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À Marla Costa e Adriana Gardênia, por me ensinarem todos os dias que quando o amor é verdadeiro, não existe tempo nem distância que nosimpeçam de abraçar a pessoa amada.
“O amor tem dessas coisas, não precisa de palavras, sons ou cheiros para se expressar, é apenas gestos e sensações. O suficiente para que duas pessoas que se amam de verdade rompam todas as barreiras que os separam. Nenhuma história, diferença ou acontecimento seria capaz de impedi-lo. Quando existe amor verdadeiro, nenhum tempo é o suficiente para vivê-lo, e cada segundo faz toda a diferença”.
Capítulo 1
Comemorando a Vida
VISÃO DE CATHY
Acordei sozinha deitada sobre pétalas de rosas vermelhas. Imediatamente sorri para as lembranças da noite anterior. Thomas havia feito uma linda surpresa para comemorarmos
nosso primeiro ano juntos.
No dia 18 de Junho de 2000, decidimos ficar juntos e ele finalmente descobriu que eu era virgem. Ri comigo mesma relembrando todos os acontecimentos que fizeram
com que eu rompesse minhas barreiras e me entregasse ao amor. Foram circunstâncias difíceis, mas como dizem: há males que vêm para o bem.
Levantei me sentindo leve. Feliz! As lembranças da noite anterior eram as melhores possíveis. Thomas não estava na cama, e pelo visto, nem no quarto.
Estávamos no apartamento do pai dele, onde um dia meu noivo tinha me levado para demonstrar o quanto eu era especial em sua vida. Lembrava muito bem da vontade que
sentia de voltar e compartilhar os seus momentos.
Thomas havia organizado uma comemoração maravilhosa para o nosso aniversário, com direito a jantar romântico, músicos, rosas, joias e algumas brincadeirinhas. Claro
que o que mais me interessou foi o nosso momento íntimo, quando finalmente nos amamos e meu amante derramou sobre o meu corpo uma chuva de pétalas de rosas vermelhas.
Foi fantástico!
Despedíamos de nossa rotina agitada de divulgação e promoção de novo trabalho. Alguns dias antes, estávamos em Cannes, exibindo o filme que lhe renderia mais notoriedade.
Não concorríamos a nada, apenas seria exibido, o que já era uma grande honra.
Depois a correria normal que a carreira de ator exigia. Principalmente um ator como Thomas, que estava no auge, aclamado pelos melhores diretores e amado por milhares
de fãs.
Meu trabalho ao lado dele só tinha aumentado, pois com a ausência da Helen, que preferiu se afastar de vez do grupo para passar mais tempo com sua filha, Sophia,
passei a acumular as minhas tarefas e as dela. Dyo também estava com mais atribuições, pois o que antes era de responsabilidade da Lauren, tinha sido passado para
ele. Meu amigo se deslocava com o aumento das localidades que deveria cobrir como agente.
Por estes motivos estávamos todos implorando por alguns dias de paz e descanso. Eu e Thomas já tínhamos tudo planejado: Férias merecidas. Somente nós dois.
Levantei da cama e puxando o lençol cinza de seda pura, que meu noivo havia providenciado para a nossa grande noite, e cobri o meu corpo. Depois dei risada para
mim mesma. Eu estava sozinha, para que me cobrir? Larguei o lençol e levantei de vez me deparando com minha imagem no imenso espelho colocado em um lugar estratégico,
proporcionando uma visão de um longo ângulo da cama.
Perguntei-me se aquilo teria sido uma ideia do pai de Thomas. Se foi, eu já me sentia envergonhada só de pensar nos seus motivos. Ou talvez tenha sido mais uma grande
ideia de Thomas para apimentar a nossa noite. Fiquei envergonhada da mesma forma ao imaginar como ele tinha conseguido nos assistir durante a nossa longa sessão
de amor.
Fui até o banheiro e lavei o rosto.
A minha missão era descobrir o que Thomas estava aprontando, já que tinha desaparecido do quarto sem me avisar. Coloquei um roupão e desci as escadas em direção
à sala. Eu não precisava me preocupar com a presença de algum desconhecido. O apartamento estava vazio. Passei pelos sofás imensos e convidativos, reconhecendo largada
em um dos seus cantos, a camisa que ele usava na noite anterior, quando começamos a nos empolgar.
Encontrei meu noivo na varanda, observando o sol nascer. Vestindo apenas uma bermuda verde, descalço e sem camisa, ele era a encarnação da beleza. Havia um cigarro
em uma de suas mãos, o que me desagradou um pouco.
Ele sentiu a minha presença antes que eu conseguisse alcançá-lo e virou-se para me receber em seus braços. Suspirei ao ver o sorriso maravilhoso que exibia nos lábios.
- O que faz aqui sozinho?
- Desculpe! Não queria que sentisse a minha falta – beijou os meus lábios com carinho, envolvendo-me em seus braços.
- Posso te desculpar, mas depende do tempo que você vai demorar a voltar para a cama – levantei meu rosto exigindo mais dos lábios dele nos meus.
- Posso voltar agora mesmo. Já estou aqui há algum tempo.
- Alguma decisão difícil? – Lembrava da primeira vez em que estive no apartamento, quando ele revelou que era para lá que ia quando precisava pensar tomar alguma
decisão.
- Na verdade, não. Estava aqui pensando... Ontem fizemos um ano juntos...
- E?
- Estamos noivos a mais ou menos o mesmo tempo...
- Aonde quer chegar Thomas? Seja direto – estava frio e eu pretendia voltar logo para a cama e continuar a nossa comemoração.
- Nós ainda não marcamos a data do casamento.
- Isso é tão importante para você?
Fiquei intrigada com a colocação de Thomas. Realmente não havíamos marcado a data, contudo nunca conversamos sobre esta prioridade em nossas vidas, pois praticamente
não dispusemos de muito tempo nos últimos meses para organizar uma festa.
- E para você não?
- Claro que é! – Respondi imediatamente para certificá-lo de que tinha dúvidas a respeito da minha escolha. – Apenas não tivemos tempo livre, mas podemos fazer isso.
É só você me dizer a sua preferência – seria mais fácil saber por onde começar se Thomas simplificasse as coisas me ajudando em alguns detalhes.
Comemorações nunca foi o meu forte. Eu nunca tive uma festa de aniversário, nunca havia organizado nenhuma para ninguém e estava completamente por fora sobre como
organizar um casamento. Graças a Deus eu tinha Melissa, Mia e Sam para assumirem esta parte por mim.
- Não é tão simples assim. Precisamos saber primeiro qual tipo de festa queremos para depois definir a melhor época do ano para realizá-la – “nossa!” pensei aflita.
Começava a sentir que os papéis se invertiam: eu era o homem, sendo mais prática e Thomas a noiva ansiosa, preocupada com os pequenos detalhes. Tive que rir dos
meus pensamentos. Ao mesmo tempo fiquei triste. Seria ótimo ter uma mãe que me apoiasse e ajudasse para que tornasse o momento realmente especial.
Minha mãe não teve tempo de viver estas coisas comigo e o que tive depois dela estava muito longe de ser uma mãe, até Sam entrar em minha vida. Infelizmente havia
males que não poderiam ser revertidos.
- Não pensei nisso. Achei que o ideal seria escolhermos uma data que nos agrade para depois decidirmos qual tipo de festa que seria mais adequado. Na verdade eu
nem consigo pensar em uma festa de verdade. Queria que fosse pequena, simples, sem chamar a atenção da mídia. O que você sugere?
- Pensei em novembro.
- Vou pensar em uma data.
- Não demore – ah, sim! Ele era a noiva ansiosa. Tive que segurar uma gargalhada.
- Para que tanta pressa? Não existe nada em um casamento que não já tenhamos vivido. Moramos juntos, trabalhamos juntos, dormimos juntos... – enlacei sua cintura
com meus braços insinuando o meu real interesse no momento.
- Claro que existe! Mas o que importa verdadeiramente não é isso. Eu quero oficializar a nossa relação. Contar para o mundo que esta mulher maravilhosa já tem um
dono.
- Outra vez com esta história de dono?
Ele riu alto e começou a me beijar de maneira mais ousada. Como sempre, meu corpo se entregou sem nenhum empecilho. Fomos para o quarto e fizemos amor. Depois dormimos
***
Voltamos à realidade no final da tarde. Thomas queria ficar no apartamento por mais alguns dias, porém eu queria voltar para nossa casa e organizar algumas coisas
para os últimos compromissos, além disso, logo teria que abandoná-lo por algumas horas. Iria encontrar com minhas amigas: Mia, Anna, Daphne e Stella.
Como havíamos retornado de uma longa viagem de divulgação do seu último filme, queríamos passar algum tempo longe de tudo, antes de começarmos um novo trabalho.
Algumas propostas tinham surgido, mas nada que precisávamos decidir com urgência.
Iríamos dedicar alguns meses ao nosso amor e aos preparativos do casamento. Por este motivo eu estava ansiosa para rever as minhas amigas. Não tinha visto muito
as garotas nos últimos meses, com exceção de Mia, e com as férias ao lado do Thomas, ficaria outro bom tempo sem vê-las.
Optamos por um restaurante francês bastante aconchegante em uma rua próxima a casa onde vivia com meu noivo. Desde o atentado da Lauren, Thomas não se sentia confortável
com o fato de eu estar longe e sem o acompanhamento de seguranças, e como detestava sair seguida por sombras, decidi marcar em um lugar seguro e próximo de casa.
Como se isso fizesse alguma diferença, caso Lauren resolvesse fugir do manicômio onde estava encarcerada. Só em pensar minha pele se arrepiava de medo.
Encontramo-nos no restaurante e a alegria nos dominou imediatamente. Eu sentia muita falta delas e a recíproca era verdadeira, constatei satisfeita. Conversamos
animadamente por bastante tempo. Contei sobre a viagem e os lugares por onde tínhamos passado. Falei sobre a vontade do Thomas em marcar logo a data e a minha felicidade
com o casamento.
Mia nos contou sobre uma pessoa que conheceu. Um rapaz bastante interessante e dono de uma pequena empresa de softwares que ganhava bastante notoriedade no mercado.
Parecia que eles engatariam um romance a qualquer momento e ela estava bastante entusiasmada. Fiquei super feliz pela minha melhor amiga. Ela era uma pessoa incrível
e merecia conhecer alguém que a merecesse.
Stella estudava uma proposta de mestrado em Londres e estava às voltas com esta decisão tão importante para seu futuro. Empenhei-me em incentivá-la. Eu sabia o quanto
significava para ela dar continuidade aos estudos. Para ser bem sincera, eu também gostaria de poder me dedicar aos meus, mas a minha vida com Thomas não me permitia
tal objetivo, por hora.
Daphne recebeu uma promoção na empresa de marketing em que trabalha e por isso passou a viajar bastante, o que fazia com que ela também se distanciasse do nosso
grupo. Mas minha amiga estava muito feliz e satisfeita com o seu desempenho profissional, o que contava bastante, fazendo com que todas compreendêssemos a sua constante
ausência, principalmente eu, que nos últimos tempos fui mais ausente do que qualquer uma delas.
Anna estava passando por um momento bastante difícil em sua carreira profissional e nós tentávamos ajudá-la Ela foi demitida da empresa de publicidade em que trabalhava
e desde então não conseguia encontrar outro emprego. Ninguém sabia ao certo o que ocorreu para que ela fosse demitida, porém respeitávamos o fato dela não querer
falar sobre o assunto. Quando fosse a hora, nossa amiga com certeza nos contaria.
O fato era que por causa das dificuldades que estava passando, Anna estava cada vez mais arredia e agressiva, especialmente comigo.
- Nem todo mundo consegue tirar na loteria, Cathy, Muito menos ganhar tantas vezes seguidas, como você – ela buscava formas de rebater as nossas tentativas de ajudá-la,
ou mais especificamente, as minhas tentativas.
- Não sei do que você está falando, Anna – tentei ser o mais natural possível evitando uma maior discussão entre nós duas. Anna era minha amiga e eu não via motivos
para brigarmos, principalmente em um momento tão difícil.
- Tá legal, Cathy! Você consegue o emprego perfeito, o namorado perfeito, a herança perfeita e acha que engana quem com esta conversa de que as coisas não são bem
assim?
- Desculpe, Anna, eu não sabia que a minha felicidade te incomoda tanto assim. Só gostaria que se lembrasse que eu tive que vencer muitas batalhas para conseguir
o emprego perfeito, quase perdi a minha vida para ficar com o namorado perfeito e para que eu recebesse a herança perfeita, meu pai precisou morrer – minha paciência
estava quase no fim.
- Cuja existência você nunca se importou.
Senti as lágrimas se formarem com as recordações difíceis. Anna estava sendo especialmente cruel e sem necessidade alguma. Resolvi que aquela era a minha deixa para
ir embora.
- Bom... Acho que chegou à hora – olhei para minhas outras amigas que estavam constrangidas com a pequena discussão com Anna.
- Ah não, Cathy! Ainda é cedo! – Stella estava realmente sentida com a minha saída.
- Meia noite, Stella. Se não voltar para casa agora a mágica se desfaz e volto a ser a gata borralheira. Meu carro vai virar abóbora e o Arnold vai virar um ratinho
– sorri já sentindo o amargo da despedida. – Teremos tempo. Thomas tem alguns compromissos para cumprir. Só viajaremos em vinte dias.
Assim que terminei de falar meu celular vibrou. Atendi certe de que era Thomas. Sorri para as meninas com a constatação.
- Agora é à hora mesmo de ir – Mia afirmou um pouco desanimada.
- Já estou voltando, amor – revirei os olhos.
- Está bem tarde, Cathy, você sabe como eu fico...
- Eu sei, Thomas. Estou só me despedindo das meninas.
- Estarei esperando. Te amo!
- Eu também.
Desliguei o celular já me desculpando com as minhas amigas. Thomas tinha ficado super protetor depois do incidente. Às vezes me sentia um pouco sufocada com o excesso
de atenção, apesar de saber que meu noivo tinha motivos reais.
Abracei minhas amigas, inclusive Anna, e fui. Prometemos nos encontrar em alguns dias, com exceção da Daphne, que estaria viajando a trabalho.
Quando cheguei em casa, Thomas já me esperava na entrada. Suspirei pesadamente. Não queria que ele soubesse que eu estava incomodada com os seus cuidados.
- Voltei sem faltar nenhum pedaço.
- Fico muito feliz por isso – sorriu de forma esplêndida e eu consegui me lembrar do porque de quando estávamos juntos não conseguia encontrar dentro de mim o incomodo
pela atenção exagerada. Joguei-me teatralmente em seus braços e levantei uma perna, como as divas do cinema. Ofereci-lhe os lábios e fechei os olhos aguardando pelo
beijo. Ele riu e me beijou.
- Eu sentiria falta de qualquer pedacinho seu. Te amo todinha, sem tirar nada – beijou meu pescoço causando arrepios pela minha pele. - Como foi o seu encontro?
- Ótimo! Apesar da Anna. Eu estava com muita saudade das meninas.
- Eu sei – pegou em minha mão e começou a andar em direção a sala. – Por que apesar da Anna?
- Ela está com todos os problemas do mundo e resolveu me utilizar como sua válvula de escape – sentei no sofá e comecei a soltar as fivelas que prendiam minhas sandálias
ao calcanhar.
- Como assim?
- Ela me disse algumas coisas sobre eu ter toda a sorte do mundo e ela nenhuma. Resolvi não entrar no clima e vim embora.
- Fez bem. Já está bem tarde. Não é hora de uma mulher comprometida estar na rua. Principalmente com amigas solteiras – falava com tom sério, eu sabia que ele brincava,
tentando não me deixar mais intrigada com a atitude da Anna comigo.
- Mia não é mais solteira.
- Ah não? Quem é o sortudo?
- Não o conheço ainda, mas pensei em convidá-los para jantar, o que você acha?
- Acho ótimo!
- Vou fazer isso.
- Sam ligou para seu celular?
- Não. Por quê?
- Ela ligou aqui para casa. Queria falar com você e eu disse que tinha saído para encontrar com as garotas. Ela falou que te ligaria. Fiquei um pouco preocupado.
Era bastante tarde e Sam parecia nervosa.
Olhei para o relógio, era quase uma hora da madrugada.
- Amanhã bem cedo ligo de volta para ela.
***
Pela manhã, assim que Thomas resolveu me deixar sair da cama, fui em busca do telefone para tentar falar com Samantha. Ela não estava em casa e também não atendia
o celular. Tive que ligar para o telefone do escritório tentando obter alguma informação sobre o seu paradeiro e foi lá mesmo que a encontrei.
- Sam, o que aconteceu? Thomas disse que você estava querendo falar comigo?
- Eu sempre quero falar com você, minha querida, isso não é nenhuma novidade.
Respirei aliviada. Ela estava bastante tranquila, o que me permitia tirar qualquer problema sério dos meus pensamentos.
- Você me deixou preocupada. Achei que tivesse acontecido alguma coisa.
- Na verdade aconteceu, mas já temos tudo sob controle.
- Temos? Alguma coisa relacionada às empresas?
- Sim. Peter sofreu um infarto ontem à noite, mas já está tudo bem com ele, apesar de permanecer internado e de ainda precisar de cuidados. Os médicos disseram que
ele teria que se afastar dos negócios por um tempo e ficamos um pouco perdidos. Não existe ninguém da família, além de você, para substituí-lo.
- Ai meu Deus, Sam! Você sabe que não entendo nada disso, com poderei fazer alguma coisa? Também tenho meus compromissos com Thomas, ainda não estamos liberados.
Sinto muito, mas não posso te ajudar – a angústia tentava me dominar. Eu não queria deixá-la na mão, mas não existia nenhuma possibilidade de me tornar uma executiva
a aquela altura do campeonato.
- Imaginei que diria isso – sua voz estava bastante leve. Fiquei aliviada de imediato. – Acabei de sair de uma reunião com o conselho administrativo. Foi o que tentei
te avisar ontem à noite, mas você não estava, então decidi que faríamos esta reunião mesmo sem a sua presença.
- Tudo bem! O que vocês decidiram?
- Tivemos que decidir um monte de coisas, inclusive a sua participação nesta história. Peter tinha diversas reuniões de negócios que seriam extremamente importantes
e vantajosas para as empresas, então não podemos adiar ou deixar passar estas oportunidades. Elegemos uma pessoa para substituir Peter. Será quem comandará tudo,
mas o trabalho será facilitado, porque dividimos o cargo em dois. É neste ponto que precisaremos de você.
- Não posso assumir o cargo, Sam...
- Eu não te pediria isso, Cathy. Será feito da seguinte forma: uma sede será a de Nova York. Sei que não será fácil acompanhar os acontecimentos, mas vamos precisar
de você em alguns momentos, principalmente porque a outra será a de em Los Angeles. Já temos a pessoa que irá coordenar os cargos da presidência, só precisamos que
você o acompanhe em algumas ocasiões e seja um pouco mais presente. Não é nada que vá te atrapalhar.
- Em vinte dias estarei viajando com Thomas para a Suíça para iniciarmos nossas merecidas férias. Não estarei aqui.
- Cathy, precisamos de você. Nossas empresas são respeitadas e conhecidas por mantermos nossa ética familiar a frente das decisões. Os investidores vão cobrar, os
fornecedores também. Não podemos correr este risco. Uma representante legítima da família apaziguará os ânimos. Em nada ajudará estarmos em meio a uma crise e os
noticiários mostrando a dona de tudo curtindo férias. Desculpe, mas terá que adiar as suas férias. Sinto muito! – Pensei duas vezes sobre o que deveria responder,
mas optei em aceitar o que Sam me pedia, afinal, eu era a dona e precisava apoiá-los quando necessário.
- Isso vai me render um problemão com Thomas, mas darei um jeito. Conte-me, quem irá ocupar o cargo?
- É um jovem que está a algum tempo dirigindo umas de nossas empresas. Ele tem muito talento e como estava em constante contato com Peter, tem uma grande experiência
com o que vai encontrar pela frente. O nome é Roger Turner.
Parei um tempo tentando assimilar o que ela estava me dizendo. Roger Turner. Só podia ser uma brincadeira do destino. Este era o nome de meu ex-namorado. Será que
era a mesma pessoa? A simples menção do seu nome, me fez, involuntariamente, reviver muitos anos da minha adolescência, quando podia contar apenas com Roger contar.
Depois que nos separamos nunca mais nos vimos. Ele tinha entendido, mas não foi possível evitar a mágoa que ficou com o nosso rompimento.
- Cathy! Você esta aí?
- Estou sim, Sam. Apenas fui pega de surpresa. Conheci um Roger Turner há algum tempo.
- Se for o mesmo será de muita utilidade. Ao menos vocês poderão pular a fase de adaptação.
- Espero que sim.
Desliguei o telefone já pensando no tamanho do problema que teria com Thomas por causa das últimas novidades. Primeiro a necessidade de adiarmos a nossa tão esperada
viagem, mesmo que fosse por pouco tempo. Segundo pelo reaparecimento de mais aquele ponto do meu passado.
Roger não era um fardo para mim, muito pelo contrário. Ele foi um grande companheiro, meu melhor amigo e também meu namorado. Este era o grande problema, eu nunca
contei sobre a sua existência e, sinceramente, não tinha nenhuma ideia de qual seria a reação do meu noivo. Teria que pensar na melhor maneira de contar.
Capítulo 2
Explicações
VISÃO DE CATHY
Três dias depois, convidei Mia e seu novo namorado para jantar em nossa casa. Thomas convidou Dyo, uma vez que ele e Mia eram grandes amigos também, e este perguntou
se poderia levar um amigo. Então seríamos um grupo bastante animado de seis pessoas.
Henry Dahmer, o namorado de Mia, era um homem de 30 anos, muito elegante, que dava gosto de olhar. Alto, moreno, olhos azuis, pele bronzeada, um verdadeiro Deus
grego, e era de minha amiga. Mia estava fascinada com a atenção que ele lhe dava e com a facilidade de sua adaptação ao grupo.
O amigo do Dyo, Maurício Lecter, era baixinho, possuía um corpo bastante definido, cabelos castanhos curtos, um corte moderno e olhos que acompanhavam a cor do cabelo.
Tinha sobrancelhas grossas que quase se tocavam o que dava ao seu rosto, levemente arredondado, a ideia da masculinidade. Aparentava ser mais velho do que Dyo e
também mais maduro, centrado. Ele era inconfundivelmente gay.
Eu e Thomas achamos que existia algo entre eles, apesar de toda a descrição de ambos. Fiquei feliz pelos meus amigos. Era como se mais um ciclo estivesse se fechando,
com todos tão felizes com o amor.
Depois do jantar ficamos todos na área da piscina conversando sobre nossas vidas. Dyo e Thomas se ocuparam em descrever para Henry e Maurício a minha história de
amor, com Thomas é claro.
Eu e Mia ríamos dos comentários e fazíamos alguns acréscimos às histórias contadas. Mia dedicava o seu tempo em dizer a Thomas que ele teve muita sorte em me encontrar,
ressaltando que existia uma longa fila aguardando uma oportunidade. Meu noivo disfarçava, mas estava visivelmente incomodado com as declarações de dela. Ele nunca
escondeu o seu lado ciumento.
Não sei como a conversa começou, porém de repente eu estava ouvindo Thomas se gabar dizendo que foi o meu primeiro namorado, destacando a palavra “namorado”, para
que não houvesse dúvidas, além de falar do quanto eu lutei contra o que sentia por medo do sentimento desconhecido. A resposta saiu tanto de mim quanto de Mia, simultaneamente
e sem pensar.
- Não foi, não! – Me arrependi de imediato e, a julgar pelo olhar que Thomas me deu, eu sabia que não poderia mais voltar atrás.
- Isso é novidade para mim – ninguém percebeu, mas eu conhecia meu noivo muito bem e sabia que ele estava furioso com a revelação. – Por que você nunca me falou?
Eu imaginava que você já ficou com outros caras, mas namorado mesmo... – riu sem graça. Pude ver o fogo por trás dos seus olhos. Eu estava com problemas, isso era
um fato.
- Por que você nunca me perguntou. E eu nunca disse que não tive um namorado antes.
Thomas ficou calado por um tempo, então continuou conversando como se nada tivesse acontecido. Estremeci com o que viria depois que todos fossem embora, quando ele
finalmente poderia demonstrar o que estava sentindo.
A reunião permaneceu até a madrugada. Mia, após entender que tinha colaborado com a minha mancada, fez de tudo para entreter Thomas, acreditando que assim amenizaria
o meu problema. Ela não sabia que quando meu noivo implicava com uma coisa, ia até o fim.
Após muito vinho e risadas, eles resolveram que já estava na hora de ir. Foi quando aumentou o meu tormento. Depois das despedidas, usei a desculpa de que precisava
recolher as coisas para levar à cozinha. Thomas não contestou e ficou na varanda fumando um cigarro.
Demorei o máximo que pude evitando o confronto. Eu não queria que ele ficasse aborrecido comigo, por isso preferia ter aquela conversa apenas quando já estivesse
com todas as justificativas preparadas.
Quando saí da cozinha, todo o andar de baixo já estava com as luzes apagadas. Fui direto para a escada esperando encontrar Thomas já dormindo no nosso quarto.
- Cathy! – Estremeci com o som de sua voz vindo da varanda. – Esta fugindo de mim? – Virei em sua direção sem muita vontade e tentei organizar as minhas feições
para não demonstrar o meu desespero. Com certeza não consegui.
- Não tenho motivos para isso – sorri, falhando na tentativa de parecer tranquila. Eu piscava sem parar e enruguei as sobrancelhas.
- Você me deve uma explicação.
- Sério? Sobre o que?
Era ridículo fingir que não sabia, embora não conseguisse pensar em nada melhor para dizer. A minha única vontade era correr e me trancar no quarto. Absurda e infantil
era pouco para mim. O que havia de errado com o fato de ter um ex-namorado? Mesmo nunca tendo tocado no assunto ou dado a entender que ele existiu algum dia, isso
era apenas detalhe, não era? Ao menos eu esperava convencer Thomas com este argumento.
- Sobre o seu ex-namorado. O que eu nunca soube da existência – Thomas estava calmo, contudo já podia antever que não terminaríamos bem.
- Thomas, isso é um problema para você? - Por algum motivo desconhecido eu estava tentando bancar a idiota.
- Claro! – Ele me encarou com severidade.
- Pois não deveria. Você teve um monte de ex-namoradas, algumas com instinto assassino e eu nunca fiz disso um problema para nós dois – permaneci com o sorriso débil
no rosto.
- Não?
Tudo bem. Eu tinha feito. Tinha inclusive me proibido de ficar com Thomas por causa das suas aventuras amorosas. E literalmente infernizei a sua vida devido ao seu
romance com Lauren. O que quase nos separou. Desisti de fugir do assunto e encarar a situação de frente.
- Amor, eu nunca achei necessário te contar. Aliás, eu nem me lembrava mais desta história. Não tem importância alguma, o mais importante eu vivi com você – Thomas
avaliou a minha mudança súbita, porém não se contentou. Era ridículo dizer que nem me lembrava de ter tido um ex-namorado?
- Quando foi isso? Quando terminou? Quanto tempo vocês ficaram juntos?
Respirei fundo. Não sabia como responder sem irritá-lo ainda mais. Ele percebeu a minha relutância.
- Cathy, já deixamos a fase dos segredos para trás.
- Seis anos – senti minhas mãos começarem a suar.
- Seis anos? – Thomas gritou surpreso. – E você ainda diz que não teve importância?
- Thomas, pare! – Sentei na poltrona e coloquei o rosto entre as mãos. Seria uma conversa difícil.
- É inacreditável! Se eu tivesse te escondido alho assim você estaria furiosa comigo – ele andava de um lado para o outro passando as mãos pelos cabelos.
- Você está furioso comigo. E você me escondeu a sua história por bastante tempo.
- Eu nem sei o que te dizer. Quem é esse cara? De onde vocês se conhecem? O que aconteceu? Existe mais alguém que eu precise saber ou vou ser sempre surpreendido
com as suas revelações.
- Calma, Thomas! – Puxei o ar e levantei indo me sentar na poltrona próxima a ele. – O que exatamente você quer saber?
- Exatamente tudo.
- Eu conheci Roger quando tive que morar com minha tia, como te contei, depois da morte da minha mãe. Na época eu tinha doze anos e ele dezessete. Nós nos tornamos
amigos de imediato. Ele era a única pessoa que eu conhecia, por isso nos tornamos tão próximos. Estudávamos na mesma escola e íamos juntos todos os dias, até que
ele foi para a faculdade. Quando fiz quinze anos ele se declarou. Achei que era o mais lógico a fazer.
- O mais lógico?
- Thomas, preciso mesmo explicar mais uma vez que antes de você, nunca amei outra pessoa? Gostava do Roger. Ele era um grande companheiro, e para o momento em que
eu estava passando, era muito reconfortante ter alguém que queria tanto me ter por perto. Sentia-me segura ao lado dele e apenas isso.
- E você realmente quer que eu acredite que ficou seis anos com uma pessoa que não amava?
- Quero sim! Você só tem duas opções: acreditar em mim ou não acreditar. E eu estou te dizendo que a única coisa que sentia pelo Roger era amizade e gratidão. Achei
que poderia se tornar algo mais forte, afinal todo mundo sempre falou que a convivência pode trazer o amor, porém com o tempo percebi que nunca aconteceria.
- Depois de seis anos?
- Não. Antes disso. Só não tinha coragem de terminar. Na verdade nem queria terminar. Como disse: Roger era um grande companheiro e eu estava feliz com ele.
- E por que se separaram? Foi ele quem te deixou? – Thomas estava ansioso pela resposta e a jugar pelo seu comportamento, também com medo da minha resposta.
- Você sabe que eu era virgem. Não era fácil manter um relacionamento com uma pessoa com tantos bloqueios como eu. Roger era carinhoso, atencioso, romântico, mas
nada disso me fazia querer eliminar os traumas que me impediam de ser realmente uma mulher. No início ele aceitou e foi bastante compreensivo, mas com o tempo passou
a pressionar... E eu me dei conta que seria impossível isso acontecer. Então terminei o relacionamento.
Fiz uma pausa para observar a sua reação. Ele ficou mais tranquilo. Era a minha deixa para tentar apaziguar o clima.
- Thomas eu te amo! Nunca amei outra pessoa, só você – levantei e me ajoelhei diante dele, buscando por seus olhos. - Não existe motivos para que você fique cismado
com esta história do meu passado. Nada do que te contei... Nada do que vivi com ele, foi mais importante do que tudo o que já vivi com você.
Meu noivo sorriu ainda um pouco resistente, porém o fato de eu estar reafirmando o que sentia por ele estava fazendo diminuir sua incerteza e insegurança.
- E vocês nunca mais tiveram contato? Ele simplesmente sumiu de sua vida? – Por que não podíamos parar por ali? Por que Thomas tinha que tentar descobrir até a última
parte? Não poderia deixar para outro dia? Senti minha cabeça doer com a iminência de mais problemas.
- Sim.... Até agora...
- Como assim até agora, Cathy? – A tensão voltou a nossa conversa.
- Era isso o que eu tinha para conversar com você, só que queria que fosse em circunstâncias diferentes.
- Manda logo a bomba! – Thomas passou os dedos com força pelos seus fios de cabelos.
- Então... Quando a Sam me ligou informando sobre os problemas da empresa... Ela falou o nome da pessoa que assumiria a direção das empresas.
- E? Não vá me dizer que é o mesmo cara! – Bingo! Podia sentir meu coração insistindo em escapar do peito.
- Eu ainda não sei se é ele mesmo, apenas imaginei que seria muita coincidência. O mesmo nome e sobrenome e...
- Vamos ver se entendi: você vai passar o tempo que nós teríamos para curtir juntos, trabalhando ao lado do seu ex-namorado? – Thomas estava totalmente transtornado
com a situação. Sua voz estava alterada e seus gestos eram impacientes.
- Nós nem sabemos se é ele mesmo.
- E se for? – Cruzou os braços no peito e me encarou desafiadoramente.
- Não será um problema.
- Como não? Você vai ter o seu ex-namorado em sua cola o tempo inteiro e...
- Thomas, você teve uma ex-namorada em nossa cola durante um bom tempo. Eu convivo sempre com ex-namoradas suas. Como pode me cobrar agora?
- Eu não tenho ex-namoradas.
- Que seja!
- Você viu no que deu permitir que uma pessoa do meu passado convivesse com a gente. Não quero que esta história se repita – um calafrio percorreu minha espinha.
Thomas parecia profetizar algo.
- Pelo amor de Deus! Quem disse que tudo vai se repetir? Roger aceitou o fim do nosso relacionamento de forma bastante digna. Nunca me procurou nesses anos todos.
Com certeza teria como me encontrar, sabe que eu sou a dona da empresa em que trabalha e nem por isso resolveu aparecer. Bem diferente do que aconteceu com a Lauren.
- Tudo bem, Cathy. Faça como você quiser.
Dizendo isso, Thomas me deu as costas e foi embora para o nosso quarto. Eu ainda fiquei na varanda por um tempo tentando esfriar a cabeça para que não recomeçássemos
a briga. Quando fui para o quarto, ele já estava dormindo. A única coisa que podia fazer era dormir também. Sem o calor do seu corpo e do nosso amor.
Capítulo 3
Reencontros
VISÃO DE CATHY
Dois dias depois aceitei encontrar com Samantha e Roger Turner no escritório da empresa, no World Trade Center. Thomas ainda não estava confortável com a existência
de um ex-namorado e piorou ainda mais com o seu reaparecimento. Por este motivo quis abreviar as coisas e verificar de uma vez se o profissional com quem iria trabalhar
era realmente a mesma pessoa com quem tinha me relacionado.
Apesar da insistência do Thomas em ir junto à reunião eu não cedi. Primeiro por ser uma reunião de trabalho, que não estava relacionado a ele. Segundo porque não
queria tê-lo por perto caso acabasse reconhecendo meu ex-namorado no tal profissional. Mas concordei que me acompanhasse até Nova York, afinal de contas, não gosto
de dormir sem o meu noivo, nem que seja por apenas uma noite.
Entrar no World Trade Center me trouxe uma sensação há muito esquecida: a de ser uma pessoa normal. Sem necessidade de seguranças, ou sem a possibilidade de fãs
correndo e gritando, como era a minha rotina ao lado do Thomas. Toda a amplitude do seu interior e a movimentação de pessoas apressadas rumo a algum objetivo, sem
dar conta da minha presença, levou novos ares a minha vida.
Era ótimo ser eu mesma outra vez. Constatei sem entender ao certo o porquê daquela sensação me confortar, afinal eu era feliz ao lado de Thomas. Peguei o elevador
ainda tentando ordenar os pensamentos.
Assim que cheguei ao escritório fui encaminhada a uma sala por uma secretária, que sorria amavelmente, a uma sala onde já me aguardavam. Ela era um pouco baixinha,
mas compensava sua estatura com saltos altíssimos. Seu corpo magro estava muito bem apresentável em suas roupas profissionais: saia azul, justa ao corpo, que se
estendia até quase os joelhos e uma camisa branca de mangas compridas com um laçarote enfeitando o pescoço.
Era morena, com cabelos negros de um liso quase natural e muito bem escovados. Seu rosto estava impecavelmente maquiado. Ela indicou com a mão a porta da sala onde
me aguardavam. Parei indecisa. Se fosse realmente o meu Roger, como seria? Respirei profundamente juntando coragem para abrir a porta.
A sala era imensa e muito bem arrumada. Com móveis modernos e de alta qualidade. As paredes eram brancas com exceção de uma, que tinha a cor verde musgo, bem clara,
dando-lhe um aspecto clean, equilibrando o ambiente agradável. Havia no seu interior alguns jarros de plantas com cerâmicas bonitas e muito bem escolhidas, que não
agredia em nenhum aspecto ao restante da decoração.
Três quadros de molduras brancas estavam expostos na parede verde musgo. Nada de muito valor ou muito chamativos. Na mesa branca, com um computador preto e papéis
devidamente organizados, estavam alguns livros. Na outra parede, algumas prateleiras em formato de cubo, na cor tabaco, mais livros. A sala me agradou muito.
Reconheci Samantha sentada em uma poltrona preta, próximo ao sofá de três lugares, na cor branca, que dava a sala um ar mais aconchegante. Ela Segurava uma xícara
e me olhou sorrindo.
- Cathy. Que felicidade em revê-la – Sam colocou a xícara de lado, levantando-se para me abraçar carinhosamente. – Linda como sempre! – Afastou-se, me olhando como
uma mãe faria. – Como está Thomas?
Era muito fácil retribuir o carinho que Sam tinha por mim. Tornamo-nos muito próximas, como mãe e filha, desde a morte do meu pai. Eu a amava de verdade e era muito
grata por seu amor.
- Ótimo como sempre! –Meus olhos buscavam pela figura que responderia aos meus conflitos, porém a sala estava vazia. Além de mim e Sam, é claro.
- Boa tarde! Desculpem o atraso. A reunião durou um pouco mais do que deveria. Com a ausência do Peter os investidores estão inquietos.
Virei na direção da voz que me assegurava que aquele era o mesmo Roger da minha adolescência. Eu não precisava olhar para reconhecê-lo. De uma maneira inexplicável
meu coração acelerou. Não da forma como acontecia quando Thomas se aproximava, mas de maneira confortável. Segura. Como me sentia quando éramos ainda adolescentes
e ele a única pessoa com quem eu podia contar em meio a tantos problemas. Antes mesmo de olhá-lo, já estava sorrindo.
- Roger! – Afirmei o meu reconhecimento com uma alegria avassaladora e me questionei se minha reação não estava sendo exagerada demais.
- Cathy! – Ele me encarava com brilho nos olhos.
Não ficamos dois segundos nos olhando, mas foi como se o tempo tivesse parado. Roger tinha sido meu único e melhor amigo durante todos os anos em que estive cercada
de problemas e tristezas. Ele, por muito tempo, foi a única alegria em minha vida. A única segurança. Existia uma relação sólida entre nós dois. Éramos mais do que
amigos, éramos confidentes, cúmplices. A separação não foi tão fácil. Eu senti falta dele, da sua amizade e do seu companheirismo. Mas deixara passar, porque tinha
a certeza de que não o amava, e que nunca o amaria, então precisava dar-lhe a chance de seguir em frente.
No entanto estávamos ali, refeitos e juntos outra vez. Não pelos laços afetivos, contudo, mesmo sendo por laços profissionais eu me sentia feliz por reencontrá-lo.
- Então vocês se conhecem realmente? – Samantha interrompeu meus pensamentos. – Isso é ótimo! Ao menos a convivência será mais fácil – Roger sorria com os olhos.
- Sim. Nós nos conhecemos há bastante tempo. Na verdade desde a infância.
Sorri largamente lembrando-me da nossa amizade e ele retribuiu vindo em minha direção e me tomando em seus braços para um abraço carinhoso. Foi como se eu estivesse
em casa. Confortável e segura. Não conseguia parar de pensar nestas palavras.
- Não nos vemos há alguns anos. Você está muito bem, Cathy! Mais bonita do que nunca.
Fiquei sem graça com a sua afirmação, porém Roger fez questão de desfazer a mal estar rapidamente.
- Então está noiva? Que maravilha! Eu vi nos jornais quando acompanhei o problema que você teve com a garota. Fiquei muito preocupado, mas enfim... Você está aqui,
recuperada e bem. Fico feliz!
- É. Foram tempos difíceis, mas já passou.
- Imagino que vocês vão possam conversar e recuperar o tempo perdido depois. Agora podemos iniciar a nossa conversa sobre os problemas da empresa? Eu pretendo voltar
para a Pensilvânia ainda hoje.
Samantha não gostava de se ocupar muito com os assuntos da empresa, apesar de estar constantemente envolvida neles depois da morte do meu pai.
Ficamos em reunião por bastante tempo. Confesso que fiquei surpresa com a capacidade do Roger em administrar os negócios com tanta facilidade. Não que ele fosse
incompetente antes, mas eu nunca pensei nele ocupando um cargo como aquele. Fiquei orgulhosa.
Após cinco longas horas conversando sobre investimentos, contratos, negócios e outras coisas, eu estava acabada de cansaço. Antes de encerrarmos Samantha precisou
ir embora aliviada por estar deixando os problemas em nossas mãos.
Eu e Roger ainda ficamos mais algum tempo juntos enquanto ele me mostrava alguns balancetes e me explicava sobre a atual situação. Só quando meu celular tocou me
dei conta da hora.
Era Thomas.
- Você ainda está em reunião? – Perguntou calmamente. Era exatamente esta reação que me assustava nele.
- Sim, mas já estamos terminando. Logo estarei em casa.
- Te espero para jantarmos juntos?
- Sim, claro! Eu vou adorar!
- Ficarei aguardando então. Te amo!
- Eu também.
Desliguei o telefone sob o olhar atento do Roger.
- Desculpe! Ele tem sido muito protetor depois do incidente – sorri sem graça.
- Eu entendo. Deve ter sido muito difícil para ele quase te perder – acompanhava todos os meus gestos com olhar investigativo.
- Foi sim.
- Não precisa ficar sem graça, Cathy - colocou sua mão sobre a minha. - Fico muito contente por saber que você finalmente se rendeu a um amor, e ainda mais em perceber
que é retribuída. Você é uma pessoa incrível, merece ser feliz – meu coração aqueceu com suas palavras. Eu me sentia culpada pela nossa separação. Saber que ele
se sentia feliz por mim, me fazia feliz também.
- Obrigada, Roger! – Tirei minha mão da sua. – E você, casou?
- Não. Na verdade eu fiquei noivo, mas o trabalho acabou atrapalhando tudo e resolvemos nos separar há algumas semanas. Ainda não tive tempo para avaliar se devo
ou não sofrer por isso – sorriu calorosamente demonstrando a mesma alegria de quando éramos crianças.
- É uma pena. Espero que você fique bem, se é que eu devo desejar isso mesmo, já que você nem mesmo sabe o que está sentindo – dei risada e ele me acompanhou. –
Acho que devo ir agora – levantei enquanto ele organizava alguns papéis em sua mesa.
- Talvez devêssemos jantar qualquer dia desses. Você leva seu noivo, assim eu poderei conhecê-lo e nós poderemos colocar as novidades em dias.
- Claro! Será ótimo. Vamos nos encontrar em três dias, não é?
- Sim. Para a reunião com o pessoal da indústria de aço.
- Ótimo. Podemos marcar alguma coisa depois.
- Por mim tudo bem.
Despedimo-nos e eu voltei para Thomas, que me aguardava em nosso apartamento. Ele tinha comprado um em Nova York para evitar as longas permanências em hotéis.
Cheguei em casa sem saber ao certo o que encontraria por lá. Thomas estava sendo difícil nos últimos dias, após descobrir a existência do Roger. Eu estava cansada
e não queria entrar em uma longa discussão com meu noivo. Porém assim que entrei fui recepcionada com um abraço caloroso acompanhado de um beijo apaixonado. Bem
diferente do que esperava.
- Seja bem vinda de volta ao lar, meu amor – me entregou uma taça de vinho tinto.
- Obrigada!
- Como foi a reunião? – Estremeci. Eu sabia exatamente o que ele queria saber e tive medo de contar.
- Cansativa. E você? Fez o que o dia todo? – Tentei ganhar algum tempo.
- Visitei alguns amigos. Você sabia que Dyo está na cidade?
- Sério? Não sabia. O que ele está fazendo aqui?
- Não sei, mas encontrei com ele e com o Maurício quando estava indo para a casa do Adan.
- Vou ligar para ele depois. Talvez eu queira fazer compras amanhã antes de voltarmos para casa.
- Vamos voltar amanhã mesmo? Achei que você teria mais coisas para resolver.
- Não. Sam já voltou para casa e eu terei outra reunião em Los Angeles mesmo, daqui a três dias.
- Com quem? – Completou nossas taças com mais vinho.
- Com um pessoal de uma indústria de aço e... Com o Roger.
Thomas colocou uma mão no bolso e encostou-se à mesa onde os pratos estavam postos para o nosso jantar. Ele ansiava pela minha resposta e não sabia como me perguntar
sem causar mais problemas entre nós dois.
- É a mesma pessoa, Thomas – respondi sem aguardar pela pergunta. Ele ficou em silêncio, apenas me olhando. Suas feições duras, o maxilar rígido. – Amor, não existe
nenhum problema nisso. Ele foi tão natural! Nós dois fomos.
- Como você se sentiu? – Ele não quebrou o nosso contato visual.
- O que?
- Como você se sentiu em relação a ele? – Respirei profundamente antes de responder.
- Como se estivesse reencontrando um velho amigo. Por quê? – Fiquei involuntariamente nervosa. Eu não podia dizer ao meu noivo que eu estava me sentindo especialmente
feliz por ter encontrado meu ex-namorado.
- Meu Deus, Cathy! Eu estou tão confuso – falou por fim após uma breve avaliação da minha resposta. Passou as mãos em seus cabelos fechando os olhos com força.
- Thomas, não fique. Por favor! – Eu estava cansada e sem nenhuma vontade de entrar em mais uma longa discussão sobre a necessidade de ter Roger ao meu lado naquele
momento.
- Como posso não ficar? – Sua voz ainda era calma, o que me fez pensar que ele não estava com raiva e sim com medo. – Esse cara surgiu do nada e eu nunca tinha ouvido
falar sobre ele. Como você quer que eu me sinta? Ele é seu ex-namorado e agora também seu funcionário. Vocês vão conviver mais tempo do que estou preparado para
suportar e não sei como reagir a tudo isso – seus olhos eram suplicantes.
- Desculpe! Eu também fui pega de surpresa por essa história. Você tem que entender. Não planejei isso. Muito pelo contrário, nunca imaginei que o reencontraria.
Nós nunca mais fizemos contato depois que terminamos.
- Eu sei. Acredito em você, mas isso não me deixa mais seguro – respirou fundo. – Você acha que ele ainda nutre alguma coisa por você?
- Não! Ele foi bastante convincente em relação a isso. Disse até que estava feliz por mim e que gostaria de te conhecer.
Thomas balançou a cabeça como se estivesse negando esta possibilidade.
- Preciso que me prometa que se ele tentar qualquer coisa, ou se demonstrar qualquer sentimento em relação ao que vocês viveram, você vai me conta – pegou meu rosto
em suas mãos e me olhou nos olhos se certificando se eu estava entendendo o seu pedindo.
- Eu prometo, mas...
- Apenas prometa, Cathy!
- Eu prometo.
Ele me beijou com tensão, tentando transmitir toda a minha certeza de que nada nos atrapalharia. Eu o amava e nada, nem ninguém, mudaria aquela realidade. Tudo o
que vivemos para chegar até aquele ponto era a maior prova de que o nosso amor era forte, sólido. Sobrevivemos a tantos problemas, superamos as diferenças, as incertezas
e principalmente todos os segredos que nos impediam de consolidar aquele amor.
Como uma pessoa do meu passado, principalmente uma que nunca foi mais do que um amigo para mim, poderia modificar o que sentíamos e queríamos?
Thomas retribuiu o meu abraço afagando minhas costas e beijando meu rosto com carinho.
- Eu amo tanto você, Cathy!
Eu sabia que ele queria dizer mais do que isso. Afirmar o seu amor naquele momento era sua maneira de me dizer que estava com medo, que não queria me perder. Por
este motivo tomei uma decisão que poderia amenizar um pouco o que ele estava sentindo.
- Estive pensando sobre o nosso casamento e consegui encontrar um mês que me agrada – deu certo. Os olhos de Thomas brilharam e ele logo se mostrou interessado pelo
assunto.
- Ah é? E quando seria? – Abriu seu lindo sorriso. Meu coração ficou satisfeito.
- Setembro.
- Setembro? Eu pensei que você queria mais tempo para organizar tudo. Só teremos dois meses.
- Não acho que isso será problema para a minha “liga do casamento” – ri para mim mesma pensando no apelido que arranjei para a pressão da Sam, Mia e Melissa para
a organização e realização do casamento. Thomas entendeu a minha brincadeira e sorriu feliz.
- Por que setembro? Algum um motivo especial para a escolha deste mês?
- Não um motivo especial, mas eu pensei que não precisamos esperar tanto – passei carinhosamente a mão em seu peitoral e sorri largamente para ele. – Nós dois nos
amamos e temos certeza disso – pisquei travessa. – E setembro é um mês bom, quente e agradável.
- Eu gostei. Aprovo a sua decisão. – deu um beijo rápido em meus lábios.
- Também já pensei em mais alguns detalhes a respeito da festa, mas antes gostaria de jantar. Estou faminta.
Capítulo 4
O Início da Tempestade
VISÃO DE CATHY
No dia seguinte consegui entrar em contato com Dyo e combinamos a nossa tarde de compras. Meu amigo era perfeito para esta atividade. Ele tinha um excelente senso
de moda, sem que esta ditasse as suas escolhas, então sempre conseguia combinar peças básicas com outras perfeitamente cabíveis e tudo acabava na mais perfeita harmonia.
Conversamos muito sobre o nosso meio e do Thomas, claro, afinal de contas, Dyo era seu agente e cuidar da sua carreira era como cuidar da própria vida. Ele estava
em uma ótima fase e irradiava alegria. Eu tinha certeza de que este efeito era causado pela presença do Maurício em sua vida.
- Então está ficando sério? – Ri da sua expressão. Dyo não era muito aberto quando se tratava de relacionamentos, pelo menos dos que ele levava a sério.
- Acho que sim. Ele me convidou para vir. Posso acreditar que estamos seguindo este rumo.
- E o que vocês estão fazendo em Nova York? É um passeio romântico?
- Na verdade era para ser um passeio a trabalho, mas não posso negar que tem sido muito romântico – rimos juntos.
- Engraçada a vida e o rumo que ela toma.
- Como assim?
- Eu e Thomas, você e Maurício. Você nunca pensou que eles não eram o que nós procurávamos? Digo... Thomas era um mulherengo que queria apenas me levar para a cama.
O típico homem de quem eu fugi a vida toda, e agora estamos noivos. Maurício não é nada do que você descrevia como preferência, e mesmo assim você está aí, com os
olhos brilhando ao falar dos seus momentos românticos.
- Tem razão, mas eu acho que esta é a parte mais importante do amor. Você não sabe o que esperar dele. Acontece justamente da forma que menos espera, no entanto,
quando acontece é usurpador – meu amigo olhou para mim com um sorriso sem graça. – Maurício é maduro, muito gentil, cuidadoso, carinhoso, tão preocupado comigo que
às vezes fico sem jeito, pois não sei como retribuir tanta atenção.
- E você está apaixonado.
- Como poderia não estar?
Apenas concordei. Era assim que me sentia com Thomas, ou era como me sentia antes dele implicar tanto com a história do Roger. Tá certo, eu não deveria ter escondido
dele este detalhe, mas nunca tive motivos para contar, e na verdade, nem me lembrava deste ponto para dar a ele tanta importância.
Tive a oportunidade de desabafar com meu amigo sobre os problemas que estava enfrentando com Thomas, por causa do aparecimento repentino do meu ex-namorado.
- Em parte ele tem razão de ficar aborrecido com tudo isso. Você nunca disse a ele que o tal Roger existia e agora além dele existir, também trabalha para você e,
para piorar ainda mais a situação, vocês precisam estar juntos para enfrentar a barra que a empresa está passando. Eu entendo como ele está se sentindo.
- E o meu lado? Nunca me passou pela cabeça que isso fosse acontecer. Não foi só o Thomas que foi surpreendido e, quer saber? Thomas me deixou no escuro sobre a
vida dele por muito tempo também. Acabou me dando este direito. E não se esqueça de que o segredo dele sobre a loucura da Lauren, permitindo que ela estivesse o
tempo todo conosco, quase me tirou a vida.
- Eu sei. Foi por isso que disse “em parte”. Você também tem razão. Agora, Cathy, tenha um pouco de paciência com Thomas, ele não está acostumado a competir. Desde
o inicio ele sabia que seria único em sua vida e agora está tendo que conviver com mais alguém, mesmo que seja do seu passado.
- Não existe competição. Roger está tranquilo com relação ao nosso passado. Ele até gostou de saber que eu estava noiva. Acredito que tudo ficou muito bem resolvido
entre nós dois e não há dúvidas a respeito do meu amor pelo Thomas. Cada coisa está em seu devido lugar.
- Bom... Só o tempo dirá se realmente está.
***
Caminhamos a tarde toda e no final estávamos entupidos de sacolas e exaustos. Meus pés doíam tanto que a minha única vontade era sentar e arrancar os sapatos.
- Vamos comer alguma coisa? – Dyo me propôs. – Tem um restaurante logo ali em frente que eu adoro. Ele geralmente fica um pouco cheio neste horário, mas eu acredito
que conseguiremos uma mesa.
- Não sei não, Dyo. Combinei com Thomas que voltaria antes do jantar, você sabe como ele ficou paranoico depois do que Lauren aprontou.
- Vamos fazer o seguinte: Você liga para o Thomas e eu para o Maurício e os convidamos para nos encontrar, assim todos ficarão satisfeitos.
Adorei a ideia. Nova York era tão encantadora e surpreendente, tão cheia de coisas interessantes para fazer. E suas maravilhas não se acabavam com o pôr-do-sol,
o que me fazia ter mais vontade ainda de aceitar a sugestão do Dyo e estender um pouco mais o nosso passeio.
Peguei o telefone e combinei de Thomas nos encontrar. Ele chegaria mais tarde, esse era um dos grandes problemas da fama: não podia ir a qualquer lugar, em qualquer
horário. Enquanto isso eu e Dyo iríamos aguardar por Maurício e comer alguns petiscos até que meu noivo pudesse nos acompanhar.
Caminhamos até o restaurante, que por sinal era de muito bom gosto e discreto. As luzes do ambiente davam a ilusão de privacidade, apesar das mesas serem expostas,
sem nenhum tipo de barreiras, porém a ideia âmbar das luzes não impedia que as pessoas que dividiam a mesma mesa vissem umas às outras, pois havia lâmpadas embutidas
e velas espalhadas em lugares estratégicos. O clima era muito apropriado para um encontro romântico.
Como Dyo tinha dito, conseguimos uma das poucas mesas que ainda estavam vazias. Acomodamo-nos e começamos a estudar o cardápio.
- Cathy?
Mal consegui sentar e ouvi a voz do Roger ainda distante chamar por mim. Levantei o olhar surpresa com a coincidência. Apesar da pouca luz entre o espaço que nos
separava, dava para ver que era ele. Não tive como evitar o sorriso que se formou em meus lábios.
- Roger! – Ele se aproximou e beijou meu rosto demonstrando a existência de intimidade entre nós dois. Confesso que não fiquei incomodada com sua proximidade, pelo
contrário, fiquei feliz por podermos nos comportar naturalmente sem que houvesse algum inconveniente. – O que faz aqui?
- Vim encontrar alguns amigos. Tive um dia agitado e aceitei o convite deles para relaxar um pouco – apontou para uma mesa logo à frente onde quatro pessoas estavam
reunidas. - E você? Pensei que já tinha voltado para Los Angeles.
- Eu desisti de voltar hoje. Vamos embora amanhã pela manhã. Este é Dyo, meu amigo e colega de trabalho. Ele é um dos agentes do Thomas – eles se cumprimentaram
educadamente. – Quer sentar um pouco? Estamos escolhendo algo para comer enquanto os outros não chegam.
Para minha surpresa ele aceitou, sentando-se ao meu lado. Na mesma hora fiquei tensa. Thomas chegaria a qualquer momento e eu não sabia como ele reagiria à presença
de Roger.
- E então? Estaremos juntos outra vez em alguns dias? – Tentou puxar conversa.
- Claro! Sam quer muito que eu me inteire mais dos negócios. Vou tentar ao máximo enquanto Peter não puder voltar as suas atividades, e espero ansiosamente que não
demore a acontecer.
- Mal me reencontrou e já quer se livrar de mim? – Riu deixando-me constrangida.
- Não. Não é isso. É que já tenho uma carreira profissional que adoro. Não gostaria de modificar nada. Minha vida com Thomas já toma todo o meu tempo, não há como
conseguir conciliar mais um emprego. E você não precisa sumir. Nossa relação não precisa ficar apenas no profissional. Somos amigos.
- Eu entendo, Cathy. E não se preocupe, eu não vou sumir – pegou carinhosamente em minha mão que estava sobre a mesa. Ficamos nos olhando por um espaço curto de
tempo.
- Cathy!
Thomas surgiu do nada.
Olhei para o meu noivo, ainda sem reação a sua chegada repentina. Vagarosamente seus olhos deixaram os meus para encarar a minha mão envolvida pela do meu ex-namorado.
Senti meu sangue gelar. Retirei rapidamente a mão, olhando em seu rosto que se voltava para Roger. Thomas era apenas raiva.
- Thomas! Amor, eu não vi você chegar... – Lutava contra a minha própria voz para não gaguejar ou falhar.
- Percebi – continuava sério encarando Roger.
- Thomas este é Roger Turner. Nós nos encontramos aqui por acaso, o que é ótimo, assim vocês dois se conhecem logo de uma vez – atropelei minhas palavras o tempo
todo devido ao nervosismo.
- Thomas. É realmente um prazer conhecer o homem que conseguiu desbravar o coração desta garota.
Roger falou cheio de charme, sendo o mais agradável possível e lhe estendeu a mão. Thomas ainda ficou alguns segundos encarando-o até que finalmente ergueu sua mão
e apertou cordialmente a estendida.
Respirei aliviada.
- Bem, eu já vou indo. Cathy foi um enorme prazer te encontrar aqui. Dyo e Thomas, prazer em conhecer vocês – Roger rapidamente se afastou da mesa dando espaço para
que Thomas sentasse ao meu lado.
Ele sentou, mas permaneceu calado. Os olhos estavam fechados e suas mãos cobriam parcialmente seu rosto. Eu e Dyo trocamos um olhar e ficamos aguardando até que
Thomas se recuperasse. Meu noivo estava visivelmente transtornado. Eu, apesar de não ter culpa do ocorrido, e de nem ver problema no fato de encontrar um amigo por
acaso, mesmo sendo este um ex-namorado, estava me sentindo péssima.
O silêncio prolongado alimentava ainda mais a minha necessidade de me explicar e justificar.
- Boa noite! Desculpe a demora. Tive algumas coisas para resolver antes de ser liberado – Maurício chegou e sem perceber o clima pesado na mesa foi falando e sentando.
Eu tentei sorrir, mas acredito que meu sorriso foi quase inexistente. – Vocês já pediram alguma coisa? Estou mesmo com fome.
- Não. Na verdade ainda estamos estudando o cardápio – Dyo se adiantou a responder. – Você tem alguma sugestão? Alguma preferência?
- Apenas faço questão de carne. A carne daqui é maravilhosa! – Maurício respondeu ainda avesso a nossa situação.
- E você, Cathy? – Dyo tentou quebrar o silêncio constrangedor. Olhei para Thomas na esperança de encontrar nele algum sinal de que tudo já tinha passado, mas ele
permanecia imóvel e calado.
- Posso experimentar a carne. O que Maurício pedir, para mim está bom – eu comeria qualquer coisa desde que Thomas superasse o problema que estávamos vivendo.
- Thomas?
Dyo seguiu tentando amenizar o clima entre nós. Meu noivo levantou a cabeça e seu olhar estava completamente perdido. Consumido pela incerteza, insegurança e também
pelo ciúme que o devorava.
- Perdi o apetite. Desculpem-me! – Levantou e foi embora do restaurante tão rápido quanto entrou. Em momento algum olhou para trás ou sinalizou para que eu o seguisse.
Era como se eu não existisse. Fiquei sentada em minha cadeira sem para reagir. Era estranho demais para ser assimilado.
- Meu Deus! Foi alguma coisa que eu falei? – Maurício ficou preocupado, assustado com a reação exagerada do meu noivo.
- Não, Maurício. Desculpe por isso. Dyo vai te explicar. Desculpe, eu vou atrás dele.
Recolhi minhas sacolas e corri em direção à rua. Não havia nenhum vestígio do Thomas. Chamei um taxi e voltei para casa. A incerteza e insegurança que estavam com
Thomas, me acompanhavam em todos os gestos.
***
Cheguei em casa procurando por Thomas. Não tinha noção do que iria encontrar. Estava nervosa e insegura. Ele tinha motivos para estar aborrecido, mas não para tanto.
Roger não havia tentando nada comigo, apenas foi gentil, assim como havia sido com o próprio Thomas.
Parei na sala e respirei profundamente buscando a calma necessária para ter aquela conversa. Precisava reunir todos os argumentos possíveis para tentar convencê-lo
de que não havia motivo para tanta insegurança, já que não precisava dar-lhe mais garantias o meu amor, ele já tinha toda a certeza necessária.
A sala estava escura e as portas que davam acesso à varanda abertas, fazendo com que as cortinas esvoaçassem para dentro da sala, compondo um cenário fantasmagórico.
Senti o cheiro do cigarro, o que me fez deduzir que meu noivo estava na varanda. Caminhei em sua direção. Sabia que ele já tinha percebido a minha presença, porém
não virou para me receber. Parei ao seu lado e aguardei que ele falasse. Como não se manifestou, apenas encarava o nada a sua frente, resolvi iniciar a nossa conversa.
- O que aconteceu?
- Preciso mesmo responder? – Falou com voz firme. – Por que você me chamou para aquele jantar? Por que não me contou que seu amiguinho estaria lá?
- Por que não era para ele estar lá. Foi apenas uma coincidência – riu sarcasticamente. – Thomas, o que está pensando? O que acha que eu faria?
- Não sei. Não sei mais o que pensar.
Apagou o cigarro no cinzeiro próximo, depois colocou as mãos no bolso, voltando o seu olhar para o horizonte. Para mim foi como um tapa no rosto. Ouvir dele que
era impossível ter uma ideia definida a meu respeito era no mínimo constrangedor.
Thomas não precisava daquilo. Nós não precisávamos. Mas ao que parece ele estava disposto a ir até o fundo em sua mágoa injustificada. Só que eu não iria.
- Você é mesmo inacreditável, Thomas! – As lágrimas se formaram e senti raiva por chorar. Era injusto!
Decidi que não conversaria mais. Iria tomar um banho e dormir. Era só o que poderia fazer. Decidida, virei em direção à sala, porém Thomas me segurou pelo braço
me fazendo olhar diretamente em seus olhos que faiscavam raiva e ao mesmo tempo buscavam algum indício do que se passava pela minha cabeça.
- Ele ainda ama você, Cathy – suas mãos apertavam meu braço com força.
- Não seja ridículo. Ele está apenas...
- Eu sei quando um homem olha uma mulher com desejo, com amor ou com amizade. Vi a forma como ele estava te olhando. Ele ama você.
Olhei nos olhos de Thomas e só conseguia enxergar medo. A raiva anterior cedeu para o que ele tentou o tempo todo esconder de mim.
Medo.
Senti culpa por criar aquela situação entre nós dois. No mesmo instante seus olhos conseguiram mais uma vez ocultar seus reais sentimentos e a raiva voltou a faiscar.
Ele falou comigo praticamente cuspindo as palavras acusatórias.
- E você está permitindo que ele se sinta assim – fiquei perplexa. Sua mão abandonou o meu braço.
- O que? – O que ele estava pensando? Onde ele queria chegar com todo aquele absurdo?
Thomas fechou os olhos com força, passando uma mão pelos cabelos. Sua respiração estava irregular e pesada, assim como todo o ar disponível no momento para nós dois.
Pesado e difícil de ser absorvido
- Você está permitindo que isso aconteça. Eu só queria entender por que, Cathy?
Não queria acreditar que Thomas deixaria as coisas chegarem àquele ponto. E o pior, que ele fizesse tanta questão de dividir a sua dor comigo daquela forma tão infantil
e irresponsável. Meu noivo queria me ferir. Certamente porque acreditava que eu o havia ferido. Era tudo inconcebível para mim.
- Você está me ofendendo – deixei as lágrimas caírem. – Fico muito admirada em saber que é essa ideia que faz de mim. Você tem dúvidas, Thomas? Então vou te dar
mais algumas. Tem certeza que é com essa mulher que você quer casar? Uma mulher que senti prazer em ter um admirador? Que gosta de permitir que outro homem nutra
amor por ela? Pois eu vou te dizer o que eu acho: eu não quero me casar com um homem que controla os meus passos. Não quero me casar com um homem que não vê nunca
o meu lado da situação, que não consegue me enxergar como realmente sou. Que me conhece tão pouco ao ponto de fazer esta ideia de mim. Não sei se lembra, mas eu
nunca me permiti amar ninguém até conhecer você, e que também nunca fui de outro homem, mesmo tendo um relacionamento de seis anos com outra pessoa. Foi você quem
eu escolhi. Foi você quem eu acreditei que merecia o meu amor. Mas pelo visto eu estava enganada.
Cada palavra foi dita com raiva, mágoa e tristeza. Thomas, surpreendido pela minha explosão, não conseguiu reagir. Aproveitei para me afastar e, assim que acabei
de falar, segui em direção ao meu quarto. Desta vez ele não tentou me impedir.
Entrei no quarto e tranquei a porta, como quando ainda não éramos namorados. Era ridículo, mas naquela noite eu não o queria ao meu lado, nem que para isso tivesse
que dormir em um hotel.
Sem querer pensar em mais nada, me joguei na cama e chorei copiosamente. “Quando tudo começou a dar tão errado?” Meus pensamentos passavam e repassavam a nossa briga,
fazendo-me procurar justificativas para sua reação exagerada.
Ouvi os passos de Thomas e depois suas mãos forçando a maçaneta. Ele parou hesitante diante da porta trancada, depois seus passos se afastaram na direção do quarto
ao lado do nosso. Eu não queria ouvir as suas desculpas, queria apenas dormir e deixar a noite acabar. No outro dia aquele pesadelo eixaria de existir. Assim eu
esperava.
Capítulo 5
O Inexplicável
VISÃO DE THOMAS
Dormi muito tarde e acordei muito cedo. Era estranho dormir sem Cathy ao meu lado e aparentemente aquela não seria a última vez. Fiquei pensando em suas palavras.
Confesso que tive muito medo de que fosse verdade. Por outro lado eu sabia que nos amávamos... Todos os casais passam por momentos difíceis.
- Nosso problema é que sempre estamos passando por momentos ruins – falei para mim mesmo lembrando-me de tudo que já tínhamos vivido em apenas um ano de namoro.
Definitivamente aquela não era a minha ideia de amor, não que eu não soubesse que teríamos desentendimentos, mas porque sempre atraíamos problemas e mais problemas.
Tudo bem, eu reconheço que boa parte deles foram causados por mim e pela minha total incapacidade de tentar enxergar o lado dela. Sinceramente? Aquilo tudo estava
destruindo a minha capacidade de pensar. Que homem admitiria uma situação como aquela?
Levantei da cama ansioso. Precisava saber se Cathy continuava lá, ou se tinha ido embora de uma vez. Esta dúvida me fez acelerar o passo para poder ter certeza de
que tudo não passava de um pesadelo. Era lógico que eu não queria que ela fosse embora, ou que terminássemos, apenas gostaria que ela fosse menos cabeça dura e fizesse,
ao menos uma vez, as coisas do meu jeito.
Realmente tudo parecia um pesadelo.
- Um inesperado e assustador pesadelo chamado Roger Turner – falei sozinho mais uma vez, como se procurasse apoio para os meus aborrecimentos.
Estava certo em me incomodar com a situação. Cathy deveria tentar compreender o meu lado. Ao mesmo tempo eu estava errado com todas as atitudes absurdas que vinha
tomando. Ela estava certa neste ponto. Eu não podia ver somente o meu lado, esquecendo-me que agia por obrigação e não por vontade própria.
- Deus, por que não consigo pensar de maneira racional quando estou com raiva? – Troquei de roupa e fui em direção ao nosso quarto. – Parece uma eternidade – suspirei
em frente à porta.
Tentei abrir, porém vi que ainda estava trancada. Fiquei aliviado, ao menos ela ainda estava lá. Levantei a mão para bater e chamar por minha noiva, porém desisti.
Se Cathy estava trancada lá dentro eu teria que aguardar o seu momento. Forcei-me a aceitar isso, apesar meu lado egoísta ter se recusado a sair de lá.
- Ok então! Vou ficar aqui aguardando. Como um cão de guarda – cruzei os braços, apoiando-me a parede.
Algum tempo depois comecei a ouvir barulhos vindos do quarto. Mais um tempo aguardando e ela finalmente abriu a porta dando de cara comigo. Nossos olhos se encontraram.
Cathy pareceu surpresa com a minha presença.
- Bom dia! – tentei ser o mais natural possível.
- Bom dia, Thomas! – Ela fechou a porta atrás de si e começou a andar pelo corredor indo em direção à escada. Fui atrás dela.
- Não vai falar comigo? – Senti o pânico tentando tomar espaço em meus pensamentos. Deus! Eu estava sendo tão adolescente. Por que não conseguia encontra algo mais
apropriado para dizer?
- Acabei de falar – nem olhou para trás. Tive que ser rápido ou então perderia a chance de reverter nossa situação.
- Amor, me perdoe por ontem – deu certo. Ela parou antes de descer as escadas. – Você está certa. Eu tenho que confiar em você. Perdão, eu tenho sido difícil e você
não merece passar por tudo isso – vi seu semblante suavizar. Aproveitei para me aproximar mais. – Eu amo você, Cathy! Estou morrendo de medo de te perder.
- Por que você acredita que pode me perder? – Ela se aproximou ainda mais de mim.
- Não sei. Já estive tantas vezes a ponto de te perder que estou meio paranoico – ela sorriu, aquecendo o meu coração.
- Thomas, nunca, em toda a minha vida, tive tanta certeza do que eu quero. Mesmo que Roger sinta amor por mim, como você disse, mesmo que meu envolvimento com ele
tivesse sido diferente, ainda assim, o que eu sinto por você não mudaria. Ser sua é a única certeza que tenho nesta vida e nada nem ninguém tem o poder de mudar
isso.
Abracei seu corpo puxando-o para mim. Como ela não resistiu, imediatamente a beijei. Um beijo longo e intenso e no mesmo instante meu corpo reagiu à falta do dela.
Parecia que estávamos separados há uma eternidade.
- Nunca mais tranque a porta do quarto – eu disse entre nossos beijos. – Minha noite foi horrível! Você não faz ideia do quanto estou dependente de você ao meu lado
– passei as mãos em sua cintura, apertando meu corpo ao dela. Cathy deixou escapar um gemido de prazer.
- Thomas... Assim vamos perder o voo.
- Não importa. Podemos ir à noite – continuei com as carícias enquanto nos conduzia de volta ao quarto. – Agora eu só quero passar um tempo com a minha futura esposa.
***
Passamos boa parte do dia fazendo amor e foi maravilhoso, como sempre. Era incrível como eu conseguia reagir ao seu toque, seus gemidos, seus sussurros, sempre querendo
mais um ao outro.
Cathy era linda, esplêndida, única e eu a endeusava sem pudor. Era assim que gostava de ficar com ela, demonstrando o quanto a admirava e não me importava em ser
apenas um súdito a seus pés, desde que ela fosse apenas minha.
No final da tarde estávamos em nossa imensa cama, transpassados e envoltos em um lençol que cobria parcialmente a nossa nudez. Eu brincava com sua pele, fazendo
carícias com as pontas dos dedos e assoprando levemente para me deslumbrar vendo-a ficar arrepiada.
- Caramba, Thomas! Esqueci de ligar o celular.
Cathy levantou para pegar o aparelho que estava na cabeceira da cama. Admirei mais uma vez seu corpo nu. Eu nunca cansaria de observá-la, era como encarar a perfeição.
Uma vez, minha noiva me disse que existiam muitas formas de enxergar Deus. Pode até ser uma heresia, mas vê-la nua me dava a certeza de que Deus realmente existia.
Do contrário como ela poderia ser tão perfeita?
- Está com a cabeça nas nuvens, Cathy? – Levantei para beijar suas costas. Na verdade eu precisava tocá-la constantemente para me certificar de que ela não era um
sonho ou uma ilusão.
- Passei o dia inteiro nas nuvens – sorriu carinhosamente enquanto ligava o celular. –Dezoito ligações perdidas! –Olhou-me preocupada. No mesmo instante o celular
tocou.
– Roger – tentei não demonstrar o meu aborrecimento, mas o fato é que achei o sujeitinho muito abusado. Cathy ao perceber que não haveria problema atendeu a ligação.
- Oi, Roger! –Não demonstrou muita empolgação. Fiquei observando suas atitudes enquanto escutava o que ele dizia. Seu rosto ficou sério e ela respirou profundamente.
– Ah é? É, estive ocupada o dia todo, meu celular ficou desligado. Não vamos embora hoje... Não, acho que não haverá problema em encontrar com você e Sam... Tá certo,
em meia hora estarei aí – e desligou - Vai sair?
- Sim. Parece que teremos uma reunião do conselho administrativo. Eles tentaram me avisar durante o dia todo, mas não conseguiram. Alguns investidores querem retirar
o capital e o conselho está se reunindo para tomar as decisões necessárias.
- Bem, então eu acho que terei que arranjar o que fazer. Você vai sair e, pelo horário e gravidade do problema, não acredito que voltará tão cedo.
- É verdade. Você deveria ligar para o Dyo e marcar alguma coisa e aproveita para se desculpar com ele e com o Maurício. Foi horrível o que fez ontem com eles.
- Vou providenciar isso. Pode ficar tranquila.
- Não tem mesmo problema eu ter que sair agora? – Por nada neste mundo eu estragaria o nosso momento.
- Não, amor. Vá. Estarei aguardando.
Observei Cathy se arrumar para depois sair ao encontro do ex-namorado. Sinceramente? Detestei a ideia, mas eu tinha que dar apoio a ela e não sufocá-la com a minha
insegurança.
Assim que minha noiva saiu, peguei o telefone e liguei para Dyo. Precisava mesmo me desculpar com eles pelo meu comportamento. Marcamos para nos encontrarmos em
um bar próximo do meu apartamento. Costumava ir nele com Kendel, Raffaello e Dyo, quando ainda era solteiro e nós nos encontrávamos para falar besteiras sobre as
mulheres, ou até para encontrarmos algumas também.
Quando cheguei Dyo e Maurício já me aguardavam. Não precisei me esforçar muito para me desculpar, eles foram bastante receptivos e meu agente, como sempre, muito
sensato.
- Tenho certeza de que ele ainda gosta da Cathy. Sabe quando você percebe que algo está errado? Foi este o meu sentimento quando o vi segurando a mão dela.
- Talvez você esteja exagerando no ciúme.
- Não é apenas ciúme, Dyo. É que... Foi estranho. Não sei como explicar. Ele a olhava de uma forma diferente... Havia algo estranho naquele olhar. Eu tenho certeza
disso.
- Cathy está realmente irritada com sua atitude. Você precisa pegar mais leve.
- Eu sei. Estou tentando. Juro que estou – olhei atentamente para o fundo do meu copo como se ali houvesse alguma resposta.
- Você precisa ser mais compreensivo, Thomas – Maurício me observava atentamente. – Cathy é uma ótima pessoa. Não acredito que ela permita que alguém estrague o
que vocês têm.
- Eu sei. Vou esquecer essa história e deixar Cathy resolver as coisas da maneira dela.
Exatamente como eu sempre fazia no final das contas, pensei amargurado.
Passamos o final da tarde e uma boa parte da noite conversando sobre diversos assuntos. Mesmo me sentindo bem com meus amigos e feliz por a dedicar um tempo a mim,
ainda conferia o meu celular de vez em quando para verificar as horas e me certificar se se havia alguma ligação da Cathy para dizer que estava em casa.
Nada.
As horas avançavam e nem uma mensagem dela. Resolvi voltar para casa.
Entrei no apartamento vazio e fui direto para o nosso quarto. A cama ainda estava desarrumada como tínhamos deixado. Tirei as roupas, tomei uma chuveirada, liguei
a TV para aguardar e acabei pegando no sono.
Acordei não sei quanto tempo depois com o barulho do chuveiro. Olhei para o relógio e não acreditei na hora. Eram duas e quinze da madrugada e Cathy tinha chegado
àquela hora? Sentei na cama, aguardado por minha namorada. Assim que saiu ela viu que eu estava acordado.
- Desculpe. Eu te acordei? – Subiu na cama.
- O que aconteceu? – Tentei não demonstrar irritação, foi quase impossível. – Sabe que horas são?
- Sei. Eu estava presa em uma reunião interminável. Quando terminou, para piorar as coisas, Roger sugeriu que fossemos todos jantar. Eu não tive como fugir. Estou
exausta! Não sei por que Sam e Roger insistem em me envolver neste meio, eu não entendo quase nada e, sinceramente, não gosto dessas reuniões, são chatas e maçantes
– riu baixinho enquanto conversava relaxadamente comigo como se nada tivesse acontecido.
- Cathy, por que você não ligou? Por que não mandou uma mensagem?
- Porque eu estava em reunião. Acabou bem tarde. Imaginei que você já estivesse dormindo. Não queria te acordar só para dizer que ia demorar.
Olhei para a minha noiva sem acreditar. Aquilo estava se tornando um problemão. Eu não sabia mais como controlar a situação. Pensei no que tinha acontecido no dia
anterior e preferi não dizer mais nada, ou correria o risco de passar mais uma noite no quarto ao lado. Deitei fechando os olhos para tentar dormir. Era uma missão
impossível, porém eu iria tentar. Cathy deitou ao meu lado e me abraçou pelas costas.
- Não fique irritado comigo. Foi impossível fazer de outra maneira.
- Boa noite, Cathy! – Minha única vontade era de encerrar a conversa.
- Thomas, tem mais uma coisa que eu gostaria de conversar com você.
- São duas horas da madrugada – protestei.
- Marquei um jantar aqui amanhã. Queria acabar com esse mal estar entre você e o Roger. Como você se mostrou arrependido eu o convidei. A Sam também virá e estou
pensando em convidar Dyo e Maurício. Posso contar com sua boa vontade para resolvermos isso?
Apertei bem os olhos impedindo que minha raiva explodisse. No fundo eu tinha consciência que ela estava certa. Novamente. Era melhor acabarmos de uma vez por todas
com os problemas. Porém, só de imaginar aquele cara na minha casa, conversando e brincando com a minha Cathy, a raiva inundava minha consciência. Eu tinha concordado
em ser mais compreensivo com aquela história e não poderia negar a ela o direito de convidar quem quisesse para a nossa casa.
- Tudo bem, Cathy. Faça como quiser.
- Sério? Nossa! Pensei que seria muito complicado resolvermos isso. Então tá. Boa noite, amor!
Achei que ela tinha ficado animada demais, ou então eu estava irritado demais para imaginar coisas. Mas o fato é que não me sentia confortável.
***
Cathy passou o dia todo organizando o “tal” jantar. Ela me fez prometer várias vezes que eu seria agradável com o Roger. Devo confessar que cada vez que ela me fazia
jurar, menos vontade eu tinha de ser. Reconheço que parte da minha irritação era por implicância.
Nem o conhecia direito e estava deixando com que meu ciúme me impedisse de dar uma chance ao cara de me provar o contrário do que eu imaginava. Mesmo ciente disso,
ainda não conseguia me sentir bem com a situação. Eu pressentia que havia algo errado, mesmo sabendo que o erro poderia estar em mim e não nele.
Não sabia explicar, mas para mim Roger Turner seria um grande e incomodo calo em meu pé.
Peguei o controle da TV e procurei algo que pudesse me distrair. Achei um filme antigo com um ator que eu adorava. Serviu muito para que eu parasse de prestar atenção
em tudo o que Cathy falava e fazia pela casa. Só voltei a pensar nela quando ouvi a sua voz me chamando do segundo andar.
- Thomas, você vai se atrasar. Os convidados vão chegar e vão encontrá-lo de short e camiseta
Suspirei. Estava de volta ao pesadelo e em breve estaria em meu calvário. Subi sem muita vontade e me deparei com um conjunto de calça e camisa em cima da cama.
- Eu escolhi. Espero que não se incomode, mas estava demorando muito para subir então procurei adiantar o máximo o seu lado.
- Está ótimo para mim – dei um beijo leve em seu rosto e fui tomar um banho.
Somente quando saí do banheiro prestei atenção ao que Cathy usava. Era um vestido de alças, curto e bastante justo ao corpo, revelando o quanto era bem feito e também
suas pernas maravilhosas, que por sinal ela tentava disfarçar com meias pretas, o que na minha opinião a deixava ainda mais provocante.
- Você precisa realmente se vestir assim?
- O que tem de errado com a minha roupa? – Virou-se para verificar no espelho se existia algo de errado.
- Pra começar é curta demais e justa demais, provocante e tudo o que tem de mais – finalizei já frustrado.
- O vestido não é justo, Thomas. Eu uso roupas bem mais coladas quando te acompanho nas premières. Está levemente ajustado ao corpo, e não revela nada demais. Já
me vesti assim várias vezes.
- Não quando o seu ex-namorado vem jantar em nossa casa – ela parou me encarando com desaprovação. – Tá bom, Cathy! Vista o que você quiser.
Aquela era uma batalha perdida. Cathy nunca me escutava quando falávamos das roupas dela. Peguei as minhas e me vesti rapidamente enquanto minha noiva calçava seus
sapatos de saltos finos que acentuavam ainda mais seus tornozelos bem torneados. Ao mesmo tempo ela colocava atrás da orelha, uma mecha do cabelo que caía insistentemente
para seu rosto. Era uma cena perfeita para se admirar. Como eu podia ser tão vulnerável a ela? Pequenos gestos eram o suficiente para me deixar louco de desejo.
Em segundos toda a minha raiva e frustração evaporaram.
- Quanto tempo ainda temos? – Senti meu corpo reagir aos meus pensamentos luxuriosos em relação a minha noiva.
- Acho que uns vinte minutos, caso alguém resolva chegar no horário – Cathy respondeu sem muito interesse em minha pergunta. Fui até ela e abracei sua cintura puxando-a
para mim. – De jeito nenhum, Thomas! Já estamos prontos e eu estou usando meias finas. Não vou deixar você estragar toda a minha produção.
Mas eu já estava com as mãos correndo o seu corpo e com os lábios em seu pescoço a mostra, devido ao penteado. Percebi que sua pele estava arrepiada e investi um
pouco mais, forçando minha mão no decote, de encontro aos seus seios. Cathy gemeu manhosamente.
- Você ficou o dia todo distante de mim. Estou sentindo a sua falta – mordi seu ombro com uma leve pressão.
- Isso lá é hora de sentir a minha falta?
- E tem hora certa? – Ouvi a campainha e logo entendi que teríamos que parar por ali. - Pelo visto tem.
Mais uma vez a raiva se instalou em minha cabeça de forma generalizada, passei a detestar todo o evento e as pessoas que chegavam para arrancar a minha Cathy dos
meus braços. Por mais absurdo que possa parecer, era como eu me sentia.
- Os convidados começaram a chegar – Cathy se adiantou para arrumar o vestido enquanto se afastava de mim. Segurei-a pelo pulso, puxando-a de volta para beijar seus
lábios.
- Espero que passe bem rápido. Não vejo à hora de ter você em meus braços – ela sorriu satisfeita e saiu do quarto para recepcionar quem quer que tenha chegado para
nos atrapalhar.
Quando desci, Dyo e Maurício já estavam na sala com seus respectivos copos de uísque.
- Cheguei mais cedo para te dar apoio moral – Dyo brincou com a minha pouca vontade de participar do evento.
- Obrigado! Tenho certeza de que vou precisar – me servi de um pouco de uísque também.
- Não seja tão pessimista – Mauricio acrescentou e eu apenas sorri para ele.
Começamos uma conversa sobre a “imensa boa vontade” da Cathy em promover aquele evento. Dyo e Maurício tentavam a todo custo me animar, mas seu esforço era inútil.
Eu sabia ser implicante quando queria. Ao menos era o que ela sempre me dizia e naquele momento eu começava a acreditar.
Quando Samantha chegou acompanhada do Roger, o clima ficou um pouco mais tenso. Todos trataram de tentar desfazer o clima ruim entre mim e o ex-namorado da minha
noiva. Cathy animadamente segurou no braço do rapaz, muito sorridente para o meu gosto, conduzindo-o até mim. Podia jurar que os olhos dele brilharam quando ela
o segurou.
- Thomas! Como vai? – Apertamos as mãos. Aquele sorriso que ele exibia, todo simpático, não me ajudava em nada a romper a barreira entre nó dois. Principalmente
com Cathy tão atenciosa.
- Bem, obrigado! Seja bem vindo e sinta-se a vontade.
Forcei a minha elegância. Aquele era um papel difícil de interpretar, porém o faria por Cathy. Roger logo atraiu a atenção de todos se apresentando de maneira muito
agradável e simpática, o que só fez aumentar a minha antipatia por ele.
Enquanto ele falava, explicando para meus amigos o porquê da fuga de investimentos nas empresas da Cathy, eu observava a forma como ela olhava para o seu ex. Com
admiração. Algumas vezes eu vi Cathy sorrir como uma namorada orgulhosa.
Senti meu estômago embrulhar com a cena, mas tentei me convencer de que tudo acontecia apenas aos meus olhos, que naquele momento estavam possuídos pelo ciúme e
que distorciam a verdade.
Cathy... A minha Cathy, nunca faria aquilo. Ela podia até se orgulhar de um amigo, era bem típico dela, mas nunca com devoção, isso ela reservava apenas para mim.
Esta afirmação me deixou um pouco abalado, pois percebi que eu estava sendo possessivo, prepotente e orgulhoso, ou seja, estava sendo eu mesmo.
Ela podia perfeitamente se interessar por alguém. Por qualquer outra pessoa menos arrogante do que eu, ou que sufocasse menos, como ela mesma havia dito quando brigamos.
Roger poderia ser este homem. Mais uma vez senti meu estômago dar voltas.
- Como aconteceu de você rapidamente chegar tão longe em uma empresa como essa? Eu imagino que as pessoas levam anos se desenvolvendo em cada área para só então
adquirir a experiência necessária – Maurício parecia tão admirado quanto os demais convidados, dispensando ao carinha toda a atenção da noite. Estava sendo difícil
de continuar.
Dei a desculpa do cigarro e fui para varanda, me distanciando de todos. Não apenas fumei, mas aproveitei o máximo a desculpa para ficar o mais distante possível
daquela cena absurda, além de dar vazão a meus pensamentos conflitantes.
Será que aquilo poderia realmente acontecer? Cathy estava mais madura, mais decidida. Bem diferente da mulher insegura e inexperiente que eu conheci há um ano. E
se ela percebesse que cuidar de seu patrimônio era mais importante do que cuidar da minha carreira?
E se ela entendesse que para isso precisaria mais ainda do apoio de Roger e talvez percebesse que ele era o mais adequado em vários outros pontos?
Meu Deus, eu vou enlouquecer com tantos “e se”.
Acendi mais um cigarro, consciente de que estava extrapolando com a minha saúde. Quando todos saíssem, daria um jeito de convencer Cathy de que precisávamos realmente
dos nossos dias de descanso. Iria me esconder com minha noiva na Suíça até que Roger esquecesse que ela existia, ou até que ele voltasse para o lugar de onde nunca
deveria ter saído: o passado.
- Posso te acompanhar?
Olhei para o lado sem acreditar no que estava vendo. O cara de pau do Roger estava na minha varanda, ocupando o meu espaço e meu tempo, pedindo para dividir meu
momento com ele? Respirei fundo tentando colocar a máscara do bom anfitrião, depois de tantos pensamentos e dúvidas eu não conseguiria me segurar por mais tempo.
Deus sabia o quanto estava tentando.
- Claro! – Engoli as palavras que lutavam para sair da minha boca e estirei a carteira de cigarros para ele.
- Não, obrigado, eu tenho meus.
Enfiou a mão no bolso do paletó e tirou uma cigarreira. Eu não conseguia acreditar que Cathy um dia gostou de um “almofadinha” como aquele. Sorri sarcasticamente
balançando a cabeça. Roger acendeu um cigarro e ficou em silêncio ao meu lado. Talvez essa atitude tenha sido o que mais me incomodou na presença dele.
- Coincidência, não é? Você e Cathy se reencontrarem assim? – Tentei encontrar algum motivo para comprovar que eu estava certo.
- Ah! Sim. Nem tanta coincidência. Eu trabalho na empresa que pertencia ao pai dela e que agora pertence a ela. Em algum momento acabaríamos nos encontrando.
- É – fiquei pensativo por um curto espaço de tempo. – Com certeza vocês iriam – aquela era a parte mais infeliz da história. Cathy uma hora ou outra iria dar de
cara com ele. – Ela me disse que vocês não se viam há muito tempo.
- Verdade. Desde que terminamos – tive o cuidado de não destruir os cigarros em minha mão devido à raiva que senti por ele falar sobre o namoro deles na minha frente.
– Confesso que fiquei surpreso quando a vi. Ela está muito diferente. Mais madura, mais bonita... Mais... – Procurou pela palavra certa. - Mulher – abriu um sorriso
cheio de significados e seus olhos pareciam viajar em pensamentos provavelmente impróprios para serem ditos em voz alta.
- Deve ser porque ela agora é realmente uma mulher – imaginei se ele tinha entendido o meu recado.
- Pode ser – riu baixo. – Porém quando estamos juntos eu consigo enxergar nela a mesma Cathy de antes. Principalmente quando ela sorri com os olhos brilhando. Ela
é inacreditável! – Mais uma vez olhou para o horizonte, pensativo.
- Essa Cathy não existe mais e aquela Cathy... – apontei para a direção em que minha noiva conversava com nossos amigos, alheia a nossa conversa particular. - Será
minha esposa – era uma forma de repreendê-lo, ou de alertá-lo.
- Sim, eu sei.
- Não me parece que você esteja muito a favor disso – busquei em sua atitude algo que pudesse utilizar como justificativa. Eu realmente estava certo. Ele ainda a
amava, e pelo que podia ler nas entrelinhas, não estava disposto a aceitar assim tão fácil nosso relacionamento.
- Eu não posso mandar nas escolhas dela. Nunca pude. E não acredito que alguém possa. Cathy apenas parece ser frágil, mas é forte e decidida, sem contar que é muito
teimosa também. Por isso sempre respeitei as suas decisões, mesmo quando não me faziam feliz. Para a Cathy, o respeito as suas vontades, ou aos seus objetivos, sempre
estará acima de qualquer sentimento. Não que ela não valorize o amor, não é isso o que eu estou dizendo. Cathy é uma sonhadora, romântica, no entanto não tolera
quando alguém não a compreende ou não respeita as suas decisões, mesmo quando estão erradas, o que quase nunca acontece. Ela é muito sensata e racional e isso a
ajuda bastante na hora de agir.
Meu equilíbrio estava por um fio. Aquele sujeito estava em minha casa, falando da minha Cathy com tamanha intimidade... Com tanta familiaridade, que estava me tirando
o que restava de educação e sanidade. Para piorar, ele estava falando a verdade. Cathy era exatamente como descrevia, o que me irritava ainda mais. Eu não queria
que ele conseguisse enxergar nela o que demorei tanto tempo para perceber e entender.
- Se ela é feliz, ou se acha que é feliz assim... – deu de ombros e se calou.
- O que você quer dizer? – Minha paciência chegou ao fim e toda a acidez dos meus pensamentos foi transportada para a minha voz que passou a não possuir nem uma
gota da polidez que eu tentava bravamente manter.
- Sinceramente, Thomas? Não acho que você seja realmente a pessoa certa para Cathy – dei risada. Era demais para mim.
- E quem seria? Você? – Falei com desprezo, porém meu coração acelerou com a possibilidade desta ser a verdade. Ele a conhecia tão bem... Não. Não era possível.
- Não sei. Mas isso não modifica o fato de eu achar que você não é a pessoa certa para fazê-la feliz. Cathy precisa de alguém que esteja ao lado dela, e não que
a mantenha atrás, cuidando da vida dele. Muito menos de alguém que não permita que ela tenha a própria vida.
- É muita cara de pau! – E eu iria deformá-la em alguns minutos se ele não saísse da minha frente.
- Olhe para ela – apontou para Cathy que ainda conversava com nossos amigos. Ela estava séria, tensa, como se algo a estivesse incomodando. - Perceba como ela fica
tensa ao seu lado. Como tem medo de fazer o que quer. Você não percebe isso? Você a está sufocando com sua possessividade. Qualquer pessoa poderá te dizer a mesma
coisa. Cathy não é uma mercadoria. Muito menos um brinquedinho que você pode moldar da maneira que quiser. Ela é uma mulher esplêndida, linda, forte. Feita para
ser seguida e nunca para seguir. Você está minando a capacidade dela. Está...
- Saia da minha casa, Roger. E fique satisfeito por eu mesmo não o colocar daqui para fora.
Levantei a voz sem me importar se as outras pessoas estavam ouvindo. Naquele momento não me preocupava com mais nada, nem mesmo com Cathy e com a minha promessa.
Ele tinha me dado todas as cartas e não hesitaria em utilizá-las. Depois eu correria atrás do prejuízo e daria um jeito de confortar Cathy. Ela me compreenderia.
- Não acho que Cathy ficará mais satisfeita com sua atitude – mudou a voz para um tom de confidência. – Nos braços de quem você pensa que ela vai chorar? – Disse
baixinho enquanto formava um sorriso debochado nos lábios.
Não me contive. Antes do seu sorriso terminar, dei-lhe um soco com toda a raiva acumulada.
Capítulo 6
A Gota D’água
VISÃO DE THOMAS
Roger foi lançado para trás e caiu no chão levando uma cadeira com ele. O barulho foi grande, mas não o suficiente para me deter. Eu queria mais. Queria arrancar
aquele sorrisinho do rosto dele com as minhas próprias mãos.
Quando estava indo em sua direção terminar o meu trabalho, vi que meus convidados estavam na porta da varanda, olhando-me horrorizados. Meus olhos se encontraram
com o de Cathy e ela estava furiosa.
Olhei para Roger e ainda consegui ver um sorriso cínico em seu rosto, mesmo com o sangue escorrendo pelo canto dos lábios. No mesmo instante entendi tudo. Era exatamente
o que ele queria. Que eu perdesse a cabeça dando a Cathy motivos para brigar comigo. Que droga! Eu e meu gênio. Como não percebi antes?
- Thomas! O que você fez? – Ela andou em minha direção com tamanha fúria que pensei que daquela vez eu seria atingido por um soco. – Você... Você é absurdo! – Então
se virou para ajudar o canalha a levantar do chão. Como ele tinha previsto. Era nos braços dele que ela choraria.
- Ai meu Deus, Roger! Perdoe-me, eu não imaginava... – Cathy tremia enquanto tentava encontrar uma maneira mais correta de corrigir o meu erro. Erro? Aquilo era
de matar!
- Tudo bem, Cathy! Estou bem. Fique tranquila – passou a mão na boca limpando o sangue que escorria. -
- Por favor, alguém pegue gelo e um pano limpo! – Cathy pedia enquanto o ajudava a limpar o ferimento. - Satisfeito? Você conseguiu, Thomas!
- O que? Foi ele quem me provocou. Você não tem ideia das coisas que ele me disse – tentei me justificar, mas pelo olhar dela eu já sabia que de nada adiantaria.
Desviei os olhos da cena patética diante de mim.
- Ah, Cathy, tudo bem! Acho melhor eu ir embora. Parece que seu noivo é muito esquentado e ciumento – fez menção de levantar, ela o amparou. Desejei que ele realmente
fosse embora, ou eu perderia a cabeça e o colocaria para fora com um chute.
Sam entregou um pano limpo, com gelo, para Cathy sem olhar em minha direção. Minha noiva imediatamente tratou de cuidar do crápula. Passei as mãos nos cabelos impacientemente.
Quanto tempo ela levaria cuidando dele sem nem ao menos conversar comigo? Até a ideia dela tocando naquele cara, com cuidado, se preocupando com o seu estado, estava
me deixando louco.
- Thomas, cara, o que foi isso? – Dyo estava ao meu lado, mas eu não me interessei em iniciar uma explicação para o meu amigo e sim em resolver meu problema com
a minha noiva.
- Cathy, nós precisamos conversar.
Acreditei que mesmo com raiva de mim ela se livraria daquele maldito e iria ao meu encontro, mesmo que fosse para mais uma discussão. Até para mais uma noite em
quartos separados. Eu não me importava. Apenas queria Cathy longe dele, e o mais importante: queria ele longe dela.
- Precisamos realmente conversar, Thomas. Mas em outro momento.
Sem se importar com a minha situação, minha noiva virou voltando-se para os convidados, decidida.
- Não temos mais nada a fazer aqui. Thomas precisa de um tempo para pensar em suas atitudes, e nós precisamos comer. Sugiro irmos a um restaurante enquanto Thomas
esfria a cabeça e reflete sobre o que fez. – me mandou um olhar inquisidor. – Espero que se arrependa e consiga se desculpar a tempo.
- A tempo de que? - Não era possível o que eu estava ouvindo.
- Reflita, Thomas! Agora eu tenho um jantar me aguardando – Cathy saiu em direção à porta, onde o próprio Roger a aguardava.
- Você só pode estar brincando – deixei a raiva me dominar novamente. – Ele falou coisas absurdas para mim e eu só reagi. Não estou errado. Deveria ter feito muito
pior.
- Thomas, eu não vou conversar com você agora. Vou dar atenção ao Roger e aos meus convidados, que não têm culpa do seu ciúme descabido.
- Cathy, você vai sair com esse cara e me deixar aqui sozinho?
- Vou. E não me espere para dormir. Vou passar a noite com Sam. Quem sabe assim você entende o que eu quero dizer de uma vez por todas.
Os convidados, envergonhados pelo ocorrido, foram para a sala, de forma a nos dar mais privacidade. Mesmo assim era possível ouvir a nossa discussão de qualquer
lugar daquele apartamento. Cathy estava alterada e eu enfurecido.
- Eu não vou admitir que você faça isso – minhas palavras saíram estranguladas pela raiva.
- Você não tem que admitir nada. Eu estou cansada, sufocada... – Lágrimas rolaram de seus olhos. Ele tinha razão mais uma vez. Era assim que ela se sentia ao meu
lado.
- Ele me provocou. Quantas vezes eu terei que repetir? Você prefere acreditar nele do que em mim?
- Você já me deu motivos suficientes pensar assim – novamente ela tentou se retirar e meu coração disparou com a possibilidade de deixá-la partir.
- E você todas as vezes que surge um problema foge sem antes tentar resolver comigo. Fez assim todas as vezes. Quando descobriu o que tinha acontecido entre Lauren
e eu, preferiu se trancar e só decidiu me escutar depois que outras pessoas te contaram o que sabiam a respeito. Meu Deus, Cathy! Você nunca vai confiar em mim?
– Deixei que toda a minha mágoa extravasasse. Cathy também precisava ouvir algumas verdades. Eu não era o único errado naquela história.
- Você não me deixa escolha, Thomas.
Cathy saiu batendo a porta de casa.
- Foi você quem escondeu de mim toda esta história – ainda consegui gritar, antes dela bater a porta sem se preocupar com o que eu dizia.
Fiquei paralisado. Cathy tinha ido embora junto com o canalha do Roger Turner. Eu estava furioso. Minha mente repetia o tempo inteiro as nossas últimas palavras.
Cathy não confiava em mim, na verdade nunca confiou. Se não fosse assim, ela não teria ficado contra mim, como ficou... Como sempre ficou.
Peguei a carteira de cigarros e acendi um.
Ela não voltaria para casa, passaria a noite com Samantha, ou não. Fechei os olhos tentando esquecer a pequena semente que brotou em minha cabeça, infelizmente era
impossível evitar. A cada segundo que passava, mais a minha angústia aumentava. E se o que o Roger disse fosse verdade? Que era nos braços dele que ela iria chorar.
Droga Cathy! Por que você tem que ser tão complicada?
Minha mente não parava de trabalhar, ao mesmo tempo um estupor me dominava não me permitindo seguir uma linha de raciocínio coerente. Cathy tinha ido embora. Não...
Ela tinha saído com nossos amigos. Nada aconteceria. No entanto, por mais que eu quisesse acreditar a única imagem que se formava em minha cabeça era da minha noiva
nos braços do Roger. Seus olhos brilhando de carinho e admiração, como eu tinha visto pouco antes.
Andei pela sala, perdido em minha raiva. Sem pensar muito peguei a carteira, a chave do carro e saí de casa. Precisava espairecer, pensar ou esquecer. Dirigi até
um bar que eu costumava frequentar quando queria beber tranquilamente sem me deparar com fãs ou com paparazzis ávidos por imagens inadequadas minhas. Lá eu podia
beber e pensar na vida sem me preocupar com quem estava por perto. Sentei em um banco no balcão mais ao fundo do estabelecimento, que estava vazio.
- Vamos fechar em meia hora – avisou o barman do outro lado do balcão. “Perfeito” pensei, “nem beber a vontade eu posso”. Balancei a cabeça sinalizando que tinha
entendido e apontei para o litro do uísque que queria sem me preocupar com a qualidade da bebida. Ele pegou um copo e me serviu uma dose.
- Dupla, por favor! –Imediatamente ele acrescentou mais uma e me serviu.
Encarei o copo em minha mão e me perguntei o que Cathy estaria fazendo naquele momento. Senti minha raiva aumentar quando imaginei que ela poderia realmente estar
chorando nos braços daquele canalha. Virei o copo e tomei de uma só vez o conteúdo.
- Por favor! – Gesticulei para que servisse mais uma rodada. Ele prontamente me atendeu, com as duas doses.
Peguei o copo enquanto analisava a minha situação. Como foi que deixamos a nossa relação chegar a tal ponto? Eu amava Cathy, disso não tinha dúvidas, mas porque
aquilo tudo estava acontecendo? Por que Cathy estava permitindo que acontecesse? Será que ela não me amava mais?
Respirei profundamente. Em outros tempos ela faria qualquer coisa para nos manter bem, contudo ultimamente minha noiva comprava qualquer briga para manter a sua
posição. As palavras de Roger voltavam a todo instante a minha mente.
E se eu realmente a estivesse sufocando? Era possível? Sim era. Cathy tinha escondido de mim a existência dele. Ela nem ao menos tinha feito questão de marcar a
data do casamento, mesmo depois de quase um ano de noivado.
Droga, Cathy! Quando foi que comecei a te perder?
- Dia difícil? – Fui retirado dos meus pensamentos pela voz familiar. Olhei Anna ao meu lado. Eu nem tinha percebido sua presença.
Definitivamente, hoje não é mesmo o meu dia.
- Muito difícil! – Tomei um pequeno gole da minha bebida.
- Com a Cathy? – Respirei fundo evitando ser grosseiro, afinal ela não era culpada pelo acontecido. Eu não estava afim de conversar, menos ainda com uma amiga da
Cathy. Queria apenas ficar quieto e calado, com a minha bebida.
- Também.
- É. A vida não é um conto de fadas.
Tive que rir daquela realidade. Cathy havia me feito acreditar que era possível, porém nos últimos dias, ela estava me fazendo enxergar a realidade, fria e dura.
A vida não era mesmo um conto de fadas e eu não era um príncipe encantado. Era um idiota tão corroído pelo ciúme que não conseguiu entender e impedir o que aquele
imbecil estava fazendo.
- E o que você faz aqui em Nova York? Cathy sabe que você está aqui? – Tentei quebrar meus pensamentos como se assim pudesse evitar uma dor maior.
- Não. Cheguei hoje. Recebi uma proposta de trabalho, mas não era bem o que eu queria, então estou voltando para Los Angeles amanhã.
Anna não estava vestida para uma entrevista de emprego, muito pelo contrário. Ela usava um vestido cor de ameixa, justo ao corpo, com um decote imenso, além da maquiagem
carregada. Também não aparentava estar decepcionada com mais uma desilusão. Mas não era da minha conta. Voltei a atenção para a bebida em minha mão.
- E como veio parar neste bar. Nova York tem tantos lugares interessantes e você está logo aqui? – Ela sorriu largamente.
Anna era bonita.
Perigosamente bonita.
No entanto havia algo nela que ao invés de atrair, repelia. Não sei se era por causa da impressão que ela deixou em nosso primeiro contato, em Los Angeles, quando
ela tentou desmoralizar Cathy por ainda ser virgem.
Aquele dia realmente me fez enxergar Anna como ela realmente era: invejosa. Minha rejeição por ela piorou ainda mais com a sua atitude em relação a Cathy, quando
seus planos começaram a dar errado e, sem motivos aparentes, passar a culpar minha noiva por seu fracasso e infelicidade.
- Eu vi você entrando e resolvi encontrá-lo – olhei para ela desconfiado. O que Anna queria? – Pensei que Cathy estivesse com você – completou mudando a direção
da conversa.
“Sei” pensei. Duvido muito que ela estivesse interessada em se encontrar com Cathy. E mesmo que quisesse, aquele não era o melhor dia. Minha noiva provavelmente
estava se divertindo com seu novo amiguinho.
- Não. Ela não está.
Tomei mais um gole, desta vez quase o copo todo. Anna tinha acabado de me lembrar do motivo para eu estar no bar sozinho. Minha impressão a seu respeito só piorou.
Seria ótimo se ela fosse embora.
- Hum! Acho que vocês estão realmente com problemas.
Ela sinalizou para o garçom servi-la. Ótimo! Teria uma psicóloga mesmo que não estivesse interessado.
Precisava ficar sozinho, então decidi que iria embora. Voltaria ao apartamento. Lá havia bebidas suficiente.
Ou então iria até o apartamento da Sam e imploraria a Cathy para que ela me escutasse. Era o mais provável.
- Como você disse: a vida não é um conto de fadas – tomei o que restava da minha bebida, mostrando ao garçom o copo vazio. Ele rapidamente colocou outra dose dupla
– Vou ao banheiro. Com licença – fui em direção ao banheiro molhar o rosto, na esperança de que ela me deixasse em paz.
Estava precisando me recompor, coordenar meus pensamentos e pensar em fazer alguma coisa. No dia seguinte, quando Cathy chegasse, eu precisaria estar com um plano
pronto. Isto se conseguisse esperar até o dia seguinte.
Voltei para o balcão, percebendo que Anna continuava lá. Peguei meu copo e tomei mais um longo gole. Era a minha deixa para ir embora.
- Sinto muito por vocês, Thomas. Tem alguma coisa que eu possa fazer...
Olhei para Anna e pensei em dizer que ela poderia ser uma amiga melhor para Cathy, para começar, e depois, se ainda quisesse fazer algo por mim, poderia ir embora
e me deixar sozinho.
Tomei outro gole, sentindo um gosto amargo na boca. Quando olhei outra vez para Anna, percebi que não conseguia mais entender o que ela estava falando. Eu precisava
mesmo voltar para casa. Bebi o restante do conteúdo de uma vez. Senti minha cabeça rodar.
- Droga! Bebi rápido demais. Estou um pouco tonto e... – Puxei o ar, logo percebi que minha respiração estava irregular. - Melhor voltar para casa.
Comecei a levantar, mas fiquei tonto instantaneamente. Tive que me apoiar no balcão para não cair. Ouvi o risinho nervoso da amiga da minha noiva ao meu lado quase
ao mesmo tempo que senti suas mãos em meus braços.
- Deixe-me ajudá-lo, Thomas. Você não vai conseguir dirigir assim - eu não podia recusar a sua ajuda. Com certeza conseguiria chegar em casa sozinho.
- Tudo bem.
Olhei para o garçom que já estava com minha conta na mão olhando para mim sem saber como agir. Peguei uma nota do bolso, entreguei a ele pegando a conta de sua mão
rapidamente e colocando no bolso.
– Pode ficar com o troco. E seu uísque é uma droga! – Deixei Anna me levar até o carro de depois disso apaguei.
Capítulo 7
Rompendo os Laços
VISÃO DE CATHY
Não consegui dormir a noite toda. Por que Thomas tinha que estragar tudo? Eu estava inconformada. Pedi tanto a ele para se comportar, deixar as coisas se acertarem
e ele simplesmente agrediu o Roger, e o pior, por ciúme sem fundamento.
Roger estava sendo fantástico. Tinha compreendido e até ficado feliz com a minha relação com Thomas. Que droga!
As lágrimas derrubadas durante a noite toda não foram suficientes para me fazer compreender a terrível situação em que me encontrava. Como conseguiria equilibrar
a minha vida pessoal e profissional, depois de tudo o que aconteceu?
Precisava trabalhar em minhas empresas. Era minha obrigação e eu tinha dado a minha palavra de que ficaria com eles até a situação se normalizar. Thomas não estava
me apoiando, muito pelo contrário, ele estava me limitando e interferindo as minhas escolhas.
Entretanto o que mais me magoava não era isso. Ele não confiava em mim. Não acreditava em minhas decisões e não respeitava o que eu queria. Eu não conseguia entender.
Quantas vezes já havia provado que eu sabia exatamente o que estava fazendo? Mesmo assim meu noivo insistia em não me apoiar, em não aceitar.
Levantei da cama bem cedo e caminhei pelo apartamento sem querer perturbar o sossego da Sam. Ela voltaria para a Pensilvânia ainda pela manhã e não precisava levar
mais preocupação na bagagem.
Ainda pensando no que fazer para suavizar os problemas que encontraria em casa, resolvi tomar um banho e me vestir. Eu precisava voltar e conversar com Thomas. Aquela
história teria que ter um fim. Meu noivo precisava entender que eu fiz a minha escolha e nada me faria voltar atrás, até porque eu sabia que nenhuma decisão minha
era impensada ou egoísta, ao contrário das escolhas dele.
Não entendia porque era tão difícil. Como podíamos nos amar tanto e mesmo assim ainda deixarmos que situações como aquela nos afastasse cada vez mais. Depois de
tudo o que vivemos ainda não éramos fortes o suficiente para enfrentar qualquer dificuldade sem abalar nosso relacionamento?
Eu não tinha dúvidas do meu amor. Continuava certa do que queria para mim, para nós dois, mas não podia permitir que Thomas conduzisse nossas vidas daquela forma.
O que me levava a pensar se o amor dele por mim continuava o mesmo? Eram tantas dúvidas que precisavam ser sanadas o mais rápido possível e por este motivo que voltei
a nossa casa.
Assim que cheguei, percebi que algo estava errado. Algumas coisas estavam fora dos seus lugares, não que isso fosse anormal, mas estavam espalhadas e não deslocadas.
Lembrei que meus convidados estiveram ali na noite anterior e que uma pequena confusão tinha ocorrido, então deixei passar.
Subi as escadas em direção ao meu quarto com passos lentos. Pelo silêncio, Thomas ainda estava dormindo. Parei antes de entrar organizando tudo o que deveria ser
dito. Estranhamente eu tremia. Era como se alguma coisa estivesse errada demais ali. Imaginei que era mais novamente o meu lado covarde tentando calar tudo o que
eu queria dizer.
A porta estava entreaberta, a afastei para conseguir entrar sem fazer barulho. De lá mesmo dava para sentir o cheiro forte de bebida.
- Thomas deve ter bebido até dormir – constatei pensando em como conseguiria acordá-lo para que tivéssemos uma conversa saudável. Seria mais difícil do que eu pensava.
Entrei no quarto ainda escuro, por causa das cortinas que bloqueavam a entrada do sol, e acendi as luzes.
Fiquei paralisada.
Quando penso em luz adentrando em um lugar de pura escuridão, penso em coisas boas acontecendo. Mas não foi isso o que encontrei em meu quarto. Eu simplesmente não
conseguia acreditar no que meus olhos estavam me mostrando, em que a luz estava revelando.
Permaneci imóvel, enquanto meu corpo não conseguia encontrar uma reação adequada para aquela situação. Fui obrigada a contemplar Thomas deitado, parcialmente coberto,
mas definitivamente sem roupas, e ao seu lado, abraçada ao seu corpo, estava uma mulher, também completamente nua, porém não tinha se preocupado em cobrir-se.
A dor veio antes mesmo da compreensão da cena que eu via. Era avassaladora, inacreditavelmente forte e sufocante. Como se quisesse me matar. E deveria ter matado
mesmo, na verdade matou, pois eu morri por dentro naquele momento, mas por algum motivo desconhecido, eu permanecia viva, estática.
Senti que minhas pernas iriam falhar e me apoiei no pequeno aparador próximo da porta. Sem querer, deixei cair um porta retrato que estava sobre nele, fazendo barulho
e então a mulher que estava na minha cama, com o meu noivo, acordou olhando para a minha direção.
Ficamos nos encarando por um instante que para mim parecia uma eternidade. Minhas primeiras lágrimas escorreram naquele momento inacreditável. Era terrível demais
para ser verdade, doloroso demais para ser suportado. Era impossível descrever o quanto eu estava sofrendo, no entanto, mesmo sentindo uma dor insuportavelmente
grande, minha voz conseguiu sair involuntariamente por entre meus lábios.
- Anna?
Foi apenas um murmúrio, mas o suficiente soar no silêncio como uma grande explosão. Fechei os olhos e esperei pelas chamas, porém elas não me consumiram. Como eu
gostaria que acontecesse, ao menos voltaria a ter paz.
- Cathy? – Ela disse ainda sonolenta, então percebeu o quadro que nos cercava. – Ai meu Deus, Cathy! – Levantou puxando a coberta para seu corpo tentando vir em
minha direção. – Não é o que você está pensando. Nós bebemos um pouco e...
Levantei minha mão, sinalizando para que ela não tentasse se justificar. Anna começou a chorar convulsivamente. Eu não queria ouvir, não havia nada para ser dito.
Tudo estava muito bem explicado. Não conseguia sentir raiva, nem mágoa, nem ódio... Eu simplesmente não sentia nada além da dor que me machucava cada vez mais, que
me impedia de respirar.
Meu mundo tinha sido destruído em segundos, deixando-me flutuando no espaço, perdida. Desejei que o nada dentro de mim me engolisse para sempre e que eu nunca mais
precisasse voltar para aquela realidade.
- Cathy, por favor, me deixe explicar.
Anna falou alto demais, fazendo com que Thomas se movesse ao seu lado. Meu noivo acordou, ainda visivelmente bêbado, ou com uma forte ressaca. O fato era que ele
não conseguia entender o que estava acontecendo. Nada daquilo minimizou o que eu via. Nenhuma justificativa seria o suficiente para que eu entendesse. Nada mais
importava.
Thomas olhou para Anna bastante confuso e depois de um tempo, olhou para mim. Nossos olhos se encontraram e então ele compreendeu o que tinha feito.
Contemplei seu olhar tentando encontrar nele aquele Thomas que jurava me amar. O mesmo Thomas que me fez enxergar o quanto eu necessitava do seu amor, que me provou
que este sentimento era capaz de vencer qualquer barreira. Que me fez acreditar e desejar que fosse possível para mim.
Enquanto o encarava revivi todos os nossos momentos, nosso primeiro encontro, nosso primeiro beijo, nossa primeira noite de amor, e então, o nosso fim. Tão amargo
e infeliz que era difícil de acreditar.
Eu vi quando o desespero se formou em seu olhar e foi naquele exato momento que finalmente meu corpo conseguiu reagir. Pensei que morreria, ou que desmaiaria, porém
sem pensar duas vezes, virei-me e saí do quarto, e do apartamento, e da vida do Thomas... Para sempre.
Corri o máximo que meu corpo aguentou. Não me importava se as pessoas estavam me olhando, se havia alguém em meu caminho ou não. Nada me impediria de partir. Desci
as escadas pulando os degraus e saí do prédio sem saber para qual direção deveria ir. Corri sem um destino certo, mas consegui me afastar o suficiente para não ser
mais encontrada por eles.
Então parei, sem saber o que deveria fazer. Olhei ao redor sem conseguir me situar. Sentei em um banco de praça e ali fiquei por tempo indeterminado, contemplando
o nada. Chorei, lamentando todo o tempo que tinha perdido tentando me enganar. Acreditando Thomas tinha mudado por mim. Que o nosso amor era suficiente, que pertencíamos
um ao outro.
Como eu tinha me enganado!
Não senti ódio por deles, sentia de mim. Eu tinha sido a idiota, que acreditou que um dia um príncipe chegaria e me resgataria de uma torre. O príncipe chegou, o
problema foi que ele se transformou em um sapo. Ri da minha constatação. “Então foi assim que Lauren se sentiu? No fundo ela tinha razão. Thomas se cansou de mim,
como ela tinha dito que seria”. Fui dominada por uma imensa tristeza.
Não era só a tristeza por ter sido traída, nem mesmo por ter sido traída pela minha amiga e pelo meu noivo, era a tristeza da derrota. Era como eu me sentia. A tristeza
de uma vida que tinha terminado ali, no instante em que eu os vi. A tristeza de sonhos destruídos e planos que nunca seriam realizados. A tristeza de um amor que
teria que morrer e que eu não sabia quando nem como matá-lo.
Cansada de esperar pelo que não vinha, levantei e recomecei a caminhar. Não tinha para onde ir. No meu desespero até a bolsa com os documentos deixei cair no chão
do apartamento, ficando sem rumo, perdida em Nova York, e sem querer ser encontrada.
Eu era ninguém.
Nada.
Era mais uma pessoa completamente perdida em meio à multidão. Voltaria a ser exatamente o que era antes dele entrar em minha vida... Nada. Minha cabeça trabalhava
a todo vapor, mas ao mesmo tempo eu não conseguia pensar em nada que me ajudasse. Pensei em mim e pensei em Thomas. Senti uma imensa dor no peito. Não parecia uma
dor real e ao mesmo tempo era perfeitamente real. Não machucava fisicamente, mas doía como uma imensa ferida.
Eu ofegava, o ar era mínimo, ou era apenas minha imaginação? O que era a realidade e o que era sonho, ou pesadelo? Queria tantas coisas, correr, gritar até não conseguir
mais, chorar todo o meu desespero, deitar no chão e deixar que a chuva me levasse, queria dormir e nunca mais precisar acordar.
- Deus, isso vai me matar! – A chuva escorria em meu rosto. Olhei o céu cinza de Nova York e minhas lágrimas se juntaram às derramadas pelas nuvens. Tudo ao meu
redor era triste. Era como se a vida chorasse a minha dor. – Me ajude! – Gritei para o céu. – Me ajude, por favor! Eu não vou aguentar.
Não sei quanto tempo fiquei parada sem saber o que fazer. Passei a mão no rosto tentando tirar o excesso de água dos meus olhos. Recomecei a andar. Meu corpo inteiro
doía. Era como se eu tivesse andado o dia inteiro. Ou tinha andado o dia inteiro mesmo? Não fazia ideia. Minha vida tinha perdido o rumo. O tempo não fazia mais
diferença para mim. Nada mais fazia.
Enquanto andava, percebi que o mundo tinha se tornado pequeno e sufocante, ao mesmo tempo que a minha dor se tornava cada vez maior. Lembrei-me de minha mãe e de
todo o seu sofrimento por causa do meu pai. Novamente senti que fraquejaria.
- Que ironia do destino! – Ri de mim mesma.
Como fui me tornar o que nunca quis ser? Passei minha vida inteira tentando me proteger daquele sofrimento. Daquele amor absurdo e sem limites. E o que tinha me
acontecido? Exatamente a mesma coisa. Eu estava chorando desesperadamente por uma pessoa que não merecia o meu amor.
Sim, apesar de ter flagrado Thomas na cama com a minha amiga, mesmo ele tendo feito da minha vida um inferno nos últimos dias, eu ainda o amava com toda as forças
e desejava desesperadamente que tudo aquilo fosse um pesadelo. Que eu pudesse acordar logo e constatar que nada tinha mudado. Para minha tristeza isso não iria acontecer,
nunca mais. Outras uma vez o vazio e o desespero me assolaram. Thomas tinha se tornado passado e o passado nunca volta.
Precisava fazer alguma coisa por mim e sabia exatamente o que. Teria que matar Thomas dentro de mim, o que, com certeza, me mataria junto com ele, no entanto eu
estava disposta a correr o risco. Talvez fosse melhor não viver mesmo. Seria melhor do que passar os meus dias carregando aquela dor avassaladora.
Quando não aguentava mais andar, avistei o que parecia improvável em uma cidade como Nova York. Roger Turner estava parado a alguns metros de mim, encostado no seu
carro e falando ao telefone. Ele parecia nervoso. Comecei a caminhar em sua direção. Logo ele me avistou, desligando e correndo em minha direção. Assim que nos encontramos
fui cercada por seus braços. A sensação de segurança me desarmou.
- Cathy! Eu estava tão preocupado.
- Por quê? – Enxuguei as lágrimas. Não era o mais coerente a dizer, até porque era lógico que àquela altura muita gente já deveria saber o que aconteceu.
- Samantha me ligou, falou que você teve um problema com Thomas e que estava desaparecida desde cedo.
- Samantha? Como ela soube? Que horas são? – Fiquei confusa com a informação, mas eu sabia que Thomas iria tentar me encontrar, nem que fosse para aliviar a sua
consciência.
- Parece que Thomas também passou o dia inteiro tentando te encontrar. Samantha está na Pensilvânia, ela ficou muito preocupada e acabou me ligando – ouvir o nome
dele fez com que meu coração palpitasse mais forte. Senti o nó se formando em minha garganta e as lágrimas ganharam mais força.
Recomecei a chorar e pela primeira vez no dia, senti todo o peso dos acontecimentos. Minha cabeça e meus pés estavam extremamente doloridos. Eu queria apenas dormir,
sem precisar acordar e encarar o que me esperava. Encostei-me no seu peito sem me preocupar em estar sendo frágil ou despertando a sua pena. Eu mesma sentia pena
de mim.
- Você está péssima. Vamos sair daqui. O que quer fazer? Posso te levar de volta para casa.
- Eu não tenho mais casa. Não tenho mais nada.
- Sinto muito, Cathy! Sinto tanto! – Meu coração reconheceu a volta do meu amigo, como éramos antes. Abracei seu corpo me refugiando nele. - Posso te levar para
a Samantha, ela vai saber cuidar de você.
Pensilvânia. Era isso! Precisava ir embora e a casa da Sam era o lugar ideal para que eu me esquecesse do mundo e o mundo me esquecesse. Precisava estar com Sam,
mas como?
- Deixei meus documentos no apartamento e também não tenho dinheiro...
- Tudo bem, Cathy! Posso pedir para alguém buscar as suas coisas...
- Não. Eu não quero.
Senti meu coração acelerar com a simples possibilidade de um possível reencontro com Thomas. Se ele estava me procurando, com certeza iria exigir de quem quer que
fosse buscar minha bolsa, que contasse onde eu estava.
Eu não queria que fosse assim. Ele tinha destruído o meu conto de fadas e transformado em um filme de terror. Naquele momento eu só desejava ser a mulher invisível
e sumir da vida dele.
- Vamos de carro então. Eu te levo.
Concordei. Entramos no carro imediatamente, como se já existisse aquele plano de fuga, mas eu não estava em condições de pensar, fechei os olhos, sentindo o carro
partir e pegar a estrada.
Não havia nada do que eu tivesse que me despedir. Não queria olhar para trás. Roger respeitou o meu silêncio e se manteve calado por um longo período, como antes,
quando éramos namorados e eu passava por algum problema. Ele ficava ao meu lado até que me sentisse melhor e me apoiava incondicionalmente.
Por mais que tentasse, não conseguia parar de pensar em Thomas. À medida que ia me afastando de Nova York, dele, de nossa casa, sentia desespero, e ao mesmo tempo
uma saudade imensa tomava conta de mim. Pois eu sabia que a cada passo que dava, mas distante ficava dele, dos nossos sonhos, e do quanto mais verdadeira se tornava
a nossa separação.
Quando eu me lembrava que não poderia mais vê-lo, meu desespero aumentava. Uma parte da minha mente entendia que o melhor era me afastar para sempre e tentar esquecê-lo,
a outra se desesperava com a mínima possibilidade de nunca mais poder olhar em seus olhos, ver seu sorriso tão perfeito.
Suspirei profundamente me sentindo absurda por pensar daquela forma. Ele tinha me traído e com a minha amiga. Aquilo era inadmissível.
Como ainda podia pensar nele com saudade? Era para estar sentindo raiva deles, mas eu não conseguia! Eu só sentia pena de mim, dele, de nós dois. Nós tínhamos vivido
momentos inesquecíveis e era realmente sofrido ver tudo jogado ao vento e arrastado para longe.
Será que ele também se sentia assim? Não. Ele fizera suas escolhas. Havia me mostrado o quanto não se importava mais. Eu estava sofrendo por precisar esquecê-lo,
mas Thomas já tinha me esquecido. Tinha me substituído. Eu não significava mais nada para ele. Lágrimas rolaram pelo meu rosto e um soluço escapou.
Imersa em meus pensamentos senti Roger pegar minha mão e apertar com força.
- Você sabe que eu estou aqui, não é? Sempre estarei por perto para te ajudar.
- Eu sei. Obrigada! – Minha voz estava muito fraca e quase não saiu.
- Se você não quiser me contar o que aconteceu não tem problema, Cathy. Apenas quero que saiba que farei o que for necessário para que essa dor deixe de existir
– acariciou meu rosto, como um irmão mais velho, tentando me confortar.
- Como nos velhos tempos, não é? – Ri sem nenhum humor para a infeliz realidade. Estávamos de volta a nossa história. Fiquei um pouco aliviada, ao menos aquilo me
restava.
- Sim. Como nos velhos tempos, Cathy.
Roger voltou a ficar calado e eu fechei meus olhos e deixei a enormidade do nada me dominar. Já estávamos na Pensilvânia quando ele voltou a conversar.
- Posso ligar para Samantha e avisar que estamos chegando? Ela estava bastante preocupada.
- Eu ligo – sem hesitar ele tirou o celular do bolso e me entregou. Sim, tudo voltava a ser como antes. Roger ainda confiava em mim, e em minhas decisões, sem contestar.
Respirei fundo e disquei o número da casa da Sam.
- Alô – reconheci sua voz aflita. Com certeza Sam estava preocupada e devia estar ao lado do telefone esperando por notícias.
- Sam...
- Cathy! Graças a Deus! Onde você está? Estamos todos preocupados. O que aconteceu? Thomas... – meu coração acelerou.
- Sam, tem alguém aí com você? – Fui invadida pelo desespero. Havia a possibilidade de alguém ter pensado na Pensilvânia também e ter ido para lá me encontrar.
- Não. Ninguém além dos empregados. Por quê?
- Sam, por favor, não diga a ninguém que eu entrei em contato. Não quero que saibam onde estou. Você pode fazer isso por mim?
- O que aconteceu, filha? – Sua voz se tornou reconfortante, como a de uma mãe que sabe que o filho está com problemas e tenta ajudá-lo ao invés de repreendê-lo.
Sam era como uma mãe para mim, não poderia ser diferente.
- Prometa. Por favor! – Fechei os olhos implorando que ela não exigisse maiores explicações. Meu coração estava tão apertado que era difícil falar sem deixar a dor
transparecer em minha voz.
- Sim, claro! Eu não direi nada a ninguém. Mas...
- Ótimo! Eu estou perto da sua casa. Vou ficar com você por um tempo, mas, por favor... Ninguém pode saber disso. Ninguém mesmo, Sam.
- Já entendi, querida. Você não quer que Thomas saiba onde está.
- É... É isso mesmo – algumas lágrimas voltaram a escorrer por meu rosto, ao ser atingida pelas lembranças de Thomas em nossa cama ao lado de Anna. – É muito importante
para mim que ele não me encontre... Nunca mais – acrescentei somente para mim esta última parte, tentando convencer o meu coração de que era a coisa certa a fazer.
- Ao que parece foi mais grave do que pensei – fiquei calada sentindo as lágrimas. Thomas não havia contado a ela o ocorrido. Covarde! – Tudo bem. Estarei esperando
por você.
Capítulo 8
O Tempo é o Melhor Remédio
VISÃO DE CATHY
Assim que cheguei, fui recepcionada por Sam que estava visivelmente abalada com tudo o que tinha acontecido. Ela não me fez um monte de perguntas como eu esperava.
Apenas me abraçou forte e me deixou chorar em seu ombro. Usufruir do carinho o máximo de tempo que precisei, apesar de não entender como as lágrimas podiam continuar
caindo.
Quando me senti melhor, fui para meu quarto e tomei um banho demorado. Procurei no closet algumas peças que havia deixado na minha última visita. Graças a Deus!
Ao menos eu teria calcinhas limpas. Sam levou ao meu quarto uma camisola dela e um roupão de seda, deixando-me agradecida pelo cuidado.
- E Roger?
- Ele vai ficar até manhã.
- Bom. Seria ruim pegar a estrada à noite.
Constatei que mesmo já tendo passado algumas horas do ocorrido a minha dor não diminuía, ela permanecia para me lembrar a todo o momento que nós não existíamos mais.
Era assustador.
Esperei pela raiva que eu deveria estar sentindo, afinal de contas, havia sido covardemente traída e humilhada pelos dois. Mas este sentimento não se apresentava,
mesmo eu o desejando ardentemente, seria mais fácil do que sentir a dor e a tristeza da ausência dele. Era como se meu coração tivesse sido arrancado por Thomas.
- Você não vai comer nada?
- Não, Sam. Não tenho condições de comer nesse momento. Mas fique tranquila, não vou me matar de inanição. Prometo que comerei amanhã – ela sorriu, levando conforto
ao meu coração. Agradeci por estar com ela naquele momento.
Roger, mais uma vez, tinha razão e conseguiu decidir o melhor para mim, como sempre fez quando eu não tinha condições para escolher um caminho. Nós dois sempre formamos
uma bela dupla. Se existisse amor seriamos o casal perfeito. Infelizmente o amor era travesso, e tinha escolhido a pessoa errada para mim. Outra lágrima escapou.
- Não vai me contar o que aconteceu? Thomas ligou várias vezes, não sei mais o que dizer a ele.
- Só não diga que estou aqui – o desespero novamente me tomou, tirando o meu ar. Sentei a beira da cama e fechei os olhos procurando forças para continuar.
- Tudo bem! Não vou contar a ele. Mas e a Mia? Ela também está muito preocupada. Sem contar com Sara, Dyo, todos. É difícil não confortá-lo. Eles estão apavorados
com medo que você faça alguma besteira.
- Ligarei para eles depois. Agora só preciso ficar afastada de tudo e de todos.
Sam estava sentada na poltrona em frente a minha cama me ouvindo atentamente. Não podia evitar a nossa conversa. Ela estava lá por mim e eu precisava realmente daquele
apoio.
- Vou te contar o que aconteceu.
Relatei tudo o que ocorreu, desde a minha chegada ao apartamento até o meu encontro com Roger e a sugestão dele de me levar até ela.
- Imaginei algo parecido – sorriu tristemente. – Você não fugiria por uma briga à toa. Thomas tinha que te ferir de verdade para que quisesse ficar longe dele –
ficou constrangida por me dizer o que pensava. Mas ela estava com a razão.
Eu o amava muito e, se três tiros disparados contra mim por causa do seu segredo, não conseguiram, não seria uma simples briga que me tiraria do seu lado.
- Agora preciso realmente fugir, Sam. Se eu continuar nesta vida... Neste mundo que criei e que Thomas destruiu, não sobreviverei. Preciso tirá-lo de dentro de mim.
Chorei desesperadamente imaginando o que seria necessário para conseguir aquela façanha, que para mim, era praticamente impossível. Thomas não estava apenas em minha
mente, estava em cada célula do meu corpo, em todos os meus movimentos e pensamentos. Em meu passado, permanecia em meu presente e eu precisava arrumar uma forma
de impedir que ele fizesse parte do meu futuro, ainda que fosse através de lembranças e sentimentos. Sam levantou e sentou ao meu lado me abraçando.
- E o que você pretende fazer?
- Ainda não sei. Só sei que Thomas não pode saber onde eu estou.
***
Minha primeira semana sem Thomas foi avassaladora. Em muitos momentos pensei que enlouqueceria com tamanho sofrimento. Eu oscilava entre dormir e sonhar com algo
ligado a ele, o que sempre resultava em choros frenéticos no meio da noite, ou ficar acordada, o que não me impedia de estar à parte do mundo, consumida por um sofrimento
tão grande que não me permitia participar da minha própria vida.
Cada vez que o telefone tocava eu tremia imaginando ser ele, o que na maioria das vezes era verdade e a dor em meu peito se intensificava, à medida que Sam inventava
mais e mais desculpas para manter minha localização uma incógnita.
Mia entrou em desespero no segundo dia e fui obrigada a revelar a ela onde estava. Na verdade, não tinha a intenção de esconder meu paradeiro da minha melhor amiga.
Apenas pedi a ela o mesmo que pedi a Sam, que não contasse ao Thomas onde eu estava, o que ela concordou imediatamente. Então passamos a nos falar duas vezes ao
dia.
Roger modificou sua rotina para poder passar mais tempo comigo e, com a permissão da Sam, ele começou a voltar todas as noites para a Pensilvânia para ficar comigo,
o que não era um grande sacrifício, afinal eram apenas alguns minutos de avião.
Como todos estavam muito preocupados, permiti que Sam dissesse que eu havia ligado e que estava tudo bem, porém ela não sabia nada sobre a minha localização. Ouvi
quando minha madrasta disse a Sara que eu não estava em condições de conversar com ninguém e por isso não entrava em contato. Senti minha garganta apertar quando
perguntou como Thomas estava, e então saí da sala para não ter que ouvir sobre sua felicidade ao lado de Anna.
Apesar de toda a atenção dispensada a mim pelos meus amigos, eu ainda preferia ficar sentada no banco do jardim, o mesmo em que estive há algum tempo com meu pai,
falando sobre meu amor pelo Thomas e nosso possível casamento. Por mais que a lembrança me torturasse, era lá que eu preferia ficar e chorar. Sem precisar estar
com mais ninguém além das minhas lembranças dolorosas.
***
Na segunda semana eu ainda sonhava com Thomas e acordava chorando no meio da noite. Parte deste desespero se deu ao fato das ligações ficarem cada vez mais espaçadas.
Ele parou de perguntar sobre meu paradeiro. Apenas conversava com Sam para saber como eu estava.
Sam e Mia disseram a ele que eu tinha feito contato, mas que não tinham permissão para contar onde eu estava. Ele então parou de me procurar.
Dentro de mim existia a certeza de que isso aconteceria em algum momento, afinal, ele havia me traído, o que indicava que nosso amor não era mais o mesmo, pelo menos
para ele. Para mim, infelizmente, continuava o mesmo, e a cada dia me certificava de que aquela condição não mudaria.
Por mais absurda que fosse a forma como me sentia e por mais imperdoável que tenha sido o motivo de eu ter fugido dele, a verdade era que: quanto mais o tempo passava,
mais eu me conscientizava de que daria qualquer coisa para que tudo não passasse de uma mentira.
O meu único desejo era que Thomas entrasse pela porta da casa com provas de que tudo foi um engano e que nós poderíamos voltar a viver o nosso amor. Mas quando o
dia ia embora e a noite chegava, eu era forçada a entender que aquela nunca seria a minha realidade. Nada poderia apagar o que ele tinha feito, o que eu tinha visto,
então a certeza do fim caía sobre mim como uma âncora pesada me afundando cada vez mais.
Eu nunca quis realmente o amor em minha vida, contudo quando tal sentimento chegou, me agarrei a ele como se minha existência dependesse disso. Este foi o meu maior
erro, pois passei a viver apenas o amor, sem levar em consideração que toda história de amor, todo conto de fadas, tem um final.
Acreditei que quando duas pessoas se amavam nada mais faltava. Ser apenas um do outro era o suficiente. Então aprendi de uma forma bastante dolorosa que o amor é
muito mais do que um sentimento, do que a vontade de ficar juntos. É também, e principalmente, o companheirismo, a compreensão e aceitação do que o outro é.
Quando eu era criança, minha mãe me dizia que a vida era repleta de créditos, que as pessoas os ganhavam pelas suas boas ações, o que ajudava a solidificar os relacionamentos,
sejam eles entre marido e mulher, mãe e filha ou amigos. Quando algo ruim era feito, havia os créditos que a pessoa possuía para impedir que o relacionamento acabasse.
Com o tempo entendi que esta era a forma como ela justificava a sua permanência ao lado do meu pai. Confesso que nunca aceitei aquela justificativa. No entanto vi
Sam usar o mesmo argumento ao escolher continuar com meu pai e me aceitar como parte da família.
Eu me pergunto se estes créditos existem mesmo. Porque se eles realmente existissem, Thomas não teria feito o que fez comigo. Por mais complicado que fosse o nosso
relacionamento, eu não tinha créditos para que ele permanecesse ao meu lado? Para que ele tivesse rejeitado o desejo pela minha amiga, ou até mesmo para se sentir
culpado por seus sentimentos?
Se eu não tinha créditos para isso, então de que valeu todo o meu amor? De que valeu todo o tempo dedicado a nossa felicidade? E por que eu não conseguia transformar
isso tudo em uma verdade absoluta e arrancá-lo, de uma vez por todas, da minha cabeça e do meu coração?
A tristeza e a dor eram mais intensas, mas meu corpo começava a se adaptar me causando menos danos a cada dia. A sensação de que uma pedra pesada estava sobre o
meu peito me impedindo de respirar ainda era constante, no entanto eu já não chorava, pelo menos na frente das outras pessoas, nem conseguia mais dormir tanto quanto
antes, o que me mantinha mais atenta e participativa da realidade em que estava vivendo.
Conversando com Roger percebi que uma decisão precisava ser tomada. Era necessário me desvincular de uma vez por todas das amarras que me ligavam a Thomas. Tomei
coragem e liguei para Sara. Ela ficou muito emocionada com a minha ligação e pudemos conversar por bastante tempo. Foi através dela que eu soube que Thomas também
não estava bem.
- Não sei o que te dizer – continuou com cautela. – Ele está muito abalado. Parece que os dias deixaram de passar. Tudo tem sido feito da maneira mais complicada
possível. Thomas não corresponde as nossas tentativas de fazê-lo voltar à vida. Estou seriamente preocupada. Se existisse uma forma de trazê-la de volta, Cathy,
eu me agarraria a ela com todas as forças. Sinceramente não entendo o que passou pela cabeça de Thomas quando...
Não queria ouvir aquilo, mas tenho que confessar que saber que ele também sofria aliviava um pouco a minha própria dor. Pelo visto eu não tinha sido tão pouco na
vida dele, como vinha pensando.
- Precisamos acertar alguns detalhes – não deixei que ela continuasse. Seria demasiadamente doloroso saber que ele e Anna estavam juntos, apesar de se fosse verdade,
eu acabaria sabendo de uma forma ou de outra.
Os paparazzis eram implacáveis.
Por isso cortei a conversa e comuniquei a Sara que estava me demitindo. Ela já esperava por esta notícia, então foi mais fácil do que eu esperava.
- Eu sinto tanto! Vai ser profissionalmente mais complicado sem você aqui, e sentimentalmente mais doloroso. Todos, de certa forma, nos afeiçoamos a você. Não vai
ser mais a mesma coisa – sorri com o coração apertado. A máxima era verdadeira para mim também.
Terminamos a conversa sem que eu revelasse onde estava, mas prometi que voltaria a ligar. No dia seguinte, pedi a Roger que enviasse um fax para a agencia da Sara
com o meu pedido de demissão, era burocraticamente necessário.
Seria o corte final de toda a minha relação com Thomas. Quando Roger me ligou avisando que todas as providências já tinham sido tomadas, me tranquei no quarto e
chorei o restante da tarde. Eu tinha jogado o último punhado de terra sobre o caixão que enterrava a minha história ao lado do único homem que amei. Restava-me apenas
chorar.
***
Na terceira semana, Mia conseguiu três dias de folga e viajou a Pensilvânia para ficar comigo. Nossa conversa conseguiu ser saudável. Eu falei da minha decepção
e de toda a tristeza com o desfecho da minha fracassada história de amor.
Minha amiga me ajudou muito, me incentivando a ter forças para reconstruir a minha vida. Sentia-me melhor para poder recomeçar uma nova história, não mais de amor,
talvez este não fosse mais possível para mim, no entanto quem sabe de sucesso na carreira profissional?
A empresa precisava que eu estivesse mais presente e eu de algo para ocupar o meu tempo. Durante três semanas que passaram, apenas permiti que o vazio me dominasse,
com o passar dos dias fui percebendo que parte dele era o fato de eu, por algum tempo, ter mantido a minha vida em segundo plano.
Passava tanto tempo me dedicando ao Thomas, à carreira do dele, que a minha própria vida tinha ficado para trás. Porém, sem ele para ocupar o meu tempo, sem o nosso
amor e sem a sua carreira para alimentar o meu lado profissional, eu estava completamente vazia. Totalmente desacostumada comigo mesma e tendo apenas a mim para
cuidar.
Passamos três dias conversando sobre os mais diversos assuntos, o principal só foi conversado em seu último dia comigo, e porque eu não consegui me manter distante
como havia pensado que conseguiria.
- E Anna? Ela disse alguma coisa sobre o que aconteceu? – Mia e Anna moravam no mesmo apartamento e era impossível que ela e as minhas outras amigas não tivessem
conversado sobre a traição.
- Você quer mesmo saber? – Assenti pedindo que ela continuasse. Na verdade eu estava em pânico, porém era necessário. Não podia mais evitar, era melhor saber através
de minha amiga do que por revistas de fofocas. – Ela ficou bastante abalada. Nos primeiros dias não ficava em casa e quando estava se trancava no quarto. Quando
ficamos sabendo que ela havia... – parou e observou a minha reação. – Quando soubemos o que tinha acontecido, e só soubemos porque eu liguei para Dyo e exigi que
me contasse, ficamos todas enfurecidas – fez uma nova pausa e voltou a me observou, como não me manifestei ela continuou. – Droga, Cathy! Somos amigas, somos todas
amigas, ela não tinha este direito! Mesmo que Thomas tivesse tentado alguma coisa, era Anna quem teria que ser a forte, ela te devia isso, pela nossa amizade.
- Thomas também tem culpa, Mia. Com tantas mulheres na rua ele escolheu logo uma amiga minha... – as lágrimas transbordaram com as lembranças e eu deixei que minha
amiga visse o quanto ainda estava abalada e machucada com tudo.
- Eu sei, Cathy. Não existe perdão para o que ele te fez, mas Anna... Ela foi tão...
- Vamos deixar o tempo se encarregar dela, certo? – Impedi minha amiga de alimentar a dor que insistia em me dominar naquele momento. Desviei os olhos tentando focar
minha atenção em algo menos doloroso. Mia hesitava.
- Nós exigimos que ela saísse do apartamento.
- O que?
- Era o mais lógico a fazer. Não confiamos mais nela e não queremos perder a sua amizade. Se Anna continuasse, você nem ligaria mais, nem iria nos visitar. Não é
justo com nenhuma de nós. Além do mais, a traidora provou que não é nossa amiga.
Pensei no que Mia estava me dizendo. Confesso que fiquei aliviada em poder tirar Anna da minha vida também. Por outro lado, sem ela por perto, eu ficaria cega para
o que poderia estar acontecendo entre eles dois. Mordi os lábios recusando aqueles pensamentos.
Não deveria ser mais do meu interesse quem ele levava para a cama. Era um problema dele. Mas a quem eu queria enganar? Eu estava mordida pelo ciúme e a mínima possibilidade
dos dois juntos já me atirava ao fundo do poço novamente.
- Cathy, você está bem? – Sinalizei que sim para minha amiga.
- Mia, você acha que... – eu não deveria estar cavando mais fundo aquele buraco, no entanto existia em mim uma necessidade extrema de me magoar ainda mais. Respirei
fundo e soltei a pergunta. – Você acha que tem alguma chance deles...
- Não! – Mia respondeu sem nem precisar pensar. – Eu não sei o que aconteceu para que tudo terminasse desse jeito. Minha intuição me diz que esta história está muito
mal contada. Thomas está desesperado, Cathy! Ele não teve vergonha de chorar e implorar por notícias suas e Anna está tão deprimida com tudo o que aconteceu que
nem levanta a cabeça. Não acredito que eles teriam coragem de...
Desejei com todas as minhas forças que fosse verdade. Não suportaria ter a felicidade deles esfregada em minha cara. O que tinha acontecido já era o suficiente para
me fazer infeliz pelo resto da minha vida.
***
Na quarta semana, ainda não tinha conseguido diminuir as lembranças, a dor, nem a tristeza, mas parecia que cada coisa estava ocupando o seu devido lugar em minha
vida e eu já estava me acostumando com a presença delas.
Todos os dias quando acordava e contemplava a cama vazia, lembrava do motivo por acha-la tão grande. Mesmo assim me forçava a levantar pela manhã e a deitar todas
as noites. Apesar de tanto sofrimento, conseguia me sentir forte o suficiente para ir embora, afinal, já estava escondida há quase um mês e minha vida devia continuar.
Precisava tentar continuar vivendo.
Thomas não ligava mais, nem para saber como eu estava e apesar dor que isto me causava, já conseguia compreender que era melhor assim. Com o tempo ele seria apenas
uma dor incômoda do passado que não me impediria de seguir em frente.
Com a ajuda de Roger, estava me adaptando bem às minhas funções na empresa e logo tudo deixou de ser tão complicado. Todas as noites, nos reuníamos e trabalhávamos
exaustivamente para que eu entendesse como funcionava. Por este motivo decidi voltar à Nova York e fazer de lá a minha nova casa. Seria mais fácil, tanto para mim
quanto para Roger, já que ainda trabalharíamos juntos.
Foi ele quem escolheu o apartamento e cuidou de todos os outros detalhes, já que mesmo lutando, muitas vezes a apatia me dominava, tornando-me incapaz de decidir
qualquer coisa. Desta forma organizei essa nova etapa da minha vida.
Iria morar em Manhattan, em Uptown, de frete para o Central Park, em um apartamento imenso e luxuoso. Esta parte foi por conta da Sam, que disse que passaria tanto
tempo comigo que eu não sentiria o vazio da casa.
Mia também. Ela havia conseguido uma transferência temporária para Nova York, assim eu teria as pessoas que mais amava ao meu lado, para enfim recomeçar. Quer dizer...
Quase todas.
Thomas nunca estaria à margem dos meus sentimentos. Ele ainda era presente em mim. Meu amor permanecia tão forte quanto antes e tão intenso como sempre seria.
Quando já estava tudo certo para a mudança, me enchi de coragem para a última decisão a ser tomada no longo processo de apagar de uma vez por todas qualquer vestígio
da minha vida ao lado do Thomas.
Seria uma missão difícil, no entanto Mia conseguiria dar conta do recado. Liguei para minha amiga ciente de que ela teria que enfrentar uma barra para me ajudar
em mais aquele problema.
Capítulo 9
Um Ponto Final Algumas Vezes Pode se Transformar em um Ponto de Continuação.
VISÃO DE THOMAS
Quatro semanas tinham passado e a minha vida estava a cada dia mais destruída. Cathy tinha ido embora, coberta de razão, e eu teria que me conformar em passar o
resto da minha vida chafurdando na infelicidade.
Eu tinha sido feliz, mas não sei como, aliás, sei sim, só não sei como permiti que acontecesse, tudo acabou, deixando-me apenas com as doces lembranças. Cada dia
era pior do que o outro. Cheguei a acreditar que teria fim, no entanto parecia cada vez mais distante. Com o tempo passei a aceitar a realidade. Eu a merecia. Seria
ao meu castigo, a minha sentença.
No momento em que descobri o que havia feito, sem compreender como aconteceu, uma vez que não me lembro de nada, percebi de imediato que perdi Cathy para sempre.
Não precisei de nada para ter esta certeza.
Anna não me disse uma palavra sobre o acontecido. Desesperada, começou a pegar as roupas espalhadas pelo quarto e foi embora. Eu estava muito confuso para cobrar
explicação, e sinceramente? Queria muito que ela desaparecesse da minha frente.
Parece errado, mas canalizei toda a raiva para ela e no momento em que a vi sentada ao meu lado no bar. Eu tinha bebido demais, acredito que muito além da conta,
para não me lembrar de absolutamente nada. Porém Anna não, ela nem tinha terminado a primeira dose, disso eu me lembro. O que aconteceu entre nós dois foi sem nenhuma
noção da minha parte, mas com certeza, foi com toda a consciência dela. Ela sabia exatamente o que estava fazendo.
Não consigo esquecer dos olhos de Cathy parada à porta do nosso quarto. Havia tanto sofrimento neles! Todas as vezes que essa lembrança me assolava, e não eram poucas,
eu sentia vontade de arrancar meu coração do peito. Eu não era digno do seu amor. Havia decepcionado a minha noiva, a mulher da minha vida, de forma tão absurda
e irreversível... Cathy não merecia. Definitivamente, não.
Passei a primeira semana procurando desesperadamente por ela. Queria a qualquer custo me ajoelhar aos seus pés e implorar para que me perdoasse e voltasse para casa.
Eu faria qualquer coisa para tê-la de volta.
O tempo foi passando e percebi que isso nunca aconteceria. Não havia como apagar o que aconteceu, logo não podia fazer com que ela me perdoasse.
Na segunda semana fui surpreendido com o fax que Sara recebeu, informando a demissão da Cathy. Tive esperança de conseguir localizá-la através daquele documento,
porém o fax fora enviado de Nova York, pelo escritório onde o imbecil do Roger trabalhava. Eu deveria imaginar que ele não perderia tempo. Meu coração se estraçalhou
com o mínimo pensamento deles dois juntos outra vez.
Na terceira semana, mesmo com a ajuda dos meus amigos, eu ainda era um fantasma que perambulava pela casa, sempre com um cigarro numa mão e um copo de qualquer bebida
na outra. Havia voltado para Los Angeles, para a nossa casa, mas era muito difícil para mim, permanecer lá com todas as lembranças que me invadiam o tempo todo.
Naquela casa eu tinha vivido tudo com Cathy. Havia aprendido a amá-la, entendi o quanto era feliz ao seu lado, também a havia perdido e recuperado tantas vezes.
Nunca mais voltaria a acontecer.
Foi na quarta semana sem Cathy que recebi a notícia que tanto temia. Dyo me ligou logo cedo para dizer que minha noiva... Ex-noiva, tinha pedido para Mia recolher
as suas coisas que ficaram em nossa casa.
Eu imaginava que aquilo poderia acontecer, no entanto, definitivamente, não estava preparado. Nos primeiros dias até desejei que ela fosse buscar as suas coisas.
Seria a minha chance de encontrá-la e implorar pelo seu perdão, então os dias se passaram e nada aconteceu. Acabei me acostumando com a ideia de que essa seria a
forma através da qual eu pagaria pelo sofrimento que havia imposto a ela.
Eu ficaria com tudo, para que minhas lembranças fossem fortes o suficiente para nunca me abandonarem. Por isso quando Dyo me ligou, não consegui falar nada. Desliguei
o telefone me permitindo chorar. Depois tomei um banho e fui para a sala aguardar a chagada de Mia.
Não queria estar no quarto quando ela começasse a arrumar as coisas em malas e caixas, como se Cathy tivesse morrido. Talvez fosse isso o que quisesse me dizer:
que tinha morrido para mim.
Sentei em minha confortável poltrona na sala em frente à imensa porta de vidro que guardava tantas histórias boas nossas e também histórias terríveis, como os tiros
que Lauren deu nela. “Eu sempre a machuquei, de uma forma ou de outra” repetia para mim mesmo enquanto sentia as lágrimas escorrerem em meu rosto. “Hoje eu realmente
terei que me despedir de você”.
Fechei os olhos e imediatamente a lembrança do seu lindo rosto veio em minha mente. Lembrei do dia em que pensei que ela iria embora para sempre. Sorri para a lembrança
dela segurando meu rosto e me dizendo que voltaria. “Eu não quero te perder. Não quero ficar longe de você” eu dizia desesperado. “Não vai me perder” foram as suas
palavras naquele momento.
Apertei a mão em meu peito desejando profundamente voltar a ouvir dela aquelas palavras. Lembrei seu risinho fraco e do contato gostoso da sua pele na minha. “Espere
por mim” ela suplicou no dia em que foi embora para resolver o problema com o pai. “Sempre” respondi emocionado, não só para aquele momento, mas para a vida toda.
Eu tinha certeza que passaria a minha vida esperando por ela.
- Será que um dia isso ainda vai ser possível? – Perguntei em voz alta perdido em minhas lembranças.
- O que? – Me assustei com a presença de Mia próxima a mim.
- Mia, desculpe, eu não te vi – comecei a levantar, mas ela se adiantou e sentou no chão me olhando fixamente nos olhos. – Tudo pronto? – Engoli o choro que insistia
em continuar. A garota fez que sim com a cabeça. Fiquei calado absorvendo a dor.
- Você está péssimo.
- Nada além do que mereço, não é? – Mia respirou profundamente, como se não quisesse ir além do permitido. – Não se preocupe, Mia, eu sei o que você pensa de mim
e posso te garantir que não sou melhor do que isso.
- Não estou aqui para te culpar de nada, Thomas.
- Nem precisaria. A minha consciência já me acusa o tempo todo sem me dar trégua um único segundo – deixei uma lágrima escapar.
- Eu só não entendo...
- O que? Não entende o que eu estava fazendo com Anna? – Senti ódio de mim e de toda a situação. - Entre para o clube. Eu também não faço a mínima ideia. Uma hora
estava sozinho no bar e ela apareceu, então fiquei chapado e depois disso não lembro de mais nada, o que não me torna inocente – baixei a cabeça e passei as mãos
pelos meus cabelos implorando por um minuto de amnésia. – O pior é que todos os dias eu bebo até mais do que bebi naquela noite e não consigo a dádiva de me esquecer
nem por um segundo – levantei e andei até a porta de vidro que me separava do mar tão amado por Cathy. – Como ela está? – Era uma pergunta inevitável. Eu tinha prometido
a mim mesmo não fazer aquilo, mas não consegui.
- Tão péssima quanto você! – Encostei a cabeça no vidro me condenando ao inferno por causar dor à mulher da minha vida. – Thomas eu sinto muito! – Ri ironicamente.
– Sinto mesmo. Admito que senti muita raiva, principalmente quando vi a minha amiga sofrendo tanto, mas te vendo deste jeito... Só consigo sentir pena, de você,
da Cathy... É muito triste! Vocês dois se amam ainda, como podem ter destruído tudo?
- Eu destruí, Mia. Cathy não contribuiu em nada. Esqueceu que eu fui para a cama com a amiga dela
- Não. Nem poderia. Não existe nenhuma forma de esquecer isso.
- Parece que apenas eu esqueço as coisas – mais uma vez fui sarcástico com a minha infelicidade. Mia levantou para ir embora. Meu coração acelerou. Aquele era o
meu último contato com Cathy. – Mia? Diga a Cathy que... – o que eu poderia dizer? Que sentia muito? Que ainda a amava? Não. Eu não poderia dizer mais nada. Não
tinha mais esse direito. Cathy estava recomeçando sua vida e eu precisava deixá-la ir – Nada. Não diga nada, Mia.
Ela entendeu o motivo do meu silêncio e concordou com a minha decisão. Apenas meu coração não concordava. Ele batia enfurecido em desespero para que eu não deixasse
a chance escapar. Mia saiu batendo a porta atrás de si, e eu voltei para a minha solidão.
Sentei outra vez em minha poltrona, só levantando quando o dia acabou. Era incrível como o tempo passava de maneira tão imperceptível quando eu estava trancado em
meu sofrimento. Num piscar de olhos, e a empregada da casa, como é mesmo o nome dela? Não importa, o fato é que ela foi chamar para jantar. Como eu poderia pensar
em comida em um momento como aquele?
- A Srª Sara ligou e me pediu para não deixar o senhor sem se alimentar – olhei-a provavelmente pela primeira vez em minha vida. Eu não precisava de um monte de
babás em meu pé. Queria apenas ficar sozinho.
Pensar assim me deixou ainda mais triste, Cathy sempre brincava dizendo que era a minha babá. Baixei a cabeça e a enterrei entre as mãos.
- O senhor está bem?
- Não está, não, mas vai ficar – levantei os olhos para meu agente e amigo Kendel. Ele estava de ótimo humor e eu de péssimo.
Senti raiva da sua felicidade. Era muito injusto eu me sentir assim, porém não tinha como evitar. Voltei a enterrar a cabeça em minhas mãos. A empregada saiu da
sala sem acrescentar mais nada.
– Thomas, você precisa levantar, tomar um banho e comer alguma coisa.
- O que faz aqui, Kendel? Estamos de férias.
- Você está de férias. Eu continuo trabalhando. E agora em jornada dupla.
- Como assim? – Levantei a cabeça para olhar meu amigo de frente para mim, os braços cruzados como um soldado.
- Sara me mandou ficar com você por um tempo. Ela falou que você está enlouquecendo com a separação e que ela precisa do nosso astro em perfeito estado para as premiações.
Fechei os olhos imaginando o inferno que a minha vida iria se tornar com todo mundo querendo me salvar do fundo do poço, que era onde eu merecia estar, e que passei
a lutar para não sair. Não queria saber das premiações. Não queria pensar em trabalho, não sem ela ao meu lado. Tudo perdeu o sentido. Não sentia prazer em nada.
- Vocês não entendem – repeti o que vinha afirmando durantes as ultimas quatro semanas.
- Eu entendo perfeitamente. Sei que você está mal porque fez besteira e perdeu Cathy, mas a vida continua, Thomas. Todos ficaram tristes, principalmente porque a
Cathy se demitiu e acabou saindo da vida de todo mundo e não só da sua – pelo olhar que ele me deu, percebi que estava escondendo algo de mim.
Kendel não sabe mentir, esta é uma das suas maiores virtudes, apesar de eu sempre censurar a sua mania de ser verdadeiro com as pessoas e acabar sempre falando demais.
- É. Eu sou culpado disso também.
- Não estou te culpando por nada. Na verdade estou é preocupado com você. Sinceramente não esperava que fosse capaz de trair Cathy, até porque a marcação era cerrada
– riu e eu o encarei sério. Minha vida tinha virado uma piada? – Sem brincadeira, Thomas – levantou as mãos alegando inocência. Desviei meu olhar encarando o mar
diante de nós. – Mas cara, é sério, eu nunca imaginei que você fosse capaz, mesmo bêbado e sinceramente, isso destruiu Cathy.
- Eu sei Kendel. Eu estava lá, esqueceu?
- Não. Quem esquece as coisas aqui é você – voltou a rir. Minha paciência estava chegando à zero.
- Diga a Sara que eu prometo que vou comer todos os dias, vou tomar banho e me barbear, e não vou mais andar pela casa como um alucinado, mas pelo amor de Deus,
mande ela te chamar de volta.
- Então imagino que você não vai querer saber que eu falei com Cathy hoje – parei imediatamente. Pela primeira vez, desde que tudo aconteceu, alguém estava me levando
notícia sem que eu precisasse implorar. - Que foi? Achou mesmo que ela iria nos cortar da vida dela por sua causa? – Riu alto. Então era aquilo o que ele me escondia?
– Nós todos falamos com ela sempre, só que fomos proibidos de contar a você – eu devia ter desconfiado. Cathy tinha se tornado muito ligada aos meus amigos.
- E você quer me contar qual novidade? Que ela está morando na Pensilvânia com Samantha? Ou que ela vai se mudar esta semana para Nova York para um apartamento comprado
recentemente? – Observei sua cara de surpresa e quase me diverti.
- Como você sabe? Quem mais está furando o bloqueio da Cathy e te passando as informações? – Olhei incrédulo para meu amigo.
- Ninguém, Kendel. Só você seria capaz de fazer uma coisa dessas. Eu não fiquei no escuro em relação a Cathy. Logo nos primeiros dias coloquei um detetive atrás
dela e descobri tudo.
- E por que diabos você ainda não foi lá implorar o amor dela de volta? – Kendel parecia admirado. - Pensei que no momento em que eu te contasse onde ela estava
você iria correr para lá.
- Por que não sou digno dela – pela primeira vez no dia ele não sabia o que me dizer. – Se houvesse uma mínima possibilidade desta história ter sido uma mentira
com certeza eu estaria aos pés dela, Kendel, mas não é. Se ao menos não tivesse sido uma amiga... – fechei os olhos com raiva. – Aquela garota tinha que ter aparecido
na minha frente. Se fosse qualquer outra eu poderia argumentar, prometer... Infelizmente isso não é possível. Cathy já teve sofrimento demais e eu não posso permitir
que ela continue sofrendo. Por isso fiquei de longe, acompanhando os passos dela e aumentando a minha própria dor.
- É verdade – conseguiu falar depois de ficar em silêncio pensando nas minhas palavras. – Também acho que ela não seria capaz de te perdoar – me olhou com pena.
– Sinto muito, cara! Eu gostava de vocês dois juntos.
- Eu também. – sorri para meu infortúnio, constatando o quanto aquela frase era verdadeira.
Nunca mais conseguiria viver o que vivi com Cathy. Era certo que me recuperaria, a vida se encarregaria disso, mas lá no fundo, eu sempre me lembraria da felicidade
que um dia joguei fora. Nenhum outro relacionamento seria como o que eu tive com Cathy. Tão intenso, perfeito e completo.
Suspirei sentindo o buraco que ocupava o lugar do meu coração se expandir. Ele fazia isso quando meu sofrimento aumentava e eu agradecia. Ao menos era uma forma
de ainda tê-la comigo, mesmo pelo sofrimento.
- E sobre o que vocês conversaram? – Puxei um pouco a conversa para possíveis novidades enquanto acendia um cigarro, o milésimo do dia.
- Bem... Um pouco de tudo. Ela está animada com o novo emprego.
- Novo emprego? – Essa eu tinha deixado passar.
Cathy tinha um novo emprego? Com quem? Algum artista? E ela estava animada? Era egoísmo meu, mas saber que ela já estava se recuperando me doía ainda mais, apesar
de não querer que continuasse sofrendo. Eu tinha medo da sua capacidade de recomeçar.
- Sim. Ela está fazendo uma espécie de estágio na empresa dela. Está conhecendo melhor os negócios e passando por todos os setores. No fundo eu acho que não tem
nada a ver com Cathy esse papel de executiva, porém acredito que esteja fazendo isso para fugir um pouco da própria história – fiquei confuso e olhei para meu amigo,
interrogativamente. – Ela está mergulhando no trabalho para conseguir te esquecer. O ambiente é completamente diferente do que vocês viveram, por isso está se agarrando
a este trabalho, já que nada nele lembra vocês.
- Ela te disse isso? – Minha esperança infundada se apresentou.
- Não. Nem precisava – dei risada.
Era inacreditável ouvir Kendel falando de maneira tão sensível em relação ao comportamento das pessoas. Aquele era um dos seus momentos raros.
- Agora eu vou te dizer uma coisa, Thomas. Esse Roger não joga para perder.
- O que tem ele? – No mesmo instante lembrei que. se Cathy estava trabalhando na sua empresa, com certeza Roger estaria por perto.
Então foi por isso que ela tinha escolhido viver em Nova York? Para poder estar ao lado dele? Fechei as mãos em punho buscando afugentar os pensamentos. Cathy não
me esqueceria tão rápido. Ou esqueceria? Puxei o ar com algum sacrifício. Ela poderia sim, se quisesse. Sua mágoa e ódio pelo que fiz poderiam facilmente jogá-la
aos braços do Roger.
- Thomas. Ele está tentando conquistá-la. Só um cego não vê isso. Esse papo de amigo de infância não rola. Cathy está sendo cercada e nem está percebendo. Pense
bem: quando uma mulher se decepciona com um amor, o que é que ela faz? – Não tive como responder. Minha mente não estava funcionando bem. – Ela fica com um ex-namorado
ou então com um amigo – disse como se estivesse decifrando uma grande charada. – E esse Roger é as duas coisas. Eu não duvido nada que Cathy em breve vai acabar
cedendo – explodi.
- Cala a boca, Kendel! – Levantei da poltrona, chutei a mesinha e vi tudo que estava nela se quebrar e espalhar pelo chão. – Droga! – Gritei. – Por que tem que ser
assim? – Me joguei em um canto e comecei a chorar feito uma criança. Kendel ficou quieto começando a compreender a minha reação.
Sentia raiva, mas no fundo eu tinha que saber o que estava acontecendo e ninguém mais teria coragem de falar. No momento apenas queria cair e bater a cabeça para
poder esquecer um pouco aquela história toda. Não seria possível.
- Desculpa, cara! Eu não pensei... – respirei fundo tentando recuperar o que sobrou do meu equilíbrio.
- Ela falou alguma coisa? Qualquer coisa em relação a eles dois?
- Não, mas...
- Ela dá a entender que está interessada nele?
- Thomas, entenda...
- Por favor, Kendel, não me esconda à verdade. Você é meu amigo.
- Ela não disse nada, Thomas. Eu que acho essa baboseira toda. É só você pensar no que vê por aí. A Lauren, por exemplo, quando ficou decepcionada com você, o que
ela fez?
- Dormiu com você – Kendel ficou calado me observando, deixando com que eu constatasse o óbvio. – Droga! – Segurei minha cabeça entre as mãos, fechando os olhos
com força, para afugentar de minha mente todas as possibilidades. – Por que eu bebi tanto naquele dia? O que me deu para agir daquele jeito?
Meu desespero voltou com toda força, como nos primeiros dias. A possibilidade de perder Cathy, de vê-la recomeçar, de vê-la ao lado de outro, tudo me atirou de volta
aos sentimentos conflituosos. Automaticamente, comecei a desistir de respeitar o espaço dela, cogitando a possibilidade de encontrá-la e implorar por perdão, mesmo
sabendo que nunca me perdoaria. Todo o questionamento estava de volta a minha cabeça.
- Sabe que eu andei pensando nisso? Não entendo o que aconteceu – dei risada sarcasticamente.
- Você é apenas mais um em busca da verdade. Eu bebi demais e acabei levando a amiga da Cathy para a cama. Ponto final.
- Sim, eu sei. Mas por que você não consegue se lembrar de nada? E como você pôde ter uma ressaca como aquela?
- Eu bebi, Kendel. Demais! Isso acontece com quem bebe sem responsabilidade. Estava puto da vida com Cathy e acabei extrapolando.
- Thomas eu sei dessa história toda. Você a repetiu exaustivamente nestas últimas semanas. Deixa eu te perguntar uma coisa: quantas cervejas você bebeu hoje?
- Não sei. Umas sete. Por quê?
- E você bebeu uísque?
- Umas quatro doses. Aonde você pretende chegar?
- Você misturou uísque e cerveja em grande quantidade e nem por isso está bêbado ou apagado. Nesses últimos dias, o vi beber bem mais. E já tivemos noites memoráveis,
regadas a muita bebida, uma quantidade muito maior. E apesar disso, nunca o vi completamente bêbado ou com amnésia causada por bebida. Então fico me perguntado:
como você pôde ficar tão bêbado com apenas três doses duplas de uísque vagabundo?
Fiquei sem reação. De repente fui puxado para uma verdade que nem tinha sonhado em pensar. Eu lembrava do bar, das doses, da Anna e do momento em que comecei a ficar
tonto e ela se ofereceu para me ajudar.
- Como você sabe que foram apenas três doses duplas
- A nota do bar estava no bolso da sua calça. Eu peguei no dia em que tudo aconteceu e a Sara me mandou voar para Nova York para te ajudar.
- E o que você fez com a nota? – Meu coração batia descompassado. Era a prova que eu precisava para poder ir em busca do perdão da Cathy.
- Entreguei ao Dyo.
- Obrigado, Kendel! Você salvou a minha vida – pulei em meu amigo, surpreendendo-o com um abraço apertado e um beijo no rosto.
Imediatamente peguei o telefone e liguei para Dyo. Ele estava em Los Angeles e no mesmo instante concordou em ir até a minha casa. Esperei por meu amigo durante
longos minutos. Intermináveis! A angústia era absurda. E se fosse verdade? Será que Cathy me aceitaria de volta?
***
- Eu entendo aonde você quer chegar, Thomas, e acredito até que esta sua teoria seja bastante plausível, visto que Kendel tem toda a razão. Mas antes de correr atrás
da Cathy, seria prudente buscar mais provas, afinal de contas, você foi encontrado sem roupas com a Anna na cama. E não foi ninguém que contou a Cathy, ela própria
os encontrou.
- Dyo, eu preciso encontrar estas provas. E tem que ser logo – a mínima possibilidade de estar com ela outra vez me impulsionava na busca por resultados concretos.
- Mas não temos nada ainda para correr atrás. Você precisa se acalmar.
- Não posso, Dyo. Preciso recuperar Cathy antes que seja tarde demais – vi a troca de olhares entre meus amigos e percebi que Dyo repreendia Kendel pela revelação.
Que se danem os dois! Eu iria atrás das provas e de Cathy, com ou sem a ajuda deles..
- Thomas, quatro semanas se passaram desde o ocorrido. Não é mais possível confirmar que alguma substância foi colocada em sua bebida depois de tanto tempo. Mesmo
tendo certeza de que três doses duplas de uísque não te derrubariam, nós não podemos provar nada. Você acha que Cathy vai acreditar em você tão facilmente?
- Então o que eu devo fazer?
Começava a perder a esperança outra vez. Por um momento acreditei ter encontrado uma saída, no entanto estava sendo apenas mais um empurrão para que eu afundasse
ainda mais no buraco em que me encontrava.
- Vou tentar encontrar a nota do bar. Posso pedir para o pessoal da contabilidade, só não sei se eles vão demorar a encontrá-la.
- E o que essa nota será capaz de fazer? Vocês acham que Cathy vai acreditar nele apenas apresentando uma nota? – Kendel mais uma vez conseguiu colaborar com o meu
raciocínio, sendo útil em sua observação.
- Ele tem razão, Dyo. Que importância esta nota terá?
- Exatamente para servir de prova. Não para Cathy. Você tem que encontrar Anna. É ela quem vai ser capaz de esclarecer tudo.
Anna? Claro! Eu não podia encontrar Cathy sem antes falar com Anna. Ela não bebeu quase nada naquela noite, então com certeza estava envolvida até o pescoço com
aquela confusão. Só precisava saber o porquê?
- Isso é fácil. Ela mora no mesmo apartamento que Mia. Vou lá agora mesmo.
- Não será tão fácil. Ela mudou há alguns dias. Vou ligar para Mia e perguntar se ela sabe do eu paradeiro – Dyo já estava com o telefona na mão para ligar para
Mia
- É lógico que ela sabe. São amigas.
- Nem tanto. Elas brigaram por causa desta história entre vocês dois.
Mia atendeu rápido, impedindo que Dyo continuasse a fornecer mais informações. Fiquei observando eles conversarem por um tempo.
Pelo que entendi, Mia não queria dar nenhuma informação a respeito da Anna porque não queria se envolver em minha história com a amiga, ou ex-amiga. Pedi o telefone,
para que pudesse eu mesmo convencê-la a me ajudar. Após contar todos os detalhes e de deixar claro que iria lutar pelo amor de Cathy, ela ainda não estava totalmente
convencida.
- Não sei, Thomas! Cathy me mata se descobrir que eu estou envolvida neste seu plano maluco.
- É a minha única chance. Você tem que concordar que Kendel tem razão quanto a minha tolerância ao álcool. Até Cathy vai entender esta parte da história. Eu só preciso
encontrar a Anna e fazê-la contar exatamente o que aconteceu.
- E se Anna confirmar que vocês transaram? E se naquele dia seu organismo reagiu de uma forma diferente? Não sei, Thomas! Não quero causar mais dor a minha amiga
cavando mais à fundo esta história.
- Mia, por favor! Eu amo a Cathy e você sabe que ela ainda me ama. E se nós estivermos separados por estarmos acreditando em uma mentira?
- Tudo bem. Mas tenho uma condição...
Mia nos ajudaria a esclarecer aquela confusão, no entanto eu não poderia procurar Cathy antes de ter o máximo de provas possíveis. Era o mínimo que eu poderia fazer.
Ela não queria que Cathy se machucasse mais, ou que aceitasse uma esperança que não pudesse ser comprovada. Concordei, pois compartilhava os mesmo temores. Eu não
machucaria mais a mulher da minha vida.
Mia sabia apenas que Anna tinha conseguido um emprego em Nova York e que se mudara para lá. O endereço ela não sabia, mas acreditava que Stella teria. Ficou de ligar
mais tarde, assim que estivesse com todas as informações. Mais uma vez eu tive que aguardar, contando os intermináveis segundos.
Enquanto isso, Dyo e Kendel ligaram para Sara e explicaram toda a história, pois precisaríamos viajar para Nova York, se possível no mesmo dia. Minha empresária
nos apoiou. Ela via naquela tentativa de esclarecer as coisas, uma forma de eu recuperar a vontade de continuar vivendo, porém me advertiu de que existia uma grande
chance de Cathy não querer reatar nosso relacionamento, uma vez que a ferida já tinha sido aberta.
Não queria nem pensar nesta possibilidade. Se conseguisse provar que nada tinha acontecido entre mim e Anna, ou pelo menos que tinha sido armação de alguém, eu poderia
voltar a lutar pelo amor de Cathy.
Dyo foi fazer as malas enquanto aguardávamos e Kendel providenciou tudo para a nossa viagem. Pegaríamos o último voo, assim Mia teria tempo de conseguir a informação
necessária.
Eu caminhava de um lado pro outro, esperando ansiosamente pelo momento em que poderia colocar tudo em pratos limpos e com isso recomeçar a minha vida, ou resgatar
a vida que levava ao lado de Cathy.
- Mia ligou. Estou com o endereço e tenho uma notícia boa: ela também está indo para Nova York. Parece que ela e Cathy vão passar um tempo juntas. – Dyo entrou em
casa com um grande e esperançoso sorriso nos lábios que logo me contagiou. – Fiquei feliz! Mia disse que vai nos ajudar no que for possível. Ela pensou melhor sobre
o que conversamos e chegou à conclusão de que é possível que Anna tenha realmente aprontado. Relatou uma discussão entre Cathy e Anna na última vez que elas se encontraram
e me disse que realmente achou que a “traidora”, como ela mesmo chamou, estava muito incomodada com a vida da nossa princesa.
- Você acha que ela pode ter feito isso por inveja? –Perguntei abismado. Depois acabei aceitando este motivo.
As mulheres eram estranhas. Quando sentiam amor e ódio, suas reações eram as mais absurdas quando não tinha equilíbrio suficiente. Foi o caso de Lauren e poderia
ser o de Anna também. Ela pode ter feito aquela armação para prejudicar Cathy. Para acabar com o seu conto de fadas. Fiquei furioso com a constatação. Anna não tinha
aquele direito. Não podia entrar na minha vida e destruir tudo o que existia.
- Não sei o que pensar, meu caro – Dyo disse por fim me tirando do devaneio que me consumia.
Com o endereço em mãos, partimos para Nova York em busca da verdade. Eu estava convencido de que nada tinha acontecido naquela fatídica noite, então não pouparia
esforços para ter todas as provas reunidas e, finalmente, poder ter minha Cathy de volta.
Capítulo 10
Surpresas e Constatações
VISÃO DE THOMAS
Cheguei à Nova York sobre uma constante chuva fina. Do aeroporto fomos para o meu apartamento. Voltar me causava uma incrível dor. Ali eu e Cathy fomos felizes e
ali nossa felicidade chegou ao fim. “Eu devia ter sido mais tolerante com ela” pensei deixando a saudade me invadir. “Espere por mim, Cathy! Eu vou consegui desfazer
todas as besteiras que fiz.” afirmei para mim mesmo buscando forças para continuar naquela jornada.
Entrei no quarto tentando não me concentrar muito em seus detalhes. Tudo ali era Cathy: a cor, os móveis, a arrumação... Tudo. Coloquei a mala na poltrona, porém
não tive coragem de olhar para a cama. “E se for verdade? Se eu realmente tiver transado com Anna?”, abri a mala, procurando por algo que pudesse usar para dormir.
“Se for verdade, não vou procurar Cathy. Não posso fazê-la sofrer, confirmando a existência dos seus fantasmas”. Fechei a mala e fui para o banheiro tomar um banho
rápido.
De volta ao quarto, não me senti digno de voltar a deitar naquela cama. Na verdade eu queria tocar fogo nela, mas não faria isso. No dia seguinte mandaria substituírem-na.
Seria uma nova cama para uma nova vida ao lado de Cathy.
Suspirei deitando-me no chão. Dormiria ali aquela noite. Aquela cama, apesar de ter sido minha e de Cathy, não me traria nenhuma recordação boa de nós dois, apenas
me faria pensar no dia em que ela foi embora. Dos seus olhos tristes.
Foi uma noite péssima, como eram todas desde que Cathy tinha me deixado. Era sempre muito frio e meus sonhos eram agitados e cansativos. Ao amanhecer, estava mais
cansado do que quando tinha deitado.
Mesmo com o corpo dolorido, com a tristeza pela constatação de mais um dia sem o calor do corpo dela e com a saudade que me sufocava, eu tinha acordado mais animado,
com esperança de conseguir encontrar Anna e resolver todos os meus problemas.
Desci para a sala, ansioso para dar inicio a nossa busca. Dyo já estava me aguardando.
- E Kendel
- Já está descendo. Ele precisa fazer uma coisa no seu celular.
- O que?
- Vou verificar se ele consegue gravar a conversa que você terá com Anna – Kendel descia as escadas com ar de ansiedade e divertimento. – Se não conseguir, ou o
tempo for curto demais, troco os nossos aparelhos.
- Você usa um celular de espião?
- Tenho motivos para gostar de gravar coisas com meu celular – piscou e deu risada, revirei os olhos para a sua imaturidade, apesar de estar muito grato.
Após confirmar que meu celular não possuía a capacidade necessária para armazenar uma conversa que poderia durar horas, Kendel colocou o dele no bolso do meu casaco
depois de me mostrar como fazer antes de entrar no apartamento e me garantiu que eu conseguiria gravar a confissão de Anna.
Paramos o carro um pouco depois do prédio indicado e ficamos aguardando o momento adequado, enquanto reconhecíamos o território. Senti-me em uma guerra, onde o inimigo
precisava ser friamente analisado e depois abatido. Era eu ou ela. Sinceramente, eu preferia que fosse ela. Necessitava que fosse ela.
Para minha surpresa o celular de Kendel tocou no meu bolso e por hábito peguei para atender. Ela falou antes de mim.
- Kendel? – Reconheci a voz e meu coração disparou. “Cathy!” pensei emocionado por ouvir mais uma vez a sua voz. Ela estava do outro lado da linha, tão próxima e
tão distante ao mesmo tempo. – Alô? – Eu queria responder. Estava desesperado para responder. Mas as palavras não saiam de minha boca. Kendel estendeu a mão para
mim pedindo o seu telefone. – Kendel, você está aí? –
Fechei os olhos, respirando profundamente, guardando em minha memória o som da sua voz e passei o telefone para Kendel que atendeu já sabendo quem estava falando.
Aguardei atento à conversa deles, que foi curta. Ela apenas queria informá-lo que já estava morando em Nova York e que ele a avisasse quando ele estivesse na cidade
para que pudessem se encontrar. Assim que Kendel desligou, o celular de Dyo começou a tocar. Cathy estava fazendo questão de rever os amigos. Eu não fazia parte
deste grupo.
- Vamos nos concentrar no que viemos fazer, ok? Kendel devolva o celular para Thomas, e Thomas, se concentre. Lembre-se de que, se tudo der certo, você poderá ter
Cathy de volta – Dyo tentava me fazer voltar ao estado de espírito de quando saímos, mas eu estava muito abalado.
Durante as últimas quatro semanas eu apenas o que o detetive me informava sobre ela, nada mais. Ouvir sua voz me fez voltar no tempo, para quando ainda éramos felizes.
Queria tanto poder voltar a ser feliz!
- Thomas, você vai desistir?
- Não. Eu vou continuar com o que planejamos – peguei o celular das mãos do Kendel, saí para a rua em meio à chuva e entrei no prédio onde Stella afirmava que Anna
estava morando.
Era um prédio luxuoso demais para quem esteve desempregado e sem condições de se sustentar. Anna tinha acabado de conseguir um novo emprego, o que descartava a hipótese
de ter conseguido dinheiro trabalhando.
Guardei esta informação na mente para discutir com meus amigos mais tarde. Precisava dar um jeito de entrar sem chamar atenção ou sem precisar ser anunciado, o que
poderia por tudo a perder. Para minha sorte um casal ia entrando quando segurei a porta para eles e o porteiro achou que estávamos todos juntos.
Aproveitei e puxei conversa falando da chuva e do frio repentino. Ficamos aguardando o elevador enquanto conversávamos sobre o tempo. Consegui entrar sem ser anunciado
e correndo risco de não ser recebido por Anna. Sabe Deus quais seriam os motivos dela e de que forma reagiria ao me ver ali.
Desci no décimo segundo andar e procurei o apartamento dela. Bati na porta com cuidado. Aguardei. De fora eu podia ouvir movimentos pela casa. Ouvi passos se aproximando
da porta e depois esta ser aberta. Puxei o ar não deixando a raiva me dominar. Eu teria que ser gentil, ao menos no inicio.
Anna abriu a porta sorrindo, mas assim que me viu desfez as feições, me encarando assustada.
- Thomas?! – Murmurou.
- Anna. Posso entrar? Precisamos ter uma conversa.
Ela ficou parada à porta me olhando com cuidado, mas acabou concordando. Aproveitei o momento em que ela me deu as costas e enfiei a mão no bolso do casaco acionando
a tecla que iniciaria a gravação da nossa conversa.
- O que você quer, Thomas?
- Anna, eu preciso da sua ajuda. Preciso saber o que aconteceu naquela noite – tentei manter o tom calmo para não forçar a barra sem antes analisar o terreno que
pisava.
Anna deu uma risada sarcástica. Olhei ao meu redor observando que o interior do apartamento era bastante luxuoso. Não sei porque aquele detalhe chamou bastante a
minha atenção.
- Precisa mesmo que eu te diga o que aconteceu? Não consegue imaginar sozinho? –
A forma como Anna falava fez com que toda a minha atenção se voltasse para ela. Olhei diretamente em seus olhos e foi neste momento que a garota demonstrou um pouco
de fragilidade. Rapidamente percebeu que estava demonstrando seus sentimentos, desviando os olhos em seguida
Anna estava mentindo e era bastante provável que ela tivesse mesmo armado tudo para machucar Cathy. Percebi que a garota buscava por respostas mais concisas, que
me convencesse de que realmente havíamos transado. Eu precisava ser rápido. Não podia dar-lhe tempo para pensar.
- Eu consigo até imaginar. Só não consigo acreditar – mantive minha postura segura e procurei captar seus olhos: - Não preciso destas mentiras, Anna – imediatamente
suas atitudes demonstraram tensão. Aproveitei o momento para jogar com ela. - Eu tenho como provar que você colocou algo em minha bebida para me apagar. Depois me
levou para meu apartamento e simulou que tínhamos transado. Só preciso saber agora o porque – ao ouvir estas palavras ela se sobressaltou, seus olhos arregalaram,
porém em segundos conseguiu se recompor, mantendo a farsa.
- É esta história que você quer que eu conte à Cathy? Foi para isso que você veio até aqui? Para combinar comigo uma história absurda? Não subestime a Cathy, ela
é muito mais inteligente do que isso. Nunca vai acreditar em você, não importa o que conte a ela. No fundo o que aconteceu foi bom para que a garotinha mimada amadurecesse,
e enxergasse que a vida não é tão perfeita assim – o brilho nos olhos dela ao dizer aquelas palavras apenas confirmou o que eu já imaginava.
Perdi a paciência e a segurei com força pelo braço, trazendo-a para bem perto.
- Você fez tudo isso apenas por inveja, Anna? Queria que Cathy sofresse? Você destruiu as nossas vidas, e o que ganhou? Um apartamento de luxo? Quem está por trás
desta monstruosidade? É dinheiro o que você quer? Valeu a pena destruir a vida de uma amiga por tão pouco? – Anna deixou que seu semblante demonstrassem um pouco
de tristeza, no entanto ela sabia disfarçar muito bem seus sentimentos.
- Não tenho culpa se você bebeu demais, e... Eu também. Nós perdemos a cabeça, Thomas. Ao que parece, Cathy não era suficiente para você – voltou a rir cinicamente.
- Não sustente essa história ridícula. Eu não bebi demais e tenho como provar. Você colocou uma droga em minha bebida enquanto fui ao banheiro. Por que fez isso?
E não diga que aconteceu alguma coisa entre nós dois porque no estado em que eu me encontrava não existia nenhuma possibilidade de conseguir ter relações com nenhuma
mulher, muito menos com você – falei com desprezo.
As palavras saíam arrastadas por entre os dentes. Mentia numa tentativa de fazê-la falar a verdade. Todas as vezes que eu dizia que tinha como provar, podia ver
em seus olhos o pânico da verdade.
- Por que fez isso, Anna? O que você queria? Dinheiro? – Estava disposto a cobrir o valor que recebeu, se necessário, para que ela acabasse de vez com aquela história.
- Não tenho mais nada a dizer. Se você não quer acreditar problemas seu – Anna se debateu tentando se livrar de minhas mãos.
- Tudo bem então – larguei seu braço e me afastei um pouco enquanto buscava um argumento melhor. - Vou sair e registrar uma queixa contra você na primeira delegacia
que encontrar. Então não vou só descobrir a verdade, mas também vou mandar você para a cadeia, e juro, Anna, que vou fazer de tudo para você mofar nela, nem que
para isso tenha que gastar toda a minha fortuna. Não brinque comigo, por que estou disposto a qualquer coisa para ter Cathy de volta, até mesmo a passar por cima
de você – minhas palavras a deixou abalada de maneira perceptível. Ela sabia que eu não estava brincando. – Irei até as últimas consequências.
Fingi que estava indo embora e a nossa conversa encerrada. Foi nesta hora que Anna, desesperada, impediu a minha saída.
- Por favor, Thomas, não faça isso – implorou com pânico nos olhos.
- A verdade, Anna! Eu quero apenas a verdade.
- Thomas eu... – encostou-se à parede e passou a mão pelos cabelos, nervosa. Elas tremiam. Achei estranha aquela reação. O que ela temia? – Eu me apaixonei por você.
Foi isso! Estava com raiva de Cathy, sim, mas foi porque ela tinha você e eu não. Quando o encontrei não consegui resistir e acabei aceitando ficar com você. Mesmo
sabendo que não estava em condições de ficar comigo – riu nervosa. – Eu não queria atingir a Cathy, mas não podia evitar o que estava sentindo. Não parei para medir
as consequências e não pensei que Cathy poderia descobrir. Você disse que ela passaria a noite fora, pensei em ficar só um pouco, mas as coisas foram acontecendo
e... Você sabe o que aconteceu.
Era mentira. Ela não estava apaixonada por mim, do contrário já teria me procurado outra vez, mas não. Anna tinha sumido. Não havia feito por amor, e sim por inveja.
Eu precisava que Cathy ouvisse aquilo.
- É mentira, Anna.
- Não é, Thomas. Eu juro! Eu amo você! Não fiz por mal. – sua voz estava baixa, envergonhada e aflita. Aproximei-me dela praticamente deixando nossos corpos se tocarem
e coloquei meus braços ao lado do seu rosto a impedindo de fugir.
- Você se apaixonou por mim? Fez tudo por amor?
Arrisquei me aproximar um pouco mais, o que a fez ficar muito assustada. Com os lábios quase nos dela, percebi um sorriso de vitória se formar. Era tudo o que eu
precisava
- MEN-TI-RO-AS! – Gritei, segurando-a com força e empurrando-a contra a parede. – EU QUERO A VERDADE! – Anna começou a chorar.
- Não me machuque, por favor! – Deixei que se soltasse e se afastasse de mim. – Não posso mais conversar com você. Juro que não fiz por mal e me arrependi. Diga
isso a Cathy – suplicou.
Eu ia avançar em sua direção para arrancar a verdade dela a força quando a campainha tocou. Anna aproveitou a oportunidade para se distanciar.
Um homem, alto e forte, estava encostado à porta, com familiaridade. Sua camisa dobrada até os cotovelos davam a visão de tatuagens que subiam pelo braço. Seu cabelo
era escuro, cortado para frente e rente ao couro cabeludo, exibia um cavanhaque bizarro e era forte. Muito forte.
Anna olhou para o homem depois para mim de maneira assustada. Não existia nela nenhum traço de alegria ou confiança. Era como se estivesse perdida, apavorada, envolvida
em uma história que apenas complicava a sua vida e sem nenhuma possibilidade de escapar.
– Nossa conversa termina aqui. Diga a Cathy que sinto muito! – Foi estranho, mas tive certeza de que naquele momento ela dizia a verdade e que aquele homem, de alguma
forma, a aterrorizava muito mais do que eu era capaz de fazer.
- Ainda não acabamos – passei pelos dois sem demonstrar medo – Eu irei até o fim.
Assim que a porta fechou atrás de mim, desci pelas escadas. Alguma coisa me avisava que eu não estava seguro ali e que o melhor a fazer era descer correndo o mais
rápido possível, e foi o que eu fiz.
Sai na chuva, que ainda insistia em cair, indo em direção ao carro onde meus amigos me aguardavam. Kendel abriu a porta para que eu entrasse.
- Conseguiu?
- Não sei ao certo – passei a Kendel o celular para que ele verificasse se a conversa havia sido gravada mesmo.
- O que ela disse? – Dyo estava ansioso.
- Podemos escutar a conversa agora – Kendel mexia no aparelho em busca da gravação.
- Não. Prefiro ir para casa. Lá poderemos fazer tudo com mais segurança.
- Aconteceu alguma coisa? – Indagou Dyo.
- Um homem estranho apareceu no apartamento dela no momento em que, eu acredito, ela iria falar tudo. Não sei porque, mas aquele homem me pareceu sinistro demais.
Tenho certeza de que ele não é nenhum namorado ou amante dela. Não corresponde a nada do que já ouvi falar em relação às preferências da garota. Nem ao menos aparentava
ser rico, como ela sempre deixou claro que preferia.
***
No apartamento pudemos ouvir toda a minha conversa com Anna, várias vezes. Não chegamos a nenhuma conclusão.
- Ela em nenhum momento falou que nada aconteceu entre vocês – Dyo concluiu depois de muito pensar no que tinha ouvido.
- Mas a conversa leva a entender isso – Kendel acrescentou me ajudando a ter mais esperança.
- Pode até levar, contudo não o suficiente para convencer Cathy. Precisamos de algo mais consistente. Que ela diga com todas as palavras, Thomas.
- Através desta conversa dá para entender que foi uma armação. Talvez Cathy acredite em minha teoria se eu conseguir fazê-la escutar a gravação. Ela pode se convencer
de que Anna armou tudo para nos prejudicar.
- Seja mais prudente, Thomas. Anna não afirmou em momento nenhum que nada aconteceu entre vocês, ela apenas demonstrou sentir inveja e insinuou que tinha sido uma
armação, ou seja, nada concreto. Você não pode correr para Cathy sem que antes tenha certeza, ou então só vai magoá-la mais. Lembre-se da sua promessa.
Peguei minha carteira de cigarros e fui até a varanda. Estava contrariado, mas Dyo tinha razão, eu não podia causar-lhe mais sofrimento. E era certo de que Cathy
não acreditaria em mim com tanta facilidade. Ela tinha me visto na cama com Anna e uma imagem como aquela não se apaga de uma hora para a outra. Precisava ter provas
consistentes de que nada tinha acontecido, aí sim poderia ir até ela e suplicar pelo seu amor.
- Tenha um pouco de paciência – Kendel encostou ao meu lado admirando a paisagem – nós vamos conseguir as provas e você vai ter Cathy de volta – sorri para meu amigo
agradecendo pela sua ajuda.
Kendel podia ser irritante às vezes, mas em se tratando de meu relacionamento com Cathy, ele vinha conseguindo ser sempre uma solução para os nossos problemas.
- Amanhã, eu mesmo terei uma conversa com Anna. Acredito que conseguirei ser mais persuasivo – riu de alguma coisa que tinha passado pela sua cabeça e eu apenas
desejei que fosse verdade.
Imaginar que era possível ter Cathy de volta, apenas aumentou a saudade que eu sentia dela, me deixando a cada hora mais angustiado e desejoso de seu amor. Vê-la,
passou a ser uma necessidade que me corroía e sufocava.
- O que Dyo está fazendo? – Voltei minha atenção para o que estava acontecendo ao meu redor. Ao menos assim ocuparia as horas que me afastavam da mulher que eu amava.
- Conversando com Mia. Ela pediu que ele a mantivesse informada para que assim pudesse de alguma forma colaborar. Ela também irá nos manter informada em relação
à Cathy.
- Por que em relação à Cathy?
- Porque ela também acha que Roger está investindo pesado, e isso pode atrapalhar os nossos planos.
Apertei a carteira de cigarros com tanta força que acabei por destruir todos que restavam. Tentei manter o foco na necessidade de encontrar a prova de que precisávamos,
mas o desespero acabou por me convencer de que o que tínhamos seria o suficiente. Voltei à sala procurando as chaves do carro.
- Aonde você vai? – Dyo me olhou confuso.
- Vou pegar Anna e levá-la até a casa da Cathy e obrigá-la a contar a verdade. Não aguento mais! – Kendel correu em minha direção tentando tirar as chaves de minhas
mãos.
- Não faça isso, cara! Você vai arruinar tudo!
- Por quê? O que temos é o suficiente para provar que Anna está envolvida até o pescoço. Não vou esperar mais, pois a cada passo que deixo de dar, aquele idiota
do Roger avança. Não posso ficar aqui aguardando por mais provas enquanto ele tenta conquistar Cathy. Não vou ficar assistindo sem fazer nada para impedir.
- E se Anna não falar a verdade? E se ela confirmar realmente aconteceu e que foi você quem quis? Já pensou? – Dyo parou diante de mim com os braços cruzados.
Eu não conseguia reagir. O que faria se aquilo acontecesse? Cathy com certeza não acreditaria em mim. Ela estava muito ferida para simplesmente acreditar, me perdoar
e me aceitar de volta. O que eu deveria fazer? Senti uma mão em meus ombros e levantei a cabeça para encarar os olhos de Kendel.
- Seja forte, se não por você, ao menos pela Cathy. Ela já sofreu demais e você deve isso a ela.
Eu me rendi a sensatez do meu amigo e derrotado subi ao quarto e me joguei no sofá desejando que o tempo corresse para que o amanhã chegasse logo.
Capítulo 11
E Quando Recomeçar Não é Possível?
VISÃO DE CATHY
Finalmente eu tinha conseguido finalizar a mudança. Morar em Nova York nunca fez parte dos meus planos, no entanto não poderia voltar para Los Angeles e encarar
um possível reencontro com Thomas, e muito menos poderia continuar morando na Pensilvânia.
Se havia decidido recomeçar a minha vida, e minha carreira profissional, principalmente porque precisava ocupar o meu tempo e o trabalho era o melhor remédio para
conseguir tal fato, então Nova York era realmente a escolha certa.
Graças a Deus, Mia tinha conseguido a transferência temporária. Ela ficaria três meses comigo, me ajudando a reconstruir a vida. Roger também estava sendo uma excelente
companhia, me ajudando com tudo o que era necessário.
Com toda a confusão, nós dois voltamos a ser inseparáveis. Estávamos juntos no trabalho e muitas vezes ele ficava em casa comigo até eu ficar esgotada e desejar
dormir. Em diversos momentos eu me sentia quase recuperada, mas sabia que nunca estaria por completo.
Thomas tinha levado minha alegria e vontade de viver, os efeitos eram irreversíveis. Durante o dia eu conseguia me concentrar nas coisas ao meu redor, buscando sempre
mais responsabilidades do que era capaz de aguentar. Tudo para impedir que as lembranças me paralisassem no tempo.
Porém a noite, quando ia deitar, era como se nada fizesse sentido. Como se minha vida fosse uma peça de teatro, onde no palco havia luzes, alegrias e realizações,
contudo quando as cortinas fechavam, a escuridão me envolvia e se apoderava de mim forçando-me a voltar a realidade, e esta era implacável.
Era durante a noite que eu constatava desesperada o quanto ainda o amava. Muitas vezes sentia ódio por permitir que aquele sentimento me dominasse e praguejava contra
o tempo, por ele não estar cumprindo com a sua promessa de ser o melhor remédio.
Não demorou muito pra que eu percebesse que de nada adiantaria chorar, praguejar, me desesperar. Thomas continuaria comigo independentemente da minha vontade ou
desespero. Eu sabia que seria assim muito antes de ser magoada por ele, porque no instante em que nos beijamos a primeira vez, tive certeza de que o que senti seria
para sempre.
A hora de dormir tornou-se a parte mais difícil do meu dia. Eu era tragada pelo sono em meio a choro e orações desesperadas, onde implorava a Deus para diminuir
a minha dor, para que desejasse tanto ter Thomas comigo outra vez, no entanto todo o lamento só me levava a sonhos, onde juntos podíamos pertencer um ao outro sem
as mágoas e angústias da vida real.
Eram tão reais que normalmente eu acordava pela manhã ainda sentindo o seu corpo próximo ao meu e o sabor de seus lábios. E assim eu iniciava e terminava o meu dia
chorando.
Outra parte de mim que emudeceu, foi a música. Meu violão, o que Thomas me dera de presente um dia depois do seu aniversário, logo após a morte do meu pai, estava
dentro da sua capa e de lá não saía. Eu não tocava e nem cantava, nem ao menos olhava na direção dele. Era como se fosse um objeto proibido. Uma parte da minha vida
que não iria mais voltar.
Acordei e após a minha cota diária de choro, fui tomar um banho e me arrumar para o trabalho. Quando cheguei à sala eu já estava totalmente recuperada. Sentei a
mesa posta por Mia, que já estava pronta para sair.
- Bom dia! – Cumprimentou sorridente. Era assim com Mia, ela nunca demonstrava preocupação, embora eu soubesse que aquele sorriso era parte da sua farsa, uma tentativa
de fazer com que eu me sentisse melhor. – Como está se sentindo hoje?
- Muito bem! – Sustentei a minha própria farsa, porém sabia que para a minha amiga, ela era inútil. Bastava olhar para mim para saber que ainda sofria muito.
- Vou sair hoje depois do trabalho, não me espere para jantar.
- Vai sair? Com quem? – Tentei parecer animada quando na verdade estava desesperada. Eu chegaria em casa e teria que conviver com toda a dor por mais tempo.
- Henry está na cidade fechando negócio com algumas empresas daqui e acho que precisará ficar por uns cinco dias ou mais, o que é excelente para mim – disse cheia
de alegria.
Eu amava a minha amiga, porém a sua felicidade me atingiu como um soco no estômago. Olhando toda a alegria dela por estar com o namorado, me remeteu ao tempo em
que eu ficava eufórica por ter mais tempo com Thomas. Engoli forçadamente minhas lágrimas e sorri.
- Que ótimo! Divirtam-se por mim então.
- Nada disso, tenha as suas próprias diversões. Por que você não sai com a gente amanhã? Podemos jantar em algum lugar e depois sair para dançar.
Dançar. Outro ponto morto para mim. Meu corpo não condizia mais a felicidade que era estar em uma pista de dança.
- Não sei, Mia. Não tenho certeza se me sinto totalmente segura para dar mais este passo.
A campainha tocou e nós duas nos olhamos interrogativamente. Não era normal recebermos ninguém naquele horário. Mia foi abrir a porta e voltou sorrindo com Roger
logo atrás dela.
- Bom dia! – Fiquei satisfeita por vê-lo um pouco mais cedo, seria menos um tempo entregue a minha solidão. – Aconteceu alguma coisa?
- Não. Apenas passei para saber se você quer uma carona para o trabalho.
- Então eu já vou. Cathy, termine seu café. Você está muito magrinha. Roger não a deixe sair de casa sem que termine de comer tudo – Mia pegou as coisas dela e foi
embora enquanto Roger se acomodava ao meu lado se servindo de um pouco de café. Ficamos em silêncio nos fitando por um tempo até que eu quebrei o contato me sentindo
um pouco incomodada pela forma como ele me olhava.
- Se tivermos que esperar eu comer tudo o que ela colocou em meu prato, chegaremos atrasados – ele riu e pegou em minha mão que estava sobre a mesa.
- Não tem problema. Hoje não sairemos tão cedo do escritório.
- Por que? – Tirei a mão da dele e ajeitei meu cabelo como desculpa.
- O conselho irá se reunir amanhã. Precisamos organizar uma enorme papelada e como já tínhamos programado uma série de outras coisas para fazer, não acredito que
dê tempo para fazer tudo em horário comercial.
- É verdade. Ainda tenho que providenciar os documentos da reunião com os fornecedores hoje à tarde – peguei meus pratos, indo até a pia lavá-los. Roger me seguiu,
o que me deixou indecisa sobre o que fazer. – Você está estranho – falei por fim. – Quer me dizer alguma coisa? – Ele me olhava com intensidade o que me lembrou
de Mia me alertando sobre seus sentimentos por mim.
- Não. Acho que devemos ir agora.
Afastou-se, deixando-me mais aliviada. Eu não estava pronta para uma nova relação, principalmente uma não tão nova assim. Roger era um amigo muito querido, não queria
de forma alguma me afastar dele naquele momento tão difícil. Peguei a bolsa e a pasta que já estavam na sala e o segui para fora do apartamento.
Conversamos sobre todas as bobagens possíveis no caminho para o trabalho. Roger fazia isso para me animar e não deixar com que me perdesse em pensamentos que apenas
me entristeciam mais. Estar com ele era bom e leve. Eu ria e conversava sem precisar me esforçar muito.
E, mesmo que não conseguisse me sentir como ele queria, eu sabia que podia ser frágil e verdadeira. Podia chorar, embora não quisesse, e também conversar sobre as
minhas angústias e incertezas, por que Roger sempre estava disposto a me escutar.
O trabalho foi cansativo e praticamente não nos encontramos até a hora da reunião com os fornecedores. Eu estava muito ocupada em minha nova sala, organizando os
papéis que seriam apresentados durante a reunião. De vez em quando precisava sair da sala para solicitar a ajuda de outros setores, já que tinha dado a minha secretária,
Sandra, a tarefa de iniciar a organização dos documentos necessários para a reunião do dia seguinte.
Ainda estávamos no período da manhã e eu já me sentia exausta devido à noite difícil que tive. Coloquei alguns documentos em uma pasta e escrevi nela: dados estatísticos
– preço x produção. Depois deitei a cabeça sobre a mesa sentindo o peso da agitação em meu corpo.
- Atrapalho o cochilo? – Roger entrou em minha sala. Foi impossível não rir da sua piada.
Levantei a cabeça e o observei. Roger continuava lindo. Como na época em que namorávamos. Estava mais corpulento, o que o tornava mais másculo. O terno que usava
contribuía para a minha percepção. Caía perfeitamente ao corpo bem trabalhado.
Imediatamente minha mente me levou ao dia em que estive pela primeira vez no quarto de Thomas, quando ele saiu de toalha e meus olhos ficaram presos ao seu corpo,
admirando-o. Baixei outra vez a cabeça sentindo a tristeza tentar me invadir.
Eu não permitiria que me tomasse. Ela teria que permanecer escondida, pelo menos até a hora em que não conseguiria mais impedi-la, o que só aconteceria à noite,
quando ninguém estivesse por perto.
- Algum problema?
- Não. Estou apenas cansada. Foi bom você chegar. Preciso dos contratos do ano passado para poder demonstrar aos fornecedores o aumento abusivo nos preços – ele
sorriu ficando ainda mais bonito.
- Podemos fazer isso depois do almoço? Estou faminto e você também precisa se alimentar.
- Você também não, Roger. Por favor! – Voltei a atenção para os papéis em cima da minha mesa, analisando-os.
- Cathy, se você não estiver bem alimentada como vai conseguir enfrentar as reuniões? Já imaginou se desmaia? Seria péssimo para a imagem da empresa – suspirei pesadamente.
Ele tinha razão. Levantei pegando a minha bolsa e comecei a empurrá-lo para a porta.
- Está certo. Vou almoçar e voltar correndo. Nada de ficar me enrolando com conversas que poderão me atrasar mais ainda – ele riu.
- Tudo bem, chefa! Como quiser.
- Não sou sua chefa – caminhei apressadamente pelo corredor tentando não perder o elevador. Da altura em que estávamos seria uma catástrofe.
- Mas vai ser. É para isso que está aqui. Para se preparar aprender a cuidar do que é seu. O natural é que assuma quando estiver pronta e eu não duvido muito que
seja em breve.
Eu ainda não tinha pensado sob esta ótica. Nunca tinha passado pela minha cabeça me tornar uma alta executiva, muito menos assumir mais responsabilidades do que
estava assumindo naquele momento. Analisei o que poderia ser e sem querer acabei pensando no quanto a minha vida havia mudado em tão pouco tempo.
Era assistente de um ator, o homem da minha vida, pensei com desgosto, trabalhei como modelo em uma campanha e estava sendo treinada para administrar as empresas
que meu pai tinha me deixado. Uma herança que eu nunca quis de fato.
- Você está muito pensativa – saímos da torre para a chuva fina. Olhei para cima constatando o quanto o prédio era alto.
- Você sempre me dá muito o que pensar.
- Espero que seja um elogio – eu ri e não respondi. Poderia ser um elogio, mas não em todos os momentos.
Foi exatamente como tínhamos combinado. Almoçamos e voltamos para o escritório. Durante o almoço conversamos sobre os detalhes da reunião, sobre alguns problemas
com os fornecedores atuais e da necessidade de encontrarmos novos.
No pouco tempo em que eu estava na empresa, era possível perceber o quanto ela precisava se inovar e isso poderia ser feito sem muitos transtorno por mim e pelo
Roger. Pensávamos de maneira semelhante, ele era brilhante com negócios, conhecia a empresa como ninguém. Era sem dúvida a pessoa mais capacitada para ocupar a presidência
e não eu.
Após uma longa reunião, estávamos de volta a nossas salas. Sandra deixou tudo o que eu precisava em minha mesa e, após o meu consentimento, foi embora. Não havia
necessidade de mantê-la até tarde. Peguei uma xícara de café com a logomarca de uma das nossas empresas e sentei no sofá organizando em minha cabeça como daria início
ao trabalho que me aguardava.
Roger entrou em minha sala com sua caneca de café idêntica a minha e um monte de papel embaixo do braço.
- Estou pronto. Pensei em pedir comida chinesa para mais tarde. Podemos sentir fome. O que acha?
- Perfeito! Pelo visto só sairemos daqui amanhã.
- Vou falar com Betina... A minha secretária - acrescentou visto que eu ainda não tinha gravado o nome de todos que trabalhavam conosco. - Já volto. Ela vai providenciar
tudo antes de sair.
- Tudo bem! – Observei-o enquanto saía.
Olhei pela janela e, imediatamente, me senti melancólica. “Tão alto que dá para esquecer do mundo” pensei absorta no crepúsculo. “Eu nunca consegui ficar indiferente
a esta vista. É como se estivesse fora do mundo, da realidade. Olhando de cima, sem as influencias da vida cotidiana fica mais fácil de pensar e de tomar todas as
decisões que preciso.”.
Foi como se estivesse ouvindo o próprio Thomas dizendo aquelas palavras, como ele tinha feito no dia em que me levou a primeira vez ao apartamento do seu pai.
Eu me senti tão feliz naquele dia! Encostei a cabeça no vidro desejando que a lembrança me abandonasse. Ouvi Roger entrando e respirei fundo tentando encontrar a
força necessária para continuar.
- Outra vez presa em seus pensamentos? – Ele sorria apesar da preocupação que eu via em seus olhos.
- Apenas constatando – baixei a cabeça para impedir as lágrimas que se formavam.
- E o que constatou? – Aproximou-se mais.
- Que independentemente de onde você esteja, o céu é o mesmo.
Roger me encarou por um tempo, os olhos esquadrinhando o meu rosto. A máscara que sustentava para me ajudar a disfarçar deixara de existir. Ele sabia e entendia
a minha dor.
- Quer ir para casa, eu posso dar conta de tudo sozinho.
- Eu sei que pode, mas não vou te dar este gostinho.
Seu sorriso foi verdadeiro, o que me deixou mais leve. Era difícil e pesado carregar a minha própria máscara o tempo todo.
Ficamos no escritório até tarde, e o único barulho que escutávamos era dos papeis que folheávamos. Sentados no chão, eu e Roger trabalhávamos em sintonia. Eu separava
os papeis enquanto ele analisava e fazia anotações importantes. Quando terminamos estávamos exaustos.
- Bom trabalho, Cathy. Merece um brinde – percebi que estávamos muito próximos, nossos braços se tocando.
Roger tinha tirado o paletó, a gravata, alguns botões da sua camisa estavam abertos e suas mangas dobradas para facilitar o nosso trabalho.
- Não tenho condições de sair. Vou direto para casa.
Minha esperança era que naquela noite dormiria tão exausta que o sofrimento não teria chance de me atormentar. Se fosse realmente possível eu arrumaria um jeito
de trabalhar daquela forma todos os dias.
- Não precisamos sair. Tenho um ótimo vinho em minha sala, vou buscar – antes que eu conseguisse protestar ele levantou e saiu. “Tudo bem” pensei, “Não vou fazer
mais nada mesmo hoje, não tem ninguém me aguardando”. Olhei para minhas mãos e para o anel que substituía a aliança que um dia foi do meu noivado com Thomas.
- Não posso mais sair do seu lado – me sobressaltei com a presença de Roger.
Ele foi rápido demais ou eu tinha ficado perdida no tempo e não percebi que ele passou? Ele se aproximou e muito cuidadosamente limpou uma lágrima que sem perceber,
eu tinha deixado cair.
- Desculpe!
- Tudo bem! Você não precisa esconder de mim o quanto ainda está magoada. É para isso que estou aqui, não é? Para te apoiar no que precisar – abriu o vinho e me
serviu uma taça. Bebi um grande gole sem me preocupar com as consequências.
- Obrigada, Roger! Você tem sido maravilhoso. Como sempre foi – tentei sorrir. Ele me olhou com carinho passando a mão em meus cabelos.
- Eu sempre estarei ao seu lado. Basta apenas você querer. – não sabia o que dizer, mas entendia exatamente o que ele estava me dizendo. Tomei mais um longo gole
do vinho. – E sabe também que eu nunca fui capaz de te magoar.
- Eu sei. Você sempre foi a minha fortaleza. Obrigada por estar aqui – voltei a olhar para a janela.
- Cathy! – Roger me chamou se aproximando um pouco mais. – Você precisa seguir frente. Thomas não vale à pena...
- Roger, eu não quero falar sobre isso – comecei a me afastar, mas ele me segurou pelo rosto, gentilmente.
- Eu sei. Não vou falar sobre ele. Quero apenas que veja que é necessário pensar mais em você de agora em diante.
- É p que estou fazendo.
- Não da forma como deveria. Você não permite que outras pessoas se aproximem.
Entendi o que ele estava querendo. Fechei os olhos e pensei em suas palavras. Roger era um porto seguro. Uma certeza, e não uma dúvida como Thomas era.
Aproximou-se com calma e eu permiti que me beijasse. Era um beijo familiar. O mesmo de antes, porém meu corpo não reagiu, muito pelo contrário, quase que instantaneamente
minha mente fez questão de me lembrar de como eram os beijos de Thomas: quentes, macios, prazerosos. Lembrei-me da forma como reagia quando ele encostava seus lábios
nos meus e de como nossos corpos se alinhavam de maneira perfeita.
Não podia continuar. Não com pensamentos tão fortes e reais me trazendo Thomas como uma realidade possível. Afastei-me virando o rosto, impedindo-o de aprofundar
o beijo. Roger suspirou frustrado com a minha reação.
- Desculpe, mas eu não posso. Não estou pronta...
- Eu entendo – afagou meu cabelo e beijou minha testa com carinho. – Mas gostaria muito que me deixasse tentar, Cathy. Sei que você ainda o ama e o quanto está ferida,
mas se me deixar tentar, acredito que consigo mudar esta situação. Nós já fomos felizes antes, podemos ser novamente.
Tantas informações e emoções me deixaram atordoada. Não conseguia pensar direito. Sabia dentro de mim que mesmo ele tendo razão, eu nunca conseguiria me sentir completamente
feliz outra vez.
- Deixe o tempo passar, Roger.
- O tempo já passou, Cathy! Você precisa se permitir!
- Então me deixe pensar. Não estou em condições de decidir nada neste momento. Nem consigo pensar direito em como devo reagir... Eu... Vou pensar, prometo – ele
pareceu mais satisfeito.
- Vou te levar para casa.
***
Cheguei em casa ainda sufocada pelas lembranças dos meus momentos com Thomas. Sentei no sofá, derrotada. A minha noite de sono tinha ido embora, junto com qualquer
vestígio de felicidade em minha vida.
Enterrei o rosto nas mãos e chorei copiosamente. Meu desespero era tanto que por um momento acreditei que não conseguiria suportar, que me partiria em pedaços e
não conseguiria mais juntar os cacos. Quando me acalmei, tomei um banho e fiquei deitada pensando no que deveria fazer.
Talvez Roger fosse mesmo a minha melhor opção. Eu confiava nele e ele me fazia bem. Se estivesse certo, eu poderia voltar a querê-lo e quem sabe desta vez, estando
mais madura, conseguisse amá-lo.
Novamente fui tragada pelo sono, desta vez sem sonhos.
Acordei atordoada, me sentindo um pouco melhor, já que não tinha sonhado. A sensação da presença do Thomas não me acompanhou, o que me deixou aliviada. Talvez Roger
fosse a chave para o fim do meu sofrimento. Troquei de roupa e corri para a sala. Mia já estava tomando seu café, como sempre acontecia.
- Você está péssima! Aconteceu alguma coisa?
Tomei coragem e relatei a minha amiga, o que tinha acontecido na noite anterior. Ela pareceu preocupada.
- Sinceramente, Cathy? Não acho que você deveria incentivá-lo.
- Por que não? Ele é ótimo, um grande amigo, faz eu me sentir bem.
- Por que você não o ama. Não é justo nem com você nem com ele.
- E o que você quer que eu faça, Mia? Que fique sozinha o resto da vida sofrendo por Thomas? Eu preciso permitir que outra pessoa entre em minha vida, ou então este
sofrimento nunca vai ter fim – senti a verdade das minhas palavras. Não na necessidade de deixar outra pessoa ocupar o lugar que era do Thomas, e sim na parte de
que aquele sofrimento nunca teria um fim.
- Ficar com ele não vai acabar com sua tristeza, Cathy. Não é ele quem você quer.
- Quem eu quero não existe mais em minha vida. Vamos ser realistas. Thomas seguiu em frente e eu preciso fazer o mesmo. Foi a escolha dele e agora vou fazer as minhas
próprias escolhas.
- Thomas continua te amando da mesma forma que sempre te amou, e está sofrendo tanto quanto você ou até mais – Mia falou exaltada. Fiquei estática. Aquelas palavras
mexeram demais comigo e eu não podia deixar que acontecesse daquela forma.
- Como você sabe disso?
- Eu estive com ele quando fui buscar as suas coisas, esqueceu?
- Ah...
Pensei no que ela acabara de falar. Thomas continuar me amando era ao mesmo tempo, quente e frio dentro de mim. Eu sabia... Eu tinha certeza que não poderia perdoá-lo
algum dia, mas de uma forma bastante masoquista, eu gostava de saber que ele se arrependia do que tinha feito, ou que ainda sentia algo por mim. Era loucura e completamente
errado pensar daquela forma, ainda assim, eu pensava.
- Isso não importa mais. O fato é que eu tenho que me dar uma chance de ser feliz de novo – infantilidade a parte, eu sentia prazer em pensar que seria possível
para mim e desejar que não fosse para ele.
- Amando outra pessoa? Nunca vai acontecer. Não da forma como você pensa. Primeiro precisa ao menos esquecer o Thomas – era como uma flecha em meu coração.
Aquelas palavras tiraram de mim todo o sabor da vitória, porque eu não tinha mais dúvidas de que era uma missão impossível tirar Thomas do meu coração. As lembranças
de nossos momentos estavam incrustadas em mim e arrancá-las seria o mesmo que me matar. Eu sabia que o que vivi com Thomas, mesmo tendo um desfecho tão ruim, tinha
se tornado a minha própria existência.
- Só que isso é impossível! – Eu disse com raiva e ela me pareceu chocada com minha reação. Levantei, andando pela sala. – Eu pensei que conseguiria, mas não...
– deixei as lágrimas escorrem pelo rosto. – Os dias passam e o meu amor ao invés de diminuir parece aumentar. Eu nunca conseguirei esquecê-lo, Mia! Jamais! – Sentei
no sofá e me entreguei ao choro. – Não sei como mesmo distante ele ainda consegue ser tão forte dentro de mim. Não sei mais o que fazer.
Mia caminhou em minha direção, me abraçando pelos ombros.
- Cathy, por que você não o perdoa? Acabe de uma vez com este sofrimento. Vocês dois não estão conseguindo. Não há vergonha em admitir.
- Nunca! Eu prefiro morrer a aceitar o mesmo destino da minha mãe. Thomas não me respeitou. Ele não merece o meu amor. Eu não mereço tão pouco dele. Mereço muito
mais do que ele pode me oferecer, mais do que ele tem capacidade de me dar. Eu mereço alguém como o Roger.
- Mas você o ama e não pode fazer nada para mudar isso. De uma forma ou de outra, seu destino se parece cada vez mais com o da sua mãe – Mia estava confusa e exaltada.
Por uma fração de segundo, desconfiei que ela soubesse de algo, mas que lutava me esconder.
- Não vai, não.
Peguei minha bolsa, bati a porta indo em direção ao trabalho. Antes de dar partida no carro arrumei minha maquiagem apagando os vestígios das lágrimas. Eu seria
mais forte do que aquele amor que me derrotava todos os dias, e sabia o que fazer para vencê-lo.
Capítulo 12
Tudo ou Nada
VISÃO DE THOMAS
Dois dias tinham se passado desde a minha chegada à Nova York e até então nenhuma novidade. Eu estava em vias de desistir ou de mandar todas as recomendações para
o inferno e procurar Cathy apenas com as informações que tinha.
Kendel tinha ido, no dia seguinte, a casa de Anna, como combinamos, no entanto para nossa surpresa ela não morava mais lá. O porteiro informou que havia se mudado
sem deixar o novo endereço. Quase surtei quando fiquei sabendo. Tínhamos perdido o rastro dela e não restava mais nada. Dyo tentava me manter calmo dizendo que de
uma forma ou de outra a encontraríamos, que com certeza ela faria contato com alguma amiga.
- Temos outra testemunha – Dyo revelou, diante do meu desespero. Eu não fazia ideia do que ele estava dizendo, mesmo assim senti meu coração desacelerar diante de
tal possibilidade. – O garçom que estava no bar naquela noite.
Como eu não tinha pensado nisso? Durante as últimas quatro semanas estive tão abatido, tão preso ao meu sofrimento e culpa que não percebi quantas peças ainda faltavam
para desvendar aquele mistério. Era lógico que ele tinha alguma coisa para acrescentar naquela história. Estávamos apenas eu e Anna no bar, e ele com certeza prestara
atenção em nós dois. Quase avancei pela porta quando constatei a realidade.
- Calma, Thomas. O bar só abre a noite, tenha mais um pouco de paciência. Precisamos falar com Eric para que ele esteja aqui para te acompanhar. Sabe Deus que tipo
de história está por trás disso tudo. Sara me mataria se você se machucasse.
Parei ainda com a mão na maçaneta sem conseguir decidir se deveria ou não sair.
- Dyo tem razão, Thomas – Kendel entrou na conversa desviando a atenção do seu jogo no celular. – Não vai adiantar você ficar plantado na porta do bar. É bem capaz
do cara fugir quando vir você aguardando por ele. Esta história fede. Tem muito mais do que podemos enxergar.
Voltei para a sala e me sentei no sofá atirando a cabeça para trás. O tempo estava jogando contra mim e a cada lance da partida eu perdia mais. Tentei ver todas
as possibilidades, porém minha cabeça estava tão confusa e desgastada que não conseguia formar nenhuma linha de raciocínio.
Levantei e fui para meu quarto tentar dormir um pouco, apesar de saber que não conseguiria. Sentei no chão com algumas almofadas apoiando a cabeça. A cama havia
sido removida e a nova ainda não fora entregue, por causa disso eu ainda dormia no chão.
Fui acordado por Kendel, sem nem ter percebido que tinha dormido. Olhei a janela, aberta diante de mim, fazendo com que eu visse que o dia estava se despedindo.
Subitamente meu coração reagiu à imagem. Lembrei-me de Cathy em seu antigo quarto em nossa casa, absorta em pensamentos ao observar o por do sol. “Esta é à hora
em que me sinto mais em contato com Deus. Quando a natureza mostra a sua perfeição” eu podia enxergar claramente de seus olhos e ouvir a sua voz, como no dia em
que ela me disse estas palavras.
Baixei os olhos e em silêncio fiz uma pequena prece, com certeza era o que ela estaria fazendo naquele momento. Uma pequena confiança se fortaleceu em meu coração.
“Com certeza ela também pensa em mim quando chega esta hora do dia” pensei com carinho.
- Você está bem? – Kendel observava a minha reação. Sinalizei que sim com a cabeça. – Estamos nos preparando para ir até o bar. Eric já chegou e eu irei junto para
o caso de você precisar de uma forcinha – sorriu admitindo suas intenções. – Dyo não vai. Ele vai encontrar com aquele cara que anda saindo. – riu abertamente.
- Aquele cara tem nome, Kendel. É Maurício. E também não é o cara com quem o Dyo anda saindo, é o namorado dele. Deixe de ser preconceituoso – levantei e fui até
o banheiro lavar o rosto.
- Eu não sou preconceituoso. Apenas não me sinto a vontade para dizer que meu amigo tem um namorado.
- Isso é preconceito. Ele se sente bastante à vontade para falar, então você não deveria se comportar desta maneira.
- Ok então! Vou me corrigir.
Ele olhou para os lados, verificando impaciente o espaço do quarto sem a cama, porem eu sabia que meu amigo mudaria realmente de atitude. Apesar de ser um grosseirão,
Kendel não era preconceituoso, como eu tinha acusado. Ele nunca se incomodou com a escolha de cada pessoa, apesar de defender com bastante veemência a sua. Troquei
de roupa e fui ao encontro de Eric que me aguardava na sala.
- Não vai comer?
Dyo levava a sério as ameaças da Sara em relação a minha saúde. Tudo bem que eu estava realmente negligenciando esta parte da minha vida, por outro lado quem pensaria
em comer diante da possibilidade de conseguir a prova necessária para ter Cathy de volta?
- Você não é minha esposa, Dyo – brinquei. – Apesar de saber que é doido para ter esta chance.
- Com certeza, querido, mas na ausência da Cathy, eu cuido desta parte. Entendeu?
- Vou comer alguma coisa na rua. Quero estar atento ao movimento do bar antes de entrar lá. Prometo que vou comer, querida. – ele deu uma gargalhada gostosa e leve,
o que me deixou mais tranquilo.
Paramos o carro do outro lado da rua em que o bar ficava localizado. Eric e Kendel saíram e fizeram uma pequena ronda verificando se havia algum cara com as características
do que apareceu no apartamento da Anna no dia em que eu fui confrontá-la. Aguardei pela volta deles e como constatamos que não havia perigo pela redondeza, seguimos
juntos para o bar.
Assim que entramos me certifiquei de que era o mesmo garçom da noite em que tudo aconteceu. Passamos por ele que atendia no balcão do bar, e sentamos no fundo. Escolhemos
uma mesa discreta que ficava próxima à parede e que possuía uma baia em forma de banco acolchoado. Era o suficiente para nos manter escondidos dos olhares de curiosos
ou de fãs, apesar do bar não está cheio.
Como não tinha me reconhecido, o rapaz prontamente veio nos atender. Pedimos o mesmo uísque da outra noite, em doses duplas. Instantaneamente ele me olhou e eu percebi
que finalmente tinha se dado conta. Sinalizei para Kendel e assim que o rapaz, visivelmente nervoso, voltou com as bebidas meu agente o abordou.
- Precisamos de outro favorzinho seu, amigo – olhei-o fixamente. Qualquer reação ou demonstração de insegurança confirmariam as minhas suspeitas de que ele sabia
de algo. – Este é meu amigo Thomas – o rapaz olhou para mim rapidamente desviando o olhar em seguida. – Ele esteve aqui algumas semanas atrás, acompanhado de uma
mulher muito bonita. Está lembrado?
- Não, senhor, eu não teria como lembrar. Muitos clientes vêm acompanhados de mulheres bonitas – fez menção de se afastar, Eric foi mais rápido e o segurou pelo
braço sem chamar atenção das pessoas.
- Por que você não dá uma olhada melhor. Quem sabe sua memória não revela alguma coisa.
O Garçom, bastante nervoso, olhava para os lados a procura de apoio, como não havia muitos clientes, ninguém percebeu a movimentação em nossa mesa.
- Olha, eu não sei de nada. Não gosto de me envolver nos problemas dos clientes. Apenas sirvo o que me pedem e não fico prestando atenção no que estão fazendo.
- Então você lembra de mim e da garota que estava comigo. Só havia nós dois naquele dia, e você recebeu uma gorjeta bem generosa.
- Não sei em qual problema aquela maluca se meteu, mas eu não tenho nada a ver com isso. Eu juro! – Se Eric apertasse mais ele com certeza falaria, no entanto o
cara estava agitado demais e logo as pessoas perceber que alguma coisa estava errada.
- Só queremos algumas informações. Precisamos que nos conte tudo que sabe sobre aquela noite – Kendel foi mais amistoso para suavizar o clima.
- Posso deixar outra gorjeta bem generosa – tirei algumas notas do bolso e deixei sobre a mesa. Os olhos do garçom cresceram ao ver a quantidade de dinheiro oferecida,
devia ser bem mais do que ele conseguia ganhar em um mês de trabalho. – Pode ser que mais algumas notas apareçam, só depende do que você tem para me contar – ele
olhou para trás, apreensivo, e depois voltou a me olhar nervoso.
- Está bem. Eu vou contar tudo o que sei, mas não agora, nem aqui. Tome o meu cartão. Daqui a três dias terei uma folga e podemos marcar um lugar para conversarmos
melhor.
- Você não está tentando nos enrolar, não é? – Eric o encarou de maneira ameaçadora e eu vi que o rapaz ficou bastante assustado.
- Não, senhor. Meu patrão está aqui hoje e logo vai notar que estou demorando demais com vocês. Não posso me arriscar a perder este emprego. Procurem-me em três
dias e vou poder contar o que sei. É só o que posso fazer por enquanto.
Cocei a cabeça, angustiado. Três dias? Como poderia esperar por mais três dias? Era muita tortura. Observei o rapaz se afastar da mesa e voltei a minha atenção para
em minhas mãos.
- Ao menos agora temos a certeza de que algo está muito errado nesta história. Ele sabe de algum detalhe muito importante – Kendel percebeu o meu abatimento.
Continuei calado. Tentava encontrar a coragem e determinação necessárias para esperar mais três dias, e sabe Deus mais quantos, até que Cathy soubesse que eu não
a tinha traído.
Antes de descobrir que existia a possibilidade de ter sido tudo uma armação, eu nem me atrevia a pensar nela com a saudade que passei a sentir. Sabia que ela estava
perdida para mim. Depois da possibilidade e quase comprovação de que fomos vítimas da inveja da Anna, meu corpo passou a reclama pelo dela o tempo todo.
Eu ansiava pelo nosso reencontro, sonhava com seus lábios nos meus. Era doloroso pensar que mais alguns dias nos separavam com uma força impiedosa.
- Ânimo, Thomas! Pelo menos agora você sabe que o fim está próximo. Com o depoimento deste cara, nós poderemos dar queixa e provar que naquela noite Anna colocou
algo em sua bebida. Precisamos apenas disso para provar a Cathy sua inocência.
- Espero que sim, meu amigo. Espero que seja o suficiente para convencê-la. Do contrário, não sei mais o que fazer.
- Bom... Sempre existe o velho choro, ajoelhado aos pés da garota, implorando pelo perdão. Para algumas mulheres é infalível – Kendel deu risada e Eric, sempre tão
taciturno, o acompanhou.
Eu apenas fiz uma anotação mental como o último recurso caso tudo falhasse. Não teria vergonha de implorar, muito menos de ficar aos seus pés. Aliás, até agradeceria
em poder estar nesta posição, seria uma forma de estar perto dela.
Ficamos no bar até fechar, porém o garçom saiu de lá acompanhado do patrão e de outros funcionários. Decidimos voltar para casa. Era o que podíamos faze naquele
momento. Kendel estava com o cartão do rapaz e entraria em contato para marcarmos o encontro.
Fiquei surpreso ao entrar no quarto e me deparar com a nova cama. Era imensa, igual a que a Cathy queria para a nossa casa em Los Angeles. Pensar nela me levou outra
vez a urgência que eu sentia de tê-la novamente em meus braços.
Passei as mãos pelo lençol da cama constatando que a seda não conseguia ser mais suave que a pele da minha Cathy. Tomei um banho esperando aliviar a tensão, mas
deitei outra vez no chão. Não dormiria na cama enquanto não pudesse ter a mulher da minha vida comigo.
O sono chegou com mais facilidade, não apenas pelo cansaço de noites seguidas sem dormir direito, também pela certeza de que tínhamos um caminho para seguir. Os
três dias não me pareciam mais tão distantes, era só uma questão de tempo e eu teria a minha Cathy outra vez comigo, em meus braços.
- Thomas? Thomas! – Ouvi a voz do Dyo me chamando e abri os olhos com dificuldade no quarto já tomado pelo sol. – Mesmo com a cama você continua dormindo no chão?
- Algum problema, Dyo? Que horas são? – Acordei assustado com a urgência, que com certeza, não era pela preocupação com o local onde eu dormia.
- Já passou do meio dia. Você dormiu demais – olhei para meu agente e amigo, ainda confuso com o despertar tão repentino. - Mia está lá embaixo e precisa falar com
você. Temos algumas novidades excelentes. Ela encontrou a Anna – levantei de um pulo e já ia saindo do quarto quando Dyo me chamou de volta.
- Você vai sair assim? – Olhei para mim, percebendo que estava só de cueca. Encarei Dyo que me observava com divertimento. Sorri maliciosamente. – Para mim está
perfeito, mas não acho que Mia e Henry vão gostar disso.
- Henry está aqui? – Fui até a poltrona, peguei uma bermuda que estava jogada lá e uma camisa que eu tinha usado para dormir outro dia. O quarto ficava uma bagunça
quando não tinha a fiscalização da Cathy. – Como eles encontraram a Anna? Onde?
- Você terá que ouvir deles mesmos. Jogue uma água no rosto e desça – obedeci prontamente.
***
Mia e Henry me aguardavam na sala, sentados lado a lado e com as mãos entrelaçadas. Eles pareciam tão completos juntos. “Como eu e Cathy éramos”, pensei com tristeza.
Ao me verem, levantaram e Henry apertou minha mão. Mia apenas sorriu timidamente, ela ainda estava magoada comigo por toda aquela confusão.
- Vocês encontraram a Anna? Como conseguiram? Onde ela está?
- Mia a viu ontem, antes de me encontrar. Ela pode te explicar melhor.
- Eu estava em frente à empresa em que trabalho, aguardando Henry quando ela passou do outro lado da rua. Como Dyo já havia me contado que vocês não tinham mais
notícias dela tomei coragem e fui confrontá-la – fez uma pausa esfregando uma mão na outra.
- E aí? – Tentava não ser tão impaciente, mas era impossível.
- Anna ficou muito abalada ao me ver. Eu praticamente a obriguei a me acompanhar até uma lanchonete próxima de onde estávamos e lá conversamos abertamente. Ela me
contou que você a havia procurado. Conversamos bastante e Anna me disse que a situação era mais complicada do que somos capazes de imaginar e que mentiu porque não
podia dizer a verdade.
Ela olhou insegura para Henry ao seu lado e este gesticulou com a cabeça como lhe assegurando que estava tudo bem.
- Ela disse que no início aceitou fazer porque estava com raiva da Cathy, mas que tão logo tudo estava feito, percebeu o quanto foi ruim, não apenas para vocês dois,
mas para ela também. Pensou várias vezes em desistir de tudo e contar a vocês toda a verdade, mas a pessoa que está por trás de toda esta história, é muito violenta
e ela teve medo. Thomas, ela realmente estava com muito medo. Não quis entrar em detalhe, a todo o momento olhava para os lados, amedrontada e preocupada. Disse
apenas que sentia muito, mas que não poderia voltar atrás e que por medo do que poderia acontecera ela não poderia te ajudar em nada. Nós discutimos muito então
ela resolveu ir embora. Eu dei um tempo e a segui sem que percebesse. Quando chegou à porta do prédio onde está morando, me aproximei deixando-a perceber que sabia
onde encontrá-la. Mas uma vez discutimos e eu disse a ela que você poderia ajudá-la no que fosse preciso. Desculpe, mas pensei que você estaria disposto a tudo para
acabar de uma vez por todas com esta história.
- E estou.
- Ótimo! Porque dei a ela meu cartão com o meu novo endereço do trabalho e telefones para contato. Hoje, quando ainda estava em casa me preparando para sair, recebi
a sua ligação. Disse que estava disposta a contar tudo, desde que você não envolvesse a polícia e também que estivesse disposto a pagar por sua confissão. A proposta
dela é que vocês se encontrem e que Cathy esteja presente para que possa contar tudo o que aconteceu de fato. Para isso, Anna pediu cinco milhões de dólares.
Mia parou me observando. Suspirei pesadamente. Passei as mãos pelos cabelos pensando na proposta. Cinco milhões era muito dinheiro e eu teria que tomar algumas providências
para levantar tal quantia. Olhei para Dyo e ele também me observava cuidadosamente.
- E quando ela pretende cumprir com a sua parte? – Mia relaxou um pouco soltando o ar preso nos pulmões pela expectativa.
- Amanhã. Ela precisará organizar as coisas para sumir no mundo. Foi o que disse.
Amanhã? - O tempo era curto para levantar a quantia, em compensação, era longo demais para que eu pudesse ter Cathy de volta.
- Tudo bem. Pode marcar que eu estarei lá.
- Esperem. O tempo é curto demais, Thomas! – Dyo me interrompeu.
- Tenho certeza que você consegue, Dyo, me ajude, por favor! Faça o possível, o que você não conseguir até amanhã eu pedirei ao meu pai. Sei que ele pode me ajudar.
Mia marque o encontro com Anna.
- E como faremos para que Cathy esteja lá? – Kendel perguntou e de novo ele conseguiu minha atenção para um ponto que eu tinha deixado passar. Kendel estava sendo
implacável ultimamente.
- Mia, você consegue? – Ela mordeu o lábio inferior.
- Não sei, Thomas. Se Cathy souber que você e Anna estarão lá, com certeza não vai nem querer saber.
- Nem se você explicar tudo? – Dyo parecia mais ansioso do que o normal, o que chamou a minha atenção.
- Vocês não têm noção do quanto ela está ferida – Mia olhou para Henry, que fez um movimento com a cabeça como se estivesse incitando-a a contar algo que não sabíamos.
Senti minhas mãos suarem. – Ela está realmente disposta a te esquecer, Thomas, não importa como. Hoje mesmo tivemos uma pequena discussão, quando tentei em vão convencê-la
a esperar um pouco mais.
- Como assim esperar, Mia? – Fiquei atordoado, mas no fundo da minha alma eu já sabia a resposta.
- Não acredito que ela queira ouvir as suas explicações, e não sei se será fácil convencê-la de que esta loucura toda tem lógica.
- Por que você quis convencê-la a esperar? – Minha mente não conseguia mais prestar atenção em nada do que ela falava.
- Thomas, fique calmo, certo? – Henry se aproximou ainda mais de Mia. Olhei para Kendel que já estava também mais próximo de mim.
- Fale de uma vez, Mia – minhas palavras saíram forçadas por entre os dentes cerrados. Era mais como um ameaça do que um pedido. Mia ficou tensa e Henry imediatamente
se colocou em defesa da namorada.
- Eles se beijaram ontem. Ela não reagiu muito bem – Mia disparou as palavras ao perceber que eu explodiria. – Ela não conseguiu levar o beijo diante porque não
parou de pensar em você. Ai meu Deus! Espero não estar traindo a confiança da minha amiga – Mia abaixou a cabeça entre as mãos.
- Você não está, meu amor – Henry confortava a namorada enquanto eu absorvia o que ela tinha me dito.
O cachorro do Roger tivera a petulância de beijar a minha Cathy? Não sabia que espécie de emoção estava sentindo. Eu poderia facilmente matá-lo, mas concomitantemente
a este pensamento, eu não queria perder o meu tempo com aquele ser desprezível. Queria apenas correr e implorar a Cathy para não fazer nada, para não ceder de novo.
Juntamente com aquela confusão de sentimentos, aquele turbilhão que me tirava o chão e atordoava, eu sentia um misto de alegria e prazer em saber que ela não conseguiu
levar o beijo a diante porque pensou em mim. Significava que os seus sentimentos por mim ainda eram fortes enquanto o que ela sentia por ele não devia ser mais do
que amizade.
Sem perceber o que estava fazendo, andei em direção à porta. Kendel tentou me deter, mas, não sei como, consegui empurrá-lo impedindo que me segurasse. Eu iria resolver
aquela situação de uma vez por todas, e só tinha uma forma de fazer isso. Eu precisava ver que ver Cathy.
Capítulo 13
Quando Não é Possível Ser Indiferente
VISÃO DE CATHY
Voltei para casa no fim da tarde, muito cansada. Havia trabalhado o dia inteiro tentando não pensar no que tinha acontecido entre nós na noite anterior. O fatídico
beijo.
Queria dar uma chance para o Roger tentar me conquistar. Mesmo sabendo que talvez fosse à forma mais rápida de tirar Thomas dos meus pensamentos, eu tinha certeza
de que isso nunca seria possível. Eu sabia que Thomas seria eterno no meu coração, assim como eu seria nele. A constatação me deixava cada vez mais triste.
Mia tinha dito que Thomas estava sofrendo muito também. Por mais absurdo e contraditório que seja, pois meus sentimentos não conseguiam assumir uma única forma de
se expressar, eu senti uma enorme tristeza.
Seria mais fácil se eu soubesse que ele estava bem, recuperado e se aventurando em outros amores? Talvez assim eu me convencesse que nosso amor nunca existiu. Mas
pensar no nosso sofrimento, apenas confirmava a certeza da eternidade do nosso amor e este fato era como uma ferida aberta que nunca cicatrizava, ou como um dia
sem sol, nublado, chorando a sua tristeza através da chuva fina e gélida.
Por que ele deixou isso tudo acontecer? Eu nunca teria uma resposta.
Voltei para casa sozinha. Roger passou o dia muito ocupado com a reunião e não teve tempo de me abordar na saída. Entrei em meu apartamento vazio. No mesmo instante
me dei conta de que aquele vazio fazia parte da minha alma também. “Parece que fui amaldiçoada ao nada pelo resto da vida, porque é assim que me sinto independente
do que me aconteça” pensei encarando a sala escura.
Fui até o banheiro em busca de um banho revigorante, contudo tive que finalizá-lo mais rápido do que pretendia, pois o telefone começou a tocar insistentemente.
Deixei a banheira, cuja a água ainda estava quente, enrolei uma toalha no corpo e corri para atender a ligação.
- Cathy? É Roger – senti minhas pernas tremerem. O que eu diria?
- Oi! Quando eu saí você ainda estava ocupado, então... – meu rosto vermelho entregava às paredes o esforço que eu fazia para mentir e parecer empolgada.
- Estou na porta do seu prédio. Posso subir? – Uma eternidade se passou até que eu conseguisse recuperar o equilíbrio e responder. Meu coração pulsava aceleradamente.
- Você nunca precisou da minha permissão para subir, Roger – tentava imaginar uma forma de protelar a minha decisão. Ou melhor, de ganhar tempo para que pudesse
me acostumar a ela.
- Eu sei, mas como você me evitou o dia inteiro, não sabia se deveria ou não invadir o seu espaço – mordi os lábios. Ele tinha notado. Claro, por que não? Roger
me conhecia melhor do que qualquer outra pessoa, melhor mesmo do que o próprio Thomas.
- Claro. Suba.
Assim que desliguei, corri para o quarto procurando o que vestir. Peguei um vestido rosa claro que estava logo na frente do closet. Ele era solto e um pouco curto,
imaginei que não seria um problema estar vestida daquele jeito para receber Roger, ao contrário do que seria se fosse Thomas.
A lembrança de como seria, foi avassaladora. Thomas odiava que eu usasse calças para estar com ele. Dizia que gostava do acesso fácil ao meu corpo. Foi como um soco
no estômago. Encostei-me à parede e forcei a respiração várias vezes para conter as lágrimas e o enorme buraco que abria em meu peito. “Esse não é o momento de lágrimas
nem de pensar no passado” tentei me encorajar para o que era necessário fazer.
Passei as mãos pelos cabelos penteando-os e coloquei um pouco de colônia. Olhei minha imagem no espelho. Eu estava muito bonita, mas era apenas um corpo decorado,
por dentro eu estava morta. Engoli com dificuldade sentindo que as lágrimas lutavam para cair. Estas foram impedidas ao ouvi a batida tímida na porta. Coloquei um
sorriso forçado no rosto e fui atendê-la.
- Oi! – Ele sorria lindamente.
Tive que sorrir em resposta. Roger sorrindo era exatamente como a brisa de uma manhã de primavera, leve, simples e fácil. Olhá-lo me remetia ao nosso passado, quando
eu acreditava que ele era o correto e o mais adequado para mim. Poderia um dia ser transformado em amor?
- Oi. Entre.
Fechei a porta para acompanhá-lo. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Roger me segurou pela cintura com uma mão e com a outra segurou minha nuca, puxando-me
para um beijo apaixonado.
Eu não estava esperando, mas não reagi. Era assim que deveria ser. Eu precisava ser forte para aceitar aquele primeiro momento. Com o tempo ficaria mais fácil. Deixei
que Roger fosse terminando o beijo aos poucos e quando enfim se afastou não tive coragem de olhar em seus olhos.
- Desculpe, meu anjo! – Beijou minha testa me mantendo apertada em seu corpo. - Você está tão linda! Não resisti – enquanto falava, Roger passava os dedos pelos
meus cabelos descendo até minha cintura.
Esperei, mas nenhuma emoção me dominou. Nenhuma sensação de prazer, como deveria acontecer. Em poucos minutos a espera se transformou em revolta. Quando Thomas me
tocava, o mínimo que fosse, meu corpo inteiro se acendia. Por que tinha que ser diferente com Roger?
– Ficou com raiva de mim? – Me afastei um pouco dele. Precisava de espaço para refazer a minha máscara.
- Não! – tentei sorrir. – Apenas surpresa – ele sorriu com olhos brilhantes, em resposta. – Eu disse que ainda não estava pronta, Roger. Não sei como reagir a você.
Roger enlaçou a minha cintura. Dentro de mim tudo estava bagunçado, destruído e confuso. As lágrimas voltaram aos meus olhos. Por que eu não conseguia relaxar?
- Apenas me deixe conduzir você. Só preciso disso agora, Cathy – segurou meu rosto com uma mão e me deu um beijo leve nos lábios. Mais uma vez não o evitei. – Eu
vou conseguir fazê-la feliz, acredite em mim! – Baixei a cabeça para não permitir que as lágrimas escorressem, então sinalizei que sim, concordando com toda aquela
loucura. – Preciso ir. Só passei aqui porque queria muito te ver. Tenho um assunto importante para resolver esta noite. Posso passar para te buscar amanhã?
- Claro.
Pode ser absurdo, mas fiquei aliviada quando Roger anunciou que estava indo embora. No mesmo instante me repreendi. Eu o havia aceitado em minha vida. Precisava
lutar contra mim todos os dias para conseguir me livrar do amor que guerreava comigo para repeli-lo.
- Você vai ficar bem? Onde está Mia? – Pisquei como se estivesse acordando. – Cathy?
- Mia vai ficar com o namorado esta noite.
- Bom... Posso ficar se você quiser. Eu só preciso... – Oh, Deus! Era tudo o que eu não precisava naquele momento.
- Não, tudo bem. Não mude os seus planos por minha causa. Eu estou com muito sono, logo logo estarei dormindo – ele me analisou em dúvida, porém aceitou os meus
argumentos.
- Certo. Amanhã passo para te buscar - me beijou novamente, só que com mais cuidado e carinho, depois foi embora.
Ao ouvir a porta fechar, me deixei cair no sofá e chorei todas as lágrimas presas. “Por que Thomas teve que ser um idiota?” repetia para mim mesma a pergunta e a
cada repetição sentia mais raiva de mim, dele e de tudo o que aconteceu. E, quanto mais eu sentia raiva, mais tinha certeza do que queria naquele momento: estar
com ele, nos braços dele.
A necessidade era uma dor física. Era como se ele tivesse arrancado um pedaço de mim e levado embora e naquele momento eu precisava desesperadamente daquele pedaço
para continuar a viver. “Como isso é possível? Como posso odiar com tamanha intensidade e ao mesmo tempo amar desesperadamente?” Buscava a todo custo entender, contudo
nenhuma resposta me era concedida.
Fechei os olhos procurando por uma paz interior que não habitava mais em mim. “Você é como a primavera, é como uma brisa do mar. Você é o que há de melhor em mim.
Resumindo, você é a minha vida. Por isso eu descobri que não posso viver te perdendo o tempo todo, para nada e nem ninguém. Quero você na minha vida para sempre
e se você também me quiser na sua, mesmo sendo eu um sujeito tão desprovido de qualidades para ser o seu príncipe encantado, aceite este presente com amor”. Relembrei
aquelas palavras que um dia deram início ao meu conto de fadas.
Ao abrir os olhos, contemplei um dedo vazio. No lugar onde antes havia uma aliança, símbolo do nosso amor, existia apenas uma marca branca demonstrando que um dia
o anel esteve ali. “Você não é o meu príncipe encantado, Thomas, nunca foi. Em nenhuma história que conheço de princesas e príncipes existiu tanto sofrimento” pensei
com amargura enquanto tentava inutilmente suavizar a marca branca em meu dedo.
Foi quando ouvi uma batida leve na porta. “Roger voltou?” pensei abatida. Limpei as lágrima e tentei recompor minha postura, mesmo sabendo que seria impossível esconder
de qualquer pessoa o que estava sentindo naquele momento. Também não tinha mais vontade para tentar fingir algo que não sentia, como a felicidade, por exemplo.
Fui até aporta, abrindo-a para que Roger pudesse entrar. Mas parei na soleira sem acreditar no que estava vendo. Dei dois passos para trás, minhas lágrimas voltaram
a cair, mesmo sem a minha permissão, minhas pernas fraquejaram e meu coração disparou ao visualizar a figura a minha frente.
Thomas!
Ele estava parado, as mãos apoiadas em cada lado da porta. Meu coração disparou com tamanha emoção que pensei que morreria, mas a visão me prendia à vida com toda
a força que podia arrancar de mim.
Seus olhos me encaravam com tanta emoção e intensidade quanto os meus a ele. “Estou sonhando? Não percebi que tinha dormido” pensei enquanto minha mente constatava
o quanto ele continuava perfeito, quase uma miragem.
Não percebi quando Thomas se aproximou, nem quando tocou meu rosto sem dizer nenhuma palavra. Eu estava presa em seus olhos e meu corpo inteiro implorava para que
aquele momento nunca acabasse. Todas as lembranças e tristezas ficaram retidas em algum lugar longínquo do passado.
Nada falamos. Não era preciso. Nossos olhos falavam por nós dois. O amor tem dessas coisas, não precisa de palavras, sons ou cheiros para se expressar, é apenas
gestos e sensações. O suficiente para que duas pessoas que se amam de verdade rompam todas as barreiras que os separam. Nenhuma história, diferença ou acontecimento
seria capaz de impedi-lo. Quando existe amor verdadeiro, nenhum tempo é o suficiente para vivê-lo, e cada segundo faz toda a diferença.
Foi com esta emoção que naquele instante não pensei em mais nada além de nós dois e em toda a saudade reclamada pelo meu corpo. Senti suas mãos tocarem meus braços
com leveza, e então meus olhos fecharam para o que eu mais busquei naqueles longos dias de sofrimento: seu beijo.
Sem contestar ou lutar contra, me entreguei desesperadamente ao seu amor. Foi como se nunca tivéssemos nos separado. A emoção que eu buscara enquanto beijava Roger,
que naquele momento parecia uma história tão distante de nós dois, me fulminou no momento em que senti seus lábios nos meus.
Thomas me beijou com o ardor da paixão, imediatamente correspondi loucamente àquela sensação. Eu não conseguia pensar no certo ou no errado, só que era dele, como
sempre fui e como sempre seria.
Nosso beijo foi ganhando força e à medida que nós permitíamos viver aquele momento. Nossos corpos foram buscando cada parte um do outro. Foram se reencontrando,
se reconhecendo, se amando. Era emocionante demais para ser descrito e perfeito demais para ser declarado. Como se o amor nunca tivesse nos deixado. E ele nunca
nós deixou de fato, muito pelo contrário, o tempo inteiro, por mais que eu lutasse, o amor persistiu e ali, naquele momento, me mostrava o quanto a minha luta tinha
sido em vão, o quanto fui boba em pensar que poderia derrotá-lo.
Thomas me abraçava com força, como se não quisesse permitir que eu saísse dos seus braços. Eu o correspondia enlaçando-o com a mesma intensidade. Suas mãos percorriam
minhas costas me puxando cada vez mais para perto dele, como se houvesse ainda algum espaço para ser preenchido pelos nossos corpos entrelaçados.
Senti quando ele me deitou sobre algo macio, juntando-se a mim em seguida. Suas mãos longas percorriam meu corpo com devoção, saudade, ansiedade... Amor. Sim. Todos
os nossos gestos eram de amor. O mais puro e verdadeiro amor. Em todos os lugares em que nossas peles se encostavam o calor deixava a sua marca, me fazendo buscar
por mais e mais, sem cessar.
Nem consigo imaginar como ele conseguiu se livrar tão rapidamente de nossas roupas. Também não queria desviar meus pensamentos para estes detalhes sem importância.
A única coisa que pensava era em como o meu desejo ainda era vivo, pulsante e real. Nada mais importava.
Como se nossos pensamentos estivessem interligados, Thomas me preencheu quase que no mesmo instante em que eu desejei que o fizesse. E, finalmente eu me senti completa.
Perfeita. De volta ao meu mundo. Nossos corpos se movimentavam em um ritmo próprio. Ninguém estava no controle de nada. Falávamos muito, mas nada que nos levasse
a outro caminho.
- Eu te amo! Eu te amo! – Sussurrou sem abandonar meus lábios. Sorvi cada palavra, cada gemido como se dependesse disso para viver.
- Eu te amo, Thomas! – Lágrimas molharam meu rosto. Eu não saberia dizer ao certo se eram minhas ou dele.
Entregamo-nos ao prazer enquanto nossos braços nos apertavam em um abraço saudoso e nossas mãos nos prendiam um ao outro. Toda a intensidade do nosso amor explodiu
entre nós dois, nos levando ao êxtase mais profundo e prolongado que já vivenciamos.
Na medida em que nos acalmávamos, que nossos corpos se habituassem ao momento, fui me dando conta do que tinha acontecido. A realidade foi retornando e a consciência,
já sem tanta influência da emoção de estar com ele novamente, me mostrava o quanto estava errada em permitir que acontecesse.
Minha mente voltava a funcionar e os questionamentos se formavam. Thomas estava comigo e nós tínhamos transado. Como assim? Como isso pôde acontecer? Senti o pânico
se instalar em mim.
A lembrança dele com Anna, nus e enlaçados um ao outro foi como um raio me fulminando. Toda a dor e tristeza que me acompanhavam nos últimos tempos voltaram com
força total. Tive que reprimir um soluço. Eu não poderia ter permitido que acontecesse. Não deveria ter cedido com tanta facilidade, aliás, nunca mais poderia ceder
a ele.
Thomas tinha me traído. A raiva aflorava com tamanha intensidade que pensei ser possível lançá-lo de cima de mim para longe. Eu o queria longe. Bem longe. De volta
ao meu passado.
Capítulo 14
Dúvida, Insegurança e Thomas
VISÃO DE CATHY
Virei o rosto quando Thomas buscou por meus lábios, ainda entregue ao momento. Ele não percebeu a minha resistência e beijou meus cabelos, deitando-se ao meu lado
ainda com os braços me enlaçando.
Como eu era tola, fraca. A vida inteira recriminei minha mãe pelas suas fraquezas e no que eu tinha me tornado? Alguém nada melhor do que ela.
- Cathy? – Thomas chamou, mas eu não queria olhar para ele, então fechei com força meus olhos e levei as mãos ao rosto, envergonhada por ter sido tão fraca. – Qual
é o problema? – Falava com doçura, com carinho e meu coração reagia a ele, porém eu não queria ser como minha mãe e não cederia. – Meu amor, olhe para mim – sua
voz era o convite mais tentador e doce. Uma tentação. A mordida da maça que me expulsaria do paraíso.
- O que você veio fazer aqui, Thomas? Não basta tudo o que já me fez? Veio para destruir o que restou de mim? – As palavras saíram abafadas pelo choro que me dominava
e pelas minhas mãos que cobriam o meu rosto.
Thomas não me respondeu. Apenas ficou calado ao meu lado. O único som era o do meu choro e o da sua respiração pesada. Quando tive condições de olhá-lo meu coração
se partiu em vários pedaços, porque ele me encarava enquanto lágrimas escorriam de seus olhos. Foi como um tapa em meu rosto. Por que?
- Eu não vim aqui para fazê-la sofrer, Cathy. Queria apenas conversar... Te contar uma coisa, mas a emoção foi mais forte e acabei me deixando levar – Fechei novamente
os olhos para impedir que a dor em vê-lo sofrer fosse mais forte do que a minha indignação.
Thomas passou seus dedos suavemente em meu rosto, limpando minhas lágrimas. Eu amava seus toques. Era incrível que mesmo diante de uma situação tão desastrosa, eu
ainda me sentia em casa quando ele me tocava daquele jeito
- Eu te amo e sei que fui um idiota de diversas maneiras, porém não como você está pensando – ri cinicamente. Será que ele pensava mesmo que eu era tão idiota
- Vai me dizer agora que não foi nada do que eu vi? Não, espere... Você vai dizer que foi um momento de fraqueza e que está arrependido e que conta com a força do
nosso amor para me fazer compreender – ameacei me levantar, Thomas me prendeu, com o seu corpo, no sofá, onde fizemos amor.
Eu estava enfurecida e envergonhada. Mesmo assim, ao me segurar forçando o seu corpo contra o meu, minha pele correspondeu no mesmo instante, arrepiando-se ao contato
com a sua nua. Eu cederia outra vez. Não seria fraca de novo.
– Me deixe em paz, Thomas, vá embora! Você já conseguiu o que queria, agora saia da minha casa – debati-me para que ele me liberasse, porém Thomas me segurava com
força, sem me machucar, apenas me mantendo próxima a ele. Seus olhos me fitavam com firmeza forçando os meus a retribuírem.
- Cathy me escute. Apenas escute o que eu tenho a dizer – agia com cautela. Sua voz continuava suave e seus gestos pacientes.
- Não tenho nada para ouvir de você. Vá embora, por favor!
- Por que você acha que eu nunca te procurei? – Falou um pouco mais alto, sem demonstrar impaciência.
A pergunta me calou. Sempre me questionava como ele não tinha conseguido me encontrar? Como eu havia permanecido tanto tempo na Pensilvânia sem que ele ao menos
se desse conta? Eu tinha certeza que se Thomas quisesse de verdade, teria me encontrado, nem que fosse no inferno.
- Eu sempre soube onde te encontrar. De nada adiantou ficar tanto tempo escondida – abri a boca para questioná-lo, no entanto ele me impediu de falar. – Nunca te
procurei porque não me achava digno do seu amor. Todo este tempo eu também acreditei nesta história absurda e não conseguia me perdoar por ter te perdido, nem por
ter sido capaz de te magoá-la desta forma. Acreditava que merecia a dor de não mais ter você ao meu lado e sinceramente cheguei a desejar que você fosse feliz, porque
a mim restaria apenas a infelicidade pelo resto da vida.
Senti dor ao ouvir aquelas palavras. Meus sentimentos estavam confusos, estranhos. Eu deveria sentir prazer com o seu sofrimento, no entanto eu sentia uma imensa
dor que me fazia querer confortá-lo. Abraçar o homem que eu amava e dizer tudo ficaria bem. Infelizmente eu não podia. Era impossível fechar os olhos e esquecer.
- Mas as coisas mudaram e hoje eu sei que nada aconteceu naquela noite – me proibi de sentir esperança ouvindo tal absurdo
Como ele tinha coragem? Eu era mesmo uma tola. Era desta forma que ele me via. Tentei rir com ironia do seu despautério, mas as lágrimas que caíam sem cessar me
impediam de sustentar essa mentira.
- Que absurdo! O que você pensa que sou? Uma idiota para acreditar nesta história? Eu sei o que vi – o encarei tendo total consciência do seu rosto tão próximo ao
meu e do seu corpo que não me abandonava, enfraquecendo toda a minha defesa.
- Eu também sei o que você viu, Cathy. Ela me drogou e depois fingiu aquela cena que infelizmente você presenciou. Era para nos separar e ela conseguiu, mas eu descobri
tudo.
Ri alto. Queria poder esbofeteá-lo por me julgar tão idiota, contudo meu coração recebeu aquela informação de uma maneira inesperada. Ele batia com mais força, feliz
pela possibilidade de dar fim a sua imensa dor, no entanto a esperança era inútil. Não havia possibilidade de ser verdade. Thomas apenas tentava, assim como eu,
encontrar uma forma de acabar com a nossa distância. O melhor a ser feito era finalizar de uma vez por todas aquela conversa, antes que eu me permitisse acreditar
e só acrescentasse mais sofrimento a minha existência.
- O mundo não conspira contra você, Thomas. Não estamos em um filme, isso é a vida real. Ninguém tinha motivos para nos separar, a não ser você mesmo com suas atitudes
impensadas e seu caráter duvidoso – seus olhos endureceram, mas ele não demonstrou raiva.
- Naquele dia... – Fechei os olhos com força negando para mim mesma reviver aqueles momentos.
Thomas saiu de cima de mim, me libertando parcialmente da sua influência física. Ficou ao meu lado, ainda deitado, apenas com uma mão em meu rosto. Ele me encarava
com olhos sofridos, porém firmes. Decidido a me convencer. Como se realmente acreditasse em toda aquela fantasia.
- Eu estava com raiva de você naquela noite. Roger tinha me dito coisas... Ele me provocou, Cathy. Mas você não quis me ouvir, não me deu nenhuma chance de explicar
aquela confusão. Depois que você foi embora eu resolvi sair para beber e esfriar a cabeça. Anna me encontrou no bar, uma infeliz coincidência, assim acreditei durante
todo este tempo. O que não havia me dado conta foi que naquela noite eu bebi apenas três doses duplas de uísque. Eu sei, e você também, que não seria o suficiente
para me apagar daquela maneira. Tenho como provar isso também. Tenho a nota do bar, onde está registrado quanto bebi. Eu desmaiei no carro, antes mesmo da Anna dar
a partida. Não sei como conseguiu me levar até o apartamento, mas o fato é que ela forjou aquela cena para que você nos achasse juntos.
- Pare, Thomas! – Ofeguei sem conseguir mais evitar que o sofrimento transbordasse. - Não faça isso, por favor! Não me faça sofrer mais do que já venho sofrendo.
Eu não vou suportar!
Não consegui mais segurar toda a angustia e dor acumulada em minha tentativa de parecer forte com Roger, Mia, Sam, todos ao meu redor. A minha máscara tinha caído
e se partido. O desespero assumiu o controle e eu não suportaria que a esperança aflorasse em meu coração. Eu não sobreviveria a mais esta decepção.
- Cathy, a própria Anna confessou a farsa – Thomas também não conseguia mais manter a calma. Ele ficou agitado, ansioso. Parecia que perceber que eu não o aceitaria
de volta.
- Não quero saber – como uma criança, tapei os ouvidos com as mãos.
- Eu tenho como provar tudo o que falei, mas sei que nada do que disser vai mudar esta raiva, então vou deixar que as pessoas da sua confiança, te contem a verdade.
Procure Mia, Dyo, Kendel, qualquer um dos nossos amigos vão poder confirmar o que estou dizendo.
- Se você já sabia que eu não acreditaria por que se deu ao trabalho de vir até aqui? –
- Porque jurei a mim mesmo que se existisse uma única possibilidade dessa história ser mentira eu me atiraria aos seus pés e imploraria seu amor de volta – Thomas
falou com raiva. Seus olhos queimaram e o que eu via neles era um homem destruído, sofrendo por todas as suas chagas. – Porque não houve um único momento, um único
segundo em que eu não sonhasse, ou desejasse você de volta, Cathy. Eu te amo como nunca amei a mim mesmo, e fui um tolo por te causar tantos problemas. Eu só quero
ter você de volta...
A emoção formou um bolo em minha garganta. Como sonhei ouvir aquelas palavras! Era tão fácil e simples. Bastava que eu ignorasse as lembranças, sufocasse a mágoa
e esquecesse a dor. Bastava que eu abrisse a porta e o aceitasse de volta. Eu poderia chorar durante as noites, depois de vê-lo dormir ao meu lado, como minha mãe
fazia. Sofrer escondido quando ninguém mais estivesse olhando. Bastava apenas que eu aceitasse ser como a minha mãe.
- Não vai me ter de volta. Nunca mais, Thomas! E tem razão, eu não acredito em você – negaria para mim mesma o que estava sentindo. Porque sabia que estava apenas
me protegendo de uma dor maior.
- Mas você ainda me ama, e mesmo não acreditando, quer muito que seja verdade. Vi esta verdade quando estávamos fazendo amor. Sentimos a mesma coisa. Foi forte para
ambos. Não houve recusa, apenas entrega. Você também sentiu a minha falta e disse que me amava... – sorriu timidamente, desfrutando aquelas palavras pronunciadas
sem que eu tivesse qualquer controle sobre elas num momento em que a única coisa que desejava era ele.
Senti-me humilhada diante da sua vitória. Thomas sabia que eu continuava amando-o com a mesma intensidade e contava com este sentimento para me vencer.
- Isso é ridículo! Eu não o amo mais. Falei que amava apenas por causa do momento, das lembranças, não sei... Você é um idiota, um arrogante, prepotente... – fui
calada por seus lábios nos meus.
Thomas me tomou em um beijo quente, capaz de arrancar de mim toda a força para lutar contra. Mais uma vez me trai cedendo aos seus encantos. Eu o amava e não havia
como negar. Era mais um momento em que o amor e o ódio davam as mãos dentro de mim.
- Não é o que o diz o seu corpo – afirmou vitorioso ainda arfando, quente de desejo e amor. Droga!
- Meus sentimentos não importam -– ele tinha conseguido me enfraquecer. Estava derrubando minhas barreiras fazendo-me entender que mentir não seria o melhor caminho.
- Por quê? Nada mudou. Continuamos nos amando. O nosso amor é a única coisa que importa...
- Porque não adianta eu te amar tanto se isso não te impede de sempre me machucar. Do que adianta te amar se ao seu lado eu encontrei tanto sofrimento? Nunca conseguimos
evitar que a infelicidade nos circundasse – respirei profundamente abafando um soluço. - Eu não o quero mais, e não importa o que meu corpo diz. Essa é a minha decisão.
Não vou mais me permitir viver as suas inconstâncias – voltei a chorar ao constatar a realidade profetizada. – Não importa o que você tem para me contar ou me provar.
E mais uma vez, você está enganado, Thomas, tudo mudou e não existe nenhuma possibilidade de voltar a ser o que era. A ferida que abriu desta vez não pode ser fechada.
Ela é eterna, e estará sempre sangrando. Eu apenas preciso aprender a conviver com ela, como estava fazendo, até você aparecer.
- Amor... – encostou a testa na minha, acariciando meu rosto. Fechei os olhos e travei os dentes, como se assim pudesse impedir que ele conseguisse ir tão longe
em mim. – Cathy, apenas me escute. Não tome nenhuma decisão agora. Espere um pouco mais. Eu poderei provar o que digo e tudo vai mudar entre a gente, eu prometo,
eu... Eu te amo tanto! Não me condene a uma eternidade de dor, porque eu não sobrevivo mais um dia sem você. Minha vida se tornou um inferno e só você tem o poder
de me tirar de lá. Só você pode me salvar – nossos soluços se misturavam enquanto chorávamos juntos. – Só me espere até amanhã – implorava como disse que faria enquanto
suas mãos acariciavam meus cabelos e meu rosto. Meus olhos permaneciam fechados e minha mente se perdeu na confusão dos meus pensamentos. O que eu deveria fazer?
- Não posso.
- Cathy você merece a verdade tanto quanto eu. Não quer saber o que realmente aconteceu naquele dia? E se foi mesmo uma armação? É justo deixarmos que nossa história
terminar assim? Eu sei que muitas vezes fui errado com você, que sempre quis que a minha vontade prevalecesse, mas nunca te machucaria desta forma, eu... Apenas
me ajude a descobrir tudo, e se depois de esclarecida a confusão, você ainda achar que não me quer em sua vida eu vou aceitar a sua decisão. Porque quero o melhor
para você, independente do quanto isso vai ser doloroso para mim. Apenas me ajude. Você pode acreditar que não me quer mais e pode até tomar esta decisão, mas é
justo acreditar pelo resto da vida em algo que nunca aconteceu? Esta ferida que se abriu não pode continuar sangrando, não quando se trata de uma mentira.
Pensei no que ele me dizia. Fazia todo sentido tentarmos descobri a verdade. Eu mesma me questionava como tudo tinha sido possível. Sempre buscava respostas e nunca
as encontrava. Thomas podia estar mentindo, mas ele mencionou nossos amigos. Todos sabiam o que estava acontecendo.
Deveria dar uma chance para que tudo se resolvesse e desse um fim a aquele sofrimento? E se fosse tudo mais uma mentira para me convencer a aceitá-lo de volta? Era
impossível pensar de maneira coerente com Thomas ao meu lado. Com nosso amor vibrando de nossos corpos, aumentando cada vez mais a ansiedade.
Eu precisava ficar sozinha.
- Vá embora, Thomas. Preciso pensar direito e não consigo com você aqui.
Meu corpo inteiro reagiu ao que eu tinha dito. Após tanto tempo enfrentando o frio da nossa distância, era inevitável que desejasse o calor do nosso amor, mas para
mim era uma questão vital ser forte.
Se Thomas estava ou não falando a verdade, eu precisava descobrir, e se ele precisava de apenas um dia, ele o teria. Pelo menos assim nós poderíamos colocar uma
pedra naquela história e seguir em frente... Juntos ou separados.
- Vou esperar até amanhã para saber o que você tem para me dizer. Um dia é o que você precisa, não é? Eu concordo, mas preciso que vá agora.
Thomas levantou do sofá vagarosamente e pegou suas roupas do chão. Puxei meu vestido, tentando esconder a minha nudez. Estava envergonhada pelo acontecido. Observei-o
se vestir. Deus, ele era lindo! Como ainda conseguia pensar desse jeito? Voltei a fechar os olhos em represália aos pensamentos indesejados.
- Te vejo amanhã, Cathy. Mia vai explicar tudo e te levar ao local onde devemos nos encontrar.
Sua voz rouca denunciava a tristeza. Assenti com a cabeça. Thomas voltou a se aproximar, ajoelhando-se aos meus pés. Fiquei surpresa com aquela reação.
– Não tenho vergonha de estar aos seus pés. Nada neste mundo vai me impedir de te mostrar o quanto te quero de volta, nem o quanto estou arrependido por todas as
bobagens que fiz, toda a infelicidade que te causei. Eu te amo com tamanha força, que acredito que venceremos no final, e se ainda não vencemos, é por que não acabou.
Eu vou te esperar até o último dia da minha existência, ou por toda a eternidade, se ela realmente existir como você acredita, não importa.
Toquei meus lábios de maneira involuntária. Eu sentia o reflexo de suas palavras dentro de mim. Revivi rapidamente o seu toque e relembrei o vazio que era viver
sem ele. Novamente pude sentir o buraco em meu peito, a ferida que sangrava. Minha defesa não existia mais.
- Você não tem noção do quanto tem sido difícil, Thomas. A minha vida, se é que ainda posso chamá-la assim, está destruída. E por mais que eu tente reconstruí-la,
nunca consigo. Às vezes parece que estou conseguindo, então chega alguma lembrança e derruba tudo outra vez. Naquele dia... – olhei para ele que se encolhia com
a lembrança. – Você conseguiu me matar. Desejei desesperadamente pelos tiros que Lauren me deu. Eles não doeram tanto e foram muito menos danosos ao meu corpo do
que o que vi naquele quarto – puxei o ar com força. As lembranças me sufocavam.
- Eu vou consertar tudo. Prometo! Quando tudo acabar, você nunca mais será infeliz. Vou dedicar cada segundo da minha vida a sua felicidade – com a costa da mão
alisou suavemente meu rosto, então levantou para ir embora, deixando apenas a sua promessa no ar.
Ouvi a porta bater. O que senti em seguida não sei explicar. Todas as emoções me atingiram, eu percebia claramente a felicidade e tristeza travarem uma guerra dentro
de mim. Ter Thomas outra vez comigo aquecia meu coração, saber que o amor dele permanecia intacto fazia com que a esperança brotasse dentro do meu peito. Suas promessas
me faziam sonhar novamente com uma vida distante, há muito esquecida, devido à constante tristeza.
Mas também existia a trágica realidade. Eu sabia o que tinha visto e não podia me enganar com promessas infundadas. Thomas era capaz de qualquer coisa para me ter
de volta.
A dúvida me consumia. Será que ele era capaz de mentir e manipular tão bem as pessoas para conseguir o que queria? Eu o conhecia o suficiente para saber que quando
desejava mesmo uma coisa, não importava o que precisaria fazer, ele fazia. E não pensava nas consequências. Aliás, foi exatamente por causa disso que fomos parar
naquela situação torturante.
Minha reação foi me jogar embaixo do chuveiro. Queria que a água levasse tudo de Thomas que havia ficado em mim. Seu cheiro, seu gosto, tudo o que aparentemente
poderia ser levado com ela, no entanto, nenhuma água no mundo seria o suficiente para conseguir arrancar de dentro de mim o amor que eu sentia.
Sai do banho com duas decisões em mente. Eu precisava ouvir o que Mia tinha para dizer e também precisava contar tudo ao Roger. Esta seria a parte mais difícil,
porém não podia enganá-lo, não quando ele era a única segurança que eu tinha na vida.
Capítulo 15
E Se a Verdade Não For Tão Verdadeira?
VISÃO DE CATHY
Acordei confusa com Mia ao meu lado me chamando com cuidado. A claridade do quarto ofuscou a minha visão por um tempo me fazendo entender que a noite tinha acabado
e que mais um dia começava.
Meu coração acelerou com as lembranças da noite anterior e imediatamente a cama se tornou fria e solitária. O aperto em meu peito foi involuntário. Chegava a ser
sufocante.
Mia me olhava expectante. O que eu tinha a dizer? Se ela estava envolvida nos planos de Thomas, provavelmente sabia que havíamos nos encontrado. Na certa minha amiga
esperava por uma crise de choro ou de alegria, mas eu não sentia vontade de demonstrar nada, principalmente porque não sabia o que estava sentindo ao certo.
- Acho que te devo uma explicação – começou relutante.
- Eu sei que não foi você quem disse onde eu estava. Fique tranquila. Conheço o Thomas e sei que ele nunca deixa de ter o que deseja. No fundo eu sabia que não seria
tão fácil me esconder dele – sentei na cama, apoiando as costas na cabeceira, ciente da conversa que teríamos. Precisava que Mia me contasse tudo o que sabia, e
aquele era o momento correto.
- Ele te contou o que está acontecendo?
- Sim, ele me disse sobre acreditar que Anna armou para nos separar. Não sei bem em que acreditar – sem a influência da presença dele, minha mente só conseguia caminhar
para a possibilidade de que tudo não passasse de mais uma armação do próprio Thomas. A esperança era mínima. - Ele disse que você contaria tudo e depois me levaria
a um lugar para que toda esta história fosse esclarecida.
Reconheci que, mesmo sem acreditar que Thomas fosse capaz de mudar a história, eu ansiava pelas respostas que buscava há tantos dias. Poderia ser absurdo tudo o
que ele me disse, mas definitivamente havia algo escondido que precisava ser revelado, mesmo que fosse a constatação de que nada mudara.
- Certo. Deixa eu te contar desde o inicio – minha amiga se ajeitou na cama, puxando o ar de uma maneira teatral. – Eu estava em casa arrumando as malas quando Dyo
me ligou...
Mia relatou toda a história, desde o momento em que Dyo e Thomas entraram em contato em busca do endereço, até a descoberta da nota que indicava a quantidade de
bebida que Thomas tinha ingerido naquela noite. Eu não poderia negar que realmente eles tinham razão sobre este ponto, já havia testemunhado muitas vezes o quanto
Thomas era capaz de beber. Com certeza três doses duplas não o derrubariam, o que não amenizava a situação. Ele pode não ter ficado bêbado, o que para mim isso só
indicava que tinha acontecido pela vontade dele mesmo.
Mia me contou da procura por Anna, do encontro, a gravação da conversa. Fiquei chocada com a revelação da inveja dela, também não acreditei no amor que alegava tê-la
impulsionado a fazer o que fez. Anna era muito interesseira para querer ter alguém por amor, esta era a verdade. Ela tinha feito talvez pensando que ocuparia o meu
lugar na cama do Thomas e com isso seus problemas estavam resolvidos.
- Ela provavelmente seduziu Thomas para ocupar meu lugar em sua conta bancária. Anna sempre deixou claro que buscava um bilhete de loteria para casar.
- Cathy, se esta fosse realmente a intenção dela com Thomas, então por que nunca mais o procurou? Por que não tentou envolvê-lo ainda mais? Você há de convir comigo
que é muito estranho.
Só quando Mia me contou do seu encontro com Anna e da forma como ela se comportou, foi que percebi que existia algo a mais naquela história. Anna era esperta, ou
burra para se juntar a alguém para me destruir, ao menos sentimentalmente. Por outro lado porque ela temia tanto esta pessoa?
Concordei em me encontrar com eles e ouvir da própria Anna o que realmente tinha acontecido. Se é que ela contaria a verdade. Ou o que ela dizia ser verdade era
mesmo o realidade.
Senti uma sensação de leveza que há muito não experimentava. Se Anna tinha feito tudo por raiva ou inveja, e se alguém estava com ela para tornar tudo possível,
então existia uma chance imensa de Thomas realmente ser inocente. E se fosse verdade, nós poderíamos conversar e quem sabe ensaiar uma volta. Meus pensamentos me
confundiam.
E se tudo não passasse de uma estratégia do próprio Thomas para me convencer? Anna toparia facilmente dizer que foi tudo uma armação de alguma força oculta, em troca
de dinheiro. Ela sempre quis ter uma vida fácil, e como já tínhamos a certeza de que não estava interessada em Thomas, ou que não havia possibilidade de ficar com
ele, pode muito bem ter topado a farsa para me convencer a voltar. Mordi meu lábio inferior, confusa demais.
- Mia, você acha que existe alguma chance da Anna inventar uma história só para safar a cara do Thomas e com isso levar o dinheiro dele?
- Não sei, Cathy. Confesso que estou tão perdida quanto você, porém acredito no Thomas e não sei te explicar o porquê. Eu sei que tanto ele quanto ela podem ter
armado tudo só para te convencer, mas tenho acompanhado o sofrimento dele e tenho certeza que não correria o risco de te perder de vez – ela suspirou pesadamente.
– Posso afirmar que fui eu quem fez a proposta da troca de informações por dinheiro. Thomas apenas concordou, mas até isso pode ter sido armado. Estou muito confusa
e muito receosa.
- Por quê?
- Porque se Thomas tiver razão em suas teorias, eu me sinto feliz por contribuir com a felicidade de vocês, por outro lado, se descobrimos que foi tudo verdade,
estou te impedindo de encontrar a felicidade ao lado de outra pessoa, e... Roger é uma ótima pessoa – segurou em minha mão, com carinho. - Sinto-me péssima por ele.
Sei que não concordei quando você me contou sobre o beijo, mas...
- Eu sei como é. Também estou em dúvida, principalmente depois de tudo o que aconteceu ontem. Contudo confesso que não acredito que as coisas mudarão depois de hoje.
Ainda estou muito magoada.
- E se for mentira realmente?
- Mesmo assim. Tudo aconteceu porque Thomas permitiu. Se ele não tivesse feito nada do que fez, não estaríamos passando por tudo isso.
- Eu te entendo. Ver Thomas deve ter confundido bastante a sua cabeça não é?
- Mais do que isso – não tive coragem de olhar nos olhos da minha amiga ao revelar o acontecido. – Ontem, quando Thomas esteve aqui... Não sei como tudo aconteceu,
mas... Nós... – respirei fundo tomando coragem.
- Vocês transaram? – Praticamente gritou. Mia ficou animada demais para alguém que ainda tinha dúvidas sobre qual lado ficar. Meu rosto corado com certeza confirmou
o ocorrido. – Não acredito! – Começou a rir, colocando as mãos na boca e jogando a cabeça para trás como uma criança que acaba de saber que o Papai Noel está chegando.
– Desculpe, Cathy! Estou feliz por vocês dois. Eu nunca imaginaria que...
- Não estamos juntos, Mia. Eu apenas decidi ouvir o que vocês tinham para me contar e agora estou aceitando ouvir a versão da Anna, apenas isso.
- Mas se vocês...
- Tudo mudou. Não sei se consigo continuar numa relação com Thomas, ainda mais agora que aceitei namorar o Roger.
- Você o que? – Mia realmente gritou e toda a sua alegria evaporou – Thomas sabe? Não. Com certeza ele não sabe.
- Não tive como contar. Na verdade eu nem lembrei disso enquanto ele estava aqui – ela sorriu entendendo o que eu dizia depois me olhou com carinho.
- E agora? O que você vai fazer?
- Não sei ainda. Nesse momento preciso ligar para o Roger e dizer que não vou à empresa pela manhã. Tínhamos combinado de ele vir me buscar para irmos juntos. Tenho
que impedi-lo. Preciso ouvir Anna e só depois contar a ele o que aconteceu.
Roger ficou um pouco preocupado com a desculpa que usei para não ir ao trabalho pela manhã, mas aceitou sem questionar. Ele era totalmente o oposto de Thomas que
com certeza não concordaria ou tentaria me arrancar alguma informação antes de aceitar a minha decisão. Questionei-me sobre o fato de Roger ser tão mais correto,
leve e fácil enquanto Thomas era apenas insegurança, incertezas e, apesar disso, eu ainda teimava em amar a pessoa errada.
Saí com Mia antes do horário combinado. Vesti-me o mais básica possível para não chamar atenção das pessoas. Calça jeans e camisa branca de mangas compridas. Coloquei
óculos escuros para auxiliar no disfarce, e pouca maquiagem, apenas o suficiente para quebrar a palidez da minha pele.
Estava muito ansiosa. Precisava chegar primeiro para analisar o ambiente e me certificar de que nada estava sendo tramado pelas minhas costas, contudo Thomas teve
a mesma ideia. Quando chegamos, ele já nos aguardava.
Reprimi meu coração por mais uma vez reagir de maneira tão absurda à imagem do Thomas. Porém, por mais que eu tentasse lutar contra, meus olhos não se separaram
dos dele, minha pele se arrepiou a mínima lembrança dos seus toques na noite anterior, minha respiração ficou agitada e minhas mãos ficaram suadas. As pernas tremiam
tanto que dar alguns passos exigiu toda a minha concentração.
- Cathy. Mia – cumprimentou-nos educadamente, sem deixar de me encarar. – Obrigado por ter vindo e por confiar em mim.
- Não se trata de confiança, Thomas. Esta com certeza não existe mais – tentei manter a voz firme. – Apenas quero ouvir o que Anna tem para nos dizer, mesmo que
seja para confirmar o que aconteceu entre vocês.
Não podia admitir que o que havia acontecido entre nós dois na noite anterior conseguia romper minhas barreiras e que mesmo sabendo do que aconteceu, eu ainda o
amava. Muito! Thomas estreitou os olhos demonstrando indignação. Suas mãos estavam entrelaçadas sobre a mesa. Observei que apertou os dedos controlando-se.
- Eu já disse que nada aconteceu naquela noite – mantinha-se calmo.
- Não será tão fácil assim me convencer. Eu sei o que vi. Isso vale mais do que a sua palavra, ou a dela – sentei de frente para ele enquanto Mia se acomodava ao
meu lado.
- Você viu uma cena armada para te convencer, como Anna queria que fosse.
- Ou... – o encarei ironicamente. – Esta é uma cena armada, por você, pela Anna, ou por ambos, para me convencer... Como você quer que seja – ele me olhou incrédulo.
- Eu nunca faria isso. Eu...
- Parem vocês dois! – Mia interferiu. – Comportem-se. Nem parece que em menos de 24 horas estavam um nos braços do outro. Aposto que naquela hora ninguém se lembrou
de brigar. Isso aqui está mais parecendo uma queda de braços entre duas crianças. Se não fosse pelo que aconteceu ontem eu poderia jurar que um tinha dez anos e
a outra oito.
- Mia! – Repreendi a minha amiga, me sentindo completamente envergonhada, enquanto via Thomas disfarçar o seu sorriso satisfeito. Na certa ele estava se vangloriando
da nossa noite. Fiquei ainda mais constrangida com toda a minha fraqueza.
- Não me repreenda, Cathy, vocês dois são adultos, comportem-se como tal – respondeu impaciente. – Anna deve chegar a qualquer momento e vocês dois precisam estar
preparados para o que ela tem a dizer.
- Eu não comecei nada...
- Cala a boca, Thomas! – Falamos, eu e Mia, ao mesmo tempo. Eu com raiva e Mia como advertência para que ele não começasse outra discussão.
Depois de um breve segundo de silêncio, causado pela surpresa à nossa reação, começamos a rir. Os três juntos.
Rimos muito. Foi gostoso como há muito tempo não era. Eu me senti completa de novo e por um instante esqueci os problemas que me cercavam.
Eu e Thomas nos olhamos enquanto riamos e pude contemplá-lo sem a mágoa que sentia, ele estava lá, rindo comigo, como antigos companheiros.
Aos poucos a risada foi cessando e continuamos a nos encarar admirando um ao outro, sem medo ou constrangimento pelo que estávamos fazendo. Éramos apenas Cathy e
Thomas, nada mais.
- Anna chegou. Finalmente. Pensei que vocês iriam transar aqui na mesa – Mia falou segurando o riso e nós acompanhamos o seu olhar. Ainda vi Thomas morder o lábio
inferior evitando um sorriso e depois me voltei a Anna.
Pela vidraça próxima à mesa em que nos encontrávamos, podíamos ver Anna do outro lado da rua, caminhando em direção ao café, carregando uma pequena bagagem de mão.
Na certa ela partiria imediatamente após receber a bolada que havia cobrado para contar a verdade, ou o que ela julgava ser a verdade, ou o que os dois combinaram
que seria a verdade... Droga!
Olhava para os lados, assustada, como se estivesse se certificando de que ninguém a seguia. Por um segundo cheguei a acreditar que ele falava a verdade. Ela estava
com medo. Revivi em minha mente todos os nossos momentos, os bons e principalmente os ruins.
Anna tinha se tornado fria e grosseira nos últimos meses. Não fazia questão de esconder o quanto a minha felicidade a desagradava, mesmo tendo eu a maior boa vontade
em ajudá-la. Por fim, nosso último momento juntas, quando a descobri na cama com o meu noivo.
A lembrança abriu um buraco em meu coração. Desejei profundamente que não fosse verdade. Eu não queria mais sentir aquela dor, e com a possibilidade de ser tudo
mentira, sentia-me desesperada para por um fim ao sofrimento. Era estranho como a dor tinha ganhado proporções astronômicas nas últimas horas.
Era tudo ou nada. Ou eu teria a confirmação de que era tudo uma grande mentira, e a dor iria embora juntamente com a história, ou teria a confirmação de que tudo
aconteceu como eu havia visto, e aí a dor se instalaria mais profundamente em meu peito. Se é que era possível.
Quase desisti. Minha vontade era levantar e sair correndo do local com medo do que Anna iria revelar.
Anna nos avistou e antes de atravessar a rua, abaixou a cabeça, provavelmente envergonhada pelo que fizera. Foi um gesto rápido, porém não me passou despercebido.
Eu me sentiria assim, sendo verdade ou não.
Por pior que Anna tivesse sido nos últimos tempos, ela não era tão desumana para não se sentir envergonhada por ter ido para a cama com o noivo da amiga, ou por
ter inventado uma mentira tão nociva a duas pessoas que se amavam tanto. Fiquei perdida em meus próprios pensamentos enquanto desviava o olhar de Anna para Thomas.
Ele me olhava preocupado.
Não me lembro o que veio primeiro, o som do pneu acelerando violentamente ou Anna olhando amedrontada para o lado e tentando sair do caminho. Levantamos os três
gritando quase que ao mesmo tempo em que assistíamos ao carro atingi-la, lançá-la vários metros a cima e depois sua queda no solo como uma boneca de pano. O carro
acelerou e desapareceu virando a esquerda. Para mim não faria diferença se ele estava lá ou não. Se tinha parado para socorrê-la ou fugido. Eu não conseguia enxergar
mais nada que não fosse Anna.
Também não sei como consegui correr e chegar onde ela jazia inerte. Seu corpo tinha ficado completamente deformado, tamanha a brutalidade do impacto, seus olhos
estavam abertos encarando o céu.
Depois disso eu não consigo me lembrar de nada com exatidão. Lembro-me de Thomas ao meu lado me confortando, de Mia chorando muito, assim como eu, da quantidade
de pessoas que se aglomeravam para ver o que havia acontecido, dos fleches incansáveis dos fotógrafos e curiosos, provavelmente pela presença de Thomas, e depois
o corpo sendo removido e levado embora.
Nós tivemos que ir até a delegacia, uma vez que éramos os únicos que conheciam a vítima além de sermos testemunhas do que ocorrido.
Eu estava muito nervosa, mas consegui entender que Thomas não queria contar o motivo por estarmos presentes no momento do acidente. Ele contou que como estávamos
morando temporariamente em Nova York, e Anna tinha acabado de se mudar, tínhamos combinado um encontro entre amigos.
Era estranho para um dia de semana, mas como eu e Thomas fazíamos parte do mundo das estrelas, o delegado aceitou com naturalidade um encontro entre amigos, quando
normalmente deveríamos estar trabalhando. Como se não fosse possível para outros profissionais uma situação como aquela.
Eu e Mia confirmamos a sua versão e logo após a chegada de Raffaello, advogado de Thomas e nosso amigo, fomos liberados. Eu estava tão chocada que não compreendia
as minhas atitudes, nem as dos outros. Thomas estava ao meu lado o tempo todo, segurando a minha mão, ou me abraçando para me dar suporte e às vezes sussurrando
em meu ouvido que tudo ficaria bem.
- Droga! A frente da delegacia está repleta de repórteres – ele comentou com Raffaello. Meus joelhos tremeram. Tudo o que eu menos queria era estar no meio daquele
turbilhão.
- Tudo bem. O carro está logo a frente. Vamos sair e passar direto por eles. Teremos o apoio da polícia e Eric já está nos aguardando.
A nossa saída da delegacia foi ainda pior do que a chegada. Os repórteres espremiam por uma notícia. Os fleches praticamente nos cegavam. Eu andava lentamente com
Thomas ao meu lado me segurando pelo ombro tentando me manter o mais próxima possível dele. Eric tentava controlar os repórteres, porém a cena era de um caos total.
Quando estávamos nos aproximando do carro uma repórter conseguiu nos interceptar. Ela era alta, cabelos castanhos, e muito magra. Seu nariz era perfeitamente fino
e empinado, o que lhe dava um ar de arrogância, provavelmente uma das suas maiores características.
- Thomas e Cathy, depois de tanto tempo separados o que estavam fazendo juntos em uma situação tão inesperada quanto esta? – Olhei para ela assustada. Até o momento
nunca tínhamos dado nenhuma declaração sobre a nossa separação, nem nenhuma matéria havia saído sobre este assunto. Como ela poderia saber?
- Como? – Não conseguia me sintonizar.
- Podemos entender este reencontro como um retorno? Devemos esquecer os boatos de uma suposta traição, ou vocês superaram isso, juntos?
- Desculpe, mas você está sendo inconveniente. Cathy acabou de perder uma amiga de forma brusca e violenta. Respeite a dor dela, por favor! – Me sobressaltei com
Thomas falando com a repórter. Não era o que ele costumava fazer. Normalmente não fazíamos declarações sobre nossa vida pessoal. Mas ele foi educado, contudo era
perceptível que estava à beira de deixar de ser. Não foi o suficiente para a repórter.
- Cathy, você poderia nos dizer o motivo da tão inesperada separação de vocês?
- Cathy não tem nada a dizer – Thomas enfim perdeu a paciência que fingia ter. – Uma mulher foi brutalmente atropelada e você está preocupada com fofocas que nada
têm a ver com o que aconteceu? – Eric segurou em seu braço forçando-o a recuar. Thomas obedeceu imediatamente. – Não temos nada a declarar! – Falou alto para que
todos pudessem ouvir, e segurando minha mão, me puxou para entrar no carro.
Mia conseguiu ligar para Henry que ficou de se encontrar com ela. Com tanto nervosismo nem tive como entender exatamente para onde estávamos indo. Eu apenas pensava
em de que forma aquela repórter teve acesso a aquelas informações? Se Thomas não estava trabalhando quando nos separamos e se não tínhamos declarado nada, como ela
soube da separação e principalmente da traição?
Minha mente formulava tantas perguntas que acabei sendo surpreendida no momento em que Dyo abriu a porta e me abraçou com carinho. Em seguida seus braços foram substituídos
pelos do Kendel, depois Maurício. Henry se limitou a afagar meus ombros e depois puxou Mia para um abraço confortador.
Sem muito controle dos meus atos, fui conduzida ao interior do apartamento que antes era a minha casa. Sentei no sofá que ficava de frente para a escada que dava
acesso ao andar superior, onde ficava o nosso quarto, onde tudo aconteceu.
Baixei a cabeça tentando de alguma forma expulsar os meus pensamentos. Era praticamente impossível não me lembrar do dia em que subi até o nosso quarto e o encontrei
enroscado com a minha amiga. Naquele dia minha vida parou e nunca mais consegui recomeçar, porque independente do rumo que eu escolhesse seguir, a minha vida continuava
suspensa no ar, como se estivesse aguardando o momento de continuar e não recomeçar. Nunca recomeçar.
A pior parte não era saber da traição, nem a falta que a pessoa fazia, ou a tristeza por um fim tão drástico, mas a incapacidade de sair da porta do nosso quarto,
de dar apenas um passo. Eu não conseguia. Todos os dias que se passaram foram incapazes de me tirar daquela porta, incapazes de me fazer deixar de ver o que tinha
visto, mesmo quando meus olhos estavam fechados.
- Você quer alguma coisa? Quer subir e tomar um banho?
Ouvi Thomas falando comigo, mas não conseguia olhar em sua direção. Meus olhos estavam fixos na escada a minha frente. Presos ao meu passado. Eu podia ouvir as pessoas
conversando na sala mesmo sem entender nada do que diziam.
- Cathy? – Chamou-me ficando a minha frente para ocupar o meu campo de visão. Só então percebi que chorava. Thomas se abaixou segurando em meus joelhos. – Quer descansar
um pouco? – Passou gentilmente a mão em meus cabelos. – Podemos subir...
Levantei procurando minha amiga que já me olhava aguardando por minha reação. Fui em sua direção, determinada.
- Tenho que ir embora, Mia. Se você quiser pode ficar, mas eu vou para casa agora – ela já estava de pé antes mesmo de eu lhe dar esta opção.
- Cathy? Espere um pouco – Dyo colocou a mão em meu ombro. Olhei espantada para o meu amigo. Aquela casa estava me sufocando. Não me deixava respirar. - Você está
muito abalada, descanse um pouco, como Thomas sugeriu.
- Não posso, Dyo. Não tenho condições de ficar nesta casa e muito menos de entrar naquele quarto – eu sabia que um turbilhão de emoções estava travando uma batalha
dentro de mim e que explodiria a qualquer momento. Podia sentir minha necessidade explodir, mas não naquela casa e definitivamente não com Thomas ao meu lado. -
Vou para a minha casa e descansarei lá.
- Espere, Cathy. Por favor! – Thomas se adiantou postando-se na minha frente. – Vamos conversar, não vá embora – me afastei impedindo-o de me tocar. No estado em
que eu me encontrava, permitir seus toques causaria um estrago. Não era o ideal antes de precisar tomar uma decisão.
- Você me pediu um dia, Thomas. Eu te dei e de nada adiantou. Anna está morta e você não tem mais como modificar esta história.
Fiquei triste com a constatação. Algumas horas acreditando que minha tristeza teria um fim, que a felicidade estava bem próxima, tinham causado em mim um abalo imensurável.
A certeza de que tudo estava perdido só fazia com que meu corpo desistisse de continuar lutando para permanecer vivo. Meu coração não queria mais bater. Meus pulmões
não conseguiam mais respirar. Eu sufocava com a infelicidade que ocupava cada célula do meu corpo. Minha única vontade era fugir.
- Me deixe em paz! Eu tenho o direito de recomeçar minha vida, ao menos até o ponto em que seja possível.
- Para recomeçar você precisa finalizar o que ficou para trás, e nem eu nem você conseguimos fazer isso – Thomas não se importou com o fato de estarmos na frente
de nossos amigos. Ele agia com emoção e sofrimento. – Sabe por quê? Não existe um fim para nós dois, então não existe recomeço. Vamos ficar parados no tempo, eu
e você, porque nunca conseguiremos avançar. É isso o que você quer? – Mais uma vez ele expressava em palavras o que secretamente eu sentia. Éramos sincronizados.
Tal constatação só me trouxe mais dor.
- Eu não sei o que quero, porém tenho certeza do que não quero mais – todos fizeram silêncio na sala. Encaramo-nos até desistir daquele embate.
Abracei meus amigos, sentida demais por reencontrá-los em circunstâncias tão terríveis, e fui embora com Mia e Henry para minha casa.
Assim que cheguei fui para o quarto procurar consolo em minha cama. Lá eu chorei por todas as minhas tristezas. Chorei por Anna, por toda a dor que ela me causou
e também pela sua morte tão violenta. Não conseguia esquecer o pânico em seu rosto quando percebeu o que o carro faria. Aquela seria mais uma imagem que ficaria
arquivada na minha memória na pasta “eternos”.
Não pude deixar de chorar pela esperança morta junto com Anna naquele acidente. No fundo eu queria muito ouvir que Thomas estava falando a verdade, que ela fora
má o suficiente para protagonizar um horror daqueles em minha vida. Nas horas que se passaram depois do meu reencontro com Thomas, a esperança tinha renascido em
meu peito me impulsionando de volta para os braços dele, mas depois de tudo nada mais seria possível.
Apenas quando toda a minha dor tinha sido derramada em forma de lágrimas, me lembrei de que precisaria ligar para Roger e me justificar. Melhor, precisava contar
a ele tudo o que aconteceu. Nada mais justo do que a verdade para uma pessoa que estava lutando para me fazer o melhor. Tomei coragem e disquei o número do escritório.
- Roger Turner.
- Roger...
- Cathy! Querida, eu estava tão preocupado com você, não liguei porque... Bem, não achei conveniente, depois conversaremos sobre este detalhe. Como você está? Eu
sinto tanto.
- Você já sabe? Como? – De que forma ele soube do acidente? Então ele também sabia que eu estava com Thomas. No mesmo instante em que constatei este fato fiquei
envergonhada pela minha traição.
- Está em todas as páginas da internet e noticiado em todos os telejornais. Foi um acidente terrível! – Fotógrafos e repórteres. Claro! Eu devia imaginar que poderia
acontecer. – Como está se sentindo?
- Péssima! Você poderia vir aqui?
- Claro. Chegarei em alguns minutos.
Desliguei e fui ver como Mia estava. Encontrei Henry sentado na cama dela observando-a dormir.
- Como ela está?
- Tão mal quanto você. Por que não descansa um pouco?
- Roger está vindo para cá. Vou aguardá-lo, depois posso descansar. Quando ela acordar peça para me chamar, tá?
- Ok!
Fiquei em meu quarto até Roger chegar. Ele entrou e me abraçou forte. Pela primeira vez eu me senti bem em seus braços, com certeza devido à segurança que sentia
quando estava com ele. Ficamos abraçados enquanto eu chorava. Quando nos afastamos ele não me beijou como vinha fazendo, apenas afagou meus ombros.
- Então, como tudo aconteceu? – Demonstrou mais interesse na morte da Anna do que nas fotos minhas com Thomas, no local do acidente.
- É uma longa história – suspirei entrelaçando meus dedos. Estava envergonhada pelo que tinha feito.
- Eu tenho tempo – sorriu de maneira confortante.
- Tudo bem. Começou ontem à noite...
Contei a ele tudo, desde o momento em que ele tinha saído do meu apartamento e Thomas aparecido. Omiti a parte de que tínhamos feito amor. Ele não precisava desta
decepção. Relatei toda a história que meus amigos acreditavam ser verdadeira e o motivo para nos encontrarmos com Anna. Depois falei do acidente e desabafei sobre
como me sentia em relação ao fato.
- Muita informação para poucas horas – Roger olhava através da minha janela para o céu cinzento que insistia em deixar a chuva cair. – Como você se sentiu estando
com Thomas depois de tanto tempo?
- Não sei o que dizer. Acho que de diversas formas, mas a ideia de continuar separada não mudou para mim – ele sorriu.
Eu me senti péssima com mais aquela mentira. Como contaria a ele que durante algumas horas esperei ansiosamente para poder estar com Thomas e esquecer tudo o que
tinha acontecido.
- Ao menos por hora – acrescentei vendo o seu sorriso se desfazer devagar.
- Mas você acreditou no que ele te disse – afirmou me fazendo concordar.
- Não foi exatamente acreditar, eu analisei os fatos, como todos os outros e existe uma grande chance de ser realmente verdade, ou existia, já que Anna não pode
mais confirmar nada – passei as mãos nos meus cabelos puxando-os para trás. Queria, de alguma forma, arrancar as imagens de Anna morta, da minha mente.
- Cathy, não sei o que você gostaria ouvir de mim. Acredito que por estar de fora da situação tenho uma perspectiva melhor que você ou Mia, já que você confia muito
nela. Não tenho dúvidas de que Thomas bebe mais do que bebeu naquele dia, também não duvido nada de que tenha fingido uma embriaguez para levar Anna para cama. Você
conhece o passado dele muito bem e sabe do que ele já foi capaz de fazer. Além disso, Anna era um inconveniente para você já há algum tempo, com toda sua agressividade
gratuita. Naquela noite acho que os dois se juntaram para de alguma forma te dar um troco.
À medida que ele ia falando eu me encolhia mais na cama. Será que ele tinha razão? Seria possível? Roger passou carinhosamente a mão em meu rosto.
- Acredito que ele te ama. Do contrário não estaria buscando formas de ter você de volta, porém não acredito que ele saiba amar e isso faz toda a diferença, porque
você não vai ser feliz. Anna foi o primeiro passo. Vocês continuarão discordando um do outro e quando brigarem outra vez ele terá a mesma desculpa para a próxima
garota que levar para a cama – fechei meus olhos para não deixar as lágrimas caírem, mas foi inútil. – Cathy, eu gostaria muito de poder te ajudar. Se eu conseguisse
enxergar o mínimo de verdade na história dele, seria o primeiro a tentar comprová-la, mesmo que isso significasse te perder novamente, mas não existe e eu não quero
te ver tão triste.
Eu tinha certeza de que Roger faria aquilo. Ele abriria mão de mim mais uma vez para que eu pudesse ser feliz. Ele era a pessoa perfeita para mim, então por que
eu não conseguia amá-lo?
- Obrigada!
- Não me agradeça. Eu sou seu fiel servo. Agora descanse um pouco e não se preocupe, eu vou ficar aqui, velando sono para espantar qualquer monstro que apareça para
te assombrar.
Eu me sentia tão grata pela sua amizade que o beijei. Foi um beijo leve e carinhoso, mas que, mais uma vez, não provocou nenhuma reação em meu corpo. Deitei na cama,
e como um passe de mágica, dormi um sono sem sonhos e sem Thomas. Não pensaria nele, nem no que aconteceu.
Capítulo 16
Esperar, Esperar E Esperar
VISÃO DE THOMAS
Uma semana sem ver ou falar com Cathy.
Eu tentava ser paciente, mas estava ficando cada vez pior, principalmente depois da nossa noite, no dia em que nos reencontramos. Não conseguia acreditar que ela
não me queria mais, mesmo tendo ouvido da própria Cathy, era impossível acreditar. Quando estávamos fazendo amor, ela disse que me amava, eu senti que era real e
creditei que seria o suficiente para voltarmos, infelizmente foi apenas uma ilusão do momento.
Após a morte da Anna, cheguei a acreditar que realmente nada mais poderia ser feito, mas bastou ela sair de nosso apartamento dizendo não me querer mais para que
minha cabeça começasse a trabalhar em outra forma de lhe provar a verdade.
No dia seguinte, todos os jornais noticiavam a história. Eu e Cathy estávamos em todos os meios de comunicação. Devo admitir que fiquei feliz por estarmos juntos
outra vez, mesmo que fosse para a mídia, o que com certeza chegaria aos olhos e ouvidos do Roger. Ele saberia que ela estava comigo e perceberia que éramos mais
fortes do que ele podia imaginar.
No entanto uma única matéria chamou minha atenção. Era de um jornal sensacionalista e a pessoa que a assinava era Adriana Baer. Pela foto consegui identificar a
repórter inconveniente que tinha abordado Cathy. Meu coração acelerou. Ela descrevia a cena por outra ótica, na verdade muito pouco falava do ocorrido. A matéria
descrevia a forma como eu e Cathy nos comportamos, confirmava a separação, através de uma fonte segura, levantava a hipótese de uma traição e para finalizar, uma
foto da mão de Cathy sem a aliança, que fechava a matéria com chave de ouro.
Droga!
Eu precisava correr atrás do prejuízo. Se aquela matéria ganhasse repercussão seria ainda mais difícil convencer Cathy da minha inocência. Se a repórter confirmasse
o motivo da nossa separação e noticiasse, Cathy nunca me perdoaria.
Existia mais um problema: Anna não havia sofrido um acidente. Ela foi assassinada, esta ideia martelava em minha cabeça sem me dar sossego. Mas eu ainda não podia
expor minha teoria, principalmente porque se ela foi realmente assassinada, havia alguém muito perigoso por trás de tudo, como ela mesmo afirmara. Do contrário,
porque matá-la?
Alguém não queria que Cathy descobrisse a verdade, ou que eu conseguisse comprová-la. Esse foi o único motivo para eu concordar esperar pelas provas e assim voltar
a procurá-la. Se Cathy não podia saber a verdade, eu teria que esconder dela as outras possibilidades de trazer toda a história à tona.
- Amanhã encontraremos o garçom, Thomas. Pode ser que ele tenha algo interessante para nos contar.
- Se ele confirmar o que penso, saio de lá direto para a polícia e termino de vez com esta história.
- Primeiro você terá que convencê-lo a depor, porque a polícia não vai acreditar em você sem as devidas provas. Além do mais, nem sabemos a quem estamos acusando.
- Não sabemos ainda. E se Anna foi realmente assassinada, todos nós corremos o mesmo risco. É trabalho da polícia nos proteger de quem quer que esteja por trás disso
tudo – Dyo estava receoso.
- Então vamos pensar em uma coisa de cada vez, meu caro. Primeiro conversaremos com o rapaz, como é mesmo o nome dele? – Perguntou a Kendel que acompanhava a conversa
sem acrescentar nada.
- Mário, eu acho, tenho que ver o cartão para confirmar.
Kendel levantou em busca do cartão que o rapaz entregara a ele no dia em que fomos ao bar em busca de mais informações. Quando voltou entregou a Dyo que confirmou
o nome e se adiantou para ligar para o rapaz e agendar o nosso encontro. Enquanto ele se concentrava nesta atividade, Kendel me olhava como se estivesse planejando
algo.
- Fala logo de uma vez. Não estou com paciência para besteiras, Kendel.
- Eu só estava pensando que precisamos de um plano para manter Cathy longe do Roger – estremeci só de ouvir o nome dele associado ao de Cathy. Era verdade. Ela disse
ter certeza de não me querer mais, então, com certeza seguiria em frente com aquela história absurda de namorar o “almofadinha”.
- Eles trabalham juntos, como vamos fazer isso?
- Já pensei nisso. Cathy é muito profissional, não acredito que deixe o carinha se aproximar enquanto estão no trabalho. O problema é quando eles saírem de lá.
- Ela não quer ver a minha cara, Kendel. Se eu aparecer acho até que piora a situação.
- Você não vai aparecer. Nós faremos isso por você – riu com vontade enquanto eu tentava entender aonde ele queria chegar. – É o seguinte: pensei que hoje eu posso
aparecer na casa dela dizendo-me preocupado. Aí fico por lá até o cara cansar e ir embora. Amanhã o Dyo pode fazer a mesma coisa, acredito que a própria Mia vai
ajudar.
Ergueu uma sobrancelha com a cara de quem tinha descoberto a pólvora. Aquele plano era uma idiotice, porém uma ótima idiotice e com certeza conseguiria atrapalhar
o relacionamento deles por um tempo. Eu precisava ser rápido.
- Só precisamos de alguns dias mesmo. Logo teremos toda a verdade confirmada e você poderá voltar a correr atrás da sua Cathy – revirou os olhos sendo irônico.
Dyo voltou para a sala confirmando o encontro com Mário e o local, um restaurante próximo a minha casa. Que conveniente!
Após acertarmos todos os detalhes, Kendel saiu para cumprir com a sua parte do plano. Fiquei aliviado, ele era inconveniente o suficiente para impedir qualquer aproximação
do Roger. Mas eu não podia ficar em casa de braços cruzados, por isso assim que Dyo saiu para se encontra com Maurício, peguei a chave do carro, a carteira e fui
para a casa da Cathy.
Estacionei no início da rua, de onde eu conseguia ver quem entrava e saia do prédio, além da luz da sala e dos quartos do apartamento dela. Uma pena era não conseguir
ver nada do lado de dentro.
Fiquei dentro do carro com as luzes apagadas para não chamar atenção, aguardando alguma novidade. Após um longo tempo de marasmo, ansiedade e impaciência, vi o que
mais queria: Roger saindo em direção ao seu carro. Aguardei mais vinte e cinco minutos até Kendel saísse também. Gargalhei sozinho. Kendel tinha conseguido. Esperei
mais dez minutos, até que pude vê-la próxima à janela e logo depois as luzes da casa sendo apagadas.
Liguei o carro e fui satisfeito para casa.
***
Estávamos no restaurante aguardando Mário que estava atrasado quase uma hora. Dyo tinha ido na casa da Cathy representar o papel de amigo preocupado. Pelo visto
o plano não era tão ridículo assim.
Eu já estava disposto a ir embora, pois queria voltar à rua dela para me certificar de que tudo estava saindo como planejado, quando Mário entrou envergonhado.
- Boa noite! Desculpem pela demora – puxou uma cadeira e sentou entre mim e Kendel, que fazia cara de malvado intimidando o rapaz. – Fiquei um pouco preocupado com
a minha segurança. Vi a garota nos jornais. Ela foi atropelada, não foi? Vocês estavam lá. Não sei o que pensar – ele sabia que corria risco de vida. Um frio repentino
me assolou.
- Não se preocupe, Mário, estamos aqui para descobrir a verdade, mas não vamos nos esquecer de você.
- Eu não sei muita coisa – começou a falar rapidamente enquanto olhava para os lados, visivelmente transtornado. - Apenas sei que ela entrou no bar e um rapaz que
a acompanhava ficou do lado de fora, bem na porta, impedindo o acesso. A princípio eu pensei ser um assalto, mas a garota era linda, e sorria amavelmente... Até
piscou para mim – deixou seu olhar cair para suas mãos em uma demonstração de embaraço. - Aí ela conversou com você, que aparentemente estava bem. Um pouco cabisbaixo
e com cara de poucos amigos, abalado por algum problema, mas não bêbado. Após alguns minutos você saiu e quando voltou já estava agindo como um bêbedo. Achei estranho
porque da forma como você estava seria necessário uma garrafa inteira de uísque. Eu quis ajudar a te levar, porém ela me entregou duas notas de cem, avisando para
não me preocupar porque era apenas uma brincadeira entre amigos e que era a sua despedida de solteiro. Acho que você não se lembra disso não é?
- Não. Com certeza não – cerrei os dentes com raiva. Era mesmo uma armação. Só precisávamos descobrir o motivo.
- O rapaz que aguardava do lado de fora ajudou a te colocar no carro e foi dirigindo. Foi só o que vi. Garanto a vocês que não sei de mais nada – eu realmente devia
estar muito mal. Nas minhas lembranças Anna havia dirigido o carro.
- É o suficiente, Mário. Obrigado! – Busquei em meu bolso o dinheiro que tinha separado para pagar pela informação, mas Kendel fez sinal para que eu não me precipitasse.
- Diga-me uma coisa, Mário: como era o cara que estava com Anna naquela noite?
- Apenas o vi pelo vidro da porta. Ele era alto, branco, cabelo bem baixo e um cavanhaque. Não sei ao certo, já faz muito tempo. Ah, sim! Ele tinha tatuagens pelo
corpo, uma subia por seu pescoço como as garras de um leão – olhei para Kendel confirmando ser o mesmo homem que esteve no apartamento da Anna no dia em que fui
encontrá-la.
- E você reconheceria este homem se o visse outra vez? - Kendel continuou fechando as pontas daquele mistério.
- Sim, claro! É difícil não reconhecer uma tatuagem como aquela.
- Ótimo! Vamos precisar que diga isso à polícia.
- Ah, cara, não! Por favor, eu não posso me envolver, já tive problemas com a polícia, não posso voltar a ter.
- Que espécie de problemas? – Perguntei curioso. Mário era alto, muito magro e não aparentava nenhuma ameaça a sociedade.
- Agressão a minha ex- mulher – admitiu timidamente. – Ela provocou, não sou violento – Kendel deu risada, na certa pensando na diferença de massa corporal entre
os dois.
- Você será apenas uma testemunha e acredito que poderá inclusive ajudar no caso do assassinato da Anna – tentei fazê-lo entender que não haveria problema, contudo
acabei piorando as coisas.
- Assassinato? Não foi um acidente? Galera não quero fazer parte disso. A única coisa que quero é ficar longe de confusão – eu precisava agir ou então ele estaria
perdido também.
- Eles vão te matar de uma forma ou de outra. Pelo que entendi, esses caras não querem que a verdade seja descoberta e estão apagando as testemunhas. Você é a última.
Eles o matam e pronto, ninguém descobrirá o que realmente aconteceu – vi seus olhos ficarem arregalados e sua boca abrir. Ele não sabia o que dizer nem como agir.
Passou a respirar com mais dificuldade. Quase tive pena.
- Mas nós podemos te ajudar – Kendel alimentou o meu argumento. – Vamos fazer o seguinte: você nos acompanha até a delegacia e conta tudo o que sabe ao delegado,
aí nós te damos uma boa quantidade de dinheiro e você some no mundo. Ninguém vai te encontrar. O que acha?
O garçom ficou imóvel pensando no que deveria fazer. Não havia mais nenhuma alternativa para ele. Assustado do jeito como estava, com certeza aceitaria a nossa proposta.
- Quanto? – Olhou diretamente para mim. – Quanto você vai me dar?
- Qual a sua proposta? – Perguntei displicente. Mais uma vez ele pareceu pensar.
- Trezentos... Não... Quinhentos mil dólares. Espere... Seiscentos mil. É isso! – Quase dei risada com sua proposta. Como ele era ingênuo em acreditar que aquela
quantia o manteria a salvo de quem quer que fosse que estava tentando me manter longe da Cathy.
- Um milhão de dólares, mas você tem que contar tudo a polícia – cruzei os braços no peito assistindo-o ficar espantado com a quantia. Eu queria acabar logo com
aquela conversa e correr para a rua de Cathy.
- Então vamos agora – Kendel chamou o garçom para fechar a conta que constava apenas algumas bebidas que não tínhamos consumido e ainda degelavam sobre a mesa.
- Não! – Mário o interrompeu, completamente apavorado. – Preciso pensar em como vou fazer, para onde vou, o que posso dizer...
- Você pretende fugir, Mário? – Sem querer fui completamente ameaçador.
- Não. Juro! Pelo visto só tenho vocês para me ajudar. Eu vou fazer o que combinamos, antes preciso decidir o que vai ser da minha vida.
Não restava mais nada a ser feito. Tínhamos combinado com Eric para segui-lo e descobrir com quem ele falaria e, principalmente, como poderíamos encontrá-lo, caso
resolvesse desaparecer. Não podíamos simplesmente arrastá-lo para a delegacia. Era uma situação delicada.
Despedimo-nos na porta do restaurante e vi quando Eric começou a seguir a nossa testemunha, sem chamar sua atenção. Fiquei mais aliviado.
Deixei Kendel em casa, depois dirigi como um louco para a rua de Cathy, parei o carro no mesmo lugar e fiquei aguardando. Não sabia se Dyo já havia ido embora, ele
não gostava de invadir a intimidade das pessoas, mas concordara em cooperar. Até Mia iria ajudar.
Olhei para cima constatando que as luzes ainda estavam acesas. Encostei-me ao banco do carro refletindo sobre aquela loucura toda. O que Cathy diria se descobrisse
o que armamos? Acabei pegando no sono.
Fui acordado com uma batida forte na janela do carro. No primeiro instante fiquei tão assustado que não conseguir distinguir quem estava do outro lado, depois reconheci
Dyo que ria sem parar da minha cara de assustado. Abri a porta do carona e ele entrou rindo.
- Vai montar guarda aqui todos os dias? – Não respondi. Independente do que ele me dissesse eu não iria mudar a decisão. – Deu tudo certo. Você precisava ter visto
a cara do Roger quando apareci. A parte boa é que eu e Cathy sempre temos muitos assuntos e acabamos tornando a noite chata para ele. Não sei como vai ser amanhã
com Mia.
- Ele foi embora logo?
- Sim. No mesmo instante em que percebeu que não terminaríamos a conversa tão cedo.
- E por que você ficou até agora? Está bem tarde.
- Como disse: eu e Cathy sempre temos muitos assuntos para conversar.
- E algum assunto foi relacionado a mim?
- Assuntos de amigas. Deixe de ser curioso, Thomas – rimos. A noite tinha me deixado com ótimo humor. Parecia que tudo caminhava para o seu devido lugar.
- Ela falou alguma coisa?
- Roger conseguiu colocar um monte de merdas na cabeça dela, deixando-a convicta de que sua teoria é falsa, no entanto eu acho que fiz um bom trabalho hoje. Conversamos
bastante sobre as possibilidades e acredito que consegui reverter a situação.
- Dyo você merece um beijo!
- Vou cobrar na hora certa. Pode deixar.
Voltamos para casa. Meu coração repleto de felicidade e esperança. No outro dia seria Mia a enrolar Cathy. A mim bastava apenas acreditar que daria tudo certo.
No dia seguinte liguei para Mário para acertamos os detalhes. Ele parecia mais amedrontado do que na noite passada.
- Não podemos fazer como vocês querem. Analisei a situação e acho que a polícia só vai me atrapalhar. Se eu testemunhar, terei que permanecer na cidade até que tudo
acabe e não posso fazer isso. Tenho que fugir o mais rápido possível. Não posso ficar esperando eles me encontrarem, cara. Tenho realmente que desaparecer. Nem vou
ao trabalho hoje, acho que não vou mais. Se eles fizeram o que fizeram com a garota, imagine o que farão comigo.
- Calma, Mário! A polícia pode incluir você no Programa de Proteção a Testemunha, vai dar tudo certo.
- Certo para você que é famoso e que pode comprar a segurança que precisa. Eu não sou nada além de um fracassado que tem ficha suja por ter perdido a cabeça e batido
na mulher.
- Vamos fazer o seguinte: Eu preciso que você conte o que sabe a uma pessoa. Não vai ser como eu quero, mas com certeza jê é o suficiente.
- É para algum policial?
- Não. Para minha noiva – ele riu do outro lado da linha.
- Sem problema. Eu vou livrar a sua cara, mas preciso do dinheiro que combinamos porque partirei logo após a conversa.
- Estamos acertados então. Só que preciso combinar uma forma de te fazer chagar até ela. Eu ligo para dizer como vai ser.
Desliguei o telefone e chamei Dyo e Kendel para explicar as mudanças em nossos planos. Minha cabeça fervilhava. Tudo parecia transmutar a cada segundo. Nada era
uma constante.
- Sem o testemunho dele não teremos como pegar quem está por trás de tudo – Dyo reprovou o meu acordo com Mário.
- Era pegar ou largar, Dyo. Ele disse que não iria à polícia. Eu prefiro que pelo menos ele conte a Cathy o que viu.
- E como vamos fazer para a Cathy conversar com ele? Ela nem quer mais saber desta história – Kendel alertou.
- Deixem que desta parte eu cuido. Depois do que conversei com ela ontem ficará mais fácil – Dyo estava confiante, o que me fez relaxar. O importante era que Cathy
ouvisse o que Mário tinha a dizer.
- Então verifique em que dia poderemos fazer, para que eu possa marcar com Mário.
- Vou ligar para ela agora.
Respirei fundo. A sensação de eu tudo caminhava para o seu devido lugar me invadia. Não tinha como dar errado. Teria apenas que contar os minutos para ter Cathy
outra vez comigo. Meu coração batia forte acelerando a minha pulsação. Pensei nela com tanta intensidade que quase podia sentir a textura da sua pele na minha e
o gosto dos seus lábios. Como eu a amava!
Dyo demorou bastante conversando com Cathy, deixando-me impaciente. Levantei, comecei a andar de um lado para o outro e fumei um cigarro. Aquela ansiedade me mataria.
Quando meu amigo desligou, eu praticamente pulei em cima dele.
- Ela topou?
- Tive que enrolar bastante. Se eu dissesse que iríamos visitar uma pessoa que contaria a verdade a ela, com certeza Cathy recuaria, então marquei um jantar entre
amigas, onde você vai aparecer do nada com Mário.
- Ótimo! E quando será?
- Esse é o problema. Ela e Mia estão embarcando amanhã cedo para o enterro de Anna. Vai ser uma viagem rápida e elas pretendem estar de volta no dia seguinte. Mas
Cathy já havia combinado um encontro com Mia e Henry, e Roger vai junto, para variar. Então por estes dias não vai ser possível.
- Então hoje, Dyo.
- Ela tem uma reunião com a diretoria do grupo. Sam vai estar aqui. Foi por isso que Mia marcou o encontro deles para depois– “menos mal” pensei. Com Sam presente
não sobraria muito espaço para Roger. Mesmo assim eu checaria de perto.
- Então vocês combinaram para quando?
- No dia seguinte a saída dela com Mia. Cathy disse que vai sair do trabalho e me encontrar. A melhor parte é que Roger vai viajar a trabalho, no dia em que marcamos,
então ela não vai precisar de babá por uma semana inteira.
- Ótimo! – Respondi secamente. Toda a minha animação se esvaiu.
Eu pensava em horas para que tudo estivesse resolvido, depois daquela notícia, estas se transformaram em dias. A frustração era quase palpável.
Liguei para Mário, combinando o encontro. Não foi muito fácil. O cara estava aterrorizado. Saber que teríamos que aguardar mais alguns dias o deixou temeroso. Receava
pela própria vida. Como não havia outra solução, ele disse que ficaria trancado em casa até o dia do encontro. Achei bom o medo dele, ao menos o impediria de fugir
com a minha verdade.
Com Roger fora de cena seria mais fácil convencer Cathy que o nosso amor ainda valia à pena. Que se tudo foi uma mentira, não havia motivo para estarmos separados.
Ela concordaria comigo, eu tinha certeza disso. O que sentíamos era forte demais e eu sabia tanto quanto ela, que não suportaríamos mais muito tempo separados. Naquele
momento, infelizmente, só me restava esperar.
Liguei para Mia, confirmando que as duas iriam ao enterro, em Los Angeles. Consegui também a informação de que Roger não iria com elas. Seria a minha grande oportunidade.
Precisava ter cuidado, pois não seria fácil fazer Cathy entender a minha presença. Conversei com Dyo, que concordou em me acompanhar até Los Angeles. Meu amigo me
alertou que Cathy poderia não interpretar de forma correta o meu aparecimento ao enterro da Anna.
Pensei melhor e decidi que não iria ao enterro, tentaria uma conversa com Cathy aos este evento. Tinha que ser lá, em nossa casa, onde tudo começou, onde éramos
fortes.
Fomos para Los Angeles em um avião fretado. Seria mais fácil sem chamar a atenção das pessoas que estavam no aeroporto, muito menos dos repórteres que com certeza
aguardariam pela nossa presença no enterro.
Voltei para a minha casa, que mais do que nunca me parecia imensa. A presença de Cathy era muito forte nela. A mulher que eu amava tinha preenchido todo o seu espaço.
Depois de nosso reencontro eu não conseguiria ficar mais tanto tempo afastado.
Deixei minha mala no quarto, tomei um banho rápido e troquei de roupa. Quando voltei à sala Dyo ainda não estava lá. Sentei no sofá, aguardando-o enquanto esquematizava
tudo o que pretendia fazer. Não iria ao enterro, mas iria ao encontro de Cathy tão logo tudo acabasse. Quando meu amigo chegou, eu já tinha tudo planejado. Era só
aguardar por elas duas.
Capítulo 17
Outra Vez... Thomas.
VISÃO DE CATHY
Thomas tinha aceitado a minha distância, ao menos não estava me impondo a sua vontade na semana após a morte de Anna. Eu sabia que ele não tinha aceitado realmente,
apenas estava querendo fazer as coisas de maneira a me dar espaço.
No primeiro dia após a morte de Anna, fui para o trabalho, com Roger, que tinha passado para me buscar, como sempre fazia. Antes combinei com Mia que deveríamos
ir ao enterro. Ela ficou surpresa com a minha decisão, e realmente era uma surpresa, levando-se em conta as circunstâncias. Seria mais fácil para uma pessoa traída
se a responsável pela traição não estivesse mais presente, mas eu não conseguia pensar desta forma. Lamentava a morte de Anna.
Tinha determinado que de mim, ela não precisaria levar mágoas ou rancor, muito menos voltar por perdão, como dizem que acontece com os espíritos que partem devendo
muito. A vida tinha se encarregado de dar a Anna o que ela mesma procurou e não cabia a mim julgar ou procurar por respostas, pois elas nunca viriam.
Os pais dela foram a Nova York para liberar o corpo. Queriam enterrá-la na Califórnia, onde ela nasceu e viveu. O enterro seria realizado três dias depois, devido
à burocracia e às investigações. Eu e Mia combinamos de irmos juntas, em uma viagem rápida.
Assim que cheguei a minha sala, conferi os e-mails. Vários, de diversos setores da empresa. Muitas planilhas e muitos relatórios. Um e-mail em especial chamou a
minha atenção. Era de um endereço desconhecido. O título me fez querer saber do que se tratava. Dizia: o mundo não é um conto de fadas. Abri temendo ser algum tipo
de vírus, mas era apenas uma matéria jornalística, que eu logo identifiquei como sendo da repórter que havia tentando arrancar de mim informações sobre o meu relacionamento
com Thomas, ou o fim do meu relacionamento, que era o que ela destacava, sinalizando a falta da minha aliança.
Não posso fingir que não fiquei abalada. Era a primeira vez que um jornal noticiava o fim do meu noivado, mesmo que apenas supondo esta verdade. Receei o que seria
dali para frente, mas meu sentimento mais forte foi raiva. De certa forma eu não queria ver aquela notícia, mesmo não acreditando em qualquer possibilidade de volta.
Foi o suficiente para me deixar irritada o restante do dia.
O jeito era enfiar a cara no trabalho e esquecer o resto. E assim consegui me abstrair até o final do expediente. Eu ainda tinha muita coisa para fazer, devido a
minha ausência do dia anterior. Estava exausta, porém sem a menor vontade de voltar para casa e contemplar a minha solidão, mesmo sabendo que encontraria com Mia
e Henry, além da presença quase certa do Roger. Suspirei. Thomas era insubstituível. Triste constatação Eu podia estar cercada de pessoas, mas sem ele era como estar
em um deserto, sozinha.
- Você é motivo de orgulho para esta empresa – Roger entrou em minha sala brincando ao me ver ainda concentrada no trabalho. – Vamos? Você precisa descansar e eu
de algum tempo com a minha linda namorada.
- Tenho muita coisa para fazer ainda – tentei não parecer contrariada pelo “namorada” utilizado para me denominar.
Era minha culpa Roger se sentir assim, afinal de contas eu havia permitido. Ele estava apenas dando continuidade ao que tínhamos começado. Não podia, e nem queria
fugir daquela realidade. Roger era a força que eu precisava. Podia ser egoísmo, porém era exatamente o que eu necessitava para continuar vivendo.
- Nada que você não possa fazer amanhã, Cathy. Vamos querida! – Acabei cedendo, eu estava realmente cansada e ainda irritada.
Precisava mesmo de momentos mais prazerosos para tirar de mim as lembranças lastimosas. Fomos para casa, antes paramos para comprar comida, não estava com a mínima
vontade de cozinhar.
Como eu tinha imaginado, Mia e Henry estavam em casa, mas pretendiam dormir no hotel em que Henry estava hospedado, por isso, logo após o jantar eles partiram e
logo fiquei sozinha com Roger.
Ficamos na sala assistindo TV, agindo como um casal de longas datas. Roger não queria aquele namoro morno. Queria muito mais, então aos poucos foi tocando, acariciando
meus braços, minhas costas... E me puxou para um beijo apaixonado.
Eu tentava corresponder, porém o meu corpo seguia o caminho contrário a minha vontade. A cada investida, maior era o meu desejo de fugir. Fiquei frustrada imediatamente.
Roger era incrível, lindo, desejável e eu não conseguia sentir desejo por ele, enquanto Thomas nem precisou tocar em mim, nem dizer nada para que meu corpo cedesse.
Era muito injusto.
Por isso agradeci quando bateram na minha porta e Roger se adiantou para atender. Era Kendel? Que estranho! Nós tínhamos nos tornado amigos, mas eu nunca o imaginei
me fazendo uma visita, ainda mais sozinho.
A desculpa dele era que precisava se certificar de que estava tudo bem comigo. Conversamos, a princípio de maneira desajeitada, um pouco embaraçados, e Kendel foi
ficando até Roger perder a paciência e ir embora. De certa forma eu deveria agradecer a inconveniência do meu amigo. Caso ele ficasse sem jeito pela cara feia que
Roger não teve vergonha de demonstrar, com certeza teria ido embora, dando ao meu “namorado” mais tempo para continuar de onde paramos, e eu estava cansada para
lutar contra o meu corpo.
- Detesto te dizer isso, mas esse cara não combina com você – dei risada. Lógico que Kendel seria do “time Thomas”.
- Nem vou te perguntar quem combina.
- Thomas é muito mais a sua cara, Cathy. Vocês dois eram perfeitos juntos! – Sorri, mas meu coração ficou em frangalhos.
- Com certeza ele era. Assim como Anna foi a cara dele naquela noite – meu amigo bufou, jogando-se contra o encosto do sofá.
- Eu acredito nele. Anna era a perfeita vilã, desculpe por estar difamando sua amiga em um momento de luto, mas...
- Tudo bem. A última coisa que quero esta noite é falar sobre Anna, ou Thomas, ou até mesmo Anna e Thomas – ele entendeu o meu recado.
Assim a conversa seguiu outro rumo. Falamos sobre a chuva constante, o frio, como eu estava me adaptando a vida de executiva e até sobre futebol. Até que Kendel
também cansou e resolveu partir.
Assim que saiu, comecei a desativar a casa. Precisava deitar e descansar um pouco. Apaguei as luzes da sala, do corredor, entrei em meu quarto, mas ao invés de apagar
tudo e deitar, resolvi contemplar a noite e foi assim que descobri que Thomas não estava respeitando o meu pedido de distância, apenas tentando tumultuar o meu envolvimento
com Roger, até que conseguisse provar o que acreditava ser a verdade. Ri sozinha. Só Thomas mesmo para fazer coisas desse tipo.
Seu carro estava parado próximo ao prédio com as luzes apagadas. No inicio pensei que ele não estava no carro ou que o próprio Kendel estivesse dirigindo, então
vi meu amigo saindo em direção a outro automóvel. Imediatamente apaguei a luz do meu quarto, e quando voltei à janela, vi o carro do Thomas dar partida e ir embora.
Não posso esconder que minha única reação foi sorrir. Thomas estava com medo de que eu transasse com o Roger e por isso tentava sabotar as minhas noites? Como ele
podia ser tão tolo? Será que não me conhecia o suficiente para saber que não seria tão fácil? E o pior: será que não tinha percebido que meu corpo apenas correspondia
ao dele? Por mais que tal constatação me irritasse, era a mais pura verdade.
Aguardei pela segunda noite ansiosa para saber o que ele aprontaria e quase gargalhei quando Dyo apareceu com a desculpa de que estava morrendo de saudades das nossas
conversas. Eu também estava, admito. Desta vez Roger foi embora mais rápido, sem muita paciência para ouvir meu papo com meu amigo. Coitado! Passar horas ouvindo
sobre roupas, moda, cabelo, creme... Não era a praia dele. Confesso que fiquei mais à vontade depois da sua saída.
Porém, por mais agradável que fosse a conversa com Dyo, a hora da despedida sempre chegava e com ela a confirmação, ou não, da presença do Thomas. Procurei estender
o máximo possível para ver quanto tempo ele aguentaria aguardar do lado de fora.
- E esse relacionamento com Roger, é sério mesmo? – Fitei meu grande amigo sem saber como responder a sua pergunta. Não queria dar nenhuma segurança ao Thomas, também
não queria mentir para um amigo em quem eu confiava demais.
- Não quero que Thomas esteja nesta conversa, Dyo.
- Ele não está. Eu sei que você está insegura com tudo o que aconteceu nos últimos dias. E você sabe que eu estou ajudando Thomas a mantê-la segura – riu ao revelar
o grande plano. – Mas eu ainda sou o mesmo amigo de antes e o que acontece em Vegas, fica em Vegas – piscou confidente.
- Certo. Concordei em dar uma chance ao Roger, mas não estou muito segura desta decisão.
- Imaginei.
- Eu e Thomas fizemos amor no dia em que ele me procurou.
- Jura? – Dyo riu divertido, mas sem me censurar.
- Aconteceu. Não acredito que tenha sido algo premeditado. Eu... Eu sentia a falta dele.
- E ele a sua.
- Eu sei – suspirei. – Não posso aceitá-lo de volta. Roger me disse que se eu perdoar esse deslize estarei abrindo a porta para outros e no fundo eu acredito que
ele está certo. Não posso lutar contra o amor que sinto por Thomas, também não posso esquecer o que vi.
- Cathy, eu nunca tentaria convencê-la do contrário se não acreditasse em Thomas.
- Como você pode acreditar? Anna está morta, não restou ninguém para desfazer a confusão – o olhar do meu amigo foi enigmático. – Não posso conviver com a dúvida.
- Eu sei. Mas Thomas te ama. Isso é inquestionável. E você o ama. Vocês dois estão morrendo, separados. Eu não acredito que ele tenha dormido com Anna – tentei falar,
mas Dyo continuou. – Primeiro: ele bebeu pouco para apagar daquele jeito. Nem mesmo você pode deixar de acreditar nisso. E segundo: se ele tivesse realmente ficado
bêbado, como aparentava estar, eu duvido que tivesse... – fez uma careta engraçada. – Você sabe... Não dá muito certo quando misturado com álcool em excesso – mordi
os lábios e sorri aceitando a ideia.
- Mesmo assim...
- Só permita que ele te mostre a verdade.
- Não sei, Dyo.
- Pense no assunto.
Dyo foi embora com a noite já adiantada. Ele nada disse, mas eu sabia que Thomas estaria lá. Corri para a janela, providenciando apagar as luzes antes, e fui verificar.
Ele estava. Mais uma vez um sorriso se projetou em meu rosto.
Thomas era persistente.
Ele e Dyo conversaram e depois partiram juntos.
Era bobagem da minha parte, porém saber o quanto ele estava incomodado com a minha possibilidade de recomeçar a vida, alimentava o meu ego. Não sei explicar o motivo,
ou talvez saiba e não tenha coragem para admitir. Era bom poder sentir que ele ainda se importava, ou dar-lhe um pouco mais de desespero como pagamento pelas suas
decisões desastrosas. Era absurdo, eu sei. Mas não posso esconder que era assim que me sentia realmente.
Por este motivo meu sorriso foi imenso no dia seguinte o Dyo me convidou para jantar. “Thomas vai ficar desapontado” pensei com ironia. Dei minhas desculpas e agendamos
para dois dias depois da minha volta de Los Angeles. Eu não poderia satisfazer o ego do Thomas, pois teria uma reunião de diretoria, o que com certeza iria enveredar
a noite.
Fiquei curiosa para saber como ele conseguiria me vigiar naquela noite, e surpresa, por estar gostando daquela situação, quando na verdade eu deveria estar detestando.
No entanto era impossível pensar em outra coisa ou de outra forma. Aquela brincadeira estava me devolvendo um pouco de vida. “Será que Thomas montará guarita na
frente da empresa?” Pensei empolgada com a possibilidade de sair e avistar o seu carro escondido em algum cantinho.
Como havia previsto, a reunião terminou bem tarde, por isso decidi passar a noite na casa da Samantha para conversarmos um pouco sobre o que estava acontecendo em
minha vida. Ela era incondicionalmente a favor do Thomas, eu não poderia esperar nada de diferente, afinal Sam amou meu pai ao ponto de perdoar a traição dele e
ainda me dedicava o mesmo amor incondicional.
Acreditava que quando o amor era verdadeiro, tudo valia a pena, até mesmo perdoar uma traição. Eu não compartilhava das suas ideias, apesar de ter cedido ao Thomas
quando ele me procurou e também de saber que a mínima aproximação dele me faria mudar todas as teorias que defendia como certas. A verdade é que eu era uma fraca
e não poderia negar isso.
- Só posso te dizer que não há felicidade quando precisamos enterrar alguém dentro de nós mesmos.
- Você é uma pessoa pura, Sam. Sua maturidade e capacidade de amar não se comparam a nada nesta vida. Eu não sou assim. Passei anos lutando contra minha mãe e ainda
me vejo assim. Perdi vários anos da vida do meu pai, remoendo uma mágoa que só consegui superar por sua causa. Levei muito tempo fugindo do que sentia por Thomas...
– Suspirei levando os braços a cabeça e encarando o teto do quarto. – Não posso simplesmente fingir que nada aconteceu.
- Por que não? Ele está dizendo, com argumentos coerentes que nada aconteceu. Tudo bem que não tem como comprovar, não de maneira incontestável. E se tiver mesmo
acontecido, pelo que tenho acompanhado desta história, Thomas com certeza aprendeu a lição. Ele te ama muito, filha.
- Não vou perdoar uma traição tendo como justificativa o amor. Muitas coisas aconteceram até que chegássemos a este ponto. Thomas abusou de todas as formas.
- Não seja tão dura, Cathy! Thomas não abusou. Ele sentiu ciúmes, o que não é anormal. Roger nunca havia existido, até que m belo dia aparece do nada. Você também
errou ao não contar.
- Eu me esqueci! – Levantei os braços para o céu como uma criança se justificando para a mãe.
- Viu? Ele também pode entender este descaso como uma traição – dei risada. – Eu acho que você é muito forte.
- Acha é?
- Sim. Ninguém consegue carregar uma dor tão aguda e ainda andar, respirar, sorrir, conversar...
- Sam! – No mesmo instante a dor fez meu peito afundar.
- Thomas tinha tanta razão em sentir ciúmes que hoje Roger é o seu namorado.
- São situações diferentes.
- Se você quer acreditar nisso... Boa noite, querida!
- Boa noite, Sam – ela desligou as luzes ficando em silêncio. Eu passei um tempo olhando o teto do quarto. Será que Sam tinha razão?
***
No dia seguinte eu parti cedo com Mia, rumo a Los Angeles, para o enterro de Anna. Era uma situação estranha, voltar ao lugar onde vivi inúmeras alegrias, tanto
com minhas amigas quando com Thomas, para acompanhar o sepultamento daquela que tinha me traído e destruído a minha felicidade.
Não sentia nenhum alívio nisso, apenas tristeza e dor. Se Anna tinha feito tudo por inveja, eu só tinha que lamentar o fato dela ter chagado a este ponto. Não conseguia
mais sentir raiva. Tinha sido tudo brutal demais.
Roger não pôde me acompanhar. Ele precisava dá andamento aos nossos planos em relação à empresa. Com isso ganhei mais tempo para curtir as minhas amigas.
E Thomas com sua estratégia de tentar evitar qualquer contato sexual entre eu e Roger. Coitado! Só rindo da situação.
Encontramos Stella e Daphne já no cemitério. Abraçamo-nos com pesar. Mesmo estando magoadas com o que Anna havia aprontado, lamentávamos a sua morte. Não foi sempre
assim, ela era uma boa pessoa, uma amiga engraçada e animada. A vida tornado tudo mais difícil e infelizmente reservou aquele desfecho.
Muitos colegas estavam reunidos a despedida, mas a maioria dos presentes erma familiares e amigos, que não faziam parte do nosso circulo de amizades.
Assistir ao enterro foi lastimável. A todo o momento a cena dela sendo atingida pelo carro, se projetava em minha mente, assim como a imagem do seu corpo após o
atropelamento. Muitas vezes me senti sufocada pelas lembranças ruins. Quando tudo acabou, fiquei aliviada em poder sair.
- Que horror! – Daphne sussurrou ao meu lado, assim que conseguimos nos libertar dos outros participantes daquele espetáculo sombrio.
- Foi horrível! – Stella concordou. – Ninguém tinha nada de bonito para dizer. Se não fosse Mia a cerimônia teria sido um fiasco.
- Ainda bem que ela não é rancorosa – comentei. Todas abriram um sorriso contido, pois sabíamos o motivo do meu comentário.
- Ainda bem – Mia completou sorrindo ainda mais.
- Bom... Não posso fingir que não estou triste – Stella era a mais abalada de todas. - Anna foi minha amiga durantes anos. Vocês sabem, eu a conheci primeiro e...
Não sei o que pensar.
- Pense que Deus será misericordioso e dará a Anna um pouco de paz, já que ela, com certeza vai amargar os seus erros pela eternidade – Daphne foi dura. Eu não pensava
diferente, apesar de não desejar algo tão triste.
- Eu gostaria de colocar uma pedra sobre este momento da minha vida. Gostaria de esquecer o mal que ela me fez e lembrar apenas das coisas boas – admiti.
- Nos últimos tempos ela não fez nada de bom. A julgar pela cara de algumas pessoas, Anna aprontou foi muito por aí – Daphne continuava sendo dura. O melhor a fazer
era mudar de assunto.
- Então... Vamos comer alguma coisa? – Propus.
Combinamos de terminarmos nosso dia em um restaurante, próximo de onde morávamos. Onde sempre nos reuníamos, quando ainda éramos amigas inseparáveis. Lamentei pela
distância que a vida tinha nos imposto. Principalmente depois de tudo.
Chegamos cedo demais para o jantar e tarde demais para um almoço, as mesas ainda estavam desarrumadas, por isso preferimos aguardar do lado de fora. O dia estava
agradável e eu aproveitei para matar a minha saudade do sol. Foi quando percebi o carro que parou ao nosso lado.
Dyo saiu primeiro, abraçando Mia que estava bem próxima dele, logo em seguida abraçou as minhas amigas, por último me abraçou. Eu já estava tensa quando Thomas saiu
do carro.
Era como uma miragem. Usando calça e camisa preta e óculos escuros, era o retrato de um Deus grego moderno. Seus cabelos loiros estavam molhados e penteados desordenadamente,
com alguns fios espalhados para todos os lados. Ele ficava lindo daquele jeito, completamente desejável. Desviei os olhos para Dyo que me abraçava carinhosamente,
com receio a minha reação.
Thomas cumprimentou as minhas amigas, que se entreolhavam surpresas. Notei que, mesmo sem entender nada, elas pareciam satisfeitas com a nossa aproximação, como
se desejassem aquilo. Mesmo sabendo que o que ele havia feito era imperdoável.
- O que faz aqui? Veio conferir se Anna foi realmente enterrada? – Deixei minha amargura transbordar.
- Cuidado com o que fala e como age. Estamos cercados de paparazzis. Acho melhor entrarmos – Thomas fez um movimento leve com a cabeça, sinalizando uma direção.
Só então vi que Dyo conversava com o segurança conseguindo a liberação da nossa entrada.
Olhei para os lados e percebi que realmente existia uma movimentação suspeita. Eu podia ver, ao longe, uma pessoa tentando se esconder atrás de uma árvore.
- Acho melhor eu ir embora – falei diretamente para as minhas amigas, ignorando a presença dele ao meu lado.
- Mas Cathy... – Stella começou a protestar, no entanto eu a interrompi.
- Não quero mais confusão, Stella. Estamos cercados por paparazzis tentando fotografar algo para vender. Não estou com humor para ignorá-los. Prefiro aguardar a
hora de embarcarmos em casa.
- Eu vou com você – Thomas comunicou sem se importar coma minha tentativa de ignorá-lo.
- É claro que não!
- Preciso conversar com você.
Thomas suspendeu os ósculos escuros e seus olhos perfeitamente verdes me encararam intensamente, deslumbrando-me com tanta beleza. Eu sempre ficava meio perdida
quando ele me olhava daquela forma.
- Já conversamos tudo o que tínhamos para conversar – pensei que minha voz sairia firme, mas eu estava embriagada pela presença dele e acabei sendo meiga. Corrigi
a tempo a minha atitude. – Preciso ir – dei as costas ao grupo e comecei a caminhar pela calçada. Senti seus braços me envolverem. Foi muito rápido.
- Calma! – Falou colado ao meu corpo. – Não chame a atenção deles para nós dois, certo? – Concordei me sentindo completamente zonza com sua proximidade. – Entre
no carro porque eu preciso falar com você. Por favor!
Como uma criança, obedeci.
Entrei no carro, aguardando por ele, que acenou para nossos amigos e rapidamente entrou. Minha cabeça girava. O que Thomas pretendia com aquilo tudo? Seus olhos
encontraram os meus, ele estava sério. Arnold deu partida conduzindo o carro para um destino incerto.
- Você está namorando o Roger – me acusou com raiva. Eu podia perceber o quanto aquela situação doía nele. Ótimo! Estávamos quites.
- Não te devo satisfações sobre a minha vida – respondi sentindo o quanto a vingança era bem vinda. Percebi que Thomas não reagiu bem a minha resposta. Ele respirou
fundo e seus olhos me fulminaram.
- Que tolice, Cathy. Você me ama. Como pode aceitar viver com alguém que nunca vai proporciona o mesmo que eu?
- O que? Dor? Tristeza? Desilusão? Vergonha? Humilhação? – Thomas avançou segurando-me muito próxima a ele.
- Não, Cathy. É disso o que estou falando. – e me beijou.
Fui pega de surpresa e não tive como reagir contra, porque a favor, eu reagi muito bem. Sentir de novo o seu gosto era revigorante, mas eu podia sentir também o
sabor da raiva junto com o da maravilha que era o amor... Que eram os seus lábios. Nosso beijo foi intenso, repleto de angustia, saudade, dor e desejo.
Eu o queria, mas queria loucamente não querer. Ele me queria, mas lutava para que não acabasse me perdendo de vez por causa disso.
- Não. Faça. Mais. Isso. – Falei me sentindo fraca e destruída. As lágrimas escorreram, como sempre faziam, demonstrando toda a minha fraqueza. Que ódio!
- Por que você não acredita em mim?
- Era isso o que você tinha para me dizer?
- Não. Eu apenas queria saber como você estava. Sei que apesar de tudo você está triste pelo que aconteceu a Anna.
- E você não? Vocês dormiram juntos, deveria haver nem que fosse um pouco de pesar pelo que aconteceu a ela. Ou quem sabe culpa, já que foi você quem armou toda
aquela cena para que ela confirmasse as suas mentiras – disparei minhas acusações já me sentindo péssima por culpá-lo pela morte da garota.
Eu sabia que ninguém tinha culpa pelo que aconteceu, mas estava tão magoada e ferida com tudo que precisava fazer alguém de “saco de pancadas” e esse alguém só poderia
ser Thomas.
- Eu não... – ele parou a frase e desviou o olhar. Ficamos em silêncio sentindo o quanto o ar estava pesado ali dentro. – Eu vim dizer que ainda não desisti de te
mostrar a verdade – dei uma risada baixa, ironizando o que ele falava. – Cathy? Eu vou provar que nada aconteceu. Acredite em mim – suplicou.
- Não posso, Thomas – admiti sentindo a tristeza me dominar. – Mesmo que você consiga, eu não sei se sou capaz de aceitar de volta todos os nossos problemas. Não
sei se conseguirei apagar de minha mente tudo de ruim que vi naquele dia, mesmo você me provando que não foi verdade.
- Você consegue. Eu sei que consegue. Nós nos amamos e eu serei uma pessoa melhor. Confie em mim.
- Não, Thomas! – Fui um pouco mais rude. – Eu estou seguindo em frente e você tem que fazer o mesmo. Nós dois não existimos mais.
- Quando você vai entender que nós dois não existimos separados? Você tem vida, Cathy? Porque se você me disser que está feliz e que Roger é realmente o homem da
sua vida eu prometo que desapareço de uma vez por todas. No entanto eu duvido que tenha existido um dia, desde que nos separamos, que você não tenha desejado que
tudo fosse apenas um pesadelo. Que não tenha sonhado que estávamos juntos novamente. Admita, você quer isso tanto quanto eu.
Parei de respirar no momento em que ouvi dos lábios do Thomas o que meus pensamentos gritavam para mim todos os dias.
- Eu estou com Roger agora, Thomas. Não tenho como voltar atrás – ficamos nos encarando em silêncio. Era perceptível que sofríamos, não apenas pela traição, também
pelo que estávamos sendo forçados a deixar para trás. – Você me forçou a isso – completei com minhas palavras saindo de forma tão baixa e fraca que nem sei se ele
conseguiu escutá-las direito. – Eu tenho que ir agora. Por favor, me deixe sair.
Thomas pediu a Arnold que parasse o carro. Imediatamente desci, sem saber onde estava. Sabia que estava na rua e que já era noite, porém tinha plena consciência
de que na verdade, meu coração tinha ficado naquele carro, junto com Thomas.
Voltar para Nova York foi doloroso. Thomas não me procurou mais. Entendi que ele tinha aceitado a minha decisão. Era o que eu queria? Sim e não.
Sim. Eu queria conseguir seguir em frente e viver bem, com Roger ou com qualquer outra pessoa. Não. Eu sabia que seria impossível ser como eu era quando estava com
Thomas, independente de quem estivesse ao meu lado. Eu o amava. Sempre o amaria.
Eu a todo tempo buscava forças para enfrentar mais aquela etapa de minha vida e mais uma vez, escolhi o trabalho como meu salvador. É claro que não contaria ao Roger
sobre o meu encontro com Thomas em Los Angeles. Não era necessário. Eu mesma queria esquecer, apesar de ter quase certeza de que a fofoca já estava nas redes sociais
e nas revistas com esta finalidade.
Naquela noite haveria um jantar de casais, Mia e Henry, eu e Roger. Era o mais próximo de uma vida normal que conseguiria alcançar com outra pessoa ao meu lado.
Talvez a aceitação da Mia ajudasse a minha própria em relação ao Roger.
Assim que cheguei comecei a trabalhar tentando colocar tudo em ordem. Algumas horas depois Roger entrou em minha sala. Olhei-o com atenção enquanto caminhava em
minha direção. Seu corpo era perfeito. Por que eu não me sentia atraída sexualmente por ele?
- Como foi ontem? – Depositou um beijo rápido em meus lábios me pegando de surpresa.
- Triste e Bom. Foi difícil assistir ao enterro da Anna, mas em contrapartida sempre é muito bom encontrar com minhas amigas. Elas me fazem muito feliz. Sinto falta
do convívio.
- Imagino que sim – deu uma olhada na papelada em cima da minha mesa. – Tudo certo para mais tarde?
- Sim. Não se preocupe, não vou fugir nem me atolar de trabalho para não comparecer.
- Tenho certeza que não.
Assim que ele saiu, comecei a trabalhar, passando quase todo o tempo analisando os papéis que solicitei para bem cedo após a reunião. Alguns dados tinham que ser
verificados. Pedi para o almoço ser entregue em minha sala e lá permaneci até o fim do expediente. Eu havia dado ordens a Sandra para me passar apenas as ligações
relacionadas ao trabalho, e mesmo assim, somente as que não poderiam aguardar. Por isso me surpreendi no final do dia quando recebi dela uma imensa lista de ligações
recebidas e solicitações de entrevistas.
- Parece que a morte da Anna não significou muita coisa para esses abutres, não é? – Perguntei retoricamente.
Eu sabia o motivo das ligações. Com certeza estavam mais preocupados com o possível fim do meu noivado do que com a morte da minha amiga, ou ex-amiga.
- Muitos deles tentaram subir, eu consegui despachá-los sem muito alarde. Foram dispensados da portaria mesmo infelizmente não posso garantir que não estarão lá
fora quando você sair.
- Tudo bem! Eu já estou acostumada. Só peça aos seguranças para estarem atentos a minha saída. Não quero que mais um acidente seja noticiado amanhã, não por minha
causa.
- Sim, senhora – Sandra recolheu os documentos para entregá-los ao malote e saiu rapidamente. Ela era uma boa secretária. Discreta, atenta e muito educada. Eu simpatizava
muito com ela.
Quando estava de saída, Roger me chamou na sala dele. Prontamente atendi.
- Estou indo para casa. É só o tempo para me arrumar e te encontrar no restaurante.
- Pensei em mudar nossos planos – olhei para ele sem entender. – Não conseguimos ficar sozinhos nem um minuto nos últimos dias – enlaçou minha cintura me levando
de encontro ao seu corpo. – Pensei em ficarmos por aqui até a hora de encontrarmos Mia e Henry.
- Você sabe que não concordo em me expor desta forma. Alguns funcionários ainda estão no escritório e não quero fofocas com o nossos nomes.
Eu realmente não queria tivessem motivos para comentários indevidos as minhas costas, contudo sabia que aquela era mais uma desculpa para não ter que ficar sozinha
com ele. Pensei no quanto aquilo era absurdo, afinal de contas, concordei em namorar o Roger. Infelizmente por mais que tentasse, meu corpo ainda não tinha se adaptado
ao dele, recusando-o veemente.
- Você já ficou várias vezes até tarde aqui comigo, ninguém vai perceber que não estamos trabalhando, até porque ninguém vem a minha sala sem antes ser anunciado.
Com exceção de você, é claro! – Roger beijou meus lábios com delicadeza. Eu permiti. Nosso beijo foi evoluindo e em segundos, ele estava consumido por uma fome que
o meu corpo não desejava saciar então o interrompi.
- Mesmo assim eu não quero – ele acariciou meus cabelos.
- Tudo bem. Estou apenas com saudades da minha namorada. Parece que todo mundo passou a sentir a sua falta ao mesmo tempo, não nos dando sossego – tive que rir imaginando
o quanto Thomas deve ter se divertido com tudo aquilo.
- É verdade – Roger se afastou voltando a sua mesa e pegando alguns papéis que estavam sobre ela.
- Vou ter que viajar amanhã. Foi meio que emergencial por isso não foi possível te avisar com antecedência.
- Algum problema com a empresa?
- Não. É pessoal mesmo. Vou resolver alguns assuntos de família. Estarei de volta em dois dias.
- Posso te ajudar?
- Apenas ficar aqui me esperando já é o suficiente para mim – sorriu de uma forma que encantaria qualquer mulher.
Olhei-o deslumbrada com a sua beleza. Tão máscula e angelical ao mesmo tempo. Como eu podia não me apaixonar por ele? Sempre tão gentil, carinhoso, atento as minhas
necessidades, aos meus sentimentos. Era o homem perfeito, porém para o meu coração, era apenas o amigo perfeito.
- Que seja feita a sua vontade – sorri de volta e Roger encarou como um incentivo.
- Venha cá! Sente aqui um pouco – me indicou o seu colo, o que deveria ser normal, pois aquela não era a primeira vez que eu faria isso, no entanto senti meus músculos
se retesarem. Escolhi obedecer. – Você sabe que te adoro, não é? – Concordei prontamente. – Cathy, eu tenho que ser sincero com você. O tempo passou e não somos
mais crianças como quando namorávamos.
- Não fomos o tempo inteiro crianças, chegamos a ser adultos – fiz graça com o que ele queria dizer já entrando em pânico.
- Eu fui adulto – piscou, brincando. Fingi um sorriso fraco. – Eu sei que você não fez com Thomas a mesma maldade que fez comigo durante todos os anos em que estivemos
juntos – desviei meus olhos dos seus fixando-os em minhas mãos sobre o meu colo. – Não estou cobrando nada, Cathy, era um direito seu. Apenas estou te lembrando
que não somos mais os mesmo, e que agora você é realmente uma mulher. Não existem motivos para ficarmos esperando. Eu não gostaria de continuar esperando por tanto
tempo. Seria bastante injusto comigo, não concorda?
- Roger... – comecei sem saber como explicar a ele que meu corpo continuava não o querendo como homem. – Eu ainda não me sinto pronta – ele deu uma risada curta
e baixa. – Sei que não preciso mais deste detalhe... Preciso de um tempo, porque ainda não me adaptei ao que estamos vivendo... – não queria desapontá-lo, Roger
era especial para mim, de um jeito diferente, mas era – Não fique irritado comigo.
- Vamos para meu apartamento hoje, depois do jantar, e deixe que eu te mostre como se sentir pronta – exigiu por meus olhos. O observei e fiquei aliviada ao perceber
que ele não estava irritado. Sorri.
- Não hoje – Roger suspirou. – Quando você voltar... Eu prometo – um pouco decepcionado com a minha resposta, mas já mais esperançoso, beijou minha testa, tecendo
beijos por meu rosto inteiro, me fazendo rir.
- Eu adoro você!
- Eu também – “Mas não da forma como você quer” pensei com tristeza.
Capítulo 18
Voar Sem Ter Asas
VISÃO DE CATHY
No horário marcado entramos no restaurante que havíamos combinado com Mia e Henry. Antes mesmo que eu conseguisse sair do carro os flashes me atingiram. “Que droga!”,
pensei enfurecida. De nada adiantou esconder o rosto, os fotógrafos não se importavam se eu estava ou não gostando, eles apenas tiravam as inúmeras fotos, de cada
passo, de cada gesto...
Roger ficou ao meu lado segurando na minha cintura de maneira protetora. Não sabia como a imprensa receberia aquelas imagens. Podíamos passar facilmente por amigos,
no entanto eu tinha certeza de que não seria assim. Meu estomago revirou com a possibilidade de Thomas me vendo em várias manchetes com um possível novo namorado.
Conseguimos entrar no restaurante, que, para nossa felicidade, manteve os fotógrafos do lado de fora. Ainda tivemos que aguardar por Mia e Henry durante algum tempo,
não fosse algum sacrifício, Roger sempre conduzia as nossas conversas da melhor maneira possível, sendo sempre muito gentil e agradável. Contudo eu estava preocupada
com as fotos e a sua possível repercussão. Sem contar que estava temerosa com a reação do Thomas. Só de imaginá-lo sofrendo... Era melhor não imaginar.
- Eles não vão desistir se você continuar demonstrando resistência. É isso o que vende e é desta forma que são feitas as celebridades – ele mantinha um sorriso amável
nos lábios, demonstrando não estar nem um pouco incomodado com a invasão a nossa privacidade.
- Só queria descobrir como eles sabiam que eu viria exatamente para este restaurante? Como esses ratos conseguem estas informações?
- Fique calma! Eles conseguem com as pessoas que precisa de um pouco mais de dinheiro. Uma secretária, um porteiro, o gerente do restaurante que verificou as reservas...
É muito fácil – segurou minha mão, levando-a aos lábios. – Não deixe que isso estrague a nossa noite. Veja, Mia e Henry já estão chegando.
Olhei em direção a entrada e avistei Mia, que sorria, visivelmente satisfeita em seu relacionamento. Todos os seus gestos confirmavam este sentimento. Henry caminhava
de forma segura ao seu lado, a mão na dela, e em um determinado instante, eles se olharam e sorriram confidentes. Nossa! Eu daria o mundo para ter aquela sensação
outra vez.
Durante o jantar a conversa fluiu de forma agradável e divertida. Henry e Roger falavam sobre diversos assuntos, demonstrando afinidade, assim como foi com Thomas,
lembrei com pesar do nosso último jantar juntos. Como era estranho assistir as pessoas se adaptarem a minha nova vida quando eu mesma não estava conseguindo.
Mia participava da conversa como uma namorada apaixonada, porém eu conseguia perceber que alguma coisa estava errada. Não somente pelo fato de não sermos eu, Mia,
Henry e Thomas, mas porque minha amiga estava estranha.
No princípio pensei que a estranha era eu e por isso não conseguia perceber a minha amiga direito, depois entendi havia algo por trás de toda a sua empolgação. Mia
estava me escondendo alguma coisa. Para mim bastou este pequeno detalhe para me fazer prestar mais atenção ao que estava acontecendo. Minha amiga não apenas me escondia
um fato, ela estava visivelmente incomodada com algo.
Na tentativa de entender sua atitude cheguei à conclusão de que era o seu medo por estar me apoiando em relação ao Roger enquanto a história do Thomas ainda estava
sendo investigada e existia uma grande possibilidade de ter sido uma armação. Mia receava estar fazendo a coisa errada. Henry também parecia ter percebido o seu
estado de espírito, pois fazia questão de dar a ela bastante atenção. Um verdadeiro companheiro apaixonado, como era eu e Thomas.
Tentei deixar as comparações de lado e prestar atenção ao que eles diziam, apesar disso sempre me encontrava perdida em devaneios antes mesmo da conversa chegar
ao meio. Só percebi que eles tinham combinado de sair para dançar quando a conta foi pedida.
Eu não estava com animo para encarar uma boate, apesar de adorar dançar. Além do mais, não era o lugar mais adequado para quem lutava contra as lembranças, afinal
de contas, foi em uma boate que beijei Thomas pela primeira vez. Quase enlouqueci naquele dia. Minha pele ficou arrepiada no mesmo instante em que a lembrança das
suas mãos e lábios em meu corpo invadiu a minha mente.
- Frio?
Roger estranhou a minha pele arrepiada. O dia não estava quente o suficiente para que eu andasse sem ao menos uma proteção, todavia não estava frio de forma a me
causar aquela reação...
- Um pouco – menti. Roger me abraçou passando as mãos em meus braços para aquecê-los.
- Melhor? – Fingi que sim, sorrindo timidamente. Era terrível esconder as minhas emoções o tempo todo. - Vamos então.
***
Fomos a uma boate muito badalada, do tipo que eu e Mia gostávamos. Henry conhecia o proprietário e não precisamos enfrentar uma longa fila que se formava. Entramos
e logo fomos encaminhados a uma mesa vazia, uma área mais reservada e bastante luxuosa.
A boate era escura, como a maioria, entretanto havia luz o suficiente para que pudéssemos ver um ao outro. “Muito conveniente” pensei admirando a decoração. Esbanjava
luxo em tudo o que eu podia ver.
Algumas pessoas conversavam e tomavam champanhe enquanto descansavam em sofás enormes e confortáveis sem deixar de ser elegantes. Outras dançavam na pista que disparava
luzes para todos os lados dando um movimento próprio ao ambiente. “Quantas vezes eu estive em lugares como este? Esta era a minha rotina ao lado do Thomas. Nada
mudou, apenas os personagens principais da história”. O familiar aperto no peito surgiu, como sempre acontecia quando Thomas invadia os meus pensamentos.
Aquele ambiente me arremessava a um passado onde minha vida era perfeita. Eu amava música, amava boate, amava meu trabalho e sobretudo, amava Thomas. O que tinha
sobrado? Nada. Apenas a dor sufocante que insistia em me torturar, como se eu fosse a única culpada pelo que aconteceu.
À beira de um ataque de choro, tentei me recompor. Roger não merecia passar por este tipo de constrangimento. Eu aguentaria algumas horas naquele lugar e então poderia
voltar ao meu quarto e chorar toda a minha tristeza, sem que ninguém precisasse ser magoado.
Estar ali não estava sendo fácil para mim, mas tentei me distrair observando as pessoas se divertirem. Roger sentou ao meu lado, passando o braço sobre meus ombros.
Rapidamente recebi uma taça de champanhe. Beber poderia ser um problema, ou quem sabe a solução. Tomei um longo gole.
- Gostou daqui – Roger falou em meu ouvido. Logo depois beijou meu pescoço, utilizando bastante da nossa intimidade.
- Sim – bebi outro gole para que não tivesse que continuar mentindo. Mia me observava com atenção.
Minha amiga estava sentada ao lado do seu namorado, que acariciava seu braço. A mesma sensação de que ela estava incomodada com alguma coisa continuava me intrigando.
Trocamos um olhar rápido. Ergui uma sobrancelha, interrogando-a, ela apenas negou com a cabeça e levou a taça aos lábios. Realmente havia algo de muito errado.
- Roger, venha comigo – Henry levantou falando um pouco mais alto. – Vou apresentá-lo ao proprietário. Com certeza você vai adorar conhecê-lo. É um grande homem
de negócios, alguém para manter em nossa rede de relacionamentos.
Mia me olhou de maneira estranha. Rapidamente entendi que Henry estava apenas tentando nos dar espaço.
- Volto logo – Roger me deu um beijo rápido e seguiu o namorado da minha amiga. Assim que saiu, ela pulou para o meu lado.
- Qual é o problema? – Questionou como se eu fosse realmente a estranha ali.
- Diga você. O que está acontecendo? Você está estranha.
- Eu não... – ela olhou para os lados, visivelmente incomodada. – Tá legal! Droga! Eu...
- O que está acontecendo, Mia?
- Cathy, Thomas me procurou. Ele... Ele me pediu para ajudá-lo a impedir seu namoro com Roger. É isso – suspirou pesadamente como se estivesse tirando um enorme
peso das costas. Sorri verdadeiramente pela primeira vez naquele dia.
- Eu sabia que ele estava me cercando, só não imaginei que a colocaria neste meio.
- Você sabia? Mas como?
- Todos os dias ele fica parado em minha rua, fiscalizando de perto – Mia riu, relaxando visivelmente.
- Thomas é... Intenso.
- Sim. Ele é – minha alegria temporária começou a esvair. Toda e qualquer lembrança dele me atingia como um soco no estômago.
- E te ama – seus olhos ficaram tristes. – Cathy...
- Por favor, Mia, não – fechei os olhos para evitar que a tristeza me afogasse. – Eu não posso pensar nisso agora. Roger tem sido... Incrível!
- Mas você não o ama – abri os olhos e varri o ambiente buscando desesperadamente algo que me levasse de volta ao teatro que tinha se tornado a minha vida, então
meus olhos focaram no que eu não queria acreditar que estava vendo.
O reconheci imediatamente, mesmo estando em um dos pontos mais afastado e escuro da boate. Se houvesse como, meu coração teria saído do peito, de tanto que acelerou.
Thomas estava na boate. Questionei meu juízo me perguntando se, de alguma forma, eu tinha voltado ao passado, ou o destino estava me pregando alguma peça. Enquanto
a tempestade se formava dentro de mim senti seus olhos intensos em minha direção. Foi como ser queimada viva sem que ao menos alguma dor física me atingisse. Não
sei quanto tempo demoramos para entender a situação. Eu estava em transe, vidrada no homem da minha vida.
- Cathy? – Ouvi ao fundo uma voz me chamando sem conseguir ser forte o suficiente para me tirar do estado em que estava. – Está tudo bem? – A voz estava mais próxima.
Com muito esforço consegui desviar meus de Thomas e olhar para Roger, sem entender o que ele queria. – Está sentindo alguma coisa? Você está gelada! – Respirei profundamente
voltar à realidade.
- Não! – Dissimulei a resposta. Baixei a cabeça e passei as mãos pelos cabelos para clarear as ideias.
Queria fugir, gritar para Roger que era perigoso ficarmos ali. Que eu não tinha forças para estar frente a frente com Thomas sem que a tempestade me atingisse. Eu
era fraca. E por ser tão fraca, não tinha como fugir. Desejava, ansiava por estar ali, olhá-lo, admirá-lo. Queria estar ao seu lado. Aquela era a minha realidade.
- Encontrei uns amigos, vamos cumprimentá-los?
- Claro! – Concordei prontamente evitando que Roger percebesse a presença de Thomas, ou percebesse que este fato me colocou no transe em que eu me encontrava.
Olhei para Mia, que estava tensa ao meu lado. Ela me encarava demonstrando compreensão. Levantamos para seguir os rapazes. Henry, com as mãos em volta da cintura
da minha amiga, estava ciente da situação mais do que constrangedora e perigosa. Ele buscava alguma forma de obter ajuda do próprio ambiente, nos conduzindo para
outro local, sem que tivéssemos que enfrentar Thomas. Contudo Roger estava alheio a realidade e eu não sabia se isso me confortava ou me enlouquecia.
Roger segurou minha mão e juntos, começamos a atravessar a pista, sem levar em consideração o percurso que Henry tinha sugerido. Só então percebi que seguíamos na
direção de Thomas.
Pensei que não suportaria o que estava para acontecer. Fitei Thomas e o vi se afastar do grupo de amigos com quem estava. Reconheci em meio ao grupo, Dyo e Kendel.
Foi como uma bofetada na cara. Eles me olhavam com pesar, na certa já imaginando o que aquela situação seria para nós dois.
Aproximamo-nos do grupo e Roger ficou surpreso ao reconhecer meus amigos junto aos amigos dele. “Este mundo é mesmo pequeno, chega a ser sufocante” pensei amargurada.
Como Roger estava a minha frente, me atrevi a olhar para onde Thomas estava e pude ver a sua imensa tristeza, na verdade, fui golpeada por ela, que passou por cima
de mim sem piedade, me atropelando em sua dor sufocante.
Seus olhos ardiam de dor e os meus não estavam diferentes. Eu não devia, mas minha vontade era largar o meu “namorado” e confortar Thomas, dizer-lhe que não havia
motivos para se preocupar e que ainda o amava muito.
O que eu estava pensando? Ele tinha feito a mesma coisa comigo. Não, ele fez muito pior, então merecia passar por tudo aquilo.
A quem eu queria enganar? Se existisse em mim um lado vingativo com certeza este momento seria glorioso, no entanto não era nada além de dor e desespero. E confesso
que vendo o sofrimento dele, praticamente palpável, revelado e transmitido através dos seus olhos, todas as minhas barreiras foram derrubadas instantaneamente.
Eu não queria aquela dor, não queria sentir e nem queria fazê-lo sentir. A única coisa que queria é que ela fosse embora, e levasse com ela todos os problemas, nosso
passado terrível, e nossa história tão absurda. Eu queria acordar do pesadelo que me dominava e ver que não tinha passado disso. Queria abrir os olhos e enxergar
que ele ainda estava ao meu lado e me permitir ser confortada por seus braços calorosos. Porque naquele instante, assistindo de camarote a sua dor, percebi que a
minha não era diferente e então nada mais fazia sentido.
Com os olhos ainda nos dele, ouvi Roger me apresentar aos seus amigos, me anunciando, em voz alta, até demais para o meu gosto, como a sua namorada. Então me abraçou
e tentou beijar meus lábios, o que eu consegui evitar no último segundo sorrindo sem graça, disfarçando como se tivesse sido um ato de timidez.
Na verdade eu precisa evitar aquele sofrimento como se fazendo isso evitasse o meu próprio. Ao tentar olhá-lo novamente, percebi que Thomas não estava mais lá. Um
imenso vazio se apoderou de mim.
A ausência dele tinha deixado um buraco no seu lugar. Um túnel negro que fazia com que a realidade não mais existisse, porque como num passe de mágica, o universo
se abriu e uma fenda imensa surgiu sugando tudo o que havia ao seu redor. Desejei que ela me sugasse também. O que eu tinha feito? Era o meu adeus a Thomas, ou o
dele a mim? Angústia era a única coisa que eu sentia.
- Você está bem? – Roger sorriu educadamente, falando sem chamar a atenção dos outros.
Olhei em seus olhos com a sensação de que daquela vez seria impossível mentir. Eu não poderia proferir uma palavra que não fosse reveladora o suficiente para magoá-lo.
Eu não entendia os meus sentimentos. Por que estava tão machucada? Por que justamente daquela vez, e não nas outras, estar na presença de Thomas me fez entender
de uma vez por todas que nada poderia nos separar? Por que só naquele momento o desespero tomou conta de mim?
Porque só naquele momento ele pôde entender de verdade minhas palavras quando afirmei que estava disposta a seguir com minha vida. Porque só naquele instante ele
se permitiu aceitar que realmente tínhamos chegado ao fim. No entanto era tudo uma grande mentira. Minha afirmação era uma mentira, a aceitação dele também. Era
impossível fugir daquela constatação, porém, Thomas havia ido embora, levando consigo toda a esperança de um futuro juntos.
Restava-me apenas a desilusão. O gosto amargo da perda. Do fim.
- Vou ao banheiro –Roger esquadrinhou meu rosto, mas não havia o que contestar, então apenas acenou com a cabeça e voltou-se para os amigos.
O que eu realmente queria era um lugar onde pudesse chorar e depois me recompor, sozinha, sem que qualquer pessoa sofresse comigo. É claro que Roger sofreria ao
me ver chorando por Thomas e eu sofreria mais ainda por fazê-lo sofrer.
Era como um beco sem saída, onde eu só poderia ter como companheiros a tristeza e o sofrimento. Quem se aventurasse naquela caminhada ao meu lado precisaria suportar
o peso dos mesmos companheiros.
No mesmo instante que este pensamento se formou em minha mente, eu percebi que estava exatamente em um beco, escuro e vazio. Era o único caminho até o banheiro.
Que ironia. Caminhei desolada pelo que parecia ser a minha vida.
Antes que eu alcançasse a porta do banheiro uma mão grande e forte me agarrou tapando minha boca e me puxando para o que parecia ser uma sala escura. Senti minhas
costas baterem na parede fria. Entrei em pânico. Com o barulho da boate ninguém ouviria meus gritos.
- O que você está fazendo comigo, Cathy? – Ouvir a voz de Thomas foi como morfina em um corpo despedaçado. Algumas lágrimas escaparam e eu sorri no escuro sentindo
o conforto tão desejado dos seus braços. – Será que eu mereço? – Ele estava perto o suficiente para que meu corpo sentisse o calor que transbordava do seu.
- Thomas! – Falei com satisfação sentindo suas mãos segurarem meu rosto. Ele estava bravo e eu estava aliviada, dominada por uma satisfação imensurável.
- Você não percebe que agindo assim vai me destruir? – Seu rosto muito próximo ao meu e sua testa colada a minha era exatamente o que eu precisava para me sentir
viva outra vez. Sua respiração tocava minha pele em uma carícia suave, que me transportava a um lugar comum, confortável e feliz. - O que eu preciso fazer para que
você acredite em mim? Eu...
Não consegui evitar o que fiz. Foi uma reação involuntária, infinitamente mais forte do que eu. Meu corpo ganhou vida própria reagindo a Thomas como se dependesse
dele para continuar vivendo. Era como uma droga, veneno, que ao invés de matar, me curava e viciava, tornando-me cada vez mais dependente de mais uma dose. De repente
eu não podia mais viver sem ela.
Com a emoção e o alívio me dominando, segurei seu rosto e o beijei. Thomas correspondeu imediatamente colando sua boca a minha de maneira feroz enquanto gemia de
prazer entre meus lábios que não desejavam mais a separação.
Eu não sabia onde estava, nem que desculpa arranjaria para justificar o que estávamos fazendo. Desde quando precisava me justificar por estar em seus braços? Era
tão correto e tão perfeito que não havia motivo para desculpas. Estava tudo como sempre deveria ser: eu e Thomas, juntos, completos, únicos.
Thomas me segurou com força contra a parede. Agarrei seus cabelos mantendo-o firme em minha boca, enquanto suas mãos exploravam meu corpo, que respondia ao toque
familiar tão desejado.
Um vulcão entrou em erupção dentro de mim fazendo-me esquecer de tudo, menos de seus toques, seus lábios, seu corpo por inteiro. Thomas levantou minha perna pendendo-a
em sua cintura, sua língua deslizando por meu pescoço. Gemidos e soluços se misturavam ao saírem dos meus lábios enquanto o prazer de ser tocada por ele me dominava.
- Que saudade de você, Cathy!
Nossas palavras, movimentos e gestos se fundiam, não me deixando distinguir se ele realmente estava me dizendo em palavras o quanto sentia a minha falta ou se seu
corpo me demonstrava em gestos.
Sempre que nossos lábios se juntavam uma nova onda de calor percorria meu corpo me fazendo ofegar enquanto tentava aproveitar ao máximo possível tudo o que ele me
oferecia.
- Eu te amo, Thomas, não consigo mais lutar contra esse amor.
Um gemido alto de prazer preencheu a sala e eu não sabia se tinha vindo de mim ou dele, pois aconteceu no exato momento em que começamos a fazer amor. Saudosos e
enlouquecidos de desejo nos entregamos ao momento sem pensar em mais nada e quando o amor realmente se apossou de nossos corpos deixamos que o êxtase nos dominasse.
Ficamos abraçados, extasiados, enquanto o desejo arrefecia. Thomas não parou de distribuir beijos carinhosos por meu rosto e pescoço como sempre fazia ao terminarmos
de fazer amor, quando nossa vida ainda era perfeita.
A emoção ia cedendo para que eu conseguisse raciocinar melhor. Não foi como da última vez, quando a raiva por ter cedido me dominou, foi muito diferente. Havia entregado
os pontos, aceitando que não poderia mais lutar contra meus sentimentos.
Aceitar que meu destino seria exatamente o que temi a vida inteira era muito difícil. Entretanto chega um momento que precisamos reconhecer que a luta é na verdade
uma sucessão de fracassos. Eu nunca o esqueci. Então arranjar novas armas seria apenas prolongar uma guerra já vencida, pelo inimigo. Não me restava mais nada a
defender.
- Está com raiva de mim outra vez? – A voz de Thomas rouca pela emoção quebrou o silêncio do nosso momento.
Ele, de cabeça baixa, evitava meus olhos, ou minha expressão. Era plausível que tivesse medo. Da última vez minha reação não foi das melhores.
- Não – admiti. Pelo movimento do seu rosto, eu pude ver, mesmo no escuro, que Thomas sorria, e era em espetáculo.
- Parece que voltamos no tempo, para quando nos beijamos a primeira vez. Você lembra?
- Claro. Como eu poderia esquecer? – O calor invadiu o meu coração com a lembrança. Tinha sido mágico! Amor e razão guerrilhando dentro de mim. - Eu fugi de você
quando percebi que me entregaria se permitisse que avançasse mais um pouco.
- Você não sabe o quanto eu te desejei naquele dia – riu baixinho enquanto uma música suave tocava do lado de fora.
- Não podemos ter esta conversa aqui. Eu tenho que voltar – interrompi me dando conta da realidade.
Uma onda de tristeza atingiu o meu coração que pouco antes quase transbordou de tanta felicidade. Eu precisava mesmo voltar. Meus amigos aguardavam por mim. Roger
aguardava por mim. Não era certo ficar com Thomas quando o meu namorado ainda era outra pessoa.
- Eu não posso deixar você voltar para ele, Cathy. Não depois do que vivemos aqui. Você me ama, eu te amo, não temos mais porque fingir...
- Thomas, eu preciso voltar.
- Por favor, Cathy! Não faça isso comigo. Eu não aguento mais, não vou suportar.
Thomas partiria ao meio se eu o abandonasse naquele momento, era fato. O mesmo aconteceria comigo. Seria extremamente complicado dar qualquer passo que me levasse
para longe dos seus braços. Também não suportaria machucá-lo mais. Não poderia abandoná-lo mais uma vez, muito menos ficar a noite toda com ele naquela sala escura.
Porém, definitivamente não poderia voltar para Roger como se nada tivesse acontecido. Minha mente tentava encontrar uma solução, mas quem decidiria seria o meu coração,
eu já estava convencida disso.
- E então o que vamos fazer? Ficaremos trancados aqui a noite toda?
- Não. Sairemos pelos fundos. Vamos para meu apartamento, para o nosso apartamento.
Eu contestaria se tivesse forças. Olhando para ele eu sabia que nunca conseguiria ser forte o suficiente para ir embora. Nunca mais. Thomas segurou em minha mão
e me senti completa.
De mãos dadas saímos da sala e fomos embora da boate pelo portão do fundo. Foi rápido e não chamamos atenção. Andamos por uma rua curta, escura e vazia, mas o carro
estava próximo. Rapidamente estávamos a caminho.
Do carro, enviei uma mensagem para Roger, dizendo que tinha me sentido mal e que estava voltando para casa, em seguida enviei outra para Mia, contando a verdade,
é claro. Eu não mentiria para minha amiga. Depois desliguei o celular. Era o melhor a ser feito.
Ao passarmos de carro em frente à boate pudemos contemplar o grupo de fotógrafos que se aglomerava na porta. Céus! Até quando eles me perseguiriam? Olhei para Thomas
para comentar o ocorrido, mas desistir ao sentir seus olhos fixos em mim. Tão profundos e amorosos. Tão intensos. Eu não estragaria aquele momento por nada.
Entrar no apartamento novamente me deixou um pouco triste, porém lutei contra este sentimento, Thomas estava ao meu lado e eu precisava ser forte, deixar tudo passar,
como deveria ser.
Fiquei surpresa quando caminhamos em direção ao quarto e Thomas passou direto me levando para o do final do corredor, destinado a visitas. Confesso que fiquei satisfeita.
Eu tinha dado um passo, seguro, mas ainda era apenas um passo para uma longa caminhada e superar o nosso quarto exigiria um pouco mais de mim.
No entanto, inseguranças a parte, o amor preencheu toda a nossa noite, e como sempre acontecia, adormecemos um nos braços do outro quando o dia começava a amanhecer.
Eu dormi por horas seguidas, sem que nenhum sonho ou pesadelo me incomodasse.
Minha vida continuaria e não recomeçaria como sabíamos que seria.
Capítulo 19
Coisas Estranhas Acontecem
VISÃO DE THOMAS
Abri os olhos e dei de cara com aquelas íris verdes, quase cinza, me observando. Voltei a fechá-los, pensando em tudo o que tinha acontecido no dia anterior.
- Deus, não permita que eu esteja sonhando, mas se for um sonho, não permita que eu acorde – ouvi o seu risinho maravilhoso, deixei que um imenso sorriso se formasse
em meus lábios como satisfação por tê-la de volta aos meus braços.
- Desde quando você se apega a Deus? –Cathy ainda ria.
- Desde que você foi embora – imediatamente seu sorriso se desfez, mas seus olhos continuaram nos meus. Passei as pontas dos dedos lentamente pelos seus cabelos
– Cathy, eu...
- Não diga nada, Thomas, por favor! Eu estou aqui com você e isso é o que importa agora.
Meu coração estava tão apertado que me sufocava. O que ela queria dizer com aquelas palavras? Cathy reconhecia que ainda me amava, o que já era um grande avanço,
mas será que era o suficiente para aceitasse voltar? Ainda não tinha conseguido as provas necessárias para convencê-la de que tudo não passou de uma armação.
Eu conhecia Cathy muito bem para saber que o que aconteceu até aquele momento ainda era pouco para que ela acreditasse em minha inocência. O silêncio que imperava
no quarto me apavorava. Cathy sentou na cama olhando em meus olhos. Nada bom. Ela iria embora.
- Você vai embora? – Minha pergunta saiu sufocada pela constatação.
- Vou.
- Cathy... – levantou uma mão me impedindo de continuar.
- Thomas eu já sei de tudo o que você tem para me dizer. Você também sabe tudo o que eu tenho para falar. A nossa situação não vai mudar apenas porque reafirmamos
nosso amor.
- Eu nunca tive dúvida dos meus sentimentos.
- Nem eu. Foi difícil admitir... Está sendo difícil... – fiz menção de interrompê-la e ela outra vez não me deixou continuar. – Thomas a minha vida mudou muito depois
de tudo o que aconteceu. Não é mais segredo para você o meu relacionamento com Roger – concordei com a cabeça, meu coração dilacerado. – Não posso mudar o passado
e não sei como viver o futuro. Eu estou muito confusa.
- Confusa?
- Sim. Não tenho condições de apagar de minha mente o que aconteceu – fez uma pausa avaliando meu rosto. – Eu quero acreditar em você. Quero muito! Seria muito melhor,
muito mesmo se fosse realmente da forma como você vem me contando. Mas tudo parece tão fora da realidade e ao mesmo tempo tão coerente. Não sei o que pensar.
- Eu ainda posso te provar que tenho razão.
- Anna está morta, Thomas! – Bradou num misto de angústia e impaciência. – Não há mais nada a ser feito.
- Cathy, você nunca quis ouvir a minha versão desta história e eu consigo te entender, até porque nem eu mesmo acreditava nela, apesar de tudo.
- Por que apesar de tudo?
- Porque desde que te conheci, todas as outras mulheres deixaram de ser atraentes para mim. Muito antes de te convencer a me aceitar eu já sabia disso. E eu conhecia
a Anna, convivi com ela em diversos momentos de nossas vidas e posso te garantir que nunca pensei nela como mulher. Para ser bem sincero, ela nem fazia o meu tipo
– Cathy riu ironicamente. – Eu penso que se tivesse que me interessar por qualquer uma de suas amigas, com certeza a Mia estaria em primeiro lugar. Ela é linda,
e tão parecida com você na maneira de pensar e agir, e nem por isso penso nela desta maneira. Ou a Daphne, que é tão bonita que chega enjoa.
- Vamos esquecer essa história. Ao menos por enquanto – Cathy levantou da cama. Meu coração acelerou.
- Para onde você vai? – Segurei seu braço impedindo que ela se distanciasse.
- Vou tomar um banho – riu do meu desespero. – Tenho que trabalhar – hesitou. – Também tenho que pensar no que dizer para Roger, ou melhor, tenho que inventar uma
história. Este é mais um problema. Não sei como agir com relação a ele.
- Cathy você não o ama.
- Não. E ele sabe disso. Nossa relação sempre foi muito sincera e aberta, Thomas – aquelas palavras me atingiram uma como pedrada. – Não sei como contar a verdade.
Ele não merece saber o que aconteceu entre nós dois ontem.
Como se para amenizar meu desespero, deixei que minha cabeça caísse derrotada em seu ombro. Cathy muito delicadamente acariciou meus cabelos.
- Eu me odeio! – Desabafei. – Odeio o fato de que por minha culpa, você agora ter que se preocupar com aquele “almofadinha” como se ele fosse a pessoa mais importante
do mundo – Cathy riu. - O que você pretende fazer? Voltar para ele, mesmo depois de tudo o que vivemos aqui? Mesmo sabendo que o que sentimos é tão forte que nos
impulsionará sempre para este mesmo fim? É assim que você quer passar o resto da sua vida?
- Eu sei que não posso continuar com ele, e vou providenciar logo isso – sorri vitorioso. – Também não posso ficar com você – segurei o ar em desespero. Eu não poderia
perdê-la mais uma vez.
- Mas...
- Preciso de um tempo para colocar a minha cabeça no lugar, resolver o meu problema com Roger e depois decidir a respeito de nós dois. Por favor, compreenda o que
estou te falando.
Eu não podia ir contra o que ela estava me pedindo. Seria o meu primeiro dever de casa: aprender a respeitar as decisões dela. Era fundamental para que eu pudesse
tê-la de volta.
- Tudo bem! – Suspirei. – Quando vou te ver outra vez?
- Não sei ainda. Eu entrarei em contato. Agora preciso ir. Preciso tentar recuperar o dia e ainda tenho uma explicação para dar – fez menção de se levantar, mas
hesitou voltando a atenção para mim. – Ah! Não precisa mais montar guarda na porta da minha casa – sorriu timidamente analisando a minha reação. Admito que me senti
completamente envergonhado. Era muito infantil o que eu estava fazendo e ela havia descoberto tudo. – Também não precisa mais mandar os rapazes para atrapalhar as
minhas noites com Roger. Não é do jeito como você pensa, Thomas. Infelizmente o meu corpo tem vontade própria – não tive como evitar o imenso sorriso que dei. Abracei
seu corpo puxando-a para mim e beijei seu pescoço.
- Obrigado!
- Pelo que?
- Estou agradecendo ao seu corpo por ele ser fiel a mim – Cathy riu, mas se afastou, abandonando a cama e imediatamente senti a solidão me dominar.
Era incrível como a vida estava brincando comigo. Não tinha mais nada a que me apegar, quando surge uma possibilidade de mudança, me desespero, vou em busca da Cathy,
encontrando o paraíso em seus braços outra vez. Em seguida sou arremessado do céu para o inferno, com a morte da Anna e o fim de qualquer esperança de recuperar
o amor da Cathy. Então, como se Deus estivesse do meu lado, surge outra oportunidade e, mais uma vez sou devolvido no inferno ao ver a Cathy nos braços do Roger,
o que quase me fez desistir de tudo, inclusive da minha vida. Mas eis que surge outra reviravolta, Cathy mais uma vez se entrega ao nosso amor e eu passo a acreditar
que todo o pesadelo acabou, aí ela decide que ainda não sabe o que fazer em relação a nós dois, devolvendo-me ao inferno.
Só podia ser uma brincadeira de péssimo gosto. Deitei de volta na cama, derrotado e esgotado. Puxei o lençol cobrindo-me por completo, tentando me esconder do mundo.
Fiquei assim até ouvir a voz dela de volta ao quarto.
- Já estou indo – parecia envergonhada. Tirei o lençol do rosto e a encarei sem dizer nada.
Seus olhos estavam levemente avermelhados. Ela tinha chorado. Eu também choraria, não ali nem naquela hora. Deixaria para quando estivesse sozinho. Aí eu me entregaria
à depressão e ao desespero. Cathy, já completamente vestida e pronta para partir, caminhou para sair do quarto.
- Espere! – Respirei fundo tentando me conter. – Vou levar você até a porta – ela sorriu, ainda triste, mas satisfeita.
Descemos juntos. Lado a lado. Não nos tocamos nem conversamos durante o curto trajeto até a sala. Havia movimento no andar de baixo. Olhei pelo canto dos olhos para
Cathy, constatando o seu constrangimento, mas demonstrava coragem para encarar nossos amigos.
- Tudo bem?
- Sim – ela sorriu timidamente, mantendo a cabeça baixa.
- Se você quiser...
- Está tudo bem, Thomas. Não quero me esconder.
Suas palavras inflaram o meu coração. Eram repletas de esperança e traziam felicidade, mesmo que ainda a passos lentos. E assim entramos na sala.
Como eu havia pensado, Dyo e Kendel já tomavam o café da manhã, que por sinal já estava bem atrasado. Deduzi que eles evitaram voltar cedo para casa, depois do nosso
desaparecimento. Cathy, mesmo visivelmente envergonhada, foi até a mesa cumprimentar os rapazes. Graças a Deus, Kendel não fez nenhum comentário que piorasse nossa
relação, mas não evitou um sorrisinho que entregava seus pensamentos. Ela fingiu não perceber.
- Não vai comer nada? – Dyo percebeu que eu ainda estava de pé aguardando e que ela apenas tinha parado para falar com eles rapidamente.
- Não, Dyo! Como alguma coisa no caminho. Estou muito atrasada e ainda vou passar em casa – só então me lembrei de que Cathy não estava de carro. Chamei Eric e pedi
para que ele a levasse em casa. Ela ouviu tudo e não protestou. Perguntei-me se seria mais correto eu mesmo a levar, porém cheguei rapidamente à conclusão de que
seria melhor para ela ir com o Eric.
- Tudo certo para nosso jantar hoje? – Dyo me chamou de volta a realidade, tocando em um assunto de extrema importância. Eles tinham combinado de jantar juntos,
para que ela finalmente pudesse ouvir a versão do garçom.
- Hum! Melhor não, Dyo. Vamos marcar para amanhã? Acabei me atrasando demais e não sei se vou conseguir resolver tudo o que tenho para hoje – meu agente lançou um
rápido olhar em minha direção. Concordei com um gesto de cabeça, então ele prosseguiu. .
- Tudo bem. Transferimos para amanhã?
- Ótimo!
Fomos juntos até a porta, ela um pouco a frente, eu logo atrás, inseguro e sem saber o que fazer. Não queria invadir o seu espaço, nem sufocá-la com a minha imensa
necessidade de tocá-la ou tê-la ao alcance das mãos. A situação foi muito estranha.
Abri a porta em meio ao embaraço que estava sendo nos movimentarmos tão próximos um do outro. Era hora da despedida e definitivamente não sabíamos como agir. Ridículo!
Tínhamos feito amor à noite toda, como podíamos estar parados e indecisos sem saber qual a melhor forma de nos despedir?
Eu sabia o que queria, por outro lado existia a dúvida de como ela queria que fosse. Foi como voltar a adolescência. Depois de um tempo rimos da nossa situação,
o que amenizou o clima. Um pouco.
- Então... Tchau. – Cathy foi em direção ao elevador, onde Eric a esperava.
- Cathy! – Ela virou em minha direção, por impulso a beijei nos lábios.
Cathy podia me odiar por isso, mas eu não conseguiria deixar que fosse embora como se fosse qualquer mulher com quem passei a noite. Ela era a minha Cathy. O amor
da minha vida. E eu precisava deixar isso bem claro.
Quando me afastei, ela apenas sorriu de cabeça baixa e foi embora. Fiquei parado à porta, olhando o vazio. Repassando as lembranças e renovando a esperança.
- Vai ficar o dia todo parado aí? – Kendel gritou de dentro do apartamento. Voltei para casa na mesma hora me dando conta de que já tinha se passado tempo demais.
- Dyo já está ligando para Mário. Vai tentar transferir o encontro para amanhã –meu amigo me analisava enquanto falava.
Ele queria saber o que tinha acontecido. Deixei que chegasse ao seu limite, não lhe passando nenhuma informação. Eu iria contar, é lógico, mas estava sendo divertido
vendo-o se esforçar para não parecer uma comadre em busca de fofoca. Era hilário. Quando Dyo voltou para sala à conversa ficou mais fácil. Ele era mais direto.
- Vocês não voltaram – constatou.
- Não.
- Mas ela estava bastante tranquila. O que aconteceu?
- O de sempre – não queria entrar em detalhes. – Cathy não sabe como lidar com a nossa situação. Ela está confusa e precisa de um tempo.
- E você?
- Eu tenho que esperar por ela. Enquanto isso manteremos nosso plano. Amanhã vamos fazer com que ela escute o garçom e depois vejo no que vai dar. Se for de provas
que ela precisa, então é isso que vou dar a ela.
- Isso é estranho! – Kendel falou com uma expressão engraçada.
- O que?
- Você. Está muito calmo. Conformado. Não é o seu normal – dei risada.
- Está ficando mais fácil para mim, Kendel. Só isso. Ontem, nós tivemos a certeza de que o nosso amor ainda é mais forte do que tudo. Cathy só está muito magoada
ainda. Eu tenho certeza de que não vai demorar muito. Só preciso ter paciência e confiar mais nela.
- Quanta maturidade!
VISÃO DE CATHY
Eu sabia, e Thomas também, que era só uma questão de tempo, embora não tivéssemos dito. A certeza de que logo estaríamos juntos de novo aquecia o meu coração. Mesmo
com todas as dúvidas e medos. Era mais fácil acreditar nele e aceitar que separados não poderíamos mais ficar. No entanto ainda existiam muitas coisas para serem
resolvidas, Roger era uma, as empresas outra.
Primeiro problema a ser solucionado era terminar meu relacionamento com Roger. Não porque eu tinha certeza de que voltaria com Thomas. Da forma como a vida vinha
nos surpreendendo era praticamente impossível contar com alguma definição para nosso destino, mas porque ele não merecia ser traído. Não por mim, que só tinha recebido
dele, amor, compreensão, amizade...
Eu não tinha como retribuir sua dedicação, mas poderia evitar um mal maior. Devia isso a Roger. Depois precisava resolver a minha situação dentro das empresas. Como
seria? Não poderia saber como seria trabalhar ao lado do Roger depois de romper o nosso relacionamento. E se eu realmente voltasse com Thomas, como seria estar com
ele e trabalhar com Roger? Com certeza teria só mais problemas.
Por outro lado o que mais me incomodava era o fato de que se eu aceitasse realmente voltar para Thomas, desejaria a minha vida toda de volta, não somente o meu noivo,
o meu trabalho também. Era muita coisa para se pensar e só poderia resolver uma de cada vez.
Quando cheguei à empresa, Sandra me informou que Roger me aguardava na sala dele. Meu corpo gelou. Ele não tinha viajado como tínhamos combinado na noite anterior.
Eu contava com mais tempo para resolver tudo, no entanto passei a ter alguns minutos para elaborar o que iria dizer.
Entrei em minha sala, organizei meu material e pedi um café. Era uma forma de protelar o que viria. Estava com medo. Muito medo. Chegava a sentir um enjoo forte.
Um incômodo na boca do estômago que não permitia que eu sentisse prazer em saborear o café quente em minhas mãos. Deixei-o de lado, puxando o ar com força, precisava
encontrar coragem. Não precisei.
Roger não esperou que eu elaborasse minhas desculpas. Diante da minha demora, foi até a minha sala. No primeiro instante fiquei imóvel. Tive medo do que ele faria.
Eu havia desaparecido no meio da noite, deixando-o sozinho na boate. Era vergonhoso. Eu sentia vergonha da minha atitude. Ele permanecia parado, me analisando. “Será
que sabe o que aconteceu?” Fiquei péssima com esta possibilidade. Quanto mais ele me olhava mais eu me sentia envergonhada.
- Roger eu... – ele andou rapidamente em minha direção e me abraçou com força.
- Cathy! – Disse com alívio. – Fiquei tão preocupado! – Soltei o ar preso nos pulmões. Ele ficou preocupado. Então não desconfiava de nada.
- Pensei que você tinha viajado. Eu te ligaria mais tarde.
- Eu tinha mesmo que viajar, mas não podia ir assim, sem saber como você estava – olhou-me com ternura. Minha vergonha só aumentou. – Você está bem? O que aconteceu?
Eu liguei várias vezes, fui até sua casa, mas...
Roger era tão perfeito. O companheiro ideal para qualquer mulher. Por que não para mim? Seria fácil como respirar. Sem cobranças, sem brigas, infantilidades... Infelizmente
ele não conseguia ser o que eu precisava. E não era ele quem eu amava.
- Eu me senti mal. Tontura, falta de ar, enjoo... – respondi com a primeira coisa que veio a minha cabeça. Roger parou por alguns segundos, como se eu tivesse dito
algo revelador, logo sua expressão se desfez. – Não quis te atrapalhar. Você estava com seus amigos e... Acho que o ambiente me deixou um pouco nervosa – ele continuava
me encarando, aguardando para saber até onde eu iria. – Roger, nós precisamos conversar – tomei coragem. Precisava ser forte e acabar logo de uma vez com tudo.
- Espere! – Disse de repente. – Estou aqui te enchendo de perguntas e sei que você tem coisas para me dizer, antes me deixe abusar um pouco da sua amizade. Na verdade
eu não viajei ainda porque precisava muito ter você ao meu lado – seus olhos ficaram marejados. Pude constatar que Roger lutava contra as lágrimas que se formavam.
- O que aconteceu? Trata-se dos problemas pessoais que você tinha me dito? – Esqueci-me de tudo o que precisava dizer e passei a me empenhar em ser a amiga que ele
precisava, como Roger sempre havia sido para mim.
- Sim. Cathy, eu estou com medo – abaixou a cabeça em um gesto indefeso. – Fico feliz por você está comigo. Preciso tanto de você! – Voltou a me abraçar. Afaguei
suas costas, sentindo um misto de tristeza e ansiedade.
- É minha mãe, Cathy – prendi a respiração. Roger não tinha falado nada sobre sua família desde que nos reencontramos. Eu vivia tão presa aos meus próprios problemas
que não me lembrei de perguntar.
- O que tem sua mãe?
Eu lembrava muito bem dela. Sempre muito amorosa e atenciosa. Era como uma mãe para mim nos nossos primeiros momentos juntos, mesmo com Roger distante por causa
da faculdade. Era para ela que eu fugia quando podia, para tentar esquecer de todos os problemas que me oprimiam.
O pai do Roger faleceu dois anos após ele ingressar na faculdade e a mãe dele ficou sozinha. Quando eu também segui meu rumo, na Califórnia, foi triste ter que deixá-la,
e como eu me negava a voltar para casa nas férias, acabamos nos afastando.
- Eu não te contei, mas ela teve alguns problemas nos últimos anos. Tem Alzheimer. O caso já está tão avançado que raramente ela me reconhece. Tenho feito de tudo
para que tenha uma vida confortável, se é que existe conforto para uma vida como a dela – fez uma pausa respirando rápido e profundamente. Roger sempre foi um ótimo
filho. Não havia dúvidas a respeito do tratamento que oferecia a mãe. – Quando eu ainda estava apenas gerenciando uma das empresas era mais fácil. Mas com todos
os problemas... Não tive alternativa. Precisei interná-la em uma clínica especializada. Doeu muito! Sempre que posso, viajo para vê-la. Ontem fui chamado com urgência
porque ela está muito agitada. Fica chamando por mim e acordada a noite toda pedindo para levá-la para casa Sei que faz parte da doença, mesmo assim me dói muito
vê-la deste jeito.
- Eu te entendo – acariciei seu rosto. – O que posso fazer para te ajudar?
- Ficar ao meu lado é suficiente. Você é tão forte! – Sorriu com tristeza.
Perguntei-me se Roger, de alguma forma, sabia o que eu estava prestes a fazer, por isso estava ali me pedindo para adiar tudo, por ele. Mesmo assim, eu sabia que
não poderia ser indiferente ao que estava me pedindo. Não poderia abandoná-lo naquele momento. Não quando precisava que eu estivesse ao seu lado. Foi o que ele fez
por mim e era minha obrigação retribuir. Não foi difícil tomar a decisão, mesmo já sofrendo por ter que me afastar de Thomas.
- Pode ficar tranquilo. Eu estarei aqui – minhas lágrimas também se formaram, junto com o nó na garganta que quase impediu as palavras de saírem.
- Obrigada, meu anjo! E o que você tinha para conversar comigo?
- Nada de importante. Você precisa viajar para resolver o problema da sua mãe. Eu vou cuidar de tudo por aqui enquanto estiver fora. Quando voltar, conversaremos
– assim eu esperava.
Roger concordou e se despediu com um beijo leve em meus lábios. No mesmo momento as lembranças da minha noite com Thomas invadiram os meus pensamentos. Como um simples
beijo podia ser algo absurdamente diferente?
Bastou ele bater a porta para eu sentir necessidade do café antes rejeitado. Chamei Sandra, solicitando outro. Sentei encarando a mesa diante de mim. Quando pensei
que resolveria um problema, ganhei mais um: Thomas.
Como explicar a ele que mesmo o amando como amava, teria que desistir de nós dois, temporariamente, para atender a um pedido de ajuda de um amigo?
Deixei meu corpo cair sobre a mesa sem coragem para levantar e encarar tantos problemas de uma só vez.
- Dia difícil? –Sandra havia entrado com o café e eu não tinha percebido. Olhei-a atentamente, ela era uma ótima pessoa.
- Muitas decisões e poucas alternativas – confessei, pegando o café que ela estendia em minha direção.
- Entendo – ela permaneceu parada a minha frente. Parecia indecisa. – Se eu puder ajudar?
- Não acredito que eu tenha direito a ajuda para estas questões. Na verdade não existe uma decisão a ser tomada. O que tem que ser feito será. O problema é que não
consigo me conformar. Queria poder escolher, porém seria um ato de extremo egoísmo.
- Não quero parecer intrometida, mas parece mais uma questão pessoal do que profissional – sorri sem vontade em resposta a sua constatação. – Eu acredito que seja
a eterna dúvida que cerca todas as mulheres – sorriu cúmplice.
- Que dúvida?
- Entre o amor e a razão. Você sabe o que é correto e o que é justo para a sua vida, mas o coração não está em harmonia com a sua mente e te leva por outro caminho.
- Muito perceptiva – admiti pensativa.
- Mais uma vez me perdoe por estar me intrometendo. Mas não pude deixar de perceber que o seu relacionamento com o senhor Turner não é o que é movido pelo coração.
E também sei que até algum tempo você era noiva de Thomas Collins. Eu adoro os filmes dele. – admitiu, sem graça. – Existe uma diferença gritante entre a maneira
como seus olhos brilham ao lado do Thomas e como eles ficam mortos ao lado do Roger – mordi meu lábio inferior. Ela tinha toda razão. Eu não tinha vida ao lado do
Roger, apenas tentava sobreviver à falta do Thomas. Mas quando eu estava ao lado do Thomas minha vida era completa.
- É. Eu sei.
- Não sei o que aconteceu. Mas se existe uma dúvida em seu coração entre voltar a viver o que te faz feliz ou fazer alguém feliz, eu posso afirmar que não é egoísmo
colocar a felicidade em primeiro lugar.
- Mesmo quando a outra pessoa sempre buscou primeiro a sua felicidade? Seria justo se colocar em primeiro lugar quando outra pessoa se dedicou tanto a você?
- Cathy, não podemos dar aos outros o que não temos. Você não pode amar uma pessoa se você primeiro não se amar. O mesmo vale para a felicidade. Você não pode fazer
alguém feliz sendo infeliz. No final será um favor que estará fazendo a ele. Porque é muito melhor viver com a verdade do que viver em mundo de mentira, criado apenas
para satisfazê-lo. Este mundo não vai existir para sempre. Não é real. Um dia ele vai ruir, e aí a dor será muito maior.
O que ela me dizia fazia todo sentido. Bastava a coragem para encarar aquilo como verdade absoluta. Fiquei em silêncio tanto tempo que Sandra entendeu como se eu
não quisesse mais ouvir o que estava me dizendo.
- Bom... Tenho muitas coisas para fazer. Com licença!
- Obrigada! Você tem razão... Em tudo – ela sorriu satisfeita e saiu da sala.
O restante do dia, tentei ao máximo me concentrar no trabalho. Quando acabou eu já sabia o que teria que fazer. Passei em casa, tomei um banho demorado, como sempre
fazia quando precisava de coragem. A noite não estava fria então escolhi um vestido preto de alças, justo ao corpo, com barras de rendas que permitiam um ligeiro
vislumbre de minhas coxas e uma sandália alta. Soltei os cabelos que caíram como uma cascata em meus ombros. Peguei uma bolsa, coloquei algumas coisas dentro, caso
precisasse, entrei em meu carro e fui em direção a casa dele. A minha casa.
Capítulo 20
Em Busca Da Felicidade, Ou Do Que Fosse Possível Encontrar.
VISÃO DE THOMAS
Eu queria muito ligar para ela, ou simplesmente bater a sua porta, mas tinha que respeitar o tempo dela. Não seria fácil.
Dyo e Kendel tinham saído. Dyo avisou que não voltaria para casa e Kendel disse que estava entregue a própria sorte. Eu fiquei em casa, sozinho com meus pensamentos.
Abri um vinho e tomei a primeira taça com o pensamento ainda preso na nossa noite. Tinha sido perfeita! Escutar dela o quanto ainda me amava era avassalador. Muito
mais do que eu poderia esperar.
A lembrança da textura suave da sua pele dourada pelo sol, em minhas mãos, meus lábios, os sons do nosso amor ecoando noite adentro, da percepção das suas mãos em
meu corpo, da sensação quente que era estar dentro dela mais uma vez, fazia com que eu me perdesse no tempo por diversas vezes. Cathy era inacreditavelmente maravilhosa.
Ela afirmou que voltaria a me procurar, mas quando? Ela teria coragem ou condições de permanecer muito tempo longe? Sentei no chão da sala, entre o sofá e a mesa
de centro e acendi um cigarro. Minha taça estava ao meu lado, no chão e meus olhos estavam na varanda, repassando toda a nossa discussão naquele dia fatídico.
Como queria conseguir voltar no tempo. Evitar que Roger conseguisse esgotar toda a minha paciência. Evitar que Cathy fosse embora. Evitar tudo o que aconteceu. Infelizmente
era impossível apagar o passado. O importante dalí para frente era buscar formas de não mais perdê-la.
O som da campainha me arrancou dos pensamentos. “Quem será a esta hora?” Levantei sem muita vontade e fui atender a porta. Cathy estava lá. Linda! Não tive como
evitar olhar para seu corpo escultural desenhado em um vestido de alças. Ela ficava perfeita de preto. Não. Ela ficava perfeita com qualquer coisa, ou sem coisa
alguma.
- Não vai me convidar para entrar?
- A casa é sua. Não precisa de convite.
Saí do caminho, possibilitando a sua passagem. Seu perfume ao passar por mim era embriagante. Ela andou até uma parte da sala, então parou virando em minha direção.
Cathy estava segura do que estava fazendo, mas existia algo de errado e eu não conseguia identificar o que era.
- Aconteceu alguma coisa?
- Sim. Alguns problemas. Você está ocupado? – Que pergunta! Claro que não, e mesmo que estivesse, nada neste mundo me impediria de dar atenção a ela.
- Não. Quer beber algo? Vinho?
- Vinho – ela respondeu indo sentar exatamente onde eu estava antes dela aparecer.
Sorri para a coincidência. Se é que havia coincidência. Éramos tão sintonizados que essas coisas sempre aconteciam quando estávamos juntos. Servi uma taça e a entreguei,
sentando na posição contrária para que pudéssemos conversar melhor.
- Bebendo sozinho? – Olhou discretamente para a sala, como se procurasse alguma coisa.
- Os rapazes saíram – continuei observando os seus gestos. Ela passou a mão pelos cabelos cuidadosamente e depois bebeu um pequeno gole do vinho.
- Sem vontade para curtir a noite? – Desta vez ela olhou diretamente para mim. Sorri e também tomei um gole do meu vinho.
- Algumas coisas perderam o sabor para mim – revelei sem deixar que a tristeza atrapalhasse o nosso momento.
- Thomas, eu disse que iria pensar no que aconteceu entre nós dois e voltaria a te procurar. No entanto hoje aconteceram algumas coisas que me impediram de fazer
como havia planejado.
- Você não terminou com Roger – não tive coragem de olhar em seus olhos.
- Não. Mas também não é como você está pensando – sorri sem a menor vontade. Independentemente de como seria, era péssimo para mim. Era angustiante saber que ele
tinha mais direitos sobre ela do que eu.
- Vou te contar tudo.
Cathy ficou um bom tempo me contando o que aconteceu e do pedido que ele tinha feito a ela. Explicou porque se sentia na obrigação de aguardar que ele voltasse ou
que o problema dele estivesse amenizado.
Ela falava, mas eu não entendia, não aceitava, não queria concordar que ela teria que ser dele até que nada mais existisse para segurá-la ao seu lado. Eu estava
magoado, ferido, derrotado. Porém não havia nada que pudesse fazer. Cathy decidira, assim e eu teria ser forte para entender e respeitar sua decisão.
- Confie em mim – e havia alternativa?
- E o que eu vou fazer durante este tempo? Sentar e esperar ele acabar de bancar de seu namorado? – Cathy não respondeu. Ela bebeu o seu vinho em silêncio.
Não voltei a tocar no assunto. Cathy sofreu muito com tudo o que aconteceu. Minha parcela de culpa era enorme, não queria piorar nada. Não pelo que ela viu da Anna,
aquilo estava mais do que claro de que havia sido uma farsa e sim a minha contribuição para tornar possível todos os acontecimentos. Eu precisava confiar nela e
aceitar, mesmo morrendo por dentro.
- Thomas? – Chamou após um longo tempo em silêncio, quebrando o meu devaneio. – Como era antes de mim?
- Antes de você?
- Antes de você me conhecer. Não antes de você se apaixonar por mim, antes de eu entrar em sua vida. Como você era? Não precisa me contar que era galinha, isso eu
pude ver com meus próprios olhos.
- Além de tudo o que você sabe... – brinquei e ela riu. - Antes de conhecer você eu achava que minha vida era perfeita. Nunca me preocupei se encontraria o amor,
apesar de saber que aconteceria. Amava meu trabalho, meus colegas, amigos, minha família...
- Depois que você me conheceu sua vida deixou de ser perfeita? – Havia tristeza em sua voz.
- Você mudou a minha vida como um todo, Cathy. Mudou minha forma de ver o mundo. Eu achava que a minha vida era perfeita até te conhecer e descobrir que nada era
como eu pensava – ela me encarou por um segundo e depois baixou o olhar.
- Isso é bom – bebeu um pouco da sua taça, olhando para o chão. – Eu sei como é se sentir assim, apesar de nunca ter achado que minha vida era perfeita. Também não
enxergava as coisas como elas eram. Eu tinha muito medo – Cathy pareceu perdida em pensamentos. - Como você percebeu? Digo... Como descobriu que nada era como imaginava
ser?
- No exato momento em que vi você – não precisei pensar. Aquela era uma das minhas grandes certezas. Ela sorriu e eu também.
- Você é um grande mentiroso, Thomas! Duvido que tenha pensado desta forma.
- Lógico que eu não percebi de imediato. Depois, analisando os fatos, pude entender que aconteceu exatamente desta maneira. E você? – Fingi não estar tão interessado
na resposta dela, apenas para não parecer uma pressão desnecessária da minha parte.
- Não sei ao certo. Porém eu soube que algo estava errado comigo no momento em que você me beijou a primeira vez. Ali eu tive a certeza de que nada seria como eu
planejava – ela fez uma pausa para beber seu vinho. – O que você pensou quando me viu?
- Você não vai querer saber – gargalhei.
- Claro que eu quero!
- Bom... – pensei em uma forma boa de dizer que quis transar com ela no mesmo instante em que a vi pela primeira vez. - Eu pensei no quanto seria bom ter você em
minha cama, embaixo de mim, envolta nos meus lençóis – acariciei a sua mão que estava pausada ao lado do corpo. – Desculpe! – Ela segurou em minha mão com delicadeza.
- Tudo bem. Ao menos foi romântico. Se eu fizesse esta pergunta ao Kendel, escutaria um monte de pornografia – ri sentindo vergonha de ter sido exatamente assim
que eu tinha pensado.
- Eu também tive a fase da pornografia – admiti e desta vez ela gargalhou.
- Foi mágico, não foi? – Seu sorriso se perdeu em uma leve tristeza que ela tentava esconder.
- Foi – sussurrei. Levantei a mão brinquei com seus cabelos – Antes eu não acreditava em conto de fadas. Você me mostrou que era possível e eu passei a viver o meu
próprio. Não foi só mágico, foi perfeito! Eu queria tudo de volta – fechei os olhos e me concentrei em não estragar o nosso momento. Cathy inclinou a cabeça aceitando
meu carinho.
- Eu também – ela sussurrou com a sua voz fraca, embargada pela emoção. – Como vamos fazer? – Um soluço de dor cortou sua voz. Segurei seu rosto com as mãos e fitei
seus olhos.
- Vamos fazer da forma como você decidir – ela abraçou meu pescoço e ainda chorando capturou meus lábios. Correspondi com vigor. Era o que eu mais queria. Minha
Cathy de volta aos meus braços, pela sua própria vontade – Vai passar a noite aqui?
- Não sei se devo – me aproximei ainda mais dela.
- Tire os pés do chão, Cathy! – Sussurrei quase tocando seus lábios.
- O que?
- Esqueça o mundo, as pessoas. Esqueça o passado, o futuro. Esqueça tudo. Seja só você. Seja só a minha Cathy, a mulher que eu amo e deixe-me ser apenas o seu Thomas
– levantei carregando-a em meus braços até o quarto em que dormimos na noite anterior.
Naquela noite fazer amor com Cathy teve um sabor diferente e especial. Nós não estávamos apenas nos amando, também estávamos resgatando tudo o que tínhamos deixado
se perder. Como se estivéssemos reafirmando o nosso amor, dando-nos a certeza de que tudo ficaria bem e que no final venceríamos qualquer que fosse o obstáculo,
porque estávamos juntos.
Pela manhã ficamos um tempo na cama, conversando sobre como seria.
- Eu não sei como, nem sei se vou suportar a culpa por me permitir viver com você outra vez, mas admito que não tenho mais força para continuar lutando contra meu
corpo– ela suspirou levemente escondendo o rosto em meu peito. Imediatamente comecei a alisar seus cabelos.
Eu estava feliz. Muito feliz! Cathy estava comigo, afirmava que não me deixaria mais e isso deveria ser o suficiente para me deixar extremamente satisfeito, No entanto
nem tudo estava perfeito. Cathy ainda sofria pela suposta traição e eu sabia que não poderíamos ser felizes enquanto essa história permanecesse sem solução. Decidi
mudar o que tinha planejado com Dyo, até porque não seria mais necessário enrolá-la para fazê-la ouvir o que Mário tinha para contar. Iríamos juntos ao encontro
do garçom.
- Você não vai precisar se culpar por nada, Cathy. Hoje mesmo nós vamos tirar esta história a limpo e nós dois poderemos continuar de onde paramos – apertei meus
braços em torno dela com mais força num reflexo à ideia de que não nos separaríamos mais.
- E quanto a Roger? Você vai levar aquela ideia à diante? – Tentei o máximo possível não parecer aborrecido ou indignado, apesar de ser exatamente desta forma como
eu estava me sentindo. Sabia que não poderia mais ser tão intransigente com Cathy. Tinha por obrigação confiar em suas decisões. – Você não vai contar a ele que
estamos junto? Nós estamos juntos, não é?
Fui infantil, mas o medo de perdê-la de novo me dominou. Era aterrador não saber o que esperar depois da nossa noite. Não queria perder nenhum momento com ela. Sua
expressão serena conseguiu levar um pouco de paz ao meu coração. Cathy sorriu e se aproximou para beijar meus lábios.
- Eu acho que estamos juntos outra vez – disse com cuidado, como se não estivesse muito certa do que estava fazendo. – E eu não posso contar ao Roger ainda – seus
olhos analisaram a minha reação que consegui disfarçar com muito esforço ostentando um semblante tranquilo. – Thomas eu preciso que você me entenda e, principalmente,
que assuma que tudo que nós estamos vivendo é unicamente por culpa sua. Roger tem sido um grande amigo, o melhor que eu poderia ter neste momento. Ele me ajudou
de uma maneira extraordinária quando tudo ficou muito difícil para mim. Eu e o Roger estamos juntos, ou estávamos até ontem à noite... Não me sinto a vontade para
terminar com ele desta forma, preciso ter uma conversa sincera, com calma, como ele merece que seja. E... – mais uma vez Cathy hesitou mordendo os lábios. Ela não
sabia como me dizer o que estava pensando. Passei as mãos pelos cabelos me preparando para a bomba que lançaria. -... Eu não posso contar que estamos juntos, seria
muito desleal com ele... Não quero assim.
- E como você pretende fazer? – Minha voz saiu rouca. Busquei forças entro de mim para não deixar escapar nada que pudesse fazê-la desistir de nós dois.
- Eu quero terminar com ele, quando chegar à hora apropriada, além disso, esperar um tempo para que possamos ser vistos juntos outra vez.
- Se você não vai terminar com ele, e nós estamos juntos, eu me tornei seu amante? – Cathy achou graça, dando risada da situação no mínimo absurda.
- Irônico não?
- Não. É um absurdo eu passar de noivo a amante, Cathy – fechei os olhos tentando não ser mais explosivo do que já tinha sido.
- Eu sei. Mesmo assim não quero que nada machuque o Roger.
- Quanto tempo?
- Um mês, ou um pouco mais. Não sei ainda. Como estamos trabalhando juntos poderei encontrar o melhor momento para que ele possa saber que voltamos.
- Você vai continuar trabalhando com ele, digo, na empresa?
- Pelo menos durante o tempo que me comprometi a ficar, depois poderei decidir o que vai ser melhor para mim – engoli meus questionamentos, ainda não era o momento
adequado.
- Tudo bem, se é o que você quer, eu entendo – vi quando seus olhos assumiram um brilho mais vistoso ao absorverem minhas palavras. Cathy estava feliz com a minha
reação.
- Então... Vou tomar um banho – Cathy ameaçou levantar, mas eu a retive para conversar sobre os meus planos, talvez assim ela desistisse dos dela.
- Espere um pouco – me inclinei sobre ela dando-lhe um leve beijo nos lábios ainda úmidos. – Sobre o que aconteceu, Anna não era a única testemunha. Naquele dia
havia eu, Anna e um garçom que presenciou todo o ocorrido no bar. Conversei com ele e descobri que existem alguns detalhes que comprovam a minha inocência. Ele concordou
em nós encontrar hoje e te contar toda a verdade – Cathy suspirou e deixou que seus olhos se perdessem um pouco nos próprios pensamentos.
- Não sei se quero continuar mexendo nesta história. Talvez seja mais fácil deixar que ela caia no esquecimento.
- Eu te devo isso, Cathy. Devo a nos dois, para que possamos ficar juntos outra vez sem nada que impeça a nossa felicidade – ela ficou em silêncio e concordou levantando-se
em seguida para tomar o banho desejado.
Fiquei deitado de costas, encarando o teto enquanto ouvia o barulho do chuveiro invadir o quarto. Pensei em como estava me sentindo com a volta da Cathy a nossa
casa e o que deveria fazer para que ela se tornasse mais confiante em relação a nós dois.
Eu precisaria, pelo menos neste primeiro momento, tomar bastante cuidado com minhas palavras e atitudes. Não poderia mais impor a minha vontade, mesmo quando para
protegê-la. No final das contas, acho que eu deveria ser mais confiante em relação à Cathy e as suas próprias decisões e atitudes.
No fundo, tinha consciência de que não existiam motivos para que duvidasse da sua capacidade de ser mais sensata e equilibrada do que eu, em certas situações. Cathy
era forte e madura o suficiente para assumir as rédeas da sua vida sem precisar de alguém para guiá-la.
De maneira inusitada me senti confortável com esta constatação. Eu me orgulhava da pessoa que ela havia se tornado e do quanto havia crescido com os ensinamentos
da vida. Fiquei feliz, pois a amava e, se era de confiança que ela precisava, era exatamente o que teria de mim.
Só percebi que Cathy não mais estava no banho quando ouvi sua voz. Ela estava ao telefone, falando com alguém que acreditei ser do trabalho, pois a conversa era
num tom bastante profissional. Observei-a trabalhar, e mesmo sabendo que desta vez não era para mim, fiquei satisfeito em poder vê-la fazendo isso.
Apoiei o corpo no braço para melhor admirá-la enquanto ela emudecia aguardando algo, ou alguém, do outro lado da linha. De repente Cathy ficou tensa e pelo cuidado
que estava tendo entendi que era com Roger que ela conversava.
- Oi. Como estão as coisas aí? – Aguardei pelas suas palavras. Ela passou um longo tempo em silêncio apenas escutando o que ele dizia – Entendo. Eu sei como está
se sentindo. Posso fazer alguma coisa por você? – Novamente ficou calada. – Não acho que devia ter ido trabalhar hoje. Ninguém estava aguardando por você no escritório
de Los Angeles, não era necessário... – Roger passou um tempo explicando, deixando-me cada vez mais impaciente. – Tudo bem então. Até amanhã - com um suspiro, desligou
o telefone. Imediatamente a chamei de volta para meus braços e ela prontamente me atendeu.
- Está tudo bem?
- Com a mãe dele sim. Parece que ela se acalmou. Espero que dê tudo certo para ambos – encostou a cabeça em meu peito – Roger está no escritório de Los Angeles.
Não estava programado, mas parece que ele encontrou um problema por lá. Amanhã vamos ter uma reunião de emergência. Todo o conselho administrativo vai estar aqui.
A parte boa é que vou encontrar com Sam.
- E a parte ruim?
- Não poderei passar a noite aqui com você. Sam vai estar comigo e Roger com certeza vai querer passar algumas horas ao meu lado – sem me olhar nos olhos, começou
a juntar suas roupas que ainda estavam espalhadas pelo chão do quarto – Vou trabalhar agora. Tenho muita coisa para fazer hoje.
- Irei com você, só vou tomar um banho rápido... – comecei a levantar da cama, porém Cathy logo tratou de me dispensar.
- Não, Thomas. Se eu ficar te esperando vou demorar muito para resolver tudo e vamos acabar nos atrasando para o encontro com o tal garçom. Prefiro resolver esta
parte enquanto você se prepara para resolver a outra – Cathy já estava quase vestida. Ela estava com presa, eu só não sabia se era realmente de resolver tudo ou
de sair dali.
Coloquei uma bermuda e uma camisa e descemos juntos. Da escada conseguíamos ouvir a conversa animada dos nossos amigos na sala. Será que eles sabiam que Cathy estava
lá comigo? Senti seus dedos, enroscados aos meus, pressionarem com apreensão. Sorri confiante.
Descemos de mãos dadas e todos pararam ao nos ver chegar. Era engraçado ver a reação dos meus amigos. Dyo e Maurício apenas sorriram, utilizando sempre a maneira
discreta própria dos dois. Eric, como o excelente profissional que era, nós olhou por alguns segundos e depois se virou de volta para a TV, mas Kendel, como não
podia deixar de ser, deu uma risada sacana que deixou Cathy totalmente envergonhada.
- Sem comentários, Kendel – Cathy fez cara de malvada e ele que apenas riu mais alto.
- Sem problemas, Cathy, só queria dizer que é muito bom ter você de volta – ela sorriu, abraçando-o.
- Obrigada! Já estou de saída. Bom dia para vocês.
- Não vai nos acompanhar? – Dyo colocou uma xícara sobre a mesa, encarando Cathy com curiosidade.
- Não, desculpe outra vez. Tenho muitas coisas para resolver.
- Vejo você mais tarde? – Cathy não respondeu. Ela o encarou com curiosidade, como se não soubesse do que Dyo estava falando. – Nosso encontro. Esqueceu?
- Dyo! Acabei esquecendo. Eu... – olhou para mim sorrindo, sem saber o que dizer.
- Eu explico tudo. Pode deixar – pisquei para a minha namorada, com o familiar conforto no peito. Era perfeito tê-la de forma tão tranquila outra vez.
Cathy se despediu de nossos amigos com abraços carinhosos de boas vindas. Caminhamos de mãos dadas até a porta. Antes dela sair a abracei forte, sendo retribuído
instantaneamente e com a mesma intensidade. Aquele simples gesto acalmou meu coração temeroso.
- Estarei esperando por você na porta da torre, se não se incomodar – acrescentei antes que ela pensasse que eu estaria cercando-a de cuidados. Cathy sorriu daquela
maneira peculiar, e que naquele momento eu entendi que levava luz ao meu mundo.
- Fique dentro do carro, por favor. E me avise quando chegar – apertou-se ainda mais em mim, instintivamente corri minhas mãos pelas suas costas prendendo-a. Ela
colou seus lábios aos meus com um suspiro que quase me fez desistir de deixá-la ir.
Como eu senti falta daqueles lábios. Precisaríamos de muito tempo até que a falta que ela me fazia fosse amenizada. Cathy interrompeu nosso beijo e foi embora sorrindo.
Olhei para meu relógio e comecei a contar os segundos para tê-la comigo outras vez.
Capítulo 21
Amor, Medo e Confusões
VISÃO DE CATHY
Podia ser loucura, mas eu me sentia completa novamente. Uma onda de paz e felicidade tomava conta de meu corpo me tornando mais leve. Eu estava mesmo mais leve.
Todo o peso da tristeza tinha me abandonado no instante em que entendi que não poderia mais manter a distância entre nós dois.
Samantha estava certa quando dizia que podíamos escolher entre ser feliz ou não. Eu tinha finalmente escolhido ser feliz com Thomas, mesmo que sua teoria não fosse
verdade. Estava disposta a esquecer tudo e aceitar o meu destino ao seu lado. O pior, ou, melhor de tudo, era que não sentia culpa por aceita-lo de volta em minha
vida, apenas alívio.
A pressa de chegar e de sair, não me impediu de perceber que a chuva tinha passado, e que o céu, embora não muito azul, estava claro. O sol aquecia aqueles que o
buscassem. Fechei os olhos e senti como se meu próprio coração estivesse sendo aquecido, ou seria apenas a forma como me sentia em relação à vida?
Parei antes de entrar no imenso prédio e olhei para cima. Era realmente alto e imponente, um orgulho para os americanos. Uma verdadeira demonstração do seu poder.
Cheguei apressada no escritório. Sandra me olhou questionando toda a minha disposição. Eu apenas sorri em resposta. Estava muito grata pela nossa conversa e fiz
uma anotação mental: convidá-la para um almoço em outro momento. Poderíamos ser mais próximas.
Entrei em minha sala no mesmo instante em que meu telefone começou a tocar. Atendi e era Roger.
- Oi. Você está ocupada? Já liguei algumas vezes – perguntou sem enfatizar nada.
- Não. Você quer alguma coisa?
- Na verdade não estou conseguindo falar com Betina e pensei em te pedir para falar com Sandra para organizar os documentos necessários para a reunião de amanhã.
Mandei tudo por e-mail para você.
- Ok. Vou verificar. Acabei de chegar. Ainda não liguei o computador. Pode ficar tranquilo vou providenciar tudo.
- Se atrasou? Aconteceu alguma coisa? – Pareceu mais atento à conversa e eu imediatamente fiquei tensa. O que dizer?
- Dormi até mais tarde. Estava muito cansada.
- Você deveria checar as notícias também. Tem você em muitos lugares hoje. Quer dizer, tem nós dois – fechei os olhos tentando me concentrar. Os fotógrafos da noite
na boate.
- Paparazzi. São terríveis!
- Não é tão ruim. Cedo ou tarde as pessoas ficariam sabendo que você tem um namorado novo.
- Não quero ninguém comentando a minha vida – fui ríspida. – Não é da conta deles, nem de ninguém.
- Pelo visto te incomoda assumir o nosso relacionamento.
- Não é isso – respondi automaticamente. Eu não queria magoá-lo. – Ainda existe muita coisa para ser resolvida. Não queria que esta história virasse manchete. Você
me entende?
- Entendo. Acho que seu encontro com ele naquela noite acabou mexendo demais com você – ele tinha percebido. Claro!
- Não posso mentir para você, Roger. Esta história toda é muito difícil para mim.
- Vocês têm conversado? Alguma novidade em relação a teoria dele sobre o que aconteceu? – Roger estava alerta e eu não podia dar nenhum passo em falso.
Meu coração apertou com a menção ao que tinha acontecido. Por mais que eu acreditasse que superaria, o tom que Roger usou para citá-la me doía.
- Sim. Quer dizer... Estamos mantendo contato através de Mia – inventei a desculpa na hora. - Parece que existe mais uma testemunha. O garçom que estava no bar naquela
noite – fiz força para conseguir falar naturalmente. – Nós vamos nos encontrar com ele hoje para que tudo seja resolvido.
- Então você está bem perto de descobrir a verdade, ou o que ele acredita ser a verdade – disse com amargura. – O que vai fazer depois disso?
- Não sei – menti. – Ainda não conversamos sobre isso e eu preciso primeiro ouvir o tal rapaz.
- Cathy, não quero me meter em suas decisões. Você sabe que, acima de tudo, me preocupo com você, e como disse antes, não acredito que esta história seja verdadeira.
Desculpe, mas eu consigo enxergar Thomas por trás disso tudo apenas para tê-la de volta. Quem poderá garantir que este garçom é realmente o que estava no bar? E
se for? Quem garante que Thomas não pagou a ele para contar uma história que pareça convincente para você aceitar a versão dele? – Tive que respirar longamente para
não desabar. E se Roger tivesse razão? Meu amor por Thomas seria forte o suficiente para aceitar?
- Não sei, Roger. Não quero pensar nisso agora. Quero tirar minhas próprias conclusões e só poderei fazer isso depois de ouvir o que o garçom tem para me contar.
Então pensarei em todo o resto – Roger ficou um pouco contrariado com a minha resposta. O que ele não sabia era que independente do que acontecesse, a minha decisão
já estava tomada. Não iria voltar atrás, mesmo que isso me custasse a dúvida eterna. – Roger, eu preciso saber – falei com honestidade. – Preciso ir até o fim. Entender
os motivos de Anna para ter feito o que fez. Entender os motivos do Thomas para ter passado pelo que passou. Preciso descobrir a verdade ou então nunca terei paz
de espírito. Eu mereço isso. Mereço ser feliz outra vez – ele ficou calado, provavelmente refletindo sobre o que eu disse.
- Então eu vou com você. Posso te ajudar no que for necessário. Só vou organizar algumas coisas aqui e pegarei o primeiro avião...
- Não precisa – o interrompi. – Mia virá me encontrar para irmos juntas – mais uma mentira. Eu não podia dizer iria com Thomas. - E você tem coisas para fazer. Tem
sua mãe e todos os seus problemas, não quero que ela piore por minha causa. Não se preocupe, amanhã poderemos conversar melhor.
- Cathy, preciso fazer uma ligação agora e resolver algumas coisas antes do meu embarque. Quando tiver alguma novidade, por favor, me avise. Gostaria de te ajudar
no que for necessário.
- Claro! – Peguei minha bolsa, tirando o meu celular de dentro. Nenhuma ligação. – Vejo você amanhã – desliguei o telefone com a cabeça já cheia de pensamentos que
não me ajudavam em nada.
Aproveitei para colocar minha agenda em ordem e analisar alguns documentos. Uma hora depois meu celular ainda não tinha tocado. Thomas não me ligava. Então me lembrei
de que ele não tinha o meu novo número. Eu havia cancelado anterior para que ele não pudesse me encontrar. Quase gargalhei. Eu estava ali, angustiada porque não
recebia uma ligação dele, enquanto Thomas nem sabia como o fazer.
Aproveitei a desculpa para ligar, já que estávamos juntos outra vez, o que lhe dava o direito de ter o meu novo número. Não tive como evitar o imenso sorriso em
meu rosto antes mesmo de ouvir a sua voz.
- Alô? – Ele atendeu no segundo toque. Obviamente não sabia quem era.
- Oi.
- Cathy? Oi! – Parecia não saber como reagir a minha ligação.
- Estou ligando para te passar o meu número. Eu troquei quando...
- Eu sei – me interrompeu evitando as lembranças indesejadas. – Quem bom que agora tenho permissão para ter o seu número novo.
- Mas não abuse. Lembre que...
- Eu sei, eu sei... Roger – falou impaciente. – Não vou abusar.
- Ótimo! Obrigada! – Achei graça da sua irritação. – Você me liga quando chegar, mas fique dentro do carro. Ultimamente os fotógrafos estão acampando aqui. Tudo
por uma manchete de primeira página.
- Tudo bem, Cathy. Não vou sair do carro.
- Ok! Vejo você mais tarde – fiquei em silêncio sem saber como finalizar a nossa conversa.
- Estou contando os minutos. Doido para te ver e te tocar – absurdamente a minha pele ficou arrepiada. Era uma reação exagerada, mas eu me deliciei com aquilo.
- Isso soa muito bem para mim.
- Eu sei. É por isso que estou dizendo.
- Vejo você depois.
- Estarei aí. Nada neste mundo poderá me impedir.
Desliguei o celular e voltei ao trabalho. Com muito mais vontade de acabar logo. Desta forma as horas passaram e eu nem percebi. Somente me dei conta quando o meu
celular tocou e era Thomas. Meu coração acelerou e, como uma adolescente, senti minhas mãos ficarem suadas e um milhão de borboletas em meu estômago.
- Já cheguei. De quanto tempo mais você precisa?
- Em vinte minutos estarei aí – meu coração disparou. Deus como eu o amava!
Fiquei sorrindo para o celular até que Sandra entrou na sala com algumas correspondências. Eram relatórios enviados por outras filiais para a reunião do dia seguinte
além de documentos e propostas para eu analisar. Passando os papéis achei um envelope pardo sem nenhuma identificação.
- O que é isso aqui Sandra? – Fiquei intrigada com o envelope sem identificação de emissor ou destinatário. Poderia ser de outro setor ou dela mesma que acabou se
misturando aos meus documentos.
- Não sei – franziu o cenho analisando o envelope em minhas mãos. – Não estava aí quando separei o que iria te entregar – soltei imediatamente o envelope. No país
em que vivíamos era muito arriscado abrir uma correspondência nessas circunstâncias.
- Chame a segurança e não toque neste envelope.
***
Foi uma verdadeira confusão. Os seguranças optaram por chamar os bombeiros e os bombeiros chamaram o esquadrão antibombas. Eu só conseguia olhar para o relógio e
ficar cada vez mais angustiada com a demora. Thomas estava me aguardando e eu queria mais que a bomba explodisse logo para acabar com tudo aquilo para poder estar
com ele outra vez.
Após quase uma hora aguardando uma resposta, fui informada que o envelope continha apenas fotos. Fotos? Aliviada voltei à sala, tendo a certeza de que todos me observavam
curiosos, afinal de contas eu havia recebido a correspondência e o caos tinha se estalado em todo o escritório.
Assim que cheguei notei a pilha de fotos espalhadas sobre a minha mesa. Quem me enviaria fotos? Aproximei-me mais para ver do que se tratava, então entendi. Eram
fotos de Thomas acompanhado de uma mulher, que eu constatei, chocada, ser Mia, minha melhor amiga.
Eles estavam em vários lugares, juntos. Ela entrando e saindo da casa dele, eles em um restaurante. Os dois saindo juntos do nosso apartamento. O que era aquilo
tudo?
Juntei as fotos em uma única pilha e agradeci a todos pelos esforços. Sandra me ajudou facilitando a saída dos policiais, bem firme, sem ser grosseira, mas visivelmente
agitada. Ela entendia como eu me sentia após aquela revelação.
- Não tenho ideia de como foram parar aí. Não consigo imaginar como...
- Quem esteve com você em sua mesa? – Estava chocada com o com o que tinha visto. Alguém tentava insinuar que eles tinham um caso? Não. Não era possível.
- Várias pessoas. Recebi estes documentos ao longo do dia. Muitos passaram pela minha mesa. E eu me ausentei algumas vezes. Não tenho como saber como elas foram
parar aí. Sinto muito! Desculpe!
- Tudo bem, Sandra. Não é culpa sua. Por favor, tome mais cuidado. Não deixe os documentos na mesa quando você não estiver.
- Vou ser mais cuidadosa. Precisa de mais alguma coisa?
- Não – coloquei as fotos em minha bolsa. – Na verdade eu estou atrasada. Tenho que ir – saí o mais apressada possível.
Thomas e Mia tinham uma explicação a me dar e eu implorava para que fosse bastante convincente. Não suportaria passar por tudo de novo.
Capítulo 22
Novos Acontecimentos
VISÃO DE THOMAS
Parei o carro logo após o world Trade Center e fiquei observando a sua imensidão enquanto aguardava Cathy. Eu não precisava me preocupar com fãs enlouquecidos cercando
o meu carro, pois o vidro era tão escuro que seria praticamente impossível alguém, mesmo de perto, me reconhecer lá dentro.
Os fotógrafos também não me reconheceriam, eu não usava muito aquele carro. Olhei para o relógio ansioso para abraçá-la e saciar o meu desejo por seus lábios. As
poucas horas que ficamos separados estavam quase me enlouquecendo, por isso, faltando alguns minutos, sentia-me tão ansioso pela sua presença que estava quase descendo
do carro para buscá-la pessoalmente.
Peguei o celular para ligar para ela de novo, mas parei antes de completar a ligação. Cathy precisava do espaço dela e eu não iria invadi-lo. Tamborilei os dedos
no volante tentando pensar em outra coisa, como no caminho complicado até Harlem e todo o seu trânsito absurdo.
Enquanto estava aguardando por ela e absorto em meus pensamento, não percebi que outro carro, com os vidros tão escuros quanto os do meu, estacionava um pouco adiante.
Olhei pelo retrovisor avistando Cathy saindo da torre norte e procurando por mim.
Meu sorriso radiante se apresentou sem nenhum esforço. Vi alguns fotógrafos, respeitando uma distância mínima, imposta pelos seguranças do prédio, ou da empresa,
tentando captar o máximo de imagens dela. Suspirei sem me sentir indignado. Eu estava mais encantado com a presença dela do que irritado com qualquer outra coisa.
Era a felicidade de volta a minha vida.
Comecei a me preparar para recebê-la quando avistei, vindo em minha direção, o mesmo homem que encontrei na casa da Anna.
Não tinha como não o reconhecer. A garra subindo em seu pescoço o tornava inconfundível. Em sua mão direita estava uma arma e ele a empunhava em minha direção sem
se preocupar com as outras pessoas que andavam pela rua movimentada. Como reflexo olhei para trás para me certificar que Cathy estivesse segura.
Ao perceber que atiraria, engatei a marcha ré e fui o mais rápido possível ao encontro dela. Senti o primeiro disparo atingir o para-brisa e me encolhi em defesa.
“Graças a Deus mandei blindar todos os meus carros depois do que aconteceu com Cathy” pensei ao perceber que a bala não havia conseguido penetrar no vidro, caso
contrário eu já estaria morto.
Sem reação alguns seguranças ainda pensavam no que fazer e sinceramente atirar de volta em meio a tantos transeuntes era realmente uma loucura. O pânico se instalou
e as pessoas correram tentando se afastar o máximo possível do alvo, que pelo visto éramos eu e Cathy. Alguns seguranças se reerguiam do chão se preparando para
agir, eu não podia esperar por eles. Parei bruscamente ao lado dela, que ainda em pânico não sabia o que fazer ao perceber a confusão e estava petrificada na calçada.
- Entra, Cathy! – Gritei ao abrir a porta do carro. – Entra agora! – Ela se jogou no bando do carona, imediatamente engatei a primeira e arranquei com o carro, passando
pelo atirador que corria em direção ao seu carro, provavelmente para tentar cumprir o seu objetivo.
- Meu Deus, Thomas! O que foi isso? Por que ele estava atirando no seu carro? O que aconteceu? – Cathy gritava desesperada enquanto tentava arrancar de mim respostas
que eu não teria como dar.
Olhei pelo retrovisor, e como havia previsto, o carro nos seguia diminuindo cada vez mais a distância entre nós.
- Droga! – Pisei no acelerador tentando ter o máximo possível de atenção com o caminho e a movimentação das ruas por onde eu passava em alta velocidade. Minha mente
trabalhava a mil por hora sem conseguir achar uma saída.
- Ele está nos seguindo? Thomas me responda alguma coisa! – Seu grito preencheu o carro me fazendo reagir.
- Coloque o cinto de segurança! – Gritei ao perceber que o carro se aproximava ainda mais.
- Por que ele está fazendo isso? O que ele quer? – Ela continuava a gritar.
- Eu não sei! – Rebati sem paciência. – Pare de gritar e ligue para a polícia – no mesmo instante, diversas balas açoitaram o vidro traseiro do meu carro transformando-o
em um mosaico, e me impedindo de enxergar o que acontecia atrás de mim. Eu estava completamente cego para as ações dele. – DROGA!
Cathy tirou o celular da bolsa e muito nervosa começou a discar o número da polícia. Fiz uma curva a toda velocidade, fazendo os pneus cantarem sobre o asfalto enquanto
tentava alcançar a Quinta Avenida. Cathy explicava a atendente o que estava acontecendo e entre lágrimas descrevia o nosso percurso.
Percebi, tarde demais, que o carro do atirador estava praticamente ao meu lado.
- Cathy, segure-se! – Gritei antes do impacto. O carro dele se jogou sobre o meu tentando me fazer bater ou até mesmo capotar.
Consegui com muito esforço manter o carro na pista, mas se continuássemos daquela forma não conseguiria resistir por muito tempo. Outra bala atingiu a porta do carro
e depois mais duas tentaram quebrar o vidro sem sucesso.
- Ai meu Deus! – Uma Cathy totalmente desesperada acompanhava toda a ação. Eu apenas queria tirá-la dali.
Foi quando ouvi ao longe as sirenes das viaturas. No mesmo instante senti que meus músculos relaxarem gradativamente. O som se aproximava e rapidamente os carros
se aproximavam. Comecei a diminuir a velocidade, então o outro carro passou por nós, lançando mais uma chuva de balas e depois seguiu em frente a toda velocidade
com algumas viaturas em seu encalço.
Diminui a velocidade até parar o carro e olhei para Cathy. Ela tremia muito, chorando em pânico. Puxei-a para meus braços e assim ficamos até que um policial forçou
a porta pedindo para que descêssemos.
Assim que consegui descer, alguns policiais me cercaram enquanto outros entravam pelo outro lado para ajudar Cathy. Ela estava em choque. Expliquei aos policiais
tudo o que tinha acontecido desde o princípio. Omiti apenas a informação de que já conhecia o sujeito e que provavelmente ele estava envolvido com o que tinha acontecido
na noite em que Cathy me pegou na cama com Anna.
Não sei por qual motivo eu sentia que aquele ainda não era o momento. Enquanto conversava, Cathy se apertava em meus braços em buscar de segurança. Ela tremia muito
e, exatamente por este motivo, procurei me manter calmo.
Liguei para Dyo. Meu amigo e agente, era a pessoa mais indicada para me ajudar a resolver a situação. A população se aglomerava na rua e logo muitos flashes eram
disparados em nossa direção.
- Você precisa sair daí imediatamente – Dyo estava tenso. Não era pra menos.
- Os paramédicos estão atendendo a Cathy. Ela está muito transtornada – passei as mãos pelos cabelos, mantendo a cabeça baixa e falando apenas o necessário.
- Droga, Thomas! Esta merda tem que ser comunicada a polícia.
- Ainda não. Não é o momento certo, Dyo. Confie em mim.
- Ok. Vou ligar para Raffaello. Ele o encontrará na delegacia. Tente manter a calma e traga Cathy para casa.
- Vou fazer isso.
Como previsto, Raffaello já estava na delegacia quando chegamos para prestar depoimento. A entrada estava tomada por repórteres e fotógrafos. Muito seria falado
naquele dia. Mia chegou um pouco depois, provavelmente avisada por Dyo. Ela conseguiu acalmar um pouco a Cathy.
O restante da tarde foi difícil e cansativo. Eu e Cathy ficamos o tempo todo de mãos dadas e repetimos diversas vezes o que tinha acontecido. Graças a Deus ela pouco
sabia sobre o que tinha ocorrido de fato e não era minha intenção colocá-la a par de tudo. Não enquanto não tivesse certeza de que ela estaria a salvo.
A polícia seguiu o carro do atirador durante quase vinte e cinco minutos, porém acabaram perdendo-o pelas ruas do Harlem, exatamente para onde nós estávamos indo.
Foi quando me lembrei do motivo de eu e Cathy estarmos juntos aquele horário, nós tínhamos um encontro com Mário. Peguei o celular e tentei ligar várias vezes para
ele, mas chamava e ninguém atendia. Comecei a ficar apreensivo. O depoimento dele era de vital importância.
Ouvi diversas justificativas para sustentar inúmeras teorias formuladas pelos agentes. Nenhuma delas se aproximava do meu raciocínio, também pudera, eu havia omitido
informações tanto na morte da Anna quanto neste incidente. Eu tinha certeza que existia uma forte ligação entre o que aconteceu no bar na noite em que acabei na
cama com Anna, o seu assassinato e aquele atentado eu tinha acabado de sofrer.
Existia um personagem que estava presente em dois destes acontecimentos. O homem com a gigantesca tatuagem e o cavanhaque de mau gosto. Infelizmente eu não podia
informar este fato para a polícia ainda, pois corria um sério risco de que Mário se recusasse a confirmar o que tinha dito, e jogar por água abaixo a minha chance
de provar a Cathy que tudo tinha sido uma armação.
Entender o porquê era a parte mais difícil. Era óbvio que alguém nos queria separados. Ou para me prejudicar ou para prejudicar Cathy. Só conseguia pensar em duas
pessoas que poderiam querer a qualquer custo alcançar este objetivo: Roger, mas ele não era um doente a este ponto, por mais que eu o odiasse nunca o assimilaria
a coisas tão terríveis, principalmente porque ele sempre respeitou a vontade da Cathy e, ao menos para ela, vinha demonstrando uma grande amizade.
A outra pessoa era a mais óbvia: Lauren, mas ela estava trancafiada em um hospício, e até onde eu sabia, não tinha mais nenhum traço de sanidade mental. Mesmo assim
eu iria me certificar assim que estivesse longe da delegacia e com Cathy bem tranquila em meus braços. Se Lauren tivesse algo a ver com aquilo com certeza seria
fácil descobrir.
Fomos liberados e tivemos que pegar uma carona com Raffaello, pois meu carro teve que ficar para ser periciado e quando fosse liberado iria direto para uma oficina.
Graças a Deus Eric tinha convocado mais dois homens para cuidar da nossa segurança na saída. Era incrível como aqueles caras conseguiam transformar um problema grave
em um evento.
Vi a mesma repórter inconveniente da outra vez, já a postos para nos interceptar. Fiz questão de mudar a direção para evitar um confronto direto, contudo a mulher
era mais rápida e muito mais perspicaz e não consegui evitar despejasse as suas perguntas venenosas, constrangendo Cathy.
- Cathy, ontem tivemos uma chuva de fotografias suas com um novo namorado e hoje novamente estamos procurando respostas para mais um atentado envolvendo você e seu
ex-noivo, Thomas Collins. Você tem algo a dizer?
Cathy ficou tensa. Com os seguranças ao seu redor, ela tentava passar pela multidão sem ser interceptada e muito menos obrigada a responder perguntas tão maliciosas.
Ela nada disse, no entanto a repórter não se deu por vencida.
- Thomas, quem é a linda mulher com quem você tem sido visto nos últimos dias? De que forma seus encontros com ela estão ligados ao seu ex-relacionamento com Cathy
Brown? – Eu nem sabia do que ela estava falando, e provavelmente era mais uma mentira descarada que eles não cansavam de inventar, porém fiquei com muito medo de
que pudesse atrapalhar a minha volta com Cathy.
Deixei que os policiais cuidassem de tudo e fui embora com Cathy. “Sem declarações desta vez” pensei com ironia e raiva. Pelo menos, depois de toda aquela loucura,
eu podia ter uma única satisfação: todos estavam me vendo ao lado de Cathy e a história da separação seria desmentida, apesar de ser uma verdade.
Fomos direto para o nosso apartamento, eu tinha voltado a pensar em minha casa como nossa. Cathy pediu a Mia que passasse em sua casa para pegar algumas roupas e
objetos pessoais, o que me deixou extremamente feliz. Tudo indicava que passaríamos aquela noite juntos. Na medida do possível tudo voltava ao seu normal.
O apartamento estava movimentado. Toda a minha equipe tentava nos ajudar na batalha exaustiva que era acalmar os amigos e parentes que não podiam estar presentes,
além das tentativas irritantes dos repórteres que ligavam querendo a todo custo uma notícia. Pelo visto todos os meios de comunicação já tinham noticiado o ocorrido.
- O que devemos dizer? – Kendel e Dyo já estavam a todo vapor articulando a melhor maneira de nos tirar daquela situação sem nos expor muito.
- Sara concordou em dizer que foi uma tentativa de sequestro. A polícia vai sustentar esta versão – Dyo estava de frente ao computador buscando por todas as notícias
que saíam. Ao fundo a TV ligada tinha seus canais trocados a todo o instante, enquanto Eric e Kendel viam e reviam os noticiários.
- E quanto àquela repórter... Adriana... Adriana alguma coisa. Ela não para de tentar encontrar um furo sobre o relacionamento deles – Kendel olhou rapidamente para
mim.
- Não vamos dizer nada. Ninguém precisa saber o que aconteceu realmente e para todos os efeitos, nós nunca nos separamos – Cathy levantou a cabeça ao ouvir a minha
declaração e sorriu discretamente.
- Tudo bem... - meu amigo voltou a olhar a TV enquanto atendia as milhares de ligações. Os telefones não paravam.
Passei meia hora com minha mãe ao telefone repetindo tudo o que aconteceu e jurando que não tinha sofrido sequer um arranhão. Reafirmei a conclusão da polícia: havia
sido uma tentativa de sequestro, devido a minha fama e dinheiro.
Claro que Melissa não se conformaria com apenas um telefonema. Minha mãe queria a todo custo abandonar tudo para ficar comigo por alguns dias, dizendo que queria
se certificar de que eu estava realmente bem. Fiz um enorme esforço para convencê-la de que não seria necessário e jurei que estaria com ela o mais rápido possível.
Além disso me fez prometer que reforçaria a segurança. Coisas de mãe! Concordei, até porque na verdade este era o meu plano. Quem quer que tivesse aprontado tudo
aquilo, não estava jogando para perder. E eu não estava pensando apenas em minha segurança, mas principalmente na da Cathy. Os três tiros que ela levou da Lauren
foram mais do que suficientes para me manter mais do que alerta.
Observei Cathy conversar com diversas pessoas ao telefone, dentre elas Samantha e Roger. Sam estava em pânico e Cathy tentou a todo custo impedi-la de viajar para
Nova York e não conseguiu. Ela já estava com as malas prontas e o jatinho aguardando para levantar voo.
A conversa com Roger foi mais curta, ele estava em Los Angeles e precisava resolver alguns problemas. Só queria mesmo se certificar de que ela estava bem. Estranho
para alguém que se preocupava tanto com a sua “namorada”, mas não levei nem dois segundos nesta linha de raciocínio. Com certeza ele também tinha nos visto justos
e de mãos dadas em todos os canais.
Sara ligou várias vezes, passando muito tempo ao telefone comigo, Cathy, Dyo, Kendel e até mesmo Eric. Ela estava muito assustada. Pelo tempo em conversamos deu
para perceber que ela compartilhava minhas ideias. Eu ainda não queria externá-las e prometi que ligaria mais tarde para que pudéssemos conversar com mais tranquilidade.
A ligação que mais nos surpreendeu e ao mesmo tempo alegrou, foi a da Helen. Nós não tínhamos mais tanto contato devido à loucura que a minha vida tinha se tornado
desde que tudo aconteceu. Até mesmo Cathy havia conversado com ela apenas uma única vez nesse período.
Conversamos não apenas sobre o incidente, mas sobre a vida dela e sua filha Sophia. Notei que Cathy ficou mais relaxada conversando com Helen e que seus olhos brilhavam
enquanto conversavam sobre a criança. Deveríamos pensar em filho ou era cedo demais? Na verdade, depois de perdê-la tantas vezes, nada mais era cedo para acontecer.
- Assim que estiver tudo resolvido, Helen, eu prometo – Cathy sorriu e olhou para mim. – Claro. Nós vamos adorar! Combino tudo com Thomas.
Quando desligou Cathy levantou do sofá vindo em minha direção. Não pensei que ela seria tão explicita, já que estávamos cercados por nossos amigos, no entanto ela
me abraçou e afundou a cabeça em meu peito. Envolvi seu corpo com meus braços e beijei o topo da sua cabeça.
- Quer descansar um pouco? Seria ótimo se você conseguisse dormir – sussurrei em seu ouvido enquanto beijava levemente seu pescoço.
- Não quero ficar sozinha – ela inclinou a cabeça deitando o rosto em meu ombro.
- Eu vou com você – Cathy levantou o rosto me olhando nos olhos. Aquele olhar dizia tantas coisas ao mesmo tempo.
De repente nada mais existia além de Cathy, eu e o amor que sentíamos um pelo outro. Toda a sala desapareceu levando consigo o barulho. As pessoas também se foram
e o mais incrível, foi que o chão fluidificou. Nós levitávamos, presos por nossos braços e olhos.
- Eu amo você – confessei sem muito esforço. Reafirmar o meu amor era uma necessidade premente.
- Eu também.
- Vamos subir? – Ela concordou e sem que precisássemos avisar, entrelaçamos nossas mãos e subimos em direção ao quarto.
Tomei o caminho do quarto que estávamos usando, e quando chegamos a porta do nosso quarto Cathy hesitou. Parei sem saber ao certo o que ela queria.
Cathy, de cabeça baixa, parada em frente à porta do quarto onde tudo tinha acontecido, onde as lembranças eram as mais dolorosas possíveis, parecia sofrer. Então,
como se tivesse tomado uma grande decisão, ela levantou a cabeça e abriu a porta e entrou.
A princípio pensei que apenas queria resolver algo com as suas lembranças, e confesso que fiquei aterrorizado com a possibilidade dela desistir de nós dois, mas
Cathy observou calmamente o quarto, como se cada detalhe fosse de extrema importância. Seus olhos se concentraram na cama. Estremeci. Com passos tímidos caminhou
até lá.
- Você trocou a cama? – Sua voz estava tão baixa que se eu não estivesse atento a sua reação não teria ouvido.
- Sim.
- Por que?
Puxei o ar, preenchendo os pulmões, enquanto pensava na melhor maneira de explicar. Suspirei.
- De alguma forma eu acreditava que você voltaria. Não podia fazer nada a respeito das suas lembranças, mas poderia amenizar um pouco o sofrimento que elas lhe causam.
Pensei que não era digno de me deitar outra vez com você naquela cama, ou que ela não era mais digna de você. Então troquei.
- Mas você acredita que tudo não passou de uma armação, então porque acha que eu sentiria pesar pelo que vi?
- Porque ninguém pode apagar o que já viveu. Principalmente a dor causada por determinadas experiências. Independentemente de ser ou não uma farsa, a tristeza pelo
que viu existe e te machuca muito. A dor é profunda, eu sei. Existe também o fato de que durante muito tempo acreditamos que o que aconteceu era a verdade e sofremos
por causa disso. Não dá para simplesmente esquecer o quanto doeu. Superar é um passo importante e complicado, enquanto esquecer é impossível. Nunca vou me perdoar
pela dor que lhe causei... – passei as mãos em seus cabelos enquanto ela acompanhava atentamente o que eu dizia. – Não consigo esquecer a dor em seus olhos naquele
dia. Era a representação perfeita da infelicidade. Acredite quando digo que sua dor também foi minha.
- Eu acredito! – Sussurrou.
De repente seu semblante começou a modificar. Havia suavidade e brilho em seu olhar. A paz que há muito buscávamos e que eu julgava termos perdido para sempre. Ela
sorriu naturalmente.
- Se eu estou te aceitando de volta é minha obrigação deixar com que as lembranças fiquem no lugar criado apenas para elas: no passado.
Fui tomado por uma urgência inacreditável. Cerquei seu corpo com meus braços, puxando-a para mim. Cobri seus lábios com os meus num beijo cheio de amor e devoção.
A saudade estava presente em todas as minhas células e quanto mais eu tentasse saciá-la, mais desejava estar em seu corpo quente. Naquele momento nada mais me importava.
Pensei se deveria ou não deitá-la na cama nova. Ela disse que iria superar, mas quem pode entender a cabeça de uma mulher? Cathy, como se tivesse ouvido meus pensamentos,
inclinou o corpo em direção a cama fazendo com que minha insegurança virasse fumaça. Sem pensar nas pessoas que estavam no nosso apartamento, mesmo que no andar
de baixo, fizemos amor apaixonadamente e finalmente a cama foi inaugurada.
Deitada em meu peito, Cathy ficou pensativa. Não quis interromper o seu momento, até porque precisava do mesmo silêncio para me ligar em minhas próprias indagações.
Questionava-me se todas as pessoas pensavam como eu quando estavam amando? Porque o sexo tinha um sabor tão especial, único, como eu nunca tinha provado antes. Ou
essa sensação era apenas minha, devido ao amor que sentia por ela, que chegava a ser maior do que o que sentia por mim?
Deixei que um suspiro escapasse dos meus lábios chamando a atenção dela para mim. Cathy levantou um pouco a cabeça me encarando. Foi sugado por seus olhos, conseguindo
enfim, entrar em seu mundo, e me vi feliz nele, então sorri e fui retribuído de maneira espetacular.
- Eu também – ela disse manhosamente. Levantei uma sobrancelha sem entender do que ela queria dizer. – Você está dizendo que me ama... Com os olhos. Apenas respondi.
Dei risada. Ela estava com toda razão. Eu não só dizia que a amava, eu sentia o amor correr nas veias e inundar meu coração, por isso não externei. Não existiam
palavras para descrevê-lo e um simples “eu te amo” era pouco para descrever meu sentimento.
Afaguei seus cabelos. A sensação era maravilhosa após tanto tempo de separação. Depois deixei meus dedos percorrerem seus braços sentindo a suavidade de sua pele.
- Preciso de um banho. Será que Mia já chegou com minhas coisas?
- Vou verificar. Te encontro no banho – Cathy me olhou com aprovação e levantou indo em direção ao banheiro. Desfilou seu corpo nu para o meu deleite.
- Não demore – disse sem olhar para trás num tom cheio de promessas. Sem perder tempo vesti o primeiro short que encontrei e desci para verificar se Mia já tinha
chegado.
Meus amigos ainda estavam reunidos na sala. A tensão no ambiente me assustou.
- O que foi? – Perguntei e instantaneamente vi que eles se entreolhavam especulando quem deveriam contar. Como sempre Dyo se adiantou.
- Algo muito sério – colocou as mãos no bolso. Um gesto que eu bem conhecia do meu amigo. Ele estava tenso e pelo visto, sem saber como resolver o problema.
- Isso eu já percebi. O que aconteceu?
- Thomas, acabamos de ver nos noticiários que um acidente aconteceu em Harlem – pensei em Mário na mesma hora.
- Mário está morto – afirmei entendendo o que tinha acontecido e Dyo confirmou. – Como?
- O carro dele explodiu. A polícia acha que um curto circuito pode ter causado um incêndio que acarretou na explosão na hora em que ele deu partida. Ainda estão
aguardando os laudos da perícia – Dyo apenas repetia para mim o que foi dito nos jornais, no entanto sabíamos a verdade: Mário havia sido assassinado. A sua morte
estava diretamente relacionada ao que vinha acontecendo comigo.
- Isso é preocupante e assustador. Mário era a última testemunha do meu caso. Se for verdade o que estamos pensando, alguém está muito empenhado em impedir que Cathy
descubra o que realmente aconteceu.
- Como você vai contar isso a ela? – Mia, visivelmente perturbada com os últimos acontecimentos, entrou na conversa.
- Não estou mais preocupado com este fato. Nós dois já conversamos e nos acertamos sem precisar de mais testemunhas. Cathy acredita em mim e não vamos mais nos separar
– sorri timidamente, sem querer festejar em um momento tão delicado. – Mas precisamos nos atentar para o fato de que existe alguém lá fora muito interessado em nos
manter separados. Duas pessoas já morreram e hoje eu e Cathy passamos por momentos bem difíceis, então estou bastante preocupado com a segurança dela.
- E com a sua também. Não esqueça que esta pessoa pode estar interessada em te manter solteiro, ou a Cathy, não sabemos ao certo quais os objetivos dela, ou dele
– Kendel me alertou.
- É verdade, Thomas. Você corre tanto risco de morte quanto a Cathy – Dyo completou.
- Tudo bem – suspirei audivelmente - O que vamos fazer agora?
- O que aconteceu? – Paramos imediatamente de conversar quando Cathy irrompeu na escada. Não era para ela estar lá, nem para ouvir aquela parte da história. Não
que eu fosse esconder dela o que estava acontecendo, mas porque já tínhamos vivido problemas demais para um dia.
Cathy desceu as escadas já demonstrando medo. Vestia apenas meu roupão preto que ficava enorme nela e tremia, não sei se pelo frio ou pelo que poderia descobrir.
Eu havia ficado tão preocupado com o corrido que acabei me esquecendo de levar as suas roupas.
Segurei em sua mão transmitindo-lhe força. Seus olhos me questionavam, cobravam a verdade. Cathy precisava saber de tudo, pois a sua vida também corria risco. Sentamos
no sofá, com todos nos observando, o que só aumentava a tensão, então comecei a explicar tudo o que eu pensava e como os fatos se encaixavam. Por fim contei do suposto
assassinato do Mário e dos riscos que corríamos.
- Não precisa entrar em pânico. Eu já tenho até um suspeito, apesar de ser bem pouco provável.
- Lauren? – Confirmei com um gesto rápido, observando a sua reação. – Mas ela continua internada. Só se... Ligue para Sara. Peça a ela para descobrir quem tem visitado
Lauren nos últimos meses. Alguém pode estar agindo sob ordens dela – Cathy ficou pálida. Droga! Era tudo o que não precisávamos naquele momento. – Meu Deus, ela
não vai esquecer!
- Não sabemos ainda se é ela, Cathy. Vamos pedir esta lista e só depois poderemos ter certeza de alguma coisa – ela concordou, contudo eu sabia que sua mente estava
dominada pelo pavor de ter mais alguma experiência desagradável por causa da Lauren. – Vai ficar tudo bem. Eric vai reforçar a segurança para nós dois.
- Ninguém pode saber que estamos juntos. Lauren pode desconfiar, mas se nós formos discretos poderemos enganá-la enquanto tentamos chegar até ela.
- Tudo bem, amor! Vamos fazer como você quiser – alisei seus braços passando confiança, mas olhei sugestivamente para Mia. Era hora de alguém acalmar a minha namorada
enquanto eu resolvia a nossa vida.
- Cathy, eu trouxe as suas coisas. Vamos subir para você se trocar? – Cathy concordou e apesar de abatida subiu com Mia me deixando sozinho com nossos amigos.
- Precisamos de mais ajuda. Não podemos ir até a polícia, pois pode chamar mais atenção para o caso e acabar vazando. Assim nunca conseguiremos pegar o culpado –
comecei a falar assim que ouvi a porta do quarto fechar.
- O correto é ir à polícia, Thomas. Você tem provas suficientes para que eles comecem a procurar pelo cara que tentou te matar hoje – Dyo estava impaciente. Eu o
entendia. Seria complicado trabalhar sob a mira de um louco, ou uma louca.
- Não temos provas, Dyo. Somente a minha palavra e tudo pode ser interpretado como uma tentativa de enganar Cathy para que ela volte para mim. Já pensou se este
caso for parar nos jornais e na TV? Cathy não merece ter sua vida devassada e que todos pensem que eu a traí.
- Eu entendo seu ponto de vista, mas se essa pessoa continuar tentando, vocês estarão correndo um risco muito grande. Tenho certeza que Sara vai concordar comigo.
- Vamos fazer o seguinte... – Kendel começou a falar chamando a nossa atenção. – Tenho um amigo investigador. Ele pode manter o caso bem escondido enquanto busca
maiores informações ou provas a respeito do cara da tatuagem que desconfiamos ser o assassino de Anna e Mário.
- Por mim está ótimo! – Dei um tapa no ombro do Kendel demonstrando o quanto estava satisfeito com a capacidade dele de enxergar soluções adequadas. – Agora só falta
convencer Sara a esperar um pouco mais. Eu aceito até ficar cercado de seguranças, se isso a deixar mais calma.
- E Cathy? Será que ela vai concordar? Acho que você deveria primeiro conversar com ela – a sensatez do Dyo mais uma vez me alertou a levar em consideração a opinião
de Cathy. Realmente era o mais certo a ser feito.
- Vou conversar com ela. Cathy tem o direito de decidir como quer fazer – eles me olharam de maneira esquisita. Um sorriso irônico brotou nos lábios do Kendel.
- Bendito fim de namoro! – Dyo riu. Fiz cara de quem não entendia nada. – Se eu soubesse que você ficaria tão mansinho, teria combinado com Cathy para ela te deixar
antes – tive que rir.
- Para de palhaçada – reclamei.
- Esta vai ser a minha mais nova arma. “Thomas, vai tirar esta barba ou então mando Cathy de largar”, “Thomas, nada de bebidas hoje, ou então a Cathy vai embora”...
- Esta é melhor: “Thomas, nada de ficar até tarde nas boates ou então Cathy vai sumir outra vez” – Dyo completou rindo. Eles riam de mim, mas eu não me importava.
Para ter Cathy de volta eu iria até o fim.
- Vocês deveriam estar procurando uma solução para os meus problemas e não inventando moda – eles riram ainda mais. – Mário foi morto e vocês ficam brincando? Quanta
falta de consideração – continuaram rindo. – Dyo, procure a ex-esposa dele e ofereça pagar o enterro. O coitado não sabia a confusão em que estava se metendo.
- Ok. Vou providenciar. Alguma coisa mais?
- Dá um pano para ele limpar o chão que Cathy pisa - Kendel continuou a brincadeira, desconcentrando os demais, que riam sem parar.
- Isso. Melhor limpar o chão dela do que não ter ninguém para devotar – arqueei uma sobrancelha em desafio. – Pelo menos esta noite eu vou dormir acompanhado.
- Certo. Parei a brincadeira. Você é muito sem graça – todos rimos.
- Vou ver como Cathy está.
Deixei meus amigos ainda discutindo sobre o que deveríamos fazer e fui ao quarto conversar com Cathy. Ela já estava vestida, sentada na cama com as pernas cruzadas.
Mia, de frente para minha namorada, a encarava com uma expressão séria. Parecia que estavam tendo uma conversa que pertencia apenas a elas. Fiquei sem graça por
interromper, mas Mia levantou, finalizando o que dizia e se despediu, deixando-nos sozinhos. Sentei próximo a Cathy sondando as suas reações.
- Você está bem?
- Sim. O que vocês decidiram?
- Eu não quero envolver a polícia. Acho que se fizermos isso esta história vai vazar e não teremos paz – Cathy ficou em silêncio pensando no que eu disse.
Seria muito mais difícil para ela do que para mim se aquela história vazasse, afinal, ela seria a traída e teria a sua vida estampada em todos os meios de comunicação.
- E o que pretende fazer? Não sei se devemos nos preocupar apenas com as nossas vidas, sem fazer algo pela morte da Anna e do garçom. O responsável isso precisa
pagar.
- Kendel deu uma ideia e eu achei bastante conveniente para o momento – relatei a conversa com meus amigos e Cathy a princípio pareceu concordar com a solução encontrada.
- Tudo bem, Thomas, mas quando ele tiver provas suficientes nós vamos procurar a polícia – concordei. Não poderíamos manter aquela história em segredo a vida toda.
- Agora descanse um pouco. Eu tenho que conversar com Sara. Quero que ela providencie logo a lista das pessoas que visitaram Lauren nos últimos meses. Vamos ver
se encontramos alguma novidade.
- Você também precisa descansar – afaguei seu rosto com carinho.
- Eu sei. Vou fazer isso assim que terminar a conversa com Sara. Mia te deu alguma coisa?
- Um calmante. Ela disse que seria o melhor, assim eu dormiria com mais facilidade. Mas eu não sei. Eu... Que desastre, Thomas. Só de pensar que tudo isso está acontecendo
por nossa culpa...
- Amor, não! Não é por nossa culpa. Nós não podemos nos culpar pelas atitudes de uma pessoa desequilibrada. Quem quer que esteja por detrás disso, não pode ser normal.
Nós não fizemos nada.
- Eu sei, mas... – uma lágrima escorreu em seu rosto. Cathy mordeu os lábios e abaixou a cabeça. – Eu me sinto péssima com tudo o que aconteceu. Anna, o garçom...
- Não, Cathy! – abracei minha namorada, confortando-a. – Vai ficar tudo bem, amor! Não pense mais nisso. Descanse um pouco e deixe que eu resolvo tudo.
Deitei com Cathy em meus braços e afaguei suas costas até que ela finalmente foi tragada pelo sono, com a ajuda dos calmantes. Ainda havia uma lágrima no canto do
seu olho e sua respiração falhava ora ou outra com a presença do soluço causado pelo choro.
Peguei o telefone e saí do quarto para Cathy poder descansar. Liguei imediatamente para Sara que também já tinha formulado sua própria teoria e conversamos por um
longo tempo. Ela conseguiria a lista de que precisávamos e também tentaria uma gravação, caso alguém suspeito tivesse visitado Lauren. Combinamos que assim que estivesse
de posse das informações ela entraria em contato.
Voltei para o quarto onde encontrei Cathy dormindo, mais relaxada e em um sono profundo. Nada mais do choro ou da tristeza marcava o seu rosto angelical. A cena
me trouxe paz de espírito, mesmo em meio a tantas turbulências. Deitei ao seu lado e adormeci feliz.
Capítulo 23
Nada Como o Tempo
VISÃO DE CATHY
Depois de tantos problemas, passamos por dias de tranquilidade. Com tantos acontecimentos eu não podia mais manter a farsa do meu relacionamento com Roger. Por este
motivo o convidei para ir até a minha casa quando a reunião acabou. Prometi a Sam que estaria com ela no dia seguinte para conversarmos melhor.
Eu precisava realmente dar um fim naquela história em minha vida, mesmo que para isso tivesse novamente que sacrificar uma pessoa que tinha por mim o mais puro amor.
Não era mais possível continuar.
Ainda não era seguro revelar que eu e Thomas estávamos juntos. Roger não precisava desta humilhação, muito menos deste sofrimento, além disso, ainda existia a ameaça
que não sabíamos de que lado vinha, apenas que existia.
Roger chegou ao meu apartamento logo depois de mim. Era perceptível que ele sabia do que se tratava, e como eu não tinha mais dúvidas do que queria, não hesitei.
Preferi omitir todas as vezes que eu e Thomas não conseguimos nos conter e terminamos nos braços um do outro, contudo contei que aquela história mexia demais comigo
e que não poderia manter um relacionamento com ele enquanto tantas dúvidas estavam instaladas em meu peito.
Não foi tão fácil quanto eu esperava.
- Vocês estão juntos? – Perguntou com aspereza. Ele não reagia muito bem aos meus argumentos. Senti-me péssima!
- Não – me apressei em mentir. – Eu apenas...
- Mas você decidiu voltar para ele?
- Eu ainda não decidi nada, Roger. Eu... – senti que as lágrimas estavam prestes a cair. – Eu estou confusa com tudo o que está acontecendo e preciso entender.
- Ele está te enganando e você está se deixando enganar, Cathy – gesticulou enfurecido. – Como pode ser tão tola? Como consegue escolher viver uma mentira tão absurda
como a que ele está te contando? Não vê que não existe a menor possibilidade desta história ser verdadeira? Ou você quer tanto justificar a sua vontade de voltar
para ele que está aceitando qualquer coisa?
- Você está sendo duro demais comigo.
- E como você queria que eu reagisse ao que está me dizendo?
- Como sempre reagiu. Compreendendo-me. Apoiando-me. Sendo meu amigo, como sempre foi – não conseguia mais conter as lágrimas.
- Cathy, eu amo você!
Ele segurou em meus ombros me fazendo olhá-lo nos olhos. Foi doloroso assistir ao seu desespero. Roger sofria e eu também. Mia tinha razão, era muito desonesto incentivar
o seu sentimento quando eu sabia que dentro de mim nunca seria possível retribuir. Eu errei, mais uma vez.
- Sinto muito!
Roger soltou meus ombros e levantou do sofá indo até a janela. Ficou olhando para a noite escura e fria, até conseguir recuperar a calma. Chorei em silêncio, sentindo
o peso das minhas decisões.
- Desculpe! – disse por fim. Eu nada respondi.
Tive medo de acabar falando mais do que poderia naquele momento. Roger caminhou calmamente, ajoelhando-se diante de mim. Com um gesto bastante delicado, acariciou
meu rosto, limpando a lágrima que caía. – Sinto muito, Cathy! Não quis te magoar – sorri deixando outras lágrimas caírem. Roger era sempre tão perfeito!
- Eu estou te magoando mais uma vez e você é quem me pede desculpas?
- Não perdi a esperança. Não ainda – olhei-o confusa. Como não? Eu estava deixando-o, de novo. Partindo o seu coração. – Vamos recapitular: você me disse que não
voltou com Thomas e que pretende aguardar até descobri toda a verdade e ter certeza do que está escolhendo? Ou estava apenas esperando finalizar a nossa história
para reatar com ele? – Não consegui pensar duas vezes para formular a minha mentira.
- Eu não tenho certeza do que quero ainda. Só sei que preciso acompanhar esta história de perto. Quero descobrir o que realmente aconteceu para depois decidir qual
será o papel de Thomas em minha vida – Roger sorriu aliviado e eu não me senti culpada pela mentira, pelo menos ele não sofreria tanto.
- Então eu poderei continuar ao seu lado, enquanto descobre o que aconteceu e, quando chegar a hora, você decide o que vai querer.
- Roger...
- Cathy. Eu só quero continuar ao seu lado até que tenha condições de decidir o que realmente quer. Não estou pedindo que continue sendo a minha namorada, eu jamais
te pediria isso sabendo que está confusa, só estou pedindo para que você me aceite ao seu lado até tudo ser resolvido.
Não tinha como negar este pedido. Não era propriamente uma traição, nem a ele nem a Thomas. Era apenas uma permissão para que meu amigo continuasse ao meu lado.
E quando eu conseguisse o tempo e as respostas necessárias para admitir o meu amor por Thomas, ele entenderia, como sempre entendeu todas as minhas decisões.
***
Thomas e eu concordamos que precisávamos ser discretos, por isso ele não me levava nem buscava no trabalho. Eu ia sozinha, sempre com um carro com dois seguranças
me seguindo. Era necessário, mas também irritante.
- Preciso ter eles o tempo todo comigo? – Questionei Thomas assim que desci para a sala e notei os dois rapazes aguardando.
- Não faça essa cara, Cathy! É para o seu bem.
- Eu sei que é para o meu bem. Não estou questionando este ponto, mas não preciso de ninguém me seguindo até o banheiro, contando os meus passos, proibindo as pessoas
de se aproximarem...
- Colabore, Cathy! Será por pouco tempo – suspirei resignada. – A pessoa eu quer nos fazer mal pode estar em qualquer lugar, inclusive em seu trabalho.
- Não posso trabalhar escoltada. Vai ser constrangedor.
- Ela tem razão – Dyo interferiu. – Além do mais, vamos acabar despertando a atenção se Cathy aparecer para trabalhar acompanhada de dois seguranças.
- E o que você prefere? Ela chamando atenção ou sofrendo um novo atentado?
- Thomas! Dyo está sendo mais sensato do que você – ele ia responder, mas hesitou e se conteve. Kendel, sentado no sofá de costas para o nosso grupo, deu uma risada
cínica. Thomas se mexeu incomodado, no entanto nada disse.
- Podemos fazer assim: Cathy vai acompanhada pelos seguranças até a entrada da empresa – meu amigo olhou para mim assumindo um tom bastante profissional. - Eles
vão te acompanhar até a entrada, inclusive no elevador. Quando você estiver dentro do escritório, serão dispensados. Certo? – Eu poderia contestar, porém achei melhor
não esquentar aquela briga. Acabei concordando com o absurdo de ter babás dentro do elevador. Thomas estava de cara feia, ouvindo tudo o que Dyo dizia.
- Tenho seguranças na porta do escritório e ninguém entra em minha sala sem ser anunciado. Aliás, ninguém consegue chegar até a minha secretária sem antes ser autorizado
– olhei sugestivamente para Thomas que me encarou resignado.
- Certo, mas quero dois homens do lado de fora, aguardando – falou para Dyo e logo voltou a me olhar com firmeza. – E eles vão te acompanhar até a porta de casa.
Não aceito nada diferente disso – revirei os olhos. Thomas sorriu e eu acabei aceitando sem sentir raiva. Ele só queria me manter protegida.
- Combinado.
E assim meus dias seguiram essa rotina de ter sempre alguém de olho em mim. Todos estavam preocupados e ansiosos, porém nada acontecia.
Na empresa tudo corria normalmente. Roger não demonstrava nenhuma insatisfação comigo, muito pelo contrário, estava mais próximo, mais amigo. Não conversávamos sobre
Thomas, no entanto, de tempo em tempo, perguntava, como se não estivesse um real interesse se tínhamos reatado. E eu mentia, não porque não confiava nele, mas por
não me sentir segura para contar, ainda não tinha coragem de magoá-lo.
Por mais que estivesse reagindo bem ao nosso rompimento, eu sabia que Roger ainda gostava de mim, então evitava qualquer coisa que pudesse causar-lhe dor. No fundo
eu sentia que ele já sabia de tudo, mesmo assim não confirmava, nem ele me desmentia. E esta era a nossa relação no trabalho. Uma eterna mentira que provavelmente
viraria uma bola de neve.
Sara havia ligado dois dias depois afirmando que já tinha uma lista e que Lauren recebeu a visita de duas pessoas, dois homens, até então desconhecidos para todos
nós. Essas visitas eram feitas semanalmente. Os médicos responsáveis não tinham percebido nada que ameaçasse a sua melhora então a família não foi comunicada, já
que não havia restrições em sua ficha. Sara solicitou as fitas de segurança do período em que essas pessoas começaram a aparecer até o dia em que ocorreu o atentado.
Este processo duraria mais alguns dias, então teríamos que ser pacientes.
Kendel conseguiu entra em contato com o amigo que nos ajudaria nas investigações. Este passou a acompanhar as nossas rotinas e analisar os acontecimentos. Ele acreditava
que primeiro precisaríamos encontrar o homem com tatuado que Thomas tinha identificado como o mesmo que esteve no apartamento da Anna, no bar e autor dos disparos
contra nós dois.
Combinamos que mais ninguém poderia saber o que estava acontecendo para não prejudicar as investigações. O agente achou melhor comunicar o caso ao chefe de polícia
que decidiu iniciar uma investigação sigilosa, utilizando apenas agentes de confiança. Eu achei ótimo! Era importante envolver a polícia.
Eu tentava equilibrar a minha vida entre o trabalho, o caso a ser solucionado e meu relacionamento secreto com Thomas. Assim, me revezava entre recebê-lo em minha
casa ou passar a noite na casa dele. E às vezes receber Roger em casa, o que era sempre um problema para Thomas, já que nesses dias não nos encontrávamos.
No entanto Thomas estava cada vez mais carinhoso e atencioso. Nossas noites eram de muito amor. Ele não parava de me elogiar, me cercar de cuidados. Estava sempre
por perto e suas mãos estavam sempre em mim, mesmo que segurando no cós do meu jeans. Confesso que estava adorando. Era muito bom ter minha vida de volta e melhor
ainda, era acreditar que tudo foi apenas um pesadelo e que tinha voltado a sonhar.
Tudo de ruim tinha ficado no passado. Consegui virar a página. Sempre que demonstrava o meu amor, Thomas ficava radiante, como uma criança recebendo um brinquedo
novo. Seus olhos brilhavam e o imenso sorriso não saia de seus lábios. Às vezes sentia medo da minha decisão, mas bastava Thomas me olhar como me olhava para que
qualquer dúvida desaparecesse.
Passei a acordar todos os dias com uma rosa, de cores diferentes, ao meu lado na cama. Algumas vezes tinha um recadinho dizendo o quanto ele me amava ou o quanto
estava feliz. Era como uma injeção diária de amor diretamente em minhas veias e eu não conseguia pensar numa forma de ser mais feliz.
Faltava muito pouco para que tudo estivesse realmente perfeito. Eu precisava terminar minha participação na empresa e voltar a ser a assistente do Thomas, pois logo
começaríamos um novo trabalho e eu queria muito voltar a nossa rotina. Neste turbilhão de felicidade, meu único problema era encontrar uma forma de contar ao Roger
sem que ele sofresse.
- Você sabe que por mim esta parte já estaria resolvida – Thomas falava enquanto se barbeava, certa manhã antes de eu sair para o trabalho. Eu o encarava pelo espelho
sem saber o que dizer. – Se você se preocupa tanto com os sentimentos dele, então seja honesta com o cara. O mais justo seria contar e não deixar com que ele nutra
esta esperança.
- Você não entende.
- Cathy, ele vai sofrer de qualquer maneira. Puxe logo o band aid. Um dia ele vai te agradecer por isso. Seria mais leal de sua parte.
- Não posso machucá-lo. Não é justo.
- Não é justo comigo também – ele me encarou captando meus olhos através do espelho. Thomas tinha razão. Não era justo com ninguém.
- Eu vou resolver isso, agora tenho que ir – dei-lhe um beijo rápido e saí com o coração na mão.
Mas não foi naquele dia que consegui contar. Roger praticamente ocupou todo o seu tempo, não me deixando espaço para uma conversa adequada. Um crise estava se instalando
nas empresas e dentro de mim. Eu não sabia como resolver nenhum dos dois problemas.
Alguns dias depois Sara chegou de Los Angeles com as gravações e a lista das pessoas que tinham visitado Lauren na clínica onde estava internada. Ficamos tensos
e eufóricos ao mesmo tempo. Precisávamos esclarecer toda aquela confusão.
O apartamento do Thomas foi o local onde nos encontramos para assistirmos todos juntos. Ninguém queria perder os detalhes, menos eu, que só fui porque meu namorado
insistiu muito, argumentando que seria bom eu saber quem era o tal homem tatuado.
As gravações eram monótonas e cansativas. Algumas eram imagens apenas da recepção e dos visitantes que passavam por lá, que não eram muitos. Parecia que a pessoas
esqueciam-se dos parentes que possuíam algum grau de insanidade mental. Era triste, até mesmo para Lauren, que tinha tentado me matar e era muito provável que estivesse
tentando novamente.
Quando eu não estava mais conseguindo prestar atenção Thomas se sobressaltou ao meu lado. Olhei para a tela e vi a imagem de um homem se identificando na recepção.
- É ele! – Thomas afirmou nervoso. – Este é o homem de que eu falei – levantou se aproximando mais da TV. – É ele. Não tenho duvidas.
- Você tem certeza, Thomas? A imagem não está tão boa assim – Sara estava visivelmente abatida com a possibilidade de Lauren estar mais uma vez envolvida em um atentado
contra nós dois.
- Tenho. Olhem a tatuagem e o cavanhaque. É ele!
- Vamos continuar assistindo – falou o agente Saunders enquanto fazia anotações em uma agenda. – Esta foi à primeira aparição dele, estou marcando o horário para
descobrir como ele se identificou. Precisamos saber quantas vezes o sujeito esteve lá e depois analisarmos as imagens da conversa com Lauren para termos algo mais
concreto.
Concordamos em continuar assistindo e desta vez eu prestei bastante atenção. Foram várias visitas. Quando começamos a assistir as imagens do suspeito com Lauren
observamos que nas primeiras vezes ela não falava, apenas olhava para frente enquanto ouvia o que ele dizia. Depois da terceira vez o sujeito foi acompanhado de
outro homem, alto e forte, de cor branca e com uma tatuagem no punho esquerdo que não deu para identificar, Lauren parecia responder animadamente a tudo o que eles
falavam. As visitas não duravam muito, depois desta houve apenas mais uma.
Thomas estava contente com o rumo das investigações. Ele acreditava que as imagens comprovavam que Lauren estava envolvida com os crimes, mas o agente Saunders não
parecia tão confiante.
- As imagens comprovam apenas que os suspeitos estiveram com ela. Nada podemos afirmar sobre o seu envolvimento. Precisamos primeiro comparar as visitas com os dias
em que os casos ocorreram, e acredito que eu deveria visitá-la e fazer algumas perguntas.
- Não sei se será saudável para ela agente Saunders – Sara interferiu. – Eu tenho visitado a minha sobrinha com frequência, como pode observar nas filmagens, e posso
garantir que ela está realmente louca, apesar de não agressiva. Não tem falado mais na Cathy e apenas delira achando que Thomas aparecerá para buscá-la. Acredita
que está grávida. Não consigo pensar em como Lauren possa estar envolvida com esta confusão. Não existe nenhum traço de sobriedade nela. São só sonhos e delírios.
- Entendo. Mas os suspeitos estiveram com ela. Alguma coisa sua sobrinha tinha para oferecer. Eles podem apenas ter se aproveitado do estado mental dela para colher
informações relevantes como rotinas, nomes, endereços... Vamos fazer o seguinte: você faz a visita. Eu apenas te ajudarei a conduzir a conversa para o que queremos
saber. Posso te acompanhar e monitorar de longe. Gravamos tudo e depois vemos o que podemos concluir.
- Tudo bem! – Sara concordou, já bastante cansada para recuar. – Quando você quiser.
- Ótimo! Mas preciso das autorizações necessárias e também comunicar ao chefe as novidades. Assim que estivermos com tudo pronto eu entro em contato.
O agente Saunders se despediu levando as gravações e suas anotações. Sara o acompanhou. Ela não se conformava com o que estava acontecendo e sentia-se envergonhada,
por mais que Thomas tentasse convencê-la de que ela não tinha culpa. Temíamos que a relação profissional ficasse insustentável.
Ficamos conversando um pouco especulando sobre as novidades e aos poucos nossos amigos foram se despedindo, se acomodando, ou cuidando de outras atividades. Eu e
Thomas, continuamos sentados no sofá, abraçados, como um casal apaixonado, conversando baixinho.
- Você acha que ela pode estar no comando
- Não sei. Nunca fui visitá-la, não tenho ideia de como está o seu quadro. Se ela está mesmo como Sara falou, como pode ter armado um plano como este? E de que forma
conseguiu contato com aqueles homens? Tudo está muito estranho – ele acariciou meu braço de maneira metódica e programada. Seus olhos estavam perdidos no nada, como
se sua mente estivesse trabalhando a todo o vapor.
- Tenho medo. Lauren conseguiu enganar todo mundo da outra vez – ele me abraçou com mais força.
- Nada vai acontecer. Agora estamos um passo a frente dele. Logo este pesadelo acaba – beijou minha cabeça e depois levantou meu rosto para beijar meus olhos, nariz,
bochechas, queixo e por fim os lábios. Dei risada da brincadeira, sabia que ele tentava me distrair. – Vamos dormir?
- Estou sem sono – seus dedos adentraram meus cabelos fazendo uma massagem relaxante.
- Eu cuido de você – sussurrou em meu ouvido.
Subimos para nosso quarto. Eu presa aos meus temores e ele cheio de planos para a nossa noite. Ainda estava nervosa pela confirmação do envolvimento, mesmo que mínimo,
da Lauren. Só de lembrar dos seus olhos enlouquecidos quando disparou em minha direção, sentia minhas pernas fraquejarem. Suspirei. Ao menos ela seria vigiada mais
de perto e as visitas seriam proibidas, com exceção da Sara, que nos manteria informados.
- Não pense mais nisso – Thomas me abraçou pelos ombros puxando-me para junto dele.
- É impossível! Nunca consegui esquecer da expressão dela quando atirou em mim. Lauren queria que eu morresse, e aparentemente continua querendo.
- Cathy, Lauren está trancafiada naquele hospício. Agora sabemos como controlá-la. Vai dar tudo certo. Relaxe! – Abriu a porta do quarto me dando passagem.
Entrei e ele me abraçou pela cintura, alcançando meu pescoço. Suas mãos faziam movimentos leves em minha pele. Era gostoso, reconfortante, porém não o suficiente
para me fazer esquecer.
- Relaxe, amor! – Suplicou com a voz rouca em meu ouvido.
- Não dá. Desculpe!
- Tudo bem. Tente dormir.
Eu estava muito ansiosa para conseguir dormir, e mesmo com todas as investidas do Thomas, também não me sentia a vontade para fazer amor. Não enquanto não digerisse
o medo que estava sentindo. Ficamos abraçados, seus dedos subindo e descendo em meu braço, em uma carícia suave que me embalava. Demorei a dormir e quando isso aconteceu
um pesadelo apavorante acabou por me despertar.
Nele Lauren estava de volta, mais enlouquecida do que antes, porém desta vez ela não atirava em mim, ela me empurrava de uma janela e eu caia por um tempo interminável,
tendo a certeza de que morreria tão logo meu corpo atingisse o chão.
Acordei com dor de cabeça e indisposta. Abri os olhos e não tive nenhuma vontade de sair da cama. Thomas ainda dormia sossegado ao meu lado Evitei movimentos bruscos
para não assustá-lo, não queria que ele acordasse, principalmente porque eu não me sentia bem para conversar sobre todos os problemas que vínhamos passando.
Fiquei quieta até ter certeza de que conseguiria levantar sem chamar a sua atenção. Peguei algumas roupas e fui me arrumar no quarto ao lado. Saí sem ao menos lhe
dar um beijo de despedida.
Assim que cheguei na empresa dei de cara com Roger que estava de saída. Ele veio em minha direção e me deu um beijo carinhoso no rosto. Sorri em resposta.
- Bom dia, querida! – Reprimi um riso. Era como se fossemos casados.
- Bom dia, Roger. Na correria tão cedo?
- Sim. Tenho coisas para resolver. Alguma novidade? - Pensei sobre o que poderia falar.
Não podia dizer que estava bastante assustada pela descoberta da participação da Lauren nos crimes que haviam me cercado nos últimos meses. Este era o acordo que
eu tinha feito com Thomas. Nenhuma informação deveria ser passada. Era injusto com Roger que era tão leal comigo, mas eu tinha prometido, e cumpriria a promessa.
- Não. Nenhuma novidade – deixei que meus olhos fitassem o chão, evitando o contato direto. Não me sentia bem mentindo para ele. Também não me sentia bem dizendo
que estava com Thomas.
- Está lembrada da nossa viagem? Semana que vem.
Droga! Com tanta confusão eu tinha me esquecido completamente. Teríamos uma reunião com o conselho administrativo em Los Angeles. Nem havia comentado com Thomas.
Aquilo não ia dar certo.
- Não acredito que esqueceu! – Disse rindo. – Onde anda a sua cabeça, Cathy? Como pode pensar em assumir o seu patrimônio se esquecendo dos compromissos? – Ele ria,
mas eu fiquei séria imediatamente.
Eu não queria mais brincar de executiva. O retorno de Thomas trouxe com ele a ânsia pela minha vida antiga. Eu queria tudo o que havia ficado parado no tempo. Queria
meu trabalho e a nossa louca rotina. Enquanto pensava nisso, me dei conta que sentia falta até dos gritos histérico das fãs enlouquecidas. Sentia falta dos meus
amigos, que tinham se tornado a minha família, e sentia principalmente a falta do contato constante com o homem que eu amava. A liberdade para namorar nas tardes
livres e a vontade louca de voltar para o hotel nas noites agitadas. Olhei para Roger e ele me olhava preocupado.
- Desculpe!
- Você vai abandonar tudo, não vai? – Seus olhos eram intensos e me constrangiam. – Cathy, pense muito antes de tomar esta decisão. Uma decepção deveria ser o suficiente
para você. Não jogue tudo para o ar. Thomas não é tão confiável – prendi a respiração. Definitivamente não queria ter aquela conversa com ele. – Estas empresas são
tudo o que seu pai deixou. Você tem noção do quanto ele lutou para mantê-las ativas? E Sam? Como ela vai ficar quando souber que você não estará à frente de tudo,
como ela sonha?
- Roger, este não é o momento. Você precisa sair e eu tenho coisas para resolver...
- Thomas, não é confiável. Quantas amigas mais você vai perder para as luxúrias dele? Mia? Qual delas você vai aguardar para descobrir que está tendo um caso com...
- Pare! – Supliquei já sentindo meu coração afundar. Eu não queria aquela insegurança. – Preciso ir – comecei a me afastar quando ele segurou a minha mão me impedindo.
- Sinto muito! Perdão! Perdão! Eu... Perdi a cabeça. Não quero te magoar e sei que no final vou acabar respeitando a sua decisão – sorriu de maneira sincera. – Só
não queria ver você outra vez do jeito que ficou. Por mais que eu tente ser otimista, sei que é o que acontecerá – meu coração ficou apertado com as lembranças.
Eu não queria aquela dor de volta. Estava bem em meu mundo com Thomas. Havia reencontrado a felicidade.
- Conversaremos depois, Roger – soltei a minha mão da dele. Naquele momento eu precisava apenas de espaço. O ar parecia escasso. – Tenho mesmo que ir – afastei-me
rapidamente, vendo meu amigo seguir o caminho dele com uma aparência abatida. Era tudo o que eu não precisava para aquela manhã.
Capítulo 24
Insegurança
VISÃO DE CATHY
Entrei correndo no elevador com o coração martelando. Roger conseguiu me ferir de uma maneira irreparável. Os dois seguranças mantinham-se ao meu lado, contudo não
despertavam a atenção das demais pessoas que ali estavam. Meu celular começou a tocar e eu já imaginava quem era do outro lado da linha. Corri para alcançar os elevadores,
procurando o celular que insistia em tocar e atendi.
- Cathy? – Thomas falou ainda com a voz rouca de sono.
- Oi! – Fiquei sem graça por ter saído sem me despedir. Também ainda estava embargada pela emoção que as palavras do Roger tinham me causado.
- Aconteceu alguma coisa? Você foi embora sem falar comigo – Thomas mantinha a voz tranquila, mas eu sabia que um monte de coisas passava pela sua cabeça.
- Tenho muito trabalho hoje e você estava precisando dormir, preferi não acordá-lo.
- Ok! – Disse depois de um tempo. – Os seguranças estão com você?
- E tinha como fugir deles? – Thomas riu.
- Melhor assim. Estava pensando em convidar nossos amigos para jantar conosco hoje à noite. Vamos ter que ficar aqui mesmo, o que você acha?
- Na verdade pensei em algo mais íntimo. Preciso conversar algumas coisas com você então pensei em jantarmos só nós dois, em meu apartamento. Mia vai viajar hoje,
então ele será só nosso.
- Combinado.
O dia seria cansativo, mas pelo menos Roger não estaria o tempo todo ao meu lado me fazendo lembrar das partes ruins da minha vida. Eu sabia que estava sendo injusta
com ele. Roger era ótimo e um amigo fantástico, mas ele e Thomas tinham uma história mal resolvida, o que complicava tudo. Eu entrava no meu ritmo normal de felicidade
e plenitude, então ser arremessada de volta às lembranças tristes era muito difícil e doloroso. Pelo visto o caminho com Roger seria esse. Não aconteceria como eu
imaginava. Thomas tinha razão.
Roger só voltou no meio da tarde. Eu havia convidado Sandra para almoçar comigo no restaurante da torre norte, uma tentativa de não ficar sozinha, ou cercada pelas
sombras, os seguranças. Também foi a necessidade de retribuir o favor que ela me fez, conversando comigo no dia em que decidi ficar com Thomas
O almoço foi agradável e nós duas conversamos um pouco sobre tudo. No final descobri que tinha uma secretária muito inteligente e que gostava do que fazia. Decidi
que seríamos mais próximas.
Roger apareceu em minha sala tão logo chegou ao escritório. Estava calmo e falante, como se nada tivesse acontecido pela manhã. Para minha felicidade não conversou
sobre a minha vida pessoal, apenas sobre alguns contratos importantes e diversos outros assuntos que confesso não serem muito a minha praia.
O mundo dos negócios não combinava comigo, a maioria das coisas que Roger falava ou explicava não conseguia prender a minha atenção por muito tempo. Logo ele me
abandonou para cumprir com o restante das suas obrigações.
Aproveitei para conferir como a imprensa estava tratando os últimos acontecimentos. Existia ainda um alvoroço por parte dos fãs de Thomas, que não se contentavam
com a escassez de notícias. Algumas fotos minhas entrando e saindo do prédio dele, outras dele saindo com Dyo, mas nada que de fato alertasse o possível assassino,
ou assassina, que tentava nos manter separados.
Um e-mail em minha caixa de mensagens pessoal me fez estremecer. A mesma mensagem de antes “A vida não é um conto de fadas” e em seu conteúdo, as mesmas fotos que
eu havia recebido no dia do atentado. As mesmas malditas fotos que atormentaram a minha cabeça por dias. Mia e Thomas, como um casal feliz. Seria possível?
No final do dia, quando decidi que estava na hora de voltar para casa e encara de frente os meus problemas, resolvi passar na sala do Roger para me despedir.
- Está com pressa hoje? – Perguntou sem tirar os olhos do papel que estava em suas mãos.
- Um pouco – entrei na sala sem largar a porta que estava aberta. – Mia vai viajar e eu quero me despedir antes dela sair.
- Ela vai viajar? A trabalho?
- Sim e não. Sim, ela vai viajar a trabalho, parece que precisa organizar um desfile, alguma coisa deste tipo, e não, ela não vai só trabalhar. Henry mora em Los
Angeles, então Mia vai aproveitar muito dessa viagem para namorar.
- Sorte a dela! – Suspirou voltando a sua atenção para os papéis.
- E sua mãe? – Tentei mudar o rumo da conversa. O clima não ficou muito bom após o seu comentário e eu não estava disposta a ficar me explicando. .
- Está bem. Vou aproveitar a viagem à Los Angeles para passar mais algum tempo com ela.
- Isso é ótimo!
- É sim – continuava interessado demais nos seus papéis e de menos em mim. Minha culpa não me deixou ir embora sem antes conseguir algo mais dele.
- O que você tem feito? Tem saído com os amigos ou está enterrado no trabalho?
Minha única intenção era saber como ele estava lidando com a nossa separação. No fundo desejava que ele me dissesse que estava saindo e tinha conhecido alguém interessante.
Eu ficaria mais satisfeita se fosse assim.
- Tenho tido muito trabalho, Cathy. É difícil ter uma vida social quando a profissional é tão intensa como a minha – mais uma vez ele respondia de maneira entediada,
como se estivesse analisando algo em seus relatórios e não prestando muita atenção ao que conversávamos.
- Onde está aquele Roger que vivia me dizendo que eu precisava sair mais, me dar oportunidade...?
- Aquele Roger, tinha tudo o que ele queria ao alcance das mãos, não precisava sair procurando nada – não sabia como responder. Sua resposta me pegou desprevenida.
Respirei fundo para recuperar a postura.
- Desculpe! Eu não queria...
- Cathy, eu estou apenas dizendo que era muito mais fácil quando a minha namorada estava sempre ao meu lado. Eu não precisava sair para encontrar alguém legal porque
tinha você e isso me poupava muito tempo – riu das próprias palavras. Eu poderia sentir magoada ou até ficar ofendida, mas a mudança de humor dele e a tranquilidade
com que tratava o nosso rompimento me fez apenas sentir alívio.
- Tenho que ir agora, ou então não encontrarei Mia em casa.
- Boa viagem para ela – desejou ainda sorrindo e logo voltou aos papéis, deixando-me sem graça.
***
Cheguei apressada. Mia estava terminando de se arrumar. Com tantos acontecimentos eu não tive tempo nem cabeça para falar sobre um assunto tão delicado quanto aquele
que teria que abordar com aminha melhor amiga.
As fotos.
Tinha esquecido da existência delas, que estavam guardadas no fundo do meu guarda-roupa enquanto aguardava uma oportunidade para esclarecer tudo. Aquele parecia
o melhor momento para isso. Se Mia viajasse sem que antes tivéssemos aquela conversa eu não conseguiria mais questioná-la.
Na verdade, desde que havia recebido aquelas fotos não conseguia ser a mesma com Mia. Eu tentava, mas não obtinha sucesso e ela havia notado a sutil diferença na
maneira como eu estava agindo. Por isso queria chegar cedo em casa, para poder conversar com ela e esclarecer mais aquele problema. Agradeci por ter marcado com
Thomas em minha casa, assim poderíamos conversar sem que ninguém nos atrapalhasse.
Fui até o meu quarto, peguei as fotos levando-as até a sala. Sentei no sofá aguardando Mia. Observei cada uma das fotos para eliminar de minha cabeça qualquer possibilidade.
Devo admitir que era estranho demais vê-los juntos numa época em que eu não queria contato com Thomas. Ela sabia disso, me apoiava e me encorajava a seguir em frente.
Mia entrou na sala exatamente dez minutos depois de mim. Toda a minha coragem se esvaiu. Seria correto abordar a minha amiga daquela forma?
- Cathy? Algum problema?
- Mia... Naquele dia... No dia em que eu e Thomas sofremos o atentado... – esfreguei uma mão na outra sem saber como continuar. Mia era a minha amiga e eu estava
ali cobrando dela uma explicação que não deveria. Imediatamente me arrependi de iniciar a conversa.
- Alguma novidade? Pegaram o cara? – Ela estava ansiosa, mas apontava para uma direção diferente da que eu queria.
- Não. Não... Está tudo na mesma. Continuamos aguardando por Sara – desviei o olhar.
- Então, o que? – Permaneci calada. – Cathy, se você não me disser vou ficar intrigada. Não poderei adivinhar. Falei hoje mesmo com Thomas e ele não me disse nada
de novo. O que está acontecendo? Não me obrigue a ligar agora para Thomas e perguntar... – foi o que bastava para que eu continuasse a conversa.
- Ok! Aproveite e pergunta a ele sobre isso – joguei as fotos sobre a mesa de centro. Ela olhou em direção à mesa sem entender o que eu estava falando, mas não demorou
muito para captar a minha mensagem.
- Quem... Como você... O que é isso?
- Achei que você poderia me dizer.
Não que eu acreditasse que Mia tivesse um caso com Thomas, mas com tudo o que aconteceu, todo e qualquer problemas relacionado a este assunto me desestabilizava.
Eu não queria acreditar. Não acreditava. Mas precisava saber. Não podia simplesmente ignorar. Não depois de tudo o que vi.
- Nós nos encontramos algumas vezes, para conversar sobre você ou sobre o que ele pretendia fazer para que você acreditasse nele. Eu não entendo, Cathy. Você está
pensando que...
- Eu não estou pensando nada – tentei tirar as fotos de sua mão, mas ela recuou.
- É claro que está pensando. Ou então por que... Cathy?
- Eu recebi estas fotos em meu escritório. Não sei quem as enviou. Apenas queria entender porque você escondeu de mim que estava se encontrando com ele?
- Não eram encontros! – Disse exasperada.
- E eram o que? – Eu me exaltei. Era impossível ficar imparcial em uma confusão como aquela.
- Era por você! - Ela levantou do sofá jogando as fotos nele. – Thomas me procurou algumas vezes, me contou sobre o que ele tinha descoberto e eu aceitei ajudá-lo
a ter você de volta. Apenas isso.
- E por que não me contou?
- Porque você estava tão presa a seu sofrimento que de nada adiantaria apenas te contar o que ele havia me contado. Você estava tão triste! Eu não podia me recusar
a ajudar. E eu te contei. Quando ele esteve aqui e vocês se encontraram a primeira vez depois de Anna. Eu te disse que estava acompanhando o sofrimento dele e que
acreditava em Thomas.
- Você disse que acreditava nele e não que estava saindo com ele para confortá-lo – no mesmo instante em que falei me arrependi. Havia dito o maior de todos os absurdos
a minha amiga. – Mia, eu...
- Não diga mais nada. Esta conversa chegou ao seu limite. Pense duas vezes ante de me dizer mais qualquer asneira, Cathy. É a nossa amizade que está em jogo.
Não havia mais como argumentar. Mia tinha a razão e eu era mais uma vez a garota mimada que via problemas onde eles não existiam. Fiquei péssima! Mia não merecia
que eu desconfiasse dela. Em qualquer outra situação nunca a faria passar por aquilo, porém naquele contexto...
- Me perdoe! – Eu disse por fim. – Mia, me perdoe! Eu não devia ter duvidado de você. Eu... Eu nem sei se duvidei mesmo de você... – escondi meu rosto entre as mãos.
- Duvidou. Você não confia em mim – ela foi até o quarto e depois de alguns minutos voltou já com as malas.
Mia parou de frente a mim, seus olhos ainda continham algumas lágrimas que ela com certeza deixara cair enquanto ainda estava no quarto. “Que droga!” pensei com
dor. Passei as mãos por meus cabelos puxando-os para trás. Minha angústia era tamanha que meu estômago revirava e um forte enjôo estava à beira de me dominar.
- Eu tenho que ir.
- Mia...
- Tenho que ir, Cathy. Quando eu voltar, conversaremos – dizendo isso, pegou suas malas e foi embora. Senti minha cabeça latejar. Fiquei imóvel no sofá sem conseguir
reagir. “O que eu fiz?” meus pensamentos me castigavam.
Ouvi a batida em minha porta e fui atender já aguardando por Thomas. Ele sorriu para mim, no entanto seu sorriso se desfez imediatamente ao perceber o meu estado.
- Amor, aconteceu alguma coisa? – Thomas já vasculhava meu corpo, procurando algum sinal de violência ou de um novo atentado. – Onde estão os seguranças?
- Lá em baixo.
- O que aconteceu? – Segurou meu rosto com as mãos trêmulas. Uma lágrima escapou de meus olhos.
- Mia... Nós brigamos – pude ver sua expressão preocupada relaxar quase que imediatamente. Suas mãos antes desesperadas em meu rosto ficaram menos afoitas, passando
a um carinho, e seus olhos ficaram ternos.
- Brigaram? Por quê? – Sua voz ficou mais doce, confortadora.
Eu não podia repetir cada palavra que trocamos. Também não podia confirmar o quanto era imatura. Então apenas apontei para as fotos espalhadas sobre o sofá. Ele
olhou curioso para onde eu indicava e então me largou indo em sua direção.
- São fotos minhas com a Mia? Como você conseguiu?
- Eu as recebi no escritório. Ninguém sabe como elas chegaram a mim.
- Uma carta anônima? – Não desviou sua atenção das fotos. Depois de examiná-las algumas vezes, devolveu-as ao sofá. Thomas suspirou pesadamente e voltou para meu
lado afagando meu braço.
- Cathy, você pensou que eu e Mia estávamos... – não terminou o que iria dizer.
- Não sei – confessei. – Eu tive medo do que poderia significar essas fotos e porque alguém as mandaria para mim, mas não sei dizer se acreditei que seria possível.
- Cathy! –Fez uma pausa buscando as palavras certas. Como um adulto que tenta explicar algo para uma criança que ainda não tem discernimento suficiente para entender.
– Alguém está tentando nos manter separados.
- Eu sei.
- Você deveria estar preparada para esse tipo de coisa. Não há dúvidas de que quem quer que seja esta pessoa, ela não ela não tem a menor intenção de perder. Todas
as armas serão usadas.
- Eu sei, Thomas!
- Então por que cobrou uma explicação de Mia?
- Não sei! – Comecei a chorar copiosamente.
Thomas teve a capacidade de enxergar onde eu não conseguia. Eu havia deixado que minha insegurança superasse a minha capacidade de raciocinar de maneira coerente,
com isso magoei a minha melhor amiga e eu não sabia como resolver a nossa situação.
- Tudo bem! – Thomas me envolveu em seus braços. – Vai ficar tudo bem – repetia me acalmando.
Capítulo 25
O Fim Da História
VISÃO DE CATHY
Thomas decidiu que também iria para Los Angeles, assim ficaríamos juntos enquanto eu estivesse por lá. Optei por não ficar na casa dele... Nossa casa. Fiquei no
hotel, o mesmo que todos os executivos da empresa ficaram. Seria mais fácil para mim. Thomas não concordou, é claro!
Ele achava que eu ficaria mais próxima do Roger do que dele, o que meu namorado não percebia era que eu realmente passava os meus dias mais próxima do Roger, fisicamente,
porque os meus pensamentos estavam com ele o tempo todo.
Eu pensava que com a nossa volta, Thomas ficaria mais tranquilo em relação a Roger. Na verdade, mesmo tentando disfarçar, ele ainda nutria um ciúme exagerado e fazia
de tudo para não me deixar à vontade com meu amigo. Ele concordava com o trabalho, porque não havia outra alternativa. Então meu namorado não conseguia relaxar sabendo
que eu estava no mesmo hotel que Roger enquanto ele estava em casa sozinho.
Ele não entendia o meu lado. Como iria dizer a Roger que não poderia acompanhar a todos porque estava hospedada na casa de Thomas? O nosso relacionamento não era
ainda um secreto? Ele mesmo não havia concordado em aguardarmos até que tudo estivesse solucionado? Nosso objetivo não era despistar a pessoa que estava atentando
contra nós dois? Era complicado agradar a todos e isso estava me cansando.
Mia, apesar de continuar em Los Angeles, alegou que estava muito ocupada com o trabalho. Nossa amizade estava estremecida, o que me incomodava muito, mas como a
minha agenda também estava lotada, concordei em não nos encontrarmos.
Foi impossível impedir a solidão que senti ao estar de volta e não ter ninguém ao meu lado. Não como era antes. Daphne estava viajando, como acontecia com freqüência
nos últimos meses, Stella resolveu encarar o mestrado e não morava mais nos Estados Unidos, Thomas não podia estar abertamente comigo, nem mesmo Dyo e Kendel não
poderiam me acompanhar.
As reuniões foram chatas e cansativas. Não conseguia me concentrar nas longas conversas sobre assuntos que eu não dominava e que não tinha mais nenhuma vontade de
aprender a gostar. A volta de Thomas a minha vida tinha causado a falta de interesse em meu patrimônio, pelo menos no que estava ligado a participar de forma ativa
na sua administração. Não me sentia culpada, confiava em Roger para este papel e estava tranquila para deixá-lo encarregado pelas minhas responsabilidades.
No final do primeiro dia, após todas as reuniões que me deixaram com dor de cabeça, inventei a desculpa de que havia marcado com as minhas amigas para não acompanhar
Roger e Sam no jantar e, assim que consegui me livrar, corri para a casa de Thomas. Passaria a noite com ele para deixá-lo mais animado.
Cheguei a casa dele quando a noite começava a surgir. Sentia-me muito cansada, após longas horas analisando quadros e tabelas. Tudo o que eu menos gostava de fazer.
Por isso senti meu corpo mais leve ao colocar os pés em casa. A minha casa com Thomas.
Confesso que estar de volta era como abraçar a minha vida. Não era novidade para ninguém o amor que eu tinha por aquela casa. Bastaram os primeiros passos em seu
interior para que meu coração começasse a ansiar pelo amor dele. A sensação era de “bem vinda ao lar”
Thomas estava na varanda, encostado no muro, olhando para o mar. Seu olhar estava perdido, dando a entender que sua mente estava longe. Em uma das mãos segurava
um cigarro e na outra uma cerveja. Era a visão perfeita de como tudo era antes de nos separarmos.
Desde que reatamos ainda não tivera aquela sensação, mas olhando para ele tive a certeza de que a nossa vida continuava, como se o tempo que estivemos separados
nunca houvesse existido. Esta sensação era rica em mim. Invadia-me como um tsunami, carregando todas as dúvidas, incertezas e medos de dentro de mim.
Abracei Thomas pelas costas e só neste momento ele percebeu minha presença. Mesmo sem poder vê-lo, tive a certeza do imenso sorriso que se abriu em seu rosto. Fiquei
na ponta dos pés para lhe dar um beijo na nuca, ele se encolheu carinhosamente com o contato. Thomas soltou à fumaça do cigarro apagando-o em seguida, para então
se voltar para me abraçar.
- Bebida e cigarro! Não acha um pouco cedo para esta mistura?
- Estava um pouco tenso – admitiu. Suspirei pesadamente. Eu sabia os motivos da sua apreensão, contudo não queria entrar naquele assunto.
- Senti tanto a sua falta hoje! – Desconversei distribuindo beijos em seu pescoço e orelha. Ele sorriu e eu acariciei sua nuca com as pontas dos dedos. Thomas apertou
o abraço em minha cintura me puxando para si.
- Eu sinto sempre a sua falta – enterrou o rosto em meus cabelos e subiu as mãos por minhas costas. – Esta casa perde o brilho sem você.
- É.
- Hum hum! – Ronronou enquanto acariciava meu corpo com as mãos e beijava meu pescoço.
- Eu senti falta da casa também. Do quarto, da cama... – Thomas soltou um gemido leve bem próximo a minha orelha. Minha pele arrepiou
- A “nossa” cama... – ressaltou o nossa. – Ficou gelada sem você – nossos olhos se encontraram, deixando-me assistir a sua tristeza pelas lembranças.
- Eu te amo! – Um sorriso magnífico se formou em seus lábios. Thomas sempre conseguia sorrir nas horas certas, como se fosse programado para isso. Toda a tensão
se esvaiu naquele momento.
- Como eu senti falta destas palavras pronunciadas por estes lábios.
Thomas não esperou pelo que eu diria. Beijou-me com tanta intensidade que foi difícil manter a consciência. Com alguns passos me prendeu contra a parede e em poucos
segundos nossos corpos estavam colados. A fome que sentíamos um do outro era inacreditável. Com certeza o fato de estarmos de volta a casa contribuía em muito para
o desejo que sentíamos.
Foi impossível chegarmos ao quarto. Thomas apenas conseguiu me levar para dentro da casa e me deitou no tapete em meio às almofadas que estavam espalhadas pelo chão
da sala.
Eu sentia suas mãos tentando me livrar das roupas. Não conseguia desviar meus pensamentos para nada diferente. Thomas era o meu desejo, o meu paraíso, a minha perdição
e redenção. Era o que existia de melhor e pior em mim. Era o meu vício. Com ele descobri coisas que nunca imaginei existir em meu íntimo. Naquele momento eu era
a sua mulher, sua amante, a sua fonte de desejo e prazer. Eu era dele e apenas dele.
Só depois que nos entregamos ao prazer desenfreado, me dei conta de que alguém poderia ter aparecido e nos flagrado no chão da sala. Fiquei muito envergonhada enquanto
Thomas apenas ria do meu constrangimento.
- Não sei de quem é a culpa. Nós dois sempre nos perdemos um no outro. É complicado mesurar hora, espaço, ambiente... – acariciava minhas costas enquanto eu tentava
cobrir meu corpo com a manta do sofá.
- A culpa é sua. Eu sou apenas um fantoche em suas mãos – meu namorado encostou os lábios em minhas costas, causando arrepios em minha pele. – Pare! – O repreendi,
manhosa.
- Eu sou um fantoche em suas mãos. Não vê como os rapazes estão fazendo comigo? Agora sou alvo das brincadeiras do Kendel.
- Então é isso? – Ele riu e concordou com a cabeça. – Que absurdo! Eles não conseguem enxergar que eu não existo sem você? – Thomas pressionou os dedos em minha
cintura em resposta a minha declaração.
- E eu não quero uma vida onde você não existe. Não me importo em ser motivo de piada. Para ter você eu viro até seu escravo. Pode fazer o que quiser comigo – virei
para meu namorado, aturdida e emocionada pelas suas palavras. Thomas me encarou sério. Ele não mentia nem brincava. Estava colocando a sua vida e destino em minhas
mãos apenas para que pudéssemos continuar juntos.
- Eu quero apenas ficar ao seu lado, Thomas. Quero viver este amor sem limites, nem barreiras. Quero ter a nossa vida de volta – nos beijamos novamente. Começamos
na sala, mas terminamos no quarto, na cama que antes estava fria, ma que ferveu durante a nossa noite.
***
No dia seguinte saí bem cedo deixando Thomas ainda na cama. Havia combinado com Sam que tomaríamos o café da manhã juntas, para conversarmos antes da reunião. Era
impossível esconder alguma coisa dela, principalmente depois do seu papel fundamental quando precisei tanto de apoio.
Enquanto eu me servia de uma xícara de café, Sam permaneceu calada apenas me observando. Cuidadosamente sentei a sua frente e coloquei a xícara na mesa aguardando
pelas perguntas. Samantha me encarava, mas seu olhar não era de reprovação, como eu já havia previsto. Ela era totalmente a favor de Thomas.
- Como está Thomas?
- Bem! – Tomei um gole do café sem olhar diretamente em seus olhos.
- Você não vai me dizer o mesmo que disse ao Roger não é?
- Depende. Do que exatamente você está falando, Sam? – Queria esconder a verdade, pois estava absurdamente envergonhada por admitir que ela teve razão o tempo todo.
- Você e Thomas voltaram – engoli com dificuldade. Sem olhar diretamente para ela fiz que sim com a cabeça. - Por que está tão envergonhada?
- Porque você agora sabe que eu estou mentindo pro Roger.
- Eu te disse...
- Eu sei, Sam. Eu sei! Mas não podemos voltar no tempo. Eu já fiz a besteira e agora tenho que conduzir tudo da melhor maneira possível para que ninguém saía magoado,
ou pelo menos não muito – Sam suspirou insatisfeita com a minha resposta.
- Bom, Cathy, você é adulta. Sabe que deve se responsabilizar por seus atos, não é? – Não respondi. – Tudo bem! Quero que saiba que estou feliz por você, aliás,
por vocês. Thomas realmente te ama e você sabe que eu sempre acreditei que pelo amor tudo vale à pena.
- Obrigada! É muito importante para mim que você esteja de acordo.
- Eu sei, querida. Mas não demore para esclarecer esta situação com Roger. Ele é um ótimo rapaz e merece a verdade.
- Não vou demorar. Eu prometo.
Conversamos sobre outras coisas e em nenhum momento Sam desaprovou a minha decisão. Eu fiquei muito feliz com a nossa conversa e ansiosa para contar ao Thomas, mas
naquele dia não nos encontraríamos.
Após mais reuniões exaustivas, teríamos um jantar beneficente. Eu, Roger e Sam, iríamos comparecer comprovando o nosso apoio à causa: crianças vítimas de atentados
terroristas pelo mundo. Era muito importante a nossa participação.
***
Chegamos juntos ao jantar. Roger impecável em um smoker que caía perfeitamente bem em seu corpo, e impressionava quem quer que o olhasse. Sam estava maravilhosa
num vestido longo preto e com joias que completavam e destacavam a sua beleza. Eu optei por um longo bege, justo ao corpo, com desenhos que corriam pelo vestido
em detalhes vermelhos e uma fenda na lateral direita da perna revelando discretamente a minha coxa.
Os cabelos estavam presos em um coque bem elaborado com alguns fios soltos caindo pelo rosto sem desfazer a beleza do penteado. Um colar de pedras pequenas e vermelhas
descia por meu busto harmonizando todo o figurino.
- Deslumbrante! – Roger disse assim que me viu chegar para entrar no carro que nos aguardava. Eu apenas sorri.
O jantar decorria muito animado, várias pessoas compareceram para apoiar a causa, entre grandes empresários e artistas famosos. A decoração, expondo fotos que comoviam,
mas sem chocar, oscilava entre o luxo e o simples, retratando o perfeito contraste entre os participantes daquele jantar e as vítimas que buscavam apoio.
Envolvida em uma divertida conversa juntamente com Roger, Sam e mais algumas pessoas, demorei a notá-lo. Thomas estava parado, alguns metros a minha frente, acompanhado
de algumas pessoas, a maioria, mulheres fabulosas que sorriam e conversavam com ele como se seu sorriso fosse o caminho da felicidade.
Ele ofuscava qualquer pessoa naquele ambiente. Vestindo smoking preto, com todos os outros homens que participavam do evento, Thomas se destacava pelo porte perfeito,
olhos que sugavam as pessoas e um sorriso capaz de derreter qualquer geleira. Senti meu sangue sair do corpo.
Foi quando ele olhou para mim e ficou sério. Discretamente levantou a taça em sua mão e me ofereceu um brinde. Tive vontade de matá-lo. Então notei que Roger distraído
com a conversa, havia colocado a mão em minha cintura. Respirei fundo. A noite seria difícil.
Sem desviar o olhar nos movimentávamos de maneira a conseguir a melhor visão um do outro. Roger percebeu que eu estava tensa, mas não assimilou a razão. Sam foi
mais esperta e seguiu o meu olhar vendo Thomas do outro lado do salão, acompanhado de uma mulher que, diga-se de passagem, era maravilhosa. Ela conversava alegremente
sem se dar conta de que ele disfarçava muito mal o seu desinteresse.
Aproveitei que Roger estava entretido demais, para sair de perto deles com a desculpa de precisar cumprimentar alguém. Sam me encarou reprovando a minha atitude
impensada, porém eu estava irritada demais para conseguir controlar meu gênio.
Andei em direção à imensa varanda, ciente que Thomas me seguiria. Por sorte a noite estava fria e as pessoas preferiam ficar do lado de dentro do salão. Meu namorado
se aproximou cautelosamente.
- O que você está fazendo aqui? – Tentei controlar minha raiva, mas falhei drasticamente. Thomas estava violando as próprias regras e me colocando em uma situação
embaraçosa. Para piorar tudo, aquela mulher... Linda de morrer, estava toda derretida para o meu namorado. Meu namorado, droga!
- Eu fui convidado – respondeu com calma. Parecia realmente inocente, no entanto eu sabia que não o era.
- Por que você não me disse?
- Eu não sabia que te encontraria aqui, Cathy. Você apenas disse que iria a um jantar importante para as empresas – respirei fundo para não gritar com ele chamando
a atenção das outras pessoas.
- Quem são essas mulheres? – Thomas conseguia me levar aos extremos com um simples gesto. Ele me olhou com um leve sorriso nos lábios. Reconsiderei a hipótese de
socá-lo
- Amigas.
- Amigas? – Sentia minha paciência chegar ao limite.
- Sim. Qual é o problema?
- Qual é o problema? – Aproximei-me mais dele encarando-o com raiva. – Elas estavam praticamente se jogando em cima de você, Thomas.
- Ah! – Disse surpreso. - Como seu amigo? – Estanquei chocada com o que ele dizia. – Até onde eu posso me lembrar, ele estava desfilando pelo salão com a mão em
sua cintura, como se você fosse sua propriedade. Nós não combinamos que esta história estava encerrada?
- É uma vingança? É isso?
- Não. Só uma infeliz coincidência.
- Ainda bem que você esclareceu. Porque se fosse uma vingança, o certo seria você esperar eu ir para a cama com algum amigo seu, então estaríamos quites – Thomas
mordeu o lábio inferior e fechou os olhos.
Eu me arrependi imediatamente das minhas palavras. O que estava acontecendo comigo ultimamente? Estava perdendo a razão? Passei a mão na testa tentando recuperar
o que me restava de maturidade para resolver a situação.
- Thomas...
- Você nunca vai me perdoar, não é? Não acredita em minha inocência. Não acredita que foi tudo uma armação.
- Eu acredito! Não sei o que me deu. Fiquei com raiva quando vi você com aquelas mulheres e acabei falando bobagem – Thomas acendeu um cigarro e fitou o horizonte.
- Cathy? – Ouvi a voz de Roger e senti meu corpo inteiro congelar.
Era incrível como uma situação ruim nunca vinha desacompanhada em minha vida. Não bastava eu ter criado aquela situação com Thomas, era necessário criar outra com
Roger, ou com ambos. Aquele definitivamente não era o meu dia.
Olhei para Thomas, ele permanecia de costas com os olhos fechados. Eu sabia que estava tentando manter a calma e rezei para que conseguisse.
- Oi!
- Algum problema? – Ele parou a alguns passos de nós dois percebendo de quem se tratava. Não consegui encará-lo. Thomas virou para Roger com um sorriso que só depois
entendi depois percebi ser de triunfo.
- Roger, quanto tempo!
- Ah! Thomas. Então... Quem é vivo sempre aparece – revidou com a mesma ironia.
- Pode ser. Eu prefiro pensar que quem realmente está vivo nunca desaparece – Thomas lançou a indireta para Roger e este a recebeu como um tiro. Vi seus olhos virarem
brasas.
- Será, Thomas? Será que você está tão vivo assim? Eu quase não ouvia mais falar em você. Salvo pelos atentados e as fofocas das revistas.
- Atentados nos quais Cathy também estava presente. Então ela com certeza sabia de mim.
- Parem com isso! –Eu disse, mas eles nem me olharam. Estavam presos em sua disputa.
- Ela não é mulher para você, Roger. Nunca foi. Eu não sou o culpado disso. Cathy o largou antes de me conhecer.
- Você que não é homem para ela, Thomas. Seu egoísmo não permite que seja.
- O que você sabe do meu amor por ela, do nosso amor? – Gesticulou em minha direção. – Nada. Você nunca existiu. Eu nunca soube da sua existência até que você renasceu
dos mortos – era nítida a mágoa do Roger com aquela declaração.
- E você deveria permanecer morto. Cathy estava muito melhor sem você. Mais leve, mais alegre... Você é como um câncer, Thomas, corrói a pessoa por dentro até tira
dela toda a vida – foi a vez de Thomas se magoar.
- Aceite que perdeu, Roger. Saia disso com dignidade. Com honra.
- A mesma honra que você teve ao levar a amiga dela para a cama? – Thomas avançou sobre Roger e este deu uma risada sarcástica.
- Foi uma armação.
- Só Cathy mesmo parai acreditar nisso. Aliás, ela nem acredita, apenas aceita como uma desculpa para estar com você outra vez – senti meu peito apertar ouvindo
aquelas palavras e fechei os olhos. – Viu? Ela nunca vai superar o que aconteceu. Você a enfraquece.
- Acabou, Roger! Cathy é minha e você não vai mudar isso.
- Primeiro você vai precisar provar a sua inocência e só então ela poderá escolher um de nós dois.
- Cathy diga logo que isso não importa mais para você e acabe com essa história – comecei a me sentir tonta e enjoada.
- Chega! – Eu disse um pouco mais alto do que eles. – Eu não sou um prêmio. Vocês parecem dois cachorros raivosos lutando por um pedaço de carne. Chega! Eu cansei
disso. Thomas, você não pode afirmar que sou sua, eu detesto esta história de dono! – Thomas olhou para mim assustado com a minha reação.
- Roger, você não pode dizer ao Thomas como eu me sinto em relação a isso tudo, não é um direito seu. Só eu posso dizer. Só eu sei como me sinto – foi a vez de Roger
ficar chocado. – Quer saber? Se vocês querem se matar, façam isso, mas eu não vou ficar para assistir – dizendo isso dei as costas para os dois e comecei a me afastar.
- Cathy, para onde você vai? – Thomas me alcançou rapidamente.
- Eu vou levá-la para o hotel – Roger me alcançou pelo outro lado.
- Nenhum dos dois – quase gritei. – Não quero nenhum dos dois comigo.
- Eu sou seu noivo, Cathy, tenho o direito de ir com você – Thomas ficou indignado. Olhei para ele com raiva. Não era para dizer aquilo. Roger me olhou chocado com
a revelação.
- Me deixem em paz!
Foi só o que consegui dizer. Saí correndo pelo salão sem me preocupar com os demais convidados. Peguei um taxi, indo de volta ao hotel. Meu corpo todo tremia. “E
agora? O que eu direi a Roger? E como vou me justificar com Thomas?” Entrei em meu quarto e me joguei na poltrona tentando esvazia a cabeça.
Impossível!
Não consegui pensar no assunto por mais de dez minutos. Logo comecei a ouvir a voz de Roger e Thomas discutindo do lado de fora. “Deus! O que eles estão fazendo?
Vão chamar a atenção do hotel inteiro”. Abri a porta a tempo de impedir que começassem a se estapear. Entrei no meio dos dois como uma muralha.
- Tá legal! Thomas para dentro! – Falei com autoridade. Ele sorriu vitorioso. – Roger, vamos conversar em seu quarto.
- O que? – Thomas não conteve sua indignação.
- Thomas, você já fez todas as besteiras possíveis hoje. Vá para o meu quarto e me espere lá. Eu tenho que conversar com Roger e desfazer esta confusão toda – Roger
sorriu para Thomas e foi em direção ao quarto dele, que era no mesmo corredor que o meu.
Ainda olhei para trás e vi Thomas indo em direção ao meu quarto. Fiquei menos apreensiva, no entanto ainda existia o meu problema com Roger, esta parte era muito
mais difícil de ser resolvida.
Assim que entramos, Roger se virou para me encarar. Seus olhos me acusavam da pior de todas as traições. Comecei a tremer e sem conseguir me equilibrar direito,
sentei no sofá para começar a minha explicação.
Contei o que havia decidido em relação a Thomas, que eu tinha entendido que não precisa de nenhuma prova e que nada poderia nos manter afastados. Só não contei que
tinha tomado esta decisão desde o nosso primeiro encontro.
- Sinto muito, Roger! Eu tentei mesmo impedir que as coisas acontecerem desta forma. Para ser bem sincera, eu sei que o melhor para mim seria deixar a minha história
com Thomas para trás e me entregar ao nosso relacionamento Infelizmente não podemos enganar o coração e o meu já tinha decido por ele muito antes de eu mesma me
dar conta disso.
- Eu não entendo – parecia decepcionado com o que eu dizia. – Como você pode escolher viver na incerteza ao invés de ter uma vida estável e segura, ao meu lado.
Cathy, olhe a nossa história – segurou em minhas mãos. – Juntos somos perfeitos! Existe equilíbrio, calma, harmonia. E eu te amo, Cathy! Amo da forma certa, da forma
como você merece, não como aquele moleque acha que é correto, de forma egoísta e desequilibrada. Eu não entendo como você pode... – soltou minhas mãos e levantou
andando pela sala.
- Sinto muito! – Baixei os olhos sem coragem de encará-lo. Estava me sentindo péssima! Mais uma vez desfazia do amor dele por mim, e o deixava sozinho.
- Você escolheu por ele, não pode estar sentindo tanto assim – disse com raiva.
- Eu não escolhi nada – ele riu irônico. – Não escolhemos quem amar, simplesmente amamos. É... Inexplicável.
- Tudo bem, Cathy. Nada do que eu disser vai mudar a sua decisão. Mas tenho certeza que ele ainda vai te decepcionar, e muito – me encolhi com as suas palavras.
– Ele vai te machucar mais uma vez, ou várias vezes se você permitir, porque agora ele sabe que nada é capaz de o impedir de ficar com você. Você se tornou vulnerável.
Aposto tudo o que tenho como ele a vê como seu brinquedinho. É lamentável! Você é uma mulher esplêndida, inteligente, merece muito mais do que ele pode oferecer.
Merece uma vida linda e eu posso te dar tudo isso, mas... – deu de ombros. - Estarei aqui, Cathy. Quando precisar é só chamar.
- Roger... – e ele foi embora batendo a porta com força.
Minha única reação foi chorar. Era somente o que eu podia fazer naquele momento. Roger estava sofrendo, magoado comigo, sentindo a dor que eu senti quando deixei
Thomas. Eu não queria aquilo para ninguém. Menos ainda para meu grande amigo.
Quando me sentir em condições de conversar com Thomas voltei para o meu quarto. A tensão era grande, ainda tinha mais uma rodada de conversa com Thomas. Ele abriu
a porta e pelos seus olhos vi que não estava aborrecido comigo, apenas preocupado, meu coração ficou mais calmo apesar de ainda dolorido.
- Foi difícil? – Perguntou percebendo meus olhos vermelhos.
- Muito. Não poderia ser diferente.
- Sinto muito, mas foi melhor assim. Ele é seu amigo, e por mais que eu não goste dele, e acredito não ter motivos para gostar, eu sei que seria muito pior viver
e acreditar em um relacionamento que não existe.
- Tem razão. Mesmo assim não me sinto melhor pelo que fiz. Você não podia ter dito a ele, Thomas, não desta forma. Eu te disse que contaria quando chegasse o momento
– meu namorado ficou sério me olhando por um tempo.
- Sinto muito, amor. De verdade! Mas não sou nenhum santo e sou um egoísta confesso. Não vou te incentivar a pensar melhor no que fez – me puxou para seus braços.
-Nem dizer que me arrependo do que fiz. Eu estou muito feliz em ter você só para mim e a nossa vida de volta.
Thomas falava e distribuía beijos em meu pescoço, fazendo com que meu corpo traísse o que minha mente estava realmente sentindo. Como num passe de mágica, toda a
tristeza desapareceu e eu lembrei do porquê de ter feito tudo o que fiz. Eu o amava!
- Não sou o homem perfeito que você procurava, mas eu te amo e muito.
- Eu não procurava o homem perfeito, Thomas, eu procurava você – terminamos nossa noite como todas as outras, nos amando.
Capítulo 26
Novas Constatações
VISÃO DE CATHY
Voltar a minha rotina ao lado do Roger não foi uma tarefa muito convidativa. Eu me sentia péssima e muito envergonhada pelo que tinha acontecido. Não era fácil causar-lhe
aquela dor. Roger era um bom amigo, uma pessoa que eu gostava de ter por perto. Mas Thomas tinha razão. Eu não podia continuar com a mentira. Ele não merecia ser
enganado.
Um dia após a confusão, Sam apareceu cedo em meu quarto para conversarmos, mas resolveu não dizer nada quando viu que Thomas me acompanhava no café-da-manhã. Ela
apenas conversou sobre a noite e se despediu de Thomas e de mim afirmando de ainda ter algo a fazer antes da reunião.
Thomas foi embora logo em seguida. Na verdade eu o expulsei. Não queria mais problemas com Roger e, caso os dois se encontrassem no corredor, sabe Deus o que poderia
acontecer. Prometi que o encontraria para almoçarmos juntos. Ele queria me levar em um restaurante novo que um conhecido havia acabado de inaugurar. Jurou que era
discreto e bem frequentado, então concordei.
Só encontrei com Roger na sala de reuniões e ele não falou nada que não fosse relacionado ao nosso trabalho. Tenho que dizer que me senti horrível. Era difícil para
mim admitir que a mágoa o impedia de ser novamente o meu amigo.
Praticamente não participei da reunião. Fiquei sentada vendo as imagens apresentadas com o pensamento muito distante. Não gostaria de perder a amizade de Roger.
Ele tinha sido a minha força quando pensei que tudo estava perdido e se eu estava ali, acompanhando de perto as minhas empresas, ele havia sido meu maior incentivador.
Não era justo que tudo terminasse daquela maneira.
Sam notou a minha apatia, por isso, antes de eu sair correndo para me encontrar com Thomas, ela conseguiu me segurar para uma conversa. Obriguei-me a ter paciência.
- Como Thomas foi parar naquela festa?
- Não sei. Estou tão acostumada com ele sabendo sempre tudo a meu respeito, e eu dele, que não me dei ao trabalho de dar detalhes sobre o meu compromisso. Ele também
não comentou que estaria lá, por isso toda a confusão.
- Estranho! – Falou pensativa.
- Por quê?
- Porque nós tivemos que confirmar a nossa presença com quinze dias de antecedência. Se o nome de Thomas estivesse na lista de convidados eu teria te avisado, mas
não estava, tenho certeza disso.
- E como ele conseguiu entrar? – Minha cabeça trabalhava a mil por hora.
- Não faço à mínima ideia.
- Vou tirar esta história a limpo. Tenho que ir – beijei Sam no rosto e saí decidida a confrontar Thomas. O que ele estava pensando?
Liguei para ele do caminho para avisar que já estava chegando. Entrei no restaurante o mais rápido possível sem prestar muita atenção aos detalhes. Ele estava em
uma mesa bastante discreta e sorriu quando me viu chegar, como não sorri de volta, Thomas ficou sério e preocupado.
- Algum problema? – Beijou meu rosto.
- Sim – fui categórica. – Pelo que parece, novos problemas estão sempre surgindo em nossas vidas – Thomas passou a mão pelo rosto, impaciente.
- E qual é o problema desta vez? – O garçom se aproximou da nossa mesa para pegar o pedido. Deixei Thomas pedir por mim, minha mente não conseguia assimilar mais
nenhuma informação. Quando o garçom se afastou, voltei a falar.
- O que você foi fazer no jantar ontem?
- Eu já disse. Eu fui convidado, ajudei na campanha e aceitei comparecer.
- Quando confirmou a sua presença? – Thomas não entendia o motivo das minhas perguntas.
- Não sei. Não sou o responsável por minha agenda. Você sabe muito bem. O que está acontecendo?
- Sam me disse que quando confirmou a nossa presença o seu nome não estava entre os convidados – ele passou as mãos pelos cabelos e deu uma risada fraca.
- E você está pensando que eu fui até lá apenas para estragar seu teatrinho com seu amigo – afirmou. Eu nada disse, apenas observei a forma como ele reagia. – Francamente,
Cathy! Você acha mesmo que eu me prestaria a este papel? Eu tinha concordado em deixar você resolver este problema. Só contei porque perdi a cabeça, mas não foi
nada planejado.
- Não sei o que pensar. Só sei que seu nome não estava na lista e Sam não inventaria uma coisa dessas.
- Eu não sei se o meu nome estava na lista, também não sei quando minha presença foi confirmada, apenas sei que o evento estava em minha agenda e ontem pela manhã
Dyo me avisou que eu deveria comparecer.
- Ontem de manhã? Que horas?
- Não sei, Cathy! – Disse nervoso.
O garçom se aproximou e colocou os pedidos a nossa frente. Thomas não desviou o olhar do prato. Não conversamos enquanto comíamos, ou tentávamos comer, porque nem
eu nem ele estávamos confortáveis o suficiente para aproveitar aquela refeição.
Em determinado momento Thomas simplesmente largou os talheres e desistiu. Eu ainda fingi que não havia percebido, mas a comida estava travando em minha garganta
e se eu continuasse tentando fazê-la descer era bem provável que tudo retornaria, então acabei desistindo também e abandonando meu prato.
O silêncio e a tensão entre nós era praticamente palpável, além de constrangedor. Foi muita sorte não encontrarmos seu amigo, proprietário do restaurante, pois seria
desconfortável interpretar o papel do casal feliz e sem problemas.
Thomas pagou a conta e fomos juntos para o carro. Entramos em silêncio e permanecemos assim até chegar em casa. Eu já estava quase gritando para quebrar o clima
quando ele resolveu fazê-lo.
- Você não confia em mim – disparou. – Não adiantou nada eu ter te provado que esta história toda foi uma armação. Você continua não acreditando em mim.
- Eu acredito em você – minha voz estava bastante fraca. Eu realmente confiava, mas conhecia Thomas o suficiente para saber do que ele era capaz para conseguir o
que queria. E sabia que ele queria muito acabar de uma vez por todas a minha história com Roger.
- Não! –Foi curto e grosso. – Seu amigo tem razão. Você só voltou para mim porque não aguentou ficar longe e não porque acredita em mim. Eu não quero assim. Não
quero deste jeito. Sei que não te traí e tenho feito de tudo para provar que esta dor é desnecessária. Se você não acredita em mim, talvez seja melhor esperarmos
um pouco mais para ficarmos juntos.
- Não! – Ofeguei. – Você está terminando comigo? É isso? – Meus olhos já me traíam deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto. A dor pelo fim do nosso relacionamento
se apresentou e toda a tristeza que eu sentia quando estávamos separados voltou com força total. Meu coração começou a despedaçar, lenta e progressivamente.
- Não! – Ele respondeu com o mesmo desespero. – Eu não quero terminar com você – Thomas me puxou para seus braços e afagou meus cabelos colando seus lábios em minha
testa. – Apenas acho que se você ainda tem dúvidas o melhor a fazer é respeitar o seu tempo – seus braços me apertaram mais. – Eu te amo, Cathy! Não quero te perder.
Não posso arriscar tudo o que temos por causa de dúvidas. Preciso que você acredite realmente em mim.
- Eu acredito! – Repeti desesperada. Mal conseguia respirar e os soluços irrompiam me impedindo de falar.
- Fique calma! – Thomas me segurou pelo ombro, afastando-se um pouco e me olhando com preocupação. – Cathy! – Eu chorava desesperadamente. A mínima ideia de terminar
o nosso relacionamento outra vez me atirava de volta ao inferno. Ele suspirou e voltou a me abraçar, acariciando minhas costas. – Calma! Está tudo bem.
Aos poucos fui recuperando a calma. Thomas continuava me abraçando, correndo seus dedos por minhas costas num movimento ritmado que me embalava e tranqüilizava.
- Não quero te ver assim – beijou o topo da minha cabeça. – Nunca pensei que te causaria tanto desespero. Desculpe!
- Não quero te perder. Não posso mais viver sem você – confessei.
- Eu também não quero. Você me assustou. O que está acontecendo? Nunca te vi tão transtornada.
- Não sei. Esta história deve ter afetado meu DNA, ou destruído meus neurônios – ele riu. – Qualquer coisa me assusta, causa desespero e me faz chorar. Não consigo
mais encontrar dentro de mim aquela Cathy corajosa e desafiadora.
- A culpa é minha. Eu preciso te inspirar mais confiança.
Thomas me soltou e retirou o celular do bolso discando para alguém. Logo depois atenderam. Pelo que entendi, Thomas questionou Dyo sobre o evento, quando ele tinha
recebido o convite e quando foi aceito. Ele olhava para mim enquanto ouvia o que nosso amigo dizia.
- Você poderia repetir isso para Cathy? – Passou o telefone para mim, que atendi constrangida.
- Oi, Dyo!
- O que aconteceu? – Ele ria da situação. Provavelmente já planejando mais uma forma de brincar com meu namorado.
- Thomas precisa me provar que está dizendo a verdade, mesmo eu dizendo que acredito nele.
- Ok! Eu disse a ele que o convite chegou há quase um mês e que confirmamos a presença dele há mais ou menos vinte dias – vinte dias? Mais rápido do que nossa confirmação,
ou seja, o nome do Thomas deveria estar em nossa lista. Fiquei intrigada.
- Tudo bem, Dyo, obrigada! – Devolvi o telefone a Thomas que se despediu de Dyo e desligou.
- Preciso falar com Sam.
- Você já vai? – Eu sentia o mesmo que ele. Após o estresse da nossa pequena briga, queríamos passar um tempo juntos.
- Não. Vou ligar para ela – peguei o meu celular e disquei para Samantha.
- Oi, querida! – Falou alegremente do outro lado da linha.
- Oi, Sam! Preciso de um favor seu.
- Claro! Do que você precisa?
- Da lista que você recebeu com os nomes dos convidados para o jantar de ontem.
- Algum problema? –Ela ficou apreensiva.
- Não – disfarcei a voz. – Apenas ficamos em dúvida. Dyo confirmou o recebimento do convite.
- Bom, querida, com certeza o documento está em meu escritório em Nova York, mas posso conseguir que seja enviado para você por fax.
- Ótimo Vou ficar aguardando então. Obrigada!
- O que você está querendo fazer? – Thomas ficou curioso.
- É estranho!
- O que é estranho? Sam deve ter se enganado.
- Não acredito nisso. Sam vem tomando bastante cuidado para evitar nossos encontros desastrados. Ela com certeza verificou a lista e me avisaria caso você estivesse
nela. Será que a Sara ainda tem o documento? Vou pedir para ela enviar por fax – enquanto eu falava já estava discando para Sara. Ela não entendeu o porquê do meu
interesse, mas concordou em me enviar.
Sentei no sofá aguardando. Thomas sentou ao meu lado ainda sem entender o que eu estava pensando.
- Preste atenção. Nós já sabemos que alguém está tentando nos separar. – ele assentiu. – Primeiro as fotos minhas com Roger e a repórter insistindo em deixar claro
que não estávamos mais juntos, depois as fotos suas com Mia. Não percebe?
- Sim. Alguém está tentando minar todos os lados do nosso relacionamento. Eu te disse isso. Você quer dizer que alguém adulterou os documentos para que você não
soubesse que eu estaria no jantar, não é isso? – Concordei. – Se esta pessoa não sabe que estamos juntos o que ela pretendia? Mostrar-me que você estava com Roger?
- Thomas, quem quer que seja, sabe muito bem que estamos juntos – ele me encarou espantado. – Perceba os sinais. Eu me sentiria triste por saber de você e Mia, mas
qual a relevância disso se nós estivéssemos separados? E o jantar? Que importância teria encontra-lo lá ou em qualquer outro lugar? Ele, ou ela, sabe que estamos
juntos e está tentando quebrar o que existe de mais importante entre nós dois agora. Mais importante até do que o nosso amor. A nossa confiança um no outro.
Vi seu rosto se transformar e demonstrar claramente que ele concordava comigo.
- Essa pessoa conhece a nossa rotina, acompanha os nossos passos. Ela sabe o que nós pensamos.
- Não pode ser um de nossos amigos, Thomas. Apenas eles sabem de tudo o que tem acontecido.
- Não estou pensando neles.
- Então quem?
- Não sei, Cathy, mas vou levar esta teoria para o agente Saunders e ver o que ele vai fazer em relação a isso.
- Tudo bem!
- Cathy? – Chamou baixinho. Uma mistura de ansiedade e sofrimento em sua voz. – Precisamos realmente confiar um no outro. Não podemos permitir que esta pessoa consiga
nos atingi. – ele afagou carinhosamente meu rosto e depois me deu um beijo rápido, mas doce e delicado.
- Serei forte. Prometo – busquei seus lábios já saudosa deles.
- Eu te amo!
- Eu te amo! – Repeti suas palavras com devoção.
Thomas me abraçou e eu desejei não ter que sair dos seus braços nunca mais. Ali eu me sentia completa. Feliz.
***
Voltar para o hotel foi doloroso. Eu queria poder ficar mais tempo com Thomas, só que tínhamos que retornar para Nova York e não estaríamos no mesmo voo nem no mesmo
horário. Despedimo-nos reafirmando o nosso compromisso de confiarmos um no outro, independente da situação.
Assim que cheguei ao meu andar, Roger abriu a porta do quarto dele e veio em minha direção. Fiquei apreensiva. O que ele poderia querer? Como sustentar mais uma
conversa complicada? E o mais importante, como suavizar o sofrimento do meu amigo?
- Cathy? Podemos conversar?
- Claro – abri a porta e o deixei entrar.
- Eu tentei falar com você ontem, mas não consegui te encontrar no hotel, deduzi que estava com Thomas – senti vergonha em admitir, mas não iria mais esconder o
meu relacionamento. Não depois de tudo. – Tudo bem, Cathy! Eu pensei bastante no assunto e percebi que nada podia fazer em relação a vocês dois. Ainda estou muito
magoado, mas você ainda é a minha amiga e eu ainda te amo como tal – ele me olhou com carinhosamente derretendo meu coração. Eu ainda o desejava como amigo.
- Eu não quis te enganar, Roger.
- Não entendo por que fez segredo da sua decisão. Por que permitiu que me iludisse?
- Eu não podia te contar. Existem ainda alguns problemas, por isso decidimos não revelar a ninguém que havíamos reatado.
- Problemas? O que aconteceu?
Pensei duas vezes no quanto poderia revelar. Havia feito um acordo com Thomas, porém Roger era meu amigo, uma pessoa na qual confiava sem pestanejar. Decidi que
não mais esconderia dele o que estava acontecendo, então revelei a existência do agente Saunders, falei sobre as investigações secretas, a possibilidade do envolvimento
da Lauren e das nossas novas constatações. Contei também sobre as fitas e a busca pelo homem da tatuagem. Roger ouvia tudo atentamente.
- Meu Deus, Cathy! Como você pôde me deixar de fora esse tempo todo? Eu quero ajudar. Tudo bem que não sou a favor do seu relacionamento com o Thomas, mas trata-se
da sua segurança, da sua vida e o seu bem estar é do meu interesse também.
Sorri um pouco sem graça. Lógico que Roger preocupava-se com a minha segurança. Foi o que sempre fez a nossa vida inteira. Ele me protegeu da minha própria vida.
Cuidou de mim quando meu pai não o soube fazê-lo, ficou ao meu lado quando o marido da minha tia tentava a qualquer custo me fazer a sua amante. Naquele momento
não poderia ser diferente. E eu não poderia deixá-lo do lado de fora.
- Desculpe! Prometo que de agora em diante o manterei informado.
- De tudo. Por favor! Ainda somos amigos.
- Sim. Ainda somos amigos.
Capítulo 27
Só a Felicidade Pode Ter Fim
VISÃO DE THOMAS
Cathy ficou insegura com a minha presença na festa. É lógico que senti raiva ao vê-la tão à vontade com Roger. Qualquer pessoa que visse a cena de fora iria pensar
que se tratava de um casal feliz. Aquela constatação esgotou a minha paciência. Eu precisava por um fim naquela história e o mais rápido possível. Por isso aproveitei
a primeira oportunidade para deixar claro para ele que estávamos juntos.
Com a raiva que sentia foi fácil despejar a verdade. Apesar de ter garantido a Cathy de que esperaria pelo momento dela não consegui me controlar. Ouvir o que Roger
dizia foi terrível e eu nunca fui nenhum santo para ouvir calado enquanto tinha cartas que me garantiam a vitória.
Só quando Cathy nos interrompeu, percebi que havia falado demais e que tinha mais uma vez estragado o que combinamos. Deixei que a minha vontade se sobrepusesse
a dela. Dei um tiro no meu próprio pé. Por isso corri até o hotel, eu não poderia perdê-la novamente, porém minha calma estava longe de ser Alcançada, principalmente
depois que reencontrei Roger. O que ele queria? Não bastava ouvir da própria Cathy que estávamos juntos? Começamos a discutir e ela logo apareceu. Droga! Seria muito
complicado convencê-la a ficar bem comigo.
Quando ela me deixou no quarto e foi com Roger para o dele quase me desesperei, então entendi que Cathy iria apenas bater o último prego do caixão. Iria contar toda
a verdade. Fiquei alerta, e também confortável.
Confirmei minhas expectativas quando minha namorada retornou e não me evitou, nem afrontou. Ela estava visivelmente triste, porém não precisei me esforçar muito
para fazê-la esquecer de todos os problemas e se entregar ao meu amor. Sim eu sou muito egoísta e não tenho vergonha de admitir isso.
Fui embora no dia seguinte com o coração mais aliviado, mesmo sabendo que Cathy voltaria ao lado do Roger. Não tinha mais medo da influência dele sobre ela. No entanto
o que aconteceu durante o nosso almoço me deixou inseguro novamente. Se Cathy não confiava em mim por que tinha voltado? Não que eu não quisesse, eu estava mais
do que feliz por ela estar comigo, mas precisava que confiasse em mim para que a nossa felicidade fosse completa.
Ao descobrir que o jantar havia sido outra armação da pessoa, ou pessoas, que desejavam nos separar, me fez entrar em alerta máximo. De alguma forma a tal pessoa
sabia demais. E o pior é que poderia ser qualquer um. O que me assustava era a constatação de que se tratava de alguém muito próximo. Alguém que confiávamos. Estávamos
em meio a uma traição.
No dia seguinte Cathy foi embora antes de mim. Senti sua falta assim que passou pela porta. Nos encontraríamos a noite e recuperaríamos o tempo que ficamos afastados.
Eu também precisava pensar melhor em tudo o que conversamos. Era importante descobrir quem estava nos traindo. Quem estava passando informações a nosso respeito.
Seria uma grande decepção para Cathy se descobríssemos que era alguém que amávamos.
Passei a tarde com o agente Saunders. Assim que cheguei a Nova York decidimos em nos encontrar. Conversamos e montamos algumas estratégias que poderiam nos dar alguma
direção. Se o inimigo estava entre nós, deveríamos prestar mais atenção nas informações que dávamos as pessoas e observá-las mais de perto.
Eu precisava encontrar Cathy o quanto antes para combinarmos o que faríamos. Havíamos desenvolvido uma estratégia que seria conhecida apenas por mim, Cathy e o agente
Saunders. Não era nada fácil deixar Kendel e Dyo de fora, porém necessário, ao menos até termos uma ideia do que estava acontecendo.
Já era noite quando nos encontramos. Cathy estava cansada e queria apenas esquecer nossos problemas por algumas horas. Jantamos e ficamos conversando abraçados no
sofá do apartamento dela. Expliquei o que o agente Saunders tinha decidido e ela concordou de imediato sem questionar, também sem muito interesse no que estávamos
conversando.
- O que você fez o dia todo? – Mudei de assunto para não sobrecarregá-la com tantos problemas.
- Muitas coisas. É muito complicado comandar empresas tão importantes. Definitivamente não sei fazer isso. Se não fosse Roger... – ela me olhou confusa, como se
estivesse ultrapassado uma barreira proibida.
- Ele te ajuda muito – mantive minha serenidade. Não queria que Cathy ficasse tensa por conta dos meus problemas com Roger. E a verdade era que ele realmente a ajudava.
- Ajuda – encostou a cabeça em meu ombro e suspirou cansada. – Se Peter não voltar logo não sei como vai ser. Sei que Roger dá conta, mas Sam insiste em me manter
a frente de tudo.
- Tenha paciência. Falta pouco agora – bocejei. Meus olhos ardiam de sono e ainda era tão cedo para dormir!
- Estou tendo, mas esta rotina está acabando comigo. Hoje, por exemplo, estou me sentindo especialmente cansada – fechou os olhos ficando em silêncio.
- Está na hora de ir para a cama, princesa, ou então vamos adormecer no sofá – ela nada disse. Sua respiração estava lenta e profunda. – Cathy? – Sua cabeça pendeu
para o lado. Ela havia adormecido. Carreguei-a até o quarto e a deitei cuidadosamente na cama. Dormi imediatamente.
Acordei com o celular de Cathy tocando insistentemente. Ela não levantava para atender. Nenhum movimento na cama. O barulho me incomodava, adentrava meu cérebro
e fazia a minha cabeça latejar. Minha boca estava muito seca. Apertei os olhos com força, incomodado pela claridade que invadia minhas pálpebras.
- Cathy? – Chamei baixinho. – Meu amor, seu celular – nenhuma resposta. Abri os olhos, minhas vistas doeram e eu tive que aguardar que se ajustassem a claridade,
enquanto o telefone parava e recomeçava a tocar. – Cathy? – Chamei mais alto. Ela não respondia. A cama estava vazia. Resolvi levantar e procurá-la pelo apartamento
silencioso. – Cathy? – Somente silêncio. O aparelho continuava tocando. Resolvi atender.
- Alô! – Fiquei desconfortável por atender a uma ligação que não era para mim, pelo menos foi o que imaginei.
- Até que enfim! Pensei que tinha te dado uma dose maior do que o necessário – ouvi a voz do outro lado, mas a sonolência e a dor de cabeça não me permitam identificar
quem era.
- Quem está falando?
- Seu melhor amigo – deu risada e eu fiquei ainda mais confuso. – Roger – como assim? O que ele queria?
- Cathy não está, Roger, ligue outra hora – ia desligar, mas ele foi mais rápido do que eu.
- Ela não vai voltar, Thomas – sentei na cama sem saber como reagir ao que ele estava e dizendo.
- Roger, eu estou com uma dor de cabeça terrível e sem humor para piadas, ligue depois, quando Cathy estiver de volta...
- Eu vou matá-la – sua voz estava rouca e seu tom agressivo. – Não estou brincando. Estou no apartamento ao lado e sua linda Cathy está enterrada em algum lugar
de Nova York. Você só tem uma escolha. Estou te aguardando. Não demore. O caixão não tem ar suficiente para mantê-la viva por muito tempo.
Desligou.
Fiquei sentado na cama com o coração disparado. Eu não sabia o que fazer. E se fosse mentira? E se fosse uma armação para me tirar do caminho de Cathy? Talvez o
agente Saunders pudesse me ajudar. Levantei para tentar encontrar meu celular. Minha cabeça latejou e meu estômago embrulhou.
Se fosse verdade eu poderia estar colocando tudo a perder. E se Cathy estivesse realmente enterrada em algum lugar, lutando pela própria vida? Sem pensar saí cambaleante
e fui em direção a porta. O que eu vestia não me importava. Precisava chegar ao apartamento ao lado.
Parei em frente a porta e passei os dedos pelos cabelos tentando recuperar um pouco da lucidez. Tudo parecia um pesadelo e eu queria muito acordar.
Nem precisei bater na porta, ela se abriu e quem estava lá? Para a minha surpresa, o mesmo homem com que eu tinha me encontrado no apartamento da Anna. O homem da
tatuagem que tinha participado ativamente de toda aquela farsa. Meu coração acelerou. Ele abriu espaço para que eu pudesse entrar. Mesmo desconfiado e com medo,
tive que colocar tudo de lado e adentrar rumo ao desconhecido. Cathy podia realmente estar correndo perigo.
Roger, sentado no sofá que ficava quase em frente à porta, sorriu triunfante. Ele estava vestido com exuberância, como se estivesse em uma reunião onde fecharia
o seu contrato mais importante. Entendi de imediato o que pretendia. A sala era ampla como a de Cathy e na parede ao lado do sofá havia um televisor grande, a tela
tomando quase toda a parede.
Quase cai de joelhos quando percebi que transmitia a imagem de Cathy dormindo. As mãos cruzadas no peito, como se estivesse realmente morta e o local era pequeno
e apertado, como um caixão.
- Cathy! – Arfei em pânico. Roger não estava brincando quando disse que a mataria.
Em um canto da imagem um relógio corria marcando o tempo e me dei conta de que fazia uma contagem regressiva. Provavelmente aquele era o tempo que Cathy ainda teria
com ar. Pensei que meu coração iria explodir.
- Não se preocupe, Thomas – ele falou muito calmamente. – É só entrarmos em acordo e Cathy ficará bem.
- O que você fez com ela?
Eu não conseguia tirar meus olhos da imagem na tela. Cathy ainda respirava normalmente. Eu podia ver pelo movimento em seu tórax. Mas sabia que se o tempo marcado
no relógio estivesse correto, em breve começaria a ter dificuldade para respirar. E dormindo ela não tinha como segurar a respiração e prolongar o tempo para a sua
sobrevivência.
- Nada. Ainda não fiz nada que possa prejudicá-la. Mas posso fazer – olhei para ele me esforçando para não piorar a situação. Seus olhos estavam contraídos e sua
voz demonstrava que sentia raiva, apesar de manter a calma.
- Era você o tempo inteiro – constatei. – Você armou com Anna e depois a matou para que Cathy não descobrisse a verdade. Matou o Mário também – minha respiração
estava irregular. Eu estava com medo, não apenas por mim, mas principalmente por Cathy. – Você tentou nos matar naquele dia do tiroteio – ele riu sarcasticamente.
- Eu tentei matar você. Cathy estava no lugar errado, na hora errada.
- Como pôde? Ela confia em você!
Sentia a raiva me atingir como um soco no estômago. Minha boca estava amarga e eu poderia matá-lo naquele momento, porém era preciso prudência. Cathy estava em algum
lugar desconhecido, provavelmente era verdade que ele a enterrara viva. A angústia e o desespero me sufocavam. Eu precisava salvá-la.
- Você deveria ter entendido todos os recados que mandei, mas não, insistiu neste amor, insistiu em continuar tirando de mim o que era meu por direito.
- Você matou, enganou, fez as coisas mais absurdas, e quer que eu acredite que fez por amor? Isso não é amor, Roger. Ela não merece passar por isso. Não merecia
nenhum dos sofrimentos que você lhe impôs. É isso que chama de amor?
Ele gargalhou alto. Demoníaco. Era perceptível a sua satisfação em me ver tão desesperado. Ele a mataria, eu tinha certeza.
- Quem falou em amor? – Levantou e começou a andar pela sala. – Eu não sou como vocês dois, tão sentimentais! Tudo para vocês é essa droga de amor que os une. Nem
a sua suposta traição a fez desistir de continuar com essa bobagem – eu não entendia aonde ele queria chegar. Se não era por amor, então pelo que? Mais uma vez ele
deu risada. – Eu amei realmente a Cathy, quando ainda éramos jovens. Tenho que admitir que ela é uma pessoa fácil de amar. Mas as coisas mudaram. Quando descobri
de quem Cathy era filha, não entendi porque não exigia o que era seu de direito. Por que ela preferia aquela merdinha de vida que levava? Quando ela terminou comigo,
fiquei perdido. Eu a amava e tinha planos para nosso amor. Era simples: convenceria Cathy a lutar por seus direitos e no final todos nós ficaríamos satisfeitos.
Ele parou e contemplou a imagem de Cathy naquele vídeo macabro. Por um segundo enxerguei a sua mágoa e um brilho em seus olhos que parecia... Devoção.
- Mas ela terminou comigo e arrancou de mim a oportunidade de sair da vidinha que eu levava. Demorei algum tempo para me recuperar da dor. Foi mais fácil do que
imaginava. Logo no primeiro mês, após o término, consegui um emprego na empresa do pai dela, e com algumas manobras do destino, cheguei onde estou hoje. Só que não
é o suficiente para mim. O meu plano era conseguir chegar ao meu cargo, então Cathy reapareceu, linda e assumindo a sua herança. Eu pensei: Por que não? Então fui
obrigado a criar toda esta situação e separar vocês para depois convencê-la a se casar comigo. Seria um ótimo negócio, eu assumiria as empresas e de quebra teria
Cathy de volta. Só que você não aceitou com facilidade e resolveu atrapalhar meus planos. Seria muito melhor se tivesse se mantido distante. Cathy ainda estaria
segura, em meus braços – olhou para mim e sorriu. Era o seu xeque-mate. Ele sabia que eu abriria mão de qualquer coisa, até do nosso amor, para mantê-la viva.
Olhei mais uma vez para a tela onde a imagem de Cathy estava exposta e não pensei duas vezes. Ela precisava voltar. Precisava ser tirada de lá. Eu tinha que ser
capaz de fazer.
- O que você quer de mim?
- Não percebeu ainda? – Ironizou. – Quero você longe da vida dela. Quero que ponha um ponto final no relacionamento de vocês. Vá embora. Termine com ela e desapareça.
Em troca eu garanto que a manterei segura, como mantive até agora.
Uma porta se abriu e de lá saíram os dois seguranças que eu havia contratado para proteger Cathy. Estávamos cercados de traidores. Todos estavam envolvidos.
A dor que eu sentia era impossível de ser descrita. Deixar Cathy era uma realidade absurdamente dolorosa. Eu me sentia como se tivesse atravessado um oceano a nado
e quando cheguei do outro lado descobri que meu esforço foi inútil. O que eu buscava não estava mais lá. Viver sem Cathy seria terrível, no entanto não havia outra
escolha.
Era isso ou ele a deixaria morrer enterrada em um lugar qualquer. Eu poderia levar anos para encontrá-la ou até mesmo nunca conseguir. Minha respiração estava pesada
e meu coração apertado demais.
- Por que não me matou? Seria mais fácil – mesmo sabendo que cada segundo menos tempo Cathy teria, eu não conseguia pronunciar as palavras.
- Eu tentei – disse pensativo. – Tentaria outra vez. No entanto percebi que Cathy morreria junto com você. Não literalmente, você me entende. O amor que ela sente
é mais forte do que a morte. Com certeza não suportaria e se não acabasse morrendo também ela se tornaria um nada. Velaria este amor pelo resto da vida. Nunca aceitaria
outra pessoa. Por outro lado, se você a abandonar, se admitir que transou com Anna e que tudo era verdade, estará machucando-a tão fortemente que com certeza ela
aceitará o meu pedido de casamento – ficamos nos encarando por um tempo. – Vamos lá, Thomas! O tempo dela está correndo. Decida-se logo – disse com tom de brincadeira.
Eu sabia que ele não estava brincando.
Olhei para Cathy e mentalmente pedi perdão pelo que faria. E então assenti, concordando com ele.
- Ótimo! Então devo começar a organizar a volta da Cathy. – sinalizou para os seguranças e estes saíram deixando apenas eu, ele e o cara da tatuagem, parados na
sala. – Não se preocupe, ela estará de volta em segurança e quando despertar nem vai saber o que aconteceu. Como você prefere? Quer um tempo para conversar com ela?
Devo lhe advertir que estaremos monitorando a conversa de vocês, então não banque o herói – minha cabeça girava.
- Não. Eu não quero que ela me veja – forcei as palavras para fora. – Tenho que pegar algumas coisas minhas que estão no apartamento dela e... – pensei no que deveria
fazer. - Acho que prefiro escrever, deixar uma carta.
- Escreva – ele me estendeu uma folha de papel e uma caneta. – É lógico que irei verificar o que escreveu – meus movimentos eram mecânicos. Eu não conseguia pensar
em nada.
Fui até a mesa de jantar e sentei com o papel diante de mim. Permiti que algumas lágrimas caíssem. Não me sentia um fraco por isso. Só sentia um medo terrível. Cathy
ficaria nas mãos de um louco e eu precisava fazer algo, mas o que?
- Quer uma ajuda? – Perguntou impaciente. Com ódio rabisquei as primeiras palavras.
“Cathy,
Queria conseguir uma forma menos dolorosa de fazer o que vou fazer. Infelizmente não encontrei nenhuma. Sim, admito que sou um covarde e não tenho coragem de olhar
em seus olhos. Por isso optei pela carta.
Cathy, Roger estava certo o tempo todo. Eu não mereço você e nem você merece passar pelas coisas que meu egoísmo te impõe. Eu sou um fraco e não aguento mais conviver
com isso, com tanta mentira. O que aconteceu comigo e Anna foi real. Eu tinha dúvida do que realmente queria para nós dois e deixei acontecer.
Foi difícil para mim não te ter mais em minha vida, por este motivo voltei. Não admitia que você estivesse com outra pessoa. É absurdo o que vou dizer, mas senti
meu orgulho ferido.
Não há mais nada para ser explicado. Estou saindo de sua vida desta vez para sempre. Espero que seja feliz desta vez. Sei que não será fácil, mas desejo realmente
que isso aconteça.
Só tenho um único pedido a te fazer: acredite em mim, em minhas palavras, sempre, mesmo quando lhe parecer impossível. Lembre-se de nossa conversa sobre confiança.
Com carinho,
Thomas.”
Não sei quanto tempo demorei para escrever a carta. Quando terminei Roger já estava impaciente. Entreguei o papel dobrado a ele que o abriu imediatamente conferindo
o que estava escrito.
- Muito meloso, mas vocês gostam, não é? Tudo bem Thomas, faça conforme combinamos. Pegue suas coisas e vá embora. Vou estar por perto para consolá-la – não olhei
para ele, apenas passei pela porta já aberta pelo cara da tatuagem e fui em direção ao apartamento dela.
Estava derrotado!
Cada passo que dava era como se estivesse acompanhando o enterro de alguém que eu amava muito. O sentimento era bastante propício. Minha garganta ardia pelo choro
contido e meu peito tentava reagir à pedra gigantesca alojada sobre dele. A dor que sentia impossível de ser descrita.
Entrei no apartamento e me dei conta do quanto dela havia nele. Era como se Cathy ainda estivesse ali, aguardando por mim.
- Você precisa ser rápido. Ela chegará a qualquer momento. – olhei assustado para a porta e me deparei com a última pessoa que esperava encontrar.
- Lauren?
Foi como se eu estivesse sufocando. O que ela fazia ali? De repente entendi. Lauren havia ajudado Roger a esquematizar todo o plano. Olhando-a parada a porta, tão
bem vestida e altiva, constatei que sua loucura nunca existiu. Ela estava de volta.
- Assustado? – Levantou a sobrancelha. – Vamos lá, Thomas, você me conhece muito bem para saber que eu não iria para a cadeia por causa daquela coisinha de nada.
Fingir que estava louca me ajudou por muito tempo. Quando Roger começou a me visitar a perspectiva de sair mais rápido me impulsionou. Claro que se ele não tivesse
aparecido eu teria dado um jeito de terminar com o que comecei, mas Roger foi bastante conveniente.
- Não se atreva, Lauren – a raiva me sufocava. – Você foi longe demais. Eu não vou permitir que chegue perto dela.
- Você? – Gargalhou. – Eu podia matá-la a qualquer momento. O que me impediu foi o acordo que fiz com Roger. Não faz mais parte dos meus planos acabar com a vida
dela – Lauren me olhou com ódio. – Quero acabar com a sua. Assim como você acabou com a minha.
- O que vai fazer? Vai atirar em mim também? Atire. Vamos! Estou esperando.
- Não tão fácil, Thomas! Tirar a sua vida, neste momento, seria um alívio para você. Eu prefiro deixá-lo definhando pelo amor da Cathy sem poder tê-la de volta.
Dramático, não? – Riu alto estreitando os olhos.
- Você vai ser presa, Lauren. Não pense que vai conseguir fugir. E quando te pegarem não conseguirá convencer mais ninguém de que é louca.
- Hoje mesmo vou embora do país. Vou ter a minha liberdade de volta! Roger vai ter o que quer: as empresas e Cathy e para você vai sobrar o que? – Parou pensativa.
– Já sei! Solidão. Para você restará apenas solidão.
- Eu mato você!
Avancei em sua direção, mas o movimento na sala desviou minha atenção. Os seguranças entravam com o que parecia ser uma caixa, muito grande. Grande o suficiente
para conter Cathy. Meu coração acelerou. Uma imensa lona negra cobria a caixa.
- Cathy! – Corri em direção a eles.
- Ah! A bela adormecida chegou – Lauren disse debochada batendo palmas como uma criança feliz depois de ganhar um brinquedo novo. – Vamos, Thomas, seu tempo acabou.
Não se preocupe com suas coisas, eu já arrumei tudo em uma mala e mandei entregar na portaria do seu apartamento.
Não consegui me segurar. Lauren mais uma vez conseguia destruir tudo o que mais quis em minha vida. Ela novamente conseguia machucar Cathy.
Rapidamente avancei sobre ela, segurando-a. Vi seus olhos se arregalarem com o susto. Lauren tentava se desvencilhar de minhas mãos que apertavam sem culpa o seu
pescoço. Eu via o seu fim chegar através de minhas mãos e então fui contido pelos seguranças. Lauren caiu no chão desesperada procurando por ar.
-O que temos aqui? – Roger entrou no apartamento andando como um rei. Confortável e seguro. – Thomas! – Disse com reprovação. – Não sabe mais como tratar uma dama?
- Abra a caixa! – Ordenei.
- Você disse que não queria despedida.
- Quero saber se está tudo bem com ela. Eu tenho este direito. Fiz um acordo com você. Cathy tem que estar segura. Como posso confiar, quando você tem esta desequilibrada
ao seu lado?
- Você não tem direito a nada – gesticulou impaciente. – Lauren não é uma ameaça para Cathy. Não enquanto ela continuar longe de você – Lauren, ainda no chão, riu
das palavras dele enquanto passava a mão no pescoço. – Mas vou permitir por compaixão. Abram a caixa.
Assisti angustiado a caixa sendo aberta. Restos de terra caíram pelo chão. Pude ver Cathy deitada no centro, ainda dormindo, drogada com certeza. Seu semblante era
tranquilo. Contemplei seu rosto perfeito e sereno. Sentir uma imensa tristeza ao lembrar que em pouco tempo a mesma dor que me dominava a atingiria. Cathy sofreria
com a nossa separação. Não compreenderia e com certeza me odiaria.
Retirei a mulher da minha vida de lá de dentro. Com ela em meus braços, caminhei lentamente até o quarto e a deitei na cama. Sua pele estava fria. Puxei o cobertor,
cobrindo seu corpo. Todos estavam em silêncio atrás de mim. Sentei ao seu lado, acariciei uma vez mais seu rosto e me aproximei beijando sua testa para depois depositar
um beijo rápido em seus lábios.
- Eu te amo! – Murmurei.
- Chega, Thomas! Já constatou que ela está bem, já se despediu, agora basta. Vá embora e cumpra com a sua parte.
Levantei, vesti minha roupa que estava largada sobre a cadeira do quarto e fui embora. Antes de sair do apartamento olhei uma última vez para Lauren. Ela se encolheu
com o meu olhar. Com certeza sabia que eu seria o principal interessado em procurá-la e quando fosse encontrada, não mediria esforços para fazê-la pagar pelos seus
crimes.
Fui embora sentindo minhas forças se esvaírem. Eu sabia que desmoronaria a qualquer momento. Mas precisava pensar em uma solução. Não podia aceitar simplesmente
entregar Cathy nas mãos dele e pronto. Tinha que arranjar uma forma de reverter a situação. Tinha que conseguir uma prova contra eles. Mas como?
Só fui para casa quando todas as lágrimas já tinham sido derramadas. Precisava de um plano, mas por mais que tentasse juntar cada peça, nunca conseguia relacionar
Roger a nada. Não poderia contar a polícia o que aconteceu. Seria apenas a minha história contra a dele. Principalmente depois da carta que eu escrevi. Também não
sabia se queria meus amigos envolvidos naquela sujeira. Roger já havia me mostrado o que era capaz de fazer para me manter afastado e se eu insistisse em continuar
com a investigação ele com certeza faria algo.
Quando cheguei em casa, Dyo me esperava na sala. Kendel estava ao seu lado, e ambos estavam apreensivos.
- O que aconteceu? – Dyo perguntou assim que entrei.
Fechei a porta e fui até o sofá mais próximo desabando nele. Meu silêncio foi respeitado pelos meus amigos que apenas permaneceram calados me observando.
- Eu e Cathy decidimos nos separar – forcei as palavras a saírem. A mentira era necessária.
- Como assim? O que aconteceu desta vez? – Kendel ficou nervoso.
- Nada. Eu só pedi um tempo. Preciso de um pouco de espaço – levantei do sofá evitando os olhares atentos dos meus amigos. – Estou voltando para Los Angeles.
- O que? E as investigações? E todo o plano? – Dyo não entendi e se eu ficasse mais um pouco na presença deles, acabaria entregando o jogo.
- Não há mais necessidade. Se a polícia quiser continuar investigando, por mim tudo bem, mas eu não pretendo mais me justificar com Cathy – dizer seu nome era doloroso.
Minha cabeça só projetava imagens dela deitada naquele caixão. – Vou subir e arrumar minhas coisas. Dyo providencie minha viajem de volta. Ah, e também um exame
de sangue com urgência.
- O que? Como... – Dyo puxou o ar com força. - Thomas? Alguém deixou uma mala com coisas suas na portaria hoje pela manhã. Eu a coloquei no seu quarto – subi sem
dar mais ênfase ao que tinha acontecido.
Assim que abri a porta do quarto ouvi meu celular tocando. Apressei-me em procura-lo dentro da mala. Em meu coração eu queria acreditar que era Cathy, mas eu sabia
que não poderia atender. Não podia ouvir o seu sofrimento e me manter firme. Era pela segurança dela. Eu precisava ser frio. Para minha surpresa não era ela. Olhei
para aquele número em meu celular, tocando insistentemente. Resolvi atender.
- Henry?
- Thomas! – Ele disse eufórico. – Você não vai acreditar no que acabei de descobrir, em quem está por trás dessa confusão toda.
Parei chocado. Henry tinha conseguido algo que poderia mudar todo o curso dos acontecimentos. Meu coração acelerou com a possibilidade.
- Como você conseguiu? – Baixei o tom de voz para não acabar chamando a atenção dos meus amigos. Não queria que ninguém ouvisse o que conversávamos.
- A polícia entregou a Mia o computador da Anna. Ele estava completamente destruído por causa do acidente. Mia esqueceu de entregá-lo a família e eu tive curiosidade
de tentar recuperar alguma coisa e também em verificar se tinha algo que pudesse ajudar na investigação. Foi assim que descobri e-mails que comprovam tudo e também
uma carta que ela deixou para Cathy. Acho que Anna sabia que algo poderia acontecer.
- Henry, escute atentamente o que eu vou falar. O que quer que seja que você descobriu, não conte a mais ninguém, por favor. Estou voltando neste exato momento para
Los Angeles e me encontro com você assim que chegar. Não se esqueça, isso é sigiloso.
- Certo. Não se preocupe, eu sei o risco que Cathy está correndo – disse por fim desligando o telefone.
Capítulo 28
Sonhos Destruídos
VISÃO DE CATHY
A primeira coisa que senti foi a boca ressecada. Minha garganta parecia cheia de terra. Então meu corpo se deu conta do vazio da cama e eu abri os olhos.
No lugar onde Thomas deveria estar só havia o vazio. A sensação era de completa solidão. Sem entender porque, senti meu coração disparar. Decidi levantar e procura-lo,
mas ao agir fui atingida por uma forte tontura e enjoo. Respirei fundo, mesmo assim precisei correr ao banheiro rezando para conseguir chegar. Não sei quanto tempo
fiquei lá, contudo percebi que os segundos passavam e Thomas não aparecia para me ajudar ou para me apoiar.
Lavei o rosto e a boca com água gelada e saí do quarto a procura dele. A casa parecia grande demais. Meu coração me alertava que algo estava errado, contudo eu custava
a querer aceitar. Uma dor insistente latejava em minha cabeça. Sem encontrar Thomas, resolvi voltar para o quarto em busca de uma aspirina. Foi quando encontrei
a carta.
Não estava na cama, sob o travesseiro dele, onde costumava colocar os seus bilhetes quando precisava sair sem me avisar. Estava na minha penteadeira, entre um frasco
de perfume que havia deixado próximo à beira na noite anterior, era o perfume que ele mais amava em mim, leve e doce, e uma caixinha de joias, que eu usava para
colocar algumas peças de menor valor. Segurei o papel com as duas mãos. Não queria abrir, no entanto me forcei a fazê-lo afirmando para mim mesma que eu estava sendo
infantil. Abri e li as primeiras palavras.
“Cathy,
Queria conseguir uma forma menos dolorosa de fazer o que vou fazer. Infelizmente não encontrei nenhuma. Sim, admito que sou um covarde e não tenho coragem de olhar
em seus olhos. Por isso optei pela carta.
Todos os meus medos se confirmaram. Eram apenas palavras e inacabadas, mas meu peito já sentia o imenso buraco que se formava e as primeiras lágrimas já despencavam
pelo meu rosto. Involuntariamente continuei lendo, como um maníaco, que sabe que vai doer, mas não tem como não se sentir atraído pela dor.
Cathy, Roger estava certo o tempo todo. Eu não mereço você e nem você merece passar pelas coisas que meu egoísmo te impõe. Eu sou um fraco e não aguento mais conviver
com isso, com tanta mentira. O que aconteceu comigo e Anna foi real. Eu tinha dúvida do que realmente queria para nós dois e deixei acontecer.
Foi difícil para mim não te ter mais em minha vida, por este motivo voltei. Não admitia que você estivesse com outra pessoa. É absurdo o que vou dizer, mas senti
meu orgulho ferido.
Minhas pernas tremeram. Precisei sentar na cama. O enjoo forte voltou a me atingir, mas eu não queria ceder. Eu precisava ler tudo, até o final.
Não há mais nada para ser explicado. Estou saindo de sua vida desta vez para sempre. Espero que seja feliz desta vez. Sei que não será fácil, mas desejo realmente
que isso aconteça.
Só tenho um único pedido a te fazer: acredite em mim, em minhas palavras, sempre, mesmo quando lhe parecer impossível. Lembre-se de nossa conversa sobre confiança.
Com carinho,
Thomas.”
Não tenho como descrever o que senti. Uma espécie de limbo caiu sobre mim. Foi como se o mundo deixasse de existir, aliás, foi como se nada existisse, nem eu.
Minha mente foi tomada por uma bolha de nada, vazio, me impedindo de sofrer, ou de sentir o sofrimento, ao mesmo tempo me impedindo de viver, de sorrir, de amar.
Nunca imaginei que o nada fosse tão difícil de suportar.
Fiquei longos minutos sentada na cama. Poderia ficar o resto da minha existência. Sem ver a vida passar, sem sentir falta de nada, nem de mim. Mas a vida não é um
conto de fadas, ela é dura e cruel e como a minha não poderia ser diferente, eu despertei para a dor.
Uma dor dilacerante!
Não era apenas meu coração ou minha mente, era cada célula do meu corpo me dizendo que a decisão não era mais minha. Ele tinha ido embora, me abandonado. Tinha sido
tudo uma mentira. Uma brincadeira perversa. E doía tanto!
Eu havia criado um mundo seguro para mim, onde as muralhas altas e resistentes me mantinham protegida do mundo lá fora. Era particular, estável e equilibrado, mas
então a vida tratou de burlar as minhas regras.
Ela era como uma serpente rondando meus caminhos me oferecendo o que tinha de mais estimulante para ser oferecido: o risco.
Durante muito tempo eu fiquei indecisa se deveria ou não abrir as portas para que ela pudesse entrar, Aí, como se nada mais pudesse detê-la, me dominou. Eu me vi
abrindo mão do meu mundo seguro e confortável, por causa do amor. Ora veja só: o próprio amor, que antes me fez flutuar pelo mar de incertezas me fazendo desejá-lo
mais do que tudo, me atirava no deserto vazio e sofrido da traição.
Queria voltar para o meu mundo. Bem que tentei, mas não havia mais volta. Tudo o que eu havia construído tinha sido tocado pelo amor, estando então proibido para
mim. Restava-me apenas vagar naquela nova vida vazia e sem cores.
No nada.
Acredito que um dia inteiro passou. Quando o meu corpo não suportou mais, senti a sonolência me derrotar aos pouco. Agarrada à carta, deitei e deixei minha mente
se entregar ao sono, sem saber que gradativamente eu me entregava à morte.
O que aconteceu em seguida eu não sei descrever. Ouvi vozes, distantes e irreconhecíveis. Senti mãos em mim, mas pensei ser um sonho. Vi paredes passarem, imagens
borradas, porém nada que eu conseguisse focar. Eu oscilava no tempo.
Acordei no hospital. Só depois soube que fiquei quase dois dias trancada no apartamento. Não me alimentei, não bebi nada, este foi o meu maior problema, e aos poucos
me entreguei a uma situação quase sem volta. Se não fosse por Roger e Sam, era provável que eu estivesse morta.
Confesso que cheguei a desejar a morte, mesmo em silêncio, porém eu sabia que esta não apagaria as lembranças, nem os sofrimentos, por isso passei a desejar apenas
que o tempo passasse, ou que o nada voltasse.
Quando despertei, percebi que não estava livre da tristeza, nem da dor que me consumia. Ela estava presente em todos os meus poros, em cada pensamento, em cada respiração.
Roger estava ao meu lado. O rosto apoiado nas mãos. Ele me encarava, aguardando uma reação. Um amigo fiel, como sempre foi. Seu amor deveria ser o suficiente para
nós dois, deveria me contagiar, me dar esperanças... Infelizmente eu não conseguia sentir nada além de gratidão por ele estar ao meu lado novamente, além da extrema
vergonha de encará-lo e confirmar que ele tinha razão o tempo inteiro.
Nada dissemos, apenas ficamos nos olhando. Seus olhos não eram acusadores, como deveriam, eles apenas me diziam em silêncio que nada mais importava. Roger vagarosamente
tirou uma mão do rosto e segurou a minha, que sustentava uma agulha e um tubo ligado ao soro. Ele apertou levemente meus dedos me passando apoio.
Senti raiva nesta hora. Raiva de mim, de minha ingenuidade e de minha cegueira em relação a Thomas. Tudo em nossa história me mostrava que terminaria assim, mas
eu estava tão louca de amor que não conseguia aceitar.
Tudo o que eu estava passando era por culpa única e exclusivamente minha. Eu havia permitido que ele voltasse a minha vida, então indiretamente tinha me permitido
ser machucada daquela forma devastadora. Tal constatação me doía mais ainda do que se eu nada tivesse feito para provocá-la. Doía muito saber que eu era a culpada
daquela dor.
Deixei que as lágrimas rolassem, pois seriam as últimas. Eu iria me reerguer. Não podia deixar que Thomas me afogasse naquele poço. Queimava em minha garganta o
desejo involuntário de vingança. A vontade incontrolável de dar a volta por cima, de mostrar a ele que eu não era tão inocente quanto parecia e que ele não era tão
importante em minha vida quanto acreditava.
Essa seria a maior de todas as mentiras que minha mente já contou, porém eu me agarraria ela como se esta fosse o único jeito de sobreviver a minha própria destruição.
Porque foi isso que aconteceu, fui destruída, derrotada, despedaçada, mas sobreviveria, mesmo que fosse apenas uma sobrevida, eu mostraria a ele que não havia mais
espaço para ele dentro de mim.
Sem me preocupar com as lágrimas que caíam, olhei para Roger, que me encarava preocupado, e sorri. Ele retribuiu o sorriso, apesar de me deixar perceber que não
havia nenhuma felicidade em seu sorriso. Fechei os olhos ainda sorrindo e apertei de volta a sua mão soltando um suspiro longo e pesado. Eu tentava expulsar de mim
os sentimentos ruins. Se precisava recomeçar, então que fosse naquele momento.
- Eu estou bem.
- Você não precisa ser forte agora, Cathy, não para mim.
- Eu sei – voltei a abrir os olhos e encará-lo. – Desculpe, eu fui cega, tola...
- Não precisa me dizer nada. Não estou aqui para isso. Estou preocupado com você. De verdade! – Passou as mãos em meus cabelos.
- Mas eu quero fazer. Quero dizer o que acho disso tudo, porque quero enterrar esta história. Quero um novo começo, Roger e para isso eu tenho que dar um fim ao
que sobrou – ele sorriu orgulhoso de mim e eu me senti incentivada a falar. – Você tinha razão o tempo todo. Não pretendo ficar me sentindo uma tola, e com isso
deixar a minha vida se acabar. Thomas deu o passo que ele tinha que dar, agora é a minha vez. Não quero mais ter nenhuma brecha em minha vida que me impeça de ser
feliz, que me atrapalhe de seguir em frente. Eu errei com você e quero consertar as coisas. Quero recuperar todo o tempo que perdi tentando viver um conto de fadas,
sem entender ou aceitar que contos de fadas não existem. Se você puder me perdoar, mais uma vez... Eu estou disposta a reconstruir a minha vida ao seu lado. Agora
para sempre – os olhos de Roger brilharam, mas ele hesitou.
- Cathy! Você ainda está muito confusa para tomar uma decisão como essa. Eu... – pensou um pouco no que falar. – Eu e Sam achamos a carta... – mais uma vez ele me
olhou preocupado em não me falar nada que me fizesse mal. – Eu o quanto você está sofrendo.
- Não vou sofrer a vida toda, Roger. Agora eu sei exatamente quem Thomas é. Só tenha um pouco de paciência. Eu vou conseguir – afirmei mais para mim mesma do que
para ele. Precisava conseguir. Era uma questão de honra.
- Mesmo assim. O que vocês viveram foi forte demais. E se ele se arrepender como da outra vez? Cathy, eu te amo! Não quero ficar me enchendo de esperança e acreditando
em nós dois para te perder, e o que é pior, perder outra vez para aquele... – não falou o que tinha pensado. Apenas fechou a mão em punho e os olhos com raiva.
- Não vai voltar a acontecer. Acabou. Não só para ele, para mim também. Eu preciso me reerguer. Tenho coisas para fazer da minha vida. Tenho planos. Quero voltar
a estudar, quero me dedicar à empresa e você é a pessoa certa para estar ao meu lado neste momento.
- Não vamos conversar sobre esse assunto aqui, está certo? – Depositou um beijo em minha mão. – Sam está lá fora, muito preocupada. Seria bom você manter esta carinha
de tranquilidade – sorri confiante. Esta seria a minha máscara, até que eu acreditasse que realmente me sentia feliz.
Quando Sam entrou, agradeci mentalmente a Roger por ter me pedido para manter a tranquilidade. Ela estava muito abatida. Seus olhos vermelhos e as olheiras entregam
o nível do seu sofrimento. Sua expressão de tristeza se suavizou um pouco ao me ver com minha máscara perfeitamente composta de uma pessoa calma e equilibrada.
- Posso perguntar como você está?
- Estou bem. Um pouco cansada, mas bem.
- Eles acham que você não vai ter nenhum problema mais grave, no entanto recomendaram que... – olhou para Roger buscando apoio. – Não seria bom deixá-la sozinha.
- Se você se sente melhor assim.
- Eu vou ajudá-la. Cathy precisa dos amigos agora – Roger sorriu tranquilizando Sam. – Tudo vai voltar a ser como antes.
- Você tem certeza? – Sam me olhou de uma maneira estranha. Era como se ela quisesse me dizer alguma coisa, no entanto eu não conseguia acompanhar o seu raciocínio.
- Sim – respondi ainda sem saber o que realmente ela perguntava.
- Certo. Só quero que saiba que eu estou aqui para o que você precisar.
- Eu sei.
Roger a convenceu a voltar para casa prometendo que ficaria comigo e que ligaria caso acontecesse alguma coisa, o que eu entendi como algo do tipo eu cair na real
e dar uma de louca psicótica deprimida, se é que isso existia. Eles não acreditavam em mim. Ótimo! Era mais um estímulo para que eu provasse que era capaz.
Recebi alta no dia seguinte, cheia de recomendações médicas que prometi cumprir. Bastou entrar no carro do Roger para começar a por meus planos em ação. Deixei ele
me levar até em casa, onde Mia já me aguardava, e me despedi dele prometendo descansar o máximo possível, mas não era o que eu pretendia.
Estar com Mia depois de nossa briga e de tantos acontecimentos era um tanto estranho e constrangedor, mas resolvi que aquele era mais um problema que eu deveria
encarar de frente e resolver. Mais uma missão: Não deixar que minha história com Thomas destruísse a minha amizade com Mia.
Tomei coragem e fui abraçar minha amiga acabando com qualquer resquícios da nossa briga. Ela retribuiu meu abraço me confortando. Sorri confiante. Mia por um momento
me olhou sem entender a minha reação. Ficou claro que ela esperava uma Cathy derrotada e infeliz. Essa Cathy existia, mas dentro de mim e eu tentava a todo custo
afastá-la. Não mais me permitiria sofrer por Thomas.
- Relaxe, Mia! Eu não vou chorar, sofrer, ou ficar me lamentando.
- Nossa! – Minha amiga me encarou com olhos arregalados.
- Eu sei. Você já deve estar sabendo de tudo. Ótimo! Não preciso contar esta loucura toda.
- O próprio Thomas me contou o que aconteceu – sondou a minha reação. Fiquei impactada, mas não demonstrei nada. Estava muito segura na minha decisão de ser uma
nova Cathy. – Nós nos encontramos em Los Angeles, por isso eu voltei.
- Obrigada por ter voltado! Senti a sua falta.
- Então... O que você pretende fazer? – Mia estava estranha, desconfiada. Preferi associar sua atitude como medo da minha reação. Ela também não acreditava em mim.
- O mesmo que estava fazendo antes de permitir que Thomas voltasse a minha vida. Vou seguir em frente. Não sou a primeira mulher a sofrer por amor ou ser abandonada
e com certeza não serei a última.
- Exatamente de que ponto pretende continuar? –
A forma como ela falou chamou a minha atenção. Alguma coisa estava errada. Mia sondava, um tanto receosa, um tanto misteriosa demais. Perguntei-me se existia a possibilidade
dela ainda estar magoada comigo, afinal de contas, quando nos despedimos ela partiu colocando em xeque a nossa amizade. Não achei correto indagar o que acontecia.
Com o tempo tudo voltaria para o seu lugar.
- Exatamente de onde parei – eu sabia o que ela queria perguntar, por isso encurtei a conversa. – Reatei com Roger – Mia me olhou assustada. Ela parecia louca para
me dizer algo, mas se censurava. – Eu sei o que você vai dizer. Desista! Sei o que quero para a minha vida, não sou mais nenhuma criança e Roger é a pessoa perfeita
para mim.
- Ele nunca foi – disse quase em desespero.
As palavras saíram sussurradas, com pânico ou suplica. O que estava acontecendo com a minha amiga? Será que ela não conseguiu enxergar que Thomas tinha me destruído
de todas as formas possíveis. Que ele brincou comigo e me atirou no fundo do poço por duas vezes?
- Cathy, você nunca conseguiu amá-lo. Vocês nunca sequer transaram – senti meu rosto enrubescer. – Por que você precisa decidir agora? Por que não espera um pouco?
- Esperar pelo que? Já perdi muito tempo esperando, Mia. Você tem razão, eu não amo Roger, mas para que serve o amor mesmo? Ah tá! Lembrei. Para me fazer sofrer.
Para me fazer acreditar em quem não me merece. Roger é um grande companheiro, um grande amigo, a pessoa ideal para se passar a vida, e ele me ama, isso deveria ser
o suficiente.
- Deveria. Você disse certo. Deveria, mas não é – cruzou os braços e me encarou. – Cathy! – Suavizou seu tom de voz, como se tentasse não causar mais mal estar,
ou como se não quisesse bater de frente comigo e acabar piorando as coisas. – Só acho que você está muito confusa ainda. Por que não dá um tempo nas decisões? Vamos
viajar! Vamos fazer aquela viagem que sempre sonhamos, só nos duas – ri das suas tentativas.
- E seu trabalho?
- Eu me demito. Você levou um tempão tentando me convencer a fazer esta viagem, então vamos? Vai ser muito bom!
- E você não concordou exatamente porque não queria pedir demissão. Não queria que eu custeasse a viagem. O que mudou agora?
- Mudou que eu não posso achar normal uma decisão como essa. Não agora.
- Se você não entende... – suspirei derrotada. – Apenas aceite e fique feliz por mim.
- Eu fico feliz por você, minha amiga – vi seus olhos ficarem marejados. – Apenas faça o que te peço, ao menos desta vez.
- Sinto muito! – Peguei minha bolsa e fui para meu quarto. Eu sabia o que queria fazer e iria fazer.
Peguei um conjunto de calça e blusa, totalmente negro, e fui ao closet me trocar. Maquiei-me com paciência. Escolhi um scarpin também preto e bolsa na mesma cor.
Coloquei duas pulseiras douradas no pulso direito e um relógio seguindo o padrão no outro. Escolhi uma argola comprida, também dourada e uma gargantilha de ouro.
Após aprovar no espelho meu visual totalmente negro, saí do quarto. Mia olhou me olhou assustada.
- Vai sair? Para onde vai? Você deveria estar repousando – ela se movimentava atrás de mim, enquanto eu procura a chave do carro.
- Vou trabalhar, Mia – caminhei sem dar a ela chance de me convencer do contrário. – Não estou doente. Já fiquei muito tempo afastada e preciso me inteirar dos últimos
acontecimentos. Não vou voltar cedo, tá? Acho que de lá vou fazer alguma coisa com Roger.
- Cathy você está sendo precipitada – abri a porta e sorri carinhosamente para minha amiga, enquanto colocava os óculos escuros.
- Tchau, Mia! Qualquer coisa me ligue.
Desci pelas escadas. Cheguei ao carro ainda arfando, mas me senti feliz por dar continuidade a minha vida. Não permitiria que meu corpo parasse. Eu não perderia
nem mais um segundo por causa dele. Nunca mais.
Dirigi observando e catalogando cada coisa que passava por mim. Uma maneira de impedir meus pensamentos de me traírem. Eu não podia me permitir pensar em Thomas
e olhar a paisagem me perguntando o porquê de cada coisa estar em seu devido lugar era uma forma valiosa de conseguir enganar a mente.
Assim que saí do elevador percebi os olhares sobre mim. Não me deixei intimidar, cumprimentando educadamente cada uma das pessoas com quem eu trabalhava. Sandra
se sobressaltou quando me viu chegar e imediatamente começou a organizar diversos documentos para levar a minha sala. Cumprimentei minha secretária como se nada
tivesse acontecido. Ela me acompanhou até a sala.
- Desculpe, Cathy! Roger avisou que você não viria hoje também, então organizei suas correspondências junto com as dele e já passei metade dos documentos a outra
secretária. Se você quiser posso solicitar a Betina que os traga de volta.
- Não é necessário, Sandra. Preciso mesmo ir até a sala do Roger. Por favor, providencie um café bem quente para mim e mande levar na sala dele, certo?
- Claro. Com licença!
Saímos juntas da sala. Tinha que comunicar ao Roger que estava de volta. Caminhei pelo pequeno corredor sob os olhares curiosos de alguns funcionários que passavam
entre a minha sala e a do meu... Namorado.
Reagir da mesma forma de antes, cumprimentando a todos. Respirei profundamente quando alcancei o meu objetivo, mas não entrei imediatamente. Precisava primeiro me
recuperar da tensão que foi ser avaliada por tantas pessoas, assim como tentar me sentir mais a vontade com aquele novo relacionamento. Bati levemente na porta e
o ouvir mandar entrar. Roger não levantou os olhos para ver quem entrava.
- Betina, estou precisando de... – parou assustado olhando para mim. Sorri. – Cathy? O que... – começou a levantar.
- Eu sei, Roger. Eu deveria estar descansando. Não sei do que. Não me sinto cansada. Não vejo motivos para ficar em casa – ele riu de minha declaração.
- É bom ter você de volta! – Seus braços me envolveram com afeição e eu retribuí. – Preciso comunicar isso a Sam. Ela está aqui, tentando organizar a bagunça que
você deixou quando... – Roger se calou.
- Estou de volta, então eu mesmo vou organizar a minha bagunça.
- Eu vou te ajudar, antes vamos falar com Sam.
***
Fomos até Sam que, apesar de muito confusa e preocupada, ao mesmo tempo, demonstrou satisfação com minha atitude e disposição. Minha madrasta me conhecia muito bem
para saber que havia muita tristeza dentro de mim, mas não esperava pela força que eu estava tendo para não deixar que esta me dominasse outra vez.
- Então você quer trabalhar? – Usou um tom de brincadeira. Fiz uma careta já sabendo que ela me entupiria de afazeres. Roger riu. Meu amigo estava visivelmente mais
animado. Podia-se dizer que estava satisfeito. Vitorioso.
- Você sabe que eu não entendo nada de administração de empresas, muito menos de finanças, mas já que faz tanta questão... – revirei os olhos teatralmente.
- Eu sou um ótimo professor – Roger fez cara de indignado, mas sorriu.
- Ah, claro! Você será meus braços, minhas pernas e meus olhos aqui dentro. Não adianta eu fingir que entendo esta bagunça. Ainda bem que temos Roger – Sam manteve
a expressão serena, porém eu sabia que ela escondia algo.
Tudo bem que ela fosse totalmente a favor de Thomas, não podia contestar os pensamentos de uma pessoa que era movida pelo amor, por outro lado Samantha era como
uma mãe e como tal deveria estar bastante magoada com tudo o que ele havia feito. Sam apenas desviou o olhar e sorriu.
- Sim. Ainda bem que temos ao Roger.
Meu amigo... Namorado... Também percebeu que alguma coisa estava fora do seu lugar, mas não comentou nada. Apenas brincou com meu cabelo e me olhou com carinho.
- Vocês reataram? – Samantha nunca havia sido indiscreta como estava sendo naquele momento. Eu não entendia o motivo daquela reação. Roger puxou o ar e riu da pergunta.
- Estamos nos esforçando para fazer com que dê certo – piscou ficando ainda mais bonito do que já era.
- Vamos trabalhar? – Interrompi aquele momento, sem muita vontade de discutir as minhas decisões. Eram minhas, e eu tinha o direito de sustentá-las sem ser questionada
o tempo todo.
Sam entendeu que eu não queria conversar sobre aquele assunto. Acredito que por isso optou por parar de questionar. Fiquei confusa, apesar de tudo. Não que eu quisesse
falar sobre o ocorrido e dos motivos das minhas decisões, mas eu não pretendia fingir que nada tinha acontecido. Thomas não seria um tabu em minha vida, ele seria
o meu passado, nem que para isso eu tivesse que deixar de querer um futuro.
Sem mais complicações. Nos empenhamos em conseguir organizar tudo o que tinha ficado para trás nos últimos dias. Quando a noite chegou, Sam se despediu e foi embora.
Ela ainda estaria conosco no dia seguinte, mas não aceitou o meu convite para jantar. Sentia-se esgotada. Roger não teve a opção de não aceitar, fiz questão de fazer
um clima de paquera entre nos dois durante todo o dia, estimulando-o concordar com o meu plano.
Fomos a um restaurante francês. Um ambiente bastante sofisticado frequentado por pessoas de alto nível. Acomodamo-nos na primeira mesa que a atendente nos indicou.
Não havia mais necessidade de privacidade, já que não pretendia esconder nada de ninguém.
Roger conversou sobre tudo, menos sobre mim, Thomas e o que tinha acontecido. Nem mesmo tocou no assunto de nós dois juntos, aceitando, sem questionar, que a vida
seguisse aquele curso.
Eu me esforcei ao máximo para prestar atenção a tudo o que ele falava, sorrindo bastante, como uma forma de me lembrar que deveria ser feliz. Era uma questão de
sobrevivência representar aquele papel. Não poderia me permitir sofrer, pois qualquer brecha para a infelicidade, seria um caminho sem volta.
Roger estava encantado com a minha reação. Quanto mais eu correspondia as suas investidas, mais ele se animava a conversar. Contudo eu não entendia como ele podia
aceitar tão facilmente?
Sem querer minha mente me traiu e acabei permitindo que ela me mostrasse em Roger a pessoa que eu era quando estava com Thomas. Alguém que amava sem limites ou cobranças.
Que apenas amava e por isso aceitava qualquer coisa que vinha dele. Ficava feliz com qualquer olhar, sorriso ou palavra. Roger me amava independente do que eu tinha
a lhe oferecer. Exatamente como eu amava Thomas. Que ironia!
- Cathy? – Chamou preocupado. – Você está chorando? – Levei as mãos ao rosto sem acreditar no que ele dizia e senti a umidade. Tentei recompor a minha máscara, voltando
a sorrir. – O que foi? – Disse baixinho, confidente e alerta.
- Você.
- Eu? O que eu fiz?
- Você me ama – ele sorriu desconcertado e pegou em minhas mãos.
- Amo sim – me olhou com desejo. – Acho que deveria te levar para casa – senti meu sangue gelar nas veias. Ainda não. Era cedo para este passo. – Você precisa descansar
um pouco – sorri satisfeita e aliviada. Roger era bom demais para ser verdade.
Capítulo 29
Recomeço
VISÃO DE CATHY
Reatamos o namoro, como eu tinha planejado, mas ao contrário do que imaginara, Roger respeitava todos os meus limites sem tentar se impor. Claro que não acreditava
que seria sempre assim e não seria muito justo também. Aquela barreira era a mais difícil e complicada de ser derrubada. Não pelo fato de não conseguir aceitar que
teria uma vida sexual com outra pessoa, mas simplesmente porque meu corpo continuava se recusando a relaxar.
Havia também a inevitável comparação. Esta parte não era culpa minha. Eu a evitava, lutava contra com todas as minhas forças, mas bastava um toque mais íntimo, um
beijo mais avançado e logo minha mente estava povoada de lembranças. Eu queria a todo custo eliminar de uma vez por todas a influência de Thomas, no entanto, meu
corpo não estava muito disposto a colaborar.
Por isso não fiquei irritada com toda a interferência de Mia. Na verdade fiquei até agradecida, mesmo ciente de que era infantilidade da minha parte. Eu precisava
de tempo para me acostumar a Roger. Minha amiga alegava tristeza pela ausência de Henry e com isso estava sempre presente.
Todas as noites nós jantávamos juntos, ficávamos na sala abraçados, conversando e muitas vezes nos beijávamos longamente, como se houvesse amor entre nós dois. Da
minha parte eu sabia que não existia, mas fazia o meu melhor papel, digno de um Oscar.
Era a noite que minha mente conseguia me vencer. Quando a escuridão me cercava e não havia ninguém por perto para me salvar, Thomas e todas as suas mentiras me oprimiam
e sufocavam. A tristeza e a dor eram tão profundas que eu precisava me esforçar muito para respirar, tamanho o peso que sentia no peito.
Eu segurava o choro até o meu limite, mas quando ele vinha, era forte e avassalador. Todos os meus esforços pareciam ser em vão. Nada o que eu fizesse mudaria o
que realmente estava sentindo. Nenhum esforço seria o suficiente para expulsá-lo de mim. Thomas era uma chaga aberta e viva que, ao invés de cicatrizar, teimava
em continuar sangrando e doendo. Normalmente o sono chegava quando as lágrimas e o desespero sugavam tudo de mim, então eu dormia de pura exaustão.
Quando o dia nascia eu renovava a esperança de que iria sobreviver. E quando chegava ao trabalho e encontrava Roger tão amoroso, tinha certeza de que estava no caminho
certo. Viver com ele era fácil: Bastava apenas que eu estivesse lá, o resto era providenciado por meu namorado, tornando assim o dia prazeroso, mesmo com tanto trabalho
a fazer.
Sam voltou para a Pensilvânia. Nos falávamos todos os dias, apesar de nunca tocarmos no assunto. Ela insistia fingir que estava tudo normal, e eu colaborava com
a farsa representando o papel de recuperada. Roger sempre demonstrava estar muito satisfeito com tudo o que estava acontecendo, o que fazia eu me sentir bem. Ao
menos alguém conseguia se sentir realmente feliz. Eu já estava acostumada com a ideia de que a felicidade não era um direito meu.
Sandra às vezes parava a minha frente como se quisesse me dizer algo, contudo nunca passou de “Está tudo bem?”, o que eu sempre respondia com o meu melhor sorriso.
Era fácil fingir que era feliz. Quem sabe um dia acabaria acreditando? Mas ela era a única pessoa que conseguia me olhar e demonstrar que sabia que eu era uma fraude.
Os outros escondiam de mim esta percepção. Minha secretária fazia o meu jogo, e jogava tão bem quanto os outros.
Os dias passaram seguindo a mesma rotina e a minha vida foi se moldando ao que eu desejava. Durante o dia eu mergulhava de cabeça no trabalho, que tinha descoberto
não ser tão ruim. À noite, Roger se ocupava de mim, me envolvendo por todos os lados. Apenas as madrugadas não mudavam, me deixando a cada dia mais sufocada com
as lembranças que não me deixavam dormir em paz.
Certo dia Roger me convidou para assistirmos a um musical que tinha recebido ótimas críticas. Eu sempre gostei de arte e o programa era perfeito para um fim de noite.
Não imaginava o que me aguardava.
Após o espetáculo caminhamos pelas ruas iluminadas de Nova York. Estava frio, por isso estávamos abraçados. Ríamos muito, comentando coisas do trabalho ou do musical
quando entramos no carro. Não percebi que Roger me levava em direção ao eu apartamento, pois estava muito distraída tentando não perder nada da nossa conversa, como
sempre fazia, evitando assim deixar que as lembranças me atormentassem.
Por causa disso quando me dei conta de onde estávamos, não consegui esconder a minha apreensão. Roger parou o carro, mas não saiu, apenas esperou que eu dissesse
alguma coisa, como não tive coragem de dizer nada, me concentrando em estabilizar minha respiração, ele acariciou suavemente meus cabelos e depois meu braço.
- Passa a noite aqui comigo? – Eu não sabia o que responder.
Eu tinha consciência de que em algum momento aquilo aconteceria, era o normal entre dois namorados, embora ainda não tivesse conseguido absorver a ideia. Por outro
lado era conhecedora de que aquele seria um passo importante para me livrar de Thomas e todas as suas lembranças. Então assenti. Roger beijou meu rosto e depois
meus lábios. Correspondi. Então saímos do carro em direção ao seu apartamento.
- Você está muito tensa, Cathy – Seus braços envolveram meus ombros.
- Isso é natural, não é? – Busquei apoio em seus olhos. Roger sorriu com certa ironia e beijou minha testa com carinho.
- Não necessariamente, mas eu entendo – abriu a porta e me deixou entrar primeiro. Eu não consegui dar mais do que três passos.
- Cathy? – Olhei para Roger, constatando seus olhar quentes. Desejei ardentemente que aquele calor me alcançasse, porém meu corpo permanecia gelado.
Não conseguia achar o calor necessário para viver aquele momento. Como eu faria para encontrar em mim a motivação e o sentimento adequado para termos aquele tipo
de intimidade? Senti a confusão tentar me dominar. Precisava ser rápida ou as comparações me alcançariam. Não tinha noção do grau de intensidade que as lembranças
teriam ao chegar nem como eu reagiria a elas.
Roger se aproximou me beijando, tentando me conduzir. Até tentei seguir suas coordenadas, mas minhas atitudes e gestos eram tensos e mecânicos. Ficamos nesta situação
por alguns minutos até meu namorado compreender que eu não relaxaria. Cederia, com certeza. Sabia que era necessário, apesar disso não conseguia relaxar e me entregar.
Então ele desistiu, para meu desespero.
- Não precisamos fazer isso. Não quero que force a barra apenas para me agradar – disse meio desanimado.
- Eu estou tentando! – Forcei um sorriso que acabou revelando a tristeza por trás da máscara.
- Você precisa romper de uma vez por todas esta barreira, Cathy. Precisa deixar a vida seguir o seu curso natural.
Roger não percebia que, se a vida seguisse o seu curso natural, provavelmente eu estaria em casa, deitada na cama, chorando toda a tristeza por Thomas não ser mais
meu. Eu não queria isso, queria alterar o seu curso para que seguisse conforme a minha vontade.
- Eu sei o que quero, Roger. Só preciso realmente me acostumar com a situação. Não vejo isso como um problema, as pessoas se sentem inseguras quando estão prestes
a ter a sua primeira relação sexual.
- Não é a sua primeira relação sexual – ele jogou a verdade em minha cara, me fazendo arfar. A forma como falou não correspondia a sua compreensão ou paciência comigo.
Era... Rude e impaciente. Porém rapidamente ele sorriu fazendo com que aquela impressão desaparecesse.
- Será a minha primeira com você. Dá no mesmo para mim. – ele riu e se afastou um pouco mantendo suas mãos em minha cintura.
- Ok. Então acho que devemos deixar você se acostumar com a ideia. Vamos! – Me puxou pela mão para o interior do seu apartamento.
- Para onde vamos? – Não consegui disfarçar minha apreensão. O que Roger pretendia?
- Para meu quarto. Se você precisa se acostumar, vamos começar nos acostumando a dormir juntos.
Não era nem de longe o que eu tinha em mente, no entanto relaxei completamente. Roger estava sendo um ótimo amigo... Namorado. Sua compreensão me impelia a continuar
ao seu sado e fortalecia os nossos laços.
Tomei um banho e coloquei uma camisa dele. Voltei ao quarto onde ele já me aguardava na cama. Roger estendeu a mão em um convite silencioso. Aceitei. Deitamos juntos,
abraçados. Eu estava com muito medo. Não de transar com Roger, este passou a ser um problema secundário. Naquele momento o meu medo era de ter o surto de lembranças,
revelando que na verdade tudo não passava de uma peça de teatro muito bem encenado.
Fiquei acordada em seus braços, tagarelando, tentando impedir que a tristeza chegasse e acabei adormecendo de pura exaustão, sem que ela conseguisse me alcançar.
Quando acordei e senti um braço segurando minha cintura, uma nostálgica me dominou. Thomas costumava dormir comigo daquela forma, agarrado a mim e com o rosto em
meu pescoço. Sua respiração quente sempre tocava minha pele me incentivando a acordar em meio a uma preguiça manhosa e sensual.
Por um instante foi como se eu tivesse voltado no tempo. De olhos fechados eu me traía e deixava que Thomas mais uma vez me abraçasse, tocasse e amasse.
Roger reagiu como esperado. Enquanto eu não permitia a volta da realidade, dividimos momentos íntimos. Então, num golpe de consciência arrebatador, percebi o que
estava acontecendo. Envergonhada me afastei sem que ele percebesse que a realidade balançara todas as minhas estruturas. Não era ele quem eu queria. Não eram aqueles
lábios, nem aquelas mãos... seria sempre assim? Eu nunca iria me recuperar?
Acredito que Roger encarou tudo como mais uma fuga. Ele sorriu quando me afastei e me deixou sair da cama, com a desculpa de que já estava atrasada e que ainda teríamos
que passar em minha casa para trocar de roupa. Graças a Deus, meu namorado ficou satisfeito com o pouco que tinha recebido, não me cobrando mais nada e nem comentando
o fato de eu ter desistido.
Entrei em meu apartamento parecendo um furacão. Em parte por estar realmente atrasada, também pretendia fugir de Mia e de seus comentários, afinal de contas eu havia
passado a noite fora e com Roger. Minha amiga não deixaria este detalhe passar em branco. E foi exatamente isso o que ela fez.
Bastou eu entrar e ela apareceu na porta da cozinha me sondando com os olhos. Roger estava logo atrás de mim, sorrindo largamente para minha amiga, que mesmo tentando,
não conseguiu retribuir. Eu não entendia os motivos dela. O que Mia queria? Que ficasse esperando por Thomas a vida inteira? Ela era minha amiga, deveria estar querendo
o melhor para mim.
Mesmo sob seu olhar reprovador, corri para meu quarto em busca de roupas limpas. Fui rápida, mas quando saí do closet, ela estava em minha cama, os braços cruzados,
como uma mãe aguardando uma explicação da filha.
- Totalmente sem tempo, Mia.
- Vocês transaram? – Seu tom de voz era acusatório. Será que eu havia cometido algum crime?
- Eu estaria errada se fizesse isso?
- Cathy! – Falou indignada sem conseguir se conter. – O que aconteceu com você? Eu não a reconheço mais. Onde está aquela Cathy que não se entregava a um relacionamento
a não ser que fosse seguro para ela? A Cathy que sonhava com um príncipe encantado?
Ergui a sobrancelha como se estivesse mostrando o óbvio.
- Ele não é o certo para você – suspirou e colocou o rosto entre as mãos. – Cathy, o que está fazendo não é justo, nem com você nem com ele. Você não ama Roger,
não existe nenhuma chance deste relacionamento dar certo. Apenas está fugindo do sofrimento ao invés de encará-lo de frente.
- Como eu já disse: totalmente sem tempo agora, Mia – corri para me arrumar o mais rápido que pude.
Coloquei uma calça jeans e uma camisa de mangas compridas de seda branca. Meus cabelos molhados caiam as minhas costas, mas eu não tinha tempo de secá-los, fiz o
que pude apenas com a toalha. A maquiagem ficou simples, contudo satisfatória e os acessórios deram o toque especial. Beijei o rosto de minha amiga e fui em direção
a sala, sem falarmos mais nada.
Roger estava na cozinha e assim que cheguei na sala, com Mia as minhas costas, ele apareceu com uma xícara de café. Bebi bem rápido, tentando fugir de minha amiga
e fomos embora.
***
Consegui ficar relativamente sozinha durante todo o dia. Apenas Sandra entrava, quando necessário. Roger não apareceu. Eu sabia onde encontrá-lo, em sua sala, no
entanto não me atrevi a procurá-lo, pelo visto ele estava muito ocupado, já que não havia aparecido nem para o almoço.
Um pouco antes de começar a arrumar as minhas coisas para ir embora, Sandra entrou em minha sala com um buquê de rosas vermelhas, imensas, lindas.
Foi inevitável.
A lembrança da noite em que comemoramos um ano de relacionamento me invadiu e as imagens das pétalas de rosas vermelhas sendo jogadas em meu corpo fizeram com que
meus pulmões ficassem impossibilitados de respirar. Como se essa lembrança não fosse suficiente, imediatamente lembrei das rosas diárias que Thomas deixava em minha
cama quando reatamos o namoro.
De repente eu estava no chão e Sandra apoiava a minha cabeça em seu colo me chamando apavorada. Roger também estava lá, muito nervoso, passando algo, que depois
identifiquei com álcool, em meus pulsos. Ao longe pude ver o buquê de rosas jogado ao chão da sala. Fitei a imagem me dando conta de que havia desmaiado.
- Cathy! Graças a Deus! Não se preocupe, o médico de plantão do prédio já está chegando – Sandra estava bastante assustada.
- Tudo bem! – Minha voz saiu bastante fraca. – Só fiquei um pouco tonta.
- Um pouco? Você ficou vários minutos desmaiada. – Roger esbravejou enquanto colocava as mãos em minha testa, verificando a minha temperatura.
- Eu levantei muito rápido, também não me alimentei direito... eu acho.
- Você não comeu quase nada, Cathy – Sandra me censurou.
- Eu estou bem agora – levantei e comecei a arrumar minha roupa. Depois sentei na poltrona que havia perto de mim e voltei a olhar as rosas no chão. Sandra percebeu
e foi recolhê-las.
- Chegaram para você. Eu estava vindo lhe entregar quando você caiu.
- Quem enviou? – Tentei esconder o pânico em minha voz. Será que Thomas teria coragem?
- Eu! – Roger revelou um pouco sem jeito. Depois foi até Sandra pegando o buquê e me entregando. – Era um convite para jantar, mas acho melhor adiarmos – concordei.
No entanto não permitiria que mais uma vez Thomas me desestabilizasse. Manteria minhas decisões.
- Eu estou bem. De fato um restaurante não seria uma boa pedida no momento. Meu estômago dói e estou um pouco enjoada...
- Deve ser a falta de alimento – Sandra comentou colocando as flores ao lado da minha bolsa.
- O médico já deve estar chegando – Roger continuava aflito.
- Cancele o médico, Sandra. Não será necessário.
- Mas... – meu namorado tentou argumentar, porém eu estava decidida a sair dali o mais rápido possível.
- Só preciso ir para casa, comer alguma coisa e tomar um banho.
Roger concordou em me deixar ir embora sem ser atendida pelo médico. Eu realmente estava me sentindo melhor e com fome. Combinamos de jantar em meu apartamento,
junto com Mia. Pedimos uma pizza e comemos em meio a uma conversa animada, apesar de Mia não parecer muito à vontade. Preferi ignorar seus olhares. Depois ficamos
sentados no sofá assistindo a um filme de época até interessante, porém eu estava cansada e logo adormeci, apoiada no ombro do Roger.
Despertei quando o filme já tinha acabado e Roger tentava me levar até meu quarto para me acomodar melhor. Ele me deitou na cama e cobriu meu corpo, como se eu fosse
uma criança. Quando se aproximou para me beijar na testa o desespero pelo que eu sabia que viria tão logo ficasse sozinha. me invadiu. Abracei-o com força.
- Fique! – Abri os olhos para encará-lo. – Fique comigo esta noite – supliquei.
- Mas você está exausta! – Roger estava cauteloso, apesar das suas palavras saírem carregadas de carinho.
- Fique, Roger! Não me deixe aqui sozinha – baixei a cabeça escondendo o rosto em seu peito.
Ele entendeu o meu medo. Sem dizer nada tirou o sapato, desabotoou a camisa, retirando-a e se deitou ao meu lado. Dormimos juntos mais uma vez.
No dia seguinte me senti confusa e envergonhada. Não podia continuar me escondendo atrás de minhas fragilidades, todas elas diretamente ligadas a Thomas. Roger acordou
e ficou ao meu lado, me aguardando acordar. Ele acariciava de leve meus cabelos e meu rosto.
- Bom dia! – Falou ao me ver desperta. Não abri meus olhos, apenas dei um breve sorriso. – Não vai acordar?
- Não! - Roger riu.
- Tenho uma coisa importante para conversar com você.
- É muito cedo para qualquer tipo de conversa – encolhi-me ainda mais em seu peito nu.
- E para um pedido de casamento? – Fiquei tão chocada que meus olhos se arregalaram involuntariamente. Não consegui pronunciar nenhuma palavra. – Calma! – Riu da
minha reação.
Sentei na cama encarando Roger que permanecia deitado. Ele não estava brincando.
- Cathy, se juntarmos toda a nossa história nós dois já namoramos tempo demais – sorriu largamente. – Eu te amo! Não tenho dúvidas de que conseguirei fazê-la feliz,
e você precisa se sentir segura, amada. Permita-me fazer você minha mulher – levantou o corpo se aproximando mais, seus lábios foram direto ao meu pescoço, onde
depositou vários beijos leves e carinhosos. Foi impossível não sorrir ao ser tratada com tanto carinho.
- Casamento? – Tentava desesperadamente relaxar.
- Sim. É uma bela maneira de romper de vez com todo o seu passado, sem deixar margens para dúvidas sobre o que você realmente quer.
Entendi o que Roger queria dizer. Se eu me casasse com ele, não haveria mais motivos para ter medo. Além disso, todas as portas se fechariam para Thomas, ele não
poderia voltar, mesmo que se arrependesse. Eu estaria feliz, ao menos aos olhos dele.
Eu sentia medo e ao mesmo tempo uma vontade enorme de romper definitivamente com o passado. Talvez casar com Roger fosse realmente uma ótima solução, afinal de contas,
já estava mesmo decidida a ficar com ele.
- Não sei se tenho cabeça para organizar uma festa – confessei confusa. – Nem sei se quero uma festa.
- Isso é um sim? – Sorriu em meus lábios, me puxando para um beijo.
- Se fosse... Se eu aceitasse... Você entenderia se eu não quisesse chamar atenção... – ele colocou o dedo em meus lábios.
- será do jeito que você quiser. Eu quero penas um sim – sorri aliviada.
- Sim.
Capítulo 30
E Se...
VISÃO DE CATHY
Fomos para a sala após tomarmos banho, separados, claro! Um pedido de casamento não mudava muita coisa. Eu sabia e Roger também, que a nossa situação começava a
mudar. Seríamos um casal de fato e teríamos as nossas obrigações conjugais.
Roger havia decidido esperar mais um pouco, para resolvermos a nossa questão sexual. Nada combinamos, no entanto ele não se aproveitou da minha resposta para tentar
nada. Eu teria mais algum tempo para me acostumar com a ideia de dividir a mesma cama com alguém que não fosse Thomas.
Meus pensamentos me deixavam envergonhada. Eu já era uma mulher, e as mulheres do meu tempo costumavam ter mais de um parceiro durante a vida. Não conseguia entender
como eu podia pensar com tamanha naturalidade sobre o assunto, e ao mesmo tempo me censurar tanto por tentar fazer ser assim.
Se Thomas tinha me abandonado, era natural que surgisse outra pessoa que, junto com ela traria uma vida sexual ativa. Mas o meu corpo se recusava terminantemente
a aceitar tal situação. Pensar tanto sobre o assunto estava me enlouquecendo.
Mia, como sempre acontecia pela manhã, estava na cozinha. Ela precisava sair mais cedo do que eu para trabalhar, então era a responsável pela nossa alimentação matinal.
Da sala dava para sentir o cheiro do café fresco e ouvir o barulho de louça sendo lavada. Ótimo! Significava que Mia havia acabado e provavelmente corria para não
chegar atrasada ao trabalho.
Era inevitável não tentar evitar a minha melhor amiga. Nos últimos dias ela discordava de todas as minhas decisões. Eu nem queria imaginar como reagiria à notícia
do casamento. Repeti para mim incontáveis vezes que poderia esperar um pouco antes de contar, ou ao menos até que estivéssemos sozinhas. Mas não o que aconteceu.
Assim que entramos na cozinha Roger fez questão de contar.
- Tenho cara de homem mais feliz da face da terra? – Perguntou sorridente a Mia, que o encarou séria por um tempo sem entender que tipo de vitória ele estava contando.
Depois, educadamente ela sorriu.
- Tem sim. Posso saber o motivo?
- Claro! – Ele me enlaçou pela cintura ficando atrás de mim e colocando o queixo em meu ombro. – Cathy aceitou se casar comigo, o que me faz o homem mais feliz da
face da terra, apesar dela não querer um anel de noivado – baixei os olhos evitando o olhar da minha amiga.
Senti vergonha da minha atitude. Eu havia concordado, então deveria no mínimo parecer animada. Um silêncio se fez entre nós três. Ninguém ousava falar. Tomei coragem
e olhei para minha amiga. Arrependi-me amargamente. Ela me encarava com os olhos arregalados, o que não era normal para uma pessoa com feições tão finas e delicadas
como as dela.
Seus olhos estavam repletos de pavor e reprovação. Não sei dizer ao certo como me senti. Mágoa, medo, vergonha e uma pouco de raiva por não encontrar nela o apoio
que esperava. Mia não compreendia o quanto era doloroso sofrer tudo o que eu havia sofrido antes por causa das infantilidades e irresponsabilidades de Thomas. Eu
tinha certeza que, se permitisse, a tristeza me corroeria até não restar mais nada. Por isso que me agarrava a Roger e ao amor que ele me oferecia. Por que eu precisava
continuar vivendo.
Assisti sua boca abrir e fechar diversas vezes, como se estivesse indecisa se deveria falar algo ou não, depois de algumas tentativas, ela sorriu, um sorriso completamente
falso, que malmente escondia o quanto desaprovava a minha decisão.
- Que ótimo para vocês. Parabéns! – Com um gesto rápido ela me beijou no rosto, saindo da cozinha. – Estou com um pouco de pressa. Acho que nos vemos a noite, Cathy,
então poderemos conversar melhor sobre o seu... Casamento – pronunciou a palavra com certa dificuldade.
- Ok! – Agradeci mentalmente por não ter passado por uma grande cena.
Mia foi embora o mais rápido que pôde e eu, mesmo sem apetite, e um tanto quanto enjoada devido à situação, tentei fingir animação aceitando a xícara de café que
Roger me servia. Ele era puro entusiasmo.
Fomos trabalhar perdidos em pensamentos. Roger exibia um sorriso de satisfação nos lábios, seu silêncio com certeza era devido ao tanto de coisas que já imaginava
para o grande acontecimento. Eu estava imersa em meus próprios pensamentos. Assustada com o renascimento dos meus fantasmas.
Desde o momento em que disse sim a Roger, a imagem de Thomas tinha ressurgido com tamanha força que embrulhava o meu estômago. Eu tentava em vão afirmar para mim
mesma que era mais uma vez o medo do sexo com Roger, que me assustava, mas era impossível me enganar.
Na realidade, o amor que eu sentia e que tentava matar a cada dia, estava gritando em desespero. Lutando para não permitir que o desprezasse daquela forma. Thomas
estava de volta ao meu corpo e isso me enfraquecia. No entanto não havia mais como voltar atrás. Eu não poderia fraquejar.
Quando já estávamos próximo ao nosso destino, meu... Noivo... Recomeçou a falar, como se nenhum silêncio tivesse sido feito entre nós dois. Falava como se não tivesse
sido interrompido.
- Podemos morar em meu apartamento. Ele é bastante espaçoso e equipado com tudo o que você precisa para manter o seu padrão de vida – não conseguia olhar para ele.
A certeza de que o amor que eu sentia por Thomas ainda era muito forte, tinha tirado todas as minhas forças para lutar.
- Não estou preocupada com isso – fiz um esforço gigantesco para não ser grosseira. Na verdade eu pouco me importava com o local aonde iríamos viver, desde que me
tirasse da tristeza que me rodeava avisando que estava voltando.
- Se você preferir podemos escolher outro.
- Não. Tudo bem. Lá já é o seu espaço, para mim não faz diferença.
- Você vai tomar a frente dos preparativos ou vai deixar para Sam? – Sorria empolgado sem perceber a minha aflição. Suspirei e busquei dentro de mim por algo que
me animasse um pouco menos.
- Não pensei ainda como vou fazer. É muito recente. Não precisamos correr contra o tempo – Roger ficou em silêncio por alguns segundos. Seus olhos vasculharam meu
rosto. Era perceptível o seu abatimento por minhas palavras:
- Cathy, não estou te pressionando, não é?
- Não, Roger! – Sorri forçando um mínimo de entusiasmo. Ele merecia que eu demonstrasse estar feliz. – Só estou meio aturdida. Fui pega de surpresa. Tenho que organizar
as ideias. Não é fácil organizar um casamento e eu preciso primeiro pensar bastante para depois decidir como vou querer tudo. Mas estou certa do que quero – coloquei
minha mão sobre a dele, que estava na marcha do carro. Senti Roger relaxar, voltando a sua animação anterior.
- Tudo bem, querida! Afinal de contas não é todos os dias que a gente casa.
***
Perto do horário do almoço Mia me telefonou. Achei estranho, afinal de contas minha amiga nunca ligava em horário de trabalho. Ela queria que eu a encontrasse em
nossa casa, disse que almoçaríamos por lá. Pelo seu tom de voz percebi que alguma coisa estava errada, por isso concordei.
Roger não ficou muito contente, mas, como sempre, concordou que eu precisava passar um tempo com minha amiga e nos despedimos com um beijo apaixonado. Ele realmente
estava nas nuvens com o futuro casamento.
Cheguei em casa preparada para rebater todos os argumentos de Mia. Na última hipótese eu não diria nada, ficaria calada e depois encerraria o assunto. Não deixaria
que ela me convencesse a mudar de ideia. Contudo fui retirada da minha posição de defesa quando entrei e dei de cara com minha amiga, sentada no sofá, o rosto entre
as mãos que se apoiavam nos joelhos. Ela sofria.
- O que houve? – Minha amiga levantou o rosto, mostrando-me toda a sua agonia. Ela apenas me olhava, como se tivesse medo do que poderia revelar. – Você e Henry...
- Não – respondeu rapidamente com os olhos em movimento analisando meu rosto. – Estamos bem. É sobre você que eu quero conversar.
Talvez eu estivesse errada. Mia podia estar sofrendo por acreditar que eu estava desistindo da minha felicidade, ao aceitar me casar com Roger. Senti meu corpo voltar
automaticamente para a posição de defesa.
- Não vou desistir, Mia. Não importa o que você diga. Eu...
- Lauren fugiu.
Minha respiração parou. Meus olhos se arregalaram e minha boca se abriu levemente pelo choque.
- Ninguém sabe como nem onde ela pode estar.
Continuei em choque. Em questão de segundos minha mente reviveu meus últimos acontecimentos ao lado da Lauren. Ela tentara me matar. Disparou diversos tiros que
quase me tiraram a vida.
- Cathy? – Mia chamou, mas eu não conseguia reagir. O pavor de passar por tudo outra vez, ou de passar por coisas bem piores, não me deixava sair do estupor em que
me encontrava. – Ai meu Deus! – Arfou com medo. Foi quando percebi que precisava que dizer alguma coisa.
- Quando? – Minha voz quase não saía.
- Há alguns dias... No mesmo dia em que... – Mia me sondou com tristeza. - Thomas foi embora.
Uma garra forte se fechou em meu coração e eu finalmente senti a dor que deveria ter tomado conta de mim no momento em que descobri que Thomas tinha me abandonado.
Fechei meus olhos tentando juntar as peças, meus pedaços, para conseguir raciocinar sobre a situação.
- Por que não me avisaram antes?
- Eu quis te contar, mas Roger conseguiu convencer Samantha de que não era o momento oportuno. Você ficou apagada por dois dias e ele achou que esta notícia podia
fazer com que você voltasse àquela situação. – Mia falava sem parar. Parecia nervosa por quebrar o pacto de silêncio com o qual tinha se comprometido. – Eu fui contra.
Sabia que era preciso te contar, porém Roger disse que manteria os seguranças e que a polícia já estava avisada, você não estaria em perigo. Não me sentia bem escondendo
isso de você. E agora... Agora que você está com esta ideia fixa de casamento... Eu não poderia te deixar no escuro.
- Não posso me casar agora. É o que você está querendo me dizer? – Murmurei incapaz de raciocinar com eficiência.
- Eu acho que você deveria se preocupar com a Lauren. Ela já conseguiu uma vez, e sendo ela quem é, com certeza tentará novamente, quantas vezes forem necessárias.
- Mas... Eu e Thomas... Não era isso o que ela queria? Já que não... Estamos mais juntos... Eu deixei de ser uma ameaça – as palavras quase não saíam. Era difícil
para meu corpo e minha mente, entenderem que não estávamos mais juntos.
- Você sempre será uma ameaça, Cathy! – Seus olhos pareciam querer me dizer mais, porém ela não continuou a expor seu pensamento. – Não acho que seja recomendável
uma festa de casamento enquanto ela estiver solta. Precisamos pensar primeiro na sua segurança. Ela pode estar perto a espreita.
- Você tem toda razão – eu cedi com mais facilidade do que imaginava.
Era a desculpa que eu precisava. Pensei em como eu era covarde. Na minha incapacidade de seguir com meus planos e, principalmente, em como era vulnerável a Thomas,
mesmo sabendo que ele não me queria mais. Pensei em Roger e em como ele reagiria e, como se nossos pensamentos estivessem conectados, meu celular tocou em minha
bolsa.
Era ele.
Resolvi ignorar a ligação. Estava em pânico, o que não ajudaria em nada para ter uma conversa sensata com meu... Noivo. Era difícil pensar nele assim. Claro que
senti raiva por terem escondido de mim por tanto tempo, contudo não havia como culpá-los. Durante meses eu vivi como uma sombra, aceitando que a vida me conduzisse
sem reagir. Sam sabia que Lauren era o meu pior pesadelo e saber que ela poderia estar em qualquer lugar limitaria os meus passos, jogando-me de volta à depressão.
- Vamos almoçar. Você está pálida, precisa se alimentar.
- Não tenho fome – na verdade eu sentia muita vontade de chorar. De deitar na cama e não levantar enquanto as minhas forças não voltassem.
- Cathy, até agora está tudo certo. Lauren não vai tentar nada enquanto você... – ela parou como se estivesse dando informação demais. – Enquanto você estiver cercada
de cuidados.
- Por que eu acho que você ainda está me escondendo alguma coisa? – Mia me olhou assustada. Por breves segundo imaginei que ela iria entregar o jogo, mas ela me
encarou séria, as sobrancelhas franzidas e com cara de poucos amigos.
- Deixe de bobagem. Estou te contando tudo o que sei e o que penso – rapidamente minha amiga levantou e foi cuidar da nossa comida.
Comi sem a menor fome, apenas para não ficar me justificando com Mia. Depois voltei ao escritório. Agradeci quando percebi o carro dos seguranças logo atrás do meu,
mas não foi o suficiente para me sentir segura. A única sensação que eu tinha era que o perigo me acompanhava, e de perto.
Não havia nenhuma possibilidade de deixar que aquela informação passasse em branco. Era necessário cobrar de Roger fato dele ter me escondido e mim a fuga de Lauren.
Iríamos nos casar e para que o casamento desse certo, precisávamos impedir que segredos se fizessem. Eu bem sabia onde tudo poderia acabar, caso permitíssemos a
existência de segredos entre nós dois. Por este motivo fui até a sua sala tão logo ficou sozinho.
- Eu tinha o direito de saber – Roger ainda me olhava chocado coma descoberta.
- Mia concordou que não era a hora. Não entendo...
- E quando seria? Quando Lauren me alcançasse?
- Cathy! – Ele deu um passo em minha direção e parou. – Não tive a intenção de magoá-la. Apenas fiquei preocupado com o que poderia acontecer caso você soubesse.
Aconteceu no mesmo dia que...
- Thomas foi embora? Era isso que você ia dizer? Por que todo mundo fica agindo comigo como se eu fosse quebrar a qualquer momento? Thomas me abandonou, isso dói,
dói muito, mas não me mata.
Vi que ele encolheu os ombros com as minhas palavras. Não era hora de me preocupar em não machucar ninguém. Já que íamos casar precisávamos colocar tudo em pratos
limpos e não fingir que nada acontecia.
- Já dei provas demais de que sou forte o suficiente para passar por isso. Lauren ameaça a minha segurança. É a mim que ela quer destruir, então acho que devo ser
a primeira a saber qualquer informação sobre ela – ele me avaliou por um tempo, depois soltou o ar e caminhou em minha direção.
- Você tem razão. Desculpe!
Olhando em seus olhos eu não pude condená-lo. Roger só queria o melhor para mim e no final de tudo, apenas ele ficou ao meu lado, para me defender do que estivesse
para acontecer. Acabei aceitando as suas desculpas, mas aproveitei o momento para tentar persuadi-lo a esquecer temporariamente a ideia do casamento.
- Não podemos viver com medo o tempo todo. Tá vendo? Foi por causa disso que eu queria te contar. Você ficaria assustada, não deixaria sua vida voltar ao seu curso
normal – andou nervoso pela sala, insatisfeito com meu argumento.
- Roger, eu não posso me expor. E se ela conseguir se infiltrar no Buffet? Ou conseguir entrar na igreja? Até pior, se ela conseguir me alcançar antes da igreja?
– Senti meu corpo tremer em pavor com estas ideias. – Ela já conseguiu uma vez. Você não a conhece.
Minha cabeça girou ao me lembrar dos olhos da Lauren, a imagem de uma besta, enlouquecida com a possibilidade de acabar com a minha vida. Roger percebeu meu medo
e se ajoelhou a minha frente segurando minhas mãos com força.
- Ela não vai desistir, Roger!
- Ela não vai conseguir! Eu estou aqui. Não vou embora, não vou desistir de você. Tudo o que está me dizendo é apenas mais um motivo para eu insistir em darmos continuidade
aos nossos planos.
- Roger...
- Cathy, se nos casarmos eu poderei me concentrar na sua segurança. Você vai estar ao meu lado todo o tempo e os seguranças vão estar conosco. Eu sei o que estou
falando. Façamos o seguinte: não precisamos de um grande acontecimento. Não a princípio. Podemos nos casar apenas com a assinatura dos papéis. Faremos isso aqui
mesmo, num dia normal de trabalho. Sem alardes. Só nós dois e pronto. Vamos juntos para casa e passamos a viver como marido e mulher.
- Não precisamos nos casar para vivermos assim.
- Também não existe motivo para não casarmos. Podemos fazer da forma correta, contudo, da nossa forma. Não precisamos nos preocupar com Lauren, ou com qualquer outra
pessoa que possa atrapalhar os nossos planos. E não precisamos esperar. Se você concordar, é só entrar em contato com nossos advogados e em uma semana estaremos
casados.
Analisei suas palavras. Não havia necessidade para agirmos com tanta urgência, mas também não havia motivos para adiarmos, já que seria um procedimento simples.
Além de tudo, Roger tinha razão em relação à segurança. Seria mais fácil me manter segura se concentrarmos as ações em apenas um lugar.
Em relação ao que viria junto com o casamento, eu já tinha passado da hora de amadurecer e encarar os fatos. Precisava dar esse passo. E o daria.
- Tudo bem então. Resolva o que for necessário com os nossos advogados e poderemos nos casar, aqui, em um dia normal de trabalho, sem muito alarde – o sorriso dele
em resposta foi encantador.
Roger me abraçou e me beijou com ímpeto. Eu me sentia feliz por dar continuidade a minha vida, porém a felicidade que se instalava em meu coração era morna e não
parecia real. Não me preocupei com este fato, em poucos dias estaria casada e teria que me acostumar com esta nova etapa.
Capítulo 31
O Grande Dia
VISÃO DE CATHY
Não seria um grande dia, era o dia do meu casamento. Ironicamente lembrei que aquele era o mês que eu havia escolhido me casar com Thomas, mas não seria ele a estar
lá.
Acordei sozinha. Tinha conseguido fazer com que Roger fosse para a casa dele, ou a nossa casa, como seria, para que eu pudesse organizar o que faltava para a mudança.
Mia tirou o dia de folga para me ajudar com o que fosse necessário. Ela estava nervosa e apreensiva. Preferi fingir que não percebia.
Foi difícil convencer Mia de que o casamento era a melhor solução. A princípio ela foi totalmente contra, tentou o máximo possível me convencer a voltar desistir,
quando percebeu que não conseguiria e passou o restante dos dias que faltavam muito apreensiva. Bobagem dela. Eu me sentiria muito mais segura após o casamento,
do que da forma como estava.
Sam também foi convidada para a cerimônia, que, na verdade, de cerimônia não teria nada, seria apenas a assinatura de documentos que nos tornariam casados. Ela não
foi contra, nem a favor, o que me deixou seriamente preocupada.
Sempre acreditei que Sam gostava muito do Roger, e que aprovava o nosso relacionamento, apesar dela ser completamente a favor do Thomas. Pedi que estivesse presente,
além de Mia, é claro, mas não tinha certeza se ela compareceria. Por isso fiquei surpresa naquela manhã quando a campainha tocou e minha madrasta entrou em meu apartamento.
Era cedo ainda. Mia havia saindo para buscar o vestido que comprei para a ocasião e que precisou ser ajustado.
- Sam?! – Abracei minha madrasta sentindo meu coração inflar. Ela era minha única referência de família. E estaria presente em meu casamento.
- Posso ter alguns minutos do seu dia tão precioso? – Sorriu largamente. Não senti nenhum tipo de ameaça em sua voz. O que me deixou mais tranquila.
- Claro! Já tomou café da manhã? Eu ainda não. Na verdade eu ia começar... – tagarelei sem saber como agir.
- Podemos fazer isso juntas. Seria um imenso prazer.
Fomos para a cozinha. Mia havia preparado uma mesa completa, com bolo, pães, frutas e sucos. De acordo com ela, aquilo era o máximo que poderia fazer como despedida
de solteira: um café da manhã com a minha melhor amiga.
Sentamos e nos servimos, enquanto Sam comentava sobre o sol que finalmente aparecia em Nova York. Apesar de ser ainda muito cedo, dava para perceber o quanto o dia
estava realmente lindo.
- Acho que é um bom sinal - eu disse alegremente tentando colocar um pouco de entusiasmo em meu coração.
- Acho que sim – Sam respondeu me olhando diretamente nos olhos. Naquele instante eu percebi que havia algo mais naquela visita.
- Estou feliz por você estar aqui, Sam.
- Eu também, minha querida. Só gostaria que fosse em um momento mais adequado – sorri sem vontade.
- Pensei que gostasse do Roger. Seria mais “adequado”, não é? Afinal de contas ele não me faz sofrer.
- E isso importa?
- Claro que importa. É muito importante para mim que você goste da pessoa com quem eu vou casar – ela sorriu. Um sorriso materno.
- Não é disso que estou falando, minha querida – sua voz era tão tranquilizadora que não me permitia ficar tensa com a conversa. – Sei que minha opinião importa
e eu aprovaria qualquer decisão sua, desde que você estivesse realmente feliz.
- Eu estou feliz, Sam!
- Não, não está – me encarou séria. – Roger é uma pessoa incrível. Um excelente amigo – enfatizou a palavra “amigo” destacando-a mais do que as outras. Permaneci
calada, sem saber como continuar com aquela conversa. – Você não o ama. Não acredito que isso seja justo.
- Ele sabe dos meus sentimentos e concorda que seja assim.
- Mais uma vez, não é disso que estou falando. Não contesto as decisões dele. Não acho justo com você.
- Eu não estou a procura de amor. Não mais.
- Então você deveria aguardar um pouco mais – ficou calada e o silêncio permaneceu até que eu não tive mais coragem de encará-la e desviei o olhar. – Cathy? A vida
não tem graça se você se tornar uma pessoa incapaz de amar. Sinceramente? Até os piores corações não conseguem evitar que o amor aconteça. Se até as plantas conseguem
nascer nos concretos, se do lodo surgem as ostras e com elas as pérolas, o que o amor é capaz de fazer nos corações? Você acha que com o casamento e a presença constante
do Roger ao seu lado, Thomas vai deixar de existir? Eu não acredito nisso.
Comecei a soluçar deixando as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Era impossível não chorar, mesmo sabendo que aquela deveria ser a última vez. Sam colocou o dedo em
minha ferida e sem dó nem piedade, arrancou o cascão que levou muito tempo se formar.
- Isso tudo não importa agora. Só quero que você pense, será que o fato de estar casada, vai realmente conseguir manter Thomas longe, inclusive dos seus pensamentos?
Quando ele voltar, e eu acredito que isso vai acontecer, nada, nem ninguém vai impedi-lo de estar com você – meu coração afundou no peito.
- E o que eu faço com isso? Acha mesmo que eu devo me agarrar a existência dele e ser infeliz pelo resto de minha vida? É errado tentar ser feliz? É errado optar
por alguém que pelo menos me quer ao seu lado? Thomas foi embora! Ele desistiu de mim, desistiu de nós dois. Assumiu que foi uma brincadeira, uma birra de criança
mimada. Ele disse... – as palavras saíam com dificuldade, lutando contra os soluços que insistiam em derramar minha tristeza. – Ele confessou que tinha dormido com
Anna...
- Você leu o que ele escreveu naquela carta? – olhei para ela sem entender o que queria dizer. Como assim eu não tinha lido? Li tantas vezes que gravei na mente
cada palavra. – Ele disse: acredite em mim, em minhas palavras, sempre, mesmo quando lhe parecer impossível. Lembre-se da nossa conversa sobre confiança – meu coração
diminuía a cada palavra que ela citava.
- É o que eu tenho feito. Estou acreditando nele, nas palavras que ele me escreveu. Acredito em tudo o que Thomas me confessou. É por isso que fiz estas escolhas.
Thomas não me ama mais e eu tenho obrigação de seguir com a minha vida.
- Não te parece estranho que ele tenha ido embora, justamente no dia em que a Lauren fugiu?
- Não. Não acho estranho. Thomas permaneceu comigo em situações piores, não seria esta que o tiraria do meu lado. Por favor, não tente me convencer do contrário!
Eu não tenho como voltar atrás, e também não quero. Eu vou me casar com Roger, independentemente de qualquer coisa.
- Cathy, Thomas pediu que confiasse nele. Ambos sabiam que alguém tentava separar vocês dois e, de repente, Lauren foge. O que você acha que aconteceu? Não passa
pela sua cabeça que ele tentou te proteger enquanto buscava por algo mais concreto?
Não havia pensado sob esta ótica, porém naquele momento não poderia me permitir sequer pensar em acreditar no que ela dizia. Eu não podia esperar pelo impossível,
não no dia em que iria me casar com outra pessoa.
- Não vou deixar que suposições interfiram em minha decisão, Sam. Eu já me decidi e vou até o fim – Sam suspirou derrotada.
- Espero sinceramente que você possa mudar de ideia antes de assinar os papéis.
Neste momento Mia entrou na sala. Estava eufórica. Trazia nos braços o embrulho que deveria conter o meu vestido. Colocou no sofá e falou com certa urgência.
- Cathy, eu preciso trabalhar agora. Sei que prometi ficar ao seu lado, mas aconteceram alguns imprevistos... – olhou para Sam e eu quase achei que elas trocavam
alguma informação. – Preciso ir. Vou tentar estar lá no horário. Amo você!
Mia foi embora tão rápido quanto entrou.
Sam sorriu e levantou para ir embora.
- Preciso resolver algumas coisas também. Não se preocupe, estarei lá independente de qual seja a sua decisão – seu olhar assumiu um brilho especial. Eu estava enxergando
coisas, só podia ser isso.
- Estarei lá e vou assinar aqueles papéis. Pode contar com isso.
Ela partiu deixando-me sozinha em meu desespero. Tudo bem. Era melhor assim, mesmo que significasse não ter ninguém para me dizer que o vestido era lindo e me ajudar
com o cabelo e a maquiagem.
No entanto bastou ouvir o barulho da porta fechando, para o enorme buraco que há muito eu controlava em meu peito assumisse uma proporção descomunal. Ele se tornou
tão grande que me dominou por completo, e na mesa da cozinha, ainda com a xícara de café a minha frente, praticamente intocada, deixei que a maior crise de choro
da minha existência me dominasse.
Era tão forte que eu não conseguia contê-la, então desisti e me entreguei por completo. Os soluços saíam com tanta força que me sacudiam. Não sei por qual motivo,
mantive as mãos no, como se quisesse esconder a minha vergonha por ser tão fraca.
Chorei por vários, e vários e vários minutos, sem saber ao certo o motivo do meu desespero. Tudo estava correndo conforme planejei. Menos o fato de não desejar ninguém
menos do que Thomas como marido. Como poderia continuar amando-o tanto? Como ele podia ainda ser tão forte em mim depois de tudo?
Eu tentei em vão não permitir que as palavras de Sam ecoassem em minha cabeça, mas a verdade é que no fundo eu queria muito acreditar que Thomas tinha ido embora
para me proteger e não por ter deixado de me amar.
Esperei que toda a tristeza se acomodasse, trazendo de volta ao menos o domínio das minhas emoções. Decidi reconstruir minha máscara e seguir em frente com o planejado.
Peguei a caixa com o vestido e fui para meu quarto.
Não tinha escolhido nada parecido com um vestido de noiva, afinal de contas nós iríamos apenas assinar os papéis e depois o dia transcorreria como qualquer outro
dia de trabalho. Era apenas um vestido branco, um pouco mais elegante do que os que eu costumava usar para trabalhar, mas sem nenhum atrativo especial.
Justo ao corpo sem ser muito sensual, o vestido apenas deslizava insinuando as minhas curvas. Tomara-que-caia, comprido até os joelhos. Tive medo de fazer frio,
mas a temperatura estava agradável colaborando comigo. Uma segunda pele, transparente, bem leve, caía sobre o primeiro vestido. O mesmo tecido subia pelo busto,
formando uma única alça que passava pelo ombro direito. Um laço, seguindo o mesmo padrão, bem discreto, marcava a cintura, o que destacava, sem tornar vulgar, os
meus quadris. Coloquei o scarpin branco, fazendo figura única com as meias da mesma cor.
Puxei meus cabelos para trás, formando um coque muito bem arrumado, ao menos foi o que pensei, já que não teria ajuda para tentar colocá-lo como queria. Prendi tudo
com uma pinça prateada com alguns brilhantes, contornando o seu desenho. No braço usei um conjunto de pulseiras finas também com alguns brilhantes discretos.
A maquiagem era em tons de rosa e marrom. Mantive o padrão suave como me maquiava para trabalhar. Como estava com os cabelos presos, ressaltei um pouco mais meus
olhos. Encarei-me no espelho e tentei sorrir. Era praticamente impossível, porém era preciso tentar.
Conferi as horas, 7:50 da manhã, tão cedo e eu já me sentia muito cansada. Peguei a bolsa, o sobretudo branco que me manteria aquecida até chegar ao escritório,
e saí do quarto. Olhei mais uma vez para a sala do meu apartamento, minhas malas estavam próximas à porta, para serem levadas a minha nova casa. Puxei o ar enchendo
os pulmões e tomei coragem para ir embora.
Não dirigi naquele dia. Roger insistiu que os seguranças me levassem até o escritório, mais uma medida cautelosa. Eu não lutei contra, que mal poderia haver nisso?
Durante todo o trajeto não pude deixar de pensar nas palavras de Sam. E se fosse verdade? Não. Eu não podia pensar naquela possibilidade. Não enquanto estava a caminho
do meu casamento. “Isso deveria estar acontecendo” pensei apreensiva.
De repente não conseguia mais respirar. A sensação de que o carro se fecharia em mim estava me deixando em pânico. Minha mão automaticamente foi para meu pescoço
e comecei a ofegar.
- Algum problema? – O segurança... Nunca me dei ao trabalho de saber o seu nome... Perguntou do banco da frente. Olhei para ele sem saber o que responder. Ele continuou
virado para trás, me encarando.
- Pare o carro! – Ordenei com muito esforço. – Vou fazer o restante do trajeto andando.
Não estávamos distantes, assim, andar um pouco não me atrasaria. Eu ainda tinha muito tempo. Mas o motorista não parou. O segurança que ainda me encarava confuso
nada falou.
- Pare o carro! – Falei um pouco mais alto, utilizando a minha autoridade.
- Desculpe! Temos ordens do Sr. Turner para não parar sob nenhuma circunstância. Temos que levá-la a qualquer custo até o escritório.
- O que? – Continuava a sufocando. – Pare o carro agora ou não respondo por mim – grunhi com raiva.
Roger estava preocupado com a minha segurança, mas isso não lhe dava o direito de passar por cima das minhas vontades.
Os dois passageiros se olharam e o que estava no banco do carona tirou um celular do bolso e discou alguns números. Estava ligando para Roger, com certeza.
- Quero falar com o Sr. Turner – ele me olhou rapidamente e assentiu.
- Só um momento senhor – me entregou o telefone.
- Cathy?
- O que está acontecendo? Como pôde dar uma ordem como esta? Eu exijo...
- Calma Cathy! O que está acontecendo? – Ele ficou apreensivo e sua voz estava alterada.
- Ordene a eles eu pararem o carro agora. Agora! Entendeu? Você não pode me impedir de fazer o que eu quero.
- Cathy! – Ele gritou do outro lado da linha fazendo-me parar. – É para a sua segurança.
- Mande. Agora! – Gritei em resposta. O ar faltava, sufocando-me por completo.
- Ok. Passe o telefone para o Klaus – assumiu seu tom habitual, sem se alterar.
- Quem diabos é Klaus?
- O segurança. Passe o telefone para ele – fiz o que me pediu.
O carro parou em um sinal e, sem perder tempo, abri a porta e desci. Comecei a andar pela calçada olhando as lojas que ainda estavam fechadas. As pessoas caminhavam
apressadas para seus trabalhos e nada indicava que o dia estava apenas começando. Olhei para trás, assustada demais e ainda me sentindo sufocar. O segurança seguia
atrás de mim, mas pelo visto eu não seria importunada. Então em pouco tempo esqueci a sua presença e voltei a pensar em minha vida.
Thomas tinha me deixado. Suas palavras na carta confirmavam todos os absurdos que ele tanto lutou para me provar que eram mentiras. Estava desaparecido desde então.
Era motivo de sobra para que eu tivesse certeza de que estava fazendo o correto. Por outro lado e se Sam estivesse com a razão?
Lauren fugiu no mesmo dia. Nós tínhamos experiências de sobra para saber que ela iria atrás de mim. Estremeci com esta possibilidade. E se Thomas estivesse ganhando
tempo? Se estivesse novamente tentando enganar Lauren? Ele tinha feito isso uma vez, deixando-a acreditar que havia apenas me usado. Seria possível? Não.
Ele não me magoaria desse jeito. Mas ele me magoou quando a beijou em minha frente afirmando não me amar. Eu acreditei nele naquele dia. Thomas pediu para que eu
acreditasse nele, sempre, mesmo quando fosse impossível. O que queria dizer com isso?
Parei de frente ao prédio, World Trade Center, Torre Norte. Olhei para o céu limpo e claro. O que eu deveria fazer? Deveria ter procurado Thomas. Ter questionado
a sua atitude. Ter buscado mais informações. Se eu tivesse feito, saberia ao certo o que deveria fazer. Teria uma visão melhor da realidade. Mas não. Eu simplesmente
deixei que a raiva me dominasse e me atirei desesperadamente num relacionamento com Roger. Agarrando-me a ele como se não houvesse outra opção.
Eu fui tola!
Entendi naquele momento que existe uma linha muito tênue entre o amor e o ódio. Era como virar a esquina, e ele estava lá, pronto para te servir. Alimentando sua
mente de mágoas, até que você não encontre mais motivos para amar. Foi isso o que aconteceu comigo. Eu fiquei cega de tanto sofrimento. Podia ser tudo realmente
verdade, ou não, mas era minha obrigação esperar e verificar, até descobrir o que realmente aconteceu.
Entrei no prédio conseguindo pegar rapidamente o elevador. Um rapaz segurou a porta quando me viu correndo em sua direção. Agradeci e olhei mais uma vez para meu
relógio de pulso, 8:17 da manhã, eu continuava adiantada, mas sentia urgência em chegar. Não sabia o que era ou não verdade, mas já tinha uma certeza: eu não poderia
me casar.
Capítulo 32
O Desenrolar Dos Fatos
VISÃO DE CATHY
Entrei no escritório apressadamente. Depois que decidi não realizar o casamento, passei a me sentir patética vestida daquela maneira. O escritório estava vazio,
ainda era cedo para que todos estivessem por lá, mas já havia um bom número de funcionários circulando pelos corredores, visitando algumas salas e batendo papo com
alguns colegas em suas mesas.
Passei por todos tentando ser o mais breve possível, mesmo assim, captei alguns olhares em minha direção. Cheguei a minha sala, onde Sandra conversava animadamente
com uma amiga. Ela não me aguardava tão cedo. Seu sorriso não conseguiu me deixar definir ao certo se era educação, constrangimento ou pena. Ou na verdade eu mesma
me sentia mal e acabava acreditando que as outras pessoas também achavam isso.
- Roger já chegou?
- Ele não está na sala, mas vi quando saiu e disse a Betina para informá-lo quando você ou os advogados chegassem.
Decidi que o melhor a ser feito era ir direto para a sala dele. Precisávamos conversar o mais rápido possível. Eu sabia que estava prestes a fazer uma coisa horrível,
que o magoaria muito, e era bem provável que desta vez não me perdoasse, porém não havia como continuar com o que havíamos combinado.
Entrei na sala vazia e me distraí olhando os móveis impecáveis, característica de um escritório refinado, moderno. Combinava perfeitamente com ele, aliás, Roger
combinava perfeitamente com tudo ali, menos comigo.
Conferi mais uma vez para meu relógio 8:25, o tempo estava se arrastando. Olhei pela janela da sala, e me perdi ao constatar o quão alto eu estava. Roger entrou
logo em seguida. Seus olhos encontraram os meus. Os dele estavam cautelosos.
- Não faça mais isso! – Falei sem saber como começar a conversa.
- Cathy...
- Não faça. Nunca mais passe por cima da minha vontade – ele me encarou, mas não rebateu.
Andou pela sala, colocando sobre a mesa os papéis que levava nas mãos. Arrumou dois livros já perfeitamente alinhados, colocou uma das mão no bolso e quando voltou
a me olhar toda a tensão havia se esvaído. Seus olhos estavam cheios de expectativas. Até... Alegres, eu poderia dizer.
Os meus estavam aterrorizados. Um misto de pânico e enjoo, que combinavam perfeitamente bem entre si, reviravam meu estômago. Roger me analisou com olhos desejosos.
- Você está magnífica! – Baixei a cabeça torcendo os dedos. Precisava encontrar uma forma de fazer sem magoá-lo. Infelizmente não era possível. - Nervosa?
- Bastante – admiti. – Na verdade eu precisava mesmo conversar com você antes...
- Aconteceu alguma coisa? Você parecia tão nervosa. Os seguranças me avisaram que não se sentiu bem e que fez uma parte do percurso a pé – fechei a cara para a situação.
Era como se eu estivesse em uma prisão sem grades, sendo vigiada o tempo todo. Tal pensamento fez com que a sensação ruim voltasse. Não conseguia encontrar ar suficiente
para respirar. Voltei para a janela e fechei os olhos.
- Não gosto de ter a minha vida controlada. Nem meus passos limitados – ouvi sua respiração acelerada em desaprovação.
- Nós já conversamos sobre esse assunto. É para a sua segurança – a voz de Roger estava calma, mas eu tinha certeza que ele estava em estado de alerta. Decidi que
não podia mais adiar.
- Roger, eu não posso fazer isso – não tive coragem de olhar em seus olhos. – Não posso me casar – uma onda de tristeza e angústia me invadiu. Eu tinha a certeza
de que o estava destruindo. – Pelo menos não agora – tentei amenizar.
- O que? – A surpresa em sua voz me impactou. – Cathy, você...
- Me perdoe! Por favor, me perdoe! – Sentia o ar faltando e comecei a ofegar. - Eu só não posso fazer isso agora. Eu...
- Você não tem nenhum histórico em sua vida que a faça ser esta garota mimada – a rispidez em sua voz me assustou. – O que você está pensando? Acha mesmo que pode
desistir de um casamento no dia? Acha que pode fazer isso comigo? O que deu em você? – Roger estava furioso. Como uma perfeita covarde, chorei. – Preste atenção,
Cathy, eu já passei por coisas demais para ficar ao seu lado e não vou permitir que você me humilhe mais uma vez. A qualquer momento nossos advogados estarão aqui
com os papéis e você vai se comportar como a mulher madura que é, e concordar com nosso casamento.
Levantei os olhos e vi que ele andava nervoso pela sala. Não senti raiva, apenas pena. No fundo ele estava com a razão em tudo, apesar disso, eu ainda não encontrava
força para continuar com o planejado. Ouvi meu celular tocar dentro da bolsa, que estava largada na poltrona em frente à mesa dele. Ambos olhamos em sua direção,
mas eu não consegui me mexer para atender, até que ele parou de tocar.
- Você só está nervosa – sua voz se suavizou um pouco, assim como sua expressão. – É normal, principalmente em um caso como o seu – meu celular voltou a tocar insistentemente.
– Atenda o celular, eu ainda tenho algumas coisas para resolver – e saiu da sala apressadamente.
Meu celular parou de tocar. Fiquei alguns minutos sem me mexer analisando a reação de Roger e o que eu deveria fazer quando, mais uma vez, o celular tocou. Era irritante.
Fui até a bolsa e o retirei de lá tentando identificar quem estava ligando.
Era Mia. Na certa para me dizer que não poderia comparecer. Eu sabia que ela não iria compactuar com tudo aquilo.
- Oi, Mia!
- Cathy! Ai que bom que você atendeu. Eu já estava quase subindo para te encontrar.
- Então você vem?
- Você já assinou os papéis? – Mia parecia bastante nervosa, no entanto eu não conseguia pensar em mais nenhum problema.
- Não. Os advogados ainda não chegaram. Você vem? Preciso tanto de você aqui! – Revelei lamentando a minha situação.
- Cathy, quero que você preste muita atenção no que vou te dizer. Você está sozinha agora? – Seu tom era conspiratório. Instantaneamente senti um calafrio e as pontas
dos meus dedos gelaram.
- Sim.
- Ótimo! Preciso que você desça e me encontre na frente do prédio. Não diga nada a ninguém, apenas desça. Quando estiver aqui eu te conto tudo – Mia havia enlouquecido?
- Mia eu não posso. Você esqueceu que estou prestes a me casar? – As palavras saíram como quase “prestes a ser enterrada”. – Eu não posso sair daqui... Roger não
vai permitir – fiquei incomodada com a afirmação, mas a julgar pela reação dele a minha decisão eu sabia que era verdade.
- Cathy, eu não estou brincando. Preciso mesmo que você desça. Faça isso o mais rápido possível.
- Sinto muito, mas não é hora para exigir o meu ombro amigo, eu tenho um compromisso e não posso me ausentar agora. Ainda preciso terminar uma conversa que estou
tendo com Roger.
- Meu Deus! Como você é cabeça dura! – Gritou – Você não pode se casar, não importa o que está passando pela sua cabeça. Confie em mim e venha me encontrar.
Mia não estava de acordo com o meu casamento, mas isso não significava que eu tinha que fazer o que ela achava melhor para mim, apesar de ter certeza de que não
queria mais me casar. Contudo ainda precisava convencer Roger, e para isso era imprescindível falar com ele antes que todos chegassem.
- Você pode esperar, Mia – e desliguei o telefone, ainda chocada com a minha própria atitude.
Precisava encontrar Roger para resolvermos logo aquele detalhe incômodo. E que detalhe! Dei apenas dois passos em direção à porta e meu celular tocou. Mia outra
vez.
O que ela queria? Eu não podia atender a um capricho seu e sair sem dizer nada a Roger, muito menos ainda sem convencê-lo a esquecer aquela ideia do casamento, apenas
para que ela me diga o que eu já sei: que não posso me casar porque não amo Roger.
Olhei para o celular na minha mão e resolvi atender. Eu tinha que dizer a minha amiga que ela teria que esperar até que tudo estivesse resolvido.
- Mia, por favor! Eu não posso...
- Cathy? – A voz do outro lado da linha me atingiu como uma flechada.
- Thomas! – O nome saiu em um sussurro. Eu não podia acreditar.
- Cathy, eu sei o quanto é difícil para você entender, mas, por favor, desça.
- Você foi embora – involuntariamente cobrei dele. Não era o mais certo a fazer, mas eu não consegui impedir que as palavras saíssem de minha boca.
- Eu sei e posso explicar tudo. Só preciso que você desça, agora – minha cabeça trabalhava como louca.
Senti raiva de tudo. Como ele tinha coragem de me procurar no dia do meu casamento? Tudo bem que eu não queria mais casar, mesmo assim ele não tinha esse direito.
Thomas não podia entrar e sair da minha vida quando bem entendesse. O que ele queria? Destruir-me? Se bem que não restava muito para isso.
- Não! – Foi o que eu consegui dizer. – Você não tem este direito. Eu vou me casar e você não vai conseguir impedir. O que foi? Não está satisfeito com todo o estrago
que já fez em minha vida? Apareceu para que? Para conferir o que restou de mim? Pois bem. Eu não vou permitir que você volte – e desliguei.
Como uma criança, me sentia impelida a continuar com o casamento. Estava com tanta raiva que precisava afrontar Thomas e me casar com Roger seria uma excelente maneira
de mostrar a ele que nada do que fizesse o traria de volta a minha vida. Mesmo que para isso, precisasse passar por cima da minha própria felicidade. Outra vez o
telefone tocou. Era ele ligando do próprio telefone. Que absurdo!
- O que você quer?
- Cathy, eu entendo a sua raiva, mas você não pode se jogar de cabeça em um casamento com um crápula como o Roger só para me afrontar. Eu só preciso que você me
escute durante um minuto. Um minuto, Cathy! E depois você pode fazer o que bem desejar – ele dizia com raiva também. Ótimo! Seria mais fácil.
- Você tem um minuto e eu já estou contando – avisei.
- Roger é o responsável por tudo – ri. – Cathy, eu não estou brincando. Você está ao lado de um psicopata. Ele pagou a Anna para armar aquele circo e a matou, quando
percebeu que ela o entregaria. Também matou Mário e foi o responsável pelo atentado contra nós dois. Ele te sequestrou enquanto dormíamos, aliás, ele nos dopou e
depois te sequestrou e te enterrou em algum lugar que eu não faço a mínima ideia de onde seja, só para me obrigar a abandoná-la. E conseguiu. Eu não tinha como provar
estes fatos, mas ele teve a ajuda da Lauren, eu estive com ela. Agora consegui tudo o que precisava para comprovar o que estou te falando, inclusive um exame de
sangue comprovando a existência da substância no dia em que fui embora.
- Que absurdo! Você é mesmo inacreditável, Thomas! Como você tem a coragem de acusar Roger? Ele foi a única pessoa que esteve ao meu lado o tempo todo. Estava lá
quando você cansou de brincar comigo e foi embora.
- Era exatamente isso que ele queria que você pensasse. Será que você não consegue enxergar? – Gritou do outro lado da linha.
- Eu não acredito. Você age como se a vida fosse um roteiro de filme. Fantasia demais. Cria demais. Não é a toa que é um excelente ator. Deixa eu te contar uma coisa:
a vida não é um conto de fadas – desliguei o telefone e saí da sala a procura de Roger. Eu o diria que ele tinha razão e que poderíamos continuar com o casamento.
Desta vez Thomas não conseguiria.
Passei pelo corredor e vi Betina conversando com um funcionário. Ela me olhou e me senti desconfortável com a forma como o fez. Havia algo de ruim em seu olhar,
algo que lembrava inveja e rancor, que depois ela disfarçou com um sorriso amável. A sensação de frio voltou a me dominar. Estava sendo um dia bem estranho.
Fui em direção às escadas do prédio procurando por Roger, ele não estava em lugar nenhum. Meu telefone tocou de novo. Thomas. Ele não desistiria. Atendi, mas não
consegui dizer nada.
A minha frente, contudo bastante distante, estava Roger conversando com uma pessoa. Bastou olhar para entender de quem se tratava. O homem que Thomas tantas vezes
descreveu como o responsável pelos acontecimentos. O mesmo que estava com Anna, e o mesmo que atirou contra nós dois. Thomas tinha razão.
-... Então por que você não desce e me acerta uns socos? Seria uma forma mais prazerosa de se vingar de mim – não consegui sentir graça. Eu estava em pânico.
- Você tem razão – sussurrei com medo de ser vista por eles. – Ele está aqui.
- Roger?
- E o cara da tatuagem. Preciso desligar. Estou descendo – desliguei antes que Thomas dissesse mais alguma coisa.
No momento em que me virava para voltar e arrumar um jeito de sair de lá, Roger me viu.
- Cathy? Vai a algum lugar? – Ele estava surpreso. Senti medo, mas sorri.
- Vou encontrar Mia lá embaixo. Imagine só, ela está com medo de subir sozinha e me pediu para buscá-la – que ridículo! Minha desculpa foi tão esfarrapada quanto
a minha cara tentando parecer tranquila.
- Mia pode subir com as outras pessoas que estão subindo neste exato momento. Não vejo motivo para que você saia agora que os advogados já chegaram – Roger estava
visivelmente nervoso.
Todo o cuidado que ele sempre tinha quando falava comigo, desapareceu. Sua voz chegava a ser ríspida. Entendi o recado. Ele não me deixaria descer. Se havia mesmo
feito tudo o que Thomas me relatou, o que ele seria capaz de fazer para me obrigar a assinar aqueles papéis?
- Roger, eu realmente preciso descer. Não se preocupe, estarei de volta em poucos minutos – tentava não demonstrar o meu pavor enquanto mentia. – Mia só quer um
pouco de privacidade para conversar comigo, mas estaremos aqui o mais rápido possível – seus olhos estavam duros. Ele não acreditou em mim. Claro que não acreditaria.
Com certeza sabia que Thomas estava de volta e que eu procurava uma desculpa para me livrar dele.
- Você não vai a lugar algum. Nós dois vamos voltar agora mesmo e assinar a droga do documento que nos tornará casados – segurou com força em meu braço e praticamente
me arrastou em direção a sua sala.
Meu coração acelerou. Senti um desespero aterrorizante. Olhei para a área dos elevadores e não havia ninguém a quem eu pudesse gritar por socorro. Nem sabia se teria
coragem de fazê-lo. Mas não poderia assinar aqueles papéis.
- Solte-me Roger. Você está me machucando – tentei puxar meu braço, porém ele me segurou com mais força.
- Você nem imagina o quanto eu posso te machucar se continuar insistindo em desistir do nosso casamento – virou-se para mim ameaçador.
Não havia nele nenhum resquício do amigo apaixonado e carinhoso. Roger me olhava com desprezo, com raiva. Como alguém podia mudar tão rápido? Como conseguiu me enganar
durante todo este tempo?
Roger ainda me segurando com força, mas sem demonstrar estar me agredindo, levou-me de volta a sala dele. Assim que fechou a porta, me liberou rudemente. Não tive
coragem de enfrentá-lo. Analisando a minha situação, se fosse tudo verdade, Roger seria capaz de qualquer coisa para conseguir o que queria de mim. O frio assolava
meu corpo, fazendo-me tremer. Sentia uma necessidade desesperadora de sair daquela sala, de fugir para bem longe dali, mas ele bloqueava a porta.
- Preste bem atenção, Cathy. Não faça nada de errado quando os advogados chegarem aqui. Você vai simplesmente assinar os papéis e se comportar como a noiva apaixonada
que fingiu ser este tempo todo – falava com os dentes trincados e as palavras escorregavam entre eles. Era assustador.
- Por que isso?
- O que você pensou? Que após todos estes anos eu ainda rastejaria aos seus pés? Que continuaria sendo aquele garoto apaixonado, que daria a própria vida para te
proteger? Quanta inocência! – Riu. – Pensei que você tivesse amadurecido com o tempo e as experiências que adquiriu – meu pânico era visível. Meu rosto não conseguia
encontrar uma máscara que pudesse me ajudar a persuadi-lo naquele momento. – O que foi? Ah, vamos lá, Cathy! O Fato e eu estar interessado em seu dinheiro não é
tão mal assim. Thomas estava interessado em seu corpo o tempo todo e nem por isso você o olhava desta forma.
- Thomas me ama – rebati ainda sem reação.
- Sim, ele te ama. É um perfeito idiota apaixonado. Mas não soube ser homem o suficiente para enfrentar isso. Eu sou. Eu sou o único que te fará amadurecer de verdade.
Encarar a triste realidade da não existência do faz de conta.
De repente, e forma inacreditável e, como se estivéssemos em uma cena de filme, todo o prédio começou a tremer. Ainda consegui olhar para Roger que me olhava atordoado
sem saber o que estava acontecendo. E então aconteceu uma grande explosão. Foi aterrorizante.
Capítulo 33
11 De Setembro De 2001
VISÃO DE CATHY E THOMAS
VISÃO DE CATHY
Não podia ser verdade o que estava acontecendo. Estávamos no 89° andar e o prédio todo tremia como se fosse desmontar a qualquer momento. Com o impacto, fui jogada
contra a parede, recebendo uma chuva de estilhaços. As janelas explodiram de maneira teatral.
Incrível como um segundo pode parecer uma eternidade em uma hora como aquela. Consegui captar o olhar de Roger, que tão aterrorizado quanto eu, havia sido lançado
contra a sua mesa parando alguns metros depois de mim, a minha esquerda. Se o prédio se inclinasse um pouco para meu lado, eu seria arremessada para fora pelo buraco
onde antes eram janelas de vidro. O barulho da explosão era ensurdecedor.
Minha primeira reação foi tentar me agarrar em alguma coisa. Era patético. Eu estava em um chão liso, encostada em uma parede lisa, ou seja, não havia nada que pudesse
impedir a minha queda.
Separados pela porta da sala, eu e Roger assistimos uma labareda lamber o vazio em direção ao fundo, e então, tão rápido quanto surgiu, ela desapareceu, se recolhendo
ao seu ponto de impacto, que era algum ponto logo acima de nós dois.
Não tinha ideia do que havia acontecido, e no momento eu nem pensava em especular, apenas queria sentir a estabilidade do chão para começar a correr. Foi quando
percebi a fumaça negra. O teto acima de nós estava pegando fogo. O incêndio que atingira os andares de cima descia ao nosso encontro. Em questões de minutos tudo
iria poderia ruir.
Respirei fundo buscando forças para me levantar, mas fui atingida pela fumaça negra que rapidamente tomava conta do local. Cambaleante, tomei coragem e me levantei
para abrir a porta. Lancei meu corpo para fora, alcançando o corredor. A imagem que vi era apavorante.
Pessoas jaziam jogadas no chão, inertes. Havia fogo e fumaça para todos os lados. Eu ainda podia ouvir o barulho do fogo crepitando, queimando tudo que alcançava.
Também conseguia ouvir, ao longe, pessoas gritando por socorro.
Meu primeiro pensamento foi para Sam. Ela disse que estaria ali. Pensei em correr até a sua sala, mas era um dos pontos mais atingidos e já cobertos pela fumaça.
Dei dois passos e identifiquei, embaixo de uma mesa que estava virada para baixo, as pernas de Sandra. Ela não se movia. Constatei chocada.
Sem saber como ou de onde vinha, fui arremessada contra a parede novamente. Roger surgiu diante de mim. Seus olhos raivosos sobre os meus assustados.
- Você não vai se livrar tão fácil assim.
- Roger! – Quase não consegui falar.
A fumaça dominava o ambiente e o fogo se alastrava rapidamente. Eu sabia que o prédio não resistiria, pelo menos a parte em que estávamos com certeza logo desmontaria.
Precisávamos sair dali o mais rápido possível.
- Assine os papéis – ordenou de maneira bestial.
O encarei confusa. Que papéis? Como ele poderia pensar em casamento, dinheiro, vingança, quando o mais importante naquele momento era salvar nossas vidas? Se não
saíssemos logo nenhum papel teria valor e, sinceramente, não acreditava que haveria algo para se lutar depois daquilo. No entanto ele não me largava, obstinado em
sua loucura.
- Assine os papéis! – Gritou em meu rosto.
- Roger, temos que sair daqui enquanto ainda temos tempo. Veja, o fogo está quase nos alcançando. Precisamos sair – ele não enfraqueceu o aperto em meu braço.
- Não! Assine logo os papéis.
- Que papéis? – Gritei em resposta. Estava apavorada. Não sabia o que estava acontecendo.
Poderia ter sido uma bomba, e outras poderiam explodir ainda. Eu não queria estar lá para constatar. Em vão me debati para conseguir me livrar. Sua força aumentou
em meus braços. – Você está louco, nós dois vamos morrer.
- Você vai morrer. Eu ficarei viúvo e milionário – ele me lançou com mais força contra a parede, então tentou me arrastar de volta para o que tinha restado da sala.
A fumaça negra bloqueava a nossa visão. Se não saíssemos imediatamente, morreríamos sufocados. Minhas forças estavam se esvaindo e eu não conseguia me livrar dele.
Constatei que mais uma vez eu estava entre a vida e morte e, de novo, por causa de pessoas que não sabiam o significado do amor.
Lauren tentou me matar por acreditar que Thomas merecia sofrer porque ele não correspondia ao seu amor, e naquele momento, Roger queria se vingar por se sentir injustiçado
em relação ao nosso rompimento. O amor era uma armadilha para quem não o conhecia.
- Meu plano era perfeito. Se Anna não tivesse voltado atrás e eu estaria com você e com tudo o que queria em muito pouco tempo, mas aquela idiota se arrependeu.
Eu tive que matá-la. Menos mal. Ela não servia para nada mesmo. Era péssima de cama – riu perdido em seu delírio enquanto me puxava de volta. – Então Thomas passou
a ser o problema. Eu tentei matá-lo, mas ele parece ter a capacidade de se safar de tudo. Uma verdadeira pedra em meu caminho que eu nunca consigo retirar. Para
que ele voltou? Para assistir a sua morte? Eu não vou permitir que ele interfira em meus planos. Claro que eu desejava mais, você continua linda e desejável, mas
não se pode ter tudo em meio a um inferno como esse, então só a sua fortuna está de bom tamanho – voltou a rir. – Pensou que poderia me fazer de idiota, dormindo
com Thomas enquanto fingia ser a minha namorada? Você nunca foi melhor do que a sua mãe. Tão vagabunda quanto ela!
Ainda resistindo aos puxões que ele me dava tentando me levar de volta à sala, eu conseguia detê-lo, só não sabia por quanto tempo, ou se valia à pena, pois as nossas
chances eram mínimas. Eu nem sabia se havia algum jeito de escapar daquele inferno, caso conseguisse me livrar de Roger, que percebendo a minha resistência se voltou
em minha direção e me esbofeteou.
Foi um tapa forte, dado com toda a sua raiva acumulada. Fraquejei com a pancada e senti minhas pernas cederem. Eu estava caindo, ele agilmente me levantou me empurrando
contra a parede, sua mão apertava meu pescoço, impedindo que o pouco ar que ainda existia conseguisse chegar aos meus pulmões.
- Posso terminar com tudo agora mesmo, Cathy. Todos sabiam do nosso noivado. Posso dizer que os papéis queimaram junto com seu corpo.
Eu não conseguia mais respirar e nem entender o que ele queria me dizer com aquilo tudo. A única coisa que pesava pela minha cabeça era como poderia me salvar. Como
me livrar das mãos dele e, principalmente, como conseguir mais ar.
Foi quando milagrosamente meus pedidos foram atendidos. As mãos de Roger desapareceram de meu pescoço. Senti meu corpo livre do dele, e o ar, o pouco que ainda restava,
alcançar meus pulmões. Não me preocupei em descobrir o que havia acontecido, apenas fechei os olhos e me entreguei à sonolência que me abraçava. Talvez, e seria
mesmo ótimo se fosse assim. Se eu estivesse morrendo.
VISÃO DE THOMAS
Cathy desligou o telefone sem querer me ouvir. Eu imaginava que seria assim. Ela era mesmo uma cabeça dura, além disso, estava muito ferida. Pudera! Depois do que
aquele louco aprontou, ela só poderia me odiar. Entreguei o celular a Mia que me olhava apreensiva.
- O que faremos? – Ela perguntou com os olhos arregalados. – Não podemos deixar Cathy entregar tudo nas mãos dele.
E não podíamos mesmo! O casamento poderia ser desfeito, sem que ele sequer tocasse nela, bastava esperar que o agente Saunders aparecesse com o mandado de prisão
e Cathy estaria livre de toda aquela armação.
O problema era que conhecendo Roger, como passei a conhecer, era muito provável que ele conseguisse fazer Cathy assinar alguns documento dando a ele o controle de
toda sua herança. Não poderíamos permitir.
- Eu vou até lá – falei já me preparando para sair do carro.
- Você enlouqueceu? – Mia ficou agitada. – Se Roger descobri o que está para acontecer, ele pode fazer alguma coisa contra Cathy.
- Mia tem razão, Thomas. Vamos esperar mais um pouco. A polícia deve estar a caminho, é uma questão de minutos e tudo estará resolvido – Henry tentava me controlar.
Peguei meu próprio telefone e liguei outra vez para ela.
- O que você quer? – Ela atendeu com raiva.
- Cathy, eu entendo a sua raiva, mas você não pode se jogar de cabeça em um casamento com um crápula como o Roger só para me afrontar. Eu só preciso que você me
escute durante um minuto. Um minuto, Cathy! E depois você pode fazer o que bem desejar – falei no mesmo tom que ela, ao menos assim saberia que eu não estava brincando
e que o que tinha para falar era realmente sério.
- Você tem um minuto e eu já estou contando.
Respirei fundo e comecei a falar. Expliquei de maneira mais resumida possível tudo o que tínhamos descoberto e o que havia acontecido no dia em que eu tive que deixá-la.
Era certo que ela não acreditaria em mim, mas eu precisava pelo menos ganhar tempo ou colocar alguma dúvida na sua cabeça, qualquer coisa que fizesse com que ela
atrasasse aquela loucura de casamento.
- Que absurdo! Você é mesmo inacreditável, Thomas! Como você tem a coragem de acusar Roger? Ele foi a única pessoa que esteve ao meu lado o tempo todo. Estava lá
quando você cansou de brincar comigo e foi embora– me acusou com a voz repleta de tristeza e rancor. Como eu imaginei.
Cathy podia ter fingido ser forte durantes os últimos dias em que acreditou ter sido abandonada, mas ela poderia enganar qualquer um, menos a mim. Eu a conhecia
como ela realmente era e não como tentava parecer.
- Era exatamente isso que ele queria que você pensasse. Será que não consegue enxergar? – Gritei em resposta. Eu precisava gritar para que ela ficasse um pouco chocada
e acreditasse que eu também estava com raiva.
- Eu não acredito. Você age como se a vida fosse um roteiro de filme. Fantasia demais. Cria demais. Não é a toa que é um excelente ator. Deixa eu te contar uma coisa:
a vida não é um conto de fadas – ouvi Cathy desligar o telefone e tive a certeza que se algo de muito importante não acontecesse ela se casaria naquele minuto, só
para me contrariar. Só para me mostrar que era mais forte do que eu.
- Droga de mulher cabeça dura! – Reclamei enquanto discava novamente o número dela.
Eu não desistiria. Antes mesmo que Mia e Henry pudessem me impedir, abri a porta do carro e saí em direção ao prédio. Eu iria subir, desse no que desse, mas Cathy
não se casaria naquele dia, ou em nenhum dia se não fosse comigo.
Liguei mais uma vez e comecei a falar no exato momento em que ela atendeu.
- Não entendo por que você prefere se agredir a agredir ao outro. Fui eu quem te magoou, aliás, se você não fosse tão cabeça dura, saberia que não haveria a menor
possibilidade de eu te abandonar se não fosse por um único motivo: salvar a sua vida. Cathy você acredita tão pouco assim no meu amor?
Ela não respondeu. Eu podia ouvir os barulhos do ambiente, então ela ainda estava na linha. Ótimo! Eu conseguiria retardá-la mais um pouco.
- Só não entendo por que você vai se machucar casando com um psicopata, idiota, só para me machucar, aliás, eu não entendo por que não desconta em mim, já que acha
acredita que eu mereço. Então porque você não desce e me acerta uns socos? Seria uma forma mais prazerosa de se vingar de mim.
- Você tem razão – ela sussurrou e eu, não sei por qual motivo, não gostei da forma como estava falando. – Ele está aqui – ela estava em perigo? Era o que queria
me dizer?
- Roger? – Perguntei acelerando os meus passos.
- E o cara da tatuagem. Preciso desligar. Estou descendo – ela desligou não me dando nenhuma chance de falar.
Para ser sincero, senti muito medo do que poderia acontecer até eu não conseguir chagar lá em cima. Era inacreditável que Roger estivesse tão confiante que teve
a coragem de levar o cara da tatuagem para o escritório.
Fui até os elevadores e tive a sorte de conseguir um imediatamente. Contrariei todas as regras de etiqueta, se bem que ninguém parecia muito atento a este fato,
apesar de algumas pessoas se virarem para me encarar, na certa me reconhecendo, e fiz mais uma ligação, não para Cathy, mas para Henry.
- Henry, agora mais do que nunca preciso que a polícia chegue, o cara da tatuagem está no escritório com Cathy, não sei o que poderá acontecer, pelo amor de Deus,
faça alguma coisa daí porque eu estou subindo.
Algumas pessoas me olharam curiosas. O elevador fez inúmeras paradas e eu não conseguia evitar bater os pés com aflição. Cada segundo era precioso demais para eu
perder dentro de um elevador. Em determinado andar, que não tive paciência para verificar qual, provavelmente entre o 60º e 70º, desci e rapidamente corri para as
escadas. Subi vários degraus ao mesmo tempo correndo o máximo que podia quando, de repente, uma enorme explosão ecoou fazendo com que o prédio inteiro parecesse
feito de gelatina.
Não tive tempo de pensar em nada. Com a explosão fui arremessado para baixo caindo em um corredor e colidindo com a parede que me deteve. Foi só o tempo de olhar
para cima e ver a bola de fogo que escorria lambendo as escadas, Joguei-me para o lado e me abaixei o máximo possível rezando para não ser atingido e então nada
mais.
Olhei para o alto e o fogo, denso com sua fumaça negra, se concentrava alguns andares acima. Pude ver em diversos lugares a destruição deixada pelo que quer que
tenha colidido com o prédio.
- Um avião! – Ouvi alguém gritar. Não consegui acreditar que era possível. Os gritos ecoavam e as pessoas passavam correndo tentando descer e salvar as suas vidas.
Eu não podia segui-las.
Olhei para cima, mais uma vez, tentando identificar a quantos andares acima teria sido o começo daquele inferno e não consegui descobrir. A única coisa que pensava
era que Cathy estava lá, em algum lugar e eu precisava encontrá-la a qualquer custo.
Eu estava com medo, era lógico que estava! Meu instinto de auto preservação gritava avisando que poderia estar subindo em direção ao meu fim, porém, o medo de deixar
Cathy sozinha, me impulsionou, eu iria em frente nem que para isso tivesse que abraçar a morte.
Subi os degraus indo contra as pessoas que desciam cada vez mais rápido. Vi pessoas sangrando, algumas ajudando outras e muita gente desesperada. Algumas estavam
sujas de fuligem e poeira. Logo entendi que estas vinham dos andares superiores próximos de onde tudo tinha acontecido.
- De que andar você está vindo? – Gritei segurando pelo braço um rapaz assustado. Ele me olhou atordoado
- Do 85º. Consegui sair, mas tem muita gente machucada lá em cima.
- Sabe me dizer em que ponto fica impossível passar?
- Eu sei que tem gente descendo dos andares acima do meu, então acredito que deva haver mais alguns antes do incêndio – disse se soltando e seguindo o caminho.
Continuei subindo, tentando ser rápido, o que era impossível quando se tenta enfrentar uma correnteza. Algumas pessoas me olhavam sem entender o que estava fazendo.
Eu fazia questão de olhar para todas, Cathy poderia estar no meio delas. Talvez eu a encontrasse enquanto subia. Mas ela poderia estar no elevador quando tudo aconteceu.
Ela disse que estava descendo.
Como uma resposta aos meus pensamentos, ouvi claramente uma pessoa dizer que os elevadores tinham caído e que viu quando uma imensa bola de fogo subiu, ou desceu,
ela não soube afirmar, pelo fosso. Entrei em pânico e subi ainda mais rápido.
A fumaça era cada vez mais densa e aliada ao meu esforço para subir rápido diversos andares, o ar começava a faltar. Não sei dizer se eu chorava de desespero ou
se meus olhos lacrimejavam por causa da fumaça. Só sabia que meu coração estava tão apertado que tive que lutar contra ele para continuar tendo esperança.
Contudo, quanto mais conseguia subir, mais a perdia. Em todos os lugares só havia tristeza e destruição. Vi corpos, pessoas desmaiadas sendo apoiadas por outras
e constatei que o incêndio se propagava cada vez mais.
Quando, finalmente, consegui chegar ao 89° andar, quase não acreditei que havia conseguido. E também não acreditei no que meus olhos viam. Não existia quase nada.
Somente o caos e destruição. O andar estava sendo dominado pelo fogo. Papel espalhado alimentavam as chamas e diversos móveis retorcidos e revirados. Também pude
ver alguns corpos espalhados e fiquei horrorizado ao constatar que teria que verifica-los, pois um deles poderia ser... Fui incapaz de completar o pensamento em
minha mente. Não poderia ser verdade.
- Cathy! – Gritei, mas minha voz estava embargada, parte pela fumaça, parte pelo cansaço e parte pelo horror.
Era impossível alguém continuar vivo em meio a àquele inferno. Caminhei me desviando do fogo e dos móveis, mas não seria possível avançar muito mais. Pela inclinação
do prédio, podia sentir que ele desabaria. pelo menos aquela parte iria despencar.
- Cathy! – Gritei mais uma vez. Nenhuma resposta.
Um movimento repentino chamou a minha atenção. Havia alguém lá, mas a fumaça me impedia de identificar quem era. Encorajado pela nova perspectiva, avancei mais um
pouco, protegendo meu rosto.
Ao me aproximar mais, percebi que uma pessoa parecia puxar outra. Por um momento acreditei que as duas tentavam se salvar daquele inferno e fui em direção a elas,
então percebi que uma delas puxava a outra na direção do fogo. Fiquei chocado ao constatar que esta mesma pessoa agredia fisicamente a outra. E então ouvi:
- Posso terminar com tudo agora mesmo, Cathy. Todos sabiam do nosso noivado. Posso dizer que os papéis queimaram junto com seu corpo.
“Cathy?”
Demorei alguns segundos para reordenar os pensamentos. Era Roger em estava com Cathy e tentava matá-la. Percebi desesperado que ele realmente não iria desistir.
Eu precisava agir, mas como?
O fogo que nos separava era assustador e eu estava fisicamente exausto para entrar em uma luta corporal. No entanto, Cathy estava lá, viva, ainda. Eu precisava fazer
alguma coisa, e rápido. Segurei os pés de uma cadeira que estava revirada ao meu lado com encosto já começando a pegar fogo e atirei na direção deles com toda a
força.
Cathy estava encostada à parede, seu corpo parecia estar desfalecendo. Aproveitei o ângulo e fiz o melhor que pude. Deu certo. A cadeira atingiu Roger com força
e ele caiu com o impacto. Cathy, escorregou de suas mãos como uma boneca, totalmente sem vida. Dei alguns passos para trás e corri em direção ao fogo passando para
o outro lado sem danos aparentes, parando bem próximo a ela.
Ela não abria os olhos, nem se mexia, assim como Roger, distante de nós dois. A barra de sua calça começou a pegar fogo. Olhei para Cathy e depois para Roger. Senti
um tremor forte no chão e meu coração disparou. Precisávamos sair de lá. Mas como salvar os dois? O fogo atingiria Roger enquanto estava desmaiado, por outro lado
Cathy não poderia esperar enquanto eu o salvava.
Também não conseguiria voltar para buscar quem ficasse. Mais uma vez o chão tremeu, rapidamente segurei Cathy em meus braços e dei impulso para passar outra vez
pelo fogo. Do outro lado, não voltei a olhar para trás.
Talvez um dia eu me sentisse culpado por ter deixado Roger entregue a própria sorte, mas naquele momento apenas agradecia por ter conseguido encontrá-la.
Ainda teríamos que enfrentar a descida. Eu estava fraco e Cathy desmaiada em meus braços. Tudo estava pegando fogo e tremendo. Alcancei as escadas, descendo o mais
rápido possível. Não sei dizer quanto tempo demorei para sair do prédio, nem qual força me manteve de pé e alerta segurando-a até que os bombeiros nos encontraram,
na metade do caminho.
Fora do prédio estava tudo tão estranho quanto dentro. O perigo ainda existia. Constatei, sem conseguir acreditar, que os dois prédios estavam em chamas e que toda
a rua estava tomada pelo desespero e destroços que caíam das alturas. Os bombeiros trabalhavam sem cessar em busca de sobreviventes. A chuva de cinzas era constante
e a cena era como a de um filme de terror. Cada olhar demonstrava isso.
Cathy foi levada para uma ambulância, que atendia a outra pessoa, também ferida, e imediatamente a colocaram no oxigênio.
- Ela respirou muita fumaça – o bombeiro ao meu lado gritou para o paramédico que a atendia.
- Precisamos levá-la daqui. A coisa só está piorando cada vez mais. Há muitos componentes poluentes no ar – o paramédico alertou.
- Não podemos transportar todos os feridos e esta ambulância precisa permanecer aqui. Vamos levá-la até o final da rua. Outras ambulâncias estão lá para fazer o
transporte dos feridos até os hospitais – falou diretamente para mim. Tentei me manter lúcido. Apenas sinalizei que sim. E eles imediatamente iniciaram a transferência
de Cathy para o hospital.
Procurei por meu carro, era impossível reconhecer qualquer coisa na rua. Era impossível reconhecer qualquer rosto coberto pela máscara negra como luto que estava
em todos nós. Eu estava muito atordoado para raciocinar. Então apenas segui os bombeiros e paramédicos até a outra ambulância e acompanhei Cathy até o hospital.
Ainda tive tempo para olhar para trás e ver a cena mais inacreditável da minha vida. Inesperadamente, vi a primeira torre ceder e desmoronar. Totalmente fora da
realidade. Assim como o barulho ensurdecedor e a nuvem devastadora de poeira, fumaça e cinzas que levantou com a sua queda.
O sentimento de derrota era inevitável.
Capítulo 34
Recomeçar. Definitivamente
VISÃO DE THOMAS
Cathy se mexia inquieta, mas ainda não havia acordado. Ela estava suja e machucada. Seu vestido branco, assim eu imaginei, tornou-se cinza escuro. As meias estavam
rasgadas. Seus cabelos estavam grudado, como o vestido, muito sujos. As enfermeiras tinham limpado seu rosto e parte do corpo tentando fazer o melhor, mas o caos
continuavam lá. Mesmo assim, ela estava linda. Adorável.
O hospital estava lotado, mesmo sendo o melhor de Nova York, e também o mais caro. Todos tentavam ajudar da maneira como podiam. Cathy estava em um quarto individual,
sendo atendida pelos melhores médicos, que já tinham me garantido que não havia nada de errado com ela. Apenas o choque e o tempo que ficou inalando a fumaça, além
de alguns cortes superficiais. Diversos exames foram feitos, eu ainda esperava pelos resultados, assim como aguardava pelo momento em que ela abriria os olhos.
Enquanto esperava fiquei sabendo da queda da outra torre e também dos outros prédios que faziam parte do complexo World Trade Center, que que tiveram sua estrutura
abalada com a queda dos outros dois.
Assisti a comoção nacional enquanto tudo ia sendo esclarecido. Não demorou para que descobrissem que quatro aviões foram sequestrados e dois deles arremessados contra
as torres. Todos os canais repetiam a cena diversas vezes. Mais tarde fiquei sabendo que os outros dois também foram direcionados a alvos que abalariam o governo
norte americano. Foi um ataque terrorista.
Desisti de acompanhar as notícias. Não fosse por Cathy eu estaria completamente infeliz, juntamente com toda a população. Eu sabia que Mia e Henry estavam seguros
em algum lugar, longe de toda aquela loucura e que Dyo e Kendel com certeza estavam desesperados procurando por nós dois. Nada podia fazer além de aguardar.
Os telefones não funcionavam. Eles teriam que procurar por nos dois de hospital em hospital, contudo eu não acreditava que eles demorariam a nos encontrar, pois
sabiam que eu não daria a Cathy nada menos do que o melhor.
Sentei ao seu lado, analisando o seu lindo rosto e então ela começou a despertar. Primeiro se mexeu com mais intensidade, como se estivesse tendo um pesadelo. Depois
passou a procurar pelo ar com mais vontade. Isso me assustou um pouco. Quando comecei a levantar para buscar ajuda, Cathy despertou. Seus olhos fixaram o teto. Ela
não sabia onde estava. Fiquei curioso e aguardei.
Cathy mexeu a mão, onde estava o soro e olhou-a curiosa. Depois seus olhos percorreram o quarto e finalmente me encontraram. Olhamo-nos por um tempo. Ela sem entender
como tinha parado ali, e eu intenso, feliz e saudoso daquele olhar.
- Como... – tentou falar, mas sua garganta estava muito seca e ela engasgou.
- Calma! Está tudo bem agora – me observou atentamente. Vi duas lágrimas escorrerem de seus olhos.
- Roger...
- Eu o impedi de te machucar. Não tive escolha. Era ele ou você – admiti. Eu ainda não me sentia culpado por tê-lo deixado para trás, mas não iria dizer. Cathy deixou
mais algumas lágrimas escaparem.
- Sam?
- Sam? – Repeti. – Ela estava lá? – Cathy chorou desesperada. Meu coração se partiu diante daquela possibilidade. – Cathy, quando eu cheguei tudo já estava tomado
pelo fogo. Não tive muito tempo e não havia mais ninguém por lá além de vocês dois.
Neste momento o médico entrou no quarto acompanhado de uma enfermeira que imediatamente tratou de examinar Cathy e verificar o Soro. O médico, que levava alguns
papéis, ficou em silêncio observando Cathy e analisando as informações do seu prontuário.
- Como está se sentindo?
- Com dor de cabeça e garganta – pigarreou para tentar amenizar a secura da garganta. - Também estou com muita sede – completou insegura. Algumas lágrimas ainda
rolavam de seus olhos.
- Sente dor em mais algum lugar além da cabeça?
- Não.
- Por que está chorando?
- Algumas pessoas que ela gostava muito estavam no prédio doutor. Não temos notícias deles. Ela está um pouco nervosa – me apressei a responder enquanto acariciava
a mão dela.
- Entendo. É realmente lastimável. Estamos todos sem notícias ainda. Fique calma. No seu estado não é recomendado emoções tão fortes e olha que já foram muitas –
ele sorriu encarando a mulher da minha vida. - É realmente estranho ver a vida sob esta ótica – nos olhamos sem entender do que ele estava falando. - Veja bem, hoje
perdemos com certeza inúmeras vidas, e no meio disso tudo descobrir que uma vida em especial, conseguiu se manter firme, apesar de tão frágil, tão vulnerável.
- Desculpe, doutor... - ela falou confusa. – Do que está falando?
- Da sua gravidez – ele respondeu tranquilamente. – Você passou por momentos tão difíceis e mesmo assim, não há nada de errado com o bebê – senti meu coração acelerar.
Uma onda de calor subiu por minhas veias. Cathy olhava para o médico aturdida.
- Como disse? – Perguntei. – Desculpe, mas você está dizendo que ela... Eu... Grávida? – O médico sorriu.
- Vejo que estou dando a notícia em primeira mão. Parabéns! A senhora está grávida. Uma gestação normal, de aproximadamente cinco ou seis semanas – Cathy continuou
imóvel.
- Aconselho procurar seu médico para iniciar os procedimentos corretos para o acompanhamento da sua gestação. No mais, apesar de tudo, está tudo perfeito. Vou te
dar alta antes que os repórteres consigam invadir o hospital. Mesmo com tanta comoção eles ainda se dão ao trabalho de conferir se existe algum famoso sendo atendido
aqui. Creio que vocês devessem entrar em contato com alguém a ajuda ajudá-los – disse enquanto assinava alguns papéis e depois saiu do quarto nos dando privacidade.
- Grávida? – Pensei alto. Um turbilhão de emoções bagunçava a minha cabeça. Passei as mãos várias vezes pelos meus cabelos enquanto arrumava as minhas ideias.
- Como eu... Como você conseguiu me encontrar? – Cathy falava devagar e seus olhos não focavam nada.
Ela estava tão surpresa quanto eu com a notícia, a diferença era que eu estava feliz, apesar de tudo, e também temeroso, pois não sabia como ela iria encarar uma
gravidez em um momento tão delicado, principalmente com nos dois numa situação tão desconfortável. Cathy ainda não havia reagido a informação.
- Eu subi atrás de você. Queria ter a certeza que estava tudo bem. Foi um avião – comecei a explicar antes que ela fizesse as perguntas que eu sabia que viriam.
– Um atentado terrorista. Quando você voltar para casa poderá acompanhar melhor. Os noticiários não falam de outra coisa – os olhos dela se arregalaram, porém não
pareceu estar em choque. Cathy tinha vivenciado de perto, assim como eu, momentos mais difíceis. Ela ficou pensativa e depois recomeçou a falar.
- Você tinha razão... Ele me contou tudo... Ele... – respirou profundamente e pareceu sentir dor. – Ele tentou me matar! – As palavras soaram como uma surpresa,
e realmente era. Cathy jamais seria capaz de imaginar que aquilo era possível. Roger soube representar muito bem o seu papel de apaixonado.
- Tem muita coisa que você precisa saber. Mas este não é o momento nem o lugar. Temos outra coisa mais importante para resolver – ela ficou ainda mais tensa com
as minhas palavras.
- Eu sei! – Cathy parecia lamentar.
- Você não está feliz.
- Não sei o que pensar. Minha vida mudou completamente em poucas horas. Minha cabeça está tão confusa e que não consigo me decidir se lamento ou não pelo Roger –
ela realmente parecia confusa, perdida em um turbilhão de emoções. – Preciso saber se Sam estava no escritório quando... – engoliu com dificuldade. – Eu vi Sandra
morta – novas lágrimas brotaram de seus olhos. – Foi tão horrível!
- Sinto muito! Sinto muito mesmo! Os telefones não estão funcionando direito, então não tenho como procurar por ela agora e ainda não existem informações a respeito
das vítimas, é muito cedo.
Os olhos dela se arregalaram com a possibilidade de Sam ser uma das centenas de vítimas. Meu coração também estava apertado. Sam foi o que tive mais próximo de sogra,
e ela foi ótima neste papel.
Dois dias antes de tudo acontecer, consegui conversar com ela sobre o que tínhamos em mente e Sam prontamente concordou em me ajudar com Cathy, por isso eu sabia
que ela estava no prédio. Não tive coragem de contar, não naquele momento, pois não havia como saber se ela conseguira sair de lá, já que muitas pessoas conseguiram.
Era lastimável perdê-la da forma tão trágica e Cathy lamentaria muito a sua morte. Limitei-me a acariciar gentilmente seus dedos, que continham alguns ferimentos.
- Então... – demonstrou cautela. – Você voltou?
- Hum, hum!
- E eu estou grávida – Cathy não me olhava nos olhos.
- Está – um leve sorriso se formou em meus lábios. Eu me sentia confortável com a novidade. – Parece que desta vez é pra valer – falei lembrando de quando acreditei
que ela estivesse grávida e da felicidade que senti na época.
- Você está... Feliz?
- Muito! – Apoiei meu rosto na mão que não estava acariciando a mão dela e recostei na cama. Meus olhos procuravam os dela querendo encontrar algum sinal de como
ela se sentia.
- Por que? – Perguntou depois de um breve tempo em silêncio. Ela chorava. Passei meus dedos em seu rosto captando uma lágrima.
- Por que não existe nada mais maravilhoso do que ter um filho com você.
- Mas... Você falou... – não conseguiu terminar.
- Eu sei. Não tive escolha. Nunca a deixaria se houvesse outra forma. Na verdade apenas fiz com que Roger acreditasse que estava te deixando, para que ele não te
machucasse. Na verdade estava reunindo as provas necessárias pra poder voltar. Foi meio que uma investigação secreta – dei uma risada fraca. – O agente Saunders
esteve à frente o tempo todo e eu fui obrigado a permanecer em Los Angeles até a hora certa de voltar, que foi esta madrugada.
- O que você descobriu?
- O que já te falei. Roger foi o responsável por tudo o que aconteceu. Lauren o estava ajudando enquanto fingia ser louca. Ela fugiu, não temos certeza de para onde
foi. Talvez o Brasil. A polícia está à procura dela. Anna deixou uma carta para você, explicando todo o ocorrido, como Roger a encontrou, o porquê dela ter aceitado
e como estava arrependida. – Cathy me olhou com cautela. Buscava a verdade.
Ela voltou a ficar calada. Eu sabia exatamente o motivo do seu silêncio. A pergunta que ela queria fazer e não tinha coragem.
- Eu te amo! – Eu disse observando a sua reação. – Cathy ficou imóvel por alguns segundos, depois seus olhos se fecharam e um sorriso, fraco se formou em seus lábios.
- Eu também! – Respondeu me pagando de surpresa. Não esperava ser perdoado com tanta facilidade, se é que posso dizer que foi fácil depois de tudo o que passamos.
- Que bom! Por que eu não suportaria viver longe de vocês.
- E você acredita mesmo que eu seria capaz de criar um filho seu, sozinha?
- Por que não?
- Por que com certeza ele será como você – brincou.
- Duvido muito. Ele é tão pequenino, já passou por tantas coisas e mesmo assim foi forte o suficiente para continuar conosco. Acho que ele se parecerá mais com você
– ela abriu um lindo sorriso me encantando.
- Tudo bem, não me importo que ele se pareça comigo, é até mais do que justo, já que sou eu que vou engordar e carregar o peso dele durante nove meses. Essas coisas
– minha alegria não tinha tamanho. Levantei um pouco meu corpo, pois estava sentado ao lado da cama dela e beijei seus lábios. Cathy retribuiu, passando a mão pelo
meu pescoço.
- Ah, que bom! Vejo que não precisamos mais nos preocupar. Cathy está mais do que bem – ouvi a voz de Kendel e me afastei de Cathy sem vontade.
Nossos amigos estavam lá. Mia, Henry, Kendel, Dyo e Maurício. Faltava apenas Sam e essa era a minha única tristeza. Pela forma como Cathy olhava os recém chegados
percebi que pensava a mesma coisa. Tratei de animar o ambiente.
- Vocês estão atrapalhando meu momento íntimo com a minha família – observei Kendel e Dyo sorrirem, sem perceber do que eu falava, mas Mia captou o que eu dizia
e seus olhos se abriram assim como sua boa que foi coberta pelas suas mãos.
- Meu Deus! Você... – cambaleou até a cama em que Cathy estava. – Vocês... Mas... – lágrimas caíam dos seus olhos já inchados pelo choro da tragédia antes vivenciada.
– Como?
- Sua mãe nunca te explicou de onde vêm os bebês? –Brinquei e todos entenderam do que estávamos falando. Cathy sorria, sem muito entusiasmo, com certeza abalada
ainda por causa de Sam.
- Quando vocês souberam? Por que não me disseram nada? Eu sou a tia, aliás, eu sou a madrinha. Cathy nem se atreva a não me convidar para ser a madrinha, eu não
vou te perdoar... – Cathy revirou os olhos de maneira teatral.
- E quem mais seria? Nem precisei pensar - Mia se jogou nos braços de Cathy fazendo-a gemer.
- Ai meu Deus! Eu te machuquei? Você está bem? – Ela parecia desorientada com tantas emoções.
Logo em seguida uma enfermeira entrou no quarto avisando que deveríamos nos preparar para ir embora. Cathy tomou um banho rápido, apenas para tirar do corpo o tanto
de pó e cinzas que ainda cobriam algumas partes. Eu apenas lavei os braços e o rosto, mas desejei ardentemente uma banheira com água morna e de preferência com a
mulher de minha vida me acompanhando. Olhei para a minha imagem no espelho do banheiro do hospital e apenas me senti feliz.
Completo, outra vez.
Capítulo 35
Conto De Fadas
VISÃO DE CATHY
Não vi o que tinha atingido Roger, nem o que aconteceu depois. Apenas agradeci por não estar mais naquele inferno. Também não sabia onde estava, pois parecia apenas
que adormeci. Um sono sem sonhos, também sem dor ou tristezas. Quando despertei não tive coragem de abrir os olhos, pois tudo o que aconteceu antes de desmaiar voltou
a minha mente, me torturando. Mas era preciso acordar e encarar o que sobrou de minha vida. Não foi fácil.
Entender toda a história absurda e digna de um roteiro de filme ainda era uma missão quase impossível, mas meu coração sabia que era verdade. Foi fácil reconhecer
o amor de Thomas por mim, apenas ao olhar para ele. E o simples fato dele ter subido para me salvar, mesmo sabendo que o prédio era uma sentença certa de morte,
foi o suficiente para eliminar todas as minhas dúvidas.
Descobrir a minha gravidez foi outra experiência surreal. Não que eu não estivesse feliz, mas também me sentia confusa e sofrida, bombardeada por um milhão de informações
e situações dolorosas, como a provável morte da Sam, que corroía meu coração com tamanha intensidade que me impedia de respirar. A felicidade pela gravidez teve
que esperar um pouco enquanto eu pranteava a minha amada madrasta.
Não posso negar que sofri pela morte do Roger. Era impossível não sofrer. Eu nem tive tempo de odiá-lo, nem de acusá-lo pelas coisas absurdas que havia feito, então,
só conseguia sentir pela perda de um amigo.
A mudança drástica da minha rotina me assustou um pouco, me deixando perdida. As empresas tinham sofrido um gigantesco baque com o atentado às torres gêmeas, assim
como a maioria das empresas norte-americanas e em pouco tempo reduzimos em muito nossas atividades. Eu, é claro, me afastei de tudo, devolvendo a responsabilidade
ao Peter, que aceitou reassumir seu cargo e sua parte da herança. Fiquei apenas com as lembranças, as histórias e os sentimentos.
Também não voltei a trabalhar com Thomas. Eu realmente precisava de um tempo para digerir tudo o que havia acontecido. Nem voltamos a morar juntos, porém decidimos
nos casar o mais rápido possível.
Thomas estava impossível com a ideia de ser pai. Confesso que adorei a forma como ele assumia a situação. Tão forte, carinhoso, atencioso e cuidadoso, aliás, cuidadoso
até demais. Mia completava o quadro com seus ataques de super-madrinha que queria fazer tudo de todas as formas e ao mesmo tempo.
Algumas vezes eu precisava me trancar no banheiro para ter meu momento de paz e nestas horas sentia a falta que Sam fazia e lamentava o fato dela não estar presente
em um momento tão sublime que é a chegada de um filho, o neto dela.
Só conseguimos voltar para Los Angeles quatro semanas após os atentados. Fiquei feliz por estar de volta. Los Angeles tinha um significado especial para mim e para
a minha história com Thomas. No entanto decidi voltar para meu antigo apartamento, na 3rd Street Promenade, em Santa Mônica, ao menos até o casamento.
Mia adorou, mas Thomas detestou.
Porém eu estava decidida e ninguém contestou a minha decisão. Voltei para meu antigo quarto, minha antiga cama de solteira, que conseguiu abrigar a mim e a Thomas
em várias noites, e senti que aos poucos minha vida voltava aos eixos, apesar da ameaça constante que era o sumiço da Lauren.
É claro que tivemos que anunciar a gravidez, mas o casamento fizemos questão de manter em segredo, para que fosse algo só nosso, restrito apenas aos que amávamos
que, com certeza, estariam presentes de corpo ou de alma.
Mia e Melissa, a mãe de Thomas, se encarregaram de tudo. E no dia eu apenas precisei me arrumar.
O vestido que escolhi era o mais adequado para a forma como me sentia. Era branco neve, tomara-que-caia, com uma longa saia bufante, repleta de camadas, no perfeito
estilo “E o vento levou,” exatamente como eu queria.
Prendi a parte da frente dos meus cabelos, deixando uma franja um pouco desfiada jogada de lado. O restante deixei solto, com cachos caídos pelas costas. A maquiagem
foi por conta de Mia, que fez um trabalho deslumbrante. Após todos os detalhes, fomos juntas no carro em direção à igreja.
No meio do caminho meu celular tocou. Mia estava com ele, mas passou para mim assim que identificou quem era. Thomas, pela milésima vez ao dia.
- Fala amor!
- Onde você está? – Estava apreensivo, desde a hora em que acordou. Eu não deixei que dormisse comigo e isso o incomodou.
- Indo ao seu encontro – ampliei o meu sorriso radiante.
- Cathy, você está atrasada! Eu estou nervoso! – Ouvi Melissa dizendo algo do outro lado e deduzi que ela pedia para ele se acalmar. – Os seguranças estão com você?
– Claro que estavam. Thomas não permitia que eu desse um passo sem eles por perto, mais um problema deixado pela Lauren.
- Estão, Thomas! Está tudo bem, eu já estou no caminho da igreja e você não tem motivos para estar nervoso. Não há nada em um casamento que não tenhamos vivido.
Já enfrentamos até mesmo a separação, agora nos resta apenas a felicidade – ele deu risada relaxando um pouco.
- Nem tudo. Nosso filho ainda não nasceu, então vamos passar pela experiência de sermos pais – instintivamente passei a mão pela barriga que continuava reta. – Por
falar nisso, você está bem? Sentiu enjoo hoje? Tomou suas vitaminas? Ah não, eu tenho certeza que esqueceu, eu sabia que deveria ter ficado com você esta noite –
Thomas tagarelava nervoso enquanto eu ria da sua confusão.
- Thomas! Calma! – Eu disse ainda rindo. – Acordei ótima! Nada de enjoo e tomei todas as vitaminas – olhei para Mia que ria da minha conversa.
- Ok! Vou te aguardar então. Falta muito ainda?
- Não!
- Cathy? Você não está usando saltos altos, não é? – Mordi meu lábio inferior.
- Estou.
- Cathy! – Esbravejou. – Não acredito que Mia não te impediu. Eu falei com ela...
- Thomas é o meu casamento. Meu vestido está fantástico, não poderia estragá-lo com sandálias baixas. Você sabe o quanto eu adoro saltos.
- É pelo bebê, Cathy. É arriscado.
- Não é não. Você ouviu o que a médica disse. Eu só preciso de cuidado para não cair, no mais tá liberado.
- Você é impossível! E se você cair?
- Não vou cair.
- Como pode saber?
- Você vai estar ao meu lado.
- Tudo bem! – Suspirou resignado. – Não tem outro jeito mesmo. Estou te esperando.
- Eu te amo! – Respondi emocionada.
A gravidez, a perda da Sam e o casamento estavam acabando com minha capacidade de conter meus sentimentos. Se eu já era uma chorona antes disso tudo, imagine como
fiquei.
- Eu também.
Assim que paramos na porta da igreja, meu coração disparou. Era o momento. Dentro do carro eu olhava para a porta e sentia finalmente entraria no lugar que sempre
sonhei, que sempre desejei. Eu estava entrando em meu conto de fadas.
Desci com cuidado e aguardei enquanto Mia arrumava meu vestido. Ouvi a música que escolhi anunciar a na minha chegada e subi cada degrau feliz e decidida a continuar.
Não havia nenhum resquício de dúvida em mim.
A igreja era pequena e estava lotada com os nossos amigos e parentes, os de Thomas pelo menos, mas a primeira pessoa que vi, parado ao fundo, com os olhos tão marejados
quanto os meus, com o sorriso mais sincero que já vi em alguém, e com certeza com o coração enlouquecido quanto o meu, foi Thomas.
Lindo! Perfeito e majestoso em seu traje. De forma alguma ele fugia do protótipo do príncipe encantado, e naquele momento era exatamente o que ele era.
Enquanto ele me observava, levantei um pouco a barra do meu vestido, arrastando no chão, e mostrei a ele meus pés descalços. Thomas riu e balançou a cabeça, como
um pai reconhecendo a traquinagem de um filho. Depois colocou as duas mãos para trás e estufou o peito, sinalizando que aguardava por mim.
Andei vagarosamente pelo pequeno corredor. Olhei nos olhos de todos os meus amigos. Stella e Daphne compareceram especialmente para a ocasião. Elas estavam morando
longe, mas fizeram questão de estar presentes, e me olhavam com tanto amor e carinho que não tive como não retribuir. Eu amava as minhas amigas.
Mais adiante estavam Dyo, Maurício, Henry, Raffaello e Kendel, que piscou fingindo me paquerar no momento em que passei por ele. Revirei meus olhos, divertida.
Havia outras pessoas, mas eu podia sentir com muita clareza a presença de meu pai e Sam e sabia que eles estavam muito felizes por mim. Também senti a presença de
Anna, Eu a perdoara completamente, era fácil voltar a sentir amor pela minha amiga e espera sinceramente que ela estivesse bem, aonde quer que estivesse.
Os irmãos de Thomas, Calvin e Randy, pareciam entediados e estavam dando um jeito, todo deles, de tornar as coisas mais interessantes. A frente estavam Michael,
o pai de Thomas, junto com Melissa, muito emocionada, e próximo a eles estavam Tony, o padrasto do meu futuro marido. E Thomas.
Respirei fundo e sorri. Pensei em como era possível haver pessoas que não acreditavam em contos de fadas? Como podiam não acreditar na existência de um príncipe
encantado, que chegaria em seu cavalo branco e que venceria o dragão para salvar a princesa da torre?
Thomas tinha me salvado, não apenas da torre, mas da minha própria vida, do vazio de uma existência sem amor. Com ele eu me sentia forte, completa, feliz sem restrições.
Com ele eu podia ser verdadeiramente Cathy e eu sabia que comigo ele podia ser apenas o meu Thomas.
Pois bem, eu sou a prova viva de que contos de fadas existem, ou alguém poderia dizer que eu não estava vivendo o meu próprio conto de fadas?
Toda história, por mais triste, ou mais feliz que seja, necessita que suas páginas sejam viradas. Eu estava virando mais uma página da minha vida. Sabia que à frente
havia outras em branco, aguardando para que eu continuasse a escrever a minha história. Cabia a mim escolher a forma de escrevê-la.
Eu escolhi começá-la contando que então o príncipe subiu a torre e enfrentou o dragão para salvar a sua linda princesa, e eles viveram felizes para sempre.
Tatiana Amaral
O melhor da literatura para todos os gostos e idades