheci alguns dos prédios, principalmente os arranha-céus do centro da cidade, desde que eles tinham formas tão distintivas. Os modelos devem ser versões em escala de alguns dos edifícios que Vaughn havia construído, restaurado e trabalhado. Seu próprio jeito de recordar suas conquistas. Eu me perguntei se ele tirou um tempo para fazer os modelos ele mesmo. Provavelmente, dada a sua magia de Pedra.

Meu olhar caiu dos modelos para um painel quadrado na parte inferior da estante de livros, o que escondia o cofre de Vaughn. Eu me perguntei se deveria fazer com que Vaughn abrisse o cofre antes de matá-lo, para que pudesse pegar o arquivo de informações e levá-lo para Fletcher. Mas decidi não fazer isso. Vaughn saberia que eu ia matá-lo de qualquer maneira, e uma luta significava mais risco de barulho e mais chances de ser descoberta. Além disso, os problemas de Charlotte desapareceriam com o pai morto, e isso era tudo que realmente me importava.

Vaughn se afastou do bar, um terceiro drinque na mão. Recuei um pouco, não querendo que ele me visse espreitando do lado de fora do seu escritório, mas ele nem olhou na minha direção. Em vez disso, ele olhou para o local onde estava escondido o cofre na estante de livros, antes de suspirar, ir até as janelas atrás da mesa, e virar as costas para a porta aberta – e para mim.

Eu queria me apressar, mas me forcei a acalmar meu coração e manter minha respiração firme. Esperei, pensando que Vaughn logo se cansaria da visão de blocos de concreto e misturadores de concreto, mas ele parecia satisfeito em beber sua bebida, olhar pelas janelas e pensar.

Eu não teria uma chance melhor do que essa.

Então tomei um fôlego, apertei minha faca com mais força e deslizei para o escritório, certificando-me de fechar a porta. Ela fechou com um chiado suave. Eu estremeci, pensando que Vaughn giraria ao ouvir o pequeno som, mas ele sacudiu os cubos de gelo em seu copo e ficou olhando pelas janelas, perdido em seus próprios pensamentos.

Com o coração ainda acelerado, eu tranquei a porta, estremecendo novamente com o leve clique que soou, depois me dirigi para Vaughn. Os tapetes grossos abafaram meus passos, mas eu ainda tomei cuidado para não farfalhar minhas roupas – mais do que o necessário. Eu fui da porta para as cadeiras na frente de sua mesa. Fiz uma pausa, mas Vaughn ainda parecia alheio à minha presença, então eu me movi em torno das cadeiras e me alinhei com ele, de modo que eu tinha um tiro direto em suas costas. Depois, avancei na ponta dos pés, ainda me movendo devagar, com cuidado e em silêncio.

Estava a três metros dele, perto o suficiente para sentir o cheiro do uísque que estava bebendo...

Dois metros... As luzes do teto faziam os fios prateados em seus cabelos brilharem como as pontas afiadas dos arranha-céus nas estantes de livros...

Um metro e meio... As facetas do copo de cristal em sua mão piscavam para mim, uma após a outra...

Um... Agora eu pegava uma sugestão do suor e serragem do dia que se agarrava a pele dele...

Meio... Vai!

Levantei minha faca para atacar, mas Vaughn deve ter finalmente ouvido os avisos afiados das pedras sobre mim, ou talvez ele tenha visto meu reflexo nas janelas, ou talvez eu tenha sido apenas muito devagar novamente. De qualquer forma, ele se virou no último segundo possível.

Vaughn viu minhas roupas pretas e a faca na minha mão em um instante. Seu cérebro acelerou, e ele largou sua bebida, se jogando para um lado, fora do caminho do meu ataque mortal. Minha faca escorregou pela janela com um guincho alto e ensurdecedor, como se fosse um diamante com o qual eu estivesse tentando cortar o vidro. Estremeci e perdi meu aperto na lâmina, que bateu no chão. Eu não queria perder tempo tentando alcançá-la, então espalmei outra faca e virei para ele.

Ele correu para o lado direito de seu escritório e encostou as costas na estante de livros. Mas não correu para a porta. Em vez disso, um olhar sombrio e determinado encheu seu rosto, e ele estendeu a mão, pegando um modelo de pedra de um centro comercial na prateleira. Aumentei meu aperto na faca e comecei a avançar. Vaughn recuou e jogou o modelo para mim, sua mira surpreendentemente boa. Mas isso não foi tudo o que fez. Quando a pedra atravessou o ar em direção à minha cabeça, senti uma onda de magia sair de Vaughn.

O modelo se partiu em centenas de pedaços.

Era como se uma bomba tivesse explodido na minha cara. Estilhaços afiados zuniram no ar, tudo propositadamente arremessado em minha direção pela magia de Vaughn. Um truque legal, que eu teria que lembrar para meu uso pessoal mais tarde. Por instinto, eu levantei minha mão e peguei minha própria magia de Pedra, usando-a para endurecer minha cabeça, cabelo, pele e olhos. Os estilhaços atingiram o meu corpo como unhas, mas as partes irregulares não podiam penetrar na minha pele, graças ao escudo protetor da minha magia.

Silêncio.

Então levantei a mão, escovei as partes de pedra quebrada das minhas roupas e olhei para o meu alvo.

Os olhos de Vaughn se arregalaram a ponto de quase sair do rosto, como se eu tivesse feito algo surpreendente, que ele simplesmente não podia acreditar. — Sua magia... É tão forte...

E foi tudo o que ele conseguiu dizer antes que eu voltasse à ofensiva.

Dei um passo à frente, mas Vaughn era mais rápido do que eu. Ele pegou outro modelo, este um arranha-céu, arremessou-o em mim e usou sua magia para fazer a pedra explodir em meu rosto novamente. Mas eu ainda estava usando o meu próprio poder, e o estilhaço atingiu meu corpo e se afastou da mesma forma que antes.

Nós lutamos de um lado ao outro, com Vaughn se movendo de um lado da estante para o outro, pegando todos os modelos que ele poderia colocar suas mãos e jogá-los em mim como granadas. Mantive minha própria magia de Pedra e corri atrás dele, mas suas bombas de modelos em miniatura me atrasaram.

Mas, lentamente, comecei a cansá-lo. Vaughn era forte em sua magia, mas estava colocando todo o seu poder em suas explosões de bomba. Era muito mais difícil e muito mais cansativo destruir ativamente grossos pedaços de pedra sólida repetidas vezes, enquanto eu tinha a tarefa mais fácil e menos intensiva de manter minha pele dura o suficiente para resistir aos ataques.

Vaughn jogou outro modelo em mim, mas este apenas se partiu em dois pedaços, em vez de se estilhaçar como todos os outros. Sua respiração ficou em suspiros irregulares, e o suor escorria pelo seu rosto devido ao intenso esforço e da enorme quantidade de energia que ele havia gasto. Eu podia sentir o resto de sua magia caindo, como as lascas de pedra caindo do meu colete silverstone. Ainda assim, ele fez um esforço final para me derrubar, desta vez com um modelo particularmente grande de uma mansão de vários andares. Mas, mais uma vez, ele somente conseguiu dividir a pedra em duas partes, que despencaram no chão antes mesmo de chegarem perto de mim. Vaughn continuou lutando, porém, sua mão voltando para as prateleiras por outro modelo...

E voltou vazia.

Seus olhos se arregalaram novamente ao perceber que havia usado todas as suas armas improvisadas, e seu olhar em pânico foi para a porta, como se finalmente pensasse em fugir. Eu precisava terminar a luta – agora.

Então eu fiz.

Enquanto ele hesitava, eu avancei, levantei minha faca e enfiei-a no peito dele.

Vaughn abriu a boca para gritar, mas apertei minha mão enluvada sobre os lábios dele, abafando o som. Ele já havia feito muito barulho ao disparar suas granadas de modelo, e era uma maravilha que o guarda já não tivesse vindo para checá-lo – se ele não estivesse correndo para cá neste exato segundo.

O corpo de Vaughn ficou frouxo contra meu, e eu sabia que o trabalho estava finalmente terminado.

Puxei a faca e comecei a me afastar, mas ele estendeu a mão e agarrou meu braço, seu aperto ainda surpreendentemente firme, dado o sangue jorrando de seu peito.

— Não sei quem te mandou, mas se é sobre o que aconteceu no restaurante... — murmurou. — Deixe... Minha família... Fora disso... Poupe... Eles... Por favor...

Inclinei-me para mais perto para que ele pudesse ver a frieza em meus frios olhos cinzentos. — Eu estou poupando-os... De você. Você acha que poderia bater em sua filha e se safar disso?

Vaughn franziu a testa, como se não entendesse o que eu estava falando. Difícil pensar quando seu cérebro estava desligando junto com o resto do seu corpo. Mas depois de um momento, compreensão surgiu em seus olhos escuros, junto com tristeza.

— Charlotte — murmurou novamente, sua voz ainda mais fraca do que antes, o sangue borbulhando em seus lábios. — Charlotte...

Então a luz desapareceu de seus olhos, sua mão saiu do meu braço e ele caiu no chão.

Morto.


Capítulo 11

 

Permaneci lá e olhei para o corpo morto e contorcido de Cesar Vaughn.

Por que ele pensara em Charlotte no final? Ele era a pessoa que estava machucando ela. Ou talvez ele pensasse que quem me contratara me dissera para matar toda a sua família. Uma ocorrência bastante comum e uma suposição razoável em Ashland. Vaughn parecia achar que se tratava de uma vingança pelo desmoronamento do terraço. Talvez ele tenha raciocinado que eu recebi ordens para matar seus entes queridos, como uma retribuição olho por olho pelos mortos e feridos. Mas essa não era a minha tarefa.

E pela primeira vez, me perguntei por que não era.

Se alguém realmente queria machucar Vaughn, feri-lo, fazê-lo sofrer como eles tinham sofrido, então eu deveria ter sido contratada para matar Charlotte e Sebastian também. Não que eu machucaria uma criança, mas se isso fosse realmente sobre vingança, seria de se esperar que meu misterioso empregador teria desejado atingir Vaughn onde ele mais sentiria. Obviamente que seria assassinando sua família. Além disso, a vingança teria sido um movimento óbvio e lógico, e o motivo para alguém que foi ferido no colapso do terraço ou que havia perdido um ente querido por causa disso. Mas alguém simplesmente queria Vaughn morto.

Agora eu não me importava com essas tarefas curtas, fáceis e diretas. Na verdade, senti muita satisfação por ter eliminado a ameaça para Charlotte e conseguido um pouco de vingança para as vítimas do acidente e suas famílias. Mas, com o trabalho sujo feito, pela primeira vez as dúvidas sussurravam em minha mente, dúvidas sobre do que isso realmente se tratava, quem exatamente queria Vaughn morto, e por quê.

Eu suspirei, percebendo que estava me preocupando demais, assim como Fletcher... Mas era tarde demais para dúvidas e perguntas não respondidas. O trabalho estava terminado, e Cesar Vaughn sangrava no chão, seu sangue encharcando os tapetes, os fragmentos de seus modelos de pedra já resmungando sobre o assassinato de seu mestre.

Ainda assim, eu não conseguia acalmar os sussurros preocupados em minha mente ou me livrar dos avisos que Fletcher perfurara na minha cabeça ao longo dos anos, então passei pelo corpo de Vaughn e me agachei na frente da estante de livros. Só levei um momento para deslizar para trás o painel de madeira que escondia o cofre. Era um aparelho robusto e antiquado, uma caixa de metal grossa e cinza com uma simples trava. Insira os números apropriados, puxe a alavanca e o cofre se abrirá. Eu não tinha a combinação, mas eu ainda olhava para a fechadura, imaginando se eu poderia de alguma forma usar minha fraca magia de Gelo para quebrá-la e abrir a porta dessa maneira...

Uma forte batida soou na porta. Eu virei em um joelho, minha faca ensanguentada ainda apertada minha mão.

— Sr. Vaughn? — Uma voz abafada soou através da madeira. — Você está bem? Achei ter ouvido algum tipo de briga aqui.

Então o guarda finalmente veio investigar, afinal.

— Sr. Vaughn? Você está aí?

A qualquer segundo, o guarda giraria a maçaneta para tentar entrar e verificar seu chefe. Quando percebesse que a porta estava trancada, ele provavelmente ficaria ainda mais preocupado, talvez até mesmo quebrasse a madeira com seu enorme ombro.

Hora de ir embora.

Levantei e corri para as janelas na parte de trás do escritório, certificando-me de pegar a faca que deixei cair antes durante a minha luta com Vaughn.

— Sr. Vaughn? — chamou o guarda novamente. — Você está bem?

A maçaneta sacudiu enquanto ele tentava abrir a porta.

Eu deveria fugir enquanto a chance era boa, mas hesitei, com meu olhar voltando rapidamente para o cofre. Finn poderia ter aberto se estivesse aqui, provavelmente antes que o guarda entrasse no escritório, mas eu não era tão boa com trancas quanto ele, principalmente com algo um pouco mais sofisticado como um cofre. Além disso, minha fuga era mais importante do que qualquer informação que eu pudesse encontrar.

Então, abri uma das janelas, saí do escritório do magnata da construção e desapareci na noite.

 

* * *

 

Atravessei o complexo até a abertura que eu cortara na cerca e voltei para o quarteirão onde Fletcher esperava na van. Abri a porta do passageiro e entrei. Ele me estudou, procurando por ferimentos e observando o sangue que cobria meu colete, camisa e luvas.

— Problemas?

Balancei a cabeça. — Vaughn usou um pouco de sua magia de Pedra para tentar me combater, mas consegui pegá-lo no final. Sequer estou ferida, então não temos que ir a Jo-Jo hoje à noite.

Eu disse a ele tudo o que aconteceu, incluindo o visitante misterioso de Vaughn.

— Harry? — perguntou Fletcher, seus olhos verdes se aguçando com interesse até brilhar como um gato na penumbra. — Esse era o nome do policial? Você tem certeza?

— Sim. Por quê?

— Nenhuma razão.

A voz de Fletcher era tão suave como sempre, mas ele hesitou um segundo a mais antes de me responder. Eu o interpretei da mesma maneira que ele olhou para mim quando entrei na van. Eu me perguntei o que ele sabia sobre Harry que eu não sabia.

— Esse policial deu a Vaughn um arquivo? — perguntou Fletcher. — Que tipo de arquivo?

Encolhi os ombros. — Não sei. Não dei uma olhada nele, nem em nenhuma das informações antes que Vaughn guardasse no cofre.

— Então, vou ver se consigo encontrar uma cópia do relatório policial — murmurou Fletcher. — Pode fazer alguma menção ao cofre e ao que está dentro dele.

— Mas isso não importa muito agora, não é? O trabalho está terminado e Vaughn está morto. Você pensou que esta atribuição seria um problema, mas veja? Está tudo bem, assim como eu lhe disse que seria.

Fletcher olhou pelo para-brisa e tamborilou com os dedos no topo do volante. Pensando. — Talvez. Mas eu ainda gostaria de saber o que estava naquele arquivo que deixou Vaughn tão furioso e incomodado, especialmente se tivesse algo a ver com o acidente do restaurante.

— O policial, Harry, mencionou uma cena de crime.

Deliberadamente usei o nome dele novamente para ver se Fletcher reagiria, mas ele não fez mais do que piscar. Talvez eu só tenha imaginado sua hesitação anterior.

— Ele deveria estar falando sobre o restaurante.

— Sem dúvida. — assentiu Fletcher, como se tivesse tomado algum tipo de decisão. — Mas você está certa. O trabalho está feito – por esta noite. Vamos levá-la para casa para que você possa se limpar.

Ele girou a chave na ignição, e a van voltou à vida. Fletcher saiu do estacionamento, virou à direita e dirigiu pelo complexo da construção. Os guardas não estavam mais sentados dentro da guarita no portão principal, e parecia que todas as luzes tinham sido acesas dentro do prédio. Sem dúvida, os guardas vasculhavam todos os aposentos, escritórios e corredores pelo assassino de seu chefe. Mas não deixei nada para trás para eles encontrarem – exceto o corpo de Vaughn.

Sorri, e mais daquela satisfação sombria surgiu em mim. Vaughn estava morto, Charlotte estava em segurança, e o trabalho estava terminado. Quem ordenou o ataque e a razão era apenas ruído de fundo agora, e logo desapareceria.

Fletcher se inclinou e ligou o rádio receptor da polícia preso ao painel do furgão. Outra de suas precauções de segurança.

— Recebemos uma ligação da Vaughn Construções — uma voz estalou na linha. — Há um corpo.

Outra voz estalou em resposta. — Entendido. Apenas descendo a rua desse local. No meu caminho até lá.

Ao longe, uma sirene começou a soar. Alguns segundos depois, um par de luzes piscando em azul e branco apareceu a três quarteirões, vindo em nossa direção. Minhas mãos enrolaram em meus braços, e tensão substituiu a minha satisfação – eu ainda estava coberta com o sangue de Vaughn, e os policiais sempre preparavam uma barreira.

— Sim — disse Fletcher, em uma voz calma, completamente despreocupada com a comoção. — Definitivamente, é hora de partirmos.

Ele parou a van no cruzamento no final do quarteirão. O velho esperou a polícia passar por nós, as luzes piscando e a sirene ainda ligada, e depois se dirigiu para casa.


Capítulo 12

 

A morte de Cesar Vaughn foi uma grande notícia em Ashland.

Maior do que pensei que seria, na verdade. A cobertura consumiu os jornais e ondas de rádio pelos próximos dias, enquanto história após história recapitulava todos os fatos terríveis sobre o assassinato, e, em seguida, especulava sobre quem havia feito isso e por quê.

Naturalmente, o pensamento mais óbvio era que um dos membros da família das vítimas do desmoronamento do terraço decidira resolver o assunto com as próprias mãos. Os policiais zelosamente investigaram cada pessoa que poderia ter um ressentimento contra Vaughn por causa da tragédia, mas eles não encontraram nada. Outra razão pela qual eu decidi fazer o trabalho em uma noite de terça-feira: havia menos chance de um dos entes queridos das vítimas não ter um álibi. As pessoas tendiam a esperar até o fim de semana para tramar alguma coisa.

Era também por isso que eu fiz o trabalho no escritório de Vaughn e fui tão cuidadosa em não deixar nenhuma evidência para trás, então seria exatamente como o trabalho contratado que era. Posso ser uma assassina, mas não incriminaria as pessoas pelos crimes que cometi. Essa era outra parte do código de Fletcher e que eu sinceramente concordava. As pessoas que perderam seus entes queridos naquele restaurante já sofreram o suficiente. Não mereciam ser culpadas pelo assassinato de Vaughn também, ainda que um deles estivesse por trás do ataque. Outra razão pela qual eu usei uma faca para o trabalho. Esse tipo de ataque de esfaqueamento era brutal, cruel e, acima de tudo, próximo e pessoal. Qualquer um podia apontar uma arma e puxar o gatilho à distância, mas nem todo mundo podia enfiar uma faca no coração de um homem, cara a cara, e observar a luz sair de seus olhos.

Ainda assim, os policiais investigaram, e eles não chegaram a lugar nenhum, como eu sabia que aconteceria. Fletcher tinha algumas fontes no departamento de polícia, então ele conseguiu acompanhar a investigação. Mas eu não estava preocupada. Ele havia me treinado muito bem, e ninguém viu meu ataque a Vaughn.

No dia seguinte, eu segui as minhas rotinas normais como se nada tivesse acontecido. Servi mesas no Pork Pit, fiquei na casa de Fletcher por algumas horas, e então fui para a faculdade comunitária para minhas aulas habituais.

Ir à faculdade era outra parte do meu disfarce, já que era o que a maioria das pessoas da minha idade fazia, e era algo que o velho insistiu. Aparentemente, ele pensou que isso me deixaria mais bem preparada ou algo assim. Você sabe, no caso de a coisa toda de assassino não dar certo.

Mas não me importei muito, especialmente quando se tratava das aulas de literatura. Fletcher lia os mesmos livros que me eram designados, e depois conversávamos sobre eles durante as calmarias no restaurante. Eu amava nossas discussões, já que era outra maneira que eu poderia estar perto dele que Finn não podia – ou não queria.

Depois das minhas aulas noturnas, eu voltei para casa à noite. E então eu repeti o ciclo inteiro de novo e de novo, assim como faria até a próxima tarefa aparecer.

A única coisa que fiz fora do comum foi ler todos os artigos sobre Sebastian Vaughn.

Ele apareceu em história após história, tanto no jornal e na TV. E em cada história, em toda entrevista e declaração, ele era muito enfático sobre o péssimo trabalho que ele achava que os policiais estavam fazendo em sua tentativa até então malsucedida de encontrar o assassino de seu pai – eu. Sebastian até prometeu contratar sua própria equipe de investigadores para rastrear o culpado, mas eu não estava preocupada. Ele nunca ligaria uma garçonete com quem flertara uma vez, ao assassino que havia matado seu pai tão friamente.

Ainda assim, não pude deixar de assistir entrevista após entrevista com ele na TV, e li todos os artigos de jornal que mencionavam seu nome. Às vezes, duas, três ou até quatro vezes, procurando alguma sugestão em suas palavras sobre como ele estava, como se sentia, agora que seu pai morrera. Eu senti uma faísca tão intensa, uma conexão tão imediata com Sebastian. Supus que eu queria continuar sentindo, mesmo que nunca mais o visse.

Uma foto repetida nos jornais era de Sebastian saindo do escritório de seu pai na manhã seguinte ao assassinato, com uma pasta na mão. Sua boca estava em uma linha dura, seus olhos escuros fixos em algo fora do quadro. Ele tinha o braço livre ao redor do ombro de Charlotte, segurando-a perto, como se pudesse, de alguma forma, protegê-la da mágoa, choque e perplexidade que a câmera capturara em seu rosto jovem e de coração partido.

Não sei o que me levou a cortar essa foto e colocá-la entre as páginas do último livro que eu estava lendo, O Natal de Poirot{3}, de Agatha Christie, para minha aula de ficção policial. Mas o livro e a foto ficaram na minha mesinha de cabeceira. Toda noite, eu lia um capítulo ou dois, antes de usar a foto como um marcador. O rosto bonito e determinado de Sebastian era a última coisa que eu via antes de fechar o livro.

Talvez fosse uma loucura, mas eu queria me aproximar e ajudar Sebastian, embora não ousasse – mesmo tendo sido eu quem lhe causou tanta dor em primeiro lugar. Oh, eu não me arrependia de ter matado o pai dele, não realmente, não quando ele estava machucando sua própria filha. Mas meu coração ainda sofria pelo choque e sofrimento que eu infligi a Charlotte e Sebastian. Então, fiquei de olho nele da melhor maneira possível, esperando que a dor fosse lentamente desaparecendo com o tempo e sabendo que ele, e especialmente Charlotte, estavam melhores sem o pai.

Então a vida continuou para mim, Sebastian, Charlotte e todos os outros – exceto, Cesar Vaughn.

 

* * *

 

Quatro dias depois do trabalho, sábado, eu estava sozinha no Pork Pit e fechando o restaurante à noite quando a campainha da porta da frente soou. Suspirei, desejando ter pensado em trancar a porta, mas terminei de limpar o balcão, coloquei um sorriso educado no rosto e me virei.

— Desculpe, mas já estamos fechados...

Um raio de choque zuniu em mim. Meus lábios se separaram, mas nenhuma palavra saiu, porque a última pessoa que eu esperava havia acabado de entrar pela porta.

Sebastian.

Ele usava um terno preto – um terno de funeral – sobre uma camisa branca e uma brilhante gravata preta, e seus sapatos eram tão brilhantes quanto o chão que eu acabara de limpar. Seu cabelo preto estava penteado para trás e linhas de exaustão estavam gravadas em seu rosto, como marcas fracas em um busto de mármore liso, fazendo-o parecer mais velho do que realmente era. Ainda assim, apesar do meu choque e desconforto com o motivo dele estar aqui, achei que ele nunca parecera mais bonito – ainda que eu fosse a causa de sua dor. Talvez isso tenha sido um pouco distorcido de mim.

— Oi — disse ele.

— Oi — hesitei. — O que você está fazendo aqui?

Sebastian sorriu, embora sua expressão fosse mais triste do que feliz. — Eu sei que estou um pouco atrasado, mas estava pensando se poderíamos ter aquele encontro, afinal.

Eu olhei para ele, minha boca ainda aberta, sem saber o que fazer, o que dizer, e especialmente o que fazer com uma esperança repentina que surgiu em meu coração. Minha atração por ele era louca, estúpida e completamente tola, especialmente considerando o que eu fizera ao pai dele. Mas estava lá do mesmo jeito, e eu não sabia como negar isso.

Ou talvez eu simplesmente não quisesse.

— Sinto muito — disse Sebastian, em um sussurro rouco e áspero. — Por não ligar ou mandar uma mensagem para você. Eu sei que te deixei esperando na noite passada.

Na noite passada, sexta-feira, era a noite do nosso encontro. Eu poderia estar secretamente desapontada, mas não fiquei surpresa quando ele não apareceu. Eu estava absolutamente chocada por ele estar aqui agora.

Eu estava congelada no lugar, a minha atração por ele lutando com todo o meu treinamento, para não mencionar o meu bom senso. Quase podia ouvir a voz de Fletcher na minha cabeça, sussurrando urgentemente para eu me livrar de Sebastian. Parte de mim concordou sinceramente com esse plano. Mas havia outra voz – a minha voz – que se perguntava qual seria o dano em ouvi-lo.

Sebastian sorriu de novo, embora parecesse ser muito mais difícil desta vez. — Mas eu tinha uma boa desculpa. Olha, o meu pai...

— Está morto — terminei para que ele não precisasse. — Eu vi as notícias. Sinto muito pela sua perda, Sebastian.

E eu realmente sentia, mesmo sendo responsável por isso.

Ele assentiu, aceitando minhas condolências. Então sorriu novamente. — Sabe, acho que é a primeira vez que você disse meu nome.

Eu olhei para ele, sem saber o que dizer. Ele caminhou até onde eu estava em frente ao balcão, um pano molhado ainda apertado na minha mão. Sebastian olhou para mim, um olhar faminto queimando em seus olhos. Antecipação e atração correram por mim com sua proximidade, silenciando a voz de Fletcher.

— Me desculpe — repetiu ele. — Eu deveria ter ligado ou enviado uma nota, no mínimo. Mas com tudo o que está acontecendo —... Ele encolheu os ombros, depois fez uma careta, como se aquele movimento simples lhe causasse muita dor.

Estendi a mão e gentilmente a coloquei em seu braço. — Compreendo. Mais uma vez, sinto muito. Eu sei o quão difícil é perder alguém que você ama. Especialmente de forma tão violenta e inesperada.

— Você sabe?

Meus lábios se abriram, prontos para dizer a ele como minha família foi assassinada por uma Elemental do Fogo, pronta para compartilhar minha própria dor particular com ele, pronta para deixá-lo ver que meu coração partido não era tão negro quanto minhas ações.

Mas, de repente, a voz de Finn ecoou em minha mente. E não importa o quê, você nunca deve, jamais, contar a alguém todos os seus segredos.

Eu poderia ser capaz de calar a voz e os avisos de Fletcher, os de Finn também, mas mantive a morte de minha família para mim por tanto tempo que era uma segunda natureza esconder isso. Eu abri minha boca novamente, mas nenhuma palavra saiu, e percebi que não poderia continuar com a minha sincera confissão. Nem mesmo para ele. Talvez não pudesse para ninguém, nunca.

— Gin?

— O que eu quis dizer foi que parece que a violência é um modo de vida em Ashland — terminei sem jeito.

Ele deu de ombros novamente.

— Sente-se, e deixe-me trazer algo para comer — eu disse, mudando o foco da conversa para ele. — Você pode me contar tudo o que aconteceu nos últimos dias. Se você quiser fazer isso.

Sebastian me deixou guiá-lo até um dos bancos perto da caixa registradora. Ele colocou os cotovelos sobre o balcão, depois se apoiou neles, como se toda a força tivesse subitamente escorrido de seus ossos.

— Sinto que esta foi a semana mais longa da minha vida — disse ele. — O funeral foi hoje. Charlotte chorou durante a coisa toda. Passei as últimas duas horas na nossa mansão, lidando com os enlutados. Finalmente, eu não aguentei mais. Tive que sair de lá, pelo menos por um tempo. Então deixei Charlotte com um dos motoristas gigantes de quem ela gosta e saí. Isso faz de mim uma pessoa horrível?

— Não — eu disse em uma voz suave —, isso só faz você um ser humano.

Sebastian respirou e começou a falar. Sobre o funeral, as palavras ditas pelo sacerdote, todos que apareceram no funeral. Enquanto ele falava, liguei de novo alguns dos eletrodomésticos, remexi nos congeladores e preparei a melhor e mais reconfortante refeição que eu sabia fazer: um cheeseburger com todos os ingredientes; batatas fritas crocantes e apimentadas; e um milkshake triplo de chocolate.

Sebastian se acalmou quando terminei de cozinhar. Coloquei toda a comida em um prato, então coloquei tudo em cima do balcão para ele. Ele hesitou, depois estendeu a mão e agarrou o cheeseburger, como se estivesse de repente com mais fome do que pensava. Ele deu uma grande mordida nas camadas de carne grelhada, legumes frescos e queijo cheddar derretido. Seus olhos reviraram com prazer, e um suspiro de satisfação escapou de seus lábios.

Foi quando eu soube que estava fazendo a coisa certa. Talvez fosse uma loucura, talvez fosse tolice, talvez fosse simplesmente errado, falar com o filho do homem que eu matei, mas não poderia mandar Sebastian embora.

Eu simplesmente não podia.

Finn e Fletcher teriam sido frios e calculistas sobre as coisas, veriam isso como uma oportunidade de sutilmente questionar Sebastian por qualquer informação que ele pudesse ter sobre a investigação da morte de seu pai. Talvez eu visse as coisas desse jeito também. Mas eu também esperava que fosse uma chance de acalmar a mágoa dele, de qualquer maneira que eu pudesse.

Eu só esperava que Sebastian nunca descobrisse o tipo de homem seu pai realmente era e como ele machucou Charlotte repetidamente. Esse tipo de conhecimento cruel causaria ainda mais dor.

— Como está Charlotte? — perguntei, após Sebastian comer cerca de metade de sua comida.

Ele suspirou e empurrou seu cheeseburger, como se tivesse perdido o apetite. — Bem, na medida do possível, eu suponho. Ela está devastada pela morte do nosso pai. Esteve escondida em seu quarto a maior parte da semana. Eu tentei estar lá para ela o máximo que pude, mas considerando todos os preparativos para o funeral e os negócios que meu pai estava fazendo —... A voz dele sumiu.

A expressão impotente em seu rosto me fez estender a mão sobre o balcão e colocá-la em cima da dele. — Tenho certeza que ela entende. É difícil quando você perde alguém... Do jeito que vocês perderam. Há muitos detalhes para ver. Ela perceberá que você está fazendo o melhor que pode, por ela e pelo pai de vocês, dada a situação.

— Espero que sim.

Apertei a mão dele. — Bem, eu sei que sim.

Ele olhou para mim. — Você é incrível, sabe disso?

— O que você quer dizer?

Ele gesticulou para a comida. — Quero dizer, o cara que te deu um bolo aparece na sua porta do nada, e você acaba preparando o melhor cheeseburger que ele já comeu. Tem certeza que seu nome é Gin? Talvez devesse ser outra coisa, algo como... Como... Genevieve. — Ele estalou os dedos. — Há uma Santa Genevieve, sabe.

Minha respiração ficou presa na minha garganta em surpresa e admiração. Se ao menos ele soubesse que Genevieve era meu nome verdadeiro. Se soubesse quem eu realmente era, uma garota que perdeu sua família. Se ao menos soubesse o quanto eu poderia compreender a dor dele.

Se ele soubesse que eu havia matado o pai dele.

Esse último pensamento esmagou o desejo no meu peito.

— Eu não sou santa — murmurei. — Mais como uma pecadora.

O eufemismo do século.

Sebastian não pareceu notar o murmúrio sombrio na minha voz. Ele se levantou, com a mão ainda na minha. Ele hesitou, depois afastou a mão e deu a volta no balcão, parando diante da caixa registradora para que ficássemos cara a cara. Ele era vários centímetros mais alto do que eu, então eu tive que inclinar a cabeça para encontrar seu olhar, meu coração batendo no meu peito de uma forma que nunca batera antes. Ele olhou para mim, seus olhos queimando como brasas em seu rosto, com as feições tensas e o corpo tenso de necessidade, culpa, pesar e desejo.

Sebastian hesitou por um momento a mais, então me puxou para seus braços e abaixou seus lábios nos meus.

O beijo foi tudo que pensei seria, tudo o que eu secretamente sonhei que seria – suave, doce, e absolutamente de tirar o fôlego. Sebastian Vaughn pode ser um cara rico que poderia ter qualquer garota, mas ele era surpreendentemente gentil comigo. Seus lábios roçaram os meus, sua língua lentamente mergulhando em minha boca antes de recuar. Seus dedos percorreram meus braços antes que suas mãos pousassem na minha cabeça, me puxando um pouco mais perto, mas isso foi o máximo que ele chegou.

Seu beijo e toque poderiam ter sido doces, mas desejo quente e líquido passou pelo meu corpo em resposta, mais elétrico do que qualquer outro que eu já senti. Sebastian estava sofrendo por minha causa, e eu queria fazer o que pudesse para aliviar essa dor, para tirar essa dor, mesmo que apenas por alguns momentos.

Mas, mais do que isso, eu o queria.

Oh, eu tentei negar isso. Tentei ignorar e esquecê-lo, mas a verdade era que eu estava desesperadamente atraída por Sebastian. Sua sagacidade, seu charme, seu sorriso, o jeito fácil que ele me provocava, mas, o mais importante, o jeito que ele parecia responder a mim. Por alguma razão, era como se Sebastian pudesse ver o meu verdadeiro eu, a verdadeira Gin Blanco, escondida sob todas as muitas máscaras que apresentava ao mundo. Nunca tive esse tipo de conexão intensa e imediata com alguém.

Finalmente, o beijo terminou, embora meu coração continuasse batendo, seu ritmo rápido combinando com as emoções correndo por mim. Desejo. Atração. Esperança. Cobiça.

Sebastian afastou as mãos da minha cintura. — Sinto muito — disse ele, passando a mão pelo cabelo e bagunçando as mechas lisas, fazendo-o parecer ainda mais sexy. — Eu não tinha o direito de fazer isso. É apenas... O jeito que você estava olhando para mim... Não pude deixar de te beijar.

— Não se preocupe com isso. Que garota não gostaria de ser beijada por um cara lindo?

Ele sorriu. — Então eu sou lindo de novo, hein?

— Depois desse beijo? Definitivamente.

Nós nos encaramos. O rosto de Sebastian se obscureceu, como se ele fosse pedir desculpas novamente, mas o cortei movendo-me para frente, ficando na ponta dos pés, levemente pressionei meus lábios nos dele novamente. Ele hesitou, e depois me beijou.

Eu não queria, mas dessa vez eu o interrompi. Porque se não o fizesse eu sabia que corria o risco de levá-lo para a parte de trás do restaurante e dar uns amassos com ele até o sol nascer, junto com outras coisas mais íntimas – coisas que me abalariam muito mais do que alguns beijos.

Endireitei a gravata dele, esperando que ele não notasse meus dedos trêmulos e todas as emoções que ele provocava em mim. Finalmente, levantei meus olhos para ele novamente.

— Vamos lá — eu disse, deixando minha voz leve e provocante novamente. — Sua comida está ficando fria. Sente-se e termine o resto do seu cheeseburger.

Sebastian sorriu, em seguida, bateu continência brincando . — Sim, senhora.


Capítulo 13

 

Sebastian terminou sua comida, parecendo um pouco mais feliz do que antes.

Enquanto comia, eu terminei de fechar o restaurante, me forçando a me acalmar e controlar o meu coração acelerado e os hormônios em fúria. Nunca me considerei o tipo de pessoa a ser arrebatada por pura emoção ou atração física, muito menos por qualquer uma delas – ao contrário de Finn e seu desfile constante, interminável e sem vergonha de garotas – mas eu estava em real perigo de fazer isso com Sebastian. Era um pouco preocupante, o quanto ele me afetou. E o quanto eu ansiava por ceder e desfrutar de tudo o que ele poderia me oferecer.

Quando ele terminou, juntei os pratos sujos e os enfiei em uma das pias para lavar na manhã seguinte. Sebastian insistiu em pagar a refeição e coloquei seu dinheiro em uma fresta na caixa registradora.

Então ficamos parados no balcão, sem saber o que fazer.

— Obrigado — disse Sebastian. — Por tudo, mas especialmente por ouvir. — Ele passou a mão pelo cabelo novamente. — Com meu pai e tudo o que está acontecendo, eu apenas me senti... Entorpecer nos últimos dias. Perdido, sozinho, à deriva. Eu queria sentir, eu precisava sentir algo esta noite. Como se alguém se importasse comigo e com o que eu estava passando.

— E você veio aqui? Por quê?

Ele olhou para mim. — Porque me diverti mais conversando com você naquele jantar e depois aqui no restaurante do que me lembro de ter me divertido com alguém em muito tempo. Acho que é o seu sorriso. Quando você olha para mim, parece... Seu sorriso simplesmente ilumina algo dentro de mim.

Meu coração inchou de prazer com suas palavras, mesmo quando meu estômago apertou com culpa.

— Eu sei que esta noite não era o que qualquer um de nós tinha em mente —... Ele começou.

— Foi perfeita — interrompi. — Absolutamente perfeita.

Os olhos de Sebastian se enrugaram com calor e gratidão. Ele acenou para mim, depois baixou o olhar e limpou a garganta, como se sentisse todas as mesmas emoções que eu.

Bem, todas elas, exceto a culpa.

— De qualquer forma — ele continuou —, eu ainda gostaria de levá-la para um encontro. Se você quiser.

Mais uma vez, minha boca se abriu em surpresa. Ele estava sofrendo, estava de luto, e ainda era atencioso o suficiente para pensar em uma promessa que fez para mim, uma garota que ele mal conhecia. Mais emoção me inundou, ainda mais suave, mais quente, e mais intensa do que o que eu senti quando nos beijamos. Porque esse tipo de consideração era raro, algo para ser admirado e valorizado.

Havia tantas razões que eu deveria dizer não a ele. Tantos motivos que deveria ter descartado ele no segundo em que ele chegou. Tantos motivos que eu não deveria ter beijado ele. Mas nenhum deles parecia importar agora – nada além da esperança brilhando nos olhos de Sebastian.

— Um encontro seria ótimo — eu disse em uma voz suave.

Ele suspirou de alívio, como se houvesse alguma dúvida sobre a minha resposta. — Ótimo. Pego você aqui na segunda à noite, às sete? Assim como planejamos antes?

Assenti, muito insegura para dizer qualquer coisa.

Ele estendeu a mão e apertou a minha. — É um encontro, então. Mas agora, eu deveria voltar para casa. Charlotte provavelmente está se perguntando o que aconteceu comigo.

— Claro.

Ele apertou ainda mais a minha mão. — Mas há mais uma coisa que preciso fazer antes de ir.

— O que?

— Isso.

Sebastian sorriu e me atraiu em seus braços para outro beijo.

 

* * *

 

Não cheguei em casa até tarde da noite, e não pude tirar o pequeno e bobo sorriso do meu rosto ou acalmar o zumbido sem sentido de felicidade enquanto eu estacionei meu carro na entrada da garagem, saí e fui para a varanda. Após nos beijarmos novamente, Sebastian saiu do restaurante, prometendo me buscar na segunda-feira para o nosso encontro. Eu não podia esperar para vê-lo novamente.

Tudo o que eu precisava fazer, entretanto, era vender a ideia para o Fletcher.

Ver a casa no escuro e saber que a batalha me esperava lá dentro finalmente diminuiu meu bom humor. A porta da frente estava presa novamente por causa da umidade, me incomodando ainda mais, e tive que colocar meu ombro para abri-la. O rangido resultante me fez estremecer. Talvez Fletcher devesse substituir a porta por aquele granito preto que ele queria. Valeria a pena não explodir meus próprios tímpanos toda vez que tentasse entrar.

Tranquei a porta, deixei cair minhas chaves em uma tigela de cristal em uma mesa dentro do foyer e tirei minhas botas. Então eu fui para a parte de trás da casa, onde as luzes estavam acesas. Aparentemente, Fletcher havia esperado por mim. Suspirei. Muito frequentemente, ele não ia para a cama até que eu chegasse, apesar do fato de que eu era perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma – e matar qualquer um que fosse estúpido o suficiente para tentar me roubar quando eu estivesse trabalhando até tarde no restaurante.

Com efeito, encontrei Fletcher sentado no sofá da sala, com suas roupas de trabalho azuis e os pés com meias brancas estendidos na arranhada mesa de centro à sua frente. Ele lia um livro, embora a TV também estivesse ligada, sintonizada em algum velho faroeste, com o volume baixo.

Eu me sentei em uma das poltronas reclináveis. Fletcher continuou lendo seu livro. Durante quase um minuto, o único som foi o constante rangido da minha cadeira, pontuado por um estalo de rachadura de um tiroteio dos caubóis da TV. Mas pela primeira vez, não me importei em esperar que ele falasse. Isso me deu tempo para sustentar meus próprios argumentos.

— Você está atrasada — disse Fletcher finalmente, e virou outra página em seu livro. — Pensei que você estaria aqui há uma hora.

Respirei fundo, pronta para contar minha história. — Sebastian entrou no restaurante bem quando eu estava fechando.

Isso foi o suficiente para fazê-lo levantar o olhar de seu livro. — O que ele queria?

— Dizer que estava arrependido por não ter mantido nosso encontro ontem à noite.

Eu disse a Fletcher tudo que Sebastian havia dito, desde a conversa sobre o funeral do pai dele até tentar assegurar que Charlotte estivesse bem com e a necessidade dele de escapar de todos os enlutados que se reuniram na mansão Vaughn. A única coisa que editei foi o fato de que Sebastian e eu havíamos nos beijado. O velho definitivamente não precisava saber disso. Ele alegaria que eu estava me envolvendo demais emocionalmente com Sebastian. Talvez estivesse, mas eu poderia lidar com isso.

Eu poderia lidar com qualquer coisa como a Aranha.

— Ele me convidou para sair de novo — terminei. — Na segunda-feira à noite.

Agora vinha a parte complicada. — Pensei em sair com ele, só para ver se conseguia descobrir o que ele sabe sobre a investigação policial sobre o assassinato do pai dele, e para ter certeza de que não há nada que possa nos entregar. Mas eu queria falar com você sobre isso primeiro.

Meia verdade, na melhor das hipóteses. Eu observaria cuidadosamente e veria que informação eu poderia tirar de Sebastian sobre a investigação, só para ter certeza de que Fletcher e eu estaríamos ilesos. Mas em algum momento entre sair do Pork Pit e entrar na casa, eu decidi que veria Sebastian de novo, com ou sem a aprovação de Fletcher. Eu queria ter certeza de que Sebastian estava bem. Eu queria vê-lo sorrir e rir. Mas, acima de tudo, eu queria que ele olhasse para mim de novo do jeito que ele olhara antes de me beijar esta noite, como se estivesse tão desesperadamente consumido por essa brilhante atração entre nós quanto eu.

Ainda assim, mantive meu rosto cuidadosamente em uma máscara calma e serena, como se não importasse para mim se eu sairia com Sebastian. Embora fosse.

Ao invés de olhar para mim, Fletcher baixou os seus olhos verdes para o livro. Pensando. Enrolei minhas mãos em punhos soltos, pressionando meus dedos contra as cicatrizes de aranha nas palmas das minhas mãos para evitar a inquietação. As marcas podiam ser o símbolo da paciência, mas tê-las marcadas em minhas mãos não me dava automaticamente essa habilidade em particular. Nem mesmo perto.

Ser paciente era algo com o qual eu ainda lutava, fosse Gin Blanco, esperando que um cliente finalmente decidisse sobre seu pedido no Pork Pit, ou como a Aranha, mantendo minha posição até que meu alvo estivesse exatamente no ponto certo. Era provavelmente a coisa que Fletcher e eu mais discutíamos. Ele disse que a paciência era uma das habilidades mais importantes para um assassino ter, e estava sempre me dizendo para diminuir a velocidade, esperar e deixar os eventos se desenrolarem a meu favor, para ter certeza absoluta do que eu estava fazendo antes de entrar com tudo e me comprometer plenamente.

Bem, eu tinha certeza agora, então cavei minhas unhas no silverstone na minha pele e segurei minha língua, esperando ele dar a opinião dele.

Depois de três minutos, Fletcher finalmente assentiu. — Isso pode ser uma ideia inteligente — disse ele. — Você sair com Sebastian e ver o que ele sabe.

Eu pisquei. Não era isso que eu esperava que ele dissesse – de modo algum. Pensei que ele me avisaria para manter distância de Sebastian. Talvez Fletcher finalmente tenha percebido que eu poderia manter minhas emoções sob controle. Talvez estivesse finalmente confiando em mim para ver um trabalho até o fim, apesar das complicações inesperadas que surgiram. Talvez o velho finalmente tenha entendido que eu havia crescido e era capaz de tomar minhas próprias decisões. Que eu era dona do meu nariz agora e não apenas a garotinha perdida que ele treinou em sua própria imagem.

— Especialmente desde que eu ainda não fui capaz de descobrir o que estava naquele arquivo que o policial deu a Vaughn. — Fletcher terminou seu pensamento. — Eu tenho em minhas mãos uma cópia dos registros de provas, mas não há menção de algo estar no cofre do escritório de Vaughn ou da polícia catalogando-o como parte de sua investigação. De fato, não houve qualquer menção de nada do cofre. É como se o arquivo apenas... Desapareceu.

Ah, então é isso que ele estava tramando. As fontes dele não conseguiram chegar às informações desejadas, então ele estava disposto a me deixar ver se eu poderia conseguir de Sebastian. Nada incomodava mais Fletcher do que pontas soltas e perguntas não respondidas. Eu poderia não ser tão paciente quanto ele achava que deveria ser, mas ele estava mais curioso do que uma cesta cheia de gatinhos explorando o mundo pela primeira vez. Ainda assim, não me importei com ele querendo que eu localizasse o arquivo, já que eu iria usá-lo como uma desculpa para ver Sebastian novamente.

— Mas você encontrou o policial, certo? — perguntei. — Aquele que deu a Vaughn o arquivo? Você não pode simplesmente suborná-lo e perguntar o que ele achou?

Fletcher balançou a cabeça. — Sim, não foi muito difícil localizá-lo, já que você conseguiu o primeiro nome dele e o seu distrito, mas temo que seja um pouco mais complicado do que isso. O policial, Harry Coolidge, não é daqui. Ele trabalha em uma cidade chamada Blue Marsh, perto de Savannah. Pelo que sei, Coolidge é um policial inteligente, honesto e decente. Ele não aceita qualquer tipo de suborno, e ele começaria a fazer perguntas sobre como eu sabia sobre o arquivo. Então essa opção está descartada.

Fletcher hesitou, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras.

— Coolidge tem a reputação de ser minucioso e tenaz, um bom investigador, que pode encontrar indícios que os outros não perceberam. Se Vaughn o contratou para investigar o desmoronamento do terraço, talvez até mesmo sobre alguém que estivesse envolvido na construção, é porque essa pessoa era desonesta... E inteligente o bastante para esconder o que quer que tenha feito.

— Tudo bem — eu disse. — Vou encontrar uma maneira de ver se Sebastian tem alguma informação sobre o arquivo. Talvez os policiais tenham deixado que ele esvaziasse o cofre, desde que ele era o parente mais próximo. Ele pode ter o arquivo enterrado em algum lugar e sequer saber.

— Talvez.

Os lábios de Fletcher enrugaram, seu nariz franziu, e seus olhos ficaram escuros e distantes, como se estivesse trabalhando em algum quebra-cabeça mental e tentando fazer as peças se encaixarem na sua cabeça. Mas ele afastou seus pensamentos e concentrou sua atenção em mim novamente.

— Tudo bem. Converse com Sebastian durante o encontro e veja se ele sabe alguma coisa sobre o arquivo, onde está, ou o que Coolidge estava procurando para Cesar. Eu continuarei cavando com minhas próprias fontes.

— Entendi.

Seus olhos verdes fixaram nos meus olhos cinzas. — Mas tenha cuidado, Gin. Há algo nessa situação que ainda está me incomodando. Essa coisa ainda pode recair sobre nós.

— Sempre.

Satisfeito por enquanto, Fletcher voltou ao seu livro. Nossa conversa terminada, eu levantei e fui em direção ao corredor, pronta para subir, tomar um banho e me deitar na cama. Cheguei à porta e parei, imaginando se eu deveria dizer a ele que eu tinha mais do que um interesse casual em Sebastian, que descobrir o que ele sabia sobre o arquivo de seu pai não era a única razão pela qual eu queria vê-lo novamente.

Mas decidi não fazer isso. Era um encontro, e Sebastian ainda poderia ser um sapo, como todos os outros caras ricos que flertaram comigo em festas. E se não fosse, se ele fosse a pessoa que havia sido até agora, aquele que parecia genuinamente interessado em mim... Bem, eu atravessaria a ponte quando chegasse a ela.

— Gin? Você precisa de algo mais? — A voz suave de Fletcher afastou meus pensamentos.

Eu olhei por cima do ombro para ele e balancei a cabeça. — Não. Acabei de perceber que me esqueci de dizer boa noite. Assim... Boa noite.

— Boa noite.

Fletcher se concentrou em seu livro novamente. Eu olhei para ele, ignorando as pontadas de culpa no meu peito. Se ele tivesse olhado naquele momento, eu poderia ter derramado minhas entranhas sobre meus sentimentos por Sebastian e confessado tudo para ele.

Mas o velho virou uma página, completamente absorto em sua história. Então soltei um suspiro suave e aliviado, deixei o escritório e subi as escadas para dormir.


Capítulo 14

 

Precisamente às sete horas da noite de segunda-feira, Sebastian Vaughn entrou no Pork Pit, carregando uma dúzia de rosas. Ele sorriu, atravessou o restaurante, e fez uma reverência galante antes de se endireitar e entregar as flores para mim.

Em vez do vermelho típico, essas rosas eram de cor escura e intensa. No começo, eu pensei que eram negras, mas depois, enquanto as observei sob a luz, percebi que as pétalas, na verdade, tinham um rico brilho azul. Os caules também eram incomuns, brancos como leite, em vez do verde normal. Os espinhos eram da mesma cor clara, embora parecessem ser mais afiados e mais longos do que o habitual. Todas juntas, as flores eram lindas, vibrantes e marcantes, assim como Sebastian.

— Rosas! — exclamei, fazendo o papel de uma garota que estava emocionada com essas coisas. Não era muito exagerado. Secretamente, fiquei encantada por ele trazer flores para mim. Ninguém nunca trouxe.

— Eu sei que a maioria das pessoas gosta de rosas vermelhas, mas pensei em trazer algo realmente especial para você. Elas são chamadas de Veludo Azul, e são da estufa da minha família — disse Sebastian.

Eu enterrei o nariz nas rosas, respirando profundamente e inalando o cheiro delas. O cheiro era muito mais doce do que imaginei, dada a cor azul escura, como se alguém tivesse destilado as plantas até sua essência mais pura e intensa. Verdade seja dita, o cheiro era um pouco avassalador, quase enjoativo, e tive que torcer o nariz para não espirrar. Não exatamente o aroma que eu teria escolhido se tivesse me dado flores, mas apreciei o gesto.

Eu estava atrás do balcão, perto de onde Fletcher estava sentado atrás da caixa registradora, lendo. Radiante, eu mostrei as flores para ele.

— Elas não são adoráveis?

— Extremamente — disse ele, em uma voz irônica.

— É o seu... Pai? — As sobrancelhas de Sebastian se juntaram conforme ele olhava entre Fletcher e eu, como se estivesse intrigado com a falta de semelhança familiar.

— Meu primo, na verdade — eu disse. — Ele... Fui adotada por ele depois que minha família morreu... Em um acidente de carro.

Essa era mais ou menos a história que havíamos desenvolvido há muito tempo para explicar minha conexão com Fletcher e Finn. Engraçado, nunca tive problema em contar essas mentiras.

Sebastian assentiu, seu rosto suavizando, e estendeu a mão. — Prazer em conhecê-lo, senhor...

— Lane — disse o velho homem, em uma voz relutante. — Fletcher Lane.

Ele pegou a mão de Sebastian e a apertou, embora eu pudesse dizer que ele não queria. Apesar de seu desejo de descobrir mais sobre o arquivo misterioso de Vaughn, Fletcher não estava tão feliz por eu sair com Sebastian. Então, novamente, ele raramente gostava de qualquer um dos caras que eu trouxe ao restaurante, nem mesmo aqueles que não tínhamos motivos para desconfiar. A aversão de Fletcher pelos meus encontros era mais uma maneira de ser superprotetor comigo.

Ele encarou o homem mais jovem, seus olhos verdes afiados e pensativos. Sebastian sorriu para ele, embora sua expressão parecesse um pouco desconfortável nas bordas. Então, novamente, o duro exame a laser de Fletcher era o suficiente para deixar qualquer um nervoso, até eu.

Fletcher se virou para mim e estendeu a mão. — Deixe-me colocá-las na água para você, Gin. Você não quer deixar seu jovem esperando.

— Obrigada — eu disse, entregando as rosas para ele. — Ai!

Fletcher pegou as flores e puxei minha mão, estremecendo. Assisti um pouco de sangue sair do meu polegar direito, o qual eu apunhalei em um dos espinhos claros.

Sebastian deu-me um olhar envergonhado. — Desculpa. Eu deveria ter te avisado. Elas têm espinhos maiores e mais afiados do que a maioria das rosas. Eu acho que tem algo a ver com a cor dos caules.

— Tudo bem — eu disse, pegando uma toalha de papel e limpando a gota escarlate do meu polegar. — É apenas um pouco de sangue. Nada para se preocupar.

— Se eu pudesse beijar e melhorar, eu faria — disse Sebastian, em uma voz baixa que só eu podia ouvir.

Seu olhar preso na minha boca, como se estivesse pensando nos beijos suaves que compartilhamos na outra noite. Eu certamente estava. Sebastian me pegou olhando para ele. Ele sorriu, e então deu uma piscada rápida e maliciosa para mim. Corei e afastei o meu olhar.

Enquanto Fletcher pegava um velho frasco de geleia para usar como um vaso e o encheu de água, eu desamarrei meu avental, passei-o por cima da cabeça e pendurei-o em um gancho na parede do fundo. Depois peguei minha bolsa, que continha duas das minhas facas, do compartimento embaixo da caixa registradora e dei a volta no balcão. Sebastian estendeu a mão e pegou a minha, tomando cuidado com meu polegar ferido.

— Então, o que faremos esta noite? Jantar e um filme?

Ele balançou a cabeça. — Nada tão previsível assim. Pensei que você gostaria de ver a estufa de onde vieram suas rosas, junto com o resto da minha propriedade.

Eu olhei para Fletcher, que me deu um pequeno aceno enquanto continuava arrumando as flores no frasco de geleia. Ser convidado para a mansão dos Vaughn era uma oportunidade boa demais para deixar passar. Talvez Sebastian me desse um tour completo, incluindo uma espiada no escritório do pai dele. Se eu fosse extremamente sortuda, ele poderia até mesmo me deixar ficar sozinha ali por tempo suficiente para eu procurar pelo arquivo misterioso.

Mas, mais do que isso, eu queria ver a propriedade, por dentro e por fora. Você podia descobrir muito sobre uma pessoa por sua casa e os móveis, fotos e bugigangas que a enfeitavam, e eu queria descobrir mais sobre Sebastian. Eu queria saber tudo sobre ele.

Dei outro sorriso para ele. — Então, o que estamos esperando? Vamos.

Sebastian sorriu e puxou-me para a porta.

— Não chegue muito tarde — disse Fletcher.

Dei-lhe um aceno distraído com a minha mão, completamente focada em seguir Sebastian para fora do Pork Pit e na quente noite de verão.

* * *

 

Sebastian tinha um elegante carro preto esperando no quarteirão.

— Depois de você, minha senhora — disse ele, abrindo a porta de trás e se curvando, como se fosse um motorista.

Eu ri e entrei no carro. Sebastian fechou a porta, deu a volta e entrou no outro lado. Ele gesticulou para o gigante sentado no banco do motorista. O gigante havia deixado de usar o uniforme habitual preto de chofer em favor de um terno azul-claro que destacava o vermelho de seu cabelo. Sardas estavam salpicadas em seu nariz e bochechas como gotas de sangue marrom, enquanto seus olhos eram tão claros quanto seu terno.

— Este é Porter — disse Sebastian. — Ele é o chefe dos seguranças do meu pai há anos. Ele concordou em ficar e trabalhar para mim.

Ah, eu sabia tudo sobre Roy Porter, uma vez que Fletcher havia incluído muitas informações sobre ele no arquivo inicial sobre Vaughn. Porter cuidava da segurança na propriedade, mas, mais do que isso, ele havia agido como um capataz de Vaughn, supervisionando as entregas de material de construção, verificando as equipes e, em geral, assegurando que tudo corresse bem nos locais de trabalho. Ele também era o intermediário de Vaughn, aquele que de fato distribuía todos os subornos necessários para manter os projetos de construção de seu chefe funcionando.

De acordo com o que Fletcher descobriu, Porter foi além de pagar subornos. Quando havia um problema que o dinheiro de Vaughn não conseguia consertar, Porter muitas vezes cuidava – com os punhos. Duas semanas antes do desmoronamento do terraço, Porter encontrou dois punks de Southtown pintando grafites em um dos locais de trabalho e os espancou até a morte. Um cara que estava esperando seus amigos no carro disse que Porter havia brincado com os punks, quebrando as pernas para que eles não pudessem fugir, depois os braços para que não pudessem revidar, antes de finalmente bater nas cabeças com os punhos.

Foram apresentadas acusações, mas não deu em nada, porque o último homem foi encontrado morto uma semana depois, espancado até a morte, de uma maneira estranhamente semelhante. Dessa vez, Porter foi inteligente o bastante para não deixar nenhuma testemunha para trás.

Eu me perguntei se Sebastian sabia que tipo de homem perverso, violento e implacável Porter era. Provavelmente não. Ele não parecia saber sobre o pai dele também. Mas ver Porter resfriou parte do meu entusiasmo com meu encontro com Sebastian e me lembrou de que eu ainda tinha trabalho a fazer esta noite.

Porter me deu um aceno educado pelo espelho. — Senhora.

Eu assenti para ele. — Sr. Porter.

— Leve-nos à mansão, Porter — ordenou Sebastian.

Por fim, o motorista afastou o carro do meio-fio. Sebastian manteve um fluxo constante de conversas desde o centro da cidade até Northtown, onde a propriedade de sua família estava localizada entre as outras mansões de Ashland. Na verdade, a propriedade Vaughn estava no mesmo quarteirão da casa de Mab Monroe. Bem, talvez isso tenha sido um pouco de eufemismo. Dado o amplo complexo de Mab e os espessos bosques que o rodeava, a casa de Sebastian ficava a uns bons três quilômetros de distância, mas ele parecia ser o vizinho mais próximo da Elemental de Fogo.

Finalmente, após cerca de trinta minutos, Porter saiu da estrada. Ele enfiou a mão no assento entre os bancos da frente e pegou um pequeno controle preto, que usou para abrir o portão que protegia a propriedade. O gigante conduziu o carro pela abertura e por uma longa entrada que dava para o topo de uma colina.

Embora eu tivesse visto a propriedade Vaughn nas fotografias de vigilância que Fletcher me dera, eu ainda espiava pela janela, como se nunca tivesse visto os jardins ou a casa no meio deles.

A mansão era impressionante, mesmo para os padrões da Northtown. Seis andares de pedra se elevavam no ar; velho, sólido e robusto granito cinza que facilmente resistiu ao desgaste dos anos e continuaria assim por décadas. A casa tinha três alas separadas, cada uma ostentando uma variedade de varandas e pátios, enquanto treliças brancas subiam de andar em andar, todas com rosas de diferentes cores – vermelho, branco, rosa e até um verde claro. A única cor que não vi foi o azul escuro das flores que Sebastian me dera mais cedo.

— Bem — disse Sebastian, sorrindo. — Lar Doce Lar. O que você acha disso?

— É lindo.

Ele apertou minha mão. — Apenas espere até que você veja o interior. — Ele se inclinou ainda mais perto de mim. — Especialmente meu quarto.

Eu sabia que ele estava me provocando, mas não pude evitar o rubor que subiu pelas minhas bochechas. Beijar Sebastian era uma coisa. Assim como eram os hormônios em fúria e me deixar levar pelo momento. Mas eu não seria tola a ponto de dormir com ele – mesmo que fosse tudo o que eu pudesse pensar agora. Seus lábios nos meus, sua pele morena colada com a minha, seus dedos descendo lentamente pelo meu corpo, enquanto ele me puxava ainda mais perto...

Percebi que Porter olhava para mim pelo espelho retrovisor, um olhar fixo e medido em seu rosto sardento, como se eu fosse uma formiga sob uma lupa, uma que ele estava pensando em queimar com a lente. O sorriso suave deslizou dos meus lábios enquanto o agradável calor evaporava das minhas bochechas. Um balde de água fria não poderia ter sido mais eficaz.

Porter continuou olhando para mim, sua expressão fria e uniforme. Qual era o problema dele? Ele estava chateado por Vaughn estar morto e ele trabalhando para seu filho agora? Ou não gostava de bancar o motorista? Eu não sabia, mas isso fez aquelas dúvidas sussurradas surgirem em minha mente novamente.

— Vamos — disse Sebastian. — Deixe-me mostrar tudo a você.

Saímos do carro, e Porter dirigiu para trás da casa, provavelmente para estacioná-lo na garagem. Sebastian entrelaçou os dedos nos meus e levou-me para os degraus principais e para dentro da casa.

A mansão era ainda mais impressionante por dentro do que por fora. Abóbadas altas, candelabros de cristal, pisos de madeira reluzente, escadarias de mármore, antiguidades requintadas para onde quer que olhasse. Tudo era caro, elegante e polido para um alto brilho, e o interior poderia ter facilmente saído de uma revista.

Ainda assim, algo no mobiliário me incomodou. Principalmente porque eles não combinavam com a decoração espartana que eu vi no escritório de Vaughn. Na verdade, a única coisa semelhante eram os grossos tapetes que cobriam o chão.

— É adorável — eu disse. — Tudo é muito bonito.

Sebastian sorriu. — Você gosta? A equipe acabou de arrumar tudo esta manhã. Estou redecorando desde que o meu pai... Faleceu. Ele nunca foi muito para o conforto, mas depois que minha mãe morreu, ele não queria adicionar ou alterar nada na casa. Eu acho que nós tivemos as mesmas cortinas em todos os cômodos por quinze anos, pelo menos. Mas eu queria... Um novo começo.

Assenti. Eu sabia tudo sobre novos começos, então eu pude entender seu sentimento, apesar da culpa que isso agitou no meu peito.

Passeamos de cômodo a cômodo, e de andar em andar, passando por todo tipo de pessoal. Faxineiras limpando bugigangas na sala de estar, cozinheiros cortando legumes nas áreas da cozinha, até mesmo um cara vestido de smoking formal em uma das salas de jantar, como se fosse um mordomo inglês saído de um filme, pronto para servir chá, biscoitos e insultos para uma mesa cheia de convidados. Estranho, mas Vaughn não havia empregado tantas pessoas. Suponho que Sebastian tenha contratado algumas pessoas extras para ajudar no funeral e com toda a redecoração.

Mas todos eles curvaram as cabeças quando Sebastian passou, murmurando silenciosos e respeitosos olás para o Sr. Vaughn. Demorei um tempo para me acostumar com a ideia de que Sebastian era o Sr. Vaughn agora – e que era eu quem fizera isso acontecer.

Sebastian conversou durante todo o tour, apontando pinturas interessantes, chamando minha atenção para o modo como os candelabros de cristal brilhavam, e até mesmo falando sobre alguns dos trabalhos de alvenaria que seu pai havia feito nas escadas. Aparentemente, Vaughn construiu a mansão quando Sebastian era um menino.

— Eu amei ajudar meu pai com seu trabalho — disse Sebastian, em uma voz orgulhosa. — Ainda que tudo o que eu poderia fazer naquela época era entregar-lhe as ferramentas e vê-lo trabalhar sua magia no mármore.

Até agora, a pedra da mansão havia sido muito subjugada, muito parecido com o pessoal da limpeza, mas sussurros surgiram com as palavras de Sebastian, junto com notas baixas e sombrias de tristeza. As pedras não podiam chorar, não como as pessoas, mas os murmúrios me disseram que o mármore e o granito estavam sofrendo por Vaughn, o homem que passara tanto tempo preparando e cuidando deles.

— Seu pai era um Elemental de Pedra, certo? — perguntei, embora já soubesse a resposta. — Lembro-me de ouvir isso no noticiário. Você tem o mesmo tipo de magia?

Sebastian balançou a cabeça. — Infelizmente não. Não tenho magia. Charlotte tem um pouco do poder de Pedra, mas não é tão forte quanto ele.

Os murmúrios nos mármores assumiram uma cadência mais sombria, mais dura, quase como se não gostassem das palavras de Sebastian. Eu fiz uma careta, imaginando o que os incomodava tanto. Obviamente, eles estavam muito aborrecidos com a morte de Vaughn, e os lamentos e todos os sentimentos em relação a Vaughn também causaram um impacto. Talvez o mármore e o granito ainda estivessem tentando absorver todas aquelas poderosas emoções. Ou poderia ser algo mais? Inclinei minha cabeça para o lado, ouvindo o que as pedras tentavam me dizer...

— Há algo errado? — perguntou Sebastian. — Você tem um olhar estranho no rosto.

Os murmúrios sombrios desapareceram. Escutei por mais um segundo, mas tudo o que ouvi agora foram àquelas notas sombrias e tristes de pesar. — Tudo bem.

Sebastian sorriu. — Tudo bem então. Vamos lá para cima...

Nós continuamos com o tour, eventualmente terminando no terceiro andar.

— E agora a biblioteca — disse Sebastian, abrindo as portas duplas.

A biblioteca era o maior cômodo em que estivemos até agora. Na verdade, eram dois cômodos, divididos em seções iguais por uma lareira de granito que ficava no meio. Uma grade de cada lado da lareira esquentava o fluxo em ambas as áreas, enquanto dois arcos, um na frente da biblioteca e outro na parte de trás, levava ao cômodo ao lado. Prateleiras forradas de livros, do chão ao teto, cobriam as outras paredes na seção esquerda, enquanto uma série de cadeiras e sofás com almofadas espessas estavam espalhadas pelo cômodo.

— Meu pai usava essa área como seu escritório — disse Sebastian, passando pela lareira e até a seção à direita da biblioteca. — Era o seu lugar favorito, sem contar a estufa.

Mais estantes, cadeiras e sofás ocupavam esse espaço, embora eu teria sabido que era o escritório de Vaughn graças a todos os modelos. Modelos de pedra em miniatura estavam alinhados na lareira, e mais estavam empoleirados nas prateleiras e nas mesas. Alguns até pendiam do teto, como aglomerados de sinos de vento.

Eu olhava para os prédios em escala, lembrando-me de como Vaughn usara sua magia para destruir suas criações em miniaturas, antes de examinar o resto do cômodo. Uma série de janelas de vidro foram colocadas na parede dos fundos, deixando o sol da tarde transbordar sobre a grande mesa que estava em frente a elas – a mesa de Vaughn.

Meu olhar se fixou na madeira antiga, coberta com um monitor de computador, mouse e teclado, vários pequenos blocos de pedra e, mais importante, pilhas e pilhas de papéis. Não vi a pasta de papelão que Vaughn colocara em seu cofre, mas este era o lugar mais provável para estar caso Sebastian tenha esvaziado o cofre e trazido o conteúdo para casa.

— Bem? — perguntou Sebastian, sorrindo com orgulho novamente. — O que você acha?

— Eu...

Uma batida soou em uma das portas abertas da biblioteca, me cortando, e Porter apareceu. — Sr. Vaughn — disse ele. — Uma palavra, por favor.

Sebastian suspirou. — Por favor, desculpe-me.

— Claro.

Sebastian apertou minha mão, em seguida, saiu ver o que Porter queria. Os dois entraram na parte esquerda da biblioteca, fora da minha linha de visão, e começaram a murmurar. Suas palavras muito baixas para que eu entendesse, assim andei pelo escritório, fingindo estar fascinada pelos moldes. Na verdade, eu estava fascinada por eles, mas eles não eram o meu foco agora – a mesa era.

Enquanto Sebastian e Porter continuavam conversando em voz baixa, eu caminhei até a mesa, correndo os dedos sobre a madeira lisa. Como se estivesse admirando-a, conforme examinava a superfície. O monitor, o mouse e o teclado do computador foram empurrados para um lado da mesa, junto com os blocos de pedra, como se alguém os tivesse tirado do caminho. Pilhas de papéis concentravam-se no centro, um monte alto no meio que afundava como um monte de neve se espalhando pelo resto da floresta. Aparentemente, Sebastian já começara a ler os arquivos de seu pai. Não me surpreendeu. Só porque um membro da família morreu não significa que o mundo parou de girar. Ainda havia coisas para fazer, pessoas para contatar, preparativos de funeral para fazer, contas a pagar. No caso de Sebastian, havia a Vaughn Construções para ser conduzida. Ainda assim, talvez os papéis ou qualquer outra coisa escondida em uma das pastas me contassem mais sobre o encontro de Vaughn com seu colega policial, Harry Coolidge.

Eu olhei por cima do ombro, mas Sebastian e Porter ainda conversavam na outra seção da biblioteca, então eles não podiam me ver. Afastei a cadeira da escrivaninha para poder ter melhor acesso às gavetas para minha busca rápida.

Um tênis cor-de-rosa apareceu debaixo da borda da madeira.

Eu congelei, imaginando de quem era o sapato, e então me lembrei. Eu me perguntei se ela percebeu o que eu queria fazer. Eu esperava que não, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então rolei a cadeira pelo resto do caminho e me inclinei.

Charlotte Vaughn olhou para mim de debaixo da mesa.

Além de seu tênis rosa, ela vestia calças rosa e uma camiseta branca com um coração rosa brilhante no meio. Seus longos cabelos negros estavam puxados em uma trança francesa, mostrando seu rosto bonito. Aparentemente, eu a assustei tanto quanto ela me surpreendeu, porque ela olhou para mim com os olhos arregalados e preocupados.

Eu me abaixei para que meu rosto ficasse no mesmo nível do dela. — Olá, querida. Você se lembra de mim? Sou a amiga de Sebastian do restaurante de churrasco.

Charlotte me encarou e assentiu lentamente, seus dedos enrolando em volta de um livro que estava no chão ao lado dela. Eu inclinei minha cabeça para poder ver o título na lombada.

— Redwall, por Brian Jacques. — Assenti em aprovação. — Esse é um dos meus favoritos.

Ela olhou para mim por vários segundos. — Sério? — Sua voz era um sussurro baixo.

— Sério. — Dei-lhe um sorrisinho. — Eu também gosto de ler.

Uma sugestão de um sorriso puxou seus lábios. Mas a centelha de felicidade fugiu com a mesma rapidez, e sua face voltou a ficar triste quando ela baixou o olhar para o livro e passou os dedos sobre a capa.

— Meu pai me deu — disse ela. — Semana passada. Nós estávamos lendo juntos.

Charlotte ficou olhando para o livro, então ela não viu o sorriso deixar o meu rosto ou a culpa que tomou seu lugar.

Passos soaram e Charlotte se encolheu ainda mais, como uma tartaruga recuando para a concha de madeira da mesa. Eu olhei para Sebastian, que havia terminado seus negócios com Porter e retornado para o escritório. Ele deu um passo para o lado para poder ver o que eu olhava.

Ele suspirou. — Você deveria estar em seu quarto para dormir, Charlotte. Eu lhe disse que teria um convidado.

Charlotte olhou para o irmão mais velho com os olhos sombrios e perturbados. Levou o livro para o peito e o embalou com força, da maneira como algumas crianças abraçam um bicho de pelúcia.

Sebastian hesitou, como se quisesse dizer outra coisa, mas balançou a cabeça e estendeu a mão para mim novamente. — Vamos deixar Charlotte com seu livro.

— Claro. — Peguei a mão dele e deixei que ele me ajudasse a ficar de pé antes de encará-la. — Tchau, Charlotte.

Sua única resposta foi apertar o livro ainda mais apertado.

— Vamos, Gin — disse Sebastian.

Eu o deixei me levar embora, embora olhasse para trás por cima do meu ombro. Charlotte estava agora de pé atrás da mesa, ainda segurando seu livro. Por alguma razão, o olhar que ela me deu pareceu mais triste do que antes, como se soubesse algum segredo que eu não sabia.


Capítulo 15

 

Sebastian me acompanhou para fora da biblioteca e fechou as portas.

— Sinto muito por isso — disse ele. — Charlotte está tendo um... Dificuldade em lidar com a morte do nosso pai. Com frequência eu a encontro escondida debaixo da mesa dele, quase como se ela achasse que ele voltará a qualquer segundo. Eu acho que, na verdade, ela ainda não entende que ele se foi.

Fiz uma careta. Charlotte tinha treze anos, dificilmente uma garotinha. Eu sabia tudo sobre a morte, a tristeza e as pessoas que não voltavam nessa idade. Mas Sebastian estava falando sobre ela como se ela não pudesse entender nada que estava acontecendo ao seu redor.

Ele não disse mais nada, e não ofereci uma resposta. Em vez disso, ele se virou e se afastou das portas fechadas, como se quisesse se afastar da biblioteca e de todas as memórias que ela levantava. Segui-o, dando-lhe o espaço de que precisava.

Eventualmente, Sebastian conduziu-me através de outra porta, descendo um lance de escadas e saindo para o lado sul. Seu ritmo desacelerou para um nível mais normal, como se tivesse deixado o fantasma de seu pai para trás na mansão.

O terreno da propriedade era tão imaculado quanto a mansão. Acres de grama desenrolavam-se como um tapete grosso e abundante antes de dar lugar a trechos de bosques marrons à distância. Aglomerados de árvores pontilhavam o gramado, seus galhos arqueando-se como dosséis e proporcionando sombra para as flores brilhantes de verão que desabrochavam nos ricos canteiros de terra negra abaixo.

Quadras de ténis, uma piscina olímpica, uma banheira de hidromassagem ao ar livre com seu próprio deck de pedra. Nós passamos por tudo isso e muito mais. E, assim como dentro da casa, tudo era perfeito, desde as linhas recém-pintadas nas quadras, a superfície azul-cristalina da água da piscina, até as toalhas brancas arrumadas nas espreguiçadeiras ao lado da banheira de hidromassagem.

Continuamos andando, até finalmente alcançarmos um edifício redondo de mármore abobadado que ficava em uma pequena elevação acima da grande lagoa. Eu reconheci a estrutura – era um dos modelos que Vaughn tinha em seu escritório.

Sebastian apontou para o prédio. — O mausoléu do meu pai — disse ele. — Ele mesmo construiu, assim como a mansão. Nós o colocamos lá no dia do funeral, bem ao lado da minha mãe. Ela morreu em um acidente de carro há vários anos.

Eu colocara Vaughn lá – ninguém mais. Mas eu não podia dizer isso a Sebastian, então simplesmente assenti, apesar da culpa que explodiu em mim.

Sebastian olhou para a estrutura, seu rosto apertado, seus ombros tensos, seus olhos sombrios e ilegíveis. Ele balançou a cabeça, então me puxou para frente novamente. — Venha.

Ele me levou para além do mausoléu e para um caminho de pedra que levava até o outro lado da lagoa. Árvores foram plantadas ao longo de ambos os lados da passagem, criando um belo arco de folhas e galhos acima de nossas cabeças. Passamos pela última das árvores, e ofeguei com a visão.

— E isso — disse Sebastian, estendendo as mãos —, é a estufa.

A estrutura tinha a mesma base sólida de granito cinza que a mansão, mas os lados eram feitos de vidro, cada painel reluzindo nos raios suaves do sol poente. As vidraças brilhavam tão intensamente que me levou um momento para perceber que elas estavam dispostas em padrões específicos que pareciam flores, vinhas e pétalas, como um jardim feito de vidro. Os lados da estrutura subiram cerca de quinze metros no ar antes de afinar na ponta, fazendo com que toda a estrutura parecesse um enorme diamante saindo do chão, apenas esperando que alguém aparecesse e o arrancasse da terra.

— É lindo — sussurrei.

Sebastian sorriu. — Apenas espere até ver o interior.

Ele abriu a porta e passei para o outro lado. A noite de agosto estava bastante abafada, mas o interior da estufa estava quase sufocante, e a condensação deslizava pelos painéis de vidro em gotas lisas e firmes. Orquídeas, lírios e outras espécies de flores tropicais mais exóticas que não reconheci floresciam de um lado da estufa ao outro, suas pétalas tão brilhantes e resplandecentes quanto joias. Vi até algumas palmeiras agrupadas aqui e ali, os troncos grossos estendendo-se em direção ao teto.

Não importava a forma ou o tamanho, todas as flores estavam em longos vasos de mármore branco que se estendiam em mesas altas. As mesas em si foram organizadas em várias fileiras ordenadas, indo da frente até os fundos do prédio. Os aglomerados de árvores ficavam nas extremidades das mesas, marcando várias passagens pela estufa.

Eu escutei, mas os vasos de pedra só sussurravam o orgulho de alojar as lindas flores, junto com alguns resmungos sobre toda a umidade que pingava constantemente do teto e janelas, salpicando sobre eles.

Sebastian indicou várias fileiras de flores, começando no meio da estufa e indo até uma das paredes – rosas. As mais próximas da porta eram de um suave e delicado azul céu com caules verde-floresta, mas quanto mais longe as filas se afastavam, mais escuras as pétalas e mais claras os caules ficavam. Várias fileiras de flores perto de uma das paredes tinham o mesmo azul profundo, escuro, vibrante e caules leitosos como as que Sebastian havia me dado mais cedo.

— Mais do trabalho do meu pai — disse ele, vendo meu olhar curioso. — Ele queria ver o quão escuro e claro ele poderia obter as pétalas e os caules da mesma planta. Era um hobby dele, junto com a construção de modelos.

Bem, eu suponho que isso respondia à minha pergunta sobre por que Vaughn escolheu dois espinhos para a letra V em sua runa de negócios. Fiz uma anotação mental para contar a Fletcher sobre a estufa. Apesar de tudo, ele não sabia que Vaughn gostava de flores. Eu não sabia se isso realmente importava nesse momento, mas Fletcher sempre dizia que a menor informação poderia ser a chave para descobrir a razão do trabalho. Talvez o conhecimento da estufa lhe desse mais conhecimento sobre Vaughn.

— Meu pai sempre parecia estar mais feliz aqui — disse Sebastian, aproximando-se e tocando uma pétala de uma das rosas azul-celeste. — Charlotte costumava vir aqui e passar horas com ele também.

Assim que Sebastian tocou a flor, um murmúrio ondulou no vaso de pedra que a abrigava, o mesmo murmúrio sombrio que senti na mansão mais cedo. Curiosa, eu estendi a mão para a minha magia, tentando descobrir exatamente o que o mármore estava murmurando. Mas eu não conseguia entender o que as pedras tentavam me dizer, como uma música que você não conseguia decifrar a letra.

— Vamos lá — disse Sebastian, soltando a mão da rosa. — Há mais uma coisa que eu quero te mostrar.

Ele estendeu a mão, que eu peguei. Mais uma vez, os murmúrios sombrios do mármore se intensificaram, mas, no entanto, ignorei-os. Eu matei Vaughn. Não havia perigo aqui agora. Talvez as pedras simplesmente tenham percebido o que eu fiz ao seu mestre e não gostaram da minha presença. De qualquer forma, eu estava focada em Sebastian agora, não nelas.

Ele me levou até o outro lado da estufa e virou em direção a outro lago menor, que ficava no fundo de uma colina. Eu ofeguei de surpresa novamente. Uma mesa romântica para dois foi montada na beira da água. Vela acesas do mesmo azul intenso e escuro que minhas rosas cintilavam na brisa de verão, enquanto bandejas de pratas cobertas sobre a mesa refletiam as luzes oscilantes. A porcelana fina estava em cima da toalha de mesa branca, e eu podia ver a letra V com seu padrão de runa de espinho cintilando em fios dourados no tecido.

Era um dos jantares mais elegantes e elaborados para o qual eu já fui convidada, e foi definitivamente a melhor coisa que qualquer cara já havia feito para mim. A ideia de Finn de uma noite romântica era assaltar um dos freezers na parte de trás do Pork Pit. Mas isso... Isso era incrível, como algo saído de uma das comédias românticas que eu secretamente amava assistir com Sophia.

Mas, apesar do meu prazer, meu estômago apertou ao pensar em todos os problemas que Sebastian tivera por minha causa. Ou, pelo menos, sua equipe teve. Porque eu definitivamente não merecia isso. Nem as flores, nem o passeio, nem o jantar romântico – nem um fiapo disso.

Talvez Finn e Fletcher estivessem certos. Talvez esta não tenha sido uma boa ideia. Porque não importava o quanto eu quisesse fingir o contrário, a verdade era que eu havia matado o pai de Sebastian. E se ele descobrisse, ele me odiaria por isso. Como não poderia? E eu não sabia se poderia suportar isso. Não agora. Não após ele ser tão maravilhoso comigo.

— Muito melhor do que jantar e um filme, você não acha? — disse Sebastian.

De alguma forma, eu engoli minha culpa. — Muito melhor — concordei. — Mas é demais. Você não deveria ter se incomodado com tudo isso.

Ele balançou a cabeça. — Não, não é demais. Você estava lá para mim quando eu precisava de alguém na outra noite. Eu queria te agradecer por isso, e esta foi a melhor maneira que encontrei.

Seus olhos encontraram os meus, e eu me vi me afundando, me afogando, me afogando em seu olhar escuro e sincero. Como ele sempre sabia exatamente o que fazer e dizer para me fazer derreter? Nós não nos conhecíamos há muito tempo, mas parecia que Sebastian já me conhecia melhor do que ninguém, até mesmo Fletcher.

Mais uma vez, meu coração apertou com o quanto eu o machuquei, com esse segredo que sempre ficaria entre nós, no espectro de seu pai que nunca deixaria minha mente.

Mas Sebastian não pareceu notar minha aflição. Em vez disso, ele se aproximou e segurou meu rosto com a mão, sua pele quente e suave contra a minha.

— Gin — sussurrou ele.

Ele baixou os lábios nos meus, meus olhos se fecharam, e esqueci tudo, exceto como ele me fazia sentir.

Pelo menos por esta noite.


Capítulo 16

 

As próximas duas semanas foram algumas das mais felizes da minha vida.

Sebastian e eu nos divertimos tanto no jantar, rindo, conversando e nos conhecendo, que ele me pediu para sair com ele novamente na noite seguinte. Como não tive tempo para procurar o arquivo no escritório de seu pai, eu disse que sim.

Bem, eu realmente disse sim porque queria vê-lo novamente, mas Fletcher não precisava saber disso. Ninguém precisava além de mim.

A noite seguinte e o próximo encontro se transformou em outra noite e outro encontro, depois outro...

Sebastian e eu passamos tanto tempo juntos quanto podíamos. Às vezes ele conseguia sair do escritório por tempo suficiente para vir almoçar no Pork Pit, e todas as noites, quando o meu turno terminava, ele passava pelo restaurante e me pegava. Às vezes, passeávamos por Ashland por horas, conversando. Outras vezes, íamos ao cinema ou a alguns dos muitos museus da cidade, como o Briartop, onde alugamos um pedalinho e alimentamos os patos enquanto flutuávamos pela ilha. Nós até mesmo caminhamos pela Montanha Cipreste uma tarde para explorar as lojas e pontos turísticos. Levei Sebastian aos meus restaurantes prediletos, como o Cake Walk, enquanto ele me apresentava alguns dos melhores restaurantes de Ashland, incluindo o Underwood's. Algumas noites, ele me levava até a propriedade de sua família, e nós explorávamos a propriedade de mãos dadas, antes de encontrar um canto escuro e privado e cairmos nos braços um do outro.

Apesar de todas as minhas visitas à propriedade, eu nunca cheguei mais perto de encontrar o arquivo misterioso de Vaughn. Oh, Sebastian me levou ao escritório do seu pai na biblioteca várias vezes, mas nunca me deixou sozinha por tempo suficiente para procurar o arquivo. E depois de um tempo, eu não me importei mais em encontrá-lo. Vaughn estava morto. Ele não podia mais machucar Charlotte. Nada mais importava.

Exceto Sebastian.

Com cada palavra, cada encontro, cada beijo suave e doce carinho, eu me sentia cada vez mais atraída por ele. Ele era tão bom para mim, tão gentil, atencioso e respeitoso, e tão focado em fazer qualquer coisa que me fizesse feliz, fosse me trazendo mais rosas, me comprando um cookie gigante em uma loja, ou contando uma piada de mau gosto que me fazia rir depois de um dia difícil no restaurante. Passei tanto tempo ficando nas sombras que amei ter o foco inabalável de alguém e atenção total, como se estar comigo fosse o ponto alto do dia dele. A única coisa que ele ansiava sempre que estávamos separados.

A única coisa que importava.

É claro que Finn não aprovava meu novo relacionamento, mas ignorei seus gracejos e comentários maliciosos. Ele estava simplesmente sendo uma peste irritante e egoísta, como sempre. Fletcher também não estava feliz com o meu envolvimento com Sebastian, mas ele não me deu mais avisos terríveis para ficar longe dele. Ainda assim, pude ver a desaprovação nos olhos do velho. Isso foi outra coisa que ignorei, embora fosse mais difícil do que com Finn.

Mas valeu a pena, porque pela primeira vez em muito tempo, eu estava realmente... Feliz.

Oh, eu nunca estive infeliz, não com Fletcher e, especialmente, não aprendendo como ser a Aranha. Treinar com o velho sempre me fez sentir inteligente, forte e poderosa, me fez esquecer a garotinha assustada que eu fui ao viver nas ruas, e especialmente me fez sentir como se estivesse no controle de minha própria vida, minha própria sorte, meu próprio destino. Como se eu pudesse fazer qualquer coisa, superar qualquer coisa, sobreviver a tudo.

Mas estar com Sebastian me fez sentir viva de uma maneira que eu achava que havia morrido na noite em que minha família foi assassinada. Eu me sentia uma pessoa diferente quando estava com ele, como se eu fosse uma simples garçonete saindo com um cara legal. Quando estava com Sebastian, eu poderia esquecer todas as coisas ruins que aconteceram comigo, e poderia estar no momento com ele. Conversando, rindo, beijando, acariciando. As coisas estavam indo tão bem entre nós que até me permiti ter devaneios idiotas, estúpidos e românticos sobre o futuro, sobre o nosso futuro juntos.

A única coisa que arruinava a minha felicidade era o fato – o fato frio, difícil e inescapável – de que eu havia matado Cesar Vaughn.

O trabalho não foi diferente de qualquer outro que eu fizera. Na verdade, foi muito mais fácil que a maioria. Eu nunca perdi o sono por ser uma assassina, mas, por mais que tentasse, eu simplesmente não conseguia esquecer Vaughn. Mais de uma vez eu sonhei com esfaqueando-o em seu escritório e seus últimos suspiros com o nome de Charlotte nos lábios. Eu ainda não sabia o que fazer com isso. Mas a coisa realmente bizarra era que eles não eram sequer sonhos, mas memórias daquela noite que eu continuava revivendo uma e outra vez sempre que fechava meus olhos. Algo que eu não fazia desde que minha família fora assassinada.

Então, é claro, havia Sebastian, que ainda procurava o assassino de seu pai, apesar dos policiais não terem nada para continuar, nenhuma testemunha, nenhuma evidência e absolutamente nenhum suspeito. O assassinato de Vaughn estava rapidamente se tornando um caso a ser arquivado, e todos sabiam disso, incluindo Sebastian.

Ainda assim, depois do choque inicial, Sebastian não parecia tão chateado com a morte do pai. Várias vezes, ele deixou escapar que Vaughn não era o cara que fingia ser. Ele nunca disse nada sobre seu pai abusar de Charlotte, mas eu começava a pensar que ele suspeitasse de que algo estava acontecendo. Mas assim que ele dizia algo nesse sentido, Sebastian desviava o olhar, com uma expressão de culpa nos olhos, não querendo falar mal de seu amado pai.

Ainda assim, apesar das lembranças, minha culpa prolongada e meus sentimentos crescentes por ele, eu não tinha nenhuma ilusão de contar a Sebastian o que eu fizera com o pai dele. Essa era uma maneira estúpida de conseguir um ingresso para o corredor da morte, não importava o tipo de relacionamento que tivéssemos ou o quanto eu achava que ele se importava comigo. Mas, mais de uma vez, eu precisei morder meu lábio para evitar dizer a Sebastian que ele estava exatamente certo sobre seu pai e que ele e Charlotte estavam melhores sem Vaughn em suas vidas.

— O que você está pensando? — Uma voz sussurrada invadiu meus pensamentos.

Eu me concentrei em Sebastian. Nós dois estávamos deitados em um grosso cobertor na sombra da estufa, tendo desfrutado de um piquenique de frango frito, salada de macarrão, legumes frescos e todas as outras coisas que eu preparara no Pork Pit.

— Estava pensando em como é bom estar aqui com você. Apenas nós dois.

Sebastian sorriu. — Apenas nós dois. Eu gosto do som disso. — Ele hesitou. — Na verdade, eu preciso pedir algo.

Eu congelei, pensando que de alguma forma ele descobriu o meu envolvimento na morte de seu pai. A mesma conclusão paranoica que eu sentia todas as vezes que ele me fazia uma pergunta. E mais uma vez, eu não sabia o que eu diria se ele descobrisse a verdade.

— Prosseguirei com o evento que meu pai planejava para este fim de semana — disse Sebastian. — A festa marcando os aniversários dele e de Charlotte. Só que agora será uma celebração da vida dele também. Eu gostaria de saber se você seria meu par.

Apesar de parte de mim querer dizer sim, eu hesitei. Eu já sabia que Sebastian faria a festa, graças às fontes de Fletcher. O problema era que seria um evento enorme, com pessoas vindas de toda Ashland e fora dela. Até Finn conseguira arranjar um convite, graças ao seu estágio no banco. Todo mundo que fosse alguém na cidade estaria na festa, mesmo que fosse apenas por curiosidade sobre o assassinato de Vaughn, e Sebastian seria o centro da atenção.

E eu também, caso concordasse com isso.

— Por favor — disse ele, sentindo minha hesitação. — Será divertido. Eu prometo. Além disso, percebi que é hora de sermos vistos em público juntos. Eu guardei você só para mim por muito tempo. Você não concorda?

A voz dele adquiriu uma nota leve e provocante, e eu finalmente sorri, cedendo ao seu pedido. — Mas não tenho nada para vestir. — Fiz uma pausa. — A menos que você pense que aparecer em minha roupa de garçonete está bom.

Ele riu, em seguida, acenou com a mão. — Não se preocupe. Eu cuidarei de tudo. Tudo o que você tem que fazer é se vestir e aparecer. Por favor, Gin? Isso é muito importante para mim. Uma maneira final de homenagear meu pai.

Foi o suave por favor que me fez concordar, apesar da culpa que apertou meu estômago novamente. O que havia em Sebastian que tornava tão difícil eu negar-lhe alguma coisa?

— Tudo bem — eu disse. — Apenas me diga quando, onde e eu estarei lá.

— É um encontro — sussurrou ele.

Sebastian me puxou para o círculo quente de seus braços, e esqueci sobre o resto do mundo e todas as preocupações que o acompanhavam.

Por esta noite, de qualquer maneira.

 

* * *

 

Eu alisei o tecido do vestido que estava usando. — Não tenho certeza sobre isso. É um pouco... Mais elegante do que pensei que seria.

Fiquei na frente de um espelho de corpo inteiro no meu quarto, olhando para o vestido que Sebastian enviara ao Pork Pit para eu usar. Era a noite da festa dele, e passei a última hora me vestindo. Agora eu estava pronta para ir, embora estivesse surtando sobre o meu vestido.

Era um lindo vestido, um original da Fiona Fine, de acordo com a etiqueta costurada a mão, então eu sabia que Sebastian havia pagado um bom preço por ele. O vestido tinha alças largas cobertas com grandes pedrarias que brilhavam sob as luzes. As alças levavam a um corpete apertado, também coberto com joias, antes que as gemas cedessem lugar ao tecido prateado suave e delicado, e o resto do vestido caía em uma saia que fluía como um rio de seda ao redor das minhas pernas. Stilettos de sete centímetros na mesma prata cobriam meus pés. Ele até enviou uma pequena bolsa prateada, embora as únicas coisas que eu coloquei lá foram um brilho labial, um pacote de lenços e uma das minhas facas.

Eu vi isso e pensei em seus lindos olhos. Era isso que dizia uma nota na caixa com o vestido. Eu não tinha certeza sobre aquilo, mas era definitivamente a melhor roupa que já usei.

— Bem, eu acho que você parece maravilhosa, querida — falou uma voz firme.

Um par de olhos claros, quase incolores, encontrou os meus no espelho, e a anã sorriu para mim, seus cachos brancos parecendo ainda mais requintados que os meus.

Jolene Jo-Jo Deveraux viera há uma hora para fazer meu cabelo e maquiagem, e seus esforços mais do que combinavam com o lindo vestido. Jo-Jo habilmente empilhou meu cabelo castanho escuro no alto da minha cabeça em um coque simples, deixando apenas algumas mechas suavemente enroladas livres para roçar meu rosto. Ela maquiou meus olhos com sombra prata e preta esfumaçada, e pintou meus lábios de um azul escuro, quase o mesmo tom que as dúzias de rosas que Sebastian enviara junto com o vestido. Tudo junto, eu parecia uma princesa gótica brilhante, e me senti assim também.

Eu andava de um lado para o outro, observando o vestido balançar ao redor do meu corpo e absorvendo meu reflexo no espelho. Nada de garçonete hoje à noite. Contudo, eu não sabia como me sentia. Fletcher me ensinou como me misturar com as sombras, mas este vestido definitivamente me faria sobressair na multidão.

— Jo-Jo está certa — disse uma voz áspera atrás de mim. — Você está muito bonita.

Eu me virei para ver Fletcher encostado na porta, com os braços cruzados sobre o peito, ainda usando suas roupas de trabalho azuis do Pork Pit. Ele não falou muito quando eu disse a ele que Sebastian queria que eu participasse da festa como seu par, mas o velho me deu um olhar triste, quase desapontado, que não consegui decifrar. Hoje à noite, porém, seu rosto estava cuidadosamente neutro. Isso me fez amá-lo ainda mais por ver o quanto ele estava tentando me deixar desfrutar disso, sem mencionar suas dúvidas sobre Sebastian mais uma vez.

— Obrigada — disse a Fletcher. — Isso significa muito, vindo de você, especialmente esta noite.

Ele resmungou, mas seus lábios se contorceram em um pequeno sorriso.

— Apenas... Tenha cuidado, querida — disse Jo-Jo.

Seus olhos assumiram um olhar nublado, como se estivesse olhando para algo ao longe. A maioria dos elementais de Ar tinha um pouco de premonição, e Jo-Jo não era exceção, pois o vento sussurrava para ela todas as coisas que poderiam acontecer.

Esperei, imaginando se Jo-Jo diria qualquer outra coisa, mas seus olhos rapidamente clarearam. Ela sorriu para mim novamente, antes de pegar os suprimentos de maquiagem, colocar tudo em uma sacola e descer as escadas, deixando-me sozinha com Fletcher.

Afastei-me do espelho para encará-lo. — Eu sei que você acha que isso é uma má ideia — comecei. — Eu vendo Sebastian, passando muito tempo com ele, indo para a festa hoje à noite, tudo isso. Mas eu sei o que estou fazendo. Se nada mais, isso finalmente me dará a chance de procurar na biblioteca para ver se consigo encontrar o arquivo de Vaughn.

Fletcher assentiu. — Eu aprecio isso. Mas tenha cuidado esta noite, ok, Gin? Posso não ter magia como Jo-Jo, mas algo sobre toda essa situação ainda não se encaixa bem para mim, e quanto mais eu cavo, menos eu gosto. Uma das minhas fontes deve entrar em contato comigo mais tarde hoje à noite. Espero que as informações dele sejam boas, e que ao menos saibamos quem nos contratou para matar Vaughn.

— Você ainda está preocupado, embora os policiais não tenham pistas e a outra metade do pagamento pelo trabalho já foi paga?

O dinheiro havia aparecido em uma das contas anônimas de Fletcher três dias após eu matar Vaughn, dentro do programado. Quem quer que fosse o cliente, parecia estar feliz com os serviços prestados, e Fletcher não ouviu um pio dele desde então. Nenhum e-mail de acompanhamento, nenhum outro anúncio no jornal perguntando sobre preços de carne suína, nada.

Ele assentiu novamente. — Apesar disso.

Eu me aproximei e beijei sua bochecha enrugada, com cuidado para não sujar o batom que Jo-Jo aplicara nos meus lábios.

— Não se preocupe — eu disse. — Não vou me transformar em uma abóbora à meia-noite como Cinderela, e voltarei antes que você perceba.

— Espero que sim. — Apesar do sorriso em seu rosto, aquela luz estranha e perturbada chamejou em seus olhos novamente. — Realmente espero que sim.


Capítulo 17

 

Tão atencioso como sempre, Sebastian enviou um carro para a casa de Fletcher para me pegar. Saí pela varanda da frente e vi que o veículo já havia estacionado na entrada da garagem e parado em frente a casa.

Em vez de Porter, outro gigante estava dirigindo, um com ombros largos, uma cabeça raspada, e uma pele mais escura que seus olhos de ébano. Ele usava um smoking formal, o que só aumentava seu ar super estiloso.

Ele abaixou a cabeça quando me aproximei e gesticulou para o carro. — Sua carruagem aguarda.

Levantei minhas sobrancelhas, não sabendo se ele falava sério.

O gigante me deu um sorriso levemente travesso. — Eu sempre quis dizer isso.

Sorri para ele. — Eu também, senhor...

— Xavier.

Assenti. — Prazer em conhecê-lo.

— Igualmente.

Deslizei para o banco de trás. Xavier fechou a porta e deu a volta no carro para entrar. Eu olhei para a casa. Fletcher estava na varanda, com as mãos escondidas nos bolsos, me vendo sair. Eu acenei para ele. Ele hesitou, depois acenou para mim. E essa foi a última vez que eu o vi antes de Xavier colocar o carro em marcha e dirigir pela entrada.

Eu não tinha visto Xavier antes, então conversei casualmente com ele enquanto ele dirigia, perguntando sobre seu passado e qualquer outra coisa que ele estivesse disposto a falar. Fletcher sempre dizia que os funcionários sabiam das melhores fofocas sobre o que realmente acontecia a portas fechadas. Xavier ficou feliz em me contar tudo sobre como ele era o motorista pessoal de Charlotte e a levava até a escola todos os dias.

— Ela é uma criança doce — disse ele. — É uma pena o que aconteceu com o pai dela.

Eu me mexi no assento. — Sim. É uma pena.

— Mas conduzir Charlotte é apenas um trabalho de meio período, pois estou me preparando para começar a trabalhar como policial para o departamento de polícia — disse Xavier. — Espero subir as fileiras, mas por enquanto, eu estarei patrulhando em Northtown, principalmente em torno desta nova boate que está abrindo lá.

Eu fiquei quieta, deixando-o falar.

— Você deveria ir ao clube em algum momento — disse ele. — Supostamente será algo interessante quando ficar pronto. Além disso, eu sei o quanto Sebastian adora festejar.

Eu fiz uma careta. Sebastian não me parecia do tipo festeiro. Ele não fumava, e não o vi ter mais de uma bebida em qualquer momento. Além disso, ele parecia perfeitamente feliz com nossos encontros discretos até agora. Talvez Xavier não fosse a melhor fonte de informação, afinal.

De qualquer maneira, não tive a chance de questioná-lo mais, porque nós chegamos à propriedade. Xavier me deixou na frente da mansão, depois dirigiu o carro para a parte de trás.

Sebastian me esperava no alto da escada do lado de fora da mansão. Como Xavier, ele usava um smoking clássico que se encaixava perfeitamente nele. O paletó preto e as calças mostravam as linhas elegantes de seu corpo, enquanto a camisa branca insinuava os músculos duros embaixo. Seu cabelo preto estava penteado para trás em um estilo artístico. Seu rosto se abriu em um largo sorriso quando me viu, um que fez seus olhos brilharem como pedras escuras e polidas.

Ele era o epítome de gracioso e sexy, mas ainda mais do que isso, o homem bom e gentil debaixo do terno fez meu coração acelerar.

Ele desceu os degraus e me ofereceu a mão. — Você está incrível — disse ele, em uma voz rouca. — Embora vê-la assim me faz querer levá-la para dentro e tirar esse vestido de você... Lentamente.

Não pude evitar o rubor que floresceu nas minhas bochechas e o calor que passou pelo meu corpo. Até agora, Sebastian e eu não fomos além do beijo e de algumas intensas carícias, mas eu não era virgem e nem ele. Eu poderia dizer o quanto ele me queria sempre que estávamos juntos, mas ele respeitou meus desejos de não dar o próximo passo.

Hoje à noite, no entanto... Eu senti que tudo poderia acontecer.

— Obrigada — murmurei. — Podemos falar sobre isso mais tarde.

Ele manteve seus olhos nos meus enquanto levava minha mão aos lábios. O beijo casto que ele roçou nos meus dedos enviou outro pico quente de antecipação através de mim.

— É um encontro, Gin.

Sim, era... E uma promessa de prazer vindouro.

Seus lábios permaneceram na minha pele um momento mais antes de se endireitar e colocar meu braço no dele. — Você está pronta para esta noite?

— É a sua noite — eu disse, sorrindo para ele. — Eu sou apenas seu par, lembra?

Ele soltou uma gargalhada baixa e rouca. — Sim, suponho que esta noite seja a minha noite, de muitas maneiras. Eu trabalhei duro para chegar aqui, e agora está finalmente acontecendo.

Fiz uma careta, imaginando o que ele queria dizer, mas Sebastian me deu outro sorriso encantador.

— Na verdade, se as coisas correrem bem, eu pensei que poderíamos escapar da festa um pouco mais cedo. Tomar um drink calmamente e falar... Sobre nós.

— Nós?

Meu coração martelou no meu peito, tão alto que pensei que ele ouviria. Eu fiquei tão feliz de estar com Sebastian nessas duas últimas semanas que não pensei muito sobre o futuro, além de meus devaneios ridículos. Não me permiti pensar nisso, porque eu sabia que assim que encontrasse o arquivo de Vaughn, ou Fletcher descobrisse o que estava lhe incomodando sobre o trabalho, eu não teria uma desculpa para ver Sebastian novamente. Fletcher insistiria para que eu terminasse com ele, e com razão. Mas o tom sério de Sebastian indicava que ele havia pensado muito no futuro, e que ele queria que eu fizesse parte dele.

— Gin? Você está bem?

— Claro — eu disse, em uma voz suave, escondendo as emoções turbulentas correndo por mim. — Mas você não acha que é um pouco cedo para falar sobre o futuro? Nós só estamos nos encontrando há algumas semanas.

— Eu sei que é rápido, mas também sei exatamente como me sinto sobre você. E eu acho que sei como você se sente sobre mim também. Então o que você diz? Vamos sair da festa mais tarde, tomar uma bebida e conversar. Certo?

Ele sorriu de novo e eu estava simplesmente... perdida

Da mesma forma que me perdi desde a primeira noite em que falei com ele do lado de fora da biblioteca da mansão de Dawson. E novamente, quando ele me beijou dentro do Pork Pit. E mais uma vez, quando ele arrumou aquele jantar romântico para nós. E todas as coisas doces, maravilhosas e bem planejadas que ele fez para mim desde então.

— Gin?

Eu olhei em seus olhos, deixando-me afogar neles, nele, mais uma vez. — Eu adoraria isso.

Assim como eu amo você.

As palavras surgiram espontaneamente em minha mente. Por um momento, tudo simplesmente parou. Em seguida, voltou a funcionar e percebi que meu coração martelava ainda mais do que antes.

Porque as palavras eram verdadeiras – muito verdadeiras.

Os Assassinos não deveriam se apaixonar. Ah, não era uma das regras rígidas de Fletcher, mas era uma daquelas coisas que simplesmente não é preciso dizer. Porque como alguém poderia realmente conhecê-lo, muito menos amar você para sempre de verdade, quando passava sua vida nas sombras? Quando você passava de um trabalho sujo e confronto violento para o próximo? Quando ser um assassino era o que fez você, bem, você, para melhor ou para pior?

Já era ruim o bastante eu ter sido tola o suficiente para me apaixonar por alguém, mas a coisa inevitável, realmente terrível, a coisa verdadeiramente insuperável era realmente estar apaixonada pelo filho do homem que eu matei, e que Sebastian me odiaria caso descobrisse a verdade.

Nunca pensei muito sobre ironia antes, mas não pude escapar disso, não agora, quando senti uma pontada tão afiada quanto uma das minhas próprias facas enterradas no meu coração e torcendo mais e mais. Oh, sim, a ironia era uma vadia caprichosa, igual a sorte.

— Gin?

Dei a ele outro sorriso, escondendo meu tumulto interno, então fiquei na ponta dos pés e beijei a bochecha dele. — Eu adoraria falar sobre o nosso futuro... Mais tarde. Agora, no entanto, nós temos uma festa para participar.

Sebastian sorriu, aumentou seu aperto no meu braço e me levou até as escadas e para a mansão. Por um momento, senti uma sensação de déjà vu. Brincando, eu disse a Fletcher que não era uma personagem de um conto de fadas, condenada ao desgosto, que eu não era Cinderela, mas isso é exatamente quem e o que eu era, porque meu tempo com Sebastian estava se esgotando rapidamente.

E não havia nada que eu pudesse fazer para impedir que o relógio marcasse a meia-noite.

 

* * *

 

Sebastian me levou ao grande salão de baile no segundo andar da mansão.

Parecia uma cena de um daqueles filmes antigos de Hollywood que Sophia adorava assistir. O assoalho de madeira foi encerado até brilhar como ouro sob os pés, enquanto os candelabros de cristal desciam do teto como cachos de diamantes, lançando sprays de cores em todas as direções. Vasos cheios daquelas rosas azuis escuras empoleiradas em alcovas nas paredes, adicionando mais cor à cena. Mesas de comida colocadas ao redor do perímetro da sala, junto com vários bares de Gelo elemental, as superfícies geladas fumegando levemente sob o calor das luzes. Membros de uma orquestra verificavam seus instrumentos e se aqueciam no canto de trás da sala. Sebastian teve pessoas trabalhando 24 horas por dia nos últimos dias para preparar a festa, e isso mais do que compensou. O salão de baile foi transformado de um simples espaço aberto em um lugar de exuberante e opulenta elegância.

— O que você acha? — perguntou Sebastian.

— É lindo.

— Estou feliz que você pense assim, senhorita — cortou outra voz.

Uma mulher anã entrou no salão de baile atrás de nós. Ela segurava uma prancheta na mão enquanto um fone de ouvido de plástico preto estava preso sobre o cabelo preto encaracolado. Eu pisquei. Meredith Ruiz. A mesma planejadora que organizou o jantar na mansão de Tobias Dawson.

O olhar de Meredith examinou meu vestido prateado, sapatos e bolsa. Esperei que seus olhos se estreitassem e se abrissem, mas tudo o que ela fez foi aumentar a potência em seu sorriso suave e educado. Ela não me reconheceu. Por que ela reconheceria? Eu não era uma das garçonetes que ela podia intimidar, então eu não tinha utilidade para ela.

Ela se virou para Sebastian. — Agora, senhor, se você for até as portas do pátio comigo, há algo que preciso discutir com você...

Meredith segurou seu braço e o levou embora, mas fiquei onde eu estava, olhando primeiro uma coisa, depois outra. Os candelabros reluzentes, as bandejas de prata de comida gourmet, o champanhe dourado que os bartenders despejavam em delicadas taças de cristal. Eu estava tão focada na cena que levei alguns momentos para perceber que as paredes de pedra do salão de baile estavam sussurrando. Mas não com orgulho, pelo cômodo ter sido transformado.

Não, as pedras murmuravam com malícia e má intenção.

Eu franzi a testa, estendendo a mão para minha magia, imaginando por que as pedras estavam tão abaladas. Agora que Vaughn estava morto, eu pensava que os fortes sussurros começariam a desaparecer lentamente, mas em vez disso, parecia que eles apenas se intensificaram desde que eu estive pela última vez na mansão, há alguns dias...

— Desculpe por isso — disse Sebastian, voltando para mim. — Aparentemente, há um problema de última hora com a nova fonte que pedi para o gramado. Eu queria que os jatos escondidos dentro dela fizessem um show de água com a música da orquestra, mas a planejadora de eventos disse que o Sr. Stills, o ferreiro que está instalando a fonte, disse a ela que não é possível em um prazo tão curto. — Ele deu de ombros, como se fosse um mero inconveniente. — Enquanto isso, vamos?

Sebastian estendeu o braço para mim. Eu calei os sons das pedras resmungando, peguei-o, e deixei que ele me levasse mais para dentro do salão de baile.

 

* * *

 

Os convidados de Sebastian começaram a chegar logo depois disso. Eu fiquei ao lado dele dentro das portas do salão de baile. Ele apertou a mão de cada pessoa, agradecendo a todos por vir e oferecendo a todos um sorriso sincero. Às vezes ele os envolvia em uma breve conversa. Outras vezes, os convidados saíam em busca de comida e bebida. Mas, mais do que algumas pessoas permaneciam ao redor da porta, querendo algum tempo com o homem da hora. De fato, muitas pessoas se aglomeravam ao redor dele, e logo eu precisei ficar contra a parede para que não fosse afastada completamente dele.

Sebastian não me apresentou a ninguém, mas eu não me importava. Esta era a noite dele, e eu preferia ficar em segundo plano, de qualquer maneira. Eu estava pensando em me afastar para pegar uma bebida quando Mab Monroe entrou pelas portas abertas.

A Elemental de Fogo usava um vestido de veludo sem alças em um carmesim profundo, que de alguma forma destacava, ao mesmo tempo, sua pele cremosa e cabelos acobreados. Sua maquiagem foi habilmente aplicada, seus olhos ainda mais escuros pelo delineador e sombra. Em contraste, seu colar de pingente de sol brilhava como um anel de fogo dourado ondulado em volta de sua garganta, o rubi no meio faiscando como uma brasa prestes a acender.

A multidão em torno de Sebastian se acalmou e se afastou com a aproximação lenta de Mab e, de repente, eu era a única ao lado dele. Ele estendeu a mão e segurou a minha, sua palma suada contra a minha. Surpresa, eu olhei para ele. Ele não teve nenhum problema em cumprimentar qualquer um dos outros convidados poderosos. Mas por outro lado esta era Mab, a rainha de todos eles, a pessoa mais propensa a queimá-lo até a morte no local, pelo menor erro possível.

Sebastian inclinou a cabeça quando Mab parou na frente dele. — Senhora Monroe É uma honra recebê-la na minha propriedade esta noite. Ele estendeu a mão.

Ela deu-lhe uma lenta olhada, depois pegou a mão dele. — Ser o homem da mansão parece cair bem você, Sebastian — murmurou Mab, seus lábios carmesins se curvando em um sorriso curto, como se tivesse feito algum tipo de piada.

Ele acenou para ela, mas Mab não notou. Em vez disso, ela olhou além dele, para mim. Seu olhar preto passou sobre mim, muito menos interessado do que estava em Sebastian, mas ela fez a coisa educada e estendeu a mão.

Eu não tinha escolha a não ser pegá-la.

Pequenas e invisíveis agulhas começaram a alfinetar meu corpo no segundo em que seus dedos se fecharam sobre os meus. Pensei que a magia de Fogo de Mab havia sido intensa quando eu a espiara pelas janelas da mansão de Dawson, mas a sensação era pior agora que eu estava cara a cara com ela – muito pior. Minha pele estava quente o suficiente para entrar em combustão espontânea, e os ossos liquefizeram apenas tocando-a. Não é de admirar que tantas pessoas a temiam. Seria necessário apenas um mero aceno de sua mão para reduzir todos, menos o Elemental mais forte, a cinzas carbonizadas. Mais de uma vez, eu me perguntei se Mab poderia ser a Elemental de Fogo que matou minha família. Ela certamente tinha a magia para isso, embora eu não pudesse imaginar por que ela teria atacado qualquer um de nós.

Precisei apertar meus dentes para manter o agradável e suave sorriso fixo no meu rosto enquanto segurava a mão dela, mas consegui. Porque se havia uma coisa que eu não podia fazer era chamar atenção de gente como Mab Monroe, ou deixá-la saber que eu podia sentir sua magia.

Mab rapidamente soltou minha mão e foi para o salão de baile, seguida por Elliot Slater, que aparentemente apareceu como seu guarda-costas esta noite. Olhei em volta, imaginando se alguém poderia estar com ela, já que Fletcher mencionou que havia outro Monroe na lista de convidados, alguém com iniciais em vez de um primeiro nome. Mas não vi ninguém seguindo Mab ou Slater, então me concentrei em Sebastian novamente.

Ele sorriu para mim. — Bem, eu acho que foi tão bom quanto poderia ser esperado.

Dei de ombros. Qualquer coisa que não envolvesse Mab Monroe matando você imediatamente deveria ser considerada uma vitória.

Mas a próxima pessoa a entrar pelas portas me surpreendeu ainda mais do que a Elemental do Fogo: Harry Coolidge.

Como todo mundo, ele vestia um smoking preto, embora continuasse mexendo na gravata borboleta, como se não estivesse acostumado a usar uma. Provavelmente não, dada aquela camisa horrível com estampas de rosas que eu o vira usando no complexo de construção. Ainda assim, o policial era uma figura bonita, e ele não estava sozinho.

Uma mulher e uma menina entraram no salão de baile atrás dele. O cabelo loiro morango da mulher estava preso em um coque, e seus olhos azuis eram gentis em seu rosto redondo. Ela usava um modesto vestido azulado que se agarrava as curvas que ela possuía, e um simples colar de pequenas pérolas brilhava ao redor da garganta. Brincos de pérolas combinando adornavam suas orelhas.

Mas foi a garota que capturou minha atenção e fez meu coração apertar dolorosamente em meu peito – ela parecia com Bria.

Cabelos loiros longos, bochechas rosadas, grandes olhos azuis. A garota não poderia ter mais de quatorze ou quinze anos, mas já era incrivelmente bonita, como uma perfeita boneca de porcelana que ganhara vida. Ela usava um simples vestido de lã com uma fita azul presa na cintura. Uma fita azul combinando circulava sua garganta, embora continuasse esfregando o camafeu azul que pendia do final entre os dedos, como se a incomodasse da mesma maneira que a gravata borboleta de Coolidge o incomodava.

Coolidge deu um passo à frente. — Sebastian.

— Harry.

Eles apertaram as mãos, mas Harry obviamente não estava feliz com isso. Ele continuou franzindo o cenho para Sebastian, como se a visão do homem mais jovem o perturbasse por algum motivo.

Eu me forcei a me concentrar em Sebastian e tirar a garota da minha cabeça. Eu até fui tão longe a ponto de virar para estar de frente para ele em vez dela. Esta noite era sobre Sebastian, não relembrando fantasmas do meu passado. Além do mais, não era a primeira vez que eu via alguém parecida com Bria, embora essa garota parecesse com ela um pouco mais do que a maioria.

— Mais uma vez, quero lhe dizer o quanto sinto muito pelo seu pai — disse Harry, seus olhos azuis escuros e sérios. — Se a polícia e seus investigadores não descobrirem algo em breve, espero que você considere me deixar dar uma olhada nas coisas.

A boca de Sebastian franziu. A falta de pistas sobre o assassinato de seu pai continuava sendo um ponto doloroso para ele. Eu também fiquei tensa, mas completamente por outro motivo. Pelo que Fletcher me contara, Harry Coolidge era um policial dedicado, do tipo que não pararia de cavar até descobrir a verdade sobre o assassinato de Vaughn – e minha parte nele.

— Onde está Charlotte? — perguntou a garota, interrompendo os dois homens.

Deixei-me dar outro rápido olhar para ela. Pela primeira vez, percebi que ela carregava uma caixinha branca na mão, amarrada com uma fita rosa clara. Esta noite era o aniversário de Charlotte, e um monte de presentes se acumulava em uma mesa ao lado da sala. Charlotte havia descido para o salão de baile quando os convidados começaram a chegar, mas eu estava tão focada em Sebastian que não prestei atenção nela. Eu não a via há algum tempo, no entanto. Eu me perguntei se ela voltara à biblioteca, escondendo-se sob a mesa de seu pai novamente. O pensamento me entristeceu, já que eu era a causa de sua dor.

Sebastian agitou a mão. — Oh, eu tenho certeza que Charlotte está por aqui, em algum lugar.

A mulher estendeu a mão para a garota. — Vamos lá, querida. Vamos encontrar Charlotte para que você possa dar a ela o presente que você trouxe. Sebastian, obrigada por nos convidar esta noite.

Ele inclinou a cabeça para ela. — Claro, Henrietta. Você sabe que vocês eram como uma família para meu pai.

Harry deu a Sebastian mais um duro olhar antes de ir para a multidão com sua esposa e filha.

— Idiota arrogante — murmurou Sebastian, baixinho.

— Ele? — perguntei, focando em Harry novamente em vez de sua filha. — O que há de errado com ele? Ele parecia legal.

Para um policial que me levaria à prisão caso descobrisse o que eu fiz com seu amigo.

Sebastian sacudiu a cabeça. — Ele é um velho amigo do meu pai e está farejando desde a morte dele. Eu acho que Harry me culpa porque os policiais ainda não encontraram o assassino de meu pai. Como se fosse minha culpa a polícia nesta cidade ser tão incompetente. Como se ele pudesse fazer melhor.

Sem dúvida Coolidge podia fazer melhor. Ele pelo menos tentaria, o que era mais do que poderia ser dito sobre a maioria dos policiais em Ashland.

Ainda assim, fiquei pensando no veneno na voz de Sebastian e o aparente mal-estar entre os dois. Pelo pouco que eu vi e ouvi, Harry Coolidge parecia ser um amigo fiel de Vaughn. Ele certamente amava sua esposa e filha. Ele já havia enfrentado a multidão em um dos bares para buscar uma taça de vinho branco para sua esposa, e um pouco de ginger ale para sua filha. A garota riu quando seu pai fez uma reverência exagerada e a presenteou com o refrigerante, enquanto a mãe olhava com um sorriso no rosto. Uma família tão legal e feliz. Por um momento, senti uma inveja dolorosa de como ela era parecida com Bria.

Sebastian se moveu na minha frente, cortando minha visão da família Coolidge. — Bem, esse parece ser o último dos convidados — disse ele. — Vou encontrar Charlotte e dar as boas-vindas a todos adequadamente. Depois que a festa recomeçar, nós vamos escapar e ter nossa própria comemoração privada. Ok?

Eu sorri, mais uma vez sentindo aquela estranha mistura de desejo, culpa e tristeza pulsando em meu peito. — É um encontro.

Ele assentiu. — Deseje-me boa sorte.

— Boa sor...

Mas Sebastian já havia se virado e se afastava.


Capítulo 18

 

Sebastian moveu-se pelo salão de baile, apertando as mãos e saudando seus convidados novamente. Ele desapareceu da vista, mas ele reapareceu alguns minutos depois no meio do salão, com o braço em volta do ombro de Charlotte, a cabeça abaixada enquanto sussurrava algo em seu ouvido. Eu me perguntei onde ela esteve se escondendo.

Como sua amiga, Charlotte usava um vestido simples, embora o dela fosse preto com toques de azul escuro, quase como rosas abstratas florescendo em toda a saia. Seus cabelos negros foram puxados em outra trança francesa, a ponta amarrada com uma fita azul.

Sebastian deixou Charlotte sozinha, e avançando, pegou uma taça de champanhe e um garfo de um dos garçons e gentilmente bateu o garfo contra a taça. Lentamente, a música clássica da orquestra desapareceu, e a multidão se acalmou.

Sebastian voltou ao centro do salão de baile, colocando o braço em volta do ombro de Charlotte.

— Quero dar as boas-vindas a vocês aqui esta noite — disse ele, olhando de um lado para o outro da multidão. — Obrigado a todos por terem vindo e ajudado Charlotte e eu a honrar nosso pai. Esta noite é o décimo quarto aniversário da minha irmã, e teria sido o quinquagésimo primeiro do meu pai. Não posso pensar em um tributo mais adequado para ele do que estar aqui com todos vocês, seus amigos, sua família.

O olhar de Sebastian foi para Mab. Um sorriso divertido atravessou o rosto dela, como se ela soubesse uma piada particular que ninguém mais conhecia. Talvez estivesse simplesmente feliz por Vaughn estar morto, e alguns dos problemas que ele causou para ela juntamente com ele.

— Muitos rumores estão circulando sobre a morte do meu pai — disse Sebastian. — A polícia ainda está investigando esse crime horrível, mas eu queria fazer a todos vocês uma promessa nessa hoje à noite. Seu assassino será levado à justiça. Meu pai não aceitaria menos, e nem eu.

A multidão aplaudiu com entusiasmo suas palavras. Desta vez, Sebastian olhou diretamente para Harry Coolidge, que tinha os braços cruzados sobre o peito e uma expressão amarga no rosto. Eu me perguntei o que o policial sabia que eu não sabia. Mas, como Fletcher dissera, eu não podia propriamente perguntar a ele.

— Meu pai se foi — continuou Sebastian. — E apesar de estarmos aqui esta noite para comemorar seu aniversário, sua memória, seu legado, todos nós sabemos que não podemos nos fixar no passado e que devemos avançar. É por isso que assumirei o controle da Vaughn Construções, imediatamente.

Sebastian se endireitou e sua voz explodiu no salão de baile enquanto ele delineava como queria continuar o trabalho e os projetos que seu pai havia iniciado. Verdade seja dita, não ouvi a maior parte, já que era óbvio que Sebastian estava tentando tranquilizar seus associados de negócios de que as coisas da empresa prosseguiriam dentro do prazo e do orçamento. Eu me perguntei se foi por isso que ele convidou Mab. Fletcher disse que ela possuía uma participação significativa na Vaughn Construções, e ela não era o tipo de investidor que você desapontava – não se quisesse continuar respirando.

Charlotte se contorceu debaixo do braço do seu irmão, embora Sebastian segurasse sua mão e a mantivesse perto dele. Ela olhou para o chão polido sob suas sandálias pretas. Eu me perguntei se toda a conversa sobre o grande homem que seu pai fora a incomodava, se era disso que ela queria se afastar. Eu me perguntei se ela estava pensando em todas as vezes que ele bateu nela, todas as vezes que abusou dela, todas as vezes que a machucou simplesmente porque podia.

— E então esta noite começa uma nova era, não apenas para Charlotte e eu, mas também para Vaughn Construções... — continuou Sebastian com seu discurso.

— Que idiota chato, pomposo, prolixo — murmurou uma voz sarcástica em meu ouvido. — Algumas pessoas simplesmente não sabem quando calar a boca. O que você vê nele?

Assustada, olhei para a minha direita, para o rosto sorridente de Finn. Não havia muitas pessoas que poderiam me surpreender, mas ele era um deles. Finn era mais suave que um gato. Apesar do meu aborrecimento com ele ao longo dos últimos dias, tive que admitir que ele fazia uma figura impressionante em seu smoking, e seu cabelo brilhava como nogueira polida na luz suave dos candelabros. Não que eu diria isso a ele, entretanto. Seu ego já era grande o suficiente.

— Quando você chegou aqui?

Ele acenou com a mão. — Não é importante. Assim como tudo o que seu namorado está falando lá em cima.

— Ele está agradecendo as pessoas por virem e apoiarem ele e Charlotte — eu disse, revirando os olhos. — Não há nada de errado com isso. Dê um tempo para o cara. O pai dele morreu há algumas semanas.

— Você quer dizer, você matou o pai dele há algumas semanas.

Fúria me atravessou como um raio atingindo a terra. Meus olhos se estreitaram e minhas mãos se fecharam em punhos. — É por isso que você veio aqui? Para me lembrar disso? Porque minha memória não é tão curta. Eu nunca me esqueço deles – nenhum deles.

Eu me lembrava de todas as tarefas que Fletcher me enviara, todas as pessoas aleatórias que tolamente decidiram se meter comigo, todos os punks que queriam me machucar quando eu vivia nas ruas – todas as pessoas que eu matei. Eu me lembrava da aparência deles, do jeito que como falavam, riam, rosnavam, cheiravam, e lembrava especialmente de como eles morreram, e que eu fora a causa de suas mortes súbitas e violentas. Talvez fosse de onde meus sonhos, minhas memórias, estivessem vindo. O fato de que eu simplesmente não esquecia todas as coisas ruins que eu havia feito, mesmo que algumas tinham sido necessárias simplesmente para sobreviver.

O rosto de Finn suavizou com minhas palavras duras. — Olha, desculpe. Não vim aqui para brigar. Apenas não sei o que você vê naquele cara, Gin. Olhe para ele, se exibindo no meio do salão de baile, falando sobre todas as coisas que ele planeja fazer agora que o pai dele se foi. Ele está tentando demais, mais uma vez, como um príncipe que finalmente conquistou o trono do rei e não quer que ninguém saiba exatamente quão inadequado ele é para o trabalho.

Olhei para Sebastian. Em algum momento enquanto eu conversava com Finn, Sebastian soltara Charlotte, que desapareceu na multidão, e agora acenava com sua mão livre e apontava o dedo indicador até o teto para pontuar seus pontos. Talvez ele estivesse sendo um pouco dramático demais, mas eu sabia o quanto era importante para ele causar uma boa impressão esta noite, agora que era o líder da família Vaughn.

— Ele está fazendo o melhor que pode — eu disse, voltando-me para Finn. — Você não pode culpá-lo por isso.

— Não, suponho que não — suspirou Finn —, somente... Tenha cuidado com esse cara, ok, Gin? Eu vi o jeito que você olha para ele.

— E como é?

Pela primeira vez, o olhar verde de Finn era escuro e sério. — Como se estivesse meio apaixonada por ele.

Mantive meu rosto frio, calmo e inexpressivo, mas ele deve ter visto a concordância desconfortável no meu rosto, porque estendeu a mão e gentilmente tocou meu braço, como se eu fosse um pedaço de vidro delicado. Era exatamente assim que eu me sentia agora – frágil, delicada e totalmente exposta.

— Você sabe que isso nunca pode dar certo, não é? — disse Finn, em uma voz suave.

— Claro que eu sei disso — zombei. — Eu matei o pai dele. Posso ser uma assassina, mas não sou idiota.

Finn sacudiu a cabeça. — É mais do que isso. É o que fazemos versus o que ele faz. Nosso mundo versus o dele.

— E aqui eu pensando que todos nós vivíamos no mesmo mundo.

— Não são pessoas como nós. Nosso mundo está no fundo, nas sombras, na escuridão, onde poucas pessoas se atrevem a pisar.

— E o dele não está?

Finn estendeu a mão, apontando para o salão de baile. — Isso é tão longe das sombras quanto você pode estar, Gin. E eu acho que lá no fundo você sabe disso. Você pode ser uma coisa ou outra... Você não pode ser os dois. — Ele fez uma pausa. — Exceto, talvez, se você for Mab Monroe.

Tudo o que ele dizia era inegavelmente verdade. Mas eu acabara de estar tão... Tão... Feliz com Sebastian, tão emocionada com o jeito que ele me fez sentir, como se eu fosse a pessoa mais maravilhosa que ele já conheceu. Eu nunca tive isso.

Oh, Fletcher me amava como uma filha, Jo-Jo também, e é claro, Finn e eu tivemos nossa rivalidade entre irmãos. Eu supus que até mesmo Sophia sentia algum tipo de afeto carinhoso e relutante por mim, embora nunca chegasse ao ponto de dizer isso em voz alta. Mas os quatro eram uma família muito antes de eu aparecer como um cachorrinho perdido na parte de trás do Pork Pit, e às vezes eu ainda me sentia como uma intrusa. Eu creio que essa era uma das razões pelas quais eu treinava por tanto tempo e tão duro para ser a assassina que Fletcher queria que eu fosse – para que eu pudesse agradá-lo em uma área que Finn nunca conseguiu.

Então, eu poderia ser a pessoa certa, pelo menos nisso.

Mas não era assim com Sebastian. De modo nenhum. Ele me fez sentir importante, ele me fez sentir... Especial, de uma maneira que eu nunca senti, nem mesmo com minha própria família. Mesmo quando minha mãe e minhas irmãs estavam vivas, eu sempre fui a do meio. Não tinha idade suficiente para sair com minha mãe e com Annabella, e velha demais para Bria e suas bonecas, embora fosse a pessoa que sempre acabava brincando com ela, de qualquer maneira, simplesmente porque eu a amava muito.

Eu não queria desistir de Sebastian e de como ele me fazia sentir, mas Finn estava certo. Eu não tinha escolha. Porque, mais cedo ou mais tarde, a areia acabaria na ampulheta da minha felicidade, a carruagem voltaria a ser uma abóbora, e meu sapatinho de vidro se estilhaçaria em cacos. Ou eu escorregaria e falaria algo que não deveria, ou Harry Coolidge ou algum outro investigador teria a brilhante ideia de dar uma boa olhada em mim, e quando e porque eu apareci na vida de Sebastian. Prefiro deixar em meus termos, com pelo menos um pouco da minha dignidade e meu coração também. Mais importante, eu precisava sair assim para não pôr em perigo Finn e Fletcher. Posso estar disposta a arriscar minha própria segurança, mas não a deles.

Nem mesmo por Sebastian.

— Não se preocupe — eu disse. — Vou tentar mais uma vez encontrar o arquivo que o velho quer hoje à noite, e então eu irei embora... Para sempre.

Ainda que isso partisse meu coração. Eu não queria deixar Sebastian, mas Finn estava certo. Não havia lugar para mim no mundo de Sebastian, e eu não queria arrastá-lo para o meu. Não quando ele me odiaria por isso e pelo que eu havia feito com o pai dele.

Finn me estudou, suas feições estranhamente semelhantes às de Fletcher naquele momento. Então ele assentiu; aparentemente satisfeito com o que viu no meu rosto. Ele deu outro aperto ao meu braço antes de pegar uma taça de champanhe de um garçom que passava.

— Agora, para assuntos mais importantes — ele arrastou. — Como quem eu planejo levar para casa no final da noite. Eu estava pensando nela.

Ele inclinou seu copo para uma mulher que estava a cerca de seis metros de nós, uma das mulheres mais atraentes que eu já vi. Seu vestido preto com tiras finas era elegante e estiloso, e trazia a atenção certa para seu corpo perfeito, ao mesmo tempo em que realçava a rica cor caramelo da sua pele. Ela tinha curvas maravilhosas, mas seu rosto era ainda mais bonito, com olhos escuros e expressivos, e maçãs do rosto marcantes. Uma fina tiara de diamante prendia o cabelo preto, exibindo lábios escarlates e o suave declive do pescoço. Ela não usava nenhuma outra joia, mas não precisava.

Eu poderia ter tido uma vibe de Cinderela gótica esta noite, mas ela era o tipo de mulher que ficaria linda muito tempo depois que o baile acabasse.

— Quem é ela?

— Roslyn Phillips — disse Finn, nunca tirando os olhos dela enquanto bebia seu champanhe. — Ela está abrindo uma nova boate. Chama-se Northern Aggression.

— Northern Aggression? Inteligente.

Ele assentiu. — Inteligente, de fato. Ela entrou no banco há alguns meses para obter o financiamento. Deveria ter visto o jeito que ela tinha todos os figurões comendo na palma da mão. Eles pensaram que ela era apenas um rostinho bonito no início, mas ela realmente os impressionou com seu plano de negócios. Aquela é uma mulher a ser respeitada.

E, aparentemente, era uma mulher para ser admirada, a julgar pelos homens ao seu redor. Ainda assim, eu precisava respeitar a maneira graciosa que ela falava com cada um deles, nunca favorecendo um acima do outro, embora todos estivessem competindo pela atenção dela.

— Vejo dois CEOs, dois CFOs e um traficante de drogas em torno dela — eu disse. — E você realmente acha que ela vai para casa com você hoje à noite? Continue sonhando, Finn.

— Ah, sim. Mas eu tenho uma coisa que todos esses outros idiotas não têm.

— Sério? O que?

Ele me deu um sorriso arrogante. — Eu sou Finnegan Lane, baby. O melhor que existe em tudo – incluindo em arte do boudoir.

Não consegui me impedir de rir ou provocá-lo. — Bem, boa sorte, senhor Lane. Embora eu pensasse que alguém como aquela seria mais a sua cara.

Apontei para a garota loira que entrara com Harry Coolidge, aquela que parecia com Bria. Ela e Charlotte finalmente se encontraram, e as duas ficaram ao lado da mesa cheia de presentes de aniversário. A menina loira conversava animadamente, olhando em volta com entusiasmo para todas as pessoas, mas Charlotte estava focada no presente que sua amiga lhe dera. Ela desatou lentamente a fita rosa, levantou a tampa da caixa e colocou-a de lado. Ela afastou alguns papeis de seda antes de puxar um delicado camafeu rosa que combinava com o azul que a loira usava. Charlotte deve ter gostado, porque imediatamente enganchou o camafeu em volta do pescoço. A garota loira sorriu para a amiga.

— Ela? — perguntou Finn, sua voz assumindo uma nota ofendida e incrédula. — Ela parece ter quinze anos no máximo. Isso é muito jovem para mim, Gin. Tenho alguns padrões, morais e outros. — Ele fez uma pausa e olhou para a menina novamente. — Talvez daqui a dez anos. Quando ela estiver crescida.

Eu ri de sua arrogância, mas se havia um homem que pudesse fazer algo acontecer, mesmo nos próximos dez anos, definitivamente era Finn.

— Sabe, um dia você conhecerá uma garota que não se apaixonará automaticamente por você ou será seduzida pelo seu assim chamado charme — eu disse. — Eu só espero estar por perto para ver isso acontecer, quando o ego do poderoso Finnegan Lane receber as contusões e pancadas que merece.

Finn jogou o braço em volta dos meus ombros. — Já mencionei o quanto eu adoro quando você fala sobre mim na terceira pessoa? Totalmente faz o meu ego elevar outro ponto. Ou dez.

Não pude deixar de rir novamente.

—... Por isso, quero fazer um brinde ao meu pai e manter seu legado vivo e bem por anos a fio. — Sebastian estava finalmente terminando seu discurso. — Saúde.

Ele ergueu a taça de champanhe, assim como todos os outros no salão de baile. Houve um momento de silêncio. Então a música recomeçou, e os convidados retomaram suas conversas.

Porter afastou-se da multidão e foi até Sebastian, que apertava as mãos novamente com alguns de seus convidados. Sebastian sussurrou alguma coisa para Porter, que lhe entregou uma taça de champanhe. Sebastian pegou o copo e se dirigiu em minha direção.

— Parece que é a minha dica para sair — disse Finn. — Apenas pense no que eu disse, ok, Gin?

Eu assenti, não confiando em mim para falar. Apesar de todas as nossas diferenças ao longo dos anos, nossas brigas infantis, nosso romance de verão fracassado e nossa contínua rivalidade, ele realmente era o melhor irmão que uma garota poderia ter, de sangue ou qualquer outra coisa.

Finn piscou para mim, então deslizou para a multidão, indo diretamente para Roslyn Phillips. Por um momento, ele estava na borda dos homens ao redor dela. No seguinte, ele insinuou-se ao lado. Eu não sabia como ele conseguiu. Às vezes eu pensava que Finn era parte mágico e parte gato.

— Senhorita Phillips, eu acho que você não teve o prazer da minha companhia ainda — murmurou Finn, sua voz suave e encantadora vindo até mim. — Meu nome é Finnegan Lane...

E foi tudo o que eu ouvi antes de Sebastian chegar ao meu lado, um largo sorriso no rosto por seu momento de triunfo. Ele passou-me a taça de champanhe que Porter lhe dera. Eu não gostava muito de champanhe. Era muito borbulhante, muito suave e espumoso para o meu gosto, como se eu estivesse bebendo ar quente, mas não queria ser rude.

Ele tocou sua taça contra a minha e nós brindamos um ao outro, e ele disse. — Vamos sair daqui e ir ter aquela conversa.

— Tem certeza que quer ir agora? A festa está apenas começando.

Sebastian se aproximou de mim e pressionou um beijo suave contra a minha bochecha. Eu respirei seu perfume, doce e picante ao mesmo tempo. Mais uma vez, o desejo se agitou em minhas veias, mais profundo e mais intenso do que antes, porque eu sabia que esta noite seria a única que eu teria com ele.

Sebastian recuou, com seus olhos escuros procurando os meus. — Tenho certeza — sussurrou ele. — E você?

Tudo o que eu podia fazer era assentir, emocionada demais para falar. Ele agarrou minha mão e deixei que ele me tirasse do salão.


Capítulo 19

 

Nós viramos uma esquina e corremos pelo corredor, segurando as mãos como duas crianças. No final, Sebastian arriscou um rápido olhar ao redor. Satisfeito por estarmos sozinhos, ele colocou a taça de champanhe em uma mesa próxima, depois me encostou na parede mais próxima e me beijou, quente e forte, tão forte que quase derrubei minha taça.

Ele recuou e franziu a testa. — Você não bebeu nada do seu champanhe.

— Mais tarde — sussurrei. — Prefiro provar você agora.

Puxei a cabeça dele e o beijei tão profundamente quanto ele me beijou. No momento em que ele finalmente se afastou, nós dois estávamos ofegantes.

Ele sorriu. — Eu entendo o sentimento.

Sebastian me pegou nos braços, taça e tudo, e se dirigiu para a escada mais próxima. Enrolei minha mão em torno de seu ombro e mordi a lateral de seu pescoço.

— Você continua fazendo isso, e nós não chegaremos onde eu quero ir — murmurou ele.

— Mmm. — Belisquei seu pescoço novamente.

Eu não me importava aonde nós íamos, contanto que eu estivesse com ele. Eu queria fazer esta noite valer a pena. Eu precisava fazer esta noite valer a pena.

Porque eu não teria um amanhã com ele.

Eu continuava beijando o pescoço de Sebastian enquanto ele me levava ao terceiro andar, para um quarto que ficava na extremidade oposta do corredor da biblioteca e do escritório do pai dele. Ele empurrou a porta com um ombro, entrou, depois chutou a madeira novamente com o pé. Sebastian se adiantou e me colocou no meio do quarto.

Não era apenas um quarto qualquer – era o quarto dele. Uma cama king-size dominava grande parte do espaço, com os lençóis de seda branca destacando-se em contraste com a moldura de madeira de ébano. Mais mesas de ébano estavam espalhadas pelo quarto, junto com um armário correspondente, enquanto os grossos tapetes eram uma mistura de padrões pretos, brancos e dourados. Apesar de todas as vezes que eu estive na propriedade nas últimas duas semanas, Sebastian não havia me mostrado seu quarto. Era escuro e totalmente masculino, como ele.

Eu adorava isso – e, também, o amava.

Sebastian tirou a taça de champanhe da minha mão e colocou no criado-mudo ao lado da cama. Joguei minha bolsa no sofá ao pé da cama.

Então, com um pensamento, nos juntamos.

Desatei sua gravata preta, soltei-a de seu pescoço e joguei-a de lado, sem me importar com onde ela pousou. Então cuidadosamente desfiz o botão de cima de sua camisa, expondo sua pele bronzeada. Eu beijei seu pescoço novamente, sentindo seu pulso contra meus lábios. Acelerado, acelerado, acelerado, assim como o meu.

Sebastian capturou meu queixo com a mão, levantou a cabeça e me beijou de novo, ainda mais forte do que no andar de baixo. Não havia nada suave e doce em seus beijos hoje à noite. Bom. Eu não queria que houvesse, porque isso, esta noite, agora, era sobre como nós podíamos nos fazer sentir.

Ficamos ali, balançando para frente e para trás, nossas línguas duelando, enquanto nossas mãos começavam a se esgueirar. Eu o ajudei a tirar o paletó e abri o resto dos botões da camisa, expondo seu peito musculoso e o estômago liso. Ele deslizou as alças que seguravam o corpete do meu vestido, depois abriu o zíper das costas. Eu tirei a seda, deixei cair no chão e, em seguida, chutei para fora do caminho, parada ali apenas com uma calcinha de renda preta. Os olhos de Sebastian subiram e desceram pelo meu corpo, seu olhar escureceu em apreciação.

— Tão linda — sussurrou. — Tão sexy.

Uma emoção passou por mim em suas palavras, e voltei para o círculo quente de seus braços. Ele se abaixou e tocou seus lábios no meu pescoço, mordiscando levemente a pele lá com os dentes, assim como eu fiz antes, então beijando seu caminho até o meu seio direito. Sua língua circulou primeiro um dos meus mamilos, depois o outro, lambendo, beliscando e sugando em um ritmo rápido e necessitado, enquanto abaixava a mão e começava a deslizar sob a borda da minha calcinha.

— Preservativo? — Eu arqueei para trás para lhe dar melhor acesso. Eu tomava pílulas anticoncepcionais, mas proteção extra nunca fez mal.

Sebastian raspou seus dentes contra meu mamilo direito, então meu esquerdo. Foram vários segundos antes de falar novamente. — Na minha carteira.

Eu estendi minha mão, mexendo no seu bolso de trás. Ele continuou me distraindo, me beijando, me acariciando, ambas as mãos agora deslizando mais e mais, mas eu finalmente tirei sua carteira das calças e encontrei um preservativo escondido dentro dela. Eu agarrei e joguei a carteira para longe como havia feito com a gravata borboleta.

Nesse meio tempo, Sebastian enganchou os dedos na minha calcinha e as empurrou para baixo. Saí delas, chutando a seda, e Sebastian caiu de joelhos diante de mim. Lentamente, ele passou as mãos pelas minhas coxas, fazendo-me estremecer de antecipação. Suas mãos se arrastaram pelas minhas pernas. Eu pensei que ele poderia me provocar mais um pouco, mas ele rapidamente deslizou um dedo dentro de mim, esfregando círculos lentos e aumentando meu desejo. Minhas unhas cravaram em seus ombros, e tive dificuldade em segurar o preservativo.

Eu tinha dificuldade em me concentrar em qualquer coisa além do que ele estava fazendo comigo e em quanto eu gostava disso.

— Você gosta disso, Gin? — murmurou ele. — Que tal isso?

Ele bombeou o dedo dentro de mim novamente, e tudo que eu podia fazer era continuar em pé.

Sebastian continuou falando comigo, me dizendo todas as coisas que ele faria comigo, todas as maneiras que ele me agradaria, todas as coisas que ele me faria sentir. Cada palavra que ele dizia, cada promessa impertinente e traços astutos, me fazia sofrer mais por ele.

Finalmente, ele beijou o caminho de volta pelo meu corpo até a minha boca. Mais uma vez, nossas línguas acariciaram de um lado ao outro antes de eu recuar.

Entreguei a camisinha a Sebastian e lhe dei um sorriso malicioso. — Minha vez de jogar.

Tirei a camisa de seus ombros, expondo seu peito. Eu tomei meu tempo beijando seu pescoço novamente e seguindo o leve rastro de cabelos escuros até as calças. Desfiz o cinto, abri o zíper das calças e as abaixei, junto com a cueca de seda preta que ele usava. Sebastian saiu de seus sapatos e roupas. Então eu peguei seu comprimento duro na minha mão, afagando, acariciando e provocando, assim como ele fez comigo.

— Isso é o suficiente — rosnou ele finalmente.

Sebastian me beijou novamente, sua língua empurrou contra a minha enquanto seus quadris balançavam para frente. Ele me pegou e me colocou na cama, antes de recuar, rasgando o pacote com os dentes e cobrindo-se com o preservativo. Então ele deitou seu corpo em cima do meu, envolveu minhas pernas em sua cintura e deslizou para dentro de mim com um movimento suave. Enterrei minhas unhas em suas costas, gemendo por quão bom ele era dentro de mim.

— Oh, docinho — murmurou ele. — Se você acha que isso é bom, que tal isso?

Sebastian se retirou um pouco, depois voltou, mais profundo e mais forte do que antes. Eu gemi de novo, agarrando seus ombros. Ele sorriu e deslizou em mim de novo e de novo. Eu o encontrei em cada impulso, nossos gemidos quebrando o silêncio, até eu finalmente gritar de prazer e me permitir gozar como nunca antes. Sebastian estremeceu contra mim, encontrando sua própria libertação.

E quando o mundo caiu, as estrelas brilharam diante de meus olhos, e eu finalmente voltei, quase quis chorar, sabendo que esta seria a primeira – e única – vez que nós estaríamos juntos.

 

* * *

 

Quando terminamos, Sebastian desabou nos lençóis ao meu lado. Por vários minutos, nós dois ficamos ali, ofegando e descendo da intensidade que alcançamos. Finalmente, eu me virei para encará-lo. Envolvi meus braços em volta do seu pescoço e comecei a puxar sua boca para a minha para outro beijo, mas Sebastian colocou seu dedo contra meus lábios, me impedindo.

— Vamos tomar uma bebida.

Ele se levantou, pegou meu copo do criado-mudo e entregou para mim. Então, ainda nu, ele caminhou até um armário do outro lado do quarto, tirou uma garrafa e serviu-se de um copo de Scotch. Ele voltou para a cama, sentou-se ao meu lado e tilintou seu copo contra o meu.

— Para nós.

— Para nós — sussurrei, meu coração apertando, sabendo que não haveria um nós.

Não depois desta noite.

Sebastian tomou metade de seu uísque, mas eu só tomei um pequeno gole de champanhe, fazendo uma careta pelo gosto. Ele notou minha careta.

— Você não gosta?

Balancei a cabeça. — Muito doce para mim.

— Tome outro gole — pediu ele. — Você pode descobrir que gosta no final das contas.

Ele terminou seu uísque. Eu trouxe o copo aos meus lábios novamente, mas não tomei outro gole.

— Mmm — eu disse, não querendo ferir seus sentimentos. — Tem um sabor melhor do que antes.

Rapidamente coloquei o copo no criado-mudo, deslizando-o para trás da lâmpada para que ele não notasse quão pouco eu tomara. Então estendi a mão e tirei os poucos grampos restantes do meu cabelo, já que a maior parte já foi tirado.

Deitei-me na cama, pensando que Sebastian voltaria para o meu lado, mas, ao invés disso, ele andou pelo quarto livrando-se do preservativo usado e se limpando. Quando acabou com isso, ele pegou suas roupas de onde elas caíram no chão e começou a vesti-las.

Em um segundo, Sebastian estava tão nu quanto eu. No seguinte, ele estava totalmente vestido de novo. Pisquei, me perguntando para foram onde os últimos dois minutos e por que de repente me senti tão cansada. Sebastian foi um amante intenso, mas eu não estava pronta para ficar sem ele ainda, não quando eu teria que deixá-lo para sempre pela manhã. Mas, por mais que tentasse, não conseguia encontrar a energia para me levantar da cama. Em vez disso, meus cotovelos deslizaram e eu abracei um travesseiro contra o peito enquanto olhava para Sebastian.

— Aonde você vai? — perguntei finalmente, minha voz soando fraca e distante para os meus próprios ouvidos.

— Não se preocupe, querida — disse Sebastian, encolhendo os ombros em seu paletó do smoking. — Eu tenho negócios de última hora para atender, e tenho que ter certeza que todos os convidados saíram, mas então eu voltarei para você, e nós passaremos o resto da noite juntos na cama. Ok?

— Tudo bem — murmurei, mesmo sabendo que eu precisava me levantar, vestir minhas roupas, ir à biblioteca e procurar o arquivo, enquanto Sebastian estava distraído com seus outros negócios.

Mas não consegui me mover. Cada parte de mim parecia pesada e lânguida, como se fosse necessário um grande esforço para simplesmente sair da cama.

Sebastian começou a sair, mas fiz um pequeno barulho de protesto e ele voltou para a cama. Ele soltou um suspiro irritado, como se estivesse impedindo-o de algo importante, mas ele se inclinou e começou a beijar meu pescoço, suas mãos deslizando sobre meus seios de novo, e esqueci de todo o resto. Mas depois de mais um minuto, eu nem consegui me concentrar nisso, e meu corpo ficou frouxo e ainda sob o dele.

— É isso mesmo, querida — murmurou Sebastian, sua voz soando estranhamente presunçosa aos meus ouvidos. — Você fica esperando até eu voltar.

— Ok — murmurei novamente.

E isso foi tudo o que lembrei antes do mundo escurecer.


Capítulo 20

 

Uma cutucada afiada no meu ombro me acordou algum tempo depois.

No início, eu me perguntei quem era, mas então percebi que era provavelmente Finn brincando comigo, tentando me fazer levantar antes que eu quisesse.

Mas espere... Por que Finn estaria no meu quarto? Nós não éramos mais crianças, embora ele ainda me provocasse desse jeito. E ele nem morava mais na casa de Fletcher... Comecei a deslizar de volta para a escuridão...

O puxão veio novamente, um pouco mais insistente desta vez.

— Vá embora — murmurei.

Tudo o que eu queria fazer agora era voltar para o lugar quieto e escuro onde eu estava. Era legal lá. Quente, seguro, calmante, pacífico.

O puxão veio pela terceira vez, seguido por uma pequena mão segurando meu ombro e me sacudindo. Minha cabeça estalou para o lado, fazendo uma dor rugir para a vida na parte de trás do meu crânio e me tirando do sonho em que eu estava. Ou eu ainda estava sonhando agora? Eu não sabia, mas finalmente consegui abrir os olhos.

O rosto de Charlotte apareceu acima do meu.

Pisquei e me levantei sobre os cotovelos, o quarto girando com aquele movimento pequeno e simples. — Charlotte? O que você está fazendo aqui?

Uma rajada de ar-condicionado atingiu meu corpo, e percebi que ainda estava esparramada na cama de Sebastian, completamente nua. Rapidamente peguei o lençol e joguei sobre o meu corpo. Mais dor subiu pelo meu crânio com o movimento. Eu gemi. Minha cabeça parecia tão estranha, tão confusa, como se eu tivesse bebido muito champanhe, embora eu só tivesse tomado um gole.

Charlotte olhou para mim por mais um momento, então entrou em ação. Ela se moveu ao redor do quarto, pegando meu vestido prateado e jogando-o para mim, junto com minha calcinha, bolsa e sapatos. Eu a observei, imaginando o que ela estava fazendo, piscando e ainda tentando limpar a névoa da minha mente.

Charlotte viu que eu não estava fazendo o que ela queria que eu fizesse. Ela balançou a cabeça, subiu no colchão e empurrou o vestido para o meu colo.

— Você tem que se vestir — disse ela, sua voz mais forte do que eu já havia ouvido. — Você precisa ir embora. Agora.

— Ir embora? Por quê? Aconteceu alguma coisa? O que há de errado? — Minhas palavras estavam arrastadas, e minha voz parecia fraca e distante, como se eu estivesse em uma caverna e ouvindo meu próprio eco.

Exasperada, Charlotte estendeu a mão e puxou minha taça de champanhe de onde eu a escondi atrás a luminária no criado-mudo.

— Porque Sebastian te drogou — sussurrou ela. — Porque ele planeja ferir você. Eu o ouvi falar com Porter sobre isso antes. É por isso que você precisa ir embora. Agora mesmo.

O que...? Sebastian me drogou? Bem, isso explicava esse estranho sentimento de desconexão e a furiosa dor de cabeça que eu tinha. Mas por que ele me drogaria? Por que planejava me machucar? Ele se importava comigo...

Não se importava?

Charlotte pegou meu braço, mas eu a afastei. De alguma forma, consegui sair da cama e me levantar. Apesar de estar cambaleando como uma cervo recém-nascido, eu virei de costas para ela e comecei a colocar a calcinha e o vestido prateado.

— Depressa, depressa — sussurrou ela, me ajudando a colocar os meus saltos altos. — A reunião dele não durará muito mais tempo.

— Onde? — resmunguei. — Onde ele está?

— Na biblioteca. Mas você não pode ir lá. Você ainda pode se esgueirar pela frente com os últimos convidados. Mas você precisa se apressar. A festa acabou, e todo mundo está indo embora.

Cambaleei até as janelas e olhei para fora. Com certeza, uma longa fila de limusines e carros caros descia pela rua iluminada. Eu fiz uma careta, esforçando-me para dar sentido às coisas através do nevoeiro que não saía da minha mente.

Por que Sebastian não estava aqui? Com quem ele estava se encontrando na biblioteca? E por que Charlotte pensou que ele queria me machucar? Até onde ele sabia, eu era apenas uma simples garçonete, só a garota que ele estava vendo nas últimas semanas. Sebastian não poderia saber que eu era secretamente uma assassina... Ele não sabia que eu era a Aranha... Ele não poderia saber que eu havia matado o pai dele...

Ele poderia?

O pensamento me arrepiou até os ossos.

Charlotte continuou correndo pelo quarto, dessa vez pegando minha bolsa e colocando-a em minhas mãos. Levei algumas tentativas, já que meus dedos pareciam tão torpes, desajeitados e distantes quanto o resto de mim, mas consegui abrir o fecho. Minha faca de silverstone estava aninhada dentro da bolsa, a arma que eu trouxe comigo. Não achei que eu precisaria do resto das minhas facas, não aqui, não hoje à noite, não com Sebastian.

Ele me fez sentir especial... Ele me fez sentir segura... Ele me fez sentir amada...

Eu me distanciei, levando alguns segundos para afastar minha confusão e focar em minha faca novamente. Ainda assim, hesitei, pensando que talvez Charlotte estivesse com ciúmes, que estivesse tentando se livrar de mim por qualquer motivo, e era por isso que ela dizia todas essas coisas terríveis sobre Sebastian. Seria perfeitamente compreensível, dado o fato de que ela perdera o pai e tudo o que sofrera nas mãos dele. A tristeza podia fazer as pessoas fazerem coisas estranhas.

Mas eu não conseguia acalmar as dúvidas que sussurravam em minha mente confusa – ou ignorar os murmúrios que ondulavam através das pedras, ainda mais sombrios e ameaçadores do que antes.

Então, coloquei minha mão na bolsa e tirei a faca, sentindo o cabo cavar na cicatriz de runa de aranha na palma da minha mão, silverstone em silverstone. O peso sólido e familiar da arma ajudou-me a concentrar e afastou parte da neblina da minha mente.

Os olhos de Charlotte se arregalaram quando percebeu que eu segurava uma faca, mas dei um passo à frente e empurrei minha bolsa para ela. A faca era a única coisa que eu precisava.

— Aqui — eu disse, cambaleando em direção à porta do quarto. — Segure isso para mim.

Eu não sabia o que estava acontecendo, mas certamente descobriria.


Capítulo 21

 

Fui até a porta, abri uma fresta e olhei para fora, mas o corredor estava vazio.

— Vamos! Vamos! — sibilou Charlotte, passando por mim, correndo para o corredor e gesticulando com a mão. — Por aqui! Por aqui!

Olhei para o corredor aberto em frente a ela, o que eu sabia que levava a um conjunto de escadas que se estendia até o primeiro andar. Charlotte estava certa. Eu ainda poderia fugir. Mas surgiu em mim aquela velha e incômoda curiosidade, aquela que Fletcher incutiu em mim, junto com o desejo ardente de descobrir que possível razão Sebastian teria para me drogar.

Então me virei e comecei a andar na direção oposta, em direção à biblioteca.

— Não. — Disse Charlotte, seguindo-me e puxando a minha mão, tentando fazer com que eu parasse. — Por aqui. Você tem que fugir antes que ele te machuque.

Eu olhei para ela. — Como você sabe que ele vai me machucar? Por que você continua dizendo isso?

Charlotte olhou para mim, seus olhos escuros cheios de dor, pena e total sofrimento – muito sofrimento para alguém tão jovem. Ela lentamente empurrou a manga direita de seu vestido preto.

Uma perfeita marca de mão contundiu seu bíceps em azuis profundos, como se alguém tivesse enrolado a mão em seu braço fortemente, como se tivesse lhe dado uma sacudida cruel.

Todo o ar fugiu de meus pulmões e estrelas brancas piscaram diante dos meus olhos, como se eu tivesse sido socada na garganta por um gigante. Se fosse esse o caso, doeria menos, muito menos.

— Sebastian... Sebastian fez isso com você?

— E mais — sussurrou ela.

Uma náusea encheu meu estômago, me fazendo querer vomitar o champanhe drogado. — Não... Não seu pai?

Charlotte me deu um olhar perplexo, então balançou a cabeça. Essa náusea se intensificou, e meus joelhos ameaçaram se dobrar, mas eu me forcei a engolir a bile amarga subindo pela minha garganta.

— Por quê? Por que ele fez isso com você?

— Sebastian gosta de machucar as pessoas, especialmente eu — disse Charlotte, em uma voz que era velha demais, inteligente e prosaica para uma adolescente. — Ele sempre machucou, desde que eu era pequena. Mas ele esconde isso. De todos, exceto de mim.

— Você... Você alguma vez contou ao seu pai o que Sebastian fazia com você? — Eu mal conseguia falar as palavras.

Ela hesitou. — Não. Eu queria, mas Sebastian me disse que ele machucaria papai caso eu dissesse alguma palavra para ele.

O tempo todo eu pensei que Cesar Vaughn fosse o cara mau, um homem sujo, podre, horrível e desprezível, que abusava de sua própria filha. Mas não era ele. Nada disso era culpa dele ou feito por ele. Charlotte não estava sofrendo por causa dele. O que significava... O que significava...

Eu matei um homem inocente.

O pensamento bateu no meu intestino como uma marreta, e quase vomitei ali mesmo. Mas, mais uma vez, eu me forcei a engolir a bile na minha garganta, ainda que ela me queimasse de dentro para fora.

Minha cabeça girava em uma centena de direções diferentes, e não apenas por causa do champanhe drogado, mas me abaixei, de modo a ficar ao nível dos olhos de Charlotte. — Você vai para o seu quarto, e ficará lá. Você não sai até de manhã, não importa o que ouça. Você me entendeu?

— Prometa-me que você vai embora — disse ela, puxando meu braço e tentando me arrastar para a escada novamente. — Não vá falar com ele. Apenas saia. Por favor. Por favor, por favor, por favor, apenas saia.

Balancei a cabeça. — Não posso fazer isso, querida. Mas não se preocupe comigo. Sebastian pode gostar de ferir as pessoas, mas também sei como fazer isso. Vê?

Estendi a faca onde ela podia ver de novo. Charlotte ofegou. Seu rosto empalideceu, e uma faísca de compreensão começou a queimar em seu olhar escuro.

— Foi você quem matou o papai, não é? — sussurrou ela, em uma voz áspera e acusadora.

Pensei que meu coração não poderia quebrar mais, mas a dor, a tristeza, o olhar devastado em seus olhos fez o que restava do meu núcleo escuro, frágil e podre se estilhaçar em milhares de cacos afiados e lascados, cada um me rasgando de dentro para fora.

— Sim — disse simplesmente. — Eu matei.

Eu não disse a ela que sentia muito, embora sentisse. Não disse que era o que eu fazia como uma assassina. Não disse que era simplesmente minha maneira de sobreviver e tentar acalmar os gritos em minha própria alma. De tentar protegê-la do jeito que eu tão miseravelmente falhei em proteger Bria anos atrás. No final, minhas razões não importavam. Tudo o que importava era que eu havia matado o pai dela, e ela me odiava por isso.

Mas ela não poderia me odiar tanto quanto eu me odiava neste momento por ter tirado um homem inocente da filha que ele tentava proteger.

Charlotte se afastou lentamente de mim, como se achasse que eu ia avançar e esfaqueá-la com minha faca. Então ela se virou e correu pelo corredor, correndo para longe de mim o mais rápido que podia, cada passo suave apunhalando meu peito como um atiçador em brasa. Eu a assisti ir, meu estômago revirando e agitando com culpa, e meu coração doendo por quanta dor eu causei a ela.

Minha cabeça girou ao redor conforme aquela névoa lânguida ameaçava tomar conta de mim novamente, e cambaleei para trás, batendo na parede e sacudindo uma foto lá. Ironicamente, era uma foto de Sebastian em um de seus ternos, sorrindo para a câmera, embora agora seu sorriso parecesse mais cruel do que gentil, sua expressão mais presunçosa do que feliz.

Sebastian... Sebastian sabia o que estava acontecendo. Era ele quem eu precisava encontrar, de quem eu precisava obter respostas.

Minha mão apertou o punho da faca – de um jeito ou de outro.

 

* * *

Eu me afastei da parede e andei pelo corredor até chegar à biblioteca. Não era muito longe, mas não passei por uma única alma. Sem guardas, sem empregadas, sem mordomos, ninguém. No entanto, ruído subiu do andar de baixo. O tilintar de pratos, arrastar de móveis, o estalo e farfalhar dos sacos de lixo. A equipe deveria estar no salão de baile, fazendo a limpeza após a festa de Sebastian.

Passei por outro conjunto de janelas. Através do vidro, pude ver que a maioria dos carros havia desaparecido, o que significava que a festa terminara e todos foram para casa, como Charlotte dissera. Esse fato só me deixou mais curiosa sobre quem ficou para encontrar-se com Sebastian.

Bem, eu ia descobrir.

Levou mais tempo do que deveria, já que eu cambaleava como um marinheiro bêbado na praia, mas finalmente cheguei as portas da biblioteca. Por um momento, pensei em esgueirar-me por uma das janelas e tentar me agarrar ao lado da casa como fizera na mansão de Dawson, mas essa opção era insensata, na melhor das hipóteses. Eu mal conseguia manter meus pés debaixo de mim. Não havia jeito de conseguir ficar pendurada no lado de fora do prédio por muito tempo, muito menos sair pelo parapeito de pedra e ir até uma das janelas da biblioteca.

Mas não precisei, porque as portas estavam abertas, o murmúrio de vozes flutuando até mim. Reconheci o timbre profundo do tom de Sebastian, mas a voz que respondeu parecia um pouco mais suave.

Fui até as portas e olhei para dentro, mas quem estava lá com Sebastian estava mais fundo na biblioteca. Eles deveriam estar no lado direito, reunidos em torno da mesa de Cesar – a mesa de Sebastian agora.

E eu era a pessoa que havia feito isso.

Eu me movi pelas portas abertas e fui na ponta dos pés até a lareira. Certifiquei-me de ficar nas sombras enquanto espiava ao redor do canto da pedra.

Sebastian estava ao lado da mesa, um quadril descansando na borda da madeira antiga, as pernas esticadas na frente dele, parecendo tão casual, relaxado, e bonito como sempre – se o diabo pudesse ser considerado bonito. Ele segurava um copo de conhaque na mão, girando lentamente o líquido âmbar. Ele ergueu o copo até o nariz e respirou fundo, satisfeito antes de tomar um pequeno gole.

Apreciando sua vitória, de muitas maneiras.

Forcei meu olhar a passar por ele para Porter, que estava encostado em uma das estantes de livros, na parte de trás do cômodo, os braços cruzados sobre o peito, como o guarda-costas perfeito. O gigante manteve o olhar fixo sobre a pessoa sentada em uma cadeira em frente da mesa, o volumoso corpo tenso enquanto estava em estado de alerta e esperando problemas a qualquer momento.

— Bem, devo admitir que você planejou tudo isso de forma brilhante — soou uma voz baixa e gutural.

Reconheci a voz, e aquela sensação estranha de afundar. O déjà vu tomou conta de mim de novo.

Mab Monroe se levantou e foi até Sebastian.


Capítulo 22

 

Mab se aproximou para ficar ao lado de Sebastian. Mas em vez de ser intimidado por ela, como parecia estar na biblioteca de Dawson, ele lhe deu um sorriso maroto.

— Bem, isso diz muito, vindo de você — respondeu ele. — Congratulações para nossa nova parceria. Que seja lucrativa... De muitas maneiras.

Sebastian estendeu o copo, e Mab bateu o seu copo de conhaque contra o dele. Sebastian se esgueirou para ela, seu sorriso se alargou quando ela inclinou a cabeça em vez de dar um passo atrás. Eu conhecia esse movimento. Conhecia esse olhar. Ele me deu os dois mais de uma vez nas últimas semanas. O olhar casual, ligeiramente arrogante, o sorriso fumegante, o olhar intenso, escuro e líquido. Eu pensava que era a única mulher que Sebastian já havia olhado daquele jeito.

Eu começava a perceber quão errada eu estava – sobre muitas coisas.

Sebastian se inclinou ainda mais perto, como se estivesse realmente abaixando os lábios para Mab, mas ela estendeu o dedo, e uma única faísca incandescente subiu no ar entre eles, como um fogo de artifício. Foi o suficiente para fazer Sebastian recuar e dar um passo para trás.

— Não pense que seu sorriso bonito e as tentativas desajeitadas de encanto terão qualquer efeito sobre mim — disse Mab. — Este é um acordo comercial. Nada mais. Ao contrário de algumas pessoas nesta sala, eu não durmo com empregados.

Os olhos de Sebastian brilharam de raiva, mas ele fez um esforço óbvio para controlar seu temperamento, tendo em conta com quem ele estava falando. Movimento inteligente, embora eu começasse a desejar que Mab fosse em frente e o fritasse no local, dado o que ele fizera para Charlotte e seu pai.

E o que eu começava a perceber que ele fizera comigo também.

Mas Sebastian não era facilmente amedrontado, e ele se inclinou novamente. — Você não sabe o que está perdendo — murmurou. — É muito divertido dormir com empregados. Você deveria tentar isso algum dia.

O olhar negro de Mab passou sobre seu corpo, frio e desdenhoso. — Duvidoso. Mas continue tentando me convencer. Parece que você gosta da emoção da perseguição tanto quanto eu.

Ele sorriu em acordo.

— Mas para o negócio em questão — disse Mab, tomando um gole de seu conhaque. — Sua fala na festa pareceu muito boa. Você não deve ter problemas em assumir a empresa do seu pai agora. Vou admitir que quando você se aproximou de mim com seu pequeno esquema, eu tinha sérias dúvidas de que funcionaria.

— Sério? Por quê?

— Era muito complicado — disse Mab. — Contratar um assassino para matar seu pai parecia um pouco exagerado, especialmente quando você poderia simplesmente arranjar um acidente em um de seus locais de trabalho.

Respirei fundo. Eu suspeitei assim que vi o hematoma no braço de Charlotte, mas era outra coisa ter confirmação. Sebastian... Foi Sebastian quem me contratou para matar seu próprio pai.

Uma vez mais, o pensamento de que eu havia assassinado um homem inocente me devastou, e precisei me curvar e apertar minha mão sobre a boca para não vomitar. Isso não impediu que as lágrimas escorressem pelo meu rosto, cada uma tão fria e congelada quanto meu coração.

Sebastian encolheu os ombros. — Sim, bem, eu nem teria que contratar aquele assassino se o velho tivesse concordado em renunciar depois do incidente no restaurante, como eu queria que ele fizesse.

— Algo que você arranjou convenientemente para tirar seu pai de sua própria companhia — retrucou Mab. — Como você conseguiu que o terraço desabasse?

Ele deu outro sorriso de satisfação. — Esse é o meu segredinho.

— Pena que não funcionou como você esperava.

— Pensei que a pressão do público seria muito grande, que ele seria forçado a sair imediatamente, ou simplesmente se demitir pela culpa de que um de seus preciosos projetos não era tão forte quanto ele pensava. Mas claro, meu pai acabou sendo um pouco mais... Teimoso do que eu previ.

— É por isso que você foi e contratou um assassino. Outra complicação desnecessária. Por que você não cuidou do seu pai? Com medo de sujar as mãos? — A voz dela assumiu uma nota de zombaria.

— Dificilmente — zombou Sebastian. — Mas meu pai não tem poucos amigos. Ele sofrer um acidente, especialmente depois do colapso do terraço, teria levantado ainda mais perguntas. Dessa forma, parece que um dos familiares das vítimas o matou ou contratou alguém para fazer isso por eles. Não eu.

Sebastian queria assumir a companhia do pai dele, então organizou o desmoronamento do terraço, o que significava que ele era responsável pelas mortes e ferimentos daquelas pessoas inocentes no restaurante – não Cesar.

Mais culpa agitou meu estômago, junto com vergonha profunda, sombria e interminável com o que eu fiz. Eu era muito convencida, tão arrogante, tão confiante em meu desejo de matar Cesar que não pensei nas coisas, como Fletcher queria que eu fizesse. Como resultado, eu dei a Sebastian exatamente o que ele queria.

Eu era tão idiota.

Mab balançou a cabeça, fazendo seus cabelos acobreados flutuarem em volta dos ombros antes de se encaixar perfeitamente no lugar. — Sim, mas o assassino sempre pode rastrear o pagamento até você e usá-lo para chantageá-lo depois.

— Não se preocupe com o assassino. Ela está desmaiada na minha cama agora.

Eu respirei outra vez e me endireitei. Sebastian sabia que eu era uma assassina, sabia que eu havia matado o pai dele. Ele sabia o tempo todo.

Os olhos de Mab se estreitaram com interesse. — Ela? O assassino é uma mulher? Conte-me.

— Oh, sim. — Sebastian praticamente ronronou com triunfo. — Você está absolutamente certa sobre a possibilidade de chantagem, então, desde que eu contratei este assassino, tenho estado de olho em alguém novo na vida de meu pai. E eis que alguns dias depois que eu fiz o depósito, eu vejo uma mulher jovem bisbilhotando por aí.

Ele continuou dizendo a Mab como havia me encontrado espreitando no corredor do lado de fora da biblioteca na mansão do Dawson. Amaldiçoei meu próprio descuido. Eu deveria ter me assegurado de que todos tivessem saído da biblioteca antes de voltar para dentro da mansão, mas não o fiz, e isso me custou – embora eu ainda não soubesse quão alto seria o preço.

Ele finalmente terminou sua história, e Mab arqueou a sobrancelha.

— E você acha que alguma garçonete aleatória é realmente uma assassina disfarçada? Isso é pouco provável, querido.

Pela primeira vez, um pouco de dúvida cintilou no rosto de Sebastian. — Bem, eu não sei com certeza se ela é a assassina, mas ela estava do lado de fora da biblioteca na mansão de Dawson depois da sua reunião com meu pai. Isso não pode ser uma coincidência. E você deveria ver o resto da família dela. Todos me dão olhares malignos desde que eu me aproximei dela.

— Não posso imaginar por que — falou Mab. — Dadas suas tão honradas intenções com ela.

— Algo está acontecendo com eles, e pretendo descobrir o que é.

— E como você atraiu essa suposta assassina para sua cama?

Seu rosto se torceu em um zombar. — Foi bem fácil, na verdade. Parece que ela está um pouco carente de atenção, pobrezinha. Tudo o que eu precisei fazer foi representar o papel do pretendente apaixonado. Ela estava praticamente comendo da minha mão.

Sebastian contou a Mab sobre todos os nossos encontros, zombando de todo o tempo que passamos juntos. Fechei os olhos, meu estômago revirou, mas não consegui bloquear o som da voz dele. Ele zombou quando disse a ela sobre todas as vezes que ele olhou nos meus olhos, todas as palavras doces que disse, todas as mentiras que me contou. E então ele riu – jogou a cabeça para trás e riu e riu, como se me enganar tão completamente fosse a coisa mais divertida que já fizera.

Mab juntou-se a suas risadas satisfeitas, mas seu rosto rapidamente ficou pensativo mais uma vez. —E se você estiver errado? E se sua pequena garçonete não for a assassina que você pensa que é? O que você fará então?

— Matá-la, é claro, junto com o resto da família, só para que não haja pontas soltas — disse Sebastian, em uma voz prosaica. — Porter enviará alguns de seus homens para cuidar do pai e do irmão depois que terminamos aqui.

Meu coração acelerou em meu peito. Ele ia atrás de Fletcher e Finn também. Tudo por minha causa. Tudo porque eu fui muito cega para ver quem e o que ele realmente era.

Um monstro.

— Bem, é bom que você esteja amarrando as coisas, por precaução — disse Mab. — Mas você não quer continuar um pouco mais? Ver o que mais ela pode te dizer? Se há uma coisa que os assassinos têm, é o acesso aos segredos de outras pessoas.

Sebastian encolheu os ombros. — Peguei dela tudo o que eu queria. Ela não tem mais uso para mim.

Meu mundo se despedaçou com todas as coisas cruéis que ele disse. Eu não conseguia respirar, não conseguia me mexer, nem chorar mais. Tudo que eu pude fazer foi ficar lá e me sentir mais nauseada com o quão profundamente, totalmente, ele me enganara. Sebastian Vaughn jogou comigo esse tempo todo, todo esse maldito tempo. Cada palavra acalorada que disse, cada olhar suave que me deu, cada lágrima que ele derramou por seu supostamente amado papai.

Mentiras – mentiras malditas, sujas, podres e sem coração.

Enquanto meu coração se partia em pedaços menores e peças mais afiadas, raiva começava a construir tijolos com tijolos maciços no lugar, limpando o resto da névoa drogada da minha mente. Raiva por Sebastian me usar. Não apenas por contratar um assassino para matar seu pai. Isso era bastante comum em Ashland. Assim como cruzar com o dito assassino em algum lugar ao longo do caminho. Mas ir a tal ponto de seduzir depois do fato e agora mirar em Finn e Fletcher também...

Naquele instante, tudo o que eu senti por Sebastian Vaughn virou cinzas. Todo pensamento suave, toda palavra gentil, toda esperança boba, secreta, nebulosa e sonhadora. Acabado. Incinerado. Obliterado. Mas em seu lugar surgiu uma coisa mais forte do que tudo que eu sentia por ele antes: um desejo frio, perverso e interminável de matá-lo por cada coisa suja e podre que ele fizera.

Para mim, para seu pai, e especialmente para Charlotte.

— Bem, se você acha que consegue cuidar dessa garota e da família dela, podemos seguir em frente com nossos planos — disse Mab. — Quão breve você pode lidar com o primeiro carregamento?

— Assim que você me der — disse Sebastian. — A Vaughn Construções tem vários projetos em andamento na Costa Leste. Terei prazer em incluir seus pacotes com os materiais de construção que saírem. Isso deve facilitar a entrada de suas drogas em novos mercados.

— Bem, fico feliz que você seja muito mais receptivo à ideia do que seu pai.

Então é disso que se trata. Cesar não queria ajudar Mab a contrabandear suas drogas, mas Sebastian queria ser um rei em vez de um príncipe, assim como Finn havia dito, e ele viu a relutância de seu pai como uma boa oportunidade. Então ele fez um acordo para ajudar Mab com suas drogas e tirar o pai do caminho ao mesmo tempo. Eu me perguntei o que Sebastian havia planejado para mim... E para Charlotte.

Sebastian hesitou. — Junto com a garota, pode haver mais uma ponta solta, um detetive chamado Harry Coolidge.

— Como assim?

— Logo antes do assassino matar meu pai, Coolidge deu a ele um arquivo. Eu encontrei-o no cofre do escritório depois que paguei aos policiais para me deixar vasculhar seus documentos em vez de ensacá-los como prova. Parece que meu pai pediu para Coolidge fazer uma investigação independente do colapso do terraço.

Então era isso que havia naquele arquivo, algum tipo de prova do envolvimento de Sebastian. Sebastian devia ter pensado que era o seu dia de sorte quando encontrou o arquivo com seu pai após eu matar Cesar.

— O que ele achou, e quão ruim é isso?

Sebastian encolheu os ombros. — Nada que eu não pudesse explicar, mas Coolidge é persistente. Pior do que um cachorro com um osso. Além disso, ele nunca gostou de mim. Ele já acha que eu tenho algo a ver com a morte do meu pai. Ele insinuou isso na festa hoje à noite.

— Bem, então talvez você devesse contratar sua garçonete assassina para se livrar dele antes de matá-la — sugeriu Mab. — Em vez de contratar outro assassino e fazer mais uma bagunça das coisas do que você já fez.

Sebastian acenou com a mão. — Não estou preocupado com Coolidge. Ele é mais ar quente que qualquer outra coisa. Se ele se tornar um incômodo, eu mesmo o matarei. Na verdade, estou ansioso por isso.

— Pensei ter deixado isso bem claro, meses atrás, quando você se aproximou de mim com seu grande esquema, mas deixe-me repetir — disse Mab, sua voz ficando cada vez mais fria a cada palavra. — Se você começar a se tornar um problema, então eu farei a mesma coisa com você que você fez com o seu falecido pai. Só não me incomodarei em usar um assassino. Estamos claros?

A taça em sua mão explodiu em chamas, pontuando suas palavras, e o cheiro forte de conhaque encheu a biblioteca antes de queimar rapidamente. Sebastian não conseguiu se impedir de levantar a mão e dar vários passos para trás. Ele estava com medo dela. Ele deveria estar.

Mas não com tanto medo quanto deveria estar de mim.

Mab manteve os olhos em Sebastian, conforme o copo em sua mão começava a borbulhar e derreter, e finalmente escorrer pelos dedos como lava derretida. E quando terminou, quando o copo se foi e seu ponto tinha sido feito, ela limpou as últimas gotas de vidro derretido das mãos e soltou sua magia. As chamas apagaram-se nas pontas dos dedos, embora o fedor de fumaça permanecesse.

— Eu confio que é a única demonstração que precisarei dar a você — disse Mab.

Sebastian tentou dar-lhe um olhar confiante, como se não estivesse prestes a molhar as calças, mas o copo de conhaque em sua mão tremia, chapinhando o líquido ao redor e estragando sua fachada. — Não chegará a isso. Eu posso lidar com Coolidge e tudo mais.

— Bom. Porque você não quer me decepcionar.

Mab acariciou a bochecha de Sebastian, sua mão quente deixando uma leve mancha vermelha na pele dele. Eu esperava que ela fosse queimar seu rosto presunçoso, mas em vez disso, ela afastou a mão antes de virar e deslizar para longe.

Saindo... Ela estava indo embora.

Eu me abaixei atrás da lareira, me aprofundando mais nessa parte da biblioteca, e me agachei atrás de uma cadeira assim que Mab apareceu novamente. A Elemental de Fogo começou a se aproximar da porta, mas então parou e olhou por cima do ombro, seus olhos negros passando pelas estantes e pelas sombras que elas projetavam.

As luzes estavam baixas nesta parte da biblioteca, mas eu ainda congelei, nem ousando respirar, porque se ela me visse, eu estaria morta. Mab perceberia que cada palavra que Sebastian dissera sobre eu ser uma assassina era verdade, e me mataria no local – antes de ir atrás de Finn e Fletcher.

Mas, aparentemente, a Elemental do Fogo tinha peixes maiores para fritar, porque após mais alguns minutos de parar o coração, ela se virou e saiu da biblioteca.

Deixei escapar um suspiro suave de alívio por ela não ter me visto...

— Onde estão seus homens? — Ouvi Sebastian perguntar. — Quero tudo pronto hoje à noite.

Esperei um minuto para ter certeza de que Mab não voltaria, então deixei meu esconderijo e fui até a lareira, olhando em volta novamente. Sebastian ainda estava em frente à mesa de seu pai, conversando com Porter agora.

— Falei com eles logo antes de Mab chegar — respondeu Porter. — Eles estão se preparando para sair, como nós combinamos. Três dos meus rapazes vão até a casa do filho. Mais três dos meus homens vão até a casa em que a garota mora com o pai. Esperto de sua parte mandar aquele carro buscá-la para que pudesse pegar o endereço. Não se preocupe. Vamos cuidar de todos eles hoje à noite.

Sebastian assentiu. — Bom. E Gin?

— Ainda desmaiada na sua cama na última vez que olhei. — Porter fez uma pausa. — Tem certeza que quer se livrar dela essa noite? Ela pode ser divertida por alguns dias.

A maneira como ele disse divertida fez minha pele arrepiar.

Sebastian bufou. — Não é tão divertida. Confie em mim.

Eu tremia de fúria. Eu não queria nada mais do que entrar correndo, levantar minha faca e colocá-la no coração negro e mentiroso de Sebastian, uma e outra vez. Mas meu corpo ainda parecia fraco, vacilante e lento de qualquer droga que ele me deu – muito fraco, muito vacilante, e muito lento para encarar Sebastian, para não mencionar Porter, que poderia facilmente me atingir com seus punhos.

Além disso, eu tinha Finn e Fletcher para pensar. Eu precisava avisá-los que Sebastian estava enviando seus gigantes atrás deles. Então virei, pronta para sair da biblioteca e fazer a minha fuga, mas fui muito rápida, fazendo minha cabeça girar. Balancei em meus calcanhares e tropecei em uma das mesas perto das portas abertas, derrubando um modelo de arranha-céu. A miniatura de pedra bateu no chão. Segurei uma maldição, mas o dano já estava feito.

— Que diabos foi isso? — estalou Sebastian.

Antes que eu pudesse me mover, antes que pudesse reagir, ele e Porter vieram correndo para a minha parte da biblioteca. Sebastian e eu olhamos um para o outro por um instante, depois virei-me para as portas abertas e comecei a correr.


Capítulo 23

 

Crack! Crack! Crack!

Porter conseguiu arrancar sua arma debaixo de seu smoking antes que eu saísse da biblioteca. Mas sua mira era péssima, e as balas golpearam a parede ao meu lado, em vez de acertar nas minhas costas.

— Pegue essa cadela! — gritou Sebastian.

Tanto para o meu namorado doce, gentil e dedicado. Ele finalmente mostrou a sua verdadeira face, e eu o mataria por isso.

Mas primeiro, eu precisava fugir.

Corri pela mansão o mais rápido que eu pude, o que não foi muito rápido, considerando meus saltos altos. Mas eu não tinha ninguém para culpar por essa situação além de mim mesma. Se não tivesse sido tão cega, tão ingênua, tão ansiosa para acreditar em todas as mentiras idiotas que Sebastian havia me alimentado. Finn dissera que Sebastian estava se esforçando demais, e ele estava certo.

Finn. Meu coração se contorceu ao pensar nele e Fletcher também, ambos em perigo por minha causa, porque eu fui estúpida o suficiente para me apaixonar por Sebastian e todas as suas mentiras suaves e bonitas. Eu precisava encontrar uma maneira de avisá-los, salvá-los.

Crack! Crack! Crack!

Mais balas atravessaram o corredor, uma quebrando um espelho enquanto eu corria por ele. Sim, eu necessitava chegar a Finn e Fletcher – mas primeiro, eu precisava me salvar.

Continuei correndo até que vi um conjunto de escadas. Eu virei naquela direção, corri até o térreo e empurrei a primeira porta que vi. Acabei no gramado sul, bem longe da garagem e do portão da frente. Frustração me tomou. Não era do jeito que eu queria, mas eu não tinha escolha a não ser avançar.

Crack! Crack! Crack!

Porter irrompeu pela porta. O primeiro disparo de balas foi à loucura, mas o gigante parou e mirou em mim novamente.

Crack! Crack! Crack!

Desta vez, as balas levantaram tufos de grama aos meus pés, muito mais perto de atingir o alvo, forçando-me a correr de novo.

Os campos de ténis, a piscina, a banheira de hidromassagem. Passei por tudo isso e muito mais, mantendo-me longe das luzes ao ar livre o máximo que pude.

Crack! Crack! Crack!

Mais balas, tão perto que senti o calor delas passando pelas minhas pernas dessa vez. Eu não conseguiria escapar de Porter, não com a droga em minhas veias ainda me atrasando, então comecei a procurar por um lugar para me esconder. Ele podia ter uma arma, mas eu ainda tinha minha faca. Tudo o que eu precisava fazer era deixá-lo passar por mim, e então poderia chegar por trás e esfaqueá-lo pelas costas. Problema resolvido. Agora eu só precisava encontrar um lugar para fazer isso acontecer.

Como se em resposta à minha necessidade, um prédio surgiu da escuridão, luzes queimando do lado de fora da estrutura.

O mausoléu de Cesar Vaughn.

Meus passos vacilavam, meu calcanhar pegou uma rocha, e quase caí na grama orvalhada. Mas não havia como voltar, apenas ficar longe de Porter, suas balas e quaisquer outras coisas más que Sebastian pudesse ter em mente para mim. Tortura, provavelmente. Charlotte dissera que ele gostava de machucar as pessoas.

Meu coração se apertou novamente ao pensar nela, no que ela deve ter sofrido nas mãos de seu irmão e, especialmente, em como eu havia afastado o pai dela.

Mas eu poderia me arrepender depois... Se vivesse tanto tempo.

Então corri pela porta aberta e entrei no mausoléu, parando no interior da entrada. Depois ergui a faca que ainda segurava e esperei – esperei que ele entrasse. Sem dúvida, Porter pensou que eu continuaria correndo pelo prédio e sairia pela abertura dos fundos, mas não era quem eu era. Além disso, talvez se eu o capturasse, poderia forçá-lo a chamar os gigantes que ele mandara atrás de Finn e Fletcher – antes de cortar a garganta dele.

Crack! Crack! Crack!

Mais balas soaram na porta quando Porter se aproximou do mausoléu. O gigante parou para recarregar sua arma, então arrisquei um rápido olhar ao redor.

Uma luz queimava no centro do teto, lançando um fraco brilho dourado. A estrutura era menor do que eu pensava e tinha a forma de uma rotunda. Vasos de cristal, cheios daquelas rosas azuis escuras, empoleiravam-se em prateleiras esculpidas nas paredes de mármore cinza, e quatro túmulos de pedra ficavam no centro da área. Dois dos túmulos tinham palavras esculpidas no topo delas, inclusive a mais próxima de mim, que dizia: Cesar Vaughn, Amado Pai e Marido.

Fiz uma careta e voltei minha atenção para meu atacante. Porter terminou de recarregar sua arma e começou a correr em direção à entrada, mas Sebastian finalmente nos alcançou. Ele estendeu a mão na frente do gigante.

— Pare — disse Sebastian. — Eu não a vi sair do outro lado. A menos que esteja enganado, Gin está esperando por nós lá dentro.

Ele deu um passo à frente, de pé, a cerca de seis metros da entrada do mausoléu, banhado pelo brilho dourado das luzes acesas do lado de fora da estrutura. Se eu achasse que poderia machucá-lo com minha faca daqui, teria jogado nele, mas meus braços pareciam tão vacilantes quanto minhas pernas. Além disso, a lâmina era minha única arma, e não a desperdiçaria assim. Não, a única coisa que eu queria fazer com minha faca era enterrá-la no coração negro de Sebastian.

— Gin, Gin, Gin — gritou Sebastian, em uma voz zombeteira. — Você realmente deveria ter ficado na cama. Você não saberia o que te atingiu. Agora, eu receio que você tenha que sofrer.

— Sério? — gritei. — Eu acho que já sofri bastante, deixando você colocar as mãos em mim, seu bastardo doente e vil.

Ele riu, aparentemente encantado com a minha resposta. — Pelo que vi, parece que você estava espionando Mab e eu na biblioteca. Isso parece ser um mau hábito seu. Mas presumo que você ouviu o que eu disse a ela?

— Cada palavra.

— Bem, então, não há mais necessidade de mentirmos um para o outro, agora, não é? — Ele praticamente ronronou. — Você sabe quem eu sou e eu sei quem você é também.

— Não sou quem você pensa que sou. Você entendeu tudo errado. Não sou uma assassina. Eu sou apenas uma garçonete.

Sim, era uma negação fraca na melhor das hipóteses, mas se eu morresse aqui esta noite, pelo menos eu queria dar a Finn e Fletcher alguma negação plausível, mesmo que Sebastian estivesse mandando seus gigantes atrás deles.

Ele riu de novo, ainda mais divertido do que antes. — Talvez você possa vender essa história para outra pessoa, mas não para mim. Eu sou um mentiroso melhor do que você, Gin. Embora não consiga descobrir se você realmente matou meu pai ou assistiu seu pai adotivo ou irmão fazer isso. Suponho que qualquer um de vocês poderia ser o assassino. Importa-se em me dizer quem foi? Hmm? Eu estou simplesmente morrendo de vontade de saber. — Ele riu de novo em sua piada estúpida.

— Não direi nenhuma maldita coisa, seu filho da puta de coração negro — rosnei.

— Vamos lá, chefe — retrucou Porter. — Deixe-me ir lá e cuidar dela.

O gigante levantou a arma e começou a avançar, mas, mais uma vez, Sebastian estendeu o braço, parando-o.

— Não tem que ser assim, Gin — gritou Sebastian. — Saia agora, e prometo que vamos nos divertir juntos antes de você morrer.

— Não, obrigada — retruquei. — Prefiro morrer onde estou a deixar você colocar suas mãos em mim novamente.

Ele sorriu. — Bem, isso certamente pode ser arranjado.

Ajustei minha faca na mão, colocando-a em posição. — Bem, venha aqui, e vamos descobrir.

Porter apertou sua arma e olhou para Sebastian, que balançou a cabeça para o gigante. Sebastian fez um movimento circular com a mão, e Porter assentiu e desapareceu da minha linha de visão.

— Desde que você e sua família mataram meu pai, tenho certeza que você fez sua lição de casa de antemão. Certamente você sabe tudo sobre a magia Elemental de Pedra, já que ele a usou para quebrar todos aqueles modelos estúpidos no escritório dele, eu assumo que foi em uma tentativa desesperada de salvar sua própria vida miserável.

Sebastian fez uma pausa, como se esperasse que eu confirmasse suas suspeitas, mas fiquei quieta.

— Bem, pensei que você deveria saber que eu menti para você anteriormente, Gin — gritou Sebastian. — Porque meu pai não é o único da família com esse poder em particular.

Ao meu redor, o mármore do mausoléu começou a murmurar com profunda intenção, os mesmos murmúrios intensos e sombrios que eu ouvira pela primeira vez no complexo da construção. E depois novamente na mansão. Durante todo esse tempo, pensei que Cesar causara os murmúrios, um subproduto de suas ações abusivas em relação à Charlotte. Errada de novo, Gin.

— Muitas pessoas zombam disso, mas a magia da Pedra é realmente muito útil — gritou Sebastian. — Tem todos os tipos de usos.

Um pensamento me ocorreu. — Como terraços de restaurante desmoronando?

Surpresa passou pelo rosto de Sebastian antes que ele fosse capaz de escondê-la. Mas ele sorriu novamente. — Bem desse jeito.

Então é isso que Vaughn pediu que Harry Coolidge investigasse, e é isso que havia no arquivo: exatamente como Sebastian causou o colapso do terraço. Coolidge dissera alguma coisa sobre conseguir que um Elemental passasse pela cena do crime. Deve ter sido um Elemental de Pedra, alguém que sentiu a mesma perturbação no entulho do terraço que eu sentira na mansão. O outro Elemental tinha sido muito esperto para descobrir quem e o que causou isso. Diferentemente de mim, a idiota colossal.

— Você se importou com aquelas pessoas inocentes que você machucou naquele restaurante? — gritei. — Ou estava tão ansioso para tirar seu pai do caminho que isso não importava para você?

Eu já sabia a resposta, mas impedi Sebastian de liberar sua magia por mais alguns segundos preciosos, o que poderia me dar tempo suficiente para escorregar pelos fundos e fugir.

Não tive tanta sorte.

Corri para o outro lado do mausoléu, mas Porter já havia assumido uma posição ali, com a arma apontada para a entrada, pronto para atirar em mim no segundo em que eu saísse.

Presa... Eu estava presa.

Se estivesse com força total, não teria sido um problema. Eu teria corrido pela abertura, usado minha magia de Pedra para endurecer minha pele, e mergulhado minha faca no peito de Porter antes de correr ao redor da estrutura e fazer exatamente a mesma coisa com Sebastian.

Mas qualquer droga que tivesse sido colocada no champanhe havia me enfraquecido, e minha corrida frenética pela mansão e pelos terrenos minara ainda mais minha força. Todo o meu corpo tremia, o suor escorria pelo meu rosto e um ponto latejava na minha lateral. Tudo que eu podia fazer era ficar de pé e segurar a faca ao mesmo tempo.

Tudo parecia solto e escorregadio, incluindo minha magia. Alcancei meu poder de Pedra, mas ele escorregou do meu alcance como um peixe molhado. Mordi uma maldição e tentei novamente, exatamente com o mesmo resultado. Não, eu preciso encontrar outro jeito de passar por Porter e sua arma e depois desaparecer na floresta além da mansão.

— Não se importa com quem machucou? — zombou Sebastian. — Oh, Gin. Eu estou muito exigente sobre quem eu machuco. Por que perder meu tempo com pessoas que não têm utilidade para mim?

— Ah, é mesmo? — gritei, apenas para mantê-lo falando.

Andei de um lado do mausoléu para o outro, esperando encontrar outra saída, um alçapão. Algo ou qualquer coisa que me ajudasse. Mas não havia nada, e acabei ao lado da tumba de Vaughn, olhando para as palavras esculpidas no fundo: Falecido tão cedo.

Por minha causa. E assim como eu, em outro minuto, dois no máximo, se Sebastian conseguisse o que queria.

— Sim, realmente.

Rastejei até a entrada e olhei para fora. — É por isso que você gosta de bater em sua irmã? Porque as adolescentes são tão úteis para seus grandes planos?

Pela primeira vez, eu consegui limpar o sorriso presunçoso do rosto de Sebastian.

— Charlotte precisa aprender o lugar dela — rosnou ele. — Eu fui o primogênito. Eu era a pessoa que meus pais mais amavam... Pelo menos até ela aparecer.

Minhas sobrancelhas se ergueram. Parecia que Finn e eu não éramos os únicos que tinham alguma rivalidade entre irmãos – se é que você poderia até mesmo chamar disso o ciúme distorcido de Sebastian da sua irmãzinha.

— Charlotte é fraca, assim como era nosso pai — continuou Sebastian. — Sempre lamentando, sempre chorando, sempre choramingando sobre cada coisinha. Ela deveria ser grata por eu estar aqui para cuidar dela, para que ela se endureça e seja tão forte quanto eu.

Eu bufei. A única coisa que Sebastian queria ensinar era a dor.

— Continue dizendo isso a si mesmo, docinho — zombei dele, com o mesmo termo carinhoso que ele disse para mim antes na cama. — Em vez do simples fato de que você é um filho da puta doente e sádico que fica excitado ao espancar crianças. Um verdadeiro príncipe, você é. Um verdadeiro rei da indústria e do império.

Tornei minha voz tão zombeteira e desdenhosa quanto possível, na esperança de enraivecer Sebastian e fazê-lo entrar correndo no mausoléu para tentar me matar. Por um momento, pensei que poderia realmente funcionar. As bochechas de Sebastian se avermelharam de fúria, a emoção quente manchando sua pele bronzeada, e suas mãos cerraram em punhos apertados. Ele chegou a ponto de dar alguns passos antes de pensar melhor e parar. Eu precisava admirar o autocontrole dele.

Mesmo que fosse a minha morte.

— Sabe o que, Gin? — disse Sebastian. — Você é tão fraca e lamentável quanto Charlotte. Mais ainda, na verdade. Tão faminta de afeto, tão faminta por atenção, tão desesperada por alguém para te amar que você pulou na oportunidade de aconchegar-se ao filho do homem que você assassinou. Que tipo de cadela doente, sádica e distorcida isso faz de você? Você iria me dizer o que fez com meu pai? Ou estava com a impressão de que isso não importaria? Que nós apenas viveríamos felizes para sempre? Você é realmente tão delirante?

Desta vez, o rubor raivoso manchou minhas bochechas, fazendo-as queimar até mesmo na escuridão fria do mausoléu. Mas como Sebastian, eu não cedi à minha raiva e não respondi a ele. Em vez disso, olhei por cima do ombro para Porter, mas o gigante estava na mesma posição de antes, pronto para atirar no segundo em que saísse do mausoléu.

Quando percebeu que eu não ia responder, Sebastian deu de ombros. — Não importa. Eu realmente não me importo, de qualquer maneira. Nunca me importei, sabe, especialmente não sobre você.

Apesar de tudo que descobri sobre ele na última hora, suas palavras ainda me machucaram, me cortando até o centro e depois corroendo tudo, como uma serra elétrica cortando através de uma corda dura de madeira. Mas era minha culpa, por não ouvir Finn, por não acreditar mais no sentimento de Fletcher de que algo estava errado sobre o trabalho, mas acima de tudo, por ser uma presa fácil e estúpida, como Sebastian havia dito.

Oh, sim. Arrogância te pegará, a cada momento. Eu não tinha ninguém para culpar além de mim mesma, especialmente pelo que estava para acontecer.

— Oh, vamos lá, agora, Gin — disse Sebastian. — Não seja uma má perdedora. Eu sempre ganharia, sabe. Nunca houve qualquer dúvida nisso. Você apenas tornou isso um pouco mais fácil do que eu esperava.

Mais uma vez, não respondi.

— Tudo bem. — Ele fez beicinho. — Se você não quer mais brincar, então eu também não. Na verdade, eu acho que é melhor você se encolher lá, bem ao lado do meu falecido pai, já que foi você quem o matou. É terrivelmente, tragicamente irônico. E isso tornará tudo mais fácil e mais doce.

Sebastian levantou as mãos, e as manchas cor de âmbar em seus olhos escuros, as que eu achava que eram sóbrias, começaram a clarear quando ele alcançou sua magia de Pedra. Ao meu redor, o mármore do mausoléu provocava murmúrios ainda mais agudos e fortes. Sabiam o que Sebastian faria com isso – e eu também.

Ele continuou reunindo e reunindo sua magia, até que seus olhos queimaram como duas tochas de topázio colocadas em seu rosto, e sua pele assumiu um brilho intenso, como se fosse feita do mesmo mármore que ele tinha tanto controle. Sebastian era como eu, em que sua magia era completamente autossuficiente. Ele nunca a usou perto de mim, e foi por isso que não a senti antes. Mas agora que ele estava ativamente atraindo sua magia, eu podia sentir exatamente quão poderoso ele era.

Ele era forte – muito, muito mais forte do que seu pai fora, mais forte até do que eu. Jo-Jo sempre me disse que eu era uma Elemental poderosa, mas Sebastian superou-me muito. Não é de admirar que ele tenha sido capaz de desmoronar aquele terraço do restaurante. Com a quantidade de magia que ele empenhava agora, teria sido uma brincadeira de criança para ele, tão fácil quanto derrubar uma pilha de blocos de madeira.

Sebastian sorriu, e seus olhos encontraram os meus, apesar das sombras entre nós. Então ele abaixou as mãos e soltou sua magia, conduzindo as ondas invisíveis para o chão em seus pés e depois para o mausoléu.

Sua magia fez o chão ondular, como um chicote se levantando e se preparando para bater... Bem no topo da minha cabeça. Seu poder de Pedra correu através de todas as pedras no chão, saltando de uma para outra, até chegar à fundação do mausoléu. E finalmente percebi o que Sebastian ia fazer. Ele não se atrevia a vir aqui e lutar comigo, então ele faria a melhor coisa no momento.

O bastardo ia me enterrar viva.

Oh, não, a ironia não me escapou. Eu, uma Elemental de Pedra, prestes a ser esmagada até a morte pela coisa com a qual eu sentia tanta afinidade, que eu tinha tanto controle.

A magia de Sebastian subiu pela fundação e então se enfureceu para fora. O piso liso se contraiu e subiu sob meus pés enquanto pedaços de pedra romperam as colunas que sustentavam o teto abobadado. Sem esses suportes, não demoraria muito para que toda a estrutura desmoronasse sobre si mesma e sobre mim.

Desesperada, eu procurei, imaginando como eu poderia evitar ser esmagada até a morte por toneladas de pedras quebradas. Mais uma vez, peguei minha própria magia de Pedra e, mais uma vez, ela se afastou de mim, como se eu tentasse segurar água nas palmas das minhas mãos. Através da poeira sufocante que surgira do mármore despedaçado, pude ver Sebastian do lado de fora do mausoléu, despejando cada vez mais sua magia para destruir cada parte da estrutura. Através da outra abertura, Porter esperou, pronto para colocar uma bala no meu coração caso eu tentasse escapar dessa maneira.

Eu estava presa, com nada além de pedra fria e dura chovendo sobre mim.

Ainda assim, eu olhei ao redor, tentando descobrir alguma maneira de sair daqui. Sebastian enviou outra onda de magia ao mausoléu, e um grande pedaço de mármore se soltou de uma das colunas, atravessou o ar e atingiu o topo do túmulo de César. Mas o mármore se quebrou em vez da laje de pedra.

Meus olhos se estreitaram enquanto eu me perguntava se realmente vi o que achava que havia visto. Porque isso não deveria ter acontecido, não, a menos... A menos que... Os túmulos fossem mais pesados e mais fortes do que as colunas de mármore.

E finalmente me ocorreu um pensamento, uma maneira louca de salvar-me da pedra que caía. Não gostei, mas era a única chance que eu tinha.

Enquanto o chão tremia sob meus pés e mais e mais pedaços de pedra se soltavam das colunas, eu cambaleei até o túmulo de Cesar. Certamente era feito de um granito mais resistente, em vez de um mármore mais delicado que compunha o mausoléu. Sorte minha a tampa de granito apenas repousar sobre a tumba e não ter sido aparafusada ou soldada. Empurrei e empurrei a tampa, tentando fazer com que ela se movesse, mas era muito pesada para levantar sozinha. Eu duvidava que até mesmo Porter pudesse ter conseguido isso com sua força de gigante

Gritei com a frustração, embora não conseguisse ouvir o som sobre os contínuos colapsos da pedra em queda livre. Desesperada, eu alcancei minha magia novamente. Era difícil, tão difícil quanto pegar pingos de chuva em minhas mãos, mas consegui agarrar um pequeno fio de poder e mandá-lo fluir para o topo do túmulo, enquanto agarrava a ponta dele com as mãos. Não pude levantar a tampa da tumba, mas talvez eu não precisasse.

Deslize, eu comandei a pedra com toda a magia e força que consegui reunir. Deslize, maldição, deslize!

Lentamente, muito, muito devagar, o granito começou a obedecer a minhas ordens frenéticas. Deslizou para a direita quase uma polegada. Aumentei meu aperto na borda e enviei outra onda de poder na pedra, conforme a empurrava com todas as minhas forças. Moveu mais um centímetro. Então mais dois, depois mais cinco, depois trinta centímetros.

O fedor da morte saiu do túmulo e me vi encarando o rosto pálido de Cesar Vaughn. Seus olhos estavam fechados, os braços cruzados sobre o peito e o terno caro que ele usava. Ele parecia estar em paz, o que não era como ele deixara a sua vida, graças a mim.

Eu matei um homem inocente.

O pensamento me atingiu, tão afiado e brutal como antes, e eu sabia que sempre sentiria isso. E que o que eu estava prestes a fazer agora só pioraria as coisas.

— Sinto muito — sussurrei, embora a queda das pedras abafasse minha voz.

Mas não havia tempo para remorso ou arrependimentos. Agora não.

Então enviei outra onda de magia para a pedra, fazendo a laje deslizar alguns centímetros mais preciosos para a esquerda.

E então levantei minha perna para o lado da tumba e entrei dela.

Outra explosão da magia de Pedra de Sebastian entrou em erupção no mausoléu, fazendo-me avançar em Cesar, como se ele fosse um amante que eu estava prestes a beijar. Fiz uma careta pelo frio da morte me abraçando, uma morte pela qual eu era responsável, mas me forcei a passar por César, de modo que o corpo dele ficasse exposto às pedras caindo enquanto eu estava parcialmente coberta pela tampa da tumba. Mesmo assim, o lado esquerdo do meu corpo ainda estava exposto. Então cerrei os dentes, estendi a mão e peguei Cesar, puxando-o para perto e usando o homem morto como um escudo.

Foi uma das coisas mais cruéis e horríveis que eu já fiz.

— Morra, cadela!

Talvez fosse a minha imaginação, mas eu poderia jurar que ouvi Sebastian gritar essas palavras, mesmo com a cacofonia da pedra caindo. Apertei-me com mais força contra o interior da tumba e fechei os olhos, sabendo o que viria a seguir.

Então o resto do mausoléu desabou, enterrando-me no túmulo, dentro do abraço frio e morto do homem inocente que eu havia assassinado.


Capítulo 24

 

Não sei quanto tempo permaneci no túmulo, meus dedos cavando os ombros rígidos e sem vida de César, o mármore gritando e gemendo ao meu redor, como banshees chamando pela morte – minha morte.

Mas permaneci lá, e suportei isto. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Em algum momento, eu abri os olhos, embora tudo que pudesse ver fosse escuridão. Nuvens de poeira das pedras quebradas invadiram a tumba, tentando me sufocar, e enterrei meu nariz e minha boca no paletó de César para evitar inalar a poeira, ainda que o fedor da morte enchesse minhas narinas, junto com o fraco cheiro das rosas.

Mas as rachaduras, os estrondos e a poeira acabaram diminuindo, depois pararam. Senti o mármore dar um suspiro final, grande e pesado, antes que o alicerce voltasse ao lugar, as bordas irregulares se despedaçando como as placas tectônicas da terra após um violento tremor. A pedra continuou lamentando, no entanto, seus gritos angustiados ecoando em meus ouvidos.

De alguma forma, consegui afastar o som da mente e me concentrar em meu próprio corpo. A tampa da tumba me protegeu das piores pedras que caíram, então eu estava mais ou menos inteira, embora o mesmo não pudesse ser dito do pobre César. Seu corpo foi enterrado nos escombros, a montanha de pedras bloqueando minha fácil fuga do túmulo.

Mais uma vez, eu o usei, o machuquei, o estraguei. Mesmo na morte, Cesar Vaughn não conseguia descansar na paz. Pelo menos, não de mim. O pensamento me deixou nauseada, o conhecimento frio e duro de que eu havia matado um homem inocente e fui forçada a profanar seu mausoléu, seu túmulo, e seu corpo de uma maneira tão horrível.

Mas foi o único jeito de sobreviver, e ainda ter a chance de passar por isso – e de avisar Finn e Fletcher. Eles podem não ser inocentes, não como César era, mas eles eram minha família mesmo assim, e estavam em perigo por minha causa.

Eu havia acabado de começar a me mover quando senti uma presença ondular através da pedra quebrada.

Sebastian.

Eu congelei, minhas mãos enrolando em volta dos ombros quase enterrados de Cesar novamente. A vibração surgiu pelo mausoléu, e os murmúrios sombrios recomeçaram. Sebastian deve ter usado sua magia para ouvir o mármore, para tentar descobrir se eu ainda estava viva. Por um momento, um desespero selvagem e pânico me tomaram para me afastar de César o mais rápido que pudesse, para sair de seu túmulo, sair do mausoléu, e correr, fugir de todas as lembranças de quão errada eu estive sobre tudo.

Mas eu não podia fazer isso. Não se quisesse viver. Não se quisesse salvar Finn e Fletcher. Eu precisava salvá-los. Caso contrário, tudo isso teria sido por nada.

Então pensei no velho e em todas as lições que ele tentou me ensinar ao longo dos anos sobre ser calma, focada, paciente. Fechei meus olhos e fiz meus membros ficarem absolutamente frouxos e quietos, e deixei o frio do corpo de César afundar ainda mais no meu, embora eu não quisesse nada além de me afastar dele. Então escutei a pedra e deixei que todos os seus murmúrios enchessem minha mente, apagando todo o resto – murmúrios de morte, desespero, destruição. Eu os escutei e os abracei, até quase sentir como se eu fosse uma pedra, apenas mais um pedaço de pedra quebrada em agonia sobre os horrores recaídos sobre ela.

De certa forma, eu supus que era exatamente isso que eu era.

Durante muito tempo, foi tudo o que ouvi e tudo o que senti. Mas então aquela presença sombria e maligna ondulou através do mármore quebrado pela terceira vez, e senti a magia de Sebastian contra a minha como galhos negros de kudzu{4} passando por tudo, envenenando, estrangulando tudo o que tocavam. Segurei um tremor e me concentrei mais na pedra, desejando que ela me visse como apenas mais um pedaço de si mesma – pequena, quebrada e banal.

Não sei quanto tempo fiquei lá, mas as videiras negras da magia de Sebastian lentamente deslizaram para longe, e senti sua presença se afastar da pedra.

Por um longo tempo, houve silêncio. Então...

— Ela está morta — disse Sebastian, com a voz abafada pela pedra lascada que estava entre ele e eu. — Você pode baixar sua arma agora, Porter.

— Tem certeza?

— Tenho certeza. Não há senso de vida dentro da pedra.

— Não sei — retumbou o gigante. — Ela pode ter encontrado um lugar para se esconder Pelo que eu vi até agora, ela é uma vadiazinha difícil.

— Bem, ela pode ter sido uma boa assassina, mas ainda que ela estivesse viva, eu soltei algumas toneladas de pedra em cima dela — falou Sebastian. — Confie em mim, Porter, não tem como ela rastejar por baixo disso tudo. Mas se isso faz você se sentir melhor, vamos arrastar o corpo dela para fora quando começarmos a limpar os escombros em alguns dias.

Eles debateram mais um pouco, mas no final, ambos pareciam satisfeitos por eu estar tão morta quanto Cesar.

— Mas e o mausoléu? — perguntou Porter. — O que você dirá às pessoas quando perguntarem o que aconteceu?

— Direi que decidi derrubá-lo e construir um monumento maior e muito mais adequado para meu pai — disse Sebastian. — Eu sempre odiei essa coisa, de qualquer forma. Agora vamos. Ligue para os seus homens. Eu quero duas equipes, três homens cada, enviadas, uma para lidar com o velho e a outra para lidar com o irmão de Gin, exatamente como você planejou.

— Considere isso feito — disse Porter.

— Bom — respondeu Sebastian. — Então vamos tomar uma bebida em comemoração agora que quase acabamos com toda essa bagunça.

Os dois homens começaram a falar novamente, suas vozes se tornando ainda mais distantes antes de desaparecerem completamente. Eles devem ter voltado para a mansão.

Sebastian pensou que eu estava morta e que ele finalmente ganhou. Agora ele mandaria os homens de Porter atrás de Finn e Fletcher. Não se eu pudesse evitar.

O bastardo já havia me enganado. Ele não tiraria minha família também – as pessoas que realmente se importavam comigo.

Então tomei fôlego e comecei a cavar meu caminho para fora da minha tumba.

 

* * *

 

Por uma vez, eu tive sorte, e as pedras empilhadas em cima de Cesar eram pequenos pedaços do que foi o teto, então consegui empurrá-las e me mexer por debaixo da tampa do túmulo. Mas então minha sorte acabou, e eu estava presa. Olhei para a escuridão, mas a luz da lua escorregando pelas rachaduras nas pedras fez de tudo um tom fosco de cinza.

O mausoléu tinha desabado, como Sebastian pretendia, mas as colunas se entrecruzaram, formando uma espécie de apoio que impediu o teto de cair completamente sobre tudo, inclusive eu. Agora, as colunas pareciam espinhos que cobriam o interior de um caixão – meu caixão, se eu não encontrasse uma maneira de sair daqui.

Lentamente, muito, muito lentamente, comecei a avançar.

O mausoléu não era tão grande assim, talvez quatro metros de largura, mas poderia muito bem ter sido mil. Eu me senti como um verme tentando abrir caminho através de um quebra-cabeça, um com bordas irregulares que se enterravam no meu corpo a cada movimento que eu fazia. Eu deslizava para frente alguns metros, apenas para me aproximar de um pedaço de mármore que era grande demais para eu engatinhar por baixo ou por cima. Então eu teria que recuar e tentar encontrar outro caminho através do labirinto de pedras.

A coisa boa sobre ficar presa por tanto tempo foi que deu tempo ao meu corpo de limpar o resto do champanhe drogado do meu sistema. Eu poderia estar enterrada sob um par de toneladas de rocha, mas finalmente me senti como eu novamente, especialmente quando se tratou da minha raiva.

Ela queimava dentro de mim, tão negra quanto a magia de Sebastian, mantendo o tempo perfeito com a batida lenta e constante do meu coração. Vingança, vingança, vingança... Essa era a coisa que me mantinha, que me mantinha em movimento, que me mantinha rastejando através da pedra quebrada, embora tudo que eu quisesse fazer fosse cair e parar. Mas continuei rastejando, continuei lutando, impulsionada pela minha necessidade de vingança contra Sebastian por tudo que ele havia feito para Cesar, Charlotte e eu, e o que ele reservara para Finn e Fletcher.

Finalmente, eu me aproximei da borda do mausoléu, apenas para encontrar o meu caminho bloqueado por um grande pedaço de pedra. Era do tamanho de uma mesa de cozinha, muito grande e pesada para eu empurrar. Era a única coisa que ficava entre mim e a fuga, e eu teria que usar minha magia para explodi-la caso quisesse ter alguma esperança de avisar a Finn e Fletcher a tempo.

Parei novamente, ouvindo, mas não ouvi nada além do mármore ainda lamentando e dos sons da noite além do círculo de pedra. Sebastian não estava em nenhum lugar na área. Mesmo que estivesse de volta à mansão, ele ainda poderia ser capaz de me sentir usando minha magia, dado o quão forte ele era em seu próprio poder, mas era um risco que eu precisava correr.

Então estendi minha mão, apoiando-a na pedra. E alcancei minha magia, apenas um gotejamento, apenas o suficiente para me deixar conectar com a pedra de mármore na minha frente. Enviei minha magia mais intensamente e mais profundamente na pedra, procurando por quaisquer rachaduras que pudesse derramar o meu poder. Assim, conforme descobria os pontos fracos da pedra, eu os explorava, como Sebastian explorara minhas fraquezas – fraquezas que eu nem percebi que possuía.

Arrogância. Impaciência. Orgulho.

Pensar em Sebastian fez um grunhido subir em minha garganta, e enviei outra onda de magia. Pedaço por pedaço, crack por crack, pouco a pouco, eu lentamente estilhacei a pedra na minha frente, perfurando um túnel direto pelo centro, como um condenado cavando seu caminho para a liberdade. A cada poucos segundos eu parava para ouvir, mas Sebastian não veio investigar.

Ele pensou que eu estava morta e enterrada, e não era mais uma ameaça para ele. Ele deveria ter se certificado. Porque o erro dele lhe custaria a porra da sua vida.

Mandei uma explosão final de magia, e a última camada de pedra se desfez em pó na minha frente. Choveu uma nuvem cinzenta de mármore, mas coloquei minhas mãos na extremidade do mausoléu e me estiquei pela abertura que eu havia criado. Deslizei para frente, depois me afastei das pedras e caí na grama. Fiquei lá por vários minutos, ofegando e tentando recuperar o fôlego. Acima de minha cabeça, o céu da meia-noite brilhava com mil estrelas enquanto a lua brilhava sobre a lagoa alguns metros de distância, como se olhasse seu próprio reflexo brilhante.

Quando senti que poderia fazer isso, eu rolei, então, lentamente, fiquei de joelhos, antes de me levantar. Vacilei para frente e para trás, e a luz da lua bateu em uma superfície lisa, chamando minha atenção. Eu olhei para baixo e percebi que era minha faca silverstone. De alguma forma, eu consegui segurar a arma através de tudo o que aconteceu. Meus dedos correram ao redor do punho. Bom. Eu precisaria dela para ir atrás dos gigantes caçando Finn e Fletcher.

Mas o mausoléu não teve a mesma sorte que eu. A outrora bela estrutura foi reduzida a pouco mais do que um amontoado de pedras irregulares e ásperas, como um monte de pedras para os mortos. Isso é certamente o que Sebastian pretendia que fosse para mim.

Afastei meu olhar do mausoléu e olhei para a mansão. Luzes douradas iluminavam as janelas da biblioteca no terceiro andar. As cortinas foram puxadas para trás, e uma figura se movia para frente e para trás atrás do vidro: Sebastian.

Mesmo a essa distância, eu ainda reconhecia sua sombra sinistra. Ele parecia discutir com alguém, provavelmente Porter, a julgar pela maneira como ele continuava jogando as mãos para o ar.

Aumentei meu aperto na faca e dei um passo à frente, mas o movimento fez a dor disparar pelo meu corpo. Eu poderia ter escapado de ser esmagada pelas pedras, mas eu ainda estava machucada – fisicamente e emocionalmente – e estava uma bagunça rasgada, cansada e esfarrapada. Cortes, arranhões e hematomas decoravam meu corpo da cabeça aos pés, meu vestido estava rasgado em pelo menos duas dúzias de lugares, e a maioria das pedras foram arrancadas das tiras e corpete de joias. Eu até perdi meus sapatos em algum lugar do mausoléu, assim como a Bruxa Malvada do Leste.

Ainda assim, apesar dos meus ferimentos, eu não queria nada mais do que marchar para a mansão, invadir a biblioteca, enterrar minha faca no coração de Sebastian e vê-lo morrer. Por um momento, considerei seriamente fazer isso. Afinal, ele achava que eu estava morta, então eu teria o elemento surpresa do meu lado.

No entanto, meu olhar foi para a pedra desmoronada na minha frente, e me forcei a controlar meu temperamento. Não importa o quanto eu quisesse matar Sebastian, eu não cederia à minha arrogância, impaciência e orgulho. Não dessa vez. Não quando eu estava machucada e cansada, e ele não. Ainda mais importante, seus gigantes estavam a caminho de matar Finn e Fletcher. Eu precisava me mexer, e não ficar aqui no escuro pensando na minha vingança.

Entretanto, eu voltaria para Sebastian – em breve.


Capítulo 25

 

Caminhei através das árvores na parte de trás da propriedade até chegar à estrada principal. Então comecei a andar. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. A propriedade de Vaughn não estava escondida, mas também estava exatamente perto de alguma coisa – exceto a mansão de Mab Monroe.

Parei e espreitei pelos portões do enorme complexo que servia como lar da Elemental do Fogo, mas não havia como qualquer um que estivesse lá dentro me ajudar, e eu não me arriscaria o suficiente para tentar me esgueirar e roubar um veículo. Mab tinha dezenas de guardas gigantes à disposição, qualquer um dos quais teria ficado feliz em matar um ladrão de carros. Então, me afastei da mansão.

Continuei andando pela estrada, movendo-me o mais rápido que pude. Ainda assim, eu sabia que levaria horas para chegar ao apartamento de Finn, e ainda mais na casa de Fletcher, o que seria tarde demais para salvar qualquer um deles...

Faróis apareceram atrás de mim.

Fiquei tão surpresa que parei. Já passava da meia-noite e eu me perguntava quem estaria fora tão tarde, especialmente tão perto da mansão da Mab. Mas as luzes continuaram se aproximando, me pegando em seu brilho.

Hesitei, então corri até a beira da estrada e estendi meu polegar esquerdo.

Pegar carona não era algo que eu normalmente fazia, nem mesmo quando vivia as ruas e queria ir de um lado de Ashland para o outro. Nessa cidade, você nunca sabia no carro de quem você estava se metendo, e o sorriso mais simpático de Northtown poderia esconder o coração mais cruel, algo que você não saberia até que as fechaduras fossem trancadas, prendendo você com qualquer mal atrás do volante. Mas eu estava sem opções.

Olhei contra o brilho que se aproximava e deixei a minha mão direita cair ao meu lado, para que a minha faca estivesse fora de vista contra o meu corpo. Se o pior acontecesse, eu sempre poderia me libertar. Com o ânimo que eu estava, estava mais do que disposta a fazer isso e fingir que estava matando Sebastian o tempo todo.

O carro avançou, e eu esperava que o motorista colocasse o pé no acelerador e passasse por cima de mim, especialmente porque parecia como algo saído de um filme de terror, mas o carro diminuiu, então parou. A janela do lado do passageiro desceu, e eu cuidadosamente me aproximei do veículo, ainda segurando minha faca.

Um cara alguns anos mais velho do que eu estava sentado no banco do motorista. Seus cabelos negros desapareceram na escuridão, e a luz azul escura do painel lançou sombras em seu rosto, embora ainda pudesse ver a inclinação do nariz, como se alguém tivesse quebrado com um punho uma vez.

O cara se inclinou para que pudesse me ver melhor através da janela aberta. Seus olhos se arregalaram quando me viu, absorvendo meu vestido arruinado e esfarrapado, o ninho de pássaro em meio cabelo, e poeira cinza em meus braços, peito e rosto. O único som era o zumbido constante do motor.

— Parece que você poderia precisar de alguma ajuda — ele finalmente disse, destravando a porta. — Entre.

Eu hesitei novamente, me perguntando se isso era realmente uma boa ideia. Caras legais, bons rapazes, não pegavam garotas que pareciam comigo, especialmente não tão tarde da noite. Ele provavelmente pensou que eu era uma prostituta que conseguiu a merda de seu cafetão e que eu daria a ele um brinde pelo passeio. Mas não eu tinha tempo para ser exigente. Não se quisesse salvar Finn e Fletcher. Então me assegurei de manter minha faca fora de vista, abri a porta e entrei no carro.

— Para onde? — perguntou o sujeito.

Olhei para ele, observando os grossos músculos de seus braços e peito. Ele não era um anão ou um gigante, mas obviamente fazia trabalho físico regular e intenso. Você não fica com músculos assim se exercitando na academia. Na melhor das hipóteses, ele era muito mais forte do que eu. Na pior das hipóteses, ele tinha magia para aumentar suas habilidades físicas. Não senti qualquer poder elemental irradiando dele, no entanto. De qualquer forma, eu simplesmente teria que me arriscar.

— Simples assim? — perguntei. — Você pega uma garota estranha em uma estrada deserta tarde da noite e se oferece para levá-la aonde ela quiser? O que você é, algum tipo de Príncipe Encantado?

O cara encolheu os ombros, fazendo os músculos de seu peito rolarem com o movimento. — Só estou tentando ser legal, senhora.

Soltei uma risada amarga. Ele continuou olhando para mim. Eu não sabia dizer a cor de seus olhos, apenas que eles eram claros, quase como bolas de gude fixadas nos planos ásperos de seu rosto.

— Tudo bem, então — eu disse, dando o endereço do condomínio de Finn. — Leve-me até lá.

— Tudo bem.

Ele colocou o carro em marcha e seguiu pela rua. Estudei meu pretenso salvador com o canto do olho. Ele vestia macacão azul escuro, embora a parte da frente estivesse parcialmente desabotoada, deixando visível a camiseta azul clara por baixo. Suas roupas estavam enrugadas e amarrotadas, como se ele as usasse durante todo o dia, e pequenos buracos negros marcavam as mangas de seu macacão, como se algum tipo de faísca quente tivesse caído em seus braços e queimado o material grosso. Talvez ele fosse um mecânico ou soldador.

O cara não falou por três quilômetros. — Tem certeza de que quer que eu a leve para esse endereço? — perguntou ele. — Em vez da delegacia de polícia?

Fiquei tensa. Uma viagem para o po-po era a última coisa que eu precisava. O que diabos eu diria a eles, afinal? Eu era uma assassina que foi fodida – literalmente – por seu cliente. Essas últimas semanas que passei com Sebastian não foram exatamente o meu melhor. — Eu tenho certeza.

— Você quer me dizer o que aconteceu?

— Tive uma noite difícil — brinquei.

Ele soltou uma risada baixa e retumbante. Apesar de tudo, sorri um pouco. Bem, pelo menos eu diverti alguém esta noite – alguém além de Sebastian.

— Parece que foi um pouco mais do que difícil.

— O quê? — atirei. — Você não gosta do meu visual de quem acabou de levantar da cama? Passei horas nisso.

Ele riu de novo, o som um pouco mais profundo e genuíno dessa vez. Mas seu rosto ficou sério e ele olhou para mim novamente. — Olha, se alguém te machucou, ou se tem alguém estiver atrás de você, eu posso te levar para a polícia. Não tem problema.

Bufei. — Por favor. Os policiais desta cidade são uma piada.

— Talvez sim — concordou ele. — Mas parece que você precisa da ajuda de alguém.

— Não é isso que você está fazendo? Ajudando-me?

— Bem, sim. Mas você parece... Realmente triste e um pouco... Machucada.

— Não é nada — eu disse, reprimindo uma maldição de quão perceptivo ele era. — Meu namorado e eu brigamos. Aparentemente, ele pensou que seria hilário me levar a uma festa e me abandonar no meio do nada em Northtown.

— E suas roupas rasgadas? — O cara perguntou em voz baixa.

Dei de ombros. — A festa era perto da floresta. Eu não sabia para onde ia, e não pude ver porque estava escuro. Eu caí em uma colina e aterrissei em uma sarça.

— Engraçado — disse ele. — Porque você parece que está coberta de poeira, não de sujeira.

Olhei para baixo. O interior do carro estava escuro, mas ele estava certo. Um pó cinza claro me cobria da cabeça aos pés, como se eu tivesse jogado um saco de farinha na cabeça. Não, eu não parecia vagar pela floresta.

— Bem, se você não é observador — eu disse.

Ele continuou como se eu não tivesse falado. — Quando te vi pela primeira vez, achei que você era alguma aparição, um fantasma que saíra da floresta.

Oh, eu era um fantasma, realmente, alguém que iria voltar e assombrar Sebastian. Não, risque isso. Eu apenas o mataria. Mais raiva queimava em meu coração, mas coloquei um sorriso no rosto. Não adiantaria assustar meu motorista tagarela. Ele não fizera nada para mim... Sebastian sim.

— Você acredita em aparições?

Ele sorriu. — Você não?

Eu não respondi, e ele ficou em silêncio novamente. Ele fez uma curva que nos levaria ao centro da cidade. O cara dirigiu mais alguns quilômetros antes de limpar a garganta.

— Seu namorado é um verdadeiro idiota por deixar você assim — disse ele.

— Você não tem ideia.

— Simplesmente não faz isso com uma garota, não importa as circunstâncias — continuou ele. — Eu espero que você não planeje ver esse cara novamente. Ele é um completo idiota, se você me perguntar.

— Ah, eu pretendo vê-lo novamente sim. Mais uma vez, na verdade, para dizer a ele exatamente o que eu penso dele. — Bem antes de enfiar minha faca em seu coração, mas esse cara não precisava saber disso.

Ele assentiu. — Bom. Espero que você acabe com ele.

Fora da vista, debaixo do assento, meu polegar esfregou o cabo da faca ainda na minha mão. — Oh, você pode contar com isso.

O cara entrou no centro da cidade, e dez minutos depois, ele parou em frente ao prédio de Finn. Eu olhei para cima e para baixo na rua. Vários carros estavam estacionados ao lado do meio-fio, incluindo um SUV preto com um adesivo que dizia Vaughn Construções, junto com aquele distintivo V feito de dois espinhos curvados juntos. Através do para-brisa, pude ver três gigantes lá dentro, um dos quais conferindo o telefone, provavelmente esperando a ordem final de Porter. Soltei um suspiro tenso. Depois de tudo, eu consegui chegar aqui a tempo.

O cara dirigindo começou a parar na frente do prédio, o que daria aos gigantes uma visão clara de mim, em toda a minha glória polvilhada de mármore. Agora, o elemento surpresa era a única coisa que eu tinha, e não queria perdê-lo.

— Na verdade, querido, se não se importa, pare naquele estacionamento — eu disse, apontando o dedo para baixo da rua.

— Tem certeza?

— Tenho certeza.

Ele deu de ombros, mas dirigiu o carro para o estacionamento. Ele parou em uma vaga lateral, fora da vista da rua e do SUV dos gigantes. Ele desligou o motor, virou para olhar para mim, seus olhos sérios mais uma vez. — Então, agora que você não está mais vendo o idiota, o que você fará com o resto do seu fim de semana?

Levei um segundo para perceber o que ele estava realmente perguntando.

Eu o encarei. — Você está brincando comigo? Eu acabei de ter o pior encontro da história do mundo, e você está realmente dando em cima de mim?

Um rubor envergonhado surgiu em suas bochechas esculpidas. — Bem, quando você coloca dessa forma, parece realmente ruim.

Bufei novamente. — Você poderia dizer isso. Embora você e meu irmão adotivo se dariam muito bem. Ele deve aprovar totalmente o seu método de tentar seduzir uma garota quando ela está para baixo.

— Ei, agora — disse o cara parecendo genuinamente ofendido. — Não é nada disso. Você não é a única que teve um problema de... Rompimento. Confie em mim sobre isso. Mas você parece apenas... Interessante. Mais interessante do que qualquer garota que eu já conheci.

Meu coração se contorceu, porque eram mais ou menos as mesmas palavras que Sebastian me falara tão docemente, a primeira de muitas que ele usou para me atrair para sua teia pegajosa de mentiras. A raiva dobrou tamanho, junto com mais do que um pouco de dor.

— Ouça, amigo — retruquei. — Eu sou uma garçonete. Só porque você me achou perambulando pela Northtown não significa que eu tenho dinheiro. Mesmo se tivesse, você não receberia nada disso.

Ele deu de ombros novamente. — Eu não me importo com o que você faz. Eu sou um ferreiro, então não estou exatamente rolando nesses círculos também. Ainda não, de qualquer maneira. Eu tenho planos, no entanto...

— Bom para você. — Eu o cortei.

O cara ficou em silêncio, ainda olhando para mim. Eu me contorci sob o seu escrutínio. Por alguma razão, parecia que ele podia ver todos os meus segredos escritos nas linhas duras do meu rosto coberto de poeira.

— Esse cara que te abandonou, ele realmente fez um número em você, não foi?

Dei de ombros, tentando não deixá-lo ver quão perto ele estava da verdade. Sebastian arrancou meu coração, mas essa não foi a pior coisa. Ele também me fez duvidar de mim mesma, especialmente da minha capacidade de discernir a verdade de uma mentira descarada. Em poucas semanas, ele minou toda a confiança que eu tinha como assassina, e nem percebi que estava sendo enganada até que fosse tarde demais. Se eu não pudesse dizer quando um cara estava me enganando, então como eu poderia ser boa o suficiente para viver de acordo com o que Fletcher havia me treinado para ser?

Como eu poderia realmente ser a Aranha?

Mas eu não conseguia pensar nisso agora. O que importava era chegar até Finn. Hora de ir. Meus dedos enrolaram em volta da minha faca. Hora de matar.

— Obrigada pela carona — eu disse, abrindo a porta e saindo do carro. — Mas preciso ir agora.

— Mas você nem me disse seu nome — protestou o cara.

— Não é como se você tivesse dito o seu.

— Owen — ele disse com um sorriso.

— Bem, boa noite Owen.

Ele hesitou, obviamente esperando que eu lhe dissesse o meu nome, mas aprendi minha lição com Sebastian, algo que nunca esqueceria. Finalmente, quando ficou claro que eu não daria mais informações sobre mim, ele assentiu.

— Tome cuidado — disse Owen finalmente.

— Sim. Você também.

Ele acenou para mim. — Até nos encontrarmos de novo.

Eu queria dizer a ele que as chances eram quase nulas, mas seu sorriso torto me fez segurar minha língua. Ele me fez um grande favor, e eu agi como uma completa vadia durante toda a carona. Então eu levantei minha mão e acenei para ele, como se ele estivesse me deixando em casa após um encontro tarde da noite. Eu meio que desejava que ele estivesse. Ele parecia legal, esse Owen.

O sorriso escorregou do meu rosto. Assim como Sebastian parecera.

Owen me deu um aceno final, depois deu meia-volta no estacionamento e foi embora. Assim que as luzes traseiras desapareceram, caminhei para a lateral do prédio e espiei a esquina. Aparentemente, o gigante terminara o telefonema, porque os três homens estavam saindo do veículo e indo para a porta da frente. Não demoraria muito para eles entrarem no prédio e irem ao apartamento de Finn, e eu queria estar lá antes deles.

Aumentei meu aperto na faca e desapareci na esquina.

 

* * *

 

Corri para a porta lateral do edifício. Ao contrário da porta da frente, que estava sempre aberta, esta estava trancada. Alcancei minha magia, e alguns segundos depois, eu estava me curvando sobre a porta, um par de pinças de gelo em meus dedos. Levou-me mais tempo do que eu gostaria para abrir a fechadura, mas administrei, depois joguei os finos cacos de gelo nos arbustos que se alinhavam ao lado do prédio.

Entrei e fechei a porta. Eu estava atrás de uma escada, então me arrastei até o primeiro andar do prédio. Olhei através do vidro colocado no topo de uma porta, o que me fez ver o saguão. Os três gigantes agora estavam na frente do elevador, esperando-o descer para que pudessem ir até o andar de Finn.

Subi apressadamente os degraus, determinada a vencê-los, embora estivesse ofegante no momento em que cheguei ao andar de Finn. Parei na escada e olhei através do vidro naquela porta, mas os gigantes ainda não estavam aqui.

Abri a porta, entrei no corredor e corri para o elevador. Atrás de mim, a porta do apartamento de Finn estava fechada, mas ignorei. Este era um edifício novo, e ele era o único morador deste andar até agora, algo que ele mencionava todas as vezes que tinha chance. Bom. Isso significava que ninguém poderia ouvir os gritos que estavam chegando. Além disso, eu não precisava da ajuda dele com isso.

As luzes do elevador se iluminaram lentamente enquanto o vagão de metal subia de um andar para o outro. Eu fiquei onde estava, bem em frente à abertura, e esperei – apenas esperei. Não me importei de ser paciente. Não desta vez.

Ding!

As portas se abriram, revelando os três gigantes. Eles conversavam entre si, e nem sequer olharam para a abertura, o que me deu tempo para avançar, levantar a faca e colocá-la no peito do homem mais próximo de mim. Ele gritou de surpresa, e as cabeças de seus amigos se viraram enquanto se perguntavam por que uma garota de aparência fantasmagórica estava esfaqueando seu amigo até a morte.

Não dei tempo para eles se perguntarem.

Puxei minha faca do peito do gigante e a cortei através de sua garganta. Sangue espalhou por todo o interior do elevador, e em mim também, mas não me importei. Eu finalmente tinha um foco para a minha raiva, e a deixaria sair.

O segundo gigante levantou os punhos e se virou para mim, mas eu abaixei, girei a faca na minha mão e a enfiei na coxa dele. Ele desmoronou em cima do primeiro gigante e eu acertei minha faca na lateral de seu pescoço, sentindo a lâmina raspar contra os ossos em sua espinha.

Antes que pudesse retirar a lâmina, o terceiro e último gigante cavou seus dedos em meu cabelo e arrancou-me do amigo dele. Ele puxou a mão para trás, como se fosse enfiar o punho no meu estômago, mas pulei para frente, agarrei seu braço e enterrei meus dentes na pele macia de sua mão, entre o polegar e o indicador.

O gigante gritou e tentou me afastar, como um gato tentando tirar o pescoço de um rato. Eu recuei apenas tempo suficiente para mordê-lo novamente. Desta vez, ele me atirou para longe, me enviando voando para o lado oposto do elevador. Mas rebati como um lutador nas cordas e voltei imediatamente.

O gigante levantou a mão, tentando me impedir de chegar perto o suficiente para mordê-lo novamente, mas essa não era minha intenção. Em vez disso, lancei-me para frente, arranquei a arma do coldre no seu cinto, coloquei-a contra o peito dele e puxei o gatilho três vezes.

Crack! Crack! Crack!

O corpo do gigante abafou as explosões, embora ainda soasse como se eu tivesse soltado uma série de fogos de artifício dentro do elevador. O gigante deslizou para o chão, juntando-se a seus dois amigos mortos.

Ding!

As portas do elevador continuavam tentando fechar, mas não conseguiam, dados os braços e pernas dos mortos que as bloqueavam. Puxei minha faca do pescoço do gigante e mantive a arma na minha outra mão. Então, passei sobre os corpos, fui até a porta de Finn, levantei minha mão e bati educadamente na madeira com o cabo ensanguentado da arma.

Nenhuma resposta.

Ergui a arma e bati novamente, com um pouco mais de força desta vez.

— Vá embora. — A voz de Finn retumbou através da madeira, junto com os sons suaves de jazz. — Estamos ocupados.

Um riso suave e feminino acompanhou sua declaração.

— Vista suas calças e abra a maldita porta — rosnei alto o suficiente para ele ouvir. — Agora, Finn.

Silêncio. Finn soltou uma maldição, mas a porta se abriu, e eu me vi encarando seus olhos verdes, os quais se arregalaram ao notar todo o sangue, poeira e sujeira em mim.

— Nós temos um problema...

Ding!

O elevador me interrompeu. Finn abriu a porta o suficiente para colocar a cabeça para fora. Seu olhar foi para os gigantes mortos esparramados no elevador. Ele suspirou e balançou a cabeça.

— Você simplesmente precisava vir aqui e fazer uma bagunça, não é? — resmungou ele. — Eu tive este apartamento por apenas três meses. Agora eu terei que me mudar.

— Não me importo — eu disse. — Nós temos uma situação. O velho está em perigo.


Capítulo 26

 

Finn abriu a porta e me deixou entrar. Deixei minha faca ensanguentada e a arma do gigante sobre uma mesa logo atrás da porta, e segui-o pelo corredor até a sala de estar na parte de trás do prédio. Pena que eu esqueci que ele não estava sozinho.

Roslyn Phillips, a vampira para quem ele olhava na festa mais cedo estava sentada no sofá branco super estofado. De perto, ela era ainda mais bonita, e eu podia ver porque Finn estava tão interessado em obter a atenção dela. Um par de taças de vinho tinto apoiava-se na mesa à sua frente enquanto o jazz saía do sistema de som no canto. Mas, aparentemente, eu interrompi antes de tudo acontecer, já que ela ainda usava o vestido e Finn havia tirado apenas o paletó do smoking.

Os olhos cor de caramelo da vampira se arregalaram ao ver meu vestido arruinado, pés descalços e o sangue espalhado em mim. Seus lábios carmesins franziram em pensamento, mas ela não disse nada, e não fez nenhuma das perguntas óbvias. Finn deu um passo à frente e colocou um sorriso suave no rosto, como se uma mulher coberta de sangue aparecendo em seu apartamento no meio da noite fosse uma ocorrência comum.

— Roslyn Phillips, esta é minha irmã adotiva, Gin — disse Finn. — Gin, Roslyn.

— Prazer.

— Igualmente — murmurou ela.

— Gin teve um pequeno... Acidente — disse ele, tentando explicar.

Finn correu para um telefone em uma das mesas e pegou. Eu sabia que ele estava tentando ligar para Fletcher, então decidi distrair Roslyn do que ele estava fazendo.

— Um acidente de carro — eu disse, em uma voz doce. — Perto dessa rua. É por isso que vim para cá.

A preocupação escureceu os olhos de Roslyn e ela ficou olhando para todo o sangue em mim. — Você está bem?

— Claro — brinquei. — Você deveria ver os outros caras.

Finn estremeceu, mas não disse nada. Um minuto depois, ele balançou a cabeça e desligou o telefone. Aparentemente, não havia resposta na casa de Fletcher.

— Você precisa me levar para casa. Eu estava indo até lá para verificar o velho quando tive o meu... Acidente.

Finn deu a vampira seu sorriso mais encantador. — Roslyn, temo que terei que interromper nosso encontro. Família vem em primeiro lugar. Você entende, não é?

— Claro — murmurou ela, ficando de pé. — Só me deixe pegar minha bolsa.

Eu olhei para Finn. — Mas o elevador está quebrado agora.

Ele piscou, lembrando-se dos gigantes mortos e o sangue espalhado por todas as paredes do elevador.

— Ah, Roslyn, por que você não fica confortável aqui? — disse Finn. — Gin e eu temos que cuidar de algo, mas eu devo estar de volta em uma hora...

Bati meu cotovelo na lateral dele.

— Ou duas.

Ele deu-lhe outro sorriso brilhante. — Independentemente disso, não há motivo para você ir embora.

Roslyn olhou para ele, depois para mim, seu olhar demorando-se no sangue que me cobria como confete de uma festa. Mas ela sentou-se no sofá. Eu não sabia dizer se ela realmente queria ficar até Finn conseguir voltar ou se não queria se envolver em qualquer problema que eu estivesse arrastando ele. Mulher inteligente.

— De qualquer forma, Roslyn, sirva-se de uma bebida, assista TV, leia uma revista, invada a geladeira, sinta-se à vontade — disse Finn, pegando o paletó e as chaves do carro.

Ele desapareceu no quarto e ele reapareceu dois minutos depois carregando uma mochila preta que eu sabia conter pelo menos duas armas, junto com outros itens pertinentes. Eu tinha um saco semelhante atrás de um dos freezers no Pork Pit.

Inclinei a cabeça na direção da cozinha. Finn franziu a testa, mas então ele percebeu o que eu queria e desapareceu lá dentro. Eu entrei na frente de Roslyn, para que ela não o visse pegando panos e uma garrafa de alvejante debaixo da pia e colocá-los na mochila.

Um sorriso divertido cruzou o rosto de Roslyn, como se soubesse exatamente o que eu estava fazendo, mas eu não me importava nesse ponto.

Finalmente, Finn voltou para a sala de estar. — Tudo pronto.

Assenti educadamente para Roslyn. — Senhorita Phillips, foi bom conhecê-la.

Ela inclinou a cabeça para mim. — Igualmente, Gin. Tenho certeza que nos encontraremos novamente.

Provavelmente, se Finn estivesse determinado a seduzi-la como parecia estar, mas decidi não ser rude e mencionar isso. Em vez disso, dei-lhe um último sorriso antes de me virar e seguir Finn para fora do apartamento.

Peguei minha faca e a arma do gigante da mesa no vestíbulo e saí. Finn fechou a porta e depois me deu um olhar irritado. — Você percebe que Roslyn provavelmente nunca falará comigo novamente?

— Oh, não sei — eu disse lentamente. — Ela não piscou um olho com todo o sangue em mim. Eu acho que ela fez coisas mais duras do que você pensa. Por outro lado, ela é uma vampira. Ela está acostumada a ver sangue.

Finn bufou, ainda um pouco...

Ding!

O elevador soou sua música. Ainda bem que ninguém mais morava neste andar, ou um vizinho chateado poderia ter colocado a cabeça para fora de seu apartamento, imaginando por que esse barulho não parava.

— Certo — disse Finn. — Diga-me o que diabos está acontecendo.

Rapidamente o preenchi com tudo o que havia acontecido hoje à noite, incluindo a traição de Sebastian.

— Eu sabia que não gostava daquele babaca idiota — disse Finn.

Ele derramou um pouco de alvejante em um dos panos e usou-o para limpar o sangue dos gigantes das paredes dos elevadores. Eu já estava fazendo a mesma coisa do outro lado.

— Você certamente estava certo sobre ele. — Não consegui manter a dor fora da minha voz.

Finn me deu um olhar solidário. — Não é culpa sua — disse ele. — Sebastian brincou com você, mas ele jogou comigo e papai também. Eu nunca suspeitei que fosse ele quem nos contratou, que contratou você para matar o próprio pai. Pensei que era tudo sobre o incidente do restaurante, assim como você.

Em vez de responder, eu me abaixei e comecei a examinar os bolsos das calças dos gigantes mortos, tirando suas carteiras e documentos e jogando-os na mochila de Finn, junto com a arma que usei. Finn parou a limpeza por tempo suficiente para tocar meu ombro, depois começou a limpar as paredes novamente.

Quando isso terminou, empurramos os gigantes até o elevador e descemos até o primeiro andar. As portas se abriram, mas ninguém o esperava. Se alguém estivesse, bem, não sei o que teríamos feito.

Limpamos o máximo de sangue que podíamos, e tudo o que restou foi eliminar os corpos dos gigantes. Eu odiava esperar um segundo sequer para ir atrás de Fletcher, mas não podíamos exatamente deixar os mortos no elevador para algum inquilino descobrir quando saísse para uma corrida matinal.

— Onde vamos colocar esses caras? — perguntei.

Finn sorriu. — Eu conheço o lugar perfeito.

 

* * *

 

Quinze minutos depois, estávamos carregando o último gigante para fora do elevador, pelo saguão e até lixeiras atrás do prédio.

— Lembre-me de nunca matar ninguém em um prédio de apartamentos, hotel ou algum outro lugar onde eu tenha que arrastar os corpos para fora — eu disse, bufando e ofegante. — Ou pelo menos não matar gigantes em tais lugares.

Finn estava muito ocupado, ofegando para me responder. Depois de um momento, ele conseguiu sugar ar para falar. — Papai precisa pagar mais a Sophia.

— Concordo.

Nós levantamos o último gigante, colocamos dentro da lixeira e fechamos a tampa. Era um risco, deixar os corpos dos gigantes aqui, tão perto do apartamento de Finn, mas não tínhamos muitas outras opções agora.

Nós nos apressamos para longe das lixeiras e nos dirigimos para a garagem anexada à parte de trás do edifício. Não passamos por ninguém, mas a pedra resmungou com notas afiadas de preocupação e o barulho suave e contínuo de carros e outros veículos. As garagens eram um bom lugar para a paranoia, especialmente em Ashland, então agarrei minha faca e olhei para as sombras, certificando-me de que nenhum bandido estivesse se escondendo atrás de um pilar de concreto, esperando para nos atacar. Mas Finn e eu éramos os únicos ali esta noite.

Finn pegou seu telefone e discou para a casa de Fletcher. Depois de vários segundos, ele balançou a cabeça. — Ocupado. Ele deve estar falando com alguém. Eu tentei quando fui ao meu quarto, mas estava ocupado também, assim como na primeira vez que liguei.

Mordi meu lábio em preocupação. Sebastian sabia onde ficava a casa de Fletcher, desde que ele havia enviado um carro para me buscar para a festa, mas não era o lugar mais fácil de encontrar, especialmente a essa hora da noite. Eu precisava esperar que os gigantes não chegassem lá antes de nós, ou que Fletcher pelo menos os visse chegando.

— Onde está o seu carro? — perguntei, procurando a velha van marrom que Fletcher lhe dera alguns anos atrás.

Finn apontou para um carro esportivo prateado que estava estacionado sozinho, a dois metros de distância do veículo mais próximo.

— Um Aston Martin? Sério? Pensei que você tivesse superado o seu fetiche de James Bond.

— Ter estilo e gosto impecáveis não é um fetiche — bufou Finn.

Revirei os olhos. — Onde você conseguiu o dinheiro para isso?

Finn me deu um olhar orgulhoso. — Você não acha que eu fiz esse estágio no banco para realmente trabalhar, não é? Eu peguei para poder aprender a aumentar nosso dinheiro. E alguns dos meus investimentos já deram lucros.

Meus olhos se estreitaram. — O que você quer dizer com o nosso dinheiro?

Finn sorriu. — Quem você acha que ajuda o papai a arrumar seus trabalhos? Especialmente quando se trata do e-mail e das transferências bancárias? Posso não ter o seu instinto assassino com uma faca, mas eu sou inestimável para o velho como intermediário e homem do dinheiro. Você pode se contentar em deixar o seu pagamento em latas enterradas no quintal, mas eu pretendo fazer coisas com o meu dinheiro.

— Sim — eu o cortei. — Como alimentar seu próprio ego.

Finn abriu a boca, mas levantei a minha mão, cortando-o.

— Bem, eu espero que essa coisa seja tão rápida quanto parece, porque precisamos chegar a Fletcher... Agora.

O rosto de Finn ficou sombrio e ele assentiu.

Nós nos acomodamos no carro, e menos de um minuto depois, estávamos saindo do estacionamento, correndo em direção à casa de Fletcher. Eu só esperava que chegássemos a ele a tempo. Meu polegar esfregou contra a borda da faca ensanguentada na minha mão. Porque, se não o fizéssemos, Sebastian pagaria.

Na verdade, ele pagaria de qualquer forma, embora ainda não tivesse percebido.


Capítulo 27

 

Finn dirigiu rápido pelas ruas desertas e chegamos à casa de Fletcher em tempo recorde. Finn conduziu até parte inferior da entrada e parou, embora o motor ainda estivesse ligado.

— O que você acha? — perguntou ele. — Devemos fazer isso silencioso ou barulhento?

Segurei minha faca onde ele podia ver. — Ruidoso e sangrento.

Ele sorriu e pressionou o pé no acelerador. O carro subiu pela entrada e cruzou o topo da colina. Um SUV preto estava na frente da casa, com o mesmo adesivo da Vaughn Construções que estava no carro do lado de fora do apartamento de Finn.

Os gigantes já estavam aqui.

Finn parou o carro, fazendo os pneus cuspirem cascalho por toda parte. Ele enfiou a mão no banco de trás para tirar a arma da mochila, mas eu já estava fora do veículo. Corri até o veículo, esperando que os gigantes tivessem acabado de chegar, mas estava vazio. Eles já deviam estar lá dentro...

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Tiros soaram, e explosões alaranjadas de tiros iluminaram uma das janelas do andar de baixo. Eu corri para a varanda. A porta da frente foi chutada e pendia da armação com uma dobradiça solitária. Finn me alcançou na varanda, com uma arma na mão. Apontei para mim, depois para a abertura, dizendo a ele que eu iria pela frente. Finn assentiu, saiu correndo da varanda e desapareceu em volta da casa para que ele pudesse entrar pela porta de trás.

Passei pela porta quebrada e entrei na casa. Apesar da hora tardia, várias lâmpadas brilhavam em vários cômodos, lançando poças de luz no corredor. Fletcher deveria estar esperando por mim novamente. Meu coração se encolheu com o pensamento, mas eu me obriguei a concentrar. Eu olhei e escutei, mas não ouvi nenhum som, nem mesmo a TV murmurando baixinho no escritório. Fletcher e os gigantes deviam estar em algum lugar mais no interior da casa.

Assim, eu me esgueirei pelo corredor, passando por todos os cômodos e espiando dentro deles. A casa de Fletcher sempre fora desordenada, mas todas as bugigangas e móveis pareciam ganhar um ar sinistro, dado a combinação de luz e escuridão dentro da casa, junto com a luz da lua fluindo através das aberturas nas cortinas.

A casa em si também era um pouco como um labirinto, dado todos os acréscimos adicionados a ela ao longo dos anos. Corredores ziguezagueavam aqui e ali, dobrando-se um no outro e, em última análise, levando a becos sem saída. Hoje à noite, com os gigantes espreitando lá dentro, era um labirinto de morte. Ainda assim, eu queria deixar o velho saber que ele não estava sozinho, não mais.

— Fletcher! — gritei. — Estou aqui!

Silêncio.

— Fletcher! — gritei de novo.

Uma tábua do assoalho rangeu mais fundo na casa.

Pensei por um momento, tentando julgar de onde o som viera, então deslizei rapidamente por uma das salas do térreo e do outro lado, em um corredor que corria paralelamente ao que eu estava. Se eu estivesse certa, alguém estava nessa seção intermediária da casa, perto do escritório.

Eu me abaixei no batente da porta de outra sala de estar e espiei pela borda...

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Voltei para o corredor enquanto as balas se chocavam contra a madeira, estilhaçando-a. Sim, pelo menos um dos gigantes estava exatamente onde supus que ele estaria. Eu pensei por um momento.

— Fletcher! — gritei novamente.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Enfiei minha cabeça ao redor do batente da porta novamente e me abaixei quando mais balas zumbiram em minha direção. Então eu me virei e me afastei, certificando-me de bater meus pés descalços nas tábuas de madeira, para que elas rangessem como se estivessem sob o peso do gigante. Cheguei ao final do corredor e voltei para o caminho que eu acabara de vir, desta vez tomando cuidado onde pisava, e assim eu não denunciaria o fato de que não havia fugido, afinal. Dez segundos depois, já estava de volta ao ponto de partida, do lado de fora da entrada.

— Jack! — Ouvi alguém assobiar dentro do quarto. — É Frank! Onde você está?

Mas Jack não respondeu ao amigo. Eu me perguntei se Fletcher havia conseguido matar aquele – e onde o terceiro e último homem poderia estar.

Mas minha armadilha funcionou, e passos pesados correram em minha direção. Eu fiquei onde estava ao lado do batente da porta e esperei, apenas esperei.

Mas Frank era um pouco mais cauteloso do que eu esperava que fosse. Ele enfiou primeiro a arma através da entrada e a varreu de um lado ao outro, pronto para atirar em qualquer coisa que se movesse no corredor. Eu fiquei onde estava, fora de sua linha de visão.

Frank entrou no corredor. Ele começou a correr para a direita, na direção que pensou que eu havia ido, quando me viu com o canto do olho. Ele se virou, tentando levantar a arma para que pudesse atirar em mim, mas eu já estava me movendo, movendo, movendo.

Cortei minha faca em seu estômago, rasgando seus músculos e abrindo suas entranhas. Sangue espirrou em minhas mãos e pulverizou todo o chão e paredes. Frank uivou de dor, levantou a arma e puxou o gatilho.

Crack!

Consegui desviar a mão dele no último segundo, e a bala passou por cima da minha cabeça, em vez de atravessar meu crânio. Mas o brilho do disparo obscureceu minha visão, e o som queimou meus ouvidos, me desorientando. Tropecei para longe e Frank veio atrás de mim. Ele levantou a arma para disparar novamente. Eu cambaleei, tropeçando na borda de uma mesa. Minhas pernas deslizaram e caí de bunda no chão, sabendo que não seria capaz de impedi-lo de colocar uma bala no meu peito, eu alcancei a minha magia de Pedra, mas não sabia se poderia endurecer minha pele antes que ele puxasse o gatilho...

Crack! Crack! Crack!

Frank gritou quando três balas atingiram suas costas, mas ele ergueu a arma e a mirou em mim mais uma vez.

Crack!

Desta vez, a bala entrou na parte de trás do crânio de Frank, e ele caiu no chão sem outro som.

Eu pisquei, afastando as últimas manchas brancas da minha visão e olhei para cima. Fletcher estava parado no corredor, com um grande revólver na mão. O velho se aproximou e olhou para o gigante, certificando-se de que ele estava morto, antes de levantar os olhos para mim.

— Esse foi o último — disse Fletcher. — Bastardos arrogantes, pensaram que poderiam estourar aqui e cuidar de mim. Bem, nós mostramos a eles, não é?

Ele sorriu e deu outro passo à frente. Ele abaixou a arma, e foi quando eu notei o sangue escorrendo pelo seu braço direito – e quanto disso estava espalhado por toda a sua roupa.

— Fletcher? — sussurrei.

Ele sorriu para mim de novo, depois desabou no chão.

 

* * *

 

— Fletcher! — Eu corri até ele engatinhando.

Ele sorriu para mim, seu rosto enrugado de dor. — Não tão alto, Gin. Meus ouvidos são a única parte de mim que não está doendo agora.

Pela primeira vez, notei que o rosto de Fletcher estava vermelho, inchado e machucado, seu lábio inferior estava partido, e ele segurava o braço direito sobre as costelas como se elas tivessem sido quebradas. Mas o que mais me preocupava era o buraco de bala na frente da camisa, perto da clavícula direita. É daí que saía todo o sangue, saindo da ferida em um fluxo lento, mas constante.

— Finn! — gritei. — Tudo limpo! Entre aqui!

Passos soou pela parte de trás da casa, e Finn invadiu o corredor, a arma ainda em sua mão. Ele deu uma olhada para o pai e desapareceu. Retornou alguns segundos depois com algumas toalhas que pegou da cozinha. Ele jogou-as para mim e depois desapareceu de novo.

— O que aconteceu? — perguntei, usando minha faca para cortar as toalhas em tiras longas e finas, as quais eu poderia usar para uma atadura.

Fletcher deu de ombros, então assobiou com a dor que inundou seu corpo com o movimento. — Ouvi um carro estacionar lá fora dez minutos atrás. Fui até a janela para ver quem era e percebi que eram três gigantes com armas. Eles não pareciam felizes, então eu fui em direção à cozinha para pegar uma das minhas armas debaixo da pia. Eu teria conseguido fazer isso se não fosse por aquela maldita porta. Impediu-os? Oh, infernos não. Eles chutaram como se fosse feita de palitos de fósforo. Isso resolve tudo. Estou colocando aquela porta de granito preta, com silverstone extra.

Finn reapareceu, dessa vez carregando uma pequena lata de metal. Uma nuvem branca delineada em azul vivo pintada em cima. Finn abriu a tampa da lata com o polegar, depois caiu de joelhos ao meu lado no corredor. Ele mergulhou as mãos na lata, que continha uma pomada clara infundida com a magia elementar de Jo-Jo. O suave e doce aroma de baunilha flutuou para mim enquanto Finn espalhava a camada de pomada no buraco de bala no ombro de Fletcher.

Fletcher suspirou quando a pomada começou a penetrar em sua pele. A pomada não era tão boa quanto Jo-Jo curando, mas a magia nela diminuiria a dor – e, mais importante, a perda de sangue – até que pudéssemos levá-lo até ela.

Quando Finn terminou de espalhar pomada por toda a ferida, entreguei-lhe as toalhas rasgadas e ele enrolou as tiras de tecido em volta do ombro de Fletcher, diminuindo ainda mais a perda de sangue.

Fletcher sibilou de dor novamente. Eu sabia que ele estava machucado, mas a ferida precisava ser enfaixada, e ele faria a mesma coisa se fosse eu deitada lá em vez dele.

Deveria ter sido eu – eu desejei que fosse eu.

Peguei a mão dele, tentando dar-lhe algo mais para focar e confortá-lo, como pudesse. Ele esmagou seus dedos contra os meus, mas não pronunciei um som. Ele podia apertar o quanto precisasse, e eu não reclamaria.

Quando Finn terminou de amarrar as toalhas, o suor escorria no rosto de Fletcher, sua pele estava pálida sob o sangue e hematomas, e seus olhos se fecharam.

— Precisamos levá-lo para Jo-Jo — eu disse.

Finn assentiu. Ele conhecia os sinais de choque tão bem quanto eu. — Em três. Um, dois, três!

Cada um de nós pôs um braço sob os ombros do velho e o colocou de pé. Fletcher gemeu, mas seu corpo ficou frouxo, e eu sabia que ele havia desmaiado. Isso provavelmente era o melhor agora.

Juntos, Finn e eu arrastamos o velho para longe do gigante morto e para fora da casa.


Capítulo 28

 

Finn e eu conseguimos meio transportar, meio arrastar Fletcher pelos degraus da varanda, atravessar o pátio e para o Aston Martin de Finn. Sentei-me no banco de trás com Fletcher enquanto Finn dirigia.

A batida e solavancos do carro pela estrada rochosa despertou Fletcher de seu desmaio. Ele caiu contra o assento de couro, seus olhos se abrindo e fechando, quase como o obturador de uma câmera. Não queria que ele perdesse sua energia tentando falar, então segurei sua mão ensanguentada enquanto Finn dirigia o carro para os subúrbios. Todas as luzes de rua pelas quais passamos iluminavam o rosto machucado e contundido do velho, e o cheiro acobreado de seu sangue enchia o carro como uma colônia avassaladora. Ele foi ferido por causa de Sebastian, por minha causa.

Mais uma vez, amaldiçoei minha própria estupidez, minha própria tolice, meu próprio... Desleixo. Essa era a melhor palavra que pude pensar para descrever meu erro colossal. Sebastian me interpretou como um violino, e estava tão ansiosa para deixá-lo fazer isso que não pensei em mais nada. Fui tão arrogante, tão impaciente, tão certa que eu precisava matar Cesar pelo que eu achava que ele estava fazendo com Charlotte, que desprezei os avisos de Fletcher, Finn, e meus pequenos sussurros de dúvida. Agora Fletcher pagava o preço pelos meus erros.

Eu era uma assassina. Era a Aranha. Eu deveria ter sabido melhor, deveria ter sido mais cautelosa, deveria ter percebido que algo não estava certo no segundo em que Sebastian começou a flertar comigo na mansão de Dawson. Mas acreditei na minha própria reputação crescente, e deixei isso subir pela minha cabeça. Fletcher me avisara contra essas coisas, mas eu fiz todas elas do mesmo jeito.

Que garota triste, estúpida e idiota eu era?

Vinte minutos depois, Finn entrou em um bairro, depois conduziu o carro colina acima, para uma grande e velha casa de fazenda branca de três andares, que brilhava como um fantasma ao luar. Finn parou o carro e nós dois levamos Fletcher até a casa, lá em cima.

Finn abriu a porta de tela e usou a aldrava em forma de nuvem para bater na porta interna enquanto eu apoiava o peso de Fletcher. O velho não emitiu um som, embora pudesse ouvir o quanto sua respiração estava tensa e rouca, como se um de seus pulmões tivesse entrado em colapso parcial. Cada respiração lenta e estremecida era como uma facada em meu próprio coração. Porque eu fiz isso com Fletcher. Oh, não fui eu quem invadira sua casa, o espancara, ou colocara uma bala no ombro dele, mas minhas mãos ainda estavam manchadas com o sangue dele.

Assim como estavam manchadas com o sangue de Cesar Vaughn.

Passos familiar soou, a porta da frente se abriu e Jo-Jo colocou a cabeça para fora. Como se aproximava das três da madrugada, ela estava na cama, a julgar pelo robe cor-de-rosa claro que usava e pelos rolos de esponja rosa que rodeavam a cabeça como um capacete de plástico. Jo-Jo olhou de Finn para Fletcher e para mim, seus olhos claros se aguçaram quando os últimos resíduos de sono a deixaram.

Ela abriu a porta sem dizer uma palavra, depois se virou e se dirigiu para os fundos da casa. Finn colocou o braço sob o ombro de Fletcher novamente, e nós três a seguimos.

Em vez da sala de estar que se poderia esperar, a metade de trás da casa era um salão de beleza. Cadeiras vermelho-cereja estavam alinhadas perto da parede dos fundos, enquanto potes de maquiagem, xampu, condicionador e outros produtos de beleza podiam ser encontrados em um balcão que corria ao longo da parede mais à esquerda. Revistas de moda com modelos sorridentes estavam empilhadas nas mesas ao lado de cada uma das cadeiras de salão e dos secadores de cabelo. O ar cheirava levemente a todos os produtos químicos que Jo-Jo usava para enrolar e tingir o cabelo de seus clientes, junto com o cheiro forte de esmalte.

Finn e eu ajudamos Fletcher a sentar em uma das poltronas e ele gemeu quando afundou no assento. Mais passos soaram, muito mais fortes que os passos leves de Jo-Jo, e Sophia apareceu na entrada, vestindo um roupão felpudo coberto de caveiras cor-de-rosa.

— O que aconteceu? — perguntou Jo-Jo, indo até a pia para lavar a mão.

— Sebastian Vaughn jogou de um tolo apaixonado. — Não consegui esconder a amargura da minha voz. — Foi o que aconteceu.

Finn já havia ouvido a minha história triste, mas rapidamente contei a Jo-Jo, Sophia e Fletcher tudo o que aconteceu. Quando terminei, voltei minha atenção para Sophia.

— Você acha que pode cuidar da bagunça que Finn e eu deixamos no prédio dele? — perguntei. — Cuidamos da maior parte, mas os corpos definitivamente precisam ser mudados para um local mais permanente.

Sophia assentiu e saiu do salão sem outra palavra. Eu soltei um suspiro. Bem, isso era um problema resolvido. Agora era ver Fletcher.

Jo-Jo puxou uma cadeira para perto dele, junto com uma luz independente, que ela ligou. A anã se inclinou sobre ele, tirou as ataduras de toalhas e olhou para o buraco perto da clavícula, o sangue ainda estava escorrendo.

— Desculpa, querido — disse ela. — Mas a bala ainda está lá, e tirá-la vai doer tanto quanto quando ela entrou.

Fletcher assentiu. — Melhor seguir em frente, então.

Ele inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos, enquanto Jo-Jo estendia a mão. A sensação de sua magia de Ar espalhou pelo salão, e fiz uma careta. Mesmo que não fosse dirigida a mim, eu podia sentir pequenas e invisíveis agulhas enfiadas na minha pele enquanto Jo-Jo reunia seu poder. Como o Fogo de Mab, o poder de Ar de Jo-Jo era o oposto da minha própria magia Gelo e Pedra, e isso simplesmente parecia errado para mim. É claro, a ironia era que Jo-Jo usava sua magia para curar, em vez de destruir, como Sebastian destruiu o mausoléu. Mas a sensação da magia dele não me incomodou, já que ele possuía o mesmo elemento que eu. Nem mesmo quando ele estava tentando me matar com ela.

Os olhos de Jo-Jo brilharam um branco leitoso em seu rosto marcado enquanto o mesmo brilho brilhante cobria sua palma. Ela se inclinou e começou a mover a mão sobre o corpo de Fletcher. Para trás, para frente, para cima e para baixo. Lentamente, os hematomas em sua pele se desvaneceram de roxo a verde, então desapareceram completamente. Os cortes e arranhões que pontilhavam os nós dos dedos se fecharam e depois foram curados.

Uma vez que as coisas menores foram resolvidas, Jo-Jo se moveu para a bala ainda alojada no ombro. Ela pegou mais e mais de sua magia, e a sensação de alfinetes e agulhas se intensificou, tanto que precisei cavar minhas unhas nas cicatrizes da aranha nas palmas das minhas mãos para não rosnar. Mas eu não disse uma palavra. Não queria que nada interrompesse a concentração dela. Não quando Fletcher estava sofrendo tanto.

Jo-Jo estendeu a mão e um pequeno pedaço de metal pareceu flutuar na superfície da pele de Fletcher e depois na mão dela. Ela segurou entre os dedos para que Finn e eu pudéssemos ver a bala. Era um grande calibre e mordi outra maldição. Os gigantes não estavam brincando quando vieram atrás de Fletcher. Se aquela bala tivesse atingido seu coração, ele estaria morto antes de cair no chão. Eu me perguntei o que Sebastian havia dito aos seus homens sobre o porquê ele queria Fletcher e Finn mortos. Mas isso não importava muito, já que matamos todos os gigantes.

E eu ia atrás de Sebastian.

Uma vez que Jo-Jo tirou a bala, ela terminou de curar Fletcher alguns minutos depois. Ele respirou profundamente, seus pulmões se libertaram do grasnar que os havia tensionado antes, mas um brilho de suor brilhava em sua testa. Ele estava exausto de tudo o que havia acontecido. Ele não era o único.

Mas Fletcher ainda virou a cabeça para olhar para mim, seus olhos verdes suaves e gentis, muito mais gentis do que eu merecia.

Jo-Jo se levantou e tocou o braço de Finn. Os dois saíram do salão e se dirigiram para a cozinha, deixando-me sozinha com Fletcher.

— Eu sei o que você está pensando, e não foi sua culpa — disse ele. — Eu sabia que havia algo errado com o trabalho desde o começo. Eu deveria ter descoberto exatamente o que era antes de deixar você chegar perto de Cesar Vaughn... Ou Sebastian.

Balancei a cabeça. — Há sempre dúvidas sobre qualquer trabalho. Este acabou por ter mais que a maioria. Além disso, fui eu quem empurrou e empurrou para fazer o trabalho. Não só isso, eu que fui desleixada, que deixou Sebastian me ver do lado de fora da biblioteca na mansão de Dawson. Se não fosse por isso, ele talvez nunca tivesse descoberto quem nós somos e o que fazemos. Na pior das hipóteses, ele não teria descoberto nada sobre você e Finn.

Fiquei enojada por ter fracassado tanto com Finn quanto com Fletcher, que falhara em protegê-los de um inimigo perigoso, um que eu felizmente, descuidadamente convidei para nossas vidas. A única razão pela qual me tornei uma assassina era proteger as pessoas com quem eu me importava, mas não cumpri minha própria promessa. De modo nenhum. A única coisa que doía mais do que isso era saber que eu havia tirado de Charlotte o pai dela, da mesma forma que minha mãe e minhas irmãs foram tiradas de mim.

Fletcher estendeu a mão e pegou minha mão ensanguentada. — Não é sua culpa, Gin — repetiu ele. — Não pense por um segundo que é. Conheço os riscos tão bem quanto você. Melhor do que você, porque vivi com eles por mais tempo. Além disso, fui eu quem te arrastou para esta vida em primeiro lugar.

Concordei, embora soubesse que nunca me perdoaria pela dor que lhe causei esta noite ou, especialmente, pela dor que causei a Charlotte, pelo resto da vida dela.

Charlotte. Meu estômago revirou. Eu esperava que ela estivesse bem. Esperava que ela tivesse ficado em seu quarto como eu pedi.

Esperava que Sebastian não atirasse a raiva que sentia por mim sobre ela.

Fletcher pigarreou, chamando minha atenção. — E agora eu tenho que te dizer uma coisa, Gin. Meu contato me ligou mais cedo hoje à noite, logo antes dos gigantes atacarem. Ele confirmou algumas coisas sobre o trabalho.

Deve ter sido por isso que seu telefone estava ocupado quando Finn tentou ligar para ele.

— Como o quê?

— Como o fato de que foi Sebastian quem pagou por isso.

Pensei em todos os olhares tristes e sábios que ele me dera nos últimos dias, especialmente aquele antes de eu sair de casa hoje à noite para ir até a propriedade Vaughn.

— Você sabia que Sebastian estava por trás de tudo isso? — sussurrei.

Ele hesitou. — Eu suspeitava.

— Quando?

Ele limpou a garganta novamente. — No dia em que Sebastian te pegou no Pork Pit para o seu primeiro encontro. Pensei que ele parecia... Presunçoso, como se tivesse acabado de receber tudo o que sempre quis. Não ficou bem comigo, então comecei a investigar.

— Por que você não me contou? — Não consegui esconder a mágoa e a acusação da minha voz.

— Você teria escutado? — Fletcher manteve seu olhar verde fixo no meu.

— Eu...

Eu queria dizer, claro que teria, mas isso era uma mentira. Porque passei as últimas duas semanas incisivamente, repetidamente não ouvindo Fletcher – e Cesar Vaughn tinha pago o preço por isso.

— Não — admiti —, eu não teria escutado. Teria pensado que você estava sendo paranoico.

— Eu esperava estar errado —... A voz de Fletcher sumiu por um momento. — Mas eu iria contar tudo para você hoje à noite. Quando você chegasse em casa.

Então ele me deixaria ter mais uma noite do meu romance de fantasia com Sebastian antes de me contar a verdade. Uma pequena gentileza e muito mais generosa do que eu dera a ele ultimamente.

Fletcher ficou olhando para mim, esperando que eu dissesse alguma coisa.

— Eu entendo.

— Eu espero... Espero que você não me culpe por isso. — Sua voz falhou nas últimas palavras, fazendo a minha própria culpa subir para a superfície novamente.

Estendi a mão e dei um aperto suave em seus dedos. — Nunca.

Embora eu tentasse me fazer parecer forte e confiante, minha voz ainda parecia fraca e vazia, assim como meu coração. Mas não culpei Fletcher.

Eu me culpei por tudo – e sempre culparia.


Capítulo 29

 

Depois que Fletcher e eu dissemos tudo um para o outro, fui até a cozinha e encontrei os outros.

Finn ajudou Fletcher a levantar e depois os dois subiram para o andar de cima, para que Fletcher pudesse se acomodar e se limpar antes de dormir em uma das camas de hóspedes de Jo-Jo. Esperei até ouvir o início da água correndo em um dos banheiros do andar de cima e então me acomodei na cadeira em que Fletcher estivera.

— Acha que tem magia suficiente para usar em mim? — perguntei em voz baixa.

Jo-Jo sorriu. — Certamente querida. Você sabe que nunca precisa me perguntar isso. Estou sempre feliz em cuidar de você.

Mas senti como se tivesse que perguntar, especialmente hoje à noite, quando tudo isso foi culpa minha.

Jo-Jo sentou em sua própria cadeira, levantou a mão e pegou a sua magia.

Alfinetes e agulhas varreram todo o meu corpo, apunhalando minha pele e então os músculos e vasos sanguíneos embaixo, enquanto Jo-Jo agarrava todo o oxigênio no ar, circulava todas aquelas pequenas moléculas pelo meu corpo, e as usava para colocar tudo de volta onde deveria estar. Cavei meus dedos nos braços acolchoados da cadeira para me manter o mais imóvel possível, embora não pudesse deixar de me contorcer de vez em quando, como uma criança tentando se afastar para que seu rosto sujo não fosse limpo.

Finalmente, Jo-Jo soltou sua magia. O brilho branco-leitoso desapareceu de seus olhos e ela afastou a mão. A última das alfinetadas desapareceu. Soltei um suspiro cansado. Eu não fui baleada, como Fletcher, mas a longa noite ainda me esgotou. Jo-Jo deu um tapinha no meu ombro e se moveu ao redor do salão, lavando as mãos novamente e endireitando-se.

Deixei-a com seu trabalho e subi as escadas para tomar um banho e me limpar. Eu caminhava pelo corredor no andar de cima em direção a um dos banheiros quando Finn saiu de um quarto de hóspedes e fechou a porta.

— Fletcher já está dormindo? — perguntei.

Finn assentiu. Não fiquei surpresa. A maioria das pessoas dormia por várias horas seguidas depois de ser curada por um Elemental do Ar. Isso é pelo tempo que sua mente precisava para alcançar seu corpo e perceber que você não estava, de fato, morrendo. Provavelmente eu faria exatamente a mesma coisa quando me acomodasse naquela noite. A única coisa que me impedia de desmaiar agora era o desejo de não sujar uma das camas de Jo-Jo com toda a imundície que me cobria.

Finn recostou-se contra a parede, cruzando os braços sobre o peito e colocando um tornozelo em cima do outro. — Então — disse ele —, quando você vai atrás de Sebastian? Não esta noite, eu espero.

A ideia passou pela minha cabeça, e se eu pensasse que havia alguma chance de poder matá-lo, eu já teria pegado o carro de Finn e ido à mansão. Mas isso seria imprudente e impaciente. Então deixaria Sebastian saborear sua vitória – por enquanto.

Balancei a cabeça. — Não. Estou exausta. Não estou em condições de ir atrás dele hoje à noite. Além disso, quero ser cuidadosa e cautelosa com as coisas desta vez, como deveria ter sido o tempo todo.

Finn assentiu. — Bom. Mas o que você acha que Sebastian vai pensar quando seus homens não voltarem à noite?

Dei de ombros. — Ele provavelmente vai assumir que você e Fletcher os mataram, e não que eu ainda esteja viva.

— De qualquer forma, ele esperará a retaliação de alguém.

— Eu sei.

Finn olhou para mim. — Só me prometa uma coisa: que você e papai vão se sentar e planejar como será, ok? Eu também, se você quiser. Prometa-me que você não vai atrás de Sebastian sozinha.

— Claro — eu disse, mentindo através dos meus dentes.

Finn havia sido alvo, e Fletcher foi espancado e baleado, tudo por minha causa. Eu não os arriscaria de novo, nem mesmo para me ajudar a pegar Sebastian. Além disso, fui eu quem foi feita de boba, foi comigo que ele brincou, fui eu quem acreditou em suas doces mentiras. Eu deveria cuidar disso – dele – por mim mesma, ou nunca seria tão forte quanto eu queria ser. Nunca seria o que Fletcher pretendia que eu fosse.

Eu nunca seria realmente a Aranha.

Os olhos de Finn se estreitaram em suspeita com a minha fácil concordância, mas mantive meu rosto em branco. Finalmente, ele assentiu, satisfeito com a minha falsa promessa.

— Tudo bem — disse ele. — Desde que o papai está dormindo, eu vou voltar para o meu apartamento. Preciso fazer algum controle de danos com Roslyn.

— Diga a ela que Gin disse oi — eu disse, provocando-o um pouco.

Ele estremeceu. — Se ela ainda estiver lá.

Pensei na maneira como Roslyn não piscara um olho quando eu apareci coberta de sangue. A maioria das pessoas teria se apavorado, mas não ela. Ela foi completamente fria. Ainda assim, eu vi o interesse afiado em seu olhar conforme ela se perguntava o que Finn e eu estávamos realmente fazendo.

— Ela provavelmente está. Se nada mais, porque está curiosa.

Ele assentiu, e então sorriu para mim. — Mesmo que ela não esteja, sempre posso ligar para ela e tentar acalmar tudo. Eu consegui que ela me desse seu número antes mesmo de sairmos da festa.

Eu tive que rir da sua total confiança em suas habilidades de sedução. — Bem, se alguém pode fazer uma mulher esquecer tudo sobre muito sangue e algumas mentiras grandes e gordas, é Finnegan Lane, baby.

Seu peito inchou de orgulho. — Com certeza. — Mas sua alegria rapidamente sumiu, e seu belo rosto ficou sério novamente. — Eu não disse isso ainda, mas estou feliz que você esteja bem, Gin. Eu sei que não somos exatamente os melhores amigos ultimamente, mas não sei o que papai e eu faríamos sem você.

Inclinei-me e dei um leve soco no ombro dele. — Você está dizendo isso apenas porque quer colocar suas mãos gananciosas e sujas em mais do nosso dinheiro. Sem eu andando por aí, você estaria desempregado e sem todo o doce dinheiro que vem junto.

— É verdade — concordou Finn, em uma voz feliz. — Mas eu sentiria mais a sua falta do que do dinheiro, Gin. Espero que você saiba disso, que você realmente saiba disso, no fundo, onde isso importa.

Lágrimas quentes picaram meus olhos, e minha garganta se fechou com emoção. Tudo o que eu pude fazer foi assentir. Finn passou o braço em volta dos meus ombros e me abraçou ao seu peito. Ficamos assim por um momento precioso. Então, nós dois recuamos, sem olhar um para o outro.

— O dever chama — brincou. — E Roslyn também.

— Vá buscá-la, tigre.

Finn me deu uma piscadela atrevida antes de caminhar pelo corredor e sumir de vista. Eu o assisti ir, tão orgulhosa dele, quanto grata por ele.

Meu irmão... E meu amigo agora também.

 

* * *

 

Entrei em um dos banheiros de hóspedes, tirei meu vestido arruinado, e tomei um longo banho quente para lavar todo o sangue, fuligem e horror da noite.

Pena que eu não poderia me livrar da traição de Sebastian tão facilmente quanto esfregar o sangue das minhas mãos.

Saí do banho, me enxuguei e coloquei uma velha camiseta e um short de pijama que estavam entre o estoque de roupas que eu mantinha na Jo-Jo. Então me fiquei confortável em uma das camas extras. Apesar da longa e dura noite, minha mente continuava correndo enquanto eu ficava no escuro e voltava a repassar todos os momentos que passei com Sebastian. Cada palavra que ele disse para mim, cada sorriso que ele me deu, todas as mentiras que ele me disse.

Não achei que dormiria muito, mas devo ter ficado mais exausta do que percebi, porque rapidamente caí na terra dos sonhos, das memórias...

Mesmo no sono, porém, minha mente continuava, agitando-se de um momento horrível da minha vida para o próximo. Minha mãe e Annabella desaparecendo em bolas de fogo elemental. As pedras da nossa mansão caindo ao meu redor. Eu escalando através das pilhas de escombros que ficaram para trás, procurando por Bria. Finalmente percebendo que ela estava morta por minha causa e minha magia. Meu vagar sem rumo pelos bosques que cercavam nossa casa. O momento em que finalmente tropecei em uma estrada – uma estrada que eventualmente me levaria ao Pork Pit e Fletcher, mesmo que eu não soubesse...

Meus olhos se abriram. Por um momento, não consegui lembrar onde estava, mas a suave luz do verão que entrava pela janela iluminava o afresco coberto de nuvens no teto. Os traços de azul e branco me acalmaram, e percebi que estava a salvo na casa de Jo-Jo.

Deixei escapar um suspiro e coloquei as mãos sobre o rosto, como se eu pudesse cavar meus dedos no crânio e tirar todas as memórias que me assombravam. Esta era a segunda vez nas últimas semanas que retornei ao meu passado em meus sonhos. Esperava não ter o hábito de reviver a minha vida toda vez que fosse dormir. Isso seria bastante trágico – e cansativo.

Ainda assim, pensei sobre meus sonhos, minhas memórias, tentando encontrar a razão para elas, se houvesse tal coisa. Pensei que nada poderia ser mais horrível do que testemunhar o assassinato de minha família, mas de certa forma, a dor que Sebastian infligiu em mim foi ainda pior.

Eu era uma garota naquela época, emboscada e torturada no meio da noite por um estranho que era mais velho e mais forte. Não havia como eu saber o que estava por vir.

Mas Sebastian passou por todas as minhas defesas, que eu achava que eram tão fortes, inteligentes e impenetráveis. Mas ele me enganou tão facilmente quanto todos os outros. Eu tive a sorte de escapar do mausoléu com a minha vida, e ainda mais por ter conseguido chegar a Finn e Fletcher a tempo de salvá-los.

Ou foi sorte? O único tipo de sorte que Fletcher me ensinou a acreditar era a má sorte. Ele diz que nós mesmos fazemos todo o resto. Eu não sabia, no entanto. Mas sobrevivi a todas as outras coisas horríveis que aconteceram comigo, e de alguma forma eu sobrevivi a Sebastian Vaughn também, apesar de seus melhores esforços para me matar.

Mas eu não era a única que sofrera nas mãos dele. Cesar estava morto por causa de sua intriga. E Charlotte continuaria sofrendo, continuaria sendo abusada pelo irmão, a menos que eu fizesse algo sobre isso.

Ela provavelmente desejava não ter me ajudado, agora que sabia o que eu fiz para o pai dela, mas Charlotte salvou minha vida na noite passada. Se ela não tivesse me acordado, Sebastian teria conseguido que Porter me amarrasse na cama, e os dois homens provavelmente ainda estariam me torturando agora. E Finn e Fletcher poderiam estar mortos também.

Eu devia a Charlotte por isso, mais do que ela jamais perceberia. Mas eu também devia a ela por estar tão errada sobre o pai dela, por tirar o que restava da família dela, assim como a Elemental do Fogo havia tirado minha mãe e irmãs de mim todos aqueles anos atrás. Essa era uma das coisas que eu mais odiei nessa situação, como me tornei exatamente como aquele assassino misterioso, graças às maquinações de Sebastian e à minha própria impetuosidade.

Mas eu não podia mudar o que havia feito. Eu não poderia trazer Cesar Vaughn de volta à vida. Mas eu podia garantir que Sebastian morreria por seus pecados.

Ah, eu sabia que matar Sebastian não compensaria por tirar o pai de Charlotte dela. Nada que eu fizesse compensaria, nenhuma maldita coisa. Nada faria.

Mas ainda assim eu precisava tentar, mesmo assim.

Afastei as cobertas e saí da cama.


Capítulo 30

 

 

Passava das dez e todos os outros ainda dormiam. Era domingo, então o salão estava fechado, e Fletcher e Sophia não precisavam se levantar para abrir o Pork Pit.

Era o momento perfeito para fazer um café da manhã para todos. Então, fui na ponta dos pés para o térreo, entrei na cozinha e comecei a vasculhar os armários e a geladeira, retirando os ingredientes que tinha em mente.

Bati farinha, açúcar, sal, ovos e leite em uma massa de panqueca espumosa e acrescentei algumas amoras frescas, framboesas e morangos que Jo-Jo deixara no balcão. Coloquei colheradas generosas da mistura cremosa de baga em uma frigideira quente, na qual eu derreti um pouco de manteiga. Enquanto as panquecas cozinhavam, eu também fiz um pouco de bacon, preparei um pote de café de chicória e fiz um smoothie de frutas frescas com suco de laranja, iogurte de baunilha e um pouco de mel de sourwood{5} que Jo-Jo comprou em uma loja chamada Country Daze, de acordo com o rótulo.

Eu pensava que continuaria obcecada com Sebastian, mas rapidamente me perdi nos ritmos de misturar, mexer, virar e fritar, harmonizar e frappé. Mais do que isso, aproveitei os movimentos, sabendo que o resultado seria uma refeição quente, saudável e deliciosa para as pessoas que eu amava. Quem sabia que cozinhar podia ser tão catártico?

Fiz mais do que o suficiente para todos e deixei grandes pratos de comida na mesa da cozinha. Eu também peguei uma bandeja de madeira em um dos armários e a empilhei com comida, pratos, guardanapos, talheres e dois copos altos cheios de suco de laranja, junto com uma xícara de café fumegante para Fletcher. Levei a bandeja para o quarto onde ele estava dormindo e bati na porta.

— Entre, Gin.

Girei a maçaneta, abri a porta e entrei no quarto. — Como você sabia que era eu?

Ele sorriu. — Porque você é a única que conheço que pode fazer panquecas e bacon cheirar essa divindade.

Sorri para ele. — E você é um adulador desavergonhado, assim como seu filho.

O sorriso de Fletcher se alargou. — Charme tem seus usos.

Pensei em Sebastian e meu sorriso escorregou. — Sim.

Fletcher sentou na cama e coloquei a bandeja em seu colo antes de puxar uma cadeira de balanço do canto do quarto para o lado dele. Nós dividimos a comida e comemos em silêncio. Aproveitei o tempo para saborear cada mordida. As panquecas leves, fofas e frutadas; o bacon ligeiramente defumado e salgado; a torta e o suco de laranja acentuado que lavou tudo.

Terminamos de comer. Fletcher colocou a bandeja na mesinha de cabeceira ao lado de seu cotovelo, depois reclinou contra a cabeceira da cama e soltou um suspiro alto e contente.

— Esse foi um ótimo café da manhã.

— Eu tento.

Ele sorriu de novo. — Certamente.

Ficamos em silêncio novamente, apesar de continuarmos olhando um para o outro.

Finalmente, levantei meu queixo e endireitei meus ombros. — Eu sinto muito. Isso é tudo culpa minha.

Fletcher sacudiu a cabeça. — Eu te disse ontem à noite, e vou te dizer novamente à luz do dia. Não se culpe, Gin. Eu não vi o que Sebastian realmente queria, não até que fosse tarde demais, e tenho feito isso muito mais tempo do que você.

— Verdade. Mas não foi você quem caiu tão facilmente nas mentiras dele. Isso foi a minha parte. — Soltei uma risada amarga. — Você tem que reconhecer, no entanto. Ele definitivamente tem habilidades. E a magia dele —... Minha voz sumiu. — Ele é forte, Fletcher. Muito forte.

Ele estendeu a mão e apertou a minha. — Mas não tão forte quanto você, Gin.

Balancei a cabeça. — É aí que você está errado. Ele é mais forte que eu. Ele é um Elemental poderoso. Certamente o Elemental de Pedra mais poderoso que eu já vi.

— E você é a melhor assassina que eu já vi — respondeu Fletcher. — A magia é muito boa, mas você não precisa dela para fazer o que faz. Essa é a diferença entre você e Sebastian. Ele precisa. Não só isso, mas ele precisa que as pessoas façam seu trabalho sujo por ele. É por isso que ele veio até nós em vez de matar o próprio pai. Ele gosta de manipular as pessoas, fazer com que elas façam o que ele quer, sem perceber que elas estão caindo diretamente no jogo dele. Assim como você, Finn e eu fizemos. Sebastian pode gostar de machucar as pessoas, mas ele gosta de pensar que está acima de tudo também, incluindo gente como nós.

Tudo o que ele disse era verdade, mas não me fez sentir nada melhor sobre as coisas. Ainda assim, eu sabia o que precisava fazer, então respirei fundo e levantei meu olhar para o dele. — Eu tenho que fazer isso sozinha.

Fletcher assentiu. — Eu sei. Eu sei que você tem, Gin, e é o que eu tenho treinado você por todos esses anos. Você foi forte o suficiente para escapar de Sebastian na noite passada. Eu confio que você é forte o suficiente para acabar com ele hoje à noite.

Peguei uma linha solta no cobertor. — Mesmo que eu tenha estragado tudo? Eu o deixei chegar perto de mim. Eu o deixei descobrir quem nós éramos e o que fazemos.

Eu até o deixei entrar no meu coração, uma voz triste e minúscula sussurrou no fundo da minha mente.

— Todo mundo erra de vez em quando — disse Fletcher. — Incluindo eu.

— Mas mesmo se eu o matar, ainda pode não ter acabado. Não sei para quem mais ele poderia ter contado sobre mim, sobre nós. Eu não acho que ele tenha dito a Mab meu nome, mas, pelo menos Porter sabe quem eu sou. Ainda poderíamos estar em perigo. Pior ainda, alguém poderia nos vender para nossos inimigos. O Homem de Lata e a Aranha. Quem sabe quantas pessoas poderiam vir atrás de nós então?

Fletcher deu de ombros. — Então lidaremos com essas pessoas se e quando elas decidirem nos atacar. Não há mais nada que possamos fazer.

Eu queria gritar de frustração, mas ele estava certo. Não havia nada que pudéssemos fazer, além de torcer para que Sebastian mantivesse suas suspeitas sobre nossas verdadeiras identidades e objetivos para ele mesmo.

— Quando você sairá? — perguntou Fletcher.

— Em poucas horas. Depois que eu me preparar. Não quero dar a Sebastian tempo para pensar em um novo plano ou perceber que eu ainda estou viva e indo atrás dele.

Ele assentiu, então afastou as cobertas e ficou de pé, revelando o gasto pijama de flanela azul.

— O que você está fazendo? Você precisa descansar. Você não vem comigo, se é isso que está pensando.

— Não — disse Fletcher —, mas você precisa de alguém para levá-la até lá e esperar até você sair, e esse alguém será eu.

Abri minha boca para protestar, mas ele acenou com a mão, interrompendo-me.

— Não se preocupe — disse ele. — Não vou interferir ou atrapalhar o que você precisa fazer. Eu sei melhor que isso. Mas também quero o meu lugar na vingança, e ficarei feliz em aceitá-lo deixando-a na porta de Sebastian. Vamos, Gin. Deixe um velho se divertir. — Sua voz assumiu a mesma nota que eu ouvi em Finn centenas de vezes. Fletcher sorriu para mim e eu sorri de volta.

— Tudo bem, você pode me levar — eu disse. — Só me deixe pegar minhas coisas, e então eu continuarei com o negócio de matar Sebastian Vaughn.

 

* * *

 

Várias horas depois, eu rastejei pela floresta à beira da propriedade Vaughn. Fletcher parou cerca de um quilômetro e meio do portão que levava à propriedade, e passei os últimos trinta minutos caminhando pela floresta até chegar ao lado de trás da propriedade. Já passava das quatro e o sol ainda ardia no céu. Apesar do calor sufocante, eu estava vestida do jeito que sempre fui em um dos meus trabalhos: calça cargo preta, camiseta preta de mangas compridas, botas pretas e um colete preto forrado de silverstone.

E tinha minhas facas em mim, todas as cinco desta vez. Uma em cada manga, uma na parte inferior das minhas costas e uma em cada bota. Se eu não matasse Sebastian, não seria por falta de armamento adequado.

Eu me agachei dentro da linha de árvores, entre um grande bordo com galhos que se arqueavam no céu e um rododendro com flores rosa claro que caía com o calor. A umidade era ainda mais opressiva do que o normal, e nuvens escuras começaram a se juntar a oeste, lentamente tornando o céu assustador, sombrio. Uma tempestade se aproximava.

Examinei o terreno, mas tudo parecia calmo. Algumas pessoas entravam e saíam da mansão, empregadas tirando o lixo, carregadores puxando mesas e cadeiras alugadas, alguns jardineiros fazendo um pouco de poda. A equipe ainda estava fazendo a limpeza da festa de ontem à noite e trabalhando como se tudo estivesse normal.

A única coisa que não vi foram alguns gigantes patrulhando os jardins, como faziam às vezes. Mas é claro que eles não estariam aqui – Fletcher, Finn e eu os matamos ontem à noite. Pelo que eu sabia sobre a força de segurança de Sebastian, Porter era o único homem que lhe restava agora, a menos que ele fizesse com que alguns dos trabalhadores da construção civil fizessem o trabalho duplo para ele. Mas eu duvidava que ele fizesse isso. Sebastian gostaria de manter a aparência de que tudo estava bem, apesar de ter enviado seis homens na noite passada, e nenhum deles ter retornado.

Ainda assim, parecia haver um pouco de tensão entre os trabalhadores. Os jardineiros ficavam olhando por cima dos ombros, como se esperassem que alguém se aproximasse enquanto retiravam as ervas daninhas, e um dos cozinheiros gritou quando a tampa de uma das latas de lixo se fechou por causa do vento, batendo como um retumbar de trovão.

Algo tinha a equipe no limite, e eu estava disposta a apostar que era Sebastian. Ele teria percebido horas atrás que algo havia acontecido com os gigantes que ele enviara atrás de Finn e Fletcher. Eu me perguntei se ele tinha uma sensação arrepiante de medo de que as coisas não estivessem tão bem planejadas quanto ele achava que estavam. Eu me perguntei se ele percebeu que havia declarado guerra a Finn e Fletcher enviando seus homens atrás deles.

Eu me perguntei se ele percebeu que eu ainda estava viva e indo atrás dele.

Parte de mim esperava que sim. Eu queria que ele se perguntasse onde eu estava, o que estava fazendo e quando o mataria. Eu queria que ele suasse, se preocupasse, e torcesse as mãos em frustração indefesa, assim como eu na noite passada, quando percebi que ele enviou seus bandidos atrás das pessoas que eu amava. Não era inteligente, e certamente não era lógico, mas eu queria que Sebastian soubesse que eu seria o motivo de sua morte, ninguém mais.

Fiquei na minha posição na beira da floresta até o sol começar a se pôr. A tempestade estava quase aqui, e o céu escurecera para um misterioso preto azulado. Um raio crepitava à distância. O pessoal da cozinha voltou correndo para a mansão, e os jardineiros guardaram suas ferramentas e fizeram o mesmo. Ninguém queria estar do lado de fora quando a chuva chegasse. Eu não me importei, no entanto. A tempestade se igualava à minha raiva – forte, selvagem, elétrica, imparável.

Quando eu tinha certeza de que todos estavam dentro e ninguém olhava na minha direção, saí da mata, circulei uma das lagoas e caminhei até o mausoléu desmoronado. Na luz fraca, parecia menor e mais lamentável do que eu me lembrava. A elegante e crescente cúpula havia se recolhido, e toda a estrutura agora não passava de uma pilha de pedras de três metros de altura.

Eu me aproximei do mausoléu destruído, agachei-me e coloquei a mão na pedra. Os murmúrios sombrios da magia de Sebastian ecoaram para mim, os tentáculos sombrios de seu poder infectando cada uma das pedras. Concentrei-me nos sons, afundando-me ainda mais fundo da pedra e procurando qualquer indício de que Sebastian tivesse voltado aqui para checar e ver se eu estava realmente morta. Eu teria feito isso se seis dos meus gigantes não tivessem voltado para casa ontem à noite. Mas, aparentemente, Sebastian estava confiante de que ele pelo menos havia me assassinado, porque não ouvi nenhum murmúrio preocupado na pedra ou qualquer coisa que indicasse que ele retornou à cena do crime. Ele ainda achava que eu estava morta. Bom.

Fui para o lado do mausoléu e olhei para o gramado. A barra estava limpa, então atravessei a grama e fui até a mansão, escondendo-me contra a lateral da construção. Eu estava perto da cozinha, então me arrastei e espiei pelas janelas, mas o espaço estava vazio. Todos os trabalhadores devem ter terminado suas tarefas e voltado para seus aposentos pelo resto do dia, já que era domingo. Eu poderia ter feito algumas picaretas de gelo para abrir uma das portas da cozinha e entrado, mas não fiz.

Em vez disso, estendi a mão, peguei o lado da mansão e comecei a subir.

Eu poderia ter entrado no primeiro andar e caminhado para os níveis superiores da mansão, onde Sebastian provavelmente estava, mas havia muito risco de encontrar uma empregada e fazê-la gritar e soar o alarme de que eu estava aqui e atrás de sangue. Então decidi escalar em vez disso.

Por causa de todas as varandas, parapeitos e treliças, foi fácil o suficiente para eu escalar até o segundo andar, mas não parei por aí. Tive a sensação de que sabia exatamente onde estaria Sebastian, o lugar que ele cobiçava há tanto tempo: o escritório de seu pai.

Para minha surpresa, as janelas da biblioteca estavam abertas. Comecei a me levantar um pouco mais para poder olhar por cima de um dos peitoris da janela, mas algo me fez hesitar. Dado o calor sufocante do dia, eu esperaria que as janelas estivessem bem fechadas, a fim de manter todo o precioso ar condicionado circulando dentro da mansão. Claro, alguém poderia ter aberto as janelas para deixar o ar frio da tempestade soprar para dentro, mas a chuva ainda estava pelo menos meia hora de distância, talvez mais. Simplesmente não havia motivo para as janelas estarem tão abertas – a menos que Sebastian planejasse algum tipo de armadilha para mim.

Ele me viu do lado de fora da biblioteca de Dawson e, com sua magia de Pedra, poderia até ter percebido que eu havia escalado o lado de fora da mansão para que pudesse olhar através das janelas da biblioteca. Talvez pensasse que eu faria exatamente a mesma coisa aqui. De qualquer maneira, tudo parecia um pouco fácil demais.

Então subi pelo terceiro andar, indo para o quarto andar. Olhei para a esquerda e para a direita ao longo da parede, mas todas as janelas estavam fechadas nesse nível, confirmando ainda mais minhas suspeitas. Sebastian poderia não saber que eu estava viva, mas ele percebeu que alguém provavelmente viria atrás dele, e tomara as precauções apropriadas.

Subi até a janela mais próxima, coloquei meu braço sobre uma das persianas de apoio, e me segurei lá. Peguei minha magia de Gelo e usei-a para criar uma vareta longa e fina, a qual eu pressionei no trinco da janela, abrindo a fechadura. Alguns segundos depois, eu estava dentro da mansão, com a janela fechada e trancada. Nenhuma luz estava acesa nesse andar, e dado o céu escuro do lado de fora, o interior da mansão estava cheio de sombras. Eu me movi de um corredor para o outro, uma faca na minha mão, procurando por qualquer sinal de Sebastian ou Porter. Ambos morreriam, e eu não era parcial em relação a quem eu mataria primeiro.

Procurei rapidamente no quarto andar, mas nenhum dos dois estava aqui, e não ouvi nenhum movimento nos níveis acima da minha cabeça. Eles deveriam estar lá embaixo, provavelmente em algum lugar perto da biblioteca, esperando para ver se eu seria estúpida o suficiente para cair na armadilha deles. Andei até um conjunto de escadas e desci até o terceiro andar.

As luzes brilhavam neste nível, formando poucas poças de sombras para me esconder. Ainda assim, consegui, movendo-me de um corredor e de um quarto para o seguinte.

Primeiro verifiquei o quarto de Sebastian, mas ele não estava relaxando no espaço opulento. Olhei com ar de dor para a cama de ébano com seus lençóis de seda branca e travesseiros perfeitamente fofos, pensando em como eu deixara Sebastian me seduzir com suas lindas palavras e mentiras. Um impulso selvagem me fez desejar pegar outra faca e usar as lâminas afiadas para cortar os lençóis, os travesseiros e até o colchão, até que eles estivessem tão rasgados e esfarrapados quanto meu coração. Mas me forcei a me concentrar. Rasgar a cama não mudaria o que havia acontecido entre Sebastian e eu, mas matá-lo sim.

Então segui em frente. Eu fui de sala em sala, procurando por ele e ficando de olho em Porter também, mas os dois homens não estavam em lugar nenhum. Finalmente, cheguei à última sala deste andar, a biblioteca.

Assim como as janelas, as portas estavam abertas, convidando-me a entrar e morrer. Se Sebastian pensou em colocar uma armadilha nas janelas, então ele certamente deixaria uma ao lado da porta, assim eu deslizei até a parede ao lado da abertura e parei. E então esperei... Apenas esperei meus inimigos se revelarem para mim.

Não demorou muito. Eu estava em posição por apenas cerca de dois minutos quando um rangido fraco soou na biblioteca, como alguém se mexendo em uma cadeira.

— Tem certeza que ela está aqui, chefe? — A voz de Porter soou pela biblioteca e saiu pelas portas até mim. — Porque não vi nenhum sinal dela ainda. Nenhum dos funcionários viu, e eles estão atentos a ela o dia todo. Além disso, ela não acionou nenhum dos alarmes das portas ou janelas do primeiro andar.

Sorri. Essa foi outra razão pela qual eu subi pela lateral da mansão. A maioria das pessoas só pensava em armar o primeiro andar ou dois de seus lares e empresas. Eles imaginaram que ninguém era forte ou louco o suficiente para tentar subir mais do que isso. Mas eu era os dois – de sobra.

— Quero dizer, não posso acreditar que ela não esteja morta no mausoléu — continuou Porter. — Você a enterrou ontem à noite. Nós dois vimos isso. Ela entrou e você desmoronou a coisa toda em cima da cabeça dela.

— Verdade — disse Sebastian. — Mas por que nenhum de seus homens voltaram? Por que não ouvimos nada sobre eles? É como se eles tivessem desaparecido no ar. Só um assassino poderia fazer algo assim. Só alguém como ela.

— Talvez não tenha sido ela — retrucou Porter. — Talvez tenha sido o irmão dela ou o cara velho para quem ela trabalhava. Se ela é uma assassina, talvez eles também sejam.

— Não — retrucou Sebastian —, foi ela. Ela matou todos eles.

Bem, não todos eles, mas uma boa parte. O suficiente para restaurar minha confiança de que eu poderia fazer o mesmo com ele.

— Eu sei que ela fez isso — repetiu Sebastian. — Assim como eu sei que ela está aqui em algum lugar agora. As paredes estão praticamente zumbindo com a presença dela.

Mais uma vez, amaldiçoei sua magia de Pedra e meu próprio desleixo. Eu estava tão focada em tentar descobrir onde Sebastian estava se escondendo que não considerei o fato de que o granito e todas as outras pedras da mansão absorveriam minhas próprias intenções assassinas e sussurrariam para Sebastian.

Ainda assim, eu mantive minha posição nas portas. Eu não tinha dúvidas de que poderia sobreviver a ele, pelo menos quando isso acontecesse. Ele poderia ter mais magia do que eu, mas ele não tinha mais paciência. Pela primeira vez, percebi por que Fletcher sempre dizia como isso era importante. Eu mataria Sebastian, e se eu tivesse que ficar aqui a noite toda até que ele se cansasse de esperar dentro da biblioteca, tudo bem. Eu consideraria o tempo bem gasto.

Os segundos passaram e se transformaram em minutos. Um, dois, cinco, dez. Porter e Sebastian permaneceram imóveis na biblioteca, embora a tempestade se aproximasse, e o trovão soasse à distância.

Finalmente, Sebastian soltou um longo, alto e decepcionado suspiro, como se estivesse chateado por eu não ter caído em sua armadilha com tanta facilidade.

— Bem, eu acho que nós teremos que ir para o Plano B, então.

Fiz uma careta, imaginando o que ele estava falando, que contingência ele poderia ter colocado em lugar que eu perdi...

Crack.

O som característico de carne batendo em carne ecoou da biblioteca, seguido por um gemido suave. Meu coração apertou em meu peito e me lembrei de algo – ou melhor, alguém – que eu havia esquecido.

Charlotte.

— Eu sei que você está aqui em algum lugar, Gin. — A voz de Sebastian soou na biblioteca, tão suave e sedutora como sempre. — Você pode entrar na biblioteca ou posso continuar batendo em Charlotte até que você apareça. Sua escolha.


Capítulo 31

 

Fiquei onde estava, imóvel e silenciosa, e pensei em minhas opções.

Na verdade, não tinha nenhuma. Eu poderia deixar Sebastian bater na irmã dele, ou poderia entrar na biblioteca, me arriscar com sua armadilha, e tentar me livrar de sua teia pegajosa...

Crack.

Outro tapa e outro gemido suave de Charlotte tomou minha decisão.

— Tudo bem — falei. — Tudo bem. Estou entrando na biblioteca.

Minha faca ainda na mão, eu atravessei as portas abertas, ao redor da lareira, e na metade direita da biblioteca. Porter ficou de lado, uma arma em sua mão corpulenta. Assim que pisei no alcance, ele apontou a arma para o meu coração, seu dedo enrolando em torno do gatilho. Eu fiquei tensa, imaginando se poderia jogar minha faca nele antes que ele desse um tiro.

— Calma, Porter — falou Sebastian. — Eu quero conversar um pouco com Gin primeiro. Além disso, se você atirar nela agora, nós não poderemos nos divertir com ela depois.

O pensamento de toda aquela diversão foi suficiente para fazer Porter olhar para mim e lentamente abaixar sua arma. Eu ignorei o gigante e foquei no perigo real, a ameaça real, meu inimigo real.

Sebastian estava na frente da mesa de seu pai, uma mão no ombro de Charlotte para segurá-la na frente dele. A mão da garota estava pressionada contra a bochecha e o vermelho vivo estava lá. Lágrimas escorriam pelo seu rosto.

— Não se preocupe, querida — eu disse em uma voz calma e suave. — Ele nunca baterá em você novamente. Não depois que eu terminar com ele.

Charlotte olhou para mim com grandes olhos assustados. Eu podia ver a dúvida em seu olhar – e a fraca esperança também.

Sebastian soltou uma risada sinistra. — Quem morrerá aqui esta noite é você, Gin.

— Por favor. Você jogou algumas toneladas de pedra em mim e eu ainda escapei — eu disse. — E foi quando eu estava fraca, drogada e desorientada. Você realmente acha que pode ficar cara-a-cara comigo e vencer? Você está se enganando.

A risada de Sebastian morreu e ele olhou para mim. — E você parece notavelmente sem ter sequer um arranhão. Como você conseguiu sobreviver ao colapso do mausoléu? E sair depois disso?

Dei a ele um sorriso maligno. — Você realmente não acha que eu vou te dizer isso, não é?

Ele retornou meu sorriso com um dos seus. — Por que não? Você me contou todos os seus outros segredos estúpidos, bobos e sorridentes. Oh, Sebastian, você é tão maravilhoso. Sebastian, você me entende muito bem. Oh, Sebastian, você me faz sentir tão viva.

Suas palavras zombeteiras me cortaram até o núcleo, mas mantive meu rosto frio.

— Você era tão fácil de jogar — zombou ele. — Tão pronta para ser tomada. Tão desesperada por atenção. Não foi nem um desafio. Bastaram algumas palavras suaves, alguns olhares doces, algumas confissões cheias de lágrimas, e você estava comendo direto da minha mão. Que assassina você é, Gin. Diga-me, você se envolve emocionalmente com todas as famílias de suas vítimas? Ou eu era um caso especial?

Não respondi a ele, mas não pude deixar de ranger os dentes.

— Oh, ho! — cantou Sebastian. — Apenas eu. Bem, suponho que devo ficar lisonjeado. Mas, na verdade, acho que é triste. Que você é deplorável – deplorável e patética. Menina perdida, tão desesperada por alguém para amá-la que acredita em qualquer mentira que é contada para ela.

Minha mão apertou minha faca. — Sou deplorável e patética? Por favor. Não fui eu quem contratou um assassino para matar meu próprio pai. Não sou aquele que não tem coragem de fazer isso sozinho. Eu diria que isso te faz deplorável e patético, Sebastian. Não, risque isso. Isso só faz você fraco.

Seus olhos brilharam e um músculo se contraiu em sua mandíbula. Eu atingi um ponto fraco, então decidi pressionar minha vantagem. Além disso, Sebastian me machucou com suas palavras, e eu queria fazer o mesmo com ele.

— Totalmente, absolutamente fraco — zombei. — Não sou eu quem está encolhido atrás de uma adolescente em vez de enfrentar meu inimigo de frente.

Sebastian tirou a mão do ombro de Charlotte, como se ele nunca tivesse pensado sobre como isso o fez parecer, usando-a como um escudo.

Eu olhei para Porter. — Você realmente deveria encontrar outro chefe. Alguém que tenha bolas. Alguém que não tenha medo de fazer seu próprio trabalho sujo.

Porter se mexeu, e o olhar culpado em seu rosto me disse que ele pensara a mesma coisa mais de uma vez. Pena que ele não saíra antes – porque ele ia morrer ao lado de seu chefe.

Sebastian se virou. Ele notou o olhar de desgosto do gigante também, e seu rosto apertou com raiva.

— Viu? — zombei. — Até o seu próprio homem pensa que você é fraco. Ele não tem respeito por você, e nem eu. Nem ninguém mais. Você nunca será metade do homem que seu pai foi, e todos nós sabemos disso. Logo, todos os outros também verão isso.

A raiva vermelha manchava o rosto de Sebastian, as mãos cerradas em punhos, e ele deu um passo ameaçador, como se quisesse me mostrar quão errada eu estava ao me estrangular.

Isso era exatamente o que eu queria. Que ele esquecesse o fato de que eu tinha uma faca na mão e avançasse para que eu pudesse esfaqueá-lo até a morte bem aqui, agora mesmo.

Mas Sebastian controlou sua raiva. Ele parou, com seus lábios se curvando com nojo.

— Você não achava que eu era um homem fraco quando estava gritando meu nome na cama na noite passada. — Sua voz assumiu um tom presunçoso e superior.

— Você não era o único que estava fingindo as coisas — atirei. — Não é de admirar que você tenha que drogar mulheres adultas para levá-las à cama, considerando quão péssimo você é. Observar tinta secar teria sido mais estimulante – e gratificante. Teria durado mais tempo também.

Cada vez mais raiva inundou o rosto de Sebastian, enquanto seu olho esquerdo se contorcia de fúria. Seus lábios se afastaram de seus perfeitos dentes brancos, fazendo-o parecer exatamente o animal doente e raivoso que ele era.

— Porter — disse Sebastian através de seus dentes cerrados. — Eu mudei de ideia. Acabe com ela. Atire naquela cadela onde ela está.

 

* * *

 

O gigante não hesitou. Ele levantou a arma e puxou o gatilho.

Crack! Crack! Crack!

As três balas atingiram meu peito e desabei no chão. A mira do gigante foi certeira, e as balas teriam ido direto para o meu coração se eu não estivesse usando meu colete de silverstone.

Charlotte gritou e gritou. Abri meus olhos um pouco a tempo de ver Sebastian empurrando-a. Ela bateu contra uma das estantes laterais, quicou e caiu de joelhos. Eu odiava que ele a tivesse machucado novamente, mas ela estava fora da linha de fogo agora, e eu não teria que me preocupar com o modo que eu faria o próximo passo.

— Pare com o seu choro — ordenou Sebastian a ela, então voltou para Porter. — Esvazie o resto do seu clipe nela e certifique-se de que ela está morta dessa vez. Não quero mais nenhum erro.

Meus dedos se apertaram ao redor da minha faca, mas permaneci no tapete e esperei Porter avançar e sacudir meu ombro. Mas, para minha surpresa e consternação, o gigante parou a poucos passos de mim, e percebi que ele não iria me rolar de costas para que pudesse disparar mais chumbo no meu peito. Ele ia fazer a coisa mais inteligente e colocar algumas balas na minha cabeça à distância.

Ainda assim, esperei – esperei até ouvir Porter respirar fundo, e a sombra de seu braço no chão começou a se mover quando ele ergueu a arma de fogo...

Então eu ataquei, chicoteei minha faca, e enfiei a lâmina no pé do gigante. Porter gritou e tentou reajustar sua pontaria, mas arranquei minha faca e a golpeei novamente, fazendo-o pular para fora de o caminho da lâmina afiada.

Crack! Crack! Crack!

As balas entraram nos tapetes persas ao meu lado, mas não dei a ele a chance de disparar novamente. Eu me levantei e me joguei para frente. Porter conseguiu bloquear meu braço, me impedindo de enfiar a faca em seu peito, então ataquei com minha bota pesada e bati em seu pé, aquele que eu havia espetado com minha faca.

O gigante uivou de dor e pulou para longe. Seu pé ficou preso em uma perna da mesa, e sua cabeça bateu em uma das estantes, sacudindo os modelos de pedra nas prateleiras. Ele largou a arma e se inclinou, com suas mãos indo para o topo da mesa na qual ele tropeçou para tentar se firmar. Isso me deu o tempo que eu precisava para avançar e enterrar minha faca na lateral do seu pescoço antes de arrancá-la brutalmente. Porter gritou de novo e arqueou novamente, mas a ferida que eu havia dado a ele era fatal, e alguns segundos depois, ele caiu sobre a mesa, em seguida, caiu no chão, morto.

Aumentei meu aperto na faca e me dirigi para Sebastian, que ainda estava em frente à mesa de seu pai.

Em vez de se afastar, ele deu um aceno de mão quase indiferente, como se não estivesse preocupado com o fato de Porter estar morto. Eu me perguntei o que ele achava que estava fazendo, como se eu parasse em um simples aceno de mão quando eu estava a cinco segundos de finalmente matá-lo...

Os tijolos na lareira explodiram na minha cara.

Um segundo, eu ia em direção a Sebastian com toda a intenção de dirigir minha faca em seu coração. No seguinte, eu era golpeada por tijolos de todos os lados.

Thump.

Thump.

Thump-thump-thump.

Os tijolos me sacudiram de um jeito ou de outro, como se eu fosse a bolinha de prata de uma máquina de pinball. E não parou depois que os tijolos voaram para mim da lareira, atingiram o meu corpo e caíram nos tapetes coloridos.

Não, Sebastian acenou com a mão, e mais tijolos saíram da lareira, batendo em mim e me fazendo gritar. Eu sempre quis saber como seria ser apedrejada até a morte, especialmente no duelo Elemental, e agora eu estava descobrindo. Sem mencionar o fato de que as bordas afiadas e quebradas dos tijolos cortavam minhas roupas e minha pele, fazendo o sangue sair de uma dúzia de cortes superficiais.

Apesar tudo isso eu podia ouvir Sebastian rindo – como fosse me matar lentamente. Minha mão apertou minha faca. Foda-se isso.

A massa de tijolos rodando parou, embora Sebastian acenasse com a mão novamente, preparando-se para outro ataque. Charlotte apertou-se a uma das estantes ao longo da parede, soluços escapando de seus lábios. Ela sabia que se ela se movesse Sebastian poderia facilmente virar sua ira sobre ela.

Esperei até que a atenção de Sebastian fosse de mim para os tijolos que ele estava controlando, e então joguei minha faca nele.

Ser atingida por tijolos destruiu minha mira e equilíbrio, então a lâmina não afundou na garganta dele como eu queria, mas a faca bateu em seu ombro, fazendo-o cambalear para trás e chiar de dor. Mais importante, ela o fez perder o controle de sua magia por alguns segundos preciosos. Sebastian olhou para baixo, incrédulo, com a faca saindo de seu ombro. Ele hesitou, depois levantou a mão e tirou a lâmina. Ele olhou para seu próprio sangue na lâmina, com os olhos arregalados, como se nunca tivesse visto.

— Sua cadela! — gritou ele, jogando a faca na minha direção. — Você pagará por isso!

Não prestei atenção ao discurso dele. Eu já estava espalmando outra lâmina, avançando, agarrando o braço de Charlotte e afastando-a da estante e para longe do psicopata assassino de um irmão.

Segurei a mão de Charlotte e, juntas, saímos correndo da biblioteca.


Capítulo 32

 

Os gritos de raiva de Sebastian nos seguiram, mas bloqueei seus gritos altos e estrondosos da minha mente e concentrei-me em levar Charlotte para tão longe dele quanto eu pudesse. Nós corremos pelo corredor, e então eu a puxei para uma sala de estar e pelo outro lado. Quando eu estava certa que Sebastian não nos encontraria por pelo menos alguns minutos, eu parei no meio do corredor.

Charlotte suspirou, e ela não era a única. Todos os tijolos que acertaram o meu corpo machucaram, e eu tinha pelo menos uma costela quebrada, apesar da placa de silverstone do meu colete. Se não fosse por isso, porém, minha costela poderia ter quebrado e perfurado um dos meus pulmões. Então eu teria chiado até a morte no chão da biblioteca.

Charlotte estava ao meu lado, seu corpo trêmulo pressionado contra o meu, pequenos soluços escapando de sua garganta, lágrimas escorrendo pelo rosto como uma cachoeira de terror. Agarrei sua cabeça em minhas mãos e a forcei a olhar para mim, tentando tirá-la de seu medo e pânico e levá-la a se concentrar. Após um momento, seus olhos vazios clarearam um pouco e ela olhou para mim.

— Tem alguém aqui em quem você pode confiar? Uma empregada, um jardineiro, alguém?

Ela assentiu. — Há... Um motorista — disse ela, entre soluços. — Meu motorista... Xavier. Eu... Gosto dele.

— Então você desce, encontra Xavier, diga a ele para avisar o resto do pessoal, e peça para ele tirar você daqui — eu disse, soltando-a. — Antes de Sebastian matar a todos. Ele não vai parar agora até que eu esteja morta, e não quero que você ou qualquer outra pessoa se machuque.

Charlotte agarrou minha mão em um aperto forte, desesperado, como se não quisesse sair do meu lado. Gentilmente desembaracei seus dedos dos meus e dei-lhe um pequeno empurrão.

— Vá — eu disse. — Vá. Agora mesmo. E não olhe para trás, não importa o que...

Pedra acertou a parede ao meu lado.

Dei a Charlotte mais um empurrão, mais forte. — Vá! Corre! Agora!

Ela me deu um último olhar aterrorizado, seus olhos se arregalando com o que viu atrás de mim. Depois se virou e correu pelo corredor o mais rápido que conseguiu.

O riso de Sebastian flutuou em minha direção. — Correr não a salvará... Ou você, Gin.

Virei-me lentamente. Sebastian estava no meio do corredor, as mãos abaixadas, as manchas cor de âmbar em seus olhos escuros brilhando enquanto chamava mais de sua magia. Os granitos que compunham as paredes começaram a ondular lentamente, como se todo o corredor fosse feito de água em vez de pedra. O poder que Sebastian possuía – seu controle sobre isso – me tirou o fôlego. Ele era possivelmente o Elemental mais forte que eu já encontrei, igualando com a Elemental de Fogo que assassinou minha família.

E agora ele ia me matar.

Nunca estive em um duelo elemental, e não desejava me envolver em um agora, não quando sabia que Sebastian era mais forte em sua magia do que eu. Mas não deixei Sebastian ver meu medo e incerteza. Não o deixei ver as rodas da minha mente se agitando e girando enquanto eu segurava uma segunda faca e tentava descobrir alguma maneira de chegar perto o suficiente para acertar a lâmina em seu coração.

Sebastian sacudiu a cabeça para o lado e soltou outra risada baixa. — Ainda esperando me matar com uma faca? Lamentável, Gin. Realmente lamentável.

Aparentemente, meu rosto de pôquer não era tão bom quanto eu pensava. Algo para trabalhar – se eu sobrevivesse a isso.

Dei de ombros. — É o que eu faço. De fato, matar pessoas parece ser o que eu faço melhor. Não tive nenhum problema com seu pai. Eu não antecipo muito mais com você.

— Meu pai era um idiota! — gritou Sebastian. — Sempre fazendo o papel do cidadão bom e honesto. Ele mereceu exatamente o que ele conseguiu.

Balancei a cabeça. — Não, ele não merecia isso. Porque ele estava tentando proteger todo mundo de você. Com absoluta certeza, ele o entregaria por matar e ferir todas aquelas pessoas. É por isso que Coolidge investigou o que aconteceu.

Ele soltou um grunhido baixo e gutural.

— Você tem ideia de como você parece estar meio louco agora, Sebastian? Melhor não deixar Mab te ver assim. Ela pode decidir que ela mesma deve matar você. Ela não gosta de complicações, lembra? E você é uma bagunça explosiva, como jamais vi.

Ele riu novamente. — Por favor — zombou ele. — Eu colocarei aquela cadela Elemental de Fogo em seu lugar em breve. Assim como eu farei com você agora.

Sebastian estendeu as mãos. Com um só pensamento, o granito se soltou das paredes e foi em minha direção.

E tudo o que pude fazer foi ficar lá e deixar que me acertasse.

Não havia tempo para me mexer ou sair do caminho. Mesmo se eu tivesse conseguido me agachar atrás de alguma outra peça de mobília, teria sido apenas uma pausa temporária, já que todo o caminho do chão até as paredes e o teto era feito de pedra. Então, eu me agachei, protegendo minha cabeça da melhor maneira que pude.

Eu poderia ter usado minha própria magia de Pedra para endurecer minha pele, mas decidi não fazer isso. Usei o meu poder de Gelo na frente dele algumas vezes, principalmente para fazer cubos para o que quer que estivéssemos bebendo na época, mas eu nunca disse a Sebastian sobre a minha magia de Pedra. Talvez ainda houvesse uma chance – por menor que fosse – de que eu pudesse surpreendê-lo com isso e usar para obter vantagem. Além disso, eu não achava que ele me mataria imediatamente. Não, ele queria brincar comigo primeiro.

Pedra me golpeava de todos os lados, acertando primeiro de um lado, depois do outro, enquanto eu tentava evitar os projéteis. Onda após onda de pedras se separou das paredes e veio na minha direção, em seguida outra, mais e mais rápido, como se eu estivesse no meio de um tornado que acelerava.

E através da coisa toda, eu podia ouvir Sebastian rindo com deleite do meu sofrimento, com a surra que o meu corpo estava tomando, com a maneira como as pedras me açoitavam de novo e de novo, simplesmente porque ele desejava. E percebi que Sebastian não me daria uma chance de me aproximar dele. Ele não cometeria esse erro, e não pararia desta vez, até que eu estivesse morta.

Então eu recuei.

Pelo menos, eu tentei. O rodopiar das pedras tornava difícil dizer de que lado era. Ou talvez fossem apenas todos os golpes na cabeça que eu estava tomando. Tudo o que eu realmente fiz foi girar e girar em círculos, indo a lugar nenhum realmente.

Finalmente, Sebastian se cansou de me golpear com a pedra. Senti outra onda de sua magia e, a partir de então, pedaços de vários tamanhos irromperam das paredes, e comecei a me esquivar e correr deles, quase como se estivesse jogando uma partida de queimada. De certa forma, eu estava, e se eu fosse atingida novamente, especialmente na cabeça, então estaria morta.

Ainda assim, os pedaços maiores de pedra me davam um campo de visão um pouco mais claro, e centímetro por centímetro, pé por pé, recuei pelo corredor em direção a um conjunto de escadas que levavam ao segundo andar. Mas mesmo se conseguisse alcançá-las, isso não me faria bem. Elas eram feitas de mármore, e Sebastian poderia usar sua magia para fazê-las se separarem, me fazendo cair entre elas, depois juntar as duas metades para me esmagar até a morte. Não pude evitar o tremor que percorreu meu corpo com o pensamento.

E mesmo que por algum milagre eu conseguisse descer as escadas, eu ainda tinha outro andar para que pudesse sair da mansão – uma mansão feita inteiramente de pedra. Sebastian estava em seu lugar, e toda a construção era uma armadilha mortal para mim. Mas não conseguia descobrir outra maneira de sair. Então, eu só precisava tentar ser mais rápida do que ele, embora pudesse sentir a magia dele pulsando através das paredes, pulsando através desse nível da mansão...

Crack!

Uma faixa vívida de raios caiu do céu, e a janela no final do corredor se iluminou com carga elétrica branca, brilhando como um diamante, conforme a chuva batia do lado de fora e abafava o brilho. A tempestade finalmente chegou, e era uma bagunça, a julgar pelos rugidos do trovão explodindo e batendo, e o raio que eu podia ver piscando através da janela...

Minha cabeça virou naquela direção enquanto eu desviava de outra pedra que vinha em minha direção.

Uma janela.

Eu precisava de uma saída rápida da mansão, e aqui estava a abertura de que precisava – literalmente. Claro, eu estava no terceiro andar, mas eu poderia usar minha própria magia de Pedra para suavizar o pouso. Era a única chance que eu tinha.

Agora, tudo o que eu precisava fazer era chegar ao vidro.

Eu estava no centro de um lugar onde dois corredores se encontravam. Um corredor continuava em direção às escadas enquanto a janela ficava na extremidade oposta do outro corredor, a uns quinze metros de distância da minha posição. Comecei calcular distâncias e ângulos.

Sebastian deixou as pedras pararem o suficiente para zombar de mim novamente. — Ficando cansada, Gin? Porque eu posso fazer isso a noite toda.

Ignorei seu discurso de autocongratulação e corri em direção à janela.

Risadas zombeteiras de Sebastian me perseguiram mais uma vez. — Oh, Gin. Você não fugirá tão facilmente. Esse corredor não é nada além de um beco sem saída. Você está presa. Você me ouve? Presa!

Mas, aparentemente, ele não estava tão confiante quanto dizia estar, porque enviou outra explosão de magia, uma que rolou pelo chão. Começou a ondular da mesma maneira que as paredes. Arrisquei um olhar para trás para ver o granito subindo cada vez mais alto, como uma onda do oceano prestes a cair em cima da minha cabeça e me afogar. Realmente, era isso. Sebastian largaria o granito em cima do meu crânio, abrindo-o como um ovo, e esse seria o meu fim.

Então, tomei outra respiração e forcei minhas pernas a se moverem ainda mais rápido e meus braços a bombearem ainda mais. Atrás de mim, eu podia ouvir o granito murmurando com deleite sombrio enquanto me perseguia. O chão se mexeu sob meus pés, tentando me desequilibrar, mas eu corri, coloquei minhas mãos acima do meu rosto e alcancei minha magia de Pedra.

Com um impulso final, eu me joguei pela janela.


Capítulo 33

 

Eu voei através do vidro. Meu último impulso em direção à janela me empurrou para o ar, a vários metros de distância da lateral da mansão, mas a noite estava tão escura, sombria e chuvosa que eu não sabia dizer qual era o caminho, e então eu estava caindo, para baixo, para baixo. Usei minha magia de Pedra para endurecer minha pele, cabeça, cabelo e olhos, junto com o resto do meu corpo...

Thud.

Atingi o chão um segundo depois.

A casca protetora da minha magia me impediu de quebrar meu pescoço, mas o impacto brutal ainda me atordoou, e levei quase um minuto para perceber que eu ainda estava viva. Consegui me afastar o suficiente da mansão para pousar em um dos canteiros de flores que ficavam do lado de fora da casa. Pousei bem em cima de uma das roseiras de Cesar, esmagando completamente a sebe delicada de flores. Levei um momento para me desvencilhar dos espinhos que perfuraram minhas roupas, sair da vegetação e cambalear para ficar de pé. Dei um passo, e minha perna esquerda ameaçou dobrar, mas consegui endireitá-la e seguir em frente, embora estivesse mancando da pior maneira.

Um murmúrio agudo penetrou em meu torpor. Por instinto, eu me joguei o mais longe que pude...

Crack!

Parte de uma sacada de granito no segundo andar se separou da lateral da mansão e pousou no local onde eu estive. Isso teria me esmagado como uma uva se eu não tivesse conseguido sair do caminho. Minha cabeça se levantou. Três andares acima, Sebastian se inclinou para fora da janela quebrada de onde eu pulei.

Ele olhou para mim, claramente chateado por eu ter escapado da armadilha da morte no andar de cima. Ele deu um aceno curto e afiado de sua mão. Outra sacada, também no segundo andar, separou-se do lado da estrutura e mergulhou em minha direção, mas consegui sair do alcance da pedra que caía.

Precisava me afastar da mansão, ou Sebastian continuaria usando sua magia para rasgá-la em pedaços, mesmo que ainda pudesse haver outras pessoas lá dentro. Eu esperava que Charlotte tivesse alertado os empregados e que tivesse encontrado Xavier e conseguido que ele a levasse para longe daqui, mas eu não tinha como saber.

Eu me levantei e comecei a correr de novo.

 

* * *

 

Eu cambaleei para longe da mansão cerca de seis metros antes de perceber que não havia para onde ir. Meus olhos varreram a paisagem encharcada pela chuva, mas tudo o que vi foi pedra, pedra e mais pedra. Todas as edificações eram feitas de mármore ou granito, junto com a piscina, as quadras de tênis e os restos do mausoléu. Mesmo se eu conseguisse chegar à parede que rodeava a propriedade, ela também era feita de pedra, e Sebastian poderia facilmente usar sua magia para me jogar para fora dela ou derrubar tudo em cima de mim da mesma maneira que fizera com o mausoléu. Eu me virei de um lado para o outro, procurando uma saída, mas não vi uma.

Eu simplesmente não vi uma...

Outro clarão de relâmpago ziguezagueou pelo céu tempestuoso, mais perto dessa vez, mas a luz não desapareceu completamente quando fez. Eu olhei através da chuva e percebi que um suave brilho dourado vinha de longe nos terrenos. A estufa. As luzes lá dentro estavam queimando constantemente do jeito que sempre faziam.

Comecei a me afastar da estrutura, já que não havia nada ali que me ajudasse, mas depois virei e olhei para ela.

A estufa.

Era o único prédio na propriedade que era feito de vidro, não de pedra. Oh, Sebastian ainda teria sua magia, mas não teria tanto material para usar contra mim dentro da estufa quanto faria se eu fosse para a parede. Então cambaleei nessa direção. Apesar de me afastar cada vez mais da mansão, pude ouvir a pedra começar a resmungar novamente enquanto Sebastian agitava-se pelos corredores.

Ele vinha atrás de mim.

Apressei o passo e me movi mais rápido, embora o vento uivasse e a chuva batesse em mim de todos os lados, assim como fizeram as pedras dentro da mansão. Demorei mais do que gostaria para chegar à estufa, mas cheguei lá. A porta estava trancada, mas esmaguei meu cotovelo na vidraça na porta e a destranquei. Eu não queria desperdiçar nada da minha magia, nem mesmo o meu lamentável poder de Gelo para fazer um par de pinças. Além disso, Sebastian sabia que eu estava aqui, e não havia necessidade de esconder onde eu havia ido ou onde eu planejava fazer a minha última resistência contra ele.

Entrei na estufa e fechei a porta. As luzes foram apagadas durante a noite, lançando o interior em uma escuridão dourada. O aroma das rosas de Cesar encheu o ar, quase me derrubando com seu perfume doce e irresistível. Examinei o interior, procurando por um bom lugar para me esconder. Eu só tinha uma chance com Sebastian, e precisava fazer valer a pena. Eu poderia ter cortado o ombro dele com a minha faca, mas ainda estava muito mais machucada do que ele, e ele sempre podia me estrangular até a morte com as próprias mãos. Ele pode não ser um gigante, mas era forte o suficiente para fazer isso, ou simplesmente esmagar minha cabeça contra um dos vasos ou mesas até que meu crânio se abrisse e eu sangrasse.

Eu me movi mais para dentro da estufa, suor escorrendo pela minha pele na umidade sufocante, até que era como se eu ainda estivesse na furiosa chuva lá fora. Finalmente, encontrei um lugar que pensei que funcionaria, atrás de um aglomerado de palmeiras no final de um dos corredores centrais no meio da estufa. Se Sebastian entrasse nesse corredor, ele teria que passar por lá. Aquele lugar em particular, para contornar as coisas, e eu poderia me levantar das sombras aqui e enfiar minha faca nas costas dele.

Essa era a minha esperança, de qualquer maneira, e a última chance que eu tinha.

Então eu me agachei atrás das árvores, apertei minha faca e esperei meu inimigo me encontrar.


Capítulo 34

 

Sebastian demorou mais tempo do que eu imaginava que fosse levar para alcançar a estufa. Talvez ele tenha ido primeiro ao portão da frente, pensando que eu estava fugindo, quando na verdade eu estava esperando por ele para que pudéssemos terminar isso, de um jeito ou de outro.

Uma dúzia de vezes eu pensei em sair da estufa e tentar me esgueirar em Sebastian em algum lugar no terreno. Eu queria fazer alguma coisa, qualquer coisa, em vez de ficar agachada no escuro, jogando uma versão mortal de esconde-esconde. Mas então eu pensei sobre como Fletcher havia ficado à espera de Finn e eu na pedreira, e como ele conseguiu zombar de nós dois como resultado. Então, desta vez, eu finalmente decidi seguir o exemplo do velho e seu conselho.

Dez minutos depois que eu entrei na estufa, a porta se abriu, fazendo o resto das vidraças se quebrarem. Relâmpagos estalaram do lado de fora novamente, iluminando perfeitamente Sebastian parado na entrada.

— Saia, saia, onde quer que você esteja — cantou ele zombeteiramente.

Não me incomodei em respondê-lo.

— Oh, vamos lá, agora, Gin — disse ele. — Eu sei que você está aqui. Vi sua pegada estampada na lama. Além disso, as pedras me disseram que você veio nessa direção. A pedra está em toda parte, você sabe, mesmo na terra sob nossos pés. Não há nenhum lugar nesta propriedade que você possa ir onde eu não a encontre. Embora eu ache que é apropriado que você tenha se refugiado aqui. Assim como meu pai fizera tantas noites quando não queria enfrentar o mundo real. E agora você está aqui, fazendo exatamente a mesma coisa, não querendo enfrentar sua própria morte.

Ele parou de falar, esperando que eu fosse estúpida o suficiente para responder ou fazer algum barulho que daria minha localização. Por favor. Cansei de conversar. Eu só queria matá-lo agora.

Finalmente, finalmente matá-lo.

Sebastian fechou a porta e trancou a fechadura, embora o vidro tivesse se desintegrado, não deixando nada para trás a não ser uma armação de metal vazia. Então ele se inclinou e apertou um botão, fazendo todas as luzes do teto acender. Amaldiçoei para mim mesma e deslizei tão profundamente nas sombras quanto consegui e ainda ficar em posição de implementar o meu plano para emboscá-lo. Eu deveria ter me lembrado de sabotar as luzes, mas já era tarde demais.

Seu olhar sombrio passou pelo espaço. Olhei ao redor da borda de um dos troncos das árvores para ele, tomando cuidado para não revelar minha localização movendo-me mais do que o necessário.

Sebastian sacudiu a cabeça, como se estivesse desapontado por eu não facilitar as coisas para ele, então vagou para o outro lado, onde estavam as rosas – as profundas e escuras azuis que ele levara para mim no Pork Pit. As que eu cuidadosamente pressionara entre as páginas de um livro de contos de fadas como a tola idiota que eu era.

Sebastian arrancou uma das rosas, então, lentamente, girou em sua mão, estudando as pétalas escuras de todos os ângulos.

— Suave e sedosa — ronronou ele. — Assim como a sua pele. Sabe, é uma pena que nós não pudéssemos fazer algum tipo de arranjo, Gin. Dada a facilidade com que você despachou meu pai, eu ia lhe oferecer a chance de continuar trabalhando para mim como meu próprio assassino pessoal.

Ele fez uma pausa.

— Bem, talvez não fosse uma escolha. As pessoas fazem quase tudo por você quando estão viciadas em drogas. Aquela parte que eu deixei cair no seu champanhe foi apenas uma amostra das coisas que tenho para você. Mas é claro, você precisava arruinar as coisas, do jeito que as outras pessoas sempre fazem.

Então esse era o plano dele para mim. Viciar-me em drogas até que eu estivesse completamente dependente delas – e dele. Apenas quando pensei que ele não poderia ser mais cruel, Sebastian me surpreendia. Mas tudo o que importava agora era terminar as coisas – e ele – antes que ele machucasse qualquer outra pessoa.

Aqui. Agora. Hoje à noite.

Sebastian começou a arrancar as pétalas da rosa, espalhando-as casualmente em seu caminho, como se ele fosse uma dama de honra passeando pelo corredor de um casamento. Ele estava a três corredores de mim, mas se dirigiu para o centro da estufa onde eu me escondia. Então, esperei que ele chegasse perto o suficiente para que eu pudesse atacar.

— Mas suponho que esse tipo de arranjo nunca teria realmente funcionado — falou ele, em voz clara e sonhadora, como se estivéssemos falando de algo sem importância, em vez da completa perda do meu eu. — Quero dizer, olhe como facilmente consegui te virar contra aquele velho e seu filho. Eu não permitiria que alguém a virasse contra mim tão facilmente. Não poderia correr esse risco. Não com você, Gin. Embora eu esteja curioso para saber como você se tornou uma assassina e por quê.

Ele fez outra pausa, como se realmente esperasse que eu respondesse. — Tenho minhas próprias teorias, sabe. Na verdade, eu me diverti muito nas últimas semanas com uma história atrás da outra. Eu suponho, é claro, que algo muito trágico aconteceu com você quando era mais jovem, especialmente considerando o fato de que você não parece ter uma família de verdade. Foi isso? Sua família foi assassinada e você se tornou uma assassina na esperança de algum dia conseguir sua vingança e consertar o grande erro e injustiça que foi cometida contra você? Hmm?

Ele estava mais perto da verdade do que ele sabia. Essas foram algumas das razões pelas quais eu me tornei assassina, embora ainda não tivesse certeza de quem era a Elemental do Fogo que matou minha família. Mas se descobrisse, então aquela cadela iria morrer.

Desde que, claro, eu sobrevivesse aos próximos cinco minutos.

— Eu tive que especular, você vê, porque apesar de todas as vezes que estivemos juntos, você nunca realmente falou sobre você — disse Sebastian. — Toda vez que eu tentava fazer uma pergunta pessoal, você mudava a conversa para outra direção. Você foi muito boa nisso. Na verdade, você foi melhor em manter seus segredos do que eu esperava.

Sebastian chegou ao final do corredor e caminhou até o próximo, voltando para frente da estufa e se afastando de mim.

Eu pensara anteriormente que os minutos mais longos da minha vida foram quando eu estava pendurada na janela do lado de fora da biblioteca de Tobias Dawson, esperando Mab se afastar de mim e levar a horrível sensação de sua magia de Fogo junto com ela. Mas isso era cem vezes pior.

Ainda assim, mantive minha posição. Tudo o que eu precisava fazer era esperar que ele voltasse e então o bastardo seria meu para matar.

Eu poderia ser paciente por isso. Poderia esperar para sempre, desde que soubesse que Sebastian morreria no final.

— Claro, há outra possibilidade — disse ele, continuando com suas reflexões. — Que você não tenha uma grande tragédia em seu passado. Que goste de violência. Que simplesmente goste de matar pessoas, então decidiu se tornar um especialista nisso. Isso é certamente o que eu fiz. Meu pai não foi a primeira pessoa que eu assassinei. Aprendi desde cedo que é extremamente fácil fazer com que as pessoas façam exatamente o que você deseja. Tudo o que você precisa fazer é apertar os botões certos, dizer as coisas certas, e as pessoas caem sobre elas mesmas para fazer seus lances. Essa é a diferença entre você e eu, Gin. Você recebe ordens sobre quem matar, enquanto eu as dou. Outra razão pela qual eu temo que nunca teria funcionado. Mas você tem que admitir que foi divertido enquanto durou. Você não acha?

Eu ainda não respondi aos questionamentos dele. Estava muito mais focada no fato de que ele havia chegado ao final do segundo corredor, entrado no terceiro e voltava na minha direção.

— Mas, infelizmente, nosso tempo juntos chegou ao fim — disse Sebastian.

Ele parou, e pensei que ele poderia ficar onde estava, a meio caminho do corredor, mas ele lentamente se dirigiu em minha direção. Respirei fundo e me preparei. Eu só tinha uma chance, e precisaria fazer valer a pena.

— Eu sei que você realmente pensou que poderíamos ter um futuro juntos, mas eu tenho que admitir algo — sussurrou Sebastian, sua voz assumindo uma nota travessa, como se o que ele estava prestes a dizer fosse divertido. — Você não é meu tipo, Gin. Sem conexões suficientes, não rica é o suficiente, não é bonita o suficiente, e certamente não forte é o suficiente.

Ele andou bem na minha posição. Saí das sombras, levantei a faca e abaixei, mirando no centro das costas dele...

Sebastian se virou e segurou minha mão. Tentei quebrar o seu aperto, mas ele alcançou sua magia, essencialmente envolvendo meu braço em seu próprio punho de pedra.

Ele me deu um sorriso orgulhoso e satisfeito, então balançou a cabeça. — Oh, Gin. Você não sabe que se entregou? A estufa pode ser feita de vidro, mas ainda há pedra suficiente aqui para sussurrar para mim sobre todas as suas intenções, todos os seus pequenos planos sem esperança. E ainda há pedra suficiente para eu matar você.

Um dos vasos de pedra em uma mesa à minha esquerda se despedaçou com suas palavras, os fragmentos resultantes avançando pelo ar e direto para a minha lateral. Eu gritei de dor e tentei soltar meu braço, mas Sebastian aumentou seu aperto. Ele me deu um olhar entediado, em seguida, quebrou meu pulso.

Eu gritei, e desta vez, ele finalmente me soltou. Eu cambaleei para trás, segurando meu pulso direito quebrado em meu peito, minha faca caindo dos meus dedos subitamente frouxos. Onda após onda de dor passou pelo meu corpo, e pude sentir os pedaços dos meus ossos quebrados raspando um contra o outro e então minha pele em cima deles, ameaçando romper a superfície. Náusea me encheu, junto com as ondas pulsantes de dor, e tive que me concentrar em engolir a bile quente e amarga subindo pela minha garganta.

Mas Sebastian não me deu a chance de me recompor. Não, desta vez, ele foi para o ataque. Ele deu um passo à frente e deu um soco no meu rosto. Ele ainda estava segurando sua magia, então sua mão estava dura e pesada como um bloco de cimento batendo contra a minha bochecha.

Mais dor explodiu no meu queixo. Eu caí em uma mesa. Desde que era feita de mármore, Sebastian usou sua magia para quebrá-la, fazendo-me tropeçar e atingir uma das paredes de vidro. Eu pensei que entrando aqui estaríamos em pé de igualdade, mas ele estava certo. Ainda havia bastante pedra aqui para ele me matar.

Algo que ele provavelmente faria em um minuto, dois no máximo. Assim que terminasse de brincar comigo.

Sebastian deu um passo à frente, enfiou os dedos no meu cabelo e me afastou do vidro. Antes que eu pudesse pensar em lutar, ele me jogou no chão. Aterrissei no meu pulso quebrado, e pontos negros piscaram na minha visão em um aviso terrível. Eles tentaram se unir para apagar a dor, mas eu implacavelmente os afastei. Se eu perdesse a consciência, então estaria morta, e Sebastian poderia me matar em seu tempo livre.

Ou pior, continuar com seu plano original para mim.

De alguma forma, eu consegui me levantar cambaleando. Eu me virei, mas Sebastian estava esperando. Levantei meu braço esquerdo intacto e tentei acertá-lo com o meu punho, mas ele facilmente desviou o golpe desajeitado. Ele envolveu a mão em volta da minha garganta, levantou-me e, em seguida, lançou-me, de modo que minhas costas e ombros atingiram uma das mesas. Ao meu lado, um vaso de rosas azul escuras balançava em seu vaso de pedra, como se elas estivessem chocadas com a violência que estava ocorrendo bem na frente delas.

Sebastian manteve o aperto na minha garganta e ergueu o dedo indicador da mão livre. — Entre todas as outras pequenas fantasias que eu tive sobre você nos últimos dias, Gin, a que eu mais me diverti foi como eu mataria você. Eu realmente não decidi, mas você me deu uma ideia grandiosa. Você parece gostar tanto de facas. Deixe-me mostrar-lhe o tipo de faca que eu gosto de usar.

Sebastian estendeu a mão e a colocou no lado do vaso de mármore. Eu assisti com horror quando a pedra começou a lascar e escamar e descascar para longe de si mesma. O vaso desmoronou, derramando sujeira e rosas por todo lado, e um sorriso maníaco e alegre iluminou o rosto de Sebastian.

Um momento depois, ele ergueu a arma para que eu pudesse ver. Verdade seja dita, era uma faca grosseira, como as adagas de gelo que eu fazia às vezes. Mas Sebastian havia usado sua magia de Pedra para moldar uma ponta afiada na lâmina, uma que era mais do que capaz de cortar a minha garganta.

Sebastian ainda tinha uma mão em volta do meu pescoço, me segurando, e se inclinando, ele passou lentamente a lâmina de pedra na minha bochecha. Não foi forte o suficiente para tirar sangue. Não ainda.

Mas eu podia ouvir o mármore resmungando com a malícia sombria e alegre de Sebastian, sussurrando exatamente como ele planejava me cortar com a faca que ele criara com seu elemento – meu próprio elemento. Algo que fez meu estômago revirar. Eu podia ouvir toda a pedra na estufa resmungando agora, enquanto absorvia as intenções assassinas de Sebastian.

Ele afastou a faca do meu rosto e me deu um olhar avaliador. Sem dúvida, ele também podia ouvir seus sussurros enquanto murmurava todos os seus segredos...

E não importa o quê, você nunca deve, jamais, contar a alguém todos os seus segredos. A voz de Finn repentinamente surgiu em minha mente.

Sebastian disse que eu era boa em guardar segredos, e percebi que ainda tinha uma carta sobrando, um segredo que eu não contara a ele, uma coisa que ele não adivinhara sobre mim como ele fizera com tudo mais. Eu só esperava que fosse o suficiente para acabar com ele de uma vez por todas.

— Diga-me, docinho — ronronou Sebastian, focando seu olhar em mim novamente. — Alguma última palavra antes que eu corte sua linda garganta?

— Você fodeu com o assassino errado — rosnei. — Você fodeu com a Aranha.

Ele riu. — A Aranha? É esse apelido patético que você escolheu para você?

— Pode apostar.

— E por quê?

Eu sorri. — Porque você nunca vê aranhas vindo... Até que elas te mordem.

Sebastian bufou. — Eu nunca vejo aranhas até que eu as esmague embaixo da minha bota. Mesmo assim, elas não atraem qualquer aviso.

Desta vez, eu ri. — Sabe o que, Sebastian? — zombei em seu rosto. — Você é tudo sobre conversa e nenhuma ação. Assim como você foi na cama. Se você vai me matar, então faça isso já. Porque estou com náuseas e cansada de ouvir você se vangloriar.

Ele olhou para mim e ergueu a faca, mas em vez acertar o meu coração, ele acertou o meu ombro direito, aumentando a agonia daquele lado do meu corpo. Eu gritei de novo. Sebastian riu e torceu a faca ainda mais fundo. Oh, sim. Ele queria me fazer sofrer antes de me matar, o que só me daria a chance de acabar com ele.

— Como você se sente ao ter uma faca no seu ombro, cadela? — sussurrou ele.

Engoli outro grito. Então eu ri.

Ele franziu a testa. — O que é tão engraçado?

— Você — eu disse. — Porque você está esquecendo uma coisinha.

— O que?

— Você não é o único Elemental aqui.

Ele bufou. — Você quer dizer aquele poder de Gelo patético que você tem? Por favor. Você não poderia fazer um cubo de gelo com isso agora, muito menos causar algum dano a mim.

— Verdade. Mas o Gelo não é a única magia que eu tenho.

Ele franziu a testa, pensando em minhas palavras. Enviei uma pequena explosão de magia, apenas o suficiente para chamar a atenção de todas as pedras. Cada pedra da estufa, incluindo a peça presa no meu ombro, começou a murmurar novamente. Mas não com as más intenções de Sebastian. Não, agora a pedra sussurrava com as minhas.

Sebastian inclinou a cabeça para o lado, surpreso pela súbita onda de violência na pedra. Seus olhos se arregalaram e sua boca se abriu.

— Você também tem magia de Pedra — murmurou ele. — Sua pequena cadela astuta.

— Você está certo — respondi. — E sei exatamente o que fazer com isso, seu desgraçado...

Sebastian apertou ainda mais a faca no meu ombro e puxou-a. Nem sequer tive tempo para gritar antes dele a abaixar, determinado a acabar comigo dessa vez. Ergui minha mão no último segundo, de modo que a lâmina perfurou o centro da minha palma esquerda, dentro do círculo da minha aranha, em vez de no meu peito.

Ficamos lá, balançando para frente e para trás, com Sebastian tentando dirigir a faca em meu coração e eu tentando impedi-lo de fazer isso.

— Sabe, Sebastian, seu pai não era tão forte como um Elemental como você, mas ele tinha um truque especial que eu admirei — murmurei através da dor.

— Sério? Qual?

— Isso.

Enviei um pequeno e concentrado pulso de magia, quebrando a faca grosseira na minha mão, ainda que isso tenha me causado mais agonia. Sebastian assobiou e recuou surpreso, tentando desviar dos pedaços de pedras voando. Um pedaço longo, fino e ensanguentado se separou da faca e caiu na mesa ao meu lado. Peguei o pedaço perversamente afiado de pedra, como eu fiz com minhas facas de silverstone tantas vezes antes.

Então, antes que Sebastian pudesse se mover, antes que pudesse reagir, antes que ele pudesse revidar, eu pulei para frente e dirigi a ponta do fragmento em sua garganta.

A boca de Sebastian se abriu, e um suave silvo de ar escapou de seus lábios, junto com sangue que respingou em meu rosto, ardendo em meus olhos como lágrimas. Ele cambaleou para trás e mandou outra explosão de magia, quebrando o fragmento, mas eu o conduzi muito fundo, até a jugular dele, e foi mais um reflexo do último suspiro do que um ataque real. Mas ele estava segurando muito poder, e isso saiu dele em ondas invisíveis, fazendo com que mais vasos de pedra e mesas se quebrassem e mandassem pedaços de pedras por toda parte, inclusive através das paredes de vidro da estufa.

As mãos de Sebastian foram para sua garganta. Ele as puxou, mais uma vez encarando, incrédulo, o sangue em suas mãos. Então ele levantou os olhos para os meus.

— Adeus, Sebastian — eu disse em voz baixa. — Você estava certo. Foi divertido enquanto durou.

Sebastian fez um som sufocante na parte de trás de sua garganta, fazendo mais sangue sair de seus lábios, tão facilmente quanto todas as suas mentiras. Então ele caiu no chão e ficou imóvel.


Capítulo 35

 

Sebastian levou menos de dois minutos para sangrar até morrer. Mas quando os vasos de pedra e as mesas finalmente pararam de se despedaçar, soube que ele havia morrido. Encarei o homem que pensei ter amado. Eu não deveria ter sentido nada além de alívio por ele estar morto, por não poder me machucar nem a ninguém mais.

Mas tudo que senti foi vazio – tristeza e vazio – assim como ele disse que eu era.

Eu havia começado a me afastar dele quando notei uma única rosa azul na mesa onde tivemos nossa última luta. De alguma forma, ela escapou da destruição da nossa luta e estava tão perfeita como se tivesse sido cortada para um buquê. Eu peguei a flor e trouxe ao meu nariz. Apesar do caos, a rosa cheirava tão doce como sempre. Eu hesitei, e então a joguei em cima do corpo de Sebastian.

Era o único sentimento que eu deixei – e muito mais do que ele merecia depois de tudo o que ele fez.

Olhei para Sebastian mais um momento antes de me virar e ir embora.

 

* * *

 

Peguei minha faca de onde caíra, depois deixei a estufa para trás e atravessei o terreno, o gramado e voltei para a biblioteca. Peguei a faca que joguei em Sebastian ali, depois fui até a escrivaninha de seu pai para conduzir minha longa busca pelo arquivo que Coolidge havia compilado sobre Sebastian. Não demorou muito para encontrá-lo, já que estava sobre uma pilha de papéis sobre a mesa, a pasta bem aberta, como se Sebastian estivesse admirando sua obra com uma bebida. Ele provavelmente havia feito isso.

Peguei o arquivo também. Depois disso, era apenas uma questão de descer as escadas, sair da mansão e entrar na calçada em direção ao portão da frente. Neste momento, não importava quem me visse deixando a cena do crime. Eu duvidava que houvesse alguém para olhar, de qualquer forma. Se eles fossem espertos, todos os trabalhadores teriam fugido da mansão no segundo em que Sebastian começou a lançar sua magia de Pedra por toda a estrutura.

Então, ninguém estava por perto para ver a Aranha fazer sua caminhada da vitória – tal como era.

Ninguém, exceto Fletcher.

O velho esperava em sua van branca na rua perto do portão aberto. Cambaleei pela calçada, abri a porta e entrei no banco do passageiro, embalando meu pulso quebrado e a pasta contra o peito.

Os olhos verdes e afiados de Fletcher percorreram meu corpo, avaliando silenciosamente meus ferimentos. Pulso quebrado, facada no meu ombro, dezenas de cortes e contusões de onde as rochas de Sebastian me golpearam. Seus ombros caíram com um pouquinho de alívio, embora mantivesse o rosto calmo e composto.

— Parece que precisamos ir até Jo-Jo — disse ele.

Tudo o que eu podia fazer era acenar com a cabeça.

Ele ligou a van e foi nessa direção. Fletcher dirigia devagar e com cuidado, atento aos meus ferimentos, mas cada impacto e empurrão da van me fizeram estremecer. Então eu me concentrei em respirar, surfando as ondas de dor o melhor que pude.

Foram vários minutos antes que ele falasse novamente.

— Parece que você causou bastante comoção ali — disse Fletcher, em uma voz suave. — A equipe não podia ir embora rápido o suficiente. Todos eles se empilharam uns sobre os outros, como um bando de palhaços tentando entrar nos mesmos carros.

— Bom para eles.

Eu esperava que ninguém mais tivesse sido ferido dentro da mansão.

— Você quer falar sobre isso?

Balancei a cabeça. — Não essa noite. Talvez... Depois. Ok?

Fletcher assentiu.

Mas eu não tinha nenhuma intenção de falar sobre o que aconteceu esta noite. Nem para Fletcher, nem para ninguém, nunca. Parte disso era porque eu ainda estava humilhada pela facilidade com que Sebastian havia me enganado, o quanto eu me apaixonei por ele. E a outra parte, bem, não eu sei explicar exatamente. Tudo o que eu sabia era que todas as coisas que Sebastian fez e disse eram meus fardos para suportar agora, mais segredos para adicionar aos que eu já possuía.

— Talvez em alguns dias, quando estiver se sentindo melhor, possamos ir ver aqueles apartamentos em frente ao Pork Pit — disse Fletcher. — Afinal, um assassino deveria ter seu próprio lugar. Especialmente um como a Aranha, você não acha?

Uma nota de orgulho silencioso ondulou através da voz do velho homem. Ele me chamou de Aranha muitas vezes ao longo dos anos, mas desta vez, eu sabia que ele dizia isso de uma forma que nunca disse. Talvez um dia, eu diria a ele que finalmente entendi todas as lições que ele vinha tentando me ensinar por tanto tempo. Quando esperar e quando agir, e como encontrar aquele delicado equilíbrio entre os dois. Mas, conhecendo Fletcher, ele já percebeu tudo isso. Assim como eu sabia que eu não teria sobrevivido esta noite se não fosse por ele.

— Gin?

Eu sorri porque ele esperava que eu fizesse, mesmo que conseguir meu próprio apartamento fosse a última coisa em minha mente agora. Ainda assim, eu sabia que ele estava tentando fazer algo de bom, tentando me dizer que eu havia me revelado em mais de uma coisa esta noite.

— Sim — eu disse. — Isso seria ótimo.

Ele assentiu, e nós dois ficamos em silêncio.

Inclinei minha cabeça contra a janela do carro, respirei através de outra onda de dor, e pensei na noite, ainda pensando em Sebastian e tudo o que aconteceu entre nós. Com cada quilometro que se passava, lentamente deixei sua traição e crueldade gelar as poucas partes suaves que restavam do meu coração, e prometi nunca as deixar descongelar de novo.

Para ninguém.

Nunca.


Capítulo 36

 

DIAS ATUAIS

 

Terminei minha história e me recostei, me sentindo cansada e esgotada, como se tivesse acabado de reviver toda a luta com Sebastian e tivesse novamente sofrido todas as lesões que ele infligiu em meu corpo e meu coração. Levei um momento para deixar de lado as lembranças e perceber que eu estava no Pork Pit, que o que eu havia descrito acontecera dez anos antes, em vez de apenas dez minutos atrás.

— Você? — perguntou Owen. — Você matou Sebastian Vaughn?

Sorri. — Quem mais?

— Eu me lembro disso — disse ele. — Foi a conversa de Ashland por semanas. Esteve em todos os noticiários. Como parte da mansão foi destruída, como os policiais encontraram um gigante morto dentro da casa e depois Sebastian na estufa. Pelo que me lembro, a polícia achou que a mesma pessoa que matou Cesar também matou Sebastian.

Fiz uma careta. — Bem, eles estavam realmente certos sobre isso. Para variar

Owen pegou minha mão, dando-lhe um aperto suave. Ele não me pediu para dizer mais nada, e não fez nenhum comentário sobre o que eu disse a ele. Ele simplesmente me deixou saber que estava aqui por mim.

— E pensar — murmurou ele. — Nós realmente nos conhecemos naquela época.

— Eu sei — respondi. — Eu quase me esqueci disso, até agora. Você alguma vez pensou naquela garota que apareceu na estrada naquela noite?

— Às vezes — disse ele. — Eu esperava que ela – você – estivesse bem. E que tivesse terminado com o namorado idiota.

— Bem, eu acho que fiz isso, afinal de contas.

Fiz uma careta de novo, e Owen apertou minha mão.

Ficamos assim por um tempo, antes dele estender a mão e pegar uma das rosas, girando-a em sua mão.

Ele franziu a testa. — Mas não entendo. Por que as rosas? Por que a nota? Por que agora, dez anos depois, no dia em que você matou Sebastian? Quem as enviou? Você matou Sebastian e Porter, e até Cesar. Não sobrou ninguém.

Estendi a mão e toquei a ponta de uma das pétalas. Suave e sedosa, assim como Sebastian havia dito.

— Você está esquecendo — eu disse. — Deixei uma pessoa viver.

 

* * *

 

Eram alguns minutos antes da meia-noite quando a mulher acendeu as luzes da biblioteca e recuou para os braços do homem com quem estava. Ambos tinham vinte e poucos anos, rindo, beijando e murmurando como jovens casais fazem. O cara era loiro, com cabelo curto espetado e cheio de sardas em suas bochechas. A mulher era morena, com um cabelo curto e preto, e expressivos olhos castanhos.

Fiquei nas sombras e observei-os se acariciar. Se fosse mais longe, eu teria que sair silenciosamente e voltar outra noite. Eu não gostava de ser uma voyeur. Mas eu esperava que eles logo encerrassem seu pequeno tête-à-tête. Eu queria terminar isso... Hoje à noite.

Finalmente, com relutância, a mulher recuou. — Desculpe, querido, mas tenho alguns trabalhos para terminar hoje à noite. Vejo você em trinta minutos?

O cara deu-lhe um sorriso tímido. — Vou preparar um banho para nós. Mas não demore muito tempo... Ou a água pode esfriar. Eu também.

Os dois se beijaram novamente antes do cara sair da biblioteca. A mulher observou-o ir, com um curto sorriso nos lábios. Então se virou para a mesa no fundo da sala e se dirigiu para ela.

Ela deu três passos antes de ver o saco de papel branco com o logotipo de porco do Pork Pit que eu coloquei no meio da mesa, junto com o bolo de biscoito de chocolate. Ela correu para a mesa e olhou para a mensagem que eu havia escrito em cobertura de chocolate no bolo. Feliz (tarde) aniversário.

Seus olhos se arregalaram de surpresa, e seu olhar disparou em torno da biblioteca, procurando por mim. Então eu saí para a luz onde ela podia me ver.

— Olá, Charlotte — eu disse.

 

* * *

 

Charlotte Vaughn suspirou assustada, e sua mão voou até a garganta, segurando o camafeu rosa que ela usava lá, o mesmo que ela ganhara em sua festa de aniversário todos aqueles anos atrás.

— Whoa! — exclamou ela. — Você me assustou profundamente.

Dei-lhe um sorriso curto. — Nós duas sabemos que eu poderia fazer muito mais do que isso se eu quisesse.

Os olhos escuros de Charlotte se estreitaram. — Isso é uma ameaça, Gin?

— Não sei. As rosas eram uma ameaça?

Ela olhou para mim. — Por que você acha isso?

— Bem, seu irmão me deu rosas assim uma vez. As coisas não saíram tão bem para qualquer um de nós – você, ele, eu.

O olhar de Charlotte foi para a lareira, onde estava apoiada uma série de fotos em molduras de prata. Olhei para elas mais cedo quando entrei pela primeira vez na biblioteca. A maior parte das fotos mostrava uma Charlotte adolescente com o pai, mas havia uma de Sebastian parado sozinho, sorrindo para a câmera. Seu sorriso era o mesmo que eu lembrava; presunçoso, confiante, arrogante. Não tinha esquecido nada sobre ele, mas ainda assim foi como um chute no estômago ver seu rosto sorridente, congelado no tempo.

Charlotte olhou para a foto de Sebastian por um momento antes de se virar. — Não, as coisas não saíram tão bem para Sebastian... Ou meu pai.

Sua boca apertou, e a dor brilhou em seus olhos, junto com mais do que um pouco de raiva.

— Você tem todo o direito de me odiar pelo que fiz para ele. Eu o tirei de você. Não Sebastian, nem mais ninguém, apenas eu.

Charlotte soltou uma risada amarga. — Bem, você pode tê-lo matado, mas Sebastian encomendou o trabalho. Mesmo quando criança, eu sabia disso. Se não fosse você, ele teria encontrado outro assassino para fazer o trabalho. Não te culpo pela morte do papai. Bem, não tanto quanto eu culpo Sebastian.

— Então, por que as rosas? Por que a mensagem enigmática? Por que agora?

Ela encolheu os ombros. — Suponho que queria ver se você se lembra de mim depois de todos esses anos. Se você se lembra do papai... E Sebastian.

— Eu não esqueci nada disso, nem uma coisa. Não importa o quanto eu tenha desejado. — Desta vez, minha boca se contorceu de amargura.

Charlotte olhou para mim e foi até um armário no canto de trás da biblioteca. Abriu uma das portas de vidro, enfiou a mão no interior e tirou uma garrafa de gin. Ela levantou para que eu pudesse ver.

— Que tal uma bebida? — perguntou ela. — Por amor aos velhos tempos?

Assenti e me acomodei em uma das cadeiras em frente à lareira. Enquanto Charlotte servia nossas bebidas, eu estendi a mão com a minha magia, ouvindo as pedras ao meu redor. De acordo com os noticiários, parte da mansão Vaughn desmoronou na noite em que matei Sebastian. Depois de sua morte, ficou vazia por anos. Mas agora parecia estranhamente semelhante a como havia sido todos aqueles anos atrás, com uma diferença notável: as pedras não mais murmuravam com a crueldade de Sebastian.

Oh, uma corrente de escuridão ainda ondulava por elas, mas era a emoção de alguém que a conhecia, parte dos horrores que jamais esqueceria. Na maior parte do tempo, porém, o mármore e o granito murmuravam com orgulho de todo o trabalho duro que ela fizera para restaurá-las à sua antiga glória. Aparentemente, Charlotte herdara mais magia de Pedra do pai do que Sebastian havia percebido.

Charlotte se aproximou e me entregou um copo de cristal cheio de líquido claro, alguns cubos de gelo e um pedaço de limão.

— Gin para Gin, certo? — murmurou ela, sentando-se na cadeira em frente a mim.

— Você fez sua lição de casa.

Ela encolheu os ombros. — Tive muito tempo para pensar nas coisas em um orfanato. Foi onde eu acabei depois de tudo o que aconteceu.

Tomei um gole do gin, sentindo o líquido frio deslizar pela minha garganta, depois começar a queimar lentamente no meu estômago. Charlotte e eu ficamos lá, tomando nossas bebidas. Ao meu redor, as pedras continuavam sussurrando segredos – os dela e os meus.

— O primeiro lar adotivo para o qual eles me enviaram foi terrível — disse ela, olhando para o copo. — O tipo de lugar onde os adultos esperam apenas aqueles pequenos cheques que o governo lhes envia todos os meses. O marido e a esposa constantemente gritavam um com o outro. Um dia, o marido bateu na esposa e em mim também. Tão forte que acabei na sala de emergência com um braço quebrado.

— Algo que infelizmente não é incomum no sistema.

Charlotte encolheu os ombros, em seguida, levantou os olhos para os meus. — É engraçado, no entanto. No dia seguinte – logo no dia seguinte – eles encontraram o marido em um beco atrás de um bar de Southtown. Ele foi espancado até a polpa.

— Quem poderia imaginar — eu disse lentamente. — Mas esse é o risco que você corre quando vai para Southtown, dia ou noite.

Charlotte bufou. — Bem, o espancamento dele envolveu os policiais e fui enviada para outro lar adotivo, um muito melhor, com um casal mais velho. Eles me trataram como sua própria filha. — Ela inclinou a cabeça para outra foto sobre a lareira, uma que mostrava Charlotte entre um homem e uma mulher. — A família Smithson.

Notei essa foto também. Eu não disse nada, embora tenha tomado mais um gole do meu gin.

— Quando as pessoas têm acidentes e são salvos deles, muitas alegam que seus anjos da guarda estavam cuidando delas — disse Charlotte.

— Mmm.

— Minha experiência foi um pouco diferente — continuou. — Nunca me envolvi em nenhum acidente, mas toda vez que tinha um problema, não importava o que fosse, sempre era resolvido. Tenho uma família adotiva ruim, eu tenho uma nova. Alguém me incomodou na escola, ele logo parou. Um cara roubou meu carro. Ele trouxe de volta para mim três dias depois, lavado, encerado e com um tanque cheio de gasolina.

— Eu acho que a consciência dele o alcançou, e ele percebeu que coisa ruim ele fez.

Charlotte ergueu uma sobrancelha para o meu sarcasmo, mas continuou com sua história. — Um doador anônimo até mesmo pagou para que os escombros do mausoléu de meu pai fossem removidos e para que ele e minha mãe fossem sepultados no cemitério de Blue Ridge, em um novo mausoléu parecido com o que ele construiu anteriormente.

Não respondi dessa vez.

— Então, no meu décimo oitavo aniversário, bem quando estou querendo saber como pagaria pela faculdade, eu recebo uma carta de um banqueiro de investimentos dizendo que meu pai havia criado um fundo para mim, e que todos os imóveis de Vaughn foram deixados para mim. A mansão, os terrenos, até mesmo os poucos bens que restaram da construtora do meu pai.

— Bom para seu pai por pensar no futuro.

Charlotte se inclinou, com seus olhos castanhos escuros procurando os meus. — Mas sabe, sei que toda a propriedade estava no nome de Sebastian. Ele pegou assim que meu pai morreu. Mas Sebastian não deixou um testamento, e desde que eu era menor de idade, isso estava preso nos tribunais há anos. E não havia fundo fiduciário, não quando a maior parte do dinheiro do meu pai foi usada para pagar ações judiciais dos membros das famílias das vítimas do desmoronamento do terraço. Eles descobriram, sabe, que Sebastian usou sua magia de Pedra para causar aquilo. Um policial que meu pai conhecia enviou suas descobertas para a polícia. Limpou o nome do meu pai, mas a Vaughn Construções ainda era responsável, já que Sebastian fazia parte da empresa. Eu não me importava com essas pessoas recebendo o dinheiro, no entanto. Acho que meu pai teria pagado ele mesmo, se ainda estivesse vivo.

Não respondi.

— Eu sei que foi você, Gin — disse Charlotte, em uma voz suave. — O lar adotivo, os valentões, o cara que roubou meu carro, o dinheiro, o mausoléu... Tudo. Foi você... Você cuidou de tudo. Você cuidou de mim.

Na verdade, Finn havia feito o trabalho pesado com o dinheiro e todas as coisas legais, um dos primeiros trabalhos que fizera em seu banco. Mas ela estava certa. Eu fiz o resto.

— Por que você fez isso? Foi porque se sentiu culpada por matar meu pai?

Agarrei meu copo um pouco mais apertado, sentindo o frio afundar na cicatriz de runa de aranha na palma da minha mão.

— Se – e isso é uma grande possibilidade – eu tive alguma coisa a ver com a sua boa sorte ao longo dos anos, não foi por causa da culpa. Eu sou uma assassina, eu mato pessoas. Às vezes os errados, mas ainda é quem eu sou e o que faço.

— Então por quê?

Eu olhei para ela. — Porque eu sei o que é estar sozinha, assustada, perdida e magoada – machucada tão profundamente em sua alma que você sabe que parte da dor nunca irá embora. Uma vez, alguém teve a gentileza de me receber e me ensinar como lidar com essa dor da melhor maneira que ele sabia. Ele me ajudou, e eu devia o mesmo a você. E mais um pouco.

Charlotte ficou olhando para mim. Depois de um momento, ela assentiu, aceitando minha explicação.

— Relembrar está bem, mas por que as rosas? Por que a nota? Por que você realmente me queria aqui esta noite, Charlotte? — perguntei.

Ela me encarou por um longo tempo, vendo minhas roupas pretas, meus traços frios e determinados, e meus olhos de um inverno cinzento.

— Eu queria que você soubesse disso. Que eu estava bem — disse ela finalmente, em voz baixa. — E suponho que eu queria agradecer, já que nunca fiz antes.

— Você não precisa me agradecer — eu disse, minha voz áspera e rouca de culpa e arrependimento. — Eu matei seu pai, Charlotte. Como eu disse antes, você tem todo o direito de me odiar. Verdade seja dita, eu meio que esperava que um par de policiais estivesse aqui esta noite, pronto para finalmente me prender pelo que fiz a ele.

Na verdade, parte de mim esperava isso há anos, mas nunca acontecera.

— Suponho que eu te odeio por isso — disse ela. — E pensei em contar à polícia o que você fez tantas vezes.

— Então por que você não fez isso?

— Porque eu sou grata todos os dias por você ter matado Sebastian, por ter me salvado dele.

— Mas isso não é sequer uma barganha — eu disse em uma voz suave. — Seu pai era um milhão de vezes um homem melhor que o Sebastian. Matar Cesar é um dos muitos arrependimentos que tenho, e um que ainda dói, um que sempre doerá. Se eu pudesse voltar então e mudar as coisas, eu faria. Se eu pudesse fazê-lo agora, eu faria em um piscar de olhos.

Charlotte piscou e piscou, mas não conseguiu impedir que duas lágrimas escorressem pelo seu rosto. — Eu sei — sussurrou ela, sua voz rouca de emoção. — Eu sei.

Ela limpou as lágrimas do rosto e lentamente recuperou a compostura. Ela sentou-se na cadeira e gesticulou com a bebida para a biblioteca ao nosso redor.

— Como você pode ver, agora controlo a casa da minha família novamente, estou trabalhando para reconstruí-la, restaurá-la. E estou começando a trabalhar na Vaughn Construções novamente. Continuarei com o legado que meu pai começou.

— Bom para você — eu disse, e falei sério.

— Então, estou bem agora. Você não precisa mais ficar cuidando de mim. Posso lutar minhas próprias batalhas daqui em diante.

Alcancei meu colete e peguei uma pasta de papel pardo. Eu joguei na mesa entre nós. — Então você deveria dar uma olhada nisso. Porque o seu novo namorado só está interessado no seu dinheiro, de acordo com o que ele tem dito aos amigos quando saem para beber no Northern Aggression. E a mulher que você está pensando em contratar como sua diretora financeira planeja começar a roubar assim que você der o acesso às contas da sua empresa.

Por um momento, Charlotte pareceu decididamente inquieta, mas se recuperou rapidamente e um sorriso irônico surgiu nos lábios. — Ainda cuidando de mim, Gin?

Dei de ombros. — Apenas mantendo meu ouvido no chão. Isso é tudo.

— Como uma assassina — disse ela. — Como a Aranha.

— Sim, como a Aranha.

Ela não disse mais nada. Eu não sabia o que me restava dizer. Certamente não foi a noite que eu esperava, e levaria algum tempo para processar isso. Ainda assim, havia mais uma coisa que eu queria dizer a ela.

— Sabe, você deveria ligar para Bria Coolidge em algum momento.

Charlotte piscou. — Bria? Não penso nela há anos. Não desde... A noite da minha festa de aniversário.

— Mas você foi amiga dela uma vez, e tenho certeza que ela adoraria ouvir de você novamente. Ela está na polícia agora, assim como o pai dela, Harry. Ela está aqui em Ashland. Xavier também.

Charlotte me deu um olhar cauteloso. — Como diabos você sabe sobre Bria e Harry Coolidge?

— Não conheci Harry, não realmente. — Sorri para ela. — Mas eu sei tudo sobre Bria. Ela é minha irmã mais nova.

Ela ficou boquiaberta.

— Pensei que Bria estivesse morta há muito tempo — eu disse em voz baixa. — Mas tive sorte o suficiente para encontrá-la novamente. Não posso te devolver seu pai, mas talvez eu possa devolver alguns de seus amigos para você. Então, ligue para ela. Eu coloquei o cartão dela na mesa, ao lado do bolo.

Charlotte ficou olhando para mim, piscando e piscando, como se estivesse tentando processar tudo. Sim, eu sabia como era isso.

Dei uma piscada para ela e o meu melhor sorriso misterioso. — Vejo você por aí, Charlotte.

Então eu levantei meu copo para ela em um brinde, esvaziei o resto do meu gin, e saí da biblioteca.

 

* * *

 

Como seu pai antes dela, Charlotte não empregava nenhum guarda. Algo que eu teria que falar com ela em outra noite. Não queria que ninguém valsasse aqui até ela.

Saí pela porta da frente da mansão, caminhei pela longa entrada de veículos e me dirigi para o seu portão na frente da propriedade. Estava fechado, mas não tive problemas em escalar a parede de pedra e descer do outro lado. Afinal de contas, era da mesma maneira que entrei algumas horas atrás.

E assim como todos aqueles anos antes, um carro esperava por mim do outro lado.

Uma pontada momentânea de perda disparou em mim por não ser uma van velha e surrada, mas em vez disso um carro esporte prateado, o mais recente Aston Martin. Abri a porta e entrei no assento do passageiro.

— Como foi? — perguntou Finn.

Olhei para meu irmão adotivo, com seus olhos verdes, cabelos cor de noz e feições muito semelhantes às de Fletcher. Mais uma vez, senti aquela dor no coração, mas era suave agora, mais docemente amarga.

— Charlotte e eu concordamos em guardar os segredos uma da outra.

Ele suspirou, depois revirou os olhos. — Sério, Gin, você poderia ser mais enigmática?

— E, não importa o que, você nunca, nunca deve contar a alguém todos os seus segredos — eu disse. — Você se lembra disso?

Finn me deu um olhar vazio. — Não particularmente. Eu deveria?

— Sim. Você me disse isso há dez anos em relação à Sebastian.

O peito dele inchou. — Bem, então, eu estava totalmente certo.

Revirei os olhos.

— Sério, no entanto, o que aconteceu?

Dei de ombros novamente. — Charlotte queria conversar.

— Sobre Sebastian? Ou o pai dela?

— Ambos. E muitas outras coisas também — hesitei. — Ela descobriu que eu venho acompanhando a ela todos esses anos. Ela sabe sobre o dinheiro que você colocou naquele fundo para ela.

— Ela vai falar? — perguntou Finn, um olhar preocupado vincando suas feições.

— Não. Ela não vai falar. Não sobre isso. Na verdade, ela queria me agradecer.

Finn assentiu. — Eu posso entender isso.

Ele olhou através dos portões da propriedade. — Tudo isso... Isso me lembra daquela noite com papai, quando os gigantes de Sebastian invadiram a casa.

— Sim.

Finn olhou para mim. — Ele ficaria tão orgulhoso de você, Gin. Ele estava sempre orgulhoso de você, mas principalmente depois do que o que aconteceu com Sebastian.

— Você realmente acha isso?

Ele estendeu a mão e apertou a minha. — Eu sei.

Eu olhei para a escuridão da noite, pensando em Fletcher e todas as lições que ele me ensinou. — Sim — eu disse. — Eu acho que você está certo.

— Você está brincando? — zombou Finn. — Eu estou sempre certo.

Eu ri de sua confiança sem fim.

— Agora, a noite ainda é uma criança. Quer tomar uma bebida no Northern Aggression?

— Claro — eu disse. — Eu tinha planos de encontrar Owen lá depois... Disto.

— Então me permita ser sua carruagem — disse Finn. — E serviço de motorista.

Ele colocou o carro em movimento e afastou-se do meio-fio.

Dei uma última olhada pelo portão em direção à propriedade Vaughn, meu olhar pousando nas luzes que queimavam na biblioteca. Apesar de tudo, Charlotte havia sobrevivido – e eu também.

Porque era isso que a Aranha fazia.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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