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THE VIPER / Parte III
Series & Trilogias Literarias
Capítulo Dezesseis
Lachlan passou um pano pelo pescoço e voltou para os estábulos com sua túnica de linho e seus calções recém-lavados sobre o braço. Tinha-os deixado junto ao fogo para que se secassem antes de colocá-los em sua bolsa.
Deus, que bom era estar limpo! Depois de dois dias cavalgando a galope, descansando só durante as breves paradas que faziam para dar de beber aos cavalos, Lachlan MacRuairi tinha uma vontade tremenda de banhar-se no lago mais próximo e tirar de cima toda a porcaria. A ferida da têmpora tinha acumulado tanto sangue sob seu elmo que a cabeça começou a lhe picar a horrores. Odiava sujeira.
Mas tinham conseguido escapar de seus perseguidores e por pouca sorte que tivessem no dia seguinte nessa mesma hora sua missão seria concluída. Já tinha terminado quase tudo. Fazia o que se propunha e Bela estava a salvo. Não tinha deixado nada a resolver. Reclamaria sua recompensa e daria por terminados seus serviços a Bruce com a consciência tranquila. Teria que estar emocionado. Deveria estar ansioso por retornar quanto antes. Entretanto, no lugar de seguir avançando até a costa, insistiu em que fizessem uma parada. Dizia a si mesmo que o fazia por Bela, que não tentava atrasar de propósito.
Estava a poucos passos do estábulo quando a porta de madeira se abriu e Seton saiu feito uma alfavaca e com cara de querer matar a alguém.
—Aonde vai? —gritou Lachlan atravessando a pradaria com sua voz.
O jovem cavalheiro não se deteve.
—A vigiar a maldita colina! —Seton se afastou em direção contrária sem dar mais explicações.
Quando Lachlan entrou Boyd estava afiando a espada sentado junto ao fogo. Boyd, conhecido como um dos homens mais fortes da Escócia, não só era hábil no combate corpo a corpo, mas sim também servia como arma intimidatoria. A expressão inocente do descomunal guerreiro não o enganava. A tensão ambiental era tão densa que bem teria podido cortar com a espada que sustentava nas mãos.
—Que diabos passou com Dragão?
Como se tivesse que perguntar, Boyd e Seton formavam uma nefasta parceria desde o primeiro dia em que os escolhidos da Guarda dos Highlanders se reuniram na ilha do Skye para receber o «adestramento» de MacLeod. Chamá-lo de tortura teria sido mais adequado. Aquele regime de treinamento, que incluía uma prova de uma semana de duração percorrendo as profundezas do inferno chamada acertadamente «Perdição», era o mais extenuante e brutal pelo qual Lachlan tinha passado.
Depois de quase três anos, o cavalheiro inglês e o temível patriota escocês tinham aprendido a trabalhar juntos, mas desde que saíram de Peebles rumo ao oeste para despistar seus perseguidores em lugar de continuar para o norte, a tensão tinha aumentado. Seu périplo através de Lanarkshire e Ayrshire os levou ao coração do país de Wallace. Aquele era o lugar onde tinham brotado as primeiras sementes da rebelião, onde Boyd tinha lutado junto a Wallace, e infelizmente também era o lugar em que tinha perdido a seu pai em um açougue de ingleses.
Boyd odiava a todos os ingleses, e embora a família do Seton tivesse terras na Escócia, procediam igualmente do norte da Inglaterra.
—Estava tudo bem mas acontece quase sempre… —exclamou Boyd encolhendo-se de ombros— Ao que parece, ofendi sua preciosa sensibilidade de cavalheiro.
Seton nunca aceitou por completo o estilo de luta pirata revolucionária que Bruce tinha adotado: abandonar o código de cavalaria para derrotar a um exército inglês muito mais numeroso e melhor equipado. Umas táticas que os highlanders e os descendentes do Somerled das Highlands Ocidentais usavam geração após geração. Esse novo estilo de luta era a razão de ser da Guarda dos Highlanders e aquilo que a fazia única: um grupo reduzido que reunia aos melhores guerreiros de cada disciplina de guerra, independentemente do clã ao qual pertencessem, homens que saíam e entravam com rapidez de qualquer lugar e realizavam ataques surpresa calculados para infligir o máximo dano e infundir medo.
Lachlan o fulminou com o olhar.
—Ou seja, o provocaste.
Boyd franziu o cenho.
—Tem sorte de que não o tenha matado pelo que disse ontem à noite.
Os dois guerreiros tinham estado a ponto de chegar às vias de fato na noite anterior, quando se detiveram para descansar os cavalos perto do castelo de Douglas. Bela perguntou inocentemente pelo acontecido no castelo incendiado, que pertencia a sir James Douglas, um dos cavalheiros mais leais de Bruce. Seton respondeu que era o lugar em que os homens de Bruce tinham esquecido sua honra, um sarcasmo dirigido diretamente ao Boyd, que tinha lutado junto a sir James Douglas no ano anterior, quando voltaram a ganhar o castelo capturando à guarnição inglesa destacada ali e os encerraram nos porões antes de atear fogo. Aquele incidente tinha propagado o medo nos corações dos soldados ingleses, cujas guarnições ocupavam castelos na zona sudoeste e Marches, um episódio conhecido pelo irreverente nome de Despensa de Douglas.
Na guerra não havia lugar para a honra, mas Seton seguia sendo fiel a alguns códigos do passado.
—Bom, pois necessitarei aos dois para me ajudar com o navio que nos tirará daqui, assim terá que esperar até que voltemos para matá-lo. Mas se eu estivesse em seu lugar me asseguraria antes que não leve nenhuma adaga, porque se for assim poderia ser você quem acabasse lambendo as brasas do inferno.
Boyd riu com vontade.
—Seu humor vai melhorando. Deve ser pelo banho no lago. Hoje cheiras bem, mirtilo verdade? —disse farejando o ar.
Lachlan fechou a cara, jogou-lhe o pano que tinha enrolado no pescoço e disse que o enfiasse por onde coubesse. Usava o sabão que havia à mão, maldita seja. O importante era estar limpo. Boyd voltou a rir e seguiu afiando a folha no centro da velha casa, que agora servia como estábulo e refúgio para os animais da fazenda quando fazia muito frio. A família que lhes tinha dado acolhida essa noite, os pais de um homem que tinha morrido lutando com Boyd e Wallace, residia em um novo casarão situado ao pé de Loudoun Hill, apenas cruzando o jardim.
Embora não estavam completamente fora de perigo, e não estariam até que se encontrassem ao norte do rio Tay, essa zona do sudoeste da Escócia era muito mais segura para o Bruce que Marches. E além disso, do alto de Loudoun Hill, onde Bruce tinha derrotado aos ingleses de maneira quase milagrosa em sua volta a Escócia, poderiam ver qualquer que se aproximasse há quilômetros de distância. Descansar umas horas era seguro, mas se dirigiriam à costa bem antes do amanhecer.
Bela não parecia muito contente com isso, mas Lachlan insistiu que dormisse na casa. Necessitava uma cama, por todos os demônios. Embora fosse só durante umas horas. Poderia tê-la obrigado a cavalgar com ele uma vez mais, mas não confiava em si ao sustentá-la nos braços durante tanto tempo. Era provável que depois não fosse deixá-la partir.
Não a estava evitando. Simplesmente queria assegurar-se de que não os surpreendessem de novo. Tinham-no pego literalmente com as calças baixadas. Não estava tão louco para dizer que se arrependia daquilo, porque a sensação fora muito maravilhosa, mas tinha sido um engano. Por mais de uma razão.
Se esperava libertar-se daquele encantamento irracional por possuí-la uma vez, enganou-se redondamente. Seu desejo não diminuíra em absolutamente. Quão único tinha conseguido aquele desenfreado incidente tão breve e apressado tinha sido avivar seu apetite. Mas sabia que era muito perigoso. E o perigo não provinha de seus inimigos, mas sim dele mesmo. Ao voltar a tocá-la quão único conseguiria seria reforçar aquela irracional sensação de que lhe pertencia. Fosse o que fosse, aquela estranha conexão que havia entre ambos não significava nada. Não podia estar tão louco para pensar que aquilo seria permanente.
Lachlan pendurou sua roupa em um poste de madeira e se sentou em frente a Boyd no que supôs que seria o tamborete para ordenhar. Colocou suas armas junto a ele e tirou um cadeado metálico de sua bolsa. Feito por MacKay, ainda tinha que encontrar a forma de abri-lo. Boyd o olhou astutamente através das chamas.
—Não explicaste o que aconteceu em Peebles.
Lachlan ergueu uma sobrancelha enquanto punha ao fogo uma peça de metal despontada.
—Não acreditei que necessitasse explicação. Agarraram-me de surpresa.
—Me me foda —disse Boyd, que o observava com cara de não acreditar. Não posso lembrar a última vez que lhe pegaram de surpresa.
O maldito Boyd queria ver se podia surrupiar algo. O muito caipira imaginava muito bem o que tinha acontecido, mas Lachlan fez como que ignorasse do que estava falando.
—Sabe que aconteceu uma ou duas vezes —disse Lachlan secamente— Não posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
De repente Boyd jogou a cabeça para trás completamente surpreso, como se acabasse de ver o Santo Graal.
—Meu Deus, você gosta dela —disse negando com a cabeça sem poder acreditar— Nunca acreditei que chegaria a presenciar isto, mas você gosta de verdade.
Lachlan o fulminou com o olhar em modo de advertência.
—É obvio que eu gosto. Como não ia gostar? Depois de tudo o que passou? É uma autêntica heroína, ou é que não sabia?
Isso era parte do problema. Ela era uma heroína e ele um bastardo e um mercenário a quem perseguiam mais homens dos que podia contar. A segurança de Bela dependia do anonimato e com ele sempre estaria em perigo.
—Então significa que pensaste melhor?
Lachlan o olhou com os olhos entreabertos.
—A que te refere?
Boyd deu de ombros.
—Você e lady Isabella… Acreditei que talvez pensasse ficar por aqui um pouco mais.
Lachlan ficou petrificado. Por um momento se perguntou se…
Não, isso era impossível. A raiva começou a apoderar-se dele. Que crucificassem ao Boyd por querer confundi-lo! Não tinha nenhuma necessidade de ouvir essas sandices.
—Que queira fodê-la não significa que esqueça aquilo pelo qual estive trabalhando durante três anos. Quando o rei reúna conselho terei minha recompensa. Por que demônios ia ficar?
Fazia dez anos que o tinham despojado de tudo que possuía. Agora teria a oportunidade de restituir um pedaço. Teria uma casa, um lugar ao qual chamar de lar, e seria verdadeiramente independente pela primeira vez em sua vida. Não teria que prestar contas a ninguém. Nem seria responsável por ninguém. Sem ataduras nem dívidas a pagar. Essa era a única liberdade pela que lutava.
—É um autêntico idiota, Víbora. Essa dama merece algo melhor mesmo. —Nisso ambos estavam de acordo— Mas sabe o que penso? Parece-me que te enganchou bem. Embora não tenho nem ideia do que pôde ver em ti.
Ela não via nada nele. Não havia nada a ver.
—Pelo sangue de Cristo, Assalto. Quando começou a falar igual a meu primo?
Lachlan não precisaria ouvir que algum outro membro da Guarda dos Highlanders se «apaixonara», significasse o que significasse essa palavra, porque ele mesmo se fatiaria o cangote com uma adaga com tal de não seguir ouvindo as maravilhosas bondades de ter uma esposa. Alguém a quem cuidar.
Alguém que cuidasse dele.
Alguém a quem importasse se vivia ou morria.
Lachlan sentiu uma estranha pressão no peito até que se obrigou a tirá-la dali. Quem demônios podia querer isso?
Voltou-se para ouvir que a porta se abria. Bela entrou no estábulo com cara de determinação.
—Espero não interromper nada.
Boyd e ele se olharam sentindo-se culpados e perguntando-se quanto tempo estivera escutando. Pelo rubor de seu rosto, Lachlan suspeitou que mais tempo do que ele quisesse.
—Não, não interrompe nada, minha senhora —disse Boyd— Necessita algo?
Bela ergueu o queixo. Lachlan disse a si mesmo que o tremor que via em seu queixo não era mais que o resplendor da fogueira. Mas aquilo não aliviava a asfixiante pressão da consciência contra seu peito, nem tampouco a ridícula necessidade de estreitá-la entre os braços e dizer que não era certo que sentisse nada do que havia dito.
Mas sim se sentia assim, maldita seja. Talvez nesse momento quisesse ter dito de maneira menos grosseira, mas era a verdade. Desejava-a, mas não se deixaria distrair por uma mulher. Outra vez não.
—Trouxe-te salvia —disse aproximando-se dele— Para curar as feridas.
Lachlan ergueu o olhar, surpreso e incomodado por sua consideração. Não estava acostumado que se preocupassem com ele. Seria muito fácil…
Maldição, aquela mulher o estava abrandando. Não necessitava a ninguém.
—Estou bem —disse, e a rechaçou com um gesto.
Bela ficou olhando-o com a boca franzida em uma careta de frustração, exasperação e talvez também um pouco de dor.
—Pelos pregos de Cristo, Lachlan! Acredita que o matará deixar que alguém cuide de você por uma vez?
Lachlan arqueou uma sobrancelha. Pelos pregos de Cristo? Estavam juntos o tempo suficiente para que tivesse aprendido algo melhor que isso. Antes que desse tempo de responder, Bela soltou o monte de coisas que levava consigo e se voltou para ele com os braços nos quadris. Uns quadris com formas que aquelas torturantes calças revelavam muito bem.
—Encarregarei-me disto, embora tenha que usar ao Robbie para que o segure. A verdade é que parece o bastante forte para consegui-lo —acrescentou olhando ao corpulento guerreiro.
—Mais que forte, minha senhora —disse Boyd, e deu uma piscada.
«Filho da puta.» Lachlan não precisava olhá-lo para saber quanto desfrutava com aquilo. Havia poucos homens que pudessem fazer isso, mas dado que Boyd era um deles, decidiu que seria melhor não pô-lo a prova.
Soltou o cadeado que tinha na mão e sorriu com dissimulação.
—Como queira, minha senhora.
Bela resmungou algo que soou muito parecido a «não sei nem por que me preocupo». Orientou sua cabeça para a luz e examinou o corte que Lachlan tinha na têmpora. Tocava-o com doçura e delicadeza. O fazia sentir bem. Talvez muito. Lachlan afastou a cabeça. Bela pôs cara de impaciência e a voltou a olhar.
—Banhaste-te —disse.
Lachlan ouviu a risada de Boyd do outro lado da fogueira. Quis lhe lançar um olhar assassino de ódio, mas seu rosto olhava para baixo, como se estivesse concentrado em seu trabalho.
—Eu não gosto de estar sujo —respondeu culpando em interior a Boyd de ficar na defensiva.
—Lembro —disse Bela em voz baixa para que Boyd não o ouvisse— Eu gosto. Foi uma das primeiras coisas de ti em que me fixei. Cheirava muito bem para ser um canalha. —Também ela se banhara. Lachlan tentava não fixar-se em quão bem cheirava, mas estava muito perto. Excitou-se de pronto. No caso de que Boyd não estivesse lá, estaria tentado de colocá-la em cima e rematar o que mal tinham começado duas noites atrás— Isso é bom —acrescentou lhe acariciando o cabelo à altura da têmpora— conseguiste limpar quase toda a sujeira e sangue que havia na ferida.
Bela se agachou para agarrar umas faixas de linho e um pequeno pote com argila. Lachlan reprimiu um gemido. Aquela maldita roupa de escudeiro acabaria por matá-lo. Ao inclinar-se de frente a ele a gola da camisa se abriu e ofereceu um olhar perfeito de um peito arredondado de suaves e generosas curvas.
Era um homem. Não podia evitar. Seu olhar se cravou no tecido em que seus mamilos se projetavam sobre o linho. «Jesus.» A boca se encheu de água ao ver os contornos daquela deliciosa carne franzida e firme. «Beija-la-ei por todo o corpo.» Uma promessa que fizera e que os homens de Comyn o tinham obrigado a romper. Mas agora se lembrava. Queria despi-la completamente. Encher suas mãos com seu delicioso corpo, levar à boca e lamber seus delicados mamilos rosados até que ficassem vermelhos como bagos e se endurecessem firmemente contra sua língua.
Moveu-se no tamborete com inquietação ao notar um nada paulatino inchaço em seus calções. Bela estava inclinada sobre ele, com o corpo tão perto que doía, e suas suaves carícias o torturavam. Passava o ungüento pela ferida desenhando pequenos círculos com os dedos que não faziam a não ser incrementar sua dor. Finalmente, quando pensava que já não poderia agüentar mais tê-la tão perto, nem que o tocasse, nem seu quente e fresco aroma, Bela lhe envolveu a cabeça com um pano limpo e se separou dele. Lachlan esteve a ponto de suspirar de alívio. O rubor de suas bochechas lhe dizia que não era o único afetado.
—Têm mais feridas?
—Não…
—Tem um corte no braço e uns hematomas com muito mau aspecto no torso —explicou Boyd.
Lachlan o fulminou com o olhar. Mataria-o por isso. Aquele maldito filho de cadela sabia exatamente o tipo de dor a qual Lachlan enfrentava nesse momento.
Bela franziu os lábios e ele não soube interpretar se era por aborrecimento ou por inapetência.
—Me deixe ver.
Levantou a camisa e deixou ao descoberto numerosos roxos salpicados de azul, negro e vermelho, convertidos em uma enorme massa inflamada que cobria todo seu lado direito. Bela conteve o fôlego e o olhou com cara de horror.
—Mas por que não disse nada? Parece que tenham costelas quebradas. Teria te enfaixado isso.
Lachlan deu de ombros, procurando não fazer caretas de dor. Tinha alguma costela quebrada, de acordo.
—Não havia tempo.
Bela esticou o braço e passou os dedos sobre sua suave carne. Lachlan não pôde reprimir a careta quando sua mão baixou até o ventre.
—Sinto muito. Tenho te feito mal? —disse ela com uma voz mais suave.
Sim, mas não da maneira que ela acreditava. Seu pau, grudado as costuras dos calções, fazia o impossível por aproximar-se mais e mais a sua mão.
—Um pouco —respondeu com rudeza.
—Não acreditava que estivesse sendo tão dura. —«Dura.» Lachlan grunhiu. «Não diga dura.» Cada vez estava mais junto— Tentarei ser mais cuidadosa. —Bela vacilou um momento— Se tirar a camisa poderei olhar a ferida do braço e te enfaixar as costelas.
Lachlan juraria que ouvia como Boyd ria baixo.
—Vais ficar aí, afiando essa lâmina toda a noite? —soltou com irritação— Não supõe que teria que ir encontrar-nos um navio?
Boyd não se incomodou em ocultar o quanto desfrutava. Ficou em pé com parcimônia e embainhou a espada no tahalí que levava às costas.
—Sim, vou. Pode ser que demore um pouco —acrescentou desnecessariamente.
Lachlan acabava de perceber pesaroso de que tinha cometido um engano. As brincadeiras de Boyd eram muito mais seguras que estar a sós com ela. E antes que lhe desse tempo pensar em uma desculpa para que retornasse já partira.
Passou a camisa por cima da cabeça e se preparou para o que lhe esperava. Quanto antes acabasse com aquilo, melhor. Bela não fez som algum, mas sim ficou completamente imóvel. Lachlan manteve o olhar à frente, com os dentes apertados. Horror. Asco. Pena. Não queria ver nada disso. Se aquilo parecia mau, seria melhor que não visse suas costas. Mas, tal como estava de frente a ele, quão único apreciava eram esboços das cicatrizes de batalha que lhe atravessavam o peito e os braços.
Cada vez mais impaciente pelo fim de sua tortura, Lachlan se aventurou a olhar em sua direção. Foi um engano. Não eram as cicatrizes, os cortes nem os hematomas que a tinham feito vacilar. Bela estava… Demônios, olhava seu peito como se estivesse morta de fome e ele fosse uma bandeja cheia de marzipam. Lachlan se excitou mais ainda. Não podia suportar.
—Ocorre algo? —espetou-lhe.
Bela se ruborizou e afastou o olhar imediatamente. Agarrou a salvia e começou a curar a ferida do braço. Era um corte profundo de espada que lhe percorria o antebraço, da batalha de Brander já de alguns meses e que tinha se aberto graças aos punhos e os pés dos homens de Comyn.
Ter suas mãos em cima não foi mais fácil dessa segunda vez. Sua pele se inflamava cada vez que o tocava. Parecia que saía de seu próprio corpo. Especialmente quando Bela começou a delinear com os dedos a marca que levava no braço. Uns dias atrás teria se preocupado em ocultar o leão rampante, símbolo da coroa da Escócia, desenhado sobre um escudo e rodeado pela teia de aranha em forma de bracelete. Era o símbolo que levavam todos os membros da Guarda dos Highlanders. Ele, como outros membros, tinha personalizado a sua acrescentando duas espadas cruzadas depois do escudo e uma víbora enroscada a teia de aranha. Era possível que ela não soubesse que se tratava do emblema da Guarda de Bruce, mas o simbolismo era claro.
—Por que não me contou isso? —perguntou Bela.
—Fiz um juramento —disse enfrentando seu olhar acusador— Além disso era muito perigoso. Ainda é.
—Atuava como se não fosse mais que um mercenário e agora me inteiro de que forma parte da força de combate mais venerada da Escócia? Um membro do conselho mais próximo do rei. Acreditava que não tinha nenhuma lealdade. Acreditava que me tinha traído. E agora isto? Se me tivesse contado isso…
—Não teria mudado nada.
—Para mim sim. Talvez não tivesse passado dois anos te odiando por algo que não tinha feito. —os olhos se abriram como pratos repentinamente ao perceber tudo— Robert e sir Alex? William e Magnus? Os dois homens do convento?
—Cala! —disse agarrando o pulso para afastar sua mão. O medo fazia que lhe acelerasse o pulso. Sabia muito— Não pergunte nada. Nem tão sequer pense nisso. Não entende quão perigoso é ter conhecimento disso? Sabe o que esses homens lhe teriam feito se tivessem pensado que poderia lhes contar algo? —Bela empalideceu— Esquece o que tenha ouvido.
Lachlan teria que ter imaginado que não poderia assustá-la.
—É que não ganhei o direito, ou seja a verdade?
—Não, se isso a puser em perigo —disse Lachlan apertando forte a mandíbula— Maldita seja, Bela. É que não entende? Meu antigo cunhado descobriu que eu formava parte da Guarda dos Highlanders e agora minha cabeça tem um preço comparável a de Bruce. Farão tudo pra ter os nomes do resto. Não só correm risco os outros membros. Suas famílias também estarão em perigo.
Bela ergueu o queixo sem querer ceder um só centímetro de terreno.
—Jamais diria nada.
Esteve tentado a rir.
—Bela, isso só diz alguém a quem nunca torturaram.
—E lhe torturaram?
—Sim —disse Lachlan sem rodeios. Não conseguiram que falasse porque naquele momento não havia nada que importasse. Não tinha um ponto fraco. Isso era antes— Quer ver uma amostra disso?
Deu-se a volta e essa vez Bela ficou sem fôlego. Abriu os olhos com surpresa. Lachlan viu o horror neles, mas também algo mais. Algo inesperado. Um pouco parecido à admiração.
—Meu Deus, Lachlan. —Passou os dedos pelas marcas dentadas que tinham deixado os ganchos de ferro de ferro que atravessaram e destroçaram sua pele virtualmente até os ossos— Sobreviver a isto… —Seus olhares se encontraram— O que aconteceu?
Em seu momento havia dito que perguntasse tudo o que queria saber. Não tinha segredos. Não lhe importava. Tinha deixado seu passado para trás.
Mas algo tinha mudado. Seus cuidados, sua preocupação, suas perguntas abriam agora velhas feridas. E temia revelar muito a uma mulher que se aproximava perigosamente da verdade.
Bela sabia que ele não queria contar. Tentava afastar-se dela, tal como tinha feito durante dos últimos dois dias. Quanto mais se aproximavam da salvação, mais longe parecia achar-se Lachlan. Se pensava que era dolorosa a maneira em que o evitava e atuava como se nada tivesse acontecido entre ambos, era porque não podia compará-lo com a dor que tinha sentido para ouvir a grosseira negação com a que obsequiou a Robbie Boyd. Até esse momento não sabia quanto tinha chegado de se importar com que achava Lachlan.
«Que queira fodê-la não significa que…»
Se o objetivo era lançar uma flecha direta ao coração não pôde ter melhor pontaria. O peito lhe encolhia e queimava. Ser tratada como um objeto de desejo e nada mais. Por Deus bendito, acaso não teria um homem que quisesse outra coisa dela?
Acreditava que Lachlan era diferente. Acreditava que… O que? Que simplesmente, pelo fato de que ela havia sentido algo especial, ele tinha que sentir o mesmo? Acaso a prisão a tinha deixado tão necessitada de uma conexão que a via onde não existia? Não. Não podia acreditar que isso fosse quão significava para Lachlan. Não havia dito a sério. Provavelmente só queria que Boyd deixasse de bisbilhotar. Provavelmente. Mas não estava certa.
Talvez seu passado lhe desse alguma pista. Queria saber a verdade, e não o diziam dele. Queria saber tudo a respeito dele —Conta-me — pediu Bela de novo— Pensei que não tinha nada a ocultar —acrescentou, até sendo consciente de que não gostava que o desafiassem.
Ele sabia que o estava provocando, mas respondeu encolhendo os ombros.
—Não há muito que contar. Minha esposa era muito jovem, muito formosa e muito malcriada. Eu estava encantado com ela. —Embora o dissesse sem emoção, Bela sentiu uma pontada no coração. Aquilo não parecia com ele— Em poucos meses a paixão de Juliana diminuiu e se arrependeu de sua impulsividade por ter se casado com um bastardo sem grandes extensões de terra em seu nome, embora fosse o chefe de um clã.
Bela empalideceu.
—Era chefe de um clã?
Lachlan esboçou um sorriso forçado.
—Sim, durante um tempo cumpri com minha obrigação, como você a chama. Eu era completamente alheio ao descontente de minha esposa. Estava tão cego pela luxúria que não via o que ocorria ante meus olhos. Ideou uma forma de livrar-se de mim, um plano bastante engenhoso, para falar a verdade. Disse a seu irmão que eu tinha intenção de trai-lo. Infelizmente, Lorn acreditou. Nesses tempos o rei Eduardo atuava como suserano das terras da Escócia e estava furioso com Lorn e o resto dos MacDougall pelos recentes ataques que sofriam os soldados ingleses. Meu cunhado decidiu que aquele era o momento idôneo para voltar a cair nas graças do rei. Necessitava alguém a quem culpar, e eu estava bem a mão. Enviou-me junto com meus homens no que acreditei ser uma incursão, mas na realidade seria um açougue em que nós fomos massacrados. Fui o único sobrevivente. Os quarenta e quatro homens que me seguiram à batalha nunca retornaram junto a suas famílias.
Bela lhe pôs uma mão no braço. Deus, não era de admirar que voltasse as costas a seu clã! Culpava-se pela morte de todos esses homens.
—OH, Lachlan. Eu…
Rechaçou sua compreensão como se ardesse.
—Ainda não terminei. Queria saber, assim agora escutará tudo. —Sua máscara de distanciamento tinha caído. A careta de raiva de sua boca revelava a fúria de emoções que o consumia— Eu teria que ter morrido junto a eles. —destacou uma cicatriz circular de uns cinco centímetros que tinha no ombro— Estava inconsciente e uma lança me atravessava o ombro, assim os ingleses me deram por morto. E estaria em algumas horas, a não ser porque me encontraram meus parentes e inimigos, os MacDonald. Estive «me recuperando» durante alguns meses em uma prisão dos MacDonald, até que meu primo Angus Og, por razões que desconheço, decidiu me ajudar a escapar. Ele foi quem me disse que unisse a Bruce —acrescentou a modo de elucidação— Me alertou a respeito de minha esposa, mas não quis ouvi-lo. Não percebi a verdade até que retornei ao castelo de Dunstaffnage e encontrei a Juliana comprometida com outro homem, um muito mais rico e poderoso. —A falta de amargura e emoção de sua voz fazia que Bela se compadecesse dele mais ainda. Queria tocá-lo, mas sabia que ele não aceitaria seu consolo. Agora não. Talvez nunca— Juliana atuou como se alegrasse de me ver até o momento em que seu irmão me jogou no fosso das masmorras e me deixou isto como lembrança em sua tentativa de me arrancar uma confissão de minha suposta traição —disse mostrando as costas para depois soltar uma gargalhada— Acredito que passado um momento inclusive ele duvidava de minha culpabilidade.
Bela refletia em seu rosto o horror que sentia diante da calma com que Lachlan relatava as crueldades a que o tinham submetido. Era como se estivesse falando de outra pessoa. Sabia que estava economizando detalhes do acontecido e que guardava coisas que ela nem tão sequer queria imaginar. Sem dúvida, aquilo explicava sua reação no passadiço e o medo a que o metessem na masmorra de Peebles. Bela entendia a origem desse medo melhor que ninguém. Seus olhos se encontraram e lhe pareceu que Lachlan adivinhava o que estava pensando.
—E sim, tem descoberto meu pequeno segredo. Eu não gosto nada dos buracos escuros.
Disso como se aquilo minasse em alguma forma a impressão que causava nela. Mas como poderia deixar de admirá-lo, depois de tudo pelo qual tinha passado? Tinha sido traído por seus seres mais queridos, tinham-no encerrado e tinha suportado sofrimentos inimagináveis. Tinha agüentado e apresentado à batalha depois de que o despojassem de tudo que possuía.
Tinha sobrevivido.
Igual ela tinha feito.
—E eu não gosto nada de lugares pequenos e de grades. —Seus olhares se encontraram em um momento de compreensão mútua. Bela ficou olhando o cadeado que havia a seus pés e compreendeu algo mais— Os grilhões. A fechadura do passadiço. Por isso é tão bom te desfazendo delas?
Lachlan arqueou uma sobrancelha a modo de comemoração zombadora, obviamente surpreso de que Bela tivesse relacionado os fatos. Esticou o braço até o tornozelo, tirou algo da sola de couro de sua bota e o mostrou para que o visse. Parecia um prego, mas sem ponta.
—Sempre guardo um na bota se por acaso não levo a bolsa comigo. Infelizmente, aprendi a abrir fechaduras mais tarde. Escapei de Dunstaffnage de uma maneira muito mais civilizada. —Bela inclinou a cabeça a modo de interrogação— Havia tantos ratos que faziam buracos enormes nas paredes. Consegui sair da masmorra escavando meu próprio caminho.
Bela estremeceu. Ratos. Abominava essas vis criaturas. Uma já era suficiente horror. Mas centenas? Pelo amor de Deus, o que se sentiria ao passar por isso?
Lachlan ficou em silencio durante um momento, mas Bela sabia que não tinha acabado. A seguinte vez que lhe pôs a mão no braço não a afastou.
—O que ocorreu com sua esposa?
—Teria que ter partido simplesmente, mas a esperei em uma praia perto do castelo por onde sabia que gostava de passear. —A matiz realista de suas palavras desprendia desconsolo— Enfrentei-a. Deus saberá o que eu esperava. Uma desculpa? Uma explicação? Que negasse tudo? Estava tão zangado que teria servido qualquer desculpa. Ela se surpreendeu ao me ver, claro está. Suponho que pensara que seu irmão já teria encarregado de me liquidar. Fingiu ignorar minhas acusações, e que Deus me ajudasse, porque queria acreditar. Mas assim que de a volta voou sobre mim com uma adaga. —Bela pousou seus olhos na cicatriz dentada que tinha na bochecha. Lachlan sorriu— Sim, isso me lembra que jamais devo dar as costas a uma mulher formosa.
Disse como uma brincadeira, mas Bela suspeitava que houvesse mais verdade nisso do que ele queria reconhecer. A traição de sua mulher tinha influenciado tanto em Lachlan como o rechaço de sua mãe. Confiança. Amor. Não tinha conhecido nenhum dos sentimentos. Teria sido mais fácil enfrentar ao aborrecimento ou a amargura. O frio consentimento era muito pior. Como poderia acreditar em algo cuja existência desconhecia?
—Lutamos pela faca. Tropecei e caí sobre ela. Quando me levantei tinha a adaga no peito. Assim já vê que os rumores eram certos, ao menos respeito disso.
—Mas aquilo não foi tua culpa! Pelo amor de Deus, Lachlan, tentava te matar.
—Era uma mulher —disse secamente.
Bela o olhou com incredulidade.
—Assim não serve de desculpa? —Negou com a cabeça— Dizia não seguir regras nem mais código que o teu, mas é mais convencional do que quer admitir, Lachlan.
Olhou-a com os olhos entreabertos, claramente zangado por aquela observação.
—Quando voltei para casa com minha família no castelo de Tioram, tinham me declarado culpado de traição e minhas propriedades e riquezas, que tinha algumas, tinham sido confiscadas.
—Mas sua família seguro que não…
A Lachlan tremia o queixo.
—Minha família acreditou como fez o resto.
—Mas não explicou o acontecido?
—Por que? Dei-me conta de que minha presença os punha em perigo, assim decidi partir para a Irlanda e conseguir a fortuna que pudesse como mercenário.
—Assim esperava lealdade cega de sua família sem oferecê-la você mesmo?
Lachlan franziu os lábios.
—Deixa estar, Bela. Não pense que me compreende, porque não é assim.
Mas ela não podia deixá-lo. Pela primeira vez esclareciam um montão de coisas. O porquê de se sentir tão molesto ante sua atração e a razão de se opor tanta resistência. Lachlan acreditava que seus homens tinham morrido por culpa do que ele sentia por sua esposa, que tinha faltado a suas obrigações por causa do desejo, da luxúria. Estava claro que via Bela como uma ameaça. Era compreensível que não confiasse nela. As mulheres às que tinha amado não lhe ofereceram mais que mesquinharia e traição. Mas ela queria que confiasse nele.
—Não sou como sua esposa, Lachlan. Eu jamais te trairia.
Não pôde evitar voltar a sentir uma ingênua ante sua risada.
—Todos somos capazes de trair, Bela. Todos. É simplesmente questão de encontrar o ponto fraco.
—Então o que terá que fazer? Ter sempre medo? Cortar relações com todo mundo de maneira que ninguém possa te ferir?
Lachlan a olhou com dureza.
—Não o faço por mim.
«Seus homens —adivinhou Bela— Ainda se castiga pela morte de seus homens.» De repente abriu os olhos como pratos. Um pensamento absurdo tomou forma em sua mente. Não. Aquilo era impossível. Mas a ideia, uma vez elucubrada, não podia sair. Tratava-se de algo que ele havia dito suficiente antes de gozar dentro dela. Não deu importância no momento, mas para ao ouvir falar de sua mulher o lembrou. Deu um passo para ele, obrigando-o a que a olhasse.
—Lachlan, quando disse «muito tempo», a que te referia exatamente?
Lachlan lhe deu as costas e ficou olhando a fogueira.
—Não estivera com uma mulher fazia muito tempo —disse em voz baixa e rouca.
Acelerou-lhe o pulso.
—E quanto faz isso?
Lachlan voltou seu bonito rosto, tão imperturbável que era doloroso.
—Desde que morreu minha esposa.
—Mas disso faz…
—Dez anos —finalizou rotundamente.
Bela não dava crédito a seus ouvidos. Como podia levar uma existência de monge um homem que gotejava virilidade por todos seus poros?
Lachlan riu amargamente e a olhou com sarcasmo. Parecia que Bela tivesse falado em voz alta sem ser consciente.
—Há outras maneiras de desafogar-se. —Bela se ruborizou, percebendo de que falava de agradar a si mesmo— A maior parte do tempo estava ocupado lutando. Não foi difícil até recentemente. —O rubor se intensificou. Falava dela. Ele deu de ombros— Não é tão estranho. Os templários são assim, por exemplo. Há muitos guerreiros que acreditam que lhes dá mais força.
Tentava lhe fazer acreditar que isso não era importante, mas Bela sabia que não tinha nada a ver com a religião nem com a força do guerreiro.
—Quanto tempo seguirá te castigando, Lachlan? —perguntou em voz baixa.
—Não estou me castigando —disse lhe dirigindo um olhar lhe sugiram— Ou já não o lembra?
—Lembro —respondeu com a voz rouca.
Muito bem. O corpo lhe ardia ao lembrar.
Lachlan ficou olhando-a à luz da fogueira. Tinha escurecido enquanto falavam e o velho edifício de pedra ficava em penumbra. Mais íntimo. Mais perigoso.
Bela era muito consciente do perto que estavam e quão fácil seria esticar o braço e tocar seu peito nu. Um peito nu que a deixava sem fôlego. Jamais tinha visto nada tão esplêndido. Aqueles anos vivendo da espada o tinham cinzelado poderosamente, até aperfeiçoar cada centímetro daquele corpo levemente bronzeado. Largos ombros, braços repletos de avultados músculos, sem um grama mais de carne que desmerecesse as duras linhas de seu peito e a tersura de seu ventre. Não podia pensar mais que em lhe pôr as mãos em cima e notar toda aquela força sob seus dedos.
Percebeu que ficou lhe observando o peito fixamente e ergueu o olhar para olhá-lo nos olhos.
—Não é boa ideia, Bela.
Aquela suave advertência não poderia detê-la. Acreditava que se contentaria com a paixão, mas se enganara. Desejava mais. Muito mais. Tinha carinho e Bela pensava demonstrá-lo.
—Por que?
—Não posso te oferecer nada mais.
Mas sim, podia. Não tinha mais que só vê-la. Pôs as mãos sobre seu corpo e sentiu uma explosão de calor que se estendia por todo seu ser. Um relâmpago. Era como se recebesse a força de um relâmpago. Todas suas terminações nervosas despertaram ao contato e seus músculos, duros e quentes, abrasavam-lhe as mãos. Notava a tensão, que lutava por libertar-se através delas.
Deus, como o excitava!
Tinha o pescoço tenso e apertava os punhos.
—Não mudará nada —disse Lachlan a modo de advertência.
Mas já tinham mudado coisas para ela.
Arriscaria-se. Nunca tinha fugido de uma batalha e não pensava fazer agora. Inclinou-se sobre ele e o beijou sem dar mais voltas ao assunto.
Capítulo Dezessete
Lachlan a acomodou sobre seu colo e respondeu a seus beijos. Beijava-a de tal forma que parecia cobrir a da cabeça aos pés e apropriar-se de cada centímetro de sua figura. Era um ato sensual e possessivo, menos violento e frenético que as outras vezes, mas igual de passional. Bela se deixou cativar por sua sedução. Deus, aquilo sim que era saber beijar! Cada roce de sua língua, cada uma das suaves carícias de seus lábios pareciam calculadas para cativá-la mais e lhe dar o máximo prazer possível, debilitando-a até deixá-la tão lânguida que parecia uma boneca de trapo. O máximo prazer. Uma bolha de calidez subiu por seu corpo até explodir em seu interior. Ele se preocupava com que ela também gozasse. Aquilo não era simples luxúria, ao menos não na forma que tinha conhecido. Ternura seria a última palavra que aplicaria a Lachlan MacRuairi, e entretanto, quando a sustentava em braços e a beijava, era isso o que sentia.
Bela passou as mãos por trás do pescoço e se afundou nele, grudando os seios a seu magnífico torso. Um torso tão duro e inabalável como parecia, só que muito mais quente. O fino tecido da camisa de linho era quão único os separava, de modo que se notava tudo, mas como seria estar pele contra pele? O que sentiria ao raspar com seus mamilos naqueles músculos ardentes e duros? Deixou que suas mãos escorregassem por aqueles largos e fornidos ombros e apalpou os tensos relevos de seus braços. Não pôde evitar apertá-los para comprovar a rochosa dureza dos músculos, que despertaram ao contato e se endureceram mais se possível. Esse gesto tão viril lhe provocou um calafrio que percorreu todo seu corpo, deixando-a completamente estremecida. Era muito degradante ver-se tão afligida por alguns músculos, por mais que pudessem impressionar. Mas havia algo em sua fortaleza física que a excitava a mais não poder. Algo que falava de um homem desenhado não só para o assalto, mas também para defendê-la e protegê-la. Adorava que a rodeasse com seus enormes braços e que aqueles duros segmentos de músculo se apertassem contra a suavidade de seus seios.
Aproximou-a mais para si, empurrando-a com a enorme mão que tinha plantado sobre seu traseiro em um ato possessivo, e a recostou sobre ele, lhe mostrando a vontade que tinha dela. E era muitos, a julgar pelas proporções que tomava o assunto. Sem lugar a dúvidas. Bela se retorcia. Gemia. Uma corrente quente invadiu suas pernas ao lembrar o gosto daquela sensação. Lachlan emitiu um gemido que lhe chegou até os pés. Passou os dedos entre seus cabelos e lhe sustentou a cabeça, obrigando-a a inclinar-se. Ela abriu mais a boca e foi ao encontro das lentas e insistentes carícias de sua língua até encher-se dele. Embebiam-se de desejo. Embebiam-se de calor. De um e outro. Bela não queria que aquilo acabasse, nunca.
Lachlan sabia que não era boa ideia, mas não podia deixar de beijá-la. Que sabor bom tinha. «Luxúria», teve que lembrar-se. «Só é luxúria.» A tensão que notava no peito, a onda de calor a que sucumbia cada vez que a olhava aos olhos, a assustadora necessidade de lhe agradar, tudo isso não significa nada absolutamente. Sempre tinha se preocupado em dar prazer às mulheres. De moço aprendeu que se fizesse feliz a uma mulher, faria feliz a ele. Mais que feliz. Mas até esse momento nunca lhe tinha parecido algo tão vital, e jamais aquilo tinha aumentado seu próprio prazer.
Voltou a dizer-se que não significa nada, e para dar fé disso a beijou com mais força, sondou com a língua até a última das deliciosas curvas de sua boca, passeou os dedos por cada centímetro de seu incrível corpo.
Era tão formosa… Embora de cintura e costas finas, delicadas, seu busto e seus quadris tinham curvas generosas. Entreteve-se em um de seus seios, desfrutando-se na embriagadora sensação que era sustentar aquela suave e libidinosa carne entre suas mãos. Apertou-o com cuidado e acariciou aquele duro mamilo com o polegar ao mesmo tempo em que desenhava lentos círculos em sua boca com a língua.
«Rápido e violento», disse. Mas, maldita seja, não queria que aquilo acabasse. Tinha uma boca tão doce, tão suave, estava tão receptiva que poderia passar toda a vida beijando-a. Seus gemidos sublime, apenas perceptíveis, pareciam lhe envolver o coração e pedir que a mantivesse entre seus braços para sempre.
«Luxúria pura, caramba!»
Mas ela o arrastava consigo. Transportava-o a um lugar que não queria ir. Os ternos e sinceros roces de sua língua o faziam agir com mais doçura, lutavam por tirar algo que não estava disposto a dar. E conseguia, maldita seja. Enchia peito, apertava-o por dentro, enchia-se com algo quente e suave. Não sabia o que estava passando, mas não gostava nada. Não podia permitir que acontecesse de novo. Mas a quem diabos queria enganar? Jamais havia sentido algo igual. Não era simples desejo. Era muito mais profundo. Muito mais intenso. Algo para o que ele não merecia.
Não estava feito para ela, diabos. Sua figura ia ligada a muitas condições, muitas expectativas. Tinha que pôr as coisas em seu devido lugar. Deixou de beijá-la. Bela piscou, numa tentativa de ver algo através da bruma de paixão que empanava seus grandes olhos azuis. Seu cabelo, longo e claro, resplandecia à luz da fogueira e caía sobre seu rosto, lhe dando um aspecto selvagem e sensual.
Lachlan apertou os dentes, procurando sobrepor-se a quase irresistível atração que supunham aqueles lábios inchados entreabertos e seus intermitentes e roucos ofegos.
—Tire tua roupa.
—O que? —disse Bela agitando os incrivelmente longos cílios.
—Desta vez ao te foder, quero que esteja nua —respondeu olhando-a aos olhos.
Bela enrugou a testa. Lachlan tentou evitar a pontada que sentiu no peito. Se iam fazer aquilo, teriam que fazer a sua maneira. Fazer de tal forma que não ficassem dúvidas em relação ao que significava para ele.
Bela duvidou uns instantes. Por um momento Lachlan pensou que se negaria, mas quando lhe sustentou o olhar com os olhos entrecerrados e o desafiou em silencio com uma perspicácia que percebia mais do que o necessário, a confusão mudou ao entendimento.
—Assim é como quer que seja, verdade?
—Sim —respondeu ele com gesto desprovido de misericórdia.
Bela franziu os lábios e ao cabo de um instante começou a tirar roupa. A brutalidade de seus movimentos lhe disse que estava furiosa. Não a culpava. Mas ela o tinha procurado, não? A manta, o espartilho de couro, a camisa, as meias, os cachecóis de tricô. Um a um, todos os objetos caíram, formando uma pilha a seus pés e fazendo que seu coração pulsasse cada vez com mais força.
Ao fim, Bela se ergueu ante ele, desafiante, orgulhosa, completa, total e fascinantemente nua, e ficou olhando-o com uma sobrancelha arqueada de maneira provocante.
—Suponho que isto contará com sua aprovação.
Lachlan ficou com a boca seca e com o queixo caído. Ficou tão quieto que acreditava estar petrificado. Deus, que contava com sua aprovação… Era muita perfeição. Mais magra e delicada, mas exatamente igualmente preciosa como se lembrava. Seios grandes e redondos, cintura de bailarina, quadris de suaves curva e pernas longas e bem torneadas, junto à pele branca mais imaculada que jamais tivesse visto, só manchada pelos hematomas que apareciam apenas no pescoço e no peito.
Não esquecia o que tinha feito seu carcereiro, assim quando via aquelas marcas lhe dava um repentino e violento acesso de cólera, mas também o invadia um implacável sentimento de amparo. Dava vontade de embalá-la em seus braços, aninha-la contra seu peito com delicadeza e sustentá-la assim. Cuidar dela e mantê-la a salvo durante toda a vida.
Queria demonstrar que aquilo não era mais que luxúria, mas no lugar disso, a estranha mescla de força e vulnerabilidade fez aflorar emoções desconhecidas para ele. Franziu o cenho. Começava a soar como seu primo, MacSorley. Ou como MacLeod. Ou como Campbell. Bela o confundia. Metia na sua cabeça ideia descabeladas impossíveis de cumprir e o transformava em um louco de pedra, doente de amor. Ou acaso não eram idéias descabeladas?
Lachlan voltou a olhá-la nos olhos.
—Toca-te —disse— Se for te divertir com o olhar, também eu quero fazer.
Não passou despercebido o desafio daquelas palavras. Até onde pensava chegar com sua farsa?
—Me dispa você.
Queria responder à provocação, mas sua voz rouca o delatava. Só de pensar em que estava a ponto de tocá-lo… Senhor, aquela situação o aturdia.
Bela se colocou de frente a ele, com a cabeça tão erguida como uma rainha. Como uma maldita rainha em pura pele cremosa. Tomou fôlego. Tinha os seios a escassos centímetros de seu rosto. Sua pele parecia extremamente suave e cremosa, seus mamilos delicados bagos esperando a ser recolhidas. Teve que aferrar-se ao tamborete de madeira para evitar estender a mão e tocá-los.
Não pôde reprimir um assobio quando lhe roçou o ventre. Seus músculos se estremeceram. Tudo nele o fez. Bela se atrasou nos laços de seus calções e se vingou torturando-o com os ligeiros roces de seus dedos e mãos. Ao libertar o membro seus olhos se abriram de par em par. Ante esse inocente olhar, Lachlan acreditou excitar-se mais ainda. Bela tirou a língua para umedecer o lábio inferior. Por um momento ele pensou que o meteria na boca. Apertou os dentes diante do incontido inchaço. O suor começou a acumular-se sobre suas sobrancelhas. Tanta moderação acabaria por matá-lo. Não pensava a deixar ver os estragos que causava nele. Não lhe daria esse tipo de poder. Mas era um combate perdido de antemão, e ambos sabiam. Bela não demorou em demonstrar e lhe ensinar quem estava realmente no comando. Aceitou a provocação e respondeu a ele com um novo desafio.
Quando viu que apoiava as mãos sobre seus ombros ficou pasmo de assombro. Notava os batimentos do coração golpear com força contra seu peito.
—Queres que vos monte, meu senhor?
E então seu coração deixou de pulsar e todos os músculos ficaram tensos, antecipando as sensações. Bela, sem esperar uma resposta, sentou-se escarranchada sobre ele e começou a descer.
«Jesus.» Lachlan conteve o fôlego e lhe manteve o olhar enquanto penetrava seu quente e acolhedor corpo centímetro a centímetro. Via como suas feições delatavam o prazer que sentia, sabia quanto desfrutava e ouvia os suaves ofegos de sua respiração ao encher-se dele. Pôs as mãos sobre seus quadris e empurrou delicadamente para que baixasse mais.
«OH, Deus, sim!»
Esqueceu-se de tudo que tentava demonstrar. Penetrou-a até onde podia chegar e a fez gemer e arquear as costas. Beijou-lhe o pescoço. Os seios. Fez círculos com a língua ao redor de seus mamilos e os introduziu em sua boca.
Punha-lhe quente. Incrivelmente quente.
Bela começou a rebolar e a cavalgá-lo, tal como tinha prometido. Erguia-se sobre ele com pequenos movimentos circulares de quadril, lentos e eróticos, olhando-o fixamente durante todo o tempo. A Lachlan parecia que o estava agarrando com uma cilha e apertava até que a conexão entre eles fosse tão forte que parecessem uma só pessoa. Grunhia de prazer, sumido em muitas sensações que alagava seu corpo de calor. Aqueles movimentos, esse delicioso e lânguido subir e descer de seus quadris, unido ao sufocante calor do estábulo tinham como resultado a dança mais sugestiva e erótica de sua vida.
Quando o prazer se fez mais intenso Bela acelerou o ritmo e cavalgou sobre ele com total desenfreio, colocando-o e tirando o de seu corpo a um ritmo diabólico. Aquilo tudo de mais formoso que Lachlan jamais tinha visto. Ela era tudo de mais formoso que jamais tinha visto.
Seguiu apoiando as mãos sobre seus ombros e as usando para impulsionar-se e introduzi-lo até o mais profundo. Tinha o rosto virtualmente grudado ao seu. Seus seios se balançavam contra seu torso. Aferrou-se a ele com força e permitiu que a penetrasse lenta e brandamente sem deixar de olhá-lo aos olhos. Ele quisera lhe demonstrar que aquilo era só luxúria e em lugar disso tinha acabado experimentando o momento mais incrível e íntimo de sua vida.
Voltou a sentir de novo. Essa atração irresistível. Essa força que desatinava-o. Essa sensação de afogar-se em um torvelinho que não era capaz de entender.
Estava fracassando. Aquela sensação e a promessa de seus olhos faziam que se perdesse. Não parecia poder aproximá-la o suficiente.
Passou-lhe a mão pela cintura e a beijou com violência, sucumbindo por um instante antes de separar-se dela. Furioso, tanto consigo mesmo como com ela por lhe fazer aquilo, sustentou-a no alto e a separou de si.
—Basta! —grunhiu asperamente.
Era uma posição muito íntima.
—O que acontece? —perguntou Bela confusa por aquele abrupto afastamento.
—Quero que ponha de joelhos para te foder por trás.
Odiou-se a si mesmo inclusive antes de terminar a frase. Era consciente de que estava a só um passo de tratá-la como fazia seu marido, da exigência vil, de comportar-se com ela como se fosse uma puta em lugar de uma mulher a que mimar.
Bela abriu os olhos com um gesto horrorizado que expressava tudo. Tinha ido muito longe. Lachlan sabia. Bela jamais o perdoaria por aquilo. Talvez isso fosse o que ele procurava. Um sabor de bílis o carcomeu até hospedar-se em suas vísceras. Sentia-se fatal, mas não era capaz de deter-se.
«Diga-me que não. Me esbofeteie como mereço.»
—E bem? —disse jogando a luva.
Havia um pedaço dele desejosa de que Bela pusesse fim a aquilo. A outra parte temia que o fizesse.
—Agora é quando saio correndo? Supõe-se que tenho que me assustar? Não tem nem ideia —disse negando com a cabeça— Por que faz isto, Lachlan? Por que age com tanta crueldade?
—Porque sou cruel. É que ainda não te inteiraste?
Bela lhe sustentou o olhar. Olhou-o com compaixão e com algo mais. Algo que fez que o coração desse um tombo.
—Sim, já tinha me informado.
—Quer foder, sim ou não? —espetou-lhe, mais enfurecido ainda pela compreensão que destilava sua voz.
Mas á Bela a vulgaridade não a impressionava absolutamente.
—É isso o que desejas? —perguntou erguendo o queixo.
Ao notar o tom de advertência soube que em realidade perguntava: «É isso tudo que desejas?». Porque ela queria mais dele.
—Sim —respondeu ele apertando com força os dentes.
Nenhum dos dois acreditava. Bela negou com a cabeça como se Lachlan fosse um menino que a tinha decepcionado. E que o diabo o levasse se não se sentia assim.
Levantou-se e se afastou dele. Ia embora…
Lachlan conteve a respiração. Esteve a ponto de detê-la. A ponto de pedir que ficasse. De atraí-la para si e lhe mostrar toda a ternura e amabilidade que merecia, tudo o que ele quisesse lhe dar, demônios. Mas não sabia como.
A essas alturas já devia saber que Bela era uma lutadora.
Sem deixar de olhá-lo nos olhos, colocou-se lentamente no chão e estendeu a manta junto ao fogo para se ajoelhar. O coração de Lachlan falhou uma batida. E não porque enchesse a boca água ao contemplar seu delicioso traseiro, que era espetacular, mas sim pela confiança que mostravam seus olhos. Uma confiança que ele não desejava, maldição, e que indubitavelmente não merecia.
Sentia tal opressão no peito que não podia respirar. Era tão formosa e rebelde… O desafiava a que seguisse tratando-a assim. A que a humilhasse.
Bela via seu sofrimento e sabia que estava assustado. Sabia que não lutava contra ela, a não ser contra si mesmo, e que resistia com todas suas forças a aceitar a oferta. Atuava como fazia na batalha, encontrando o ponto fraco e torcendo nele até a morte. De verdade acreditava que conseguiria fustigá-la desse modo? Esteve anos nas mãos do professor da crueldade e dominação, e suportado coisas muito piores que Lachlan poderia inventar. Parecia-lhe abominável que usasse o sofrimento do passado em seu favor. Mas gostava menos que pretendesse converter o que havia entre eles em algo básico e sem significado. Porque não era assim. Tentava mostrar-se cruel e grosseiro por todos os meios, mas no minuto seguinte suas ternas carícias suavizavam a queimação de suas palavras.
Importava-se. Estava segura disso. A maneira em que a olhava e a forma em que a tocava não deixavam dúvidas. Sua relação era diferente. Só tinha que conseguir o convencer disso.
—Bom, não era isto o que queria? —perguntou Bela com voz fraca.
Desejava que negasse, que se desse conta de que não era necessário fazer isso. Queria que tomasse entre seus braços, que a tombasse delicadamente sobre a manta e a beijasse até que o resto ficasse no esquecimento, que lhe fizesse o amor com toda a paixão e emoção que ela sentia arder em seu interior. Que admitisse que houvesse algo mais que puro sexo entre eles.
Mas Lachlan apertou as mandíbulas, esquecendo-se de sua indecisão, e ficou atrás dela. Ficou de joelhos, com as calças abaixadas, agarrando-a pelos quadris, metido entre suas pernas. Mas não a penetrava. O corpo de Bela se movia nervosamente. Estivera nessa posição muitas vezes e sempre lhe tinha parecido particularmente desagradável, degradante e primária. Não obstante, percebeu de que não era. Ao menos com o Lachlan. Confiava nele. Sabia que não lhe faria mal.
Acariciou suas costas e deslizou as mãos por suas nádegas de maneira possessiva.
—É muito formosa —disse com a voz quebrada.
Bela sentia uma estranha inquietação. Como se precisasse mover-se. Sua enorme ereção se apertava contra suas partes íntimas, mas no momento só a tocava. E Jesus, como a tocava! Suas mãos acariciavam cada centímetro de seu corpo. Deslocavam-se por seu traseiro, subindo pelos quadris até agarrar seus seios com delicadeza. E quando essa descomunal mão cheia de cicatrizes penetrou entre suas pernas, Bela ficou sem fôlego. Lachlan a prensou firmemente contra si e encaixou seu pau entre sua bunda. Aquela grossa e cálida coluna de carne se apertava contra ela. Sentia o roçar do pêlo de suas tensas e musculosas coxas por trás. Agarrava-lhe um seio com uma mão e deslizava a outra entre suas nádegas.
—Me diga se não estiver do seu agrado —sussurrou em seu ouvido entre os dentes.
Dava-lhe a possibilidade de escolher. O coração deu um tombo. Isso era o que ela estivera esperando. Queria intimidá-la e dominá-la, converter aquilo em algo primário e insignificante, mas não podia fazer.
Uma onda de calor e umidade tinha começado a acumular-se entre suas coxas. Sua ereção começou a pressionar com mais insistência sobre seu traseiro, golpeando-a, lhe oferecendo um embriagador adiantamento do que estava a ponto de chegar. Em resposta, Bela grudou-se mais a ele e arqueou as costas até ficar no ângulo adequado. Seu corpo se alagou de calor. Não era assim como teria que ter reagido diante daquele grosso membro que ameaçava penetrando-a. Morria de vontade. Estava excitada. Completamente quente.
Sim, era de seu agrado. Mais do que ele podia imaginar.
Lachlan emitiu um agônico gemido a suas costas ao mesmo tempo em que lhe beliscava um mamilo com uma mão e deslizava a outra em seu sexo com apurada técnica, abrindo o de par em par e usando sua própria umidade para preparar o caminho.
—Me diga… —exigiu— Quer que te penetre?
Bela começou a ofegar, a retorcer-se e empurrar com mais força e violência contra a ponta de seu duro membro, perigosamente pego a ela. Estava muito perto e seu tamanho era uma provocação. Lachlan começou a acariciá-la com mais energia, mais rápido, com maior profundidade, até levá-la a bordo do…
—Sim… Por favor! —exclamou sem poder evitar, consciente de que seu objetivo estava muito perto.
Lachlan amaldiçoou e a penetrou com uma forte investida que a encheu de prazer e embriagou todos seus sentidos. Bela gritou. Seu corpo se estremeceu ao mesmo tempo em que ele bombeava em seu interior à velocidade certa para prolongá-lo: lenta e profundamente, de maneira terna e deliciosa.
—Isso, amor. Goze. Deus, dá-me tanto prazer…
«Amor.» Seu coração se aferrou a essa única palavra. A felicidade abriu caminho em seu coração como uma flor diante dos primeiros raios de sol da primavera. Nova. Recente. Formosa. Pegava-se a ela quanto podia, sustentando o corpo contra o seu. Aquilo não tinha nada a ver com o emparelhamento animal de suas experiências anteriores. Sentia-se segura, protegida, cuidada.
Justo quando acreditava que tudo tinha terminado voltou a sentir-se transportada. Ele se colocou até o mais profundo e aferrou-se a ela de tal maneira que parecia lhe tocar até o interior da alma. Deixou-se ali, enchendo-a e movendo-se contra ela ao mesmo tempo em que a acariciava sem piedade.
Era algo assombroso. Formoso. Mais terno do que jamais imaginaria. Bela voltou a gritar, grudando a manta com seus dedos, desfazendo-se convulsivamente até extrair a última gota de prazer que havia nela. Ao menos isso era o que Bela acreditava. Lachlan não podia suportar mais. A queimação de seu peito se avivou. Ouvir aqueles gritos de prazer, sabendo que era ele quem os provocava, e não poder vê-la o estava matando. Começou a virar sem se dar conta do que fazia, tombou-a sobre a manta com delicadeza e começou a penetrá-la outra vez, imobilizando-a sob seu corpo.
Bela ficou com a boca aberta e os olhos como pratos.
Aquilo o deixou paralisado.
—Doeu-te?
Bela negou com a cabeça e esboçou um sorriso de puro gozo. Tomou pelo queixo.
—Não. Eu adoro como me faz sentir.
«Eu adoro.» Esse olhar…
Algo se removia em seu peito. Algo que sempre lhe tinha parecido impossível.
Começou a mover-se olhando-a aos olhos. Longas, lentas e sensuais investidas que chegavam cada vez mais profundo. Apertou os dentes diante do puro prazer que surgia em seu interior. Estava muito quente, com os sentidos embotados. Tentava alongar o momento, mas era muito prazeroso.
Os lábios de Bela se abriram, suas bochechas se ruborizaram e entreabriu os olhos até virtualmente fechá-los. Sua respiração começou a entrecortar-se. Agarrou-se com mais força a seus ombros… E então começou a mover os quadris, as adequando ao ritmo de suas investidas. Aquilo era muito. A sensação irrompeu em seu interior. Não podia agüentar mais. Empurrou com mais força, esfregando-se contra Bela cada vez que a penetrava, sentindo a necessidade de que ela gozasse com ele.
Bela arqueou as costas. E começou a gemer.
Lachlan se deixou levar e gozou dentro dela com uma ferocidade que nunca antes tinha experimentado. Cada uma de suas pulsações, cada espasmo, cada intensa explosão de prazer parecia arrancado do mais profundo de seu ser. Não pode deixar de olhá-la nos olhos em todo o tempo. A atração era irresistível.
Mal teve forças para recostar-se antes que seus músculos cedessem. Derrubou-se junto a ela com a respiração pesada, desgastado como nunca antes na vida. Nem tão sequer quando tivera que subir correndo a cordilheira das montanhas Cuillin no adestramento de MacLeod sofrera tanto desgaste. Agradeceu que o próprio cansaço lhe impedisse de pensar durante um momento, porque quando se desse conta do que acabara de fazer aqueles momentos de felicidade absoluta cairiam no esquecimento.
A vergonha recomia suas vísceras. Como pode fazer aquilo? Como pode tentar feri-la de tal modo? Tinha proposto um jogo perigoso e tinha perdido. Queria lhe provar que aquilo não significa nada, mas só demonstrou que era ele quem se enganara. Não podia negar mais: amava-a. Mais do que tinha amado a ninguém em sua vida. E mesmo assim lhe tinha feito mal. Mas que diabos passava?
—Sinto muito —disse com voz rouca.
Bela ficou de lado e o olhou com um sorriso triste que atormentava sua consciência.
—Sei.
Não sabia nada. Não lhe compreendia, maldita seja. Olhava-o como se fosse uma pessoa diferente da que realmente era. Como se visse algo nele que não existia. Esperava muito dele. Jamais poderia ser o homem que gostaria. Acaso não sabia que sempre lhe faria mal?
Uma tormenta de emoções desencontradas se desatou em seu interior. Saudade. Ressentimento. Confusão. Raiva. Estava deixando-o louco. O fazia esquecer-se do que realmente importava.
—Isto não muda nada —disse com a mandíbula tensa.
Bela ficou olhando-o durante um bom momento e ele criou um escudo que o protegia da dor que se advertia em seus olhos.
—Assim era só foder, verdade, Lachlan?
Atirou-lhe à cara aquela feia palavra como uma provocação, desafiando-o a mostrar-se de acordo.
Seu coração palpitava com força. Sentia que as paredes se fechavam em torno dele. Como se estivesse caminhando às escuras em um túnel. Por que não podia deixar de provocá-lo? Por que não o deixava em paz de uma vez?
«Liberdade, maldita seja. Sem amarras.»
—Sim —respondeu olhando-a diretamente aos olhos.
Bela sustentou o olhar durante um tempo.
—É um mentiroso, Lachlan MacRuairi. Pode mentir a mim se quiser, mas não minta a ti mesmo.
Bela recolheu suas roupas sem dizer nada mais, as pôs e o deixou ali, só, diante do escuro martelar de seu próprio coração.
Bela esperava que mudasse de opinião. Desde a primeira hora da manhã, quando sir Alex despertou para cavalgar a curta distância que os separava da costa, passando por aqueles inquietantes minutos que tinha permanecido na escuridão esperando enquanto os homens mergulhavam nas geladas águas para roubar uma galera diante dos narizes dos soldados ingleses que o comandavam, até as intermináveis horas que passou ao açoite dos ventos e as ondas enquanto os três homens lutavam para governar um navio que normalmente navegava com trinta tripulantes, não deixou de dizer a si mesma que Lachlan admitiria a verdade.
Bela era importante a ele. Não era luxúria quão único havia entre ambos. Ela conhecia muito bem a diferença, e o que eles tinham compartilhado não tinha nada a ver com suas anteriores experiências. Se fazia passar por um patife ao qual não importava nada, mas sabia que só era uma máscara. Importava-se sim, muito mais do que deixava entrever, tanto ela como os homens junto aos que lutava. Jamais os deixaria na mão.
Inclusive aquela noite, quando ao fim chegaram a Dunstaffnage e Robert, acompanhado por um pequeno contingente de seus homens, fez-lhes boas-vindas de heróis, Bela seguiu convencendo-se de que não era muito tarde. Lachlan não a deixaria assim. Não rechaçaria a promessa tácita que havia entre ambos. Não podia afastar-se dela como se tal coisa fosse nada. Não depois de tudo o que tinham passado juntos. Não depois de tudo o que tinham compartilhado. Aquilo não tinha sido luxúria, a não ser duas pessoas fazendo o amor. A conexão era real. Não podia ser o fim. Bela dizia que estava assustado, confuso, e que só teria que dar um tempo. Mas precisamente tempo, era o único que não tinha.
Tinham-nos feito passar a uma pequena câmara contigua ao grande salão para lhes dar de comer e beber enquanto Lachlan o informava do acontecido. Outros quatro homens se sentaram à mesa de cavaletes junto a Lachlan, Seton, Boyd, o rei e ela mesma. O mais velho, Sir Neil Campbell, um dos conselheiros íntimos de Bruce, conhecia-o perfeitamente dos meses que tinham ficado ocultos nas colinas de Atholl depois da batalha de Methven. O mais imponente, Tor MacLeod, um chefe de clã das ilhas Ocidentais, oriundo de Skye, e ao alto e endiabradamente bonito nórdico Erik MacSorley, também conhecia daquele período. Sempre tinha parecido que se destacavam do resto e agora sabia a razão. Certamente formavam parte do exército de guerreiros secretos de Bruce.
O quarto homem, Arthur Campbell, irmão de sir Neil, muito mais novo que este, era um completo desconhecido para ela. Não podia estar segura de que ele também era parte do grupo secreto, embora suas características físicas pareciam ajustar-se ao critério imaginário que ela tinha estabelecido para os membros da guarda de Bruce: alto, musculoso e de aspecto formidável, por não dizer inusitadamente atraente. Pode averiguar, que sir Arthur lutou junto ao inimigo e o tinham feito guardião de Dunstaffnage depois de seu recente matrimônio com a Anna MacDougall, filha do lorde de Lorn.
Lachlan não deixou nada para trás. Apesar de seus protestos, assumiu toda a culpa do desastre acontecido em Roxburgh e a seguinte captura no Peebles. Embora o rei permitisse que continuasse sem interrompê-lo, Bela, que se achava sentada junto a ele, sabia que Robert não estava contente de como tinha transcendido. Todos os homens trocaram olhares de inquietação quando referiu as intenções do soldado de interrogar Bela a respeito de sua pessoa.
—Pelos pregos de Cristo! No que estava pensando? —O rei se havia posto furioso— Sabia que era uma péssima ideia permitir que fossem.
Bela tentou explicar-se de novo.
—Temo-me que a culpada do acontecido sou eu, meu senhor. Neguei-me a voltar para Escócia até ver minha filha. Lachlan me ordenou permanecer longe do castelo, mas o desobedeci. Nada disto é culpa dele.
—Ele estava no comando! —disse Robert zangado— Era sua missão.
Bela viu que o nórdico olhava a Lachlan com expressão inquisitiva.
—Devo admitir que estou assombrado. Normalmente não te mostra tão disposto, primo.
Bela se surpreendeu ouvir que eram parentes. Embora de compleição similar, não podiam ser mais diferentes. Erik MacSorley era loiro, de olhos azuis, com bom humor e de um encanto inconfundível. Lachlan e ele eram como a noite e o dia.
Lachlan o fulminou com o olhar a modo de advertência, mas só conseguiu que o outro sorrisse amplamente. Bela sentiu arderam as bochechas ao adivinhar por que parecia tão divertido. O rei, talvez pressentindo sua confusão, colocou uma mão sobre a sua para tranquiliza-la.
—Falaremos disso mais tarde —disse olhando Lachlan nos olhos para depois voltar-se para ela— O importante é que estais a salvo. Durante dois anos rezei para que chegasse este dia. Saber o que você e as outras padeciam… —Fez uma pausa para recuperar-se da emoção— Graças a sua volta tenho esperanças de dar logo as boas vindas ao resto de minha família. —Seus olhos se escureceram— Eduardo apodrecerá no inferno pelo que tem feito, a você e a Mary. Tenho uma dívida contigo que jamais poderei pagar. Faria uma celebração digna de seu sacrifício se pudesse.
Bela negou com a cabeça.
—Quanto menos gente esteja à corrente de minha libertação, melhor. Ao menos até que minha filha volte junto a mim.
O rei, incomodado, desviou o olhar e o dirigiu para sir Arthur.
—Permanecerão aqui até que decidamos o que se deve fazer —disse.
—Será uma honra para mim, minha senhora —disse sir Arthur inclinando a cabeça em sinal de respeito— Minha esposa agradecerá a companhia.
Bela percebeu a sinceridade de sua voz e assentiu com gratidão.
O rei se levantou sem soltar sua da mão. Parecia pensar que se a deixava ir desapareceria. Bela sentiu o peso dos olhos de Lachlan e se aventurou a olhá-lo. Tinha uma expressão tão furiosa que pensou que voaria até o outro lado da mesa e a arrancaria das mãos do rei. Entretanto, logo mascarou sua emoção e olhou para o outro lado. Só o movimento nervoso de sua mandíbula delatava o acesso de cólera. Estava ciumento.
—É tarde —disse o rei— Devem estar exaustos. Seguiremos falando deste assunto pela manhã.
Ao outros homens se levantaram e saíram com eles da câmara. Bela ficou esquentando-se junto ao fogo enquanto sir Arthur ia procurar um servente para que a acompanhasse a seu aposento. Um a um, todos os homens foram passando para lhe desejar boa noite e oferecer uma combinação de boas-vindas e uma expressão de gratidão por seu sacrifício. Todos, exceto Lachlan, é obvio.
Teria sido um momento ditoso. Era provavelmente a primeira vez que estava a salvo desde que tinha saído do castelo de Bellvenie há quase três anos. Mas não se sentia a salvo. Sentia-se perdida. Apesar de que estivera em constante perigo, perseguidos por toda Marches e a ponto de ser encarcerados, sentiu-se a salvo no primeiro momento em que Lachlan a arrastou consigo aos arbustos e a protegeu sob seu braço. Era o cabo ao qual agarrar-se, a constante a seu lado, e sem ele sentia que naufragava em um mar tempestuoso. Tinha chegado inclusive a… Sim, a confiar nele.
Tentava concentrar-se em sir Alex, em agradecer o papel desempenhado em seu resgate, quando viu com a extremidade do olho que Lachlan falava com o rei.
—Não sei como agradecer-disse Bela ao jovem e bonito cavalheiro.
Sir Alex tomou sua mão e ofereceu uma galante reverencia.
—Foi uma honra, minha senhora. Quão único lamento é que não acontecera antes.
Bela assentiu. Também ela o lamentava.
Teria dito algo mais, mas o que acontecia do outro lado da estadia a distraía. Robert e Lachlan tinham finalizado sua breve conversação e este último começava a afastar-se.
«Indo embora.» Sem dizer uma palavra.
Não queria acreditar. Não podia estar lhe fazendo isso. Deus, voltaria a vê-lo algum dia? O coração deu um tombo. Um violento ataque de pânico percorria suas veias. Começou a rogar em silêncio que se desse a volta. «Me olhe. Não te vás.» Mas Lachlan seguiu caminhando, e de algum jeito ela sabia que se o deixava ir, seria muito tarde.
—Perdoe-me —disse a sir Alex apressadamente antes de correr para ele.
Se deu conta de que os outros homens a observavam, mas não a importava. O medo tragou seu orgulho.
—Espera! Lachlan, espera!
Estava virtualmente já no corredor quando se deteve em seco. Deu a volta pouco a pouco, e seu rosto foi escurecendo-se e ficando ameaçador à medida que a via aproximar-se. Conduzia-se com frieza e distância, como se a separação entre ambos já fosse insuperável. Bela, consciente dos olhares, sentiu como o calor subia por suas bochechas. O que se propunha dizer?
—Partirá-te sem me dizer adeus?
Sua mandíbula se esticou diante da sutil acusação de sua voz.
—Acabou, Bela. —As emoções buliam em seu peito. Não estava referindo-se à missão— Já disse tudo que tinha a dizer.
É possível que a dureza de seu tom a tivesse desalentado, no caso que Lachlan se atreveu a ao olhar de Bela.
—Ah sim? —disse deixando a pergunta em suspense antes de acrescentar outra— Quando te vais?
—Logo.
Aquela fria resposta rasgava como uma faca. Por que fazia isso? «Fica… luta.»
—Não quero que vá —exclamou.
Ficou petrificado, com os músculos tão esticados como a corda de um arco. Cravou o olhar nela, duas geladas ranhuras de um verde penetrante.
—Que demônios quer de mim, Bela? —A brutalidade de sua voz a deixou perplexa— Uma relação? Matrimônio?
Bela abriu os olhos de par em par. «Matrimônio.» Era isso o que queria? Ser propriedade de outro homem? Ficar aos pés de outro homem agora que acabavam de libertá-la? Poderia confiar em um homem o suficiente para lhe outorgar esse poder sobre ela? Seu coração começou a pulsar loucamente e já não pôde pensar.
—Não… não sei.
Não tinha se dado conta de que a estava agarrando no braço até que a soltou. Contemplar aquela expressão glacial lhe partia o coração. Parecia ter falhado em uma prova oculta. Estaria doído porque tinha duvidado? Tinha-a pego de surpresa. Nunca tinha exposto seu futuro, e menos um tão permanente. «Tão convencional.»
—Sofreste muito. Não é surpreendente que desenvolva uma dependência por mim. Tentei te advertir. Mas foi minha culpa. Acreditava que poderia agüentar. Mas que gozasse várias vezes comigo, não significa que esteja apaixonada por mim —acrescentou inclinando-se ante ela com uma cruel expressão de brincadeira no rosto.
Bela conteve o fôlego. Tinha a sensação de que acabava de esbofeteá-la. Não, esbofeteá-la não. Algo muito pior. Compadecer-se dela. Rir dela. Por atrever a mostrar interesse por sua pessoa. Por atrever a pensar que era possível contar com ele. Arriscou-se. Havia dito que queria que ficasse e ele jogava em cara.
Suas bochechas avermelharam pela dor e a indignação. Que se fosse ao inferno! Não havia nada que merecesse tal humilhação. Já tinha sofrido suficiente crueldade em sua vida. Merecia algo melhor que aquilo. Merecia alguém que se preocupasse com ela. Durante anos a tinham valorizado somente por seu corpo. E não permitiria que isso voltasse a acontecer. Não podia. Se ele não a queria, se não desejava dar uma oportunidade, então teria que ser assim. Já estava farta de inventar desculpas por ele.
Meteu-se totalmente em seu papel de condessa altiva e se aproximou dele. Tinha passado muitos anos ocultando seus sentimentos, assim era plenamente proprietária deles.
—Amor? —disse com um tom de voz crispado e pretensiosamente divertido— Essa ideia jamais me passou pela cabeça. Nunca poderia amar a uma pessoa como você. O homem ao qual ofereça meu coração será merecedor de meu amor e capaz de responder a ele. Não será um bastardo perverso e desalmado que dá as costas a seu clã, a seus amigos e a seu país. Não me admira que sua mulher te abandonasse. É um…
—Basta! —Lachlan cravou seus olhos nos de Bela e deixou seu bonito rosto nu de sentimentos— Acredito que já disse o suficiente.
Bela ficou com a respiração entrecortada, incapaz de superar a barreira de dor que abrasava seus pulmões. Tinha conseguido. Ao final tinha conseguido feri-lo. Mas aquilo lhe deu muito pouca satisfação quando teve que ver como partia com a sensação de estar rompendo-se por dentro.
Capítulo Dezoito
Castelo do Dunstaffnage, novembro de 1308
—Realmente não quer pensar melhor? —perguntou Bruce a Lachlan olhando-o por cima da taça.
Estavam a sós nos aposentos do senhor do castelo. Embora tivessem passado quatro semanas da última vez que esteve ali, ainda lembrava o desprezo na voz de Bela ao lhe dar o corretivo que tanto merecia. Tinha razão: ela merecia algo melhor. Isso era o que tentara lhe dizer desde o começo.
Matrimônio? Que diabos tinha passado pela sua cabeça para dizer algo assim? Era compreensível que vacilasse. Bela não tinha culpa de que ele pensasse, embora só fosse por um instante que… Grande idiota. A heroína nunca acabava com o pirata. Ela necessitava um herói, não um vilão. Não era de se admirar que rira. Também ele teria feito.
Agarrou sua taça e a bebeu de um gole, mas o uísque mal acalmava a ardência que sentia no peito. Seu olhar se encontrou com o do rei, que estava ao outro lado da mesa. Embora tivesse feito um comentário informal, ele sabia que sua pergunta era tudo, menos isso. Robert Bruce cumpriria sua promessa, sempre que não houvesse alguma forma honrosa de evitar.
Lachlan sorriu mostrando a mesma despreocupação que o rei.
—Não —disse com muita mais segurança de que sentia— Não quero pensar melhor.
Quando partiu, fez com a necessidade de afastar-se dali antes de fazer alguma estupidez. Aquela conversa com Bela o deixou alterado, zangado, com os nervos crispados, incapaz de escapar à sensação de ter cometido o pior erro de sua vida. Supunha-se que esse tempo fora teria que ter esclarecido as idéias. Não tinha sido assim. Mas se poria no caminho assim que Bruce lhe pagasse o resto do dinheiro e assinasse os foros.
Essa era a razão de sua volta. O rei celebraria seu primeiro conselho em Ardchattan depois da festividade de Saint Andrew. Demônios, mas a quem queria enganar? Não tinha retornado por isso. Não precisava ficar ali outra semana. Tinha retornado porque não podia agüentar nem um só dia mais. Tinha que assegurar-se de que ela estava bem. Tinha que averiguar se seu erro foi tão grande como temia. Não porque aquilo fosse a mudar as coisas. Certamente lhe diria que se fosse ao inferno, tal como merecia. Sem dúvida, agora que se encontrava a salvo, seria consciente de que já não o necessitava. Se alguma vez o tinha feito.
Bruce franziu suas escuras sobrancelhas.
—Saiu mais caro que o resgate de um monarca. Espero que faça bom uso do dinheiro.
Lachlan deu de ombros, sem intenção alguma de satisfazer a curiosidade do rei. E tampouco se sentia culpado. Embora soubesse que seus cofres estavam baixos, não demorariam muito em voltar a encher-se.
—Acreditei que seu irmão acabava de voltar do sul.
Edward Bruce, sir James Douglas, Boyd e Seton lideravam um grupo de guerreiros que se encarregara de arrecadar as rendas.
—Sim, mas uma vez mais as coisas andam revoltas em Galloway. Acreditava que tínhamos vencido toda a resistência o ano passado, mas os MacDowell e seus aliados são como erva daninha que se nega a morrer. Mandarei Edward de volta com reforços. —O rei o olhou com atenção— Os MacSween também voltam a causar problemas. Dei ordens a Chefe e a Falcão de preparar aos homens para partir assim que cheguem notícias da Irlanda. Decidi pôr a Falcão no comando da equipe e…
—Falcão? É tão discreto como um macho grande no cio. Conseguirá que matem a todos.
—Só será até que encontremos um substituto. Tinha pensado que talvez meu sobrinho…
—Randolph? —Lachlan não podia acreditar. Sir Thomas Randolph um dos guerreiros de elite da Escócia?— Não podes falar sério. Não tem a menor ideia a respeito de subterfúgios. A maior parte do tempo tem a espada tão metida no traseiro que… —Se obrigou a calar. Renegou e esticou a mandíbula ao perceber do que Bruce tentava fazer. Mas Lachlan não morderia o anzol. Isso não era assunto dele e não permitiria que o enganassem. Tinha tudo que queria ao alcance da mão— Mas estou seguro de que aprenderá —acrescentou com calma.
Bruce fez uma careta com o lábio, mas não seguiu pressionando-o.
—Pensei que viria mais descansado. —Lachlan arqueou uma sobrancelha— Uma vez atendidos esses assuntos pessoais que tinha nas ilhas —acrescentou Bruce enquanto juntava e separava as pontas dos dedos— Embora deva dizer que me surpreende o ver. Não o esperava até a outra semana.
Lachlan não permitiu que sua expressão o delatasse, mas era consciente de que o rei sabia por que tinha retornado.
—Meus planos mudaram.
O rei não se deixou enganar.
—Têm um aspecto horrível. Talvez queiram te lavar e barbear antes de ver lady Isabella.
Lachlan ficou tenso assim que ouviu seu nome.
—E por que ia querer fazer?
Bruce entreabriu os olhos.
—Imagino que fora a Berwick por ela. —O rei deixou a taça de repente sobre a mesa e se inclinou sobre ela, já desvanecido toda pretensão de calma— Maldita seja, Víbora! Acreditei que tinha aprendido a lição. Disse-vos que permanecesse oculto e te afastassem do perigo durante um tempo. O qual não inclui planos de vingança infames, por mais que pareçam infalíveis. Outra vez na maldita Inglaterra?
Lachlan franziu o cenho até esboçar um sorriso ladino.
—Não sei do que está falando.
—Sabe perfeitamente do que estou falando. Não acredito que seja nenhuma coincidência que encontrassem seis homens mortos em um estranho ataque ao castelo de Berwick há algumas semanas, incluindo o que foi carcereiro de Bela, nu, pendurando na jaula em que a encerraram.
Lachlan deu de ombros sem arrependimento.
—Soa a justiça divina.
—Não quer dizer justiça highlander? —disse Bruce com desdém— Mas como demônios fez para que subisse até lá? —O rei ficou em silêncio— Bom, não importa. Acredito que prefiro não saber. —Bruce deu outro gole — Têm sorte de que eu mantenha minha parte do trato.
Dessa vez foi Lachlan quem se inclinou sobre a mesa.
—Do que está falando? Cumpri com minha parte.
—Ah, sim? —Bruce arqueou uma sobrancelha a modo de desafio— Concordamos que contaria com seus serviços durante três anos, o qual significa acatar as ordens. Algo com o que parece ter problemas.
—Não lembro de nenhuma ordem.
Bruce franziu os lábios com raiva.
—Está enchendo minha paciência, Víbora. Deixem-me que expresse de um modo claro: não quero que te aproxime absolutamente à Marches, nem a Inglaterra, durante um tempo. Não porei em perigo as identidades de meus homens por nenhuma razão do mundo. Embora seja muito boa. Entendem-no?
—Meus serviços concluíram —apontou Lachlan.
Não tinha por que aceitar ordens de ninguém.
—Quase concluíram —corrigiu Bruce— A reunião do conselho não acontecerá até próxima semana. —Lachlan esticou a mandíbula— E sigo sendo seu rei. —Bruce se deixou cair na cadeira com o generoso sorriso de quem deixou as coisas claras— Não se preocupe, terá seu dinheiro e sua ilha muito em breve. Embora não me explicasse o que fará com tudo isso, só no meio de nada.
—Nada —respondeu Lachlan.
Essa era a ideia, não? Paz. Solidão. Ninguém ante quem responder. Ninguém de quem responsabilizar-se. Um lugar próprio. Soava a glória. Não era certo?
O peito começou a arder mais. Ela esperaria que ficasse. Que lutasse. Que se entregasse a ela e à causa. Mas ele não acreditava em nada, diabos. Isso era esperar muito. Bela nem tão sequer sabia o que queria dele. Talvez não quisesse nada.
Maldita seja. Por que diabos estava pensando em tudo aquilo?
—Ficará para as bodas do Templário?
—Não sei —disse Lachlan encolhendo os ombros.
—Decepcionará-o se não ficar.
O surpreendente era que Lachlan queria ir à bodas, mas de alguma forma tinha a impressão de que tudo seria mais simples se não o fizesse. O que precisava era fazer borrão e uma vida nova. Ou não?
—E lady Isabella?
Lachlan ficou tenso de maneira quase imperceptível. Quase, mas lhe deu a sensação de que o rei o tinha apreciado. Mesmo assim, não podia controlar a inquietante aceleração de seu pulso.
—Está bem?
—Não está mal —disse o rei esboçando um sorriso sarcástico— Melhor que você, me parece.
—Alegra-me ouvi-lo.
Ao menos deveria lhe alegrar. Mas um pedaço dele esperava que… O que? Que tivesse sofrido tanto como ele?
—Está preocupada com sua filha, claro —acrescentou Bruce.
«Não é meu assunto.»
Entretanto, encontrou-se fazendo uma pergunta.
—Têm previsto enviar uma equipe para resgatá-la?
Bruce negou com a cabeça.
—Não, a garota está a salvo…
Ouviram vozes depois da porta justo antes que esta se abrisse de repente. O coração de Lachlan se deteve no mesmo instante em que reconheceu uma delas.
—Merda —amaldiçoou Bruce entre dentes, pondo voz aos pensamentos de Lachlan.
Era compreensível que ele se mostrasse resistente a vê-la, mas o rei? Lachlan ficou circunspeto, perguntando-se se teria acontecido algo entre eles.
—Robert, eu…
Ao ver Lachlan tremeu como um cervo que descobre seu caçador. Ele se preparou quanto pôde, mas nada bastou para conter a dor que atravessou seu peito ao encontrar-se com seu olhar. Um mês não tinha sido suficiente para esclarecer as idéias. E se dava conta de que nem tão sequer toda uma vida o seria.
Bela sentiu o coração encolher. Tudo parecia extinguir-se em seu corpo: o sangue, as idéias, a voz. Tudo menos seu coração, que pulsava com tanta força que doía.
Não teria que ser tão doloroso quando já tinha transcorrido um mês. Mas assim que voltou a vê-lo suas feridas se abriram imediatamente.
—Retornastes —disse com voz baixa.
Lachlan ficou de pé.
—Para a celebração do conselho.
É obvio. Ela não esperava outra coisa, não era certo? Sentiu uma pontada no peito. Só uma idiota pensaria que tinha mudado de opinião, que não só ela tinha sofrido durante daquelas semanas. Tinha sentindo saudades.
Entretanto, ele parecia mais desalinhado e cansado que nunca. Tinha crescido o cabelo, e uma mecha ondulada e comprida caía sobre sua testa. Os duros e aguçados traços de seu belo rosto pareciam mais afiados, inclusive mais vorazes. Uma barba de várias semanas cobria seu queixo. Embora o mais surpreendente era a capa de pó e sujeira que envolvia seu cotum de couro. Jamais o tinha visto tão sujo. Parecia que acabara de retornar da batalha. Estava claro que voltava para seus hábitos de mercenário.
O que mais a enfurecia era que aquilo aumentava seu atrativo. Não era certo que às mulheres atraíam as armaduras brilhantes? Como ele fazia para transformar a grosseria, a sujeira e a aspereza em algo sedutor? Não importava. Estava farta de bancar a idiota. Ele tinha deixado muito claro seus sentimentos, ou melhor, a falta deles. Tinha-a abandonado. Não gostava o suficiente.
—Eu não o esperava até a semana próxima —acrescentou Robert.
Não teria dado importância a essa informação senão tivesse reparado no acerado olhar que Lachlan dedicava ao rei. O coração deu um tombo. Significava algo aquilo? Teria retornado por ela? Deus, estava fazendo de novo. Procurava significados ocultos quando a verdade estava clara como a água. Acaso não aprenderia alguma vez? Obrigou-se a pensar na carta que levava na mão.
—Sinto os incomodar. Posso esperar lá fora se não tiverem terminado.
—Há algum problema, Bela? —perguntou o rei.
Bela assentiu com os olhos alagados em lágrimas, apesar da presença de Lachlan.
—Sim, é minha filha.
Lachlan avançou para ela.
—O que…?
—Isso é tudo, MacRuairi —disse Robert lhe parando os pés— Mandarei chamar se o necessito. —Dava a impressão de não querer que Lachlan ouvisse o que ela ia dizer. Durante um instante pareceu que Lachlan discutiria. Mas, depois de uma longa pausa, assentiu— Não esqueça o que disse—acrescentou quando dava meia volta para retirar-se.
Lachlan franziu os lábios, saudou o rei com uma leve inclinação de cabeça e dedicou a Bela outra igualmente curta.
—Minha senhora. Eu… —vacilou Lachlan— Podemos falar mais tarde?
Disse aquelas palavras em um tom de promessa, mas ela sabia que não significavam nada. Endireitou as costas e se esforçou por mostrar-se fria.
—Não será necessário. Não acredito que tenhamos algo que nos dizer.
Não queria falar com ele. Inclusive olhá-lo era muito doloroso, e era possível que se visse empurrada a fazer alguma estupidez, como suplicar. Lachlan a olhou atentamente, com as mandíbulas apertadas, e partiu sem proferir nenhuma palavra mais, deixando atrás de si um rastro de dor e saudade.
Bela ficou olhando a porta durante um bom momento, tentando lutar contra a conflagração de emoções que se desatavam em seu interior. A dor era tão forte como a noite em que a tinha abandonado. Tinha que esquecê-lo. Essa parte de sua vida tinha sido concluída. Joan era a única coisa importante. Por que fazia aquilo?
—Bela? —interrompeu-a o rei amavelmente.
Bela se sobressaltou e escapou das asfixiantes garras da melancolia. Sua filha a necessitava, e não permitiria que Robert seguisse a enrolando. Levava semanas evitando lhe responder sobre o reencontro com sua filha. A única vez que discutiram o tema foi quando entregaram uma carta de Margaret fazendo-se passar por Joan. Naquela ocasião acreditou que o coração lhe sairia do peito. A letra era como a de sua filha, mas no fundo Bela sabia que aquelas palavras não podiam vir dela: «Cortamos nossa comunicação. Não voltem a te pôr em contato comigo. Fique onde estás». Esta última frase parecia uma advertência.
Bela esticou os ombros e olhou ao rei diretamente aos olhos.
—Tenho que voltar para Berwick.
Bruce ficou franzindo seu espesso sobrecenho. Apesar de tudo, não se negou imediatamente.
—Por que?
Bela lhe mostrou a última missiva de Margaret. A tinha entregue pessoalmente sua mãe, que tinha chegado uns dias antes ao inteirar da volta secreta de Bela. Por mais contente que estivesse de vê-la, as notícias que levava a deixaram em um estado de pânico.
—É de Margaret —explicou— Joan, sua prima, e seu tio, William Comyn, viajarão a Berwick para me visitar no convento, quer dizer, a Margaret. Estiveram com lady Isabel de Beaumont no castelo de Bamburgh e passarão por Berwick antes de retornar ao sul. Se olhares a data verá que as esperam no final da semana.
Não restava muito tempo.
Robert franziu ainda mais o sobrecenho.
—Isso não tem nenhum sentido —disse como para si mesmo.
—Não, se der crédito à primeira carta. —Bela nunca o fez— Algo não vai bem.
Não sabia como explicar. Simplesmente o sentia nos ossos. Sua filha estava em perigo.
Robert agarrou a carta e examinou seu conteúdo. Ao acabar de lê-la parecia mais perplexo que preocupado. Deixou a carta sobre a mesa e olhou a Bela.
—Sei o que está pensando, mas é impossível. Não pode se arriscar a ir ao convento.
—Tenho que fazer —insistiu— Se Joan e seu tio visitam Berwick todos saberão que escapei. William Comyn sabe que aspecto tenho. Margaret não poderá enganá-lo, e a vida de Joan correrá perigo.
Robert negou com a cabeça.
—É muito perigoso. Ninguém fará mal a sua filha.
—Não podes estar seguro disso.
O rei parecia estar em um dilema. Fez uma pausa e escolheu as palavras com supremo cuidado.
—Estão vigiando Joan.
Bela abriu os olhos de par em par.
—Quem? Por que não me disse?
—Não te posso contar isso. Terá que confiar em mim. Mas lhes asseguro que ao primeiro indício de perigo saberei.
—E o que acontecerá se não der tempo? O que acontecerá se descobrem que parti e decidem fazer mal a Joan, ou colocá-la na prisão imediatamente? —Bela se inclinou para agarrar sua mão e se ajoelhou junto a ele— O rogo isso, Robert, se não me ajudares a entrar no convento, mande ao menos a alguns homens para que a resgatem antes que a verdade venha a tona.
O rei a olhou com expressão afligida.
—Sinto muito, Bela. Oxalá pudesse te ajudar, mas é impossível. Ao menos, por agora. Estamos muito perto de conseguir que libertem a Mary. Não posso me arriscar a fazer algo que o desbarate. Com tão pouca informação, não. Mas te juro que assim que qualquer problema seja detectado farei quanto possa para proteger a segurança de sua filha. Até então terá que ser paciente.
—Levo três anos sendo paciente —disse Bela em voz baixa.
Era um aviso, o primeiro que o fazia, pelo que tinha sacrificado por ele.
Suas palavras toparam com a tristeza do olhar do rei.
—Sei melhor que ninguém quanto sacrificastes por mim, Bela. E quão dura é a espera. Não passa um dia sem que tenha saudades de minha esposa, minha filha e minhas irmãs. Agüentem só um pouco mais —disse lhe apertando a mão— Esta guerra não pode durar para sempre.
Soou como se tentasse convencê-la a ela tanto como a si mesmo.
Bela assentiu, mas estava obrigada a fazer algo. Robert tinha uma coroa e um país no que pensar, mas ela só tinha a sua filha. Se ele não podia ajudá-la, encontraria a alguém que o fizesse. Alguém que pudesse colocá-la e a tirar desse convento sem ser vista. O estômago lhe revolveu, consciente de quem era a pessoa mais adequada para isso: Lachlan. Não restava dúvida de que sua habilidade para entrar e sair de qualquer lugar foi o que seduziu a Bruce, tanto como para estar disposto a pagar por lutar em seu grupo de guerreiros de elite. A ideia de rebaixar-se a lhe pedir algo depois do acontecido entre ambos ia contra todas e cada uma das fibras de seu corpo. Mas apertaria os dentes, suportaria o mau gole e o faria. Por sua filha seria capaz de engolir seu orgulho. Por sua filha seria capaz de vender sua alma ao diabo se fosse necessário. Só esperava que não tivesse que chegar a esse ponto.
Lachlan MacRuairi ficava literalmente intragável quando se embebedava, mas como a maior parte do tempo parecia ser suficiente, não estava acostumado a afogar-se em uma jarra cheia de uísque. Aquela noite, não obstante, fez uma exceção. Bela inspirava nele todo tipo de emoções ingratas, maldição, e precisava embebedar-se quanto antes para esquecer-se disso. Não queria vê-lo. Não queria falar com ele. Pois claro que não. Era compreensível que reagisse com frieza. Era a resposta que ele esperava, não? Obviamente era o mínimo que merecia.
Quando viu que a bebida não funcionava, dedicou-se a procurar briga. A bebida e a briga sempre foram unidas. Foi Gordon quem acabou levando-o da mesa antes que pudesse fazer muito dano.
—Víbora, que demônios tenta demonstrar? Quer que matem os três? Conseguiste alterar inclusive a Falcão.
—Certamente ao casar terá perdido o senso de humor, além dos ovos —murmurou Lachlan— A todos acontece o mesmo.
Gordon o tirou do botequim aos trancos para que tomasse o ar da noite. Estavam no mais cru do inverno, e a neblina gelada foi como uma bofetada que lhe tirou da bebedeira de repente. Ou talvez não estivesse tão bêbado como quisesse estar. Nem tropeçou, nem cambaleou, nem fez isso quando Gordon o acompanhou pelo barmkin na penumbra para chegar aos barracões. Maldita seja, tinha a cabeça muito limpa.
Em sua memória perdurava a imagem de Bela, sentada no estrado, sem olhá-lo nenhuma só vez durante a refeição. «Acabou.» «Liquidado.» Perceber que aquilo era definitivo supôs um murro nas vísceras, que o removiam sem piedade alguma. Isso era o que ele queria, não?
«Engano.»
—Porra, se tivesse falado assim de minha esposa, não acredito que tivesse sido capaz de me controlar tanto.
Lachlan contemplou ao Gordon erguendo uma sobrancelha com indiferença.
—Ainda não pensaste melhor? Não falta muito para que te joguem o laço.
Uma estranha expressão sulcou o rosto de Gordon até que a fez desaparecer com um sorriso.
—Já é um pouco tarde para isso, porque minha esposa chegará qualquer dia destes.
Lachlan pensou dizer algo, mas mordeu a língua, fazendo uso de uma incomum contenção. A relação que houvesse entre MacKay e a prometida de Gordon não era de sua incumbência. Se MacKay era muito teimoso para falar, era culpa dele e de ninguém mais. Teria que viver com as consequências.
Tal como teria que fazer ele mesmo. Apertou os dentes. Fazia o certo, demônios. Era a única alternativa. Mas não parecia adequado.
—Está bem? —perguntou Gordon— Não tem muito bom aspecto.
Lachlan afastou a mão que lhe oferecia para que mantivesse o equilíbrio.
—Dói-me a cabeça.
—Não me surpreende —disse Gordon entre risadas—, com a quantidade de uísque que bebeste esta noite. Serviu de algo? —perguntou já mais sério.
Se fosse outro que tivesse perguntado, teria se feito de parvo e o teria mandado as favas. Mas apesar do empenho que Lachlan punha, era muito difícil que William Gordon caísse mal a alguém.
—Não.
—Posso fazer algo que sirva de ajuda?
Lachlan negou com a cabeça. As coisas se torceram tanto entre Bela e ele que não havia forma das desembaraçar, embora quisesse. Tinha deixado muito claro que não havia futuro possível para eles. O único que o ajudaria seria partir dali quanto antes. Antes que pudesse fazer mais dano a qualquer um dos dois.
—Nada que não possa curar com um bom mergulho de cabeça no lago —respondeu.
Gordon negou com a cabeça.
—Aos ilhéus deve lhes arder muito o sangue viking nas veias. Isso, ou são meio loucos, porque eu não entendo como alguém pode querer tomar banho no lago com um tempo assim. Não ouviste falar alguma vez de uma boa banheira quente junto ao fogo?
—As banheiras são para as mulheres —respondeu Lachlan.
Surpreendeu-se sorrindo ao ir recolher suas coisas. Mas esse bom humor não durou muito.
Estava sentado sobre um esquife que sem dúvida já tinha rendido seus melhores serviços. Acabava de tirar botas e de por uma manta aos ombros quando ouviu que alguém se aproximava. Ficou tenso, pressentindo sua chegada mesmo antes de voltar-se para distingui-la entre as penumbras que jogava a lua. Esse não era o lugar de Bela. Aquele lugar despertava muitas más lembranças para ele. A última vez que estivera ali a sós com uma mulher, esta tinha acabado morta. Era estranho que pudesse pensar nisso sem emoção alguma.
Percebeu que Bela tinha bom aspecto. Aquelas semanas em Dunstaffnage tinham apagado todas as sequelas de seu cativeiro. Aquele rosto pálido e cansado tinha dado lugar a bochechas rosadas e um rosto mais cheio.
—William me disse onde te encontrar. —«Uma grande ajuda de sua parte», pensou Lachlan— Tenho que falar contigo.
Bela, tiritando entre aquela fosca bruma, ajustou a capa forrada de pele com a que se cobria. Lachlan sentia falta das meias. As roupas de moço tinham chegado a lhe convencer de que não havia tanta diferença entre ambos, e vê-la vestida com seus melhores ornamentos não fazia mais que aumentar a distância.
O pirata e a princesa. O mercenário e a heroína.
—Agora não, Bela.
Ali não. Não naquele lugar em que tinha perdido sua alma.
—Por favor —insistiu ela— É importante e não posso postergar.
Teria que ter se levantado para partir dali, mas tal como demonstrava uma e outra vez, atuava como um descerebrado no concernente a Bela MacDuff.
Voltou a estremecer-se, e Lachlan teve que apertar os punhos com força para não envolvê-la com seus braços. Tinha frio, maldita seja. Não suportava vê-la com frio, sabendo que a lembrava do inferno pelo qual tinha passado.
—Está bem —disse com aborrecimento— Mas falaremos ali dentro —acrescentou assinalando o edifício de madeira que tinha albergado os birlinns mais apreciados dos MacDougall e nesse momento atendia aos do rei.
Lachlan se levantou do bote, agarrou a tocha que tinha levado consigo e correu pela areia até chegar ao armazém. Seu interior estava completamente às escuras, frio e úmido, mas ao menos resguardava do vento e dessa neblina que impregnava até os ossos. Colocou a tocha em um suporte metálico, cruzou os braços por fazer algo com eles e se voltou para Bela.
—E bem?
Bela mordeu o lábio e Lachlan amaldiçoou que houvesse luz. Embora a escuridão tampouco tivesse ajudado. Seguiria tendo que lutar contra o resto de seus sentidos. Sua embriagadora fragrância o rodeava. O doce assobio de sua respiração golpeava com força em seus ouvidos. Cada um de seus músculos, até a última fibra de seu corpo, mostrava-se receptivo a ela.
—Necessito sua ajuda.
Assombrou-lhe tanto ouvir aquelas palavras que necessitou um minuto para processar toda a informação que Bela relatava. Mas uma vez que disse tudo se desvaneceram o orgulho e a felicidade que tinha ao pensar que ia a seu encontro porque acreditava nele, porque gozava de sua confiança e o apreciava.
Um espadachim pago. Um homem sem lealdade. Por isso tinha ido a ele. Assim era como o via. Nisso se converteu. Isso era quanto significava para ela. E odiava isso.
—Então vem para mim porque o rei rechaçou sua proposta e acredita que eu atuarei contra suas ordens? Sinto muito, Bela —disse negando com a cabeça— Sei que está assustada por sua filha, mas o rei tem razão. É muito perigoso.
Apesar de que lutasse por manter o controle, Lachlan percebeu que o medo e o desespero transformavam suas feições, transtornada pela emoção. Estava claro que fazia quanto podia para não discutir com ele, mas era difícil.
—Venho a ti porque é o único homem que pode me ajudar. Porque tens a habilidade necessária para me fazer entrar e sair do convento sem que ninguém me veja. Venho a ti porque sabe quão importante isto é para mim. Venho a ti porque me deve —acrescentou isso olhando-o nos olhos— Tem que me devolver minha filha.
A ponta dessa flecha o acertou diretamente no peito e o deixou sem respiração. Sua decisão a separou de sua filha e ela jamais tinha esquecido. Tampouco ele o tinha feito. Fosse merecido ou não, aquilo fazia que remoesse a consciência.
Lachlan se obrigou a esboçar um sorriso irônico.
—Mudaste, Bela. Aprendeste a brigar sujo.
Bela inspirou profundamente, como se o mesmo ato lhe resultasse doloroso, e depois ergueu o queixo.
—Aprendi com o melhor.
Sim, tinha feito.
—Paguei minha dívida ao te tirar daquela prisão —disse avançando para ela e tentando controlar as ardentes emoções que percorriam suas veias— Estiveram a ponto de me encarcerar por ti. É que isso não basta? Quer ver como me encadeiam ao poste de tortura?
Bruce tinha razão: cada vez que saía das Highlands enfrentavam a um perigoso jogo de probabilidades.
Bela deixou cair a máscara de contenção e as lágrimas começaram a correr por suas bochechas.
—Rogo-lhe isso, Lachlan. Já sei o que te estou pedindo, mas se não fazer algo descobrirão que escapei e Joan pagará. —Ele se acreditava imune às súplicas se desesperadas. Enganara-se. Com ela nunca seria imune— Não posso deixar a ali sem mais e abandoná-la à piedade de homens que carecem totalmente dela. Juro-te que jamais ouvirá uma queixa de minha boca. Farei tudo que diga. Por favor, Lachlan. Suplico-lhe isso. Necessito-te.
«Necessito-te.» Aquela palavras ardiam. Faziam rachadura nele. Penetravam. Ameaçavam, fazendo cambalear sua resolução. Jamais quisera conceder algo com tanta vontade como naquele momento. Teria vendido sua alma por ajudá-la. Mas já fazia tempo que a tinha perdido.
Se fazia o que ela pedia e aceitava essa perigosa missão, o rei iria às nuvens. Poria em perigo o dinheiro e as terras que lhe devia. Arriscaria tudo aquilo pelo qual tinha lutado, tudo que queria. Mas não era isso tudo o que queria. Esse era o problema. Queria a ela, e lhe parecia impossível que ela chegasse a querê-lo algum dia.
Ao olhar aqueles olhos que o escrutinavam de cima abaixo com tanta melancolia e confiança sentiu que algo se rompia em seu interior. Sua vontade estava cedendo.
—Bela, eu… —Se deteve. «Não.» Não podia permitir que suas decisões dependessem do desejo que sentia por uma mulher— Não posso —concluiu.
A sensual e luxuriosa boca de Bela se torceu em uma careta de raiva.
—Quer dizer que não quer!
Lachlan a agarrou pelo braço para evitar que desse meia-volta e o deixasse plantado.
—Não, significa que não posso. Não poderei até que Bruce celebre seu primeiro conselho.
—Mas então será muito tarde! —exclamou com uma voz tingida de histeria— Temos que sair esta noite. Amanhã pela manhã já é muito tarde. Pode ser que não consigamos nem cavalgando de dia e de noite. —Lachlan ouviu como Bela tomava ar apressadamente e apreciou como mudava sua expressão ao entender a cruel realidade de suas palavras— É obvio! Na reunião será quando Robert te outorgue a recompensa. —O desprezo, o asco que mostrava seu rosto, carcomia sua determinação como um ácido— Dinheiro. Isso é tudo que te importou desde o começo.
Tinha que explicar. Tinha que lhe explicar por que aquilo era tão importante para ele. Por que não podia arriscar-se. Queria ajudá-la, maldita seja, mas não podia. Não, se com isso destroçava o quanto ficava de sua honra. Havia pessoas que contavam com ele.
—Maldita seja, Bela. Não é isso o único que me importa. Não compreende.
—Compreendo-o perfeitamente. Quanto fará falta, Lachlan? Darei-te todas minhas posses, embora esteja segura de que não igualará a recompensa do rei. Com a maioria das terras de meu marido distribuídas entre os homens de Robert e a impossibilidade de reclamar as minhas da clandestinidade, temo que esteja obrigada a confiar na graça do rei. Mas quando recuperar minhas terras…
Lachlan a sacudiu com força contra ele, completamente fora de si.
—Não quero suas malditas terras, nem seu dinheiro!
Seus olhos azuis se encontraram com os dele, brilhando com uma fúria ameaçadora.
—Então o que quer?
Apertou-a contra si com mais força. Seu corpo se esticou ao contato. A batalha rugia em seu interior. O que ele acreditava que queria. O que queria realmente. O que podia obter. Todo isso se concentrou em seu interior e deu lugar a um combate de violentas emoções que não foi capaz de conter durante mais tempo.
«A ti. Quero a ti.» Mas não sabia como dizer, como expressar seus sentimentos com palavras, como fazer.
E então tudo se transformou em um inferno.
Capítulo Dezenove
—Eu sei o que quer —disse Bela movendo os quadris indecorosamente contra seu membro ereto— Alguma vez quiseste mais que isso, verdade? Deus, segue como sempre! —acrescentou pondo uma mão sobre seu avultado pau— Se não querer meu dinheiro, o que te pareceria meu corpo?
Uma explosão de calor subiu por seu ventre. Aquela insensata raiva fazia dela a criatura mais sedutora e irresistível que Lachlan tivesse visto.
—Não siga, Bela. —Tentou apartá-la, mas o tinha bem agarrado— Não é isso o que quero.
Bela riu com desdém, sustentou firmemente em sua mão a rigidez que provava o contrário e começou a acariciá-lo de cima abaixo.
—E minha boca? Será capaz de te convencer? —perguntou inclinando-se sobre ele, ao mesmo tempo em que lambia o lábio inferior como uma gata no cio.
O tinha bem castigado. Ele mesmo havia dito que unicamente interessava uma coisa dela, só que naquela ocasião mentia e estava claro que na presente ocasião, não era isso o que procurava. Bom, ao menos não dessa forma.
—Não, maldita seja… —Lachlan ficou gelado quando viu que ficava de joelhos e começava a lhe desatar os laços como uma possessa— Por Deus, Bela, te detenha! Não faça isso!
Mas seus protestos diminuíam diante do efeito produzido por aquela mão que o acariciava e espremia com um descaramento nunca antes mostrado. «Isto está errado.» A consciência ardia em sua cabeça como a trêmula chama de uma vela. Devia afastá-la. «Está errado.» Mas Deus, sentia-se tão bem… Tinha uma forma de tocá-lo que o fazia bramar de prazer. O calor subia por seu pau, e este palpitava, inchava-se, estremecia-se. «Está errado.» Lachlan lhe agarrou a mão e pôs um brusco final a seu sensual movimento.
—Maldita seja, Bela. Já basta!
Ela ficou olhando-o de baixo com seus dourados cabelos que à luz da tocha pareciam um alvoroçado halo radiante, e se desembaraçou de sua mão com um forte puxão. A tentação era tão grande que tinha todos os músculos tensos. Aquele olhar rasgado de olhos felinos, sua sensual e carnuda boca a tão poucos centímetros… Bela entreabriu os lábios. Lachlan antecipou o que ela estava a ponto de fazer e sentiu uma corrente de calor atravessando seu corpo até palpitar na ponta de seu membro. Tinha sonhado com esse momento. Pode ser que fosse errado, mas… Bela pousou sua língua sobre ele. Por Deus bendito, acabava de tirar sua pequena e rosada língua e o estava lambendo. Sentiu uma onda de puro prazer que fez que seus joelhos fraquejassem e tivesse que agarrar-se a um poste de madeira. Era uma sensação tórrida como jamais tinha imaginado. E ao que parecia não pôde evitar de proferir algum som, porque os lábios de Bela se curvaram lentamente em um sensual sorriso.
—Já disse que farei—disse ela lhe sustentando o olhar enquanto rodeava seu pau com aquela diminuta mão.
O coração de Lachlan parou, ficou sem respiração e lhe esticaram todos os músculos ao ver que aproximava a boca pouco a pouco.
«Que não o faça. OH, Deus…»
Bela o meteu na boca. No mais profundo de sua cálida boca. Seus rosados lábios o envolviam com fruição. Era o mais erótico que tinha visto. Suas fantasias mais escuras se faziam realidade.
Sabia que devia afastá-la. O teria feito se fosse a metade de homem do que Bela necessitava. Mas todo protesto se diluiu ao chegar ao estado de inconsciência que procurava a sublimação dos sentidos.
Possuía-o sem piedade, implacavelmente, calculando cada um dos movimentos para pô-lo a seus pés. Seus lábios sugavam com calidez até levá-lo às profundezas cavernosas de sua ardente boca. Rodeava-lhe a ponta do pau com a língua em adoráveis movimentos circulares, ao mesmo tempo em que o sacudia com delicadeza e suavidade a base, aquilo era incrível. Esmagante. Bela sabia a maneira exata de lambê-lo, a maneira justa de chupar para deixá-lo louco de prazer. Como teria aprendido…?
«Diabos.» Já sabia como. Seu odioso marido.
De repente Lachlan ficou completamente quieto e retrocedeu. Estava certo que seria capaz de encontrar a força necessária para detê-la, mas Bela o agarrou pelas nádegas e introduziu seu membro até o fundo. E chupou com mais gana. E mais rápido. Espremia toda sua virilidade com a língua e os lábios. Não lhe dava trégua. Lachlan notou como a pressão começava a acumular-se no princípio das costas. As sensações eram muito intensas. Não podia agüentar. Tinha-o preso ali mesmo. Era um prazer tão intenso que ninguém poderia obrigá-lo a parar.
Agarrou-a pela nuca e agüentou sua cabeça enquanto gozava no fundo da garganta e emitia um feroz rugido de satisfação. «Jesus!”“. Deus! Sim!» Os espasmos foram esvaziando-o um atrás do outro. Bela não o tirou da boca até espremer a última gota.
Mas aí acabou tudo. A paixão se dissolveu tão rápido como tinha chegado, deixando-o frio e vazio como o aposento em que se encontravam. Bela afastou as mãos de seu traseiro e assim que lhe permitiu separar do quente e úmido abraço de sua boca, o ar gelado o esbofeteou com toda sua força. A magnitude do ato que acabava de protagonizar o golpeava de maneira desumana. Sentia-se mau. Estava tão envergonhado que sequer podia olhá-la.
Honra? Carecia completamente disso. Tinha permitido que se comportasse como uma puta, dando prova cabal de que ela acertava ao pensar mal de sua pessoa. Tinha submetido à única mulher que se preocupava com ele e a tinha convencido de que não queria mais do que isso dela. Tinha jogado por terra qualquer oportunidade que oferecesse sua volta. Mas a verdade, muito mais amarga que todo isso, afundava-se em suas vísceras como uma pedra na água. Até que não se viu sumido nas profundezas abissais da depravação não foi capaz de reconhecê-lo: «A amo».
A massa de emoções confusas que o atormentava desde o começo cristalizava agora, ao tomar plena consciência de um sentimento que sempre tinha negado e que lhe inspirava o maior dos desprezos.
A fome. O desejo. A violenta intensidade de emoções. A necessidade de protegê-la. Esse assustador desejo de fazê-la feliz. Esse suplício.
Não era simples luxúria. Jamais tinha sido. Amava-a e tinha lutado contra isso desde o começo porque lhe dava pavor pensar que seu amor não seria correspondido. E a partir desse momento assim seria.
Lachlan baixou o olhar procurando seus olhos e encontrou neles um horror idêntico ao dele. E o que era pior, uma dor descarnada e uma profunda decepção. Ao cabo de uns instantes pareceu que se abria um buraco em seu coração. Jamais detestou nada tanto como se detestou a si mesmo naquele instante ao perceber o que tinha feito.
—Farei —disse com frieza.
Não podia negar, embora soubesse que perderia tudo. Devia isso a ela.
Por Deus santo, mas o que tinha feito? Suas bochechas se ruborizaram de vergonha. Era consciente de que o estava perdendo. De que não mudaria de opinião. Estava tão assustada e desesperada que recorreu à única arma que tinha jurado não usar, nunca. Tinha utilizado seu corpo, as habilidades forjadas graças à crueldade de seu marido, para dobra-lo a sua vontade. Tinha convertido em vergonhoso, algo que podia ser maravilhoso. Aproveitou-se da libido de Lachlan para conseguir o que queria dele.
Comportou-se como uma puta.
E pior ainda, ele não a tinha detido. Como o tinha permitido? Ela acreditava que… Acreditava que entre eles havia algo especial. Mas ele não era em nada diferente do resto. Lachlan era como todos outros. Quão único queria dela era seu corpo. Bela não tinha feito mais que demonstrá-lo. Nem tão sequer se atrevia a olhá-la. Não podia culpá-lo. Que aceitasse acompanhá-la supunha um consolo menor. Fazia todo o necessário para proteger sua filha, mas com isso também turvava sua relação. A frieza da expressão de Lachlan se correspondia com o tom de voz.
—Recolhe suas coisas e encontre comigo aqui dentro de uma hora.
—Mas…
Bela se retorcia por dentro. Devia dizer algo, mas o que? Nada do que dissesse faria esquecer o que acabava de fazer. Ele permaneceu ali plantado com total rigidez, sem sentir seu desassossego, ou talvez o ignorando por completo.
—Terá que te apressar se tivermos que sair antes que fechem as portas para a noite. Desculpa sua ausência de algum modo, se for possível. Algo que possa atrasá-los. —Lachlan observou os botes que havia a seu redor e pareceu pensar em voz alta— Teremos que ir a cavalo. Seria incapaz de obter um barco sem nenhum tripulante de apoio.
Bela o olhou com preocupação.
—Acredita que o rei mandará a alguém para nos deter?
—Pode ser—respondeu Lachlan encolhendo os ombros— Adivinhará para onde vamos e não lhe fará graça que desobedeçamos suas ordens.
Bela mordeu o lábio. O peso da consciência voltava a lutar contra seus instintos maternais. Tinha que assegurar-se de que sua filha estava a salvo, mas sabia o que custaria a ele.
—Lachlan, sinto muito. Oxalá houvesse outra alternativa…
—Vá —disse interrompendo suas palavras. Já não era momento para desculpas. Tinha-o obrigado a atacar essa missão infame e teria que lidar com as consequências— Não resta muito tempo.
Bela detestava ter que mentir a lady Anna, a jovem e doce esposa de sir Arthur, que a tinha tratado como uma amiga desde o começo, mas lhe dizer que estava doente e que não a incomodasse ninguém salvo sua mãe, lhes fez ganhar um pouco de tempo. Sua mãe, reconhecendo o perigo em que se encontrava Joan, aceitou o plano a contra gosto.
Cavalgaram quase dois dias completos de uma vez, detendo-se só para mudar de cavalos e atender às necessidades básicas ali onde podiam fazer. O vazio e a dor de seu peito, assim como a distância que havia entre ambos, aumentavam a cada quilômetro percorrido. Bela queria fazer uma aproximação, mas não sabia como. Ele parecia tão distante e esquivo… Seu olhar tinha uma expressão vazia quando se dirigia a ela.
Nunca o tinha visto assim. Em parte desejava que voltasse a descarregar sua ira sobre ela. Ao menos aquilo ela entendia e era algo contra o que podia defender-se. Mas aquele silêncio glacial era tão impróprio dele que não sabia como reagir. Desestabilizava-a, e confirmava o temor a que sua relação havia se quebrado de maneira irrecuperável.
Mas se o silêncio era doloroso, as tentativas forçadas de conversação eram pior inclusive. Parecia que a única maneira de romper o silêncio fosse comentar os marcos do caminho e lhe fazer repetir uma e outra vez a direção de uma casa segura no Berwick se por acaso ocorresse o pior.
Era como se a estivesse preparando para algo. Estavam sós, e entretanto, nunca antes tinham sentido tão distantes. Era óbvio que Lachlan teria preferido estar em qualquer outro lugar que ali com ela. Aproveitava cada oportunidade que tinha para sair a caçar, e depois voltava com mais codornas, faisões e perdizes dos que era possível comer. Estava evitando-a ou teria tudo aquilo um sentido diferente?
Ao final, o desconforto foi insuportável para Bela. Lachlan ordenou um lugar para dormir na terceira noite embora fosse umas poucas horas, e Bela soube que devia tentar romper aquele opressivo silêncio. Tinha que lhe dizer que detestava o ocorrido tanto como ele. Que tinha se enganado ao fazer aquilo. Que nem tão sequer depois do acontecido queria que partisse. Que se importava com ele.
Pode ser que seus sentimentos não fossem correspondidos, mas ao menos teria que dizer o que sentia. Acreditou que daria tempo de fazer. Foi se lavar junto ao leito do gelado rio e o deixou ali recolhendo rododendros. Mas ao retornar de fazer suas necessidades e lavar-se o melhor que pôde, viu a urze amontoado em uma pilha e que ele se fora.
Quase tinha anoitecido quando Lachlan apareceu no pequeno claro em que acampariam para passar a noite. Tinham tido muita sorte de que não chovesse nem nevasse as duas noites anteriores, mas percebia a umidade do ar e sabia que se formava uma tormenta. Uma tormenta de gelo. Aquela viagem calamitosa tinha reflexos de converter-se em uma calamidade maior. Embora Bela não tivesse aberto a boca para queixar-se, não por isso pensava fazê-la cavalgar sob uma nevasca. Teriam que deter-se para descansar em qualquer momento, e por que não fazer nessa mesma noite. Tinha também a esperança de que a tormenta atrasasse seus possíveis perseguidores. Mas sabia que se seus companheiros da Guarda dos Highlanders —Bruce não mandaria a nenhum outro para buscá-los— viajariam de navio e era provável que os tivessem passado. Ao menos tinham conseguido atravessar as colinas antes que mudasse o tempo. Mas embora tivessem deixado para trás o terreno mais dificultoso da viagem, abandonar as Highlands significava entrar no mais arriscado. As guarnições inglesas controlavam a maior parte dos castelos de ali até Berwick, e para ter possibilidades de chegar a tempo ao convento era obrigado atravessar a estrada principal, o qual aumentava o perigo.
Lachlan decidiu parar em um antigo baluarte conhecido como Doune, justo ao norte de Stirling. O forte estava em ruínas, mas seus muros bastariam para cobri-los durante da noite. Além disso, estava situado em um pequeno promontório, que oferecia uma boa perspectiva de qualquer coisa que tentasse aproximar-se. Examinou com presteza os arredores da arruinada fortaleza de pedra e madeira. Era inóspita. Desolada. Frente à avermelhada ladeira da colina coberta de urze se divisavam as águas pardas do rio. A paisagem era tão fria, úmida e ameaçadora como o céu. Mas não era de todo mal, e Lachlan esperava que dificultasse a aparição de companhias indesejáveis.
Ficou caçando mais tempo de que pretendia. Os animais também sentiram a tormenta, mas ao menos conseguiu apanhar uma pequena lebre. Talvez Bela gostasse mais que as aves. Tinha recolhido suficiente lenha para cozinhá-la e mantê-los quentes durante toda noite.
Quando ele partiu Bela estava lavando-se e cuidou de não incomodá-la. Diabos, mal podia olhar seu rosto sem sentir a pontada de vergonha que retorcia suas vísceras. Tinha que tentar desculpar-se quanto antes, embora soubesse que ela jamais poderia o perdoar. A tensão entre ambos se tornara insuportável. Não sabia como falar com ela. Tudo que parecia poder dizer eram bobagens a respeito dos caminhos. Suas tentativas de lhe mostrar quão arrependido estava tampouco foram muito melhor. Quando ofereceu a fileira de pássaros que tinha caçado para ela o olhou virtualmente como se estivesse louco. E logo os rododendros que tinha recolhido para que dormisse sobre algo brando —isso gostava às mulheres, não era certo?— estavam infestados de escaravelhos.
Deu o assobio que anunciava sua chegada e ficou paralisado quando em lugar de uma resposta ouviu um soluço. Acelerou-lhe o pulso e todos seus sentidos ficaram em alerta.
«Bela!»
Atirou ao chão a lebre e a lenha e percorreu apressadamente os poucos passos que ficavam até o pequeno recinto de pedras com o coração na mão. O frio e úmido ar o açoitou assim que passou a cabeça pelo sob o batente. Estava tão escuro que ao princípio não a viu. Seguiu o soluço até o canto traseiro do pequeno aposento. Pedaços de pedras soltas rangiam sob seus pés. Encontrou-a feita um novelo, apoiada contra a parede, abraçando as pernas e com a cabeça escondida entre os joelhos.
Correu para ela e se ajoelhou a seu lado.
—Céu santo, Bela! O que aconteceu?
Bela levantou a cabeça e piscou ao vê-lo, como se acabasse de perceber sua presença. Lachlan escrutinou seu rosto com o olhar. Felizmente não parecia sofrer danos.
—Eu… retornei… e… não não… não estava —conseguiu dizer entre amargos soluços.
Lachlan sentiu que parte da pressão que sentia no peito começava a aliviar-se. Esticou o braço e a agarrou pelo queixo, inclinando sua cabeça para que o olhasse.
—Moça tola. Não pensou que ia abandonar-te, verdade?
Parecia tão desventurada que lhe partiu o coração. Morria por tomá-la entre seus braços, mas não queria piorar as coisas.
—Sim. Não —disse, piscando de novo e lhe lançando um olhar acusador— Já o fez.
Não se referia há esse dia, e sim há um mês antes daquilo. «Quis fazer.»
—Importou-te?
Um novo mar de lágrimas se derramou por suas bochechas, mas o olhava com uma mescla de exasperação e indignação.
—Pois claro que me importou —respondeu, engasgando-se justo antes de acrescentar entre dentes algo que soou como «pedaço de asno».
Lachlan sorriu. Inclusive afogando-se em pranto Bela seguia fiel a seu caráter. Ao diabo contudo. Já estava farto de lutar contra isso. Uma só possibilidade entre um milhão de que acontecesse algo entre ambos era suficiente para arriscar-se. Pela primeira vez em muito tempo Lachlan via as coisas claras.
Tomou-a entre seus braços com delicadeza, completamente certo de que ela o separaria de si, mas ao ver que isto não ocorria uma faísca de esperança se acendeu em seu interior.
—Não penso em voltar a te abandonar. Nunca.
Acariciou-lhe a cabeça e deixou que chorasse contra seu peito.
Bela ergueu o olhar, ao que parecia percebendo o que acabava de dizer.
—Não… não irá embora?
Parecia tão assombrada que não pôde reprimir um sorriso.
—Não, a não ser que deseje que o faça —disse negando com a cabeça. Embalou-a em seus braços enquanto tentava encontrar as palavras precisas para convencê-la. Dedicaria o resto da vida a compensá-la, se ela permitisse— Já sei que sou um cavalo. Sei que te tenho feito mal. Sei que não sou digno de ti, mas, por isso eu digo…
«Diabos.» Nunca antes havia dito isso a alguém, de modo que não era fácil encontrar as palavras. Seu coração pulsava com força, mas se obrigou a continuar. Já não havia volta atrás. Podia rir em sua cara e amassar seu coração sob seu pequeno salto se era o que queria, merecia isso e mais, mas ao menos poderia dizer o que sentia. Lachlan respirou fundo e soltou de repente.
—Amo-te.
Notou que Bela ficava sem respiração e amolecia entre seus braços. Durante um momento que pareceu interminável permaneceu olhando-o fixamente sem dizer uma palavra. Nunca antes havia se sentido tão vulnerável. Seu coração parecia um martelo que golpeava seu peito com implacável força. Justo quando pensava que não poderia agüentar um só momento mais sem morrer de vergonha, ela perguntou com voz vacilante: —Ama-me?
Bela conseguiu aglutinar tanto inquietação como cepticismo na inflexão de sua voz. Não a culpava. Nem tão sequer ele se sentia muito cômodo com a ideia. Que diabos sabia ele sobre o amor? Não esperava que se jogasse contra seus braços e lhe jurasse amor eterno, porque estava claro que tinha estragado todo o carinho que ela poderia lhe ter, mas doía perceber de quantos motivos tinha para mostrar-se receosa. Tinha-lhe feito tanto mal e temia que voltasse a fazer.
—Sei que não atuei como se te amasse.
—Não, não o tem feito —aceitou ela com muita presteza— Por que acreditaria?
Era de imaginar que não poria as coisas fáceis. Mas Lachlan tinha cavado sua própria tumba, assim agora tinha que desenterrar-se.
—Nunca antes havia me sentido tão desgraçado.
Bela fez uma careta com a boca.
—E supõe que isso tem que me convencer? Parece-me que terá que te esforçar um pouco mais.
Era complicado que um homem como ele, que sempre tinha pensado não ter sentimentos e jamais falar deles, soubesse o que dizer.
—Nunca senti isto por ninguém. Deixa-me louco. Me faz feliz. Faz que queira ser uma melhor pessoa.
Um sorriso se desenhou no rosto de Bela.
—Que adorável! —Lachlan esteve a ponto de engolir sua própria língua. «Adorável?» Por Deus bendito, seria melhor que ninguém ouvisse aquilo, ou sofreria brincadeiras para o resto de seus dias. Bela o observava com um: Espera isso é tudo?
Lachlan a olhou com estranheza.
—Isto não é precisamente fácil para mim. Poderia mostrar um pouco de piedade.
Bela arqueou uma sobrancelha com insolência.
—Piedade? Não acreditava que conhecesse essa palavra. Sabe? —disse negando com a cabeça— Estou começando a duvidar dessa reputação de homem aterrorizante que tem. Eu acreditava que não temia a nada.
—Também eu acreditava —murmurou Lachlan.
Teria preferido enfrentar todo um exército de ingleses com seus próprios punhos que despir-se como o estava fazendo. Como encontrar palavras para expressar a magnitude do que albergava seu coração?
—Tinha razão. Estava lutando contra isto. Estava lutando contra ti. Fiz todo o possível para que me aborrecesse, mas não me preveni de minha estupidez até que o consegui. Juro-te que se pudesse apagar o que ocorreu no embarcadouro o faria. —Passou os dedos entre seus cabelos, tentando encontrar uma explicação para o indesculpável— Teria que te ter afastado, mas não fui o suficientemente forte. Tudo acabou enrolando-se. Tentava me convencer de que quão único sentia por ti era luxúria e acabei fazendo-te acreditar isso.
—Não esteve sozinho nisso, Lachlan. Nunca devia ter feito aquilo. —Suas bochechas se ruborizaram na escuridão— Me equivoquei ao tentar te persuadir de tal modo. Não te dava a possibilidade de que me afastasse. Quis me aproveitar de sua debilidade. —Lachlan sentiu o peso do olhar de Bela, que parecia querer extirpar a verdade com seus olhos— Mas não entendo. Se me amas, Lachlan, por que te negou ajuda?
Lachlan era consciente de que tinha que contar toda a verdade.
—Como sabe, tenho certas dívidas. —Bela assentiu— Parte do dinheiro é para as famílias daqueles que caíram naquele dia por minha culpa.
Bela ficou sobressaltada, com o olhar fixo sobre ele.
—Que parte do dinheiro?
Lachlan, incomodado, encolheu-se de ombros.
—São famílias numerosas.
—Por Deus santo, estiveste ajudando a essa gente durante dez anos?
—Não é suficiente —repôs ele com gesto severo.
Nunca poderia ser.
—Por que não me contou isso? Como pôde me deixar pensar que não te importavam suas obrigações com o clã? Como permitiu que te fizesse tais acusações?
—Porque não queria que me olhasse como faz agora. Não sou nenhum santo, mas pago minhas dívidas.
Os olhos de Bela se abriram como amostra de espanto ao perceber de tudo o que isso implicava.
—Meu Deus, Lachlan. Sinto muito. Juro-te que encontrarei a forma de te assegurar o pagamento desse dinheiro. Se Robert não o fizer… te pagarei de algum modo.
Lachlan adotou uma postura de dignidade.
—A dívida é minha, Bela, não tua. Não quero seu dinheiro. Arrumarei isso.
—Mas…
Deteve suas palavras pondo um dedo sobre sua boca.
—Não.
Bela franziu os lábios.
—É que sempre tem que ser tão teimoso?
—E você? —repôs ele arqueando uma sobrancelha.
Seus olhares se encontraram e o cenho franzido de Bela se transformou em um sorriso irônico.
—Tudo seria muito mais fácil entre nós se não fôssemos.
—Sim, mas então eu não gostaria tanto.
O amplo sorriso que iluminava seu rosto lhe deslumbrava o coração.
—Ah, não?
Lachlan negou com a cabeça.
—Seu teimoso orgulho te faz mais forte. Ajudou-te a sobreviver. E graças a ele pude te recuperar. —Apertou-a com mais força contra si— Teria que ter te protegido.
—Fez o quanto era humanamente possível. Mas ninguém é invencível, nem tão sequer você. Traíram-nos. Ninguém podia fazer nada contra isso.
Lachlan se dispunha a discutir, mas dessa vez ela selou seus lábios com o dedo.
—Não poria minha vida em mãos de nenhum outro, Lachlan. Nas de ninguém. Tampouco eu gostaria que fosse diferente.
Lachlan ergueu uma sobrancelha a modo de desafio tácito e Bela teve que morder o lábio para não tornar a rir.
—Está bem. Talvez preferisse que não usasse uma linguagem tão vulgar.
Lachlan fez uma careta ao lembrar algumas das pérolas que tinha soltado.
—Lamento as coisas que disse. Não as dizia com o coração.
—Sei.
—Mas isso não muda que doessem.
Bela assentiu, olhando-o com seriedade.
—Muito.
Voltou a apertá-la contra seu peito e passou os lábios a seus sedosos cabelos.
—Sou um cavalo.
Bela fez uma careta e o olhou de soslaio.
—Começa a te repetir.
Lachlan sorriu. Tinha que admitir que fosse certo. Recuperou a compostura e voltou a pegar seu queixo para que o olhasse. Era absolutamente preciosa. Seu coração parecia ter se esquecido de como pulsar.
—Consegui te convencer?
Soava tão esperançado, com tanta vontade de que aquilo fosse certo, que Bela teria rido senão tratasse de um assunto tão sério. Seria possível que a amasse? Queria acreditar com todas suas forças e era difícil não fazer quando o olhava aos olhos. O via tão vulnerável, tão inseguro… Duas coisas que jamais tinha pensado que poderiam refletir seu rosto.
Mas tantos anos de decepções faziam que fosse difícil confiar, especialmente quando o que estava em jogo era seu frágil coração. Podia permitir que a amasse? Sentia que lhe enchia o peito ao olhá-lo e aquilo lhe deu a resposta. Que pergunta mais tola! Como se pudesse controlar seu coração. O amor estava aí, e pouco importava o que ela quisesse.
É obvio que amava a aquele homem de aparência dura e insensível, mas que albergava em seu interior tão intensas emoções e contradições. Era um homem que gritava e um instante depois a agasalhava com uma manta. Um homem que tinha fugido de seu clã, mas obrigado por um sentido do dever descarnado. Um mercenário que vendia sua espada ao melhor pagador, mas para atender aos homens de seu clã. Um homem que exsudava virilidade, mas que se castigou com o celibato durante dez anos. Uma pessoa que declarava que seus amigos não significavam nada para ele, mas corria para o interior de um edifício em chamas antes de permitir que um deles morresse. Alguém que sacrificava tudo pelo que tinha trabalhado para ajudá-la.
Amava-o fazia muito tempo. Simplesmente pensava que estaria a salvo se não admitisse a verdade. Sentia-se em uma bolha de prazer que a fazia esboçar um amplo sorriso.
—Temo que não o suficiente.
Mudou-lhe o rosto. Parecia tão abatido que dessa vez teve que rir.
Lachlan ficou circunspeto.
—Alegra-me que te pareça divertido.
—A mim também —disse ela com um sorriso.
—Não sei que mais dizer, Bela. Parece ter se esgotado minha parca provisão de palavras de amor.
Supunha que o melhor seria deixar de torturá-lo, mas tinha que admitir que fosse divertido ver como se estremecia e fazia caretas a cada palavra, como se fosse um menino. Obviamente falar de seus sentimentos não era algo que saísse de maneira natural. Bela esticou o braço para lhe tocar o rosto e se sentiu invadida por sua calidez.
—Então talvez seja melhor que me demonstre —disse isso em voz baixa.
Escrutinou seu rosto com o olhar, como se não confiasse no que havia dito, ou na interpretação que estava dando a suas palavras.
—Está certa?
Bela assentiu, sentindo-se tímida de repente.
—Eu também te amo.
Uma expressão violenta endureceu o rosto de Lachlan.
—Não tem por que dizer isso.
—Sei —respondeu Bela com um sorriso— Mas é certo. Amo-te faz tempo, mas nunca quis reconhecer, por medo de que não correspondesse a meu amor —acrescentou depois de uma pausa— E depois, quando acreditei que tinha me traído…
Sua voz se apagou. Lachlan lhe acariciou uma bochecha com o dorso da mão.
—Sinto muito, meu amor.
—Isso são águas passadas —repôs negando com a cabeça— Quão único importa é o que façamos a partir de agora. É um homem difícil de amar, Lachlan MacRuairi, mas acredito que posso aceitar o desafio.
—Certamente discutiremos.
—Sim, parece provável.
—Tenho um pouco de mau gênio quando me zango.
—Já me dei conta —disse ela com sarcasmo.
—Posso ser bastante dificil. Provavelmente diga coisas que te façam mal.
—Está tentando me assustar? —perguntou Bela entre risadas.
—Pode ser.
—Bom, pois deixa-o, porque não funcionará. Sou muito consciente de seus defeitos.
Lachlan franziu o sobrecenho.
—Eu não disse que são defeitos.
Bela não pôde evitar de rir e esticar entre seus dedos a mecha de cabelo escuro que lhe caía sobre a testa. Sua beleza era tão arrebatadora que parecia impossível cansar de olhá-lo. Então seus olhares se encontraram e as brincadeiras ficaram de lado. De repente toda a atmosfera se inflamou a seu redor.
—Acreditava que tentaria me convencer —disse Bela com voz sedutora.
Lachlan se inclinou sobre ela e a beijou, respondendo a sua exortação com o suave roce de seus lábios. Era um beijo tão tenro e doce que a deixou sem respiração. Mas logo afastou a boca com um gemido.
—Não sei como fazer. É a primeira vez que faço isto.
Teve vontade de burlar-se, mas se dava conta de que aquilo significava muito para ele. Queria fazer as coisas bem.
—Para mim também é a primeira vez —respondeu ela com doçura.
Bela, igual a ele, conhecia a luxúria, mas não o amor e a ternura.
Talvez seu matrimônio tivesse sido diferente se tivesse conhecido o amor. Com o Lachlan via seu passado de outra perspectiva, e a fazia pensar que seria capaz de deixá-lo atrás, onde devia estar. Buchan já não lhe parecia um monstro tão cruel como em suas lembranças, a não ser um homem de quem compadecer. Desejava-a com tal loucura que se converteu em uma obsessão para ele. Ao olhar para trás via todos esses pequenos detalhes nos que seu matrimônio tinha fracassado. Ele procurava uma resposta dela, e sua negativa o empurrava a tentá-lo com mais força, até que entraram em um círculo vicioso do que nenhum dos dois sabia como sair. Ambos eram muito teimosos para admitir sua derrota.
—Honra-me —disse ele com uma voz tomada pela emoção.
—E você a mim —respondeu Bela com um nó de lágrimas de felicidade na garganta.
Não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo realmente, que pudesse acontecer algo tão maravilhoso. Um pedaço dela temia que em qualquer momento alguém fosse desperta-la e lhe diria que tudo era um sonho.
Mas então Lachlan voltou a beijá-la e se sentiu atravessada por toda a força de sua emoção. Não necessitava mais confirmação que essa. Acariciou-lhe a cabeça, disposta a entregar-se a ele com mais paixão, e passou os dedos entre aqueles cabelos muito suaves e sedosos para pertencer a um temível guerreiro. Abriu bem a boca e respondeu aos longos e apaixonados movimentos de sua língua. Uma calidez deliciosa se expandiu por seu corpo. Nunca antes se havia sentido tão a salvo. Tão segura.
Tão amada.
Por ser a primeira vez, a verdade era que Lachlan estava fazendo um estupendo papel. Tomava seu tempo em provocá-la com seus roces e a saboreva, avivando a paixão com cada um de seus atos. Um roce com a língua. Uma carícia com a mão. Um suave gemido de prazer sussurrado ao ouvido.
Lachlan agarrou a manta que ela levava aos ombros, estendeu-a sobre o chão, tombou Bela cuidadosamente sobre ela e ergueu o olhar para ela.
—Tem frio? Trouxe lenha para fazer fogo. Não demorarei nem um minuto…
—Não necessito nenhum fogo. —Colocou a mão sob sua camisa, sentindo o calor que irradiava sua pele. Havia suficiente para ambos. Acariciou seu terso ventre. Lachlan conteve o fôlego ao mesmo tempo em que seus músculos se endureciam em resposta— Você me esquentará.
—Não quero que haja nada que nos separe —lhe disse.
Aquelas palavras serviram para que a antecipação das emoções expandisse uma nova onda de calor sobre ela. Nus. Corpo contra corpo. Pele contra pele.
Bela assentiu e ele começou a tirar sua roupa. Teve a sensação de que devia afastar o olhar. Estava claro que mostrar-se tão interessada não era próprio de uma donzela. Mas ela não era nenhuma donzela, e fazia já muito tempo que tinha deixado de ser. Assim olhou quanto quis e conteve a respiração enquanto ele descobria seu esplêndido corpo, gostando muito de seu atrevido olhar. As botas, o capa, o cotum de couro, as meias e a camisa foram amontoando-se em uma pilha junto a ele. Então suas mãos se dirigiram à cintura. Ficou de boca seca ao ver como se desfazia facilmente dos cordões de seus calções e deixava em liberdade seu membro viril ereto. O forte estava às escuras, mas não o suficiente para lhe impedir de ver seu impressionante tamanho e lembrar o que tinha sentido ao te-lo dentro da boca.
Bela engoliu em seco pouco a pouco.
—Doçura, se continua me olhando assim isto não durará muito. —Lachlan se desembaraçou dos calções e os jogou junto ao resto de seus objetos.
Sem roupa, ereto e com cada centímetro de seu musculoso físico nu era prodigioso. E disse isso a ele. Bela recebeu um beijo como recompensa. Percebeu como se esforçava por desatar os laços de sua camisa e suas calças, já que tornara a vestir-se de moço para a viagem, e depois sentiu suas carícias escorregando por todo o corpo ao ajudá-la a desfazer-se da roupa, mas não se deu conta de que estava nua até que deixou de beijá-la, já que a mantinha ocupada com a boca e a língua.
—Você sim que é um portento —disse ele com uma voz cheia de admiração enquanto passeava o olhar por todas as curvas de seu corpo nu.
Bela se ruborizou, estranhamente envergonhada. Estivera nua outras vezes, mas agora era diferente. Pela primeira vez não via nenhum mal em que um homem admirasse seu corpo. E nenhum homem a tinha olhado com tanta veneração, como se fosse a mulher mais preciosa, a mais formosa que jamais vira.
Lachlan estendeu a mão e agarrou um de seus seios com delicadeza para passar o polegar pela escura ponta de seu mamilo.
—Quero te saborear, Bela.
Entrou em calafrio só de pensar na sedutora promessa de suas palavras.
Lachlan se inclinou sobre ela e depositou um terno beijo no vértice de seu peito. Ela gemeu, um pouco por prazer e um pouco como protesto pelo efêmero do contato. Seguiu o abrupto contorno daquela cúspide até chegar à planície de seu ventre, brindado-a com o olhar pelo caminho. Voltou a lhe beijar os seios. Rodeava seu mamilo com lentos e longos movimentos de sua língua, ao mesmo tempo em que seguia causando estragos em seus sentidos com as mãos, que deslizavam e brincavam, riscando o caminho de uma pluma ao longo de seu ventre, seus quadris e suas coxas, até por fim afundar-se entre suas pernas. Soltou-lhe o mamilo e a olhou nos olhos enquanto passava o dedo por sua umidade. Bela se estremeceu e logo se retorceu, invadida por uma sensação cálida.
—Está molhada para mim?
Bela gemeu e moveu os quadris contra sua mão, suplicando em silêncio que a tocasse e o comprovasse por si mesmo. Mas ele seguia acariciando-a. Deslizou a boca por seu ventre, deixando minúsculos beijos no caminho que tinham desenhado antes suas mãos.
—Quero provar exatamente que sabor tem —disse pressionando suas partes íntimas com os dedos.
«OH, Deus.» Acelerou sua a respiração ao antecipar o que Lachlan estava a ponto de fazer. Aquilo que de maneira tão pronta tinha ameaçado lhe fazendo.
Não deveria detê-lo? Estava claro que devia fazer. Mas seu corpo tremia e vibrava de vontade que fizesse. E seus quadris… pareciam mover-se por si mesmos.
—Confia em mim?
Sua voz era uma promessa sugestiva, uma escura tentação muito poderosa para resistir a ela. Bela não pôde mais que assentir. As palavras não iam a sua boca. Seu corpo vibrava como um tambor antecipando a sensação.
Sem deixar de olhá-la nos olhos, Lachlan introduziu sua morena cabeleira entre as coxas e a agarrou pelo traseiro para levantar seus quadris e aproximá-la à sua boca.
Deus Santo.
Não havia vergonha possível ante um ato tão íntimo. Ao contrário, esse desenfreio, essa brincadeira, essa diabrura conseguia excitá-la mais ainda. Ele parecia esperar algum tipo de resposta. Ou talvez não fizesse mais que prolongar sua agonia.
—Deixa que te ame, Bela.
E então se pôs a isso. Beijou-a. Lambeu-a. Amou-a com sua boca até que já não lembrava nem seu próprio nome. Até que não pôde pensar em nada, salvo na deliciosa tortura que a estava infligindo. Até que aquelas incríveis sensações eram muitas.
Bela nunca tinha imaginado que pudesse sentir-se nada parecido. A pressão de sua boca, os movimentos de sua língua, o roce de seu bigode contra sua sensível pele.
Retorcia-se. Gemia. Tremia. A fazia dar voltas pela borda do abismo uma e outra vez. À medida que os espasmos a enchiam, Bela começou a gritar de prazer.
Tinha-o dentro. Estava cheia dele. Tomava posse dela com longas e ternas investidas. Pele contra pele. Fundindo seus corpos em uma mescla de calor e paixão. Mas quando o olhava nos olhos sabia que era muitíssimo mais que isso. Era perfeito. Sentia seu amor com cada uma de suas penetrantes investidas. E quando ao fim os dois gozaram em uníssono voltou a ouvir essas maravilhosas palavras ressonando em seus ouvidos.
O amor e a felicidade que tinham se esquivado durante tanto tempo finalmente eram deles. Saboreou cada um desses momentos de gozo, consciente da dura batalha que tinha ganho.
Horas depois, adormecida entre seus braços, quando Lachlan já tinha acendido e avivado a fogueira e feito amor de novo, Bela sentiu pela primeira vez em muitos anos que havia esperança nas promessas do amanhã. Tudo sairia bem se tivesse Lachlan a seu lado.
Capítulo Vinte
Lachlan não gostava da ideia, mas tampouco tinha outra opção. Colocou o capuz do escuro hábito e se voltou para olhar Bela, que esperava encostada na porta. Deus, não queria separar-se dela.
—Não demorarei muito —disse.
Bela lhe pôs uma mão sobre o braço com a inconsciente serenidade de uma mulher que conhecia seu corpo palmo a palmo e lhe dirigiu um olhar tranqüilizador.
—Estarei bem. Depois de tantas horas na sela será estupendamente bom uma volta e esticar as pernas.
Lachlan franziu o sobrecenho. Não gostava de deixá-la sozinha, mas não tinha alternativa. Tinha que inspecionar o convento e encontrar Margaret. Bela estaria a salvo naquele lugar durante algumas horas.
—Não te afaste muito da cabana. Não acredito que apareçam caçadores nem trapaceiros de noite, mas na floresta há animais selvagens, ou poderia cair e torcer um tornozelo…
Bela o interrompeu com uma gargalhada.
—Parece minha mãe.
Lachlan esticou a mandíbula.
—Maldita seja, Bela. Falo sério. Que tenhamos chegado até aqui sem problemas não significa que estejamos a salvo. Ainda temos que entrar e sair desse convento sem que ninguém nos veja.
Por não falar de que teriam que voltar a passar por Marches para sair da Inglaterra e retornar à zona segura da Escócia. Sentiu uma pontada no estômago. Que demônios estavam fazendo ali?
Mas ela não o escutava. Sua mente se perdia nos «detalhes» desde que chegaram aos arredores de Berwick. Não podia permanecer quieta do momento em que um informante que Guarda dos Highlanders usava com frequência, lhes confirmou que o grupo do Despenser tinha chegado ao dia anterior. Durante a viagem tinha dado a Lachlan mais detalhe a respeito de seu cárcere, como que a enganavam com a perspectiva de um encontro com sua filha para controlá-la. Sabia que Bela se protegia contra a possibilidade de que aquilo fosse uma decepção mais que acrescentar à longa lista. Mas assim que soube que Joan estava perto não houve quem a detivera.
—Não posso acreditar que vá ver minha filha em questão de dias, talvez amanhã mesmo.
Seu sorriso sonhador fazia que enchesse o peito. Sabia quanto significava para ela e teria cortado um braço pra tornar realidade, mas estava adiantando aos acontecimentos.
—Isso será se eu for capaz de te colocar ali dentro.
Bela ficou nas pontas dos pés e lhe deu um casto beijo nos lábios com o que parecia querer aplacar seu aborrecimento.
—Pois claro que será capaz. É um convento, não um castelo fortemente vigiado. E está custodiado por monjas, não por soldados. Será moleza para ti.
Lachlan não sabia o que passava. Até esse momento tudo tinha saído segundo o previsto, mas havia um dito entre os membros da Guarda dos Highlanders que avisava de que quão único certo em uma missão é que algo sairá errado. No momento tudo ia bem. A manhã posterior à tormenta tinha saído o sol. A fina capa de neve não os tinha atrasado absolutamente, e no meio da amanhã já estava derretida. Tinham mudado os cavalos à saída de Edimburgo e chegaram a Berwick depois de cinco dias de viagem, quase um dia antes do que Lachlan esperava. Depois do breve encontro com o informante que confirmara a chegada de Despenser, tinham ido à mesma cabana na floresta junto ao arroio que usaram quando tinham resgatado Bela. E o melhor de tudo, não havia sinal de seus companheiros highlanders. Por que não podia tirar da cabeça que algo sairia errado? Sabia por que. Era muito feliz e não queria confiar. A felicidade o fazia ser precavido. E mostrar-se indeciso. Não queria que nada frustrasse seus planos.
Seguindo essa mesma premissa, Bela e ele tinham decidido não falar do futuro em um acordo tácito. Para ela, primeiro era a segurança de sua filha e para ele a de Bela. Já teria tempo quando todo aquilo acabasse. Mas ainda doíam as lembranças da última vez que tinha exposto seu futuro. Ela tinha razão. Era muito mais convencional do que se acreditava. Queria tomá-la como esposa. Mas ela o amava. No momento teria que conformar-se com isso.
—Não é entrar o que me preocupa —respondeu— O que me preocupa é sair. O que acontecerá se uma dessas monjas suspeita de algo e decide olhar com mais atenção? E se Comyn fizer algo? Não confio nele.
Ao final suas palavras conseguiram o que se propunham: estremecê-la.
—Vale a pena arriscar-se, Lachlan. Tenho que fazer —disse Bela recuperando a compostura e lhe pondo uma mão na bochecha. Com que rapidez se acostumou a seu suave tato. Quanto o ansiava— Os votos de Margaret me protegerão. E se não, fará você.
Deus, que vontade tinha de ser digno daquela amostra de confiança.
—Não sou mais que um homem, Bela. Não faço magia. Há barreiras que nem tão sequer eu posso ultrapassar. Deveria saber melhor que ninguém.
Bela, que tinha as lembranças de seu cárcere ainda muito frescos, empalideceu.
Lachlan amaldiçoou.
—Demônios, sinto muito Bela. Não queria te assustar. Só quero que tome cuidado. Lembra que prometeu cumprir as ordens.
—Está bem —disse Bela com uma careta— Você ganha. Não me afastarei da cabana.
Lachlan sorriu e lhe deu um beijo nos lábios.
—Assim eu gosto, que seja uma boa menina.
—Vá logo. Antes que me torne muito má.
Lachlan sorriu de novo e antes de afastar-se dali a seu pesar a beijou com muito mais paixão.
Foi a pé, já que o convento estava a uns três quilômetros de distância. Assim chamaria menos a atenção no caso de que encontrasse com alguém no caminho. Foi acelerando o passo à medida que avançava entre as árvores e a vegetação. Em algumas missões os membros da Guarda dos Highlanders tinham que correr assim durante horas, cruzando terrenos irregulares, subindo e baixando colinas, suportando a neve, a chuva ou o sol. MacLeod, em um dos primeiros exercícios do adestramento, exigiu-lhes que corressem completamente armados desde seu castelo em Dunvegan, seguindo a costa, até a ponta norte da península do Waternish, uma distância de uns vinte e cinco quilômetros, em duas horas. Depois, deixou-lhes descansar cinco minutos e os fez retornar.
Para Lachlan, que tinha se criado no mar e estava habituado ao estilo de ataques rápidos de seus antepassados vikings, correr era algo tão natural como para MacKay montar a cavalo. Esse fodido highlander podia correr durante dias inteiros. Embora Lachlan odiasse do primeiro ao último minuto daquele treinamento, tinha que reconhecer que a resistência e a velocidade tinham demonstrado sua utilidade mais vezes que queria lembrar. Agora era capaz de correr durante horas sem cansar, mas obviamente preferia estar em um navio.
Ao aproximar-se do convento diminuiu o passo. Saint Mary de Mount Carmel estava situado em uma pequena garganta arborizada de uma zona afastada dos subúrbios da cidade. Apesar de que tudo estivesse tranqüilo e nada parecesse extraordinário, a intenção de Lachlan era extremar a cautela. Procurava dizer que era uma missão a mais. Mas não era. Agora tinha que preocupar-se com Bela.
Saiu do arvoredo e examinou os arredores do pequeno recinto amuralhado. Havia lua cheia, de modo que a visibilidade era perfeita, ao menos para ele, que possuía uma visão noturna excepcional. O convento estava formado por três grandes edifícios localizados em torno de um claustro central. Um muro de três metros e uma sarjeta protegiam às monjas do mundo exterior, mas ao carecer de guardas e ter uma só grade de entrada funcionavam mais para preservar a intimidade que como barreira defensiva. Diabos, inclusive um inglês poderia penetrar essas ridículas defesas.
Lachlan supôs que seu maior problema consistiria em manter-se oculto uma vez estivesse no interior. Um homem em um convento chamaria a atenção. Seu escuro hábito lhe ajudaria a confundir-se entre as sombras, mas nada poderia ocultar seu tamanho. E, ao contrário de outras missões, dessa vez não poderia usar seu aço para defender qualquer ofensa ou surpresa. Havia poucas coisas às que se negasse, mas uma delas era matar mulheres, e muito menos a monjas.
Aguardou na escuridão, atento a qualquer ruído ou movimento. Finalmente, uma hora depois de sua chegada, soou o sino. Isso era o que estava esperando, a chamada para as rezas vespertinas, quando as monjas se reuniriam em um mesmo lugar. Esperou uns dez minutos, que todos estivessem dentro da igreja e começou sua operação. Escolheu o canto mais escuro do convento, que ficava à sombra das árvores e as montanhas que havia atrás dele, e saiu a campo aberto. Teria uns cem metros pela frente uma vez que abandonasse a segurança das árvores. Atravessou-os correndo e chegou até a muralha sem sofrer nenhum percalço. Aproveitou os vãos que havia entre as pedras e as saliências para subir pelo muro até que pôde agarrar-se a borda. Daí se levantou, algo nada simples, já que ia carregado com as armas e os escudos. Mas levantar o próprio peso com o pulso agarrado a uma forca era outro dos exercícios favoritos de MacLeod. Ficou convexo nessa plataforma de meio metro enquanto se orientava. Estava por cima do que supunha que seria o dormitório das monjas. A sua esquerda, no centro, ficava a igreja, e ao outro lado, o refeitório.
Examinou o terreno em busca de sinais de movimento. Ao não observar nenhum saltou ao interior. Um mercenário não estava acostumado há passar muito tempo na igreja, assim não tinha muita ideia do quanto durava a liturgia, nem sabia quanto tempo ficava. Avançou com rapidez e cruzou o claustro para o que devia ser o jardim que dava à cozinha, até que pôde ocultar-se depois dos arcos da galeria que conectava a igreja com o refeitório. Uma vez ali, tomou um tempo para encontrar a posição perfeita para observar a saída das monjas do edifício. Tinha que encontrar Margaret quanto antes, segui-la e pensar numa forma de afastá-la para falar com ela a sós. Se fosse necessário, esperaria que estivessem adormecidas e depois penetraria no aposento e a despertaria. Era preciso encontrá-la nessa mesma noite. Margaret conhecia o plano do convento e seus horários, assim saberia o momento e o espaço adequados para fazer a mudança temporária antes do encontro com Comyn e Joan.
Por desgraça não havia muitos lugares para esconder-se, mas Lachlan se colocou no vão que havia entre o telhado inclinado da igreja e a coberta plaina da galeria. Das alturas veria perfeitamente quando saíam as monjas pela porta da capela. Era um lugar propício e em penumbras, com escassas possibilidades de que alguém o visse. Além disso lhe dava múltiplos vias de fuga, já que podia atravessar os telhados e descer por um ou outro lado. Uma vez em posição não restava mais que esperar.
Uns vinte minutos depois ouviu que a porta se abria, e as monjas começaram a sair. Embora a luz das tochas iluminasse seus rostos ao sair da igreja, as mulheres tendiam a caminhar com a cabeça encurvada. Isso, unido aos véus e as toucas que ocultavam seus rostos, complicou mais do que esperava a tarefa de identificar a Margaret. Viu-a quando já começava a pensar que a tinha perdido. A sorte se aliava com ele. Não era só uma das últimas em sair mas sim além disso caminhava sozinha. Se pudesse encontrar algum modo de chamar sua atenção…
Lachlan voltou a cabeça para ouvir um leve som de pegadas atrás dele. Gelou seu sangue. Ficou imóvel, com todos os sentidos postos nos sombrios campos ao redor. Certamente seria algum animal, nada com que preocupar-se. Mas então voltou a ouvir de novo. Essa vez mais definido. Mais perto. Pisadas sufocadas e o suave tinido do metal. «Cotas de malha.» Um tímido relincho. «Cavalos.»
Lachlan amaldiçoou em voz baixa. Algo saía errado depois de tudo.
Era uma armadilha. Estavam-no esperando. O que queria dizer… Bela! Deviam saber que estava em liberdade. Pouco importava como tinham descoberto. Lachlan desembainhou as espadas ocultas sob o hábito e ficou em posição, como um leão esperando o ataque. Voltaria junto a ela embora tivesse que atravessar todas as linhas do exército inglês.
Bela se lavou, comeu pedaços de queijo e torta de aveia, brincou com o fogo, tentou deitar-se no velho camastro de palha que havia coberto com uma manta e, uma vez que teve liquidado suas opções, começou a perambular pelo interior da velha cabana de madeira. Como não era muito maior que a despensa do castelo de Balvenie se percorria de lado a lado em alguns passos. Cada poucos minutos fazia um pequeno desvio a janelinha e jogava uma olhada entre as portinhas para ver se se aproximava alguém. Mas estava tão escuro que quão único podia distinguir eram as sombras um tanto sinistras das árvores. Exasperada, rendeu-se diante da frustração. Que tortura… Esperar assim era uma tortura.
Desde que tinham chegado a Berwick parecia impossível conter a emoção. Depois de tantos anos ao fim poderia ver sua filha cara a cara, estreitá-la entre seus braços, escutar o som de sua voz. Lachlan converteria aquilo em realidade. Em nenhum momento duvidou. Sabia que podia contar com ele. Os dias anteriores estiveram cheios de perigo, com um frio insuportável e um cansaço entristecedor. Mas apesar disso tinha sido mais feliz do que se lembrava em muitos anos. Não tinham tido mais oportunidades de fazer amor, mas ele parecia capaz de passar vários dias insone, assim Bela dormia durante horas sobre a sela do cavalo, e também falava com ele quando o passo permitia. Apesar das circunstâncias, o tempo que passaram juntos foi maravilhoso. Quando sua filha voltasse com ela a felicidade seria completa.
Voltou a deter-se diante da janela, levantou com cuidado o cárcere de madeira e abriu as portinhas o suficiente para ver o exterior. Olhou para a escuridão e se estremeceu ao sentir o frio ar que entrava na estadia.
Nada.
Quanto tempo tinha passado? Uma hora? Possivelmente mais? Estava a ponto de fechar as portinhas quando viu algo com a extremidade do olho: um ramo movendo-se. Poderia ser o vento, mas juraria ter visto a enorme sombra de um homem.
O coração lhe deu um tombo. Graças a Deus, havia retornado! Fechou as portinhas de repente, agarrou a lamparina de azeite e correu para a porta. Abriu-a sem mais e exclamou: —Lachlan, eu…!
Sua voz se desvaneceu ao ver sair um homem dentre as sombras.
—Olá, Isabella.
O mundo lhe veio abaixo. Ali estava, de pé em frente a ela, o irmão de seu marido, William Comyn. O instinto lhe fez olhar a seu redor em busca de alguma forma de escapar. Mas suas ilusões de evasão se esfumaram assim que viu a dúzia de homens que saíam dentre as árvores para rodear a cabana. Um deles era aquele ao qual agora reconhecia como sir Hugh Despenser. Toda a felicidade dos dias anteriores, os momentos transbordantes de emoção e qualquer esperança de futuro morreram no espaço de um segundo e a deixaram consumida no medo e o desespero.
Por todos os céus, preferia morrer a permitir que a encerrassem de novo!
Não se tratava do exército inglês completo, mas sim de boa parte dele. De sua posição, escondido entre as sombras do campanário da igreja, viu que os soldados o tinham rodeado. Literalmente. Havia uma linha de ao menos cem homens que rodeavam o convento por trás da sarjeta. Talvez fosse capaz de atravessá-la, mas sem um cavalo cairiam sobre ele como lobos.
Os soldados sacudiram a grade e o alarme se propagou através do convento. Lachlan ouviu os angustiados gritos das monjas, que se retiravam à segurança da igreja. Várias delas, algumas de autoridade manifesta, entre as que indubitavelmente estaria a madre superior, aproximaram-se da grade. Um momento depois os soldados invadiam o claustro. Ouviu-se uma voz de comando masculina.
—Não lhes faremos mal… procurando um rebelde… inspecionar as instalações.
Indignada protestos das monjas não serviram de nada.
Lachlan sabia que não tinha muito tempo. Não demorariam muito em encontrá-lo naquele lugar. Saltou da torre do campanário ao telhado da igreja que havia debaixo e depois se arrastou pelo telhado contigüo para chegar a um lugar que se fixara antes, uma fresta pequena e escura depois da cozinha onde depositavam os refugos. Se aquilo não funcionasse, teria que arriscar-se a sair dali com a espada na mão. Mas sem um cavalo estaria em desvantagem. Esses cem metros de campo aberto pareciam nesse momento intransponíveis.
Estava com sorte. Só se apresentaram dois homens no pequeno espaço que havia a seus pés. Com três teriam tido a possibilidade de dar o alarme, já que Lachlan só tinha duas mãos. E as usou bem.
Saltou do telhado, agarrou o pescoço de um deles para asfixiá-lo e degolou ao outro com a adaga especial que Santo tinha desenhado para atravessar a malha de aço. Sua folha era muito fina e afiada, parecia mais um punção estreito que uma adaga. Permitia matar de maneira silenciosa, algo que em ocasiões como essa era um imperativo.
Uma fração de segundo depois cravou a adaga ao que agarrava pelo pescoço, atravessando sua malha por trás. Depois de jogar no menor deles atrás do lixo, Lachlan se dispôs a tirar as roupas do outro, que levava um brasão desconhecido para ele: cinco losangos com listras celestes.
Ouviu outros soldados que perambulavam pela cozinha e soube que não teria muito tempo até que os seguintes fossem investigar. A capa, o tabardo, a cota de malha, o escudo e o elmo eram o mais importante, assim que se centrou nisso. Demorou alguns minutos de resistência em tirar a cota pela cabeça do morto. E tinha que por, mas aqueles malditos ingleses eram um rebanho de anões de pescoços curtos. Finalmente pôde vestir-se com a ridícula indumentária. O elmo, o tabardo e a cota eram muito mais simples de pôr. Ao final conseguiu completar seu traje.
—Ali, na grade! —gritou para a escuridão ao jogar o segundo homem sobre o primeiro.
Os soldados saíram correndo da cozinha tal como Lachlan esperava, e ele os seguiu.
—Onde está? —ouviu que gritava um— Eu não vejo ninguém. Viram-no você, Pennington?
Pennington devia ser ele. Lachlan negou com a cabeça e se foi dali indo atrás de um grupo de homens que atravessava a grade.
A sorte seguiu favorecendo-o durante alguns minutos. Mas o escudeiro de Pennington o viu sair e lhe trouxe o cavalo.
—Sir William!
Quando Lachlan se voltou o moço empalideceu.
—Não é sir William.
Antes que tivesse tempo de reagir Lachlan já tinha tomado as rédeas e afastado ao menino do caminho. Começou para ouvir gritos a suas costas, mas ele já estava cavalgando. Não importava. Estava virtualmente na floresta. Pode que demorasse algum tempo em despistá-los; entretanto, não tinha dúvida de que o conseguiria. Mesmo assim, os ingleses penteariam até o último rincão daquele bosque. Quanto demorariam em chegar até Bela? Tinha que encontrá-la antes deles.
Embora tivesse gelada até a última gota de seu sangue e o frio impregnasse tanto seus ossos que o notava inclusive nas veias, Bela se negava a acovardar-se ou demonstrar seu medo.
—O que quer, William? —disse enfrentando o olhar de seu cunhado sem pestanejar.
—Sempre fostes uma moça orgulhosa. Já disse a meu irmão que cometia um erro ao casar-se contigo. —Sir William deu de ombros com indiferença— Mas no final se deu conta de que eu estava certo.
—Como me encontrastes?
William Comyn voltou a encolher os ombros.
—Não foi difícil. Tinha homens vigiando a floresta e o convento, e eles nos avisaram de sua chegada. Esperávamos um grupo mais numeroso. Foi muita consideração de sua parte nos facilitar o trabalho. Ainda leva roupas de moço, né? —disse lhe dedicando um olhar apreciativo— Tenho que admitir que jamais tivesse imaginado que se tratava de você até que meus homens me informaram que MacRuairi viajava com uma mulher. Quando descreveu seus olhos e sua boca já não restou dúvida. —Negou com a cabeça ao mesmo tempo em que falava— cometestes uma tolice ao tentar ver sua filha de tal modo. É possível que não nos tivéssemos informado de sua troca.
As repercussões daquilo ficaram evidentes para Bela. Se sabiam que se tratava dela, então a carta… Tudo tinha sido um estratagema, uma armadilha. Encolheu-lhe o coração do desespero. «Joan.» Onde estava sua filha?
—Fostes uma dama muito travessa —acrescentou sir Hugh Despenser— Mas no final tudo será melhor.
—Do que estão falando?
Sir Hugh parecia surpreso de que ainda não o tivesse adivinhado.
—De MacRuairi. Pensei que imaginaria por que tomamos tantas precauções. Queremos o rebelde.
O certo era que não tinha feito. Mas o coração lhe deteve de repente.
—Temo-me que terão uma decepção. Não está aqui. Quão último soube é que se dirigia para o oeste.
Sua argúcia não serviu para nada. O rosto de Despenser se endureceu.
—Não me tome por estúpido, «lady» Isabella, e uso esse título muito contrariado. Neste momento seu amante está encurralado no convento, rodeado por meus homens. —O coração lhe deu um novo tombo, mas Bela se obrigou a não reagir, a controlar o pânico. Lachlan podia cuidar de si mesmo. Encontraria um modo de escapar. Sempre o fazia. Certamente Despenser adivinhou o que estava pensando— E se conseguisse escapar da armadilha que lhe estendi, milady é a única isca que necessito para tê-lo comendo na palma de minha mão.
Bela empalideceu.
—Estão loucos se pensam que permitirei que me usem para capturá-lo.
—Nem tão sequer em troca da liberdade? Para sua filha e você? —acrescentou Despenser lançando o anzol.
Ficou paralisada.
—E esperam que acredite nisso?
Despenser deu de ombros.
—Não têm valor para nós, mas esse patife sim. Sir William lhes concede a graça de permitir o retiro em suas propriedades de Leicester junto a sua filha, ao menos até que se contraia matrimônio. Ninguém saberá quem é na realidade. Todos pensarão que Isabella MacDuff leva uma vida de retiro no convento.
Bela alternou o olhar de um homem a outro. Até no caso de que pudesse confiar neles, algo que era muito duvidoso, jamais trairia Lachlan de tal modo.
Negou com a cabeça, sentindo que o medo se hospedava em seu estômago como uma pedra. Mas se dava conta de que preferia que a encarcerassem a trai-lo.
—Por mim podem me mandar de retorno a Berwick agora mesmo. Não o farei.
Despenser sorriu.
—Palavras muito atrevidas. Mas já esperava que fosses difícil —disse.
Sir William parecia compungido.
—Te mostre razoável uma vez em sua vida, Isabella. O rufião não vale a pena.
—Sim, sim merece.
—Merece arriscar a vida de sua filha? —interpôs Despenser em voz baixa.
Bela ficou sem fôlego. Completamente horrorizada. Voltou-se para o William.
—Faria isso? Faria mal à filha de seu irmão para capturar a um homem?
—Não é simplesmente um homem —espetou Despenser— Ele nos levará a muitos outros. Homens cujas identidades o rei agradecerá conhecer em supremo grau.
Bela teria que ter imaginado que tudo se reduzia às aspirações políticas de Despenser. Fez como não soubesse do que falava e continuou olhando ao William de maneira acusadora.
—É obvio que não quero que a moça sofra dano algum —assegurou— Mas não nos deixa outra alternativa.
—Onde está? —exigiu Bela— Onde está minha filha?
—Está a salvo. Por agora —disse Despenser com ar funesto. Mas pelo rosto do William soube que havia mais— Está no quarto da guarda do castelo de Berwick.
«Não.» A Bela pareceu que todo se movia a seu redor. Uma punhalada no peito.
—Acredito que terá uma jaula livre para ela No caso de que te negues.
«Por Deus, não!» O horror se apoderou dela até afogá-la. E então tudo ficou negro.
Passaram umas horas até que Lachlan pôde ir a seu encontro. Levou seus perseguidores em direção sul durante muitos quilômetros. Abandonou junto à praia tanto o cavalo como aquela vestimenta muito pequena que tinha tomado emprestada, com a esperança de que pensassem que tinha fugido pelo mar, e deu a volta para retornar a pé.
Parecia que não chegaria nunca. Foi todo o tempo com o coração na boca. Se acontecesse algo a Bela… Tentava não pensar nisso e concentrar-se no que o rodeava, mas o medo se instalou em sua consciência e não havia força nem determinação capaz de desalojá-lo.
Embora houvesse vários grupos de busca concentrados nos arredores do convento, o silêncio da floresta próximo à cabana não pressagiava nada bom. Afinou mais os sentidos. De vez em quando ouvia algum grito a suas costas ou latidos de cães ao longe, mas ao que parecia os ingleses ainda tinham que fechar o cerco na direção em que se encontrava. Estava tudo muito tranqüilo, e não podia evitar o pressentimento de que algo ia muito mau. A escura sensação de fatalidade aumentava a cada passo que dava. Embora seu coração lhe dissesse que corresse para Bela e se reunisse com ela quanto antes, Lachlan se esforçou por mostrar-se cauteloso e permanecer atento a qualquer sinal de perigo. Não podia permitir-se mais enganos. Não consentiria que as emoções o distraíssem. Dessa vez não.
«Por favor, que esteja a salvo», rogava Lachlan. Embora depois de tantos anos sem preocupar-se com rezas não esperava que ninguém atendesse suas súplicas.
Permaneceu entre as sombras, avançando por trás das árvores e vegetação, e detendo-se ocasionalmente para prestar atenção a qualquer sinal que revelasse uma armadilha.
Nada. O inverno amortecia inclusive os sons da natureza. Quando ao fim avistou a clareira e a velha cabana, faltava-lhe o ar. Parecia que tivesse contido a respiração durante horas.
Examinou a paisagem à luz da lua. Água à direita. Os cavalos atados a uma árvore, exatamente igual aos tinha deixado; um pouco mais à frente a cabana de madeira, um tanto escurecida pelas árvores e às escuras, salvo pela tênue luz da lamparina de azeite que titilava entre as frestas das portinhas.
Começou a se mover mais devagar, com todos os sentidos alertas. Embora estes lhe diziam que tudo estava em ordem, seu instinto o fazia pressentir justamente o contrário. De repente ficou imóvel para ouvir um rangido nas alturas. Uns momentos depois ouviu o estalo de alguns galhos e notou de que se tratava de algum animal deslocando-se entre as árvores. Respirou fundo e continuou. Ao fim chegou a poucos metros da cabana. Levou a mão à boca, ululou como um mocho para informar Bela de que se aproximava e esperou a resposta.
E chegou. O melodioso canto de rouxinol. O som mais doce que tinha ouvido. Graças a Deus. Tudo estava bem. Percorreu os poucos metros que o separavam da porta e a abriu, quase esperando que estivesse ali para recebê-lo. Em lugar disso, surpreendeu-lhe encontrá-la sentada em um tamborete em frente ao fogo com as costas voltadas para ele. Mas era ela, e seu coração respirou aliviado ao vê-la.
—Bela?
Voltou-se o suficiente para lhe mostrar o perfil, como se não suportasse olhá-lo nos olhos. Seu rosto estava tão pálido e tenso como uma máscara de alabastro, e as lágrimas corriam por suas bochechas.
Um calafrio lhe percorreu as costas. Foi até ela e pegou sua mão. Estava fria como o gelo.
—O que te passa? O que ocorreu?
Antes que as palavras saíssem de sua boca soube a resposta.Voltou a cabeça para ouvir ruídos no exterior, uma multidão de soldados que caíam sobre ele como abutres.
«Não.» Sua cabeça lutava contra seu coração. Voltou correndo para a porta aberta sem querer acreditar no que estava acontecendo. Mas quando viu Despenser e Comyn sair dentre as árvores Lachlan soube a indubitável verdade: Bela o tinha levado direto a uma armadilha.
A estupefação se estendeu até o último cantinho de seu ser. Mas a dor que causava a traição atravessava seu coração como uma faca.
«Outra vez não.» Não podia ter cometido o mesmo engano. Ela o amava. Jamais o trairia. Havia uma explicação. Voltou-se para Bela ao mesmo tempo em que os homens se aproximavam para capturá-lo.
—Por que?
Se esperava que o negasse, teria uma grande decepção.
—Sinto muito! —gritou Bela com o rosto decomposto pelo desespero— Meu Deus, Lachlan, sinto muito! —Os homens o agarraram por trás. Não ofereceu nenhuma resistência. «Era certo»— Ele prenderam Joan! Estão com minha filha!
Capítulo Vinte e Um
Tinham-na enganado.
Bela acreditava que o pior momento desse odioso pesadelo seria suportar o rosto de assombro de Lachlan quando o levavam amarrado ao ver-se traído. Mas foi muito pior quando a transladaram ao castelo de Berwick, jogaram-na no quarto da guarda e lhe disseram que, depois de tudo, não se reuniria com sua filha, que a garota nem tão sequer sabia que estava ali, e que tudo tinha sido uma artimanha para que traísse Lachlan.
Sua filha nunca esteve em perigo. Segundo William, rechaçava todo vínculo com a mãe e desfrutava com sua posição na Inglaterra. Era um alívio saber que Joan estava a salvo, mas se negava a acreditar no resto. Envergonhava-a reconhecer quão fácil tinha sido enganá-la, que voltavam a controlá-la servindo do medo a que acontecesse algo a sua filha, e dessa vez inclusive conseguiram que traísse ao homem que amava.
Bela se deixou cair contra a parede de pedra e pensou que seguiria vendo a expressão no rosto de Lachlan durante toda a vida, tanto se ficava muito ou pouco dela. Sentiu-se invadida pelo desespero. Encontrar a felicidade depois de tantos anos e vê-la escapar de suas mãos era um golpe esmagante. Lachlan jamais o perdoaria. Diria que ela era igual a sua mãe e sua irmã: outra mulher que o traíra.
Nem tão sequer saber que não teve alternativa o fazia ser mais fácil. Ele teria sua oportunidade no cárcere. Sua filha não teria tido nenhuma.
Lachlan tinha razão. Qualquer pessoa era capaz de trair, porque todo ser humano tinha algum ponto fraco. E eles tinham encontrado o seu.
Escondeu a cabeça entre os joelhos, com o coração encolhido de angústia. Onde estava Lachlan? O que estariam fazendo com ele? Estariam lhe torturando? Amaldiçoaria seu nome nesses momentos pelo que lhe tinha feito?
Não podia suportar pensar nele. As lágrimas corriam por suas bochechas e queimavam como um ácido. Deus, que fracasso mais absoluto! Não só Lachlan, mas também sua filha. Agora estavam todos a mercê de Eduardo e seus homens. Por Deus santo! O que seria deles?
Os ingleses não pensavam correr o mínimo risco de que Lachlan fugisse.
Quão último ele lembrava antes que jogassem água fria à cara, era o rosto angustiado de Bela enquanto o levavam dali. Assim que lhe puseram os grilhões sentiu um estalo de dor na nuca. Um impacto tão violento que pensou que fora golpeado com uma maça ou com o punho de uma espada.
Recuperou a consciência imediatamente ao contato com a água geada. Assim que se incorporou sentiu náuseas e uma dor insuportável na cabeça. Ficou de lado e começou a retorcer-se sobre o chão úmido de maneira incontrolável. Via tudo dobrado.
—Parece que está acordado —ouviu que dizia uma voz.
Lachlan ergueu o olhar e viu um homem que o olhava de um plano superior por uma janelinha retangular situada a uns três metros do chão. Era a única fonte de luz, assim Lachlan tomou seu tempo para memorizar aquele espaço antes de responder, consciente de que assim que o guarda fechasse aquela porta estaria tão negro como o inferno. A bílis voltava a ameaçar com sua aparição, mas se negou a isso, concetrou-se em seus pensamentos. Precisava controlar o pânico, mas este lhe jogava o fôlego no cangote incessantemente. Parecia que os muros se fechassem em torno dele. Sentia-se tão oprimido que teve que obrigar-se a respirar com calma.
A masmorra era uma peça de três metros de altura por cinco de largura. Rocha sólida com duras arestas que não tinham sido construídas pelo homem, a não ser por Deus. O chão era de areia e pedra. Ao que parecia, o último ocupante era monte em um canto com ossos, excrementos humanos fossilizados e palha de outros tempos. Embora não tinha visto ainda nenhum rato, virtualmente ouvia seus chiados e passos. O suor se acumulava sobre suas geladas sobrancelhas. «Mantem a calma. Pensa.» Encontrou o que procurava no outro extremo da masmorra.
Ao ver que não respondia, o homem lhe jogou outro balde de água geada que lhe fez perceber o verdadeiro alcance de sua horrível situação. A água foi contra seu corpo nu. Antes de jogá-lo na fossa o tinham despojado de toda a roupa. Não tinha suas ferramentas, nem suas armas. Nada. Como diabos poderia libertar suas mãos? Puxou os grilhões que as aprisionavam sem pensar. De repente, ao saber que não poderia tirar, essas argolas de ferro pareciam mais rígidas e apertadas. O pânico uivou com mais força, como uma manada de cães raivosos esperando a ser libertados. Meneou a cabeça para clarear seus pensamentos e se sacudiu a água de seus empapados cabelos.
—Obrigado pelo banho —respondeu— Poderia me jogar também um pouco de sabão da próxima vez? Aqui embaixo fede—acrescentou depois de aspirar ao aroma.
O homem riu.
—Passando um momento não notará mais nada. Alegro-me de que estejas de bom humor. Irá necessitar. Farão vir a alguém especial para você —disse fazendo uma pausa para saborear a reação— O Extrator. Estou seguro de que terá ouvido falar dele.
Lachlan sentiu gelar o sangue. O Extrator era o torturador mais temido do rei da Inglaterra, conhecido por ser capaz de tirar informação inclusive do mais rebelde dos prisioneiros. A cabeça de Lachlan se encheu de imagens, lembranças daquilo pelo qual tinha passado e das coisas aprendidas após. Mas não deu mostra alguma do efeito que tinham aquelas palavras sobre ele.
—Podem economizar a viagem. Já conheci a homens com essa mesma habilidade.
Lachlan pôde apreciar o sorriso do guarda apesar de que quase todas suas feições ficavam escurecidas pela luz que havia nas suas costas.
—Já nos tinham dito que seria difícil, mas não fará tão comprida viagem só pelo prazer de te conhecer. —O guarda voltou a cabeça— Faça ela entrar!
Por Deus, não! O coração de Lachlan pulsou com violência. Todos seus músculos ficaram tensos, dispostos lutar. Mas era consciente de que devia ocultar sua reação.
—Te detenha! —gritou Bela— Aonde me levam?
O medo que percebia em sua voz lhe rasgava o coração, mas sabia que não podia fazer nada. Ouviu seus gritos afogados durante a resistência que precedeu a sua entrada na sala acima. Esforçou-se por permanecer imóvel enquanto os homens obrigavam a Bela a olhar pela ranhura para que pudesse vê-lo.
—Lachlan! Meu Deus, Lachlan, é você? O que te fizeram?
—Tirem essa puta daqui! —exclamou ele, torcendo a boca em um gesto colérico.
Bela ficou sobressaltada e retrocedeu de puro assombro.
—Lachlan, rogo-lhe isso. Sinto muito. Não pude fazer nada.
—Acredita que quero ouvir suas explicações? Traíste-me! —espetou-lhe com malícia— Afaste-a de meu olhar de uma maldita vez! —Ouviu como Bela soluçava à medida que os homens a puxavam e sentiu uma queimação no peito— Estou desejando ver o que seu visitante tem preparado para essa cadela. E quando acabar, peço-me o seguinte turno —acrescentou ao ver aparecer o rosto do guarda pela janelinha.
Partiu-lhe o coração ouvir seus delicados lamentos quando a levaram. O guarda ficou com o sobrecenho franzido, como se aquilo não tivesse saído como estava planejado.
—Pensei que fossem amantes.
—Estou aqui por sua culpa. Acredita que me importa um caralho o que lhe ocorra?
Obviamente essa não era a reação que o guarda previa, e isso era justamente o que esperava Lachlan.
—É um bastardo desalmado, MacRuairi —disse o guarda negando com a cabeça— Mas terá tempo para repensar sobre isso. O Extrator não chegará até manhã de noite.
A porta se fechou de repente sem que pudesse acrescentar nada, e Lachlan ficou condenado à escuridão mais absoluta.
Lachlan sabia que não podia contar com que fosse crível sua atitude com respeito a Bela. Só pensando no que poderiam lhe fazer para que ele falasse… Revolveram-lhe as vísceras. Não aguentaria muito. Poderia enrolá-los com mentiras, mas por quanto mais? Quanto tempo suportaria antes de enfrentar a tortura gelada de ver como torturavam à mulher que amava ou delatar a seus amigos?
Era melhor não alardear sobre sua capacidade para agüentar qualquer tipo de tortura por Bruce. Todas as pessoas tinham seu ponto fraco. Inclusive ele. O de Bela era sua filha. Como podia culpá-la pelo acontecido? Tinham-na feito escolher entre duas opções impossíveis e tinha escolhido proteger a sua filha. Aquela traição momentânea se transformou em compreensão assim que soube a verdade. Só podia imaginar com o que a teriam ameaçado para que acessasse. E por quanto não estaria passando agora que a tinham encarcerado de novo!
Tinha que conseguir sair dali quanto antes. Pôs sua mente a trabalhar na escuridão. Estava tudo tão negro que nem tão sequer via seus pés. Havia algo bom em que o guarda lhe tivesse contado o que pensavam fazer: o medo que sentia por Bela ultrapassava ao pânico de estar de novo encerrado em um lôbrego buraco.
Inspecionou o perímetro da masmorra e se aproximou da pilha de ossos. Não foi nada fácil tendo as mãos encadeadas à costas, mas conseguiu escavar entre a macabra massa e afastou as peças muito grandes. Ao final encontrou algo que podia servir. Era mais ou menos do mesmo tamanho e longitude que seu mindinho.
Ficou de pé. Encontrou uma rocha à altura adequada, agarrou o osso com tanta firmeza como pôde e o golpeou contra ela. Perdeu o equilíbrio pelo impacto e amaldiçoou. Teve que medir pelo chão durante um bom momento até que voltou a encontrá-lo. Mas à segunda vez funcionou. O osso se partiu em dois.
Examinou ambas as partes e ficou com a mais afiada deles, cuja ponta afinou limando-a uns instantes na rocha. Uma vez que teve a forma e o tamanho necessários, dispôs-se a trabalhar sobre os grilhões com cuidado. Demorou uma hora, porque não queria arriscar-se a que o osso se quebrasse dentro da fechadura, mas no final suas mãos estavam livres. Já era mais fácil medir na escuridão, assim rodeou a masmorra até que encontrou algo no que tinha reparado anteriormente: um pequeno deságue retangular.
O castelo de Berwick tinha sido construído sobre um montículo junto ao mar. E parte desse montículo estava rodeado de água tempos atrás, o deságue era necessário para evitar que alagasse a masmorra. Estava tampado com um ralo de ferro, mas se conseguisse tirá-lo, talvez pudesse penetrar por ele e encontrar uma saída.
Esteve horas trabalhando no ralo. Enrolou a corrente dos grilhões que antes imobilizavam suas mãos para puxá-lo, mas aquela maldita coisa parecia incrustada na rocha. Puxou e escavou até que lhe sangraram as mãos. Deus, o que teria dado por ser tão forte como Boyd!
O momento em que aquele maldito ralo cedeu foi um dos mais satisfatórios de sua vida. Ignorou os demônios do pânico que bramavam em sua cabeça e se esforçou para passar através do estreito buraco. Mal havia um par de centímetros de folga. Deslizou-se como uma serpente através do labirinto de rochas e contorceu seu corpo até adotar a forma mais estreita possível, rezando por não ficar entalado. As saliências das rochas lhe rasgavam a carne, mas ouvia o som da água abaixo e sabia que estava perto.
Então a sorte lhe deu as costas. O deságue fazia um giro abrupto para baixo e se estreitava até a metade. Era um martírio saber que o mar e a liberdade estavam tão perto, a pouco mais de dez metros, mas não podia chegar mais longe.
Lachlan deixou escapar uma enxurrada de blasfêmias que, no caso de não encontrar-se já nele, o teriam mandado diretamente ao inferno. Não pensava dar-se por vencido. Nem tão sequer quando fossem buscá-lo. Mas sabia que nesse momento quão único cabia fazer era esperar um milagre.
Capítulo Vinte e Dois
O milagre se produziu nessa mesma noite. Lachlan estava preparado para quando abrisse a porta. Tinha passado horas recolhendo tudo o que pudesse servir como arma: meia dúzia de rochas de diferente tamanho arrancadas das paredes do deságue, os grilhões com a corrente e um osso grande afiado em ponta para usar como adaga rudimentar. Assim que ouviu que trabalhavam em excesso com a fechadura se grudou à parede no canto mais escuro. Queria agarrar ao guarda pela cabeça para atirá-lo ao fosso e necessitaria um pouco de tempo para que seus olhos se acostumassem a repentina chama de luz. O homem parecia ter mais problemas que o normal com a fechadura. Lachlan ouviu que amaldiçoava em voz baixa.
Ao final conseguiu abri-la. O estreito feixe de luz era cegante. Assim que viu o guarda aparecer a cabeça apontou para sua imagem imprecisa e lançou o metal com todas suas forças. Jogar pedras ao mar tinha sido um de seus passatempos favoritos quando pequeno, e demonstrou sua utilidade quando ouviu que o guarda amaldiçoava e caía com todo seu peso. Era bastante grande para ser um inglês, e sua queda provocou um ruído seco. Lachlan ignorou a enxurrada de insultos e esperou a que aparecesse o seguinte guarda, prestando atenção ao buraco.
—Maldita seja, Víbora —disse uma voz do piso superior— Com que demônios lhe golpeou?
Lachlan sentiu encolher o estômago. «Por todos os diabos.»
—Falcão?
A sorridente cara de seu primo o olhou de cima e lhe piscou um olho.
—A seu serviço.
Lachlan se voltou para o resgumante corpo que jazia sobre o chão.
—A quem golpeei?
—Chefe.
Lachlan grunhiu ao perceber de que o líder da Guarda dos Highlanders estava sentado e sustentava a cabeça coberta pelo elmo. Pela greta do nasal o sangue que emanava do nariz dava a impressão de que essa pequena peça de metal o tinha salvado de uma ferida muito mais grave.
—Parece que estou em um maldito campanário —se queixou MacLeod— Ouço sinos por toda a cabeça. Com que diabos me golpeaste?
Lachlan sorriu. Superar ao MacLeod não era algo que acontecesse habitualmente, mas quando o fazia desfrutava com isso.
—Um pedaço dos grilhões —disse sorrindo bobamente— Bàs roimh Gèill.
«Morrer antes que render-se», lembrou-lhe.
—Bom tiro —disse MacLeod fazendo um gesto de dor enquanto limpava o sangue do rosto— Ao final acabaste aprendendo um par de coisas.
Lachlan lhe estendeu a mão e o ajudou a levantar-se.
—Não os esperava.
MacLeod o olhou com cara de poucos amigos.
—Esquece o que disse. Não aprendeste uma merda.
—Não podíamos deixar que te apodrecesse aqui, primo —disse MacSorley lá de cima— A próxima vez procura pedir ajuda antes de sair buscar guerra sozinho.
Lachlan esticou a mandíbula olhando a MacLeod.
—Suponho que saberão que esta missão não conta exatamente com a aprovação do rei.
—Sim. Já falaremos sobre seus problemas na hora de cumprir ordens. Mas Falcão tem razão. A próxima vez não te escape para cumprir uma missão arriscada sem pedir ajuda. Foi um inferno te encontrar, por não falar de tentar te tirar daqui. Essa fechadura foi um pesadelo —disse olhando-o com dureza— E não esqueça que tenho uma missão própria que cumprir.
Lachlan sabia que se referia à comprometida missão no castelo onde tinham encerrada à esposa de MacLeod. Uma missão em que todos participariam. Era consciente de que os tinha desvalorizados. Assentiu, dando-se por informado.
MacLeod ergueu o olhar para MacSorley.
—Falcão, solta já essa maldita corda.
Lachlan explicou o acontecido enquanto seu primo jogava a corda para tirá-los por turnos da masmorra, e MacLeod lhe fez um breve resumo de como tinham conseguido entrar no castelo.
Tinham-no feito de um modo parecido a primeira tentativa de libertação de Bela. Boyd e Seton entraram durante o dia com um carro de provisões e se esconderam no celeiro até o anoitecer. Para lhes dar o máximo tempo possível, tinham esperado à mudança de guarda na poterna que dava ao mar até cumprir com o seguinte passo: eliminar aos soldados, vestir-se com seu traje, como tinha feito Lachlan no convento, e assumir suas posições na muralha. Dali tinham feito gestos a MacLeod e ao resto dos homens da Guarda dos Highlanders, que esperavam em uma praia próxima. Estes chegaram até o castelo nadando na penumbra e usaram uma corda e um gancho de ferro para escalar o muro. MacLean, Lamont e MacGregor se uniram a Boyd e Seton na poterna que dava ao mar enquanto Gordon e MacKay tinham uma manobra preparada de distração junto à porta principal do castelo caso fosse necessário. MacLeod e MacSorley se encarregaram de encontrá-lo.
Lachlan não precisou perguntar como tinham burlado a quão soldados o vigiavam. Seus corpos jaziam no chão do quarto da guarda.
—Não tivestes nenhum problema? —perguntou-lhes Lachlan.
—Para entrar em um dos castelos ingleses melhor defendidos de Marches? Isso não é nada —disse MacLeod com sarcasmo— Demônios, Víbora, a próxima vez consegue que o encerrem na Torre de Londres para ser mais interessante.
MacSorley montava guarda junto à porta.
—Por certo, não resta muito tempo. Estamos na metade da madrugada, mas há suficientes homens aí fora para celebrar a chegada da primavera. Temos que encontrar lady Isabella e sair daqui antes que alguém se preocupe com eles —disse assinalando aos homens que havia no chão.
Lachlan lembrou o que Bela lhe tinha contado sobre os primeiros dias de seu cativeiro.
—A última vez a encarceraram na torre na asa este.
Antes e depois que a encerraram na jaula.
—Melhor —disse MacLeod— Está perto da poterna que dá ao mar e não está tão bem defendida. Queremos evitar a torre do oficial e a torre da comemoração, que estão perto da porta principal. Parece que tenham acendido os fogos do Beltane nessa zona.
Lachlan fez uma careta. MacLeod desaprovaria o que tinha planejado. O melhor espada das Highlands amaldiçoou e discutiu, mas Lachlan sabia que era um espetáculo. MacLeod gostava tanto dos desafios como a ele mesmo. E o que tinha intenção de fazer não podia qualificar-se de outra forma.
—Têm uma hora —disse MacLeod— Não podemos esperar mais tempo. Terá que partir antes da mudança da guarda na poterna do mar.
Lachlan assentiu.
—Ali estaremos —respondeu dispondo-se a partir.
—Primo… —Lachlan se voltou e viu que MacSorley sustentava sua roupa e suas armas— Talvez necessite isto.
Lachlan sorriu. Tinha esquecido que estava nu.
Bela jazia sobre o rudimentar jergón de palha, feita um novelo e coberta com a manta. Fazia horas que tinha esgotado suas lágrimas. Estava exausta e desfalecida, mas não podia dormir, nem tampouco despertar desse pesadelo que tinha caído sobre eles. Voltava uma e outra vez ao acontecido. A armadilha de Despenser e William tinha sido perfeita. Sabiam que voltaria para o convento para ver sua filha e evitar que percebessem sua fuga, e conhecendo sua relação, supuseram que Lachlan estaria com ela. Era irônico que o amor ditasse a sentença para ambos. O amor que tinham e o amor que ela sentia por sua filha.
Não servia de nada saber que não tinha alternativa. Simplesmente desejava não ter Lachlan consigo. Deus santo, como a desprezava! Inclusive na horrível escuridão daquela masmorra o veneno de seu olhar brilhava como um fogo verde. Não podia culpá-lo. Tinha que estar ficando louco ali embaixo, enfrentando aos demônios de seu inferno particular. «Sinto muito —gemeu tristemente— muito mesmo.»
A vela que iluminava o aposento piscou ante um movimento de ar. A porta. Olhou para trás e ficou sobressaltada. O coração lhe pulsava com força contra o peito. Sob o batente da porta, Lachlan se erguia entre as sombras como um aterrorizante fantasma vestido de couro negro e metal. Seus penetrantes olhos verdes se encontraram com os dela através do nasal. Bela se levantou de maneira instintiva e foi até a parede, escondendo os pés sob seu corpo.
Como se isso tivesse pudesse protegê-la.
—Como…?
Não terminou a pergunta. Já não se surpreendia como engenhava para escapar. Lachlan levou um dedo aos lábios, fechou a porta e cruzou o aposento em duas pernadas. Bela, que não sabia suas intenções, conteve a respiração. Depois do que havia dito, do ódio que mostrara seus olhos…
Lachlan a tomou entre seus braços e a estreitou contra seu peito, lhe sustentando a cabeça com a palma da mão.
—Meu Deus, Bela. Está bem?
A emoção de sua voz a confundia. Separou-se o suficiente para olhá-lo.
—Acreditei que me odiava.
Lachlan esboçou um sorriso que chegou ao fundo do coração.
—Tentava te proteger —disse lhe acariciando meigamente a bochecha— Pensei que mostrasse guardava rancor não te utilizariam para me abrandar.
Ficou sem fôlego, horrorizada ao perceber o que dizia. Mordeu o lábio e ergueu o olhar com vacilação.
—Soou muito convincente.
Lachlan riu e lhe deu um doce beijo na boca.
—Sinto muito.
Bela perdeu toda compostura.
—Pela graça de Deus, Lachlan por que teria que sentir? Tudo isto é minha culpa. Prometi-te que nunca o trairia. Mas tinha razão. Todos somos capazes de trair.
Lachlan a agarrou pelo queixo e a obrigou a olhá-lo.
—Não tinha razão. Fiz que tudo parecesse branco ou preto. O que fez não foi uma traição. Deram a escolha entre duas opções impossíveis e escolheu a menos terrível delas.
—Disseram-me que a encerrariam na jaula. —Lachlan murmurou um insulto desagradável e Bela pôs-se a chorar— Não podia permitir que fizessem isso, Lachlan. Não podia permitir que encerrassem minha filha…
—Chist… —Lachlan a fez calar enquanto a consolava com seu tenro abraço— É obvio que não. Já passou. Não pense mais nisso. —Confortou-a por uns instantes, mas logo se separou dela e a olhou— Não temos muito tempo. Está preparada?
Bela assentiu. Embora soubesse que era ridículo, e que cada segundo que perdiam aumentava o perigo, não pôde evitar sentir uma decepção irracional ao saber que sua filha estava tão perto. Mas poderia ter estado em um reino muito distante. Um reino que a separavam, centenas de soldados e um monte de grossos muros de pedra.
Era possível que Lachlan adivinhasse seus pensamentos, mas não disse. Em lugar disso, olhou-a arqueando uma sobrancelha.
—É que não vais perguntar-me como escapei?
Bela deu de ombros.
—Imagino que conseguiste abrir a fechadura de alguma forma.
Negou com a cabeça.
—É uma moça muito difícil de impressionar. Suponho que te deu conta de que a porta estava três metros acima de minha cabeça e de que tinha a fechadura por fora.
—Escalaste os muros? Voaste?
Lachlan riu.
—Não exatamente. Vieram me buscar.
Soube quem tinham sido ao perceber o orgulho com que dizia. Lachlan sorriu quando se encontraram seus olhares.
—Não me surpreende.
—Bruce ficará furioso.
—Sim —concedeu ela.
—Certamente terei que me comprometer a um novo acordo.
Acelerou-lhe o coração de esperança.
—Significa isso que decidiste ficar?
Lachlan assentiu e a estreitou entre seus braços uma vez mais.
—Falei sério. Não voltarei a te abandonar. Ficarei embora tenha que combater de graça. —Bela lhe dirigiu um sorriso radiante, com o coração cheio de gozo— Mas não conte a Bruce.
—Não o farei —respondeu ela entre risadas.
Lachlan lhe deu outro beijo na boca e a pôs em pé.
—Muito bem, então será melhor nós irmos. Alguém nos espera.
Aquele giro dramático que mudou os acontecimentos poderia ter sido assustador, mas assim que entraram na galeria, a mente de Bela se concentrou no perigo e na ameaça que era se os descobrissem. Por Deus bendito, como era capaz de fazer isso todo o tempo? Seu coração pulsava com o ímpeto das asas de uma mariposa. Cada vez que ouvia algo ou a luz se movia entrava em pânico absoluto de que os descobrissem. Lachlan parecia ir dois passos a frente. Quando ela reconhecia o perigo ele já tinha lutado com ele. Nem tão sequer tinha que preocupar-se em surpreendê-la. Estava completamente admirada.
Não tivera a oportunidade de perguntar a respeito de seu plano, mas a assombrou que ao sair da torre do este a fizesse passar junto aos barracões em que dormiam os soldados ingleses para ir à igreja do castelo. Puxou sua mão para perguntar isso.
Lachlan negou com a cabeça, lhe comunicando em silêncio que não se preocupasse, e a fez entrar pela porta traseira da pequena igreja. Reinava um silêncio assustador. Várias velas titilavam junto ao altar, onde as tinham deixado depois dos ofícios.
—Por que viemos aqui? —sussurrou Bela pressentindo que era seguro falar.
—Há alguém que quer te ver —De repente Lachlan parecia preocupado—Vá e diga o que te dizer, meu amor. Estarei aqui quando acabar.
Ficou lívida e abriu os olhos com incredulidade. «Meu Deus!» Não podia ser. Não o tinha feito. E entretanto, era certo. Lachlan abriu a porta da sacristia, e ali de pé, no aposento onde guardavam as roupas do sacerdote, estava sua filha.
—Joan!
Este fico grito foi tudo que pôde articular depois de três anos.
A formosa garota, ou melhor dizendo, a formosa mulher, olhou a sua mãe com incerteza.
—Olá, mãe.
Bela recuperou a compostura e se voltou para Lachlan com olhos frágeis. Tinha-lhe dado o melhor presente do mundo. Havia-lhe devolvido a sua filha. Seu coração doeu. Por Deus, quanto o amava!
—Obrigado.
Lachlan assentiu.
—Está preparada? —perguntou Bela com emoção, adiantando-se e ficando paralisada ao ver que Joan retrocedia.
O sutil rechaço lhe doeu. « Dê tempo. Foram muitos anos.» Mas estava desejando estreitá-la entre seus braços.
—Tiveste tempo de recolher suas coisas? —perguntou Bela sem refletir seu padecimento.
Joan trocou um olhar com Lachlan, que estava atrás de Bela. Este negou com a cabeça.
—Esperarei lá fora.
Antes que Bela pudesse imaginar o que significava aquilo já estava a sós com sua filha.
—Não irei —disse Joan.
O coração de Bela deixou de pulsar. Sua mente não queria aceitar. Não desejava ouvir o que Joan estava dizendo.
—Já sei que se passou três anos. Sei que deve pensar que te abandonei…
Joan fez ver que não eram necessárias as explicações.
—Sei que tentou me levar contigo. Não te culpo pelo que aconteceu. Fez o que devia fazer. Aquilo no que acreditava. Jamais poderei te culpar por isso.
Bela sentiu que lhe espremiam o coração. Quem era essa jovem tão serena e controlada?Quem era essa estranha? Onde estava a garota que se aninhava junto a ela na cama para que lhe contasse histórias, a que corria para ela quando arranhava o joelho, aquela menina que a necessitava?
—Então por que? —disse com a voz afogada— por que não quer vir comigo?
Joan se apoiou sobre uma mesinha, como se temesse perder o equilíbrio, o único sinal externo de que aquilo era difícil para ela. Tinha uma expressão firme e serena. Resolvida.
—Agora minha vida está aqui na Inglaterra, com minhas primas e meu tio.
Bela ficou de coração partido.
—Mas poderia ser perigoso para ti.
Joan arqueou uma sobrancelha com ironia, um gesto tão maduro que criava novas fissuras no coração de Bela.
—Mais perigoso que a Escócia? —Negou com a cabeça— Não acredito. MacRuairi me contou com o que lhe ameaçaram, mas te asseguro que jamais estive em perigo. O rei Eduardo me favorece. Acredito que… —Sua voz se rompeu um pouco pela emoção— Acredito que se envergonha do que seu pai te fez. Sir Hugh também me aprecia. Prometeu me encontrar um marido logo. Um homem poderoso que me ajude a reclamar meus direitos sobre o condado.
Bela olhou a sua filha sem poder acreditar. Não era nada incomum, mas…
—Quer te casar? Mas se só tem quatorze anos…!
—Agora mesmo talvez não, mas sim dentro de pouco. Simplesmente queria te explicar por que não posso ir. Por que não irei contigo. Escolheu seu caminho, mãe. Agora eu devo escolher o meu.
Havia algo que não se enquadrava. Embora talvez simplesmente quisesse lhe transmitir as notícias pessoalmente.
—Mas…
A porta se abriu a suas costas. Era Lachlan.
—Sinto muito, Bela. Temos que ir. Logo farão a mudança de guarda.
Mas suas pernas não queriam se mover. Durante todos aqueles anos quão único a fazia avançar era o momento em que se reuniria com sua filha. Jamais lhe passou pela cabeça que Joan não queria ir com ela.
—Minha vida está aqui, mãe —repetiu Joan em voz baixa.
Bela sentiu que lhe tremiam os ombros. Sentiu que se desmoronava. Mas Lachlan estava atrás dela. Apoiando-a. Sustentando-a. Deixou se cair sobre ele. Deus, necessitava sua força.
—Se esse for seu desejo… —disse com voz trêmula .
—Assim é —respondeu Joan, assentindo com gravidade.
Não a afetava tão pouco como parecia. Bela notava a rigidez de seus braços e ombros. Guardava a compostura com todas suas forças.
—Poderei te escrever?
Joan baixou o olhar, negando-se a olhá-la nos olhos. Pela primeira vez se parecia com a menina que Bela lembrava.
—Seria melhor para mim se não fizer.
Bela tentou engolir, mas tinha um nó na garganta.
—Entendo.
Seria menos perigoso para sua filha se todos pensasse que não havia nenhuma relação entre elas.
—Talvez quando acabar a guerra —concedeu Joan ao perceber sua angústia.
Bela assentiu e se obrigou a esboçar um sorriso.
—Então rezarei por que acabe logo.
Joan sorriu com vacilação em resposta.
—O mesmo farei eu.
Compartilharam um momento de silêncio, um rogo comum para o futuro.
—Sinto muito, Bel —apressou Lachlan por trás— Temos que ir.
—Mas… —Bela se conteve, tentando controlar suas emoções. Respirou profunda e entrecortadamente, lutando contra a queimação de seu peito— Adeus, Jo.
Assim a chamava de quando menina.
Joan ergueu o olhar para ela. Pareceu lhe custar bastante responder.
—Adeus, mãe.
Havia algo em sua voz. Algo nas profundezas de seu olhar lhe dizia que Joan não era essa estranha que aparentava ser. Que sua filha ainda vivia nela. Oculta por anos de separação, mas ainda ali. Bela não pôde dominar-se. Percorreu a distância que as separava e estreitou entre seus braços à rígida garota, abraçando-a com todas suas forças. Por um instante Joan desfaleceu, mas depois voltou para sua rigidez e se separou dela. Bela a agarrou pelos ombros.
—Me jure que chamará se algum dia estiver em perigo.
Joan assentiu.
—Farei. Prometo-lhe isso.
Tirou o broche da capa e o deu a sua filha.
—Quero que fique com isto.
Os olhos de Joan se abriram com surpresa ao perceber de que era o broche dos MacDuff.
—Não poderia…
Tentou devolver-lhe, mas Bela o rechaçou.
—Por favor. Quero que fiques com ele. É parte do que é.
Joan assentiu com os olhos velados pelas lágrimas. Olhou a Lachlan com cara de impotência. Este afastou Bela dali com cautela. Pela segunda vez escapulia entre as sombras, deixando para trás sua filha. Passou muito tempo até que teve oportunidade de falar com ele, mas aquela sólida presença a seu lado enquanto escapavam do castelo com o resto de seus companheiros a ajudou a manter-se em pé, a conservar o equilíbrio quando cambaleava e a aliviar a dor que causada pela escolha de sua filha, um futuro no que ela não estava incluída.
Horas mais tarde, envolta na cômoda calidez dos braços de Lachlan, que a agasalhavam para que dormisse enquanto cavalgavam, Bela se permitiu ao fim dar rédea solta às lágrimas e chorou não a perda de sua filha, e sim a de suas vidas em comum. Era um dia que toda mãe sabia que chegaria, mas o seu foi cedo demais.Os filhos eram arrancados dos braços de suas mães para que os adotassem ou servissem de escudeiros com algum cavalheiro. Mas as filhas… Sua filha era dela até que se casasse.
—Sinto muito, meu amor —disse Lachlan com ternura.
Bela assentiu. Ao ver quão preocupado estava, esforçou-se por sorrir.
—Será melhor que seu primo não te ouça dizer isso.
Franziu o sobrecenho.
—Falcão pode ir se foder —conteve-se e lhe piscou os olhos a modo de desculpa— Não me importa o que pense.
—Sério? Pela maneira em que o olhava faz um momento acreditei que estivera te aporrinhando bastante. O que te disse?
—Nada —disse muito depressa, mas depois, ao ver que Bela arqueava uma sobrancelha a modo de advertência, pensou melhor— Digamos simplesmente que desfruta como um patife de que agora eu fale melhor sobre o matrimônio.
—Faz?
—Sim… Bom… Maldita seja, Bela, quero que te case comigo. Sei que não tenho nada pra te oferecer. Sei que teria que estar muito louca para te casar com um patife como eu, mas…
—Se está me pedindo isso, talvez prefira deixar de me contar todas as razões pelas que não deveria me casar contigo.
Lachlan fechou a cara, talvez com muito orgulho para alguém que recebia o nome de uma serpente mortífera, mas isso o lembraria mais tarde.
—Simplesmente queria que soubesse onde te coloca.
Bela riu.
—Sei perfeitamente onde me coloco. Mas parece que se esquece do mais importante. —Lachlan parecia desconcertado, assim Bela o ajudou um pouco— A parte em que me declara amor eterno.
—Acreditei que isso era óbvio.
—É. Mas já que se trata de uma proposta de matrimônio, acredito que eu gostaria de ouvi-lo de novo.
Tomou pelo queixo e girou seu rosto para que o olhasse.
—Amo-te, Bela. Não só te amarei até o dia em que morra, mas também das alturas dos céus ou das profundezas do inferno, até que minha alma deixe de existir.
Cada vez era melhor. Bela pôs a mão sobre aquele familiar queixo sem barbear. Por Deus, como o amava.
—Será uma honra para mim ser sua esposa.
O rosto de Lachlan se iluminou com o sorriso mais sincero e radiante que tinha visto. Estreitou-a entre seus braços e a beijou, lhe comunicando o verdadeiro alcance de seu amor com o roce de sua língua e seus lábios. Quando acabou de beijá-la Bela tinha a respiração agitada e teria desejado não estar atravessando a floresta no lombo de um cavalo, no meio da noite, e rodeados por uma dezena de highlanders muito curiosos e sorridentes.
Lachlan percebeu o que lhe passava pela cabeça, porque riu e sussurrou:
—Depois.
Essa sensual promessa de uma só palavra fez que o sangue esquentasse por suas veias antecipando o momento. Bela assentiu e se aninhou entre seus braços.
—Estará a salvo, Bela. Tudo que ela pode estar nesta maldita guerra.
Que bem a conhecia. Tinha adivinhado para onde se dirigiam seus pensamentos.
—Parecia bastante seguro sobre o carinho que têm seu tio e sir Hugh. —Lachlan permanecia em silêncio. Muito— O que fez?
Ele deu de ombros.
—Simplesmente me assegurei de que sir Hugh não esquecesse.
Bela ficou olhando-o fixamente.
—Entrou em seus aposentos?
—Sobravam-me um par de minutos.
Bela negou com a cabeça.
—E como o convenceu para…? —disse sem concluir a pergunta— Esquece, não quero saber.
Lachlan sorriu.
—Digamos simplesmente que lhe fiz temer a ira de Deus.
—Mas bem a ira do guerreiro fantasma.
Lachlan soltou uma gargalhada.
— Mas que diabos é esse ruído? —disse MacSorley a suas costas.
—Que se foda, Falcão —respondeu Lachlan.
Bela sorriu.
—Seu primo é muito divertido.
Lachlan pigarreou junto com o resto dos homens que tinham ouvido o comentário.
—Por Deus, que não te ouça dizer isso.
Mas já era muito tarde. Falcão aproveitou a oportunidade para lhe oferecer uma amostra de quão divertido podia chegar a ser, para desgraça de Lachlan. Mas ao cabo de um momento desistiu de tentar fazê-lo fechar o bico, e inclusive colaborou, fazendo algum outro comentário de sua colheita. Muito depois, quando Tor MacLeod pôs fim ao «bate-papo», Bela se recostou sobre Lachlan e fechou os olhos.
—Sei que esperava um final diferente —disse ele com voz calma.
Aquela guerra já a tinha castigado suficiente. Mas Bela se negava a que acabasse também com a relação que tinha com sua filha.
—Não é o final, somente o começo.
Tendo Lachlan a seu lado, lutaria até o final.
Capítulo Vinte e Três
Dezembro de 1314, Benbecula, ilhas Ocidentais
Tinha esperado durante seis anos que chegasse esse dia, e quando o tinha ante si Bela mal podia conter-se. Aguardava com inquietação junto à janela do grande salão, na magnífica torre que seu marido tinha construído para ela no paraíso, ou ao menos em sua parcela particular dele. A pequena ilha de Benbecula, a meio caminho entre o norte e o sul de Uist, era afastada, era privada e tão formosa como os jardins do Éden, com longas extensões de praia com areia, dunas, uma vegetação exuberante e vistas abertas para as resplandecentes águas azuis.
Apesar da cólera do rei pela missão não cumprida de tantos anos atrás, Robert manteve sua promessa e concedeu a Lachlan as terras e o dinheiro que merecia por seus serviços. Se a mudança de parecer do monarca foi devido aos rogos de Bela, ou à promessa que Lachlan fez ao rei de lhe servir até o final da guerra ou a que libertassem a sua irmã mais nova, Mary, semanas depois de sua volta, ninguém podia saber.
Mas as famílias dos homens do clã de Lachlan que tinham morrido lutando por ele obtiveram sua segurança, e ele tinha o lar tranqüilo e aprazível pelo qual tanto tinha trabalhado. Sobre tudo nesse momento, que havia retornado para ficar. O guerreiro de elite tinha liberado sua última batalha em junho. A guerra tinha acabado. Uma guerra que tinha exigido muito de todos eles. Contudo, tinham sobrevivido e completado sua parte.
Entretanto, por mais plenitude que Bela sentisse em seu coração nos últimos anos, sempre houve nele um vazio. Nesse dia o vazio se encheria.
Bela olhou pela janela e esquadrinhou o diáfano horizonte retorcendo as mãos com desespero. Ao voltar o olhar o coração se alegrou, como sempre ocorria quando o olhava. Lachlan lhe parecia inclusive mais bonito que no dia que o tinha conhecido. O violento patife tinha sofrido uma transformação. Seguia sendo imponente fisicamente, mas as rugas de crueldade de sua boca se suavizaram. Os sorrisos, que antes eram pouco freqüentes, iam a seu rosto com facilidade. Tinham sofrido muito para conseguir ser felizes, mas tinham conseguido.
—Está seguro de que era hoje? —perguntou.
—Sim, igualmente as últimas cinco vezes que me perguntaste —disse isso com um desses sorrisos fáceis que adornavam agora sua boca— Não se preocupe, Bel. Virá. Falcão disse que chegaria em torno do meio dia.
Levantou-se da cadeira que ocupava junto ao fogo, aproximou-se por trás, lhe rodeando o corpo com seus enormes braços, e lhe acariciou a nuca com o queixo. Bela deu risada, como se fosse uma menina e não uma mulher de trinta e seis anos.
—Isso faz cócegas. —voltou-se e o agarrou pela pequena barba que deixou crescer— A seu primo ocorrem as idéias mais descabidas.
Na presente ocasião essa espécie de competição que tinham entre primos se centrava em conseguir a barba mais estranha. Bela tinha que admitir que esperava com ilusão a chegada de suas novas ocorrências. A última de Lachlan nesse pequeno retângulo de barba sob o lábio, que em lugar de fazê-lo parecer ridículo, conseguia que seu atrativo fosse ainda mais endiabrado.
—Acreditava que você gostava disso —disse ele arqueando uma sobrancelha.
Bela se ruborizou ao lembrar o momento em que lhe havia dito o quanto gostava e o separou de si.
—É incorrigível.
Lachlan a fez voltar-se para beijá-la.
—E você é preciosa.
Bela se derreteu entre seus braços e lhe acariciou o pescoço ao mesmo tempo em que desfrutava com os longos e lentos roçar de sua língua.
—Demônios, está fazendo outra vez.
Bela fulminou Lachlan com um olhar que se tornou mais duro ao ver que se esforçava por conter a risada.
—Acreditava que te tinha proposto fazer um esforço por moderar sua linguagem.
—Estou… tentando —disse encolhendo os ombros como um menino.
Bela se voltou e os cruzou os braços para repreender ao pequeno intruso de cinco anos, que não só era idêntico no aspecto mas também falava exatamente como seu pai.
—Erik, o que havíamos dito?
O encantador menino moreno de olhos verdes enrolou a sua mãe com um sorriso arrebatador.
—Está tão bonita hoje, mãe.
Que Deus a ajudasse!
Bela voltou a fulminar Lachlan ao ouvi-lo rir.
—Não me olhe. Foi você que quis chamá-lo como o Falcão.
Pode ser que se parecesse com seu pai e falasse como ele, mas Erik MacRuairi era igual de encantador, sedutor e irresistível que seu xará. Era impossível zangar-se com ele. Dirigia-a como queria, como se fosse o punho de uma de suas pequenas espadas de madeira. O menino tinha insistido em ter duas. Ambas tinham gravadas as palavras «usque ad finem», exatamente igual às de seu pai. «Até o final de tudo.» De novo, exatamente igual às de seu pai.
Lachlan atravessou o aposento e se ajoelhou junto a seu primogênito. Apesar do que se divertia, lutou para olhá-lo com uma severidade imponente.
—Lembra nossa conversa, filho? —Erik, com uma rebelde onda de cabelo negro lhe cruzando a testa, assentiu— Me decepcionaste —lhe repreendeu Lachlan seriamente— Não é educado amaldiçoar na presença de damas.
O Lachlan em miniatura franziu o cenho, como se tivesse ficado pensando nisso. Mas logo sorriu.
—De acordo. Só o farei quando estiver na presença de homens. Mas melhor dizer também a Tina, porque faz alguns minutos disse umas coisas horríveis quando Ranald não a deixou que levasse seu birlinn com Robbie.
—O que? —exclamou Bela.
Dessa vez foi Lachlan quem amaldiçoou.
Erik os olhou como se estivessem pasmados.
—Isso é o que vinha dizer —explicou pacientemente— Tina queria levar o birlinn do pai para encontrar-se com o tio Erik, mas Ranald não a deixou fazer.
—Pelo amor de Deus! —gritou Bela, tampando a boca, completamente horrorizada.
Erik a manga de Lachlan.
—Isso não é uma blasfêmia, pai?
—Não se preocupe —disse Lachlan, economizando para mais tarde a explicação a seu filho— Eu me ocuparei disso.
Bela assentiu e se deixou cair sobre a cadeira mais próxima. A loirinha de olhos verdes de quatro anos, pirata em formação, tinha pensado que podia fazer navegar um navio, nada menos que com seu irmão Robert, de dois anos, como segundo no comando. O mais provável era que inclusive pudesse fazer. Aquela menina acabaria com ela. Sua filha tinha recebido o nome em honra tanto a sua famosa tia, Cristina das Ilhas, como à esposa de Tor MacLeod, que tinha se convertido numa das melhores amigas de Bela durante os últimos seis anos, mas o sangue viking de seus ancestrais fluía com força por suas veias.
Pai e filho saíram ao corredor agarrados pela mão. Lachlan com essa graça demolidora que ela sempre tinha admirado e Erik com o andar galante que em não muitos anos romperia inumeráveis corações.
Amava-os tanto… Depois de anos de rigores a fortuna lhe sorria claramente. Pensou que se tornara estéril ao não ter tido mais filhos depois de Joan. Mas um pouco depois de retornar de Berwick descobriu que estava grávida de Erik. Naquele momento o menino foi uma bênção em mais de um sentido.
Separou-se de sua mente os pensamentos tristes e voltou para a janela. Sorriu ao ver como Lachlan lançava Robbie ao ar enquanto Erik e Tina faziam círculos a seu redor na areia. Adeus à roupa nova com que os tinha vestido. Incapaz de resistir a tentação de sua família e desfrutar de um incomum dia ensolarado em dezembro, saiu a passo rápido do grande salão para reunir-se com eles.
Mas assim que saiu avistou a vela e ficou paralisada no começo da escada, vendo como o birlinn com o emblema do falcão gravado se movia sem dificuldade entre as ondas do lago salgado.
Tinha chegado. Bela fechou os olhos e deu graças em silêncio. Depois de todos esses anos Joan por fim tinha chegado. As emoções a sacudiram com força e impactaram contra seu peito com um ruído surdo. Seus olhos se alagaram em lágrimas.
Baixou lentamente a escada, agarrando-se a madeira do corrimão como se fosse um salva-vidas. Mas quando Joan pôs um pé no molhe e começou a avançar para ela Bela abandonou toda pretensão de compostura. As lágrimas se derramaram livremente por suas bochechas e suas pernas caminhavam cada vez mais depressa.
Joan ergueu o olhar. Era preciosa. A promessa de beleza feito realidade naquela jovem que a olhava a distância. E quando em seu rosto de serena formosura apareceu um sorriso de felicidade, Bela soube que tudo sairia bem. Sua filha tinha voltado para seu lado. Uma filha que se parecia mais a ela do que jamais teria imaginado. Bela compreendia a escolha que fez, talvez melhor que ninguém, a razão pela qual tinha feito aquilo. Mas tinham passado quase dez anos de sacrifício e agora teriam o resto de suas vidas para elas.
Joan soltou a mão do homem que a acompanhava, correu os metros que a separavam de Bela e se jogou em seus braços. Riram, choraram e experimentaram todo tipo de gozo que cabia sentir entre essas duas emoções. Tinham muito que a contar uma à outra. Mas isso podia esperar. Havia tempo.
Ao final, Bela se separou dela para olhá-la melhor.
—Está bem.
Joan sorriu.
—Muito bem.
A Bela não passou despercebido o olhar que dirigiu ao homem que permanecia de pé junto a Falcão no embarcadouro. Sentiu-se aliviada ao comprovar que não pareciam restar restos de animosidade entre o cavalheiro inglês e o marinheiro GallGaedhil. Esperava que também Lachlan cumprisse sua promessa de mostrar-se simpático.
Os meninos apareciam com a cabeça por trás das pernas de Lachlan sem saber muito bem como interpretar a cena.
—Por que mamãe chora? —perguntou Tina a seu pai.
—Porque é feliz. —Seu olhar se encontrou com Bela e sorriu— Muito feliz. Venham pequenos, é hora de que conheçam sua irmã.
Bela observou a reunião que entre seus filhos e viu por fim completa sua felicidade.
Tudo tinha valido a pena.
Fim
Série Guardiões das Highlands
1 – O Guerreiro
2 – O Falcão
3 – O Guardião
4 – Víbora
5 – The Saint
Nota de Revisão: Estão previstos mais cinco ebooks desta série, segundo a escritora.
Birlinn – espécie de bote
Nota da autora
O personagem de Lachlan é uma mistura do verdadeiro Lachlan MacRuairi, ou Roland, como aparece chamado em outras ocasiões, e seu irmão Ruairi, ambos os filhos bastardos de Alan de Garmoran. Os historiadores parecem estar de acordo que os MacRuairi eram os descendentes mais violentos e rebeldes de Somerled, o qual herdaram as «práticas de pirataria dos vikings» (R. Andrew MacDonald, The Kingdom of the Isles, Tuckwell Press, Edimburgo, 2002, P. 190).
Lachlan é definido como um «personagem sinistro» e predador» que «atuava sempre segundo seu próprio interesse». (Veja a este respeito MacDonald, P. 190, e G. W. S. Barrow, Robert Bruce, Edinburgh University Press, Edimburgo, 2005, P. 377.) Barrow o descreve assim: «Lachlan é uma figura misteriosa que entra e sai dos fatos registrados na guerra anglo-escocesa, sempre aparece em um segundo plano e como bagunceiro. Desafiou ao seu devido tempo e com total impunidade ao rei John, ao Eduardo I, aos Guardiães da Escócia e ao conde de Ross. É perfeitamente possível que se considerasse a si mesmo rei das Ilhas». (Barrow, P. 377.) Com referências como estas era difícil não estar intrigada. Estamos falando das características definitorias do herói «bad boy»!
Dizia-se que Lachlan fora casado com a filha de John do Lorn, cujo nome se desconhece. Já que desejava seguir utilizando nomes de clã apropriados, tomei emprestado o nome Juliana de sua própria tia, casada com Alexander MacDonald (o irmão do Angus Og).
Conforme se acredita, a batalha de Kentra Bay do ano 1297 enfrentou Lachlan MacRuairi com os ingleses. Não obstante, a emboscada do John do Lorn é de minha própria invenção. É certo que Lachlan passou certo tempo em uma prisão dos MacDonald e que os MacDougall o acolheram depois de sua fuga. Mas pouco depois disso, Lachlan trocou o bando dos MacDougall pelo dos MacDonald, algo que fez voar minha imaginação. Aquilo soava a traição pura e simples.
Em contraste com os piratas MacRuairi, Isabella MacDuff, condessa de Buchan, é na história como uma das maiores heroínas da Escócia. Casada a tenra idade com John Comyn, o conde de Buchan, duas décadas mais velho que ela, escapou de seu marido (alguns dizem que lhe roubou os cavalos) e cavalgou até Scone para coroar a Bruce, chegando um dia tarde. Celebrou-se sem dúvida uma segunda cerimônia, o que demonstra a importância da tradição de legitimar a pretensão de Bruce ao trono. Tecnicamente, o chefe do clã MacDuff exercia seu direito de coroar aos reis da Escócia levando-os a pedra do destino, que Eduardo I levou. É preciso esclarecer que até esse momento a coroação não era parte da cerimônia. O fato de que não houvesse coroação, e de que o rei não fora ungido, era usado por Eduardo como argumento para mostrar que os escoceses eram reais súditos da Inglaterra. Para maior simplicidade usei as palavras «coroação» e «coroar» como sinônimos.
Os motivos pelos quais Bela arriscou tanto por Bruce não estão de todo claros. Corriam rumores de que era seu amante. Suponho que é uma possibilidade, mas me parece mais propaganda dos ingleses, sobretudo tendo em conta que Isabella e a rainha viajavam juntas quando foram capturadas. O que sim é certo é que Bruce tinha um bom número de filhos bastardos.
A sorte de Isabella mudou, junto com a de Bruce, depois da perda da batalha de Methven. A maioria dos historiadores estão de acordo em que as mulheres permaneceram junto ao rei até a batalha de Dal Righ, em que lhes ordenou retirar-se à segurança de Kildrummy enquanto ele fugia para o oeste com seus homens. Não se sabe muito bem por que as mulheres abandonaram Kildrummy, mas assim foram capturadas em Tain, traídas pelo conde de Ross, que violou o santuário para leva-las.
O castelo de Kildrummy caiu pouco depois de que escapassem as mulheres. Tal como descrevo, foi o ferreiro quem traiu à guarnição pondo fogo aos cereais armazenados temporariamente no grande salão. Nigel Bruce foi capturado, igual a Robert Boyd, quem ao que parece conseguiu escapar. Nigel entretanto foi executado; o terceiro irmão de Bruce que assassinavam em só um ano. Os ingleses certamente pagaram o ouro prometido ao ferreiro fazendo-o correr fundido em sua garganta.
Isabella MacDuff foi encerrada em uma jaula e pendurada numa torre do castelo de Berwick pelo papel que desempenhou na coroação de Bruce. Aqueles que saibam francês podem ver um vínculo em minha página Web da ordem de encarceramento original das mulheres.
Não se sabe ao certo quanto tempo teve que suportar Isabella nesse cruel cativeiro, mas poderia ter durado até quatro anos. Acabaram transladando-a ao convento do monastério de Mount Carmel, embora o que aconteceu depois disso é incerto. O mais provável é que morrera no convento, já que não retornou com o resto das mulheres depois da guerra. Não obstante, encontrei um relato de uma fuga, algo que me parece no final mais satisfatório, se não o mais provável, para a grandeza desta heroína.
Embora não haja prova alguma de que Buchan tentasse divorciar-se de Isabella, tampouco parece ilógico. Não fez nenhum esforço por influir em Eduardo para que aliviasse o castigo de sua esposa. De fato, certas fontes sugerem que desejava que a executassem. A dissolução do matrimônio na Idade Média é um tema de suma complexidade e os peritos não entram em acordo em determinar se era algo usual ou não. Na seção do Special Features de minha página Web amplio a informação a este respeito.
É provável que Isabella e Buchan não tivessem filhos, mas encontrei uma menção a uma filha chamada Isabel. Convenientemente para minha história Buchan morreu em 1308, enquanto Isabella seguia em seu cárcere. Embora a conexão com o Lachlan seja meramente fictícia, pensei que ela merecia um final feliz.
O destino das outras mulheres está muito mais claro. Christina, a irmã de Bruce e viúva do conde de Mar e de Christopher Seton, foi enclausurada no convento de Sixhills. A rainha Elizabeth foi libertada com relativa facilidade, certamente devido à influência de seu pai, o conde de Ulster, e cumpriu prisão domiciliar em Burstwick. Marjorie, a filha mais nova de Bruce com Isabella de Mar, sua primeira esposa, foi em princípio confinada em uma jaula na Torre de Londres. Assim que Eduardo cedeu, transladaram-na ao priorado de Walton. Mary, a irmã mais nova de Bruce, teve um destino similar ao de Isabella: encerraram-na em uma jaula no castelo de Roxburgh.
Por que encerraram a Mary Bruce em uma jaula e não às demais mulheres? Não sei, nem tampouco encontrei nada que explique no que se diferenciava do resto delas para receber tão cruel castigo. Naquele momento Mary não teria mais de treze ou quatorze anos.
Mary Bruce foi liberada em 1309, mas o resto das mulheres não retornaram a Escócia até depois do fim da guerra, em 1314. Mary se casou com Neil Campbell, muito mais velho que ela (irmão de Arthur, em Guardião), e depois, quando morreu este, com o Alexander Fraser (irmão da Cristina em Guerreiro).
Notas
[1] Tradução livre: Martírio dos escoceses. Foi o rei que mais guerreou e matou escoceses.
[2] Vergonha, ignomínia; desonra, vexame. Abjeção, Estado abjeto.
[3] Referência ao primeiro MacDuff. A origem do nome do clã.
[4]
[5] Uma espécie de estrado.
[6] Tradução livre: Um não sei o que, um tcham…
[7] Aqui ele faz referência a uma coleção de animais selvagens do Rei Eduardo.
[8] Espécie de navios movidos a remos, onde os remadores sentavam-se um ao lado do outro.
[9] Poterna (ou porta do ladrão, porta da traição, ou porta falsa), em arquitetura militar, é uma porta secundária, dissimulada nas muralhas de um castelo ou fortaleza, conduzindo para o exterior, permitindo aos ocupantes das instalações, sair ou entrar sem atrair as atenções nem serem vistos
[10] Um cinturão de couro grosso (também talabarte , bawdrick, bem como alguns outros, a maioria raros ou obsoletos, variações) é um cinto usado sobre um ombro que é normalmente usado para transportar uma arma (normalmente uma espada ) ou outra aplicação como uma corneta ou tambor .
Monica McCarty
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