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UM DIÁRIO RUSSO / Anna Politkovskaya
UM DIÁRIO RUSSO / Anna Politkovskaya

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

Ler Um diário russo, de Anna Politkovskaya, conhecendo seu terrí­vel fim - nas mãos de um assassino na escadaria do seu prédio em Moscou — parece prognosticar que não lhe seria permitido viver. O que ela revela aqui, e demonstrou em seus escritos anteriores, são ver­dades tão contundentes e arrasadoras sobre o regime do presidente Vladimir Putin, que alguém, mais cedo ou mais tarde, iria matá-la. De certa forma, é um milagre que ela tenha vivido tanto tempo.

Mais milagroso ainda é o fato de, em meio às reviravoltas pós-soviéticas, ter surgido uma jornalista que trouxe quase sozinha à atenção do mundo a escandalosa tragédia da Tchetchênia e muitos outros crimes da Rússia moderna. O comportamento que ela expôs e continua a expor neste registro representa uma grande quantidade de abusos sistêmicos, políticos e dos direitos humanos. Este é o diário que ela manteve durante o período entre as eleições parlamentares fraudadas de dezembro de 2003 até o final de 2005 e as conseqüências do cerco à escola de Beslan.

Ao ler Um diário russo, eu me perguntava para que temos embaixadas na Rússia. Como foi que nossos líderes ignoraram tão categoricamente o que sabiam que Putin pretendia? Seria pela sede de combustível? Pelas riquezas da vergonhosa liquidação pós-comunista dos ativos do Estado russo e seus recursos de fabricação, por meio da qual nossas instituições financeiras tiveram participa­ção na ascensão dos oligarcas ladrões? Ou teria sido o desejo cego de manter a Rússia "ao nosso lado", qualquer que fosse o custo para sua população empobrecida?

Foi para falar com essas pessoas e representá-las que Anna Politkovskaya viajou enormes distâncias. Os riscos que ela correu foram assustadores, mas a intensa realidade que ela mostra é de tirar o fôlego. Depois do atentado a bomba no metrô de Moscou em 2004, no qual 39 pessoas foram mortas, ela visita alguns dos lares das vítimas. E descobre que a "causa da morte", em vários atestados de óbito, está simplesmente riscada — mesmo na morte, escreve ela, "o Estado russo não consegue deixar de ser desonesto. Nem uma palavra a respeito de terrorismo".

Graças ao jornalismo de Anna, ela passou a ser um ponto de referência para as pessoas a quem o Estado fez sofrer. Certa noite, depois das 23:00, ela recebe um telefonema angustiado da Inguchétia. "Alguma coisa terrível está acontecendo aqui! E uma guerra", gritavam mulheres ao telefone. "Ajude-nos! Faça alguma coisa! Estamos deitadas no chão com nossos filhos!"

Os anos de formação de Anna como jornalista foram vividos sob o jugo do comunismo. Ela vinha de campanhas radicais quan­do, em 1991, a URSS transformou-se na Federação Russa, lidera­da pelo presidente Bóris Ieltsin. Á medida que os novos países da antiga União Soviética começaram a caminhar por seus próprios pés, irromperam várias guerras internas. Uma das mais sérias foi a Primeira Guerra Tchetchena (1994-6), quando rebeldes tchetche­nos predominantemente islâmicos tentaram fundar um Estado independente. Anna foi uma das pessoas cujas reportagens criaram as circunstâncias que possibilitaram o acordo de paz e a retirada das tropas russas. De fato, ela identifica a cessação dessa guerra como à maior realização da mídia durante os anos relativamente livres do governo Ieltsin.

A chegada de Vladimir Putin ao Kremlin e sua iniciação na Segunda Guerra Tchetchena, em 1999, elevaram as apostas militares e também jornalísticas. Aproveitando seu passado no serviço secre­to, Putin tomou medidas para garantir que a mídia não conseguisse embaraçá-lo com reportagens das brutais atividades da Rússia na Tchetchênia. Anna visitou a Tchetchênia em mais de cinqüenta ocasiões. O jornal para o qual ela trabalhava, o Novaya gazeta, perma­neceu como uma das poucas publicações que não se curvavam à pressão do Kremlin para reduzir ou moderar sua cobertura.

Em 2002, Putin estava usando ao máximo a "guerra ao terror" de Bush-Blair como cobertura para a tomada de posição de Mos­cou na Tchetchênia. Anna ficou cada vez mais isolada. Ela reportou as mortes, os sequestros, estupros, as torturas e os desaparecimentos extrajudiciais que caracterizavam os métodos das forças russas na sua luta para conter a Guerra Tchetchena. Cada vez mais, Anna sen­tia - e escrevia publicamente - que a política de Putin alimentava ativamente os mesmos terroristas que supostamente deveria derro­tar. Visível nesses relatos era sua profunda convicção de que o cami­nho de Putin à presidência foi construído em torno do conflito tchetcheno e dele dependia. Ela até estabelece ligações entre algu­mas das práticas específicas de tortura que descobriu na Tchetchênia e aquelas enaltecidas pela KGB e seu sucessor, o FSB, em seus manuais de treinamento.

O relato de Anna sobre a reeleição de Putin em 2003 é sur­preendente, tanto pela bravura da autora quanto pelos fatos revela­dos. O desaparecimento de Ivan Ribkin, um dos candidatos que desafiavam Putin, poderia parecer ficção se não fosse tão sério. Depois de desaparecer de Moscou, onde disse ter sido drogado, Ribkin reaparece em Londres. Como observa Anna, "um candida­to presidencial que foge é inédito em nossa história”. Mas ela tem certeza de que foi a cultura política engendrada pelos partidários de Putin que levou a este estado de coisas.

Pouco depois da eleição, um jovem advogado ativista, Stanislav Markelov, é espancado por cinco jovens no metrô de Moscou. Anna os descreve gritando para ele: "Você fez discursos demais!... Estava pedindo por isto." Aquele era um prenúncio da sujeira que estava por vir. Como registrou Anna, é desnecessário dizer que a polícia recusou-se a abrir um processo criminal e ainda não sabe­mos quem atacou Markelov, nem quem deu a ordem.

Em setembro de 2004, Anna foi vítima de um veneno coloca­do numa xícara de chá a bordo do avião que a levava até Rostov. Ela estava a caminho do cerco à escola de Beslan. Desse ponto em diante, a combinação do seu isolamento com a crescente pressão das "autoridades" levou Anna para além das reportagens, para cam­panhas e lutas pelos direitos das pessoas que, para ela, eram vítimas da política do Kremlin.

Durante o cerco ao teatro em Moscou, em outubro de 2002, Anna havia assumido papel ativo como intermediária entre as autoridades e os seqüestradores. Sua intenção era de fazer o mesmo em Beslan. E neste ponto que alguns jornalistas poderiam julgar que ela havia cruzado o Rubicão entre repórter objetiva e guerri­lheira. Mas a Rússia vivia um estado de evolução pós-comunista, se não revolução. Anna via o respeito pelos direitos humanos como o Rubicão. Como o regime Putin — para ela - estava comprometido com o total desrespeito pelos direitos humanos naTchetchênia, ela achava que não tinha alternativa a não ser opor-se a ele.

Porém, Anna será julgada pelo conjunto da sua obra. Que inclui este livro extraordinário. Nele, como em todos os seus escri­tos, brilha seu incansável compromisso com a obtenção da verdade, mas também são visíveis os riscos possivelmente fatais que ela cor­reu para fazer suas reportagens.

Para os muitos de nós que continuam a aspirar aos mais altos padrões de jornalismo, Anna Politkovskaya permanecerá um farol brilhando forte, uma referência pela qual integridade, coragem e comprometimento serão medidos. Quem a conheceu ao longo dos anos pode atestar que ela nunca permitiu que seus pés deixassem o chão, nunca desejou fama ou celebridade. Ela permaneceu modes­ta e despretensiosa até o fim.

Quem matou Anna e quem está além dele não sabemos. Seu assassinato roubou, de muitos de nós, fontes de informações e con­tatos absolutamente vitais. Contudo, ele pode ao menos ter ajuda­do a preparar o caminho para o desmascaramento das forças som­brias que estão no centro do atual regime russo.

Devo confessar que acabei de ler Um diário russo sentindo que ele deveria ser jogado do ar em enormes quantidades por todo o território da Mãe Rússia, para que todo o seu povo o lesse.

 

* Jon Snow é jornalista, foi correspondente internacional e é âncora do telejornal inglês Chanel 4 News, produzido pela ITN (Independent Television News). Ao longo de sua carreira, recebeu conco ptêmios da Royal Television Society.

 

 

 
 

           A morte da democracia parlamentar russa

           Dezembro de 2003 a março de 2004

           Como Putin conseguiu ser reeleito?

De acordo com o censo de outubro de 2002, há 145,2 milhões de pessoas vivendo na Rússia, tornando-a o sétimo país mais populo­so do mundo. Apenas pouco menos de 116 milhões de pessoas, 79,8% da população, descrevem-se como etnicamente russas. Temos um eleitorado de 109 milhões de pessoas.

 

7 de dezembro de 2003

Dia das eleições parlamentares à Duma.* o dia em que Putin* ini­ciou sua campanha para a reeleição como presidente. Pela manhã, ele falou aos povos da Rússia em um distrito eleitoral. Estava alegre e um pouco nervoso. Aquilo era incomum: em geral ele é mal-humorado. Com um sorriso largo, informou às pessoas à sua volta que sua amada cadela labrador, Connie, havia tido filhotes naquela noite. "Vladimir Vladimirovitch estava muito preocupado", disse a sra. Putin atrás dele. "Estamos com pressa de voltar para casa", acres­centou ela, ansiosa para voltar à cadela cujo senso de oportunidade político havia dado aquele presente ao partido da Rússia Unida.

Na mesma manhã, em Iessentuki, um pequeno hotel no norte do Cáucaso, as 13 primeiras vítimas de um ataque terrorista a um trem local estavam sendo enterradas. O ataque foi perpetrado ao trem da manhã, conhecido como trem dos estudantes, e os jovens estavam a caminho da escola.

Quando, depois de votar, Putin voltou-se para os jornalistas, parecia que certamente iria expressar suas condolências às famílias dos mortos. Talvez até pedir desculpas pelo fato de o governo ter mais uma vez fracassado na proteção dos seus cidadãos. Em vez disso, ele lhes contou como estava satisfeito com os novos filhotes da labrador.

Meus amigos me telefonaram. "Desta vez ele meteu os pés pelas mãos. Agora os russos nunca votarão no partido da Rússia Unida."

Porém, por volta da meia-noite, quando começaram a chegar os resultados, inicialmente do Extremo Oriente, depois da Sibéria, dos Urais e assim por diante, de leste para oeste, muitos ficaram em estado de choque. Todos os meus amigos e conhecidos que eram partidários da democracia estavam novamente ligando uns para os outros e dizendo: "Não pode ser verdade. Nós votamos em Iavlinski; entretanto... Alguns haviam votado em Khakamada."

Pela manhã, não havia mais incredulidade. A Rússia, rejeitando as mentiras e a arrogância dos democratas, havia se rendido silen­ciosamente a Putin. A maioria tinha votado no partido da Rússia Unida (RU), um fantasma cujo único programa político era apoiar Putin. O partido reunira os burocratas russos em torno da sua ban­deira - todos os antigos funcionários do Partido Comunista Soviético e da Liga Comunista Jovem, agora empregados por inú­meros órgãos governamentais — e eles haviam, em conjunto, aloca­do enormes quantias para promover suas farsas eleitorais.

Relatórios que recebemos das regiões mostram como isso foi feito. Perto de um distrito eleitoral em Saratov, uma senhora estava distribuindo vodca de graça a uma mesa com uma bandeira com os dizeres "Vote em Tretiak", o candidato do RU. Tretiak venceu. Os deputados da Duma de toda a província foram derrotados por can­didatos do partido da Rússia Unida, com exceção de uns poucos que haviam entrado para o partido pouco antes das eleições. A cam­panha eleitoral em Saratov foi marcada pela violência, em que can­didatos não aprovados pelo Rússia Unida eram espancados por "assaltantes não identificados", optando por deixar a disputa. Um deles, que continuou a campanha contra um proeminente candida­to do RU, por duas vezes teve sacos plásticos com partes de corpos atirados por sua janela: duas orelhas e um coração. A comissão elei­toral da província dispunha de uma linha telefônica para receber denúncias de irregularidades durante a campanha e a eleição, mas 80% das chamadas eram simplesmente tentativas de chantagear as empresas locais de serviços públicos. Havia quem ameaçasse não votar, a menos que os vazamentos em seus encanamentos fossem re­parados ou seus radiadores consertados. Isto funcionou muito bem. Os habitantes dos distritos de Zavod e Lenin conseguiram o conser­to de suas instalações de aquecimento e água. Várias aldeias no dis­trito de Atkar finalmente tiveram sua eletricidade e seus telefones re­ligados depois de vários anos de espera. As pessoas foram seduzidas. Mais de 60% do eleitorado da cidade votou e na província o núme­ro foi 53%. Mais que suficiente para validar as eleições.

Uma das observadoras dos democratas em um distrito eleitoral em Arkadak viu pessoas votando duas vezes, uma vez na cabine e uma segunda preenchendo uma cédula sob a orientação do presi­dente da comissão eleitoral local. Ela correu para ligar o telefone de denúncia, mas foi puxada pelos cabelos para longe do aparelho.

ViatcheslavVolodin, um dos principais funcionários do RU em Balakov, venceu por ampla margem, com 82,9% dos votos; uma vitória sem precedentes para um político destituído de carisma, renomado somente por seus discursos incoerentes na televisão em apoio a Putin. Ele não havia anunciado nenhuma política específi­ca para promover os interesses da população local. Em toda a pro­víncia de Saratov, o RU teve 48,2% dos votos, sem necessidade de publicar ou defender um manifesto. Os comunistas tiveram 15,7%, os liberais democratas.* (o partido de Vladimir Jirinovski) 8,9%, o partido nacionalista Rodina (Terra Natal) * 8,9%. O único embara­ço foi que mais de 10% dos votos foram para "Nenhum dos nomes anteriores". Um décimo dos eleitores tinha ido até o distrito elei­toral, bebido a vodca e dito a todos que fossem para o inferno.

De acordo com os números da Comissão Eleitoral Nacional, naTchetchênia, um território sob total controle militar, foram apu­rados votos em número 10% superior ao número de eleitores.

São Petersburgo manteve sua fama de cidade mais progressista e com maior tendência democrática da Rússia. Porém, até mesmo lá o RU obteve 31% dos votos e o Rodina, cerca de 14%. A União de Forças de Direita* e o partido Iabloko* (Maçã) tiveram somen­te 9% cada; os comunistas, 8,5%, e os liberais democratas, 8%. Os candidatos independentes Irina Khakamada, Alexander Golov, Igor Artemiev e Grigori Tomtchin, democratas e liberais conhecidos em toda a Rússia, sofreram uma ignominiosa derrota.

Por quê? As autoridades estatais estão esfregando as mãos de alegria, dizendo que "os democratas só podem culpar a si mesmos" por ter perdido sua ligação com o povo. As autoridades supõem que agora têm o povo do seu lado.

Aqui estão alguns resumos de trabalhos escritos por alunos da escola de São Petersburgo sobre os temas "Como minha família vê as eleições" e "A eleição de uma nova Duma ajudará o presidente em seu trabalho?"

Minha família desistiu de votar. Eles não acreditam mais em eleições. Elas não vão ajudar o presidente. Todos os políticos prometem tornar a vida melhor, mas infelizmente... Eu gosta­ria de mais honestidade...

As eleições são uma besteira. Não importa quem é eleito para a Duma, porque nada muda, porque não elegemos pessoas que irão melhorar as coisas no país, mas pessoas que roubam. Essas eleições não vão ajudar a ninguém — nem o presidente, nem os mortais comuns.

Nosso governo é simplesmente ridículo. Eu gostaria que as pessoas não fossem tão loucas por dinheiro, que houvesse pelo menos algum sinal de princípios morais em nosso governo e que eles enganassem as pessoas o mínimo possível. O governo é o servidor do povo. Nós o elegemos, e não o contrário. Para falar a verdade, não sei por que nos pediram para escrever esta redação. Só interrompeu nossas aulas. De qualquer maneira, o governo não vai ler.

Como minha família vê as eleições? Eles não estão interessados nelas. Todas as leis que a Duma aprovou foram sem sentido e nada fizeram de útil para o povo. Se tudo isto não é para o povo, para quem é?

As eleições irão ajudar? É uma pergunta interessante. Teremos de esperar e ver. É muito provável que elas não ajudem em nada. Não sou político, não tenho a educação necessária para isso, mas o principal é que precisamos combater a corrupção. Enquanto tivermos bandidos nas instituições estatais do país, a vida não vai melhorar. Sabe o que está acontecendo agora no exército? Só uma intimidação interminável. Se no passado as pessoas costumavam dizer que o exército transformava garotos em homens, hoje ele os transforma em deficientes. Meu pai diz que se recusa a permitir que seu filho vá para um exército como esse. "Para meu filho ser um aleijado depois do exército, ou ainda pior - para morrer numa trincheira na Tchetchênia, lutando sem um motivo claro, para que alguém possa ganhar poder sobre a república?" Enquanto o atual governo estiver no poder, não vejo saída para a presente situação. Não agradeço a eles por minha infância infeliz.

Parecem idéias de idosos, não dos futuros cidadãos da Nova Rússia. Aqui está o custo real do cinismo político - a rejeição pela geração mais nova.

 

8 de dezembro

Pela manhã, enfim fica claro que, embora a ala esquerda tenha mais ou menos sobrevivido, a "ala direita" liberal e democrata foi derro­tada. O partido labloko e o próprio Grigori Iavlinski não conse­guiram chegar à Duma, nem a União de Forças de Direita com Bóris Nemtsov* e Irina Khakamada, nem nenhum dos candidatos independentes. Hoje não há no Parlamento russo quase ninguém capaz de defender os ideais democráticos e fazer uma oposição construtiva e inteligente ao Kremlin.

Mas o pior não é o triunfo do RU. Lá pelo fim do dia, com quase todos os votos contados, fica evidente que, pela primeira vez desde o colapso da URSS, a Rússia favoreceu particularmente os nacionalistas radicais, que prometeram aos eleitores que iriam enforcar todos os "inimigos da Rússia”.

E claro que isto é terrível, mas talvez seja o que se deve esperar num país onde 40% da população vivem abaixo até mesmo da nossa medonha linha de pobreza oficial. Estava claro que os demo­cratas não tinham interesse em estabelecer contato com esse seg­mento da população. Eles preferiram se concentrar nos ricos e nos membros da emergente classe média, defendendo a propriedade privada e os interesses dos novos proprietários de imóveis. Os pobres não possuem propriedades e assim os democratas os ignora­ram. Os nacionalistas não.

Como era de se esperar, esse segmento do eleitorado afastou- se dos democratas, ao passo que os novos proprietários trocaram Iabloko e a União de Forças de Direita pelo RU tão logo perceberam que Iavlinski, Nemtsov e Khakamada pareciam estar perdendc influência junto ao Kremlin. Os ricos fugiram para onde havia uma concentração dos funcionários públicos, sem os quais as empresas russas que em sua maioria são corruptas e apóiam e alimentam a corrupção oficial, não podem prosperar.

Pouco antes dessas eleições, os altos representantes do RU diziam abertamente: "Temos muito dinheiro! As empresas doaram tanto que não sabemos o que fazer com ele!" Eles não estavam se vangloriando. Tratava-se de suborno, que significava: "Não se esqueçam de nós depois das eleições, está bem?" Em um país corrupto as empresas são até mais inescrupulosas do que nos países, onde a corrupção ao menos foi reduzida a um nível tolerável e não socialmente aceitável.

Que outra necessidade tinham eles do Iavlinski ou da União de Forças de Direita? Para nossos novos-ricos, liberdade nada tem a ver com partidos políticos. Liberdade é a liberdade para tirar ótimas férias Quanto mais ricos ficam, maior a freqüência com a qual podem voar para longe e não para Antalia na Turquia, mas para o Taiti ou Acapulco. Para a maioria deles, liberdade equivale a acesso ao luxo. Eles acham mais conveniente não fazer lobby por seus inte­resses por intermédio dos partidos e movimentos pró-Kremlin, cuja maioria simplesmente é corrupta. Para esses partidos, cada problema tem seu preço; você paga o dinheiro e consegue a legislação de que necessita ou a questão é levada por um deputado da Duma ao Gabinete do Procurador-geral. As pessoas até começaram a falar de “denúncias de deputados". Hoje em dia, esse é um meio eficaz para tirar seus concorrentes dos negócios.

A corrupção também explica o crescimento do chauvinista Partido Liberal Democrata, liderado por Jirinovski. Esta é uma oposição" populista, que, na realidade, não é uma oposição porque apesar de sua propensão a explosões histéricas sobre todos os tipos de questões, sempre apóa a linha do Kremlin. O partido rece­be doações substanciais das nossas completamente cínicas e apolíticas empresas de porte médio por defender interesses privados no Kremlin e territórios adjacentes como o Gabinete do Procurador-geral, o Ministério do Interior, o Escritório Federal de Segurança, o Ministério da Justiça e os tribunais. Eles usam a técnica das de­núncias de deputados.

Foi assim que Jirinovski entrou na Duma nas duas últimas elei­ções. Agora ele tem invejáveis 38 assentos.

O partido Rodina é outra organização chauvinista, liderada por Dimitri Rogozin* e criada pelos doutores do Kremlin especi­ficamente para esta eleição. O objetivo era tirar os eleitores mode­radamente nacionalistas dos Bolcheviques Nacionais, mais extre­mistas. O Rodina também se saiu bem, com 37 assentos.

 

Em termos ideológicos, a nova Duma era orientada para o tradi­cionalismo russo e não para o Ocidente. Todos os candidatos pró-Putin haviam forçado rigidamente esta linha. O R corajou a visão de que o povo russo tinha sido humilhado pelo Ocidente, com propaganda abertamente antiocidental e anticapitalista. Na lavagem cerebral anterior às eleições, não havia nenhuma menção a "trabalho árduo", "concorrência" ou "iniciativa", exceto em con­textos pejorativos. Por outro lado, falava-se muito em "tradições nativas russas".

O eleitorado recebeu uma variedade de patriotismo para todos os gostos. O Rodina ofereceu um patriotismo heróico; o RU, patriotismo moderado, e o Partido Liberal Democrata, o chauvinis­mo absoluto. Todos os candidatos favoráveis a Putin fizeram gran­des demonstrações de oração e persignação sempre que localiza­vam uma camera de televisão, beijando a Cruz e as mãos dos sacer­dotes ortodoxos.

Tudo aquilo era risível, mas as pessoas gostaram. Os partidos favoráveis a Putin tinham agora a maioria absoluta na Duma. O RU, partido criado pelo Kremlin, conseguiu 212 assentos. Outros 65 "independentes" também eram pró-Kremlin, para todos os efei­tos. O resultado foi o advento de um sistema de um partido e meio, um grande partido do governo e vários pequenos partidos de orientação similar.

Os democratas falavam muito da importância da criação de um autêntico sistema pluripartidário na Rússia. Foi um assunto pelo qual Ieltsin tinha interesse pessoal, mas agora tudo aquilo estava perdido. A nova configuração da Duma excluía a possibilidade de fortes discordâncias.

Pouco depois das eleições, Putin chegou ao ponto de nos in­formar que o Parlamento não era um lugar para debates, mas para limpeza legislativa. Ele estava gostando do fato de a nova Duma não ser dada a debates.

Os comunistas, como partido, obtiveram 41 assentos, além de 12 por intermédio de comunistas individuais independentes. Sofro em dizer que hoje os deputados comunistas são as vozes mais moderadas e sensatas na Quarta Duma. Eles foram derrubados há somente 12 anos, contudo, no final de 2003, já haviam sido transfi­gurados na grande esperança branca dos democratas russos.

Nos meses que se seguiram, a aritmética na Duma mudou um pouco, com deputados migrando de um partido para outro. Tudo que a administração presidencial queria que fosse aprovado era aprovado pela maioria dos votos. Embora em dezembro de 2003 o RU não houvesse obtido uma maioria suficiente para mudar a Constituição (essas mudanças exigem 301 votos), isto não chegou a ser um problema. Em termos práticos, o Kremlin "planejou" uma maioria constitucional. Escolhi a palavra com cuidado. As eleições foram cuidadosamente planejadas e executadas. Foram realizadas com numerosas violações à legislação eleitoral e, neste aspecto, foram forjadas. Não havia nenhuma possibilidade de se questionar legalmente qualquer aspecto delas, porque os burocratas já haviam assumido o controle do judiciário. Não houve uma única sentença contra os resultados por qualquer instituição judicial, da Suprema Corte para baixo, por mais inequívocas que fossem as evidências. Esta sanção judicial da Grande Mentira foi justificada "para evitar desestabilizar a situação do país".

Os recursos administrativos do Estado entraram em ação nessas eleições exatamente da mesma forma com que entravam no perío­do soviético. Isto também foi verdade nas eleições de 1996 e 2000, para garantir a eleição e Ieltsin, embora ele estivesse velho e decré­pito. Desta vez, porém, nada deteve a administração presidencial. Os funcionários se uniram ao RU com o mesmo entusiasmo que tinham com o Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Putin reviveu o sistema soviético como nem Gorbatchov ou Ieltsin haviam feito. Sua realização única foi o estabelecimento do RU, para regozijo dos funcionários públicos satisfeitíssimos por se tor­narem membros do novo PCUS. Eles haviam sentido a falta do Big Brother, que sempre pensava por eles.

Porém, o eleitorado russo também estava sentindo falta do Big Brother, pois não ouvira palavras de conforto por parte dos demo­cratas. Não houve protestos. Os slogans eleitorais do RU foram roubados dos comunistas e falavam de ricos sanguessugas roubando nossa riqueza nacional e nos deixando em andrajos. Os slogans se mostraram tão populares precisamente porque agora não eram os comunistas que os estavam proclamando.

Também deve ser dito que, em 2003, pelos esforços dos mem­bros do RU, a maioria dos nossos cidadãos apoiou sinceramente a prisão do oligarca Mikhail Khodorkovski,* dirigente da empresa de petróleo Iukos. Conseqüentemente, embora a manipulação dos recursos administrativos do Estado para fins políticos fosse um abuso, os políticos tinham apoio do público. Era apenas uma ques­tão de o governo não deixar nada ao acaso.

 

8 de dezembro

Logo cedo os analistas políticos se reuniram no programa Livre Debate para discutir os resultados à medida que chegassem. Eles estavam tensos. Igor Bunin falou de uma crise do liberalismo russo, de como o caso da Iukos havia subitamente provocado uma onda de sentimento antioligárquico durante a campanha. Eles falaram do ódio que havia se acumulado no coração de muitas pessoas, "espe­cialmente pessoas decentes que não podiam apoiar Jirinovski", e do fato de o eclético RU ter conseguido unir todos, dos mais liberais aos mais reacionários. Ele previu que o presidente não iria aceitar os liberais na elite dirigente.

No mesmo programa, Viatcheslav Nikonov, neto de Molotov, sugeriu que os jovens não haviam votado e que esta seria a princi­pal razão para a derrota dos democratas. "Ivan, o Terrível e Stalin são mais do gosto do povo russo."

O programa continuou à tarde. O clima era funéreo, com a sensação de uma tempestade iminente. Aqueles que estavam no estúdio pareciam mais inclinados a pedir abrigo do que a lutar.

Georgi Satarov, ex-conselheiro do presidente Ieltsin, insistia que o resultado fora decidido pelo “voto nostálgico" das pessoas saudosas da URSS. Os democratas entraram com muito estardalhaço. O escritor Vasili Aksionov reclamou que os liberais haviam deixado de explorar a ilegalidade do caso da Iukos. Ele tinha razão. Os demo­cratas deixaram de assumir uma posição, para um lado ou para o outro, sobre a questão do tratamento dado a Khodorkovski.

 

O Livre Debate logo foi tirado do ar pela NTV, sobre o que Putin comentou: "Quem precisa de um programa para políticos perde­dores?" Sem dúvida ele se referia a Iavlinski, Nemtsov e outros liberais e democratas derrotados.

Viatcheslav Nikonov iria se transformar, poucos meses depois, em partidário ferrenho de Putin. Haveria muitas conversões entre os analistas políticos.

Assim, para onde iríamos? Nossas liberdades nos foram conce­didas de cima para baixo e os democratas continuaram a correr ao Kremlin em busca de garantias de que não seriam eliminados, acei­tando de fato o direito do Estado de regular o liberalismo. Eles con­tinuaram a ceder terreno e agora não tinham para onde correr.

Em 25 de novembro, 13 dias antes das eleições, vários de nós jornalistas haviam conversado por cerca de cinco horas com Grigori Iavlinski, do partido Iabloko. Ele parecia muito calmo e confiante, quase arrogante, de que conseguiria se eleger para a Duma. Suspeitamos de que algum pacto tinha sido fechado com a Administração Presidencial; a provisão de recursos administrativos para apoiar o Iabloko em troca do "enterro" de várias questões durante a campanha. Para mim e para muitos outros que costuma­vam votar no Iabloko, aquilo deu arrepios.

Iavlinski não tinha tempo para a idéia de uma aliança entre o Iabloko e a União de Forças de Direita.

"Acho que a União de Forças de Direita teve enorme impor­tância na solução da guerra na Tchetchênia. Era o único partido que poderia, de algum modo, ser descrito como democrático e a favor da sociedade civil; contudo, eles preferiram dizer que o Exército Russo estava renascendo na Tchetchênia e que qualquer pessoa que pensasse de outra forma seria um traidor que estava esfaqueando pelas costas as tropas russas."

"Com quem então o Iabloko pode se unir contra a guerra na Tchetchênia?"

"Agora? Não sei. Se a União de Forças de Direita admitisse que estava errada, poderíamos discutir a possibilidade de uma alian­ça com ela. Mas, enquanto Nemtsov fingir ser uma pomba da paz e Tchubais* estiver falando do ideal liberal, você terá de me descul­par, mas não estou preparado para discutir essa possibilidade. Com quem mais poderíamos nos unir, eu não sei."

"Mas não foi a União de Forças de Direita que iniciou a segunda Guerra na Tchetchênia?"

"Não, foi Putin, mas a União o apoiou como candidato à Presidência e, incidentalmente, legitimou-o como líder guerreiro aos olhos da elite intelectual e de toda a classe média."

"O senhor está em luta contra a União de Forças de Direita. Não quer uma aliança com ela, mas fez várias concessões ao presi­dente e seu gabinete para obter algum apoio administrativo para sua campanha. No meu entender, e tem havido muitos boatos a este respeito, a guerra na Tchetchênia é precisamente a concessão em questão. O senhor concordou em não fazer muito barulho a respeito da questão tchetchena e, em troca, garantiram-lhe a por­centagem de votos necessária à sua eleição para a Duma."

"Não confie em boatos. Esta é uma abordagem completamen­te errada. Também há boatos sobre seu próprio jornal. Nenhum jornal pode escrever a respeito da Tchetchênia, mas o seu não foi fechado por fazê-lo. O boato é que eles lhe dão esse espaço para que possam ir a Estrasburgo e sacudir seu jornal para mostrar que temos uma imprensa livre. Vejam o que está sendo escrito sobre a Tchetchênia na Novaya gazeta Não creio, nem por um momento, que as coisas sejam realmente assim..."

"Mesmo assim, dê uma resposta direta, por favor."

"Eu nunca fechei nenhum acordo deste gênero, nem concor­dei em fazer concessões. Isto está fora de questão."

"Mas o senhor teve conversações com o governo?"

"Não, nunca. Eles falaram de nos dar dinheiro em setembro de 1999."

"De onde vinha aquele dinheiro?"

"Não chegamos a esse tipo de detalhe, porque eu disse que aquilo era inaceitável. Eu disse que não era contra Putin - só o conhecia de vista -, mas dizer que eu endossaria tudo o que ele iria fazer com seis meses de antecedência era impossível. A resposta que me deram foi: “Então, neste caso, também não podemos chegar a um acordo com você.” Mais tarde, depois das eleições, quando os líderes dos partidos foram convidados ao Kremlin e receberam lugares de acordo com sua porcentagem da votação, um dos convi­dados mais bem colocado disse: “E você poderia estar sentado aqui...” Eu respondi: “Bem, é assim que as coisas são. “Desta vez eles nem ofereceram."

"Quando o senhor falou com Putin pela última vez?"

"Em 11de julho, a respeito do caso de Khodorkovski e as bus­cas na Iukos."

"A seu pedido?"

"Sim. Eles reuniram todo o Conselho de Estado e os líderes dos partidos políticos no Kremlin para discutir programas econô­micos etc. A reunião terminou às dez e meia da noite e eu disse a Putin que precisava falar urgentemente com ele. Às onze e meia, encontrei-me com ele na sua casa. Discutimos vários problemas, mas o principal foi Khodorkovski."

"O senhor compreendeu que Khodorkovski seria preso?"

"Não havia como saber com antecedência, mas estava claro que o caso era levado muito a sério. Percebi que algo de ruim iria acontecer a Khodorkovski quando o Financial Times de Londres publicou um enorme artigo com fotos de Khodorkovski, Mikhail Fridman* e Roman Abramovitch, sob uma grande manchete, coisa que o jornal normalmente não faz. A matéria dizia que aqueles oligarcas estavam transferindo suas riquezas para o Ocidente e se pre­parando para vender tudo lá. Havia citações de Fridman, dizendo que era impossível criar empresas modernas na Rússia, que, apesar de eles serem realmente gerentes muito bons, não havia como, em meio a toda a corrupção, criar empresas adequadas em nosso país."

"O senhor já aceitou o fato de que Putin vencerá uma segun­da eleição?"

"Mesmo que eu não aceite, ele o fará."

"Como o senhor avalia realisticamente suas chances?"

"Como vou saber? Nossa pesquisa nos diz que temos oito ou nove por cento, mas estamos falando de eleições em que os votos são somados aqui, somados ali, e eles chamam isso de ‘democracia administrada’. As pessoas simplesmente desistem."

"Tenho a impressão de que o senhor também está desistindo. Afinal, o povo da Geórgia rejeitou os resultados de eleições frauda­das e utilizou métodos extraparlamentares para alterar a situação. O senhor deveria fazer o mesmo? Todos nós deveríamos? Está prepa­rado para recorrer a métodos extraparlamentares?"

"Não, não tomarei esse caminho, porque sei que na Rússia isso terminaria em derramamento de sangue e não o meu."

"E quanto aos comunistas? Acha que poderão ir às ruas?"

"Todos estão recebendo gradualmente a informação de que receberão entre 12 e 13%. Isto já se tornou pensamento convencio­nal. Não descarto essa possibilidade, porque politicamente Putin os tem enganado com sucesso. O RU dificilmente irá às ruas porque recebeu 35% e não 38 e não há outros partidos de massa. Eles sim­plesmente não existem. Depois de 1996, a formação de uma opo­sição política na Rússia tornou-se uma impossibilidade prática. Em primeiro lugar, carecemos de um judiciário independente. Uma oposição precisa poder apelar para um sistema judiciário indepen­dente. Em segundo, carecemos de mídia de massa independente. E claro que me refiro à televisão e principalmente aos canais Um e Dois. Em terceiro lugar, não há fontes independentes de financia­mento para nada de substancial. Na ausência desses três fundamen­tos, é impossível criar uma oposição política viável na Rússia."

"Hoje não existe democracia na Rússia, porque democracia sem oposição é impossível. Todos os pré-requisitos para uma opo­sição política foram destruídos quando Ieltsin derrotou os comu­nistas em 1996 e em grande parte nós permitimos que eles fossem destruídos. Hoje não existe nem mesmo a possibilidade teórica de uma manifestação em qualquer parte da Rússia.

"Uma peculiaridade do atual regime é que ele não esmaga brutalmente a oposição, como se fazia na era do totalitarismo. Naquela época, o sistema simplesmente destruiu as instituições democráticas. Hoje, as autoridades do Estado estão adaptando todas as instituições civis e públicas aos seus propósitos. Se alguém tenta resistir, é simplesmente substituído. Caso a pessoa não queira ser substituída, é melhor que tome cuidado. Noventa e cinco por cento de todos os problemas são resolvidos usando essas técnicas de adap­tação ou substituição. Se não gostamos do Sindicato dos Jornalistas, criaremos o Mediasoiuz. Se não gostamos da NTV com este pro­prietário, nós a reinventaremos com um proprietário diferente.

"Se eles começarem a demonstrar um interesse indesejado pelo seu jornal, sei perfeitamente o que acontecerá. Eles começam com­prando seu pessoal, criam uma rebelião interna. Isso não acontece rapidamente, você tem uma boa equipe, mas gradualmente, usando dinheiro e outros métodos, convidando as pessoas para virem para mais perto do poder, apertando os parafusos, acomodando, tudo começa a se desmanchar. Foi o que fizeram com a NTV. Gleb Pavlovski declarou abertamente que eles haviam assassinado a polí­tica pública. Era verdade. As autoridades também deliberadamente criam pares, de forma que todos possam ser trocados. O Rodina pode assumir os comunistas, a União de Forças de Direita pode assumir o Iabloko; o Partido do Povo pode assumir o RU."

"Mas, se eles estão dispostos a usar todos esses truques, do que têm medo?"

"De mudanças. As autoridades do Estado agem de acordo com seus interesses corporativos. Não querem perder poder. Isso as colocaria numa situação muito perigosa e elas sabem disso."

Iavlinski não conseguiu se eleger para a Duma.

Estávamos vendo uma crise da democracia parlamentar russa na era Putin? Não, estávamos testemunhando sua morte. Em pri­meiro lugar, como colocou com precisão Lilia Chevtsova, nossa melhor analista política, os ramos legislativo e executivo do gover­no tinham se fundido e isto havia significado o renascimento do sistema soviético. Em conseqüência desse fato, a Duma era pura­mente decorativa, um fórum para aprovação das decisões de Putin.

Em segundo lugar - e é por isso que este foi o fim e não mera­mente uma crise -, o povo russo deu seu consentimento. Ninguém se levantou. Não houve manifestações, protestos em massa, nem atos de desobediência civil. O eleitorado aceitou o embuste e con­cordou em viver, não apenas sem Iavlinski, mas sem democracia. Concordou em ser tratado como um idiota. De acordo com uma pesquisa de opinião oficial, 12% dos russos pensavam que os repre­sentantes do RU se saíram melhor nos debates anteriores às elei­ções pela televisão. Isto apesar do fato de os representantes do RU terem se recusado terminantemente a participar de qualquer deba­te pela televisão. Eles nada tinham a dizer, a não ser que seus atos falavam por eles. Como observou Aksionov, “0 grosso do eleitora­do disse: “Vamos deixar as coisas como estão.”

Em outras palavras, voltemos à URSS — meio retocada, polida, modernizada, mas a boa e velha União Soviética, agora com o capi­talismo burocrático onde o funcionário público é o principal oli­garca, muito mais rico do que qualquer proprietário de terras ou capitalista.

O corolário foi que, se voltássemos à URSS, Putin iria clara­mente vencer em março de 2004. Esta era uma conclusão obriga­tória. A administração presidencial concordou e perdeu todo o senso de vergonha. Nos meses que se seguiram até 14 de março de 2004, quando Putin de fato foi eleito, os limites dentro do Estado desapareceram e a única restrição era a consciência do presidente. Infelizmente, a natureza humana e a natureza da sua profissão ante­rior indicavam que isto não era o bastante.

 

9 de dezembro

Às 10:53 de hoje uma mulher-bomba suicida explodiu a si mesma diante do Nationale Hotel em Moscou, no outro lado da praça onde está a Duma e a 145 metros do Kremlin. "Onde fica a Du­ma?”, perguntou ela a um transeunte antes de explodir. Durante muito tempo, a cabeça de um turista chinês que estivera ao lado dela ficou no asfalto, sem o corpo. As pessoas gritavam por ajuda, mas, embora não haja carência de policiais nessa área, eles só se aproxima­ram do local da explosão 20 minutos depois, temendo outra explo­são. Meia hora depois do incidente, chegaram as ambulâncias. E a polícia fechou a rua.

 

10 de dezembro

Há poucos comentários sobre o incidente terrorista ou sobre por que esses atos ocorrem.

A Câmara Alta da Rússia, o Soviet da Federação, anunciou a data da posse de Putin para o segundo mandato. Ele imediatamente acelera suas atividades, usando todos os tipos de aniversários e datas especiais para se apresentar, ao país e ao mundo, como o maior peri­to da Rússia em qualquer coisa que esteja sendo comemorada. No Dia do Criador de Gado, ele é nosso mais ilustre criador de gado, no Dia dos Construtores, nosso primeiro empreiteiro. É bizarro, é claro, mas Stalin fazia o mesmo jogo.

Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos e Putin con­vocou nossos quatro mais destacados defensores dos direitos huma­nos (selecionados por ele) ao Kremlin para uma reunião da Comissão Presidencial dos Direitos Humanos. Começou às 18:00 e foi presidi­da por Ella Parnfilova,*, uma democrata da era de Ieltsin.

O pediatra dr. Leonid Rochal falou por um minuto a respeito de quanto ama o presidente; Liudmila Alexeieva, do Moscow Helsinki Group, falou por cinco minutos do uso impróprio de recursos do Estado durante eleições (o que Putin não negou); Ida Kuklina, da Liga de Comitês de Mães de Soldados, falou por três minutos da exploração de soldados como escravos e outros horro­res do exército; Valeri Abramkin, do Centro pela Reforma do Sistema de Justiça Criminal, falou por cinco minutos das coisas que acontecem nas casas de detenção (o presidente pareceu gostar mais do discurso dele do que dos outros); Ella Pamfilova falou extensa­mente das péssimas relações entre os defensores dos direitos huma­nos e órgãos de aplicação da lei; Svetlana Gannuchkina, do Memorial de Direitos Humanos, teve três minutos para explicar as implicações das novas leis sobre a cidadania; Tamara Morcht-chakova, conselheira do Tribunal Constitucional, teve sete minutos para apresentar propostas para tornar publicamente responsáveis as autoridades do Estado; Alexei Simonov falou por três minutos da liberdade de falar e da desagradável situação dos jornalistas, e Sergei Borisov e Alexander Auzan, da Associação de Consumidores, falou da necessidade de proteger as pequenas empresas.

Alinhados contra eles estavam o chefe e o subchefe da admi­nistração presidencial; o procurador-geral da Rússia, Vladimir Usti-nov; o ministro do Interior, Boris Grizlov; o ministro da Justiça; o ministro da Imprensa. O presidente dos Tribunais Constitucional, Supremo e de Arbitragem de Negócios. Nikolai Patrushev, diretor do FSB,* também estava presente no início, mas saiu pouco depois.

Todos os oradores atacaram o procurador-geral Ustinov. Entre os ataques, Putin também lhe fez uma reprimenda e o acusou de decisões injustificáveis. Tamara Morchtchakova fez um comentário legal sobre o que estava sendo dito, recomendando, por exemplo, que um assistente social deveria estar presente durante o interroga­tório de menores e suas aparições nos tribunais. Esta é uma prática-padrão em muitos países, mas para o Kremlin parecia radicalmente nova. Ustinov defendeu-se, afirmando que isso seria contrário às leis russas, e Morchtchakova mostrou que as leis por ele citadas sim­plesmente não existiam. Isto significava que o procurador-geral não conhecia as leis, algo claramente impensável, ou estava deliberada­mente iludindo seus ouvintes. Com Putin presente, isso também era impensável, o que levou de volta à primeira possibilidade, que era incompatível com um ocupante da Procuradoria-geral.

"É somente quando eles têm experiência pessoal direta de alguma coisa que se pode chegar a algum lugar", contou-me Svetlana Gannuchkina. ”Enquanto o presidente falava com Bush ao telefone, fui até Viktor Ivanov, subchefe da administração presiden­cial e presidente de um grupo de trabalho sobre legislação para migração. Constatei inesperadamente que ele também nutria senti­mentos negativos com relação ao visto residencial. A mulher de Ivanov recentemente havia ficado cinco horas numa fila para obter vistos temporários para amigos que vieram ficar com eles em Moscou. Isso a deixou furiosa."

Isso estimulou Ivanov a reconhecer a loucura de reviver o visto residencial e ele jurou combatê-lo. Como general do FSB, ele se ofereceu para formar um grupo de trabalho conjunto com Gannu­chkina para reformar o visto. "Ligue para mim", disse ele. "Faça uma lista de membros para o grupo. Trabalharemos juntos nela."

Outro exemplo do triunfo do envolvimento pessoal sobre a inércia burocrática veio quando Valeri Abramkin, um defensor dos direitos dos prisioneiros, contou ao presidente uma história terrível a respeito de duas menores que haviam sido presas injustamente. Sua situação de menores de idade foi ignorada tanto pelo tribunal quanto pelas autoridades da prisão e só foi descoberta depois de que as jovens tinham sido levadas sob custódia até o exílio, quando foram libertadas. Inesperadamente, Putin reagiu fortemente ao fato. Algo de humano brilhou em seus olhos. Acontece que sua família havia passado por um incidente semelhante, envolvendo duas garo­tas que tinham sofrido por desrespeito à lei e às quais sua mulher estava dando apoio. Parece realmente que alguma experiência pes­soal é um pré-requisito para o governo se concentrar nas vítimas de injustiças.

"Tem-se a impressão de que, em certas áreas, as informações do presidente são de baixa qualidade e incompletas. E ele nada faz a este respeito", foi a reação de Svetlana Gannuchkina.

Na maior parte do tempo, Putin ouviu o que estava sendo dito e, quando falou, colocou-se do lado dos oradores. Fingiu ser um defensor dos direitos humanos. Evidentemente, agora que os democratas foram silenciados, ele irá representar o Iabloko e a União de Forças de Direita para nós. A previsão dos analistas polí­ticos na noite das eleições parlamentares se realizou.

Este era provavelmente o principal objetivo de Putin ao reunir os defensores dos direitos humanos: mostrar-lhes quais eram suas preocupações. Ele é um excelente imitador. Quando é necessário, é um de vocês; quando não é, ele é seu inimigo. Ele é perito em se colocar no lugar das outras pessoas e muitas são cativadas pelo seu desempenho. Os defensores dos direitos humanos também se enterneceram com a personificação deles por Putin e, a despeito das suas visões fundamentalmente diferentes sobre a realidade, ren­deram-se a seus encantos.

Em certo momento, alguém revelou que eles sentiam que Putin os compreendia muito melhor do que os funcionários da segurança. Putin foi descarado e rebateu na hora: "É porque, no coração, eu sou um democrata."

Nem é preciso dizer que depois disso a alegria de todos aumentou. O dr. Rochal pediu para falar apenas por um momen­to. "Vladimir Vladimirovitch", disse ele, "gosto muito de você..." Ele já dissera isso antes. Vladimir Vladimirovitch baixou os olhos para a mesa.

O médico prosseguiu.”... e não gosto de Khodorkovski." Vla­dimir Vladimirovitch subitamente enrijeceu. Só Deus sabia para onde aquele pediatra estava indo. E sua canoa certamente estava indo diretamente para os recifes. "Embora goste de você e não de Khodorkovski, não estou preparado para prendê-lo. Afinal, ele não é um assassino. Para onde achamos que ele poderia fugir?"

Os músculos faciais do presidente estavam tensos e os presen­tes morderam a língua. Depois daquilo, ninguém voltou a mencionar o nome de Khodorkovski, como se Putin fosse um pai mori­bundo e Khodorkovski seu filho pródigo. Os defensores dos direi­tos humanos não levaram adiante o ataque, como se poderia espe­rar, mas puseram o rabo entre as pernas. O céu escureceu e somen­te uma pessoa ousaria, depois do lapso sobre a Iukos, levantar outro tópico que os assessores do presidente sempre pedem que não seja mencionado, por temerem que ele se descontrole. Svetlana Gannu-chkina levantou a questão da Tchetchênia.

Concluindo seu curto discurso sobre os problemas de migra­ção, os quais haviam sido resolvidos pelo governo, Gannuchkina prosseguiu dizendo que não podia esperar que o presidente falasse da Tchetchênia e queria simplesmente presenteá-lo com um livro que havia acabado de ser publicado pelo Centro Memorial de Direitos Humanos, Aqui vivem pessoas: Tchetchênia, uma história de violência.

Aquilo foi inesperado. Os assessores não tiveram tempo para intervir. Putin pegou o livro e, também de forma inesperada, demonstrou interesse por ele. Ficou folheando o livro até o encer­ramento da reunião, às 22:30. No fim, ele mesmo começou a falar da Tchetchênia.

"Em primeiro lugar", lembra Gannuchkina, "ele tem certeza de que é certo atropelar os direitos humanos no decorrer da cam­panha contra o terrorismo. Há fundamentos que justificam a não observância da lei, circunstâncias nas quais a lei pode ser despreza­da. Em segundo lugar, folheando o livro, Putin comentou. ‘Está mal escrito. Se você escrevesse de forma que as pessoas pudessem entender, elas a seguiriam e você poderia exercer influência real sobre o governo. Mas, da maneira como as idéias estão apresenta­das, isto será impossível.’ “

E claro que o que ele tinha em mente não era a Tchetchênia, mas a derrota do Iabloko e da União de Forças de Direita nas elei­ções. "Putin tem razão", acredita Gannuchkina. Ela é há muito tempo membro do Iabloko e trabalhou na Duma assessorando os deputados do partido. "Somos incapazes de explicar às pessoas que não estamos em um lado nem em outro, mas defendendo direitos."

Depois a conversa passou para o Iraque. Os defensores dos direi­tos disseram que não havia comparação: os tchetchenos eram cida­dãos russos, ao contrário dos iraquianos. Putin respondeu, dizendo que a Rússia deu uma melhor impressão de si mesma do que os Estados Unidos, porque investigou as acusações contra militares que cometeram crimes na Tchetchênia com muito maior freqüência do que os Estados Unidos contra seus criminosos de guerra no Iraque.

O procurador-geral entrou na conversa: "Mais de seiscentos casos." Os defensores dos direitos humanos não deixaram aquilo passar: quantos daqueles casos tinham levado a sentenças de fato? A pergunta ficou no ar, sem resposta.

Liudmila Alexeieva, líder do Moscow Helsinki Group e uma espécie de decana extra-oficial dos defensores russos dos direitos humanos, uma pessoa que as autoridades do Estado haviam eleva­do à posição de ícone, ao menos para o Kremlin, propôs a convo­cação de uma mesa redonda com os mesmos participantes para dis­cutir os problemas da Tchetchênia com o presidente. "Precisaremos pensar nisso", murmurou Putin enquanto se despedia, o que signi­ficava: "Isso nunca irá acontecer."

 

De fato, não aconteceu a discussão sobre a Tchetchênia entre Putin e os defensores dos direitos humanos, mas depois da reunião de dezembro alguns deles, juntamente com alguns democratas, decidi­ram transferir sua lealdade dos derrotados Iavlinski e Nemtsov para o novo democrata Putin, que para eles seria igualmente bom.

O mesmo aconteceu com vários jornalistas conhecidos. Reputações foram comprometidas diante de nossos olhos. Vimos quando Vladimir Soloviov, um conhecido apresentador de rádio e televisão, um dos mais ousados, bem informados e democráticos repórteres, que há não muito tempo havia revelado a maldade do governo no caso do ataque químico no desastre ocorrido na apre­sentação do musical Nord-Ost (em que 912 espectadores de um musical foram feitos reféns pelos tchetchenos), de um momento para outro proclamou publicamente seu apaixonado apoio a Putin e ao Estado russo.

Isso aconteceu porque ele foi trazido para mais perto do Kremlin e "adoçado". Ele se transformou. Este é um problema recorrente russo: a proximidade com o Kremlin torna as pessoas lentas para dizer não e também menos seletivas. O Kremlin sabe muito bem disso. Quantas pessoas já foram por ele asfixiadas? Em primeiro lugar, elas são gentilmente trazidas para o peito das auto­ridades. Na Rússia, a melhor maneira de subjugar até mesmo a pes­soa mais recalcitrante não é o dinheiro, mas tirar as pessoas do frio lá de fora, inicialmente a uma certa distância. Os rebeldes logo começam a ceder. Vimos isso com Soloviov, com o dr. Rochal e agora até os admiradores de Sakharov* e de Ielena Bonner* estão começando a falar do carisma de Putin, dizendo que ele lhes dá motivos para ter esperança.

É claro que essa não é a primeira vez na história recente em que vemos esta aproximação entre o regime e defensores dos direi­tos humanos, o regime e os democratas. Porém, é certamente a pri­meira vez em que isso tem sido tão destrutivo para os antigos dissi­dentes. Que esperança existe para o povo russo se uma parte da oposição foi eliminada e a outra, quase tudo o que resta, está sendo posta de lado para uso posterior?

 

11 de dezembro

Nesta manhã, aconteceu de novo, uma reputação destruída pelo abraço do Kremlin. Andrei Makarevitch era um músico de rock unerground no período soviético, um dissidente, um opositor da KGB,* que costumava cantar com paixão "Não baixe sua cabeça diante do mundo incerto. Um dia esse mundo irá baixar sua cabe­ça para nós". Esse era o hino dos primeiros anos de democracia sob Ieltsin. Hoje, na televisão estatal Canal Um, ele está recebendo uma medalha "Por Serviços à Pátria".

Makarevitch saiu em apoio ao RU e tomou parte das primei­ras reuniões pré-eleitorais. Ele realmente baixou a cabeça para Putin e para o partido. E contou às pessoas como Vladimir Vladimirovitch era um bom sujeito e, surpresos, agora o vemos recebendo favores oficiais; um ex-dissidente que não ficou cons­trangido por se juntar ao partido do Kremlin.

Putin deu uma recepção aos líderes dos partidos da Duma, pois hoje é o último dia da Terceira Legislatura. Ele falou de aconteci­mentos nas relações entre os ramos do poder do Estado. Iavlinski sorriu ironicamente.

Pouco tempo depois, no prédio da Duma em frente ao Krem­lin, foi realizada a última sessão do Parlamento que saía. Quase todo mundo estava lá. O RU estava bem-humorado e não tentava ocul­tar o fato. Por que fariam isso? Todos os dias, deputados recém -eleitos por outros partidos estavam se bandeando para o RU, para mais perto de Putin. O RU está inflando como um balão de ar quente.

Iavlinski permaneceu afastado de todos, sempre sozinho. Ele estava intratável e taciturno. O que havia para aplaudir? A destrui­ção da democracia parlamentar russa foi realizada no décimo ani­versário da Primeira Duma, sob a presidência de Ieltsin. Amanhã, 12 de dezembro, também é o décimo aniversário da nova Cons­tituição "Ieltsin" da Rússia.

Nemtsov está tentando dar tantas entrevistas quanto possível enquanto as pessoas ainda estão interessadas nele. E explica: “A União de Forças de Direita e o Iabloko estão fazendo o impossível uma coisa que antes de 7 de dezembro parecia uma fantasia: esta mos tentando nos unir." As pessoas não acreditam totalmente nele. Todos os eleitores a favor da democracia estavam rezando para que eles se unissem antes de 7 de dezembro para ter impacto nas eleições, mas eles simplesmente não estavam interessados.

Gennadi Selezniov, o orador, faz um discurso de despedida que ninguém ouve. Ele sabe que seus dias de orador estão encerrados porque no futuro o ocupante da posição não será eleito pelo Parlamento, mas nomeado pelo Kremlin. E todos sabem quem se ele: Boris Grizlov, amigo de Putin e um de seus cúmplices m; leais, líder do RU e ministro do Interior. É inquestionavelmente um momento histórico. Ao darmos adeus à Terceira Duma, estamos dando adeus a uma época política. Putin esmagou o Parlamento argumentativo.

As exigências dos partidos não fizeram com que o Kremlin negligenciasse assuntos ligados a dinheiro. O ataque à Iukos cor nua, com nosso mundo dos negócios tentando pôr as garras em partes da empresa enquanto tudo ainda pode ser agarrado. O Tribunal de Arbitragem de Iakutia decidiu em favor da Surgutnefteftegaz uma empresa que perdeu para a Sakhaneftegaz, posteriormente comprada pela Iukos, em um leilão de direitos de exploração petróleo e gás realizado em março de 2002. O veredicto afastou Iukos do campo de Talakan, com suas reservas de petróleo de milhões de toneladas e 60 bilhões de metros cúbicos de gás, e concedeu à rival uma licença perpétua para explorar a concessão cen­tral do campo.

O Tsentrobank registra outro recorde na recuperação das reser­vas de ouro e moedas estrangeiras. Até 5 de dezembro, elas são de US$70,6 bilhões. Mas isto é um triunfo? Uma das principais razões pelas quais as empresas estão se desfazendo dos seus lucros em moeda estrangeira é a grave situação da Iukos, acusada pelo Estado de ter ocultado seus ganhos visando a uma evasão fiscal. As outras não estão provocando o destino e convertem seus lucros em rublos. A confusão sobre a Iukos não está prejudicando em nada o Estado, motivo pelo qual ele pode pagar sua dívida externa. O povo russo se alegra sem ter idéia do que está acontecendo.

Hoje também é o nono aniversário do início das últimas guer­ras da Rússia contra os tchetchenos. Em 11 de dezembro de 1994, os primeiros tanques entraram em Grozni e vimos os primeiros sol­dados e oficiais queimados vivos dentro deles. Hoje não houve menção a este fato em nenhum dos canais de televisão. O aniversá­rio foi eliminado do calendário da Rússia.

Essa unanimidade das estações de televisão não pode ser fortui­ta e deve refletir instruções da administração presidencial, o que significa que podemos ter certeza de que a campanha presidencial de Putin excluirá todas as menções à Tchetchênia. É assim que ele age: como não sabe o que fazer a respeito da Tchetchênia, esta não entrará em sua agenda.

A noite, houve um debate na TV entre Valeria Novodvorskaia, uma democrata até a medula, e Vladimir Jirinovski. Ela falou da monstruosa irresponsabilidade da guerra na Tchetchênia, do sangue e do genocídio. A resposta de Jirinovski foi gritar histericamente: "Saia do país! Nunca cederemos a eles!" Na votação depois do pro­grama, os telespectadores deram 40 mil votos a favor de Jirinovski e 16 mil para Novodvorskaia.

 

12 de dezembro

Dia da Constituição. É feriado. Moscou está inundada de homens da guarda nacional e agentes em trajes civis. Há cães por toda parte, farejando em busca de explosivos. O presidente deu uma grande recepção no Kremlin para a elite política e oligárquica e fez um dis­curso sobre direitos humanos, baseado na idéia de que eles haviam triunfado na Rússia. Ieltsin estava presente, com aparência mais sau­dável e jovem, mas com problemas mentais evidentes por toda a face. Ele estava lá porque a Constituição foi adotada durante seu governo. Normalmente ele não é convidado ao Kremlin de Putin.

Uma pesquisa revelou que somente 2% dos russos têm idéia do que de fato diz a Constituição. Quarenta e cinco por cento pensam que sua principal garantia é o "direito ao trabalho" e somente 6% mencionaram a liberdade de expressão como uma coisa fundamen­tal para seu modo de vida.

 

18 de dezembro

Um programa de perguntas na televisão. Uma grande ocasião em que Putin se encontra com o povo. Foi anunciado que mais de um milhão de perguntas tinham sido apresentadas. O diálogo virtual do presidente com o país teve como seus apresentadores os favoritos Sergei Brilev, do canal Rossia, e Iekaterina Andreieva, do Canal Um.

Andreieva para Putin: Esta é a terceira vez em que você se apresenta nesta linha direta. Eu também. Está nervoso?

Putin: Não. Não prometa o que você não pode cumprir e não minta; assim você não tem nada a temer.

Brilev, cheio de alegria: É parecido com nosso trabalho...

Putin: Tudo o que a Rússia tem conseguido foi obtido com muito trabalho. Tem havido muitas dificuldades e reveses, mas a Rússia mostrou ser um país que se mantém firme sobre seus pés e está se desenvolvendo rapidamente. Trouxe comigo algumas estatís­ticas. Em 2002, nossa taxa de crescimento era de 4,3%. Para este ano, foram projetados 5%, mas atingiremos 6,6 ou mesmo 6,9. Os pagamentos da nossa dívida externa foram reduzidos. Pagamos 17 bilhões de dólares e o país nem sentiu. As reservas em ouro e moe­das estrangeiras eram de US$11 bilhões. Em 2003, elas subiram para US$20 bilhões e hoje são de US$70 bilhões. Estas não são estatísti­cas vazias. Muitos fatores estão envolvidos. Se continuarmos com nossa atual política econômica, não haverá mais evasão de divisas. Por outro lado, no início de 2003, havia 37 milhões de pessoas cuja renda estava abaixo do nível de subsistência. No terceiro trimestre de 2003, esse número tinha caído para 31 milhões, mas isso ainda é humilhante. O nível médio de subsistência é 2.121 rublos [cerca de US$80] por mês, o que é muito baixo, e 31 milhões de pessoas vivem abaixo desse nível.

Uma pergunta de Komosomolsk-on-Amur, da região de Khabarov: Nossa cidade é a terceira maior no Extremo Oriente da Rússia, um enorme centro industrial, uma cidade de jovens, mas muito distante de Moscou. Meu nome é Kirill Borodulin. Trabalho no estaleiro do Amur. Hoje ainda estamos trabalhando para expor­tação. Quando teremos pedidos da indústria da defesa russa? Queremos ser necessários à Rússia.

(As perguntas não dão a impressão de ser espontâneas e as res­postas parecem ter sido preparadas. Putin lê estatísticas de suas ano­tações, embora a pergunta tenha sido feita "ao vivo". É evidente que ele só responderá às perguntas que quiser.)

Putin: O fato de vocês estarem trabalhando para exportação é inteiramente positivo. Está sendo travada uma batalha pelo merca­do de armas e a Rússia não está se saindo de todo mal. Temos um programa de aquisição de armamentos para até o ano 2010 e ele está sendo totalmente financiado. É claro que há problemas; sempre gostaríamos de alocar mais recursos às nossas Forças Armadas. As prioridades são decididas pelo Ministério da Defesa, que colocou novos aviões na oitava posição de sua lista de prioridades, apesar das guerras de hoje serem travadas com aviões. Vocês podem ter certe­za de que seus serviços serão exigidos.

Katia Ustimenko, estudante: Votei pela primeira vez. O que podemos esperar da nova Duma?

Putin: Nenhum Estado civilizado pode viver sem uma institui­ção legislativa. Muitas coisas dependem da Duma. Esperamos um trabalho eficiente e sistemático.

Alexander Nikolaevitch: Moro em Tula, na mesma casa em que meu pai viveu antes de mim. As fundações estão cedendo. Estamos numa área de escavações. Por que o Estado fala tanto, mas ainda não resolve o problema de acomodações do solo?

Putin: Estive em Tula e fiquei surpreso com o estado das residên­cias. Existem maneiras e meios. Quais são? Até há poucos anos, o Estado não alocava praticamente fundo nenhum. Em 2003, pela pri­meira vez destinamos fundos para corrigir este problema: 1,3 bilhão de rublos [pouco mais de US$49 milhões] do orçamento federal. A mesma quantia deveria ser alocada dos orçamentos municipais. A saída é desenvolver empréstimos hipotecários. Caso as hipotecas tivessem sido introduzidas, você teria conseguido fazer uso delas. Qual é seu salário mensal? Você trabalha numa região eficiente.

Alexander Nikolaevitch: São 12.000 rublos [US$450].

Putin: Você teria direito a uma hipoteca. Precisamos fazer algu­mas mudanças legislativas.

Iuri Sidorov, Kuzbass: Trabalhar como mineiro é perigoso. Por que a pensão dos mineiros foi reduzida à taxa estatutária? Que tipo de pensão é esse?

Putin: O salário médio dos mineiros é de 12.000 rublos men­sais e o salário médio nacional é de 5.700 rublos [US$216]. A lógi­ca da reforma das pensões reflete diretamente as contribuições fei­tas a partir do salário. Sua pensão irá diferir positivamente da média; ela será mais alta. Esta mudança já foi introduzida. O fundo nacional de pensões está abrindo uma rede de centros de consultas em todo o país e nos locais de trabalho. Converse com eles.

Valentina Alexeievna, de Krasnodar: O senhor ainda não anun­ciou o que pretende propor nas eleições presidenciais. Quais são seus planos?

Putin: Farei um pronunciamento oficial em futuro próximo.

Alexei Viktorovitch, estaleiro de reparos navais, província de Murmansk: Não estamos recebendo salários nem férias desde agos­to. Quando isso será corrigido?

Putin: No que diz respeito ao orçamento, já tratamos das ques­tões. Os atrasos salariais não devem exceder dois dias. Mas, na parte relativa às indústrias, existem diversas variações. Há empresas estatais, algumas das quais estão sendo reclassificadas como empresas financia­das pelo orçamento. Várias estão com graves problemas financeiros. Em outros casos, os responsáveis são os proprietários e gerentes.

Pergunta de Brilev: O que o senhor acha de ter sua foto em escritórios do governo?

Putin: O presidente é um símbolo do Estado; portanto, não há nada de terrível nisso. Tudo é bom com moderação. Quando ela é esquecida, dá lugar a preocupações.

Sargento Sergei Sergeivitch, base militar russa em Kant, Kirghizia: Os americanos conseguiram capturar Saddam Hussein, mas haverá no Iraque um segundo Vietnã. Todos irão fugir. O caos afetará a todos.

Putin: Sergei Sergeievitch, não é de nosso interesse nacional ver os Estados Unidos derrotados numa luta contra o terrorismo internacional. Quanto ao Iraque, é uma questão à parte. Não houve lá nenhum terrorismo internacional sob Saddam Hussein. Sem a sanção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a invasão não pode ser considerada legal, para dizer o mínimo. Porém, em todas as eras, grandes impérios tiveram ilusões a respeito da sua invulnerabilidade, um senso de grandeza e infalibilidade. Isto inva­riavelmente causou muitos problemas. Espero que isto não aconte­ça com nossos parceiros americanos.

Vitali Potapov, eletricista, Borovitchi, província de Novgorod: Antes das eleições para a Duma, sua cadela teve filhotes. Como vão eles?

Putin:Vão bem. São cheios de vida, mas ainda não abriram os olhos. Quanto ao futuro deles, temos recebido muitas solicitações de pessoas que desejam adotá-los. E meus filhos e minha mulher preci­samos pensar nisso. Temos que saber bem a quem iremos doá-los.

Balkarov, kabardiniano, Nalchik: Trabalho no teatro russo. Os abkhazianos (moradores de uma parte em disputa da Geórgia) estão ligados aos kabardinianos (que são cidadãos da Rússia). Será que devemos trazer a Abkhazia para a Federação Russa* e evitar uma nova guerra?

Putin: Essa é uma pergunta muito séria, para a Rússia como um todo e, em especial, para o sul do nosso país. Manter a integri­dade territorial do Estado era recentemente um dos nossos princi­pais problemas, um dos mais prioritários. Essa tarefa em grande parte foi concluída. Seguindo esses princípios, não podemos nos recusar a aplicá-los aos nossos vizinhos. Somos membro das Nações Unidas e cumpriremos com nossas obrigações internacionais. Existem peculiaridades ligadas ao fato de a família dos povos mon­tanheses constituir uma comunidade especial, com laços de paren­tesco que remontam a muitos séculos. Não estamos indiferentes ao destino desses povos. Depois do colapso da URSS, surgiram muitos conflitos, em Ossétia do Sul, Karabakh, Abkhazia. Seria um erro supor que todos eles podem ser resolvidos pela Rússia. Eu digo, acertem as questões entre vocês e agiremos como um avalista honesto. Ficaremos de olho no problema da Abkhazia, mas respei­tamos a integridade territorial da Geórgia.

Akhmad Sazaev, escritor balkariano: Fomentar atritos étnicos é proibido por lei, mas, durante a campanha eleitoral, alguns partidos agiram sob o slogan "A Rússia para os russos”. Por que se permitiu que esses partidos divulgassem esses sentimentos pela televisão?

Putin: Qualquer pessoa que diz "A Rússia para os russos" é um idiota ou um encrenqueiro. A Rússia é um país multinacional. O que querem eles, divisão? O desmembramento da Rússia? É muito provável que essas pessoas sejam malandros em busca de ganhos fáceis, que querem mostrar o quanto são radicais. Quanto à campa­nha eleitoral, não vi isto na televisão. Mas, se aconteceu, falarei com o procurador-geral. É preciso tomar providências.

Natalia Kotenkova, Krasnoiarsk: Não está na hora de acabar com a privatização e iniciar a renacionalização?

Putin: Essa pergunta não é nova e tenho minhas próprias opi­niões sobre o assunto. Quando o país iniciou a privatização, supu­nha-se que os novos proprietários seriam mais eficientes. E isso era correto. Porém, as economias desenvolvidas possuem um sistema de administração bem estruturado. Ao receber a tributação sobre as receitas das empresas privadas, o Estado resolve problemas sociais para seus cidadãos. Mas nós esbarramos numa dificuldade. O apare­lho administrativo não existia e os recursos necessários não vieram para o Tesouro. Estou certo de que é necessário fortalecer as insti­tuições e a legislação do Estado e melhorar nosso sistema de admi­nistração, e não parar a privatização.

Dimitri Iegorov, 25 anos: Gosto de rock pesado. De que tipo de música o senhor gosta?

Putin: Gosto de música clássica ligeira e de música russa com letra.

Alexei, província de Sverdlovsk: O senhor foi muito severo na criação de suas filhas?

Putin: Não, infelizmente. Minhas filhas cresceram independen­tes, com senso do próprio valor. Acho que deu um bom resultado.

Irina Mojaiskaia, professora: Nos últimos três anos, houve 12 ataques terroristas em Staropolie. Quarenta e cinco pessoas foram mortas em Iessentuki. Como isto pode ser impedido?

Putin: Qual é a origem do problema? É um problema prove­niente não só da Tchetchênia. Existem pessoas no mundo que acham que têm o direito de influenciar o destino daquelas que ade­rem ao islamismo. Elas pensam que têm o direito de assumir o con­trole de territórios densamente povoados por muçulmanos. Isto é extremamente relevante para nosso país. "Terroristas internacio­nais" é o nome que damos para esse tipo de gente. Eles têm explo­rado os problemas da desintegração da URSS, os quais estão rela­cionados com o que aconteceu na Tchetchênia, mas têm outros objetivos. Eles querem não a independência da Tchetchênia, mas a secessão de todos os territórios com grande população islâmica. Seria terrível se começasse a balcanização da Rússia. Precisamos combater isso. A ameaça vem do exterior. Os grupos islâmicos extremistas do Daguestão* são constituídos por 50% de estrangei­ros. A única saída é não ceder à pressão deles, não entrar em pâni­co. Devemos agir de forma firme e sistemática e os organismos de cumprimento da lei precisam melhorar seu modo de trabalhar.

Anatoli Nikitin, província de Murmansk: Os Escritórios de Assuntos Internos e a agência de combate ao tráfico de drogas parecem pensar que estão trabalhando para ter lucro. O senhor está plenamente informado do que acontece nessas agências?

Putin: Neste ano, houve mais de 19 mil irregularidades nas áreas de responsabilidade do Ministério do Interior e, destas, mais de 2.600 foram violações diretas à lei. Muitos funcionários públi­cos enfrentaram acusações criminais. Os serviços de segurança serão mais fortalecidos. Para lhe dar uma resposta direta, sim, estou ciente da situação real nos órgãos de imposição da lei.

Sergei Tatarenko: O Estado pretende impedir a migração de chineses para o Extremo Oriente?

Putin: Não impedir, mas regular. Precisamos saber onde, quan­tos imigrantes e de que espécie necessitamos e descobrir uma maneira de atrair a mão-de-obra de que precisamos. Nesta esfera, o nível de corrupção é muito alto.

Lidia Ivanova, Khimki, província de Moscou: Será criado um mecanismo para o combate à corrupção nos escritórios dos procu­radores e nos tribunais? E nas instituições executivas do Estado?

Putin: Além de endurecer as investigações nesta questão, preci­samos introduzir mudanças fundamentais. Precisamos iniciar uma reforma administrativa verdadeira. Quanto menos oportunidades os funcionários tiverem para interferir na tomada de decisões, melhor. O sistema judicial deve ser independente, mas transparente - responsável perante a sociedade. Os juizes já possuem um sistema de auto-regulamentação. Espero que comece a funcionar.

Iveta, estudante, Universidade Pedagógica, Nijni Novgorod: Dizem que o senhor é um pupilo político de Anatoli Sobtchak, um dos fundadores do movimento democrático. Qual é sua atitude com relação à derrota das forças da direita política?

Putin: Sobtchak foi meu professor na universidade. A derrota das forças da direita não me dá prazer nenhum. Todas as vozes polí­ticas do país devem estar representadas em nosso Parlamento. Sua ausência é uma grande perda, mas é um resultado da política delas. Elas cometeram erros nas táticas e na estratégia da sua campanha política. Tinham acesso a recursos administrativos – a Tchubais está no comando de todo o sistema de eletricidade da Rússia. As forças de direita tinham tudo, exceto a compreensão daquilo que o povo espera de um partido político. Também houve falta de vontade política por parte das várias forças de direita para chegar a um acor­do sobre um curso de ação conjunto. Espero que essa derrota não resulte no desaparecimento da direita no mapa político. Também devemos ajudá-los. Teremos discussões com a União de Forças de Direita e com o Iabloko e tentaremos fazer uso dos seus recursos humanos.

Vladimir Bikovski,Tchuvachia: O senhor se permite ter emoções? Putin: Sim, infelizmente.

Dobroslava Diatchkova, aposentada, Viborg: Trabalho em um Centro de Esperança para idosos e incapacitados e converso muito com as pessoas que lá estão. Muitas têm parentes e amigos nos Estados Bálticos. Por que a Rússia não toma providências mais positivas para defender a população russa nos Estados Bálticos?

Putin: Nos últimos anos, nosso Ministério das Relações Exteriores tem dedicado cada vez mais atenção a isto. Muitas coi­sas naqueles Estados são causa de preocupação para nós. Não se pode dizer que aquelas pessoas estejam em plena posse de seus direitos e liberdades. Estamos tentando ajudá-las, diplomaticamen­te e nos tribunais em vários níveis, mas alguns padrões europeus, considerados adequados em outras áreas em situação difícil, também devem ser válidos para os Estados Bálticos. Se, na Macedônia, a Organização para Segurança e Cooperação na Europa e a Comunidade Européia acreditam que deve haver representação para a população albanesa no sul do país, por que este princípio não é aplicável a Riga, onde 25% da população são russos? Por que há padrões diferentes? Para não fazer mais mal do que bem aos nossos compatriotas, devemos abordar este assunto com cautela.

Anna Novikova, professora universitária: Os traficantes de dro­gas deveriam ser condenados à prisão perpétua?

Putin: Propus mudanças para tornar as penas mais severas. A Terceira Duma aprovou-as, o Soviet da Federação as apoiou e, há uma semana, as emendas foram transformadas em lei por mim. Há um aumento considerável na severidade - até vinte anos de prisão para determinadas categorias. Considero este um melhoramento importante.

Em seguida, Putin leu uma pergunta que havia escolhido pes­soalmente dentre aquelas enviadas por e-mail: Qual é sua atitude em relação ao aumento do mandato para presidentes?

Putin: Sou contra.

 

Imediatamente depois desta comunhão com o povo, Putin contou à imprensa: "Nosso sistema estatal ainda não está totalmente implantado. Na Rússia, tudo ainda está evoluindo. A comunicação direta com os cidadãos é extremamente útil."

Foi assim que Putin encerrou o evento e isto pode explicar por que compareceu ao programa: "Fortalecer a democracia tem importância política na Rússia. Desenvolveu-se uma situação que nos irá permitir criar um sistema pluripartidário único, com uma ala de centro-direita forte, a social-democracia à esquerda, aliados em ambos os lados e também com representantes de grupos e par­tidos marginais. Agora esta é uma meta que pode ser atingida."

Uma declaração estranha, que não reflete a realidade.

Se considerarmos o programa de perguntas e respostas do ponto de vista pré-eleitoral, os principais elementos da plataforma de Putin em 18 de dezembro pareceriam ser: combate à pobreza, defesa da Constituição, criação de um sistema pluripartidário, com­bate à corrupção e ao terrorismo e a implantação de uma carteira de empréstimos hipotecários.


 

Quanto disso tem probabilidade de ser implantado pelo nosso presidente virtual?

 

20       de dezembro

Hoje é Dia do Agente da Polícia Secreta. A OGPU-Cheka-MGB-KGB-FSB está aí há 86 anos. Nos noticiários da televisão, este é o item mais importante. Terrível. O tom das reportagens é isento, como se milhões de vidas não tivessem sido sacrificadas a este ser­viço sanguinário. O que mais podemos esperar em um país cujo líder admite abertamente que, mesmo ocupando o posto de presi­dente, permanece "na reserva ativa da ‘Firma’”?

Ultimo resumo oficial dos resultados das eleições parlamenta­res: RU, 37,55% (120 assentos); Partido Comunista, 12,6% (40 assentos); Partido Liberal Democrata, 11,45% (36 assentos); o Rodina obteve 29 assentos. Em três áreas, as províncias de Sverdlovsk e Ulianovsk e também em São Petersburgo, serão reali­zadas novas eleições em 14 de março porque na última vez o can­didato de maior sucesso foi "nenhum dos nomes anteriores". A partir de amanhã, os partidos poderão apresentar seus candidatos presidenciais.

Deputados estão correndo para entrar para o RU. Particular­mente dolorosa é a deserção de Pavel Krachenninikov, eleito como candidato independente, mas conhecido anteriormente pelo elei­torado como liberal e membro da União de Forças de Direita. A Duma está se tornando um espetáculo de um só partido.

 

21       de dezembro

Iavlinski recusou-se a ser candidato presidencial da Iabloko. Também declarou que eles “criariam um grande partido democra­ta", mas fez o anúncio com a expressão arrogante que leva todos a desistirem de votar nele. Uma prova, como se fosse necessária algu­ma, de que precisamos de novas caras e novos líderes. Os de hoje são incapazes de formar uma oposição democrata.

Khakamada também anunciou que a União de Forças de Direita não apresentaria candidato. Sua explicação foi convincente: "Da maneira pela qual as pessoas votaram, fica claro que elas não nos querem governando o país." Os Comunistas também disseram que não querem participar da eleição.

Um boicote à eleição presidencial pela oposição à direita e à esquerda: será esta a única maneira que lhes restou para ter um papel na política do país depois das eleições de dezembro?

 

22 de dezembro

Hoje Putin apresentou à Comissão Eleitoral Central pedidos de um grupo de eleitores que desejam começar a colher assinaturas em apoio à sua candidatura. A pesquisa de opinião pública do Kremlin indica que 72% do eleitorado votaria em Putin se a elei­ção fosse hoje.

Quem está contra ele? Neste momento, a única alternativa a Putin é Gherman Sterligov, um fabricante de caixões. Ele não tem nenhum partido atrás de si, só muito dinheiro e "O Ideal Russo". É um estranho à política. Outro possível candidato é Vladimir Jirinovski. Ele declarou que o Partido Liberal Democrata terá um candidato. Também é um estranho, mas fez sua parte para conseguir trânsito no Kremlin. Putin parece ridículo em tal companhia. É possível que, nas próximas semanas, o governo consiga reunir um grupo de candidatos mais respeitáveis para Putin derrotar.

Ninguém acredita que Khodorkovski venha a ser considerado culpado. A maioria das pessoas acha que tudo não passa de um tru­que do Kremlin que será deixado de lado depois que Putin for ree­leito. Em 30 de dezembro, expirará o prazo para a detenção de Khodorkovski, mas foram providenciadas audiências no Tribunal Basmanni em Moscou para prorrogar sua prisão.

Esta noite, ficou claro que o Gabinete do Procurador-geral está pedindo que Khodorkovski permaneça detido até 25 de março. Isto é, ele verá da prisão a reeleição de Putin. Khodorkovski só foi trazi­do ao tribunal às 16:00. Algum tempo depois das 18:00, quando todos os outros juízes, funcionários públicos, testemunhas, queixosos e acusados em outros casos já tinham saído, as portas do Tribunal Basmanni se fecharam e teve início a audiência do caso dele.

Do que eles têm tanto medo? Khodorkovski é realmente o homem mais perigoso da Rússia? Nem terroristas recebem esse tratamento e Khodorkovski tem somente sete acusações de


irregularidades financeiras. Ele foi levado de volta ao presídio Matroskaia Tichina por volta das 22:00. O pedido do Gabinete do Procu­rador-geral foi atendido.

Alguns resultados das eleições de governadores do último domingo: na província de Tver, 9% do eleitorado votaram em "Ne­nhum dos nomes anteriores”. Na província de Kirov, foram 10%.

Aqueles que votam "contra" são hoje os verdadeiros democra­tas da Rússia. Eles cumpriram seu dever, recusando-se a votar e são, em sua maioria, pessoas criteriosas com aversão por todos aqueles que estão agora no poder.

 

23 de dezembro

Estão ocorrendo assassinatos rituais em Moscou. Uma segunda cabeça decepada foi encontrada nas últimas 24 horas, desta vez no distrito de Golianovo, no leste da cidade. Ela estava numa lata de lixo na rua Altaiskaia. Ontem à noite, foi encontrada uma cabeça em um saco plástico sobre uma mesa no pátio diante do Bloco de Apartamentos 3 na rua Kranoiarskaia. Ambos os homens foram mortos 24 horas antes de ser descobertos. Nos dois casos, as cir­cunstâncias foram quase idênticas: as vítimas eram do Cáucaso, com idades entre trinta e quarenta anos e tinham cabelos escuros. As identidades são desconhecidas. As cabeças estavam a um quilôme­tro de distância uma da outra.

Estes são os resultados da propaganda racista na corrida às elei­ções parlamentares. Nosso povo é muito suscetível à propaganda fascista e reage prontamente a ela. Em Moscou, mais no início deste mês, o partido Rodina, de Dimitri Rogozin, obteve 15% dos votos.

A União de Forças de Direita e o Iabloko revelaram seu novo projeto conjunto: o Conselho Democrata Unido, um órgão inter-partidário para o qual cada partido irá nomear seis membros. No anúncio, nem mesmo os funcionários dos partidos pareciam acre­ditar muito que a união iria durar. O público em geral parece total­mente desinteressado no que fazem Iavlinski, Nemtsov e os lumi­nares do partido Iabloko.

Putin realizou uma reunião com a elite empresarial, ou melhor, houve uma reunião do Conselho da Câmara de Comércio e Indústria, à qual compareceu o Presidente.

Putin favorece a câmara com relação à URIE, a União Russa de Industriais e Empresários, considerada um sindicato de oligarcas. Foi na URIE que Anatoli Tchubais falou em defesa de Khodorkovski pouco depois de sua prisão. Ele não usou meias-palavras, falando de "uma escalada das ações das autoridades e órgãos de imposição da lei com relação às empresas russas". Ele alertou que a confiança da comunidade de negócios no governo tinha sido abalada: "As empresas russas não mais confiam no atual sistema de aplicação da lei, nem naqueles que o dirigem." Foi uma acusação direta, pelo sin­dicato dos oligarcas, de que as forças sob o comando de Putin esta­vam desestabilizando a sociedade. Tchubais pediu que Putin adotas­se uma "posição clara e inequívoca". Foram palavras de uma dureza sem precedentes dirigidas pelas empresas ao governo.

A resposta de Putin foi dizer-lhes publicamente que "deixas­sem de histeria" e aconselhar o governo a "não se deixar atrair para aquela discussão". Ele ignorou o conteúdo da queixa dos oligarcas e expressou sua completa confiança nos órgãos de imposição da lei. Quando, em janeiro, Boris Grizlov foi nomeado orador da Duma, Putin promoveu Rachid Nurgaliev, um dos mais odiosos chefes de milícias, a ministro do Interior. Esta também pode ter sido uma rea­ção a boatos da época a respeito de uma suposta fraqueza de Putin como líder, uma tentativa de demonstrar a robustez do regime.

Mas a reunião de Putin com a Câmara de Comércio e Indústria foi bastante diferente. Ele acredita que a câmara pertence a uma categoria diferente daquela da URIE. O presidente da CCI, Ievgeni Primakov, uma velha e astuta raposa soviética, fez seu dis­curso e citou Putin em cinco ocasiões, prefaciando suas palavras: "Como observou corretamente Vladimir Vladimirovitch...” Primakov garantiu a Putin que "um oligarca e um grande empre­sário são coisas muito diferentes (...). A palavra oligarca soa pejora­tiva. Afinal, o que é um oligarca? Uma pessoa que enriquece por meio da manipulação desonesta dos impostos a pagar, entre outras coisas, que pode enganar seus sócios ou tentar interferir na políti­ca, corrompendo funcionários, partidos, deputados (...)” e assim por diante. Todo o discurso de Primakov foi uma demonstração de servilismo soviético e Putin claramente gostou dele.

A seguir, vieram as perguntas. Naturalmente, indagou-se se haveria uma revisão dos resultados da privatização. Apesar de aque­la não ser uma reunião do sindicato dos oligarcas, o caso da Iukos estava na mente de todos.

De repente, Putin se pôs a vociferar como um feirante ou car­cereiro. "Não haverá nenhuma revisão de privatizações! As leis eram complicadas, confusas, mas era perfeitamente possível respei­tá-las! Não havia nada impossível a este respeito e quem queria privatizar, conseguiu! Se cinco ou dez pessoas não conseguiram cumprir as leis, isto não significa que todas deixaram de fazê-lo! Aqueles que cumpriram as leis estão dormindo tranqüilamente, mesmo que não tenham ficado tão ricos! As pessoas que desrespei­taram a lei não devem ser tratadas da mesma maneira como aque­las que a respeitaram."

"Estar dormindo tranqüilamente" também é um eufemismo russo para estar no túmulo.

Depois da explosão de Putin, tudo prosseguiu sem incidentes. Os empresários fizeram seus relatórios a Putin e assumiram "res­ponsabilidades socialistas" para com o cumprimento de várias metas, exatamente como nos dias da URSS. Primakov prosseguiu, fazendo o que ninguém havia feito desde o advento de Gorbatchov, isto é, lamber as botas do líder do país e jurar que nenhuma palavra podia ser mais profunda que as dele.

(Em dezembro de 2003, isso feria os ouvidos e muitas pessoas ficaram consternadas com o comportamento de Primakov. Mais tarde, ficou claro que ele foi apenas o primeiro a ver para que lado o vento estava soprando. Em pouco tempo, todos os que faziam dis­cursos na presença de Putin estavam citando-o copiosamente como era a prática no tempo de Brejnev e não lhe faziam per­guntas inadequadas.)

Valeria Novodvorskaia, líder do partido União Democrática, recebeu o Prêmio Starovoitova em São Petersburgo "por sua con­tribuição para a defesa dos direitos humanos e o fortalecimento da democracia na Rússia". O prêmio tem o nome de Alina Starovoi­tova, líder do RU, que foi assassinada por homens de Operações Especiais do Diretorado da Agência de Inteligência do Exército (GRU) na entrada da sua casa. Na cerimônia, Novodvorskaia disse: "Não estamos em oposição, mas em confronto com o presente regime. Não participaremos das próximas eleições. Iremos boicotá-las, apesar de isto não mudar nada."

A oposição na Rússia é feita basicamente por palavras, mas Novodvorskaia as usa com excepcional precisão e é a primeira a atacar o Estado.

O Tribunal Municipal de Moscou aumentou a indenização concedida a Alia Alianka, uma das vítimas do atentado durante a apresentação do musical Nord-Ost, cujo marido, um empresário, morreu no cerco ao teatro em 26 de outubro de 2002, em dois copeques (alguns centavos).

 

24 de dezembro

Primeira reunião do Conselho Democrático Unido do Iabloko com a União de Forças de Direita, na qual o principal assunto é a perspectiva da sobrevivência política conjunta. Foi eliminado da pauta um item a respeito do lançamento de um candidato à Presidência que representasse uma frente democrática unida. Trecho de uma entrevista com Gregori Iavlinski:

"Por que o Iabloko está se recusando a participar da eleição presidencial?"

"Porque nossas eleições não são nem mesmo relativamente democráticas."

"Por que então o senhor participou das eleições parlamentares?"

"Foram precisamente os resultados questionáveis das eleições parlamentares que deixaram claro que as coisas não podiam conti­nuar como estão. Durante as últimas eleições, o envolvimento polí­tico não autorizado das empresas foi esmagado. Hoje nenhuma empresa ousa contribuir para uma causa política sem a permissão do Kremlin."

"Como vê o futuro do Iabloko?"

"É o mesmo do resto da Rússia. É provável que eles montem um partido paralelo pseudodemocrático ou que nos combatam até a extinção. Não acredito nem por um instante que seremos deixa­dos em paz para nos preparar para as próximas eleições."

"Uma Duma de um único partido? Mas o Partido Comunista ainda está lá."

"Formalmente, sim. Mas, se você pegar cinco pessoas dos par­tidos restantes, colocá-las em salas diferentes e lhes fizer perguntas cruciais como: ‘O que deve ser feito na Tchetchênia? Como o

Exército deve ser reformado? O que deve ser feito a respeito de educação e saúde? Como devem ser nossas relações com Europa e América?’, todos eles darão as mesmas respostas. Temos um parla­mento falsamente pluripartidário, eleições supostamente livres e jus­tas, um judiciário pseudo-imparcial e uma mídia de massa pseudo-independente. Todo o cenário é uma fachada, uma dissimulação."

"O senhor acha que isto irá durar muito tempo?"

"As coisas estão mudando rapidamente e qualquer um que pense que isso irá durar muito tempo está enganado. Mas para você e para mim talvez pareça tempo demais."

Tenho interesse no que Iavlinski tem a dizer quase que por for­ça de hábito. Outros jornalistas não se interessam nem um pouco.

Em Moscou, o vitorioso RU realiza sua assembléia. Boris Grizlov, o recém-nomeado orador da Duma, declara: "Mais de 37% dos cidadãos da Rússia, mais de 22 milhões de pessoas, votaram em nós. Conseguimos a maioria na Duma, o que significa uma grande responsabilidade para nós, e eu não acredito em fugir às responsa­bilidades. Apresentei a Putin uma solicitação e ele providenciou minha transferência para a Duma. Permitam que eu expresse minha gratidão especial ao presidente Vladimir Vladimirovitch Putin. Seguindo seu curso, nossa vitória foi assegurada. Nosso candidato para as próximas eleições já é conhecido –Vladimir Vladimirovitch Putin. É nosso dever garantir que ele vença de forma decisiva."

Depois da assembléia, ocorreu a primeira reunião do RU. Grizlov nos contou a respeito da sua visão do papel político da Duma. O debate político é tagarelice e deve ser eliminado. Para Grizlov, a Duma sem debates significará um passo à frente.

A Comissão Eleitoral Central registrou um grupo de eleitores que propunham a candidatura de Putin. Agora eles podem fazer sua campanha oficialmente, como se não a estivessem fazendo até agora.

 

26 de dezembro

A décima quinta assembléia do ilusoriamente denominado Partido Liberal Democrata tem início em Moscou com o slogan "Os rus­sos estão cansados de esperar!". Jirinovski não irá concorrer à

Presidência. "Apresentaremos um total desconhecido, mas eu lide­rarei pessoalmente o partido durante a eleição presidencial", anun­ciou ele. A assembléia escolheu Oleg Malichkin, um treinador de luta livre que é guarda-costas de Jirinovski e um completo imbecil. Em sua primeira entrevista como candidato presidencial, ele teve alguma dificuldade para lembrar qual era seu livro favorito.

Putin não carece apenas de concorrentes contra os quais com­petir. Todo o cenário no qual a eleição está sendo organizada é um deserto intelectual. O assunto não tem lógica, nem razão, nem uma centelha de pensamento sério. Os candidatos não têm manifestos e é impossível imaginá-los com capacidade para conduzir um deba­te político.

o que podemos fazer? As campanhas eleitorais foram criadas por sociedades democráticas em parte para fornecer à população informações para que ela decida seu futuro e dar aos candidatos conselhos e instruções.

Mandaram que nos calássemos. O candidato n° 1 conhece melhor as necessidades de todos e, assim, não precisa dos conselhos de ninguém. Não existe ninguém para moderar sua arrogância. A Rússia foi humilhada.

 

27 de dezembro

Sterligov, o fabricante de caixões, teve sua candidatura desqualifica­da pela Comissão Eleitoral Central. Viktor Anpilov, um palhaço do Partido dos Trabalhadores da Rússia, ofereceu-se prontamente. A situação não melhorou.

 

28 de dezembro

Finalmente encontraram um oponente válido para Putin: Sergei Mironov,* orador do Soviet da Federação, foi proposto pelo Partido da Vida (outro dos partidos anões montados por Vladimir Surkov,* subchefe da administração presidencial). Mas ele anun­ciou imediatamente: "Apoio Putin."

Está acontecendo a assembléia do Partido Comunista Russo. Foi proposto o nome de Nikolai Khariotonov, um homem estra­nho e falador que trabalhou na KGB. Maravilhoso!

Ivan Ribkin anunciou que irá concorrer. Ele é cria de Boris Berezovski,* o principal oponente de Putin, hoje exilado no exte­rior. Ribkin foi orador da Duma e presidente do Conselho Nacional de Segurança. Quem é ele hoje? O tempo dirá.

Enquanto isso, Moscou está paralisada. Os ricos não têm preo­cupações; estão todos no exterior, em férias. Moscou é uma cidade muito rica. Todos os restaurantes, até os mais dispendiosos, estão lotados ou fechados para festas de empresas. As mesas estão repletas de iguarias que estão além da imaginação do restante da Rússia. Milhares de dólares são gastos numa noite. Será esta a última folia da Nova Política Econômica do século XXI?

29 de dezembro

Primeira sessão da nova Duma. Putin declarou que o Parlamento "precisa lembrar que o poder emana do povo. Nossa maior priori­dade é, antes de mais nada, nos concentrarmos nas questões que afetam a qualidade de vida dos nossos cidadãos (...). Foram precisos tempo e um esforço consideráveis para afastar a Duma do confron­to político e trazê-la para o trabalho construtivo (...). É essencial abrir caminho em todas as frentes (...). Temos todo o direito de dizer que esta época presencia o fortalecimento da democracia par­lamentar na Rússia (...). Todo debate é inútil (....)”.

Vladislav Surkov, da administração presidencial, também estava presente. Ele é a pessoa a quem o RU deve sua maioridade constitu­cional, um projetista de partidos políticos, escorregadio e perigoso.

Vladimir Rizkhov,* candidato independente da região de Altai, anunciou que pretende questionar a composição da Duma nos tribunais. "O eleitorado não deu ao RU um mandato para uma maioria constitucional." É mesmo? Bem, e o que você vai fazer a este respeito? Vivemos em uma época em que as autoridades do Estado não têm vergonha nenhuma.

Sergei Choigu, ministro para Situações de Emergência e alto funcionário do RU, e certamente não um dos mais estúpidos, pro­pôs subitamente que "o RU deve se tornar o partido que dê respal­do público para o cumprimento das decisões do presidente".

Afinal, Irina Khakamada poderá concorrer à presidência.Todos os democratas e liberais estão condenando-a antecipadamente,


dizendo que o governo lhe ofereceu um acordo para que haja pelo menos um oponente inteligente para Putin derrotar. Viktor Gerachenko, ex-diretor do Tsentrobank e hoje deputado pelo par­tido Rodina, também decidiu concorrer.

 

30 de dezembro

Irina Khakamada confirmou sua candidatura. Ela pensou durante 24 horas depois que um grupo lobista lhe fez a proposta. Será que o grupo foi enviado pelo Kremlin?

Ela tem até 28 de janeiro para colher dois milhões de assinatu­ras. Viktor Gerachenko não precisará colher assinaturas, porque o Rodina é um partido com assentos na Duma. O Rodina foi criado por Vladislav Surkov e é financiado por vários oligarcas. Sergei Glaziev, também do Rodina, concorrerá como candidato indepen­dente.

Putin precisava de concorrentes e os recebeu como presente de Ano-novo. Os novos candidatos declararam prontamente que o importante não é vencer, mas participar.

 

31 de dezembro

Uma triste despedida de 2003. As eleições para a Duma foram uma grande vitória para o absolutismo de Putin, mas por quanto tempo se podem construir impérios? Um império conduz à repressão e finalmente à estagnação e é para ela que estamos caminhando. Nossos cidadãos foram exauridos pelos experimentos políticos e econômicos a eles impostos. Eles querem muito ter uma vida melhor, mas não querem ter de lutar por ela. Eles esperam que tudo lhes venha de cima e, se o que vier for repressão, irão aceitá-la com resignação. A piada mais popular na Internet: "É noite na Rússia. Anões lançam sombras enormes."

Os telespectadores do programa Livre Debate da NTV votaram para o Russo do Ano. Entre os nomes votados, estavam o de Vladislav Surkov (por causar a esmagadora vitória do RU); o aca­dêmico Vitali Ginzburg (prêmio Nobel em 2003, pelo trabalho em física quântica); o diretor Andrei Zviagintsev (cujo primeiro filme, O retorno, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza); Georgi Iartsev (treinador da seleção russa de futebol, que levou a equipe à vitória contra o País de Gales) e Mikhail Khodor-kovski (por criar a empresa mais honesta e transparente da Rússia, tornando-se o homem mais rico do país e acabando na cadeia).

Os telespectadores escolheram Ginzburg. Surkov acabou em último lugar.

No final do programa, o apresentador Savik Chuster revelou a classificação dos escolhidos numa pesquisa antes encomendada ao serviço de pesquisa de opinião pública Romir. Nessa pesquisa, Ginzburg também foi o primeiro colocado e Surkov o último. Isso mostra uma divergência entre o modelo de realidade do governo Putin e aquilo que realmente existe.

O mundo virtual das emissoras oficiais de televisão é muito diferente. O Vremia, o principal noticiário do país, também realizou uma pesquisa de popularidade para 2003. Putin ficou em primeiro lugar, Choigu em segundo e Grizlov em terceiro.

Agora, quase na hora dos sinos do Kremlin tocarem à meia-noite, um pensamento final para o ano: por que tantas pessoas estão emigrando? No ano passado, o número de nossos cidadãos que se inscreveram para viver no Ocidente aumentou em 56%. De acor­do com o Gabinete do Alto Comissário da ONU para Refugiados, a Rússia está à frente de todos os outros países do mundo em número de cidadãos que buscam asilo em outros países.

4 de janeiro de 2004

A assembléia do Partido da Vida confirma a candidatura de Sergei Mironov. Ele repete que espera que Putin vença.

Mironov é um dos suportes para a candidatura de Putin. Não deixar nada ao acaso é uma das principais características desta cam­panha. Por que eles estão tão preocupados?

Na vila tchetchena de Berkat-Iurt, soldados russos seqüestra­ram Khasan Tchalev, que trabalha para a milícia tchetchena. Seu destino é desconhecido.


 

5          de janeiro

Putin realiza uma reunião do gabinete. "Precisamos explicar as prioridades do governo aos deputados da Duma", insiste ele repe­tidamente. Ele não está de bom humor. A Revolução da Rosa* triunfou na Geórgia e Saakachvilli* está comemorando a vitória. Resultados provisórios sugerem que ele conquistou cerca de 85% dos votos. Este é um apelo ao despertar para os dirigentes dos outros países da Comunidade de Estados Independentes.* Todos em volta da mesa com Putin estão muito conscientes disso. Há um limite para o tempo em que se podem pisar as pessoas. Quando elas querem realmente mudanças, não há nada que se possa fazer para impedi-las. Será que é disso que eles estão com medo?

 

6          de janeiro

Ultimo dia para que os candidatos apresentem seus documentos. Kharitonov, Malichkin, Gerachenko e Mironov foram propostos por partidos com assentos na Duma. Há agora seis candidatos inde­pendentes (Putin, Khakamada, Glaziev, Ribkin, Aksentiev e Brindalov). Khakamada tem problemas com seus colegas políticos de direita. Nem a União de Forças de Direita nem o Iabloko estão com pressa para apoiá-la ou ajudar na coleta de assinaturas. Isso faz dela uma espécie de pária, fato que pode levar os russos a votarem nela. Gostamos de párias, mas também de vitoriosos. As pessoas admiram Putin pela maneira como ele consegue enganar todas as pessoas. Perdem aqueles que estão no meio.

Hoje é a véspera do Natal ortodoxo russo, quando as pessoas tradicionalmente dão presentes e fazem boas ações (mas não em público). Putin foi de helicóptero para Suzdal. Ele precisa vencer uma eleição e assim sua vida pessoal é propriedade pública. Em Suzdal, ele caminhou pelas igrejas antigas, ouviu o canto das novi­ças em um dos conventos e posou para as câmeras de televisão e, sem dúvida, o bando de jornalistas no início do serviço de Natal. A filmagem da televisão foi arranjada para mostrar Putin sozinho com a congregação de criancinhas e mulheres com seus lenços na cabe­ça. Nenhum guarda-costas à vista. Ele se persignou. Graças a Deus, há um progresso no mundo; hoje em dia ele faz o sinal-da-cruz com muita competência.

Outra tradição russa é que aqueles que estão no topo e na base da nossa sociedade parecem viver em planetas diferentes. Exibir Putin entre pessoas comuns no Natal não significa que a vida irá mudar para elas. Saio para ver os menos privilegiados de todos, em um lugar onde ninguém da elite põe os pés: o Orfanato Psiconeurológico n° 25, na periferia de Moscou.

A periferia de Moscou não é como o centro da cidade, que hoje em dia é improvavelmente opulento. A periferia é silenciosa e faminta. Não há benfeitores com brinquedos e presentes, livros e fraldas Pampers. Nem mesmo no Natal.

"Vamos ver as crianças", diz a sábia Lidia Slevak, diretora do orfanato para as crianças mais novas, em um tom de voz que suge­re que isto irá responder a todas as minhas perguntas.

O pequeno Danila está esticado como uma vela nos braços adultos de uma funcionária. Ele parece estar com você, quase pôs os braços à sua volta, mas também não está, solitário, distante. O mundo deixou-o para trás, ele está só. Ele mantém as costas muito retas, como um praticante de ioga. Seus cabelos crespos parecem a chama de uma vela. Uma leve brisa que entra pela porta faz brilhar seus cachos sedosos. Ele é um anjo, um milagre do Natal.

A única pergunta é: a quem pertence este anjo? Ninguém pode adotá-lo, devido às nossas leis idiotas. A situação oficial de Danila é um problema para o qual não há solução. Sua mãe natural não renunciou oficialmente aos seus direitos maternos antes de fugir. A polícia deveria localizá-la, mas tem coisas mais importantes com que se preocupar. Isso significa que ele não pode ser adotado, ape­sar de ser uma pequena maravilha. Quanto mais cedo for adotado, melhores serão suas chances na vida, mais cedo irá se recuperar e esquecer tudo o que lhe aconteceu. Mas o Estado também tem coi­sas mais importantes com que se preocupar.

O ambiente é aquecido e limpo, como em uma boa creche. Uma placa sobre a porta nos diz que o grupo ao qual Danila e outros onze garotinhos pertencem se chama Bebês Estorninhos. Quem cuida deles são mulheres bondosas, muito cansadas, que tra­balham demais. Tudo lá é bom, só que as crianças não choram. Elas ficam em silêncio ou uivam. Ninguém ri. Quando não está cerrando


os dentes, o pequeno Danila, de 15 meses, fica em silêncio, olhando atentamente para os estranhos que chegaram. Ele não olha para as pessoas da maneira com que se espera de um bebê de 15 meses; ele espreita dentro dos olhos, como um interrogador. Ele tem uma experiência catastroficamente limitada de ternura humana.

É véspera de Natal no orfanato da rua Ieletskaia e um presen­te acabou de ser entregue. Seu nome é Dmitri Dmitrievitch e ele sofre de severas insuficiências hepática e renal. Nasceu em dezem­bro de 2002 e, em maio de 2003, sua mãe o "esqueceu" na entrada de um prédio. Surpreendentemente, a polícia conseguiu localizá-la e ela redigiu a declaração necessária: "Renuncio aos meus direitos maternos."

Dmitri foi trazido do hospital para o orfanato. Ele passou meta­de da sua vida em unidades de tratamento intensivo e não tem cabelos na nuca, porque fica sempre deitado de costas. O novo garoto do grupo está sentado em um andador especial e estuda este lugar desconhecido. Há chocalhos e brinquedos diante dele, mas Dmitri Dmitrievitch parece mais interessado nas pessoas. Ele exa­mina a consultora. Ele quer dar unia boa olhada nela, mas ainda não sabe como usar suas perninhas, as quais, pelo fato de ter ficado preso ao leito por tanto tempo, não o estão ajudando a girar o andador para ficar de frente para Lidia Konstantinovna. Ela não intervém. Quer que ele aprenda a conseguir o que quer.

"Venha, Dmitri Dmitrievitch", diz ela.”Agarre a vida! Reaja!"

Sem ajuda, Dmitri Dmitrievitch reage e, alguns minutos depois, vence e está encarando Lidia Konstantinovna.

"Que tipo de trabalho você acha que faz aqui? O trabalho de Madre Teresa ou de alguém que precisa limpar nossa sociedade? Ou você apenas sente muito pelas crianças?"

"As crianças não precisam de piedade", diz Lidia.” Esta é a lição mais importante que aprendi. Elas precisam de ajuda. Estamos aju­dando-as a sobreviver. Devido ao trabalho que fazemos, elas podem esperar encontrar pais adotivos. E meu pessoal nunca chama este lugar de orfanato na frente delas. Chamamos de creche para que mais tarde, numa vida muito diferente se elas forem adotadas, as crianças não venham a ter nem mesmo uma lembrança subcons­ciente de ter estado em um orfanato."

"Vocês estão trabalhando para que as crianças sob seus cuida­dos venham a ser adotadas?"

"É claro que sim. Essa é a coisa mais importante que posso fazer por elas."

"O que você acha da adoção por estrangeiros? Nossos políticos patriotas exigem que acabemos com isso."

"Acho que a adoção por estrangeiros é uma coisa muito boa. Também há algumas histórias de terror a respeito de famílias adoti­vas russas, só que não são mencionadas. Neste momento, estão falan­do em tirar uma das nossas crianças dos pais adotivos russos. Ela não voltará para cá. Outro problema é que os pais adotivos russos não pegam crianças da mesma família. Os estrangeiros gostam de fazer isso, o que significa que irmãos e irmãs não são separados. Isto é muito importante. Tivemos uma família de seis crianças adotadas na América. Natasha, a mais nova delas, nos foi trazida embrulhada com papel de parede. Seu irmão de seis anos embrulhou-a para impedir que ela congelasse, porque não havia mais nada para usar na casa. Então, que mal há no fato de todas as seis estarem agora nos Estados Unidos? Fico muito feliz quando vejo a foto que me mandaram de lá. Ninguém acreditaria no estado em que se encontravam aqui. Só nós nos lembramos disso. No ano passado, 15 das 26 crianças que foram adotadas do nosso orfanato foram levadas por pais adotivos estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos e da Espanha. Havia três pares de irmãos e irmãs. Os russos não as adotariam."

"Não adotariam porque não querem ou porque não poderiam se dar a este luxo?"

"Não iam querer. E, como regra geral, na Rússia os ricos não adotam crianças."

Que espécie de pessoas elas serão quando crescerem, da manei­ra com que nosso país se transformou?

A onda de doações a instituições de caridade na Rússia parou em 2002, quando o governo Putin revogou os privilégios fiscais para aquelas instituições. Até 2002, as crianças em nossos orfanatos eram cobertas de presentes no Ano-novo. Hoje os ricos não as presenteiam mais. Os aposentados lhes trazem suas mantas velhas e rasgadas.

O Banco Mundial tem um programa especial denominado Uma Chance para Trabalhar, que dá a crianças com problemas experiência de trabalho e uma oportunidade para adquirir valiosas qualificações. Se alguém fizesse isso em nossa sociedade, provavel­mente seria visto com suspeita. "O que ele está ganhando com isso?”, perguntariam os vizinhos.

São os próprios órfãos que mostram compaixão. Nádia deixou o orfanato quando ficou velha demais para lá permanecer e rece­beu um quarto da autoridade municipal, como manda a lei. Ela imediatamente alojou lá quatro outros órfãos. Completamente alheios às coisas do mundo, eles haviam trocado seus quartos por telefones celulares e ficaram na rua.

Agora Nádia os está alimentando, mas ela não tem dinheiro. Nenhum deles encontra emprego. Sua atitude é de verdadeira cari­dade. Ela não tenta abordar os bancos e outras instituições ricas, pois sabe que não conseguiria passar nem mesmo pela segurança.

Enquanto isso, nossos novos-ricos neste Natal estão esquiando em Courchevel. Mais de dois mil russos, cada um ganhando mais de meio milhão de rublos [US$20.000] por mês, reúnem-se lá para a "estação russa" nos Alpes suíços. O cardápio oferece oito espécies de ostras, a carta de vinhos inclui garrafas a US$3.000 e, no séqui­to de cada novo-rico, você certamente encontrará funcionários do governo, nossos verdadeiros oligarcas, que propiciam essas vastas rendas a dois mil favorecidos. Nas reportagens da televisão sobre Courchevel, não se diz em nenhum momento que o trabalho árduo os fez amealhar essas fortunas. A conversa é sobre sucesso, o momento em que tudo se encaixou, do pássaro da felicidade apa­nhado pela cauda, de merecer a confiança das autoridades do Es­tado. A "caridade" aos funcionários públicos, conhecida em outros lugares como corrupção, é o caminho mais rápido para Cour­chevel. Trata-se de uma versão moderna da história de Ivan, o Tolo, que não conseguia empobrecer por mais que fosse enganado pelos irmãos: apenas pague ao Kremlin e riquezas e poder virão até você.

 

8 de janeiro

O guarda-costas de Jirinovski foi registrado pela Comissão Elei­toral Central como o primeiro candidato em 2004 à Presidência da Rússia. Hip-hip-hurra! Jirinovski tem uma procuração de Malichkin.

Na região de Krasnoiarsk, os camponeses estão sendo pagos com bezerros doentes. O potentado que manda naquela região é Vladimir Potanin, o oligarca mais próximo de Putin e, na verdade, seu representante. Há mais de três anos, nenhum salário é pago em dinheiro na fazenda de laticínios em Ustiug; em vez disso, os cam­poneses recebem bezerros. Todo o maquinário foi vendido para sal­dar dívidas. O veterinário foi demitido há muito e assim não há ninguém para cuidar do gado doente.

 

9          de janeiro

Isto realmente é novidade para nós. Os internos do Orfanato Internacional em Ivanovo estão fazendo greve de fome. O orfana­to foi fundado em 1933 para cuidar de crianças de muitos países diferentes, cujos pais estavam em campos de prisioneiros de estados "com regimes reacionários ou fascistas".

As crianças estão exigindo que o Orfanato Internacional seja deixado em paz, que não seja dividido nem privatizado e que seu prédio não seja vendido. (Elas tiveram sucesso.)

 

10 de janeiro

Na aldeia tchetchena de Avturi, soldados não identificados rapta­ram de sua casa Alan Davletukaev, defensor dos direitos humanos. Os seqüestradores fugiram em três veículos blindados de transpor­te de pessoal e dois jipes blindados UAZ.

 

13 de janeiro

Hoje é o Dia da Imprensa Russa. Em expectativa, o Instituto Romir de pesquisa da opinião pública perguntou às pessoas: "Em que ins­tituições sociais você mais confia?" Nove por cento confiam na mídia, 1% confia em partidos políticos, 50% confiam em Putin, 28% não confiam em ninguém, e 14% confiam na Igreja Ortodoxa Russa. O governo e o exército ficaram com 9% cada. Os governos municipais e os sindicatos ficaram com 3% e as forças da lei conse­guiram 5%. É claro que as pessoas tinham liberdade para escolher mais de uma instituição e algumas o fizeram.

Vítimas de atos terroristas nos últimos anos enviaram uma carta aberta a todos os candidatos presidenciais. Ela diz:

"A eleição presidencial é uma ocasião para se rever o passado e para que as autoridades que estão saindo prestem contas do que fizeram na vigência dos seus mandatos. Deve haver na Rússia poucas pessoas que sofreram mais do que nós neste período. Perdemos entes queridos quando prédios foram explodidos em 1999 e quando o teatro em Dubrovka foi tomado por terroris­tas em 2002. Apelamos a vocês para que incluam em seus manifestos a investigação desses atos terroristas.

“(...) Gostaríamos de saber o que cada um de vocês fará caso seja eleito.

"Você irá instaurar inquéritos independentes e imparciais, ou continuará a conspiração do silêncio que cerca a morte de nossos entes queridos? Tentamos em vão obter explicações dignas de crédito das autoridades do Estado. O atual presiden­te da Federação Russa tinha obrigação de responder, não só em virtude de sua posição, mas simplesmente por uma questão de consciência. Afinal, a morte de nossos entes queridos estava diretamente relacionada com sua carreira política e decisões por ele tomadas. A explosão de prédios convenceu o povo russo a apoiar sua linha dura com a Tchetchênia durante a últi­ma eleição presidencial e ele deu pessoalmente a ordem para o uso do gás em Dubrovka."

A seguir os signatários apresentam aos candidatos uma lista de perguntas, as quais foram antes dirigidas a Putin sem nenhuma res­posta.

A respeito da explosão dos prédios:

  1. Por que as autoridades obstruíram a investigação dos eventos

em Riazan, quando agentes do FSB foram apanhados preparando-se para explodir um prédio de apartamentos?

  1. Como é possível que o orador da Duma tenha feito uma de-

claração a respeito da explosão do prédio em Volgodonsk três dias antes de ela ocorrer?

  1. Por que não foi investigada a descoberta de um potente

explosivo (hexogen) em sacos rotulados como "açúcar" na base do exército em Riazan no outono de 1999?

  1. Por que, sob pressão do FSB, foi encerrada a investigação sobre

a transferência de hexogen de depósitos do exército para empresas fictícias, através do Instituto de Pesquisa Roskonversvzrivtsentr?

  1. Por que o advogado Mikhail Trepachkin foi preso depois de

descobrir a identidade do agente do FSB que alugou as dependências para a colocação da bomba no prédio na rua Gurianov?

 

A respeito do cerco em Dubrovka (a tomada como reféns das pessoas que assistiam ao musical Nord-Ost):

  1. Por que foi tomada a decisão de iniciar um ataque a gás no

mesmo instante em que havia surgido uma oportunida­de de negociar a libertação dos reféns?

  1. O fato de as autoridades terem decidido usar um gás de ação

lenta, que poderia ter dado tempo para que artefatos explosivos fossem detonados, indica que elas já sabiam que os terroristas não tinham com eles explosivos reais?

  1. Por que todos os terroristas, inclusive os incapacitados, foram

mortos, quando poderiam ter sido presos e fornecer pro­vas para um inquérito?

  1. Por que as autoridades ocultaram o fato de que K.Terkibaev,

que, depois que seu nome foi conhecido, morreu em um acidente de carro, era um agente do FSB que participou da tomada do teatro?

  1. Por que, quando o ataque foi planejado, não foi feita nenhu-

ma tentativa de organizar a assistência médica no local para os reféns, uma negligência que resultou nas mortes de 130 pessoas?

 

As únicas respostas vieram de Irina Khakamada e de Ivan Ribkin. Ela apoiou as vítimas do incidente Nord-Ost desde o início. No total, Khakamada está começando a parecer a mais normal entre os candidatos. Tudo o que ela disse até aqui merece ser ouvi­do. Ela vem dizendo que, com Putin, o país não pode progredir. Irina Khakamada:

Como não analisei as explosões em Moscou eVolgodonsk, responderei somente às perguntas a respeito dos eventos em Dubrovka.

A decisão de efetuar o ataque foi tomada no terceiro dia do cerco. Eu estive dentro do prédio no primeiro dia e estou respondendo com base no que aconteceu naquele dia. Minha impressão é de que, no primeiro dia, teria sido possível libertar os reféns por meio de negociações. Acredito que o objetivo do ataque foi fazer uma demonstração de força e que salvar a vida das pessoas não era uma prioridade alta.

Ainda é um mistério para mim como foi possível matar todos os terroristas, que estavam localizados em diferentes par­tes do prédio e do auditório; e por quê, depois do ataque com gás, todos os terroristas morreram, enquanto algumas pessoas próximas a eles morreram e outras sobreviveram. Suspeito que tenham sido eliminados porque, como testemunhas, eles pode­riam ter declarado que os reféns poderiam ter sido libertados. Enfatizo que se trata de uma suspeita, porque deveria haver a presunção de inocência.

Nós, da União de Forças de Direita, organizamos uma investigação por conta própria e chegamos à conclusão de que ninguém pensou em tentar salvar os reféns. Nada foi planejado e o resultado foi um desastre. O aspecto militar foi considera­do o mais importante da operação e ninguém sequer foi desig­nado para cuidar dos civis.

Posso acrescentar por minha conta que, depois da tragédia de Dubrovka, o sr. Putin enganou o mundo todo. Respondendo à pergunta de um jornalista do Washington Post. ele disse: "Aquelas pessoas não morreram em conseqüência do gás, por­que ele era inofensivo. Era inofensivo e podemos dizer que, no decorrer da operação, nenhum refém foi prejudicado" (pelo gás).

Enquanto Putin e seus asseclas estavam tremendo de medo no Kremlin, não pela vida de seus cidadãos, mas de perder poder, várias pessoas tiveram a coragem de tentar salvar os reféns, indo voluntariamente aos terroristas para tentar libertar pelo menos as crianças. Agradeço a Deus por ter tido, sendo mãe de duas crianças, coragem e determinação para entrar e negociar com os terroristas.

Anteriormente não tornei pública grande parte do que vi no Complexo de Teatros de Dubrovka nem, em particular, como o presidente e os membros do seu governo reagiram ao meu esforço para salvar vidas. Eu pensei, erroneamente, que o presidente Putin iria ajudar a esclarecer a verdade e pediria desculpas pela ordem que deu para o uso de um gás letal. Porém, ele permanece em silêncio e não responde às pessoas que perderam seus entes queridos. O presidente fez sua opção e decidiu ocultar a verdade. Também fiz minha opção e conta­rei a verdade. Em conseqüência de minhas negociações com os terroristas no teatro, em 23 de outubro de 2002, e daquilo que aconteceu a seguir, cheguei à conclusão de que os terroristas não tinham a menor intenção de explodir o Complexo de Teatros e que as autoridades não tinham a menor intenção de tentar salvar todos os reféns.

Os eventos mais importantes ocorreram depois que retor­nei da negociação com os terroristas. Alexander Volochin, o dirigente da administração presidencial, ameaçou-me e orde­nou que eu não interferisse mais.

Pensando no ocorrido, cheguei à inescapável conclusão de que aquele ato terrorista ajudou a reforçar a histeria antitchet-chena, a prolongar a guerra na Tchetchênia e a manter o alto índice de aprovação do presidente. Estou convencido de que os atos de Putin para ocultar a verdade constituem um crime con­tra o Estado. Comprometo-me a, quando me tornar presiden­te, fazer com que os cidadãos da Rússia saibam a verdade a res­peito da explosão do prédio de apartamentos, da tragédia no Complexo de Teatros e de muitos outros crimes cometidos pelas autoridades. Recentemente, muitos amigos meus tenta­ram me dissuadir de participar da eleição presidencial. Em público, eles declaram que estou quase traindo os interesses dos democratas, que pedem o boicote das eleições, mas em parti­cular alertam que serei simplesmente assassinada se contar a verdade. Não tenho medo deste regime terrorista. Apelo para que ninguém seja intimidado por ele. Nossos filhos precisam crescer livres.

Ivan Ribkin também respondeu:

Tanto a explosão dos prédios de apartamentos quanto os eventos em Dubrovka são uma conseqüência da "operação an­titerrorista" e, mais exatamente, da Segunda Guerra Tchet­chena travada no norte do Cáucaso. O presidente Putin entrou no Kremlin na crista desta onda, prometendo restaurar a or­dem, mas mostrou-se incapaz de fazê-lo. Há gente morrendo em toda parte em ataques terroristas. A guerra prossegue sem trégua e dela Putin e seus assessores imediatos são culpados. Até hoje, há muitas coisas completamente obscuras e inexplicáveis a respeito de todas essas tragédias.

Sobre a explosão dos prédios:

Acredito que o crime foi cometido pelos órgãos de segu­rança. Mesmo que aceitemos a alegação de que os agentes do FSB descobertos plantando explosivos em Riazan estavam empenhados em "exercícios", todas as regras e instruções ofi­ciais foram ignoradas.

Como Selezniov, o orador da Duma, sabia do atentado? Isto não é apenas estranho, é pavoroso. Depois de fazer aquela declaração, ele deveria passar por uma investigação criminal e revelar onde conseguiu a informação, para que possamos ver claramente quem de fato ordenou e quem de fato levou a cabo esta atrocidade...

As abordagens e o treinamento que as forças de segurança estão recebendo no decorrer da Guerra Tchetchena estão sendo extrapolados para toda a Rússia. Elas são totalmente insolentes e acreditam que o resultado final é a única coisa que importa. Isto é extremamente perigoso.

Sobre Dubrovka:

Todo o comportamento das autoridades do Estado apon­tam para o fato de que, quando ficou claro que havia uma pos­sibilidade real de libertação dos reféns, eles decidiram realizar um ataque. Em Moscou e em toda a Rússia, todos estão falan­do de o ataque ter sido ordenado para ocultar a realidade a res­peito do que lá aconteceu.

O governo estava informado? Acho particularmente desa­gradável responder a essa pergunta, porque, durante os eventos em Budionnovsk, numa reunião secreta, as forças de segurança contradisseram tudo que o governo tem afirmado. Fui infor­mado de que aquele gás e outros meios químicos não pode­riam ser usados em um ônibus com reféns porque os terroris­tas teriam tempo para detonar seus explosivos. Enquanto per­diam a consciência, eles também poderiam começar a atirar a esmo. Como o gás foi usado, está claro que o governo sabia que não haveria nenhuma explosão.

Os terroristas foram mortos enquanto estavam inconscien­tes porque teriam tido muitas coisas interessantes para contar em um inquérito independente. Toda a Rússia está perguntan­do por que pessoas inconscientes foram mortas; identificadas, abordadas e mortas a tiros na cabeça.

As autoridades não conseguiram manter o agente do FSB Terkibaev longe do público e por isso ele foi morto. Agora sei o quanto as pessoas estavam irritadas, porque sabiam que Terkibaev tinha autorização da administração presidencial. Ele mesmo jactou-se do fato de ter conseguido redirecionar o ata­que do líder terrorista Baraev da Duma para Dubrovka.

A falta de assistência às pessoas que sofreram durante o ata­que foi uma barbárie e está totalmente na consciência dos res­ponsáveis pela fase final. Há uma tentativa de desviar para o prefeito de Moscou a ira pública pela falta de assistência médi­ca oportuna, mas ele não é responsável pelo combate ao terro­rismo; isto é trabalho do FSB.

A cascata de medalhas e estrelas nos peitos e nas dragonas das forças de segurança, que deveriam ter sido punidas por per­mitir que a unidade de Baraev passasse, não confere honra aos condecorados, nem aos indivíduos que os condecoraram. Mais uma vez, precisamos de um inquérito independente.

Não sou daqueles que acreditam que virá o tempo em que os arquivos serão abertos e descobriremos a verdade. Esse dia nunca virá. Precisamos de uma investigação agora, para que essa atrocidade nunca se repita, para que nunca haja uma repetição deste pavoroso ato de crueldade contra nossos cidadãos.

Enquanto isso, em conseqüência de deserções, o RU conquis­tou na Duma maioria suficiente para mudar a Constituição.

Gennadi pediu hoje para entrar para o partido, elevando o número de partidários de Putin no Parlamento a 301.

A apatia é cada vez mais palpável; as pessoas estão certas de que não se pode esperar nada de bom. A eleição presidencial é discutida na televisão, mas, fora de lá, ninguém diz uma palavra a seu respeito. Todos já sabem como irá acabar. Não há debate, nem entusiasmo.

Nesta noite, em Moscou, os mais conhecidos defensores russos dos direitos humanos comemoraram o Velho Ano-novo [Ortodoxo Russo] à sua maneira. Eles se reuniram no Museu e Centro Social Andrei Sakharov para tentar formar ou uma frente democrática ampla ou um Clube Democrático (como está sugerindo Vladimir Rizkhov) e fazê-lo fora das instituições democráticas tradicionais da União de Forças de Direita e do Iabloko.

As propostas mais práticas foram feitas por Ievgeni Iasin: "Se quisermos realmente uma união ampla, precisamos de um progra­ma limitado. Precisamos de poucas exigências para reunir o máxi­mo possível de pessoas. Nosso único objetivo deve ser defender os ganhos da democracia russa, enfrentar o regime autoritário do Estado policial."

Perto do fim de uma acalorada discussão que durou muitas ho­ras, chegaram notícias da prisão ao Centro Sakharov. A advogada Karina Moskalenko chegou diretamente da prisão Matroskaia Tichina, onde tivera uma reunião com Mikhail Khodorkovski, seu cliente. Ela transmitiu os bons votos de Khodorkovski a todos os defensores dos direitos humanos e a notícia de que o único ideal que o entusiasma hoje é a defesa dos direitos humanos. Caso con­siga sair da prisão, ele está determinado a se dedicar exclusivamen­te ao aperfeiçoamento da sociedade.

Conseguiram trazer um oligarca à consciência cívica. Os ativis­tas aplaudiram como crianças numa festa de Natal.

 

14 de janeiro

O Tribunal Basmanni de Moscou, como sempre no bolso do Kremlin, continua a refinar a arte da justiça seletiva, onde o impor­tante não é a lei, mas a pessoa a quem ela está sendo aplicada. Se essa pessoa for um inimigo de Putin, os juízes do Basmanni são meticu­losos; se for um favorito, eles não perdem tempo com detalhes, nem mesmo exigem que compareça às audiências.

Hoje o juiz StanislavVoznesnski estava analisando a reivindica­ção de Nadeja Buchmanova, da província de Riazan, mãe de Alexander Slesarenko, um soldado morto na Segunda Guerra Tchetchena. Alexander estava combatendo na Unidade Armavir de Operações Especiais do Ministério do Interior.

Em setembro de 1999, no início da Segunda Guerra Tchet­chena, esta unidade foi incluída em um grupo de operações espe­ciais sob o comando de Viktor Kazantsev, na época comandante do Distrito Militar do Norte do Cáucaso. Kazantsev cometeu um erro e Alexander, entre muitos outros, foi morto. Eis o que aconteceu.

Tudo começou em 5 de setembro, oficialmente o primeiro dia da guerra, quando Putin emitiu um decreto para o início de uma "operação antiterrorismo”. Havia combates em aldeias no Dagues-tão. Por volta das 17:00, os combatentes ocuparam a aldeia de Novolakskoie, na fronteira da Tchetchênia, e uma tropa da Unidade de Operações Especiais da Milícia Lipetsk viu-se cercada em seu quartel. Ela precisava ser resgatada. Na noite de 5 de setembro, os 120 homens da Unidade de Operações Especiais foram convoca­dos para a ação. Entre eles, estava Alexander Slesarenko. Em 6 de setembro, a unidade estava na base Mozdok do exército, em Ossétia do Norte. Em 7 de setembro, eles foram enviados à aldeia de Batash-Iurt e, em 8 de setembro, a Novolakskoie. Àquela altura os homens da Armavir ficaram sob o comando de Kazantsev. Ele havia sido encarregado de toda a operação para limpar as regiões de No­volakskoie e Khasaviurt do Daguestão e todas as categorias de tro­pas estavam sob seu comando.

Em 8 de setembro, Kazantsev ordenou que o general-de-divi-são Nikolai Tchekachenko, seu subcomandante das Tropas do Interior, apresentasse um plano para a tomada das colinas adjacen­tes, de acordo com a instrução geral de Kazantsev. Em 9 de setem­bro, Kazantsev aprovou o plano e, às 21:30, o major Iuri Iachin, ofi­cial-comandante da unidade Armavir, recebeu a ordem de atacar, ocupar e manter as colinas até a chegada de reforços, para que o fogo pudesse ser dirigido do alto para Novolakskoie.

Os homens da Armavir fizeram o que lhes foi ordenado e se movimentaram em velocidade máxima, surdos e nus, como se diz no exército, sem meios seguros de comunicação, usando somente rádios portáteis de canal aberto, com as baterias descarregadas por­que não houvera tempo para recarregá-las. A quantidade de muni­ção que eles deveriam levar não havia sido calculada, porque não lhe haviam dito por quanto tempo deveriam manter suas posições. Eles eram descartáveis e, de qualquer maneira, nem mesmo perten­ciam às forças regulares de Kazantsev.

A guerra no Cáucaso é muito estranha. Todas as tropas federais supostamente estão do mesmo lado, mas a realidade é muito dife­rente. Os soldados sob o Ministério da Defesa são adversários do FSB e as Tropas do Interior não gostam nem daquelas do Minis­tério do Interior, nem das do exército. Quando os oficiais dizem "As baixas não foram nossas", isso significa, na linguagem do exército, que aqueles que caíram eram milicianos ou soldados das Tropas do Interior. É por isso que é travada uma batalha antiga a respeito de quem deve chefiar o Comando Conjunto de Forças e Recursos no Norte do Cáucaso. Se um homem do exército estiver no comando, seu pessoal não receberá a munição e os rádios de campanha de que necessitam.

Foi o que aconteceu naquela ocasião. Kazantsev, um homem do exército, estava no comando de homens de outras armas. Por volta de 1:00 de 10 de setembro, 94 homens de operações especiais - não pertencentes ao exército — haviam ocupado as colinas sem sofrer baixas. Ás 6:00, o general-de-divisão Tcherkachenko recebeu um relatório confiante do major Iachin e passou a informação a Kazantsev, que imediatamente saiu, certo de que as colinas tinham sido tomadas. Ele esteve ausente até as 8:40, mas, precisamente às 6:20, Iachin viu-se subitamente enfrentando uma batalha. Às 7:20, os combatentes tchetchenos começaram a cercar os homens de Operações Especiais. Iachin pediu ajuda pelo rádio, mas Tcherkachenko, deixado para representar Kazantsev no posto de comando, não foi capaz de ajudar. Ele sabia que outro grupo das Tropas do Interior, comandado pelo general-de-divisão Grigori Terentiev, já havia tentado chegar até o destacamento de Iachin, mas tinha sido repelido por uma forte oposição. Catorze homens haviam morrido e havia muitos feridos, inclusive o próprio Terentiev. Nas ladeiras das colinas, cinco carros blindados de transporte de tropas estavam em chamas.

Além do destacamento de Terentiev, nenhum outro iria em aju­da de Iachin, porque eram homens do exército e porque Kazantsev estava dormindo. Às 8:30, Iachin avisou a Tcherkachenko que seus homens tinham só um pente de munição cada e precisavam recuar. Tcherkachenko concordou. Às 8:40, Kazantsev, tendo acordado, chegou ao posto de comando. Ele não conseguiu entender por que Iachin estava recuando, pois lhe havia ordenado que mantivesse a posição a qualquer custo.

Àquela altura, o contato com Iachin estava perdido. As baterias dos rádios haviam se descarregado. O major estava "surdo" e intei­ramente só. Iachin dividiu a unidade em grupos, ficou com o comando de um e confiou o outro ao tenente-coronel Gaduchkin e, por volta das 11:00, reunindo suas forças, eles começaram a des­cer as colinas. Era a única maneira pela qual a unidade poderia esperar sobreviver. Kazantsev estava no posto de comando e obser­vava pessoalmente os movimentos. Então ele deu ordens de bom­bardear as colinas. Por quê? Porque tinha seu plano e já havia comunicado "a escalões superiores" a hora em que os combatentes nas colinas seriam eliminados.

Às 15:00, dois aviões de ataque SU-25, voando baixo, surgiram no céu acima de Iachin e bombardearam as tropas do Ministério do Interior que tentavam escapar ao cerco. O responsável pela desig­nação do alvo, seguindo ordens específicas de Kazantsev, foi o ofi­cial-comandante do Quarto Exército Aéreo e das Forças de Defesa Antiaérea, major-brigadeiro Valeri Gorbenko. Quando as bombas foram lançadas, esses dois heróis, Kazantsev e Gorbenko, estavam em um ponto de observação e viram com seus próprios olhos que o grupo de Iachin estava lançando sinais luminosos para indicar onde as bombas não deveriam ser jogadas.

Por que a Unidade Armavir de Operações Especiais foi punida daquela maneira em 10 de setembro? Porque aquilo havia sido pre­parado. Eles foram sacrificados para proteger Kazantsev e seu plano idiota. Eles foram convidados a morrer como heróis em vez de escapar ao cerco, mas não aceitaram. Esse é o método dos nossos res­ponsáveis pela segurança, mais tarde empregado muitas vezes na Tchetchênia e em outros lugares. O caso Nord-Ost foi uma clara de­monstração da mesma coisa. Esse é um método sancionado repetida­mente por Putin. Se você sobrevive, deve ser caluniado e punido.

O Escritório do Procurador Militar do Distrito Militar do Norte do Cáucaso é, sob nosso monstruoso sistema judicial, efeti­vamente dependente do oficial-comandante do distrito, neste caso Kazantsev, pela concessão de promoções, favores e privilégios. Ele analisou a possibilidade de um processo criminal na chacina dos homens da Armavir, pedido pelos parentes dos mortos. O tribunal inocentou Kazantsev de todas as acusações. Mais do que isso, des­creveu-o como um herói cercado por covardes. Aqui está uma cita­ção dos registros do tribunal:

Na verdade, as Tropas do Interior estavam se retirando desorde­nadamente. A situação era quase crítica. Kazantsev tomou a decisão de avançar ele mesmo para o setor de frente. Ele dete­ve pessoalmente as subdivisões das Tropas do Interior que esta­vam fugindo em desordem e identificou pessoalmente uma nova missão para eles, tentando distribuí-los para cercar os ini­migos.

Kazantsev é um herói do exército e as Tropas do Interior são covardes. Esse é o veredicto do tribunal.

Os soldados certamente estavam em fuga, mas de uma armadi­lha mortal na qual tinham sido postos. Eles tentaram sobreviver ao bombardeio da melhor maneira, o qual estava sendo dirigido a eles pelas ordens de imbecis. Eles estavam arrastando seus feridos, pedindo ajuda para recuperar os corpos dos que tinham sido mor­tos, e Kazantsev assistiu a tudo isso.

O preço final daquele bombardeio traiçoeiro das colinas às 15:00 por dois SU-25 foi de oito mortos e 25 feridos. Somente um soldado foi morto em combate com os tchetchenos.

As perdas totais das Tropas do Interior no decorrer da operação de Kazantsev em 9-10 de setembro foram de "mais de 80 homens", de acordo com o inquérito. Nenhum outro detalhe está disponível. Os soldados do condenado destacamento do major Iachin conti­nuaram a voltar para suas próprias linhas durante vários dias. O corpo de Alexander Slesarenko foi encaminhado à sua família, na província de Riazan, duas semanas depois, em um caixão lacrado. Os caixões eram enterrados nos cemitérios da Rússia e o Estado cravava nas suas sepulturas o memorial mais barato de todos, um insulto aos homens que jazem sob eles.

Superando a tristeza, a mãe de Alexander apelou para o Tribu­nal Basmanni, sob cuja jurisdição está o Ministério da Defesa. O juiz Voznesenski ordenou que o Tesouro pagasse a ela 250.000 rublos [US$9.400] como indenização. Não é preciso dizer que o dinheiro não saiu dos bolsos de Kazantsev, que era então um favo­rito do presidente e representante pessoal de Putin no norte do Cáucaso. Kazantsev foi coberto por Putin de medalhas, ordens e títulos por sua participação na chamada operação antiterrorismo, por levar a Tchetchênia à posição na qual o presidente a queria.

O juiz Voznesenski é um homem jovem, dinâmico e moderno e não se fecha à menção de interferência administrativa no proces­so judicial. Ele sabe exatamente do que você está falando. Eu o conheço bem. É brilhantemente educado e apimenta sua conversa­ção com expressões em latim, revelando um nível de erudição iné­dito entre os juízes russos. Porém, Voznesenski não se aprofundou muito nos detalhes da morte do soldado Slesarenko, nem se deu ao trabalho de convocar o general Viktor Kazantsev, aquele "herói da Rússia", ao seu tribunal.

Assim, mais uma vez, os contribuintes russos pagam sem recla­mar a conta da Segunda Guerra Tchetchena e as idiotices dos seus generais, além de todos os outros gastos das sucessivas escapadas mi­litares no norte do Cáucaso.

Por quanto tempo isto irá continuar? A tragédia da Segunda Guerra Tchetchena foi o trampolim para a carreira estelar de todos os nela implicados como camaradas em armas do atual presidente. Quanto mais sangue derramado, mais alto eles ascendem. E quem assume a responsabilidade? Simplesmente não importa quantas pes­soas Kazantsev envia para a morte; não importa a freqüência com a qual ele desaba bêbado nos braços de outras pessoas, inclusive jor­nalistas. Nada acontece. A única coisa que importa na Rússia hoje é a lealdade a Putin. A devoção pessoal ganha uma indulgência, uma anistia antecipada, para todos os sucessos e fracassos da vida. Competência e profissionalismo não contam no Kremlin. O siste­ma que evoluiu sob Putin corrompe profundamente os funcioná­rios públicos, tanto civis quanto militares.

A mãe de Alexandre me conta: "Nunca aceitarei o fato de que meu Sasha foi sacrificado pela ambição de um general. Nunca."

 

15 de janeiro

Em Moscou, há uma discussão sobre um novo livro-texto de histó­ria. Membros do RU estão querendo que Putin exija que sejam incluídos o "orgulho pelos acontecimentos" da Guerra Russo-fin-landesa de 1939 e a coletivização da agricultura por Stalin. Ele; insistem em que nossos filhos devem ler, mais uma vez, o compor­tamento soviético na Segunda Guerra Mundial e o papel suposta­mente positivo desempenhado por Stalin. Putin está concordando com isso. O Homo sovieticus está fungando em nossos cangotes. Ao mesmo tempo, outro livro didático foi banido por incluir um comentário do acadêmico Ianov dizendo que a Rússia corre o risco de se tornar um Estado nacional-socialista equipado com armas nucleares.

Parentes das vítimas de Nord-Ost têm uma reunião, no Gabi­nete do Procurador-geral em Moscou, com Vladimir Kaltchuk, o investigador de Crimes Hediondos que dirige o inquérito sobre a tomada de reféns no teatro. Eles me pediram que os acompanhasse para reduzir a probabilidade de Kaltchuk enganá-los ou insultá-los. Quando não há estranhos presentes, Kaltchuk insulta constante­mente os parentes dos mortos e nunca foi punido por isso. Ele tem instruções pessoais de Putin para fraudar a investigação e garantir que as informações sobre o gás sejam suprimidas.

"Passaportes sobre a mesa!", grita Kaltchuk, sinalizando o iní­cio da reunião. "Associação Nord-Ost. O que é isso? Quem reco­nheceu esta organização?"

"Será que podemos falar como seres humanos civilizados?", pergunta Tatiana Karpova. Ela é mãe de Alexander Karpov, um dos reféns que morreram, e presidente da Associação Nord- Ost. "Quantos terroristas foram mortos? Quantos conseguiram escapar?"

"De acordo com nossos dados, todos os terroristas no prédio foram mortos, mas é impossível dar uma garantia de 100%”

"Por que foram todos mortos?"

"Bem, eles foram e é tudo. Essas coisas são decididas pelas forças de segurança. Eles estão arriscando a vida quando entram e não cabe a mim lhes dizer quem deveriam ou não matar. Tenho minha "opria opinião como ser humano e tenho como advogado."

"O senhor considera que um vídeo publicado de um tiroteio gere que qualquer dos reféns poderia ter sido morto dessa maneira?" (Tatiana está se referindo às imagens da manhã de 26 de tubro de 2002, imediatamente depois do ataque à entrada do complexo de teatros, que mostram uma mulher não identificada, vestindo um uniforme militar de camuflagem, apontando uma pis­tola — e possivelmente atirando — para um homem não identifica­do cujas mãos estão amarradas atrás das suas costas.)

"Ninguém está ‘acabando’ com ninguém nesse filme. Os jor­nalistas gostariam de fazer com que fosse visto como um assassina­to. Nós o analisamos. O que há é um cadáver sendo arrastado de um lugar para outro e a mulher está meramente indicando onde ele deve ser colocado. Sabemos de quem é aquele corpo."

"De quem?"

"Se eu lhe contar, você dirá que é tudo mentira."

"É o corpo de Vlakh?" (Gennadi Vlakh foi um moscovita que entrou no prédio ocupado por iniciativa própria, para procurar seu filho.)

"Sim, é. O exame demonstrará isso."

Kaltchuk sabe perfeitamente que o filho de Vlakh e sua ex-mulher estudaram cuidadosamente a gravação e negaram categori­camente que a pessoa que estava sendo arrastada fosse Gennadi. Nada encaixa: a estrutura do corpo, os cabelos ou as roupas.

Tatiana continua: "O senhor admite que houve pilhagem no saguão depois do ataque?"

"Sim. As forças de segurança estavam lá e, se viam uma bolsa, colocavam-na no bolso. Eles são apenas humanos. É o tipo de país em que vivemos. Os salários deles são miseravelmente baixos."

"Estão investigando a pilhagem?"

"Ora, faça-me o favor... É claro que não."

"Queremos desesperadamente saber a verdade a respeito de como morreram nossos parentes. Vocês pretendem registrar acusa­ções contra algum funcionário por não ter providenciado auxílio médico após o ataque?"

"Se todos vocês recebessem um milhão de dólares, como fazem no Ocidente, se calariam imediatamente. Vocês deveriam chorar um pouco e depois simplesmente calar a boca."

Vladimir Kurbatov, pai de uma menina de 13 anos que era membro do elenco de Nord-Ost, que morreu:

"Eu não me calarei. Buscarei a verdade sobre quando e onde minha filha morreu. Até agora, ninguém sabe."

Liudmila Trunova, uma advogada presente à reunião:

"Como foi que o corpo de Grigori Burban, um dos reféns mortos, veio a ser descoberto na avenida Lenin?"

"Quem disse? Não sei." Tatiana Karpova:

"Por que o corpo de Gennadi Vlakh foi cremado, como se ele fosse um dos terroristas?"

"Isso não é da sua conta. Por que você não faz perguntas a res­peito do seu pai?"

"Uma pergunta a respeito de Terkibaev..."

"Terkibaev nunca esteve lá. Politkovskaia não nos ajudou. (Es­crevi no meu jornal a respeito do papel do oficial do FSB Terkibaev naquele cerco.) Ela se recusou a nos dar informações a respeito dele. Disse apenas que não sabia de nada."

"Alguém chegou a ser acusado em conexão com este caso?"

"Não."

Kaltchuk é um típico representante dos oficiais de segurança e da lei da nova era de Putin. Eles são ativamente encorajados a tra­tar as pessoas de forma dominadora.

Enquanto isso, em Magadan grandes quantidades de recrutas adoeceram a caminho de suas unidades. Putin reage instantanea­mente, dizendo que aquela é "uma forma criminosa de tratar pes­soas". Os recrutas ficaram enfileirados em uma pista de pouso por várias horas usando somente roupas leves e mais de oitenta foram internados com pneumonia. Um dos soldados,Volodia Beriozin, da província de Moscou, morreu de hipotermia em 3 de dezembro. Beriozin eram um rapaz forte e saudável, que foi selecionado para servir no regimento do presidente. Seus pais, como todos os outros, estão exigindo do presidente uma explicação de como uma coisa dessas pode acontecer.

Já é 15 de janeiro eVolodia Beriozin foi enterrado há nove dias, mas a Rússia ficou indignada somente depois que Putin expressou sua ira. Soldados são poeira sob as botas dos seus oficiais. E assim que as coisas são aqui e Putin, ele mesmo a encarnação de um estereótipo, aceita isso.

 

16 de janeiro

O corpo de Aslan Davletukaev, seqüestrado em sua casa em 10 de janeiro, foi encontrado apresentando sinais de tortura. Ele levara um tiro na nuca. O corpo foi achado na periferia de Gudermes.

Aslan era um conhecido defensor tchetcheno dos direitos huma­nos. (Apesar da intervenção de organizações internacionais, a inves­tigação do assassinato foi infrutífera.)

Glória ao nosso czar! Está em andamento uma investigação sobre o caso dos soldados congelados. Seu tratamento desumano começou no aeroporto militar de Tchkalov, na província de Moscou. O tempo estava frio e os novos recrutas foram amontoa­dos por 24 horas em um depósito de armas sem calefação, dormin­do sobre caixas ou no piso frio. Foram transportados em um avião cargueiro à temperatura de -30 graus Celsius, como troncos, e fica­ram congelados até a medula. Quando desceram em Novosibirsk, foram forçados a permanecer em pé na pista por duas horas a -19 graus. No aeroporto de Komsomolsk-on-Amur, permaneceram quatro horas com roupas leves a -25 graus. Em Petropavlovsk, ficou óbvio que alguns estavam gravemente doentes, mas os oficiais que os escoltavam ignoraram a situação. Nos alojamentos onde foram acomodados depois do vôo, a temperatura era de +12 graus. Aquela altura, quase cem deles estavam doentes. Não havia instala­ções para tratá-los. Os médicos do exército tinham somente anti­bióticos vencidos em meados da década de 1990 e não havia nenhuma agulha hipodérmica. Os médicos lhes deram remédios para tosse.

O Gabinete do Procurador Militar anunciou que em pouco tempo irá interrogar o coronel Vasili Smirnov, chefe do Conselho Geral de Logística do Ministério da Defesa, a respeito do caso dos soldados congelados. Esta é uma liberdade sem precedentes, imagi­nável somente se eles receberam sinal verde de cima. Vinte e dois generais já foram interrogados, a primeira vez em que generais foram questionados sobre alguma coisa acontecida com recrutas. É maravilhoso ver o presidente atuar como o principal defensor dos direitos humanos da Rússia, mas será que ele estará usando a mesma máscara depois da eleição presidencial?

Nossa democracia continua em declínio. Nada na Rússia depende do povo; tudo depende de Putin. Há uma crescente cen­tralização de poder e de perda de iniciativa pelos funcionários públicos. Putin está ressuscitando nosso antigo estereótipo: "Vamos esperar até que nosso senhor, o barin, retorne. Ele nos dirá como tudo deve ser." É preciso admitir que é assim que o povo russo gosta, o que significa que logo Putin irá tirar a máscara de defensor dos direitos humanos. Ele não precisará mais dela.

Para onde foram todos os democratas? Alexander Jukov, antigo democrata e hoje membro do RU, considera que. “É uma boa coisa quando há um partido dominante no Parlamento. O eleitorado vê claramente quem é o responsável por tudo. Nas três Dumas ante­riores, isso não aconteceu. Está claro que o RU estimulará uma economia de mercado baseada na redução da carga fiscal, no desen­volvimento da livre empresa e na redução do papel do Estado, na reforma dos monopólios naturais, trazendo a Rússia para o merca­do mundial, e reformas do bem-estar social, que não está hoje fun­cionando satisfatoriamente. Não há motivos para nos preocupar­mos com esta Duma. Os procedimentos democráticos estão sendo melhor observados do que nas suas antecessoras."

(Jukov pouco depois foi nomeado vice-primeiro-ministro.)

 

17 de janeiro

Continuam os rompimentos políticos e deserções. O Partido do Renascimento da Rússia, outro partido anão, chefiado por Genna-di Selezniov, decidiu apoiar Putin na eleição e deixar de lado Sergei Mironov, presidente do Soviet da Federação e líder do Partido da Vida, com quem tinha uma aliança durante as eleições parlamenta­res. A decisão foi tomada depois de uma análise dos resultados do partido nas eleições. Em conjunto, os partidos desses dois líderes conseguiram apenas 1,88% dos votos.

A televisão mostra Putin reiterando: "Não precisamos de uma Duma barulhenta." Os membros do RU garantem ao país que a tomada do Parlamento que fizeram é "mais honesta" com os eleito­res. Estão se tornando cada vez mais óbvias as regras disciplinares mili­tares dentro do RU. Nenhum dos deputados pode dar entrevistas a jornalistas ou votar de acordo com sua consciência. Hoje o partido tem 310 deputados. Estes ainda estão se unindo e jurando lealdade.

A campanha eleitoral para a Presidência é realmente muito es­tranha. Na realidade, não existe nenhuma necessidade de comenta­ristas favoráveis. Todos já preferem Putin, mesmo aqueles que estão contra ele. Malichkin, o guarda-costas idiota, já admitiu isto. Houve algo na televisão a respeito da mãe de Malichkin, que mora na província de Rostov numa casa sem água corrente. Ela diz que vai votar em Putin porque está muito contente com ele. Mironov che­gou a perguntar com espanto: "Por que ainda somos candidatos? Deveríamos formar ombro a ombro com ele."

Sergei Glaziev, outro pseudocandidato, declara ao povo: ”Gosto de Putin. Tenho muita coisa em comum com ele. O que não gosto é de como as decisões são implementadas."

O fracasso dos democratas e liberais em lançar um candidato conjunto assemelha-se cada vez a um suicídio político.

Em Grozni, à luz do dia, tropas russas raptaram Khalid Edelkhaev, 47, um motorista de táxi, na estrada que vai até a vila de Petrovpavlovskaia. Seu paradeiro é desconhecido.

 

18 de janeiro

A Comissão Eleitoral Central está começando a receber assinaturas dos defensores dos candidatos sem partido, mas ainda existe alguém de fato contra Putin? Só Irina Khakamada.

Dentro do Partido Comunista, há um conflito entre os líderes, Ziuganov e Semigin, e eles não têm tempo para uma batalha polí­tica contra Putin. Rogozin, do Rodina, diz que quer apoiar Putin. Glaziev ainda está indeciso.

O prazo final para a apresentação de assinaturas é 28 de janei­ro e faltam 35 dias para as eleições.

 

19 de janeiro

O Comitê 2008, uma organização que defende eleições justas, mas só espera consegui-las em 2008, publicou um manifesto no qual diz que atualmente é "repugnante" viver na Rússia. Como se já não o soubéssemos! O presidente do comitê é Gari Kasparov, o ex-cam­peão mundial de xadrez. Ele é inteligente e autoconfiante, o que é um bom começo.

 

20 de janeiro

Durante a noite, pistoleiros mascarados em carros Jiguli brancos e sem placas — a marca registrada das forças de Kadirov — raptaram

Milana Kodzoeva da sua casa na aldeia tchetchena de Kotar-Iurt. Milana é viúva de um insurgente tchetcheno e tem dois filhos pequenos. Seu paradeiro é desconhecido.

 

21 de janeiro

Irina Khakamada fez um apelo público por fundos junto à elite empresarial russa. Leonid Nevzlin, amigo de Khodorkovski, ofere­ceu-lhe apoio. Tchubai recusou.

Aqueles que sobreviveram ao Cerco de Leningrado estão começando a receber medalhas e pagamentos para marcar o sexa­gésimo aniversário da suspensão do cerco. Estão recebendo entre 450 e 900 rublos [US$16 e 34].Os sobreviventes são pobres e em São Petersburgo houve fila durante muitos dias para receber. No total, cerca de 300 mil pessoas tinham o direito de receber esta ninharia, mas somente 15 mil conseguiram. Os sobreviventes detestam as novas medalhas, que contêm a inscrição "Residente na Leningrado Sitiada" e "Pela Defesa de Leningrado". A Fortaleza de Pedro e Paulo é mostrada de uma perspectiva inimaginável e arma­dilhas para tanques, que nunca existiram, aparecem nos aterros. Tudo foi feito ao estilo soviético. Goste dele ou agregue-o.

 

24 de janeiro

Em Grozni, pessoas não identificadas vestindo roupas de camufla­gem e dirigindo um jipe militar UAZ raptaram Turpal Baltebiev, 23 anos, do ponto de ônibus do Hipódromo. Seu paradeiro é desco­nhecido.

 

27 de janeiro

Putin está em São Petersburgo. Sua campanha eleitoral continua com o pano de fundo do sexagésimo aniversário da suspensão do Cerco de Leningrado. Ele voou até Kirovsk, local da lendária Cabeça-de-ponte do Neva, onde seu pai, Vladimir Spiridonovitch Putin, combateu e foi gravemente ferido. Foi a partir da Cabeça-de-ponte do Neva que, em 18 de janeiro de 1943, foi levantado o

Cerco de Leningrado. Durante o cerco, o irmão mais velho de Putin morreu de fome. Sua mãe mal sobreviveu. Entre 200 mil e 400 mil soldados morreram tentando avançar. O número exato e os nomes de muitos deles são desconhecidos até hoje, porque quase todos eram simplesmente voluntários de Leningrado que morre­ram antes de poder ser alistados como soldados. A cabeça-de-ponte tem um quilômetro e meio de extensão e várias centenas de metros de largura. Mesmo hoje, as árvores não crescem no lugar. Putin depositou um buquê de rosas vermelhas no monumento.

Em homenagem à chegada de Putin, foi realizada uma sessão do Presídio do Conselho do Estado. Essa é uma instituição pura­mente consultiva, mas altamente cerimoniosa, criada por Putin para manter satisfeitos os governadores das províncias russas.

A sessão daquele dia era dedicada aos problemas dos aposenta­dos, dos quais há mais de 30 milhões na Rússia. Cerca de vinte foram reunidos para um encontro com Putin, vestindo velhos ter­nos e suéteres rasgados. Eles eram da província de Leningrado e falaram da sua qualidade de vida terrivelmente baixa. Putin ouviu todos, não interrompeu ninguém e disse: "É essencial que pense­mos em como poderemos proporcionar uma vida digna na velhi­ce. Esta é uma tarefa crucial para o Estado." As palavras “tarefa cru­cial" são ouvidas constantemente, mas, dependendo do público, é o bem-estar dos trabalhadores rurais ou a melhoria dos serviços de saúde que é crucial. É a conversa habitual de um agente da KGB, mas as pessoas parecem não perceber. Desta vez, Putin prometeu dobrar o valor pelo qual as pensões serão indexadas em 2004. O acréscimo médio mensal chegará a 240 rublos [US$9], quantia com a qual eles poderão comprar meio quilo de carne de boa qualidade.

Khakamada publicou seu manifesto:

Nos últimos quatro anos, as autoridades eliminaram toda a oposição política e destruíram a mídia de massa independente;

O partido do governo na Duma não tem programa, nem idéias;

Se em quatro anos, por volta de 2008, aqueles que apóiam a democracia não se tiverem feito ouvir, a Rússia voltará de forma irreversível ao autoritarismo;

Desafio Putin para um debate, porque quero ouvir dele exatamente que espécie de Rússia quer construir;

Colhi quatro milhões de assinaturas em apoio à minha candidatura;

Estou preparada para ser a rolha que salta da garrafa que confina o espírito da vontade dos cidadãos russos.

Um bom manifesto, mas Putin não se abalou diante de nenhu­ma das declarações, como se elas não tivessem sido feitas. Ninguém insistiu para que ele respondesse. Nossa sociedade está doente. Em sua maioria, as pessoas sofrem da doença do paternalismo, que é como Putin escapa de tudo, o motivo pelo qual ele é possível na Rússia.

 

28 de janeiro

Às 18:00, a Comissão Eleitoral Central deixou de aceitar assinatu­ras de partidários dos candidatos presidenciais. Putin, Mironov e Ribkin já haviam apresentado as suas. Khakamada entregou a dela às 15:00. O empresário Anzori Azsentiev enviou uma carta retiran­do sua candidatura.

Há alternativas: Khakamada para os favoráveis ao Ocidente, Kharitonov para os comunistas, Malichkin para os radicais políticos e rufiões, Glaziev para aqueles que acreditam no nosso status de superpotência.

 

29       de janeiro

Vladimir Potanin continua tentando se posicionar como "bom" oligarca — isto é, não comparável a Khodorkovski. Está propondo uma reforma no sindicato dos oligarcas: "As empresas constituem uma força construtiva. Precisamos de um diálogo novo e significa­tivo com as autoridades do Estado. As empresas devem levar em conta as necessidades da sociedade, devem explicar quem somos." Ele também fala de moderar as ambições dos oligarcas e diz que as grandes empresas não necessitam de representação nos principais conselhos do país.

Potanin recebeu horário nobre na televisão para dizer isso. Todos acham que ele recebeu a bênção do próprio Putin.

2 de fevereiro

Pela televisão, Putin reduz o preço do pão usando o velho método soviético de parar as exportações de grãos. Por que estamos expor­tando, se o país está com fome? Não há ninguém para fazer essa pergunta, pois a oposição não tem acesso à mídia. Putin ouve rela­tórios de que em muitas regiões o custo do pão dobrou no último mês e exige que essas altas de preços descontroladas sejam detidas imediatamente.

Na televisão, ele promete analisar os pagamentos de pensões para pessoas incapacitadas na infância durante a Segunda Guerra Mundial. Zurabov, o ministro da Saúde e do Bem-estar Social, diz-lhe que está bastante seguro de que a legislação necessária será rapi­damente aprovada em todos os trâmites na Duma. É como se a Duma não tivesse outras leis para aprovar. Tudo que interessa são as exigências do presidente para sua campanha eleitoral, que parece consistir em uma constante distribuição de esmolas.

Ao mesmo tempo, Zurabov fala com Putin sobre pensões para padres. Putin tem um grande interesse pelo bem-estar dos padres! Zurabov lembra que, antes da queda da URSS, os padres não tinham direito a pensões.

Em vez de verdadeiros debates pré-eleitorais, temos mais um episódio da novela política que é o partido Rodina: uma furiosa briga entre Rogozin e Glaziev em vez de debates sobre o futuro do país. Rogozin ofende Glaziev, este responde com um amontoado de bobagens e ninguém fala do que Putin poderia ter a oferecer em um segundo mandato. Quase nenhum dos candidatos supostamen­te oponentes de Putin tem alguma idéia.

Em Moscou, Ielena Tregubova quase foi morta por uma pequena bomba plantada em seu prédio. Teria sido obra de desor­deiros? Ela publicou recentemente um livro anti-Putin, Tales of a Kremlin Digger (Contos de um escavador do Kremlin). Acredita-se que Tregubova tenha sido amante de Putin. Ela foi membro da equi­pe de imprensa do Kremlin, mas então viu a luz e escreveu um livro a respeito da vida íntima do Kremlin, que mostra os fatos sob uma luz desfavorável. [Tregubova emigrou da Rússia pouco tempo depois].

3 de fevereiro

Por volta das 17:00, houve um ataque terrorista em Vladikavkaz Cadetes militares tiveram seu carro Jiguli explodido quando ultra­passavam um caminhão. Uma mulher morreu e 10 pessoas ficaram feridas. Um dos cadetes está em estado crítico.

 

4 de fevereiro

Em Grozni, homens armados não identificados, usando máscaras e roupas de camuflagem, raptaram Satsita Kamaeva, 23 anos, de sua residência na rua Aviatsionnaia. Seu paradeiro é desconhecido.

Enquanto isso, em Moscou, dizem que o quartel-general da campanha eleitoral de Putin foi montado, mas é tão virtual quanto o próprio Putin. O endereço é Praça Vermelha, 5, só que ninguém pode entrar. Putin nomeou como líder de sua equipe eleitoral Dmitri Kozak, primeiro subchefe da administração presidencial e encarregado das reformas judiciária e administrativa. Kozak tem a fama de ser o membro mais inteligente do governo, depois de Putin, é claro. Como Putin, ele é formado na Faculdade de Direito da Universidade de Leningrado. Lá ele trabalhou no Gabinete do Procurador e na Prefeitura de São Petersburgo e, em 1989, foi vice-governador de São Petersburgo. Em outras palavras, pertence à Brigada de Putin de São Petersburgo.

A Liga de Comitês de Mães de Soldados formará um partido político. Na Rússia, os partidos nascem por três motivos: porque há muito dinheiro em algum lugar, porque alguém não tem nada de melhor para fazer ou porque alguém foi levado ao desespero. O Partido das Mães de Soldados é inteiramente fruto das eleições par­lamentares de 7 de dezembro, nascido na selva de uma política russa destituída de todas as forças democráticas.

"Agora estamos suficientemente maduras para fundar um par­tido", diz Valentina Melnikova, presidente do comitê organizador.

Temos conversado a este respeito há muito tempo, mas anterior­mente podíamos contar com o apoio da União de Forças de Di­reita e do Iabloko na nossa campanha pela reforma do Exército, para ajudar soldados, pela abolição do serviço militar obrigatório e por iniciativas do legislativo. Iavlinski e Nemtsov ainda participa­vam, mas agora tudo está em ruínas. Estamos em meio a uma Hiroshima política, mas ainda temos problemas que precisam ser resolvidos. Não há ninguém a quem possamos recorrer, ninguém em quem possamos depositar nossas esperanças. Todos os atuais par­tidos políticos são uma continuação do Kremlin por outros meios. Suspeitamos de que os deputados da Duma correm todas as manhãs à Praça Vermelha para receber instruções do Mausoléu de Lenin e a seguir vão fazer o que lhes foi ordenado. Foi por isso que decidimos formar nós mesmas um partido."

Portanto, o Partido das Mães de Soldados é um partido de desespero, nascido da completa desesperança política que é a soma dos quatro últimos anos de tristeza. Numa época em que tudo está sob o controle do Kremlin, essa é uma iniciativa direta de cidadãos comuns, que surgiu sem o benefício de "recursos administrativos", na qual Vladimir Surkov, o ubíquo subornador político da Rússia, não teve participação nenhuma.

A decisão de criar o partido foi tomada de uma forma muito simples: depois das eleições para a Duma, mulheres de Miass, Nijni Novgorod, Sochi e Nijni Tagil telefonaram para o escritório de Moscou da Liga de Comitês de Mães de Soldados. Os comitês daquelas cidades foram a força motriz por trás da criação de um novo partido político.

Os remanescentes do Iabloko e da União de Forças de Direita são um triste espetáculo, mas ao mesmo tempo surgem iniciativas públicas de pessoas profundamente comprometidas com um imen­so potencial de dissidência. Putin quer tudo isso podado rente, mas de sua atitude com relação à oposição está brotando algo de positi­vo. Aproxima-se um tempo de novas iniciativas. A devastação da arena política incentiva aqueles que se recusam a viver sob os velhos clichês soviéticos e pretendem lutar. Para sobreviver em ter­ritório inimigo, quando mais ninguém luta por você, é preciso reu­nir sua determinação e começar a lutar por si mesmo. Na lingua­gem das mães de soldados, isso quer dizer lutar pela vida dos solda­dos contra a máquina de recrutamento do exército, que os devora.

A última gota foi um incidente envolvendo Ida Kuklina e Putin. Ida trabalha há dez anos no comitê de Moscou e hoje é membro da Comissão Presidencial de Direitos Humanos. Ela dedi­cou muita energia para conseguir um aumento na pensão paga a soldados recrutados que foram reduzidos ao estado de invalidez Categoria I (a pensão atual é de 1.400 rublos ou cerca de US$52 por mês). Os inválidos de Categoria I tiveram membros amputa­dos, foram condenados ao leito por ferimentos na coluna ou estão confinados a cadeiras de rodas.

Ida Kuklina entregou pessoalmente uma petição a Putin numa das reuniões da sua comissão. Ele escreveu nela uma recomendação animadora, apesar de não muito específica –­­ "A questão está corre­tamente apresentada. Putin” ­–­­­­ e enviou-a ao governo e ao departa­mento de pensões.

Galina Karelova, vice-primeira-ministra do Bem-estar Social, respondeu sarcasticamente que haveria uma revolta dos inválidos caso fosse feita uma tentativa de elevar o nível das pensões de sol­dados que haviam sido incapacitados durante a Segunda Guerra Mundial, a guerra no Afeganistão e outras guerras locais. Para ela, isso seria antiético.

Mais uma vez, Ida abordou Putin; mais uma vez, recebeu uma resposta positiva e, mais uma vez, teve seu pedido recusado pelos fun­cionários. Isso aconteceu três vezes seguidas. Foi nesse ponto que as mães decidiram que a única solução era elas mesmas se tornarem legisladoras. Sua intenção é ter deputados do Partido das Mães de Soldados na Duma depois das eleições parlamentares de 2007.

"Quem será o líder do seu novo partido? Vocês convidarão algum político experiente?"

"Será uma das nossas", responde enfaticamente Valentina Melnikova.

Conversando com as mães de soldados a respeito do futuro, ouvimos sobre uma nova atrocidade dentro do exército. O soldado Alexander Sobakaev foi brutalmente torturado na Divisão Dzerjinski de Operações Especiais das tropas do Ministério do Interior. A última vez em que sua família ouviu sua voz ao telefo­ne foi na noite de 3 de janeiro. Alexander, com vinte anos incom­pletos, estava no seu segundo ano no exército e já havia sido pro­movido a cabo no batalhão de sapadores. Tinha telefonado para dizer que tudo estava bem. Eles recordaram o dia em que o viram sair de casa para ir para o exército e riram à idéia de que logo esta­riam comemorando seu retorno. Naquela mesma noite, nas pri­meiras horas de 4 de janeiro, se acreditarmos nos documentos que acompanhavam o esquife de zinco, Alexander enforcou-se com o próprio cinto, "na ausência de circunstâncias suspeitas". Em 11 de janeiro, seu corpo foi levado para sua casa na pequena aldeia de Velvo-Baza, a 290 km de Perm. Os representantes da divisão, que levaram o caixão, explicaram aos pais que "foi suicídio". Não havia atestado de óbito. Os pais não acreditaram e exigiram que o caixão fosse aberto. Os primeiros a recuar horrorizados foram seus colegas de serviço. O corpo não só estava coberto de escoriações e cortes de lâmina de barbear, mas a pele e os músculos dos pulsos estavam cortados até os ossos, expondo os tendões. Um médico do hospital local foi chamado e, na presença dos policiais locais, de um fotógra­fo da CID e representantes do comissariado do distrito militar, registrou que aquela mutilação havia ocorrido enquanto Alexander ainda estava vivo.

Os pais recusaram-se a enterrar o filho, exigindo um inquéri­to. A mãe ficou em casa, mas o pai foi direto a Moscou, à Divisão Dzerjinski de Operações Especiais e aos jornais da capital. Foi assim que o escândalo veio à luz.

Putin não reagiu ao caso. De fato, se ele fosse reagir a cada atro­cidade no exército, faria isso quase todos os dias e o eleitorado começaria a se perguntar por que aquelas ocorrências eram tão comuns e por que o comandante-em-chefe - isto é, Putin — nada fizera antes a esse respeito.

Conseqüentemente, nada foi feito pela identificação dos assas­sinos de Alexander. O Gabinete do Procurador Militar fez tudo o que pôde para assegurar que a verdade permanecesse oculta. Alexander se saiu pior que Volodia Beriosin, por cuja morte por frio e fome oficiais responderão no tribunal, graças somente ao fato de a campanha eleitoral de Putin ter acabado de começar e de ele ter posto suas mãos na história.

A investigação da morte de Alexander está acontecendo sem urgência nenhuma. Embora seus pais não quisessem enterrar o corpo até que um inquérito independente tornasse pública a ver­dade a respeito da sua morte, isso foi recusado. A família ficou sem dinheiro para manter o corpo no necrotério do distrito de Kudimkr e Alexander foi enterrado como suicida. Quantos mais de nossos filhos terão de ser sacrificados antes que uma grande campa­nha conjunta e pública leve à reforma completa deste exército? £sta é uma pergunta que se recusa a desaparecer.

Será que estamos vendo uma mudança no humor da socieda­de desta sociedade civil que começa medrosamente a emergir das cozinhas da Rússia da mesma maneira pela qual, depois de um expurgo na Tchetchênia, as pessoas, em silêncio e com cautela, dei­xam seus porões e suas tocas?

Ainda não, embora muitos estejam começando a se dar conta do que as pessoas na Tchetchênia perceberam, depois de ser sujei­tas à "operação antiterrorista": é preciso confiar em você mesmo para sobreviver; se ninguém mais o defende, defenda-se você. O aumento de violência da burocracia está mais descontrolado do que nunca depois do triunfo do RU e ainda há muito poucas iniciati­vas públicas.

Com a aproximação do dias da eleição, os boletins noticiosos da televisão se parecem cada vez mais com despachos animadores sobre as realizações de Putin. A maior parte do noticiário é ocupada por burocratas se reportando a Putin diante das cameras, mas sem nenhu­ma semelhança com comentários independentes. Hoje, Sergei Ignatiev, presidente do conselho do Tsentrobank, falava com ele sobre o improvável crescimento das reservas de ouro e moedas estrangeiras.

Para acompanhar muitas conversas políticas sobre o bem-estar do povo, a Quarta Duma está aprovando leis motivadas por lobistas de forma ainda mais gritante do que a Terceira Duma. Por exem­plo, há uma proposta para uma redução significativa do Imposto sobre Valor Agregado para agentes imobiliários. Isso é simplesmen­te risível, porque na Rússia os agentes imobiliários são milionários. Nin guém levanta o assunto na mídia de massa, embora se cochiche muito a este respeito. Os jornalistas praticam uma autocensura rigorosa. Eles nem mesmo propõem essas matérias aos jornais ou às emissoras de televisão, por ter certeza de que elas serão cortadas.

Terminou o Oitavo Encontro Mundial dos Povos da Rússia. Foi saudado como o grande evento de fevereiro e foi quase igual a um congresso do RU, com a participação de todos os altos buro­cratas do governo. Estranhamente, ninguém consegue lembrar quando ocorreu o Sétimo Encontro Mundial.

No encontro, Sergei Pugatchev, o banqueiro oligarca do presi­dente, sentou-se à direita do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa.

Pugatchev é um dos oligarcas de Putin que substituíram os oligarcas de Ieltsin e o governo chega ao ponto de se referir a ele "como um banqueiro ortodoxo russo". A pedido de Pugatchev, o encontro adotou um tipo estranho de decálogo para empresários, chamado Um Código de Regras e Princípios Morais para a Condução de Empresas.

O código pontifica sobre assuntos como riqueza e pobreza, nacionalização, evasão fiscal, propaganda e lucros. Um dos manda­mentos nos informa que "a riqueza não é um fim em si. Ela deve servir para criar uma vida boa para o indivíduo e para o povo". Outro alerta que "ao empregar mal propriedades, deixar de respei­tar bens comunitários, deixar de dar uma recompensa justa a um trabalhador pelo seu trabalho ou ao enganar um sócio, a pessoa transgride a lei moral, prejudicando a sociedade e a si mesma". Além disso, sobre o assunto da evasão fiscal, deixar de pagar seus impostos é "roubar dos órfãos, dos idosos, dos incapacitados e outros menos aptos a se protegerem".

"Transferir parte da renda de uma pessoa através da tributação para prover as necessidades da sociedade deve deixar de ser uma obrigação pesada cumprida de má vontade, e às vezes não cumpri­da, e passar a ser uma questão de honra, merecedora da gratidão da sociedade." Sobre os pobres. “O pobre também tem a obrigação de se comportar de forma digna, de se esforçar para trabalhar de forma eficiente, de elevar suas qualificações vocacionais para sair da sua condição de pobreza." Mais uma vez: "A veneração da riqueza é incompatível com a retidão moral."

O código contém alusões a Khodorkovski, a Berezovski e Gusinski. "Deve haver separação entre os poderes político e econô­mico. O envolvimento de empresas na política e sua influência na opinião pública sempre deve ser transparente e aberta. Toda assis­tência material dada por empresas a partidos políticos, organizações públicas e à mídia de massa deve ser de conhecimento público e monitorada. Apoios clandestinos dessa natureza devem ser conde­nados publicamente como imorais."

É claro que, neste caso, toda a campanha eleitoral do RU foi imoral, assim como o fato de o oligarca de Putin ser senador.

Tudo isso pretende reforçar a idéia de que é certo e honrado ser um "bom" empresário no bolso de Putin, mas se a pessoa tentar ser independente, passa a ser má e deve ser destruída. O código é manifestamente anti-Iukos. Apesar de ser supostamente voluntário, ele é, como tudo hoje na Rússia, "compulsoriamente voluntário". Não é preciso entrar para o RU, mas se você não o fizer, sua carrei­ra não irá a lugar nenhum. O metropolita kiril, cotado como suces­sor do atual patriarca, em rápido declínio e constantemente doen­te, presidiu a sessão em que o código foi discutido. Ele disse aber­tamente: "Iremos a todos e os convidaremos a assinar. Caso algum deles se recuse, nós nos certificaremos de que seu nome seja conhe­cido por todos." Belo sacerdote!

De qualquer maneira, quem está pregando esta moralidade para nós? A mesma Igreja Ortodoxa Russa que dá sua bênção para a guerra à Tchetchênia, para o tráfico de armas e para a luta fratri­cida no norte do Cáucaso. A adoção desse código de princípios morais para empresários é uma extraordinária oferta da Igreja Ortodoxa Russa, que está desestabilizada, para se envolver nas polí­ticas interna e externa. O URIE comentou que "A Igreja em si precisa ser reformada. Sua estagnação é a razão pela qual ela se sai com fantasias tão bizarras".

ViktorVekselberg, um oligarca que, segundo os rumores, será o próximo a ser aprisionado por Putin, anunciou subitamente que está comprando a coleção de ovos Fabergé que pertenceu à família de Nicolau II, nosso último imperador. Ninguém duvida que Vekselberg esteja simplesmente tentando pagar seu resgate para escapar de problemas, demonstrando que está "do lado da Rússia", e que o governo aceite isso como uma forma codificada de dizer: "estou ao lado de Vladimir Vladimirovitch."

Vekselberg insiste que "o retorno desses tesouros à Rússia é para mim um assunto pessoal. Quero que minha família, meu filho e minha filha tenham uma compreensão diferente dos seus lugares na vida. Quero que as grandes empresas participem de forma inte­ligente de obras públicas. Não estou buscando vantagens, nem quero provar nada a ninguém, nem compensar qualquer erro".

Acho que o oligarca fala demais.

5 de fevereiro

Em Tcheremkhovo, na província de Irkutsk, 17 trabalhadores do Setor n° 1 da Administração de Serviços Residenciais Comunais entraram em greve de fome. Eles exigem o pagamento de seus salá­rios, que estão seis meses atrasados. Têm a receber um total de cerca de 2 milhões de rublos [US$75.000]. Estão seguindo o exemplo de seus colegas em outro setor, que tiveram de recorrer a uma greve de fome por três dias para conseguir receber os salários atrasados.

Houve em Moscou uma reunião do Fórum Aberto, um even­to com a participação de analistas políticos; não necessariamente os mais importantes, mas pessoas respeitáveis que estiveram envolvi­das, como conselheiros políticos, em todas as eleições nacionais e regionais. Eles concordaram em um ponto importante: nos quatro anos do governo Putin, a modernização da Rússia foi superada pela meta de fortalecer o poder de uma pessoa. Aqueles a ela associados não constituem uma classe nem um partido, mas apenas pessoas que estão "em sintonia com Putin". Os analistas também concor­daram que o modelo de democracia gerenciada não funciona.

 

6 de fevereiro

8:32: três meses depois do ataque terrorista perto do Nationale Hotel, houve uma explosão no metrô de Moscou, na interseção entre as linhas Paveletskaia e Avtozavodskaia-Zamoksvoretskaia. O trem se dirigia ao centro da cidade durante o horário de rush quan­do uma bomba explodiu perto da primeira porta do segundo vagão. O dispositivo havia sido colocado 15 cm acima do nível do piso, dentro de um saco. Depois da explosão, o impulso do trem ainda o fez percorrer mais 300 metros e teve início um forte incêndio.Trinta pessoas morreram no local e outras nove morreram mais tarde em conseqüência das queimaduras. Há 140 feridos. Há deze­nas de pequenos fragmentos de corpos, não identificáveis. Mais de 700 pessoas saíram do túnel, tendo providenciado elas próprias a evacuação, na ausência de qualquer assistência. Nas ruas, há caos e medo, as sirenes uivantes dos serviços de emergência, milhões de pessoas aterrorizadas.

Ás 10:44, mais de duas horas depois da explosão, foi implanta­do o Plano Contingencial Volcano-5 para capturar os culpados.

Quem eles pensam que irão capturar? Se houvesse algum cúmpli­ce teria fugido há muito. Ás 12:12, a polícia começou a buscar por um homem com idade entre 30 e 35 anos, "de aparência caucasia­na". Muito útil. Ás 13:30,Valeri Chantsev, prefeito em exercício de Moscou enquanto Lujkov está nos Estados Unidos, anunciou que as famílias das vítimas irão receber 100 mil rublos [US$3.700] de indenização e os feridos receberão a metade desta quantia.

Terroristas com explosivos podem se movimentar por Moscou sem obstáculos, apesar dos poderes extraordinários concedidos ao FSB e à polícia, e mesmo assim o povo apóia Putin. Ninguém suge­re uma mudança da política na Tchetchênia, apesar dos dez atos terroristas envolvendo homens-bombas no último ano. Hoje a Praça Vermelha está fechada a visitantes quase permanentemente. A palestinização da Tchetchênia é óbvia. Uma hora depois da explo­são, foi feita uma declaração pelo "Movimento Contra a Imigração Ilegal", uma organização criada pelas forças de segurança. Seu líder, Alexander Belov, disse:

Nossa primeira exigência é proibir os tchetchenos de viajar para fora da Tchetchênia. Até hoje, nos EUA e no Canadá, exis­tem reservas especiais para pessoas inadequadas. Se um grupo étnico não quer viver como seres humanos civilizados, deixe­mos que eles vivam atrás de uma barreira. Dêem o nome que quiserem: uma reserva, uma cerca. De algum modo, precisamos nos defender. Não podemos mais fingir que os tchetchenos, cuja maioria está de uma forma ou outra ligada à resistência tchetchena, sejam cidadãos no mesmo sentido que os chuva­ches, buriats, carelianos ou russos. Para eles, isto é uma conti­nuação da guerra. Eles estão se vingando. Os tchetchenos que moram na Rússia, inclusive os empresários, constituem um viveiro de terroristas. Estou somente dizendo o que pensam 80% dos russos.

Ele está certo. É exatamente isso que pensa a maioria. A socie­dade está caminhando para o fascismo.

Só uns poucos membros das autoridades do Estado continuam tentando pensar. O general Boris Gromov, governador da provín­cia de Moscou e herói da União Soviética pelos serviços prestados no Afeganistão, falou: "Quando ouvi a respeito da explosão no metrô, meu primeiro pensamento foi que tudo isso começou lá no Afeganistão. A decisão dos líderes da URSS de enviar tropas ao Afeganistão foi irresponsável ao extremo, assim como a decisão posterior dos líderes da Rússia de enviar tropas à Tchetchênia. Estes são os frutos daquelas decisões. Eles disseram que estavam indo atrás de gângsteres, mas em conseqüência disso estão sofrendo pes­soas inteiramente inocentes. E isto continuará por muito tempo."

Nos canais da televisão estatal, continuam a dizer ao povo que o terrorismo é uma doença da liberal-democracia; se você quer democracia, deve esperar atos terroristas. Eles ignoram o fato de que Putin esteve no poder durante os últimos quatro anos.

Putin, apesar da explosão, está mantendo conversações com Ilkhan Aliev, presidente do Azerbaijão, que está em Moscou. Putin mencionou de passagem: "Eu não me surpreenderia se isto viesse a ser explorado mais perto da eleição, como meio para pressionar o atual chefe de Estado. Há uma grande coincidência entre o atenta­do e o fato de que planos de paz para a Tchetchênia nos estejam sendo mais uma vez apresentados do exterior. Nossa recusa em manter negociações de qualquer espécie com terroristas..."

Que negociações? Homens-bomba explodem a si mesmos. Ele estava ansioso, seus olhos piscavam, traindo um homem histérico que não sabe o que fazer a seguir.

Nos próximos dias, haverá um escrutínio das listas de assinatu­ras dos candidatos sem partido: Ivan Ribkin, ex-chefe do Conselho de Segurança da Federação Russa; Sergei Glaziev, líder do partido Rodina, e Irina Khakamada. As ações das autoridades revelam a pessoa que mais as preocupa, apesar de sua pontuação nas pesquisas de opinião ser praticamente zero. Alexander Vechniakov, dirigente da Comissão Eleitoral Central, declarou, antes do escrutínio, que uma verificação preliminar das listas de Ribkin mostrou que 26% das assinaturas são inválidas. Precisamente 26% — não 27, nem 24,9, porque a lei diz que, se o número de assinaturas inválidas exceder 25%, o registro do candidato poderá ser recusado. As pessoas riem e dizem que pelo menos o número não é 25,1%.

Onde, na verdade, está a campanha eleitoral? Até aqui, não há nada para se ver. Os candidatos a candidatos não estavam com pres­sa para se apresentar e a maioria deles não está com pressa de ven­cer. Ninguém parece preocupado com isso, nem os candidatos, nem seus partidários. Quanto ao Candidato n°l, ele não faz nenhu­ma tentativa de lutar, debater e vencer. Irina Khakamada está con­vencida de que o Kremlin conseguiu persuadir a todos de que eles não podem derrotar uma conspiração. “Não há nenhuma luta aber­ta. Ninguém acredita que irá ajudar."

O partido Rodina continua suas lutas internas. E também não quer vencer a eleição. Dmitri Rogozin, que também é o vice-ora-dor da Duma, chegou a anunciar que irá apoiar Putin na eleição e não Glaziev, o vice-presidente do seu próprio partido. Eles consti­tuem um bando muito estranho. Será que já pensaram nos seus par­tidários? Eles dão a impressão de que aquilo que os eleitores pensam não tem importância e que tudo será decidido sem consultá-los. Rogozin até pede que a eleição presidencial seja cancelada e seja declarado um estado de emergência, devido aos atos terroristas.

 

7 de fevereiro

Foram abertos nove centros de doação de sangue em Moscou. Há uma necessidade urgente de todos os grupos sangüíneos para as 128 vítimas da bomba que permanecem hospitalizadas.

Mas onde estão os detectores de explosivos no metrô? Onde estão as patrulhas? Nós, russos, somos irresponsáveis por natureza, sempre vendo conspirações contra nós. Nunca nos incomodamos em acompanhar qualquer coisa até sua conclusão; apenas espera­mos pelo melhor. A polícia verifica passaportes no metrô, mas sem dúvida os terroristas certificam-se de que seus documentos estejam em ordem. A polícia prende um tajique faminto, que não consegue emprego na sua terra natal e veio cavar nosso solo congelado por­que não queremos fazer isso. Os soldados lhe tiram seus últimos 100 rublos e deixam-no ir. Onde estão os órgãos de segurança que deveriam responder pelo fato de o ataque ter tido sucesso? Onde esta o pessoal de segurança? Milhares de recrutas famintos das Tropas do Interior foram trazidos para guardar Moscou. Isso é bom. Pelo menos eles serão pagos e poderão comer. Pelo menos não estão em seus quartéis.

Mas "medidas" como essas são ineficazes, são uma mera reação. Tão logo as pessoas comecem a esquecer esse pesadelo, tudo volta­ra a ser como antes. O escritor e jornalista Alexander Kabakov comenta: "Ainda estamos vivos somente porque aqueles que enco­mendam esses atos carecem de pessoas para levá-los a cabo. Mas por que aqueles que encomendam atos terroristas ainda estão vivos é outra questão."

Putin não demitiu Patruchev, o diretor do FSB. Ele é seu amigo pessoal. Quantos outros atos de terrorismo terão de ser bem-sucedidos antes de Putin concluir que seu amigo não serve para a tarefa?

O Centro Memorial dos Direitos Humanos publicou uma declaração:

Lamentamos por aqueles que morreram e simpatizamos pro­fundamente com os feridos. Não pode haver justificativa para aqueles que planejaram e executaram este crime. O presidente e organismos da lei estão afirmando que foi obra dos tchetche­nos, embora não tenha surgido nenhuma evidência neste sen­tido. Caso essa especulação se mostre correta, infelizmente esta tragédia terá sido previsível. A recusa, pelos líderes do país, de tomar quaisquer providências no sentido de um acordo — real e não decorativo - para o fim do conflito somente fortaleceu a posição dos extremistas. Nossos líderes não estabeleceram nenhuma meta política decente, com base na qual um acordo seria possível. Nos últimos anos, as associações de direitos humanos e muitos representantes públicos e políticos têm aler­tado repetidamente que os atos brutais das forças federais na Tchetchênia representam perigo para todas as pessoas que vivem na Rússia. Por muito tempo, centenas de milhares de pessoas vêm vivendo todos os dias em um ambiente letal. Elas estão sendo forçadas a viver além dos limites de uma vida civi­lizada. Milhares de pessoas humilhadas, cujos parentes e amigos foram mortos, seqüestrados, aleijados física e psicologicamente, representam, para os cínicos e inconscientes líderes de grupos terroristas, uma fonte da qual recrutam seus seguidores, homens-bomba e aqueles que cometem atentados terroristas. A paz e a tranqüilidade para os cidadãos da Rússia só poderão ser alcançadas por meio de uma mudança resoluta na política.

Ivan Ribkin desapareceu. Finalmente um pouco de ação na eleição: um dos candidatos não está em lugar nenhum. Sua mulher está enlouquecendo. Em 2 de fevereiro, Ribkin criticou Putin em termos muito duros e sua mulher acredita que isso selou seu desti­no. Em 5 de fevereiro, Ksenia Ponomariova, coordenadora do grupo de apoio a Ribkin, alertou que uma "maciça sabotagem" estava sendo preparada contra ele. Sua sede central havia recebido, por uma semana, relatos regionais a respeito de interrogatórios não autorizados dos seus partidários. A polícia visitou as casas das pes­soas que coletaram assinaturas e tomou seus depoimentos. Os poli­ciais queriam saber por que elas estavam apoiando Ribkin. Em Kabardino-Balkaria, os estudantes que colhiam assinaturas foram ameaçados de que a polícia iria informar a reitoria da universidade e considerar se seria adequado que lhes fosse permitido continuar seus estudos.

 

9 de fevereiro

Ainda não foram dados detalhes sobre o tipo de bomba usado no metrõ, nem da composição do seu explosivo. Putin continua repe­tindo, como fez depois do desastre de Nord-Ost, que ninguém den­tro da Rússia era responsável. Tudo foi planejado no exterior.

Foi decretado um dia de luto para os que morreram, mas as emissoras de televisão não o observam. Músicas populares em volu­me alto e comerciais marcadamente alegres nos deixam envergo­nhados. Cento e cinco pessoas ainda estão hospitalizadas. Duas das que morreram estão sendo enterradas hoje. Uma delas é Alexander Ichumkin, um tenente das Forças Armadas de 25 anos, nascido na província de Kaluga, onde será enterrado. Formou-se na Universidade Bauman e começou a servir como oficial. Em 6 de fevereiro, estava voltando a Naro-Fominsk, onde sua unidade está estacionada. Ele havia vindo a Moscou para conseguir peças de reposição para um veículo e tinha aproveitado a oportunidade para visitar alguns amigos da universidade. Naquela manhã, ele pegou o metro para ir à Estação Kiev, com uma baldeação em Paveletskaia. Como Alexander não voltou, sua mãe supôs que ele tivesse perdido o trem - pouco antes de ir para o metrô, ele havia telefonado para dizer que estaria de volta às 11:00. Seu tio Mikhail, que não conse­guia acreditar naquilo, identificou o corpo no necrotério. O pai de Alexander havia sido morto sete anos antes e, desde então, o tio tinha assumido o papel de chefe da família. Sua mãe lamentou: "É como se minha alma tivesse sido arrancada de mim. Ele tinha me prometido netos." Nem mesmo na emissão do atestado de óbito, o Estado consegue conter sua desonestidade: o espaço para "causa da morte" foi riscado. Nem uma palavra a respeito de terrorismo.

A outra pessoa que está sendo enterrada hoje é Vânia Aladin, um moscovita de apenas 17 anos. A procissão da família e dos cole­gas de turma de Vânia se estende por metade do cemitério. Ele era um garoto cheio de vida, alegre e simpático que as pessoas chama­vam de "Furacão Vânia". Três dias antes, havia conseguido um emprego de mensageiro e, em 6 de fevereiro, estava a caminho do trabalho. Em 16 de fevereiro, ele teria comemorado seu décimo oitavo aniversário. Ribkin ainda está desaparecido. Gennadi Gudkov, vice-presi­dente do Comitê de Segurança da Duma e coronel reformado do FSB, diz que ele está em segurança. Mas onde está ele? O Estado não tem obrigações especiais para com os candidatos à Presidência?

Albina Nikolaevna, mulher de Ribkin, insiste em que ele foi raptado. O Gabinete do Procurador do Distrito de Presnia abriu inesperadamente uma investigação criminal pelo artigo 105, assas­sinato premeditado, mas o Diretorado Central de Assuntos Internos começou a insistir em que há bons motivos para supor que Ribkin está vivo. Uma hora depois, o gabinete de Presnia mudou de idéia a respeito do inquérito, por ordem do Gabinete do Procurador-geral. O que está acontecendo?

Os comentaristas políticos concordam com o fato de que foi criada uma aparência de competição, salvando a eleição de ser uma farsa completa, como teria sido se os únicos adversários de Putin fossem um fabricante de caixões e um guarda-costas. Risco zero, é claro, mas muito constrangedor. É claro que foi por isso que eles registraram todos os candidatos e decidiram que apenas 21% das assinaturas de Ribkin eram inválidas, apesar de, na véspera, terem dito que eram 26%. O único problema era que Ribkin tinha desa­parecido.

A idéia de boicotar as eleições, proposta pelos liberais e demo­cratas, perdeu força. Eles não se esforçaram muito.

 

10 de fevereiro

Em Moscou, foram enterradas mais 13 pessoas mortas na explosão no metrô. Outras 29 permanecem em estado grave. O número de mortos subiu para 40; mais uma pessoa morreu nas últimas 24 horas.

Ribkin foi encontrado. Um episódio muito estranho. Ao meio-dia, ele rompeu o silêncio na rádio e anunciou que estava em Kiev. Disse que havia tirado uns dias de folga com amigos e que, afinal, um ser humano tem o direito a uma vida privada! Ksnia Ponomariova prontamente demitiu-se da liderança da sua equipe eleitoral. Sua mulher está chocada e recusa-se a falar com ele. Tarde da noite, ele viajou para Moscou, parecendo um semimorto e não uma pessoa que se divertira com alguns dias de folga. Ribkin obser­vou que a folga havia sido mais dura do que negociar com os tchet­chenos. Ele usava óculos femininos e estava escoltado por um enor­me guarda-costas.

"Quem o estava detendo?”. perguntaram, mas não houve res­posta. Ribkin também se recusou a falar com os investigadores do Gabinete do Procurador que andaram procurando por ele. Enquanto pegava o avião de volta para casa, sua mulher deu uma entrevista à agência noticiosa Interfax dizendo que "sentia pena de um país que tinha pessoas como aquela como seus líderes". Ela estava se referindo ao marido.

Mais tarde, foi anunciado que Ribkin poderia retirar sua can­didatura.

O novo livro de Gregori Iavlinski, Capitalismo periférico (na Rússia), foi lançado em Moscou. Foi publicado em russo, mas com dinheiro ocidental. O livro trata do "modelo autoritário de moder­nização", que Iavlinski considera inviável. Apesar desse livro, Iavlinski efetivamente desistiu da luta contra Putin.

Em São Petersburgo, skinheads esfaquearam até a morte a menina Khurcheda Sultanova, de nove anos, no pátio do prédio onde morava sua família. Seu pai, Iusuf Sultanov, com 35 anos, um tajique, trabalhava em São Petersburgo havia muitos anos. Naquela noite, ele estava trazendo os filhos do parque Iusupov quando alguns jovens agressivos começaram a segui-los. Em um trecho escuro perto do prédio, os jovens os atacaram. Khurcheda levou onze facadas e morreu imediatamente. Alabir, de onze anos, sobri­nho de Iusuf, escapou na escuridão, escondendo-se sob um carro estacionado. Alabir disse que os skinheads continuaram a esfaquear Khurcheda até terem certeza de que ela estava morta. E eles esta­vam gritando. “A Rússia para os russos!"

Os Sultanov não são imigrantes ilegais. São registrados oficial­mente como cidadãos de São Petersburgo, mas os fascistas não estão interessados em carteiras de identidade. Quando os líderes da Rússia falam publicamente em conter a entrada de imigrantes e trabalhadores convidados, incorrem na responsabilidade por tragé­dias como esta. Quinze pessoas foram detidas pouco depois, mas logo liberadas. Muitos eram filhos de pessoas empregadas por forças da lei em São Petersburgo. Hoje, 20 mil jovens daquela cidade pertencem a organizações fascistas ou racistas extra-oficiais. Os skinheads de São Petersburgo estão entre os mais ativos do país e estão constantemente atacando azerbaijanos, chineses e africanos. Ninguém é punido, porque as forças da lei estão infestadas de racis­mo. Basta você desligar seu gravador para que os policiais comecem a dizer que compreendem os skinheads, e que quanto àqueles negros...etc.etc. O fascismo está na moda.

 

11 de fevereiro

Continua a novela O Candidato Ribkin. Ele faz declarações cada vez mais espantosas. Um exemplo. “Durante aqueles dias, experimentei a Segunda Guerra Tchetchena." Ninguém acredita nele. Os brinca­lhões perguntam: "Há um direito humano a dois dias de vida pri­vada em Kiev?"

Antes disso, Ribkin era considerado uma pessoa meticulosa, avessa a farras, altamente responsável, que bebia pouco e era até um pouco chata. "Dois dias em Kiev" não se encaixam no personagem. Então o que realmente aconteceu na Ucrânia?* E foi lá que acon­teceu? Ribkin disse que, depois que desapareceu, passou algum tempo na província de Moscou, no Retiro Woodland, uma casa para hóspedes da administração presidencial. Depois foi levado de lá e, quando de novo pôde contar onde estava, era Kiev. Ribkin também disse que aqueles que o controlavam forçaram-no a ligar para Moscou de Kiev e falar de modo despreocupado a respeito de ter direito a uma vida privada.

 

Então, o que estava acontecendo? Qual era o motivo? Não houve inquérito sobre o caso Ribkin e, assim, dou estas sugestões:

Como sabemos, Putin recusou-se a participar de debates públi­cos, alegando que o povo supostamente já sabia em quem votar. Isso era claramente uma desculpa. Putin não é bom em diálogos, em especial quando o assunto o deixa pouco à vontade. Tem sido demonstrado em viagens ao exterior, quando o governo não pode controlar os repórteres; os jornalistas fazem perguntas que o presi­dente considera inadequadas e com as quais se descontrola. O gênero preferido de Putin é o monólogo, com as principais per­guntas preparadas antecipadamente.

Permitimos que nosso firmamento se configure de tal forma que hoje existe somente um astro. Ele é infalível e goza de alta popularidade, que parece invulnerável a tudo, exceto ao próprio homem e seu passado turvo.

Mas então, da multidão de candidatos reunidos pelo Kremlin, na semana anterior a 5 de fevereiro, Ribkin se destaca e começa a falar de material comprometedor que desacreditam o astro e seu ilustre passado, sendo óbvia a sugestão de que ele irá revelar parte dele. Além disso, Ribkin teve a audácia de descrever Putin como oligarca, uma declaração completamente fora de contexto, uma vez que a campanha de nosso astro se baseia em mostrar às pessoas como são maus os oligarcas que "não estão do nosso lado".

Ribkin estava começando a dar ao nosso candidato nº 1 moti­vos para uma séria inquietação. Além disso, havia a sombra de Boris Berezovski por trás de Ribkin. Talvez ele tivesse realmente alguma coisa.

Na semana anterior ao rapto, Ribkin estava começando a pare­cer um míssil armado com material que poderia prejudicar seria­mente o Kremlin.

Mas o que eles poderiam fazer? Foi por isso que precisaram empregar drogas psicotrópicas, que são hoje tão sofisticadas que a pessoa não consegue se conter e revela tudo o que sabe. A princi­pal fonte de informações era o próprio Ribkin e não os que o cer­cavam, não seus assessores, mas seu cérebro. É provável que o pró­prio Ribkin não tenha idéia do que contou a eles naqueles dias ou a quem o fez.

Também há o Retiro Woodland, um local isolado e convenien­temente fechado a estranhos, e Kiev e a grosseira desmoralização sofrida por Ribkin depois que reapareceu, quando utilizaram até sua mulher indignada, falando a uma agência oficial de notícias.

Vejamos os detalhes e aspectos práticos da operação. O fato de Ribkin ter sido levado ao Retiro Woodland é evidência de que a administração presidencial estava ciente do rapto, assim como o FSB. O Secretariado do Presidente é um grupo há muito descrito como uma subdivisão do FSB. Essas duas organizações são as prin­cipais gerentes da Rússia e não trabalham meramente em associa­ção, mas funcionam como uma entidade única. Além disso, o fato de Ribkin ter sido visto no Retiro Woodland foi revelado por Gudkov, que evidentemente havia obtido a informação por antigos contatos ou por outros meios. Imediatamente depois que Gudkov abriu a boca, a administração do retiro negou que Ribkin estivesse lá.

E de fato ele não estava mais lá. Seu retorno via Kiev já estava sendo arranjado. Um detalhe importante é que o candidato presi­dencial foi contrabandeado da Rússia para a Ucrânia. (Não há registro alfandegário ou de passaporte de sua passagem pela frontei­ra.) Tecnicamente, isso é possível; existem furos na fronteira e não é segredo o fato de trabalhadores ucranianos entrarem na Rússia por eles, que são grandes o suficiente para a passagem de veículos, quando querem evitar encontros desnecessários com funcionários que precisam ser subornados.

Porém, o que é interessante no caso Ribkin não é a técnica usada para transferi-lo pela fronteira, mas o fato de ele ter sido levado da casa de hóspedes do Secretariado da Administração do atual presidente para apartamentos de luxo em Kiev, controlados pelo governo do atual presidente da Ucrânia. Leonid Kutchma* é íntimo do governo Putin porque é cúmplice dos seus crimes e, em troca, poderemos ajudá-lo da mesma forma, caso ele venha a necessitar. Essa também é a razão pela qual o Estado quer desenvol­ver a Comunidade de Estados Independentes, não para tornar suas fronteiras demasiadamente impermeáveis e sim para que ex-cole­gas na KGB da URSS possam realizar operações especiais conjun­tas lá e aqui.

Vejamos a seguir as personalidades. Quem poderia dar a ordem de arrancar informações de Ribkin depois de desligada sua mente consciente? Cui bono? Nosso astro, é claro.

Obviamente, não estamos falando de ordens escritas. Agora sabemos como nossos mandachuvas realizam suas vontades. Eles precisam apenas erguer a sobrancelha, indicando seu augusto des­prazer, para que seus servos corram imediatamente para realizar seus desejos. Em nosso País das Maravilhas político, esse erguer de sobran­celha tem até um nome: é conhecido como "o efeito Patcha Gratchev", referindo-se à época em que o ex-ministro da Defesa ficou muitíssimo irritado com o fato de Dmitri Kholodov, um jorna­lista, estar desenterrando seus segredos sombrios. O então ministro da Defesa sugeriu aos amigos militares o quanto Kholodov o estava aborrecendo e o jornalista foi reduzido a pedaços. Até hoje, muitos e muitos anos depois, ninguém conseguiu fazer com que aquele erguer de sobrancelha fosse incluído nas exposições sobre o assassinato.

Não há dúvida de que o efeito Gratchev também esteve em ação neste caso. Graças a Deus, Ribkin não foi assassinado, mas só porque uma intervenção tão grosseira do Anjo da Morte nas elei­ções teria sido contrária aos interesses do Candidato n°1.

São atos criminosos desse tipo, completos, com drogas psico­trópicas, que vemos quando um candidato, que por acaso é o atual presidente, é simplesmente incapaz de um bom desempenho nos debates pré-eleitorais, é incapaz de discutir, tem um medo irracio­nal da oposição e, além disso, passou a acreditar em seu próprio messianismo. Não somos estúpidos ao ponto de acreditar que Ribkin estava fugindo da mulher.

Assim, as aparências indicam que Ribkin possuía relativamente pouco material comprometedor. A novela terminou. Todos se esqueceram dele, inclusive Putin. O resultado final, péssimo para uma sociedade carente de alternativas, foi que Ribkin não conse­guiu confrontar publicamente o regime.

Durante todo o mês de janeiro, pessoas eram raptadas na Tchetchênia e seus corpos eram encontrados mais tarde. O núme­ro de raptados é comparável ao número de mortos em 6 de feve­reiro no metrô de Moscou. Na Tchetchênia, todos estão em guer­ra contra todos. Há homens armados por toda parte, as chamadas "forças de segurança tchetchenas". A expressão mais comum na cara das pessoas é de tristeza. Há um grande número de adultos traumatizados e semi-enlouquecidos. As crianças, que só se asseme­lham a crianças na aparência física, vão para a escola. Os carros blin­dados de transporte de pessoal passam com arrogância e deles os soldados apontam suas submetralhadoras para você com o despre­zo de sempre. Aqueles para quem eles olham devolvem os olhares, de forma não menos impiedosa. Á noite, há tiroteios, "suavizados" por fogo de artilharia, batalhas e bombardeios no sopé das monta­nhas. De manhã, há novas crateras de bombas. É uma guerra empa­tada. Queremos acabar com ela ou, na verdade, ela não nos inco­moda tanto assim?

Não houve na Tchetchênia nenhuma manifestação considerá­vel contra a guerra durante toda a campanha da eleição presiden­cial. O incrível e prolongado sofrimento de nosso povo é que per­mite a continuidade do horror que é Putin. Não se pode achar outra explicação.

Por que ninguém "reclama" a responsabilidade pela explosão no metrô em 6 de fevereiro? Aqui estão duas possíveis explicações:

Ou as forças de inteligência estavam por trás do atentado, não importando quantas pessoas usaram, o que poderia explicar a ausência de exigências ou admissões de responsabilidade;

Ou terroristas individuais se envolveram em uni ato de vingan­ça pessoal por parentes que foram mortos, por sua honra e sua terra natal espezinhadas. Esta é uma explicação tão vergonhosa e depri­mente quanto aquela que envolve a cumplicidade dos serviços de inteligência.

 

12 de fevereiro

Putin está elevando em 250% a remuneração daqueles que "traba­lham dentro da zona da operação antiterrorista”. Talvez isso condu­za a menos pilhagens na Tchetchênia.

Ribkin ainda está oscilando. Foi a Londres consultar Berezovski. Ele parece determinado a concluir sua implosão política à vista do público. Por que na Rússia é tão fácil derrubar a oposição demo­crática? É alguma coisa na própria oposição. Não é que o adversá­rio que ela está confrontando seja forte demais, embora este seja um fator importante. O principal é que a oposição carece de uma determinação inflexível para se opor. Berezovski é um mero joga­dor não um combatente, e aqueles que se alinham com ele tam­bém não são combatentes. Nemtsov está apenas jogando e Iavlinskisempre parece ter sido ofendido por alguma coisa.

Alexander Litvinenko, em Londres, e Oleg Kalugin, em Washington, dois ex-agentes da KGB/FSB que receberam asilo político no Ocidente, sugeriram que uma substância psicotrópica denominada SP117 pode ter sido usada em Ribkin. Esse compos­to era usado nas seções de contra-inteligência do FSB e em unida­des de combate ao terrorismo, mas somente em casos excepcionais com "alvos importantes". O SP117 é um soro da verdade que age em partes específicas do cérebro, impedindo que a pessoa tenha pleno controle de sua mente. Ela conta tudo o que sabe. De acor­do com Litvinenko, "Quando uma pessoa está sob a influência do SP117, você pode fazer com ela o que quiser e ela será incapaz de lembrar em detalhes ou explicar de forma coerente o que aconte­ceu, com quem esteve ou o que disse. O SP117 consiste em dois componentes, a droga e o antídoto. Primeiro, é ministrada a droga. Duas gotas são adicionadas a qualquer bebida e, quinze minutos depois de tê-la ingerido, a vítima perde completamente o controle de si mesma, possivelmente por várias horas. O efeito pode ser pro­longado por pequenas doses adicionais da droga. Quando as infor­mações necessárias foram extraídas, a vítima recebe o antídoto, dois comprimidos dissolvidos em água, chá ou café. Depois de cerca de dez minutos, ela volta à normalidade. Há uma total perda de memória. A vítima sente-se abalada. Se a droga tiver sido ministra­da durante vários dias, a pessoa pode sentir pânico e choque pelo fato de aquele período de sua vida ter sido obliterado da sua memória e será incapaz de entender o que lhe aconteceu".

Essas declarações de Livtinenko e Kalugin não salvarão a car­reira política de Ribkin. Putin venceu esse embate contra Berezovski, hoje seu inimigo jurado, mas grande amigo no final da década de 1990.

Hoje, precisamente um dia depois da remoção efetiva de Ribkin da corrida eleitoral e de sua declaração de que não irá par­ticipar de debates, é a largada oficial da campanha eleitoral. Cada um dos candidatos tem direito a quatro horas e meia na televisão nos canais estatais e essa concessão é para transmissões ao vivo. Ribkin, a única pessoa com material comprometedor contra Putin, abriu mão voluntariamente da oportunidade de aparecer na televi­são, exatamente como queria o Kremlin.

Ás 14:00, Putin teve uma reunião na Universidade de Moscou com mais de 300 assessores e partidários. Ele prestou contas do que fez durante seu primeiro mandato. Todos os repórteres da mídia impressa e da TV foram convidados, mas, como enfatizaram as principais emissoras estatais de televisão ao divulgar o evento, "Putin estava falando como pessoa física". Ele se recusou a partici­par de debates pela TV e aquele discurso foi tão insípido quanto eram no passado os relatórios dos secretários-gerais aos congressos do Partido Comunista. Seu público na Universidade de Moscou despertou quando ele pronunciou suas últimas palavras e o aplau­diu loucamente. Portanto, no decorrer da transmissão, um candida­to à Presidência falou por um período de tempo no valor de 9 milhões de rublos (US$330.000). A tarifa oficial do canal Rossia para 30 segundos de propaganda de campanha varia entre 90 mil e 166 mil rublos. Putin pagou isso? Foi um caso flagrante de abuso de recursos do Estado para proveito eleitoral e uma clara violação à lei eleitoral.

Seiscentos jornalistas cobriram o evento. Eles foram reunidos no centro de imprensa do Ministério do Exterior às 9:30 e o regis­tro continuou até o meio-dia. Todos foram revistados antes de entrar nos ônibus. Um membro da equipe de campanha do presi­dente, que parecia ser - e certamente era - agente do FSB, nos dizia periodicamente: "Repito mais uma vez: ninguém deve fazer per­guntas! Todos vocês ouviram?" Os jornalistas foram levados à reu­nião em 23 ônibus verdes com escolta policial, como são transpor­tadas na Rússia crianças até um acampamento. Depois da reunião, os jornalistas foram novamente levados de volta nos ônibus. Nada de sair da linha! Aquela era uma reunião particular entre um indi­víduo e seus amigos, para buscar maneiras de assegurar um futuro melhor para seu país?

Olga Zastrojnaia, uma das secretárias da Comissão Eleitoral Central, declarou que a transmissão pela TV do discurso do presi­dente era "uma violação direta às regras eleitorais, porque a trans­missão foi inquestionavelmente um elemento de campanha políti­ca e não informativo". Alexander Ivantchenko, diretor do Instituto Eleitoral Independente e ex-secretário da Comissão Eleitoral, comentou claramente: "A campanha eleitoral de Putin está muito aquém dos padrões eleitorais civilizados. Em termos técnicos, houve uma deslegitimização dos procedimentos eleitorais. A elei­ção presidencial deveria ser declarada inválida, mas a Comissão Eleitoral Central é impotente."

Não houve reação pública à transmissão. Gleb Pavlovski, um indivíduo totalmente cínico, diretor da Fundação de Política Eficaz e um dos principais assessores de imprensa do Kremlin, chegou a dizer publicamente: "O eleitorado não se importa com quem obtém quantos minutos a mais no ar!”

A televisão continua sua lavagem cerebral por intermédio de transmissões otimistas. Hoje, o primeiro-ministro Kasianov regis­trou que a produção agrícola aumentou 1,5% por cento e que, com Putin, existem todas as condições para o desenvolvimento bem-sucedido do agronegócio na Rússia. "Estamos determinados a recuperar nossa posição proeminente nos mercados mundiais de grãos", garantiu-nos Kasianov. É pouco provável que seu servilismo o salve. Ele será afastado logo. Putin sente-se pouco à vontade com políticos que sobraram da era Ieltsin, que o fazem se lembrar de uma época em que ele era um mero fantoche, e da história de como veio a ser escolhido como sucessor de Ieltsin.

No decorrer da campanha eleitoral, ouvimos que somos líde­res mundiais em praticamente tudo, de vendas de armas e exporta­ções de grãos até a exploração do espaço. Por enquanto não estão afirmando que somos líderes mundiais na fabricação de carros. As costas dos altos funcionários evidentemente ainda não esqueceram a experiência de andar em nossos Jigulis.

 

13 de fevereiro

Será que a Duma tem alguma influência? Putin quis que ela elegesse Vladimir Lukin, ex-Iabloko e liberal conhecido, como ombudsman de Direitos Humanos antes da eleição presidencial. O RU eliminou todos os obstáculos e, embora o Rodina e o Partido Comunista tives­sem dito que iriam boicotar a votação, a nomeação foi aprovada.

Lukin foi candidato único; os outros foram simplesmente excluídos. Ele está feliz. "Quero muito trabalhar nesta área", disse ele. Mas e quanto àqueles cujos direitos precisam ser defendidos?

(Lukin mostrou ser um ombudsman medíocre, carecendo de iniciativa e, sob o comando do Kremlin jamais indo além dos limi­tes do permissível. Por exemplo, a Tchetchênia nunca foi uma das suas prioridades.)

No Qatar, Zelimkhan Iandarbiev, ex-vice-presidente da Tchetchênia e colega dos presidentes Dudaev e Maskhadow,* foi morto por uma bomba aparentemente colocada sob seu jipe. Ele deixou a Tchetchênia no início da Segunda Guerra Tchetchena. Esse foi, quase certamente, um trabalho das agências de inteligência russas — o Diretorado Central de Inteligência do exército ou o Bureau Federal de Segurança, mais provavelmente este último.

Ivan Ribkin anunciou que não voltará de Londres. Um candi­dato presidencial que deserta era inédito na nossa história. Ninguém mais duvida de que ele foi drogado pelo regime.

Um apelo às redações dos nossos jornais, supostamente de "um amigo" nos serviços de inteligência. "Passem para Londres, como sabemos que vocês podem, que, se Ribkin apresentar qualquer material contra Putin em debates pela televisão, haverá outro ato terrorista. O presidente terá de desviar de alguma forma a atenção da opinião pública."

Passamos adiante a mensagem, mas Ribkin já havia desistido da eleição. Ele teme por sua vida.

Os eleitores liberais parecem indecisos. Khakamada convocou uma reunião de seus partidários em Moscou e eu compareci. Muitas pessoas disseram claramente: "Se não apoiarmos Khakamada, não teremos opção a não ser votar contra todos eles ou não votar."

Rogozin e Glaziev continuam a jogar perigosamente com as emoções daqueles que têm uma sensação enfraquecida de naciona­lidade.

 

14 de fevereiro

Uma nova tragédia em Moscou. O teto do Aqua Park em Iasenevo desabou. O desastre ocorreu à noite, quando as comemorações do

Dia de São Valentim estavam no auge. Setenta e cinco por cento da cúpula, uma área do tamanho de um campo de futebol, caíram sobre a piscina. Oficialmente, havia 426 pessoas no Aqua Park, mas extra-oficialmente o número é mais próximo de mil. O prédio ficou envolto em vapor. Pessoas em trajes de banho pulavam para 20 graus negativos. Na área mais afetada, também havia um restau­rante, uma pista de boliche, casas de banho, saunas, salas de exercí­cio e uma área familiar com uma piscina aquecida para crianças. Vinte e seis corpos foram encontrados imediatamente, mas há mui­tas partes de corpos. As autoridades dizem que não se trata de um ato terrorista.

Os funcionários públicos começaram a dificultar a vida para o novo Partido das Mães de Soldados. O Ministério da Justiça, res­ponsável pelo registro de partidos, alega não ter recebido nenhum documento do partido; mas os documentos não só foram entregues ao Ministério, como o partido também possui um recibo oficial dos mesmos. Os burocratas estão tentando todos os tipos de arma­dilhas, na esperança de levar o novo partido a infringir as turvas e onerosas leis de formação de partidos e assim livrarem-se dele. Até agora, as mulheres estão fazendo tudo certo, verificando cada passo.

Ievgeni Sidorenko, o porta-voz do Ministério da Justiça, decla­rou: "Não estou certo de que iremos registrar este partido. Um par­tido político não pode limitar seus membros a um determinado grupo da população. E se alguém que não é mãe de soldado quiser entrar para o partido? Um pai de soldado, por exemplo?"

Ele deve ser um adivinho. Os pais querem entrar. Em nosso Saara político, o Partido das Mães de Soldados é tão atraente que muitos homens nele ingressaram apesar do nome e é claro que nin­guém tem nenhuma intenção de impedi-los. Além disso, oficiais da ativa têm telefonado para os Comitês de Mães de Soldados pergun­tando se também haverá lugar para eles quando a estrutura do par­tido estiver definida. Estes são oficiais honrados, que se recusam a aceitar a idéia de um exército que é pouco mais do que um meca­nismo para tirar a vida de jovens. O Partido das Mães de Soldados esta começando a parecer um meio real de resgatar o exército e criar responsabilidade pública para nossas forças armadas.

 

15 de fevereiro

A família Sultanov, da garotinha Khurcheda, assassinada por ski-nheads em São Petersburgo, abandonou a Rússia e voltou para o Tadjiquistão. Eles levaram um pequeno esquife contendo os restos da criança.

O FSB está encarregado de investigar a explosão no metrô. Exigiu imediatamente novos poderes, comparando a situação com a dos Estados Unidos depois de 11de setembro.

Nossa guerra do norte contra o sul continua. Ninguém imagi­na que esse seja o último ataque terrorista, nem duvida de que os tchetchenos estiveram por trás dele. A maioria das pessoas apóia represálias. Setenta e cinco por cento dos russos são a favor da expulsão de todos os caucasianos. Mas para onde? O Cáucaso ainda faz parte da Rússia.

Hoje é o décimo quinto aniversário da nossa retirada do Afeganistão. A data é vista como o marco do fim da Guerra Afegã, mas já havíamos lançado as sementes para o desenvolvimento do terrorismo. Exatamente como os americanos com Bin Laden: ele é o que é hoje porque a Guerra Afegã foi o que foi.

 

16 de fevereiro

Foram montados centros para doação de sangue para as vítimas do desastre do Aqua Park. Estamos começando a saber o que fazer nes­sas situações.

Os acionistas da Iukos declararam estar preparados para resga­tar Khodorkovski do Estado. Leonid Nevzlin (braço direito de Khodorkovski na Iukos), que fugiu para Israel, anunciou que estão dispostos a entregar suas participações em troca da liberdade para ele e Platon Lebedev (CEO do Menatep Bank, que era o principal acionista da Iukos, que cumpre sentença de oito anos por alegação de evasão fiscal).

O próprio Nevzlin possui 8% das ações do Menatep Group. Ele disse que a oferta também é apoiada por Mikhail Brudno (7%) e Vladimir Dubov (7%).

Khodorkovski expressou do presídio sua indignação e recusa-se a ser resgatado. Ele decidiu beber sua taça até o fim.

 

17de fevereiro

A rede de televisão NTV está se recusando a liberar tempo no ar para a campanha eleitoral e os debates dos "outros" candidatos pre­sidenciais. Ela alega que eles estão com baixa classificação nas pes­quisas de opinião e ninguém assistirá aos programas. Pode ser que um país tenha os candidatos que merece, mas eles pelo menos deveriam ter o direito de falar. Não há dúvida de que a decisão da empresa foi tomada por pressão do Kremlin.

Em Moscou, o comitê de apoio a Khakamada se reuniu no elegante e caro Berlin Club. Khakamada disse. “Estou partindo para esta eleição como se fosse para o cadafalso e com um único objeti­vo: mostrar às autoridades do Estado que existem pessoas normais na Rússia, que sabem exatamente o que querem." Isso é bom. Ela está procurando mostrar que o medo ainda não conquistou a Rússia, o que seria uma vitória incondicional de Putin.

O RU também realizou uma reunião da “intelligentsia demo­crática" em apoio a Putin que, disseram, está sofrendo ataques de seus oponentes. Entre os defensores de Putin estavam a veterana cantora Larisa Dolina, o diretor de cinema e teatro Mark Zakharov, o ator Nikolai Karatchentsev e a diretora de circo Natalia Durova. Eles haviam recebido uma carta pedindo que "defendessem a honra e a dignidade do presidente" e obedientemente responderam ao apelo. Foi mencionado de passagem que o número de membros do RU chegou a 740 mil e que mais de dois milhões de "partidários" foram registrados, embora não tenha sido dada nenhuma explica­ção quanto ao que isso significa. O RU enfatizou que seu propósi­to como partido político é dar apoio ao presidente. Nada de polí­ticas, nem ideais, nem programas de reformas: apenas um indivíduo.

A Comissão Eleitoral Central registra alegremente que mais de 200 observadores internacionais já foram oficialmente credenciados Para a eleição de 14 de março. No total, são esperados cerca de 400.

A Duma contribui com sua parcela para as tentativas patéticas de combate ao terrorismo. Os poderes da polícia secreta e dos espiões serão ampliados e foram adotadas emendas ao Código Penal para elevar as punições para homens-bomba. Agora eles poderão pegar prisão perpétua! Parece pouco provável que essa medida possa dissuadir quem queira acertar desta maneira suas con­tas com a vida. A Quarta Duma é o cérebro coletivo da estúpida burocracia russa de hoje.

A Duma está jogando de acordo com os serviços de inteligên­cia porque é disso que Putin gosta. Não há menção aos três bilhões de rublos adicionais [US$111 milhões] concedidos aos serviços de inteligência pouco depois de Nord-Ost para o combate ao terroris­mo. Para onde eles foram e por que o número de ataques terroris­tas não decresceu? A Quarta Duma deu sua bênção legislativa para uma luta puramente virtual contra o terrorismo. A eficiência dos serviços de inteligência nem mesmo é questionada e o problema da Tchetchênia, que está na origem de tudo, não é mencionado.

 

19 de fevereiro

Sergei Mironov participou pela primeira vez dos debates pela tele-visão.Todos imediatamente se concentraram nele, como se ele fosse Putin, mas Mironov recusou-se a ser sacrificado.

"É claro que você é Putin!”, disse Khakamada. “Por que, depois de todos os atos terroristas, Grislov foi promovido, quando deveria ser demitido?"

"Não sou representante do candidato Putin!”, respondeu Mironov.

"Então responda como a terceira pessoa na hierarquia de poder do Estado", prosseguiu Khakamada.

Mas Mironov recusou-se a responder. Esse é d tipo de debate que temos. Ninguém os leva a sério. Eles são transmitidos de manhã muito cedo.

A Comissão Eleitoral Central recusou permissão a Ribkin para participar de debates de Londres. Ninguém permitirá que Ribkin lave a roupa suja de Putin ao vivo na televisão.

 

21 de fevereiro

Em Voronej, Amat Antoniu Lima, 24 anos, aluno do primeiro ano na Academia Médica de Voronej, morreu depois de ser esfaqueado 17 vezes. Ele era de Guiné-Bissau. É o sétimo assassinato de um estudante estrangeiro em Voronej nos últimos anos. Os assassinos são skinheads.

o slogan de Jirinovski nas eleições parlamentares foi "Estamos com os pobres! Estamos com os russos!”. Foi encampado pelo RU e também pelo Avalista da Constituição. E pelos skinheads.

 

22de fevereiro

Há uma especulação crescente de que todos os candidatos, com exceção de Malichkin e Mironov (e Putin), poderão se retirar simultaneamente da eleição. Glaziev já anunciou sua retirada. Ribkin está prestes a fazê-lo e também Khakamada. A imprensa favorável a Putin diz que se trata de um plano para salvar sua ima­gem política, porque eles terão porcentagens diminutas da votação em 14 de março.

 

24 de fevereiro

Putin demitiu seu ministério ao vivo na televisão, 19 dias antes da eleição. De acordo com a Constituição, o presidente recém-eleito nomeia um novo ministério e, neste ponto, o ministério anterior se retira. A razão para a demissão não foi revelada. O ministério não foi acusado de nada, embora haja muitas razões para isso, e a única explicação dada é que Putin quer ir para o eleitorado sem másca­ras, para que todos saibam com quem ele irá trabalhar depois da eleição. Os ministros demitidos falam na televisão da alegria com a qual encheram seus corações quando souberam da demissão. O Kremlin demonstrou para o eleitorado que nossas eleições são um completo fingimento e que o ministério é puramente ornamental. A qualquer momento, por opção do assessor de imprensa, ele pode ser afastado.

E importa alguma coisa quem Putin nomear para primeiro-ministro, no lugar de Kasianov, ou quem está no ministério? Não. Tudo no país depende da administração presidencial. A demissão pareceu uma operação especial. Ela foi feita em sigilo total. Não houve vazamentos. Foi como se eles estivessem efetuando um ata­que militar a um alvo específico e não apenas demitindo ministros. Em sua maioria, os ministros souberam que estavam demitidos pela televisão.

A demissão do ministério dessa maneira demonstra o estabeleci­mento da Oligarquia Política na Rússia. Com esse ato, todos os oli­garcas financeiros, que até agora tinham um dedo na torta, estão fora.

Os canais oficiais de televisão explicam que "o presidente está otimizando a substituição de ministros ineficazes para que o povo russo saiba quem fará parte do governo depois de 14 de março". É como se a eleição já houvesse acontecido.

O primeiro mandato de Putin chegou hoje efetivamente ao fim. É o término da era Ieltsin, da qual Kasianov era o último rema­nescente. Agora Putin passará seu segundo mandato distanciando­- se completamente das políticas de Ieltsin.

Ielena Bonner* fez um apelo aos candidatos presidenciais numa carta aberta enviada da América:

Mais uma vez, apelo aos candidatos presidenciais Irina Khakamada, Nikolai Kharitonov e Ivan Ribkin para que em conjunto se retirem da eleição. Permanecendo como candida­to, cada um de vocês procurou tornar seu programa conhecido do eleitorado e demonstrar à sociedade russa e à opinião mun­dial a desonestidade desta eleição. Deixem o candidato n°1, Putin, sozinho com seus fantoches e peçam que os grupos que os apóiam e os eleitores comuns boicotem a eleição. Quem não gostar da palavra boicote poderá, se preferir, descrever isso como um apelo à abstenção. Assim, não terá importância a por­centagem com a qual eles sonham para o resultado final. O importante é que as autoridades saberão o número real.

Ainda mais importante é que todos aqueles que delibera­damente deixarem de votar ganharão respeito próprio por não participar desta farsa patrocinada pelo Estado. Mais importan­te, recusando-se a participar, vocês indicarão claramente sua meta, uma meta compartilhada, nos próximos quatro anos, por políticos de direita e de esquerda e seus partidários políticos. Essa é a batalha para restaurar a instituição das eleições reais na Rússia, no lugar da contrafação que está sendo imposta hoje ao país. Mais tarde, em 2007 e 2008, se em conjunto fizerem com que as eleições deixem de constituir uma grande mentira, vocês voltarão a ser oponentes políticos e competidores na luta pelos votos. Neste momento, porém, somente sua recusa con­junta a participar das eleições e seu apelo aos eleitores para que não participem são estratégica e moralmente justificáveis.

Não houve nenhuma reação ao apelo de Bonner. Nenhum comentário, nem raios e trovões. Nada.

 

26 de fevereiro

As pessoas estão começando a rir baixinho de Putin, até mesmo na televisão. Hoje ele está em Khabarovsk, parecendo pomposo e imperial como um rei de contos folclóricos. Pela manhã, ele inau­gurou a rodovia Khabarovsk-Tchita. Depois disso, conversou com alguns veteranos de guerra, que lhe pediram mais dinheiro; assim, ele elevou o suplemento do norte para pensões. Depois, passou algum tempo com jovens jogadores de hóquei em um novo estádio de patinação no gelo.Viktor Fiodorov, o comandante da Frota do Pacífico, havia expressado alarme diante da possibilidade de redu­ções da força; assim, Putin também anunciou que a Frota do Pacífico não seria reduzida, porque "nosso punho no Pacífico precisa ser forte". Ele também prometeu apoio para a base de submarinos em Kamtchatka. (Ele deveria procurar ir até lá para ver pessoalmente as condições da vila dos oficiais em Petropavlovsk-Kamtchatski.) A seguir, o ministro em exercício dos Transportes, Vadim Morozov, pediu a Putin quatro bilhões e meio de rublos [US$165 milhões] para uma ligação ferroviária entre a Ferrovia Trans-Siberiana e a Rodovia Baikal-Amur, e foi atendido. Sergei Darkin, empresário e governador de Primorie, pediu três bilhões de rublos [US$109 milhões] para novos navios. Viacheslav Shtirov, o presidente de Iakutia, pediu fundos para um oleoduto e gasoduto de Irkutsk até o Extremo Oriente e Putin prometeu concedê-los.

Nenhuma indicação foi dada de quem será o novo primeiro-ministro. Os boatos estão circulando.

Alguns dizem que Putin irá se autonomear primeiro-ministro; outros dizem que será Grislov ou talvez Kudrin.

Naquela noite, a NTV transmitiu o programa de debates Ao Limite! Os debatedores eram Vladimir Rijkov, um deputado da Duma de mentalidade independente, e Liudmila Narusova, a viúva de Anatoli Sobtchak, professor e chefe de Putin. A questão em dis­cussão era por que Putin havia demitido seu ministério. Rijkov estava brilhante e irônico, sem ser malicioso. Ele ridicularizou Putin de uma forma simpática e condescendente. Durante o pro­grama, os telespectadores foram convidados a votar em Narusova ou Rijkov.

Narusova insistiu em que o presidente estava sempre certo a respeito de tudo, mas não conseguiu explicar nada além disso. Isso é muito típico dos partidários de Putin. O resultado foi uma retumbante vitória de Rijkov, que recebeu 71 mil votos contra os 19 mil de Narusova pela defesa de Putin. Narusova, garantindo a todos que Putin estava indo para a eleição com a mais pura das intenções, foi derrotada.

 

27 de fevereiro

A votação antecipada na eleição já começou para aqueles que esta­rão em alto-mar, em aviões, em expedições ou que moram em regiões remotas e inacessíveis. Apesar dos resultados serem declara­dos somente em 14 de março, as maiores fraudes irão ocorrer com essas urnas de votos antecipados. É muito fácil.

 

29 de fevereiro

Durante toda a semana, ouvimos que o presidente estava consul­tando as principais figuras do RU a respeito de quem indicar para primeiro-ministro. Quase todas as pessoas têm certeza de que isso é apenas relações públicas e que ninguém está sendo consultado a respeito de nada.

Em Moscou, foi realizada uma "eleição presidencial" por men­sagens de texto. O resultado foi 64% para Putin, 18% para Khakamada e 5% para Glaziev.

 

2 de março

Putin é exibido em todos os canais de televisão conversando com o ator e diretor Iuri Solomin, a respeito do 250° aniversário, cm 2006, da ordem de Catarina, a Grande, sobre a criação de teatros na

Rússia. Putin continua perguntando como a ocasião deverá ser comemorada e continua interessado por um longo período.

O novo primeiro-ministro da Rússia é Mikhail Fradkov* Ninguém sabe quem ele é. Aparentemente, era um funcionário do Ministério do Comércio Exterior e trabalhou em várias embaixa­das; ocupou vários cargos em vários ministérios no período pós-soviético e trabalhou na Polícia Fiscal quando esta estava em seu ponto mais baixo. Voando de volta de Bruxelas, Fradkov disse que ainda não sabe o que é um "primeiro-ministro técnico". Isto é, ele não sabe para que posição foi escolhido por Putin. Até para nós, um primeiro-ministro tão desinformado é muito incomum.

 

5 de março

Tudo está sendo reduzido ao absurdo. A nomeação de Fradkov como primeiro-ministro pela Duma merece um verbete no Livro Guinness dos Recordes: 352 votos em favor do homem que, quando lhe perguntaram quais eram seus planos para o futuro, só conseguiu murmurar: "Acabei de sair da sombra para a luz."

Fradkov é um homem das sombras porque é um espião.Temos um primeiro-ministro de terceira classe. Ele é até careca. Sua apa­rência revela que se trata de um truque político. Ele foi escolhido para que Putin, e só Putin, seja a figura de autoridade. Nada irá mudar. Putin continuará a decidir.

Então, qual é a nova política? A resposta é: nada. Fradkov é um executivo modesto, sempre pronto para realizar as tarefas ditadas pelo Partido. Nada mais, nada menos.

Ribkin retirou sua candidatura, sem dar nenhuma explicação clara sobre o porquê. Continua dando a impressão de estar mental­mente perturbado.

Khakamada viajou a Nijni Novgorod, Perm e São Petersburgo. Nas suas aparições públicas, ela parece irritada e exausta, mas se esse* o estado em que está, ela faria melhor se não saísse. Kharitonov foi a Tula. Malichkin está em Altai, mas mal pode juntar suas pala­vras. Mironov está em Irkutsk, mas não é capaz de dizer nada sem anotações.

Quase todos os comentários na televisão a respeito dos candidatos dizem que é um escândalo eles ousarem competir com nosso Candidato Principal. Há uma atrofia gradual do órgão responsável pela percepção democrática da realidade. A propaganda mostra que, no período soviético, as pessoas votavam em um candidato único e tudo estava bem. É possível que, nas próximas eleições, esses assun­tos nem mesmo venham a ser debatidos. Haverá um candidato de oposição oficialmente escolhido e a sociedade retomará seu rumo. O país está afundando em um estado de inconsciência coletiva, na irracionalidade.

 

8 de março

Dia Internacional da Mulher. De acordo com uma velha tradição do Kremlin, Putin reúne mulheres que trabalham. Deve haver uma motorista de trator, uma cientista, uma atriz e uma professora. Discurso decorado, uma taça de champanhe, câmeras de televisão.

É o último momento para os candidatos se retirarem da corri­da. Ninguém o fez e seis permanecem na cédula: Malichkin, Putin, Khakamada, Glaziev e Kharitonov. Muita cobertura de televisão é dedicada aos primeiros votos por criadores de renas e pessoas que trabalham em postos de fronteira.

 

9 de março

A partir de hoje é proibido fazer campanha e realizar pesquisas de opinião pública, mas todos desistiram de fazer campanha depois da nomeação de Fradkov. Parecia uma inutilidade.

 

10 de março

Putin está em todos os canais de televisão reunido com esportistas para lhes perguntar do que necessitam para vencer nos Jogos Olímpicos de Verão. Eles necessitam de mais dinheiro. Putin pro­mete dá-lo.

 

11 de março

Há cinqüenta anos, Khruschov lançou a campanha pelo cultivo das terras virgens da Sibéria e do Cazaquistão. Putin recebe figuras públicas proeminentes em sua residência e pergunta do que elas necessitam. Elas necessitam de mais dinheiro. Putin promete que elas o terão. A formação do "novo" governo não parece promisso­ra. Houve conversas a respeito da redução do número de burocra­tas de alto nível, mas, na verdade, o número cresceu. Todos os minis­tros supostamente demitidos foram reintegrados como vice-ministros em ministérios combinados, o que quer dizer que temos um novo burocrata mais dois antigos. No total, dos 24 antigos ministé­rios e departamentos, criaram 42 novos. O governo é exatamente o mesmo, com exceção de Kasianov. Um governo oligárquico, con­trolado por oligarcas diferentes, próximos não do Ministério das Finanças e do Ministério da Propriedade, mas de Putin. Putin é um oligarca político. Em outros tempos, seria chamado de imperador.

 

12 - 13 de março

Silêncio e apatia. Ninguém se incomoda em ouvir as besteiras na televisão. Vamos apenas acabar com isso.

 

14 de março

Então, ele foi eleito. A votação foi muito elevada, como exigia a administração presidencial. Boris Grizlov, o orador da Duma, sain­do da cabine de votação, disse aos jornalistas: "Hoje é proibido fazer campanha, mas antecipando sua curiosidade, direi que votei na pes­soa que, nos quatro últimos anos, tem assegurado o desenvolvimen­to estável da economia da Rússia. Votei em políticas claras como o dia de hoje."

A noite, Alexander Vechniakov, diretor da Comissão Eleitoral Central, informou ao povo russo que somente uma infração à lei eleitoral havia sido observada durante a eleição: "Estavam vendendo vodca em um ônibus próximo dos distritos eleitorais em Nijni Tagil."

Em Voronej, o Conselho Central de Saúde emitiu a Ordem nº 114, alertando que nenhum hospital deveria admitir, durante o horário de votação, ninguém que não estivesse de posse do atesta­do de voto fora do domicílio eleitoral. Todos os pacientes apresen­taram o atestado, para que lhes fosse permitido estar doentes. O mesmo processo se repetiu em Rostov-on-Don. No departamento


de doenças contagiosas do hospital municipal, as mães foram proi­bidas de ver seus filhos, a menos que tivessem o atestado.

Em Bachkortostan, o presidente Rakhimov apurou 92% dos votos para Putin; no Daguestão, 94%; em Kabardino-Balkaria, 96; em Ingushetia,* 98. Havia uma competição? Durante os 13 anos da nossa nova vida pós-soviética, esta é a quarta vez em que a Rússia elegeu um presidente. Em 1991, foi Ieltsin; em 1996, novamente Ieltsin; em 2000, Putin; em 2004, novamente Putin. Para os cida­dãos russos, o eterno ciclo se repete, de uma onda de esperança à total indiferença em relação ao Candidato n°1.

 

15 de março

Agora temos os números oficiais: Putin obteve 71,22%. Vitória! (Embora de Pirro.) Khakamada obteve 3,85; Kharitonov, 13,74; Glaziev, 4,11; Malichkin, 2,23; Mironov, 0,76. A candidatura de Mironov se deveu totalmente à sua lealdade canina a Putin. Seu resultado reflete isso. De modo geral, o conceito de dirigir o país pelos mesmos métodos usados na condução da "operação antiter­rorismo" foi justificado: L'Etat Cest Putin.

 

 

 

           A grande depressão política da Rússia

           De abril a dezembro de 2004

 

             Da reeleição de Putin à Revolução Ucraniana

Uma terrível sensação de tédio pairou sobre nossas cidades e aldeias depois da reeleição de Putin. Tudo parecia tedioso e despre­zível, como nos dias da União Soviética. Até aqueles que haviam apoiado os derrotados pareciam incapazes de ficar com raiva. Parecia que o povo simplesmente tinha desistido, como se dissesse: "Quem se importa com o que vai acontecer agora?" A Rússia recaiu na hibernação sociopolítica, em um novo período de estag­nação cuja profundidade pode ser julgada pelo fato de nem mesmo a tragédia de Beslan, um cataclisma de proporções bíblicas, conse­guir perturbá-la.

 

6 de abril

Em Nazran, capital da Inguchétia, o presidente Murat Ziazikov* sofreu um atentado a bomba em sua Mercedes, mas sobreviveu. Ele e um dos apadrinhados de Putin e foi "eleito" há dois anos de uma forma muito original. Agentes do FSB invadiram a república, sem se incomodar em esconder que estavam agindo por ordens diretas de Putin. Este foi extremamente perspicaz ao assegurar que, mesmo que tivesse de ser pelo voto popular, o poder na Inguchétia deveria estar nas mãos de alguém sob seu controle. A Inguchétia faz fron­teira com aTchetchênia.

Ninguém realmente imagina que a eleição do general Ziazikov do FSB, tenha sido legítima, mas não havia como prová-lo legalmente. Os tribunais da república não aceitarão ações contra Ziazikov mais que os tribunais de Moscou aceitam processos con­tra Putin e, quando não há como o vapor escapar, tem-se uma explosão de terrorismo.

Ziazikov sobreviveu ao ataque graças ao seu Mercedes blinda­do. Ele o classificou como um ultraje ao povo da Inguchétia. Não havia nenhuma simpatia por ele, mas interessa pelo que havia por trás do ataque. Um motivo possível é que tenha sido provocado pela corrupção que floresceu mais do que nunca sob Ziazikov e Ruslanbi Ziazikov, seu primo e principal guarda-costas. Durante o inverno anterior à tentativa de assassinato, Ruslanbi estava sendo alertado, por pessoas que incluíam parentes do presidente, de que ele deveria controlar seus delitos. O mesmo estava sendo dito a Ziazikov. Quando essas palavras não tiveram efeito, o novo jipe de Ruslanbi foi queimado em março no centro de Nazran, diante dele. Naturalmente, a destruição de um jipe pertencente ao princi­pal guarda-costas do presidente foi abafada. Nem Ruslanbi nem Ziazikov criaram caso com aquilo. A explicação de que era um alerta aos oficiais que haviam se descontrolado é levada muito mais a sério em Nazran do que a idéia de uma tentativa de assassinato.

A segunda explicação está relacionada com uma série recente de raptos na Inguchétia. Sob a gestão de Ziazikov, os raptos come­çaram a ocorrer de acordo com o padrão estabelecido na Tchet-chênia. As vítimas eram dominadas por "soldados mascarados não identificados" e levadas a local desconhecido em veículos sem pla­cas. Até agora, há quarenta nomes numa lista compilada por seus familiares. Ziazikov nega categoricamente a ilegalidade do Estado nesta escala e impôs o silêncio nas informações a respeito dos rap­tos. Eles não podem ser relatados dentro das fronteiras da Inguchétia e, no Gabinete do Procurador e no Ministério do Interior, os fun­cionários só falam com os parentes extra-oficialmente.

Naturalmente, as famílias estão fazendo suas próprias investiga­ções e isso as encoraja a enfrentar os problemas por conta própria, como na Tchetchênia. Onde não há justiça, há a justiça bruta. As pessoas perdem a paciência.

Batem à minha porta. Estou em um hotel em Nazran. Fora há uma fila de idosos. São as mães e os pais dos desaparecidos da Inguchétia. Contam que as pessoas estão sendo mortas como gali­nhas. Destacamentos não identificados de tropas federais percorrem as ruas dia e noite. Mahomed Yandiev, aposentado de Karabulak, perdeu seu filho Timur, um conhecido programador de computa­dor popular entre os jovens. Foi no começo da noite. Timur estava saindo do seu escritório pouco depois das 17:00 em 16 de março quando homens armados, usando máscaras e uniformes de camufla­gem, o puseram em um carro Neva branco sem placa e fugiram. O Neva tinha a cobertura de um Giselle, também sem placa. Os seqües­tradores prosseguiram sem tropeços até a Tchetchênia pelo posto de fronteira do Cáucaso, o mais importante na fronteira entre a Inguchétia e a Tchetchênia. Ali, mostraram seus passes: todos estavam registrados na Sede Regional da Operação Antiterrorismo. Essas são as constatações da família Yandiev. Os órgãos da lei nada fizeram.

"Estive em toda parte", diz Mahomed chorando. Ele ficou arrasado com o que aconteceu. "Perguntei a todo mundo: ao Gabi­nete do Procurador, ao Ministério do Interior, ao FSB. Implorei que me dissessem por que ele foi levado. Independentemente do que ele fez, eu deveria saber. Em resposta, tive o silêncio. Tenho muitas perguntas. Aqueles mascarados são superiores aos órgãos da lei? Quem são eles? Nosso Ministério do Interior tem seis mil fun­cionários. É muito para uma república de somente 300 mil habi­tantes. Esses seis mil funcionários não podem policiar o território da república? Ou estão permitindo que indivíduos que não podem ser identificados raptem pessoas? Estou horrorizado com o fato de o presidente Ziazikov não ter dito nada em público a respeito do problema. Como não está dizendo nada, ele sabe onde estão as pes­soas raptadas e está dando cobertura para os seqüestradores. Eles deflagraram uma guerra contra seu próprio povo. A Tchetchênia é uma base para trazer de volta o stalinismo para toda a Rússia; a Inguchétia é a seguinte depois da Tchetchênia, porque somos o povo mais próximo deles. Detesto Putin e sua cria, Ziazikov."

Mahomed Yandiev sai e seu lugar é tomado por Tsiesh Khazbiev e seu filho Islam. Em 2 de março, bem na sua frente, "sol­dados mascarados não identificados" mataram a tiros sua filha Madina, de 24 anos. Naquele dia, elas estavam vindo de Nazran para visitar a avó na aldeia de Gamurzievo.

Foi pouco antes de chegarmos a Gamurzievo", chora Tsiesh. Os carros à nossa frente frearam e bloquearam a estrada. Fomos forçadas a parar.Vimos soldados mascarados arrastarem um jovem para fora do carro da frente. Jogaram-no ao chão e atiraram, apesar

de ele não estar oferecendo resistência nenhuma. Naturalment comecei a gritar: ‘O que vocês estão fazendo?!’ Em resposta, atiraram em nós. Acertaram minha filha na carótida. Ela nem teve tempo de sair do carro. Meu marido foi gravemente ferido no ombro e na perna. Ele sobreviveu, mas os médicos não consegui­ram retirar os fragmentos dos ossos. Hoje quase não saio de casa e tenho muito medo das pessoas. As autoridades não expressaram condolências. Nada foi dito a este respeito nos jornais ou na televi­são. Pelo que mostram na televisão, dá para pensar que vivemos em um paraíso. Não vejo por que minha Madina tinha de morrer. Quem é o responsável por terem atirado nela?"

Mais tarde, procurei Idris Artchakov, o investigador para o caso da morte daquela garota inocente. Ele pouco tinha a dizer. Estava aterrorizado com a verdade e ficava se explicando. "Você precisa entender... quero trabalhar..." Na Inguchétia, hoje o medo está em todos, do camponês ao procurador, como um dragão que olha a todos de cima. Estou falando com Idris como se estivéssemos em um encontro secreto, sentados em um carro emprestado com o motor ligado.

Aqui está um breve resumo das palavras do investigador Artchakov, nas quais havia mais covardia e medo do que qualquer desejo de executar os deveres da sua posição. Madina foi morta por um dos esquadrões da morte federais que incursionam regular­mente pela Inguchétia. Em 2 de março, eles estavam encarregados de matar Akhmed Basnukaev, um comandante de campo.

"Por que precisavam liquidar Basnukaev atirando em todas as pessoas na área? Basnukaev era da ala moderada da Resistência tchetchena. Ele não só não resistiu quando foi preso, mas também morava abertamente havia muito tempo na Inguchétia e tinha, por solicitação das autoridades tchetchenas favoráveis a Moscou, tenta­do fazer a mediação entre Grozni e alguns dos comandantes a res­peito de eles entregarem suas armas voluntariamente."

"É claro que aquilo foi desnecessário, mas ninguém liga para o que dizemos. Os federais fazem o que querem. Você sabe, eles têm medo da própria sombra. Para eles, é mais fácil atirar para matar do que pensar e ver a realidade."

"E o que você vai fazer quando tiver certeza de que as tropas federais foram as responsáveis?"

"Nada. Ficarei quieto, como todo mundo. Como Putin ven­ceu ele tem o poder e isso significa que temos que ficar de cabeça baixa. Arquivarei o caso do assassinato de Madina. Seus pais irão chorar por algum tempo, mas depois se acalmarão. Eles são pessoas simples. Não vão começar a escrever para o Gabinete do Procura­dor-geral. E mesmo que o façam, receberei agradecimentos por não ter investigado muito de perto."

A atitude de Artchakov é típica dos nossos tempos.

A família Khazbiev sai e entra a família Mutsolgov. Se existe alguma coisa com a qual isso tudo pode ser comparado, é a Tchetchênia: somente lá um jornalista atrai instantaneamente uma fila do tamanho daquelas que víamos nas lojas de alimentos na era soviética. São os parentes de vítimas de execuções extrajudiciais ou, de acordo com a descrição do Gabinete do Procurador, "forças especiais necessárias na luta contra o terrorismo". São os parentes de todas as pessoas que foram "desaparecidas", arrastadas e assassi­nadas por "soldados mascarados não identificados, usando unifor­mes de camuflagem". As famílias nunca conseguem encontrar os responsáveis, nem qualquer indício dos desaparecidos. Eles não estão em nenhuma instituição do Estado, seja sob interrogatório ou aprisionados.

Adam Mutsolgov é o pai de Bashir, um professor de 29 anos da cidade de Karabulak. Seu filho foi jogado para dentro de um Neva branco diante da sua casa, em plena luz do dia. Os dois outros filhos de Adam também fizeram uma investigação independente.

(Mais tarde, descobririam que os responsáveis pelo rapto eram agentes da Diretoria do FSB para a Inguchétia, sob o comando do general Sergei Koriakov, um amigo do presidente Ziazikov. O general Koriakov estava pessoalmente envolvido. Os irmãos obtive­ram evidências de que Bashir havia passado a primeira noite depois do rapto no prédio do DFSB em Nazran (ou Magas, como a cida­de foi rebatizada), bem atrás do palácio presidencial. Pela manhã, ele foi levado, em um veículo do DFSB, para a base militar de Hankala, a principal base russa na Tchetchênia, mas depois disso eles não conseguiram descobrir mais nada. O informante deles era membro do DFSB. Aqueles que haviam visto Bashir Mutsolgov em Hankala também contaram a Adam que ele estava mal, mostrando sinais de torturas terríveis.)

Adam Mutsolgov me entrega a lista de quarenta nomes de pes­soas que foram raptadas nos últimos meses. É uma lista extra-ofi­cial, compilada por suas famílias. O Gabinete do Procurador recusou-se a aceitá-la. A única opção que eles têm é se unir e trabalhar em conjunto. A lista, que no final de fevereiro era muito mais curta, foi entregue, pouco antes da eleição de Putin, a Rashid Ozdoev, assistente do Procurador da Inguchétia. Os deveres oficiais de Rashid eram monitorar a legalidade das ações do DFSB em Inguchétia. Na mesma ocasião, ele estava acompanhando o que havia acontecido com as pessoas raptadas e também tinha concluí­do que estavam ocorrendo execuções extrajudiciais com o conhe­cimento dos serviços de segurança da república. Rashid apresentou um relatório ao procurador-geral da Federação Russa, Vladimir Ustinov, apresentando provas de atividades ilegais, principalmente pelo general Koriakov e pelo DFSB.

Em 11 de março, Rashid Ozdoev foi visto pela última vez entrando em seu carro no estacionamento do palácio presidencial em Nazran. Vinte e quatro horas depois, seu carro foi visto, cober­to por uma lona, no pátio do DFSB de Inguchétia. Mais tarde, ele foi observado em Hankala, como descobriram seus parentes, apre­sentando sinais de ter sido espancado e torturado. Eles sabem somente que ele não está mais lá.

"Cada dia que passo sem saber, eu enterro meu filho", diz Boris Ozdoev, pai de Rashid, balançando a cabeça. Ele é juiz aposen­tado e muito conhecido na Inguchétia. E está longe de ser jovem.

"Seu filho lhe contou o que havia no relatório dele ao procu­rador-geral?"

"Sim. Ele escreveu sobre o uso de força extrajudicial e quem era culpado desse uso. Eu lhe disse: ‘Não faça isso. Essa é uma orga­nização terrível! Por que você quer assumir esse risco?’ Ele respon­deu: ‘Se você quiser, largo este emprego. Mas, se sou o promotor cuja função é monitorar o DFSB e se a organização que estou monitorando está envolvida com assassinato e seqüestro, então eu sou a única pessoa na república que tem o direito legal de exigir um retorno à legalidade. Se não usar esse direito agora, Deus nunca irá me perdoar.’ Discutimos o assunto por muito tempo e ele se perguntou: ‘Bem, o que podem fazer eles? Plantar drogas ou armas em mim? Isso não pegaria: tenho imunidade como procurador.

Todos sabem que não aceito suborno.’ Ele não considerou a possi­bilidade de poder ser raptado. Depois de seu desaparecimento, fui ao presidente Ziazikov e fiquei, um idoso, um juiz, esperando por uma hora e meia. Ele me fez esperar e depois simplesmente passou o recado, pela secretária, de que nada tinha a dizer para mim. Isto sem dúvida significa que ele sabe quem raptou Rashid."

No fim, os chefes de família cujos filhos tinham sido raptados convocaram uma reunião e exigiram que Ziazikov lhes dissesse onde eles estavam e quem era o responsável pelos raptos. Porém, exatamente naquele momento, Ziazikov estava a caminho de um encontro com Putin em Sotchi, para relatar como a Inguchétia estava florescendo e lhe contar que 98% do eleitorado haviam vota­do "em você, Vladimir Vladimirovitch".

A conseqüência direta da colocação, na presidência da Inguchétia, de um general do FSB que havia trabalhado para a KGB soviética foi a organização da ilegalidade em grande escala e sancionada pelo Estado. Ziazikov não é um fiador da lei mais digno de confiança do que Putin, fato que, aliás, frustrou as esperanças de muitas pessoas na Inguchétia, que estavam cansadas de desordem. Em vez disso, Ziazikov tem presidido um afastamento da democra­cia, não apenas no sentido da autocracia, mas do terrorismo de Estado e da barbárie medieval.

Fui até meus colegas jornalistas locais para saber como funcio­na o sistema de censura da mídia nessas regiões distantes da admi­nistração de Putin em Moscou. Por que, por exemplo, não há na mídia local uma só palavra a respeito das execuções extrajudiciais, quando ocultar o problema só pode fazê-lo piorar?

Essa discussão mostrou-se difícil. Em primeiro lugar, ninguém falaria oficialmente. Em segundo, só podíamos falar em um carro, longe de olhares curiosos, como nos dias da União Soviética. A pes­soa com quem falei vivia um estado de profunda depressão, que Parece ser universal. Era o subeditor-chefe de um dos dois jornais publicados na Inguchétia.

Por que todas essas precauções?’, perguntei. Se descobrirem que abri a boca, não conseguirei emprego nem de motorista de trator", respondeu ele, um homem grisalho, inteligente, um jornalista profissional.

"O que aconteceria se você escrevesse a respeito dos raptos, da corrupção, dos ‘98%’de Putin? A respeito das fraudes nas urnas nas últimas eleições parlamentares em dezembro?"

"Se eu escrevesse sobre isso, seria demitido quando a matéria chegasse aos censores. Artigos desse gênero simplesmente não são publicados e eu seria incapaz de encontrar trabalho no futuro. Meus parentes também perderiam seus empregos, apesar de eles nada terem a ver com jornalismo."

Meu colega contou-me do mecanismo de censura que apóia o mito da "estabilização da Inguchétia". Cada coluna dos jornais é lida pessoalmente, no estágio de prova, por Issa Merjoev, secretário de Imprensa do presidente. Essa é a lei. Ele elimina tudo que con­sidera prejudicial, qualquer coisa que possa prejudicar o "processo de estabilização”. Qualquer tipo de informação negativa é censura­da caso se relacione, mesmo indiretamente, aos atuais ocupantes do poder. Não se pode propor artigos sobre corrupção se houver parentes de Ziazikov envolvidos. Sobre a guerra na Tchetchênia, só se pode escrever sobre as mortes de combatentes tchetchenos e a "reacomodação voluntária de refugiados". Os esquadrões da morte são tabu, assim como as atividades extrajudiciais.

O mesmo vale para o rádio e a televisão. Merjoev verifica pes­soalmente os programas do ângulo político e verifica antecipada­mente todos os tópicos a serem cobertos.

Mas pôr quê? As pessoas não têm ar para respirar, elas estão em completo desespero. Quem pode querer aqui uma repetição do cenário tchetcheno? Ninguém na Inguchétia, nem mesmo Ziazikov. Ele não é como Ruslan Auchev, seu competente anteces­sor. Se houver uma crise, ele estará completamente perdido. Porém, uma outra Tchetchênia pode ser algo de que Moscou necessita e Ziazikov depende inteiramente de Moscou. Sua ascensão à Pre­sidência foi acertada por Moscou e o Kremlin impôs duas condi­ções, das quais as pessoas na Inguchétia sabem: que ele não crie objeções caso a "operação antiterrorismo" seja estendida à Inguchétia e que garanta a lealdade de seu pessoal. Em segundo lugar, que ele não exija a devolução da região de Prigorodni à Inguchétia pela Ossétia do Norte. E Ziazikov faz sua parte, ele e seus cúmplices. Se permitissem à mídia refletir a realidade, em pouco tempo ficaria claro que as pessoas querem a correta demarcação da fronteira com a Tche


tchênia e a devolução da região de Prigorodni, que lhes foi tirada quando Stalin deportou toda a população da Inguchétia para o Cazaquistão em 1944.

"É por isso que estamos sob pressão", diz o jornalista. "Eles precisam dar a impressão de que na Inguchétia todos estão felizes com a política do Kremlin e com o que Ziazikov está fazendo."

"Vocês podem desobedecer a Merjoev?"

"Até hoje, nenhum dos editores-chefes ousou tentar."

"Quem pode resistir?"

"Ninguém. Só se pode resistir deixando a Inguchétia ou, melhor ainda, emigrando da Rússia."

"Como você descreveria o que está acontecendo hoje na Inguchétia?"

"O sistema soviético com muito derramamento de sangue."

É claro que a estabilidade soviética também era uma grande realização — os caixões contendo soldados mortos no Afeganistão não podiam ser identificados como tais; dissidentes eram aprisiona­dos em campos de trabalho e em hospitais psiquiátricos; 99,9% da população votavam a favor de tudo; os chefes do partido temiam somente a Comissão de Controle do Partido; os bem treinados artistas do cinema faziam filmes politicamente corretos em que todos tinham uma fé inabalável no futuro. O Ocidente deu apoio financeiro a Brejnev porque não queria que tudo se esfacelasse. Essa era a realidade, disfarçada de estabilidade. Agora, em abril de 2004, estamos de volta ao ponto de partida. A realidade é apresentada para dar a impressão de estabilidade, tanto na Inguchétia quanto em toda a Rússia. Mais uma vez, o Ocidente nos lança uma crosta. Sabemos tudo a respeito de recorrência eterna.

Muitas vezes, me pergunto por que nosso povo se assusta tanto com qualquer indicação de uma ameaça de repressão. Se o povo protesta, é só anonimamente, explodindo uma Mercedes presiden­cial e não de forma civilizada e aberta, pela oposição no Parlamen­to ou exigindo que sejam anulados os resultados de uma eleição fraudulenta.

Só pode ser uma questão de tradição. A tradição russa é de capacidade para planejar e realizar o trabalho árduo de oposição sistemática. Se vamos fazer alguma coisa, é preciso que possamos fa­zê-la aqui e agora e depois disso a vida estará ordenada. Como não é assim que as coisas funcionam, a vida não é ordenada.

Também me pergunto por que Ziazikov, como Putin (porque Ziazikov é um mero clone), não pode fazer nada de maneira decente, humana, democrática. Por quê, para permanecer no poder, eles precisam mentir, torcer e distorcer, apoiar funcionários corrup­tos, evitar contato pessoal com seu próprio povo, temê-lo e, em conseqüência disso, não ter amor por ele?

Penso que o problema subjacente deve ser que eles não foram adequadamente preparados para a liderança. Eles são indicados para a Presidência à maneira soviética, quase por acaso. O Partido dá suas ordens e o ávido Jovem Comunista responde: "Sim, camarada comissário!" Durante algum tempo, é provável que ele goste de ser presidente, mas, depois da posse e de todas as comemorações, depois dos fogos de artifício, ele se vê diante do trabalho rotineiro de ser presidente: dirigir a economia, manter as tubulações de água e as estradas, enfrentar terroristas, guerras e funcionários desones­tos. É quando ele se dá conta de que é incapaz de fazer tudo, exce­to franzir as sobrancelhas com ar severo, fingir ser Tallairand, guar­dar silêncio e atribuir a culpa de seus fracassos aos inimigos que estão à espreita em todos os cantos.

Ziazikov, na Inguchétia, copia seu chefão em Moscou em tudo, mas particularmente em sua abordagem fundamental. O que importa não é resolver os problemas, mas controlar o que é dito na televisão; não a realidade, mas a virtualidade; a censura como forma de evitar assuntos difíceis. A desvantagem é que, devido à censura ubíqua e à constante duplicidade, não se tem nenhuma oposição visível com a qual debater as questões diariamente. Onde estão as vozes discordantes, que podem criticar e trazer idéias alternativas? Não é possível ouvi-los, porque eles não existem. Nem em Moscou, nem na Inguchétia.

Durante muito tempo, os únicos opositores na república de Ziazikov eram Musa Ozdoev e algumas pessoas próximas a ele. Musa chegou a pertencer à equipe de Ziazikov e foi seu conselhei­ro por algum tempo.

Musa Ozdoev tentou questionar os resultados das eleições para a Duma. No tribunal, apresentou registros de distritos eleitorais em que votos haviam sido escritos no registro, uma estranha lista de


eleitores na qual pessoas com nomes diferentes tinham o mesmo passaporte, ou em que uma pessoa votou várias vezes usando o mesmo nome, mas passaportes diferentes. Aqui estão alguns exemplos que explicam como a oposição foi "derrotada" nas eleições de dezembro e como o partido de Putin, o RU, conseguiu sua impres­sionante vitória.

A Seção Eleitoral 68 fica na aldeia de Barsuki, nos arredores de Nazran, a terra natal de Murat Ziazikov. É lá que vivem seus parentes e é lá que, na mais alta colina, está sendo construído o "Castelo de Alface" do presidente. É um grande edifício desajeitado de aspec­to feudal, mas a cor verde funciona surpreendentemente bem e espe­ra-se que ele se mude logo para lá. Naturalmente, de acordo com as piores tradições caucasianas, os supervisores da votação nas seções eleitorais de Barsuki eram parentes de Ziazikov, seus vassalos, traba­lhadores na construção do castelo, fornecedores e assessores.

Estudei o registro eleitoral, que havia sido oficialmente certifi­cado e trazia todas as assinaturas e selos exigidos. Ele nos diz quem recebeu cédulas eleitorais em 7 de dezembro na Seção 68. Constatamos que pelo menos três cidadãos diferentes votaram usando o passaporte n° 26 01010683: Timur Khamzatovitch Balkhaev, da rua Alkhan-Tchurtskaia, 15; Tamerlan Magomedo-vitch Dzortov, da rua Ziazikov (de outra família), e Beslan Bagaudinovitch Galgoev, da rua Kortoev, 5.

Mais uma vez, o mesmo passaporte n° 26 01032665 aparente­mente pertence a quatro cidadãos de Barsuki, três homens e uma mulher. Três deles vivem na rua Yujnaia, 13. Há dezenas de exemplos de votação, dupla, tripla e quádrupla, usando o mesmo passaporte. A seguir, encontramos uma coluna de assinaturas idênticas em sucessão, pretendendo certificar as identidades de diferentes pessoas.

Comparando os registros de Barsuki para as eleições de 7 de dezembro e 14 de março (quando Putin foi eleito), constatamos que a mesma pessoa tem dois passaportes. No registro das eleições parlamentares de 7 de dezembro, o passaporte n° 26 02098850 foi apresentado por Akhmed Tagirovitch Ajigov, da fazenda de Tibi-Khi (parte de Barsuki), mas, em 14 de março, a mesma pessoa votou usando o passaporte n° 26 03356564. Então, quem é Ajigov? Ele existe? Foi impossível localizá-lo em Tibi-Khi, um lugarejo onde todos se conhecem. Ninguém jamais havia ouvido falar dele.

Há muitos Ajigovs, porque as comissões eleitorais foram desa­vergonhadamente criativas em seus esforços para garantir o resulta­do correto. Porém, o resultado de tudo isso não é engraçado: pro­vocou a queda não só da democracia russa, mas também da socie­dade russa. Na Inguchétia, Musa Ozdoev protestou contra isso e, em cada cidade, podem ser encontrados um ou dois Musa Ozdoev. Em geral, eles são considerados loucos. As pessoas mais sensatas lhes dão tapinhas nas costas e dizem: "Vá em frente, faça uma tentativa. Vamos observar e ver o que acontece."

Se o maluco da cidade de repente matasse o dragão, milhões se reuniriam para dividir sua glória e gozar os frutos de sua vitória. Este é um velho e deplorável costume soviético: não faça nada, fique parado no lodo da margem do rio e espere uma nova e mara­vilhosa vida flutuar até você.

Mas, voltando à fraude eleitoral, por que ela foi necessária?

A resposta é simples: porque um número insuficiente de pes­soas votou realmente em Putin em 14 de março ou no RU em 7 de dezembro. O Ocidente acredita nos resultados, mas as porcenta­gens estão infladas. Os 98% da Inguchétia apenas nos mostram o quanto Ziazikov estava desesperado para mostrar serviço ao Kremlin.

Foi o que aconteceu. Foi por isso que os cúmplices de Ziazikov puseram pessoas de joelhos, torceram os braços de membros das comissões eleitorais, perverteram, ameaçaram, torturaram e enreda­ram pessoas numa conspiração de mentiras. E elas cooperaram.

Em sua maioria, os membros de comissões eleitorais com quem consegui falar disseram que estavam com medo. Eles tinham famílias que podiam ser raptadas. Era mais fácil acrescentar votos falsos do que perder entes queridos. Quem pode dizer que não estamos retornando aos métodos stalinistas com Putin? Há uma memória hereditária em ação, lembrando as pessoas como devem viver, se quiserem sobreviver. Nadem com a maré.

Todo esse sistema de juízes desonestos, eleições fraudulentas, presidentes que têm somente desprezo pelas necessidades do seu povo só pode funcionar se ninguém protestar. Essa é a arma secre­ta do Kremlin e a mais chocante característica da vida atual na Rússia. Este é o segredo da genialidade de Surkov: apatia, baseada na certeza, quase universal na população, de que as autoridades do


 

Estado prepararão tudo, inclusive as eleições, para seu próprio pro­veito. As pessoas só reagem quando alguma coisa as afeta pessoal­mente: o velho juiz Boris Ozdoev, quando seu filho Rashid foi seqüestrado, assim como a família Mutsolgov. Até então, se minha cabana está segura, por que vou me preocupar? Nós saímos do socialismo como pessoas totalmente centradas em nós mesmas.

E esse é o pano de fundo para a tentativa de assassinato de Ziazikov.

 

7 de abril

Hoje, Igor Sutiagin, perito militar e acadêmico no Instituto EUA-Canadá da Academia Russa de Ciências, autor de centenas de arti­gos sobre armas estratégicas e desarmamento, foi sentenciado a 15 anos de prisão por "trair a Pátria". Putin cuidou pessoalmente do caso quando era diretor do FSB.

Sutiagin foi preso em outubro de 1999, acusado de passar informações secretas a serviços de inteligência estrangeiros. Na ver­dade, seu trabalho consistia exclusivamente em analisar informa­ções à disposição do público e chegar a conclusões com base em fontes não classificadas. Ele nem mesmo tinha acesso a segredos de Estado. O FSB só demonstrou que, pelo uso de dados à disposição do público, Sutiagin chegou a conclusões secretas. Foi obviamente um julgamento preparado para fazer de uma pessoa um exemplo para as outras.

"Fazer um exemplo" está se tornando cada vez mais comum nos tribunais como demonstração de lealdade ao Kremlin. Como o instigador do caso Sutiagin está agora no Kremlin como presiden­te da Rússia, foi impossível não o considerar culpado. Além disso, o caso Sutiagin está sendo usado para instilar na mente do público o conceito de "repressões justificáveis", de que as autoridades sabem melhor que ninguém quem é o inimigo e, assim sendo, têm o direi­to de perseguir determinados indivíduos mesmo que seus crimes não sejam provados.

E elas o fizeram bem. A sociedade aceitou a idéia das repressões justificadas. Além dos defensores dos direitos humanos, poucos vie­ram em auxílio a Sutiagin. Algum tempo atrás, o público exigiu um outro "espião", o oficial naval Grigori Pasko, fosse libertado, mas ele supostamente respondeu, de seu confinamento solitário, que não queria receber clemência. Porém agora, com o veredicto de culpado em seu julgamento-espetáculo tipicamente stalinista, o FSB venceu a batalha pelo próprio futuro.

O caso Sutiagin revelou outro dos nossos problemas, o julga­mento por um júri. Na Rússia, tudo que é civilizado parece se tor­nar subvertido ou pervertido, transformando-se em seu oposto. Nossos júris são compostos por cidadãos comuns que não se importam em ficar sem pão desde que os "inimigos da Pátria" sejam confinados por muito tempo. Foi o juiz Mironova quem determinou a duração da sentença, mas foi o júri que considerou Sutiagin culpado, apesar da total ausência de provas. Por quê? Porque está gravado nos cérebros de todos que a KGB e a FSB sempre estão certas. O júri de Sutiagin demonstrou até que ponto, como sociedade, ainda trazemos conosco um modo de pensar repressivo. Não aprendemos nada. A crueldade é mais respeitada do que a misericórdia e a compreensão. É melhor derrubar a floresta do que se preocupar com as lascas de madeira. É melhor condenar do que refletir.

O Comitê 2008 denunciou o veredicto: "O julgamento por júri está se tornando puramente ornamental, usado apenas para dis­tinguir minimamente a natureza profundamente antidemocrática da máquina de repressão do Estado. O veredicto injusto de hoje é um ataque das autoridades à própria fundação de um sistema democrático constitucional."

Isso não é verdade. É uma pequena mentira democrática típi­ca. O júri não é um filtro: o júri é o problema. O júri somos nós.

A Duma aprovou uma lei impressionante de tão draconiana proibindo todas as reuniões de protesto nas imediações de institui­ções do Estado. Isto é, elas poderão ser realizadas somente onde ninguém, exceto os participantes, irá ouvi-los ou vê-los. Entre os que votaram a favor da lei estão o ex-líder sindical Andrei Isaev, que mais de uma vez liderou pessoas até as praças em meados dos anos 90, mas agora tornou-se um atarefado funcionário do RU e intér­prete das idéias de Putin na televisão. Em contraste, Alexei Kondaurov, deputado do Partido Comunista e antigo general da KGB, votou contra, descrevendo a lei como "um ataque aos direi­tos e liberdades dos cidadãos". O Partido Comunista está se tor­nando o mais progressista de todos. Como é viver na Rússia entre a Scilla de Putin e a Charibdis dos comunistas?

(É interessante o fato de Putin ter esperado pelo momento certo e então se manifestado sobre a lei contra reuniões de protes­to "Isso é ir longe demais! Precisamos de algo mais brando." A Du­ma prontamente reformulou e abrandou a lei, tudo ao vivo na tele­visão, sob os olhos de toda a nação. Mais uma vez é permitido rea­lizar reuniões perto de instituições do Estado e em praças centrais.)

 

12 de abril

Trabalho na Novaya gazeta e publiquei imagens de um vídeo feito em março de 2000 por um soldado russo na Tchetchênia, que de algum modo chegou às minhas mãos.

O vídeo mostra combatentes tchetchenos que tinham se ren­dido. O ataque à aldeia de Komsomolskoio em fevereiro-março de 2004 foi, depois do cerco a Grozni no inverno de 1999-2000, a segunda maior operação da Segunda Guerra Tchetchena. Naquela ocasião, retirando-se de Grozni, o comandante de campo Ruslan Gelaev liderou mais de 1.500 homens até sua aldeia natal de Komsomolskoio.

Teve início um cerco terrível, usando todos os tipos de tecno­logias militares e levando à morte a maioria das pessoas na aldeia. Quando Komsomolskoio estava quase que completamente destruí­da, Gelaev e alguns de seus homens escaparam milagrosamente através das linhas russas. Aqueles que restaram receberam a promes­sa de anistia, caso se rendessem; 72 homens, como anunciou oficial­mente o comando em março de 2000, receberam anistia do Governo Federal.

Eles foram "anistiados", mas presos logo em seguida. Desde entao, somente as famílias de três deles sabem de seu paradeiro: os outros não voltaram. O vídeo mostra esses homens "anistiados" sendo transferidos de dois caminhões de prisioneiros para um vagão de carga na estação tchetchena de Tchervlenaia. A transferência foi registrada por oficiais de uma unidade de Operações Especiais do Ministério da Justiça russo.

O vídeo parece um filme sobre um campo de concentração fascista. E precisamente assim que os guardas se comportam, com seus fuzis de assalto prontos, alinhados numa colina, no sopé da qual espera o vagão. Os soldados mantêm suas armas apontadas para aqueles que estão sendo retirados dos caminhões. Entre eles, vemos duas mulheres. Elas estão vestidas e, ao contrário dos homens, não foram espancadas. São imediatamente separadas.

Os restantes, homens e rapazes (um deles tem claramente 15 ou 16 anos), são jogados dos caminhões ou pulam para o chão. Todos estão em péssima forma, alguns são carregados pelos compa­nheiros. Todos estão feridos. Alguns sem pernas, outros sem braços; a orelha de um está pendurada, quase cortada. Podem-se ouvir os comentários dos soldados fora de cena: "Veja, não arrancaram direi­to a orelha daquele." Muitos estão completamente nus, descalços e cobertos de sangue. Suas roupas e seus calçados são atirados separa­damente dos veículos. Eles estão completamente exaustos. Alguns não entendem o que querem deles e tropeçam em confusão. Alguns enlouqueceram.

No vídeo, os soldados os espancam de forma rotineira e auto­mática, como se o fizessem só por força de hábito. Não há médicos à vista. Alguns dos combatentes mais fortes recebem a ordem de tirar dos caminhões os corpos dos que morreram durante a trans­ferência e arrastá-los para um lado. No final do vídeo, há uma mon­tanha de cadáveres dos prisioneiros anistiados ao lado dos trilhos.

Os federais não tocam fisicamente os prisioneiros, usando somente suas botas e os canos dos fuzis. Eles estão simplesmente revoltados com os prisioneiros. Usam as pontas das botas para virar os rostos dos mortos para olhar para eles; ao que parece, por curiosida­de. Ninguém está anotando nada, nem registrando as mortes. Ne­nhum documento está sendo compilado. No fim, há uma discussão entre os federais, acompanhada por risos: "Eles disseram que eram 72, mas temos 74. Tudo bem, dois de reserva."

O que aconteceu quando foram publicadas as imagens desse registro do nosso Abu Ghraib? Nada. Ninguém mexeu uma palha, nem o público, nem a mídia, nem o Gabinete do Procurador. Muitos jornalistas estrangeiros me tomaram o vídeo emprestado e, na Polônia, a manchete sobre a foto era "O Abu Ghraib Russo”. Na Rússia, houve silêncio.

O que acontece na Inguchétia reflete o que acontece em Moscou. Depois da reeleição de Putin, houve um completo expur­go de fontes de informações, refletindo o expurgo da arena políti­ca Agora quem não quiser saber não precisará saber. A maioria pre­fere assim.

 

14 de abril

Na Ucrânia, o primeiro-ministro Ianukovitch foi declarado suces­sor do presidente Kutchma. Será o candidato das autoridades na eleição presidencial. Será que Putin realmente apoiará Ianukovitch? Não dá para acreditar.

O advogado Stanislav Markelov foi atacado à meia-noite no metrô de Moscou por cinco jovens. Eles gritavam: "Você fez dis­cursos demais!" e "Você provocou isto" enquanto o espancavam, roubaram seus documentos e sua carteira de advogado, ignorando os bens de valor.

Markelov é um advogado jovem e muito ativo. No caso contra o ex-coronel Budanov, ele defendeu os interesses da família tchet­chena de Elsa Kungaeva, estuprada e morta por Budanov. Por isso, ficou sujeito a ataques constantes de "patriotas". Ele atuou na acu­sação do "Caso do Cadete" contra um soldado federal, Sergei Lapin, cujo codinome na Tchetchênia era "O Cadete". Pela pri­meira vez em nossa história recente, um oficial foi condenado a 12 anos de prisão pelo rapto de um tchetcheno em Grozni, que a seguir "desapareceu".

A polícia recusou-se a abrir um caso criminal para o ataque a Markelov. Seus agressores e quem ordenou o ataque continuam desconhecidos.

 

16 de abril

Há novas evidências sobre o rapto de Rashid Ozdoev, procurador assistente da Inguchétia, pouco antes da reeleição de Putin.

Foi enviada uma carta aVladimir Ustinov, procurador-geral da Rússia, por Igor Onischenko. Ela foi recebida e registrada como Item 1556 pela Secretaria do Gabinete do Procurador-geral para o distrito Federal Sul em 16 de abril de 2004.

"Esta carta lhe foi enviada por um agente do FSB Regional de Stavropol. Eu vinha trabalhando para o FSB da Inguchétia numa missão especial. Ela terminou e voltei para casa. Trabalhei como agente do FSB por quase 12 anos, mas nunca imaginei que ficaria tão atormentado.

"Koriakov, diretor do FSB da Inguchétia, é uma pessoa terrível para termos em nosso sistema, embora ele afirme ter sido enviado para esse trabalho pessoalmente por Patruchev (o chefe nacional do FSB) e Putin. Esse parasita desprezível des­trói pessoas exclusivamente porque são inguches ou tchetche­nas. Ele tem algum ressentimento e as odeia.

"Koriakov forçou a mim e a meus colegas — havia cinco de nós trabalhando para ele - a espancar sistematicamente todas as pessoas que prendíamos, fingindo ser agentes do ROSh. Tudo era planejado: roupas especiais, máscaras, documentos falsos, camuflagem, veículos (que pertenciam a pessoas presas, mas com as placas trocadas), passes especiais. Embora fingíssemos levar as pessoas para fora (de Nazran), normalmente dávamos uma volta e retornávamos ao nosso prédio em outros carros, para espancá-las. Tudo isso era feito à noite. Durante o dia, nós dormíamos. Koriakov precisava reportar a Moscou que o tra­balho estava prosseguindo e justificar a patente de general, que recebera recentemente. Para isso, havia um plano exigindo o processamento de pelo menos cinco pessoas por semana. No início de 2003, quando eu tinha acabado de chegar, nós pren­díamos pessoas que realmente tinham alguma culpa. Mas, depois que Koriakov se irritou com o que chamava de "aque­le procurador", começamos a pegar pessoas sem motivo nenhum, só pela sua aparência. Koriakov dizia que não fazia diferença, eram todas piolhos. Pessoalmente, Sergei e eu inca­pacitamos mais de cinqüenta pessoas. Enterramos cerca de 35.

"Hoje retornei à minha casa. Fui recompensado por um serviço impecável devido à última operação para eliminar o procurador local, porque ele possuía materiais comprometedo­res sobre Koriakov. Destruí a carteira de identidade e a arma do procurador e quebrei todos os seus membros. Naquela noite, Koriakov deu ordens para que pessoas diferentes se livrassem dele.


 

"Sou culpado e estou envergonhado. É a pura verdade. Igor N. Onishchenko."

(Mesmo depois da publicação desse documento monstruoso, nada mudou. Não houve protesto popular e o Gabinete do Procurador limitou-se a deixar que ele fosse esquecido.)

 

22-23 de abril

Reunião entre Kutchma e Putin na Criméia. É o momento em que Putin decide se apoia ou não Ianukovitch. Até o momento, parece que não irá fazê-lo, graças a Deus. Ianukovitch não foi con­vidado para a reunião, embora esperasse sê-lo o tempo todo.

 

28 de abril

Às 11:20, na rua Staraia Basmannaia, em Moscou, um pistoleiro profissional atirou em Georgi Tal à queima-roupa. Tal era um filho­te do ninho de Ieltsin e havia sido, de 1997 a 2001, diretor do Serviço Federal para Recuperação Financeira e Falências. Ele mor­reu no hospital esta noite, sem recuperar a consciência. Seu assassi­nato faz parte de um processo de destruição dos envolvidos na redis­tribuição dos principais ativos industriais da Rússia por meio de um sistema organizado de falência de empresas. Durante os anos de Tal como diretor, houve uma realocação de propriedades por este meio, principalmente nos setores de petróleo e alumínio. Com Putin, mui­tas falências criminosas começaram a ser investigadas. Esse é um componente no caso da Ukos. O objetivo das investigações é realizar uma nova redistribuição em favor de partidários de Putin.

Na verdade, o sistema de falências no governo Ieltsin era per­feitamente legal e foi explorado por todos aqueles que são hoje as pessoas mais ricas do país, os oligarcas que fizeram suas fortunas com Ieltsin. Putin detesta a maioria deles. Poucas pessoas duvidam de que Tal tenha sido assassinado para evitar que falasse dos princí­pios sob os quais operava o Serviço de Falências. Ele simplesmente sabia demais daqueles que hoje são muito influentes. O assassinato de especialistas em insolvências por pistoleiros fazia parte do ramo de falências na Rússia.

Tal era um profissional importante no gerenciamento dos bens de empresas falidas. Depois de 2002, passou a chefiar uma parceria sem fins lucrativos denominada Organização Auto-regulamentada Inter-regional de Administradores Profissionais de Insolvências. A organização existia sob a égide da União Russa de Industriais e Empresários e aconselhava os membros do conselho da URIE sobre quem deveria falir e quando, para que a empresa pudesse ser posta sob sua administração. Estes são nossos oligarcas: Oleg Deripaska, Vladimir Potanin, Alexei Mordachev, Mikhail Fridman e outros. Porém, é improvável que a morte de Tal fosse do interesse dessas pessoas.

O assassinato não causou surpresa na sua própria organização, na URIE, entre as grandes empresas ou na burocracia do governo. A população em geral ficou ainda menos surpresa. E foi excelente.

 

Fim de abril

Passamos por abril com a sensação de estar constantemente enga­nados, uma sensação que satisfez a muitas pessoas, que queriam exatamente isso.

Também vivemos a expectativa de outra afronta, arranjada para 7 de maio: a posse de Putin para o segundo mandato. Não se podia dizer exatamente que o ar estava cheio de expectativa. A maioria da população, na verdade, não se interessa pela cerimônia de posse, nem quer saber se ela acontece ou não.

Na véspera de eventos oficiais importantes, é tradicional a Rússia fazer uma pausa e refletir sobre o futuro. Seria de se esperar que uma posse levasse os principais participantes políticos a nos contar quais são seus planos para o período entre hoje e 2007.

Não há nada disso. O silêncio total da oposição nos diz que ela desabou. O fracasso para gerar qualquer novo movimento nos conta que a "velha" oposição não estará em condições de lutar por assentos na Duma em 2007, nem de indicar candidatos presiden­ciais dignos de crédito em 2008 Também ninguém acredita numa revolução.

ATsIOM, unidade de pesquisa social do Kremlin, perguntou ao público: "Se houvesse manifestações de massa em sua região em defesa dos seus direitos, você participaria?" Somente 25% respon­deram “sim". Sessenta e seis por cento disseram "não". Não tere­mos uma revolução tão cedo.

 

7 de maio

Posse de Putin no Kremlin. Uma demonstração do poder autocrá­tico e da magnificência de nosso Primeiro Cidadão, de sua separa­ção e do seu distanciamento.

Até mesmo da própria esposa. Durante a transmissão ao vivo pela televisão, os comentaristas chegaram a dizer: "Entre os convi­dados para a cerimônia solene da posse do presidente Putin está a esposa de Vladimir Vladimirovitch, Liudmila Putina." É risível, é claro, e as pessoas riram, mas não com muita alegria. Durante toda a cerimônia, ela permaneceu na áreaVIP, atrás de uma cerca ao lado da qual Putin caminhou pelo tapete vermelho.

Ele chegou só, passou pela mulher a caminho do pódio e depois voltou à Varanda do Czar para assistir à parada militar. O tempo todo sozinho. Nada de amigos, nem família. O homem está louco. Esse é um sinal seguro de que ele não confia em ninguém, uma característica fundamental da regra de Putin. A conclusão é a certeza de que somente ele, Putin, sabe o que é melhor para o país.

Na realidade, nós não sabemos como é a posse de um líder em outros países. É uma ocasião de comemoração popular? Ou será que é, como na Rússia, meramente um embaraço?


 

9 de maio

Akhmed-hadji Kadirov, o principal apadrinhado de Putin na Tchetchênia, foi assassinado. Ele havia comparecido à posse de Putin e ontem pegou um avião de volta à Tchetchênia, sem ocul­tar seu desprazer com o lugar a ele destinado pela equipe de Putin. Ele ficou no segundo salão, não nas primeiras filas dos convidados mais importantes, e considerou isso um preocupante esfriamento do PrimeiroCidadão em relação a ele.

Ele tinha bons motivos para ficar nervoso. Putin era sua única esperança de poder e sobrevivência. Kadirov havia presidido o pro­cesso de “tchetchenização” do conflito na sua república, o início de uma guerra civil entre tchetchenos, com o Kremlin apoiando os "bons", que se alinham com Kadirov e Putin, contra aqueles que "não estão do nosso lado" e devem ser exterminados.

Kadirov foi morto enquanto assistia à parada do Dia da Vitória no Estádio do Dínamo em Grozni. O dispositivo explosivo foi concretado nos suportes sob a tribuna principal.

 

Houve boatos constantes de que Kadirov foi morto por "nossa gente". Seu esquema de segurança nos últimos meses de sua vida indicava que ninguém, a não ser "nossa gente", poderia chegar perto dele. Sempre que aparecia em público, tudo era isolado com muita antecedência e verificado repetidamente em busca de explo­sivos. Os responsáveis pelo assassinato de Kadirov nunca foram encontrados, independentemente da freqüência com a qual nos mostravam na televisão o quanto todos estavam se esforçando.

Quem é "nossa gente" neste contexto? Agentes das unidades de Operações Especiais Federais atuando na Tchetchênia. Assassinos a soldo do Estado. Soldados da Diretoria Central de Inteligência do Exército, as GRU; o Centro de Missões Especiais da Agência Federal de Segurança e subseções secretas do FSB para a execução de missões particularmente delicadas, que normalmente significam assassinatos.

Em 9 de maio, parecia que a morte de Kadirov, não importan­do pelas mãos de quem, significava o fim da tchetchenização e, com ele, da política imbecil de Putin no norte do Cáucaso. Kadirov, supunham as pessoas, havia sido eliminado para que a política aca­basse. Essa suspeita durou pouco. Na noite de 9 de maio, Ramzan Kadirov,* o filho mais novo do presidente assassinado, um psicopa­ta extremamente estúpido, foi, contrariando toda lógica, elevado à proeminência na Tchetchênia. Ramzan fora encarregado da segu­rança pessoal do pai, para a qual havia trazido a escória criminosa da Tchetchênia, atraindo-os com promessas de imunidade contra acusações.

Putin recebeu Ramzan no Kremlin naquela noite. Este apare­ceu com um agasalho de malha azul vivo e garantiu a Putin que continuaria com a política de tchetchenização iniciada pelo pai. O encontro foi exibido em todos os canais de televisão e foi visto em toda a Tchetchênia, deixando claro que as gangues de Kadirov esta­vam recebendo imunidade para agir como antes. Por alguma razão, o governo Putin havia suspeitado de que, depois da morte do pai, Ramzan iria fugir para as montanhas para se juntar aos insurgentes. Em vez disso, ele recebeu permissão para continuar a aterrorizar a população da república.

Isso produziu ainda mais discórdia e violência na Tchetchênia em apoio à posição do vazio Ramzan Kadirov. A resistência arma­da foi fortalecida pela entrada de novos voluntários depois da morte de Kadirov pai, mas, em pouco tempo, as pessoas estavam se curvando diante do novo idiota e logo ele se iludiu, achando que era realmente importante.

 

26 de maio

Putin fez seu discurso anual à Assembléia Federal. É assim que o povo russo é informado dos planos do presidente para o ano seguinte. Ele estava em ótima forma e agressivo. Falou da socieda­de civil com completo desprezo, afirmando que ela era toda cor­rupta e que os defensores dos direitos humanos eram uma quinta coluna financiada pelo Ocidente. Esta é uma citação literal: "Para algumas dessas organizações (da sociedade civil),a prioridade é conseguir financiamentos de fundações estrangeiras influentes... Quando há um problema com violações básicas dos direitos huma­nos, de transgressão dos reais interesses do povo, as vozes dessas organizações algumas vezes não são ouvidas. Isto não surpreende ninguém. Elas não podem morder a mão que as alimenta."

E claro que, daquele momento em diante, o ataque absurdo de Putin aos defensores dos direitos humanos foi assumido pelos fun­cionários do seu governo, em especial por Vladislav Surkov, seu principal ideólogo e homem de imprensa. Depois disso, os defen­sores dos direitos humanos, quando compareciam a manifestações de protesto contra a guerra na Tchetchênia, levavam cartazes com °s dizeres: "Sou a quinta coluna do Ocidente."

Depois do discurso de 26 de maio de Putin, as autoridades do estado começaram a montar uma nova variedade de "associações

de direitos humanos" sob seu patrocínio. Isso não deu em nada, mas a idéia era que aquela sociedade civil paralela, "do nosso lado", deveria ser financiada pelas empresas russas, pelos oligarcas. Eles se recusaram, sem dúvida pensando no destino de Khodorkovski, que estava preso por ter financiado organizações não-governamentais.

Por que Putin montou de repente esse assalto às associações de direitos humanos? No verão de 2004, depois do colapso dos parti­dos democráticos e liberais, parecia claro que, se a oposição fosse se cristalizar em algum lugar, seria em torno da comunidade de direi­tos humanos, como no período soviético. Foi por isso que Putin difamou essas organizações na sua mensagem; porque estava ansio­so para desacreditá-las.

Em maio, os democratas permaneceram quietos. A ascensão de Ramzan Kadirov à proeminência na Tchetchênia foi o principal acontecimento do mês, ofuscando a posse de Putin, mas eles não fizeram nenhum protesto. Na verdade, não fizeram comentário nenhum.

 

1º de junho

Leonid Parfionov, um brilhante jornalista de televisão, foi demitido da emissora NTV. Em seu popular programa de análise de notícias, O Outro Dia, ele exibiu uma entrevista com a esposa de Zelimkhan Iandarbiev, o líder tchetcheno assassinado no Qatar. A entrevista nada tinha de especial, em que a viúva não disse nada de particular­mente impressionante, mas ela estava inconsolável. Porém, o assun­to não era permitido.

Parfionov não é um apresentador agressivo e buscou um meio termo entre o que queriam as autoridades e o que ele queria mos­trar em seu programa. Sua demissão é uma censura política da NTV.

Kakha Bendukidze, um acadêmico da Geórgia que também é um oligarca industrial russo, foi nomeado ministro da Indústria da nova Geórgia. Saakachvili imediatamente fez dele um cidadão da sua república.

Bendukidze foi persuadido a assumir o cargo por Zurab Jvania, primeiro-ministro da Geórgia. Ele anunciou que pretende introdu­zir "reformas ultraliberais" em sua velha terra natal. E evitou cuida­dosamente qualquer comentário sobre a natureza das reformas que poderão ser necessárias, mas sua partida fala por si só. É evidente que não há lugar para ele como liberal na Rússia de Putin. Mesmo antes da Revolução da Rosa em Tbiliso. Bendukidze havia falado, em público e em particular, de sua decepção com o desenvolvimento econômico russo e de seu desejo de deixar os negócios. Ele já estava providenciando a venda de seus interesses russos nos negócios.

Em Moscou, a Comissão Eleitoral Central está iniciando uma campanha de propaganda para fazer com que o eleitorado aceite a abolição do direito de voto nas eleições à Duma para candidatos individuais, em favor do voto em partidos mediante um sistema de representação proporcional. Esse é um direito pelo qual lutamos para conquistar e é fundamentalmente importante em nossa socie­dade pós-comunista. O objetivo do Kremlin é permitir que as pes­soas votem somente em listas de partidos. Ele também pretende elevar a parcela de votos exigida para que um partido possa ter representação no Parlamento. Em outras palavras, só os grandes partidos poderão participar de eleições.

Um sistema assim nos levaria de volta ao passado soviético. Ele tornaria impossível a formação de novos partidos parlamentares e os novos partidos não parlamentares seriam marginalizados. O efei­to seria possibilitar que o Kremlin negocie somente com dois ou três "velhos" partidos, que já tenham se mostrado dispostos a fazer grandes concessões. O Partido Comunista, o Partido Liberal Democrata e, com algumas reservas, o partido Rodina operariam sob o comando daquele partido inchado de burocratas, o RU.

O objetivo subjacente é possibilitar que o Kremlin acabe com a imprevisibilidade das eleições. O resultado planejado será o resul­tado real. Os partidos democráticos serão instantaneamente margi­nalizados, porque o apoio ao Iabloko e à União de Forças de Di­reita está abaixo do limiar de 7%, no qual insiste a administração Presidencial. E ssa proposta foi considerada imediatamente um acordo fechado por Alexander Vechaniakov, diretor da Comissão, que está longe de ser independente.

Vechaniakov explicou que eleições baseadas na representação proporcional poderão passar a ser lei em junho de 2005 pela intro­dução de emendas na lei "Sobre Garantias Básicas de Direitos Eleitorais e o Direito de Participar de um Referendo de Cidadãos da Federação Russa".

Foi exatamente isso que aconteceu. Foi explicado que o novo sis­tema era "mais responsável". Não houve manifestações de protesto e somente os defensores dos direitos humanos tentaram alertar os líderes da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa de que a Rússia não tinha mais um sistema eleitoral democrático. Os euro­peus observaram que não acontecera nenhum protesto popular e também aceitaram o sistema.

 

2 de junho

Na Tchetchênia, foi enterrado Zelimkhan Kadirov, o filho mais velho de Akhmed-hadji Kadirov. Era notório o fato de que era viciado em drogas e ele morreu de um ataque cardíaco três sema­nas depois do assassinato do pai. Parentes disseram que Zelimkhan se opunha totalmente à política brutal do pai e do irmão mais novo e procurou refúgio na heroína.

 

19 de junho

Em São Petersburgo, Nikolai Girenko foi morto a tiros em seu apartamento. Trata-se de um assassinato político de um conhecido defensor dos direitos humanos e acadêmico antifascista. O assassi­nato foi executado por fascistas russos, que não fizeram segredo do fato. Foi uma demonstração de força da parte deles. Primeiro publi­caram na Internet uma "sentença de morte" para Girenko; as auto­ridades a ignoraram e depois Girenko foi morto de acordo com a "sentença".

Quem era Girenko? Era um etnógrafo acadêmico, proeminen­te pesquisador do Museu de Antropologia e Etnografia Pedro, o Grande, da Academia Russa de Ciências. Havia sido convocado como testemunha técnica nos poucos processos levados aos tribu­nais contra organizações fascistas. Ele analisava os textos de publi­cações nacionalistas radicais e os manifestos de grupos neonazistas e demonstrava que eles eram muito extremistas. Suas análises judi­ciais eram precisas e eruditas e com freqüência constituíam a base para a condenação dos neonazistas. Esses julgamentos são raros. Em 2003, de 72 crimes identificados como de motivação racial, só onze chegaram aos tribunais. Os outros casos fracassaram quando os investigadores se mostraram incapazes ou, mais comumente, relu­tantes para provar a motivação racial.

Os neonazistas odiavam Girenko porque, quando ele era teste­munha, com freqüência eles eram sentenciados à prisão, em vez de conseguir perdão ou suspensão da sentença, os casos mais comuns. Ele foi testemunha, no início deste mês, em um julgamento em Novgorod de membros de um ramo local do partido da Unidade Nacional Russa.

Hoje poucos acadêmicos se dispõem a testemunhar aberta­mente em julgamentos como este, porque temem retaliações pelos fascistas, que gozam do apoio das autoridades e de uma parcela sig­nificativa da população. Eles não podem confiar em esquemas de proteção de testemunhas, porque os próprios órgãos responsáveis pelo cumprimento da lei estão repletos de chauvinismo e xenofo­bia. Sempre estiveram, mas o governo Putin e a Segunda Guerra Tchetchena viram a elevação de um temor histérico das pessoas originárias do Cáucaso.

"Quando ouvi falar do assassinato de Girenko, tive certeza de que haveria uma onda de protesto social", comentou a escritora Alla Gerber, presidente da Fundação Holocausto. Até dezembro, ela era deputada na Duma e havia muitos mandatos, pela União das Forças de Direita. Porém, mais uma vez, não houve protesto nenhum, somente uma onda de satisfação social quando os websi-tes de organizações nacionalistas veicularam a alegre notícia do assassinato de Girenko. "Os nacionalistas ficaram jubilosos ao ouvir a notícia da morte deste acadêmico!" O Partido da Unidade Nacional Russa anunciou que "soube do desaparecimento deste antifascista com uma sensação de alívio". A União Eslava (cujas ini­ciais em russo são SS) exibiu um pôster que, disseram eles, havia sido preparado antes do assassinato. Ele mostra um jovem com o uniforme das tropas de assalto com uma pistola. A legenda diz: "In memoriam Girenko." Ninguém os deteve. O Gabinete do Procura­dor nada tinha a dizer, menos ainda tomar as providências requeri­das por lei. Nenhum dos sites foi fechado. Seus proprietários não enfrentarão acusações criminais.

Ao mesmo tempo, uma lista de "inimigos do povo russo" foi exibida no website de outra organização ultranacionalista, o Partido da Rússia Maior. A lista contém 47 nomes, inclusive o de Svbetlana Gannuchkina, diretora da Ajuda aos Cidadãos, a maior organização de assistência a refugiados e pessoas forçadas a adotar um novo ende­reço. Também está o nome de Alla Gerber, presidente da Fundação Holocausto, conhecida defensora na luta contra o anti-semitismo na Rússia. E o de Andrei Kozirev, ex-ministro do Exterior, por sua inclinação pró-ocidental; também do apresentador de televisão Nikolai Svanidze, porque é da Geórgia, e, incidentalmente, o de uma parente de Stalin, Ielena Khanga, porque sua mãe foi casada com um africano. Também está o nome da autora destas linhas.

A União Eslava afirma: "É fato bem conhecido que numerosas chamadas associações de direitos humanos, geralmente compostas por defensores não russos e venais dos direitos humanos e sobrevi­vendo de doações vindas do exterior, de fundações ligadas à CIA, ao MI6 e ao Mossad, estão compilando dossiês contra militantes russos." Em outro trecho, Dmitri Demuchkin, líder do SS, ameaça abertamente as pessoas que estão na lista: "A Noite das Facas Longas está próxima!"

Não há dúvida de que essa vilania foi provocada pelo assassina­to de Girenko — que as autoridades relutaram em revelar e procu­raram silenciar — e também pelo exemplo de cima sobre como se deve lidar com "defensores venais dos direitos humanos". Em seu Discurso à Assembléia Federal, Putin usou quase as mesmas palavras do SS.

 

21-22 de junho

Durante a noite, a "operação antiterrorismo", que já dura cinco anos, atingiu sua apoteose quando os rebeldes assumiram o contro­le da Inguchétia.

Pouco depois das 23:00, comecei a receber telefonemas da Inguchétia, onde tenho muitos amigos. "Uma coisa terrível está acontecendo aqui! É uma guerra!”, gritavam as mulheres ao telefo­ne. "Ajude-nos! Faça alguma coisa! Estamos deitadas no chão com nossos filhos!" Eu podia ouvir o barulho de tiros de fuzis automá­ticos e muitas pessoas gritando: "Allahu Akbar! Alá é grande!"


 

A guerra virtual pelo telefone varou a madrugada, com a noite inteira repleta de uma sensação de impotência. Em Moscou, à noite, não há nada que se possa fazer para ajudar alguém. As emis­soras de televisão estão fechadas, o pessoal dos serviços de notícias foi para casa. O pessoal dos órgãos de imposição da lei desligou seus celulares e foi dormir. Você pode matar se quiser, pode roubar, mas os generais só darão ordens pela manhã.

Foi isso que aconteceu na Inguchétia. Quando os rebeldes começaram a sair de madrugada, os soldados, dos quais a Inguchétia e as regiões adjacentes estavam repletas, finalmente deixaram suas "posições de desdobramento permanentes" e começaram a organi­zar uma perseguição. Helicópteros trovejavam nos ares, surgia apoio aéreo.

Era tarde demais. Os rebeldes já tinham ido. Havia corpos nas ruas, de civis e militares. A grande maioria dos mortos era de poli­ciais do Ministério do Interior da Inguchétia, do Gabinete de Assuntos Internos de Nazran e do Departamento de Polícia de Karabulak. Procuradores e agentes do FSB também foram mortos. Funcionários de nível médio dos órgãos de segurança foram mor­tos, veículos e prédios foram queimados. Ficou claro que mais de 200 rebeldes haviam conseguido assumir o controle completo de Nazran e que tinham ocorrido ataques simultâneos na cidade de Karabulak e na aldeia de Sleptsovskaia. Eles colocaram bloqueios nas estradas e mataram todas as pessoas que chegavam aos blo­queios portando carteiras de identidade que indicavam que elas trabalhavam para órgãos ligados ao cumprimento da lei, juntamen­te com outras que caíam em suas mãos. Testemunhas disseram que os defensores dos bloqueios eram tchetchenos, inguches e "pessoas de aparência eslava" e que eles estavam com Shamil Basaev.*

Então Basaev consegue reunir um grupo de 200 combatentes, quando todos os órgãos de segurança, inclusive da Tchetchênia, vem reportando aos seus superiores nos últimos três anos que não restaram mais que cinqüenta rebeldes, ou talvez vinte ou trinta?

Foi uma operação de guerrilha brilhantemente organizada da qual os serviços de inteligência não deram alerta, uma operação que não enfrentou a resistência nem do retardado Kadirov e seu regimento (que pode assustar o Kremlin, mas evidentemente não assusta Basaev); nem dos milhares de soldados russos em Hankala, nem dos outros milhares de reserva em Mozdak, nem do 58° Exército, sediado em Ossétia, de onde vieram alguns dos rebeldes. E também há mais de 14 mil policiais na Tchetchênia e seis mil na Inguchétia.

Mas os serviços de inteligência realmente existem? E o regi­mento de Kadirov? E os 14 mil policiais, mais outros seis mil na Inguchétia? E Hankala e Mozdok, existem realmente?

O ataque na Inguchétia prova que, como força de segurança efetiva, não existem. Nosso sistema de defesa é tão virtual quanto Putin, criado puramente para fazer um espetáculo de combate, mas não para combater. É por isso que todos aqueles milhares de pes­soas desaparecem sem deixar traços depois que se encontram com "soldados mascarados não identificados vestindo uniformes de camuflagem". Alguém precisa enviar aos seus superiores um novo relatório "antiterrorista”. Resultados são necessários. Essas "forças" somente são capazes de seqüestrar e saquear furtivamente. É para isso que servem hoje o exército e as forças de segurança da Rússia.

E houve pessoas que deixaram suas casas à noite e foram até os bloqueios nas estradas para pedir aos rebeldes que deixassem claro que os "invasores" eram inguches e tchetchenos.

Quando começaram os raptos em larga escala, no inverno ao último ano, e jovens da Inguchétia começaram a ir para as monta­nhas em vez de continuar resistindo, as autoridades tornaram um inferno a vida daqueles que diziam abertamente que aquilo era muito perigoso e levaria a uma escalada da guerra. Elas continua­ram a insistir na sua própria estabilidade. Em 22 de junho, esse mito custou quase cem vidas. Os policiais que se defendiam e, à espera de ajuda, morreram em batalha, cumpriram seu dever até o fim. Mas quem assume a responsabilidade pelas mortes de civis?

Os rebeldes, evidentemente, têm plena responsabilidade crimi­nal por todas aquelas mortes, mas as chamadas autoridades do Estado são igualmente culpadas. Elas nunca se cansam de nos dizer que "assumem a responsabilidade por tudo". As autoridades menti­ram, nada fizeram, preocupando-se somente com sua permanência no poder e com isso condenaram inocentes à morte.

E onde estava Ziazikov naquela noite? Ele fugiu disfarçado de mulher. Dispensou seu guarda-costas para não ser identificado e só voltou quando o perigo havia passado, quando as pessoas estavam buscando seus entes queridos em meio aos cadáveres. Foi um com­portamento nunca visto antes em um homem e não apenas no Cáucaso. Enquanto todas essas grandes tolices perdurarem, com Ziazikov como parte condigna do sistema, e enquanto Putin não mudar sua política enlouquecida na Tchetchênia, que não tem futuro nenhum, tragédias como a de 22 de junho serão inevitáveis. Nossas mentiras coletivas ao longo de muitos anos a respeito da Guerra Tchetchena, nossa incapacidade até mesmo de aprender com a tragédia de Nord-Ost, causaram esses eventos monstruosos na Inguchétia.

Precisamos simplesmente buscar uma saída política para esse impasse.

 

23 de junho

Vinte e quatro horas depois da tragédia, enquanto aconteciam funerais em toda a Inguchétia, Alu Alkhanov, ministro do Interior da Tchetchênia, anunciou na televisão que seria candidato ao cargo de presidente da Tchetchênia. Alkhanov é um dos responsáveis pelo fracasso na captura de Basaev, mas mesmo assim está sendo repeti­damente apresentado como o candidato preferido de Putin. Adiantando-se, Alkhanov disse que esperava muito por "eleições pacíficas em 29 de agosto" e que agora o mais importante era con­solidar a agricultura tchetchena. Ele parecia ignorar o quanto era inadequado dizer tudo aquilo um dia depois da catástrofe na Inguchétia.

 

de julho

Houve um debate no Mosteiro Sivato-Danilovski, em Moscou, sobre o tema "Liberdade e Dignidade Pessoal: As Visões Ortodoxa e Liberal". Rostilav Chafarevitch estava lá; no passado ele fora cole­ga e amigo de Andrei Sakharov, mas hoje é um terrível reacionário e defensor de Putin. Ella Pamfilova, diretora da Comissão Presi­dencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos manos, também estava. Estavam presentes também o diácono Andrei Kuraev e o vigário Vsevolod Tchaplin. A mesa redonda tratou de elaborar o conceito de Vladislav Surkov de um modelo russo para a defesa dos direitos humanos: em primeiro lugar, seria financiado por empresas russas; em segundo, seria baseado na ética ortodoxa russa.

E quanto àqueles que não são ortodoxos? Muçulmanos? Judeus? Eles serão excluídos da defesa dos direitos humanos? O movimento pelos direitos humanos é, por sua própria natureza, supranacional e supra-religioso. De qualquer maneira, se acreditar­mos em Dostoiévski, o russo é um "homem universal”.

Mas as coisas não são bem assim. Putin instruiu a Igreja Or­todoxa Russa a revelar que ele falaria, no seu Discurso à Assembléia Federal, a favor da substituição da defesa "ocidental" dos direitos humanos pela defesa "ortodoxa" dos direitos humanos. Para provar mais uma vez sua lealdade às autoridades e em troca de ter sido tor­nada por Putin a principal religião do Estado, a Igreja Ortodoxa Russa concordou. O metropolita kiril fez um discurso emociona­do sobre a necessidade de se encontrarem novos líderes para o movimento dos direitos humanos, "que amam nosso país". Ele parece não compreender que simplesmente não é possível "encon­trar novos líderes para o movimento dos direitos humanos". Ou eles existem, gerados pela própria vida, ou não.

Ella Pamfilova também falou. Anteriormente ela era uma democrata entusiasmada, que fazia campanhas contra os privilégios dos figurões do partido. Agora apoiava entusiasticamente Putin e sua nova atitude em relação aos defensores dos direitos humanos. Ela disse: “Não concordo que haja uma crise de ideologia no movi­mento pelos direitos humanos. Não pode haver uma crise de algo que por definição não pode existir! Existe uma crise em determi­nadas associações de direitos humanos cujos líderes, em muitos aspectos, ainda estão no século passado, tentando combater um Estado totalitário que há muito desapareceu. Eles estão acostuma­dos a apelar para os líderes de Estados ocidentais para que tentem influenciar nossas autoridades. Repito, não devemos associar todo o movimento por direitos humanos na Rússia a cinco ou dez pessoas muito conhecidas, a maioria das quais dos velhos tempos, que há muito confundiram fazer campanhas pelos direitos humanos com política, que ainda confundem uma coisa com outra, defendem radicalmente posições que não têm o apoio da maior parte da população ou do público bem informado. Não creio que elas representem um grande perigo para nós. Acredito que estamos tes­temunhando hoje o nascimento de um movimento por direitos humanos de uma nova qualidade na Rússia (...) e que há muitos jovens líderes de organizações pelos direitos humanos que estão trabalhando pelos interesses do nosso povo(...).”

Certamente há, mas eles não irão alegrar o coração de Pamfilova. A radicalização dos jovens é um fato óbvio. Os filhos dos derrotados partidários do Iabloko e da União das Forças de Direita se juntarão ao partido de Limonov,* o Partido Bolchevique Nacional.

Começou o ato final da destruição da Yukos. Na noite de 1º para 2 de julho, as contas da empresa foram congeladas. A extração de petróleo cessou, fazendo com que seu preço subisse muito nos mercados mundiais. A Yukos ofereceu um pacote de ações da empresa Sibneft Oil para pagar por suas novas dívidas. O Estado recusou a oferta, insistindo na liquidação daYukos. Esta é uma cala­midade equivalente ao que Putin gosta de chamar de "acabar com eles". Ninguém se importa.

 

6 de julho

Uma assembléia na aldeia tchetchena de Sernovodskaia, para exigir o retorno do último grupo de homens raptados pelos federais, foi dispersada a tiros. Mulheres da aldeia vizinha de Assinovskaia e da cidade de Akhchoi-Martan bloquearam a rodovia com a mesma exigência: parar com os raptos arbitrários de seus filhos, maridos e irmãos. Nada mudou. Só os defensores dos direitos humanos da própria Rússia apoiaram esses protestos.

 

7 de julho

Na cidade tchetchena de Chali, houve um encontro das mães dos raptados. Elas declararam estar preparadas para fazer uma greve de fome de duração indefinida, pois sua paciência se esgotou diante da incapacidade dos organismos legais para buscar as vítimas. Elas pedem que os defensores europeus de direitos humanos e as orga­nizações internacionais ouçam seu grito de desespero por uma simplificação dos procedimentos para a concessão do status de refu­giados aos tchetchenos. "Fomos expulsos da Inguchétia, estamos sendo mortas e nossos filhos raptados na Tchetchênia e na Rússia. Somos cidadãs de segunda classe." Essa foi a resolução do encontro.

Na mesma noite, forças federais continuaram furtivamente a arrancar homens de suas casas em Grozni, Nazran e Karabulak. Há uma inundação de cartas da Tchetchênia até Estrasburgo.

 

9 de julho

A mais recente morte atroz de um soldado russo pelo exército russo. Soldados morrem no exército por muitos motivos; o exérci­to torna fácil eles serem mortos. Você pode estar ansioso por servir, pode se alistar antes do prazo, como levgeni Fomovski, mas isso não irá salvá-lo. Haverá um mau elemento que não gostará de você, do seu tamanho, ou do tamanho dos seus pés, e ele o matará.

"Seus amigos de escola estavam fazendo as provas finais enquanto meu filho estava sendo enterrado", contou-me a mãe de Ievgeni, Svetlana. Ela é da cidade de Iarovoie, na região de Altai. "Ievgeni fez todos os exames mais cedo para poder se alistar no exército na primavera."

"Por quê?"

"Para acabar de servir mais depressa, sem ser incomodado pelo Comissariado Militar, e depois ir para a faculdade."

Não foi o que aconteceu. A carreira de Ievgeni Fomovski no exército durou de 31 de maio até 9 de julho, menos de um mês e meio. Ele chegou à sua unidade de guardas da fronteira do FSB nos arredores de Priargunsk, na província de Tchita, em 8 de junho. Em 4 de julho, fez o juramento de lealdade. Em 6 de julho, esse siberia­no grandalhão e saudável foi enviado às montanhas, para um campo de treinamento a 12 quilômetros de Priargunsk. Na madrugada de 9 de julho, foi encontrado enforcado por dois cintos amarrados em um prédio semi-arruinado a 100 metros das tendas do campo de treinamento. Às nove da noite do mesmo dia, o carteiro chegou à rua Altaiskaia, em Iarovoie, com um telegrama que dizia: "Seu filho Ievgeni Anatolievitch cometeu suicídio em 9 de julho de 2004. Comunique imediatamente local do enterro. A data de despacho do caixão será comunicada separadamente. Oficial Comandante da Unidade Militar(...).”

Mas o que aconteceu? Ievgeni era forte e bem preparado para ser um soldado. Era um bom esportista e, na época, tinha 18 anos e havia adquirido várias qualificações militares. Porém, o exército não precisa de recrutas educados, ele quer colaboradores. A origem da tragédia foi que o soldado Ievgeni Fomovski calçava botas tama­nho 47 e tinha 1,96 de altura. Ele recebeu botas tamanho 44 e foi obrigado a usá-las durante uma corrida diária de 5 km sob um calor de 40 graus.

Torturar recrutas é um meio de vida no exército russo. No dia anterior ao do "suicídio", Ievgeni só conseguia andar usando chi­nelos.

"Quando o vimos no necrotério, o dedão do pé estava gasto até o osso", contou-me Iekatarina Mikhailovna, a tia dele.

A Rússia é um país grande. Quando a mãe e a tia de Ievgeni iniciaram a jornada de cinco dias até Priargunsk para visitá-lo, não unham idéia do que as esperava. “Chegamos tarde demais", lamen­ta a mãe. "Chegamos a Priargunsk em 10 de julho e ele morreu no dia 9." Priargunsk é uma pequena cidade na distante fronteira da Rússia com a China e a Mongólia. O necrotério é um prédio anexo ao Hospital Distrital.

"Quando estávamos no necrotério, eu vi Ievgeni", contou-me a tia. "Havia uma marca no pescoço, aparentemente de um laço. Havia cortes no pulso esquerdo. Nos disseram que ele antes tentou cortar os pulsos. Todo seu corpo fora espancado, a cabeça estava coberta de escoriações. Ela estava mole ao toque, como se não tivesse ossos; todos tinham sido quebrados. Na nuca havia uma marca clara de um objeto pesado. Seus órgãos sexuais estavam esmagados: eles eram uma enorme escoriação preta. Suas pernas estavam inchadas, com um ferimento atrás do outro, como se ele tivesse sido arrastado. Não havia pele nas costas, também como se ele tivesse sido arrastado. Havia uma queimadura no pé. Havia feri­mentos nos ombros, como se eles tivessem sido fortemente pressio­nados. Acho que ele foi torturado e depois pendurado para ocultar o assassinato."

Ievgeni não quisera se submeter ao tormento de suas botas de numero menor e tinha exigido botas do tamanho certo. Decidiram ensinar-lhe uma lição, de acordo com uma antiga prática do exército: com o assentimento dos oficiais, isso é executado pelos

"vovôs" — sargentos, soldados em seu segundo ano de serviço, sol­dados veteranos. Os oficiais esperam que eles "mantenham a ordem" nos alojamentos. O fato de Ievgeni ter sido assassinado foi mais tarde confirmado por outros recrutas, que disseram que seus torturadores não pretendiam matá-lo, só ensinar-lhe uma lição para que ele não tentasse aparecer. Eles exageraram e Ievgeni morreu. En­tão os assassinos decidiram fingir que ele havia cometido suicídio.

A tragédia do soldado Fomovski, 18 anos, morto porque seus pés eram grandes demais, não causou nenhum clamor público em particular diante de tal selvageria no exército. Ninguém insistiu para que o ministro da Defesa, Sergei Ivanov, e o diretor do FSB, Nikolai Patruchev, fizessem algo para garantir no futuro, para nos­sos soldados, um ambiente organizado, com alimentos, roupas e cal­çados adequados para seres humanos; ou que eles assumissem res­ponsabilidade pessoal pela vida dos jovens que recrutamos.

Tudo continuou como antes, até o próximo assassinato de um soldado.

Na mesma noite, Paul Klebnikov, editor-chefe da edição russa da revista Forbes, foi mortalmente ferido. Klebnikov era descenden­te de Puchkin, um veterano da revolução de dezembro de 1825 e amigo de Alexander Puchkin; era americano e havia muito estuda­va o desenvolvimento da oligarquia na nova Rússia. Seu assassinato era um mistério e a sugestão, pelos órgãos de segurança, de que os assassinos eram tchetchenos vingando-se de um livro mal escrito sobre o aventureiro Hoj-Akhmed Noukhaev é um completo absurdo. Os órgãos de segurança estavam em apuros porque não conseguiam solucionar um crime que havia causado ampla indig­nação internacional. Noukhaev é uma figura estranha, contraditó­ria. Tendo sido comandante de campo, ele deixou a Resistência e começou a se apresentar como filósofo, coisa que não era. Sua autoridade nunca foi grande entre os tchetchenos e é difícil imagi­nar alguém matando em seu nome.

Mukhamed Tsikanov foi nomeado vice-presidente da Yukos-Moscou, a holding da Yukos. Ex-vice-ministro do Desenvolvimento Econômico, Tsikanov é na realidade um emissário do Estado inse­rido para garantir uma venda "correta". Nem é preciso dizer que ele está no bolso das autoridades. Antes disso, se engajou na "restau­ração da Tchetchênia”, um empreendimento reconhecidamente fracassado, apesar de todo o dinheiro gasto. O encarregado de tudo isso goza a vida sem conseqüências, tendo sido até promovido.

 

10 de julho

A última edição do programa Livre Debate, de Savik Chuster, foi transmitida pela NTV. O único talk show político da televisão nacional russa foi cortado. Assim como o programa Negócios Pessoais, também na NTV. Tratava-se de um programa semanal de análise de notícias, dirigido por Alexander Gerasimov, vice-diretor geral para noticiários da NTV, que do mesmo modo está de saída. O esmagamento do livre pensamento e da imprevisibilidade na televisão russa é um fait accompli.

 

16-17 de julho

Na aldeia tchetchena de Sernovods, na fronteira da Tchetchênia com a Inguchétia, soldados chegaram em carros blindados e rapta­ram seis homens: os dois irmãos Indarbiev, um deles major da polí­cia; os três irmãos Inkemirov, com idades entre 15 e 19 anos, e o aleijado Anzor Lukaev. Um protesto organizado pelas mulheres das famílias das vítimas para exigir seu retorno foi dispersado por tiros de alerta. Os primeiros a atirar foram os guarda-costas de Alu Alkhanov, o "presidente do Comitê Público para a Restauração da Tchetchênia". Ele é o principal candidato presidencial, membro da polícia e ministro do Interior — o mesmo Alu Alkhanov que nunca se cansa de nos dizer na televisão que "a onda de raptos está decli­nando, tivemos sucesso nisso". É mais fácil fazer essa afirmação quando se atira em qualquer um que afirma que isso não é verdade.

 

20 de julho

Por volta das 4:00, em Galachki, na Inguchétia, Beslan Arapkhanov, motorista de trator, foi espancado diante da mulher e de sete filhos pequenos antes de ser morto a tiros. Por engano. As forças de segu­rança estavam tentando prender o rebelde Ruslan Khutchbarov. De acordo com informações altamente secretas, naquela noite, Khutchbarov estava dormindo na rua Partizanskaia, n°11.

Porém, por algum motivo, os soldados vieram e mataram Arapkhanov, inocente, no n° 1 da mesma rua. Imediatamente depois do assassinato, um funcionário entrou na casa de Arap­khanov, apresentando-se para a chocada mulher como o investiga­dor Kostenko, do FSB, e apresentou um mandado de busca para a "rua Partizanskaia n° 11". Naquele ponto, o erro ficou evidente, mas Kostenko não se desculpou para a chorosa viúva.

Essa é a realidade da nossa "operação antiterrorismo". O que farão os sete filhos de Beslan Arapkhanov a este respeito? Qual é a probabilidade de eles esquecerem e perdoarem?

 

Kostenko também não se desculpou às mães das crianças que mor­reram na atrocidade terrorista subseqüente na Primeira Escola da Cidade de Beslan, comandada pelo mesmo Khutchbarov que ele não conseguiu prender.

 

23 de julho

A equipe que investigava o caso dos reféns de Nord-Ost foi desfei­ta. Dentro de três meses, será o segundo aniversário daquela tragé­dia e o público cansou-se de ouvir a respeito dela. Foi precisamen­te por isso que a investigação terminou, apesar de ainda não ter identificado a maioria dos terroristas, nem estabelecido a composi­ção do gás que envenenou as pessoas, nem descoberto quem tomou a decisão de usá-lo.

Um inquérito que era de crucial importância para o progresso político do Estado russo foi posto na geladeira. De toda a equipe, supostamente "um grupo de nossos melhores investigadores traba­lhando para resgatar uma dívida de honra", como disseram nossos porta-vozes oficiais, restaram apenas o sr.V. I. Kaltchuk e salas vazias no Gabinete do Procurador de Moscou.

Kaltchuk se reúne com as pessoas que sofreram — reféns sobre­viventes e parentes dos que morreram — e as faz ler suas descober­tas: não houve culpa criminal por parte do pessoal dos órgãos de segurança, que utilizaram um gás letal para simplificar a "operação de resgate", ao custo de 129 vidas e da saúde de centenas de outras pessoas.


 

Suas constatações são de um cinismo chocante. No documen­to toda a culpa é atribuída a Basaev:

O investigadorV. I. Kaltchuk determinou que Basaev, depois de 1995 (...) planejou (...) comprometeu (...) selecionou (...) dele­gou (...)*. Um mandado internacional de busca foi emitido atra­vés da Interpol em 5 de maio de 2003(...). Sob o pretexto de combater pela liberdade e independência do Estado ilegal e autoproclamado de Itchkeria (...) no período indicado, para levar as instituições estatais da Federação Russa a tomar a deci­são de retirar suas tropas do território da República Tchet­chena, onde uma operação antiterrorismo está sendo realizada, conspirou com os líderes de um grupo armado ilegal e de separatistas tchetchenos não identificados pela investigação para provocar explosões em lugares densamente povoados e socialmente importantes e tomar um grande número de pes­soas como reféns (...).

É razoável esperar que o relatório conclua que foi Basaev o culpado por não deixar, aos serviços de segurança, nenhuma opção a não ser usar um produto químico letal. Porém, a culpa de Basaev é descrita somente no preâmbulo. Não há uma só palavra a respei­to dele na seção de conclusões, que considera a questão da culpa.

Nos vários estágios dos preparativos para cometer os atos ter­roristas, Basaev e outros organizadores do grupo criminoso selecionaram nada menos que 52 pessoas, que se tornaram membros do grupo. Para realizar a tomada de reféns, os seguin­tes foram recrutados e treinados:

Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n° 2007,

Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n° 2028,

Um terrorista não identificado pela investigação... corpo n° 2036...

Quem são eles? Só Deus sabe. Contudo, uma das razões para a abertura do inquérito foi ligar um nome e um sobrenome a cada um daqueles indivíduos não identificados. Como podemos ver a partir de suas constatações, Kaltchuk sabe o nome de um ou dois terroristas. São aqueles cuja identidade é conhecida de todos, cujos nomes foram publicados nos jornais e divulgados na televisão.

"Diante de uma séria ameaça à vida e à saúde do grande número de reféns, os órgãos competentes da Federação Russa deci­diram efetuar uma operação de resgate." Mas quais eram esses "órgãos competentes"? Constatamos que a pergunta mais impor­tante a respeito de Nord-Ost — quem tomou a decisão de usar o gás e, portanto, quem é o responsável por todas aquelas mortes - é totalmente deixada de lado. Isso só aumenta a suspeita de que a competência mencionada era principalmente em ocultar o que realmente aconteceu, matando todos os terroristas.

Esta é a conclusão final:

A morte de quase todos os reféns foi causada por colapso res­piratório e cardiovascular agudos, resultantes de uma combina­ção letal de fatores adversos surgidos durante o período em que eles ficaram presos. A multiplicidade dos fatores causadores de morte (...) exclui uma ligação causal direta entre o efeito, sobre o organismo, de uma substância química gasosa e a morte(...). Não há fundamentos objetivos para supor que o uso de uma substância química possa ter sido a única causa de morte.

Como é possível dizer qualquer coisa a respeito de "fundamen­tos objetivos", se a composição do gás permaneceu desconhecida?

Essas constatações, assinadas pelo sr. Kaltchuk, contêm muito poucos fatos. O momento mais detalhado vem quando o autor procura explicar por que todos os terroristas, sem exceção, foram mortos, apesar de ter sido declarado oficialmente que uma impor­tante realização da operação foi o fato de todos eles terem ficado inconscientes. Kaltchuk não fala disso. "Eles responderam ao fogo usando 13 fuzis de assalto e oito pistolas."

Aqui está o grand finale: "Em conseqüência de uma decisão tomada corretamente pelos órgãos competentes da Federação Russa e das ações de operadores qualificados dos serviços de inte­ligência, a atividade criminosa dos terroristas foi eliminada e uma catástrofe muito maior foi evitada, a qual poderia ter colocado em risco a autoridade da Rússia na arena internacional."

É terrível quando os cidadãos de um mesmo Estado têm opi­niões fundamentalmente diferentes sobre o valor da vida humana.

Foi isso que levou à vitória dos bolcheviques e à ascensão de Stalin e essa característica maligna de nossa vida nacional está voltando implacavelmente à moda entre aqueles que decidem se devemos viver ou morrer.

Há mais: "A solicitação de acusações criminais contra os agen­tes dos serviços especiais que libertaram os reféns está indeferida. O caso criminal sobre os terroristas que capturaram e detiveram os reféns está encerrado."

O governo recebeu uma indulgência do procurador, tanto para si mesmo quanto para suas forças de operações especiais, que exis­tem para nos proteger dos terroristas e de seus ataques no futuro. Que haverá mais ataques, poucos duvidam.

 

27 de julho

Igor Setchin, a eminência parda do Kremlin, foi nomeado presi­dente do Conselho de Administração da Rosneft, a empresa estatal de petróleo. Ele supervisionou pessoalmente o desmantelamento e a destruição da Yukos e a prisão de Khodorkovski. Sua nomeação para comandar a Rosneft, que reivindica as melhores partes da Yukos, prova que o Kremlin destruiu aquela empresa em proveito próprio. Sua ideologia exige a formação de uma "economia estatal", suposta­mente dirigida em benefício do povo. Na realidade, trata-se de uma economia burocrática cujo principal oligarca é o representante do governo. Quanto mais alto o representante, maior o oligarca.

Esse ideal de oligarquia estatal agrada a Putin e a seu círculo exclusivo. O conceito subjacente é o de que as principais receitas da Rússia provêm da exportação de matérias-primas, e assim o Estado deve controlar os recursos naturais e “L'État, c'est moi”. Eles pensam ser as pessoas mais espertas do país, acham que sabem melhor o que é bom para nós e portanto para que aquelas receitas devem ser usadas. Para atender aos supermonopólios como a Rosneft e a Gazprom, conglomerados financeiros monstruosos, como o Vneshtorgbank e o Vneshekonombank, estão sendo ampliados e estão conquistando novos territórios com a ajuda da administração presidencial.

Esses supermonopólios são controlados por ex-agentes da polícia secreta, que hoje são oligarcas. Putin só confia nesses oligarcas


Chekistas,* acreditando que, devido à sua origem comum nos ser­viços de inteligência, eles entendem quais são os melhores interes­ses do povo. Tudo deve passar pelas suas mãos. O círculo imediato de Putin e, aparentemente, ele próprio acreditam que quem con­trola os mercados de recursos naturais tem o monopólio do poder político. Enquanto estiverem nos negócios, eles estarão no poder.

Há alguma verdade nisso. Muitas juntas militares latino-ameri­canas permaneceram no poder assegurando-se de que as institui­ções de repressão e o governo que fazia parte daquelas instituições - controlassem todas as grandes empresas. O detalhe negligenciado pelo regime de Putin é que aquelas juntas foram invariavelmente derrubadas por outras juntas, muitas vezes em pouco tempo.

Em nossa junta, não há lugar para a ala jovem do Iabloko ou os jovens bolcheviques nacionais. Em Moscou, a "Juventude Iabloko" organizou uma manifestação, que durou vários segundos, diante do edifício do FSB na praça Lubianka. Os jovens democratas estão cada vez mais independentes dos "velhos".

A manifestação não foi oficialmente sancionada. Os jovens ati­raram rolimãs pintados de vermelho na placa memorial que mostra Iuri Andropov (o novo culto a Andropov, como autor do plano para reformar o sistema soviético sem destruí-lo, está sendo meti­culosamente promovido pelo governo Putin) e vestiam camisetas pretas com o slogan "Abaixo o Big Brother!”. Carregavam placas com uma foto rabiscada de Putin e a frase "Abaixo a autocracia policial!” e cantavam: “Vamos demolir a Lubianka e esmagar o regi­me!" e "Abaixo o poder dos chekistas!"

A manifestação foi rapidamente dispersada; sempre há muitos policiais na praça Lubianka. Nove militantes foram levados para o FSB antes de ser transferidos para o posto policial de Meschanski. Por volta das 20:00, oito deles foram libertados. Dois estão hospita­lizados: IrinaVorobioka, 21 anos, e Alexei Kojin, 19. Eles foram leva­dos numa ambulância chamada para a recepção do FSB. O presi­dente da ala jovem do Iabloko, Ilia Yachin, afirmou que Kojin havia sido espancado pelo tenente Dmitri Streltsov, do FSB. Os militantes disseram que, quando começaram a se dispersar depois da manifes­tação, foram emboscados nas ruas laterais por pessoas em trajes civis, que os atacaram. Vários jornalistas da NTV, da EchoTV e da Nezavisimaia gazeta também foram detidos e os policiais ameaçaram confiscar suas câmeras. Os jornalistas foram liberados somente depois de tudo o que haviam filmado lhes ter sido tirado.

 

O protesto da Juventude Iabloko foi um dos raros exemplos de resistência política ao Estado policial autocrático na Rússia. No verão de 2004, a dissidência havia sido reduzida a apenas duas variedades: a dos muito ricos e a dos muito pobres. O colapso da Yukos, a descarada tomada do Guta-Bank e o ataque ao Alfa-Bank escandalizaram a elite dos negócios, que está enviando seu capital para o exterior. A segunda variedade vem dos muito pobres, à medida que o governo reduz os benefícios do bem-estar social para os mais vulneráveis. Também esta tem motivação financeira, não sendo uma dissidência política.

Em julho, a Rússia viu manifestações, apesar de fracas, contra Putin, por ex-combatentes irritados pela iminente eliminação dos seus benefícios, essenciais à sobrevivência da maioria, mas também vistos como provas materiais de respeito. Alguns dos ex-combaten­tes ameaçavam boicotar a comemoração do sexagésimo aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial, que será um grande evento. Os incapacitados pelo acidente nuclear em Tchernobil realizaram uma marcha de Rostov a Moscou para protestar contra a proposta de pagamento uma indenização de 1.000 rublos [US$38] mensais no lugar dos medicamentos gratuitos, sem os quais eles não podem sobreviver e que custam muito mais de 1.000 rublos. Há desconten­tamento no exército, também devido à perda de benefícios.

Por enquanto, os estratos sociais entre os mais ricos e os mais pobres estão adormecidos. Quem não foi atingido em seu bolso não tem nada a dizer.

 

de agosto

Aqui está como o Kremlin elimina os candidatos a eleições que ele desaprova.

Malik Saidullaev acabou de ser desqualificado para concorrer na eleição presidencial da República Tchetchena por ter um passa­porte "inválido". Ele era o rival mais sério de Alu Alkhanov, que o Kremlin decidiu que será o próximo presidente, embora a eleição só vá acontecer em 29 de agosto. Saidullaev foidesqualificado porque seu local de nascimento está escrito de forma incorreta no passapor­te: "Alkhan-Iurt, Tchetchênia" deveria ser "Alkhan- Iurt, ASSR Tchecheno-Inguche", uma vez que, quando ele nasceu, a aldeia de Alkhan-Iurt ficava em um território denominado CI ASSR.

Está correto, exceto pelo fato de que não foi Malik Saidullaev quem preencheu seu passaporte, mas um funcionário do Diretorado Balachikin de Assuntos Internos, na província de Moscou, quando os velhos passaportes ao estilo soviético foram substituídos. "É claro que eu esperava que eles encontrassem um meio para me impedir", disse Malik Saidullaev numa entrevista à Novaya gazeta, "mas não um tão ridículo. Quando ouvi a alegação de que o passaporte era inválido, não a levei a sério."

"O senhor pretende questionar a decisão da Comissão Eleitoral?"

"Não. A quem deveria questionar? Eles recebem ordens de Moscou. O mesmo grupo de cinco pessoas está de volta, os antigos membros da Comissão Eleitoral Central da Federação Russa, que atuou na eleição anterior. Eles foram instruídos a encontrar uma maneira de me desqualificar e foi o que fizeram, só que no proces­so eles se transformaram em objeto de riso internacional. A Federação Internacional de Helsinque está preparando um protes­to. Eles me telefonaram ontem para avisar que não permitiriam que eu me candidatasse. Quando cheguei a Grozni e fui registrar minha candidatura na Comissão Eleitoral Central, a sede e eu fomos cer­cados por homens armados. Cerca de cem deles."

"Dentro de escritórios do governo, com segurança própria? Quem eram esses homens?"

"Tropas de Kadirov, membros da OMON.* Estavam sob o comando de Sultan Satuev, o vice-ministro do Interior; Ruslan Alkhanov, outro vice-ministro, também estava lá. Exigiram que o registro da candidatura fosse destruído e que eu saísse. Fui ver Arsakhanov, o presidente da Comissão. Homens armados tiraram-no da sua poltrona. Ele fugiu e foi substituído por Taus Dzabrailov (nomea­do por Ramzan Kadirov ‘presidente do Conselho de Estado da Re­pública Tchetchena’).Taus disse: ‘Neste lugar, o que dizemos vale.’”


 

"E o que eles disseram?"

"Disseram que eu saísse. Houve uma discussão acalorada. Eles perceberam que nada poderiam fazer comigo pela força. Tentaram desarmar meus seguranças, mas isso era impossível e então eles tive­ram de recuar. Avisaram-me várias vezes que retirariam meu nome de qualquer maneira. Três dias antes da saga do passaporte, recebi um telefonema da Comissão Eleitoral Central me convidando a retirar voluntariamente minha candidatura, porque ela seria retira­da de qualquer forma. Recusei. Essa desqualificação é o início da fraude da eleição de 29 de agosto. Sei também que já foram enco­mendadas duzentas mil cédulas extras em gráficas do Daguestão, a seis rublos a unidade. Elas serão usadas para fraudar a eleição em favor de Alkhanov."

"Além desses jogos eleitorais, o que o senhor acha que aconte­cerá na Tchetchênia no outono e no inverno?"

"Haverá problemas. Todas essas gangues legalizadas que estão atualmente fazendo confusão pela Tchetchênia são incapazes de fazer oposição às forças que executaram essa operação na Inguchétia. A população está a favor daqueles que estão nas monta­nhas. As pessoas que tomaram o poder aqui fizeram o possível para que isso acontecesse."

"Estão dizendo na Tchetchênia que será inevitável uma tercei­ra guerra. As pessoas estão escavando novos porões e construindo abrigos, baseadas na experiência com a Segunda Guerra. Esta tem sido uma das principais preocupações neste verão. Até que ponto o senhor leva isso a sério?"

"Muito a sério, porque sei que é verdade. Depois da reeleição de Putin, eu disse que haveria operações importantes dos rebeldes, a menos que fosse dado um basta. É a mesma coisa, só que pior. Os rebeldes não ficarão inativos neste verão, especialmente porque ante­riormente não contavam com o apoio que têm hoje. Eles irão forçar o outro lado a ir à mesa de negociações. Isso parece sério para mim." Qual será o destino de Ramzan Kadirov?" Não vale a pena falar nisso. Ele não tem nenhum lugar sério na república."

É difícil concordar com isso."

E claro que, do ponto de vista criminal, ele é importante, mas é um analfabeto. Não teve nem mesmo a educação elementar. Se tiver a sorte de sobreviver e o povo perdoar seus pecados, Ramzan deveria receber um bom tratamento psiquiátrico e educação.”

 

2 de agosto

Um grupo de bolcheviques nacionais entrou no edifício do Minis­tério da Saúde e do Desenvolvimento Social na rua Neglinnaia, no centro de Moscou. Eles subiram as escadas, fecharam-se no gabinete do ministro, Mikhail Zurabov; jogaram sua poltrona na rua e come­çaram a gritar das janelas slogans contra a reforma dos benefícios do bem-estar social. Eles exigiam as renúncias de Zurabov e Putin.

 

Os manifestantes logo foram presos e, no tribunal, foi declarado que a poltrona custava US$30.000. Como é que um Ministro do Bem-estar Social tem uma poltrona tão cara? Inicialmente eles receberam uma sentença severa sem precedentes, de cinco anos em campos de trabalhos forçados, por distúrbio político. A seguir, a Suprema Corte reduziu a pena a três anos e meio, a serem cumpri­dos na companhia de assassinos e criminosos reincidentes.

Está claro o que o Estado pretende, mas aqui está a posição dos prisioneiros políticos. Um deles, Maxim Gromov, disse o seguinte no tribunal: "É importante o fato de ter sido mencionado o nome do terrorista Ivan Kaliaev na argumentação do promotor. Há cem anos, uma série de julgamentos políticos sangrentos também pre­cedeu a emergência de Ivan Kaliaev. As coisas que estavam acon­tecendo no Estado naquela época garantiram o surgimento da organização de combate de Boris Savinkov. Estamos sendo julga­dos por um protesto político pelo artigo 213, mas, de acordo com este artigo, todos os bajuladores na Duma deveriam ser julgados. Durante muitos anos, seus membros têm conspirado para mostrar seu manifesto desrespeito pela sociedade. Neste caso, eles mostra­ram desrespeito por milhões de pessoas incapacitadas, pensionistas e ex-combatentes e mulheres. Isso é simplesmente uma desgraça para a Rússia e para a sociedade de hoje, que nada teve a dizer a esse respeito."

Ele tem razão. A aprovação da lei que aboliu benefícios mate­riais e privilégios não provocou indignação nenhuma. Não ouvimos


exigências de demissão de Zurabov. Os bolcheviques nacio­nais são os primeiros a defender os grupos prejudicados pela lei.

Gromov prosseguiu: "Em um Estado policial, tentar combater a injustiça sem acabar na prisão é tão inútil quanto tentar atirar em mosquitos com um canhão. Tenho orgulho de estar preso nesta época cruel e ainda mais pelo fato de não estar sozinho. Tenho comigo meus companheiros de luta... Adeus, amigos! Espero que mais cedo ou mais tarde rompamos o gelo que prende nosso país. Pela liberdade da nossa pátria, devemos ir para a prisão."

Existe aqui algo de que eu discorde? Não, endosso cada palavra. Hoje os bolcheviques nacionais constituem um grupo de jovens idealistas que entendem que a geração de oposicionistas mais velhos deixou de ter impacto. É natural que radicalizem rapidamente.

O que eu descobri de mais perturbador, conversando com eles e seus pais, cuja maioria é de ex-partidários do Iabloko e da direita liberal, foi que os pais dizem exatamente o que dizem os pais na Tchetchênia a seu próprio respeito e dos seus filhos. Também lá os jovens estão rapidamente se tornando radicais e isto costuma acon­tecer com os melhores e mais idealistas deles.

Aqui está uma conversa recente na Tchetchênia, com a mãe de um dos jovens que fugiram para as montanhas, como dizem quan­do os jovens vão se juntar a Basaev e Maskhadov* em sinal de pro­testo contra os bandidos "Novos Tchetchenos" que tomaram o poder e contra as atrocidades das tropas federais. A mãe era uma professora, uma mulher instruída:

Penso da mesma maneira com que meu filho", disse ela emo­cionada. "É melhor fazer algo do que esperar que eles venham à noite e levem seus filhos para onde ninguém sabe. Os federais são tropas de ocupação e as gangues de Kadirov são colaboradoras bru­tais. Não falamos abertamente sobre isso, mas todo mundo sabe. Os adultos simplesmente se calam, mas os jovens se recusam a aceitar a situação. Um dia, meu filho desapareceu. Fiquei em pânico. Achei que tivesse sido raptado e escrevi uma declaração para a polícia. Depois fiquei sabendo que ele e seus companheiros tinham fugido Para as montanhas, para lutar por nós, seus pais. Concordo plenamente com ele."

Liudmila Kalachnikova é a mãe de Ivan Koroliov, um bolchevique nacional. Ela é moscovita e pesquisadora do Instituto de Estudos Orientais da Academia Russa de Ciências e disse exata­mente a mesma coisa:

"Pelo que meu Ivan está lutando? Por nós, pelos seus pais."

Devo dizer que Liudmila não é bolchevique nacional, nem comunista. É uma mulher comum, metropolitana e instruída. Na década de 1990, apoiava o Iabloko.

"Diga-me, Limonov é um ídolo para Ivan?"

"Eu não diria isso. Ivan é um rapaz inteligente, mas a posição de não concordar com o mal tem muito apelo para ele."

Eu havia perguntado à mãe tchetchena:

"Seu filho idolatra Basaev?"

"Não, nunca ouvi dele nada deste gênero, mas foi para Basaev que ele foi. Para onde mais poderia ir? Os rapazes idealistas como ele são levados, pelos longos anos de vida nas circunstâncias que temos aqui, em meio a todas as mentiras, aos derramamentos de sangue, sequestros e assassinatos, a reconhecer Basaev como comandante."

Limonov e Basaev tornaram-se os líderes dos jovens que não conseguem aceitar a existência oferecida por Putin, uma vida em condições de total injustiça e desrespeito catastrófico pela vida humana. São Liminov e Basaev que mantêm viva a esperança em nossos filhos, de que algum dia eles poderão sentir que são seres humanos decentes. É espantoso, mas é assim que as coisas estão.

As pessoas ficam escandalizadas quando começo a falar assim. Elas dizem que é tolice, falam para eu calar a boca e que irei atrair o olho do mal. Quando escrevi sobre este assunto para meu jornal, o editor-chefe cortou o parágrafo porque, embora pudesse concor­dar com o que eu estava dizendo, não poderia imprimir aquilo.

Este é nosso estilo, fechar os olhos à realidade até que ela nos atinja como um tufão. Como a maioria das pessoas, acho assustador que nossos filhos tenham sido reduzidos a isto, mas sei como as coi­sas estão hoje. Mas o que querem nossas autoridades? Será que são suicidas? Será que estão esperando calmamente pela aparição de novos Kaliaevs, Zasulitches e Savinkovs, aqueles terroristas cujo advento foi provocado pelos czares?

Ou será que eles são simplesmente estúpidos, vivendo para o momento? Hoje, enquanto estão no poder, estão se enchendo de dinheiro e não pensam no amanhã. Então o melhor a fazer é agar­rar-se à mina de ouro pelo máximo de tempo possível? Estar no poder na Rússia nada mais significa do que tirar o máximo possí­vel de dinheiro? Acho que eles são estúpidos.

 

9 de agosto

Está reunido em Moscou o que há de melhor do movimento russo pelos direitos humanos, a fina flor da nação, congregada no Centro Andrei Sakharov. Alguns anos atrás, eles formaram um grupo de trabalho denominado Ação Conjunta para se reunir e, em tempos de crise nacional, tentar chegar a uma posição comum.

Hoje não estão discutindo o protesto dos bolcheviques nacio­nais, nem por que ele ocorreu; a reunião é para analisar por que a culpa está sendo atribuída ao movimento pelos direitos humanos, um exercício de olhar para o próprio umbigo muito típico da nossa sociedade civil.

Em torno da mesa, estão muitas das pessoas a quem Putin cri­ticou em seu Discurso à Assembléia Federal em 26 de maio, cha­mando-as de quinta coluna que come da mão do Ocidente, acu­sando-as de estarem mais preocupadas com a obtenção de fundos do Ocidente do que com ajudar pessoas. O debate foi longo, mas não chegou a nenhuma conclusão. Uma nota alarmante foi que alguns dos participantes imaginam que Putin está sendo enganado, que não lhe passaram o verdadeiro quadro. O czar é bom, mas seus assessores são maus. Uma velha história russa.

E uma pena. Os ativistas não mais estão ativos. Restou neles pouca paixão. Eles aprenderam demais com experiências amargas e tem pouco desejo de ir em frente. Isso vale para a maioria, mas não para todos.

Além de discutir sua desagradável situação, eles decidiram que o movimento pelos direitos humanos deveria boicotar as próximas eleições presidenciais na Tchetchênia, o que significa que eles não iriam atuar como observadores.

(Apesar da resolução, tomada por votação, alguns dos presentes à reunião compareceram às eleições na Tchetchênia, viram o que aconteceu e fizeram suas declarações.)

Aliás, 9 de agosto é o quinto aniversário da proclamação, por Ieltsin, de Putin como primeiro-ministro em exercício — isto é, seu sucessor. Uma guerra estava em fermentação no Daguestão. Basaev estava promovendo tumultos nas aldeias das montanhas e as tropas russas permitiram que ele entrasse no Daguestão e saísse de novo. Milhares de refugiados deixaram as montanhas, mas nenhum dos assessores de Ieltsin concordava com o início de operações milita­res em escala total uma Segunda Guerra Tchetchena. A primeira havia lhes custado muito caro.

Bem, na verdade, havia um homem que teria concordado: Putin. Então diretor do FSB, sob cuja gestão Basaev havia conse­guido escapar e Hattab (um militante saudita de origem palestina) havia sido deixado livre na Tchetchênia para ensinar a todos os jovens que vinham para ouvi-lo. Putin ficava em Moscou, via tudo não podia deixar de ver e nada dizia. Ele permitiu o amadure­cimento dos frutos do mal.

Em agosto de 1999, ele decidiu que estava na hora de destruir os resultados das suas atividades antes que elas fossem descobertas. Acredito que esta seja a única razão pela qual ele concordou em iniciar a Segunda Guerra Tchetchena. Foi assim que Ieltsin, em rápida deterioração, veio a nomear Putin inicialmente primeiro-ministro em exercício, depois primeiro-ministro e finalmente pre­sidente da Rússia. Desde agosto de 1999, Putin não tem deixado de atormentar seus concidadãos nem de derramar o sangue não só daqueles que vivem na Tchetchênia.

É meio-dia e o sol brilha em Verkhni Tagil, uma pequena e silenciosa cidade na província de Sverdlovsk, nos Urais. Além dela, fica a impenetrável floresta da taiga. Aqui é o coração da Rússia. Um velho meio cego e andrajoso está na entrada de um prédio alto. É Vladimir Kuzmitch Khomenko, cujo filho Igor, oficial do Regimento de Pára-quedistas que morreu na Tchetchênia, foi declarado Herói da Rússia. A porta do apartamento térreo de Vladimir está aberta. "Entre, por favor, entre", diz ele, como se fôs­semos velhos amigos. Ou Vladimir está muito satisfeito em nos ver ou é muito solitário. No corredor, Liudmila Alexeievna, sua mulher e mãe do Herói, beija todos com calor e nos conduz à sala. Um canto inteiro dela está cheio de retratos, flores, imagens e velas. É um memorial ao filho deles. O capitão Igor Khomenko foi um dos primeiros enviados ao norte do Cáucaso sob o decreto assinado pelo recém-nomeado primeiro-ministro em exercício, V.V. Putin. Seu regimento abriu as hostilidades da Segunda Guerra Tche-


chena, que, na ocasião, ainda estava limitada à fronteira entre Tchetchênia e o Daguestão. Quando chegaram, eles entraram em combate imediatamente e, em 19 de agosto, Igor Khomenko realizou um feito notável. Para localizar as posições de fogo dos rebel­des, ele conduziu um grupo de reconhecimento a uma montanha das proximidades.

Khomenko descobriu as posições, passou a informação ao seu regimento e permaneceu, juntamente com seu sargento, para dar cobertura à retirada do grupo e travar uma batalha que ele sabia que seria desigual. Foi lá que os dois morreram, tendo salvado a vida de muitos homens. Seu corpo foi encontrado pelos camaradas três dias depois, mas eles não conseguiram se aproximar dele devi­do ao tiroteio intenso. A pátria do capitão reconheceu seu ato, con-cedendo- lhe o título de Herói da Rússia. No momento da morte do filho, seus pais tinham acabado de se tornar cidadãos da Ucrânia. Eles viviam numa casa modesta na província de Dnepropetrovsk.

A história deles é de uma família soviética típica. Até hoje cos­tuma ser difícil determinar a cidadania pós-soviética de uma pes­soa. Igor cresceu em Iakutia, no extremo norte russo, para onde seus pais haviam sido enviados depois de formados para construir uma usina de enriquecimento de minério. A conclusão do período prescrito de serviço em Iakutia lhes deu o direito a uma pensão antecipada e eles decidiram retornar ao calor do sul, como faziam quase todos na sua situação. Eles escolheram a Ucrânia, com seu clima maravilhoso. Quando deixou a escola, Igor mudou-se da Ucrânia soviética para o Cazaquistão soviético, onde havia uma prestigiosa academia militar. Tendo se formado em 1988, com a URSS ainda intacta, ele foi enviado a vários pontos de conflito. Ele era para-quedista e os problemas estavam sempre surgindo. Logo a URSS se fragmentou e os pais de Igor se tornaram cidadãos da Ucrânia, enquanto ele se tornava cidadão da Rússia, porque, no momento da fragmentação, ele estava ligado a uma unidade militar cujo quartel-general ficava em território russo. O capitão morreu com a região de Stavropol (Rússia), registrada como local de nasci­mento. Seu túmulo fica lá, perto da unidade militar.

Depois do funeral do filho, Liudmila e Vladimir decidiram se mudar para perto do túmulo do filho, na Rússia. Venderam sua cabana pelo melhor preço que puderam conseguir, o que era muito pouco, mas, quando chegaram a Stavropol, as autoridades se recu­saram até mesmo a registrá-los como candidatos à residência per­manente. Eles insistiram, escreveram petições e durante meses fize­ram a ronda diária dos escritórios da administração distrital. Finalmente, o dinheiro da venda da cabana acabou e eles ficaram na miséria. Os pais do Herói foram a Verkhni Tagil, nos Urais, onde Liudmila fora criada e ainda tinha alguns parentes, ainda que dis­tantes. Eles foram bem recebidos, mas seus parentes também eram muito pobres, como todo mundo na província de Sverdlovsk, e lá não havia lugar para eles viverem.

"Estamos sem teto. Aqui só nos permitem viver da bondade das pessoas." Liudmila nos mostra o apartamento. "Não temos nada, não temos onde viver. Só tenho este ferro de passar roupa e esta máquina de costura. E a televisão. Os jovens são bondosos, eles nos ajudam muito. Sem eles, já teríamos morrido. Eles cuidam de nós por causa de Igor, apesar de nunca o terem conhecido."

Os "jovens" em fila junto à parede olham para o chão e nada dizem. São "tchetchenos" de Berkhni Tagil, soldados e oficiais que combateram na Tchetchênia, e eles formaram uma associação local de ex-combatentes.

"Nosso objetivo é muito simples", contou-me Ievgeni Boz-makov, presidente da associação."É ajudar uns aos outros a sobrevi­ver. Essa é nossa única missão e é por isso que ajudamos os pais do Herói Khomenko."

"Foram eles que conseguiram a cidadania russa para nós", prossegue Liudmila. "Eles visitaram todos os escritórios por nós, caso contrário não teríamos uma pensão." Assim são as regras da vida russa. Uma pessoa que não seja cidadã russa, mesmo que tenha trabalhado a vida inteira na URSS, não tem direito a pensão.

Liudmila começa a chorar, silenciosa e tristemente. Vladimir abraça seus ombros e ela diz, agora falando com ele: "Não, não, está tudo bem, eu sei. Vou parar de chorar. Só quero contar a ela. O que será de nós?"

Ela nos mostra uma pilha de papéis, a correspondência entre os pais de um Herói da Rússia e várias organizações oficiais e com o Ministério da Defesa. As cartas dos funcionários estão cheias de desdém.


"Como parentes de um Herói da Federação Russa morto na Região Norte do Cáucaso da Federação Russa, vocês têm direito a uma melhoria nas suas condições de vida através de recursos do Fundo Militar Nacional. Ao mesmo tempo, devo informá-los de que, em conseqüência da falta de contribuições voluntárias, o programa ‘Habitações para Combatentes’ está suspenso. V. Zvezdilin, Diretor em Exercício da Diretoria de Bem-Estar dos Militares do Conselho Central das Forças Armadas da Federação Russa."

Enviamos pessoas ao campo de batalha, depois as enterramos com pompa e cerimônia, concedemos medalhas póstumas — e nos esquecemos delas. É uma tradição russa evitar a responsabilidade por nossas dívidas. Nunca ocorreu a Putin — pelo menos nunca o ouvimos admitir — que ele é responsável por aqueles que pagaram com a vida pela decisão dele de iniciar a Segunda Guerra Tchet­chena.

Fui a Verkhni Tagil com Liudmila Leonidovna Polimova, mãe de outro soldado morto na Tchetchênia, outra mãe a quem o Estado esqueceu depois de tirar a vida do seu filho. Ela passou mal ao ver a cena na casa dos Khomenko. "Meu rapaz morreu prote­gendo um oficial com seu corpo. Eles lhe deram postumamente a Ordem do Mérito." Ela diz que todos precisam unir seus esforços. Em Iekaterinburg, onde mora, Liudmila já criou uma associação chamada Mães Contra aViolência.

No dia seguinte, Viacheslav Zikov, presidente da Associação de Ex-combatentes de Iekaterinburg, outro soldado "tchetcheno", leva Liudmila até Bolchaia Retchka, uma cidadezinha nos arredo­res de Iekaterinburg onde fica o cemitério militar. Lá estão enter­rados os restos do seu filho, o soldado Ievgeni Polimov, que ela mesma precisou encontrar numa montanha de corpos de soldados em Rostov-on-Don. Os generais não vão procurá-lo por você, nem qualquer outra pessoa. Os pais precisam viajar pessoalmente em Rostov-on-Don e procurar os cadáveres dos seus filhos no necrotério do Distrito Militar do Norte do Cáucaso.

Um cortejo funerário avança em nossa direção, deixando o ce­mitério. Eles acabaram de enterrar um oficial morto na Tchet-chênia. Pelas janelas do ônibus, vemos mulheres de preto.

"O último", comenta Liudmila, que segue sozinha até o túmu­lo do filho. Ela não pede que nos juntemos a ela. Carrega seu sofri­mento sozinha e procura ajudar outros na mesma situação.

Muitos jovens foram levados da província de Sverdlovsk para lutar na Tchetchênia e mais de 20 mil ex-combatentes "tchetche­nos" vivem lá hoje. A região está pontilhada de placas e monumen­tos em memória daqueles que lá morreram. Ao lado do Clube dos Oficiais, na praça central de Iekaterinburg, eles já acrescentaram uma seção tchetchena ao memorial Tulipa Negra, uma espécie de anexo ao monumento aos homens dos Urais que morreram no Afeganistão na última guerra da era soviética. Esta nova seção já tem 412 nomes gravados em ouro. Há obeliscos em branco para aqueles que certamente irão morrer.

Quantos mais desses caixões iremos tolerar? Quantos novos aleijados, sem pernas e braços? Cada soldado morto ou mutilado na Segunda Guerra Tchetchena aumenta a responsabilidade do Estado, quando este ainda não está pagando suas dívidas existentes. Como entidade falida, ele começa a atrasar os pagamentos, tentan­do ocultar sua falência com medidas como a desprezível reforma nos benefícios. Ele tira até mesmo os pequenos privilégios dos incapacitados, dos "tchetchenos", das mães de soldados que foram mortos, privilégios estes que eram um gesto de compensação pela sua aventura no norte do Cáucaso.

O número daqueles para quem o Estado tem dívidas é de milhões, motivo pelo qual vimos Putin e Zurabov dizendo que o número de pessoas com privilégios na Rússia é artificialmente alto. Nenhum outro país tem tantos requerentes; assim sendo, "alguma coisa precisa ser feita". É claro que o número é artificialmente alto, devido às constantes políticas agressivas do nosso Estado, que pro­duzem baixas de guerra como cogumelos depois da chuva.

"Muitas pessoas do nosso povo acabam na cadeia", diz Vitali Volkov. Ele preside a Associação Verkhniaia Salda de Ex-combaten­tes da Tchetchênia, que tem 200 membros. "Estamos sem um cen­tavo. Não conseguimos emprego. Muitos dos que voltam da Tchetchênia começam a roubar e a etapa seguinte é a prisão. E quem sai de nossas prisões ainda como ser humano? Se antes da prisão você esteve na Tchetchênia e antes daTchetchênia você era criança?"


Essas associações dirigidas por Liudmila Polimova,VitaliVolkov e Viatcheslav Zikov foram fundadas quando o infortúnio atingiu pessoalmente seus fundadores. Eles admitem que nunca imagina­ram que acabariam se envolvendo em atividades de bem-estar social, nem que começariam a combater a máquina do Estado. Suas organizações não têm objetivos políticos. São um produto do desespero e existem puramente para ajudar pessoas a sobreviver. A sobrevivência é tão difícil que não deixa tempo para mais nada.

Por quanto tempo o povo agüentará isso? Essa é a pergunta decisiva para a Rússia, como é para a Ucrânia.

 

29 de agosto

Na Tchetchênia, prosseguia a eleição do próximo presidente de Putin. Não é preciso dizer que o candidato do Kremlin teve a maioria esmagadora dos votos. Alu Alkhanov pode ser nominal­mente o novo presidente, mas o verdadeiro chefe é o perturbado Ramzan Kadirov, o filho de 27 anos do antecessor assassinado de Alkhanov que, por sua vez, também havia sido eleito com uma "esmagadora maioria dos votos”.

Quem é Ramzan? Durante o último ano e meio, ele cuidou da segurança do pai. Depois do assassinato do presidente, talvez sur­preendentemente, ele não foi demitido por seu lapso, mas promo­vido pessoalmente por Putin ao alto posto de primeiro vice-pri­meiro-ministro do Governo Tchetcheno, com responsabilidade especial pela segurança. Hoje ele está encarregado da polícia, de todas as subdivisões de Operações Especiais e da OMON tchet­chena. Apesar de não ter instrução, ele tem o posto de capitão da polícia. Isto é surpreendente, porque ele não é policial e na Rússia, para ser capitão, é exigida educação superior. De qualquer manei­ra, hoje ele tem o direito de dar ordens a coronéis e generais de car­reira. E eles obedecem, porque sabem que ele é o favorito de Putin.

Que espécie de pessoa é Ramzan? De que tipo de qualificações você necessita para ser um favorito de Putin? Ter esmagado a Tchetchênia sob seus pés e forçado a República inteira a lhe pres­tar tributo como a um bei asiático é certamente meritório.

Ramzan raramente é visto fora da sua aldeia de Tsentoroi, uma das mais feias da Tchetchênia, hostil e repleta de mal-encarados armados. A aldeia é um conjunto de ruas estreitas e empoeiradas, confinadas por cercas enormes. Atrás da maioria delas, vivem mem­bros da família Kadirov e as famílias dos guarda-costas e soldados do "Serviço de Segurança Presidencial".

Há cerca de dois anos, os habitantes de Tsentoroi em quem Kadirov não confiava foram simplesmente expulsos e suas casas dadas aos brutamontes do Serviço de Segurança, que é ilegal, mas bem equipado com armamento federal. Como não está formal­mente ligado a nenhum dos ministérios de segurança, ele é uma "formação armada ilegal"; sua situação não difere daquela das tro­pas de Basaev, exceto pelo fato de ser comandado por um favorito de Putin. Então, tudo bem.

Os homens de Kadirov participam de operações de combate como se fossem soldados do Ministério da Defesa; prendem e interrogam pessoas como se fossem agentes do Ministério do Interior. E mantêm pessoas prisioneiras nos seus porões em Tsentoroi e as torturam como se fossem gângsteres.

Nenhum procurador questiona nada disso.Tudo é abafado. Eles sabem onde não devem meter o nariz. Tsentoroi está acima da lei, por vontade de Putin. As regras que se aplicam às outras pessoas não se aplicam a Ramzan. Ele pode fazer o que quiser, porque dizem que combate terroristas usando seus próprios métodos. Na verda­de, ele não está combatendo ninguém. Está no ramo de roubo e extorsão, disfarçado de "luta contra o terrorismo".

A capital da Tchetchênia foi efetivamente transferida para a propriedade de Ramzan. Funcionários tchetchenos pró-russos vão até lá para se curvar diante desse tolo degenerado, para pedir qual­quer permissão de que necessitam ou quando são convocados. E todos vêm, inclusive Sergei Abramov, o jovem primeiro-ministro da Tchetchênia que supostamente é subordinado direto do primei­ro-ministro da Rússia e não de Ramzan Kadirov.

Na realidade, porém, é em Tsentoroi que as decisões são toma­das. Lá foi tomada a decisão de indicar Alkharov para a Presidência e hoje ele é o presidente.

Ramzan raramente viaja até Grozni, porque teme ser assassina­do. A viagem leva uma hora e meia. É por isso que Tsentoroi é a fortaleza que é, com um sistema de segurança em seus acessos que faria inveja ao Kremlin: uma série de postos de controle, um depois do outro. Passo por todos eles e me vejo naquela que os homens armados que me cercam descrevem como "casa de hóspedes". Sou detida aqui por seis ou sete horas. Cai a tarde. Na Tchetchênia, isso significa que não se deve perder tempo para encontrar abrigo. Quem quiser ficar vivo se esconde na sua toca.

"Onde está Ramzan?”, pergunto. Ele concordou em me ver.

"Logo, logo", resmunga o guardião da casa de hóspedes e agora meu guardião.

Sempre há alguém comigo. Vakha Visaev se apresenta como diretor da Iugoilprodukt, a nova refinaria de petróleo em Guder-mes, a segunda maior cidade da Tchetchênia. Ele se oferece para me mostrar a casa de hóspedes. Ela não está mal montada. Há uma fonte no pátio, feia, mas ainda assim uma fonte. Móveis de bambu adornam um terraço aberto com pilares. Vakha faz muita questão de mostrar as etiquetas, que indicam que os móveis vêm de Hong Kong. É muito provável que tenha pago por eles. As pessoas não medem esforços para presentear Ramzan, para suborná-lo.Todos se lembram de que o chefe da região vizinha de Chali, Akhmed Gutiev, não pagou o tributo exigido a Ramzan. Ele foi seqüestra­do, torturado e sua família precisou pagar um resgate de US$100.000. Akhmed emigrou prontamente e um novo candidato ao suicídio foi indicado para governar a região de Chali. Conheci Gutiev. Era um jovem promissor, que respeitava Putin e achava que a escolha de Ramzan era certa nas circunstâncias, uma vez que a maior prioridade deveria ser eliminar os Wahhabis.* Pergunto-me se ele ainda pensa assim.

Mas voltemos à propriedade de Ramzan. Na parede oposta à entrada principal, há uma lareira de mármore cinza-esverdeado. A direita, fica uma sauna, uma banheira de hidromassagem e uma pis­cina. Mas o destaque fica para os dois enormes quartos, equipados com camas tamanho estádio. Um é azul, o outro rosa.

Por toda parte, há móveis pesados, escuros e opressivos, todos com as etiquetas de preço à vista, em milhares de "unidades con­vencionais" (isto é, dólares). Há uma etiqueta de preço no espelho do banheiro, no vaso sanitário, no porta-toalhas. Evidentemente, esta é a moda em Tsentoroi.

A excursão inclui uma visita ao modesto escritório de Ramzan, muito escuro, ao lado de um dos quartos. Sua principal peça de decoração é um tapete de parede daguestani mostrando, ao estilo do realismo socialista, o falecido Akhmed Kadirov vestindo um chapéu de astracã contra um fundo preto. Ele é retratado com uma expressão angelical no rosto, seu queixo apontando para a frente.

Depois que escurece, surge Ramzan, rodeado por homens armados. Eles estão por toda parte: no pátio, no balcão, nas salas. Pouco depois, alguns se envolvem em nossa conversa, comentando em voz alta e de forma agressiva. Ramzan se esparrama numa pol­trona e cruza as pernas.

"Queremos restaurar a ordem não só na Tchetchênia, mas em todo o norte do Cáucaso", começa Ramzan. “Para que possamos ir a qualquer momento até Stavropol ou Leningrado. Combateremos em qualquer parte da Rússia. Tenho uma diretiva para operar em todo o norte do Cáucaso. Contra os bandidos."

"Quem o senhor chama de bandidos?"

"Maskhadov, Basaev e outros como eles."

"O senhor acredita que a missão de suas tropas é encontrar Maskhadov e Basaev?"

"Sim. Isto é o principal: destruí-los."

"Tudo o que foi feito em seu nome até agora é destruir e liqui­dar. Não acha que já houve combates demais?"

"É claro que sim. Setecentas pessoas já se renderam a nós e hoje têm uma vida normal. Pedimos aos outros que desistam dessa resis­tência insensata, mas eles continuam lutando. É por isso que preci­samos exterminá-los. Hoje pegamos três. Matamos dois. Um deles era um grande emir, Nachkho, do grupo de Doku Umarov. Ele era importante lá. Mas nós o matamos. Na Inguchétia. Todos estão enterrados lá."

"Mas que direito vocês têm de matar alguém? Ainda mais na Inguchétia, quando formalmente vocês são o Serviço de Segurança do presidente da Tchetchênia?"

"Temos todo direito. Realizamos essa operação em conjunto com o FSB da Inguchétia. Temos todas as permissões oficiais neces­sárias." (Mais tarde foi provado que isso era uma mentira.)

"Atualmente, dentro da Tchetchênia, além das suas tropas, em operação tropas de Kokiev, de Iamadev etc."

"Você não deve chamar essas tropas pelos nomes de seus líderes.”

"Por que não? O senhor não acha que há muitos deles?"


 

“O quê, de tropas? O OMON tchetcheno tem somente tre­zentos homens. Em outras regiões, o OMON chega a setecentos ou oitocentos. Os homens de Kokiev são do exército. Logo serão retirados."

"Em março, pouco antes de Putin ser reeleito, Khambiev (o ministro da Defesa da Itchkeria) rendeu-se ao senhor. O que ele está fazendo agora? Também está recrutando tropas?"

"Você quer que eu o traga aqui? Se eu der a ordem, ele será trazido."

"Não é um pouco tarde? Ele deve estar dormindo."

"Se eu der a ordem, ele será despertado. Nós o usamos como negociador com os bandidos. Eles o conhecem. Ele era bom nisso anteriormente, por exemplo, com Turlaev.Você quer que eu tam­bém mande trazer Turlaev? [Chaa Turlaev era o chefe da guarda pessoal de Maskhdov. Também se rendeu quando foi gravemente ferido.] Khambiev também não terá mais homens. Nós seremos os únicos com tropas."

"Na imprensa, Khambiev admitiu que era um traidor."

"Isso é mentira. Apenas escreveram isso. Ele não é um traidor."

"Como descreve pessoalmente a rendição de Maskhadov? Ele virá ao senhor e dirá: ‘Aqui estou eu’?”

"Sim."

"Ele não pode fazer isso. A diferença de idade entre vocês é grande demais. O senhor é um garoto, comparado com ele."

"Talvez. Que escolha ele tem? Se não vier por conta própria, nos iremos buscá-lo.Vamos colocá-lo numa jaula."

"Recentemente o senhor publicou um ultimato para aqueles que ainda não tinham se rendido. Era dirigido a Maskhadov?"

‘Não, esse foi para garotos de dezessete e dezoito anos que não sabem de nada. Eles foram enganados por Maskhadov e foram para as florestas. Suas mães estão chorando e me implorando: ‘Ajude- nos, Ramzan, a ter nossos filhos de volta.’ Elas amaldiçoam Maskhadov. Portanto, este é um ultimato para as mulheres vigiarem seus filhos mais de perto. Estou dizendo a elas que encontrem seus filhos depressa ou não nos culpem depois... Aqueles que não se ren­derem serão exterminados. É claro."

Mas talvez esteja na hora de parar de exterminar pessoas e sentar para negociar."

"Com quem?"

"Com todos os tchetchenos que estão lutando."

"Com Maskhadov? Ele não é ninguém aqui. Ninguém obede­ce a suas ordens. A figura principal é Basaev. Ele é um guerreiro poderoso, sabe combater, é um bom estrategista. E um bom tchet­cheno. Mas Maskhadov é um velho ridículo, incapaz de fazer qual­quer coisa." (Ele gargalha, relinchando como um cavalo. Todos os presentes o imitam.) "Ele tem somente dois garotos que o seguem. Posso provar isso e escrevo. Atualmente, Maskhadov tem mulheres. Eu as conheço. Elas me disseram: ‘Se nos recusássemos, seríamos mortas. Não tínhamos emprego e ele nos deu dinheiro.’”

"Está dizendo que Maskhadov tem um batalhão de mulheres?"

"Não. Nós quebramos Maskhadov. Agora ele tem outras pessoas."

"Percebo um desrespeito por Maskhadov em suas palavras, mas um claro respeito por Basaev."

"Respeito Basaev como guerreiro. Ele não é covarde. Rezo a Alá para que possamos nos encontrar em combate aberto. Um homem sonha em ser presidente, outro em ser piloto, um outro em ser motorista de trator - mas meu sonho é lutar contra Basaev em campo aberto. Minhas tropas contra as dele. Ele no comando, eu no comando."

"E se ele vencer?"

"Impossível. Em batalha, eu sempre venço."

"Na Tchetchênia, falam muito de sua rivalidade com a família Iamadev." (Irmãos de Gudermes. Khalid é deputado na Duma pelo Rússia Unida e Salim é subcomandante militar da República Tchetchena. Eles controlam tropas poderosas. Dizem que Ramzan trabalha para o FSB, ao passo que os Iamadev trabalham para a Diretoria Central de Inteligência do Exército.)

"Não é uma boa idéia ser meu rival. Faz mal à saúde."

"Que aspecto de sua personalidade o senhor considera mais importante?"

"O que você quer dizer? Não entendi a pergunta."

"Quais são seus pontos fortes? E seus pontos fracos?"

"Não tenho pontos fracos. Sou forte. Alu Alkhanov foi eleito presidente porque eu o considero forte e confio totalmente nele. Você acha que o Kremlin decide isso? As pessoas escolhem. Esta e a primeira vez que me dizem que o Kremlin tem voz ativa em alguma coisa."

Estranho, mas foi o que ele disse.

Menos de uma hora depois, Ramzan estava dizendo que abso­lutamente tudo era decidido pelo Kremlin, que as pessoas eram apenas gado e a presidência da Tchetchênia lhe havia sido ofereci­da no Kremlin imediatamente depois do assassinato do seu pai, mas ele tinha recusado porque queria combater.

"Se vocês nos deixassem em paz, nós, tchetchenos, teríamos nos reunido há muito tempo."

"O que você quer dizer com ‘vocês’?”

"Jornalistas, pessoas como você. Políticos russos. Vocês não nos deixam escolher as coisas.Vocês nos dividem. Vocês ficam entre os tchetchenos. Vocês são o inimigo. Vocês são piores do que Basaev."

"Quais são seus outros inimigos?"

"Não tenho inimigos. Só bandidos para combater."

"O senhor pretende ser presidente da Tchetchênia?"

"Não."

"O que o senhor mais gosta de fazer?"

"Lutar. Sou um guerreiro."

"Já matou alguém?"

"Não. Sempre estive no comando."

"Mas o senhor é jovem demais para sempre ter estado no comando. Alguém deve ter lhe dado ordens um dia."

"Somente meu pai. Mais ninguém me deu ordens, nem dará."

"Já deu ordens para matar?"

"Sim."

"Isso não é horrível?"

"Não sou eu, é Alá. O Profeta disse que os Wahhabis devem ser destruídos."

"Ele disse isso realmente? E quando não houver mais

Wahhabis, quem o senhor irá combater?"

Criarei abelhas. Já tenho abelhas, gado de corte e cães de briga."

Não fica triste quando os cães se matam?"

Não. Gosto de ver. Respeito meu cão Tarzan como a um ser humano. Ele é um cão pastor caucasiano. São os cães de melhor cabeça que existem."

"Que outros passatempos o senhor tem? Cães, abelhas, lutar... e?"

"Gosto muito de mulheres."

"Sua mulher não se importa?"

"Eu não conto a ela."

"Que nível de instrução o senhor tem?"

"Superior, advocacia. Estou terminando. Estou fazendo exames." "Que exames?"

"Como assim, que exames? Os exames, é isso." "Qual é a faculdade em que o senhor estuda?" "É uma filial do Instituto de Administração de Moscou. Em Gudermes. É uma escola de direito." "Em que está se especializando?" "Direito."

"Mas que tipo de direito? Criminal? Civil?"

"Não me lembro. Alguém escreveu o tópico para mim num pedaço de papel, mas esqueci. Ando muito ocupado."

Naquele momento, Chaa Turlaev é trazido até Ramzan, o ex-comandante da segurança de Maskhadov, um major da Guarda Presidencial que havia recebido as ordens tchetchenas "Orgulho da Nação" e "Herói da Nação". É um homem completamente grisa­lho aos 32 anos, a perna esquerda amputada até a coxa. É mantido sob guarda em Tsentoroi, como refém, mas não está sendo espanca­do nem torturado. Mais tarde, também aparece Mahomed Khambiev. Mahomed fala comigo em russo, mas Chaa aparente­mente foi proibido de falar em russo com jornalistas. Ramzan diz que ele não fala russo, mas mais tarde pessoas que conheciam Chaa me disseram que ele falava um russo excelente.

Khambiev é insolente e orgulhoso, ao passo que Chaa parece assustado, mas digno. Khambiev continua concordando com Ramzan, enquanto Chaa permanece orgulhosamente em silêncio. Suas palavras, traduzidas, são: "Lutei desde 1991. Até 2003, eu esta­va na força de segurança de Maskhadov. Faz um ano e meio que não o vejo. Fiquei com um ferimento na perna por dois anos. Havia um médico lá. Eu poderia ter ficado, mas não quis, mesmo antes de ser ferido, porque Ramzan e eu havíamos lutado juntos no passado. Quando Ramzan enviou a mim pessoas da minha aldeia, elas disseram: ‘Siga Ramzan. O caminho dele é certo. Maskhadov é fraco Não se vê força nele. Ele está só, tem somente vinte ou trin­ta pessoas.’”

“Ele tem um batalhão de mulheres?"

Chaa não responde. Ele abaixa a cabeça e a sacode. Não está claro se aquilo significa sim ou não. A conversa é tensa. Pouco depois da chegada de Chaa, aparece uma pessoa mais velha com um boné redondo e senta-se à direita de Ramzan. Ele se apresenta como Nikolai Ivanovitch, provocando sorrisos gerais, indicando que, qualquer que seja seu nome, não é Nikolai Ivanovitch. Ramzan ordena-lhe que traduza as palavras de Chaa para o russo. Logo fica claro que, quando Chaa diz duas ou três palavras, “Nicolai Ivanovitch" as desdobra em várias frases a respeito de como Chaa reconhecia a natureza ruinosa da guerra de Maskhadov.

Reclamo indignada da "interpretação" e Nicolai Ivanovitch, como um cão sem coleira, ataca-me e me insulta. Ninguém o de­tém. Ramzan ri. Seu verdadeiro passatempo é colocar as pessoas uma contra a outra e ninguém na mesa pode rivalizar com ele, com seu entusiasmo por lutas de cães.

A conversa fica mais animada. "Você está defendendo os ban­didos", "Você é um inimigo do povo tchetcheno", "Você deveria ter uma resposta para isto" — tudo dirigido a mim. Ramzan está gri­tando, pulando na sua poltrona, e Nicolai Ivanovitch o está incitan­do. Estamos sentados em torno de uma grande mesa oval e a cena se parece cada vez mais com uma convenção de ladrões. Ramzan se comporta de forma cada vez mais estranha, como se fosse a pessoa mais velha na casa, embora seja de fato a mais jovem. Ele ri em momentos inadequados e se coça. Ele ordena aos seus seguranças que lhe cocem as costas. Ele se curva, balança e continua fazendo observações irritantes e sem sentido.

Tento falar com Chaa, mas Ramzan realmente não gosta que Chaa ouça mais perguntas que ele e o proíbe de falar mais. Está na ora de terminar. Faço uma última pergunta e é a única que Chaa responde sozinho.

“Qual foi a melhor época da sua vida?" Não existiu essa época."

Ramzan interrompe até isto: "Você sabia que Khambiev votou em Putin?"

Khambiev acena concordando, com o sorriso zombeteiro de um mentiroso. “Sim. Ele é durão e quer ordem na Tchetchênia."

"O que está faltando", pergunto a Khambiev, "para haver ordem completa na Tchetchênia?"

"Muito pouco. Iandarbiev foi eliminado. Se Berezovski e os homens de Maskhadov, Zakaev* e Udugov, forem eliminados haverá ordem. Eles estão puxando os cordões. Basaev executa seu desejos. Basaev não está lutando pelo bem do povo tchetcheno."

"Pelo que vocês estão lutando e vivendo?"

"Por nós mesmos. Pelo povo."

"Em que o senhor se vê servindo ao povo?"

"No que Ramzan decidir."

"Por que Ramzan é quem decide?"

"Ele é o primeiro entre os tchetchenos. Ramzan está prome­tendo me fazer presidente da Federação de Luta Livre."

"Quantos anos o senhor tem?"

"Quarenta e dois."

"Como se sente a respeito do fato de o pessoal de Ramzan ter seqüestrado seus parentes para forçá-lo a se render?"

"Nenhum problema. Meus parentes estavam errados e foram capturados."

"De que eles eram culpados?"

"Eles me trouxeram mensagens de Maskhadov em fitas cassete e pão."

Ramzan, satisfeito, ri de forma insolente. Ele se inclina para trás e decide assistir à televisão. Ele está muito satisfeito e comenta sobre a maneira de andar de Putin: "Ele tem mesmo classe!" Ele declara que Putin caminha como um montanhês.

Lá fora é noite. A temperatura está subindo aqui e está na hora de eu ir embora. Ramzan ordena para que eu seja levada de volta Grozni. Musa, um ex-lutador de Zakan-Iurt, senta-se à direção e há dois guarda-costas. Entro no veículo e penso que em algum lugar do caminho, com postos de controle por toda parte, serei obvia­mente morta. Mas o ex-lutador de Zakan-Iurt está apenas esperan­do que Ramzan saia. Ele quer expor sua alma e, quando começa a me contar a história da sua vida, de como havia sido um lutador, por que juntou-se a Ramzan, sei que ele não irá me matar. Ele que que o mundo ouça sua história.


 

Entendi isso, mas sentei-me lá chorando de medo e ódio. "Não chore", disse-me o lutador de Zakan-Iurt. “Você é forte."

Quando a conversa termina, e em Tsentoroi eles não com­preendem o significado da palavra, tudo o que resta são lágrimas. Lágrimas de desespero por alguém assim poder existir, pelo fato de os caprichos da história terem criado, de todas as pessoas, Ramzan kadirov. Ele tem realmente poder e governa de acordo com suas idéias e habilidades. Ninguém, nenhum dos homens presentes em Tsentoroi, ousou detê-lo. Foi Ramzan Kadirov que recebeu um telefonema do Kremlin, de "Vladislav Iurievitch” - em outras pala­vras, do subchefe da Administração de Putin, Vladislav Surkov. Foi essa a única vez em que Ramzan parou de se comportar mal, de se coçar, gritar, assobiar e rir.

Este é um velho enredo, repetido muitas vezes em nossa histó­ria: o Kremlin promove um filhote de dragão, que depois precisa ali­mentar para impedi-lo de pôr fogo em tudo. Houve um total fracas­so dos serviços de inteligência russos na Tchetchênia, algo que eles tentam apresentar como uma vitória e uma "restauração da vida civil". Mas e quanto ao povo da Tchetchênia? Eles têm que viver com o filhote de dragão. Primeiro o Kremlin tentou mostrar aos tchetchenos que era inútil resistir a Putin. Isso funcionou mais ou menos; a maioria deles desistiu. Então foi a vez do resto da Rússia.

 

1° de setembro

A censura e a autocensura na mídia de massa atingiram novos extremos e aumentaram a probabilidade de que centenas de adul­tos e crianças na Escola n° 1 em Beslan, que foi tomada por terro­ristas, viessem a morrer.

A autocensura hoje significa tentar adivinhar o que se deve dizer e o que não deve ser mencionado. A finalidade da autocensu­ra e manter suas mãos em um salário muito alto. A opção não é entre ter emprego ou ficar desempregado, mas entre ganhar uma fortuna e uma ninharia. Qualquer jornalista tem a opção de passar Para publicações na Internet, as quais são mais ou menos livres para dizer o que querem, e ainda há alguns jornais que também gozam de relativa liberdade. Porém, onde há liberdade há salários baixos e pagos de forma irregular. Quem paga bem é a mídia de massa, que se entende com o Kremlin.

Os apresentadores de televisão que insistem em mentir, que mantêm fora do ar qualquer coisa que possa irritar as autoridades do Estado, fazem isso por medo de perder um salário de vários milhares de dólares por mês. Eles enfrentam a opção entre conti­nuar a vestir Gucci e Versace ou usar roupas velhas. A questão não é de compromisso ideológico: o único compromisso deles é com o próprio bem-estar financeiro. Nenhum jornalista tem fé em Putin há muito tempo.

O resultado é que a emissora NTV transmite cerca de 70% de mentiras. Nas emissoras oficiais, RTR e Ostankino, a proporção de 90%. O mesmo vale para a rádio estatal.

Se durante a tomada de reféns em Nord-Ost a televisão mostro”metade da verdade, durante Beslan ela nada transmitiu a não ser mentiras oficiais, a maior das quais foi a afirmação de que havia somente 354 reféns na escola. [O número real estava próximo de 1.200.] Isso enfureceu tanto os terroristas que eles pararam de permitir que crianças fossem ao banheiro ou bebessem qualquer coisa.

Na NTV, sabiam perfeitamente que o número era falso. Os diretores da empresa suprimiram um relato do seu próprio corres pondente na cena, que havia sido informado de fonte confiável sobre o verdadeiro número de reféns. Como disse mais tarde Leonid Parfionov, demitido da NTV em 1º de junho, somente uma palavra verdadeira foi dita na NTV durante a crise de Beslan. Foi depois de iniciado o ataque, quando crianças mortas e feridas estavam sendo levadas para fora e pedaços de carne humana eram vistos por todo o lugar; o repórter que falava à câmera naquele momento disse um sonoro palavrão russo, que caracterizou com precisão o que estava acontecendo.

Beslan foi o ponto mais baixo desta autocensura traiçoeira. Traiçoeira porque traiu pessoas que pagaram com a vida pelas men­tiras. Moradores de Beslan atacaram repórteres da televisão estatal porque suas mentiras, hoje habituais na era Putin, haviam começa­do a custar a vida de mulheres e crianças que eles conheciam. Antes, isso fora vivido somente por pessoas que moravam na Tchetchênia. Agora estava na hora de os outros entenderem.

 

3de setembro

Há 331 mortos em conseqüência da tomada de reféns em Beslan.

 

4 de setembro

Raf Tchakirov, editor-chefe do Izvestia, foi demitido. Ele era um carreirista: não era um revolucionário, nem dissidente, nem um defensor dos direitos humanos. Foi demitido por ter deixado, em apenas uma ocasião, de intuir a nova ideologia do Estado, uma coisa que supostamente não se precisa enunciar. O Izvestia publicou uma reportagem fotográfica brutalmente honesta de Beslan, a respeito do ataque à escola. As autoridades reclamaram que a matéria era demasiadamente chocante.

O Izvestia não é um jornal estatal - ele pertence ao oligarca Potanin -, mas nuvens de temporal estavam se agrupando sobre Potanin, como aquelas que haviam se reunido sobre Khodorkovski. Demitindo Tchakirov, Potanin espera ter se reconciliado com Putin e com o Kremlin.

 

Depois de Beslan, houve finalmente movimentos de oposição ao regime de mentiras e covardia das autoridades. Entre dezembro de 2003 e setembro de 2004, só o que se percebia era uma dissidência relutante, meio abafada, mas, depois do massacre, começou a surgir algum tipo de protesto público. Até 1º de setembro, ninguém que­ria reconhecer que os serviços de inteligência só estavam interessa­dos em dividir os despojos da nação. Depois do banho de sangue de 3 de setembro em Beslan, muitas pessoas finalmente perceberam que estavam desprotegidas. Elas podiam continuar fingindo que o presidente tinha um alto índice de aprovação ou podiam ter segu­rança para seus filhos.

 

10 de setembro

O que está emergindo na Rússia não é uma classe média estabili­zadora, mas uma nova classe composta por pais cujos filhos morreram em atos terroristas. Eles já quase constituem um partido polí­tico, cujo manifesto é exigir um inquérito rigoroso sobre a tragédia ocorrida na Escola n°1.

Os primeiros a chegar a Beslan depois da catástrofe foram os pais dos reféns que morreram em Nord-Ost. O moscovita Dmitri Milovidov estava entre eles. Em outubro de 2002, ele perdeu Nina, a filha de 14 anos, no Teatro Dubrovka. Ele levou a Beslan um punhado de terra de Nord-Ost e trouxe cinzas da escola. Ele me mostrou a mistura numa caixa transparente.

"Peguei um pouco daquilo que ainda está no piso da escola. Você pode ver cápsulas e balas dundum, apesar de serem proibi­das, um lápis cuidadosamente apontado, as páginas carbonizadas de um livro. Tudo isso está coberto por uma cinza verde-escura e é melhor não perguntar do que pode ser aquela cinza."

"Por que os pais de Nord-Ost foram lá? Deve ter sido muito difícil para vocês."

"Nós juntamos dinheiro e decidimos levá-lo pessoalmente. Achamos que nossa triste experiência de como sobreviver à morte dos filhos poderia ser útil. Nós mal sobrevivemos, dependendo exclusivamente de nossos próprios recursos, abandonados pelo Estado.

"Há outro motivo: há pouco mais de um ano eu estava conver­sando com Tânia Khazieva - seu marido era um músico que parti­cipava do musical Nord-Ost e morreu, deixando-a com as filhinhas Sônia e Tânia. Ela foi a primeira a ganhar uma indenização num tri­bunal. Tânia disse, em junho de 2003: ‘Preciso saber se amanhã URV de minhas filhas for tomada como refém numa escola, sua vida cus­tará tão caro que nem o FSB nem o Estado poderão me pagar por tê-la deixado morrer.’ Sabe de uma coisa, hoje sentimos que não conseguimos evitar Beslan. Eu o vejo como um final alternativo para Nord-Ost: ‘Olha, veja o que lhe teria acontecido se você esti­vesse trancada naquele teatro e nós não tivéssemos usado o gás.’ Foi como se eles quisessem ensinar uma lição à Rússia. Fomos a Beslan para dizer às pessoas: ‘Nos perdoem por não fazer o suficiente par evitar sua tragédia.’”

"De que você acha que as pessoas mais precisam em Beslan? Dinheiro?"

"Não. Compreensão.

“Existem tão poucos psiquiatras?"

"Existem em número suficiente nos hospitais, mas em geral são os jovens recém-formados que vão à casa das pessoas. É difícil abrir seu coração a eles. O problema das pessoas em Beslan é o mesmo que enfrentamos. Muita gente não quer conselhos. Quer sofrer sozinha."

"Mas acha que, como pessoas que passaram por um sofrimen­to semelhante, vocês estavam mais próximas delas do que os psi­quiatras?"

"É claro. Elas queriam conversar conosco, mas não para chorar conosco. Elas perguntavam a que conclusões chegou o inquérito sobre Nord-Ost. Houve uma resposta adequada à pergunta de como uma coisa daquelas podia ter acontecido? Já é óbvio que essa tragé­dia não irá simplesmente desaparecer. Há pichações nas cercas: "Morte dos inguches" e mais fortes que isso. Ninguém as apaga. Em toda parte vi pessoas jurando vingança. Houve uma reunião de jovens enquanto estávamos lá e esse era claramente o tema. Eles tinham as piores coisas a dizer a respeito do seu presidente, Dzasokhov, e o que eles disseram a respeito de Putin não dá para repetir."

"É verdade que os sentimentos com relação aos jornalistas também são ruins?"

"Sim. Nós tivemos os mesmos. Nos primeiros meses depois de Dubrovka, ao vermos um jornalista, nós dizíamos: ‘Lá vêm os abutres.’ Só muito tempo depois foi que começamos a vê-los não como abutres, mas como dissecadores, sem os quais nunca teríamos ouvido a verdade a respeito do afundamento do submarino Kursk ou a realidade de Nord-Ost.“

Quem as pessoas em Beslan esperam que irá realizar um inquérito adequado?"

Elas só confiam em suas famílias. Elas esperam que haja um inquérito mas, como muitas dizem, ele ‘virá da Rússia’ - em outras palavras, do Estado. Mas nós já passamos por Nord-Ost. Sabemos que nada irá acontecer."

Qual foi a principal impressão que você trouxe de Beslan?"

Estávamos em Moscou, uma grande cidade. Beslan é uma cidade inteira de luto."

 

13 de setembro

Depois de Beslan, os órgãos de segurança do norte do Cáucaso, tendo deixado de evitar o ultraje terrorista, estão agora fazendo uma grande demonstração de combate ao terrorismo. Estão matan­do ou prendendo qualquer pessoa que, para eles, pode estar envol­vida com terrorismo.

Como fazem? O sucesso ou fracasso da caçada humana é medido principalmente por quantos "terroristas" são apanhados. Direitos humanos e respeito pela lei saíram pela janela. Uma con­fissão é prova de culpa e, se um suspeito foi morto, nem isso é necessário. É uma repetição exata do que aconteceu quando uma "operação antiterrorista" foi lançada depois do assassinato de Sergei Kirov, o líder do Partido Comunista, em 1º de dezembro de 1934. Assim como naquela ocasião, qualquer tentativa de sugerir que alguma coisa está errada e que talvez deva haver mais respeito pela lei é tratada pelos partidários dos "métodos radicais e eficazes" como o desejo de proteger criminosos.

Os representantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha não podem visitar as celas da prisão onde os "terroristas" estão deti­dos. Não há supervisão legal pelo procurador e certamente não há um judiciário independente para cuidar desses casos rápidos de "antiterrorismo". Ninguém investigará se uma unidade de Opera­ções Especiais tinha justificativas para matar alguém. Essa é uma área completamente fora da lei, incapaz de punir os culpados e absolver os inocentes. A principal onda de "antiterrorismo" pós-Beslan abateu-se sobre a Inguchétia, porque havia muitos inguches no grupo que tomou de assalto a escola. E, nem é preciso dizer, sobre a Tchetchênia.

O resultado previsível foi que, durante o outono, reagindo contra este "antiterrorismo", o verdadeiro submundo terrorista ficou muito fortalecido. O assassinato ou a condenação rápida dos inocentes deixa os verdadeiros criminosos livres para planejar novos crimes, precisando apenas aperfeiçoar seus métodos de conspiração. Além disso, o submundo está repleto de pessoas que sofreram injus­tamente ou que procuram vingar seus parentes. Para outros, pegar em armas é um protesto pessoal contra a ilegalidade das forças d segurança.


 

Chame isso do que você quiser, mas não de operação antiterrorismo. Ela reúne as formas mais monstruosas de terror. O quadro verdadeiro é que, depois que os rebeldes tomaram a Inguchétia por uma noite em junho de 2004, as forças de segurança enlouquece­ram, assassinando e aprisionando uma multidão de pessoas inocen­tes que lhes caíam nas mãos, e o resultado foi Beslan.

Enquanto isso, as autoridades tchetchenas estão comemorando. A algumas dezenas de quilômetros de distância estão enterrando as vítimas de Beslan, mas Alu Alkhanov, o presidente "recém-eleito", decidiu comemorar o nascimento de um filho do primeiro-minis­tro com um dia de corrida de cavalos.

Em Tsentoroi, por trás de uma intensa segurança, os atuais favoritos tchetchenos de Putin estão gozando a vida. Seus seguido­res satisfazem todos os seus desejos. Raramente se passa um dia sem algum tipo de entretenimento para demonstrar que a paz voltou à Tchetchênia. Nem mesmo Beslan pode estragar a diversão, nem a morte de todas aquelas crianças, que está na consciência da nada sagrada trindade de Kadirov, Alkharov e Abramov. Afinal, foram eles que garantiram a Putin e a todos, até 1º de setembro, que praticamen­te não havia mais bandidos na Tchetchênia e que Basaev seria apanha­do a qualquer momento. Beslan nos mostrou a verdadeira situação.

Uma das razões para os males sociais da Rússia é este diabóli­co cinismo por parte das autoridades, que vendem uma realidade completamente falsa. Os cidadãos russos não se insurgem contra esse cinismo. Eles se recolhem às suas conchas, tornando-se indefesos, mudos e inertes. Putin sabe disso e utiliza o cinismo insolente como a técnica anti-revolucionária que melhor funciona na Rússia.

Os funerais não acabaram, mas Putin já está ocupado. Ele infor­mou ao governo e ao país que, no futuro, os líderes regionais não serão eleitos, mas indicados por ele. A indicação precisará ser ratifi­cada pelos parlamentos regionais, mas se por duas vezes os deputa­dos locais deixarem de aprovar seu candidato, o próprio parlamen­to estará sujeito à dissolução.

Houve por algum tempo boatos a respeito do desejo de Putin de abolir a eleição direta de governadores, alguns dos quais têm opiniões próprias. Um dos métodos para a oposição permanecer eficaz era alcançar um entendimento nas regiões, caso isso se mos­trasse impossível com a administração presidencial em Moscou.

Putin afirma que a razão para a abolição da eleição dos gover­nadores é a ameaça do terrorismo. Esta exploração cínica do cataclisma de Beslan para resolver suas dificuldades puramente políticas e práticas é inesperada, mesmo de Putin. Praticamente não houve protestos.

 

16 de setembro

A única reação veio do Comitê 2008, que publicou a seguinte declaração,”A Ameaça de um Golpe de Estado na Rússia":

O Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, anunciou que pretende realizar um golpe de Estado na Rússia. Seu dis­curso de 13 de setembro de 2004, numa sessão prolongada do governo, contém uma proposta detalhada para desmantelar ins­tituições fundamentais da democracia na Rússia.

"A Rússia é um Estado democrático, federal, regido pela lei...”, de acordo com o primeiro artigo da Constituição. Agora o Kremlin pretende liquidar as três bases do Estado russo.

A Rússia de Putin não será um Estado democrático, uma vez que seus cidadãos serão privados do direito a eleições livres que, de acordo com a Constituição, são a "mais alta e direta expressão do poder do povo". A Rússia de Putin não será um Estado federalista, uma vez que suas regiões serão governadas por funcionários nomeados pelo centro que se subordinam somente a ele. A Rússia de Putin não será um Estado regido pela lei, porque o Tribunal Constitucional da Federação Russa tomou uma decisão, há oitenta anos, que proíbe explicitamente qualquer "reforma" como essa, a qual estará sendo desprezada.

Pedimos ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que de atenção especial ao artigo 3 o, inciso IV, da Constituição, que diz: "Ninguém deverá se apropriar do poder na Federação Russa. A tomada do poder ou a apropriação da autoridade do Governo será processada de acordo com a lei federal."

O Estado e as autoridades ignoraram tudo isso. Ninguém pro­testou.

27 de setembro

As autoridades estão muito preocupadas com a possibilidade de os defensores dos direitos humanos mais uma vez se tornarem dissi­dentes, uma vez que é deles, e não dos políticos da oposição, que vem o perigo. Assim sendo, elas estão construindo um movimento paralelo pelos direitos humanos para operar sob um rígido contro­le do Estado. Putin está assinando uma diretiva para criar um "cen­tro internacional dos direitos humanos". A diretiva é caracteristica­mente intitulada "Medidas Adicionais de Apoio do Estado ao Movimento pelos Direitos Humanos na Federação Russa".

A força motriz por trás desta diretiva é Ella Pamfilova, presi­dente da Comissão Presidencial sobre Direitos Humanos. Ela insiste para todos que estiverem dispostos a ouvir:"Rejeito completamen­te as alegações grosseiras de que uma das tarefas do Centro Internacional de Direitos Humanos é introduzir o controle centra­lizado do movimentos pelos direitos humanos. Essa diretiva é de grande ajuda para nós. Será mais fácil, para os líderes de organiza­ções de direitos humanos, se conhecerem (no Kremlin? - AP). Seremos capazes de ampliar o alcance de nossos conhecimentos. Essa idéia é uma iniciativa dos próprios defensores dos direitos humanos. Tenho recebido telefonemas dos representantes de mui­tas associações de direitos humanos, de pessoas que ligaram das regiões. Todos são a favor. Eles dizem que esta é uma pequena vitó­ria para nósAcima de tudo, precisamos garantir os direitos dos pró­prios defensores dos direitos humanos de ajudar as pessoas de forma eficaz."

Dificilmente alguém acredita nos invariáveis protestos de Pamfüova, da natureza benévola e das credenciais democráticas de Putin.

Ielena Bonner teve isto a dizer numa entrevista ao Iejenedelni Jurnal:

Existem a filosofia e o ponto de vista dos defensores dos direi­tos humanos e existem a filosofia e o ponto de vista daqueles que representam o poder do governo. Eles têm objetivos e mis­sões diferentes. O objetivo do movimento pelos direitos huma­nos e defender a sociedade das autoridades do Estado e formar uma sociedade civil. O objetivo de qualquer autoridade do

Estado é consolidar seu próprio poder. Estou preocupada e¡ ver tantos conhecidos defensores dos direitos humanos aderin­do ao Estado. Se o fizerem, eles deixarão efetivamente de se defensores dos direitos humanos. Eles querem se unir às auto­ridades do Estado. Isso testifica uma crise no movimento pelos direitos humanos.

Aquele que hoje na Rússia é chamado de movimento pelos direitos humanos, assim como os políticos a quem chamamos de oposição e que por muitos anos vacilaram entre dois cursos de ação, perderam o barco. Perdemos a oportunidade de agir por meios legais. Hoje, explorando a tragédia de Beslan, estão sendo feitas tentativas para destruir a independência dos tribunais.O que isso deixa para a sociedade? Somente revolta e rebelião.

Não estou incitando à revolução. Não vejo líderes capaze de liderá-la, nem preparo para ela no país. Assim, a Rússia seguirá o caminho para ela traçado pelo sr. Putin. O que mais ela pode fazer? As eleições locais foram eliminadas, o direito referendo foi tirado, a responsabilidade das instituições eleito­rais perante a população terminou há muito.Vejo essa diretiva como outro truque. O Estado está criando um movimento paralelo por direitos humanos.

No presente, não vejo como retornar a um caminho democrático. Não estou dizendo que tivemos uma democra­cia, mas havia uma tendência nessa direção que poderia ter se desenvolvido se existisse uma mídia de massa livre. Precisavamos de um sistema eleitoral adequado; a última coisa de que precisávamos era da sua destruição. As eleições há muito for; transformadas em fraude e eleições são a instituição fundamental para qualquer democracia.

"Todos os três ramos do poder na Rússia, o executivo, o judiciário e o legislativo, foram alterados para que se adequas sem ao presidente. Deixamos de ser uma democracia ou, diri eu, até mesmo um Estado republicano. Formalmente, as eleições presidenciais devem acontecer (em 2008). Isso, é claro, s o país que está sendo construído por Putin sobreviver até lá -Todos os canais para uma alteração legal e pacífica da situação foram eliminados. Assim, esta caldeira lacrada irá se aquecer ate explodir. Isso pode ocorrer de várias maneiras diferentes."


 

O "Centro Internacional pelos Direitos Humanos" de Putin nunca saiu do papel. Foram alocados fundos do orçamento e alguém sem dúvida pôs as mãos neles, mas nada mais aconteceu.

A autoridade de Putin baseia-se exclusivamente no fato de não haver alternativa a ele dentro do seu círculo, que ele tornou sem rosto e estúpido. Seus partidários chamam isso de "a solidão de Putin". Não há na sua equipe ninguém que possa substituí-lo numa emergência. Todos são pigmeus com complexo de Napoleão, ou nem mesmo isso.

Estaria à vista um novo partido pró-ocidente? Vladimir Rijkov poderia ser seu líder. Ele amadureceu muito. Esse partido poderia ter sucesso na conclusão da revolução liberal-democrática. Porém, o problema de nossa elite política, tanto aqueles que estão no poder como aqueles da oposição, é que eles preferem deixar que as coisas continuem como estão.

 

28 de setembro

Putin não nos fez esperar muito tempo. Sem nenhum debate polí­tico, apresentou à Duma emendas à lei eleitoral abolindo a eleição direta de governadores. O eleitorado está sendo bombardeado com garantias de que ainda não está suficientemente maduro para esco­lher o líder local correto. Isso não significa que eles também ainda não estão maduros o suficiente para eleger Putin?

 

29 de setembro

Vários deputados da Duma escreveram ao presidente do Tribunal Eleitoral, Valeri Zorkin, pedindo-lhe que reveja os atos do presi­dente como um assunto de urgência.

 

Zorkin preferiu não o fazer. Os deputados receberam uma resposta puramente formal. A sensação de desesperança era tão profunda quanto nos últimos anos da URSS.

 

5 de outubro

Em Grozni, teve lugar a risível cerimônia de posse de Alui Alk-hanov, o presidente imposto ao povo da Tchetchênia pelo Kremlin Foi erigida uma marquise dentro do conjunto fortificado do gover­no e Alkhanov fez lá seu juramento, falando um tchetcheno ruim. Ele parecia indisposto, com grandes olheiras. As medidas de segu­rança foram sem precedentes, como se eles estivessem esperando Putin, que não compareceu, mas enviou cumprimentos. No inte­resse da segurança, três locais haviam sido preparados e até o último momento ninguém sabia exatamente onde seria a posse.

Que tipo de vida pacífica isto sugere? Alkhanov mostrou a toda a Tchetchênia como está com medo de morrer. Agora ninguém o levará a sério.

 

6 de outubro

A Ação Conjunta, uma associação das principais organizações de direitos humanos, também publicou uma declaração intitulada "Um Golpe de Estado na Rússia", pedindo a convocação de um Congresso dos Cidadãos que evoluiria para um fórum nacional independente envolvendo os direitos humanos, ecológicos e outras associações públicas, sindicatos livres, partidos democráticos, acadê­micos, advogados e jornalistas.

É uma peculiaridade da Rússia que os defensores dos direitos humanos - dos quais vários, como Liudmila Alexeieva, Sergei Kovaliov e Iuri Samodurov, são antigos dissidentes soviéticos sejam muito mais resolutos e progressistas do que os partidos e os políticos. Eles estão encorajando os políticos: pelo amor de Deus, façam alguma coisa!

Uma psicologia servil domina mais uma vez o país e cerca qualquer um que seja menos servil. Com que malevolência a tele­visão russa ataca quando Iuschenko comete um erro na Ucrânia e, assim como Saakachvili, ele é a besta negra do Kremlin. A Geórgia é nosso maior inimigo entre os países da antiga URSS.

 

7 de outubro

Em Vladimir, o primeiro caso criminal foi levantado contra os Comitês de Mães de Soldados. A presidente do Comitê Vladimir, Liudmila Iarilina, é acusada de "cumplicidade na evasão ao serviço militar”, uma acusação que pode implicar uma sentença de três a sete anos de prisão.

Qual é a base da acusação? Por meio da persistente defesa de recrutas e soldados, Liudmila tornou-se muito impopular com o Comissariado Militar e com o Gabinete do Procurador Militar. Ela concorda com que, na província de Vladimir, muitos soldados são considerados inadequados para o serviço militar. A área é conheci­da pelo alcoolismo. É um lugar onde as pessoas bebem mais do que trabalham; assim, a saúde dos seus filhos é ruim. Metade deles é de inválidos, mas o Comissariado Militar toma medidas extraordiná­rias para conseguir sua cota de recrutas, falsificando atestados de saúde e enganando os jovens de outras maneiras.

Entre quatrocentas e quinhentas pessoas consultam o Comitê a cada ano: recrutas, soldados e seus pais. Em sua maioria, eles que­rem ser salvos das brutalidades dos "avós", os soldados mais velhos; da morte; das doenças e de uma máquina estatal que não se interes­sa por investigar maus-tratos.

Quando Dmitri Iepifanov veio ao Comitê, ele já havia servido varios meses na Tchetchênia e tinha sido ferido e queimado dentro de um tanque. Ele recebeu uma licença e, de volta aVladimir, quei­xou-se aos seus pais de constantes dores de estômago. Ele sofria delas antes de ir para o exército, mas a comissão de recrutamento decidiu que não representavam nenhum problema e ele foi envia­do para combater na Tchetchênia.

Dmitri veio perguntar como poderia ir a um hospital durante sua licença. Isso foi tudo. O sistema na Rússia é absurdo: se um sol­dado em licença estiver doente, não será admitido para diagnóstico no hospital militar mais próximo; ele precisará voltar à sua unidade, onde um servente ou médico militar decidirá se ele será hospitali­zado ou está fingindo uma doença. Porém, se um soldado puder apresentar um diagnóstico por escrito, poderá ser admitido no hos­pital local.

Liudmila começou a telefonar para os médicos que conhecia e um deles, um endoscopista da Clínica de Câncer de Vladimir, concordou em examinar Dmitri e, se necessário, realizar uma gastroscopia. Esta revelou uma úlcera e ele foi hospitalizado. Depois Dmitri foi enviado de Vladimir para um hospital em Moscou e de para uma comissão do exército. Os médicos militares na capital dispensaram o soldado Iepifanov do exército porque ele tinha uma úlcera no duodeno.

Isto está apresentado no processo da seguinte forma:

  1. A. Iarilina, sendo presidente da seção regional de Vladimir do Comitê de Mães de Soldados, com o pretexto de prover assis­tência para conseguir isenção do serviço militar, com a assis­tência de médicos de vários hospitais na cidade de Vladimir, conspirou para criar, em cidadãos sujeitos ao recrutamento para o serviço militar e também em pessoal já de serviço, uma doença fictícia (falsa), uma úlcera duodenal, pelo que recebeu remuneração.

É claro que nunca apresentaram qualquer evidência para cor­roborar a alegação a respeito de receber dinheiro, que era totalmen te falsa, mas o processo continuou mesmo assim e a imaginação dos investigadores do Gabinete do Procurador Militar mostrou-se ili­mitada. O capitão Golovkin, procurador militar assistente d Guarnição de Vladimir, descreveu o processo pelo qual a úlcera duodenal "falsa" havia sido produzida com a cumplicidade de Iarilina:

Com a assistência de um endoscopista, Iarilina ajudou na reali­zação de uma biópsia no bulbo do intestino duodenal, com a subseqüente termocoagulação do local com o objetivo de la criar uma cicatriz, que uma criteriosa investigação endoscópi­ca subseqüente avaliou como pós-ulcerosa isto é, uma doença fictícia, uma condição ulcerosa do intestino duodenal.

É a Conspiração dos Médicos de Stalin novamente, com dissi­dentes como seus cúmplices.

"O processo parece indicar que você assistiu o endoscopista.

"É claro que não. Só pedi por telefone que ele examinasse rapaz", responde Liudmila.

Então Iepifanov estava se fingindo de doente? Ninguém o está acusando de evasão ao serviço militar. O médico o feriu delibera­damente? Ninguém está tentando acusá-lo. A única pessoa sob investigação criminal é a defensora dos direitos humanos Liudmila Iarilina. Produzir casos criminais contra aqueles que causam pro­blemas ou são apenas demasiadamente ativos faz parte da vida sob Putin, tanto em Moscou, onde Khodorkovski e Lebedev estão na prisão, quanto em províncias como Vladimir.

Os "bons" defensores dos direitos humanos são aqueles que tentam ajudar as pessoas, colaborando com as autoridades em vez de através de confrontos constantes, pessoas como Pamfilova. Para os mais defensores, a técnica é procurar marginalizá-los e, se neces­sário, usar "termocoagulação" para destruí-los.

O método de termocoagulação começa com uma investigação enervante e questionável. Esta leva a um julgamento seguido, para os mais rebeldes, pela prisão.

 

20 de outubro

Dmitri Kozak, representante de Putin no sul da Rússia, indicou Ramzan Kadirov seu conselheiro de segurança para todo o Distrito Federal Sul. Se, antes disso, Kadirov Júnior era capaz de atropelar a lei e a Constituição somente na Tchetchênia e na Inguchétia, agora ele poderá dividir sua experiência e dar conselhos aos diretores dos Serviços de Segurança em toda a região norte do Cáucaso a respei­to de como se comportarem da mesma maneira e irá supervisionar as atrocidades que eles cometem em nome do sr. Kozak.

Isso custará muitas vidas. Ramzan quase não tem miolos e está em seu elemento somente onde há guerra, terror e caos. Sem eles, ele literalmente não sabe o que fazer.

A promoção de Ramzan dá seqüência à política suicida que conduz inexoravelmente a futuros atos terroristas e à consolidação de poder nas mãos de pessoas que parecem querer fazer o que podem para garantir que o atentado ao metrô seja seguido por sequestros de aviões e depois disso pelo assalto a uma escola.

Não há nenhum significado especial neste ato de Putin. Ele não tem idéia do que precisa ser feito a seguir. É uma tragédia conhecida da Rússia ter altos líderes políticos incompetentes, que chegaram a seus cargos por acaso e por sua vez promovem pessoas sem expressão a posições de grande poder.

 

23 de outubro

Em Moscou, ocorreu uma grande manifestação de protesto contra a guerra na Tchetchênia e em homenagem às vítimas dos atos ter­roristas. A reunião aconteceu às 17:00 e desde as 10:00 havia uma fila de manifestantes na praça Puchkin. As pessoas que sofreram o cerco em Nord-Ost lá estavam pela primeira vez, porque hoje é o segundo aniversário da tomada de reféns.

A reunião não foi "oficial". Depois de Beslan, uma onda de reuniões antiterrorismo, oficialmente organizadas, rolou sobre o país por iniciativa da administração presidencial. As autoridades de Moscou haviam concordado com uma manifestação de até qui­nhentas pessoas, mas apareceram cerca de 3 mil e as autoridades alertaram que esse número era superior ao permitido. O segundo motivo era que os slogans nas bandeiras não eram somente contra a guerra, mas também contra o governo. Mas quem está conduzin­do a guerra?

Muitos dos que compareceram chegaram em carros caros, membros da classe média que normalmente não comparecem a reuniões. Caía uma chuva fria e pesada, mas as pessoas vieram e permaneceram, o que é importante. Como disse Boris Nadejdin, membro do Comitê 2008 e co-presidente da União de Forças de Direita: "Esta é uma manifestação de pessoas que não querem ser mantidas reféns de um medo gerado ideologicamente, que lhes esta sendo imposto depois de Beslan(...).A Tchetchênia é uma ferida terrível, que causou Nord-Ost e Beslan. Em 1999, foi oferecido a Rússia um médico que prometeu curar o país e ele foi eleito pre­sidente. Ele não teve sucesso. Hoje, quando não temos uma mídia de massa livre nem parlamento na Rússia, resta somente uma maneira de pressionar as autoridades; que os bons saiam às ruas para fazer manifestações."

Os bons permaneceram na praça debaixo de chuva, carregan­do cartazes que diziam "Somos a Quinta Coluna do Ocidente, numa alusão à entrevista dada por Vladislav Surkov ao komsomolskaia Pravda, na qual ele teve a ousadia de dizer que a oposição era um segmento da sociedade "irremediavelmente perdido como parceiro”; que a Rússia estava sitiada; que os liberais e nacionalistas eram uma quinta coluna financiada pelo Ocidente; que não havia urna Rússia de Putin, mas "somente a Rússia", e quem não acredi­tasse nisso era um inimigo.

Esta não é mais uma ideologia neo-soviética: é o regime sovié­tico puro e simples. Logo que se livrou de obstáculos como o decaído Comitê Central do Partido e conseguiram oportunidades ilimitadas de enriquecimento, a elite comunista começou a ressus­citar as estruturas ideológicas do passado. Surkov é visto hoje como o principal ideólogo de Putin.

Estamos no outono de 2004, mas um inverno político já se ins­talou e deixa seu sangue frio.

 

25 de outubro

A revista Itogi pergunta à governadora de São Petersburgo: "A Rússia poderia ser uma república parlamentar sem presidente?" Valentina Matvienko, uma aliada próxima de Putin, responde: "Não, isso não daria certo para nós.A mentalidade russa prefere um mestre, um czar, um presidente. Em outras palavras, um líder." Matvienko só é capaz de repetir aquilo que ouve no círculo ime­diato de Putin.

A Associação de Direitos Humanos respondeu:

Estamos ultrajados com este pronunciamento, que é um insul­to à dignidade nacional do povo russo. O sentido dessas pala­vras é claramente de que o povo russo é constituído por servos que não podem viver sem um mestre, criaturas covardes que não sobrevivem sem um czar. A adição da palavra "presidente" somente deixa claro que a nova elite dominante vê o chefe de Estado, não como um líder democrático, mas como um poten­tado autoritário. Esta afirmação do servilismo inato do povo russo e racista. Na realidade, a governadora de São Petersburgo expressou sua discordância com as premissas da Constituição das liberdades democráticas invioláveis(...). A idéia de nossa inferioridade nacional e do servilismo inato do povo russo está no cerne das principais teorias russofóbicas. Foram doutrinas como essas que os ideólogos do nazismo alemão usaram para sustentar sua atitude agressiva com relação à Rússia. É particu­larmente repreensível o fato de essas opiniões partirem da pes­soa responsável pela Heróica Cidade de Leningrado. Exigimos a exoneração imediata de Valentina Matvienko.

Ninguém achou necessário responder. A nova elite dominante não mais considera necessário ocultar sua verdadeira atitude com relação à maioria de seus compatriotas e aos princípios da demo­cracia constitucional.

 

28 de outubro

Uma divisão pública no partido Iabloko. A ala jovem pode ser vista nas principais estações de televisão discordando de Iavlinski.

Reuniões em apoio a Putin, organizadas pelo RU, estão ocor­rendo em muitos lugares. A maior é em Moscou e foi lá que falou o líder da ala jovem.

Estudantes e aposentados formam a principal sustentação das reuniões de protesto organizadas pela oposição. Pela primeira vez, o Partido Comunista, o Iabloko e a União de Forças de Direita estão se unindo para realizar protestos anti-Putin.

 

29 de outubro

As autoridades do Estado permanecem no curso para o abismo, levando-nos a todos com elas. O procurador-geral, Vladimir Usti-nov, anunciou na Duma que, na opinião da principal instituição encarregada de supervisionar os direitos dos cidadãos e na opinião dele, é urgentemente necessário adotar uma lei que regulamente as medidas a serem tomadas em caso de ataques terroristas. Suas pro­postas mais importantes são que sejam introduzidos procedimentos judiciais sumários para suspeitos de terrorismo; que os parentes de terroristas sejam detidos como contra-reféns; que os bens de terro­ristas sejam confiscados.

Parece improvável que a possibilidade de ter um gravador vídeo, um televisor ou mesmo um carro confiscado detenha aqueles que estão dispostos a cometer suicídio e assassinar outras pessoas. A idéia do procurador-geral, de introduzir procedimentos sumários para suspeitos de terrorismo, é uma repetição direta daqueles que sob Stalin eram conhecidos como "expurgos em massa"; ou, mais recentemente, para usar a linguagem da "operação antiterrorismo","limpezas". Todos esses procedimentos simplifica­dos são muito conhecidos na Tchetchênia e na Inguchétia, onde têm estado em uso há mais de cinco anos. Os órgãos de segurança (todos eles: Ministério do Interior, FSB, a Diretoria Central de Inteligência do Exército e outros) prendem quem querem, algumas vezes depois de receber informações operacionais, mas na maior parte dos casos sem elas. Elas espancam, incapacitam e torturam como querem, extraindo confissões de atividades terroristas ou pelo menos de simpatia pelos terroristas, embora, na realidade, nem precisem das confissões.

Há dois resultados possíveis: se a vítima ficou seriamente muti­lada, ela é morta e enterrada, ou, se a família conseguiu pagar su­borno, ela vai a julgamento. Ninguém se interessa por provas. Na "zona da operação antiterrorismo", os casos de procedimentos judiciais sumários são a única alternativa possível. Acusação Você é membro de um grupo armado ilegal: de 15 a 20 anos. A presença de um advogado e um promotor no julgamento é puramente decorati­va, para dar um verniz de legalidade às estatísticas de terroristas con­denados e atos terroristas evitados. Os advogados em geral nada mais fazem do que persuadir o acusado a confessar tudo; a tarefa do pro­motor é dizer à família que reclamar só irá piorar as coisas.

Os planos declarados do nosso procurador-geral iriam efetiva­mente abolir a presunção de inocência. Na "zona da operação anti­terrorismo" na Tchetchênia e na Inguchétia, tem predominado a Presunção de culpa há vários anos, que se estenderá ao restante da Rússia. Nos últimos cinco anos, a maioria das pessoas supôs que o terror da ilegalidade extrajudicial por parte das instituições do Estado afetava somente rebeldes distantes, o que não constituía motivo para preocupação; o resto da Rússia estava de algum modo imune a isso. Infelizmente, milagres não acontecem. Em algum momento, a prática iria se generalizar.

A proposta do procurador-geral, de deter parentes como contra- reféns, é sem dúvida inovadora. Ele explicou aos deputados da Duma que deteríamos os parentes dos terroristas, mostraríamos o que poderi a lhes acontecer e, em seguidaos terroristas libertariam seus reféns e se entregariam.


Esse método também foi usado na Tchetchênia, particular­mente durante a Segunda Guerra Tchetchena, quando as forças de Kadirov se tornaram poderosas. Torturar parentes para que as pes­soas procuradas se entregassem passou a ser sua marca registrada Porém, a tomada de reféns ao estilo de Kadirov também era prati­cada em nome do Estado com a bênção do Gabinete do Procurador-geral no norte do Cáucaso e com completo desprezo pela lei e pela Constituição por parte dos procuradores.

Agora nos vemos numa situação desastrosa. Por cinco anos, o Gabinete do Procurador-geral tem estimulado uma onda de terro­rismo no norte do Cáucaso, executada de acordo com os desejos do presidente da Rússia. Com freqüência, os procuradores estavam presentes durante as sessões de tortura e execuções, publicando depois garantias de que tudo ocorrera de acordo com a lei.

Que tipo de argumentos poderão agora ser encontrados para convencer pessoas como ele? Como pode alguém que é, na reali­dade, um antiprocurador-geral, ser convencido a retirar da Duma suas propostas de inovações sedentas de sangue? O Gabinete do Procurador-geral está interessado exclusivamente na sua sobrevi­vência institucional, em promoções e recompensas, em ocultar a verdade a respeito dos atos de que foi cúmplice. As autoridades do Estado se agarram ao poder ao preço de nossas vidas. É simples.

O discurso do procurador-geral à Duma foi interrompido -por aplausos. Nosso Parlamento considerou a idéia ótima. O presi­dente Putin, que jurou proteger a Constituição, não exonerou um procurador-geral que propôs enormes violações à lei.

O ano de 1937 marcou o auge do terror de Stalin. Hoje, o 1937 da Tchetchênia está se transformando em outro 1937 para os russos em geral, quer compareçamos ou não a encontros no memorial das vítimas de Stalin em Solovi Rock. Agora qualquer um de nós pode sair para comprar pão e não voltar ou voltar vinte anos depois. Na Tchetchênia, por via das dúvidas, as pessoas dão adeus antes de ir ao mercado.

Em 29 de outubro de 2004, como sempre, o povo russo per­maneceu em silêncio, esperando que quem seria apanhado fosse o vizinho.

 


3 de novembro

O Soviet da Federação aprovou a abolição das eleições locais de governadores.

 

6 de novembro

Mikhail Iuriev, um ex-jornalista que agora trabalha no Kremlin, publicou um artigo em nome da administração presidencial na Komsomolskaia gazeta, dando conselhos sobre como diferenciar entre quem é útil para o presidente e quem é um inimigo da Rússia. A falsa antítese é gritante e deliberada. De acordo com Iuriev, qualquer pessoa que critique Putin é um inimigo da Rússia. Aqueles que falaram em favor de negociações durante Beslan, ou contra o uso de armas químicas no ataque em Nord-Ost, são inimi­gos; assim como aqueles que comparecem a reuniões de protesto contra a guerra na Tchetchênia ou as organizam. Da mesma forma, aqueles que pedem por conversações de paz sobre a Tchetchênia e a cessação da guerra civil.

Os Comitês de Mães de Soldados formaram seu próprio parti­do político. O congresso de fundação do partido não é um aconte­cimento acidental. Ele resulta da completa destruição de nosso cenário político depois das eleições à Duma, quando todos os deputados em quem elas poderiam confiar para fazer lobby por reformas militares e pelos interesses dos recrutas perderam seus assentos. Como presidente do partido, Valentina Melnikova disse: O programa do nosso partido estabelece como metas básicas garantir que o Estado assuma uma atitude responsável com relação a seres humanos e crie uma estrutura segura para a vida na Rússia. Provocar uma transformação democrática das forças armadas russas é somente uma parte dessa tarefa maior. Em termos de economia, somos um partido que tende para o liberalismo e, no que diz res­peito às responsabilidades do Estado perante a sociedade, nós ten­demos ao socialismo."

O Partido das Mães de Soldados é a primeira organização poli­da na Rússia a declarar que lutará para proteger nossa vida. Os eleitores russos não contam com opções tão boas. Nossos políticos podem nos dar cem rublos antes do dia das eleições, mas não têm tempo para lutar pelas questões que nos afetam de forma vital. Eles estão ocupados demais lutando por seu próprio lugar ao sol.

O congresso de fundação teve lugar a bordo do navio Konstantin Fedin, ancorado para o inverno no Porto Fluvial Norte d Moscou. Por que um navio? Porque ninguém cederia um auditório por medo da reação do regime.

O partido foi criado por 154 representantes de mais de cin qüenta regiões, todas membros de um movimento que salvou vida de milhares de recrutas desde sua fundação em 1989. O movimento começou na URSS. No final dos anos 1980, as mulhere que tentavam proteger seus filhos da brutalidade dos veteranos d exército e do recrutamento universal começaram a se organizar em comitês. Em 1989, elas conseguiram convencer Gorbatchov a dispensar antecipadamente 176 mil soldados do exército para que eles continuassem os estudos. Em 1990, ele também publicou diretivas "Sobre a Implantação de Propostas do Comitê de Mães d Soldados" e sobre os benefícios do seguro estatal para os recrutas. Em 1991, os Comitês conseguiram que Ieltsin concedesse um anistia aos soldados desertores e em 1993-4 sua persistência garantiu a instauração de um inquérito sobre a morte, de fome, doença e torturas, de mais de duzentos marinheiros na ilha de Russkoi Entre 1994 e 1998, elas foram a primeira organização de direit humanos da Rússia a exigir a cessação imediata da guerra n Tchetchênia, conseguiram que o presidente Ieltsin perdoasse qui nhentos soldados que haviam conscientemente se oposto a partici par da Primeira Guerra Tchetchena, forçaram uma anistia para todos os participantes - de ambos os lados - da Guerra Tchetche e conseguiram incluir no orçamento do Estado um item para busca e identificação dos restos mortais dos soldados falecidos Tchetchênia. Desde 1999, os Comitês de Mães de Soldados têm se manifestado contra a Segunda Guerra Tchetchena, realizando uma campanha pública contra a falsificação do verdadeiro número baixas e compilando e publicando listas dos mortos e dos que desa pareceram sem deixar rastro.

O principal objetivo dos Comitês passou a ser acabar com escravidão do recrutamento universal e substituí-lo por um exército totalmente profissional. Todos os partidos democráticos apoia ram e, com o passar do tempo, a idéia de um exército profissional

foi aceita por altos oficiais e por sucessivos ministros da Defesa, cujos discursos eram freqüentemente tirados palavra por palavra dos seus folhetos. Mas na implantação, tudo foi distorcido: os con­tratos eram assinados de forma "compulsória voluntária", os salá­rios não eram pagos e os recrutas eram enviados diretamente para a Tchetchênia. Depois das eleições em dezembro último, não sobrou ninguém no Parlamento para falar em favor de projetos legislativos democráticos.

No final de janeiro de 2004, os Comitês de Mães de Soldados decidiram que estava na hora de criar seu próprio partido. Dez meses se passaram, porque a criação de um novo partido envolve um volume enorme de burocracia e é extremamente dispendiosa. Durante esse período, elas foram estigmatizadas como uma quinta coluna, apoiada pelo Ocidente para solapar a capacidade de com­bate da Rússia. Isto é, elas eram "inimigas internas" num período de tensão militar.

A força política das mães, que irá assegurar sua sobrevivência, é que suas políticas vêm do coração. Até agora, as pessoas aqui se tor­naram políticas pela vontade de suas mentes. As paixões partidárias ferviam principalmente sobre quem iria comandar e não sobre o que poderia ser feito pelo eleitorado. Em 2003, as autoridades do Estado usaram isto com muito sucesso e concessões sórdidas solaparam qual­quer confiança que o povo ainda tinha na oposição. No fim, nenhum democrata ou liberal conseguiu ser eleito para a Duma.

A maior força do Partido das Mães de Soldados é a paixão que elas têm para defender seus filhos e nossa confiança de que o farão com toda a sua capacidade. Elas não têm nenhum outro capital político. Sua compulsão maternal varre tudo que está à frente, como ficou evidente depois de conversar menos de dois minutos com qualquer uma das delegadas fora e dentro do auditório. Em pouco tempo, nos vimos discutindo o destino de algum soldado que neces­sitava de ajuda: "Veja o que está acontecendo em nossa região", disse Liudmila Bogatenkova, de Budionnovsk, puxando da sua mala uma pilha de testemunhos de soldados a respeito de maus-tratos. Ela os trouxe para entregar ao Gabinete do Procurador Militar.

Porque desde que existe o serviço obrigatório, o soldado no exército é um ninguém", diz Liudmila indignada. "Ele pode ser usado para qualquer coisa. Pode ser usado como trabalhador não

remunerado. Milhões de nossos concidadãos são hoje escravos e nossa missão é abolir essa escravidão. Não pode haver concessões a este respeito!"

A principal discussão no Congresso dizia respeito à redação do manifesto. Deveriam elas fazer campanha pela abolição do serviço militar obrigatório ou deixá-la de lado por algum tempo? Em ter­mos mais gerais, deveria o novo partido seguir o habitual caminho russo de desafiar quando ninguém está olhando, dizendo que é contra o serviço militar obrigatório, mas deixando isso fora do seu programa para não irritar a administração presidencial e facilitar o registro do partido? Ou elas devem ser completamente honestas e se preocupar somente de conquistar o respeito do povo russo?

Nessa importante questão de princípio, venceu a segunda abordagem. Uma convicção apaixonada não é possível sem a total honestidade. A abolição do serviço militar obrigatório entrou para o manifesto. Elas lutarão por ela e graças a Deus por isto, porque a confiança do eleitorado será seu maior ativo. Se começassem ten­tando conseguir "meios-termos sensatos", seriam enganadas pelas autoridades, que sabem como manipular negociantes de meios-ter­mos, e os eleitores as abandonariam.

"Sim, é importante que nossas mulheres entrem para a Duma", explica Liudmila Bogatenkova. "Caso contrário, será impossível forçar a abolição do serviço militar obrigatório. Se estivermos na Duma, também será mais simples ajudar soldados e recrutas em determinadas situações e evitar que as autoridades obstruam vota­ções quando um crime foi cometido."

Uma das poucas maneiras de exercer influência, depois do res­surgimento da burocracia, é a questão parlamentar. O questiona­mento de um deputado pode produzir resultados rápidos e signifi­cativos e a velocidade costuma ser essencial. A maior parte dos casos em que soldados foram salvos exigiu investigações e ações imedia­tas. Quando uma história ganha notoriedade e um deputado chega ao Gabinete do Procurador-geral, alguém no mundo fechado do exército tem uma chance de sobreviver. A ausência dessa oportuni­dade em geral significa morte. Um dos primeiros brindes levanta­dos depois da criação do partido foi:"A 2007! Cuidado Duma, aqui vamos nós!"

O Partido das Mães de Soldados tem uma lição para ensinar ao mundo. Ele terá de criar seu próprio futuro com a paixão sincera ela qual vivem as mulheres em seus Comitês. Por muito tempo, ouvimos que quanto mais esperto é um político democrático, mais eficaz ele é. Isso se mostrou uma inverdade. Nosso povo não liga para esperteza, nem para quem carece de paixão. Essa é a espécie de povo que somos. Primeiro a paixão, depois o raciocínio claro e direto. Nunca o contrário.

 

9 de novembro

O diretório do partido Iabloko em Kaluga exigiu um referendo sobre a retenção de benefícios em espécie para trabalhadores apo­sentados, vítimas da repressão soviética e aqueles que trabalharam em casa durante a Segunda Guerra Mundial. Os benefícios em questão são o direito de andar de graça nos ônibus suburbanos e assistência médica gratuita. As autoridades da província de Kaluga pretendiam abolir todos os benefícios em espécie em troca de um ridículo suplemento mensal às pensões de 200-300 rublos [US$8-10]. Até agora, as autoridades não deram atenção aos protestos, mas um referendo poderá forçá-las a repensar o assunto. Este tema é muito sensível. Quem terá direito a benefícios depois de 1° de janeiro de 2005? A “monetarização" dos benefícios pretendia redu­zir o número de requerentes, que nos dizem chegar à metade dos habitantes do país. Certamente há espaço para uma racionalização.

A idéia do referendo não deu em nada. Os democratas a abandona­ram porque sentiram que a resistência era grande demais.

 

11 de novembro

Crise em Karatchevo-Tcherkessia. Uma multidão ocupou o gabinete de Mustafa Batdiev, o presidente, e exige sua exoneração. O motivo é um caso envolvendo o seqüestro, assassinato e destruição de corpos de sete jovens homens de negócios com quem o cunhado de Batdiev estava envolvido. Ele já foi preso.

As autoridades estão numa situação pouco invejável. Se Batdiev for exonerado, poderá haver uma reação em cadeia. O pró­ximo será certamente Murat Ziazikov, na Inguchétia. Batdiev escapou dos problemas, assim como Ziazikov meses antes, mas devolvido a eles por Kozak, representante de Putin no Distri Federal Sul. Kozak veio para falar com as pessoas em Tcherkessk horas depois, as emissoras de televisão estavam anunciando a b notícia: o "golpe" havia fracassado. Kozak havia persuadido a multidão a deixar o gabinete de Batdiev, este voltaria e seu governo continuaria como antes.

Foi outro desastre para a política de recursos humanos Putin. Os líderes locais, controlados pelo Kremlin, são incapazes liderar ou de assumir qualquer responsabilidade. Ao menor sinal perigo, correm para salvar a própria vida. As autoridades, por s vez, reagem a multidões. Kozak não teria ido a lugar nenhum s multidão não tivesse tomado o gabinete de Batdiev pela força. Se pessoas tivessem solicitado um encontro com ele, teriam de espe uns seis meses, por mais sério que fosse o assunto.

 

26 de novembro

Faz um ano que Khodorkovski foi preso. As autoridades ignoram data. Nos tempos da União Soviética, o mediador entre a socieda­de e o Estado era a KGB, que fornecia às autoridades informações distorcidas a respeito do que estava acontecendo, e isso acabou levando ao colapso da URSS.

Hoje o FSB também distorce seriamente as informações que vão para cima, mas Putin desconfia de todas as outras fontes. A aorta será devidamente bloqueada novamente. Esperamos que, desta vez, não tenhamos de aguardar setenta anos.

 

11 de dezembro

Que velocidade! O presidente já assinou a lei abolindo a eleição de governadores. Esta foi a aprovação mais rápida de uma lei neste país e, a partir de 1o de janeiro, Putin não terá que discutir assuntos com os governadores, nem se preocupar com a possibilidade de eles serem pouco cooperativos. Um czar deve ter servos, não parceiros. Algumas das crianças massacradas em Beslan ainda precisam ser identificadas e enterradas, mas isto não é prioridade. Cada vez mais, cabe aos pais tomar esta decisão sozinhos. O que é realmente importante é transformar a estrutura do Estado em algo mais cômodo para Putin.

Quanto a Beslan, a cidade está enlouquecendo rapidamente. O outono que começou em 1o de setembro já terminou e a chegada do inverno certamente não fez ninguém se sentir melhor. Sem dúvida as famílias cujas crianças ainda não foram encontradas, que não têm filho, não têm funeral nem sepultura onde possam pran­tear. Jorik Agaev, Asían Kisiev, Zarina Normatova, todos nascidos em 1997, e Aza Gumetsova, de onze anos, ainda não foram encon­trados. Zifa, a mãe de Jorik Agaev, quase nunca sai de casa. Ela per­manece lá à espera dele.

"E se ele voltar e eu não estiver aqui? Que recepção terá ele?", diz Zifa. Sua boca está torta, pois ela foi ferida na escola. "Sei que as pessoas nesta cidade pensam que estou louca, mas não estou. Apenas estou certa de que meu Jorik está vivo. Ele está detido em algum lugar."

As famílias cujas crianças estão na lista de desaparecidos se divi­dem em dois grupos. Algumas, como Zifa, acreditam que estão detidas como reféns. Outras acreditam que estão mortas e que seus corpos foram enterrados por engano.

A estranheza de Zifa tem várias causas, que peço a Deus que você nunca experimente. Ela é a refém que deixou que as crianças no ginásio mamassem no seu próprio peito. Ela o deu a todas que estavam sentadas por perto. Mais tarde, ela espremeu o líquido vital gota a gota numa colher, que foi passada entre as crianças.

“Jorik voltará e tudo será como antes. Sabe, em 3 de setembro, o saguão estava silencioso. Quase todos os terroristas haviam saído, somente uns poucos estavam conosco. Já estávamos nos arrastando para onde não devíamos, sem nos importar com eles.Tive uma alu­cinação; imaginei que estava em um caixão. A seguir, imaginei que tinha ouvido um terrorista chamar: ‘Agaeva, trouxeram água para você; tome-a.’ Devo ter assustado Jorik, porque ele se arrastou para longe de mim."

Subitamente Agaeva foi atirada pela janela devido a uma explosão. Todos os que estavam sentados perto dela morreram queimados.Metade de do seu rosto foi mutilado; ela passou por várias cirurgias e haverá outras.Quatro fragmentos não podem ser removidos.


 

"As cicatrizes e os fragmentos não importam. O importante é Jorik. Quando ele voltar, vamos comemorar seu renascimento", diz ela repetidamente. "E como irei gritar: "Vejam todos! Jorik voltou!” Nunca mais deixarei que ele se afaste... Jorik está vivo!"A esta altu­ra ela está desesperada. "Jorik dentro de um saco? Nunca."

Em Beslan, um "saco" significa restos humanos trazidos do necrotério militar de Rostov-on-Don após a identificação. Os res­tos de Jorik não foram identificados, embora haja restos de meni­nos da idade dele. O que está acontecendo?

Agora Zifa fala baixo e está calma; sua voz é a de uma mãe devastada pela perda do filho: "Quando Jorik voltar, eu o levarei ao presidente Dzasokov e ao presidente Putin e direi: ‘Vejam. Este é o anjo que vocês nem tentaram salvar!’”

Depois, num sussurro: "Nunca mais comerei geléia de fram­boesa. Nas primeiras duas horas, estávamos com muito medo. Quando Jorik gritou ‘Ele o matou!’,eu disse: ‘É só um filme que eles estão fazendo’ e Jorik perguntou ‘Mas porque parece tão real? E o que é isso que está escorrendo pelo chão?’ Eu respondi: ‘É só geléia de framboesa.’”

Marina Kisieva tem 31 anos e vive na aldeia de Khumalag, a meia hora de carro de Beslan. Ela perdeu o marido Artur e o filho Aslan na atrocidade. Aslan tinha sete anos e estava na Classe 2. Agora Marina só tem a filha Milena, de cinco anos, que nunca per­gunta para onde foi o irmão. Ela se recusa a ir para a creche e cos­tumava desmaiar sempre que as mulheres no seu bloco de aparta­mentos começavam a se lamentar.

Raisa Dzaragasova-Kibizova, professora de Aslan, disse mais tarde que Artur "era o melhor pai da classe". Foi ele que insistiu para que Aslan fosse para a melhor escola de Beslan e era ele que o levava para a escola, apesar de ter seu emprego e também estudar direito no campus de Piatigorsk da Universidade Russa de Comércio e Economia. Na véspera de 1o de setembro, Artur voltou de Piatigorsk para levar ele mesmo o filho à escola. Marina também pretendia ir e ficou em casa por acaso.

"Por que não fui? Eu o teria tirado do ginásio! Aslan era um garotinho magro e engraçado. Todos gostavam dele. Ele era muito tímido", diz Marina, tentando não chorar na frente de Milena.

Artur foi morto quase imediatamente. Atiraram nele em 1o de setembro, quando os terroristas levaram os homens para trabalhar fortificação do prédio e pendurar explosivos. Aparentemente, teria dito "Vocês acham que vou matar crianças com minhas próprias mãos? e eles o mataram.

Aslan foi deixado no ginásio sem seu pai. Ele se arrastou até a professora, Raisa Kibizova, e ficou perto dela quase até o fim, per­guntando constantemente: "Onde está Artur?" Raisa Kibizova tem 62 anos. Em 1o de setembro, ela havia completado quarenta anos de magistério. “Como poderia ter imaginado que passaria aquela data sem receber flores, mas sob uma chuva e balas?" Como muitos professores experientes, Raisa Kibizova senta-se ereta e mantém a cabeça erguida, mesmo agora que come­çou uma campanha em Beslan - fomentada deliberadamente pelos serviços de inteligência e por agentes do Gabinete do Procurador-geral - para buscar "os matadores" entre os professores sobreviventes.

"Sim, estão tentando jogar a culpa em nós, como se dissessem: ‘Eles não podem ter cumprido seu dever para com as crianças se sobreviveram e as crianças, não.’ Não imaginei que alguém pudesse ter feito qualquer coisa para salvar alguém, antes ou depois da explosão. Não havia nada a ser feito. O dever dos professores que lá estavam era de ser um amigo mais velho, dar exemplo e dar força às crianças. Foi exatamente o que eles fizeram até a explosão. Depois ela, nada mais havia a fazer. Em 3 de setembro, todos estavam completamente confusos, tendo alucinações. Esforcei-me para pro­teger Aslan, mas no fim não fui capaz de fazê-lo.

Em 1º de setembro, estávamos entre os primeiros a ser manda­dos para o ginásio porque nossa classe, a 2A, ficava perto das portas da escola. Fiquei sentada no saguão na frente da minha turma. Atrás de mim, estavam os alunos e seus pais. Os explosivos estavam pendurados acima da minha cabeça. Artur Kisiev estava com seu filho. Os terroristas disseram: ‘Todos os pais venham para a frente, por favor.’Cinco minutos depois, eles atiraram nos pais no corredor. Foi assim que dois alunos meus perderam os pais, Misikov e Kisiev. Eu disse aos meus alunos: ‘Eles não vão atirar em crianças.’

Aslan estava deitado aos meus pés e disse que estava com fome. Fiz o que pude para alimentá-lo. Na primeira noite, havia uma jovem mãe perto de nós, com um filhinho que não parava de

chorar. Ela o estava embalando, mas a criança não parava. No início, um terrorista apontou seu fuzil para ela, como que ordenando que mantivesse a criança quieta. A seguir, ele deu um profundo sus­piro e pegou uma garrafa de água. ‘Esta é minha água. Dê para a criança. E aqui estão duas barras de chocolate. Dê para ele chupar através de um pedaço de pano.’ A mãe teve medo de ser veneno mas eu lhe disse: ‘De qualquer maneira, não sairemos daqui vivas. Pelo menos deixe que a criança se aquiete.’ Ela quebrou um peda­ço de uma das barras e deu ao filho através de um pedaço de pano. O restante, uma barra e meia, eu escondi atrás de mim. Quebrei um pedacinho para Aslan e dei o restante às crianças da minha classe.

"Na segunda noite, quando todos estavam com uma sede ter­rível e eles não estavam deixando que as crianças fossem ao banhei­ro, eu disse: ‘Façam simplesmente no chão.’ Elas relaxaram e come­çaram a fazer o que sugeri. Os garotos receberam garrafas cortadas para urinar. Eu lhes disse que bebessem a urina. As crianças não queriam, então bebi um pouco da urina do aluno mais velho. Nem tampei o nariz, para que elas vissem que não era tão ruim. Depois disso, elas começaram a beber e também Aslan. Na manhã de 3 de setembro, Karina Melikova, uma aluna do quinto ano, pediu ines­peradamente para ir ao banheiro. Eles permitiram e sua mãe, que também é professora, disse-lhe que arrancasse algumas folhas das plantas do escritório, porque permitiram que ela fizesse lá suas necessidades, pois tinham aberto um buraco no piso. Karina conse­guiu trazer algumas folhas, ocultas entre as páginas de um caderno. Demos as folhas às crianças. Karina e sua mãe foram mortas. De quem é a culpa? Perdi Aslan no último momento.

"Imediatamente antes do ataque, muitas pessoas estavam se sentindo muito mal. Algumas jaziam inconscientes e estavam sendo pisoteadas. Taisia Khetagurova, outra professora, não estava bem. Arrastei-me para empurrá-la para a parede, para que não fosse piso­teada, e deixei Aslan por um momento. E foi isso. Não ouvi a explosão, nem o tiroteio. O mundo simplesmente desapareceu. Voltei a mim quando homens de Operações Especiais pisaram em mim. Comecei a sentir as coisas novamente e me arrastei para fora. Havia corpos ao meu lado, empilhados um sobre o outro. Por que eu sobrevivi e eles não? Por que sete dos meus alunos morreram quando eu, que tenho 62 anos, não morri? E onde está Aslan? Eu o vejo na minha frente todas as noites, arrastando-se na minha direção como um ratinho. Sei que sua mãe está meio morta. Eu a vi.” Marina mexe nos livros escolares de Aslan. Tem sido sua prin­cipal ocupação neste outono. Ela foi até a escola e encontrou os livros de Aslan do primeiro ano e também aqueles que Raisa Kibizova havia preparado para os alunos que estavam entrando no ensino médio. Durante horas Marina lê e relê as cinco linhas da única prova de ditado que seu filho estava destinado a fazer: "É 18 de maio. No jardim, uma rosa silvestre está crescendo. O jardim tem lindas flores..." Atrás de Marina, há uma cama sobre a qual estão as coisas favoritas de Artur: um maço de cigarros, seu histórico esco­lar, o cartão de registro, seus trabalhos. E sua foto. Ele parece muito severo, mas tem um olhar pensativo. Milena fica em completo silêncio quando se move diante do retrato.

"Nos primeiros dois meses, eu fiquei completamente paralisa­da. Não saía. Não cuidava da casa. Não queria fazer nada com minha filha. Eu estava totalmente isolada. Não suportava abrir a torneira, não suportava ouvir o som de água corrente. Por que eles não deixaram que as crianças bebessem? Eu ficava irritada pelo fato de as pessoas continuarem a comer e beber depois de de setem­bro. Eu estava ficando louca; ainda estou."

Marina mostra-me uma carta que foi levada à sua casa junta­mente com uma nova mochila, um presente "dos alunos de São Petersburgo".

Por que fizeram isso, quando todos sabem que nosso filho morreu?"

Há uma carta "de Irucha, 14 anos". Ela diz: "Você sobreviveu àqueles dias terríveis. Você é uma heroína!" Segue-se um convite para a troca de cartas.

Como nosso endereço foi parar na lista errada?”, pergunta Marina chorando pela dor causada por aquele terrível ato de insensibilidade. ‘A mochila foi insuportável. Era exatamente o oposto do que precisávamos. Compreendo agora que ninguém irá me ajudar. Onde está esse Putin? Ocupado demais com alguma besteira de ordenar que todos os corpos sejam identificados o mais rápido possível, aqueles que puderem ser. Pelo menos assim, alguns dos pais poderão ter paz e um túmulo para cuidar."


 

Sacha Gumetsov e Rimma Tortchinova são os pais de Gumetsova. Sacha está fora de si de tristeza. Não consegue dormir à noite, culpando-se por não ter conseguido salvar a filha. Ele tem olheiras escuras e não se barbeia há muitos dias. Sacha e Rimma estão indo heroicamente de casa em casa em Beslan, tentando convencer mães e pais que enterraram seus filhos a exumar seus corpos.

"No início, acreditávamos que Aza estava detida como refém. Aos poucos tivemos que reconhecer que não era isso que acontecia. Em 4 de setembro, os pais estavam identificando seus filhos pelas calças que estavam usando, porque não era possível identificá- los por mais nada. Eles levaram corpos queimados para identificação do DNA no laboratório legista em Rostov, mas eram tantos que muitos foram simplesmente deixados lá, sem identificação. As pessoas os levaram de volta para suas casas. Esta é uma cidade pequena, não temos butiques elegantes e muitas das criança tinham roupas iguais, compradas no mercado. Foi assim que tudo ficou confuso. Vimos isso quando fomos aos necrotérios, olhando dentro de cada saco, examinando cada dedo."

"Como vocês agüentaram fazer isso?"

Nem um músculo se mexe no rosto de Rimma.

"Eu disse a mim mesma: nada poderá ser pior do que aquilo pelo que as crianças passaram naquela escola. Não tenho direito a autopiedade. Agora a única pergunta para nós é como enterrar nossa filha, como cumprir nosso último dever para com Aza. No necrotério, há o corpo de uma menina não identificada com idade semelhante à da nossa filha, mas não é ela. Isso quer dizer que outra pessoa tem nossa filha em um túmulo. Podem ser os pais da meni­ninha que está no necrotério. É claro que entendemos que a cor­rente de quem pertence a quem poderá se mostrar muito longa-Sabemos muito bem disso."

"A corrente de exumações?"

"É claro. Na lista que recebemos do Gabinete do Procurador, há 38 endereços de pessoas que podem ter enterrado a criança errada. Trinta e oito meninas mais ou menos da mesma idade e constituição. O principal é que estamos no caminho certo: se o número total de restos mortais em Rostov for igual ao número de crianças então trata-se simplesmente de erros de identificação. Todos foram encontrados, só que foram misturados."

Em 1° de setembro, Aza foi sozinha à escola pela primeira vez, como suas melhores amigas de turma e ela, que estavam começan­do a crescer, tinham concordado em fazer. Uma delas era Sveta Tsoy, uma garota coreana, que foi identificada somente em 27 de setembro pela análise do DNA, porque suas pernas haviam sido explodidas e seu corpo não podia ser identificado.

Outra amiga, Emma Khaeva, era cheia de energia. Quando estava correndo para a escola pela manhã, sempre encontrava tempo para dizer bom dia a todos os vizinhos e perguntar às senho­ras idosas do caminho como estavam se sentindo. Seus pais tiveram sorte. Ela também foi morta, mas pôde ser enterrada num caixão aberto.

E havia Aza, a filha única e adorada de Rimma e Sacha. Rimma deu a Aza todas as oportunidades que Beslan tinha a oferecer: dança, canto, idiomas. "Eu costumava dizer a mim mesma que as três eram pessoas do século XXI", prossegue Rimma. "Não eram como nós. Tinham uma atitude positiva perante a vida. Elas que­riam muito. Aza tinha opinião própria a respeito de tudo. Era uma filósofa."

Tudo que sabemos é que Emma, Sveta e Aza foram inicialmen­te separadas no ginásio, mas no terceiro dia conseguiram se reunir. Elas decidiram comemorar o aniversário de Madina Sazanova, outra colega, e da última vez em que foram vistas estavam sentadas sob a janela cuja parede foi detonada para criar um buraco por onde as crianças escapassem.

“Não ouvi falar de ninguém que estivesse perto daquela pare­de e tenha sobrevivido", conclui Rimma. “Tudo que nos resta agora e enterrar Aza. Percorremos os endereços da lista como se fosse um trabalho. Tentamos fazer com que as pessoas concordem." Que respeito se pode ter por uma máquina estatal que reproduz loucamente esses eventos cataclismicos por seus cidadãos?

Primeiro Nord-Ost, depois Beslan. O Estado se recusa a admitir res­ponsabilidade por qualquer coisa e furtivamente também se esquiva de todos os seus outros deveres. Deve haver exumações? Deixe que os mais vulneráveis se preocupem com isso. Vamos colocá-los contra os outros, as famílias que enterraram seus mortos e aquelas que não têm mortos para enterrar, e assim todos se esquecerão de protestar contra Dzasokhov e Putin. Por muito tempo os pais não exigirão um inquérito verdadeiro. Eles terão outras coisas com que se preocupar.

O Estado se distanciou de tudo que aconteceu em Beslan abandonando a cidade à loucura em seu isolamento. Mais ninguém na Rússia quer saber do assunto.

 

12 de novembro

Em Moscou, o Congresso Nacional de Cidadãos reuniu delegados de todas as partes da Rússia. Havia esperanças de que ele se trans­formasse numa frente de salvação nacional, mas isso não funcionou. A razão é simples: Georgi Satarov e Liudmila Alexeieva, que orga­nizaram o evento, não querem pisar nos calos do Kremlin. Assim, sentados na mesa diretora, eles reprimem as críticas "excessivas" a Putin e, em conseqüência disso, no final das sessões, não há quase ninguém no auditório. Quando Gary Kasparov, o líder da oposição que está começando a deixar sua marca, subiu ao pódio para falar, as pessoas gritaram: "Kasparov para presidente!" Os organizadores ficaram tão irritados com aquilo, que marginalizaram Kasparov pelo resto do Congresso.

O centro do palco foi tomado pelas mesmas velhas figuras, que reduziram tudo a uma conversa entre amigos, moldando o Congresso à sua própria imagem.

A pergunta é: pode existir uma oposição democrática extrapar-lamentar no presente? Caso venha a existir, ela será capaz de man­ter a cabeça acima da água numa sociedade corrupta onde somen­te aqueles que podem intermediar junto às autoridades conseguem levantar fundos dos "patrocinadores"?

De qualquer maneira, quem poderia apadrinhá-la? Somente os oligarcas e, como está aberta a temporada de caça aos oligarcas, nenhum deles o faria, exceto Berezovski. Um elo financeiro com ele enviaria eleitores para a direção oposta.

Há outro problema. O ódio não funciona como plataforma para eleições parlamentares e luta política na Rússia. Os democra­tas não podem construir sua campanha com base no ódio.

Com base em que eles podem construir, se não têm nenhuma idéia positiva? Bem, eles precisam tê-las! A expectativa média de vida na Rússia é de 58 anos e seis meses. Por que não tornar o item principal da nossa plataforma eleitoral a exigência de fazer com que as pessoas vivam pelo menos até os setenta anos?

Os liberais e os democratas estão chegando ao ano novo de 2005 como sonâmbulos políticos. Neste ano que se passou, desde que foram massacrados nas eleições parlamentares, eles nem mesmo conseguiram uma avaliação realista das razões pelas quais foram derrotados.

Dissidentes e democratas tentaram por tempo demais fazer com que o povo acreditasse que Ieltsin era um verdadeiro demo­crata. Chegou um momento em que esse conto de fadas tornou-se insustentável e "democrata" virou literalmente um palavrão: as pes­soas mudavam a palavra “demokat" para “dermokrat" (merdocrata). Isso tornou-se comum não só entre comunistas e stalinistas fanáti­cos, mas também entre a maioria da população. Os "dermokrats" haviam dado à Rússia a hiperinflação, fizeram o povo perder as economias trazidas dos tempos da URSS. E levaram o país a uma crise monetária.

As pessoas não elegeram Ieltsin em 1996 porque acreditavam nele, mas simplesmente como o menor de dois males; não porque acreditassem em sua receita para levar o país adiante, mas porque temiam o que poderia acontecer se os comunistas voltassem ao poder. Os recursos do governo foram desavergonhadamente explo­rados, as emissoras nacionais de televisão transmitiam somente em favor de Ieltsin e eram, na verdade, suas chefes de torcida. As pessoas se afastaram desgostosas quando viram como os partidos "democrá­ticos silenciavam a respeito daquele simulacro de democracia. Muitos democratas chegaram a dizer abertamente que era razoável sacrificar a verdade para salvar a democracia.

Esse entusiasmo para sacrificar a democracia pegou e tornou- a principal força que levou Putin ao poder depois que Ieltsin Proclamou-o seu sucessor. O Kremlin assumiu o controle de toda a cobertura de notícias pela televisão, com emissoras independentes licenciadas somente para prover entretenimento, mesmo quando centenas de pessoas estavam sendo mortas na Tchetchênia.

E esse foi o fim. A eleição foi baseada em trapaça, fraude coerção pelo Estado. Os democratas se mantiveram em silêncio tentando se agarrar aos seus vestígios de poder localmente e na Duma. Eles perderam o que restava de sua autoridade e o povo russo é hoje indiferente a tudo que é político. Esse é o terrível lega­do de 13 anos de democracia russa.

 

14 de dezembro

Um incidente em Blagoveschensk envolvendo três policiais masca­rados e os proprietários de um cassino local, dos quais o prefeito tinha rancor, levaram a uma reação grotescamente exagerada quan­do o vice-ministro do Interior da Bachkiria enviou uma unidade de Operações Especiais composta por quarenta homens. Armados de cassetetes e fuzis, eles desceram na rua principal e começaram a arrastar e prender todos os homens que encontravam nos cafés e estabelecimentos de jogo. Os presos foram fotografados, tiveram suas impressões digitais tiradas, foram espancados e forçados a assi­nar declarações em branco.

As mulheres, depois de revistadas em público, foram levadas para urna sala no primeiro andar da Diretoria de Assuntos Internos da cidade. Os homens de Operações Especiais fizeram fila na porta e testemunhas afirmam que meio balde de camisinhas usadas foi retirado, depois, da sala. Nos quatro dias subseqüentes, muitos homens foram espancados e muitas mulheres estupradas. Os moto­ristas de táxi locais contam que os milicianos mandaram que eles fossem buscar vodca e que os gritos das garotas podiam ser ouvidos da piscina local. Mais tarde, os ataques se espalharam pelas aldeias da vizinhança.

Seguiu-se uma maciça tentativa oficial de intimidar testemu­nhas e ocultar a realidade do que aconteceu].

 

14 de dezembro

Um grupo de estudantes pertencentes ao Partido Bolchevique Nacional entrou na área de recepção da administração presidência na Travessa Bolshoi Cherkasski, fez uma barricada num dos gabine­tes do andar térreo e começou a gritar slogans pela janela."Putin você sai!” "Putin, afunde com o Kursk!" e assim por diante. Quarenta e cinco minutos depois, mediante os esforços conjuntos do OMON e do Serviço Federal de Segurança, todos foram bru­talmente reprimidos. Lira Guskova, 22 anos, acabou em um hospital-prisão com uma concussão grave; Ievgeni Taranenko, 23, teve o nariz quebrado pelos soldados, e Vladimir Lindu, 23, que tem dupla cidadania, holandesa e russa, sofreu ferimentos nas pernas.


 

 

           Nossos invernos e verões de insatisfação

           De janeiro a agosto de 2005

           A Rússia atrás da Ucrânia, através da Kirghizia

A Revolução Laranja Ucraniana* de dezembro de 2004 pôs um fim na Grande Depressão política russa. A sociedade foi arrancada de seu torpor: todos invejaram os ucranianos. "Em nome de Deus, por que não somos como os ucranianos?” perguntavam as pessoas. "Eles são como nós, só que..."

Cada um tinha seus próprios argumentos para provar que nós e os ucranianos somos muito parecidos. Muitas pessoas que vivem na Rússia são ucranianas puras, meio ou um quarto ucranianas. Na União Soviética, não havia cidade mais próxima de Moscou que Kiev e tudo em nossa maneira de viver estava tão misturado, que não havia como separar. Mesmo depois do colapso da URSS, os russos, em sua maioria, tinham certeza de que a Ucrânia permane­ceria um Estado adjunto e uma semicolônia e que Moscou decidi­ria o que era melhor para Kiev.

Só que tudo ocorreu de forma diferente. Enquanto a antiga capital imperial continuava se iludindo ao acreditar que sua ex-colônia iria permanecer na linha, os ex-colonos passaram por uma notável transformação e desenvolveram uma nação.

Porém, as paixões políticas da Revolução Laranja não se espalharam como fogo pela Rússia; elas deram impulso ao espírito de protesto. Tiraram as pessoas dos seus sofás para ao menos pensar em manifestaçãoes; mas isso durou somente até janeiro de 2005.

Milhões participaram de manifestações contra a lei para substituir o extenso sistema de benefícios em espécie por uma compensação monetária que entrou em vigor em 1o de janeiro. Havia esperanças de um renascimento da oposição democrática.

Em janeiro houve protestos gerais. Os doentes perderam o direi à assistência médica gratuita. Os soldados perderam o direito de enviar cartas para casa sem pagar a postagem, uma perda monstruo­sa porque eles quase não têm dinheiro. Se seus pais não puderem lhes dar o dinheiro, não haverá cartas em casa. As grávidas perderam o direito à licença remunerada, uma péssima solução para elevar nossa reduzida taxa de natalidade.

[No verão de 2004, quando a reforma foi aprovada pela Duma, Anna estava em Ekaterinburgo, nos Urais. Ela escreveu o seguinte:]

 

Aqui na província de Sverdlovsk, vivem 20 mil ex-soldados que combateram na Guerra da Tchetchênia. Quase todos têm direito a benefícios em espécie como antigos participantes da "operação antiterrorismo". Eles vêem a reforma nos benefícios do governo como uma cruzada contra eles.

Os "tchetchenos" aqui nos Urais mal conseguem se sustentar. Ninguém quer empregá-los ou treiná-los e muitos se tornam alcoólatras, drogados ou ladrões e acabam na prisão. Na aldeia de Repino, eles formaram uma Associação de Ex-combatentes das Guerras Tchetchenas dentro da prisão. Ela tem duzentos membros.

Eles não são bem recebidos em instituições e hospitais gratuitos e em geral não têm dinheiro para pagar pelos serviços de que neces­sitam. Eles são expulsos como leprosos dos albergues, transformam-se em párias e gravitam em seus próprios grupos, comunidades e associações "tchetchenas". Em sua maioria, eles vêem os privilégios materiais como sinal de algum respeito e gratidão da sociedade, como compensação por vidas interrompidas no seu início. A aboli­ção desses privilégios e sua substituição por uma ninharia em dinheiro é vista como um chute final pelo Estado por meio do qual seus camaradas sacrificaram a vida e eles sacrificaram a saúde.

Os feridos e incapacitados simplesmente irão morrer. Muitos perderão empregos que mal conseguem manter. Os poucos que, apesar de tudo, estão estudando perderão os privilégios educacio­nais arrancados do Estado com um esforço imenso.

 

Ruslan Mironov é um jovem com incapacidade de Categoria 2. Ele tem um sorriso simpático e aberto, pouco típico de um ex-combatente "tchetcheno". Ele se comporta de forma discreta, não usa medalhas no peito. Seria um rapaz comum, não fossem as óbvias conseqüências de um sério ferimento na cabeça. Metade do seu rosto está retorcida e ele tem problemas com os braços, que tiveram de ser reconstituídos depois que ele foi ferido.

Estamos sentados numa pequena sala nas instalações de Ekaterinburgo do Arsenal 32, uma das maiores associações para ex-combatentes incapacitados em Sverdlovsk.

"Ruslan, você é auto-suficiente. Como conseguiu? O que per­derá em conseqüência da reforma?"

"Perderei tudo", responde ele,"e isso dói. Sou incapaz, mas não me limitei a receber minha pensão e aborrecer os outros com meus problemas. Faço alguns negócios e ganho em torno de cem mil rublos (US$3.800) por ano. Lutei para conseguir a isenção de impostos à qual os ex-combatentes têm direito, mas agora terei de abrir mão de 48,5% da minha renda. É uma perda de 48.500 rublos, quase a metade. Meu negócio deixa de ter sentido comer­cial. Ficarei pobre."

Além disso, Ruslan teve um incentivo financeiro para contra­tar trabalhadores incapacitados, para sustentar seus camaradas tchetchenos" que outros empregadores relutam em contratar. Eles tem fama de trabalhar mal e criar problemas.

“Se um trabalhador incapacitado recebesse, digamos, 8.300 rublos [US$320] por mês", explica Ruslan,"ele não pagaria impos­tos. Este privilégio também está sendo tirado. Ele terá que dar ao Estado quatro mil rublos em imposto; em outras palavras, duas vezes os dois mil rublos que irá receber através da monetarização.

Esta não é uma política sensata com relação a pessoas incapacitadas que não querem ser um peso para a sociedade. Eles deveriam fazer o possível para nos apoiar, para que consigamos nos desenvolver Por iniciativa própria, para não ficarmos em casa sem fazer nada ou esparramados bêbados nos portões. Mas agora eles estão nos for­çando a ir para o lixo."

Ruslan continua: "Eu tinha o direito de viajar de avião e de trem pela metade do preço no outono e no inverno. Isso era muito bom porque meus pais vivem em Anapa, no mar Negro, e minha

sogra em Novosibirsk. Usei muito esse privilégio. E o direito a dentes artificiais foi retirado. Quase todos nós voltamos da Tchetchênia sem dentes. Há uma fila enorme no hospital. E agora? O ‘pacote social’ para um incapacitado é de dois mil rublos [US$80]: para aqueles que participaram de combates é de 1.500 [US$58]; as famílias daqueles que morreram recebem um total de 650 [US$25]. Será impossível repor os dentes."

Sergei Domratchev, nascido em 1976, tem um pulmão perfu­rado. Parte do seu crânio foi substituída por uma placa de titânio. Apesar disso, Sergei é hoje um representante típico da classe média de Ekaterinburgo. Ele dirige confiante pelas ruas em seu modesto Zhiguli, vestindo um terno elegante e uma gravata cuidadosamen­te escolhida. Ele é bem-cuidado, esbelto e autoconfiante. É um pra­zer olhar para ele e escutá-lo. Ele é casado com uma mulher de mente independente, culta e bela. Sergei gosta do seu trabalho, concluiu o primeiro grau e está se preparando para o segundo.

"De todas as pessoas que conheço que participaram de opera­ções de combate, somente uma em cada dez conseguiu se aprumar depois da guerra. As outras bebem ou não fazem nada. Moram com os pais e vivem à custa deles. Nós assustamos as pessoas. É por isso que a maioria dos ‘tchetchenos’ trabalha como guardas de seguran­ça. Eles são contratados principalmente por ex-combatentes ‘afegãos’ em empresas de segurança privada. Os afegãos nos contra­tam, mas nem eles se entusiasmam conosco."

"Mas muitos ‘tchetchenos’ que não encontram lugar na vida civil voltamà Tchetchênia sob contrato. Você não tem vontade de fazer isso?"

"Posso viver sem voltar lá", responde ele rindo. "Mas por que outros o fazem?"

"O motivo é perfeitamente claro. Você pode fazer o que quiser. Pode atirar em quem quiser. Não há leis. É disso que eles gostam.

"Como você conseguiu não afundar a esse nível?"

Ele ri novamente: "Declarei independência do Estado. Houve um momento, depois que voltei do massacre na Tchetchênia, em que me dei conta de que poderia afundar com todos os outros ou começar tudo de novo. Nunca uso minha medalha da Ordem do Valor. Sobrevivi somente porque fingi esquecer tudo e comecei a viver como se nada daquilo tivesse acontecido."

Ele teria atingido a frente de uma fila acelerada para acomoda­ções do Estado em 2005, mas agora o privilégio foi abolido.

"Eu sempre soube que não se pode confiar em nossas autori­dades. Elas sempre enganam", diz Sergei. "É claro que é uma ver­gonha perder todos esses benefícios, especialmente a prioridade para uma habitação. Será uma pena se tudo desabar." Sergei me mostra o minúsculo apartamento alugado por ele e sua mulher. "Ainda não posso comprar um apartamento. Trabalho muito, mas reconheço que não consigo ter vários empregos ao mesmo tempo. Também não espero consegui-lo no futuro. No momento, ao menos estou trabalhando, mas a placa em minha cabeça precisa ser trocada. Preciso de dinheiro, preciso ganhá-lo e guardá-lo para o período posterior à operação."

Vivemos em um Estado muito incomum. Ele gosta de levar as pessoas a um beco sem saída, mesmo aquelas que são capazes e que­rem realmente fazer seu próprio caminho. A pergunta é: que espé­cie de cidadãos esse Estado prefere? Uma massa de ociosos bêbados ou pessoas que procuram ter uma vida ativa? Hoje o Estado está empobrecendo deliberadamente aqueles que deveria estar ajudan­do a se levantar. Ele obriga à penúria até aqueles que conseguiram se erguer, ao mesmo tempo que proclama que o combate à pobre­za é a nova prioridade do presidente. A reforma dos benefícios pode ser a gota d'água para pessoas cuja vida foi interrompida por essas mesmas autoridades. Muitos dos "tchetchenos" dizem que será difícil engolir esta reforma. "Sobrevivência dos mais aptos?" Esta não é a abordagem ideal ao bem-estar social. Os mais fracos devem simplesmente morrer?

Nadejda Suzdalova tranca seu filho em casa quando vai traba­lhar na casa de caldeiras da aldeia. O filho tem 28 anos e é um ex-combatente com incapacidade da Categoria 1: paralisado do tórax para baixo; uma cabeça falante com braços, os cotovelos como único apoio do corpo. Eles vivem na remota aldeia de Karpu-chikha, na densa floresta dos Urais. O centro regional é Kirovgrad, a 38 quilômetros através de uma trilha na floresta. É de lugares como este que os rapazes são mandados para lutar no Cáucaso. Suas mães não se atiram nos trilhos para salvar os filhos.

É para esses lugares horríveis que eles voltam da guerra. Karpuchikha é hoje o refúgio para todos os elementos anti-sociais que, incapazes de se adaptar aos novos tempos, foram expulsos de Ekaterinburgo por atraso de vários anos no pagamento de aluguéis Na entrada do prédio de apartamentos onde vivem os Suzdalov, há uma massa de bêbados, vagabundos e drogados. Eles ficam por lá gritando, xingando, agarrando-se uns aos outros pelas pernas e chu­tando. Eles roubam o que houver para roubar: bacias, escovas, bules jarros. É por causa dos "vizinhos" que Nadejda precisa trancar Tolia. Ele não seria capaz de impedir que eles roubassem.

Há muito pouco ali, mas, se eles roubassem uma bacia ou uma torneira, não haveria como substituí-la. Tolia e sua mãe vivem com o benefício para incapacitados de 1.200 rublos [US$46] mensais. Nadejda não recebe seu salário há mais de seis meses.

A história de Tolia é típica: "Ele chora à noite." Ao me contar isso, Nadejda também começa a chorar. Ela está exausta de cuidar do seu filho paralítico. "Mas o que se pode dizer? Eu costumava falar a Tolia para reagir, deixar de beber, mas agora é tarde demais. Tudo isso ficou para trás."

Tolia deixou a escola e foi imediatamente enviado à Tchet-chênia. Voltou uma completa ruína mental, como todos eles. Sem qualquer tipo de reabilitação, foi enviado de volta diretamente a Karpuchikha, onde a única reabilitação é o alcoolismo e o vício em drogas.

Pouco depois Tolia ficou furioso e destruiu uma barraca de feira em Levikha, a aldeia vizinha. No tribunal, os comerciantes disseram estranhar o fato de que ele nada roubou, nem atingiu ninguém. Assim ele foi parar na cadeia, como mais da metade dos "tchetche­nos" na província de Sverdlovsk. Ele foi libertado por uma anistia e recomeçou a beber. Em pouco tempo, estava paralisado. Os médicos disseram à mãe que não criasse confusão. Ele não iria durar cinco dias. O diagnóstico deles foi "infecção neurológica grave".

"Na verdade, ele está vivo há mais de um ano", diz sua mãe, sentada em um banco baixo ao lado da cama. Há felicidade nos olhos dela. "No começo, só eu podia alimentá-lo, mas ele começou a comer sozinho."

Não obstante, a doença de Tolia é grave e incurável. O diagnos­tico foi HIV Onde ele a contraiu, em Karpuchikha ou no hospital, ninguém sabe. A única coisa que seu país é obrigado a fazer é per­mitir que ele viva sua vida com dignidade. O quarto em que ele fica é limpo, mas o cheiro de quarto de doente não sai. A urina flui para um saco preso à cama. Tolia está coberto de feridas e infecções, e seu sistema imunológico não consegue combater.

"Que fazer? O que comer? Seus cateteres são trazidos por uma ex-colega de escola. Ela trabalha na clínica de câncer e os furta para ele. Não podemos comprá-los", diz Nadejda.

Um veterano inválido só pode contar com uma seleção ridícu­la de medicamentos irrelevantes; pelos medicamentos essenciais, ele precisa pagar. O custo dos medicamentos de que Tolia necessita excede muitas vezes o "pacote social". “E há os cateteres. Eles entopem constantemente. Ele precisa de um colchão para não ficar com feridas. Não sei o que fazer."

"Nenhum dinheiro chegará até nós, porque nunca chega", diz Tolia. "Não acredito numa palavra do que o governo diz." Em seus olhos calmos, vê-se que ele está preparado para morrer.

É difícil acreditar que Karpuchikha está no mesmo país de Moscou, ou mesmo Ekaterinburgo. Nem um único assistente social visitou Tolia no ano e meio em que ele está preso ao leito. A cadeira de rodas dada a ele no hospital de ex-combatentes incapa­citados em Ekaterinburgo está num canto e não é usada. Não há ninguém para ajudá- lo a descer do seu quarto no primeiro andar para tomar ar.

E bom escrever histórias edificantes a respeito de pessoas que lutaram para ter um futuro decente, apesar da desesperança e da brutalidade da vida na Rússia; mas a verdade é que há muito mais histórias como a de Tolia, pessoas fracas no fundo da pilha, que só podem sobreviver no remoto cenário provinciano dos seus últimos dias se receberem apoio social. Reter o custo integral do tratamen­to médico de pessoas como Tolia equivale a sentenciá-las à morte. A máquina do Estado torna-se um agente de seleção natural.

Estamos no meio do dia. Um bêbado com um olho preto e as calças arriadas agarra uma mulher corpulenta e desgrenhada com uma saia curta o suficiente para revelar suas coxas inchadas. Uma multidão de espectadores gargalha sob a janela de Tolia, mas nin­guém olha para cima. Aqui ou você é um colega bêbado ou não tem interesse para ninguém. Aqui, nas florestas remotas da Rússia.

Revda é uma cidadezinha na rodovia Ekaterinburgo-Moscou.

É difícil gostar do lugar. É um território de política extremada, onde o ídolo é Jirinovski, o espertalhão que ganha dinheiro explorando os perdedores saudosos dos bons e velhos dias da União Soviética. Poeira, bebedeira e drogas. As prostitutas ficam nas mar­gens da estrada, com idades que variam de 12 a 56 anos, e custam de 50 a 300 rublos [US$2 a 12], de acordo com um homem com­bativo. É Andrei Baranov, vice-presidente da Seção de Revda do Sindicato Provincial de Sverdlovsk de Ex-combatentes de Confli­tos Locais. Baranov não é nenhum Tolia.

"Eu cuido da minha vida", jacta-se Baranov. "Joguei fora minha carteira de trabalho. Para que serve? Ninguém nos dá emprego. Muitos de nós têm ferimentos na cabeça; somos imprevi­síveis. As pessoas têm medo de nós."

"Provavelmente não sem razão. Você é agressivo?"

"Não, apenas vemos a injustiça antes das outras pessoas. Metade de nós está na prisão por isso. Setenta e cinco por cento se torna­ram alcoólatras. É preciso uma esposa heróica para suportar nossos rapazes, mas algumas o fazem. Não confio nem um pouco no Estado. Confio em Jirinovski."

"Como você ganha a vida?"

"Nós nos organizamos e fazemos escolta de cargas. Diretamen­te, sem carteira de trabalho."

"Então você está no ramo de venda de proteção?"

"Por que você pensa nisso imediatamente? É só que o governo é totalmente inútil. Por que trabalhar para ele? De qualquer forma, vender proteção é uma coisa antiga. Ajudamos pessoas a fazer negócios."

Baranov e os "tchetchenos" em Revda criaram um departa­mento privado de tributação ilegal. Entre seus "clientes", esta a empresa local de táxis. Estamos conversando no seu decrépito escritório perto da estação ferroviária de Revda. O apito das loco­motivas enfatiza a agudeza da nossa conversa, a confusão nas men­tes danificadas dos "tchetchenos" sentados à nossa volta, a ira de Baranov com relação ao resto do mundo e o fato de ele acreditar que está lutando por justiça em seus próprios termos.

"Você usa os benefícios do bem-estar social?"

"Nunca. Cuidamos de nós mesmos. No trem para Ekaterinburgo, organizo minha viagem gratuita. Subo no trem, mostro minha carteira de militar, o que deixa claro que participo de ope­rações de combate, e o inspetor de bilhetes vai em frente. Eles ficam longe de mim."

"Não valeria a pena conseguir educação formal?"

"Para quê? Não, obrigado."

Peço-lhes que encontrem um "tchetcheno" sóbrio para con­versar. O tempo passa. No fim da tarde, em Revda, não há nenhum. Valeri Mokrousov, um amigo de Baranov que lutou na Guerra do Afeganistão e é presidente da Associação de Ex-combatentes, entra e sai. Ele é constantemente distraído por telefonemas. Quando nossa conversa na estação ferroviária está terminando, ele mencio­na: "Acabei de tentar falar com Oleg Donetskov, mas a mulher dele me xingou. Ele está caído de bêbado. Ele combateu em ambas as guerras na Tchetchênia e sofreu uma concussão."

"Concussão? Ele não deveria beber!"

"Bem, o que você espera?" Baranov retorna à discussão, atiran­do suas palavras diretamente para mim. "Você tem uma opção: ou toma vodca ou volta para a Tchetchênia. Eu voltei sob contrato."

"Para quê?"

"Para tirar férias. Para fugir do seu modo de vida civil. Aqui, eu sei onde estou. Aqui não há nada senão problemas. Todos os nossos rapazes estão em busca da verdade e não a encontram. Quando volta de lá, você vê as coisas com clareza. Tudo aqui é podre. Irmão abandona irmão. É uma merda completa. Lá todos são honestos: estamos aqui, o inimigo está lá - lute e atire!"

Viatcheslav Zikov, presidente da Associação de Ex-combaten­tes da Província de Sverdlovsk, serviu como motorista de ambulân­cia na atual guerra. Ele confirma o que Baranov está dizendo.

Setenta por cento dos nossos rapazes tentam voltar para lutar novamente. Por desespero. Mas somente uns 30% são selecionados como soldados contratados."

Você ouviu falar que os benefícios estão sendo abolidos?"

Quem se importa? Isso não irá salvá-los." Esse prognóstico vem de outro indivíduo. "Somos a favor de Jirinovski. Teremos um movimento patriótico em andamento; tirar os garotos das ruas e colocá-los em clubes de soldados patriotas. Se lhes mostrarmos o caminho, as coisas poderão dar certo."

“Dar certo como?"

“Com uma monarquia."

"Mas como vocês podem ensinar alguém se vocês não estão bem?"

"Perdi 360 rapazes no ataque a Grozni. Só que não podemos

escrever sobre isso." "Por que não?"

"Porque uma coisa dessas ‘não pode acontecer’. Todos mentem sobre a Tchetchênia. Participei das ‘limpezas’ depois do ataque a Komsomolskoie, sabe o que quero dizer? Mas nós somos os únicos que precisam lidar com isso. É por isso que estamos lutando por justiça."

"Por que você voltou à Tchetchênia, se sabe que isso só piora as coisas, para vocês e para todos os outros?"

Felizmente ele não respondeu à pergunta. Se alguém na Rússia conseguir transformar esta comunidade de "tchetchenos" em ação política, será o fim.

 

1o de janeiro de 2005

Na cidade tchetchena de Urus-Martan, três garotos fugiram para lutar na Resistência. Eles deixaram bilhetes para os pais, explicando que não podiam mais agüentar a ilegalidade e não viam outra maneira de punir os malfeitores.

 

9 de janeiro

Outros quatro jovens de Urus-Martan, com idades entre 25 e trin­ta anos, fugiram para se juntar à Resistência. Em janeiro, houve um número recorde de recrutas. Isso é uma resposta às brutais limpezas em grande larga escala dos seis últimos meses.

 

12 de janeiro

Em 12 de janeiro, Ramzan Kadirov, o lunático vice-primeiro-ministro da Tchetchênia, partiu com uma coluna de cem a 150 jipes para atacar os daguestanis. Quando chegaram à fronteira entre a Tchetchênia e o Daguestão, os policiais em serviço fugiram ater­rorizados. As tropas de Kadirov detiveram e depois libertaram ochefe de polícia regional.

Foi uma típica bravata em retaliação à breve detenção da irmã de Kadirov.

 

14 de janeiro

Aslan Maskhadov, presidente da República Tchetchena de Itchkeria, anunciou um cessar-fogo unilateral de um mês. Ele orde­nou que todos os seus grupos armados cessem as hostilidades até 22 de fevereiro.

O que isso significa? Desgaste de inverno? Uma tentativa de ganhar a boa vontade porque ambos os lados estão cansados da car­nificina e devem parar? Ou ele está testando sua autoridade? É pre­ciso supor que haja um pouco das três alternativas. Ao anunciar o cessar-fogo, Maskhadov está, antes de mais nada, se testando e com muita coragem, porque está agindo publicamente. Não é segredo que muitas pessoas dão de ombros quando ouvem falar em Maskhadov e perguntam quem ele de fato controla.

Os motivos para esta falta de confiança são óbvios; Maskhadov se mantém nas sombras. Por muitos anos, ele tem se recusado a ver jornalistas, temendo ter o destino de Ahmad-Chakh Masud, do Afeganistão, morto por jornalistas especialmente enviados para este propósito. Por enquanto, o auto-exame de Maskhadov não está indo bem. O uso de minas terrestres contra os federais não está diminuindo e, seja lá quem o estiver planejando, não está dando atenção ao cessar-fogo.

Esse também é um teste para um Kremlin que não é notável por suas respostas corajosas.

O primeiro a levantar a voz contra o cessar-fogo foi, naturalmente, Alu Alkharnov, o "presidente da Tchetchênia" indicado pelo Kremlin. Ele anunciou que não iria negociar com Maskhadov, mas estava preparado para negociar com os rebeldes a respeito de uma entrega unilateral de armas. O Kremlin simplesmente se recusou a reagir ao cessar-fogo. Se você não é a favor da paz, é a favor da guerra.

Para enfatizar sua estupidez, o Kremlin decidiu anunciar que, quando pusesse as mãos em Maskhadov e Basaev, prenderia ambos. As acusações contra Maskhadov incluem "evidências de que Basaev instruiu os terroristas de Beslan para que incluíssem entre suas exi­gências a abertura de negociações com Maskhadov" (Niko Chepel, vice-procurador-geral).

 

15 de janeiro

As mães dos soldados mortos na Tchetchênia enviaram de volta I Putin sua "compensação" mensal de 150 rublos [US$6] em protes­to contra a retirada dos benefícios em espécie.

Antes de 1° de janeiro, as mães cujos filhos haviam sido sacrifi­cados no norte do Cáucaso tinham direito a tratamento médico gratuito, viagens gratuitas em transportes públicos, uma passagem de trem, avião ou navio pela metade do preço por ano; elas também pagavam a metade do preço pelos serviços de telefone e televisão e tinham direito a um empréstimo em condições preferenciais e a um lote grátis de terreno.

Isso era inteiramente justo. Na maior parte dos casos, o Estado usa os filhos das famílias mais pobres para combater na Tchetchênia. Muitas vezes a mãe é solteira. As pessoas que estão bem de vida e têm alguma influência resgatam seus filhos da infe­licidade do serviço no exército e certamente do serviço na Tchetchênia.

As manifestações contra a monetarização estão crescendo.Todos os dias as pessoas devolvem os pagamentos. Causas políticas não pro­duzem nada como a reação a uma política que atinge o bolso das pessoas e Putin pouco tem a temer. Ele lhes atirará algum dinheiro, o povo russo não conseguirá tirá-lo do poder e suas agressões serão dirigidas contra qualquer estranho que esteja na vizinhança.

 

17de janeiro

O primeiro referendo da Rússia via Internet está em andamento no site www.skaji.net [Skaji net! significa "Diga não!" em russo]. Essa é uma iniciativa clássica. Alguns estudantes do Instituto Superior de Economia se reuniram e decidiram convidar os cida­dãos a votar na Net sobre duas questões:

Lei 122 (abolindo os benefícios em espécie);

Falta de confiança no governo.

Recebi um telefonema de Alexander Korsunov, o líder da equipe, que solicitou apoio.

"Mas quem é você?”, perguntei. "De que partido é você?"

"Não sou ninguém. Estamos apenas fazendo o referendo."

Os estudantes que conceberam o projeto não pertencem a nenhum partido político em especial, embora sua iniciativa tenha posteriormente recebido apoio formal do Iabloko, do Rodina e do Partido Comunista.

 

Os estudantes escreveram:

Consideramos a Lei 122 um insulto aos nossos idosos no ano em que comemoramos o sexagésimo aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial. O governo pôs em descrédito a idéia saudável da monetarização dos benefícios. O único meio legal de proteger nossos direitos hoje é um referendo no qual possamos expressar nosso protesto. Os estudantes têm sido a parte socialmente mais ativa da população, reagindo efetiva­mente aos acontecimentos na Rússia. Convocamos todos vocês para que se juntem a nós.

Milhões de pessoas votaram on-line contra a lei e a política do governo, mas onde estes e outros milhões desaparecem quando não podem se esconder por trás do anonimato? O medo os torna invi­síveis.

As manifestações de protesto são particularmente fortes em São Petersburgo, Tver, Tiumen, Samara, Perm e em Khimki, na província de Moscou. As pessoas estão saindo às ruas, bloqueando as estradas, fazendo piquetes em prédios e ameaçando as autorida­des com mais protestos. O motivo é que a Lei 122 está começando a doer nos bolsos.

Em São Petersburgo, a polícia tentou prender membros do Iabloko e do Partido Bolchevique Nacional. Depois da reunião, um Pensionista idoso foi preso e brutalmente espancado em um posto da polícia. Pela manhã, a polícia prendeu Vladimir Soloveitchik, membro do Comitê de Ação Conjunta, que vem coordenando as “manifestações de protesto. Também prendeu oito membros do partido Bolchevique Nacional que haviam tomado parte na maninifestação em Gatchma.

 

19 de janeiro

Se os protestos contra a Lei 122 continuarem no nível atual, está claro que haverá uma crescente coincidência entre os interesses dos manifestantes e aqueles da policia enviada para pacificá-los.

Em sua maioria, os que trabalham para os órgãos de segurança também estão perdendo benefícios. Seus salários são tradicional­mente baixos — eles não ganham mais de 3.000 rublos por mês (menos de US$120). Esses protestos estão tendo lugar em grandes cidades e a maioria dos policiais vive nos subúrbios. Até este mês, eles tinham transporte público de graça. Surgiram relatos de pedi­dos de demissão em massa na polícia de Moscou. Um policial se matou quando estava de serviço no centro de Moscou, guardando os escritórios da Diretoria para a Luta Contra o Crime Organizado; ele havia contado aos colegas que não podia mais alimentar sua família. O Ministério da Defesa notificou oficialmente o Soviet da Federação de que uma pesquisa realizada este mês mostrou que 80% dos oficiais estão insatisfeitos com a lei sobre benefícios e somente 5% dos oficiais consideram satisfatória sua situação material.

Suspeito que as autoridades do Estado estão começando a prestar atenção porque elas sabem que, além das forças de seguran­ça, ninguém as apoia. Elas começaram a oferecer subsídios e com­pensações para reduzir a inquietação. Elas viram policiais se recu­sando a espancar manifestantes e isso as fez lembrar da Revolução Laranja da Ucrânia, onde as forças de segurança se recusaram a ati­rar no próprio povo e mudaram de lado. Aquele foi o momento decisivo.

Em Moscou, foi montada uma coalizão de organizações voluntárias: a Solidariedade Social (SOS). Ela convocou pronta­mente manifestações em toda a Rússia em 10 e 12 de fevereiro, "Dias Nacionais de Ação Conjunta" contra a política anti-social das autoridades. A SOS é uma organização pró-comunista e os democratas mais uma vez perderam o barco. Ela está exigindo o repúdio à Lei 122, o aumento das pensões em 100%, a reforma do sistema fiscal em favor das regiões e dos grupos de baixa renda da população, a demissão de todos os deputados do RU e dos mem­bros do governo.

Ninguém queria fazer confusão a respeito do verão e do outo­no últimos. Foi somente quando os benefícios foram de fato retira-


dos e os pensionistas ficaram impossibilitados de usar o transporte público com suas carteiras que os protestos decolaram.

 

22 de janeiro

Neste sábado, também houve manifestações. Outras pesquisas de opinião realizadas em janeiro dizem que 58% dos que antes goza­vam dos benefícios em espécie apoiam os manifestantes. A pesqui­sa foi feita pela emissora estatal de televisão Canal Um.

Em Krasnoiarsk, mais de 3.000 pessoas protestaram contra um aumento nos preços da eletricidade. A partir de de janeiro, um cliente pode usar somente 50 quilowatts-hora por mês; qualquer valor acima deste será cobrado pelo dobro da tarifa. Na maior parte dos prédios residenciais em Krasnoiarsk, o aquecimento central é extremamente ineficiente e, como a Sibéria é muito fria no inver­no, as pessoas não têm opção a não ser deixar seus aquecedores elé­tricos ligados. Não há como usar somente 50 quilowatts-hora por mês - as pesquisas sugerem que um cidadão médio usa duas a três vezes mais que isso.

Em Ufa, quase 5.000 pessoas compareceram a uma reunião no centro da cidade para exigir que o presidente Murtaza Rakhimov repelisse a monetarização na Bachkiria até 20 de fevereiro ou então pedisse exoneração. Depois da reunião, pensionistas vestindo roupas laranja bloquearam uma das ruas principais. Desfraldando as ban­deiras laranja da revolução ucraniana, eles começaram a colher assi­naturas para um referendo sobre a eleição direta de prefeitos nas cidades da Bachkiria.

Em Moscou, dez ativistas daVanguarda da Juventude Vermelha foram presos por "tentar marchar até o prédio da administração presidencial", embora eles tenham sido presos perto da Estação de Bielorusski, situada a dois ou três quilômetros de distância. Tinha havido uma manifestação contra a monetarização na estação, organizada pelos comunistas, à qual compareceram de 3.000 a 4.000 pessoas. Muitos jovens e o Partido Bolchevique Nacional também participaram. Seus slogans eram "Viagens de graça para os policiais e soldados”,"Parem de roubar os pensionistas", "Fora com a lei para ex-combatentes”,”Abaixo o regime Putin!”, “Abaixo a claque de El Puta!"

O motivo formal para a detenção dos vanguardistas é que havia sido dada a permissão para o encontro dos comunistas, mas não para uma marcha posterior. Todos aqueles que foram presos foram espancados.

O protesto nas ruas está se tornando cada vez mais esquerdista e nacionalista. Os democratas comparecem aos encontros de pro­testo, mas se comportam como se estivessem fazendo um favor a todos. Eles não são populares.

De acordo com a pesquisa social de janeiro realizada pelo ser­viço de pesquisas de opiniãoTsIOM, do Kremlin, o slogan "Rússia para os russos" recebe total apoio de 16% da população, que consi­deram que "isto deveria ter sido feito há muito tempo"; 37% con­sideram que "não deve ser ruim implantar isso, mas dentro de limi­tes razoáveis”. 16 + 37 = 53% de fascismo, porque essa política não pode ser implantada "dentro de limites razoáveis".

O único raio de esperança é que 25% se opõem à idéia. Eles acreditam que "Rússia para os russos" é uma idéia fascista.

A mesma pesquisa mostra um motivo muito russo para quere­rem expulsar as minorias étnicas. É porque, na opinião de 39% dos entrevistados, eles vivem melhor do que os russos. Somente três regiões da Federação - Moscou, a província de Tiumen e Tatarstan — têm um padrão de vida comparável ao da Europa.

 

23 de janeiro

As autoridades estão despertando para o fato de que precisam fazer alguma coisa a respeito desses protestos. Os canais de televisão esta­tais começaram a veicular propaganda para explicar por que a nova lei de monetarização é boa e pensionistas idosos dizem como estão satisfeitos com tudo.

Alexander Jukov, o primeiro vice-primeiro-ministro, é o prin­cipal defensor da lei. Aqui está um exemplo: "Há protestos onde os pagamentos recebidos dos orçamentos regionais são inferiores ao custo real dos benefícios abolidos. Porém, quando esta lei foi apro­vada, foi acordado que as regiões com recursos suficientes podem fazer pagamentos mais altos, caso o queiram."

Este é o principal objetivo das autoridades do governo central transferir a culpa para as autoridades regionais, apesar de oitenta das 89 regiões totalmente dependentes dos subsídios que recebem do orçamento federal.Jukov se baseia no fato de que a maioria das pessoas simplesmente não sabe como funciona o financia­mento.

Mikhail Zurabov, o ministro da Saúde e do Desenvolvimento Social, está sempre dizendo para as pessoas não se preocuparem. "Quantias adicionais estão sendo alocadas do orçamento federal. Em 2004, a despesa com benefícios foi de 100 bilhões de rublos [US$3,84 bilhões], mas, em 2005, estamos alocando 300 bilhões de rublos [US$11,6 bilhões]. Estamos apenas terminando os detalhes. A decisão será tomada hoje ou na segunda-feira."

Zurabov afirma que a Lei 122 foi introduzida para regularizar a entrega de benefícios. Ele diz que, apesar de as pessoas terem benefícios em espécie, não era alocado nenhum recurso financeiro para eles. “Precisamos tornar as pessoas livres e independentes do Estado e para isso precisamos melhorar sua situação financeira."

Isto é bobagem: o novo sistema é tão oneroso e administrado em excesso, que falar de liberdade é casuísmo. Os idosos precisam ficar em filas por quatro horas para receber o dinheiro para um mês de ônibus! No mês seguinte, eles têm de fazer tudo de novo. Não há dúvida de que o velho sistema de bem-estar social era incômo­do e tinha muitos defeitos, mas o novo sistema é pior e, além disso, está causando grandes dificuldades financeiras a milhões de pessoas.

Outra alegação constante na televisão é que as manifestações de protesto estão sendo organizadas pela máfia que controla as far­mácias e o sistema de transportes. Dizem que a oposição está explorando a situação para marcar pontos políticos. A oposição democrática, ao contrário, não está tentando marcar pontos, embo­ra pudesse e devesse fazê-lo.

 

25 de janeiro


O Comitê Diretor do Congresso dos Cidadãos Nacionais realiza Uma reunião no Clube dos Jornalistas de Moscou.

Neste festival de democracia, tudo se degenera numa discussão infrutífera a respeito de quem é a pessoa mais importante.

Boris Nadejdin está tentando montar uma proposta para assumir o controle da União de Forças de Direita. Os partidários do Iabloko procuram se comportar como proprietários do empree dimento. Há muita gritaria, mas nada de ação. Liudmila Alexeieva na presidência, faz oposição. Gary Kasparov diz que está cansado de tudo e, com razão, aponta irregularidades no procedimento para a adoção de resoluções.

Kasparov sai antes do fim da reunião. Ele fica no corredor por muito tempo, reclamando que os democratas mais uma vez estão perdendo o barco. O barco já está transportando o povo da Rússia para um estágio diferente e a orquestra à espera para saudá-lo lá não é o Congresso dos Cidadãos.

Só São Petersburgo conseguiu reunir todos os partidos e movi­mentos de oposição numa assembléia consultiva denominada Resistência dos Cidadãos de Petersburgo. Ainda mais surpreenden­te é o fato de ela estar em ação todos os dias.

As manifestações em São Petersburgo são as mais vigorosas e abertas do país; Putin é menos apreciado em sua cidade natal. A Resistência dos Cidadãos de Petersburgo está exigindo a restaura­ção das eleições de governadores, a dissolução da Duma, a abolição da Lei 122, a exoneração do presidente e do governo, o aumento das pensões e a abolição da censura na televisão estatal.

 

27 de janeiro

Os manifestantes de São Petersburgo formaram um corredor vivo na entrada da Assembléia Legislativa da cidade na praça Santo Isaac. Quando os deputados chegavam, tinham de passar pelo corredor e ouvir os gritos de "Vergonha do Rússia Unida", "Vergonha desta Duma", “Fora Putin!" Uma das manifestantes queimou sua cartei­ra de membro do RU diante da porta da Assembléia.

 

28 de janeiro

Estamos discutindo o que está acontecendo no Congresso dos Cidadãos com Liudmila Alexeia. Ela admite que não tem muita esperança a respeito do Congresso. "Então por que perder tempo?"

"Quem sabe pode ser que funcione!”, responde ela.


 

30 de janeiro

Da Internet: "E agora, Camaradas Deputados, todos aqueles que votaram a favor da eleição de Vladimir Vladimirovitch para czar

dem abaixar as mãos e sair de perto da parede."

Há um ano, nenhuma piada como esta estava circulando. Estávamos na era da Grande Depressão política. As pessoas tinham medo do poderoso Putin, que havia acabado com a oposição.

Sempre que há uma crise aguda, Putin se recolhe e só quando a poeira assenta é que ele sai para fazer uma declaração neutra. Agora ele é visto como uma piada? Ou será que estão resignados com ele, prevendo um retorno ao Período de Estagnação, e com o riso, como fizeram na época de Brejnev, na privacidade das suas cozinhas? Parece que preferimos uma revolução vinda de cima, quando alguma coisa impede os que estão no topo de continuar à velha maneira.

 

1o de fevereiro

Uma pesquisa de opinião feita pelo Centro Analítico Iuri Levada, encomendada pela Fundação Veredicto do Povo, constata que 70% dos entrevistados não confiam nos órgãos de cumprimento da lei e os vêem com apreensão. Setenta e dois por cento acreditam que podem sofrer em conseqüência da falta de responsabilidade desses orgãos. Somente 2% declararam que não há problemas de arbitra­riedade nos órgãos.

 

2 de fevereiro

A Duma deu permissão ao exército para realizar operações dentro do país. Que esforços foram feitos no período de Ieltsin para garan­to que as Forças Armadas não pudessem se voltar contra cidadãos russos! Agora estamos de volta à situação da URSS. Uma emenda ao artigo 10 da lei federal "Sobre Defesa" diz: "As Forças Armadas a Federação Russa podem ser empregadas para neutralizar atividades terroristas usando recursos militares" (Adendo à lei "Sobre Defesa). Ela está incluída no chamado "pacote Beslan de leis anti-terrorismo O único grupo a expressar preocupação com o uso do exército de forma imprópria, caso esta emenda fosse aprovada, foi o dos comunistas. Eles foram postos de lado.

O governo sufocou a onda de protestos antimonetarização dando dinheiro às regiões.

Porém, o movimento islâmico clandestino está ganhando força. O Islã extra-oficial está se tornando cada vez mais atraente para os jovens, devido às políticas religiosas míopes do Kremlin. Depois de Beslan, o Kremlin decidiu reviver os métodos soviéticos de contenção do Islã. O FSB assumiu a responsabilidade para lidar com ele assim como sua encarnação anterior, a KGB, fizera nos dias da União Soviética. Os serviços de inteligência promoverão os muçulmanos "domados" e colocarão os outros na cadeia. O resul­tado será o mesmo que foi sob o comunismo: a formação de gru­pos religiosos clandestinos.

Nesta manhã, Iermak Tegaev, 48 anos, diretor do Centro de Cultura Islâmica de Vladikavkaz (capital da Ossétia do Norte, a cerca de 20 quilômetros de Beslan), viu-se na prisão por ter infrin­gido o artigo 222 do Código Criminal, por "guardar materiais explosivos e componentes afins".

"Por volta das seis da manhã, soldados invadiram nosso aparta­mento", conta-me Albina, sua mulher. "Meu marido estava lendo o Alcorão e eu estava no banheiro. Quando ouvi ruídos, abri parcial­mente a porta e vi um fuzil apontado para mim. Havia pessoas mas­caradas e com capacetes por toda parte, cerca de vinte. Eles me arrastaram para fora do banheiro quase nua e por muito tempo não deixaram que me vestisse. Para nós, isso não é permitido. Meu marido estava no chão com três pessoas sentadas nele. Comecei a gritar para chamar os vizinhos - pensei que os homens fossem ladrões -, mas eles não permitiram que os vizinhos entrassem e começaram sua busca. Meu marido lhes disse que não podiam efe­tuar uma busca sem um advogado, mas eles haviam trazido suas próprias ‘testemunhas’ e começaram pelo banheiro. Por três ou quatro vezes, eles olharam exatamente no mesmo lugar e suspeitei de algo ruim. Nossa casa foi revistada várias vezes recentemente e temíamos aquilo.

"Procurei ficar de olho neles o tempo todo, para evitar que plantassem alguma coisa, mas então eles pegaram as chaves do nosso carro e foram até onde estava estacionado. Mandaram que meu marido se vestisse e fosse para fora. Nós nos recusamos a nos apro­ximar porque sabíamos que eles já tinham plantado o que queriam, eles abriram o porta-malas e disseram que havia explosivos lá. Então telefonaram a apareceu uma pessoa com uma câmera de vídeo que começou a nos filmar. Depois eles levaram embora meu marido."

A família e os amigos dele, mais Suleiman Marniev, o imã da mesquita central de Vladikavkaz, estão convencidos de que os explosivos foram plantados. As autoridades querem encarcerar o presidente do Centro Cultural Islâmico, de preferência por muito tempo, para neutralizar um líder não-oficial da comunidade muçulmana cuja existência não lhes agrada. Seu único crime é sua popularidade entre os companheiros de crença, em especial os jovens, e o fato de ele não colaborar com a Diretoria Republicana do FSB.

De que tipo de colaboração estamos falando? E o que é o Centro de Cultura Islâmica de Vladikavkaz, para que seu líder enfrente tantos dissabores?

Formalmente, o centro é somente uma das associações públicas da Ossétia do Norte. É um clube religioso cujo status é idêntico, por exemplo, ao do Conselho Religioso dos Muçulmanos da Ossétia do Norte. No papel, o centro e o conselho são exatamente a mesma coisa, mas não na prática. O conselho tem o apoio finan­ceiro das autoridades do Estado e admite abertamente que colabo­ra com o FSB. O centro se mantém à distância. Essa é a origem de seus problemas.

"Depois de Beslan, as autoridades, ou mais precisamente a Diretoria do FSB que hoje detém o poder na República, quiseram a subordinação completa dos muçulmanos", conta Artur Besolov, vice-presidente do Centro. "O FSB controla a vida dos muçulmanos por intermédio do Conselho Religioso e de seu presidente, RuslanValgasov, que é um mufti oficial da República. Temos certe­za de que Valgasov foi nomeado mufti pelos órgãos de segurança, o que é categoricamente proibido no Islã. O único lugar em que esse tipo de coisa aconteceu foi na União Soviética. A maioria dos muçulmanos da Ossétia do Norte (que constituem 30% da população da República) se opõe a essa nomeação de líderes religiosos.

Ofereceram a Tegaev a posição de mufti, mas ele recusou, precisa­mente porque temia a pressão do regime. Apesar disso, é Tegaev que tem maior autoridade.Valgasov, por outro lado, tem somente idosos à sua volta. As autoridades simplesmente decidiram resolver a situação prendendo Tegaev."

Todos podem ver que é necessária uma acomodação com mundo muçulmano, mas ninguém na Rússia está abrindo negoci ções. As autoridades estão pressionando com os velhos métodos soviéticos: se não se pode abolir o Alcorão, então pelo menos tu do deve estar sob controle; se muftis e emires são inevitáveis num país com 20 milhões de muçulmanos, então é melhor que eles estejam do nosso lado.

Hoje, toda essa manipulação está embutida na abordagem Estado à luta contra o terrorismo, que está acima da lei. O que aconteceu a Tegaev é simplesmente uma das suas manifestações Eles o prendem, enviam seu relatório e pensam que o problema foi resolvido. Na realidade, ele piorou. A perseguição ao Islã na Rússia tem levado a uma previsível reação islâmica que vimos em 2004 e 2005 no norte do Cáucaso.

Em janeiro, as forças de segurança invadiram um apartamento em um prédio comum de cinco andares em Naltchik, na Kabar-dino-Balkaria. Elas acreditavam que um grupo terrorista estava dentro, ou ao menos foi o que alegaram depois. Porém, os ocupan­tes do apartamento eram simplesmente muçulmanos que "não estavam do nosso lado". Entre eles, estavam Muslim Ataev e sua mulher Sakinat Katsieva, um jovem casal envolvido com o sub­mundo islâmico. Eles e seus amigos, outra jovem família islâmica que não estava sob o controle do Estado, foram mortos a tiros.

Muslim e Sakinat tinham uma filha de seis meses, Leila. Os corpos dos adultos foram devolvidos às suas famílias depois do ata­que, mas Leila havia desaparecido. Não havia corpo, nem bebê, nem informações; todas as tentativas dos avós para encontrar a neta foram em vão.

É claro que também haviam matado o bebê. Pessoas na vizi­nhança viram os soldados levando um pequeno corpo enrolado em um cobertor, mas, como o assassinato de uma criança teria sido demasiado chocante para o público, eles não devolveram seus res­tos mortais. Em que o assassinato de Leila difere da morte das crianças durante o ataque à escola em Beslan?


 

Quando mais intensa a pressão, mais comprometidos se tornam

os partidários do Islã extra-oficial. As comunidades islâmicas que

relutam em existir dentro de um sistema de "conselhos religiosos"

estão se tornando ainda mais isoladas, fechando-se ao mundo exterior e com isso se tornando menos compreensíveis. Não é preciso dizer que os cristãos ortodoxos ou católicos, ou qualquer outra comunidade, iriam se comportar da mesma maneira sob as mesmas circunstâncias. A situação não é diferente na Tchetchênia, onde os "muçulmanos do FSB" combatem os muçulmanos que não gozam da sanção oficial, explorando os antigos conselhos religiosos ou "departamentos de assuntos religiosos", como eles eram chamados na URSS. Estes eram encontrados até mesmo no Comitê Central do Partido Comunista e nos comitês provinciais e distritais.

Hoje, muitos funcionários da era soviética ainda estão nos mes­mos cargos. Rudnik Dudaev, um general da KGB e hoje do FSB, foi por muitos anos diretor do Conselho de Segurança da Tchetchênia sob Kadirov e, antes disso, também foi por muito tempo um dos dirigentes dos conselhos religiosos de muçulmanos nos tempos da URSS.

Dudaev "dirigiu" Kadirov desde o momento em que este entrou numa escola religiosa islâmica na década de 1970. Trabalhando para a KGB, ele monitorou Kadirov, Djohar Dudaev e Maskhadov e hoje está de olho em Kadirov Júnior. E que bem isso fez? Existem menos movimentos fundamentalistas hoje na Tchetchênia? Ou emires com idades entre 15 e 17 anos completa­mente fora de controle? Que bem veio dos conselhos religiosos? A autoridade do mufti oficial da Tchetchênia aumentou? Ou a auto­ridade dos emires que "não estão do nosso lado" diminuiu?

O mufti Valgasov irá se beneficiar precisamente na mesma extensão que Chamaev, o antigo mufti da Tchetchênia, e que Miezaev, que o substituiu. As autoridades do Estado podem gostar da maleabilidade deles, mas o carisma e o respeito de que gozam os líderes religiosos não provêm da sua intimidade com o FSB. A luta contra o Islã, usando métodos soviéticos, leva ao oposto do que se pretende. Na Tchetchênia, no Daguestão, na Inguchétia, em Kabardino-Balkaria e em Karatchaevo-Tcherkessia, o Islã está se tornando clandestino.

 

3 de fevereiro

A administração presidencial entra em ação. Em Tula, os organizaram um encontro em apoio à Lei 122. Esta é a nova abor dagem da administração presidencial: reuniões às quais comparecem "seu" pessoal. Pessoas idosas são pagas para comparecer -quantia depende das circunstâncias, mas dinheiro muda de mãos. corrupção do nosso povo continua e nosso povo está totalmen disposto a ser corrompido.

As reuniões são organizadas pelas autoridades locais depois um telefonema de coordenação do Kremlin. A "gerência de li­de Putin está viva e vai bem. Nesses "encontros antiprotestos governadores que enriqueceram com propinas sobem aos pala ques acompanhados por seu séquito de burocratas. Eles prometem como lhes foi mandado, que os pagamentos do bem-estar social estão prestes a ser aumentados e que tudo voltará a ser exatamente como antes da aprovação da lei. Dia após dia, esses encontros são item principal nos noticiários da televisão.

Também em Tula, vemos o governador no palanque com bando de subordinados. O encontro foi organizado pelo RU. governador anuncia que toda pessoa que recebe uma pensão inferior a 1.650 rublos [US$64] receberá bilhetes gratuitos para o sistema de transporte público da cidade (do qual não resta praticamente nada). Por outro lado, a partir de 1o de fevereiro, um bilhete no sistema de transporte de Tula passou de seis para sete rublos.

Estranhamente, as pessoas se alegram e agradecem pelos bilhetes gratuitos.

 

10 de fevereiro

Até agora, as pessoas na periferia do império não estão ceden Em Abakan, Sibéria, a 36 graus abaixo de zero, cerca de trinta p soas fazem piquete diante do prédio da administração com cart que dizem: "Não à política anti-social." Na cidade de Kizil, capital de Tiva, a 45 graus abaixo de zero, 56 pessoas comparecem a uma manifestação contra a política de Putin. Em Kharabovsk, algumas pessoas se mantêm na praça central com uma bandeira que diz: RU desgraça a Rússia!”


 

12 de fevereiro

Em Iujno-Sakhalinsk, a Associação pelos Direitos Humanos local apresentou uma peça de teatro de rua chamada "O Funeral da democracia". Em um boneco em tamanho natural, representando a jovem democracia, os manifestantes penduraram 15 cartazes acusatórios a respeito dos recentes atos inconstitucionais das autorida­des do Estado, a Lei 122 e a abolição da eleição de governadores. Finalmente, sob o peso dessas desgraças, a democracia desmoronou foi posta em um caixão coberto com adesivos que proclamavam sua morte. Levando coroas de flores, ao som de música fúnebre, os manifestantes pregaram a tampa do caixão e o levaram em um carro fúnebre. A manifestação aconteceu ao lado do prédio da administração provincial e foi observada com interesse por buro­cratas nas janelas.

Em Tula, um encontro organizado pelos comunistas atraiu cerca de mil manifestantes. Também em Abakan houve um encon­tro, ao qual compareceram quase trezentas pessoas: não estava tão frio. Foi um bom resultado, mas o Dia Nacional de Ação Conjunta, pretendido pela Solidariedade Social (SOS), não aconteceu. Não há nenhum protesto de âmbito nacional.

 

15 de fevereiro

Os democratas (o Iabloko e a União de Forças de Direita) tentaram novamente chegar a um acordo. Até agora, seu campo de batalha ainda está em escritórios em Moscou e não nas ruas da Rússia. Todos estão cansados dos funcionários democratas, até mesmo seus Partidários.

Hoje eles quase conseguiram se unir numa reunião do Comitê -008, porém, mais uma vez, tudo foi por terra no último momento. Resolveram prosseguir com as discussões. O grande problema permanece o mesmo: Quem será o primeiro entre iguais? Como Pode Iavlinsk ter certeza de que Kasparov e Rijkov não o tirarão da primeira fila? Enquanto isso, Kasparov e Rijkov decidiram formar um novo partido democrático comandado por eles mesmos, como políticos democratas que não levam o ódio da derrota nas eleições Parlamentares.

Encontrei-me com Kasparov esta manhã numa sessão Comitê Diretor do enfermo Congresso Nacional de Cidadãos. Ele estava muito determinado e comentou que as regiões estavam politicamente muito à frente de Moscou. "Você acreditaria que, numa das reuniões, fui chamado - eu, Kasparov - de homem de concessões! Que mudança de humor em apenas duas semanas", continuou ele, referindo-se à onda de protestos. Kasparov está recomendando que o Comitê realize um congresso do novo partido nu das cidades provinciais da Rússia.

 

16 de fevereiro

Gary Kasparov foi hoje a São Petersburgo para um encontro cor tra a monetarização organizado pela Resistência dos Cidadãos Petersburgo, que reúne vários partidos e grupos democráticos.

Primeiro Kasparov disse que queria fundar uma nova organização política em São Petersburgo. Ele disse: "Agora a capital protesto é São Petersburgo e é aqui que precisamos estabelecer um movimento político que possa lançar um desafio aos poderes estabelecidos. É por isso que estou aqui." A seguir, vários dos partici­pantes da reunião bloquearam a rua Antonenko, próxima da Assembléia Legislativa, exigindo o direito de transmissão ao vivo na televisão de São Petersburgo. Nada aconteceu. A única coisa que as autoridades não lhes darão é tempo ao vivo no ar.

O Gabinete do Procurador em Moscou retirou a acusação de tomada violenta do poder contra os membros do Partido Bolche­vique Nacional que ocuparam uma sala de recepção no prédio da Administração Nacional. Em vez disso, eles foram acusados de uma nova transgressão: "organizar desordem em massa" (artigo 212). Trinta e nove partidários de Limonov estão presos em Moscou.

 

21 de fevereiro

Sergei Schadrin, o vice-ministro do Interior, visitou Blagoveschensk, onde houve uma brutal operação de "limpeza" em dezembro, na qual cerca de mil pessoas foram feridas. O Ministério do Interior continua a se referir a esse ultraje como "a dita limpeza". Em Ufa Schadrin chamou as vítimas de "caçadores da verdade", somente para afirmar numa entrevista coletiva no dia seguinte, que "as ações da polícia foram justificadas, embora muitos as considerassem excessivamente rigorosas”. Essa foi sua avaliação da distribuição de pontos de filtragem, do uso de gás lacrimogêneo e da violência física em dezembro. Schadrin chamou a operação de "um excesso", acrescen­do que "cada sociedade tem a polícia que merece". Ele está certo. Porque, enquanto as pessoas de Blagoveschensk lutarem somente por seus próprios direitos, o povo de São Petersburgo pelos direitos dele e assim por diante, episódios como se irão ocorrer.

 

23 de fevereiro

Maskhadov aparece na Internet e propõe uma ampliação do cessarfogo que declarou. Como sempre, nenhuma resposta oficial.

Nem haverá. O governo parece ter encontrado uma maneira de explicar ao Ocidente o que está acontecendo na Rússia. Putin, em entrevista dada à imprensa eslovaca antes do seu encontro com ush em Bratislava, disse: "Os princípios fundamentais da demo­raria, as instituições da democracia, devem ser adaptados à realida­de na Rússia de hoje, às nossas tradições e à nossa história. E fare-os isso sozinhos." Assim nasce a teoria da "democracia tradicional" (isto é, demo­cracia que está de acordo com as tradições nacionais). Também ouvimos falar de "democracia soberana" e "democracia adaptada", que significam: "Nossa democracia será da maneira que queremos e não precisamos que ninguém nos dê aulas sobre o assunto. Assim, “vocês podem dar o fora!"

Putin foi questionado a respeito de sua atitude com relação às revoluções nos países da antiga Comunidade de Estados Inde­pendentes: "Eles não nos incomodam de maneira nenhuma. Cabe aos povos desses países decidir como irão construir sua vida, por meio de revoluções ou de acordo com a lei." Ele está incomodado.

 


24 de fevereiro fevereiro

Putin encontra-se com Bush em Bratislava. Na Rússsia,

as pessoas para ouvir o que Bush teria a dizer a Putin. Todos sabiam que, no dia anterior, num encontro em Bruxelas com os líderes da Otan e da Comunidade Européia, sob pressões óbvias dos Estados bálticos e dos Estados da Europa Oriental, Bush promete que levantaria o assunto do afastamento de Putin da democracia.

Pensamos que seria um grande avanço, mas Bush não conse­guiu questioná-lo. O petróleo e a amizade em nome do petróle venceram. Os russos que esperam por ajuda do Ocidente precisam finalmente reconhecer que a reconquista das liberdades democráticas depende da qualidade do nosso povo e não pode vir por intermédio de pressões externas. Somente uns poucos indivíduos em nosso movimento democrático entendem isso. A maior parte das reuniões dos democratas termina com a frase mágica: "Vamos nos queixar à Europa." Infelizmente, a Europa está cansada de ouvir como Putin é mau. Ela preferiria ser enganada e ouvir como ele é bom.

De acordo até mesmo com os resultados oficiais da Romir Monitoring, um terço do público considera os encontros entre Putin e Bush uma perda de tempo.

 

26 de fevereiro

Expirou o ultimato para que Murtaza Rakhimov, presidente da Baskhiria, restaure os benefícios ou se exonere. Ele não fez uma coisa nem outra, mas os líderes da oposição desapareceram. As pessoas estão certas de que Rakhimov simplesmente os comprou, dando-lhes uma pequena participação na indústria petroquímica da Bachkiria. Parece ser o fim da revolução na Bachkiria, por enquanto. Devido aos longos anos de pobreza, tudo tem seu preço e, até que todos tenham o que comer, as pessoas não se incomodarão demais com a democracia. O que elas não compreendem é que sem um sistema social baseado em princípios democráticos, é pouco provável que se tenha o suficiente para comer.

 

27 de fevereiro

Durante todo o mês de fevereiro, a mídia oficial russa tem nos garantido, de forma muito persuasiva, sobre a impossibilidade de uma revolução na Kirghizia: o presidente Akaev estava se esforçan­do sinceramente para introduzir a democracia para o bem de seu povo;

ele estava convidando seu povo a abrir empresas, embora apa­rentemente poucos o queiram; a sugestão geral parecia ser de que


os Kirghiz não estavam muito interessados e que, se uma revolução começasse, seria por instigação de criminosos querendo depor Akaev e não por algum erro dele. Alexei Simonov, diretor da Fundação para a Defesa da Glasnost, comentou que "a imprensa está traindo a sociedade e a sociedade está traindo a imprensa. Há uma falta generalizada de profissionalismo e honestidade".

Porém, hoje houve eleições parlamentares na Kirghizia e a cor­tina se fechou para Akaev.

Akaev passou a viver numa das dashas da administração presidencial em Moscou. Depois das eleições parlamentares e presidencial, o povo kirghiz passou a receber apoio mundial por seus esforços para construir uma nova sociedade. A Rússia criticou as novas regras por algum tempo, mas depois decidiu viver com elas.

 

8 de março

Aslan Maskhadov, eleito democraticamente presidente da Re­pública Tchetchena de Itchkeria em 1997 e mais tarde líder da Resistência Tchetchena, foi morto na aldeia de Tolstoi-Iurt.

Seu corpo nu foi mostrado o dia inteiro na televisão. Na Tchetchênia, até os que não o apoiavam disseram que aquela era a coisa mais vil que Moscou poderia ter feito. A era Maskhadov ter­minou, mas começou a era de quem?

O novo Maskhadov será Basaev, o que significa o fim do ces­sar-fogo e das negociações. A Tchetchênia teve quatro presidentes e até agora três deles tiveram morte violenta. A legitimidade do quar­to, o ainda vivo Alu Alkhanov, é altamente questionável. Não há nenhum outro território na Europa de hoje com uma situação militar e política tão caótica e mergulhado num banho de sangue assim contínuo.

Dizem que Maskhadov morreu, como milhares de outros homens e mulheres tchetchenos, em conseqüência de informações de um tchetcheno. A tortura tem sido o método mais comum de interrogatório e investigação de casos criminais durante a Primeira e a Segunda das Guerras Tchetchenas. É provável que ele seja lembrado na Tchetchênia como um grande mártir, quaisquer que tenham sido seus atos anteriores.

Maskhadov foi morto enquanto estava em vigor seu cessar fogo unilateral que, se não estava sendo plenamente respeitado foi ainda assim o primeiro ato do gênero na Segunda Guerra Tchetchena. Foi um gesto de boa vontade, uma mão estendida para o Kremlin, indicando disposição para iniciar negociações, para parar de atirar, para promover a desmilitarização e a extradição mútua de criminosos de guerra.

Maskhadov, quase sozinho e usando o máximo da sua habilida­de, restringiu os extremistas do seu lado que acreditavam que se deve fazer oposição à Rússia por todos os meios disponíveis, inclu­sive aqueles demonstrados em Beslan. Agora não há ninguém para contê-los. A liderança da Resistência Tchetchena, a despeito de quem quer que seja o indicado pelo clandestino comitê de Defesa de Itchkeria, irá se voltar para o maior oponente dos métodos moderados de Maskhadov: Chamil Basaev. O resultado final da operação para assassinar Maskhadov, que, afirmam agora oficial­mente, foi organizada pela unidade de Operações Especiais do FSB russo, será a entrega das rédeas do governo a Basaev, que não é o menos interessado na legitimidade política.

Fomos deixados na Tchetchênia com duas figuras igualmente sedentas de sangue, repulsivas e bárbaras: Basaev e Kadirov Júnior. Todos os outros, inclusive todo mundo em toda a Rússia, serão apa­nhados no meio.

Desta maneira, a era de Maskhadov, um antigo comunista e coronel soviético que se converteu ao Islã somente nos seus últi­mos anos, e a persistentemente idiota campanha disparada contra ele pessoalmente trouxeram à vida uma geração mais jovem que não está mais interessada em um Islã moderado. Eles preferem ser extremistas com as autoridades que destroem moderados.

O herói desse submundo é Basaev. Por muito tempo Maskhadov esteve no seu caminho, mas agora a estrada está livre. Basaev obteve aquilo com que sonhava há quase uma década. Não importa mais o fato de ele não ter a legitimidade política de Mas­khadov. Ele só está interessado nos aspectos técnicos da preparação de atos terroristas contra a Rússia e em causar o máximode dor possível. A morte de Maskhadov prova, de forma irrefutável para Basaev a exatidão de sua conhecida visão de que não pode haver negociações e que todos os métodos são justificados na guerra con­tra a Rússia.

Nesta noite, os canais estatais levaram ao ar o lunático Kadirov júnior que nos informou que o assassinato de Maskhadov era um presente às mulheres em 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

 

15de março

O FSB afirma ter pago US$10 milhões a alguém pelas informações sobre os movimentos de Aslan Maskhadov.

Seu corpo não foi devolvido aos parentes. Durante toda essa barbaridade medieval, Putin permanece em silêncio, o que signifi­ca que ela está acontecendo sob suas ordens pessoais. Eu não fica­ria surpresa se ele tivesse exigido a cabeça de Maskhadov numa bandeja, como era o costume dos czares da Moscou medieval. Por alguma razão, o corpo de Maskhadov foi trazido secretamente para Moscou, embora ninguém acredite que tenha sido para alguma autópsia suplementar. Acham que foi para Putin ficar tranqüilo. Essa é a moralidade no alto poder da Rússia.

Mais uma vez, soldados desertaram de um posto de fronteira, desta vez a Unidade de Fronteira do FSB na província de Tchita. Ás duas da manhã, quatro deles atiraram no oficial comandante, no subcomandante e em outro oficial. Ao fugir, os soldados levaram quatro fuzis Kalashnikov com 500 cartuchos de munição. Deserções por tropas de fronteira ocorrem pelo menos uma vez por mês.

Em Hasaviurt, no Daguestão, a cidade importante mais próxi­ma da Tchetchênia e onde vivem muitos tchetchenos, tem havido tentativas de capturar rebeldes. Uma casa em que se acreditava que eles estavam foi cercada e reduzida a entulho, mas os rebeldes apa­rentemente escaparam através de um cordão triplo de policiais com todas as suas armas.

O Ministério da Defesa anunciou que, em 2005, não corrigirá os salários dos seus oficiais de acordo com a inflação. Isto também ocorreu em 2004. A previsão dos aumentos de preços em 2005 está por volta de 25%.

 

16 de março

Em Chali, na Tchetchênia, parentes de pessoas seqüestradas recen­temente estão fazendo piquetes diante da administração municipal pelo terceiro dia consecutivo. Os manifestantes estão exigindo sua libertação, ou pelo menos informações a respeito delas.

Entre elas, está a família de Timur Rachidov, 28 anos, um invá­lido da Categoria 1 da aldeia de Serjen-Iurt, que foi seqüestrado de sua casa por soldados russos. A mãe, Khalipat Rachidova, relata que os soldados chegaram em um carro blindado, invadiram a casa, vira­ram tudo de pernas para o ar sem nenhuma explicação e despiram a filha Polina, de 18 anos, para verificar "se tinha marcas provenien­tes do porte de armas" em seu corpo. A seguir, pegaram Timur e se dirigiram para a periferia de Chali, onde fica a Divisão de Operações Especiais n° 2 do Ministério do Interior.

A família de Ruslan Usaev, de Novie Atagi, também está fora do prédio da administração. Ele tem 21 anos e está no terceiro ano da Universidade de Grozni. Em 13 de março, ele também foi seqüestrado por soldados russos e levado na direção de Chali e desde então nada mais se soube dele.

O protesto garantiu a libertação de um aldeão de Serjen-Iurt e de quatro homens da aldeia de Avturi. Todos eles haviam sido tor­turados e brutalmente espancados. Tudo se passou sem comentário nenhum dos democratas de Moscou.

Agora, no início de 2005, a Guerra Tchetchena finalmente foi além das fronteiras da Tchetchênia, indo para regiões vizinhas como Inguchétia, Daguestão, Ossétia do Norte e Kabardino-Balkaria. Em cada república, as pessoas protestam à sua maneira. Lá não existem associações de famílias cujos membros foram seqüestra­dos. A Tchetchênia continua a viver como um Estado separado; nin­guém viaja para lá das outras repúblicas, nem mesmo da Inguchétia, e depois de Beslan ninguém simpatiza com os tchetchenos.

 

19 de março

Nesta manhã, Adam Karnakaev foi seqüestrado em Grozni por homens armados não identificados. Estava a caminho da mesquita.

5 de abril, o Gabinete do Procurador-geral pediu que a famí­lia*de Adam buscasse seu corpo no necrotério da cidade de Mozdok, na Ossétia do Norte. É uma história conhecida.

 

23 de março

Por volta das cinco desta manhã, soldados mascarados derrubaram a porta da frente de uma casa na rua Nekrasov, em Atchkhoi-Martan. Eles levaram Ismail Viskhnov, 31 anos, e seu sobrinho RustamViskhnov, 23. Os seqüestradores chegaram em veículos sem placa e eram uma mistura de tchetchenos e russos. Nenhum órgão de segurança da Tchetchênia admite estar envolvido. Nenhum dos homens jamais havia sido rebelde.

Às 5:23, o mesmo grupo de 25 a trinta pessoas invadiu outra casa em Atchkhoy-Martan, na rua Naberejnaia, onde vive a família Masaev. Eles tiraram Said-Mahomed Masaev, 31 anos, da cama. Ele é motorista de um ônibus regular entre Grozni e Atchkhoy-Martan. Levaram-no sem permitir que ele se vestisse. Desde então, ninguém soube dele.

Em Moscou, tudo continua como sempre. O clube de discus­sões do Congresso Nacional de Cidadãos debate o tópico "Refe­rendos: devem ser realizados e sobre quais assuntos?" É tudo incri­velmente tedioso, sem nenhuma iniciativa. Um punhado de demo­cratas anônimos que lá estão e claramente não terão importância em coisa nenhuma. Os jornalistas presentes riem baixinho. Os democratas da capital não se interessam nem mesmo por seus pró­prios assuntos, para não mencionar a Tchetchênia, onde os expur­gos e sequestros estão em ascensão.

 

25 de março

Uma grande manifestação é realizada sobre a questão dos benefícios nos confins da nossa terra em Iujno-Sakhalinsk, embora a onda Protestos esteja quase terminada. Não obstante, aqui está uma parte das resoluções adotadas pelos manifestantes em Iujno-Sakhalinsk:

Nós, veteranos de guerra e de trabalho, trabalhadores de vária organizações, inválidos, pensionistas e jovens, viemos expressa nossa indignação diante do contínuo enfraquecimento, pelos órgãos do governo, dos direitos sociais e políticos de todos os cidadãos russos, em especial os do norte e do extremo oriente. Protestamos contra a redução das liberdades democráticas bási­cas garantidas pela Constituição; contra a usurpação, pela autoridades do Estado, da liberdade da mídia de massa; contra-ataques ao bem-estar social, à independência dos tribunais, à autogestão local e aos direitos do povo de eleger as instituições de poder do Estado. Opomo-nos à monetarização, que não cobre as despesas reais nem daqueles que recebem benefícios, nem dos que a eles prestam serviços. Opomo-nos à divisão das pessoas em negras e brancas, aos obstáculos colocados no cami­nho da empresa privada honesta, à abolição do adiamento do recrutamento para estudantes e à militarização do país, à explo­ração política do antiterrorismo, à vulgarização dos ideais sagrados da Pátria e da democracia. Exigimos respeito pelos nossos interesses, nossos desejos, nossas petições às autoridades, nosso direito de dialogar com os líderes do Estado para que levem em conta as opiniões daqueles que se opõem a eles por ocasião da tomada de decisões importantes.

Um conjunto detalhado, abrangente e racional de proposta aprovadas pelos manifestantes foi publicado no jornal local, Sovetsky Sakhalin, mas não houve resposta, apesar de a resolução ser um plano de ação elegante e realista proposto às autoridades do Estado. Nosso povo pode viver nas regiões mais remotas e mesmc assim pensar como estadista de uma forma que gostaríamos que fosse imitada pelos ocupantes do Kremlin. Contudo, mais uma ve as autoridades não se abalaram.

Sabemos do que necessitamos, mas carecemos de tenacidade para lutar por isso. Desistimos quase imediatamente. A vida passa; enquanto esperamos que nossas aspirações nos sejam concedidas de cima para baixo, como em 1991, quando um golpe dentro da elite foi mais tarde apoiado pelo povo. Mas a elite aprendeu com a expe­riência de 1991 e não tem o menor desejo de ser envolvida em qualquer outro golpe. Ela prefere fazer acordos discretamente em gabinetes e seus acordos não são do interesse do povo.


 


26 de março

Na aldeia tchetchena de Samachki, às 5:00 da manhã, soldados mascarados falando russo seqüestraram Ibrahim Chichkanov, 21 anos. Não permitiram que ele vestisse os sapatos, dizendo: "Para onde você vai, não precisará deles." O seqüestro foi realizado por cerca de vinte pessoas, que estavam em quatro carros sem placa.

 

Vinte e quatro horas depois, a família descobriu o que estava acon­tecendo no posto policial de Atchkhoy-Martan. Ibrahim havia sido seqüestrado sob o esquema de se fazerem"contra-reféns", conside­rado pelo procurador-geral da Rússia uma medida aceitável depois de Beslan. A família Chichkanov recebeu ordem de entregar Said-Khasan Musostov, membro da Resistência e primo de Ibrahim.

Ele não se entregou e nada mais se sabe a respeito do destino de Ibrahim.

 

Hoje, sábado, é dia de manifestações. Há um piquete em Khabarovsk, exigindo "independência dos tribunais na região de Khabarovsk". Os manifestantes sofriam com os tribunais "dependentes" e decidi­ram enviar uma carta aberta a Putin:

Nossa experiência ao longo de muitos anos mostra que os juí­zes da região de Khabarovsk não protegem os direitos dos cida­dãos em seus julgamentos, como manda a Constituição, mas sim os interesses dos burocratas. Muitas das decisões dos tribu­nais não estão de acordo nem com a lei, nem com o bom senso, nem com a lógica elementar.

Os juízes estão violando, de forma rude e cínica, direitos fundamentais dos cidadãos a uma audiência, sem a qual não se pode falar em observar e proteger outros direitos. Os jornalis­tas são excluídos das sessões abertas dos tribunais, registros de audiências são falsificados, assim como provas: veredictos "sob medida" passaram a ser norma na região de Khabarovsk. Não são fornecidos julgamentos por escrito, evidências desfavorá­veis são ignoradas. Os argumentos que refutam os veredictos e as decisões de um tribunal desaparecem dos arquivos do caso;

Os recursos ao Colégio de Qualificação de Juízes relativos à violação de direitos legais são enviados de volta aos mesmo tribunais e revisados pelas mesmas pessoas responsáveis pelas violações originais;

As queixas de comportamento ilegal pelos juízes do Colégio de Qualificação de Juízes não são aceitas para exame pelos tribunais. A determinação da responsabilidade pública dos juízes, como manda a lei "Sobre as Instituições da Profissão Legal", tornou-se uma farsa em Khabarovsk. Seis dos sete representantes do povo no Colégio de Qualificação de Juízes são indicados pelas autoridades ou pelas instituições judiciais.

Não houve reação a essa carta. O presidente Putin não exigiu a demissão (como só ele tem o direito de exigir) do presidente do Tribunal Regional de Khabarovsk, o juiz Vdovenkov, nem do vice-presidente, o juiz Volochin, como principais responsáveis pelo esta­do fora do comum da justiça.

Em Ufa, capital da Bachkiria, entre 5 mil e 10 mil pessoas com­parecem a uma manifestação de protesto na praça Lenin. Elas vie­ram de 14 cidades da república para exigir a demissão do presiden­te Rakhimov. Os slogans são: "Demitam Murtaza Rakhimov!”. "Não ao nepotismo no governo." As empresas do Complexo de Combustível e Energia de Bachkiria são controladas por Ural Rakhimov, filho de Murtaza.

Eles exigem que as ações das empresas petrolíferas de Bachkiria sejam devolvidas ao Estado e uma compensação por danos morais e materiais para os habitantes de Blagovestchensk, que sofrera uma brutal "limpeza da cidade" por parte da polícia e suas unida­des de Operações Especiais em dezembro. A organização do pro­testo é de um comitê de coordenação da Oposição Unida, que inclui os ramos locais do Partido Comunista, do Iabloko, do Vontade do Povo, do Partido dos Pensionistas Russos, da Fundação para o Desenvolvimento do Governo Local, da União de Asso­ciações Tártaras e da Sociedade Rus.

O grupo aprovou uma resolução exigindo a revogação da lei da monetarização dos benefícios e o afastamento do presidente Rakhimov, do inspetor-chefe federal da Bachkiria, do ministro do Interior da República, Rafail Divaev, que afirmou que a operação "limpeza" em Blagoveschensk havia sido justificada, e de outras autoridades.

Depois de permanecer uma hora na praça Lenin, a enorme multidão marchou nove quilômetros até a sede da Administração Rakhimov, mas foi impedida de se aproximar do prédio por uma barricadade ônibus e um cordão de muitos milhares de homens, rangendo aparentemente toda a polícia de Bachkiria. Rakhimov não apareceu. Quem saiu foram Radi Khabirov, diretor da administração, e Alexander Chabrin, secretário do Conselho de egurança da Bachkiria, que receberam a resolução, e o povo se dispersou.

Em Moscou, o Comitê 2008 tenta mais uma vez criar um par­do democrático unido e fracassa. Kasparov propõe que sejam con­dados a vir a Moscou representantes regionais da oposição para que eles decidam quem deve encabeçar a lista de candidatos demo­cráticos. Os líderes de Moscou temem reunir a oposição provincial, porque quase certamente eles não irão encabeçar a lista. Impasse. Em Pskov, trezentas pessoas se reúnem na praça Lenin para testar a respeito do novo Código de Acomodação Residencial, reunião foi convocada pelos comunistas de Pskov, em conjunto com o diretório local do Iabloko e os sindicatos trabalhistas. Nenhuma das emissoras de televisão da cidade concordou em cobrir a união, que considerou criminosa a idéia por trás do novo Código Residencial, em vigor desde 1° de março: "Nas últimas décadas o do deixou de cumprir com sua obrigação de reparar e modernizar os imóveis residenciais, mas dirigiu efetivamente recursos nacionais para a criação de uma classe de proprietários de imóveis entre as fileiras dos ocupantes do poder." Eles exigem que:

O Código de Acomodação Residencial deverá ser suspenso até que o nível das pensões e dos salários na região seja suficiente para igualar o custo de mercado do que é fornecido pelo Escritório Comunal de Serviços Residenciais e também os custos de saúde, educação, cultura, transporte, comunicações, alimentação e outros itens essenciais; deve haver total transpa­rência na fixação de preços e tarifas para os serviços prestados Pelo Escritório Comunal de Serviços Residenciais; aqueles que criaram o deplorável Código de Acomodação Residencial, isto é, o Governo da Rússia, deverão ser demitidos; a Duma deverá ser dissolvida por deixar de representar os interesses povo, juntamente com os funcionários do Partido da Rússia Unida e do Partido Liberal-democrata da Rússia, que vo a favor da adoção do Código; toda a responsabilidade pelo aumento das tensões sociais na sociedade deve ser atribuída ao presidente Putin.

 

27 de março

Hoje, domingo, é dia de referendos regionais.

Em Saratov, há um referendo a respeito de como o prefeit deve ser eleito. Somente pouco mais de 7% da população compa­recem para votar. Eles não parecem se importar se o elegem direta­mente ou se o prefeito é nomeado pelo governador indicado pelo Kremlin. A Frente Popular da Província de Saratov, associação regional de todos os partidos de oposição, recusou-se a participar.

Em Bachkiria, foi convocado um referendo pela Sociedade para a Reforma do Governo Local, porque o novo sistema de indi­cação de líderes cívicos e regionais na República contraria a Carta Européia de Direitos sobre Governo Local, ratificada pela Rússia em 1998.

Também aqui o comparecimento foi muito baixo, apesar de a questão afetar todos os cidadãos. A origem dessa apatia é a crença firme em que as eleições são fraudulentas e continuarão assim; deste modo, por que votar? De qualquer maneira, 90% dos que compa­receram votaram a favor da eleição direta dos prefeitos.

Moscou está se tornando a cidade politicamente menos ativa de todas. Se houver uma revolução, ela terá de vir das províncias.

A manifestação do Iabloko em Moscou diante da sede do governo, protestando contra a reforma do Escritório Comunal de Serviços Residenciais, conseguiu reunir somente duzentos manifes­tantes. O governo está insistindo para que todas as regiões tornem esses serviços totalmente autofinanciados até o final de 2005 e, num país com tantas pessoas pobres como o nosso, isto estará acima das posses da maioria. A visão do Iabloko é de que o governo não tem o direito de estimular mais um aumento de preços; ele deveria estar combatendo a mentalidade monopolista desses escritórios, encorajando as pessoas que possuem acomodação a formarem cooperativas e deveria encorajar as pequenas empresas a oferecerem serviçoa concorrentes. Elevando os preços, o governo está propondo levantar um trilhão de rublos [US$20 bilhões] e investi-los no atual sis­tema podre de provisão de serviços residenciais.

As propostas do Iabloko são muito sensatas, mas o baixo comparecimento indica o quanto as pessoas levam a sério o partido. Os líderes não estão buscando o apoio das pessoas, mas sim assentos na Duma através de negociações com a Administração Presidencial.

 

28 de março

Na Inguchétia, as tentativas de exigir o afastamento do presidente Murat Ziazikov foram frustradas. Tendo em mente a maneira pela qual os eventos se desenrolaram em Kirghizia, os organizadores pensaram que, onde há roubo, pode-se esperar uma revolução. Todos estão se perguntando se a Rússia pode seguir a Kirghizia.

As autoridades acabaram com a reunião antes que ela começas­se. O Memorial para as Vítimas de Repressão Política, na periferia de Nazran, foi cercado a uma grande distância por veículos arma­dos, soldados e policiais. Boris Arsamakov, o líder da Akhki-Iurt, que organizou a manifestação, foi detido até o final do dia. Na vés­pera do protesto, o presidente Ziazikov deixou a Inguchétia, por via das dúvidas - ele nunca está presente quando fareja problemas -, e só voltou quando tudo havia se acalmado.

Embora não tenha sido possível realizar a reunião, a multidão não recorreu à violência. Quando Arsamakov foi preso, os manifes­tantes quiseram invadir a sede da polícia, mas foram contidos por Musa Ozdoev, deputado da Assembléia do Povo e importante representante da oposição na Inguchétia. Ele entrou no prédio para negociar a libertação de Arsamakov e, a seguir, convocou as pessoas que estavam lá fora para que adotassem uma resolução exigindo o afastamento imediato do presidente Ziazikov e acrescentou: Como as autoridades demonstraram covardia trazendo todas essas tropas para a República, vamos nos dispersar por hoje e aguardar para ver se nossa resolução será implantada."

Isso acalmou os ânimos. Murat Oziev, o respeitado editor chefe do Anguchi, o único jornal de oposição na República (fecha­do por Ziazikov), também pediu que a multidão não partisse para ações diretas. Dois deputados favoráveis a Ziazikov disseram que tinham vindo para negociar com a oposição e consultar Ziazikov a respeito da sua renúncia. Eles pediram que a multidão se dispersasse. O que havia por trás desse comportamento pelas autoridades. Em resumo, medo de uma repetição do cenário Kirghiz. A Inguchétia é pobre, ao passo que as autoridades de seu governo são ricas e estão enriquecendo cada vez mais saqueando o orçamento. O texto a seguir foi extraído de uma auditoria oficial em busca de apropria­ção indevida de fundos orçamentários e executada pela Diretoria Central do Ministério do Interior do Distrito Federal do Sul:

As perdas totais decorrentes da apropriação indevida de recur­sos do orçamento federal chegaram a 3,9 milhões de rublos [US$152.000]. dos quais 2,8 milhões de rublos foram desvia­dos em 2003 e 1,1 milhão, na primeira metade de 2004. Em 2003 e na primeira metade de 2004, foram descobertas irregu­laridades financeiras totalizando 181,4 milhões de rublos [US$7 milhões].Deste total, aquelas que envolveram recursos do orçamento federal chegam a 72,5 milhões de rublos [US$2,84 milhões] ou 40%.

A pequena Inguchétia é ainda menor que sua vizinha Tchet-chênia; contudo, no ano e meio da gestão de Ziazikov, milhões foram roubados. De onde eles vieram?

A Inguchétia tem muitos problemas grandes. O primeiro são os refugiados: o governo federal lhes fornece ajuda e para a cons­trução de novas habitações para aqueles que perderam suas casas na inundação de 2002. O segundo problema é o campo petrolífero de Malgobek, a principal fonte de riqueza na república: todas as auto­ridades locais estão constantemente tentando controlá-lo e uma corrupção sem fim o cerca. Finalmente há a agricultura, uma vez que a república é essencialmente agrícola.

A auditoria prossegue:

Sem fazer a necessária provisão orçamentária, o governo república concedeu ilegalmente um crédito orçamentário de 30 milhões de rublos [US$1.180] à empresa Inguchneftgazprom. Sem que houvesse as necessárias alterações legislativas, a verba alocada para subsídios habitacionais foi reduzida no mesmo valor.

A empresa de gás e petróleo Inguchneftegazprom é a mais importante da república e sustenta financeiramente as autoridades. Infelizmente, na gestão de Ziazilov, ter uma empresa de petróleo está se mostrando dispendioso para as pessoas que vivem na Inguchétia. Existe uma crise habitacional aguda, em parte devida aos milhares de refugiados; assim, cortar subsídios habitacionais e entregar o dinheiro à petrolífera é o ato mais ultrajante que se pode imaginar, mas foi o que aconteceu.

Em 2003, a Inguchneftegazprom recebeu um empréstimo de 27 milhões de rublos [US$1.060.000] para implantar um pro­grama de estabilização e desenvolvimento do complexo petro­lífero. Somente 10,5 milhões de rublos foram pagos no prazo. O prazo de pagamento foi ampliado. De acordo com as estatís­ticas fornecidas, a extração de petróleo está declinando ano a ano. Porém, foi descoberto que, desde 2002, a Inguchnefte­gazprom vem extraindo petróleo sem permissão e ocultando da auditoria a verdadeira quantidade obtida...

Em 15 de agosto de 2003, a Inguchneftegazprom assinou um contrato, garantido pelo governo da Inguchétia, com uma empresa norueguesa para o fornecimento de tecnologias para aumentar a produção de petróleo. Pelo trabalho executado, a Inguchneftegazprom deveria transferir fundos no valor de US$775.000, fornecidos pela república, para a conta corrente da empresa. O dinheiro foi transferido através de duas ordens de pagamento, em 19 de dezembro de 2003 e 10 de março de 2004, respectivamente, mas as condições do contrato nunca foram satisfeitas.

 

Em resumo:


Em conseqüência da falta de correção por parte da gerência da Inguchneftegazprom, a empresa e o Estado sofreram perdas materiais superiores a 25 milhões de rublos [US$980.000]. No decorrer da atual auditoria, o procurador-geral da República favoreceu procedimentos criminais sob os artigos 171 199 e 201 do Código Criminal da Federação Russa (...).

A inspeção do uso dos recursos alocados para neutra] conseqüências de desastres naturais nos distritos de N Sunza e Malgobek revelou que, em 2003, pagamentos zando 9,5 milhões de rublos [US$372.000] foram recebidos indevidamente por cidadãos não registrados em endereços fixos na época da inundação. Foram abertos quatro processos criminais por irregularidades financeiras que totalizavam milhões de rublos [US$122.000] (...). No Ministério da Construção, devido a um exagero no custo das usinas de tratamento de esgoto no distrito de Malgobek [para repor aquelas destruídas pelas enchentes], foi descoberta uma apropriação indevida de fundos no valor de 546.600 rublos [US$2 (...). Em 2003 e na primeira metade de 2004, a auditoria de 253,9 milhões de rublos [US$9,96] recebidos do orçamento federal para implantar o programa de ajuda ao sul da Rússia (o qual é primordialmente habitacional) revelou irregularidades financeiras no valor de 48,9 milhões de rublos [US$1.9 ou 20% do total alocado. Para o período 2003-2004 levantadas 185 acusações criminais com relação ao roubo de fundos orçamentários. Entre elas, estão 38 casos de apropria- ções indevidas muito sérias de recursos. A maior parte diz respeito a apropriações indevidas de recursos alocados para superar as conseqüências da inundação de junho de 2002. Trinta e três casos se relacionam com perdas que totalizam 17,7 de rublos [US$694.000].

 

Os processos criminais por apropriação foram de fato mas desde então foram congelados. Esta é a principal técnica para garantir a lealdade das autoridades na Rússia. Primeiro, obter material comprometedor sobre eles e, depois, observar enquanto eles se apressam a entrar para o partido da Rússia Unida.

Quando publiquei essas informações e essas cifras publicação foi proibida na Inguchétia - Ziazikov ameaçou cessar. Não por tê-lo difamado, mas por ter supostamente documentos oficiais. Fui levada ao Gabinete do Procurac para interrogatório. Depois fui deixada em paz. Não são documentos secretos; assim, por que alguém precisaria roubá-los? Para provar o roubo, eles precisariam de minhas impressões digitais no cofre de alguém. Quanta falta de senso!

Não é preciso dizer que o general Napalkov, o funcionário do Ministério do Interior encarregado dessa auditoria e por quem ela foi assinada, foi demitido. O Ministério do Interior sofreu uma pressão tão grande da administração presidencial que decidiu sacri­ficá-lo.

 

11 de abril

As últimas palavras de Mikhail Khodorkovski antes de ser senten­ciado: "Não sou culpado dos crimes dos quais sou acusado e, assim, não pretendo pedir clemência. É uma desgraça para mim e para meu país o fato de ser considerado perfeitamente legal o procura­dor enganar o tribunal de forma direta e aberta. Fiquei chocado quando o tribunal e os advogados me explicaram isto. É um estado de coisas muito infeliz se todo o país está convencido de que o tri­bunal está agindo sob a influência de autoridades do Kremlin ou do Gabinete do Procurador-geral.

"De fato, o tribunal está sendo solicitado a decidir que a cria­ção, o gerenciamento ou a posse de uma empresa bem-sucedida é rova de um crime. Hoje não me restam muitas propriedades. Deixei de ser um empresário. Não sou mais um dos super-ricos. Tudo que tenho é o conhecimento de estar com razão e minha determinação para ser um homem livre."

A maioria havia previsto que Khodorkovski pediria clemência. Ninguém podia acreditar que um oligarca permaneceria um ser humano decente, a qualquer custo. Ninguém confia em oligarcas. Seus roubos eram demasiadamente públicos e a base da sua riqueza é o empobrecimento nacional. As pessoas não perdoarão isso, mas poderão sentir pena de Khodorkovski caso ele seja totalmente esmagado.

15 de abril

Uma segunda sentença foi dada a Mikhail Trepachkin, que foi enquadrado por desertar da KGB e participar de uma investigação independente sobre a explosão de prédios residenciais na Rússia.

Imediatamente antes do início da Segunda Guerra Tchetchena.

Cinco anos de prisão numa colônia penal. O tribunal considerou-


o culpado de uma acusação ainda mais grave que aquela proposta pelo procurador. Durante todo o julgamento, Trepachkin foi mantido sob condições descabidamente severas de detenção. Seu caso está sendo revisto pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos mas enquanto isso ele está na prisão.

 

17 de abril

Numa de suas aparições em Moscou, Gary Kasparov foi atingido na cabeça com um tabuleiro de xadrez. Alguém se aproximou dele supostamente querendo que ele autografasse o tabuleiro. Recupe­rando-se do golpe, Kasparov foi irônico: "Ainda bem que os russos preferem o xadrez ao beisebol."

 

23 de abril

Hoje Putin recebeu Mikhail Fridman, do Alpha Group, no Kremlin. A elite dos negócios em Moscou o estava considerando um provável candidato ao tratamento Khodorkovski. A recepção no Kremlin foi um ato típico de relações públicas por Putin, desta vez para o benefício da petrolífera TNK-BP. Na linguagem do Kremlin, eles estavam dando "apoio moral" a Fridman.

Fridman por enquanto está nas boas graças do Kremlin. Ele teve a oportunidade de dividir sua riqueza e certamente irá aprovei­tá-la. A pessoa fica mal se as autoridades não lhe dão nem mesmo a chance de agradar-lhes. Lorde Browne, um alto executivo da BP, também foi recebido no Kremlin. Também estava lá Viktor Vekselberg, o homem que deixa ovos Fabergé na cesta do Kremlin. Durante toda a reunião, Fridman e Vekselberg irradiavam satisfação.

Sergei Glaziev, um deputado da Duma do partido Rodina que foi ministro de Assuntos Econômicos Externos no início da déca­da de 1990 e hoje está na oposição, comentou: "Eles preferem Fridman a Khodorkovski porque ele não financia projetos da opo­sição."

 

23-4 de abril

Vladimir Rijkov entrou para o conselho político do Partido Republicano Russo. Ele tem o apoio financeiro da Lukoil e agora se é seu partido. Rijkov alertou que os democratas precisam se unir antes deste verão, para que tenham uma chance nas eleições ara a Duma em 2007.

Gary Kasparov era aliado de Rijkov no inverno, mas não entrou para o PRR. Eles têm em comum a visão de detentor do carisma, que o atual sistema político precisa ser eliminado. Se Kasparov tivesse permanecido com Rijkov, poderia ter sido o detentor do carisma, com Rijkov sendo o combatente político mais esperto. Rijkov está dizendo que a porta ainda está aberta e que o PRR ainda espera dar boas-vindas a Kasparov.

 

25 de abril

O discurso anual de Putin à Assembléia Federal foi, ao mesmo tempo, sensacional e cômico. Foi um verdadeiro manifesto de libe­ralismo, mas pelos seus frutos vocês irão conhecê-los!

Seu tema foi "Um país livre, de gente livre", mas como é pos­sível ser livre sem um judiciário independente? Ou sem direitos eleitorais democráticos? Com um Gabinete do Procurador-geral dirigido politicamente e uma sociedade civil reprimida?

 

28 de abril

O governo decidiu que os agraciados com o título de Herói da Rússia, da URSS ou do Trabalhismo Socialista receberão um paga­mento extra [2.000 rublos, US$78] por mês no lugar dos seus pri­vilégios.

 

Assim começou o maior escândalo político do verão de 2005: uma greve de fome de três semanas pelos Heróis, chamada de chanta­gem pela administração de Putin.


 

de maio

Na Rússia, o dia 1o de maio é tradicionalmente um dia de encontros e paradas. Neste ano, a oposição estava em grupos de seis ou sete.

Eles se reuniram na praça Turgenev, marcharam pela rua Miasnitskaia até além dos edifícios do FSB e fizeram uma manifes­tação na praça Lubianka na Pedra Solovi, que homenageia as víti­mas da era comunista. Seus cartazes diziam: "Por liberdade, vida e democracia! Contra a violação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais na Rússia!"

Havia cerca de mil pessoas. Não tão ruim, não um desastre. Na véspera, em Minsk, 14 de nossos cidadãos haviam sido libertados. Eles haviam viajado até a Bielorrússia para tomar parte de uma pro­cissão organizada pela oposição local. Ilia Iachin, líder da ala jovem do Iabloko, voltou a Moscou esta manhã. De um púlpito ao lado da Pedra Solovki, ele nos deu sua visão da prisão Lukachenko,* e nos disse que, em Minsk, os manifestantes ucranianos foram espancados com mais violência do que os russos.

Quando os democratas estavam terminando, a União das Forças de Direita iniciou seu encontro ao lado, na praça Lubianka. As autoridades devem ter gostado de ver que liberais e democratas não deixam de brigar nem mesmo em feriados.

O principal protesto foi organizado pela ala esquerda, que con­gregou quase nove mil pessoas. A maior parte dos jovens estava lá. O Partido Comunista, os Bolcheviques Nacionais, o Rodina, o Trabalhista na Capital, a União de Oficiais Soviéticos e outros tinham concordado em realizar uma manifestação conjunta. Pela primeira vez em quatro anos, Eduard Limonov conseguiu liderar a coluna dos Bolcheviques Nacionais, agora que expirou sua senten­ça suspensa.

Ievgeni Baranovski, Lev Dmitriev e Alexander Tchepaliga começaram uma greve de fome na sede do Partido Bolchevique Nacional em Moscou. Eles exigem a libertação de seus colegas de partido que ainda estão na prisão.

Em toda a Rússia, a esquerda trouxe para as ruas um milhão e meio de manifestantes no 1o de maio.

Na Inguchétia, as comemorações de maio foram marcadas por prisões. Musa Ozdoev, o líder da campanha pela demissão do presidente Ziazikov, foi preso durante a noite. No dia anterior, ele esta­va numa praça onde seria realizada uma manifestação anti-Ziazikov e foi preso pela polícia. A meia-noite, o juiz Ramazan Tutaev foi levado à sede da polícia em Nazran; ele distribuiu justiça na cela de detenção, dando assim expressão simbólica da fusão do judiciário com as instituições de cumprimento da lei em um único mecanis­mo estatal de repressão.

Tutaev sentenciou Ozdoev a 72 horas de prisão, oficialmente por “vandalismo insignificante". Alegou-se falsamente que ele que­brou uma banqueta. Como deputado do Parlamento Republicano, Musa não pode ser preso legalmente sem a sanção da Assembléia do Povo, mas, como esta é difícil à noite, a formalidade foi dispensada.

Na prisão, Musa iniciou imediatamente uma greve de fome para protestar. Ele descobriu que seus companheiros de cela esta­vam presos por tentativa coletiva de suicídio.

 

2 de maio

Ozdoev foi libertado inesperadamente um dia antes. A decisão foi tomada pelo juiz Alikhan Iarijev, do Tribunal Distrital de Nazran. Ozdoev considerou aquilo um insulto. "Eu disse ao juiz Iarijev", contou-me Musa, "que não iria sair. Não precisava de concessões deles." Porém, os policiais puseram o oposicionista na rua e fecha­ram bem a porta atrás dele.

O verdadeiro motivo era, evidentemente, que ele havia entra­do em um mundo que as autoridades queriam manter secreto. Na cela, ele conheceu pessoas que haviam sido torturadas para que confessassem "voluntariamente" que eram organizadoras e partici­pantes de um ato terrorista contra Murat Ziazikov. Ozdoev soube que a tortura empregada pelos agentes do Ministério do Interior contra aqueles prisioneiros era tão extrema que a Diretoria do FSB da Ossétia do Norte recusou-se a aceitar alguns deles para um interrogatório posterior devido à gravidade dos seus ferimentos. Ozdoev também conheceu Bekkhan Gireiev, chamado pelo Ministério do Interior de "a mente por trás do complô terrorista”. Suas rótulas estavam quebradas e ele não tinha nenhuma unha nas mãos. Tinham sido arrancadas durante o interrogatório.

"Fiquei sabendo de coisas nas quais nunca havia acreditado antes", contou Musa, "se não tivesse visto com meus próprios olhos. É claro que, depois desse tipo de coisa, essas pessoas e seus parentes correrão para se juntar à Resistência." O deputado consi­dera sua desventura totalmente comum.

 

3 de maio

De Israel, Leonid Nevzlin fez uma oferta à administração presiden­cial para vender as ações do Grupo Menatep na Iukos em troca da liberdade de Khodorkovski e Lebedev.

Por intermédio de seus advogados, Khodorkovski, da prisão Matrosskaia Tichina, recusou a oferta do seu amigo e antigo parcei­ro de negócios. Khodorkovski declarou que não se considerava cul­pado e não tinha nenhuma intenção de permitir que fosse resgata­do. Ele lutaria por sua liberdade por meios legais.

Nevzlin passou a ter uma participação controladora na Menatep depois que Khodorkovski transferiu 59,5% da empresa para ele para se "concentrar na criação de uma sociedade civil na Rússia”. Essa concentração de esforços foi o início de todos os seus problemas, pois o Kremlin decidiu que ele era o seu pior inimigo. Caso ele tivesse pago devidamente a parte do Kremlin, não teria sofrido nenhum dano.

Os acionistas da Iukos anunciaram que não vêem razões para continuar tentando salvar a empresa.

As autoridades estão insinuando ainda mais, na televisão e em discursos de suas figuras mais proeminentes, que Stalin na realidade não era tão mau como disseram. A inauguração de novos monu­mentos a Stalin em reconhecimento à sua grande contribuição para a vitória na Segunda Guerra Mundial é exibida com destaque nos noticiários. A Associação de Direitos Humanos se opôs a essas ten­tativas de impor a veneração oficial ao Líder. Numa declaração, ela comentou:

Depois de tudo que nosso povo ficou sabendo a respeito da brutalidade sobre-humana e da vileza de Stalin, sua reabilitação moral e política só pode significar que, em nosso país, qualquer imoralidade política é permitida e qualquer crime cometido pelo Estado pode ser justificado, se sua enormidade for sufi­cientemente intensa para entorpecer a mente. Nunca devemos esquecer que a principal vítima do stalinismo foi o povo russo.

 

Os democratas perderam o barco novamente. A re-stalinização é uma realidade.

 

4 de maio

No Tribunal Distrital de Zamoskvoretchie, em Moscou, a juíza IrinaVasina rejeita um recurso de Svetlana Gubariova. Svetlana foi refém em Nord-Ost e perdeu na tragédia sua filha de 13 anos e seu noivo, Sandy Booker, um cidadão americano.

Svetlana exigia que a recusa do procurador a responder às suas perguntas a respeito de onde e quando sua família morreu deveria ser considerada ilegal; que as diretivas do Gabinete do Procurador, recusando-se a rever a prestação de assistência médica durante o cerco de Nord-Ost, deveriam ser consideradas ilegais, e que a deci­são do chefe da investigação,Vladimir Kaltchuk, de não fazer acu­sações criminais contra os agentes das unidades de Operações Especiais que realizaram o ataque deveria ser considerada ilegal.

Em voz trêmula, Svetlana leu suas queixas contra o procurador. Ela observou que aqueles que mataram os reféns, inclusive sua família, receberam prêmios e que agora está se tentando de tudo para absolvê-los da culpa por terem transformado o auditório Dubrovka numa câmara de gás. A não-responsabilização dos culpa­dos conduziu à tragédia de Beslan, ainda maior.

Depois de ouvir por cinco minutos, a juíza encerrou abrupta­mente a audiência. Svetlana esperava criar uma jurisprudência fazendo com que o tribunal se pronunciasse sobre a base legal da maneira pela qual o inquérito estava sendo conduzido.

 

9 de maio


Os líderes de todos os países imagináveis vieram a Moscou prestar homenagem a Putin, não à vitória russa na Segunda Guerra Mundial. Essa é a interpretação da direita, da esquerda e dos apolíticos.

Putin seqüestrou esta importante comemoração patriótica seus próprios fins, para consolidar sua posição como um dos principais líderes do mundo. O mundo dos negócios foi forçado a contribuir para o Fundo da Vitória. Todos os funcionários tiveram pagar uma taxa. Nem mesmo os servidores públicos mais humildes tiveram opção a não ser pagar para comemorar a "Vitória de Putin”

Um idoso, Pavel Petrovitch Smolianinov, escreveu-me aldeia de Puchkarnoie, onde sua mulher é carteira. Ela recebe meros 2.000 rublos [US$80] mensais, mas foi forçada a contribuir. Nas palavras dele, ela não conseguiu resistir à extorsão porque só faltam três meses para que se aposente e não queria pôr em risco sua pensão.

 

11 de maio

Será estabelecida uma Câmara Social, composta pelos "melhores elementos da sociedade civil”. Eles serão selecionados por Putin para criticar decisões das autoridades do Estado, inclusive o próprio Putin.

O Comitê Diretor do Congresso dos Cidadãos descreveu isso como "uma tentativa de manipular a sociedade civil em favor dos interesses dos ocupantes do poder". Por outro lado, acrescentou o Comitê, é sensato explorar qualquer oportunidade para influenciar as autoridades "e acreditamos que a participação individual de membros do Congresso Nacional dos Cidadãos na Câmara Social deve ser vista como mais uma oportunidade prática para exercer essa influência".

Será que eles irão se permitir ser comprados desta maneira?

Pode ter certeza de que sim.

 

12 de maio

Em Novosibirsk, agentes do FSB prenderam dois bolcheviques nacionais, Nikolai Baluev e Viatcheslav Rusakov. O apartamento de Baluev foi revistado e os agentes removeram folhetos, edições do jornal Generalnaia Iinia, do Partido Bolchevique Nacional, vinte videocassetes e um jarro. Ambos os membros do partido estão sendo acusados de "posse de armas" e "terrorismo”.

 

14de maio

O "Festival Antiterror". As vítimas de Nord-Ost encenaram um tour de force denominado "Não ao Terror!”. Elas continuam a luta por conta própria, mas com pouco apoio. A grande sala de concertos do Cosmos Hotel em Moscou está somente com metade da ocupação.

Nos camarotes, estão principalmente as famílias daqueles que morreram e os sobreviventes de Nord-Ost. De um lado, está uma delegação de Beslan. O evento é aberto por Tatiana Karpova, a mãe de Alexander Karpov, morto em Nord-Ost, que agora é a força motriz por trás da associação, defendendo os interesses das pessoas envolvidas. O tema principal da noite é: onde está a preocupação do Estado com as vítimas do terror? Onde estão as investigações independentes sobre os atos terroristas? Onde estão o judiciário independente e o gabinete do procurador honesto? Está ouvindo, sr. Presidente?

Uma carta aberta a Putin é distribuída. Foi escrita por Oleg Jirov, cidadão holandês cuja mulher morreu tentando salvar seu filho do cerco:

Minha principal razão para escrever esta carta é o número cres­cente de vítimas de atos de terrorismo e o total desprezo pelos seus problemas e seu direito a compensação moral e material por parte da burocracia e das instituições judiciais, inclusive os tribunais Supremo e Constitucional. A julgar por seus veredic­tos, tudo o que aconteceu na Rússia nos últimos cinco anos de luta contra o terrorismo está de acordo com a Constituição e as exigências e ações judiciais das vítimas não têm justificação legal. Às vezes, parece que há somente duas partes nesta guer­ra: as heróicas tropas de Operações Especiais e, no outro lado, terroristas e separatistas.

Leio a carta de Oleg Jirov juntamente com Svetlana Gubariova, que perdeu a filha e o noivo americano durante o cerco. Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto ela tenta conter sua tristeza incon­solável. Ela não acredita que escrever cartas abertas a Putin vá mudar qualquer coisa quanto à maneira pela qual as autoridades russas estão combatendo o terrorismo", quando é Putin o maior instigador de Políticas em que os que levam a pior são sempre os reféns.


 

O palco está repleto de rostos conhecidos, partidários insisten­tes das vítimas do terrorismo: Irina Khakamada, que hoje chefia o partido Nossa Opção; Gary Kasparov, campeão mundial que este ano deixou de jogar xadrez para trabalhar por mudanças políticas, e Liudmila Aivar, advogada que há mais de dois anos representa os interesses das vítimas de Nord-Ost nos tribunais.

Muitas "caras novas" haviam sido convidadas, mas não aparece­ram. Por exemplo, Alexander Torchin, que lidera a comissão parla­mentar formada para investigar Beslan. Era ele que o pessoal de Beslan esperava ouvir. Eles acreditam que Torchin conheça todos os detalhes a respeito do ataque à escola, não pode revelá-los por enquanto, mas contará toda a verdade quando reunir coragem sufi­ciente. Sua ausência deste festival significa evidentemente que ele ainda não a reuniu.

Putin é incapaz de ver o povo russo como aliado na luta con­tra o terrorismo. Ele não gosta desse tipo de envolvimento popular e os lacaios que executam suas ordens meramente imitam o com­portamento do presidente.

O Festival de 2005 já é o segundo. Está se tornando uma tradi­ção. Nós, reféns de um Estado indiferente, só podemos adivinhar quantos outros atos terroristas acontecerão em 2006 e esperar que sejam poucos.

 

16 de maio

O comportamento pouco educado dos homens de Operações Especiais OMON diante do Tribunal Mestchanski, onde o julga­mento de Khodorkovski e Lebedev está chegando ao fim, é um claro indicador da atitude das autoridades com relação à democra­cia. Eles dissolveram um grupo de defensores dos acusados, mas ignoraram os manifestantes contra a Iukos, que também aparece­ram de algum lugar. No total, 28 pessoas foram presas, com os poli­ciais tirando pessoas da multidão e jogando-as em um ônibus quan­do terminou a manifestação, como se alguém no comando tivesse acabado de acordar. Os manifestantes foram levados para postos da polícia e lá retidos por sete horas. Entre eles estava Kasparov.

 

21 de maio

Todo ano, desde 1990, a Fundação Andrei Sakharov e a Filar­mônica de Moscou comemoram o nascimento de Sakharov reali­zando um sarau musical no Grande Auditório do Conservatório de Moscou. Nos últimos 14 anos, o programa tornou-se tradicional: um concerto clássico com discursos breves feitos por importantes figuras públicas e defensores dos direitos humanos que eram próximos de Sakharov a respeito dos principais problemas que enfrentamos.

É provável que tenham temido os discursos, porque, quando chegou o momento de acertar a décima quinta comemoração este ano, pela primeira vez, a Filarmônica disse à Fundação que o even­to não seria possível. Sem explicações.

Para manter intacta a tradição, os admiradores de Sakharov, recuperando-se da surpresa diante da inesperada manifestação de democracia gerenciada, realizaram um concerto ao ar livre na pequena praça ao lado do Museu e Centro Social Sakharov. O tema da noite era "Enquanto Corações Ainda Batem pela Vida Honesta".

Houve um bom comparecimento e a noite correu bem, à maneira de Moscou. Trovadores cantaram, poetas recitaram, a can­tora tchetchena Liza Umarova teve um desempenho perfeito, foi lida uma carta de Vladimir, que não pôde comparecer. Sergei Kovaliov fez um discurso, assim como Grigori Iavlinski e Vladimir Lukin, ombusdsman da Rússia pelos Direitos Humanos. O concerto foi apresentado por Natella Boltianskaia, uma excelente composi­tora, cantora e apresentadora na rádio Eco de Moscou, uma das ultimas emissoras de rádio livres ainda em operação.

A sensação de derrota, deixada pelo cancelamento do sarau no conservatório, dissipou-se com as primeiras palavras ditas e canta­das, sendo substituídas por uma grande sensação de solidariedade e unidade com o legado de Sakharov.

Mas os truques ainda não tinham acabado. Percebendo que não haviam conseguido humilhar o movimento pelos direitos huma­nos, as autoridades voltaram atrás e a Filarmônica começou a anunciar um "Concerto Sakharov" no Grande Auditório do Conser­vatório. Elas montaram um concerto paralelo para o qual, natural­mente, não foram convidados os amigos de Sakharov, nem os anti­gos prisioneiros do Gulag, nem os membros do movimento pelos direitos humanos, nem os parentes de Sakharov.

As autoridades parecem ter decidido tentar privatizar mesmo a memória de Sakharov. O mais provável é que o objeto fosse jogar areia nos olhos do Ocidente.

 

22       de maio

É domingo e foram convocadas marchas por toda a nação "pela livre expressão, contra a censura, a violência e as mentiras na televisão".

Supus que a maioria dos manifestantes seria de membros da imprensa e que eles iriam liderar o desfile. Na verdade, além dos jornalistas que cobriam o evento, havia somente dois representan­tes da imprensa marchando: Ievgenia Albats, que trocou o jornalis­mo pelo magistério, e eu.

A manifestação fora organizada conjuntamente pelo Iabloko, o Partido Comunista, a União de Forças de Direita, a União Russa de Jornalistas, o Grupo Moscou Helsinque, o Congresso dos Ci­dadãos, o Comitê 2008, o Comitê pela Defesa dos Moscovitas, o Comitê pela Defesa dos Direitos Humanos, a Associação dos Direitos Humanos, o Movimento de Solidariedade e os Bolchevi­ques Nacionais. Limonov fez um discurso.

Todos se reuniram no memorial ao Acadêmico Koroliov, na avenida dos Cosmonautas, e prosseguiram até o centro de transmis­são em Ostankino, bloqueando a rua.

 

23 de maio

Os Bolcheviques Nacionais detidos na prisão feminina Petchatniki pela ocupação, em 14 de dezembro, de uma sala no prédio da administração presidencial, entraram em greve de fome.

 

24 de maio

A Iukos não mais existe. Seu principal ativo, a Iuganskneftegaz, comprada com auxílio de capital alemão. A holding Iukos-Moscow foi liquidada.


 

28 de maio

Conferência da União de Forças de Direita. Nikita Belikh foi elei­to presidente do comitê político e chefe do partido. Ele é um homem do governo e vice-governador da província de Perm; assim, a administração conquistou também a União de Forças de Direita. Por exemplo, ela deixou prontamente de protestar contra a abolição das eleições para governadores.

A pedido da administração presidencial, a principal preocupa­ção da Duma durante sua sessão de verão tem sido eliminar os últi­mos vestígios de democracia na legislação eleitoral. Leis receberam emendas para garantir que as pessoas em desgraça não tenham a menor chance de chegar ao poder, independentemente do que possa pensar o eleitorado. As maiores inovações são:

O depósito eleitoral exigido dos partidos políticos foi eleva­do para US$2 milhões.

O quórum para uma eleição válida está sendo drasticamente reduzido para que as eleições continuem ocorrendo. Onde anteriormente o mínimo de comparecimento era de 20%, agora não mais haverá requisito mínimo para eleições locais. É uma dissimulação completa: mesmo que 2% do eleitorado compareçam para votar para prefeito, a eleição será válida.

Não haverá mais restrições sobre o número de urnas remo­tas ou portáteis nos centros de votação. As maquinações envolvendo urnas portáteis foram a principal tática para fraudes nas últimas eleições, tanto a parlamentar como a pre­sidencial. Eles as encheram dos votos necessários, longe das seções eleitorais e, portanto, fora do alcance dos observado­res. De fato, nas eleições municipais em São Petersburgo, este sistema mostrou maravilhosamente seu valor, com o núme­ro de cédulas nas urnas remotas superando aquelas dos elei­tores que votaram pessoalmente nas seções eleitorais.

A opção de votação "Nenhum dos nomes anteriores" será removida das cédulas. Recentemente, até 20% dos votos apurados foram para "Nenhum dos nomes anteriores", o que irritou a administração presidencial. Agora não haverá como registrar um voto formal de protesto nas eleições.

5.As associações públicas não podem mais fornecer observa- dores. Não serão permitidos observadores independentes somente aqueles indicados por partidos políticos. Obser- vadores internacionais somente serão permitidos se convida- dos pelas autoridades do Estado. A administração presiden- cial decidirá quais observadores convidar e quais manter afastados.

Será que a administração está desesperadamente amedrontada com as eleições, mesmo quando elas são tão "gerenciadas" quanto as mais recentes? Ou ela está apenas cansada de se preocupar com a possibilidade de suas fraudes não darem certo e quer impor condi­ções ainda mais favoráveis a si mesma?

Todas essas emendas presidenciais adotadas pela Duma ainda não bastam para Dmitri Mevdvedev, diretor da administração presi­dencial, que disse aos representantes das comissões regionais eleito­rais que as eleições eram uma "ameaça à estabilidade" na Rússia Putin não censurou o diretor da sua administração.

 

Em Moscou, o Partido Comunista, o Partido Bolchevique Nacio nal, o Iabloko e o Rodina realizaram uma manifestação conjunta de protesto na praça da Revolução em apoio aos prisioneiros políticos. Eles estão mostrando solidariedade para com as mulheres em greve de fome e exigindo que elas não sejam mantidas presas enquanto o caso de 14 de dezembro estiver pendente. Elas querem que cesse a perseguição à oposição por razões políticas e exigem uma anistia mais ampla para os prisioneiros sob custódia acusados de infrações banais à lei.

As autoridades não se importam.

 

30 de maio

Ás 10 da manhã, três partidários de Limonov que estavam em greve de fome na sede do Partido Bolchevique Nacional (PBN) saíram e bloquearam a entrada para a praça Vermelha. Eles se prenderam entre os portões da arcada, perto do Museu Histórico. Os manifestantes vestiam camisetas com a legenda "Greve de fome de 29 dias e exibiam fotos dos prisioneiros políticos do PBN. Eles exigiam sua libertação e uma resposta do Estado às mulheres em greve de fome na prisão feminina de Petchatniki.

E também distribuíam panfletos com a seguinte declaração:

Liberdade ou Morte! A quarta semana da nossa greve de fome chegou ao fim na sede do Partido Bolchevique Nacional. Vimos, mais uma vez, que as autoridades de Estado russas são indiferentes à vida e à segurança dos seus cidadãos. Não houve nenhuma reação à greve de fome por parte das autoridades. O que mais se pode esperar de pessoas que, sem hesitação, enve­nenaram cidadãos do seu país com gás em Nord-Ost, atiraram de tanques contra crianças reféns em Beslan, privam os idosos de seus benefícios, aprisionam inocentes, expressam admiração pelo sanguinário ditador Karimov [do Uzbequistão] e decre­tam uma insultuosa anistia de meros duzentos prisioneiros para marcar o sexagésimo aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial? Nós, que fazemos uma greve de fome, somos obri­gados a sair às ruas para expressar nosso protesto diante dessa atitude homicida para com os cidadãos da Rússia. Dizemos não ao poder de autoridades impiedosas e carniceiros do Estado policial! Longa Vida à Rússia Livre!

O protesto durou pouco mais de meia hora. Ás 10:35, os Bolcheviques Nacionais foram presos por agentes do Serviço Federal de Segurança e pagaram uma multa de 500 rublos [US$20] por "um piquete não autorizado na vizinhança da residência do presidente".

 

7 de junho

Na Ossétia do Norte, houve uma súbita transferência de poder. O presidente Alexander Dzasokhov, que ninguém conseguia agüentar mais, foi rebaixado à posição de senador e membro do Soviet da Federação, representando a Ossétia do Norte. Ele é totalmente res­ponsável pela morte de centenas de crianças e adultos em Beslan e deveria ser julgado. Porém, Putin não manda seus aliados a julga­mento. Ele substituiu Dzasokhov por Teimuraz Mamsurov, uma indicação antiterrorista". Mamsurov foi anteriormente líder do Parlamento da Ossétia do Norte. Dois dos seus filhos foram reféns em Beslan mas sobreviveram. Porém, tudo o que ele fez posterior mente foi encobrir os atos das autoridades.

Em sua fala do trono aos deputados do Parlamento, Mamsurov declarou: "Procurarei ser merecedor da confiança do presidente" Os eleitos não precisam mais aspirar à conquista da confiança do povo.

 

16 de junho

Representantes da oposição, à esquerda e à direita, assinaram em Iaroslavl um documento de aliança, provocando uma das hoje raras aparições públicas de Iavlinski. Ele parecia fatigado e deprimido.

Ele contou aos jornalistas: "Sou convidado periodicamente a aparecer na televisão apenas para mostrar ao público que ainda estou vivo. Ficam satisfeitos em saber disso, mas o interesse pára por aí. O que fazer nessas circunstâncias? Apenas pedir às autoridades que lhe concedam uma certa porcentagem dos votos nas eleições. É como uma prova esportiva preparada, em que o resultado não reflete a realidade." Atualmente Iavlinski leciona na Escola Superior de Economia em Moscou. Ele tem alunos pós-graduados, escreve livros e faz palestras no exterior.

Nikita Belikh, o novo líder da União de Forças de Direita, parece estar pedindo que o Kremlin não persiga seu partido, mas o veja como útil. "Somos uma oposição construtiva. Nunca dissemos que somos leais às autoridades, mas ao mesmo tempo não acredita­mos em oposição pela oposição."

Suas palavras são completamente sem vida. Existe algum inte­resse em fazer esforços para ressuscitar esses velhos democratas meramente porque são rostos conhecidos? Será que eles são capa­zes de fazer alguma coisa pelo país como líderes democráticos ou devemos simplesmente aceitar a maneira pela qual a política esta evoluindo? Se formos realistas, nenhum dos movimentos ou parti­dos no espectro democrático merece o apoio de uma pessoa honesta que reluta em comprometer sua consciência.

Na ausência de políticas adultas, um papel cada vez maior e desempenhado pela política jovem, que não fica se perguntando qual seria seu papel ou a quem deveria apoiar. Ela não se importa


com o que Iavlinski pensa e provavelmente nunca ouviu falar de Nikita Belikh

 

20 de junho

Já se passaram seis meses desde os horrores em massa cometidos pela polícia em Blagoveschensk, Baskhiria e nas aldeias vizinhas em 10-14 de dezembro de 2004. E quase dois meses, desde a publica­ção de instruções secretas e inconstitucionais preparadas pelo Ministério do Interior da Rússia sobre a permissão para tomar medidas violentas contra cidadãos russos, instruções estas muito adequadas à violência em Blagoveschensk. Agora, finalmente, foi formada em Moscou uma comissão sob os auspícios do ombudsman para Direitos Humanos para discutir para onde vamos.

Uma reunião dessa comissão é a única reação oficial das auto­ridades do Estado a toda uma série de "limpezas" semelhantes às de Blagoveschensk que ocorreram, e ainda estão ocorrendo, em mui­tos lugares, como Bejetsk, Nefteigansk, a aldeia de Rojdestveno, na província de Tver, e a aldeia de Ivanovskoie, na região de Stavropol.

A extraordinária brutalidade dos serviços de segurança na Rússia nos últimos seis meses não gerou nenhum protesto público amplo, nem teve repercussões sociais. O presidente continua a se considerar acima da defesa da Constituição, sem se desculpar nem mesmo uma vez às centenas de pessoas "expurgadas", feridas e espancadas, por sua incapacidade para protegê-las. O Parlamento está no bolso do presidente e não dedicou sequer uma sessão aos extraordinários eventos em Blagoveschensk e suas conseqüências. O procurador-geral não exigiu publicamente a imediata anulação das instruções inconstitucionais do Ministério do Interior.

Agora, em 20 de junho, o ombudsman Vladimir Lukin abriu a primeira sessão da comissão. O procurador-geral foi representado Por Sergei Gerasimov, vice-procurador-geral do Distrito Federal de Privoljie. Entre os representantes do Ministério do Interior, estavam o vice-chefe do Departamento de Monitoramento Organizacional, Gennadi Blinov (que foi quem mais falou por eles) e Vladmir Vladimirov, do departamento local do Serviço Federal de Controle de Drogas. Como a maioria dos policiais presentes, ele nada tinha a dizer.

Os trabalhos foram iniciados. Lev Ponomariov, da Associação

de Direitos Humanos, membro da extra-oficial Comissão Pública para Investigação dos Eventos em Blagoveschensk, perguntou: "Qual é a atual situação dos processos criminais ligados aos event em Blagoveschensk?"

Sergei Gerasimov: “0 inquérito foi concluído. Todos os acusa dos foram informados das suas constatações. Ramazanov, o chefe do Gabinete de Assuntos Internos de Blagoveschensk, leu até agora 22 dos 50 volumes. Nossa previsão é de que, se ele continuar a ler ao ritmo atual, precisará de cerca de mais um mês. O caso será então encaminhado ao tribunal."

(Quanto mais tempo ele passar lendo as evidências, menos elas estarão expostas aos olhos do público. O Gabinete do Procurador não irá pressionar Ramazanov.)

Ponomariov: "Alguns funcionários do Ministério do Interior de Bachkiria foram inicialmente suspensos, mas agora já foram reintegrados. Por quê?"

Gerasimov: "Eles entraram com recursos, dizendo que foram suspensos injustamente e o tribunal recusou-se a confirmar suas suspensões. Em minha opinião, o Ministério do Interior de Bachkiria agiu de forma incorreta. Se funcionários do Gabinete do Procurador estavam envolvidos com algo desse tipo, seria o fim de seus empregos."

Veronika Chakhova (ex-editora do jornal Zerkalo, de Blagoveschensk, demitida por ter feito um relato verdadeiro dos eventos de dezembro). "Mas nosso procurador Izmagilov recusou-se simplesmente a aceitar declarações das vítimas! Ele não foi puni­do, meramente desapareceu de vista."

Gerasimov: "Alguns dias depois do evento ele redigiu unia declaração e foi afastado de seu posto."

Chakhova: "É essa a extensão da punição dele?"

Gerasimov: "Sim."

Chakhova: "Bem, agora ele se candidatou a juiz. O Gabinete do Procurador passou uma referência sobre ele ao Colégio Qualificação de Juízes?"

Gerasimov (constrangido e inseguro com a resposta que daria: "Não sei. É possível que tenha sido enviada alguma coisa.



Sergei Kovaliov (o primeiro ombudsman russo, ex-deputado da)uma. Um democrata seguro, dissidente no período soviético, camarada em armas de Andrei Sakharov): "Mas conte para mim, ninguém está sequer levantando a questão de ele ter infringido a lei durante o desempenho de seus deveres?"

Gerasimov. “A demissão é a sanção mais severa. Não foi desco­berta nenhuma prova de atividade criminosa."

Vladimir Lukin, ombudsman: "Não obstante, este caso tem tido repercussões e os problemas continuam. Irregularidades do mesmo tipo têm ocorrido desde Blagoveschensk na província de Tver e há suspeitas de que na noite de 11-12 de junho um fato semelhante ocorreu no distrito de Stavropol. Como podemos ter certeza de que este tipo de coisa acabou? Talvez o fato de os culpados escapa­rem com total impunidade seja sua causa?"

Gerasimov: "O Ministério do Interior não pode impor ordem no seu próprio departamento. O Ministro do Interior deve ser o dono de sua casa - ele deve bater o punho na mesa. Nenhum grupo de procuradores conseguirá forçar a polícia a colocar a casa em ordem."

Liudmila Alexeieva (presidente do Grupo Helsinki de Moscou e membro da Comissão Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos Humanos): "Inicialmente, quando pegamos este caso, pensamos que se tratasse simplesmente de gerenciamento incompetente por parte do Ministério do Interior local, mas agora sabemos da Ordem n° 870DSP. A polícia estava executando esta ordem. Estamos fazendo campanha pela anulação da Ordem 870, mas há outras ordens departamentais relativas a ‘pontos de filtração’?”

(As Ordens nº 174 DSP e n° 870 DSP, de 10 de setembro de 2002, assinadas por Boris Grizlov, na época ministro do Interior, e oApêndice n° 12 à Ordem n° 870 DSP ("Instruções sobre Planejamento e Preparação de Forças e Recursos em Circunstâncias emergenciais") estabeleciam como os funcionários do Ministério do Interior devem reagir em "Circunstâncias Emergenciais", “Situações Emergenciais" e "Estado de Emergência". Eles introdu­zem o conceito de "pontos de filtração" e "grupo de filtração". De acordo com esses documentos, não só podemos ser espancados sempre que um policial ou agente do OMON achar isso adequa­do, mas também podemos ser submetidos a detenção arbitrária enviados a um ponto de filtração e, caso resistamos, eles também podem "exterminar criminosos".

Esses documentos parecem conceder a um policial o direito de considerar qualquer pessoa um criminoso. Hoje essas ordens, que equivalem a uma abolição da presunção de inocência, podem ser encontradas em todos os postos policiais.)

Gennadi Blinov: "No que diz respeito à criação do chamado ‘ponto de filtração’ em Blagoveschensk, aquilo foi apenas incompe­tência por parte do encarregado local. A Ordem n° 870 foi aprovada somente para proteger a população e nosso território em caso de estado de emergência. Ela se aplica somente a essas circunstâncias."

Oleg Orlov (vice-presidente do Centro Memorial dos Direitos Humanos): Mas na Ordem n° 870 não é feita referência somente a um estado de emergência, mas também a circunstâncias e situa­ções de emergência. Como é regulada a criação de pontos de filtra­ção num estado de emergência? E o que são ‘circunstâncias emergenciaiss’? Estes conceitos não existem em nenhum lugar em nossa legislação."

Binov: "O Ministério do Interior tem mais uma semana para responder. Não vamos nos apressar demais. Uma grande equipe de advogados está trabalhando nisso. Vamos esperar."

(Sobre o que estamos falando? No corredor, Sergei Gerasimov, que estava encarregado da investigação criminal de Blagoveschensk, admitiu abertamente que a Ordem n° 870 não havia sido enviada a ele porque era secreta. Esta ordem, de acordo com a qual os cidadãos eram agrupados num ponto de filtração, espancados, torturados e envenenados por gás, pode de fato ser fida em muitos websites de direitos humanos Memorial, The People's Verdict, a Associação de Direitos Humanos. Ela foi traduzida para o inglês e está disponível para organizações internacionais de direitos humanos. De que outra maneira ela pode ser trazida à atenção do vice-procurador-geral?)

Mara Poliakova (presidente da Comissão Legal Independente, que analisou a legalidade da Ordem n° 870): "O Gabinete do Procurador-geral pretende fazer objeção ao fato de a Ordem nº 870 e suas Instruções serem ilegais?"

Blinov: "A Ordem n° 870 foi analisada e aprovada pelo Ministério da Justiça. Ela é legítima."

Sergei Chimovolos (defensor dos direitos humanos de Nijni ovgorod). “0 uso de máscaras por agentes do OMON durante as ‘limpezas’ torna impossível trazê-los à justiça. Somente aqueles que não usavam máscaras foram acusados no caso Blagoveschensk. Como procedemos?"

Gerasimov: "É impossível agir completamente sem máscaras; as são essenciais em casos de guarda de criminosos particular-ente perigosos e captura de bandidos armados durante uma guerra de guerrilha. Certamente o uso de máscaras deve ser regulamentado, o que não é o caso no presente. Por enquanto, os agentes do MON na Bakhiria escaparam à punição. A posição do Gabinete o Procurador-geral é de que, onde são usadas máscaras, os agentes devem usar distintivos numerados; depois de Blagoveschensk, soube-se que a polícia de Bakhiria não usava nenhum distintivo e mesmo vale para muitas outras regiões."

Irina Verchinina (ombudsman de Direitos Humanos para a província de Kaliningrad). "Vocês irão rever a situação legal relativa ao o de máscaras? Há escândalos constantes, mas nada é feito a este respeito."

Não houve resposta a essa pergunta.

Sergei Kovaliov: “Não estamos falando apenas dos dez funcionários acusados em conexão com Blagoveschensk, nem somente o Ministério do Interior da Baskhiria. A questão não é essa — atuação é muito pior. De onde vieram esses pontos de filtração? Da chetchênia. Esse tipo de coisa vem acontecendo lá há mais de dez os. Eles vêm sofrendo de pontos de filtração e de um regime cruel sob um estado de emergência, embora este nunca tenha sido formalmente declarado. Isso simplesmente cria condições para a brutalidade. Estamos falando de pessoas de nível muito elevado. Na verdade, precisamos perguntar se esta não é uma política do Estado. Temo que seja."


 

Em reuniões subseqüentes da Comissão, aqueles a quem Lukin se referiu como "estranhos" foram banidos. Entre eles, estavam vítimas da ”limpeza" de Blagoveschensk e vários defensores dos direitos humanos e jornalistas. Na reunião seguinte, um ato de suicídio

por prisioneiros na colônia penal de Lgov estava em dis-




cussão quando, ao mesmo tempo, cerca de mil prisioneiros corta ram a veia em sinal de protesto contra as torturas às quais estavam sendo submetidos pelos guardas, mas a discussão foi restrita ao pessoal interno". Pessoal interno, para o defensor oficial de direito humanos da Rússia, são autoridades do Ministério da Justiça que dirigem as prisões e colônias penais da Rússia.

 

29 de junho

No Daguestão, Geider Jemal foi preso. Ele é o presidente do Comitê Islâmico da Rússia, um dos mais respeitados filósofos islâ­micos dos dias de hoje. Ele mora em Moscou. Jemal foi a Makhatchkala a convite do Conselho Religioso de Muçulmanos do Daguestão, uma instituição inteiramente oficial. Foi preso por agentes da Diretoria de Makhatchkala do FSB, juntamente com outras 12 pessoas que haviam se reunido para discutir como man­ter a paz na república, onde uma guerra está fermentando.

A prisão de pessoas desarmadas foi feita de forma muito agres­siva por agentes armados. Jemal foi insultado e espancado e depois levado ao Centro do Daguestão para a Luta Contra o Terrorismo. A seguir, todos foram libertados, exceto Abbas Kebedov, mas esse comportamento é inacreditável. Jemal é uma figura séria demais no mundo islâmico para ser tratado desta forma.

A razão oficialmente declarada foi suspeita de simpatia pelo wahhabismo, com o qual Jemal não tem ligação nenhuma. Aquilo que hoje chamamos de wahhabismo é na verdade o culto a Basaev.

 

30 de junho

No Tribunal Distrital de Nikulin, em Moscou, começou o julga­mento dos bolcheviques nacionais que ocuparam uma sala no prédio da administração presidencial em 14 de dezembro de 2004. Eles foram conduzidos ao recinto algemados uns aos outros como escravos.

O julgamento não tem precedentes. Em primeiro lugar, há 39 acusados e tentar achar uma sala de tribunal suficientemente gran­de com gaiolas para todos é impossível. As gaiolas são uma caracte­rística invariável dos julgamentos de hoje na Rússia. Em segundo

as autoridades do Estado estão se esforçando ao máximo para enfatizar que o julgamento é político.

Inicialmente eles eram acusados de "tomada violenta de poder Federação Russa" (artigo 278 do Código Penal). A acusação foi posteriormente reduzida para "organizar desordem em massa" (artigo 212, Parte 2), que pode significar de três a oito anos de pri­são O processo está sendo tratado especialmente pelo procurador-geral da Rússia,Vladimir Ustinov, e a investigação foi realizada por unia equipe do Gabinete do Procurador de Moscou (cujo líder, Ievgeni Alimov, foi dispensado em julho devido a uma investigação corrupta diferente). Por mais de seis meses, 39 dos quarenta bolche­viques nacionais (Ivan Petrov, de 15 anos, foi libertado) haviam ficado detidos aguardando julgamento.

Por volta de meio-dia, quando deveria começar a audiência, o prédio do tribunal em Mitchurin Prospekt foi cercado por cordões de segurança concêntricos. Havia agentes do OMON por toda parte, policiais chegando, cães, pessoas em uniformes de camufla­gem e agentes em trajes civis por todos os cantos. Estavam gravan­do abertamente em vídeo as pessoas que haviam se reunido e até mesmo olhando por sobre os ombros dos jornalistas para ler o que estavam anotando. Não havia liberdade como tinha havido no jul­gamento de Khodorkovski. Os bolcheviques nacionais não foram trazidos ao tribunal em carros elegantes com vidros escurecidos e os pais não puderam ver como estavam seus filhos.

Os acusados foram transportados em vans sem janelas, que entra­ram diretamente no subsolo do prédio. Subiram por escadas internas até o segundo andar, que estava completamente fechado para qual­quer pessoa que não estivesse envolvida no julgamento. Para comple­tar essas medidas extraordinárias, foram colocados policiais a cada 10 metros nos cordões externos, como se fosse esperada a presença de Putin. A única pessoa que apareceu foi Eduard Limonov, o líder do partido Bolchevique Nacional, embora nem ele nem os pais pudes­sem entrar ou mesmo chegar perto do prédio.

Sinto muito, mas foi o que o juiz decidiu", explicava amiga­velmente o coronel encarregado dos cordões. O juiz é Alexei Chikhanov, que foi trazido do Tribunal Distrital de Tver. As oitavas deveriam ter lugar lá, onde ocorreu a alegada infração, mas o tribunal não é suficientemente grande.

É preciso dizer que acorrentar e engaiolar pessoas ainda não condenadas parece um exagero; nem mesmo terroristas e estupra dores em série são trazidos acorrentados ao tribunal. Como pode mos ver, aqueles a quem as autoridades temem realmente são os

dissidentes.

Neste primeiro dia, com o público excluído, a defesa tenta conseguir a libertação dos jovens acusados sob fiança, nem que seja apenas para os três garotos menores de idade e as nove meninas. Isso não parece radical, uma vez que o dano de que eles são acusados (um sofá rasgado, um cofre quebrado e uma porta) é mínimo. Mesmo que seja acrescentada a acusação de realizar uma manifestação não autorizada esta é uma infração administrativa e não um crime.

Porém, o juiz Chikhanov destaca a gravidade da ofensa e as preocupações às quais ela dá origem. Ele anunciará sua decisão de libertar ou não às 19:00, depois que as pessoas envolvidas em outros processos tenham deixado o prédio, para o caso de os bolcheviques nacionais ainda em liberdade causarem agitação. Esta é uma clara indicação de que a decisão será negativa.

O juiz não precisava ficar tão ansioso com a possibilidade de distúrbios. No fim da tarde, com a chuva caindo, somente perma­necem os partidários mais teimosos; mães e pais silenciosos e tristes encolhidos sob seus guarda-chuvas, cujas únicas armas são as lágri­mas. Os companheiros de partido foram tomar chá e Limonov também se foi. Não é próprio para líderes permanecer na chuva. A decisão é anunciada: eles continuarão presos.

As características deste julgamento nos mostram como as auto­ridades estão com medo de oponentes políticos comprometidos que acreditam em enfrentar Putin.

Elas precisam de outro julgamento-espetáculo. Primeiro, havia a Iukos, agora estão tentando esmagar os dissidentes, que é o papel atri­buído hoje aos bolcheviques nacionais. Seus slogans são: "Parem a guerra na Tchetchênia", "Abaixo este governo anti-social", "Fora Putin!” E o que é pior, eles não atacam outras pessoas em portões, eles lêem livros e têm idéias. O que torna sua infração mais odiosa e que as autoridades não conseguiram quebrá-los, apesar de tê-los sujeitado a todos os métodos nos quais nossos órgãos de segurança se destacam em locais de detenção. As autoridades nada conseguiram: nenhum deles pediu

Gary Kasparov agora é o líder da Frente Democrática Unida infelizmente, até agora não conseguiu unir muitos democratas além das poucas almas de igual pensamento que costumavam apoiar a União de Forças de Direita. Ele continua suas viagens pelo sul da Rússia. Em todos os lugares, ele e sua equipe não conseguem acomodações em hotéis, não podem comer em restaurantes e não conseguem salas para suas reuniões. Os proprietários fazem menção a uma proibição — obviamente apenas verbal — das autoridades do Distrito Federal Sul. "Vocês voltarão a Moscou, mas nós temos de ficar aqui. Se concordarmos em aceitá-los, é provável que fechem nosso hotel e nosso restaurante."

Por que Kasparov desperta tanto alarme? Ele só falou com as pessoas, lançando sementes de dúvida a respeito do "bom Putin" na mente de algumas. Foi só o que ele fez. Sua perseguição é obra do "bom" Dmitri Kozak, representante político de Putin no sul da Rússia, um suposto democrata. Muitas pessoas, até mesmo nas filei­ras democráticas, vêem Kozak como a melhor esperança para a democracia depois de Putin, embora ele pareça bom somente devi­do à total falta de alternativas. No governo, a maioria é indolente e covarde. As pessoas sentiram pena quando ele foi nomeado repre­sentante presidencial no Sul, porque o cargo era considerado um beco sem saída, mas Kozak mostrou que não era covarde. Ele estava preparado para falar com as pessoas de suas insatisfações. Ele as ajudava a desabafar.

Aos poucos, à medida que passava de um ato de desobediência civil para outro nas cidades do Sul, Kozak começou a ganhar popu­laridade em outras partes da Rússia. Porém, sua verdadeira estatura Política é vista nesta mesquinha perseguição a Kasparov. Ele está completamente do lado de Putin.

 

1º de julho

Em Makhatchkala, no Daguestão, dez pessoas foram mortas no local e duas outras morreram no hospital quando quase sessenta recrutas da 102a Brigada de Operações Especiais do Ministério do interior sofreram um atentado a bomba na frente de uma casa de banhos a qual iam às sextas-feiras. A bomba de fabricação caseira tinha poder explosivo equivalente a 7 quilos de TNT. Foi o ato terrorista no Daguestão no último mês.

 

6 de julho

Em Moscou, os Heróis da Rússia entraram em greve de fome. Isso é inédito para um grupo tradicionalmente considerado o principal esteio de qualquer regime que ocupa o Kremlin. Eles deveriam ser heróis para os líderes do Estado, mas alguma coisa saiu errada.

Cinco Heróis, representando 204 Heróis da Rússia, da União Soviética e do Trabalhismo Socialista, decidiram que não têm outra maneira de ajudar a melhorar as relações entre a população russa e as autoridades do Estado a não ser sujeitando-se a uma automortificação pública. Eles estão fazendo greve de fome na rua Smolni, nos arredores de Moscou.

Cada grevista representa um grupo de Heróis: um deles repre­senta aqueles que receberam duas vezes o título de Herói da União Soviética; outro, os cosmonautas da Cidade dos Astros; um terceiro, os Heróis do Trabalhismo Socialista e os Cavaleiros da Ordem do Trabalho Glorioso; um quarto, aqueles que são, ao mesmo tempo, Heróis da União Soviética e da Federação Russa e assim por diante.

Os Heróis perderam a paciência. Em 13 de junho, a Duma adotou, na primeira leitura, novas emendas antibenefícios, desta vez relativas aos Heróis. As emendas propõem uma redução não da renda, mas de sinais de respeito do Estado perante aqueles que o serviram de forma excepcional; por exemplo, daqui em diante os Heróis não mais serão enterrados com honras: nada de guarda d honra do Comissariado Militar, nem salva de artilharia, a menos que o Estado pague por elas.

Isso representa o mais alto nível de insanidade burocrática. O Heróis são incensados e sempre supuseram que o Estado tinha interesse em honrá-los. Em abril, enquanto essas emendas estavam tramitando pela máquina do governo, os Heróis escreveram Putin, Fradkov e Grizlov. Duzentos e quatro deles pediram que autoridades recebessem seus representantes, para ouvi-los e com­preender que eles sentiam que aquelas emendas eram humilhantes e inaceitáveis.

Não houve reação nenhuma, nem um vislumbre de compreensão. Os burocratas da administração presidencial, da Duma e do governo cuspiram no rosto deles. Os Heróis então pensaram que se aquela era a resposta que tinham recebido, qual seria a res­posta para um cidadão comum? Eles decidiram entrar em greve de fome para “atrair atenção para o problema do diálogo entre as auto­ridades do Estado e a sociedade".

"Consideramos que este é o momento para iniciar um protes­to e decidimos ser as ‘fagulhas que iniciam uma chama’”, diz Valeri Burkov. "Para que a sociedade siga nossa liderança e seja aprovada uma lei assegurando que a voz dos cidadãos seja ouvida quando as instituições do Estado estiverem preparando leis. Nossa greve de fome pretende provocar um amplo debate público de como são tomadas as decisões políticas, do direito do cidadão ao seu próprio ponto de vista e de como o Estado deve ser governado. Caso con­trário, a Constituição russa é apenas outra Declaração dos Direitos Humanos idealista. Onde está a elite intelectual? Onde estão os escritores? Os membros do Conselho Presidencial? Vamos ouvir o que eles têm a dizer sobre as questões que nos levaram a agir."


 

7de julho

Atos terroristas em Londres, enquanto o G8 se reúne em Gle-neagles, perto de Glasgow. Putin está lá. Feridos e sangue são mos­trados na nossa televisão, mas é melhor não ouvir os comentários: pouca simpatia e muita satisfação maliciosa. É como se nos agrada-se que os britânicos sofram o mesmo que nós. Eles são particu­larmente cuidadosos para insinuar que a Grã-Bretanha está agora Preparada para extraditar Akhmed Zakaev para a Rússia, embora o governo britânico nada tenha dito a este respeito.

O que há conosco? Estamos sempre prontos para exultar diante do sofrimento dos outros e nunca preparados para ser bondosos. Em todo o mundo, somos considerados pessoas boas e justas. Não sinto isso no presente.

Em Moscou, os Heróis continuam a greve de fome, mas um canal de televisão noticia o fato.

Marina Khodorkovskaia, mãe de Mikhail Khodorkovski, entregou à nossa Novaya gazeta uma carta aberta ao cosmonauta

Georgi Gretchko, que assinou uma notória carta aberta de cinquenta atores, escritores, produtores e cosmonautas pessoas bem conhecidas em toda a Rússia. Eles escrevem para dizer que conde­nam Khodorkovski e estão satisfeitos com o fato de ele ter recebi­do uma sentença severa [nove anos]. A carta corresponde plena­mente ao espírito da época de Stalin, quando a população escrevia exortações empolgadas ao Líder para que ele continuasse destruin­do seus oponentes, reais ou imaginários.

"Estou magoada e envergonhada por vocês", escreve a mãe de Khodorkovski. "Acho difícil acreditar que você, uma pessoa bem informada e com sentimentos, nada soubesse das grandes quantias que meu filho e sua empresa investiram em projetos educacionais para jovens e professores em várias regiões da Federação Russa. Se sabia disso, onde está sua consciência? Se você não sabia e está chu­tando alguém que foi condenado mediante instruções superiores, então onde estão sua honra e sua hombridade? Não estou lhe pedindo que defenda Khodorkovski e critique nosso dito sistema de justiça toda pessoa tem direito à sua opinião __, mas, antes de caluniar alguém publicamente, você precisa conhecer os fatos e sem isso não pode haver questão de justiça elementar."

Publicamos a carta, mas não houve resposta do cosmonauta Gretchko que, aliás, também se opõe à greve de fome de seus cole­gas. É a opção dele.

 

8 de julho

Continuam as audiências no caso dos 39 bolcheviques nacionais. Eles estiveram em várias prisões de Moscou por sete meses. Foram instaladas novas gaiolas, duas para os rapazes e uma para as meninas. As três estão lotadas. Ivan Melnikov, um proeminente deputado comunista da Duma e também membro da Assembléia do Con­selho da Europa, não consegue acreditar no que vê: uma ridícula encenação de um julgamento de prisioneiros políticos. Traba­lhando na Duma, nunca se esperaria aquele tipo de coisa. La as autoridades parecem trabalhar por consenso e por acordos; porem, é clara a atitude impiedosa para com "os inimigos do Reich”. O deputado Melnikov também leciona na Universidade de Moscou, a maioria dos bolcheviques nacionais é de estudantes, alguns dos da Universidade de Moscou, e ele compareceu para atuar como testemunha do caráter deles, mas o juiz não permite. Os réus são acusados de ter causado danos no valor de 472.700 rublos [US$18.900]. Se você dividir isso pelos 39 acusados, fica evi­dente que o procurador-geral está exigindo que cada um seja con­denado a até oito anos por causar danos no valor de 12.000 rublos [US$484]. Por que todo esse rigor? Porque eles gritaram "Fora Putin!" e fizeram outras sugestões semelhantes na área pública de recepção de Putin.

Eles tornaram conhecida sua opinião sobre o presidente e lá estão, engaiolados como filhotes em um canil. Eles nos olham com uma seriedade de cortar o coração. Um deles deixou crescer a barba na prisão e raspou a cabeça. Nas fotos de antes da prisão, ele está muito diferente. Outro ainda é jovem demais para deixar cres­cer a barba, mas foi devorado vivo por percevejos; está coberto de feridas. Um terceiro não pára de se coçar — sofre de erisipela. Eles constituem um perigo para a sociedade devido à sua opinião sobre a vida neste país.

O juiz evidentemente acha que tudo está conforme o planeja­do, de acordo com as instruções que recebeu. Ele sabe de que lado está.

Quase todos os liberais e democratas, atuais e antigos, compa­receram ao julgamento de Khodorkovski e Lebedev. Ninguém vai a esse julgamento. Não há piquetes, nem manifestações, nem reu­niões de protesto, nem são cantados slogans. É muito estranho, por­que a essa altura está absolutamente claro que esse julgamento é um espetáculo tanto quanto foi o da Iukos. É um espetáculo para inti­midar um grupo etário diferente, pessoas em outra faixa de renda.

O julgamento da Iukos foi para colocar os super-ricos no banco dos réus, ao passo que aqui os acusados são jovens de baixa renda, em sua maioria estudantes. Porém, a mensagem é exatamente a mesma - veja o que lhe acontecerá se você ousar nos desafiar: prisão, percevejos, erisipela, ficar entre criminosos. Por muitos anos, tivemos esperança de que o julgamento pelo Júri forçaria uma verdadeira independência dos tribunais. As autoridades do Estado tiveram que permiti-lo porque, caso não o fizessem, poderiam dizer adeus a qualquer possibilidade de admissão ao Conselho da Europa. Desde 2003, os júris começaram gradualmente a considerar casos criminais e, se os tribunais convencionais absolviam menos de 1% dos acusados, os julgamentos por júri pelo menos estavam considerando 15% inocentes.

Porém, os absolvidos eram freqüentemente chefes de quadrilhas e "heróis" da guerra na Tchetchênia, soldados federais que lá haviam cometido atrocidades, assassinos com circunstâncias agravantes. Depois da absolvição de Iapontchik, um criminoso bem conhecido, o respeito pelos julgamentos por júri aos poucos caiu para zero.

 

12 de julho


Más notícias de Blagoveschensk. O último policial acusado de atro­cidades foi libertado. Enquanto os defensores dos direitos humanos faziam onda em Moscou; na Bachkiria, estavam libertando em silêncio o oficial Gilvanov, um dos personagens mais brutais de todo o episódio, que espancou rapazes da aldeia de Duvanei. Agora todas as bestas estão livres de novo. O Tribunal Distrital de Ufa decidiu que Gilvanov não era um perigo para a sociedade, embora ele tenha atacado pessoalmente um rapaz com a perna engessada, sabendo que ele estava completamente indefeso com uma comple­xa fratura na perna. Ainda pior é o fato de o Ministério do Interior da Bachkiria ter permitido que Gilvanov voltasse ao trabalho de policial.

Agora as autoridades estão planejando ignorar a confusão levantada depois dos escândalos.

O material do processo foi guardado, supostamente em com­pleta segurança, no Departamento para a Investigação de Crimes Graves no Gabinete do Procurador-geral da República. Porem, agora dizem que desapareceram os pedidos dos advogados para acusações de detenção ilegal nos chamados pontos de filtração. As atuais acusações são simplesmente de "abuso de autoridade.”

Ao mesmo tempo, as vítimas das "limpezas" são submetidas a um constrangimento administrativo sem precedentes, demitidas de seus empregos por se recusar a retirar as acusações. Isso está acontecendo com as vítimas tratadas com maior brutalidade e com pais, que se queixaram a jornalistas de Moscou e a defensores dos direitos humanos a respeito da extrema violência da policia local e do OMON. Também os advogados

que concordaram em representar os interesses das vítimas estão encontrando dificuldades. Quando Stanislav Markelov, de Moscou, e Vasili Sizganov, de Vladimir, chegaram a Blagoveschensk por solicitação de associações direitos humanos de Moscou e conheceram seus clientes, um bêbado com uma faca entrou na casa. Os advogados só se salvaram porqueVitali Kozakov, o dono do apartamento, recebeu os golpes. O sangue de Kozakov estava por todo o apartamento e nas escadas, mas a polícia se recusou a prender o agressor. Aquela altura, o ata­rante contou a verdade: admitiu que a própria polícia o havia ins­truído. Ela queria um pretexto para prender os advogados que defendiam as vítimas de sua violência anterior.

As vítimas de Blagoveschensk formaram uma Sociedade de Vítimas de Filtração, Limpeza e Violência Policial, apelando para todos os cidadãos que tiveram experiências semelhantes:

Não temos direitos, exatamente como vocês. Naqueles dias sombrios de dezembro, sabíamos pelo que a população civil da Tchetchênia havia passado, porque também passamos por isso. A violência policial em nossa cidade marcou o início de ações opressivas em muitas regiões da Rússia. Elas estão começando em pequenas cidades, mas em pouco tempo a filtração também será vista nas grandes cidades. Não temos mais confiança nas autoridades do Estado ou nos tribunais. Só podemos confiar em nós mesmos e na ajuda mútua de outras pessoas na nossa situação. Pedimos a vocês, não importa quem sejam, onde vivem ou qual seja sua nacionalidade, que entrem em contato conosco. Precisamos parar com isto agora, antes que sejamos todos destruídos.

A greve de fome dos Heróis, que começou em 6 de julho, pros­segue. Em 12 de julho, o funcionalismo finalmente apareceu, na pessoa do ombudsman Vladimir Lukin; àquela altura, alguns dos grevistas haviam sido substituídos. o primeiro ato dele foi pedir a saída dos jornalistas. Sua visita coincidiu com a chegada de uma delegação de viúvas de Heróis que vieram prestar sua solidariedade. O marido de Larisa Golubeva, Dmitri Golubev, era capitão de submarino de primeira classe e Herói da União Soviética. Ele comandou o segundo submarino nuclear construído na URSS.

"Quando estava morrendo, ele me dizia: ‘Por que está chorando’ Você será bem cuidada. Você é a mulher de um Herói.’ É claro que eu não estava chorando por isso, mas ele nunca teria imaginado como ficariam as coisas."

Comandar o segundo submarino nuclear construído não era bom para a saúde, como sabiam os comandantes daquelas naves Larisa passou a vida em guarnições militares: Kamtcharka Severomorsk, Sebastopol... Era uma vida de espera, na esperança de que o marido voltasse vivo de suas provações.

A que tem direito agora Larisa, que dividiu tudo com seu heróico marido? Bem, a nada. Pela nova lei, a viúva de um Herói não tem direito a nenhum suplemento à pensão. Um Estado que afundou numa corrupção incrível, trazendo uma riqueza igualmen­te incrível para seus mais altos funcionários, está cortando o orça­mento. O benefício a ser pago à viúva do Herói é tão baixo que é melhor renunciar a ele e aceitar a pensão-padrão para idosos, porque não se pode ter ambos. Foi o que fez Larisa. Ela tem sua pensão e também recebe os 500 rublos [US$20] mensais do presidente como sobrevivente do cerco de Leningrado. No total, ela recebe 3.200 rublos mensais [US$128]. É o legado de um Herói.

Os grevistas de fome não se arrependem de seu passado e, sim, do presente e temem pelo futuro. Eles têm certeza de que seu pro­testo terminará com a abertura de um diálogo autêntico entre os cidadãos da Rússia e as autoridades do Estado.

Gennadi Kutchkin é um Herói da União Soviética de 51 anos; ele é de Kinel, da província de Samara. Como primeiro-tenente, ele lutou no Afeganistão com o Corpo de Tanques. Participou de 147 batalhas e, em 1983, recebeu o título de Herói da União Soviética. Somente ontem ele partiu de Samara para se juntar à greve dos seus camaradas.

"Em minha opinião, o objetivo é forçar nossas autoridades a ser honradas." Apesar das suas 147 batalhas, ele ainda é um inocente. E um romântico e precisa sê-lo, para ainda sentir-se um herói quan­do seu país cospe no seu heroísmo. Gennadi teve que esperar dez anos depois de receber o título para conseguir um apartamento, vivendo em acomodações de outras pessoas com sua família e seus ferimentos. E levou 12 anos para conseguir um telefone.

"As mentiras geram cinismo", diz ele. "As vezes faço palestras escolas. Em que as crianças estão interessadas hoje em dia? Principalmente em dinheiro. Elas querem saber se sou um rebelde. Em geral, elas fazem duas perguntas: quantas pessoas matei e quanto dinheiro recebo. Quando descobrem quanto ganho, elas não me olham mais como herói. Perdem o interesse. É claro que é uma pergunta fundamental, quem constitui hoje a elite na Rússia. A elite é qualquer pessoa com dinheiro ou poder, do chefe de um dis­trito pequeno como o nosso a nosso primeiro-cidadão."

Pedi pessoalmente a Boris Nemtsov, da União de Forças de Direita, para que fosse visitar os grevistas de fome: “Vá lá e lhes dê algum apoio moral!" Ele não ficou muito convencido com a idéia e disse estranhamente: "Eles vão esperar que eu lhes leve alguma coisa. Não posso ir de mãos vazias." Nemtsov pressupôs que eles esperariam que ele trouxesse alguma boa notícia do regime, mas eles teriam ficado felizes se ele fosse de mãos vazias, só pelo desejo de estar lá.

Nossa sociedade não é mais uma sociedade. É uma coleção de celas isoladas e sem janelas. Numa, estão os Heróis, em outra, os olíticos do Iabloko, numa terceira, está Ziuganov, o líder dos comunistas, e assim por diante.

Há milhares que, juntos, poderiam se somar para constituir o povo russo, mas as paredes de nossas celas são impermeáveis. Se uma pessoa está sofrendo, ela se preocupa porque mais ninguém parece preocupado. Se em outra cela alguém estiver de fato pensan­do nela, isso não leva a nenhuma ação e eles só se lembram de que la estava com um problema quando sua situação se torna comple­tamente intolerável.

As autoridades fazem o que podem para tornar as celas ainda mais impermeáveis, semeando discórdia, incitando uns contra outros, dividindo e dominando. E as pessoas caem no engodo. Esse é o verdadeiro problema. É por isso que a revolução na Rússia, quando vem, é tão extrema. A barreira entre as celas só cai quando emoções negativas dentro delas estão ingovernáveis.


 

13 de julho

Os Heróis foram subitamente convidados para a sessão do So da Federação, onde a legislação relativa a eles será discutida Eles ficaram alegres como crianças que ganharam uma longamente esperada bicicleta. Burkov continuava a dizer: “O gelo está quebrando. Eu lhes disse, as autoridades estão começando a se comunicar conosco. Excelente!"

A delegação permaneceu por várias horas no Soviet da Federação, sentindo aos poucos que alguma coisa estava errada A lei foi posta em votação. Burkov levantou-se e gritou para toda a sala: “E quanto a nós? Ninguém vai ouvir o que temos a dizer?"

Com relutância, permitiram que eles falassem. Estava claro que ninguém esperava ter de ouvi-los. Eles haviam sido convidados meramente para que deixassem a greve de fome.

Burkov começou a falar, mas foi rudemente interrompido. O presidente do Soviet da Federação, Sergei Mironov, irritado, colo­cou a legislação em votação e os senadores a aprovaram. Mironov convidou os Heróis para seu gabinete e lhes garantiu que o Soviet compreendia suas preocupações, mas que aqueles que estavam acima tinham uma visão diferente. Ele lhes pediu repetidamente que deixassem de lado a greve de fome, depois do que "será possí­vel iniciar um diálogo com a administração”. Eles saíram sentindo que haviam sido humilhados e voltaram à sua pequena cela.

 

14 de julho

O julgamento dos bolcheviques nacionais continua enquanto procurador lê a acusação. O Estado decidiu usar o caso para estabe­lecer o conceito fundamental de culpa coletiva, uma coisa que não se ouvia desde os julgamentos-espetáculo de Stalin. Nos anos pos­teriores, os procuradores e juízes soviéticos e russos sempre se esforçaram para personalizar a culpa ao máximo, distanciando-se das práticas totalitárias, mas, em 2005, elas estão novamente conosco. O procurador Smirnov disse os nomes dos bolcheviques nacionais, afirmando que todos tinham "participado de distúrbios massa envolvendo comportamento violento...havia um plano minoso de infiltração... obstrução de agentes do Serviço Fede

Segurança...panfletos contendo sentimentos antipresidenciais... demonstração de manifesto desrespeito pela sociedade... gritaram slogans ilegais sobre o afastamento de governantes..."

Durante uma interrupção nos trabalhos, o advogado de defesa Dmitri Agranovski comentou: "Tenho participado de muitos julga­mentos e invariavelmente a culpa é ligada a indivíduos específicos. Porém, aqui eles pretendem claramente dar um veredicto que esta­beleça um precedente baseado em culpa coletiva por dissidência. È uma ordem política vinda de cima."

Somos às vezes chamados de uma sociedade de milhões de escravos com um punhado de senhores e nos dizem que assim será por séculos, uma continuação do sistema de propriedade de servos. Também falamos com freqüência a nosso próprio respeito dessa maneira, mas eu nunca o faço.

A coragem dos dissidentes soviéticos provocou o colapso do sistema soviético e mesmo hoje, quando a multidão grita "Nós amamos Putin", há pessoas que continuam a pensar por si mesmas e usam todas as oportunidades que surgem para expressar sua opi­nião do que está acontecendo na Rússia, mesmo quando suas ten­tativas parecem inúteis.

Um raro exemplo de protesto inteligente, detalhado e articula­do veio de um membro da Associação de Direitos Humanos de Tiumen.Vladimir Grichkevitch enviou ao Tribunal Constitucional um depoimento suplementar à sua queixa a respeito da natureza inconstitucional da lei sobre a nomeação dos líderes regionais. Ele concorda com que seu depoimento seja analisado em conjunto com as queixas do Comitê 2008, do Iabloko e de um grupo de deputados independentes da Duma. Sua declaração é um fato muito importante na história do nosso país e mostrará que nem todos permaneceram em silêncio em 2005, apesar de não ter ocorrido nenhuma revolução. Além disso, aqueles que ergueram suas vozes não estavam somente em Moscou. Depois de uma longa e detalhada análise do caráter ilegal do ato de Putin para nomear governadores, ele conclui:

Com base no acima exposto, solicito que o Tribunal Constitu­cional da Federação Russa faça uma avaliação oficial das cir­cunstâncias aqui descritas, nas quais a lei federal foi adotada e

assinada. Refiro-me à lei "Sobre a Introdução de Alterações e Adendos à Lei Federal ‘Sobre os Princípios Gerais de Organização de Órgãos Legislativo e Executivo do Poder de Estado dos Territórios Constituintes da Federação Russa’, à lei federal ‘Sobre as Garantias Básicas de Direitos Eleitorais e o Direito de Participar de Referendos de Cidadãos da Federação Russa”.

O tribunal não respondeu. A sociedade deixou de protestar. 15 de julho

Nosso povo parece acordar somente quando é atingido onde dói, isto é, no bolso. As paixões revolucionárias só crescem quando o dinheiro está envolvido.

Em Riazan, o sindicato dos funcionários da fábrica Khimvolo-kno formaram um piquete diante do gabinete do governo provin­cial. Os trabalhadores não querem que sua empresa seja fechada. Eles estão certos de que a fábrica de fibras sintéticas está sendo deli­beradamente levada à falência para que alguém a compre barato. Inicialmente foi publicada uma diretiva para cessar a produção por três meses e a seguir completamente, porque a empresa era defici­tária.

Foi então que os trabalhadores acordaram. Há muito poucos empregos na cidade e a gerência da fábrica informou a 25 trabalha­dores, que incluíam membros do comitê sindical, que eles passa­riam a receber o salário mínimo de 800 rublos [US$32] mensais. Os trabalhadores de Khimvolokno não conseguiram apoio, nem mesmo em Riazan, porque nunca haviam apoiado ninguém no passado. Ficaram apenas fazendo seu piquete, sem que ninguém lhes desse atenção.

Ulianovsk é uma cidade mais militante. Começou lá um pro­testo de adesivos: "Chega de burocracia, chega de Putin!" Esta sendo organizado por um movimento nacional de jovens denomi­nado Defesa, em conjunto com as organizações ecológica e da juventude locais. Os ativistas cobriram a cidade com etiquetas com os dizeres: "Chega de mentiras!" e "Diga não e reaja!" Eles pedem protestos civis não-violentos contra uma burocracia que está levando à ruína sua região e o país. Eles não estão tentando defender seu pacote de pagamento. Estão promovendo um prólogo à revolução.

Por que Ulianovsk? A província está entre as mais pobres, transformada em mera fonte de matéria-prima para grandes empresas sediadas em outros lugares e, pior, em depósito de entulho industrial. Isto graças aos esforços do governador, efetivamente imposto aos eleitores pela administração presidencial, aquele grande herói da Tchetchênia, o general Vladimir Chamanov. Com ele no poder, os chefes do crime vieram para a luz do dia. Chamanov dependia deles abertamente e estava cercado de ex-soldados que foram retreinados como gângsteres, um pequeno movimento na Rússia. O próprio Chamanov era totalmente estúpido e incapaz de governar civis.

Usando slogans democráticos e brandindo o apoio de Putin, esses supostos ajudantes do Estado roubaram abertamente - e continuam a roubar — a província, apesar de Chamanov ter sido trans­ferido para a administração presidencial.

O movimento Defesa em Ulianovsk é como um fragmento do movimento de protesto ucraniano. Os membros do Defesa acreditam que, dentro da estrutura da lei, eles podem fazer manifestações não-violentas, reuniões de protesto, piquetes e distribuir folhetos e gora adesivos. O Defesa em Ulianovsk cooptou a ala jovem do Iabloko e da União de Forças de Direita, além da organização eco­lógica Iabloko Verde.

Em Moscou, ocorreu uma manifestação diante do Ministério do Interior para protestar contra a brutalidade por parte dos órgãos de cumprimento da lei. Compareceram cerca de vinte pessoas. Suas bandeiras tinham os seguintes dizeres: "Chega de ordens secretas! Levantem acusações contra os culpados de violência em Blagoveschensk e outras cidades e aldeias." Os manifestantes exigiam a demissão de Rachid Nurgaliev, ministro do Interior da Rússia uma acusação criminal contra Rafail Divaev, ministro do Interior da Bachkiria, e contra todos os funcionários dos órgãos de segurança culpados de atos de violência.

O protesto foi contra as tentativas da polícia de intimidar o povo russo, mas o povo russo não apareceu. A manifestação durou duas horas. Ninguém do Ministério do Interior saiu para falar com os manifestantes, porque eles só se preocupam com protestos de massa. Se os manifestantes são poucos, eles riem e vão cuidar da vida.

 

16 de julho

Décimo primeiro dia da greve de fome. Os participantes estão muito fracos. O que irá acontecer? O regime está em silêncio. Será que é preciso que algumas pessoas morram? Em sua maioria, os grevistas são idosos, incapacitados ou doentes. Nem um único polí­tico veio falar com eles.

 

18 de julho

Os Heróis da greve de fome estão num beco sem saída. As autori­dades ignoram todas as suas sugestões.

"Qual é o problema?”, perguntou atordoada a Svetlana Gannuchkina. Estamos conversando pouco antes de uma reunião, da qual Putin irá participar, da Comissão Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos Humanos, da qual Svetlana é membro. "Por que não podem apenas ouvir? Por que eles sempre insistem em fazer tudo da pior maneira possível? Por que forçam um beco sem saída após o outro?"

"Por quê? Porque eles querem criar um país no qual é impos­sível viver", responde tristemente Svetlana. Ela é o único membro da Comissão de Direitos Humanos com coragem para entregar o apelo dos Heróis a Putin.

Esta tarde, um júri no Tribunal da Cidade de Moscou absolveu Viatcheslav Ivankov, também conhecido como Iapontchik, da acu­sação de assassinato a tiros de dois cidadãos turcos em um restau­rante de Moscou em 1992. Todas as emissoras de televisão mostram o julgamento ao vivo. Elas também dizem que Ivankov pretende escrever um livro. A greve de fome não é mencionada e o julga­mento dos bolcheviques nacionais recebe apenas algumas palavras. Não ouvimos nada a respeito do que eles podem estar planejando fazer se saírem da prisão.

Como podemos continuar vivendo uma mentira dessas? Fingi­mos que foi feita justiça no caso de Iapontchik, alegramo-nos por não ter sido feita no caso de Khodorskovski. Aplaudimos ambos os resultados justos. Essa é nossa enigmática alma russa; essa é a Tiva tradição de viver uma mentira sobre da qual Soljenitsin rever a muito tempo, misturada com uma preguiçosa recusa deixar o conforto de uma cozinha aquecida até que eles a tirem você. A esta altura você pode se unir a uma revolução, mas nunca

 

19 de julho

Décimo quarto dia da greve de fome. Surkov, o principal ideólogo e Putin, chama os grevistas de chantagistas: "Não permitiremos que nos torçam os braços."

Mas o que tem Surkov a ver com isso? Por que esse assunto deve depender desse manipulador político, que só tem o mérito pelas realizações virtuais da Rússia Unida e a sangrenta tchetchenização da Tchetchênia — o mesmo Surkov que ousa pensar que isso dele um peso-pesado político -, por que deve depender dele se 204 Heróis do país consigam ou não uma audiência?

No decorrer da greve de fome, eles escreveram muitas cartas, enviando-as por fax, e-mail e até manualmente aos escritórios de pessoas importantes. Eles deram muitas entrevistas mencionando essas cartas, embora poucas tenham ido ao ar. O que esse episódio demonstrou é que muitas de nossas figuras mais proeminentes, os líderes de partidos na Duma e fora dela, de movimentos e alianças e até mesmo o líder do Soviet da Federação, Sergei Mironov, que, de acordo com a constituição, é o terceiro homem mais poderoso do país, parecem simpatizar com os grevistas, suas exigências, seus sentimentos, seu desejo de servir ao país. Porém, eles somente o fazem em particular. Publicamente, para as câmeras de televisão e as agências de informações, para o presidente, eles permanecem unidos em oposição à greve. Eles votaram a favor das emendas humilhantes que provocaram todo esse confronto, que não dá sinais de se concluir em diálogo. Por que as pessoas de mentalidade independente da nossa elite política têm duas caras? Este é o problema. Não é uma questão de chantagem direta pela administração: se você não disser aquilo que queremos que diga, tiraremos suas regalias?

Hoje em dia ninguém quer ficar sem suas regalias. Nossa "elite" política está profundamente contaminada pela covardia e com medo de perder seu poder. Não de perder o respeito das pes­soas, apenas de perder o assento.

 

Ato terrorista na aldeia tchetchena de Znamenskoie. Um veículo foi visto numa rua transversal, com um cadáver no lugar do passageiro. A polícia foi chamada, mas, quando se aproximava do veículo, este explodiu, matando 14 policiais. Uma criança também foi morta e muitas pessoas, inclusive crianças, ficaram feridas.

Acontece que, no início da noite de 13 de julho, Alexei Seme-nenko, 23 anos, foi seqüestrado na aldeia de Novoschedrinskaia. O seqüestro ocorreu diante das irmãs mais novas. Nos últimos meses, Alexei e sua mulher vinham poupando para deixar a Tchetchênia. Seus parentes moravam em Novoschedrinskaia havia 100 anos sua família era grande, unida e trabalhadora, mas o que eles podiam fazer? Quanto mais firmemente Kadirov se estabelece, maior a ilegalidade e mais remota a esperança de que a vida seja normal. Foi isso que Alexei concluiu.

Ele decidiu pegar um emprego sazonal na colheita, que pode dar muito dinheiro em pouco tempo. Alexei retornou dos campos em 13 de julho e encontrou quatro homens armados em uniformes de combate à sua espera. Eram tchetchenos e haviam chegado em dois veículos 4X4 prateados. Quase todos em Novoschedrinskaia estão certos de que eram homens de Kadirov. Qualquer pessoa que viva na Tchetchênia pode distinguir os homens de Kadirov dos homens de Iamadaev, os homens do OMON daqueles de Baisarov ou de Kokiev (todos eles paramilitares das "Unidades Federais de Segurança Tchetchena", como são chamadas) pelos veículos que dirigem e pelas armas que preferem. Os paramilitares falaram com Alexei, puseram-no em um dos veículos e se foram. Os vizinhos guardaram os números das placas, mas elas eram falsas. Na manhã seguinte, a família notificou as autoridades do seqüestro e policiais locais, que conheciam Alexei desde a infância, passaram dois dias procurando por ele em todas as subdivisões de segurança, mas não encontraram. A esta altura, o Gabinete do Procurador local farejou perigo e reverteu ao seu habitual estado cataléptico.

Em 19 de julho, a primeira pessoa a se aproximar do veículo foi um policial. Ele abriu a porta e viu um cadáver no lugar do passa­geiro, o qual, pelo cheiro e pelo estado de decomposição, estava morto havia bastante tempo. Ele também notou que o corpo tinha ferimentos de bala no rosto.

Ele foi chamar reforços e com isso salvou sua vida. Quando um grupo de seus colegas chegou para inspecionar o veículo, este explodiu. O botão do detonador foi pressionado por alguém que podia ver o veículo e pretendia matar o máximo possível de poli­ciais. Depois da explosão, Sergei Abramov, o primeiro-ministro tchetcheno nomeado por Moscou, fez algumas observações som­brias a respeito de Basaev e Umarov, mas não passou perto da cena da explosão. Foi decretado estado de luto.

Enquanto isso, a família Semenenko continuava a procurar Alexei. Dois dias depois, eles foram visitados e solicitados a ir até Mozdok, na vizinha Ossétia do Norte, para identificar um corpo. Todas as vítimas de assassinato são levadas para o centro de medici­na legal de lá, uma vez que a Tchetchênia não tem centro próprio.

Tatiana Semenenko, a mãe de Alexei, ainda sem suspeitar de qualquer ligação com a bomba em Znamenskoie, encontrou as vítimas da explosão em refrigeradores, com exceção de um saco de restos que havia sido deixado no chão numa poça d'água.

Neste saco, que estava sendo tratado como se contivesse o corpo de um terrorista, ela encontrou os restos do seu filho. Ela somente conseguiu identificá-lo por uma letra L tatuada no braço. Não havia rosto. A família enterrou o braço e a cabeça. Os policiais que haviam se aproximado do veículo e visto o corpo de Alexei ainda inteiro disseram que ele vestia roupas de combate. Seus rap­tores evidentemente o haviam vestido daquela maneira antes de deixá-lo no veículo minado.

Esse é o fim da história. A família Semenenko não tem a quem recorrer. Não houve reação pública. Ninguém - nem Kadirov, nem Khanov ou Kozak — se deu ao trabalho de prestar condolências à família. Ninguém se ofereceu para compensá-la pela morte do filho. Ninguém tentou pagar para que ficassem quietos. Um pro­cesso criminal sobre o seqüestro de Alexei Semenenko foi aberto e fechado, mas nem se deram ao trabalho de abrir um processo por seu assassinato. Pelo fato de ter matado policiais, Semenenko é ofi­cialmente classificado como terrorista. Mas ele estava morto no momento de cometer esse crime.

Há somente duas possibilidades a respeito do que aconteceu. Se os seqüestradores de Alexei eram homens de Kadirov, como acreditam todos na aldeia, então eles podem ter encenado esse ato de terrorismo, sabendo que, enquanto houver terrorismo, os para­militares terão trabalho. Caso retorne a paz, todos irão para a prisão.

A segunda possibilidade é que os paramilitares venderam o corpo de Alexei aos rebeldes, de Basaev ou de outros. Isso também é plausível, porque há muito se sabe que a linha divisória entre os homens de Kadirov e os de Basaev é cada vez mais permeável, ape­sar da infindável conversa idiota de como ele sonha em matar Basaev. Os preferidos pelo regime de Putin são os elementos mais astutos, cínicos e criminosos da terra.

Quem está protestando hoje na Tchetchênia sobre a saga de Alexei Semenenko? Ninguém. Sua família tem medo dos parami­litares de Kadirov, porque suas irmãs mais novas viram os rostos dos seqüestradores. É mais prudente esquecer o filho do que se arriscar. Esses são os efeitos da guerra de Putin sobre a maneira de pensar das pessoas na Tchetchênia e este modo de pensar está se alastran­do rapidamente para o resto da Rússia. O mesmo pânico cego afeta as famílias dos seqüestrados no norte do Cáucaso, em todas as cida­des e aldeias em que ocorreram as "limpezas" em massa ao estilo da Tchetchênia.

Quanto mais violentas as atividades dos órgãos de segurança, mais alto o índice de aprovação a Putin, pelo simples motivo de que muito poucas pessoas querem arriscar a vida fazendo oposição a ele.

Esta é a vida na Rússia hoje. Crimes, ausência de investigações honestas. O resultado é a repetição infindável de tragédias e do ter­rorismo.

Pela primeira vez nos últimos anos, meu jornal recusou-se a publicar a história de Alexei Semenenko. A Novaya gazeta quer evi­tar problemas; assim, é melhor não causar muito sofrimento a Ramzan Kadirov, uma vez que ele está nas graças do presidente.


 

20 de julho

Hoje Putin recebeu no Kremlin defensores dos direitos humanos e membros da sua Comissão Presidencial sobre Direitos Humanos. Svetlana Gannuchkina não teve permissão para falar, mas entregou a Putin a carta dos Heróis em greve de fome. O assunto também foi levantado por Alexander Auzan, outro ativista presente. Putin não gostou. Ele declarou: "Tudo está acertado agora. Recebi um relató­rio." Porém, Auzan foi insistente e repetiu que achava que o presi­dente precisava conhecer o assunto. Ella Pamfilova, a presidente da comissão, ficou impaciente e exigiu que não se perdesse mais tempo com aquele tópico. A discussão chegou ao fim e Putin con­tinuou a considerar os Heróis uma parte da oposição inimiga.

Então a discussão passou para assuntos ecológicos. Os defenso­res dos direitos humanos perderam sua oportunidade para falar abertamente com ele. Muitos temem não ser convidados nova­mente. De acordo com Sviatoslav Zabelin, co-presidente da Aliança Socioecológica:

Putin levantou três questões: em primeiro lugar, como informar melhor os cidadãos a respeito das reformas que estão sendo implantadas; em segundo, como a Câmara Social poderia ser usada como canal para tornar mais influente a opinião pública; e terceiro, como o setor voluntário na Rússia poderia ser desen­volvido com menos dependência de recursos ocidentais.

Sobre a segunda questão, a respeito da Câmara Social, os defensores dos direitos humanos mantiveram um silêncio cole­tivo. Sobre a terceira, para nossa surpresa, Putin anunciou que estava pessoalmente preparado para forçar o governo a encon­trar maneiras de delegar poderes a associações de voluntários, canalizando recursos do Estado e do setor privado. Ele me parecia genuinamente preocupado que esse apoio não fosse visto como tentativa de subornar a sociedade civil e as associa­ções públicas. Ele estava sendo muito prático.

Sobre ecologia, eu disse a Putin: Precisamos de responsabi­lidade ecológica pública e de auditorias ecológicas públicas. Hoje não temos nada disso. Em conseqüência desse fato, temos coisas extraordinárias acontecendo no estado. Em 2002, o setor público tinha quatro inspetores ecológicos por distrito, mas, em 2005, há quatro distritos por inspetor. Como podemos esperar evitar violações das diretrizes ecológicas sem a partici­pação do setor público?

Também vemos liberdades extraordinárias sendo tomadas com as auditorias ecológicas. Aqui, o problema é que as empre­sas são obrigadas por lei a tomar providências razoáveis para assegurar que os projetos industriais sejam discutidos com o público, para que os interesses da sociedade e os interesses gerais do Estado sejam adequadamente considerados. Isto sim­plesmente não está acontecendo.O mais preocupante é que as piores transgressoras são as empresas nas quais o Estado tem a maior participação financeira.

Dizem que uma empresa bem conhecida, envolvida com o oleoduto da Sibéria Oriental até o Pacífico, está se comportan­do de maneira totalmente imprópria. Para obedecer à exigên­cia de uma auditoria ecológica pública, ela montou uma asso­ciação "pública" própria e a registrou em Moscou. Este órgão tem tomado decisões sobre o que deve ser feito para as pessoas que vivem na costa, o que deve ser feito para as pessoas em Irkutsk, o que deve ser feito para os Buriats e onde seria mais interessante para eles que passe o oleoduto. Quando um proje­to deste tipo está sendo construído na Rússia, há repercussões internacionais. O comportamento dessas empresas é bem conhecido, há muita confusão e isso só pode nos prejudicar. È preciso dizer a essas empresas, nas quais o Estado tem uma pre­sença substancial, que este tipo de conduta simplesmente não é aceitável.

Temos um sistema para avaliar custos ecológicos. Oitenta e cinco por cento das empresas privadas que procuramos estavam preparadas para dar ao público acesso às suas contagens ecoló­gicas: nenhuma empresa estatal quis fazê-lo.

Putin respondeu: "Gostaria que você entendesse a lógica da situação na qual se acham as organizações estatais com rela­ção às auditorias ecológicas.Você acabou de mencionar um dos nossos projetos mais vitais, comparável em importância com a rodovia Baikal-Amur, que levou décadas para ser construída. Espero que esse projeto não seja tão grande, mas seu valor para o Estado poderá ser muito maior do que a própria rodovia, que


já está lutando contra as exigências sobre ela. Este oleoduto nos dá uma saída para nossos recursos energéticos chegarem aos mercados dos países em rápido desenvolvimento da região Asia-Pacífico, ao mercado chinês, onde somos compradores e vendedores, ao sul da Asia, ao Japão e assim por diante.

"Deixe-me chamar sua atenção para o fato de que nosso país perdeu cinco portos de mar importantes na costa oeste depois do colapso da União Soviética. De fato, nós nos torna­mos dependentes dos países através dos quais nossos recursos energéticos precisam passar e eles abusam de sua situação geo­política. Lutamos contra isso o tempo todo. É extremamente importante para a Rússia ter uma saída direta para outros mer­cados. Quando estávamos falando de um oleoduto do leste da Sibéria diretamente até Datsin, na China, ao longo da extremi­dade sul do Lago Baikal, decidimos divergir dessa rota depois de levar em conta as opiniões de associações ecológicas, de ecologistas e inspetores. O custo subiu centenas de milhões de dólares. Foi decidido evitar a costa norte do Lago Baikal e ir mais além para leste.

"Não se deve permitir que essas auditorias ecológicas detenham o desenvolvimento do país e da economia. Não questiono aquilo que você acabou de dizer. Não há dúvida de que precisamos analisar a situação muito bem, mas uma das maneiras de nos atacarem é invariavelmente levantando ques­tões ecológicas. Quando começamos a construir um porto adjacente à Finlândia, nossos parceiros nos países vizinhos (e sei isto de fontes confiáveis) injetaram dinheiro em associações ecológicas para torpedear o projeto, porque ele iria criar con­corrência para eles no Báltico. Nossos parceiros, inclusive os da Finlândia, vieram e inspecionaram dez vezes, mas no fim foram incapazes de achar qualquer motivo de objeção. Agora os ‘pro­blemas ambientais’ passaram para os estreitos dinamarqueses, onde há objeções aos navios que estamos usando. Nem mesmo são navios russos, são arrendados de empresas internacionais. Nos estreitos turcos, no Bosforo, também há ‘problemas ambientais’.

"Por que estou mencionando isto? Porque, é claro, precisa­mos de mais contato e confiança para interagir de forma ade­quada com as associações ecológicas nacionais que trabalham pelos interesses do nosso país e não como agentes que nossos concorrentes podem usar para obstruir o desenvolvimento da nossa economia. É exatamente por isso que eu disse que, quan do este tipo de trabalho ecológico é financiado por outros países, ele levanta suspeitas e acaba comprometendo todas as asso­ciações de voluntários. É disso que estou falando. Precisamos de associações que ajudem a resolver nossos problemas para otimizar as decisões importantes. É claro que para isso precisa­mos ter mais contato também com organizações estatais."

Zabelin: "Certamente as coisas mais importantes são esta­belecer contato e nossos interesses nacionais. Quanto a esse grande oleoduto, o principal é que ele deve ser construído. Nenhuma associação ecológica de nome está dizendo que ele não é necessário. Estamos falando de questões específicas, de definir o traçado e a localização do terminal. A atual opção, baseada exclusivamente na minimização dos danos ecológicos, é a pior de todas. Há muitas alternativas e estou preparado para lhe entregar a análise dos cientistas do extremo oriente que dizem que há outras opções econômica, social e ecologica­mente mais interessantes. Somos parceiros nisto, assim como no monitoramento ambiental público. Quanto às auditorias eco­lógicas, as pessoas precisam obedecer à lei. Temos uma legisla­ção excelente sobre auditoria ecológica, datada de 1995. Ela deve ser observada."

Putin: "Eu gostaria de voltar a isto no futuro. Acho que seria correto criar um mecanismo mais sensato para interagir com nossas associações ecológicas nacionais, porque não pode­mos nos dar ao luxo de cometer erros e ao mesmo tempo não podemos permitir que esta questão seja usada, como eu disse, como alavanca por nossos concorrentes. Vejam o que esta acontecendo no mar Cáspio: bastou a Lukoil erigir um equi­pamento para dizerem que a ecologia não permitia. Nenhuma das outras empresas possui tecnologias limpas como as nossas. Ela é mais dispendiosa, mas levamos isso em conta. O mesmo está acontecendo agora no Báltico."


 

21 de julho

Em Astrakhan, como em todo o país, as autoridades estão travando uma guerra com o povo por dinheiro e imóveis. A principal arma é o incêndio criminoso. É uma guerra na qual pessoas morrem, saqueadores verificam as ruínas e as pessoas comuns se transformam em refugiados sem-teto.

A família Ostroumov é a última a ser expulsa da sua parte da rua Maksakova, onde uma luxuosa casa está sendo construída. É claro que há terrenos em todas as nossas cidades; há pessoas ricas por perto. As regras para estes casos são que as autoridades locais alocam terras aos incorporadores e, se alguém vive nelas, muda-se para outro lugar. Depois disso, o terreno é cercado e começa a construção.

Não é bem assim que as coisas são feitas em Astrakhan. Uma empresa denominada Astsyrprom obteve os direitos sobre um ter­reno na rua Maksakova. Infelizmente, o terreno estava coberto de prédios onde as pessoas viviam em seus apartamentos recentemen­te privatizados. A Astsyrprom trouxe um subempreiteiro, um certo Nurstroi, para construir a nova casa e expulsar os atuais proprietá­rios. Inicialmente Nurstroi negociou com alguns e comprou seus apartamentos, mas depois a abordagem mudou. Nurstroi começou a oferecer às pessoas apartamentos totalmente inaceitáveis. A famí­lia Ostroumov teve a oferta de um apartamento de um quarto para os cinco.

Quando os residentes começaram a fazer exigências, a resposta foi um ultimato, seguido por ações ao estilo militar. O diretor de Nurstroi, o Sr. Timofeiev, disse a Alexander Merjuev, um dos mora­dores, que incendiaria seu apartamento. Pouco depois, sua residên­cia foi de fato consumida pelo fogo. A conclusão da equipe de inspeção do Corpo de Bombeiros foi de incêndio criminoso, mas as evidências foram consideradas insuficientes para uma acusação. O problema do obstáculo no lado esquerdo da construção de Norstroi estava resolvido. A família Ostroumov ocupa o lado direito.

O distrito de Kosa, perto do Kremlin de Astrakhan, está cheio de casas históricas das quais se avista o Volga, o mesmo Volga em que no século XVII, o bandido Stenka Razin afogou sua noiva. No número 53 da rua Maxim Gorki, fica uma bela vila que mesmo hoje, depois do incêndio em março, ainda é magnífica.

No último inverno, os investidores, como eles se autodenominam, começaram a visitar as pessoas que lá moravam. Eles diziam:"Vamos mudar vocês para uma nova casa." As pessoas diziam:"Obrigado, mas queremos ficar aqui. Estamos acostumados a viver aqui."

Em 20 de março, Liudmila Rozina, de 78 anos, foi visitada por "investidores" pela última vez. "A velha senhora nos condenou" conta Alexei Glazunov, um aposentado que morava no apartamen­to 7, que não mais existe. "Ela disse que se mudaria, mas só para aquele novo prédio melhor que estão construindo ao lado."

Naquela noite, a vila foi incendiada pelos quatro lados. Em dois ou três minutos, o lugar parecia uma fornalha. Algumas senhoras idosas pularam das janelas, fraturando membros, mas outras não conseguiram fazer nem isso. Liudmila foi queimada na sua cama porque as paredes do apartamento haviam sido molhadas com combustível, como revelou a investigação subseqüente.

Alexander Rozin, 55 anos, filho de Liudmila, sobreviveu e foi hospitalizado com queimaduras graves. Três dias depois, um crimi­noso não identificado chegou ao hospital, supostamente trazendo ajuda humanitária do gabinete do prefeito. A comida que ele trou­xe estava envenenada, como mostrou uma investigação posterior, e, em 12 de abril, Rozin morreu. Anna Kurianova, 86 anos, que havia sido retirada viva do prédio em chamas, sucumbiu ao estresse e morreu pouco depois.

A verdade espantosa em Astrakhan é que, nos últimos meses, seis pessoas morreram em incêndios e 17 casas foram destruídas em ataques criminosos confirmados. Houve um total de 43 incêndios, mas não é fácil obter a rigorosa investigação que poderia levar a um processo criminal. A maior parte dos casos relacionados com eles e arquivada imediatamente ou há uma completa e misteriosa falta de provas, o que significa que eles nem chegam a ser abertos. Enquanto isso, a construção de casas de luxo, cassinos, restaurantes e escritórios comerciais nos terrenos liberados pelos incêndios con­tinua acelerada.

Viktor Chmedkhov é o chefe do Distrito de Kirov do Mi­nistério do Interior e foi no seu território que ocorreu a maior parte dos casos conhecidos em Astrakhan como "incêndios comerciais”.

“Eu não diria que o problema é muito sério", opina ele, olhan­do diretamente nos olhos das senhoras idosas que tinham ficado na rua de camisola. "O Distrito de Kirov está investigando cinco casos ligados a cinco incêndios criminosos", prossegue ele."Eu não diria que a polícia não está fazendo tudo que pode. As causas estão sendo investigadas e todas as possibilidades consideradas..." Os olhos do policial se abrem de repente e ele diz, baixando a voz:“ Até mesmo as mais audaciosas..."

A hipótese "audaciosa" é que assessores do prefeito Bojenov estão ligados aos incêndios. Eles têm interesse comercial em limpar a cidade, dividindo propriedades entre os representantes do prefei­to e as organizações comerciais que os apoiam, pagando assim "dívidas eleitorais". Afinal, alguém pagou pela campanha eleitoral do prefeito. Foi um investimento. Agora chegou a hora de auferir os lucros.

Os chefes da polícia admitem que nada podem fazer quanto aos ricos bandidos de Astrakhan, que mantêm uma relação inces­tuosa com a administração da cidade. Eles estão impotentes diante da total criminalização da maior instância do governo. As leis não funcionam. Houve uma época em que a polícia costumava prender bandidos e sabia que estava fazendo seu trabalho. Agora a pessoa nomeada para garantir o efetivo funcionamento da lei é um bandi­do. Os incêndios criminosos começaram há seis meses e não foi instaurado nenhum inquérito para analisar os incêndios. Ninguém quer descobrir a verdade.

"O que aconteceu depois do nosso incêndio?”, pergunta Alexei Glazunov. Ele é membro da Sociedade das Vítimas de Incêndio de Astrakhan. "A cronologia é a seguinte: o incêndio na rua Maxim Gorki, 53, começou às três e meia da manhã", destaca Glazunov. "Por volta das nove da manhã chegaram trabalhadores Com malhos e começaram a derrubar tudo, acabando com o que o fogo não havia destruído, bem na frente da polícia. Durante o dia, as vitimas que não foram hospitalizadas foram ver a poderosa Madame Svetlana Kudriavtseva, a czarina de habitações de Astrakhan, a representante do prefeito para construção e arquitetura, ela deixou claro que estava satisfeita com a demolição da casa. Ela disse que a cidade precisa se livrar dos prédios antigos e que as vitimas iriam para um hotel."


 

Qual é a moral dessa história? As elites estão interessadas somente em pôr as mãos em dinheiro e imóveis, coisas que só

podem fazer depois de por as mãos no poder político. Elas veêm uma oportunidade e o cidadão deixa até de ser notado. Podem queimar cidadãos caso eles fiquem no caminho. Podem-se jogá-los em um "hotel" caso eles não morram. Existe um vácuo moral no cerne do atual sistema político russo e em Astrakhan ele atingiu o ponto de crise.

 

27 de julho

Outra audiência para os bolcheviques nacionais e começa o inter­rogatório das testemunhas. O juiz convida Natalia Kuznetsova a dizer como os bolcheviques nacionais se comportaram em 14 de dezembro. Ela trabalha no Escritório de Assuntos Internos de Kitai-Gorod, próximo do prédio da administração presidencial, de onde observou o que estava acontecendo. Natalia mostra ser uma mulher sincera e admite que, na verdade, ela só viu a "desordem" pela televisão. Porém, ela tem evidências diretas relativas ao detec­tor de metais que, de acordo com a acusação, foi quebrado pelos jovens e é o item principal da alegação de danos ao gabinete de ser­viços residenciais do presidente. Bem, testemunha Natalia, o detec­tor de metais havia sido consertado na manhã de 13 de dezembro e desde então estava funcionando bem. O juiz Chikhanov levou isso em conta? Será que a principal acusação foi autodestruída? Os acusados podem ser libertados? Não. Não se podem privar do direito de ir para a prisão jovens russos que ousaram questionar a justiça das autoridades. Especialmente se eles estão começando a ter idéias a respeito de política.

 

28 de julho

Todos têm queixas justificadas da polícia, mas ela, depois de procu­rar por mais de um ano, conseguiu pegar Sergei Melnikov, extorsionário e braço direito do chefe da máfia de Togliatti. Os policiais foram buscar autorização para detê-lo no Gabinete do Procurador geral de Moscou eVladimir Iudin, o subprocurador, disse-lhes que se danassem. Ele se recusou a emitir uma ordem de prisão porque, para ele, Melnikov não representava perigo para a sociedade. O argumento escrito por Iudin na solicitação rejeitada foi: "Não há prova indiscutível de culpa."

O gângster ficou livre. Este é o mesmo Iudin que tramou as acusações contra os bolcheviques nacionais e insistiu que eles deve­riam ser mantidos na prisão mês após mês e acorrentados no tribu­nal, devido ao imenso perigo que representam para a sociedade. Essa é a realidade da justiça seletiva. Os criminosos são libertados enquanto os prisioneiros políticos são postos a ferros, atirados na prisão e mantidos em gaiolas. As autoridades se baseiam em ele­mentos criminosos para sustentar o sistema de poder do Estado.

O fato de que esta é de fato a doutrina delas foi confirmado mais uma vez quando a administração presidencial criou um clone para se opor aos bolcheviques nacionais. Ele é chamado Nachi (Nosso Povo) e foi criado em fevereiro numa reunião entre Vasili Iakemenko, líder do clone anterior, Marchando Juntos, e Vladislav Surkov. Iakemenko é o "comissário federal" do Nachi, que é o movimento de rua da administração presidencial para se garantir contra revoluções. Os soldados do movimento Nachi da juventude são desordeiros armados com socos ingleses e correntes. Até agora eles se limitaram a atacar os bolcheviques nacionais e as autorida­des impedem que os órgãos de investigação levantem acusações contra eles. Há duas unidades: uma consiste em brutamontes que torcem para o time de futebol do Clube Esportivo do Exército e a outra de brutamontes que torcem para o Spartak. Todos eles têm um histórico impecável de brigas de rua. Sob a liderança de Vasia e Roma, torcedores do Spartak, o Nachi também formou uma agên­cia privada de segurança chamada Escudo Branco.Vasia é um dos desordeiros mais violentos e são seus seguidores que organizam ata­ques aos bolcheviques nacionais. Eles ocuparam duas vezes a sede dos bolcheviques nacionais, de onde Vasia deu certa vez uma entre­vista coletiva.Vasia (seu verdadeiro nome éVasili Stepanov) e Roma tinham vários processos criminais pendentes contra eles, que foram inicialmente arquivados e depois jogados fora.

Roma chegou a ser visto na famosa reunião de shish-kebab entre Putin e os "nachistas”, quando nosso presidente lhes falava de como os jovens já são a sociedade civil da Rússia. Quando esse evento ofensivo, imaginado por Surkov, foi exibido na televisão, um bolchevique nacional que havia sido espancado por "pessoas não identificadas" reconheceu Roma como seu agressor, conhecido como Romano Verbitski.

Por que Khodorkovski enfrentou problemas? Ele não era dife­rente do resto daqueles que acumularam fortunas fabulosas em tempo recorde, nem daqueles que tiveram oportunidade e inclina­ção. Porém, quando virou um bilionário, ele disse: "Parem! A Iukos irá se tornar a empresa mais transparente e legítima da Rússia, uti­lizando métodos de negócios ocidentais .“Ele começou a criar uma nova Iukos, mas à sua volta permaneceram pessoas que não tinham desejo nenhum por transparência, pessoas cuja natureza é trabalhar nas sombras, longe das luzes. Elas se prepararam para devorar a Iukos, porque a luz não é bem-vinda em meio à escuridão.

Discriminar contra maus prisioneiros políticos em favor dos bons criminosos tem raízes históricas profundas na justiça e na política russas. Não é fácil erradicar esta prática, mas seria uma des­graça aceitá-la. A única pergunta é: quem irá protestar? Não há reu­niões diante do Tribunal Nikulin. Há muitos policiais, um grande número de cães policiais, mas quase ninguém para mostrar solida­riedade para com os prisioneiros políticos detidos ilegalmente: só um punhado de bolcheviques nacionais e, ocasionalmente, Limonov. É uma bacanal de indiferença.

Khodorkovski tinha os melhores advogados do país e eles con­seguiram atrair patrocinadores para o oligarca perseguido, mas os pobres não têm quase ninguém. Os bolcheviques nacionais são de grupos de renda mais baixa, filhos de trabalhadores em pesquisa, de engenheiros, da empobrecida elite intelectual russa em geral. Eles são estudantes. Ocasionalmente surge um defensor dos direitos humanos, mas essa é a extensão do seu apoio.

 

3 de agosto

Ás 4 da manhã em Siktivkat, capital da República de Komi, no norte, a redação de um jornal democrático de oposição, o Courier Plus, foi incendiada. O edifício também acomodava dois programas de televisão oposicionistas, Telemensageiro e Moderação, produzidos por Nikolai Moiseiev, membro local do Iabloko e vereador.

Moiseiev era um forte crítico do prefeito de Siktivkat, Sergei Katunin, e, em 14 de julho, ele e um grupo de outros vereadores tentaram destituir o prefeito de seus poderes, mas ele os rechaçou. No Gabinete do Procurador, não havia dúvida de que se tratava de um incêndio criminoso; recentemente Moiseiev tivera incendiados a porta do seu apartamento e seu carro. O jornal de oposição ante­rior de Siktivkat, o Stefanov Boulevard, deixou de existir em agosto de 2002, quando também foi incendiado.

 

4 de agosto

Jihad de novo. No início de setembro, será o sexto aniversário da "operação antiterrorismo" na Tchetchênia. De acordo com a pro­paganda do Kremlin, há muito a vida pacífica voltou às suas cida­des e aldeias e quase todos os rebeldes que eles queriam apanhar foram postos fora de ação pelas forças pró-federais. Mas o que é isto? Jihad? Contra quem? E este não é o primeiro Jihad declarado na Tchetchênia nos onze anos desde o início da Primeira Guerra Tchetchena. Elas foram declaradas, mas foram canceladas.

Desta vez, é um Jihad contra wahhabis e terroristas e a palavra oficial é de que foi declarado pelo chefe pró-Moscou dos Muçul­manos da República, o mufti Sultan Mirzaev. Ele reuniu os mulás de todos os distritos para uma conversa na qual, na presença dos comandantes de todas as unidades de segurança tchetchenas (Iamadev, Kadirov, Alkhanov, Ruslan, entre outros), ele leu a direti­va. Significa que agora os homens de Iamadev, Kadirov, Kokiev e os outros e os policiais tchetchenos podem com consciência limpa matar outros tchetchenos e, é claro, não-tchetchenos, caso eles sejam suspeitos de terrorismo ou wahhabismo. Não haverá necessi­dade de procedimentos judiciais ou de investigações. Eles também Podem ter certeza de que, como muçulmanos, estão fazendo a coisa certa. Mirzaev chegou a declarar que estava preparado para pegar em armas ele próprio.

Dado que todos esses paramilitares tchetchenos e seus coman­dantes são tecnicamente soldados federais sujeitos às leis da Rússia, que não reconhecem o Jihad, isto parece marcar outro estágio na tchetchenização" da guerra.



Mas por que o Jihad foi declarado hoje? Depois dos acontecimentos na aldeia de Borozdinovskaia, na fronteira da Tchetchenia com o Daguestão (uma brutal "limpeza" em 4 de junho, durant qual as forças de Iamadaev raptaram onze pessoas e executaram operações de roubo em massa, assassinato e incêndio criminoso) centenas de habitantes fugiram para o Daguestão. Mas havia uma grande consternação entre todas aquelas atrocidades. Na Tchet chênia, o sistema imposto pelos russos, de justiça extrajudicial e execuções, parecia estar ameaçado.

Durante muito tempo, o arranjo foi: “Nós matamos quem você nos diz para matar e em troca você cuida de nós." "Nós" se refere aos soldados de infantaria. "Você" se refere principalmente a Iamadaev e a Ramzan Kadirov. Estes são os comandantes de campo da tchetchenização, os protagonistas de uma guerra civil que coloca tchetchenos contra tchetchenos, para cujo sucesso eles receberam dragonas federais, armas e imunidade de acusações.

Depois do incidente de Borozdinovskaia, os soldados subalter­nos da tchetchenização exigiram uma indulgência adicional para trabalhar como assassinos de aluguel. Ramzan Kadirov acertou isso com o mufti, que concordou em declarar o Jihad. Para alguns assas­sinos tchetchenos do Estado russo, isto é muito importante. Eles se sentem muito melhor com a proteção do Jihad. Muito melhor sig­nifica muito menos inibidos.

A confirmação não demorou a chegar. Na mesma noite em que o Jihad foi declarado, os assassinos comemoraram cometendo um assassinato na aldeia de Chelkovskaia, no território de Iamadaev. Foi um crime de audácia e brutalidade excepcionais.

Por volta das dez da noite, vários carros prateados se dirigiram até a casa de Vakhambi Satikhanov, um professor de árabe e dos fun­damentos do Islã na escola local e pai de uma grande família. Tchetchenos armados, vestindo uniformes de camuflagem, leva ram-no até cerca de 100 metros da casa e fizeram um círculo com seus carros. Os vizinhos e amigos tentaram intervir, mas os paramilitares ameaçaram matá-los. Durante toda a noite, as pessoas viram carros saindo e chegando, ouviram gritos e tiros, mas somente de madrugada os carniceiros se foram. Onde estivera o círculo, encontraram o corpo de Vakhambi com dezenas de ferimentos a faca, seus dedos quebrados, as unhas arrancadas.



Os vizinhos de Vakhambi estão certos de que ele foi morto por homens do batalhãoVostok da Diretoria Central de Inteligência do GHQ. Seu comandante, Sulim Iamadaev, recebeu de Putin o título de Herói da Rússia depois das atrocidades em Borozdinovskaia, dando assim a mais alta sanção possível àquilo que os paramilitares de Iamadaev lá haviam feito.

A declaração de Jihad na Tchetchênia é mais uma prova de que a República pode viver pela lei costumeira e tomar vidas em desa­fio às leis russas. Em que isso difere das execuções ilegais do tempo de Maskhadov?

O silêncio e a incapacidade para tomar ações corretivas tam­bém constituem o sinal mais seguro de que o Jihad tem a bênção tácita do próprio Putin. Trata-se simplesmente de mais um passo ao longo da estrada sem saída da tchetchenização percorrida por Putin. Agora todos os muftis da Tchetchênia estão implicados, assim como no passado a Igreja Ortodoxa Russa foi cúmplice ao aben­çoar os crimes de Stalin e Kruschov.

Agora a vida é selvagem, ainda mais que no período soviético, mas o povo russo parece não se importar. Ninguém convocou o procurador-geral para declarar o Jihad nulo e sem valor.

 

9 de agosto

Continuam as mortes misteriosas de pessoas muito próximas das autoridades do Estado. Em Sotchi, Piotr Semenenko caiu de uma janela do décimo quinto andar de um hotel. Durante os últimos 18 anos, ele havia sido CEO da maior fábrica de máquinas operatrizes da Rússia, a Kirov, que produz de tudo, de aparelhos sanitários a turbinas para submarinos nucleares.

Semenenko era uma importante figura na área industrial. Em sua maioria, as pessoas supõem que ele tenha sido morto devido a desacordos a respeito da divisão de ativos industriais sob o sistema de Putin de capitalismo de Estado. Que ele foi auxiliado para cair do décimo quinto andar, ninguém tem dúvidas.

Enquanto isso, na prisão Matrosskaia Tichina, Mikhail Kho-dorkovski foi transferido da cela de detenção n° 4, que comporta quatro prisioneiros, para a cela n°1, que comporta onze. Ele não Pode mais receber jornais, nem ver televisão. O motivo é, sem dúvida, seu artigo "Virada para a Esquerda", escrito na prisão publicado no jornal Vedomosti. Estas são suas principais idéias.

Apesar de todos os deslizes do Estado, quem está à esquer vencerá no final. Além disso, eles vencerão democraticamente em completo acordo com a vontade expressa da maioria de eleitores. Haverá uma virada para a esquerda e aqueles que continuarem a buscar a política das autoridades de hoje perderão sua legitimidade.

Não devemos esquecer o fato de que nossos compatriotas se tornaram muito mais espertos do que dez anos atrás. As pessoas que foram enganadas em mais de uma ocasião não cairão em outro blefe, por mais engenhoso que seja. Levar a cabo o projeto Sucessor 2008 não será fácil. Os recursos do projeto autoritário pós-soviético na Rússia estão exauridos.

Temo que não completamente.

A Novaya gazeta convidou nossos leitores a apresentar pergun tas a Khodorkovski por e-mail e publicou as respostas por ele enviadas da prisão.

Sergei Panteleiev, um estudante de Moscou: "Os burocratas decidiram ser donos do Estado, para não ser seus servidores. Estou certo em acreditar que esta foi a verdadeira razão para i seqüestro de Iukos?"

Khodorkovski: "Caro Sergei, eles não querem possuir Estado, mas sim ativos tangíveis, e em particular a empresa d maior sucesso do país, a Iukos. Mais precisamente, eles querem pôr as mãos na renda.Você está certo ao achar que o seqüestro e a pilhagem da Iukos estão sendo feitos por trás de uma cortina de fumaça de conversa sobre os interesses do Estado. É claro que não é verdade. A destruição da Iukos causará um dano colossal aos interesses da Rússia. Esses burocratas estão simples­mente tentando iludir a sociedade, apresentando seus interesses pessoais como se fossem do Estado."

Pergunta de Goblin (provavelmente um pseudônimo) "Você não fica triste com o fato de seus amigos terem fugido para o exterior, em vez de ignorar todos os riscos e voltar para se juntarem a você e Lebedev?"

Khodorkovski: "Caro Goblin, ser jogado na prisão não é algo que eu não desejaria ao meu pior inimigo e muito menos a meus amigos. Assim, estou muito satisfeito pelos amigos que conseguiram evitar a prisão. O que mais lamento é que alguns dos meus camaradas e colegas foram presos em ligação com o caso da Iukos, em especial Svetlana Bakhmina, que é mãe de dois filhos pequenos."

Pergunta de Vera, Tomsk: "Você está sendo obrigado a recomeçar a vida. Será que encontrará forças em si mesmo ou o trabalho principal da sua vida já está no passado?"

Khodorkovski: "Cara Vera, na prisão compreendi uma ver­dade simples, porém difícil: o principal não é ter, mas ser. O importante é o ser humano, não as circunstâncias nas quais ele se encontra. Para mim os negócios são coisa do passado, mas não estou começando minha nova vida da estaca zero, porque carrego comigo uma enorme experiência. Agradeço ao desti­no pela oportunidade única de viver duas vidas, apesar de ter pago caro pelo privilégio."

No mesmo dia, 9 de agosto, os advogados de Khodorkovski e de Lebedev receberam uma ordem fixando um prazo para a con­clusão de seus estudos das gravações das audiências no tribunal. Foram autorizados a vê-las no Tribunal Distrital de Meschanski a partir de 27 de julho, mas agora começa a surgir todo tipo de difi­culdades. Em 28 de julho, o advogado Krasnov não recebeu as gra­vações "por razões técnicas". No mesmo dia, o advogado Lipster também não pôde ver as gravações porque parte delas estava "sendo estudada pelo promotor do Estado".

Entre 29 de julho e 8 de agosto, os advogados puderam ler somente as gravações de 2004, porque as de 2005 estavam com o promotor. Em 5 de agosto, os advogados receberam pelo correio um "segundo" aviso (embora não tenha havido o primeiro) instruindo- os a comparecer ao tribunal em 5 de agosto (isto é, no mesmo dia), para receber "transcrições das gravações da audição". Quando as leram, eles descobriram que elas eram diferentes dos originais e também das gravações em áudio das audições no tribu­nal. Além disso, as supostas transcrições não haviam sido certificadas oficialmente, nem havia nenhuma numeração dos volumes, paginação interna ou sumário. Os advogados ficaram indignados e registraram queixas e sua recusa oficial a aceitar "cópias" que não correspondiam aos originais.

Em 9 de agosto, a permissão para ver os registros originais foi recusada. Para evitar que os advogados pudessem reclamar Estrasburgo, o presidente do Tribunal, Kurdiukov, recusou-se confirmar por escrito que eles não tinham tido acesso aos registro oficiais das audiências e precisavam trabalhar exclusivamente com as "cópias". Eles tiveram até 25 de agosto para comentá-las.

Por que Svetlana Bakhmina, mencionada por Khodorkovs, numa de suas respostas, está na prisão?

Os funcionários da Iukos viram a prisão da colega como u alerta. Era óbvio para praticamente todos na empresa que, com parte da campanha contra a Iukos, o procurador-geral estava visando a funcionários subalternos. De fato, se Khodorkovski estava sendo acusado de coisas que poderiam se aplicar à grande maioria dos maiores empresários russos, então as acusações contra Bakhmina poderiam se aplicar a quase todos os cidadãos comuns.

Svetlana Bakhmina recebeu um salário na Iukos durante o quase sete anos em que lá trabalhou. De acordo com a acusação for­jada pelo procurador-geral, durante a maior parte desse período, ela era culpada de um crime previsto no artigo 198, Parte 2 ("não paga­mento de quantias excepcionalmente altas de imposto por pessoa física"). Por este artigo, Bakhmina pode ser condenada a três anos de prisão, apesar de não ter infringido qualquer lei, não mais que a Iukos quando lhe pagava através de um esquema chamado "seguro".

Esses esquemas foram disseminados na Rússia durante o perío­do em que o imposto de renda foi fixado em 35%, com contribui­ções ainda mais punitivas para o bem-estar social. A essência do esquema era de que o funcionário fazia um seguro de vida usando o dinheiro da empresa e depois recebia pagamentos contratuais do seguro, equivalentes a seu salário. Como os pagamentos de seguro não estavam sujeitos ao imposto de renda e eram permitidos pela legislação fiscal então em vigor, o sistema era usado por muitas empresas privadas, instituições estatais e ministérios, inclusive o Ministério da Fazenda.

Hoje dizem que você pode ser preso por isso. A grande maio­ria da população adulta ativa poderia ser presa exatamente pela mesma infração. Se o tribunal considerar Bakhmina culpada, os tra­balhadores do país estarão correndo um sério risco. As autoridades poderiam levantar acusações contra um grande número de pessoas. Por mais respeitador da lei que você seja, ainda poderá ser preso pela política fiscal de seu empregador, mesmo nada sabendo sobre ela.

 

A esta altura, Putin deveria ter indicado os 42 cidadãos que deseja para liderar sua Câmara Social. Ele não conseguiu fazê-lo porque as pessoas que gostaria de ter, em especial aquelas com reputação de mentalidade independente, não querem ser envolvidas, ao passo que as que querem entrar são pouco representativas para atestar as credenciais democráticas de Putin, ou são tão servis que a câmara seria objeto de riso.

 

11 de agosto

Em Urus-Martan, seis paramilitares não-identificados seqüestraram Natasha Khumanova, 45 anos, irmã do comandante de campo tchetcheno Doku Umarov, o segundo em comando de Basaev. Nada se sabe do seu destino. Em Urus-Martan, acham que foi um trabalho dos homens de Kadirov.

A captura de contra-reféns está se tornando cada vez mais comum e esta foi claramente uma dessas manobras, destinada a for­çar Umarov a se render às forças federais. Alguns tchetchenos con­sideram isto justo e que os métodos primitivos funcionam melhor do que os legais. Outros simplesmente estão à espera do momento certo para se vingar da Rússia.

 

12 de agosto

Em Krasnoiarsk, Sibéria, 45 membros da União da Juventude Comunista realizaram uma marcha por liberdade e democracia. Eles marcharam pelo centro da cidade exibindo slogans anti-Putin. As pessoas na rua gritavam "Muito bem! Para o inferno com o Putin deles!", mas não se juntavam aos manifestantes. Não é que as Pessoas não se importem com a Juventude Comunista. Chegam até a temê-la, com seus retratos de Che Guevara. Eu não marcharia sob esses retratos. Aqueles jovens não têm nenhuma experiência das conseqüências de uma revolução e nasceram no final do "período de estagnação", na era de Gorbatchov e início da de Ieltsin; as idéias do comunismo têm apelo para eles.

A Frente Civil Unida de Kasparov pretende reunir todos: os Jovens Comunistas, partidários provinciais do Rodina, o que resta da direita democrata, partidários do Iabloko nas regiões que desis­tiram de Iavlinski, os bolcheviques nacionais e os anarquistas. Todos unidos contra o regime! Depois que vencermos, poderemos deci­dir o que fazer a seguir. Esse é o melhor programa que os democra­tas podem conseguir.

Hoje foi ouvido um apelo no tribunal de Zamoskvoretchie, com a juíza Ielena Potapova presidindo, contra a recusa do subpro­curador Iudin, em 22 de julho, de conceder à polícia uma ordem de prisão para Sergei Melnikov, um "simples empreendedor russo".

Tentar questionar os atos do Gabinete do Procurador é muito incomum, se não impossível. Também é muito raro russos concor­darem em testemunhar contra mafiosos, pois a retaliação pode ser brutal e não há apoio das autoridades do Estado. A corrupção, mais disseminada do que nunca, garante que quem não pode pagar não recebe proteção. Assim sendo, quando Iudin recusou-se a sancionar a prisão de Melnikov, as vítimas deste que haviam fornecido evi­dências ficaram em apuros quando o subprocurador decidiu usar seus poderes em favor do algoz e não em favor delas.

A juíza Potapova estava nervosa e irritada, mas o advogado Alexei Zavgorodni pediu que ela se pusesse no lugar das vítimas de Melnikov, de quem ele havia extorquido dinheiro de proteção. E claro que Melnikov não estava presente, mas sua advogada e confi­dente, Natalia Davidova, estava.

Davidova é uma mulher grosseira e sarcástica que representa e assessora cerca de quarenta membros da máfia de Togliatti há vários anos. O Gabinete do Procurador da Cidade de Moscou deve ter dificuldades com uma advogada com clientes como estes, mas hoje seu representante no tribunal é Ielena Levchina. Ela repete ao tri­bunal exatamente o que Davidova disse. Parece que estamos ouvin­do um dueto monstruoso e bem ensaiado, em que as duas insistem que é impossível criar um precedente em que o procurador pudes­se parecer não estar certo: ele sempre está certo. Esta é uma redução ao absurdo do princípio pelo qual o procurador deve ser independente dos tribunais.

Davidova apela para o emocional e pinta um retrato tocante de gângsteres decentes e cumpridores da lei. Melnikov entregou-se voluntariamente à polícia, que ouviu o que ele tinha a dizer, manifestou simpatia e o libertou. Assim, Melnikov havia de fato invali­do o mandado de busca federal e sua detenção em 22 de julho i ilegal: o subprocurador Iudin havia meramente restaurado o princípio da legalidade que havia sido violado. É claro que isto é conversa fiada. No prontuário de Melnikov não existe menção nenhuma a ele ter se entregado voluntariamente a alguém.

A juíza Potapova retirou-se para considerar seu veredicto e logo voltou para declarar que o procurador sempre tem razão e também tinha naquele caso quando decidiu não sancionar a prisão de Elnikov, apesar de ter sido realizada uma caçada nacional para encontrá-lo. Ela rejeitou a queixa e achou que os atos do subpro­curador não infringiram os direitos constitucionais das vítimas de Elnikov. Exceto, é claro, o importante direito à vida.

"Os arranjos sociais e políticos da Rússia são profundamente injustos”, diz Vladimir Rijkov a todo mundo. Ele é uma das espe­ranças de um renascimento democrático, jovem e das províncias, que se sai bem com o público.

Porém, são exatamente esses "arranjos injustos" que reforçam a apatia social e fazem com que as pessoas relutem em pôr a cabe­ça para fora. O hábito de considerar-se como uma "pessoa pequena é como o botão vermelho na maleta nuclear do presidente — basta ele apertá-lo e o país está em suas mãos. Estou certa de que Putin e sua corte combatem a corrupção exclusivamente para fins de relações públicas. Na verdade, a corrupção lhes é proveitosa; ela desempenha um papel importante em condicionar as pessoas para que se mantenham quietas. Enquanto os tribunais são puxados de um lado para outro pelos criminosos e pelos políticos, ele nada têm a temer.

Hoje é a terceira vez em que poloneses foram espancados em Moscou e isto não pode ser coincidência. Funcionários da embaixada e um jornalista polonês foram atacados no decorrer de poucos dias.

Esta é a resposta do Nachi ao tato de, em 31 de julho, os filhos de diplomatas russos emVarsóvia terem sido espancados na saída de uma discoteca: uma explosão de xenofobia eslava com um subtex to político, muito ao estilo da Rússia de Putin. Os poloneses anda ram se excedendo ultimamente, começam a dizer às pessoas, inclusive algumas perfeitamente decentes e educadas. Aquilo que Lenin chamava de "chauvinismo vulgar de grande potência", do qual Putin sofre, está de novo na moda. Assim, se você espancar três dos nossos, nós espancaremos três dos seus. O fato de a resposta do governo ter sido demorada e formal só mostra sua aprovação.

O Iabloko exigiu que Putin intervenha pessoalmente e dê proteção especial à embaixada polonesa. O problema é que tudo o que os liberais e democratas podem fazer hoje é apelar para Putin; mas fazer isto e, ao mesmo tempo, exigir sua demissão simplesmente não é sensato.

Nikita Belikh, o líder da União de Forças de Direita, declarou que "no coração da maioria dos russos está um desejo de ser uma pessoa melhor. Nossa tarefa é deixar isto claro para todos". Infelizmente, no coração da maioria dos russos está um desejo d não aparecer, particularmente hoje em dia. Não queremos atrair olhar maligno das instituições repressivas. Queremos permanece nas sombras. O que você faz nas sombras, depende da sua personalidade. Muitos não querem sair sob nenhuma circunstância; é claro que existe um impulso para melhorar, mas manter-se nas sombras está muito mais fundo no coração de todo russo. Afinal, depois d tudo que aconteceu aqui somente no século XX, talvez isso na constitua surpresa.

Uma pesquisa oficial pôs a Rússia em sétimo lugar no mundo em termos do uso que faz de seu potencial humano.

 

13 de agosto

A mais recente tentativa de dar a Putin um terceiro mandato verde Adam Imadaev, deputado da Assembléia Legislativa da região de Primorski e fisiológico bem conhecido. Ele anuncia que descobri uma brecha na legislação que permitiria que Putin fosse eleito pela terceira vez. O Comitê Legal do Parlamento de Primorski decidiu de imediato examinar o assunto em setembro.

 

16 de agosto

A Suprema Corte causou sensação ao rescindir a proibição, pelo Tribunal Provincial de Moscou, do funcionamento do Partido Bolchevique Nacional. Limonov ficou tão emocionado que disse, ao deixar o prédio do tribunal, que quase tivera restaurada sua fé na Rússia. O procurador-geral está muito irritado e prometeu entrar com um recurso contra essa decisão junto ao presidente da Suprema Corte.

Os bolcheviques nacionais comemoraram infiltrando-se na inauguração da prestigiosa Mostra Aeroespacial de Moscou 2005, motivo de orgulho para Putin. Compareceram todos os tipos de xeques árabes, bem como representantes do complexo industrial-militar indiano e o rei Abdullah II da Jordânia, um descendente do Profeta. Apesar das incríveis medidas de segurança, tão logo Putin começou seu discurso de abertura da mostra, os bolcheviques nacionais (Deus sabe como conseguiram entrar) começaram a gri­tar a apenas 30 metros de distância dele: "Abaixo Putin!" e alguma coisa a respeito de ele ser responsável por Beslan. Foram imediata­mente detidos e levados para o posto policial na cidade vizinha de Jukovskoie.

Três horas mais tarde, foram libertados sem nem mesmo pagar uma multa. Eles ficaram totalmente surpresos, pois esperavam aca­bar na prisão. É possível que os policiais de Jukovskoie não liguem para Putin. Coisas estranhas acontecem.

Putin embarcou em um bombardeiro numa pista próxima da Mostra Aeroespacial e seguiu até a província de Murmansk. O pes­soal da defesa estava preocupado; aquilo podia ser bom para Putin em termos de relações públicas, mas para eles era uma dor de cabe­ça em termos de segurança. Porém, nossos generais são bem treina­dos e sabem quando não responder. Eles ordenaram que Putin fosse posto na cabine de comando, embora seja contra todos os regula­mentos. Ele pilotou brevemente o avião enquanto este estava em velocidade de cruzeiro. A mídia de massa estatal foi ao delírio: Putin estava inspecionando pessoalmente nossa aviação militar! Mas por quê? Talvez para aumentar seu índice de popularidade?

Naquela noite, mais uma vez os nachistas espancaram os bolcheviques nacionais. Não vale a pena nem tentar conversar com os Nachi; nenhum deles consegue explicar de forma coerente por que entrou para a organização. Os bolcheviques nacionais e outros jovens de esquerda são completamente diferentes e muito motiva dos. Os pobres de esquerda podem ser a força revolucionária mais dinâmica da Rússia. A classe média aspira somente a um modo de vida burguês e só lamenta que, até agora, não obteve os meios para sustentar esse nível de consumo.

Entre as organizações de esquerda está a ala jovem do Iabloko que se tornou a espinha dorsal do Defesa, o equivalente russo do movimento Porá, que foi tão importante para o sucesso da Revolução Laranja Ucraniana. O Defesa também inclui as alas jovens da União de Forças de Direita, da Marchar sem Putin, da Ação Coletiva e da Nossa Opção. O coordenador é Ilia Iachin, líder da ala jovem do Iabloko, que tem cerca de 2.000 membros. A Defesa está tendendo cada vez mais para a esquerda e seus protes­tos são cada vez mais parecidos com os dos bolcheviques nacionais. Por sua vez, estes estão evoluindo para as políticas democráticas predominantes.

Os grupos que mais aparecem são os bolcheviques nacionais, embora seu núcleo tenha sido esvaziado pelas prisões; a Vanguarda da Juventude Vermelha e a União da Juventude Comunista. Eles se algemaram às grades do Gabinete do Procurador-geral, exigindo uma reunião. Mas não a conseguiram.

A ideologia do Nachi foi elaborada por profissionais como Sergei Markov. Ele declarou: "As organizações de jovens com a ideo­logia da soberania russa, como o Nachi, são uma panacéia contra a Praga Laranja." É interessante notar que nenhum movimento anti-Laranja apareceu espontaneamente. Muitos temem os Nachi, mas acho que eles irão simplesmente se esfacelar daqui a algum tempo.

 

18 de agosto

Ainda há controvérsias a respeito do que irá provocar a queda deste regime. Como irá ruir? A atual oposição é fraca demais e carente de propósito para derrubá-lo. Um protesto espontâneo do povo russo parece ainda menos provável.

Uma possibilidade é que, se Putin construir um sistema neo soviético, ele poderá cair, como antes, pela ineficiência econômica. A marca registrada do governo Putin é construir o capitalismo de Estado, criar uma oligarquia burocrática leal assumindo o controle de todas as principais receitas nacionais (que são, em sua maioria, delegadas a membros da Administração Presidencial). Para este fim, eles precisam renacionalizar empresas que funcionam com sucesso, transformando-as em conglomerados industriais financeiros ou em empresas holding.

Isto está acontecendo rapidamente. Conglomerados como Vnechekonombank,Vnechtorgbank e Mejprombank (as chamadas holdings financeiras "russas" para contrabalançar holdings de aparên­cia mais ocidental, como o Alfa Group e outros) engolem parcelas cada vez maiores de empresas de sucesso nascidas depois do colap­so soviético.

Naturalmente, isto é facilitado pelo governo. Engolir elas podem, mas não conseguem digeri-las, uma vez que não contam com gerentes altamente qualificados em número suficiente. Os conglomerados não conseguem lidar com o que já têm em mãos e as empresas começam a ficar para trás depois de serem assumidas. Em conseqüência disso, o crescimento econômico no último semestre caiu para 5,3%, as exportações de capital foram superiores a 900 bilhões de rublos [US$36 bilhões] e a taxa de crescimento da renda caiu à metade. Estes dados foram fornecidos pelo Governo do Povo, formado como alternativa àquele que temos, por Gennadi Semigin, um deputado independente da Duma.

Oleg Chuliakovski está renunciando. Ele gerenciou a Fábrica Báltica, o mais importante estaleiro de superfície no noroeste da Rússia, desde 1991 Chuliakovski era uma figura tão importante que foi mantido por todos os vários proprietários da empresa depois da sua privatização no início dos anos 90. Está saindo agora devido ao modelo de desprivatização imposto à empresa em 2005, depois de sua compra pela corporação Industrial Unida, controla­da pelo Mejprombank. Ela está sendo fundida com três escritórios de projetos e algumas outras empresas, com uma óbvia perda de eficiência. Não se sabe o que a administração presidencial fará agora sem Chuliakovski no comando (e o Mejprombank só conse­guiu engolir a empresa de 150 anos devido aos seus contatos com a administração).

Chuliakovski era um pilar da indústria da construção naval mas até ele desistiu porque o Mejprombank está criando uma holdind de capitalismo estatal da construção naval. As empresas defesa Almaz-Antei e Milia Helicópteros foram ambas despriva zadas de maneira semelhante. O Mejprombank é controlado p Sergei Pugatchev que, apesar de ser senador e assim não qualificado para dirigir um banco, continua de fato a fazê-lo. Ele é um dos chamados oligarcas ortodoxos, um camarada de armas de Putin na criação de uma oligarquia de Estado.

O único problema com o sistema de Putin é que ele levará décadas para ruir pela estagnação. Ninguém duvida do destino que aguarda a fábrica báltica, mesmo que Putin consiga evitar que estrangeiros e membros de outras tribos avancem mais um centí­metro no território russo. Para preservar seu sistema, eles começa­rão a passar a presidência de um sucessor inútil para outro. Sua principal característica será a ausência de um rosto e eles irão assu­mir depois de eleições fraudadas ao estilo soviético.

O maior problema é que, embora o colapso seja inevitável, nós não estaremos vivos para vê-lo. É uma pena, porque gostaríamos de ver.

 

19 de agosto

A audiência de hoje do julgamento dos bolcheviques nacionais cai para o campo da farsa.

"Em 14 de dezembro, olhei e vi uma agitação. Eu estava ao lado da sala 14. Vi tudo o que aconteceu. Então, quando vi a estru­tura do detector de metais caída numa posição horizontal..." Com a determinação de um detetive provincial, Ievgeni Posadnev apre­senta esta condenável prova do banco das testemunhas. Ele era dire­tor de uma instituição trabalhista corretiva soviética e agora traba­lha para a administração presidencial como "conselheiro de recep­ção", o que significa que é um mediador entre Putin e seu sofrido pessoal. A fisionomia de Posadnev é extremamente grave. Ele esta denunciando inimigos.

"Em que condições estava o detector de metais depois que esses jovens o derrubaram?”, pergunta o promotor.


 

“Ele estava deitado como uma letra L", explica Posadnev, “mas deveria estar em pé como uma letra H." Até o juiz Chikhanov está rindo.

"Os rapazes da nossa unidade de segurança", prossegue a teste­munha, como se estivesse contando ao professor que Vasia tinha rou­bado maçãs novamente, "bloquearam o caminho deles com este detector, para que aquele grupo de pessoas fosse impedido de se dis­persar por todo o prédio da administração. Os rapazes bloquearam o corredor com aquele L e assim desviaram a multidão para a sala 14!"

O promotor fica horrorizado. O que sua testemunha está dizendo?

"Isto é, a multidão foi dirigida para a sala 14?", interrompe ime­diatamente a defesa. "Eles não entraram lá por vontade própria?"

A acusação, em apoio da qual Posadnev supostamente está tes­temunhando, diz claramente que a infração grave cometida pelos 39 acusados foi que eles invadiram a sala 14. Esta impertinência é a razão oficial para eles terem sido mantidos presos por quase nove meses.

"Não, eles não entraram lá por vontade própria", insiste a tes­temunha, tentando mostrar com que bravura o Serviço Federal de Segurança havia agido e supondo que está expondo toda a gravida­de da ofensa dos invasores. "Eles queriam correr por todo o prédio, mas foram forçados para dentro da sala com a estrutura do detector de metais."

"E as portas da sala estavam trancadas?”, pergunta a defesa.

"Não, estavam abertas.”

"Mas então eles trancaram a sala?"

"Não, a porta externa permaneceu aberta."

"Então porque ela estava quebrada?" A total destruição daque­la porta é o segundo item mais sério dos danos materiais dos quais os réus são acusados.

"Eu vi tudo, eu os vi bloqueando a segunda porta com um cofre. Eles estavam se trancando por dentro.”

"Mas a porta externa não estava trancada! Por que então eles a quebraram? E onde ela está agora?"

"Foi consertada. Estava arranhada."

Poderiam perguntar quem a arranhou. Os promotores se dão conta disso. Eles estão olhando para "sua" testemunha com ar ameaçador e seus lábios estão se movendo. Poderiam estar prague­jando? O nível de todas as suas testemunhas foi tão baixo que pro­vocou risos.

"Não obstante, você testemunhou pessoalmente qualquer uma dessas pessoas criando tumulto?”, pergunta a defesa, inflexível. Este é o ponto principal da acusação.

"Não", murmura a testemunha desapontada. "Não houve tumulto."

Ele sacode a cabeça. Afinal, até que ponto podem esperar que ele invente?

Este julgamento não tem base legal, mas há um imperativo ideológico para separar aqueles que estão "do nosso lado" dos que não estão. Isso faz parte de um processo nacional mais amplo de separação. Os bolcheviques nacionais precisam ser punidos — com ou sem base legal.

É claro que os métodos exibidos no Tribunal Nikulin são ridí­culos, mas quem pode vê-los ou ouvi-los? Somente as poucas pes­soas presentes. O resto do país recebe a mensagem de que as auto­ridades não estão brincando e quem não está do lado delas vai preso. Castigue pessoas assim. Não demonstre piedade e sua carrei­ra irá florescer.

Platon Lebedev, amigo e defensor de Khodorkovski, foi trans­ferido para uma cela punitiva por ter se recusado a sair para os exer­cícios. Uma semana atrás Lebedev, que sofre de cirrose hepática, foi transferido do hospital da prisão para uma cela comum e sua saúde se deteriorou de forma aguda. Ele se recusou a fazer exercícios por­que não tinha forças. Eles se agarraram a isto: uma cela punitiva é um lugar extremamente ruim; não há lençóis, nem aquecimento e a dieta é de pão e água. O segundo motivo é que o Tribunal Mitchurin lhe deu até 25 de agosto para ler os registros das audi­ções do caso Iukos. Lebedev ficará na cela punitiva até 26 de agos­to e, como nela não podem entrar nem papéis nem livros, ele será incapaz de preparar um recurso contra o veredicto.

É claro que Lebedev ainda tem Khodorkovski e este está evi­dentemente escrevendo seus comentários. O veredicto será dividi­do entre os dois e eles têm advogados excelentes. Apesar disso, este espírito de vingança contra pessoas cujo único crime foi deixar de se declarar culpadas é monstruoso.

Há uma boa razão de preocupação a respeito deste país. Os atuais líderes do mundo põem o rabo entre as pernas e trocam bei­jos com Putin em vez de reprimi-lo.

 

21 de agosto

Outro aniversário do golpe de 1991 contra Gorbatchov e nossa libertação dele. Cerca de oitocentas pessoas foram a uma comemo­ração organizada pelo partido da Rússia Livre. Não tive vontade de parar quando passei por ela. Não há liberdade; então, o que há para comemorar? Desde aquela data, trouxemos de volta o que tínhamos antes.

Oficialmente, 58% das pessoas pesquisadas aprovam o slogan "A Rússia para os russos". Outros 58%, quando lhes perguntaram o que fariam se ganhassem um salário decente, disseram que com­prariam imediatamente propriedades no exterior e emigrariam. Isto é uma sentença de morte para a "Rússia Livre" e também explica por que não temos revoluções ultimamente. Estamos espe­rando que alguém a faça para nós.

 

23 de agosto

Algumas mães de crianças que morreram em Beslan se trancaram no prédio do tribunal em Vladikavkaz, na Ossétia do Norte, onde Nurpacha Kulaev está sendo julgado. Oficialmente, ele é o único terrorista de todos os que tomaram a escola.

Depois da tragédia, as mães disseram que só confiavam em Putin e tinham certeza absoluta de que ele iria garantir um inqué­rito objetivo. Putin prometeu que sim. Um ano se passou. Porém, o inquérito exonerou todos os burocratas e agentes de segurança que planejaram e executaram o ataque que levou à morte de tantas crianças e adultos. Agora as mulheres estão exigindo que elas mes­mas sejam presas. Elas se consideram responsáveis pela morte de seus próprios filhos, porque votaram em Putin. Sua invasão é um ato de desespero.

Khodorkovski entrou em greve de fome na prisão Matrosskaia Tichina, recusando até mesmo água, em sinal de solidariedade para com seu amigo Platon Lebedev, gravemente enfermo. Por intermé­dio de seu advogado, Khodorkovski declarou que a transferência d Lebedev para uma cela punitiva era obviamente uma retaliação pelos artigos que ele, Khodorkovski, havia publicado nos jornais depois do veredicto.

Bravo, Khodorkovski! Não pensei que ele fosse capaz disso. Estou feliz por ter errado. Agora ele é um de nós. Oligarcas não fazem greve de fome; são pessoas como nós que fazem.

Nos últimos seis meses, a greve de fome tornou-se o único meio de afirmar o direito à livre palavra, um direito supostamente garantido pela Constituição. Há muita coisa que não se pode mais falar, mas ainda é possível fazer uma greve de fome para mostrar que se foi silenciado. Comparecer a reuniões de protesto tornou-se praticamente inútil, meras pregações aos convertidos; aqueles que compartilham de suas opiniões já conhecem a situação; por que então continuar a lhes falar a este respeito? Fazer piquetes é inútil, a menos que seja para salvar sua consciência. Ao menos você pode­rá contar a sua neta que fez mais do que expressar seu mau humor na cozinha de sua casa. Nem mesmo escrever livros que não são publicados na Rússia por suas idéias dissidentes têm muito impac­to. Eles só são lidos por pessoas que vivem no exterior.

Assim, em 2005, a greve de fome é uma das poucas maneiras de tornar conhecido seu protesto. Além disso, é uma coisa que qual­quer um pode fazer. Todos nós podemos deixar de comer. Além disso, não é preciso pedir uma autorização do Estado para fazê-la.

Outra vantagem importante: na Rússia, todos suspeitam que todos querem fazer relações públicas; mas que espécie de relações públicas é uma greve de fome? É evidente que ela é feita por uma pessoa desesperada.

Assim, enquanto gozamos este veranico, o que a nova tática tem conseguido? Por três semanas em julho, os Heróis da Rússia, da União Soviética e do Trabalho Socialista estiveram em greve de fome. Enquanto isso, Putin deu apoio de relações púbhcas a crimi­nosos neofascistas, comendo com eles numa tenda em Tver, insul­tando ostensivamente os Heróis. Apesar disso, a greve de fome deles foi muito eficaz.

Os prisioneiros da colônia penal em Lgov fizeram uma greve de fome para chamar atenção para as torturas que estavam sofren­do. Embora as conseqüências tenham sido terríveis, eles estão sendo menos torturados. De qualquer maneira, houve barulho suficiente para perturbar o tranqüilo trabalho do Tribunal de Direitos Humanos da Europa. O governo foi obrigado a reagir e, quem sabe, os brutos que dirigem outras prisões na Rússia venham a ser mais prudentes no futuro.

As vítimas de espancamentos pela polícia em Rasskazovo, na província de Tambov, entraram em greve de fome, alertando que "não mais agüentaremos humilhações, insultos e violência física dos órgãos de cumprimento da lei”.Os agressores pararam. Mais uma greve e é possível que sejam presos.

Finalmente, os bolcheviques nacionais do caso de 14 de dezembro começaram uma greve de fome em suas celas em Moscou, exigindo a libertação de todos os prisioneiros políticos. Quem não vê que eles mesmos são prisioneiros políticos?

As autoridades registraram em silêncio este verão de greves de fome, mesmo que se refiram a ele só indiretamente, como fizeram em Sotchi quando observaram que os funcionários deviam se man­ter à distância do povo. Porém, o Estado está se conscientizando de que as pessoas não estão brincando. São pessoas que não irão se entender com ele, sob nenhuma circunstância. Uma greve de fome não é um diálogo com as autoridades, mas com seus concidadãos.

Reflito que ninguém consegue imaginar o primeiro-ministro Fradkov, Surkov ou o próprio Putin fazendo greve de fome. Não é o estilo deles. Dar um passeio em um bombardeiro, supostamente sem guarda-costas, tudo bem. Porém, um protesto como o que Khodorkovski dividiu agora com o povo está fora de questão.

 

24 de agosto

As mães voltaram a Beslan.

"Nós, mães de Beslan", diz Marina Park, "somos culpadas de ter dado vida a crianças condenadas a viver num país que decidiu que não necessitava deles. Somos culpadas de votar em um presi­dente que decidiu que as crianças eram descartáveis. Somos culpa­das por guardar silêncio durante dez anos a respeito da guerra que está sendo travada na Tchetchênia, que deu origem a rebeldes como Kulaev."

Ella Kesaeva, outra mãe que perdeu seu filho, interrompe: “O principal culpado é Putin. Ele se esconde por trás da Presidência. Preferiu não nos ver e se desculpar. É uma tragédia que vivamos com um presidente desses, que se recusa a assumir responsabilidade por qualquer coisa."

Pouco depois disso, soube-se que Putin estava convidando representantes do Comitê de Mães de Beslan para que se encon­trassem com ele em Moscou em 2 de setembro. Inicialmente as mulheres ficaram indignadas: 2 de setembro era um dia de come­moração dos mortos. Elas não poderiam ir. Então a administração presidencial as informou secamente de que o encontro entre Putin e o povo de Beslan aconteceria com ou sem elas; seria encontrada uma pessoa para dizer a Putin, diante das câmeras de televisão, o quanto todos o amam em Beslan. Sempre se acha alguém assim na Rússia.

O que deveriam elas decidir? Imediatamente depois da atroci­dade, Putin prometeu que toda a verdade seria revelada. Muitos acreditaram nele, inclusive as "mães negras" que haviam perdido seus filhos. Por solicitação pessoal do presidente, foi formada uma Comissão Parlamentar para investigar as causas e circunstâncias dos eventos em Beslan, presidida por Alexander Torchin, que prometeu que o relatório detalhado e honesto da Comissão estaria pronto até março de 2004.

Nada aconteceu. Até hoje não há relatório e a investigação se transformou em zombaria. Muitas das pessoas que haviam sido reféns na escola ficaram tão irritadas que se recusaram a depor no absurdo julgamento de Kulaev.

"Obviamente ninguém foi culpado ou não dariam medalhas a todos eles", comenta Marina Park em tom cáustico. Os cidadãos de Beslan ainda estão sozinhos com sua tristeza. Pessoas vêm fotogra­fá-los como animais no zoológico e se vão. Perguntam se precisam de dinheiro e eles respondem que a única coisa que querem é a verdade.

 

27 de agosto

O presidente da Comissão Parlamentar sobre Beslan, Alexander Torchin, admite que o relatório pelo qual Beslan espera há tanto tempo simplesmente não existe. "Há somente algumas páginas soltas."

A Rússia dá de ombros.

 

29 de agosto

No Tribunal Nikulin, durante todo o verão, somente 13 das 26 tes­temunhas da acusação foram interrogadas. As da defesa ainda não foram convocadas.

As autoridades estão retardando deliberadamente o julgamen­to dos bolcheviques nacionais e os mantêm na prisão, porque ima­ginam que isso fará com que outros pensem duas vezes. Na verda­de, isso só fortalece as convicções deles. Enquanto os filhos estão na prisão sob acusações simplesmente inventadas, seus pais começaram a seguir a liderança deles. Estão organizando encontros de protesto, fazendo piquetes, juntando-se a movimentos de oposição.

Agora os comunistas permitem que os bolcheviques nacionais realizem suas reuniões semanais nas suas instalações e a aliança dos ativistas de esquerda está se tornando muito sólida. Porém, esta noite, quando os bolcheviques nacionais estavam chegando, foram atacados e brutalmente espancados por indivíduos mascarados com uniformes de combate e brandindo tacos de beisebol.

Depois do ataque, os assaltantes entraram calmamente em um ônibus que estava à espera e se foram. A polícia foi chamada, perse­guiu e parou o ônibus. Entraram e voltaram dizendo que o ônibus estava cheio da "nossa gente". O que estava acontecendo? Simples­mente, aqueles "do nosso lado" têm permissão para espancar os que "não estão do nosso lado". Os nachistas vêm atacando os bolchevi­ques nacionais com tacos de beisebol desde o início de janeiro. Em 29 de janeiro e 5 de março, houve ataques em larga escala por ati­vistas Nachi à sede dos Bolcheviques Nacionais, que foi saqueada. Mais uma vez, desordeiros politicamente inspirados chegaram e se foram em um ônibus pequeno, equipados com tacos de beisebol. Eles até trouxeram um gerador portátil para serrar a porta.

Os atacantes foram verificados pela polícia e liberados. Em 12 de fevereiro, no metrô de Moscou, criminosos surpreenderam e espancaram não só bolcheviques nacionais, mas também o pai de um dos 39 que estão presos. Mais uma vez, eles foram levados até um posto da polícia e liberados. A cada vez, a polícia fazia um bole­tim de ocorrência e chegou a começar a fazer acusações criminais mas ou as deixavam de lado ou as punham no gelo. "Vocês preci­sam entender", suspiravam os investigadores. "É a política..."

"Não existe urgência por parte dos investigadores", contou-me Dmitri Agranovski, o advogado que representava o pai agredi­do. "Os arquivos nem foram enviados ao tribunal, apesar das trans­gressões serem muito mais claras do que aquelas dos bolcheviques nacionais que invadiram a área de recepção de Putin, e a violência foi muito maior. Muitas pessoas tiveram ferimentos graves. Estamos tentando impedir que o processo seja completamente encerrado, mas está claro que ele não vai dar em nada."

E agora este novo ataque. Os Gladiadores do Spartak precisa­vam de proteção contra a lei. Eles a encontraram e agora estão usando seus punhos para retribuir a confiança neles depositada pela administração presidencial.

É exatamente como na Tchetchênia. O governo toma sob sua proteção pessoas que têm, de preferência, vários processos criminais pendentes contra elas. Eles são anulados em troca da garantia de que "enquanto estiver conosco, ninguém poderá levantar um dedo contra você. Espanque quem levantar". (Na Tchetchênia, é. “Mate quem você quiser.”

Será que veremos o dia em que o presidente decretará que bandidos como Roma e Ramzan deverão receber honras do Esta­do russo?

Também é óbvio que o regime está ansioso por jogar um grupo de jovens contra outro para que, depois da luta, haja equilí­brio entre os dois lados, para que o ódio não deixe a sociedade. Medo e confronto são muito mais úteis; a busca da harmonia social não faz parte da pauta do governo. Ele espera que a existência de diferentes grupos sociais adversários venha a ser o tapete mágico sobre o qual ele voará até sua meta de mais quatro anos no poder e no controle das receitas do país, enquanto nós continuamos nos espancando uns aos outros. Isso é o que vejo por trás dos ataques aos bolcheviques nacionais por equipes bem organizadas usando tacos de beisebol.

 

30 de agosto

O Conselho Militar da Suprema Corte está estudando um recurso contra a absolvição de uma unidade de Operações Especiais pelo Tribunal Militar do norte do Cáucaso. Essa unidade, subordinada à Diretoria Central de Inteligência, matou seis pessoas e queimou seus corpos no distrito de Chatoi, na Tchetchênia, em janeiro de 2002. O veredicto foi considerado ilegal e o processo enviado de volta para reconsideração.

Isso é muito incomum. As objeções básicas ao primeiro vere­dicto foram violações grosseiras dos procedimentos na seleção dos jurados e na conduta do juiz aos lhes dar instruções políticas antes de que eles se retirassem para deliberar sobre o veredicto.

A unidade de Eduard Ulman foi absolvida porque, embora tenha matado e queimado suas vítimas, não poderia ser responsabi­lizada porque estavam somente cumprindo as ordens de seus supe­riores, que não podiam ser questionadas. O tribunal ignorou total­mente o fato de não haver ordens escritas, somente indicações vela­das de um obscuro diretor da operação, cuja voz foi ouvida através de um walkie-talkie. A Suprema Corte também ignorou este impor­tante detalhe.

O que acontecerá a seguir? Esta é a terceira vez em que o caso foi revisto, mas infelizmente ele ainda será julgado em Rostov-sobre-o-Don. Se o Conselho Militar estivesse esperando seriamente um veredicto de culpado, Ulman e sua unidade seriam novamente detidos e o caso não teria voltado para Rostov, onde é praticamen­te impossível formar um júri radicalmente diferente dos anteriores. Os jurados de Rostov foram de opinião que Ulman estava perfei­tamente em seus direitos; ele estava executando uma missão para a pátria e, de qualquer maneira, todos os tchetchenos são culpados a priori. O forte sentimento antitchetcheno é um fato da vida no sul da Rússia.

Por que nesta ocasião o veredicto foi deixado de lado? Afinal, a Suprema Corte tem um longo histórico de fechar os olhos para assuntos inconvenientes. Ela está fazendo o jogo de Putin. Quando se encontrou com os defensores dos direitos humanos no início do verão, o presidente disse que ficara chocado com a absolvição de Ulman e seus comandados. Assim, a Suprema Corte se apressou em ajudá-lo a superar o choque, retomando o caso, e o que acontecer depois disso não é problema dela.

Mas a Diretoria Central de Inteligência (GRU) pode ser força­da a se conter por um curto período. As subdivisões de Operações Especiais dessa organização sanguinária continuam a "desinfetar" aTchetchênia, operação na qual Ulman e seu destacamento estavam envolvidos, e o fato de não sabermos de casos semelhantes se deve simplesmente ao fato de que não são registrados. As atrocidades na aldeia de Borozdinovskaia em 4 de junho também foram cometi­das por um destacamento do GRU. O assassinato, em 4 de julho, de Abdul-Azim Iangulbaev, chefe do governo da aldeia de Zumsoi, é outro exemplo.

O pano de fundo para o caso de Iangulbaev é que, em janeiro, quatro pessoas foram seqüestradas de Zumsoi por um grupo de sol­dados lançados de pára-quedas de helicópteros. Nada mais foi ouvi­do delas. A seguir, os soldados ficaram furiosos, espancando aldeões e se apoderando, por exemplo, de 250 mil rublos [US$10.000] que uma das famílias tinha acabado de receber como compensação pela destruição da sua casa. Abdul-Azim Iangulbaev fez o possível para encontrar os aldeões seqüestrados. Apelou para organizações de direitos humanos e falou dos excessos cometidos pelos soldados, um fato incomum hoje na Tchetchênia. E não apenas lá.

Na primavera, ele enviou ao Centro Memorial de Direitos Humanos e ao Gabinete do Procurador um rascunho de relatório feito por um dos soldados envolvidos nas operações de janeiro que dava os nomes dos militares no comando dos sequestros e mencio­nava o bombardeio de casas e o assassinato de um dos aldeões.

Em 4 de julho, o jipe de Iangulbaev foi detido numa estrada de montanha por três homens mascarados, que apresentaram creden­ciais do GRU e ordenaram que ele saísse do carro e mostrasse sua carteira de identidade. Quando foi abrir o porta-malas para que fosse inspecionado, ele foi morto à queima-roupa com uma arma dotada de silenciador.

 

31 de agosto

Há uma divisão em Beslan. As mães devem ou não ir a Moscou para se encontrar com Putin em 2 de setembro?

Ao que parece, Putin acha que elas elevem: um avião especial será enviado para buscá-las. Isto não tem precedentes, mas Beslan também não. Porém, muitas das mães estão se recusando a ir. Hoje a delegação dos que vão ao Kremlin não consiste exclusivamente em mães que perderam seus filhos e queriam há muito contar a Putin tudo o que lhes vai na cabeça. Ela inclui, é claro, Teimuraz Mamsurov, o pai de duas crianças que sobreviveram na escola e que, na época do ataque terrorista, era líder do parlamento republi­cano. Hoje ele é "diretor" da Ossétia do Norte. As repúblicas não têm mais presidentes, mas se é diretor ele claramente goza da con­fiança de Putin. Mamsurov não criará confusão na presença de Putin para descobrir a verdade a respeito do ataque terrorista. Ele não cometerá suicídio político.

Outro membro da delegação é Maierbek Tuaev, diretor da Comissão Pública para a Distribuição de Ajuda Humanitária. A filha de Maierbek foi morta, mas, depois das atrocidades, quando choveu ajuda humanitária na cidade, vinda do mundo inteiro, ele foi nomeado para distribuí-la. Também há Azamat Sabanov, filho de Tatarkan Sabanov, ex-diretor da Primeira Escola que, como fazia todos os anos, havia ido para o desfile de 1o de setembro e foi morto no ataque. Azamat é assessor de Maierbek Tuaev para a dis­tribuição da ajuda humanitária, que funciona como um narcótico numa cidade que passa a maior parte do tempo no cemitério.

Telefono para Marina Park e ela conta: "Estou no cemitério." Posso ouvir muitas vozes em volta dela. Ela é um membro extre­mamente ativo do Comitê das Mães de Beslan. Marina foi uma das primeiras signatárias das muitas cartas enviadas pelo comitê a insti­tuições envolvidas no inquérito sobre a tragédia, mas decidiu não comparecer ao encontro com Putin em 2 de setembro. "Não faz sentido viajar mil quilômetros para receber condolências", disse ela, inflexível, ainda no cemitério. "Ele não está nos recebendo para seguir em frente com o inquérito, mas porque quer ser fotografado conosco."

Alexander Gumetsov, cuja filha Aza, de 12 anos, foi morta, também não quer mais ver o presidente.

Conheci Alexander este ano. Ele estava e ainda está profunda­mente deprimido. Aza era sua única filha. Houve um tempo em que ele queria muito contar tudo sobre o que sua família passou até finalmente receber os restos mortais da filha, identificada somente pelos testes de DNA. Mas agora, como a maioria das pessoas na cidade, Alexander sente que foi enganado tantas vezes no ano pas­sado que nada poderá restaurar sua fé nas autoridades do Estado. Mesmo que Putin quisesse passar todo o mês de setembro com as pessoas de Beslan; mesmo que não houvesse nenhuma menção a dinheiro e apenas a discussão da necessidade de um inquérito sério; mesmo que Putin obrigasse o procurador-geral, o diretor do FSB, o ministro do Interior e todos os condecorados "heróis de Beslan" a falar a verdade às mães na sua presença; mesmo que ele de repen­te se arrependesse e beijasse a mão daquelas mulheres, perante as quais ele sempre será culpado, e jurasse arrancar a verdade dos seus serviços de segurança — mesmo assim ele não acreditaria.

E assim duas ou três mães, das vinte que haviam sido convida­das, irão ao Kremlin. Elas servirão para influenciar os homens poli­ticamente mais confiáveis, convidados para o encontro de Putin com o Comitê das Mães de Beslan.

A mãe de Aza, Rimma Tortchinova, é uma das que vão. Ela quer olhar Putin nos olhos quando lhe fizer algumas perguntas importantes que não foram respondidas. Rimma não tem ilusões, mas acha que é sua obrigação para com a memória da filha. Ela irá a Moscou de qualquer maneira. Perguntará sobre os quartéis a partir dos quais a operação foi dirigida, sobre o ataque, os lança­dores de granadas, o papel dos helicópteros federais sobrevoando a escola.

Podemos apenas imaginar as dificuldades que ela irá enfrentar em 2 de setembro, assim como as outras mulheres que irão ver o presidente. Que solidariedade pode a sociedade oferecer a elas neste momento? Podemos ao menos estender a mão para que elas sintam não só sua dor, mas também o apoio do país quando enfren­tarem o frio do Kremlin. Talvez então nosso presidente ache mais difícil "gerenciar" tudo de forma cínica e seja obrigado a responder honestamente às perguntas delas.

Há poucas evidências de solidariedade social. Assistimos ao drama das mães de Beslan pela televisão. Vemos seus lamentos no tribunal em Vladikavkaz, trancando-se em sinal de protesto, reali­zando reuniões, bloqueando a rodovia, exigindo ver o subprocura-dor-geral Chepel, que está visivelmente constrangido por ter de mentir indefinidamente para elas. O país está sedado por esta nove­la, inclinado a murmurar somente que "elas estão fora de si de tris­teza" e, afinal, o tempo irá curá-las e não há nada a ser feito.

Vamos assistir à edição vespertina do programa noticioso Vremia e iremos para a cama esquecendo as mulheres com véus pretos até o próximo episódio de As Mães de Beslan. Os homens de Beslan continuarão perdendo a cabeça, culpando-se por tudo, enquanto as mulheres continuam a viver no novo cemitério de sua cidade.

Amanhã é 1o de setembro. Um ano se passou e nenhum dos incompetentes burocratas, generais, diretores de serviços de inteli­gência, oficiais de quartéis operacionais ou mesmo chefes da polí­cia foi responsabilizado. De qualquer maneira, ninguém está exi­gindo isso. O que aconteceu com a opinião pública?

Em 1o de setembro de 2005, ficou claro que o movimento democrático está em colapso. Não haverá nenhuma frente unida, seja na realidade ou nas eleições para o Parlamento tchetcheno em novembro, as eleições para a Duma de Moscou em dezembro ou nas eleições para a Duma em 2007. O Comitê 2008 é um fantas­ma. O Congresso dos Cidadãos está em coma. A elite intelectual russa não conta com nenhum fórum no qual possa influenciar a governança do Estado.

Sim, Gary Kasparov entrou para a Frente Civil Unida, embora esta não pareça estar atraindo muitos membros. Ela formula assim sua missão.

Em futuro próximo, a estagnação de Putin será substituída por uma séria crise política criada pelas próprias autoridades do Estado e não pelos democratas. A principal tarefa que temos diante de nós antes que ocorra essa crise é criar uma organiza­ção capaz de unir todos os cidadãos responsáveis contra o regi­me quando este finalmente perder a cabeça. Precisamos apren­der a organizar nossa oposição.

São palavras verdadeiras, mas o problema que sufoca todas as boas palavras é que todos os membros da Frente Civil Unida, com exceção de Kasparov, têm um histórico de derrota eleitoral. Entre essas pessoas, que fizeram parte dos movimentos democráticos nos anos anteriores a Ieltsin, há algumas que se comportaram de forma desastrosa no fim do período de Ieltsin e tornaram possível a che­gada da era Putin.

Para deixar claro, não acredito que as convicções democráticas dessas pessoas sejam tão profundas. Não confio em nenhuma delas, com exceção de Kasparov, e duvido que ele seja capaz de mover montanhas sozinho. Milhões de outros russos também não confiam nessas pessoas.

Vladimir Rizhkov ainda dirige o Partido Republicano da Rússia, visto pelo povo com ceticismo ainda maior. Ele existe há 15 anos, tendo surgido de um improvável agrupamento do período de Ieltsin, a "Plataforma Democrática do Partido Comunista da União Soviética", porque esse monstro já existia e na época parecia muito progressista. O povo também não o apoia.

Iavlinski rompeu publicamente com a União de Forças de Di­reita, ao ponto de se recusar a ter qualquer coisa a ver com Nikita Belikh, seu novo líder. Isso acaba com qualquer esperança de ade­são entre a União e o Iabloko. O único elemento ativo no Iabloko é sua ala jovem, sob Ilia Iachin. Seus protestos se assemelham cada vez mais àqueles dos bolcheviques nacionais de Limonov. O Iabloko Jovem não tem o próprio Iavlinski em alta conta, talvez por­que seus membros sejam muito mais puros, mais honestas e, mais importante, mais apaixonados que os velhos democratas, dos quais Iavlinski é um exemplo típico. A visão de que os velhos democratas pertencem ao passado está hoje muito disseminada.

A União de Forças de Direita está ocupada em bajular a admi­nistração presidencial, enfatizando que "nada tem contra Putin". No verão, Belikh circulou por 45 regiões do país tentando mobili­zar pessoas de direita. Nada conseguiu.

Qualquer pessoa que no momento esteja tentando fazer algo de válido na Rússia está se deslocando para a esquerda. Khodor-kovski está certo, apesar de todos os democratas terem condenado suas idéias enviadas da prisão. A Marcha para a Esquerda da Rússia é um fato consumado, que também elimina qualquer possibilidade de uma Revolução Laranja russa. Não haverá na Rússia nenhum grande avanço revolucionário com laranjas, tulipas ou rosas.

Nossa revolução, se vier, será vermelha, porque os comunistas são quase a força mais democrática do país e porque ela será san­grenta. A Revolução Laranja na Ucrânia reuniu por algum tempo todos os nossos democratas e liberais, mas a seguir dividiu-os ainda mais. No lugar deles, como um tumor, veio o movimento "demo­crático" Nachi da administração presidencial.

A ameaça de uma revolução sangrenta vem hoje das próprias autoridades do Estado ou possivelmente de oposicionistas que per­dem a calma quando confrontados pelos nachistas. Da maneira como estão as coisas, a cor de qualquer revolução na Rússia será vermelha e ninguém pode ter certeza de que os lutadores de rua nachistas de Surkov não voltarão seus socos ingleses e suas corren­tes contra seus atuais mestres políticos.

 

Será que estou com medo?

Dizem com freqüência que sou pessimista; que não acredito na força do povo russo; que sou obsessiva em minha oposição a Putin e não vejo nada além disso.

Eu vejo tudo e este é todo o problema. Vejo o que é bom e também o que é ruim. Vejo que as pessoas gostariam que a vida mudasse para melhor, mas são incapazes de fazer isso acontecer e que, para ocultar essa verdade, elas se concentram no lado positivo e fingem que o negativo não existe.

Pelo meu modo de pensar, um cogumelo que cresce sob uma folha grande não pode esperar escapar. Quase certamente alguém irá localizá-lo, cortá-lo e comê-lo. Se você nasceu ser humano, não pode se comportar como um cogumelo.

Não consigo aceitar a previsão demográfica oficial do Comitê de Estatística do Estado que cobre o período até 2016. Em 2016, muitas pessoas da minha geração poderão estar mortas, mas nossos filhos estarão vivos, assim como nossos netos. Será que realmente não nos importamos com o tipo de vida que eles terão ou mesmo se terão ou não uma vida?

Muitas pessoas parecem não se importar. Se continuarmos com as mesmas diretrizes políticas e econômicas, a população russa cairá em 6,4 milhões de pessoas. Essa é a previsão otimista: que em 2016 a Rússia terá uma população de 138,8 milhões.

A previsão pessimista não é tão fácil de conseguir, mas você poderá descobri-la se for suficientemente persistente; ela o levará a querer fazer alguma coisa para mudar a situação na Rússia imedia­tamente. A previsão pessimista é de que estaremos reduzidos a 128,7 milhões de habitantes. Milhões de pobres, incapazes de pagar pelos serviços médicos privatizados, irão morrer. Jovens continua­rão a ser mortos aos bandos no exército. Em guerras e também fora delas, todos os que "não estão do nosso lado" serão mortos ou enviados para apodrecer e morrer nas prisões.

Isso acontecerá se tudo permanecer como é agora. Se não enfrentarmos o problema da pobreza. Se a desgraçada negligência em relação à prestação de serviços de saúde e ao meio ambiente persistir. Se não embarcarmos numa campanha nacional contra o alcoolismo e o vício em drogas. Se a guerra no norte do Cáucaso não terminar. Se não for mudado nosso sistema humilhante de pre­vidência social, que permite que uma pessoa mal sobreviva, sem perspectiva de viver uma vida plena e digna, comendo bem, des­cansando de forma adequada, praticando esportes.

Até aqui não há nenhum sinal de mudanças. As autoridades do Estado continuam surdas a todos os alertas do povo. Elas vivem sua própria vida, seus rostos permanentemente distorcidos pela ambi­ção e pela irritação porque alguém pode tentar impedi-las de ficar ainda mais ricas. Para eliminar essa possibilidade, sua prioridade é paralisar a sociedade civil. Todos os dias tentam convencer o povo russo de que a sociedade civil e a oposição são financiadas pela CIA, pelos ingleses, por Israel e pelos serviços de inteligência mar­cianos, além, é claro, da teia mundial da al-Qaeda.

Hoje nossas autoridades só estão interessadas em ganhar dinheiro. Isso é literalmente tudo em que estão interessadas.

Se alguém pensar que pode se sentir à vontade com a previsão "otimista", que o faça. É certamente o caminho mais fácil, mas é também uma sentença de morte para nossos netos. 

 

                                                                                Anna Politkovskaya 

 

 

                      

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