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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UM AMOR FEITO DE ÓDIO / Janet Dailey
UM AMOR FEITO DE ÓDIO / Janet Dailey

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Aquele amor tinha nascido do ódio, ele fora resultado daquele horrível segredo, que quase levou Tanya à loucura. O casamento dela com Jake Lassiter entregou o seu destino nas mãos daquele homem que nunca soube perder. Logo após o enlace, Jake Lassiter partiu para bem longe, deixando-a com um filho que pouco sabia do pai. Seis anos marcaram esta ausência e consolidaram a solidão e o sofrimento de Tanya. Neste período, apenas um punhado de linhas em algumas cartas diziam que Jake Lassiter estava vivo. Um dia ele volta, e Tanya precisa dizer a verdade, para romper as algemas daquele segredo.

 

 

 

 

A estrada asfaltada acompanhava a cordilheira, serpenteando em direção a Dewey Bald. Por vezes, algumas clareiras permitiam que os viajantes vislumbrassem as montanhas Ozark, de Missouri. Variados tons de verde coloriam as colinas, desde as gritantes cores do cedro até o verde-claro das árvores recém-formadas, num arranjo tão espetacular quanto o desabrochar do outono. Esse mundo florescente era iluminado ainda mais pelo roxo dos ipês e pelo branco dos lírios. No solo, o aparecimento de novas flores anunciava a proximidade da primavera.

— Podemos parar no mirante de Sammy?

Aquela vozinha curiosa desviou o olhar de Tanya Lassiter da estrada e do panorama à sua frente. Tanya sorriu, admirando aqueles olhinhos azuis inquisidores, que se voltavam para ela tão sérios. Finos cabelos castanhos cobriam a testa do menino, suavizando o efeito do queixinho pontudo. Qualquer mulher gostaria de ter um filho tão lindo e inteligente quanto o seu John, pensou Tanya voltando a atenção para o volante, num ímpeto de satisfação. John estava com sete anos e qualquer pessoa gostaria de ter um filho tão peralta, feliz e curioso quanto ele. Quem poderia negar o pedido daqueles olhinhos confiantes, que faziam lembrar o azul do céu no verão, tão diferentes dos de Jake, o pai de John, cujos olhos tinham o brilho metálico do aço?

— Podemos? — insistiu John.

— Sim, por alguns instantes — concordou Tanya, relaxando os lábios que se haviam cerrado. — Mas a vovó nos espera para o jantar. Não podemos chegar tarde.

Não houve o menor entusiasmo na reação de John, o que fez com que Tanya se voltasse para ele. O menino olhava pela janela do carro, pensativo. As sobrancelhas de Tanya arquearam-se e depois voltaram ao natural, pois ela sabia que John logo lhe falaria sobre suas preocupações.

Estacionaram o carro e enquanto ela trancava as portas John esperou, impaciente, a alguns metros. O colete de Tanya combinava com as listas cor de ferrugem das calças e com a blusa creme, de mangas compridas. Deixando a direção e fechando a porta, ela ajeitou os cabelos e foi ao encontro do garoto, que vestia uma jaqueta azul-claro e blue-jeans.

Caminharam algumas centenas de metros, até a grande rocha cinzenta, da qual se via Mutton Hollow e o velho caminho, na verdade uma trilha muito antiga. Tanya e John formavam um par contrastante: ela alta, graciosa e feminina; ele a exibir toda a vitalidade infantil, numa miniatura de homem. Enquanto John foi diretamente até a pedra cinzenta, Tanya procurou o aconchego de umas pedras em forma de concha, mais acima, na colina. Aquele lugar não lhe permitia avistar o vale, mas ela podia se esconder dos olhares dos motoristas que passavam pela estrada logo abaixo. O tráfego era basicamente local. A invasão de turistas viria mais tarde, com o sol do verão.

Em pé, sobre a rocha, o garoto admirava o panorama, com as pernas separadas e as mãos nos quadris, numa postura elegante. De certo modo, John era como ela. Tinha, aparentemente, uma personalidade extrovertida, sociável, divertida; e uma grande curiosidade. Mas em determinados momentos — como Tanya — gostava de ficar só, entregue a seus pensamentos. Às vezes Tanya sentia que, aos sete anos, John era sério e pensativo demais e vivia muito na companhia de adultos. Mas na escola, entre crianças da mesma idade, ele não tinha a menor dificuldade em se relacionar com os colegas. Por isso, Tanya reconhecia que sua preocupação, na verdade, era um excesso de preocupação.

Recostada no declive do morro, Tanya observava o sol se pondo vagarosamente no oeste. Um pássaro cortou o ar, diante dela, e foi pousar num galho, ao lado da companheira.

Tanya sentiu uma dor repentina surgir dentro dela. Envolveu o próprio corpo com os braços e permaneceu assim por alguns instantes, até que a dor se acalmasse. Aquela era a estação em que os pássaros se acasalavam e Tanya reconheceu que aquele desejo intenso que ela procurava reprimir só poderia ser saciado por um companheiro. Ela era uma mulher, uma fêmea de sua espécie que, aos vinte e seis anos, precisava de um macho para amar. A mais simples e antiga verdade da vida.

Não havia a menor vaidade em reconhecer sua própria beleza. E Tanya era linda. Cabelos longos, de um castanho-claro quase aloirado, com algumas mechas naturais cor de mel, penteados para trás num estilo que realçava suas feições. Maçãs do rosto um pouco salientes, nariz arrebitado e uma boca quente e sensual que, com um sorriso, poderia transformar a fria beleza de seu semblante em reluzente magia. Mas eram seus olhos cor de mel, salpicados de ouro, que mantinham trancafiadas as paixões que existiam abaixo da superfície.

Nada restava da menina assustada e vingativa que visitara aquelas colinas sete anos antes, com uma criança nos braços. A influência e o exemplo de sua sogra, Júlia Lassiter, haviam apagado aquela imagem de colegial, transformando-a numa mulher equilibrada e sofisticada. Tanya lembrou-se amargamente de que um único detalhe permanecia: sua repugnância por Jake Lassiter, o homem cujo nome ela carregava. John era a única boa recordação que se salvara de seu casamento. Ele lhe pertencia e jamais lhe poderia ser tomado — enquanto ela ainda estivesse casada com Jake.

— Mamãe!

Tanya abriu os olhos e se ajeitou, sentando-se com o corpo ereto. John acomodou-se no chão, ao lado dela, arrancando pequenos tufos de grama que brotava.

— Fale, John — respondeu Tanya, enlaçando os joelhos com os braços.

— Eu tenho mesmo um pai?

Apenas por um segundo o choque da pergunta se estampou no rosto de Tanya.

— Claro que tem, meu filho. — O coração bateu um pouco mais forte, mas não houve nenhum outro sinal de que a pergunta a houvesse inquietado.

— Mas eu quero saber se ele está mesmo vivo!

Neste momento John a encarou, confuso, e seus olhos azuis estavam sérios e perspicazes.

— Sim, ele está vivo. Você mesmo já apanhou as cartas dele com o carteiro. Por que você me faz essa pergunta? — Tanya tentou sorrir, mas acabou deixando escapar um riso nervoso.

— Danny Gilbert disse que ele deve estar morto ou preso, senão ele viria para casa. Ele não está preso, está?

— Não, querido, ele não está preso. Ele está em algum lugar na África. — Tanya segurou os ombros magros de John e o abraçou, temendo que ele percebesse que ela não queria falar sobre Jake Lassiter. Ele trabalha para o seu avô, lembra-se? Há uma grande barragem, uma ponte ou coisa parecida sendo construída por lá, e a companhia de seu avô está supervisionando o trabalho. Seu pai está lá para garantir que o trabalho seja bem feito.

— Mas por que ele nunca vem para casa? — perguntou John. — E por que nós nunca vamos visitá-lo? Ele não quer nos ver? — a cabeça sedosa se afastou das mãos que a acariciavam e John olhou fixamente para a testa franzida de Tanya.

— Ele virá para casa um dia — respondeu Tanya, procurando disfarçar o nervosismo. — Ele anda muito ocupado.

— Todo mundo sai de férias. Por que ele não pode tirar umas férias e vir visitar a gente?

— Foi o que ele fez uma vez. — Ela não se atrevia a lhe dizer que Jake tinha vindo por um mês, mas se fora depois de uma semana.

— Eu ainda era um bebê — protestou John, recusando a explicação com um tom de desapontamento. — Vovó disse que eu tinha três anos. Eu não consigo me lembrar dele.

— Você... você já conversou sobre isso com sua avó? — perguntou ela, hesitante. Se isso tivesse acontecido, haveria mais uma anotação contra ela no livro negro de sua sogra.

— Não — disse John, encolhendo os ombros de uma maneira muito significativa. — Eu só perguntei quantos anos eu tinha quando ganhei aquele elefante de marfim. Você me disse que papai tinha trazido de presente para mim.

Sim, Tanya se lembrou da pergunta da criança dias antes; mas não lhe dera muita importância. Um rápido suspiro de aliviado escapou de seus lábios.

— A gente pode visitá-lo no verão, quando a escola tiver acabado? — quis saber John, impaciente.

— É que... seu pai... — Ela vacilou desesperadamente, procurando encontrar uma forma de recusar o pedido, sem reforçar a opinião de que Jake não queria nada com o filho. — A situação política de lá não nos permite.

— Eu sabia que você acabaria dizendo alguma coisa assim. — O rancor quase adulto de sua voz açoitou-a como um doloroso golpe de chicote.

— Talvez... — acrescentou ela, engolido em seco e odiando a sugestão que começava a se formar em seus lábios. — Talvez... a gente possa escrever uma carta a seu pai hoje à noite e ver se ele dá um jeito de vir para casa por umas duas semanas, no verão.

John voltou-se para a mãe, fitando-a com uma certa expressão de esperança. Sem querer, o olhar dela fixou o dedinho torto, a marca de nascença que confirmava o direito que ele tinha ao nome de Lassiter.

— Você acha que ele viria? — perguntou John.

Intimamente ela esperava que não, mas mudou de idéia quando olhou para o rosto do garoto. — Se for mesmo possível, tenho certeza de que ele virá, principalmente se você lhe pedir. — Tanya jamais tentara propiciar qualquer correspondência entre pai e filho, evitando compartilhar o amor de John com o homem que ela abominava. Apenas por ocasião do Natal e de aniversários ela fazia com que John enviasse cartões de agradecimento pelos presentes que chegavam pelo correio.

— É melhor irmos para casa. — John levantou-se com um sorriso estampado no rosto.

— John, não é porque nós vamos escrever — disse Tanya alguns minutos depois, na estrada do lago que os levaria para casa — que podemos garantir que ele volte aos Estados Unidos.

— Eu sei. Mas ele virá, eu sei que virá. — A firmeza na voz do menino fê-la lembrar-se de que havia entre ele e o pai uma ligação muito forte... um vínculo de pai e filho. Por mais que ela quisesse ignorar a existência do marido, não poderia fazê-lo em consideração a John. — Sabe, mamãe... — continuou John —, eu tenho pensado que talvez ele ache que eu não ligo para ele. Se ele souber quanto eu quero vê-lo, ele virá. Eu tenho certeza.

— Bem, se não for possível neste verão, quem sabe ele possa vir no outono, ou no Natal. Mas não conte com isso, John. Pode ser que ele não consiga sair de lá.

— Seria bom se ele viesse agora, porque assim o Danny Gilbert ia ver que eu tenho um pai de verdade e que ele está mesmo na África. Ele a fitou sério. — A gente poderia escrever essa carta depois do jantar?

— Podemos, sim — prometeu Tanya, com o coração na mão.

— E vamos mandar a carta de avião para que ele receba logo?

— Está bem. Por via aérea — concordou ela, relutante.

— O carro do tio Patrick está na porta — anunciou ele, eufórico, ao ver o El Dorado prateado em frente à casa rústica, mas super moderna. — Faz um século que ele não aparece.

— Pouco mais de uma semana — corrigiu ela, os olhos brilhando também, por ver o carro tão conhecido.

Patrick Raines não era na verdade tio de John, apesar de tê-lo tratado como tal desde pequeno. Agora que o sogro de Tanya, J.D. Lassiter, havia se aposentado parcialmente, visitando o escritório da firma em Springfield apenas duas ou três vezes por semana, Patrick Raines era o cabeça da firma em tudo, menos no título. Tanya tinha a impressão de que J.D. estava ainda interferindo, de modo que, quando Jake voltasse aos Estados Unidos, o poder fosse transferido para as mãos de seu único filho vivo. Fora a persuasão do sogro que trouxera Jake de volta, quatro anos antes, para uma permanência malograda. Mas ninguém jamais esteve isento do clima hostil e desencorajador que cercava Jake e Tanya. Ela não conseguia manter uma conversa cordial nem se sentir bem na mesma sala em que ele estivesse.

Quando ela e John chegaram ao vestíbulo cuidadosamente polido, Tanya sentiu o coração palpitar ao ouvir a voz potente de Patrick na sala próxima. John adiantou-se, cumprimentando os avós e o homem moreno e bonito que se aproximou de Tanya. Um sorriso acolhedor formou-se nos lábios dela ante a calorosa saudação de Patrick Raines.

— É ótimo vê-lo novamente, Patrick. — Sua mão procurou a dele naturalmente, desfrutando o toque firme e prolongado que reavivou o brilho dos olhos castanhos do rapaz. — Ao ver seu carro, John comentou que você não aparecia há séculos.

— Então você realmente sentiu minha falta — disse ele com evidente satisfação.

Tanya estava prestes a responder quando a sogra interrompeu a conversa.

— Já estávamos pensando que vocês tinham se perdido. Por onde foi que você e o Johnny andaram? — Somente Júlia Lassiter tinha o costume de chamar John de Johnny, e Tanya estava certa de que a sogra o fazia porque sabia como isso a irritava.

— Demos um passeio que demorou mais do que esperávamos — respondeu ela calmamente, voltando-se para a mulher que segurava as mãos de John com firmeza. Seus olhos fitaram o rosto aristocrático, com uma moldura de cabelo cinza-azulado, sabendo como Júlia gostaria de ouvir um relato completo de todos os movimentos deles.

— O jantar está pronto?

— Estávamos terminando nosso aperitivo — respondeu J.D. levantando-se do sofá de veludo, uma figura marcante de homem, alto como seu filho.

—Dêem-nos alguns minutos para que possamos nos lavar e desceremos em seguida. — Tanya estendeu a mão para John e lançou um sorriso aos três, mas que se fixou em Patrick.

Trocou a calça e a blusa por um elegante vestido vermelho e azul-marinho. Arranjou os cabelos de modo que caíssem ondulados sobre os ombros. Esse penteado, apesar de simples, era na verdade muito sofisticado.

Tanya dirigiu-se imediatamente à cozinha, sabendo muito bem que Júlia esperava por ela. Os Lassiter poderiam perfeitamente manter uma empregada, uma cozinheira ou um jardineiro, mas a casa de Júlia Lassiter era seu castelo particular. Ela mesma fazia ou orientava o serviço e Tanya reconhecia que, nesse plano, Júlia era perfeita. Não havia nada que ela não pudesse fazer tão bem quanto as melhores empregadas.

Suas refeições eram requintadas, mas com um toque de simplicidade que satisfazia plenamente ao paladar de seu marido. A casa estava sempre impecável, sem uma poeirinha, mesmo nos cantos mais inacessíveis. O jardim, de muita imaginação e criatividade, era cuidado apenas por Júlia, muito embora ela permitisse que Tanya ou seu próprio marido executasse as tarefas mais desagradáveis, como, por exemplo, cortar a grama. Mantinha-se elegantemente arrumada, sem um fio de cabelo fora do lugar, sem um borrão de batom nos lábios. Suas roupas jamais perdiam botões e sua combinação nunca aparecia abaixo do vestido.

Júlia não era apenas excelente esposa e dona-de-casa, mas também a mãe perfeita. Nem uma vez sequer ela questionara Jake quanto à garota acanhada que ele trouxera para casa como sua esposa, nem comentara qualquer coisa sobre o bebê que ele havia reconhecido como seu filho. Sem contestar, acatara o desejo de Jake de que ele e Tanya tivessem quartos separados. Não dissera uma só palavra de recriminação quando Jake se fora, poucos dias depois de trazer Tanya para casa, nem nos anos seguintes, enquanto ele estivera fora. Ainda assim Tanya tinha a sensação de que era tolerada na casa de Júlia por causa de John, que se tornara o centro das atenções da avó. Tanya achava que a sogra se dirigia a ela com uma certa aspereza na voz; e, após tantos anos juntas na mesma casa, jamais houve uma demonstração de afeto ou amizade que quebrasse a frieza dos olhos de Júlia.

O pai de Jake, J.D. Lassiter, era diferente. Tanya dissera uma única vez que Jake seria capaz de enfeitiçar uma serpente, e depois de conhecer J.D. soube que tal habilidade fora herdada de seu pai. J.D., no entanto, era mais honesto e aberto em relação aos seus sentimentos. Quando ela trouxe John a sua casa pela primeira vez, ele foi cético e reprovou o casamento do filho com ela. J.D. Lassiter era um milionário dos mais poderosos, ninguém duvidava disso. Como homem de negócios, astuto e observador, ele acompanhou a transformação de uma moça recém-saída do colégio numa verdadeira dama.

Gradativamente sua reprovação se transformara em respeito e admiração. Estendera sua mão amiga a Tanya, poucos anos depois.

Embora ele nunca tivesse perguntado nada sobre o relacionamento de Tanya e Jake, ela imaginava que ele conhecesse as circunstâncias em que o casamento ocorrera. Naturalmente ele não deveria saber de toda a verdade, pois aquele segredo era apenas dela. E Tanya o guardava tão cuidadosamente quanto zelava por John. Mas isto só lhe fora possível graças à compreensão e afeição do sogro. Ela enfrentaria qualquer inferno para que John tivesse um nome, uma família e futuro.

Júlia já havia servido a entrada do jantar quando Tanya chegou à cozinha. John sentou-se ao lado da avó e J.D. puxou uma cadeira para que Tanya ficasse à sua direita. Ela sorriu ao homem que se sentava à sua frente e ele correspondeu com outro sorriso.

— Você está maravilhosa com esse vestido, mas qualquer outro lhe cairia bem — observou Patrick.

— Você é muito gentil. As mulheres gostam de receber elogios, mesmo que não sejam verdadeiros — respondeu Tanya delicadamente, e não pôde conter a admiração que sentiu por ele, notando que seus cabelos estavam ficando grisalhos.

Havia uma inegável corrente de afinidade entre eles. Os Lassiter costumavam convidar os executivos de sua empresa e, por isso, Tanya e Patrick se encontravam com certa freqüência. O marido dela estava na África por um período indeterminado, e Patrick Raines era divorciado havia três anos. Tanya colocava à prova todas as suas emoções, cada vez que o olhar dele pousava sobre ela. Patrick era o único homem qualificado que conhecia e isso condizia com sua romântica e secreta paixão natural, que lhe permitia tecer fantasias a respeito de um homem bonito e charmoso como aquele.

Durante os poucos minutos que passavam a sós, não faziam qualquer referência ao seu relacionamento. Mas Tanya sabia que aquilo não era uma simples amizade entre duas pessoas. Ambos se viam como um homem e uma mulher, mas a moral conservadora de Tanya jamais lhe permitiria ignorar a aliança de brilhantes na sua mão esquerda, nem seu voto de fidelidade, embora considerasse o marido insuportável.

— Diga-me onde você esteve desta vez, Patrick — e ela apanhou a colher, desviando o olhar. — Eu não sabia que você estava viajando.

— Uma viagem rápida à Escócia, pela firma — uma pequena pausa — e outra, mais longa, à África do Sul.

Tanya desconcertou-se um pouco com a resposta, mas tão pouco que apenas J.D. percebeu, desviando o olhar para a esposa na outra extremidade da mesa.

— Mamãe não permite que se fale de negócios à mesa. Patrick — disse J.D. com delicadeza. Uma regra da casa. Como se alguma coisa pudesse nos fazer esquecer sua deliciosa sopa de cebolas.

John, em sua inocência, perguntou animado:

— Você disse que foi à África, tio Patrick?

— John! — interrompeu Tanya, procurando amenizar o tom de sua repreensão. — Você ouviu muito bem o que seu avô disse. Espere até terminarmos.

— Está bem. — Ele abaixou a cabeça para tomar a sopa, mas Tanya sabia que o interesse do garoto pelo pai voltaria a aflorar assim que terminassem a sobremesa. Ela ainda não estava pronta para anunciar à família sua intenção de escrever a Jake pedindo-lhe que viesse.

Um rápido olhar para Júlia indicou exatamente de onde surgia o mal-estar que pairava no ambiente. Tanya percebeu que Júlia tinha achado a repreensão descabida, pois John só queria perguntai pelo pai. Talvez a sogra tivesse razão, mas Tanya não queria que o nome de Jake viesse estragar o jantar, o que sem dúvida aconteceria.

— Antes que você e John chegassem — disse J.D., tomando a iniciativa, como um perito em conversas à mesa — nós estávamos discutindo a possibilidade de fazer um belíssimo jantar festivo para comemorar nosso trigésimo quinto aniversário de casamento, dia oito de maio.

— Ótima idéia — concordou Tanya.

— Que bom que você aprova — disse J.D., com uma piscadela.

— Mamãe achou que seria de mau gosto programar uma festa para comemorar nossas bodas. Geralmente ela procura uma outra desculpa qualquer para esse tipo de comemoração.

— Se o tempo estiver muito bom, Júlia, poderemos fazer a festa lá fora, no pátio. Suas flores vão estar brotando e isso seria o ideal — sugeriu Tanya, notando um ar de má vontade nos olhos da sogra.

— E você poderia fazer aquele peixe assado de que eu gosto tanto — acrescentou J.D. —, servido à americana. Durante todo o jantar discutiram os demais detalhes da festa, convidados, comes e bebes, decoração. O telefone tocou quando Júlia ia servir o café na sala de estar. Tanya se encarregou do café enquanto a sogra foi atender. Era para J.D. John também saiu, para buscar qualquer coisa no quarto, deixando Tanya e Patrick a sós.

— Patrick... — começou ela, correndo os dedos pela porcelana chinesa, sem esconder seu nervosismo — quando você esteve na África você viu Jake?

A seguir, recostou-se no sofá e aguardou a resposta, procurando disfarçar sua inquietação.

— Sim, eu estive com ele.

— Como vai a execução do tal projeto? — continuou ela, procurando saber se haveria uma possibilidade de Jake aceitar o convite para visitá-los.

— Que projeto? — perguntou Patrick secamente. — O que ele está terminando ou o que começou agora?

Sem perceber, ela suspirou aliviada.

— Eu não sabia que ele estava trabalhando em dois projetos. Isso deve lhe tomar todo o tempo.

— Lonnie Danvers é um assistente muito capacitado, mas por enquanto Jake tem que ficar correndo de um lugar para outro para acompanhar a execução.

Tanya alegrou-se com a volta de Júlia á sala. Com isso não precisou explicar os verdadeiros motivos de suas perguntas, para satisfazer o olhar curioso de Patrick. J.D. entrou na sala logo depois da esposa, desculpou-se com um sorriso e iniciou uma breve discussão de negócios com Patrick, o que excluiu a participação das duas mulheres.

Como Júlia parecia preocupada com algum pensamento íntimo, Tanya aproveitou a oportunidade para analisar aquele homem moreno que se sentava à sua frente, já que agora a volta de Jake parecia tão remota. Durante os muitos anos em que vivera com os sogros, ela se dera conta de como tantas pessoas reverenciavam a riqueza e o poder dos Lassiter. Uma das primeiras coisas que ela admirara em Patrick fora sua recusa em prestar qualquer serviço superficial a J.D. Lassiter. Ele era dono de seu próprio nariz e jamais hesitara em contestar as opiniões de J.D. sempre que seu ponto de vista o exigira. Mas sua independência não ia a ponto de não procurar um conselho do velho experiente, se ele sentisse que precisava dele. Havia mais do que charme e inteligência por trás da bela fachada que conquistou Tanya.

Uma mãozinha a tocou nos ombros. Ela voltou-se e deparou com um belo par de olhos azuis.

— A gente pode ir fazer aquilo agora, mamãe? — O pedido de John só fez sentido para Tanya.

— Ir fazer o quê, querido? — interrompeu Júlia, alterando a voz e chamando a atenção dos dois homens.

— Eu vou escrever uma carta para meu pai, pedindo que ele venha nas férias. — Sua voz infantil estava cheia de importância.

Tanya enrubesceu quando notou que todos os olhares se dirigiam a ela. Patrick apenas desconfiava de sua prevenção contra o marido, mas os pais de Jake sempre tinham sabido disso. A curiosidade deles fez com que o silêncio pesasse no ar.

— Acho isso ótimo, Johnny — comentou Júlia com firmeza, como se quisesse provocar a nora.

Com toda a frieza possível, Tanya encarou a sogra e disse, com ironia:

— Eu também acho, Júlia. Por isso mesmo eu sugeri a John que escrevesse.

Ela não queria estender a discussão e nem permitir qualquer interferência de Júlia ou J.D. Levantou-se, tomou John pelos ombros e se retirou com ele da sala.

— Você quer escrever a carta, não quer? — perguntou o garoto, confuso, ao se aproximarem do quarto da Tanya.

— Quero, sim, John — respondeu ela, sorrindo. Pelo que Patrick dissera, era improvável a vinda de Jake. Uma pontinha de culpa a invadiu enquanto procurava entusiasmá-lo. — Nós dois vamos escrever para ele.

John tirou do bolso uma fotografia e a entregou à mãe.

— Achei que a gente poderia mandar esta fotografia que o vovô tirou quando eu ganhei a bicicleta... assim papai poderá ver como estou crescido e forte.

John não era a única pessoa na fotografia. Tanya também estava nela, rindo, e com os cabelos esvoaçantes, sofisticada, uma fina flor da sociedade.

— Ele tem suas fotos da escola — disse ela gentilmente, procurando um meio de evitar que John mandasse a fotografia.

— Mas aquelas não se parecem comigo, e eu estava banguela —protestou ele. — Por favor, vamos mandar esta? — suplicou John com seus olhos azuis, e Tanya não soube mais como recusar seu pedido. Uma parte dela admitia, embora relutante, que John estava numa idade na qual precisava da assistência de um homem. E isso era responsabilidade do pai.

Uma hora depois seu sentimento de culpa havia diminuído, enquanto ela fechava o envelope contendo duas cartas: a de John pedia de coração a volta de seu pai; a dela mencionava as dúvidas repentinas de John em relação ao pai. De maneira impessoal, sugeria que ele fizesse o possível para visitá-los por algumas semanas, se o trabalho assim o permitisse. Ao selar a carta, Tanya sentiu que as alfinetadas de sua consciência haviam diminuído. Ela detestava Jake Lassiter pelas coisas que ele fizera no passado, mas para o bem de John toleraria sua presença, se ele realmente viesse. E Tanya tinha certeza quase absoluta de que ele não viria.

 

— Você está muito bonita, mamãe — disse John quando Tanya colocou a televisão portátil sobre a escrivaninha de seu quarto.

— Você gosta deste vestido? — Com uma volta graciosa ela mostrou a leveza do chiffon alaranjado à altura dos joelhos. Os cabelos estavam penteados para trás e dois brincos dourados enfeitavam seu rosto. — Eu o comprei especialmente para as bodas de seus avós hoje à noite.

— É incrível. Ah, se eu pudesse ir à festa — suspirou ele.

— Pense nos ótimos programas de televisão que você perderia. Acho que o filme de hoje é um faroeste — disse Tanya, em tom de brincadeira.

— É mesmo? — os olhinhos de John brilharam. Seu interesse por filmes de faroestes era típico de um menino. Quase todos os outros programas o aborreciam, pois ele preferia curtir as suas próprias aventuras.

— Alguns convidados já chegaram. Você promete que vai ficar direitinho?

— Claro — respondeu ele prontamente.

— Apague as luzes às dez horas — recomendou Tanya. — Volto para ver se você me obedeceu.

— Está bem, mamãe — respondeu ele, respondendo ao aceno quando ela se retirou para o corredor.

Aquela história de voltar às dez horas era apenas uma desculpa, porque John se considerava crescido o bastante para não ser controlado, muito embora nem um nem outro quisessem interromper a rotina noturna.

Os quartos que Tanya e John ocupavam ficavam numa ala separada da casa, e originalmente deveriam ser usados como quartos de hóspedes. A suíte dos Lassiter ficava do outro lado da casa, o que dava a John e Tanya um certo grau de privacidade.

A estrutura da casa propriamente dita, de pedras e madeiras naturais, ficava na extremidade de uma península que avançava sobre o lago Table Rock. Havia também um ancoradouro particular e uma casa de barcos. J.D. não tinha vizinhos, pois comprara as terras ao redor para gozar de um certo isolamento. Os amigos do casal gostavam muito do lugar e jamais rejeitavam um convite. Naquela noite a casa estava repleta de convidados.

A campainha tocou quando Tanya chegou ao vestíbulo.

— Eu atendo, Júlia — disse ela, ao ouvir os passos da sogra que vinha da cozinha. Abriu as pesadas portas de madeira para que Patrick Raines e sua acompanhante — uma morena de corpo pequeno e delicado — entrassem.

— Sheila, estou feliz por você ter vindo! — exclamou Tanya, estendendo a mão para cumprimentar a irmã de Patrick. — Seu vestido está divino — completou, pegando a echarpe branca que completava a beleza morena da jovem.

— Parece totalmente sem vida perto do seu — comentou Sheila enciumada.

Sheila tinha vinte e dois anos de idade, apenas quatro a menos que Tanya, mas esta nunca fora aceita pela irmã de Patrick. Naquela noite havia até uma espécie de brilho no olhar de Sheila e Tanya chegou a crer que sua acolhida deveria ter sido um pouco mais fria e formal.

— Espero que não estejamos atrasados... — interferiu Patrick, sem conter a expressão de espanto e admiração em seus olhos, ao constatar a presença de Tanya em seu belíssimo vestido alaranjado.

— De maneira alguma. Os outros convidados estão reunidos lá fora no pátio.

O vestíbulo percorria toda a largura da casa, até as portas movediças de vidro que se abriam para o pátio, cercado por um jardim. Não havia piscina porque o lago estava a apenas cem metros de distância. Além disso, Júlia Lassiter achava que uma piscina poderia alterar a estética do jardim.

Quando os três se juntaram aos demais convidados, J.D. Lassiter pediu licença ao casal com o qual conversava e se aproximou para cumprimentar os recém-chegados. Júlia surgiu alguns minutos depois, trazendo uma bandeja de salgadinhos muito bem decorada.

Tanya passou mais uma hora e meia atendendo à porta, ajudando a sogra a dispor os pratos na mesa, retirando os pratos já servidos e conversando com os casais presentes. Foi um alívio quando Patrick apareceu trazendo dois drinques e disse a ela que se sentasse e descansasse.

— Eu não sei por que o velho não contrata um buffet — disse ele, encostando-se no estofado e colocando seus braços no encosto, perto dos ombros de Tanya, o suficiente para perturbá-la, embora ela não o demonstrasse. — Seria muito menos trabalhoso para você e Júlia.

— Mas assim Júlia não receberia os devidos elogios. Sei que é maldade de minha parte, mas é verdade. Se esta festa fosse servida por um buffet, ela estaria supervisionando cada detalhe. É o jeito dela.

— E qual é o seu jeito? — perguntou ele suavemente, ignorando a presença dos outros.

Ela ficou um instante em silêncio, desviando o olhar das arandelas que iluminavam o pátio para o reflexo de luar sobre a superfície do lago.

— Eu provavelmente teria convidado mais pessoas e serviria apenas um filé grelhado.

— Convide-me para sua próxima festa — sugeriu Patrick sorrindo. — Parece-me que seria maravilhosamente íntima.

— Pode deixar — Tanya teve que se esforçar para não se envolver pela magia daquela boca, tão distante e mesmo assim tão próxima.

— A noite está linda!

— Muito — replicou, sem desviar os olhos. — A música que estão tocando foi muito bem escolhida.

Tanya prestou atenção e reconheceu os acordes de Sentimental Over You. A melodia lhe transmitiu um desejo muito grande de se deixar envolver pelos braços de um homem, ainda que apenas por alguns instantes.

— Quantos olhares curiosos atrairíamos se fossemos dançar naquele canto vazio? — perguntou Patrick, com um brilho no olhar.

— Provavelmente, muitos — respondeu Tanya, surpresa com a proposta e imaginando que Patrick havia percebido sua excitação, pelo tom de voz ou pela maneira como ela o olhava.

— Vamos correr esse risco — sugeriu ele, segurando-lhe as mãos e fazendo com que ela se levantasse.

Pareciam envolvidos por uma espécie de magia. Apenas Sheila olhou para eles. Tanya não se lembrava de quando um homem a tivera nos braços pela última vez, nem se lembraria agora que se deixava levar por Patrick. Ele dançou com passos simples, que não exigiam concentração, de modo que Tanya sentiu a firmeza de sua mão na cintura, segurando-a tão próxima a ele quanto a etiqueta o permitia.

A carícia de sua respiração nos cabelos dela fê-la querer encostar no seu peito, mas ela resistiu a esse impulso, limitando-se a lhe afagar o pescoço com a mão.

— Tanya! — A suavidade da voz de Patrick fez com que ela erguesse os olhos e fitasse o rosto dele, agora perigosamente muito próximo. A deliciosa sensação de ser conduzida por um homem lhe provocou uma pequena vertigem e ela percebeu que seu rosto estava enrubescendo.

— Você é tão linda — sussurrou Patrick. O brilho intenso de seu olhar fez palpitar o coração da moça. Por um momento de fraqueza ele quis esquecer toda e qualquer convenção social, mas apenas por um momento.

— Patrick, não diga nada — pediu ela, tocando-lhe os lábios com os dedos. Patrick os segurou e, depois de beijá-los, olhou-a profundamente.

— Tenho me calado por mais de um ano. Mas será que eu preciso dizer alguma coisa? Somos adultos, não precisamos jogar um com o outro.

— Você não deve dizer nada — respondeu ela, afastando-se um pouco. Tanya sabia que ele poderia convencê-la de que seu casamento não passava de um documento. — Por favor, isso não vai nos ajudar em nada.

— Jante comigo na semana que vem. — Seu pedido era quase uma súplica e seus olhos a fitavam de maneira possessiva. — Eu posso encontrá-la onde você quiser.

— É... é impossível — disse ela debilmente, sem muita convicção.

Ela queria desesperadamente que ele lhe roubasse toda e qualquer desculpa, como um verdadeiro homem, como um cavalheiro que abatesse todos os dragões. Um breve silêncio pairou entre eles.

— Será que eu estou errado? — perguntou Patrick inseguro. — Você não se sente atraída por mim?

A canção terminou; a última nota do piano ainda soava nos ouvidos de Tanya, quando ela se sentiu desprender daqueles braços irresistíveis. Ela sabia que deveria ter permanecido na companhia dos demais convidados, mas não queria que aquela conversa inútil terminasse.

— Qualquer mulher se sentiria atraída. Você é forte, bonitão e sem compromisso e com posição definida. O difícil é resistir a essas qualidades. Eu o acho muito atraente — acrescentou ela calmamente — e por isso mesmo não quero encontrá-lo em outro lugar.

— Que espécie de controle tem Lassiter sobre você? — perguntou ele rudemente. — Por que temer um homem que você só vê sete dias a cada sete anos?

Eles ainda estavam no recanto escuro do pátio, juntos e ao mesmo tempo separados dos outros convidados.

— Jake não exerce qualquer controle sobre mim. — Seu rosto enrubesceu, mas ela se manteve fria. Nem mesmo Patrick, por quem ela começava a se apaixonar, deveria conhecer os motivos que a levaram a se casar sem amor com aquele homem que agora estava distante. — Minha vida é problema só meu.

— E eu que não me intrometa — completou ele, segurando o isqueiro dourado para acender um cigarro. — Nem mesmo se eu quiser que sua vida seja minha também?

Ela estava sozinha havia muito tempo, sem ninguém que lhe desse apoio e Patrick era tão forte, atraente e se mostrava carinhoso! Cerrou os lábios para que nenhuma palavra a fizesse render-se. A voz de Patrick soou junto aos ombros de Tanya. A distância entre eles diminuía.

— John precisa de um pai — prosseguiu ele, tocando no seu ponto mais fraco — mas não alguém que seja apenas um nome, como Jake.

— Isso não é justo — queixou-se ela, com a voz trêmula de angústia e dúvida.

— Tudo é justo...

— Com licença, preciso ver como está John. — Ela apressou-se, temendo não resistir à tentação que a instigava tão de perto.

Ao se aproximar das portas de vidro encontrou Júlia Lassiter, que estava à sua procura.

— Precisamos de gelo para o bar. Você pode providenciar, Tanya?

— Eu vou apanhar — disse Patrick, que estava logo atrás delas. Tanya voltou-se para olhá-lo, surpresa por tê-la seguido. — Tanya quer dar uma olhada no John.

— Muito obrigada, Patrick — sorriu Júlia. — Dê um beijo no Johnny por mim.

— Pois não, Júlia — respondeu Tanya, procurando não se mostrar confusa.

Havia apenas um facho de luz penetrando o vestíbulo. Tanya voltou-se para Patrick depois de fechar as portas corrediças.

— Há bastante gelo no congelador — disse rapidamente.

Antes que ela se afastasse, Patrick segurou-a pelos ombros e levou-a para um canto da sala, onde a tomou nos braços. Seus lábios quiseram protestar, mas Patrick os calou com um beijo carinhoso, que deixou Tanya sem fala de tanta emoção. Um suspiro emocionado desprendeu-se dos lábios de Patrick quando ele se afastou um pouco e segurou o rosto de Tanya para fitar aqueles olhos apaixonados.

— Jake é um louco por deixá-la — murmurou.

— Acho que sou mesmo.

Tanya afastou-se abruptamente de Patrick, atordoada e surpresa com aquela voz cuja arrogância ela reconheceu imediatamente. Sem acreditar no que estava acontecendo, ela viu o homem que se encostava no portal da sala, com pose de quem ainda era senhor da situação.

— Você demorou muito. Ela já não é mais sua, Lassiter — disse Patrick, esforçando-se para parecer natural.

Não houve resposta. Tanya mal pôde mover-se de medo. Jake aprumou-se, ainda com um cigarro na mão. Saiu da sombra que o ocultava, procurou um cinzeiro e apagou o cigarro. Tanya já não se lembrava de que ele era tão alto e forte. Ele parou onde a luz mostrava completamente suas formas aristocráticas. O moreno de sua pele destacava o brilho metálico de seus olhos azuis.

— Venha cá, Tanya — disse ele, com voz firme.

Seu olhar a prendeu e Tanya se aproximou automaticamente, quase que hipnotizada por sua presença, incapaz de controlar seus passos e os sentidos. Parou a alguns centímetros de distância, examinou o rosto dele, notando as mudanças deixadas por aqueles últimos quatro anos.

Havia naquele rosto uma expressão de indiferença que ela não notara antes. A marca da juventude tinha desaparecido e fora substituída por traços mais grotescos, resultantes de duras experiências. Jake ainda era um belo rapaz, só que agora as rugas sobressaíam. O que o fazia atraente eram as características de virilidade e masculinidade, com um toque de evidente cinismo.

Jake e Tanya observaram-se por um longo instante.

— Pode sair agora, Raines — disse ele com certo sarcasmo, sem tirar os olhos de Tanya.

O som da porta do vidro se fechando aliviou Tanya do choque que a fizera calar. Em seus olhos havia um brilho de desdém.

— Nada mudou — disse ela, cerrando os lábios.

— Minha cadelinha adorável — disse ele, segurando-a selvagemente pelos ombros e cravando os dedos no frágil tecido do vestido. — Não era bem essa a acolhida que eu esperava de minha adorável esposa.

Ele a puxou contra o próprio corpo, até que todos os seus músculos a comprimissem e prendeu os dedos de Tanya com as mãos, antes que eles o atingissem e torceu os braços dela contra as costas. Cobriu-lhe os lábios com uma brutalidade que contrastava com a doçura do beijo de Patrick há poucos instantes. Seus lábios estavam presos contra os dentes e ela sentiu um gosto de sangue. Jake apertou-a ainda mais, fazendo com que ela sentisse uma vertigem. Tanya não teve forças para lutar e Jake continuou desfrutando daquele prazer sádico. Deixou-a finalmente, vitorioso por tê-la conquistado tão facilmente.

— O que houve? — Caçoou, rindo-se descaradamente, ao ver o esforço de Tanya para recuperar o fôlego. — Por acaso não foi tão delicado quanto o dele?

— Seu porco! — exclamou ela, apagando o sarcasmo do rosto dele com um tapa certeiro.

Com a rapidez de um bote ele apanhou a mão dela e a apertou como se amassasse um pedaço de papel. Com a outra mão, agarrou-a pelos cabelos e lhe puxou o corpo rígido para junto do seu.

— Eu sabia que sua finura não passava de uma farsa! Você ainda é a mesma fera indomável que eu trouxe para esta casa há sete anos!

— Solte-me! — gritou ela, com os olhos ardendo de ódio pelo jeito com que ele prendera seus cabelos.

— É melhor deixá-la, filho! — A voz de J.D. Lassiter veio do pátio.

Um canto da boca de Jake curvou-se desdenhosamente ao notar o alìvio de Tanya, salva finalmente ou, pelo menos, assim o julgava, de seu marido.

— Um minuto só papai — respondeu ele, arrogante. — Só quero que minha esposa saiba como é bom que eu esteja de volta. — Cada palavra de Jake era marcada pela ironia.

Seus braços reduziram a pressão sobre ela. As pálpebras de Tanya tremiam, na expectativa de que aquele tratamento desumano logo estaria terminado. Então, através de seus longos cílios, ela subitamente viu uns cabelos castanhos, antes que seus lábios fossem tomados de novo. A boca dele era sensualmente conhecedora do assunto. Tanya não respondeu nem resistiu, paralisada pelo fogo interno antes que ela pudesse se recobrar o suficiente para tentar se livrar dele.

O ódio iluminou seus olhos, o que provocou um riso breve e cínico em Jake. O dedo dele em riste tocou-lhe levemente a ponta do nariz.

— É assim que se recebe um homem de volta ao lar, meu bem? — disse ele, sorrindo exageradamente e lhe voltando as costas, antes que ela pudesse reagir. Dirigindo-se ao pai, Jake acrescentou: — É bom estar em casa novamente, papai.

Tanya observou o caloroso encontro entre pai e filho. Seu corpo ainda tremia com a violência de suas emoções e suas mãos caíram ao longo do corpo, enquanto ela cerrava com certa força os punhos, impotente.

— Não consigo lhe dizer o quanto estou feliz por vê-lo — disse J.D. emocionado, segurando as mãos do filho. Já era hora de você voltar.

— Essa idéia me veio à cabeça nestes últimos dias — respondeu Jake, num tom enigmático, olhando de relance a expressão de choque no rosto de Tanya. — E nunca com tanta força quanto esta noite.

A boca de Tanya contraiu-se com firmeza, recusando-se a se deixar provocar pela evidente referência à cena testemunhada entre ela e Patrick. Aquele último beijo mostrara claramente que ele não vivera uma existência de celibatário nos últimos anos, e a sutil crítica de Jake apenas acentuava sua raiva.

— Mamãe vai ficar tão feliz em vê-lo! — disse J.D., abanando a cabeça e observando Jake como se estivesse diante de um oásis, depois de caminhar longamente pelo deserto. — Maldita festa! — A voz de J.D. estava embargada pela emoção. — Tenho vontade de mandar todos embora.

— E eu pensei que você tivesse mandado matar o bezerro para comemorar minha volta para casa — acrescentou Jake, sorrindo.

— Teria mandado mesmo, se tivesse sabido — respondeu o pai secamente. — Você sabia, Tanya? — perguntou, soltando a mão de Jake e voltando-se para a nora, que permanecia estática. — Isso foi algum presente previamente escolhido para nosso aniversário de casamento?

Pelo ar de alegria no rosto do sogro, Tanya percebeu uma certa preocupação dele em relação a ela e seu bem-estar. Um pouco de sua raiva se desvaneceu quando ela se lembrou da maneira firme com que J.D. ordenara ao filho que a soltasse. O sorriso dela foi trêmulo, mas sincero.

— Estou tão surpresa quanto você.

— É verdade, papai — confirmou Jake, parecendo fitá-la com indulgência, embora Tanya ainda notasse em seus olhos a dureza metálica de sempre. Em retribuição, ela o encarou com altivez, enquanto ele dizia: — Tanya provavelmente ficou mais surpresa com minha chegada do que você.

Tanya desejava ardentemente que houvesse alguma maneira de acabar com aqueles comentários de duplo sentido, sem ter que se rebaixar para lhe responder no mesmo nível. Sentindo no ar a disputa silenciosa entre os dois, J.D. aproximou-se de Tanya e colocou o braço sobre seus ombros, afetuosamente.

— Sua esposa é uma jóia rara — disse ele sorrindo. — E aquele seu filho, ele nos faz ainda mais jovens. — As portas do pátio se abriram e os três olharam para a mulher que entrava, sem que Jake pudesse ter feito qualquer comentário.

— Olá, mãe — disse Jake em voz baixa.

Júlia Lassiter mal pôde se dar conta da surpresa que esperava por ela.

— Jake! — A voz falhou, e ela deu um passo em direção ao filho.

— Cheguei. Parabéns pelo aniversário de casamento. — Jake a abraçou e ela começou a chorar de felicidade. O sangue de Tanya lhe correu frio nas veias ao ver o belo sorriso da sogra, o mesmo que um dia a cativara.

— Chega de lágrimas — brincou Jake, erguendo o queixo da mãe gentilmente. — Eu não quero que elas enfeiem o rosto da mãe mais linda do mundo.

— Estou tão feliz — disse Júlia, sorrindo por entre as lágrimas que não pudera conter. — Quando você chegou? — Você sabia que ele viria, J.D.?

— Nem imaginava, mamãe!

— Eu não disse a ninguém — explicou Jake, beijando carinhosamente o rosto da mãe ainda molhado —, imaginando que talvez algo me impedisse de vir.

— Até quando você vai ficar? — O olhar de Júlia procurou Tanya e esta percebeu que a sogra temia que ela lhe tomasse Jake novamente.

— Ainda não resolvi direito. — Na voz de Jake havia um tom de aspereza.

— Jake, meu filho, você precisa...

— Calma lá, mamãe — interrompeu J.D., colocando as mãos nos ombros da esposa —, vamos deixar essa discussão para depois. Temos que dar graças a Deus por ele estar aqui.

Os três Lassiter pareciam atrair-se mutuamente, formando um círculo que deixou Tanya de fora. Ela sabia que ali não era seu lugar e que só toleravam sua presença por causa de John. E ela queria que as coisas continuassem assim, pensou, erguendo a cabeça com orgulho e sentimento de independência.

Quando Júlia monopolizou a conversa, Tanya sentiu-se livre para sair discretamente do vestíbulo e ir pelo corredor até seu quarto, sob o pretexto de ver como estava John. Mas assim que fechou a porta, encostou-se nela para se sentir segura. O espelho na parede oposta refletia a palidez de seu rosto. Ela foi obrigada a admitir que a chegada repentina de Jake havia alterado completamente o seu estado emocional.

Um súbito sentimento de solidão a invadiu, ameaçando corroê-la por dentro. Ela fechou os olhos, numa tentativa de aplacar o vazio que a tomava. Ao abri-los, viu que o reflexo no espelho revelava um sorriso autodepreciativo. Apenas duas semanas antes ela se sentara nas rochas, perto das montanhas de Dewey Bald. Lá, bem na estação de acasalamento, percebera o quanto precisava de um companheiro. Agora sentia que sua inquietação resultava do fato de estar merecendo a atenção de um homem.

Após sete anos de total abstinência de carinho, ela fora beijada três vezes na mesma noite, por dois homens. Por que razão ela se lembrava claramente do toque provocante de Jake e apenas vagamente da doçura de Patrick? Então foi dominada por um sentimento de vergonha e desgosto. Os anseios de sua carne a haviam tornado fraca, a ponto de não atender ao que a consciência lhe ditava e deixar-se levar pelo beijo sensual do homem que ela abominava. Tanya sempre acreditava ser capaz de exercer um total controle sobre seus sentimentos. Pelo menos por sete anos ela achara que isso seria possível.

As circunstâncias tinham impedido qualquer controle. Alguns instantes antes ela fora humilhada com a punição do primeiro abraço de Jake, se é que se podia considerar aquilo um abraço. O imprevisto da volta, a cena íntima que ele presenciara e seu assalto a sangue-frio haviam se unido para jogar ao chão toda e qualquer atitude defensiva por parte dela. Racionalmente ela fora capaz de ver como suas defesas falharam quando estava por se livrar das mãos dele.

Agora que Tanya percebera quanto era suscetível ao carinho de qualquer homem, havia se convencido de que seria necessária uma grande habilidade para lidar com aquele tipo de sentimento. Jake Lassiter era um homem perigoso, mais do que nunca, porque agora parecia mais impetuoso. Seus atos mostravam que ele poderia obter o que desejasse e Tanya concluiu que essa ousadia era fruto da experiência de alguns anos passados em regiões primitivas da África, longe da civilização.

Passados alguns minutos em que ela examinou a situação, Tanya conseguiu se recompor razoavelmente. A raiva retrocedera e ela apanhou a escova da penteadeira sem tremer. Algumas escovadelas rápidas colocaram o cabelo em ordem; mas o couro cabeludo ainda estava dolorido com o forte puxão de Jake.

O banheiro privativo comunicava-se com o quarto de John. Tanya fez sua toilette e espiou sorrateira para o garoto, que dormia profundamente. A luz do abajur no criado-mudo ainda estava acesa, mas a televisão fora desligada. Ela sorriu com amor e se aproximou da cama de John, para cobri-lo com a manta. Demorou-se um pouco antes de beijá-lo na testa e murmurar um boa-noite.

Apagou a luz e deu um passo em direção à porta, quando sentiu que seu coração gelava: a luz do quarto foi acesa e ela viu a figura longa e magra de Jake estendida na sua cama. Ele estava com as mãos cruzadas sob a nuca e olhava para Tanya com uma expressão irônica e preguiçosa. O azul da colcha de cetim realçava ainda mais o branco da camisa de Jake, aberta no pescoço, um branco que envolvia desde seus ombros largos até o limite das calças marrom-escuras, sobre os quadris finos. A virilidade de Jake atingiu-a com a força de uma explosão corporal.

— Você não vai me expulsar de sua cama? — perguntou ele, em tom provocativo.

Tanya engoliu as palavras grosseiras que iriam fazer exatamente aquilo. Ao invés disso, preferiu tomar uma atitude mais calma.

— Para quê? — perguntou, com indiferença, indo até o espelho e ajeitando as pontas dos cabelos com um pente.

— Você não esperava que eu voltasse, não é? — Jake virou as pernas para a beirada da cama de modo a sentar-se e, ao mesmo tempo, juntar seu reflexo ao de Tanya, no espelho.

— É, não esperava — respondeu ela, percebendo o olhar irônico de Jake.

— Não entendo por quê. Eu ouvi um concerto de trombetas ao receber sua carta. — A voz de Jake já não parecia sarcástica.

— Você fala como se eu nunca tivesse escrito. Eu lhe escrevi uma carta por semana, muito mais do que você.

— Uma carta? Você chama aqueles bilhetinhos impessoais de cartas? — Jake gargalhou alto, envolvendo-a com um olhar desdenhoso e frio.

— Suas cartas diziam apenas: "Levei John ao dentista." "John adorou o primeiro dia de aula." "John está aprendendo a nadar." Jamais um "como vai" ou "como tem passado?", só mesmo algumas notas breves para cumprir seu real dever. O que você queria que eu respondesse? "O arado quebrou?" "Eu saí com os rapazes para beber algumas cervejas?”.

— Se você tivesse escrito, John talvez não aparecesse com a idéia ridícula de que não tem pai! — Ela não pôde conter a emoção, apesar de seu esforço para se controlar.

— Você teria preferido isso, não é? Teria sido muito mais cômodo para você se eu nunca mais voltasse para casa. Como deve ter doído escrever aquela última carta lembrando-me de minhas obrigações como pai!

Tanya preferiu não responder o que lhe vinha à ponta da língua, apenas tornaria muito pior aquela situação, insuportável. O fogo que lhe saía dos olhos acompanhou Jake, que se ergueu e ficou atrás dela.

— Se eu quisesse fugir à responsabilidade de pai, jamais teria me casado com você! — Aquela declaração costumeira fez com que a cor sumisse do rosto dela. — Ou você se esqueceu disso, com o esforço que fez para me manter tão negro quanto sua lembrança me pinta?

Os olhares se cruzaram no espelho.

— Eu jamais sugeri que você assumisse aquela posição que lhe foi oferecida na África — respondeu ela calmamente. — Nem jamais lhe pedi que ficasse.

— Por que você se casou comigo, Tanya? — Os olhos dele se estreitaram de tanto dissabor. — Desde o início, jamais houve nada além de desdém em seus olhos, quando você me olhava, e um desejo secreto de que eu morresse logo. Você jamais deu uma chance para que o nosso casamento fosse adiante. Por que então eu deveria ficar? John era apenas um bebê. Ele precisava da mãe, mas não de mim. E você deixava bem claro, cada vez que me olhava, o quanto me odiava.

— Eu nunca lhe pedi que se casasse comigo — lembrou ela. — Apenas lhe pedi que reconhecesse John como seu filho.

— Assim que você colocasse as mãos no meu dinheiro, fugiria para o lugar mais remoto, levando meu filho com você para que eu nunca mais o visse. — O comentário dele fê-la corar imediatamente. — O motivo que me levou a casar com você é o mesmo que tenho para não me divorciar. Quero meu filho, mesmo que para isso tenha que aturá-la.

Era a vez de Tanya rir sarcasticamente.

— Seu filho tem sete anos. Ele nem imagina como é o pai, nem está seguro de sua existência. Como é que você concilia esse fato com o grande amor paternal que diz ter?

Uma contração repentina no maxilar de Jake mostrou que ela tinha atingido o alvo com um tiro certeiro.

— Estamos casados há sete anos — disse ele friamente. — E para mencionar uma velha piada, parece que foi ontem, e você sabe que porcaria de dia foi ontem. O tempo dá sempre um jeito de passar. Tenho que admitir que não pretendia ficar fora tanto tempo, mas é nesta idade que John precisa mais de ambos os pais, conforme você mesma mencionou naquela carta. Você também envelheceu, Tanya. — Jake lhe tocou a cintura, obrigando-a a voltar-se e ficar de frente para ele. — Aquelas curvas que senti contra meu corpo hoje eram de uma mulher madura.

Ela olhou para os braços dele em sua cintura e o encarou, aparentando certo desgosto, quando, na verdade, seu coração parecia querer saltar do peito.

— Não adianta insistirmos nesta discussão — respondeu Tanya com voz apagada. Eu já devia ter voltado para a festa.

Ele a segurou mais forte, ao perceber que Tanya pretendia se afastar.

— Patrick Raines é seu amante? — O duro olhar metálico desmentia a naturalidade da voz.

— Não. — A negação categórica fora muito rápida e o sangue lhe subiu à cabeça. — Hoje foi a primeira vez. — Tanya engoliu as palavras restantes, aborrecida consigo mesma por ter permitido que Jake lhe cobrasse explicações.

Um sorriso largo de triunfo apareceu nos olhos de Jake e ele não pôde ocultar a satisfação que sentia:

— Então quer dizer que eu cheguei a tempo!

— Você voltou somente por causa de John — respondeu Tanya com voz firme.

— Eu não estou me esquecendo dos motivos que me trouxeram aqui — concordou ele ironicamente. Apanhou a jaqueta que jogara numa cadeira, vestiu-a e fez uma reverência displicente a Tanya. — Devemos voltar à festa

 

Júlia foi a primeira a vê-los, quando Jake e Tanya chegaram às portas de vidro. Aproximou-se deles, estendendo a mão para se apoiar no braço do filho, com um olhar embevecido.

— Você chegou a ver Johnny?

— Ele estava dormindo — explicou Tanya, mas Jake lhe tocou o braço de leve e a impediu de continuar.

— Eu o vi assim que cheguei — disse ele, ante a surpresa de Tanya. — Ele adormeceu antes que os índios do filme ganhassem a luta depois da revolta.

— Não é uma graça? — perguntou com certa alegria Júlia, ignorando o repentino silêncio de Tanya. — Ele se parece com Jamie quando era criança. Não há dúvida de que Johnny é um verdadeiro Lassiter.

— Não há mesmo — concordou com muita firmeza Jake, lançando a Tanya um olhar inexpressivo. — Ele me parece um menino e tanto.

Seria aquilo um elogio?, perguntou-se ela, embora achasse aquele pensamento um tanto descabido. Alguns convidados notaram com certa alegria a presença de Jake, e Tanya continuou a remoer aquele pensamento.

Todos os outros homens usavam terno e gravata, e Jake se destacava-se entre eles com seu colarinho aberto. Ainda assim, Tanya reconhecia que, mesmo usando roupas adequadas, ele estaria chamando atenção. Havia uma aura de poder e autoconfiança em Jake que anulava qualquer restrição de praxe.

Ele pousou a mão na curva dos quadris de Tanya, procurando mantê-la a seu lado, enquanto era apresentado a alguns amigos dos pais e revia velhos conhecidos. Era uma maneira sutil de lhe lembrar que ela era sua esposa, e isso a deixava pouco à vontade, tentando evitar os comentários dos convidados sobre a chegada inesperada de Jake.

A sra. Osgood acabava de dizer: "Você deve estar felicíssima com a volta do marido, depois de tanto tempo no exterior", quando Tanya notou que Patrick se aproximava, acompanhado da irmã.

— Não estou tão feliz quanto John vai ficar — respondeu ela, tentando evitar o olhar de Patrick.

— John é seu filhinho, não é? Ele já sabe que o papai voltou?

— Ele estava dormindo quando Jake chegou.

Tanya começou a esquivar-se das mãos de Jake, tentando evitar que Patrick notasse aquela atitude possessiva, mas seus movimentos se detiveram quando ela ouviu o som estridente da voz de Sheila. Tanya deu um jeito de tomar o lugar da sra. Osgood, voltando-se para ver o beijo carinhoso que Sheila dava no rosto de Jake.

— Você é o homem das surpresas — disse Sheila, num tom provocativo. — Bem que poderia ter dito que viria. Eu teria guardado segredo.

— Eu ainda não havia decidido — respondeu Jake, divertindo-se com o olhar insinuante de Sheila — e eu nem imaginava quantos motivos tinha para voltar.

Que Tanya soubesse, Jake e Sheila não se conheciam. Sheila tinha quinze anos, quando Tanya e Jake se casaram, e era impossível que Jake a tivesse conhecido na sua única viagem aos Estados Unidos, quatro anos antes.

Sheila olhou para Tanya de soslaio, divertindo-se com sua expressão de surpresa.

— O Patrick não lhe contou? — perguntou ela com falsa inocência. — Eu fui para o exterior no mês passado e fiquei conhecendo Jake.

Tanya olhou para Jake, cuja aparência não demonstrava perturbação alguma, e a seguir para Patrick, que se mostrava confuso.

— Eu pensei que se tratasse de uma viagem de negócios — disse Tanya, com um olhar de interrogação.

— E era — confirmou Patrick.

— Eu o convenci a levar a irmãzinha, pois eu estava precisando de umas férias. — Sheila olhou para o irmão com uma ternura forçada. — Na verdade, ele andava tão ocupado, viajando entre a Europa e a África, que eu acabei desistindo de acompanhá-lo e fiquei mesmo na África. Teria sido muito desagradável se Jake não tivesse me acompanhado.

O sangue subiu à cabeça de Tanya, diante das insinuações de Sheila.

— Patrick não me disse nada disso. — O tom em que falou sugeria que o marido também não havia mencionado nada sobre o fato, o que provocou um sorriso satisfeito nos lábios de Sheila. — Foi ótimo para você, Jake, ter conseguido uma folga para acompanhá-la.

— Creio que Sheila teria se divertido mesmo sem minha companhia — respondeu Jake, lançando um olhar significativo à garota. — Mas já que eu tive uma folga, achei melhor tomar conta da irmã do gerente geral da firma.

— Foi isso então que você fez? — disse Sheila com malícia. — Tomou conta de mim?

Jake percebeu que Tanya respirou fundo, numa tentativa de controlar os nervos diante da provocação de Sheila, e lhe apertou a cintura com firmeza. Tanya não sabia ao certo o que pensar, mas achou as insinuações de Sheila muito desagradáveis.

— Que bom que você achou a companhia de meu marido tão divertida — disse Tanya, procurando ser natural. — Teria sido horrível se você se visse abandonada num país estranho, sem ninguém com quem passear.

— Não fizemos muitos passeios — respondeu Sheila, olhando timidamente para Jake. — Eu quis visitar a construção que Jake dirigia, mas ele me explicou que alguns dos trabalhadores não viam mulher há tempos, e não havia necessidade de excitá-los. Além disso, o trabalho estava quase terminando e todos voltariam logo para casa. Ainda bem que Jake não resolveu aplicar essas restrições a si próprio. Ele só decidiu voltar para casa depois que eu já tinha saído de lá. Será que eu servi de apoio para apressar sua decisão?

— De uma certa maneira. Você me fez lembrar as compensações que teria ao voltar.

Tomada de ódio, Tanya não conseguiu livrar-se das mãos de Jake. Mais do que nunca ficara claro que a preocupação com o filho não fora o único fator que o trouxera de volta. Obviamente Sheila era mais um motivo. Por detrás da fumaça do cigarro, o rosto de Jake parecia ainda mais arrogante.

— Por quanto tempo você vai ficar, Jake? — perguntou Patrick, procurando não alterar seu tom de voz.

— Você me pergunta por mera curiosidade ou como executivo da firma? — Havia um desafio perspicaz no olhar de Jake.

— Por ambos os motivos...

Os dois homens olharam-se de cima a baixo. Jake então fitou Tanya com um sorriso que não condizia com a frieza estampada no seu olhar.

— Danvers tem experiência necessária para lidar com o projeto. Fique tranqüilo, Raines; eu não deixei nenhuma bagunça por lá. — Deu uma tragada forte no cigarro e concluiu: — É bem possível que eu fique aqui por muito tempo.

Escolhera cuidadosamente cada palavra, para que não houvesse dúvida quanto à sua verdadeira intenção.

Concentrou-se no cigarro, saboreando o impacto que a notícia causara. Pouco antes ele dissera à mãe que não sabia por quanto tempo ficaria. Teria a presença de Sheila influenciado sua decisão? Parecia óbvio que sim, mas seria essa a verdadeira razão? Tanya não tinha dúvidas de que Sheila era um dos fatores, mas não o decisivo. Mas, o que tudo indicava, Jake não pretendia explicar mais nada.

— Acho que isso merece um drinque — disse Tanya, de repente, percebendo que precisava de uma dose medicinal de álcool para se recuperar. — Com licença.

— Vou ajudá-la — ofereceu-se Patrick, aproximando-se.

— Quero que o meu seja bem festivo — pediu Sheila com entusiasmo. Estas palavras só serviram para confirmar o que Tanya já sabia: Sheila achava que a decisão de Jake merecia uma verdadeira comemoração.

Patrick entrou no barzinho para preparar os drinques, como se adivinhasse que as mãos de Tanya estavam trêmulas demais. Ela apertou o aparador do bar com tal violência que os nós de seus dedos ficaram brancos.

— Por que você não contou que Sheila tinha viajado com você? — perguntou ela a Patrick, abaixando a voz para que ninguém mais a ouvisse.

— Você quer saber por que eu não lhe disse que Sheila e Jake tinham, digamos... se conhecido? — Sua perspicácia tornava tudo mais difícil para Tanya. — Francamente — continuou ele, ao perceber que Tanya não sabia o que responder —, eu tinha a impressão de que você não se importava com o que Jake pudesse fazer enquanto estava fora, bem longe dos seus olhos. Começo a achar que não é bem assim.

— Ele não significa nada para mim — negou ela, rapidamente. Eu simplesmente me senti uma idiota, todo mundo sabia o que estava acontecendo, menos eu.

— Hoje você me deixou lá feito um bobo e correu para o lado dele — disse Patrick, sorrindo com ironia.

— Eu fiquei assustada. — Tanya passou a mão pelos cabelos num gesto nervoso. — Um pesadelo. Eu mal pude crer que ele estivesse ali. Nunca pensei que ele pudesse voltar assim de repente. Nem mesmo quando escrevi.

— Você pediu a ele que voltasse? — interrompeu Patrick, como se não acreditasse no que ouvia.

— Eu tive que fazer isso. — Os olhos de Tanya imploravam que ele compreendesse. — Não por mim, mas por John. O menino começou a dizer que Jake devia estar morto ou preso, porque Jake não dava notícias. Insistiu para que escrevêssemos ao pai e lhe pedíssemos que viesse. Que mais poderia fazer? Você me disse que Jake andava muito atarefado. Eu esperava que... eu achava que ele não conseguiria atender ao pedido de John.

— É... eu me lembro — suspirou Patrick. — Mas é que eu fico pensando no que pode acontecer quando vocês dois estiverem a sós no quarto, daqui a pouco, eu...

Tanya ficou irritada com a insinuação e se apressou em apagar imagem dela nos braços de Jake.

— O quarto dele é do outro lado do corredor. Nós não...

— Você ainda não preparou os drinques, Raines? — A voz de Jake cortou o ar. Ela se voltou e deparou com os olhos do marido, cheios de rancor.

— Minha nossa, vocês são a própria imagem da culpa — brincou Sheila, muito ferida. — O que é que vocês cochichavam?

— Pode ser scotch com água, Jake? — perguntou Patrick, ignorando a intervenção da irmã e lhe entregando a bebida.

— Scotch com água vai bem — respondeu Jake. Tanya procurou imitar qualquer sinal de culpa por estar conversando com Patrick.

— A que vamos brindar? — perguntou animadamente Sheila. — sua volta ao lar?

— Vamos pensar em algo que seja um bom motivo para todos nós brindarmos — sugeriu Jake. — Digamos... por melhores dias e um porvir mais ameno.

Brindaram e todos começaram a beber. Tanya mal sentia o sabor do drinque, pois sentia que tanto Jake, como Patrick a observavam em silêncio. Estavam de pé, ao lado do bar, e sempre havia alguém interessado para conversar com Jake, o que ajudava a aliviar a tensão. Tanya se afastou um pouco, sem abandoná-los totalmente, mas evitando qualquer troca de olhares com o marido. Estava arrependida de ter escrito a carta que o trouxera de volta.

— Como é, Jake? — exclamou um rapaz, dando-lhe uma palmada amigável no ombro. — O que pretende fazer, agora que está de volta?

— Antes de mais nada, ficarei um pouco com minha família — respondeu ele, desviando o olhar para Tanya, que o evitou. — Desejo conhecer melhor meu filho.

— É uma pena que ele esteja em período de aulas — murmurou Sheila. — Você vai ter muito tempo livre durante o dia.

— Eu encontrarei um jeito de preenchê-lo — aflorou nos lábios de Jake, quando ele percebeu o que os olhos de Sheila prometiam. Sem perceber a troca de olhares entre Jake e Sheila, o rapaz acrescentou, rindo: — Imagino que sua mulher terá planos para vocês dois. Não é mesmo, senhora Lassiter?

O rosto de Tanya perdeu a cor, ao perceber o sorriso arrogante e satisfeito do marido.

— Jake é quem traça os planos — disse ela, sorrindo, sem se importar com o fato de estar sendo o tipo de mulher submissa, que se curva aos anseios do homem. Mas Jake sabia que seus planos, quaisquer que fosse, não poderiam incluí-la.

— Se minha mulher fosse compreensiva assim — acrescentou o rapaz.

— Eu nunca considerei Tanya compreensiva — declarou Jake, em tom de ironia.

— Jake, os Smith já estão de saída — disse-lhe a mãe, tocando-lhe o braço. — Venha despedir-se deles.

— Claro. — Desculpou-se com os companheiros e saiu por entre os convidados, até as portas corrediças.

— Vamos, Sheila! É melhor irmos andando — pediu Patrick dando um dos braços à irmã. Inclinou-se para Tanya. — A gente se vê?

— Sim... a gente se vê! — respondeu ela, distraidamente.

Estava confusa demais para poder discordar sem se deixar trair pela incoerência. Sheila limitou-se a sorrir enquanto fazia um gesto de despedida. A saída de ambos pareceu pôr fim à festa, pois todos os convidados começaram a se retirar em seguida. Ao repetir as palavras de despedida, Tanya não tirava os olhos da porta, temendo que Jake voltasse antes de os últimos convidados saírem. Mas não havia nem sinal dele quando o último casal se retirou despedindo-se, e ela suspirou aliviada.

Ainda se ouviam vozes no vestíbulo e na parte da frente da casa, o que significava que a sogra e o sogro estavam ocupados, provavelmente com Jake. Tanya não queria correr o risco de encontrá-los na sala e permaneceu no pátio, colocando copos e pratos num carrinho para depois levá-los à cozinha.

Não havia a mínima brisa. O silêncio da noite foi quebrado apenas pelo gemido distante de um animal. Tanya foi até a extremidade do pátio, de onde se avistava o céu, com seu manto de estrelas, e a pálida lua.

Saboreava a beleza do momento, quando deparou com a pequena luz de um cigarro aceso, por entre as árvores. Uma sombra afastou-se da escuridão e desceu a escada de pedras. Tanya ficou tensa, ao ver o reflexo da Lua iluminar o rosto bronzeado de Jake.

— Pensei que você estivesse se despedindo dos convidados.

— Eu escapei quando eles se distraíram. — Sem olhar para ela, Jake entrou no pátio vazio e se acomodou numa das cadeiras almofadadas, tragando pela última vez o cigarro, antes de apagá-lo num cinzeiro. Ainda segurava um copo e ficou olhando para ela, como buscasse algo bem no fundo.

— Por quê? — perguntou Tanya, sentindo uma vontade enorme e tratá-lo como ele a tratara a noite toda. — Você queria descobrir uma maneira de se encontrar com Sheila às escondidas? Não deve ser difícil. Ela geralmente passa o verão no iate de Patrick, que fica num dos ancoradouros. Deve ser um ótimo lugar para encontros furtivos.

Jake parecia querer torcer-lhe o pescoço, mas se limitou a beber o que restava no copo.

— Na verdade eu estava cansado — disse ele com impaciência indisfarçável. — Não se esqueça de que fiz uma longa viagem.

Havia marcas de cansaço no rosto de Jake, mas Tanya não conseguia sentir piedade dele. Em vez disso, concentrou sua atenção no copo vazio que ele segurava.

— Você terminou, ou ainda quer mais?

— Nunca passo do primeiro drinque.

— Não diga! — exclamou ela, com ironia. Apanhou o copo e colocou-o no carrinho. — Isso não tem muito a ver com o Jake Lassiter que eu conheci.

— É provável que não. Eu me lembro de uma noite em que bebi tanto, que não conseguia me lembrar de nada. E menos de um ano depois, uma garota me esfrega um bebê no nariz e diz que é meu filho. Esse tipo de experiência tem um efeito muito marcante em qualquer homem.

Tanya abaixou os olhos e sentiu uma dor de estômago. Procurou se controlar, mas suas mãos estavam trêmulas. Jake inclinou-se sobre ela e seu belo físico se destacou sobre a jaqueta.

— Eu sempre quis saber — continuou Jake, percebendo que ela reagira em silêncio — o que você recorda daquela noite.

Tanya ainda permaneceu cabisbaixa, antes de conseguir encará-lo.

— A memória é amiga da gente. Bloqueia todas as lembranças desagradáveis.

Ele não pareceu nem um pouco desconcertado com o que ouvira.

— Tudo naquela noite foi desagradável? — perguntou, sem lhe dar tempo para responder. — A bebida não apagou tudo o que houve naquela noite. A primeira parte ainda permanece relativamente clara. Eu me lembro de ter conhecido uma moça adorável e tímida, na festa de Sedália, e de a ter convidado para dançar. Eu ainda me lembro de como ela ficou vermelha quando elogiei seus cabelos. Mas nós não conversamos muito. Eu apenas a tive nos braços, fazendo de conta que dançava, só para poder mergulhar naqueles olhos lindos.

A voz dele se tornara suave, fazendo voltar o tempo até aquela noite. Tanya só teve que fechar os olhos para reviver a sensação agradável de estar nos braços dele. Lembrou-se do primeiro beijo, terno, e do segundo, tão violento. Ela então fugira de Jake, assustada com sua reação e com o desejo que lhe ardia por dentro. Depois... uma porta de aço se fechara em sua mente, apagando todas as outras lembranças daquela noite.

— Do que você está tentando me convencer? — quis saber Tanya amargamente. — Que você realmente se interessou por mim? Que eu significava algo para você? Eu valia mais do que um simples programa noturno?

Jake sacudiu-lhe os ombros.

— Tanya, eu...

— Você prometeu me procurar no fim da semana seguinte — disse ela, em acusação e com veemência. — Você jamais teve essa intenção, e nós dois sabemos disso.

— Meu irmão morreu num desastre de automóvel. Eu não poderia ter ido! — gritou ele.

— Foi melhor assim, não foi?

Jake lhe soltou os ombros e passou as mãos pelos cabelos, sem saber como reagir diante do sarcasmo com que Tanya o acusava.

— Eu nem lembro de ter prometido que a procuraria. Mas era o que eu pretendia fazer, até que Jamie morreu. Para ser franco, nada mais importava, depois que ele morreu. Eu praticamente havia me esquecido de você, até que de repente nos encontramos.

— Nisso eu acredito — concordou Tanya, ainda magoada.

— É por isso que você me odeia, não? — Ele sustentou o olhar impedindo que Tanya abaixasse os olhos. — Seu ego ficou ferido por que eu a tive e depois esqueci. Nem com o casamento você me perdoou. Era uma dívida que você queria me impor, fazendo-me pagar for uma noite de leviandade.

— Não é verdade, não — protestou ela. — Eu não queria que você soubesse de John, até que nos encontramos por acaso... Eu não pretendia me casar com você, mas quando soube de John ameaçou tirá-lo de mim. O que me levou a lhe contar sobre ele foi...

Os músculos da garganta se contraíram e ela teve que se conter um pouco antes de continuar.

— Eu lhe contei porque queria que você se humilhasse, que sentisse um pouco de culpa e da vergonha que eu sentia. Eu só queria algum dinheiro para pagar as contas. Mas você queria o bebê. Você e o seu dinheiro de Lassiter, o poder de Lassiter, o nome de Lassiter! Primeiro fui tratada como uma qualquer e deixada de lado, e depois você queria que eu o perdoasse por me obrigar casar com você, para poder ficar com John! Você quer o impossível!

A expressão no rosto de Jake estava alterada.

— Você nunca se esforçou. Nós jamais vivemos como duas pessoas casadas. Para o bem de nosso filho, acho bom começarmos logo. Você mesma concordou com isso quando escreveu aquela carta, por mais que duvidasse da minha vinda.

— Não vai dar certo, Jake. — Ela sentiu que ele estava muito próximo e se afastou.

— Eu nunca disse que daria certo! — exclamou ele, com visível impaciência. — Disse que deveríamos tentar. Casamento nenhum dá certo se as duas pessoas envolvidas não se esforçam. Você é uma mulher bela e desejável, e eu não creio que me considere totalmente repulsivo.

— O que você está querendo, Jake? — disse ela, com medo nos olhos. — Que eu vá para a cama com você?

Um barulho cínico, semelhante a uma gargalhada, cresceu na garganta de Jake.

— Eu sei que você acha que o sol dos trópicos me esquentou o sangue — respondeu ele com ironia. — A resposta é "não", eu não quero que você vá para a cama comigo. O que eu quero que você faça, ou melhor... que nós dois procuremos fazer, é nos tratarmos como amigos, e não como inimigos. Acho que devemos conhecer um ao outro como realmente somos, sem qualquer noção preconceituosa. Chame isso de um período de tentativa, ou trégua, ou seja o que for, mas precisamos enterrar o passado.

— É uma teoria excelente — concordou Tanya, voltando-se para as sombras da noite, de modo que ele não visse seu olhar melancólico. — Eu até poderia concordar com isso se você não tivesse se comportado tão mal esta noite.

— Você quer dizer quando eu a peguei beijando o Raines? — perguntou ele, acendendo outro cigarro, com uma indiferença cuidadosamente estudada.

— O nome dele é Patrick.

A defesa de Tanya provocou um sorriso divertido.

— Eu provavelmente lhe devo desculpas pelo modo com que a tratei. Nós podemos ser marido e mulher apenas no nome, mas eu ainda a considero minha. Acho que vê-la nos braços dele feriu meu amor próprio, e sua fria insolência não ajudou nada.

Tanya sabia que Jake jamais se desculpava, apenas admitia que deveria fazê-lo, e isso a deixou um pouco mais calma.

— E então? O que acha de um período de tentativa? — repetiu Jake, observando-a com os olhos semicerrados.

— E Sheila? — perguntou ela, sabendo que no fundo ele recusaria sua sugestão.

— Ela não entra na história.

— Não? — disse ela, colocando em dúvida a veracidade da afirmação. — Você me pareceu bastante contente em vê-la, hoje. E provavelmente vocês se conheceram muito bem, enquanto estiveram juntos, na África.

Ele pareceu hesitar antes de responder.

— Quanto a Sheila, há horas em que um homem precisa de uma mulher, por mais que isso desagrade você, e essa é a única explicação que vou lhe dar. — Embora admitisse haver uma intimidade entre ele e Sheila, Jake não parecia sentir qualquer remorso. — Nosso acordo seria estritamente entre nós dois.

— Você está dizendo que não vai procurar Sheila?

— Você está dizendo que não vai procurar Patrick? — respondeu ele rapidamente, provocando em Tanya uma reação de incerteza.

— Eu já disse que não o tenho visto! — Tanya estava nervosa, pois era evidente que Jake acabara de insinuar que ela não tinha escrúpulos.

— De hoje em diante, não creio que ele se satisfaça apenas vendo-a de longe. O gosto de mel vicia — acrescentou ele, sorrindo com ironia. — Mas isso não vem ao caso. Você ainda não disse se vai aceitar minha proposta de trégua.

— E o que acontecerá se, no fim desse período de tentativa, eu ainda o detestar? — perguntou ela.

— Se, depois de dois ou três meses, a gente sentir que nosso casamento não tem chance de sucesso, teremos que analisar as alternativas — respondeu Jake.

— Divórcio? — Tanya gostaria de saber por que aquela palavra custara tanto a lhe sair da garganta.

— Acho que essa seria a melhor solução para nós. — A resposta de Jake ficou pairando no ar, envolta por uma nuvem de fumaça.

— E se eu não concordar com essa trégua, o que poderá acontecer?

— Tudo continuará como está.

— Não há muita escolha, não é? — Os olhos de Tanya não conseguiam ocultar o quanto ela se sentia insultada.

— Depende de como você vê a coisa — disse ele calmamente. — Pense bem e me responda daqui a dois dias.

Quando ela se voltou para lhe dizer que necessitava de mais tempo, ele já havia sumido escuridão do jardim.

 

Tanya virou-se de costas, levando a mão à cabeça, que doía insistentemente. Os raios de sol penetravam pela janela de seu quarto. Ela suspirou cansada, sem mesmo saber por quê. Uma depressão estranha parecia sombrear aquela manhã, e somente quando abriu os olhos pôde se lembrar do motivo: Jake estava em casa.

Com um breve resmungo ela enterrou a cabeça no travesseiro, lembrando-se do que acontecera na noite anterior. Jake voltara com a intenção de ficar. Ela não poderia mais ignorar a existência do marido. O pior é que ela não conseguia odiá-lo; havia apenas o medo da repercussão que sua volta traria e a horrenda impressão de que o convívio diário poderia fazê-lo descobrir o segredo que ela guardara com tanto cuidado.

A porta se abriu e John entrou correndo. Pulou na cama, parando para recuperar o fôlego, enquanto Tanya se sentava.

— É verdade mesmo? Meu pai chegou? Vovó disse que sim. Onde está ele?

As perguntas, rápidas e precisas, pareciam exigir respostas igualmente rápidas e precisas. John estava excitado demais para perceber que o sorriso de Tanya era certamente forçado.

— É, ele está aqui. Está dormindo no outro quarto.

— Quero ver!

Antes que Tanya pudesse se mexer, o garoto já havia corrido para a porta.

— Espere, John! — Ela o chamou com carinho e saiu da cama, apanhando o penhoar para cobrir a transparência de sua camisola.

Quando ela chegou à porta, John estava diante do quarto de Jake, do outro lado do corredor. Parou logo na entrada, com uma das mãos, segurando a maçaneta, e Tanya o alcançou.

— Não o acorde, John — sussurrou ela com firmeza, apoiando as mãos nos ombros dele para retirá-lo do quarto.

Só então entendeu por que John ficara perplexo. Jake estava entre o quarto e o banheiro, vestido apenas com calças azul-marinhas. Tinha o peito e os cabelos molhados. No ar, havia um suave aroma de sabonete. Tanya corou, ao se sentir observada por aqueles olhos azuis, que logo baixaram, até encontrar o menino.

— Bom dia, John. Você é o John, não? — perguntou Jake, com os olhos brilhando.

A sedosa cabecinha castanha confirmou, sem tirar os olhos do homem cuja presença tomava conta do quarto.

— Você é meu pai? — perguntou John, com uma ponta de dúvida, como se pudesse receber uma resposta negativa.

A resposta de Jake foi um simples e inequívoco "sim". Mas ele nem se moveu em direção ao menino. Tanya percebeu que estava prendendo a respiração. Soltou o ar e retirou as mãos dos ombros de John. O quarto permaneceu envolto no mais absoluto silêncio. Finalmente, John soltou a maçaneta da porta e caminhou vagarosamente em direção a Jake. Quando chegou diante do pai, ergueu a cabeça para poder vê-lo.

— Eu vou ser alto assim quando crescer? — perguntou sério.

Jake sorriu, um lento sorriso que transformou sua rude aparência numa expressão de incrível carinho. Ajoelhou-se, para ficar da altura do menino.

— Você pode crescer até mais do que eu — respondeu, com igual seriedade.

Houve outro momento de silêncio, mas sem a tensão do primeiro. Tanya observava os dois, sabendo que eles tinham se esquecido completamente de sua presença. Estavam tão próximos um do outro, mas não se tocavam nem falavam. Um deles estava de pé, explorando o rosto do estranho que era seu pai, e o outro ajoelhado, com uma expressão compreensiva e confiante.

— Você já tomou café? — perguntou Jake, rompendo o silêncio.

— Não.

— Nem eu. Por que você não corre e pede à sua avó que coloque mais um prato na mesa? Podemos comer juntos.

John disse que sim com a cabeça e se virou para sair do quarto, mas estancou junto à porta e, olhando para Jake, disse numa atitude adulta:

— Que bom que você veio, papai! — Girou nos calcanhares e saiu em disparada pelo corredor.

Jake ergueu-se vagarosamente. Em seus olhos havia a calma de um céu de verão.

— Sinto muito — murmurou Tanya, sem jeito, fechando o penhoar na altura do pescoço.

— Porquê?

— A acolhida de John não foi das mais entusiastas. Eu não... — Ela baixou a cabeça. — Eu temo que ele não o conheça muito bem.

— Você esperava que ele se jogasse nos meus braços? Eu teria me decepcionado se isso tivesse acontecido. Sou um estranho para ele. Não gostaria de que me desse confiança e afeto só porque lhe disseram que sou seu pai. O presente é muito valioso quando você faz por merecê-lo.

Tanya suspirou.

— Acho que você tem razão.

Passou os dedos pelos cabelos. Não conseguira anular a distância entre o pai e o filho. Nem ouviu os passos sorrateiros que trouxeram Jake para perto dela.

— Dê-lhe um tempo para me conhecer, Tanya.

Sua pulsação se acelerou quando ela percebeu o quanto ele estava perto.

— Você pensou sobre o que conversamos ontem à noite? Uma trégua amigável seria a melhor coisa para John.

Com o canto dos olhos, Tanya podia ver o movimento regular de respiração no peito nu de Jake. Até certo ponto, ela não conseguia se concentrar no que Jake estava dizendo, pois sentia uma enorme atração física por ele. A voz de Tanya soou como um rouco sussurro, quando ela respondeu:

— Não podemos ser amigos, Jake. — Depois, juntou o que tinha de forças para enfrentar a reação do marido.

— Eu nunca disse que poderíamos ser amigos — corrigiu ele. — Na verdade, eu seria o primeiro a assumir que isso é praticamente impossível. Tudo o que quero é livrar-me desse clima hostil que existe por nossa culpa.

— Não sei... — respondeu Tanya, com um gesto inconformado, olhando para todos os cantos do quarto, menos para aquele onde estava o marido. A seminudez de Jake evocava uma reação primitiva em seus sentidos, tornando-a vulnerável.

Ela imaginava que haveria uma tempestade, depois de sua resposta. Não estava preparada para a súbita mudança no tom de voz com que Jake lhe falava, uma voz suave como o contato do veludo sobre a pele.

— Será que estou pedindo demais? — perguntou Jake, segurando-lhe o braço. — Quero apenas uma convivência pacífica.

A leveza de seu robe não pôde impedir que ela percebesse o ardor do toque de Jake. Seus sentidos não conseguiram lutar contra o desejo de ser aninhada naquele peito musculoso. Tanya cerrou os olhos e recuou para fugir ao encantamento, erguendo instintivamente as mãos, para se proteger de um eventual abraço.

— Não me toque! — disse ela por entre os dentes, com voz trêmula de raiva, por sentir que seu corpo a traía. — Não suporto isso!

Seus olhos, entre as pálpebras semi-abertas, notaram que os punhos de Jake se fechavam.

— Como é que eu pude me casar com uma sangue de barata como você? — Jake sentiu que desprezava não só a ela como a si mesmo. Seus olhos a examinaram da cabeça aos pés. — Por fora você dá a impressão de ser uma linda mulher sensual, mas dentro não há nada, só gelo!

— Não! — protestou ela, com orgulho, incapaz de deixar tais palavras imerecidas sem resposta, consciente de que seu problema era exatamente o oposto, o de se sentir vulnerável demais às atenções de um homem. — Não é verdade!

O olhar sedutor que Jake lançou paralisou-a.

— Você vai ter que me provar isso. — Em seu tom de voz havia um convite para que ela se lançasse em seus braços, a fim de provar o que dissera.

A respiração pareceu lhe faltar, quando ela se aproximou de Jake, atraída por uma força magnética irresistível. Ele a cativou com o poder do olhar, fazendo-a aproximar-se mais, quando todos os instintos a impulsionaram a fugir. Quando o calor da respiração de Jake lhe tocou o rosto e o contorno sensual de sua boca surgiu diante dos olhos de Tanya, os lábios dela começaram a doer, na antecipação de serem possuídos, de matarem o desejo por tanto tempo reprimido. Lembrou-se então de que não poderia permitir que Jake descobrisse o quanto ela era vulnerável ao carinho de um homem.

Jake percebeu que ela pretendia se afastar e estendeu os braços de forma a impedir que isso acontecesse.

— Não tente fugir exatamente agora, meu bem.

Ouviram-se passos no corredor. John surgiu na porta do quarto e seus olhos se estatelaram, ao ver o casal que parecia se abraçar. Piscou duas vezes antes de gaguejar o recado:

— Vovó disse que o café está pronto.

Tanya estava cabisbaixa e segurava o peito de Jake, com os braços enrijecidos, tentando impedir que ele se aproximasse.

— Não se preocupe — murmurou ele desdenhosamente. Depois de relaxar os braços, que a prendiam como barras de ferro, virou-se para o filho e disse: — Já estou indo.

John apoiava-se ora num pé ora no outro, sem saber se devia ficar ou se retirar. Tanya permaneceu imóvel, avassalada por uma onda de humilhação e vergonha. Jake, contudo, vestiu a camisa calmamente, abotoando botão por botão, sem dar importância ao que estivera perto de acontecer. Antes de sair do quarto com o filho, aproximou-se de Tanya, ergueu-lhe o rosto e, fitando-a com complacente satisfação, disse:

— Você tentou. Fica para a próxima.

— Não haverá uma próxima — retrucou ela.

Jake moveu as sobrancelhas, num gesto de descrença. Depois lhe soltou o rosto e saiu.

— Pronto, John?

— Você vem, mamãe?

— Não. — Tanya engoliu o soluço, acrescentando com mais calma: — Eu ainda tenho que me vestir. Vá andando com seu pai.

Ela enxugou uma lágrima teimosa que rolava pela face. Sentiu a mãozinha de John lhe tocar o braço.

— Você está bem, mamãe?

— Estou, estou bem, sim. — Mas seu sorriso triste a desmentiu.

— Por que você está chorando? — John lançou um olhar acusador a Jake, que observava a cena em silêncio, sem demonstrar qualquer emoção.

Uma única palavra. Bastaria isso para que John se voltasse contra pai. Com uma palavra ela cortaria qualquer possibilidade de relacionamento entre eles. Por um momento houve um sentimento de vingança. Seria tão fácil pagar a Jake, na mesma moeda, por todo o mal que ele lhe causara. Jake sabia muito bem o quanto o filho a amava. E isso dava a ela um enorme poder.

— Eu estou chorando de alegria — começou ela a explicar, respirando fundo antes de se dirigir àquele rostinho apreensivo — ...estou chorando porque estou muito feliz, John. Feliz porque seu pai está de volta.

Por um instante houve uma expressão de incerteza no rosto de John, que logo se transformou num sorriso amplo. Sua preocupação era própria de uma criança, e ele jamais poderia ver a depressão nos olhos da mãe.

— Eu também, mamãe — concordou.

— Seu café deve estar esfriando. — Deu-lhe um tapinha trêmulo no rosto. — Corra, antes que sua avó mande uma comitiva para buscá-lo.

— Vamos, papai — chamou ele, acenando para que Jake o seguisse.

Mas Jake ainda olhava para Tanya. Ela se sentia vencida, mas manteve a cabeça erguida, enquanto ele a sondava um pouco, antes se virar para alcançar o menino. Tanya pensou que Jake talvez pudesse ter percebido que ela o declarara vitorioso mesmo antes de iniciar a batalha. Mas nem todos os louros da vitória seriam dele.

 

Os dias que se seguiram à volta de Jake foram rotineiros. Durante o dia, enquanto John estava na escola, Jake ficava com o pai no escritório da firma, em Springfield, ou mesmo na casa em frente ao lago. À tardinha dedicava-se a John. Às vezes iam pescar, jogar bola ou, caso chovesse, assistir à televisão e jogar damas.

O final da noite era o que Tanya mais receava. Nessa hora, Jake estava sempre com os pais. Chegavam a ficar a sós, mas apenas momentaneamente, e conseguiam manter uma conversa agradável. Mas ela sentia que Jake apenas aguardava o momento apropriado para exigir um acordo. Tremia, apavorada, só de pensar quais seriam as conseqüências, se concordasse com um período de tentativa, para se conhecerem melhor. Evitava estar com ele mais do que o necessário para manter as aparências diante dos sogros. E somente o seu orgulho a impedia de fugir, cada vez que ele entrava em qualquer cômodo onde ela estivesse.

Naquele sábado, Jake levara John a passear de barco. Tanya conseguira excluir-se do passeio graças a um compromisso assumido anteriormente: ela iria ajudar num bazar beneficente organizado pela igreja. Cada mulher tinha se oferecido como voluntária para um plantão de três horas, e o dela já estava terminando. Tanya olhou ao seu redor, tentando identificar a sogra, que ficara de apanhá-la. Mas em vez da sogra viu um homem alto e moreno que tentava chegar até onde ela se encontrava. Com uma ponta de culpa, ela percebeu que não havia pensado em Patrick Raines um minuto sequer, desde a noite em que Jake voltara. Sentiu um arrepio por dentro, ao ver aquele homem de rosto forte e bonito, cujos cabelos já se tornavam grisalhos.

— Patrick, o que você está fazendo aqui? — perguntou ela, sorrindo com naturalidade.

— Eu estava com seu sogro. Encontrei Júlia e ela me disse que vinha buscá-la. Então resolvi me oferecer para vir no lugar dela. Você está pronta?

Tanya despediu-se de sua substituta, que já tomava posição junto à mesa coberta de bolos e tortas, e foi com ele até o automóvel. Patrick abriu-lhe a porta, gentilmente, e deu a volta, para se sentar à direção.

— Tenho sentido sua falta — disse Patrick, simplesmente, engrenando a marcha à ré e saindo do estacionamento.

— Parece que faz mais de uma semana que não o vejo — respondeu Tanya, sinceramente, sentindo o vento bater levemente contra seus cabelos.

— Eu não tinha certeza de ser bem recebido, se viesse. Sei que Jake não gostaria de me ver — afirmou ele rindo, mas sem achar isso engraçado. — E eu fiquei imaginando se a volta dele teria modificado seu modo de pensar.

Patrick trazia no olhar uma pergunta que Tanya não queria enfrentar. Uma semana antes, quando Patrick resolvera romper o silêncio, ela imaginara que eles teriam de se encontrar assim, às escondidas. Mas naquele momento ela se sentia pouco à vontade e sem vontade de morder o fruto proibido.

— Você sabe que, para mim, será sempre bem-vindo — respondeu, fingindo não notar o profundo significado de sua colocação.

— Ele tinha que voltar logo agora?! — resmungou Patrick, segurando o volante como se o esmagasse. — Você já está se esquivando. Eu tenho percebido isso. Eu tenho observado como, nas festas, você sempre dá um jeito de colocar o indivíduo em seu devido lugar, quando ele vem com intimidades. Eu achava que você sentia alguma coisa por mim.

Com uma ponta de culpa, ela se deu conta de que alimentara as ilusões de Patrick. Na verdade, ele exercia uma forte atração sobre ela, mas Tanya temia as conseqüências.

— Eu sinto... quero dizer, eu poderia sentir — corrigiu-se imediatamente. As palavras quase tropeçariam umas nas outras, na pressa de serem pronunciadas. Ela deliberadamente respirou fundo, numa tentativa de se controlar. — Não é só em mim que eu tenho que pensar, Patrick.

— Você está falando de John? Bom, não se pode dizer que Jake tenha sido um pai para o menino.

— A culpa é tanto minha quanto de Jake.

— É difícil de aceitar — suspirou ele. — Você acredita em amor à primeira vista?

— Não! — A violência de sua resposta a surpreendeu, e Tanya se lembrou de como se deixara levar pelo charme de Jake, alguns anos atrás, antes de ele destruir tão completamente suas ilusões em relação à vida e ao amor. — Não. Não acredito — repetiu mais calmamente.

— De certo modo, eu acredito. Eu ainda estava casado, quando a vi pela primeira vez. Mesmo naquele tempo eu a achava atraente. Sempre tive a curiosidade de saber coisas a seu respeito. Não conseguia entender por que razão os Lassiter procuravam manter a imagem do casamento perfeito entre você e Jake, quando, na verdade, você nunca o visitou e ele nunca veio vê-la. Comecei a ficar enciumado, imaginando que você teria um amante. Eu não consegui entender a razão disso até que descobri que queria ser esse amante. Foi quando comecei a notar a solidão em seu olhar. Você se sente só, não, Tanya? Esse autodomínio é apenas uma defesa, não é?

— Todo mundo é um pouco só. — Foi só o que ela conseguiu dizer, antes de jogar a cabeça para trás, mostrando orgulhosamente que para ela tanto fazia.

— E seus familiares? Quero saber tudo sobre eles — afirmou Patrick, decididamente. — Você era órfã?

— Não exatamente. Meus pais morreram quando eu tinha dezenove anos. Eu já vivia sozinha e me sustentava naquela época — respondeu Tanya, sem demonstrar o quanto lhe era penoso voltar ao passado.

— Algum irmão ou irmã?

— Eu tinha uma irmã mais nova. — Tanya desviou o olhar para a paisagem. — Morreu de pneumonia pouco depois de perdermos nossos pais.

— Você tinha uns dezenove anos quando se casou com Jake. Deve ter sido uma época difícil. Eu sei que você aceitaria o primeiro ombro que se oferecesse. Esse é o tipo de problema difícil de contornar. O que houve, meu amor? Você se apaixonou só por se apaixonar e só mais tarde descobriu que estava errada?

Diante da atitude de Patrick, ela quase lhe contou a história toda, detalhadamente, mas preferiu se conter.

— É, foi mais ou menos assim.

— Às vezes é um erro tentar levar um casamento adiante pelo bem de uma criança. É exatamente o que você está tentando fazer. Já pensou em se divorciar?

— Jake e eu discutimos essa possibilidade.

— Eu... — começou Patrick.

— Por favor, vamos mudar de assunto — interrompeu Tanya, com um princípio de dor de cabeça.

— Eu até aceito mudar de assunto — suspirou Patrick, numa atitude apaixonada e de teimosia —, se você disser onde eu fico nessa história.

Eles já haviam entrado numa estrada secundária que os levaria à casa dos Lassiter. Patrick diminuiu a velocidade e estacionou no acostamento, de onde se avistava o lago Table Rock.

— E então, Tanya?

— Não sei. — Ela penteou os cabelos para trás das orelhas e ficou admirando o reflexo das colinas nas águas do lago, sob o azul da tarde, manchado de nuvens brancas. — Ainda não tive tempo para pensar.

— Eu sou um homem, Tanya. Depois de tê-la tocado, não vou me contentar em olhá-la de longe.

Eles estavam sentados lado a lado. Patrick colocou a mão no ombro de Tanya, puxando-a mais para perto. Suas palavras foram tão parecidas com as de Jake, que ela quase deu uma risada histérica. Mas depois de fitá-lo bem no fundo dos olhos, a coisa não lhe pareceu mais tão engraçada.

Sem protestar, ela deixou que ele colocasse o braço sobre seus ombros e esperou que aquilo lhe transmitisse algum conforto. Mas sua incerteza parecia crescer. Os lábios que lhe beijaram os cabelos e lhe acariciaram a testa provocavam uma sensação incrível, mas não tão avassaladora quanto o carinho de Jake.

— Implorar não faz meu gênero — sussurrou Patrick —, mas eu quero você, Tanya.

Ela gemeu um "não" decidido, ao perceber que os lábios de Patrick procuravam os dela. Mas os braços de Patrick a prenderam quando ela tentou se afastar. Todas as emoções se esvaíram ao se ver entregue a ele. Mas essa passividade não o fez desistir. Mesmo quando ele a deixou, não lhe negou um olhar apaixonado.

— Agora você entende o que representa para mim? — perguntou ele com a respiração irregular e ofegante. — Eu também não quero um romance às escondidas. Eu sei exatamente como você se sente em relação a seu filho, e eu a respeito por isso. Você quer que ele tenha um lar, uma educação adequada, e futuro. Os Lassiter podem lhe oferecer tudo isso e mais a segurança de uma família. Basta que você diga uma palavra e eu também serei capaz de dar tudo isso a ele. John gosta de mim. Acho que ele me aceitaria como pai. E ele me viu muito mais do que ao próprio pai.

Tanya mal pôde crer ao que ele propunha.

— Você está pedindo que eu abandone Jake para me casar com você?

— É exatamente isso que estou lhe pedindo. — Ele sorriu para ela ternamente. — Eu seria capaz de me ajoelhar e repetir cada palavra.

— Mas eu nem sei ao certo se o amo — respondeu ela baixinho, desviando o olhar para não se deixar levar pelo charme de Patrick.

— Eu seria o último a lhe pedir que deixasse um marido que não ama por outro que também não ama. — Patrick fazia de tudo para que ela não se sentisse persuadida a tomar uma decisão. — Você nem imagina, Tanya, como eu quero que a gente se conheça melhor para poder conquistar seu amor. Eu quero encontrá-la assim, a sós, sem ninguém para nos ouvir, mesmo que seja por meia hora ou pelo tempo que você conseguir. Diga com sinceridade que você concorda, meu amor!

— Eu não sei quando.

Ela foi interrompida pelo som de um carro que se aproximava. Tanya viu como Patrick ficou exaltado e se voltou para o outro automóvel. Sentiu um frio no estômago quando viu Sheila ao lado de Jake. Os quatro se olharam com certo espanto e Jake disse algo a Sheila que estabeleceu um mal-estar repentino em todos. O olhar desligado de Jake ao sair do carro, de nada serviu para aliviar o susto de Tanya ou o bater descontrolado de seu coração.

— Não há nada a ser explicado — disse Patrick em voz baixa, dando-lhe uma palmada amiga na mão. — Não fizemos nada de errado.

Ela se sentiu protegida, Jake lhe abriu a porta e os encarou ironicamente. Tanya preparou-se para ouvir um sermão.

— Apreciando a vista? — perguntou ele, e desviando o olhar para o lago, acrescentou: — É realmente um lugar e tanto.

— Muito bonito — concordou Patrick, com um desafio brilhando de novo nos olhos.

— Sheila se cansou de esperar por vocês. Então eu me ofereci para levá-la. Foi bom termos nos encontrado. Com isso economizaremos a viagem. Você vai comigo, Tanya.

A expressão de incerteza no rosto de Patrick dizia a ela que não aceitasse, se não quisesse, mas Tanya sorriu, querendo dizer que não se importaria.

— Obrigada por ter vindo me buscar — respondeu.

Antes que Tanya se arrependesse, Jake tomou-a pelo braço, afastando-a dos cuidados de Patrick. Sheila ficou visivelmente irritada por ter que ceder seu lugar a Tanya.

— Eu bem que gostei da idéia de você me levar para casa, Jake — reclamou —, mas entendo que você deve estar louco para ficar com seu filho. Obrigada pelo convite. Eu me diverti muito. Talvez a gente possa repetir a dose.

A última frase se fez acompanhar de um sorriso enfeitiçador, dirigido apenas a Jake, que correspondeu com um duvidoso "talvez". Tanya se aborreceu ainda mais, quando Sheila jogou um beijo para Jake e entrou toda saltitante no carro do irmão. O carro de Patrick já ia longe quando Jake, aparentemente sem o mínimo de pressa, entrou no seu.

— Ela foi com você e John? — perguntou Tanya, enquanto Jake, como sempre, acendia um cigarro antes de dar a partida. Seu físico musculoso sobressaía por dentro da calça bege-claro e da camisa de malha azul.

— Por um acaso ela foi, sim, apesar de não estar nos planos — respondeu Jake, com um sorriso zombeteiro.

— O coitado do John deve ter sido um peso bem grande... — retrucou ela ironicamente. — Que pena você ter prometido levá-lo.

— Era a Sheila que não estava nos planos. John e eu a encontramos por acaso, enquanto almoçávamos. O tempo que ficamos juntos foi tão inocente quanto o que você passou com Raines.

Tanya procurou disfarçar para que ele não notasse seu sentimento de culpa.

— Claro que vocês não tinham John para ficar de guarda. Talvez a coisa não tenha sido lá tão inocente — continuou Jake com certa frieza. Esse tom de censura não agradou a Tanya.

— Nosso encontro aconteceu por motivos mais respeitáveis que o seu — retrucou Tanya

— Respeitáveis? — ironizou Jake, mostrando ceticismo. Você quer fazer o favor de explicar isso?

Ela se ajeitou no assento.

— Patrick me pediu em casamento.

Por um momento, a reação de Jake foi a de quem se irritara bastante. Mas logo se acalmou e ficou observando a brasa do cigarro.

—Tenho que reconhecer os méritos daquele homem. Eu nunca pensei que ele fosse agir tão rapidamente — disse ele, deixando Tanya surpresa com a indiferença de seu tom de voz. — O que foi que você respondeu?

— Isso é problema meu. — Ela baixou a cabeça num gesto de embaraço. Ficou decepcionada com a fácil aceitação por parte de Jake, e queria saber por que se sentia assim.

— É meu problema também, senhora Lassiter. — Frisou bem o nome — Se não como marido, pelo menos como pai de nosso filho.

— Se você insiste, eu não dei resposta alguma! — Sua irritação voltou tão depressa quanto havia desaparecido.

— Por quê?

— Porque não tive chance. Sua chegada foi bem inconveniente — retrucou, irritada.

— O que você teria respondido se eu não tivesse atrapalhado? — insistiu Jake.

Ela chegou quase a lhe dizer que tinha aceitado a proposta. Mas o olhar penetrante de Jake a impediu de mentir.

— Não sei, preciso de tempo para pensar — disse ela, mantendo a cabeça erguida.

— Não me parece que você o ame. Se o amasse não precisaria de tempo para pensar. — O comentário se fez acompanhar de um sorriso provocativo. — E você não pode alegar que não o conhece. Você conhece o Raines há tanto tempo quanto a mim.

— Mas eu não conheço você — protestou ela.

— Você quer me conhecer? — Jake perguntou de tal maneira que ela sentiu um tremor.

Tanya nem se mexia, temendo dizer algo de que se arrependesse depois. Aos poucos, ela conseguiu se controlar e balançou a cabeça, negativamente.

— Não, não quero — disse com firmeza. — O que eu já sei de você me desagrada. Não valeria a pena gastar tanta energia por nada.

— Você quer dizer que nosso casamento não vale nada?

— Que nome você dá a uma situação em que as pessoas não conseguem ficar juntas num mesmo lugar, porque a tensão é tão grande que elas podem explodir de um momento para outro?

— É isso mesmo o que você pensa? — Jake não pareceu se perturbar muito com as palavras de Tanya. E deu de ombros quando ela confirmou: — É, talvez você tenha razão.

 

Tanya saiu para o pátio, entregando-se ao luar. Ela acabara de pôr John na cama e não se animava com a idéia de ir até a sala, onde se encontravam Jake e os pais. Um passeio solitário pela margem do lago era muito mais convidativo. Ela decidira não deixar que seus problemas invadissem a beleza da noite.

Milhões de estrelas brilhavam no céu, e os raios da lua prateavam o caminho de pedras por onde ela passava. Grilos e cigarras entoavam suas canções, interrompidas de quando em quando pelos pios de corujas, ou latidos distantes de cães. Uma brisa suave acariciava as copas das árvores, um sem número de carvalhos, cedros e nogueiras; mas não chegava a tocar o rosto de Tanya. Era uma noite lânguida, quente, úmida e parada. A lua minguante refletia-se no lago e Tanya ficou a contemplar a água, junto ao ancoradouro. Caminhou sobre as pranchas de madeira, escutando ruído de seus passos. Parou na extremidade do ancoradouro e se debruçou na grade, de modo a olhar para as profundezas ocultas da água.

Uma agradável sensação de calor tomou conta de seu corpo, contrastando com o frescor da água. Aquela era a única habitação naquela enseada e não se viam luzes de barco vagueando. Tanya estava completamente só. Tirou a fita que prendia os cabelos e os acertou novamente para trás. Na cabine do ancoradouro havia sempre uma toalha, que Tanya apanhou e estendeu ao lado da grade. Antes que pudesse se arrepender, tirou as roupas, colocou-as perto da toalha e desceu a escada, entrando na água.

Depois do primeiro arrepio provocado pela água fria, foi dominada por uma sensação de gozo deliciosa. Adaptou-se à temperatura da água e, então, mergulhou com as braçadas rítmicas de uma nadadora experiente. Durante alguns minutos ela nadou e boiou nas águas enluaradas. Mas o frio se tornou um pouco mais intenso e ela voltou ao ancoradouro.

Quando ia subir a escada, percebeu que não estava sozinha. Correu os olhos pelas vizinhanças da casa dos barcos, temerosa de encontrar algum intruso.

— Quem está aí? — gritou com voz assustada.

Uma sombra movimentou-se rapidamente diante dela.

— Eu não sabia que as sereias falavam.

Mesmo antes que a frase, dita com suavidade, chegasse até ela, Tanya já sabia que o intruso era Jake. Virou-se e pensou em alcançar a outra margem, mas sabia que estava cansada e fazia frio demais para que o conseguisse.

— Saia daí, Jake, por favor. — A ordem parecia um apelo.

O luar clareou o rosto de Jake, acentuando a brancura dos dentes que se mostravam num sorriso aberto.

— Ah! Então não é uma sereia?! — brincou ele com tom de ironia — É só a senhora Lassiter exposta à lua! A água deve estar bastante fria.

— E está — disse ela tremendo de frio e raiva. — Você quer ir embora para eu poder sair?

Mas Jake continuou encostado na grade, olhando para ela. Tanya estava agradecida pelo negro da água que escondia sua nudez, embora lhe parecesse que o olhar de Jake penetrava a escuridão.

— Se você não quer ir embora, pelo menos me jogue a toalha.

O frio da água já começava a lhe paralisar os braços e pernas, e ela não sabia por quanto tempo ainda teria que ficar nadando, pois a profundidade não lhe permitia ficar em pé. Jake deu alguns passos e se abaixou para apanhar a toalha. Segurou-a nas mãos e olhou para Tanya, com jeito de quem estava gargalhando por dentro.

— Se eu a jogar, você não vai ter com que se enxugar.

— Depois eu resolvo esse problema — retrucou, odiando-o por tê-la pego em situação tão humilhante.

Ele atirou a toalha na água, um pouco longe, de modo que ela tivesse que nadar um pouco para agarrá-la antes que afundasse. Era impossível nadar e se enrolar ao mesmo tempo. Ela teve que chegar até a escada para se apoiar e enrolar a toalha com as mãos livres. Odiou Jake por não tirar o olho dela. Quis mandá-lo virar de costas, mas sabia que isso só serviria para mais uma piada. Em vez disso, ela mesma virou-se e amarrou a toalha bem firme na altura do busto. Mas a toalha pesava muito, com a água, e quase caiu, enquanto Tanya fazia uma verdadeira ginástica para subir a escada.

— Quanto pudor — caçoou Jake. — Eu já vi muitas mulheres nuas.

— Mas não me viu — gritou Tanya, passando por ele, sem lhe dirigir o olhar.

— É muito engraçado que a mãe de meu filho esteja dizendo isso. — A suavidade da voz não escondeu a curiosidade que a afirmação de Tanya despertara.

Tanya gelou ao perceber a seriedade do que dissera. Procurou um jeito de ser coerente e ainda assim protestar.

— Nem sempre é preciso tirar a roupa de uma pessoa ao seduzi-la.

— Sua peste! — Jake não poderia ter reagido de outra forma. Num pulo de gato avançou para ela; cravou-lhe os dedos nos ombros violentamente. Uma vez mais Tanya se deu conta de como ele era alto e forte, ainda mais agora, depois de ter passado alguns anos na África, desenvolvendo uma musculatura rígida. — Por que você insiste em insinuar que eu a violentei?

Ergueu o rosto para poder encará-lo em sua fúria.

— Você não consegue se lembrar, não é mesmo? — contestou, surpresa com sua capacidade de provocá-lo ainda mais, mesmo sabendo que a aspereza das palavras era a única arma de que dispunha.

Jake, por sua vez, trocou o sentimento de aversão por uma espécie de orgulho e autoconfiança.

— Não. Não me lembro mesmo — admitiu por entre os dentes cerrados. Não pôde evitar um exame completo e vagaroso do corpo dela, parcialmente envolto pela toalha, os seios salientes e maduros, a cintura bem demarcada e os quadris harmoniosamente desenhados. — Por Deus, eu não me lembro. — Afastou-se, levando a mão ao pescoço.

Sentindo-se mais segura, Tanya começou a apanhar suas roupas. Mas não tirou os olhos de Jake. Havia algo naquela postura orgulhosa e solitária que encheu seu coração de dor. Tentou não se deixar tomar por tal sentimento e se dirigiu à casa dos barcos. Quando chegou à porta, percebeu que não poderia deixá-lo daquele jeito, carregando toda a culpa sozinho.

— Jake — chamou-o baixinho. Ele se voltou para ela, e seus cabelos castanhos refletiram o luar. — Não foi violação — disse ela, e entrou na casa dos barcos.

Assim que ela fechou a porta, ouviu os passos que se aproximavam. Sem se mover, esperou que Jake viesse lhe cobrar uma explicação mais convincente. Mas o ruído de passos cessou e ela acendeu a luz, aliviada. A toalha molhada caiu ao chão e ela apanhou suas calças verde-musgo. Um toque na porta fê-la cobrir-se com as calças.

— Deve haver uma toalha no assento traseiro do barco, Tanya — disse Jake do lado de fora.

Imediatamente ela procurou a toalha.

— Já achei — respondeu, deixando de lado as calças para enxugar-se.

Quando acabou de se vestir, ela hesitou diante da porta, temendo encontrar problemas que fugissem ao seu controle e que ela, depois, lamentaria. Mas não havia escolha. Ela não poderia passar a noite na casa dos barcos. Jake estava na extremidade do ancoradouro, onde havia um banco. Tinha um pé no assento e usava o joelho como apoio para os braços. A fumaça do cigarro formava uma nuvem que lhe encobria parcialmente a cabeça. Quando Tanya saiu e bateu a porta, ele se virou e apagou o cigarro com o pé. Olharam-se por alguns instantes e então ela se pôs a caminho da margem.

— Tanya, não vá embora. — Ela imediatamente parou de caminhar.

— Por favor, Jake, não quero falar daquela noite. — Ele a alcançou e Tanya se virou. Mas ao tentar lhe pedir com os olhos que não fizesse mais perguntas, sentiu o coração palpitar.

— Eu só quero que você saiba que aprecio sua honestidade. Você não precisava ter reconhecido que mentiu.

Mais uma vez o ar se encheu da mesma magia que os envolvia sempre. Ela baixou a cabeça para evitar o feitiço. Não entendia por que tinha agido daquela maneira. Algum impulso de dentro para fora a fizera falar.

— E eu ainda não lhe agradeci — continuou Jake — por não ter sido parcial quanto a mim e John. Uma outra mulher teria usado o menino para me conseguir de volta.

— Eu nunca faria isso — respondeu Tanya. — É dever de um menino respeitar o pai.

— Você é uma mulher muito especial. Eu não tinha percebido até agora como você é especial. Seus pais devem ter sido maravilhosos. Quisera tê-los conhecido.

Tanya sabia que se os pais fossem vivos, ela jamais teria desposado Jake. Nem teria chegado ao ponto de exaustão física e mental, com o esforço de manter e cuidar de um bebê recém-nascido, sozinha. Seus pais a teriam ajudado. Talvez ele jamais soubesse que tinha um filho. E esses pensamentos a fizeram tremer.

— Você deve estar com frio.

Antes que ela pudesse responder, ele já havia tirado a jaqueta e lhe protegido as costas. A fumaça do cigarro, o odor masculino, o calor do corpo dele impregnado na jaqueta, tudo fazia com que ela quase perdesse os sentidos. Ele se aproximou um pouco mais e fechou a jaqueta na altura do pescoço. Ela então se sentiu como se estivesse diante de uma fogueira. Começava a perder toda e qualquer resistência. Jake tirou a fita que prendia os cabelos de Tanya e estes lhe caíram sobre os ombros. Tudo o que Tanya queria era estar nos braços dele. Jake correu os dedos por entre os cabelos até o pescoço, que ele envolveu com as mãos. Com os polegares começou a fazer movimentos absurdamente sensuais. Fê-la erguer o rosto com uma leve pressão no queixo.

— Você é linda — murmurou, aproximando-a ainda mais. — Eu tenho que fazer isso. Não me impeça, amor.

Tanya rendeu-se completamente aos carinhos dele quando as bocas se tocaram. Foi submissa ao beijo apaixonado que lhe lavava o corpo, espalhando sensualidade por todas as fibras de seu ser. E Tanya correspondeu. Milhões de luzes faiscaram por detrás de suas pálpebras fechadas. Entregou-se à firmeza do corpo dele, levando as mãos ao seu pescoço para acariciá-lo com o fervor de quem tinha aquele direito.

Os impulsos dele, contudo, eram insaciáveis. Correu-lhe as mãos pelas costas até a cintura e os quadris, contornando suas formas femininas e tocando-a com o firme e rígido contorno de seu próprio corpo. Tanya se entregou ainda mais, o coração batendo cada vez mais forte no peito, enquanto que a cabeça girava numa vertigem. Com o cuidado de quem sabe o que faz, Jake penetrou-lhe a boca, explorando-a toda, fazendo-a gemer por aqueles momentos de prazer e gozo.

A jaqueta caiu por terra, já que não mais precisavam dela para aquecer os corpos. Estavam numa onda de calor que emanava deles mesmos, o fogo que os unia. Percorreu-lhe o rosto com a língua, até penetrar-lhe a boca novamente. Tanya sentiu-se mulher — a mulher que sabe exatamente da fraqueza que sente no corpo quando este lhe diz que precisa conhecer inteiramente um homem. A totalidade de seu desejo fê-la esquivar-se defensivamente afastando-o com as mãos.

Com os braços ele a prendeu mais ainda, conquistando sua fraqueza com segurança total. Ela teve que se render ao ardor dos lábios dele, e com as mãos começou a fazer-lhe um carinho trêmulo. Lentamente, Jake soltou os lábios dela e, com cuidado, fê-la apoiar a cabeça em seu vasto peito, segurando-a com a sensação de a estar possuindo. As batidas do coração de Jake soavam como complemento para as do seu coração. Uma paz sublime envolveu-os por muito tempo — nenhum deles queria jamais que aquele momento tivesse fim.

Por fim, ele recuperou o ritmo normal da respiração. Suspirou fundo ao afastá-la um pouco. A segurança da mão dele é que impediu que ela novamente caísse sobre seu peito.

— Olhe para mim, Tanya — ordenou Jake.

Relutante, ela ergueu o rosto, embora soubesse que trazia nos olhos o desejo de se deixar possuir. Mas obedeceu, olhando-o de frente, ciente do poder que ele exercia sobre ela. Jake então pôde ter certeza de que a conquistara.

— É por isso que existe uma corrente de energia no ar quando estamos juntos? — Sorriu ao perceber, apesar da escuridão, que ela corara. — Você ainda acha que nosso casamento não vale a pena?

Nesse momento, mais do que nunca na vida, Tanya queria que o casamento deles fosse real. As lágrimas lhe invadiram os olhos ao sentir um nó no coração. Com um suspiro ela meneou a cabeça negativamente.

— É impossível, Jake. — Poucas vezes ela se sentira mais abatida.

— Impossível? — disse ele aborrecido. Cravou-lhe os dedos nos braços, dando-lhe uma sacudidela. — O que você quer dizer?

— Não pode dar certo. — Parecia fraca e desanimada. — Há muitas coisas a meu respeito que você desconhece. — Ela hesitou, temendo as perguntas que sua afirmação provocaria, e então apressou-se em encobri-la. — E eu não o conheço.

— Eu não posso aceitar isso — respondeu ele, com arrogância.

— Por favor, Jake, eu lhe peço, — implorou Tanya. — Você não pode deixar as coisas como estavam?

— Não — disse ele decididamente. — É tarde demais para fazer o tempo voltar. — Ele parecia querer invadir as camadas mais profundas do pensamento de Tanya. — Eu devia tê-la possuído agora, para nunca mais perder sua submissão.

— Não. — Ela deu um passo para trás, com medo de que ele achasse que ainda era tempo de fazer aquilo.

— Estou procurando entendê-la, Tanya, mas você torna tudo mais difícil. Você mesma disse que John precisava de um pai. Pois ele precisa de uma mãe também. Você não pode esperar que a gente passe o resto da vida compartilhando uma criança, como estranhos.

— Eu não espero isso — disse ela, dando de ombros, desanimada.

— O que é, então, que você espera? Não, não, não responda, por favor — cortou ele repentinamente. — Você provavelmente me mandaria de volta à África.

Apesar de tudo, Tanya sorriu diante do senso de humor de Jake.

— Talvez à Antártica, desta vez — sugeriu.

Jake parecia preocupado.

— John me perguntou se você não viria conosco, como a Sheila, de vez em quando. A gente precisa de tempo para se conhecer melhor. Foi o que eu disse na noite em que cheguei. Foi por isso também que eu não fiz amor com você agora há pouco. Se você não quer ficar sozinha comigo tão cedo, acho que não poderia encontrar um guardião melhor que um garoto de sete anos de idade.

— Não sei, Jake! Não sei mesmo. — Ela gostaria de ter concordado, ao menos para descobrir se a atração entre eles era apenas física. Mas... e se fosse? O que ele ganharia com isso?

— Neste exato momento, o que temos é um filho e uma certidão de casamento. Não sei se podemos ter um futuro juntos. — A voz solene de Jake a atingiu por trás. Ela foi incapaz de impedi-lo quando ele a fez voltar-se para olhá-lo de frente. — Mas eu sei que se a gente nunca procurar saber, vamos imaginar eternamente como tudo seria se nosso casamento tivesse dado realmente certo. Há poucas chances de que ele seja um verdadeiro sucesso. Eu não sei se isso vale para você, Tanya, mas eu sou um Lassiter. Primeiro tem que me provar que é impossível. E eu ainda não estou devidamente convencido disso.

Por tantos anos ela havia se jurado que o odiava. A mãe sempre lhe dissera que é difícil estabelecer o limite entre o amor e o ódio. Talvez durante aqueles anos todos, um estivesse disfarçado no outro. E, naquele momento, a resposta lhe escapava. Uma marca de impaciência estampou-se no rosto de Jake, diante do silêncio dela.

— Se você está com medo de que eu vá me aproveitar da situação, eu lhe dou minha palavra de que não vou encostar a mão em você.

— Não é isso — respondeu ela depressa, pois já sabia que viver com ele sem jamais se aproximarem fisicamente seria intolerável. Jake parecia ler seus pensamentos. Tanya engoliu em seco, sem querer reconhecer a sensualidade dos lábios dele. — Eu não me importo de ser beijada, mas eu. . . eu...

— Não vamos fazer nada além do que fizemos hoje. — Jake a salvou da tentativa de se expressar corretamente. — A menos que você me peça para fazer amor com você.

A segurança e a certeza de Jake se chocavam com a atitude indefesa de Tanya.

— Você vai concordar com minha proposta de nos conhecermos melhor?

— Concordo com a sua proposta — disse Tanya, com um repentino sentimento de paz a coroar o compromisso. Suas dúvidas em relação à conveniência de sua decisão foram momentaneamente esquecidas.

— Isso merece um beijo para selar nossa proposta, não?

Jake deu-lhe tempo de responder, mas baixou a cabeça ao encontro de Tanya, sabendo que cada célula do corpo dela pedia e queria que ele a tomasse. O beijo foi breve, sem rancor, mas longo o suficiente para fazê-la pulsar mais rápido enquanto os lábios estavam unidos. Ele tinha as mãos nos ombros de Tanya e sentia que ela tremia. Mas não percebeu que ela tremia de emoção, pois se baixou para apanhar a jaqueta e tornou a lhe proteger as costas.

— Pronta para voltar para casa?

Tanya confirmou, certa de que ficar ali significava brincar com a tentação. Um arrepio de alegria tomou conta dela ao perceber que ele colocara o braço em volta de seus ombros, mantendo-a junto dele enquanto atravessavam o caminho apertado do ancoradouro. E pelo caminho, ela notou o quanto ele estava contente e triunfante, perguntando a si mesma se não se teria feito de boba novamente.

— Você não vai se arrepender — disse Jake baixinho, como se lesse os pensamentos dela. — É até capaz que você descubra que eu não sou de se jogar fora.

Tanya riu com bom humor.

— Acho que você seria até capaz de transformar água em uísque, se quisesse.

— Se é assim, não deve ser tão difícil transformá-la em minha esposa!

Ela poderia até concordar, mas não queria admitir isso.

— O problema é que eu não sou água.

— Mas não é uísque que eu quero — retrucou Jake ao chegarem ao pátio.

J.D. Lassiter apareceu de repente, impedindo que Tanya fizesse qualquer outro comentário. "Oi, pai" cumprimentou Jake, como se aparecer abraçado à esposa fosse a coisa mais natural do mundo.

— Que noite linda, hein? — disse o pai, depois de lançar a Tanya um olhar de surpresa. Ele tinha nos lábios um sorriso de satisfação, enquanto admirava a calma do lugar e a beleza da noite.

— Estivemos passeando no lago — disse Jake, olhando para Tanya, que se soltou dele. Jake aceitou esse afastamento e deixou o braço cair ao longo do corpo.

Tanya não estava disposta a ficar conversando sobre o tempo. Tirou a jaqueta de Jake das costas.

— Com licença. Estou... Estou um pouco cansada. Acho que vou me deitar.

Parecia haver algo de muito íntimo no olhar de Jake quando lhe disse boa noite. Ela percebeu.

 

A primeira semana depois do acordo passou calmamente, como se nada tivesse acontecido. Tanya, no começo, achou que Jake estava lhe dando uma oportunidade de desistir, o que era ridículo, pois ele não era o tipo de homem que permitiria que alguém não cumprisse a palavra.

Houve um programa, um passeio para pescar, com John. E o menino demonstrou uma imensa alegria em ter os pais com ele. E era tão evidente, que Tanya se sentiu culpada por não tê-los acompanhado outras vezes. Nem uma só vez Jake deu a entender que ele estava certo ao imaginar que John ficaria contente com aquilo. Apenas trocou alguns olhares satisfeitos com Tanya, diante da alegria estampada pelo filho.

Tanya foi apanhar a correspondência. Duas horas da tarde. Às cinco horas, Jake chegaria de seu trabalho, em Springfield, às vezes na companhia do pai, na maioria das vezes só. Ela se assustou ao notar como começara a aguardar a vinda de Jake.

A sombra de um falcão riscou o solo, bem diante de seus olhos, quando já estava próxima da caixa de correspondência. Olhou para o céu, admirando a graça e a leveza de seu vôo. Mas ao mesmo tempo, o sinistro silêncio de sua aproximação fê-la tremer.

— Tenho dó da vítima — ela disse em voz alta, abrindo a caixa de correspondência e folheando vários envelopes e folhetos de propaganda.

O nome dela, num dos envelopes, lhe chamou a atenção. Não havia dúvidas de que era endereçada a ela e não a Júlia. Mesmo antes de abrir, já sabia de quem era. Nos últimos dias tentara escrever uma carta ou um bilhete para Patrick, só para lhe dizer algumas palavras formais e impessoais. Com o coração nas mãos ela leu o bilhete: "Encontre-me quarta-feira, ao meio-dia, no restaurante Persimmen. Se você não estiver lá, entenderei que foi realmente impossível. Patrick.”

Tanya colocou o envelope no bolso da calça. Resistiu ao impulso de correr até a casa para lhe telefonar. A secretária dele era muito eficiente e seria impossível chamá-lo sem dar o nome. E como Tanya nunca tivera motivos para procurá-lo, seu interesse repentino seria uma ótima desculpa para comentários.

O dia seguinte já seria quarta-feira. Ela mal teve tempo de resolver se iria encontrá-lo. Não ir seria o mesmo que adiar as coisas. Patrick provavelmente mandaria outro bilhete do mesmo gênero. Ela poderia não ter tanta sorte na próxima vez, e outra pessoa o veria primeiro. Ela já fora fazer compras em Springfield algumas vezes, e ninguém suspeitaria de nada se ela saísse naquela quarta-feira. Acabou decidindo que iria encontrar Patrick, sem que ninguém soubesse o motivo da viagem, muito menos Jake. Algo lhe dizia que ele seria incapaz de compreender.

Quando, à noite, ela anunciou que iria às compras no dia seguinte, a notícia foi recebida com a maior naturalidade, inclusive por Jake. Mas ela não se safaria tão facilmente quanto imaginara, pois ele sugeriu:

— Por que você não me encontra na hora do almoço?

Imediatamente a fisionomia de Tanya mudou. Que desculpa ela daria para recusar o convite? A própria demora da resposta valeu como tal.

— Pensando melhor, é bom você não contar com isso — acrescentou ele, dando-lhe a chance de se esquivar. — Pode ser que eu não consiga me livrar do trabalho. Almoços atualmente são verdadeiras reuniões de negócios. Quem sabe outra hora?

— Fica para outra hora, então — concordou Tanya. Teria ele desconfiado que Patrick seria o motivo da recusa tão óbvia? Ela duvidava disso. Era muito mais provável que Jake entendesse a recusa como uma resistência a estar sozinha com ele. Gostaria de explicar que o motivo não era bem esse e contar exatamente por que iria se encontrar com Patrick; alguma coisa, contudo, lhe dizia que ele não tinha nada a ver com aquilo.

O céu estava totalmente encoberto. Ouviu-se um trovão à distância, o que fez com que a garoa caísse cada vez mais intensamente, até virar chuva forte. Não poderia ter havido cenário mais melodramático para seu encontro furtivo com Patrick. Tanya preparou o espírito para o encontro. Decidiu vestir-se de azul-marinho, um vestido discreto, e penteou o cabelo num coque que lhe caía bem, sem tirar a beleza nem ressaltá-la. Se fosse um dia de sol, ela estaria se escondendo atrás de óculos escuros.

Mesmo assim, quando se olhou no espelho do carro, mal pôde acreditar: aquela figura sofisticada de mulher era ela mesma. Ninguém desconfiaria que, por trás daquela imagem fina e estudada, ela escondia nervosismo e se sentia apreensiva. Como nunca tinha feito coisa igual, sentiu-se mal, apesar das razões ingênuas que a levaram a isso. Fez o possível para se esquecer de como estava se sentindo. Ao sair do carro não deixou de olhar em volta para ver se alguém a estava observando. Escondeu o rosto com a sombrinha e só ficou segura quando chegou à porta do restaurante, depois de ter atravessado as poças de água no estacionamento.

Era meio-dia em ponto quando deixou a sombrinha e a capa na entrada. Respirou fundo para aliviar o frio que sentiu no estômago. Foi em direção à recepcionista, dando uma olhadela no salão à procura de Patrick.

— Quantas pessoas são? — perguntou a mulher gentilmente.

— Duas — respondeu Tanya. — Eu tenho um encontro com o senhor Raines. Você saberia dizer se ele já está à minha espera?

— O senhor Raines... sim, claro — confirmou a outra. — Por aqui, por favor.

Ao ver o interior do restaurante ela entendeu por que Patrick havia escolhido aquele lugar. Apesar da decoração gritante, em verde, amarelo e branco, havia um ar de intimidade no local. As poltronas estavam dispostas de tal maneira que formavam uma concha, um semicírculo que protegia os ocupantes do olhar de curiosos. A mesa de Patrick ficava no fundo, onde muito dificilmente eles seriam vistos. Patrick levantou-se para recebê-la.

— Achei que você não viria — disse ele.

— Eu... — começou Tanya, mas foi interrompida por uma garçonete que chegou à mesa.

— A senhorita aceita um aperitivo?

— Não! Um cafezinho, por favor... — para acalmar os nervos, pensou consigo mesma.

— Faremos o pedido mais tarde — acrescentou Patrick, procurando dispensar a garota. Ele fez menção de tocar as mãos de Tanya, mas ela as tirou da mesa e pôs no colo. Nenhum dos dois falou enquanto a garçonete não trouxe o café.

— Sinto muito que você esteja tão pouco à vontade, Tanya. Gostaria que a gente se encontrasse de outra maneira — desculpou-se ele.

— Tanto faz — retrucou ela nervosamente. — Eu só vim para lhe dizer que essa é a primeira e a última vez que vamos nos encontrar.

— O que você disse? — Uma total descrença sublinhou suas palavras.

— Sinto muito, Patrick. Mas eu não posso mais me encontrar com você assim.

— Por quê? — perguntou ele com um tom de incredulidade.

— Eu tentei lhe escrever uma carta explicando, mas me pareceu muito fria e racional. Por isso, resolvi procurá-lo pessoalmente para lhe dizer... — Tanya parou e viu a preocupação estampada no rosto dele. — Eu e Jake resolvemos ver se nosso casamento ainda pode funcionar.

— O quê? — A ira de Patrick a invadiu. Ele segurou fortemente a mesa, procurando se controlar. — Você me disse que seu casamento com o Lassiter era uma farsa, planejada em benefício do garoto. Como se explica esse interesse repentino em fazer a coisa funcionar, depois de sete anos de separação?

— Nós não estamos simplesmente fazendo nosso casamento funcionar — corrigiu Tanya prontamente, reagindo ao rude sarcasmo de Patrick. — É até improvável que dê certo.

— Se você vê a coisa de maneira tão pessimista, porque concordou?

Seus motivos eram incertos demais para comportar um exame cuidadoso. Se ela estava se apaixonando por Jake, como suspeitava, chegaria uma hora em que ela não conseguiria mais enganá-lo. Então a confiança e o afeto que ela ganharia nos próximos meses poderiam ser destruídos. Como é que ela o prenderia, senão através de John? E será que ela faria isso sabendo do desgosto que causaria a Jake? Tanya tomou fôlego.

— Concordei, porque Jake deixou claro que, se depois de uns meses de tentativa a gente ainda sentir que não dará certo, o divórcio seria a única alternativa.

Com essa explicação a ira de Patrick diminuiu.

— Vocês nunca pensaram em divórcio antes?

— Não, por causa de John. Desde que Jake veio para casa descobriu que eu nunca falei mal dele para John, nem tentei colocar John contra o pai. Acho que agora Jake sente que o divórcio não implicaria a perda da confiança ou afeição do filho. — E isso deprimiu Tanya. — Os Lassiter têm um sentimento muito forte de laços familiares. A menos que eu quisesse abandonar meu filho, Jake jamais se divorciaria de mim.

— Perdoe-me por ter ficado irritado — disse Patrick, sorrindo. — Agora eu entendo por que você concordou com a proposta do Lassiter. Mas onde eu entro nessa história?

Ela sabia que essa pergunta acabaria surgindo. Algum instinto lhe garantia que seria inútil lhe pedir que esperasse.

— Acho que não devo vê-lo mais — respondeu ela, procurando fazer com que ele percebesse o quanto suas intenções eram realmente sérias.

— Você acredita que Jake não vai mais procurar Sheila?

A pergunta de Patrick fê-la esquivar-se. Ela não sabia se Jake e Sheila ainda se encontravam, a não ser no dia em que foram fazer o passeio de barco. Mas Patrick era o irmão dela e deveria saber.

— Eu não sei se eles ainda estão se encontrando — respondeu ela surpresa com a calma com que o fazia. — Isso não altera minha decisão de não me encontrar com você outra vez.

— Por acaso eu devo esperar? — Mesmo antes que ela respondesse, ele já sabia o que lhe estava reservado.

— Não! Eu não estou pedindo para você esperar.

— Não é preciso dizer mais nada, concluiu ele, angustiado.

— Sinto muito, Patrick. Sinto mesmo. Sei que você tem consideração por mim...

— Consideração por você! Deus meu, essa foi a maior anedota do ano. — Patrick evitou o olhar de Tanya, que já se sentia culpada pelo que dissera. Então ele disse, em voz baixa: — Você contou a Jake que viria aqui?

— Claro que não! — respondeu ela categoricamente.

— Ele acabou de entrar. Não. Não olhe para trás! — avisou ele, antes que Tanya se virasse.

— Ele nos viu? — sussurrou Tanya, sentindo um leve mal estar.

— Acho que não. Ele está com o tal de McCloud, um homem de Denver. Acabaram de se sentar, e Jake está de costas para nós. — Então perguntou cinicamente: — Quer dizer que ele não deve saber que você veio me ver?

— Não — murmurou ela temerosa. O que aconteceria se Jake os visse? — O que é que a gente faz agora?

— É impossível sairmos sem sermos vistos. Acho bom almoçarmos — disse Patrick, chamando a garçonete para fazer o pedido.

Tanya começou a comer a salada, mas acabou deixando quase tudo no prato. Conversar, uma hora daquelas, não faria sentido, considerando-se que não havia mais nada a ser dito e não era hora de se falar da vida alheia. A impressão era de que o tempo não passava. Parecia que Jake estava fazendo hora para almoçar.

— Acho que vão sair — avisou Patrick, olhando rapidamente para a mesa de Jake. — Vão mesmo. Temos que fazer uma horinha por aqui.

Tanya se sentia como se estivesse escapado da pena de morte. Esperaram dez minutos antes que Patrick a levasse à entrada para pegar a sombrinha e a capa.

— É melhor sairmos separados — disse ele.

— Também acho — concordou Tanya. Com dificuldade, ela lhe estendeu a mão. — Sinto muito que tudo tenha acabado assim, Patrick.

— Não tanto quanto eu — respondeu ele, apertando-lhe a mão um pouco mais. — Boa sorte, Tanya. Acho que você vai precisar.

Inconscientemente, Tanya contou até cem, antes de deixar o restaurante. A chuva diminuíra. Restavam agora uma fina garoa. Ela nem se preocupou em usar a sombrinha dali ao carro. Parou no corredor para deixar um carro passar, antes de atravessar até o estacionamento. Conforme o veículo se aproximou, ela reconheceu o Seville azul-claro: era seu próprio carro. E Jake estava no volante. Agora já não poderia fugir.

O carro parou junto de Tanya. Jake desceu e deu a volta para abrir a porta. A expressão de fúria em seu rosto fez com que ela sentisse um frio na espinha. Sabia que ele jamais entenderia qualquer explicação. Automaticamente andou até a porta aberta.

— Em que hotel vocês vão se encontrar agora?

O orgulho ferido de Tanya a impediu de esbofeteá-lo. Jake a sacudiu com violência e ela começou a chorar. Percebeu que havia provocado o leão com vara curta e agora estava amedrontada. Mas o pior era a humilhação de ouvir uma acusação falsa. Jake a empurrou para dentro do carro e bateu a porta.

Alguns minutos depois eles já estavam na estrada. Tanya percebeu que Jake a levava para casa. Ela sentia muito mal e não se importava com o excesso de velocidade. O silêncio de Jake a feria mais do que suas palavras. A viagem foi uma verdadeira tortura. Cada vez que ela se enchia de coragem para lhe dar uma explicação, as palavras pareciam fugir-lhe da boca.

Assim que ele parou o automóvel, diante da garagem, Tanya correu para dentro de casa. Queria chegar a seu quarto antes que perdesse o controle e as lágrimas lhe lavassem o rosto. Mas Jake foi mais rápido. Agarrou-a pelo braço, fazendo-a parar.

— Onde é que você pensa que vai?

A resposta de Tanya foi rápida, e ela não se importou de magoar Jake ainda mais:

— Telefonar para Patrick avisando que não vou mais.

— Eu gostaria de lhe torcer o pescoço. — Jake segurou o pescoço de Tanya, como se fosse levar adiante a ameaça. — O trato que fizemos não incluía um amante. O que você queria fazer? Ganhar os dois ao mesmo tempo?

— Fique sabendo que eu não queria ganhar ninguém — gritou ela, indignada. — Fui me encontrar com Patrick para dizer que não iria vê-lo mais, e não me interessa se você acredita ou não.

Jake ficou impassível, como se estivesse resolvendo um problema crucial da empresa, como se fosse indiferente que ela estivesse aos prantos ou não.

— Eu não tolero mentiras — retrucou ele, apertando ainda mais a garganta de Tanya. — Se isso não for verdade, eu descubro mais cedo ou mais tarde.

Eram os "mais cedo ou mais tarde" de Jake que assustavam Tanya. Ela fechou os olhos, sentindo uma lágrima escapar e correr pelo rosto.

— É verdade, Jake — murmurou ela, abrindo os olhos quando ele soltou sua garganta. Jake, todavia, ainda procurava um sinal de falsidade no rostinho assustado de Tanya. — Eu achei que seria mais delicado contar a ele pessoalmente o que havíamos decidido. — Um suspiro lhe cortou a voz. Ela fez um esforço enorme para conseguir recuperar a calma, enquanto enxugava uma lágrima que lhe desceu furtivamente.

— Sua maluca — disse Jake, rindo. — Quando eu a vi naquele restaurante com Raines e percebi por que você entrou em pânico ontem à noite quando eu lhe pedi para se encontrar comigo, quase fui lá para quebrar a cara de vocês dois. Rad McCloud teve que repetir tudo o que dizia porque eu não conseguia prestar atenção. A única coisa que eu tinha na cabeça era vocês dois se encontrando num lugar público.

— Não foi assim — protestou ela. Não tinha forças, mas procurou olhá-lo de frente, como um ser humano.

Jake ergueu as mãos, quase tocando-a nos ombros, mas deixou-as cair. Havia algo em sua expressão que dizia a Tanya que a raiva tinha passado.

— Agora eu sei que não. — Tomou-lhe uma das mãos e a segurou com carinho. O contato de seus dedos era sedutor. — Reconheço que estou errado e, desta vez, peço perdão. Eu deveria ter-lhe dado tempo para se explicar melhor antes de julgá-la.

— Então você acredita? — Tanya sentiu-se mais leve. Ela não esperava que ele reagisse tão favoravelmente e estava-surpresa. A vontade que ela tinha era de jogar-se nos braços dele até que a mágoa passasse por completo.

— Acredito.

— Obrigada. — Sentia que Jake acompanhava cada um de seus movimentos. — Eu deveria ter lhe contado o que pretendia fazer.

— Ainda não chegamos ao ponto de confiar um no outro — disse Jake. — Mas veja bem, esse incidente infeliz acabou nos ajudando a descobrir coisas a nosso respeito.

— Como assim? — perguntou Tanya.

— Você sabe que eu sou temperamental, mas espero que tenha percebido que também sou capaz de reconhecer quando estou errado. — Sua expressão era amigável. — E eu aprendi que você não é o tipo de mulher que me trairia. Fico feliz por você ser honesta, Tanya, porque eu não admito que me façam de bobo.

— Acho que já imaginava isso — confessou ela, caminhando em direção à porta.

— Você não teve tempo de ir às compras — lembrou Jake. — Eu tenho mesmo que ir a Springfield e você poderia aproveitar a carona.

— Não, obrigada. Na verdade eu não preciso de nada — respondeu Tanya, sorrindo com dificuldade.

Ela achou que Jake a seguiria, mas ao chegar à porta, ouviu o motor do carro em movimento. Jake deu marcha à ré e saiu.

Tanya estava pondo a mesa do jantar quando ele voltou acompanhado do pai. Ela percebeu quando a sogra se dirigiu ao vestíbulo para receber o marido e o filho. Ouviu também o tropel ligeiro de John, que percebera a chegada do pai. Terminando de arranjar a mesa, ela se lembrou de que poderia ter ido recebê-los também, mas preferiu ficar na sala de jantar a ouvir as vozes.

— O que você trouxe aí, Jake? — perguntou Júlia, animada, seguida por John, que repetiu a mesma pergunta.

— É um presente — respondeu alegremente Jake. — Onde está sua mãe?

— Não sei — disse John.

— Pondo a mesa — replicou Júlia, menos animada.

— Que bonitas — disse John. Com passos firmes Jake foi se aproximando da sala de jantar, e Tanya prendia a respiração. Ele vinha vê-la. Disfarçou para que o contentamento não ficasse tão claramente estampado em seu rosto e continuou a ajeitar os talheres, embora não fosse necessário. Ele entrou e parou atrás dela.

— A mesa me parece ótima — comentou, como se soubesse que a arrumação era uma desculpa para Tanya não olhar para ele.

Imediatamente, ela começou a desfilar as frases rotineiras de cumprimento.

— Oi, Jake. Ouvi quando você e J.D. chegaram. O jantar fica pronto já, já.

Sua expressão de calma se transformou em surpresa ao ver o buquê de rosas alaranjada; não poderiam ser mais perfeitas.

— São para você — disse Jake. — Não vai pegá-las? — A gentileza do gesto o havia transformado totalmente.

Meio sem jeito, ela apanhou o buquê, sentindo de perto o aroma das rosas. Tocou uma pétala para se assegurar de que era verdadeira.

— Gosta?

— São lindas — respondeu Tanya, emocionada, lançando-lhe um olhar tímido. — Mas não precisava ter se incomo...

— Foi com boa intenção — respondeu ele, baixinho. — Tanya percebeu, então, com uma certa mágoa, que as rosas eram uma forma de Jake se retratar por ter perdido a calma.

— Você não é uma criança que se possa comprar com um presente, Tanya — sorriu ele fazendo com que o coração dela quase saltasse do peito. — Não podemos compensar a dor que nos causamos no passado, mas devemos evitar mágoas futuras.

— Então, por que as rosas? — Ela queria a todo custo saber os motivos de tão repentina generosidade.

— Simplesmente porque eu queria trazer rosas especiais para uma mulher especial. Está bem assim? — Depois dessa resposta, ela não poderia se sentir triste.

— Está bem — respondeu Tanya, pondo-se a admirar uma rosa. — Ninguém jamais me deu flores — sussurrou, sem perceber que falava em voz alta.

— Certamente, você já recebeu buquês? — brincou ele.

— Mas não é a mesma coisa — disse ela rapidamente, enquanto Jake acariciava algumas pétalas, revelando uma nova faceta de sua personalidade.

— Eu também acho que não é a mesma coisa — concordou ele. Os lábios tocaram-se numa breve carícia, e Tanya, como sempre, corou e procurou uma forma de disfarçar a emoção que sentia.

— É melhor colocá-las na água — disse, afastando-se depressa e saindo da sala. Júlia estava na cozinha. Cheia de curiosidade acompanhou os movimentos de Tanya quando ela entrou com as rosas. Aproximou-se da pia, como se esperasse uma explicação da nora, mas não houve explicação alguma.

— São lindas, não? — disse Júlia finalmente. — Por que você não faz um arranjo no vaso japonês?

— Se você não se importa, Júlia, prefiro levá-las para o meu quarto. — Tanya não queria compartilhar o primeiro presente de Jake com a família, mesmo sabendo que isso poderia ser importante.

Júlia Lassiter se afastou bruscamente, como se tivesse recebido um tapa em troca de uma gentileza.

— Bem, é claro que você pode levá-las para seu quarto. Era só uma sugestão. Afinal de contas, foi para você que Jake trouxe as flores. — Seu tom magoado insinuava que ela merecia muito mais um presente daqueles.

Tanya suspirou, recusando-se terminantemente a mudar de idéia. Ela sabia que não eram rosas vermelhas, as rosas do amor, mas simplesmente uma gentileza da parte de Jake. Contudo, isso não importava tanto quanto o fato de que ele tinha lhe dado alguma coisa, sem se sentir obrigado a isso.

— Mesmo assim eu posso usar o vaso japonês? — pediu ela delicadamente, sabendo que os botões alaranjados ficariam muito bem entre as cores exóticas do vaso.

— Claro — respondeu Júlia, sorrindo com serenidade, para mostrar a Tanya que era capaz de dividir suas coisas, embora a outra não fizesse o mesmo.

Mais tarde, na solidão de seu quarto, Tanya pegou a rosa que Jake tocara e a colocou dentro da Bíblia que fora de seus pais — o único objeto que ela havia herdado. Não poderia mais ocultar o amor que sentia pelo marido, um amor que ela evitava, por achar que seria eternamente doloroso. Era um consolo saber que o amor não seria amor, a menos que ela o desse a Jake e o recebesse de volta. E estava decidida a nunca lhe confessar que sentia algo mais além de atração física.

Tanya foi até o pátio, na esperança de encontrar Jake. Procurava enganar a si mesma, dizendo que pretendia agradecer mais uma vez pela gentileza. Mas foi o sogro que ela encontrou. Confortavelmente acomodado numa poltrona do pátio iluminado pelo luar.

— Você está procurando Jake? — perguntou ele, dando-lhe uma piscadela. E acrescentou, sem esperar a resposta: — Ele está no escritório dando uma olhada em plantas e especificações de um novo projeto. Acho que ele não se importaria de ser interrompido.

— Não, eu não o estou procurando — mentiu ela, desconcertada com a perspicácia do sogro. — John está dormindo e eu resolvi tomar um pouco de ar fresco antes de ir para a cama.

— Ar fresco é bom para todos — disse J.D., colocando fumo no cachimbo. Apontou-lhe uma cadeira. — Sente-se! A noite está tranqüila.

Tanya aceitou o convite e afundou na almofada, descobrindo que ele estava certo: era mesmo uma noite tranqüila. Por muito tempo permaneceram em silêncio; o cheiro do cachimbo era o único sinal de que ela não estava sozinha.

— Você e Jake parecem estar se dando muito melhor — comentou J.D., entre uma baforada e outra. — Você não odeia mais meu filho, não é mesmo, Tanya?

— Não — respondeu ela sem vacilar e tentando pôr fim à conversa, antes mesmo que ela começasse.

— Quando chegou aqui pela primeira vez, todas as suas atitudes demonstravam que você o odiaria até o fim da vida. O destino às vezes dá um jeito de estragar a vida de um homem pelo simples fato de ele ter cometido um erro lamentável.

— Pode ser verdade — disse Tanya. — Ou talvez o destino dê um jeito de colocar as coisas dentro das perspectivas corretas. Uma pessoa não pode condenar outra o resto de sua vida por causa de um erro.

— Acho ótimo você pensar assim. — A voz do velho ficou mais animada. — Talvez vocês consigam até fazer desse casamento um sonho possível!

— Eu, se fosse você, não contaria com isso, J.D. Seria exigir demais de um voto feito sem amor.

— O amor é como o cedro. Cresce nos lugares mais incríveis, lugares onde parece não ter chances de sobreviver. E um amor como esse, capaz de transpor obstáculos, é uma coisa muito preciosa.

— Por favor, não. — As palavras saíram do coração dolorido. — Sei que você está tentando me garantir que algo de bom pode acontecer depois de sete anos, mas não alimente suas esperanças. — Os olhos começavam a lacrimejar. — Um amor assim seria um milagre, e eu acho que Deus não os está fazendo este ano.

— Eu não tive a intenção de perturbá-la, minha filha — disse J.D., preocupado, mas Tanya já estava se levantando e correndo para dentro de casa. Ela não poderia permitir que um sonho impossível tomasse conta de seu coração. Numa visão realista, sabia que ele jamais se realizaria.

 

Os dois garotos falavam e se agitavam ao mesmo tempo. Jake finalmente levou dois dedos à boca e soltou um assovio estridente, fazendo com que se calassem. Tanya ria por dentro, pois sabia de antemão que garotos daquela idade são mesmo endiabrados, difíceis de dominar.

— Primeiro nós vamos à "Mansão do Vovô" disse Jake, imaginando que John iria reclamar.

— Eu quero ir no Trem-Fantasma! gritou John.

— Eu também — intrometeu-se Danny Gilbert.

— Mansão do Vovô! — repetiu Jake categoricamente. — Depois a gente contorna o parque passando pela Roda-Gigante até o Trem-Fantasma. — Como ele parecia amigável, as crianças simplesmente aceitaram a idéia e caminharam em direção à bilheteria central. Tanya sentiu um rápido arrepio de prazer quando Jake lhe tocou o braço. — Que dupla de peraltas!

— Eu estava aqui pensando se você sabia em que ia se meter quando sugeriu a John que trouxesse um amigo ao parque — disse ela, rindo.

— Você não está achando que eu vou levá-los ao Trem-Fantasma, está?

— Eu deveria ter percebido melhor que a sua loucura era bem programada.

O sorriso de Tanya só serviu para ressaltar o ar radiante de seu rosto. Não era por causa do sol de junho nem porque ficava mais atraente em seu terninho de cor acaju. Aquilo era resultado da amizade que se desenvolvera entre ela e aquele homem que era praticamente desconhecido, desde que as aulas terminaram e puderam sair mais vezes com John.

— Aquele Danny é um menino extremamente curioso — comentou Jake, observando como as crianças compravam os ingressos da Casa-Maluca e entravam com a maior displicência. — Eu tive a impressão de que estava num interrogatório, enquanto caminhávamos pelo parque.

— E estava mesmo. — Ela achou interessante o comentário de Jake. — Danny Gilbert era o garoto que duvidara seriamente de que John tivesse um pai, e muito menos que ele estivesse vivendo no meio da África. Daí todas aquelas perguntas sobre leões, tigres e zebras.

— E não se esqueça dos elefantes — disse Jake, divertindo-se com a lembrança.

— E as girafas. Acho que você deixou John muito desapontado quando contou a Danny que a maioria dos animais selvagens estava sendo preservada e guardada em reservas — comentou Tanya, sorrindo.

— Você deveria ter me prevenido de que Danny era o garoto que instigara John a escrever a carta que me trouxe de volta. Eu teria inventado uma história gigantesca de um safári nas selvas da África.

— Acho que John está satisfeito só de tê-lo em casa.

— E você? — perguntou ele, procurando-a avidamente com os olhos. — Está feliz por eu ter voltado? — Poucas vezes ele precisava tanto daquela resposta.

— Há momentos em que sua presença é muito conveniente — replicou Tanya, recusando-se a responder à pergunta com seriedade. — Você é uma excelente babá para John.

— Como é bom ser útil — disse ele, com um sorriso zombeteiro, sem exigir qualquer tipo de explicação. — Por falar no diabo, lá vem ele.

Danny e John saíram do brinquedo eufóricos, fazendo a mesma algazarra com que haviam entrado, e foram correndo em direção a Jake e Tanya.

— E agora o que vamos fazer de especial? — perguntou John, quase sem fôlego.

— Para a confeitaria — respondeu Tanya.

— Temos uma formiguinha no meio da multidão — brincou Jake.

— Nada disso — explicou ela. — Eu gosto de vê-los fazer os doces...

Quinze minutos depois os quatro saíram ruidosamente da confeitaria, cada um mastigando um pedaço de pé-de-moleque fresquinho.

— A gente pode ver os índios de madeira, agora? — perguntou Danny. Como Jake concordou, ele e John começaram a correr. — Vamos passar na ponte que balança.

Jake e Tanya os seguiram com passos mais lentos. Duas adolescentes vinham em direção a eles, caçoando e olhando para trás, sem prestar a mínima atenção por onde andavam. Uma delas quase colidiu com Jake, que a segurou com firmeza. Ela se assustou e olhou para ele, ruborizada, enquanto gaguejava um "desculpe-me" muito sem graça.

— Para mim, foi um excelente momento de prazer — disse Jake, piscando um olho, com um vasto sorriso no rosto, ao soltar os ombros dela.

Tanya percebeu que o velho charme Lassiter tinha feito mais uma conquista. As meninas cochicharam qualquer coisa quando se puseram a caminhar e Tanya sorriu com a maneira como as meninas cumprimentaram Jake.

— Qual a razão desse riso? — perguntou ele, fingindo certa irritação.

— Ora, aquelas meninas acharam você um pão! — ironizou ela olhando de soslaio, para provocá-lo. Os meninos estavam logo adiante, na ponte, debruçados no corrimão.

— Você concorda com elas? — perguntou ele, sem se importar muito.

Ela fingiu examinar seu rosto, como se não o conhecesse de cor.

— Eu acho... — afastou-se um pouco para olhá-lo de outro ângulo — que você é arrogante demais para ser um pão.

Uma risadinha acompanhou suas palavras quando Jake a pegou pela cintura. — Tanya Lassiter, você está fazendo charme — acusou ele. O toque de Jake fê-la tremer de emoção.

— Não estou, não. — Tentou livrar-se das mãos de Jake, numa tentativa de impor seu protesto.

— Está sim, e vai ter que arcar com as conseqüências — disse ele, olhando para os lábios dela.

— Jake, tem gente perto... — Ela olhou em volta, mas não havia ninguém nas proximidades. — E... eu não estou conseguindo ver os meninos.

— Se estes são os únicos motivos que você tem para não querer que eu a beije, então vou esperar um momento mais oportuno — concordou, dando-lhe um beliscãozinho amigável na bochecha.

Alcançaram os garotos na loja de esculturas e juntaram-se aos jovens, a fim de apreciar o trabalho que estava sendo feito; passaram em frente ao índio de madeira, na saída. Era exatamente da altura de Tanya, vestido de peles, com o cocar de penas, orgulhoso e austero, e com os braços fortes dispostos na frente do corpo.

— Que tal colocá-lo de guarda lá no vestíbulo de casa? — perguntou Jake a John, que estudava cada detalhe da escultura.

— Acho que seria ótimo. Será que a vovó iria gostar? Não... ela iria dizer que isso é horrível — concluiu ele, balançando a cabeça conformado.

— Tem razão, John — concordou Jake, mexendo carinhosamente no cabelo do filho com afeição. Virando-se para Tanya, disse: — Eu invejo esse índio.

— Por quê? — perguntou ela, com um sorriso curioso.

— Porque eu não tenho o coração de pau que ele tem.

Tal comentário atingiu Tanya profundamente. Ela sabia que, afinal de contas, ele estava apenas fazendo charme para ela, mas aquilo a perturbou mais do que podia imaginar. Felizmente os meninos estavam por ali, e ela desviou a atenção para eles, procurando evitar que Jake a deixasse ainda mais confusa.

— Vocês querem visitar a Mina Oculta? — perguntou ela, sabendo que os garotos adorariam a idéia. Virou-se para Jake com um sorriso planejado. — Queria sugerir o Poço do Visconde, mas acho que eles ficariam histéricos lá dentro.

— Oba! A Mina Oculta! — gritou Danny.

— Vocês dois vêm com a gente? — perguntou John com a esperança de ter a companhia dos pais.

Tanya estava prestes a concordar, quando sentiu a mão de Jake no ombro, o que lhe roubou as palavras. — Não. Você e Danny vão sozinhos — ordenou o pai.

Daí a pouco eles estavam encostados na grade que separava o jardim da entrada da tal Mina Oculta. Danny e John desapareceram no túnel. Jake estava em pé, bem atrás dela. O calor do corpo dele a aquecia quase como os raios de sol.

— E você? — perguntou ele, suavemente.

— E eu o quê? — Ela voltou o rosto para Jake. A brisa lhe levantou uma mecha do cabelo e Jake a colocou para trás da orelha de Tanya.

— Você tem um coração de pau?

— Claro que não — riu ela, tentando fazer piada da pergunta dele, apesar de estar tremendo de emoção.

— Digamos que eu me apaixonasse por você... o que você faria? — perguntou Jake, simulando calma. Tanya tremeu de surpresa e medo.

— Não fique tão nervosa — brincou ele, demonstrando um aspecto zombeteiro — Eu não disse que estou apaixonado. Estou só fazendo uma suposição.

Tanya sentiu-se totalmente perdida. Olhou em volta como se procurasse uma saída, mas só encontrava a presença marcante dele.

— Eu nunca pensei nisso. Para dizer a verdade, não sei bem o que faria.

— Não vejo razão para você não ter pensado nisso — continuou Jake. — Você é uma mulher linda. A gente tem se dado bem ultimamente. Eu já sei que é uma mãe excelente. Você tem uma maneira conservadora de ver as coisas, o que eu respeito e admiro. Afinal, possui a maioria das qualidades que eu procuraria numa esposa. Estou falando de uma esposa de verdade.

— Agora é você quem está fazendo charme comigo — brincou Tanya, mas suas pernas já começavam a enfraquecer.

— Pode ser — concordou ele sem resistências. — Mas o que eu disse é verdade. Agora que estou em casa, quero ficar. A idéia de um lar, uma família, e uma esposa que me traz chinelos é muito tentadora. Quando olho para John, chego a pensar que seria ótimo se ele tivesse um irmão... ou uma irmã com trancinhas loiras.

Quanto mais ele falava, mais ela se envolvia.

— Não... não fale assim — pediu Tanya, começando a se afastar, antes que as palavras dele pudessem desafiá-la, ainda mais. Mas ele a puxou pelos ombros, fazendo-a encostar com certa força no seu peito.

— Por que não? — sussurrou-lhe aos ouvidos. — Depois dessas semanas que passaram você ainda acha difícil me amar?

— Não... quero dizer... é... — A carícia dele na orelha de Tanya fazia com que ela perdesse os sentidos e impedia o desenvolvimento coerente de idéias.

— Decida-se. É sim ou não?

— Por favor, Jake — disse nervosa, afastando-se dele, para não se descontrolar. — Eu não consigo pensar direito quando você faz isso.

— É um passo na direção certa — disse Jake, com um sorriso malicioso.

— Isso não significa nada. Todo ser humano reage a uma carícia — corrigiu ela, sem muita convicção. — Eu gosto de você. Acho-o um ótimo pai. Você é bastante atraente. Mas não quero complicar minha vida me apaixonando por você.

Jake estava meio confuso e um tanto curioso para saber o que aquilo queria dizer.

— Como é que seu amor por mim pode atrapalhar sua vida? A mim parece que simplificaria tudo, já que você é casada comigo.

— Você não pode entender — protestou ela, percebendo que estava presa na armadilha que ela mesma fizera.

— Estou tentando — respondeu Jake pacientemente. — Talvez você possa me explicar.

— Não — respondeu ela, sacudindo a cabeça em desespero. — Acho que não.

— Por que não? — Jake começava a ficar impaciente.

— Porque eu não quero! Pelo menos não agora.

— Eu não estou brincando com você, Tanya — disse ele com calma. — Falo sério quando proponho que nosso casamento venha a dar certo. Não tem sido fácil, mas a gente conseguiu deixar de lado o passado. Não fique se apoiando naquela amargura toda. Só vai servir para tornar o futuro ainda mais insuportável.

— Eu sei — confessou ela com tristeza no olhar. — Mas há coisas que a gente não consegue esquecer, por mais que tente.

— Você tem que tentar, meu amor. Se não fizermos tudo para superar o passado...

— Você mesmo disse, Jake, que demoraria um bocado. Querer nem sempre significa poder.

— Você acredita que a gente ainda tem uma chance? — perguntou ele com esperança. Tanya percebeu que ele estava mais perto.

— Às vezes... às vezes acho que sim — confessou ela, notando que havia uma grande tristeza estampada nos olhos semicerrados de Jake.

— Acho que vou ter que transformar esse "às vezes" em "quase sempre" — acrescentou ele confiante, sabendo que seria capaz de fazer isso com um piscar de olhos.

— Ah, se isso fosse tão fácil! — Tanya baixou a cabeça e Jake lhe segurou o queixo com delicadeza.

— Tudo o que você tem a fazer é acreditar em nós. Nunca lhe pedi para cuidar de tudo sozinha. Eu acho que o casamento não depende cinqüenta por cento de um e cinqüenta por cento do outro. O sucesso depende cem por cento de cada um de nós.

— Você não acha que está exigindo muito?

— Você não acha que está fazendo uma tempestade num copo d'água? — O melhor que pôde fazer foi responder com uma pergunta de igual quilate. — A gente pode tornar tudo mais fácil, se quiser. Vamos deixar a coisa como está em vez de colocar o carro na frente dos bois.

— Confiança cega no futuro? — sorriu Tanya.

— Você não acredita que eu lhe daria segurança? — Mas Jake percebeu que Tanya não se sentia preparada para responder a essa pergunta. Em lugar disso, ele a tomou pela mão. — Lá vêm os meninos. Prepare-se para o pânico. O Trem-Fantasma é o próximo divertimento.

Trem-Fantasma, Casa da Árvore, Cruzeiro na Selva — fizeram todos os passeios menos o trenzinho.Pararam para ver a construção de uma cabana de madeira, a fabricação de velas e o trabalho de um artesão. Na casa de fiação, havia uma mulher que mostrava o uso de uma roca, transformando a lã em fio. Quarenta voltas da roca completava uma meada. E havia um disco perfurado, o que facilitava o trabalho. Um pedaço de madeira caía na fresta do disco depois de quarenta voltas, o que queria dizer que uma meada estava pronta. Foi John quem deu a entender que o passeio havia terminado.

— Estou com fome, mãe — declarou insinuando uma proposta que estava bem de acordo com a vontade de Danny.

— Eu também, mamãe — disse Jake, apoiando o pedido dos meninos, em tom de brincadeira.

— Solta um lanche aí, seu moço — disse ela, tentando ocultar o jeitinho tímido com que recebera a brincadeira de Jake.

Quando já estavam no carro, Jake sorriu e perguntou:

— Onde vai ser esse piquenique?

— No Parque das Águas — sugeriu Tanya.

— Pois vamos ao Parque das Águas — concordou Jake.

A cesta estava repleta de frango, batata frita e outras guloseimas, pratos de papelão e talheres de plástico. E na geladeira de isopor ainda havia maionese, refrigerantes e uma torta gelada. E os gulosos satisfizeram logo sua fome.

— Vamos até o topo da montanha ver as estátuas — gritou John, assim que terminou de "limpar" o prato.

Jake não queria concordar antes de saber a opinião de Tanya.

— Você agüenta? Ou chega de montanhas por hoje?

— Eu nunca recuso uma visita àquele lugar, por mais cansada que esteja — respondeu ela, dando-lhe a mão para se levantar.

— Lindo, não? — comentou Tanya. Até John e Danny ficaram em silêncio, impressionados com a beleza do lugar.

Jake passou-lhe a mão pela cintura, fazendo-a chegar mais perto.

— Os geólogos dizem que as montanhas Ozark são as mais velhas do continente. É impressionante como elas ainda não foram invadidas pelas garras da civilização.

— Papai, papai — quis saber John, como se tratasse de um negócio importantíssimo —, qual é a idade dessa trilha do tempo do onça?

— Você acaba de responder à sua pergunta — sorriu Jake. — Ela é do tempo do onça.

— Porquê?

— Bem, quando os colonizadores chegaram aqui, lá pelo século dezenove, a trilha já existia, indo de Matthews até Dewey Bald e daí para frente, sabe-se lá até onde. Os colonizadores disseram que os caçadores a usavam antes deles. E os caçadores disseram que os exploradores franceses e espanhóis passaram por ela, guiados pelos índios que já a conheciam há tempos. E os índios disseram que outros já haviam passado por lá antes. Como você vê, o nome calha bem: a trilha do tempo do onça.

John deu a entender que compreendia e continuou a observar a paisagem.

— Ele é um garoto muito inteligente — disse ele em voz baixa.

— Sério demais às vezes — completou ela distraidamente, sentindo a respiração dele contra sua cabeça, enquanto admirava o panorama.

— Ele me parece um garoto saudável e normal. — Jake queria sentir que o filho era mesmo o que significava para ele. A paisagem já não oferecia novidade para os meninos, que se puseram a brincar de pega-pega... — Você parece que se preocupa demais com ele, meu bem — disse ele acariciando ternamente os cabelos de Tanya com os lábios.

— Acho que sim — concordou ela prontamente, temendo que fosse afundar o corpo de Jake. — Mas é o que acontece quando você tem que ser mãe e pai ao mesmo tempo.

— Isso não é mais preciso. — Fechou os braços, envolvendo-a por trás.

Ela se apoiou nele e tombou a cabeça para trás, de modo a poder fitá-lo.

— Eu sei que não — disse ela, deixando o sorriso de felicidade se abrir lentamente no rosto.

— Um dia — murmurou Jake — eu vou acabar aceitando o convite desses lábios, mesmo que haja alguém olhando.

Tanya era sempre muito sensível a esse tipo de comentário. Teria Jake percebido isso?

— Olhe, um pé de caqui — mostrou ela, procurando um pretexto para distrair a atenção de Jake.

— Assim que entrar o outono, podemos colher alguns — disse ele.

— Boa idéia — concordou Tanya.

— Será que a gente não está pensando num futuro muito distante? — sussurrou ele. Tanya caíra na armadilha. — Agora é tarde — riu Jake. — A gente já assumiu um compromisso para o outono e você não tem escapatória. Acho bom ficar por perto.

— Isso não vale — protestou ela.

— Aqui vale tudo — brincou Jake.

Tanya teria argumentado, não fosse a chegada de John, sempre estabanado e correndo mais que Danny.

— Posso trocar meu canivete pelo Pepe do Danny? Ele disse que, pelo canivete, faria a troca. Posso? Hein? Posso?

— Antes de mais nada, quem é o Pepe? — quis saber Tanya com certa curiosidade.

— É o meu... bichinho de estimação — respondeu Danny sem querer esticar o assunto.

— Espere aí! Você não vai querer abandonar seu bichinho de estimação, vai? — perguntou Jake, procurando entender melhor o nível dos negócios.

— Minha mãe disse para eu me livrar dele — disse Danny, como se não lhe fizesse nenhuma diferença.

— Posso trocar pelo canivete, então?

— Não sei... — respondeu Tanya, vacilante, sendo logo interrompida por Jake.

— Mas que raio de Pepe é esse?

— Que raio? — repetiu Danny, quase mordendo a língua para não ser obrigado a confessar. — Pepe é a minha... tarântula.

— Uma aranha? — Tanya sentiu um arrepio pelo corpo, só de pensar no monstrengo.

— Tarântulas são mansinhas, mãe — interrompeu John. — Não têm veneno. Foi papai quem disse. Ele contou que as da selva são venenosas, mas essas por aqui, quando mordem, não dói nada. É como pernilongo. Só que elas sobem pelo braço e outras coisas mais.

— Definitivamente, não! — proibiu ela, sem titubear.

— Ah, mãe! Deixe, vá! — insistiu John. — Eu guardo no quintal.

— Sua mãe disse não, John — intrometeu-se Jake. — Não adianta insistir.

Muito tristonho, mas compreensivo, John pareceu acatar a ordem do pai sem rancor.

— Vamos, Danny — chamou.

Assim que a dupla seguiu adiante, Tanya sentiu um arrepio de novo e começou a friccionar os braços.

— Eu nem quero pensar naquela coisa horrorosa subindo pelo meu braço. Credo!

— Coitadinha! Tem medo de aranha? Tem?

— Morro de medo — declarou com nojo. — Não me importa se são inofensivas. Até por causa de um pernilongo eu pulo assustada em cima da primeira cadeira. Sei que é bobagem, mas eu não suporto esses bichos.

— Bem, de-se por satisfeita que John tenha pedido antes de fazer a troca. O coitado ficaria sem canivete e sem a aranha, assim que você descobrisse — brincou Jake.

— Dou graças a Deus — concordou, sentido outro arrepio.

— Mas aí você me usaria como assassino oficial de aranhas — sugeriu ele rindo.

— Foi a melhor proposta do dia.

— Com um pouco mais de incentivo, eu seria capaz de lhe fazer outras — acrescentou ele, examinando-lhe detalhadamente o corpo de formas tentadoras.

— Acho que... — Como sempre acontecia, ela perdia a fala quando Jake a provocava. — Acho que está na hora de levarmos Danny para casa.

— Você sempre dá um jeito de desviar o assunto. — Tanya não respondeu. — Pois bem, digamos que esse foi um grande dia.

— Foi mesmo.

Depois de passarem um dia quase todo juntos, o relacionamento pareceu melhorar consideravelmente. Jake foi mais atencioso com ela, despediu-se dela ao chegar em casa, em vez de simplesmente incluí-la num cumprimento dirigido a todos, ficou de mãos dadas com ela enquanto estiveram juntos. Uma porção de coisinhas aparentemente sem importância, mas muito significativas, quando vistas como um todo. Tanya começou a acreditar que ele queria amá-la como pessoa, e não apenas como a mãe de seu filho.

Ficava cada vez mais fácil receber um beijo de boa-noite, o que já estava se tornando um hábito. Ele era sempre muito gentil e sensato, sem exigir mais do que ela poderia oferecer. Mesmo assim, a resistência de Tanya, junto ao medo, aumentava na mesma proporção que o amor. O clima do relacionamento era uma verdadeira agonia, que se tornava mais insuportável em função do segredo que ela quase revelava, cada vez que sentia uma brecha de felicidade de ambos.

Se pelo menos tivesse contado logo no começo... pensou consigo mesma, enquanto se espreguiçava numa poltrona. Mas quando foi o começo? Ela só sabia que o tinha guardado por muito tempo, o que tornaria mais difícil a compreensão e o perdão de Jake. A porta do pátio se abriu, o que chamou a atenção de Tanya. Seus olhos se arregalaram ao perceber que Sheila acabara de entrar, muito atraente em seu terninho vermelho.

— Oi, tudo bem? — Sheila cumprimentou Tanya e sorriu. — Jake está por aí?

— Ele ainda não chegou — respondeu Tanya, fechando-se imediatamente.

Os lábios rubros de Sheila a desafiaram:

— Que pena. Ele disse que chegaria cedo hoje, e eu esperava encontrá-lo por aqui. Você sabe se ele ainda demora?

— Não sei, não. — Tanya sentiu-se superior a Sheila e não deixaria que a outra percebesse que Jake não lhe dava satisfação de seus horários. — Você não quer esperar?

— Não — disse Sheila, enquanto fitava o luxuoso relógio cravejado de brilhantes, no braço de Tanya. — Eu tenho mesmo que ir. — E acrescentou em tom de lástima: — Eu queria tanto vê-lo.

— É muito importante? — perguntou Tanya, odiando a possessividade de Sheila. — Eu posso dar o recado.

— Pode mesmo? — disse Sheila como se Tanya estivesse lhe fazendo um grande favor. — Eu poderia telefonar, mas não gosto de me intrometer enquanto ele está com o filho.

— Quanta gentileza de sua parte. — Tanya estava a ponto de cortá-la em pedacinhos.

— Houve uma confusão incrível de horário que combinamos para o encontro no clube de campo. Diga para Jake, que é à uma, e não às duas.

— Sábado, à uma hora. Pode deixar, eu dou o recado — confirmou ela secamente.

— Obrigada — disse Sheila, acrescentando antes de sair: — Ah! Já ia me esquecendo. Eu fui ver o terreno que ele queria comprar. Diga que simplesmente não serve. É praticamente inacessível. O local não poderia ser pior. A vista é péssima e o próprio terreno é amontoado de mato. Eu mesma me encarrego de contar os detalhes no sábado. Ele talvez queira dar um pulo até lá, comigo, para ver o terreno.

Tanya estava nervosa demais para confiar no que iria dizer. Jake jamais mencionara o fato de estar interessado num terreno. Tudo o que acontecera nos últimos meses teria sido uma farsa? Será que ele queria iludi-la, enquanto insistia num caso com a outra? A visita inesperada de Sheila parecia responder a essas perguntas afirmativamente. Algo na expressão de Tanya revelou o ciúme e a insegurança que ela sentia, pois Sheila parecia muito satisfeita quando acenou um adeus e saiu.

— Pode deixar que eu vou dizer a Patrick que você mandou lembranças.

 

Fazia menos de meia hora que Sheila partira quando Tanya ouviu um carro chegar. Como Sheila dissera que Jake voltaria cedo, só poderia ser ele. Morrendo de ódio, Tanya fez menção de ir encontrá-lo, ainda mais agora que sabia do romance com Sheila, mas resolveu ficar esperando no terraço. Os óculos escuros disfarçavam a raiva.

Demorou um pouco até que a porta se abrisse e Jake entrasse com dois drinques gelados nas mãos. Ele não pôde deixar de notar as belas pernas de Tanya, o short branco e o bustiê azul. Em outra ocasião, os olhares de Jake a deixariam tonta, mas não agora, pois ela sabia que eram falsos.

— Um néctar gelado para a minha deusa do sol — disse ele, obtendo apenas um sorriso amarelo por parte de Tanya. — Mamãe esteve no escritório hoje para almoçar com papai. Ela disse que deixou John na casa de um amigo que fazia anos. Eu sabia que não haveria oportunidade melhor para ficar a sós com minha mulher. Sugeri que mamãe trouxesse papai para casa mais tarde, quando fosse apanhar John.

Tanya levantou-se bruscamente da poltrona. Estava preste a se sentir mal, tamanha a ansiedade que a situação lhe provocava. Ela sabia que, em outra época, as palavras de Jake a fariam realmente feliz.

— Recebi uma visita muito curiosa, hoje à tarde — disse ela, como quem não quer nada, observando-o atentamente por trás das lentes escuras.

— Não diga! Quem?

— Sheila Raines. — A notícia provocou um breve silêncio e um ar reservado no rosto de Jake.

— O que ela queria? — perguntou, curioso e, ao mesmo tempo, indiferente.

— Na verdade, ela não veio me ver. Era você que ela procurava. — Tanya percebeu que Jake não estava surpreso. Achou divertida a seriedade do marido.

— Ela disse por quê?

— Ela deixou um recado. É para você encontrá-la à uma hora no clube de campo e não às duas, sábado que vem. Ela não disse qual, mas você deve saber. — Jake começava a se enfurecer com a ironia de Tanya. — Disse que viu aquele terreno por que você estava interessado, e, segundo ela, simplesmente não serve. Explicou qualquer coisa a respeito de um matagal e estrada de terra. Disse também que vocês poderiam dar uma olhada em outros terrenos nesse sábado.

— Eu pretendia lhe contar essas coisas hoje. — Algo dizia que seu humor estava alterado.

— Bem, acho que agora não é mais preciso, certo? Eu já estou sabendo de tudo.

— Você só sabe o que Sheila lhe contou — disse ele, demonstrando-se aborrecido — E parece que você não interpretou a coisa muito corretamente.

— Vamos poupar as explicações! — gritou Tanya, irritada, soltando a tensão que a dominava até aquele instante. — Eu já sei que você é capaz de me enganar e tentar me convencer de que não há nada de errado.

— E não há! Não o que você está pensando.

— Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço! É isso que vale para você, não é? É assim que você deve ter se sentido no dia em que me viu com Patrick. Você disse que não suportava ser enganado — ela riu ironicamente. — Naquele mesmo dia, Patrick me contou que você mantinha encontros com Sheila, mas eu me recusei a levá-lo a sério. Eu aceitei sua palavra de que faria de tudo para que nosso casamento desse certo. Eu deveria ter me lembrado de que sua palavra não vale nada.

O sangue ferveu e subiu à cabeça de Jake. Ele avançou sobre ela como um tigre, agarrou-a pelo braço e a sacudiu.

— Agora você vai ter que me ouvir.

Mas, com a mesma rapidez, Tanya se soltou. A raiva dava-lhe uma força física acima do normal.

— Já ouvi suas mentiras pela última vez!

— Você está fazendo o mesmo que eu. Você está me acusando e julgando sem me ouvir. Eu, pelo menos, mereço um pouco de sua confiança. — O porte alto e másculo de Jake fê-la tremer, pois sua figura lhe pareceu formidável.

— Como eu devo ter parecido ingênua — disse Tanya, sem poder evitar as lágrimas de angústia que lhe invadiam os olhos. — Quantas vezes acreditei plenamente em suas palavras! E você sempre me fez de boba. Agora você ainda quer que eu acredite em mais uma historinha inocente para despistar o romance que Sheila deixou tão claro. Jake fez menção de falar, mas ela o impediu. — Não! Por favor, não fale. Você nunca disse que abandonaria Sheila, aliás, você negou a resposta quando eu lhe perguntei, o que significa que foi mesmo uma mentira disfarçada. Talvez eu mesma tenha me enganado. Isso já não importa mais, agora que eu conheço a verdade que existe entre vocês.

— Mas você não conhece a verdade! Você nem quer ouvir a verdade! — Jake, irritado já começava a desanimar.

Ouviu-se o toque estridente do telefone. Ele não se incomodou com aquela interrupção.

— Acho bom você atender — aconselhou Tanya, sem a menor emoção na voz. — A sua querida Sheila disse que telefonaria mais tarde.

Jake entrou na casa, contrariado, deixando atrás de si um ar tenso e a frieza do olhar de Tanya. Depois que ele saiu enraivecido, o ódio de Tanya começou a se esvair. Quase caiu em prantos, pois sentia no coração uma dor insuportável. Já sem o apoio de seu espírito vingativo, debruçou-se na grade do pátio, por saber que contava apenas com alguns minutos de intervalo para se fortalecer até que Jake voltasse. Ou, pelo menos pensava que sim, até que a porta do pátio voltou a se abrir, estremecendo-a.

— Tanya, por favor venha cá — pediu ele com energia. Ela não se deu ao trabalho de responder. Limitou-se a negar com a cabeça.

— Venha cá, ou então eu a trago à força!

Algo lhe dizia que ele faria aquilo mesmo, se ela recusasse novamente; aproximou-se dele, ainda tensa e sem conseguir olhá-lo de frente. Não se atreveu a livrar-se da mão de Jake, que a obrigava a entrar no vestíbulo, onde estava o telefone, fora do gancho, em cima da mesinha.

Jake o apanhou e falou ao aparelho.

— Repita o que você acabou de me contar, pai — e então passou o fone a Tanya.

— Repetir? — A voz de J.D. Lassiter ecoou surpresa. — A única coisa que eu disse é que a reunião dos executivos e engenheiros foi transferida para a uma hora do sábado. Será uma reunião bastante informal, para a qual todas as esposas também estão convidadas; não se esqueça de avisar Tanya. Ela provavelmente vai querer arranjar alguém para ficar com John. O que há de tão complicado nisso?

A tensão do corpo dela baixou, pois agora reconhecia que havia cometido um erro gravíssimo.

— Obrigado, pai — disse Jake, apanhando o fone de volta. — Tanya imaginava exatamente o que ele estava sentindo.

— Espere um pouco — disse J.D., cuja voz distante chegou também aos ouvidos de Tanya. — Sua mãe acaba de me lembrar que Sheila deixou uma lista de terrenos à venda na minha escrivaninha. Como eu não venho ao escritório, não se esqueça de apanhá-la com minha secretária. Eu nunca imaginei que ela fosse conseguir a licença da corretora. — Deu uma boa gargalhada. — Mas, teimosa como é, vai fazer sucesso com as vendas. Beleza e perseverança formam um belo par.

Tanya olhou para Jake, cuja expressão era austera e fechada, o que a melindrou. A raiva ainda lhe manchava o brilho metálico dos olhos azuis. Ele continuou a falar ao telefone, mas ela estava atordoada demais para ouvir o que dizia. Procurava uma desculpa para sua atitude.

— Desculpe-me, Jake! Eu sinto muito mesmo — disse baixinho, antes de se virar e sair.

Ela não conseguia enfrentá-lo. Não agora, depois de tê-lo julgado mal. Suas desculpas não compensariam as coisas horríveis que ela dissera. Enquanto corria pelo caminho que levava ao lago, reconheceu que deveria ter deixado suas dúvidas em suspenso, até ouvir as explicações de Jake. Mas o ciúme era tanto que ele talvez nem tivesse acreditado. E foi o que Jake imaginou.

As lágrimas correram pelo rosto, embaçando-lhe a visão, até impedi-la de ver por onde ia. Na altura das rochas, beirando o lago, ela parou; os pés mal sustentavam o peso do corpo que cedeu — e então ela pode chorar em paz. Inconscientemente, empurrou as pedras que a machucavam. A aflição, a penúria e a frustração, erigidas no decurso de sete anos, libertaram-se numa torrente de soluços torturantes, que sacudiram seu corpo até que a última lágrima cedesse.

Quando finalmente se acalmou, deitou-se nas pedras e ficou a olhar o azul do céu. Sentiu-se como uma criança perdida que fugira e agora queria voltar. O torpor começou a deixá-la quando uma mosca posou de leve em seu braço e depois voou. Voltou a incomodá-la até que ela a espantasse com as mãos.

Alguma coisa lhe roçou a perna uma ou duas vezes. Tanya levantou-se para se livrar da mosca e então sentiu um pavor horripilante: deparou com uma enorme tarântula cabeluda, que se preparava para atravessar o obstáculo em seu caminho — as pernas de Tanya. Ficou estarrecida de medo e nem conseguiu se mexer, congelada pela visão da aranha. Mas quando o bicho começou a se arrastar por suas pernas, ela soltou um grito estridente.

Aterrorizada, nem percebeu que estava gritando o nome de Jake sem parar, nem ouviu o tropel de quem corria em sua direção. Só percebeu a mão que jogou a aranha longe e os braços que a ergueram. Logo ela foi envolvida pelos braços de Jake, que a protegeram, e pelas mãos que lhe acariciaram os cabelos enquanto o susto não passava.

— Tudo bem. Não se preocupe, isso não é nada — disse ele, com voz suave.

— Jake, Jake — murmurou Tanya num lamento.

— Eu estou aqui. Fique calma, nada vai acontecer. A aranha sumiu — assegurou ele, baixinho. — Não há nada a temer.

— Eu ainda sinto aquela coisa subindo em mim — disse, e sentiu um calafrio lhe percorrer o corpo todo. Jake abraçou Tanya ainda mais forte, e ela o agarrou pela cintura.

— Você está calma agora? — perguntou ele carinhosamente, penteando-lhe o cabelo para trás das orelhas.

Tanya resmungou que sim, sem retirar o rosto do confortável contato com o peito de Jake.

— Eu sei que é besteira ficar com medo destas pequenas coisas, mas eu não consigo evitar. Abrace-me um pouco mais, Jake.

— O quanto você quiser e sempre que me pedir — concordou, amável e feliz.

Demorou muito ainda, até que Tanya soltasse a cintura dele. As pernas estavam fracas e inseguras, mas o abalo já tinha passado o suficiente para ela ter consciência de que ele a abraçava com muito carinho.

— Acho que já estou bem.

— Você já me perdoou? — perguntou Jake calmamente, enquanto lhe acariciava o rosto.

— Porquê?

— Porque eu não estava aqui para cumprir o meu papel de assassino oficial de aranhas — caçoou.

Ela riu meio sem jeito.

— Claro que sim! Eu pensei que você falava da Sheila.

— A gente não vai falar nela agora — disse, segurando-lhe o queixo e acariciando seus lábios com o polegar. — Você não está em condições de conversar sobre isso.

— Eu quero que você saiba que reconheço como estava errada por não deixá-lo explicar — insistiu.

— Eu disse que a gente conversaria depois — disse ele, fingindo provocá-la.

— Eu sei — concordou ela, sentindo que necessitava do perdão do Jake. — Mas eu precisava dizer como eu me senti.

— Você é teimosa — sorriu ele vagarosamente, trazendo-a para seus braços outra vez.

Com os lábios úmidos tocou os dela sensualmente e brincou com eles até que cedessem. Mas quando ela o abraçou de modo a beijá-lo mais fundo, Jake lhe segurou as mãos, e vagarosamente calou o beijo.

— Aceito suas desculpas. — As densas pestanas disfarçavam o calor que emanava dos olhos dele. — Agora, você quer andar até a casa ou eu devo carregá-la nos braços?

— É melhor eu ir andando — confessou Tanya, ciente de que se ele a levasse, e sentindo-se como ela se sentia agora, seria capaz de ser imprudente em suas carícias.

— Você não se sente mais segura em meus braços, hein? — brincou, e riu por ela não ter respondido.

Não tirou a mão do braço dela até que chegassem. E, lá dentro, ele a levou ao quarto.

— Entre, procure tomar um banho e refrescar-se — sugeriu. — Quando você terminar, a gente vai ter uma conversa.

— Que conversa? — perguntou ela, mas Jake fechou a porta, sem responder.

Seria sobre Sheila? Tanya ficou pensativa, mas acabou esquecendo. Ela estava muito abalada emocionalmente, para poder raciocinar. A idéia de uma ducha, para livrá-la da sensação de uma aranha no corpo, era mais convidativa. Tanya acabava de se enxugar e vestir o roupão de cetim pérola quando ouviu baterem na porta.

— Pode entrar — disse ela, tirando a toalha enrolada na cabeça e penteando os cabelos com os dedos.

— Assim está muito melhor — opinou Jake, detendo-se na entrada do quarto. Seu porte alto imperava no quarto, que agora parecia pequeno. Entrou e lhe entregou um copo de limonada gelada. — Você já não parece mais assustada.

Tanya não podia deixar de notar o belo exemplar de homem que estava diante de seus olhos.

— Eu devo ter parecido uma boba — segredou, voltando-se para tomar um gole de refresco. Colocou-o na penteadeira e começou a escovar os cabelos. — Eu gostaria de superar esse medo infantil de aranhas. Mas aquelas tarântulas são tão perigosas!

Sua calma voltara e ela estava grata por isso. Olhou para trás e viu que Jake carregava um rolo de papel azul.

— O que é isso! — perguntou, enquanto Jake o desenrolava na cama.

— Venha ver.

Ele ficou de lado enquanto ela olhava para o papel.

— É uma planta — disse Tanya.

— Não é simplesmente uma planta — corrigiu ele —, é a planta de nossa casa. — Tanya mal podia crer no que ouvira. — Já que Sheila insistiu em lhe dizer que eu estava interessado num terreno, acho que não faz mal nenhum contar-lhe o resto da história.

— O que você quer dizer com nossa casa?

— Você já não está cansada de morar com meus pais? — perguntou. — Não que eu não os ame, mas você não gostaria de ter sua própria casa?

— É claro, mas... — hesitou, reconhecia o que aquelas palavras implicavam.

— Então é melhor dizer o que acha deste projeto. Talvez haja alguma coisa que você queira mudar. — Jake não lhe deu oportunidade de fazer qualquer comentário. Começou logo a lhe mostrar onde ficavam a sala de visitas e a sala de estar, a cozinha e o lugar onde iriam a geladeira, o fogão, os banheiros e os quartos, o lugar reservado para a lareira e a área de serviço. — Você gosta? — concluiu.

— É linda — murmurou — mas...

Calou-se antes que caísse por sobre o encanto da casa de seus sonhos.

— O que houve, amor? — Ele ergueu o rosto dela para senti-la melhor. — Você não acha que já está na hora de termos um pouco de privacidade em nosso casamento?

Ela de repente ficou tensa, com medo de falar e de calar-se. Olhou para ele, admirou seu rosto e percebeu exatamente quanto o amava.

— Ah, Jake! — suspirou inevitavelmente.

Imediatamente ele a tomou nos braços, beijando-a por todo o rosto como se cada traço fosse precioso para ele. O coração de Tanya parecia querer saltar do peito ante o toque sensual de Jake. Ele mordiscou sua orelha e depois lhe beijou o pescoço, cheio de paixão e desejo.

— Há muito que quero fazer isso — sussurrou junto ao ouvido de Tanya, enquanto a acariciava intensamente.

O cetim era como uma segunda pele a lhe cobrir a nudez. Tanya sentia as mãos do amado explorando-lhe o corpo, dos quadris aos ombros, amoldando-a ao corpo dele. Em movimentos harmônicos e sensuais, ele lhe beijou o colo, a nuca, afastando o cetim, até que Tanya se sentisse um poço de desejos. Gemendo de prazer, ela segurou o rosto de Jake e lhe roubou um beijo, cativando-o e deixando-se cativar totalmente. Por muito tempo Jake lhe esmagou os lábios, com a violência de sua paixão, penetrando-os brutalmente, para conhecer o alcance de seus desejos. Relutante, Jake afastou os lábios dos dela e lhe beijou a testa.

— Você não imagina como é difícil manter o controle para me impedir de fazer amor com você — disse Jake, dominado pela paixão e excitado com a reação de Tanya.

Ela correu os dedos pelas costa dele, cravando-os nos músculos que a apertavam num abraço. Levou-os então ao colarinho desabotoado da camisa, afastando-o para beijar-lhe o pescoço, logo acima dos pêlos escuros que lhe cobriam o peito.

— Beije-me, Jake — exigiu, num sussurro provocante, enquanto se erguia para alcançar os lábios do amado.

— Tanya — gemeu Jake, resistindo à pressão das mãos dela, que procuravam levá-lo de volta aos lábios sedentos. — Eu quero algo mais que beijos.

Desviou os olhos da tentação que era aquela boca rubra e buscou a resposta nos olhos dela. A vantagem era só de Jake. Se ele tivesse optado por possuí-la, Tanya não teria resistido. Agora ele lhe dera uma escolha e o medo cortou o coração de Tanya como um golpe de faca. Com um soluço doído, ela afrouxou o abraço de Jake. Lágrimas lhe queimaram os olhos. Tanya sentiu Jake envolvê-la pela cintura e prendê-la contra seu corpo. Ainda bem que agora ela estava de costas para ele, pois assim ele não podia lhe ver o semblante amargurado.

— Não tenha medo, querida. Não é apenas atração sexual que sinto, apesar de querê-la desesperadamente.

— Oh, Jake! — O nome era um grito de protesto vindo do coração de Tanya. Não era a relação que ela temia, e sim a raiva que ela sentiria depois.

— Não diga nada, amor — murmurou Jake, estreitando seu abraço para senti-la mais junto ao corpo.

— Jake, eu...

— Não diga nada. Ouça apenas — pediu ele com doçura. — Eu amo você. Acho que sempre a amei. Sei lá. Só sei que estou apaixonado por você muito mais do que qualquer indivíduo é capaz.

Tanya deixou seu corpo relaxar contra o dele, sabendo que seu amor era tão forte quanto o de Jake.

— Por favor, não diga mais nada — implorou ela, desejando que aquele momento de ternura jamais terminasse.

Houve um instante de hesitação. Tanya sabia que Jake queria agir, em vez de dizer coisas.

— Deixe-me terminar, querida — pediu ele roucamente —, porque de agora em diante eu não quero mais reviver o passado — Ele tomou fôlego. — Eu não voltei simplesmente por causa daquela carta. Ela foi só uma desculpa. Não que John não fosse um dos motivos. Eu queria realmente ver meu filho. Mas antes de tudo eu queria ver minha esposa, aquela mulher linda da fotografia. Você, Tanya. Mulher que me perseguira por sete anos, com o feitiço de seus olhos e seus cabelos dourados.

As afirmações de Jake lhe provocavam prazer e amargura. Talvez o amor entre ambos fosse bastante forte para superar a raiva e a hostilidade do passado e capacitá-lo a entender por que ela o havia ludibriado todos esses anos.

— Primeiro, é preciso que você entenda que meu irmão e eu éramos muito chegados. Éramos muito mais que irmãos. Eu não me lembro de ter dito que voltaria na noite daquela festa, mas eu queria voltar, até que Jammie morreu. — Tanya reconhecia o quanto ele sentira a falta do irmão e lamentara tudo aquilo. Ele era tão jovem, com toda uma vida à frente. — Eu me tornei cínico e rude. A lembrança que guardei daquela moça tímida que conheci se enfraqueceu por causa das emoções. Depois, quando eu a vi, mais linda que nunca, eu me recriminei por não tê-la procurado antes, principalmente quando eu a vi com um bebê nos braços. Eu sabia que você queria me ver longe e que eu a deixasse definitivamente em paz, mas eu não conseguiria. Por isso fingi estar mais interessado no bebê.

Abraçou-a com força, como se isso fosse aliviar a dor de ambos os corações.

— Eu jamais vou me esquecer do primeiro impacto que sofri quando você disse: "Não o reconhece? É seu filho!" No início eu achava que era mentira, que você sabia da riqueza dos Lassiter e pretendia dá-la a seu filho ilegítimo. Eu não me convenci nem quando você mostrou o dedinho torto, marca de nascença dos Lassiter. Só mesmo quando fui ao apartamento em que você morava eu o aceitei como meu filho, mesmo sem me lembrar de como ele fora concebido. Minha querida, você me perdoaria por isso?

— Não há nada a ser perdoado — respondeu ela com certo fervor, procurando voltar-se para fitá-lo, mas ele a manteve na mesma posição.

— Quando eu lhe perguntei, naquele apartamento, se ele era meu filho, você novamente confirmou e seus olhos brilharam. Naquele momento eu vi que você não estava mentindo, que era incapaz de mentir para mim — Acariciou-a levemente no pescoço. — Isso é o que importa em nosso casamento: sua honestidade. Foi uma das primeiras coisas que amei em você. Tornou-se a base de meu amor por você.

— Não, Jake, não! — implorou Tanya. O coração, que batia tão feliz, repentinamente, enfraqueceu. Ela quisera que o chão se abrisse e a engolfasse.

— Eu não a culpo por odiar-me no início — murmurou Jake. — Eu a forcei a casar-se comigo. Já nem tenho certeza se foi por meu filho ou para tê-la como esposa. Só sei que me odiei pela humilhação que você deve ter sofrido por minha causa. Ao vê-la, eu me lembrava do quanto você me detestava. Não foi você quem me afugentou daqui, querida, eu é que fugi. Você não tem culpa de nada. A culpa é toda minha. — Durante um momento de hesitação, ele gentilmente enlaçou a cintura dela. — Entende por que é que eu tinha que lhe dizer tudo isto, querida? Eu tinha que ser honesto como você sempre foi comigo.

Honesta! Honesta! Essa palavra lhe soava como um patético escárnio. Agora seria impossível dizer toda a verdade. Sua suposta honestidade era o que Jake mais admirava nela. Se revelasse como estava longe de ser o que o marido supunha, poderia perder para sempre seu amor.

— Por quê? Por que você teve que me dizer tudo isso? — soluçou ela, soltando-se dos braços de Jake. — Você não vê que isso não importa?

— Amor, que foi? — A surpresa e a preocupação gentil na voz dele só fizeram aumentar sua dor.

— Oh, Jake, Jake! — Balançou a cabeça de um lado ao outro, angustiada. Havia só uma saída para tal situação. Ele a odiaria por isso, mas não tanto quanto se descobrisse a verdade. — Por favor, quero o divórcio.

— Divórcio? — repetiu ele, descrente, dando um passo para eliminar a distância física entre ambos. Ele a olhou como se não a visse. — Isto é alguma piada?

— Não, não é piada. Quero o divórcio.

Jake segurou-a pelos ombros, forçando-a a encará-lo.

— Eu disse que te amo! Será que você está tentando me dizer que não me ama? — perguntou ele, mostrando-se enraivecido. — É isso que você está querendo dizer?

— Estou dizendo que realmente quero me divorciar — respondeu ela com bastante firmeza, incapaz de olhá-lo nos olhos. — Não é suficiente?

— Não, droga! Não é! — Seus dedos se enterraram na pele macia dos braços de Tanya. — Não sou tão inexperiente para não saber quando uma mulher me quer, e sei que há um momento você me queria tanto quanto eu a você. Você não é uma mulher promíscua. — A expressão de raiva é surpresa no rosto dele a amargurou ainda mais. — Eu sei que você me ama. Confesse!

— Pare, Jake! — Tanya colocou as mãos contra o peito dele e tentou afastá-lo, ao mesmo tempo que ele a puxava com força para perto de si.

— Quero uma explicação!

— Você está me machucando, seu bruto — murmurou ela, assustada com a expressão de crueldade que aparecera no rosto de Jake.

— Eu te amo — repetiu ele, parecendo querer engoli-la com os olhos. — E farei você me amar!

Ele a levantou nos braços, tornando inúteis os esforços de Tanya para se soltar, e a carregou até a cama. As plantas e os projetos foram afastados e Jake a atirou sobre a colcha de cetim. A rudeza com que ela fora carregada afrouxara o cinto do robe e este se abriu, exibindo suas belas pernas bronzeadas. Instintivamente, ela procurou se cobrir, mas Jake a impediu, deitando-se sobre ela. Agora ele não a enfeitiçava com o olhar. Fez menção de beijá-la, mas ela recusou.

— Você sempre foi louca por meus beijos — disse ele, enquanto procurava prender as mãos de Tanya.

— Por favor, Jake, não faça isso — pediu ela com voz trêmula. —Isso não vai mudar nada. Vou continuar querendo o divórcio. Por favor, Jake, por favor!

— Não acredito — disse ele friamente.

Os olhos de Tanya começaram a lacrimejar.

— Eu não tenho forças para impedir, Jake.

Ele ficou a fitá-la por muito tempo.

— Dane-se! — gritou, e deixou-a só na cama. Em prantos, ela ouviu os passos rápidos que se afastavam da cama. A porta do quarto se abriu e fechou com um estrondo.

— Jake, eu te amo. Eu te amo, acredite. — soluçou ela, com o rosto no travesseiro.

 

Nos dias seguintes, ouviam-se muitas portas batendo, pois Jake se recusava a ficar no mesmo cômodo em que Tanya estivesse. Uma raiva persistente o perseguia como uma sombra, onde quer que ele fosse. Até mesmo John evitava aproximar-se dele, temendo a aspereza do pai. Tanya chegou a pensar que ele nem sequer dormia, pois constantemente ouvia movimento no quarto, do outro lado do corretor. As olheiras de Tanya eram uma evidência de que ela também não dormia. Passava horas a fio acordada, olhando para o teto, pensando que talvez devesse atravessar o corredor e dizer a Jake o quanto o amava. Mas não o fez. Jake jamais compreenderia.

Assim, ela sofria com as noites de insônia e as atitudes de Júlia, que culpava Tanya pelo fato de que o filho saía antes do café e só voltava após o jantar. J.D. era o único que chegava a se compadecer dela. Mas até mesmo ele parecia acusá-la. O coitado do John era quem sofria mais com aquele clima hostil, que ele jamais conhecera anteriormente. Danny Gilbert o convidara a passar aquela noite em sua casa. Tanya concordara, relutante, pois desejava tê-lo sempre por perto, como uma forma de aliviar sua tensão.

Ela ia a caminho do quarto de John para verificar se tudo estava em ordem, quando passou pelo quarto de Jake e deu uma olhada lá dentro. Fez menção de continuar, mas parou. Jake estava de pé em frente ao espelho dando um nó na gravata listrada de azul e prata — um toque complementar para o terno cinza que vestia. O terno, muito elegante, parecia realçar a cínica aspereza de suas feições bem delineadas. Tanya nem sabia que ele já estava em casa e, no entanto, parecia que ele se preparava para sair. Ele a viu pelo espelho.

— Você vai sair? — perguntou ela, vendo-se obrigada a dizer qualquer coisa.

— Vou.

— Danny Gilbert convidou John para passar a noite com ele.

— Sim... e daí? — Jake lhe lançou um olhar seco através do espelho, enquanto acabava de ajeitar a gravata.

— Eu pensei que talvez pudesse levá-lo — sugeriu Tanya, sem saber ao certo por que o fazia.

— Não dá para outra pessoa levá-lo? — perguntou ele, sem se comprometer.

— Bem, acho que sim — disse Tanya meio sem jeito. — Mas John ficaria contente se você o levasse. Ele não entende bem porque você raramente fica em casa e, quando fica, está invariavelmente sempre sozinho.

— Talvez você devesse esclarecer o porque... — disse ele ironicamente, virando-se para ela, porque não queria que espelho algum reduzisse o efeito de seu olhar desdenhoso e fixo.

— Jake, por favor! — Ela não queria que ele levasse tudo a ferro e fogo.

— Por favor o quê? — sorriu ele. — O que você espera de mim? Por acaso eu devo me desculpar por nada ter dado certo? Há duas coisas que um homem pode dar a uma mulher, Tanya, amor e um nome. Você recusa os dois! E nem tem a decência de me explicar os motivos — concluiu ele com evidente desgosto.

Ela não disse uma palavra, embora lhe ocorressem muitas. Tremeu ao murmurar um fraco "desculpe", e voltou diretamente para o quarto. Logo depois ela ouviu os passos de Jake no corredor, quando ele saiu.

Sem saber como, Tanya conseguiu enxugar as lágrimas provocadas por Jake e recuperou a calma, o suficiente para poder levar John até a casa dos Gilbert. Na volta, procurou não entrar na casa. Rodeou-a, até o pátio, nos fundos. Pouco importava se Júlia iria precisar de sua ajuda no preparo do jantar. Ela desejava ficar só.

Tanya foi até a grade e fixou o olhar no lago espelhado, além das árvores. Lágrimas de autopiedade lhe saltaram dos olhos, ao se lembrar da confusão em que se transformara sua vida. Nem mesmo se preocupou em enxugar o rosto, sentindo-se com o direito de derramar algumas lágrimas.

— Eu não sabia que tinha gente aqui. — A voz suave de J.D. soou por detrás dela, fazendo-a virar-se bruscamente. — Você está chorando, filha — murmurou ele, compadecendo-se de Tanya.

Ela enxugou as lágrimas com as mãos.

— Não foi nada — disse, encolhendo os ombros.

— Tome — disse J.D., dando-lhe a bebida que trazia na mão. — Você precisa disto mais do que eu. Beba de uma vez.

Ela obedeceu, sorvendo tudo em rápidos goles.

— Queima a gente por dentro — sorriu.

— Mas vai lhe fazer bem — acrescentou J.D.

— Obrigada — disse ela com voz rouca, sentindo ainda na garganta o efeito do álcool, e devolveu o copo ao sogro.

— Você pode precisar de outra dose — murmurou J.D., fazendo com que ela continuasse a segurar o copo. — Você e Jake tiveram uma rusga, não é?

— Mais do que uma rusga — confessou ela, respirando fundo, para amainar a dor aguda que o nome de Jake lhe causava.

— Não tinha dúvida de que era isso mesmo. Ele tem sido um verdadeiro animal para com todos. — Tanya sentiu a curiosidade que o sogro demonstrava. — Você parece que está apaixonada por meu filho, não está?

Ela lançou um breve olhar ao velho, mas nem confirmou, nem negou. Não poderia. Ela achava que J.D. não acreditaria se ela mentisse e negasse seu amor por Jake. E, ao mesmo tempo, se dissesse, Jake provavelmente descobriria mais tarde.

— Você prefere não dizer. É isso? — provocou J.D. — E você sabe que ele a ama?

— Sei — admitiu ela com dificuldade.

— Você me consideraria muito intrometido se lhe perguntasse o motivo da rusga? — No rosto de J.D. havia uma expressão amiga e de muito calor humano.

— Eu pedi o divórcio.

J.D. foi pego de surpresa.

— Por quê?

— Por motivos pessoais — justificou ela.

— Posso lhe fazer outra pergunta?

— Qual? — Ela não conseguia olhá-lo de frente.

— Jake sabe que você não é a mãe de John?

O copo escorregou das mãos de Tanya e se estilhaçou ao chão. O medo e o susto paralisaram-na.

— Obviamente, não! — disse J.D. com firmeza.

— Co... como é que você sabe? — gaguejou, levando a mão à garganta numa tentativa de se proteger.

— Digamos que eu não estava tão disposto quanto meu filho a acreditar que aquela moça estranha que nunca víramos e de quem nunca ouvíramos falar era o que dizia ser. Também não sabia, ao certo, se o bebê era mesmo meu neto. Você poderia estar blefando e tentando fazer o menino passar por filho de Jake. Ele não discutiria o assunto comigo, a não ser para confirmar que o bebê nascera antes do casamento. Por isso fui averiguar as coisas sozinho. — Olhou-a muito docemente. — Por que será que Jake nunca pediu para ver a certidão de nascimento de John?

— Um dia ele pediu! disse Tanya, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo. — Mas eu não mostrei.

— Você pode imaginar o susto e o choque que senti quando vi o nome de sua irmã como mãe de John — disse J.D. com um sorriso estranho.

— Por que você não demonstrou que havia descoberto a verdade?

— Você e Jake estavam casados legalmente. Sugeri algumas vezes, em minhas cartas a ele, que poderia haver algo que ele desconhecia, mas ele respondia que John era filho dele. Eu imaginei então que ele soubesse a verdade. Além disso, eu pude notar o quanto você amava o menino, como se fosse seu próprio filho.

— Quando é que você descobriu que Jake não sabia?

— Quando eu o convenci a voltar para casa. Perguntei, um dia, qualquer coisa a respeito de sua irmã, e ele disse que não a conhecera. — Respondeu o velho.

— Ele estava bêbado — disse Tanya. Toda a amargura já se esvaíra e ficara a tristeza em seu lugar. — Ele não se lembra de nada daquela noite, além de ter me conhecido.

— Por que você não lhe disse a verdade, Tanya? — perguntou ele com calma.

— Porque ele disse que queria o filho. — Tanya engoliu em seco. — E eu sabia disso, porque ele era o pai de John e, com o nome e a riqueza Lassiter para ampará-lo, eu não tinha a menor chance de ficar com o garoto. Eu adorava o John. Deanna, minha irmã, nem chegou a pegá-lo no colo. Teve uma pneumonia no hospital e morreu, assim tive que cuidar dele. Ele era o meu bebê e Jake o teria tirado de mim!

Ela caiu em prantos e foi amparada pelo sogro, que a confortou a fez sentir-se melhor.

— Eu entendo, filha — disse ele, de modo a aliviar o pranto da nora. Quando o último soluço esmoreceu, ele lhe emprestou o lenço de linho branco. — E agora você está com medo de contar a Jake o que fez.

Tanya assoou de leve o nariz e confirmou.

— É. Ele me odiaria por isso. Jake sempre disse que sou honesta, que sempre digo a verdade, como é que posso agora dizer a ele que vivo essa mentira há sete anos?

— Acho que é preciso.

— Não consigo — disse ela, trêmula.

— Minha querida nora — aconselhou J.D. com ternura —, meu filho não pode ficar mais magoado e furioso do que está. Você o tem rejeitado estes anos todos. Acha, realmente, que ele vai odiá-la ainda mais se você disser a verdade?

— Acho que não — concordou. — Só não sei se conseguirei enfrenta-lo, ou se ele aceita conversar comigo.

— Eu darei um jeito de trazê-lo ao escritório amanhã, às sete da noite. Vou servir de mediador no início — sugeriu J. D.

— Talvez... talvez fosse melhor você nem dizer que vou estar lá. Ele é capaz de não vir, se souber que vai me encontrar.

— Pode ser — concordou ele, sorrindo. — Jake consegue ser mais teimoso que a mula mais teimosa de Missouri. Bem, agora você me dá a sua palavra de que vai contar tudo a ele?

— Dou-lhe a minha palavra que contarei — suspirou Tanya, mais medrosa do que confiante.

Foram a noite e o dia mais longos que ela enfrentara. Às seis e meia da noite seguinte Jake ainda não havia chegado. Tanya torcia para que ele não viesse, apesar de saber que isso só prolongaria seu sofrimento. Agora que o sogro conhecia a verdade, Jake também acabaria sabendo, mesmo que ela não lhe contasse. Tanya quase pediu a J.D. que se encarregasse de falar com Jake, mas depois achou que isso seria covardia.

Trocou de roupa três vezes, sem conseguir se decidir por nenhuma. Quando se olhou no espelho, não pôde conter um riso nervoso. Ela estava de preto e usava um coque no cabelo. Parecia pronta para ir a seu próprio funeral. Pôs um pouco de maquilagem, tentando ocultar as olheiras sem nenhum sucesso, e sentiu que as mãos tremiam. Tinha um foco de tensão na nuca, devido ao seu estado de nervos.

As dez para as sete saiu para o corredor, mal conseguindo equilibrar-se. Foi até o vestíbulo, atravessou-o e entrou no escritório, do outro lado da casa. J.D. estava sentado à escrivaninha, recostado na cadeira, a olhar o vazio.

— Ele ainda não chegou — disse Tanya da porta, chamando a atenção de J.D.

— É... — suspirou ele. — Ainda não chegou. É melhor você se sentar. Podemos esperar juntos.

Ela afundou no estofamento de couro, que parecia protegê-la por todos os lados. Era uma sensação agradável, prejudicada apenas pelo tique-taque do relógio ao aparador. Já eram sete e meia quando ouviram um carro chegar. Tanya cravou os dedos no braço da poltrona e olhou para o sogro, como se buscasse segurança. O velho lhe respondeu com um sorriso calmo.

— Daqui a pouco tudo passa.

— Sim — murmurou ela. — Tudo vai passar.

Os olhos de Tanya tremeram quando a porta da frente se fechou, sentiu um mal-estar no estômago e achou que ia passar mal. Ficou atenta aos passos de Jake no corredor, mas o tique-taque do relógio persistia. Já se passavam dez minutos; J.D. começou a tamborilar com insistência, com um lápis sobre a escrivaninha, enquanto esperava impacientemente que alguém chegasse até a porta. Tanya já estava a ponto de ficar histérica. Alguém bateu na porta e Tanya se sentou na beira da poltrona.

— Entre — disse J.D., indicando a Tanya que ficasse sentada.

Quando a porta se abriu, Tanya ficou petrificada ao olhar o corpo másculo de Jake, suas calças justas e a camisa semi-desabotoada, que revelava o bronzeado de sua pele. Ela quase perdeu o fôlego. O cabelo brilhava nas mais variadas tonalidades do castanho, ainda molhado por causa do banho. Mas foi para o rosto dele que Tanya olhou, de traços bem feitos e tão atraente.

— Desculpe o atraso, pai — disse ele sem a menor sinceridade na voz. — Resolvi me lavar antes. — Olhou para Tanya com total indiferença e frieza. Calou-se e fitou o pai com seriedade. — Eu pensei que você estava sozinho. Desculpe.

Fez menção de sair, o que denotava sua recusa em permanecer onde quer que Tanya estivesse.

— Volte aqui — ordenou J.D.

— Volto quando você estiver só — retrucou Jake, com os músculos do braço à mostra ao segurar a porta.

— Você não vai sair — insistiu o pai, sem admitir recusas. — Nem Tanya.

Tanya sofria por saber que Jake não suportava ficar na mesma sala com ela.

— Não tenho intenção de desrespeitá-lo, pai — disse Jake. Ainda estava de costas para o velho e falou por entre os dentes cerrados. — Mas isso não é de sua conta.

— Peço licença para discordar de você, filho — disse J.D. sem alterar a voz. — Eu tenho interesse pelo futuro de meu neto, o que me deixa envolvido na questão.

— Se você pretende bancar o conselheiro matrimonial, eu sugiro que antes converse com Tanya — grunhiu Jake, lançando um olhar ferino à mulher, que baixou os olhos diante de tamanha maldade.

— Já conversei... e é por isso que pedi que você viesse aqui. Feche a porta, entre e sente-se. — Ela sabia que apenas o pai de Jake era capaz de lhe dar ordens assim. Ninguém mais se atreveria a provocá-lo.

Jake fechou a porta e foi sentar-se na cadeira perto da de Tanya. Esticou bem o corpo, parecendo querer relaxar, mas ela sabia que aquele comportamento era apenas o jeito como o leão se preparava para o ataque.

— Vamos acabar logo com isso — reclamou, olhando para o relógio. — Tenho compromisso para o jantar.

— Já sei, com Sheila? — Tanya nem percebeu que havia perguntado em voz alta, até que Jake se voltou para ela com fogo nos olhos.

— E você liga? — provocou.

— Parem com isso — reprimiu J.D. — Não estamos aqui para trocar insultos.

Ambos obedeceram. Tanya baixou a cabeça para não se expor ao desdém do rapaz. Ouviu o barulho de um isqueiro e sentiu o aroma do cigarro.

— Por que é, exatamente, que eu estou aqui? — perguntou Jake, soltando uma baforada que invadiu a sala. — A gente vai discutir como fica o divórcio, ou o quê? — Tanya sentia que essas palavras lhe cortavam a carne. — Porque, se for isso, quero que você saiba que não vou lhe dar um centavo de pensão e pretendo brigar o quanto for necessário para ter a tutela de meu filho.

O espírito vingativo de Jake fez com que Tanya se levantasse, apertando as mãos uma na outra nervosamente. Era uma demonstração de como ele a menosprezava!

— Tanya — a voz gentil de J.D. chegou até ela, segura e confortadora, prometendo-lhe todo o seu apoio. Ela olhou para o sogro como se ele fosse seu pai.

— Eu acho que não consigo — disse ela, enquanto as lágrimas lhe queimavam os olhos.

— Lágrimas! — zombou Jake, com todo seu semblante de cinismo. — Isso é comovente!

— É claro que consegue, Tanya — disse J.D. lançando um olhar de reprovação ao filho. — Isto se meu arrogante filho calar a boca e nos ouvir.

— Por que você insiste em se intrometer? — Jake quase explodiu. — Você nem sabe o que está acontecendo!

— Sei mais do que você! — retrucou o pai no mesmo tom de voz. — E se você calar a boca, vai ouvir poucas e boas também.

— Parem de se agredir! — Gritou Tanya, incapaz de suportar a briga entre pai e filho. — Não quero que vocês fiquem gritando um com o outro por minha causa!

— Você tem sido um entrave ao meu relacionamento com minha família desde que nos casamos. Por que deveria ser diferente agora? — O sarcasmo de Jake atingiu-a com a fúria de uma chicotada. Mas nem aguardou uma resposta e continuou indagando. — Agora conte a história que você quer contar. Eu já estou cansado desse suspense melodramático.

Tanya olhou desesperadamente para o homem atrás da escrivaninha, torcendo para que ele começasse logo a dar a dolorosa explicação. Mas o sogro apenas fez sinal para que ela fosse adiante.

— Eu não sei como começar — gaguejou ela.

— Diga de uma vez o que você tem a dizer, porque eu quero sumir daqui! — disse Jake, apagando violentamente o cigarro no cinzeiro no lado da poltrona.

— Você torna tudo muito mais difícil, Jake — respondeu Tanya, zangada.

— E quando é que você fez minha vida ficar mais fácil? — perguntou ele com frieza.

Houve um momento de silêncio, enquanto ela se lembrou de como o vinha tratando. Respirou fundo e procurou enxugar as lágrimas que molhavam o rosto. Afastou-se ainda mais dele e ficou cabisbaixa.

— Outro dia, quando falávamos — começou baixinho —, você disse que admirava minha honestidade. Eu não fui honesta com você, Jake, aliás eu o tenho feito acreditar em algo que não é verdade de maneira alguma.

Olhou para ele apreensiva, procurando uma reação ao que acabara de dizer. Ele a observava, esperando impacientemente que ela continuasse.

— É sobre John. — Mordeu os lábios para impedir que os soluços lhe escapassem do peito.

— O que houve com John? — perguntou ele.

Com o canto dos olhos, Tanya notou que ele estava sério e atento. Fez um esforço para olhá-lo de frente.

— Ele não é meu filho.

Mal essas palavras foram pronunciadas, Jake se levantou e correu para ela em desespero. Apertou-lhe os ombros com as mãos e fê-la erguer-se até apoiar-se na ponta dos pés e quase colar o rosto no dele. Submissa à força de Jake, ela compreendeu o direito que ele tinha de segurá-la com tanta violência.

— Que loucura é essa? O que você está dizendo? — Gritou ele, sacudindo-a. — Você está querendo que eu acredite que ele não é meu filho?

— Não — murmurou ela entre as lágrimas que lhe rolavam no rosto novamente. — Ele é seu filho. Eu nunca menti sobre isso.

— Então, do que é que você está falando?

— John não é meu filho. Eu não sou mãe dele — repetiu Tanya enfaticamente.

— Isso não faz sentido. — A testa dele se enrugou, num gesto de descrença. — Se você não é a mãe dele, então quem é?

Ela engoliu o nó que lhe apertava a garganta e baixou a cabeça. Ele estava tão perto dela, e mesmo assim tão longe.

— Minha irmã — murmurou, sofrendo mais ainda quando ele tornou a lhe apertar o braço.

— É mentira! — disse ele categórico. — Eu não posso acreditar numa palavra!

— É verdade. Juro — sussurrou ela, desesperada.

— Não! — gritou Jake, fazendo-a cambalear. Soltou-a abruptamente. — Eu não acredito.

— Ela está dizendo a verdade, filho — interveio J.D. com calma, e Jake voltou-se para ele.

— Como é que você sabe disso? Não vá me dizer que acredita nessa história maluca — zombou enraivecido.

O velho não respondeu imediatamente, apanhou um documento de cima da escrivaninha e mostrou-o a Jake.

— Eu acho que você ainda não viu isso — disse calmamente.

Tanya esperava, totalmente paralisada, enquanto Jake lia o papel. Ela imaginou que era a certidão de nascimento de John. O sogro, sem dúvida obtivera uma cópia, alguns anos antes. Jake voltou-se para ela.

— Deanna Carr é sua irmã? — perguntou. Ela confirmou com um movimento da cabeça.

— Por quê? — disse ele com rispidez. — Por que você me fez acreditar que era a mãe de John por tanto tempo?

— Porque você é o pai. Você o teria tirado de mim. Eu não tinha família, nem um lugar decente para morar, nem meios para me manter e para sustentar a criança. Eu não conseguiria que ele fosse reconhecido legalmente como meu filho, porque Jake Lassiter é o pai dele.

— Em primeiro lugar — disse Jake com uma calma enervante —, eu tive que conviver com a idéia de que você tinha dado à luz um filho ilegítimo. — A raiva o fez vibrar. — E agora você ainda me vem dizer que a mãe era uma mulher de quem eu nem me lembro!

Amassou a certidão com as mãos, A sala se encheu de um silêncio sufocante, que se fazia ouvir tão alto quanto o coração de Tanya. Na mesma hora o papel foi jogado num canto da sala.

— Você está pedindo demais — declarou. Cada músculo de seu corpo refletia a violência e a tensão do momento.

Tanya não pôde evitar um soluço. Ela não conseguiria enfrentá-lo nunca mais, depois do sofrimento que lhe causara.

— Sinto muito, Jake — disse baixinho, virando-se e saindo do escritório às pressas.

 

— Tanya!

A voz firme de Jake chamou por ela, mas ela não parou. Seus passos se tornaram mais rápidos quando ouviu o som dos dele no corredor, seguindo-a. Ela não podia parar, queria fugir, queria estar bem longe, mesmo quando a voz autoritária chamou insistentemente pelo seu nome de novo.

— Tanya, volte aqui!

Jake a desprezava por ter rejeitado o amor dele. Devia, agora, abominá-la duas vezes mais, por saber como ela o tinha usado nos últimos sete anos. E ela não conseguia achar uma única razão para culpá-lo.

Tal era a necessidade de alcançar a segurança de seu quarto, que Tanya quase foi de encontro à sogra, que saíra apressadamente para o corredor ao ouvir a voz estridente do filho ressoando pela casa. Tanya passou por ela rapidamente, observando com tristeza a expressão de choque no rosto de Júlia. A voz da sogra seguia-a em sua corrida.

— Jake, meu filho! O que está havendo aqui? Que aconteceu entre você e Tanya?

— Não agora, mãe — disse ele passando por ela impaciente, indo em direção ao quarto.

— Quero saber o que está havendo. Tenho direito de saber o que está acontecendo em minha casa! — respondeu Júlia, bastante irritada.

— Deixe-o — disse J.D., com voz calma.

— Mas eu quero saber...

J.D. ergueu a mão, para aquietá-la.

— Eu lhe contarei tudo. Onde está John?

— No jardim.

Tanya ouviu a última frase no momento em que abria a porta do quarto e a fechava rapidamente atrás de si, trancando-a sem perceber. Um instante depois ela ouviu os passos de Jake chegarem à porta e viu a maçaneta se mover.

— Abra a porta, Tanya!

Ela se encolheu de medo.

— Por favor, vá embora, Jake, vá embora!

— Abra a porta ou eu juro que a arrombo! Você tem que me escutar

Ela hesitou por alguns segundos, agarrou a maçaneta com a mão trêmula e destrancou a porta. O clique da chave ecoou alto no súbito silêncio. Quando a maçaneta se moveu em resposta ao som, ela se afastou depressa, os olhos marejados de lágrimas, enquanto lutava para reunir forças a fim de poder suportar a inquisição dele. Silenciosamente, decidiu não chorar nem tentar fazê-lo se apiedar dela, pois não o merecia; não após ter abusado da confiança dele daquela maneira.

Jake entrara no quarto. Mesmo de costas para ele, Tanya sentiu sua presença, antes de ouvir a porta se fechar. Respirando profundamente, ela olhou para o teto, piscou para esconder as lágrimas, e esperou que ele falasse.

— Olhe para mim, Tanya — ordenou Jake em tom áspero, contendo a raiva.

Muito vagarosamente ela virou, sem saber como a rigidez com que se reprimia lhe marcava os traços. E encarou a dureza impenetrável daqueles olhos azuis.

— Não podemos resolver isto amanhã, Jake? — perguntou, quase como uma súplica, entrelaçando as mãos trêmulas, a fim de que elas não a traíssem. — Você vai se atrasar para seu jantar, se continuarmos a conversar.

— No momento em que eu saísse, você arrumaria as malas e deixaria a casa — disse ele entre dentes, confirmando o que tinha sido apenas uma hipótese na cabeça dela; e Tanya meneou a cabeça, afirmativamente. — Acabaremos essa discussão agora — acrescentou ele.

— Não sei o que mais lhe dizer — sussurrou Tanya, elevando o queixo instintivamente. — Só posso lhe dizer que sinto muito tudo que aconteceu, e estou envergonhada por não lhe ter contado a verdade mais cedo.

— Aposto que sim — ironizou Jake, com desprezo. — Você conseguiu de alguma forma convencer meu pai da sinceridade de seus atos, mas ainda tem que me convencer.

— Convencê-lo de quê?

— Por que você se casou comigo.

— Eu me casei com você por causa do nascimento de John. Eu já lhe disse isso — respondeu ela com voz magoada. — A partir do momento em que cometi o erro de lhe dizer que ele era realmente seu filho e percebi que levaria tal coisa a ferro e fogo, descobri que não teria escolha. Eu o amava como se ele fosse meu próprio filho.

— E a idéia de ser a senhora Lassiter não a animava? — caçoou Jake. — Nem depois que você morasse numa casa bonita, livre de problemas financeiros, sendo membro da família Lassiter, usando roupas com as quais você nem sonhara antes? Nada disso pesou na sua decisão?

O orgulho fê-la irritar-se.

— Eu não fingi que ignorava serem os Lassiter uma família rica e muito respeitada na cidade, pois sabia disso — respondeu, ponderadamente. — Mas eu não posso obrigá-lo a acreditar que nada disso importava, a não ser para John. Ele é inocente e tinha o direito a isso tudo. Eu sabia plenamente que tinha.

— É engraçado como você acabou usando tudo para você mesma — sugeriu ele ironicamente.

— Se você quiser me rotular de leviana, eu não posso impedi-lo, Jake. — Forçou-se a olhar bem no fundo dos olhos dele. — Eu só posso lhe assegurar que a minha preocupação maior era o futuro de John.

Jake fitou-a por muito tempo, interrompendo-a apenas para sacudir a cabeça, impelido pelo dissabor que o dominava.

— Eu não sei por que ainda acredito em você, mas a verdade é que acredito depois de saber de toda a história — confessou ele nervosamente.

O nó na garganta impossibilitou-a de falar por alguns instantes.

— Obrigada — disse finalmente.

Passando a mão pelo cabelo, Jake foi até a janela, e olhou para o vazio lá de fora. As mãos escorregaram para dentro dos bolsos da calça.

— Eu a aceitava como sendo a verdadeira mãe de John. Eu acreditava nisso. Mas pensar que ela é alguém de quem eu nem me lembro... Jake não se conformava. — Quero saber mais sobre aquela noite, Tanya.

A seriedade da voz dele anestesiou-a.

— Ah! Jake — murmurou ela, resistindo.

— Ela... a sua irmã lhe disse que eu era o pai? — insistiu.

Tanya percebeu que ele queria saber cada detalhe da história.

— Disse.

— O que realmente aconteceu naquela noite? Conte tudo o que sabe, pois você participou desde o princípio dessa história — pediu ele, com firmeza, sem sair de frente da janela.

Ela acariciou as costas dele com o olhar e desejou sentir o contato daqueles cabelos macios. Gostaria de abraçá-lo e apagar a dor que ele sentia. Mas Jake pedira que ela o punisse mais. Ela não poderia negar

— Deanna e eu fomos ao baile juntas. Quando você me conheceu, ela estava com alguns amigos — começou ela, ainda um tanto hesitante. — Acho que ela não estava por perto, quando você me tirou para dançar. Você estava muito bonito e charmoso. Cada vez que me olhava parecia me tirar o fôlego. Eu nunca conhecera ninguém como você.

— Por que você fugiu de mim?

— Parece tolice agora — suspirou Tanya. — Você me beijou na pista de dança algumas vezes, mas a última delas, bem, foi diferente. Fiquei assustada com algo que crescia dentro de mim. Fiquei assustada com o que eu mesma sentia. Eu queria que você nunca parasse de me beijar. A atração que eu sentia me amedrontava, e eu fugi.

— Eu a procurei — disse Jake com uma estranha indiferença na voz. — Onde você estava?

— Fui para o carro. Nossos pais nos tinham deixado usar o carro deles, e eu corri para lá com a intenção de ir embora. Mas eu não podia sair porque Deanna não estava comigo. E eu comecei a me sentir como uma boba por ter complicado tanto um simples beijo. Então voltei... não imediatamente, porque eu ainda fiquei me torturando um pouco mais no estacionamento... — Respirou fundo ao recordar a sensação estranha daqueles momentos. — Quando voltei, vi um rapaz que conhecia perto da entrada. Perguntei por Deanna e ele me disse que ela estava no bar. Eu fui até lá e a vi do seu lado.

— Você tem certeza que ela estava comigo? — perguntou Jake com certa dúvida — Será que ela não poderia simplesmente estar em pé, ao meu lado?

— Não — respondeu Tanya, procurando desfazer o nó na garganta. — Dennis, o rapaz da entrada, me seguiu. E então ele disse: "Não é aquele cara que estava dando em cima de você agora há pouco?" Eu não me lembro se respondi. Daí ele disse: "É melhor avisar sua irmã. Esses Lassiter não perdem tempo. Se a menina não quer, eles logo arranjam outra”.

Jake voltou-se imediatamente para ela:

— E você acreditou nisso?

— Naquele instante acho que acreditei; depois, mais ainda.

— E é por isso que você me desprezava tanto — perguntou ele friamente. — Como eu não consegui o que queria com você, usei a sua irmã. Foi isso que você pensou, não? — Jake deixava transparecer no rosto o dissabor que sentia. — Como é que você teve certeza de que sua irmã estava comigo?

— Quando resolvi me aproximar de vocês, um rapaz veio tirar Deanna para dançar. Você a abraçou e disse que ele desse o fora. Ela era uma exclusividade Lassiter.

Jake bufou e rapidamente voltou o olhar pela janela para não demonstrar o seu ódio. Tanya preferiria parar, mas sabia que deveria continuar.

— Mais tarde eu falei com Deanna em particular. Tentei alertá-la a seu respeito, mas ela não me deu ouvidos. Disse que já era crescida o bastante para saber o que fazia e mandou-me embora. Eu fui. Eram umas cinco da manhã quando ela chegou em casa. Tudo o que me dizia era que você iria vê-la no fim de semana seguinte. Mas você não foi, nem telefonou, nem escreveu. Poucas semanas depois nossos pais morreram num acidente e, depois disso, ela me disse que estava grávida.

— Como é que eu não me lembro? — disse Jake irritado — Ela se parecia com você? Será que eu a confundi com você?

— Ela também era morena e um pouco mais baixa que eu, não sei se dava para confundir. — respondeu Tanya calmamente. — Você bebeu feito um louco enquanto estava comigo, e tinha um copo na mão quando o vi com Deanna.

O silêncio tomou conta do quarto e Tanya ouviu a própria respiração. Jake deu as costas para ela e puxou a cortina, apoiando a mão no vidro, e viu John brincando distraidamente com um cachorrinho de pelúcia, lá fora.

— Por quê? — começou Jake finalmente, sem tirar os olhos de John que agora rolava pelo gramado. — Você concordou com a idéia de fazer nosso casamento dar certo? Era só pelo bem de John, também?

— Não. No começo eu concordei porque você prometeu que estudaríamos outras alternativas, caso não funcionasse. Para mim isso significava um divórcio. Era o que eu queria.

— Por quê você não disse antes? — respondeu Jake. — Ou o gosto pela vingança era tão grande que você queria fazer eu me ajoelhar a seus pés?

Tanya recuou.

— Há sete anos eu diria que sim. Hoje, há uma semana, até mesmo há um mês, isso já não é verdade. Ultimamente eu acreditei que tínhamos a possibilidade de um bom casamento, que você me reservaria algum afeto, ou pelo menos que entenderia por que eu menti no início.

— Você subestima suas habilidades — riu Jake, deixando a janela e andando para onde ela estava. Tirou do bolso um cigarro e levou-o à boca.

Tanya fechou os olhos por alguns segundos.

— Quando você me disse as principais razões pelas quais me amava, eu queria entrar num buraco bem fundo e desaparecer, antes que você descobrisse como o enganava.

— Por que você se incomodou em me contar? Ou foi papai quem a forçou?

— Ele me disse que eu tinha que contar — reconheceu ela, baixando a cabeça.

— Você poderia ter-me deixado acreditar que John era seu filho. Por que não?

Inconscientemente ela olhou para a cama.

— Se eu não contasse e me tornasse sua verdadeira esposa... você faria algo mais além de me beijar. — Olhou para ele novamente e empalideceu. — Você acabaria descobrindo cedo ou tarde que eu... não tinha dado à luz seu filho.

Jake não conseguiu tirar os olhos dela, mas parecia não entender exatamente o que Tanya queria dizer. Aproximou-se dela um pouco e, levando as mãos aos ombros de Tanya, prendeu os olhos dela com os seus.

— Você quer dizer... Você não está me dizendo que... — e suspirou profundamente quando leu a resposta no rosto dela. Num movimento convulsivo ele a puxou contra si, encostando a cabeça nos cabelos dela. E ela se entregou, rogando que ele nunca a deixasse partir do seu convívio, que ele a segurasse assim para sempre. Tanya sentiu sua boca lhe acariciar os cabelos, enquanto ele repetia o nome dela ternamente.

— Eu queria que você me perdoasse — disse Tanya, enquanto o coração palpitava. — Eu te amo tanto, querido. Acredite em mim.

— Por quê? Por causa de John? Você ainda o quer?

— Eu amo John — reconheceu ela, compreendendo exatamente por que ele duvidava da sinceridade de seu amor. — Mas meu amor por você nada tem a ver com ele. Eu sei que você não vai me perdoar por tê-lo enganado. Mas eu te amo, Jake!

— Não, não — protestou ele imediatamente. — Sou eu quem precisa ser realmente perdoado, pelo que fiz com você e sua irmã.

— Eu não estou mais aborrecida com isso. — Ela envolveu a cintura de Jake, sem querer que ele fosse embora.

— Mas ele está aí, entre a gente. Não podemos fingir que não aconteceu.

Jake procurava controlar-se para não ser imprudente.

— Eu te amo, Tanya, ainda mais agora que sei o quanto você se sacrificou pelo meu filho.

— Não é maravilhoso, a gente se amar?

— Droga, será que você não entende? — Irritado ele tirou as mãos dela de sua cintura. — A sombra daquela noite me persegue. Eu não sei por que ainda espero que você acredite, mas eu nunca tive uma mulher que ainda fosse virgem. Já era péssimo pensar que eu a tivera em uma noite de muita bebedeira. A única coisa em que pensei a noite toda foi em você. Não me lembro de ter visto mais ninguém.

Seu tormento obrigou-o a tocá-la. Tanya sentiu a agonia dele como se fosse a sua própria. Todo o amor que a queimava por dentro brilhava em seus olhos. As mãos que a tocavam caíram, e ele retrocedeu um pouco, num gesto de quem estava confuso.

— Você tem uma fotografia dela? Talvez, se a visse, eu pudesse me lembrar.

— Na carteira. — A bolsa estava na penteadeira. Apanhou a carteira e procurou entre as fotografias, até deparar com a de Deanna. Entregou-a a Jake. Ele olhou bem e sacudiu a cabeça negativamente.

— Não me é totalmente estranha — disse ele, devolvendo-lhe a foto. — Ela tem seu sorriso.

Tanya começou a colocá-la de volta na bolsa quando Jake a tocou na cintura.

— Espere! — ordenou bruscamente. Olhou para a foto novamente depois para Tanya.

— Você a reconhece? — perguntou ansiosa.

— Pense bem — disse ele, olhando para Tanya bem de perto. — Ela disse que ficou comigo naquela noite? Quero dizer, eu especificamente, meu nome?

— Acho que sim — respondeu, um pouco confusa. — O que você está tentando dizer?

— Estou perguntando se foi com Jake Lassiter que ela disse que estivera, ou se você concluiu que era.

— Não me lembro. Eu estava magoada e ferida. Eu não queria falar em você.

— Ela não teria me chamado de Jamie?

— Jamie é seu irmão — disse Tanya. — Por que ela o chamaria assim?

— Porque meu irmão estava comigo naquela noite. Eu me lembro mais ou menos que não voltamos juntos para o hotel, mas eu pensei que estivesse com você.

— Mas eu o vi com Deanna!

— Havia mais alguém conosco?

— Não me lembro — confessou.

— Eu sei que ele conheceu uma garota lá, mas eu estava tão tonto, procurando por você, que nem consigo me lembrar se ela era alta, baixa, magra, gorda ou careca. Jamie apresentou-me a moça — concluiu Jake, hesitante, com a cabeça cheia de dúvidas.

— Para onde ia Jamie na noite em que morreu?

— Não sei. Acho que tinha um encontro perto de Springfield.

— Quando foi que ele morreu? Não a hora, mas o dia.

— No sábado.

O rosto de Jake começava a se aclarar.

— No fim de semana seguinte ao baile, quer dizer, aquele no qual eu deveria me encontrar com Deanna, segundo a sua história. Foi o Jamie! — Gritou ele, com veemência.

— Quando ela disse que estava grávida, a única coisa que perguntei foi se o pai era aquele Lassiter que ela conhecera no baile. É claro que ela confirmou, e nunca mais falamos em nomes. Quando John nasceu, Deanna estava tão mal, que eu mesma forneci os dados para a certidão de nascimento. O seu nome! E durante todos esses anos eu o culpei — disse Tanya horrorizada. — Ah, Jake, perdoe-me!

— Calma, vamos com calma, — interrompeu ele. — Não temos certeza se foi Jamie.

— Mas, querido, não podemos garantir o contrário. — Tanya sorriu. — Sabemos que John é um Lassiter, e sua mãe já mostrou fotografias suas e de Jamie quando bebês. A semelhança com Jamie é impressionante.

— O carro dele trombou a caminho de Sedália. Quisera acreditar que ele ia visitar Deanna. Talvez eles tenham se apaixonado. Gostaria de acreditar nisso — murmurou Jake, com um sorriso tristonho nos lábios. — Pelo menos para ficar com a consciência tranqüila.

— Não é tão difícil crer. Acho que foi naquela noite que me apaixonei por você, pelo menos por algum momento que guardo até hoje — reconheceu ela.

Jake tomou-a nos braços carinhosamente, aconchegando-a contra si.

— Se houvesse meios gostaria de saber de tudo há sete anos — queixou-se ele.

— Acho que jamais teremos certeza — suspirou Tanya, um pouco mais aliviada.

— Eu a amo, Tanya. Acho que eu a teria amado de qualquer jeito. — Um beijo alucinante tocou-lhe a boca enquanto as mãos percorriam o corpo de Tanya. — Poderíamos ter descoberto a verdade sobre Jamie e Deanna naquela época e não ter sofrido toda a amargura e hostilidade que enfrentamos.

— Mas também é verdade — disse ela, aconchegando-se nos braços do amado — que tudo isso fortaleceu nosso amor, porque ele nasceu e cresceu onde era impossível. Você não acha?

Jake respondeu com gestos, não com palavras.

 

 

                                                                  Janet Dailey

 

 

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