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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TUDO PELA VIDA / Danielle Steel
TUDO PELA VIDA / Danielle Steel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

TUDO PELA VIDA

 

O céu estava brilhante e azul e o ar quente e parado, quando Diana Goode saiu da limusine com seu pai. O véu cor de marfim suavizava os ângulos acentuados do seu rosto e o pesado vestido de cetim farfalhou suavemente quando o motorista a ajudou a descer e arrumou a saia ampla em volta dela. Diana sorriu feliz para o pai, na entrada da igreja, e depois fechou os olhos, procurando gravar cada detalhe daquele momento, o mais feliz da sua vida. Tudo estava perfeito.

           — Você está muito bonita — disse o pai carinhosamente, antes de entrarem na Igreja Episcopal de Pasadena.

           A mãe fora na frente, em outro carro, com suas irmãs, os respectivos maridos e filhos. Diana era a típica filha do meio, sempre se esforçando para ser a melhor, a mais inteligente, a de maior sucesso na vida. Amava as irmãs com uma afeição profunda e sólida, mas sempre com a sensação de precisar fazer algo mais do que elas.

       Não que as irmãs representassem um padrão impossível de ser igualado. A mais velha, Gayle, fazia o curso preparatório de medicina, quando conheceu o marido. Casaram-se em junho, naquele mesmo ano, e ela logo engravidou. Agora, com vinte e nove anos, tinha três filhas adoráveis. Gayle era dois anos mais velha do que Diana e, embora fossem muito amigas, sempre houve uma certa rivalidade entre elas. Eram duas mulheres completamente diferentes. Gayle jamais lamentou ter deixado a medicina. Era feliz no casamento e o cuidado da casa, das filhas e do marido a satisfazia.

       Era a perfeita mulher de médico, inteligente, bem-informada e compreensiva no que dizia respeito ao trabalho e aos horários do marido obstetra. Queriam ter pelo menos mais um filho, Gayle confidenciara à irmã algumas semanas atrás. Jack queria muito ter um menino. A vida de Gayle concentrava-se toda no marido, nas filhas e na casa. Ao contrário das duas irmãs mais novas, não se sentia atraída pelo mundo profissional.

           De certo modo, Diana era mais parecida com a irmã mais nova, Sam. Samantha era ambiciosa, competitiva, entusiasmada pelo mundo fora de casa e, durante os dois primeiros anos do casamento, tentou desesperadamente conciliar o casamento e o trabalho. Mas quando nasceu seu segundo filho, treze meses depois do primeiro, com apenas dois anos de casada, compreendeu que não podia mais continuar. Deixou o emprego numa galeria de arte em Los Angeles e resolveu ficar em casa, para grande satisfação do marido. Durante muitos meses Sam se sentiu frustrada por ter deixado o emprego. Nos dois primeiros anos de casamento, o trabalho de Seamus conquistou reconhecimento e admiração e ele aos poucos ia se tornando um dos mais bem-sucedidos artistas jovens de Los Angeles.

       Sam começou a trabalhar em casa como designer, free-lancer, mas até isso era quase impossível, sem empregada e com dois filhos pequenos. Ela adorava ficar em casa com Seamus e as crianças, seu casamento era perfeito e o casal de filhos também. Todos que os conheciam os amavam. Porém, muitas vezes ela invejava a carreira de Diana, no mundo dos "adultos", como ela dizia.

       Para Diana, suas irmãs estavam com a vida decidida. Aparentemente, uma com 25 e outra com 29, tinham tudo que desejavam. Sam sentia-se feliz e à vontade no mundo da arte moderna e Gayle também estava satisfeita com sua vida como mulher de médico. Mas Diana sempre quis muito mais do que isso. Estudou em Stanford e depois fez o primeiro ano da faculdade na Sorbonne de Paris. Depois de formada, voltou a Paris, onde ficou um ano. Encontrou um apartamento fabuloso na Rua de Grenelle, na Margem Esquerda, e durante algum tempo achou que ia ficar ali para sempre. Mas depois de um ano e meio trabalhando para o Paris Match, sentiu saudades dos Estados Unidos e da família... e, para sua surpresa, especialmente das irmãs. Gayle acabava de ter seu terceiro filho, Sam estava esperando o primeiro e Diana sentiu que queria estar com elas.

       Mas os primeiros meses nos Estados Unidos foram de tortura para ela, e Diana imaginava se havia tomado a decisão certa, perguntando a si mesma se não tinha desistido com muita facilidade.

       Paris era fantástica, mas Los Angeles era interessante também e quase imediatamente ela conseguiu um ótimo emprego na Today's Home, uma revista nova e com imensas oportunidades. O salário era bom, o pessoal agradável, as condições de trabalho magníficas e deram a ela um belo escritório. Em poucos meses, estava criando reportagens, contratando fotógrafos, reescrevendo alguns artigos e viajando para ver casas extraordinárias e locais exóticos. Ia uma vez ou outra a Paris e a Londres. Fez um número da revista no sul da França e outro em Gstaad. E, é claro, em Nova York, Palm Beach, Houston, Dallas, São Francisco e outras cidades americanas. Era o trabalho perfeito para ela, e os amigos e até mesmo as irmãs a invejavam. Para quem não sabia o quanto era árduo, parecia o máximo da sofisticação. Essa era também a opinião de Diana.

       Logo depois que começou a trabalhar na revista, Diana conheceu Andy numa festa para a imprensa. Conversaram durante seis horas seguidas num pequeno restaurante italiano, na primeira noite, e depois disso, antes mesmo que ela tivesse tempo para respirar, Andy a convidou para morar com ele. Diana levou seis meses para resolver, temendo perder sua independência. Mas era louca por ele, Andy sabia disso e retribuía na mesma moeda. O relacionamento era perfeito. Pareciam realmente feitos um para o outro. Andy era alto, bonito e louro, ex-campeão de tênis de Yale, pertencia a uma família antiga e respeitada de Nova York e naquela época estava estudando direito na Universidade de Los Angeles. Logo depois de formado, entrou para o departamento jurídico de uma importante rede de emissoras de TV Andy gostava do que fazia, e seu trabalho, bem como as pessoas que ele conhecia fascinavam Diana. Ele era conselheiro jurídico de vários shows e a firma estava satisfeita com seu modo eficiente de conduzir os mais complexos contratos.

       Diana adorava ir com ele às reuniões de negócios para conhecer as estrelas e conversar com outros advogados, grandes produtores e agentes. Era um ambiente eletrizante, mas Andy o enfrentava com calma e sensatez. Tinha uma boa cabeça, mente brilhante e raramente se impressionava com o charme do mundo em que trabalhava Pretendia, mais tarde, abrir uma firma especializada em direito no campo de diversões e espetáculos. Mas sabia que era cedo ainda e dava valor à experiência que estava adquirindo. Andy sabia exatamente para onde estava indo e o que queria da vida. Sua carreira estava planejada há muito tempo e, quando Diana entrou em sua vida, não precisou mais do que alguns dias para saber que ela era a mulher que queria para casar e para ser a mãe dos seus filhos. Eles riram quando descobriram que ambos queriam quatro filhos. Andy tinha três irmãos, dois dos quais eram gêmeos idênticos e Diana imaginava se teria gêmeos também. Falavam muito sobre os filhos que teriam e Diana concluiu que o descuido ocasional na vida sexual dos dois era devido ao desejo de tentar a sorte para que ela engravidasse. Não ficariam aborrecidos se ela ficasse grávida e precisassem casar mais cedo do que planejavam. Poucos meses depois de se conhecerem falavam abertamente sobre os planos de casamento e o que pretendiam a longo prazo.

       Moravam juntos num apartamento pequeno, mas muito bonito em Beverly Hills. Tinham os mesmos gostos e haviam até comprado dois quadros de Seamus. Com os salários dos dois, podiam ter coisas muito boas. A decoração do apartamento seguia um estilo moderno e discreto, e todo o dinheiro excedente era gasto em objetos de arte. Algum dia começariam uma coleção de objetos valiosos, mas isso ainda não era possível, e eles compravam o que podiam, deleitando-se com cada objeto adquirido.

       Mas o que realmente a encantava era o relacionamento de Andy com seus pais e com suas irmãs e cunhados. Jack e Seamus eram duas pessoas completamente diferentes e Andy gostava de ambos e freqüentemente almoçava com eles, quando não tinha um almoço de negócios na firma. Parecia tão à vontade no mundo artístico de Seamus quanto no mundo científico de Jack e conversavam sobre as mais recentes pesquisas científicas e sobre investimentos. Andrew Douglas era um homem adorável e tudo no seu relacionamento deslumbrava Diana. Ao fim do primeiro ano foram juntos à Europa e depois de visitaremos lugares favoritos de Diana, em Paris, foram ao vale do Loire.

       Em seguida, visitaram Nick, o irmão mais moço de Andy, que estava passando um ano na Escócia. Era uma vida perfeita e, ao voltarem, começaram sem pressa os preparativos para o casamento, no próximo verão. Ficaram noivos dezoito meses depois de se conhecerem, marcaram a data do casamento para oito meses depois, em junho, e resolveram voltar à Europa para a lua-de-mel, indo dessa vez ao sul da França, Itália e Espanha. Os dois conseguiram três semanas de férias dos seus empregos.

       Procuraram casa em Brentwood, Westwood e Santa Monica, e chegaram a pensar em Malibu, apesar de ser fora da cidade. Mas em março encontraram a casa perfeita em Pacific Palisades. Uma residência amada e muito bem cuidada por uma grande família, durante anos, e agora, com os filhos casados, o casal relutava ainda em vender. Andy e Diana apaixonaram-se pela casa. Era grande, com cômodos espaçosos, lambris nas paredes e árvores maravilhosas e um enorme jardim onde as crianças poderiam brincar. Tinha um magnífico quarto de dormir no segundo andar e um escritório para cada um, bem como um belo quarto de hóspedes. No terceiro andar havia quatro imensos quartos para crianças.

       Fecharam o negócio em maio e Andy se mudou para a casa três semanas antes do casamento. Na véspera, quando os pais dela ofereceram um jantar no Bistrô, em Beverly Hills, a casa estava ainda cheia de caixas e caixotes e as malas para a lua-de-mel já prontas no hall de entrada. Ela não quis passar com ele a noite anterior ao casamento e dormiu na casa dos pais, no seu quarto de menina. De manhã, quando acordou, ficou um longo tempo deitada, olhando para o papel de parede desbotado rosa e azul, que conhecia tão bem. Era estranho pensar que dentro de algumas horas seria outra pessoa, a esposa de alguém... o que isso significava? Quem seria então? Seria diferente de apenas morar com ele? Andy iria mudar? E ela? De repente, tudo pareceu quase amedrontador. Pensou nas irmãs, nos homens com quem tinham casado.

       Sim, elas haviam mudado, sutilmente a princípio, depois de forma mais definida, e agora pareciam uma unidade à parte, com os maridos e os filhos. As três continuavam unidas, mas de certa forma o relacionamento era um pouco diferente. Era estranho também pensar que, dentro de um ano, ela talvez tivesse seu primeiro filho. Sentiu um frio no estômago. Fazer amor com Andy era maravilhoso, mas a idéia de que esse amor podia gerar fruto era mais extraordinária ainda. Ela o amava tanto e adorava pensar em ter filhos com ele.

           Diana levantou no dia do seu casamento sorrindo feliz, pensando em Andy e na vida que iriam partilhar. Desceu para tomar tranqüilamente uma xícara de café, antes que os outros acordassem. Logo sua mãe desceu também e, meia hora depois, chegaram as irmãs e os filhos para se vestir ali e ajudar Diana a se preparar. Os maridos, que se encarregariam de receber os convidados, tinham ficado em casa. As três meninas de Gayle e a de Sam seriam as damas de honra, e o filho de Sam o pajem, levando os anéis. Tinha só dois anos e estava uma graça com o terninho de seda branca escolhido por Diana. Ela e as irmãs ficaram com os olhos marejados de lágrimas quando o viram vestido.

           A mãe de Diana havia contratado uma babá para tomar conta das crianças enquanto as mães se vestiam. "Uma atitude típica da mamãe", observou Gayle com um sorriso, erguendo uma sobrancelha. A mãe sempre pensava em tudo, preparava-se para qualquer contingência e era tão organizada que, já em junho, começava a telefonar para saber quais eram os planos das filhas para o Dia de Ação de Graças. Fora uma verdadeira dádiva dos céus para Diana na organização do casamento. Diana, assoberbada de trabalho na revista, mal teve tempo para provar o vestido, mas sabia que, sob a orientação da mãe, tudo sairia às mil maravilhas. As irmãs estavam lindas com os vestidos de seda cor de pêssego, levando nas mãos rosas da mesma cor. E as meninas belas e delicadas vestidas de branco, com faixas largas cor de pêssego na cintura, levando nas mãozinhas enluvadas os cestinhos cheios de pétalas de rosas. Quando a mãe e as irmãs saíram para a igreja, Diana ficou conversando com o pai, naqueles últimos momentos, cheios de ansiedade, antes da cerimônia.

       — Você está linda, minha querida — disse ele, comum sorriso feliz.

       O pai fora sempre muito amigo, muito bondoso e muito orgulhoso dela. Diana não tinha nenhuma queixa dos pais. Nunca houve segredos entre eles, exigências absurdas, animosidades, nem mesmo durante sua adolescência. Gayle teve mais dificuldades e seu quinhão de discussões violentas com a mãe. Mas Gayle era a primeira filha e "eu os estava amansando", explicava ela. Para Diana, os pais sempre pareceram razoáveis e Samantha concordava com ela, quase inteiramente, embora a princípio tivessem demonstrado certas dúvidas quanto ao seu casamento com um artista. Mas agora gostavam de Seamus e o respeitavam. Seamus era sem dúvida diferente, mas era impossível não gostar dele.

       Quanto a Andrew Douglas não tiveram nunca a menor reserva. Era um homem adorável e sabiam que Diana seria muito feliz com ele.

       — Assustada? — perguntou o pai.

       Diana deu alguns passos na sala, enquanto esperava a limusine que a levaria à igreja. Tinham ainda algum tempo e de repente ela desejou que tudo já tivesse terminado, que ela e Andy já estivessem em Bel Air,naquela noite, ou no avião para Paris, na manhã seguinte.

       — Um pouco — respondeu ela, com um sorriso quase infantil. O cabelo arruivado e longo estava preso sob o véu, o que a fazia parecer extremamente sofisticada e ao mesmo tempo muito jovem. Diana estava acostumada a contar ao pai o que ela sentia, a partilhar com ele suas alegrias e seus temores. Mas não sentia nenhum temor importante agora, queria apenas a resposta a algumas perguntas. — Eu gostaria de saber se vai ser diferente agora... quero dizer, com o casamento... você sabe, diferente de morar juntos... — Suspirou e sorriu outra vez. — Tudo parece tão adulto, não acha? — Com vinte e sete anos, sentia-se muito jovem, e, às vezes, muito velha. Mas parecia uma boa idade para casar, especialmente com um homem a quem amava tanto.

       — É um ato de adultos — disse o pai, com um sorriso, beijando-a carinhosamente na testa. Era um homem alto, de aparência distinta, com cabelos brancos e olhos azuis e intensos. Conhecia muito bem a filha e gostava da mulher que ela era agora, bem como do homem com quem iria se casar. Tinha certeza de que daria certo. Não temia por Andrew e Diana. Se a vida fosse bondosa para eles, iriam longe, e ele desejava o melhor para os dois. — Você está pronta para o casamento e ele é um bom homem. Nada vai dar errado, querida. E sempre estaremos aqui para você... e para Andy. Quero que saibam disso.

       — Eu sei. — Com lágrimas nos olhos, Diana olhou para o lado. Estava tão comovida por deixar o pai e aquela casa, embora há algum tempo já não estivesse morando ali. De certo modo, era mais difícil deixá-lo do que a mãe, que era muito ativa e prática e preocupada em evitar que as crianças pisassem no véu de Diana antes de saírem para a igreja. Mas agora, ali sozinha com o pai, nada mais ocupava sua mente, a não ser amor e esperança, e uma avalanche de sentimentos.

         — Vamos, menina— disse ele, finalmente, com voz autoritária, mas carinhosa. — Precisamos ir a um casamento — Com um largo sorriso, ofereceu o braço à filha e o chofer a ajudou a entrar na limusine, ajeitando a cauda do vestido e o véu.

       Diana sentou-se no banco de trás com o buquê de flores na mão, o vestido ocupando todo o banco, e, quando o carro partiu, sobressaltou-se com o grupo de crianças que acenava e apontava para ela. "Olhem!... Olhem!... Uma noiva!..."

       Era divertido e excitante pensar que a noiva era ela. Sentindo o coração disparar dentro do peito, Diana ajustou o véu, o corpete de renda e as enormes mangas de cetim do vestido, um modelo muito vitoriano e extremamente formal.

       Teriam trezentos convidados na recepção no Country Club. Todos estariam presentes, os amigos dos pais da noiva, parentes distantes, seus conhecidos da revista, os amigos de Andy e vários conhecidos da rede de emissoras em que trabalhava, além de alguns astros cujos contratos ele havia feito. Seus pais e os três irmãos estariam também presentes. Nick, que já deixara a Escócia e estava trabalhando em Londres, e Greg e Alex, os gêmeos, que estudavam administração em Harvard. Andy tinha trinta e dois anos e sempre fora o herói dos gêmeos, seis anos mais novos. Eram loucos por Diana e ela estava pensando em convidá-los para passar as férias com eles, ou até mesmo convencê-los a mudarem para a Califórnia. Mas, ao contrário de Andy, os três irmãos preferiam a costa leste e Greg e Alex pretendiam trabalhar em Nova York, Boston, ou até mesmo em Londres, como Nick.

       "Não somos deslumbrados por estrelas, como Andy", disse Nick, em tom de brincadeira, no jantar da noite anterior. Mas era evidente que admiravam o sucesso do irmão e a mulher que ele havia escolhido. Os três orgulhavam-se muito do irmão mais velho.

       Do lado de fora da igreja, Diana ouviu o órgão. Com um pequeno estremecimento, passou o braço sob o do pai. Ergueu os olhos de um azul elétrico, iguais aos dele, e, quando começaram a subir os degraus da igreja, apertou carinhosamente a mão do pai.

         — Lá vamos nós, papai — murmurou ela.

           — Tudo vai dar certo — assegurou ele, como havia feito na noite em que ela representara uma peça na escola pela primeira vez... e quando ela caíra da bicicleta e quebrara o braço, aos nove anos, e ele a levara para o hospital, contando histórias engraçadas, e depois a abraçara amorosamente enquanto os médicos tratavam da fratura. — Você é uma mulher maravilhosa e vai ser uma ótima esposa — disse ele, quando pararam diante da porta principal, esperando o sinal dos irmãos de Andy, encarregados do ritmo da cerimônia.

       — Papai, eu amo você — murmurou Diana, nervosa.

       — Eu também a amo, Diana — inclinou-se e a beijou de leve, por cima do véu, sentindo o perfume forte das rosas.

       Ambos sabiam que iriam lembrar para sempre aquele momento.

       — Deus a abençoe-murmurou o pai quando as irmãs de Diana começaram a caminhar pelo corredor central da igreja, acompanhadas por três amigas da noiva, também com vestidos cor de pêssego e chapéus de organza, seguidas por uma fila de crianças adoráveis. Depois de uma longa pausa, durante a qual a música subiu num crescendo, lentamente, graciosa e régia, ela se adiantou, a jovem rainha, caminhando ao encontro do seu consorte, com o vestido de cetim branco, a cintura fina e os belos enfeites de renda marfim. O véu parecia envolvê-la numa névoa suave, e sob ele os convidados viam o cabelo escuro e brilhante, a pele acetinada, os olhos azuis, o sorriso nervoso e discreto, e então Diana ergueu os olhos e o viu, alto e belo e louro à sua espera. A promessa de uma vida.

         Andrew olhou para ela encantado e comovido. Diana era uma visão deslizando lentamente pelo corredor da igreja, sobre o tapete branco acetinado. Então, segurando o buquê com mãos trêmulas, ela parou diante dele.

         Andy apertou a mão dela carinhosamente e o sacerdote dirigiu-se aos convidados, lembrando por que estavam ali, da sua responsabilidade de parentes e amigos no sentido de dar apoio ao novo casal no cumprimento dos seus votos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. Lembrou Andrew e Diana que o caminho nem sempre seria suave, que o destino nem sempre seria bondoso, mas que deviam estar sempre ali, um para o outro, fortes no seu amor mútuo e no amor a Deus.

       Fizeram os votos com voz alta e clara, e as mãos de Diana não tremiam mais. Ela estava com Andy. No lugar que lhe pertencia. E nunca fora tão feliz em toda sua vida.

       Soma quando o sacerdote os declarou marido e mulher. A aliança fina refletia a luz do sol e quando Andy se inclinou para beijá-la, o amor nos olhos dele era tão repleto de ternura que até a mãe de Diana afinal chorou. Seu pai já havia chorado muito antes, quando a deixou no altar, ao lado do homem que ela amava. Sabia que nada jamais seria igual entre ele e a filha... agora ela pertencia a outra pessoa.

       Saíram da igreja radiantes e orgulhosos, e sorrindo felizes entraram no carro que os levaria à recepção no clube. Depois disso, todos dançaram até as seis horas.

       Era como se todas as pessoas que ela conhecia estivessem ali, pensou Diana, além das que não conhecia. No fim da tarde, havia dançado com quase todos os presentes, e ela, Andy, suas irmãs e os irmãos dele haviam dançado o limbo numa alegria descontraída. Os dois gêmeos tiveram de dançar com Samantha, uma vez que havia três rapazes, Douglas e só três irmãs Goode, mas Sam adorou. Ela era só um ano mais nova do que os gêmeos e, no fim da recepção, já eram grandes amigos. Diana notou satisfeita o grande número de companheiros de trabalho de Andy que havia comparecido, até o presidente com a mulher, embora não tivessem demorado muito, mas não deixou de ser uma delicadeza e o editor-chefe do Today's Home dançou várias vezes com Diana e com sua mãe.

       A tarde estava linda, um dia perfeito, o começo da vida com que ela sempre sonhara. Tudo corna às mil maravilhas. Andy entrou na sua vida no momento certo, tinham sido felizes durante dois anos e meio e agora parecia a hora ideal para se casarem. Sentiam-se seguros individualmente e como um casal e sabiam o que desejavam da vida. Queriam estar juntos, partilhar suas vidas e construir uma família. Tinham tanto para dar um ao outro, tanto para partilhar. Antes de sair para trocar de roupa, Diana olhou para Andy e pensou que talvez tudo fosse perfeito demais. Detestava a idéia de tirar o vestido de noiva, de nunca mais usá-lo, transformar a realidade em lembrança. Queria que aquele momento jamais acabasse.

       — Você está incrível — murmurou Andy, levando-a para a pista de dança, para mais uma valsa antes de saírem para começar a nova vida. — Eu queria que o dia de hoje nunca acabasse — disse Diana, fechando os olhos e pensando em como tudo fora maravilhoso.

       — Não vai acabar — murmurou Andy, puxando-a mais para ele. — Não vou deixar que acabe. Será sempre assim, Diana... Temos de nos lembrar disso, quando tivermos alguma dificuldade...

       — É um aviso? — perguntou ela, sorrindo e olhando para ele — Vai começar a fazer as coisas duras para mim a partir de agora?

       — Muito duras — abraçou-a com mais força, e Diana riu com ele do duplo sentido da frase.

       — Você devia ter vergonha — disse ela.

       — Eu devia ter vergonha? Quem me deixou sozinho e voltou para a casa dos pais para ser uma virgem?

       — Uma noite! Andy!

       — Não foi uma noite... foi mais tempo... eu sei. — Encostou o rosto no dela e Diana tocou o pescoço dele delicadamente.

       — Foi uma noite...

       — Você vai ter de compensar durante semanas, a começar — olhou para o relógio — daqui a mais ou menos meia hora. — A música acabou e Andy olhou ternamente para ela. — Está pronta?

       Diana fez que sim com uma inclinação da cabeça, com pena de deixar a festa do seu casamento, mas estava na hora, passava das seis e eles estavam cansados.

       As damas de honra a acompanharam quando ela subiu para trocar de roupa. Diana tirou lentamente o vestido de cetim e o véu. Sua mãe dependurou tudo em cabides almofadados especiais e ficou observando as filhas com um sorriso feliz. Ela as amava mais do que tudo no mundo. Trouxeram felicidade à sua vida e agora estava satisfeita por vê-las casadas e felizes.

       Diana vestiu o tailleur Chanel de seda marfim, escolhido por ela e pela mãe. Era debruado de azul-marinho, com uma bolsa combinando e grandes botões de pérola. O chapéu era creme e Diana desceu, maravilhosamente elegante, para encontrar o marido, carregando um grande buquê de rosas brancas.

       Os olhos dele brilharam quando ela voltou ao salão. Diana atirou o buquê e Andy atirou a liga dela. Sob uma chuva de arroz e pétalas de rosa, correram para o carro, depois de se despedirem com beijos dos pais e dos irmãos. Prometeram telefonar e Diana agradeceu especialmente os seus pais pela bela festa. Então partiram, numa longa limusine branca, a caminho do Hotel Bel Air para a noite de núpcias, na grande suíte que dava para os belos jardins do hotel.

       Andy a abraçou e os dois deram um suspiro de alívio e de cansaço.

       — Ufa! Que dia! — disse ele, recostando-se no banco e olhando para ela. — Você foi uma noiva belíssima!

       Era estranho pensar que estava tudo acabado.

       — Você também estava maravilhoso. — Sorriu para ele. — A cerimônia foi linda.

       — Você e sua mãe fizeram um trabalho magnífico. Todos os meus amigos da emissora disseram que estava melhor do que qualquer cenário de filme. — A cerimônia e a festa foram repletas de amor, de felicidade e de amigos, mas fora também um show. — Suas irmãs estavam ótimas. Vocês saem mesmo do sério quando estão juntas, não é mesmo? — disse ele brincando e Diana fingiu ofender-se.

       — Nós! Nós saímos do sério? Na minha opinião, os Douglas também não ficam atrás. Vocês estavam escandalosos!

       — Não diga bobagens — disse Andy, fazendo pose, fingindo que olhava pela janela, e sua mulher o empurrou, quase derrubando-o.

       — Está brincando? Desculpe-me, mas está lembrado de quando vocês quatro dançaram o boogaloo com minha mãe?

          — Não, não me lembro disso. — Andy era todo inocência e os dois riram. — Você está bêbado.

           — É possível. — Andy a abraçou e beijou. Quando finalmente ergueu a cabeça, os dois estavam sem ar. — Deus... desejei fazer isso o dia todo. Mal posso esperar para chegar ao hotel e arrancar essa sua roupa toda.

       — Meu tailleur novo? — perguntou ela, horrorizada, e Andy riu. — E o chapéu. Devo dizer que é também muito lindo.

       — Obrigada.

       De mãos dadas, era como se estivessem começando a se amar novamente. De certo modo, era como começar, exceto pelo fato de que eram velhos amigos e tudo que faziam era abençoado pelo amor que os unia.

       Quando chegaram ao hotel, o recepcionista os acompanhou no caminho que levava ao prédio principal e Andy e Diana entreolharam-se sorrindo quando viram as indicações para a recepção do casamento Mason-Winwood.

       — Deve ser um grande dia— disse ele e Diana sorriu.

       Olharam para os jardins, para os cisnes e ficaram encantados com a suíte que ficava no segundo andar e tinha uma ampla sala de estar, uma pequena cozinha e um quarto de dormir fabuloso, todo decorado com um tecido francês estampado de flores e cetim cor-de-rosa. Parecia o lugar ideal para a noite de núpcias; a sala tinha uma lareira e Andy esperava que fizesse frio durante a noite para ter oportunidade de acender o fogo.

       — É lindo — disse Diana, quando o carregador saiu, a porta fechando-se atrás dele.

       — Você também é linda. — Andy tirou o chapéu dela e o jogou sobre a mesa. Então, soltou o cabelo de Diana e o acariciou ternamente, enquanto ele caía sobre os ombros dela. — Você é a mulher mais bonita que eu já vi... e é minha... para sempre, sempre e sempre... — Parecia uma criança narrando um conto de fadas, mas era isso que acabavam de prometer: e o noivo e a noiva viveram felizes para sempre.

       — E você é meu — lembrou ela, mas Andy não precisava ser lembrado e não fazia nenhuma objeção.

       O elegante tailleur Chanel foi desabotoado rapidamente enquanto se beijavam, o blazer caiu no chão quando ele a deitou no sofá e logo depois a roupa dele seguiu o mesmo caminho. Com os corpos jovens e firmes enlaçados eles se descobriram pela primeira vez como marido e mulher. Toda a paixão, todas as promessas uniram-se naquele momento de abandono e Diana apertou o corpo contra o dele como se não quisesse nunca mais deixá-lo sair dos seus braços. O êxtase cresceu, o estremecimento de prazer percorreu seus corpos e ficaram abraçados tranqüilamente muito depois que tudo acabou. O sol do fim do dia estendeu os dedos longos e alaranjados no chão do quarto, enquanto os dois, muito unidos, pensavam na vida que iam começar.

       — Nunca fui tão feliz em toda a minha vida — disse ele, suavemente. — Espero que seja feliz para sempre — murmurou ela. — Espero fazer você feliz durante toda a nossa vida.

       — Espero que possamos nos fazer mutuamente felizes — acrescentou ele, levantando-se e caminhando até a janela.

       Os cisnes brancos e negros deslizavam no pequeno lago e o gramado brilhava aos últimos raios do sol. Jovens com roupas de cores vivas apressavam-se para uma parte do hotel fora do alcance de sua visão, de onde vinham os acordes de música para dançar.

       — Deve ser o casamento dos Mason-Winwood — disse Diana, com um sorriso, ainda deitada, e de repente desejou que tivessem feito um filho. Até então tinham tomado precauções, mas agora não havia mais razão para isso. Concordaram em não mais torná-las, depois do casamento, para ver o que acontecia. Suas duas irmãs engravidaram durante a lua-de-mel e Diana estava quase certa de que o mesmo aconteceria com ela.

       Levantou-se depois de alguns minutos e ficou de pé ao lado dele, na janela. Viram uma jovem vestida de noiva, com um véu curto e um pequeno buquê de flores na mão, correndo para o hotel, acompanhada por uma moça vestida de vermelho, provavelmente sua dama de honra. A noiva parecia ter a idade de Diana, uma "loura de cabeleireiro", atraente, sensual, num vestido um tanto pomposo, mas não caro. A expressão do seu rosto e a pressa com que corria, porém, comoveram os recém-casados. Sabiam muito bem o que ela estava sentindo e seus corações desejaram a ela toda a felicidade...

      

       — Barbie, venha! — chamou Judi, a jovem de vestido vermelho, quando Barbara tropeçou e quase caiu com os sapatos de cetim branco de salto alto, comprados na Payless naquela manhã. — Cuidado, acalme-se, menina... -Judi estendeu a mão para evitar que ela caísse e Barbara parou e respirou fundo, ainda fora da vista dos convidados.

       Judi acenou para o padrinho do noivo e perguntou, só com um movimento dos lábios: -Está na hora?

           Ele abanou a cabeça e ergueu a mão aberta: cinco minutos. Judi e Barbara eram amigas, embora não de muito tempo. Eram atrizes e tinham chegado no ano anterior a Los Angeles, vindas de Las Vegas, onde eram dançarinas. Para economizar o pouco que ganhavam, resolveram morar juntas.

       Judi havia conseguido algum trabalho como modelo também e quase fora escolhida para aparecer brevemente num comercial de televisão. Barbie dançara no corpo de baile da reencenação de Oklahoma 1, quando o musical passou pela cidade, e havia tentado inutilmente um lugar em todas as novelas de horário diurno. Assim como Judi, passava o resto do tempo trabalhando como garçonete. Logo que chegou a Los Angeles conseguiu para as duas um bom emprego no Hard Rock Café. E foi no Hard Rock que conheceram Charlie.

       Primeiro ele saiu com Judi, mas ambos se detestaram, não tendo nada para dizer um ao outro, e ele começou a procurar Barbie. Durante algum tempo, ele almoçava no Hard Rock quase diariamente, até arranjar coragem para convidá-la para sair. Fora mais fácil convidar Judi — ela era muito mais acessível, muito mais descontraída , mas, para Charlie, Barbie era especial.

           Começaram a sair juntos e, na quarta vez, Charlie já estava completamente apaixonado e morrendo de medo de dizer isso a ela. Chegou a deixar de vê-Ia por algum tempo, mas não conseguiu continuar. Telefonou para Judi dizendo que precisava falar com ela. Queria conselho e saber o que Barbie pensava dele.

       — Ela é louca por você, seu bobo.

       Judi não entendia como um homem de 29 anos podia ser tão ingênuo. Ela e Barbie jamais haviam conhecido alguém como Charlie. Não era bonito, mas era "engraçadinho", de um modo quase infantil, e tão inocente e sincero.

       — Por que você acha que ela gosta de mim? Ela disse alguma coisa? — perguntou Charlie, desconfiado, mas ela riu outra vez.

       — Porque eu a conheço melhor do que você.

       Judi sabia que Barbie gostava do modo carinhoso dele, da sua generosidade e dizia que ele a havia levado a alguns lugares muito interessantes. Charlie ganhava bem como representante de uma fábrica de tecidos, tirava uma boa comissão, gostava de levar as moças a bons restaurantes e vivia muito bem para um homem solteiro.

       As coisas mais agradáveis da vida eram importantes para Charlie. Sua infância em Nova Jersey fora extremamente pobre e a boa vida e o conforto significavam muito para ele. Trabalhava arduamente e merecia o que ganhava.

           — Ela achaque você é um cara formidável — disse Judi, imaginando se devia ter se esforçado mais um pouco para gostar dele, mas definitivamente ele não era o seu tipo. Ela gostava de agitação e Charlie era por demais controlado e com os pés na terra. Era um bom homem, mas Judi preferia os mais ousados. Queria uma vida muito divertida, movimentada e rica, e Charlie a entediava. Mas Barbara era diferente. Judi sabia que ela vinha de uma cidade pequena.

       Quando terminou o ginásio, Barbie havia ganhado todos os concursos da "garota mais isto ou aquilo da cidade", teve então um desentendimento com os pais e fugiu para Las Vegas. Há muito tempo ela pensava em ir para Nova York, mas ficava longe demais de Salt Lake e Las;Vegas era mais perto. Porém, apesar dos homens que conheceu e da vida dura, havia algo de decente e puro em Barbie, e por isso Charlie a amava. Ela gostava dele também, especialmente porque a fazia lembrar-se de alguns rapazes da sua cidade e porque achava repousante sua ingenuidade. Ele era bem diferente dos homens que havia conhecido em Las Vegas e em Los Angeles e que pareciam esperar tudo de uma mulher: dinheiro, sexo e mais alguma coisa. Charlie queria apenas estar com ela e era difícil não gostar disso. Tinha boa aparência, embora não fosse nada de excepcional. Era ruivo, tinha olhos azuis e o corpo todo coberto de sardas. Havia nele algo do amiguinho de infância, uma característica atraente para muitas mulheres e que também comovia Barbie. Às vezes ela pensava que Charlie podia ser a solução de muitos problemas.

       — Por que você não diz o que acha dela? — sugeriu Judi e então, três semanas depois de começarem a sair juntos, ficaram noivos. E, seis meses depois, Barbie encontrava-se de pé, atrás de um arbusto no jardim do Bel Air Hotel, esperando pelo sinal para começar seu casamento.

       — Você está bem? — perguntou Judi, olhando para Barbie que, nervosa, apoiava o corpo ora num pé, ora no outro, como um cavalo de corrida assustado.

       — Acho que vou vomitar.

       — Não se atreva! Levei duas horas para arrumar seu cabelo debaixo desse véu... Eu te mato!

       — Está bem, está bem... Cristo, Judi, sou velha demais para isto. Com trinta anos, Barbara às vezes tinha a impressão de ser mil anos mais velha do que Charlie e não apenas um. Mas com pouca maquiagem e com o cabelo preso, parecia mais jovem. Porém, era mais vivida e mais experiente. Só Charlie via a sua doçura e pureza sob a superfície. Só ele era capaz de alcançar uma parte da sua alma que Barbara julgava morta para sempre. Charlie a convidava para jantares preparados por ele no seu apartamento, davam longos passeios e ele falava em conhecer a sua família, mas Barbara balançava a cabeça e nunca respondia às perguntas sobre seus pais.

       Não gostava de falar no assunto e dizia que jamais voltaria a Salt Lake City, mas nunca explicou por quê. Ficou furiosa quando dois missionários mórmons apareceram no apartamento onde ela morava com Judi, tentando convencê-la a voltar para a igreja e para Salt Lake City. Barbara bateu a porta na cara deles, gritando que não queria que a procurassem nunca mais. Não queria nada que a fizesse lembrar de Salt Lake City. Charlie só sabia que Barbara tinha oito irmãos e uns vinte sobrinhos e sobrinhas, mas era evidente que alguma outra coisa, além de tédio, tinha feito com que ela abandonasse a família.

       Charlie falava abertamente sobre seu passado. Quando nasceu, fora abandonado numa estação de trem, dizia sua ficha, e fora educado em vários orfanatos estaduais de Nova Jersey. Esteve em vários lares provisórios e duas vezes foi considerado para adoção, mas era uma criança nervosa, alérgica, com problemas de pele e, aos cinco anos, começou a ter acessos de asma. Tudo isso foi superado pomo tempo e a asma, depois de alguns anos, estava sob controle, mas então Charlie j á tinha muita idade para ser adotado. Onze anos atrás, quando completou dezoito, saiu do orfanato e tomou um ônibus para Los Angeles, onde estava até agora. Trabalhou e estudou à noite e seu sonho era estudar administração na universidade, o que significaria um emprego melhor para sustentar a família que queria construir. Para ele, conhecer Barbie foi como a realização de um sonho. Tudo que desejava agora era casar, dar a ela um lar e ter muitos filhos parecidos com ela. Quando Charlie disse isso, Barbara riu.

       -— Seria muito melhor que se parecessem com você!

       Barbara era bonita, tinha um belo corpo, mas nunca se importou muito com isso até conhecer Charlie. Ele era tão bom, tão protetor, tão diferente de todos os homens que conhecera, mas, mesmo assim, às vezes Barbara desejava que fosse também um pouco mais interessante. Quando chegou a Los Angeles, ela pensava em namorar um ator, de preferência famoso, e acabou com Charlie. Uma vez ou outra perguntava a si mesma se não devia esperar o príncipe dos seus sonhos ou, pelo menos, o ator famoso. Levou Charlie para comprar roupas, tentando fazer com que ele se interessasse por algo mais moderno, mas, no fim, concordou que não combinava com ele. Charlie era o tipo de homem que só fica bem com roupas simples. Seu cabelo ficava todo arrepiado quando o deixava crescer, por isso ele o usava bem curto e, quando tomava sol, não ficava bronzeado, mas queimado e cheio de bolhas.

       — Não sou o tipo sofisticado, você compreende... — explicou ele certa vez, quando jantavam no seu apartamento. Naquela noite tinha preparado sua especialidade: caneloni e ossobuco, acompanhados por uma salada verde. Charlie contou que aprendeu a fazer aquele prato num dos seus lares adotivos, o que a comoveu.

       Em certos momentos, Barbara sentia que o amava de verdade, mas às vezes não tinha tanta certeza, o que a preocupava. Charlie seria o homem certo para ela? Ou era apenas generoso, bom e conveniente? Sabia que ele jamais a faria sofrer. Mas também jamais teriam uma vida movimentada e excitante.

       Nada em sua vida era definido, as escolhas eram sempre difíceis, os preços a pagar altos demais, os riscos muito grandes... exceto com Charlie. Ele oferecia tudo, tudo que ela desejava anos atrás... ou que deveria desejar agora. segurança, um bom lugar para viver, um bom homem para tomar conta dela, nenhuma preocupação, nenhuma dor de cabeça, nenhum temor de não poder pagar o aluguel, nem o pavor de que as coisas fossem de mau a pior e ela tivesse de trabalhar como corista outra vez. O que Barbara realmente queria era uma carneira de atriz e os agentes com quem conversara garantiam que ela tinha talento para isso. S6 precisava de uma brecha, uma boa oportunidade. Não tinha certeza se Charlie aceitaria isso. Casando com ele, poderia continuar trabalhando? Ele faria oposição à sua carreira? Charlie dizia que não, mas também estava sempre falando em ter filhos, o que não constava dos planos dela, não com ele, não ainda, talvez nunca. Nunca disse isso a ele, mas e se aparecesse uma boa oportunidade? Se conseguisse um bom papel num filme importante? O que iria fazer com sua vida? Mas e se a oportunidade não chegasse... pelo menos não precisaria trabalhar como garçonete. Além disso, talvez estivesse vendo as coisas de um ângulo errado. Às vezes era dominada por um sentimento de culpa, mas precisava pensar na própria vida, uma lição aprendida há muitos anos, no seio da sua família. Tinha aprendido muita coisa com os pais e irmãos, coisas que não queria ter de aprender outra vez, que não queria lembrar.

       Era difícil não se deixar arrebatar pela constância de Charlie, sua adoração, sua devoção, sua decência pura e simples e, no fim, Barbie resolveu que o amava de verdade. Mas agora, ali parada, o medo a dominou outra vez. E se estivesse cometendo um engano terrível? Se, dentro de dois anos, eles começassem a se odiar ou se nem precisasse de tanto tempo?

       — Então, o que eu faço? — murmurou para Judi.

       — É um pouco tarde para se preocupar com isso agora, não acha? — disse Judi, alisando a frente do vestido vermelho de renda.

       Judi tinha pernas incrivelmente longas e os seios pareciam querer explodir para fora do decote do vestido. Um médico de Las Vegas fizera o implante e todos seus conhecidos acharam maravilhoso. Exceto Barbie, para quem comprar seios era idiotice, porque os seus eram fumes e grandes e verdadeiros. Mas que diabo, pensava Judi, vistos de longe, quem nota a diferença?

       Barbie tinha um corpo sensacional, o busto grande contrastando com a cintura tão fina que Charlie com as duas mãos em volta dela quase tocava as pontas dos dedos. Não era alta mas tinha pernas bem-feitas. Era uma mulher vistosa e, mesmo vestida com um saco de estopa, seria sexy. E agora, com o vestido curto de cetim branco, era uma combinação estonteante de inocência e erotismo.

           — Acha que meu vestido está muito justo? — Olhou nervosa para Judi. Tinha a impressão de estar esperando há uma eternidade. Ainda achava que deviam ter simplesmente ido ao cartório, mas Charlie insistira num casamento "de verdade".

           Esse casamento significava tudo para ele, por isso Barbara concordara. Preferia passar o fim de semana em Reno, mas Charlie planejara tudo e convidara todos os amigos. Teriam sessenta convidados e Barbara sabia que aquele era o hotel mais luxuoso de Los Angeles — com exceção talvez do Beverly Hills Hotel, ela havia observado, mas Charlie dissera que este era melhor. Escolheram o menu mais barato e o plano mais simples, mas ele queria casar ali, mesmo que tivesse de gastar todas as suas economias. "Você merece", dissera ele.

       — Seu vestido está ótimo — garantiu Judi e, para ela, Barbara estava fantástica. Assustada, mas muito bonita. — Tudo vai dar certo, garota, relaxe.

       Judi começava a ficar intrigada com a demora. Finalmente, o amigo de Charlie, encarregado da cerimônia, apareceu e a música começou. Charlie havia contratado um contrabaixo, um violino e um piano elétrico. Tocaram a marcha nupcial e Judi olhou para o pequeno quiosque armado para a ocasião. Charlie tinha encontrado um pastor, em algum lugar, que não fez muitas perguntas a Barbie sobre o fato de ela ser mórmon, e finalmente ela concordou que ele oficializasse o casamento.

       Então Mark, o padrinho de Charlie, ofereceu o braço à noiva, olhando para ela com um sorriso paternal. Tinha o dobro da idade de Charlie e o dobro do peso. Fora supervisor de Charlie durante dois anos e, de certo modo, era quase como um pai para ele, um homem bonito ainda, apesar do excesso de peso e de, no momento, o suor descer das suas têmporas, formando pequenos filetes nos dois lados do rosto.

       Antes de começar a andar, ele inclinou a cabeça para ela e disse, muito sério:

       — Boa sorte, Barbara... Tudo vai dar muito certo. — Bateu de leve na mão dela e Barbara se esforçou para não pensar no seu pai.

       — Obrigada, Mark.

       Mark tinha concordado em levar a noiva ao altar e em ser o padrinho do noivo. Forneceu também todo o champanhe para a festa porque seu irmão conhecia um atacadista no Napa Valley. Mark queria tudo do melhor para eles. Era divorciado e tinha duas filhas, uma casada, a outra na universidade.

       Começaram a andar e Barbara tentou não pensar no futuro, no casamento, nos anos de compromisso. E então, de repente, lá estava ele... Charlie... parecendo tão adorável, tão inocente e tão jovem, com seu cabelo ruivo, os olhos azuis e aquele sorriso. Vestia um smoking branco, um cravo branco na lapela, como um garoto que tinha pedido emprestada a roupa do pai para um baile de formatura. Era difícil ter medo dele, medo de unir sua vida à dele. E quando Mark apertou carinhosamente sua mão, Barbara compreendeu que todos os seus temores eram incrivelmente absurdos. Nada de mau iria acontecera ela, estando casada com Charlie. E teve certeza de estar fazendo a coisa certa.

       — Eu a amo — murmurou ele e Barbara ergueu os olhos e compreendeu que o amava também. Charlie estava fazendo uma coisa maravilhosa, dando a ela uma vida nova e bela, oferecendo-se para protegê-la para sempre. Ninguém jamais fizera nada igual e, olhando para ele, Barbara teve certeza de que Charlie nunca a desapontaria. Então, arrependeu-se das dúvidas, dos temores, das vezes em que pensara que poderia conseguir coisa melhor. Charlie era o homem certo, um bom amigo, um bom homem, bom marido e ela uma tola por desejar mais. Estava com trinta anos e o príncipe encantado evidentemente tinha outros compromissos, em outro planeta. Charles Winwood era seu príncipe, ela não precisava mais do que isso, não queria nada além do que ele oferecia.

       — Eu o amo, Charlie — murmurou, quando ele pôs a aliança no seu dedo.

       Com os olhos marejados de lágrimas, Charlie a beijou e Barbara o abraçou terna e longamente, tentando apagar todos os anos de solidão e de sofrimento de sua vida.

       — Eu a amo tanto, Barb... — Charlie não tinha palavras para expressar seu amor.

       — Prometo que serei uma boa esposa... prometo mesmo...

       — Eu sei que será, doçura.

       Mais tarde, brindaram com champanhe e dançaram na pista improvisada sobre o gramado. O bufê estava armado perto do bar, ao lado dos músicos.

       Foi uma bela festa e todos se divertiram, especialmente os noivos, que, como os convidados, beberam fartamente o champanhe de Mark. E este parecia se divertir muito, dançando com Judi. Todos estavam alegres felizes quando a banda começou a tocar coisas como ‘When the Saints Go Marching In’ e ‘Hava Nagila’.

       Depois, tocaram música lenta outra vez, para acalmar e relaxar o ambiente. Foi a vez de ‘Moon River’, que Mark dançou com Barbara e Charlie com Judi.

       — Você é uma noiva muito bonita, Barb — disse Mark. O céu estava estrelado e fazia calor. Uma noite mágica. — Vocês dois terão uma vida maravilhosa — disse ele, com convicção. — E uma porção de belos filhos para provar isso — anunciou, no mesmo tom.

       — Como pode ter tanta certeza? — perguntou ela, com um sorriso. Mark era um bom homem e um bom amigo.

       — Porque sou muito velho e sei muitas coisas. E sei o quanto Charlie quer ter filhos.

       Barbara também sabia, mas já dissera a Charlie que queria esperar alguns anos, a fim de tentar sua carreira como atriz. Ele não ficou exatamente feliz com a idéia, mas tinham resolvido conversar mais tarde. Charlie não tinha idéia, mas ter filhos era uma das coisas que realmente a assustavam. Sentiu um frio na boca do estômago.

       — Posso interromper? — Charlie entregou Judi para Mark e abraçou Barbara para sua última dança daquela noite.

       Os dois haviam bebido bastante, mas Barbara parecia estar vivendo um sonho, rodeada por tantas pessoas felizes.

       — Você se divertiu? — perguntou Charlie, encostando os lábios no pescoço dela e sentindo os seios firmes contra seu peito. Cada vez que a tocava ficava quase louco de desejo. Ela jamais dizia não, jamais se opunha ao que ele queria, era uma boa companhia e uma mulher extremamente sexy. Dançando com ela, Charlie sentia-se o homem mais feliz do mundo.

      — Eu me diverti muito — disse Barbara com um sorriso — E você?

       — O melhor casamento que já vi. — Sorriu também.

       Eram quase da mesma altura e, para Charlie, era como se tivesse conquistado o mundo.

       — Isso não me parece um grande elogio — disse ela, com um muxoxo fingido.

       Charlie a abraçou com mais força.

       — Você sabe como estou feliz, Barb... pelo menos eu espero que saiba. Para mim isto é a realização do sonho de toda uma vida.

       Era o começo do que ele jamais tivera. O amor, o calor de um lar, de — uma família, tudo que sempre havia desejado desesperadamente.

       — Eu sei — murmurou ela e, quando ele a beijou, teve a impressão de que sua cabeça estava rodando. Só pensava em estar deitada na praia de Waikiki com ele. Partiriam para o Havaí na manhã seguinte, num grande pacote turístico. Passariam a noite de núpcias no apartamento de Charlie. Tinham pensado em passar no Bel Air, mas era caro demais e Barbara não fazia questão. Tinha certeza de que jamais iria esquecer aquela noite, aquele momento.

      

       Em Santa Barbara, sob um céu também cheio de estrelas, 25 amigos observavam em silêncio Pilar Granam e Bradford Coleman beijando-se à luz da lua. Finalmente eles olharam para os amigos, felizes e espantados, como se só então tivessem notado sua presença, e o silêncio foi quebrado pelas palmas e as exclamações de alegria.

       Marina Goletti, a juíza que realizou a cerimônia, declarou-os marido e mulher e os convidados logo os rodearam.

       — Por que vocês demoraram tanto? — perguntou com bom humor um amigo de Brad.

       — Estávamos treinando — disse Pilar, em tom de dignidade ofendida, com o belo vestido de seda estilo grego moldando o corpo longo e esbelto.

         Pilar nadava e fazia ginástica todos os dias e, na opinião de Bradford, tinha o corpo de uma adolescente. Era uma bela mulher e orgulhava-se do cabelo grisalho e farto que ia até os ombros. Era quase branco desde os vinte e poucos anos, vinte anos atrás.

       — Treze anos é um bocado de tempo para treinar!

       Uma advogada, Alice Jackson, que trabalhava com ela na firma de advocacia, murmurou no seu ouvido.

       — Estamos satisfeitos por você finalmente ter resolvido casar com Brad.

       — Isso mesmo — disse outro advogado da firma, Bruce Hemmings. — Eu sei, vocês não quiseram arriscar um escândalo, agora que Brad foi nomeado juiz.

       — Acertou — disse Brad com sua voz profunda, apertando carinhosamente o ombro de Pilar. -— Não quero que ela seja acusada de dormir com o juiz para conseguir favores especiais.

       — Como se você fosse capaz de me fazer favores! — brincou Pilar, encostando-se nele.

       Tudo nos dois sugeria uma intimidade calma e antiga.

       Na verdade, haviam sido arquiinimigos durante três anos, logo que Pilar s,— formou em direito e foi para Santa Barbara. Conseguiu um emprego de defensora pública quando ele era promotor e parecia que todos os crimes importantes os obrigavam a se confrontarem no tribunal. Pilar odiava as idéias de Brad, sua política, seu estilo, sua insistência em lutar por um caso até vencer ou simplesmente deixar o júri exausto. Mais de uma vez tiveram discussões acaloradas nos corredores do tribunal.

       Foram advertidos várias vezes pelo juiz e Pilar quase passou uma noite na cadeia por desacato à corte, quando xingou Brad na frente do juiz. Mas Brad achou tão divertido aquele ataque que resolveu completar a cena, convidando-a para jantar, ao fim da sessão daquele dia.

       — Você está louco? Não ouviu o que eu disse? — perguntou ela, saindo da sala, tremendo ainda de raiva pelo modo com que ele dirigia a acusação de um caso de estupro.

       — De qualquer modo, você precisa comer. E seu cliente é culpado e você sabe disso.

       Pilar sabia e não gostava do que estava fazendo. Mas alguém tinha de defendê-lo do melhor modo possível e esse era o seu trabalho, quer Brad gostasse ou não.

       — Não vou discutir a inocência ou a culpa do meu cliente com você, Dr. Coleman. Não é permitido. É por isso que me convidou para jantar? Para me fazer admitir alguma coisa que possa usar contra mim?

       Pilar estava furiosa e não dava a mínima para o fato de ele ser um homem atraente. Brad era o Cary Grant do escritório da promotoria. Tinha quase cinqüenta anos e cabelos brancos, e todas as mulheres do escritório o elogiavam e o achavam sexy. Pilar Graham não estava interessada nisso, não com ele. Para ela, tratava-se exclusivamente do seu trabalho.

       — Eu não me prestaria a esse papel — disse Bradford Coleman, em voz baixa — e você sabe disso. Gostaria que você trabalhasse no nosso escritório e não como defensora pública. Seria interessante estar do seu lado num caso. Podíamos causar um prejuízo e tanto à oposição.

       Pilar não pôde conter um sorriso e sentiu-se lisonjeada, mas não foi jantar com ele. Sabia que Bradford Coleman era viúvo, tinha filhos e era querido por todos.

       Mas tudo que via nele era um adversário. Nunca se permitiu ver mais do que isso, até se defrontarem outra vez num caso famoso, estampado em todos os jornais. Era um caso de assassinato e infelizmente a imprensa se encarregara de transformá-lo em sensação, da forma mais revoltante possível. Uma jovem estava envolvida, acusada de matar o amante da mãe. Alegou que o homem tentara violentá-la, mas não havia nenhuma prova disso e a mãe estava contra ela. Os interrogatórios foram longos e árduos, a tática dos advogados brutal, e então, no meio do julgamento, Bradford Coleman procurou Pilar e disse calma e simplesmente que, devido a novas provas, ele acreditava na inocência da sua cliente. Brad pediu um recesso e tornou-se o paladino da causa da jovem. Foram sua habilidade e seu minucioso trabalho de investigação que libertaram a sua cliente, Pilar sempre dizia, e não a sua defesa. Ela não estava conseguindo nada até Brad mudar de lado. Foi então que, finalmente, jantaram juntos. Depois de três longos anos. Nada era fácil para eles, nem acontecia rapidamente.

       Na ocasião, os filhos de Brad, Nancy e Todd — com treze e dez anos respectivamente -, não aprovaram o relacionamento do pai com ela. Haviam perdido a mãe cinco anos antes e, desde então, não precisaram dividir o pai com mais ninguém. Não pretendiam desistir dele em favor de uma mulher, nem por um minuto. No começo as crianças dificultaram as coisas para eles e, embora Brad e Pilar fossem ainda apenas bons amigos, os filhos dele pressentiam que a amizade podia se transformar em algo mais forte. A atitude dos filhos o entristeceu demais, mas Pilar sentiu apenas por ele. Quer fosse ela ou outra pessoa, Brad precisava de algo mais na vida que não fosse o trabalho e os filhos. E quanto mais o conhecia, mais ela o respeitava, mais impressionada ficava com sua mente e sua alma, seu senso de justiça e sua integridade. Brad era mais notável ainda do que todos diziam.

       Assim, antes de se dar conta do que estava acontecendo, Pilar estava loucamente apaixonada por ele e ele por ela, e não sabiam o que fazer com as crianças.

       — Além do problema das crianças, o que vai acontecer com o meu trabalho? Não posso mais defender os casos em que você for promotor, Brad. Seria contra a ética... — Não seria bom para nós.

       Finalmente Brad concordara com ela e passaram a se desqualificar quando a agenda do tribunal os indicava para o mesmo caso. Depois de um ano, Pilar passou a trabalhar num escritório particular e adorou. Por fim, Brad fez o mesmo e tinham, ambos uma vida muito ativa e, afinal, as crianças se acostumaram com o relacionamento dos dois e, aos poucos, passaram a gostar de Pilar. Foi uma guerra longa e difícil, mas quando Nancy tinha dezesseis anos e Todd treze, três anos depois do começo do romance entre os dois, Pilar Graham passou a morar com Bradford Coleman.

       Finalmente, compraram uma casa em Montecito e as crianças cresceram. Nancy foi para a faculdade e Todd para o colégio interno e os amigos desistiram de perguntar quando seria o casamento. Eles não achavam necessário. Tinham os filhos dele e Pilar jamais quis ter filhos. Não precisava de um papel para provar qualquer coisa, explicava ela. No seu coração estava casada com Brade isso era a única coisa que importava.

       Continuaram assim por treze anos e, quando Brad fez 61 e Pilar 42, ele foi nomeado juiz da Suprema Corte de Santa Barbara. E de repente compreenderam que podia ser embaraçoso para ele viver com uma mulher com a qual não era casado. Principalmente se a imprensa resolvesse explorar o assunto, o que provavelmente faria, pois já tinham surgido alguns comentários.

       Certa manhã, durante o café, discutiram o assunto e Pilar perguntou tristemente:

       — Acha que devo me mudar daqui?

       Brad recostou-se na cadeira, segurando o New York Times e parecendo se divertir. Pilar era tão bela aos 42 quanto aos 26, quando da primeira vez se defrontaram no tribunal.

       — Não acha isso um pouco de exagero?

       — Bem, não quero criar problemas para você. — Ela parecia muito preocupada, enquanto servia mais um pouco de café para os dois.

       — Não pode pensar em outra solução, doutora? Eu posso.

       — O quê? — perguntou ela, sem entender.

       — Ainda bem que não é minha advogada, Dra. Graham. Nunca lhe ocorreu que podemos nos casar? Ou, se tem ainda aversão a essa idéia, não sei por que o fato de vivermos juntos provocaria algum escândalo. Tenho certeza de que os juízes têm permissão para viver com outras pessoas. São apenas humanos.

       — Não acho que seja uma boa idéia para você. — Brad tinha uma reputação tão limpa, não convinha arriscar.

       — Então, o que me diz do casamento?

       Pilar ficou em silêncio por um longo tempo, olhando para o mar.

       — Não sei. Na verdade, nunca pensei nisso... ou pelo menos não penso há muito tempo. E você?

       — Não, porque você não queria. Mas eu poderia ter pensado.

       Brad sempre quis se casar com ela, mas Pilar queria continuar livre, queria que fossem sempre duas entidades, uma ao lado da outra ou interligadas, mas não "devoradas uma pela outra", como costumava dizer. No começo, os filhos dele teriam feito objeção, mas não agora. Nancy estava com 26, casada há um ano, e Todd, com 23, trabalhava em Chicago.

       — Seria tão horrível casar agora? — perguntou ele, com um sorriso tímido, e Pilar hesitou antes de responder.

       — Na nossa idade? — Estava realmente espantada, como se Brad tivesse sugerido uma coisa estranha, como saltar de um avião sem pára-quedas, uma coisa inimaginável.

       — Será que agora existe um limite deidade? Eu não sabia — brincou ele e Pilar sorriu.

       — Está bem, está bem... — Com um suspiro, ela se recostou na cadeira. — Eu não sei... o caso é que a idéia me assusta. Tem sido tão maravilhoso todos estes anos, por que mudar agora? E se estragar tudo?

       — Você sempre diz isso. Mas estragar por quê? Será que você vai mudar? Ou eu?

       — Não sei — olhou para ele. — Acha que você mudaria?

       — Mas, por que, Pilar? Eu a amo. Nada me agradaria mais do que me casar com você e talvez esta seja a desculpa que precisávamos.

       — Mas por quê? Além da sua nomeação, é claro. Para quê? Que diferença pode fazer para quem quer que seja? E por que é da conta de alguém?

       — Não é. É só da nossa conta. Mas quero que seja minha mulher. — Segurou a mão dela e depois a beijou. — Eu a amo, Pilar Graham. E a amarei até a morte. Quero que seja minha mulher, independente da minha nomeação. O que você acha?

       — Acho que está louco. — Sorriu e o beijou. — Muito estresse no trabalho. Além disso, eu gosto de ser um pouco diferente. Gostei de ter o cabelo grisalho aos vinte e cinco anos, nunca me importei por não ter filhos, quando todas as outras tinham um no colo e outro no carrinho, gosto de trabalhar para viver e não tenho a menor vontade de casar.

       — Por que não? Deveria se envergonhar por viver em pecado. Não tem consciência?

       — Nenhuma. Eles me obrigaram a desistir dela quando ingressei na advocacia.

       — Sim, eu já sabia. Muito bem, pense um pouco nisso agora — sugeriu ele.

       Isso fora um pouco antes do Natal. E durante seis meses eles conversaram sobre o assunto e brigaram e finalmente ele jurou que não casaria nem que ela pedisse de joelhos. Então, numa noite de maio, Pilar o surpreendeu.

       — Estive pensando — disse ela, preparando um expresso depois do jantar.

       — No quê?

       — Em nós.

       Brad esperou um momento, preocupado. Pilar era muito independente e capaz de qualquer coisa, de tomar uma decisão maluca e achar que era a melhor.

       — Acho que devemos nos casar — calmamente deu a ele a xícara de café, mas Brad ficou tão surpreso que nem notou.

       — Acha o quê? Depois de tudo aquilo que disse no Natal... O que, em nome Deus. a fez mudar de idéia?

       — Nada. Apenas resolvi que você talvez tenha razão e esteja na hora. Pilar tinha pensado muito e era difícil admitir que, bem no fundo da sua alma, descobrira um desejo ardente... de pertencer a ele... ser parte dele... para sempre...

       — Por que pensou nisso agora?

       — Não sei. — Ela parecia evasiva e Brad sorriu.

       — Você é louca, sabia? Completamente louca. — Brad levantou-se da cadeira e a abraçou e beijou. — Eu a amo muito, muito, quer você case comigo ou não. Quer mais tempo para pensar no assunto?

       — Acho melhor você não me dar muito tempo — continuou, com um largo sorriso — Posso mudar de idéia. Acho melhor resolvermos tudo rapidamente. — Falava como se fosse uma coisa difícil e penosa.

       — Prometo facilitar as coisas na medida do possível. — Brad estava feliz.

     Escolheram um dia de junho e telefonaram para Nancy e Todd, que ficaram encantados e prometeram comparecer. Pareciam sinceramente felizes por eles. Convidaram dez casais dos quais gostavam realmente e uns poucos amigos solteiros, advogados que trabalhavam com ela, dois que trabalhavam com ele, entre os quais Marina Goletti, a melhor amiga de Pilar, para realizar o casamento, é claro, e a mãe de Pilar. Os pais de Brad estavam mortos há muito tempo e a mãe de Pilar era viúva. Morava e trabalhava em Nova York, mas prometeu não faltar ao casamento, "se vocês não mudarem de idéia", disse ela com ceticismo, o que irritara Pilar.

           Mas Brad cumpriu a promessa e se encarregou de tudo, mandando sua secretária tratar dos convites. A única coisa que Pilar teve de fazer foi sair com a enteada e Marina Goletti para comprar o vestido. Pilar estava tão nervosa que as outras duas quase tiveram de provar os vestidos por ela. Mas por fim encontrou um belo Mary McFadden com pregas miúdas de seda marfim, que a fazia parecer uma deusa grega. No dia do casamento, ela penteou o cabelo para cima, com pequenos anéis soltos ladeando o rosto, pequenas flores entremeando-se aos fios. Estava muito chique e quando olhou para os convidados, depois da cerimônia, parecia extremamente feliz.

           — Viu, não foi tão difícil — murmurou Brad, os dois um pouco afastados, vendo os amigos se divertirem. Como sempre, estavam unidos por um silêncio tranqüilo e seguro. A compreensão que existia entre eles havia superado tudo naqueles treze anos: oposição e tensão, medo, solidão e ódio. Era um elo de amor que os unia, que os fazia enfrentar os ventos da vida, seguros um no outro. — Você fez isso por mim ou pelos outros? — perguntou Brad.

           — É engraçado — disse ela, pensativa. — No fim, fiz por mim mesma. — Não pensara em dizer isso a ele, mas agora parecia o momento certo. — De repente, senti que precisava casar com você e tive certeza.

       — Fico feliz com isso. — Brad a abraçou. — Eu também precisava casar com você, há muito tempo. Mas não queria pressioná-la.

       — Você sempre foi tão bom a esse respeito. Significa muito para mim. Acho que eu só precisava de tempo.

       Brad riu do sorriso tímido dela. Ainda bem que ela não queria filhos. Se tivessem de esperar mais treze anos para resolver, podia ser um problema muito sério.

       — Esta é a hora certa — disse ele. — Exatamente quando devia ser. Eu a amo. — Olhou para ela, intrigado. — A propósito, quem é você? Sra. Coleman? Ou Senhorita Graham?

       — Eu não tinha pensado nisso. Não sei se devo mudar de nome, na minha idade. Depois de quarenta e dois anos como Graham, vai ser difícil me desfazer desse nome de repente. — Viu um indício de tristeza resignada nos olhos dele. — Por outro lado... talvez daqui a outros treze anos... Já sei! Que tal escolher o mais famoso?

       — Coleman? — Brad estava encantado e comovido. Um grande dia para os dois.

       — Sra. Coleman — disse ela, suavemente. — Pilar Coleman.

       Ela sorriu como uma menina tímida outra vez e Brad a beijou, depois juntaram-se aos amigos que comemoravam o casamento.

       — Parabéns, Pilar — disse sua mãe, sorrindo sobre a taça de champanhe. Elizabeth Graham ainda era bela aos sessenta e sete anos. Há quarenta praticava medicina, especializada =neurologia, em Nova York, e Pilar era sua única filha. O marido, um juiz do Tribunal de Recursos de Nova York, morrera num desastre de avião, no auge da carreira, quando Pilar estava na faculdade de direito.

     — Você nos surpreendeu hoje — disse a mãe, friamente, e Pilar sorriu. Estava bastante madura para não morder a isca nem perder a calma quando a mãe a provocava, o que acontecia com muita freqüência.

       — A vida é cheia de surpresas maravilhosas. — Pilar sorriu para Brad e, por sobre o ombro dele, para Marina.

       Desde que se conheceram, logo depois de Pilar ter chegado a Santa Barbara, Marina fora uma verdadeira mãe para ela e significava muito para Pilar o fato de a amiga ter realizado seu casamento. Agora ela era colega de Brad na magistratura, mas sua amizade com Pilar era mais antiga. Trabalharam juntas no escritório da defensoria pública durante seis meses e depois Marina tornara-se juíza. Mas então já era amiga muito querida de Pilar, uma substituta para a mãe com quem ela jamais tivera uma amizade verdadeira.

       O relacionamento de Pilar com a mãe sempre fora tenso, e todos sabiam que Pilar quase nunca visitava os pais. Ambos viviam muito ocupados com as suas carreiras e Pilar fora mandada para o colégio interno aos sete anos. Ia para casa nas férias para ser "submetida a um interrogatório cerrado", como contou a Brad, a fim de avaliar o que havia aprendido, sua fluência no francês e explicar a nota de matemática. Eram estranhos para ela, apesar dos fracos esforços do pai para remediar esse fato, durante as férias. Ele, porém, pouco tinha para dizer à filha, envolvido demais no seu trabalho. Desde muito cedo, a mãe deixara bem claro que sua carreira era mais importante do que o relacionamento entre as duas.

       — Eu nunca entendi porque quiseram ter um filho — comentou Pilar certa vez com Brad. — Nunca tive certeza se eu fui um engano ou uma experiência que não deu certo.

       Fosse o que fosse, a verdade é que jamais fui exatamente o que eles queriam. Minha escolha pela carreira de direito foi um alívio para meu pai. Acho que foi a primeira vez em que percebeu que eu não representava um erro total da parte deles. Antes disso, nenhum dos dois jamais compareceu às minhas formaturas. É claro que minha mãe ficou furiosa porque não escolhi a medicina, mas, na verdade, não posso dizer que ela chegou a fazer alguma coisa para tornar essa carreira atraente para mim.

       Pilar tinha crescido em escolas, não em casa. Certa vez dissera, em tom de brincadeira, que era institucionalizada, como alguns dos seus clientes que haviam crescido nas prisões. A frieza do relacionamento dos pais, a indiferença que demonstravam por ela, além da política da época, tudo isso fez com que abominasse a idéia do casamento e mais ainda a de ter filhos. Não queria que ninguém levasse uma vida igual à sua e não tinha a menor noção de como criar um filho. Não tinha nenhum exemplo válido na própria infância. Na verdade, fora uma surpresa para ela o relacionamento de Brad com os filhos, tão natural, aberto e desprovido de temores.

       Eles conversavam sobre tudo e ele era sincero e emotivo com eles. Pilar não podia imaginar esse tipo de relacionamento com pessoa alguma, muito menos com um filho, mas aos poucos Brad a ajudou a abrir sua alma e partilhar as emoções com as pessoas que amava. Com o tempo Pilar passou a se sentir perfeitamente à vontade com ele e com as crianças. Mas nem assim pensou em ter filhos. E vendo a mãe agora, no dia do seu casamento, lembrou outra vez do fracasso dos pais em relação a ela.

       — Você está muito bonita hoje, Pilar — disse a mãe, um tanto constrangida, como se estivesse falando com uma conhecida ou com uma estranha. Jamais permitiu que alguém conhecesse o mistério dos seus sentimentos, se é que tinha algum. — É uma pena que você e Brad sejam velhos demais para ter filhos.

       Pilar olhou para ela completamente atônita. Não podia acreditar no que estava ouvindo.

       — Não acredito que você tenha dito isso — falou em voz tão baixa que Brad não ouviu. — Como ousa presumir alguma coisa sobre nossa vida ou nosso futuro?

       De longe, Marina viu a fúria nos olhos da amiga.

       — Você sabe tanto quanto eu que, do ponto de vista médico, na sua idade não é aconselhável começar a ter filhos — disse a mãe com frieza profissional e Pilar conseguiu dominar a própria emoção.

       — Todos os dias mulheres da minha idade têm filhos — disse Pilar, censurando a si mesma por ter mordido a isca outra vez. A última coisa que ela queria no mundo era ter um filho. Mas, mesmo assim, sua mãe não tinha o direito de pressupor que ela não teria ou, pior ainda, que não deveria. Depois de ter feito tão pouco por ela durante todos aqueles anos, o mínimo que podia fazer agora era respeitar sua privacidade e o seu direito de opinião e de escolha.

       — Talvez isso aconteça na Califórnia, Pilar. Mas vejo essas crianças todos os dias, imperfeitas, retardadas, com a síndrome de Down, algumas com graves anomalias e complicações. Acredite, você não ia querer isso.

       — Tem razão. — Olhou nos olhos da mãe. — Não quero. Eu nunca desejei ter filhos... graças a você e a papai... — Com essas palavras, Pilar afastou-se, trêmula, e foi procurar Brad que a tinha deixado conversando com a mãe.

       — Você está bem? — murmurou Marina.

       Marina, com seu cabelo grisalho muito crespo e sempre parecendo despenteado, era a mãe que Pilar nunca teve, a amiga que sempre desejou ter. Sabia muito da vida e fizera algumas escolhas semelhantes às de Pilar, embora por motivos diferentes. A mais velha de onze irmãos, criou dez deles depois da morte da mãe e jamais quis casar ou ter filhos. "Eu me dediquei ao trabalho", dizia ela, compreendendo perfeitamente a agonia de Pilar em relação aos pais. Nos últimos anos, o sofrimento de Pilar fora amenizado, a não ser nas raras ocasiões em que via a mãe. "A Doutora", como Pilar a chamava, só ia à Califórnia uma ou duas vezes por ano e nos intervalos Pilar jamais sentia sua falta. Visitava-a por obrigação e surpreendia-se sempre ao se dar conta de que nada havia mudado. Às visitas continuavam a ser "interrogatórios".

       — Parece que a Doutora afez passar um mau pedaço — disse Marina e Pilar sorriu.

       A presença da amiga sempre a fazia gostar um pouco mais da raça humana. Era uma dessas raras pessoas, uma grande alma que enriquece a vida de todos que a conhecem.

       — Não, ela só queria ter certeza de que Brad e eu sabemos que estamos velhos demais para ter filhos — disse Pilar com um sorriso, mas uma grande amargura na voz.

       Não era a falta de filhos que a preocupava, mas a falta de calor e bondade da parte da mãe.

       — Quem disse isso? — perguntou a juíza Goletti. — Minha mãe tinha cinqüenta e dois anos quando teve o último filho.

       — Bem, isso é sem dúvida encorajador — sorriu Pilar — Prometa que não vai acontecer isso comigo, senão dou um tiro na cabeça agora mesmo.

       — No dia do seu casamento? Não seja ridícula. -E então surpreendeu Pilar com uma pergunta: — Vocês dois estão pensando em ter filhos? Marina conhecia uma porção de casais mais velhos do que eles que tiveram filhos há pouco tempo, mas estava curiosa e sua amizade com Pilar permitia a pergunta. A decisão de Pilar de se casar, depois da obstinada recusa de uma vida inteira, a surpreendeu tanto que todas suas atitudes anteriores pareciam questionáveis.

       Pilar disse, rindo abertamente:

       — Não precisa se preocupar com isso. A última coisa que desejo na vida é ter filhos. Na verdade, a idéia nem consta da minha lista e não faz parte de meus planos.

       — Ela queria Brad, mas estava absolutamente certa de que não queria filhos.

       — O que não faz parte dos seus planos? -perguntou Brad, aproximando-se das duas e abraçando Pilar.

       — Abandonar minha carreira — respondeu Pilar, sentindo que a presença de Brad fazia desaparecer toda sua irritação com a mãe.

       — Quem jamais pensou que você iria fazer isso? — Brad estava genuinamente surpreso. Pilar era uma ótima advogada e dedicada à carreira. Não podia imaginar que ela um dia deixasse a profissão.

       — Acho que ela deve juntar-se a nós na magistratura— disse Marina Goletti solenemente.

       Quando Marina se afastou para falar com alguns conhecidos, Pilar e Brad ficaram sozinhos por um momento.

       — Eu a amo, Sra. Coleman. Só queria poder dizer o quanto.

       — Tem uma vida inteira para isso... e eu também... Eu o amo, Brad — murmurou ela.

       — Valeu a espera, cada minuto. E eu esperaria mais cinqüenta anos, se fosse preciso.

       — Isso deixaria minha mãe realmente nervosa — riu Pilar. Seu riso era jovem e malicioso.

       — Há? Sua mãe está preocupada porque sou velho demais para você? — Afinal, Brad era pouco mais novo do que a mãe de Pilar.

       — Não... Ela acha que eu estou velha demais. Ela tem medo que num ato de loucura possa resolver ter filhos retardados, que serão então seus pacientes.

       — Quanta gentileza da parte dela! Foi isso que ela disse? – Brad ficou levemente irritado, mas não ia permitir que coisa alguma o aborrecesse naquele dia especial, há tanto tempo esperado.

       — Sim, na verdade foi. A boa doutora achou que era seu dever me avisar.

       — Não esqueça de convidá-la para nosso vigésimo quinto aniversário de casamento.

       Dançaram um com o outro e com os amigos. À meia-noite saíram discretamente e foram para a suíte reservada no Biltmore.

       — Feliz? — perguntou ele, na limusine alugada.

       — Mais do que feliz — disse Pilar com um largo sorriso. Depois bocejou, deitou a cabeça no ombro dele e apoiou os pés na banqueta. — Oh, meu Deus... — Ela franziu a testa e levantou a cabeça rapidamente. — Esqueci de me despedir da minha mãe e ela viaja amanhã. — Elizabeth Graham iria a uma convenção médica em Los Angeles. Ficara muito satisfeita porque a data do casamento de Pilar coincidiu com a véspera da convenção.

           — Hoje você tem permissão para esquecer. É o dia do seu casamento. Ela deveria ter vindo se despedir com um beijo e votos de felicidade — disse Brad e Pilar deu de ombros. Na verdade, não importava agora. Tinha levado muito tempo, mas a guerra estava terminada. — Eu me encarrego de desejar felicidades no lugar dela— murmurou Brad e Pilar o beijou, sentindo que vivera toda sua vida para esse momento. Brad era tudo que ela sempre quis, e mais, e por um instante arrependeu-se de não terem se casado antes.

           Seu passado não significava mais coisa alguma; seus pais, o fracasso deles com ela. Tudo que importava agora era Brad e a vida que iriam partilhar. E tudo que ocupava seus pensamentos, enquanto se dirigiam para o Biltmore, era o futuro dos dois.

 

Uma semana depois do Dia de Ação de Graças, Diana estava assoberbada de trabalho para a organização do número de abril da revista. Estavam preparando artigos extensos sobre duas casas em Newport Beach e outra em La Jolla. Ela foi de carro a San Diego para orientar os trabalhos e no fim da tarde sentia-se exausta. Tudo foi difícil; a dona da casa detestou tudo que eles fizeram e a editora-assistente escolhida por ela para fazer a matéria não parava de se lamentar.

       — Calma — disse Diana, procurando conter a irritação, atormentada por uma terrível dor de cabeça. — Se ela perceber que você está preocupada, vai ficar pior. Procure tratá-la como a uma criança. Ela quer aparecer na revista e você tem de ajudá-la a conseguir isso.

       Mas, logo depois, o fotógrafo teve um acesso de desespero e ameaçou abandonar tudo e, no fim do dia, todos estavam com os nervos à flor da pele, especialmente Diana.

       Voltou para o Valencia Hotel, entrou no quarto e deitou-se sem acender a luz. Estava cansada demais para se mover, falar ou comer. Não tinha forças nem para telefonar para Andy. Sabia que teria de telefonar, mas resolveu primeiro tomar um banho quente e pedir uma sopa no quarto. Telefonou para o serviço de quarto antes de preparar o banho. Quando começou a se despir, viu o que esperava não ver. O sinal que, a cada mês, ela rezava para não aparecer, mas que sempre estava lá, a despeito das suas orações, das suas tentativas de calcular as datas certas para engravidar. Nada dera resultado até então. Nada. E estavam tentando há seis meses. Começava a ficar desanimador, se não para Andy, pelo menos para Diana.

       Ela fechou os olhos ao ver o sangue e estava chorando quando entrou na banheira. Por que era tudo tão difícil? Por que tinha de ser assim para ela? Fora tão fácil para suas irmãs!

       Depois do banho telefonou para Andy, que acabava de chegar de uma reunião no escritório.

       — Oi, meu bem, como foram as coisas hoje? — Andy parecia cansado e Diana resolveu não dizer nada até voltar para casa, mas sua voz a traiu e Andy perguntou: — Aconteceu alguma coisa?

       — Não... só um dia muito longo. -Tentou parecer descuidada, mas sua voz estava triste. Era como se alguém morresse a cada mês, deixando-a triste e abatida.

       — Parece mais do que isso. Problemas com a equipe? Com a dona da casa?

       — Não, não, foi tudo bem. A mulher é mais do que difícil e o fotógrafo ameaçou se despedir. Mas tudo isso faz parte do trabalho — Diana sorriu tristemente.

       — Então, o que há? O que não quer me contar?

       — Nada... eu... não é nada. Só que fiquei menstruada. Fico deprimida. — Seus olhos encheram-se de lágrimas. Mas Andy não parecia preocupado.

       — Não é problema, querida. Significa que temos de tentar outra vez. Que diabo, são só seis meses! Muita gente leva um ou dois anos para conseguir. Procure se acalmar. Não se preocupe e aproveite a viagem. Eu a amo, bobinha. — A tristeza de Diana todos os meses o comovia, mas tinha certeza de que não havia nada de errado. Além disso, os dois estavam sempre sob tensão no trabalho, o que não ajudava. Todo mundo sabia disso. -Que tal sairmos da cidade por uns dois dias, no próximo mês, na época certa? Você faz os cálculos e me avisa.

       — Eu o amo, Andrew Douglas. — Diana sorriu entre as lágrimas. Andy era tão bom e tão compreensivo com suas tentativas para engravidar.

       — Eu queria ter a sua calma. As vezes penso se não seria bom consultar um especialista ou pelo menos ouvir a opinião de Jack.

     — Não seja ridícula. – Pela primeira vez Andy se irritou. Não queria que ela discutisse sua vida sexual com o cunhado. — Pelo amor de Deus, não há nada de errado com nenhum de nós dois.

       — Como você sabe?

       — Eu sei. Agora, confie em mim.

      — Esta bem, está bem. É só que... fico tão preocupada... todos os meses. Qualquer indício me deixa esperançosa... quando me sinto cansada, quando espirro ou quando sinto enjôo. Convenço-me de que estou grávida e então, zum... de repente, tudo acaba.

      Era difícil explicar o desapontamento, a angústia, o medo, a dor, o vazio, o desejo desesperado. Tinham vivido juntos por quase três anos, estavam casados há seis meses e agora Diana queria um filho dele. Até o terceiro andar da sua casa, ainda vazio, era uma acusação. Compraram a casa para ter filhos e nada tinha acontecido.

       — Trate de não pensar no assunto por algum tempo, querida. Vai acontecer. Quando pretende voltar para casa?

       — Amanhã à noite, espero. Se essa gente não me deixar louca antes. — Suspirou. De repente, a idéia de voltar a tratar com todos eles a deprimiu mais ainda. O golpe nas suas esperanças cada vez que ficava menstruada tirava o brilho de tudo que fazia. Cada mês sofria uma perda terrível, sentia um vazio impossível de descrever até mesmo para Andy. Parecia absurdo, mas era incrível o quanto isso a afetava e o esforço que fazia para superar e recobrar novamente a esperança... só para ver tudo desfeito no mês seguinte.

       — Estarei em casa quando você chegar. Depois de uma boa noite de sono vai se sentir melhor. — Era tão simples para ele, as respostas consoladoras, o encorajamento. De certo modo, Diana queria que ele se preocupasse também. Queria que partilhasse os temores, a dor, mas talvez fosse melhor assim. — Eu a amo, Di.

       — Eu também o amo, meu querido. Estou com saudades.

       — Eu também. Vejo você amanhã à noite.

       Depois que desligou o telefone, chegou a sopa que ela não se deu ao trabalho de tomar. Apagou as luzes e ficou deitada no escuro, pensando no filho que desejava tanto e na mancha vermelha que destruíra seu sonho mais uma vez. Mas, ao mergulhar no sono, desejou que no mês seguinte tudo fosse diferente.

      

       Pilar Graham, como continuava a se chamar profissionalmente, examinava os papéis numa pasta, fazendo anotações, quando o intercomunicador tocou.

       — Os Robinson estão aqui — informou sua secretária.

       — Obrigada. Mande-os entrar.

       Pilar levantou-se quando a secretária abriu a porta para um casal. A mulher devia ter quase quarenta anos, cabelos escuros de comprimento médio, e o homem era alto e magro, vestia-se com simplicidade e parecia um pouco mais velho. Tinham sido recomendados por outro advogado e Pilar passara a manhã toda estudando o caso.

       — Como vão? Sou Pilar Graham.

       Depois dos apertos de mão, ela os convidou a sentar e os dois recusaram o oferecimento de chá ou café. Pareciam nervosos e ansiosos para entrar logo no assunto.

       — Estive lendo seu caso durante toda a manhã — disse Pilar, em voz baixa. Parecia séria, amadurecida e inteligente, o tipo de pessoa que inspira confiança. Mas eles conheciam também sua reputação e por isso estavam ali. Pilar tinha fama de ser uma "fera" no tribunal.

       — Acha que pode fazer alguma coisa? — Emily Robinson ergueu os olhos tristes e Pilar pôde medir toda sua angústia, perguntando a si mesma se poderia ajudá-la.

       — Espero poder ajudar, mas, francamente, não tenho certeza ainda. Preciso estudar mais o caso. Quero falar com alguns colegas, confidencialmente, é claro. Na verdade, é a primeira vez que trato de um caso de mãe de aluguel. As leis são um tanto vagas em certas áreas e variam incrivelmente de estado para estado. Como sabem, não é uma situação fácil e eu simplesmente não tenho as respostas.

       Lloyd Robinson fizera um acordo com uma moça de dezessete anos, que morava nas montanhas, perto de Riverside, para ter um filho dele. A jovem já tivera dois filhos ilegítimos e demonstrou a maior boa vontade para ter mais um. Robinson a conheceu através da escola onde havia trabalhado. A inseminação artificial foi feita por um médico local. Robin só pagou a ela cinco mil dólares, o suficiente para se mudar para Riverside, no ano seguinte, morar decentemente e entrar para a universidade, que,segundo ela,era tudo que desejava. Sem aquele dinheiro, nunca poderia fazer isso e ficaria para sempre nas montanhas. Foi uma bobagem, os dois compreendiam agora — ela era muito jovem, instável, e os pais fizeram um barulho dos diabos junto às autoridades locais quando descobriram.

       Lloyd enfrentou um processo criminal que foi logo anulado. Mas a corte não concordou com sua escolha da mãe. Durante algum tempo houve a vaga possibilidade de acusação de estupro, mas Lloyd provou a inexistência de contato sexual. De qualquer modo, no fim, Michelle, a jovem, se recusou terminantemente entregar a criança. Quando o bebê nasceu, ela estava casada com um rapaz do local que também não queria se desfazer da criança. E agora Michelle estava grávida do marido. O bebê de Lloyd Robinson tinha um ano e a justiça não permitia sequer que ele o visitasse. Foi explicado que, como "doador", ele não tinha nenhum direito sobre a criança. Concluíram que ele exercera má influência sobre a menor e haviam expedido um mandado liminar proibindo qualquer ação subseqüente da parte dele. Os Robinson estavam desconsolados. Agiam como se tivesse sido roubada deles uma criança que conheciam e amavam. Era uma menina e eles a chamavam de Jeanne Marie, os nomes das mães dos dois, embora Michelle tivesse escolhido um nome completamente diferente. Olhando para eles, Pilar teve a impressão de que os Robinson viviam num mundo de sonhos.

       — Não teria sido mais fácil adotar uma criança, mesmo que fosse uma adoção particular?

       — Talvez — disse Emily, tristemente -, mas queríamos um filho dele. Sou eu que não posso ter filhos, Dra. Graham. — Parecia estar confessando um crime terrível. Pilar sentiu pena dela e, embora admitindo que achava o caso fascinante e estranho, o que a impressionava era aquele desejo compulsivo de ter um filho. — Somos velhos demais para adotar legalmente — explicou Emily. — Estou com quarenta e um e Lloyd tem quase cinqüenta. Tentamos durante anos, nossa renda não era suficiente. Lloyd sofreu um acidente e ficou sem trabalhar por um longo tempo. Agora estamos bem. Vendemos o carro e nós dois trabalhamos durante dois anos para conseguir o dinheiro que demos a Michelle. O resto gastamos quase todo com advogados. Não temos muito mais agora — disse ela com franqueza, mas Pilar não pareceu se importar. O caso a intrigava. A corte tinha um relatório da assistência social e, embora eles fossem sem dúvida diferentes, pareciam decentes e não tinham vícios, de acordo com as pessoas que os conheciam. Apenas não podiam ter filhos e estavam desesperados por um bebê. O desespero leva as pessoas a fazerem as coisas mais estranhas, pensou Pilar.

       — Concordariam com permissão para visitas? – perguntou ela, com calma.

       Emily suspirou.

       — Concordaríamos, se não fosse possível conseguir nada mais. Mas não é justo. Michelle deu dois filhos seus quando era pouco mais de uma menina e agora vai ter outro do marido. Vai ter um outro filho, por que insiste em ficar como o filho de Lloyd? — argumentou ela, com voz chorosa, mas todos sabiam que era mais do que isso.

       — É filho dela também — disse Pilar suavemente.

       — Acha que tudo que podemos conseguir é o direito de visita? — perguntou Lloyd e Pilar hesitou antes de responder.

       — É possível. Dada aposição atual da corte, isso pode ser um passo à frente. E com o tempo, se Michelle não tratar a criança como deve ou se houver algum problema com seu marido, então talvez consigam a custódia, mas não posso prometer e isso pode levar muito tempo, anos, talvez. — Pilar era sempre franca com os clientes.

       — O último advogado que consultamos disse que podia nos devolver Jeanne Marie em seis meses — disse Emily com um tom de censura na voz e Pilar conteve-se para não lembrar que não se tratava de "devolver", uma vez que a menina jamais estivera com eles.

       — Acho que ele não foi honesto em dizer isso, Sra. Robinson. Aparentemente era o que eles achavam também, do contrário não estariam ali.

       Eles entreolharam-se com desespero. A angústia e a solidão nos seus rostos eram de cortar o coração.

       Alguns amigos de Pilar e Brad chegaram a ir a Honduras, Coréia e Romênia para adotar crianças, mas nenhum foi tão imprudente quanto os Robinson e nem parecia tão infeliz quanto eles. Os Robinson tinham arriscado e perdido, e sabiam disso.

       Pilar conversou com eles por mais algum tempo, dizendo que estava disposta a aceitar o caso. Podia pesquisar antecedentes em todo o estado e os informaria sobre o que descobrisse. Mas os Robinson pediram a ela para esperar um telefonema deles. Queriam pensar primeiro. Quando saíram do escritório, Pilar sabia que não os veria mais. Eles procuravam alguém que lhes prometesse a lua e eia não podia fazer isso. Sozinha, no escritório, pensou por algum tempo nos Robinson, que pareciam perdidos, desesperados, sedentos pela companhia da filha desconhecida. Nunca tinham visto a menina; mesmo assim, para eles, ela era Jeanne Marie, uma criança que pensavam conhecer e amar. Era estranho e Pilar não podia ajudá-los. O caso a intrigava e ainda pensava nele quando Alice Jackson apareceu na porta com um largo sorriso e depois um ar de interrogação.

       — Humm, doutora... parece um caso difícil. Não a vejo assim desde que trabalhava no escritório da defensoria pública e tinha de defender um acusado de assassinato. — Quem foi que ele matou?

       — Ninguém — Pilar sorriu, lembrando o tempo em que as duas eram defensoras públicas. Seu outro sócio, Bruce Hemmings, também tinha trabalhado como defensor público. Ele e Alice estavam casados há alguns anos e tinham dois filhos. Alice era uma boa amiga,embora não tão íntima quanto Marina. Mas era um prazer trabalhar com ela. — Não é um caso de assassinato — esclareceu Pilar,,pensativa, convidando-a a sentar-se. — Mas é tão estranho. — Explicou o caso em poucas palavras e Alice abanou a cabeça.

       — Nem tente criar uma nova lei para isso. Posso garantir que o máximo que vai conseguir é o direito de visita. Não está lembrada? Ted Murphy teve um caso como esse no ano passado: a mãe de aluguel recusou-se a entregara criança no último minuto. Foi parar na Suprema Corte do Estado e o pai só conseguiu custódia conjunta técnica: a mãe obteve a custódia física e ele, o direito a visitas.

       — Sim, eu lembro, mas este casal é tão... — Não queria dizer a palavra, mas a verdade era que os Robinson eram patéticos.

       — No único caso em que o juiz não decidiu a favor da mãe de aluguel, esta havia sido fecundada com um óvulo doado pela mãe adotiva em potencial.Não lembro onde aconteceu, mas posso procurar para você — ofereceu-se ela. — O juiz decidiu que não havia parentesco de sangue com a mãe de aluguel, já que o esperma e o óvulo foram doados pelos pais adotivos. E ela entregou a criança a eles. Mas as circunstâncias do seu caso são diferentes e foi uma grande bobagem fazer o acordo com uma menor.

       — Eu sei. Mas às vezes as pessoas fazem as maiores loucuras para ter um filho.

       — Eu que o diga. — Alice sentou-se. — Durante dois anos tomei hormônios e pensei que iria morrer. Passava tão mal, era como se estivesse fazendo quimioterapia e não tomando hormônios para ter um filho. — Com um sorriso e um ar jovial, deu de ombros. — Mas consegui dois filhos adoráveis e por isso acho que valeu a pena.

       E os Robinson não tinham coisa alguma. Um bebê que fingiam se chamar Jeanne Marie, que nunca tinham visto e talvez nunca pudessem ver.

       — Por que algumas pessoas chegam a esse ponto, Ali? Dá o que pensar. Eu sei, seus filhos são maravilhosos... mas teria sido tão horrível assim não ter nenhum?

       — Seria — respondeu ela, em voz baixa. — Para mim... e para Bruce. Queríamos uma família. — Pôs a perna sobre o braço da cadeira e olhou para a amiga — Nem todos têm a sua coragem — continuou. Alice sempre tinha admirado Pilar e suas convicções.

       — Não sou corajosa... Como pode dizer uma coisa dessas?

       — Sim, você é. Sabia que não queria filhos e construiu sua vida de acordo. A maioria das pessoas, com medo de não estar fazendo a "coisa certa", teria os filhos e os odiaria pelo resto da vida. Não imagina quantas mães eu conheço nas reuniões dos escoteiros, nas aulas de caratê, na escola, que não gostam dos filhos e jamais deveriam ter concebido.

       — Meus pais eram assim. Acho que por isso eu sempre tive tanta certeza. Não queria que um filho meu passasse o que passei. Sempre me senti uma estranha, uma intrusa, uma imposição na vida de duas pessoas que tinham coisas mais importantes para fazer do que conversar com uma menina ou talvez até mesmo amá-la. — O tema era pesado, mas Pilar já havia falado sobre ele com Alice. Não era uma revelação, mas a entristecia do mesmo modo. Era doloroso pensar que ela havia se privado deliberadamente de filhos, que, para Alice, eram uma das poucas coisas importantes na vida.

       — Você nunca teria sido igual a eles, Pilar. Talvez agora que está casada com Brad deva repensar suas opções.

       — Oh, por favor... na minha idade? — Pilar chegava a achar engraçado. Por que todo mundo estava tão ansioso para saber se ela e Brad pretendiam ter filhos?

       — O mundo dos hormônios pode ser seu também — sorriu Alice.

       Levantou-se da cadeira e olhou para Pilar. Eram boas amigas e sabiam que sempre seriam.

       — Na verdade, com a sua sorte, provavelmente vai engravidar na primeira tentativa. E não venha com essa bobagem de idade. Você tem só 42 anos. Isso não é nada demais, vovó Coleman.

       — Obrigada. Mas acho que vou me poupar mais essa dor de cabeça. Pobre Brad... Iria ficar atônito... e eu também. — Levantou-se da cadeira com um sorriso e consultou o relógio. Ia almoçar com a enteada e se não se apressasse chegaria atrasada.

       — Quer que eu faça alguma pesquisa sobre aquele caso? — Alice estava sempre disposta a fazer pesquisas. — Tenho tempo esta tarde e amanhã de manhã.

       — Obrigada, mas acho que não vale a pena. Eles não vão voltar. Não tenho certeza nem mesmo se vão tentar o direito de visita. Acredito que queiram tudo ou nada. Posso estar enganada, mas vão encontrar alguém que cobre menos e que prometa a lua, e que vai acabar oferecendo o direito de visita, se tiverem sorte.

       — Tudo bem. Se eles telefonarem, me avise. — Eu aviso... e muito obrigada.

       Trocaram um sorriso e Alice voltou para seu escritório no outro lado do corredor. Ela era menos ocupada do que Pilar, menos veemente, menos disposta a enfrentar um litígio. Gostava de casos interessantes que envolviam pontos incomuns da lei. Se fosse médica teria se dedicado à pesquisa. E agora trabalhava só três dias por semana. Nos outros dois ficava em casa, com os filhos, mas Pilar não se sentia sobrecarregada. Tinham estilos diferentes e Bruce se encarregava de mais do que a sua parte no trabalho. Ele gostava das ações civis, os casos das grandes empresas que iam a julgamento. Preferia tratar com instituições.

       Os três formavam uma boa equipe; nos casos mais difíceis trabalhavam juntos e, quando era necessário, contratavam assistentes. Exatamente como Pilar sempre desejou praticar sua profissão. Sentia-se capaz, independente e livre para escolher os casos que queria defender e gostava de Alice e Bruce. Gostava dos sócios de Brad também.

       Tinham um círculo de amizades muito interessante, embora às vezes ela reclamasse que só conhecessem advogados e juízes. Mas a verdade era que ela gostava disso.

       Pilar não podia imaginar uma vida sem trabalho. Dirigindo o carro para o centro, onde ia se encontrar com Nancy, pensava, como sempre, como a enteada podia viver assim, sem fazer nada. Nancy deixou de trabalhar quando casou, há um ano, e Pilar não aprovava. Brad, porém, fazia questão de não interferir na vida dos filhos e ela procurava fazer o mesmo e não contradizê-lo nessa área. Mas nem sempre era fácil. Pilar tinha opiniões próprias. Na lista das coisas em que acreditava, o trabalho ocupava lugar de destaque. O mesmo aparentemente não acontecia com Nancy.

       Pilar chegou ao Paradise com dez minutos de atraso e Nancy estava à sua espera com um vestido de malha escuro, botas e um casaco vermelho, o cabelo longo escovado para trás e preso com uma fita de veludo vermelho. Como sempre, muito bonita.

       — Olá, meu bem. Você está ótima!

       Pilar sentou-se, abriu o cardápio, fez o pedido e voltou toda atenção para Nancy, com a vaga impressão de que alguma coisa a preocupava. Entretanto, não queria ser indiscreta e resolveu esperar que Nancy dissesse o que era, durante o almoço. Mas não estava preparada para o que Nancy revelou quando foi servida a sobremesa que ela escolhera, uma torta de chocolate com creme e molho de chocolate, que impressionou Pilar. Nancy sem dúvida estava com boa saúde e comendo muito bem e, no entanto, magra como sempre.

       — Preciso contar uma coisa — disse Nancy com um largo sorriso, comendo avidamente a torta.

       — Eu também. Se continuar a comer sobremesas como essa, no Natal vai estar pesando cento e cinqüenta quilos — observou, horrorizada e divertida. Nancy às vezes parecia uma criança. E foi com um sorriso de criança que olhou para Pilar e levou à boca outro pedaço de torta.

       — De qualquer modo vou engordar — disse, comum olhar malicioso para Pilar que tomava café.

       — Vai mesmo? Por quê? Muitos bombons e televisão? Embora seu pai viva dizendo que não devo me intrometer, continuo a achar que você deveria arranjar um emprego. Faça alguma coisa... nem que seja caridade... Saia de casa... Mantenha-se ocupada.

      — Vou ter um filho — interrompeu Nancy com um sorriso vitorioso. Era como se tivesse resolvido um grande mistério ou um segredo que só ela conhecia.

       — Vai? — Pilar nem tinha pensado nisso. Nancy parecia tão jovem, ainda despreparada para ser mãe. Porém, na verdade, estava com 26 anos, a idade com que Pilar conhecera Bradford, dezesseis anos atrás, quase uma vida. -Está grávida?

       — Por que parecia incrível para ela?, pensou Pilar, mais tarde. Mas o fato era que parecia. Mais do que isso, parecia absurdo. E impossível de imaginar.

       — O bebê deve nascer em junho. Queríamos ter certeza de que estava tudo bem antes de contar. Estou de três meses.

       — Nossa! — Pilar recostou-se na cadeira. — Nem sei o que dizer. — Bebês não faziam parte da sua vida e até aquela manhã nunca pensava neles. — Está feliz, meu bem? Ou assustada? Ou zangada? O que a gente sente? Como é estar grávida? Pilar nem podia imaginar e nunca quis saber. Nunca compreendera aquela necessidade de ter filhos. Na verdade o que sentia era necessidade de não os ter.

       — Estou muito feliz e Thomas tem sido fantástico.

       Thomas tinha 28 anos e trabalhava na IBM. Era um bom emprego e ele provavelmente seria um bom pai, mas para Pilar e Brad sempre pareceram muito jovens. De certo modo, até mesmo Todd parecia mais maduro do que os dois.

       — É maravilhoso. Só que no começo eu enjoei, mas agora estou bem. — E Nancy terminou a torta de chocolate sob o olhar fascinado de Pilar.

       — Quer outro pedaço de torta? — brincou Pilar e Nancy fez um gesto afirmativo.

       — É claro.

       — Nancy Coleman, não se atreva. Quando tiver o bebê vai pesar cem quilos.

       — Mal posso esperar — disse Nancy, rindo.

       Pilar apanhou a conta e depois inclinou-se para beijar a enteada.

       — Ótimo para você, meu bem. Estou feliz por vocês dois. Seu pai vai ficar impressionado. Vai ser seu primeiro neto.

       — Eu sei. Pensei em visitar vocês no fim da semana para contar a ele. Não diga nada antes disso, está bem?

       — Claro que não. Não vou estragar a surpresa.

       Parecia estranho que a menina que antes tanto a havia hostilizado a procurasse agora para contar seus segredos mais íntimos. Havia uma espécie de simetria ou talvez de ironia no fato. Sem dúvida tinham completado um círculo.

       Separaram-se na frente do restaurante e Pilar voltou para o escritório com um largo sorriso. Todos queriam saber se ela e Brad iriam ter filhos e afinal iam ter um neto.

       Depois de algum tempo,o trabalho a fez esquecer Nancy.

       Foi um dia longo e cansativo e um alívio quando Brad a apanhou no escritório e propôs que fossem jantar fora. Deixou o carro na garagem e deu graças a Deus por não precisar fazer o jantar. Foram a um restaurante sossegado, o Louie's, e Brad estava de ótimo humor.

       — Como foi o seu dia? – Pilar perguntou comum sorriso cansado, recostando-se na cadeira e começando a se livrar da tensão. Para ela fora um dia diferente, com muito trabalho, exigências intermináveis da parte dos clientes, alguns momentos estranhos, com novas sensações. Não saía da sua cabeça a gravidez de Nancy e a perspectiva de ela ser mãe.

       — Hoje terminei o caso mais longo da história recente do direito e estou quase dançando de alívio. — Era um caso que se arrastara por dois meses, tedioso e às vezes incrivelmente monótono.

       — O que aconteceu?

       — O júri inocentou o acusado e acho que fizeram a coisa certa.

       — Ele deve estar feliz. – Pilar lembrou-se dos seus clientes quando ela era defensora pública.

       — Eu também estou — sorriu Brad, aliviado. — Nada de dever de casa. E você? Parece que teve um longo dia.

       — Foi. Longo e estranho. De manhã atendi um casal com um caso de adoção e mãe de aluguel. O marido fez a bobagem de pagar uma menor para ter seu filho e no fim ela recusou-se a entregar o bebê. O Estado moveu um processo criminal contra ele por ela ser menor, depois retirou, mas não permitem nem que ele veja a criança. Um casal estranho, com um desespero triste estampado nos olhos, uma afeição absurda pela criança que nunca viram mas que chamam de Jeanne Marie. Foi extremamente triste e deprimente. Pensei neles o dia inteiro e na verdade não acredito que alguém possa fazer alguma coisa. Talvez daqui a algum tempo consigam o direito de visita, mas não muito mais do que isso, a não ser que a mãe não trate a criança adequadamente. Eu não sei... É difícil imaginar o que estão sentindo. Estão desesperados para ficar com a criança. Durante anos fizeram tudo o que foi possível para ter um filho, depois passaram para as agências de adoção e finalmente isto... É uma pena que ele tenha escolhido uma moça menor de idade.

       — Provavelmente ele teria problemas de qualquer modo. Você sabe como são essas coisas. Veja o caso do bebê M e posso citar uma dezena de outros iguais. Não acredito que a mãe de aluguel seja a melhor solução.

       — Para algumas pessoas talvez seja.

       — Por quê? Por que não adotar simplesmente? — Brad gostava de conversar com ela, explorando idéias e discutindo casos. Eram sempre muito discretos, mas, quando falavam sobre um caso, lembrava-se de quando eram adversários no tribunal. E que ótima adversária ela era. Às vezes até sentia saudades.

       — Algumas pessoas não podem adotar. São muito pobres, muito velhas ou qualquer coisa assim. E não é fácil encontrar bebês para adoção. Além disso, para esse casal, parece que o fato importante é ser filho dele. A mulher disse quase se desculpando que é ela quem não pode ter filhos. — Fora uma sensação tão estranha, uma cena tão patética. Tudo naquela mulher falava de sofrimento e fracasso.

       — Acha que eles vão voltar?

       — Não, acho que não. Eu disse o que pensava do caso e tenho certeza de que não gostaram. Na verdade, eu poderia fazer muito pouco. Achei que seria cruel dar falsas esperanças.

       — Isso mesmo, seja direta, como um soco na cara. — Brad riu e Pilar contestou. Mas ele gostava da honestidade dela.

       — Tive de ser franca com eles — explicou Pilar, sabendo que não precisava justificar-se. Brad a conhecia muito bem. — Eles queriam tanto aquela criança. As vezes é difícil compreender.

       Era difícil compreender muita coisa, até mesmo o prazer evidente de Nancy com a perspectiva de ter um filho. Pilar percebia isso, mas não achava que fosse capaz de sentir-se do mesmo modo. Olhando para Nancy, sentira-se como uma estranha olhando através de uma janela iluminada. Gostou do que via no outro lado, mas não tinha a menor idéia de como chegar lá, nem mesmo sabia se tinha direito a isso. Todos os sentimentos de prazer com o fato de ter um filho eram desconhecidos para ela.

       — Por que está tão pensativa? — Brad segurou a mão dela sobre a mesa e Pilar sorriu.

       — Não sei... Talvez esteja ficando velha e filósofa... Às vezes penso que estou mudando e isso me assusta um pouco.

       — Deve ser o choque do casamento — brincou ele. — Eu também mudei. Sinto-me cinqüenta anos mais jovem. — Brad acabava de completar 62 anos e era ainda invejado por todos os outros juízes. — Por que acha que está mudando? — perguntou.

       — Não sei. — Não podia falar sobre o bebê de Nancy. — Hoje almocei com uma amiga. Ela está grávida e tão entusiasmada que parecia ela mesma uma criança.

       — Primeiro filho? — Ela fez um gesto afirmativo. — É mesmo excitante, mas os filhos sempre são, seja ele o primeiro ou o décimo. Sempre parece haver lugar para mais um. E mesmo quando a descoberta não provoca grande entusiasmo, quando ele chega é sempre um prazer. Quem é a amiga?

       — Ah, uma moça que trabalhou para nós, no escritório. Acho que foi porque eu me encontrei com ela logo depois de falar com o casal da mãe de aluguel. Os três me pareceram tão convencidos, tão ansiosos para ter um filho... Como sabem que desejam um bebê tanto assim? Como sabem que vão gostar do filho quando ele crescer, que vão ser amigos dele? Meu Deus, Brad, é um compromisso para toda a vida, sem uma pausa para descanso. Como é que as pessoas conseguem?

       — É uma coisa natural, eu acho. Não se pode fazer muitas perguntas. Talvez seja mais fácil para você que conseguiu escapar. — Durante todos aqueles anos, nem uma vez Pilar demonstrou interesse em ter filhos e Brad não se importava, pois já tinha dois. Tinham suas carreiras, suas vidas, os filhos dele, que agora raramente viam. Tinham interesses, atividades, amigos, iam a Los Angeles, Nova York e à Europa, quando tinham tempo. Seria mais difícil se tivessem um filho; não impossível, porém mais complicado. Entretanto Brad sabia que Pilar não tinha nenhuma intenção de ter filhos.

       — Como sabe que eu consegui escapar? — perguntou ela.

       — O que está querendo dizer, Pilar? — retrucou ele, surpreso. Por um breve instante viu nos olhos dela uma vaga tristeza, a expressão de algum desejo insatisfeito. Mas durou menos de um segundo. Brad concluiu que devia ser cansaço.

       — Estou dizendo que não compreendo. Não compreendo o que eles sentem e por que... por que eu nunca senti.

       — Talvez sinta algum dia — disse ele com delicadeza, mas dessa vez ela riu.

       — Sim. Quando tiver cinqüenta anos. Acho que já é tarde demais para isso. — Lembrou do aviso da mãe no dia do seu casamento.

       — Não se você quiser de verdade. Agora, comigo, o caso é diferente. Vai ter de pedir como presente no chá de bebê uma cadeira de rodas e um aparelho auditivo para mim.

       — É pouco provável, meu amor.

       Mas um filho era também pouco provável. Pilar não queria um filho, apenas ficara surpresa quando soube que Nancy estava grávida. Pela primeira vez na vida teve uma vaga sensação de vazio, o mais ligeiro questionamento, e depois lembrou de tudo que tinha e disse a si mesma que estava louca.

      

Natal na casa dos Goode era sempre uma comemoração movimentada e intensa. Gayle e Jack compareciam todos os anos com as três filhas porque os pais dele já tinham morrido. Sam e Seamus iam quase todos os anos porque a família dele morava na Irlanda e nem sempre tinham tempo para ir até lá. Ele sentia-se feliz ficando em casa e passando o dia de Natal na casa dos sogros. E as três irmãs sempre se divertiam muito. Nesse ano tinham também Diana e Andy. Quando as três estavam arrumando a mesa, Gayle cutucou Diana com aquele olhar que Diana detestava. O olhar de quando Diana tirava uma nota baixa, ou queimava os biscoitos que devia levar à reunião das escoteiras. Era um olhar que dizia: Você fracassou... você não conseguiu, não é mesmo? Era como um segredo entre as duas e Diana fingiu não compreender e continuou a dobrar os guardanapos.

       — Então? — perguntou Gayle, pondo os pratos na mesa. — Deixe disso... — Sabia que a irmã tinha entendido perfeitamente. Mas quando Gayle insistiu, Sam começou a ficar preocupada. Não queria uma briga no dia de Natal. — Você já está grávida? — perguntou Gayle. Era a nota baixa outra vez.Diana tinha falhado e sua mão tremia quando pôs na mesa o último guardanapo de renda. A mesa estava arrumada com os pratos que sua mãe usava sempre no Natal e um enorme arranjo de tulipas vermelhas no centro.

       — Não, não estou grávida. Ainda não tivemos tempo. — É claro, não só estamos fazendo amor nas datas certas há seis meses, mas Diana não ia admitir isso para a irmã. — Temos estado muito ocupados.

       — Com o quê? Sua carreira? — Gayle falou como se o trabalho de Diana fosse uma coisa de que ela devesse se envergonhar. Na sua opinião, as mulheres "de verdade" ficavam em casa tomando conta dos filhos. — Desse jeito não vai encher aquela casa enorme. Acho melhor começar, menina. O tempo está passando.

       É mesmo?, pensou Diana. O tempo de quem? Por que estavam com tanta pressa e por que tinham de ficar perguntando? Ela temera essa situação e chegou a sugerir a Andy que esse ano poderiam passar o Natal com os pais dele, mas Andy não podia se afastar por muito tempo do trabalho agora. E também não poderiam deixar de vir, estando em Los Angeles. Os pais dela certamente não compreenderiam.

       — Não é tão importante assim — disse Sam, como sempre, procurando acalmar os ânimos. — Vocês têm muito tempo. São jovens. Provavelmente vai engravidar no próximo ano.

       — Quem está grávida? Não outra vez! — exclamou Seamus, passando por elas, a caminho da cozinha. — Meninas, vocês engravidam cada vez que um homem olha para vocês! – Revirou os olhos e estremeceu. Elas riram. Já na cozinha, Seamus pôs a cabeça na porta e perguntou: — A recém-casada está grávida?

       Diana balançou a cabeça e desejou não estar ali. Aquelas perguntas eram como uma lâmina no seu coração e pela primeira vez na vida ela odiou a família inteira, especialmente as irmãs.

       — Não, não estou Seamus. Eu sinto muito.

       — Ora, tente outra vez, minha querida... tente... e tente... e tente... Vai ser divertido! Sorte do Andy! -Ele desapareceu outra vez e Sam e Gayle riram, mas não Diana. Sem uma palavra, ela foi para a cozinha ajudar a mãe.

       Só depois do jantar o assunto voltou à baila, mas dessa vez quem fez as perguntas foi Diana. Ela e Jack estavam sozinhos na saleta enquanto os outros brincavam de mímica na sala de estar. Diana tinha conversado um longo tempo com o pai, na frente da lareira, e quando ele subiu para o quarto Jack tomou o lugar dele.

       — Está tudo bem com você? – perguntou ele, acendendo o cachimbo. Jack a tinha observado durante o jantar e achou que Diana não parecia muito feliz.

       — Estou bem. — Olhou para ele por um momento e resolveu perguntar. — Não diga nada para Gayle, mas eu queria... será que posso conversar com você... Qual é o tempo normal que se pode demorar para ficar grávida?

       Jack não pôde evitar um sorriso.

       — Duas semanas... cinco segundos... dois anos... depende da pessoa, Diana. Você está casada há seis meses e vocês dois têm uma vida agitada e estressante. Acho que não precisa nem pensar nisso pelo menos durante um ano. Alguns dizem que dois anos sem usar qualquer método contraceptivo e sem gravidez significa que existe algum problema, outros acham que se deve fazer um exame depois de um ano. A maioria dos casais, em condições ideais, leva cerca de um ano para conseguir. Se você fosse mais velha poderia começar a se preocupar depois de seis meses. Mas, na sua idade, eu esperaria um ano, talvez mais, antes de pensar no assunto.

       Diana agradeceu, aliviada, e nesse momento Andy entrou na sala e sentou-se ao lado dela. Os três conversaram durante um longo tempo sobre economia mundial, os problemas no Oriente Médio, o trabalho de cada um, o ano que iria começar. E pela primeira vez nos últimos meses Diana sentiu-se aliviada e feliz. Talvez houvesse esperança, afinal, pensou quando saíram, depois de agradecer à mãe e a Jack. Ela o abraçou com força e Jack, compreendendo, sorriu bondosamente.

       — Cuide-se bem — disse ele.

       Os outros passariam a noite na casa dos pais para que as crianças pudessem passar o dia de Natal com os avós. Mas Diana desejava desesperadamente ir para casa com Andy.

       — Você está bem, querida? — perguntou Andy, no carro, na estrada deserta.

       — Estou ótima — sorriu ela.

       E, pela primeira vez em muitos meses, estava realmente muito bem. Aconchegou-se a ele e seguiram para casa num silêncio tranqüilo. Depois do dia alegre e longo, deitaram-se e conversaram mansamente sobre os sonhos para o futuro. Diana estava feliz e calma e quando fizeram amor, pela primeira vez, em muitos meses, não se preocupou em engravidar. De qualquer modo, não estava no seu período fértil. Era um alívio fazer amor simplesmente porque queriam, sem pensar na data, ou no tempo, nos sonhos ou no que pretendiam fazer.

      

       — Oh, Deus, eu a amo tanto... — murmurou Charlie no ouvido de Barbie e fizeram amor outra vez, com as pequenas lâmpadas da árvore de Natal piscando para eles.

       — O que há com você? — brincou ela. — Árvores de Natal o deixam excitado ou o quê? — Era a terceira vez que faziam amor naquela noite e Charlie parecia incapaz de tirar as mãos do corpo dela. E Barbie sempre andava pela casa completamente nua, provocando-o com seu corpo magnífico.

       — Estou completamente louco por você — murmurou ele, os dois deitados no sofá.

     Charlie deu a ela como presente de Natal um cordão de ouro com uma ametista. Sabia que Barbara iria gostar porque era a pedra do seu signo. Ganhou dela um suéter e uma gravata, uma garrafa de champanhe francês e uma almofada, especial para suas longas viagens diárias de carro, para o trabalho na cidade. Charlie gostou dos presentes, mas Barbara gostou muito mais do seu. Ele havia comprado também para ela uma saia, de couro e um suéter negro muito sexy.

       — Que tal um pouco de champanhe? — apoiada num cotovelo, Barbara olhou para ele, satisfeita e cansada.

       — Nada disso — Charlie a puxou para si. — Estou guardando para, outra ocasião.

       — Que ocasião? — perguntou Barbara, desapontada. Ela adorava champanhe e por isso tinha comprado aquela garrafa.

       — Uma ocasião importante.

       — Como o que, por exemplo? A julgar pelo modo que você está agindo esta noite, pensei que o Natal era uma ocasião muito importante. Ele riu e balançou a cabeça.

       — Não. Quero dizer importante. Assim como quando você ganhar o prêmio da Academia ou conseguir um bom papel num filme de Steven Spielberg... ou um seriado todo seu... ou talvez nosso décimo aniversário de casamento... ou — ele saboreou a última hipótese — quando tivermos um filho.

       Barbara sentou-se no sofá e disse, aborrecida:

       — Ainda bem que não estou prendendo a respiração à espera dessas coisas. Acho que o mais provável é que você jamais tenha oportunidade de abrir essa garrafa de champanhe.

       — É claro que terei.

       — É? Quando? Espero que não esteja guardando para quando tivermos um filho — disse, irritada por ele ter falado nisso. Não queria ser pressionada.

       — Por que não, Barb? — Ele queria tanto ter filhos, ter uma família e Barbara não compreendia

       — Porque eu não quero ter filhos. Acredite, cresci no meio de crianças e elas são uma chateação. Dá para perceber que você nunca viu uma. — Agora que estavam casados, ela achava mais fácil falar francamente no assunto.

       — Sim, eu já vi crianças. E fui uma também. — Falou em tom de brincadeira, mas Barbara não achou graça. Bebês não a divertiam.

       — Além disso, talvez nem seja possível para nós — disse ela, esperando esfriar o entusiasmo dele por algum tempo.

       — Por que não? — Charlie ficou chocado. Era a primeira vez que Barbara falava nisso. — Alguma coisa errada? Por que não me contou?

       — Eu não sei se há alguma coisa errada, mas nunca fui tão descuidada com controle de natalidade quanto agora. Você está sempre me pegando de surpresa, sem me dar tempo para me cuidar... e, depois de um ano e meio, ainda não engravidei.

       Charlie pensou em perguntar se ela já havia ficado grávida alguma vez, mas não queria saber e não perguntou.

       — Isso não quer dizer nada. Provavelmente não estamos fazendo no tempo certo. Não se pode fazer essas coisas sem nenhum planejamento e esperar uma gravidez, você sabe.

       Mas havia acontecido três vezes antes de ela sair de Salt Lake City e duas vezes em Vegas. Barbara nunca teve muita sorte. Exceto com Charlie e mais de uma vez ela imaginou se não haveria alguma coisa errada. Podia ser a combinação dos dois ou ele e, considerando a sua própria história, a última hipótese era a mais provável, o que não a aborrecia nem um pouco.

       Mas, olhando para o marido, compreendeu que não deveria ter dito nada, pelo menos não na véspera do Natal. Charlie parecia extremamente preocupado.

       — Você já engravidou alguém? — perguntou ela, servindo dois copos de vinho e entregando um para ele. Barbara estava nua e só de olhar para ela Charlie teve uma ereção. Suas reações eram sem dúvida saudáveis e normais.

       — Não que eu saiba — disse ele, pensativo, tomando um gole de vinho.

       — Isso não quer dizer nada — consolou Barbara, arrependida por ter tocado no assunto. Não era justo, na véspera de Natal. — As mulheres nem sempre contam.

       — Não mesmo? — Charlie tomou outro copo de vinho e mais outro; depois disso ficou amoroso outra vez, mas tinha bebido muito e Barbara o levou para a cama, deitando-se ao lado dele.

       — Eu a amo — disse Charlie, abraçando-a, sentindo os seios firmes contra seu peito, como gostava. Barbara era tão sensual, tão maravilhosa e sempre disposta para o amor. Era a mulher perfeita e ele a amava.

       — Eu também o amo — afagou o cabelo dele como quem acaricia uma criança.

       Charlie adormeceu nos braços dela e Barbara pensou por que ter filhos era tão importante para ele. Sabia da sua vida no orfanato e ela também tivera seus problemas, mas a última coisa que queria na vida era outra família ou o aborrecimento de um filho. "Durma bem", murmurou, beijando-o, mas Charlie já dormia profundamente, sonhando com a manhã do Dia de Natal.

      

Em maio Pilar convidou Nancy para almoçar em sua casa. Brad estava jogando golfe e o marido de Nancy viajava a negócios. Era uma oportunidade para passarem algum tempo juntas.

     Pilar fez o almoço, enquanto Nancy tomava sol na varanda. Ela estava enorme, a criança deveria nascer dentro de quatro semanas. Nancy abriu um olho quando viu Pilar com uma bandeja na mão. Apesar do seu tamanho, a jovem levantou de um salto para ajudá-la. Estava com short branco próprio para gravidez e uma imensa camisa cor-de-rosa, e até a semana anterior tinha jogado tênis com o marido.

       — Desculpe Pilar, me dê aqui... deixe que eu ajudo. — Tirou a bandeja das mãos de Pilar e a depositou sobre a mesa de vidro. O almoço era uma salada verde e macarrão.

       — Nossa! Parece delicioso. — Há oito meses Nancy comia com um apetite monstruoso, mas não engordara demais e continuava muito bonita. Pilar havia comentado com Brad que ela parecia mais bonita do que antes de engravidar. Havia mais suavidade no rosto anguloso, uma paz nos olhos e uma espécie de aura que intrigavam Pilar. Já a notara em outras mulheres, mas não tinha idéia de como as fazia sentir. Olhava para Nancy intrigada e assustada também. Mas o que mais a perturbava eram os próprios sentimentos. De repente parecia que tinha mudado. E tudo a respeito de Nancy a fascinava. Nancy estava mais cordata, menos agressiva, "mais suave", como dizia Thomas.

       De certo modo, tinha crescido e se tornado adulta nos últimos oito meses e não parecia mais aquela criança mimada.

       Pilar sorriu para ela. Nancy parecia estar escondendo uma enorme bola de futebol sob a camisa e mal podia estender os braços para apanhar as coisas na mesa.

       — O que você sente? — perguntou, curiosa. Era tudo tão estranho para ela. Já vira algumas amigas suas grávidas, mas nenhuma muito íntima e Pilar jamais se interessara em saber. A maioria das suas amigas pertencia à geração que havia optado por uma carreira e não por filhos. E as que cederam ao chamado da natureza fizeram-no muito tarde e, depois disso, distanciaram-se do círculo de amizades de Pilar. — É estranho ou maravilhoso? — perguntou, procurando o segredo nos olhos de Nancy.

       — Eu não sei. — Nancy sorriu. — Acho que estanho, às vezes. Mas a gente se acostuma. Na verdade eu chego a esquecer. Às vezes é como se eu sempre tivesse sido assim.

       Há semanas não consigo amarrar meus tênis. Tommy amarra para mim. Mas acho que o mais estranho é saber que tenho uma pessoa completa aqui dentro, que vai sair e viver conosco durante os próximos vinte anos. Alguém que vai depender e esperar alguma coisa da gente pelo resto da sua vida. Eu nem posso começar a imaginar o que isso significa.

       — Nem eu — disse Pilar, pensativa, mas de certo modo sabia, pois Nancy e Todd tinham esperado alguma coisa da parte dela nos últimos quatorze anos. Mas, afinal, fora sempre uma opção. Não eram seus filhos e, se tivesse se separado de Brad, não precisaria vê-los outra vez, embora tivesse certeza de que não ia querer isso. Mas não precisava, não eram seus. Esse bebê seria uma parte de Nancy para sempre. Parte dela e parte de Tom e ainda assim uma pessoa independente. Seria importante para eles pelo resto da vida. Essa idéia sempre apavorara Pilar e agora, de repente, a achava comovente.

       — Acho que é maravilhoso. É uma vida completamente nova, um novo mundo, um relacionamento com alguém que é parte de vocês, que pode ter um milhão de coisas em comum com vocês ou coisa nenhuma. É fascinante, não acha?

       Pilar estava completamente fascinada, embora achasse também que era uma responsabilidade assustadora e que não estaria disposta a passar pelo processo de um parto. Essa parte não a atraía de modo algum e, olhando para a enteada, não a invejava, pensando no que teria de passar. Pilar vira um parto filmado certa vez e a única coisa que pensou foi que felizmente jamais teria de enfrentar aquilo. Tinha certeza, absoluta de que jamais teria um filho.

       — É engraçado — disse Nancy, recostando-se na cadeira e olhando para o Oceano Pacífico — de um modo geral eu não penso no relacionamento que terei com meu filho, nem se ele vai se parecer ou não conosco; penso apenas na doçura de um bebê, tão pequeno, tão dependente de nós... e Tommy está tão entusiasmado. — Ela também estava. Era a coisa mais extraordinária que já havia acontecido em sua vida. Estava preocupada também com o parto, mas seus pensamentos focalizavam principalmente o bebê. Olhou para a madrasta e fez a pergunta que há muito tempo queria fazer, mas nunca tivera coragem: — Como é que você e papai... quero dizer... como é que vocês nunca tiveram filhos? — Assim que acabou de falar, arrependeu-se. E se Pilar não pudesse ter filhos?

       Mas Pilar sorriu e deu de ombros.

       — Eu nunca quis. Minha infância foi muito estranha e eu nunca desejei fazer alguém passar por tudo aquilo. E nós tínhamos vocês. Mas eu nunca quis ter filhos quando era jovem. Acho que é uma falha na minha estrutura psicológica. Eu olhava para as minhas conhecidas que casaram logo depois do ginásio, presas a dois ou três filhos, levando uma vida que detestavam. Todas pareciam encurraladas. Não faziam coisa alguma. Para mim sempre pareceu uma questão de escolha e as coisas que eu queria da vida não incluíam filhos. Depois que entrei para a universidade nunca mais pensei no assunto. Tinha a minha carreira; então conheci seu pai e nunca me arrependi. As mulheres que tiveram filhos há vinte anos agora estão em casa; os filhos já foram embora há muito tempo e elas se perguntam para onde foi sua vida. Estou feliz por isso não ter acontecido comigo. Eu teria odiado cada minuto, odiado a mim mesma e ao homem que houvesse me condenado a isso.

       — Mas não precisa ser assim — disse Nancy. Nos últimos meses ela havia adquirido uma nova maturidade e uma visão mais ampla da vida. Seu mundo, como seu corpo, tinha crescido aos poucos.— Tenho amigas que fazem as duas coisas, que têm carreiras e filhos. Muitas. Na verdade, algumas são médicas, advogadas, psicólogas, escritoras. Não tem de ser uma escolha, se você não quiser que seja.

       — Sua geração tem muitas vantagens sobre a minha. Para nós, a maior parte das vezes era uma escolha. Você conseguia um grande emprego, a grande oportunidade, subia até o topo ou ia para o subúrbio e tinha filhos. Era simples. Agora as pessoas parecem capazes de combinar as coisas, mas quase sempre isso depende da ajuda dos maridos, da sua flexibilidade e do quanto as mulheres desejam fazer alguma coisa. Para ter uma família e uma carreira, você tem de se privar de muitas coisas. Talvez tenha sido bom para mim nunca precisar fazer a escolha. Acho que seu pai teria sido maravilhoso se tivéssemos tido filhos. Ele foi fantástico com vocês dois. Mas acho que eu nunca senti essa necessidade. Nunca senti esse desejo, essa angústia que só um filho pode resolver. Já ouvi mulheres falando sobre isso como se fosse uma doença, mas graças a Deus, nunca senti nada parecido. — No entanto, enquanto falava, Pilar sentiu outra vez aquela sensação estranha. Como o começo distante de uma dor de dentes.

       — Nunca se arrependeu, Pilar? Não acha que pode sentir falta algum dia, que vai olhar para trás e desejar ter tido filhos? Não é tarde demais, você sabe... Conheço duas mulheres mais velhas do que você que tiveram o primeiro filho há pouco tempo.

       — É mesmo? Quem? Sara está na Bíblia. Quem é a outra?

       Pilar riu e Nancy insistiu em dizer que ela não era tão velha. Mas alguma coisa lhe dizia que sim e que era tarde demais. A escolha fora feita há muito tempo e Pilar não estava descontente. Tinha de admitir que, depois que Nancy engravidara, pensara uma ou duas vezes no assunto, mas atribuiu o fato aos frêmitos da velhice, os últimos tique-taques do relógio biológico. Não se deixaria arrebatar pela idéia, por mais tocante que parecesse, por mais que a barriga de Nancy a fascinasse. Era apenas efeito da idade e não significava que queria ter um filho. Pensava nisso enquanto tirava a mesa.

      — Não, não acredito que vá me arrepender mais tarde. É claro que seria bom ter alguém com quem conversar quando estiver sentada na cadeira de balanço, na varanda, daqui a trinta anos, mas tenho vocês dois e acho que é ótimo. Não me arrependo de nada na minha vida. Fiz exatamente o que queria fazer, do modo que planejei e quando quis. Não se pode pedir mais do que isso. — Ou pode?... O problema eram aqueles ecos vagos. Sempre teve certeza do que era melhor para ela e ainda tinha ou não?

       — Eu não a vejo exatamente numa cadeira de balanço daqui a trinta anos. Não vejo nem meu pai fazendo isso. — Brad teria 92 anos. — Talvez seja melhor você pensar outra vez no assunto. — Para Nancy, era tão maravilhoso ter um filho que, na sua opinião, todo mundo deveria tentar.

       — Estou muito velha para pensar nisso agora — disse Pilar com firmeza, como para convencer a si mesma. — Estou com 43 anos. O papel de avó será mais adequado para mim, quando seu bebê chegar. — Mas sobressaltou-se com a tristeza que sentiu dizendo tais palavras. De certo modo, havia suprimido a parte central. Fora jovem e agora estava velha. Nunca teve filhos e agora ia ser avó. Era como se tivesse perdido o melhor da festa.

       — Não sei por que você se acha tão velha. Uma pessoa de 43 anos não é mais considerada velha. Muitas mulheres têm filhos nessa idade — insistiu Nancy.

       — É verdade. Mas muitas não têm. Sou uma destas últimas. Pelo menos, é uma coisa mais familiar para mim. — Entrou para fazer café. Conversaram um pouco mais durante a tarde e depois Nancy foi embora. Precisava fazer algumas compras e ia jantar com amigos. Nancy parecia realmente satisfeita com a gravidez e, enquanto falavam, Pilar olhava fascinada para o modo como ela passava a mão na barriga, como se estivesse falando com o bebê. Uma ou duas vezes viu a camisa cor-de-rosa dar um salto e Nancy rir, dizendo que o bebê era muito ativo.

       Depois que Nancy saiu, Pilar lavou os pratos do almoço e sentou-se à sua mesa de trabalho, olhando para fora, pela janela. Tinha trabalho para fazer em casa, mas não conseguia se concentrar. Só pensava na conversa com Nancy... as perguntas... será que não ia se arrepender algum dia?... sentir por não ter tido filhos, quando ficasse velha?... e se Bradford morresse, que Deus não permitisse, e ela não tivesse nada dele, a não ser lembranças e os filhos de outra mulher? Mas tudo isso era ridículo. Não se tem filhos simplesmente para ter alguém, para ter um pedaço do marido quando ele morre. Mas porque as pessoas têm filhos? E porque ela jamais quis ter e agora a decisão se transformava numa pergunta atormentadora? Porque agora? Por que, depois de tantos anos? Seria inveja de Nancy, um desejo de ser jovem, alguma idéia louca que a assaltava um pouco antes da menopausa? Seria o começo do fim ou o começo do começo? Ou seria mesmo alguma coisa? Pilar não tinha as respostas. Finalmente, depois de uma longa batalha, Pilar afastou os papéis e telefonou para Marina. Sentia-se uma idiota, mas precisava falar com alguém. Estava muito agitada depois do almoço com Nancy.

       — Alô? — Marina atendeu com sua voz formal e Pilar sorriu.

       — Sou eu. Onde você estava? Levou um tempo enorme para atender. –Por um minuto pensava que Marina não estava em casa e era com alívio que ouvia sua voz.

       — Desculpe, eu estava no jardim, podando as roseiras. — Estaria interessada num passeio na praia?

       Marina hesitou, mas só por um momento. A verdade era que gostava de cuidar do jardim, mas sabia que Pilar só a convidava para andar na praia quando tinha algum problema.

       — Alguma coisa errada?

       — Não. Eu não sei. Acho que estou mudando a disposição dos móveis na minha cabeça. São ainda as mesmas peças, mas estou mudando-as de lugar. — Era uma explicação estranha para o que sentia, mas Pilar ainda não encontrara as palavras certas.

       — Tudo bem, contanto que haja sempre um lugar para eu me sentar — sorriu Marina, tirando as luvas de jardinagem. — Quer que eu passe por aí?

       — Eu adoraria — suspirou Pilar.

       Marina estava sempre acessível para ela, carinhosa e amável. Seus irmãos e irmãs ainda telefonavam no meio da noite para contar seus problemas e era fácil entender por quê. Ela era inteligente e incrivelmente amorosa. Oferecia a Pilar tudo que seus pais nunca lhe deram, mesmo que isso às vezes significasse apenas ouvir ou ajudar a tomar uma decisão. Geralmente Pilar conversava com Brad, mas uma vez ou outra aparecia alguma coisa que só uma mulher podia compreender, embora desta vez tivesse certeza de que Marina iria dizer que ela estava louca.

       Em menos de meia hora estavam no carro, Marina dirigindo devagar e olhando de vez em quando para a amiga. Pilar parecia bem, mas evidentemente estava preocupada.

       — Então, do que se trata? — perguntou Marina, quando parou o carro. — Vamos falar de negócios, lazer ou a falta dos dois? Saíram do carro e Pilar sorriu, balançando a cabeça. — Você e Brad brigaram?

       — Não é nada disso — Pilar apressou-se em negar. Na verdade nunca estiveram tão bem o casamento foi a melhor coisa que podiam ter feito e mais do que nunca Pilar desejou que tivessem tomado essa decisão antes. — Na verdade — respirou fundo quando começaram a caminhar pela areia -, por estranho que pareça, é Nancy.

       — Outra vez? Depois de todos esses anos? — Marina estava surpresa. — Pensei que ela estivesse se comportando nesses últimos dez anos. Estou desapontada.

       Mas Pilar riu e balançou a cabeça outra vez.

       — Também não é nada disso. Ela está ótima. Vai ter o filho dentro de poucas semanas e não pensa em outra coisa.

       — Você também não pensaria se tivesse uma melancia dentro da barriga... Quando vai ficar livre dela pode ser uma questão totalmente absorvente. Para mim pelo menos. Detesto carregar qualquer coisa com mais de um quilo.

       — Ora, cale a boca — disse Pilar, rindo. — Não me faça rir, Mina. Era assim que os sobrinhos de Marina a chamavam e Pilar também, em momentos especiais. — O mais incrível é que nem tenho certeza do que quero dizer... ou de ser capaz de explicar por que estou me sentindo assim... Não tenho nem certeza do que estou sentindo, se é real ou uma ilusão.

       — Meu Deus, parece grave! — Marina falou em tom de brincadeira, mas percebeu que Pilar estava profundamente perturbada e confusa. Sabia também que ela ia acabar dizendo o que queria dizer. Marina não tinha pressa, podia esperar que ela encontrasse as palavras certas.

       Pilar olhou para ela, embaraçada, procurando o melhor meio de descrever suas emoções desordenadas.

       — Nem sei como começar... Acho que foi há cinco meses, quando Nancy me contou que estava grávida... ou talvez depois disso... eu não sei... Acontece que não sei coisa alguma... só que fico pensando se não cometi um erro... talvez um erro enorme... — Parecia realmente perturbada e Marina ficou surpresa.

       — Refere-se ao casamento?

       — Não, é claro que não. — Pilar abanou a cabeça. — Refiro-me ao fato de ter sido tão obstinada na decisão de nunca ter filhos. E se eu estava errada? Se vier a me arrepender algum dia? Se todos estiverem certos e eu seja apenas uma mulher neurótica por causa do modo como fui tratada por meus pais... E se, afinal, eu pudesse ter sido uma boa mãe? — Olhou angustiada para Marina.

       Marina apontou para uma duna de areia, sentaram e ela passou o braço pelos ombros de Pilar.

       — Tenho certeza de que teria sido uma boa mãe se quisesse. Mas o fato de ser boa em alguma coisa, ou potencialmente boa não justifica o fato de fazer essa coisa, a não ser que a deseje. Tenho certeza de que você seria uma boa bombeira também, mas esse não era um passo necessário para você. Deve lembrar que, embora muita gente faça isso, não é obrigatório ter filhos. O fato de não os ter não faz de você uma pessoa má, estranha ou perigosa. Algumas pessoas simplesmente não querem ter filhos. E estão certas. É ótimo, quando a pessoa não quer.

       — Você nunca imaginou se tinha feito a coisa certa? Nunca se arrependeu de não ter tido filhos? — Pilar precisava saber, estava navegando por mares desconhecidos, por onde Marina já havia navegado.

       — É claro que sim – disse Marina com franqueza. — Uma ou duas vezes. Sempre que uma das minhas irmãs, dos meus irmãos, sobrinhas ou sobrinhos põem um bebê nos meus braços, sinto um aperto no coração e penso: "Droga, quero uma coisinha destas!"... Mas, para mim, esse desejo desaparece em dez minutos. Eu passei vinte anos limpando narizes, trocando fraldas, limpando vômito, lavando cinco ou seis braçadas de roupas por dia, apanhando crianças na escola, levando-as ao parque, ajeitando-as na cama, à noite, ajudando-as a fazer as camas. Cristo, só entrei para a universidade aos trinta anos! Mas pelo menos consegui e amo todos eles, exceto um ou dois talvez, mas a verdade é que os amo também... Tive momentos maravilhosos com eles, momentos incrivelmente preciosos. Mas não queria passar por tudo aquilo outra vez. Eu queria um tempo para mim, para estudar, para trabalhar, para meus amigos, para conhecer homens. Se o homem certo tivesse aparecido, eu estaria casada. Na verdade, apareceram dois, mas eu sempre tinha uma boa razão para não me prender naquele momento. Acho que, na verdade, eu me sentia feliz solteira. Eu amava meu trabalho, amava as crianças. Mas agora estou feliz por não ter tido filhos. É claro que seria ótimo ter uma filha ou um filho para cuidar de mim quando eu ficar velha, mas e daí? Tenho você e dez irmãs e irmãos e os filhos deles. — Marina não podia ter sido mais franca e Pilar sentiu-se grata a ela.

       — E se isso não for suficiente algum dia? Senão for a mesma coisa? -Amigos e irmãos não eram a mesma coisa que filhos. Ou seriam? — Então, o erro foi meu. Mas não estou me queixando, por enquanto. Marina estava com 65 anos e em plena atividade. Gostava do seu trabalho de juíza e tinha mais amigos do que qualquer outra pessoa que Pilar conhecia. Sempre que tinha tempo tomava um avião para visitar sobrinhas, sobrinhos, irmãs, irmãos e amigos. Era uma mulher feliz e realizada. E Pilar também se sentia assim, até pouco tempo atrás.

       — E você? — Marina olhou para ela, intrigada com a expressão confusa e infeliz da amiga. — O que a está atormentando, Pilar? Por que todas essas perguntas sobre filhos? Você está grávida? Está querendo perguntar o que eu acho do aborto?

       — Não. — Pilar abanou a cabeça, tristemente — Acho que estou perguntando o que você acha de eu ter um filho. E não, não estou grávida. — Nem tinha certeza se gostaria ou não de estar. Mas, de repente, pela primeira vez na sua vida, duvidava do caminho que tinha escolhido.

       — Acho que seria ótimo, se é o que você quer. O que Brad acha?

     — Não sei. Acho que provavelmente vai dizer que estou doida e talvez tenha razão. Eu sempre tive tanta certeza de que não queria filhos. Especialmente porque não queria ser igual à minha mãe.

       — Você jamais poderia ser igual a ela. Espero que a esta altura já esteja certa pelo menos disso. Vocês são duas pessoas completamente diferentes. — Graças a Deus.

       — Ou talvez eu deva dizer que uma de vocês é uma pessoa e a outra, um ser um tanto estranho. — Marina jamais compreendeu as situações descritas por Pilar. Tudo que podia fazer era concordar com ela em que seus pais jamais deveriam ter tido filhos. — Foi só por isso que não teve um filho? O medo de ser igual aos seus pais?

       — Em parte, mas não foi só isso. Eu simplesmente nunca tive essa necessidade. Mas também nunca senti necessidade de me casar e agora me arrependo de não ter casado antes.

       — Esse tipo de arrependimento é perda de tempo. Trate de aproveitar o presente; não estrague tudo olhando para trás.

       — Eu não olho. Mas não sei o que está acontecendo comigo... É como se, de repente, estivesse começando a mudar.

       — Isso não é mau. Pior seria se você fosse inflexível e imutável. Talvez seja a melhor coisa que pode acontecer a você, Pilar. Talvez você deva ter um filho.

       — Mas e se eu não gostar? Se for só inveja de Nancy, ou algum tipo de loucura? E se minha mãe tiver razão e o bebê nascer com três cabeças por causa da minha idade? — Havia muitas perguntas para as quais nem mesmo Marina tinha respostas.

       — E se houver vida humana em Vênus? Você não pode saber tudo, Pilar. Tudo que pode fazer é seguir seu coração e sua cabeça do melhor modo possível. Se acha que quer um filho agora, pense seriamente no assunto e não se preocupe tanto com o resultado. Pelo amor de Deus, se todo mundo se preocupasse dessa forma, ninguém teria filhos.

       — Mas e você? Se você não se sente infeliz por não ter tido filhos, talvez o mesmo aconteça comigo.

       — Isso é ridículo e você sabe. Somos duas pessoas diferentes. Nossas experiências de vida não são nada semelhantes. Há sessenta anos que a minha vida é cheia de crianças e você só teve os filhos de Brad, que já eram bem crescidinhos quando você os conheceu. Além disso, está casada e eu nunca me casei. Estou perfeitamente satisfeita com isso também. Estou livre para conviver com os mais variados tipos de pessoas, do modo que eu quiser, e isso me convém. Você está feliz casada com Brad e talvez algum dia se arrependa de não ter tido filhos.

       Pilar ficou em silêncio por um longo tempo, olhando para a areia e depois ergueu os olhos para Marina, confortada com as suas palavras, mas ainda sem respostas às suas perguntas.

       — Mina, o que você faria se fosse eu?

       — Para começar, procuraria relaxar. Isso iria lhe fazer muito bem. Depois, iria para casa e conversaria com Brad, mas sem esperar que ele tivesse todas as respostas. Ninguém jamais terá, nem mesmo você. Até certo ponto, temos de arriscar alguma coisa na nossa vida. Devemos nos proteger do melhor modo possível, porém mais cedo ou mais tarde temos de saltar da prancha Espero que você não mergulhe de barriga no esquecimento.

       — Tem um modo todo especial de usar as palavras, Meritíssima — Muito obrigada. — Marina sorriu.

       — E, se é que minha opinião vale alguma coisa, se eu fosse você, teria um filho. Para o diabo com toda essa besteira de ser velha demais. Acho que é isso o que você realmente deseja e está com medo de admitir.

       — Talvez você tenha razão. — Marina quase sempre estava certa. Mas Pilar não imaginava o que Brad iria dizer. Pela primeira vez na vida, porém, tinha sentido uma dor, um vazio que nunca experimentara antes e que começava a fazê-la muito infeliz.

       Voltaram a passos lentos para o carro e pouco falaram na volta. Era uma das coisas que Pilar gostava na sua amizade com Marina. Não precisava fazer nenhum esforço quando estava com ela e dava muito valor às suas palavras. Só precisava de tempo para pensar.

       — Fique calma, menina. No fim vai descobrir o que quer. Ouça seu coração. Ele sabe o que você deseja realmente. Não há o que errar.

       — Muito obrigada — Abraçou Marina e acenou quando o carro partiu. Era incrível como ela estava sempre presente quando precisava dela. Pilar caminhou para casa sorrindo.

       Brad já havia chegado. Estava guardando os tacos de golfe, queimado de sol, tranqüilo e feliz.

       — Onde você esteve? Pensei que Nancy vinha visitá-la hoje. — Abraçou-a e lhe deu um beijo, enquanto caminhavam para a varanda. — Ela veio. Almoçou comigo. Fui andar um pouco na praia com Marina depois que Nancy saiu.

       — Oh-oh — Brad a conhecia muito bem. — Isso significa problemas.

       — O que quer dizer? — perguntou Pilar, com uma risada.

       Brad a fez sentar no seu colo e, pela primeira vez nas últimas horas, ela sentiu-se feliz. Era louca por ele e não havia dúvida de que Brad a adorava

       — Você só vai passear na praia quando precisa resolver algum problema. Da última vez queria decidir se aceitava ou não um novo sócio; antes disso, foi para resolver se desistia ou não de um caso que parecia envolver fraude e, antes ainda, acho que foi para decidir se casava ou não comigo. Esse foi um bom passeio. – Pilar riu e sabia que ele estava certo. -Então, sobre o que foi o passeio de hoje? Nancy a aborreceu? — Seria uma surpresa porque há muitos anos as duas se davam muito bem. — Ou aconteceu alguma coisa no escritório? — Pilar acabava de ganhar uma importante ação civil em Los Angeles e Brad estava orgulhoso, mas sabia o quanto o trabalho da mulher era estressante e quantas decisões difíceis ela precisava tomar diariamente. Procurava ajudá-la, mas às vezes nem mesmo ele podia. Pilar devia decidir sozinha.

       — Não, nada disso, tudo está ótimo. E Nancy foi um amor hoje. — E lhe trouxera muita dor. Abrira uma parte do coração de Pilar que nem mesmo ela sabia existir. No último ano havia suspeitado uma ou duas vezes, mas dizia a si mesma que não era nada importante. Agora já não tinha tanta certeza e não sabia o que dizer a Brad. Ele pensaria que ela estava louca. Mas talvez Marina tivesse razão. Precisava contar a ele. — Não sei... coisa de mulher. Eu queria esclarecer algumas coisas e fui andar na praia com Marina. Como sempre, ela me ajudou muito.

       — O que foi que ela disse? — perguntou ele, ainda querendo ajudar. Brad respeitava muito Marina, mas Pilar era sua mulher e ele queria tomar parte nos seus problemas.

       — Eu me sinto tão idiota — disse ela, vagamente.

       Com surpresa Brad viu lágrimas nos olhos dela. Pilar raramente chorava. Raramente perdia o controle. Compreendeu que ela estava profundamente perturbada.

       — Parece um assunto difícil demais para uma tarde de sábado. Quer voltar à praia comigo? — brincou ele, mas deixando claro que estava à sua disposição.

       — Talvez. — Ela sorriu e enxugou a lágrima no canto do olho. Brad a abraçou.

       — O que a preocupa, meu bem? Gostaria que me contasse — Brad sabia que era importante, se ela chegara a procurar Marina.

       — Não vai acreditar, se eu lhe disser. Vai pensar que sou uma idiota.

       — Conte assim mesmo. Ouço uma porção de coisas loucas todos os dias. Já estou acostumado e tenho ombros fortes.

       Pilar aconchegou-se a ele, com as longas pernas sobre as do marido, os rostos muito juntos.

       — Eu não sei... acho que o fato de ver Nancy hoje despertou em mim uma coisa que eu nem sabia que existia... uma coisa na qual pensei uma ou duas vezes neste ano... na qual jamais tinha pensado antes ou me preocupado com ela, que nunca pensei precisar. Mas Nancy me perguntou se eu nunca iria me arrepender de não ter tido filhos. – Pilar começou a chorar e Brad olhou para ela atônito. Aquilo o apanhou de surpresa e ele mal podia acreditar no que estava ouvindo. — Eu sempre tive tanta certeza de que não queria filhos. Mas não estou certa agora. De repente comecei a pensar: E se ela tiver razão e eu me arrepender algum dia? Se vier a sofrer esse remorso quando ficar velha? E se... — Era difícil falar, mas ela continuou: — E se acontecer alguma coisa com você e... eu jamais tiver um filho seu? – Pilar estava chorando e Brad só balançava a cabeça, perplexo. Esperava tudo, menos isso. Nunca esperou ouvir Pilar dizer que queria um filho.

       — Fala sério? Está mesmo preocupada com isso? — Brad não podia acreditar.

       — Acho que sim. O pior é isso. E se eu de repente resolver que quero ter filhos? — Pilar estava quase em pânico e Brad a custo conteve um sorriso. — Vai ter de chamar os bombeiros para me ressuscitar. Pilar, está mesmo falando sério? Está pensando em ter filhos, agora? — Depois de todos aqueles anos? Há mais de vinte anos que Brad nem pensava nisso, e Pilar era sempre tão firme nas coisas que queria. — Você acha que estou muito velha? — perguntou ela, tristemente, e ele riu.

       — Não, não está. Mas eu estou. Tenho 62 anos. Dentro de poucas semanas vou ser avô. Pense como vou parecer ridículo. — A idéia simplesmente o deixava atônito.

       — Não, não vai. Muitos homens na sua idade começam uma segunda família, alguns mais velhos do que você.

       — Estou envelhecendo a cada minuto — disse Brad, mas, olhando para ela, percebeu que Pilar atravessava uma crise de grandes proporções. — Pilar, há quanto tempo está pensando nisso?

       — Não sei ao certo — respondeu ela, com franqueza. — Acho que passou por minha cabeça pela primeira vez logo depois que nos casamos. Achei que era uma aberração e então apareceu aquele casal com o caso da mãe de aluguel. Comecei a pensar como eles me pareciam estranhos, desesperados por uma criança que nem conheciam. Mas o pior de tudo era que uma parte de mim compreendia perfeitamente o que estavam sentindo. Não sei, talvez eu esteja só ficando velha e um pouco esquisita. Acho que fiquei chocada quando soube que Nancy estava grávida. Ela sempre me pareceu uma criança e agora está tão contente e tão segura. É como se finalmente tivesse encontrado o significado da própria vida. E se eu me enganei realmente durante todos esses anos? Se ser uma boa advogada, uma pessoa decente, boa esposa e boa madrasta não for suficiente? E se o importante realmente é ter um filho meu?

       — Oh, minha nossa! — Brad suspirou longa e profundamente. Pilar estava descontrolada e ele não podia lhe dizer que estava errada. Mas era um pouco tarde para começarem a pensar em ter filhos. — Gostaria que você tivesse pensado nisso um pouco antes.

       Com o coração nas mãos, ela perguntou: — Se eu resolvesse que não posso viver sem ter um filho, você concordaria? — Custou-lhe muito fazer aquela pergunta, mas ela precisava saber. Precisava saber a posição dele e se havia possibilidade de uma escolha pelo menos. Se ele dissesse que não, teria de viver com isso. Pilar o amava mais do que poderia amar qualquer filho, mas mesmo assim começava a quase ter certeza de que queria um filho dele.

       — Eu não sei – respondeu ele, francamente — Há muito tempo não penso nisso. Precisaria de algum tempo para pensar.

       Pilar sorriu, aliviada porque ele não dissera não. Havia uma chance e os dois precisavam pensar muito na responsabilidade, no trabalho, nas mudanças que isso traria à sua vida. Mas Pilar quase começava a achar que tudo valeria à pena.

       — Acho bom começar logo a pensar — disse ela, com um largo sorriso, e Brad parecia pesaroso quando a abraçou com força.

       — Por quê?

       — Estou ficando mais velha a cada minuto.

       — Você... é um monstro! — disse ele, beijando-a na boca, longa e ternamente, despertando o desejo nos dois, ali sentados no sol, na varanda. — Eu sabia que se casasse com você alguma coisa terrível iria acontecer. — Pilar riu. — Eu só queria ter sabido disto há treze anos. Eu a teria obrigado a se casar comigo e você poderia ter uma dúzia de filhos.

       — Vejamos — disse ela, sentada no colo dele. — Se começarmos agora... Estou com 43... talvez a gente consiga produzir uns seis ou sete...

       – Nem sonhando... será um milagre se eu sobreviver ao primeiro... Mas quero que compreenda que não concordei ainda. Preciso pensar no assunto.

       Com uma falsa docilidade, Pilar levantou-se e segurou a mão dele. — Tenho uma grande idéia sobre o que você pode fazer enquanto pensa no assunto, Brad... Venha... Brad riu e ela o levou para o quarto. Mas ele era uma presa fácil, sempre fora, assim como Pilar para ele. E o coração dela parecia mais leve quando ele a beijou novamente.

 

Diana sentou-se assim que o ginecologista terminou de recolher o material para o exame de papanicolaou periódico e o check-up anual.

— Tudo me parece ótimo — disse ele, com um sorriso.

       O médico era jovem e fora recomendado há dois anos por Jack como um ótimo ginecologista.

       — Alguma queixa? Caroços, dores estranhas, sangramento fora do período normal? – perguntou ele e Diana balançou a cabeça, tristemente. Na semana anterior tinha ficado menstruada outra vez.

       — Minha única queixa é que há onze meses estamos tentando uma gravidez e até agora nada aconteceu.

       — Talvez estejam tentando demais — disse ele, repetindo as palavras de suas irmãs. Todos diziam uma porção de bobagens, como "não pense no assunto", "estão tentando demais", "procure esquecer", "deixe de se preocupar", mas ninguém sabia a dor e o desapontamento que experimentava a cada mês, quando descobria que não tinham conseguido. Diana estava com 28 anos, casada há quase um ano, amava o marido, gostava do trabalho que fazia e agora queria um filho.

       — Um ano não é muito tempo — disse o médico.

       — Parece muito para mim. — Diana sorriu com tristeza.

       — E o seu marido? Também está preocupado? — Talvez o marido soubesse alguma coisa que Diana não sabia. Às vezes os homens não gostavam de admitir que haviam tido problemas no passado, ou doenças venéreas graves, cujo conhecimento poderia ajudar na solução do problema.

       — Ele vive dizendo que não devo me preocupar, que vai acontecer, mais cedo ou mais tarde.

       — Talvez esteja certo. — O Dr. Jones sorriu. — O que ele faz? — Queria saber se trabalhava com produtos químicos ou tóxicos que podiam afetar seu organismo.

       — É advogado de uma rede de emissoras de TV — disse Diana. — E você trabalha numa revista, certo? — Diana fez um gesto afirmativo. — Duas profissões muito estressantes.

       Isso pode ser uma parte do problema. Mas deve compreender que onze meses não é um tempo anormalmente longo. A maioria das mulheres fica grávida depois de um ano, outras demoram mais. Que tal umas férias? Pode ser que estejam precisando.

     Diana sorriu.

       — Daqui a uma semana vamos para a Europa. Calculamos o tempo certo. Talvez isso resolva. — Ela sorriu, esperançosa.

       O médico, percebendo a ansiedade nos olhos dela, resolveu dar mais atenção.

       — Vamos fazer uma coisa. Se você não estiver grávida quando voltar, podemos começar a fazer alguns exames. Eu mesmo posso fazer ou enviá-la a um especialista, que você preferir. Costumo recomendar um muito bom. É sensato e conservador, mas também muito preciso e extremamente minucioso. O nome dele é Alexander Johnston. Tenho certeza de que seu cunhado o conhece. É um pouco mais velho do que nós, mas conhece a fundo sua especialidade e não vai recomendar nenhuma providência desnecessária.

       — Eu gostaria muito — disse Diana, sentindo renascer a esperança. Talvez conseguissem na Europa; caso contrário, poderiam fazer alguma coisa. Tinham a quem consultar.

       Agradeceu o apoio do médico e voltou para o trabalho. Naquela noite contou tudo a Andy e disse que perguntaria a Jack o que ele achava do Dr. Johnston. Mas a reação irritada de Andy a surpreendeu. Ele estava assoberbado de trabalho e tivera um dia agitado no escritório. Além disso, começava a ficar farto daquela história de fazer amor com data certa, no momento certo, e depois a histeria de Diana cada vez que ficava menstruada. Eram ambos jovens, saudáveis, vinham de famílias grandes e era óbvio para ele que acabaria por acontecer e que teriam muitos filhos. Mas atormentá-lo e se queixar o tempo todo não ajudavam em nada.

       — Pelo amor de Deus, Di, me dê uma folga. Não precisamos de um maldito especialista, apenas de um tempo para nos livrar da tensão. Pare de forçar a barra!

       — Desculpe... — Com os olhos cheios de lágrimas, Diana virou o rosto. Andy não entendia sua preocupação, seu medo de que houvesse alguma coisa errada.— Eu só pensei... pensei que um especialista poderia ajudar... — Saiu da sala chorando e logo depois Andy a procurou.

       — Ora, vamos, meu bem... desculpe. Estou tão cansado, tão estressado. Nesta última semana tive um monte de problemas. Vamos ter um filho, não se preocupe.

       Mas a insistência de Diana começava a irritá-lo. Às vezes era como se fosse seu único objetivo na vida, ou talvez estivesse competindo com as irmãs.

       — O médico disse que talvez umas férias... — Diana olhou para ele timidamente com medo de aborrecê-lo e, com um suspiro, Andy a abraçou.

       — O médico tem razão. Precisamos de umas férias. Agora prometa que não vai pensar nisso por algum tempo. Aposto que ele disse também que até agora não aconteceu nada anormal.

       Diana sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. — Sim, disse.

       — Tudo bem, então — disse Andy com voz firme e a beijou. Quando foram para a cama naquela noite, Diana parecia mais calma. Talvez todos tivessem razão. Talvez fosse tolice se preocupar.

       Quando se inclinou para o beijo de boa-noite, Andy já estava dormindo e roncando baixinho. Diana ficou olhando para ele por um longo tempo. Era estranho como aquele desejo intenso de ter um filho às vezes a fazia sentir-se tão sozinha. Era como se ninguém compreendesse como era forte seu desejo, o quanto ela precisava de um filho, nem mesmo Andy.

       A viagem à Europa foi perfeita. Foram a Paris, ao sul da França e depois tomaram um avião para Londres, para visitar o irmão de Andy. E, pelos cálculos de Diana, se estivesse grávida tinha acontecido no Hotel de Paris, em Monte Carlo. O céu estava azul, o hotel era divino e Andy disse que não podia imaginar um lugar melhor para fazer um filho.

       Foi agradável ver Nick em Londres e o resto da viagem foi tranqüilo e divertido, justamente do que precisavam. Só quando saíram de Los Angeles e redescobriram o prazer de estarem juntos e tranqüilos, perceberam realmente o quanto estavam tensos e exaustos antes da viagem. Foram a restaurantes, visitaram museus e igrejas, tomaram sol na praia, chegaram a passar um fim de semana pescando na Escócia com Nick e a namorada. Quando voltaram para Los Angeles, em junho, pareciam outras pessoas.

       Andy saiu para trabalhar com um sorriso e Diana tirou mais um dia para desfazer as malas, descansar da viagem e ir ao cabeleireiro. De qualquer modo, era sexta-feira e, se a revista tinha sobrevivido sem sua presença durante todo aquele tempo, poderia passar sem ela até segunda-feira. Não se sentia nem um pouco ansiosa em voltar à agitação do trabalho e tentou convencer Andy a ficarem casa com ela, mas, embora com muita pena, ele precisava voltar ao trabalho. Mal podiam esperar o fim de semana.

       Andy jogou tênis no sábado de manhã com Bill Bennington e falou sobre a viagem. Tinham estudado direito juntos na Universidade de Los Angeles e Andy conseguira um emprego para ele na sua firma. Eram bons amigos e Andy achava repousante conversar com ele.

     — Como vai Nick? — perguntou Bill, quando pararam para tomar um refrigerante depois do jogo.

       — Muito bem. Está namorando uma moça muito engraçadinha. Passamos o fim de semana pescando com eles, na Escócia. — Bill tinha um irmão mais moço, da idade dos gêmeos. Ele e Andy tinham muita coisa em comum. — Nós gostamos muito dela. — A namorada de Nick era inglesa, bonitinha e interessante, e Diana achou que ele estava mais entusiasmado do que queria admitir para Andy.

       — Eu também estou saindo com uma moça muito interessante — confessou Bill, com certa timidez.

       — Está querendo me contar alguma coisa, Bennington? — Andy olhou para ele. — Ou é mais um caso como os outros? — Bill estava sempre saindo com mulheres bonitas. Gostava de modelos e de ‘starlets’. Ele também era homem bonito, mas parecia mais interessado na variedade do que em qualquer coisa séria.

       — Não sei ainda. Mas ela é fantástica. Quero que a conheça. — O que ela faz? Ou a pergunta é redundante? — Andy sorriu.

       — Você não vai acreditar. É advogada de uma concorrente nossa. Acaba de se formar. É uma garota diferente, de verdade.

       — Oh, oh. — Andy não resistiu à brincadeira. Mas estava satisfeito. Bill Bennington era um dos seus melhores amigos. — Está parecendo coisa séria.

       — Nunca se sabe. — Bennington sorriu misteriosamente e os dois caminharam para o estacionamento do clube.

       Costumavam se encontrar todos os sábados, quando não tinham outros planos, e duas noites por semana, quando o trabalho não os prendia no escritório. Bill notara a tensão de Andy antes da viagem e ficou satisfeito por ver que ele estava mais calmo.

       — Como vaia minha editora favorita? Ainda trabalhando como uma escrava?

       — Até antes da viagem. Na verdade, ontem ela ficou em casa, o que é um bom sinal. Acho que voltou mais calma e com uma perspectiva diferente de algumas coisas. Estava tensa demais quando partimos.

       — Você também. Vocês me deixavam nervoso. Eu não sabia se era algum problema no trabalho ou outra coisa, mas não pareciam felizes antes das férias.

       — Eu não sei... — Andy não estava certo se devia falar da preocupação de Diana. — Acho que eu estava cansado. Diana andava muito nervosa e creio que me contagiou.

       — Nada sério, espero.

       — Não... na verdade, não... ela está ansiosa demais para ter um filho, mas eu acho que é uma preocupação prematura.

       — Vocês estão casados há menos de um ano, certo? Há quanto tempo exatamente? — Bill estava surpreso por eles pensarem em ter filhos tão cedo.

       — Hoje faz um ano. — Andy sorriu. — Parece incrível, não parece? — Nossa, eu nem acredito. Bem, não comecem a ter filhos agora. Você não poderá mais jogar tênis comigo. Vai ter de correr para casa para ajudar a trocar as fraldas.

      — Bem, não é uma perspectiva tentadora... talvez eu a convença a esperar mais um ano.

       — Faça isso. E então, talvez dentro de uns dois anos, nós dois estejamos empurrando balanços juntos.

       — Que idéia! – Andy olhou para o amigo. Estavam parados ao lado do Porsche prateado de Bill. — Nem dá para imaginar, não acha? Ainda me lembro do meu pai carregando os gêmeos, um em cada ombro. De certo modo, não me sinto preparado ainda para ser pai. Mas Diana sim. Está realmente ansiosa. — Andy não queria admitir que estavam tentando arduamente há um ano, sem resultado.

       — Bem, não tenha muita pressa, garotão. Filhos são para sempre.

       — Direi isso a Diana.

       Despediram-se e Andy voltou para casa, pensando, enquanto dirigia, se esse namoro de Bill iria durar mais do que os outros. Encontrou Diana trabalhando no jardim, muito feliz. Ergueu os olhos para o marido e sorriu vendo-o se aproximar, belo e elegante no short de tênis. Andy inclinou-se e a beijou.

       — Feliz aniversário, Sra. Douglas! — Tirou do bolso do short uma caixa da Tiffany's e a entregou a ela.

       — Você me estraga com tanto mimo. — Diana sentou-se sobre os calcanhares, desembrulhando e abrindo a caixa. Ali dentro estava um belo anel de ouro com uma safira, muito bonito e discreto, e Diana sabia que ia usá-lo para sempre.

       — Eu adorei! — disse ela, agradecendo com um beijo.

       — Fico feliz com isso. Acho que as primeiras bodas são de plástico, papel ou argila, uma dessas coisas... Fiquei imaginando se você não se importaria se eu me adiantasse alguns anos com o presente.

       — Desta vez eu perdôo... mas no próximo ano quero a coisa certa, algo de alumínio ou cobre. — Diana sorriu, queimada de sol, parecendo perfeitamente tranqüila.

       — Meu bem, você me convenceu!

       Entraram em casa e Diana entregou a ele o belo conjunto de malas de couro. Era exatamente o que Andy queria. Eram generosos um com o outro durante todo o tempo.

       Ele gostava de comprar pequenos presentes e às vezes flores. Diana fazia o mesmo. Os dois ganhavam bem e podiam fazer pequenas extravagâncias.

       Naquela noite, Andy fizera uma reserva no 1'Orangerie. Era um lugar caro mas ia fazer com que se lembrassem da Europa, onde haviam estado em restaurantes maravilhosos.

       Era justo gastar um pouco no seu primeiro aniversário de casamento.

       Diana estava com um vestido novo de seda branca, decotado, comprado em Londres para aquela ocasião.

      — Não sei por que, mas achei que devia me vestir de branco outra vez — disse ela, em tom de brincadeira.

       — Espero que não signifique que ainda acha que é virgem.

       — É meio difícil — sorriu ela.

       Saíram cedo para passar na abertura de mais uma exposição de Seamus, na Galeria Adamson-Duvannes. Diana havia prometido à irmã que passariam por lá antes do jantar.

       Entraram no carro, belos e bronzeados de sol, e Andy a beijou.

       — Você está maravilhosa! — disse ele e Diana sorriu.

       — Você também.

       Diana tinha ainda aquela aura de felicidade tranqüila adquirida na viagem e Andy imaginou se ela não estaria grávida. Estava usando o anel e Andy disse, com um sorriso, que podiam fazer outra viagem para ter a oportunidade de usar o conjunto de malas. Fora um ótimo dia e tinham passado a tarde na cama, fazendo amor. Até aquele momento tudo estava perfeito e, a caminho da Adamson-Duvannes, Andy falou sobre a nova namorada de Bill.

       — Uma advogada? — espantou-se Diana e depois sorriu. — Bem, não vai durar mais de dez minutos.

       — Não tenho tanta certeza. — Andy balançou a cabeça. — Bill parece bastante caído por ela.

       — Bill sempre fica assim até aparecer a próxima. Seu poder de concentração é igual ao do meu sobrinho de três anos.

       — Ora, Di, seja justa. Bill é um cara formidável.

       Rindo, Diana o fez admitir que havia alguma verdade no que acabava de dizer.

       — Eu nunca disse que ele não era, só que não consegue dar atenção a alguma coisa ou a alguém por mais de cinco minutos.

       — Desta vez pode ser diferente — disse Andy, estacionando numa vaga no San Vicente Boulevard, um pouco além da galeria. Ajudou Diana a descer e entraram na galeria, onde Seamus conversava com um oriental vestido de preto, bem ao lado da porta.

       — Meu Deus... vejam só, uma estrela do cinema, recém-chegada da Europa! -Depois desse elogio, Seamus apresentou os dois a um famoso artista japonês. — Estávamos comentando o impacto potencial da arte numa cultura comatosa e decadente. Nossas conclusões não são exatamente encorajadoras — disse Seamus, com sua expressão habitual de malícia e ironia. Seamus gostava de brincar com as pessoas, com as palavras, com tintas, com idéias, com qualquer coisa em que pudesse aplicar a mente ou pôr as mãos. – Você viu Sam? — perguntou a Diana, levando Andy para o bar e apontando para um grupo de mulheres na frente de uma tela enorme. Samantha conversava tranquilamente, parecendo não notar os dois filhos que, agarrados nas suas pernas, trocavam tapas e empurrões.

       — Oi — disse Diana, aproximando-se dela.

       — Oi, mas que beleza! — Samantha sempre achou Diana a mais bonita, a mais capaz... talvez a mais inteligente das três. Na opinião de Sam, Diana tinha tudo, embora se tivesse dito isso a ela, certamente Diana não concordaria. Estava disposta a trocar tudo e mais alguma coisa pelos filhos da irmã. — Você está fabulosa. Como foi a viagem?

       — Bastante divertida. Passamos uns dias maravilhosos.

       Sam apresentou a irmã às amigas e quando ficaram sozinhas ela perguntou, em voz baixa:

       — Então, você engravidou na viagem? – Parecia ansiosa e preocupada, mas por um momento Diana a detestou por fazer essa pergunta. – Será que vocês não pensam em outra coisa? Não têm nunca outro assunto? Cada vez que me encontro com Gayle ela me pergunta isso. — o pior era que ela também não pensava em outra coisa. Era como se, na sua família, para ser reconhecida, a mulher precisasse estar grávida ou ter filhos. Bem, Diana tinha feito tudo que podia, mas até aquele momento não obtivera resultado.

       — Desculpe. Há algum tempo não nos vemos e pensei que...

       — Sim, eu sei... — disse Diana, deprimida. As irmãs tinham boa intenção, mas sempre a irritavam. Às perguntas eram como uma acusação constante. Então, não estava tentando? O que havia de errado com eles? Seriam anormais? Diana pensava freqüentemente nisso e não tinha respostas para ela mesma, para as irmãs ou para os pais.

       — Suponho que isso significa "não" — disse Sam, em voz baixa, e Diana olhou furiosa para ela.

       — Significa que estou pedindo para me dar uma folga, Sam, e significa também que ainda não sei. Está satisfeita? Quer que eu telefone para você assim que ficar menstruada, ou prefere um fax? Ou talvez um cartaz em Sunset Boulevard, para que mamãe possa telefonar para as amigas e dizer que até agora a pobre Diana não tem nenhuma novidade?

       — Estava quase chorando e Sam teve pena dela. Foi tão fácil para todos eles, mas não estava sendo assim para Andy e Diana.

       — Não fique zangada, Di. Só queremos saber o que acontece com você, nada mais. Nós a amamos.

       — Obrigada. Não está acontecendo nada. Dá para entender? — Pelo menos, não que ela soubesse. Mas estava irritada ainda quando Andy e Seamus juntaram-se a elas, Seamus com o filho menor no ombro.

       — Seus novos quadros são maravilhosos — disse Andy, com entusiasmo, notando imediatamente a tensão no rosto de Diana.

       Saíram logo depois e seguiram para o restaurante em silêncio.

       — Alguma coisa errada? – perguntou Andy. Diana estava outra vez tensa e tristonha. — Sua irmã a aborreceu?

       — O mesmo de sempre — disse Diana com voz fria. — Perguntou se estou grávida.

       Andy olhou rapidamente para ela.

       — Diga a Sam para tratar da própria vida. — Ele a beijou e Diana sorriu.

       Andy era tão carinhoso e ela sabia que era tolice se aborrecer por tão pouco.

       — Eu detesto quando elas perguntam. Porque não esperam para ver? — Provavelmente porque a amam e querem o melhor para você. Além disso, talvez você esteja mesmo. Eu não sei, mas aquela vez em Monte Carlo me pareceu incrível. O que você acha?

       Diana sorriu, e inclinando-se para o lado, beijou o pescoço dele. — Eu acho que você é incrível. Feliz aniversário, Sr. Douglas.

       Era difícil acreditar que estavam casados há um ano. Diana adorava ser mulher dele e fora um ano bastante movimentado para os dois. Só tinha pena de não ter ficado grávida. Mas havia outras coisas importantes em suas vidas: o trabalho, os amigos, as suas famílias. Ter um filho não era a única coisa que lhes importava. Mas sem dúvida era importante, especialmente para Diana.

       — Você acha que é bobagem minha querer tanto... um filho? — perguntou ela.

       — Não. Só não quero que se torne uma idéia fixa. Acho que isso não ajuda.

       — Mas é quase inevitável. Às vezes eu penso que toda a minha vida gira em torno do meu ciclo menstrual.

       — Não deixe que isso aconteça. Procure esquecer tanto quanto possível. Estou sempre dizendo isso. — Andy entregou o carro para o manobrista do restaurante. — Mas você parece que não escuta. — Ele a beijou outra vez, abraçando-a por algum tempo. — Não esqueça quem é realmente importante... você... e eu... O resto vai se encaixando no tempo certo.       i

       — Eu gostaria de ser tão despreocupada quanto você — disse Diana.

       Andy era tão calmo e sensato.

       — Aposto que se conseguir se livrar um pouco da tensão, vai ficar grávida assim... — Andy estalou os dedos.

       — Vou tentar.

       Quando entraram no restaurante, várias pessoas admiraram o belo casal. Sentaram-se a uma mesa num canto e conversaram tranqüilamente, enquanto Andy pedia o vinho e os dois estudavam o cardápio. Diana sentia-se melhor e, quando Andy pediu o jantar, estavam os dois de bom humor.

       Pediram caviar com ovos mexidos servido em cascas de ovos, com cebolinha, seguidos de lagosta e champanhe e só depois da sobremesa Diana se levantou para retocar a maquiagem. Estava muito bonita com o vestido inglês e seu cabelo brilhava. Depois de se pentear e retocar o batom, ela foi ao banheiro e lá estava a mancha vermelha dizendo que todo o amor que fizeram em Monte Carlo fora inútil. Diana ficou imóvel por um momento e tudo pareceu girar à sua volta. Acalmou-se com esforço, mas enquanto lavava as mãos sentia-se dolorosamente triste e vazia. Não queria que Andy soubesse, mas ele viu nos olhos dela. Conhecia as datas e sabia que naquele fim de semana confirmariam se sua missão na Europa fora bem-sucedida. A resposta estava no rosto de Diana.

       — Surpresa desagradável? — perguntou ele, cautelosamente. Andy a conhecia muito bem e isso a comoveu, mas estava deprimida demais para se importar com os sentimentos dele. Era difícil para ele também e aos poucos Diana estava fazendo com que Andy se sentisse um fracasso.

       — Sim, surpresa desagradável — respondeu ela, desviando os olhos. Para Diana, a viagem toda fora um desperdício. Naquele momento, toda sua vida parecia sem sentido.

       — Não quer dizer nada, meu bem. Podemos tentar outra vez. — E outra... e mais outra... e outra... e sempre para nada. Por quê? Para que continuar tentando? Quem disse que era tolice se preocupar?

       — Eu quero consultar o especialista — disse Diana tristemente, enquanto o garçom servia o café. Pelo menos para ela, a noite estava estragada. Seu único objetivo na vida era aquele filho. Nada mais impor tava realmente, nem seu trabalho, seus amigos, às vezes, nem mesmo o marido. Apesar de dizer que o filho não era o objetivo principal da sua existência, ambos sabiam que era.

       — Por que não conversamos a esse respeito em outra ocasião? — sugeriu Andy, calmamente. — Não há pressa. Não estamos desesperados. Faz só um ano. Muita gente acha que se deve consultar o especialista depois de dois anos. — Andy procurava acalmá-la, vendo que Diana estava quase chorando e extremamente nervosa.

       — Não quero esperar tanto — disse ela, com voz tensa, sentindo cólicas e odiando o que elas significavam. Detestava tudo relacionado com seu ciclo.

       — Ótimo. Então podemos esperar uns dois meses. Não precisamos sair correndo e você deve se informar sobre o médico antes de consultá-lo.

       — Já verifiquei. Jack disse que é um dos melhores da América.

       — Ah, muito bem. Então está contando seus problemas ao Jack outra vez. O que foi que disse a ele? Que eu não consigo uma ereção, que tive caxumba quando criança ou apenas que não está funcionando? — Andy estava zangado com o exagero de tudo aquilo que o punha na berlinda e o fazia sentir-se culpado. Para não falar do que ela estava fazendo ao seu aniversário de casamento.

       — Eu só disse a ele que estou preocupada e que meu ginecologista me indicou esse médico. Ele não perguntou nada. Não se ofenda por tão pouco. — Diana tentou apaziguar as coisas, mas Andy estava zangado e desapontado. E secretamente sentia que tinha falhado com ela.

       — Como é que não vou me ofender, pelo amor de Deus? Uma vez por mês você parece que vai morrer e olha para mim com esses olhos tristes, como dizendo que a culpa é minha e por que diabo não consigo dar um tiro certeiro. Bem, para dizer a verdade, eu não sei por quê. Talvez seja minha culpa, talvez não seja, talvez não seja droga nenhuma, apenas você nos enlouquecendo. Mas, se acha que ajuda, vá ao especialista, faça o que tem de fazer e, se for preciso, vou com você.

       — O que quer dizer, se for preciso? — indagou Diana com mágoa. A noite estava definitivamente arruinada. — O problema não é só meu. Está acontecendo com nós dois.

       — Sim, está, graças a você. Mas, quer saber de uma coisa? Talvez não haja problema nenhum. Você está criando essa coisa toda por causa da sua idéia fixa e histérica de ter um filho. E sabe o que mais? Não dou a mínima para o fato de suas irmãs terem engravidado no altar. Conosco foi diferente, e que importância tem isso? Por que você não esquece por um tempo e vamos ver se podemos viver como dois seres humanos normais?

       Diana estava chorando quando saíram do restaurante e não trocaram uma palavra até chegar em casa. Ela ficou um longo tempo trancada no banheiro, soluçando pelo bebê que não tinha concebido e pelo aniversário estragado. E se Andy tivesse razão? Se ela estivesse sendo neurótica? Será que estava enganada? Será que tudo não passava de uma competição com Gayle e Samantha? Ou o problema existia? E por que, por mais que se esforçasse nunca conseguia ser tão boa quanto elas? Andy estava acordado, esperando, quando Diana apareceu finalmente com uma camisola cor-de-rosa comprada por ele em Paris.

       — Desculpe – disse ele, quando ela se aproximou da cama. — Acho que fiquei desapontado também. Eu não devia ter dito tudo aquilo. — Andy a abraçou carinhosamente e viu que ela havia chorado. — Não tem importância, meu bem. Não importa se nunca tivermos filhos. É você que eu amo. Você que é importante para mim.

       Diana queria dizer que sentia o mesmo, mas a verdade era que uma parte dela não partilhava daquele sentimento. Ela o amava, mas queria o filho e sabia que, enquanto não conseguisse, sempre faltaria alguma coisa no seu casamento.

       — Eu a amo, Di — murmurou ele, abraçando-a.

       — Eu também o amo... mas sinto que falhei com você.

       — Bobagem — disse ele, com um sorriso. — Você não falhou com ninguém. E provavelmente vai acabar tendo gêmeos e suas irmãs vão ficar verdes de inveja.

       — Eu o amo. — Diana estava sorrindo outra vez e tinha o coração mais leve. Lamentava ter arruinado aquela noite.

       — Feliz aniversário, minha querida.

       — Feliz aniversário — murmurou ela.

       Andy apagou a luz e a segurou nos braços durante um longo tempo, pensando no futuro dos dois e imaginando o que iria acontecer se nunca tivessem um filho.

      

       Bradford e Pilar passaram em casa seu primeiro aniversário de casamento. Haviam planejado ir ao E1 Encanto, mas o telefonou quando estavam saindo, avisando que Nancy estava em trabalho de parto. Falaram com ela por alguns minutos e Pilar disse que estariam em casa à espera das notícias. Brad, porém, ficou desapontado.

       — Por que você disse isso? Pode demorar horas. O bebê pode só chegar amanhã.

       — Ora, meu querido. Podemos ir amanhã. É o nosso primeiro neto e devemos ficar aqui, para o caso de precisarem de nós.

       — Uma coisa que nenhuma mulher precisa quando tem o primeiro filho é a presença do pai.

       — Ainda assim, acho que devemos ficar aqui. E se acontecer alguma coisa?

       — Tudo bem, tudo bem... vamos ficar em casa. — Brad soltou o nó da gravata e olhou para Pilar, grato a ela por ter sido sempre tão atenciosa com seus filhos. Eles tinham muita sorte por terem Pilar e felizmente agora reconheciam isso.

       Pilar preparou o jantar e comeram macarrão, acompanhado por vinho, à luz da lua, na varanda.

       — Na verdade — disse Brad com um sorriso -, talvez isto seja melhor do que E1 Encanto. Pelo menos é mais romântico. Eu já lhe disse hoje o quanto a amo?

       Brad estava muito bonito e parecia mais jovem; Pilar estava linda, o vestido azul combinando com a cor dos seus olhos.

       — Não nas duas últimas horas. Eu começava a ficar preocupada. Depois que ela tirou a mesa, ficaram sentados na varanda e Brad contou como ficou nervoso quando Nancy nasceu. Ele tinha 35 anos, o que não era muito jovem para ser pai pela primeira vez, naquele tempo, mas ficou apavorado e sentia-se como uma criança, andando na sala de espera do hospital, esperando para ver o filho. Disse que quando Todd nasceu já era veterano e, cheio de orgulho, distribuiu charutos para a cidade inteira.

       Confessou que havia comprado alguns charutos e que ia fazer a mesma coisa quando nascesse o filho de Nancy.

       Pilar estava feliz por eles e esperava que tudo corresse bem. O telefone os surpreendeu às dez e meia. Estavam ainda na varanda e Pilar correu para atender. Era Tommy, e depois Nancy, felizes e encantados. Era um menino e pesava um pouco mais de quatro quilos.

       — E tudo não levou mais de três horas e meia, do começo ao fim – anunciou Tommy, com orgulho, como se Nancy acabasse de realizar uma proeza jamais vista no mundo.

       — Com quem ele parece? Comigo, eu espero — brincou Pilar e todos riram.

       — Na verdade — disse Nancy, imensamente satisfeita -, ele é igualzinho ao papai.

       — Graças a Deus — gabou-se Brad, na extensão do quarto. — Deve ser um garoto muito bonito.

       — Ele é — acrescentou Tommy, orgulhoso.

       Brad perguntou se tudo estava bem e disseram que fora tudo perfeito. Nancy não tomara nenhum anestésico, o parto fora normal e Tommy assistira a tudo, ajudando-a.

       Quando desligaram, Brad voltou para a varanda, com um sorriso de orgulho. Tinha um neto.

       — As coisas mudaram — murmurou ele. — Se tivessem me pedido para assistir ao parto dos meus filhos, eu teria desmaiado.

      — Eu também — socou Pilar. — Essa parte nunca me atraiu muito. Mas eles estão tão felizes! Como crianças, excitados, orgulhosos e satisfeitos. -Seus olhos se encheram de lágrimas. Era uma sensação que ela não conhecia e que provavelmente nunca iria conhecer. Olhou para ele e sorriu. -Engraçado. Você não parece avô.

       — Boa notícia. Aceita um charuto?

       — Acho que eu passo. — Mas Pilar sabia o que desejava naquele momento, ali sentada, olhando para o mar escuro.

       — No que está pensando? — Brad viu nos olhos dela uma solidão intensa que nunca vira antes. Mas ali estava agora. Sentimentos tão profundos que nem para ele Pilar ousava trazer à superfície.

       — Não estava pensando em nada — mentiu.

       — Não é verdade. Estava pensando em alguma coisa muito importante. Eu nunca a vi assim, Pilar. Diga no que estava pensando... — Sim, tinha visto umas duas vezes.

       Quando concordara em se casar com ele e uma ou duas vezes, antes. Segurou as mãos dela. — Pilar... o que é? — Espantou-se quando viu que ela estava chorando. Brad queria abraçá-la, protegê-la daquelas lágrimas, daquele olhar tão sofrido, da mágoa que a dominava.

       — Eu estava só pensando... Bobagem minha... Eles são jovens, e merecem tudo isto... Estava só pensando como fui tola. — Ele mal conseguia ouvir a sua voz na penumbra. – Estava só pensando no quanto eu adoraria ter um filho seu...

       Pilar se calou e ele não disse nada por um longo tempo, apenas ficou ali segurando as mãos e olhando-a.

       — Você fala sério, não é? – perguntou com suavidade. Ele desejava de todo coração que ela tivesse chegado a essa conclusão mais cedo, para o bem dos dois, mas não era possível ignorar a angústia nos olhos dela, nem o tom da sua voz.

       — Sim, é exatamente o que eu sinto – disse Pilar e Brad lembrou-se de quando ela aceitou casar-se com ele, depois de afirmar durante tantos anos que preferia continuar solteira. E agora, depois de todo aquele tempo, depois de estar absolutamente convencida de que não queria filhos, agora, quase ao apagar das luzes... Pilar queria ter um filho seu.

       Brad a abraçou e a aconchegou contra seu peito. Detestava saber que nas profundezas da sua alma Pilar se sentia completamente vazia.

       — Não me agrada a idéia de você não ter o que deseja... especialmente quando é algo importante... — disse ele, com uma certa tristeza. — Mas, na verdade, estou velho demais para ter filhos outra vez. Posso nem chegar a vê-los crescidos — completou, muito sério, e Pilar sorriu. Ela compreendia. Não queria obrigá-lo a coisa alguma.

       — Preciso de você aqui até eu crescer e isso pode demorar muito ainda — disse ela, enxugando as lágrimas.

       — Talvez tenha razão — riu ele, recostando-se na cadeira e passando a mão levemente no rosto molhado de lágrimas da mulher. — Então, o que vamos fazer com esse bebê? — perguntou, com um sorriso nos olhos. — Qual bebê? O de Nancy?

       — Não. O nosso. O seu. O meu... nosso... o que você parece desejar tanto.

       — Vamos fazer alguma coisa? — Pilar olhou para ele, atônita. Não queria dizer o que sentia para que Brad não tivesse a impressão de estar sendo obrigado, mas ele insistiu e ela acabou contando.

       — Você quer mesmo tanto assim? – perguntou Brad e Pilar fez que sim com a cabeça, os olhos cheios de amor. — Pois, então, vamos tentar. Na minha idade, não posso prometer nada. Ao que sei, o equipamento já nem funciona mais, pelo menos no que se refere a fazer bebês. Mas podemos tentar... Vai ser divertido... Brad riu com malícia e Pilar o abraçou. Estava surpresa coma reação dele, mas não tanto quanto havia surpreendido a si mesma e a ele. Se alguém tivesse dito que algum dia ela iria querer um filho, Pilar teria achado muita graça. E agora ela queria tanto que estava chorando.

       — Tem certeza? — Olhou ternamente para o marido. — Você não precisa fazer isso por mim.

       — Sim, preciso... Há muito tempo eu quis ter filhos com você. Mas você gosta de me fazer esperar, não é mesmo?

       — Muito obrigada por ter esperado – murmurou ela, desejando que não fosse tarde demais para nenhum deles. Essa era uma possibilidade e não podiam saber com antecedência. Precisavam tentar e ver o que acontecia.

      

       Charlie comprou champanhe e um belo anel para Barbie como presente de aniversário de casamento. Ele não sabia por que, mas achava que ela não tinha lembrado. Charlie não disse nada, para fazer surpresa. Seu plano era preparar o jantar, com muito champanhe, e depois dar o anel, que era em forma de coração com um pequeno rubi no centro, comprado na Zale's. Barbara gostava de jóias, roupas e coisas bonitas, e Charlie gostava de surpreendê-la com pequenos presentes. Barbara era tão bonita e ele a amava tanto e, na sua opinião, ela merecia plenamente todo seu carinho. Ela dissera que tinha um teste para um comercial de detergente naquela manhã e que à tarde iria fazer compras com Judi e sua nova companheira de quarto. Pretendiam ir ao Broadway Plaza e Barbara prometeu estar em casa para o jantar. Charlie não insistira para não estragara surpresa. Às seis e meia, porém, ele começou a entrar em pânico. Quando ela saía com Judi e as outras amigas, às vezes bebiam um pouco demais e esqueciam a hora. Esperava que ela voltasse muito mais cedo. O teste devia ter sido cansativo e estressante; tratava-se de um comercial de âmbito nacional e ela queria muito ser atriz.

       Durante todo o ano Barbie havia conseguido apenas uma meia dúzia de papéis sem importância, exceto um deles, onde cantou e dançou vestida de uva passa. Mas a grande oportunidade para a carreira em Hollywood estava ainda para aparecer. Barbara trabalhava como modelo free-lance sempre que podia, especialmente modelando maiôs, e Charlie ficava muito orgulhoso. Não se importava que ela trabalhasse no teatro ou como modelo, mas não queria que ela voltasse a ser garçonete, nem que trabalhasse numa loja, como Judi, que há seis meses trabalhava no departamento de cosméticos da Neiman-Marcus e insistia sempre com Barbara para fazer o mesmo. Charlie, no entanto, não queria isso para ela. Os dois viviam bem com as comissões de Charlie. Uma vez ou outra o dinheiro ficava curto, então ele cozinhava macarrão com queijo e ficavam em casa assistindo à TV. Logo ele recebia outra comissão e chegava em casa com uma braçada de flores para a mulher. A bondade de Charlie às vezes fazia Barbara sentir-se culpada. Ela tentava explicar isso para Judi. Não parecia direito ficarem casa, fazendo as unhas, telefonando para seu agente, almoçando na cidade com a amiga, quando sabia que Charlie trabalhava arduamente para sustentá-la. Mas Judi achava que estava tudo certo, que Barbara tinha muita sorte e ela acabava concordando.

       Depois de trabalhar durante tantos anos como corista, garçonete e até como frentista num posto de gasolina certa vez em Vegas, entre um emprego e outro, agora era uma verdadeira dondoca. E Barbara era boa para ele, ou pelo menos tentava ser, mas ainda não tinha se acostumado com a idéia de estar casada. Era estranho ter de dizer aonde ia e o que tinha feito, estar presa a um homem, ficar em casa o tempo todo em vez de ir a festas. Às vezes sentia falta dos velhos tempos, especialmente quando saia com Judi e as amigas e elas contavam o que tinham feito ou iriam fazer. Mas então voltava para casa e para a bondade e a ternura de Charlie e era impossível não amá-lo. Barbara só queria que ele fosse mais interessante, que tivessem uma vida mais movimentada. Charlie, porém, era firme como uma rocha e ela sabia que podia contar com ele, sabia que ele sempre estaria ao seu lado quando precisasse dele. Às vezes isso a assustava, era como se jamais pudesse fugir dele. Mas, então, perguntava a si mesma por que iria querer fazer isso.

       Às sete horas o jantar estava pronto e a mesa arrumada; Charlie tomou um banho de chuveiro, vestiu o terno azul e tirou o presente da gaveta onde o tinha escondido. O champanhe estava na geladeira. Às sete e meia, estava tudo em ordem. Ele ligou a TV e às oito horas o assado começou a queimar nas pontas. Às nove horas, Charlie estava em pânico. Tinha acontecido alguma coisa. Talvez um acidente, pensou ele. Judi dirigia pessimamente e estava sempre batendo com o carro. Telefonou para a casa dela, não havia ninguém. Telefonou outra vez às nove e meia. A secretária eletrônica estava ligada e ele deixou outro recado. Mas, às dez horas, quando telefonou novamente, Judi atendeu e ficou surpresa ao ouvira voz dele.

       — Onde está Barb? — perguntou Charlie logo que ela atendeu. — Ela está bem?

       — Está ótima, Charlie. Foi para casa há alguns minutos. Deve estar chegando. O que está acontecendo? — perguntou Judi, aborrecida. Charlie parecia extremamente preocupado.

       — Como Barbara veio para casa? — Por que Judi não a levara de carro?

       — Tomou um táxi. Talvez demore um pouco, mas vai chegar, Charlie. Fique frio. Você a está prendendo com rédea muito curta ultimamente, não acha?

       — É nosso aniversário de casamento — disse ele, tristemente.

       — Oh! — Um longo silêncio seguiu-se e depois ela disse: — Eu sinto muito.

       Tinham saído juntas, tomaram alguns drinques e, como Charlie havia imaginado, esqueceram da hora até quase nove e meia.

       — Obrigado. — Charlie desligou o telefone e depois o forno. Por que Barbara tinha saído outra vez com Judi e as amigas? Porque na noite do seu aniversário? E porque ele não a lembrara da data? Porque queria fazer uma surpresa com o champanhe e o jantar. Teria sido mais fácil dizer a ela o que pretendia fazer. Sabia que Barbara era desligada, que gostava de passear e visitar amigas. Foi uma grande bobagem fazer surpresa.

       Às 10:45, estava assistindo ao jornal na TV e ouviu a chave na fechadura. Saltou da cadeira quando ela entrou na sala. Barbara usava um vestido preto muito justo, saltos altos e estava incrivelmente sexy.

       — Onde você esteve? — perguntou ele, ansioso. — Eu disse para você. Fui fazer compras com Judi.

       — Isso foi onze horas atrás. Por que não me telefonou? Eu podia apanhá-la na cidade.

       — Eu não quis dar trabalho, meu bem.— Barbara beijou-o levemente no rosto e então viu a mesa. Ficou surpresa e depois sentiu-se culpada. — O que é isto? O que foi que você fez?

       — É o nosso aniversário — disse ele, em voz baixa. — Fiz o jantar para você. Acho que foi uma bobagem querer fazer surpresa.

       — Oh, Charlie... — Os olhos de Barbara encheram-se de lágrimas. Ela sentiu-se como a última das mulheres, especialmente quando ele serviu o champanhe e levou para a mesa o assado e o pudim Yorkshire.

       — Passou um pouco do ponto — riu ele timidamente e Barbara o beijou com um sorriso.

       — Você é o máximo — disse ela com sinceridade. — Quero que me desculpe, meu bem. Eu esqueci completamente. Uma grande tolice.

       — Tudo bem. Vai lembrar no próximo ano. Combinamos um encontro e vamos jantar num restaurante. Um lugar chique de verdade, como o Chasen's.

       — Este jantar me parece muito especial — disse ela. A comida estava quase toda queimada, mas o champanhe pareceu-lhe delicioso. Barbara já havia tomado alguns drinques, mais alguns mais não iriam fazer mal. Um pouco depois estavam fazendo amor no sofá, o vestido dela e o terno de Charlie amontoados no chão, e ele esqueceu completamente o jantar queimado.

       — Uau! — murmurou ele, feliz, quando finalmente conseguiram respirar. — Uau... uau! Uau!

       Barbara riu e, quando resolveram ir para o quarto, eram três horas da manhã. No dia seguinte, acordaram ao meio-dia, Barbara com uma terrível dor de cabeça. Quase não podia enxergar quando Charlie abriu as persianas e então ele lembrou que não tinha dado a ela o presente comprado na Zale's. Barbara apanhou o embrulho, queixando-se de dor de cabeça.

       — Não sei porque gosto tanto de champanhe. No dia seguinte parece que tenho britadeiras na cabeça.

       — É por causa das bolhas. Pelo menos foi o que me disseram. Charlie nunca bebia demais, mas Barbara às vezes se excedia. Não sabia se controlar quando se tratava de champanhe.

       — O que é isto? — Desembrulhou o presente bem devagar, deitada na cama, em toda a glória da sua nudez.

       Barbara tinha um corpo notável e Charlie não conseguia desviar os olhos nem manter as mãos longe dele por muito tempo.

       — Um presente de aniversário de casamento, mas se demorar muito para abrir vou ter de interromper. — Era quase doloroso olhar para ela, impossível não desejá-la.

       Naquele ano, fazer amor com Barbara tinha se tornado um vício incontrolável.

       Finalmente ela abriu a caixa, viu o anel e, com uma exclamação de alegria, disse que era uma beleza. Charlie fazia tanto por ela. Ninguém jamais fizera nada igual em toda sua vida. Mesmo assim, por causa do seu passado, às vezes era difícil ser completamente sincera com ele. Mas em momentos como aquele, Barbara se arrependia.

       — Eu sinto muito o que aconteceu ontem à noite — disse ela com voz sensual, rolando para o lado dele.

       Charlie esqueceu tudo, exceto aquelas pernas, aquele corpo, aqueles seios incríveis que o encantavam.

       Ficaram na cama até as duas da tarde, tomaram um banho de chuveiro juntos e fizeram amor outra vez. Charlie estava em grande forma e de ótimo humor.

       — Na verdade, apesar do começo um tanto lento, eu diria que este foi um grande aniversário — observou ele, com um largo sorriso, quando se vestiam para jantar e ir ao cinema com um casal amigo.

       — Eu também acho — disse ela, olhando para o anel com um largo sorriso. Depois o beijou. Percebeu então que Charlie parecia um pouco hesitante, com aquela cara de quando queria perguntar alguma coisa a ela, mas tinha medo de aborrecê-la. — O que há? ... Ora, pode deixar... eu sei... a pergunta errada.

       Charlie riu, surpreso por ver que ela o conhecia muito bem.

       — O que o está preocupando? Está com cara de quem quer me perguntar alguma coisa.

       Enquanto falava, Barbara vestiu uma saia curta e justa de couro preto, calçou sapatos de salto alto e apanhou uma suéter no armário. O cabelo louro estava preso no alto da cabeça e ela parecia uma Olivia Newton-John um pouco mais cheia, mais sensual. Charlie era um homem de boa aparência, mas ficava ofuscado ao lado de Barbie.

       — Por que acha que quero fazer uma pergunta? — Às vezes era embaraçoso para ele revelar seus pensamentos.

       — Ora, vamos logo com isso — disse Barbara

       Não havia nenhuma timidez na pose dela com a suéter justa delineando os seios perfeitos. Charlie tinha pensado em fazer a pergunta na noite anterior, depois do champanhe e do anel, talvez antes de fazerem amor, ou até mesmo depois. Mas as coisas não aconteceram na ordem prevista. Fizeram amor a noite toda e nem se importaram com o jantar.

       — Ora, vamos, do que se trata? — perguntou ela, impaciente, e Charlie começou a ficar nervoso. Não queria fazer a pergunta na hora errada, não queria que ela ficasse zangada. Barbara sabia que era alguma coisa sobre a qual não queria falar, mas que significava muito para ele. Charlie tinha de perguntar.

       — Não sei se é o momento certo — hesitou ele, com medo de estragar tudo.

       — Minha mãe sempre dizia: "Não atire um pé de sapato apenas". Então, qual é o caso, Charlie?

       Ele sentou-se na cama, procurando as palavras certas. Era muito importante para ele, não queria que Barbara se irritasse. Sabia o que ela pensava sobre o assunto.

       Mas tinha grande significado para ele e achava que deviam pelo menos conversar a respeito.

       — Não sei bem como vou dizer... ou explicar o quanto significa para mim, Barb... mas... eu quero um filho.

       — O quê? — Barbara olhou para ele como um gato furioso, com a suéter preta de lã angorá. Com uma expressão de extremo desagrado, disse: — Você sabe que eu não quero filhos, Charlie. Não agora. Puxa vida, eu quase consegui um comercial esta semana. Se ficar grávida, vou jogar toda a minha carreira pela janela e posso acabar vendendo batons no Neiman-Marcus, como Judi.

       Charlie não disse que "toda a carreira" dela resumia-se em papéis insignificantes, diversos testes para comerciais e a última fila das coristas de Oklahoma!, para não mencionar aquele ano desagradável em Las Vegas. Seu único sucesso fora desfilar modelando biquínis.

       — Eu sei — disse ele, compreensivo. — Mas você podia deixar sua carreira em compasso de espera. Não estou dizendo que tem de ser agora. Mas quero que saiba o quanto é importante para mim. Eu quero uma família, Barb, quero filhos. Quero dar a alguém o que eu nunca tive, mãe, pai, um lar, uma vida. Podemos realmente representar muito na vida dos nossos filhos. Eu quero fazer isso. Estamos casados há um ano e achei que devia falar no assunto.

       — Pois se você quer brincar com crianças, entre para o Corpo da Paz. Eu não estou preparada para isso. Tenho quase 32 anos e, se não correr atrás do que eu quero agora, mais tarde pode não estar mais ao meu alcance.

       — Eu estou com trinta anos, Barbie. Trinta. E quero uma família. A súplica nos olhos dele deixou Barbara nervosa.

       — Uma família? — perguntou ela, erguendo uma sobrancelha, encostada na parede, extremamente sexy com a saia justa de couro preto. — Isso significa quantos filhos? Dez? Já pertenci a uma delas. É horrível. Acredite, eu sei. — Mais do que podia contar, mais do que ele poderia imaginar.

       — Mas não tem de ser assim. Talvez sua família fosse horrível. Mas a nossa não vai ser, meu bem. — Charlie estava com os olhos cheios de lágrimas. — Preciso disso na minha vida... nada estará completo enquanto eu não conseguir. Não podemos pelo menos tentar agora?

       Já haviam conversado a respeito antes do casamento, mas nunca procurando uma decisão imediata. Charlie nunca negou que queria filhos e Barbie não teve coragem de dizer que não queria, apenas dissera: "mais tarde". Porém, "mais tarde" estava chegando cedo demais para ela.

       Barbara olhou com tristeza para fora, através da janela. Certas lembranças ela não queria partilhar com ele, mas não queria fazer parte de uma família outra vez, nem encher sua vida de filhos. Sabia que jamais quis isso. Tentara dizer logo que se conheceram, mas Charlie não quis ouvir e até agora não acreditava que ela não quisesse filhos.

       — Por que agora? Estamos casados só há um ano. Está ótimo assim, por que estragar tudo?

       — Não vai estragar nada, Barbie, só pode melhorar. Por favor, Barb... pense no assunto.

       Barbara odiou a súplica na voz dele. Charlie a estava pressionando e isso não era justo. Especialmente nesse assunto de filhos.

       — Talvez a gente nem consiga — ela tentou desencorajá-lo. — Às vezes fico pensando se não há alguma coisa errada conosco. A maior parte das vezes não usamos nenhum preservativo. Nunca fui tão descuidada quanto agora, Charlie, e nada acontece. – Ela sorriu. — Talvez seja nosso destino não ter filhos. — Barbara o beijou, procurando excitá-lo, o que nunca era difícil. — Eu serei o seu bebê, Charlie.

       — Não é a mesma coisa. — Ele sorriu, dominado. — Embora seja muito agradável... muito mesmo.

       Enquanto a beijava, Charlie imaginou se podia fazer com que Barbara fosse mais descuidada ainda. Talvez na época certa. Podia ser melhor do que tentar convencê-la e ele sabia que, se tivessem um filho, ela iria gostar. Resolveu prestar mais atenção ao ciclo menstrual da mulher. No tempo certo compraria uma garrafa de champanhe e — Bingo! — teriam um filho. Acabaram de se vestir e saíram, Charlie animado com a nova idéia, Barbara feliz, certa de que ele esqueceria essa história de família, pelo menos por algum tempo. Ela jamais dissera que não queria ter filhos, mas também nunca tinha dito que sim. De uma coisa, porém, tinha certeza não importava o quanto Charlie desejasse ter filhos, ela jamais os teria.

 

No feriado de Quatro de Julho, Nancy e Tommy levaram o filho para visitar Pilar e Brad. Era incrível notar o quanto todos tinham mudado. Nancy e Tommy pareciam extremamente amadurecidos e responsáveis e Brad não se cansava de brincar com o neto. Era difícil imaginar como tinham vivido sem ele até então. Pilar adorava carregar o bebê e era maravilhoso pensar que talvez algum dia tivesse o seu também. Uma sensação incrível.

       Adam era gorducho e redondo, adorava dormir no colo de quem quer que fosse, tinha olhos azuis enormes e era uma delícia tê-lo nos braços.

       — Você fica muito bem com ele no colo — disse Brad suavemente, quando os dois caminhavam juntos, ela carregando Adam. — Talvez ele tenha um novo tio ou tia muito em breve — brincou ele, e Pilar sorriu.

       Tinham trabalhado para isso durante toda a semana seguinte ao aniversário de casamento e estavam curiosos para saber o resultado naquele fim de semana. Naquela noite, porém, antes de se deitar, Pilar descobriu que não estava grávida. Saiu do banheiro arrasada e perplexa. Ela sempre conseguia o que queria na primeira tentativa.

       — Meu bem, o que aconteceu? — Brad pensou que ela estivesse doente. Pilar sentou na cama, ao lado dele, com os olhos cheios de lágrimas.

       — Não estou grávida.

       — Ora, pelo amor de Deus! — Brad sorriu carinhosamente. — Pensei que tivesse acontecido alguma coisa horrível.

       — E não acha isso horrível? — Pilar estava atônita. Raramente não obtinha sucesso em alguma empreitada. Mas Brad sabia das coisas.

       — Depois de quatorze anos? Só porque tentou uma vez, não significa que vai conseguir imediatamente o que quer. Talvez precise se esforçar um pouco mais. — Brad a beijou e Pilar sorriu, ainda tristonha. — Pense só em como vai ser divertido continuar tentando.

      — E senão der certo? — perguntou ela, assustada. Não era tão fácil quanto parecia.

       Brad olhou atentamente para ela, imaginando como Pilar encararia o fracasso.

       — Se não der certo, Pilar, então teremos de viver com isso. Mas tentaremos o possível. Não se pode fazer mais nada.

       — Na minha idade, talvez fosse mais prudente consultar um especialista antes — argumentou ela, preocupada.

       — Na sua idade, muitas mulheres têm filhos sem especialistas ou esforços heróicos. Você não pode controlar o mundo todo. Só porque três semanas atrás resolveu ter um filho, não quer dizer que pode fazer com que aconteça de um dia para o outro. Dê tempo ao tempo. Acalme-se... — Ele a abraçou e depois de algum tempo Pilar se acalmou e conversaram tranqüilamente sobre o bebê que pretendiam ter. Se tivessem.

       Brad achava que era cedo demais para pensar num especialista, mas, quando Pilar insistiu, concordou em ir com ela se fosse realmente necessário.

       — Mas, por enquanto, não – disse ele, apagando a luz. — Acho que o que precisamos — terminou, aproximando-se dela sob as cobertas — é de um pouco mais de treino.

      

       Para Diana o piquenique de Quatro de Julho dos Goode foi um pesadelo. Há dois dias tinha descoberto mais uma vez que não estava grávida e suas irmãs a atormentaram impiedosamente,perguntando o que estava acontecendo e se ela achava que Andy tinha algum problema.

       — É claro que não — defendeu-o Diana, com a sensação de estar sendo massacrada a ponto de nem poder respirar.— É só uma questão de tempo.

       — Não precisamos de tempo nenhum e você é nossa irmã — observou Gayle. — Talvez a contagem de espermatozóides dele seja baixa — disse ela, aliviada por estar pondo a culpa nele. Já havia comentado o caso com o marido.

       — Porque você não pergunta a ele? — retrucou Diana, agressiva, e Gayle ficou ofendida.

       — Eu só estava tentando ajudar. Talvez você deva convencê-lo a consultar um médico.

       Diana não disse que tinha hora marcada no especialista no dia seguinte. Como Andy dizia, não era da conta delas.

       Mas foi Sam quem quase a deixou sem fala com um último e inesperado golpe. Foi durante o almoço e Diana pensou que ia vomitar quando ouviu a notícia.

       — Muito bem, minha gente... — começou ela, olhando a seguir timidamente para o marido, que sorriu. — Conto para eles?

       — Nada disso — riu ele. — Só daqui a seis meses. Deixe que adivinhem até lá. — Todos gostavam do seu sotaque irlandês e dos seus modos descontraídos. Era muito querido na família desde que casara com Samantha.

       — Ora, vamos com isso — objetou Gayle. — Conte.

       — Tudo bem — continuou Sam com um sorriso feliz. — Estou grávida. É provável que o bebê nasça no dia dos namorados.

       — Que maravilha! – exclamou sua mãe e o pai sorriu satisfeito. Ele estava conversando com Andy e interrompeu-se para dar os parabéns à filha e ao genro. Seria seu sexto neto; três da filha mais velha, três da mais nova e nenhum de Diana.

       — Isso é maravilhoso — disse Diana, beijando Sam, que num murmúrio desfechou o golpe de misericórdia.

       — Pensei que você ia me passar a frente, mas vejo que não.

       Pela primeira vez na vida Diana teve vontade de esbofetear a irmã. Vendo Samantha rir e se gabar, vendo todos em volta dela dando-lhe os parabéns e fazendo piadas, Diana a odiou. O pior de tudo, porém, era que afinal quem iria ter um bebê era Samantha e não Diana.

       Diana e Andy não trocaram uma palavra até chegar em casa. Ao entrarem, ele explodiu.

       — Escute, que diabo, não é minha culpa, não descarregue em mim! — Sabia exatamente o que estava acontecendo com ela desde o momento em que Samantha anunciara sua gravidez. E os olhos de Diana pareciam repletos de acusações silenciosas.

       — Como é que você sabe? Talvez a culpa seja sua! — Assim que acabou de falar, Diana se arrependeu. Sentou-se no sofá, os olhos cheios de desespero. Ele parecia abalado.

       — Ouça, eu sinto muito... Não sei o que estou dizendo. Mas elas me deixam tão furiosa. Sei que não têm essa intenção, mas só dizem as coisas erradas e Sam me deixou arrasada quando disse que está grávida.

       — Eu sei, meu bem. — Andy sentou-se ao lado dela. — Eu sei. Estamos fazendo todo o possível. — Sabia que Diana iria consultar o especialista no dia seguinte. – Provavelmente ele vai dizer que está tudo bem. Procure se acalmar. — Diana odiava essa palavra mais do que tudo no mundo.

       — Eu sei... é claro. — Levantou-se e foi para o chuveiro. Mas só pensava nas irmãs. Estou grávida... Talvez a contagem de espermatozóides dele seja baixa... Pensei que você ia me passar a frente, mas vejo que não... Estou grávida... Estou grávida... contagem baixa de espermatozóides... Diana chorou no chuveiro durante meia hora e depois foi para a cama sem dizer uma palavra a Andy.

       O dia seguinte amanheceu ensolarado e brilhante. Era quase uma afronta da natureza ao seu profundo estado de depressão. Diana não foi trabalhar nesse dia. Ultimamente o trabalho parecia exaustivo — a pressão, os prazos inadiáveis, a política, as pessoas. Antes era divertido, mas até isso parecia amargo e irritante sem um bebê.

       Sua única amiga mais chegada na revista notara a falta de entusiasmo de Diana pelo trabalho. Eloise Stein era editora da seção de culinária e, na semana anterior, na hora do almoço, enquanto experimentavam algumas receitas que ela havia trazido recentemente da França, perguntara:

       — Alguma coisa a preocupa ultimamente? — Eloise era uma mulher inteligente, bonita e muito observadora, formada em Yale, com pós-graduação em Harvard. Era de Los Angeles e finalmente tinha "voltado ao lar", como dizia. Aos 28 anos, morava num apartamento ao lado da casa dos pais, em Bel Air. As vantagens que a vida lhe oferecia não a tinham estragado e Eloise era ótima companhia e uma boa amiga. Diana e Andy haviam tentado aproximá-la de Bennington, mas ele ficara apavorado. Eloise era uma mulher muito amadurecida, muito capaz, embora Bill desse como desculpa o fato de ela ser muito magra e muito alta. Parecia uma modelo.

       — Não, eu estou bem — respondeu Diana brevemente, elogiando a comida que estavam experimentando. Entre outras coisas havia rillettes e uma receita de dobradinha que fez Diana lembrar-se de quando morava em Paris. – É difícil acreditar que você coma como todo mundo — disse Diana. Eloise era muito magra, tinha grandes olhos azuis e cabelos lisos, longos e louros.

       — Quando estava na faculdade eu era anoréxica — explicou Eloise. — Ou pelo menos tentava ser. Acho que na verdade eu gostava demais de comer para continuar com a anorexia e minha avó, que mora na Flórida, estava sempre me mandando biscoitos deliciosos. — Mas não era fácil fazer Eloise desistir de alguma coisa, e isso era parte do seu sucesso na revista. — Você não respondeu â minha pergunta.

       — Sobre o quê? — O olhar de Diana parecia vago, mas ela sabia exatamente do que se tratava. Gostava de Eloise, mas hesitava em contar seus problemas a quem quer que fosse. A única pessoa com quem conversava a respeito era Andy.

       — Sei que alguma coisa a preocupa. Não quero ser indiscreta, mas você começa a ter aquele ar de quem vai bater numa parede, sempre garantindo que está bem.

       — Pareço tão mal assim? — perguntou Diana horrorizada e depois riu.

       — Não, eu exagerei, mas dá para notar. Devo tratar da minha vida ou você quer uma amiga?

       — Na verdade... não... eu... — Ia dizer que estava bem e de repente começou a chorar. Balançando a cabeça, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, Diana começou a soluçar incontrolavelmente. Com o braço sobre os ombros dela, Eloise ia dando os lenços de papel. Só depois de um longo tempo Diana parou de chorar.

       — Desculpe, Eloise... eu não queria... – Ergueu o rosto, como nariz vermelho e os olhos ainda marejados de lágrimas, sentindo-se melhor. Era um alívio desabafar com alguém. — Não seio que aconteceu.

       — Sim, você sabe. Precisava desesperadamente disso. — Eloise a abraçou rapidamente e depois serviu uma xícara de café forte.

       — Acho que tem razão. — Diana respirou fundo. — Estou com problemas... em casa, se posso dizer assim. Nada muito grave, apenas algumas coisas às quais preciso me ajustar.

       — Com seu marido? – perguntou Eloise. Ela gostava de Diana e de Andy. Era uma pena saber que estavam com problemas. Pareciam tão felizes na última vez que tinham jantado juntos.

       — Não, na verdade não posso culpar Andy. Acho que é mais minha culpa. Eu o estou pressionando muito. Há mais de um ano tentamos ter um filho e ainda não conseguimos. Eu sei que pode parecer idiotice, mas para mim é como se houvesse uma morte na família a cada mês, um desastre terrível que terei de enfrentar novamente e que me apavora. Todos os meses eu espero que aconteça e todos os meses fico com o coração partido. Não é uma bobagem? — Começou a chorar outra vez e assoou o nariz no lenço de papel.

       — Não é bobagem – retrucou Eloise. — Eu jamais quis ter filhos, mas é muito normal. Além disso, para pessoas como nós, habituadas a controlar as coisas, é mais assustador quando elas não acontecem como queremos. Você sabe, a diabólica palavra "controle" provavelmente tem uma parte importante no seu desapontamento. A perda total do poder, a impossibilidade de influenciar diretamente o fato de ter ou não um filho.

       — Talvez. Porém, é mais do que isso... É difícil explicar... é um vazio terrível... um anseio, um desejo dominador. Às vezes tenho vontade de morrer. Não posso falar com ninguém, nem com Andy. Sinto que morro por dentro e tudo fica congelado como se eu estivesse presa numa concha. É o mais intenso sentimento de solidão que se pode imaginar. Nem sei como posso descrever.

       — Parece horrível — disse Eloise. Era exatamente o que estava acontecendo no escritório. Diana afastava-se de todos, não permitindo que ninguém chegasse muito perto dela. Sem dúvida isso tinha de afetar seu casamento. — Já consultou um especialista? — Eloise queria sugerir também um psicanalista, mas não teve coragem. Estava comovida por Diana ter confiado nela. Era uma honra.

     — Tenho uma hora marcada na próxima semana. O nome dele é Alexander Johnston. — Pareceu tolice dizer o nome do médico, mas já que estava confiando em Eloise, não tinha nada demais. Surpreendeu-se quando a amiga sorriu, servindo outra xícara de café. — Já ouviu falar nele?

       — Algumas vezes. Ele é sócio do meu pai, que é endocrinologista de reprodução. Se as coisas ficarem difíceis, talvez eles a empurrem para ele, ou se você fizer fertilização ‘in vitro’, então meu pai será o encarregado. Ele já não aceita muitos pacientes, só os que são recomendados por Alex, ou um ou outro colega. Você está em boas mãos com Alex Johnston.

       — Diana olhou para ela, pensando em como o mundo era pequeno, mesmo naquele campo tão especializado da medicina. — Quer que eu diga a ele que a conheço? — perguntou Eloise, cautelosamente.

       — Não, prefiro que não diga nada. É melhor ficar só entre nós. Mas estou feliz em saber que escolhi a clínica certa.

       — A melhor. Eles vão resolver seu caso. As estatísticas são impressionantes ultimamente. Eu cresci ouvindo falar disso. Acho que nunca acreditei que bastava "fazer aquilo" para ficar grávida. Sempre pensei que meu pai precisava estar presente para ajudar.

       Era uma idéia diferente e Diana riu.

       Finalmente, quando estavam na sobremesa, comendo deliciosas tortinhas de maçã com creme fresco, Eloise perguntou por que Diana não tirava alguns dias de folga. Seria mais fácil para ela e para Andy, mas Diana disse que não podia e por fim admitiu que não queria.

       — Não posso simplesmente abandonar meu trabalho. Além disso, o que eu iria fazer? Minhas irmãs deixaram de trabalhar e agora estão em casa com os filhos. Mas, você sabe, não acredito que eu possa ficar em casa, pelo menos não agora. Se eu tivesse um filho, talvez fosse mais fácil. Mas agora o trabalho me ocupa enquanto eu conto os dias e tiro minha temperatura todas as manhãs.

       — Acho que eu não suportaria isso — disse Eloise.

       — Eu quero demais ter um filho. Creio que nessa situação a gente faz uma porção de coisas.

       Lembrando das descrições do pai sobre os processos usados, Eloise sabia disso melhor do que Diana.

       Agora no carro, a caminho do Edifício Wilshire Carthay, Diana pensava em Moise, imaginando se teria oportunidade de conhecer o pai dela. Parecia incrível que tivesse escolhido justamente o sócio do pai da sua companheira de trabalho. Todas as pessoas com quem falara tinham garantido que Alex Johnston era o melhor, mas mesmo assim, subindo no elevador, Diana sentia-se extremamente nervosa e assustada.

       A sala de espera era silenciosa e elegante, decorada com cores suaves, quadros valiosos de arte moderna e uma enorme palmeira a um canto. Depois de esperar alguns minutos, Diana entrou no consultório. Passou por um corredor longo, com mais quadros nas paredes e clarabóias no teto, e entrou numa sala revestida com lambris de madeira clara; no chão havia um bonito tapete e, num canto, a bela escultura de uma mulher carregando o filho. Só de olhar para a estátua ela sentiu um aperto no coração.

       Agradeceu à enfermeira e sentou-se, tentando manter-se calma, pensando em Andy. Morria de medo do que poderiam fazer com ela ou do que poderiam descobrir, mas todos seus temores desapareceram quando conheceu o médico. Era um homem alto, cabelos cor de areia, mãos longas e elegantes e inteligentes olhos azuis. De certo modo, ele a fazia lembrar-se de seu pai.

       — Como vai? – perguntou ele, estendendo-lhe a mão. – Sou Alex Johnston. É um prazer conhecê-la. — Parecia sincero. Conversou com Diana durante alguns minutos, perguntando o que ela fazia, de onde era, há quanto tempo estava casada. Em seguida, apanhou uma caneta e uma ficha que estavam sobre a mesa e disse: — Vamos fazer algumas anotações e pôr mãos à obra. O que a traz aqui, Sra. Douglas?

       — Eu... nós... estamos tentando ter um filho há pouco mais de um ano, treze meses, para ser exata, e até agora não conseguimos. — Disse também que, antes do casamento, às vezes eram descuidados e ela não engravidara.

       — Já teve alguma gravidez? Algum filho, vivo ou nasceu morto?... Abortos?

       — Nunca — disse Diana, solenemente. O Dr. Johnston inspirava respeito e confiança e Diana sentiu que ele iria resolver seu problema. — Alguma vez antes foi "descuidada"? — perguntou, olhando atentamente para ela.

       — Não, sempre fui muito cuidadosa.

       — Quais os métodos que usou?

       As perguntas continuaram. O médico queria saber especialmente se Diana havia usado o DIU e ela disse que sim, quando estava na universidade. Perguntou se tinha tomado pílula e por quanto tempo. Se teve alguma doença venérea – ela nunca as tivera , cistos, tumores, dores, hemorragias, acidentes, infecções graves de qualquer tipo, cirurgias ou se havia na família casos de câncer, diabetes ou outras doenças. Ele queria saber tudo. No fim da longa lista de tudo que Diana jamais tivera, ele garantiu que um ano não era um tempo muito longo, embora compreendesse que parecia longo para ela e para o marido. Mas não havia motivo para pânico. Acrescentou que, na idade deles, podia tranqüilamente recomendar que tentassem mais seis meses, ou até mesmo um ano, antes de qualquer investigação, embora pessoalmente preferisse fazer alguns testes ao fim de um ano sem resultado.

       — O que acha de fazermos alguns exames agora? Coisa simples, apenas preliminares, para termos certeza de que você não tem nenhuma pequena infecção que possa estar prejudicando o equilíbrio do organismo. Ele sorriu quando Diana disse que preferia fazer os exames agora ao invés de esperar mais um tempo. Estava certa de que não suportaria mais seis meses de esperança e desespero. Queria saber por que não engravidava. Tinha de haver uma explicação simples e ela preferia saber agora para tomar as providências necessárias o mais cedo possível. Explicou tudo isso ao Dr. Johnston.

       — Há também a possibilidade — ele sorriu — de não precisar tomar nenhuma providência. Podemos descobrir que sua saúde é perfeita e que só precisa ser paciente. Ou, se houver alguma dúvida, podemos examinar seu marido.

       Diana e Andy tinham combinado que ela faria os exames primeiro e, se o médico achasse necessário, examinaria Andy.

       — Espero que não encontre nada — disse ela e o Dr. Johnston concordou, acrescentando que por enquanto a única coisa que o preocupava era o fato de ela ter usado o DIU.

       Ele a levou a uma sala no outro lado do corredor onde Diana trocou de roupa para o exame. Seria apenas um exame pélvico comum, explicou o Dr. Johnston. Os outros testes seriam efetuados dali a aproximadamente duas semanas, perto do tempo da ovulação. Analisariam o muco cervical para ver se era "convidativo" ou "hostil" ao esperma. No segundo caso, fariam outros testes, como o de reação cruzada. Na época da ovulação, porém, fariam um ultra-som para ver como o folículo estava amadurecendo antes da ovulação e um teste pós-coital, que consistia apenas em um exame microscópico do seu muco e do esperma de Andy para medir o número e a mobilidade de espermatozóides.

       Nesse dia, entretanto, realizariam apenas um exame pélvico para verificar a existência de tumores, cistos, infecção ou deformidades e depois colheriam sangue para um teste de HIV, infecções de baixo grau e para checar a imunidade à rubéola. Ele queria também um hemograma completo e ia colher material cervical para cultura, a fim de verificar a existência de outras infecções. Às vezes a chave do problema era uma simples infecção. Sem dúvida era um plano minucioso, embora nesse dia só fossem fazer os exames mais simples; mas pelo menos estavam fazendo alguma coisa para descobrir o que acontecia no seu organismo. Sorriu lembrando a história que Andy havia contado na noite anterior. Quando era pequeno, certa vez seu nariz ficara completamente tampado e ele mal podia respirar. A mãe o levou a um especialista para examinar-lhe as adenóides e as amígdalas.

       — Adivinhe o que era! — Desafiou ele solenemente, os dois na cama, abraçados.

       — Eu não sei... uma sinusite?

       — Muito mais simples. Uvas passas. Eu enfiei uma porção delas no nariz, as uvas se acomodaram no calor do meu nariz, começaram a inchar e eu fiquei com medo de contar para minha mãe. Portanto, quando for ao médico amanhã, meu bem... não se esqueça de dizer a ele para procurar alguma uva passa.

       Diana sorriu outra vez, enquanto o médico a examinava, pensando no quanto ela amava Andy.

       Mas o Dr. Johnston não encontrou passas, nem deformidades, tumores, cistos ou sinais de infecção. Para alívio de Diana, tudo estava perfeitamente normal.

       Logo depois do técnico do laboratório coletar uma amostra de sangue para análise, ela se vestiu. O Dr. Johnston pediu que ela voltasse dentro de dez dias para os testes. Disse-lhe que iria determinar exatamente quando deviam fazer amor naquele mês, no período fértil, e queria que ela usasse o kit de ovulação na semana seguinte para verificar o aparecimento de hormônio luteinizante na urina, que deveria ocorrer imediatamente antes da ovulação. Parecia complicado, mas na verdade não era. Apenas uma coisa nova para ela. E ele queria que Diana continuasse medindo a própria temperatura, como havia feito nos últimos seis meses, o que tanto irritava Andy, que dizia que era como viver com uma hipocondríaca, com um termômetro na boca todas as manhãs. Mas, como sempre, acabara concordando, já que ela acreditava que aquilo iria ajudá-los.

       O médico sugeriu também que ela e Andy deviam diminuir o ritmo de vida, tirar alguns dias de folga, fazer as coisas de que gostavam, mesmo que isso significasse o sacrifício de projetos de trabalho ou da companhia de amigos.

       — O estresse pode ser um fator importante na infertilidade. Procurem se libertar das tensões tanto quanto possível. Passem mais tempo ao ar livre, comam e durmam bem.

       Era mais fácil falar do que fazer, no mundo moderno, ele sabia, mas também achava que valia a pena dar esses conselhos. Repetiu que provavelmente não havia nada de errado com nenhum dos dois e que só precisavam de mais tempo para que tudo acontecesse normalmente. Mas garantiu que, se houvesse algum problema, eles descobririam. Diana saiu do consultório pensando em outra coisa que ele dissera. Que cerca de cinqüenta por cento dos casos de infertilidade tratados por eles tinham bebês saudáveis, mas que outros casais, saudáveis, sem nada de anormal, jamais tinham filhos. Era uma coisa que ela teria de enfrentar, se fosse o caso, mas Diana não sabia como. Só o fato de ter consultado o médico, conversado sobre as possibilidades, os testes, era uma prova do quanto ela queria um filho. Diana faria qualquer coisa para ver seu sonho realizado.

       No percurso de volta para casa, sentia-se exausta e por um momento pensou em ir até o escritório, mas lembrou o conselho do médico e resolveu fazer compras. Entrou no Sak's com uma deliciosa sensação de culpa. Telefonou para Andy, mas ele havia saído para almoçar. Finalmente foi para casa e resolveu fazer um jantar caprichado.

       Andy telefonou às três horas e percebeu a descontração na voz dela. Pelo menos não tinham encontrado nada de errado em Diana. Afinal, talvez fosse culpa dele. Nos últimos dois meses havia começado a pensar nisso.

       — Então? — perguntou em tom carinhoso e provocante. — Eles encontraram?

       — Encontraram o quê?

       — As passas. Você não disse a ele para procurar?

       — Ora, seu bobo... — Diana contou as perguntas do médico, os exames que tinham feito e os testes a serem realizados, nenhum deles realmente horrível. Ela estava com medo de algum tratamento desagradável, mas por enquanto tudo parecia muito simples.

       — Então, vai voltar dentro de duas semanas?

       — Dez dias e nesse ínterim continuo a tirar a temperatura todas as manhãs e começo a verificar a urina com o kit na próxima semana.

       — Para mim parece complicado — disse Andy, imaginando o que o futuro reservava para eles, especialmente para ele. Talvez os testes para homens fossem mais complicados.

       Ainda achava que tudo aquilo era desnecessário e um pouco assustador. Mas estava resolvido a continuar, por Diana.— A propósito — continuou ele, depois de Diana explicar tudo e descrever o Dr. Johnston nos mínimos detalhes, até os sapatos que ele calçava e os diplomas na parede do consultório -, tem mais uma coisa que você não vai acreditar.

       — Você foi aumentado — arriscou Diana,esperançosa. Andy trabalhava como um escravo para a firma.

       — Não, mas vou ser, segundo fontes muito próximas da cúpula. É outra coisa, muito boa também. Adivinhe.

       — O seu chefe foi preso por atentado ao pudor na lanchonete — disse ela, fechando os olhos e pensando de forma criativa.

       — Muito interessante... queria saber de onde tirou essa idéia... Não, eu conto, pois sei que você nunca vai adivinhar e tenho uma reunião em dois minutos. Bill Bennington vai se casar com a namorada advogada no Dia do Trabalho, na casa de verão dos pais dela no lago Tahoe. Dá para acreditar? Eu quase me engasguei com o sanduíche que estava comendo quando ele me contou. Pensei que estava brincando. Você acredita?

       — Se quer saber, sim, acredito. De um modo meio estranho, acho que Bill está pronto para casar.

       — Espero que sim. De qualquer modo, é melhor que esteja. O casamento vai ser dentro de sete semanas. Vão passar a lua-de-mel pescando no Alasca.

       — Que horror! Acho melhor você falar com ele.

     — O melhor agora é eu correr para a reunião. Vejo você mais tarde, meu bem. Devo estar em casa lá pelas sete.

       E como sempre acontecia, Andy cumpriu a promessa e encontrou um magnífico jantar à sua espera. Diana escolheu uma das receitas francesas de Eloise e fez algumas modificações por conta própria. Preparou um pernil de carneiro com um pouco de molho de alho, vagens e cogumelos silvestres. Para sobremesa, um delicioso suflê de abricó.

       — Nossa! O que eu fiz para merecer tudo isto? — perguntou Andy, quando Diana serviu o café.

       Há muito tempo ela não se sentia tão bem e dava para perceber.

       — Só achei que seria interessante preparar um bom jantar, uma vez que tive um dia de dondoca.

       — Acho que você devia ficar em casa mais vezes.

       Diana gostava de cozinhar e cuidar da casa, mas gostava do seu trabalho também. Ao contrário das irmãs, enfrentou um pequeno conflito pessoal quando se casou e talvez enfrentasse novamente, se tivesse um filho. Mas não precisava pensar nisso agora. Tudo que tinha a fazer era "relaxar e diminuir o ritmo", segundo o médico. Quando contou isso a Andy, ele gostou da idéia e imediatamente sugeriu passarem o fim de semana em Santa Barbara.

       — Eu adoraria.

       Andy tinha combinado sair com Bill e a noiva naquela semana. De repente, a vida parecia mais divertida, sem dúvida porque Diana tinha certeza de que o Dr. Johnston descobriria um meio de ajudá-los a ter um filho.

       Passaram momentos agradáveis e adoraram a noiva de Bill, Denise Smith. Andy, porém, ficou surpreso quando Diana recusou, com desculpas vagas, o convite para jantarem na casa dela na semana seguinte. Mais tarde ela explicou que estaria ovulando naquela semana, tinha de ir ao consultório do Dr. Johnston para novos testes e os dois precisavam fazer amor em dias certos. Não queria acrescentara isso a tensão de uma vida social muito movimentada.

       — Talvez seja um repouso, não uma tensão — discordou Andy, mas Diana preferiu marcar o jantar para a outra semana. Andy não ficou satisfeito, mas Diana estava ocupada, tentando ter um filho.

       Ela continuou a tirar a temperatura religiosamente todas as manhãs, antes de se levantar da cama, e a usar o kit como o médico havia explicado. O papel ficou azul, como o Dr. Johnston previra, e naquela tarde ela foi ao consultório para colher uma amostra do muco cervical. Ele disse que tudo parecia em ordem, "muito amistoso e agradável", foi a expressão usada por ele, e Diana riu nervosamente. Ele sugeriu que fizessem amor na manhã seguinte e logo depois Diana deveria ir ao consultório para o teste pós-coital que demonstraria o comportamento do esperma de Andy.

       No fim da tarde Diana voltou ao trabalho e tomou café com Eloise. À noite, relatou a Andy a visita ao médico e lhe disse que precisavam fazer amor na manhã seguinte.

       — Que castigo pesado! — queixou-se ele, em tom de brincadeira, mas a verdade é que não foi fácil. Andy tivera indigestão na noite anterior e não se sentia bem quando acordou. Parecia que estava com um começo de gripe e disse que achava que "as coisas não iriam funcionar como deviam".

       — Mas você precisa — disse Diana, tensa, tentando ajudá-lo. — Hoje é o dia da minha ovulação e tenho de fazer o teste pós-coital logo depois. Tirei a temperatura e está começando a baixar o que significa que provavelmente vou ovular hoje... Andy... você precisa. — Olhou acusadoramente para ele e Andy teve vontade de mandá-la para o inferno, mas não mandou.

       — Formidável. Obrigado pela importante mensagem do meu patrocinador.

       Andy virou para o lado, masturbou-se por algum tempo, até dar vida aos instrumentos necessários, depois fez amor com a mulher, mas sem a menor sugestão de romance. Não foi sequer agradável. Então, sem uma palavra, Andy levantou e foi para o chuveiro. Não era nada interessante desse modo, com dia e hora marcada e até na posição pré-determinada.

       Os dois tomaram o desjejum tensos e silenciosos.

       — Desculpe-me — disse Diana, suavemente.

       — Não se desculpe — retrucou Andy, por trás do jornal aberto. — Só que não estou me sentindo muito bem esta manhã. Esqueça. – Ele detestava fazer amor com ela daquele modo e estava apreensivo com os testes e com o que poderiam descobrir.

       Mas o teste pós-coital demonstrou que seu esperma era normal. Os espermatozóides nadavam satisfeitos, eram em grande número, tinham muita mobilidade, tudo excelente, segundo o médico.

       O Dr. Johnston queria também fazer um ultra-som para esclarecer alguns pontos importantes da avaliação geral. Precisava saber a espessura das paredes do útero, o tamanho do folículo e se seu organismo respondia adequadamente à própria produção de hormônios. Garantiu que o exame não seria desagradável e realmente não foi.

       Para alívio de Diana, ele disse que até então tudo parecia perfeitamente normal.

       Dois dias depois, ela voltou à clínica e foi verificado que o folículo havia rompido, libertando o óvulo, outro passo no caminho da concepção. Bill e Denise os convidaram para jantar outra vez no dia seguinte, mas Diana, exausta por causa da tensão das três visitas à clínica, para os testes, disse que não tinha disposição para sair e sugeriu que Andy fosse sem ela. Tudo que desejava era ir para a cama, rezando para que finalmente estivesse grávida. Nada mais tinha importância agora para ela.

       Nem o trabalho, a família ou os amigos. Pelo menos agora podia conversar com Eloise. Mais do que nunca, sua vida estava voltada para um único objetivo. Às vezes Diana tinha a impressão de que estava perdendo Andy de vista. Na segunda-feira voltou à clínica onde colheram sangue para examinar os níveis de progesterona na fase semilútea, sete dias após a ovulação. A temperatura subira imediatamente após o aparecimento do hormônio luteinizante na urina, o que era normal, e indicava que ela havia ovulado. Agora só podiam esperar e ver se tinha engravidado.

       Foram dez dias intermináveis para Diana, que não conseguia pensar em outra coisa. Porém, ao mesmo tempo, achava que era tolice pensar que nesse mês ia ser diferente. Não receitaram nenhum medicamento, apenas estavam colhendo informações. Mesmo assim, Diana estava esperançosa; começou a sentir náuseas dois dias antes da data da sua menstruação e as esperanças cresceram quando verificou, na manhã do dia provável, que não estava menstruada.

       Telefonou do escritório para o Dr. Johnston e ele a mandou esperar mais um ou dois dias; seu corpo não era uma máquina e as variações eram comuns. Naquela noite Diana descobriu que estava menstruada e soluçou durante um longo tempo na cama. Imaginava agora que outros testes iriam fazer. A coisa toda tornava-se cada vez mais deprimente.

       No dia seguinte, quando ela telefonou, o médico sugeriu que Andy marcasse uma consulta com ele. Até então, todos seus testes pareciam normais.

      — Ótimo. O que significa isso? – perguntou Andy,irritado. — Que ele pensa que a culpa é minha?

       — Que importância tem isso, desde que verifiquem que tudo está normal? Não quero saber de quem é a culpa, talvez não haja nada de errado. Talvez todos estejam certos e só precisaremos demais tempo. Não fique tão tenso.

       Mas Andy ficou mais furioso ainda quando telefonou para marcar a hora e pediram que levasse uma amostra de sêmen recente. Além disso, aconselharam a não ter relações sexuais três dias antes de colher a amostra.

       — Isso é formidável — reclamou ele, naquela noite. — O que eles querem que eu faça? Que me masturbe no escritório e vá correndo para a clínica? Minhas secretárias vão adorar.

       — Você pensa que eu gostei de correr para o médico três vezes para o exame de ultra-som? Pare de fazer com que pareça pior do que é. — Mas a verdade é que a situação era péssima e ambos sabiam disso.

       — Está bem, está bem.

       Andy não tocou mais no assunto, mas a tensão era grande entre eles. Na manhã seguinte, quando chegou à clinica para fazer os testes, foi com uma atitude claramente hostil que entrou no consultório. Não,nunca tivera gonorréia, sífilis, clamidíase, herpes ou as outras doenças mencionadas pelo médico. Jamais tivera infecções, tumores, problemas com ereção, impotência ou qualquer doença grave.

       O Dr. Johnston percebeu a hostilidade, mas estava acostumado. Era desagradável para qualquer pessoa e, afinal de contas, ele estava desafiando a masculinidade de Andy.

       Explicou que tiraria uma amostra de sangue para verificar os níveis de hormônio e fariam a análise e cultura do sêmen que Andy havia levado. Poderiam fazer uma contagem de espermatozóides, bem como um perfil hormonal completo, e era possível que ele tivesse de voltar para retirar mais sangue porque o nível do hormônio masculino é muito variável, dependendo da hora do dia ou do estado de saúde do homem no momento.

       Depois da retirada do sangue, o médico examinou os testículos para verificar se havia veias varicosas que poderiam interferir na fertilidade e constituir um sério problema. E como tinha acontecido com Diana, no fim do exame, Andy estava exausto. Não por ser um processo extremamente desagradável, mas por causa da tensão emocional.

       Os resultados dos testes foram todos normais e Andy ficou aliviado. Sua contagem de espermatozóides estava acima de duzentos milhões, o que, segundo o médico, era extremamente saudável, e a concentração era de oitenta milhões por milímetro. Todos os testes de hormônio também estavam normais.

       — E agora? — perguntou Andy, quando o Dr. Johnston telefonou para informar os resultados. Decerto modo, estava feliz por saber que não havia nada de errado com ele, mas agora começava a se preocupar com Diana.

       — Isso significa que nós dois estamos bem e que é só uma questão de tempo? — Se fosse esse o caso, valia a pena toda aquela tensão, só para saber esse resultado. Mas Johnston não tinha intenção de libertá-los ainda.

       — É provável. Mas eu gostaria de fazer mais alguns exames em Diana. Estou preocupado com o fato de ela ter usado o DIU alguns anos atrás e quero fazer um histerossalpingogmma este mês, antes da ovulação. Trata-se de uma radiografia com contraste do trato reprodutor superior. Parecia uma coisa simples, mas Andy ficou desconfiado.

       — É doloroso?

       — Às vezes — disse ele, com franqueza -, mas não sempre. É desconfortável.

       Andy detestava a palavra "desconfortável", quando usada por médicos porque em geral queria dizer que não dava para se contorcer de dor, mas quase.

       — Podemos dar a ela alguns analgésicos no hospital. Diana terá de tomar doxiciclina alguns dias antes, para descartar a possibilidade de uma infecção, e prosseguirá com o medicamento depois. Nem todos os médicos receitam antibióticos para esse exame, mas eu prefiro evitar qualquer surpresa desagradável. Em muitos casos, o exame desentope as trompas e num prazo de seis meses a mulher engravida.

       — Sim, parece que vale a pena tentar — disse Andy, cauteloso.

       — Eu acho que sim — concordou o Dr. Johnston. — Vou telefonar para ela.

       Mas Diana hesitou. Ouvira histórias desagradáveis sobre esse exame. As mulheres diziam que era doloroso e uma delas teve uma assustadora reação alérgica ao corante. Perguntou a Eloise o que ela sabia a respeito, e não era muito. Parecia evidente que, por melhor que fosse, o exame não era nenhum piquenique. Mas oferecia uma informação importante.

       Um corante era injetado e os médicos acompanhavam num monitor seu trânsito pelas trompas. Poderiam detectar deformidades do útero, tumores que poderiam ter escapado ao scan e entupimento das trompas, que o Dr. Johnston achava que poderia ser o seu problema. Disse a Diana que se o histerossalpingograma fosse normal, não precisariam fazer mais nenhum exame. Ela poderia quase ter certeza de que mais cedo ou mais tarde engravidaria e os dois deixariam de se preocupar com seus órgãos reprodutores.Entretanto, se o HSG revelasse alguma anomalia, poderiam fazer uma laparoscopia mais tarde, naquele mês, para a resposta final. Ele não gostava de torturar os pacientes durante meses com testes desnecessários ou respostas vagas. Uma vez que sua ovulação era normal e seu muco e o esperma de Andy eram também normais e compatíveis, a única coisa que ele queria ver agora era o estado das trompas.

       — O que você acha? — perguntou Dr.Johnston a Diana, ao telefone. — Quer fazer o HSG este mês e acabar com todas as dúvidas, ou prefere tentar outra vez? É claro que podemos esperar.— Mas na verdade ele não recomendava a espera. Não era a favor de desapontamentos contínuos quando havia ainda um problema não resolvido ou quando não existiam mais esperanças.

       — Vou pensar — disse ela, nervosa. — Telefono amanhã.

       — Ótimo.

       Diana tinha a impressão de que nunca mais iria se livrar do Dr. Johnston. Naquele mês, ela e Andy quase não tinham estado com os amigos, ela não conseguia se concentrar no trabalho, não queria ver a família. Até Andy deixou de telefonar para os irmãos. Tudo que faziam era tirar a temperatura, fazer gráficos, exames e consultas médicas. O Dr. Johnston avisara que seria assim, sugerindo também a ajuda de um analista. Mas não tinham tempo nem para isso, muito ocupados no trabalho e com os testes e tentando se apoiar mutuamente no que parecia estar se transformando numa crise constante.

       — O que você acha, meu bem? — Andy perguntou, naquela noite. — Quer fazer o tal bingograma, ou seja lá como eles chamam?

       Diana sorriu. Ainda queria saber por que não conseguia engravidar. Mas o exame a assustava.

       — Você vai comigo? — perguntou, ansiosa, e ele fez um gesto afirmativo.

       — É claro, se eles permitirem.

       — O Dr. Johnston disse que permite. Ele quer que seja na sexta-feira. — Está ótimo para mim. Não tenho nenhuma reunião importante disse Andy.

       — Então porque não fazemos de uma vez?

       Andy não respondeu e foi fazer café para os dois. Quando voltou, Diana olhou tristemente para ele. Estava resolvida. Valia a pena, só pela informação que teriam.

       — Tudo bem, eu vou fazer.

       — Você é corajosa, Di. — Andy não sabia se, no lugar dela, teria coragem. Até então, seus exames tinham sido muito simples.

       Na sexta-feira encontraram-se com o Dr. Johnston no hospital e ele lhes explicou o que seria feito numa pequena sala de exame; em seguida, deu dois comprimidos de analgésico para Diana. Uma enfermeira aplicou uma solução de iodo na área, outra administrou atropina e glucagon para relaxar os músculos e logo depois o corante foi cuidadosamente injetado.

       Diana via a imagem na tela, embora não significasse nada para ela. Quinze minutos depois estava terminado. Os joelhos dela tremiam e sentia cólicas, mas deu graças por ter acabado. Andy achou que Diana foi incrivelmente corajosa. Quase desejou poder fazer o exame por ela. E mais de uma vez perguntou a si mesmo se valia a pena. Começava a duvidar. Por que, em nome de Deus, precisavam de um filho?

       — Você está bem? — perguntou, preocupado, quando Diana sentou-se na mesa de exames e fez uma careta de dor. Tudo que ela queria saber agora era o que o Dr.Johnston tinha encontrado.

       Ele conversava com dois técnicos enquanto estudava cuidadosamente uma das radiografias com o radiologista. Sua atenção concentrava-se numa área sem corante.

       — O que está acontecendo? — perguntou Andy, em voz baixa.

       — Bem, temos uma coisa interessante aqui — disse Johnston. — Vamos examinar. Conversaremos mais tarde.

       Andy e a enfermeira ajudaram Diana a se arrumar, enquanto o Dr. Johnston e o outro médico examinavam várias vezes a tela. Finalmente Diana sentou-se numa cadeira, completamente vestida. Estava um pouco pálida, mas muito calma.

       — Como está se sentindo? — perguntou o Dr. Johnston e ela deu de ombros.

       — Como se tivesse sido atropelada por um trator — respondeu francamente e Andy a abraçou.

       — Acho que valeu a pena — disse o Dr. Johnston. — Ao que parece, encontramos o culpado. Sua trompa direita está bloqueada, Diana, e a esquerda não está muito clara.

       Eu gostaria de marcar uma laparoscopia para a próxima semana. Talvez essa seja a resposta.

       — E se estiverem bloqueadas? — Diana estava apavorada. — Podem abri-las?

       — Talvez. Ainda não sei. Vou saber mais depois da laparoscopia.

       — Droga! — desabafou ela, olhando para os médicos e depois para Andy. Não estava preparada para más notícias. E saber que havia um problema não trazia o alívio que tinha imaginado.

       Marcaram a laparoscopia para a semana seguinte. O exame consistia em um procedimento cirúrgico onde seria feita uma pequena incisão ao lado do umbigo, na qual seria inserido o telescópio que lhes permitiria ver as trompas, o útero e qualquer obstrução que existisse. Dessa vez ele prometeu que não doeria nada. Usariam a anestesia geral.

       — E então? Depois? — perguntou ela, querendo saber tudo com antecedência.

       — Vamos saber qual é o problema, Diana. Mas o HSG demonstrou que valeu a pena minha insistência quase agressiva.

       Diana não sabia se devia ser grata a ele ou odiá-lo, mas agradeceram e saíram do hospital meia hora depois. Porém, em lugar do alívio por ter enfrentado um teste difícil, Diana preocupava-se agora com a cirurgia da semana seguinte. Era demais pensar no assunto naquele momento. Quando entrou em casa o telefone estava tocando e ela o atendeu automaticamente, sentindo-se como se tivesse vivido dez mil anos naqueles dias. Era sua irmã, Sam, a última pessoa com quem Diana queria falar naquele instante.

       — Oi, Sam. Sim, tudo bem, e você, como está?

       — Gorda — queixou-se a irmã. Samantha ficava enorme quando estava grávida e estava agora com três meses e meio. — Sua voz está horrível. Algum problema?

       — Estou resfriada. Acho melhor desligar.

       — Tudo bem, cuide-se. Telefono daqui a alguns dias.

       Não faça isso, murmurou Diana, desligando... não telefone outra vez... nunca... não me diga o quanto já engordou... não me fale sobre seus filhos ou sobre o bebê...

       — Quem era? — perguntou Andy, entrando.

       — Sam — disse ela, com voz inexpressiva.

       — Oh. – Ele compreendeu imediatamente.— Você não devia falar com ela. Não atenda ao telefone. Eu digo que você não está.

       Mas naquela noite Greg, o irmão de Andy, telefonou e perguntou quando eles teriam um bebê.

       — Quando você crescer — brincou Andy, mas a observação foi dolorosa até para ele. Aquilo teria matado Diana.

       — Não conte com isso — disse o irmão.

       — Foi o que pensei.

       Greg queria visitá-los no feriado do Dia do Trabalho e Andy achou que não convinha. Não sabiam como Diana se sentiria depois da laparoscopia e o feriado estava perto. Talvez ela estivesse deprimida demais... ou sendo submetida a uma cirurgia... ou até mesmo grávida. Era impossível fazer planos ou levar uma vida normal. Às vezes Andy se perguntava como as pessoas suportavam essas coisas e até mesmo como podiam pagar. Os testes já realizados foram extremamente caros. E a laparoscopia seria mais dispendiosa ainda.

       Greg disse que compreendia e resolveu deixar a visita para outra ocasião. Andy disse apenas que estava sobrecarregado demais de trabalho para ter hóspedes naquele momento, o que não parecia muito amistoso. Mas era melhor do que contar como estava a vida dos dois.

       — Isto tudo está fazendo da nossa vida uma droga, não é? – perguntou Diana, pesarosa, quando jantavam na cozinha naquela noite. A casa agora parecia grande demais para eles. Não usavam nem a metade dos cômodos; tinham um andar inteiro com quartos que talvez jamais viessem a usar.

       — Não podemos deixar que isso aconteça, meu bem — disse Andy, bravamente. — E o médico tem razão; até o fim de agosto saberemos tudo que há para saber e poderemos começar a fazer nossos planos. Se houver alguma coisa errada, sem dúvida eles poderão corrigir em pouco tempo.

       — E senão for possível?

       — Temos de viver com isso, não temos? Há muitas possibilidades. -Ultimamente Andy andava lendo muito sobre fertilização ‘in vitro’.

       — Não posso deixar que você simplesmente "tenha de viver com isso" – disse Diana, com lágrimas nos olhos. — Prefiro pedir o divórcio para você se casar com uma mulher que possa ter filhos.

       — Não diga bobagens. — Sabendo como ela se sentia, aquelas palavras o magoaram profundamente. — Podemos adotar, em último caso.

       — Por quê? Você não precisa disso. Você não é o problema. Eu é que sou.

       — Talvez nenhum de nós seja o problema. Talvez o médico esteja enganado. Talvez o tal bloqueio seja alguma coisa que você comeu no almoço. Certo? Por que não espera até termos uma resposta? — Andy ergueu a voz e depois balançou a cabeça. Diana tinha razão. A vida deles estava uma droga. E a tensão era evidente em ambos.

       — É isso — disse ela, com tristeza. — Talvez sejam passas. Mas Andy não sorriu. Não podia.

 

Os dias arrastaram-se naquela semana e então, de repente, era sexta-feira, o dia da laparoscopia. Diana estava em jejum completo desde a noite anterior e Andy a levou para o hospital de manhã bem cedo.

       Assim que ela chegou aplicaram-lhe uma injeção e a levaram na maca, já sonolenta, acenando para Andy. Quando a trouxeram de volta, ao meio-dia, estava ainda sob o efeito da anestesia. Mas Alex Johnston já dera a Andy as más notícias. Quando Diana acordou, Andy não disse nada e naquela tarde o Dr. Johnston apareceu no quarto.

       — E então? — perguntou Diana, nervosa, sentando-se na cama assim que ele entrou no quarto.

       Alex Johnston hesitou por uma fração de segundo. Olhou para Andy, sentou-se e olhou para ela. Diana viu nos olhos dele que as notícias não eram boas.

       — Nada de bom, não é?

       — Não, nada de bom — disse o médico.— As duas trompas estão severamente lesadas; uma parece bloqueada por completo e a outra muito danificada.Há diversas aderências nos dois ovários. Não há possibilidade de o óvulo passar pelas trompas. Não temos boas notícias hoje, Diana.

       Ela olhou para ele, incrédula. Não podia ser tão grave. Ou seria?

       — Pode corrigir isso? — perguntou, com voz rouca.

       Johnston abanou a cabeça.

       — Não podemos fazer nada. Talvez uma das trompas possa ser recuperada, mas você tem aderências graves nos ovários e nos intestinos. O dano é tão extenso que não vejo possibilidade de correção. Não é completamente impossível que um óvulo consiga passar, mas é extremamente improvável. Coisas mais estranhas já aconteceram. Mas eu diria que sua chance de engravidar é de uma em dez mil. E as aderências são tão grandes que qualquer tentativa de retirar o óvulo pode prejudicar a cavidade intestinal. Isso descarta a possibilidade de fertilização ‘in vitro’. Acho que, se quisermos fazer alguma coisa, devemos tentar o transplante de óvulo, usando o óvulo de outra mulher fertilizado pelo esperma de Andy e colocando-o no seu útero, mas sem nenhuma garantia de sucesso. Ao que parece, todo seu sistema reprodutor foi traumatizado por uma infecção grave, provavelmente devido ao uso do DIU, uma "infecção silenciosa", como chamamos, sem sintomas, sem nenhum sinal. Eu acho que se você engravidar será por um acaso da sorte, e não temos visto muitos casos desses na história da medicina. Não podemos fazer muita coisa, a não ser usar o óvulo de uma doadora ou recorrer à adoção.

       As lágrimas desciam silenciosas pelo rosto de Diana e Andy estava chorando também. Ele a abraçou, mas nada podia aliviar a dor que ela sentia ou modificar a verdade do que haviam descoberto. Tudo que Andy podia fazer era desejar que as coisas fossem diferentes.

       — Como isso foi acontecer comigo? Porque eu nunca percebi? Por que não senti? — Uma parte do seu corpo estava morta e ela só agora sabia. Era cruel demais.

       — As infecções silenciosas são assim — explicou o Dr. Johnston. -Geralmente são provocadas pelo DIU. Infelizmente não é um acontecimento incomum. Nenhuma dor, nenhum sinal, nenhum corrimento, nem febre, mas é algo tão violento que destrói as trompas e, como no seu caso, até os ovários com as aderências. Não imagina quantas mulheres jovens vemos com esse problema. Não é justo, mas você tem outras opções. — Ele queria dar-lhe alguma esperança, mas estava apenas levando-a ao desespero. O sonho de ter um filho havia chegado ao fim.

       — Não quero o óvulo de outra mulher. Prefiro não ter filhos.

       — Diz isso agora, mas talvez pense nisso mais tarde.

       — Não vou pensar, nem quero adotar — gritou ela. — Eu quero um filho meu! Por que suas irmãs concebiam com tanta facilidade? Por que era possível para todo mundo, menos para ela? E por que tinha usado aquele maldito DIU? Diana queria castigar alguém, mas não havia ninguém para culpar, nenhum modo de aliviar a dor que sentia. Andy a abraçou e depois de algum tempo o médico saiu do quarto. Não podia fazer mais nada agora.

       — Eu sinto muito, meu bem. Eu sinto tanto — repetia Andy. Logo depois voltaram para casa, Diana com a barriga dolorida e o ventre não apenas vazio, mas estéril.

       — Eu não acredito — disse ela, quando entraram em casa. Olhou em volta com horror. Agora odiava aquela casa. — Quero vender esta casa — declarou, entrando no quarto.

       — Aqueles quartos no segundo andar são como uma acusação. Eles gritam: "Você é estéril! Jamais terá um filho!" — Diana queria morrer ao lembrar as palavras do médico.

       — Por que não pensamos nas opções? — perguntou Andy, calmamente. Estava tentando não irritá-la mais ainda, mas fora um dia terrível para os dois e agora tinham de pensar no que fariam com o resto de suas vidas. Nada tinha saído de acordo com seus planos e a perspectiva de mudá-los radicalmente não era fácil ou agradável. — Aquele negócio com um óvulo doado deve ser fantástico.

       — Não é fantástico! — gritou ela. Diana parecia uma pessoa completamente desconhecida para Andy.— Não tem nada de fantástico nesse processo nojento. Fantástico é ter um filho e eu não posso! Você não ouviu o que ele disse?

       Diana soluçava histericamente e Andy não sabia o que fazer para acalmá-la. Era triste para ele também, mas pior para ela, porque a falha fora encontrada no seu corpo.

       — Porque não deixamos para falar sobre isso mais tarde? — sugeriu ele, abrindo as cobertas da cama para ela se deitar. Sabia que Diana estava sentindo dores.

       — Nunca mais quero falar nesse assunto. E se quiser pedir o divórcio, está bem para mim — disse ela, deitando na cama sem parar de soluçar, completamente arrasada.

       Andy sorriu tristemente. Diana estava péssima, mas tinha todo o direito de sentir-se assim e ele a amava mais do que nunca.

       — Não quero o divórcio, Di. Eu a amo. Por que não tenta dormir um pouco? Amanhã nós dois estaremos com a cabeça mais clara.

       — Que diferença vai fazer? — gemeu ela, tristemente. — Não existe mais o amanhã. Nem a semana que vem, nem testes, nem temperaturas. Não existe mais nada.

       Os médicos haviam tirado todas as suas esperanças e com ela o desapontamento constante. Talvez isso fosse bom, pensou Andy, fechando as cortinas e saindo do quarto, na esperança de que ela dormisse. Mas Diana chorou durante todo o fim de semana. Na segunda-feira foi trabalhar como se acabasse de perder alguém muito querido. A única coisa sensata que fez foi recusar atender aos telefonemas das irmãs. Parecia um zumbi e Andy nada podia fazer para consolá-la. Eloise tentou levá-la para almoçar, mas Diana recusou. Não queria ver ninguém, falar com ninguém, nem com o marido.

       Antes do feriado do Dia do Trabalho Andy tentou convencê-la a ir ao casamento de Bill e Denise, no lago Tahoe, mas ela recusou-se terminantemente. Depois de uma semana de discussão, Andy foi sozinho. Aparentemente, Diana não se importou e ele não se divertiu muito, mas era bom se afastar daquela fúria e da dor constante e surda dos seus problemas. Era uma agonia e Andy não conseguia convencê-la de que a vida não tinha acabado para eles.

       — Você não morreu e eu também não, nem estamos com uma doença terminal. A única diferença é que agora sabemos que não vamos ter filhos. Mas não vou desistir do meu casamento por causa disso. É claro que quero filhos. E talvez algum dia a gente adote um. Mas, neste momento, somos apenas você e eu. E vamos nos destruir mutuamente se não reagirmos. — Andy estava resolvido a devolver suas vidas à normalidade, mas Diana nem sabia mais o que era viver normalmente. Estava sempre discutindo com ele, ficava furiosa com qualquer coisa e às vezes passava dias inteiros sem falar. Só parecia normal quando saía para o trabalho, mas assim que chegava em casa era como se estivesse enlouquecida e Andy se perguntava se ela estaria tentando destruir seu casamento. Diana não tinha mais certeza de nada, do marido, dos amigos, dela mesma, do trabalho e muito menos do futuro.

      

       No sábado do feriado do Dia do Trabalho, Mark, o velho amigo de Charlie, convidou-o para jantar. Sua namorada estava fora da cidade, visitando os pais e no dia anterior ele soube, no trabalho, que Charlie também passaria o fim de semana sozinho.

       Foram jogar boliche, depois tomaram algumas cervejas e viram o jogo de beisebol na televisão do bar favorito de Charlie. Uma. Para os dois, como há muito tempo não tinham. Os dois trabalhavam muito e nos fins de semana Charlie fazia o que Barbara queria e sempre significava compras ou visitas a amigos. E ela detestava era jogar boliche.

       — Quais são as novidades? — perguntou Mark, quando finalizaram o circuito das bases. Ele gostava de estar com Charlie sinceramente e preocupava-se com o bem-estar do amigo. Tinha só duas filhas e via Charlie como seu filho. — Onde está Barbie? Em Salt visitando os pais? — Mark sabia que ela era de Salt Lake City, e preferia morrer a visitar a família.

       Charlie jamais revelava segredos da mulher. — Vegas com uma amiga – respondeu Charlie, com um sorriso. Gostava muito de Mark. Eram amigos e bons companheiros.

       — Ta brincando? — perguntou Mark, admirado. — Deixou que ela fosse sozinha?

       — Ela foi com Judi. — Charlie achou graça na preocupação.

       — Judi vai desaparecer com algum cara e o que acontecerá com Barbie?

       — Ela está bem crescidinha. Pode se defender sozinha. Se tiver problemas ela me telefona. – disse Charlie infeliz com a inconveniente lembrança.

       A certeza de que tudo estava bem e Barbie ficara muito bem, era a vida intensa e movimentada de Las Vegas. Há quase dois anos ela não ia a Las Vegas e agora a sua vida naquela cidade já havia desaparecido.

       — Porque você não foi com ela? — perguntou Mark

       — Não é lugar para mim. — Charlie deu de ombros.

       — Ahh. Detesto aquele movimento, o barulho, aquela loucura. Não gosto de jogar e posso me embebedar aqui em casa, se quiser. — O que raramente acontecia. — O que vou fazer em Las Vegas? Barbie vai se divertir muito mais com as amigas do que se estivesse me arrastando atrás delas, enquanto elas riem, fofocam e falam sobre os namorados e maquiagem.

       — Ela ainda não se libertou de tudo isso, não é mesmo? — perguntou Mark, preocupado, e Charlie sorriu, comovido como interesse do amigo.

       — Do quê? Namorados e maquiagem? — brincou Charlie. Ele confiava plenamente em Barbie. — Ela está ótima. Gosta do sabor do deslumbramento uma vez ou outra porque a faz sentir-se como se fosse uma atriz. Não conseguiu muito trabalho este ano e nossa vida é muito calma. — Charlie gostava de tranqüilidade, mas sabia que Barbie sentia falta da vida que levava antes, embora estivesse sempre dizendo que tivera muita sorte de escapar dela casando-se com Charlie.

       — Qual o problema de levar uma vida calma? — resmungou Mark e Charlie riu.

       — Você parece meu pai... se eu tivesse tido um pai. — Era bom saber que Mark se preocupava. A não ser Barbie, é claro, ninguém jamais se importava com ele.

       — Você não devia ter deixado Barbie ir a Las Vegas. Mulheres casadas não fazem esse tipo de programa. Devem ficar em casa com os maridos. Você não sabe de nada. Nunca teve mãe. Mas, se minha mulher fizesse isso, eu me divorciaria imediatamente.

       — Você se divorciou, Mark — disse Charlie e Mark sorriu meio embaraçado.

      — Foi diferente. Eu me divorciei porque ela estava tendo um caso. — Com o melhor amigo de Mark, na ocasião, Charlie sabia. A mulher dele, depois do divórcio, saíra de Nova Jersey e fora morar com as duas filhas em Los Angeles. Por isso ele se mudara para a Califórnia. Para estar perto das filhas.

       — Não se preocupe tanto. Estamos muito bem. Ela precisa se divertir um pouco, isso é tudo. Eu compreendo.

       — Você é bom demais. Vou dizer uma coisa! — Sacudiu o dedo em riste, quando a pizza chegou. — Eu era assim e aprendi... agora sou durão! -Tentou uma expressão feroz, mas ambos sabiam que ele era facilmente levado pelas mulheres. Fazia tudo que elas queriam, desde que não saíssem com outros homens. Isso ele não admitia. Mas estava sendo sincero. Jamais deixaria uma das suas namoradas passar um fim de semana sozinha em Las Vegas.

       — Então, quais são as suas novidades? — perguntou Charlie, enquanto comiam a enorme pizza de pepperoni. — Como vão Marjorie e Helen? — Eram as filhas de Mark, uma casada e a outra estudando ainda, ambas o orgulho da vida dele. Mark era louco por elas e quem não as achava sensacionais não merecia nem um segundo sua vida, especialmente as mulheres.

       — Estão ótimas. Eu já contei que Marjorie está esperando um bebê para março? Eu mal posso acreditar... meu primeiro neto. Eles já sabem que é um menino. As coisas mudaram muito desde o meu tempo. — Então ele franziu a testa, imaginando quando Charlie iria dar o primeiro passo naquela direção. Talvez fosse exatamente o que Barbie precisava para não passar mais fins de semana em Las Vegas. — E vocês? Nenhum bebê a caminho? Já está na hora, você não acha? Estão casados há... quanto tempo? Quatorze, quinze meses? A mocinha se aquietaria num instante.

       — É disso que ela tem medo — disse Charlie, com tristeza. O problema, porém, não era o que Barbie queria, mas o que não estava acontecendo. Segundo os livros que Charlie havia lido sobre o assunto, e ultimamente não eram poucos, estavam fazendo amor no tempo certo para conceber um filho. Mas, quatro meses depois de intensa atenção ao seu plano, nada tinha acontecido. Charlie começava a ficar preocupado.

       — Ela não quer filhos?

       — É o que ela diz agora — respondeu Charles, tentando fazer Mark entender que não se abalava com isso. — Mas vai mudar de idéia. Ninguém pode resistir a um bebê. Ela tem medo que uma gravidez atrapalhe sua carreira, que não possa agarrar a grande oportunidade quando aparecer.

       — Talvez nunca apareça. Não podem sacrificar os filhos por uma coisa incerta — disse Mark, com firmeza. Ele não gostava muito de Barbara. Achava que ela era mimada e caprichosa e não aprovara o casamento. — Trate de engravidá-la, não importa o que ela pense — disse ele, recostando-se na cadeira, satisfeito, e Charlie suspirou.

       — As coisas nunca são tão simples. — Ela está tomando pílula?

       — Não. Pelo menos acho que não. — Nem tinha pensado nisso, mas não acreditava que Barbara fizesse alguma coisas às escondidas. Ela apenas não queria filhos agora e usava o diafragma só quando não tinha preguiça de levantar-se da cama, o que, felizmente para Charlie, não acontecia com freqüência. Os dois eram extremamente descuidados nesse sentido, por isso Charlie começava a se preocupar com a falta de resultados. Alguns meses atrás Barbara havia observado que era estranho ela não ter engravidado ainda. — Eu não sei — Charlie olhou para o amigo, embaraçado -, mas até agora nada aconteceu.

       Charlie parecia desanimado. Mark sabia o quanto ele queria ter filhos e achava que isso lhe faria muito bem, além de manter Barbie em casa, é claro.

       — Talvez vocês não estejam fazendo a coisa no tempo certo. Não é em qualquer época que acontece, você sabe. É uma verdadeira ciência. Pergunte ao seu médico.

       Na verdade, Mark também não sabia muito a respeito. Sua primeira filha fora concebida no banco traseiro do carro, quando Mark tinha dezenove anos e ainda não era casado com a mãe dela, e a segunda, dez meses após a primeira. Depois disso, a mulher dele ligara as trompas e a namorada atual tomava pílula. Mas ele sabia que havia dias propícios e outros não e talvez Charlie não soubesse disso.

       — Estamos seguindo a tabela, de acordo com uns livros que estou lendo.

       — Então, talvez vocês só precisem relaxar — disse ele, em tom conspiratório. — São jovens e saudáveis e vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

       — Talvez. — Mas o fato de não ter acontecido ainda começava a deprimi-lo.

       — Você acha que pode haver algum problema?

       — Eu não sei.

       A preocupação nos olhos de Charlie comoveu Mark e ele pediu mais duas cervejas. Era uma noite agradável e tranqüila para os dois.

       — Você teve caxumba quando criança ou alguma doença venérea quando ainda andava por aí?

       — Não — Charlie sorriu. — Nada disso. Mark franziu a testa, preocupado.

       — Sabe, minha irmã e o marido tiveram um trabalho enorme para ter filhos. Estavam casados há sete anos e nada. Eles moram em San Diego e ele consultou um grande médico de lá mesmo. Minha irmã teve de tomar comprimidos ou injeções de hormônios e não sei bem o que fizeram com meu cunhado, só sei que ele teve de usar cubos de gelo dentro da cueca por algum tempo. Parece formidável, não acha?

       Mas tiveram três filhos, assim, um atrás do outro. Dois meninos e uma menina. Vou pedir o nome do médico na próxima vez que falar com ela. É um cara importante em Beverly Hills, cobrou uma fortuna, mas valeu à pena. As crianças são maravilhosas.

       Os dois estavam rindo, imaginando os cubos de gelo na cueca do cunhado de Mark, quando a cerveja chegou. As vezes a vida podia ser boa, assim na companhia de um amigo, numa noite tranqüila. Charlie gostava de estar com Barbie, mas não podia conversar com ela sobre as coisas que o interessavam e tudo que a interessava era tão diferente. Ele e Mark tinham muito em comum e Charlie dava grande valor àquela amizade.

       — Quer saber de uma coisa? Não sei se estou morrendo de vontade de pôr cubos de gelo na cueca.

       — Ora, se der resultado, que diabo... não é mesmo?

       — É uma pena eu não ser casado com você — brincou Charlie. — Gosto do modo como fala sobre filhos. — Sorriu para o amigo.

       — São as melhores coisas da vida. Vou conseguir o nome daquele médico para você — insistiu, resolvido a ajudar de qualquer modo.

       — Eu nem tenho certeza se há algum problema. Talvez seja apenas uma questão de tempo. Eu só comecei a tentar seriamente a partir de junho. Dizem que um casal normal pode levar um ano para conseguir.

       — Eu gostaria de ter tido essa sorte, pelo menos uma vez. — Mark revirou os olhos e eles riram. — De qualquer modo, não faz nenhum mal verificar. Então o cara diz que você está em perfeita forma, você se sente o próprio garanhão, vai para casa, atira Barbie no chão e — Bingo! — ela fica grávida. É só isso que o médico faz... uma injeção de moral nas tropas, certo?

       — Você é um cara doido... — Charlie estava realmente comovido com o interesse de Mark.

       — Eu, doido? Fui eu quem deixou a mulher ir sozinha para Las Vegas? Acho que o doido é você.

       — Sim, talvez — Charlie sorriu, pensando que há muito tempo não se sentia tão bem. Os Mets estavam ganhando o jogo e eles terminaram as cervejas. Eram dez horas quando Mark o levou de carro para casa e Charlie subiu devagar para o apartamento, imaginando se devia consultar um médico. Parecia um pouco de exagero ir ao especialista com tão pouco tempo, mas, por outro lado, podia ser tranqüilizador. Mas era um tanto estranho, considerando o fato de que Barbie não sabia dos esforços que ele estava fazendo para terem um filho. Ela não tinha nem idéia. Na verdade, o marido nem passava por sua cabeça naquela noite, enquanto se divertia com as amigas e encontrava alguns rapazes que há anos não via, em Las Vegas.

      

       No feriado do Dia do Trabalho, Pilar descobriu pela terceira vez que não estava grávida. Ficou deprimida, mas ao mesmo tempo encarou o fato filosoficamente. Ela e Brad tinham combinado que, se não desse certo dessa vez, ela iria consultar um médico. Já havia feito algumas perguntas discretas e Marina disse que ouvira falar de uma especialista em reprodução, em Beverly Hills, que, se fosse tão boa quanto sua amiga dissera, merecia uma visita. Los Angeles ficava a duas horas de carro de Beverly Hills e todos os médicos a quem Pilar telefonou disseram que a médica em questão era fantástica.

       Na segunda-feira Pilar telefonou e marcou uma consulta para a semana seguinte. Normalmente teria de esperar meses, mas, graças à intervenção da amiga de Marina, a médica concordou em vê-la logo. Brad assentiu em ir com ela. Ele não gostou muito da idéia de Marina ter recomendado uma médica, mas Pilar o convenceu de que se sentiria muito mais à vontade. – O que eles vão fazer comigo? — perguntou ele, nervoso,dirigindo o carro para Beverly Hills. Tinha determinado um recesso no caso que estava julgando, uma coisa que raramente fazia.

       — Acho que eles provavelmente vão cortar seu pênis, examiná-lo e costurá-lo outra vez. Nada complicado. Só começarão as coisas importantes na próxima vez.

       — Você ajuda muito — resmungou, e Pilar riu, feliz com a presença dele. Ela estava nervosa também, sem saber o que podia esperar. Mas assim que conheceram a Dra. Helen Wand, uma mulher pequena com olhos azuis muito vivos e cabelo grisalho, sentiram que estavam no lugar certo. Ela era inteligente e calma, com toda a atenção voltada para o que eles queriam e muito clara nas informações que lhes dava. A princípio Brad a achou um pouco fria e por demais profissional, mas à medida que conversavam ela foi ficando mais comunicativa e demonstrou ter um fino senso de humor. Praticava a medicina como Pilar praticava o direito, com compaixão e inteligência, mas também com grande eficiência e precisão profissional. Além disso, estudara medicina em Harvard, o que era uma recomendação, e tinha cinqüenta e poucos anos, o que também os agradou. Pilar de modo algum queria um médico jovem e ansioso para fazer novas experiências. Queria uma pessoa séria e calma, que escolhesse processos mais tradicionais, sem deixar de fazer o melhor possível por eles.

       Depois da conversa informal, ela começou a fazer as fichas dos dois com perguntas sobre saúde e problemas médicos no passado e no presente. Brad ficou satisfeito ao ver que Pilar estava completamente à vontade, especialmente quando contou o aborto que fizera aos dezenove anos. Pilar não gostava de falar no assunto, mas certa noite, bem tarde, depois de muito vinho, ela contou para Brad, dizendo que até agora se sentia culpada. Tinha razão para não querer o filho, acabava de entrar na universidade, não podia de modo algum sustentar uma criança e o pai, seu primeiro caso de amor, recusou qualquer ajuda. Seus pais a teriam deserdado ou feito coisa pior,pelo menos foi o que ela pensou. E ela estava apavorada o bastante para fazer um aborto ilegal no Harlem espanhol. Agora, mais de uma vez ela pensara se o fato de não engravidar podia ser atribuído em parte àquele aborto. Mas a Dra. Ward garantiu que aquela probabilidade não existia.

       — A maioria das mulheres que fez vários abortos mais tarde têm filhos saudáveis e não temos nenhuma prova de que essas mulheres têm mais dificuldade para engravidar. Se você tivesse tido uma infecção grave depois, o caso seria diferente, mas pelo que me contou parece que tudo correu bem.

       Tudo isso deixou Pilar mais confiante.

       Falaram sobre os filhos de Brad e o que os dois haviam feito para evitar filhos nos últimos quatorze anos. Em seguida, a Dra. Ward examinou Pilar e não encontrou qualquer problema. Como todos os especialistas, ela dava muita atenção à presença ou à história de infecções.

       — Vocês resolveram me consultar por algum motivo especial? Nada nas histórias dos dois sugere qualquer tipo de complicação e três meses é um tempo muito curto para começarem a se preocupar — disse ela, com um sorriso caloroso.

       — Isso quando se tem dezesseis anos, Dra. Ward. Eu tenho 43. Não acho que tenha muito tempo para tentar.

       — Tem razão. Podemos verificar algumas coisas, como seu FSH e os níveis de progesterona, que podem afetar sua capacidade de conceber, e a tiróide e prolatina, pelo mesmo motivo. A progesterona precisa alcançar um determinado nível para permitir a fecundação. Pode verificar sua temperatura todas as manhãs e fazer um gráfico da temperatura basal do corpo. Podemos dar a você um estimulante hormonal à base de clomifeno, para ver se ajuda. Clomifeno nem sempre é eficaz em mulheres com mais de quarenta anos, mas podemos tentar se quiser. É um hormônio que faz seu organismo produzir níveis muito altos de progesterona para ajudar a engravidar.

       — Vai fazer nascer pêlos no meu rosto? — perguntou Pilar e a médica riu.

       — Não que eu saiba. Mas pode deixá-la um pouco tensa, com uma sensação de estresse durante os cinco dias em que deve tomar o hormônio, e até alguns dias depois. Algumas pessoas têm pequenos problemas com a visão, leves dores de cabeça, náuseas, oscilações do humor, mas geralmente nada muito importante.

       — Acho que eu gostaria de tentar — disse Pilar, confiante. — Que tal alguma coisa mais forte? Injeções de hormônio?

       — Não vejo motivo para isso ainda. Não devemos interferir exageradamente com a natureza.

       A Dra. Ward não queria tomar nenhuma medida drástica com uma mulher sem nenhum problema evidente. Ela estava quase certa de que, se pudesse, Pilar recorreria aos métodos mais ousados, como a fertilização ‘in vitro’, que consiste em provocar a produção de óvulos por meio de hormônios, retirar alguns óvulos dos ovários, fertilizá-los numa placa de Petri com o esperma do marido, colocá-los no útero e esperar que a gravidez fosse bem-sucedida. Quando o óvulo e o esperma são saudáveis a fertilização é quase certa, mas não se pode garantir o prosseguimento da gravidez. Na idade de Pilar, porém, não era conveniente a fertilização ‘in vitro’. A maioria das clínicas recusava-se a empregar o método em mulheres acima dos quarenta anos. Além disso, não se tratava de um processo fácil. Exigia altas doses de hormônios, retirada cuidadosa dos óvulos por mãos experientes e o índice de sucesso era de apenas dez a vinte por cento. Mas para os poucos felizardos, era uma dádiva de Deus.

       A Dra. Ward fez um exame de sangue simples, receitou clomifeno a Pilar e pediu-lhe para medir a temperatura todas as manhãs, explicando como deveria fazer o gráfico da temperatura basal e dando a ela um kit para detectar o aparecimento do hormônio luteinizante antes da ovulação. — Parece que estou entrando para o corpo de fuzileiros navais — disse Pilar, quando saíram do consultório com o kit e as instruções de quando fazer amor, quando não fazer e com que freqüência.

       — Espero que não. Gostei dela. O que você achou? — Brad estava impressionado com o raciocínio inteligente e a posição conservadora da médica. A Dra. Ward não se deixou levar pelo fato de Pilar ser uma mulher instruída e bem-informada sobre as opções mais sofisticadas da especialidade, recusando o uso de métodos mais radicais no momento.

       — Eu também gostei.

       Mas Pilar estava desapontada. A Dra. Ward não tinha nenhum truque escondido na manga. Parecia a favor de procedimentos conservadores, mas, afinal, era isso que eles queriam. De qualquer modo, suas opções eram limitadas devido à idade de Pilar. Era velha demais para fertilização ‘in vitro’, mesmo que esta fosse necessária, e talvez até mesmo para o clomifeno. A Dra. Ward havia sugerido inseminação intra-uterina. Se não conseguissem nenhum resultado com o clomifeno, seria a melhor opção.

       — Parece complicado demais para uma coisa que deveria ser simples — disse Brad, surpreso ainda com os testes, os medicamentos e a mecânica do tratamento da esterilidade.

       — Nada é simples na minha idade — lamentou-se Pilar. — Até a minha maquiagem é mais trabalhosa do que antes. — Sorriu e Brad a beijou.

       — Tem certeza de que quer fazer tudo isso? Esse remédio não me parece muito agradável. Você já tem bastante pressão no seu trabalho sem precisar tomar comprimidos para ficar mais estressada.

       — Sim, eu pensei nisso. Mas quero para nós as melhores chances possíveis. Vou tentar. — Agora que tinha resolvido, estava disposta a qualquer coisa para ter um filho.

       — Tudo bem, você manda — concordou Brad, carinhosamente.

       — Não, não mando. Mas eu o amo muito.

       Beijaram-se e voltaram para Santa Barbara, depois de jantar no Bistrô, em Los Angeles. Foi uma noite agradável, uma mudança repousante nos seus hábitos. Quando chegaram em casa, Pilar guardou seus novos tesouros no banheiro — o kit para medir o hormônio, o termômetro, o gráfico. Tinham mandado aviar a receita do medicamento a caminho de casa. Ela só começaria a tomá-lo dentro de três semanas, e só se não ficasse grávida durante esse ciclo. Por enquanto, deveria começar a tirar a temperatura e usar o kit na manhã seguinte e na semana que viria, tentaria engravidar.

       — Parece um arsenal de esperança, não acha? — Pilar sorriu para Brad enquanto escovavam os dentes, apontando para a parafernália no armário, do banheiro.

       — Está tudo bem, se é o que precisamos fazer. Ninguém disse que seria fácil ou simples. O que importa é o resultado final. — Brad a beijou. — E se o resultado decretar que devemos ficar sozinhos, se nada funcionar, está bem para mim e quero que você saiba disso. Quero que pense nisso, Pilar, e esteja preparada para aceitar. Será maravilhoso se der certo, mas se não der ainda temos um ao outro e uma vida repleta de pessoas que amamos e que se preocupam conosco. Não precisamos ter esse filho.

       — Não, mas eu gostaria de tê-lo — disse ela com uma certa tristeza e Brad a abraçou.

       — Eu também quero. Mas não vou arriscar o que já tenho. E não quero que você se arrisque.

       Brad sabia que o processo podia se tornar obsessivo a ponto de destruir o casamento e isso era a última coisa que ele queria, depois de esperar tanto tempo para se casar com ela. O que eles possuíam era precioso demais.

       Na manhã seguinte, sentada â sua mesa de trabalho, com os olhos perdidos no espaço, Pilar lembrava as palavras de Brad. Assim que acordou naquela manhã ela tirou a temperatura e marcou no gráfico. Fez o teste do hormônio um pouco antes de sair para o trabalho. Foi um pouco mais demorado porque tinha de manejar o recipiente com a urina e vários outros vidros de produtos químicos. Mas o teste mostrou que não estava ainda na época da sua ovulação. Brad tinha razão. Parecia mesmo complicado para uma coisa que deveria ser simples.

       — Porque essa cara triste? — perguntou Alice Jackson, entrando no escritório de Pilar.

       — Oh... nada... só pensando. — Pilar recostou-se na cadeira, procurando esquecer o que a preocupava, mas não era fácil. Ultimamente parecia que só pensava em engravidar.

       — Não parecem pensamentos alegres. — Alice carregava uma porção de pastas. Fazia uma pesquisa importante para o marido.

       — É um pensamento alegre, mas não muito fácil — disse Pilar. Como vai o seu caso?

       — Graças a Deus, estamos quase prontos para o julgamento. Eu não agüentaria mais seis meses.

       Mas as duas sabiam que Alice agüentaria se fosse preciso. Ela gostava de trabalhar com Bruce e fazer pesquisas para ele. Pilar não conseguia se imaginar trabalhando com Brad, por mais que respeitasse seus conselhos. Tinham estilos muito diferentes e definidos, opiniões muito fortes. Eram ótimos como marido e mulher, mas provavelmente não seriam grande coisa como colegas de trabalho. Pilar era muito mais emotiva do que Brad e gostava de casos difíceis, quase impossíveis, de preferência em defesa dos desprivilegiados. Tinha muito ainda da defensora pública. Brad, por seu lado, jamais deixou de ser um promotor ou pelo menos era o que Pilar dizia quando discutiam assuntos de direito. Essas discussões eram sempre amigáveis.

       O telefone interrompeu sua conversa com Alice. A telefonista avisou que era sua mãe.

       — Oh, meu Deus! — Pilar hesitou. Alice saiu do escritório, levando suas pastas. — Tudo bem, eu atendo — disse ela, apertando o botão aceso no telefone.

       Era meio-dia em Nova York e Pilar sabia que a mãe já havia trabalhado cinco horas no hospital e, depois de um almoço rápido, voltaria para mais cinco ou seis horas de atendimento aos pacientes. Era uma mulher incansável que, apesar da idade, mantinha um ritmo acelerado. Brad sempre dizia que isso era um bom sinal e Pilar, menos caridosa, respondia que a mãe era ambiciosa demais para diminuir o ritmo. Não tinha nada a ver com bons sinais.

       — Oi, mamãe — cumprimentou ela. Tentando adivinhar o motivo do telefonema. Geralmente ela esperava que Pilar telefonasse, mesmo que fosse a cada dois meses. Pilar pensou que podia ser outra convenção em Los Angeles. — Como vai?

       — Muito bem. Temos uma onda de calor hoje aqui em Nova York. Está incrivelmente quente. Ainda bem que o nosso ar-condicionado não foi desligado ainda. Como vão você e Brad?

       — Atolados no trabalho, como sempre. — E tentando ter um filho. Pilar sorriu, imaginando a cara da mãe se dissesse isso. — Sempre muito ocupados. Brad está quase terminando um caso muito longo e metade da Califórnia parece ter estado no meu escritório esta manhã.

       — Na sua idade, você deveria estar se preparando para a magistratura. Não precisa continuar a defender essa ralé liberal da Califórnia.

       — Obrigada, mamãe. — Era uma conversa típica. Perguntas, censuras, acusações veladas, desaprovação evidente.

       — Você sabe que seu pai foi nomeado juiz quando era mais novo do que você é agora. Com a sua idade foi designado para o Tribunal de Recursos. — Uma grande honra.

       — Sim, eu sei. Mas gosto do que estou fazendo. E não tenho certeza se nossa família está preparada para ter dois juízes. Além disso, a maior parte dos meus clientes não pertence à ralé liberal — disse Pilar, aborrecida por estar se defendendo. Sua mãe sempre provocava essa reação.

       — Ao que sei, continua a defender o mesmo tipo de gente que atendia quando era defensora pública.

       — Não, felizmente meus clientes têm mais dinheiro. E você? Trabalhando muito?

       — Muito. Recentemente compareci a dois julgamentos como testemunha de casos de lesões neurológicas. Foi muito interessante e ganhamos os dois casos, é claro. – A humildade não era um dos pontos fortes de Elizabeth Graham, mas pelo menos ela era previsível, o que facilitava o relacionamento.

       — É claro — disse Pilar, vagamente. — Desculpe... mas preciso voltar ao trabalho. Telefono dentro de alguns dias... Cuide-se.

       Estava se despedindo com a eterna sensação de derrota que sempre a assaltava quando falava com a mãe. Ela jamais vencia, a mãe jamais aprovava, Pilar jamais conseguia o que queria. Mas a idiotice disso tudo estava no fato de ela saber que jamais conseguiria, aprendera isso há muito tempo com a análise. Sua mãe era quem era, não iria mudar. Pilar era quem deveria mudar suas expectativas. E, em grande parte, tinha conseguido, mas havia ainda momentos em que, como agora, ela esperava que a mãe fosse diferente. Elizabeth jamais seria a mãe compreensiva, carinhosa e amorosa que Pilar tanto desejava. E com o pai a história fora a mesma. Mas agora tinha Brad para lhe dar todo o apoio, todo o amor e toda a bondade que desejara por tanto tempo sem conseguir e, quando precisava da ilusão de ter uma mãe, tinha Marina. Nenhum dos dois a haviam desapontado até agora.

       Telefonou para Marina naquela tarde, durante um recesso do tribunal, para agradecer a indicação da Dra. Ward e ela ficou satisfeita por Pilar ter gostado da médica.

       — O que ela disse? Alguma esperança?

       — Sim. Pelo menos não disse o mesmo que minha mãe, que sou velha demais e vou ter um filho deformado. Ela disse que pode demorar algum tempo e exigir algum esforço.

       — Tenho certeza de que Brad terá prazer em colaborar — disse Marina, contrastando completamente com o comentário que obteria de sua mãe.

       — Foi o que ele deu a entender — riu Pilar. — A doutora me deu uns comprimidos, mas podem ou não ajudar. Ela disse que posso ter esperança, mas não sou nenhum brotinho.

       — Quem é? Lembre-se da minha mãe... o último filho aos 52 anos...

       — Pare com isso. Você me assusta. Prometa que para mim vai ser pelo menos antes dos cinqüenta.

       — Não vou prometer coisa alguma — Marina riu. — E se o bom Deus quiser que você engravide aos noventa anos, vai engravidar. Leia o “Enquirer”, pelo amor de Deus!

       — Você não ajuda muito. Não estamos falando de um show de coisas fora do comum, juíza Goletti, mas da minha vida... ou será que não? Minha mãe telefonou hoje, isso é sempre divertido.

       — Quais as migalhas de pensamento positivo ela partilhou com você hoje?

       — Nada demais. Uma onda de calor em Nova York e me lembrou que meu pai foi designado para o Tribunal de Recursos quando tinha a minha idade.

       — Oh, você, triste fracasso. Eu não tinha idéia... Foi muita bondade dela falar nisso.

       — Foi o que pensei. A propósito, ela acha que eu devo me candidatar ao seu lugar.

       — Eu também acho. Mas isso é outra conversa e agora preciso voltar e ser uma juíza. Esta tarde estamos julgando um caso que eu gostaria de nem ouvir falar. Um homem dirigindo bêbado matou uma mulher grávida de trinta anos e seus três filhos. O carro foi destruído e ele saiu ileso. Felizmente, temos um júri para dar a decisão.

       — Pelo jeito vai ser bem severa — disse Pilar. Era um prazer conversar com Marina, ser sua amiga. Marina nunca a desapontava.

       — Tem de ser. Cuide-se. Falo com você depois. Talvez um almoço, se você não estiver muito ocupada.

       — Eu telefono.

       — Obrigada. Até logo. — Desligaram e voltaram ao trabalho.

       Não tiveram tempo para almoçar juntas naquela semana, nem na seguinte. Estavam muito ocupadas. Então Brad sugeriu alguns dias num hotel muito romântico que ele conhecia, no vale de Carmel. Para ele, aquela era a "semana azul", quando ia aumentar a quantidade dos hormônios luteinizantes e Pilar deveria ovular dentro de um ou dois dias. Seria mais agradável passar dois dias num hotel calmo e bonito do que ficar em casa enfrentando as crises no seu tribunal e no escritório de Pilar.

       Depois de uma semana de trabalho intenso, chegaram exaustos ao hotel. Mas era repousante estarem só os dois naquele ambiente luxuoso, poder conversar sem serem interrompidos por telefones ou uma avalanche de dossiês e memorandos. Foi com prazer que passearam por Carmel, visitando as lojas de antiguidades. Brad comprou para ela um quadro pequeno e muito bonito que mostrava mãe e filho na praia, ao pôr-do-sol, com um toque impressionista, e Pilar adorou. Sabia que, se engravidasse naqueles dias, aquele quadro teria sempre um significado especial para os dois.

       Voltaram para Santa Barbara felizes e repousados, convencidos de que dessa vez haviam conseguido. Pilar disse que tinha quase certeza. Até ficar menstruada outra vez no mês seguinte e ter de começar a tomar o clomifeno, que teve exatamente o efeito descrito pela Dra. Ward. Pilar ficou tensa como uma mola esticada. Parecia sempre pronta a saltar a tudo que Brad dizia e tinha vontade de estrangulara secretária pelo menos seis vezes por dia. Precisava se controlar para não perder a paciência com os clientes e quase se descontrolou numa argumentação com o juiz no tribunal. O esforço para se manter calma era um trabalho árduo. Além disso, estava sempre exausta devido ao medicamento.

       — É muito divertido, não é mesmo? — disse ela a Brad. — Você deve estar adorando isso tudo. — Há duas semanas ela o vinha tratando horrivelmente e mal podia suportar o próprio gênio, muito menos entender como Brad a suportava. Era muito pior do que tinha imaginado, mas valia à pena se o resultado fosse um bebê.

       — Valerá a pena se ajudar — garantiu ele. Mas o problema foi que não adiantou. Fazia agora cinco meses que estavam tentando e marcaram uma hora com a Dra. Ward para a inseminação artificial, no mês seguinte, uma semana antes do Dia de Ação de Graças.

       Os três conversaram longamente sobre o assunto antes de tomarem a decisão e a Dra. Ward garantiu que acreditava que teriam sucesso. Ela queria dobrar a dose de clomifeno naquele mês — o que não foi uma notícia muito agradável para Pilar -, fazer um ultra-som um pouco antes da ovulação, para verificar o desenvolvimento do folículo, aplicar uma injeção de outro hormônio, a gonadotrofina conônica humana — HCG -, na noite anterior ao dia da ovulação, e realizar uma inseminação intra-uterina, injetando o esperma diretamente no útero, facilitando seu encontro com o óvulo.

       Pilar não se entusiasmou com a idéia de tomar os medicamentos. Já estava insuportavelmente tensa com aquela dose, mas Helen Ward garantiu que valia a pena tentar e eles fizeram uma reserva no Bel Air para os dois dias que acreditavam ser a data certa, baseados no que podiam esperar dos medicamentos e do que indicava o gráfico da temperatura. A Dra. Ward disse que não deviam fazer amor nos três dias anteriores para não enfraquecer a contagem de espermatozóides de Brad.

       — Sinto-me como um cavalo de corrida em treinamento — brincou Brad, a caminho de Los Angeles. Pilar estava se sentindo humana outra vez. Tomara a última dose de clomifeno cinco dias atrás e os efeitos colaterais começavam a desaparecer. Um simples dia sem ter a impressão de que a cabeça iria estourar, um dia em que não brigara com Brad nem uma vez, de repente, passara a ser uma coisa importante.

       Foram diretamente para o consultório da clínica onde foi feito um ultra-som transvaginal para examinar os ovários. Tudo parecia normal. A Dra. Ward aplicou imediatamente a injeção de HCG e disse para voltarem no dia seguinte, ao meio-dia, o que lhes dava uma tarde e uma noite livres para o que quisessem, menos fazer amor. Pilar e Brad ficaram surpresos com a própria ansiedade.

       — Talvez amanhã eu esteja grávida — murmurou ela.

       Naquela tarde, Brad comprou, na David Orgeli, no Rodeo Drive, um pequeno broche antigo de brilhante em forma de coração e depois fizeram compras na Fred Hayman. Foi uma tarde extravagante, mas os dois estavam eufóricos e temiam entrar de repente num estado de depressão.

       Tomaram alguns drinques no Beverly Hills Hotel, jantaram no Spago, voltaram para o Bel Air e passearam calmamente nos jardins, olhando os cisnes, antes de irem para a cama. E ambos ficaram acordados por um longo tempo, pensando no dia seguinte.

       Saíram do hotel de manhã, nervosos, e Pilar tremia quando entraram no elevador do prédio de Helen Ward.

       — Não é uma idiotice? — murmurou ela para Brad. — Sinto-me como uma garotinha prestes a perder a virgindade.

       Ele sorriu. Estava nervoso também. Não gostava da idéia de produzir sêmen no consultório da médica. A Dra. Ward garantiu que ele poderia demorar o tempo que quisesse e sugeriu que Pilar ajudasse. Mas era tudo extremamente embaraçoso. Surpreenderam-se, porém, com a facilidade de todo o processo. Foram conduzidos ao que parecia um quarto de hotel, onde havia uma cama, um aparelho de televisão com teipes eróticos, uma pilha de revistas para excitar os "hóspedes" e uma variedade de aparelhos eróticos e vibradores para facilitar a tarefa. E, sobre a mesa, um pequeno frasco para colher o esperma. Ninguém disse quando deviam sair do quarto e, antes de deixá-los, a enfermeira perguntou se queriam café, chá ou refrigerantes. Então, Pilar começou a rir. Brad estava tão sério e tão bem-vestido e de repente a coisa toda parecia ridiculamente engraçada.

       — É como ir a um motel – disse ela, rindo, e Brad começou a rir também.

       — Como é que você sabe?

       — Já li a respeito nas revistas. — Pilar riu outra vez e Brad a fez deitar-se ao seu lado na cama.

       — Como foi que eu a deixei me meter nisto? — perguntou ele.

       — Não tenho certeza. Quando vínhamos para cá, eu estava pensando nisso e quer saber de uma coisa? — Olhou muito séria para ele. — Se não quiser fazer, está tudo bem para mim. Você tem sido maravilhoso e talvez eu esteja indo longe demais... Eu não pretendia... Não quero jamais fazer com que se sinta constrangido. — Pilar sentia-se culpada. A idade dela não era culpa de Brad. Seu esperma era normal. O corpo dela é que estava cansado. E se tivesse deixado que ele pensasse em ter filhos antes, não precisariam passar por tudo aquilo.

       — Você quer um filho, Pilar? — perguntou ele, gentilmente, e ela fez um gesto afirmativo. — Muito bem, pois então pare de se preocupar e vamos nos divertir.

       Brad levantou-se da cama e pôs um filme pornô no vídeo. Pilar ficou embaraçada, mas também achou graça e, depois de ajudar Brad a tirar a roupa, despiu-se também. Começou a acariciá-lo enquanto ele olhava para a tela e Brad imediatamente teve uma ereção. Pilar ficou também excitada e quase teve pena do desperdício. Brad estava ardendo de desejo de penetrá-la e Pilar segurou o frasco o mais perto possível do próprio corpo enquanto o excitava, acariciava e beijava, até conseguirem o que queriam. Foi diferente para os dois, mas não de todo desagradável. Tomaram um rápido banho de chuveiro, vestiram-se, chamaram a enfermeira e entregaram-lhe o frasco. Ela pediu que Pilar a acompanhasse.

       — Posso ir também? – perguntou Brad, hesitante. Até então tinham partilhado todas as fases do processo e ele queria estar presente, especialmente se havia a possibilidade de ser desagradável para ela.

       A enfermeira assentiu. Pilar tirou a roupa outra vez, vestiu a camisola e deitou-se muito nervosa na mesa para a inseminação. A Dra. Ward transferiu o esperma do frasco para uma ampola, introduziu um pequeno tubo no útero de Pilar e o esperma cuidadosamente injetado através dele. Não demorou mais de alguns minutos. O tubo foi removido e a Dra. Ward mandou Pilar ficar deitada durante meia hora. A médica deixou-os sozinhos e eles conversaram calmamente. Brad disse, brincando, que imaginara que eles usariam uma seringa para injetar tempero em assados.

       — Eu me sinto mesmo como um peru de festa aqui deitada – disse ela.

       O processo todo foi muito simples, mas exaustivo. Era emocionalmente extenuante tentar com tanto afinco conseguir o que queriam.

       — Aposto que isto vai dar certo — disse Brad, esperançoso, e depois riu, lembrando o filme que tinham visto no quarto. -Precisamos comprar alguns — brincou ele.

       Pilar estava enfrentando tudo com espírito esportivo e Brad também. Mas não era fácil. Nem sempre, porém, as coisas boas são fáceis.

       — Então está tudo certo — disse a Dra. Ward, lembrando que todos os testes de hormônio estavam normais e os níveis de progesterona muito altos, desde que Pilar começara a tomar o clomifeno. Mas advertiu-os também de que poderia ser necessário repetir todo o processo de seis a dez vezes para a inseminação "pegar". — Vocês vão me ver muitas vezes, mais do que aos seus amigos e à sua família. — E os Coleman replicaram que estava tudo bem.

       A médica desejou um feliz Dia de Ação de Graças e pediu a Pilar para mantê-la informada. Queria que ela telefonasse dentro de duas semanas para dizer se tinha ou não ficado menstruada.

       — Não se preocupe — sorriu Pilar. — Vai ter notícias minhas de qualquer modo. — Especialmente se ficasse grávida. E se não ficasse, eles voltariam para a inseminação artificial mais uma vez... mais outra... e mais outra... até "pegar" ou até eles desistirem, o que acontecesse primeiro. Pilar preferia a primeira opção.

       Ela tentara falar com a Dra. Ward sobre o método GIF — a transferência interfalopiana do gameta -, um processo parecido com a fertilização ‘in vitro’, mas com melhores resultados em mulheres acima dos quarenta anos. Mas a Dra. Ward não quis nem discutir o assunto.

       — Vamos dar uma chance à inseminação intra-uterina primeiro, está bem? — retrucou ela, com firmeza. Disse que era prematuro pensar em medidas tão drásticas. Ela estava confiante na inseminação. Com o clomifeno, os níveis de progesterona estavam muito altos e certamente a ajudariam a engravidar.

       A viagem de volta foi longa e tranqüila e Pilar e Brad sentiam-se mais unidos do que nunca. Tiveram uma semana calma antes do dia de Ação de Graças. Pilar tentou não se exceder no trabalho. Nancy, Tommy e Adam passaram o feriado com eles e Todd foi esquiar em Denver com a namorada. Mas prometeu vir para o Natal.

       O pequeno Adam estava com cinco meses, balbuciando e murmurando, com dois dentes bem no centro do maxilar inferior. Brad era louco por ele. Pilar o segurou por muito tempo no colo e, como sempre, Nancy observou que Pilar tinha muito jeito com crianças, o que a surpreendia, uma vez que jamais tivera filhos.

       — Instinto, eu acho — disse Pilar

       Não disseram nada sobre seus planos, seus esforços para ter um filho. Era importante demais, um segredo que devia ficar entre os dois. Pilar mal podia prestar atenção às comemorações do dia de Ação de Graça, ansiosa para saber se estava grávida. Naquela noite, depois que Nancy e Tommy se foram, os dois conversaram outra vez sobre suas esperanças.

       — Veremos — disse Brad, mas havia notado nos olhos dela algo diferente que o fazia lembrar-se de alguma coisa. Uma expressão meio sonolenta. Porém, não havia nenhum outro sintoma, nenhum sinal de mudança e Brad se convenceu de que ele, como Pilar, estava apenas ansioso para que ela ficasse grávida.

 

O Dia de Ação de Graças foi um pesadelo para Diana e Andy. Há três meses a vida deles era um inferno e às vezes Andy pensava que não iria suportar por mais tempo. Ele não conseguia mais falar com Diana, não suportava a amargura, sua autopiedade e ódio. Ela odiava a tudo e a todos e estava sempre furiosa. Furiosa com a vida, com o destino que lhe fora tão cruel. Mas Andy não podia fazer coisa alguma. O destino fora cruel com ele também, a partir do momento em que resolveu que ficaria com ela. Mas em certos momentos ele se perguntava se poderiam continuar assim por muito tempo.

       As coisas pioraram em outubro, quando Bill e Denise anunciaram que estavam esperando um bebê. Tinha acontecido literalmente na noite do casamento. Diana, chocada com a ironia do destino, disse que nunca mais queria vê-los, o que dificultava ainda mais a vida para Andy.

       Ela evitava falar com Eloise sobre qualquer assunto que não se referisse ao trabalho. E nunca mais mencionou o Dr. Johnston. Eloise, compreendendo que alguma coisa terrível tinha acontecido, também nunca mais falou nele nem no pai.

       Diana recusava-se a ver os amigos e depois de algum tempo estes deixaram de procurá-los. No Dia de Ação de Graças eles estavam completamente isolados de amigos e conhecidos e a vida jamais pareceu tão terrível para Andy.

       Para piorar as coisas, Diana concordou em passar o feriado com os Goode, em Pasadena. Andy tentou inutilmente fazer Diana desistir. A família de Diana eram as únicas pessoas com quem tinham estado nos últimos meses e eram as pessoas erradas.

       — Pelo amor de Deus! — disse Andy. — Por que concordou em ir?

       — É a minha família! O que queria que eu fizesse? Dizer que não quero mais vê-los só porque sou estéril?

       — Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O caso é que vai ser difícil para você. Suas irmãs ficam querendo saber quando vamos ter um filho e Sam já está com seis meses de gravidez. Precisa se torturar desse modo? — Ou aos dois, para ser mais exato, mas ele não disse.

       — Ela ainda é minha irmã.

       Andy não a compreendia mais e tinha a impressão de que jamais voltaria a compreender. Diana parecia sentir necessidade de se punir por tudo que tinha acontecido. O mais terrível, porém, era que não tinha culpa alguma. Anos atrás escolhera o método errado para evitar filhos e ninguém podia fazer nada a respeito. Era apenas falta de sorte. Mas isso não significava que precisava se tomar uma pessoa rancorosa e amargurada.

       — Acho que não devemos ir. — Andy lutou até o último momento para fazer Diana desistir, mas não conseguiu. E assim que chegaram na casa dos Goode ela percebeu o erro que havia cometido. Gayle estava mal-humorada, com um terrível resfriado, e os filhos tinham se comportado mal o dia inteiro; brigou com a mãe quando esta sugeriu um pouco mais de disciplina e parecia aborrecida com Jack por não a ter apoiado na discussão. Por isso Gayle descarregou em Diana, assim que ela chegou, e Andy desejou mais do que nunca não estar ali. Ia ser uma noite miserável.

       — Muito obrigada por chegar cedo para ajudar — disse Gayle com ironia, apanhando o casaco da irmã. — Passou a tarde fazendo as unhas ou só dormindo?

       — Ora, pelo amor de Deus, por que está tão irritada? – replicou Diana.

       Nesse momento Samantha entrou na sala e Andy quase gemeu alto. Ele não a via desde o Quatro de Julho e Samantha parecia a caricatura de uma mulher grávida. Olhou para Diana e viu o choque e o desespero no seu rosto.

       — Gayle está zangada porque a mamãe disse que os filhos dela são muito levados. Ela tem razão. E os meus também são. Então, como vai você? — perguntou a Diana, descansando a mão na barriga enorme.

       — Muito bem – respondeu Diana friamente. — E dá para ver como você está.

       — É isso. Gorda. Seamus diz que eu pareço um Buda.

       Com um sorriso forçado, Diana saiu da sala e foi falar com a mãe, na cozinha. Ela estava com ótima aparência e ficou feliz ao ver a filha. Estava organizando tudo e todos com grande entusiasmo e prazer. Estivera tão ocupada nos últimos meses que nem notou o afastamento de Diana. Pensou apenas que a filha estava com muito trabalho na revista, mas agora não gostou do que viu nos olhos dela e notou que Diana estava mais magra.

       — Estou feliz por vocês terem vindo — disse ela, satisfeita com a presença das filhas e dos netos. Sempre gostava de ver todos reunidos, mesmo tendo se queixado dos filhos de Gayle. — Você está bem? — perguntou.

       — Estou ótima. — Diana amava a mãe, mas não tinha coragem de contar a ela sobre a laparoscopia, nem descrever o inferno pelo qual estava passando. Talvez contasse algum dia, mas ainda não estava preparada. Não podia dizer a ninguém que era estéril. Era uma confissão de fracasso.

       — Você trabalha demais — censurou a mãe, querendo se convencer de que o que via no rosto da filha era excesso de trabalho. Inclinou-se para verificar o peru enorme e cheiroso que estava no forno.

       — Ao contrário das irmãs — disse o pai, entrando na cozinha.

       — Elas têm muito trabalho com os filhos — defendeu a mãe.

       Os dois amavam as três filhas, mas ele gostava de fazer comentários desse tipo. Sempre teve uma pequena preferência por Diana e também notou o quanto ela parecia infeliz.

       — Como vai sua revista? – perguntou ele, como se ela fosse adorar, e Diana sorriu.

       — Muito bem. Nossa circulação está cada vez maior.

       — É uma publicação muito bonita. Vi uma no mês passado. — Ele sempre dava valor a tudo que Diana fazia, o que a levava a se perguntar por que às vezes sentia-se tão mal. Mas agora tinha uma boa razão. Havia falhado na coisa que era mais importante para eles. Ter filhos.

       — Obrigada, papai.

       Nesse momento seus cunhados entraram na cozinha, perguntando quando iria sair o jantar.

       — Paciência, rapazes — pediu a mãe, com um sorriso, empurrando todos para fora, menos Diana. — Você está mesmo bem, querida? — Via tanta tristeza, tanto desânimo nos olhos da filha que imaginou se tudo estaria bem com Andy. Diana fora sempre brilhante e conscienciosa nos seus deveres. –Algum problema?

       — Não, mamãe — mentiu ela, virando o rosto para que a mãe não visse as lágrimas nos seus olhos. — Estou ótima.

       Então, para seu alívio, as crianças irromperam na cozinha e Diana as levou de volta às suas mães, sob o olhar observador de Andy. Desde o fim da tarde havia nos olhos de Diana uma expressão estranha. Era como se ela estivesse morrendo por dentro e procurando alguém em quem descarregar sua mágoa. Parecia prestes a explodir de dor, mas Andy sabia que ninguém podia ajudá-la.

       Diana sentou à mesa entre os dois cunhados e Andy, de frente para ela, entre as duas irmãs, e então o pai disse a oração de graças. Gayle conversava animadamente com Andy, como sempre, sobre diversos assuntos. As reuniões de pais e professores na escola, o pouco que os médicos ganhavam ultimamente e referências veladas sobre o fato de Diana e Andy não terem filhos. Andy ouvia gentilmente, tentando conversar um pouco com Sam, que só falava sobre os filhos e o que estava para chegar.

       Começou então o relatório sobre a vizinhança, quem estava se casando, quem tinha morrido e quem estava esperando bebê. E nomeio do jantar Diana perguntou, irritada:

       — Será que vocês só falam em gravidez e parto? Estou farta de ouvir descrições de nascimentos e hemorragias, quanto tempo durou o trabalho de parto, quantos filhos já têm e quantos vão ter em breve. Cristo, é um milagre que não precisemos comentar seus exames ginecológicos.

       O pai olhou preocupado para ela e depois para a mulher. Alguma coisa estava muito errada com Diana.

       — Por que está dizendo isso? — perguntou Sam, recostando-se na cadeira, com uma das mãos nas costas e a outra no ventre enorme. – Meu Deus... este bebê não pára de me chutar...

       — Que droga! — exclamou Diana, levantando-se e empurrando a cadeira. — Não me importa a mínima se seu maldito bebê lhe partir todos os dentes com seus chutes. Será que não pode parar de falar nele por um minuto?

       Sam olhou espantada para ela, começou a chorar e saiu da mesa. Diana, já com o casaco nos ombros, olhou para os pais.

       — Desculpe, mamãe... papai... Não agüento mais. Acho que eu não devia ter vindo.

       Mas Gayle já se encontrava no hall, com aquela expressão de fúria que Diana não via desde que queimara o aparelho elétrico para enrolar os

       cabelos da irmã mais velha quando estavam no ginásio.

       — Como se atreve a se comportar desse modo na casa dos seus pais e falar desse modo conosco? Quem diabo você pensa que é?

       — Gayle, por favor... não faça isso. Eu sinto muito. Diana está nervosa. Não devíamos ter vindo. — Inutilmente Andy tentava acalmar os ânimos.

       Seamus saiu da sala para consolar Samantha, que chorava no banheiro. Os pais estavam perturbados, vendo as filhas brigando como "armaceiros", como dizia a mãe, e todas as crianças, agitadas, começavam a sair da mesa.

       Mas Gayle não desistiria facilmente. Estava furiosa e o ciúme de tantos anos finalmente encontrava uma válvula de escape.

       — Que diabo ela faz na vida que a preocupa tanto? Seu trabalho? Sua carreira? A toda-poderosa, inteligente demais e importante demais para ter filhos e viver como nós vivemos. Não, ela é a grande mulher de carreira, formada em Stanford. Muito bem, querem saber de uma coisa? Eu não me importo com essa merda. O que diz a isso, Senhora Executiva?

       — Adeus, já estou de saída — disse Diana para os pais, amarrando o cinto do casaco, com um olhar suplicante para Andy. Não confiava em si mesma para responder às palavras da irmã. Sabia que se descontrolaria completamente se dissesse alguma coisa e não queria fazer isso. — Mamãe, eu sinto muito. – A expressão no rosto do pai partiu seu coração. Era como se ela o tivesse traído.

       — Pois deve sentir mesmo — disse Gayle. Sam saiu do banheiro e entrou no hall. — Veja o que você fez ao nosso Dia de Ação de Graças — acusou Gayle, com razão, mas sem saber que haviam provocado tudo aquilo.

       — Eu não deveria ter vindo — disse Diana, em voz baixa, a mão na porta e Andy atrás dela.

       — E por que não? Deveria era ter ficado de boca fechada — continuou Gayle e então, de repente, Diana explodiu. Saltou para a frente, pôs as mãos no pescoço da irmã e apertou.

       — Se não calar a boca agora mesmo, eu mato você, está ouvindo? Você não sabe nada de mim, nem da minha vida, nem por que eu tenho ou não tenho, ou talvez nunca tenha filhos. Está compreendendo, sua cadela burra e insensível... eu não tenho filhos porque sou estéril, sua retardada... Está bastante claro agora? Deu para entender? Eu não posso ter filhos. Minhas entranhas viraram um monte de merda anos atrás por causa de um DIU e eu nem desconfiava. Está claro agora, Gayle? Ou quer falar sobre meu trabalho, que não me interessa mais? Ou sobre uma casa grande demais para duas pessoas que jamais terão filhos? Ou quem sabe prefere falar sobre o bebê dos Murphy ou os gêmeos dos McWilhiams? Ou podemos ficar sentados vendo Sam esfregar a barriga. Boa noite para todos! — Viu o choque estampado em todos os rostos e, com o canto dos olhos, percebeu que Samantha e sua mãe estavam chorando. Mas Gayle ficou ali parada, com a boca aberta. Diana abriu a porta e correu para o carro. Com um olhar de desculpas para todos, Andy a seguiu.

       Deixaram uma cena e tanto para trás e Diana insistiu em dizer que pouco se importava com isso. Andy achou que talvez aquela explosão fosse boa para ela. Diana precisava gritar e esbravejar com alguém e quem melhor do que sua família? Embora ele tivesse de admitir que ela transformou o Dia de Ação de Graças de todos num inferno.

       Desviando os olhos da estrada por um momento, Andy viu que Diana não estava mais chorando.

       — Que tal parar para um bom sanduíche de peru? — perguntou ele, com um sorriso.

       Diana riu. Apesar de tudo, pensou Andy, ela não havia perdido o senso de humor.

       — Você acha que estou ficando louca? — Diana tinha vivido um pesadelo e talvez o fim estivesse chegando.

       — Não, mas acho que precisa se livrar dessa obsessão. Que tal nós dois consultarmos um analista? Pode ser que ajude. — Andy havia pensado em consultar um analista só para ter com quem conversar. Não podia mais falar com Diana e detestava a idéia de contar aos amigos o que estava acontecendo. Tentara conversar com Bill, mas com Denise grávida era embaraçoso falar da esterilidade de Diana. Seus irmãos eram jovens demais. E a seu modo, exatamente como Diana, Andy sentia-se isolado, deprimido e fracassado.

       — Eu estive pensando também numas férias.

       — Eu não preciso de férias — disse ela imediatamente, e Andy riu.

       — Certo. Tudo bem. O que acha de voltarmos para Pasadena agora e discutir o assunto. Ou prefere esperar o Natal para o segundo round? Tenho certeza de que suas irmãs ficarão felizes em continuar a luta. Não sei o que você pretende fazer, mas eu garanto que não vou passar o Natal em Pasadena este ano.

       Diana teve de admitir que ela também não queria.

       — Não sei se posso faltar ao trabalho por alguns dias. – Andava tão desinteressada ultimamente que sem dúvida devia alguma coisa ao pessoal da revista.

       — Então tente. Uma semana já seria bom para nós. Podemos ir ao Mauna Kea, no Havaí. Metade da firma vai estar lá, mas quase todos vão para o Mauna Lani. Estou falando sério, Di.

       Diana olhou para ele. Sim, Andy estava tão amargurado e infeliz quanto ela.

       — Não acredito que possamos agüentar por mais tempo — continuou ele — a não ser que recarreguemos nossas baterias, nossos motores ou o que seja. Não sei mais como enfrentar a situação, nem como tratar você, nem o que você está sentindo. Só sei que estamos correndo perigo.

       Diana sabia também, mas no seu sofrimento nem pensara em se aproximar de Andy. Estava perdida na sua agonia e não podia fazer nada para ajudá-lo. Não tinha nem certeza se queria passar alguns dias de férias com ele, mas achou boa a sugestão de procurarem um analista.

       — Tudo bem, vou tentar alguns dias de folga — disse ela, sem entusiasmo. Sabia que Andy estava certo. Então, quando o carro parou na frente da casa, ela disse com voz tristonha: — Andy, se você quer desistir... eu compreendo. Você tem direito a muito mais do que eu posso dar.

       — Não. — Os olhos dele encheram-se de lágrimas. — Eu tenho direito àquilo que você me prometeu... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... até que a morte nos separe. Não dissemos nada a respeito de desistir se você não pudesse ter filhos. Tudo bem, é uma coisa terrível. Admito que me magoa também. Mas eu casei com você... eu a amo. Se não podemos ter filhos, é assim que vai ser. Podemos talvez adotar um, mais tarde, ou pensarem outra coisa qualquer. Talvez inventem um novo laser maravilhoso que possa mudar tudo, talvez não, mas não estou contando com isso, Di... — Segurou as mãos dela. — Eu só quero a minha mulher de volta.

       — Eu o amo — disse Diana suavemente. Fora um período terrível para os dois, o pior da vida dela, e ainda não estava acabado. Ela ainda choraria por muito tempo e talvez nunca mais fosse a mesma. — Eu não sei mais quem sou... o que isto significa... o que isto vai fazer comigo... — Sentia-se ainda como um fracasso.

       — No momento, faz de você uma mulher que não pode ter filhos, uma mulher muito amada pelo marido, uma mulher a quem aconteceu uma coisa terrível sem que ela sequer suspeitasse... É isso que você é: a mesma pessoa que sempre foi. Nada mudou. A não ser um pedacinho do nosso futuro.

       — Como pode dizer "um pedacinho"? — Diana olhou para ele zangada, mas Andy apertou a mão dela, trazendo-a de volta à realidade.

       — Pare com isso, Di. É "um pedacinho", sim. E se tivéssemos um filho e ele morresse? Seria terrível, mas nossas vidas não acabariam por isso. Continuaríamos vivendo, não haveria outro jeito.

       — E se não conseguíssemos? — perguntou ela, tristemente.

       — Não temos escolha,temos? Arruinar duas vidas, destruir um bom casamento? Isso faz sentido? Di, não quero perder você. Já perdemos muito... por favor... por favor... me ajude a salvar o nosso casamento.

       — Tudo bem... vou tentar... — disse ela, sombriamente, mas nem sabia mais por onde começar, como ser a pessoa que era antes. Nem seu trabalho na revista ia bem e Diana sabia disso.

       — Tudo que tem a fazer é tentar, Di. Dia a dia, passo a passo, centímetro por centímetro... e talvez um dia a gente chegue lá.

       Andy a beijou suavemente nos lábios, mas sem esperar nada mais. Não faziam amor desde o Dia do Trabalho e Andy não tinha mais coragem de procurá-la. Diana dissera que não tinha mais sentido os dois fazerem amor. Nada mais importava, sua vida estava acabada. Mas nessa noite ele viu uma centelha de esperança, uma vaga sombra do que ela fora antes de o Dr. Johnston lhe dizer que não poderia ter filhos.

       Andy a beijou outra vez e a ajudou a descer do carro. Entraram em casa de braços dados. Era o mais próximo que chegavam um do outro em 3 meses e Andy teve vontade de chorar de alívio. Talvez houvesse esperança para eles... talvez conseguissem. Andy quase chegara a perder toda esperança. Mas agora, parecia que aquele Dia de Ação de Graças não fora tão horrível. Com um sorriso, ajudou Diana a tirar o casaco e ela riu, lembrando-se da cara de Gayle, admitindo que tinha feito uma coisa horrível, mas que uma parte dela achara divertida.

       — Acho que foi bom para Gayle — sorriu ele. Os dois entraram na cozinha. — Por que não telefona para sua mãe e diz que está bem, enquanto faço um sanduíche de bologna. Algo bem festivo.

       — Eu o amo, Andy — disse ela e ele a beijou outra vez. Em seguida, Diana ligou para a casa dos pais. O pai atendeu e Diana ouviu a gritaria das crianças.

       — Papai, sou eu... Eu sinto muito...

       — Estou muito preocupado com você — disse ele. — Sinto demais não ter sabido o que você estava sofrendo. — Ele sabia muito bem que aquela cena fora o ponto culminante da sua angústia e lamentava por ela, sentindo-se como se tivesse falhado no seu papel de pai.

       — Acho que agora estou bem. Creio que aquele desabafo foi bom para mim. Mas eu sinto muito ter estragado seu Dia de Ação de Graças.

       — Não estragou nada. — Ele fez um sinal para a mulher, indicando que era Diana. — Você inventou um novo assunto para todos. Na verdade, foi muito interessante — brincou ele e a mãe de Diana olhou com tristeza para o marido. Pelo menos Diana telefonara. Ela sabia que alguma coisa estava errada, mas Diana nunca lhes dissera uma só palavra. — Quero que me telefone se precisar de mim... ou de sua mãe, de agora em diante. Promete?

       — Prometo — disse ela, sentindo-se como uma garotinha outra vez, olhando para o marido no outro lado da cozinha, sem paletó, com as mangas da camisa arregaçadas, muito ocupado com os sanduíches. E pela primeira vez, em muito tempo, Andy parecia feliz.

       — Estamos aqui à sua disposição, minha filha, sempre que precisar.

       Os olhos de Diana encheram-se de lágrimas e os de sua mãe também.

       — Sei disso, papai. Obrigada. Diga à mamãe e às meninas que eu sinto muito, está bem, papai?

       — Sim, eu digo. Agora cuide-se bem. — Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Ele a amava tanto e detestava vê-la sofrendo.

       — Pode deixar, papai. Você também se cuide... Eu o amo... — Diana desligou, lembrando-se de repente do dia do seu casamento. Ela e o pai sempre foram amigos e ainda eram, embora ela não houvesse falado nada a ele. Mas sabia que poderia ter confiado nele, se quisesse. E o que ele acabava de dizer era verdade. Ela sabia que podia contar sempre com eles.

       — Pronta para um sanduíche de salame, pastrami e bologna com pão de centeio? — perguntou Andy, cerimoniosamente, com um pano de prato dobrado sobre o braço, segurando um prato cheio de sanduíches.

       De repente era como se estivessem comemorando alguma coisa, o que era estranho. Mas de certo modo, era verdade. Tinham se encontrado de novo e isso era importante. Quase tarde demais, mas acabavam de agarrar-se ao topo do penhasco, depois de quase cair. Feliz Dia de Ação de Graças.

      

       Charlie preparou um peru perfeito para Barbie. E dessa vez ela estava ao seu lado. Não foi a lugar nenhum, não chegou em casa tarde da noite. Sentia-se culpada ainda pelo aniversário de casamento. Mas Charlie notou também, quando se sentaram à mesa, naquela noite, que faltava alguma coisa no relacionamento dos dois. Estava com essa impressão há algum tempo, talvez desde a viagem de Barbie a Las Vegas no feriado do Dia do Trabalho, ou talvez antes. Barbara voltou ávida por movimento e agitação, falando dos shows que tinham visto, dos amigos que encontraram, e insistindo com Charlie que saíssem para dançar. Mas ele estava quase sempre muito cansado. E não dançava muito bem. Entretanto, notou que Barbie agora vivia se queixando das coisas que ele não fazia para ela, dizendo que ele era "quadrado demais", até no modo de vestir, o que não era justo, uma vez que Charlie nunca comprava roupas para ele mesmo, só para a mulher. Talvez Mark tivesse razão, pensava Charlie. Não fora prudente deixar que ela fosse a Las Vegas.

       Depois daquela viagem, Barbie começou a sair constantemente com as amigas. Ia ao cinema, jantava com elas e uma vez ou outra telefonava dizendo que estava muito cansada para voltar e que, portanto, dormiria na casa de Judi. Embora isso o desagradasse, Charlie não reclamava. Comentara o fato com Mark e este, mais uma vez, o aconselhara a manter Barbie com rédea curta se não quisesse se arrepender mais tarde.

       Charlie continuava convencido de que se tivessem um filho tudo se resolveria. Barbie iria mudar, ficaria mais sossegada. Não iria querer mais aquela agitação constante, talvez até desistisse de ser atriz. Desde junho Charlie não falava mais em ter filhos, mas continuava atento aos ciclos de Barbie. E nada acontecia. Uma ou duas vezes por mês ele comprava champanhe e tinha o cuidado de fazer amor com ela nas datas certas. Quando Barbara bebia um pouco demais, nem pensava em tomar qualquer precaução. Porém, a despeito dos seus melhores esforços, chegando a fazer amor duas vezes numa noite por garantia, Barbara não engravidava. Depois da sua conversa com Mark, perguntou a ela se estava tomando pílula, e, surpresa, Barbara perguntou se ele queria que ela tomasse. Charlie disse que tinha lido alguma coisa sobre o perigo da pílula para as mulheres que fumam e que ficara preocupado. Mas Barbara não engravidava.

       Mark já dera a ele o nome do especialista e Charlie marcara uma hora na segunda-feira, depois do feriado de Ação de Graças. Estava muito preocupado. O fato de Barbara ter dito que se surpreendia por nada ter acontecido ainda, sem que nenhum dos dois tomasse qualquer precaução, o atormentava e Charlie resolveu verificar.

       — O peru está maravilhoso — disse ela e Charlie ficou satisfeito. Ele preparara o recheio e o molho, as ervilhas-de-cheiro com cebola, a batata-doce com marshmallow. Para sobremesa, Charlie comprara tortas de frutas e de maçã, que ele serviu quente com sorvete de baunilha.

       — Você deveria dirigir um restaurante – elogiou Barbara e com um largo sorriso Charlie serviu o café e acendeu o cigarro para ela. Mas Barbara parecia estar a quilômetros dali.

       — No que está pensando? — perguntou Charlie, tristonho. Barbie às vezes era tão bonita, mas ultimamente parecia distante e distraída. Era como se estivesse aos poucos se afastando dele e Charlie não sabia o que fazer para impedir.

       — Nada importante... no jantar que estava delicioso... — Sorriu através da fumaça do cigarro. — Você é sempre tão bom para mim, Charlie. — Mas isso parecia não ser o bastante, Charlie pressentia.

       — Eu tento ser. Você é tudo para mim, Barb.

       Barbara detestava quando ele dizia essas coisas. Era uma carga tão pesada para ela. Não queria ser tudo para ele, nem para ninguém. Era uma responsabilidade para a qual não estava preparada e agora, mais do que nunca, tinha certeza disso.— Só quero que você seja feliz — disse Charlie e Barbara se perguntou se algum dia poderia corresponder às expectativas dele

       — Eu sou feliz — disse ela, em voz baixa.

       — É mesmo? Às vezes não tenho certeza. Sou um cara muito sem graça.

       — Não, não é. — Ela corou. — Às vezes eu quero coisas demais — sorriu com tristeza — e me comporto como uma louca. Não ligue para isso.

     — O que você quer, Barbara?

       Charlie sabia o quanto ela queria ser uma atriz de sucesso e que não queria filhos. Mas, fora isso, Barbara nunca falava dos seus sonhos, nem sobre o que desejava para os dois. Contentava-se em viver de um dia para o outro, satisfazendo seus desejos mais imediatos. Não parecia pensar muito no futuro.

       — Às vezes nem eu mesma sei o que quero. Talvez seja esse o problema. Quero minha carreira de atriz... quero amigos... quero liberdade... quero movimento...

       — E eu? — perguntou ele com tristeza na voz. Barbara não o tinha mencionado.

       — É claro que quero você. Somos casados, não somos?

       — Somos? — perguntou Charlie e Barbara não disse nada, apenas balançou afirmativamente a cabeça.

       — É claro que somos. Não seja bobo.

       — O que o casamento significa para você, Barb? Não se encaixa em nenhuma das coisas que você mencionou.

       — Por que não? — Mas ela também percebia. Só que não estava preparada para encarar o fato e tinha certeza de que Charlie também não estava.

       — Eu não sei, mas penso que liberdade e uma vida movimentada não são sinônimos de casamento, embora talvez possam ser quando a pessoa quer realmente. Acho que se pode conseguir uma se deseja de verdade.

       Barbara apagou o cigarro e acendeu outro. Charlie queria perguntar se ela era feliz com ele, mas não teve coragem. Tinha medo da resposta. Olhando para ela, pensava que se tivessem um filho tudo seria diferente. Um filho era exatamente o que precisavam para consolidara sua união.

 

Mark deu a Charlie um dia de folga e ele foi de carro para Los Angeles na segunda-feira depois do Dia de Ação de Graças. Não disse nada a Barbara, que naquele dia tinha um teste para um comercial de maiô e nem viu quando ele saiu com seu melhor terno, visivelmente nervoso. Ela estava arrumando o cabelo e fazendo as unhas com o rádio a todo volume, no banheiro. Charlie avisou que estava saindo, mas ela não respondeu.

       Dirigindo o carro, Charlie pensava no quanto temia perdê-la. Barbara não dissera nada, mas ultimamente parecia mais ausente, mais preocupada com ela mesma do que nunca. Barbara não agia assim por maldade, Charlie tinha certeza, mas não era fácil para ele. Ela esquecia os encontros que combinavam, deixava os artigos de maquiagem pela casa toda e o quarto deles parecia um campo de batalha, com sutiãs e meias-calças por todo o lado, roupas empilhadas nos cantos. Barbara era uma mulher maravilhosa e Charlie era louco por ela, mas, como Mark dizia, ele a tinha mimado demais. Não esperava que ela fizesse coisa alguma por ele ou para ele, jamais pediu nem um centavo do que ganhava nos comerciais e sabia que Barbara gastava tudo em roupas, quando saía com Judi. A única coisa que ele realmente queria dela Barbara relutava em dar, e o plano para apanhá-la de surpresa não tinha dado certo. Agora ele queria saber por que e consertar o que fosse preciso. Uma vez consertado, Charlie sorriu, estacionando o carro no Wilshire Boulevard, tome cuidado, Barbie!

       A sala de espera do Dr. Peter Pattengil o surpreendeu. Era cheia de gravuras claras e alegres, plantas com flores e cores vivas. Parecia um lugar para ser feliz e não para falar em voz baixa. Charlie falou com a enfermeira. Não tinha idéia do que iriam fazer, se teria de usar as famosas cuecas com gelo. Sorriu enquanto folheava distraidamente uma revista. Não conseguia se concentrar. Finalmente chegou a sua vez e ele entrou no consultório do Dr. Pattengill.

       O médico estava sentado à mesa e levantou-se com um largo sorriso. Era um homem de altura mediana, ombros largos, cabelos e olhos castanhos escuros, com uma expressão bondosa e inteligente. Devia ter quarenta e poucos anos. Usava uma gravata de cores vivas e um paletó de tweed e, antes que o médico abrisse a boca, Charlie teve certeza de que gostaria dele.

       — Sou Peter Pattengill, Sr. Winwood.

       Charlie pediu que ele o chamasse pelo primeiro nome e Pattengill o convidou a sentar-se, perguntando se queria uma xícara da café. Mas Charlie estava nervoso demais para tomar qualquer coisa e recusou. Parecia aterrorizado e jovem, jovem demais para ser paciente do Dr. Pattengill, um urologista especializado em deficiências do aparelho reprodutor.

       — Em que posso ajudá-lo?

       — Não sei ao certo — sorriu Charlie, hesitante. — Não sei bem o que o senhor faz... só ouvi falar das cuecas com gelo... — Ele corou e o médico sorriu.

       — São muito úteis, mas devo admitir que, a princípio, nossos pacientes consideram-nas uma bobagem. Servem para baixar a temperatura testicular, o que favorece a fertilidade. — Enquanto falava, apanhou a caneta e uma ficha que estavam sobre a mesa. — Vamos começar com sua história, Sr. Winwood?... Charlie.

       Perguntou sobre doenças graves ou crônicas, doenças venéreas, caxumba, e Charlie abanou a cabeça negativamente a todas as perguntas.

       — Você e sua mulher estão tentando ter um filho? — perguntou, a fim de saber por que Charlie estava ali. O jovem era tão tímido que ainda nem explicara seu problema.

       — Sim... bem, eu estou.

       Com um largo sorriso, Peter recostou-se na cadeira e olhou para Charlie.

       — Acho que devemos ter uma conversa séria a esse respeito — brincou ele. — Esta é uma atividade que deve ser executada por duas pessoas. Não estamos falando de um esporte individual.

       Charlie riu e explicou a situação.

       — Ela na verdade não quer ter filhos. Eu é que quero.

       — Compreendo. E ela está usando algum método preventivo? — Peter Pattengill parou de escrever por um momento.

       — Não quando eu a faço beber o bastante. — Charlie compreendeu que aquela era uma confissão terrível. Mas aqui ele podia ser franco. Tinha de ser franco com o médico.

       — Um projeto e tanto.

       — Sim, é. E eu sei que parece horrível, mas... tenho certeza de que se ela tiver um filho as coisas vão melhorar.

       — Talvez você devesse falar com ela. Com a cooperação dela, as coisas podem ficar mais fáceis.

       — Bem, tem sido bem fácil até agora... Só que ela não engravida.

       — Você também bebe? — O médico olhou desconfiado para ele. Afinal, havia a possibilidade de aquele jovem ser meio louco. Mas Charlie balançou a cabeça solenemente, como um garotinho.

       — Não, eu não bebo. E sei que é uma coisa horrível fazer isso com ela, mas acredito mesmo que Barbara vai ficar feliz se tiver um filho. Entretanto, até agora nada aconteceu e eu queria ter certeza de que estou bem... Sabe... talvez verificar a contagem dos meus espermatozóides. — Charlie não tinha idéia de como isso era feito.

       O médico sorriu da ingenuidade dele. Havia outras providências além dessa, mas começava a perceber o quadro.

       — Há quanto tempo estão casados?

       — Dezessete meses. Mas eu não estava prestando muita atenção às coisas, quero dizer, ao ciclo dela... até mais ou menos cinco meses atrás, e tudo continuar como antes.

       — Compreendo. — O médico fez uma anotação na ficha e olhou outra vez para Charlie. — Não é muito tempo. Geralmente demora um ano ou até dois. Talvez sua preocupação seja desnecessária. Além disso, a gravidez não é fácil quando só um dos parceiros está interessado. Na verdade, eu raramente vejo somente o marido ou a mulher, sempre examino os dois. Com um só, obtenho apenas metade da informação necessária. O problema pode ser da sua mulher, se é que há um problema.

       — Eu pensei que, se me examinasse e tudo estivesse normal, talvez dentro de alguns meses eu a convença a consultá-lo também. — Charlie não tinha idéia de como iria conseguir isso, mas este era o primeiro passo e certamente aliviaria sua preocupação. — Ela disse que acha estranho que nada ainda tenha acontecido, uma vez que somos tão descuidados. Disse isso uma vez e eu fiquei preocupado.

       — Sua mulher já engravidou antes, Sr. Winwood?

       — Não, acho que não — respondeu Charlie com voz firme.

       — Muito bem, vamos começar.

       O médico levantou-se da cadeira e Charlie fez o mesmo. Uma enfermeira o conduziu à sala de exames com quadros abstratos de cores vivas nas paredes e uma clarabóia. Entregou-lhe um pequeno frasco e apontou para uma pilha de revistas, entre as quais, Hustler, Playboy e várias outras das quais Charlie nunca ouvira falar.

       — Precisamos de um pouco do seu sêmen, Sr. Winwood — disse ela. — Não se apresse e toque a campainha quando estiver pronto.

       Charlie olhou atônito para a enfermeira e ela saiu, fechando a porta atrás de si. Ele não sabia como começar. Sabia o que tinha de fazer, mas não estava acreditando. Eles faziam tudo com tanta naturalidade. Aqui está o frasco, comece a trabalhar. Mas afinal ele estava ali para obter respostas às suas dúvidas.

       Suspirou, sentou-se, abriu a calça e apanhou uma das revistas, sentindo-se como o maior idiota do mundo. Só depois de algum tempo Charlie tocou a campainha. Tinha esperado mais do que o necessário, mas queria se acalmar primeiro. A enfermeira apareceu e apanhou o frasco discretamente, sem nenhum comentário. Logo chegou o Dr. Pattengill que o examinou para verificar se havia sinal de varicocele — veias varicosas nos testículos -, uma causa freqüente da esterilidade.

       A seguir, um técnico recolheu uma amostra do seu sangue. Iriam medir os níveis dos hormônios e fazer uma cultura com o esperma. Dentro de poucos dias teriam as respostas. O médico o tranqüilizou bastante. Garantiu que não tinha encontrado nada anormal e que esperava que Charlie estivesse preocupado sem motivo. Apenas excesso de ansiedade e falta de paciência.

       Para Pattengill, Charlie parecia bastante saudável e ele esperava que não houvesse problemas. Mandou a enfermeira marcar outra consulta na semana seguinte, quando Charlie deveria levar um outro frasco com sêmen recém-colhido. Foi com alívio que Charlie saiu do consultório para o ar fresco. Gostou do Dr. Pattengill, mas só o fato de estar ali, falando naquele assunto, o deixava nervoso.

       Não gostou de ter de coletar o sêmen naquela sala e pensou que seria bem melhor fazer isso em casa. A enfermeira deu a ele o pequeno frasco para a coleta. Porém, o simples fato de ter procurado o médico e a perspectiva do que talvez fizessem com ele eram suficientes para deixá-lo nervoso. Quando chegou em casa, telefonou para Mark e agradeceu a indicação.

       — Como foi? Você está bem?

       — Por enquanto, tudo bem. O médico é muito simpático.

       — Então, ele deu a você um atestado de boa saúde? — perguntou Mark, preocupado. Charlie parecia em boa forma, mas quem podia ter certeza com essas coisas? Seu cunhado também parecia ótimo.

       — Ainda não. Só depois dos resultados dos testes, na semana que vem.

       — Ainda não recebeu as cuecas com gelo? — brincou Mark e Charlie, deitado no sofá, tirou os sapatos e riu. Estava exausto.

       — Talvez na próxima semana.

       — Espero que não. Você não tem nada, garoto. Acredite em mim. Sei disso. Vejo você amanhã — disse, desejando estar certo.

       — Obrigado Mark... por tudo.

       — Sem problema.

       Mark voltou ao trabalho, torcendo para que tudo estivesse bem com Charlie. Ele era um cara legal e merecia ter tudo que desejava.

      

       — Muito bem, o que diz aí? — perguntou Brad, ansioso, enquanto Pilar fazia o teste, semelhante àqueles que fizera para verificar a produção de hormônio todos os meses na época da ovulação.

       — Não sei ainda. Não deu tempo. — Pilar olhava para o relógio e Brad estava parado na porta do banheiro. — Vá embora. Está me deixando nervosa.

       — Não vou alugar nenhum. — Ele sorriu. — Quero saber se o injetor de tempero funcionou.

       — Você é terrível. — Mas ela estava morta de curiosidade também. Mal podia esperar... mais sessenta segundos... cinqüenta e cinco... quarenta... o teste estava quase no fim e nada havia mudado, e então ela viu a cor azul forte, significando que suas esperanças tinham se realizado... o milagre tinha acontecido... Olhou para Brad com lágrimas nos olhos. Estava grávida. — Oh, meu Deus! — murmurou ela, olhando para ele, subitamente preocupada. — E se o resultado for falso? Acho que isso às vezes acontece.

       — Não é. — Sorrindo, Brad a abraçou. Ele nunca imaginara que suas vidas fossem mudar desse modo. E nunca esperou amar tanto uma mulher... e um futuro filho. – Eu a amo, Pilar... eu a amo tanto — disse ele, fechando os olhos, e Pilar ergueu para ele o rosto banhado em lágrimas.

       — Eu nem acredito. Nunca pensei que fosse dar certo. Todos aqueles comprimidos e exames... e aquele quarto ridículo com os videoteipes e as revistas... Nossa!

       — Acho que não precisa contar tudo isso ao bebê quando ele crescer. Pode pular essa parte e dizer que foi numa linda noite de lua e que estávamos muito apaixonados. Acho que pode esquecer também a parte do injetor de tempero.

       — E, acho que você tem razão.

       Pilar sorriu e eles caminharam para o quarto. De repente, Brad a desejou quase incontrolavelmente, como para fazer aquele filho mais seu do que já era.

       Ele a fez deitar-se ao seu lado e a beijou longa e ternamente, acariciando os seios já um pouco crescidos. Brad havia notado isso alguns dias atrás e suspeitara que ela devia estar grávida.

       Ficaram deitados durante um longo tempo e Pilar também o desejou desesperadamente. E depois, sentiu remorso.

       — Será que isso é ruim para o bebê? — perguntou, sentindo-se culpada, mas também satisfeita.

       — Não, não é — assegurou-lhe Brad com voz profunda e sensual, sentindo a mão dela no peito e depois na parte do seu corpo que dava a ela tanto prazer. — A gravidez é uma coisa perfeitamente normal.

       — Ha! — riu ela. — Se é tão normal, por que não é fácil?

       — Às vezes as coisas boas não são fáceis. Não foi fácil para mim conquistar você — disse ele, beijando-a outra vez.

       Um pouco depois sentaram-se na varanda, vestidos com shorts e camisetas. Era um belo dia de dezembro e o bebê deveria nascer em agosto.

       — Espere só até Nancy saber — riu Pilar, servindo-se de outra porção de ovos mexidos. De repente, estava faminta, — Não acha que ela vai ficar boquiaberta?

       Brad riu com ela. Era o dia mais feliz de suas vidas.

       — Eu diria que sim. Durante toda a vida ela ouviu você dizer que não queria filhos. Vai ter de explicar muita coisa, minha querida. — Para não mencionar o que a mãe de Pilar iria dizer. Mas ela estava acostumada com isso. A pessoa para quem ela realmente queria contar era Marina. Sabia que a amiga ficaria feliz e lhe daria o maior apoio. — Vamos contar para os meninos no Natal — disse Pilar, com um sorriso luminoso.

       Brad pensou em sugerir que esperassem mais algum tempo, até terem certeza de que tudo estava bem, mas não quis assustá-la. No dia seguinte, a médica a examinou e disse que tudo estava normal. Ela podia trabalhar, jogar tênis, fazer amor, nada em excesso, porém, e aconselhou muito repouso além de uma dieta saudável. Mas Pilar levava uma vida saudável e disse que pretendia trabalhar até o último minuto. Então, tiraria alguns meses de férias e depois voltaria ao escritório. Não podia imaginar viver sem seu trabalho, nem ficar em casa, a não ser por um curto espaço de tempo no começo. Estava tudo planejado. Pretendia cuidar do bebê até voltar ao trabalho, quando então procuraria uma boa babá.

       O exame de amniocentese seria marcado para março ou abril para determinar se a criança era geneticamente saudável. A finalidade era verificar a existência de problemas como espinha bífida e síndrome de Down. Podia também saber o sexo da criança, se quisesse, e Pilar queria. Nas suas compras de Natal, ela incluiu pequenas coisas para o bebê. Encomendou um carrinho inglês, no Saks, de esmalte branco e capota azul-marinho.

       — Você está mesmo se preparando, não é? — observou Brad.

       No seu entusiasmo, Pilar nem sabia como conseguiria esperar até agosto, Contou a novidade à secretária e aos sócios do escritório, no almoço de Natal, e eles quase caíram de suas cadeiras. Pilar riu, feliz, diante do espanto deles.

       — Foi uma surpresa, não foi?

       — Você está brincando, não é mesmo?

       Ninguém podia acreditar. Pilar fora sempre uma defensora da causa feminista, uma das primeiras a apoiar a legalização do aborto na Califórnia. O que tinha acontecido com ela? Seria a chegada da meia-idade? A crise da meia-idade?

       — Não, acho que foi o casamento — confessou ela. — Eu não sei... Comecei a pensar como seria triste se nunca tivéssemos um filho.

       — Teve sorte de não ser tarde demais — disse a secretaria. Aos 41 anos ela perdera o marido e, dois anos mais tarde, quando se casou com "o homem da sua vida”, haviam desejado desesperadamente um bebê. Nenhum dos dois tinha filhos dos primeiros casamentos. Tentaram tudo, mas sem resultado. E o marido era decididamente contra a adoção.

       Alice e Bruce ficaram muito satisfeitos por Pilar e Marina, quando soubera da novidade, sentira-se radiante.

       — Eu tive muita sorte — disse Pilar, suavemente. — Na verdade, não pensei que conseguiria, mesmo depois de termos resolvido. É um milagre fantástico. Quando se é jovem, parece uma coisa comum: a gente transa e fica grávida. E quando se tem quinze anos e faz a coisa no banco traseiro de um carro, o resultado é mais do que certo. Depois dessa idade, nada mais é garantido. Fazemos exames, fazemos amor nos dias certos, e na melhor das hipóteses temos oito a dez por cento de chance de engravidar. É sempre uma sorte para quem consegue. — Pilar sorriu. Ela conseguira. E estava deslumbrada. Contou a todos que pretendia trabalhar até o último momento. Pilar Coleman tinha tudo o que queria.

      

       Ao contrário de Charlie Winwood que, sentado no consultório do Dr. Pattengill, olhava incrédulo para o médico. Acabava de saber que a contagem de seus espermatozóides estava abaixo de quatro milhões. Por uma fração de segundo, Charlie pensou que isso era ótimo, até o Dr. Pattengill explicar o que significava.

       — Para ser considerada normal, a contagem deve ser de no mínimo quarenta milhões, Charlie — disse o médico, procurando abrandar o golpe. — Quatro milhões está muito abaixo do normal. A concentração de espermatozóides era de menos de um milhão por milímetro, cinco por cento do normal. E menos de dois por cento tinham mobilidade, o que também era quase insignificante, quando o normal eram cinqüenta por cento.

       — Pode fazer alguma coisa para levantar esses números? — perguntou Charlie com um sorriso.

       — Talvez com hormônios, mas talvez você esteja muito abaixo dos limites normais. Não tenho certeza de poder elevar os níveis de espermatozóides o suficiente, mas quero verificar outra vez antes de fazer qualquer coisa. — Entregou o pequeno frasco a Charlie. — Faremos outro exame agora e um na próxima semana. Enquanto esperamos o resultado, eu gostaria de fazer outros testes. Um deles é o exame do nível do açúcar para medira frutose. Com esse volume baixo de espermatozóides, pode-se tratar de um bloqueio do canal, o que nos dará uma pista importante.

       — E se estiver bloqueado? — perguntou Charlie, como rosto sardento muito pálido. Não esperara aquilo. Então Barb tinha razão. Por isso ela não havia engravidado. Sua contagem de espermatozóides era baixa demais.

       — Se houver um bloqueio, há várias possibilidades. Podemos fazer uma biópsia nos testículos ou um vasograma. Mas isso será mais tarde e duvido que seja necessário. Quero fazer o teste do corante laranja para saber porque seus espermatozóides não se movem normalmente. E o teste do hamster. Ele sorriu. – Provavelmente já ouviu falar dele. Todo mundo que tem um amigo com problema de fertilidade ouviu falar nesse teste.

     — Não, nunca ouvi. — O que iriam fazer com ele, agora?

       — O que fazemos é impregnar um óvulo do hamster com seu espermatozóide. Na verdade, trata-se de uma avaliação do poder de penetração do espermatozóide. Se o óvulo do hamster for penetrado, a capacidade fertilizante do seu espermatozóide pode ser normal. Caso contrário, pode haver algum problema mais grave.

       — Eu nunca tive um hamster, nem quando era garoto — disse Charlie, com tristeza, e o médico sorriu.

       — Saberemos muito mais na semana que vem.

       No entanto, a semana antes do Natal foi a pior da vida de Charlie. Ele voltou ao Dr. Pattengill e recebeu a sentença de morte do seu casamento. A segunda contagem de espermatozóides foi pior do que a primeira e a terceira, trágica. Numa delas o número de espermatozóides era quase zero, a mobilidade fraca e não foi detectado nenhum bloqueio responsável pelo pequeno volume de sêmen. Até o teste do hamster foi um desastre. O óvulo do animal não fora penetrado, o que não surpreendeu o Dr. Pattengill, dados os resultados dos outros exames. Não havia nada, a fazer. Se os níveis de hormônios fossem mais altos, poderiam tentar o clomifeno, mas estava muito abaixo do normal e, sem bloqueio, não se justificava nenhum tipo de cirurgia.

       — Terá de pensar em planos alternativos para a sua família concluiu o médico. — Com essa contagem de espermatozóides é completamente impossível você engravidar uma mulher. Eu sinto muito.

       — Não existe nenhuma chance? — perguntou Charlie, com voz rouca e trêmula, na sala que de repente parecia não ter ar, e pela primeira vez em muitos anos sentiu o começo de um acesso de asma.

       — Não, nenhuma.

       Era uma sentença de morte para Charlie e ele se arrependeu de ter procurado o médico. Mas talvez fosse melhor saber do que continuar com uma esperança vã.

       — Nada que eu possa fazer, doutor? Nenhum remédio, nenhum tratamento?

       — Eu gostaria que houvesse, Charlie. Você está muito perto do que chamamos de contagem de espermatozóides zero. Vocês não podem fazer um bebê. Mas podem adotar. Se sua mulher concordar, podem usar o esperma de um doador para uma inseminação artificial e então partilhar do processo de gestação e depois do parto. Isso dá certo para algumas pessoas. Ou podem se acomodar com a idéia de nunca ter filhos. Alguns casais vivem muito felizes, "livres de filhos", como dizem. Um tem mais tempo um para o outro, ficam mais unidos, o estresse é menor sob vários aspectos. Mesmo filhos biológicos podem representar uma grande pressão no casamento. Você e sua mulher devem estudar as opções. Podemos indicar terapeutas para ajudá-los a encontrar a melhor solução.

       Formidável, pensou Charlie, olhando para fora, pela janela. Oi, Barb, bem, hoje descobri que sou estéril, não precisa mais se preocupar com uma gravidez... O que temos hoje para o jantar? Charlie sabia que Barbara jamais concordaria com uma adoção, muito menos com a inseminação artificial. A idéia de sugerir isso a ela quase o fazia rir... se não estivesse com tanta vontade de chorar.

       — Eu não sei o que dizer. — Charlie olhou para o médico.

       — Não precisa dizer nada. É muita coisa para absorver de uma só vez. Sei o quanto é doloroso para você. Uma notícia terrível. Parece uma sentença de morte, mas não é.

       — Como sabe? — perguntou Charlie, tenso, com os olhos cheios de lágrimas. — É diferente do seu lado da mesa.

       — Tem razão e eu geralmente não conto isto aos meus pacientes, Charlie, mas tenho o mesmo problema. Na verdade, o meu é mais grave, não que isso faça alguma diferença. Minha contagem de espermatozóides é zero, um caso clássico de azoospermia. Eu e minha mulher adotamos quatro crianças. Sei como está se sentindo, mas existem outras soluções. Você não vai engravidar sua mulher neste mês, nem em qualquer outro, mas isso não significa que não podem ter uma família, se quiserem. Como eu já disse, porém, a resposta certa para vocês pode ser até mesmo não ter filhos. Vocês têm de descobrir o que é melhor.

       Afinal Peter Pattengill não era exatamente o médico milagroso prometido pelo cunhado de Mark. Não havia milagres para Charlie. Não havia coisa alguma. Nunca houve. Nem pais, nem família, quando era pequeno, e agora nem filhos; e às vezes duvidava até mesmo de ter Barbie. Ela parecia tão distante dele, tão independente. Ultimamente Charlie quase não a via, ela estava sempre saindo para testes ou com as amigas e ele sempre trabalhando. Agora o que iria dizer a ela? Que era estéril? Ótimo... e o que você acha de inseminação artificial com esperma de um doador, meu bem? Ela ia adorar. Charlie ainda não estava acreditando. Ficou meia hora sentado no carro antes de ligar o motor e, quando voltou para casa, as decorações do Natal que via no caminho pareciam-lhe um insulto. Lembrou-se de quando era pequeno e estava no orfanato estadual e via as casas no outro lado da rua com árvores de Natal, renas iluminadas no jardim, e mães, pais e filhos. Sempre desejou ser um deles e agora não podia nem ter um filho seu. Era uma piada cruel. A vida toda isso fora tudo que Charlie desejou.

       Barbara não estava em casa quando ele chegou, mas dessa vez tinha deixado um bilhete dizendo que ia a um curso de teatro e não voltaria antes da meia-noite. Era melhor assim. Charlie não se sentia capaz de olhar para ela, muito menos de contar a terrível novidade. Serviu-se de uma boa dose de scotch e foi para a cama e, quando Barbara chegou, Charlie estava embriagado e inconsciente.

      

No Natal Pilar telefonou para a mãe e só com muito esforço resistiu à tentação de contar sobre sua gravidez. Sabia que, em parte, gostaria de contar só para provar que a mãe estava errada e que ela não era velha demais para ter filhos. Mas não disse nada. Telefonou para Marina também, que estava em Toronto, passando o Natal com uma das suas muitas irmãs.

       Mais tarde, ela e Brad abriram os presentes com Todd, Nancy, Tommy e o pequeno Adam. Pilar fora muito generosa com todos, especialmente com Adam. Havia um enorme urso de pelúcia, um pequeno balanço e roupas encantadoras compradas numa butique de Los Angeles, além de um maravilhoso cavalinho de balanço encomendado em Nova York. E ainda belos presentes para todos os adultos. Ficou feliz por ver Todd, bonito como sempre, falando sobre seu trabalho e sua namorada em Chicago. E sentiu-se mais do que nunca perto de Nancy. Tinham tanto em comum agora.

       Depois de uma refeição perfeita, com champanhe e um bolo de Natal, Brad sorriu para ela e Pilar fez um gesto afirmativo.

       — Vou contar uma coisa que vai ser surpresa para todos, mas a vida é mesmo cheia de surpresas maravilhosas. — Olhou para Adam na sua cadeirinha e sorriu. Ele estava com o terninho de veludo vermelho comprado por Pilar um pouco antes do Natal.

       — Você também vai ser juíza! — arriscou Todd, feliz pelos dois. Que família impressionante! — saudou ele.

       — Vão comprar uma casa! — tentou adivinhar Nancy, esperando que o pai a deixasse morar naquela se não a vendessem.

       — Melhor — sorriu Pilar. — E muito mais importante. Não, não vou ser juíza. Um juiz é o bastante nesta família. Deixo os assuntos importantes para seu pai. — Sorriu carinhosamente para Brad e então lançou a bomba com voz suave e cheia de orgulho. — Vamos ter um filho.

       Depois de um silêncio total, ouviram o riso alto e nervoso de Nancy. Ela não acreditara.

       — Não é verdade.

       — Sim, é.

       — Mas você é tão velha — disse Nancy rudemente.

       Observando a filha, Brad lembrou-se da garotinha mimada que tentava impedir que ele saísse com Pilar.

       — Você disse que muitas amigas suas, mais velhas do que eu, estavam tendo seus primeiros filhos — lembrou Pilar. — Disse que eu deveria pensar antes que fosse tarde demais.

       Nancy não gostou de Pilar estar repetindo suas palavras.

       — Mas nunca pensei... Eu só... Você e papai não acham que estão muito velhos para terem um filho agora? — perguntou.

       O irmão e o marido a observavam em silêncio.

       — Não, não achamos — respondeu o pai, calmamente. — E ao que parece a natureza também não acha.

       Brad estava feliz com a expectativa daquele filho e não deixaria que ela estragasse tudo. Nancy tinha sua própria vida, o marido, o filho e nenhum direito de estragar o prazer de Pilar com seu ciúme.

       — Tenho certeza de que é uma surpresa para todos, mas estamos muito felizes e esperamos que vocês também fiquem. E acho maravilhoso o pequeno Adam ganhar um novo tio. — Brad riu e Todd ergueu um brinde aos dois.

       — Bem, papai, vocês sempre foram cheios de surpresas. Mas estou feliz pelos dois, se é isso mesmo que desejam — disse ele. — Acho que vocês são muito corajosos.

       Eu nem quero pensar em ter filhos, principalmente se forem iguais a nós dois. — Olhou para a irmã. — Mas boa sorte! — Fez o brinde e bebeu, acompanhado por Tommy. Só Nancy estava aborrecida e até a hora de ir embora não parecia ter se recuperado da surpresa. Falou asperamente com Tommy quando ele tirou Adam da cadeira, beijou o pai com lágrimas nos olhos e nem agradeceu a Pilar pelos presentes.

       — Acho que ela não cresceu tanto quanto eu pensava — disse Pilar, quando eles saíram. — Está furiosa comigo.

       — Nancy é uma menina mimada e nossa vida e o que fazermos não são da conta dela.

       Brad jamais permitira que os filhos interferissem na sua vida e ele não interferia na deles. Eram adultos, assim como ele e Pilar. E Brad não iria se importar com a opinião dos filhos. Queria que Pilar tivesse aquele bebê. Sabia o quanto significava para ela. Pilar tinha todo o direito de ter filhos e, se resolveu isso um pouco tarde, era assunto dela e de ninguém mais.

       — Talvez Nancy ache que estou competindo com ela — ponderou Pilar, enquanto tiravam a mesa e amontoavam os pratos na pia para a faxineira lavar no dia seguinte.

       — Pode ser. Mas já é hora de ela aprender que o mundo não gira em torno dela. Tommy e Todd vão convencê-la de que está errada.

       Todd estava passando alguns dias na casa da irmã.

       — Todd foi maravilhoso e para ele também deve ter sido um choque.

       — Provavelmente, mas pelo menos ele já está bastante amadurecido para saber que isso não vai mudar nada na sua vida. Com o tempo, Nancy vai compreender também que o fato de termos um filho não diminui minha afeição por eles. Mas até lá, ela irá infernizar a sua vida, se você deixar. Em seguida, acrescentou com ar severo: — Não quero que ela a aborreça agora. Estou sendo claro?

       Pilar sorriu para ele.

       — Sim, Meritíssimo.

       — Ótimo. E não quero saber daquela pequena fera enquanto ela não recobrar o juízo.

       — Tudo vai ficar bem, Brad. — Foi uma grande surpresa para ela.

       — Acho bom ela se acalmar, senão vai ter problemas comigo. Quinze anos atrás Nancy a atormentou o bastante para uma vida inteira. Não tem mais permissão para isso agora e, se for preciso, eu a farei lembrar-se disso. Mas espero não precisar.

       — Vou telefonar na semana que vem, convidá-la para almoçar e ver se consigo acalmar sua zanga.

       — É ela quem deve telefonar — resmungou Brad.

       E Nancy os surpreendeu ao telefonar naquela mesma noite para pedir desculpas, o marido e o irmão a convenceram de que não tinha o direito de aprovar ou desaprovar o que Brad e Pilar faziam e que ela havia se comportado muito mal. Chorando, Nancy pediu desculpas e Pilar chorou também.

       — A culpa é toda sua, você sabe — disse Pilar. — Se Adam não fosse tão fofinho, talvez eu não tivesse pensado nisso. — Mas ela e Brad sabiam que havia muito mais na sua decisão.

      — Eu sinto muito... E você foi um doce quando eu contei que estava esperando Adam.

       — Não pense mais nisso, — Pilar sortiu entre as lágrimas. — Você me deve uma queijada, — Era a única coisa que desejava naquele momento.

       Na manhã seguinte, Pilar e Brad encontraram a torta numa caixa cor-de-rosa, nos degraus da entrada. Com uma bela rosa em cima. Pilar chorou outra vez e Brad ficou satisfeito por ver que Nancy tinha recuperado o juízo.

       — Agora tudo que você tem a fazer é descansar e ter esse bebê. Oito meses, até agosto, pareciam uma eternidade.

      

       Diana e Andy tiveram um Natal tranqüilo no Havaí, e era exatamente disso que precisavam, deitados ao sol em Mauna Kea. Era a primeira vez que ficavam sozinhos desde o começo da agonia, com exceção do desastroso fim de semana em La Jolla, no começo de setembro. E os dois compreenderam, assustados, como haviam chegado perto de destruir seu casamento. Pareciam não ter mais nada em comum, nada para dizer, nada para partilhar, nada para esperar. Era como se tivessem caminhado dentro d'água durante meses, e na verdade estavam quase se afogando na véspera do Dia de Ação de Graças, quando por um momento divisaram uma centelha de esperança.

       Só depois de dois dias começaram a falar sobre outra coisa que não fosse o tempo e as refeições. Mas era o lugar perfeito para eles. Não tinha televisão nos quartos, nenhum lugar para ir, nada para ver. Ficavam apenas deitados na praia e aos poucos começaram a refazer o que quase haviam perdido.

     O Dia de Natal, depois de um jantar tranqüilo no salão do hotel, chegaram na praia de mãos dadas ao pôr-do-sol.

       — Sinto-me como se tivesse estado na lua este ano — disse Diana. Depois de um ano e meio de casamento, não tinha mais certeza do que queria nem de para onde estavam indo.

       — Eu também me senti assim — confessou Andy, os dois sentados, olhando o mar. Um pouco mais tarde as raias enormes apareceram na praia à procura de alimento. — Mas o caso é que... conseguimos... não nos deixamos vencer.. ainda estamos aqui, conversando, de mãos dadas. Isso significa muito... Nós sobrevivemos.

       — Mas a que preço? — disse ela, com tristeza. — Abrira mão de seus sonhos. O que esperava agora do futuro? Tudo que ela desejou foi ter filhos... e também quis ter Andy. E ele ainda estava lá, mas tinham perdido seus filhos. Era difícil viver assim, mas, por outro lado Andy tinha razão. A perda dos sonhos não os tinha destruído.

       — Talvez, a longo prazo, isso nos torne mais fortes — disse ele. Ainda a amava, só precisava encontrá-la. Há meses Diana fugia dele, e dela mesma. Vivia dentro de uma concha, saía para o trabalho cada dia mais cedo, voltava cada dia mais tarde e ia direto para a cama. Não queria falar com ele nem com qualquer outra pessoa, raramente telefonava para os pais, nunca para as irmãs ou para as amigas. De repente, todos eram estranhos para ela. Fazia questão de viajar sempre que havia oportunidade no escritório. Uma ou duas vezes Andy se oferecera para se encontrar com ela no final de uma viagem, mas Diana não queria se divertir e não queria estar com ele. Dizia sempre que ia estar muito ocupada.

       — A questão principal — disse ele, hesitante, imaginando se não seria cedo demais para isso — é saber para onde vamos agora. Você quer continuar casada comigo? O sofrimento terá sido grande demais para voltarmos ao que havia de bom no nosso casamento? Eu simplesmente não sei mais o que você quer — declarou ele, achando extremamente trágico o fato de estar perguntando se ela queria o divórcio, ali sentados, vendo o magnífico pôr-do-sol do Havaí.

       Diana estava com um vestido branco de algodão, a pele bronzeada e o cabelo negro esvoaçando tentadoramente na brisa suave. No entanto, por mais bela que a achasse, Andy sabia que ela não o queria mais.

       — O que você quer? — perguntou Diana. — Eu fico só pensando que não tenho o direito de prendê-lo. Você merece muito mais do que eu posso dar. — Estava disposta a desistir de Andy pelo bem dele. Viveria sozinha, dedicando-se à sua carreira. Sabia que jamais casaria outra vez, ou pelo menos era o que pensava. Estava com 28 anos e pronta para desistir de tudo, se era o que ele queria. Mas não era esse o caso.

       — Você sabe que isso é bobagem.

       — Eu não sei mais nada. Só sei o que não é. Não sei mais o que é direito, o que devo fazer, nem mesmo o que eu quero. — Chegara a pensar em deixar o emprego e ir morar na Europa.

       — Você me ama? — perguntou Andy, chegando mais perto dela, olhando aqueles olhos tão tristes agora, tão vazios, tão sofridos. Tudo dentro dela estava dolorido, queimado, arrancado da alma e às vezes Andy tinha a impressão de que só restavam cinzas.

       — Sim, eu o amo — murmurou ela. — Eu o amo demais... sempre amarei... mas isso não significa que tenho o direito de ficar com você... Não posso lhe dar nada, Andy... a não ser eu mesma e não resta muita coisa.

       — Sim, há muito ainda. Você apenas se enterrou no trabalho, na dor, na angústia... Se me deixar, posso ajudá-la a voltar para a superfície. — Andy havia começado as sessões de análise há algumas semanas e sentia-se mais forte neste sentido. — Depois, temos um ao outro, o que é mais do que muita gente tem. Somos duas pessoas que se amam, que têm muito a partilhar entre si, com o mundo e os amigos. O mundo todo não gira em torno de crianças, você sabe. E mesmo que tivéssemos filhos, mais cedo ou mais tarde eles nos deixariam. Ou talvez nos odiassem ou morressem num acidente ou num incêndio. Não há nenhuma garantia na vida. Nem mesmo os filhos são para sempre.

       O problema para ela era que eles estavam por toda parte, nas ruas, nos supermercados, às vezes até no elevador do prédio do seu escritório, pequenas criaturinhas com olhos grandes e corações abertos, segurando a mão da mãe ou choramingando e sendo abraçadas e consoladas.

       — E depois, o que acontece? — perguntou Diana. Tudo parecia ser de um modo que Diana jamais poderia fazer, para qualquer lado que olhasse via mulheres grávidas, cheias de esperanças e promessas que Diana jamais conheceria, jamais sentiria, no coração ou no corpo. Não era fácil desistir de tudo isso e não era justo obrigar Andy a desistir também. — Acho que não é justo você nunca ter filhos porque eu não posso ter. Por que fazer isso?

       — Porque eu a amo. E também não precisamos passar a vida toda sem filhos. Podemos passar se quisermos. Mas existem outras opções.

       — Não tenho certeza de estar preparada para isso.

       — Nem eu. E não precisamos decidir nada agora. Tudo que precisamos é pensar em nós mesmos e fazer alguma coisa antes que seja tarde demais, meu bem... eu não quero perder você...

       — Eu também não quero perdê-lo — disse ela, virando o rosto para que ele não visse suas lágrimas. Ela via algumas crianças brincando na praia, ao longe, e a dor era insuportável.

       — Eu quero você de volta... nos meu sonhos... na minha vida... nos meus dias... no meu coração... nos meus braços... na minha cama... no meu futuro. Meu Deus, como senti a sua falta — disse Andy, abraçando-a, sentindo o calor do corpo dela junto ao seu, desejando-a ardentemente. — Meu amor... eu preciso de você...

       — Eu também preciso de você — disse Diana, chorando. Precisava muito dele. Não conseguiria viver sem ele, não poderia desistir de todos os seus sonhos e, no entanto, de algum modo, na névoa daquele horror ela o tinha perdido.

       — Vamos tentar... por favor, vamos tentar... — Seus olhos encontraram os dela e Diana sorriu para ele. — Nem sempre vai ser fácil e talvez em certos momentos eu não possa compreender. E não serei sempre firme... mas tentarei. E se eu não conseguir, por favor, me diga. — Tudo que ele queria era Diana de volta.

       Caminharam lentamente para o hotel, de mãos dadas, e pela primeira vez em muitos meses fizeram amor e foi muito, muito melhor do que eles podiam se lembrar.

      

       O Natal de Charlie e Barbara foi estranho. Depois que passou, essa foi a única palavra que Charlie encontrou para descrever aquele dia. Singular. Estranho. Talvez até mesmo surpreendente. Ele preparou o jantar de Natal, como sempre, e ela foi à casa de Judi, de manhã, para dar o presente da amiga. E pela primeira vez Charlie ficou feliz por estar sozinho. Estava com outra ressaca terrível. Andava bebendo demais, tentando inutilmente absorver o que o Dr. Pattengill lhe dissera. Nunca engravidaria sua mulher. Nunca. A contagem de seus espermatozóides era quase zero. Pensava também no que o médico tinha contado sobre ele mesmo, mas isso não ajudava. Charlie não estava interessado em quantos filhos os Pattengill haviam adotado. Queria um filho seu, com Barb. Agora. E sabia que não era possível. Sua mente sabia. O coração não queria acreditar.

       Barbara voltou às quatro horas, animada e cheia de vida. Era evidente que tomara alguns drinques e começou a provocá-lo, enquanto ele regava o peru no forno, mas Charlie não estava com vontade de brincar. Barbara adorou a jaqueta de pele de raposa que ele comprou para ela. Foi para o quarto e tirou toda a roupa, menos a calcinha de renda preta e os sapatos de saltos altos, vestiu a jaqueta curta de pele e voltou para a sala, rindo alegre. Estava tão engraçadinha, tão bonitinha, e tudo para nada.

       — Você é uma boba, sabia? — sorriu Charlie, fazendo-a sentar-se no sofá ao seu lado e beijando-a. — E eu te amo.

       — Eu também te amo — disse ela, com ar misterioso e quase solene.

       No jantar, Charlie serviu o champanhe favorito de Barbara. O peru estava perfeito e, ao fim do jantar, ele sentia-se melhor. Sabia que tinha de se acostumar com a idéia. Barbara sentou-se no colo dele. Estava agora com um robe de cetim cor-de-rosa, presente de aniversário de Charlie, e muito tentadora.

       — Feliz Natal, Barb. — Beijou o pescoço dela e Barbara inclinou a cabeça para trás; em seguida, afastou-se um pouco e olhou carinhosamente para ele. Charlie notou alguma coisa diferente nos olhos dela. — Barbara o que eu conto...

       — Primeiro eu — adiantou-se ela, afastando-se dele outra vez. — Acho que você vai gostar.

       Charlie recostou-se na cadeira, achando graça no olhar malicioso dela. A beijou.

       — Tenho uma coisa para contar — murmurou ela.

       — Eu também — disse ele, com a voz rouca

       — Vamos para o quarto.

       — Acho bom ser muito especial. Se não for, eu rasgo esse robe e para o diabo com o quarto. — Só o fato de estar com ela já o deixava mais animado.

       Depois de uma longa pausa, ela sorriu hesitante e, então, disse:

       — Estou grávida.

     Charlie olhou para ela, atônito, e a princípio não soube o que dizer. Depois ficou muito pálido.

       — Fala sério?

       — É claro que sim. Acha que eu brincaria com uma coisa dessas?

       Considerando o que o Dr. Pattengill dissera, era bem possível.

       — Tem certeza? — Será que o médico estava enganado? Ou poderiam ter trocado seus exames com o de outro homem? — Por que pensa que está grávida?

       — Pelo amor de Deus! — exclamou ela, aborrecida, saindo do colo dele e acendendo um cigarro na chama da vela sobre a mesa. — Eu pensei que você ia ficar feliz. O que é isto? A Inquisição espanhola? Sim, claro que tenho certeza. Fui ao médico anteontem.

       — Oh, meu bem. — Charlie fechou os olhos para que ela não visse suas lágrimas. — Desculpe... é que... não posso explicar...

       Charlie a abraçou e chorou, sem saber por que, sem saber se caía de joelhos e agradecia a Deus ou se a amaldiçoava. Barbara teria feito alguma coisa que não devia? O filho era de outro homem? Mas, sem contar a ela o que ele sabia, não podia perguntar.

       Charlie passou o resto da noite estranhamente calado e Barbara deu alguns telefonemas enquanto ele lavava os pratos do jantar. Ela não conseguira a reação que esperava e não podia compreender por quê. Então, finalmente foram para a cama e Charlie a abraçou, rezando para que o Dr. Pattengill estivesse enganado. Mas, antes de abrir o coração para ela e para o filho que ela dizia ser seu, precisava falar com o médico.

       Só depois de três longos dias Charlie conseguiu voltar ao consultório do Dr. Pattengill. E nesse tempo quase não vira Barbie. Ela saía com as amigas, ia fazer compras e disse até que tinha um teste no dia seguinte ao Natal. Dessa vez Charlie não fez perguntas. Não disse nada. Primeiro queria falar com o Dr. Pattengill. Mas quando finalmente sentou-se diante da mesa do médico, este apenas balançou a cabeça com firmeza.

       — Charlie, não pode ser. Eu gostaria de dizer que sim e já vi coisas mais loucas do que isso. Mas é muito improvável que você seja o pai. Alguns pacientes já me surpreenderam antes, mas, Charlie, acredite em mim... não acho possível. Eu gostaria de poder dizer o contrário.

       De alguma maneira, ele já sabia. Suspeitava há muito tempo. Todas as noites em que ela chegava depois que ele já dormira. Todas as "amigas", "as noites com as amigas", as visitas a "Judi", os testes misteriosos e as "oficinas de teatro" que nunca levavam a coisa alguma. Há meses Barbara não conseguia um papel. E Charlie sabia, por mais que desejasse o contrário, que aquele filho não era seu.

       Charlie voltou para casa dirigindo devagar e quase lamentou encontrá-la em casa. Barbara estava falando ao telefone e desligou rapidamente quando ele entrou.

       — Quem era? — perguntou ele sem grande interesse, como se ela fosse realmente dizer.

       — Judi. Eu estava contando a ela que estou grávida.

       — Oh. — Charlie virou o rosto para o lado. Não queria contar a ela, mas precisava. Lentamente, muito lentamente, voltou-se para ela, desejando que o mundo acabasse antes que ela começasse a falar. — Precisamos conversar — disse em voz baixa e sentou-se de frente para ela. Barbara estava incrivelmente sexy.

       — Alguma coisa errada? – perguntou Barbara,nervosa. Descruzou as pernas, acendeu outro cigarro e esperou.

       — Sim.

       — Você foi despedido? — Parecia assustada e deu um suspiro de alívio quando ele balançou a cabeça negativamente. O que mais poderia ser? Charlie não andava com outras mulheres, disso tinha certeza. Era bom demais para fazer isso.

       — Não, nada tão simples — disse Charlie. — Logo depois do Dia de Ação de Graças fui consultar um médico.

       — Que tipo de médico? — Barbara foi ficando nervosa.

       — Um endocrinologista especializado em reprodução, em fertilidade. Há muito tempo você disse que não entendia como ainda não tinha engravidado, considerando todas as vezes em que não tomamos nenhuma precaução. Isso me deixou preocupado e resolvi verificar...

       — Então? – Barbara tentou fingir que não estava preocupada, mas, adivinhando a resposta, seu coração disparou.

       — Eu sou estéril.

       — Esse médico não sabe o que está dizendo. — Barbara levantou-se e começou a andar pela sala. — Talvez ele queira me examinar para ter certeza de que estou grávida.

       — Você está? — perguntou ele. Havia uma possibilidade de ela estar mentindo e Charlie queria desesperadamente que fosse esse o caso.

       — É claro que estou. Posso fazer um teste para você, se quiser a prova. Estou grávida de dois meses. — Charlie imaginou o que ela fizera em outubro passado. — O cara está louco.

       — Não — disse Charlie, incisivo. — Mas acho que eu estou. O que está acontecendo, Barb? De quem é essa criança?

       — Sua. — Barbara abaixou a cabeça e começou a chorar. Depois, olhou para ele. — Tudo bem, não importa de quem é... é uma crueldade fazer isso com você.

       — Charlie. Desculpe.

       Mas se ele não soubesse, se não tivesse dito nada, ela continuaria com a mentira. Charlie sabia.

       — Pensei que você não quisesse filhos. Por que esse?

       — Por que... eu não sei... — Então ela compreendeu que era tarde demais para mentir. Charlie sabia a verdade. Podia saber o resto da história. Talvez porque eu já fiz muitos abortos, talvez porque eu sabia o quanto você queria um filho... Talvez eu esteja ficando velha... ou sentimental... ou burra, ou qualquer coisa... Eu pensei...

       — De quem é? — A pergunta partia seu coração e não servia para nada, a não ser como instrumento de tortura.

       — Um cara que encontrei em Las Vegas. Eu o conhecia há muito tempo e ele se mudou para cá em outubro. Disse que podia me arrumar um emprego. Tinha muitos conhecimentos em Las Vegas. Estivemos juntos algumas vezes. Eu pensei... — Mas não pôde prosseguir. Estava chorando.

       — Você o ama ou fez isso por um emprego, ou só para se divertir? O que esse cara significa para você?

       — Nada. — Mas não podia olhar para ele.

       E Charlie imaginou que o outro homem deveria ter toda a vivacidade que ele não tinha. Pensando nisso, perguntou a si mesmo se alguma vez Barbara o amou realmente. Talvez tudo não passasse de uma piada de mau gosto, desde o começo. E tudo que ele queria era uma mulher e filhos, uma família de verdade. Mas talvez não tivesse direito a isso. Como poderia dar um lar a uma criança alguém que jamais teve um? O que ele sabia sobre família?

     — Por que você fez isso? — Charlie estava chorando como um garotinho magoado.

       Ela olhou nos olhos dele.

       — Porque você me assusta. Você quer tudo, você quer todas as coisas das quais estou fugindo. Sempre que estou perto de você fico com medo. Você quer filhos, uma família, toda essa besteira que não significa droga nenhuma para mim. Não quero me prender a ninguém. Não posso fazer isso.

       Barbara estava destruindo todos seus sonhos e Charlie a ouvia com as lágrimas descendo pelo rosto.

       — Quer saber por que me sinto assim, Charlie? É, acho que deve saber. Eu tinha uma família, irmãos, irmãs, mãe e pai... e quer saber o que aconteceu? Meu irmão transou comigo durante sete anos. Começou quando eu tinha sete e quer saber mais? Minha mãe sabia e permitia. Ele era um garoto "tão difícil", ela dizia. Tinha medo que ele viesse a ter problemas com a polícia se não "descarregasse", e eu era a válvula de escape. Graças a ele, fiz meu primeiro aborto aos treze anos e mais dois, um ano depois. Então meu pai tentou entrar na brincadeira... Bela família, não acha, Charlie? Isso não dá vontade de você sair correndo e ter um monte de filhos? Certo, eu também. Então eu saí de casa, fui para Las Vegas e consegui um emprego como corista. E fiz mais alguns abortos. E depois outro aqui, quando engravidei de um agente. Não, eu não quero este filho, Charlie, mas achei que você ia querer.

       Sim, ele queria um filho, mas não de outro homem. Charlie olhava para ela, sofrendo como que ela acabava de contar.

       — Eu não sei o que dizer, Barb. Sinto muito por tudo, pelo passado, por nós. Acho que não tivemos sorte.

       — É isso. — Barbara assoou o nariz e acendeu outro cigarro. — Eu não devia ter casado com você, que queria toda aquela besteira de família certinha. Eu devia ter dito que isso tudo é uma baboseira, mas também queria acreditar que podia fazer isso por você. Mas quer saber de uma coisa? Eu não posso, simplesmente não posso ser o que você gostaria que eu fosse, a mulherzinha amorosa e caseira. Não está em mim. Acho que eu ficaria doida sentada neste apartamento falando sobre filhos, vendo você passar o aspirador e fazer o jantar. Que se dane o jantar, Charlie, eu quero me divertir!

       Charlie fechou os olhos. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Mas era verdade e ele sabia. Abriu os olhos, imaginando se algum dia chegara a conhecê-la.

       — Então, o que você quer fazer agora?

       — Eu não sei. Acho que vou morar com Judi.

       — E a criança?

       — Não é problema. Eu sei o que fazer. — Deu de ombros, como se fosse uma coisa sem importância, e Charlie se obrigou a não lembrar a doçura com que Barbara lhe anunciara que estava grávida.

       — E o cara? Ele não quer o filho?

       — Ele não sabe. Ele tem mulher e três filhos em Las Vegas. Tenho certeza que daria pulos de alegria ao saber.

       — Eu não sei o que dizer. — Era como se toda sua vida tivesse sido virada do avesso, e tinha mesmo. Ele mal conseguia pensar, quanto mais tomar uma decisão importante.

       — Por que não me dá alguns dias?

       — Para quê? — Barbara perguntou, intrigada.

       — Para pensar nisso tudo. Não sei mais o que penso nem o que sinto. Não sei o que dizer a você.

       — Não precisa me dizer nada — retrucou ela, suavemente, arrependida pela primeira vez na vida. — Eu compreendo.

       Charlie estava chorando e sentindo-se tremendamente idiota. Barbara era tão experiente, tão vivida, tão calejada, tão ousada e ele estava chorando como chorava quando as famílias com quem ele morava um ano diziam que não podiam ficar com um menino que sofria de asma.

       — Eu sinto muito...

       Charlie não parava de chorar e Barbara o abraçou e embalou. Depois foi até o quarto e pôs algumas roupas na mala. Então chamou um táxi e foi para a casa de Judi.

       Charlie passou o resto do dia sentado, chorando. Não podia acreditar no que estava acontecendo. Não tinha coragem nem mesmo de telefonar para Mark, porque sabia o que ele iria dizer: que ela significava encrenca, que ele estava melhor sem ela. Mas se era verdade, por que não estava se sentindo melhor? Nunca se sentira tão mal em toda a vida. Ele era estéril e a mulher que amava o tinha abandonado.

      

Brad e Pilar passaram a véspera do Ano Novo com amigos e todos ficaram atônitos quando ela contou que ia ter um filho. Sem dúvida Pilar tinha mudado radicalmente naquele último ano. De solteira inveterada para uma mulher casada e, agora, para mãe. Era o oposto do que achava da vida duas décadas atrás, mas agora sua evolução lhe parecia perfeitamente natural.

       Depois da ceia, dançaram ao som de antigas melodias e Brad e Pilar chegaram em casa mais ou menos à uma e meia da manhã. Ela estava mais cansada do que de hábito. Sempre gostara de ficar acordada até tarde, mas fora exaustivo explicar todas as novidades da sua vida para todo mundo. Além disso, desde o começo da gravidez, ela estava sempre com sono.

       — As pessoas são engraçadas, não são? — comentou Pilar. — Eu adoro ver as caras delas quando digo que estou grávida. Primeiro, pensam que estou brincando e ficam sem saber o que dizer, depois fazem um escarcéu. Eu adoro.

       — Você é uma mulher interessante. — Brad sorriu e então notou a expressão de dor no rosto de Pilar quando a ajudou a descer do carro. — Você está bem?

       — Sim... tive uma dor estranha, nada mais.

       — Onde?

       — Não sei, em algum lugar da barriga — disse ela, vagamente.

       Alguns dias antes Pilar sentira cólicas e telefonara para a Dra. Ward. A médica disse que aquilo era normal, que as dores provavelmente se deviam à distensão das paredes do útero. Por isso não se preocupou quando teve outra cólica no momento em que estava pondo a roupa no cabide. Só que essa foi mais forte. E logo em seguida veio outra, e mais outra... Ela sentiu alguma coisa escorrer pelas pernas... Olhou para baixo e viu que era sangue.

       — Oh, meu Deus... — murmurou Pilar, com a voz embargada. Depois chamou Brade ficou imóvel, sangrando no meio do quarto. Estava assustada demais para se mover. Não sabia o que estava acontecendo, mas tinha certeza de que não era nada de bom e assim que Brad entrou no quarto levou-a imediatamente para o banheiro e a fez deitar sobre toalhas,

       tentando elevar a parte inferior do seu corpo, mas a hemorragia era muito intensa agora e Pilar estava apavorada.

       — Eu estou perdendo a criança?

       — Não sei. Não se mexa, meu bem. Vou chamar o médico.

       Los Angeles ficava muito longe dali para levá-la até a Dr. Ward, e então Brad telefonou para o antigo ginecologista de Pilar, que mandou levá-la imediatamente para o hospital, dizendo que os encontraria lá dentro de dez minutos. Disse a Brad que já vira mulheres com hemorragias intensas que não perderam o filho. O Dr. Parker era um homem antiquado, com setenta e poucos anos e Brad gostava dele.

       Ele a envolveu em toalhas, pôs um casaco nos ombros dela, mas mesmo assim deixaram uma trilha de sangue pela casa. Pilar deitou-se no banco traseiro do carro, enrolada num cobertor e várias toalhas e Brad a levou velozmente para o hospital. Quando chegaram, Pilar estava pálida e chorando de dor e de medo de perder a criança. Disse que era a pior coisa que já havia sentido na vida e, quando o médico tentou examiná-la, ela gritou. O Dr. Parker olhou para Brad, balançou a cabeça e explicou que ela não estava perdendo apenas sangue, mas tecido também. O médico tentou explicar a ela o que estava acontecendo e Pilar olhou apavorada para Brad.

       — O bebê? Está morrendo?

       — Provavelmente ele já não existe mais — disse o médico, segurando uma das mãos dela, enquanto Brad segurava a outra — Às vezes não se pode evitar que isso aconteça.

       Helen Ward já havia informado que as mulheres com mais de quarenta anos têm mais probabilidades de abortar.

       Pilar soluçava, de mágoa e de dor, sem poder acreditar que o filho que eles tanto desejavam estava morto. Não era justo. Porque tinha de acontecer isso?

       — Vamos levá-la para cima e fazer uma curetagem para limpar tudo e estancar a hemorragia. Mas quero esperar mais um pouco porque Brad me disse que você comeu bastante no jantar. Acho que dentro de uma hora a intervenção pode ser feita. Enquanto isso, a enfermeira vai lhe dar alguma coisa para a dor.

       Mas a "alguma coisa" que a enfermeira deu não diminuiu a dor e Pilar ficou deitada durante duas horas apertando os dentes para não gritar. Parecia incrível que se pudesse sentir tanta dor. Ela estava completamente histérica quando a levaram para a sala de cirurgia e disse a Brad que, se o bebê estivesse vivo e eles fizessem a curetagem, seria o mesmo que fazer um aborto. Brad tentou convencê-la de que o bebê não existia mais e que precisavam retirar o tecido necrosado do seu útero.

       — Não é tecido necrosado — gritou ela, descontrolada. — É o nosso filho!

       — Eu sei, querida, eu sei. — Ele a acompanhou até a porta da sala de cirurgia e o médico permitiu que esperasse por ela na sala de recuperação.

       Assim que acordou da anestesia, Pilar começou a chorar. Não disse uma palavra e soluçou a noite toda. Brad não podia fazer nada.

       — Vai ser duro para ela — o médico disse a Brad. — O aborto natural é um dos grandes sofrimentos dos nossos dias. É uma morte, não se pode negar. Costumávamos considerá-lo "uma dessas coisas da vida", da qual a mulher se recuperava emocionalmente em alguns dias. Mas isso não acontece. Leva meses... às vezes anos... às vezes jamais se recuperam... e na idade de Pilar ela não pode nem ter certeza de outra gravidez.

       — Continuaremos a tentar — disse Brad, mais para si mesmo do que para o médico. — Vamos tentar. Conseguimos este.

       — Diga isso para Pilar. Ela vai se sentir péssima durante algum tempo. Uma parte do mal-estar é real, a outra parte é hormonal.

       Brad sabia que o que ele estava sentindo era real e, quando voltou ao quarto, chorou por ela, pelo filho que tinham perdido e pela dor que estavam sofrendo. Ele a levou para casa naquela tarde. Queria que Pilar ficasse de repouso por alguns dias e naquela noite Nancy telefonou para falar de um berço maravilhoso que tinha visto para o bebê.

       — Eu... não posso falar agora... — chorando, Pilar entregou o fone para Brad. Ele foi para o outro quarto e contou. Nancy ficou chocada e sentida por eles, pensando que talvez Pilar fosse velha demais para tentar.

       Passaram o primeiro dia do ano sozinhos, pensando no filho que tinham perdido, nos sonhos que haviam partilhado, juntos e silenciosos.

      

       No Dia de Ano Novo, Charlie acordou as seis e quinze, depois de passar mais de metade da noite acordado. Mas ultimamente ele não conseguia mesmo dormir e por fim decidira o que queria fazerem relação a Barbie. Não achava certo o que ela fizera e a faria prometer que aquilo não aconteceria outra vez, mas não podia deixá-la agora. Barbara precisava dele e ele a amava. Como podia abandoná-la agora? E talvez essa criança fosse exatamente o que precisavam para salvar seu casamento.

       Era muito cedo para ir até lá. Depois de tomar banho e se barbear, Charlie leu o jornal, andou pela sala e, finalmente, às nove horas, saiu para a casa de Judi. Há três dias não falava com Barb, e, quando ela o deixou, estava chocado demais para dizer alguma coisa. De certo modo, Charlie se arrependia de ter consultado o Dr. Pattengill. Se não tivesse feito isso, nunca saberia que era estéril e teria acreditado que o filho era seu. Mas as coisas não eram mais tão simples. Ou seriam?

       Tocou a campainha e um minuto depois apertaram o botão para abrir a porta do prédio. Judi abriu a porta do apartamento e ficou surpresa quando o viu. Fez menção de dizer alguma coisa, mas resolveu o contrário. Estava com um namorado com quem vinha saindo esporadicamente desde junho e com sua nova companheira de apartamento, que substituíra Barbie. Judi de repente sentiu-se constrangida e Charlie também. Os dois sabiam o que estava acontecendo e Charlie sabia também que Judi havia acobertado as escapadas de Barbara com o sujeito de Las Vegas. Desse modo, Judi traíra Charlie, mas ela devia lealdade unicamente a Barbara. Agora, ela lamentava que as coisas tivessem acabado assim. Barbie havia contado a ela assim que soube que estava grávida e Judi a aconselhara a fazer um aborto e não dizer nada. Afinal, o pai da criança era casado. Barbie a princípio concordou, mas depois começou a falar do quanto Charlie queria um filho. Tinha certeza de que podia convencê-lo de que o bebê era dele e assim não precisaria fazer outro aborto.

       — Oi, Charlie — cumprimentou-o Judi. — Vou chamar Barbie. Mas Barbie já estava no hall, parecendo pálida, cansada e muito infeliz.

       — Oi — disse Charlie, sentindo-se como um garoto no seu primeiro encontro, quando Judi e os outros os deixaram sozinhos. — Desculpe por não ter telefonado. Eu precisava de tempo para pensar.

       — Eu também. – Estava com os olhos cheios de lágrimas e com um soluço preso na garganta. Ver Charlie tornava as coisas mais difíceis. Barbara compreendia agora o que tinha feito para ele, especialmente a mentira sobre o bebê.

       — Podemos sentar em algum lugar? — De repente, Charlie parecia mais velho e mais amadurecido. Na verdade, sentia-se muito mais velho desde que soube que era estéril.

       Barbara agora dormia no sofá da sala. Para evitar que os outros, na cozinha, ouvissem a conversa, levou-o ao quarto de Judi. Ela sentou-se na cama ainda desarrumada e Charlie na ponta da única cadeira, olhando para a mulher com quem tinha se casado. Em menos de dois anos tinham percorrido um longo caminho e a maior parte da viagem fora bastante agradável. Não tinha sido um casamento de verdade, mas Charlie esperava que passasse a ser de agora em diante. E uma criança seria mais um motivo para mantê-los unidos.

       — Eu quero essa criança, Barb. Pensei muito e acho que vamos conseguir. Que diabo! Se alguém tivesse me adotado eu não seria filho de verdade deles. E esta criança jamais precisa saber que não sou seu pai. A certidão de nascimento vai dizer que sou e isso basta para mim. — Charlie sorriu carinhosamente para ela.

       Barbara chorou sentidamente quando ele disse que estava disposto a perdoar tudo que ela havia feito e, durante algum tempo, não conseguiu dizer nada, apenas balançava a cabeça. Era um momento difícil para os dois. Charlie segurou a mão dela, mas Barbara a retirou imediatamente. Ele tentou dizer que tudo iria dar certo. Mas ela não queria ouvir.

       — Eu fiz o aborto ontem — conseguiu dizer afinal e foi como se Charlie tivesse levado um murro. Nunca imaginara que ela pudesse fazer uma coisa daquelas em tão pouco tempo.

       — Está brincando? — Mas quem brincaria com aquilo? Charlie não sabia o que dizer naquele silêncio ensurdecedor. — Porquê? – Tudo que ela estava dizendo parecia loucura. Mas Charlie sabia que estava descontrolado emocionalmente.

       — Charlie, eu não podia ter aquele filho. Não seria justo para você, para mim, nem para o bebê. Enquanto ele vivesse você iria lembrar que eu o enganei, a cada minuto, a cada segundo. E eu... — Ergueu para ele os olhos cheios de dor. — A verdade é que, por mais que eu me sinta culpada, por mais que me arrependa do que eu fiz, por mais que tenha detestado fazer outro aborto... eu não quero um filho. Nem seu, nem de qualquer outro homem.

       — Por quê? Seria a melhor coisa que poderia acontecer. E agora teremos de adotar um — disse ele, tristemente. Aquele bebê poderia ter sido a solução perfeita e agora não era mais possível. Uma parte de Charlie sentia alívio, a outra parte estava arrasada.

       — Charlie — a voz de Barbara era quase inaudível -, não vou voltar para você. — Abaixou a cabeça, sem coragem de olhar para ele.

       — O quê? — Charlie empalideceu sob as sardas. — O que está dizendo?

       Com esforço, Barbara olhou para ele.

       — Charlie, eu o amo... você é tudo que uma mulher pode desejar num marido. Mas eu... simplesmente não quero ser uma mulher casada. Eu não sabia disso antes. Eu tinha a impressão de estar morta, ali sentada em casa, com você, noite após noite. Eu pensei que poderia, mas não posso. Acho que foi por isso que tudo aconteceu. No começo do nosso casamento, eu me senti aliviada por ter alguém para tomar conta de mim. — As lágrimas desciam pelo seu rosto. — Para mim parecia um sonho. Mas, depois de algum tempo, se transformou em pesadelo. Eu não quero ter de dar satisfações a ninguém. Não quero ficar enfiada em casa o tempo todo. Não quero viver com um único cara e, de uma coisa tenho certeza, não quero um filho, seu, ou de qualquer outro homem. E definitivamente não quero adotar nenhuma criança. Conversei com o médico ontem e vou ligar as trompas dentro de algumas semanas. Não quero mais fazer abortos.

       — Por que não falou comigo antes? — perguntou ele, pensando na criança outra vez. Como se, tratando desse assunto ele fizesse desaparecer tudo mais que ela dissera. Barbara afirmara que não voltaria para ele, mas não podia estar falando sério. Ela estava nervosa, não sabia o que estava dizendo.

       — Charlie, não era seu filho. E eu não o queria.

      — Não foi justo — disse ele, chorando também. Nada era justo. Nada do que tinha acontecido era justo, mas a verdade é que nada nunca foi, desde o começo da sua vida, quando os pais o abandonaram. E agora Barbara o abandonava também. Ela era igual a todas aquelas pessoas que ficavam com ele por algum tempo e depois resolviam que ele era um bom menino, mas que não o amavam. O que havia com ele, perguntava-se Charlie, chorando como uma criança, por que ninguém o amava? — Eu sinto muito... — Tentou se desculpar por tudo que sentia e por estar chorando, mas Barbie apenas balançou a cabeça. Não era agradável para ela, mas agora estava certa do que queria. Deveria ter feito isso há meses, antes de ter o caso com o sujeito de Las Vegas.

       — Por que você não volta para casa por uns tempos e podemos tentar outra vez? Podemos ter um casamento aberto, ou qualquer coisa assim, você pode fazer o que quiser. Nenhuma pergunta, nenhuma explicação. — Mas, ouvindo as próprias palavras, Charlie se perguntava como poderia estar dizendo aquilo. Sabia que uma coisa dessas o levaria à loucura. E Barbara também sabia. Ela estava resolvida e nada do que ele dissesse a faria mudar de opinião.

       — Não posso fazer isso, Charlie. Não seria justo para nenhum de nós.

       — O que você vai fazer? — Charlie estava preocupado. Barbara precisava de alguém que tomasse conta dela. Não era tão forte quanto pensava.

       — Judi vai deixar o emprego e vamos voltar para Las Vegas.

       — Para quê? Outros cinco anos como corista e depois o quê? O que vai fazer quando estiver velha demais para ser modelo de maiôs e para mostrar os seios?

       — Eu faço uma plástica e continuo mostrando, eu acho. Eu não sei, Charlie. Mas sei que não posso ser o que você quer e o que você merece. Prefiro morrer em Las Vegas como uma corista.

       — Eu não acredito. — Charlie levantou-se da cadeira e foi até a janela. A rua, a vista lá de cima, parecia triste, como tudo na sua vida agora.

       — Então, não vai mesmo voltar para casa comigo? — Olhou para ela e Barbara balançou a cabeça com convicção.

       Já não choravam mais, mas Charlie sentia-se como se um gigante tivesse dado um soco no seu plexo solar.

       — Você merece mais do que eu jamais poderei dar — disse ela, com tristeza. — Uma boa moça que possa apreciar tudo que você tem para dar, que queira ficar em casa e cozinhar para você. Poderão adotar umas duas crianças e serão muito felizes.

       — Muito obrigado por planejar tudo para mim — replicou ele. Tinha certeza de que nunca mais tentaria. Não podia obrigá-la a voltar para ele, mas sabia que jamais tornaria a se casar.

       — Charlie, eu sinto muito... — disse ela, quando saíram do quarto. Barbara o ouviu sair do apartamento e descer as escadas. Ele não olhou para trás. Não podia. Iria lembrar-se de todas aquelas vezes em que os pais adotivos o levavam de volta ao orfanato.

 

Durante todo o resto do mês de janeiro, Charlie viveu como se estivesse andando debaixo d'água. Continuou trabalhando, empacotou as coisas de Barbara e as deixou na casa de Judi, mudou-se para um apartamento do tipo estúdio, em Palms, e passava as noites em claro, pensando. Queria compreender por que nada tinha dado certo, mas nunca chegava a ter certeza. Será que ele queria demais, seria sua vontade de ter filhos que a levara ao desespero? Não podia acreditar que Barbara simplesmente não quisesse estar casada. Mas ela já havia pedido o divórcio e, alguns dias depois, telefonou dizendo que estava indo para Las Vegas. Disse que o informaria o seu novo endereço para dar prosseguimento à ação de divórcio. Barbara parecia muito eficiente e controlada, ao contrário de Charlie. Ele chorou durante uma hora depois do telefonema e nem Mark conseguiu consolá-lo. Mark não se cansava de dizer que havia outros peixes no mar, que ela não era a única mulher no mundo e que ele seria mais feliz com uma garota mais parecida com ele. Não queria lembrar que fora contra o casamento, desde o começo. De que adiantava agora?

       Repetia também que tinha passado pela mesma coisa quando a mulher o deixara por outro homem e fora morar na Califórnia.

       — E eu tinha as minhas filhas! — disse ele, para enfatizar o quanto tinha sido pior, mas isso só serviu para lembrar a Charlie como sua vida era triste e seu futuro vazio.

       Charlie não queria sair com ninguém e, por mais que tentasse, Mark não conseguia convencê-lo do contrário. Nem jogava mais boliche. Ainda era cedo demais; ele precisava repensar sua vida. Charlie estava quase convencido de que era muito melhor não ter filhos, que sua esterilidade era uma bênção. Afinal, o que ele sabia sobre filhos? Não teve uma infância normal. Como poderia ser um bom pai? Mas para Mark essa era uma idéia louca. Mark não se conformava em vê-lo naquele estado e chegou a sugerir um psiquiatra que conhecia, no Valley, mas Charlie recusou isso também.

       — Escute, garoto — Mark tentou explicar, certa noite, quando saíam do trabalho -, você não está pensando direito. Provavelmente pode ser o melhor pai do mundo porque sabe o que uma criança precisa, tudo que você nunca teve. Você simplesmente escolheu a mulher errada. Barbara é uma boa menina, mas ela só quer as luzes brilhantes e muito divertimento. Você quer cozinhar e ficar em casa e construir uma família. Assim... com o tempo vai encontrar a mulher certa, vai arrumar sua vida e será feliz para sempre. Pare de pensar que sua vida acabou, Charlie, porque não acabou. Seja paciente. As feridas são recentes, você ainda está sangrando. — Sim, ele estava, Mark tinha razão, mas Charlie não queria ouvir aquilo.

       — Não quero encontrar outra mulher. E não quero casar. Que diabo, ainda nem me divorciei.

       — Oh... então é por isso que não quer mais jogar boliche... nem tomar uma cerveja e comer uma pizza. O que está pensando? Que o estou convidando para um encontro amoroso? Escute, você é bonitinho, mas não é o meu tipo, e a pequena Gina pode ficar muito aborrecida, você sabe... — Charlie começou a rir e Mark bateu amigavelmente nas costas dele. — Não seja duro demais com você mesmo, está bem?

       — Sim, sim, vou tentar — disse Charlie, sorrindo pela primeira vez em muito tempo.

       Alguns dias depois ele saiu para jantar com Mark e na semana seguinte foi jogar boliche. Aquele era um processo longo e lento, mas Charlie começava a ficar curado. Doía ainda quando pensava nela, e não podia acreditar que o casamento tinha acabado, mas aos poucos Charlie começou a sair da concha. E começou a jogar beisebol nos fins de semana com um grupo de órfãos de doze anos.

      

       Pilar passou um mês, depois do aborto, extremamente deprimida. Tirou uma licença do trabalho, recusava-se a falar com qualquer pessoa e passava os dias em casa, de camisola, mergulhada na sua tristeza. Brad tentou fazer com que ela recebesse os amigos, mas a própria Marina só conseguiu falar com ela depois de várias tentativas. Ela chegou com uma porção de livros sobre aborto natural, sobre a dor de qualquer perda. Marina achava que a informação era o melhor instrumento para qualquer ocasião, mas Pilar não queria ouvir nada disso.

       — Não quero saber o quanto estou sofrendo, nem quanto devo sofrer — disse ela, olhando zangada para a amiga, rejeitando-a e aos livros.

       — Mas talvez queira saber como se sentir melhor e quando pode esperar que sua vida volte ao normal — insistiu Marina, com paciência.

       — Como poderá voltar ao normal? Sou uma mulher de meia-idade que tomou uma porção de decisões idiotas e, como resultado, jamais terá filhos.

       — Ora, ora, estamos cheias de autocompaixão, não estamos? — disse Marina, com um sorriso.

       — Eu tenho esse direito.

       — Sim, tem, mas não como um estilo de vida. Pense em Brad, no quanto está sendo difícil para ele.

       Brad havia pedido a Marina para falar com Pilar, que a princípio recusou-se a atender os telefonemas da amiga.

       — Ele tem filhos. Não sabe nada do que estou passando.

       Mas outras pessoas sabem. Muitas pessoas. Outras mulheres têm abortos naturais. Você não é a única Pilar, embora pense que sim. É o que lhe parece agora, mas não é. Outras mulheres abortam, seus bebês nascem mortos, outras perdem os filhos que conhecem e amam há anos. Este deve ser o maior sofrimento de todos — disse Marina, e Pilar começou a chorar outra vez.

       — Sim, eu sei — admitiu ela. — E eu me sinto uma perfeita idiota. Sei que deve parecer ridículo, mas sinto como se tivesse perdido um filho que eu conhecia... uma criaturinha que eu já amava... e agora está morto e jamais o conhecerei.

       — Não, mas pode ter outro filho. Não vai mudar o que está sentindo agora, mas pode ajudar.

       — Acho que é a única coisa que poderá servir de consolo — disse Pilar, com sinceridade. — Eu quero engravidar outra vez. Assoou o nariz com um amontoado de lenços de papel e Marina sorriu.

       — Talvez você consiga. — Marina não gostava de dar falsas esperanças e não sabia se aquilo seria possível.

       — Certo. E talvez não consiga. O que acontecerá então?

       — Então você vai em frente. Tem de ir. Sua vida era ótima antes, será outra vez. Filhos não são tudo, você sabe. — Mas naquele momento Marina lembrou-se de um incidente de alguns anos atrás. — Você sabe, eu quase tinha esquecido. Minha mãe perdeu seu nono filho com dois meses de gravidez, ou talvez um pouco mais. Para quem tinha oito filhos, não devia ser uma coisa tão trágica. Mas, quer saber? Parecia que ela tinha perdido o filho mais velho. Ela praticamente desmoronou e era como se tivesse ficado de luto por um longo tempo. Meu pai não sabia o que fazer. Ela não saía da cama e só chorava e os outros sete filhos ficaram completamente abandonados, a não ser quando eu estava por perto para impor um pouco de ordem e disciplina. Ela ficou deprimida durante meses até, é claro, engravidar outra vez. Teve mais dois filhos depois disso, mas até sua morte jamais deixou de lembrar aquele que perdeu, sempre com tristeza, dizendo o quanto sentia falta dele. Algumas amigas de minha mãe tinham perdido filhos, mas acho que o sofrimento dela foi maior e ela sempre falava sobre o bebê que perdeu como se o tivesse conhecido.

       — É assim que eu me sinto — disse Pilar, encontrando finalmente alguém que a compreendia. Sentiu uma intensa afinidade com a mãe de Marina e com o que ela sentira pelo bebê perdido.

       — Deve ser um desses mistérios da vida, que ninguém compreende, a não ser quem já passou por isso.

       — Talvez — murmurou Pilar, tristemente. — É a pior coisa que me aconteceu. — E era. Seu coração parecia se partir cada vez que pensava no bebê e ela pensava nele a cada momento do dia.

       — Pense só na minha mãe. Como eu disse, ela teve mais dois depois daquele. Acho que deveria ter uns quarenta e sete anos quando teve o aborto.

       — Isso me dá esperanças. — Marina era a primeira pessoa que trazia uma palavra encorajadora, uma dádiva do céu, como sempre, ao contrário da mãe de Pilar a quem ela nem chegara a falar sobre o bebê. Se ela soubesse, sem dúvida iria lembrar a filha do seu aviso, que ela era velha demais. E agora era exatamente assim que Pilar estava se sentindo.

       Para desespero de Brad, Pilar ainda lamentou a perda do filho durante várias semanas. Alice e Bruce estavam conduzindo os casos dela no escritório, mudando datas de julgamentos e dizendo aos clientes que ela estava doente. Todos estavam preocupados.

       Nancy lhe fez uma visita, com intenção de animá-la, mas levou o pequeno Adam, o que piorou as coisas. Quando Brad chegou em casa, Pilar estava quase histérica e disse que nunca mais queria ver um bebê, que não queria Adam na sua casa enquanto ele não crescesse mais um pouco.

       — Pilar, você tem de parar — disse Brad, sofrendo por ela. — Não pode fazer isso a você mesma.

       — Porque não? — Ela não comia, não dormia. Perdera cinco quilos e parecia cinco anos mais velha.

       — Não é saudável. E no próximo mês vamos tentar outra vez. Vamos, meu amor. Precisa reagir. — Mas a verdade era que Pilar não podia. Desde o momento em que se levantava de manhã, até a hora em que ia para a cama, à noite, era como se estivesse carregando um peso imenso no coração. Em certos momentos, nem queria continuar a viver.

       — Por favor... minha querida, por favor.

       Finalmente Brad a levou para um fim de semana em São Francisco, mas a sorte não foi generosa, pois Pilar ficou menstruada. A única coisa que ele podia fazer para animá-la era lembrar que dentro de duas semanas voltariam ao consultório da Dra. Ward com o injetor de temperos e os filmes pornográficos.

       — Oh, meu Deus! — Pilar fez uma careta e riu, — Não me faça lembrar disso.

       — Então trate de aproveitar agora. — Durante toda a viagem ele a provocou, dizendo que iria levá-la à Broadway para comprar alguns "recursos conjugais" para a coleção da Dra. Ward.

       — Você é um tarado, Bradford Coleman. Se soubessem como sua mente é suja, você, um juiz, eles o expulsariam da ordem dos advogados. — Pilar sorriu, parecendo outra vez ela mesma, depois de várias semanas.

       — Ótimo. Assim posso ficar em casa e fazer amor com você o dia inteiro.

       Mas nem isso parecia atraí-la ultimamente. Pilar tentara explicar esse fato ao analista e a Brad. Para ela, o aborto foi a prova do seu fracasso como mulher.

       — Eu perdi o bebê... Como se o tivesse deixado num ônibus, em algum lugar, ou esquecido no parque... ou como se eu o tivesse devorado... Eu perdi o bebê — dizia ela, com as lágrimas descendo pelo rosto, o que fazia dela um completo fracasso como mãe.

       Era difícil argumentar com ela. O que Pilar sentia não vinha da mente, mas do coração. Sua mente sabia que teria outra chance e Brad não se cansava de repetir que continuariam tentando. Mas o coração sabia apenas o que tinha perdido. O bebê que ela queria tanto. E, cada vez que pensava nisso, a dor era imensa.

      

       Diana procurou ser muito cautelosa quando voltou das férias com Andy. Não queria forçar a sorte. Tudo fora maravilhoso no Havaí e eles voltaram renovados, não como eram antes, mas de certo modo até melhores. Porém, lembrando o caminho difícil que ainda trilhavam, não queria submeter-se a mais pressão. Resolveu não ver a família por algum tempo para não ter de responder às suas perguntas. Há quase dois meses não via Sam e não falava com ela, pois não podia enfrentar a realidade do bebê que iria nascer. Para Diana, era doloroso demais. Para ambos, o principal agora era evitar mais sofrimento e Diana faria qualquer coisa para conseguir isso. Foi convidada, no trabalho, para dois chás-de-bebê e declinou os convites. Combinou com Andy que, pelo menos por enquanto, não falariam sobre soluções alternativas. Os dois estavam fazendo análise, separadamente, o que ajudava muito.

       Seu trabalho ia bem e ela sentia prazer com ele outra vez. Gostava de conversar com Eloise, uma vez ou outra, mas a amizade tinha esfriado um pouco. Eloise estava pensando em mudar-se e Diana continuava completamente dedicada à tarefa de se salvar e ao seu casamento. Na primeira semana depois da viagem, o que ela mais gostava era voltar para casa à noite, ansiosa para ver Andy e estar com ele. Andy telefonava três ou quatro vezes, do escritório, só para dizer alô e saber como Diana estava. Ela sentia-se mais perto dele do que de qualquer outra pessoa e levavam uma vida muito calma. Ainda não estava preparada para rever os amigos e Andy não insistia. Os amigos também não. Há meses Bill e Denise não telefonavam nem apareciam. Finalmente Andy explicou para Bill que era muito doloroso para Diana estar com eles porque Denise estava grávida. Eles ainda jogavam tênis sempre que podiam, o que não era com muita freqüência. Ambos tinham outras responsabilidades agora.

       Diana nem verificava mais os recados deixados na secretária eletrônica quando chegava em casa. Ninguém mais telefonava, a não ser sua mãe, de tempos em tempos, ou os irmãos de Andy. Contudo, em meados de janeiro, quando chegou em casa mais cedo certo dia, ligou a secretária e ouviu os recados enquanto ligava o forno e começava a preparar o jantar.

       Sua mãe telefonara, e Diana ouviu o recado com um sorriso; depois havia uma mulher, vendedora de revistas, e três recados para Andy — um de Bill sobre um campeonato de tênis no clube, um do irmão de Andy, Nick, e o último de uma mulher. Com uma voz sensual ela dizia que o recado era para Andy e que ele saberia quem era. Terminava, com voz rouca e provocante: "...diga a ele para me telefonar". Deixou o número do telefone e o nome, Wanda Wililams. Diana ergueu uma sobrancelha e riu. Nem nos piores momentos daquele ano, ela suspeitara que Andy a estivesse enganando. Sabia que alguns homens, sob esse tipo de tensão, enganavam as mulheres, mas não Andy, certamente. Além disso, ele não seria tão idiota aponto de permitir que uma namorada deixasse recado no seu telefone. Diana não ficou preocupada, apenas achou graça e, durante o jantar, comentou com ele, de bom humor. Devia ser a atriz de algum show de cuja parte legal ele havia tratado.

       — Então, quem é a mulher com voz sexy que telefonou para você hoje?

       — O quê? — Andy franziu a testa e apanhou uma fatia de pão, aparentemente distraído.

       — Você ouviu. Quem é ela? — sorriu Diana. Gostava de provocá-lo e geralmente Andy aceitava bem a brincadeira, mas dessa vez não gostou.

       — O que quer dizer com isso? É amiga do meu irmão. Está passando uns dias na cidade e queria que eu a ajudasse a comprar um carro ou qualquer coisa assim.

       — Um carro? — Diana riu. — Essa é a maior bobagem que já ouvi.

       Deixe disso, Andrew... Quem é ela? Quem é Wanda Williams? — Ela imitou a voz da mulher, mas Andy não achou graça.

       — Eu não sei quem é, está bem? É só um nome. Eu não a conheço.

       — Parece uma daquelas vozes desses serviços do tipo Disque-Um-Encontro — disse Diana, imitando outra vez a voz sensual. — Telefone para mim...

       — Tudo bem, tudo bem, já ouvi. — A essa altura Andy já tinha devorado três fatias de pão e parecia nervoso, o que assustou Diana.

       — Então, não vai telefonar para ela... para falar sobre o carro, quero dizer. — Diana o estava provocando e Andy começava a ficar zangado.

       — Talvez. Não sei.

       — Você não vai telefonar. — Agora era Diana que não estava gostando. Havia alguma coisa que Andy não queria contar. — Andy, do que se trata?

       — Escute, é um assunto meu, certo? Não tenho direito a um pouco de privacidade?

       — Tem. — Diana hesitou. — Talvez. Mas não com mulheres.

       — Eu não estou transando com ninguém, está certo? Eu juro.

       — Então, o que está fazendo? — perguntou ela, suavemente. Não compreendia por que tanto segredo sobre aquela mulher. O que Andy estava escondendo?

       — Ela é amiga de um amigo meu. Conhece um dos advogados com quem trabalho e ele quer que eu converse com ela sobre um projeto. — Não queria dizer que era uma antiga namorada de Bill Bennington.

       — Então, por que mentiu dizendo que era amiga do seu irmão?

       — Escute, Diana, não faça isso, está bem? Não me pressione.

       — Por quê, pelo amor de Deus? — Diana começava a ficar desconfiada. Será que Andy andava transando e ela não sabia? — O que você está fazendo?

       — Escute, que diabo... — Andy tinha feito tudo para não contar, mas agora não tinha outro jeito. — Eu não queria falar disso agora. Queria conversar com ela primeiro e ver como ela é.

       — Formidável... o que é isto? Vocês têm um encontro romântico?

       — Ela teve um filho para um casal, no ano passado. É mãe de aluguel. E quer fazer isso outra vez. Eu pensei em verificar primeiro, falar com ela e depois perguntar o que você pensa a respeito — disse ele, em voz baixa, preparando-se para a explosão de Diana.

       — O quê? Você ia verificar uma Senhorita Barriga de Aluguel sem me dizer nada? O que vai fazer? Dormir com ela, se for preciso? Pelo amor de Deus, Andy, como foi capaz de pensar nisso?

       — Que diabo, eu ia só falar com ela! Se nós resolvêssemos fazer alguma coisa, seria por inseminação artificial e você sabe disso.

       — Por quê? Porque está fazendo isso? Pensei que tínhamos concordado em não falar no assunto por alguns meses.

       — Eu sei, mas apareceu essa oportunidade na semana passada e não é fácil encontrar uma mulher disposta a fazer isso. E quando você estiver pronta para conversar, ela pode já estar tendo o filho de outra pessoa.

       — Quem é ela?

       — Uma atriz. Ela é contra o aborto, engravida com muita facilidade e acha que está fazendo um bem para as pessoas, oferecendo sua barriga.

       — Quanta bondade! E quanto ela cobra?

     — Vinte e cinco mil dólares.

       — E se ela ficar com a criança?

       — Não poderá. Fazemos um contrato muito rígido. E ela não criou nenhum problema para o outro casal, no ano passado. Eu falei pessoalmente com eles e estão felicíssimos. O bebê é uma menina e eles são loucos por ela. Meu amor, por favor... pelo menos deixe que eu fale com ela.

       — Não. E se ela for viciada em drogas, se tiver alguma doença? Se não quiser entregara criança? Se ela... oh, meu Deus... não me peça para fazer isso... – Diana abaixou a cabeça sobre a mesa e começou a soluçar. Queria gritar. Por que Andy a fazia passar por tudo aquilo outra vez? Acabavam de dar o primeiro passo de volta ao seu casamento e ela não estava preparada ainda para coisa alguma.

       — Benzinho, foi você quem disse que queria um filho meu. Achei que isto seria melhor do que a adoção, pelo menos o bebê será metade nosso. Você não quis nem ouvir falar num transplante de óvulo quando o médico mencionou esse processo e esta parece uma alternativa viável.

       — Do que estamos falando, pelo amor de Deus? De uma experiência científica? — Diana olhou para ele com ódio. — Eu te odeio, Andrew Douglas. Como se atreve a me fazer passar por isso?

       — Eu também tenho o direito de ter um filho. Nós dois temos. E sei o quanto você quer.

       — Não desse modo. Já imaginou como vou viver até tudo terminar? E não quero seu esperma em outra mulher. E se ela se apaixonar por você e pelo bebê?

       — Di, ela é casada.

       — Ora, tenha a santa paciência. Vocês estão todos loucos. Você, ela e o marido dela.

       — E você é a única sã, não é? — perguntou ele, zangado.

       — Talvez.

       — Pois fique sabendo, menina, que não parece. — Diana estava descontrolada, prestes a explodir. — Escute, vou falar com ela nesta semana. Só isso. Quero saber quais os termos do contrato, como ela é, o que aconteceria se fizéssemos o acordo. Quero saber quais as nossas opções, se quisermos fazer isso agora, ou em qualquer outra ocasião. E Diana, quero que você vá comigo.

       — Não quero ter nada a ver com isso, não posso. Vai me acabar levando à loucura. — Ela estava apenas começando a se recuperar. Não queria correr o risco de mergulhar outra vez na depressão.

       — Acho que você é mais forte do que pensa — disse ele, calmamente.

       Andy queria fazer aquilo. Tinha pensado muito no assunto nos últimos meses. E queria um filho. Queria Diana, mas uma família também, e se pudesse ter um filho que fosse seu, melhor ainda.

       — Pois eu acho que você é um filho da puta! — gritou Diana e foi se trancar no banheiro.

       Quando ela saiu, Andy já havia telefonado para Wanda Williams e marcado um encontro para o dia seguinte, no Ivy. Parecia um lugar estranho, mas foi o que Wanda escolheu.

       — Você vai comigo? – perguntou Andy, na manhã seguinte. Diana abanou a cabeça.

       Antes de sair, ele voltou a insistir e Diana ficou calada. No escritório, Bill perguntou como tudo havia transcorrido e Andy, muito tenso, disse que Diana tinha ficado furiosa e ele não sabia se ela iria encontrar Wanda Williams. Bill, saindo para uma reunião importante, desejou boa sorte para os dois.

       No escritório, na hora do almoço, Diana, pensativa, tentava imaginar como seria aquela mulher. Finalmente, chamou um táxi e foi para o Ivy. Chegou com meia hora de atraso, mas Andy, Wanda Williams e o marido ainda estavam conversando numa mesa no canto. Surpreso ao vê-la entrar, Andy apresentou-a aos Williams, John e Wanda. Pareciam pessoas sensatas e estavam discretamente vestidos. Wanda era bonitinha, falava muito em fazer alguma coisa "significativa" para outras pessoas e John parecia não

       dar muita importância a coisa alguma. Nas palavras dele, "dinheiro é dinheiro". Eles pagariam a assistência médica, algumas peças de roupa e cobririam dois meses do salário de Wanda, visto que ela não poderia trabalhar naquele período. E seus "honorários", segundo as palavras dela, seriam de 25 mil dólares. Assinaria um contrato concordando em não fazer uso de álcool ou drogas, não correr riscos desnecessários durante a gravidez e entregar o bebê a eles no hospital, logo depois do parto, sem nenhum problema.

       — E se você resolver ficar com ele? — perguntou Diana, secamente. Ela havia pedido apenas uma xícara de café.

       — Isso não vai acontecer — garantiu Wanda, acrescentando alguma coisa sobre não violar o próprio carma. O marido explicou que ela era muito ligada a religiões orientais.

       — Ela não se interessa muito por crianças. Nunca pensou em ficar com o outro bebê.

       — E você? — quis saber Diana. — O que sente sabendo que sua mulher está grávida de outro homem?

       — Acho que ele não faria isso se não precisasse. — Olhou para ela e Diana sentiu o golpe direto no coração, mas continuou impassível. — Eu não sei, acho que é assunto dela. É o que ela quer fazer. — Diana teve uma vaga impressão de que os dois eram loucos, mas sem nenhum sinal visível. O caso era que todo o projeto parecia horrível.

       Nada ficou resolvido e Andy disse que telefonaria dentro de alguns dias, depois de discutir o assunto com Diana.

       — Tenho outro candidato em vista — explicou Wanda. — Vou me encontrar com ele amanhã.

       — Ela só faz isso para pessoas de quem gosta — acrescentou John e lançou um olhar acusador para Diana. Evidentemente ela não estava sendo muito "agradável" e podia estar pondo em perigo todo o projeto.

       Só de pensar que estava sendo "entrevistada" por aqueles dois malucos, Diana sentiu vontade de gritar. Os Williams saíram do restaurante antes dos Douglas.

       — Como pôde fazer isto conosco? — Diana perguntou.

       — Por que você foi tão agressiva, perguntando o que ele sentiria sabendo que a mulher estava grávida de outro homem? Eles podem nos rejeitar por causa disso, Diana.

       — Oh! – Diana recostou-se na cadeira e revirou os olhos, furiosa.

       — Eu não acredito. Ela ali sentada falando sobre seu carma e você querendo que tenha um filho seu. Acho isso tudo absurdo. E o marido também.

       — Vou telefonar para o Dr. Johnston e perguntar como a coisa é feita.

       — Quem que fique bem claro que não pretendo tomar parte em nada disso — avisou Diana.

       — Problema seu. Não estou pedindo nem um centavo a você.

     Diana sabia que Andy precisaria pedir dinheiro emprestado aos pais e imaginou como ele iria explicar aquilo tudo.

       — Acho que você está doente. E acho que é patético o que pessoas como nós chegam a fazer para ter um filho.

       Mas havia outra solução muito mais simples e Diana compreendeu que devia ter pensado nisso antes. Levantou-se, olhou para ele, balançou a cabeça, saiu do restaurante e tomou um táxi. Quando Andy saiu, depois de pagar a conta, Diana já havia partido. E quando chegou em casa à noite, tudo que pertencia a ela tinha desaparecido. E ela também. Para sempre. Encontrou um bilhete na mesa da cozinha.

       "Querido Andy... Eu devia ter feito isto meses atrás. Tudo parece tão idiota agora. Você não precisa dessa mãe de aluguel. Precisa de uma esposa... de verdade... que possa ter filhos. Boa sorte. Eu te amo. Meu advogado vai telefonar para você. Amor, Diana."

       Andy ficou imóvel, apavorado, olhando para o papel azul, sem acreditar que Diana tivesse feito aquilo. Mais tarde, telefonou para a casa dos pais dela e depois de uma conversa casual ficou convencido de que Diana não estava com eles. A mãe de Diana imediatamente desconfiou de que alguma coisa estava errada, mas não fez nenhuma pergunta. Não viam Diana desde o incidente do Dia de Ação de Graças, embora telefonassem regularmente para ela e no último fim de semana ela havia conversado longamente com o pai.

       Diana fora para um hotel e, no fim de semana, alugou uma casa. Não adiantava continuar se enganando. Era loucura. O almoço no Ivy revelou tudo que precisava saber, o quanto estavam desesperados, como tudo era irracional, idiota. Era ridículo para Andy pensar em contratar aquela mãe de aluguel. Que diabo ele estava fazendo?

       Andy telefonava todos os dias para o escritório de Diana, mas ela não atendia e, quando ele foi até lá, ela não quis vê-lo. Era o fim do sonho e do pesadelo. Para Diana e Andy, estava tudo acabado.

 

Tudo bem disse Pilar, com um sorriso hesitante – lá vamos nós outra vez. — Ligou o vídeo e duas mulheres começaram a lamber os genitais uma da outra. Brad olhou para ela com um sorriso embaraçado, sentindo-se um perfeito idiota.

       — Acho que você não escolheu muito bem os filmes.

       — Ora, cale a boca — riu ela.

       Pilar estava se esforçando para manter o espírito esportivo, mas a Dra. Ward havia dito que às vezes a gravidez só era conseguida depois de dez ou doze tentativas e, mesmo assim, existia a possibilidade de outro aborto natural. Dessa vez iriam usar supositórios de progesterona durante três meses, se ela ficasse grávida. Mas sem nenhuma garantia. E a cada minuto de cada dia, Pilar ficava mais velha.

       Lentamente ela tirou toda a roupa de Brad, enquanto ele assistia ao filme, depois se despiu, acariciando gentilmente o membro ereto do marido e em pouco tempo conseguiram o sêmen desejado. A enfermeira levou o frasco e Pilar disse, sorrindo:

     — Acho que vou comprar esse filme para vermos em casa. Parece que você gostou.

       Não haviam escolhido o caminho mais fácil. A inseminação artificial foi feita outra vez sem incidentes e a Dra. Ward novamente avisou que talvez não "pegasse" na primeira tentativa. Pilar voltou a tomar clomifeno, o que a deixava extremamente nervosa e deprimida. Eram tempos difíceis e Pilar perguntava-se se algum dia se recobraria do golpe do aborto. Era só no que pensava e, quando a dor começava a diminuir, alguma coisa inesperada a trazia de volta — uma mulher com o filho nos braços ou grávida,roupas de criança numa vitrine, amigos que não sabiam do aborto e a congratulavam pela gravidez. Agora Pilar compreendia que fora tolice anunciar tão cedo sua gravidez. Levaria meses para dizer a todos que não estava mais grávida. E, quando contava, uns diziam que sentiam muito, outros faziam perguntas incrivelmente dolorosas, como se ela chegara a saber se era menino ou menina, ou que tamanho tinha a criança quando a perdeu.

       Naquele dia Brad a levou para fazer compras e ficaram no Beverly Wilshire Hotel. Era bom estar com ele e Brad procurou fazer do passeio uma ocasião festiva. Era véspera do Dia dos Namorados e quando chegaram ao hotel Pilar encontrou duas dúzias de rosas vermelhas, encomendadas pelo marido. “Para meu amor, sempre, Brad”, dizia o cartão e Pilar chorou, comovida. Ela começava a pensar se não era tolice querer mais do que tinha; talvez fosse errado, talvez fosse querer demais. Provavelmente sua antiga atitude era a coisa certa. Ter um filho não era tão importante. Era difícil desistir do sonho agora, mas Pilar estava quase convencida de ter cometido um erro. Talvez fosse uma coisa que não tinha de ser e ela devesse desistir da idéia. Naquela noite disse a Brad que estava explorando os próprios pensamentos sobre o assunto.

       — Por que não esperamos um tempo para ver o que acontece? Se achar que isso a está fazendo infeliz, paramos. Você resolve.

       — Você é tão bom para mim — disse Pilar abraçando-o, ainda sofrendo, mas grata com a presença dele.

       Alugaram um filme erótico, ao qual assistiram entre risadas, comendo os bombons fornecidos pelo hotel.

       — Sabe de uma coisa? Isso pode vir a se tornar um hábito — disse Brad, sorrindo.

       — Os chocolates? — perguntou Pilar, com inocência fingida.

       — Não, os filmes! — respondeu ele, com uma risada.

       Fizeram amor quando o filme terminou e dormiram abraçados, ainda sem as respostas.

      

       No Dia dos Namorados, Charlie comprou flores para uma mulher do escritório que o ajudava a fazer os relatórios. Ela era enorme e tinha um grande coração. Charlie comprou cravos cor-de-rosa e vermelhos e ela o abraçou chorando, comovida. Charlie era tão bom e, pobrezinho, ela sabia que ele estava se divorciando e às vezes parecia tão solitário.

       Na hora do almoço Charlie comprou um sanduíche e foi para o Palms Park, perto de Westwood Village, onde podia ver as pessoas que passavam, os namorados se beijando e as crianças brincando. Gostava de ir ao parque só para ver as crianças.

       Notou uma menina com longas tranças louras, grandes olhos azuis e um belo sorriso, brincando com a mãe. Elas brincaram de pique, três-marias, amarelinha e de pular corda. A mãe era quase tão bonita quanto a filha, magra e pequenina, com cabelos louros longos e lisos, olhos grandes e azuis; parecia ela mesma uma menina.

       Começaram a brincar de apanhar a bola com luva de beisebol e nenhuma das duas sabia atirar ou apanhar a bola. Muito depois de terminar o sanduíche, Charlie estava ainda observando as duas e rindo. De repente, a bola mal atirada o atingiu. Ele a devolveu e mãe e filha agradeceram, a menina com um largo sorriso, sem nenhum dente na frente.

       — Meu Deus, quem arrancou todos os seus dentes? – Charlie perguntou.

       — A fada dos dentes. E me deu um dólar por cada um. Ganhei oito dólares — disse ela, sempre sorrindo.

       — É um bocado de dinheiro. — Charlie parecia realmente impressionado e a mãe da menina sorriu para ele. Charlie disse que, a não ser pelos dentes, as duas eram iguaiszinhas e ela riu.

       — Sim, acho que tive sorte de a fada dos dentes não arrancar os meus também. Teria custado muito mais.

       Na verdade, ela teve sorte de o marido não ter feito isso antes de abandoná-la. Mas não disse nada a Charlie.

       — Vou comprar um presente para minha mãe com o dinheiro — informou a menina e depois perguntou se ele não queria brincar com elas.

     Charlie hesitou, mas só por um momento. Não queria impor sua presença.

       — Tudo bem. Mas eu também não sou muito bom para jogar a bola. A propósito, meu nome é Charlie.

       — Eu sou Annabelle — disse a menina -, mas todos me chamam de Annie.

       — Eu sou Beth — disse a mãe, olhando atentamente para Charlie. Parecia cautelosa, mas amigável.

       Jogaram por algum tempo, depois brincaram de amarelinha e Charlie voltou com relutância ao escritório para vender tecidos.

       — A gente se vê qualquer dia — disse ele, sabendo que provavelmente isso não aconteceria, não pediu o número do telefone, nem o sobrenome das duas. Gostou delas, mas não pretendia andar atrás de uma mulher desconhecida. Desde que Barbie o deixou não tinha saído com mulher alguma e, além disso, aquela provavelmente era casada. Mas era muito interessante.

       — Até logo, Charlie. — Annie acenou, quando ele saiu do parque.

       — Feliz Dia dos Namorados!

       — Obrigado — gritou ele e afastou-se, sentindo-se bem. Alguma coisa nas duas iluminou todo o seu dia.

      

       Só depois de um mês Andy descobriu onde ela estava morando. E a princípio não sabia o que fazer com essa informação. O advogado de Diana disse claramente que para a Sra. Douglas era o fim do casamento. Foram dezoito meses e muitas lágrimas e ela não queria nem ver Andy. Desejava o melhor para ele, mas deixou bem claro que tudo estava acabado. Depois disso, Andy telefonou para o escritório várias vezes, mas Diana não atendeu. E ele não conseguia esquecer aquele almoço idiota com a mãe de aluguel e o marido. Foi quando tudo terminou. Que fim patético para um casamento. O casal era ridículo... os "caçadores de esperma"... procurando bebês desesperadamente. Andy não queria mais saber de ter filhos. Tudo que desejava na vida era Diana. E então, por acaso, encontrou Seamus e Sam e eles disseram onde ela estava morando. Tinha alugado uma pequena casa antiga em Malibu, com fundos para a praia. Fora um dos primeiros lugares onde procuraram uma casa, antes do casamento. Andy sabia o quanto Diana amava o mar. Conseguiu o endereço com Seamus e Sam com a desculpa de que queria entregar algumas coisas de Diana. E eles disseram o quanto sentiam o que acontecera.

       — Foi muita idiotice e falta de sorte — Andy explicou, tristemente. — Ela teve a falta de sorte e eu fui o idiota.

       — Talvez Diana pense melhor — disse Sam. Parecia que ela teria o filho a qualquer minuto. Na verdade, estavam a caminho do médico para um exame geral.

       Por um momento Andy os invejou, mas depois lembrou que essa não era uma opção. Andy pensou durante dois dias sobre o que poderia fazer com a informação conseguida. Se aparecesse de surpresa, Diana não o deixaria entrar. Ele poderia ficar na praia esperando que ela saísse para tomar ar, mas e se não saísse? Então, no Dia dos Namorados decidiu-se. Comprou uma dúzia de rosas vermelhas e foi para Malibu, rezando para que Diana estivesse em casa, mas ela não estava. Deixou as rosas nos degraus da entrada, com um cartão que dizia apenas: "Eu te amo. Dy." Quando ia voltando para o carro, Diana chegou. Mas não saiu do carro quando o viu. Andy foi falar com ela e, com relutância, Diana abaixou o vidro. Ela estava mais magra e mais bonita do que nunca, muito elegante e muito sexy com um vestido negro. Saiu do carro e ficou parada, como se precisasse de proteção.

       — Por que você veio? — Viu as flores no degrau, mas não sabia se eram dele. Se eram de Andy, ela não queria. Estava farta de se torturar e esperava que ele também estivesse. Precisavam desistir agora.

       — Eu queria ver você — disse ele, tristemente, fazendo lembrar o homem com quem Diana tinha casado, mas muito melhor. Andy era bonito, jovem, louro, tinha 34 anos e ainda a amava.

       — Meu advogado não disse o que eu resolvi?

       — Disse. Mas eu nunca dou ouvidos a advogados — respondeu Andy com um largo sorriso e Diana também sorriu contra a vontade. — Na verdade, eu nunca dou ouvidos a ninguém. Acho que você sabe disso.

       — Talvez deva dar, uma vez ou outra. Pode ser muito bom para você. Evita muita dor de cabeça.

       — É mesmo? Como? — disse Andy, com fingida inocência, feliz demais por estar ao lado dela. Queria que ela continuasse a falar. Mesmo com a brisa do mar, sentia o perfume de Diana, Calèche, de Hermès, de que ele tanto gostava.

       — Podia impedir que você continuasse batendo com a cabeça nas paredes, para começar. — Diana dizia a si mesma que a presença de Andy não a afetava de modo algum. Esse era o teste, estar perto dele e não sentir nada.

     — Gosto de bater com a cabeça na parede — disse Andy.

       — Pois não devia. Não adianta mais, Andy.

       — Eu trouxe flores. — Andy não sabia mais o que dizer e não queria ir embora.

       — Também não devia ter feito isso. Tem de parar agora, Andy. Dentro de cinco meses estará livre, com toda uma vida à sua frente.

       — Não quero nada disso.

       — Nós dois queremos.

       — Não me diga o que eu quero — replicou ele, irritado. — Que diabo, eu quero você! É isso que eu quero. Não quero nenhuma droga de mãe de aluguel idiota. Eu nem acredito quando penso em toda essa besteira... Eu nem mesmo quero um filho. Nunca mais quero ouvir essa palavra. Tudo que quero é você... Di... Por favor, dê-nos outra chance... por favor... eu a amo tanto... — Queria dizer que não podia viver sem ela, mas as lágrimas na sua garganta o impediram.

       — Eu também não quero um filho. — Diana estava mentindo, os dois sabiam. Se alguém com uma varinha de condão pudesse fazer com que ela engravidasse naquele momento, ela agarraria a oportunidade com unhas e dentes. Mas não podia mais pensar nisso. — Não quero ser casada. Não tenho esse direito — disse ela, tentando ser convincente. Estava quase acreditando nisso.

       — Por quê? Porque não pode ter filhos? E daí? Não seja tola. Pensa que só as pessoas férteis podem casar? É a maior besteira que já ouvi.

       — Devem casar com pessoas iguais a elas, assim ninguém sofre.

       — Uma grande idéia! Por que não pensei nisso? Ora, pelo amor de Deus, Diana, trate de crescer. Tivemos pouca sorte, mas não é o fim do mundo. Podemos ainda salvar nosso casamento.

       — Nós não tivemos pouca sorte — corrigiu ela. — Eu tive.

       — É e eu saí por aí, entrevistando atrizes budistas malucas para mãe de aluguel. Tudo bem, nós dois ficamos um pouco loucos. E daí? Foi duro. Na verdade, foi brutal espero nunca mais passar por uma coisa tão difícil. Mas isso tudo já acabou. Agora temos o resto da vida para viver. Não pode desistir só porque perdemos a razão por alguns momentos.

       — Não quero mais esse tipo de loucura – disse ela, com sinceridade. — Há uma porção de coisas que não quero mais fazer para mim mesma, coisas que eu pensava que "tinha de fazer". Não vou mais a chás-de-bebê, batismos, nem visito crianças recém-nascidas. Sam teve o bebê ontem e eu telefonei dizendo que não iria visitá-la. E quer saber de uma coisa? Está tudo bem. Esse é o segredo da minha sobrevivência hoje. Talvez um dia eu possa voltara fazer essas coisas; se não puder, vai ser duro, mas é como vai ser. Não quero mais me sentir pouco à vontade, nem sofrer, nem estar casada com alguém que devia estar tendo filhos e não tem porque sou sua mulher e sou estéril. E não vou me meter com mães de aluguel nem com doadores de óvulos. Que se dane toda essa droga, Andy. Não vou fazer nada disso. Vou apenas viver a minha vida. Tenho o meu trabalho. Existem outras coisas na vida além de casamento e filhos.

       Andy olhou pensativamente para ela. Uma parte do que ela acabava de dizer fazia sentido, outra não. E o trabalho não era um substituto adequado para filhos e marido.

       — Você não merece ficar sozinha pelo resto da vida. Não precisa ser punida, Di. Você não "fez" nada. Isso aconteceu com você. Já é bastante duro. Não piore as coisas condenando-se à solidão. — Os olhos de Andy encheram-se de lágrimas.

       — Por que pensa que me condenei à solidão? — perguntou ela, irritada.

       — Porque está roendo as unhas. Nunca faz isso quando está feliz.

       — Ora, vá para o inferno! — Diana sorriu, apesar de tudo. — Tenho muitas preocupações no trabalho.

       Conversavam há uma hora e ele ainda estava de pé ao lado do carro dela. Não iria fazer mal se o convidasse para entrar. Tinham estado casados por dezoito meses, viveram juntos durante muito tempo antes disso. Sem dúvida podia convidar Andy por alguns minutos. Andy ficou surpreso com o convite e aceitou. Diana agradeceu as rosas e as pôs num vaso.

       — Quer beber alguma coisa?

       — Não, obrigado. Sabe o que eu queria de verdade?

       Quase com medo da resposta, Diana perguntou: — O quê?

       — Andar na praia com você. O que acha?

      Diana concordou, trocou de sapato, vestiu uma jaqueta mais quente e emprestou a Andy um velho suéter dele, que ela levara.

       — Eu estava imaginando onde isso tinha ido parar — sorriu Andy. O suéter era um velho amigo. — Você me deu quando estávamos namorando. Eu era muito mais esperto do que sou agora.

       — Talvez nós dois fôssemos — admitiu ela.

       Desceram os degraus da varanda para a qual se abria a sala de estar e encaminharam-se para a praia que os dois amavam. Andy perguntou a si mesmo por que não tinham insistido mais em procurar uma casa em Malibu. A praia era tão bonita e repousante. Era tão simples e tão perto da natureza.

       Caminharam em silêncio por um longo tempo, olhando para o mar e sentindo o vento no rosto. Então, Andy segurou a mão dela e continuaram a andar. Depois de um tempo, Diana olhou para ele, como tentando lembrar quem ele era. Mas era fácil lembrar agora, caminhando ao lado dele. Era o homem que ela havia amado tanto... que a fizera tão feliz... antes de tudo desmoronar.

       — Foi duro, não foi? – disse Andy, quando sentaram-se encostados numa duna, longe da casa.

       — Sim, foi. E você tinha razão... Estou muito só... mas estou descobrindo coisas a meu respeito que jamais imaginei. Sempre fui tão obcecada por ter filhos que nunca parei para pensar quem eu era e o que eu queria.

       — E o que você quer, Di?

       — Quero uma vida completa, um casamento de verdade, com uma pessoa completa, que não dependa de filhos para manter o casamento feliz. Eu ainda desejo ter filhos, mas não estou tão certa de que não poderei sobreviver sem eles. Talvez essa seja a lição que eu precisava aprender com tudo isso, eu não sei. Não cheguei a uma conclusão definitiva.

       — Mas tinha percorrido um longo caminho depois que o deixara. — Eu sempre tive uma idéia muito confusa sobre minhas irmãs, minha mãe e eu mesma. Nunca soube dizer se eu era diferente ou não. Elas sempre dizem que sou diferente de todos, mas não tenho certeza. Sempre tive os mesmos interesses: família e filhos. Mas tenho outras motivações também e é nisso que sou diferente. Sempre trabalhei mais do que elas, eu precisava ser "a melhor". Talvez seja exatamente essa parte que me faz sofrer tanto. Eu fracassei. Não venci. Não consegui o que queria. — Era uma avaliação franca e Andy admirou a sinceridade dela.

       — Você é uma pessoa muito especial — disse ele. — Você não fracassou. Fez o melhor possível e é isso que importa.

       Diana concordou com um gesto, tentando acreditar que era verdade. E só com muito esforço Andy não a tomou nos braços. A despeito de todas as promessas de se comportar, ele se inclinou e a beijou. Diana não o repeliu e seus olhos se encheram de lágrimas.

       — Quer saber, eu ainda o amo — ela murmurou no vento. — Isso jamais vai mudar. Só achei que não era bom para nós continuarmos juntos. — Então de repente ela riu, lembrando-se de Wanda. — Wanda era uma piada, não era? Mas, naquela altura, meu senso de humor já não existia. Só depois de alguns dias comecei a pensar como foi tudo tão engraçado, tão ridículo. Tive vontade de telefonar para você.

       — Gostaria que tivesse feito isso. — No seu desespero, Andy teria ficado feliz. — É claro que você estragou tudo. Wanda escolheu o outro cara. O marido disse que ela não se sentiu bem com o seu carma.

       — Que ótimo! Espero que ela tenha quádruplos. Por que as pessoas fazem coisas como essa? — perguntou Diana, olhando para o mar. Havia uma névoa cinzenta no horizonte e o sol estava se pondo lentamente.

       — Você se refere a procurar mães de aluguel? Porque ficam desesperadas, exatamente como nós. E no caso de Wanda, acho que ela se vê como a própria Madre Teresa.

       — Acho que o dinheiro tem um papel importante. Mas é uma coisa doentia, porque os compradores estão desesperados e os vendedores sabem disso.

       — Acho que essa é a história da vida. Ainda bem que seu carma estava em baixa naquele almoço. Teria sido um desastre.

       — Creio que eu estava meio louca, ou talvez completamente. — Mas parecia muito sã agora e muito calma e Andy nunca a amou tanto quanto naquele momento.

       Voltaram para a casa e conversaram durante horas, finalmente sobre outros assuntos que não infertilidade e filhos. Tinha de haver outras coisas em suas vidas. Mas a experiência fora extenuante. Durante todo o tempo em que estiveram casados. Nem pensaram em jantar e, quando Andy se levantou para sair, viram com surpresa que já era meia-noite.

       — Gostaria de sair amanhã à noite? — perguntou ele, morrendo de medo que ela ficasse zangada, mas Diana fez um gesto afirmativo.

       — Sim, eu gostaria.

       — Que tal o Chianti? — Tratava-se de um restaurante italiano muito simples, em Melrose, com comida excelente, que os dois gostavam muito. — E talvez um cinema.

       — Sim, seria bom.

       Andy a beijou outra vez e ao se despedirem os dois sentiram-se muito jovens. Diana acenou quando o carro dele partiu, depois foi para a varanda e ficou olhando o mar por um longo tempo.

 

Charlie voltou várias vezes ao Palms Park, esperando encontrar Annabelle e Beth, e as encontrou. Conversavam e jogavam bola, mas ele nunca teve coragem de pedir o telefone a Beth. Não sabia se ela era casada; apesar de não usar aliança, ela nunca disse que era divorciada. Charlie gostava de ver as duas e Annie era adorável, sem dentes na frente e com tanta vivacidade. E era sempre agradável conversar com Beth. Era bom ver as duas, como uma família, felizes juntas. Na terceira vez em que se encontraram, em março, pareciam velhos amigos e foi quando Beth começou a falar mais abertamente com ele. Contou que Annabelle estava no jardim de infância e que ela trabalhava no Centro Médico da Universidade de Los Angeles como assistente de enfermagem. Ela queria ser enfermeira, mas não pudera terminar o curso. Conheciam-se há poucas semanas, mas Charlie sentia-se perfeitamente à vontade ao lado dela, sentados no banco, vendo Annabelle brincar de amarelinha. Quando chegou no parque, Charlie comprou um pirulito para o caso de encontrar as duas. Agora, ele levava seu almoço para comer no parque quase todos os dias.

       — Eu estou resfriada — anunciou Annie, aproximando-se do banco, mas parecia muito bem-disposta. Logo foi para o balanço, deixando-os sozinhos.

       — Ela é maravilhosa. — disse Charlie.

       — Eu sei. É uma boa menina. — Voltou-se para ele com um sorriso tímido. — Obrigada por ser tão bom para ela... as balas, os chicletes, os pirulitos. Você deve gostar de crianças.

       — Gosto sim.

       — Tem filhos?

       — Eu... não... ainda não... — E então Charlie percebeu o que acabava de dizer e corrigiu-se. — Não, não tenho. E provavelmente jamais terei, mas isso é uma longa história.

       Beth pensou que talvez a mulher dele não pudesse ter filhos, ou talvez ele nem fosse casado, mas não teve coragem de perguntar e Charlie também não explicou.

     — Algum dia, vou adotar algumas crianças. Fui órfão e sei o que significa precisar de uma família e não ter. — Não falou dos vários lares adotivos em que tinha estado, nem de quantos o rejeitaram por causa das alergias e da asma. A melhor família que conheceu tinha um gato e ele não podia morar com eles. Disseram que iriam sentir muito se tivessem de se desfazer do animal. Então, desfizeram-se de Charlie. — É duro para uma criança... Eu gostaria de mudar isso para alguém, antes que seja tarde demais — disse Charlie, com um sorriso.

       Ultimamente andava até pensando em adotar uma criança como pai solteiro. Sabia que isso era relativamente comum e, quando tivesse economizado mais um pouco de dinheiro, iria verificar as condições. Enquanto isso, tinha os garotos da Liga Infantil de beisebol com quem jogava todos os fins de semana.

       — Isso é uma coisa muito boa — sorriu Beth. — Eu também fui órfã. Meus pais morreram quando eu tinha doze anos. Fui criada por uma tia e aos dezesseis anos fugi para me casar. Foi a maior tolice que eu pude fazer. Casei com um homem que bebia, me enganava, mentia e me espancava. Não sei por que fiquei com ele, mas quando resolvi deixá-lo estava grávida. Tive Annie com dezoito anos.

       Isso queria dizer que Beth tinha 24 anos, mas parecia muito mais amadurecida do que as outras jovens da sua idade e sem dúvida era uma boa mãe.

       — O que aconteceu? Como se livrou dele? — A idéia de que alguém pudesse bater numa mulher o horrorizava, especialmente numa mulher tão doce quanto Beth.

       — Ele me abandonou e nunca mais apareceu. Acho que tinha outra mulher e seis meses mais tarde morreu numa briga de bar. Annie estava com um ano e voltei para cá. Trabalho à noite no hospital, assim posso passar o dia com ela. Uma vizinha toma conta dela à noite, para que eu não precise pagar uma baby-sitter.

      — Parece um bom arranjo.

       — Funciona bem para nós. Pretendo voltar a estudar enfermagem.

       Charlie teve vontade de fazer qualquer coisa para ajudá-la.

       — Onde você mora? — De repente ele queria saber mais.

       — A alguns quarteirões daqui, em Montana. — Deu o endereço e Charlie fez um gesto afirmativo. Era um bairro pobre de Santa Monica, mas respeitável e provavelmente seguro.

       — Gostaria de jantar um dia destes? — perguntou ele, depois de observar Annie no balanço por alguns minutos. — Pode levar Annabelle. Ela gosta de pizza?

       — Adora.

       — Que tal amanhã à noite?

       — Ótimo. Só preciso estar no hospital às onze. Saio de casa mais ou menos às dez horas e volto às sete e meia da manhã, com tempo para preparar o café e mandá-la para a escola. Durmo algumas horas e depois a apanho no jardim de infância. Funciona muito bem.

       Tinham criado uma rotina que, como ela dizia, funcionava, mas Charlie tinha pena de Beth, com tanta responsabilidade e ninguém para ajudá-la.

       — Parece que não sobra muito tempo para você dormir — observou ele.

       — Não preciso. Estou acostumada. Mais ou menos três horas de manhã, enquanto Annie está na escola, e um cochilo quando ela vai para a cama, à noite, antes de eu sair para o trabalho.

       — Também não sobra muito tempo para o lazer — comentou Charlie.

       Annie correu para ele. Parecia estar melhor. Beth lhe disse que estavam convidadas para comer pizza.

       — Com Charlie? — perguntou ela, surpresa e feliz, e a mãe fez um gesto afirmativo, satisfeita também.

       Beth era jovem e bonita e há muito tempo não tinha espaço para um homem em sua vida. Mas os encontros com Charlie a fazia sentir-se diferente.

       — Uau! Podemos tomar sorvete também? — perguntou Annie e Charlie riu.

       — É claro. — Charlie ficava feliz só de estar com elas. Annabelle voltou para o balanço. Olhando para ela, voltou a sentir vontade de ter um filho seu, mas de certa forma compreendeu que não precisava ser assim. Outras crianças no mundo cruzariam seu caminho e aqueceriam seu coração, como Annabelle, por exemplo. E ultimamente ele começava a sentir o prazer da liberdade. Mark dissera que isso iria acontecer e Charlie via agora que o amigo estava com a razão. Olhou para Annabelle e depois ele e Beth trocaram um sorriso, ambos pensando no futuro.

 

       Dessa vez Pilar não teve coragem de fazer o teste de gravidez no primeiro momento em que a menstruação atrasou. Tinha medo que fosse negativo. Provavelmente seu corpo ainda não estava preparado, depois do aborto. A médica avisara que as probabilidades de engravidar na primeira tentativa eram muito pequenas. Por isso ela esperou. E esperou. E, depois de uma semana, Brad ameaçou fazer o teste se ela mesma não fizesse.

       — Eu não quero saber — disse Pilar.

       — Pois eu quero.

       — Tenho certeza de que não estou grávida.

       Mas Brad não tinha. Ela estava sempre cansada e com os seios maiores e mais sensíveis. E havia algo diferente nela.

       — Faça o teste! — insistiu ele.

       Mas Pilar disse que não queria passar por tudo aquilo outra vez e queria parar como clomifeno. Não o tomava desde a última menstruação e não queria recomeçar se não estivesse grávida. Começava a achar que a tensão provocada pelo remédio era extremamente destrutiva.

       Finalmente, Brad telefonou para o Dr. Parker e os dois concordaram que ela estava com medo. O médico pediu a Brad para levá-la ao consultório. Assim que a examinou, ele teve quase certeza de que Pilar estava grávida, O teste de urina foi positivo. Pilar definitivamente estava esperando outro bebê.

       Ela ficou atordoada de alegria e Brad, encantado. Depois do que ela havia passado, ele queria realmente que Pilar tivesse um filho. O Dr. Parker receitou-lhe supositório de progesterona, para manter bem alto o nível desse hormônio e sustentar a gravidez; o resto ficava nas mãos da natureza. O médico avisou que ela poderia ter outro aborto e era possível que nunca conseguisse levar uma gravidez a termo. Ninguém sabia ao certo o que iria acontecer.

       — Vou ficar três meses na cama — anunciou ela, completamente apavorada, mas o Dr. Parker disse que não era necessário.

       Pilar estava morrendo de medo de perder a criança outra vez e resolveram não contar a ninguém antes de doze semanas, quando estaria livre do perigo de aborto. Mas havia ainda um milhão de coisas que poderiam sair erradas, disse ela a Brad naquela noite. Ela poderia ter um aborto tardio ou até um natimorto. O bebê poderia morrer no útero, estrangulado pelo cordão ou por várias outras razões. Ou poderia nascer com a síndrome de Down, por causa da sua idade, ou com espinha bífida. Os desastres possíveis não saíam da sua cabeça.

       — Deixe de falar nessas coisas e procure relaxar — disse Brad. — Que tal pés chatos, baixo QI ou o mal de Alzheimer quando o bebê ficar velho? Por que não descansa, meu bem? Do contrário vai estar histérica na hora de ter o bebê.

       Mas quando foi feita a ultra-sonografia, ao fim de nove semanas, os dois ficaram histéricos, bem como o Dr. Parker. Pilar iria ter gêmeos fraternos. Havia dois sacos amnióticos e Pilar chorou de alegria ao ver os coraçõezinhos batendo na tela.

       — Oh, meu Deus, o que faremos agora? – perguntou ela,incrédula. — Precisamos de tudo em dobro.

       — O que temos de fazer agora — explicou o médico com firmeza -, é ajudar a futura mamãe a manter a calma durante oito meses. Espero que os dois concordem com isso, porque do contrário teremos problemas. Não queremos perder esses dois aí.

       — Meu Deus, não — disse Pilar, fechando os olhos, certa de que não suportaria se aquilo viesse a acontecer.

 

Em março Andy começou a passar mais tempo na praia com Diana. Só um mês depois de ele a ter encontrado Diana permitiu que o marido passasse a noite com ela.

       — Não quero voltar para casa — disse Diana e ele compreendeu. Não ainda. Ela precisava de tempo e os dois estavam felizes em Malibu, na pequena casa na praia.

      Andy saía do trabalho e ia direto para Malibu todos os dias, sempre com pequenos presentes e flores. Uma vez ou outra Diana fazia o jantar, mas quase sempre iam aos seus lugares favoritos. Era um período especial de recuperação para os dois e também de redescoberta de quem eram e do quanto significavam um para o outro.

       No começo de abril, Diana voltou à casa deles e ficou surpresa ao ver o quanto havia sentido falta dali.

       — É uma bela casa, não é? — disse ela, olhando em volta e sentindo-se como uma estranha, depois de três meses de ausência.

       — Acho que foi essa nossa opinião quando a compramos — disse ele, cautelosamente, e passaram ali aquele fim de semana. Mas no fim da semana seguinte, sentiram saudades de Malibu e voltaram para a casa na praia. Estavam satisfeitos, sentindo-se jovens e livres. Era uma vida perfeita e certa noite, em abril, Diana o surpreendeu dizendo que na verdade estava gostando de não ter filhos.

       — Fala sério? — perguntou Andy. Há um mês vinham passando todas as noites juntos e ele estava mais feliz do que nunca. Diana parecia calma e satisfeita. Era uma outra pessoa.

       — Sim... acho que sim — respondeu ela, devagar. — Somos tão livres. Fazemos o que queremos, vamos aonde temos vontade, quando queremos. Não precisamos pensar em mais ninguém, só em nós dois. Posso ir ao cabeleireiro sem pressa de voltar para casa por causa da hora da baby-sitter, podemos jantar às dez horas, podemos resolver uma viagem de fim de semana de um momento para o outro. Não sei, talvez para a vida toda fosse um tanto egoísta, mas por enquanto estou gostando.

       — Aleluia! — exclamou Andy.

       O telefone tocou, Andy atendeu e, quando desligou, olhou estranhamente para Diana.

       — Quem era?

       — Um velho amigo. — Mas Andy estava pálido e Diana ficou preocupada.

       — Algum problema?

       — Não sei — disse ele com sinceridade e Diana ficou intrigada.

       — Por um momento pensei que fosse a bela Wanda. – Diana sorriu e Andy ficou embaraçado.

       — Não se enganou muito – disse ele, andando pela sala com a testa franzida.

       — O que quer dizer com isso? — Diana estava assustada. — Outra mãe de aluguel? Oh, Andy, não... não podemos passar por isso outra vez. Pensei que havíamos concordado que uma parte da nossa vida acabou, pelo menos por agora, e talvez para sempre.

      Não tinham tomado nenhuma decisão definitiva, mas em certos momentos Diana sentia que talvez pudesse viver muito bem sem filhos.

       — Acho que este caso é diferente — Andy sentou-se e olhou para ela. — Em setembro, quando soubemos... quando o Dr. Johnston...

       — Disse que eu sou estéril — completou ela, perfeitamente calma.

       — Falei com um velho amigo da faculdade. Ele trata de adoções particulares em São Francisco. Eu disse que não queria nada ilegal, mas que, se aparecesse uma criança de mãe honesta e saudável, estaríamos interessados. Foi ele quem telefonou. Eu já tinha esquecido.

       Andy olhava atentamente para Diana. Não queria obrigá-la a nada, mas teriam de resolver rapidamente. Era grande o número de pessoas que esperava uma criança para adotar e o amigo estava oferecendo primeiro para ele, desde que tivesse uma resposta na manhã seguinte. Estavam numa sexta-feira e o bebê deveria nascer a qualquer minuto. A mãe acabara de tomar a decisão de dar o filho para adoção.

       — O que ele disse? — Diana estava imóvel, atenta.

       A mãe tinha 22 anos, era seu primeiro filho e ela havia esperado demais para fazer um aborto. Estava no último ano da universidade em Stanford e os pais dela não sabiam da criança. O pai do bebê era um estudante de medicina na Universidade de São Francisco e nenhum dos dois poderiam manter a criança. Estavam dispostos a dar para adoção, mas só para as pessoas certas. E Eric Jones, o amigo de Andy, sabia que ele e Diana eram perfeitos. Os pais da criança hesitaram durante muito tempo e tinham resolvido somente naquela manhã.

       — E se eles mudarem de opinião? — perguntou Diana, apavorada.

       — Têm o direito de fazer isso até assinarem os papéis – disse Andy.

       — E isso significa quanto tempo?

     — Geralmente cerca de seis meses, mas eles podem assinar antes, se quiserem.

       Diana ouviu com atenção e depois disse:

       — Eu não suportaria. Imagine se eles o levarem depois de seis meses... Andy, eu não posso... — Seus olhos encheram-se de lágrimas e Andy compreendeu. Não iria pressioná-la.

       — Tudo bem, querida. Eu só queria contar a você. Não seria justo se não contasse.

       — Eu sei. Você vai me odiar se eu não quiser? Francamente, acho que não posso. O risco é muito grande.

      — Eu jamais poderia odiá-la. Acho que, se quisermos adotar, esta é uma ótima oportunidade, mas nada nos obriga a fazer isso. Nem agora, nem mais tarde. Depende unicamente de você.

       — Eu me sinto como se acabasse de pôr os pés no chão outra vez... e começamos agora a recuperar nosso casamento. Não quero pôr tudo isso em perigo, não quero me arriscar a um terrível desapontamento.

       — Eu compreendo — E ele compreendia de fato. Passaram a noite abraçados e, quando Andy acordou, na manhã seguinte, Diana não estava na cama. Ele a encontrou sentada na cozinha, extremamente abatida.

       — Você está bem?

       Ela estava muito pálida e Andy se perguntou há quanto tempo ela estaria acordada.

       — Não, não estou — disse ela.

       — Está doente?

       Diana balançou a cabeça.

       — Não tenho muita certeza ainda. Acho que só estou morrendo de medo. — Andy compreendeu e sorriu para ela. — Andy, eu resolvi que quero fazer isso.

       — Você quer o bebê? — Andy conteve a respiração por um segundo e esperou. Ele também queria, mas sem querer influenciá-la. Agora que ela estava mais calma e que voltara a levar uma vida normal, um bebê seria maravilhoso para o seu casamento.

       — Sim. Telefone para eles. — Diana quase não podia falar, de tão nervosa.

       Andy ligou para Eric Jones, em São Francisco. Ele atendeu no segundo toque, com voz sonolenta. Eram oito horas da manhã.

       — Nós queremos o bebê — disse Andy, esperando estar fazendo a coisa certa, esperando que o bebê nascesse saudável e rezando para que os pais não mudassem de opinião antes dos seis meses. Sabia que isso destruiria Diana e talvez seu casamento.

     — Acho bom virem depressa — disse Eric, satisfeito. — Ela entrou em trabalho de parto há uma hora. Podem tomar um avião agora?

       — Claro — disse Andy, procurando falar com calma, mas sentindo-se como um lunático. Desligou o telefone e beijou Diana. — Ela está em trabalho de parto, temos de voar para São Francisco.

       — Agora? — Diana parecia atordoada.

       — Agora! — respondeu Andy, ligando para a companhia de aviação. Com o fone no ouvido, disse para Diana fazer as malas e cinco minutos depois estava no quarto, tirando roupas do closet com uma das mãos e tendo na outra o barbeador elétrico.

       — O que estamos fazendo? — Diana começou a rir. – Ontem à noite eu estava dizendo como me sinto feliz por não termos filhos e agora estamos correndo de um lado para o outro como baratas tontas, voando para São Francisco para apanhar um bebê. — E, de repente, ela ficou assustada outra vez. — E se nós os odiarmos?... Se eles nos odiarem? O que acontece?

       — Voltamos para casa e eu a faço lembrar o que você disse a noite passada sobre como é bom não termos filhos.

       — Cristo, por que nos metemos em coisas como esta? — gemeu Diana, vestindo uma calça esporte cinza e calçando sapatilhas pretas. Sua vida era outra vez uma montanha-russa e ela não sabia se gostava disso ou não. Mas sabia que queria o bebê. E sentiu reabrirem-se lentamente as portas do seu coração, o que era apavorante e doloroso. Não podia se proteger do sofrimento. Para amar essa criança, precisava estar com o coração e a alma completamente abertos.

       — Veja a coisa deste modo — disse Andy, guardando o barbeador na mala e beijando Diana. — É mil vezes melhor do que almoçar com Wanda.

       — Eu te amo, sabia? — disse Diana, sorrindo.

       — Ótimo. Então feche o zíper da calça e vista uma blusa.

       — Não me apresse, estou prestes a ter um bebê. — Vestiu uma blusa de seda e apanhou o blazer azul-escuro.

       Aquele era um doce momento em suas vidas que nenhum dos dois queria esquecer. Chegaram ao aeroporto em tempo recorde, embarcaram em cima da hora e às onze e meia da manhã estavam em São Francisco. Eric havia explicado como chegar à maternidade, na Rua Califórnia, e estava esperando-os no saguão, como prometera.

       — Está tudo indo bem — informou, conduzindo os dois para a sala de espera da sala de parto, e os deixou. Andy começou a andar de um lado para o outro e Diana ficou sentada, olhando para a porta. Alguns minutos depois Eric voltou acompanhado de um homem jovem e bonito, apresentando-o simplesmente como Edward, o pai da criança.

       O engraçado é que ele era incrivelmente parecido com Andy. Edward era louro, forte, com traços regulares, educado e inteligente. Disse que Eric os havia informado sobre Andy e Diana e ele e Jane estavam animados com a idéia de entregar o filho aos dois.

       — Tem certeza de que não querem ficar com ele? — perguntou Diana. — Não quero levar o bebê e depois sofrer uma decepção.

       — Não faremos isso, Sra. Douglas... Diana... Eu juro. Jane sabe que não pode ficar com a criança. Durante algum tempo ela pensou em ficar com o bebê, mas decididamente não pode. Quer se formar na universidade e eu estou estudando medicina. Nossas famílias nos sustentam e não apoiariam essa decisão. Nem permiti que ela consultasse os pais. A verdade é que não queremos um filho. Não temos nada para dar a ele agora, material ou emocionalmente. Não é o momento certo para nós e teremos muitos filhos mais tarde. — Não deixava de ser uma afirmação arrogante, pensou Diana, uma confiança absoluta no futuro. Como ele podia saber que tudo daria certo para eles mais tarde? Como podiam dar o filho, supondo que poderiam fazer outro, alguns anos depois? Bastava ver o que tinha acontecido com ela. – Temos certeza – garantiu ele outra vez e os Douglas tiveram a impressão de que estava dizendo a verdade.

       — Espero que sim — disse Andy.

       Fizeram algumas perguntas sobre a saúde dos dois, se usavam drogas, sobre suas famílias. E Edward perguntou sobre seu modo de vida, suas crenças, a vida em família, suas idéias sobre como criar filhos. Até onde podia ver, Eric estava certo. Aquele era o casal perfeito. Então Edward surpreendeu-os, dizendo:

       — Acho que Jane gostaria de conhecê-los.

       — Nós também gostaríamos — disse Andy, esperando vê-la depois do parto, mas Edward chamou-os com um gesto para a porta onde se lia: SALA DE PARTO, NÃO ENTRE.

       — Quer dizer agora? — perguntou Diana. Seria como ter um estranho presente a alguns dos testes que fizera. Embora a ocasião fosse mais agradável, não deixava de ser uma invasão da privacidade.

       — Acho que ela não vai se importar.

       Jane estava em trabalho de parto há seis horas, disse Edward, mas agora as coisas tinham desacelerado um pouco e estavam pensando em usar Pitocin para apressar o trabalho novamente.

       Com a confiança de um estudante de medicina ele os conduziu até a sala de parto. Eric ficou no corredor. Uma jovem bonita, com cabelos escuros estava recostada nos travesseiros, assistida por uma enfermeira no meio de uma contração violenta. Quando passou, ela olhou para Andy e Diana. Sabia quem eram eles e tinha pedido para conhecê-los.

       — Oi – disse ela, timidamente. Edward os apresentou e Diana notou que ele a tratava com muito carinho. Jane parecia mais jovem do que era, com uma expressão suave e quase infantil no rosto bonito. Tinha o mesmo tipo físico de Diana e a semelhança entre os olhos das duas surpreendeu Andy.

       As contrações recomeçaram e Diana pensou em sair do quarto, mas com um gesto Jane pediu para ficarem. A princípio Andy sentiu-se constrangido, mas a naturalidade do jovem casal logo o deixou à vontade.

       — Esta foi violenta — disse Jane, olhando para Edward que verificou o monitor fetal e fez um gesto afirmativo.

       — As contrações estão voltando, espero que não precise do Pitocin.

       — Eu também espero — disse ela sorrindo para Diana.

       Quando começou a outra contração, ela procurou a mão de Diana. O trabalho de parto continuou até mais ou menos quatro horas da tarde e Diana e Andy ficaram no quarto com ela. Jane parecia cansada. A dor a estava vencendo e parecia não levar a nenhum resultado.

       — Parece que nunca mais vai acabar — queixou-se Jane e Diana, sentindo-se como se fosse mãe dela, acariciava a testa da jovem e oferecia lascas de gelo, sem tempo para pensar que até a noite passada nem sabia da existência daquela mãe que agora lhe entregaria seu filho.

       Edward conversou por alguns minutos com Jane em particular e depois disse a Eric que estavam resolvidos. Queriam que os Douglas ficassem com o bebê. No que dependia deles, era negócio fechado. Eric consultou Diana e Andy e ambos concordaram. Agora só precisavam do bebê.

       Às cinco horas o médico examinou Jane e Andy saiu para o corredor com Edward. Jane pediu para Diana ficar com ela. Diana agora sentia por ela um carinho maternal e extremamente protetor.

       — Continue — disse Diana carinhosamente. — Continue, Jane... Logo tudo estará acabado. — Ela imaginou por que não davam alguma coisa para aliviar a dor e, quando perguntou, a enfermeira disse que as contrações ainda não estavam produzindo resultado. Depois de dez horas de trabalho de parto, a dilatação era de apenas cinco centímetros.

       — Vai cuidar bem do meu bebê, não vai? — perguntou Jane, nervosa, quando começou outra contração.

       O médico dissera que ainda iria demorar.

       — Prometo. Vou amá-lo como se fosse meu.

       Diana queria dizer que Jane poderia visitar o filho quando quisesse, que era cruel tirá-lo dela depois de todo aquele sofrimento, mas sabia que Andy e ela própria não iriam querer isso.

       — Eu amo você, Jane — murmurou, com sinceridade, quando chegou a outra contração. — Amo seu bebê.

       Jane fez um gesto afirmativo e depois começou a gritar. A dor era brutal.

       Às seis horas rompeu a bolsa d'água e depois disso as dores se intensificaram. Jane perdeu completamente o controle e Diana duvidava que ela soubesse quem estava ao seu lado. Fora uma tarde extenuante, mas quando tentou se afastar por alguns momentos, Jane se agarrou a ela, como se precisasse da sua presença.

       — Não vá... não vá... murmurou ela, ofegante, tendo Edward e Diana ao seu lado.

       Finalmente a enfermeira disse que ela podia começar a empurrar, o médico apareceu e fizeram Edward, Andy e Diana vestir calças e batas verdes.

       — Para que isso? — perguntou Andy, em voz baixa, à enfermeira.

       — Jane quer que vocês dois assistam ao parto — explicou Edward.

      Eles se vestiram no pequeno banheiro e seguiram a maca de Jane até a sala de parto, onde ela foi rapidamente transferida para a mesa, as pernas apoiadas nos suportes e cobertas com papel azul. De repente começou o movimento. Jane gritava, médicos e enfermeiras entraram e Diana, apavorada, pensou que alguma coisa estava errada, mas todos pareciam calmos, todos muito ocupados. Enquanto Edward amparava os ombros de Jane, Diana mandava que ela fizesse força para baixo a cada sinal do médico.

       Jane começou a empurrar e então Diana viu trazerem para a sala um berço de vime. Quando ergueu os olhos para o relógio na parede, viu, com surpresa, que era quase meia-noite.

       — Estamos quase lá, Jane — disse o médico. — Vamos, continue, só mais alguns empurrões fortes... — dizendo isso, chamou Diana para o seu lado e ela viu a cabeça pequenina de cabelos negros abrindo caminho... empurrando... empurrando... enquanto Jane continuava o trabalho. E então, de repente, ouviram um grito e a menininha estava livre, lançada no mundo, olhando para Diana.

       Diana gritou de alegria e Andy estava ao seu lado com os olhos cheios de lágrimas.

       O médico enrolou cuidadosamente o bebê num lençol esterilizado e o entregou a Diana, ainda ligado a Jane pelo cordão umbilical. Chorando copiosamente, Diana olhou para a criança e depois para Andy. Juntos olharam para o pequeno milagre e, assim que o cordão foi cortado, Diana a entregou a Jane. Depois de todo aquele trabalho, ela tinha o direito de segurar a filha. Jane a encostou ao seio, beijou-a e a deu para Edward. Ela chorava também e parecia completamente exausta. Edward olhou para a filha por um longo tempo sem demonstrar emoção e a passou para a enfermeira. O bebê foi pesado e examinado. Tudo estava perfeito. Pesava três quilos e meio, tinha 49 centímetros de comprimento e finalmente, depois de quase dois anos de agonia, Diana tinha seu bebê. Olhou para ela, deitada no pequeno berço de vime. A menina tinha olhos grandes e olhava espantada para os novos pais. E eles, de mãos dadas, olhavam para ela, maravilhados com o milagre da vida e extremamente gratos a Jane e Edward.

      

No dia seguinte, Andy e Diana correram de um lado para outro como lunáticos, comprando fraldas, camisetinhas e camisolas, meias e sapatinhos, toucas e cobertores, uma lista interminável de coisas de que o bebê iria precisar quando o apanhassem na segunda-feira. Naquela tarde encontraram-se outra vez com Jane e Edward e assinaram os papéis preliminares.

       Jane estava com uma aparência melhor, mas ainda encontrava-se abalada e ficou muito emocionada quando viu Diana. Tentou agradecer por tudo que ela havia feito e por amar sua filha, mas no fim apenas chorou abraçada com o namorado.

       — Eu sinto tanto — disse Diana, chorando também, sentindo-se como se estivesse roubando o bebê dos dois e, por um breve momento, pensou em desistir. Prometo que vamos cuidar muito bem dela... e ela vai ser muito feliz.

       Diana abraçou Jane e, quando saiu do quarto com Andy, todos estavam chorando. Passaram no berçário para ver o bebê e convenceram-se de que tinham feito a coisa certa. A criança era tão bonita, tão pequenina e dormia calmamente. Falaram com o pediatra e ele deu a receita da mamadeira, os horários a serem seguidos, como cuidar do cordão umbilical e sugeriu que a levassem ao pediatra na semana seguinte. Diana olhou para Andy interrogativamente, mas então lembrou-se das irmãs.

       — Vou telefonar para Sam — sorriu ela. Há semanas não falava com a irmã, especialmente porque não queria falar sobre o novo filho de Sam.

       — Nossa! Ela vai ter uma surpresa! — Diana riu.

       Desceram no elevador e caminharam até a Rua Sacramento para comer alguma coisa. Aqueles foram dois dias exaustivos, mas maravilhosos, e na manhã seguinte iriam apanhar o bebê. Jane sairia do hospital nesse dia e tinha resolvido não ver mais a filha, pois isso só dificultaria mais as coisas para ela.

      — Você não acha que eles vão mudar de idéia, acha? — Diana perguntou a Andy, nervosa, naquela noite, e ele pensou um minuto antes de responder.

       — Não, não acho. Mas é uma possibilidade que teremos de aceitar durante alguns meses, até assinarem os papéis definitivos. Podem mudar de idéia, no fim, mas agora me parecem bastante seguros. Pelo menos Edward. E ela também, acontece que é uma fase de muita emoção, uma coisa brutal.

       Diana não podia imaginar como seria dar um filho para alguém e deu graças a Deus por jamais ter de tomar essa decisão, pois tinha certeza de que não seria capaz. Então, eles falaram sobre outras coisas, como o nome da criança. Não estava resolvido ainda, mas Hilary parecia ser o favorito dos dois. No dia seguinte telefonaram para os respectivos escritórios dizendo que estavam "doentes". Andy queria ficar em casa pelo menos por mais um dia e Diana tiraria uma longa licença, talvez até mesmo deixaria o emprego, mas isso não era certo ainda.

       Eric Jones encontrou-se com eles no hospital com mais papéis para serem assinados. Disse que Jane e Edward já haviam partido, o que foi um alívio para todos. Andy e Diana queriam deixar para trás aquela parte da adoção. Agora tudo que desejavam era o bebê. Tomaram o elevador, Diana ansiosa, carregando um cesto de vime forrado com renda branca. Tinham comprado uma cadeirinha para a limusine alugada que os levaria ao aeroporto. Era uma grande ocasião. Finalmente estavam levando seu bebê para casa. E a menina já tinha nome. Hilary Diana Douglas.

       Hilary dormia profundamente quando a enfermeira a tirou do berço. Deixaram Andy e Diana entrar no berçário com aventais esterilizados. A enfermeira ensinou Diana a trocar a fralda e a vestir o bebê, informando também sobre o horário das mamadeiras e da água com glicose. O hospital forneceu doze mamadeiras para leite e doze para água. A enfermeira explicou que, se Hilary fosse filha de Diana, ela ainda não teria leite e por isso não deviam alimentá-la demais pelo menos por mais um dia. Hilary tinha menos de dois dias de vida, um bebê muito novinho.

       Quando Diana a pegou nos braços, Hilary bocejou e abriu os olhos cheios de sono. Olhou para os dois e adormeceu outra vez enquanto Diana a vestia. E, nesse momento, Diana sentiu algo que jamais sentira antes por pessoa alguma, nem mesmo por Andy. Era uma intensidade extrema de amor e de felicidade que quase a atordoou. As lágrimas encheram seus olhos enquanto vestia no bebê uma camisolinha cor-de-rosa, o casaquinho e os sapatinhos de tricô. A touca tinha pequenas rosas e Hilary estava um amor quando Diana a pegou no colo. Para Andy, Diana nunca pareceu mais bela do que naquele momento.

       — Vamos, mamãe — disse ele, com voz suave.

       No corredor, encontraram Eric, que disse que o hospital já dera alta para o bebê. Hilary era deles agora. Andy e Diana o abraçaram, agradecendo comovidos, e Eric os acompanhou até a limusine. No porta-malas levavam três malas cheias de roupas de bebê e um enorme urso de pelúcia, comprado por Andy.

       — Muito obrigada por tudo — Diana disse para Eric, enquanto a limusine se afastava,e ele acenou para os dois, com um largo sorriso. Tudo tinha sido maravilhoso.

       Diana, sentada ao lado do bebê, olhou para Andy. Era difícil acreditar em tudo que lhes havia acontecido em menos de 48 horas.

       — Dá para acreditar? — perguntou ela, com um largo sorriso, ainda com medo de que tudo não passasse de um sonho. Mas os dedinhos enroscados nos dela eram reais. Olhou para Hilary e tudo lhe pareceu perfeito.

      — Não, eu ainda não acredito — admitiu Andy, em voz baixa, para não acordar o bebê. Olhou para Diana. — O que você vai fazer com seu emprego? — Agora que ela começava a se interessar outra vez por sua carreira, tudo se complicava.

       — Acho que vou tirar a licença-maternidade. Ainda não resolvi.

       — Eles vão adorar. — disse Andy, rindo. Mas estava planejando tirar pelo menos uma semana para ajudar Diana e para conhecer sua filha... a filha dos dois... As palavras soavam estranhas ainda. E cada vez que Diana pensava em tudo que tinha acontecido, sentia a perda de Jane, que havia sido uma dádiva para os dois. Parecia um modo doloroso de ter um filho, provocando tanta dor. Mas fora uma opção de Jane.

       Hilary acordou um pouco antes de embarcarem no avião; Diana trocou a fralda, deu a ela um pouco de água com glicose e ela voltou a dormir. No avião, Diana a pegou no colo, sentindo o calor aconchegante do bebê contra seu peito. Uma sensação completamente nova para ela, de amor e paz.

       — Não sei quem parece mais feliz, se você ou a senhorita Hilary — disse Andy, com um sorriso, tomando um drinque realmente merecido.

       Chegaram em casa na hora do jantar e Diana olhou em volta, como se tivesse se ausentado por muito tempo. Tantas coisas haviam acontecido, tantas coisas haviam mudado desde o telefonema de Eric na noite de sexta-feira. Teriam sido apenas três dias? Era difícil acreditar.

       — Em que quarto ela vai ficar? — murmurou Andy.

       — No nosso, eu acho. Não quero que fique longe de nós. Além disso, tenho de levantar à noite para dar a mamadeira.

       — Sim, sim, eu sei — sorriu ele. — Você não quer ficar nem um minuto longe dela.

       Mas não podia culpá-la. Ele também queria ficar perto das duas. E, enquanto a deitava cuidadosamente no berço, Andy pensava se seria difícil adotar outra criança.

       Naquela noite Diana telefonou para Sam, pedindo o nome do pediatra dos seus filhos para uma "amiga" e Sam não podia ver o largo sorriso da irmã. Sam deu o nome do médico e então Diana perguntou pelo bebê e convidou-a a visitá-la no dia seguinte.

       Mas Sam, que havia finalmente compreendido a sensibilidade da irmã, respondeu com muita cautela.

       — Não tenho com quem deixar o bebê, Di. Seamus está trabalhando num novo quadro. Eu poderia ir quando os outros dois estivessem na escola, mas teria de levar o bebê comigo. – Sabia que Diana não queria isso. Ela só o vira logo depois do nascimento e mesmo assim de uma distância considerável.

       — Tudo bem, eu não me importo — disse ela, calmamente, e Sam franziu a testa, desconfiada.

       — Tem certeza?

       — Absoluta — respondeu Diana, com firmeza.

       — Você está se sentindo melhor? — perguntou Sam, discretamente. Embora chocada com a explosão da irmã no Dia de Ação de Graças, nos meses seguintes ela chegou a compreender o que Diana devia estar sentindo e ficou revoltada com a sua falta de sensibilidade e de todos os outros, que não sabiam do problema.

       — Estou muito melhor, Sam. Conversamos sobre isso amanhã.

       Diana telefonou para a mãe. Ficou desapontada quando soube que o pai estava fora da cidade. Mas convidou a mãe para um cafezinho na mesma hora que Sam deveria chegar.

       Depois, foi a vez de Gayle. As três disseram que iriam e Diana não explicou o motivo do convite. Mas, ao desligar, estava sorrindo, feliz. Era uma delas finalmente. Tinha conseguido. Pertencia à sociedade secreta. Ela tinha um bebê.

       — Fico satisfeito por ver você tão feliz, querida — disse-lhe Andy ainda naquela noite. Ele nunca a vira assim e só então compreendeu realmente o quanto Diana queria um filho. Surpreendeu-se percebendo que o fato de a criança não pertencer biologicamente a nenhum dos dois não fazia a menor diferença para ele. Era um bebê maravilhoso. E quando Hilary acordou pela primeira vez naquela noite, os dois saltaram da cama e apanharam a mamadeira. Depois disso, revezaram-se e, de manhã, Andy levantou-se cansado mas feliz.

       — Você esqueceu de telefonar para uma pessoa — disse ele, sonolento, voltando para a cama. Acabava de ligar para o escritório a fim de avisar que novamente não iria trabalhar nesse dia e nem no dia seguinte. Disse que estava doente e que explicaria o resto depois.

       — Quem? — perguntou Diana, depois de pensar por um momento. Tinha telefonado para as irmãs e para a mãe. Convidaria o pai assim que ele voltasse da viagem. – Não estou lembrando de mais ninguém. — Talvez Eloise, mas agora não eram mais amigas tão íntimas.

       — Estou falando de Wanda... Você sabe... Wanda Williams.

       — Ora, seu bobo. — Diana riu e Hilary começou a chorar. Então Diana a alimentou, banhou e vestiu com uma das roupas que haviam comprado, para esperar as visitas.

       Mas de repente, olhando para ela, Diana compreendeu que o importante não era sua família, nem como iriam reagir, nem o que pensariam dela agora que tinha uma filha, o importante era a criança, aquela pessoa pequenina, a mulher que ela seria e tudo que significaria e que já significava para Andy e Diana. Hilary era alguém por quem os dois haviam esperado uma vida inteira. Tinham rezado por ela, brigado por ela e quase se destruído quando pensaram que jamais a encontrariam. Ela significava mais para eles do que jamais poderiam expressar, e o que os outros pensavam realmente não tinha importância. Diana esperava que as irmãs e a mãe amassem Hilary e estava certa de que a amariam. Como poderiam deixar de amá-la? Mas se isso não acontecesse... não importava. Diana compreendeu que não tinha fracassado. Apenas fizera as coisas de modo diferente. Enfrentara um problema insolúvel, uma tempestade em sua vida, e sobrevivera. Problema resolvido. A vida prosseguia. Não havia vitórias nem derrotas. Havia a vida com todos os seus tesouros, com toda sua alegria e desespero, seus dons infinitamente preciosos. Hilary era um deles, talvez o maior que ela jamais receberia. Mas sabia que a entrada de Hilary em sua vida não era uma vitória, e sim uma bênção.

       A campainha tocou e Diana foi atender. Era sua mãe.

       — Como vai, minha filha? — perguntou a mãe, preocupada, e Diana percebeu que ela estava assustada.

       — Estou ótima.

       — Por que não está trabalhando? — Ela sentou-se no sofá, com os joelhos muito juntos, no seu tailleur azul-marinho, o cabelo bem penteado, segurando a bolsa com as duas mãos.

       — Não fique preocupada, mamãe. Está tudo bem. Estou de férias.

       — Está? Não me disse que ia tirar férias agora. Vocês vão viajar? — Sabia que estiveram separados por algum tempo, mas Diana telefonara para ela assim que voltaram.

       Ela sempre tomava esse tipo de cuidado para não preocupar os pais sem motivo. Só o amargo sofrimento de saber que não podia ter filhos ficara em segredo. Mas a mãe jamais falava do assunto com ela. Não queria interferir e nem fazer perguntas embaraçosas, mas Sam contara a ela que não havia esperança para Diana e Jack confirmara.

       Diana ia dizer que ela e Andy não pretendiam viajar quando a campainha tocou outra vez. Era Sam com o bebê. O menino estava com dois meses e era muito lindo. Diana olhou para ele, dormindo placidamente na cadeirinha, e percebeu que, dois dias atrás, isso teria sido um sofrimento incrível para ela. Agora era apenas um bebê bonito e fofinho.

       — Alguma coisa errada? — perguntou Sam assim que entrou.

       Diana riu, ajudando-a a acomodar o bebê, e Sam olhou para ela, preocupada. Alguma coisa tinha acontecido com Diana. Ela parecia mais calma, mais segura, nem um pouco perturbada por seu bebê. Sam chegou a pensar que ela estava grávida, mas jamais teria coragem de perguntar.

       — Nada errado. Mamãe fez a mesma pergunta. Pensou que fui despedida porque estou em casa a esta hora. — Com surpresa, Sam viu a mãe na sala. — Estou de folga esta semana e achei que seria agradável uma pequena reunião. É bom ver você, Sam. — Sorriu e o olhar que elas trocaram aqueceu o coração da mãe.

       Gayle chegou dez minutos depois, reclamando do tráfego, do carro e da falta de vaga para estacionar.

       — Então, o que estamos comemorando? — Olhou em volta, desconfiada, quando viu a irmã e a mãe. — Parece um conselho de família.

       — Pois não é — sorriu Diana. — Quero que vocês conheçam uma pessoa. Sente-se, Gayle. — Sam estava sentada ao lado da mãe, amamentando o bebê.

       Diana saiu da sala, tirou Hilary do berço sem acordá-la e, beijando a cabecinha macia, levou-a para a sala. Parou na porta. Sam ergueu os olhos e sorriu. A mãe começou a chorar e Gayle ficou boquiaberta.

       — Oh, meu Deus... Você ganhou um bebê.

       — Sim, ganhamos. Hilary. — Sentou-se ao lado de Sam com Hilary no colo. Era uma menina linda, com pele perfeita, dedinhos longos e graciosos.

       — Ela é linda! — exclamou a mãe, beijando Diana. — Querida, estou tão feliz por você.

       — Eu também estou, mamãe — disse ela, retribuindo o beijo.

       Sam abraçou-a carinhosamente, as duas rindo, e Gayle inclinou-se para examinar o bebê.

      — É uma beleza — elogiou ela. Olhou para Diana: — Você tem sorte, escolheu o caminho mais fácil, nada de trabalho de parto, nada de quinze quilos para perder depois do nascimento, nada de seios caídos. Só uma criança maravilhosa e seu corpo elegante. Se não estivesse tão feliz por você, eu a odiaria. Quem sabe agora podemos ser amigas outra vez. Não tem sido fácil para ninguém, você sabe... — Gayle falava por todos, mas como sempre acontecia a tensão maior era sempre entre ela e Diana. Sam não tomava parte nas brigas. Ela era a caçulinha.

       — Eu sinto muito — desculpou-se Diana, olhando para Hilary — Foi muito difícil, mas agora acabou.

       — De onde ela veio? — perguntou Sam, curiosa, olhando fascinada para o rostinho perfeito.

       — São Francisco. Nasceu no domingo à meia-noite e meia.

       — Ela é perfeita-disse a avó, ansiosa para contar ao marido. Nem podia imaginar o que ele iria dizer, mas tinha certeza de que ficaria feliz e aliviado, sabendo o que Diana tinha passado naqueles últimos meses.

       Depois de duas horas, elas saíram, beijando Diana e Hilary. Andy chegou em casa no momento em que Sam se despedia. Fora ao escritório para apanhar alguns papéis e explicar por que precisava ficar em casa o resto da semana. Ficaram surpresos com a notícia e concederam os dias de folga sem maiores problemas, dizendo que ele poderia ficar em casa na semana seguinte também se precisasse. Andy procurou também Bill Bennington para contar a novidade.

       — Isso quer dizer que podemos jogar tênis outra vez? — brincou Bill. Ele e Denise compreendiam o problema de Diana. Na verdade, Denise estava agora de repouso na cama. Sua gravidez não estava sendo fácil. Temiam que o bebê fosse prematuro, ou até mesmo que ela o perdesse. Mas agora estava quase no fim, o bebê deveria nascer dentro de oito semanas e, portanto, dentro de mais um mês ela poderia se levantar, pois já não haveria problemas se o bebê nascesse. — Quando podemos vê-la? – perguntou Bill. Ele e Denise teriam também uma menina e já imaginava os dois passeando com as filhas. — Dentro de alguns anos talvez possamos fazer um jogo de duplas — sugeriu ele.

       Andy riu e depois prometeu que iriam visitar Denise.

       — Telefonaremos — prometeu Andy e voltou para Diana e Hilary

       Diana dera a ele uma longa lista de compras e Andy precisava também de algumas coisas. Quando chegou em casa viu que Diana tinha passado algumas horas agradáveis com a mãe e as irmãs.

       — Missão bem-sucedida? — perguntou ele e Diana riu — Como se comportou a princesa? — Hilary estava dormindo.

       — Impecável e elas a adoraram.

       — Como não iriam adorar? — Andy olhou para ela, fascinado com cada movimento, com tudo que era dela, adorando-a. Então lembrou-se de algo. — Telefonou para o seu escritório?

       — Tentei, mas não encontrei quem eu queria. Acho que seria bom ir lá pessoalmente. – Devia uma explicação de como tudo aquilo tinha acontecido de um dia para o outro.

       Foi ao escritório no fim da tarde e todos foram extremamente compreensivos. Ofereceram licença-maternidade completa de cinco meses, a começar daquele momento. No fim desse tempo, o emprego estaria à sua espera. Diana estava certa de que voltaria, embora sempre perguntasse a si mesma, desde que se casara, o que faria quando tivesse um filho. No começo, pensou que deixaria de trabalhar; mais tarde, achou que voltaria, talvez em meio período. Não poderia continuar como editora sem trabalhar em horário integral, mas poderia fazer muitas outras coisas. E ainda não havia decidido. Tinha cinco meses para ficar com Hilary e pensar no assunto. No fim desse tempo teria resolvido.

       Agradeceu a generosidade da editora-chefe e foi retirar suas coisas do escritório. Precisariam dele para quem a substituísse durante aquele tempo. Não levou mais de uma hora para pôr tudo nas caixas e mandar levar para seu carro. Antes de sair foi à sala de Eloise que estava tirando um suflê do forno.

       — Nossa, isso parece bom. — O aroma enchia a sala e Eloise sorriu.

       — Você também parece ótima. Há séculos eu não a vejo. Tem tempo para uma xícara de café?

       — Rapidamente.

       — Certo.

       Diana sentou-se na frente do balcão e logo Eloise serviu uma xícara de café escaldante e um pedaço do suflê num prato

       — Não estou muito certa desta receita. Prove e diga o que acha.

       Diana provou e fechou os olhos, extasiada.

       — É pecaminoso.

       — Ótimo — disse Eloise, satisfeita. — Então, quais são as novidades?

       Eloise sabia o que Diana tinha passado naquele último ano. A amiga vivia triste e afastara-se de todos. Ela e Eloise quase não se viam mais.

       — Você está com ótima aparência — elogiou Eloise.

       Diana tinha melhorado desde que voltara para Andy. Começava a reconstruir sua vida e parecia que sua felicidade já não dependia de ter um filho. Mas estava também mais séria. As cicatrizes eram inevitáveis.

       — Obrigada — disse Diana, tomando o café, com um sorriso nos olhos. — Tivemos um bebê neste fim de semana. — Riu quando Eloise ficou boquiaberta.

       — Vocês tiveram o quê? Será que ouvi direito?

       — Ouviu, sim — confirmou Diana com um sorriso feliz. — Uma menininha chamada Hilary. Nasceu no domingo e nós vamos adotá-la.

       — Ora, que maravilha! — exclamou Eloise. Era a maior dádiva e ela sabia o quanto eles iriam amar aquela criança.

       — Acabaram de me dar cinco meses de licença-maternidade. Mas vou voltar. Pode me visitar em casa e eu estarei de volta no fim do ano. Mas não pare de cozinhar.

       — Não vou parar — garantiu Eloise, com uma certa tristeza. — Mas não estarei cozinhando aqui. Acabo de aceitar um emprego em Nova York. Avisei a revista esta manhã. Devo partir dentro de duas semanas. Eu ia contar assim que a visse.

       — Vou sentir sua falta — disse Diana. Tinha um grande respeito por Eloise e sentia pena de não ter tido tempo para conhecê-la melhor. Mas tanta coisa havia acontecido em sua vida nesse ano. Não sobrara muito tempo para amizades e Eloise compreendia.

       — Eu também vou sentir saudades de você. Terá de me visitar em Nova York. Mas antes de ir quero conhecer o bebê. Telefono esta semana.

       — Ótimo.

       Diana terminou de tomar o café, despediram-se com um abraço e Eloise prometeu visitá-la no fim de semana. No caminho, Diana pensou no quanto iria sentir falta do seu trabalho na revista. Mas, quando entrou em casa, só pensava em Hilary e era como se a revista, que antes consumia cada momento do seu tempo, estivesse em outro planeta.

 

       Em maio, fazia três meses que Charlie e Beth se conheciam. Para ele era como se tivessem se conhecido durante toda a vida. Podiam conversar sobre qualquer coisa e ele passava uma grande parte do tempo contando a sua infância e como esta o influenciara no sentido de desejar tanto uma família e um lar. Contou sobre o seu casamento com Barbara e o quanto ficara abalado quando ela o deixou. Mas agora compreendia melhor. Depois de pensar muito, chegou à conclusão de que o casamento fora um erro para os dois. Mas uma coisa ainda não tinha contado e achava que jamais teria coragem para contar. Tudo que sabia era que não tinha o direito de se casar outra vez, mas contanto que não chegassem a esse ponto, não teria de dizer nada. Beth não precisava saber que ele era estéril. Charlie gostava demais dela para contar a verdade. Tinha medo de perdê-la. Já perdera tanto na vida, tantas pessoas de quem gostava, para arriscar perder também Beth e Annie.

       No Dia das Mães ele as levou para o Marina Del Rey. Antes, saiu com Annie e compraram flores que ela deu para a mãe com um belo cartão feito na escola. Naquela tarde foram à praia e, enquanto Annie brincava com outras crianças, Beth fez, casualmente, a tão temida pergunta.

       — Como é que você nunca teve filhos, Charlie? — Estava deitada com a cabeça no peito dele, na areia, e sentiu o corpo de Charlie ficar rígido.

       — Não sei. Falta de tempo. Falta de dinheiro.

       Isso não combinava com Charlie e ele já dissera que um dos motivos de discussão com sua primeira mulher fora o fato de ela não querer filhos. Contou também que ela ficara grávida de outro homem, o que acabara com o casamento. Charlie não entrou em detalhes. Não contou que, quando disse a ela que estava disposto a aceitar a criança, Barbara já havia feito o aborto, que não vou me casar nunca mais — disse ele, pensativo. — Na verdade, sei que não vou.

       Beth olhou para ele com um sorriso tímido. Não estava tentando provocar um pedido de casamento, mas apenas sentia-se curiosa sobre o passado dele e interessada em tudo que dizia respeito à sua vida.

       — Eu não perguntei isso. Não fique tão tenso. Não estou lhe propondo casamento. Só perguntei por que nunca teve filhos.

       Beth estava como se tinha dito alguma coisa inconveniente e então sentou-se e olhou para ele. Era tolice tentar enganá-la. Charlie gostava muito dela. E seria errado dar falsas esperanças e depois desaparecer, como pretendia. Resolveu que era melhor contar de uma vez. Beth tinha o direito de saber com quem estava perdendo seu tempo.

       — Eu não posso ter filhos, Beth. Fiquei sabendo há seis meses, um pouco antes do Natal. Fizeram uma porção de testes e, para encurtar a história, descobriram que sou estéril. Foi um choque enorme — disse Charlie, triste, com medo do que Beth iria fazer agora. Mas contar a ela era a coisa certa.

       — Oh, Charlie... — disse ela, arrependida de ter perguntado. Estendeu a mão para a dele, mas Charlie não a segurou e de repente pareceu estar muito distante.

       — Acho que eu devia ter contado antes, mas não é exatamente o tipo de coisa que a gente gosta de contar num primeiro encontro. Nem nunca.

       — Não. — Com um sorriso, Beth disse: — Podia ter contado antes. Teria evitado o trabalho que tivemos com precauções. — Estavam usando camisinha, o que era quase de praxe em novos relacionamentos nos dias atuais, mas Beth usava também o diafragma e Charlie nunca lhe dissera para não usar, o que agora parecia divertido para ela, mas não para Charlie.

       — Não tem importância — disse Beth suavemente e depois franziu a testa. — E que negócio é esse de nunca mais se casar? Por que isso?

       — Eu acho que não tenho esse direito, Beth. Olhe para você: tem uma bela filha e deveria ter mais filhos.

       — Quem disse que é isso que eu quero? Ou que posso? — Olhou para ele muito séria.

       — Não quer? Não pode? — Charlie ficou surpreso. Beth amava tanto Annie, que parecia impossível não querer outros filhos.

       — Sim, eu posso — disse ela com franqueza. — Mas acho que ia depender da pessoa com quem eu me casasse. Para dizer a verdade, acho que não quero mais. Annie é bastante para mim. Nunca pensei em ter mais filhos. Fui filha única e não me fez nenhum mal. E, decerto modo, é muito mais simples. Eu não poderia sustentar outro agora. Às vezes o dinheiro mal dá para nós duas.

       Charlie sabia disso e procurava ajudar com pequenos presentes de mantimentos e as levava para comer fora sempre que era possível.

       — Mas, se casasse outra vez, iria querer mais filhos. Como qualquer outra pessoa... como eu iria querer... — disse ele, com tristeza. — Algum dia vou adotar um menino. Estou guardando dinheiro para isso. Agora pais solteiros podem adotar e quero encontrar um garoto exatamente como eu era, jogado em alguma instituição horrível, sem ninguém para amá-lo. Quero mudar sua vida e talvez de outras crianças também, se puder.

       — Quantos pretende adotar? — perguntou Beth, nervosa.

       — Dois. É só um sonho. Eu já tinha essa idéia, mesmo quando pensava que podia ter filhos meus.

       — Tem certeza de que não pode? — perguntou ela, séria.

       — Absoluta. Consultei um cara importante em Beverly Hills e ele diz que é impossível. Eu acredito nele. Já me arrisquei muitas vezes, especialmente quando era mais jovem, e nada aconteceu.

       — Não é nenhum bicho-de-sete-cabeças, sabia? — disse ela. Lamentava por ele, mas não era o fim do mundo. E certamente não mudava sua opinião sobre a masculinidade de Charlie, que era impressionante.

       — Foi um choque enorme para mim durante algum tempo — confessou ele. — Eu sempre quis ter filhos e estava tentando engravidar Barb para salvar o nosso casamento. — Então ele riu da ironia. — No fim o outro ganhou a corrida.

       Na verdade, isso já não o perturbava. Sentia pena de não ter dado certo com Barbara, mas, especialmente depois que conhecera Beth e Annie, começou a encarar tudo filosoficamente. A única coisa que o entristecia era saber que seu amor por Beth não os levaria a nada. Acreditava ainda que não tinha o direito de se casar com ela, impedindo-a de ter mais filhos. Beth era jovem agora, e podia querer outros filhos mais tarde.

       — Se eu fosse você, não me importaria muito — disse Beth com sinceridade. — Uma mulher que o ame de verdade não vai dar a mínima para isso.

       — Você acha, mesmo? – perguntou Charlie, surpreso, deitaram-se outra vez na areia, ela com a cabeça no ombro dele. — Não tenho tanta certeza disso — concluiu ele, depois de um tempo.

       — Mas eu tenho. Eu não me importaria.

       — Mas devia — disse Charlie, paternalmente. — Não limite o seu futuro. Você é muito jovem para fazer isso.

       Beth sentou-se outra vez e olhou para ele, zangada.

       — Não me diga o que devo fazer, Charlie Winwood. Eu posso fazer o que bem entender e quero dizer agora mesmo que não daria a mínima para o fato de você ser estéril — declarou, em voz alta e clara, e Charlie olhou em volta preocupado. Mas ninguém estava ouvindo e Annie brincava com as outras crianças.

       — Por que não espalhamos cartazes pela cidade?

       — Desculpe — disse ela, deitando-se outra vez ao lado dele. — Mas eu disse a verdade.

       Charlie deitou-se de bruços na areia e segurou o rosto dela com as duas mãos.

       — Fala sério, Beth?

       — Sim, falo sério.

       Isso mudava muita coisa e Charlie pensou seriamente no futuro dos dois, mas ainda parecia errado casar com uma moça tão jovem e não poder lhe dar filhos. Sabia da existência de doadores de esperma. Pattengill havia sugerido essa alternativa, para ele e Barb, mas Charlie tinha certeza de que jamais faria isso. Porém, se Beth falara com sinceridade, talvez Annie bastasse para os dois... ou poderiam adotar algumas crianças. Charlie sorriu e, sem uma palavra, a beijou.

      

Andy e Diana passaram em casa o segundo aniversário de casamento, porque não queriam deixar Hilary com ninguém e Diana não tinha vontade de ficar longe dela.

       — Tem certeza? — Andy sentia-se culpado por não levá-la para jantar fora, mas na verdade também preferia ficar em casa.

       Diana estava aproveitando bem sua licença. Passava o tempo todo com Hilary e pensava no que seria melhor fazer quando terminasse a licença. Gostava de ficar em casa, mas achava que, depois de algum tempo, iria querer voltar ao trabalho, nem que fosse em meio período. Pensava até mesmo em procurar outro emprego, com um horário mais flexível. Mas ainda tinha três meses para se resolver. Andy estava mais ocupado do que nunca no escritório, com novas séries, novas estrelas, novos contratos. Bill Bennington tirara uma longa licença. Denise tivera o bebê antes do tempo, no fim de maio, e houvera complicações. Agora, porém, já estavam em casa, muito felizes.

       Diana a visitou e tentou ajudar. Sentia-se uma veterana, depois de dois meses com Hilary. Gayle e Sam a ajudavam muito com conselhos e o pediatra que lhe indicaram era excelente. Na maioria das vezes, ela seguia o instinto. A maior parte dos cuidados com uma criança dependia do bom senso, como dissera seu pai quando a visitou para conhecer Hilary. Ele chorou, comovido, na ocasião. Significava muito para seu coração saber que a filha estava finalmente em paz com o mundo. Abraçou Diana demoradamente com os olhos cheios de lágrimas e depois olhou para o bebê.

       — Você fez um bom trabalho — disse e Diana de repente imaginou se ele pensava que o bebê era dela. Isso a deixou preocupada. Seria o primeiro sinal de que a mente do pai começava a falhar.

       — Papai, eu não tive o bebê — lembrou ela, cautelosamente, e ele riu.

       — Eu sei disso, bobinha. Mas vocês a encontraram e a trouxeram para casa. É uma benção para nós todos, não só para você e Andy — disse o pai, beijando-a com carinho. Ao sair, disse que Hilary era a criança mais bonita que ele já tinha visto.

       Batizaram Hilary no começo de junho e a festa foi na casa dos pais de Diana, em Pasadena. Nesses dias, tudo parecia girarem torno do bebê e Andy notou que Diana parecia exausta. Em parte era falta de sono porque ela se levantava três ou quatro vezes durante a noite e, no primeiro mês, Hilary tivera muitas cólicas. Agora, o bebê estava bem, mas Diana não. Na noite do aniversário de casamento, Andy percebeu que ela nem se deu ao trabalho de usar maquiagem. Vendo-a tão abatida, ele quase se arrependeu de ter desistido da casa da praia. Gostavam dela, mas agora, com Hilary, a despesa era muito grande.

       — Você está se sentindo bem? – perguntou Andy, preocupado. Mas, apesar de tudo, ela parecia feliz.

       — Muito bem, só cansada. Na noite passada Hilary acordou de duas em duas horas.

       — Talvez seja bom arranjar alguém para ajudar, você sabe, uma babá.

       — Nem pense nisso. — Diana não ia deixar ninguém tomar conta do seu bebê. Tinha esperado muito por ela. A única pessoa que podia ajudá-la era Andy.

       — Eu dou as mamadeiras esta noite e você dorme mais um pouco. Está precisando. Andy fez o jantar e Diana levou Hilary para a cama. Depois conversaram durante um longo tempo sobre o quanto suas vidas tinham mudado e o longo caminho que haviam percorrido em dois anos. Era até difícil lembrar o tempo em que Hilary não estava com eles.

       Foram cedo para a cama e Andy queria fazer amor, mas Diana adormeceu antes que ele saísse do banheiro. Andy olhou carinhosamente para ela, depois pôs o berço no seu lado da cama para que Diana não acordasse durante a noite. Mas na manhã seguinte, depois de uma boa noite de sono, Diana parecia pior, quase esverdeada, quando serviu o café.

       — Acho que apanhei uma gripe — comentou, temendo passar o resfriado para Hilary. — Acho melhor usar uma máscara disse ela e Andy riu.

       — Escute, ela é mais resistente do que isso. E se você está com gripe, ela já foi exposta, de qualquer modo.

       Era sábado e Andy se ofereceu para cuidar da criança o dia todo. Diana dormiu a tarde inteira e à noite, fazendo o jantar, parecia sonolenta e ele percebeu que ela não comera nada. Estava sem fome. Na segunda-feira nada mudara. Diana não tinha febre, mas estava abatida demais. Antes de sair para o trabalho, Andy disse que era melhor ela chamar o médico.

       — Não conte com isso — replicou Diana, exausta. Andy não a vira comer coisa alguma durante todo o fim de semana. Não quero ver nenhum médico pelo resto da minha vida.

       — Não estou falando de um ginecologista. Eu disse para chamar um médico.

       Mas Diana recusou-se a atender seu pedido. Havia dias em que ela parecia bem, mas em outros, muito pior. Às vezes dependia do quanto dormia, outras vezes não. Andy estava quase louco de preocupação e Diana recusava-se terminantemente a ouvir seus conselhos.

       — Escute sua boba — disse ele, na véspera do piquenique do Quatro de Julho, em Pasadena. — Hilary e eu precisamos de você. Há um mês você não está bem, agora precisa tomar alguma providência. Provavelmente está anêmica por falta de sono e por não se alimentar direito.

       — Como é que as mães normais conseguem? Elas parecem se sair muito bem. Sam não anda se arrastando pela casa.

       Era desagradável sentir-se assim, péssima a maior parte do tempo. No piquenique da família, no dia seguinte, Andy falou com Jack e pediu a ele que insistisse com Diana para procurar um médico. Jack conseguiu alguns minutos a sós com ela, depois do almoço, quando Diana estava dando a mamadeira de Hilary.

       — Andy está preocupado com você — disse ele, sem rodeios.

       — Pois não devia estar. Eu estou bem. — Tentou livrar-se dele, mas não era fácil. Andy lhe pedira para ser insistente.

       — Pois não parece, considerando-se que você é jovem, bonita e tem um bebê maravilhoso — brincou ele. Jack estava feliz por eles e sentia-se aliviado, depois de tudo que os dois tinham enfrentado naquele ano.

       — Por que não faz um hemograma? — tentou ele outra vez, porque tinha prometido a Andy, mas era evidente que Diana não estava disposta a seguir seu conselho.

       — E o que o hemograma vai me dizer, Jack? Que estou cansada? Isso eu já sei. Fiz exames suficientes para uma vida inteira.

       — Não é a mesma coisa, Diana, e você sabe disso. Estou falando de um check-up. Não é nada demais.

       — Pode não ser para você, mas é demais para mim.

       — Então, por que não vai ao meu consultório? Posso fazer um simples exame de sangue para verificar se não é uma infecção branda que a está consumindo, ou se está anêmica. Posso receitar-lhe umas vitaminas. Nada demais.

       — Pode ser — disse ela, com alguma hesitação, e antes de ir embora Jack voltou a insistir com ela.

       — Quero vê-la no consultório amanhã.

       Diana achou que era bobagem, mas na manhã seguinte, depois que Andy foi para o escritório, ela vomitou durante quase uma hora e depois ficou quase desacordada, no chão do banheiro, enquanto Hilary berrava de fome no quarto.

       — Está bem — murmurou Diana, sentindo-se como se estivesse à beira da morte. — Já vou... já vou. — Uma hora depois, ela e Hilary estavam no consultório de Jack. Contou a ele o que tinha acontecido e Jack fez algumas perguntas sobre a cor do vômito, se parecia pó de café, se chegou a vomitar sangue alguma vez. Diana respondeu negativamente.

       — Porque essas perguntas? – indagou Diana, ansiosa, olhando para Hilary adormecida no cesto de viagem.

       — Só quero descartar a possibilidade de uma úlcera, certificando-me de que não está vomitando sangue semi-coagulado ou não.

       Jack era ginecologista, mas é claro que estava a par de outros exames.

      — Se houvesse suspeita de úlcera você teria de fazer um exame gastrointestinal. Mas não vamos pensar nisso ainda.

       Jack retirou uma amostra de sangue, fez algumas anotações, auscultou o tórax, depois apalpou o estômago e o baixo-ventre. Então, olhou para ela por cima dos óculos.

       — O que é isto? — perguntou, encontrando uma pequena massa na parte inferior do abdome. — Sempre teve isso?

       — Eu não sei. — Assustada, Diana estendeu a mão para sentir também. Sabia que estava ali há algum tempo, mas não lembrava quanto, semanas, meses, dias. Estava tão cansada que quase não podia pensar — Não há muito tempo. Talvez desde que trouxemos o bebê.

       Franzindo atesta, Jack examinou-a novamente e depois sentou-se na frente de Diana com uma expressão estranha.

       — Quando teve a última menstruação?

       Diana tentou lembrar. Já fazia algum tempo, mas isso não tinha mais importância.

       — Não sei. Acho que desde que Hilary chegou. Uns dois meses talvez. Por quê? Alguma coisa grave? — Talvez agora, além de todas as coisas erradas com seu sistema reprodutor, tivesse um tumor. — Acha que é um tumor? — Cristo! Era só o que faltava. Talvez fosse câncer. O que iria dizer para Andy? Meu querido... Eu sinto muito, de verdade... mas vou morrer e deixar você com este bebê. Seus olhos encheram-se de lágrimas e Jack deu umas pancadinhas tranqüilizadoras na mão dela.

       — Acho que pode ser isso, mas creio que é outra coisa. Quais são as chances de você estar grávida?

       — Ora, deixe disso. — Diana riu e sentou-se na mesa. — Não brinque assim comigo, Jack.

       — Besteira. O que foi que o médico disse?

       — Que eu tinha uma chance em dez mil de engravidar. Ou será que ele disse dez milhões? Não me lembro.

       — Acho que é uma possibilidade. Se você não fosse minha cunhada, eu faria o exame. Que tal se eu pedir a um dos meu colegas para examinar você? E podemos fazer um teste de urina bem rápido. Assim descartamos essa possibilidade. Não quero aborrecê-la com essa sugestão, mas pode explicar todos os seus sintomas.

       — É, eu sei — disse Diana, zangada. — Um câncer também.

       — Um pensamento otimista.

       Jack bateu de leve no joelho dela e saiu da sala. Diana estava furiosa com ele por trazer de volta aquele fantasma. Já havia sofrido muito e não queria mais pensar naquilo. Grávida... que besteira! Jack voltou com uma mulher bonita e jovem. Ele a apresentou a Diana, que se esforçou para não ser grosseira.

       — Só queremos descartar a possibilidade de gravidez — explicou ele. — Ela foi diagnosticada como estéril e disseram que não pode engravidar. Mas encontrei alguns sintomas um tanto confusos.

     — Já fez o teste de gravidez? — perguntou a médica e Jack balançou a cabeça negativamente e pediu para Diana deitar-se outra vez. Mostrou à colega o que havia encontrado e, quando ele apertou sua barriga, Diana sentiu uma espécie de cólica.

       — Isso dói? — perguntou ele.

       — Dói — disse Diana, olhando para a parede. Não tinham o direito de fazer aquilo com ela. Era como ressuscitar um morto e não era justo. Ela não queria ouvir nada daquilo.

       — Verifique para mim, está bem, Louise?

       — Certo.

       Jack agradeceu e saiu da sala. A médica ajudou Diana a pôr os pés nos suportes. Só o fato de estar naquela posição a fez estremecer. A médica fingiu não ter percebido, calçou as luvas e começou o exame.

       — Que médico você consultou? — perguntou, enquanto fazia o exame.

       — Alexander Johnston.

       — Ele é o melhor. E o que foi que ele disse?

       — Basicamente, que sou estéril.

       — Ele disse por quê?

       — Por causa de um DIU que usei quando estava na universidade, pelo menos foi o que ele achou. Eu nunca tive nenhum sintoma, mas minhas trompas estão bloqueadas e tenho aderências nos dois ovários.

       O exame continuou e Diana se perguntou quanto tempo demoraria.

       — Acho que isso descartou a possibilidade de fertilização ‘in vitro’ — disse Louise e Diana balançou a cabeça afirmativamente.

       — Ele sugeriu um doador de óvulos? — Diana fez uma careta e abanou a cabeça, tanto para a pergunta quanto para o que a médica estava fazendo. Nada daquilo lhe trazia lembranças agradáveis.

       — Sim, sugeriu. E eu não me interessei. Adotamos uma menina em abril. -Louise olhou para Hilary e sorriu.

       — Estou vendo. Ela é uma beleza.

       O exame terminou. Louise sorriu para Diana e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Jack entrou na sala.

       — E então? — Louise olhou para Jack, muito séria.

       — Não gosto de contradizer meus colegas — disse, cautelosa, enquanto Diana esperava o veredicto de câncer, mas eu diria que o Dr. Johnston se enganou. Isto me parece um útero de dez semanas. Se não tivessem falado que havia problemas, eu não teria a menor dúvida. Pode ser até mais tempo. Quando foi o seu último período? — Diana detestava ouvir falar disso. Fechou os olhos, um pouco tonta.

       — Fim de março, começo de abril. — Ela não lembrava.

       — Isso significa mais ou menos três meses de gravidez.

       — O quê? — Diana olhou para os dois, atônita. — Estão brincando? Jack, não faça isso comigo.

       — Não estou brincando, Diana, juro. Falo sério.

       Louise os deixou e Jack pediu a Diana para ir ao banheiro e colher urina para o teste de gravidez, o teste confirmou o diagnóstico. Diana estava grávida.

       — Não estou... não posso estar... — repetia ela, mas estava e saiu do consultório atordoada, fazendo Jack prometer que não contaria para ninguém.

       Diana foi direto para o escritório de Andy. Ele estava em reunião e ela de jeans, carregando Hilary adormecida no cestinho de viagem.

       — Eu preciso falar com ele — explicou para a secretária. — Agora! Alguma coisa nos olhos dela disse à mulher que o assunto era sério.

       A mulher desapareceu apressada pela porta e dois minutos depois Andy chegou correndo.

       — O que aconteceu? Hilary está bem? — Andy estava assustado e Diana muito pálida e calma.

       — Ela está ótima. Preciso falar com você em particular.

       — Venha ao meu escritório. Andy carregou Hilary e foram para uma sala com paredes de vidro e lambris com uma bela vista. Voltou-se então para Diana, preocupado. — O que há, Di? — Alguma coisa terrível tinha acontecido e Andy não queria nem imaginar o que poderia ser. Mas Diana foi diretamente ao assunto.

       — Estou grávida — disse, um tanto confusa ainda.

       — Fala sério? — Andy olhou para ela e depois riu. — Está brincando? — Com um largo sorriso, ele balançava a cabeça, ainda em estado de choque.

       — Três meses, dá para acreditar?

       — Não, mas, meu bem, estou tão feliz por você... e por mim... e por Hillie... Meu Deus, três meses, deve ter acontecido quando a trouxemos de São Francisco. Espantoso. Mas Andy já tinha ouvido falar de mulheres que engravidam logo depois de adotar uma criança.

       Diana sentou-se, feliz, mas um tanto desconcertada.

       — Eu estava tão cansada que nem me lembro de ter feito amor com você naquele dia.

       — Bem, espero que tenha sido comigo — brincou ele. — Quem sabe? Pode ser uma concepção imaculada.

       — Pouco provável.

       — Meu Deus. Não posso acreditar. Quando vai nascer?

       — Não sei. Janeiro, mais ou menos. Eu estava atordoada demais para ouvir o que Jack disse. Dez de janeiro, ou coisa assim.

       — Não acredito. Precisamos contar para o Johnston.

       — Para o diabo com Johnston — disse Diana, levantando-se para beijar o marido.

       Então Andy a ergueu do chão e rodopiaram pela sala.

       — Um viva para nós... um viva para você! Para a nossa gravidez! — E então, mais sério: — Como você está? Cristo, não admira que venha se sentindo tão mal.

       — E o mais engraçado é que Jack disse que o pior já passou e que devo começar a me sentir melhor dentro de uma ou duas semanas.

       — Ótimo, vamos jantar fora hoje, para comemorar. L'Orangerie. Deixamos Hilary junto com os casacos, se for preciso.

       Andy a beijou e voltou para a reunião e Diana ficou olhando a vista durante um longo tempo, pensando, perplexa, no que estava acontecendo.

 

       Naquele verão Pilar procurou levar uma vida mais calma. Fez a amniocentese em junho, morrendo de medo, mas tudo correu bem. Extraíram fluido dos dois sacos amnióticos,com duas agulhas enormes. Agora tinham os resultados. Era um casal de gêmeos e ambos estavam bem. Pilar então achou que estava na hora de contar para a mãe. Telefonou no sábado, à tarde, quase com esperança de que Elizabeth tivesse viajado. Mas ela atendeu o telefone no primeiro toque. Estava de sobreaviso, em casa, por causa de duas crianças gravemente doentes.

       — Oh, é você! — disse ela, surpresa. — Pensei que era do hospital. Como vai?

       Pilar de repente lembrou-se de quando era pequena e se sentia como uma intrusa em assuntos muito mais importantes na vida da mãe. Mas agora tinha uma coisa muito importante para contar.

       — Muito bem. E você?

       — Bem, muito ocupada. E Brad?

       — Está bem — disse Pilar, nervosa. — Mamãe, quero contar uma coisa.

       — Você está doente?

       Pilar notou a preocupação na voz da mãe e ficou comovida.

       — Não, estou bem... Eu... mamãe, estou grávida. — Sorriu feliz, convencida de repente de que a mãe ficaria tão maravilhada quanto ela. Depois de um longo silêncio, Elizabeth Graham disse com voz fria.

       — Que bobagem. Eu avisei quando se casou com Brad. Os dois estão velhos demais para pensar em ter filhos.

       — Não foi o que os médicos disseram. Conversamos muito com eles, antes de resolver.

       — Então foi planejado? — Elizabeth estava chocada.

       — Sim, foi.

       — Que burrice incrível! – Elizabeth estava com 69 anos e algumas de suas idéias não eram muito modernas.

       Para Pilar, aquela reação foi como uma bofetada; porém, nada havia de novo na conversa das duas. Era sempre a mesma coisa, com Pilar esperando absurdamente que a mãe fosse outra pessoa que não era, que jamais fora, que nunca seria.

       — Tem mais. — Começava a achar divertido escandalizar a mãe. — São gêmeos.

       — Oh, meu Deus. Você tomou algum remédio com base hormonal?

       — Tomei — disse Pilar com um sorriso travesso.

       Brad entrou na sala, ouviu por um momento e sacudiu um dedo em riste para Pilar. Ela estava torturando a mãe e adorando cada minuto da tortura, como uma criança levada saboreando ao máximo sua diabrura.

       — Pelo amor de Deus, Pilar, quem foi o doido que a aconselhou a fazer isso?

       — Mamãe, era o que nós queríamos. Mas consultei uma especialista em Los Angeles. É uma das melhores e foi muito bem recomendada.

       — Quem é? Não é que eu esteja muito informada sobre esse campo da medicina, mas posso investigar.

       — Helen Ward. Mas não precisa investigar coisa alguma. Nós fizemos isso e só ouvimos elogios.

       — Não pode ser muito brilhante se está encorajando mulheres de 44 anos a engravidar. Eu faço de tudo para dissuadi-las disso. Vejo os resultados desses erros e, acredite, são desastrosos.

       — Nem todos os seus pacientes são filhos de mulheres com mais de quarenta anos, são? Alguns devem ter mães muito jovens.

       — É verdade. Mas não se deve forçar a mão da natureza, Pilar. Sempre pagamos um preço muito alto.

     — Bem, até agora, tudo está ótimo. A amniocentese foi normal e os dois bebês estão bem, pelo menos geneticamente.

       — Avisaram sobre o risco de infecção nesse teste, ou que você pode simplesmente perder os bebês? — A voz do julgamento final, vinda da distante Nova York. Nem uma palavra de congratulação. Mas, a essa altura, Pilar não esperava nada mais dela. Tinha informado a mãe da sua gravidez. O que ela iria fazer com a informação era assunto dela.

       — Sim, fomos avisados de tudo isso, mas o perigo já passou. Está tudo tranqüilo.

       — Alegro-me com isso. — Outro silêncio e então Elizabeth Graham suspirou. — Eu realmente não sei o que dizer, Pilar. Gostaria que você não tivesse feito isso. Suponho que seja tarde demais, mas sem dúvida vocês foram mal aconselhados. O que fizeram é arriscado e insensato. Imagine o que vai sentir se perder esses dois bebês. Por que se arriscar a isso?

       Pilar fechou os olhos, lembrando o aborto. O consolo abençoado da nova gravidez não apagou o cantinho do seu coração que jamais esquecera aquela perda.

       — Por favor, não diga isso — pediu Pilar. — Tudo vai dar certo.

       — Espero que sim. — E veio então o golpe de misericórdia: — Brad deve estar ficando senil.

       Pilar riu e, depois de desligar o telefone, comunicou ao marido o diagnóstico da mãe. E Brad riu com ela.

       — Eu esperava que você não tivesse notado.

       — Muito bem, minha mãe descobriu seu segredo, senhor! Não se pode enganar a boa Dra. Graham!

       — Escute, você a torturou bastante e saboreou cada minuto. A pobre mulher pensou que estava livre e desimpedida e de repente você a surpreende, não com um neto, mas com dois. É demais para ela.

       — Ora, pelo amor de Deus, não arranje desculpas para minha mãe. Ela é desumana.

       — Não, não é — defendeu-a Brad. — Tenho certeza de que é uma ótima médica. Apenas não corresponde à idéia que nós fazemos de uma mãe. Não é seu forte. Mas, em outras áreas da sua vida, ela deve ser um ser humano de muito valor.

       — Você fala como meu analista — disse Pilar, beijando-o.

       Mas pelo menos dera a notícia para a mãe. Agora podia se concentrar em Brad e nos bebês.

       Adam completou um ano em junho. Pilar estava de cinco meses e parecia estar de oito. Tudo estava bem, embora ela fosse obrigada a fazer muito repouso. Tratando-se de gêmeos, não queriam arriscar um parto prematuro.

       — Como você está? — perguntou Marina quando a visitou e Pilar riu, esforçando-se para sentar-se na cama. Era como lutar com um rinoceronte.

       — Como um estádio de futebol e mais alguma coisa. A maior parte do tempo é uma Terceira Guerra Mundial aqui dentro. Acho que esses dois não vão ser muito amigos. Passam o tempo todo dando pontapés um na canela do outro e me deixando quase sem ar. — Até atravessar o quarto era uma luta. Pilar não tinha ainda se acostumado com o tamanho da própria barriga.

       — Você nunca faz as coisas pela metade – comentou Brad com um sorriso, vendo-a entrar na banheira, certo dia.

       Pilar estava incrivelmente grande. E em certos momentos dava para perceber joelhos, braços, cotovelos e pezinhos chutando e se mexendo. No começo ela achou maravilhoso, mas agora, em pleno verão, começava a ficar desconfortável. Em setembro sentia-se miserável. Tinha azia o tempo todo e a barriga parecia prestes a explodir, a pele estava esticada e rachada, a dor nas costas era tremenda, os tornozelos estavam inchados e, se tentava andar muito além da varanda, sentia contrações. Não podia ir a lugar algum e não ousava sair de casa. Não tinha ordem se quer para sair do quarto para evitar "estímulo" do útero e um parto prematuro. Seus sócios no escritório levavam trabalho para ela fazer em casa, mas Pilar não se sentia muito útil, o dia inteiro na cama. No fim do mês ela se perguntava até quando iria agüentar. Faltavam ainda seis semanas que pareciam as seis semanas mais longas da sua vida, mas, mesmo quando reclamava, Pilar sabia que valia a pena.

      — Nunca mais assisto a filmes pornográficos com você — resmungou certa noite, quando o desconforto era extremo, e Brad riu, massageando os tornozelos inchados da mulher.

       — É isso que você ganha por brincar com os maiorais.

       — Pare de se gabar.

       — Não estou me gabando. — Brad sorriu e massageou delicadamente a barriga dela. Sentiu imediatamente um pontapé vigoroso e uma agitação. — Nossa, eles não param!

       — De jeito nenhum. Só dormem quando eu estou em movimento, o que é raro ultimamente.

       Brad riu, observando encantado a movimentação dos bebês. Era tanto desconforto e ele não podia fazer nada. Embora procurasse não demonstrar, Brad estava preocupado com o parto. Conversou várias vezes como Dr. Parker. No momento, o médico não via necessidade de uma cesárea, mas optaria imediatamente por ela se um dos bebês mudasse de posição ou se durante o parto houvesse sofrimento fetal.

       Em outubro contrataram uma instrutora de Lamaze. Olhando para Pilar, Brad se perguntava se ela iria conseguir. Estava com 34 semanas de gravidez e o Dr. Parker esperava que não entrasse em trabalho de parto antes de duas semanas.

      

Outubro foi um mês terrível para Andy e Diana. Ela estava grávida de quase seis meses e chegou o momento da assinatura dos papéis definitivos da adoção. Eric havia falado com Jane e Edward recentemente e garantiu a Diana que não haveria qualquer problema. Eles iriam assinar. Até a manhã de terça-feira, quando Eric pediu para falar com Andy ao telefone. Andy ouviu em silêncio, sem olhar para Diana, que sentiu imediatamente que alguma coisa horrível acontecera. Apertou Hilary, agora com cinco meses, contra o peito e a menina, sentindo a sua tensão, começou a chorar. Quando Andy desligou o telefone, Diana adivinhou o que ele iria dizer.

       — O que aconteceu? Eles não assinaram os papéis, foi isso? — Com lágrimas nos olhos, Andy assentiu com a cabeça.

       — Foi, não assinaram. Querem mais alguns dias para pensar. E talvez venham até aqui visitar Hilary. Andy não queria aborrecer Diana, especialmente agora, mas ela precisava saber. Jane não tinha mais certeza. Não sabia se queria voltar a estudar, não sabia se tinha feito a coisa certa; dúvidas razoáveis, certamente, mas não para Diana e Andy. — Edward quer assinar, mas Jane pediu mais alguns dias. E disse a Eric que talvez queira ver a filha.

       — Ela não pode — disse Diana, levantando-se da cadeira com um gesto nervoso. — Eles desistiram... não podem tomá-la de nós agora — objetou, chorando.

       — Meu bem — Andy procurou fazê-la entender, com a maior calma possível — eles podem fazer o que quiserem, até a assinatura dos papéis.

       — Você não vai deixar que façam isso. — Diana estava chorando e Andy tirou Hilary dos seus braços, cuidadosamente.

       — Procure se acalmar. — Andy não queria perder o filho que esperavam, por causa de Hilary, por mais que a amasse. — Temos de esperar e ver o que acontece.

       — Como pode dizer isso? — gritou Diana. Amava Hilary como se fosse sua e sabia que, por mais que amassem o filho dos dois, jamais o amariam mais do que a Hilary. Hilary era sua primeira filha, seu primeiro amor, e não ia devolvê-la para ninguém. — Não quero que Jane a veja.

       Entretanto, Eric telefonou avisando que Jane e Edward estavam a caminho. Disse que Jane parecia confusa ao telefone e aconselhou Andy e Diana a ficarem calmos e permitirem que ela visse a filha.

       — Eu compreendo — disse Andy -, mas Diana não. Está praticamente histérica. — Contou a Eric que Diana estava grávida, o que era outro problema para Jane. Ela poderia achar que, com a chegada desse filho, Hilary seria prejudicada. — Oh, meu Deus! — exclamou Andy. — Por que a vida nunca é simples?

       — Porque se fosse não teria graça nenhuma — disse Eric e Andy suspirou.

       Não seria fácil para Diana. No fim, Edward e Jane passaram dois dias em Los Angeles, num motel perto da casa dos Douglas, e os visitaram várias vezes. Jane queria vê-los e insistia em segurar Hilary, o que quase enlouquecia Diana. Tinha medo de que Jane fugisse com ela, mas isso não aconteceu. A maior parte das vezes ela ficava sentada, com o bebê no colo, chorando, e Edward não dizia nada. O relacionamento dos dois parecia mais tenso do que quando Hilary nasceu e Jane parecia muito nervosa. Então, no segundo dia, ela contou que acabara de fazer um aborto. Não queria ter outro filho agora, mas isso havia alterado seu modo de pensar sobre a adoção. Começara a se perguntar se tinha feito a coisa certa ao entregar o bebê aos Douglas, cinco meses antes. E estava convencida de que a segunda gravidez foi devida unicamente ao sentimento de culpa e porque ela queria um filho.

       — Então agora você quer o meu — explodiu Diana. — Hilary é nossa agora. Nós cuidamos dela quando ficou doente, levantamos quatro vezes durante a noite, nós a pegamos no colo e a acariciamos, nós a amamos.

       — Mas eu a tive comigo durante nove meses — disse Jane, horrorizada.

       Os dois homens apenas observavam sem poder fazer nada.

       — Eu sei — replicou Diana, tentando se acalmar — E sempre serei grata a você por entregá-la a nós. Mas não pode nos tirar o bebê agora. Não pode simplesmente dizer "Aqui está, amem esta criança para sempre" e, de repente: "Não, eu sinto muito, mudei de idéia porque fiz um aborto." E onde ela fica em tudo isso? Como fica sua vida? O que vocês podem oferecer? O que mudou nos últimos cinco meses? O que a faz pensar que serão melhores do que nós para ela?

       — Talvez o fato de ser sua mãe — argumentou Jane, suavemente. Sentia-se culpada com o que estava fazendo, mas precisava saber se queria a filha. — Não quero me arrepender disto pelo resto da minha vida — disse, com franqueza.

       Mas Diana foi franca também.

       — Vai se arrepender. Jane. Para sempre. Vai sempre pensar como poderia ter sido, como a vida seria diferente. Nós todos vamos pensar nisso. E dar um filho é um dos atos mais marcantes na vida de uma mulher. Mas cinco meses atrás, você estava certa de que queria fazer isso.

       — Nós dois estávamos — disse Edward, calmo. — E eu ainda estou. Mas Jane agora está indecisa. — Ele teria preferido um aborto, mas, uma vez que não fora essa a opção de Jane, não precisavam ficar com o bebê. Dissera isso a ela, mas Jane estava quase em pânico com a idéia de dar a filha.

       — Eu simplesmente não sei — disse-lhes Jane, ao saírem naquele dia, e Diana teve vontade de gritar e pedir para não torturá-los mais. Ela não iria suportar. E passou o dia inteiro com contrações, o que deixou Andy preocupado.

       Naquela noite Edward quase os matou de medo quando telefonou do hotel, perguntando se poderiam falar com eles. Jane queria dizer uma coisa muito importante.

       — Agora? — perguntou Andy e Diana empalideceu.

       — Ela vai levar o bebê, não vai? Ela vai... O que foi que ele disse?

       — Diana, pare com isso. Ele não disse nada. Só que Jane quer nos dizer uma coisa.

       — Por que ela está fazendo isso conosco?

       — Porque é uma decisão importante para ela também.

       E os dois compreendiam que devia ser terrível. Nem podiam imaginar ficar sem Hilary, mas esperavam que Jane resolvesse ficar sem ela para sempre. De certo modo, não era justo, mas sabiam também que a vida não era justa. E rezaram para que ela voltasse à primeira decisão. Depois de uma espera que pareceu interminável, à meia-noite e meia eles chegaram, Jane estava tristonha e pálida e era evidente que ela havia chorado. Edward parecia zangado com ela. Sua paciência estava quase no fim e ele queria voltar logo para São Francisco. Diana os convidou a entrar, mas Jane ficou parada na porta e abanou a cabeça, começando a chorar.

       — Eu sinto tanto — murmurou ela e Diana preparou-se para o pior, pondo a mão na barriga, num gesto instintivo, como para pelo menos salvar aquele bebê. — Eu sinto tanto — repetiu Jane. — Sei que foi difícil para vocês... — Um soluço embargou sua voz. — Mas eu precisava ter certeza. Sei que não poderia... não posso... acho que eu sempre soube que não poderia ficar com ela. — Diana pensou que desmaiaria e segurou o braço de Andy, que a abraçou. — Vamos voltar para São Francisco agora. — Entregou um envelope para Diana. — Eu assinei os papéis. — Diana começou a chorar, mas Jane de repente parecia mais controlada do que nunca e olhou para Diana e Andy. — Posso vê-la mais uma vez? Prometo que nunca mais a procurarei. Ela é sua agora.

       Ela parecia tão patética, ali parada na porta, que Diana não teve coragem de negar e as duas subiram a escada em silêncio. Hilary dormia profundamente no berço novo, no canto do quarto de Diana e Andy. Tinha um quarto para ela no terceiro andar, mas preferiam que ficasse perto deles. Não tinham ainda coragem de tirá-la do seu quarto. Jane olhou para ela, como coração cheio de amor, os olhos rasos de lágrimas, e encostou a mão de leve no rosto da filha, com numa bênção.

       — Durma bem, meu amor — murmurou para a criança adormecida e as duas mulheres começaram a chorar. — Eu sempre a amarei.

       Então ela a beijou e Diana sentiu um aperto na garganta. Jane ficou parada ainda por mais algum tempo, olhando para o berço, depois desceu a escada sem uma palavra e sem o seu bebê. Apertou a mão de Diana e foi para o carro, seguida por Edward. Diana fechou a porta e não conseguia parar de chorar. Sentia-se culpada e muito triste, com pena de Jane, e aliviada porque Hilary era deles agora. Sob aquela avalanche de sentimentos, ela procurou a proteção dos braços de Andy.

       — Vamos — disse ele, subindo a escada abraçado com ela. Eram quase duas horas da manhã e estavam esgotados pelas emoções dos dois últimos dias.

       Andy pensou que só por milagre Diana não havia entrado em trabalho de parto. Ele a fez ficar na cama no dia seguinte e tomou conta de Hilary. Eric Jones voou de São Francisco para apanhar os papéis. Tudo estava assinado. Tudo estava feito. Hilary Diana Douglas estava a salvo e era deles para sempre.

       — Nem acredito que acabou — disse Diana, quando Eric partiu.

       Ninguém poderia levar Hilary agora, ninguém poderia voltar nem mudar de opinião. Ninguém poderia tirá-la deles.

 

Os gêmeos de Pilar e Brad deveriam nascer no começo de novembro e, naquele último mês, ela só saía da cama para ir ao banheiro. Havia algumas semanas que seu colo uterino começara a adelgaçar e ela já apresentava alguma dilatação. Cada vez que ela se levantava, nem que fosse por pouco tempo, sentia contrações. Estava farta de ficar deitada, nervosa, com medo de que alguma coisa saísse errada, que um deles fosse estrangulado pelo cordão ou que um machucasse o outro.

       Treinou a respiração Lamaze com Brad e no último dia de outubro os bebês estavam praticamente imóveis. Quase não tinham espaço e Pilar parecia ter engolido um prédio. Às vezes ela se olhava no espelho e ria da figura ridícula. Era como se tivesse no ventre uma pilha de bebês.

       — É um feito e tanto — brincou Brad, certa noite, ajudando-a a sair da banheira. Pilar não podia fazer mais nada sozinha. Não podia tomar banho sem a ajuda dele, nem calçar os sapatos ou os chinelos, e na primeira semana de novembro não conseguia nem levantar-se do vaso sanitário sem ajuda. Marina a visitava sempre que podia e Nancy ficava com ela freqüentemente quando Brad estava trabalhando. Ela sempre elogiava Pilar por estar suportando tudo tão bem, dizendo que não trocaria de lugar com ela nem por amor nem por dinheiro. Como disse para o marido certo dia, a vida de todo mundo prosseguia, as pessoas saíam para jantar e se divertir, e a pobre Pilar enorme como um balão, prestes a explodir com dois bebês. Elizabeth telefonava regularmente, ao que parecia conformada com a idéia de Pilar estar grávida. E várias vezes se ofereceu para visitá-la, mas Pilar não a queria por perto.

       Pilar queixava-se de que há seis meses não ia ao cabeleireiro, mas sempre que começava a ficar deprimida, Brad lembrava que iria valer à pena. E ela sabia. Mas era incrivelmente cansativo ficar na cama o tempo todo, à espera do momento do parto. Os gêmeos pareciam estar bem e, numa das suas visitas, o médico disse que um era um pouco maior do que o outro, provavelmente o menino. Isso acontecia muitas vezes, mas nem sempre. Disse também que havia convocado uma equipe de médicos para o parto. Devido à sua idade e ao fato de ser um parto múltiplo, ele queria outro obstetra ao seu lado e dois pediatras para as crianças.

       — Parece uma festa — disse Brad, aliviando a tensão. Notou que Pilar ficara preocupada quando o médico falou em "equipe" e quando descreveu o que aconteceria se precisasse fazer uma cesariana. Ele ainda não via motivo para isso, mas queriam estar preparados para qualquer coisa. Brad notou que nas duas últimas semanas Pilar estava muito nervosa.

       O Dr. Parker disse também que não deixaria que ela passasse da data marcada. Havia muita coisa em jogo, especialmente tratando-se de gêmeos. No entanto, uma semana antes da data marcada, Pilar começou a ter contrações de manhã. O médico recomendou que ela andasse pela casa por algum tempo, para ajudar. Pilar surpreendeu-se com a fraqueza que sentia, depois de ficar na cama durante tanto tempo. Estava com as pernas bambas e não conseguiu caminhar por muito tempo. Não tinha forças e a barriga estava grande demais. No fim da tarde, as dores chegavam regularmente. Brad fez chá para ela e então tudo parou outra vez. Era uma espera angustiante.

       — Meu Deus, eu queria que isto acabasse logo — disse Pilar.

       Mas naquela tarde não aconteceu mais nada, até o rompimento da bolsa d'água, logo depois do jantar. As contrações, porém, não voltaram e o médico aconselhou-a a ir para o hospital. Ele queria acompanhar de perto.

       — O que há para acompanhar? — reclamou ela, a caminho do Cottage Hospital. — Não está acontecendo nada. Por que estamos indo para o hospital? Isto é idiotice.

       Brad olhou para a barriga dela e riu, aliviado por poder entregá-la aos médicos. Não queria ter sua primeira aula de obstetrícia fazendo o parto dos gêmeos em casa. Para ele,bastava ter concordado em assistir ao parto. Não gostava da idéia, mas Pilar precisava dele.

       O Dr. Parker a examinou quando chegaram e logo depois Pilar sentiu algumas contrações fracas. Ficou satisfeita em saber que as contrações da manhã haviam ajudado a dilatar o colo uterino. O médico estava certo de que não iria demorar muito.

       — O trabalho de parto vai começar muito em breve . — Prometeu ele e foi para casa, dizendo que voltaria assim que o chamassem do hospital. Pilar e Brad viram um pouco de televisão e ela cochilou por algum tempo. Acordou de repente com uma sensação estranha, uma pressão violenta.

       Chamou Brad, quase em pânico, e ele foi buscar a enfermeira.

       — Acho que o trabalho de parto começou, Sra. Coleman — sorriu a enfermeira, saindo do quarto para chamar o médico. Logo depois, um dos médicos do hospital entrou para examiná-la. Pilar não gostou da idéia e, quando estava discutindo com ele, teve uma contração violenta. Era como se a sua barriga enorme estivesse presa num torno e apertada até deixá-la sem ar. Pilar segurou com força a mão de Brad e tentou lembrar-se dos exercícios de respiração, e alguém que ela não podia ver levantou uma das extremidades da cama.

       — Oh, Deus... foi horrível — gemeu ela, quando a dor passou. Seu cabelo estava úmido de suor e a boca seca, apenas com uma contração. Mas o corpo sabia que tinha de trabalhar muito e, antes que o médico assistente recomeçasse a discussão, ela teve outra. A enfermeira saiu correndo do quarto para telefonar ao Dr. Parker e dizer que Pilar Coleman estava em trabalho de parto.

       Quando estava sendo examinada pelo segundo obstetra, as contrações ficaram mais fortes e Pilar tentou afastá-lo dela. De repente, ela estava perdendo o controle. Mais dois médicos entraram no quarto e duas enfermeiras fixaram o soro na sua mão. Outra prendeu o monitor na sua barriga a fim de verificar as batidas dos corações dos fetos e a intensidade das contrações. Mas a pressão do cinto do monitor aparentemente aumentava a dor. Era horrível. Pilar sentia-se como um animal amarrado, puxado de todos os lados. Muita coisa estava acontecendo e tudo completamente fora do seu controle.

      — Brad... eu não posso... eu não posso... — Ela tentava escapar de toda aquela gente, mas a barriga enorme e as dores ferozes a impediam de se mover. — Brad, diga que parem com isso! — Queria que a deixassem sozinha, que tirassem o cinto e o soro, que parassem de machucá-la. Mas não podiam fazer isso, o bem-estar das crianças estava em jogo e Brad não podia ajudar.

       Ele procurou falar rapidamente com a enfermeira chefe e com o médico, assim que ele chegou.

       — Não se pode fazer nada para facilitar as coisas? — perguntou Brad. — O monitor é desconfortável e acho que os exames pioram as contrações.

       — Eu sei disso, Brad — respondeu o Dr. Parker. — Mas ela tem dois bebês ali dentro, e se não vamos fazer uma cesárea, precisamos saber o que está acontecendo. E caso seja necessária a cesariana, temos de saber mais ainda. Não podemos nos descuidar. — E o médico voltou a atenção para a paciente.

       — Como vamos indo? — perguntou com um sorriso encorajador.

       — Horrível — disse Pilar e de repente sentiu que ia vomitar. A ânsia de vômito aumentava com cada dor e, no meio de todo aquele sofrimento, a pressão aumentava e ela sentia cada vez mais a necessidade de fazer força para baixo e para fora. Talvez já estivesse na fase de empurrar, pensou, esperançosa, talvez essa fosse a pior parte e já estivesse chegando ao fim, mas, quando perguntou à enfermeira, esta disse que ainda estava muito longe do estágio de empurrar o bebê. Isso era só o começo.

       — Analgésico — disse ela com a voz rouca, quando o médico chegou perto da sua cabeça outra vez. Mal podia falar. — Quero um analgésico.

       — Falaremos sobre isso daqui a pouco.

       Pilar recomeçou a chorar e segurou a manga do médico.

       — Eu quero agora — disse, tentando sentar-se, mas o monitor a impediu, bem como a contração seguinte. — Oh, Deus... — gemeu ela, apertando a mão de Brad. – Escute o que estou dizendo... alguém me escute...

       — Estou ouvindo, querida — disse Brad.

       Mas Pilar quase não podia vê-lo. Havia tanta gente na sala, tanta coisa estava acontecendo. Como foi que tudo de repente fugiu ao seu controle e por que ninguém escutava o que ela dizia? Só podia ficar ali deitada, soluçando entre uma contração e outra, quando não estava gritando de dor.

       — Diga a eles para fazerem alguma coisa... por favor.., faça parar isto...

       — Eu sei, meu bem... eu sei... Mas ele não sabia. E começava a se arrepender da coisa toda. Todos os hormônios e medicamentos, as visitas à Dra. Ward, e o resultado era aquilo. Para Brad era uma agonia ver Pilar sofrer tanto sem poder fazer nada. Nunca se sentira tão inútil.

       — Quer que a levem para a sala de parto — o segundo obstetra disse para o Dr. Parker. — Se precisarmos fazer uma cesárea, quero estar com tudo preparado.

       — De acordo — concordou o Dr. Parker.

       E, de repente, a agitação no quarto aumentou, surgiram mais pessoas, mais máquinas e, para Pilar, mais exames, mais contrações. Eles a levaram pelo corredor, Pilar pedindo para que fizessem aquilo nos intervalos das dores, mas todos queriam que ela chegasse o mais depressa possível na sala de parto. Tinham de pensar na segurança das crianças e não no conforto da mãe. Era uma hora da manhã e Brad tinha a impressão de que estavam no hospital há uma eternidade.

       Na sala de parto eles a passaram para a mesa, ergueram suas pernas, apoiando-as nos suportes de metal, cobriram-na com lençóis esterilizados, prenderam seus braços e ajustaram o soro a um dos braços, enquanto Pilar reclamava do desconforto da posição, entre uma contração e outra. Ela disse que iriam quebrar seu pescoço e suas costas, mas ninguém a ouviu. Todos estavam ocupados com outras coisas. Agora havia três pediatras na sala, vários residentes, um batalhão de enfermeiras e os dois médicos.

       — Meu Deus — disse ela para Brad, a voz rouca, entre duas contrações-, o que estamos fazendo? Vendendo entradas?

       Com o monitor preso à barriga, tinha a impressão de que alguém examinava sua vagina cada vez que respirava. Segundo a enfermeira, ela estava com dez centímetros de dilatação e já podia começar a fazer força.

       — Muito bem — alegraram-se todos, mas Pilar não deu a mínima e a essa altura sabia que não lhe dariam nada para a dor.

       — Por que não podem me dar alguma coisa? — gemeu ela.

       — Porque não é bom para seus bebês — disse uma das enfermeiras com firmeza.

      Mas um minuto depois Pilar não podia mais pedir nada porque a dor era violenta demais e ela começou a empurrar. Para Brad, aquilo parecia um pesadelo. Eles gritavam, ela fazia força, depois gritava e assim que uma contração terminava, outra começava e eles gritavam, e ela gritava. Ele não entendia por que não davam alguma coisa para aliviar a dor, mas o médico explicou que um anestésico anestesiaria também os bebês.

       Parecia que Pilar estava fazendo força a horas e nada acontecia. Brad olhou para o relógio e viu que eram quase quatro horas da manhã. Imaginou quanto tempo mais ela poderia resistir sem perder a razão. E, de repente, houve outro surto de animação. Apareceram duas pequenas bacias de metal e o círculo de máscaras se fechou em volta da extremidade da mesa. Pilar parecia não parar mais de gritar. Era quase um uivo, longo e contínuo, sem começo, sem fim e então todos estavam gritando, estimulando, encorajando, e Brad viu a cabeça do primeiro bebê, saindo para o mundo, com um grito lento e longo, igual ao da mãe.

       — É um menino! — disse o médico e Brad ficou apavorado com a cor azul do bebê, mas a enfermeira disse que era normal e um minuto depois o bebê estava melhor. Eles o levaram para perto de Pilar, para que ela o visse, mas ela estava exausta demais para prestar atenção a qualquer coisa. As dores continuavam e o médico precisou usar o fórceps para corrigir a posição do outro bebê. Brad não podia olhar para o que estavam fazendo com ela e, com a mão apertada pela de Pilar, rezava para que tudo corresse bem.

       — Mais um pouco, meu bem... está quase no fim... — Esperava não estar mentindo, mas não sabia ao certo.

       — Oh, Brad... é horrível...

       — Eu sei... eu sei... está quase no fim...

       Mas aquele bebê era muito mais teimoso do que o primeiro e, às cinco horas, Brad viu os dois médicos confabulando.

       — Teremos de fazer uma cesariana se a menina não sair logo — explicaram para Brad.

       — Vai ser mais fácil para ela? – perguntou baixinho, esperando que Pilar não pudesse ouvir. Mas no meio de tanta dor, fazendo tanta força, ela não ouvia nada e nem ninguém.

       — Pode ser. Teremos de dar anestesia geral, é claro, não poderíamos de modo algum fazer uma peridural agora, mas seria um trauma duplo para ela: um parto vaginal com episiotomia e uma incisão. Demoraria muito mais para se refazer. Tudo depende do que o bebê fizer nos próximos minutos. — O primeiro já havia sido examinado e estava num berço de vime berrando a plenos pulmões.

       — Não me importa o que vocês façam — replicou Brad. — Desde que seja o melhor e o mais fácil para ela.

       — Quero tentar primeiro o parto vaginal — disse o médico, voltando a trabalhar com o fórceps. Quando estavam quase desistindo, o bebê se moveu e começou a descer lentamente.

       Eram seis horas e Pilar estava quase inconsciente. E então, de um momento para o outro, lá estava a menina. Tinha a metade do tamanho do irmão e olhou ansiosa em volta, como à procura da mãe. Nesse momento, quase instintivamente, Pilar ergueu a cabeça e a viu.

       — Oh, ela é linda — disse Pilar, exausta, deitando outra vez a cabeça e sorrindo para Brad entre as lágrimas. Foi terrível, mas valeu a pena, pensou ela. Tinha dois lindos bebês. Cortado o cordão, duas enfermeiras levaram a menina e deitaram-na no segundo berço para que fosse examinada pelo pediatra. Dessa vez, porém, não ouviram o choro do bebê e o silêncio desceu sobre a sala.

       — Ela está bem? — perguntou Pilar, mas de repente todo mundo estava muito ocupado.

       Brad olhou para o filho no bassinete, num canto, com duas enfermeiras observando-o, os bracinhos e perninhas agitando-se no ar. Mas para ver a filha afastou-se um pouco de Pilar. E então ele a viu, no centro do círculo de médicos e enfermeiras que tentavam desesperadamente fazê-la respirar. Um médico aplicava a respiração artificial, e comprimia o peito pequenino, mas o bebê continuava imóvel. Nada do que fizeram conseguiu trazê-la de volta à vida. Brad olhou horrorizado para o médico e Pilar, ao lado dele, queria saber o que estava acontecendo. Seu coração quase parou. O que iria dizer a ela?

       — Eles estão bem, Brad?... Não estou ouvindo o choro deles...

       — Estão bem — disse Brad e a enfermeira aplicou uma injeção em Pilar. O efeito foi quase instantâneo e Brad olhou para o médico.

       — O que aconteceu? — perguntou, atordoado. Aquela era uma experiência trágica que nem o nascimento do filho podia amenizar.

       — É difícil dizer. Ela era muito pequena. Creio que perdeu muito sangue para o irmão. É o que chamamos transfusão entre gêmeos. Isso a enfraqueceu e ela não tinha condições para respirar. Pulmões mal desenvolvidos, suponho, e pequena demais para sobreviver ao trauma. Talvez devêssemos ter feito a cesárea — disse o médico, abatido.

       Brad olhou para Pilar, que dormia profundamente agora, imaginando o que diria a ela. Tanta alegria transformada de repente em dor.

       Mas os pediatras concordaram com o médico. Havia um problema de formação nos pulmões da menina, que ninguém poderia ter detectado. O ritmo cardíaco mantivera-se normal durante o parto, mas, tendo perdido sangue para o irmão, ela não fora capaz de sobreviver fora do ventre da mãe. Haviam feito todo o possível para reanimar o bebê.

       Brad sabia todos os fatos agora, mas não compreendia por que aquilo acontecera. Pilar foi levada para a sala de recuperação e ele ficou um longo tempo olhando para a filha, os olhos rasos de lágrimas. Ela era tão pequenina, tão bonita, tão perfeita, que parecia dormir.

       O menino chorava, como se adivinhasse que alguma coisa estava errada. Ele estava tão acostumado à companhia dela, a dar chutes nela e, de repente, ela não estava mais lá, tampouco a mãe. Sem pensar, Brad estendeu a mão e tocou o corpo pequenino, morno ainda, com vontade de tomá-la nos braços. O que iria dizer a Pilar? O que poderia dizer? Como contar a ela que um dos gêmeos estava morto? Ela acordaria, esperando ver dois milagres, para saber que de um momento para o outro a tragédia havia levado sua filha. Era uma crueldade e Brad ficou um longo tempo olhando para o bebê, que parecia dormir.

       — Sr. Coleman — disse uma enfermeira, suavemente. Precisavam levar o bebê e combinar com ele o que deveria ser feito para o enterro. — Sua mulher está acordada, pode vê-la agora, se quiser.

       — Muito obrigado — disse ele, muito pálido. Tocou outra vez a mãozinha da filha e a deixou, sentindo que deveria ficar ali, que ela precisava dele. — Como está minha mulher? — perguntou, seguindo a enfermeira para a sala de recuperação.

       — Melhor do que estava há pouco — sorriu a enfermeira.

       Mas não por muito tempo, pensou Brad, tentando analisar o que estava sentindo.

       — Onde estão eles? — perguntou Pilar, com voz fraca, assim que o viu. Havia perdido muito sangue e suportado durante muito tempo uma dor intensa. Brad olhou para ela com lágrimas nos olhos.

       — Eu a amo tanto e você foi tão corajosa — disse ele, tentando inutilmente conter as lágrimas, desejando que as coisas fossem diferentes, procurando não assustá-la.

       — Onde estão os bebês? — Pilar perguntou outra vez.

       — Ainda na sala de parto. — Pela primeira vez em sua vida Brad mentiu para ela. Mas tinha de mentir. Pilar não precisava saber ainda, era cruel demais saber que a menina estava morta, especialmente depois de ter visto aquele rostinho perfeito. O menino parecia muito mais forte, muito mais preparado para a vida. — Logo irão trazê-los. — Brad mentiu outra vez e Pilar voltou a dormir.

       Mas, na manhã seguinte, não podiam mais esconder a verdade. Brad entrou no quarto com o médico e por um momento pensou que ela não resistiria. Pilar, sentada na cama, empalideceu, fechou os olhos e Brad a abraçou, impedindo que ela caísse para o lado.

       — Não... diga que não é verdade! — gritou ela. — Estão mentindo!

       O médico tinha se encarregado de dar a notícia. Disse simplesmente que a menina morrera logo depois de nascer por ter perdido sangue para o irmão na transfusão entre gêmeos e por ter os pulmões mal desenvolvidos. Disse que ela não poderia sobreviver de modo algum.

       — Não é verdade! — gritou Pilar, histérica. — Vocês a mataram! Eu a vi! Ela estava viva... olhou para mim...

       — Sim, ela olhou para a senhora — disse ele, tristemente. — Mas nem por um momento conseguiu respirar adequadamente. Ela não respirou, não chorou e fizemos todo o possível para reanimá-la.

       — Eu quero vê-la — soluçou Pilar. Tentou sair da cama, mas estava fraca demais. — Quero vê-la agora. Onde ela está? — Os dois homens entreolharam-se, mas o médico não era contrário à idéia. Já haviam feito isso antes e às vezes ver a criança e dizer adeus a ela ajudava a família a suportara perda. A menina estava no necrotério do hospital, mas não havia nenhum motivo para que a mãe não a visse. — Quero que me levem até ela.

       — Daqui a pouco vamos levá-la para um quarto — disse o Dr. Parker.

       Pilar soluçava, encostada no marido, tentando compreender. Por pior que tivesse sido o sofrimento, ela estava feliz durante o parto e agora sua filha estava morta. Não tinha chegado sequer a tomá-la nos braços.

       — Quer ver seu filho agora?

     Pilar começou a abanar a cabeça, mas olhou para Brad e fez um gesto afirmativo. Ele parecia tão arrasado, tão abatido, e ela não tinha o direito de piorar as coisas. Tudo que ela desejava, porém, era morrer para estar com a filha.

       — Vou mandar trazê-lo — disse o médico, saindo do quarto.

       Voltou logo depois com a criança. O menino pesava quatro quilos e meio, o que era demais para um gêmeo. Mas a menina pesava menos de dois quilos. Ele tinha tudo de que precisava para sobreviver, à custa dela. Um caso clássico de sobrevivência do mais apto.

       — Ele é lindo, não é? — disse Pilar tristemente, como se o menino não estivesse ali, e não estendeu os braços para segurá-lo. Apenas olhou-o pensativa, imaginando por que ele estava vivo e a irmã não. Brad tirou-o do colo da enfermeira e o pôs cuidadosamente nos braços de Pilar e, chorando copiosamente, ela o beijou.

       Quando a enfermeira saiu do quarto com o bebê, ela pediu outra vez para ver a filha. Eles a conduziram numa cadeira de rodas a um quarto vazio, frio, triste e estéril. Logo a enfermeira entrou com o bebê num bassinete, enrolada num cobertor, o rostinho tão doce, parecendo ainda adormecida.

       — Quero segurá-la um pouco. — Brad pôs o bebê carinhosamente nos braços da mãe, onde a menininha não tinha estado ainda, e Pilar tocou com os lábios os olhinhos, a boca, o rosto, as mãozinhas, beijando cada dedinho, como para instilar nela o sopro da vida. Como se pudesse mudar o que acontecera por não poder aceitar.

       — Eu te amo — murmurou ela suavemente. — Sempre a amarei. Eu a amei antes de você nascer e a amo agora, meu doce bebê.

       Brad chorava incontrolavelmente.

       — Eu sinto tanto — disse ele — Eu sinto tanto...

       — Quero que o nome dela seja Grace — disse Pilar, tocando de leve a mão do marido. — Grace Elizabeth Coleman — Elizabeth pela mãe dela. De certo modo, agora isso parecia certo. Brad apenas fez um gesto afirmativo. Era insuportável a idéia de que, no meio de tanta alegria, tivessem agora de sepultar sua filha.

       Pilar ficou imóvel por um longo tempo, com o bebê nos braços, olhando para o rostinho que parecia adormecido, como para gravá-lo para sempre na lembrança... Talvez para quando se encontrassem algum dia, no céu... Então a enfermeira entrou no quarto. Iria levar o bebê para a casa funerária contratada por Brad naquela manhã.

       — Adeus, meu anjo — disse Pilar, beijando-a outra vez. Quando saíram do quarto, foi como se uma parte da sua alma tivesse sido arrancada para ser sepultada com a filha.

       No quarto em que Pilar iria ficar, o outro bebê dormia e a enfermeira que estava ao lado dele olhou tristemente para Pilar, sabendo de onde eles vinham. Ajudou-a a se deitar e estendeu para ela o bebê adormecido.

       — Eu não o quero agora — disse Pilar, balançando a cabeça e tentando afastá-lo, mas a enfermeira o pôs nos braços da mãe, olhando nos olhos de Pilar.

       — Ele precisa da senhora, Sra. Coleman... e a senhora precisa dele... — disse com firmeza e saiu do quarto, deixando o bebê com os pais. Tinham lutado duramente por ele, que viera trazendo ao mesmo tempo uma tragédia e uma bênção.

       Mas ele não era culpado pela morte da irmã. Com o filho no colo, Pilar sentiu seu coração abrir-se. Ele era tão doce, tão gorducho, tão diferente da pequena Grace. Era todo masculino... e Grace parecia um anjo pequenino, uma brisa.., um murmúrio que voltara para Deus para sempre.

       Foi um dia estranho para os dois, um dia de alegria e de dor, de raiva e euforia, desapontamento e mágoa, um arco-íris de emoções que não conseguiam compreender. Mas pelo menos estavam juntos. Nancy chegou e soluçou nos braços de Pilar, só as lágrimas dizendo o que estava sentindo. Tommy chorou também e disse o quanto sentia por eles. Todd telefonou, sem saber o que se passara, e Brad contou, chorando sentidamente.

       Quando ficou sozinha por um momento, Pilar telefonou para a mãe. E, pela primeira vez em sua vida, Elizabeth realmente a surpreendeu. Não era a grande Dra. Graham falando, mas a avó de uma criança morta, a mãe de uma mulher que estava sofrendo terrivelmente, e as duas conversaram e choraram durante uma hora ao telefone. Pilar conteve a respiração quando Elizabeth falou do filho que perdera de morte súbita, antes de Pilar nascer.

       — Ele estava com cinco meses e, de certo modo, acho que nunca mais fomos os mesmos. Eu sempre achei que a culpa foi minha porque estava sempre muito ocupada depois que ele nasceu. Nunca passei muito tempo com ele. Então fiquei grávida de você e nunca ousei me aproximar de você. Acho que tinha medo de que você morresse também.

       Eu não queria jamais amar nenhum ser humano como o tinha amado. Pilar... minha querida... eu sinto tanto... — disse a mãe, entre soluços, e Pilar chorou incontrolavelmente.

       — Espero que saiba o quanto eu sempre a amei... — Ela mal podia falar e Pilar sentiu-se sufocar por tudo que sentira por mais de quarenta anos.

       — Oh, mamãe... eu a amo... Por que nunca me contou?

       — Seu pai e eu nunca tocávamos no assunto. Naquele tempo tudo era diferente. Não se falava sobre coisas dolorosas. Era embaraçoso. Éramos todos tão idiotas. Foi a pior coisa que me aconteceu na vida, eu não tinha com quem falar e acabei aprendendo a viver com o sofrimento. Isso me ajudou quando você nasceu e dei graças a Deus por ser uma menina. Pelo menos era diferente... O nome dele era Andrew — disse, com voz suave. — Nós o chamávamos de Andy... — Sua voz era triste e jovem, e o coração de Pilar condoeu-se por ela. A mãe tinha vivido quase cinqüenta anos com aquela dor e Pilar jamais soubera. Aquilo explicava uma porção de coisas e, mesmo sendo tarde demais para a menina que ela fora, significava muito para ela saber disso agora. — A dor não vai passar facilmente — continuou a mãe. — Levará muito tempo... mais do que você pensa que pode suportar. E nunca desaparecerá completamente. Você vai viver com ela todos os dias, Pilar, ou talvez esqueça por um ou dois dias, mas então acontecerá alguma coisa que fará com que se lembre. Mas você tem de continuar vivendo, dia após dia, momento após momento... por Brad, por você.., por seu filho... Tem de continuar e finalmente a dor irá começar a perder a força. Mas a cicatriz ficará para sempre no seu coração. — Choraram outra vez e, afinal, com relutância, Pilar desligou, ciente de que pela primeira vez na vida conhecia a mãe.

       Elizabeth ofereceu-se para assistir aos funerais, mas Pilar disse que não era preciso. Sabia agora como seria doloroso para a mãe. E pela primeira vez Elizabeth Graham não discutiu. — Mas se precisar de mim estarei aí em seis horas. Lembre-se disso. É só telefonar. Eu a amo — dissera mais uma vez antes de desligar e Pilar sentiu-se como se acabasse de receber uma dádiva. Era uma pena que tivesse sido provocada por uma tragédia. E durante todo esse tempo, seu filho acordava e dormia e chorava querendo a mãe e, assim que Brad ou Pilar o pegavam no colo, ficava quieto. Era como se já os conhecesse.

       — Que nome lhe daremos? — perguntou Brad naquela noite. Não tinham pensado ainda no nome para o irmão de Grace.

       — Eu gosto de Christian Andrew. O que você acha? — perguntou ela, com tristeza. O segundo nome era pelo irmão do qual só tomara conhecimento naquele dia.

       — Eu gosto — disse ele, sorrindo entre as lágrimas. Tinham chorado durante todo o dia. O dia pelo qual haviam esperado tanto tempo fora um dia de luto.

       — A vida é uma bênção ambígua, não é? — disse Pilar a Brad, sentado ao seu lado no quarto do hospital. Ele não queria deixá-la e Pilar disse que ele deveria ir para casa. Brad parecia mais do que exausto. Mas o marido não queria ir e a enfermeira mandou levar outra cama para o quarto, achando que eles precisavam ficar juntos.

       — É tudo tão estranho. Você espera uma coisa e recebe outra. Pagamos um preço por tudo na vida, eu acho... tanto pelo que é bom, quanto pelo que não é, pelos sonhos e pelos pesadelos... tudo vem numa única embalagem. O pior é que às vezes é difícil distinguir um do outro.

       Christian lhes fora destinado para ser a alegria e Grace, o sofrimento, e os dois chegaram juntos. Ela queria tanto ter filhos e agora perdera um antes mesmo de chegar a senti-lo. Isso parecia tirar o brilho de tudo e, no entanto, ao olhar para Christian, que dormia tranqüilo ao seu lado, a vida parecia infinitamente digna de ser vivida. E Brad, olhando para ela, perguntava a si mesmo como Pilar tinha suportado tudo aquilo. Fora a pior agonia que ele jamais vira e, no fim de tudo, haviam perdido um bebê.

       — A vida é cheia de surpresas — filosofou Brad. — Quando Natalie morreu, pensei que jamais iria me refazer. — Referia-se à mãe de Nancy e Todd. — E então, de repente, lá estava você, cinco anos depois... e tenho sido tão feliz. A vida tem meios para nos abençoar depois de nos punir. Imagino que Christian vai ser a nossa bênção. Sofremos um golpe tremendo... mas talvez ele venha a ser a maior alegria da nossa vida.

       — Espero que sim — disse Pilar, suavemente, olhando para o filho, tentando esquecer o rostinho que nunca mais veria... a filha que estaria sempre na sua lembrança.

      

No dia em que levaram Christian para casa, ele chorou com vontade. Pilar vestiu-o de azul, embrulhou-o cuidadosamente no cobertorzinho também azul e o segurou contra o peito, enquanto a enfermeira a levava para baixo na cadeira de rodas. Uma atendente a acompanhava com uma mesinha de rodas cheia de flores. Todos sabiam que ela teve gêmeos, mas ninguém sabia o que tinha acontecido. Por isso, todos os presentes chegaram aos pares, um azul, outro rosa, bonecas e ursinhos de pelúcia, meninos e meninas de pano.

       Brad levou-os para casa e deitaram Christian no berço no quarto reservado para os bebês. O outro berço ele já havia levado para a garagem. Não queria que Pilar o visse. Mas ela sabia que tinha estado ali e, quando abriu a gaveta para guardar a camisolinha de Christian, viu com um aperto no coração, as roupinhas cor-de-rosa. Era quase insuportável. Tanta tristeza e tanta alegria ao mesmo tempo. Era impossível esquecer que haviam sido dois bebês e que agora tinham só um. Como poderia esquecer Grace?

     Christian era uma criança calma e fácil de alimentar. Pilar tinha muito leite, como se nem seu corpo soubesse ainda que só havia um bebê. E, sentada na cadeira de balanço, ela o amamentou sob o olhar carinhoso de Brad.

       — Você está bem? — perguntou Brad, preocupado com ela. Pilar não parecia a mesma desde o nascimento das crianças e a morte de Grace. E Brad quase se arrependia de haver concordado em terem filhos. Era doloroso demais.

       — Não sei — disse ela, com franqueza. Olhou para o filho no colo, tão perfeito, tão pequeno, gorducho e saudável. Ele era tudo que Grace não fora. Ela parecia perfeita também, mas infinitamente menor. — Fico tentando compreender por que aconteceu. Teria sido culpa minha? Alguma coisa que eu fiz? Alguma coisa que comi, ou será que dormi sempre do mesmo lado... Por quê? — Olhou para o marido com os olhos cheios de lágrimas.

       — Precisamos ter cuidado para não culpá-lo, para não fazer com que ele sinta mais tarde que de certa forma não foi suficiente para nós, que queríamos mais. Suponho que era isto exatamente o que devíamos ter — disse ele, inclinando-se para beijar Pilar e depois Christian. Ele era um belo bebê e tinha direito a uma vida de alegrias, não ao peso de ter vindo ao mundo como uma bênção ambígua.

       — Eu não o culpo — disse Pilar, chorando. — Só queria que ela também estivesse aqui. — Mas talvez ela estivesse, como uma doce presença, um espírito de amor. Era tão pouca coisa para acreditar. Depois de um sono agitado, Pilar acordou como se tivesse um peso de cinco mil quilos no peito, quando lembrou o que iriam fazer naquele dia. Depois do banho de chuveiro, amamentou Christian logo que ele acordou. Seus seios estavam enormes e o leite espirrava no rosto dele logo que começava a mamar. Christian fazia umas caretas tão engraçadas que ela riu.

       — O que está acontecendo aqui? — perguntou Brad, entrando no quarto com um terno escuro. Era a primeira vez que Pilar ria nos últimos dias e era um alívio para ele.

       Pilar apontou para o bebê e Brad riu também.

       — Ele parece um daqueles antigos atores de comédias, quando a garrafa de soda espirrava no seu rosto... o Harpo Marx, por exemplo.

       — Para ser franco — disse Brad, sorrindo -, acho que parece mais o Zeppo.

       Brad estava surpreso com a intensidade do que sentia pelo filho, o quanto já o amava e o quanto sentia a perda da irmã. Christian parecia tão inocente, tão dependente deles — Brad não se lembrava dos seus outros filhos terem parecido tão pequenos, tão desamparados, ou talvez o bebê sentisse que alguma coisa terrível acontecera. Onde estava ela? Christian tinha vivido nove meses ao lado da irmã e agora ela não estava mais ali. Devia ser uma experiência traumática para ele. Nem o bebê estava isento da dor que sentiam.

      — Você já vai se vestir? — perguntou Brad.

       Pilar fez um gesto afirmativo e pôs o bebê no berço. Teria sido perfeito se fosse só ele desde o começo. Teria sido um momento de pura alegria, mas agora tudo era diferente, um misto de felicidade e tristeza, de agonia e beleza, tudo agridoce e tão sensível ao toque. Pilar ficou parada, olhando para o filho, pensando no quanto o amava. Mas tinha amado Grace também... Vira o rostinho dela assim que ela nasceu e essa imagem estaria gravada para sempre no seu coração, bem como o nome que lhe dera.

       Pilar escolheu um vestido preto de lã, sem cintura, que tinha usado para trabalhar, no começo da gravidez. Meias, sapatos e casaco pretos. Já vestida, olhou para o marido.

       — Parece errado, não parece? Devíamos estar comemorando e, em vez disso, estamos enlutados. — E teriam de contar a tanta gente, a todos que sabiam que teriam gêmeos.

       Christian não acordou quando Brad o pôs na cadeirinha no carro. Foram para All Saints by lhe Sea, a Igreja Episcopal, em Montecito, em completo silêncio. Pilar não podia dizer nada que amenizasse a dor dos dois, nada que mudasse a realidade. Ele pôs a mão carinhosamente sobre a dela quando estacionou o carro. Nancy, Tommy e Marina os esperavam. Tommy estava de terno escuro, como Brad, e Nancy, com o filho no colo, parecia arrasada. Não conseguiu arranjar uma baby-sitter e teve de levar Adam, que gritou de alegria quando viu Brad e Pilar. Foi como um raio de luz na escuridão daquele momento.

       O pastor os conduziu para dentro da igreja. Pilar não estava preparada para o que viu. O caixão pequenino rodeado por lírios-do-vale, esperando no altar. Era uma mentira, uma farsa, uma brincadeira cruel da natureza primeiro prometendo tanto e depois tirando a metade. Um soluço subiu aos seus lábios.

       — Não vou agüentar — murmurou para Brad, cobrindo o rosto com as mãos e Nancy começou a chorar baixinho. Tommy tirou Adam dos braços dela enquanto Christian dormia tranqüilamente na cadeirinha.

       O pastor lembrou que eram esses os caminhos de Deus — dar e tirar, rir e chorar, combinar alegria com tristeza -, mas a dor foi quase insuportável quando ele abençoou a menininha que fora deles apenas por um momento.

       Mais tarde, quando acompanharam o carro fúnebre até o cemitério, Pilar tinha a impressão de estar vivendo um sonho, um pesadelo. Quando pararam, imóveis e silenciosos, perto do túmulo, sob a chuva, Pilar começou a entrar em pânico.

       — Não posso deixá-la aqui... — disse com voz embargada, segurando com força o braço de Brad.

       Tommy e Marina estavam ao lado deles. Nancy ficara no carro com os meninos porque não podia suportar mais. Era horrível demais, triste demais, aquele caixão pequenino e a expressão nos rostos de Brad e Pilar. Um momento terrível para todos, especialmente para os pais de Grace. Brad parecia ter mil anos e, quando o pastor deu a bênção final, ele pensou que Pilar desmaiaria.

       Pilar pôs um pequeno buquê de rosas sobre o caixão e ficou imóvel, soluçando. Então, Brad a levou para o carro, mas ela parecia nem saber para onde estava indo. A caminho de casa, ela continuou em silêncio, olhando para a Brad e Marina, um de cada lado, seguravam suas mãos, mas Pilar não tinha nada mais para dizer. Brad não sabia como consolá-la, não sabia o que dizer ou o que fazer. Embora tivesse sentido a perda de Grace, a menina era uma estranha para ele. Mas Pilar abrigara os dois durante nove meses e conhecia-os intimamente.

       — Quero que você vá para a cama — disse ele, quando chegaram em casa, depois de terem deixado os outros. E Christian começou a acordar quando o puseram no berço.

       Pilar foi para o quarto, deitou-se vestida como estava, toda de preto, em silêncio, olhando para o teto, pensando por que não tinha morrido no lugar de Grace. Por que não temos escolha? Quem ela teria escolhido? O que teria feito? Imediatamente compreendeu que teria se sacrificado alegremente para poupar a vida dos dois. Tentou explicar isso para Brad e ele ficou furioso. Por mais que sentisse a perda da filha, não iria querer perder Pilar.

       — Não compreende o quanto precisamos de você?

       — Não, você não precisa — disse ela, com voz inexpressiva.

       — E o que me diz dele? — Indicou o quarto ao lado. — Não acha que ele tem direito a ter mãe? — Pilar deu de ombros, sem saber a resposta.

       — Não fale desse modo — pediu Brad.

       Mas Pilar passou o dia todo deprimida, não comeu, não bebeu, seu leite diminuiu e Christian ficou agitado. Era como se todos quisessem chorar e reclamar, mas não soubessem como, muito menos Pilar, que tinha vontade de gritar até perder o fôlego, mas estava ali parada, imóvel, olhando para Christian.

       — Ele precisa de você e eu também — lembrou Brad, outra vez. — Você tem de se controlar.

       — Por quê? — Pilar sentou-se perto da janela e olhou para fora.

       Finalmente Brad a convenceu a tomar um chá e um pouco de sopa e o leite voltou ao normal. Pilar levantou-se várias vezes durante a noite, sem acordar Brad. Fora um dia cansativo para ele também e Brad estava desesperadamente preocupado com Pilar. E, quando o dia clareou, ela sentou-se na cadeira de balanço, segurando Christian e pensando nos seus dois filhos. Eram entidades separadas, pessoas diferentes, vidas separadas, cada um com seu destino e seu futuro. Christian tinha um caminho a seguir e a missão de Grace fora cumprida mais cedo. Talvez fosse simples assim, talvez seu destino fosse estar com eles apenas por um momento. E, de repente, Pilar compreendeu que precisava deixar que Grace partisse. Podia tocar sua lembrança uma vez ou outra, mas não podia ficar com ela. E Brad tinha razão, Christian precisava dela. Esperava que ele vivesse muitos e muitos anos e queria estar ao seu lado pelo menos uma parte desse tempo. Pela primeira vez em cinco dias Pilar encontrou a paz, ali sentada com o filho no colo. A benção era deles, não como tinham esperado ou pensado que seria, mas como tinha de ser e ela devia aceitá-la.

       — Já está de pé? — perguntou Brad parado, sonolento, na porta do quarto. — Tudo bem?

       Pilar sorriu e fez um gesto afirmativo, muito calma, muito triste e muito bela.

       — Eu te amo — disse, em voz baixa, e Brad sentiu que alguma coisa tinha mudado nela, alguma coisa no fundo da sua alma tinha se partido, quase a destruindo, mas agora começava lentamente a se recuperar.

       — Eu também te amo. — Brad queria dizer o quanto sentia, mas não tinha mais palavras, apenas sentimento.

       Então Christian acordou. Bocejou, abriu os olhos e olhou intensamente para os dois.

       — Ele é um cara e tanto — disse Brad, com orgulho.

       — Você também — disse Pilar e beijaram-se à primeira luz do sol.

      

Naquele ano Todd passou o Dia de Ação de Graças com eles. Queria conhecer Christian, que estava com duas semanas e meia, e sabendo do que tinham passado queria estar um pouco com Brad e Pilar.

       Pilar estava bem melhor, embora precisasse ainda perder alguns quilos e não tivesse disposição para sair. Sentia-se fraca demais para enfrentar os amigos e explicar tudo que tinha acontecido. Era muito doloroso.

       A princípio, Todd não sabia o que dizer, mas depois disse que sentia muito a perda da menina.

       — Que provação terrível — disse ele. Brad estava muito abalado quando lhe contara ao telefone sobre o nascimento de Christian e a morte de Grace, mas parecia estar sendo muito mais difícil para Pilar.

       — Foi horrível — admitiu ela, em voz baixa.

       Mas aos poucos o ferimento estava cicatrizando. A dor era profunda ainda quando pensava em Grace, mas ela começava a sentir prazer em cuidar de Christian. Falava com a mãe com mais freqüência e muita coisa do que ela dizia ajudava bastante Pilar. Era uma grande ajuda falar com alguém que tinha passado pela mesma coisa, mas Pilar ainda não queria que Elizabeth a visitasse. Não queria ver ninguém, nem a mãe.

       — Nada é tão simples quanto parece — disse para Todd, pensando na agonia da primeira gravidez e do aborto... e agora Grace.

       — Você pensa que tudo vai ser fácil, tudo como você planejou, mas nem sempre é assim. Precisei viver 44 anos para aprender isso e, acredite, não foi fácil. — Ter um filho não fora a coisa mais fácil da sua vida. Não teve dificuldades com a carreira nem com o casamento com Brad. Mas de certo modo ela sentia que tudo valera a pena. Não trocaria Christian por coisa alguma no mundo. Pagaria até mesmo duas vezes aquele preço, embora esse pensamento a deixasse perplexa.

       — O que vocês dois estão fazendo? — perguntou Brad, sentando-se ao lado deles. — Resolvendo os problemas da vida?

       — Eu ia dizer a ele o quanto o amo. — Pilar sorriu para Todd e depois para o marido. — Todd é uma pessoa muito especial.

       — Uma boa mudança para quem foi um garoto terrível.

       Todd era muito bonito, parecido com o pai.

       — Você era legal — concedeu Brad, com um sorriso zombeteiro. — E não é de todo mal agora. Como vai Chicago?

       — Bem. Mas estou pensando em voltar para a costa oeste. Arranjar um emprego em Los Angeles ou São Francisco, talvez.

       — Meu Deus, isso é que eu chamo ter pouca sorte! — brincou Brad outra vez.

       — Vamos adorar ter você mais perto sorriu Pilar.

       — Posso tomar conta de Christian nos fins de semana.

       — Não conte com isso — disse Nancy para Pilar, aproximando-se deles. — Sempre que Todd fica em nossa casa, nunca acorda com os berros de Adam, deixa o sobrinho brincar com o telefone e dá cerveja para ele, "para ficar mais manso".

       — Isso mesmo, e ele adora, certo? Quem é o tio favorito dele?

       — Ele não tem muita escolha — disse Nancy.

       Um pouco mais tarde, Christian acordou chorando, querendo a mãe. Pilar subiu para amamentá-lo e, quando voltou, Nancy, Tommy e Todd estavam de saída. Todd a abraçou e a beijou carinhosamente.

       — Você está ótima e meu irmão é maravilhoso.

       — Você também é. Foi bom ter vindo.

     Todd olhou para ela e sorriu. Sim, eles tinham passado por momentos difíceis e seu pai parecia envelhecido e extremamente preocupado com Pilar, mas certamente iria se recuperar. E Pilar estava muito triste, mas sem dúvida reagindo bem.

       — Acha que eles vão repetir a dose? — Todd perguntou a Nancy quando voltavam para a casa dela.

       — Duvido — respondeu a irmã, acrescentando confidencialmente: — Uma amiga foi consultar uma especialista em fertilidade, em Los Angeles, e viu Pilar e papai no consultório. Eles não disseram nada, mas creio que não foi fácil para Pilar engravidar. Os dois fingiram que foi uma grande surpresa, mas não foi. Acho que foi trabalho pesado. E, agora, esse sofrimento todo com a morte do bebê.

       Todd gostava de Pilar e sentia muito por ela.

       — Eu não sei — disse ele -, mas acho que os dois acham que valeu a pena. — Olhou o sobrinho que dormia ao seu lado, na cadeirinha. — Talvez valha... quem sabe?

       Nancy virou-se para trás, olhou o filho e fez um gesto afirmativo.

 

       Em Santa Monica, Beth estava regando um peru enorme no forno, pela última vez, quando Charlie chegou com um peru de chocolate para Annie e flores para Beth pôr no centro da mesa de Ação de Graças.

       — Nossa! O que é isto? — exclamou Beth, surpresa e comovida. Charlie era sempre tão atencioso. Estavam saindo juntos há nove meses e Beth jamais conhecera alguém igual. Ele cozinhava, dava presentes, comprava mantimentos para as duas, levava-as para passear e comer fora, ficava horas lendo para Annie. Era exatamente o tipo de pessoa com quem ela sonhara e que nunca havia encontrado. Era um sonho realizado e Annie o adorava.

       — Feliz Dia de Ação de Graças para vocês duas! — disse Charlie com um largo sorriso, entregando as flores. Annie começou a desembrulhar o peru de chocolate.

       — Posso comer agora? — perguntou ela e a mãe disse que podia comer um pedacinho e deixar o resto para depois do jantar. Annie comeu a cabeça da ave, enquanto Charlie beijava sua mãe.

       — Posso ajudar? — perguntou ele, mas Beth disse que estava tudo pronto.

       Dessa vez ela quis fazer o jantar para ele e há muitos anos não caprichava tanto. Geralmente ela e Annie comiam num restaurante, ou na casa de amigos. Beth ficava deprimida fazendo o jantar só para as duas no Dia de Ação de Graças. Mas nesse ano tinha muito que agradecer. Estavam tão felizes desde que Charlie entrara em suas vidas! Era como se ele apagasse a lembrança dos tempos difíceis, endireitando tudo outra vez. Beth sentia que alguém se importava com ela e que não estava mais sozinha. Não tinha mais o peso do mundo nos ombros.

       Quando Annie ficava doente, Charlie a ajudava a tratar dela e, quando teve problemas com o senhorio, pediu para Charlie resolver. Durante uma greve no hospital ele chegou a emprestar dinheiro para ela. Beth pagou logo que voltou a trabalhar. Charlie era uma pessoa incrível. E naquele outono ele começou a ajudar um orfanato e ainda jogava beisebol com os garotos nas manhãs de sábado. E sempre falava sobre o que aqueles meninos significavam para ele e que ainda pensava em adotar um garoto quando tivesse dinheiro suficiente.

       Beth estava completamente apaixonada por ele, que era muito bom para ela, mas Charlie sequer insinuava planos para o futuro. Ele ainda achava que não tinha o direito de se casar. Beth dizia que o fato de ele não poder ter filhos não significava nada para ela e que, mesmo que Charlie não se casasse com ela, ele tinha o direito de saber que muitas mulheres se considerariam felizes em ter um marido como ele, com ou sem filhos.

       Na última vez em que falaram no assunto, Beth havia perguntado:

       — Qual é o problema? — Annie estava dormindo e os dois acabavam de fazer amor. Sua vida sexual era extraordinária e era difícil acreditar que ele não podia ter filhos. Mas Beth sabia que uma coisa não garantia a outra. — Não sei por que você faz disso um cavalo de batalha. Uma porção de gente não pode ter filhos. E daí? E se eu fosse estéril? Seus sentimentos mudariam em relação a mim?

       Pela primeira vez Charlie pensou nisso e teve de admitir que não.

       — Eu lamentaria, porque você é tão boa com as crianças e deveria ter filhos... mas a amaria do mesmo modo — disse ele e mudaram de assunto. Sempre tinham tanta coisa para conversar quando estavam juntos.

       No Dia de Ação de Graças, os três conversaram sem parar durante todo o tempo. O peru estava delicioso, bem com o purê de batatas, as ervilhas e o recheio. Beth tinha feito o melhor possível por ele e admitiu timidamente que Charlie cozinhava melhor.

       — De jeito nenhum — disse ele, sorrindo. — Estava fantástico. — E o melhor de tudo era que estavam juntos.

       Depois, saíram para uma longa caminhada, com Annie correndo em torno deles e, quando chegaram em casa, ela estava exausta.

       Charlie e Beth levaram Annie para a cama às oito horas e depois assistiram à TV, comendo pipoca feita por Charlie. No meio do primeiro filme, Charlie quis fazer amor e deitaram-se no sofá da sala, como dois garotos, até esquecerem completamente o que estavam vendo na televisão. Annie estava dormindo profundamente e eles foram para o quarto de Beth, nas pontas dos pés, um momento depois estavam nus na cama, abraçados, ardendo de paixão.

       — Meu Deus... Charlie — disse Beth, ofegante ainda. — Como consegue fazer isso comigo?

       Nunca tinha sido assim para ela. E era maravilhoso para Charlie também, porque ele a amava muito e a desejava e dessa vez sabia que podia confiar, que ela não o faria sofrer. Três anos antes Barbie o havia deslumbrado, mas agora sabia que ela não era a mulher certa para ele. Agora sabia uma porção de coisas e pensava de modo muito diferente. Beth mudara sua vida e até sua opinião sobre filhos. Ela o fez pensar em como reagiria se ela não pudesse ter filhos. E de repente compreendeu que não teria nenhuma importância, que ele a amaria de qualquer forma e que Beth tinha direito a uma vida completa, tivessem filhos ou não. Charlie já não se sentia culpado e parou de pensar no que não poderia ter, no que não poderia oferecer a ela. Tinha tanto a dar a Beth e agora, mais do que nunca, era o que ele queria fazer.

       — Quero perguntar uma coisa a você — disse ele naquela noite e, quando ela ergueu o rosto, ele pensou no quanto Annie se parecia com a mãe. — Primeiro, quero dizer que a amo muito.

       Beth estremeceu nos braços dele. Sabia que Charlie acreditava que não tinha o direito de se casar com ninguém e talvez fosse dizer que estava indo embora, que tudo fora muito bom, mas estava acabado. Seus olhos encheram-se de lágrimas e Beth não queria ouvir.

       — Você não precisa dizer nada. — Beth tinha esperança de desencorajá-lo. — Sabe que eu o amo. — Ficou calada, rezando para que ele não dissesse o que ela temia, mas Charlie continuou, muito sério.

       — Eu quero perguntar uma coisa a você.

       — Por quê? — Os olhos azuis de Beth pareciam enormes.

       — Porque você é importante para mim e eu não tenho o direito de prender sua vida como se me pertencesse.

       — Não seja bobo... Eu... Nós nos damos muito bem... Eu prefiro estar com você a estar em qualquer outro lugar... Charlie, não...

       — Não o quê? — perguntou ele, espantado.

     — Não vá embora. — Ela o abraçou e começou a chorar como uma garotinha.

       Charlie olhou-a, atônito.

       — Acha que estou com jeito de quem vai a algum lugar? Não se trata de ir, mas de ficar. — Sorriu, comovido com a reação dela.

       — Você vai ficar? — Beth afastou-se um pouco para vê-lo melhor, os olhos cheios de lágrimas.

       — Eu gostaria. Gostaria que você ficasse também. Eu ia perguntar... — Hesitou por uma fração de segundo e continuou: — Beth, quer casar comigo?

       O sorriso de Beth ia de orelha a orelha e ela o beijou com tanto ardor que a cama tremeu.

       — Sim, quero — disse ela, quando parou para respirar, e os dois rolaram na cama, rindo felizes.

       — Nossa! Como eu te amo! Quando?... — Então, Charlie ficou preocupado.

       — Tem certeza? Mesmo sabendo que não podemos ter filhos.

       — Queria saber ao certo. Beth tinha o direito de recusar.

       — Pensei que íamos adotar — disse ela, calma.

       — É mesmo? Quando resolvemos isso?

       — Você disse que gostaria de adotar um menino, talvez dois.

       — Mas isso era se eu ficasse solteiro. Agora tenho você e Annie. Você concordaria em adotar Beth?

       — Acho que eu gostaria sim. — Ficou pensativa por um momento e depois disse: — Daríamos um lar a quem realmente precisa, em vez de pôr mais uma criança no mundo... Sim, acho que eu gostaria muito...

       — Fale sobre o casamento primeiro. Quando?

       — Eu não sei — disse Beth, com um largo sorriso. — Amanhã. Na próxima semana. Vou tirar uma semana de férias antes do Natal.

       — No Natal — sorriu Charlie, feliz. — E esqueça as férias. Quero que você deixe aquele emprego. Não quero que trabalhe à noite depois de casada. Pode trabalhar meio período, enquanto Annie está na escola, ou estudar enfermagem, como você quer. — Seria apenas um ano de estudo e ele poderia arcar com as despesas, pois estava se saindo bem com as comissões. — Então, será no Natal. — Sorriu outra vez, abraçou-a e num instante seu corpos confirmaram a decisão que acabavam de tomar.

 

Charlie e Beth casaram-se no Dia de Natal na Igreja Metodista Unida, em Westwood, e Annie foi a única testemunha. Deram uma pequena recepção para alguns amigos num restaurante local. Mark compareceu, é claro, com sua nova namorada e tudo correu exatamente como eles queriam. Nada de festa no Bel Air, nada de convidados animados. Charlie não queria se mostrar para ninguém. Tinha uma mulher e uma vida de verdade e uma garotinha que agora era sua também. Já tinham conversado a respeito e Annie queria ser adotada por ele, passando a se chamar Annie Winwood.

       Os três foram a San Diego para a lua-de-mel. Foram ao zoológico, visitaram a base naval, hospedaram-se num pequeno hotel que Charlie conhecia e davam longos passeios na praia. Exatamente o que Charlie sempre havia sonhado, sem nunca encontrar, até Beth mudar tudo para ele.

       Ela deixara o emprego no hospital e conseguira outro na secretaria da escola de Annie. Tudo correra às mil maravilhas. E, em setembro do ano seguinte, ela voltaria a estudar e faria o curso de enfermagem.

       — Você está tão feliz quanto eu? — perguntou ele, quando caminhavam descalços na areia, um dia depois do Natal. Fazia um dia glorioso e a areia, embora fria, tinha calor suficiente para Annie andar descalça também. E ela estava se divertindo, correndo de um lado para o outro.

       — Acho que estou mais feliz. — Beth sorriu. — Eu nunca tive nada igual a isto. Meu primeiro casamento foi horrível. Eu era muito jovem e muito ignorante e ele um perfeito canalha. Eu não consegui tirar nada decente de tudo aquilo.

       — Sim, conseguiu — disse Charlie, sorrindo. — Conseguiu Annie.

       — É verdade. Acho que há sempre uma benção em todas as coisas que nos acontecem. Mas às vezes demoramos muito para ver.

       Charlie ainda não sabia ao certo qual fora a bênção no seu casamento com Barbie, que fora um desapontamento completo. Mas pelo menos estava acabado e ele tinha toda uma vida diante de si com Beth. Uma vida que oferecia tudo que ele sempre desejou: companheirismo, ternura, sinceridade, amor.

       — Eu espero fazer você tão feliz quanto você me fez nestes dias — disse ele, abraçando-a, e Beth sorriu, sentindo-se segura ao lado dele.

       — Você já fez — murmurou ela, olhando para Annie que acenava para eles.

       — Venham! — A voz dela chegou envolta na brisa. — Esperem só para ver as conchas.

       Sorrindo, eles correram para ela, brincando de pegar e rindo, enquanto o sol no céu de inverno parecia sorrir também, abençoando-os.

 

       O Natal na casa dos Goode era sempre caótico e nesse ano foi muito mais. Gayle e Sara, os maridos e as crianças estavam presentes, e Andy e Diana tinham voltado ao rebanho com Hilary, é claro. Diana, com oito meses e meio de gravidez, praticamente se arrastava de um lado para o outro, atrás de Hilary que ficava de pé segurando-se em qualquer coisa, pondo em perigo a própria vida com tudo que estivesse ao seu alcance.

       — Ela dá um bocado de trabalho, não é? — observou a mãe de Diana. Hilary era uma criança linda e feliz, uma fonte inesgotável de felicidade para Diana e Andy. Todos lembravam-se de que no ano anterior eles não estavam presentes, que seu casamento estava quase desfeito e que tinham ido para o Havaí para tentar recuperá-lo. Foi depois disso, Diana havia lembrado alguns dias atrás, que Wanda, a mãe de aluguel, entrara e saíra na vida dos dois com a mesma rapidez. Mas a separação que se seguiu foi boa para eles. E então, de repente, surgira Hilary e agora o bebê deles mesmos. Aquilo tudo era estonteante, mas Diana jamais se sentira tão feliz. Tudo corria bem com a gravidez e ela sentia-se ótima. Diana pedira uma extensão da licença-maternidade, naturalmente, e a revista a prorrogara até junho.

       — Como vão as coisas? — perguntou Jack, enquanto Diana e Gayle arrumavam a mesa e Sam tentava acalmar uma briga entre seus dois filhos mais velhos.

       — Muito bem — sorriu Diana, lembrando do dia em que Jack suspeitara da sua gravidez e ela pensara que ele estava louco.

       — Eu diria que é para qualquer momento.

       — Faltam ainda três semanas — disse Diana, como quem sabe das coisas. Jack balançou a cabeça e franziu a testa, olhando para a barriga dela e apalpando-a delicadamente.

       — Eu diria que está mais perto do que você pensa, Di. A criança está praticamente entre os seus joelhos. Há quanto tempo não vai ao médico?

       — Ora, pelo amor de Deus, Jack — censurou-o Gayle. — Pare de bancar o Dr. Kildare. Hoje é Natal.

       — Estou só dizendo que está mais perto do que ela pensa. O bebê já desceu e aposto o que quiserem que a cabeça já está encaixada.

       — É, foi o que você me disse e eu só tive o bebê dali a duas semanas e meia.

       — Tudo bem. — Jack deu de ombros, erguendo as mãos no ar. — Eu sou humano. — Voltou-se para Diana outra vez: — Falo sério. Deve consultar o médico. Francamente, eu acho que o bebê já desceu. Nunca vi uma barriga tão baixa numa mulher que não está em trabalho de parto.

       — Talvez eu esteja sem saber — riu Diana. Depois tranqüilizou o cunhado, dizendo que iria ao médico na segunda-feira.

       — Coisas mais estranhas já aconteceram — riu ele e foi tomar um drinque com o sogro. Não estava de plantão e podia se divertir.

       As três ajudaram a mãe, como sempre, e quando o peru ficou pronto, os homens o destrincharam e os pratos foram para a mesa. Todos estavam satisfeitos nesse ano, as crianças animadas, mas bem-comportadas, não havia nenhuma briga de família e todos já tinham perdoado a Diana sua explosão do ano anterior no Dia de Ação de Graças. Quando souberam do seu problema, todos compreenderam. Até Gayle estava mais carinhosa.

       — Você não está comendo nada — disse Gayle, olhando para Diana.

       — Não tem mais espaço — sorriu ela, olhando depois para Andy, que conversava com Seamus. O irlandês sempre tinha boas histórias para contar. Nem sempre eram verdadeiras, mas eram sempre divertidas.

       Quando a mãe foi até a cozinha para apanhar mais comida, Diana a acompanhou. Disse que estava com dor nas costas e precisava ficar de pé. Andy notou que ela parecia preocupada. Então viu que Jack a observava atentamente e quem ficou preocupado foi ele. Diana voltou massageando as costas e várias vezes retornou à cozinha para ajudar a mãe.

       — Ela está muito inquieta — murmurou Sam no ouvido de Jack.

       Jack concordou com um gesto e voltou ao seu jantar. Alguns minutos depois, Diana sentou-se outra vez e parecia estar bem. Estava falando e rindo e, de repente, parou e olhou para o marido. Mas Andy não percebeu. Ela pediu licença, subiu a escada e, dentro de alguns minutos voltou, sem dizer nada.

       Só depois da sobremesa Diana disse a Sam que não estava se sentindo bem e que iria se deitar um pouco. Pediu à irmã que não dissesse nada a ninguém, era só um pouco de má digestão.

       Uma hora depois, Andy procurou a mulher e não a encontrou.

       — Alguém viu Di? — perguntou ele.

       — Ela está lá em cima, vomitando — disse a sobrinha mais velha e Andy subiu correndo a escada.

       — Será que não é melhor você ir até lá também? — perguntou Gayle ao marido.

       — Pensei que você tinha dito para eu não me intrometer.

       — Talvez eu estivesse enganada.

       — Provavelmente ela comeu demais. Eles me chamarão se precisarem de mim. E mesmo que ela esteja em trabalho de parto, é seu primeiro filho. Pode ir a pé para o hospital que ainda sobra tempo.

       — Muito engraçado. Você sabe como eu sou. — Gayle mal tivera tempo de chegar ao hospital com seus dois primeiros filhos e o último nasceu na cozinha da sua casa.

       — Todo mundo é diferente — lembrou ele e Diana havia provado isso, tendo um diagnóstico de esterilidade e engravidando dois anos depois.

       Mas Andy desceu alguns minutos depois, muito preocupado.

       — Ela diz que está enjoada — informou ele a Jack. — Vomitou algumas vezes e agora diz que está com cólicas terríveis. Eu queria levá-la para casa, mas ela não quer fazer nenhum movimento. Disse que deve ter tido uma distensão nas costas ajudando a mãe a servir o jantar.

       Jack ouviu, subiu a escada de dois em dois degraus e Andy foi atrás dele.

     — Oi — disse Jack, alegre. — Ouvi dizer que você foi atacada por um peru selvagem.

       — Estou me sentindo péssima. — Diana fez uma careta e levou a mão à barriga.

       — Péssima como? — perguntou Jack, mas já sabia, e ficou atônito quando apalpou a barriga dela. Estava dura como pedra e Diana estava no meio de uma violenta contração.

       — Estou enjoada e com uma porção de cólicas... e minhas costas...

       — Torceu o corpo e segurou na beirada da cama, com outra contração. — Acho que estou com uma intoxicação alimentar... mas não diga isso a mamãe... — Olhou para ele, muito pálida.

       — Pois eu acho que não. Acho que está em trabalho de parto.

       — Agora? — perguntou Diana, surpresa e um pouco amedrontada. — Mas não está na hora.

       — Para mim, parece que está.

       Enquanto ele falava, Diana teve outra contração e Jack começou a marcar o tempo. Esta foi longa e forte e ele tentou calcular os intervalos entre as dores. Teve a resposta dentro de dois minutos. Olhou para Andy, com a testa franzida.

       — Há quanto tempo está tendo essas dores? — perguntou para Diana.

       — Eu não sei — respondeu ela, vagamente. — Tive uma espécie de cólica o dia inteiro. Pensei que fosse alguma coisa que comi... — Sentia-se embaraçada, compreendendo que nem sabia que estava em trabalho de parto.

       — Nenhum sinal da ruptura da bolsa? — O parto estava muito mais adiantado do que Jack imaginara e ele gostaria de examiná-la, mas não sabia se Diana concordaria.

       — Não — respondeu ela, com voz firme. — Só um filetezinho desde ontem de manhã, nada demais — explicou ela, ansiosa para provar que ele estava errado. Lembrava ainda o que Jane passara quando Hilary nasceu e sentiu medo.

       Jack olhou para Andy, depois para Diana e sorriu.

       — Doçura, aquilo era a sua bolsa d'água. Não precisa ser um jorro. Acho melhor irmos para o hospital agora mesmo.

       Mas Diana segurou o braço dele e quase gritou.

       — Não!... Não! Isto não é nada... — A contração foi tão violenta dessa vez que a deixou quase sem ar, ofegante, e a seguinte chegou um minuto depois. Diana gritou: — Oh, Deus... o que é isto? Andy... Jack...

       Jack correu para o banheiro para lavar as mãos e voltou com uma pilha de toalhas que pôs imediatamente debaixo dela. Depois a examinou cuidadosamente e Diana nem percebeu, agarrada no braço de Andy e gritando. Estava lutando contra cada contração e não podia controlar o que sentia. Então, de repente, aquela terrível sensação de um calor escaldante e uma pressão para baixo como se um trem expresso tentasse sair do seu corpo.

       — Oh, Deus... está chegando... — Em pânico, olhou para o marido, depois para o cunhado, e Jack fez um gesto afirmativo para Andy.

       — Sim, está, Di. — Diana estava para ter o bebê e Jack falou calmamente: — Andy, ligue para 911. Chame uma ambulância, diga que uma mulher está tendo um filho aqui e que há um médico presente. Ela está bem, tudo está correndo normalmente. O trabalho de parto deve ter começado ontem e ela não sabia.

       — Não me deixe — gritou Diana, quando Andy fez menção de se afastar, mas Jack, com um gesto, mandou que ele fosse telefonar. Assim que Andy saiu, Diana teve outra contração e o trem expresso passou por dentro dela outra vez. Jack separou bem as pernas dela e já podia ver a cabeça do bebê.

       — Empurre, Di... vamos... Empurre esse bebê para fora...

       — Não posso... dói demais... oh, Deus... não pára mais... não pára mais...

       Diana queria que a dor parasse, mas esta prosseguia e então Andy estava outra vez ao seu lado e disse que a ambulância estava a caminho. Ninguém lá embaixo sabia o que estava acontecendo. Não havia tempo para ir lhes contar.

       — Faça força, Di — ordenou Jack, quando chegou a outra contração. O intervalo era de um minuto e então, de repente, Diana gemeu surdamente, Jack segurou-lhe as pernas bem separadas e Andy os ombros, e o bebê quase voou de dentro dela para as mãos de Jack. Um menino grande, com cabelos louros, incrivelmente parecido com Hilary. Diana olhou para ele, atônita, o bebê olhou para ela e Andy riu. Era a imagem mais bonita que ela já tinha visto.

       Diana deitou a cabeça no travesseiro, sorriu para Andy e disse quanto o amava.

       — Ele é tão bonito... e parecido com você. — Olhou para Jack com um sorriso trêmulo. — Acho que você estava certo, afinal...

       Os três riram e o bebê chorou alto, seguro pelo tio. Nesse momento, ouviram a sirene da ambulância.

       — Acho melhor você descer e explicar tudo — disse Jack para Andy, que estava ainda em estado de choque. Tinham vindo para a ceia de Natal e voltariam para casa com um bebê. Nada acontecia exatamente como eles planejavam.

       Andy correu para baixo e contou que acabava de ganhar um filho, no momento em que seu sogro abria a porta para os paramédicos.

       — Ela está lá em cima — disse Andy e todos olharam atônitos para ele.

       — Diana está bem? — perguntou o pai, e as irmãs e a mãe subiram a escada correndo. Seamus bateu nas costas de Andy.

       — Você não faz as coisas pela metade, certo, garoto?

       — Acho que não.

       Jack já fizera toda a limpeza necessária e cortou o cordão umbilical com os instrumentos levados pelos paramédicos. Um momento depois, Diana e o bebê estavam agasalhados, sobre a maca, a caminho da porta e da ambulância, com todo mundo correndo ao lado dela, desejando boa sorte. Andy agradeceu a Jack e Diana acenou para ele. De certo modo, fora pior e melhor do que ela imaginara. Pelo menos havia sido rápido, mas a dor fora tão intensa que a surpreendera.

       Estavam na ambulância e Sam prometeu levar Hilary para casa e ficar com ela até Diana voltar do hospital.

       — Vocês sem dúvida sabem como animar uma festa — murmurou o pai de Diana, fechando a porta. Depois abriu uma garrafa de champanhe e serviu a todos, inclusive as crianças.

       — A Andrew, Diana e a seus filhos — brindou ele, solenemente.

       A mãe de Diana estava com os olhos cheios de lágrimas, lembrando como fora difícil para eles. Mas agora tinham dois belos filhos.

       Ele é a coisinha mais fofa que eu já vi — murmurou Diana para Andy, na ambulância, segurando o bebê contra o peito, enrolado em cobertores. Ele estava com os olhos arregalados, olhando para tudo, curioso e interessado. Era muito vivo e parecia calmo.

       — Espere até Hilary ver o bebê — disse Andy e os dois sorriram.

       Tinham tido dois filhos em nove meses, passando do nada à riqueza, de uma hora para a outra.

       Diana e o bebê passaram só aquela noite no hospital e no dia seguinte estavam em casa, com Hilary. Eles o chamaram de William, o nome do pai dela.

       — Willy e Hillie — brincou Diana, olhando para o filho que dormia no berço num canto do seu quarto.

       De repente, viam-se rodeados por crianças, como há tanto tempo desejavam, e parecia uma chuva de bênçãos.

       — Você é maravilhosa — sussurrou Andy, beijando-a.

       — Você também. — Ela o beijou, esquecidos a agonia, o vazio e a dor. No entanto, ela sabia que tudo aquilo fazia esse momento infinita mente mais precioso.

 

Andy e Diana passaram o terceiro aniversário de casamento no Havaí, na praia de Waikiki, com os dois filhos. Hilary estava então com quatorze meses, já andando e descobrindo as coisas. Ela amava a areia, o mar, os pais e o irmãozinho William, um bebê gorducho e saudável, com cinco meses e meio, que ria, murmurava e balbuciava. E os dois tomavam todo o tempo dos pais. Exigiam a atenção de Diana dia e noite e, dentro de duas semanas, ela estaria voltando para a Today's Home, mas para trabalhar apenas meio período. Ainda não tinha certeza se queria deixar as crianças, mas queria ajudar Andy. Com dois filhos, assim de repente, precisavam do dinheiro. E Diana trabalhando apenas meio período significaria para eles a privação de muitas coisas, mas ela não queria ficar longe das crianças o tempo todo e Andy concordava com ela. Tinham esperado muito por aquilo para que agora não aproveitassem. Diana já temia as horas que teria de passar longe dos filhos e já havia providenciado uma pessoa para tomar conta deles quando estivesse trabalhando. Era uma moça alemã, que parecia limpa e cuidadosa e falava bem o inglês. Só ficaria com as crianças quando Diana estivesse no trabalho. O resto do tempo, Diana e Andy se encarregariam deles.

       Andy fora promovido naquele ano e estava sobrecarregado de trabalho, mas era um prazer voltar para casa e ver o contentamento nos olhos de Diana, sabendo que seus sonhos tinham se realizado, mesmo quando a máquina de lavar quebrava, havia fraldas por todos os lados e Hilary acabava de fazer um novo mural no quarto com o batom de Diana. A vida deles seria repleta dessas coisas por alguns anos, e eles sabiam o quanto esse tempo seria precioso e como passaria depressa.

       — Que belos filhos vocês têm — cumprimentou-os uma mulher de Ohio, certa tarde na praia, no Havaí. — Que idade eles têm?

       — Cinco e quatorze meses. — Diana sorriu e a mulher olhou espantada para ela. Era muito menos do que os treze meses de diferença entre os seus próprios filhos, que tinham dado um trabalho insano.

       — É uma sorte ter filhos com tanta facilidade — disse a mulher. Vocês têm uma família maravilhosa. Deus os abençoe.

       — Muito obrigada — agradeceu Diana, sorrindo para o marido.

 

       Em junho, Charlie levou Beth e Annie a Rosemead, seguindo de carro por uma rua tranqüila na direção de um prédio tristonho, de tijolos. Há muito que Charlie esperava por esse dia e estacionou o carro em silêncio. Beth pôs a mão sobre a dele, ela sabia, e Annie sentiu que aquele era um momento importante. Sabia o que estava acontecendo e por que estavam ali, mas não tinha certeza de compreender completamente.

       Entraram e sentaram-se. Tinham começado a preparar os papéis há seis meses e tudo parecia estar em ordem. Charlie e Beth já haviam estado naquele prédio algumas vezes para reuniões e aconselhamento. A instituição era dirigida por freiras que usavam ainda o antigo hábito.

       O simples fato de estar ali trazia lembranças dolorosas a Charlie. Estivera em muitas instituições iguais àquela. Lembrava-se do ruído das contas do rosário quando elas andavam e as noites frias e escuras na cama estreita, os pesadelos terríveis e o medo constante de morrer sufocado pela asma. Aquelas lembranças deixavam-no com falta de ar e instintivamente ele procurou a mão de Beth e a de Annie, enquanto esperavam.

       — Você já esteve aqui? — perguntou Annie e Charlie fez um gesto afirmativo. — Eu não gosto deste lugar.

       — Ninguém gosta, meu bem. Por isso estamos aqui.

       Eles iriam salvar uma alma solitária daquela prisão. Já conheciam o menino e Charlie gostou dele assim que o viu. Tinha quatro anos e era muito pequeno para a idade, disseram as freiras. Teve problemas respiratórios quando nasceu e sentiam muito ter de dizer ao Sr. Winwood que ele sofria de asma. Se ele não quisesse, tinham uma menina... mas, para espanto das freiras, Charlie disse que o menino estava ótimo para eles.

       Depois de investigarem Charlie e Beth e de conversarem com Annie, os assistentes sociais ficaram satisfeitos, certos de que o menino teria um bom lar. Não se tratava de um bebê, o que podia dificultar as coisas. Deveriam estar preparados para um período de adaptação.

       — Sabemos de tudo isso — disse Charlie, delicadamente.

       Sim, ele sabia, sabia como tinha tentado desesperadamente, cozinhando e arrumando a casa e implorando para que o amassem. E sempre o levavam de volta. E ele sabia o que era voltar para a cama de ferro, para o colchão cheio de calombos, para as correntes de ar frio dos dormitórios que ele tanto temia.

       Uma porta se abriu e duas freiras surgiram. Charlie ouviu o ruído das contas dos rosários, viu os rostos bondosos e, atrás das saias negras, o menino, pequenino e pálido, com calça de veludo, uma suéter velha azul-marinho e tênis desbotados. O menino ruivo olhou para os três, apavorado. Passara a manhã toda escondido no quarto, temendo que eles não viessem. Já sabia que as pessoas nunca cumpriam o que prometiam. As freiras disseram que os Winwood viriam naquele dia, mas ele não acreditou. Sabia que iriam levá-lo para algum lugar, mas não sabia para onde, nem por quanto tempo.

       — Os Winwood vieram buscar você — disse a freira mais alta, em voz baixa, e Bernie fez que sim com a cabeça.

       Sim, estavam ali para levá-lo e ele ainda não podia acreditar. Olhou interrogativamente para os três, como se não acreditasse no que estava vendo e Charlie caminhou até ele.

       — Oi, Bernie — disse Annie e ele respirou fundo, com um chiado. Há alguns dias estava tendo acessos de asma e morria de medo de que eles mudassem de idéia se soubessem.

       Charlie olhou para ele com lágrimas nos olhos e depois estendeu os braços e Bernie caminhou lentamente para ele.

       — Vamos levá-lo conosco, para nossa casa... para ficar para sempre e sempre. Quero ser seu pai... esta é a sua mãe agora... e Annie é sua irmã.

       — Como uma família de verdade? Para sempre? — Bernie olhou desconfiado para ele. Foi o que lhe disseram, mas com quatro anos apenas, ele não entendia completamente e não conseguia acreditar. Só esperava que eles voltassem e o levassem outra vez para passear. Era tudo que queria.

       — Isso mesmo — disse Charlie, com o coração disparado. Lembrava-se exatamente do que sentia em tais situações, só que nunca tinham dito isso para ele. Diziam apenas que ficaria com eles por algum tempo e que depois o levariam de volta. Nunca se comprometiam.

       — Eu não tenho família. Sou órfão.

       — Não é mais, Bernie.

       Estavam dispostos a um compromisso e as freiras garantiram que Bernie era um menino maravilhoso, muito inteligente, de bom gênio e muito amoroso. Fora dado pela mãe no nascimento e já havia estado em vários lares adotivos provisórios, mas ninguém o adotara por causa da asma. Dava muito trabalho.

       — Posso levar o meu urso? — perguntou Bernie, cautelosamente, olhando para Annie. Ela sorriu.

       — Claro. Pode trazer tudo que é seu — disse Charlie.

       — Nós temos muitos brinquedos bons em casa — garantiu Annie e o menininho ruivo deu um passo na direção de Charlie, como que atraído por ele, sentindo que tinham muita coisa em comum e que estaria a salvo com ele.

       — Eu gostaria de ir com você — disse, olhando para o homem que queria tanto ser seu pai.

       — Muito obrigado — respondeu Charlie, tomando-o nos braços, querendo dizer que o amava. Não disse nada, porém, ficou ali abraçado com ele e Bernie, aninhado no seu peito, pronunciou a palavra que Charlie sempre desejara ouvir.

       — Papai — sussurrou encostando o rosto no peito de Charlie.

       Charlie fechou os olhos e sorriu por entre as lágrimas. Beth e Annie os observavam em silêncio.

 

       Pilar e Brad passaram o aniversário de casamento em casa, naquele ano. Sabiam que tinham muito o que agradecer, e muito para pensar. Christian era uma criança maravilhosa. Estava com sete meses e era uma alegria completa para os dois. Brad e Pilar o adoravam.

       Pilar contratou uma baby-sitter e voltou a trabalhar depois de quatro meses, mas apenas pela manhã. Ela gostava de aparecer no tribunal com Christian no carrinho. Brad o mostrava para todo mundo e ninguém mais perguntava onde estava o outro bebê.

       Fora uma época longa e difícil, que exigira muito dos dois. Brad sempre dizia que estava satisfeito por tudo que fizeram, mas que não faria outra vez. E Pilar dizia brincando que ela sentia falta dos filmes pornográficos da Dra. Ward. Quando os gêmeos nasceram, eles escreveram à médica, contando que a menina tinha morrido e ela respondera com uma carta muito bonita. Pilar lembrava-se do que a Dra. Ward dissera. Que não havia nenhuma garantia e que às vezes a fertilidade, tanto quanto a esterilidade, podia ser uma benção ambígua. Foi assim para eles, mas nos últimos meses a balança começava a pender para o lado bom. Christian era uma fonte de constante prazer e Pilar agradecia a cada momento sua decisão de ter uma família antes que não tivesse mais escolha.

       Elizabeth já havia visitado o neto e ficara louca por ele. Foi a primeira

       vez que as duas tiveram prazer em estarem juntas.

       Nancy estava grávida outra vez, esperando que fosse uma menina. Pilar finalmente contou a ela os tratamentos que fizera e Nancy mal podia acreditar que eles tivessem feito tudo aquilo. Exigia muita força, coragem e perseverança.

       — E uma pitada de loucura. Acaba sendo uma espécie de obsessão, como ficar na mesa da roleta até perder tudo ou ganhar uma fortuna.

       — Para mim parece que você ganhou — disse Nancy, mas as duas sabiam o que aquilo lhe custara e a dor com a perda de Grace. No começo, ela não conseguia ver Christian sem pensar na menina. Só agora, com a dádiva do tempo, começava a se libertar.

       — Às vezes eu sinto como se tivesse perdido os primeiros meses de Christian — disse Pilar a Brad certa vez. — Eu estava sofrendo tanto que

       nem me lembro de nada.

       As roupas e os brinquedos da menina estavam no sótão, numa caixa marcada "Grace". Pilar não queria dá-los a ninguém, não queria esquecer, não estava preparada para tanto ainda. Mas, no aniversário de casamento, ela estava bem outra vez e com ótima aparência.

       — Bem, não podemos dizer que foi um ano monótono para nós — sorriu ela. No início do ano anterior soubera que teria gêmeos.

       — Pelo menos este ano você não está grávida — disse ele, mas mesmo assim ela não queria sair. Gostava de ficar em casa com ele e naquela semana havia preparado um caso difícil e trabalhoso e estava exausta. Quando admitiu que estava cansada, Brad disse que ela estava ficando menos resistente. — Eu me lembro das vezes em que você fazia picadinho de mim no tribunal e depois queria ir dançar.

       — O que posso dizer? — Pilar deu de ombros. — Tenho dois mil anos de idade.

       — E eu quantos anos tenho então?

       Pilar riu. Ela estava com 45 e ele com 64, mas Brad parecia mais moço e continuava ativo como sempre. Pilar tinha a impressão de ter envelhecido muito naquele ano, mas Brad insistia em dizer a ela que não parecia. Só ultimamente andava um pouco abatida, mas ele atribuía ao fato de estar ainda amamentando Christian e trabalhando.

       Pilar tinha esperado tanto tempo que queria aproveitar cada minuto com o filho. Entretanto, duas semanas depois do aniversário de casamento, ela continuava cansada e estava trabalhando em mais três casos. Um deles era um difícil caso de adoção, que a interessava muito. Os outros eram um processo contra um restaurante e uma disputa sobre uma propriedade em Montecito. Os três eram interessantes e variados e as pessoas muito exigentes.

       Certa noite comentou os três casos com Brad e ele ficou preocupado com ela. Pilar parecia esgotada e, no meio da conversa, subiu para amamentar o bebê.

       Brad entrou no quarto de Christian e perguntou:

       — Não acha que está se cansando demais? Talvez seja melhor parar de amamentar ou diminuir o trabalho. — Era raro Pilar parecer tão cansada.

       — Estou usando a amamentação como controle de natalidade — disse ela, sorrindo, mas não era verdade. Ela gostava de amamentar Christian e ele estava indo muito bem. — Prefiro deixar o trabalho a deixar isto — concluiu, com franqueza. Brad ficava encantado com a união que via entre a mãe e o filho.

       — Então, talvez fosse melhor você parar de trabalhar até ele crescer mais um pouco.

       Mas Pilar balançou a cabeça.

       — Não posso fazer isso, Brad. Não seria justo para meus sócios. Estou sentada sem fazer nada há mais de um ano e agora só trabalho de manhã. — No entanto, ela levava trabalho para casa todos os dias.

       — Bem, você parece que está fazendo horas extras. Talvez seja bom consultar um médico.

       Finalmente, em junho, Pilar foi ao médico e descreveu seus sintomas. Disse a idade de Christian e que estava ainda amamentando. Infelizmente não havia possibilidade de gravidez, porque ela e Brad tinham concordado em não fazer mais nenhum ato heróico e a Dra. Ward dissera que, depois dos 45, era quase impossível. Não ficava menstruada desde o nascimento do filho, o que, segundo diziam, era devido ao fato de estar amamentando. Às vezes ela imaginava se nesse meio tempo tinha entrado na menopausa, o que parecia um tanto estranho, mas coisas mais estranhas já tinham acontecido.

       O médico fez alguns exames e telefonou para o escritório informando que ela estava anêmica, provavelmente ainda por causa do parto. Receitou ferro, que modificou o gosto do leite, e Christian reclamou. Pilar então deixou de tomar o remédio e esqueceu. O médico não tinha encontrado nada mais grave e depois de uma semana ela estava melhor, até o dia em que foram assistir a uma regata e, de pé ao lado de Brad, Pilar olhou para ele de modo estranho e desmaiou.

       Brad ficou apavorado. Pilar voltou ao médico, foram feitos novos exames e, dessa vez, quando recebeu os resultados, Pilar ficou muda de espanto. Nunca pensou que fosse possível, nunca sequer ousou sonhar com outro filho, mas estava grávida. O médico telefonou um pouco antes de ela sair do escritório para amamentar Christian e disse que agora ela precisava parar de amamentar. Advertiu também sobre os riscos de um aborto na sua idade e sobre todos os outros perigos que ela já conhecia tão bem. Síndrome de Down, defeitos congênitos, feto natimorto, o verdadeiro campo minado que teria de percorrer para produzir um bebê saudável. E, no fim, iria depender da sorte... do destino... ela estar ou não destinada a ter esse filho.

       Pilar entrou no tribunal e o viu bater o martelo anunciando o recesso para o almoço. Estavam julgando um crime e o acusado foi levado pelo meirinho. Brad ficou surpreso ao vê-la de pé, no fundo da sala.

       — Pode se aproximar — disse ele e sua voz ecoou na sala vazia. Pilar caminhou lentamente para ele, lembrando seus dias no tribunal há tanto tempo. Tinham se conhecido dezenove anos atrás e haviam percorrido um longo caminho juntos, partilhado tanta coisa, tragédias e prazeres intensos e momentos preciosos. — O que tem a dizer em sua defesa? — perguntou ele, severo, e Pilar sorriu para ele, sentindo-se de repente jovem outra vez e achando que a vida era muito engraçada.

       — Você fica uma graça com essa toga — disse ela e Brad sorriu.

       — Quer me visitar no meu escritório? — disse ele, comum sorriso malicioso.

       — Talvez. Mas antes preciso contar uma coisa. — Brad não iria acreditar.

       — Do que se trata? É uma confissão? Ou um depoimento?

       — Possivelmente ambos... e uma espécie de piada... e talvez um choque... e, no fim, uma benção...

       — Oh, meu Deus! Você bateu o carro e está tentando me dizer que ele estava mesmo muito velho e que precisamos de um novo.

       — Não, mas isso é muito criativo. Vou lembrar na próxima vez que precisar.

       Brad viu o largo sorriso dela e nem por um momento suspeitou do que poderia ser.

       — O que você fez? — perguntou ele, a voz firme, com vontade de sair de onde estava e beijá-la. A sala estava vazia. Eles estavam sozinhos no seu tribunal.

       — Não estou muito certa de que se trate do que eu fiz... acho que você ajudou.

       Brad franziu a testa, sem entender.

       — Acho que você andou assistindo a filmes pornográficos outra vez e não me disse nada. — Ela sacudiu o dedo em riste na frente dele.

       Brad deu uma gargalhada e olhou para ela.

       — O que significa isso?

       — Significa, Meritíssimo... que, sem recursos heróicos, sem hormônios, sem ajuda de ninguém, a não ser a sua... eu estou grávida.

       — Você está o quê? — Brad ficou petrificado.

       — Você ouviu.

       Brad levantou-se da cadeira e caminhou até ela, sorrindo, sem saber ao certo o que estava sentindo ou por que, sem saber se queria ou não passar por tudo aquilo outra vez. Mas, de um modo estranho, estava feliz.

       — Pensei que não íamos mais fazer isso — disse, olhando carinhosamente para ela.

       — Eu também pensei. Parece que alguém resolveu outra coisa.

       — É o que você quer? — perguntou Brad suavemente. Não queria que ela enfrentasse tudo aquilo outra vez contra a vontade.

       Pilar pensara bastante a caminho do tribunal e agora olhou para Brad e disse:

       — Acho que como tudo na vida, como disse a Dra. Ward... é uma espécie de benção ambígua... mas, sim... eu quero...

       Pilar fechou os olhos, Brad a beijou e ficaram abraçados por um longo tempo, ele pensando que há muito tempo desejava fazer aquilo, beijá-la no tribunal. Esperara dezenove anos, mas conseguira.

 

                                                                                Danielle Steel  

 

                      

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