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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Um amor precioso / Robyn Donald
Um amor precioso / Robyn Donald

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Um amor precioso

 

Seduzida a ponto de tornar-se submissa!

Para Gabe Considine, grão-duque de llíria e empresário bilionário e cruel, chegou a hora do acerto de contas! Ele acredita que a ex-noiva, Sara Milton, furtou uma jóia, herança de família, de valor incalculável, e o traiu com outro homem. Agora, Gabe quer seu orgulho e a jóia da família de volta!

0 plano é simples: Gabe vai atrair Sara para o antigo castelo da família, e mantê-la refém, até que a moça lhe dê tudo o que ele exige, mesmo que tenha que seduzi-la até torná-la submissa...

— Não posso ajudá-lo. Vou embora.

— Não vai a lugar algum.

— Não pode me manter aqui.

— Ficará até eu descobrir o que fez com o colar.

— Isso é seqüestro.

— Poderá ir assim que o colar estiver em minhas mãos.

— Está louco! Não vou tolerar isso. Seus ancestrais podiam calar qualquer um que os ofendessem, mandando-o para o calabouço. Mas agora a realidade é outra.

Ao dar dois passos em direção à porta, Gabe a deteve. Segurou-lhe um dos braços e a virou de forma que pudesse encará-la. A jovem tremeu ao sentir aquele cheiro masculino tão característico do ex-noivo.


CAPÍTULO UM

Sentado à escrivaninha, Gabe Considine ergueu os olhos azuis, frios como aço para o irmão mais novo e fez um estranho pedido a ele.

— Diga que estou maluco.

Marco franziu as sobrancelhas.

— Você está maluco.

Gabe levantou-se rumo à janela, olhando para além dos muros que rodeavam o castelo. Por quase mil anos, seus antepassados moraram na Toca do Lobo e protegeram a rota comercial que cruzava as montanhas entre o resto da Europa e o pequeno principado da Ilíria, no Mar Mediterrâneo. Quarenta anos antes, guerra civil, traição e morte levaram os avós dele, intitulados grã-duque e duquesa, a lutarem ali até a morte, em uma emboscada, com guerrilheiros. Embora Gabe e os irmãos tivessem nascido no exílio, Marco sabia que Gabriel sentia-se com alguma obrigação perante aquelas pessoas que tanto sofreram e esperavam que seu senhor voltasse.

— Então, apresente uma idéia melhor. — respondeu Gabe.

— Que tal ameaças? — a voz de Marco carregava-se de escárnio. — Diga-me onde o colar está ou vou levá-la à falência e colocar sua mãe para fora de casa.

— A mãe dela morreu. E as ameaças serão mais eficientes se Sara estiver aqui, impossibilitada de ir embora.

— Uma prisioneira — Marco afirmou.

— Não seria a primeira vez que uma mulher foi mantida prisioneira aqui.

— Na maior parte, reféns em vez de prisioneiras.

Gabe, Marco e a irmã cresceram cercados de histórias relacionadas à herança da Ilíria. Uma dessas reféns casara-se com o grã-duque.

— E se Sara se recusar a admitir que roubou o co­lar? — perguntou Marco.

— Então, farei o possível para recuperar o Sangue da Rainha. — Gabe respondeu.

O colar, da época medieval, fora talhado com os rubis mais valiosos do mundo.

— Estranho que uma mulher se sinta feliz por usar algo com essa reputação. — Marco comentou.

— As mulheres gostam de coisas bonitas, mesmo aquelas com uma história de barbárie. Esse colar é mais do que belo. É magnífico! — disse Gabe.

— Rubis perfeitos, desse tamanho, não se encontram mais nas minas. E há o mistério de como as pedras vieram de Burma, hoje, a região da Índia, para a Europa, e quem as uniu com ouro. Terá sido algum gênio desconhecido da Idade Média? Ou o colar é fruto de uma civilização desconhecida?

Marco riu com desdém.

— Não me diga que acredita naquela história de que foi feito em Atlântida?

O irmão sorriu, cínico.

— Dificilmente. Mas poucas mulheres se importariam com o fato de que a primeira dona morreu nas montanhas apunhalada no coração pelo líder de um bando de marginais. Ultimamente, acho que tenho alguma simpatia por esse homem.

Marco compreendeu a ironia de Gabe. Apaixonar-se por uma mulher, somente para que ela furtasse a jóia dos Considine, de valor incalculável, não tinha nada a ver com o irmão cínico e cabeça-dura, conhecido ao redor do mundo por sua lógica cruel e brilhante. Gabriel tivera aventuras amorosas, mas sempre fora discreto. Era difícil imaginá-lo apaixonado!

Tinha sido um romance improvável — um homem com o mundo a seus pés, e uma mulher vinda do nada, lutando para fazer carreira como decoradora de interiores. Ainda assim, Gabe se apaixonou por Sara Milton, quebrando regras, sob quase todos os holofotes da mídia. Duas semanas depois do anúncio do noivado, Gabe insistira em que a jovem usasse o colar em um casamento.

Essa noite foi inesquecível, e não somente por causa da beleza dos rubis, que cintilavam com glamour ressaltando os esplêndidos cabelos negros de Sara. Cada magnífica pedra fazia um contraste perfeito com a pele clara da jovem de olhos verdes.

Naquela ocasião, o colar desapareceu de um cofre no castelo onde Sara estava. E a combinação do cofre tinha sido escolhida pela jovem. Marco ainda ficava furioso ao lembrar-se de que a cunhada tentou culpar a empregada, mas Gabe compreendera a artimanha.

Embora o roubo permanecesse em segredo, três dias depois do término do noivado, a mídia voltou a se exaltar. Alguns tablóides o consideraram o escândalo do século.

— Tem certeza de que Sara pegou a jóia? — indagou Marco. — Não há nenhuma evidência forte de que tenha sido ela.

— Sara o roubou. Vou convencê-la de que valerá a pena me devolver o colar.

Gabe era mesmo capaz de fazer isso. O irmão baseava-se mais na formidável auto-estima do que nas origens aristocráticas que lhe deram aquele rosto imponente e o corpo esguio, bem estruturado, em 1,82m de altura. Se havia alguém capaz de seduzir Sara a ponto de descobrir o paradeiro do colar, era Gabe. Entretanto, Marco sentiu-se obrigado a alertar:

— Sara ia se casar com você. Poderia ter o colar sempre.

— Já tinha mudado de idéia com relação a isso. — Gabe disse, com escárnio.

Somente Marco e o chefe de segurança de Gabriel — e um fotógrafo — sabiam sobre a que o irmão se referia: uma maldita foto tirada com uma teleobjetiva de fora do castelo onde Sara estivera na noite em que o colar desapareceu. A imagem mostrava a noiva de Gabe e o dono do castelo, Hawke Kennedy, abraçando-se nus, no quarto da jovem.

No dia seguinte ao roubo do colar, a foto chegou ao e-mail de Gabe com uma ameaça de vender o negativo para quem desse o maior lance se um resgate não fosse pago.

— O perito descobriu o fotógrafo? — Marco perguntou.

— Sim.

— Presumo que não vá publicar a foto, não é?

— Não. — respondeu Gabe com um sorriso cortante.

— Então, por que não disse a ele para que publicasse e se danasse? Você seria o último homem na terra a se deixar chantagear e a pagar um resgate.

— Orgulho. — Gabe explicou. — Senti-me um completo idiota por me deixar ser trapaceado por uma ladra bela e inteligente. Além disso, pouco antes do roubo, Alex sugerira que eu voltasse para Ilíria e fosse consagrado grã-duque das Fronteiras Setentrio­nais.

— E daí?

— Assim que rompi o noivado, os jornais tiveram um dia cheio.

Marco fez uma careta.

— Nem me fale! O escândalo do século! Mas o que a proposta de Alex teve a ver com isso — ou com a foto?

— Complicou a situação. Os ilirianos, especialmente aqui, nas montanhas, ainda acreditam que precisam ser conduzidos por homens fortes. Os camponeses têm idéias conservadoras com relação aos papéis de homens e mulheres. Se o povo soubesse que eu me apaixonei por uma mulher que dormiu com outro homem, enquanto planejava roubar o colar Sangue da Rainha, os camponeses perderiam o respeito por mim.

— Desde então, você tem pensado em aceitar a sugestão de Alex?

Alex — um primo distante, de quarto ou quinto grau — tinha sido coroado Príncipe da Ilíria alguns anos atrás pela vontade popular. Agora, usava o próprio dinheiro e prestígio para conduzir seu pequeno reino, frustrado por anos de repressão, rumo à prosperidade.

— Sim. — disse Gabe. — O anúncio será feito em algumas semanas.

— Então, Sara deixou de ser uma grã-duquesa! — Gabe sorriu. — Triste, não? — debochou Gabe.

— Por que decidiu levar isso adiante? Não precisa do poder, e o título não significa muito para você além de uma certa afeição por nossos ancestrais. E você também não precisa de mais dinheiro.

Gabe tinha uma boa fortuna. Assim como Marco, construíra um império no mundo empresarial moderno com a mesma habilidade enérgica que seus ancestrais usaram para manter as propriedades em ordem. Mas o vale que Marco sobrevoara naquela manhã parecia algo medieval. Eram vilas sem qualquer sinal de modernização.

Gabe deu de ombros e olhou o local, admirando a beleza serena que escondia a sua miséria.

— Cada camponês desse vale foi punido pelo ditador por ser leal a nossos avós. Devo isso a eles.

Marco balançou a cabeça, concordando. Responsabilidade era uma das grandes qualidades de Gabe.

— Podia ajudá-los sem voltar ao feudalismo e tornando-se um grã-duque ativo. — sugeriu ele.

— Você conhece os poderes de persuasão de Alex. Afinal, nosso primo o convenceu a assumir os negócios de software dele, para que pudesse se dedicar à Ilíria.

— Sim. E eu, entusiasmado, aceitei a oportunidade. E estou adorando. Qual é a sua desculpa?

— Tenho vindo aqui desde o ano passado, tentando encontrar a melhor forma de ajudar essas pessoas. E o povo daqui deixou claro que quer um grã-duque, assim como quis Alex de volta. Parece um estímulo para a geração que se lembra dos bons tempos, mas até os mais jovens desejam isso. Foi por esse motivo que pensei que aquela foto, da minha noiva nua com o amante, mancharia o árduo trabalho de Alex.

— Entendo seu ponto de vista. Mas se for adiante com esse plano maluco, ficará suscetível a mais chantagem. Seqüestro é crime em Ilíria. Mesmo Alex talvez não seja capaz de salvar você se Sara denunciá-lo.

As feições de Gabe apresentaram a mesma expressão inflexível dos antepassados nos retratos. Homens implacáveis conhecidos pela lealdade ao príncipe e pelas habilidades na arte da guerra. Defenderam a fronteira com uma autoridade amedrontadora e uma inteligência brutal.

Gabe seria um grã-duque perfeito. E ajudaria Alex com os planos de restaurar à Ilíria a prosperidade e a confiança. Ainda assim, Marco estava cauteloso. O irmão parecia imune a quaisquer dúvidas.

— Sara virá aqui por vontade própria. — disse Gabe.

— Ela não sabe que esse castelo é seu, ou que você pretende mantê-la aqui até lhe dar o que quer.

— Até me dar o que me pertence. Relaxe. Não planejo confiná-la ao calabouço. Assim que me contar onde o colar está, Sara poderá ir. E não irá à polícia ou à imprensa. Imagino que o último combate a machucou o suficiente de forma a fazer com que evite tudo isso. Bem está pronto para ir?

— Sim. Deseja que eu transmita alguma coisa a Alex?

O rosto de Gabe suavizou.

— Dê um abraço no bebê por mim.

Marco sorriu.

— Farei isso — Marco respondeu sorrindo. Surpresa que Alex o tenha escolhido para padrinho do menino! Ainda assim, você leva jeito com crianças. — Mas não gosto dessa história. No entanto, sei que não vai adiantar convencê-lo a desistir. Somente tome cuidado, promete?

— Não vou precisar. Agora, Sara está no meu território, e eu dou as cartas. Da última vez, eu estava na metade do caminho rumo aos Estados Unidos quando soube do que aconteceu. Ela estava livre para fazer o que quisesse.

Gabriel foi até o helicóptero com Marco e o viu desaparecer vale abaixo rumo ao litoral. Ao caminhar de volta ao castelo, deu uma olhada ao redor, observando as várias coisas que precisavam ser feitas.

O irmão era facilmente dominado pelo belo rosto de Sara, mesmo quando ela mentia. Mas, então, por que deveria culpar Marco por aquela fraqueza? Sara o enganara também.

Depois da meteórica ascensão de Gabe na lista dos mais ricos do mundo, aprendeu a reconhecer uma mulher interessada em laçar um marido bilionário. Mesmo assim, Gabe fora um total idiota frente a Sara. Apesar da experiência do empresário, deixou-se deslumbrar pela beleza da moça. Abaixou a guarda o suficiente para resolver se casar com a jovem, e para combinar com a jóia de família, o colar Sangue da Rainha, colocou um anel de rubi no dedo dela. Mais idiota ainda!

De repente, um outro helicóptero veio na direção do castelo. Gabriel monitorou as próprias emoções. Não sentiu nada, além de uma determinação de sacudir Sara para descobrir o paradeiro do colar. Assim que fizesse isso, teria o maior prazer em colocá-la para fora do castelo. Então, nunca mais pensaria nela.

 

CAPÍTULO DOIS

Por um segundo, Sara perdeu o ar. A luz do helicóptero iluminou um fluxo escarlate que inundava as paredes de pedra do castelo. Pareciam cobertas de sangue. Outra inspeção mais próxima revelou o contorno das folhas. A cor forte tratava-se apenas das sombras de uma velha parreira no outono.

— Controle-se. — murmurou, contendo uma angustiante sensação. Lembranças de histórias de vampiros que a jovem lera quando adolescente vieram à mente, vívidas o suficiente para fazer com que erguesse os olhos inquietos na direção das montanhas que rodeavam o vale.

Isso era ridículo. Desde que o Príncipe Alex fora reintegrado ao trono da Ilíria há alguns anos, o reino se tornara um estado civilizado, aberto ao mundo. Além disso, os vampiros não moravam na Romênia? Crescera em uma pequena ilha no Pacífico, e o que sabia sobre os habitats naturais da região limitava-se aos livros que pegara emprestado com o patrão da mãe dela.

De qualquer forma, não ficaria muito tempo ali. Tudo o que tinha a fazer era vistoriar três quartos e banheiros e aparecer com um brilhante projeto para redecorá-los, um que mantivesse o ambiente medieval intacto e incorporasse um sistema hidráulico moderno.

Como se isso fosse assim tão fácil, pensou, o medo corroendo-a. Sara estava desesperada para conseguir o trabalho. Se recebesse a aprovação da dona do castelo, uma americana, talvez retomasse a carreira, interrompida depois do desastre do ano passado.

Se os últimos meses lhe ensinaram alguma coisa foi que a vida tinha que continuar.

O helicóptero aterrissou com um leve solavanco. Sara tremeu, forçando-se a esquecer as lembranças sombrias. Esquadrinhou o local. Sabia que a dona não estaria ali, mas não esperava que o castelo estivesse deserto. Nenhuma luz brilhava das janelas flanqueadas por persianas pintadas com símbolos herál­dicos.

A jovem olhou para um lado e para outro. Claro que se sentiu sendo observada. O castelo fora construído para isso! Avultava sobre o vale para guardar a rota comercial.

Não deixe que isso a perturbe!, ordenou a si mesma. Mas, tudo o que a moça precisava para acabar com aquele dia interminável era que aparecesse um criado chamado Igor! A porta se abriu.

— Madame?

Era um homem baixo, robusto, que parecia ter a palavra "mordomo" escrita na testa. Aliviada, Sara sorriu, soltou o cinto de segurança e dirigiu-se ao gramado, abaixando-se assim que Igor a apressou para que se afastasse do helicóptero. Depois, o mordomo indicou uma porta em forma de arco na parede de pedra maciça.

— Por aqui, madame. Sua bagagem virá em seguida. — Igor pegou nas alças da pesada sacola da jovem. Relutante, Sara entregou-lhe a bolsa.

A porta conduzia a um jardim. Sara viu flores em vasos, e a tensão diminuiu. Dominando o próprio medo idiota, a moça endireitou os ombros e seguiu o mordomo, determinada.

O chão de pedras arredondadas fez com que a jovem perdesse o equilíbrio. Sara logo se recuperou, mas o homem ao lado dela murmurou um "Não estamos muito longe." — e indicou outra porta enorme, construída para repelir qualquer tentativa de invasão.

A pesada porta de madeira, com uma fechadura medieval, abriu-se em direção a um corredor de pedra.

— Por favor, entre. Espero que tenha tido uma viagem agradável. — disse o criado, sorrindo.

— Muito, obrigada.

Dentro do castelo não estava frio nem úmido, mas Sara esperara isso. Muitos móveis antigos e artefatos estavam danificados devido ao aquecimento central. O lugar, porém, estava imaculado, não havia teias de aranha penduradas nas vigas.

O mordomo a conduziu pelo corredor até outra porta lúgubre. Armaduras enfileiradas, junto às paredes, tornavam o ambiente pesado, apenas amenizado por flores em grandes urnas e vasos. No final do corredor, um estandarte com o perfil de um lobo.

Sara se contraiu. O que fazia ali? Era perita em decoração de casas, não naquele tipo de arquitetura, uma afirmação direta de poder e crueldade. A jovem decorara apartamentos em Londres e na França, mas nunca nada tão antigo quanto um castelo. Bem, seria um desafio, e muito bom para o currículo.

O mordomo abriu outra porta e a conduziu por uma passagem de pedra. Para quebrar o silêncio, a moça perguntou:

— O castelo tem nome?

— Sim, srta. Milton. É o Castelo do Lobo. Ou, como o pessoal da região chama, a Toca do Lobo.

— Então, o estandarte no corredor principal deve ser o timbre dos primeiros donos?

— Sim, isso mesmo. — respondeu o mordomo abrindo uma portinha que conduzia a um elevador.

Sara sorria enquanto seguia Igor. A moça esperava que o elevador não fosse a única concessão para o século vinte e um!

Diversos andares acima, o criado lhe mostrou um quarto com painéis de madeira e uma cama dossel. A cabeceira e o pé da cama entalhados em um arrendado de flores e parreiras — um encanto.

Não podia dizer o mesmo do resto do quarto, todo em dourado, carmim e branco. A mobília — reprodução de móveis antigos — não era de boa qualidade. Não era de se admirar que a sra. Armitage quisesse redecorar os quartos! Quem quer que fosse o responsável por aquela joça deveria ser impedido de chegar perto de um quarto novamente. Ao menos não havia sinal de lobos ali.

O criado indicou uma porta sob os painéis de madeira.

— Seu banheiro é por aqui. Se quiser descansar por cerca de uma hora, voltarei para acompanhá-la à sala de estar, lá embaixo, para um drinque antes do jantar.

— Não pensei que houvesse alguém morando aqui. —  ela comentou.

— Sim. — foi tudo o que Igor disse, antes de sair do quarto.

Franzindo as sobrancelhas, Sara olhou a porta se fechando, e concluiu que deveria haver muito mais cordialidade atrás do rosto da nobre herdeira americana do que a moça suspeitara. Ao menos, não teria que fazer a refeição no quarto, feito uma governanta vitoriana!

Mas, gentileza ou não, Sara lembrou de que o futuro dela dependia da entrega de um projeto para os quartos que superasse aqueles apresentados por outros decoradores.

Um calafrio a deixou tensa. A jovem olhou ao redor e notou uma janela aberta por onde entrava o ar do entardecer. Ainda havia luz. E, mesmo agora, dez anos depois que deixara Fala'isi, a moça achava o pôr-do-sol na Europa encantador. Já as noites tropicais do Pacífico caíam como uma mortalha, apagando as cores quentes e brilhantes da ilha em poucos minutos.

O ar era puro. Da janela, a jovem podia ver as lâmpadas pálidas das vilas. E, no alto das montanhas ao redor, as poucas luzes deviam ser das casas de fazenda isoladas.

Esticando o pescoço, Sara avistou um brilho em uma das torres do castelo. Enquanto isso, alguém veio e puxou as cortinas, cobrindo-as.

No céu, estrelas brilhavam. Saudade de casa e algo mais doloroso tomaram conta dela. Embora gostasse muito de Fala'isi, não havia nada lá para a moça agora. E essa era a última chance de reaver a carreira dela que Gabe destruíra.

Sara esboçou uma careta. Mesmo que os nouveau riche pudessem ter resolvido patrocinar uma mulher comprometida no passado, com um homem tão poderoso, qualquer sinal de que a jovem era uma ladra seria uma lástima.

E deveria haver algum indício. O roubo do colar, o famoso Sangue da Rainha, nunca chegou à imprensa, mas o patrão dela a demitiu assim que Gabe rompeu o noivado.

Para Sara, o colar era amaldiçoado. Na única vez que o usara, no casamento de um primo de Gabe, a jovem gelara. Nem o toque das mãos de Considine nos ombros dela fora capaz de aquecê-la.

— Quem fez esse colar? — perguntou para si mesma.

Ninguém sabia. Alguns especialistas diziam que ele era um tesouro das tribos da Cítia, território hoje correspondente à Ucrânia e ao sul da Rússia. Eram povos nômades, conhecidos pelas crueldade e pelo magnífico trabalho em ouro. Os rubis são de Burma, atual região da índia.

Sara olhou-se no espelho, extasiada pela beleza e horrorizada pela história sangrenta da jóia. E, apesar dos protestos desesperados da jovem, Gabe estivera tão certo de que Sara roubara o colar, que o empresário rompeu o noivado da forma mais cruel.

Ainda hoje sentia-se mal ao lembrar-se do tumulto causado pela imprensa, os flashes das máquinas fotográficas, as mentiras, as fofocas, as piadas. Durante três meses, procurara por um novo trabalho e vira suas economias minguarem.

Porém, nada tinha sido tão horripilante quanto concluir que o homem que tanto a cortejara, a ponto de Sara apaixonar-se, usara do próprio poder e influência para arruinar sua vida. A jovem amava tanto Gabe! E, idiota como era, deixou-se convencer de que aquele homem a amava também. Mas o amor dele revelou-se uma ilusão.

Fala'isi estava tão distante dela quanto as estrelas. Felizmente, após diversos meses, um decorador concordara em dar uma chance à moça. E Sara tinha que fazer um bom trabalho. Devia muito a essa pessoa.

Uma batida à porta a arremessou para longe dos tristes pensamentos. O criado trouxe a bagagem da moça.

— Obrigada. — agradeceu, sorrindo.

— Se precisar de alguma coisa, madame, toque a sineta. — disse, fechando a porta.

Sara deu de ombros. Precisava de uma chuveirada agora. Lamentar a confusão na qual a vida dela se tornara não a levaria a lugar algum. Melhor reunir as energias e fazer daquele trabalho um sucesso.

O banheiro era tão deprimente quanto o quarto. E o encanamento precisava de primeiros socorros. Não, um transplante, de fato. Sara tomou banho com água quase fria.

De volta ao quarto, a jovem olhou ao redor e percebeu que a mala desaparecera. Com o coração disparado, a moça dirigiu-se a um grande armário e lá estavam as roupas dela, arrumadas nas gavetas ou penduradas. Alguém estivera ocupado enquanto Sara tomava banho.

A saia preta longa, a blusa de seda e o casaquinho estavam pendurados na porta. Obviamente, os donos do castelo se arrumavam para o jantar. Sara não trouxera sapatos de salto alto, mas a saia era longa o suficiente para esconder as botas pretas.

— Obrigada, a quem quer que seja você. — disse à  pessoa desconhecida que tivera piedade e lhe indicara o traje apropriado.

Uma vez vestida, Sara maquiou-se moderadamente e prendeu o cabelo em um coque. Uma batida à porta fez com que o coração da jovem disparasse. Calma, é só um trabalho! — disse a si mesma. Vá e faça o melhor.

— Por aqui, madame. — orientou o criado, conduzindo-a ao elevador.

Assim, chegaram à sala de estar. Tentando controlar as batidas do coração, Sara olhou discretamente em volta para descobrir o gosto dos donos do castelo. A jovem viu um quadro de uma bela mulher e desejou saber quem era, e o porquê de lhe parecer tão familiar.

— Senhorita Milton. — anunciou o criado.

Sara entrou no pesadelo que a assombrou no último ano. Depois do mau gosto da decoração do quarto, a sala elegante foi um choque. Não tanto quanto o homem que estava ao lado da lareira de mármore. Gabe Considine, o homem a quem amara e com quem ia se casar. Alto, esguio, trajando roupas em preto-e-branco. As feições dando a impressão de poder e autoridade.

E, apesar de nenhum músculo do rosto de Gabe ter se movido quando a viu, Sara gelou ao perceber uma satisfação sórdida no olhar do empresário.

— Obrigado, Webster. — agradeceu Gabe. Esperou até que o empregado fosse embora. Então, sorriu, e disse:

— Bem-vinda ao castelo dos meus ancestrais, Sara.

A jovem endireitou-se. O orgulho tomara conta dela assim como uma sensação ruim de que caíra em uma armadilha.

— Não vou dizer que é um prazer estar aqui. — respondeu ela.

— Não esperava que dissesse isso. — retrucou Gabe, observando-a da cabeça aos pés. Embora as roupas dessem a impressão de recato, revelavam as adoráveis linhas do pescoço e as curvas dos seios da moça. E a saia de fenda mostrava uma perna longa e elegante.

Uma névoa de ciúme tomou conta do pensamento do empresário. De acordo com a firma que a vigiava, a jovem não saíra com ninguém no último ano, mas o salário dela não era suficiente para comprar roupas como aquelas. Seriam de segunda mão? Provavelmente, o que quer que fosse, não importava.

O penteado clássico emoldurava as feições perfeitas e serenas, exceto pela boca exuberante. Não usava jóias, mesmo assim era uma mulher confiante, conhecedora de seu corpo e de sua sexualidade.

O pensamento de Considine ficou repleto de lembranças de Sara suave e quente, dos gemidos quando atingia o clímax, o cheiro da pele dela e o cabelo macio, voz rouca da moça ao fazer amor, o jeito como ria... Gabriel se recompôs.

— Você parece muito bem. Serena, sofisticada, séria. Mas cuidar da imagem faz parte do seu talento. — Sara empalideceu.

— Espero que meu talento seja um pouco mais substancial que isso. A decoração de interiores faz mais do que criar um belo ambiente. Esse, aliás, não se parece em nada com o quarto que você me deu.

— Escolhi encontrar você aqui porque é dessa forma que quero o resto do castelo. Gostaria de um drinque?

Para a surpresa do empresário, a moça aceitara um champanhe. Sara notou que se tratava de uma safra muito boa e a moça se perguntava o que o ex-noivo comemorava. Considine queria deixá-la desconcertada. E conseguira.

— Essa sala é para reuniões. — Gabe comentou.

Sara bebeu um gole do champanhe. Depois, pousou a taça e virou a cabeça para fitar as chamas que crepitavam na lareira. O cabelo escuro brilhava contrastando com a brancura da pele acetinada.

— Por que me trouxe aqui? — ela indagou.

— Imaginei que fosse o momento de discutirmos coisas sem a complicação das emoções.

Será que a esquecera tão rapidamente? Uma olhadela no rosto implacável a convencera. Claro que o ex-noivo não a amava mais...

Gabe não podia ter sentido nada verdadeiro ou duradouro. Afinal, o que o herdeiro de um principado, um homem que freqüentava as altas rodas, tinha em comum com uma mulher como ela? Sem dinheiro, sem família — nenhuma idéia do nome do pai.

Ela escondeu a própria dor com outro gole de bebida. Mas Gabe poderia ter sido mais gentil — ou, não. O empresário pensara que a ex-noiva o enganara. A imprensa caindo em cima por causa da separação deles atingira o orgulho de Considine.

— Não sei por que arranjou esse encontro. Não tenho nada a lhe dizer. Não sei onde o colar está. Se soubesse que estaria aqui, nunca teria vindo.

— É difícil acreditar. — Gabe zombou. — Uma vez, você me disse que pesquisava a respeito dos seus clientes antes de começar um trabalho. E você sabia que eu tinha laços com a Ilíria.

— Sabia que era primo do príncipe, mas não que era dono de um castelo aqui!

— Não minta, Sara.

— Claro que me certifiquei de que você não estaria na Ilíria. Por que não está na América do Sul, na Conferência das Nações Unidas?

— Porque havia providenciado sua vinda para cá.

 

CAPÍTULO TRÊS

Ele aproximou-se de Sara, em silêncio. A jovem, com uma ponta de orgulho, ergueu o queixo de forma a fitá-lo. Não se intimidaria. Não fizera nada de errado.

— Não vou ficar muito tempo aqui — retrucou a decoradora.

— Vai ficar até eu mandá-la embora.

— Não pode fazer isso!

— Posso fazer o que quiser com você. Ninguém sabe que está aqui.

— Meu chefe...

— Não vai ajudá-la.

— Está querendo dizer que arrumou esse trabalho para mim?

— Claro. Queria você onde eu pudesse vigiá-la. — Gabe disse isso, como se fosse a coisa mais natural.

Sara ficou boquiaberta. A inesperada oferta de emprego por parte de um respeitado decorador lhe dera alguma esperança. Saber que Gabe planejara aquilo, e que o trabalho dela nada significava, a magoou tão profundamente que não conseguia falar.

Gabe não aceitava traição. Considine era famoso pela boa memória e jogava limpo. O empresário queria vingança. E tinha poder e dinheiro para, com frieza, esperar para planejar tudo com uma eficiência tão cruel que a jovem não teria como se proteger.

Apesar disso, Sara não se renderia. Gabe iria gostar de satisfazer o próprio desejo de humilhá-la.

— Suponho que não estou mais trabalhando para ele, certo?

— Isso depende de você. — respondeu, fitando-a com olhos frios. — Quero o Sangue da Rainha. É só dizer onde o colar está e terá sua vida novamente.

A jovem teria dado uma risada se o tom de voz imparcial de Considine não a tivesse machucado tanto. O problema era que o coração da moça não conseguia esquecê-lo.

Se Gabe a tivesse amado, ao menos a teria escutado antes. Mas, não — aceitara a palavra da empregada da avó em vez de ouvir a mulher com quem se casaria!

— Se eu soubesse onde os rubis estão, eu teria lhe dito.

— Espera aí! Pensei que estivesse com medo. Foi por isso que a trouxe aqui, onde está completamente segura.

— Não de você.

— Claro que está a salvo de mim. Não sou um bárbaro.

— Você me ameaçou um minuto atrás!

O empresário não iria intimidá-la. Sara encarou o olhar hostil de Gabe. Os olhos verdes da jovem cintilavam.

— Sabia que não se intimidaria. Mas executar um roubo tão bem-sucedido quanto o do Sangue da Rainha é uma coisa. Vender a jóia é outra. Isso envolve criminosos que, devido ao montante de dinheiro envolvido, não são camaradas. Pare de se esquivar. Diga-me onde o colar está e vou deixá-la ir embora sem medo de ser processada.

A última fagulha de esperança morreu. Como Gabe poderia ser tão inteligente em alguns aspectos, mas tão cabeça-dura a ponto de estar convencido de que a ex-noiva roubara o colar? Gabe franziu as sobrancelhas, o que fez com que o coração de Sara disparasse.

— Por que deveria acreditar em você? Você não acreditou em mim. — questionou, percebendo tarde demais que atacá-lo dificilmente era a melhor forma de fazer com que o empresário esquecesse aquele plano maluco e a deixasse ir embora. De qualquer forma, isso não funcionaria.

— Eu a machuquei?

— Não. — Não fisicamente. De fato, o empresário sempre fora muito carinhoso com a moça. O coração disparou quando Sara lembrou-se do quanto Gabe era amável.

— Então, pare de fingir que tem medo de mim. Se está preocupada com a sua segurança, esteja certa de que ninguém poderá alcançá-la aqui. Nenhum exército jamais tomou o castelo à força.

Sara permaneceu calada. Qualquer coisa que dissesse só iria piorar a situação. O empresário continuou:

— Conte-me os detalhes do roubo e quem mais esteve envolvido. Prometo que você ficará segura.

— Não sei o que aconteceu com o maldito colar! Eu o entreguei à criada, à Marya, para colocá-lo no cofre. E, até onde sei, ela fez isso.

Considine reagiu de forma inesperada. Em vez da descrença fria que a jovem tivera que enfrentar quando tentou convencê-lo disso um ano antes, o empresário balançou a cabeça, concordando.

— E ela jura que fez isso também. Mas, cerca de uma hora mais tarde, Marya percebeu que não havia guardado também o seu anel de noivado lá. Então, saiu do quarto dela para fazer isso. Ao chegar, o cofre estava vazio. Tinha sido aberto por alguém que conhecia o segredo, o que significa que foi você. Afinal, quem determinou a combinação foi a senhorita. Além disso, Marya é totalmente confiável.

A voz afiada de Gabe a deixou em alerta. Chocada, Sara congelou ao ver o brilho perigoso nos olhos do empresário.

— Tem tanta certeza disso? — perguntou, impetuosa.

— Tenho certeza. E como o Sangue da Rainha ainda não apareceu no mercado...

— Como sabe?

— O mundo das jóias é pequeno e está sob vigilância desde que o Sangue da Rainha foi roubado. À parte o valor do ouro e das pedras, o colar é um artefato de importância incalculável, só poderia ser vendido a um colecionador. Este teria que ser muito rico e inescrupuloso e ter mais dinheiro do que bom senso.

— Por que mais dinheiro do que bom senso?

— Porque o colar nunca poderia ser usado, nunca poderia ser exibido. É tão conhecido que, imediatamente, seria reivindicado por mim ou por meus herdeiros. E se minha linha sucessória falhar, Ilíria terá direito à jóia, pois foi encontrada aqui.

Olhos tão frios e duros como gelo procuraram o rosto da moça. Uma sensação de dor comprimiu o corpo da jovem de forma a ficar rígido. Um ano não tinha sido suficiente para arrancá-lo do coração. Sara o amava tanto... Gabe continuou:

— O colar poderia ter sido desfeito e vendido discretamente, pedra por pedra, no mercado negro. Quando um tirano apoderou-se de Ilíria, meu avô deu o colar a alguém para escondê-lo. Depois que o usurpador foi assassinado, a única pessoa que sabia do esconderijo trouxe a jóia para mim. As pedras foram medidas. Rubis do tamanho daqueles do Sangue da Rainha e daquela qualidade e cor — vermelho puro com o mais tênue tom de azul — não têm sido encontrados há séculos. Mesmo se apenas um desses rubis aparecesse no mercado, eu saberia em poucas horas. Isso não aconteceu.

— Porque Marya não quer vender o colar.

— Pode me dar uma boa razão para Marya querer roubar a jóia?

Durante o último ano, Sara tentara muito encontrar uma razão. E a única que pudera achar foi que a criada acreditara que a Senhorita Milton não servisse para ser esposa do patrão.

Gabe bebeu um pouco de champanhe. Então, pousou a taça com um movimento brusco.

— Não acredito que Marya tenha pegado o colar porque foi ela quem o escondeu quando meus avós abandonaram o castelo.

Espantada, Sara o fitou. Sabia da história. O general do exército revolucionário — um homem violento — ameaçara matar todas as pessoas do vale se o castelo fosse invadido. Os avós de Gabe escaparam à noite e se juntaram aos guerrilheiros, lutando nas montanhas até que morreram em uma emboscada.

— Foi por isso que quis que Marya fosse minha criada? — indagou a moça.

— Em parte. Marya perguntou se podia ser sua empregada quando soube que estávamos noivos. Sugeri isso a você porque ela era a criada da minha avó. Escolheu a pessoa errada para incriminar, Sara. Ma­rya nunca teria roubado o colar porque passou quarenta anos protegendo-o a um enorme custo para si mesma e para a família dela.

— É por esse motivo que está tão determinado a encontrá-lo? — Ao menos, agora, entendia o porquê de Gabe estar tão certo da inocência de Marya. Não que isso ajudasse. — O colar confere, à pessoa que o tiver, algum tipo de direito divino para governar?

— Não! — Gabe respondeu com desdém. — Estou explicando porque sei que Marya não roubou o colar. Enquanto você mentiu e me traiu.

Tamanha humilhação a deixou pálida. A jovem respirou fundo e disse:

— Não menti nem o traí.

— Tudo o que quero é o colar. — Gabe respondeu, indiferente, deixando claro que não acreditava nela. — É uma jóia de família e a quero de volta. Depois estará livre para ir embora.

Aquele colar despedaçara o coração de Sara. Gabe dava mais valor à jóia do que a ela. O amor que dizia sentir não resistira à suspeita que a circundara após o desaparecimento dos rubis.

— Desejo que você o recupere, mas não sei o que aconteceu e não posso lhe dizer onde essa jóia está. Lamento. — respondeu Sara.

— Não me diga! Estou preparado para lhe pagar o valor do colar pela informação sobre o seu paradeiro. — o empresário citou uma quantia que a deixou horrorizada.

— Não sei onde o colar está! — repetiu.

— A oferta permanece. É mais do que ganhará se desmanchar o colar e vender as pedras no mercado negro. É muito mais do que receberá de um colecionador. — Gabe pegou a taça e bebeu mais um pouco de champanhe. Os dedos fortes contra a delicada transparência da haste de cristal. Aqueles dedos que sempre foram tão gentis ao tocarem o corpo dela.

Sara virou-se assim que as recordações vieram à mente. Tentou livrar-se daquelas memórias, mas o corpo da jovem contraiu-se diante da lembrança do calor da pele macia do empresário contra a dela. As horas apaixonadas que passou nos braços de Gabe. E o êxtase do momento quando se tornavam um só.

Uma voz interior conscientizou-a de que corria perigo. A jovem, então, esforçou-se para tirar aquelas imagens da cabeça. Considine tinha sido um namorado magnífico, mas acreditava que a noiva lhe roubara o colar. Aquele amor a fizera sofrer e deixaria cicatrizes pelo resto da vida.

— Não posso ajudá-lo. Vou embora.

— Não vai a lugar algum.

— Não pode me manter aqui.

— Ficará até eu descobrir o que fez com o colar.

— Isso é seqüestro!

— Poderá ir assim que o colar estiver comigo.

— Acho que seu primo não ficaria feliz em saber que você está me mantendo prisioneira.

— Não estou preocupado com Alex.

— Está louco! Não vou tolerar isso!

Ao dar dois passos rumo à porta, Gabe a deteve. Segurou-lhe um dos braços e a virou de forma que pudesse encará-lo. A jovem tremeu ao sentir o ar másculo do ex-noivo a destruir todas as suas defesas. Ele era uma tentação.

— Gabe, seja sensato! Não pode fazer isso!

— Quem vai me deter? Você?

Antes que Sara respondesse, o empresário a beijou. A boca de Considine exigia uma resposta que a jovem ousava não dar. Mas, embora mantivesse os lábios unidos, não conseguia controlar a traição do próprio corpo.

Gabriel compreendeu cada sinal. O empresário a conhecia bem para reconhecer a pulsação acelerada, o calor que ardia nos lábios e na pele e os longos cílios sobre os olhos verdes atordoados.

O corpo dele também correspondia consciente. Não importava o que pensasse sobre a moça. Não estava imune à perigosa química que consumia ambos.

O beijo intensificou o desejo. Sara o abraçou, desesperada para deleitar-se por mais alguns segundos com aquela sensação de segurança que sempre tivera quando Gabe a segurava.

Considine a puxou para si, arrebatando a boca de Sara ardentemente. E a jovem saboreou a prazerosa sensação dos seios comprimidos junto ao peito de Gabe.

Murmurando algo, Considine soltou os braços e recuou. A vermelhidão do rosto contrastava com o azul pálido dos olhos. Falara na língua da Ilíria, mas as palavras e o tom não precisavam de tradução.  

— Concordo. Não foi uma das suas melhores idéias. O que está tentando provar? — embora o  corpo ainda pulsasse de desejo, ela o desafiou.

— Não se arrisque. Você não tem poder nenhum aqui.

A moça deu de ombros e virou-se, às cegas, tropeçando em uma cadeira. Imediatamente, Gabe a segurou.

— Está bem?

Mesmo quando a moça estremeceu, Gabe não a soltou. A adrenalina corria solta pelo corpo de Sara e os músculos se retesaram enquanto ela ponderava as chances de ir embora se lhe desse uma joelhada na virilha ou o arranhasse nos olhos.

Um estranho brilho no olhar de Considine a avisou de que o empresário sabia o que a moça estava pensando. A despeito da própria boa forma física, Sara não tinha esperança de competir com a força viril daquele homem.

— Tente. — incitou-a.

— Você me julgou e condenou sem me ouvir.

— Escutei um montão de mentiras. Diga a verdade!

— Não aceitaria a verdade mesmo que estivesse à sua frente! Vai ter que me deixar ir.

— Por quê? Quem sentiria a sua falta?

— Não seja tão estúpido! Claro que dariam por minha falta! Tenho amigos. Além disso, você não me quer aqui.

— Acho que acabei de mostrar o porquê de querê-la aqui, sempre pronta, à minha espera.

Sara quase perdeu a fala. Considine brincava com a moça, manipulando-a cruelmente.

— Então, terá que me matar porque quando me deixar ir embora, a primeira coisa que vou fazer é ir à polícia. E se a polícia daqui não fizer nada efetivo, vou chamar a Interpol e a imprensa.

— Será que alguém acreditaria em você se tentasse apresentar acusações contra mim? Ninguém sabe a razão do término do nosso noivado. Se suspeitarem da sua presença aqui, vão presumir que estamos voltando.

— Estamos no século vinte e um e você é um homem moderno, não um déspota medieval que pode escapar imune a um homicídio! — Sara gritou.

— Não planejo assassiná-la. Pretendo convencê-la de que a sua liberdade depende de me contar onde o colar está. Uma vez que tenha feito isso, pode ir embora. E será rica o suficiente para fazer o que quiser, desde que fique fora do meu caminho.

Gabe ainda tinha o poder de magoá-la tanto que Sara mal conseguia respirar. Porém, tomada por uma imprudência rebelde, a jovem retrucou:

— Não sei o que seria melhor. Mas não sei onde está o maldito colar!

— Claro, se não funciona com dinheiro há sempre outros meios de descobrir. — Considine zombou.

Outros meios? Bastou Sara fitar os olhos dele para saber o que Considine queria dizer. Agora, Gabe sabia que podia usar a forte atração entre ambos para seduzi-la. E faria isso. O ex-noivo a odiava, mas faria amor com a moça porque queria muito encontrar o colar.

Sara entrou em pânico. Sem pensar, atirou o champanhe no rosto de Gabe. Depois, estarrecida com a própria estupidez, a jovem viu o empresário se enxugar com um lenço, e se desculpou, colocando a taça na mesa.

Gabe enrolou o lenço e o jogou na lareira. Demonstrando imparcialidade, o empresário o viu queimar. Depois, sorriu.

— Isso me diverte: o contraste entre o seu rosto elegante e a sua boca apaixonada, sensual. Você parece muito uma aristocrata — serena, bem-educada, sob controle. E gostei de saber que nos meus braços, na minha cama, você se tornava uma gata selvagem.

Atordoada com as palavras do empresário, ela o encarou. Gabe sorriu e veio ao encontro da jovem. Sara sentiu o ar preso na garganta, tentava se livrar daquela atração incontrolável.

No entanto, era tarde demais. Mesmo quando tentou correr, Gabe já estava com as mãos sobre os ombros da moça, abraçando-a e beijando-a, excitado. Sara mergulhou em um calor intenso. A mistura de fogo e desejo a deixou horrorizada.

A jovem lutou com o ex-noivo, furiosa com o corpo que traía a sua mente e o seu coração. Considine, porém, deslizou uma das mãos por trás da cabeça de Sara, e intensificou o beijo, fazendo com que a moça estremecesse de prazer. O toque suave daquele homem atingia todas as células do corpo de Sara. Tarde demais, ela percebeu que Gabe afrouxara os grampos que prendiam o coque. O cabelo da jovem sobre os ombros causando-lhe uma fricção sensual na pe leja arrepiada.

Com mãos hábeis, Gabe acomodou o corpo ávido da moça aos quadris dele. O desejo de Sara aumentava diante da excitação do ex-noivo. Cada beijo e cada carícia eram um exercício de poder, ela pensou. O empresário estava lhe mostrando o quanto era fácil tê-la. Desesperada, Sara disse com a voz entrecortada:

— Não!

 

CAPÍTULO QUATRO

— Não tem que fingir que me quer! Não tenho nenhuma informação para lhe dar. Esse jogo de sedução não vai levar a nada. — Sara gritou.

— Além de acabar com a energia excedente? — disse, soltando-a, com ar aborrecido.

— Basta. Vou embora.

— Não vai a lugar nenhum.

Sara organizara as palavras em sua mente, tentando convencê-lo de que aquela situação era uma tentativa inútil e perigosa. A rendição da jovem fora humilhante, mas o que a amedrontava era que Gabe lhe queria tanto quanto a ex-noiva o desejava. A crença de Considine de que Sara o roubara deveria ter matado aquele desejo.

A decoradora odiava ser tão vulnerável! Estava a salvo de se apaixonar por Gabe de novo. Mas desejá-lo — isso era bem diferente...

— Se eu fosse uma ladra, teria aceitado o dinheiro que acabou de me oferecer.

— Não se planejasse colocar as mãos em mais. Se eu aceitasse a idéia de Marya ter roubado o colar, você ainda teria o dinheiro pela venda da jóia e um noivado intacto. Além do acesso à minha conta bancária quando nos casássemos. Desculpe, querida, mas você perdeu!

— É uma idiotice o que está dizendo. Não vai adiantar me manter aqui como prisioneira porque não sei de nada sobre o roubo. Não vai conseguir nada me seduzindo.

— Não quero vingança. — respondeu ele, colocando um pouco mais de champanhe na taça da jovem.

A esperança renasceu. Será que a recusa da jovem, diante daquela proposta indecente, fizera com que Gabe se questionasse se poderia estar errado sobre a ex-noiva? Embora tivesse uma reputação pontuada por manobras perigosas, a carreira do empresário tinha sido marcada por uma inteligência perspicaz que calculava, cuidadosamente, cada risco. Até que se encontraram. E agora, esse seqüestro...

— Então, deixe-me ir. — Sabia que, se Considine fizesse isso, o fim da história seria outro. A jovem nunca o veria novamente exceto nos jornais e na televisão. — Não direi a ninguém o que aconteceu.

— Nada aconteceu. E pare de me olhar assustada. Não vou torturá-la para conseguir a verdade.

— O que planeja fazer afinal?

Gabe deu-lhe a bebida, parecendo não perceber a forma como a respiração da moça ficou presa na garganta quando os dedos dos dois se tocaram.

— Vamos fazer um pacto. Se não teve nada a ver com o roubo do colar, deve saber de algo que possa ajudar. Alguma informação que não pareça importante, mas que vai nos conduzir aos ladrões. Vamos examinar o que você se lembra. E, se ao final da semana nada surgir, então, poderá ir.

Sara conteve a raiva. Gabe brincava com a vida da ex-noiva de forma a atender aos interesses dele. Mas aquela última proposta soava como se o empresário estivesse preparado para uma conciliação.

Ousava confiar em Considine? De jeito nenhum! Procurou, no entanto, pondera.

— Não tenho escolha? — perguntou ela.

— Não.

— Acho que prefiro ser sua prisioneira do que levar adiante seu convite a ajudá-lo nas investigações. Mas me parece honesto. Se isso vai convencê-lo de que realmente não sei nada, entro no jogo. E, claro, vou trabalhar na redecoração dos quartos também. Mas, o que vai acontecer ao final da semana se eu não aparecer com nada?

— Você volta para o seu trabalho e não vou aborrecê-la novamente.

— Tudo bem, negócio fechado.

Gabe ergueu a taça dele com um sorriso confiante.

— Um brinde para forçar sua memória!

— Um brinde à verdade! — respondeu ela. Sara pousou a taça.

— Se não se importa, vou pedir o jantar no quarto. O dia foi longo e estou cansada.

— Mas que pena desperdiçar esse traje tão elegante! O jantar está pronto. Pode me acompanhar? Não vou deixá-la acordada até tarde.

O rosto de Sara ficou vermelho de raiva. Dissera aquelas mesmas palavras à moça com freqüência. E sempre significavam que o empresário estava louco para ir para a cama, faminto para perder-se na glória do momento de quando faziam amor. Gabe também sabia que Sara se lembraria. Mas, no castelo, quem controlava a situação era o ex-noivo.

Sara procurou se recompor. Para o inferno com a esperança de que Gabe perceberia que a moça não o roubara! A decoradora tinha sido uma idiota ao pensar que o empresário poderia mudar de opinião. Assim que voltasse ao quarto, a jovem pegaria o celular e organizaria a própria fuga. Até então, entraria no jogo.

Assim como a outra destinada a reuniões, a ampla sala de jantar era decorada com suaves painéis dourados. Uma magnífica paisagem em uma das paredes atraiu a atenção da jovem. Não era especialista em arte, mas reconhecera o estilo renascentista da obra. No lado oposto, o retrato de um ancestral de Gabe — boca e olhos idênticos, a mesma aura intransigente de poder. Um baú entalhado, uma esplêndida antiguidade do século dezoito, exibia uma coleção de prataria. Gabe a conduziu à mesa. Webster, o criado, os serviu com uma entrada de torta de espinafre e queijo, acompanhada por uma salada de tomates e azeite de oliva.

— Que sala agradável. Apesar do tamanho é quase aconchegante. — observou Sara.

— A sala de reuniões e essa aqui voltaram a ser como eram na época dos meus avós — explicou Gabe, depois de o criado sair.

— Fico feliz que o castelo não tenha sofrido muitos estragos durante a ocupação.

— A não ser que se leve em conta as idéias do tirano em relação ao design interior, o castelo não foi demolido por várias razões. Uma delas foi que ele o usava como hospedaria particular quando saía para caçar.

— Nunca diz o nome dele.

— Era o mesmo que o meu. — Considine.

— Que coincidência.

— Não é coincidência. Era um primo muito distante.

— Mas pensei que ele matara seus avós.

— Não há disputas tão perversas quanto as familiares. Ele era conhecido por um apelido — que significa "lobo", no dialeto da Ilíria. Perseguiu meus avós como o lobo que era, matando pessoas inocentes. Até que, finalmente, alguém traiu meus avós. Ele os queria vivos, mas os dois morreram cravejados de balas. Depois, pendurou os corpos deles em forcas na frente das muralhas.

— Sinto muito...

— Uma guerra nunca é agradável, e uma guerra civil é mais cruel do que qualquer outra. Aquele ditador puniu as pessoas no vale negando-lhes tudo. Não tinham médico, escolas, nenhuma das facilidades da vida moderna.

Durante o turbulento namoro, raramente conversaram sobre os anos que o país dele sofrera sob o domínio do ditador. A conversa era superficial. Então, por que estava lhe contando agora?

— Onde estava seu pai quando isso aconteceu?

— Preso no inverno do Pólo Sul. Era um cientista e estava com a equipe da Nova Zelândia lá. Quando voltou à civilização, tudo havia acabado. Mas nunca esqueceu a Ilíria ou o vale.

— Não é de se admirar que o pessoal daqui quase forçou seu primo a assumir o trono. Lembro de ter visto na televisão. Foi a coisa mais linda que eu já vi na vida — o povo apanhando-o no aeroporto e o conduzindo à catedral para coroá-lo. Comovente mesmo. Aquelas pessoas em silêncio. E, então, os sinos e os aplausos.

— Alex é um homem muito determinado. Ao aceitar o trono, convenceu meu irmão Marco a assumir a direção do império comercial dele de forma que pudesse entregar-se à tarefa de conduzir a Ilíria ao século XXI, sem destruir tudo o que a torna especial.

— Pelo que se diz, Alex está fazendo um ótimo trabalho. Seu primo o persuadiu a voltar?

Considine a encarou. Será que Sara sabia que Gabe concordara que Alex o reafirmasse como grã-duque? O empresário a observou e concluiu que a moça nem desconfiara disso. Por isso, conduziu a conversa para um assunto mais neutro, longe da realidade de sangue e morte.

Ao voltar a ver a ex-noiva, as reações de Gabriel o surpreenderam. Algo se transformara em fúria quando perdera o controle da situação e a beijara, despertando novamente o apetite carnal voraz que o empresário pensara estar morto.

— Acreditava que era o momento do povo ter a chance de escolher o próprio destino, mas Alex me convenceu de que o pessoal daqui precisa de nossa ajuda. — respondeu Gabe.

Sara balançou a cabeça, concordando. Depois, observou a sala ao redor. O adorável rosto ficou sereno quando o olhar dela pousou na prataria dentro do baú. Gabe, então, comentou:

— Claro que uma das primeiras coisas que fiz ao chegar foi instalar um excelente sistema de segurança.

Considine sentia prazer em vê-la desconcertada e em saber que a "máscara civilizada" da jovem desaparecia no momento em que a tocava. Gabe se perguntara se o desejo dela fora tão falso quanto o amor que a jovem fingia sentir. Sara podia ter encenado certas atitudes, mas o rubor que demonstrara era uma reação genuína.

O prato principal chegara. Sara decidira que não beberia mais — precisava estar sóbria. Apesar da dor de estômago, a moça comeu apenas um pouco da comida que lhe fora servida, um ensopadinho de galinha e legumes muito saboroso.

— Não vai adiantar privar-se de comer. Está muito magra como sempre. — disse Gabe, friamente.

A raiva baniu qualquer vestígio de apetite. Embora se sentisse tão frágil quanto a taça de champanhe à frente dela, Sara tentou dar uma resposta moderada.

— O meu peso é exatamente o mesmo de antes, há um ano.

Da última vez que o vira, o empresário ordenara que fosse embora como se a moça fosse algo repugnante. Considine se recusava a ouvi-la negando o roubo.

No rápido encontro que tiveram, Sara descobriu que sob o rosto belo e a sofisticação de Gabe, a quem a jovem pensara conhecer, havia um outro homem. Considine quisera matá-la!

— Não parece. — Gabe retrucou. — Esbelta é uma coisa — magricela é outra completamente diferente.

— Estou bem assim. — a jovem respondeu. Algo dentro dela se quebrara para sempre. Gabe também estava mudado. O belo rosto endurecera, tornando-se austero, como se os últimos meses tivessem sido difíceis.

Bem, foram mesmo. A imprensa caiu em cima de Gabriel e da aristocracia depois da decisão dele de romper o noivado. Não que a jovem culpasse a mídia por transformar uma tragédia particular em um escândalo público. Afinal, o que poderia ser mais picante e vender mais jornais do que a ruptura de um noivado entre um bilionário e uma desconhecida de uma pequena ilha do Pacífico?

 A imprensa a perseguira, espionando o pequeno apartamento da jovem, seguindo-a, telefonando em busca de declarações. No final, aflita e com medo, Sara aceitara a idéia de Hawke Kennedy, de refugiar-se na propriedade dele. Um erro. Kennedy somente passara uma noite lá, mas foi o suficiente para disparar rumores hediondos.

Não que Gabe tenha lamentado por muito tempo. Fotos dele com diversas mulheres bonitas apareciam regularmente nas páginas sociais até poucos meses atrás quando parecia ter se acertado com uma parisiense, diretora de uma galeria de arte.

— Você parece bem, mas exausta. — Considine observou.

— Devo estar porque acordei muito cedo para voar. — a jovem retrucou.

— Nunca gostou de acordar cedo.

Sara respirou fundo. Gabriel a humilhara, se recusara a acreditar na palavra dela e manipulara a vida da jovem. Ainda assim, a moça tinha que resistir à excitação que sentia quando o empresário sorria. Era injusto!

O relacionamento dos dois começara com sexo. Mas depois, as mentes deles pareciam combinar e a moça descobrira que ambos compartilhavam do mesmo senso de humor. Tudo a levava a crer que eram almas gêmeas.

E, para o deleite da jovem, Considine a pedira em casamento. A moça acreditara que o céu não poderia oferecer mais nada... Entretanto, após o empresário a colocar para fora da vida dele, o desgosto passou a ser o companheiro da decoradora.

— O que há de errado? — Gabriel indagou.

— Desculpe-me se não estou sendo boa companhia. Eu o avisei que estava cansada.

— Coma! E não brinque com a comida! Se for preciso, eu mesmo vou lhe dar a comida na boca.

Gabe começou a falar sobre o estado das estradas locais. Depois, falou sobre os planos do primo para Ilíria. E sobre as idéias que tinha com relação às propriedades dele. Foi quando Sara percebeu que não apenas participara de uma conversa estimulante com Gabe, como também comera tudo o que estava no prato.

— Café? — ofereceu Gabe, ao final da refeição.

— Não, obrigada.

— Vou levá-la ao seu quarto. Este castelo é um labirinto para quem não o conhece. Não gostaria que você se perdesse. — Em outras palavras, Considine sabia que a moça aproveitaria a oportunidade para escapar dali.

A jovem se levantou. Já no corredor, perguntou:

— Perdoe-me a ignorância, mas todos os castelos são cheios de corredores e passagens como esse aqui?

— Sim, se não foram modificados de forma substancial desde a construção.

Sara se concentrou em colocar um pé antes do outro conforme entravam no elevador. Os dedos do empresário segurando o braço da jovem, o calor e a proximidade do corpo dele, tudo a deixava inebriada. A moça tinha que se esforçar para ouvir o que Considi­ne dizia.

— A Toca do Lobo levou alguns séculos para ser terminada, o que explica a mistura de estilos das torres. Meus ancestrais não se importavam com a pureza arquitetônica ou com o conforto. Tudo o que queriam era uma fortaleza para proteger a rota comercial. Durante o Renascimento, ocorreram alterações para tornar o lugar mais confortável, mas não se fez muita coisa desde então.

— Tirando algumas poucas conveniências modernas... — observou ela quando a porta do elevador se abriu. — Quando cheguei aqui, eu as atribuí à falsa americana, senhora Abbot Armitage.

— Não é falsa. É a esposa de um velho amigo.

Um velho amigo muito complacente, se não se importa que a esposa minta em favor de Gabe, Sara concluiu.

— A parte hidráulica foi a única concessão que o meu tataravô fez ao século dezenove. E quando assumiu o trono, o tirano redecorou o castelo e colocou elevadores.

Quando o elevador chegou ao outro andar, a moça perguntou:

— Disse que o seu primo, o príncipe, o convenceu de que o povo da Ilíria precisava de você. Como?

— Alex é muito persuasivo. — explicou ele, ao entrarem no corredor que conduzia ao quarto da jovem. Sara lançou-lhe um olhar de descrença. Não conseguia ver ninguém capaz de convencer Gabe a fazer algo que não quisesse.

— Desde que os meus avós foram mortos, a Ilíria parou no tempo. O povo não tem uma história de democracia e a infra-estrutura é quase inexistente. No tumulto que se seguiu à morte do ditador, o país quase foi à falência. Depois que Alex entrou em contato comigo, vim aqui e perguntei às pessoas no vale do que mais precisavam.

— O que eles disseram?

— Disseram que queriam um Considine de volta à Toca do Lobo. Depois disso, queriam eletricidade, água, e estradas decentes. Mas era claro que, em vez da tirania do meu primo bastardo, queriam algum tipo de ligação com a família. Bem, boa-noite. Se precisar de alguma coisa, toque a sineta e alguém virá.

— Boa-noite. — respondeu ela.

A porta se fechou. Sara deu um suspiro. Ficara arrasada ao ver Gabe novamente. Era como se tivesse sido arrastada para dentro de um redemoinho e sugada.

Tinha que ignorar os beijos humilhantes de Gabe e o poder irresistível que o ex-noivo tinha sobre ela. Precisava pensar em como sair do castelo e da vida do empresário.

Considine dissera que talvez a moça pudesse se lembrar de algo que os levaria a quem quer que seja que tenha roubado as jóias, mas isso fora para encurtar a história. Será que o empresário pretendia interrogá-la até que caísse em contradição?

Estupidamente, a jovem concordara em ficar porque queria provar a inocência dela. Mas deveria ter recusado. A moça levara um ano para trazer à própria vida algum tipo de equilíbrio. Se caísse nos braços de Gabe — na cama dele, se era o que o ex-noivo pretendia — a jovem ficaria emocionalmente inválida.

Furiosa, a moça cruzou o quarto rumo ao armário, arrastando a sacola de lá para fora. Telefonaria. Mas para quem? Muitos dos que se diziam amigos desapareceram depois do noivado fracassado. A jovem não podia pedir ajuda a nenhum dos poucos que permaneceram fiéis. Considine era muito poderoso. Destruíra a carreira dela. Era cruel o suficiente para fazer a mesma coisa com qualquer um que a ajudasse. Não ousava pedir aos amigos que batessem de frente com o empresário.

Sara revirou a bolsa. Esperando que o celular tivesse cobertura na Ilíria, a moça procurou o aparelho. Não conseguia achá-lo.

— Oh, por que fazem aparelhos tão pequenos? — perguntou, irritada, enquanto esvaziava a bolsa em cima da cama.

Cinco minutos depois, ela olhou a bagunça que fizera. Não havia celular, nem caderneta telefônica. E alguém também pegara o seu cartão de crédito e as poucas notas do dinheiro local que conseguira no aeroporto, além do passaporte e o laptop.

 

CAPÍTULO CINCO

Um medo real tomou conta de Sara. Era tão forte que paralisou o pensamento da jovem. A decoradora deu um passo em direção à porta. Depois, mudou de direção. Encaminhou-se para a escrivaninha em frente a uma das janelas. Será que uma criada zelosa pôs as coisas nas gavetas?

Uma rápida inspeção não revelou nada a não ser uma pilha de papel e envelopes. Então, a moça procurou em todo o quarto e revirou a gaveta da mesinha de cabeceira, em cima da cama, pela segunda vez.

Sara respirou fundo e sentou-se na cama. As mãos tremiam. As palavras finais de Gabe, em tom de zombaria, ecoavam na mente dela. " Se precisar de alguma coisa, toque a sineta..."

A situação era muito parecida com o que acontecera um ano atrás. Apesar disso, ergueu o queixo e tocou a sineta.

Minutos depois, uma batida à porta. Sara deparou-se com o olhar irônico de Gabe. A decoradora vacilou, mas levantou-se para encará-lo, tentando ignorar o ritmo descompassado do próprio coração.

— Chamei o criado. — disse a moça.

— Todos os criados estão dormindo. E não falam inglês.

Gabe esperara por isso!

— Onde está meu passa­porte? — perguntou Sara, com raiva.

— Está em lugar seguro, assim como o seu dinheiro, o celular e o laptop. Não vai precisar de nada disso. Pense que está de férias.

— Patife! — murmurou a moça, entre os dentes cerrados.

— Vadia conivente! — O insulto a deixou chocada. — Não pode assumir isso? Então, para que não tenhamos que repetir essa cena, devo lhe dizer que, fora Webster, ninguém mais aqui fala inglês. Mesmo que pudessem, não a ajudariam a escapar. Nem o mordomo vai ajudá-la. A lealdade dele é inabalável. Você está sozinha!

Aquelas palavras fizeram o sangue da moça ferver. As emoções eram tão turbulentas que a jovem manteve-se calada.

— E sua porta será trancada — acrescentou o empresário. — Se olhar pela janela, verá que é muito alto para pular. E eu a avisei de que a primeira coisa que fiz ao chegar foi instalar o que há de mais moderno em termos de sistema de segurança.

A jovem tinha sido estúpida. Esperara que a boa vontade de Gabe ao perceber que ela não era culpada significaria algum tipo de mudança no comportamento dele.

— Acreditei ser real aquela sensata idéia de procurar pela verdade. — disse Sara, encarando-o.

— Nunca falei que confiava em você. E estou surpreso que tenha pensado que eu poderia. Ou estava esperando por alguém para ajudá-la a dormir?

Considine entrou no quarto. O olhar perigoso, a possessividade acentuada, tudo a avisava de que o ex-noivo ainda lhe queria. O orgulho a mantinha estática enquanto lutava para controlar um assombro — a mistura de emoções — fúria, dor, medo e um desejo ardente. Sara o queria também. Horrorizada ao registrar cada sentimento, a decoradora se perguntava que tipo de ligação sexual era tão forte que sobrevivia à traição e à desconfiança. O que quer que fosse, não tinha nada a ver com amor. Se a moça cedesse a esse desejo arrebatador e insensato, se sentiria diminuída aos seus próprios olhos — e aos dele.

— Não. Claro que não! — ela respondeu.

Considine esboçava um sorriso; o olhar era de zombaria e descaso. Apesar de tudo, a moça não conseguia controlar a excitação selvagem.

— Tem certeza? — Aquela pergunta era um convite, lembrando-a dos momentos enlouquecedores passados nos braços dele.

— Certeza absoluta.

— Mentirosa!

Com um dos dedos indicadores, Gabe trilhou o contorno da boca de Sara. O toque foi tão suave que a jovem delirou. Cada célula no corpo dela clamava por Considine.

O empresário parou a requintada tortura, e virou-se para ir embora.

— Vejo você de manhã. — disse ao chegar à porta.

Considine saiu. A porta se fechou e a jovem escutou o barulho da chave virando. Trêmula, Sara desmoronou em cima da cama. Pense! — ordenou a si mesma. Mas um bocejo irrompeu no rosto. A adrenalina diminuiu, deixando-a sem energia, os ossos doíam como se tivesse levado uma surra.

Por que Sara cedia toda vez que Gabe a tocava? Os beijos dele eram uma ofensa, uma declaração cruel de poder. Ainda assim, a jovem correspondia com uma paixão indefesa.

O empresário usaria de todas as armas de que dispusesse para encontrar o colar. E o poder sexual que tinha sobre a jovem era somente uma dessas armas.

Uma olhadela no relógio revelou que a moça estava acordada há quase vinte horas. No dia seguinte pensaria no que fazer. Naquele momento, o melhor era dormir. No banheiro, a jovem lavou o rosto. Depois, mirou-se no espelho, falando sozinha.

Não seria amante de homem nenhum. A decoradora desejava saber o porquê de estar tão inflexível agora. Há pouco mais de um ano, rendera-se sem resistência. Sara amara tanto Gabe...

 Uma batida à porta a acordou depois de uma noite atormentada por pesadelos. O som da voz de Gabe a exasperou.

— Bom-dia. — disse o empresário, do corredor. — Você dormiu muito, hein?

A boca de Sara ficou seca e o coração saltou. Trajando calças próprias para andar a cavalo, justas às coxas musculosas, e uma elegante camisa, Considine parecia uma divindade mítica mediterrânea — um homem magnífico, dominador e indecifrável.

— O que quer?  Saia daqui! — retrucou a jo­vem, prendendo os cabelos despenteados!

O olhar de Gabe atravessou a camisola que não escondia o suficiente dos seios da moça. Sara cobriu-se com o lençol. Mas, por dentro, derretia-se, tomada por um fogo que nunca desaparecera.

Sara se apaixonara tão intensamente por Gabe, rendendo-se à virilidade do empresário, que a falta de confiança nela fora a maior traição possível. Agora, a moça sabia por que Considine acreditara na empregada, mas isso não aliviava a aflição que sentia.

— Não se preocupe. Não cometo o mesmo erro duas vezes. Pensei que quisesse cavalgar comigo.

Quando os dois se conheceram, a jovem lhe contara tudo sobre a infância dela na ilha. Considine sabia que a moça cavalgava pelas praias de Fala'isi. E que apenas deixara o lugar porque a mãe morrera afogada durante um ciclone. Mesmo assim, o empresário nada lhe dizia. Na noite passada, a decoradora passou a saber mais sobre o ex-noivo do que em todos aqueles meses com ele, acreditando ter encontrado sua alma gêmea.

— Não. Vim aqui para fazer um trabalho e o farei. É para isso que o meu patrão está me pagando. E Deus sabe o quanto esse quarto precisa ser redecorado.

— Mas ele não paga a você.

— Claro que paga! — A jovem ficou, indignada. Será que o ex-noivo pensava que a decoradora vivia à custa do colar?

— Assim como lhe arranjei trabalho, sou eu quem paga o seu salário.

Sara fora estúpida por não pensar nisso. Mas por que a surpresa?

— Seu patrão está muito satisfeito com o seu trabalho. Parece que você tem talento.

— Vou pagar cada centavo de volta...

— Por quê?

— Porque não quero dever ao homem que pensa que roubei uma jóia da família dele duas semanas depois do nosso noivado!

— Se é tão importante para você, há outras formas agradáveis de se pagar uma dívida.

Sara levou uns dois minutos para compreender o significado do que o ex-noivo dissera. A jovem deixara o lençol cair e a camisola não escondia nada. Gabe apreciou a visão, principalmente dos seios pontiagudos.

— Saia daqui! — gritou a jovem, cobrindo-se com o lençol novamente.

— Não quer que eu vá embora. Seu corpo não mente. Nem o meu. — Sara corou ao perceber que o ex-noivo estava excitado. — Ainda a acho muito atraente. E, como não temos mais que passar por rituais de namoro, talvez possamos nos empenhar em um relacionamento mais honesto.

— E quanto a acreditar que roubei o colar?

— Se puder me provar...

Sara não queria mais nada a não ser jogar-se contra os travesseiros e chorar por horas. Mas o orgulho manteve-a erguida, a voz inabalável.

— É você que tem que provar que roubei. Como posso provar que não roubei? Bem não vou cavalgar. Trabalharei em um projeto para os três quartos que você pediu. E começarei com este. É para isso que estou aqui e é o que irei fazer.

— Pensei que quisesse procurar por caminhos para escapar.

— Não tente me manipular. Não sou estúpida. Eu sei que você organizou tudo de modo que eu não fugisse. Só espero que não tenha mentido quando prometeu me deixar ir ao final de uma semana.

— Levante-se e vista-se para cavalgar. Ou farei isso por você.

Considine falava sério. E Sara sabia onde aquilo acabaria! Só esperava poder confiar nele. Confiar? Mas a jovem precisava descobrir o máximo possível sobre aquele lugar.

Gabe tinha todas as cartas nas mãos. Sara era prisioneira. O chefe dela trabalhava para o empresário. Os poucos amigos que tinha não se preocupariam se não tivessem notícias dela por semanas.

E Considine estava convencido de que a moça roubara os rubis. O empresário não a deixaria ir. O sofisticado magnata era apenas uma máscara sob a qual se escondia uma cruel volta ao passado, aos rudes ancestrais, os lobos da Ilíria.

A jovem tinha que sair dali. Como o empresário acabara de salientar, conhecimento era poder. Quanto mais soubesse sobre o vale e o castelo, melhor seria quando conseguisse escapar.

— Tudo bem. Vou cavalgar com você.

— Venho buscá-la em meia hora. — disse, saindo em seguida.

Meia hora em ponto, Gabe batia à porta do quarto. Considine destrancou a porta, com o consentimento da jovem e a abriu. Sara estava em pé, perto da escrivaninha, olhando uma folha de papel. Cada músculo do corpo de Gabe se contraiu em um desejo afoito, mas a moça nem o olhou.

Embora tivesse escolhido roupas informais, o efeito era bem elegante. Os jeans realçavam as pernas longas e as botas chamavam a atenção. Uma blusa cinza de jérsei delineava as curvas dos seios e da cintura. Além disso, Sara carregava uma jaqueta em um dos braços e prendera o cabelo em um rabo-de-cavalo que emoldurava as feições nobres. Gabe notou que a pele brilhante da jovem não mostrava nenhum sinal de base ou pó. Em vez de batom, a moça contara com o brilho sexy de um gloss.

Considine pensou estar a salvo da ex-noiva, mas a onda de desejo o deixou confuso. O empresário sentiu-se agradecido quando Sara virou a cabeça.

— Não tenho capacete.

— Há vários na sala onde se guarda o equipamento de montaria. Aliás, você usava capacete quando cavalgava pelas praias da sua ilha tropical? — perguntou ele, enquanto os dois caminhavam rumo ao elevador.

— Sempre começávamos com um. Nossos pais eram muito rígidos no que se referia à segurança. Mas o descartávamos ao longo do caminho e o pegávamos de volta antes de chegarmos em casa. Felizmente, nenhum de nós nunca teve uma queda feia.

Fora do castelo, o ar estava bastante fresco e o céu claro. A jovem observou os dois cavalariços andando com os animais ao redor do pátio. Era claro que gostavam de Gabe. Sorriram ao vê-lo.

Considine abriu um largo sorriso e disse algo no idioma local. Um deles entregou as rédeas do cavalo menor ao patrão e foi em direção ao que deveria ser a sala onde se guardava o equipamento de montaria.

— Precisa de ajuda para montar? — perguntou Gabe a Sara.

— Não, obrigada. — agradeceu a moça, subindo na sela. Sara esperara que o ex-noivo soltasse as rédeas, mas não fez isso. Então, esperou, acostumando-se com o cavalo, enquanto Gabe e o outro cavalariço conversavam, até que o segundo criado apareceu com um capacete, que lhe foi entregue.

Não conseguiria ajuda de nenhum desses dois ilirianos, Sara pensou enquanto colocava o equipamento. O comportamento de ambos indicava que eles eram homens de total confiança de Gabe. Como o empresário conseguira conquistar tanta lealdade em um período tão curto de tempo? Era algo relacionado à tradição, mas havia também um respeito pessoal.

Por que a surpresa? Gabe andava ao redor do mundo envolto em uma aura de autoridade, liderança. A maioria das pessoas respondia instintivamente a isso. E para o povo daqui, Considine era um salvador.

Gabe entregou as rédeas a Sara e se afastou, montando o cavalo maior com uma graciosidade que lhe era peculiar. O cavalo se mexeu e o empresário disse algo a ele, no idioma local, com a voz quente e mansa. O animal relaxou, seduzido assim como tantas mulheres tinham sido, Sara concluiu.

Atravessaram uma passagem em forma de arco, com as paredes de pedra, e saíram do castelo. Embora Sara soubesse que Gabe nunca teria sugerido tal passeio a não ser que tivesse certeza de que a moça não podia escapar, a jovem ficou de olhos bem abertos. Ainda assim, era difícil manter a raiva acesa.

— O pombal. — assinalou Gabe ao ver os olhos dela moverem-se naquela direção. — O cercado era usado para sediar as justas, aqueles combates medievais com dois cavaleiros armados de lança. Mas agora há uma piscina lá.

— Você a construiu?

— Não, meu pai.

A moça olhou para as paredes altas, maciças, as trepadeiras cor de sangue que notara na chegada misturadas com outras de um verde mais calmo.

— O vale é adorável. Não é de se admirar que seus ancestrais se estabelecessem aqui.

— Questiono-me se a beleza do vale causou tanto impacto neles. O castelo foi construído para proteger o acesso à Ilíria. Eles não viviam aqui no inverno. Uma vez que a neve bloqueasse a passagem, nenhum exército conseguia atravessar o desfiladeiro. Então, retiravam-se para os estados mais quentes no litoral.

Sara balançou a cabeça, concordando. Foram namorados por meses, noivos por quinze dias. Mesmo assim, não soubera nada com relação a isso a não ser o fato de que Gabe estava relacionado, de alguma forma, ao príncipe que governava a Ilíria.

— Oh, que maravilha! — comentou enquanto Considine se dirigia a uma trilha que passava por campos bem tratados. O ar cheirava a flores, frutas e a um frescor suave.

Enchendo os pulmões com aquele ar puro, a moça tentou ignorar o motivo pelo qual estava ali e procurou relaxar. O vale se estendia verde e tranqüilo. Os picos das cordilheiras brilhavam ao sol, tão distantes e perigosos quanto o homem que governava aquela região.

Em um dos campos, um homem que inspecionava as áreas internas levantou-se de um pequeno e velho trator que parecia se manter em pé movido à corda e a orações. Ele sorriu e a cumprimentou.

Sara acenou e Gabe disse algo que fez o fazendeiro abrir um largo sorriso e devolver a brincadeira. A cavalgada continuou, com o pequeno incidente deixando a jovem pensativa. Como o empresário poderia ser tão afável com todos e tão intransigente com a ex-noiva?

Gabe percebeu, claro. Sempre percebia tudo com relação à moça. Uma vez lhe dissera que parecia muito mais aristocrata do que muitas moças da alta sociedade. A jovem fizera uma careta e dissera que aquilo não era um elogio. Queria muito mais parecer uma cigana, apaixonada, livre e sexy.

O cavalo relinchou, mas acalmou-se quando o empresário lhe deu um tapinha em um dos flancos.

— Aonde estamos indo? — Sara indagou.

— Até o local onde o Sangue da Rainha foi encontrado pela primeira vez — respondeu. — E onde foi mantido escondido por Marya durante quarenta anos.

— Por quê?

— Por que não? É uma parte interessante da história do vale. Essa é a velha trilha. Nos tempos medievais, teria estado abarrotada de pessoas, mascates, frades peregrinos, mendigos, poetas, tropas de cavaleiros. Todos tentando atravessar o desfiladeiro antes que a neve cortasse a comunicação.

— E agora não há ninguém, exceto nós. — comentou Sara, enquanto notava que se aproximavam de uma pequena vila. A moça o amara tanto — quase o adorara. Gabe lhe dera a lua e as estrelas; a jovem sentia-se glorificada pelo amor, paixão e atenção que o empresário lhe dedicava.

Sara tivera certeza de que encontrara o único homem que a completava. Considine a introduzira em um mundo de sensações no qual a moça nunca acreditara. Um mundo onde a única coisa que importava era Gabe, o amor dele.

Quando o ex-noivo voltou a falar, a jovem procurou sair daquele mundo de dor, perda e solidão para se concentrar nas palavras dele.

— Todo o tráfego agora passa pela estrada e pelo túnel férreo do outro lado do vale, mas precisam de reparos para que sejam seguros. Como tudo na Ilíria, o sistema de tráfego está desmantelado e a ponto de um colapso.

Sara balançou a cabeça, fingindo que olhava ao redor assim que chegaram à vila. Nenhuma agitação na rua. Ninguém saiu de casa por causa do barulho dos cavalos. Talvez a vila estivesse abandonada.

A jovem admirava uma igreja quando um cachorro latiu e atravessou o caminho, ficando na frente deles. O cavalo que Sara montava bufou e recuou. Mas foi a chegada de uma criancinha que realmente agitou o animal.

Relinchando, as pernas da frente mexendo-se sem controle, o bicho recuou para evitar a pequena intrusa. Sara ficou tensa, rezando para que os cascos não atingissem a atemorizada criança.

 

CAPÍTULO SEIS

Sara ouviu Gabe falar algo que acalmou o animal. Então, Considine se inclinou e agarrou as rédeas por cima do focinho do cavalo. O animal ficou imóvel, dando tempo a Sara de apear.

A decoradora se agachou para socorrer a criança, que estava encolhida de medo. Se a menininha gritava tão alto era porque não estava machucada seriamente.

Sara percebeu vozes enquanto acarinhava e examinava a criança. A garota, que não tinha mais do que três anos, estava bem.

— Silêncio, querida. — murmurava, colocando para trás o cabelo preto do rostinho vermelho. — Você está bem. Veja, aqui está a mamãe.

Levantando-se, a jovem ergueu a criança. Ao ver a mãe, os gritos pararam.

Por um momento, ninguém falou. Então, a criança começou a soluçar novamente. A mãe se debulhava em lágrimas, agarrando uma das mãos de Sara e a beijando. De repente, todos começaram a falar. Atônita, Sara olhou ao redor e viu cerca de dez pessoas que haviam aparecido do nada.

A voz de Gabe acabou com o burburinho. O tom de autoridade silenciou a todos enquanto o empresário apeava e dava as rédeas para um rapaz que prendeu ambos os cavalos em um poste. Ver aquele poste tão gasto, só indicava a Sara o quanto aquelas pessoas eram dependentes e, tecnologicamente atrasadas, vivendo como nos velhos tempos.

A mãe da criança agradeceu a Gabe. O empresário perguntou como estava a criança e a mãe lhe mostrou que não havia nem uma marca na filha. Finalmente, colocou a menina no chão. Esta ficou agarrada à saia da mãe, olhando Sara.

Dentro de cinco minutos, todos riam e a menina passava pelos braços carinhosos dos familiares que confirmavam que a garotinha estava bem.

Para o espanto de Sara, a expressão de Considine suavizou, chegando à ternura. Sorrindo, o empresário beijou a menina na testa.

— Parece uma rosa. — disse ao virar-se para a ex-noiva depois que entregou a criança à mãe. — Querem agradecer a você por tê-la salvado.

— Você a salvou. Eu quase a matei!

— Sua reação de desviar e sua força frearam o animal. E quando vi, você estava protegendo a criança com o seu próprio corpo. Foi isso que a mãe viu também. Você está bem?

— Estou bem. Nada de errado comigo.

— Você cortou os dedos! — constatou Gabe. Corada, ciente de que todos estavam vendo, Sara fechou os dedos sobre o vergão causado pelas rédeas.

— Não foi nada...

Alguém apareceu com uma garrafa e alguns copos. E, antes que compreendesse o que estava acontecendo, Sara recebera um com vinho branco, enquanto o pai da criança discursava. Era claro que se referia à jovem e à Gabe nos termos mais elogiosos. A moça piscou, mantendo os olhos fixos no copo de vinho, enquanto sentia um aperto no peito, algo próximo à histeria. Não esperavam que a moça bebesse de estômago vazio, certo?

— Sorria. — ordenou Gabe. — E quando beberem, beba com todos.

Os brindes foram demorados. Sara bebeu um gole do vinho e ouviu Considine dizer o nome dela. O olhar possessivo lançado à jovem fez com que Sara estremecesse. O ex-noivo estava demonstrando publicamente que a jovem era propriedade dele. Mas por quê?

Mais irrequieta era a forma como o pessoal da vila a olhava como se soubessem de algo que a jovem desconhecia. Devagar, a moça bebia um gole a cada brinde, até que o vinho acabou e Sara sentiu-se tonta. Quando se distanciaram da vila e dos agradecimentos efusivos, a decoradora perguntou:

— O que estava acontecendo lá?

— Não entendi o que quis dizer.

Sara encolheu-se quando a rédea deslizou por uma das palmas da sua mão e Gabe montou a cavalo.

— Você disse que não doía. Vamos voltar para o castelo.

— Não preciso de curativo. A pele não está rompida. E não quero voltar. Estou adorando essa liberdade.

Considine puxou as rédeas do cavalo. Depois, debruçou-se e parou o animal que Sara montava.

— Desça.

— Por quê?

— Vou amarrar meu lenço ao redor da sua mão machucada. Não seja idiota. O lenço está limpo e vai proteger o machucado. E vai ser mais fácil fazer isso se não estiver em cima do cavalo. — disse ele, impaciente.

Pelo tom de voz, o empresário não admitia recusa. Sara apeou do cavalo.

— Me dê sua mão. — Considine ordenou.

A jovem não queria que Gabe lhe prestasse assistência. O ex-noivo já causara estragos demais àquele coração feminino, com o comportamento dele na vila. E a moça receava que suas defesas ruíssem mais tarde.

A única salvação de Sara residia em lembrar-se de que o empresário era um ricaço cruel e autoritário. Levantando o queixo, deu-lhe a mão. A área continuava vermelha. Gabe murmurou algo. Sara gelou, ouvindo o coração bater acelerado.

Gabe mediu-lhe a pulsação. Depois, levantou a mão machucada e beijou-lhe a palma, incendiando o desejo que a moça tentava, com tanta dificuldade, manter em segredo.

— Beijos não curam. A não ser que sejam entre mãe e filho. Me dê seu lenço. Eu mesma vou amarrá-lo. Depois, voltamos para o castelo.

O empresário sorriu e a soltou. Sara viu quando o ex-noivo impôs controle a si mesmo, bloqueando a paixão que se incendiara entre ambos há pouco. Será que havia alguma coisa que pudesse fazer com que o empresário perdesse aquela frieza?

Considine colocou o lenço na palma da mão de Sara e o amarrou com outro.

— Dois lenços? — a jovem indagou.

— Minha mãe era exagerada. — explicou. Depois, soltou-lhe a mão e a observou enquanto a jovem montava novamente. — Como está?

— Muito melhor. Obrigada.

— Vamos continuar, então. Não é longe.

Não precisava dizer que qualquer decisão seria tomada por Considine. Sara compreendeu a própria impotência. O ex-noivo podia ainda sentir-se atraído pela jovem, mas a vontade de fazer sexo com ela seria mantida sob controle.

Sara não era nem sortuda nem forte. Enquanto o cavalo subia a montanha, a jovem pensou em como não tinha nem sido capaz de conter sua resposta à ex-citação dele. Após o primeiro olhar, estivera tão perdida naquele desejo desesperado que se rendera a qualquer esperança de liberdade.

Uma amiga de infância a convidara para uma festa em Londres. Uma situação clássica, um momento no qual olhares se cruzam em um salão repleto de gente! Sara tinha consciência do interesse do empresário, mas não conseguia ver quem a observava. Às vezes, virava-se para encará-lo, indignada. E encontrara olhos em chamas, determinados. Olhos enérgicos que lhe prometeram prazer.

Bem, Gabe fizera mais do que levá-la ao prazer. Quando se amavam, era algo incandescente, selvagem, que a atordoava tanto quanto a excitava. Não tivera idéia de que pudesse precisar tanto, ou que fosse capaz de dar tanto quanto recebia. E, apesar de os olhos terem ficado nublados diante daquelas memórias, a jovem lembrou-se da superficialidade daquilo tudo e da desilusão.

As árvores se aproximavam da trilha estreita, em alguns pontos, sobre pairando o caminho. Sara olhava ao redor, inquieta. Não havia passarinhos cantando nem borboletas sobrevoando o lugar. Nenhum sinal de vida ao redor.

— Não está longe. — disse Gabe. — Tudo bem?

— Sim, claro.

— Então, o que a está deixando tensa?

— Nada. Bem, nada novo.

Para surpresa de Sara, Gabe abriu um largo sorriso, aquecendo o coração da jovem.

— Teremos alguma coisa para comer e beber quando chegarmos lá.

Havia um pequeno vale. No meio, uma pedra enorme com marcas nas laterais como se, há milhares de anos, alguém, com ferramentas primitivas, tivesse tentado esculpi-la. Um filete d'água emergia da floresta e rodeava a base da pedra.

Sara estremeceu, e o cavalo dela empacou, deixando a moça ansiosa.

— O que é isso? — perguntou Sara.

— Um menir. É uma pedra glacial que foi arrastada até aqui há milhares de anos e serviu para marcar algo — a fronteira, talvez, ou o caminho para o desfiladeiro.

— Ou um local para sacrifício.

— Possivelmente.

— Onde devo amarrar a corda? — perguntou Sara, apeando do cavalo.

Já no chão, Gabe pegou um pacote detrás da sela e o entregou à moça.

— Há um lago no meio das árvores. Vou amarrar os cavalos lá. Tire a manta do pacote e escolha um lugar para um piquenique.

Sara viu Gabe conduzir os cavalos embora. O empresário parecia estar em casa. A moça pensara haver esquecido Considine, mas a primeira olhadela no castelo lhe provara que estava errada. Sozinha, talvez fosse capaz de tirá-lo do coração. Mas o ex-noivo não a deixaria sozinha, e a jovem não tinha como provar que não estava com o colar. Se ao menos pudesse convencê-lo a investigar Marya...

Mas por que a mulher, que se arriscara tanto para proteger as jóias, iria roubá-las do homem para quem as guardara? Gabe estava certo. Isso não fazia sentido.

Sara permanecia em pé, o pacote nas mãos, quando Gabe voltou.

— Então, esse é o local onde o Sangue da Rainha foi encontrado. O seu avô o escondeu aqui? — ela perguntou.

Considine tirou o pacote das mãos dela, todos os instintos em alerta. O empresário a levara ali na esperança de balançar as defesas da jovem, mas isso era muito mais do que esperara.

— Venha até aqui e vamos nos sentar. — Sara o seguiu, obediente, e Gabe tirou as coisas de dentro do pacote. — O tesouro foi originalmente encontrado aqui, mas meu avô pensava que era um esconderijo óbvio demais. Então, o escondeu no castelo. — O empresário estendeu a manta e indicou que a ex-noiva se sentasse. — Aliás, sua mão ainda está doendo?

— Não. Se estou um pouco abatida é porque a minha cabeça está sentindo os efeitos de um copo cheio de vinho em um estômago vazio.

— E, provavelmente, por causa da adrenalina de salvar uma criança. Podemos resolver isso agora mesmo.

Sara teve que se forçar a comer a fruta e o iogurte que Gabe tirou de um pacote, mas logo o apetite dela disparou. E a jovem foi capaz de devorar uma fatia de pão com manteiga.

— Estava uma delícia!

— Sirva-se de um pouco de café e me dê um pouco também. — Gabe lhe deu uma garrafa térmica.

A intimidade do momento a comoveu. Sara servira-lhe o café com tanta freqüência. Às vezes, na cama, às vezes, não, e sempre fazia aquele pequeno serviço com carinho.

Agora, os dedos da jovem tremiam, mas a decoradora conseguiu colocar o líquido na xícara e o pôs na frente dele.

— Fale mais sobre o Sangue da Rainha. — disse. — Sei que um dos seus ancestrais o encontrou por volta do século doze aqui.

Gabe encostou-se em um tronco de árvore e a observou, os olhos azuis brilhantes.

— Essa é a história aceita. Os camponeses locais têm uma diferente.

— Sério? — Sara o imitou, encostando-se a um tronco, tomando o café.

— Dizem que, uma vez, uma rainha atravessou as montanhas. Era uma bela mulher cujo dote era o colar, uma jóia antiga de família. Ela ia se casar com o Imperador.

— Que imperador?

— Quem sabe? Nunca chegou até ele. A comitiva foi atacada em uma emboscada e todos foram massacrados. Os assaltantes queriam mantê-la como refém, mas o líder do grupo a matou, e o sangue manchou o menir, escondendo o colar. Quando os ladrões o procuraram, não conseguiram encontrá-lo.

— Os assaltantes eram seus ancestrais? — perguntou Sara.

— Isso aconteceu muito antes de o primeiro Considine chegar até o desfiladeiro. Os camponeses dizem que assim que a rainha morreu transformou-se em... — Gabe fez uma pausa, depois, disse uma palavra no idioma local.

— Um vampiro? Ou um fantasma?

— Nenhum dos dois. Acho que o equivalente em inglês é a palavra duende. A rainha apareceu como uma mulher bonita e perigosa que protegia o tesouro, atraindo qualquer um que o procurasse para as profundezas da floresta.

— Tenho certeza de que os irmãos Grimm ouviram esse conto em algum lugar...

— Talvez, sim. Mas, mesmo agora, não vai encontrar ninguém do vale aqui depois que escurecer.

— É de se esperar.

Gabe a olhou com carinho.

— Esse lugar a assusta?

— Não... Mas, então, quando o primeiro Considine chegou aqui?

O empresário pousou a xícara e olhou na direção da pedra.

— Por volta do século doze. Alguns dizem que era grego, mas todos concordam que era pobre, embora várias canções populares o descrevam como belo e majestoso, além de bom espadachim.

— Como as antigas canções fazem. Provavelmente porque eram compostas por vencedores, não por perdedores.

— Concordo. Ele e seu bando de mercenários vinham pelo desfiladeiro rumo ao litoral quando o duende apareceu. Parece que a rainha o esperava há séculos porque lhe ofereceu o colar se ambos se casassem e ele tornasse o vale seguro dos bandidos que o estavam devastando.

— Se a rainha continuou bonita, aposto que ele concordou, mesmo que ela fosse um fantasma.

— Mas a rainha apareceu como se fosse uma bruxa velha. Entretanto, ele não era nada a não ser engenhoso e, imediatamente, viu que essa barganha oferecia uma vida que prometia ganhos muito melhores do que aqueles de um mercenário errante. Então, pegou as jóias e as usou como segurança para construir o castelo.

— O que aconteceu depois?

— Casaram-se e, na noite de núpcias, a rainha revelou-se na sua verdadeira forma. Depois de algumas provas de amor, eles viveram felizes para sempre.

— É tudo?

— Basicamente. Houve muita luta antes de se livrarem dos bandidos. E depois tiveram diversos filhos e formaram uma dinastia. Um dos descendentes tornou-se o Príncipe da Ilíria.

— Então, por que o Sangue da Rainha ficou no vale? É tão magnífico que pensei que teria sido levado para a capital quando isso aconteceu.

— Essa é a questão. O primeiro Considine prometeu à esposa que o Sangue da Rainha nunca deixaria o vale. Meus ancestrais eram arrogantes e irredutíveis. O Sangue da Rainha ficava na Toca do Lobo.

Sara bebeu o último gole de café. Tinha um gosto amargo assim como as próprias emoções.

— Queria que nunca tivesse me dado o colar. Juro que não tive nada a ver com o roubo dos rubis.

O rosto de Gabe ficou ainda mais rígido e o empresário cortou a conversa de um jeito que a deixou descomposta.

— O pai de Marya era a única pessoa que sabia onde meu avô escondera o Sangue da Rainha. Assim que o ditador tomou posse da Toca do Lobo, ele fez com que todo o lugar fosse escavado. Até tentou explodir o menir, mas só parou quando percebeu que ninguém havia enterrado nada ali perto. Depois, meus avós foram mortos e o pai de Marya capturado. O pai disse à filha onde o colar estava. Então, correndo perigo, a moça entrou no castelo, tirou a jóia de lá, e o enterrou no estábulo da família dela. E lá ficou até o tirano morrer. Depois, Marya me trouxe o colar. Por que a criada o roubaria?

Considine se levantou e olhou para ela, continuando:

— Meu ancestral se casou com a feiúra e encontrou a beleza. Pensei ter encontrado beleza em você. Ao menos, o roubo do colar mostrou que era somente superficial.

— Não o roubei. Pode fazer o que quiser, mas não pode tirar de mim o que não tenho. Não sei o que aconteceu. Certamente, não parece que Marya roubaria as pedras.

— Não roubou.

— Já lhe ocorreu que eu não precisava roubá-las? Que,se eu me casasse com você, eu as teria pelo resto da vida?

— Sim. Também me ocorreu que, para permanecer casada comigo, você teria que ser fiel. Presumo que percebeu — infelizmente, somente um pouco tardedemais — que isso era muito sacrifício.

As palavras a atingiram como pedradas. A jovem fizera amor com Gabe uma semana depois de se conhecerem. Talvez o empresário pensasse que a moça era assim com qualquer homem com quem saísse.

— Nunca realmente soube quem eu era. Não que isso interesse, não é mesmo.

— É mesmo. — Gabe concordou.

Sara estava tão magoada que não conseguia ver mais nada. Afastou-se, para esconder as lágrimas. Aí, topou com um riacho e gritou ao tropeçar em uma pedra. Então, Gabe a pegou, um dos braços dele embaixo dos seios da jovem. O outro, ao redor da cintura. E a puxou contra aquele corpo másculo excitado.

A moça arfou. Tentou escapar, mas Considine a virou, mantendo-a presa nos braços dele. A jovem viu um rosto determinado, olhos que brilhavam de desejo. Gabe não disse nada. Os lábios deles se tocaram e a moça permitiu o beijo ardente. Estava perdida de novo...

O empresário ergueu a cabeça, mas somente para dizer o nome da ex-noiva com uma voz de desespero, antes de beijá-la mais uma vez. Era como se estivesse faminto, louco pela moça. Como se precisasse de Sara tanto quanto a jovem necessitava dele.

Gabe, então, deslizou uma das mãos por baixo da blusa de Sara. Acariciou seus seios, incendiando-a, queimando qualquer pensamento consciente, deixando apenas o desejo.

Beijinhos na pontinha da orelha a deixaram excitada. A moça virou o rosto na direção do pescoço dele e deslizou as mãos por baixo da camisa do empresário.

Gabe beijou-a no pescoço. Depois, levantou-a. De alguma forma, entre os braços dele e a manta, conseguiu libertá-la do suéter e da fina blusa que usava por debaixo, deixando o torso nu, exceto pelo sutiã. Olhos em chamas fitavam o rosto atordoado da jovem enquanto Considine tirava-lhe a presilha dos cabelos. Com cuidado, pegou os cabelos e os deixou cair pelos ombros nus.

— Você é tão bonita. É como uma droga nas minhas veias, irresistível, que me consome.

Sara começou a desabotoar a camisa de Gabe que voltou a beijá-la. E, quando, finalmente, levantou a cabeça, a jovem já tinha desabotoado tudo.

— Eu a prefiro com roupas de seda e renda, mas você consegue fazer com que até um sutiã de colegial pareça sexy.

Considine, então, abaixou-se e beijou-lhe um dos seios.

Sara arfava. O corpo flexível, as mãos agarradas ao peito do ex-noivo enquanto este arrebatava a alma e o corpo da jovem.

— Você me quer... — Gabe murmurou, virando-a de forma que pudesse desabotoar-lhe o sutiã.

Considine também não podia mais negar aquele desejo. Os dois estavam presos na rede do desejo. E a jovem sabia que, por ela, aquele amor não iria embora.

Talvez se Sara lhe mostrasse o quanto o amava, Considine compreendesse que a noiva nunca roubara o colar. Porém, a moça percebeu que estava enganando a si mesma, procurando motivos para apaziguar o orgulho quando tudo o que queria era render-se. Ergueu as mãos e acariciou-lhe o rosto.

Gabe não queria sentir nada mais complicado do que luxúria, mas embora desse a alma para ser capaz de jogá-la na cama e tomá-la de forma fria, desapaixonada, não conseguia. A pele da moça era tão sensível quanto pétalas de magnólia, cada curva tão familiar quanto o próprio rosto. Cada músculo do corpo dele enrijeceu. Lutava contra um desejo indomável de mergulhar nas profundezas do corpo da jovem e torná-la dele da forma mais primitiva.

Gabe transformou a vontade louca em submissão. Abaixou a cabeça para beijar-lhe os seios, para voltar a se acostumar com a provocação daquela pele sedosa, daquele perfume feminino inconfundível.

Como era possível que um ato tão comum, como fazer amor, tivesse se tornado impossível com qualquer outra mulher?

Sara não somente lhe roubara a felicidade, a ex-noiva o castrara. E o plano de seduzi-la para descobrir o paradeiro do colar se virara contra si mesmo.

Talvez pudesse livrar-se dessa obsessão rendendo-se, se aceitasse o que a moça lhe oferecia até que estivesse saciado, até que pudesse olhá-la como nada além de um desejo de um homem rico por uma bela mulher. Assim que isso acontecesse, Considine estaria livre, capaz de ser ele mesmo.

Gabe abaixou a cabeça novamente e beijou-lhe um dos mamilos excitados. Sara gostava daquilo. E o empresário adorava que os seios dela fossem tão sensíveis, que a moça correspondesse de forma tão ardente a cada toque dele.

 

CAPÍTULO SETE

Sara ouvia a pulsação forte enquanto fitava aqueles olhos azuis que prometiam um prazer incrível.

Desde o início, ambos mal foram capazes de controlar as próprias reações. Sara se recusara a sair com Considine tentando escapar da perseguição determinada daquele homem. Não funcionara, e muito cedo a moça se rendera ao cortejo do empresário. Horrorizada pela rápida rendição a um homem que, por instinto, a jovem sabia ser perigoso, Sara tivera medo de que, ao se extinguir o desejo sexual, tudo iria ruir. A moça estivera errada. Apesar de tudo, Gabe ainda lhe queria.

— Gabe... — murmurou enquanto o ex-noivo beijava-lhe o umbigo.

O coração batia de forma tão acelerada que ela mal conseguia ouvir algo. Tentou afastá-lo, mas as mãos da jovem curvaram-se sobre os ombros largos do empresário, sensualmente testando a força sob a pele macia. Juízo, auto preservação, precaução — tudo isso foi esquecido.

Uma das mãos de Gabe deslizou devagar pelas profundezas úmidas do corpo da moça. Os quadris se sacudiram e os últimos raios do pôr-do-sol reacenderam uma nova chama.

Os dedos másculos a acariciaram ainda mais. Sara deslizava as unhas pelas costas do empresário.

Considine se aproximou e impôs-se àquele corpo faminto, apaixonadamente receptivo, com tanta intensidade que a jovem gemeu. O empresário parou, mal contendo a própria vontade.

— Eu a machuquei? — A voz era rude e os músculos do corpo dele enrijeceram quando Gabe tentou recuar.

— Não, não poderia me machucar. — murmurou a moça, o corpo da jovem retesado e exigente debaixo do dele. Aquele corpo poderoso ficou tenso, mas o empresário avançou contra a jovem mais uma vez, reivindicando-a com um desejo tão selvagem que deveria tê-la assustado. Em vez disso, a moça se alegrou.

Mal sendo capaz de formular as palavras, Sara pensou, esse era o homem real, despojado de sofisticação e conhecimento do mundo, impelido por uma vontade tão intensa que não conseguia controlá-la. Pela primeira vez em um ano, a moça sentia-se viva e feliz.

Audaciosa, Sara fez com que Gabe fosse dela, guiando-o assim como o empresário fazia com a jovem. O desejo de ambos os forçava além dos limites, rumo a um lugar onde se conectavam um com o outro. Davam e recebiam, moviam-se juntos em êxtase, até que aquela intensidade crescente tomou conta dos dois e, juntos, atingiram o ápice intangível. Corações batendo, um ruído surdo, corpos misturados em um arroubo onde nada importava a não ser a magia do momento.

Mais tarde, ela ficou escutando a própria respiração entrecortada que puxava o ar para dentro dos pulmões. Gabe não se mexera. O peito elevado, o corpo esbelto permanecia relaxado e pesado em cima da jovem.

Ainda sentindo o cheiro de sexo, suor e desespero, a moça se xingou de idiota. Mas o corpo da jovem contradizia o cérebro porque, de alguma forma, nunca se sentira tão segura. Embora quisesse mais do que tudo se esconder da própria estupidez, a jovem tinha que admitir que cometera o maior erro da vida dela.

Bem, não, de fato. O maior erro tinha sido em não ter saído correndo quando encontrara aqueles olhos azuis de aço. Porém, se tivesse feito isso, Considine a teria seguido. E aquele pensamento ainda tinha o poder de atormentá-la.

Sara não teve que levantar a cabeça para conferir as emoções dele. Podia senti-las com o corpo. Isso não ajudava a compreender que o empresário estava zangado consigo mesmo porque se ressentia desse desejo irresistível tanto quanto a jovem.

— Está usando algum contraceptivo? — perguntou ele.

O choque a silenciou. Oh, meu Deus! As palavras martelaram na cabeça dela, carregadas de tanto pânico que a moça não ousou falar.

— Quero a verdade! — disse, em tom ameaçador.

— Está tudo bem.

— Isso não é resposta.

Sara olhou para aquele rosto insensível e pressionou os lábios. Quando Gabe disse algo a meia voz, a moça se enraiveceu.

— Não sou a única imprudente aqui! — O que era uma forma de admitir que nem pensara em contraceptivo!

— Não estou lhe culpando. Foi um erro meu.

E tão grande, pensou, para tentar não mais desejá-la. Uma olhadela e, embora lutasse com toda a força de vontade que possuía, o corpo dele sucumbira e fizera o que sempre quisera fazer — torná-la dele.

Por que essa mulher? Tivera várias namoradas, deitava-se com as outras pelos diversos atributos que possuíam. E, depois, dizia adeus assim que a aventura amorosa tomasse o curso natural. Muitas ainda eram boas amigas — Gabe era sagaz nas escolhas. Evitava as ingênuas e procurava por mulheres sofisticadas que soubessem como esses casos deveriam ser conduzidos.

Mas Considine quebrara qualquer regra quando vira Sara, e ainda não conseguia entender o domínio que a jovem tinha sobre ele. Sabia somente que a traição dela e um ano longe não fizeram nada para diminuir o desejo que o consumia noite e dia.

Sara fechou os olhos, incapaz de suportar o desdém no olhar do ex-noivo. Um cansaço profundo quase a derrubou. Ergueu o queixo e lutou contra aquela sensação porque render-se só tornaria as coisas piores.

— O que fazemos agora? — ela perguntou.

— Sugiro que nos vistamos. Não é comum muitas pessoas passarem por aqui, mas é uma possibilidade.

A moça sentou-se e olhou ao redor, aturdida por ver o quanto a floresta era bonita, o quanto o ar era doce, o quanto as montanhas eram majestosas no outro lado do vale. Pousou os olhos no menir. Um vento frio fez a jovem tremer e começar a se vestir, mantendo o olhar longe de Gabe que fazia o mesmo.

— Vou pegar os cavalos. — disse ele, dirigindo-se às árvores.

Será que o empresário planejara aquilo? Não, pensou. Gabe não poderia premeditar momentos selvagens nos braços um do outro. Desprezava aquela investida erótica tanto quanto a decoradora. Além disso, se tivesse arquitetado tudo aquilo, usaria preservativo. O pânico voltou a tomar conta da jovem que começou a contar os dias. Pálida, voltou-se para o menir, tentando não acreditar. Estava no meio do ciclo, no período mais fértil.

Uma das mãos escapuliu para a cintura enquanto a moça tentava se convencer de que não se engravida toda vez que se fazia amor. Forçando-se a ser prática, considerou a pílula do dia seguinte. Oh não! Chocada, a jovem parou com aqueles pensamentos. Jogou a possibilidade de uma gravidez na cesta do lixo mental.

Ok, estava irrequieta. Tinha que estar. Não era todo dia que acordava em um castelo nas montanhas, seqüestrada por um homem que tinha certeza de que a jovem roubara a jóia da família. E, depois, fazia amor com esse homem, sem proteção! O que será que Gabe pensava fazer com a jovem?

Vingar-se? Sara estremeceu. O ex-noivo mudara. Deixara de ser o homem sofisticado que somente perdia as estribeiras quando faziam amor. Considerando a mente analítica e cruel, por que mais o empresário correria o risco de levá-la ali?

Sara foi em direção à manta para pegá-la. Embaixo dela, a grama estava achatada devido à força daquele momento de amor. A jovem dobrou a coberta e a colocou na sacola. Um barulho fez com que a moça erguesse a cabeça. A decoradora viu Gabe trazendo os dois cavalos.

Pensou novamente em como fora idiota, caíra na armadilha. Os beijos de ontem à noite teriam sido parte da estratégia. Gabe a testara para ver se o tempo e a distância tinham entorpecido o fogo entre os dois.

Considine deve ter se deleitado quando a reação indefesa da moça lhe provara o quanto Sara permanecia vulnerável ao carisma dele. O próximo passo foi bem óbvio, concluiu Sara, olhos fixos no rosto cruel e belo, conforme o empresário se aproximava com os cavalos: sedução!

A decoradora sentiu o rosto queimar. A humilhação a devorara, mas sabia como lidar com aquilo! E, dessa vez, estava prevenida. Não haveria mais passeios nem fariam amor. Gabe lhe queria, mas a moça tinha que se lembrar de que o empresário desejava muito mais o tesouro da família. E se o dia de hoje lhes trouxesse uma criança, a decoradora voltaria para Fala'isi e a criaria sozinha sem lhe contar nada.

— Tudo bem? — perguntou Considine enquanto parava os cavalos.

— Sim.

Desceram as montanhas com o mínimo de conversa. Gabe agia como se fosse um guia de turismo. Afinal, crescera em meio às lendas dos ancestrais.

Já no castelo, do lado de fora do quarto, a moça disse:

— Vou precisar de alguém para me mostrar quais quartos você quer que sejam redecorados.

— Não será necessário.

— Queria que isso fosse feito. Vou fazer. As salas de reuniões e de jantar são bonitas, mas não pode negar que o meu quarto ao menos precisa ser resgatado. É um horror.

— Tudo bem. Vou me trocar e já volto. Segura por alguns minutos, a moça tomou uma chuveirada, ensaboando-se bem como se quisesse tirar Gabe da pele. Tentou deixar a lembrança do encontro apaixonado em um canto da mente, embora fosse difícil ao notar a leve contusão na pele. A decoradora deixara marcas no corpo do ex-noivo também — as unhas cravadas nas costas dele quando o êxtase tomou conta dela.

— Chega disso! — disse ela, enquanto se enxugava. Precisava pensar. Vestiu-se. E notara que as roupas tinham sido passadas. Era claro que havia uma criada lá também, além de Webster.

Quando Gabe a visse, logo saberia que a jovem não se vestira para atraí-lo. Dava a impressão de seriedade e elegância. Uma rápida vasculhada pela bolsa e a decoradora encontrou o bloquinho e a fita métrica. Penteou o cabelo para trás e sentou-se à escrivaninha, fazendo anotações sobre o quarto. A batida à porta fez com que a jovem erguesse a cabeça.

— Só um momento. — respondeu a moça, recolhendo o bloco, a fita e a caneta.

Ao abrir a porta, em vez da presença dominadora de Gabe, os olhos de Sara encontraram os daquela mulher que a jovem nunca mais esperava ver

— Marya! Atônita, não conseguiu dizer nada.

 — Você veio! Que bom! — exultou a velha mulher.

Atordoada, Sara a encarou. Ela roubara o colar e deixara que a decoradora levasse a culpa. Ainda assim, não havia malícia em seus olhos, nada a não ser uma nítida satisfação.

— Por que é bom?

— Porque voltou. — explicou, deixando que Sara saísse do quarto para depois, então, fechar a porta.

— Gabe...

— Está falando ao telefone, com a África, eu acho. Quer ver os quartos? Vou lhe mostrar.

Marya tagarelou enquanto a levava aos outros quartos, segurou a ponta da fita métrica para Sara medir e ficou em silêncio enquanto a decoradora fazia as anotações. Era como se a velha mulher não soubesse que deveria haver certa animosidade entre as duas.

De fato, fez mais do que ignorar isso. Pôs-se à disposição para recebê-la — apontando para as vistas das diversas janelas, contando histórias a Sara sobre as pessoas que viveram no castelo, de acontecimentos antigos, de episódios que soavam como autênticas cenas históricas e de guerra. E falava sobre Gabe, idolatrando-o.

— Tão bom! Já é amado no vale. Que homem! É um patrão de quem se deve ter orgulho. Um exemplo a ser seguido.

Não suportando mais, a decoradora tomou coragem e perguntou:

— Marya, por que você pegou o Sangue da Rainha? Deve imaginar o quanto Gabe quer vê-lo novamente. Se o ama tanto, por que não lhe devolve o colar?

Dando de ombros, a criada disse:

— Você está aqui novamente!

— Basta! Obrigada, Marya. Eu assumo agora. — rompeu Cosidine da porta.

A criada sorriu, e deixou o quarto.

— Deixe-a em paz. — ordenou Gabe a Sara. — Isso é entre nós. Não vou deixar que a atormente.

— O que ela faz aqui?

— Trabalha aqui. Disse ao mordomo para ajudá-la, mas parece que Marya achou que seria mais apropriado que ela fizesse isso.

— Não importa. Terminei o que preciso fazer. Vou voltar ao meu quarto e trabalhar no projeto.

— Não sabe o que quero.

— Qualquer coisa seria melhor do que isso.

— Quase. Vamos descer até a sala de reuniões e discutir o que eu quero que o lugar passe a ter.

A tal sala, livre de bugigangas, foi um alívio. Os painéis brilhavam com um dourado suave. E a lareira em estilo renascentista dominava o ambiente, combinando com o guarda-louça gótico e outro quadro de um ancestral trajando uma armadura.

— Muito interessante. — comentou Sara, ao observar o quadro.

Gabe balançou a cabeça, concordando, e indicou que a decoradora se sentasse em uma das confortáveis poltronas.

— É Alex, o homem que se tornou o Primeiro Príncipe da Ilíria em nossa casa. A armadura ainda está no corredor.

— Existiram príncipes antes que o seu ancestral tomasse conta do principado?

— Alex matou o primeiro em combate. Depois, reforçou a vitória ao se casar com a filha do príncipe morto.

— Que base esplêndida para um casamento!

— Pelo que se consta, foi muito feliz.

— Suponho que tenha sido melhor do que morrer.

— Ela não teria sido morta. A outra alternativa era um convento, mas parece que a jovem odiava a idéia. O casal teve oito filhos e ninguém nunca disse nada sobre Alex ter uma amante.

Webster entrou na sala carregando uma bandeja. E, quando se viram sozinhos, Gabe perguntou:

— Vai nos servir?

Era café. Justamente do que precisava. Sara lhe deu uma xícara. Para si, colocou um pouco de leite e ignorou os bolinhos. Mantenha o profissionalismo, disse a si mesma.

— É esse o clima que quer dar aos quartos? Porque se é, encontrar móveis originais dessa época não somente vai ser difícil como também dispendioso. É praticamente impossível comprar cômodas e arcas renascentistas com qualidade de museu, como a daqui.

Depois, sentiu-se uma idiota. Claro! Gabe Considine, primo do Príncipe da Ilíria e um magnata bem-sucedido, não teria problemas com relação a dinheiro.

— Pode fazer o que quiser. — respondeu o empresário, encostado na poltrona.

— Nunca viu nada do meu trabalho.

— E daí? Está linda, muito bem-vestida. Tenho certeza de que sabe decorar um quarto tão bem quanto se veste.

— Nem todas as pessoas que se vestem bem podem decorar um ambiente! Diga do que gosta.

— Vou passar os verões aqui. Quero conforto e história. É um castelo do século doze e deve se parecer como tal. Qualquer modernização deve ser discreta. Já viu os problemas hidráulicos daqui. Então, sabe o que precisa ser feito.

Depois de beber o café, Gabe levantou-se, pedindo desculpas porque tinha trabalho a fazer.

— Webster, certifique-se de que a senhorita Mil­ton volte em segurança para o quarto. — disse ao mordomo, que entrara na sala para levar a bandeja.

Sara o viu ir embora. Depois, disse ao mordomo:

— Não tem que ser minha babá. Tenho certeza de que posso voltar sozinha.

— Sem problemas, madame.

De volta ao quarto, a decoradora sentou-se e começou a fazer anotações sobre a conversa antes que se esquecesse de algo.

— Sei exatamente como a princesa na torre deve ter se sentido. — murmurou e levantou-se. No caminho de volta ao quarto, através de uma janela, avistou flores. Se o mordomo não a tivesse trancado, iria procurá-las.

Para a sua surpresa, a porta estava aberta e o elevador funcionava. Andando em silêncio, passou por armaduras e mais retratos de ancestrais, acompanhados por diversas mulheres, todas parecendo muito felizes. Devia ter virado no corredor errado porque deu com uma porta que abria para uma área quadrada, aberta.

Sara se deleitou com os vasos de gerânios em balaustradas. Colunas antigas de mármore sustentavam um teto em forma de abóbada, coberto por pinturas de frutas e flores, e embaixo, na parede interna, alguém pintara um afresco de pessoas, animais e construções medievais.

Encantada, conferiu tudo de perto por alguns minutos antes de encontrar algo que reconhecia — uma pintura da pedra fundamental. Séculos atrás, alguém pintara uma representação do vale e das terras ao redor. Possivelmente, das propriedades que acompanhavam o castelo. Tudo retratado com uma exuberância que alegrava a vista e aquecia o coração.

Olhou por outras portas e janelas que davam para a galeria. Então, andou — quase na ponta dos pés — rumo à balaustrada e avistou o outro andar, em outra área, com mais gerânios e vasos grandes com flores. Debruçou-se sobre o corrimão e viu um jardim dividido em quatro por pequenos regatos de água, com uma fonte no meio. Embora o outono já tivesse chegado, as flores ainda cresciam nos canteiros. As folhas vermelhas das parreiras subiam rumo ao céu.

Era uma fantasia deliciosa, adorável aos olhos. O jardim tinha sido construído para agradar a alguma mulher, Sara tinha certeza disso. E invejava aquela esposa desconhecida que fora tão amada e a quem tinha sido concedida tanta beleza.

— Foi construído em fins do século dezesseis. — disse Gabe, por detrás da jovem. — A grã-duquesa era delicada, então, o marido construiu esse jardim para ela. Mandou trazer as colunas de um templo grego, no litoral.

— Deve tê-la amado. — respondeu Sara, continuando a olhar para a frente.

— Os lordes da Toca do Lobo sempre se casam por amor.

 

CAPÍTULO OITO

Vermelha, sentindo-se culpada, como se fosse pega espiando através de uma fechadura, Sara endireitou-se.

— Desculpe se estou sendo intrusa. Virei no corredor errado e vim parar aqui. É tão belo...

— A única coisa boa que o patife do meu primo fez quando dominou a Ilíria foi proteger os bens familiares. Vou levá-la ao seu quarto. — Considine permaneceu atrás da moça para deixá-la ir à frente. Conforme caminhava, a decoradora passou por uma porta aberta. Ao olhar lá dentro, a jovem ficou surpresa. Era um moderno escritório cheio de computadores e equipamento eletrônico suficientes para prover uma empresa.

— Por aqui. — disse Gabe, conduzindo-a rumo a uma porta. — Está procurando algo?

— Avistei flores através de uma janela e decidi ver onde estavam.

— Desista. — avisou, quando chegaram à porta do quarto. Mesmo que saia do castelo, não vai escapar. E, se tentar novamente, ficará trancada o tempo todo.

Com um olhar desafiador, a jovem entrou no quarto e fechou a porta. Esperou que alguém a trancasse, mas isso não aconteceu. Gabe tinha que ser confiante demais a ponto de acreditar que a ex-noiva não escaparia.

Desanimada, a jovem olhava a decoração horrível em volta e pensava na sala de jantar com um mobiliário combinando com o ambiente do castelo. Começou a fazer esboços. Então, lembrou-se do comentário cruel sobre o usurpador tomar conta dos bens familiares. Após um momento, a moça tocou a sineta.

Cinco minutos depois, o mordomo chegou.

— Sim, há um depósito disse ele. Mas, lamento, não sei o que há lá dentro.

— Tudo bem. Obrigada. — Sem dúvida, Webster ainda estaria chateado com a bronca que levara por ter deixado Marya vir no lugar dele. E se existia alguém que sabia do que havia naquele depósito, seria Marya.

A moça não ficou surpresa quando ouviu uma batida à porta minutos depois.

— Entre. — Sara gritou.

— Está procurando por coisas antigas?

— Sim.

— O grã-duque disse que não há problemas. Venha.

— Grã-duque? — Pensei que o ditador abolira todos os títulos em Ilíria. O Príncipe os restaurou?

— Sempre grã-duque para nós, mas o príncipe Alex decidiu oficializar o título logo após o seu noivado. Dois ou três dias depois.

— Verdade?

— Sim, e muito importante.

— Parece que sim. — Será que Gabe decidira que a mulher a quem pedira em casamento não seria uma esposa adequada para um grã-duque?

O elevador parou e as portas se abriram, revelando o que, provavelmente, antes tinham sido calabouços.

— Aqui. — disse a criada, destrancando uma porta de madeira.

A primeira impressão do quarto escuro, iluminado apenas por algumas poucas lâmpadas, era de que o local guardava tudo o que tinha sido descartado no castelo ao longo dos últimos séculos. Desanimada, a decoradora olhou as pilhas de móveis.

— Precisamos catalogá-los.

— Sei de onde vêem. Eu me lembro. Agora, o que quer?

Naquela noite, outra taça de champanhe nas mãos, Sara indagou:

— Por que o ditador trocou todos aqueles móveis bons por cópias vitorianas de segunda mão de mobiliário francês? Em que pensava?

— Imprimir o caráter dele ao lugar.

— Parece que ele era filho ilegítimo.

— Eu o chamei de bastardo, mas não nesse sentido. A insistência de que não era legítimo era uma mentira.

— Por quê?

— Isso lhe dava prestígio com os aventureiros, criminosos e revolucionários que o colocaram no poder. Um aristocrata derrubando outro não é tão romântico quanto um bastardo lutando para libertar o povo do próprio primo, um déspota degenerado.

— Suponho que não. — disse a decoradora. — Mas, de alguma forma, entendi que o Príncipe deposto não era um déspota degenerado.

Considine sorriu e bebeu o resto do champanhe.

— Não era. E os seguidores do usurpador logo descobriram que tinham sido trapaceados por um perito.

— Um sem gosto. — a moça comentou, lembrando-se que dentre as milhares de pessoas que o ditador matou estavam os avós de Gabe. Quando examinaram o depósito, Marya lhe contou histórias da valente luta deles contra o homem que os fez desaparecer da Ilíria. — Ao menos não queimou a mobília antiga. Se fosse o meu castelo...

O sorriso zombeteiro de Gabe a deteve. Mas a decoradora continuou.

— ... eu removeria os painéis, deixando apenas a madeira e daria um polimento. Depois, catalogaria os móveis. Pelo que vi no depósito, algumas peças precisam ser restauradas, mas a maioria está em boas condições.

Considine a fitou, surpreso.

— Certamente não pensou que eu sugerisse um minimalismo moderno! — ironizou a decoradora.

— Não. Estou impressionado. Você incorporou a atmosfera de forma bem intensa...

— Não é porque cresci nos trópicos que não posso apreciar coisas antigas. Não ficaria dez minutos no meu emprego se não tivesse bom senso de adequação das coisas. Quer que cada móvel volte ao seu lugar original? Marya diz que se lembra dos lugares de cada um.

— Parece que as duas estão se dando muito bem.

Por que não? A criada sabia que a posição dela era segura. Entretanto, Sara manteve a cínica observação consigo. A decoradora tinha o resto da semana ali. E tecer comentários sobre a mulher que roubara o colar seria improdutivo. A outra coisa que precisava fazer era não permitir ser seduzida por Gabe novamente.

O instinto lhe dizia que o ex-noivo não a forçaria. Bastava não ser notada e afastar-se de qualquer comportamento que Gabe julgasse provocador. Ainda assim, como sempre, a presença de Gabe a estimulava e a desafiava. Somente o fato de estar com o empresário já era excitante. Mas ainda era a tensão que se escondia sob a conversa. Era a conseqüência perturbadora da paixão dos dois naquela manhã.

A pulsação acelerava cada vez que as chamas incendiavam na lareira, embelezando a pele dourada e o rosto autocrático do empresário. Tornara-se uma tortura, reduzindo as defesas da jovem. Estava no castelo há apenas vinte e quatro horas, ainda assim, fazer amor com Gabe removera o último ano de angústia.

Com os sentidos aguçados, a moça fixou o olhar no fogo, mas isso só aguçava o efeito da voz do empresário, que a tentava. Sentia-se viva novamente — a mente ansiosa e alerta, gritando por mais excitação que apenas Gabe podia lhe dar.

Esse pensamento deveria tê-la horrorizado, mas juntou-se à necessidade de ocupar uma posição naquela conversa. No final, a moça não suportava mais. Escondeu um falso bocejo com uma das mãos e levantou-se.

— Boa-noite. — disse ela.

— Durma bem. — respondeu o ex-noivo, cinicamente.

— Obrigada.

— Tente não sonhar tão intensamente. — recomendou o empresário, já à porta do quarto.

— Quase nunca lembro dos meus sonhos.

— Sorte sua.

Uma vez a salvo dentro do quarto, a moça olhou ao redor, forçando a mente turbulenta a livrar-se do desejo que a devorava. Como podia ser tão fraca? Amá-lo depois da deslealdade dele?

Ao menos agora entendia o porquê de ter aceitado a palavra de Marya em vez da dela. Até soubera do título; embora Gabe nunca o tenha usado, várias revistas de fofocas comentaram sobre isso. Mas não imaginara que a Ilíria significasse alguma coisa para o empresário porque, quando estiveram juntos, raramente mencionava esse assunto.

Nas últimas vinte e quatro horas, a moça vira uma outra dimensão do astuto magnata pelo qual se apaixonara. Além da atração física era alguém que tinha sido criado para aceitar responsabilidades, respeitar as lendas e a magia do povo do campo. Então, quando tivera que escolher entre a mulher errada, a quem desejava ardentemente, e a serva fiel, que protegera o tesouro da família durante os anos sombrios, a decisão dele tinha sido inevitável.

A boca de Sara contorceu-se em uma careta de dor. O fato de que a jovem agora tinha uma idéia melhor sobre a motivação de Gabe deveria atenuar parte da humilhação pela qual passara. O colar significava muito mais do que o valor monetário. Talvez até mais do que o valor histórico para a família dele. Havia fortes vínculos emocionais a essas jóias, uma ligação quase mística que anulava a atração sexual que o empresário sentia pela decoradora.

E os lordes da Toca do Lobo foram educados para serem cruéis. Considine a cortara da vida dele logo após a última conversa. Tudo o que tivera do ex-noivo foi um breve recado para não vê-lo novamente, como se a moça fosse uma criada demitida por desonestidade. Isso a deixou despedaçada.

Ainda assim, embora o compreendesse melhor, nada mudara desde que a jovem chegara à Toca do Lobo. Tinham feito amor, mas isso significava pouco. Nunca ficara satisfeita com qualquer coisa menos que amor. E talvez Gabe tenha percebido que ele também não. Afinal, os lordes do castelo sempre se casaram por amor...

Embora o quarto estivesse quente, a decoradora estremeceu. O que acontecera era passado. Apesar da vida dela parecer estar perdendo o controle, era inútil desejar que não tivesse feito amor com o ex-noivo.

E se houvesse um bebê... Bem, lidaria com isso quando deixasse de ser uma possibilidade e se tornasse uma certeza. Era melhor pensar no que fazer com aquele quarto e com os outros dois que inspecionara, ambos clones do dela em relação ao péssimo gosto. Ao menos, podia redecorá-los.

Sara imaginou o quarto como deveria ser — os painéis de madeira sem a tinta branca e restaurados com um dourado suave. Depois, substituiria a mobília de segunda mão e se livraria das cortinas vermelhas ao redor da cama.

Sentou-se à escrivaninha e começou a fazer mais anotações e esboços até que o coração voltou ao normal e a moça pensou ser capaz de dormir. Ao dirigir-se ao banheiro, perguntou a si mesma se imaginara o forte desejo implícito nas palavras de Gabe. Sorte sua, dissera, como se o sono dele fosse atormentado por sonhos.

Sara devia ter imaginado isso. Afinal, o empresário podia ter qualquer mulher que quisesse, e estava convencido de que a jovem o traíra. Gabe não estaria inquieto na cama porque a única pessoa a quem amara não tinha confiança suficiente para acreditar nele!

Durante a noite, a moça acordou com um sobressalto, a pulsação acelerada e suor na testa. Sentando-se na cama, a jovem olhou em volta tentando descobrir de onde vinha o barulho que a acordara — o choro insistente do bebê dela. Mas o sonho desapareceu assim que a moça percebeu onde estava.

A decoradora relaxou e voltou a ficar embaixo da colcha. Imagens se embaralhavam no cérebro da jovem. Mas embora ainda sentisse o peso do colar no pescoço, não conseguia lembrar-se de mais nada. Então, ouviu um barulho de chave. A decoradora viu a porta se abrir e Gabe entrar no quarto.

— Qual é o problema? — indagou ele, encaminhando-se à cama.

— Nada.

Considine acendeu a luz, mas a moça puxou o lençol e permaneceu quieta, apreensiva. Gabe não se incomodara em vestir-se, ou ao menos colocar um roupão. E a jovem reagiu à visão daquele corpo esbelto, bronzeado e brilhante.

— Ouvi você gritar.

— Através de paredes tão espessas como essas?

— Suas janelas estão abertas assim como as minhas. E as noites aqui são silenciosas.

— Notei. Desculpe por acordá-lo. Estou bem. Foi apenas um pesadelo.

— Você gritava: O bebê! Pegue o bebê!

— Eu... Bem, não lembro de nada, então, não deve ter sido tão ruim.

Tenho que sair daqui, Gabe pensava, ciente dos sinais nada sutis do próprio corpo. O empresário ainda lhe queria, mesmo sendo mentirosa e ladra. Será que mentira sobre o contraceptivo também?

Considine observara o rosto da jovem, uma sedutora pele branca contra o cabelo escuro caído em cima dos travesseiros. Sara permanecia quieta embaixo da coberta. O empresário tentou ignorar o desejo.

A ex-noiva não fora capaz de vender o colar. Será que decidira que a perspectiva de uma criança seria um caminho para persuadi-lo a tê-la de volta na vida dele? Depois da estupidez da manhã de hoje, Sara teria certeza de que o empresário não lhe resistiria, e deveria saber que ele nunca viraria as costas para um filho dele.

Não se tivesse certeza de que era um Considine, pensou, tirando da cabeça à imagem de Sara com a menininha na vila, os braços ao redor da criança, a voz suave como se ferraduras não parassem a poucos centímetros dela. E o poder da moça tomava o corpo do empresário.

— Quer alguma coisa? — indagou.

O silêncio se espalhou. Se o empresário se deitasse ao lado de Sara, a moça não o recusaria. Aquelas curvas suaves, o fogo e a paixão seriam dele. E Gabe lhe queria. Queria que a ex-noiva o beijasse, o acariciasse com o seu jeito suave e provocante de tocá-lo. Que lhe desse momentos gloriosos. Considine esquecia quem a jovem era e perdia-se nela.

Cada músculo de Gabe se contraiu. Não havia nada de civilizado na forma como reagia àquela mulher. A força daquela reação zombava da disciplina que o empresário tanto valorizava. Somente com Sara, Gabe era tão possessivo quanto um homem da caverna. Considine detestava a perda de controle. E a determinação venceu aquele desejo humilhante de se meter embaixo das cobertas e tomá-la.

— Não quero nada, obrigada. — a jovem agradeceu.

— Até amanhã.

Sara deitou a cabeça no travesseiro, rangendo os dentes. Considine voltaria. Mesmo na escuridão, a moça sentira a intensidade do olhar dele. O desejo dentro da moça se aprofundara e se tornara tão forte que a decoradora teve que se controlar para impedir que lhe desse as boas-vindas na cama, no corpo e no coração dela.

Com a porta fechada, a moça levantou-se e foi ao banheiro tomar um banho frio. Uma boa enxugada com a toalha tirou qualquer sinal de desejo, se bem que a moça ainda ardia a fogo lento por dentro.

Não dormiria mais essa noite, pensou, e vestiu um roupão antes de dirigir-se à janela mais próxima. Debruçou-se e inspirou ar fresco. Além das janelas, o ar se estendia enfeitiçado pelo glamour da magia da lua. Era tão belo que intensificava a paixão pelo homem do quarto ao lado.

Ao norte, a luz da lua cintilava na neve. Sara afastou-se das janelas e voltou para a escrivaninha. Acendeu a luz, sentou-se e começou a ler as anotações.

 

O barulho de um helicóptero a acordou. A jovem estava deitada na cama, tentando lembrar-se onde estava e o que fazia.

Ontem à noite, pensou, lembrando-se das horas que passou à escrivaninha antes de voltar para a cama

Quando a lua começou a dar adeus. Adormecera como se levasse uma pancada na cabeça.

Abriu os olhos, piscando por causa da claridade, pulou da cama para ir até a janela. O helicóptero pousava do outro lado do castelo. A moça virou-se para vestir o roupão quando ouviu uma batida à porta.

A porta se abriu.

— Desculpe, mas fui chamado e tenho que ir embora. Devo voltar em alguns dias. — avisou Gabe.

— Entendo.

— Imagino que sim.

Considine cruzou o quarto a passos largos, abraçou-a e a beijou como se fosse um dos ancestrais que partia para a guerra. Sara sabia o suficiente para entender que, embora a vida dele não estivesse em perigo, toda vez que tomava uma decisão arriscava o bem-estar e o futuro não só dele, mas de milhares de pessoas cujos empregos dependiam da inteligência e da honestidade daquele homem. E isso não incluía os milhões de pessoas que lhe confiavam dinheiro.

A responsabilidade era tão grande quanto fora a dos antepassados que deixavam a Toca do Lobo e iam para a guerra lutar pelo povo e pelo país. A jovem o beijou de volta com paixão.

Pouco depois, Considine ergueu a cabeça e a soltou.

— Não tenha mais pesadelos. — disse ele, com ar autoritário.

O sorriso de Sara tinha um toque de tristeza.

— Nem mesmo você pode proibi-los.

— Quer apostar? Lembre-me disso quando eu voltar.

Olhos enormes no rosto, Sara o viu ir embora. Depois, ficou à janela para ver o helicóptero levantar vôo. A moça o seguiu com o olhar até que fosse um mero ponto no céu azul brilhante. Em seguida, piscou diversas vezes antes de as lágrimas surgirem.

Claro que algo de errado acontecera em algum lugar do vasto império comercial. A moça vestiu-se e caminhou rumo à escrivaninha, olhando o trabalho que fizera na noite anterior. Não estava detalhado, mas era bom. Um dos melhores que já fizera. Era uma ironia dizer que Gabe não aceitaria nada dela. Apesar disso, solicitara um projeto e era isso que teria.

Uma batida à porta anunciou uma bandeja com o café da manhã. Sara agradeceu à jovem criada que o trouxe e o colocou na mesinha de cabeceira. Sozinha novamente, sentiu um aperto no estômago. Como se livraria das torradas, das frutas e do iogurte? Não queria preocupar quem quer que fosse que tivesse tido trabalho.

Em meio à comida deliciosa, havia um pequeno vaso de prata com um botão de rosa. Os olhos da jovem se encheram de lágrimas. Era um pensamento encantador, mas somente se Gabe a tivesse colhido para a moça...

 

CAPÍTULO NOVE

Sara sorriu após olhar os projetos esboçados. Do outro lado do quarto, a jovem criada manejava um pano e um pote de cera, com cheiro de mel de abelha, e cantarolava enquanto dava polimento a uma arca que acabara de chegar do depósito, cortesia de dois homens fortes. Assim que as paredes voltassem ao estado original, a simples peça de madeira se acomodaria ao quarto como se fosse feita para lá.

— Obrigada. — disse Sara no dialeto local, uma das palavras que aprendera nos últimos quatro dias.

A criada sorriu, mas era claro que a empregada queria a decoradora fora do quarto enquanto fazia as tarefas usuais. Depois de pegar o bloco e a caneta, Sara saiu do cômodo e dirigiu-se à galeria com o teto em forma de abóbada. Mas, uma vez lá, a jovem deixou o bloco e a caneta em cima de uma cadeira e encostou-se à balaustrada, aproveitando aquele dia tão claro e dourado.

Gabe não telefonou para ela. Não que a moça esperasse que o ex-noivo fizesse isso. Então, por que essa atitude a magoava? Talvez porque o empresário tenha percebido o quanto aquele seqüestro era ultrajante e planejara ficar fora até que a moça fosse embora.

Seria o melhor, disse a si mesma, lutando contra a dor angustiante. Quatro dias atrás, a decoradora chegara aqui cheia de esperança de que o trabalho fosse o avanço na carreira que tanto queria.

Entretanto, estava claro que o empresário não pretendia que a moça partisse sem permissão. Na primeira noite em que Considine partira, tentou abrir a porta, mas a encontrou trancada. Sem dúvida, o mordomo devia se questionar o porquê de trancar a amante do mestre no próprio quarto, à noite. Mas não. Não deveria ser Webster. Gabe teria escolhido Marya para ser a carcereira da jovem.

Uma idéia que se formara devagar na mente da decoradora acabou por cristalizar-se. Grávida ou não, voltaria para Fala'isi. No mundo lá fora, o poder de Gabe era menor e na ilha a moça estaria segura. A família Chapman que vivia lá era amiga dela e tinha poder para manter qualquer um fora de Fala'isi. Até mesmo bilionários famosos...

Porém, antes de deixar a Ilíria, faria outro apelo a Marya para devolver os rubis a Gabe. Então, deixaria tudo para trás, começaria uma nova vida na ilha, na indústria do turismo. E esqueceria Gabe.

Outra mentira. Considine estava gravado no seu coração, na sua mente, na sua alma. Era parte dela. Tanto que a traição mais cruel e um ano longe não foram suficientes para protegê-la de mais tristezas. A moça iria lembrar-se de tudo, desde as flores que colhera ontem até o depósito que saqueara.

— Ouvi que você está deixando isso aqui de cabeça para baixo. — disse uma voz por trás de Sara.

Atônita, a moça virou-se devagar. Considine estava em pé, à porta do escritório. Parecia cansado com a viagem de negócios.

— Queria lhe mostrar como o castelo podia recuperar a honestidade.

— Honestidade?

— Da forma como está agora — fora as salas de jantar, de visitas e o gabinete de leitura — é horrível, evidentemente desonesto. Seu primo não tinha gosto nem conhecimento. Aqui é um castelo, não uma casa no campo, e a mobília e a decoração deveriam refletir isso.

— Continue. — encorajou Gabe.

— Então, para lhe dar uma idéia do que deveria ser feito, tirei a sucata que estava no meu quarto e coloquei as peças que encontrei no depósito. Aliás, um dos lavradores chegou ontem com um belíssimo armário francês. Disse que pertencia a você e soube por vias secretas que você queria os móveis da época. Como conseguiu preservá-los? Marya não explicou.

— O ditador ordenou que tudo fosse destruído — disse Gabe.

— Por quê?

— Só entendia de destruição.

— O que o fez mudar de idéia?

— Os aldeões o esperaram sair. Então, levaram os móveis, escondendo-os no vale. A mobília maior foi escondida dentro do castelo, em cômodos secretos.

— Cômodos secretos?

— Todos os castelos têm quartos secretos.

— Os aldeões deviam respeitar muito os seus avós.

— Têm uma tradição de lealdade. E considerarem o castelo um local seguro, claro.

— Resgatar a mobília parece algo muito mais pessoal do que uma tradição.

— A tradição também pode ser muito pessoal. Mas, sim, estou inclinado a concordar com você. Meus avós eram amados e respeitados. Gostaria de tê-los conhecido. — Considine saiu de onde estava, à sombra. E, com um olhar frio e especulativo, observou o rosto da moça. — Gostou dos passeios a cavalo?

— Gostei muito, obrigada. Seus cavalariços conseguiram manter a vigilância sem chamarem muito a atenção. — Gabe não a perdeu de vista, enquanto viajava! Por alguma razão, saber disso fez com que a moça sentisse um misto de amargura e proteção.

— Eu lhes disse para não serem inconvenientes. Mostre o seu quarto.

— Claro.

Gabe podia odiar. Mas a decoração do quarto fora um trabalho feito com amor.

Sara deu uma olhadela no rosto impassível de Considine que analisava, minuciosamente, as mudanças que a decoradora fizera.

 

— Quis torná-lo confortável e acolhedor sem que perdesse a aura histórica e de sofisticação. Embora pareça simples, essa mobília foi feita da melhor madeira por verdadeiros artesãos. É funcional e compatível com o cenário.

O olhar do empresário percorreu desde a arca que cheirava a mel até a cama, com as cortinas do dossel sutilmente desbotadas, e o tapete — um antigo persa. Gabe parou em frente a um vaso de flores à janela.

— Webster me disse que eu podia colher flores no jardim. — a moça explicou.

— Claro. Você tem excelente gosto. Tenho certeza de que sabe disso.

— Escolhi quadros que pensei combinarem com o quarto. Você deve ter fotos dos diferentes cômodos mostrando onde deveriam ser colocados.

— Meu primo queimou quase tudo o que pertencia aos meus avós, mas manteve a armadura e os arquivos porque poderia reivindicar a linhagem com isso.

— Lamento. Sei o que é não ter nada.

— Só não tenho lembranças dos meus avós. Apenas fotos da minha infância. Como perdeu as suas?

— Nossa casa foi destruída por um ciclone. Nada se salvou.

— Seus pais morreram?

— Minha mãe. Nunca conheci meu pai.

Gabe se esquecera disso. O empresário ficou sem graça. A jovem irradiava um certo orgulho. Bastou um segundo para que Considine readquirisse o controle de si mesmo para vê-la como a mulher ardilosa que era. Mas os poderes que a jovem tinha de escravizá-lo sexualmente o deixava furioso.

— Como você sobreviveu? — o empresário rompeu o silêncio.

— Minha mãe me amarrou a um coqueiro, que sobreviveu aos ventos e à maré cheia. O dela foi levado embora.

Será que o trauma de infância era a razão pela qual Sara roubara o colar? Um ato desesperado de arrebatar a segurança que lhe fora tirada de forma tão cruel?

Por que está procurando por desculpas? — perguntou Gabe a si mesmo. Você a quer de volta? O corpo dele respondeu àquele questionamento com uma energia inconfundível. Sim, lhe queria, de todas as formas — exceto como esposa.

Ainda não admitira o roubo do colar. E o fato de o empresário se perguntar se cometera esse erro monumental era somente porque não conseguia deixar de querer-lhe.

— Quantos anos tinha? — Gabe indagou.

— Catorze.

— E o que aconteceu depois?

— Meus avós, pais da minha mãe, me acolheram. Tive que deixar Fala'isi para viver na Inglaterra.

Gabe notou o olhar triste da moça, presumindo que o resultado da mudança não tinha sido bom. Resolveu reprimir o impulso de compaixão.

— E aí? Quando vai saber se está grávida ou não?

— Em duas semanas.

— Então foi bom eu ter trazido um kit do teste. Vou buscá-lo.

— Tudo bem.

— E se estiver grávida, vamos nos casar. Nenhum filho meu vai nascer bastardo.

— Por quê? Não vou pedir ajuda financeira, se é isso que o preocupa.

— Não é isso.

— Então é por causa do seu primo, o ditador, que mentiu sobre ser um bastardo?

— Não. Tem a ver com assumir responsabilidade.

— Não seja ridículo. Não pode se casar comigo. Você me despreza. Pensa que sou uma ladra.

— De repente, se nos casarmos, você vai lembrar onde guardou o Sangue da Rainha.

— Grávida ou não, não serei sua prostituta legalizada.

A jovem ficou indignada. Tinha que se conter para não bater nele. De todos os insultos, esse estava além de qualquer coisa! E o fato de amá-lo não era suficiente para fazer com que o perdoasse.

— Como pretende lidar com meu suposto mau caratismo? — a moça continuou. Vai contratar um vigia para me seguir, toda vez que eu sair, em caso de eu querer escapar com a jóia de alguém? Não, obrigada. Não vou passar o resto da minha vida sendo desprezada, vigiada e não tendo crédito.

— Se estiver grávida, vai fazer o que eu disser. Mesmo que seja um casamento rápido para legitimar a criança e, então, um divórcio ainda mais veloz.

Sara respirou fundo.

— Acha mesmo que eu vou deixar que você controle a minha vida? Quem você pensa que é?

O empresário sorriu.

— Sou Gabriel Considine, o grã-duque da Ilíria e das Fronteiras Setentrionais. Sendo mais objetivo, se você estiver grávida, sou o pai desse bebê. E essa criança vai saber qual é o lugar dela no mundo.

— Se for um menino deverá ser o próximo grã-du­que. Já pensou nisso? O filho de uma ladra...

— Filho ou filha, a criança vai ter direito ao nome Considine e a uma posição na árvore genealógica da família. Isso é inegociável, Sara.

A jovem fechou os olhos, lutando para controlar a revolta. Também a angústia e fúria, porque o ex-noivo não a amava e ainda era autoritário. E alívio porque Gabe pretendia reconhecer o filho. Considine não era de fugir às responsabilidades.

— É tudo em que pensa? Na sua maldita família? Se houver uma criança, posso cuidar dela. Não vamos precisar de você. É melhor não conviver com um pai cego e preconceituoso e...

— Melhor é uma mãe que dorme com um homem e trai a confiança dele, não é.

A insinuação a atingiu feito um chicote, despedaçando-a. Impelida pela raiva e pelo desespero, a jovem lhe deu um murro na boca.

Silêncio. Horrorizada, olhava a marca roxa que deixara na pele dele.

— Oh, Deus! Gabe, me desculpe. Desculpe...

A moça tocou os lábios do ex-noivo, os dedos trêmulos. Considine soltou um gemido. De repente, a fúria se transformou em outra coisa. Quando o empresário se aproximou da ex-noiva, Sara não resistiu.

— Desculpe, desculpe... — repetia Sara várias vezes.

— Tudo bem. — disse ele e a beijou. Sara rendeu-se, como sempre, porque o amava muito. Depois, Gabe a ergueu e a deitou na cama, beijando-a no pescoço.

Uma sensação de êxtase tomou conta da moça. Sara estremeceu e puxou a camisa dele, mãos desajeitadas, mas determinadas. Com o riso preso na garganta, Gabe reagiu com moderação antes de deitar-se e lhe dar livre acesso.

Sem nenhuma sutileza, a moça desabotoou-lhe a camisa e a tirou, olhando com um prazer intenso e agudo os músculos bronzeados, quentes e macios.

— Seu cheiro é divino. — disse a jovem.

— Sabonete. — debochou ele, as mãos dele puxando-a de forma que a moça pudesse senti-lo excitado, cheio de um desejo que o enrijecia naquele corpo perfeito.

— Não, é mais gostoso que isso. — Às vezes, a decoradora acordava, se via sozinha na cama e sentia aquele cheiro. Aí, chorava até o amanhecer por tê-lo perdido. — É somente você.

Gabe riu.

— Não sabia que eu tinha um aroma próprio.

— Mmm... Almíscar. E um gosto também — um pouco salgado. Delicioso. — A moça abaixou a cabeça e o beijou.

Quando Considine estremeceu, a jovem deleitou-se com aquele momento. Não importava o que acontecera, as discussões, o que o empresário pensava a respeito dela, aquela reação era verdadeira.

Com um dos dedos indicadores, a decoradora alisou os pêlos daquele torso poderoso. A moça beijou-lhe um dos mamilos, explorando-o profundamente.

De repente, em um movimento rápido e confiante, o ex-noivo tirou-lhe a camiseta, puxando-a pela cabeça.

Com habilidade, o empresário dispensou-a do sutiã, jogando-o para longe de forma que a moça permanecesse estirada, feito uma noiva cativa, diante do olhar possessivo de Considine. O corpo esbelto sensível àquele toque masculino.

— Você também. — disse, beijando-lhe um dos seios.

Inconsciente de tanto desejo, a moça murmurou.

— O quê?

— Você tem um cheiro próprio também — suave, fresco. Você cheira a mel, creme, morangos e champanhe. Vicia como o inferno, impossível de se esquecer.

Gabe voltou a beijar-lhe os seios. A moça arfava, atônita pelo calor, pelo fogo e por um desejo crepitante. As mãos dela prenderam-se aos ombros do empresário. Aquele corpo faminto embaixo dele.

A pulsação disparou e a moça ansiava pelo momento mágico da união. Mas Gabe recusou-se a lhe dar o que a jovem tanto desejava. Em vez disso, brincou com Sara, usando as mãos, a boca e a voz dele, a vasta experiência com as mulheres.

Então aquele corpo feminino se distendeu, desesperado, contra o do empresário, todo o ser da jovem parecia perdido em razão do desejo que Considine despertava de algum lugar profundo, escondido dentro dela.

— Gabe, pelo amor de Deus, por favor... — Somente, então, Gabe moveu-se, mas não consumou a vontade de ambos.

Será que estava fazendo isso de propósito? Será que era a vingança dele — levá-la até ali e negar-lhe a satisfação plena? Com o coração aflito, a moça fechou os olhos e tentou apagar tudo.

— Olhe para mim, Sara. — ordenou.

Com as mãos sob os quadris da moça, ergueu-a, mantendo-a presa. Depois, Gabe começou a mexer-se dentro da jovem, os tendões do pescoço enrijecendo enquanto lutava por controle.

— Não! — gritou a moça, envolvendo com as pernas os quadris dele.

O desejo cresceu, enviando ondas de prazer que a levaram ao céu, onde tudo o que importava era o homem que reivindicava a jovem por completo e a erótica submissão que extorquira dela.

Então, o corpo da moça estremeceu — perdido em êxtase, perdido em Gabe. E quase logo depois, o empresário a seguiu àquele lugar que era somente dos dois; os corpos fundidos em um só.

 

CAPÍTULO DEZ

Sara permaneceu nos braços de Gabe, sentia-se segura. Como tudo podia parecer tão bom — quando tudo estava tão errado?

A moça lutou para permanecer na lassidão sensual que a mantivera calada desde aquela libertação final. Não queria pensar, mas as idéias zumbiam como moscas no cérebro dela.

Ao menos, dessa vez, Gabe usara preservativo. E o fato dele ter aquele pacotinho consigo — será que isso significava que o empresário decidira usá-la quando tivesse vontade?

Agora tinha que aceitar que estava ligada àquele homem por algo muito mais perigoso do que paixão. Por algum motivo, Gabe era o único homem para Sara. Ninguém mais seria.

A jovem bloqueou o pensamento, concentrando-se em sentir a pele de Considine. Estranho que, apesar de tudo o que os separava, somente nos braços do empresário a decoradora sentia-se segura.

— O que aconteceu? — Gabe indagou.

Como Considine sabia? Não se mexera, não alterara a respiração. Ainda assim, o empresário sentira a mudança que ocorrera nela. Aquela percepção era outra coisa que o fazia ser um homem de negócios tão bem-sucedido. Uma vez, Gabe lhe dissera que nunca confiava em ninguém, exceto no instinto. Chamava isso de "sensibilidade primitiva", que o avisava quando alguém queria tirar vantagem dele. Bem, provavelmente, não confiava mais tanto assim. Gabe tinha certeza de que isso falhara com relação à ex-noiva.

— Sara?

— Nada. — A jovem mentiu.

Gabe deslizou uma das mãos pelo pescoço da decoradora, inclinando a cabeça dela de forma que pudesse ver o rosto da moça. Com medo do ex-noivo, a jovem fechou os olhos. Mas isso era uma reação reveladora. A moça voltou a abrir os olhos e o encarou.

Não gostara do sorriso canalha, mas a voz era divertida.

— Gosto daquele olhar ameaçador de tigresa, mas a forma como as suas pálpebras se curvam quando a beijo é muito mais intrigante.

Percebendo a intenção de Gabe, Sara tentou selar os lábios, somente para sentir os dele suaves, unindo-se aos dela quando o empresário a beijasse. Se não o conhecesse bem, quase seria capaz de acreditar que o beijo era terno. A jovem flutuava na maré da sensação de prazer, louca para perder-se no encanto sensual do toque daquele homem em vez de perguntar a si mesma questões sem respostas.

Gabe deslizou as mãos pela cintura dela e a ergueu para beijar-lhe os seios. A respiração da jovem acelerou, e Sara estremeceu ao sentir aquela onda de desejo. A moça, então, enlaçou o pescoço de Considine, o corpo curvando-se ao do empresário. Mantendo o olhar do ex-noivo preso ao dela, perguntou:

— Por que não acredita que não tive nada a ver com o desaparecimento do colar?

Depois, amaldiçoou o impulso que trouxera as palavras aos lábios antes de ter tempo de censurá-las. Mas não podia fazer amor com Gabe novamente sabendo o que o empresário pensava dela.

Considine a afastou e levantou-se da cama, caminhando nu em direção à janela. Com um mal-estar que a esmagava, Sara o viu ir. Cada passo o afastava do único espaço que pertencia aos dois.

Enquanto a jovem dormira nos braços dele, o sol de fim de tarde tingira as nuvens acima das montanhas de rosa e cobre. A luz refletida afagava os contornos daquele corpo másculo, aquecendo a pele bronzeada e iluminando-lhe a musculatura. Parecia uma escultura do velho Mediterrâneo, um deus impiedoso que veio causar dor a uma mulher deslumbrada e apaixonada.

— Não faz mais sentido acreditar naquela mulher que guardara o segredo durante todos aqueles anos mesmo quando a família dela foi alvo do tirano? — retrucou Gabe.

— O que quer dizer? — perguntou Sara.

Gabe bateu no peitoril da janela com o punho fechado. O gesto violento a chocou. Sempre sentira que o empresário era capaz disso, mas a autodisciplina o freava. Mesmo quando a acusou de ter roubado os rubis e a colocou para fora da vida dele, Considine não elevara o tom de voz.

Sara estremeceu só de lembrar daquilo. Gabe não precisara fazer isso.

— Ele sabia que toda a família dela era leal, e que Marya trabalhara como criada da minha avó. — expli­cou Gabe, em tom frio. — Ele não tinha as mulheres em um conceito elevado. Então, nunca lhe ocorrera que ela teria sido incumbida do segredo. Mas depois que o pai e o marido morreram nas câmaras de tortura do bastardo, o segredo foi confiado também a dois primos dela que trabalharam no castelo.

Horrorizada, Sara arfava.

— Foi o que aconteceu aqui. — disse Gabe com uma intensidade letal. — Marya sobreviveu por fingir ter problemas mentais, mas foi torturada e surrada por proteger o Sangue da Rainha. E nunca perdeu a fé de que voltaríamos. Não posso acreditar que ela roubaria o colar.

Desgostosa, Sara enrolou-se na manta para esconder a própria nudez. Esfregou também uma leve marca vermelha em um dos braços. Gabe voltou para a cama. A moça o observava cautelosa enquanto o empresário a tocava em cima do lugar machucado.

— Eu fiz isso? — perguntou.

— Não sei. Pode ser uma mordida de inseto. Gabe endireitou-se e a examinou.

— Espero que seja isso. Não sou rude com as minhas mulheres.

— Não sou uma das suas mulheres.

— Não minta. Um toque e você me daria o que eu quisesse.

— Com relutância.

— Sim, mas esse é o ponto. — Vestiu as calças. — Claro que é com relutância. Acha que eu queria fazer amor com você?

— Acho que, o que quer que seja, essa coisa deplorável é o que nos une. É algo desprovido de amor ou compaixão ou compreensão. — concordou a moça.

— Tenho que concordar. Uma mulher que rouba algo e tenta incriminar uma camponesa pelo roubo ocupa uma posição baixa no meu conceito. Assim como ser estúpida. Foi o primeiro cofre que Marya vira; não sabia como funcionava. E você escolheu a senha.

— Como sabe que a criada não vira um cofre antes?

— Porque Marya me disse. Acredito nela.

— Mas sugeriu o número. Era a data do seu aniversário.

Gabe riu com desdém. A sensação de derrota que tomava conta dela toda vez que tentava convencê-lo fervia até se transformar em fúria. Ignorando a própria nudez, pulou da cama e caminhou em direção ao ex-noivo. O cabelo selvagem, os olhos verdes brilhantes no rosto corado.

— Sete de novembro... — sibilou, socando-o no peito, com agressividade. — Não importa o que pensa, ou em que acredita, mas não peguei o maldito colar!

Um vento frio tocou a pele da jovem. Tremendo, Sara percebeu que estava em pé, nua, na frente dele enquanto o empresário estava semi vestido. E, por essa vez, a única, pensou, não iriam para a cama, dominados pela necessidade de abrandar aquela luxúria.

Por alguma razão estranha, parecia que havia algum progresso. Mas bastou fitar os olhos azuis de Gabe e o rosto sem emoção para reprimir aquela idéia. Resistindo à vontade de chorar, a moça virou-se e disse:

— Não importa mais. Deixe-me ir. Só estamos nos dilacerando, examinando a mesma situação sempre, e não chegando a lugar algum...

— Por que é tão teimosa? Se me disser onde está, acho que posso perdoar.

— Perdoar? Se há alguém que precise perdoar sou eu que deveria estar perdoando a mim mesma por ser tão imbecil a ponto de me apaixonar por um homem arrogante e insuportável feito você. E Marya sabe como um cofre funciona! Dois dias atrás, ela me levou ao seu escritório, destrancou o cofre e tirou de lá as plantas do castelo.

A fisionomia de Gabe ficou sombria. Mas, depois de um momento, o empresário deu de ombros, não dando importância ao comentário da decoradora.

— Marya trabalha aqui. Não duvido que tenha me visto usá-lo.

Ciente de que nada o convenceria, Sara desistiu.

— Não sei o que esperava conseguir com esse seqüestro ridículo, mas isso não vai levá-lo a lugar nenhum. Eu quero ir. Agora.

— Irá no fim da semana. E por que Marya a estava ajudando?

— Talvez porque tenha um pouco de pena de mim? Por que não pergunta a ela?

Gabe dirigiu-se à porta.

— E quando fizer isso, por que não lhe pergunta o que esperava conseguir com o roubo do colar? — completou a decoradora, com raiva.

Considine a ignorou. Sara esperou-o ir embora antes de desmoronar na cama e morder os lábios para conter as lágrimas. Não suportava mais ficar ali feito uma amante, usada toda vez que o empresário a queria, ignorada quando Gabe não a desejava. E jogada fora como um pano de prato usado, uma vez que o convencera de que não estava grávida.

Sara se vestiu, jeans e uma blusa de jérsei da mesma cor do cabelo dela — castanho-avermelhado — quando ouviu o barulho de um helicóptero. Gabe estava indo embora. Ou talvez, pensou enquanto se penteava, o empresário a expulsaria. Talvez o sexo mecânico, deprimente, o tivesse aborrecido muito. Sentiu uma dor tão forte que a respiração ficou entrecortada, mas endireitou-se e manteve a cabeça erguida.

Não, Considine não a mandaria embora até ter certeza de que a jovem não estava grávida. Mas, mesmo que estivesse, não se casaria com o empresário. Nenhuma criança tinha que crescer sabendo que o pai desprezava a mãe.

Uma batida à porta.

— Entre. — respondeu apreensiva a decoradora. Marya apareceu, sorrindo como sempre. No rosto enrugado, nenhum sinal de tortura e dor sofridos pelo Sangue da Rainha e pelos Considines. Os olhos negros pousaram sobre a cama e Sara ficou sem graça. Envergonhada, Sara fitou Marya, mas a criada sorriu.

— O grã-duque disse que é para descer agora, por favor.

— Eu, não.

— Você deve ir. Está bem-vestida.

— Não quero vê-lo.

— Então, o grã-duque virá aqui e vai levá-la lá para baixo.

— Está bem. Só vou me maquiar um pouco.

Virou-se e foi ao banheiro para colocar a única armadura que possuía. Primeiro, base. Delineador e sombra iluminaram-lhe os olhos. Depois, cuidadosamente, fez o contorno dos lábios com um batom suave, púrpura. Ainda estava muito pálida. Então, aplicou um pouco de blush nas maçãs do rosto e se mirou no espelho. Os olhos cintilavam provocação. A jovem vasculhou o kit de maquiagem e tirou de lá um gloss. Ao menos o gloss e o blush fizeram com que a moça não parecesse derrotada e infeliz!

Caminhou de volta ao quarto, mas parou à porta. Marya não tinha ido embora e continuava alvoroçada. Refizera a cama e estava dobrando a camisa que Gabe deixara ali. A criada ergueu o olhar quando Sara entrou, e sorriu.

— Bom. Muito bom!

Sara deu uma piscada para Marya, abandonando a convicção de que a criada roubara o colar. Não podia agir com tanta naturalidade se tivesse pego os rubis, pensou a moça enquanto caminhava ao lado da velha senhora rumo ao elevador. Desde o início, a empregada parecera feliz em vê-la. Mas, se não tinha sido Marya, então quem? Nada fazia sentido.

A criada abriu a porta do gabinete de Gabe. Dois cavalheiros ergueram o olhar, e a respiração de Sara ficou presa no peito. O ex-noivo e o primo eram homens extremamente bonitos — altos, esbeltos e elegantes, resplandecendo um ar de autoridade. Ambos possuíam cabelo escuro e pele bronzeada, e compartilhavam da marca registrada dos Considines — olhos azuis — deixados de herança por alguma princesa saxônica, o ex-noivo lhe dissera.

— Alex, já conhece Sara, não é mesmo? — disse Gabe.

Sara sorriu para o homem ao lado do ex-noivo.

— É um prazer revê-lo, senhor.

O príncipe Alex cumprimentou-a com um aperto de mãos e fez algum comentário sem importância. Em resposta, a decoradora perguntou pela esposa do príncipe, uma bióloga marinha famosa, e pelas crianças.

Ele lhe contou a última travessura do príncipe herdeiro, um diabinho de um ano e meio, que recebera da princesa Ianthe o amor pela água.

— Nada muito bem com os golfinhos. E, claro, as pessoas insistem que é um sinal de que tudo ficará bem na Ilíria pela próxima geração. Mas nenhum de nós sabe como ele aprendeu a nadar. As garotas — disse referindo-se às filhas — insistem que eles o ensinaram. E como a babá lhes disse isso, presumo que as pessoas acreditem nessa história também.

Os golfinhos do lago central eram ícones do povo da Ilíria, tendo imensa importância no folclore local.

O que se seguiu poderia ter sido um encontro de amigos. Os dois homens foram educados e tornaram as coisas fáceis para a moça. E, embora a serenidade cambaleasse, a jovem saiu-se bem na primeira parte da noite. Nenhum dos homens mencionou o porquê do Príncipe ter decidido aparecer na Toca do Lobo. Em vez disso, a conversa correu por assuntos diversos.

A sensação de estar sendo vigiada estava sempre ali. Sara tinha ciência do olhar de Gabe. E o Príncipe sabia disso. Deve ter percebido a tensão no momento em que a jovem entrou na sala.

Mais tarde, não conseguia lembrar-se do que comeram no jantar. Era até difícil relembrar a conversa. Entretanto, podia retratar a fisionomia decidida e sombria de Gabe quando desafiou o primo em algum assunto do estado. E o entusiasmo quando os dois homens discutiram o próximo passo rumo à modernização da Ilíria. E o fato de o ex-noivo evitar qualquer contato com a decoradora.

Sara resguardou-se, tentando arejar a mente, recusando-se a pensar no que acontecera naquela tarde. Então, levantou-se e disse:

— Tenho certeza de que vocês têm muito o que conversar. Vou deixá-los agora.

— Boa-noite. — disse o Príncipe. — Vou embora amanhã de manhã cedo. Então, será adeus — até que eu a veja novamente.

O que ele quis dizer com aquilo?

— Por favor, dê meus cumprimentos à sua esposa e um abraço nas meninas e no seu filho.

— Claro.

Uma vez fora da sala, Sara conseguiu respirar com mais facilidade, mas a dor de cabeça que começara há meia hora não abrandava. No quarto, a decoradora pegou um analgésico. Então, olhou para o remédio.

Se estivesse grávida, não seria uma boa idéia. Recusara vinho antes e durante o jantar. Gabe a fitou, mas depois serviu-lhe um delicioso coquetel de frutas. O empresário sabia o motivo da recusa. E, provavelmente, o Príncipe suspeitava. Quase nada lhe escapava.

Por que não lhe pedira ajuda para fugir do castelo? Alex era o único homem na face da terra que seria capaz de fazer com que Gabe a deixasse ir embora. Não foi preciso muito tempo para a jovem perceber a afeição que tinham um pelo outro.

Porque colocaria o Príncipe em uma posição constrangedora, disse a si mesma. Depois, fez uma careta. Alex já lidara com constrangimentos antes. Droga, o homem entrara em um país à beira de uma guerra civil e, devido à força da própria personalidade, trouxe de volta a paz!

E Sara se mantivera quieta não porque não quisesse arruinar a relação entre os dois homens. Não. Precisava admitir. Queria aqueles últimos dias com Gabe.

Um meio soluço a balançou. A jovem abriu a torneira da pia do banheiro e lavou o rosto. Escovou também os dentes e só depois percebeu que alguém deixara um pacote no banheiro. Era o kit do teste de gravidez. Olhou o pequeno marcador, e quando a cor não mudou, a jovem ordenou a si mesma que ficasse feliz porque não estava grávida de Gabe. Mas um enorme desgosto a oprimiu com um peso que nunca experimentara antes, nem quando o empresário a dispensou sumariamente da vida dele. Devagar, a moça vestiu a roupa de dormir.

Alguém, provavelmente Marya, colhera outro botão de rosa e o colocara no pequeno vaso de prata em cima da mesa. Sara tocou as pétalas sedosas. As lágrimas deram um nó na garganta da jovem. Nada mudara. E se o teste tivesse sido positivo, seria desesperador. Sentou-se à cama, deixando-se chorar por tudo o que perdera.

Com força de vontade acabou com o choro. Engoliu as lágrimas, serviu-se de um copo de água que estava em cima da mesinha de cabeceira e forçou-se a beber. Depois, inspecionou o quarto com imparcialidade.

Ao menos, podia ter alguma satisfação com algo que fizera. Aquela mobília de segunda mão, pretensamente luxuosa, tinha ido embora. Agora, nada era supérfluo. Uma vez que as paredes de madeira voltaram ao suave dourado original, tudo ficou harmonioso. Os móveis simples, a colcha de cama e as requintadas tapeçarias, o lustre polido por Marya e reinstalado pelo faz-tudo do castelo, tudo se adequava ao ambiente, assim como as lâmpadas de cada lado da cama e o magnífico tapete persa.

Mas outros decoradores teriam feito isso tão bem quanto a jovem fizera. Talvez melhor. Outros terminariam a redecoração. Gabe não iria querer nada no castelo que o fizesse lembrar-se da jovem.

Assim que saísse dali, a moça voltaria para Fala'isi, o único lugar que podia chamar de lar. E se isso a fizesse sentir-se derrotada... Bem, que fosse! A jovem deitou-se na cama, cobriu-se com a manta e deixou que a angústia a adormecesse.

 

CAPÍTULO ONZE

No dia seguinte, o café da manhã foi servido no quarto da jovem. Desanimada, Sara sentou-se na cama e deu uma olhadela no relógio enquanto a criada se aproximava com a bandeja.

— Não sabia que era tão tarde! — exclamou.

A empregada sorriu e colocou a bandeja no colo da decoradora.

— Isso é para você.

Sara abaixou o olhar, ficando corada ao ver um bilhete ali, o nome dela escrito por Gabe, a caligrafia forte. Esperou ficar sozinha para o ler. Sem cumprimento, sem assinatura, somente um aviso impessoal.

 

Estarei no seu quarto em meia hora.

 

A decoradora pulou da cama. Meia hora depois, comeu apenas uma torrada e bebeu café e suco de laranja. Também tomara uma chuveirada, vestira jeans e uma blusa de jérsei, além de calçar as botas. E prendera o cabelo com um rabo-de-cavalo.

Embora tivesse feito uma série de exercícios para manter-se calma, ao ouvir a batida de Gabe à porta, a adrenalina voltou.

— Entre. — falou a moça.

Considine entrou no quarto, os olhos encobertos e a boca séria.

— Bom-dia. — disse, formalmente.

— Bom-dia. — a jovem respondeu. — O teste deu negativo.

Nenhum músculo se mexeu no rosto do ex-noivo.

— Pode vir ao meu escritório, por favor? Há coisas que precisamos discutir.

— E seu primo...

— Está ao telefone com a esposa.

O tom de voz a avisava que participaria dessa conversa querendo ou não. Em todo caso, por que deveria esquivar-se? Era nisso em que pensava enquanto caminhava ao lado do empresário. Gabe não podia machucá-la mais do que já fizera. Como desejava que não tivessem feito amor! Agora, sentia a presença dele como se o empresário invadisse o corpo da jovem. Podia até sentir o gosto daquele homem...

Outra pessoa aguardava no escritório, parecendo desconfortável. Em cima da escrivaninha, o estojo de couro que guardava o Sangue da Rainha, a tampa aberta revelando os rubis brilhantes na corrente de ouro.

A respiração entrecortada de Sara tornou-se audível.

— Oh, obrigada meu Deus! — exultava, quase atordoada de tanto alívio.

— Marya tem algo a lhe dizer. — Gabe avisou-a. A velha criada olhou para ele, depois, para Sara. A senhora estava tão acabrunhada que a decoradora sentiu compaixão. — Conte a Sara. — ordenou-lhe o patrão.

Marya começou a falar no idioma local, mas Considine a interrompeu.

— Em inglês.

— Fui eu quem pegou o Sangue da Rainha. — disse, finalmente.

— Eu sei. — respondeu Sara, sem olhar para Gabe. — Por quê?

A velha senhora suspirou.

— Um teste. A Rainha determinou três testes para o Lobo, para ver se ele...— Procurando pela palavra certa, a criada olhou para Gabe como se implorasse por algo e disse alguma coisa no idioma local.

— Honrado. — completou o empresário. — Aliás, Sara, lembra que eu lhe contei a história da Rainha que morreu na montanha e foi transformada em duende?

Sara balançou a cabeça, concordando e desejando saber se, por azar, tinha se envolvido com alguma fábula mediterrânea.

— Honrado. — Marya repetiu. — Depois de casar-se com ele, parecendo uma mulher velha — como eu! O primeiro teste. Mas no dia do casamento, ele beijou uma mulher bela, jovem... — A criada hesitou, então, olhou novamente para Gabe.

— Era a prima dele, aparentemente, mas a Rainha pensou que era uma amante. — prosseguiu o empresário. — Naquela noite, antes de se tornarem marido e mulher de verdade, a Rainha mostrou-se em toda a sua beleza. E, aí, desapareceu. Presume-se que tenha ido em um sopro de fumaça. Entretanto, a Rainha deixou o colar para trás porque o amava...

Sara franziu as sobrancelhas.

— Não me contou que...

Gabe deu de ombros.

— Não pensei que se interessaria por isso. Quando o silêncio cresceu por demais, a moça se manifestou.

— Não tenho certeza se entendi. Pensei que a Rainha — o duende, o que quer que fosse — era um ancestral.

— Era. O resto da história detalha como o primeiro Lobo lutou por amor. E como conquistou a Rainha e a felicidade ao passar pelos testes que ela estabelecera. A criada achou que eu deveria ser testado. Um teste no qual falhei. Tudo bem, Marya, pode ir. Mas antes você tem que pedir desculpas.

Com dignidade, a serva se desculpou.

— Lamento por tê-la feito sofrer. Mas você é uma mulher forte e sempre faz o melhor para saber a verdade.

— O que a criada quer dizer? Por que só confessou agora? — Sara questionou.

— Não fique com raiva. Não é bom para você, nem para o grã-duque. — Marya respondeu.

— Basta! — a voz de Gabe era puro gelo.

Com o pensamento agitado, a decoradora viu a criada deixar a sala, encolhida, mas sem parecer derrotada. Sara queria saber o motivo de Marya ter roubado o colar, mas a explicação não respondeu às perguntas.

— Tenho que pedir desculpas também. — redimiu-se Gabe.

Um pedido de desculpas não mudaria nada. Tudo tinha sido contaminado pela desconfiança do ex-noivo. Por outro lado, como teria se sentido se estivesse em uma situação semelhante?

— É estranho, mas estou contente por Marya ter-lhe confessado afinal. Por que ela fez isso?

— Porque sabia que eu mandaria você embora hoje. Eu não tinha direito nenhum de trazê-la aqui. Minha própria estratégia reverteu-se de forma negativa e aprendi. Sei que é tarde demais e isso pode parecer uma desculpa. Mas, possivelmente, se eu tivesse crescido aqui saberia logo o motivo de Marya sentir que o nosso relacionamento precisava ser testado. Desculpe...

— Suponho que a criada estivesse certa a longo prazo — é melhor saber a verdade.

— Não entendi bem o que ela — ou você — quis dizer com isso...

— Bem, na hora do aperto, você não confiou em mim o suficiente, certo?

— Havia uma razão.

— Então me diga qual é.

Gabe a fitou. Mesmo com sombras nebulosas embaixo daqueles olhos gloriosos, a beleza da jovem exercia um poder muito grande sobre o empresário. Sem pensar, Considine disse:

— Não tem importância.

Sara ergueu as sobrancelhas e parecia olhá-lo com tanta descrença que, abruptamente, o ex-noivo tomou uma decisão estúpida. Virou-se e abriu uma gaveta, tirando de lá um envelope que mantivera guardado ao longo do último ano. Mas que nunca mais fora aberto.

A jovem lançou-lhe um olhar de surpresa quando Considine lhe entregou o envelope.

— O que é isso?

— Abra.

Concentrado, Gabe observou a fisionomia da jovem enquanto ela abria o envelope e puxava lá de dentro um papel lustroso. O empresário olhava as feições de Sara a espera de qualquer mudança de expressão, qualquer sinal de culpa ou vergonha.

Em vez disso, a testa da jovem ficou enrugada e a única emoção que o ex-noivo viu foi a moça completamente atônita. Mas quando ergueu a cabeça, os olhos estavam pegando fogo.

— Mas que droga é essa? — perguntou Sara.

— Veja a hora e a data. — sugeriu Gabe.

Silêncio entre os dois. A cor desapareceu do rosto da jovem, deixando-a branca e, de repente, desfigurada.

— Às duas da manhã. — Considine comentou. — Logo depois que Marya "descobriu" que o Sangue da Rainha sumira. Posso ter sido estúpido, mas dá para imaginar como você e Hawke planejavam passar o resto da noite.

Sara balançava a cabeça como se não pudesse acreditar naquilo.

— Então, foi por isso que você tinha tanta certeza de que eu roubara o colar. Por que não me contou?

— Orgulho. Como qualquer homem, não gosto de ser traído.

Sara engoliu em seco. A foto tremulava na frente dos olhos da jovem. A cena era explícita. Hawke Kennedy a segurava nos braços, fitando-a com uma expressão que poderia ser de desejo. A moça o olhava com o que certamente parecia ser avidez. E ambos estavam nus — apenas aqueles não eram os seios dela, e a jovem apostava que aqueles não eram os ombros de Hawke também. Naquele dia, o homem estivera totalmente vestido e a decoradora usara um agasalho.

— É uma foto falsa. — disse, deixando cair no chão como se sujasse as pontas dos dedos dela.

— Acha que não mandei checar?

— Onde conseguiu isso?

— Um paparazzi vigiava o seu quarto. Provavelmente, do alto de uma árvore em algum lugar do jardim, com uma teleobjetiva. Imagino que quisesse fotos de nós dois juntos. Em vez disso, conseguiu essa aqui — você e Hawke Kennedy, nus nos braços um do outro. Imagino que o fotógrafo tenha ficado muito satisfeito. E, sendo astuto, supôs que poderia tirar bem mais de mim do que dos jornais. Estava certo.

Ao menos agora a moça sabia o porquê de Considine ter se recusado a acreditar nela.

— Você foi enganado. Mas Marya estava certa; é sempre melhor saber a verdade. Nosso casamento não teria nenhuma chance mesmo que a criada não se preocupasse tanto com os velhos contos de fadas e o paparazzi não alterasse a foto. Me pergunto com quantas pessoas esse homem não negociou.

— Então, nada mudou? Nega isso?

— Eu nego isso, com a mesma convicção de quando neguei o roubo do Sangue da Rainha! — Quando o empresário encaminhou-se à ex-noiva com uma expressão de raiva e desprezo, o coração da jovem começou a bater rápido. Instintivamente, os braços dela o repeliram. — Nem me toque!

O empresário parou tão perto que Sara podia sentir o cheiro dele, um perfume tênue, perturbador, dominando a força de vontade da jovem. Mas não podia deixar que Considine a desprezasse.

— Está tentando me dizer que não sente nada por mim?

— Além de desejo? Sim, você pode me beijar à força. Isso não significa nada, e sabe disso. Caso contrário, não estaria me mandando embora.

O magnetismo do empresário a envolvia, estilhaçando as defesas da jovem. Mas, dessa vez, a decoradora não se renderia. Não importava se era atração física, ou vício. Podia ser algo poderoso, mas não tanto quanto o amor. E Gabe nunca falara de amor.

Também não falou desse sentimento agora. Em vez disso, virou-se como se o fato de vê-la fosse algo desagradável e disse:

— Me diga uma coisa, quanto tempo vinha dormindo com Kennedy?

Como Sara ficou feliz por não ter cedido a Gabe!

— A única vez que Hawke me tocou foi quando me deu um abraço depois de me contar que o Sangue da Rainha tinha desaparecido. Presumo que foi isso que o fotógrafo captou. Não me importa se acredita ou não.

O silêncio na sala tornou-se opressivo. Sara olhou os computadores, a parafernália de alta tecnologia que estava em desarmonia com aquelas paredes de pedra. Gabe podia parecer um empresário do século vinte e um que conquistara sua fortuna usando o que havia de mais atual. Mas, no coração, ele era como os ancestrais, um guerreiro selvagem.

— Sua mala está sendo feita. O jatinho vai levá-la para Londres.

— Obrigada. — disse a moça, deixando a sala, e também a vida dele.

Considine não fez nenhum esforço para mantê-la ali. Por que deveria? O que ela oferecia inúmeras mulheres também poderiam dar.

De volta ao quarto, a moça encontrou Marya arrumando as roupas na mala.

— O que faz aqui? — Sara perguntou.

A serva lançou-lhe um olhar de súplica e começou a chorar.

— Ei! O que é isso? Qual o problema?

— Estou errada. — Marya soluçava. — Não sei... — O inglês da criada enrolou-se em palavras engasgadas que Sara não compreendia.

— Sente-se. — disse Sara, gentil. Depois, pegou uma caixa de lenços. — Aqui, enxugue os olhos e me conte o que aconteceu. Gabe a demitiu?

Marya assoou o nariz.

— O grã-duque a ama. E você o ama. As outras mulheres não o amam. Então, queria que ele soubesse o quanto você é preciosa. Para testá-lo.

— Continue. — encorajou a decoradora, encaminhando-se ao armário para pegar a saia que usara naquela primeira noite.

— O grã-duque ficará infeliz quando você se for. Pensei: logo ele vai saber que a moça não roubou o Sangue da Rainha. Aí, ia contar onde estava o Sangue da Rainha. Mas ele a trouxe para cá e deu tudo errado! Mesmo depois de dividirem a mesma cama, deu tudo errado!

Sara ficou corada.

— Porque Gabe não me ama. — a jovem dobrou a saia e a colocou na mala.

— O grã-duque ama sim! — insistiu Marya. — Eu vi como ele a olha — e nunca olhou assim para nenhuma das outras mulheres. — A criada respirou fundo e se acalmou. — Mas é um Considine — rosto de anjo e poder de fogo. E muitas querem apenas o dinheiro dele! O grã-duque tem medo.

— Gabe? Não sabe o significado dessa palavra.

— Está errada. O grã-duque sabe. Eu lhe disse. E você vai ficar aqui, ele ficará feliz, e a Rainha também.

— Sei que o ama e o respeita, mas não o conhece. Não vou ficar. E tentar me convencer de que Gabe me ama apenas vai irritá-lo. De qualquer forma, não faria nenhuma diferença porque não vou me casar com um homem que não tem confiança o suficiente e não acredita em mim.

— Sim, está certa.

A criada dirigiu-se ao armário e pegou o resto das roupas.

— Agora, eu arrumo a mala. Logo o helicóptero vai estar aqui.

E estava. A decoradora vestia uma jaqueta jeans pretos. O tom sombrio foi diminuído pela camiseta rosa e um chapéu elegante com uma aba larga o suficiente para esconder os olhos da moça. Sara colocou a bolsa em um dos ombros e desceu até o pátio com o mordomo e Marya.

O helicóptero pousou.

— Obrigada. — Sara agradeceu, sorrindo para a velha senhora que fizera o que pensara ser certo. Gabe não apareceu para dizer adeus. A jovem entrou no helicóptero, colocou o cinto de segurança e manteve o olhar firme enquanto decolava.

Em Londres, entregou os projetos para os três quartos na Toca do Lobo. Depois, demitiu-se.

— Que pena. — disse o patrão, depois de olhar os esboços. — Presumo que Considine tenha lhe contado sobre o nosso acordo.

— Sim.

— Você tem talento. Sua vaga continua à disposição se quiser. E, dessa vez, Considine não terá nada a ver com isso.

— Não, obrigada.

— Então, vou lhe dar uma carta de recomendação.

Sara quase lhe disse o que poderia fazer com aquela carta de recomendação, mas o bom senso fez com que a língua dela se aquietasse. Precisava daquilo. Não teria chances de conseguir um trabalho decente sem uma carta com referências.

— Obrigada.

— Aonde planeja ir?

— Estados Unidos. — disse, sem pensar.

— Nova Iorque? Los Angeles?

— Los Angeles. O tempo é melhor.

— Sinto muito...

A jovem também, mas sorriu e balançou a cabeça.

— Não lamente. Foi uma excelente experiência! — respondeu com ironia.

 

CAPÍTULO DOZE

A volta para Fala'isi consumiu cada centavo de Sara. E a jornada tornou-se um teste de resistência. Mas a jovem conseguiu chegar. Já passava da meia-noite quando a moça, exausta, entrou em um táxi.

— Fez boa viagem? — indagou o motorista. Um homem, que Sara não reconheceu, a esperara no aeroporto, segurando uma tabuleta com o nome da jovem. A decoradora estremecera porque esperava chegar sem ser notada. Mas as notícias em Fala'isi corriam à velocidade da luz. Não que Gabe soubesse ou se preocupasse com o paradeiro da ex-noiva.

— Uma viagem bem longa. — disse ao motorista.

Houve um atraso e um cancelamento em Los An­geles. De lá, teve que voar para o Havaí. E depois, até o Tahiti e Rarotonga. Isso tudo antes de se dirigir ao sul da Nova Zelândia para tomar um jato para Fala'isi.

O cansaço sugou-lhe as energias, bloqueando-lhe o pensamento. Normalmente, a jovem teria adorado a jornada. Mas, naquele momento, tudo o que queria era ir para a cama e dormir por três semanas. Ou três anos. Mas suspeitava que, mesmo depois, acordaria e continuaria amando Gabe.

— Já esteve aqui antes? — perguntou o homem.

— Sim. — Pouco depois de completar vinte e um anos, a jovem usara a herança dos avós para voltar e retomar o contato com uma velha amiga de escola que alugava dois pequenos chalés.

— Então, vai ficar no mesmo lugar? — continuou o taxista.

— Sim. — admitiu a moça.

— Casinha bonita, aquela na praia, não? Minha prima é a dona. Foi ela quem me disse para pegá-la no aeroporto.

E foi Tarifa quem abriu as janelas para o chalé arejar, fez a cama e abasteceu a geladeira.

— Obrigada. — Sara agradeceu. — Desculpe, mas não estou pensando muito bem no momento...

O taxista riu.

— Precisa de férias! E veio ao lugar certo!

Uma vez dentro de casa, a moça sentiu os olhos arderem com lágrimas ao ver que as flores de hibisco, tão cuidadosamente arrumadas em um vaso em cima da mesa, estavam mortas. As pétalas murcharam.

Há uma semana, Sara estivera na Toca do Lobo. Esperava ser capaz de fazer com que Gabe percebesse que a ex-noiva não lhe roubara nada. Esperava que o empresário sentisse algo mais forte do que paixão.

Considine não sentia. E, embora nos braços dele a moça se tornasse diferente, isso não bastava. Sem amor, confiança e amizade, a paixão era apenas uma fantasia cruel, que a deixava incompleta e deprimida.

O ar úmido e quente exalava o doce perfume das flores frangipani, o odor erótico se misturando ao cheiro penetrante e forte do mar. A moça fechou as persianas e abriu as portas da varanda que dava para a praia.

— Demorou muito para chegar aqui. — disse Gabe, atrás dela.

Com a respiração entrecortada, a moça rodopiou, olhos incrédulos diante da visão do ex-noivo ali em pé. O pânico tomou conta da decoradora.

— O que faz aqui?

— Sua senhoria me deu uma chave.

— Não tinha esse direito!

Gabe era irresistível, e o magnetismo dele teria conquistado a amiga em um segundo.

— Pensei que tivesse deixado claro que não vou ser sua amante, ou qualquer outra coisa que queira que eu seja. — continuou ela.

— Quero que seja minha esposa. — disse.

Sara olhou para ele, sentindo o mundo balançar sob os pés dela. Embora a tentação fosse grande, Sara teve coragem suficiente para rejeitar o pedido.

— Saia daqui!

— Ao menos deixe me desculpar.

— Saia daqui! — ela repetiu.

A sala tremeu. E a jovem desmaiou. A última coisa que ouviu foi Gabe rogando uma praga, no idioma da Ilíria. Sara acordou desejando saber onde estava antes que a memória voltasse. Abriu os olhos e pulou da cama. A cabeça girava. Gabe entrou com um copo de água nas mãos.

— Deite-se! — ordenou-lhe. Pegou-a com uma das mãos. Depois, colocou o copo em cima da mesinha de cabeceira. A moça permanecia sem energia, a cabeça balançando. — Deite-se, Sara!

Mas a moça não ousou mexer-se. Gabe murmurou algo e a pegou. Com o rosto encostado no peito dele, a batida acelerada do coração do empresário ecoando nos ouvidos da jovem, Sara pensou que era como voltar para casa novamente depois de anos no exílio.

Fechando os olhos, rendeu-se, aceitando que não podia resistir a Considine. O que quer que fosse que quisesse dela, a jovem lhe daria porque o amava muito.

— Há quanto tempo está sem comer ou beber? — perguntou Gabe.

— Não sei. Tenho bebido água.

— Tudo bem não querer comer comida de avião, mas passar fome três dias é estupidez. Notei que alguém deixou uma cesta de frutas na cozinha. Vou pegar uma banana. Isso deve aumentar a glicose.

O pensamento de forçar-se a comer qualquer coisa trouxe-lhe novamente náusea. Mas o empresário estava certo: a jovem estava sem comer e, se não colocasse algo no estômago, iria desmaiar de novo. Fechou os olhos e tentou respirar devagar.

Embora mantivesse os olhos fechados quando o colchão afundou com o peso de Gabe, os sentidos estavam em sinal de alerta.

— Morda. — ordenou Considine. Obediente, a moça mordeu um pedaço.

— Agora, mastigue. Depois, engula.

— Sei como comer.

— Então, por que não tem feito isso? Deixou Londres há setenta e duas horas. Por que não comeu nada durante esse tempo?

A moça teria respondido, mas a banana foi mais uma vez empurrada goela abaixo.

Considine levantou-se.

— Vou preparar uma xícara de chá para você. Depois, pode tomar uma chuveirada.

A banana lhe deu energia suficiente para que a moça se levantasse. Sara estava à porta quando Gabe voltou carregando uma xícara grande. O empresário olhara a água que trouxera antes, e balançou a cabeça, em aprovação.

— Bom, você bebeu tudo! Agora, beba isso.

— Não vai me dizer o que fazer na minha própria casa.

— Não apenas vou lhe dizer como, mas se necessário, vou fazer com que faça — disse, entregando-lhe a xícara. — Está muito pesada?

— Não. — O chá estava doce demais, mas a moça o bebeu com vontade.

— Ah! Agora, sim! Seu rosto voltou a ter um pouco de cor.

Só de Gabe estar sentado ao lado dela, o coração disparou. Mesmo exausta por causa da confusão do fuso horário, a jovem correspondia àquele homem irresistível.

— Não posso brigar com você, mas não o quero aqui.

— Não se preocupe. Estará pronta para outra luta pela manhã. Só precisa de doze horas de sono e de uma comida decente. Com relação a livrar-se de mim, você hoje não pode. Ainda está trêmula e precisa de cuidados. Acha que pode andar até o banheiro?

— Não quero. — A energia provinda da banana e do açúcar no chá parecia estar acabando.

Gabe a derrotou.

— Vai se sentir melhor se tomar uma chuveirada.

No momento seguinte, a moça estava sendo levantada. Abriu os olhos para encontrar os dele, determinados.

— Relaxe. — disse o empresário, carregando-a até o banheiro.

Sem forças, a decoradora tolerou a ajuda de Gabe. Mas quando ele a sentou em uma cadeira e começou a desabotoar a sua blusa, Sara entrou em pânico.

— Não! — gritou a moça.

— Só vou lhe colocar debaixo do chuveiro. — Gabe explicou.

— Posso fazer isso sozinha.

— Tudo bem. — concordou, mas não foi embora. Ignorando-o, Sara desabotoou o resto da blusa. Teve mais dificuldade para despir as calças, mas conseguiu. Uma tontura a pegou de surpresa. Com a cabeça rodando, a moça se agarrou às costas da cadeira e tentou regular a respiração.

Sem cerimônia, Gabe a pegou e a colocou na água. A chuveirada morna foi um bálsamo. Depois, o ex-noivo tirou-lhe a roupa íntima. E, completamente vestido, entrou embaixo do chuveiro e começou a lhe dar banho.

A moça estremeceu diante da carícia das mãos do empresário que a ensaboavam e a enxaguavam. Sobraram-lhe tão poucas forças devido à longa viagem que, quando Gabe se aproximou e fechou a torneira, a jovem se encostou naquele corpo másculo tão relaxada que não conseguia se mexer.

A moça lembrava-se vagamente de Gabe secando-a, mas a jornada de volta ao quarto era uma interrogação. E como o sono a chamava, a jovem não percebeu as lágrimas caindo sobre o rosto.

Acordou com o calor e a batida descompassada de um coração, com um prazer de estar segura, deitada junto a um corpo musculoso e forte. Acordou com aquela sensação de plenitude de estar com Gabe, de passar a noite nos braços dele.

Por longos segundos, permaneceu ali, ainda sob a influência de sombras nebulosas que tinham sido os sonhos dela. Sem se mexer, a jovem abriu os olhos. A lua já tinha dado adeus e ainda estava escuro e silencioso. O único som era o das ondas lá fora.

E o som da respiração profunda de Gabe. Os olhos do empresário estavam fechados, o corpo relaxado, mas um dos braços ao redor dela a mantinha segura como se a jovem fosse preciosa. A decoradora esboçou um sorriso. Por que Gabe viera? Sara não ousava ter esperança. Só deixou-se ficar apenas no momento presente com o homem a quem amava.

A moça precisava se espreguiçar, mas isso acordaria Gabe. O suave sussurro de ar que vinha do ventilador de teto tocou a pele sensível da jovem, misturando-se à maresia. Fechando os olhos novamente, a moça imprimiu cada detalhe na mente de forma que nunca esquecesse. Quando fosse uma mulher idosa, queria ser capaz de relembrar tudo — o cheiro de Considine, a textura da pele quente e macia contra o corpo nu da moça...

Quase sem respirar, Sara avançou pouco a pouco com uma das mãos até chegar ao centro do peito dele, sentindo a força daquele homem. Gabe não se mexeu. Mais confiante agora, porém, ainda cautelosa, moveu a cabeça para beijar-lhe um dos ombros. Quando percebeu que o empresário não teve reação, permitiu-se sentir o gosto daquele corpo, apreciando o homem a quem amava.

Normalmente, a jovem pensou, o empresário acordava ao menor toque. Não era a única exausta ali. A moça abaixou a mão até a cintura do ex-noivo, e sentiu uma tira que deveria ser da cueca.

Era uma delícia ficar ali deitada com Gabe à mercê dela. Mas, de alguma forma, parecia algo perigoso. O empresário fora gentil com a moça, Considine lhe dera comida e banho, mas isso não dava direito à jovem de tocá-lo enquanto dormia.

Ainda assim, a mão dela voltou para cobrir-lhe o coração. E a moça manteve o rosto virado para um dos ombros dele, vagando pela nebulosa terra do nunca onde os sonhos podiam se tornar reais. Só mais alguns momentos, pensou...e virou-se para dormir, para o sonho mais erótico que tivera.

— Acordada? — quase não ouviu Gabe, mas a voz dele a deixou em alerta.

A jovem abriu os olhos enquanto Considine a abraçava. A moça estava deitada junto dele, o rosto aconchegado no pescoço do empresário. E Gabe estava muito excitado.

O que será que a jovem fizera? No sonho, ambos fizeram amor, devagar. Só que parecia que o sonho dela se tornara realidade porque o próprio corpo estava excitado.

— Sim... — disse ela, tentando escapar dele. Gabe a prendeu e perguntou:

— Sabe onde está?

— Fala'isi.

— Sabe com quem está?

— Claro que sei.

— Diga o meu nome.

— Por quê?

— Porque quero ter certeza de que sabe o que está fazendo. Não percebi que estava adormecida quando você me acordou com carícias. Então, se quiser parar agora que acordou, essa é a sua última chance.

A moça não hesitou.

— Não quero parar. — E você é Gabe. — Meu único amor...

— Então, me domine, Sara.

A jovem congelou, tudo ficou em silêncio até que a moça o encarou. Queria ter certeza de que o empresário nunca esqueceria aquele momento. E, toda vez que se deitasse com outra mulher, seria o rosto dela que Considine veria, olhos brilhantes, o nome de Sara que ecoaria pela mente do grã-duque, o gosto daquela boca feminina que sentiria.

— Você está bem? — Gabe indagou.

— Nunca estive melhor. — disse ela, começando o jogo de sedução. Gabe era a outra metade dela, o único homem que a completava.

Embora visse o enorme esforço que o ex-noivo fazia para permanecer quieto, Considine deu a Sara livre acesso ao corpo dele.

— Sem mais esse tormento, não vou agüentar! — ele suplicou.

Ainda assim, o empresário não assumiu o controle. Mas a moça também não queria nada além da consumação que acenava tão insistentemente. Sara o tomou para si. Com as mãos presas nas coxas dela, olhos resplandecentes, Gabe a seguiu. Um som veio lá do fundo da garganta e o corpo magnífico do empresário curvou-se sob o da moça.

A jovem desfaleceu em cima de Considine, ouvindo o estrondo que o coração dele fazia enquanto aqueles braços másculos a prendiam. Quando a respiração do empresário se acalmou, Gabe comentou:

— Você precisa de comida. — Aquele gesto protetor a tocou, mas...

— Preciso de você. — a moça pensou alto, ouvindo a própria batida do coração.

Gabe ergueu o queixo, procurando o rosto dela.

— Precisa de mim? — indagou.

Sara sentiu-se humilhada. Oh, Deus! A moça dissera aquilo! Fechou os olhos e enterrou o rosto no peito dele, imaginando como desfazer o estrago.

— Sim — acabou admitindo. Considine inverteu a posição deles na cama.

— Assim? — perguntou, tomando-a com um impulso desesperado. Sara o acolheu com alegria, êxtase e alívio. Sensações maravilhosas percorriam-lhe o corpo. Se isso era tudo o que o empresário lhe tinha a oferecer, a moça aceitaria.

— Sim. — respondeu, laçando os braços ao redor do pescoço dele para mantê-lo perto.

Mas, dali em diante, o grã-duque se mexeu com uma suavidade deliciosa como se a jovem fosse preciosa e frágil, forçando-a a aceitar uma conquista muito mais lenta, de alguma forma mais íntima, do que a conflagração veloz e selvagem de antes. Está me pagando na mesma moeda, pensou. Mas era uma vingança muito mais doce... Arfando, o coração batendo forte, o sangue movendo-se rápido pelo corpo.

O segundo orgasmo a pegou de surpresa. A jovem se contorceu e as mãos dela deixaram os ombros do empresário, apertando e soltando o lençol enquanto ondas de prazer se espalhavam pelo seu corpo. Sara gritou o nome dele, os braços do empresário a prenderam ainda mais e, juntos, presos um ao outro, esperaram que o êxtase se transformasse em uma sensação de plenitude.

— Volte a dormir. — ordenou Gabe.

E a jovem obedeceu, perdendo-se em sonhos até acordar novamente. Dessa vez, se viu sozinha na cama. O quarto estava vazio e, através das venezianas, o céu brilhante e vistoso lhe dizia que estava chegando a hora do pôr-do-sol.

Será que Gabe tinha ido embora? Enterrou o rosto no travesseiro, fazendo perguntas que martelavam a cabeça dela. O que o empresário fazia ali? Será que a pedira mesmo em casamento?

Não, isso deve ter sido uma alucinação. Mas não foi quando fizeram amor. O que aconteceria agora? Por que o empresário atravessara o mundo para ir até ali?

Alguns segundos depois, a moça sentiu que Gabe voltara. Virou a cabeça e viu quando o empresário colocou um jarro de água na mesinha de cabeceira.

— Como se sente? — indagou ele, servindo-lhe um copo de água.

— Muito melhor, obrigada.

— Você parece uma menininha depois de uma festa... Bem, mudando de assunto, não posso pedir perdão, mas sinto muito não ter acreditado que não tinha roubado o Sangue da Rainha.

Sara engoliu o resto da água e colocou o copo em cima da mesinha.

— Tudo bem. Entendo o porquê. A última coisa que você poderia esperar era que Marya decidisse testá-lo!

— Acho que teria acreditado em você se não fosse aquela maldita foto. Isso me perturbou muito e reforçou a sua suposta culpa. Mesmo assim, foi uma completa coincidência. Estou quase acreditando que Marya está certa — de que a Rainha ainda está tomando conta do vale e dos descendentes dela, aplicando testes feito uma velha e rígida professora. Foi um teste e tanto para mim. Mais outro no qual falhei.

Sara ia protestar, mas quando Gabe se afastou, a moça se conteve. Sabia apenas que o futuro dela dependia dos próximos minutos.

Gabe parou de olhar pela janela. O sol estava pronto para se colocar no horizonte.

— Quando a vi indo embora do castelo, de cabeça erguida, prometi que nunca mais colocaria meus olhos em você. Mas fiquei pensando na forma como protegeu aquela criança na vila, além de sua compaixão por Marya, apesar do que ela fizera. E, embora a foto tenha sido considerada verdadeira pelo perito que a examinou, você não mostrou sinais de se sentir atraída por Hawke. Ou ele por você.

A moça esperou, a pulsação mais calma, enquanto lá fora, um tikau cantava. O passarinho, uma espécie rara, encontrado somente em Fala'isi, costumava cantar somente para os casais que realmente se amavam...

— Quando você viu a foto, parecia chocada. Não culpada, não envergonhada, somente surpresa. Disse a mim mesmo que era porque você não imaginava que o paparazzi estava lá. Mas admito que podia ser porque aquilo nunca tinha acontecido. Então, entrei em contato com o perito novamente. Depois, vim para cá.

— O que o especialista disse?

— Ainda não tive resposta. Deve estar utilizando métodos mais modernos para analisar a foto outra vez.

— Quando o perito dará o laudo?

— Não importa.

— Não importa?

— No caminho para cá, fiz uma coisa que deveria ter feito há um ano. Ignorei meu orgulho ferido e tentei pensar direito. No final, cheguei a duas conclusões — seu caráter e a foto. Você prima por independência não me deixava comprar-lhe roupas ou enchê-la de presentes como eu queria. Mesmo quando éramos namorados, não foi morar comigo e continuou trabalhando. Tudo isso poderia ser porque planejava roubar o Sangue da Rainha, mas foi honesta nas suas ações. Acreditei que era uma ladra porque não queria amá-la.

— Entendo. Também não queria amá-lo. Era um sentimento muito grande, assustador. Com relação à foto, sei como me sentiria se a situação fosse inversa, se tivessem me mostrado uma foto na qual você estivesse com uma outra mulher. E Hawke também é muito atraente.

Gabe fechou a cara.

— Você sabe perfeitamente que Hawke tem boa aparência. Mas é...

— É o quê? — o empresário interrompeu.

— É que sua irmã o acha muito atraente.

— Melissa? É muito nova!

— Gabe, ela tem vinte e dois anos, idade suficiente para se apaixonar.

— Mas não mude de assunto. Se aquela foto não chegasse ao meu e-mail no dia seguinte ao do roubo do colar, talvez eu não tivesse sido tão intransigente.

— Por que não me mostrou a foto?

— Não queria vê-la novamente. Tinha medo de que eu acabasse perdoando você. Foi por isso que não lhe disse pessoalmente que nosso noivado acabara. Sempre me orgulhei da minha força de caráter, mas descobri no dia seguinte ao do roubo que eu não tinha nenhuma. Desculpe por ter sabido disso através de uma carta.

Sara soubera pela imprensa, mas não lhe contaria isso agora. Esperou que o grã-duque continuasse.

— Marya está convencida de que o bem-estar de todos do vale e do castelo depende da felicidade de cada lorde. Então, é vital que o casamento dele seja feliz. E, para isso, este tem que ser construído em bases fortes.

Com a boca e a garganta secas, Sara esperou pelas próximas palavras do empresário. Gabe falou devagar como se clareasse os pensamentos mais profundos.

— Um ano de inferno por causa de um mito!

— Mas não é um mito para Marya e nem para a maioria dos camponeses. Ouvi-la contar a lenda é como voltar ao passado, a um mundo onde a Rainha-duende guarda as jóias por centenas de anos até que o verdadeiro amor venha reivindicá-la.

— Se tivesse sido criado na Toca da Lobo como o meu pai, talvez entendesse o quanto essa velha história dominava o povo do vale.

Sara ficou quieta. Marya tinha outras razões. A criada compreendera que, embora Sara amasse Gabe, o grã-duque não a amava. Considine inclinou o rosto da moça para que os olhares se encontrassem.

— Só que eu entendo. De acordo com Marya, se você passasse no teste, se confiasse o suficiente para acreditar em mim, seríamos felizes, o que significaria segurança para o vale. Se não confiasse, não me amava. E, quanto mais rápido nos separássemos, melhor seria para todos.

— Não amá-la? Por que eu teria pedido você em casamento se não a amasse?

— Marya é uma mulher muito astuta. E estava certa: se você me amasse, teria acreditado em mim. E um homem que me amasse teria me ouvido.

Silêncio. Sara voltou a ouvir o tikau. Uma antiga tradição da ilha dizia que, quando duas pessoas ouviam juntas o passarinho, estavam destinadas à felicidade.

— O amor não é algo duradouro no meu mundo — disse Gabe, enfim. — Meus pais não foram felizes. Ficaram juntos por causa de nós. Parece presunção, mas também me tornei um alvo depois que cresci. O título de nobreza era um ímã para algumas mulheres. E o fato de eu ter feito dinheiro rápido me tornou um troféu. Poderia ter um metro de altura e ser feio que isso não faria diferença. O dinheiro é um afrodisíaco maravilhoso. Já vi casamentos se estilhaçarem e ruírem ao meu redor ao longo da vida. Pensei que o amor verdadeiro fosse algo inexistente para mim. Mas, então, eu a encontrei e todas minhas convicções sumiram. Tinha que ter você. Perco o controle quando a vejo. E se aquela foto não aparecesse, eu teria sido mais razoável — Gabe concluiu.

— Então, o que vai fazer agora?

— Não se preocupe.

— Ainda não acredito que tenha dado dinheiro ao fotógrafo para não publicá-la.

— Orgulho, medo... Senti ódio só de pensar em todo mundo vendo a foto. Ontem à noite, eu pedi que fosse minha esposa. A hora era errada, me desculpe. Mas vou perguntar novamente. Sara, quer casar comigo?

— Por quê? Não tem que ser gentil comigo...

— Quero que se case comigo porque não posso viver sem você. Eu a amo, preciso e confio em você. Vou amá-la e protegê-la até a morte.

— Sim. Claro que me caso com você. Quando e onde quiser. Eu também o amo.

Gabe abaixou-se e a beijou suavemente.

— Sem lágrimas, querida. Não posso lhe dar o último ano de volta, mas prometo que, de hoje em diante, vou me certificar de que nunca mais tenha motivo para chorar...

Considine voltou a beijá-la, mas, agora, com intensidade.

— Não ia fazer amor com você. Passei a noite de ontem planejando cortejá-la sem levá-la para a cama e veja o que aconteceu. Você é uma mulher perigosa, estraçalhou todas as minhas boas intenções com um beijo.

— Achei que estivesse sonhando. Quando acordei, bem, você sabe o que eu fiz — fiquei tão constrangida que poderia ter morrido. Dessa vez vai durar, não vai?

— Sim, há muito mais do que paixão para construirmos uma vida juntos. Onde gostaria de se casar?

— Por quê?

Gabe deu de ombros e a beijou na testa.

— Alex quer que seja na Iliría, um casamento formal. Mas, ontem, quando cheguei aqui, descobri que podemos nos casar dentro de três dias. Gostaria de fazer isso?

— As pessoas no vale não vão ficar desapontadas? — Sara ponderou.

Gabe ficou um pouco hesitante.

— Vamos fazer o casamento na Ilíria. — pediu a jovem, beijando-o.

— Podemos fazer os dois. Essa é a sua ilha, sua casa. Se tivermos um casamento particular aqui, posso esperar seis meses, o tempo que vai levar para organizar o outro. — O empresário aproveitou para abrir a gaveta da mesinha de cabeceira, retirando algo de lá que brilhava à luz da lâmpada. — Sua aliança.

Sorrindo, a moça esticou uma das mãos. Gabe colocou o anel de rubi no dedo da noiva e a beijou.

— Dessa vez, é com amor e confiança — disse ele, radiante.

 

                                                                                            Robyn Donald

 

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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