Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
UM AMOR PARA AMANDA
Bar Harbor — 8 de junho de 1913
Pela tarde, caminhei bastante pelas escarpas. O primeiro dia de volta a Las Torres, estava quente e espaçoso. O rumor do mar não tinha mudado desde que deixei de ouvi-lo dez longos meses atrás. Havia um barquinho de pesca navegando o mar verde e azul. Tudo seguia igual e, entretanto, produziu-se uma mudança vital.
Ele não estava.
Era um engano de minha parte esperar encontrá-lo ali onde o tinha deixado fazia já tantos meses. Encontrá-lo pintando ao ar livre, como era seu costume.
Era um engano de minha parte esperar vê-lo e que se voltasse de repente para mim, me olhando com aqueles olhos cinzas de olhar intenso. Sorrindo-me, pronunciando meu nome...
O coração dançava em meu peito enquanto saía com toda pressa de casa para correr pela grama, atravessar os jardins e descer a costa.
Ali estavam as escarpas, altas e orgulhosas. A meus pés, ao fundo, o mar batia nas rochas. Atrás, as torres de minha residência de verão, a casa de meu marido, elevavam-se arrogantes e formosas. Que estranho amar aquela casa quando tantas desgraças tinham acontecido ali dentro. Recordei-me de quem era: Bianca Calhoun, esposa do Fergus Calhoun, mãe de Colleen, do Ethan e de Sean. Sou uma mulher respeitada, uma esposa abnegada, uma mãe devota. Meu matrimônio não é feliz, mas isso não pode mudar os sagrados votos que contraí. Não há lugar em minha vida para românticas fantasias ou sonhos pecaminosos.
Mesmo assim, fiquei ali e esperei. Mas ele não veio. Christian, o amante que tomei sozinha em meu coração, não veio. Talvez nem sequer estava mais na ilha.
Possivelmente tinha empacotado suas telas e pincéis e partiu para pintar outro mar, outro céu.
Seria melhor assim. Sei que seria melhor. Desde que o conheci no verão passado, não deixei nem um só dia de pensar nele. Mas tenho um marido ao qual respeito, três filhos aos quais quero mais que a minha vida. É a eles a quem devo ser fiel, e não à lembrança de algo que nunca foi. Nem nunca poderá ser.
Contemplo o pôr-do-sol da janela de minha torre. Dentro de pouco tempo terei que descer e ajudar a Nanny a deitar os meninos. O pequeno Sean cresceu muito e já está começando a engatinhar. Logo engatinhará tão rápido como Ethan.
Colleen, a jovem daminha de quatro anos, que já quer um novo vestido. É neles em quem devo pensar, em meus filhos, meus preciosos tesouros, e não em Christian.
Esta será uma noite tranqüila, uma das poucas das quais poderei desfrutar durante nosso veraneio na ilha do Mount Desert. Fergus já falou em dar uma festa na semana que vem. Devo...
Está ali. Nas escarpas. Com esta luz e à distância que se encontra, não é mais que uma sombra. Mas sei que é ele. De pé, com a mão apoiada contra o vidro da janela, sabia que estava me olhando. Parece impossível, mas estou segura de que o ouvi pronunciar meu nome. Suavemente... Bianca.
Foi como se chocar contra uma sólida parede de carne e músculo. O impacto lhe cortou a respiração e os pacotes que levavam na mão caíram no chão. Estava com pressa, nem sequer se incomodou em olhá-lo.
Mordendo a língua, Amanda disse a si mesma que se aquele sujeito tivesse olhado por onde ia, ela não teria se chocado contra ele. Ajoelhada na calçada, na porta da boutique onde tinha estado fazendo compras, dedicou-se a recuperar seus numerosos e dispersos pacotes.
—Deixe-me lhe dar uma mão, querida.
Aquele acento do oeste a irritou sobremaneira. Tinha um milhão de coisas a fazer, e brigar na calçada com um turista não figurava em sua agenda.
—Eu mesma arrumo — murmuro, baixando a cabeça de modo que seu rosto ficou oculto pela cortina que formou seus cabelos. «Hoje tudo está tirando minha paciência», pensou enquanto recolhia caixas e bolsas. E aquela pequena irritação não seria a última de uma longa série.
—É muito para que uma pessoa sozinha leve.
—Não se preocupe, eu mesma levo, obrigado —recolheu uma caixa no exato momento em que aquele insistente tipo fazia o mesmo. E, como a tampa da caixa estava aberta, e a tira frouxa, o conteúdo da caixa caiu ao chão.
—Hei, que preciosidade —comentou o desconhecido com um tom de voz tão divertido como aprovador, quando tocou o que parecia ser uma camisola vermelha, de fina seda.
Amanda a tirou de suas mãos e o guardou em uma das bolsas.
— Importa-se?
— Não, claro que não...
Amanda jogou o cabelo para trás e o olhou pela primeira vez. Até agora a única coisa que tinha visto dele eram as botas e a calça de vaqueiro texano. Mas agora estava vendo muito mais. Inclusive ajoelhado frente a ela parecia enorme. Tudo nele era grande: os ombros, as mãos... Estava sorrindo em sua direção, com um sorriso que em outras circunstâncias, teria sido cativante. Tinha um rosto atraente, bronzeado, de feições duras, olhos verdes. E cabelos encaracolados, da cor loira avermelhada, que chegava até o pescoço da camisa de flanela, ele seria simplesmente irresistível... Se nesse momento não tivesse estado interpondo-se em seu caminho.
—Estou com pressa.
—Percebi —estendeu uma mão para recolher delicadamente uma mecha de cabelo detrás da orelha. —Parecia que ia apagar um fogo quando se chocou contra mim.
—Você que se colocou na minha frente... — começou a dizer Amanda, mas de repente se interrompeu, sacudindo a cabeça. Nem sequer tinha tempo de discutir.— Não importa — terminando de recolher os pacotes, levantou-se - Desculpe.
—Espere.
Ergueu-se enquanto ela o olhava impaciente, com o cenho franzido.
Com seu metro e oitenta de altura, estava acostumada a não ter que erguer a cabeça para olhar um homem. Mas com aquele se viu obrigada a fazê-lo.
—O que?
—Posso levá-la em meu carro para apagar esse fogo, se precisar.
—Não será necessário —lançou um olhar frio para ele.
Com um dedo, o desconhecido empurrou uma caixa, evitando que lhe voltasse a cair ao chão.
— Para mim parece que você precisa de ajuda.
—Sou perfeitamente capaz de chegar aonde quero ir, obrigado.
—Então possivelmente você pode me ajudar —gostava da franja que caía sobre o rosto dela, e o gesto impaciente que a todo momento a afastava dos olhos.— Acabo de chegar à cidade esta mesma manhã. Pensei que talvez poderia me dar alguma sugestão sobre... o que poderia fazer comigo mesmo.
Naquele instante, Amanda teria podido lhe oferecer numerosas idéias a respeito.
—Olhe, amigo, eu não sei quais são os costumes vigentes em Tuckson...
—Oklahoma City — a corrigiu ele.
—No Oklahoma. Mas, aqui, a polícia vê com maus olhos os homens que incomodam às mulheres na rua.
—Ah, sim?
—Pode estar certo disso.
—Pois então terei que andar com cuidado, já que tenho intenção de ficar por aqui algum tempo.
—Como queira. Agora, desculpe-me...
— Só uma coisa mais —lhe estendeu um par de meias negras, com rosas bordadas. —Acredito que esqueceu isso.
Amanda agarrou as meias e partiu enquanto as guardava no bolso.
— Foi um prazer conhecê-la! — gritou o desconhecido a suas costas, tornando a rir ao ver que acelerava até mais o passo.
Vinte minutos depois, Amanda tirava suas compras do assento traseiro de seu carro. Novamente carregada de bolsas e pacotes, fechou a porta com o pé. Quase tinha esquecido do irritante encontro que tinha sofrido. Tinha muitas coisas na cabeça. A suas costas a mansão se recortava contra o céu, pétrea, com suas artísticas torres e pináculos. Fora sua família, não havia nada no mundo que Amanda quisesse mais que As Torre.
Subiu os degraus, saltando um madeira quebrada, e conseguiu liberar uma mão para abrir a porta principal.
—Tia Cordy! — no instante em que entrou no vestíbulo, um cachorrinho, de cor negra, desceu as escadas correndo. Quando faltava pouco para chegar, rodou como uma bola peluda e aterrissou escancarado no reluzente chão de madeira de castanho. — Olá, Fred!
Saltando contente, Fred começou a correr em torno de Amanda, que seguia chamando a sua tia.
—Já vou, já vou... — alta e distinta Cordelia Calhoun McPike chegou correndo.
Sob o avental branco, usava uma blusa e uma calça amarela de linho—. Estava na cozinha. Esta noite vai provar uma nova receita de canelones à italiana.
—C. C. está em casa?
—Oh, não, querida — Cordy mexeu no cabelo, que tinha tingido de loiro claro no dia anterior. Como sempre tinha costume, olhou-se no espelho do vestíbulo para certificar-se de que o tom lhe assentava bem... No momento, —está lá abaixo, em sua oficina. Na verdade não tenho nem idéia do que está fazendo.
—Melhor assim. Suba comigo. Quero mostrar o que comprei.
—Parece que esvaziou todas as lojas da cidade. Deixe-me ajudá-la —Cordy agarrou duas bolsas antes que Amanda começasse a subir as escadas.
—Meu passeio foi genial.
—Mas você detesta ir às compras.
—Isto foi diferente. O ruím é que me entretive muito, e temia não poder chegar a tempo e esconder tudo antes que C.C. voltasse — correu para o quarto para deixar suas compras sobre a grande cama de dossel.— A depois aquele estúpido ficou no meio do caminho e todos os pacotes caíram no chão — tirou a jaqueta, dobrou-a e a colocou cuidadosamente no respaldo de uma cadeira. — O cumulo foi, aquele descarado tentar flertar comigo.
— Verdade? — sempre interessada em romances e aventuras, Cordy lhe perguntou:— Era atraente?
—Se você gostar de jeans de aspecto sujo, sim. Olhe, encontrei todos estes fantásticos enfeites para a festa que estamos preparando para antes das bodas—enquanto Fred tentava em vão subir na cama, Amanda começou a tirar da bolsa sininhos prateados, grinaldas brancas, globos... — Eu adoro esta sombrinha tão enfeitada. Possivelmente não é o estilo de C.C., mas pensei que poderíamos pendurá-la por aí... Tia Cordy —com um suspiro, sentou-se na cama—. Por favor, não chore outra vez.
—Não posso evitar —tirou um lenço bordado de um bolso de seu avental e enxugou as lágrimas—. É uma menina, apenas uma menina. A mais jovem de minhas quatro pequenas.
—Não há uma só mulher Calhoun que mereça o qualificativo de «pequena» — assinalou Amanda.
—Vocês continuam sendo minhas meninas. Sempre o foram desde que seus pais morreram. Cada vez que penso que ela vai se casar, e só faltam alguns dias, meus olhos enchem de lágrimas. Adoro Trenton, já sabe —pensando em seu futuro sobrinho, soou-se brandamente o nariz.— É um homem maravilhoso, e eu sabia desde o começo que faziam um belo casal, mas tudo foi tão rápido que...
—Não me diga isso. Não tive tempo de organizar nada. Não entendo como se pode marcar data de casamento com só três semanas. Fariam muito melhor se fugissem.
—Por favor, não diga isso —escandalizada, Cordy guardou seu lenço no bolso.— Eu ficaria muito furiosa se não me mantivessem a par do que acontecia. E se acredita que poderá me enganar quando chegar o seu momento está muito enganada.
—Passarão anos antes que chegue esse momento, se é que chegará.
Meticulosamente, Amanda ficou a ordenar os adornos do casamento.— Os homens se encontram em um lugar muito inferior da minha lista de prioridades.
—Você e suas listas —replicou Cordy, estalando a língua.—Deixe lhe dizer algo, Mandy: a única coisa que não pode planejar nesta vida é se apaixonar. Sua irmã não planejou, e olha-a agora. Seu momento pode chegar antes do que esperas. Olhe, esta mesma manhã estive lendo as xícaras de chá e...
—Oh, tia Cordy. As xícaras do chá outra vez não, por favor...
—Tenho lido coisas fascinantes nas xícaras de chá. Depois de nossa última sessão de espiritismo, pensava que havia se tornada menos cética...
—Bom, possivelmente ocorreu algo nessa sessão, mas...
—Possivelmente?
—De acordo, algo ocorreu —suspirando, Amanda se encolheu de ombros—. Sei que C.C. teve uma imagem...
—Uma visão.
—O que seja... Uma visão do colar de esmeraldas da bisavó Bianca —pensou, embora não chegou a dizê-lo, que tinha sido assutador a perfeição com que C.C. tinha o descrito, apesar de fazer décadas que ninguém via aquele colar—. E ninguém que tenha vivido nesta casa poderia negar que se pode perceber...
Alguma presença ou fenômeno estranho na torre da Bianca.
—Enfim!
Mas isso não quer dizer que eu vá começar a ler bolas de cristal!
—Sua mente é muito estreita, Mandy. Não sei a quem puxou. Talvez minha tia Colleen. Fred, não coma o bordado irlandês... —falou ao cachorrinho, que estava mordendo a colcha da cama de Amanda—. Em qualquer caso, estávamos falando das xícaras de chá. Bom, quando esta manhã os estava lendo, vi um homem.
Amanda levantou para esconder em seu armário as decorações que tinha comprado.
—Viu um homem em sua xícara de chá.
—Pois sim. Vi um homem, e tenho o forte pressentimento de que se encontra muito perto.
—Possivelmente seja o encanador. Está a dias dizendo que está a ponto de chegar por aqui.
—Não, não é o encanador. Este homem... está perto, mas não é da ilha — entreabriu as pálpebras, como sempre fazia quando tinha visões ou exercitava seus poderes mentais—. De fato, é de muito longe daqui. Vai tornar-se parte importante de nossas vidas. E, estou segura disso, exercerá uma influência transcendental sobre uma de vocês.
—Que leve Lilah —sugeriu Amanda, pensando em sua irmã maior—. Falando nela, onde está?
—Saiu com um rapaz do trabalho. Não sei se era Rod, ou Tod, ou Dominick.
—Maldita seja —Amanda recolheu sua jaqueta para pendurá-la cuidadosamente em um cabide do armário—. Nós tínhamos que revisar todos esses papéis no estoque. Temos que encontrar alguma pista que nos leve a esconderijo dessas esmeraldas.
—Encontraremos-as, querida —distraída, Cordy bisbilhotava o resto das compras—. Quando chegar o momento, a própria Bianca nos dirá isso. Acredito que muito em breve voltará a manifestar-se.
—Pois eu acredito que vamos necessitar de algo mais que uma fé cega e visões místicas. Bianca teve que as esconder em alguma parte —franzindo o cenho, Amanda voltou a sentar-se na cama.
Não se preocupava tanto com o dinheiro, embora dizessem que as esmeraldas da família Calhoun valiam uma verdadeira fortuna, como com a publicidade provocada pela compra de Las Torres por parte de Trent, o prometido de sua irmã. A partir daquele momento, a velha lenda tinha saído à luz pública. E os planos da própria Amanda de levar uma existência tranqüila e ordenada se viram definitivamente frustrados.
Certamente aquela antiga história tinha alcançado grande repercussão, refletiu Amanda, enquanto sua tia se desfazia em elogios com as lingeries que
Amanda havia comprado para sua irmã. A princípios da segunda década do século XX, quando a mansão de Bar Harbor se encontrava em seu apogeu, Fergus Calhoun tinha construído As Torres a modo de opulenta residência de veraneio.
Ali, nas escarpas da baía do Francês, era onde tinha veraneado com sua esposa Bianca e seus três filhos, e organizado incontáveis festas para os membros da alta sociedade a que pertenciam.
E ali também Bianca tinha conhecido um jovem artista. Apaixonaram-se. Ao que parecia, Bianca havia se sentido dividida entre seus sentimentos e seus deveres conjugais. Seu matrimônio, arrumado por seus pais, tinha sido um fracasso. Finalmente, seguindo os ditados de seu coração e decidida a abandonar seu marido, Bianca tinha preparado uma valiosa bagagem que incluía as esmeraldas que Fergus tinha lhe presenteado na ocasião do nascimento de seu primeiro e de seu segundo filho. O esconderijo do famoso colar era um mistério já que, segundo a lenda, a própria Bianca se jogou para o vazio do alto da torre, presa pela culpa e o desespero.
Agora, oitenta anos depois, o interesse por aquele colar se reavivou. Enquanto os últimos membros da dinastia Calhoun procuravam alguma pista entre montanhas de papéis antigos, os jornalistas e os caçadores de fortuna se transformavam em um aborrecimento constante. E Amanda se sentia muito mal.
A lenda, e os protagonistas da lenda pertenciam a sua família. Quanto antes fosse localizado aquele colar, melhor para todos. Uma vez que resolvesse o mistério, o interesse não demoraria em evaporar-se também.
—Quando Trent retorna? —perguntou a sua tia.
—Logo —suspirando, Cordy alisou a camisa vermelha de seda—. Logo que tenha terminado de arrumar suas coisas em Boston, se porá a caminho. Não suporta estar longe do C.C. Mal haverá tempo de começar com as reformas da ala oeste antes que se vão de lua de mel — seus olhos encheram-se novamente de lágrimas.
—Não comece outra vez, tia Cordy. Pensa no fabuloso trabalho anfitriã que vai desempenhar no banquete de bodas. Irá faze-lo muito bem. Então, no ano que vem poderá começar sua nova carreira como cozinheira no Refúgio de Las Torres, o hotel mais acolhedor e íntimo das cadeias St. James.
—Imagina? —Cordy levou uma mão ao peito, emocionada.
De repente bateram na porta. Fred, sobressaltado, começou a uivar.
—Fique aqui imaginando tia Cordy. Eu abro.
Desceu apressada a escada, seguida do Fred. Quando o cachorro voltou a tropeçar, Amanda o pegou nos braços, rindo, e abriu a porta.
—Você!
O tom de sua voz assustou ao pobre Fred. Mas não ao homem que tinha aparecido na soleira, sorridente.
—O mundo é muito pequeno.
—Seguiu-me.
—Oh, não. Embora não teria sido de todo mal faze-lo. Meu nome é O'Riley. Sloan O'Riley.
—Não me importa como você se chama, porque já pode dar meia volta e seguir seu caminho - e ia fechando a porta em seu nariz, mas ele a impediu estendendo uma mão.
—Não acredito que seja uma boa idéia, vim de muito longe para ver esta casa.
—Ah, sim? —Amanda cerrou as pálpebras—. Bem, pois deixe-me lhe dizer algo: esta propriedade é particular. Não me importa o que tenha lido nos jornais ou a vontade desesperada que tenha de procurar as esmeraldas. Esta não é a ilha do tesouro, e estou farta de conhecer pessoas como você, que se acreditam com direito de bater nesta porta e ficar espiando de noite no jardim da casa.
«É muito bonita», disse-se Sloan enquanto esperava ela terminar seu discurso malcriado. Era alta e magra. Mas não muito magra: com volumosas curvas nos lugares adequados. Dava a impressão de ter uma energia inesgotável. Gostava de seu queixo saliente, indício de tenacidade. Seus cabelos de cor castanhos se agitavam a cada movimento que fazia com a cabeça, com verdadeira fúria.
Tinha enormes olhos azuis. E aquela boca fresca, de aspecto tão saboroso...
—Já terminou? —perguntou-lhe quando Amanda se interrompeu para tomar fôlego.
—Não, e se não partir agora mesmo, vou jogar o cachorro contra você.
Com a deixa, Fred saltou de seus braços e emitiu um grunhido.
—Parece muito feroz —comentou Sloan, e se agachou para passar a mão no dorso do animal. Fred a farejou, e imediatamente começou a mover alegremente o rabo enquanto se deixava acariciar nas orelhas—. Viu, que ferocidade...
—Muito bem —disse Amanda, com as mãos nos quadris—. Pois então pegarei a escopeta.
Mas antes que pudesse procurar aquela arma imaginária, Cordy baixou as escadas.
—Quem é, Amanda?
—Um cadáver.
—Como? —aproximou-se da porta. No preciso instante em que viu Sloan, seu instinto coquete veio a tona e ela imediatamente tirou o avental—. Olá —esboçou um radiante sorriso enquanto estendia a mão—. Sou Cordelia McPike.
—É um verdadeiro prazer, senhora —Sloan levou sua mão aos lábios—.
Precisamente estava dizendo a sua irmã que...
—Oh, não —Cordy soltou uma gargalhada de puro deleite—. Amanda não é minha irmã. É minha sobrinha. A terceira filha de meu irmão mais velho... Que era bem mais velho que eu.
—Perdão.
—Tia Cordy, este tipinho me atirou no chão na porta da loja, e depois me seguiu até aqui. Só veio até aqui pelo colar.
—Mandy, por favor, não seja mal educada...
—Tem uma parte de razão, senhora McPike —pronunciou Sloan—. Sua sobrinha e eu tivemos um... Encontro na rua. Suponho que não consegui desviar a tempo de seu caminho. E também estou interessado em ver a casa, isso não posso negar.
—Entendo —dividida entre a esperança e dúvida, Cordy suspirou—. Lamento terrivelmente, mas temo que não vai ser possível lhe mostrar a casa. Estamos muito ocupadas com as bodas e...
Sloan se voltou para olhar para Amanda.
—Vai se casar?
—Eu não, minha irmã —respondeu, tensa—. Mas isso não é assunto seu
—Oh, não é minha intenção incomodá-las, assim seguirei meu caminho. Por favor, digam a Trent que O'Riley estive aqui, eu ficaria muito agradecido.
—O'Riley? —repetiu Cordy, juntando as mãos—. Meu Deus é você o senhor O'Riley? Por favor, entre. Oh me perdoe...
—Tia Cordy...
—É o senhor O'Riley, Amanda.
—Eu sei. Mas por que diabos deixou-o entrar?
—O senhor O'Riley —continuou Cordy—. O mesmo de que nos falou Trenton esta manhã, nos avisando que ele vinha. Não se lembra...? Claro que não se lembra, eu não lhe disse isso - levou as mãos a face—. Estou tão envergonhada por tê-lo feito esperar tanto na porta...
—Oh, não se preocupe —disse Sloan a Cordy—. É um engano compreensível.
—Tia Cordy —Amanda não se afastou da porta, ainda disposta a jogar a pontapés a aquele intruso para fora—. Quem é O'Riley e por que Trent disse que esperava que viesse?
—O senhor O'Riley é o arquiteto —explicou Cordy, radiante.
Entreabrindo as pálpebras, Amanda o olhou dos pés à cabeça: das pontas de suas empoeiradas botas até seu cabelo despenteado.
—É arquiteto?
—É nosso arquiteto. O senhor O'Riley vai fazer a reforma de todo o edifício: tanto da nova hospedagem como de nossas moradias. Trabalharemos juntas com ele.
—Me chame Sloan, por favor.
—Trabalharemos com o Sloan... — Cordy bateu graciosamente as pestanas—... Durante algum tempo.
—Fantástico —disse Amanda, batendo a porta.
Com os polegares enganchados nos bolsos de seu jeans, Sloan lhe lançou um lento sorriso.
—Isso é exatamente o que eu penso.
—Que grosseria por nossa parte, —exclamou Cordy—. Faze-lo esperar, na porta... Entre, por favor, e sente-se. O que gostaria de tomar? Chá, café?
—Uma cerveja em uma garrafa longneck —murmurou Amanda, irônica. Sloan se voltou para ela, sorridente.
—Isso mesmo. Acertou.
—Cerveja? —Cordy o fez entrar na salão—. Na cozinha tenho uma cerveja muito boa que uso para alguns pratos de fruto do mar. Amanda, por favor, queira entreter ao Sloan enquanto a trago?
—Claro. Por que não? —a contra gosto, Amanda lhe indicou uma cadeira, tomando assento frente à lareira—. Suponho que deveria me desculpar.
Sloan se agachou para acariciar Fred, que os tinha seguido.
—Por que?
—Não teria sido tão brusca se soubesse para que estava aqui.
—Será mesmo? —enquanto o cachorro se instalava no tapete entre eles, Sloan se recostou em sua cadeira e observou tranqüilamente sua pouco hospitalar anfitriã.
Depois de uns dez segundos de tenso silêncio, Amanda procurou dominar sua impaciência.
—Foi um equívoco bastante natural.
—Se você pensa assim. Acusou-me de querer desenterrar umas esmeraldas. A que se referia?
—Às esmeraldas das Calhoun —ao ver que se limitava a arquear uma
sobrancelha, sacudiu a cabeça. O colar de esmeraldas de minha bisavó. Saiu em todos os jornais.
—Não tive oportunidade de ler jornais durante algum tempo. Estava em
Budapeste —levou uma mão ao bolso e tirou um comprido e fino charuto—. Importa-se que eu fume?
—Adiante —levantou-se para pegar um cinzeiro—. Surpreende-me que Trent não lhe dissesse nada.
Sloan acendeu um fósforo e ficou alguns instantes para acender o charuto.
Logo deu uma profunda e prazerosa tragada e soltou lentamente uma baforada de fumaça.
—Trent me enviou uma mensagem falando sobre a casa e dos planos de reforma, e me pediu que se encarregasse dela.
—Aceitou um trabalho como este sem sequer ver primeiro a propriedade?
—Sim, pareceu-me o mais adequado —pensou que tinha belos olhos. Carregados de suspeita, mas belos—. Além disso, Trent não teria me pedido isso se não tivesse estado seguro de que eu aprovaria o projeto.
—Parece que conhece Trent muito bem.
—Estudamos juntos em Harvard.
— Harvard? —inquiriu surpreendida—. Esteve em Harvard?
Qualquer outro homem teria se sentido insultado. Sloan, ao contrário, mostrou-se divertido.
—Para seu assombro… sim —murmurou, vendo como ela ruborizava.
—Sinto muito, não queria... É que não me parecia...
—O tipo clássico de universitário de elite? —sugeriu-lhe antes de dar outra tragada em seu charuto—. Às vezes as aparências enganam. Esta casa, por exemplo.
—A casa?
—Vendo-a por fora fica difícil saber se foi uma fortaleza, um castelo ou o delírio de um arquiteto. Mas quando a contempla atentamente, nota-se que é tudo isso de uma vez. Uma obra intemporal, sóbria e poderosa, e ao mesmo tempo cheia de encanto e fantasia —lhe disse sorrindo. Há pessoas que pensam que uma casa reflete a personalidade das pessoas que vivem em seu interior.
Levantou-se quando Cordy voltou empurrando um carrinho com uma bandeja.
—Oh, sente-se, por favor. É um prazer ter um homem em casa, não é verdade, Mandy?
—É.
—Espero que você goste da cerveja.
—Com certeza que sim.
—Prove esses canapés. Mandy trouxe para nós —deleitada com aquela oportunidade para socializar, sorriu para Sloan por cima da borda de sua taça— Amanda já lhe falou sobre a casa?
—Estávamos começando a abordar o tema —Sloan bebeu um grande gole de cerveja—. Na mensagem que me enviou, Trent me dizia que tinha pertencido a sua família desde princípios de século.
—Oh, sim. Com os filhos da Suzanna, minha sobrinha mais velha, já é a quinta geração que viveu em Las Torres. Fergus —mostrou o retrato do homem de gesto sério que estava pendurado acima da lareira—, meu avô, construiu As Torres em 1904, como uma residência do verão. Sua esposa Bianca e ele tiveram três filhos antes que ela se suicidasse jogando-se da janela da torre —como sempre, a idéia da morte por amor lhe arrancava um nostálgico suspiro—. Não acredito que meu avô ficou muito contente depois daquilo. No final de sua vida enlouqueceu, e o ingressamos em um hospital psiquiátrico muito bom.
—Tia Cordy, estou segura de que Sloan não está interessado na história da família.
—Oh, interessado não —exclamou, aproximando seu charuto ao cinzeiro —. Fascinado, mas bem, senhora McPike...
—Por favor, me chame Cordy. Todo mundo o faz —afastou o cabelo—. A casa passou para meu pai, Ethan. Era seu segundo filho, mas o primeiro varão. O avô estava obcecado perpetuando a estirpe dos Calhoun. A irmã maior de Ethan, Colleen, zangou-se muito. Até esta data não nos tornou a dirigir a palavra.
—Algo pelo qual lhe estaremos eternamente agradecidos —assinalou Amanda.
—Bom, sim. É um pouquinho... Avassaladora. Logo ali esta o tio Sean, irmão mais novo de meu pai. Teve um montão de problemas com uma mulher, meteu-se a marinheiro e emigrou às Índias Ocidentais antes que eu nascesse. Depois de seu matrimônio, sua esposa e ele decidiram viver um ano por aqui. Adoravam esta casa. Judson tinha planos maravilhosos para arrumá-la, mas tragicamente Deliah e ele morreram antes de que pudessem começar. Logo eu vim para cuidar de Amanda e de suas três irmãs. Quer outro canapé?
—Obrigado. Posso perguntar por que decidiram transformar parte da casa em um hotel?
—Foi idéia do Trent. Estamos tão animadas, não é, Amanda?
—Sim, tia.
—Mas, para ser sincera —tomou delicadamente um gole de vinho—, estamos passando certos apuros econômicos. Acredita no destino, Sloan?
—Sou de origem irlandesa e cherokee. Não tenho outro remédio.
—Bom, então o compreenderá perfeitamente. Estava escrito que o pai de Trent descobrisse As Torres quando estava navegando em seu iate pela Baía do Francês, e que imediatamente se apaixonasse pela mansão. Quando a cadeia St. James se ofereceu para comprar a casa e a convertê-la em um hotel de temporada, não soubemos o que fazer. Depois de tudo era nosso lar, o único que tinham conhecido minhas meninas, mas sua manutenção era muito cara.
—Entendo.
—Em qualquer caso, não há mal que não venha para o bem. Tudo foi tão romântico e excitante... Estávamos a ponto de vender, quando Trent se apaixonou pela C.C. É obvio, ele sabia quanto esta casa significava para ela, e concebeu o fantástico plano de converter somente a ala oeste em uma série de suítes de hotel. Dessa maneira poderemos manter a casa e superar as dificuldades financeiras para mantê-la.
—E, finalmente, todos estão contentes —assentiu Sloan.
—Exatamente —Cordy se inclinou para ele, com um gesto de cumplicidade—. Imagino que, seus antecedentes liam cartas, e também acreditavam nos espíritos.
—Tia Cordy...
—Mandy, por favor. Você sempre tão cética. É incrível —disse ao Sloan—. Todo este sangue celta correndo por suas veias e não tem nem um grama de espiritualismo no corpo.
Amanda a apontou com sua taça.
—Esta parte deixo para você e Lilah.
—Lilah é minha outra sobrinha —informou Cordy a Sloan—. É muito fantasiosa. Mas agora estamos falando do sobrenatural. Tem alguma opinião formada a respeito?
Sloan deixou seu copo de lado.
—Não acredito que se possa ter uma casa como esta sem conviver com alguns fantasmas.
—Ótimo —Cordy juntou as mãos, entusiasmada—. Logo que te vi soube que seríamos almas gêmeas. Bianca ainda esta aqui. Em nossa última sessão de espiritismo a senti com tanta intensidade... —ignorou o grunhido de desgosto de Amanda—. C.C. também participou, ela não é tão cética como Amanda. Bianca quer que encontremos o colar.
—As esmeraldas dos Calhoun? —inquiriu Sloan.
—Sim. Estivemos procurando alguma pista, mas é difícil, depois de oitenta anos. E a publicidade foi um aborrecimento.
—Para utilizar um eufemismo —apontou Amanda, franzindo o cenho.
—Talvez apareça durante as obras de reforma —sugeriu Sloan.
—Quem dera —Cordy levou um dedo aos lábios, pensativa—. Acredito que não se importe se eu organizar outra sessão de espiritismo. Estou seguro de que tem uma sensibilidade especial.
Amanda se engasgou com o vinho.
—Tia Cordy, Sloan veio aqui para trabalhar, não para caçar fantasmas.
—OH, sempre gosto de mesclar os negócios com o prazer —levantou seu copo para Amanda, a modo de brinde—. De fato, é um costume que tenho.
Um novo pensamento assaltou a mente de Cordy.
—Você não é da ilha, Sloan.
—Não. Sou do Oklahoma.
—De verdade? Isso é muito longe daqui —olhou a sua sobrinha, satisfeita—. Como arquiteto encarregado de realizar as reformas vais ser muito importante para todas nós...
—Eu gostaria de pensar que sim —disse, desconcertado com o jeito que Cordy olhava para a sobrinha.
—As xícaras de chá —murmurou entre dentes Cordy, e se levantou—. Bom, tenho que seguir preparando o jantar. Espero que nos faça companhia no jantar.
Sloan tinha planejado dar uma rápida olhada na casa e depois voltar para hotel para dormir dez horas seguidas. Mas a expressão de desgosto que viu nos olhos de Amanda lhe fez mudar de idéia. Uma tarde com ela poderia ser a melhor maneira de repor o cansaço da viagem.
—Seria um prazer.
—Maravilhoso. Mandy, por que não mostra a Sloan a ala oeste enquanto eu termino de preparar o jantar?
—Xícaras de chá? —perguntou-Sloan a Amanda uma vez que Cordy abandonou o salão.
—Será melhor que não fale nada —resignada, levantou-se—. Bom, começamos com o percurso?
—Seria uma boa idéia —a seguiu ao—vestíbulo, e subiram pela escada de caracol—. Como você gosta que a chamem? Amanda ou Mandy?
—Responderei a qualquer dos dois nomes —encolheu os ombros.
—Bom, eu acredito que são bastante distintos, evocam diferentes imagens.
Amanda evoca uma imagem de frieza e formalidade. Mandy... É mais suave mais tenro — ela cheirava maravilhosamente bem. Como a brisa fresca em um dia de verão.
Já no alto das escadas, voltou-se para olhá-lo.
—Que tipo de imagem evoca Sloan?
Ficou um degrau abaixo dela, para que seus olhos ficassem na mesma altura.
—Diga-me você.
Amanda pensou que aquele homem tinha o sorriso mais presunçoso que já tinha visto em toda sua vida. Sempre que o usava com ela, experimentava um tremor que não podia ser mais que de desgosto.
—Dodge City? Inquiriu com tom suave—. Na costa leste não se vê muitos vaqueiros —se voltou, e já tinha dado um passo para corredor quando ele a segurou o braço.
—Sempre tem tanta pressa?
—Eu não gosto de perder o tempo.
Não a soltou enquanto continuaram caminhando.
—Tomarei nota.
«Meu deus, este lugar é fabuloso», pensou Sloan ao contemplar o trabalho artesanal do teto, todo esculpido, as paredes forradas de madeira de mogno.
Deteve-se diante uma vidraça em forma de arco, para acariciar o cristal esmerilhado, e colorido. Tinha que ser original, igual ao chão de madeira de mogno e o revestimento das paredes. Certamente havia trincas nas paredes, algumas delas muito grandes. Aqui e ali o teto apresentava buracos, e faltavam alguns pedaços de moldura. Constituiria um desafio devolver a casa sua antiga glória. Um desafio e um verdadeiro prazer.
—Faz anos que ninguém usa esta parte da casa —Amanda abriu uma porta de madeira de carvalho, lavrada, e tirou uma teia de aranha—. Por isso não a esquentamos durante o inverno.
Sloan entrou. O chão rangeu fúnebre sob suas botas. Faltavam dois dos pequenos cristais das portas do terraço, que tinham sido substituídos com compensado. Os ratos fizeram a festa com o rodapé. No teto se podia ver um deteriorado afresco que representava anjos e cupidos.
—Esta era a ala dos convidados —lhe explicou Amanda—. Fergus a reservava para as pessoas a que queria impressionar. Supostamente aqui estiveram vários membros da família Rockefeller. Tem seu próprio banheiro e seu closet — empurrou uma porta quebrada.
Ignorando-a, Sloan se aproximou da lareira de mármore negro. A parede, coberta papel de parede de seda, estava escurecida pela fumaça. O canto estilhaçado do suporte lhe partiu o coração.
—Como puderam...?
—Perdão?
—Como puderam deixar que se deteriorasse tanto um lugar como este? —o olhar que nessa ocasião lhe lançou não foi nem sedutor nem divertido. Foi de autêntica ira—. Uma lareira como esta é única no mundo.
Ruborizada, contemplou o suporte de mármore.
—Bom, eu não o quebrei...
—E olhe estas paredes. O trabalho do revestimento é uma jóia, uma arte tão pura como uma obra do Rembrandt. Um Rembrandt sim, vocês cuidariam, não é?
—É obvio, mas...
—Ao menos teve o bom senso de não pintar a moldura —passou diante dela e entrou no banheiro anexo. E começou a praguejar.—. E estes ladrilhos, pelo amor de Deus. Olhe estas trincas.
—Não entendo o que...
—Claro que não o entende —voltou-se para ela—. Não tem nem a mais remota idéia do que há aqui. Esta casa é um monumento à arte do princípio do século XX, e deixou que se deteriorasse pouco a pouco. Vê isto? São autênticos lampiões de gás.
—Sei perfeitamente o que são —disse Amanda—. Esta casa pode ser um
monumento para você, mas para mim é meu lar. Fizemos todo o possível para conservar os telhados. Se o revestimento está quebrado é porque tivemos que nos concentrar em manter funcionando o aquecimento. E se não nos preocupamos em reparar os ladrilhos de uma ala que ninguém usa, é porque tivemos que arrumar o encanamento de outra. Você foi contratado para reformar, não para filosofar.
—Pois, farei as duas coisas pelo mesmo preço —estendeu uma mão para a Amanda. Assustada, retrocedeu um passo.
—O que está fazendo?
—Calma, querida. Tem uma teia de aranha no seu cabelo.
—Eu tiro isso sozinha —disse, enrijecendo quando sentiu seus dedos no cabelo—. E não me chame de «querida».
—Acalme-se. Por que não continua me mostrando o resto da casa?
—Não sei para que. Não está anotando nada do que vê. Sloan baixou o olhar até seus lábios, deteve-a ali por um instante e voltou logo para olhá-la nos olhos.
—Eu gosto de dar uma primeira olhada antes de começar a me preocupar... com os detalhes. Bem, sigamos com o percurso.
Amanda continuou lhe mostrando a ala oeste, fazendo todo o possível para manter distância. Mas Sloan tinha tendência a aproximar-se muito, interpondo-se sempre quando ia sair de uma ala, encurralando-a contra uma esquina, voltando-se de repente para ela.
Estavam na torre oeste quando, pela terceira vez, Amanda tropeçou nele.
—Eu gostaria que deixasse de fazer isso.
—Fazer o que?
—Estar sempre no meio. Em meu caminho.
—É você a que sempre tem muita pressa. Parece que, em vez de apreciar o lugar onde está, sempre quer ir a outra parte.
—Mais filosofia—resmungou Amanda, aproximando-se da janela em forma de arco que dava para os jardins.
Via-se obrigada a admitir que aquele homem a incomodava, afetava-a a um nível básico, profundo. Possivelmente foi seu porte: aquelas costas largas e aquelas mãos imensas, gigantescas. Ou aquela estatura desproporcional. Estava acostumada a relacionar-se de igual a igual com os homens.
Ou talvez fora sua voz rouca, lenta, preguiçosa, tão presunçosa e quanto o sorriso. Ou a maneira que tinha de olhá-la, destemido, insistente, com um certo brilho de diversão. Fosse o que fosse, teria que aprender a suportá-lo e superá-lo.
—Esta é a última parada —disse—. A idéia de Trent é converter esta torre em um restaurante, de ambiente mais íntimo que o do piso baixo. Aqui deveriam caber amplamente cinco mesas, com vistas aos jardins e à baía.
Voltou-se enquanto falava, e um raio de sol do entardecer entrou pela janela criando um maravilhoso halo em torno de seu cabelo. A luz parecia filtrar-se por aquelas mechas de cor castanha clara, salpicando os de ouro. Admirado por aquele efeito, com a mente em branco, Sloan ficou olhando-a de cima em baixo.
—Algum problema?
—Não — ele disse se aproximando.
Já não havia diversão alguma em seus olhos, a não ser algo muito mais perigoso.
Retrocedeu um passo. E outro mais.
—Se não tem nenhuma pergunta mais a fazer sobre a torre, ou sobre o resto da ala, acredito que poderíamos... —interrompeu-se, sem fôlego, quando de repente Sloan lhe rodeou a cintura com um braço, atraindo-a para si—. Que diabos pensa que está fazendo?
—Evitando que repita o mesmo salto que fez sua bisavó —mostrou a janela que tinha a suas costas—. Se tivesse seguido retrocedendo, poderia ter atravessado esse cristal. Essas vidraças não parecem muito resistentes.
—Vamos —pronunciou, com o coração acelerado.
Mas ele não a soltou, mas sim aproximou o rosto a seu cabelo, aspirando seu perfume.
—Deveria haver me agradecido por isso, Amanda. Provavelmente salvei sua vida.
Amanda sentia o coração batendo rápido, mas por nada no mundo se deixaria intimidar por aquele vaqueiro.
—Se não me soltar agora mesmo, temo que alguém terá que salvar a sua. Sloan se pôs-se a rir, encantado com sua saída, e tentado levantá-la nos braços. Mas no momento, quase sem dar-se conta, viu-se impulsionado para trás e aterrissou com o traseiro no chão. Com um sorriso de imensa satisfação, Amanda inclinou a cabeça.
—Com isto conclui nosso percurso desta tarde. E agora, se me desculpar... — deu meia volta e se dispôs a sair.
Mas Sloan, de onde estava, agarrou-a por um tornozelo. Amanda teve tempo de soltar um grito antes de aterrissar também no chão, a seu lado.
—Oh...! Bruto! —gritou-lhe, zangada, e tirou o cabelo dos olhos.
—O que é bom para o ganso é bom para a gansa —lhe tocou o queixo com um dedo—. Mais filosofia. Move-se muito rápido, Amanda, mas tem que recordar não perder nunca de vista seu objetivo.
—Se fosse um homem...
—Não seria tão divertido —rindo, deu-lhe um rápido beijo, e se dedicou a desfrutar de sua sobressaltada reação—. Nunca mais repita isso...
Amanda teria terminado por empurrá-lo. Estava absolutamente segura disso. A pesar do arrepio que lhe percorria as costas. Apesar do melaço derretido, em vez de sangue, que parecia correr por suas veias. O teria empurrado, e inclusive tinha levantado uma mão com essa intenção… quando passos ressonaram nos degraus de ferro que levavam a torre.
Sloan ergueu o olhar para ver uma mulher alta, de generosas curvas, na soleira. Usava um jeans com um rasgo no joelho, e uma camiseta branca atada à cintura. Tinha o cabelo curto e liso, com uma graciosa franja. Seus olhos expressaram primeiro surpresa, e logo uma genuína diversão.
—Olá —olhou a Amanda, sorrindo ao reparar no rosto ruborizado e no cabelo despenteado de sua irmã. O único lugar no que não esperava ver sua fria e sempre formal Amanda Calhoun era no chão, e além do mais com um desconhecido. Um desconhecido muito atraente—. O que está acontecendo aqui?
—Oh, Estávamos verificando o estado do solo —mentiu Sloan. Levantou- se e ajudou Amanda a levantar-se, ela se afastou rapidamente para sacudir o pó das calças.
—Esta é minha irmã, C.C.
—E você deve ser Sloan —entrou na sala, lhe dando a mão—. Trent me falou de você —com um brilho em seus olhos verdes, olhou rapidamente para sua irmã—. Pois, suponho que não exagerou em nada.
Sloan disse que C.C. não encaixava absolutamente em nada com o tipo de mulher que esperava que se relacionasse seu velho amigo. E, como Trent era um grande amigo dele, não podia alegrar-se mais.
—Agora entendo por que Trent se encontra tão apaixonado.
—Como pode ver, Sloan tem um senso de humor muito particular —assinalou Amanda, irônica.
Soltando uma gargalhada, C.C, passou-lhe um braço pelos ombros de sua irmã.
—Já me disseram isso. Fico feliz em conhece-lo, Sloan. Sinceramente. Quando fui a Boston com o Trent há uma semana, todo mundo que encontrei era tão...
—Fria? — sugeriu, sorrindo.
—Isso mesmo —afirmou, um pouco sobressaltada—. Suponho que para alguns é difícil aceitar que Trent vá se casar com uma mecânica pouco aficionada à ópera.
—Pelo meu parecer Trent saiu ganhando e muito.
—Logo veremos. Tia Cordy me disse que vai ficar para o jantar. Esperava que, durante sua estadia, se instalasse em um dos quartos para convidados da casa.
Sloan não podia vê-la, mas teria apostado que Amanda estava mordendo a língua. A idéia de alterá-la até esse ponto o incitava a trocar de planos. —Obrigado, mas já estou hospedado em um hotel.
—Bom, como queira. Mas saiba que pode vir às Torres quando quiser.
—Vou descer para ver se tia Cordy necessita de alguma ajuda —Amanda se despediu de Sloan com uma fria inclinação de cabeça—. Deixo-o nas mãos de C.C. Sloan lhe piscou um olho.
—Obrigado pelo passeio, querida.
Quase pôde ouvir o ranger dos dentes quando se retirava.
—Sua irmã tem um temperamento difícil.
—Sim —concordou C.C. com um sorriso, e acrescentou a modo de advertência— : Trent me disse que foi um grande mulherengo.
—Ainda continua zangado porque tirei-lhe uma mulher bem deibaixo de seu nariz quando ainda éramos jovens amalucados —a tomou pela mão e saíram do quarto—. É mesmo verdade que está apaixonada por ele?
—Agora entendo por que Trent disse para prender as minhas irmãs sob chave.
—Só se parecerem com você, espero que saibam cuidar de si mesmas.
—Oh, sabem sim. As mulheres Calhoun são talhadas de madeira especial —se deteve no alto da escada de caracol—. Será melhor que o avise. A tia Cordy disse que o viu nas xícaras de chá esta manhã.
—Nas... Ah.
—Sim —encolheu de ombros—. É um hobby. O caso é que pode começar a manipulá-lo a qualquer momento, ainda mais se colocar na cabeça que o destino o ligou a uma das minhas irmãs. Tem um bom coração, mas...
—Bom, os homens O'Riley também sabem cuidar de si mesmos.
—Muito bem —deu uns tapinhas no ombro—. Sorte sua.
—Me diga uma coisa, C.C. vou ter que afugentar algum homem... Com o qual Amanda esteja se relacionando?
C.C. deteve-se, olhando-o fixamente.
—Não —respondeu—. Ela sozinha se encarrega de afugentá-los.
—Que bom — sorriu enquanto a seguia descendo as escadas. Quando chegaram ao segundo piso, ouviu um eco de gritaria infantil misturada com os latidos do Fred.
—São os filhos de minha irmã Suzanne —explicou C.C. antes que ele pudesse lhe perguntar—. Alex e Jenny são as típicas crianças tranqüilas e nada escandalosas —acrescentou, irônica.
—Percebo.
Uma espécie de míssil de cabelo loiro subia a toda velocidade pelas escadas.
Sloan teve o reflexo de interceptá-lo e se encontrou olhando um curioso e simpático rosto, de enormes olhos azuis.
—Você é alto! —exclamou Jenny.
—É você que é baixa.
—Quer brincar de cavalinho?
—Monta.
Sloan a carregou nas costas e prosseguiu descendo. Ao pé da escada, Amanda segurava pela orelha à outra criatura, um menino pequeno e moreno.
—Onde está Suzanna? —perguntou-lhe C.C. a sua irmã.
—Na cozinha. Deixou-me encarregada de vigiar a esses dois —olhou para Jenny—. E essa pequenina acabou de escapar.
—Quem é esse? —quis saber Alex.
—Sloan O'Riley —Sloan estendeu a mão. O menino vacilou por um instante antes de estreitar-lhe
—Fala engraçado. É do Texas?
—Oklahoma.
—Hei, isso é legal. Alguma vez matou alguém com uma arma?
—Ultimamente não.
—Já é suficiente, que menino mais curioso! —exclamou C.C.—. Vamos lavar as mãos para jantar —e desceu Jenny das costas de Sloan.
—Parecem bons meninos —comentou Sloan quando C. C. os levava escada abaixo.
—Os são —Amanda lhe lançou um genuíno sorriso. O fato de havê-lo visto levando Jenny a cavalinho parecia havê-la enternecido—. Passam a maior parte do dia no colégio, assim não acredito que lhe incomodem muito em seu trabalho.
—Oh, asseguro que não me incomodarão. Eu gosto de crianças. Em casa tenho um sobrinho que é um verdadeiro diabinho.
—Temo que estes ainda podem ser piores. Sabe? —sorriu de novo—. É bom que vejam de vez em quando a um homem em casa.
—E o marido de sua irmã?
Amanda deixou de sorrir.
—Estão divorciados. Chama-se Baxter Dumont.
—Ouvi falar dele —respondeu, adotando de repente um tom frio, distante.
—Bom, mas isso já é outra história. O jantar está quase pronto. Vou te mostrar o banheiro para que possa lavar as mãos.
—Obrigado —distraído, Sloan a seguiu. Estava pensando que havia alguns episódios da história que tinham o mau costume de coincidir no tempo. E de ocultar uns com outros.
Amanda se afundou de repente na água fria da piscina. E começou a nadar seus habituais cinqüenta metros. Não havia nada que gostasse mais que começar o dia com um vigoroso exercício físico. Um exercício que descarregasse a tensão acumulada e a pusesse em ponto para confrontar uma nova jornada de trabalho.
Não a desgostava trabalhar de ajudante executiva no hotel BayWatch. Sobre tudo desde que gozava do privilégio de utilizar a piscina do hotel antes que se enchesse de clientes. Maio esta no fim e cada vez fazia mais calor. É obvio, aquilo não era nada comparado com as temperaturas de meios do verão, mas a maior parte dos quartos estava já ocupada, o que significava que Amanda estava cheia de trabalho.
Enquanto nadava, pensou que ao cabo de um ano seria a diretora do Refúgio de Las Torres. Um hotel da cadeia do St. James. Era seu objetivo desde que aceitou seu primeiro trabalho a tempo parcial como recepcionista de hotel, com só dezesseis anos, estava já ao alcance de sua mão.
Não podia negar que, de vez em quando, incomodava-a pensar que esse trabalho somente seria dela porque Trent ia casar-se com sua irmã. Mas esse pensamento sempre acabava por fortalecer sua vontade de demonstrar a todo mundo que o merecia. Que era a pessoa mais capacitada para esse posto. Ao cabo de um ano chegaria a dirigir um hotel de elite, pertencente a uma das 'cadeias mais importantes do país. E não simplesmente um hotel, recordou-se, As Torres.
Parte de sua própria herança, de sua própria história, de sua própria família.
As dez luxuosas suítes que Trent pretendia criar na ala oeste estariam sob sua direta responsabilidade. E se suas previsões eram certas, a aura legendária que rodeava As Torres manteria essas suítes cheias durante todo o ano. Faria um trabalho estupendo, excepcional; estava segura disso. Cada cliente das Torres voltaria para sua casa com a lembrança de um excelente e impecável serviço. Não teria que depender de um exigente e suscetível superior, nem se frustrar ao ver que ela fazia o trabalho e outros levavam os benefícios, ou o mérito. Ao final, o êxito ou o fracasso seria somente dela. Mas teria que esperar a reforma do edifício.
E o curso desses pensamentos a levava indevidamente a Sloan O’Riley.
Certamente esperava que Trent soubesse o que estava fazendo ao contrata-lo. O que mais a desconcertava era como um homem tão refinado e sofisticado como Trenton St. James III tinha podido fazer amizade com um tipo como O'Riley.
Amanda continuou nadando com energia. Não se arrependia nem por um momento da grosseria com a que o tinha tratado. Aquele tipo se comportou com tanta arrogância e insolência desde o momento em que o conheceu... E, além disso, atreveu-se a beijá-la. Ela não o tinha animado absolutamente a fazê-lo.
Mas ele tinha esboçado um estúpido sorriso e a tinha beijado. Não tinha gostado desse beijo, é obvio. Se C.C. não tivesse entrado naquele preciso instante, lhe teria dado um castigo a O'Riley. O problema era que não tinha podido fazê-lo. Não era possível que se sentisse atraída por um tipo duro, habituado ao viver à vida ao ar livre, de grandes mãos calosas e velhas botas cheias de pó. Não era tão estúpida para deixar-se atrair por um par de olhos verdes, sempre com aquele brilho de diversão. Sua imagem de homem ideal incluía um certo refinamento, maneiras finas, cultura e uma certa aura de êxito. Quando estivesse interessada em ter uma relação, esses seriam seus requisitos. E não vaqueiros arrogantes.
Possivelmente tinha visto algo tenro naquele homem quando ele falou com as crianças, mas isso não bastava para compensar seus outros defeitos. Recordava muito bem seu flerte com Cordy durante o jantar. Tinha conseguido divertir C.C. com piadas de seu tempo de estudante com Trent na universidade, e tinha respondido de bom humor às perguntas que os pirralhos lhe tinham feito sobre índios, vaqueiros e cavalos.
Mas tinha olhado Suzanna com muito interesse para o gosto de Amanda, embora também com uma certa suspeita. Sim, devia ser um impenitente mulherengo. Se Lilah tivesse estado presente, provavelmente teria flertado deste modo com ela. Mas Lilah, sabia muito bem como defender-se.
Suzanna era diferente. Era formosa, sensível e vulnerável. Seu ex-marido a fizera sofrer muito, e ninguém, nem sequer o arrogante Sloan O’Riley teria a menor oportunidade de lhe magoar mais A própria Amanda se asseguraria disso.
Desta vez, quando pela enésima vez chegou ao extremo da piscina, acreditou ver alguém na borda.
—Bom dia —Sloan sorria. O sol arrancava reflexos acobreados a seu cabelo despenteado—. Vejo que tem uma boa forma física.
—Que diabos está fazendo aqui?
—Aqui? —assinalou com o polegar o edifício do hotel, a suas costas—. Bom, como dizem os vaqueiros, pendurei meu chapéu neste sítio. Quarto 320.
—Está alojado no BayWatch? —Amanda apoiou os braços na borda da piscina.
—Parece que sim.
Sem deixar de sorrir, Sloan se abaixou. E contemplou admirado a brancura de sua pele, que parecia uma característica das Calhoun.
—Uma boa maneira de começar o dia.
—Era—franziu o cenho.
—Posso perguntar... O que está fazendo você aqui?
—Eu trabalho aqui.
—Ah, sim? —pensou que as coisas estavam ficando cada vez mais interessantes.
—Sou ajudante executiva.
—Sei —apontou para a água—. E está comprovando a temperatura da água da piscina para os clientes? Isso sim que é dedicação.
—A piscina não abre até as dez.
—Não se preocupe —enganchou os polegares nos bolsos de seu jeans—. Ainda não estava pensando em dar um mergulho de cabeça —o que tinha pensado fazer era dar um passeio, longo e solitário. Mas isso tinha sido antes de vê-la nadar—. Suponho que, então, se tiver alguma pergunta sobre o hotel, poderia fazê-la a você.
—Sim, poderia —Amanda se aproximou da escada para sair da piscina. Seu traje de banho cor azul safira, de uma só peça, grudava em seu corpo como uma segunda pele—. Gostou de seu quarto?
—Hum? —pensou que aquelas pernas pareciam ter sido desenhadas para fazer um homem suar . Tão largas e bem torneadas...
—Seu quarto —repetiu enquanto recolhia sua toalha—. Você gostou?
—Gostei muito —foi subindo o olhar desde seus finos tornozelos até suas coxas e quadris—. Acredito que, por esse preço, a vista vale muita a pena.
Amanda colocou a toalha ao pescoço.
—A vista da baía é grátis... Assim como o café da manhã europeu que agora mesmo estão servindo no restaurante. Suponho que queira aproveitá-lo.
— Já sei que dois pãezinhos e um xícara de café não saciam meu apetite. — como não queria que partisse ainda, agarrou-lhe a toalha com as mãos—. Por que não se senta e desfruta comigo de um café da manhã de verdade?
—Sinto muito —o coração estava tão acelerando que ela se preocupou—. Os empregados não podem se relacionar com os clientes.
—Suponho que poderíamos fazer uma exceção neste caso, dado que somos... velhos amigos.
—Nem sequer somos novos amigos.
«Outra vez esse sorriso», pensou Amanda. Lenta, insistente, muito conhecedora.
—Isso é algo que poderíamos arrumar diante de um bom café da manhã.
—Sinto muito. Não estou interessada —começou a voltar-se, mas Sloan a impediu ao não soltar a toalha.
—No lugar de que procedo as pessoas são um pouquinho mais amável.
Dado que não lhe deixava mais remédio, Amanda ficou onde estava.
—E no lugar de que eu procedo, as pessoas são muitíssimo mais amável. Se tiver algum problema com o serviço durante sua estadia no BayWatch, estarei encantada de te atender. Se tiver alguma pergunta mais sobre As Torres, poderei lhe responder com muito prazer. Mas, além disso, não temos nada que falar.
Observou-a pacientemente, admirando sua capacidade de adotar um frio tom de voz que desmentia o brilho de seus olhos. Aquela era uma mulher dotada de um grande controle de si mesmo. E com muita garra.
—A que hora começa sua jornada aqui?
—Às nove. E agora, se me desculpar, eu gostaria de me vestir.
Sloan elevou o olhar para comprovar a posição do sol.
—Parece-me que ainda dispõe de uma hora antes que tenha que entrar. E por sua maneira de vestir, não demorará nem meia hora em se preparar.
Amanda fechou os olhos por um instante, a ponto de gritar.
—Sloan, você está tentando me irritar?
—Não há nenhuma necessidade. Você se irrita sozinha —com aparente naturalidade puxou-a pelos dois extremos da toalha, aproximando-a de si. Sorriu ao ver que levantava rapidamente a cabeça—. O que foi ?
Amanda estava desgostosa consigo mesma pela forma que se coração tinha se acelerado, e pelo nó de tensão que sentia no estômago.
—O que há, O'Riley? —perguntou—. Já deixei claro que não estou interessada.
—Sério? —aproximou-a ainda mais. O humor que até esse momento tinha brilhado em seus olhos se transformou imediatamente em algo diferente. Estava tão escuro e perigoso como excitante—. É como um manancial de água fresca.
Cada vez que estou perto de você, me dá uma sede terrível —com um último puxão, a fez perder o equilíbrio e cair diretamente sobre ele. As mãos ficaram aprisionadas contra seu poderoso corpo—. E esse pequeno beijo que roubei ontem não foi suficiente —inclinando a cabeça, mordiscou-lhe o lábio inferior.
Sloan pôde perceber seu tremor, mas enquanto a olhava nos olhos, não viu medo neles. Uma pontada de pânico possivelmente, mas não medo. Mesmo assim, esperou que ela resistisse, Ou que pronunciasse uma negativa. Isso era algo que teria que respeitar, por muito intensa que fosse sua necessidade de saboreá-la.
Mas Amanda não disse nada, simplesmente ficou olhando com aqueles enormes olhos cheios de suspeita. Brandamente Sloan lhe acariciou os lábios com os seus.
—Quero mais —murmurou. E insistiu.
Amanda tinha fechado os punhos, mas não podia usá-los para empurrá-lo. O combate estava liberando em seu interior, uma selvagem e cruel batalha que estava transtornando completamente seu sistema nervoso inclusive enquanto ele bombardeava daquela forma seus sentidos. Apanhada entre dois fogos deixou de pensar.
A boca do Sloan não se movia com lassidão, nem suas mãos com lentidão. Seus lábios arrasavam os seus enquanto com uma mão lhe pressionava as costas nua e úmida. Pouco a pouco Amanda foi abrindo os dedos e, depois de subir por seus ombros, por seu pescoço, terminou enterrando-os em seu cabelo. Aquele desespero que estava sentindo era algo novo, aterrador, maravilhoso. Algo que a impulsionava a agarrar-se contra seu peito com a mesma urgência com que ele a estava abraçando.
Aquela repentina mudança o desconcertou. Estava acostumado que lhe nublassem os sentidos com uma mulher. Mas aquilo era diferente. No preciso instante em que Amanda passou de uma aturdida rendição para aquela febril urgência, descobriu em si mesmo uma necessidade tão intensa e aguçada que parecia lhe perfurar a alma. A partir de então, somente sentiu-a. A úmida e sedosa textura de sua pele. O doce calor de seus lábios.
Amanda temia que o coração fosse pular fora do peito. Era como se o calor de seu corpo tivesse convertido a água de sua pele em vapor, e aqueles vapores tivessem subido ao cérebro.
—Amanda —pronunciou Sloan, respirando profundamente. Abriu os olhos e, ao olhá-la, voltou a sofrer aquela pavorosa pontada de desejo—. Suba para meu quarto.
—Seu quarto? —levou uma mão trêmula até os lábios, e depois a têmpora—. Seu quarto?
Aquela voz rouca e aquele olhar aturdido estavam a ponto de enlouquecê-lo, de fazê-lo cair de amores diante dela. Até hoje nunca suplicara a uma mulher, mas com a Amanda suspeitava que isso era algo inevitável.
—Venha comigo —com gesto possessivo, deslizou as mãos por seus ombros. Em algum momento a toalha tinha escorregado e caído ao chão—. Precisamos terminar isto em particular.
—Terminar isto?
Com um grunhido, voltou a beijá-la. Foi um último, longo e faminto beijo.
—Acredito que vá chegar tarde ao trabalho.
Antes que pudesse recuperar-se, Amanda se deu conta de que a estava empurrando brandamente para a porta. «Seu quarto?», perguntou-se, enjoada.
Oh, Deus, o que tinha feito? O que estava a ponto de fazer? «Não», pensou, decidida.
—Não vou a nenhuma parte —exclamou, separando-se bruscamente dele.
—É um pouco tarde para brincar —estendeu uma mão, segurando sua nuca—. Desejo-a. E não pode dissimular que você também me deseja. Não depois do que acaba de ocorrer.
—Eu não brinco —replicou com tom firme, perguntando-se se ele poderia escutar os batimentos acelerados de seu coração—. E não penso em começá-lo a fazê-lo agora —se recordou que era uma mulher razoável. Não das que corriam para um quarto de hotel para fazer amor com um estranho. - Quero que me deixe em paz.
—Nem pensar. Eu sempre termino o que começo.
—Pois considere isto como terminado. Não tinha nenhum sentido começá-lo.
—Por que?
Amanda se voltou para pegar o penhoar.
—Conheço o seu tipo, O'Riley.
—Conhece?
—Vai viajando de cidade em cidade e dedica seu tempo livre a se deitar com a primeira mulher que encontra —amarrou com força o cinturão—. Pois bem, eu não estou disposta.
—Creio que já me etiquetou, né? —não a tocou, mas sua expressão bastou para intimidá-la. Não se incomodou em lhe explicar que com ela era diferente. Isso era algo que nem sequer explicara a si mesmo—. Pode tomar isto como uma advertência, Calhoun. Não terminamos. No fim a terei.
—Me terá? —em um acesso de orgulho e fúria, deu um passo em sua direção—. Maldito arrogante...
—Reserve essas adulações para mais tarde —a interrompeu—. Porque haverá um depois, Amanda, e estaremos sós. E prometo que não será algo rápido — sorriu—. Quando fizermos amor, demorarei um longo tempo e me dedicarei a satisfaze-la—deslizou um dedo pelo pescoço até seu penhoar—. E a deixarei louca.
Retirou-lhe bruscamente a mão.
—Isso já conseguiu.
—Obrigado. Bom, agora vou tomar o café da manhã. Que tenha um bom dia.
«Terei-o», pensou Amanda enquanto Sloan se afastava tranqüilamente, assobiando. Teria sempre um bom dia,enquanto não voltasse a cruzar com ele.
Já era bastante ruim ficar trabalhando até tarde, mas ter que agüentar um dos habituais sermões do senhor Stenerson sobre a eficiência era demais. Como diretor do hotel BayWatch, Stenerson era tão exigente como maníaco e enxerido com seus empregados. Seu método preferido de supervisão era delegar. Dessa maneira sempre podia jogar a culpa a alguém quando as coisas saíam mal, e levar o mérito quando davam certo.
Em seu escritório decorado em tons pasteis, Amanda escutava pacientemente a lista de queixa daquela semana.
—O serviço de limpeza se atrasou vinte minutos. Quando fiz a vigilância no terceiro piso, descobri este pacote de celofane sob a cama da 302 —levantou a mão e agito o plástico como se fosse uma bandeira—. Espero que tome mais cuidado, senhorita Calhoun.
—Sim, senhor. Falarei pessoalmente com o serviço de limpeza.
—Será melhor que o faça —tomou seu caderno, de que nunca se separava—. A velocidade do serviço de quartos caiu em oito por cento. A este ritmo, quando chegarmos ao pico de temporada terá descido em vinte.
Ao contrário de Stenerson, Amanda tinha trabalhado tempo extra na cozinha durante as horas do café da manhã e almoço.
—Possivelmente se contratássemos a um garçom ou dois mais... —começou a dizer.
—A solução não esta em ampliar os funcionários, mas sim em melhorar a eficiência deles—tamborilou com os dedos em seu caderno—. Espero que para a semana que vem o serviço de quartos renda ao máximo de sua capacidade.
—Sim, senhor.
—Espero também que esteja disposta a arregaçar as mangas e trabalhar no que seja e quando for necessário, senhorita Calhoun —entrelaçou suas brancas e finas mãos e se inclinou para frente. Antes que voltasse a abrir a boca, Amanda já sabia o que ia seguir—: Faz vinte anos que trabalhei de garçom neste hotel, e só à força de pura determinação foi que alcancei a posição que ostento hoje. Se você espera ter o mesmo êxito, possivelmente inclusive ocupar meu posto quando me aposentar, deverá viver por e para o BayWatch. Recorde que a eficiência da empresa é sempre um reflexo da de cada empregado, senhorita Calhoun.
—Sim, senhor —ansiava em lhe dizer que ao cabo de um ano ela teria sua própria empresa e seu próprio escritório, e que com muito prazer 'mandaria aquele emprego ao diabo. Mas não disse. Até que chegasse o momento, necessitava do posto e do pagamento semanal—. Agora mesmo tenho uma reunião com os funcionários da cozinha.
—Bem, bem.Esta tarde deixo você cuidando de tudo. Não quero que me incomode. Oh, e quanto às reservas de agosto, quero um relatório. Ah, e fale com o menino da piscina a respeito dessas toalhas desaparecidas. Este mês perdemos cinco.
—Sim, senhor, algo mais? —«quer que lhe abrilhante os sapatos, que lhe lave o carro?», disse mentalmente.
—Não. Isso é tudo.
Amanda abriu a porta e se esforçou em parecer uma profissional fria e imperturbável. Naquele instante tinha vontade de atirar coisas ao chão e dar cabeçadas contra a parede. Mas antes que tivesse oportunidade de retirar-se para um lugar discreto e privado para fazê-lo, chamaram-na recepção.
Sloan se sentou no vestíbulo com a única intenção de observá-la. Surpreendeu-se ao ver que ainda estava trabalhando. Tinha passado o dia inteiro em Lãs Torres, e a maleta que tinha ao lado estava cheio de notas, medidas e esboços.
Há essas horas, as únicas que queria era tomar uma boa cerveja e comer um saboroso filé.
Mas ali estava Amanda, informando aos clientes, dando ordens a seus ajudantes, assinando papéis. E, apesar disso, tão fresca e tão bela como aquela manhã. Em certo momento viu como segurava ao telefone enquanto atendia uma chamada.
Era um verdadeiro prazer contemplá-la. Transbordava uma incansável atividade, sem esforço aparente. Mas não. Porque, quando se olhava melhor, via que tinha o cenho levemente franzido. Talvez de frustração, ou de desgosto. Ou de simples teimosia.
Sentiu o poderoso impulso de levantar-se e ir para ela para apagar aquele sombrio cenho. Mas, em lugar disso, chamou um garoto.
—Senhor?
—Há alguma floricultura aqui perto?
—Sim, senhor. Aqui ao lado, descendo a rua.
Ainda observando Amanda, Sloan tirou a carteira e entregou ao menino vinte dólares.
—Por favor, você pode me comprar uma rosa vermelha? Quero uma com as pétalas ainda fechadas. E fica com o troco.
—Sim, senhor. Muito obrigado.
Enquanto esperava, Sloan pediu uma cerveja e acendeu um charuto. Logo, com as pernas estiradas, preparou-se para desfrutar do que seguiria a seguir.
Agarrando com força o telefone, Amanda levou uma mão ao estômago. Ao menos quando descia à cozinha para falar com os trabalhadores podia beliscar algo. Um olhar ao relógio lhe confirmou que não teria tempo para revisar os papéis de sua família, como estava acostumado a fazer diariamente, à busca de alguma pista do colar de esmeraldas. A única coisa boa daquela situação era que, quando voltasse para As Torres, não teria que agüentar a aborrrecida presença do Sloan.
—Desculpe.
Amanda ergueu o olhar e viu um homem elegante e atraente, vestido com um traje de cor creme. Usava o cabelo escuro penteado para trás, e tinha olhos azuis de olhar cálido, sorridente. Seu leve sotaque inglês acrescentava ainda um maior encanto a sua voz.
—Me diga, senhor, no que posso ajudá-lo?
—Eu gostaria de falar com o diretor.
—Sinto muito, mas o senhor Stenerson não está disponível neste momento. Se tiver algum problema, eu adoraria poder ajudá-lo.
—Oh, não é nenhum problema, senhorita... —baixou o olhar no nome que aparecia em seu crachá... Calhoun. Vou me hospedar aqui durante algumas semanas. Tenho a suíte Island reservada.
—Ah, é obvio, senhor Livingston. Estávamos a sua espera —rápida e diligentemente, comprovou os dados no computador—. Já se hospedou antes no hotel?
—Não —sorriu—. Infelizmente.
—Espero que a suíte seja de seu gosto —enquanto falava, entregou um cartão de registro—. Se houver algo que possamos fazer para lhe fazer mais agradável sua estadia aqui, não duvide em nos pedir isso.—Estou seguro de que minha estadia vai ser muito prazerosa —lhe lançou um olhar ao tempo que preenchia o documento—. Mas, por desgraça, tem que ser também produtiva. Queria me informar a respeito da possibilidade de alugar uma máquina de fax durante minha estadia...
—No hotel temos um serviço de fax a disposição dos clientes.
—Temo-me que tenho trabalho pendente, e vou necessitar um aparelho próprio. Não seria prático ter que descer aqui cada vez que precisasse enviar ou receber algum documento. Naturalmente, estou disposto a pagar o que for necessário. Se não puder alugar um, eu posso comprar.
—Verei o que posso fazer.
—Ficaria muito agradecido —lhe estendeu seu cartão de crédito—. Ah, usarei o salão da suíte como escritório. Preferiria que o serviço de limpeza não tocasse nos meus papéis.
—Claro, como quiser.
—Seria indiscreto se lhe perguntasse se conhece bem a ilha?
—Nasci nela —sorrindo, Amanda lhe devolveu o cartão e lhe entregou as chaves.
—Maravilhoso. Então recorrerei a você se tiver alguma pergunta. Muito obrigado por tudo, senhorita Calhoun —enquanto lhe estreitava a mão, voltou a olhar seu nome no crachá—. Amanda.
—De nada —nervosa, chamou o carregador—. Que desfrute de sua estadia aqui, senhor Livingston.
—Já estou fazendo.
Assim que se retirou, Karen, a jovem companheira de Amanda na recepção, soltou um profundo suspiro.
—Quem era esse?
—William Livingston.
—Um tipo magnífico. Se tivesse olhada para mim, como olhou para você, eu teria me derretido por dentro.
«William Livingston», repetiu-se Amanda, com o olhar fixo no impresso de registro. De Nova Iorque. Ele pretendia passar duas semanas na suíte Island, isso queria dizer que tinha tanto dinheiro como encanto, elegância e bom gosto para roupas. Se tivesse procurando um homem, aquele cavalheiro teria satisfeito todos seus requisitos. Abriu a lista telefônica e procurou um serviço de aluguel de máquinas de fax.
—Olá, Calhoun.
Com um dedo em uma página da agenda, ergueu o olhar. Era Sloan, com sua camisa de flanela enrolada até os cotovelos, levemente despenteado, apoiado indolentemente sobre o balcão.
—Estou ocupada —pronunciou, depreciativa.
—Trabalhando até tarde?
—Que sagaz.
—Está linda com esse traje —deslizou um dedo pela lapela de sua jaqueta vermelha—. Em plena moda e recatada, claro.
Longe do pequeno sobressalto que sofreu quando William Livingston lhe estreitou a mão, o contato de Sloan acelerou violentamente seu coração.
—Tem algum problema com seu quarto? —inquiriu irritada.
—Não. É muito bonito.
—Com o serviço?
—Não poderia me queixar de nada.
—Então, se me desculpar, tenho trabalho a fazer.
—Oh, imaginei que sim. Não deixei de observá-la durante a última meia hora.
—Esteve me observando? —exclamou, franzindo o cenho.
Sloan manteve o olhar fixo em seus lábios, lembrando seu sabor.
—Sim. Enquanto tomava uma cerveja.
—Deve ser muito agradável ter tanto tempo livre. E agora...
—O importante não é a quantidade, se não souber aproveita-la. E já que não conseguiu tomar café comigo, que tal se jantássemos juntos?
Consciente de que suas companheiras mantinham os ouvidos bem abertos, Amanda baixou a voz.
—Ainda não colocou na cabeça que não estou interessada?
—Não —sorriu, e deu uma piscada a Karen, que se aproximara discretamente—. Você disse que não gosta de perder tempo. Assim pensei que poderíamos jantar um pouco e retomar aquilo que tínhamos começado esta manhã.
Amanda recordou aqueles segundos em que se havia sentido perdida em seus braços. Com a mente nublada e o pulso lhe pulsando a toda velocidade. Ficou-se contemplando fixamente seus lábios quando um irônico sorriso a trouxe de repente à realidade.
—Estou ocupada, e não tenho nenhum desejo...
—Tem muito desejo, Amanda.
—Não quero jantar com você, está claro?
—Como o cristal. Estarei lá em cima, caso você mude de idéia —de repente tirou a rosa que tinha mantido oculta atrás das costas e a pôs na mão—. Não trabalhe muito.
—Que sorte. Dois pretendentes em uma só tarde —murmurou segundos depois Karen, vendo Sloan afastar-se—. Meu Deus, como fica bem de jeans.
Em pensamento, Amanda não pôde mais que lhe dar a razão, e se amaldiçoou.
—É um homem grosseiro, irritante e insuportável —e passou levemente a rosa no rosto.
—De acordo, então eu ficarei com o segundo candidato. Assim poderá se dedicar ao de Nova Iorque.
— Vou me dedicar é a trabalhar. E você também. Stenerson está para se aposentar, e a última coisa que preciso é que um maldito vaqueiro altere minha rotina de trabalho.
—Quem dera, eu bem que gostaria que ele alterasse minha vida —murmurou Karen antes de continuar com suas tarefas.
Amanda se prometeu que não voltaria a pensar nele. Deixou a rosa de lado, mas voltou a pegá-la. Depois de tudo, a culpa não era da flor, que merecia que a pusessem em água e a admirassem por sua beleza. Um tanto abrandada aspirou seu aroma e sorriu. Sloan tinha tido um gesto muito doce ao dar a flor de presente. Ela estava muito irritada, mas teria que agradecê-lo.
De repente o telefone soou. Com gesto ausente, pegou o telefone.
—Recepção, Amanda Calhoun. No que posso ajudá-lo?
—Só queria ouvi-la dizer isso —Sloan riu —. boa noite, Calhoun.
Resmungando, Amanda voltou a desligar.
Não obstante, sem saber por que, pôs-se a rir quando levou a rosa para seu escritório para procurar um copo onde pô-la.
Corri para ele. Era como se outra mulher estivesse correndo pela grama, ladeira abaixo, pelas rochas. Naquele momento não existia o justo ou o injusto.
Não existia nenhum dever exceto o que me exigia meu próprio coração. Porque indubitavelmente era meu coração que guiava meus passos, meus olhos, minha voz.
Virou-se de costas ao mar. A primeira vez que o vi se encontrava de frente para mar, liberando sua batalha pessoal com as pinturas e o tecido. Mas naquele instante só estava contemplando a água. Quando o chamei, virou-se. Em seu rosto pude ver o reflexo de meu próprio prazer. Sua risada era a minha enquanto corria ao meu encontro. Abraçou-me com tanta força... Ocorreu o que tanto tinha sonhado. Sua boca se adaptava perfeitamente à minha, tão tenra e ao mesmo tempo tão impaciente...
O tempo não se detém. Enquanto estou aqui sentada escrevendo isto, agora sei. Mas então... Oh, então sim que se deteve. Somente existia o vento e o rumor do mar e a simples maravilha de estar em seus braços. Como se durante toda minha vida tivesse estado esperando que acontecesse aquele instante mágico.
De repente se afastou, deslizou as mãos por meus braços até as entrelaçar com as minhas, e as levou aos lábios. Seus olhos se obscureceram, tornou-se da cor da fumaça.
—Fiz as malas —disse—. Já tinha preparado tudo para voltar a Inglaterra.
Ficar aqui sem você foi um inferno. Fiquei louco só de pensar que possivelmente nunca mais voltaria a vê-la, a tocá-la... Cada dia, cada noite, Bianca, suspirei por você.
Eu lhe acariciava o rosto, delineando seus olhos como tantas vezes tinha sonhado fazê-lo.
—Eu também temia não voltar a vê-lo. Tentei rezar para que não fosse— me separei dele, repentinamente envergonhada—. Oh, o que pensará de mim? Sou a esposa de outro homem, a mãe de seus filhos...
—Aqui não —sua voz era dura, embora suas mãos eram tenras—. Aqui me pertence. Aqui, onde a vi pela primeira vez faz agora um ano. Não pense nele.
Beijou-me outra vez, e já não pude pensar. Nada importava.
—Esperei-a, Bianca, no frio do inverno, no calor da primavera. Quando tentava pintar, era sua imagem que assaltava minha mente. Podia vê-la aqui, onde está, com o vento fazendo seu cabelo ondear, com a luz do sol tornando-o avermelhado, e dourado. Tentei esquecê-la —com suas mãos em meus ombros, olhava-me como se queria devorar meu rosto—. Tentei me dizer que isto era um engano, que por seu bem, quando não pelo meu, devia partir daqui. Imaginava você com ele, assistindo a um baile, ao teatro, se deitando em sua cama —seus dedos se enrrijeceram sobre meus ombros—. «Ela é sua esposa», pensava eu. «Não tem direito a desejá-la, e esperar que venha a você. Que pertença a você».
Acariciei-lhe os lábios com a ponta de meus dedos. Sua dor era a minha.
—Vim até você. Pertenço-lhe.
Deu-me a costa. A sensatez e o amor lutavam em seu interior.
—Não tenho nada que oferecer.
—Seu amor sim. Não desejo outra coisa —lhe respondi.
—Já sou seu. Fui seu do primeiro momento em que o vi —se voltou outra vez para mim e me acariciou-me a face. Eu podia ver o arrependimento, e também o desejo, naqueles preciosos olhos—. Bianca, não há futuro para nós. Nem posso pedir, e não pedirei, que renuncie ao que tem.
—Christian...
—Não. Não o farei. Sei que me daria o que pedisse, o que não tenho nenhum direito a pedir, e que depois me odiaria por isso.
—Não —naquele momento recordo que afloraram em meus olhos as lágrimas—. Eu nunca poderia odiá-lo.
—Então me odiaria eu. Mas sim pedirei umas poucas horas de sua companhia neste verão, quando puder vir aqui... E possamos fingir que o inverno nunca virá, sorrindo, beijou-me com ternura—. Venha aqui e se reúna comigo, Bianca, sob a luz do sol. Deixe-me pintá-la. Me contentarei com isso.
E assim cada manhã, cada dia durante este doce e interminável verão, passei com ele. Nos escarpados, frente ao mar, seremos felizes enquanto pudermos ser, dois apaixonados.
—Olá.
Sloan ergueu o olhar das notas que estava tomando no salão de bilhar e viu uma esbelta cigana, vestida com uma bata estampada de flores. Seus olhos de olhar sonhador o examinaram enquanto entrava no salão, com a atitude de alguém que tivesse todo o tempo do mundo e estivesse disposto a esbanjá-lo generosamente.
—Olá —Sloan percebeu seu perfume sutil, como a flores secas, antes que lhe oferecesse a mão.
—Eu sou Lilah. Durante os dois últimos dias não pudemos nos conhecer.
—E eu o lamento terrivelmente.
Pôs-se a rir. As primeiras impressões contavam muito para Lilah, e a essa altura já tinha decidido que Sloan era encantador.
—Eu também. O que esteve fazendo?
—Me familiarizando com este lugar, e com as pessoas que o habitam. E você?
—Estive ocupada tentando descobrir se estava apaixonada ou não.
—E?
—Não —respondeu, mas a Sloan não passou desapercebido o olhar nostálgico que apareceu em seus olhos antes de voltar-se para caminhar pelo salão—. Bem, no que pensa transformar este salão?
—Em um elegante restaurante no estilo dos princípios de século. Derrubaremos parte dessa parede aqui, abriremos uma porta que comunicará com o outro lado, instalaremos um par de portas com vidraças e já teremos o restaurante.
—Assim, sem mais?
—Assim sem mais... Depois de ter solucionado os problemas que possa ter a estrutura. Dentro de alguns dias já terei preparado os esboços preliminares para mostrar ao Trent e a sua família.
—Parece-me estranho... —murmurou Lilah, deslizando um dedo pelo respaldo de uma antiga e empoeirada cadeira—… imaginar este lugar novo e reformado, com gente vivendo nele, como antes —entretanto, fechava os olhos, podia vê-lo perfeitamente—. Aqui estavam acostumados a dar as grandes festas, muito elegantes. Imagino ameu bisavô saboreando um uisque ao lado da mesa de bilhar... —voltou-se para Sloan—. Pensa nessas coisas quando faz seus esboços e calcula as medidas de tudo?
—Sim. Olhe, aqui, no chão, há um rastro de queimadura —indicou o lugar com sua caneta—. Imagino a um tipo grosseiro, vestido de fraque, que deixou cair por descuido a cinza de seu charuto enquanto discutia sobre a guerra na Europa.
Outros dois estariam ao lado dessa janela, bebendo brandy e champanhe em uma conversação sobre o mercado de ações.
Rindo, Lilah lhe aproximou.
—E as senhoras estariam lá embaixo, no salão.
—Escutando música de piano e falando das últimas novidades da moda de Paris.
—Ou discutindo sobre a possibilidade de alcançar o direito ao voto.
—Isso.
—Sabe? Acredito que você é justo o que As Torre necessitam. Posso dar uma olhada em seus desenhos, ou tem vergonha mostrá-los?
—Tenho por costume não contrariar jamais a uma mulher bonita.
—Ardiloso e inteligente —se inclinou sobre seu ombro e espiou seus papéis—. Mas esta é a sala do imperador.
—O que?
—A Sala do Imperador: assim é como chamamos a melhor ala de convidados. A que tem esse enfeite de anjinhos no teto —tirando o cabelo do rosto, examinou o desenho mais de perto—. É estupendo —advertiu que o closet tinha sido convertido em um pequeno e acolhedor salão. O banheiro tinha sofrido mudanças, com um moderno jacuzzi instalado no que tinha sido um velho chuveiro—. Todo no estilo de princípios de século. Logo não trocou a decoração original.
—Trent me disse que queria conseguir luxo e funcionalidade sem alterar a atmosfera, o ambiente originário. Conservaremos a maior parte dos materiais e substituiremos os que sejam irrecuperáveis.
—Conseguirá —de repente, um brilho de emoção apareceu nos olhos do Lilah enquanto apoiava uma mão em seu ombro—. Meu pai queria fazê-lo. Minha mãe e ele falavam o tempo todo sobre isso. Como seria bom se pudessem vê-lo. Comovido Sloan pôs uma mão sobre a dela. E nessa postura estavam quando Amanda entrou na ala. Sua primeira reação foi assombro ao ver sua irmã com a face quase encostada em Sloan. Logo sobreveio a pontada de ciúmes. Estava claro que tinha interrompido um momento privado, íntimo.
De todo jeito, por que se assombrava? Acaso não o tinham definido como um impertinente mulherengo?
—Perdão —pronunciou com voz fria, entrando na sala—. Estava procurando-a, Lilah.
—Pois me encontrou — respondeu, ainda com os olhos brilhantes de emoção. Não se incomodou em separar-se dele—. Pensei que já era hora de conhecer Sloan.
—Vejo que já o conheceu —decidida a aparentar um tom de naturalidade, Amanda afundou as mãos nos bolsos das calças—. Hoje é sua vez de revisar os papéis da família.
—Puxa, é para isto servem os dias livres —Lilah enrugou o nariz, e lançou a Sloan um sorriso cúmplice—. As Calhoun se converteram em detetives, à caça e captura de pistas sobre o esconderijo das esmeraldas.
—Ouvi falar sobre isso.
—Possivelmente você as encontrar um dia por acidente, atrás de uma parede falsa—com um suspiro, dispôs-se a retirar-se—. Bom, o dever me chama. Mandy deveria dar uma olhada nos esboços do Sloan. São estupendos.
—Não duvido.
Seu tom irônico não refletia nenhuma dúvida sobre sua atitude. Consciente disso, Lilah aproveitou para provocar sua irmã, e antes de partir, inclinou-se para beijar Sloan na face.
—Bem-vindo às Torres.
A intenção de Lilah era clara, ela tinha o olhar sonhador, mas neste momento brilhava neles pura malicia.
—Obrigado. Cada dia que passa, sinto-me mais e mais cômodo. Como se estivesse em meu próprio lar.
—Vejo-a no armazém dentro de quinze minutos —disse a Amanda, sorrindo, e abandonou a sala.
—É esse seu novo uniforme? —perguntou Sloan a Amanda vendo-a parada no meio da sala, com as mãos ainda nos bolsos de suas folgados calças cinzas.
—Hoje entro no trabalho as duas.
—Ótimo. Sabe? Eu gosto de sua irmã.
—Eu percebi.
—O que ela faz?
—Trabalha como naturalista no Parque Nacional da Acádia.
—Esse ofício lhe cai bem.
Como se seu tom de admiração não a tivesse incomodado absolutamente, encolheu os ombros e se aproximou das portas que comunicavam com o terraço.
—Acreditei que estaria tomando medidas, ou algo assim... —por cima do ombro, lançou-lhe um olhar enviesado—. Das alas, é claro.
Sloan pôs-se a rir.
— Fica muito bonita quando está com ciumes, Calhoun.
Amanda se voltou rapidamente.
—Não sei do que está falando.
—Claro que sabe, mas pode ficar tranqüila. É você que desejo. Acaso esperava que se sentisse adulada?, Perguntou-se.
—Pareço um objeto?
—Mas se parece com o grande prêmio —ergueu uma mão com gesto conciliador—. Olhe, antes que você exploda, por que não nos ocupamos de nosso negócio?
—Você e eu não temos nenhum negócio em comum.
—Trent me disse que, até que voltasse, você era a única com quem devia conversar sobre as reformas. Ao que parecer é a pessoa mais capacitada para isso da família, e, além disso, conhece bem o negócio hoteleiro.
—O que quer saber?
—Pensei que você gostaria de dar uma olhada no meu trabalho.
Embora morria de vontade, procurou dissimulá-lo.
—Tudo bem, Mas disponho só de alguns minutos.
—Terei que me conformar —esperou enquanto ela atravessava a sala—.
Esbocei os planos de duas suítes —a informou, mexendo nos papéis—. Além da torre e da maior parte do restaurante que ocupará esta ala.
Amanda se aproximou. Ficou impressionada com seus esboços.
—Trabalha rápido —comentou, surpresa.
—Para isso me pagam —desfrutou observando a forma que erguia uma mão para afastar o cabelo dos olhos. Cheirava maravilhosamente bem.
—O que é isto?
—O que? —estava muito ocupado admirando o reflexo do sol em seu cabelo para prestar atenção a qualquer outra coisa.
—Isto —indicou um ponto no desenho.
—Hum. É uma antiga escada para uso dos empregados. Derrubando-a poderemos fazer uma suíte de dois níveis: em um piso o salão e o banheiro, e no outro dois dormitórios e um banheiro maior. Dado que as escadas são abertas, isso nos permite uma separação de funções sem por isso reduzir o espaço.
—Fica bem. Suponho que agora terá que conseguir os orçamentos.
—Já tenho feito algumas ligações.
Amanda era consciente de que a afrouxava as defesas por alguns momentos.
Estava muito perto dela.
—Bom, obviamente... —voltou a cabeça para olhá-lo. Olhava-a com expressão tranqüila. Perigosamente tranqüila—… sabe o que está fazendo.
—Sim.
«Claro que sabia», pensou no instante em que se viu irremediavelmente atraída para ele... Por uma espécie de força interior, por uma cálida necessidade que a percorria por dentro. Tinha que ceder, inclinar-se um pouco mais... Sim, poderia beijar esses lábios, e voltar a sentir, como no dia anterior, aquele inefável prazer e aquela arrebatadora excitação. Estava-a esperando, observando-a com aqueles olhos verdes obscurecidos de desejo, desejando que fizesse aquele leve, mas significativo movimento. E conforme seguia deslizando-se a seu encontro, ouviu-se si mesmo suspirar.
Mas então recordou.
Tinha-o pego em uma postura muito semelhante com Lilah fazia poucos minutos. Somente uma estúpida se deixaria manipular por um homem que parecia seduzir mulheres tão rápido quanto podia piscar. E Amanda Calhoun não era nenhuma estúpida. Rapidamente se afastou.
—Aconteceu algo? —perguntou-lhe ele.
—Não sei o que quer dizer.
—É obvio que sabe. Estiveste a um passo de me beijar, Mandy. Podia ver em seus olhos. Mas agora seu olhar tornou a gelar.
Amanda gostaria de fazer o mesmo com seu sangue.
—Acredito que traiu seu próprio ego. Suponho que é algo típico nos homens como você. Se quiser um momento divertido com alguma mulher, volte a tentá-lo com Lilah.
Sloan estava acostumado a dominar sua impaciência. Mas naquele momento, com Amanda, não estava nada fácil.
—Está-me dizendo que Lilah está disponível para qualquer homem que a queira?
—Você não sabe nada de minha irmã, O'Riley —ficou, vermelha de fúria—. Olhe bem o que diz ou eu...
—Só te perguntava pelo que você mesma havia dito —lhe recordou.
—Eu posso dizer o que quiser, você não. Lilah tem um grande coração, generoso demais. Se lhe fizer mal...
—Espera, espera —rindo, ergueu as mãos em um gesto de rendição—. Olhe, se tiver que me julgar, prefiro que o faça por algo que eu tenho feito... Ou ao menos pelo que pretendo fazer. Em primeiro lugar, não sou o perigoso depredador que parece pensar que sou. E, em segundo lugar, não estou interessado em... Flertar com a Lilah.
—Acabou? —disse Amanda, erguendo o queixo.
—Acabei. Agora me diga, herdou a demência de sua bisavó ou simplesmente é assim de obstinada?
Tinha chegado a um ponto em que se sentia tão envergonhada como furiosa, e se aproximou da janela. Se Sloan era um depredador, isso não era problema dela. Seu problema era que tinha reagido de maneira exagerada ao vê-lo com o Lilah.
Estava-se complicando a vida por nada. Continuaria enfrentando ele cada vez que passavam cinco minutos juntos, sua relação profissional acabaria se desgastando.
E, depois de tudo, o trabalho era o principal.
—Bem. Acredito que deveríamos limitar nossa relação a um nível profissional. E deixá-la aí.
—Faz muito bem —observou Sloan.
—O que?
—Enganar a si mesma. Não deve ser nada fácil sentir por dentro a metade do que sinto eu —sorriu—. Continue , ponha sua máscara de profissional. É algo que admiro muitíssimo em você.
Amanda não sabia se gritava, ou chorava, ou simplesmente reconhecia sua derrota. Finalmente sacudiu a cabeça e o tentou de novo.
—Eu gosto de seu trabalho.
—Obrigado.
—Trent e eu já estivemos falando do projeto. Para que C.C. e ele sigam de lua de mel para quando começarmos a receber as primeiras ofertas. Se esse for o caso, você e eu teremos que tomar decisões. Por isso à parte da casa que será o hotel, você tem passe livre para fazer o que quiser. Sem limite. Quanto à outra parte da casa, a familiar, só nos interessa as reparações mais essenciais.
—Por que? —inquiriu Sloan—. Todo o edifício merece uma remodelação completa.
—Porque o hotel é um negócio, e as Calhoun e os St. James serão os sócios.
Nós temos a propriedade, ele tem o capital. Nós não vamos nos aproveitar da generosidade,e nem do fato de que ele vai se casar com C.C.
—Parece-me que Trent tem outros planos —refletiu por um momento—. E sei que jamais permitiria que alguém se aproveitasse de sua generosidade.
—Sei —sorriu Amanda—, e nós, estamos muito agradecidas por seu desejo de nos ajudar, mas nossa decisão é firme. As Torres, ou melhor a parte das Torres que nos pertence, é um assunto das Calhoun. Aceitaremos as reparações que tenham que se fazer na instalação elétrica, a da água e as que sejam necessárias, mas depois lhe devolveremos a parte proporcional dos gastos. Se o negócio for bem, poderemos ser auto-suficientes durante os próximos anos.
Sloan percebeu que havia muito orgulho naquela atitude. E muita integridade.
—Bom você falara tudo isso ao Trent. Enquanto isso, concentremo-nos na ala oeste.
—Bem. Se ao fim dispor de tempo, também poderá dar uma olhada no resto. Seria ótimo se nos desse uma idéia do orçamento das obras na parte familiar da casa.
—Claro. Farei uma estimativa.
—Obrigado. E quando a tiver prefiro que a entregue a mim.
—Você é a chefa.
Amanda arqueou uma sobrancelha. Era estranho, mas até esse momento não tinha tomado consciência daquele fato. Sorriu.
—Vejo que começamos a nos entender. Tem mais uma coisa.
—Tantas quantas você quiser —respondeu, com as mãos entrelaçadas detrás da cabeça.
—Só uma. Quando estive revisando os planos de casamento, dei-me conta que você constava como padrinho. Sua lista esta com tia Cordy.
—Minha lista?
—Sim. Com os horários, as tarefas e deveres que lhe delegaram, tudo isso. Também há uma cópia com toda a informação necessária: o nome e o número de telefone do fotógrafo, o contato dos músicos, os garçons que contratamos... Oh, e os nomes das três lojas onde pode alugar um fraque.
—É tremendamente eficaz, Calhoun —sacudiu a cabeça, maravilhado.
—Sim eu sou. Bom, deixo-o trabalhar. Até a uma hora estarei no depósito do terceiro piso, na outra ala. Depois, se tiver alguma outra pergunta a me fazer, estarei no BayWatch.
—Oh, já sei onde acha-la, Calhoun. Boa sorte espero que encontre alguma pista do colar.
Observou-a partir, e imaginou sentada na ala que fazia às vezes de deposito, rodeada de caixas empoeiradas e cheias de papéis amarelados. Provavelmente já teria encontrado algum método para ordená-lo, pensou com um sorriso.
Perguntou-se se ela estava consciente do maravilhoso contraste que oferecia sua tarefa: procurar, catalogar e ordenar tudo da maneira mais prática possível...
Enquanto reconstruía as peças gastas de um antigo sonho.
Naquela manhã, entretanto, pouco pôde reconstruir Amanda daquele sonho.
Quando chegou ao BayWatch, deu-se conta de que tinha estado quase cinco horas trabalhando no deposito. Quando semanas atrás começou a busca do colar, teria se prometido a si mesmo que não se desanimaria, por muito pouco que encontrasse.
Até aquele momento só tinham encontrado o recibo original das esmeraldas, e uma agenda onde Bianca as tinha mencionado. Suficiente para demonstrar que o colar tinha existido, e para manter viva a esperança de encontrá-lo.
Freqüentemente Amanda se pôs a refletir sobre o significado que teria tido aquele colar para sua bisavó, e nos motivos que teria tido para escondê-lo. Se acaso o tinha escondido realmente, porque outro antigo rumor dizia que Fergus o tinha jogado ao mar. Depois de todas as histórias que tinha ouvido a respeito da avareza do Fergus Calhoun, achava difícil acreditar que pudesse ter renunciado tão gratuitamente a um quarto de milhão em jóias.
Além disso, não queria acreditar nesse rumor, admitiu Amanda enquanto colocava seu crachá na lapela da jaqueta. No fundo de seu caráter tinha uma forte veia romântica, e era esse aspecto de sua personalidade o que se aferrava à hipótese de que Bianca tinha escondido as esmeraldas, à espera de que pudesse necessitar delas outra vez.
Dada sua mentalidade prática, envergonhava-a um tanto conceber aquela esperança. A própria Bianca lhe era tão misteriosa e instável como o colar de esmeraldas. Seu inveterado pragmatismo a impossibilitava compreender uma mulher que tinha arriscado tudo, e finalmente se matou, por amor. Um sentimento tão intenso e desesperado lhe resultava inverossímil, a não ser que o visse refletido nas páginas de uma novela.
—Amanda?
Como estava ocupada com as reservas realizadas em agosto, ergueu uma mão murmurando:
—Um momento —e terminou de fazer os cálculos—. O que passa, Karen? Oh, Céus! —tirou o óculo de leitura e observou admirada o enorme ramo de rosas que carregava nos braços—. Ganhou um concurso de beleza?
—Não são minhas —Karen aspirou sua fragrância, deleitada—. Antes fossem. Trouxeram-as para você.
—Para mim?
—Sim, se é que ainda continua chamando Amanda Calhoun —Karen lhe entregou o cartão da floricultura—. São três dúzias de rosas.
—Três dúzias?
—Contei-as —sorrindo, deixou-as sobre a mesa—. Bom, três dúzias e uma solta acrescentou, assinalando a rosa solitária que as acompanhava.
«Sloan», pensou imediatamente Amanda, sentindo que o coração dava um salto de ternura. Como teria podido adivinhar sua secreta paixão pelas rosas vermelhas?
—Não vai ler o cartão? —perguntou-lhe Karen.
—Já sei quem mandou... —começou a dizer, inconsciente do brilho de emoção que tinha aparecido em seus olhos—. Foi tão amável ao... —mas se interrompeu de repente ao ler o nome que figurava no cartão—... Oh!
Não era Sloan, disse-se com uma pontada de decepção que não pôde menos que surpreendê-la.
—Quem é? Quer que eu me ponha de joelhos?
Ainda desconcertada Amanda lhe entregou o cartão.
—«Em agradecimento. William Livingston» —leu Karen—. Ouça, o que tem feito para merecer semelhante gratidão?
—Lhe conseguir uma máquina de fax.
—Conseguiu-lhe uma máquina de fax —repetiu Karen, lhe devolvendo o cartão— . No domingo passado preparei um frango fantástico, com todo tipo de guarnição, e a única coisa que consegui foi uma garrafa de vinho barato.
—Suponho que terei que lhe agradecer —pronunciou, franzindo o cenho.
—Sim, e pessoalmente —Karen tomou uma das rosas e a aproximou do nariz—. A não ser que queira delegar essa tarefa...
—Obrigado, farei isso sozinha —sorriu. Segundos depois pegava o telefone e discava para a suíte Island.
—Livingston.
—Senhor Livingston, sou Amanda Calhoun.
—Ah, a eficiente senhorita Calhoun. O que posso fazer por você?
—Queria lhe dizer obrigada pelas flores. São lindas. Foi gesto muito bonito.
—Oh, foi apenas uma maneira de demonstrar meu agradecimento pela ajuda que me meu. E pela rapidez de seu trabalho.
—Meu trabalho consiste precisamente nisso. Por favor, me avise se posso voltar a lhe ser útil durante sua estadia aqui.
—De fato, há algo no que bem poderia você me ajudar.
—É obvio —Amanda tomou papel e caneta e se dispôs a tomar nota.
—Eu gostaria que jantasse comigo.
—Perdão?
—Eu gostaria de convidá-la para jantar. Comer sozinho é bastante aborrecido.
—Sinto muito, senhor Livingston, mas vai contra as normas do hotel relacionar-se com os clientes. O Sr, foi muito amável ao me propor isso.
—A amabilidade não tem nada a ver com isto. Posso lhe perguntar se poderiam... Flexibilizar um pouco as normas do hotel?
Isso não podia ser, pensou Amanda. Não com um chefe tão rígido como Stenerson.
—Eu adoraria agradá-lo —disse com muito tato—. Infelizmente, como cliente do BayWatch...
—Sim, sim. Por favor, desculpe-me. Eu entendo você.
Amanda piscou assombrada e desligou ao telefone. Dez minutos depois, Stenerson entrava em seu escritório.
—Senhorita Calhoun, o senhor Livingston gostaria de jantar com você — pronunciou com seu habitual tom lambido—. E você é livre para aceitar.
Naturalmente, espero que se porte de uma maneira apropriada que não deixe em desonra a reputação deste hotel.
—Mas...
—De todas formas, não se acostume muito.
—Eu...
Mas Stenerson já se retirava. Amanda continuava assombrada quando voltou a soar o telefone.
—Amanda Calhoun.
—As oito lhe parece bem?
Suspirando profundamente, recostou-se em seu assento. Estava a ponto de negar quando se surpreendeu acariciando a rosa que Sloan havia lhe dado.
Rapidamente retirou a mão.
—Lamento-o, mas hoje trabalho até as dez.
—Amanhã então. Onde poderei buscá-la?
—Amanhã estará bem —aceitou Amanda em um impulso—. Lhe darei meu endereço.
Sloan soube o momento exato em que Trent chegou às Torres. Inclusive da biblioteca situada ao final do comprido corredor pôde escutar os alegres latidos do cão e a alegre gritaria das crianças. Deixando de lado seu caderno, levantou-se para saudar seu velho amigo.
Trent não tinha conseguido sair do vestíbulo. Jenny segurava suas pernas enquanto Fred corria em torno dele. Alex saltava e chiava em um esforço por chamar a atenção enquanto Cordy, Suzannah e Lilah o enchiam de perguntas.
Somente C.C. permanecia em silêncio, radiante de alegria, de braço dado ao seu prometido. De repente, ouviu um grito que vinha de cima, Sloan ergueu o olhar e viu Amanda descendo as escadas correndo. Tinha uma expressão de prazer e felicidade que nunca antes tinha visto. Abrindo-se espaço entre suas irmãs, lançou-se para abraçá-lo.
—Se não tivesse vindo hoje, teríamos tido que enviar um comando de mercenários para lhe buscar —disse a Trent—. Faltavam apenas quatro dias para o casamento e você ainda estava em Boston.
—Confiava que você se encarregaria de tudo.
—Mandy fez milhares de listas — confidenciou Cordy—. É terrível.
—Esta vendo? —Trent deu em Amanda um beijo rápido.
—O que trouxe para mim? O que trouxe para mim? —perguntava Jenny.
—Falando de mercenários... —rindo, Suzanna levantou sua filha nos braços.
Mas quando viu Sloan no corredor, seu sorriso se apagou imediatamente. Tentou dizer-se que era sua imaginação a responsável por aquele tremor em seu olhar sempre que a olhava. Tinha que sê-lo. Que outro motivo podia haver para que, aparentemente, desgostasse de sua presença?
Sloan continuou observando-a: uma mulher alta e esbelta, com um cabelo de cor loira pálida preso em uma rabo-de-cavalo, rosto de uma beleza clássica e olhos azuis que gotejavam tristeza. Logo olhou para Trent. E voltou a sorrir.
—Detesto interromper quando o vejo rodeado de tão belas mulheres.
—Sloan —lhe estreitou a mão, sem separar-se de C.C. Entre os muito numerosos sócios e colegas que tinha, Sloan era o único ao que considerava um verdadeiro amigo—. Já está trabalhando?
—Começando.
—Qualquer um diria que acaba de retornar de umas longas férias no trópico, em vez de ter permanecido um mês e meio trabalhando em Budapeste. Alegro-me de vê-lo.
—O mesmo digo eu—Sloan lançou uma rápida piscada de cumplicidade a C.C.—. Alegro-me de ver que finalmente demonstrou bom gosto.
—Eu gosto dele —comentou C.C.
—Como à maioria das mulheres —apontou Trent—. Como está está sua família?
De novo Sloan desviou o olhar para a Suzanna.
—Bem.
—Acredito que vocês tem muitas coisas para fazer —sentindo-se incômoda, Suzanna pegou seu filho pela mão—. Nós sairemos a dar um passeio antes de jantar.
Amanda esperou que Cordy levasse todos ao salão, antes de dirigir-se a Sloan.
—Espera um momento.
—Espero, Calhoun —sorriu.
—Quero saber por que olha assim para Suzanna.
O brilho de humor abandonou seus olhos.
—Assim como?
—Como se a detestasse.
—Tem mais imaginação do que acreditava.
—Não é minha imaginação —desconcertada, sacudiu a cabeça—. O que pode ter você contra Suzanna? É a melhor pessoa que conheço.
Custou-lhe não esboçar uma careta, mas se manteve imperturbável.
—Eu nunca falei que tenho algo conta ela. É você que esta dizendo.
—Não precisa dizê-lo. Obviamente não pude tirar nada, mas...
—Possivelmente seja porque prefira falar de nós. De você e de mim.
—Se está tentando mudar de tema...
— Está franzindo o cenho outra vez—ergueu uma mão, como se quisesse apagar-lhe brandamente com o polegar—. Porque não sorri para mim, do mesmo modo que sorriu para Trent?
—Porque eu gosto de Trent.
—É curioso, porque a maioria das pessoas pensa que eu sou um tipo afável.
—A mim não —replicou Amanda, com tanto pressa que não pôde nem sorrir.
Sabia que Sloan teria ganhado o primeiro prêmio em um concurso de tenacidade.
E de repente teve que dominar o forte impulso de deslizar os dedos por aquele cabelo sempre despenteado, com aqueles reflexos acobreados—. «Afável» não é a palavra que eu utilizaria. «Presunçoso», «irritante», «tenaz» seriam qualificativos mais adequados.
—Eu gosto de tenaz —se aproximou dela, aspirando seu aroma—. Um homem não consegue nada dando cabeçadas contra uma parede. É melhor, cavar um túnel por debaixo, ou demoli-la.
Amanda pôs uma mão em seu peito para conservar um mínimo de distância. —Ou pode romper a cabeça se continuar dando cabeçadas contra ela.
—Esse é um risco calculado, que vale a pena correr-se se detrás da parede há uma mulher olhando-o como você me está me olhando agora .
—Eu não estou olhando-o de uma maneira especial.
—Quando se esquece de adotar uma atitude fria e distante, olha-me com uma enorme ternura nos olhos, e um certo medo. E muita curiosidade. É um olhar que me faz ansiar por levantá-la nos braços e levá-la para um lugar tranqüilo o suficientemente para satisfazer essa curiosidade.
Amanda podia imaginar essa cena muito claramente. Só havia uma solução: escapar.
—Bem, até aqui foi divertido, mas tenho que me trocar.
—Vai voltar para o trabalho?
—Não —começou a afastar-se—. Vou a um jantar.
—Um jantar? —repetiu Sloan, mas Amanda já estava subindo as escadas.
Disse-se que não a estava esperando, embora estivesse mais de vinte minutos caminhando de um lado a outro do vestíbulo. Não ia ficar ali como um idiota para vê-la partir ao encontro de outro homem... Depois de te-lo olhado como o tinha feito há apenas uns instantes. Tinha muitas coisas a fazer, que incluíam desfrutar do jantar que Cordy o havia convidado, ou falar dos velhos tempos e elaborar novos planos com Trent. Não ia passar a noite toda lamentando o fato de que certa obstinada mulher tivesse preferido a companhia de outro homem à sua.
Depois de tudo, recordou-se Sloan enquanto seguia caminhando pelo vestíbulo, Amanda era livre de ir com quem quisesse. E o mesmo acontecia com ele. Não estavam ligados um ao outro. Não se importaria tanto por ela passar algumas horas com outro homem...
Ao diabo. Claro que se importava.
—Calhoun? —subiu correndo as escadas e foi chamando por todas as portas do corredor—. Maldita seja, Calhoun, quero falar com você —já tinha chegado ao final quando viu Amanda abrir a porta do fundo.
—O que houve?
Ficou olhando por um momento sua silhueta recortada contra a luz do quarto.
Estava com um penteado muito sexy. E também se maquiara. Usava um vestido de cor azul pálida, apertado na cintura e com duas alças finos que se destacavam contra a pele cremosa de seus ombros. Estava com brincos e colar de pedras azuis. Nada parecia profissional, pensou irado. Não, nem profissional nem eficiente. Mas tinha um aspecto tremendamente delicioso.
Amanda já estava golpeando o chão com o pé, impaciente, quando Sloan se aproximou. «Afável?», perguntou-se para si mesma, resistindo o impulso de lhe dar com a porta no nariz. Naquele instante, ninguém o teria qualificado de afável.
—Que tipo de jantar? —perguntou-lhe Sloan, ainda mais alterado quando aspirou seu perfume.
Amanda inclinou lentamente a cabeça e baixou as mãos que antes estavam apoiadas nos quadris, com atitude desafiante. Pensou que quando alguém enfrentava um touro bravo, o melhor não seria sacudir um trapo vermelho, e sim refugiar-se detrás da cerca mais próxima.
—O normal.
—Para um jantar normal se vestiu assim?
—O que tem de mau meu vestido?
O que tem de mau, Sloan a agarrou por um braço.
—Cancela-o.
—Cancele o que? —repetiu, assombrada.
—O jantar, maldita seja. Chame-o e diga que não pode ir.
—Está completamente louco —a essa altura, já tinha esquecido de touros bravos e de trapos vermelhos—. Vou aonde eu quiser e com quem eu quiser. Se acredita que vou cancelar um encontro com um homem inteligente, atraente e encantador, então está muito, mas que muito equivocado. Sabe de uma coisa? sairei para jantar com sua antítese: um verdadeiro cavalheiro. E, agora, fora daqui.
—Irei daqui... —prometeu-lhe Sloan—... Depois de te dar algo no que pensar.
Antes que pudesse ser consciente de nada, encurralou-a contra a parede e a beijou na boca. Amanda podia saborear a fúria em seus lábios, e contra isso sim podido lutar até o último fôlego. Mas também podia perceber uma desesperada necessidade, e foi a isso que se rendeu. Uma necessidade que era um reflexo perfeito da sua própria.
Sloan não importava que tivesse razão ou não, que estivesse ou não cometendo uma estupidez. Queria amaldiçoá-la por havê-lo obrigado a comportar-se como um adolescente irado, mas a única coisa que podia fazer era saboreá-la, afogar-se naquele delicioso sabor que parecia lhe haver impregnado a alma. Somente podia atraí-la mais e mais para si, até fundir-se com seu corpo. Sentia cada mudança que estava experimentando. Primeiro, a fúria que o mantinha tenso, rígido. Depois a redenção, que o deixou entregue. E, por último, a paixão que o deixou sem fôlego. Foi então quando compreendeu que não podia viver sem ela.
Amanda sentia seu corpo vibrando e pulsando com uma dolorosa necessidade. Uma necessidade que sempre tinha sentido falta. Beijava e mordiscava seus lábios, consciente de que em qualquer instante o delírio se apoderaria dela.
Desejando, ansiando aquele libertador torvelinho que somente ele podia acender em seu interior.
Em uma grande e possessiva carência, Sloan deslizou as mãos pelos seus ombros nus até suas mãos, sentindo seu acelerado pulso. Quando ergueu a cabeça, viu que apoiava languidamente as costas na parede, olhando-o nos olhos enquanto se esforçava por recuperar o fôlego, enquanto lutava por sobrepor-se a aquela corrente de sensações e compreender os sentimentos que se ocultavam detrás.
O pensamento de outro homem tocando-a, ou simplesmente olhando-a como ele a estava olhando nesse instante, vendo como seus olhos se nublavam de desejo, o mortificava. E porque preferia a fúria ao medo, agarrou-a bruscamente pelos ombros.
—Pense nisso —lhe advertiu com uma voz perigosamente baixa.
O que lhe tinha feito aquele homem para lhe suscitar aquela terrível necessidade?, Perguntou-se Amanda. Bastava aquele olhar para ele conseguir tudo o que queria dela. Só tinha que voltar e acariciá-la para obter tudo o que tão desesperadamente ela mesma ansiava lhe dar. Nem sequer tinha que lhe pedir nada. Esse a descoberta a envergonhava tanto que se obrigou a reagir:
—Já conseguiu—pronunciou, humilhada—. Quer me ouvir que pode consegui o que deseja? Certo. O desejo. Está bem assim para você?
O brilho das lágrimas em seus olhos demonstrou que a fúria não tinha passado.
Profundamente consternado, ergueu uma mão para lhe acariciar o rosto.
—Amanda…
Fechou os olhos com força. Sabia que se renderia se ele se mostrasse terno agora.
—Já tem sua conquista. Agora, agradeceria se me soltasse.
Deixou cair as mãos ao lado do corpo antes de soltá-la.
—Não vou dizer que sinto —pronunciou Sloan, mas pela maneira que tinha de olhá-la, parecia como se acabasse de destroçar algo pequeno e frágil.
—Certo. Eu sinto pelos dois.
—Amanda —de repente, Lilah apareceu no alto das escadas, observando-os com curiosidade. Acaba de chegar seu acompanhante.
—Obrigado —desesperada para escapar, entrou em seu quarto para pegar a bolsa e a jaqueta. Logo, tendo o cuidado de não olhar na direção de Sloan, desceu apressadamente as escadas.
Depois de segui-la com o olhar, Lilah se aproximou do Sloan.
—Bem. Parece-me que neste momento necessita do conselho de uma boa amiga.
—Possivelmente o que preciso seja descer para o vestíbulo e jogar esse sujeito pela janela.
—Poderia fazê-lo —assentiu Lilah—, mas Mandy sempre teve uma fraqueza especial pelos mais fracos.
Amaldiçoando entre dentes, Sloan decidiu desafogar sua frustração caminhando de um lado a outro do corredor.
—Bom, e quem é?
—Nunca o vi antes. Chama-se William Livingston.
—E?
—É alto, bonito e moreno. Muito elegante, com sotaque britânico, traje italiano, de classe alta. Com o típico brilho de riqueza e bom gosto, mas sem ser ostentoso.
—Parece que acaba de descrever um dandy.
—Só parece —repôs, preocupada.
—O que acontece?
—Más vibrações —respondeu, abraçando-se—. E tem uma aura muito turva.
—Oh, Lilah, por favor...
—Fique tranquilo, Sloan —lhe sorriu Lilah—. Lembre-se que estou do seu lado. E o senhor William Livinsgston não tem nenhuma só oportunidade com minha irmã. Não é seu tipo —rindo, acompanhou-o escada abaixo—. Ela pensa que sim, mas não. Assim relaxe e desfrute do jantar. Não há nada como a truta que prepara a tia Cordy para colocá-lo de bom humor.
Fingindo que tinha apetite, Amanda leu o menu. O restaurante que William tinha escolhido era um elegante e acolhedor com vista para a Baía do Francês.
Sentados no terraço, diante de uma mesa decorada com velas, desfrutavam da fresca brisa do mar.
Amanda deixou que ele escolhesse o vinho e tentou convencer-se de que ia passar uma agradável noite.
—Você gosta de Bar Harbor? —perguntou-lhe.
—Muito. Espero sair logo a navegar, enquanto isso me contento admirando a paisagem.
—Visitou o parque?
—Ainda não —olhou a garrafa que o garçom lhe mostrou, examinou a etiqueta e assentiu com gesto aprovador.
—Não deve perder isso por nada do mundo. As vistas da montanha Cadillac são maravilhosas.
—Já me disseram isso —saboreou o vinho, satisfeito, e esperou a que servissem para Amanda—. Possivelmente pode conseguir um pouco de tempo livre e me mostrar esses lugares.
—Não acredito que...
—As normas do hotel já se flexibilizaram —a interrompeu, chocando sua taça com a sua.
—Era isso mesmo que eu queria perguntar. Como conseguiu?
—Muito simples. Deixei o senhor Stenerson escolher. Ou fazia uma exceção com suas normas, ou eu procuraria a outro hotel.
—Entendo —pensativa, tomou um gole de vinho—. Parece-me uma medida muito drástica somente por um jantar.
—Um jantar muito delicioso. Queria conhece-la melhor. Espero que não se importe.
Qual mulher se importaria?, Perguntou-se Amanda, e se limitou a sorrir. Foi impossível não relaxar, não se sentir cativada pelas histórias que lhe contou, e adulada por seus constantes cuidados. Tinha viajado por todo o mundo, e durante o jantar, escutando suas palavras, chegou a vislumbrar Paris e Roma, Londres e Rio do Janeiro.
Mas como seus pensamentos voltavam sempre a Sloan, chegou a duvidar de sua determinação de desfrutar realmente daquela companhia.
—A cômoda de pedra de seu vestíbulo... —comentou William, já na sobremesas—... É uma peça única.
—Obrigada. É do período da Regência, acredito...
—Creio que sim —sorriu—. Se a tivesse conseguido em um leilão, ficaria me sentido muito afortunado.
—Meu bisavô a trouxe da Inglaterra quando construiu a casa.
—Ah, a casa —levou a taça de café aos lábios—. Impressionante. Quase esperei ver donzelas medievais passeando pelo jardim.
—Ou morcegos sobrevoando a torre —riu Amanda—. Sim, nós adoramos a casa. E talvez da próxima vez que visite a ilha possa se alojar no Refúgio da Torres.
—O Refúgio das Torres —murmurou, pensativo—. Onde ouvi isso antes?
—O novo projeto da cadeia hoteleira St. James?
—É obvio. Li algo a respeito há algumas semanas.
—Esperamos reformar uma parte do edifício e transformá-lo em um hotel.
Dentro de um ano, mais ou menos.
—Fascinante. Mas não existia certa lenda associada a esse lugar? Algo a respeito de fantasmas e jóias desaparecidas?
—As esmeraldas Calhoun. Pertenceram a minha bisavó.
—Ah, são reais? —esboçando um meio sorriso, inclinou a cabeça—. Eu achei que fosse um truque publicitário. «Aloje-se em uma casa encantada e procure o tesouro perdido». Esse tipo de coisas.
—Não, de fato não gostamos que esse assunto transcendesse tanto. O colar existe... Ou ao menos existiu. O que não sabemos é onde pode estar escondido. Enquanto isso, temos que suportar o aborrecimento constante que são os jornalistas e afugentar aos caçadores de tesouros.
—Eu, sinto muito.
—Temos que encontrá-lo logo para pôr um ponto final em todo este absurdo.
Uma vez que comecemos as obras de reforma, talvez apareça debaixo de uma tabua.
—Ou atrás de uma porta secreta —acrescentou William, fazendo-a rir.
—Temo que não temos nenhuma dessas portas... ao menos que eu saiba.
—Não pode ser. Uma casa como a sua merece ter ao menos uma porta secreta —pôs uma mão sobre a sua—. Possivelmente me permita ajudá-la a procurar esse colar... ou, em todo caso, utilizá-lo como desculpa para voltar a vê-la.
—Sinto muito, mas durante os próximos dois dias vou estar muito ocupada. Minha irmã se casa na sábado.
—Sempre resta o domingo —sorriu—. Eu gostaria de vê-la outra vez, Amanda. Eu gostaria muito —não insistiu mais, e ela discretamente retirou a mão.
Durante o trajeto de volta para casa conversaram sobre temas gerais. Amanda agradeceu por não voltar a pressioná-la. William Livingston era o tipo de homem que sabia tratar uma mulher tanto com respeito como com atenção. Ao contrário de Sloan.
Mas, então, por que se sentiu tão abatida quando, ao deter-se frente a casa, não viu em parte nenhuma o carro do Sloan? Tentando refazer-se de sua decepção esperou que Willian desce a volta no carro para abrir sua porta.
—Obrigado pela noite —disse—. Foi maravilhosa.
—Sim. E você também —com extremada delicadeza, colocou as mãos sobre seus ombros antes de beijá-la nos lábios. Foi um beijo leve e tenro. Mas, para sua decepção, deixou-a completamente indiferente—. De verdade que vai fazer eu esperá-la até domingo para voltar a vê-la?
Seus olhos diziam que aquele contato, ao contrário dela, não o tinha deixado indiferente. Amanda esperou sentir uma mínima pontada de desejo. Nada.
—William, eu...
—Um almoço juntos —a interrompeu, esboçando um sorriso encantador—. Um simples almoço, no hotel. Assim poderá co tinuar falando-me sobre a casa.
—De acordo —se afastou antes que pudesse beijá-la de novo—. Obrigada novamente.
—Foi um verdadeiro prazer, Amanda —esperou, como um perfeito cavalheiro, até que ela entrasse em casa. Quando a porta se fechou a suas costas, seu sorriso se transformou ligeiramente; fez-se mais duro, mais frio—. Acredite. E o prazer será ainda maior.
Voltou para seu carro. afastou-se de Las Torres, até perder-se de vista. Mas logo voltaria para dar uma rápida e sigilosa volta pelo imóvel, procurando algum acesso mais discreto.
Se Amanda Calhoun podia lhe servir para penetrar nas Torres, tudo sairia bem.
E contaria com o benefício de uma aventura fácil com uma bela mulher. Mas se esse não fosse o caso... simplesmente encontraria um meio diferente para obter o mesmo fim.
Em qualquer caso, não partiria da ilha Mount Desert sem as esmeraldas Calhoun.
—Aconteceu algo? —perguntou Suzanna a Amanda ao vê-la entrar.
—Suze —divertida, mas não surpreendida, Sacudiu a cabeça—. Ficou acordada me esperando?
—Oh, não —para demonstrar indicou a taça que sustentava em uma mão—. Estava preparando um chá para mim.
Amanda se pôs a rir enquanto se aproximava dela para lhe pôr carinhosamente as mãos sobre os ombros.
—Por que será que as Calhoun são tão incapazes de mentir?
—Não sei —reconheceu por fim Suzanna, rendendo-se à evidência—. Suponho que deveríamos praticar mais.
—Querida, parece cansada.
—Hum —pensou que «exausta» teria sido uma palavra mais adequada, mas não disse. Tomou um gole de chá antes que começassem a subir juntas as escadas—. É primavera. E todo mundo quer ter suas flores quanto antes. Bom, ao menos parece que o negócio está começando a dar benefícios.
—Continuo pensando que deveria contratar alguém para ajudá-la. Entre o negócio e os meninos, vai acabar esgotada.
—E agora quem está parecendo à mamãe? Em qualquer caso,os Jardins da Ilha precisam agüentar uma temporada mais antes de poder permitir-se contratar um trabalhador de meia jornada. Além disso, eu gosto de me manter ocupada —se deteve ante a porta do quarto de Amanda—. Mandy, posso falar com você um momento antes que se deite?
—Claro. Entre —a fez passar, e começou a descalçar-se—. Aconteceu algo errado?
—Não. Eu gostaria de saber o que pensa do Sloan.
—O que penso dele? —repetiu enquanto guardava cuidadosamente seus sapatos no armário.
—Sim, a impressão que ele produz em você. Parece um homem muito agradável. Os meninos estão encantados com ele, e isso é importante.
—Sim, é muito carinhoso com eles —Amanda tirou os brincos e os guardou em seu porta jóias.
— Sei —preocupada, Suzanna começou a caminhar pelo quarto—. Tia Cordy já o adotou. E se dá muito bem com Lilah. C.C. também o aprecia, e não só porque é um grande amigo do Trent.
—Sim —Amanda tirou o colar—.Sujeitos como ele sempre tem êxito com as mulheres.
Distraída Suzanna negou com a cabeça.
—Não, não me referia a isso. Acredito que tem uma simpatia natural. Parece um homem muito bom.
—Mas?
—Provavelmente seja imaginação minha, mas sempre que me olha, percebo uma vibrações estranhas, como hostilidade —, encolheu-se os ombros—. Nossa, estou começando a ficar com medo de me parecer com Lilah...
Amanda olhou a sua irmã no reflexo do espelho da penteadeira.
—Não, eu também já senti isso. Mas não consigo explicar o por que.
—Disse algo a você? Não espero agradar a todos, mas quando percebo um desgosto tão intenso, ao menos quero saber a que se deve.
—Ele me negou isso. Não sei o que dizer, Suzanna, exceto não me parece o tipo de homem que reaja assim, de uma maneira tão gratuita, ante uma pessoa a que nem sequer conhece —fez um gesto de impotência—. Não sei. Pode ser que ambas estejamos sendo muito desconfiadas.
—Talvez. Bom, todas estamos muito alteradas com o casamento de C. C., e com as obras de reforma. Em qualquer caso, seguro que esse homem não vai me tirar o sono esta noite —beijou Amando no rosto—. Boa noite.
—Boa noite.
Enquanto se deitava, Amanda soltou um longo e profundo suspiro. Sabia que era lamentável. E irritante. Mas estava completamente segura de que, a essas alturas, Sloan, sim, estava lhe tirando o sono.
Amanda chegou na hora exata. «Tão pontual como sempre», pensou Sloan. Caminhava com rapidez, como era habitual nela, assim teve que se apressar para alcançá-la na porta que comunicava o pátio com a piscina. Sobressaltou-se ao vê-lo.
—Não tem nada melhor que fazer?
—Quero falar com você.
—Esta é minha hora livre —abriu a porta e se voltou para ele—. Assim não tenho por que falar com você —e, para demonstrar fechou a porta em sua cara.
Sloan suspirou profundamente antes de abri-la de novo.
—De acordo, então só me escute —aproximou no momento em que estava deixando sua toalha sobre uma cadeira.
—Nem vou falar contigo nem vou escutá-lo. Não me interessa nada do que possa me dizer – tirou o roupão e, ato seguido, mergulhou na água. Sloan a observou enquanto nadava. Se não fosse por bem, teria que ser por mal.
A cada braçada que dava, Amanda o amaldiçoava. Tinha passado a metade da noite recordando o encontro que tinham tido. E se havia sentido humilhada, ao mesmo tempo que furiosa. Quando despertou aquela manhã, prometeu-se a si mesma que nunca mais lhe daria a oportunidade de tocá-la outra vez. E, sobre tudo, jamais lhe daria a oportunidade de fazê-la sentir-se tão impotente e necessitada. Estava levando a vida que queria. E nem Sloan O'Riley nem ninguém iria mudar seu caminho ou alterar seus planos.
Mas quando estava fazendo a volta, viu-o. E, mais que vê-lo, quase se chocou contra seu peito nu.
—O que está fazendo?
—Pensei que poderia conseguir que me escutasse se eu entrasse na água, em vez de ficar lá fora, gritando.
Estreitando os olhos, afastou o cabelo da rosto. Por muito que lhe desgostasse reconhecê-lo, sentia vontade de rir.
—Até as dez a pisiina não abre para clientes.
—Sério? Isso eu acho que você já tinha me dito. O que não me disse é como a água era gelada.
Nesse momento Amanda já não pôde conter-se mais e sorriu.
—Sei. Por isso nunca fico parada aqui dentro.
E continuou nadando. Em poucos segundos, ele conseguiu ficar a sua altura. Amanda descobriu que tinha tirado algo mais que a camisa. De fato, usava somente uma pequena sunga, de cor azul marinho. Cada vez que colocava a cabeça sob a água, não podia resistir a tentação de admirar seu corpo.
Seus ombros largos terminavam em uma estreita cintura. Não parecia ter um só grama de gordura sobrando. Tinha o estômago plano, musculoso, e a pele brilhava como se fosse cobre. Perguntou-se como seria deslizar os dedos por aquela pele, e sentir aqueles fortes músculos sob os dedos...
Estava tão excitada que de repente a piscina parecia haver-se convertido em uma sauna. Acelerou o ritmo. Talvez se o deixasse para trás, também poderia deixar trás aqueles pensamentos indesejáveis.
Mas Sloan continuava nadando a seu lado. Ambos atravessavam a piscina em completa harmonia, sincronizando seus movimentos. Era maravilhosa, quase sensual, a forma que tinham de erguer os braços e perfurar a água sem esforço aparente, impulsionando-se ao mesmo tempo com os pés. «Quase como se estivéssemos fazendo o amor», pensou Amanda por um instante, antes de sacudir a cabeça para desprezar aquela ocorrência.
Decidiu derrubar toda aquela frustrada paixão na velocidade. Mesmo assim, os braços e pernas de ambos seguiam cortando a água em sicronia. E Amanda começou a desfrutar daquela espécie de tácita competição. Perdeu a conta das voltas que davam, e não lhe importou. Quando já não pôde mais, apoiou-se na bordo da piscina, rindo.
Sloan pensou que nunca lhe tinha parecido tão linda como naquele momento, com aquele brilho de prazer e deleite nos olhos. Ansiava mais que nunca abraçá-la, mas tinha feito uma firme promessa a si meamo durante a noite anterior, quando não conseguira pregar o olho. E tinha intenção de cumpri-la.
—Nada muito bem. Sendo de Oklahoma.
—Você também.
Amanda começou a rir e apoiou a cabeça nos braços para olhá-lo.
—Eu gosto de competir.
—Competir? É isso o que estivemos fazendo? Eu acreditava que estávamos desfrutando de um banho relaxante.
De brincadeira Amando lhe atirou água nos olhos.
—Vai me ouvir agora? —perguntou Sloan, e ela ficou repentinamente séria.
—Deixemos disso, por favor —tomando impulso, sentou agilmente na borda da piscina.
—Mandy...
—Não quero voltar a discutir com você. Por que não podemos deixar assim?
—Porque quero pedir desculpas.
—O que? —exclamou, olhando-o assombrada.
—Quero me desculpar —sentou-se a seu lado na borda da piscina, e deslizou as mãos por seus braços até apoiá-las levemente em seus ombros—. Ontem à noite perdi as estribeiras, e sinto muito.
—Oh —baixou o olhar, desconcertada.
—Agora se supõe que tenha que dizer: « Certo, Sloan, aceito suas desculpas».
Amanda o olhou. Sentia-se muito a vontade com ele para persistir em seu aborrecimento.
—De acordo —sorriu—. Comportou-se como um autêntico estúpido.
—Muito obrigado —esboçou uma careta.
—Sim, como um estúpido e um louco. Cuspindo ameaças e ordens... Até fumaça saía por suas orelhas.
—Quer saber por que?
Amanda se dispôs a levantar-se, mas ele a impediu.
—Não podia suportar a idéia que visse outro homem. Olhe para mim—ergueu seu queixo delicadamente—. Foi como se ativasse uma estranha engrenagem no meu interior. É algo que não posso evitar. Nem quero fazê-lo.
—Não penso que...
—Pensar nada tem nada a ver com isso. Sei o que sinto quando a olho.
A pontada de pânico que por um instante sentiu Amanda não podia competir com a onda de prazer que a inundava.
—Direi isso de forma mais clara —acrescentou Sloan—:estou apaixonando por você.
—Não pode estar falando sério —se voltou para olhá-lo, estupefata.
—Claro que sim. E você sabe, porque caso contrário não me estaria olhando assim.
—Eu não...
—Não estou perguntando o que sente —a interrompeu—.Estou dizendo o que sinto, para que vá se acostumando com isso.
Amanda não acreditava que pudesse se acostumar a isso. Muito menos que pudesse se acostumar a ele. E, certamente, seria impossível acostumar-se aos sentimentos que buliam em seu interior. Seria isso o amor? perguntou-se. Aquela inquietante e aterradora sensação que podia tornar-se cálida e tenra sem prévio aviso?
—Não... não estou segura de que...
—Me beije, Calhoun.
Amanda se liberou de seu abraço:
—Não vou voltar a beijá-lo, só porque penso nisso. É como se meu cérebro derretesse.
—Querida —sorriu—, isso é a coisa mais bonita que me disse ate agora.
Enquanto ele terminava de sair da piscina, Amanda recolheu rapidamente sua toalha, tensa.
—Fique afastado de mim. Falo sério. Ou me dá um tempo para assimilar tudo isto... ou juro que brigaremos. Estou acostumada a golpear abaixo da cintura — havia tanto diversão quanto desafio em seus olhos—. Em uma região que, neste momento, não esta nada protegida.
—Estou a sua disposição. O que acha de darmos uma volta por aí quando sair do trabalho?
Pensou que seria maravilhoso percorrer com ele as colinas, desfrutando da brisa fresca. Mas, infelizmente, o dever estava em primeiro lugar.
—Não posso. Esta noite é a festa do C.C. Queremos lhe fazer uma boa surpresa quando voltar do trabalho —de repente franziu o cenho—. Está na lista que lhe dei. Não se lembra?
—Bem, imagino que esqueci. Amanhã então.
—Tenho uma entrevista com o fotógrafo, e depois terei que ajudar Suzanna com as flores. E a tarde seguinte tampouco —se adiantou antes que pudesse lhe perguntar—. Chegará a maioria dos convidados de fora, e, além disso, tem o jantar.
—E logo o casamento —pronunciou Sloan, assentindo—. E depois do casamento...
—Depois do casamento... —sorriu, dando-se conta, de repente, que estava gostando daquela situação—. Logo saberá —e, recolhendo seu roupão, dirigiu-se para a porta.
—Hei. Eu não tenho toalha.
—Eu sei —respondeu, rindo.
Naquela mesma tarde Sloan se encontrava no terraço do andar de baixo, fazendo esboços do exterior Das Torres. Queria acrescentar outra escada externa, mas sem que afetasse à harmonia do edifício. De repente, deixou de desenhar quando Suzanna apareceu com duas cestas de flores.
—Desculpe-me —hesitou, e a seguir ensaiou um sorriso—. Não sabia que estava aqui. Queria decorar a terraço para a festa de C. C.
—Sairei dentro de um momento.
—Oh, não importa —deixou as cestas no chão e voltou a entrar na casa.
Durante os minutos seguintes ficou entrando e saindo, carregada com cadeiras e artigos decorativos. E tudo isso em meio de um tenso e pesado silêncio, até que finalmente se deteve para olhá-lo.
—Senhor O'Riley, nos vimos antes? Perguntava-me isso porque tinha a sensação de que você me conhecia... e que tinha algo contra mim.
—Não a conheço... senhora Dumont.
—Então por que...? —interrompeu-se. Detestava discussões, provocavam-lhe uma tensão insuportável. Voltando-se, dispôs-se a retroceder. Podia sentir seu olhar fixo nela, frio e ressentido—.Estou em minha casa, senhor O’Riley, e quero saber que problemas você tem comigo.
Sloan lançou seu caderno de esboços sobre a mesa mais próxima.
—Meu sobrenome não lhe faz lembrar de nada, senhora Dumont?
—Não, por que teria que me lembrar?
—Talvez sim, se lhe acrescentasse um nome: Megan O'Riley. Recorda agora?
—Não —frustrada, passou-se uma mão pelo cabelo—. Aonde quer chegar?
—Suponho que para alguém como você seja fácil esquecer. Sim, ela não foi mais que uma ligeira inconveniência em sua vida.
—Quem?
—Megan. Minha irmã Megan.
Completamente desorientada, Suzanna negou com a cabeça.
—Eu não conheço sua irmã.
O fato de que seu nome nada significasse para ela não fez mais que aumentar sua irritação. Levantou-se, ignorando o temor que se refletia em seus olhos.
—Não, claro, você alguma vez chegou a encontrá-la cara a cara? —disse, furioso—. Para que se incomodar? Conseguiu se livrar dela, como se fosse um aborrecimento. Baxter Dumont sempre foi um miserável, mas ela o amava.
—Sua irmã? —Suzanna levou uma mão trêmula a têmpora—. Sua irmã e Bax.
—Já começou a lembrar? —quando ela começou a afastar-se, ele a impediu agarrando-a pelo braço—. Foi por amor ou por dinheiro? —perguntou-lhe—. Em qualquer caso, poderia ter tido um pouco de compaixão. Maldita seja, ela estava sozinha, tinha dezessete anos e estava grávida. Custava pelo menos permitir que o canalha visitasse a criança?
Ficou-se branca como a cera.
—Seu filho —sussurrou.
—Só era um menino, um menino assustado que acreditava em todas as mentiras que lhe contavam. Eu queria matar seu pai, mas com isso somente teria conseguido piorar as coisas para Meg. Entretanto você... você não sentiu piedade alguma. Seguiu adiante com sua vida fácil, como se Megan e o menino não existissem. E quando ela a chamou suplicando-lhe que deixasse Baxter ver o menino uma ou duas vezes ao ano, você a insultou e a ameaçou tirar a criança se voltasse a incomodar seu maridinho.
Suzanna não podia respirar.
—Por favor. Por favor, preciso me sentar.
Mas Sloan continuava olhando-a fixamente. Enquanto o ímpeto de sua raiva cedia pouco a pouco, pôde ver que não havia vergonha em seus olhos, nem tampouco desprezo, ou fúria. Não. Havia somente um puro assombro.
—Meu deus —exclamou em voz baixa—. Não sabia.
A única coisa que Suzanne pode fazer foi negar com a cabeça. Ao sentir que a pressão de sua mão afrouxava, voltou-se e entrou na casa. Sloan ficou durante uns segundos onde estava, sem se mover. Todo o desgosto que tinha sentido por Suzanna se voltou de repente contra si mesmo.
Quando ia sair em sua busca, tropeçou com uma furiosa Amanda na soleira.
—Que diabos você lhe disse para que esteja chorando assim?
—Para onde ela foi?
—Não voltará a se aproximar dela. Quando penso que tinha começado a acreditar que poderia... maldito seja, Sloan.
—Nada do que diga poderá piorar a opinião que tenho de mim mesmo. Onde ela está?
—Vá pro inferno —fechou bruscamente a porta do terraço e trancou a porta.
Sloan pensou por um instante em derrubar com um chute, mas logo, praguejando entre dentes, dirigiu-se à escada de pedra que rodeava a casa. Encontrou Suzanna no terraço do segundo piso, contemplando as escarpas e o mar. Já tinha dado um passo para ela quando Amanda apareceu de novo.
—Afaste-se dela —gritou, rodeando com um braço os ombros de sua irmã—. Não se aproxime. E volte para o lugar de onde veio.
—Isto não é assunto seu.
—Está bem —murmurou Suzanna, apertando a mão de Amanda—. Preciso falar com ele, Mandy. A sós.
—Mas...
—Por favor. É importante. Desça e termina de preparar tudo, ok?
Desconfiada, Amanda deu um passo para trás
—Se isso é o que quer... —murmurou, mas lançou em seguida um olhar assassino para Sloan. - E você, tome cuidado.
Uma vez sozinhos, Sloan não sabia por onde começar.
—Suzanna...
—Como se chama o menino?
—Não...
—Maldição, como se chama? —sua expressão de estupor tinha sido substituída por lágrimas de fúria—. É o meio-irmão de meus filhos. Quero saber como se chama.
—Kevin. Kevin O'Riley.
—Quantos anos têm?
—Sete.
Voltando-se de novo a olhar o mar, Suzanna fechou os olhos. Sete anos atrás ela tinha sido uma jovem feliz e apaixonada, cheia de sonhos e ilusões.
—E Baxter sabia? Sabia que ela tinha tido um filho dele?
—Sim, sabia. Ao princípio Megan não disse a ninguém quem era o pai. Mas depois que a chamou e falou contigo... mas na realidade não falou com você, certo?
—Não —Suzanna continuava com o olhar fixo no mar—. Possivelmente foi com a mãe do Baxter.
—Quero me desculpar.
—Não há necessidade. Se isso lhe tivesse acontecido a uma de minhas irmãs, acredito que teria reagido muito pior que você. Continue.
Sloan percebeu que era mais dura do que tinha acreditado, mas isso não conseguiu aliviar em nada o peso de sua culpa.
—Depois de fazer aquela ligação, ela desmoronou. Foi então quando finalmente me contou tudo. Tinha conhecido Dumont em uma viagem que fez a Nova Iorque, com uns amigos. Ele se encontrava a negócios e se mostrou interessado por ela. Minha irmã nunca tinha estado em Nova Iorque antes, e se sentiu entusiasmada. Era apenas uma menina.
—Dezessete anos —murmurou Suzanna.
—Era muito ingênua —acrescentou Sloan com um tom de amargura—. Baxter lhe contou a história de costume: que estava disposto a ir a Oklahoma e conhecer sua família, e que queria casar-se com ela. Mas uma vez que Megan retornou para casa, já não voltou a ter notícias dele. Falou com ele por telefone várias vezes, e só recebeu desculpas e mais promessas. Logo descobriu que estava grávida — se esforçou por dominar-se, procurando não recordar de como ficou furioso quanto soube da noticia—. Quando contou a , Baxter ele mudou a tática. Disse a ela palavras horríveis, e minha irmã amadureceu. Muito rápido.
—Foi uma situação terrivelmente difícil para ela... ter um filho sozinha ...
—Mas conseguiu. A família a apoiou. Felizmente, o dinheiro não constituiu nenhum problema, assim pôde atender perfeitamente às necessidades do menino e dela mesma. Ela nunca aceitou seu dinheiro, Suzanna.
—Compreendo.
Sloan assentiu lentamente.
—E quando Kevin nasceu... bom, Megan se comportou estupidamente. Vivia pensando em Baxter e tentou falar novamente com ele, sem êxito, e ao final apelou para sua esposa. A única coisa que ela queria era que seu filho tivesse algum contato com o pai.
—Sloan, se eu tivesse alguma influência sobre o Bax, a teria usado —ergueu as mãos e depois as deixou cair, impotente—. Mas não tinha.
—Suponho que no final foi melhor para o Kevin. Suzanna... —passou a mão pelo cabelo—... com que diabos uma mulher como você pôde relacionar-se com um sujeito como Dumont?
Suzanna sorriu levemente.
—Era jovem e ingênua, como sua irmã, e acreditava nas histórias com finais felizes.
Sloan sentiu o impulso de tomar uma mão, mas vacilou. Temia que pudesse ser rejeitado.
—Você me disse antes que não queria que eu pedisse desculpas, mas eu se sentiria muito melhor se as aceitasse.
Finalmente foi ela quem lhe ofereceu a mão.
—Isso, entre familiares, sempre é fácil. Porque suponho que, de uma maneira certamente estranha, você e eu estamos aparentados —mais tarde, prometeu-se a si mesmo, teria tempo e lugar adequado para desafogar sua dor—. Quero lhe pedir algo. Eu gostaria que meus filhos conhecessem Kevin, a não ser que sua irmã não queira, ou lhe afete muito...
—Acredito que isso significaria muito para ela. Farei todo o possível.
—Jenny e Alex adorariam —olhou seu relógio—.Provavelmente já voltaram do colégio e deve-me estar deixando tia Cordy louca. Será melhor eu ir. Sloan desviou o olhar para a escada que conduzia ao terraço superior. E pensou em Amanda.
—Eu também. Tenho outro assunto para tratar.
Suzanna o olhou arqueando uma sobrancelha.
—Boa sorte.
Sloan teve o pressentimento de que ia necessitar. E, quando chegou ao terraço, estava absolutamente seguro disso. Ali estava Amanda, pendurando grinaldas e serpentinas enquanto Lilah atava globos brancos nos respaldos das cadeiras. Tinha desdobrado uma larga mesa coberta com um fino jogo de mesa.
Amanda ouviu os passos de suas botas nos degraus e se voltou para lhe lançar um olhar letal.
—Bom —pronunciou Lilah enquanto terminava de atar um globo—,irei ver se tia Cordy já terminou com aqueles palitinhos de chocolate —ao passar do lado de Sloan, deteve-se por um instante. Ao contrário do olhar de Amanda, o seu não revelava hostilidade, mas o sentido de suas palavras não deixava lugar para dúvidas—. Detestaria ter me equivocado em relação a você —e saiu do terraço, deixando-os a sós.
Amanda, por sua parte, não perdeu o tempo:
—Ainda tem o descaramento de aparecer diante de mim depois do que fez?
—Suzanna e eu já nos acertamos.
—Ah, espera que eu acredite nisso? Quando penso que há apenas algumas horas esteve a ponto de me convencer de que é o tipo de homem que eu... Quando volto para casa, encontro você fazendo minha irmã chorar. Quero saber o que você fez.
—Tinha uma informação equivocada sobre ela. E sinto terrivelmente.
—Isso não basta.
Depois de todo o ocorrido, Sloan não se sentia em condições de mostrar-se razoável.
—Bom, pois terá que te bastar. Se quiser saber mais, pergunte a ela.
—Estou perguntando a você.
—E eu estou dizendo que o que aconteceu foi algo particular... entre ela e eu. Não tem nada a ver com você.
—Aí é onde se engana —cruzou o terraço e se aproximou dele—. Se tiver incomodado a uma Calhoun, incomodou todas as demais. Quando terminar o casamento, farei todo o possível para que você volte de onde veio.
Cada vez mais tenso Sloan a agarrou pelas lapelas da jaqueta.
—Já lhe disse isso antes: eu sempre acabo o que começo.
—É você que está acabado, O'Riley. Esta casa não precisa de você e eu tão pouco. Estava a ponto de lhe demonstrar quão equivocada estava quando Trent saiu para o terraço. Depois de lançar um olhar para seu amigo e para sua futura cunhada, claramente no meio de uma discussão, levou a mão a garganta.
—Parece que foi importuno de minha parte...
—Foi sim —o interrompeu Amanda—. Esta noite é a festa de C.C., e não queremos homens na casa. Assim... por que não leva este estúpido com você? - saiu do terraço, furiosa.
—Bom —suspirou Trent—, Sinto muito não tê-lo prevenido sobre o temperamento das Calhoun quando o chamei para lhe oferecer este trabalho.
—Não, não me avisou. Diga-me, há neste povoado algum escuro e ruidoso bar onde se possa tomar algo?
—Suponho que poderíamos encontrar algum.
—Bem. Pois vamos nos embebedar.
Trent encontrou o bar, e Sloan a garrafa. Ia já pela segunda taça de uísque quando lhe contou sobre a conversa com Suzanna.
—Baxter Dumont é o pai do Kevin? Não havia me dito isso.
—Prometi a Meg que nunca contaria para ninguém. Nem seus amigos sabem.
Trent ficou em silencio por um momento, pensativo.
—É difícil imaginar que um canalha tão egoísta como ele tenha podido ter três filhos tão maravilhosos.
—Sim, é um verdadeiro enigma. O caso é que desabafei com Suzanna —se interrompeu, praguejando entre dentes—. Maldição, Trent, nunca esquecerei a maneira que me olhou quando lhe disse todas aquelas coisas.
—Ela vai superar. C.C me contou que, Suzanna já enfrentou coisas piores.
—Já, possivelmente. O problema é que se encontrava nesse estado de ânimo quando Amanda nos encontrou.
—Imagino. As duas são muito unidas. Mas por que não explicou tudo a ela?
—Não era assunto dela.
—Mas a mim acaba de explicar.
—É diferente.
—Ouça, não quer pedir algo para comer com isso? —assinalou sua taça de uísque.
—Não.
Permaneceram durante um momento em silêncio. Como sentia raiva de si mesmo, Sloan estava começando a desfrutar da sensação de embebedar-se pouco a pouco. E Trent, que reconhecia os sintomas, mantinha-se sóbrio.
—Sabe? Essa maldita mulher esta me deixando louco desde a primeira vez que a vi —lhe confessou Sloan, se referindo a Amanda.
—Sei —recostando-se em seu assento, Trent sorriu—. Acredite, entendo a sensação.
—Primeiro se aproxima de mim, e logo me despede me dando uma patada no traseiro. Depois não posso pronunciar duas palavras sem que me mostre as garras —depois de pedir outra taça, inclinou-se sobre a mesa—. Faz dez anos que me conhece. Não é verdade que sou um tipo de homem afável, de bom caráter?
—Absolutamente —sorriu Trent—. Exceto quando perde e se põe de mau humor.
—Aí está —deu um tapa na mesa e tirou um charuto—. Então, que diabos acontece com essa mulher?
—Não sei. Diga-me isso você.
—Eu lhe direi isso. Tem um caráter endiabrado e a teimosia de uma mula.
Ao ver que engolia de um só vez outra taça, Trent esboçou uma careta.
—Vou ter que levá-la carregada para casa?
—Muito provavelmente. Por que quer se casar, Trent? Estava tão bem sozinho, sem complicações de nenhum tipo...
—Porque amo C.C.
—Sei —suspirou—. Elas sempre fazem de tudo para conseguir. Atam-lhe e lhe enredam até que deixa de pensar com lógica. Viu o jeito que ela tem de se mover?
O jeito que ela inclina a cabeça quando briga ou grita? Tomou outro gole de uísque—. Queima-me por dentro. Fico aturdido. Perco a consciência. E quando me recupero, estou atordoado, tremendo.
Cuidadosamente, Trent deixou sua taça sobre a mesa e observou atentamente seu amigo.
—Sloan, isto está chegando ao ponto que parece está chegando, ou está simplesmente bêbado?
—Não o suficiente. Desde que a vi, não pude dormir nenhuma só noite bem. E desde que pus pela primeira vez os olhos nela é como se já não existisse ninguém mais. Como se já não fosse existir ninguém mais —acotovelando-se na mesa, esfregou o rosto com as duas mãos—. Estou loucamente apaixonado por ela, Trent.
—Isso são as Colhoun! —comentou, sorrindo—. Bem-vindo ao clube.
Esteve chovendo o dia todo, assim não pude descer aos escarpados para ver Christian. Durante a maior parte da manhã estive brincando com os meninos. Para mim, foi um daqueles dias tão agradáveis que as mães sempre recordam: a risada dos meninos, as graciosas perguntas que insistem fazer, a doçura com que dormem em seu colo quando se aproxima a hora da siesta...
Acredito que a lembrança desse dia comum é um dos mais belas que já tive.
Muito em breve meus meninos começarão a deixar de ser criança. Colleen já está falando de bailes e vestidos longos. Isso me tem feito perguntar como teria sido minha vida se tivesse casada com o Christian. Será que ele se mostraria indiferente com os meus filhos? Teria brincado e rido com eles? Teria rido como o rira naquelas horas preciosas nas escarpas?
E teria sido feliz, sem essa amarga dor que me corrói o coração. Sem esta culpa. Então… não teria necessitado procurar o silêncio e a solidão de minha torre, ou ficar sentada sozinha contemplando a chuva cinza enquanto recolho meus pensamentos neste diário.
Teria podido viver meus próprios sonhos.
Mas tudo isto não deixa de ser uma fantasia, como um desses contos que leio aos meninos na cama. Um conto com final feliz, de preciosas princesas e formosos príncipes. E minha vida não é um conto de fadas. Mas, possivelmente, algum dia alguém leia estas páginas e descubra minha história. Espero que essa pessoa tenha um coração amável e generoso, e não me condene por deslealdade a um marido ao que nunca amei, mas sim se regozije comigo por aqueles poucos momentos compartilhados com um homem ao qual amarei inclusive depois da morte.
Sloan tinha o cérebro cheio de homenzinhos batendo martelos e fazendo ruído. Ou ao menos essa era sua sensação. Com o intento de sossegá-los, rolou algumas vezes na cama. Tremendo engano, já que aquele movimento parecia ter dado o sinal para que uma pequena banda de música executasse uma marcha marcial, com todo luxo de instrumentos de percussão.
Em vão cobriu uma e outra vez a cabeça com o travesseiro, porque não demorou em dar-se conta de que o ruído que torturava seu sistema nervoso não procedia somente de sua ressaca. Alguém estava chamando a sua porta. Ao fim, dando-se por vencido, levantou-se da cama e foi abrir.
Amanda percebeu imediatamente que tinha um aspecto lamentável, com aquelas olheiras, a barba sem fazer e a expressão azedo. Usava o jeans aberto, como se tivesse dormido antes de conseguir tirá-lo.
—Puxa, parece que sua noite foi de arrasar.
Ela, pelo contrário, tinha um aspecto fresco e descansado.
—Se veio aqui tentar estragar meu dia, chegou muito tarde —tentou fechar a porta, mas ela o impediu e entrou no quarto.
—Tenho algo para lhe dizer.
—Já me disse.
—Suponho que esteja se sentindo muito mal —comentou, comovida por seu tom abatido.
—Bastante mal? —fechou os olhos—. Não, me sinto ótimo. Eu adoro as ressacas.
—O que precisa é uma ducha fria, uma aspirina e um café da manhã decente.
—Calhoun, está pisando em um terreno perigoso —voltou para o dormitório.
—Não vou demorar muito —o seguiu, decidida a cumprir sua missão—. Só quero falar com você sobre... —interrompeu-se quando Sloan fechou a porta do banheiro em sua cara—. Grosso —suspirando, apoiou as mãos nos quadris.
Dentro do banheiro, Sloan tirou os jeans e entrou na ducha. Apoiando-se na parede de azulejo, abriu a água fria. A maldição que soltou ressonou em toda o quarto.
Pouco depois saiu e tomou uma aspirina. Bem, pensou irônico, a ressaca não desapareceu. Mas pelo menos estou desperto o bastante para aprecia-la em todos seus nuances. Depois de enrolar uma toalha à cintura, saiu do banheiro.
Tinha pensado que Amanda captaria sua mensagem, mas ali estava ela, inclinada sobre sua mesa de desenho. Antes tinha arrumado o quarto, esvaziado os cinzeiros, retirando copos e pratos, separando a roupa suja. De fato, naquele instante tinha as mãos carregadas de roupa enquanto contemplava seus desenhos, com os óculos de leitura.
—Que diabos está fazendo?
Elevou o olhar e sorriu, decidida a mostrar-se amável.
—Oh, já saiu —ao vê-lo vestido unicamente com uma pequena toalha, procurou por todos os meios não baixar o olhar de seus olhos—. Só estava dando uma olhada em seu trabalho.
—Não referia a isso, por que não foi embora? Você não trabalha no serviço de quarto, não é?
—Não entendi como conseguia trabalhar em meio de um semelhante caos, assim arrumei um pouco isto aqui.
—Eu gosto de trabalhar no caos. Se não fosse assim, teria arrumado eu mesmo este maldito quarto.
—Ótimo —repentinamente furiosa, lançou no ar o monte de roupa que até aquele momento tinha estado carregando nos braços—. Melhor assim?
Lentamente Sloan recolheu a camiseta que tinha aterrissado sobre sua cabeça.
—Calhoun, sabe o que é mais perigoso que um homem com ressaca?
—Não.
—Nada —já tinha dado um passo em sua direção quando voltaram a bater na porta.
—É seu café da manhã —o informou Amanda quando foi abrir—. Eu mesma me encarreguei disso.
Dando-se por vencido, Sloan se deixou cair no sofá.
—Não quero nenhum maldito café da manhã.
—Bem, coma isso e deixe de se compadecer de si mesmo —mostrou a comida e recolheu a bandeja para depositá-la na mesa baixa, de frente a ele—. Café puro, torradas e suco de tomate com molho picante.
A contra gosto, Sloan tomou um gole de café. Satisfeita com aquele bom começo, Amanda tirou os óculos e as guardou em um bolso. Ele estava com um aspecto verdadeiramente patético. Mesmo assim, sentiu o forte impulso de ajoelhar-se a seu lado e lhe acariciar o cabelo molhado.
Mas estava segura de que ele lhe daria um tapa e seu instinto de sobrevivência era tão forte ou mais que aquele impulso.
—Trent me disse que ontem esteve bebendo muito.
Depois de provar o suco de tomate, olhou-a carrancudo.
—Por isso veio correndo comprovar com seus próprios olhos.
—Não exatamente. Pensei que possivelmente tinha se embebedado por minha culpa, e me pareceu que devia...
—Espere um momento. Se me embebedei foi porque quis.
—Esta bem, mas...
—Não quero sua compaixão, Calhoun. Nem tampouco seu arrependimento.
—Tudo bem —no interior de Amanda começaram a batalhar o orgulho e a fúria. Ganhou o orgulho—. Queria apenas lhe pedir desculpas.
—Por que? —perguntou Sloan, mordendo uma torrada.
—Pelo que eu falei e por meu comportamento de ontem —incapaz de ficar quieta, aproximou-se da janela e a abriu de fora a fora—. Embora siga pensando que estava plenamente justificado. Depois de tudo, eu sabia que havia dito a Suzanna algo que a tinha afetado terrivelmente —entretanto, havia um brilho de culpa em seus olhos quando se voltou para ele—. Quando ela me contou sobre sua irmã, e Bax, percebi que tinha agido errado. Maldição, Sloan, você devia ter me contado.
—Possivelmente. E possivelmente você não acreditaria em mim.
—Não foi um problema de confiança, mas sim de reflexo automático. Você não sabe o quanto Suzanna sofreu. Você viu o sofrimento de sua irmã, então deve compreender por que não pude suportar vê-la assim outra vez —Ela tinha os olhos cheios de lagrimas—. E foi ainda pior, porque... sinto algo por você.
Se havia algo contra o que Sloan não tinha nenhuma defesa, eram as lágrimas.
Desesperado por consolá-la, levantou-se para lhe tomar as mãos.
—Ontem cometi um montão de enganos —sorrindo, acariciou-lhe a face com o dorso da mão—. Suponho que pedir desculpas é tão difícil para você quanto para mim.
—Tem razão.
—Por que não o deixamos um empate? —perguntou.
Mas quando baixou a cabeça para beijá-la, ela se afastou.
—Preciso pensar com um mínimo de claridade.
—E eu preciso fazer amor com você —voltou a lhe tomar a mão.
—Eu... —o coração tinha subido à garganta—... Bem ... estou trabalhando. Já acabou minha meia hora livre, e Stenerson... —Sorrindo começou a lhe beijar os dedos. A ressaca se transformou em uma dor discreta, não tão perceptível como outra, mais doce, que lhe atava as vísceras—. Diga-lhe que necessito dos serviços de sua ajudante executiva por um par de horas.
—Penso que...
—Outra vez pensando... —murmurou Sloan, acariciando os lábios com os seus.
—Não, de verdade, tenho que... —a mente se nublou quando ele começou a beijar seu pescoço—. Tenho que voltar para o trabalho. E eu... —inspirou profundamente—... preciso estar segura —. Tenho que saber o que estou fazendo.
—Vou lhe dizer uma coisa Calhoun, pense nisso. E pense profundamente. Pois depois do casamento, voltaremos a conversar sobre isso. Como combinado. — antes que ela pudesse relaxar, segurou firmemente seu queixo com uma das mãos—. E depois do casamento, se não vim até a mim, será melhor que saia correndo.
—Isso parece um ultimato —replicou Amanda, franzindo o cenho.
—Não, é um fato. E se eu fosse você, sairia agora mesmo por essa porta, quando ainda está em tempo de fazê-lo.
Toda digna Amanda partiu não sem antes se voltar para ele com um sorriso que o desenquadrou ainda mais.
—Aproveite de seu café da manhã.
E fechou batendo a porta, em vingança. Quase podia imaginar ele segurando a cabeça dolorida com as mãos.
—Não imaginava que ficaria tão nervosa —C.C. contemplava fixamente o vestido de casamento, de seda, pendurado no armário—. Possivelmente seria melhor que me pusesse simplesmente uma roupa normal...
—Não seja ridícula. E fique quieta —Amanda se inclinou para ela para acrescentar um pouco de ruge a suas bochechas—. Suponho que você tem que estar tranqüila —É verdade —desgostada consigo mesma, C.C. levou uma mão ao estômago—. Amo Trent e quero me casar com ele, por que teria que ficar nervosa agora, quando isso vai acontecer? —voltou a olhar o vestido e engoliu saliva—. Falta menos de uma hora.
—Possivelmente deveria chamar tia Cordy para animá-la — Amanda sorriu.
—Muito engraçado. Suzanna não vem?
—Já lhe disse isso, logo que termine de vestir aos meninos. Jenny adora a idéia de vestir-se de dama de honra, mas Alex não parece muito contente com a idéia de ter que levar os anéis em uma almofada de cetim. E, antes que me pergunte isso outra vez, supõe-se que Lilah tenha que ficar lá em baixo e ocupar-se dos detalhes de última hora. Embora ainda não sei por que diabos temos que confiar nela...
—Ela fará o trabalho muito bem. Nunca falha nos momentos importantes —a tranqüilizou C.C.—. E este o é, Mandy.
—Sei, querida. É o dia mais importante de sua vida —com os olhos nublados de emoção, aproximou e beijou seu rosto—. Oh, tenho a sensação de que deveria dizer algo profundo, mas a única coisa que me ocorre dizer é que seja feliz.
—Serei. E não pense que estou indo embora de casa. Viveremos aqui a maior parte do tempo, exceto quando... quando estivermos em Boston —sua garganta se apertou em um nó.
—Não comece outra vez —lhe advertiu Amanda—. Falo sério. Depois de todo o trabalho de ficar linda, não vai começar a chorar agora. Vamos nos vestir então...
Quando Suzanna desceu pouco depois, com um filho em cada mão, também teve que fazer um esforço por não chorar.
—Oh, C.C.! Está maravilhosa!
—Sério? —nervosa, ajustou-se um laço no pescoço. O vestido era de uma elegante simplicidade, quase sem adornos—. Possivelmente teria que ter vestido algo menos formal...
—Não, é perfeito —comentou, e se dirigiu depois ao seu filho—. Alex, fique quieto, por favor.
—Odeio esta jaqueta.
—Já sei, mas terá que agüentar. Tenho algo para você —disse a C.C. enquanto lhe dava uma pequena caixa. Dentro havia uma safira em forma de lágrima, no meio de uma corrente de ouro.
—A corrente de mamãe.
—Tia Cordy me deu isso quando... no dia de meu casamento —abraçou sua irmã, emocionada—. Quero que a leve e conserve como se fora sua.
C.C. fechou os dedos sobre a safira.
—Já não estou nervosa.
—Agora sou eu que estou a ponto de chorar —temerosa de dizer mais, Amanda lhe deu um rápido beijo—. Vou descer para me assegurar de que tudo está preparado.
—Mandy...
—Sim, direi a Lilah que suba —e saiu do quarto para descer correndo as escadas. Somente se deteve um instante no corredor para ajeitar o penteado ante o espelho, mas foi quando viu o Sloan.
—Está linda. Simplesmente linda.
—Obrigado.
Olharam-se durante alguns instantes. Ele de fraque, e ela com um lindo vestido comprido cor de pêssego.
—Er... sabe onde está Trent?
—Precisava de alguns minutos de solidão. Seu pai lhe deu alguns conselhos... — sorriu—. Quando um homem se casou tantas vezes como o senhor St. James, sempre se acha no direito de dar algum conselho interessante —e pôs-se a rir ao ver a expressão da Amanda—. Não se preocupe, eu o levei ao jardim para que tomasse uma taça de champanhe com Cordy. Parece que são velhos amigos.
—Acredito que se conhecem há muito tempo—ao ver que se aproximava dela, Amanda começou a falar com rapidez, tagarelando de puro nervosismo—. Está magnífico. Não imaginava que ficaria tão bem de fraque —e acrescentou, quando começou a rir—. Não, não queria dizer isso, mas sim...
—Fica muito bonita quando ruboriza.
—Bom, devo ir —pronunciou—. Começaremos dentro de uns minutos. Terá que se ocupar dos convidados.
—A maior parte está já no jardim.
—O fotógrafo.
—Já falei com ele.
—O champanhe?
—No gelo —deu um passo em sua direção e ergueu o queixo com um dedo—. Fica tão nervosa em casamentos, Calhoun?
—Sim.
—Vai dançar comigo?
—É obvio.
Começou a brincar com as flores que adornavam seu cabelo.
—E depois?
—Eu...
—C.C. já está preparada! —gritou de repente Alex, aparecendo no alto das escadas.
—Muito bem —sorriu Sloan—. Já vou me assegurar de que o noivo está em seu posto.
—De acordo... maldição! —exclamou Amanda quando soou seu celular—. Diga? Oh, William, não posso falar agora com você. Vai começar o casamento... Amanhã? —levou uma mão ao penteado, com gesto distraído—. Não, é obvio. Hum... sim, está bem. A primeira hora da tarde seria melhor. As três? O verei a essa hora —quando desligou o telefone, voltou-se para descobrir que Sloan olhava-a com frieza.
—Está correndo um grande risco, Calhoun.
—O que quer dizer? —perguntou-lhe, franzindo o cenho.
—Falaremos disso depois. Temos um casamento para fazer.
—Tem toda a razão.
Momentos depois, as mulheres da família Calhoun ocuparam seus lugares no caminho do jardim que levava ao altar, situado sob uma carpa. Primeiro Suzanna e logo Lilah e Amanda, seguidas de uma radiante Jenny e um visivelmente envergonhado Alex. Amanda se esforçava para não olhar na direção de Sloan, mas não demorou para esquecer-se de tudo ao ver sua irmã avançar, coberta por um véu branco, de braço dado com Cordy.
Embargada de emoção contemplou a cerimônia. Através das lágrimas viu quando Trent deslizou um anel de esmeraldas no dedo de C.C. O olhar de amor que trocaram foi mais eloqüente do que todas as promessas e votos do mundo.
Segurando a mão de Lilah e de Suzanna, pôde ver a expressão radiante que iluminou o rosto de sua irmã quando recebeu o primeiro beijo de seu marido.
—Já terminou tudo? —quis saber Meg.
—Não —respondeu Amanda enquanto seu olhar se desviava para o Sloan—. Acaba de começar.
— Um maravilhoso casamento —depois de beijá-la nas bochechas, o pai de Trent felicitou efusivamente Amanda—. Meu filho comentou que você tinha organizado tudo.
— Eu gosto de detalhes —respondeu, e lhe ofereceu um prato do buffet.
—Eu já tinha ouvido falar sobre isso —alto, esbelto e de tez bronzeada, St. James sorriu—. E também que todas as irmãs Calhoun eram maravilhosas. Agora pude comprová-lo com meus próprios olhos.
— Nos sentimos encantadas de tê-lo na família — Amanda sorriu enquanto lhe servia um prato de comida.
—Que maravilha é a vida. Há um ano eu estava navegando em meu iate por essa baía e me fixei nesta casa. Nada mais via a não ser ela, disse-me que tinha que ser minha. E agora não só é parte de meu negócio, mas também de minha família —olhou para C. C. e para Trent, dançando na terraço—. Ela o tem feito feliz — acrescentou com tom suave—. E isso é algo que eu não consegui —encolheu os ombros, colocou de lado este pensamento—. Gostaria de dançar?
—Eu adoraria.
Não tinha dado nem três passos na pista quando Sloan se aproximou com Cordy e trocaram de casal.
—Podia haver me pedido para dançar —murmurou Amanda quando ele deslizou os braços por sua cintura.
—Já lhe pedi isso antes. Parabéns. Fez um excelente trabalho com este casamento.
—Obrigado. Espero que seja o último que tenha que organizar em muito tempo.
—Você não pensa em se casar?
Amanda perdeu o passo, nervosa, e esteve a ponto de tropeçar.
—Não, isto é... sim, mas não...
—Isso que chamo de uma resposta clara.
—O que quero dizer é que é algo que não entra em meus planos a curto prazo.
Durante os próximos anos vou estar muito ocupada com o hotel. Sempre quis dirigir um hotel de primeira classe. É para isso que estive me preparando, e agora que Trent me deu a oportunidade, não posso me permitir dividir minhas obrigações.
—Uma interessante maneira de pensar. Em meu caso, sempre que me comprometi em alguma relação, em qualquer dos lugares que visitei em minhas viagens, terminei descobrindo que se tratava de um engano.
—Sim, também corro este risco —aliviada ao ver que não estavam discutindo, sorriu—. Nunca lhe perguntei isso, mas suponho que terá viajado muito.
—Sim. Ouça, por que não vamos a um lugar tranqüilo onde possamos falar de tudo isto?
—Sinto muito, mas tenho coisas a fazer —parou de dançar—. E se quer ser de alguma ajuda, poderia procurar mais garrafas de champanha na cozinha. Eu tenho que ir pegar as serpentinas.
—Para que?
—Para decorar o carro. Estão em meu quarto.
—Vou lhe propor uma coisa —disse Sloan enquanto se dirigiam para a cozinha— . Se eu subir com você até seu quarto, eu a ajudo com as serpentinas.
—Não, porque quero decorar o carro antes que voltem de sua lua de mel — respondeu, rindo, e se afastou dele.
Já tinha percorrido a metade do corredor do segundo piso quando ouviu ranger uma tabua no chão da planta superior, e se deteve. Passos. Sim, eram passos, sem dúvida. Perguntando-se se algum dos convidados teria decidido dar uma volta pela casa por sua própria conta, retornou às escadas. No patamar do terceiro piso viu Fred, feito um novelo, dormindo placidamente.
—Que guardião! —murmurou, agachando-se para acariciá-lo. O cão apenas se moveu—. Fred? —sacudiu-o, mas seguia quase imóvel. No momento em que o pegou no colo, a cabecinha lhe caiu sobre o braço, inerte.
Ainda não tinha se levantado quando alguém surgiu a suas costas e a empurrou contra a parede. Aturdida, ajoelhou-se no chão. Quem quer que a tenha empurrado estava descendo as escadas correndo. Rapidamente se levantou, pegou o cachorro e correu atrás dele.
Acabava de chegar ao piso principal quando tropeçou com Sloan.
—Porque tanta pressa? —perguntou-lhe, sorridente—. E o que está fazendo com o Fred?
—Viu-o? —perguntou-lhe, pondo-se a correr para a porta.
—Quem?
—Havia alguém lá em cima —o coração batia a toda velocidade, e as pernas tremiam. Até naquele instante não tinha se dado conta—. Alguém estava andando pelo piso do andar superior. E não sei o que fizeram a Fred...
—Espera, deixe-me ver —se inclinou sobre o cachorrinho e, depois de lhe levantar uma pálpebra, soltou uma palavrão. Quando se voltou para Amanda, havia um brilho escuro em seus olhos que ela nunca antes tinha visto—. Alguém o drogou.
—Drogado? —Amanda apertou o cachorro contra o peito—. Quem poderia drogar a um cachorrinho indefeso?
—Alguém que não queria que latisse, imagino. Conte-me o que aconteceu.
—Escutei alguns no terceiro piso e subi para ver. Encontrei Fred, deitado no chão—. Quando fui pegá-lo, alguém me empurrou por trás, contra a parede.
—Está ferida? —segurou-lhe imediatamente o rosto entre as mãos.
—Não. Se não fosse o empurrão, acredito que o teria agarrado.
—E não lhe ocorreu pedir ajuda? Meu deus, Amanda, não se dá conta de que essa pessoa pôde fazer algo pior que empurrá-la?
Ela não tinha pensado nisso. Mesmo assim não mudou de atitude.
—Posso cuidar de mim mesma. Já é bastante ruim ter que suportar que haja gente que bata a nossa porta perguntando pelo colar, ou se dedique a rondar pelos arredores, e além de tudo isso entrem na casa. Bom, pelo menos eu também lhe dei um bom susto—acrescentou, satisfeita—. À velocidade que saiu correndo, neste momento estará quase no povoado. Não acredito que volte. O que faremos com o Fred?
—Eu me encarregarei de —lhe tirou cuidadosamente o cachorrinho dos braços—. A única coisa que precisa é dormir. E você precisa chamar à polícia.
—Depois do casamento. Não vou estragar a festa de minha irmã e de Trent somente porque algum estúpido escolheu este dia para invadir a casa. O que farei será revisar o terceiro piso para comprovar se levaram algo. Logo retornarei para me despedir dos noivos. E, por último, chamarei à polícia.
—Já pensou em tudo. Tão metódica como sempre —disse Sloan, irritado—. Mas as coisas não são tão fáceis.
—Já resolverei.
—Claro que sim. Como poderiam um intento de roubo e um pequeno assalto alterar seus planos a curto prazo? De maneira nenhuma. E também não pode permitir que alguém como eu se meta em seus planos a longo prazo.
—Não sei por que está tão zangado.
—Não sabe? Ouve passos de um desconhecido na casa e o sujeito a empurra contra a parede, mas você nem pensa em me chamar. Não lhe ocorre me pedir ajuda, nem sequer quando sabe que estou apaixonado por você.
Amanda voltou a sentir aquele familiar nó de tensão no peito.
—Eu sozinha fiz o que tinha que fazer.
—Claro —assentiu lentamente—. Pois continue e faça o que tem que fazer agora. Fica tranqüila, que eu não a incomodarei.
E Sloan prometeu a si mesmo que não a incomodaria mais. Aquela mulher já tinha transtornado bastante seu cérebro. Muito.
Saiu no terraço de seu quarto para desfrutar daquela cálida tarde primaveril.
Abandonaria As Torres quanto antes possível. É obvio, primeiro concluiria seu trabalho. Amanda não era a única pessoa capaz de fazer sempre o que se esperava dela. Com a ajuda da Suzanna e dos meninos, tinha decorado o carro dos recém casados. Forçando um sorriso, tinha-lhes jogado arroz junto com todos outros. Inclusive tinha dado a Cordy seu lenço para que enxugasse as lágrima se felicidade que corriam por seu rosto. E, em companhia de uma preocupada Lilah, tinha esperado que Fred despertasse e soltasse seu primeiro latido.
E depois saiu a toda pressa dali.
Amanda não precisava dele. O fato de que até então não tivesse se dado conta do muito que precisava que ela o precisasse lhe servia de pouco consolo. E ali estava ele, esperando ajudá-la e protegê-la, enquanto ela saía correndo atrás de algum ladrão ou se encontrava com um sujeito chamado William. Pois bem, já estava farto de fazer papel de ridículo.
Tinha um trabalho que fazer, e o faria. Amanda tinha uma vida que viver, e ele também. Já era hora de contemplar sua situação com um pouco de perspectiva.
Um homem tinha que estar louco para enredar-se, com uma mulher assim. Logo tiraria Amanda Calhoun da cabeça e...
—Sloan.
Com uma mão ainda apoiada no corrimão, voltou-se. Amanda estava na soleira.
Tinha trocado o vestido de seda por uma blusa e calças de algodão.
—O chamei —começou a dizer, entrando na terraço—. Mas temia que não quisesse abrir, assim utilizei minha chave mestra.
—Isso não é contra as regras?
—Sim. Sinto muito, mas em casa foi impossível falar com você. Depois que a polícia partiu, continuava inquieta —suspirou. Disse-se que, evidentemente, ele não ia facilitar lhe as coisas. Continuava ali, ainda com as calças do fraque e a camisa branca desabotoada, descalço, olhando-a com expressão pensativa—. Suponho que não me sentia cômoda... com este assunto, o nosso, sem terminar.
—De acordo —depois de acender um charuto, apoiou-se no corrimão.
—Não é tão simples. Antes estava zangada e furiosa porque... porque alguém entrou na casa. Em minha casa. Sei que estava preocupado por mim, e que fui muito brusca com você. E, só depois que me tranqüilizei um pouco dei-me conta de que se sentia aborrecido porque não tinha ocorrido lhe pedir ajuda.
—Não se preocupe —soltou uma baforada de fumaça—. O superarei.
—Não é somente isso... —interrompeu-se e começou a caminhar de um lado a outro do estreito terraço. Não, ele não iria facilitar as coisas para eles—. Estou acostumada a enfrentar sozinha às coisas. Sempre fui a única capaz de encontrar uma solução lógica para tudo, ou o caminho mais curto para solucionar um problema. Faz parte de meu caráter. Quando tenho que fazer algo, faço-o.
Suponho que não tenho mais remédio. Não é que não queira pedir ajuda. É, mas bem... que estou acostumada a que me peçam isso , mais que pedi-la eu mesma.
—Uma das coisas que admiro em você, Amanda, é sua eficácia, a maneira que tem de fazer as coisas. Por que não me diz o que vai fazer comigo?
—Porque não sei —se esforçou para manter a calma e continuou caminhando pelo terraço—. E é isso que me irrita mais. Eu sempre sei o que fazer, mas no seu caso. Por mais que eu esquente a cabeça, nunca sei o que fazer.
—Possivelmente seja porque dois e dois não sempre são quatro.
—Mas deveriam ser quatro —insistiu—. Ao menos para mim. A única coisa que sei é que você me faz sentir... diferente de como me sentia antes. E isso me assusta —quando se voltou para ele, tinha o olhar obscurecido pela fúria—. Já sei que para você é fácil, mas para mim não.
—Que para mim é fácil? —repetiu Sloan—. Acredita que é fácil para mim? — em um impulso, atirou o charuto ao chão e o esmagou com o pé—. Estive me queimando em fogo baixo desde da primeira vez que a vi. Isso, para um homem, não é nada fácil, Amanda. Acredite em mim.
Como era difícil até respirar, sua voz saiu em um murmúrio:
—Ninguém tinha me desejado tanto quanto você. Isso me assusta —apertou os lábios—. E nunca desejei ninguém como desejo você. E isso me aterroriza.
Sloan estendeu uma mão e passou pelos seus cabelos.
—Não espere me dizer uma coisa assim, ou me olhar como me está olhando agora mesmo, e logo me pedir que a deixe em paz.
Presa em uma mescla de pânico e excitação, Amanda negou com a cabeça.
—Não é isso o que estou pedindo.
—Então , o que é?.
—Maldição, Sloan. Não quero que seja razoável. Não quero pensar. Quero que deixe de me fazer pensar, agora mesmo —com um gemido jogou os braços em torno de seu pescoço e o beijou nos lábios.
Tinha medo. Temia estar dando um gigantesco passo na beira de um profundo penhasco. E sentia júbilo, também. Porque estava dando aquele passo com os olhos bem abertos. E ele estava com ela naquela queda. Seu corpo caía com o seu.
—Sloan...
—Não diga nada —a abraçou com força enquanto deslizava os lábios por seu pescoço. Seu pulso acelerado estava no mesmo ritmo que seu coração. Deu-se conta de que jamais antes tinha experiente aquela sensação de unidade, de fusão, com nenhuma outra mulher—. Nenhuma só palavra.
A fez entrar no quarto, deixando a porta do terraço aberta para que a brisa do mar entrasse, perfumada pelo aroma das flores. Acariciou-lhe primeiro o cabelo, deleitando-se com sua textura. Logo, muito brandamente, como se fosse a carícia de uma pluma, roçou-lhe o lábio com os seus. Não, não queria escutar nenhuma palavra dela, porque não estava seguro de poder encontrar, por sua vez, as palavras necessárias para lhe dizer que a tinha dentro do coração. Mas ira demonstrar.
Vacilante, Amanda se abraçou a seu peito. Não queria mostrar-se fraca naquele momento, e sim forte. Mas mesmo assim, ao sentir seus lábios em seu rosto, estremeceu.
Com deliciosa lentidão, tocando-a apenas, Sloan lhe desabotoou a blusa e deslizou pelos ombros. Usava embaixo uma camiseta branca de algodão. Sem deixar de olhá-la nos olhos soltou as calças, que caíram ao chão. Logo, quando ela se dispunha a acariciá-lo, tomou as mãos.
—Não, me deixe tocá-la.
Indefesa, fechou os olhos enquanto Sloan delineava com as pontas dos dedos a curva de seus seios. Acariciando-a como se parecesse do cristal mais fino e delicado do mundo. Elegantemente erótica aquela muito leve carícia lhe inflamou o sangue até que, por um instante, acreditou morrer de puro prazer.
Jogou a cabeça para trás, e um gemido escapou de sua garganta enquanto Sloan prosseguia sua lânguida exploração com paciente ternura. Podia ver o escuro brilho que resplandecia em seus olhos, sentir o tremor que percorria seu corpo. Cada vez mais excitado, começou a acariciar com os polegares seus mamilos que se enrijeciam contra o tecido. Logo sua língua substituiu a suas mãos, e Amanda se agarrou freneticamente a seus ombros para sustentar-se.
—Por favor... não posso...
Naquele instante já se sentia caindo rapidamente no vazio, mas ele estava ali para recolhê-la. Quando sentiu que os joelhos dobravam, Sloan a levantou nos braços e a tombou sobre a cama.
—Ninguém... —murmurou ela contra seus lábios—... ninguém nunca fez amor comigo assim.
—Eu ainda não comecei.
E o demonstrou. Com deliciosa paciência foi acariciando e excitando sensíveis zonas de seu corpo que ela nem sequer sabia que existiam. Com cada carícia era como se descobrisse portas até esse momento firmemente fechadas, abrindo as de par em par para que entrasse a luz, o ar.
Não se detinha nunca. Quando sentia a tentação de apressar-se, de se entregar aquele desafogo, se controlava, dizia a si mesmo para aproveitar cada momento. Deslizou as mãos por seus quadris subindo a camiseta, até tirá-la pela cabeça. E ao fim pôde saborear a pele sedosa de seus seios. Amanda enterrou os dedos em seu cabelo, estreitando-o contra seu peito com verdadeiro desespero.
«Queimando-me a fogo baixo»; não era isso o que lhe havia dito antes?
Perguntou-se freneticamente enquanto os lábios de Sloan desciam pouco a pouco por seu corpo. Agora podia entendê-lo, quando o corpo ardia por dentro cada vez mais, grau a grau.
Ai então Sloan já estava tirando a última barreira de roupa, e ela não podia fazer outra coisa que se retorcer sob seus dedos, ofegante.
Quando começou a acariciá-la com a língua, arqueou-se contra ele, agarrando com força os lençóis. Inefáveis sensações assaltavam seu cérebro, muito rápidas, muito agudas. E por muito que se esforçasse não conseguia mais pensar em nada, pareciam atar-se em um confuso matagal sem princípio nem final.
Era consciente de que estava gritando seu nome uma e outra vez? Perguntou-se.
Sabia que seu corpo se movia com vontade própria, com um ritmo lento e sinuoso, como se já tivesse entrado nela? Sloan continuava excitando-a incansável, gradualmente, saboreando cada instante, cada necessidade, cada desejo.
Amanda abriu os olhos, aturdida. Só podia ver seu rosto, tão perto do dele, com aquele olhar tão intenso. Ergueu as mãos para lhe abrir a camisa e acariciá-lo tão lenta e meticulosamente como ele a tinha acariciado a ela. Logo se inclinou para lhe beijar o peito e deslizar os lábios lentamente até sua garganta.
Entardecia, e a luz ficava a cada instante mais fraca, até converter-se em uma penumbra. Agilmente Amanda começou despi-lo, e foi semeando o corpo de beijos, sentindo-o tremer sob seus lábios.
Pouco depois, com um suspiro, Sloan deslizava para seu interior. Amanda conteve o fôlego, e foi relaxando pouco a pouco. Começaram a mover-se juntos, a um ritmo deliberadamente lento, deliciosamente suave. Era uma sensação tão doce que os olhos se encheram de lágrimas, que ele enxugou beijo a beijo.
Mas gradualmente a doçura foi se transformando em ardor, e o ardor em um verdadeiro incêndio. Com o olhar nublado de paixão, sentiu que Sloan tomava suas mãos entrelaçando os dedos com os seus e apertava-as conforme a arrastava à cúpula do prazer. E seu nome explodiu em seus lábios no instante em que se reuniu naquela mesma culminação com ela.
Sloan jazia na cama com os lábios ainda em contato com a pele de seu pescoço, deleitado com seu sabor. A respiração de Amanda era firme, regular.
Perguntando-se se estaria dormindo, começou a afastar-se. Mas ela ergueu os braços e o atraiu para si.
—Não — sua voz era um rouco murmúrio que lhe acelerou novamente o pulso—. Não quero que isto termine.
Sloan mudou de postura, colocando-a em cima dele.
—Gostou?
—Claro que sim. Foi lindo. Lindo de verdade. Sabe? Acredito que nunca em toda minha vida me havia sentido tão relaxada.
—Bem —lhe afastou o cabelo dos olhos para contemplar seu rosto—. Só que está muito escuro para ver algo —estendeu um braço e acendeu a luz.
—Por que fez isso? —perguntou-lhe Amanda, protegendo os olhos.
—Porque quero vê-la quando fazermos amor outra vez.
—Outra vez? —rindo, deixou cair a cabeça contra seu ombro—. Tem que estar brincando.
—Claro que não. Acredito que poderia continuar até o amanhecer.
Saboreando aquela deliciosa frouxidão, se aconchegou contra ele.
—Não posso ficar a noite toda.
—Quer apostar?
—Não, de verdade —se arqueou como um gato quando Sloan lhe acariciou as costas—. Quem dera se pudesse, mas tenho muitas coisas que fazer pela manhã. Oh... —estremeceu-se sob seu contato—. Sabe? Tem umas mãos maravilhosas... — murmurou enquanto se perdia em um longo, sonhador beijo.
—Fique.
—Bom possivelmente um pouquinho mais...
Pouco a pouco foi despertando, e abriu os olhos, amanhecia. A luz do sol entrava no quarto. Estava sozinha na cama. Tirando o cabelo dos olhos, levantou-se.
«Como ele tinha falado.», pensou, esboçando um sorriso. Tinha passado a noite com Sloan, e não se saciou, e nem ele dela, até o amanhecer. Tinha sido a noite mais maravilhosa de toda sua vida.
Mas onde diabos estava Sloan?
Como se tivesse escutado seus pensamentos, entrou de repente no dormitório, empurrando um carrinho com uma bandeja.
—Bom dia.
—Bom dia —sorriu, embora se sentisse um tanto incômoda com ele vestido e ela ainda nua, na cama.
—Pedi que nos trouxessem o café da manhã —percebendo seu dilema, entregou-lhe sua camisola e lhe deu um beijo—. Ouça, por que não tomamos o café da manhã no terraço?
—Esta bem. Dê-me um minuto.
Quando voltou a reunir-se com ele na terraço, a mesa já estava posta, inclusive decorada com uma solitária rosa vermelha em uma taça. E se sentiu comovida ao ver que estava se mostrando tão terno na manhã seguinte como durante a noite anterior.
—Pensou em tudo.
—Tudo é pouco se tratando de você —sorriu, sentando-se na sua frente—. Podemos considerar isto como nosso primeiro encontro, já que nunca pude convencê-la a saírmos juntos.
—É verdade —serve as duas taças de café—. Isso não chegou a consegui-lo.
Começou a comer. Pensou, admirada, que estava tomando o café da manhã tranqüilamente depois de uma longa noite de prazer. E, entretanto, conheciam-se tão pouco... Não pôde evitar sentir um tanto assustada.
—Sloan, já sei que é um pouco estúpido a estas alturas, mas... eu não tenho costume de passar a noite com um homem em um quarto de hotel. Não estou acostumado a ser tão íntima de alguém a quem conheço a tão pouco tempo.
—Não há necessidade de me dizer isso - disse Sloan, fechando uma mão sobre a sua—. Isto foi muito rápido para ambos. Possivelmente seja porque o que aconteceu entre nós é especial. Estou apaixonado por você, Amanda. Não, não se retraia —lhe apertou a mão—. Habitualmente sou um homem paciente, mas com você tenho que me conter muito. Desta vez farei todo o possível para lhe dar tempo.
—Se eu dissesse que estou apaixonada por você... o que aconteceria a seguir?
Viu em seus olhos uma estranha expressão, que lhe acelerou o pulso.
—Algumas vezes terá que viver sem saber de antemão as respostas. Tem que ter vontades de jogar, de se arriscar.
—Nunca gostei de riscos —mordeu o lábio, decidida a sobrepor-se a seu medo. Não teria vindo aqui ontem à noite se não tivesse apaixonada por você.
Sloan ergueu sua mão para levá-la aos lábios, e sorriu.
—Eu sei.
Amanda soltou uma gargalhada que era tanto de alívio como de diversão.
—Sabia, mas tinha que ouvir me dizer isso...
—Exato —de repente ficou sério—. Tinha que ouvir de seus lábios.
—Amo você, mas ainda estou um pouco assustada. Eu gostaria que fôssemos lentamente, passo a passo.
—Parece-me justo. Assim sigamos desfrutando de nosso primeiro encontro antes que esfrie o café da manhã.
Mais relaxada, passou manteiga em uma torrada.
—Sabe? Desde que comecei a trabalhar aqui, nenhuma só vez me sentei em um destes terraços para contemplar a baía.
—Alguma vez se meteu em um quarto e se fez passar por cliente? —riu Sloan— Não, claro. Nunca pensei nisso. Bom, e o que sente em estar do outro lado?
—Bom, a cama é cômoda, e a vista maravilhosa —respondeu em tom alegre—. Entretanto, no Refúgio de Das Torres, ofereceremos muito mais que isso.
Ginásios privados, lareiras românticas, uma garrafa do melhor champanhe com cada reserva, deliciosas comidas cordon bleu preparadas por Cordy... e tudo isso em um ambiente do princípios de século, adornado com fantasmas e a lenda de um tesouro oculto —apoiou o queixo em uma mão—. A não ser que encontremos as esmeraldas antes de abrir o hotel.
—De verdade acredita que esse colar existe ainda?
—Sim, mas não por uma questão de misticismo, como Cordy e Lilah. Por simples lógica. O colar existiu. Se alguém da família o tivesse vendido, teria se sabido.
Assim continua existindo. Um quarto de milhão em jóias não pode desaparecer de qualquer jeito.
—Tão valioso assim? —inquiriu Sloan, assombrado.
—Oh, provavelmente mais... e isso sem contar com seu valor histórico.
Sloan pensou que aquele dado mudava completamente sua visão dos fatos.
—Assim temos cinco mulheres e dois meninos vivendo sozinhos em uma casa cheia de antiguidades, mais uma fortuna em jóias. E sem sistema algum de alarme.
—Não está precisamente cheia de antiguidades... —disse Amanda, franzindo levemente o cenho... dado que, com os anos, tivemos que vender muitas. E isso nunca foi um problema. Não estamos indefesas.
—Já sei. As mulheres da família Calhoun sempre se arrumaram sozinhas. Estou começando a pensar que, além de duras, são tolas.
—Hei, espera um momento...
—Não, espera você —para sublinhar o que ia dizer, acusou-a com seu garfo—. A primeira coisa que vamos fazer esta manhã é procurar um bom sistema de alarme.
Amanda já tinha tomado essa mesma decisão depois do incidente do dia anterior. Mas isso não significava que ele tivesse que lhe dizer o que devia ou não fazer.
—Ouça, não va começar agora a tomar as rédeas de minha vida...
—Então continue sendo teimosa, ignora o óbvio e se arrisque até que alguém volte a entrar na casa e faça mal aos meninos.
—Sou consciente de tudo isso. Para sua informação, estive há duas semanas olhando sistemas de alarme.
—E por que não me disse isso?
—Porque estava muito ocupado me dando ordens —podia ter seguido lhe fazendo recriminações, mas a distraiu o som da sirene de um dos navios de turistas—. Que horas são?
—Uma
—Uma? —abriu muito os olhos—. Uma da tarde? Não é possível, se acabamos de nos levantar.
—É muito possível quando passamos toda a manhã dormindo.
—Tenho um milhão de coisas que fazer —levantou da mesa—. Tenho que arrumar e ordenar a casa que deve ter ficado um caos depois do casamento. O pai do Trent ia almoçar conosco há uma hora, e William aparecerá as três...
—Espera um pouco —Sloan também se levantou—. Vai continuar vendo-o?
—O senhor St. James? Suponho que há está horas já partiu. Como pude ser tão...?
—A William —a interrompeu—. Ao homem inteligente e atraente com quem jantou a outra noite.
—William? Bom, claro que vou ve-lo.
—Não. Não irá.
—Já disse que não vai tomar as rédeas de minha vida.
—Não me importa o que me disse. Não vou consentir que pule da minha cama para ver outro homem.
—Posso fazer o que quiser; E além disso, não se trata de um encontro. William Livingston é negociante de antiguidades, e lhe prometi que mostraria algumas peças de Las Torres. Já estou indo—saiu do terraço e se dirigiu ao banheiro. Sem deixar de murmurar entre dentes, tirou a camisola. Acabava de ajustar a temperatura da água, entrar na ducha e fechar a cortina, quando ele a abriu de um puxão—. Maldito seja, Sloan!
—É negociante de antiguidades?
—Isso é o que me disse.
—E quer ver o mobiliário?
—Exatamente.
— Vou acompanhá-los—pronunciou, enganchando os polegares nos bolsos de seu jeans.
—Estupendo —encolhendo os ombros, entornou um pouco de sabão na mão e começou a esfregar os ombros—. Agora vai representar o papel de marido possessivo.
—De acordo.
Amanda tentou dizer-se que não achava graça nenhuma naquela situação. De repente o viu tirando a camisa.
—O que está fazendo?
—Adivinha?—sorriu—. Uma dama tão inteligente como você deveria adivinhar à primeira.
Procurou conter uma gargalhada enquanto via como desabotoava seus jeans.
—De acordo —não pôde resistir mais e o salpicou de água, rindo—. Mas antes me ensaboe as costas.
Antes de sair do carro, Livingston revisou a pequena filmadora e a diminuta câmara fotográfica que levava no bolso. Era um apaixonado das novas tecnologias e pensava que aquele sofisticado equipamento acrescentava certa superioridade a seu trabalho. Desde do momento que tinha lido as primeiras notícias sobre as esmeraldas das Calhoun, obcecou-se com elas possivelmente mais que com qualquer outra jóia que tivesse roubado em sua carreira. Estava sendo procurado pela Interpol como um dos ladrões mais inteligentes e escorregadios dos dois mundos.
Aquelas esmeraldas constituíam um desafio ao que não podia resistir. Não estavam expostas em um museu, nem no pescoço de alguma dama milionária.
Estavam escondidas em algum pedaço daquela estranha casa, esperando a que alguém as encontrasse. E ele pretendia ser esse alguém.
Embora não se opunha a empregar a violência como método, poucas vezes a utilizava. Lamentava ter tido que usá-la com 'Amanda no dia anterior, mas lamentava mais ainda que ela tivesse interrompido suas investigações. Era culpa dela, pensou enquanto se dirigia à porta principal de Das Torres.
Impaciente que estava, tinha pensado que as bodas seria a distração ideal que lhe permitiriam investigar no interior da casa. Neste dia, entretanto, ia entrar no edifício em qualidade de convidado.
Chamou e esperou. O latido do cão foi a primeira resposta que obteve, e estreitou os olhos, contrariado. Detestava cães, e aquela pequena criatura tinha estado a ponto de delatá-lo antes de que conseguisse lhe administrar uma dose de sonífero.
Quando Cordy abriu a porta, William já tinha preparada seu encantador sorriso.
—Senhor Livingston, é um prazer vê-lo outra vez —Cordy se dispôs a lhe estender a mão, mas julgou mais prudente colocar a coleira em Fred antes que o cãozinho mordesse uma perna do homem—. Fred, quieto. Esses maneiras... — sorriu fracamente—. É um bichinho muito bom. Geralmente não se comporta assim, mas ontem sofreu um acidente e é como se já não fosse o mesmo —depois de tomar ao cachorrinho em braços, chamou o Lilah—. Passemos ao salão, por favor.
—Espero não ter atrapalhado seus planos para à tarde do domingo, senhora McPike. Não pude resistir e pedir a Amanda que me mostrasse sua fascinante casa.
—Estamos encantadas em lhe mostrar - disse Cordy, cada vez mais desconcertada pela agressiva reação do Fred, que seguia grunhindo e ladrando—. Amanda ainda não chegou, e não sei por que atrasou tanto. Sempre é tão pontual...
Descendo as escadas, Lilah soltou uma gargalhada.
—Eu já estou imaginando o que pôde retê-la —entretanto, não havia humor algum em seus olhos quando olhou o visitante—. Olá, senhor Livingston.
—Senhorita Calhoun.
—Temo-me que hoje Fred está um pouco nervoso —voltou a desculpar-se Cordy, entregando o cachorrinho a Lilah—. Por que não o leva isso a cozinha? Talvez lhe viria bem uma infusão de ervas.
—Eu me encarrego —quando se dirigia pelo corredor com o cachorro nos braços, murmurou em voz baixa—: Tampouco eu gosto, Fred. Por que será?
—Bom —aliviada, Cordy sorriu—. Gostaria de um cálice de xerez? Vou lhe mostrar primeiro um lindo armário laqueado. Parece-me que Carlos II o usou.
—Eu adoraria —também se sentiu encantado ao descobrir que usava um valioso colar de pérolas.
Quando vinte minutos depois Amanda chegou, acompanhada de Sloan, encontrou sua tia relatando a Livingston a história da família enquanto admiravam um móvel com pequenas gavetas do século XVIII.
—William, lamento chegar tão tarde.
—Oh, não se preocupe —com apenas um olhar que Livingston lançou ao Sloan, desprezou imediatamente a possibilidade de utilizar Amanda para seus propósitos—. Sua tia é a anfitriã mais sábia e encantadora que conheci.
—Tia Cordy sabe mais desses móveis que qualquer um de nós. Apresento Sloan O'Riley. É o arquiteto que está desenhando as obras de restauração.
—Senhor O'Riley. Essas obras devem representar um desafio.
O aperto de mãos foi muito breve. Sloan sentiu uma imediata aversão por aquele pomposo negociante de antiguidades.
—Oh, vou me arrumando.
—Estava contando a William como é tedioso revirar todos esses velhos papéis da família. Muito menos tão excitante como acreditam os jornalistas – comentou Cordy—. Mas decidi organizar outra sessão de espiritismo. Amanhã a noite, é a primeira lua cheia do mês.
—Tia Cordy... —protestou Amanda—... estou segura de que William não está interessado nessas coisas.
—Ao contrário —concentrou todo seu encanto em Cordy enquanto um plano se formava em sua mente—. Adoraria participar dessa sessão, se não estivesse tão ocupado com meu trabalho...
—Em outra ocasião, então. Possivelmente queira subir ao andar de cima...
Mas antes que pudesse terminar a frase, Alex entrou correndo procedente do terraço, seguido de Jenny e de Suzanna, que não deixavam de rir. Os três levavam as mãos e os jeans cheios de pó. Entrecerrando os olhos com ar desconfiado, Alex se deteve diante de Livingston.
—Quem é?
—Alex, não seja mal educado —lhe recriminou Suzanna—. Sinto muito.
Estávamos no jardim... e cometi o engano de lhes sugerir que tomássemos um sorvete.
—Não se desculpe —Livingston forçou um sorriso. Se havia algo que o desgostasse ainda mais que os cães, eram os meninos—. São... encantadores.
—Não, não o são —brincou Suzanna—, mas terá que agüentá-los. Bom, vamos.
Enquanto os levava até a cozinha, Alex se voltou para olhar uma última vez para o visitante.
—Tem olhos de mau —disse a sua mãe.
—Não seja tolo —o despenteou carinhosamente.
Mas Alex ficou muito sério para Jenny, que por sua vez assentiu.
—Sim, tem olhos como de serpente...
—Viu? —Amanda deu ao Sloan um rápido beijo na face—. Não foi tão mau.
Mas ele não parecia muito satisfeito.
—Ficou nada menos que cinco horas aqui. Não sei por que Cordy teve que convidá-lo para almoçar.
—Porque é um homem encantador, e solteiro —brincou, jogando os braços ao redor do seu pescoço—. Lembre-se das xícaras de chá...
Achavam-se na galeria alta da casa, de frente para o mar.
—Que xícaras de chá? —mordiscou-lhe levemente o lóbulo da orelha.
—Hum... Aquelas que tia Cordy leu que viria um homem que seria muito importante para todas nós.
—Sim. Eu acreditava que esse era eu.
—Possivelmente —deu um pulo quando Sloan a mordeu—. Selvagem.
—Às vezes o índio cherokee que há em mim desperta.
Amanda se separou um pouco para contemplar seu rosto. À luz do crepúsculo, sua tez era quase acobreada, e o verde de seus olhos virtualmente negros. Sim, naquele momento podia ver os dois ramos de sua descendência, a celta e a cherokee.
—Sabe? A verdade é que não sei grande coisa sobre você. Só que é um arquiteto de Oklahoma que se graduou no Harvard.
—Sabe também que eu gosto de cerveja e de mulheres de pernas longas.
—Sim, isso também.
Como sabia que aquilo era importante para ela, Sloan se apoiou no muro, de costas ao mar.
—De acordo, Calhoun, o que quer saber?
—Não quero submetê-lo a um interrogatório —explicou. Sem poder evitá-lo, voltava a sentir-se inquieta—. O que acontece é que você sabe tudo sobre mim. Conhece minha família, o ambiente em que vivo, meus sonhos.
Sloan tirou um charuto, acendeu-o e começou a contar:
—Meu tataravô deixou a Irlanda para vir ao Novo Mundo, e emigrou para o oeste para dedicar-se à caça de castores. Um autêntico homem das montanhas. Casou-se com uma mulher cherokee, com a que teve três filhos. Um dia saiu de caçada e não voltou nunca mais. Os filhos montaram um estabelecimento comercial, e foram bem. Um deles conseguiu uma esposa por correio, uma bonita garota irlandesa. Teve um montão de filhos, incluído meu avô. O era, e é, um velho e ardiloso diabo que comprou umas terras aproveitando-se dos preços baratos, e as vendeu depois tirando um suculento benefício. Para seguir a tradição familiar se casou com uma irlandesa, uma explosiva ruiva que supostamente o pôs louco. Devia amá-la muito, porque pôs seu nome em seu primeiro poço de petróleo.
—Deu um nome a um poço de petróleo?
—Chamou-o de Maggie —pronunciou Sloan com um sorriso enquanto soltava uma baforada de fumaça— E seguiu batizando também os outros poços.
—Os outros poços...
—Meu pai tomou o controle da companhia nos anos sessenta, mas o velho ainda continua tocando algumas áreas da empresa. Incomodou-o que eu não me metesse nela, mas eu queria ser arquiteto, e suponho que as Indústrias Sun tampouco precisava de mim.
—Indústrias Sun? —repetiu, assombrada. Era uma das maiores corporações do país—. Você... ignorava que tivesse tanto dinheiro.
—Bom, minha família tem. Algum problema?
—Não. Só que eu não gostaria que pensasse que eu... —interrompeu-se, sem saber como dizê-lo.
—Que você anda atrás do dinheiro de minha família? —pôs-se a rir—. Querida, sei perfeitamente que anda atrás de meu corpo, e não de outra coisa.
Amanda pensou que tinha a desconcertante habilidade de fazê-la amaldiçoar e rir ao mesmo tempo.
—Verdadeiramente é um canalha presunçoso.
—Mas me ama —jogou o charuto fora antes de atraí-la para si.
—Possivelmente... —com fingida relutância, deslizou os braços em torno de sua cintura—... um pouco rindo, beijou-o nos lábios.
Sloan começou tentar seduzi-la. Suas mãos se mostravam tão logo ternas como insistentes, até que finalmente Amanda se esqueceu de tudo naquele beijo.
—Como pode me fazer isso? —murmurou, aturdida.
—Fazer o que?
—Fazer-me desejá-lo até doer.
—Vamos entrar —a beijou no pescoço—. Assim poderá me mostrar o quarto.
—Que quarto?
—O quarto em que simularemos dormir quando eu me mudar para cá.
—Do que está falando?
—Estou falando de que façamos amor até que nos falte o ar. E do fato de que ficarei aqui até que o sistema de alarme da casa esteja funcionando.
—Mas não precisa...
—Oh, preciso—e a beijou novamente para lhe demonstrar quanto o precisava.
Enquanto o esperava, Amanda se recriminava por seu nervosismo: quase parecia uma noiva em sua noite de bodas. Vestiu um leve vestido azul, transparente, um capricho que se permitiu uns meses atrás. Guardava várias velas na mesinha para uma emergência, e quando as acendeu o ambiente adquiriu uma atmosfera intima, romântica. Suzanna tinha decorado o quarto com flores, como tinha por costume. Nessa ocasião eram delicadas lilás, que despediam um fragrante aroma. E tinha aberto as portas do terraço, de forma que pudesse ouvir o rumor do mar contra as rochas.
Finalmente Sloan chegou. Ela o esperava de pé na soleira, com a negra noite a suas costas.
Ao vê-la, esqueceu-se de tudo. Só podia olhá-la fixamente, com o coração na garganta. Tê-la ali, esperando-o, tão desejável à luz das velas, ver aquele sorriso de boas - vindas... isso era tudo o que podia desejar no mundo.
Queria mostrar-se terno com ela, tanto como tinha sido a noite anterior. Mas quando se aproximou, o lento fogo que o abrasava por dentro terminou por consumi-lo.
—Acreditava que não viria nunca —lhe disse Amanda antes de beijá-lo nos lábios.
Sloan se perguntou como poderia sobreviver a ternura ante semelhante ardor.
Ou a paciência ante tanta urgência. Sentia seu corpo vibrando de desejo sob seus dedos, amoldando-se à perfeição dos dele. O fino tecido de seu vestido parecia tentar seu peito nu, provocando-o a que o rasgasse e jogasse para um lado. Seu delicioso aroma tinha impregnado seu cérebro, embriagando-o com escuros segredos, seduzindo-o com febris promessas.
Naquele preciso instante se sentiu tão cheio dela, que não pôde encontrar-se a si mesmo. Sem fôlego, desorientado, ergueu a cabeça. Sabia que seu desejo era intenso, e que podia lhe fazer mal se não conservasse o controle.
—Espera —precisava recuperar o fôlego e a prudência, mas viu que ela negava com a cabeça.
—Não —enterrando os dedos em seu cabelo, atraiu-o para si.
Amanda não soube quando aquela terrível necessidade se apoderou dela; Só que o arrastou à cama e, agressiva e desesperada, começou a acariciá-lo. Desta vez não houve fraqueza alguma de sua parte. Nem submissão. Queria poder, o poder de saber que podia lhe fazer perder todo o controle, e convertê-lo em um ser tão vulnerável como ele a convertia.
Eram um matagal de braços e pernas rodando sobre a cama. Cada vez que
Sloan tentava refreá-la, ela se adiantava, ansiosa, com uma gargalhada de júbilo ressonando em suas veias. Desabotoou-lhe a toda pressa o jeans, deslizando-o pelas coxas. Os músculos de seu estômago se tensionaram sob o contato daqueles dedos. Sloan amaldiçoou entre dentes, segurando lhe as mãos, antes que fosse tarde
Respirando rapidamente, olhou-a, sem lhe soltar as mãos. Seus olhos tinham a cor do cobalto, brilhantes em meio da penumbra. Podia escutar, por cima do rumor de seus respectivos ofegos, o tic-tac do relógio da mesinha.
Então sorriu. Foi um lento sorriso, que indicava que a tinha compreendido.
Ardendo de desejo, beijou-a nos lábios. E ela respondeu, demanda por demanda, prazer por prazer. O controle estourou em mil pedaços. Sloan quase pôde ouvir o estalo de uma corrente rompida enquanto se saciava com ela. Desesperado por senti-la, rasgou-lhe a camiseta. Seu gemido de surpresa só serviu para excitá-lo ainda mais.
Apanhada naquele redemoinho de sensações, Amanda se deixou levar, rendeu-se à fúria. Nada de pensamentos. Nem de perguntas. Com os olhos cravados nos seus, Sloan se afundava uma e outra vez nela, deixando que o estupor do prazer imundasse ambos.
—Sim, senhor Stenerson —murmurou Amanda enquanto suportava o interminável sermão de seu chefe. Paciência. Só faltavam dez minutos para que sua jornada trabalhista chegasse a seu fim. Nem sequer a iminente sessão de espiritismo podia apagar aquele prazer.
Muito em breve se reuniria com o Sloan. Possivelmente tivessem tempo para dar um passeio antes de jantar.
—Não parece ter a mente posta em seu trabalho, senhorita Calhoun.
Aquele comentário a fez sentir uma pontada de culpa.
—Fico muito preocupada que um de nosso garçons tenha deixado uma bandeja cair no colo da senhora Wicken.
—Sim, entendo-o, senhor. Já levamos a sua roupa para a tinturaria e oferecemos um jantar por conta da casa para ela e seu marido. E, no final, os dois ficaram satisfeitos.
—E despediu o garçom?
—Não, senhor.
—Posso perguntar por que... —arqueou as sobrancelhas—... quando lhe ordenei especificamente que o fizesse?
—Porque Tim esta conosco a três anos, e dificilmente podemos jogar a culpa do acontecido nele quando foi o filho do casal Wicken o culpado de sua queda, por haver lhe dado uma rasteira. Outros garçons e vários clientes viram o que aconteceu.
—Talvez, mas eu lhe dei uma ordem muito concreta.
—Sim, senhor. Mas depois de conhecer as circunstâncias do caso, decidi atuar de maneira distinta.
—Preciso recordar quem está no comando deste hotel, senhorita Calhoun?
—Não, senhor, mas pensava que depois de todos os anos que estou trabalhando no BayWatch, você confiaria em meu bom julgamento —respirou profundamente, e decidiu assumir um grande risco—. Mas se não for assim, será melhor que eu escreva minha demissão.
O senhor Stenerson piscou várias vezes.
—Não parece que essa reação é um tanto... drástica? —perguntou-lhe, depois de molhar a garganta.
—Não, senhor. Se não tenho competência suficiente para tomar certas decisões, não será possível continuar aqui.
—Não se trata de um assunto de competência, mas sim de falta de experiência. Entretanto... —acrescentou, erguendo uma mão—... estou seguro de que, neste caso específico, fez o que julgou ser o melhor.
—Sim, senhor Stenerson.
Quando abandonou seu escritório, doía-lhe a mandíbula de tanto apertá- la.
Obrigou-se se a relaxar quando William a abordou no vestíbulo.
—Só queria agradecer novamente pelo o prazer que foi a visita a sua casa, e também pelo maravilhoso jantar.
—Foi um prazer.
—Sabe? Tenho a impressão que seu eu a pedisse para jantarmos juntos, você se negaria com uma desculpa distinta da que me deu quando citou as normas do hotel.
—William, eu...
—Não, não —lhe deu um carinhoso tapinha na mão—.Compreendo. Estou desolado, mas compreendo. Suponho que o senhor O'Riley participará da sessão de espiritismo desta noite, verdade?
Amanda se pôs a rir.
—Certamente. Gostando ou não.
—Lamento sinceramente não poder participar. Será as oito, não é?
—Não, às nove. A essa hora tia Cordy nos terá reunido em torno da mesa de jantar, para que nos demos as mãos e emitamos ondas alfa, ou o que seja...
—Confio em que me fará saber isso se receber alguma mensagem de... do outro lado.
—Prometo-lhe isso. Boa noite.
—Boa noite —enquanto ela partia, William olhou seu relógio. Dispunha de tempo mais que de sobra para preparar-se.
—Sabia que te encontraria aqui —Amanda entrou na grande sala circular que a família denominava «a torre da Bianca». Lilah estava sentada no batente da janela, abraçando-as joelhos, com o olhar fixo nos escarpados.
—Sim, a mim e ao feroz Fred —. Nos estamos pondo a tom para a sessão de espiritismo —quando sua irmã se sentou a seu lado e pôde olhar de perto, comentou-lhe—: Vejo que se apagou o sorriso que tinha esta manha... Discutiu com o Sloan?
—Não.
—Ah, então deve ser esse Stenerson. Por que o suporta, Mandy? Esse sujeito não é um homem, é um rato.
—Porque trabalho para ele.
—Pois se demita.
—Para você é muito fácil —lançou ao Lilah um impaciente olhar—. Não é todo mundo que pode passar os dias inteiros vagando por aí como duendes de bosque... —de repente se interrompeu, suspirando—. Me perdoe.
Lilah encolheu os ombros.
—Fico com a impressão que não é somente Stenerson o que a incomoda.
—Foi ele quem começou a me amargurar o dia. Me disse que não tinha a mente posta em meu trabalho, e tinha razão.
—Assim você se distraiu em seu trabalho!
—Eu gosto de meu trabalho, e me faz bem. Mas não estive me concentrando, nem nisso nem no colar, nem em nada desde que...
—Desde que apareceu esse vaqueiro do Oklahoma.
—Não tem graça.
—Claro que tem —Lilah abraçou os joelhos—. Assim perde um pouco a concentração ou se esquece de alguma entrevista ou outra. E o que?
—Olhe, Sloan me está fazendo mudar, e eu não sei o que fazer. Eu tenho responsabilidades, obrigações. Maldito seja, tenho objetivos na vida. Tenho que pensar no amanha —o problema era que, quando o fazia, sempre pensava em Sloan—. E se não se tratar mais que de uma aventura? Uma maravilhosa e excitante aventura que acaba atrapalhando todos meus planos? Imagine que dentro de umas semanas termina seu trabalho aqui e ele volta para o Oklahoma. E minha vida fica um desastre...
—E se ele a pedi para que o acompanhe?
—Isso seria pior —ruborizada, Amanda levantou e começou a caminhar, nervosa—. O que se supõe que tenho que fazer? Renunciar tudo aquilo pelo que estive trabalhando, a tudo o que espero há anos?
—Faria isso?
—Temo que sim —fechou os olhos com força.
—Então por que não fala com ele?
—Não posso —sentou-se de novo—. Nunca falamos do futuro. Suponho que nenhum dos dois quer pensar nisso. O que acontece é que hoje eu comecei a pensar... e me dei conta de que, apenas um mês atrás, nem sequer o conhecia. É uma loucura começar a planejar minha vida em torno de alguém a quem conheço há tão pouco tempo.
—Mas você sempre foi a mais razoável da família —disse Lilah.
—Bom, sim.
—Então relaxe —lhe deu umas palmadas no ombro, carinhosa—. Quando chegar o momento, tomará a decisão mais sensata.
—Espero que tenha razão —murmurou Amanda, se obrigou a assentir com decisão. Não tenho mais remédio—. Claro que tem. Bom, vou trabalhar no estoque.
—Bem. Já vejo que voltou a ser a mesma de sempre... —pôs-se a rir quando sua irmã abandonava a torre. Logo, quando já não podia ouvi-la, acrescentou—: Venha, Fred. Vamos ver se podemos desbaratar um pouco seus planos... Sloan entrou no deposito, provido de uma garrafa de champanhe, uma cesta de vime e um sábio conselho do Lilah: «Transtorna-a. Não permita que seja lógica e razoável com você».
Ali estava Amanda, inclinada sobre seu escritório, com os óculos de leitura, na ponta do nariz e o cabelo preso. A seu lado tinha uns arquivos novos cuidadosamente etiquetados, e dúzias de caixas empoeiradas e grossos maços de documentos frente a ela.
—Hei, Calhoun, o que acha de descansar um pouco?
—O que? —ergueu bruscamente a cabeça, e demorou um momento em focá-lo com o olhar—. Oh, olá. Não o ouvi entrar.
—Onde estava?
—Em 1929 —lhe mostrou um livro de contabilidade—. Parece que meu ilustre bisavô fez uma fortuna com o contrabando de álcool do Canadá durante a Lei Seca.
—O bom Fergus...
—O mesquinho do Fergus —o corrigiu—. Mas também um meticuloso homem de negócios. Se guardou todos esse papéis sobre suas atividades ilegais, suponho que deve ter guardado também a nota de venda...se tivesse vendido as esmeraldas.
—Eu acreditava que Bianca as tinha escondido.
—Isso é o que diz a lenda —se recostou na cadeira, esfregando-os olhos doloridos de tanto forçar a vista—. Mas eu preferiria me ater aos fatos. Cheguei a pensar que possivelmente as guardou em algum esconderijo, e que não contou para ninguem. Mas tampouco pude encontrar nenhum dado sobre isso.
—Possivelmente esteja olhando no lugar errado —deixou a garrafa e a cesta de lado e se colocou a suas costas. Brandamente começou a lhe dar uma massagem nos músculos do pescoço—. Possivelmente deveria se concentrar em Bianca. Depois de tudo, tratava-se de seu colar.
—Tampouco temos muita informação sobre Bianca. Meu bisavô destruiu todos seus desenhos, suas cartas, tudo o que era dela.
—Deve ter ficado completamente louco.
—Sim. E de dor, eu temo.
—Não —Sloan se inclinou para lhe beijar a cabeça—. Se tivesse sofrido realmente por ela, teria guardado tudo.
—Possivelmente lhe doía recordá-la.
—Se a tivesse amado de verdade, teria querido recordá-la. Haveria sentido essa necessidade. Quando se ama alguém, tudo relativo ao ser amado se converte em algo precioso —sentiu-a tensa sob seus dedos—. O que houve, Amanda? Está muito tensa.
—Fiquei muito tempo sentada, isso é tudo.
—Então esta é a ocasião perfeita —se afastou para pegar o champanhe.
—Para que?
Depois de abrir a garrafa, voltou a beijá-la.
—Não sei você, mas eu trabalhei muito hoje. Pensei que poderíamos descansar juntos.
Amanda pensou que não necessitava do champanha para que o cérebro se nublasse. Para conseguir esse efeito só bastava Sloan. Mas era isso precisamente, recordou-se enquanto se levantava, o que se propunha evitar.
—Agradeço, mas tenho que ajudar tia Cordy com o jantar.
—Lilah, já esta ajudando.
—Lilah? —arqueou as sobrancelhas—. Tem que estar de brincadeira.
—Não —abriu a cesta de vime e tirou duas taças de haste longa—. Suzanna está ajudando os meninos a fazer os deveres, e você e eu vamos jantar sozinhos.
—Sloan, não estou vestida para sair...
—Eu gosto tal como está —serve as taças—. E não vamos a nenhuma parte.
—Mas acaba de dizer...
—Acabo de dizer que vamos jantar sozinhos. Aqui mesmo.
—Aqui? No estoque?
—Sim. Trouxe um pouco de patê de sua tia, um pouco de frango frio e aspargos, e morangos frescas de sobremesa —chocou sua taça contra a dela—. Passei o dia todo pensando em você.
Amanda pensou que, quando lhe dizia aquelas coisas tão doces, derretia-se por dentro. De puro amor.
—Sloan, temos que falar.
—Claro —mas se inclinou para lhe roçar os lábios com o seus—. Por que antes não ficamos mais a vontade?
—O que? —aturdida, viu com assombro que estendia uma manta no chão.
—Vamos.
—Realmente acredito que seria melhor que... —mas Sloan já a estava atraindo para si.
Tirou-lhe a taça da mão e a deixou no chão antes de beijá-la nos lábios.
—Assim está melhor —murmurou—. Muito melhor.
—Os meninos estão em casa —protestou enquanto deslizava as mãos sob a camisa—. Se alguém entrar...
—Fechei a porta com chave —com deliciosa delicadeza, começou a lhe acariciar os mamilos com os polegares—. Preste a atenção, Calhoun, porque vou ensiná-la a relaxar.
Estava tão relaxada, que nem sequer podia pensar em mover-se. Sentia as pálpebras pesadas enquanto Sloan lhe punha na ponta da língua um pouco de patê.
—Está muito gostoso —disse para depois colocar um pouquinho sobre as costas das mãos e faze-la lamber—a atraiu para si, estreitando-a contra seu peito antes de lhe entregar sua taça de champanhe. Imagino que primeiro devíamos beber isto, mas me distraí.
Sabia deliciosamente bem. Amanda tomou outro gole, e abriu obediente a boca quando lhe ofereceu mais patê, desta vez sobre uma bolacha salgada.
—Mais?
Assentiu, suspirando. E se alimentaram mutuamente entre beijos e beijos.
—Vamos chegar tarde à sessão de espiritismo.
—Não —fez que apoiasse comodamente a cabeça sobre seu peito—. Cordy decidiu na última hora que as vibrações não eram adequadas. Parece que percebeu a intromissão de uma presença obscura.
—Isso é muito próprio de minha tia.
—Agora quer esperar à última noite da lua nova —lhe acariciou o pescoço—. Assim podemos ficar aqui toda a noite.
Amanda estava começando a acreditar que, com ele, tudo era possível.
—Eu, nunca tinha desfrutado antes de um piquenique noturno, este será o primeiro.
—Depois que nos casarmos, vamos transformá-lo em um costume.
Quando sua mão tremeu parte do champanhe caiu sobre sua perna.
—Hei, tome cuidado, Calhoun. Não o desperdice.
—O que quer dizer com isso? —voltou-se para olhá-lo.
—Já sabe. Nos casar, marido e mulher, esse tipo de coisas...
Com delicioso cuidado, Amanda baixou sua taça. «Sim», pensou, tão furiosa como aterrorizada. Estivera esperando por isso.
—De onde tirou a idéia de que vamos nos casar?
Sloan não gostou nada da maneira que franzia o cenho.
—Eu te amo, você me ama. Você é a mais lógica dos dois, Amanda. Do meu ponto de vista, o passo seguinte é o matrimônio.
—Do seu ponto de vista isto é um simples passo, mas do meu é um grande salto. Não podemos resolver as coisas assim, tão rápido.
—Por que não?
—Porque não podemos. Em primeiro lugar, não penso me casar até dentro de alguns anos. Tenho que pensar em minha carreira.
—O que tem que ver uma coisa com outra?
—Tudo. Já tem me desconcentrado bastante, e atrapalhado minhas prioridades —de repente se interrompeu, passando uma mão pelo cabelo—. Olhe para mim—pediu—. Simplesmente me olhe. Estou aqui no chão do deposito, nua, e discutindo sobre matrimônio com um homem que só conheço a duas semanas. Esta não sou eu.
Sloan se separou levemente para olhá-la de cima a baixo.
—Então quem diabos é?
—Não sei —nervosa, levantou-se e começou a vestir-se—. Já não sei quem sou, e isso é devo isso a você. Desde que irrompeu em minha vida, nada parece ter sentido.
—Foi você quem irrompeu na minha.
—Sonho acordada quando se supunha que deveria estar trabalhando. Faço amor com você quando deveria estar em reunião, e me dedico a desfrutar de um piquenique, e nua, quando deveria estar ordenando papéis. Isto tem que terminar.
—Por que não se senta e resolvemos isto tranqüilamente?
—Não, não me sentarei. Vai me seduzir novamente e não serei capaz de pensar.
Não vai fazer nenhum plano para o resto de minha vida sem me consultar, ou sem sequer ter a cortesia de me perguntar, vou recuperar o controle de minha própria vida.
Sloan também se levantou, nu e furioso.
—Está zangada porque desejo casar com você.
—E você é um estúpido —retrucou, com os dentes apertados. Dirigiu-se para a porta e lutou com a fechadura até que conseguiu abri-la—. Vá para o inferno, você e seu romântico sonho de matrimônio.
A calorosa e abafadiça tarde era perfeita para o prazer. Christian me surpreendeu com uma pequena cesta de vinho e carne fria. Juntos nos sentamos no campo, atrás das rochas, e contemplávamos os navios a navegar o mar. Sempre é assim quando estou com ele. Nesta maravilhosa fantasia de entardecer, não há nada mais que luz clara de sol e ar limpo, fragrante.
Falamos de tudo e de nada enquanto me desenhava. Desde que começou o verão, já fez dois retratos meus. Sem risco de pecar pela modéstia, posso afirmar que me converteu em uma bela mulher. Que mulher não o seria estando apaixonada? E foram seus sentimentos os que guiaram seu pincel. Se não tivesse sabido antes quão profundo e verdadeiro era seu amor por mim, o teria descoberto nesses retratos.
Alguém comprara meu retrato? Entristece-me pensá-lo. E de uma vez me orgulha. Essa seria, talvez, a única maneira de poder proclamar meus sentimentos. Pendurado na parede de alguma casa, o retrato de uma mulher cujo olhar estava cheia de amor pelo homem que a pintou.
Já disse que falamos de tudo e de nada. Mas não mencionamos a rapidez com que os dias se convertem em semanas. Faltam poucas semanas para que tenha que deixar a ilha, e a Christian. Acredito que, quando chegar esse momento, algo morrerá dentro de mim.
Fergus e eu demos um baile esta noite. Foi tudo muito alegre, embora tenha se falado muito da guerra. Fergus chegou a comentar que os homens inteligentes sabem que sempre haverá guerra, e que as guerras produzem dinheiro. Fiquei surpreendida ao ouvi-lo falar assim, mas não lhe dei nenhuma importância.
—Você pensa em como gastar o dinheiro, e eu penso em como consegui-lo —foi o que me disse.
E isso me desgosta porque não foi por dinheiro que me casei com ele, nem pelo que sigo a seu lado, mas sim por sentido do dever. Por isso vivi sob seu telhado, comi sua comida, aceito seus presentes sem pensar em nada mais.
Remói-me a consciência pensar que apreciei muitíssimo mais o singelo piquenique que Christian me presenteou, que todos os suntuosos jantares pagos com o dinheiro de Fergus. Como isso sempre lhe agrada, no baile desta noite usarei as esmeraldas. As esmeraldas que me evocam tanto dor como alegria.
Se não fosse pelos meninos... mas não tenho que pensar nisso. Por muitos pecados que cometa, jamais abandonarei meus filhos. Eles têm necessidades que nem Christian nem eu temos direito a ignorar. Sei que, na imensa solidão que me espera, serão meu consolo e minha distração. Sendo como são um bendito presente do céu, não tenho direito a me lamentar pelo menino que Christian e eu nunca poderemos, nem devemos, conceber.
Mas, mesmo assim, dói-me.
Esta noite, quando apagar o abajur, tentarei dormir rapidamente. Porque logo chegará a manhã, e com a manhã a tarde dourada, quando poderei voltar a ver Christian.
A única coisa que impediu Amanda de bater a porta foi o fato de que Suzanna já tinha posto os meninos para dormir.
Amaldiçoando entre dentes, caminhou apressada pelo corredor. A essas alturas, já não sabia se estava mais furiosa com Sloan por ter dado por certo que se casaria com ele, ou consigo mesma por ter querido aceitar sua proposta. O matrimônio não tinha entrado em seus planos, mas, maldito fosse, ela sempre tinha sido o suficientemente rápida de reflexos para aceitar o inesperado.
Embora isso não significava que fosse lhe dar a satisfação de aceitar facilmente sua vontade...
Deteve-se ante a porta de seu dormitório, com o coração acelerado. Claro que queria casar-se com Sloan. Apesar de todas suas sólidas e sensatas razões contra, casar-se com ele era exatamente o que desejava. Com a mão no trinco, vacilou, pensando em voltar para o deposito e ceder ao impulso de lançar-se a seus braços para lhe responder... sim!
Mas não. Resolutamente, abriu a porta. Não lhe facilitaria tanto as coisas. Se Sloan a queria realmente, então teria que se esforçar um pouco mais.
De repente, quando já tinha fechado a porta, um braço lhe rodeou a garganta.
Lutou instintivamente, utilizando as duas mãos para libertar-se e ao mesmo tempo tomar ar. Até que sentiu na têmpora o frio e duro contato do cano de uma pistola.
—Não se mova —lhe sussurrou uma voz ao ouvido—. Fique quieta, muito quieta. Por seu próprio bem.
Obediente, Amanda deixou cair lentamente os braços aos lados, mas sua mente estava trabalhando a toda velocidade. Os meninos estavam abaixo. Sua segurança era o primeiro. E Sloan... estava segura de que Sloan apareceria a qualquer momento, furioso, com intenção de prosseguir a discussão.
—Assim está melhor —a pressão do cano se atenuou um pouco—. Se gritar, haverá pessoas feridas... começando por você. E não acredito que queira isso — viu que ela negava com a cabeça—. Bem. E agora...
De repente, amaldiçoando entre dentes, agarrou-a novamente com força. Sloan se aproximava pelo corredor.
—Calhoun! Ainda não terminei com você.
—Não se mova nem um millímetro —advertiu o homem a Amanda, arrastando-a para trás—. Ou o matarei.
Amanda fechou os olhos e rezou.
Sloan abriu a porta. O quarto estava às escuras, e em silêncio. Enquanto permanecia na soleira, resmungando, Amanda se apertava contra um canto consciente de que a pistola estava apontando em sua direção. Nem sequer se atrevia a respirar, rezando com todas suas forças para que desse meia volta e partisse.
Mas quando o fez, quando ouviu seus passos ressonando no corredor, não pôde ao menos se perguntar se alguma vez voltaria a vê-lo.
—Bem. Agora que já podemos desfrutar de um pouco de intimidade, você e eu vamos falar... disse a voz, que seguia agarrando-a pela garganta e lhe mirando a têmpora—... das esmeraldas.
—Não sei onde estão.
—Sim. Ao princípio me custava acreditar nisso, mas agora já estou convencido de que não sabe. Assim faremos outra coisa. Teremos que nos mover com rapidez. Primeiro, o deposito. Levarei os papéis que ainda faltam para olhar e ordenar. Logo, para rentabilizar algo esta excursão, levarei também o colar de pérolas de Cordy e alguma outra jóia mais...
—Nunca conseguirá sair da casa.
—Você me ajudará —havia um leve matiz de prazer em sua voz, como se estivesse desfrutando do desafio que aquela situação entranhava—. Vamos de sigilosa e rápida ao deposito. Se tentar algum heroísmo, asseguro-a que se arrependerá.
Evidentemente Amanda não se atrevia a tentar, com os meninos tão perto. Mas no deposito, pensou enquanto se dirigiam pra lá... era outro assunto.
Sloan tinha deixado a luz acesa. Os restos de seu improvisado piquenique continuavam no chão. O ar cheirava levemente a morangos e champanhe.
—Que bonito —murmurou Livingston, e fechou a porta a suas costas—. Gostaria bem mais que estivessem realizando a sessão de espiritismo, mas dá no mesmo —a soltou, mas sem deixar de mirá-la.
Amanda o olhou. Se vestia todo de negro, com uma bolsa de couro cruzada sobre o peito. Usava luvas de plástico.
—Não vai fazer me nenhuma recriminação, Amanda? —arqueou uma sobrancelha ao ver que não dizia nada—. Esperava que você e eu pudéssemos desfrutar de algo enquanto eu realizava meu trabalho, mas... Basta de bate-papo: não percamos tempo —tirou de sua bolsa de couro um saco, que desdobrou rapidamente—. Coloque aqui todos os documentos dessas caixas.
Amanda se inclinou para recolher o saco, que tinha jogado ao chão.
—Vejo que perdeu seu sotaque britânico.
—Já não tem sentido conservá-lo. Ande tenho pressa —entrecerro os olhos—. Muita pressa.
Começou a introduzir os papéis na bolsa. Estava roubando a história de sua família, pensou furiosa.
—Estes papéis não lhe servirão de nada.
—Mentira, porque caso contrário você não estaria perdendo o tempo com eles —Adotou uma postura quase relaxada, enquanto permanecia de pé, entre ela e a porta—. É muito prática. Sabe? Conheço bastante a sua família. Por isso decidi me concentrar em você, a mais eficaz e simples, das mulheres da família Calhoun.
Amanda decidiu atacá-lo através de seu ego, pensando que talvez fosse esse seu ponto vulnerável.
—Espero que não chegasse a imaginar que eu iria apaixonar por você —lhe lançou um olhar carregado de frieza—. Você não é meu tipo. Nunca foi.
Aquele comentário produziu o efeito desejado. Ao parecer, sua vaidade era tão enorme como sua ambição.
—É uma pena que a falta de tempo me impeça de comprovar essa afirmação. Possivelmente, quando voltar, retomemos o que deixamos pendente.
—Se você conseguir escapar, jamais voltará para esta casa.
—Veremos —sorriu—. Ter topado contigo esta noite complicou um pouco meus planos, mas isso não me impedirá de alcançar meu objetivo final. O colar. Morro de vontade de tê-lo. Algumas jóias têm poderes, e tenho a sensação de que esse colar também. É como um forte pressentimento.
Mas, de repente, o ambiente do deposito parecia haver-se tornado frio, gelado. A expressão dos olhos do Livingston mudou também.
—Correntes de ar —murmurou, incômodo—. Este lugar está cheio de correntes de ar.
Amanda também o sentia. E a reconheceu, como boa Calhoun que era.
—É Bianca —pronunciou, e apesar da pistola, e de suas escassas possibilidades de escapar, sentiu-se completamente a salvo—. Não acredito que ela queira que leve seus papéis. Nem seu colar.
—Fantasmas? —pôs-se a rir. Embora pudesse ver com seus próprios olhos que nada tinha mudado no deposito, já não estava seguro de encontrar-se completamente a sós com a Amanda—. Isso não é muito próprio de você.
—Então, por que está tão assustado?
—Não estou assustado, simplesmente tenho pressa. Já basta —sentiu uma vontade desesperada de sair daquele lugar, daquela casa. Um suor frio lhe corria pelo rosto—. Você carrega o saco. Dado que isto nos levou mais tempo de que tinha calculado, vamos agora pegar as pérolas de Cordy. Vamos, pelo terraço.
Amanda se expôs por um instante para arrumar o saco e sair correndo. Mas, se fugia, Livingston ficaria com os papéis. Com o saco ao ombro, tentou abrir a porta.
—Está travada.
Tão nervoso estava Livingston, que se adiantou para lutar com a velha fechadura. Amanda esperou, e no instante em que se abriu a porta, deu-lhe uma rasteira, empurrou-o com todas suas forças e depois pôs-se a correr.
Com a idéia de afastá-lo de sua família, dirigiu-se para a ala oeste. Enquanto subia o primeiro lance de escadas de pedra, chamou aos gritos Sloan. O pesado saco dava botes a cada passo. Podia ouvir William atrás dela, aproximando-se cada vez mais, e conseguiu dobrar uma esquina ao mesmo tempo que a primeira bala se embutia em um muro.
Não se deteve para recuperar o fôlego, embora os pulmões ardessem. Aquela noite de maio era terrivelmente calorosa depois do repentino frio que tinha feito no deposito. O ar estava sufocante, carregado da ameaça de chuva.
A sensação de segurança, que antes tinha experimentado no deposito, evaporou-se. Já não contava com nenhuma vantagem, exceto seu conhecimento daquele complexo labirinto de escadas e terraços. A cada segundo estava mais nervosa, lutando por abrir-se passo na escuridão e com a crescente certeza de que jamais conseguiria escapar por seus próprios meios...
Mas foi então que viu Sloan ao fundo do corredor, dirigindo-se para ela em sentido oposto. Seu alívio durou somente um instante, até que ouviu um novo tiro.
Sloan gritou algo, antes de pôr-se a correr como um touro furioso; sem armas, cego de fúria, corria contra um homem armado. Sem vacilar, Amanda girou sobre si mesma e acertou o saco cheio de papéis em Invingston. Enquanto William agarrava o saco e dava meia volta para fugir, ela começou a escutar vozes procedentes da casa: o pranto do Jenny, os frenéticos latidos de Fred. Ansiando protegê-lo tanto como procurando seu amparo, seguiu correndo para Sloan. Mas quando o alcançou, com os braços estendidos, ele a separou bruscamente.
—Fique em casa. Vou atrás dele.
— Ele tem uma arma! —disse-lhe, agarrando-se desesperada a seu braço—. Não vá.
—Eu disse para que se refugie na casa —e, liberando-se, pôs-se a correr.
Com o coração na garganta, Amanda viu que saltava por uma janela para chegar até o terraço inferior. Decidida a alcançá-lo, dispunha-se a descer pelas escadas quando se abriu uma porta e apareceu Lilah.
—Que diabos está acontecendo?
—Chame a polícia —ordenou, sem deter-se.
Mas então soou outro disparo, procedente do exterior da casa. Temendo pela vida de Sloan, desceu correndo as escadas, seguindo o som de uns passos apressados e dos latidos de Fred. Saiu para o quintal. Tudo estava escuro, sem uma só luz. Em sua pressa tropeçou uma vez, machucando-as mãos com o cascalho do atalho. Ouviu uma maldição e o chiado de pneus. Logo, por um instante, um aterrador instante, somente pôde ouvir o rugido do mar e do vento, por cima do ensurdecedoras batidas do seu coração.
As pernas lhe tremiam enquanto descia pela costa, tão cega pelo medo que nem sequer viu Sloan até que se chocou contra seu peito.
—OH, Meu deus! —embalou-lhe o rosto entre as mãos—. Pensei que ele havia matado você.
Mas Sloan estava muito preocupado com a fuga de Livingston para apreciar devidamente sua preocupação.
—Está bem?
—Sim, sim, estou bem.
—Está sangrando —exclamou, consternado—. Tem sangue nas mãos.
—Caí—apoiou a cabeça sobre seu ombro—. Estava tão escuro que não podia ver nada —lutando por conter as lágrimas, agarro-se a ele enquanto Fred uivava a seus pés. De repente, ao tomar consciência do acontecido, separou-se bruscamente—. Vocêe stá louco de correr atrás dele assim? Não falei que ele tinha uma arma?
—E — retrucou Sloan—. Não disse que se escondesse na casa?
—Eu não aceito ordens suas.
—Estão os dois vivos —exclamou naquele instante Lilah, correndo para eles com uma lanterna na mão—. Ouvi-lhes discutir do final do atalho —de repente descobriu um monte de papéis na estrada—. O que é tudo isto?
—Oh, ele deve ter deixado cair —Amanda se agachou para recolhê-los.
—Deve ser quando Fred lhe mordeu a perna —comentou Sloan, ajudando-a.
—Fred o mordeu? —perguntaram Amanda e Lilah em uníssono.
—E bastante, a julgar pelo escândalo que se armou. Poderíamos tê-lo capturado, mas o carro estava estacionado na estrada.
—E também podia ter lhe matado —lhe recordou de novo Amanda.
—Quem era? —perguntou-lhes Lilah, ajudando-os a recolher os papéis.
—Livingston —respondeu Sloan, e soltou uma fileira de pragas—. Sua irmã poderá contar todos os detalhes.
—Sim, mas lá dentro —sugeriu Lilah—. A família está muito nervosa.
—Chamou à polícia?
Lilah tinha saído de casa descalça. Ao ouvir ladrar ao cachorrinho, sorriu.
—Sim, e eu diria que estão a caminho, porque Fred já ouviu as sirenes.
Amanda entregou uma braçada de documentos e seguiu recolhendo mais. Na porta de casa apareceu de repente Suzanna, armada com um rifle.
—Todo mundo se encontra bem?
—Sim, perfeitamente —respondeu Amanda, cansada—. E os meninos?
—No salão, com tia Cordy. OH, querida, suas mãos...
—Só são uns arranhões.
—Vou procurar um pouco de anti-séptico.
—E um pouco de brandy também, por favor —acrescentou Lilah, antes de deixar os papéis sobre a mesa do vestíbulo.
Vinte minutos depois, e uma vez informada a polícia de tudo, a família voltou a reunir-se para analisar o acontecido.
—E pensar que convidamos A... a esse ladrão para jantar —pronunciou Cordy, com o olhar fixo em sua taça de brandy—. Preparei-lhe inclusive um soufflé de chocolate. E ele, durante todo o tempo, estudando a maneira de nos roubar...
—A polícia o agarrará —interveio Alex.
—Acredito que já foram emoções suficientes por esta noite —o beijou Suzanna.
—Levou a maior parte dos papéis —suspirando, Amanda olhou os documentos que tinham conseguido reunir, empilhados sobre a mesa do salão—. Espero que Fred tenha lhe dado uma boa dentada.
—Bem feito —Lilah embalava ao cachorrinho em seu colo—. E não acredito que esses papéis sirvam de algo para Livingston. Não será ele, e sim nós, que encontraremos as esmeraldas.
—Nem sequer lhe daremos essa oportunidade —comentou Sloan, sombrio—. Não com o sistema de alarme que vou instalar —olhou a Amanda, como desafiando-a a que o contradissesse, mas ela tinha o olhar cravado em um dos documentos.
—É uma carta —murmurou—. Uma carta da Bianca para Christian.
—Oh, Meu deus! —Cordy se inclinou para ela—. O que diz?
Meu amor,
Escrevo-te esta carta enquanto a chuva segue caindo, me afastando de você. Pergunto-me o que estará fazendo, se estará pintando hoje com esta luz tão cinza, pensando em mim. Quando me fecho só aqui, em minha torre, longe da realidade de minhas obrigações, deixo-me levar pelas lembranças. Lembranças da primeira vez que o vi, de pé nos escarpados. Da última vez que o toquei. Estou rezando para que saia o sol, Christian, para que possamos seguir criando mais lembranças. Não pode imaginar o muito que me tem feito mudar, o muito que agora podem ver meus olhos, agora que vêem com o coração. Que vazia teria sido minha vida sem estes momentos que passamos juntos! Agora sei que o amor é um bem escasso, estranho, de inestimável valor. É algo digno de ser guardado e conservado com carinho. Lembre-se, inclusive quando acabar nosso tempo de estar juntos, que sempre guardarei seu amor. Seu amor, que viverá em meu coração ainda muito tempo depois que ele parar de pulsar.
Bianca
Cordy soltou um suspiro nostálgico, sonhador.
—Oh, como eles devem ter se amado!
Amanda alisou cuidadosamente a carta, lamentando que estivesse tão amassada.
—Suponho que nunca teve oportunidade lhe enviar. Durante todos estes anos esteve misturadas com faturas e recibos.
—E esta noite a encontramos, e não Livingston —recordou Lilah.
—Sorte —murmurou Amanda.
— Destino —insistiu Lilah.
Quando soou o telefone, Amanda foi primeira em responder.
—É a polícia —informou, antes de escutar atentamente—. Entendo. Sim, obrigado por nos avisar —pendurou, suspirando—. Parece que escapou. Não voltou para o BayWatch para recolher suas coisas.
—A polícia acredita que ele voltará? —alarmada Cordy levando uma mão ao peito.
—Não, mas manterão vigiada a casa até assegurar-se de que tenha deixado a ilha.
—Suponho que a estas alturas já estará caminho de Nova Iorque —comentou Suzanna—. E se lhe ocorre voltar, estaremos preparadas.
—Mais que preparadas —assentiu Amanda—. Já estão dando ao público sua descrição física, mas... bom, suponho que já não podemos fazer nada mais por esta noite.
—Não —Sloan lhe aproximou—. Ainda fica algo —levantando-a do sofá, a levou para fora do salão. Terão que nos desculpar.
—Elas lhe desculparão, mas eu não —protestou Amanda—. Me Solte.
—De acordo —lhe soltou o braço, mas depois a ergueu no colo e a carregou ao ombro—. Com você temos sempre que escolher o jeito mal.
—Hei, não deixarei que me carregue como um saco de batatas! —lutou quando Sloan começou a subir com ela as escadas.
—Tínhamo-nos deixado alguns cabos soltos antes que escapasse do deposito para se encontrar com aquele sujeito. E agora vamos atá-los. Lembre-se que sempre gostou de esclarecer as coisas, Calhoun.
—Você não sabe o que eu gosto ou o que eu não gosto —conseguiu lhe dar um murro nas costas—. Você não sabe nada.
—Então já é hora de saber —abriu com um chute a porta de seu dormitório, entrou e a deixou cair sobre a cama—. Sente-se. Vamos resolver isto de uma vez por todas.
Mas Amanda cobriu o rosto com as mãos e explodiu em soluços. Os acontecimentos das últimas horas tinham acumulado em seu interior uma tensão que se transbordou de repente. Com um gemido, Sloan se aproximou.
—Não faça isso, Mandy.
Amanda se limitou a negar com a cabeça e continuou soluçando.
—Oh, por favor —insistiu com voz suave, ajoelhando-se frente a ela—. Sinto muito, querida. Sei que esta noite não foi o melhor momento. Sei que deveria ter esperado, mas... —amaldiçoando-se, acaricio-lhe um braço—. Olhe, me bata, se assim se sentir melhor.
Amanda aspirou profundamente e lhe deu um forte murro, que o tombou de costas. Através de um véu de lágrimas, o viu passar o dorso na mão pela boca
—Nossa, tinha-me esquecido de quão literal é —ficou sentado no chão—. Já terminou de chorar?
—Acredito que sim —tirou um lenço do bolso. Seu lábio está sangrando.
—Certo —ia pegar o lenço mas Amanda já estava limpado o lábio. Riu- Nossa, você tem um soco bem forte.
—Que engraçado você levar isso como uma brincadeira. Teve sorte de não acabar de barriga para baixo na estrada, com um tiro na cabeça.
—Por isso está tão zangada? Por que saí em perseguição do Livingston?
—Eu disse que não o fizesse.
—Hei —pegou-a pelo queixo, olhando-a aos olhos—. Acredita que eu ia ficar de braços cruzados depois de vê-lo disparando contra você? Só me arrependo de não tê-lo caçado.
—Essa é uma estúpida atitude machista —lhe disse, embora se deixar de acariciar sua face.
—É a segunda vez na noite que me chama estúpido. Eu gostaria de voltar para a primeira vez que me chamou disto.
Amanda se retraiu instantaneamente.
—Não quero falar sobre isso.
—É uma pena. Mas o assunto segue pendente. Por que reagiu com tanta agressividade quando mencionei o matrimônio?
—Mencionou? Parece ordenou isso.
—Eu somente disse que...
—Você deu por certo —o interrompeu, levantando-se—. Somente porque te amo, porque fizemos amor, isso não lhe dá direito a dar nada por certo. Já havia dito que tinha meus próprios planos.
—Eu também tenho planos, e necessidades. E você figura em todos eles. Amo-a, maldita seja. Você é a única mulher que realmente necessitei em minha vida. A única com a que desejei compartilhar minha vida, ter filhos, fundar um lar. Deus sabe por que, quando é tão teimosa quanto uma mula, mas mesmo assim não posso evitar.
—Então por que não me pediu?
Desconcertado, sacudiu a cabeça.
— Pedir o que?
Amanda ficou a andar pelo quarto, inquieta.
—Olhe, não espero que se ajoelhe diante mim com uma mão no coração. Mas possivelmente um pouco de música de violinos não faria nenhum mal —murmurou— . Ou algumas velas...
—Violinos?
—Esqueça- deteve-se para olhá-lo, com as mãos nos quadris—. Acredita que porque sou uma mulher sensata e racional não preciso um pouco de romantismo? Aparece, muda toda minha vida, me faz amá-lo até a loucura, e nem sequer tem o cuidado de fazê-lo bem, corretamente.
—Espera um pouco —ergueu uma mão—. Está-me dizendo que está zangada porque não fiz um pedido de casamento mais elaborada, ao estilo tradicional?
—Nem sequer me pediu —Amanda disse isso com os olhos brilhantes—. Por que teria que fazê-lo? Já sabia a resposta, não é?
—Espere um momento —disse e saiu do quarto.
—Típico —gritou Amanda, e se deixou cair na cama. Seguia ruminando sua fúria quando Sloan voltou—. O que é agora? —perguntou.
—Só será um momento —deixou sobre a cômoda a gravadora que levava na mão, e tirou do bolso uma caixa de fósforos. Sistematicamente começou a acender todas as velas que tinha trago. Uma vez realizada essa tarefa, apagou as luzes.
—O que está fazendo?
—Criando o ambiente adequado para encenar meu pedido de casamento sem que me jogue isso na cara.
Amanda saltou da cama, com um sorriso nos lábios.
—E agora esta rindo de mim.
—Não, nem pensar. Maldição, Amanda, vai continuar discutindo comigo durante toda à noite ou vai me deixar que arrume as coisas?
Havia tanto desespero em sua voz que Amanda se calou, refletindo. Percebeu que ele não parecia muito cômodo com aquela situação, e não pôde impedir o sorriso. Estava fazendo tudo aquilo por ela. Porque a amava.
—Vou deixar você tentar. O que é isso? —assinalou a gravadora.
—É de Lilah —pulsou o botão do play. Uma suave melodia de violinos ressonou na habitação. O sorriso da Amanda se ampliou, ao mesmo tempo que seu coração acelerava.
—É muito bonita.
—Você também, e devia ter dito isso mais vezes —pegou sua mão.
—Não é um mau momento para começar —a aceitou.
—Amo-a, Amanda —com deliciosa delicadeza, acariciou seus lábios com os dele—. Amo todas as mulheres que há em você. A que faz listas de tudo e guarda cuidadosamente seus sapatos no armário. A que gosta de nadar na água gelada, e desfrutar de alguns momentos de solidão. À mulher incrivelmente sexy que descobri na cama, e à mulher firme e decidida, que sabe o que quer.
—Eu também te amo. Falava a sério quando disse que tinha mudado minha vida. Esta noite, quando li a carta da Bianca, compreendi o que deve ter sentido. E eu nunca voltarei a sentir por ninguém o que agora sinto por você.
Sorrindo, Sloan depositou um beijo sobre sua palma.
—Então, vai se casar comigo?
Amanda jogou os braços em seu pescoço, rindo.
—Acreditava que nunca me pediria isso...
Nora Roberts
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