Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
UM HOMEM IMPOSSÍVEL
Logo descobriu, no momento em que atravessou a porta de entrada do apartamento dele, que Matt Strickland era um homem que pertencia a um mundo diferente do dela. As pessoas com as quais se misturava compartilhavam o mesmo estilo de vida; o tipo que não podia ser alcançado sem uma inabalável dedicação à arte de ganhar dinheiro.
Mas Tess dissera a verdade quando contou que não se importava com dinheiro. Se fosse o contrário, talvez tivesse direcionado melhor uma carreira.
E não tinha muito respeito por alguém que colocava dinheiro como prioridade. Alguém como Matt Strickland. Apesar de apreciar o fato de ser inteligente e ambicioso, havia algo de severo e cortante que não lhe agradava.
Ela deu uma espiada naquele rosto impressionante, e seu coração bateu um pouco mais forte e um pouco mais pesado dentro do peito...
Com a boca grande e sensual contraída, Matt olhou para o currículo à frente. Era difícil saber por onde começar. A extensa lista de empregos e o curtíssimo tempo de permanência em cada um já dizia tudo. Assim como o resumido e pouco inspirador perfil acadêmico. Em uma situação normal, teria jogado no lixo aquele histórico profissional sem nem sequer se preocupar em ler o esboço da carta de apresentação escrita à mão no fim.
Infelizmente, aquela não era uma situação normal.
Finalmente, deu uma olhada sobre sua mesa de mogno extremamente polida, para a garota empoleirada de forma nervosa na cadeira.
- Oito empregos. - Ele se afastou da mesa e permitiu que o longo silêncio completasse sua frase.
A irmã de Tess Kelly a indicara a ele e, sem condições de exigir muito, estava ali agora, entrevistando uma babá para a filha. Pelo que podia ver, ela não só carecia de alguma experiência relevante, como também era desleixada e tinha dificuldade de aprendizado.
Grandes olhos verdes olhavam-no de volta, e seguiu o gesto nervoso que ela fazia mordendo o lábio inferior. Talvez Matt não tivesse muita escolha, mas não significava que faria aquele processo ser mais fácil para ela.
- Sei que parece bastante...
- Você tem vinte e três anos e já acumulou oito empregos. Acho que é justo dizer que é muita coisa.
Desviou a vista daqueles olhos negros e gelados que descansavam sobre ela. Diante de aquele olhar firme e rigoroso, achava impossível ficar parada. Por que diabo estava ali?
Chegara à Nova York três semanas antes para ficar com a irmã, com a condição de que usaria esse tempo para considerar suas opções e tomar um rumo na vida. Pelo menos, fora com essas palavras que se despedira dos pais enquanto a levavam ao aeroporto antes de ela desaparecer no Atlântico.
- Têm vinte e três anos, Tess - a mãe dissera com firmeza, oferecendo um prato de biscoitos caseiros muito macios -, e continua parecendo que não faz ideia da direção que quer tomar. Seu pai e eu apenas gostaríamos de ver você se estabelecer. Achar algo que goste de fazer, algo que queira fazer por mais de cinco minutos.... Claire conhece todos os segredos do mundo dos negócios. Será capaz de lhe dar um conselho útil. Passar o verão em outro lugar faria bem...
Ninguém disse que parte daquele processo envolvia arrumar um emprego como babá. Não trabalhara com crianças antes. Não conseguia se lembrar de alguma vez ter a mínima curiosidade de como seria trabalhar com uma. E, mesmo assim, estava lá, sentada à frente de um homem que lhe dava calafrios. No mesmo segundo em que deu meia volta ao som da voz aveludada dele e ao vê-lo reclinado contra a verga da porta, observando-a, sentiu um tremor de apreensão percorrer toda a coluna. Preparara-se para alguém corpulento e de meia idade. Além disso, chefiava sua irmã. Era o dono da empresa e seu administrador e, de acordo com Claire, costumava ser implacável. Como podia fazer tudo isso e ter apenas trinta e poucos anos? Mas tinha... E, contrariando todas as expectativas, não era apenas jovem, possuía também uma beleza arrebatadora.
Mas sua frieza emocional era aterrorizante, e a perfeita estrutura óssea denunciava um rosto que nunca sorria. Tess se perguntou como sua irmã conseguia trabalhar para ele sem ter uma crise nervosa.
- E seu histórico acadêmico... Acho difícil não comparar sua falta de qualificação com as realizações de sua irmã. Claire tem uma formação de primeira classe. É a pessoa mais importante no departamento de advocacia da minha empresa. Tem... Deixe-me contar... Seis medíocres certificados de conclusão do ensino médio e um certificado em Fundamentos da Arte...
- Sim, bem, não sou Claire, sr. Strickland. - Duas manchas coloridas apareceram em suas bochechas. - Claire e Mary foram ótimas na escola...
- Mary é...?
- Minha outra irmã. É médica. Foram grandes empreendedoras. Nem todos nascem para seguir a mesma linha. - Alegre por natureza, Tess descobriu que odiava aquele homem. Desde as primeiras palavras... Está meia hora atrasada e não tolero atrasos. Até a suposição de que era uma fracassada. Não dissera com todas as letras, mas estava ali à espreita, na expressão fria e desdenhosa por trás daqueles amargos olhos cor de chocolate.
- Certo. Vamos acabar com as formalidades e ir direto ao assunto. - Matt se inclinou à frente e descansou os cotovelos na mesa. - Está aqui porque não estou em posição de escolher. Não sei o que Claire disse precisamente, mas me deixe esclarecer. Minha ex esposa morreu há alguns meses e, desde então, tenho a custódia total da minha filha de dez anos. Nesse período, ela dispensou praticamente todas as babás que precisavam de emprego. Por causa disso, a agência onde as contratei fechou as portas para mim. Tenho três empregadas, mas não são adequadas às exigências do trabalho. Poderia procurar em outro lugar, mas, francamente, esse é um trabalho temporário, de três meses... e achar uma profissional disposta a se oferecer para trabalhar por tão pouco tempo não vai ser fácil. Comigo, Srta. Kelly, tempo é essencial. Trabalho muitas horas. Nem tenho habilidade para isso. Seu nome apareceu inesperadamente. A facilidade que tem em se relacionar foi muito elogiada por sua irmã. Por isso, está aqui... Mesmo com a falta de qualificação.
Não era a primeira vez que Matt considerava a série de eventos que o guiavam até onde estava.
Divorciado há oito anos, fora um raro espectador da vida de sua filha. Catrina, a ex-esposa, levara a menina para Connecticut um ano após o divórcio se tornar definitivo e jogara tanto para impedi-lo de visitá-la, que os anos passaram sem que tivesse feito realmente uma conexão com Samantha. E, então, seis meses atrás, a ex- esposa morreu em um acidente de carro, e a filha que nunca conhecera de verdade pousou em sua porta... Magoada, hostil e sofrendo silenciosamente.
Babás, que eram uma necessidade, iam e vinham, e agora se encontrava entre a cruz e a espada.
- Sinto muito. Muito mesmo. - Claire não mencionara os detalhes... Pobre filha...
Lágrimas de compaixão se acumularam nos cantos dos olhos de Tess e piscou para afastá-las.
- Não surpreende que ela ache difícil se adaptar.
Surpreso por uma resposta tão emotiva, Matt abriu a gaveta, buscou uma caixa de lenços e os entregou.
- Então, apesar de não ser meu ideal de candidata... - Continuou mesmo que ameaçasse chorar.
- Acho que deve estar preocupado por causa do grande número de empregos que tive... - estava preparada para lhe conceder o benefício da dúvida. Podia ser duro e ameaçador, mas estava em uma posição difícil e, sem dúvida, ansioso em contratar um empregado que não o deixasse na mão.
- Correto. Samantha não se beneficiaria com alguém que ficasse por perto por um tempo e depois partisse por estar entediada. Apesar de terem existido várias babás anteriores, todas se esforçaram para dar o seu melhor. É capaz?
- Sim, sou. - Ela o olhou. Apesar da expressão implacável do rosto dele, uma pequena voz sussurrou que era realmente bem-apessoado... Quase lindo. De repente, quente e incomodada, desviou o olhar, girando o lenço de papel entre os dedos.
- Quero ser convencido.
- Perdão?
- Talvez não esteja em posição de escolha, srta. Kelly, mas ainda assim gostaria que me convencesse que não estou prestes a cometer outro erro. Sua irmã pode ter falado de suas qualidades, e confio nela, mas... - Encolheu os ombros e relaxou. - Quero que me convença...
- Não deixaria ninguém em dificuldades. Realmente não deixaria, Sr. Strickland. - Ela se inclinou à frente, o rosto corado e sincero. - Sei que acha que provávelmente eu não sou muito boa em me prender a nada. Bem - confessou -, provavelmente toda minha família concordaria. Mas, na verdade, fui indispensável em alguns dos meus antigos empregos. Nunca decepcionei ninguém... Em nenhum. Mesmo quando larguei o trabalho de recepcionista no Barney and Son, Gillian estava lá para assumir o lugar. Para ser honesta, acho que todos ficaram um pouco aliviados quando decidi ir embora. Estava sempre transferindo pessoas para o departamento errado...
- Vamos nos concentrar no caso em questão.
- Sim. Bem, o que estou tentando dizer é que pode confiar em mim com sua filha. Não vou decepcioná-lo.
- Mesmo não tendo qualquer experiência e considerando que talvez fique entediada na companhia de uma criança de dez anos?
- Não acho que crianças são maçantes! Você acha?
Matt corou. Entediara-se da companhia de Samantha?
Tinha pouca experiência nessa área para dar uma resposta qualificada. Pai e filha conversavam de forma ocasional e com um abismo aparentemente intransponível. A filha era rabugenta e reservada, e ele próprio sabia que não era uma pessoa muito terna.
Matt dispensou aquele curto momento de introspecção.
- Então, qual seria seu plano para cuidar dela? - Deu seguimento à conversa e se concentrou na candidata à frente.
O rosto dela tinha uma transparência fascinante. Naquele momento, pensando um pouco a respeito da pergunta; sentia-se perdida expressando isso com um leve franzir de sobrancelhas, os lábios separados e olhos verdes distantes. Tess Kelly não era o tipo de mulher que esperava. Claire era alta, agitada, eficiente e vestida sempre com terninhos. A menina sentada parecia que nunca chegara nem perto de um terninho, e o cabelo...
Não tinha um corte da moda, mas era muito, muito longo. Por diversas vezes, ficara tentado a constatar ele mesmo o comprimento.
- Bem... Acho que posso ir com ela aos lugares mais frequentados. Museus, galerias de arte. E também tem o cinema, o zoológico... Amo o Central Park. Podemos ir lá. Estou certa de que sente falta da familiaridade da antiga casa e de todos os amigos, então, vou me certificar de mantê-la ocupada.
- E também tem o problema dos deveres de casa.
Tess piscou e olhou confusa.
- Que dever de casa? - perguntou perplexa. - É época de férias.
- A educação de Samantha foi drasticamente interrompida pela morte da mãe, como pode imaginar. Mais ainda quando chegou a Nova York. Pareceu sem sentido matriculá-la em uma escola daqui porque estaria pouco presente, e os tutores que contratei chegaram e partiram com a mesma regularidade das babás. Em virtude disso, há lacunas na educação dela que deverão ser preenchidas antes de prestar exames para a nova escola em setembro.
- Certoooo... E onde me encaixo?
Continuou olhando-o com o rosto inexpressivo, e ele estalou a língua de impaciência.
- Ficará encarregada disso.
- Eu? - grunhiu confusa. - Não posso ser uma tutora! Viu meu histórico! Ridicularizou minha falta de qualificação!
Temia a responsabilidade de tentar ensinar algo a alguém. Não era professora. Ficou nervosa só de pensar em livros escolares. Caçula de três meninas, crescera à sombra das irmãs inteligentes. Desde nova, lidou com esse problema simplesmente o ignorando. E se ela se recusasse a competir, ninguém poderia acusá-la de ser grosseira, podia? E sabia que não tinha chances de um dia fazer isso com Claire ou Mary. Como podia esperar que, de uma hora para outra, se tornasse uma tutora!
- Sinto muito por gastar seu tempo, Sr. Strickland - disse, ficando de pé de modo abrupto. - Se ensinar é parte do trabalho, então precisarei recusar. Eu... Não posso. Claire e Mary são inteligentes. Eu não. Nunca fui a uma universidade. Nem quis. Fiz um curso de arte quando tinha dezesseis anos, e é a única extensão das minhas qualificações. Precisa de outra pessoa.
Matt a mirou com os olhos semicerrados e deixou que falasse. Depois, muito calmamente, mandou ela sentar.
- Entendo o nível de sua qualificação, ou a falta dela. Odiava a escola.
- Não odiava a escola. - Em princípio, não queria o emprego, mas agora Tess percebia que na verdade queria. A situação de sua filha a tocara. Pensar numa menina tão nova e dependente de um pai que era, obviamente, viciado em trabalho trouxe à tona seus sentimentos mais profundos. Pela primeira vez, queria realmente se envolver. - Apenas não sou boa quando se trata de livros escolares.
- Não tenho tempo para uma pessoa que dá a mão à palmatória e declara derrota antes mesmo de tentar - disse Matt. - Não peço que você a ensine em um nível muito alto. Peço que seja tutora de Samantha no básico... Matemática, Inglês, Ciências. Se quiser me persuadir de que está interessada, então adota a estratégia errada.
- Só estou sendo honesta! Se... Se não quer mais contratar tutores para sua filha, então, por que não a ajuda com os deveres de casa? Controla seus negócios, então, deve ser qualificado... Ou não precisa de Matemática e Inglês no trabalho...? Algumas crianças não lidam bem em estudar em casa. Talvez sua filha seja uma delas...
- Samantha pode se adaptar muito bem com os estudos em casa - disse Matt de pronto - se estiver disposta a se empenhar. Mas não está. Talvez se beneficie mais com um aprendizado menos formal. E de jeito nenhum posso ajudar. Mal tenho tempo para dormir. Deixo esse apartamento às sete e meia da manhã, uma hora mais tarde do que fazia antes de minha filha chegar, e tento voltar às oito da noite quando não estou viajando.
Tess estava distraída o suficiente com sua própria agonia para lançar nele um olhar de horror sincero.
- Trabalha de sete da manhã às oito da noite? Todos os dias?
- Menos nos fins de semana. - Matt encolheu os ombros. Não conseguia pensar que alguém achasse errado trabalhar tanto. Os funcionários mais promissores da sua empresa tinham agendas extremamente desgastantes e não viam nenhum problema nisso.
Recebiam de volta fabulosas quantias de dinheiro.
- O que significa?
- Aonde quer chegar? - perguntou irritado. - Está mudando o rumo da conversa.
- Desculpe - suspirou. - Só sinto muito mesmo por você.
- Como é? - Mal podia acreditar no que ouvia. Se não estivessem conversando sobre algo importante, riria. Nunca, mas nunca alguém ficara sentido por ele. Muito pelo contrário. Nascido em berço de ouro, seu poder e sua influência tinham aberto milhares de portas. Sem irmãos, a tarefa de administrar a fortuna da família recaiu em seus ombros, e não só tomou conta dos bilhões, mas também aumentou dramaticamente sua riqueza.
Diversificou a empresa e investiu em áreas que seu pai nunca sonhara, e isso fez com que alcançasse um poder inquestionável. Era, de fato, intocável. A crise econômica e financeira que tanto atingira seus rivais parecia inofensiva, uma situação que previra e tinha aproveitado.
- Não consigo pensar em nada pior do que ser escravo do trabalho. Mas está certo, fugi do assunto principal. Estava apenas imaginando por que não ajuda Samantha com o dever de casa, já que acha que estudar assim não funciona, mas posso ver que não tem tempo.
Era a imaginação dele ou havia uma pontinha de crítica ali?
- Bem. Fico feliz que concordamos.
- Você se importaria se perguntasse uma coisa? - arriscou Tess, limpando a garganta. - Quando tem tempo para sua filha, já que trabalha tanto?
Matt olhou-a com descrença. A franqueza da pergunta o colocou na defensiva.
- Não sei o que isso tem a ver com o emprego - disse de maneira rígida.
- Ah, mas tem muito! Quero dizer, tenho certeza de que reserva momentos especiais, e só quero saber isso para não me intrometer. Só não vejo como esses momentos especiais são possíveis se trabalha diariamente de sete e meia da manhã às oito da noite e se reserva apenas um pouco de tempo a cada fim de semana.
- Não tenho um cronograma para o tempo que gasto com Samantha. - A voz dele era fria. - Vamos com frequência à casa dos Hampton, para que possa ver os avós no fim de semana.
- É adorável. - ela não estava sendo convincente.
- Agora que respondi, vamos mudar de assunto. - Bateu com a caneta na mesa sem pensar, batucando com um ritmo que a fez se sentir como se estivesse sendo examinada em vez de entrevistada. - Quero que esteja aqui toda manhã, no mais tardar, às sete e meia.
- Sete e meia?
- Tem problema?
Dividida entre a verdade e a estratégia, Tess permaneceu em silêncio até que ele ergueu uma sobrancelha.
- Entenderei isso como um não. É uma exigência do trabalho. Posso pedir para uma de minhas empregadas cobri-la de vez em quando em caso de emergência, mas espero que não seja necessário.
Tess fora sempre pontual em todos os seus trabalhos, mas nenhum exigira que acordasse tão cedo. Não era uma pessoa matinal. De alguma forma, sabia que aquilo era algo que nunca entenderia. Perguntou em pensamento se ele ao menos dormia.
- Todos os seus empregados trabalham por longas horas? - perguntou, e por algum motivo, Matt parecia inclinado a explodir em uma gargalhada. A expressão chocada dizia tudo.
- Não ganham todo aquele dinheiro para ver o tempo passar - disse sério. - Está dizendo que nunca fez horas extras antes?
- Nunca precisei - contou de maneira séria. - Mas também jamais ganhei muito dinheiro. Não que me importe. Nunca fui muito interessada nisso.
Ficou intrigado contra sua vontade. Aquela mulher era do mesmo planeta que ele?
Devia se manter dentro do programado, mas se flagrou estranhamente disposto a mudar de assunto.
- Sério? - disse com descrença. - Nesse caso, aplaudo você. É um exemplar único.
Tess se perguntou se estava sendo sarcástico, mas então, olhando ao redor, para toda a pompa da cobertura dele, onde o antigo combinava confortavelmente com o novo, com cada coisa pendurada na parede, e o tapete estendido no chão refletia riqueza, percebeu que ficaria genuinamente assombrado com sua indiferença com relação a dinheiro.
Logo descobriu, no momento em que atravessou a porta de entrada do apartamento dele, que Matt Strickland era um homem que pertencia a um mundo diferente do dela. As pessoas com as quais se misturava compartilhavam o mesmo estilo de vida; o tipo que não podia ser alcançado sem uma inabalável dedicação à arte de ganhar dinheiro.
Mas Tess dissera a verdade quando contou que não se importava com dinheiro. Se fosse o contrário, talvez tivesse direcionado melhor uma carreira.
E não tinha muito respeito por alguém que colocava dinheiro como prioridade.
Alguém como Matt Strickland. Apesar de apreciar o fato de ser inteligente e ambicioso, havia algo de severo e cortante que não lhe agradava.
Ela deu uma espiada naquele rosto impressionante, e seu coração bateu um pouco mais forte e um pouco mais pesado dentro do peito.
- Não está dizendo nada. Presumo que desaprove tudo isso. - Gesticulou com uma das mãos. Aquela era uma mulher, percebeu, cujo silêncio era revelador. Uma característica revigorante.
- É tudo muito confortável. - Tess tentou se esquivar de dizer toda a verdade... Que aquelas mobílias caras tinham um preço.
- Mas...?
- Prefiro menor e aconchegante - admitiu. - A casa dos meus pais é pequena e confortável. Obviamente, não tão pequena. Éramos cinco. Mas acho que a casa toda caberia em apenas uma pequena parte desse apartamento.
- Ainda mora com eles? - os ouvidos aguçados perceberam a entonação da voz dela, e a curiosidade despertou instantaneamente. Era uma mulher de vinte e três anos que ainda vivia com os pais? E, notou com discrição, uma mulher de vinte e três anos incrivelmente bela. Imensos olhos verdes dominavam um rosto em forma de coração que, mesmo em momentos contemplativos, passavam um ar de empolgação. O longo cabelo tinha um tom caramelo e...
Seus olhos desceram preguiçosamente para os seios fartos que forçavam o pequeno colete, o abdome reto visível e o jeans desbotado que moldava as pernas esguias.
Nervoso por se distrair, Matt ficou de pé e começou a vagar pelo escritório.
Originalmente uma biblioteca, o cômodo ainda estava dominado pelas prateleiras de madeira que preenchiam toda a extensão da parede dos fundos. Um tapete oriental, que atravessara gerações, cobria a maior parte do chão. O único toque moderno ali era a pintura nas paredes, e, claro, a alta tecnologia da parafernália que usava para trabalhar.
- Eu... No momento, sim - murmurou Tess, sentindo uma vergonha constrangedora.
- E nunca viveu sozinha?
A incredulidade naquela voz fez com que ela desse, meia volta para olhá-lo na defensiva. Decidiu que ele era verdadeiramente detestável. Detestável e crítico.
- Nunca precisei morar sozinha! - disse em tom determinado. - Não fui à universidade, e não havia necessidade de procurar outro lugar para alugar se era conveniente continuar com meus pais. - Como se aquilo fosse cuspido com letras em negrito, ficou chocada ao ouvir o quanto soava patética. Vinte e três anos e ainda morando com os pais. Lágrimas de raiva ameaçaram vir à tona e piscou rapidamente, forçando-as a recuar.
- Extraordinário.
- A maioria dos meus amigos ainda mora com os pais. Não é tão extraordinário assim.
- E nunca teve vontade de abrir as asas e fazer algo diferente? Ou desistiu e ergueu a bandeira branca antes de sair por aí e poder aceitar um desafio?
Ficou chocada com a força como reagiu. Nunca se mostrara inclinada à violência, mas podia facilmente ter levantado da cadeira e arremessado algo nele. Em vez disso, afundou-se em uma raiva silenciosa. Todo o sistema nervoso acelerou quando deu a volta nela e, em seguida, curvou-se, um braço de cada lado da cadeira, como se a enjaulasse.
- Não sei o que tem a ver eu ainda morar com meus pais com esse trabalho - respirou, olhando para outro lugar que não fosse para aqueles braços morenos e musculosos que a cercavam.
- Estou tentando avaliá-la como pessoa. Será responsável pelo bem-estar da minha filha. Não traz nenhuma referência de uma agência profissional. Preciso descobrir se não vai se transformar em um problema. Devo dizer o que conclui até agora?
Tess se perguntou se tinha escolha. Se fosse capaz de descolar a língua do céu da boca, talvez reunisse coragem para dizer algo, mas respostas sarcásticas não eram seu forte, e a proximidade dele estava causando estragos a sua compostura. A pele dela formigava, e sentiu como se precisasse jogar oxigênio para dentro dos pulmões para respirar.
Foi um alívio quando ele saiu de perto da cadeira dela e voltou a sentar atrás da mesa.
- É preguiçosa. Desconcentrada. Tem baixa autoestima e se sente perfeitamente feliz desse jeito. - Pronunciava cada palavra depreciativa com a mesma precisão fria que um juiz usa para proferir a sentença a um criminoso. - Continua a morar com os pais e não ocorreu, em momento algum, que talvez não estejam tão felizes quanto você. Entra e sai de trabalhos porque não quer criar laços. Não sou psicólogo, mas imagino que é porque pensa que nunca vai falhar se não precisar se doar por completo.
- Isso é horrível. - Infelizmente, havia elementos de verdade no que dissera, e, por isso, ela o odiava. - Por que aceitou me entrevistar para esse emprego se tem uma opinião tão ruim sobre mim? - perguntou com um suspiro. - Ou terminou? Esse é o seu jeito de dizer que não consegui? Sim. E, sendo o caso... - inspirou profundamente -, então, posso dizer o que penso de você também! - Olhou para ele com olhos verdes tempestuosos e se levantou da cadeira. - Acho que é arrogante e rude. Só porque tem... Tem muito dinheiro e cresceu com ele, acha que pode tratar as pessoas do jeito que quiser e ser agressivo o quanto quiser. Acho terrível que, obviamente, trabalhe demais para ter tempo para a própria filha... Que precisa de você! Ou talvez não saiba como se doar para qualquer outra pessoa.
A respiração dela era irregular por causa do esforço que fez para derramar emoções que nunca soube que possuía. O pior de tudo era que não se sentia bem com ela mesma, apesar de falar o que pensava e apesar do fato de que isso devia render algum tipo de alívio.
- E não sou preguiçosa! - concluiu, esvaziando como um balão de ar. - Se é tudo. - Tentou recolher alguns pedaços de sua dignidade. - Vou embora.
Matt sorriu, e Tess ficou tão confusa com aquele sorriso que permaneceu parada.
- Você tem fogo. Gosto disso. Precisará de um pouco quando lidar com minha filha.
- O... O quê?
Gesticulou para que ela voltasse a sentar.
- É saudável ouvir um pouco de críticas de vez em quando. Não consigo me lembrar da última vez em que alguém levantou a voz para mim. - Particularmente, podia ter acrescentado, quando se tratava de mulheres. Como se ligassem um interruptor em sua cabeça, reparou na mancha rosada que se formava nas bochechas dela. O cabelo que tinha caído para frente e agora se espalhava pelos ombros, feito uma seda encaracolada sobre os seios, quase chegando à cintura.
Ficou chocado com a súbita agitação de seus membros. Deus, tinha namorada! Uma garota extremamente inteligente e poderosa, que compreendia completamente a pressão de seu trabalho, porque também passava por isso! Estava na mesma sintonia. Ela era absolutamente, radicalmente e dramaticamente o oposto daquela criatura de olhos verdes sentada à sua frente. Vicky Burns era concentrada, direcionada e com formação universitária de alto nível.
Então, por que imaginava como Tess Kelly seria sem aquelas roupas, coberta apenas pelo cabelo?
Escreveu um número em um pedaço de papel e deslizou pela mesa em direção a ela.
Tess se inclinou à frente, e como se seus olhos tivessem vontade própria, recaíram sobre o decote que ela revelou enquanto alcançava o papel.
Em sinal de pura frustração, Matt esfregou os olhos e fez uma pequena rotação com a cadeira para que pudesse vislumbrar a grande janela da biblioteca, emoldurada por uma pesada cortina de veludo. Era uma visão mais segura do que aquela que seus olhos rebeldes tinham capturado.
- É muito, Sr. Strickland. Não posso aceitar.
- Não seja ridícula! - Irritado com a inabitual falta de controle, a voz de Matt ficou mais aguda do que pretendia. Relutantemente, voltou a olhá-la. - É perfeitamente razoável. Está sendo contratada para fazer um trabalho de imensa responsabilidade. E, por essa quantia... Bem, considere-se em processo de aprendizado com relação às horas extras. Só mais uma coisa. Terá de se vestir adequadamente. Roupas mais, soltas. São mais adequadas ao calor. Principalmente se pretende fazer... Hã... Atividades ao sol.
- Mas não tenho nenhuma roupa mais solta.
- Então precisará comprar algumas. Não é um problema incontornável, Tess. Terá acesso a uma conta para todas as despesas relacionadas com o trabalho. Faça uso. - Ficou de pé, no controle de seu corpo voluntarioso, e esperou que ela se levantasse.
- Agora é hora de conhecer minha filha. Está no andar de cima, no quarto dela. Vou mostrar a cozinha para se familiarizar com tudo. Prepare uma xícara de café para você. Vou levar minha filha para lá.
Tess assentiu. A perspectiva de conhecer Samantha não era tão assustadora como esperava, principalmente quando ainda se recuperava daquela entrevista cansativa. O que podia ser pior do que o pai dela?
O apartamento, que se estendia em todas as direções, ocupava os dois últimos andares do prédio. Matt mostrou a cozinha, incrivelmente moderna, em contraponto ao resto do apartamento, opulenta e despudoradamente antigo. Superfícies de granito brilhavam, e a cozinha não possuía nada da bagunça normal associada ao dia a dia de uma casa comum. Tess previu que teria problemas se tentasse cozinhar. Ficaria aterrorizada em estragar toda aquela perfeição de casa modelo.
- Fique à vontade - insistiu enquanto ela continuava olhando ao redor com a expressão perdida de alguém de subitamente transportado a um território estrangeiro.
Matt a observou por alguns segundos com um raro ar de divertimento.
- Não mordo - disse, fazendo Tess corar. - Tem chá e café em um dos armários, e na geladeira... - indicou algo liso, camuflado para parecer com o resto da cozinha -, deve haver leite. Minhas empregadas deixam a cozinha bastante abastecida, especialmente agora que Samantha está aqui. Se tiver sorte, talvez ache até alguns biscoitos.
- Quer dizer que não sabe onde as coisas estão na sua cozinha?
Matt riu, e Tess teve uma visão desconcertante de como aquele homem seria sem toda a arrogância. Não só era lindo, mas perigosamente sexy.
Ela baixou os olhos enquanto aquele novo sentimento questionava sua compostura ainda instável.
- Terrível, não é? - Ele ainda estava sorrindo e indo em direção à porta. - Talvez possa usar isso no seu próximo discurso a respeito dos meus defeitos.
Tess devolveu sem vontade o sorriso, mas reconheceu que sinos de advertência começaram a tocar dentro dela... Apesar de não fazer ideia do que significavam.
- E aí? O que achou? Conseguiu o emprego?
Claire a esperava. Tess mal tivera tempo de encaixar a chave na porta da frente e lá estava ela, esperando com o rosto iluminado de curiosidade.
O que achou de Matt Strickland? Esforçou-se para fazer o resumo de um homem que representava tudo que evitava intencionalmente. Rico, arrogante e limitado demais.
Quando sua mente se desviou para a maneira peculiar como a fizera se sentir, freou o pensamento.
- Acredita que não quer que eu trabalhe com roupas apertadas?
- É o seu chefe. Pode determinar o que vai vestir. Acha que nós podemos aparecer no trabalho com jeans rasgado? - apontou a irmã. - Supere isso. E as impressões do apartamento?
- Mal pude notar. - suspirou Tess. - Nunca tive uma entrevista tão longa. Posso contar tudo sobre o escritório dele, mas só isso. Ah... E a cozinha. Notei que o apartamento é do tamanho de um navio, mas não estou certa do seu gosto a respeito de arte. Várias pinturas de paisagem e autores desconhecidos.
- São da família dele - supôs Claire. - Elegante.
- Sério? Você acha?
- E, finalmente, quais suas impressões da filha? Ninguém sabia que tinha uma filha, de tão reservado que Matt Strickland era, e até aquele momento, nunca a levara ao escritório!
Tess imaginou o que tinha para contar... Considerando que não conhecera realmente a criança. Ela esperara na cozinha por um longo tempo, e finalmente retornara nervoso, informando que Samantha trancara-se no quarto e se recusava a sair.
Tess tomara um gole de chá, servindo-se de modo distraído de seu quinto biscoito, olhando sem pensar em nada além do próprio pé, que apoiara em uma das cadeiras da cozinha à frente, e ponderou o fato de que, por mais poderoso, autoconfiante e arrogante que Matt Strickland fosse, ainda havia pelo menos uma pessoa na face da terra disposta a ignorá-lo por completo.
- Não devia ter chaves nas portas - informara-o. - Quando éramos crianças, não tínhamos permissão para trancar a porta. Minha mãe sempre temia que houvesse um incêndio e não pudesse entrar nos cômodos.
Olhou para Tess como se falasse outra língua, e apenas mais tarde percebera que ele não tinha qualquer experiência em educar uma criança.
- Então, parece que a segunda-feira será divertida - concluiu ela por fim. - Samantha não quer saber, mas preciso estar lá às sete e meia da manhã. Sabe como fico quando trabalho de manhã...
O olhar de advertência de Claire fez com que ela reprimisse novas queixas. É claro que daria o melhor para acordar no romper da aurora. Ajustaria o alarme e o celular para despertar no horário, mas sabia que podia dormir facilmente com os dois tocando. E se não acordasse?
Ainda lembrava de todas as palavras que usara para descrevê-la, e ainda se preocupava com isso quando, na noite seguinte, atendeu ao telefone fixo para ouvir do outro lado da linha a voz suave e misteriosa de Matt.
Imediatamente, viu-se transportada de volta ao apartamento dele e para a primeira vez em que o vira, encostado no batente da porta, observando-a.
- Provavelmente fala com a irmã errada - disse Tess no momento em que se identificou... Como se houvesse alguma chance de não reconhecer aquela voz. - Claire está no banho, mas digo que ligou.
- Liguei para falar com você - Informou Matt. - Só para lembrá-la de que estarei esperando às sete e meia em ponto amanhã cedo.
- Claro que estarei aí! Conte comigo. Vou ajustar todos os alarmes e relógios para garantir que não acorde atrasada.
Do outro lado, Matt sentiu seus lábios se repuxarem, mas não faria o que ela queria.
Tinha a nítida impressão de que a maioria das pessoas fazia o que Tess Kelly queria.
Havia algo de contagiante no calor dela. Entretanto, quando a questão era a filha, um ponto de vista severo era essencial.
- Alô? Ainda está aí?
- Estou, e para ajudá-la a ser pontual, vou enviar um carro. Estará aí às sete. Esqueceu de dar o número de seu celular.
- Número do meu celular?
- É necessário para que possa entrar em contato com você a qualquer momento. Lembre-se, será responsável pela minha filha.
Sem o hábito de ser controlada por alguém, Tess imediatamente se acalmou. Claro que iria querer seu número de celular! Podia não ser muito expansivo ao tratar da filha... Não do jeito que seus pais foram com ela... Mas manter o controle da babá demonstrava o quanto era importante para ele saber o tempo todo da localização de Samantha.
Tess se virou para ver a irmã observá-la com um sorriso.
- Primeiro passo para ser adulto! Esteja preparada para ser responsável por alguém! Matt é um cara justo. Espera muito das pessoas que trabalham para ele, mas também retribui à altura.
- Não gosto de gente autoritária - opôs-se Tess automaticamente.
- Quer dizer que não gosta de ninguém que dite regras e não permita que faça o que quiser. A alegria de ser o bebê da família!
No passado, teria ficado perfeitamente feliz com essa descrição. Agora, erguia as sobrancelhas. Uma resposta velada não seria irresponsável? Seus pais a tinham enviado para Nova York para que aprendesse algumas lições a respeito de crescer com a irmã.
Aquele era o jeito suave deles a expulsarem do ninho? As observações de Matt estavam certas? Aceitar um emprego para cuidar da filha de alguém, uma criança que já passara por muitas coisas e que tinha claros problemas com o pai, não era o trabalho que uma pessoa irresponsável aceitaria. Matt Strickland estava preparado para lhe dar uma chance, mesmo que reunisse claras evidências de que não era apta para a tarefa. Ser rotulada de bebê da família não lhe parecia mais justo.
Esperava chegar na manhã seguinte para se ver recebendo ordens de uma daquelas pessoas misteriosas que ele mencionara que estariam lá, mas, na verdade, durante o tempo em que seu chofer de luxo dirigia, teve a oportunidade de brincar de turista e realmente apreciar alguns dos pontos turísticos com o conforto do ar-condicionado. Até chegar ao destino e ser recebida por Matt.
O fim de semana não ajudara em nada a diminuir o impacto do primeiro encontro.
Dessa vez, ele estava vestido para trabalhar: terno escuro e camisa branca. Uma combinação que devia ser algo repelente, mas pareceu que tinha apenas elevado á sensualidade dele á outros níveis.
- Não esperava que estivesse aqui - disse Tess recuando imediatamente.
- Moro aqui... Ou esqueceu? - Matt ficou de lado e ela passou, estranhamente consciente de seu corpo.
Sentindo-se menos pressionada agora, teve a primeira oportunidade de realmente apreciar as coisas ao redor. Era muito mais impressionante do que sonhava. Sim, o lugar era enorme, e sim, as pinturas eram estranhas, mesmo que fossem de membros da família dele, mas a decoração, excelente. O apartamento era opulento. Á patina do piso de madeira parecia intensa e profunda, e os tapetes, antigos e elaborados. Um patamar com galerias davam vista para o imenso espaço lá embaixo, e duas janelas se estendiam por toda a extensão das paredes, oferecendo uma visão hipnótica de Manhattan. O tipo de paisagem que pessoas normais só veriam em pontos turísticos.
- Nossa! Realmente não prestei muita atenção ao seu apartamento da última vez em que estive aqui. Bem, tirando o escritório e a cozinha. - Ficou circulando no mesmo lugar. - Desculpe - disse a esmo. - Sei que é rude ficar olhando, mas não consigo evitar. - Os olhos dela rodavam pela casa e, pela primeira vez em um longo tempo, ele apreciou os privilégios que teve ao nascer.
- Ganhei a maior parte das coisas - disse quando ela acabava de fazer a excursão visual e olhava para ele. - Na verdade, poderia dizer a procedência de praticamente tudo. Como foi a viagem até aqui?
- Brilhante. Obrigada.
- E está pronta para conhecer Samantha?
- Sinto muito por não conhecê-la da última vez - disse Tess com simpatia.
Ansioso para começar o dia, Matt a interrompeu.
- Como disse, ela atravessa um duro período. Às vezes, pode ser difícil ter acesso.
- Que coisa horrível. Pensei que ela se apoiaria em você depois da morte da mãe.
- Algumas situações não são previsíveis - informou Matt. - Vejo que não trouxe nenhum livro.
- Livro?
- Livros escolares - disse com paciência. - Espero que não tenha esquecido de que ensinar será uma de suas obrigações com Samantha.
- Não no primeiro dia, certo?
- Não acredito que devemos postergar o que pode ser feito hoje.
- Sim, bem... Achei que deveria conhecê-la primeiro antes de começar a ensinar a respeito de frações e decimais...
- Ah! Fico feliz em ver que deixou de lado a atitude derrotista e entrou no espírito da coisa!
- Não sou derrotista! Sério, não sou. - Pensara muito a respeito do que dissera sobre ela levantar a bandeira branca e decidiu que estava errado. Sempre acreditava que era capaz de fazer qualquer coisa. Então, por que tentara fazer tantos trabalhos diferentes no passado?
- Não importa. A inúmera coleção de tutores de minha filha deixou alguns livros nos últimos meses. Você achará no escritório. A maioria está intacta - acrescentou, com a boca se contraindo. - Espero que prove que é exceção à regra.
- Avisei que não sou muito estudiosa...
- Tentei os estudiosos - apontou Matt. - Nenhum funcionou. Por que continua se desmerecendo?
- Não estou.
- Se insiste em se rotular como estúpida, então não fique surpresa quando o mundo concordar com você.
- Espere um minuto!
Dera meia volta para seguir seu caminho, mas agora ele se virava devagar para olhá-la com curiosidade.
- Não sou estúpida! - Tirara o tempo para perceber que não podia deixar que a dominasse com aquela personalidade forte. Não era de a sua natureza criar confusões, mas deveria se manter firme no que acreditava. - Podia ter conseguido notas muito boas, como já aconteceu.
- Então, por que não tirou? Era mais fácil falhar por falta de tentativa do que arriscar uma competição com suas brilhantes irmãs e ser derrotada? Certo, retiro o que disse a respeito de ser preguiçosa, mas se quiser provar suas habilidades para mim, então terá que se desafiar. Pare de se desculpar pela falta de sucesso acadêmico e comece a perceber que a única coisa que importa para mim é que pare de supor que é incapaz de ensinar minha filha. A propósito, ela está na cozinha.
Enquanto explicava as horas de trabalho das diversas empregadas, que se revezava em turnos para garantir que o apartamento nunca acumulasse qualquer partícula de poeira, Tess estava remoendo o que ouvira. Fora feliz em viver do jeito que gostava, ouvindo pouco ao apelo dos pais para que se estabilizasse e se dedicasse a algo. Claire e Mary eram determinadas. Por causa de seu jeito natural, tinha se recusado de maneira teimosa a ser empurrada para um estilo de vida que pensava que não poderia lidar.
Ninguém nunca falara o que Matt dissera a ela ou deixara implícito que era uma covarde, assustada em parecer uma fracassada perto das irmãs. Pensou que não sabia nada a respeito dela... Mas as palavras ecoavam em sua mente como um ninho de vespas furiosas.
Quase esbarrou nele quando Matt parou na porta. Passou por ele para ver a menina sentada na mesa da cozinha, curvada sobre uma tigela de cereal, brincando... Enchendo a colher de leite, erguendo-a bem acima da louça, depois deixando o leite escorrer de volta lentamente, sem se preocupar se metade respingava na madeira granulada da mesa.
Tess não sabia o que esperar. Mas uma coisa que realmente não esperava era ver o olhar confuso e doído no rosto de Matt e, por alguns segundos poderosos, foi pega de surpresa pela explosão de compaixão que sentiu por ele.
Foi duro e inflexível com ela, sim, crítico de um jeito que a deixou tremendo de raiva... Mesmo assim, quando estava de frente com a filha, Matt literalmente não sabia o que fazer.
Sinceramente, nem ela. Uma menina teimosa e rabugenta nunca estivera em seus planos.
- Filha. Olhe para mim! - Enfiou as mãos nos bolsos e franziu o cenho. - Essa é Tess. Contei a respeito dela. Será sua nova babá.
Samantha respondeu apoiando a mão no queixo e bocejando. Provavelmente vestia as roupas mais caras que o dinheiro podia comprar, mas Tess nunca vira uma criança usar coisas tão antiquadas. Sandálias grossas de cor marrom e um vestido florido sem mangas.
De seda, pelo que aparentava. Que menina de dez anos vestia seda? O cabelo longo estava dividido em duas tranças, presas por laços. Tinha cabelo negro, como o pai, e a mesma feição teimosa e aristocrática. Sem dúvida, ficaria linda com o tempo, mas, no momento, o rosto era sombrio e triste.
Tess limpou a garganta e deu alguns passos à frente.
- Samantha! Olá! Certo, realmente não precisa olhar para mim se não quiser... Mas, sou nova na cidade, então... - Pensou na única coisa que ela e uma menina de dez anos podiam ter em comum. - Gostaria de explorar algumas lojas? Minha irmã não veste o mesmo estilo que eu, e estou muito assustada para me aventurar por essas lojas de departamento sem alguém para segurar minha mão...
- Correu tudo bem.
Essa foi á resposta. Quando Matt ligou para seu celular para dizer que esperava relatórios diários a respeito do progresso que fazia, ficara sem palavras. Que estivesse no escritório dele. Pontualmente às seis horas da tarde, depois que entregasse a menina à Betsy, a empregada que vinha preparar o jantar.
O mesmo carro que a buscara em casa naquela manhã também a pegou no apartamento de Matt e entregou como um pacote no escritório dele, que ocupava uma propriedade grande do centro de Manhattan.
Sabendo onde ele morava, sentiu mais indiferença com relação ao lugar de trabalho dele. Subira vinte e oito andares e não se surpreendera ao descobrir que o escritório ocupava metade do andar, com a própria sala de espera, sala de reuniões e um enorme escritório do lado de fora, com cadeiras e plantas, onde uma mulher de meia-idade estava ocupada se arrumando para partir.
- Definindo foi tudo certo. - Ele se recostou na cadeira de couro e entrelaçou as mãos atrás da cabeça. - Sente-se.
Mal podia acreditar como Tess quebrou o gelo facilmente com Samantha, comparada às outras babás, que sorriam rigidamente e tentavam apertar suas mãos.
- Estamos longe de virar amigas, mas pelo menos ela não me deu ordens.
- Falou com você?
- Fiz umas perguntas. Respondeu algumas. - O modo como a subestimava ainda deixava Tess irritada, mas subiria no conceito dele, mesmo que fosse apenas para provar a ela mesma que podia. - Odeia as roupas que veste. Acho que concordamos nisso. Desculpe, mas preciso recusar seu pedido para comprar roupas mais "soltas". Não posso levar sua filha para comprar roupas da moda e, em seguida, comprar coisas antigas para mim.
- Roupas da moda?
- Sabia que ela nunca teve uma calça jeans rasgada?
- Jeans rasgado?
- Ou tênis. Quero dizer, tênis adequados... Não do tipo que compra para esportes no colégio.
- O que são tênis adequados?
Matt a observou. Estava corada, com o rosto rosado e fresco por andar ao sol e o cabelo amarrado em um longo rabo de cavalo, com uma comprida mecha cor de caramelo solta ao redor da face. De todos os modos possíveis, era o completo oposto de todas as mulheres com quem já saíra... Incluindo a ex- esposa. A namorada, Vicky, era estonteante, mas de um jeito contido, inteligente, vagamente belo, com cabelo curto e maçãs do rosto altas, e um guarda-roupa que consistia quase inteiramente de terninhos e saltos. E Catrina, embora não fosse uma mulher de negócios, nascera rodeada de dinheiro e sempre se vestia de maneira sutil e refinada. Casimira, pérolas e saias elegantes na altura do joelho.
Podia crer facilmente que Samantha nunca possuíra um par de jeans rasgados ou até mesmo qualquer jeans.
Sentiu a imaginação fazer o impensável e se soltar da coleira mais uma vez, lançando todo o tipo de imagens da garota de rosto refrescante diante dele.
Tess falava a respeito de "tênis apropriados" e ficou chocado ao notar que mal prestava atenção ao que ela dizia. Em vez disso, lutava para se livrar dos pensamentos de como ela seria sem aqueles jeans apertados e a pequena camiseta verde. Um desejo primitivo que não tinha lugar no seu mundo severo e controlado.
- De qualquer jeito, espero que não se incomode, mas comprei umas coisas para ela. Tênis, calças, algumas blusas da feira...
- Comprou coisas para Samantha em uma feira?
- Muito mais na moda. Ah, Deus, dá para ver por sua expressão que não aprova. Nunca foi a uma feira? - Uma pergunta inocente, mas, por alguma razão, mudou a atmosfera entre os dois. Só uma pequena e quase imperceptível mudança, mas ficou repentinamente desconfortável ao perceber os olhos negros de Matt descansando sobre ela, e como seu corpo reagia àquele olhar.
- Nunca estive em uma feira.
- Bom, não sabe o que está perdendo. Uma de minhas amigas costumava trabalhar em uma nos fins de semana antes de ir para a faculdade fazer um curso de joalheiro. Sei muito a respeito. Um pouco do que é vendido lá é bem ruim, mas tem uma parte que é realmente muito boa. Feita à mão. Na verdade, teve um tempo em que pensei que podia trabalhar nisso... - As bochechas dela brilhavam de entusiasmo.
- Esquece. Agora está aqui. Diga; quais os seus planos para o resto da semana. Teve oportunidade de discutir os assuntos escolares com ela?
- Ainda não... Foi apenas o primeiro dia! Mas olhei aqueles livros que mencionou, apesar de que... Quando voltamos ao apartamento e Samantha tomava banho...
- E?
Tess abriu a boca para contar com antecedência que nunca fora boa em ciências, mas pensou melhor.
- Acho que posso lidar com isso.
- Esse é o espírito! Agora tudo o que precisamos fazer é elaborar um currículo...
- Ela está nervosa a respeito de frequentar a escola daqui - soltou Tess. - Sua filha contou isso?
Matt girou desconfortável na cadeira.
- Espero que você a acalme dizendo que não há nada com o que se preocupar. - Pensou no fato de que não tinha tido nenhuma conversa significativa com a filha desde que ela chegara à Manhattan.
- É seu trabalho acalmá-la. - Com sinceridade, Tess o olhou. Confrontação sempre fora algo que ela evitara. Lembrava-se das várias discussões entre as irmãs, as duas tentando sair vitoriosas, e há muito tempo concluíra de que nada valiam os tons de voz elevados e a troca de palavras ruins... Exceto que não assumiria responsabilidade de algo que sabia que não era dela.
- Estive pensando... - Aventurou-se ela.
- Devo me alarmar?
- Têm todas essas regras que eu deveria seguir...
Matt jogou a cabeça para trás e riu, depois, quando se recompôs, olhou-a com amargura.
- Geralmente, é isso que acontece quando se trabalha para alguém. Estou arriscando muito com você, e está sendo muito bem recompensada, então, não pense nem por um segundo que pode tentar negociar em cima das coisas que deve fazer.
- Não estou tentando negociar nada! Apenas acho que, se existem todas essas regras para mim, então deveria haver algumas para você.
Matt olhou incrédulo, então, voltou a rir.
- O que é tão engraçado?
- O que parece considerar como regras a maioria das pessoas consideraria como descrição do trabalho. Era assim que fazia em todos os seus outros empregos? Com essa atitude de que não está preparada para trabalhar para ninguém, a não ser que estejam prontos para mudar as regras estabelecidas para acomodá-la?
- Claro que não. - Quando as coisas se tornavam muito tediosas, simplesmente desistia, pensou desconfortavelmente. - E não estou tentando mudar nenhuma regra. - O que havia naquele homem que a deixava nervosa e querendo argumentar?
- Certo, fale logo, então.
- Fiz uma pequena lista. - Ela tinha rabiscado no carro, no caminho até ali.
Matt pegou e leu. Então, leu novamente, a expressão de incredulidade crescendo a cada minuto.
- Segunda-feira à noite - leu em voz alta. - Banco Imobiliário ou Caça Palavras, ou algum tipo de jogo de tabuleiro. Terça-feira, noite de culinária. - Olhou-a com o rosto corado desafiador. - Noite de culinária? Que diabos é noite de culinária?
- Noite de culinária é um dia para prepararem algo junto. Pode ser qualquer coisa. Um bolo, alguns biscoitos. Ou talvez possa se aventurar a fazer algo quente. Uma caçarola.
- Bolos? Biscoitos? Caçarola? Não é esse o seu trabalho? - perguntou com sarcasmo. - Correção. Não devia ser uma pergunta. É um fato. Tudo nessa lista consiste no que deve fazer. No caso de ter esquecido, meu trabalho me mantém fora de casa por um longo período.
- Entendo que seja viciado em trabalho...
- Não sou viciado em trabalho. Comando uma empresa. Várias. Acredite ou não, isso demanda tempo.
A noite de DVD estava programada para quarta-feira. Não conseguia se lembrar da última vez em que assistira a um DVD. Quem tinha tempo para sentar por horas a fio em frente à televisão?
- Precisa arrumar tempo para Samantha. Acho que nem faz ideia do quanto está assustada por entrar em um novo colégio. Todos os seus amigos estavam na escola de Connecticut. Está apavorada, com necessidade de fazer novos amigos!
- É compreensível, mas crianças se adaptam facilmente. É fato.
- É fácil para você falar. Lembro de como foi assustador ir à escola secundária! E tinha conhecidos que iam comigo. Só de lembrar que teria novos professores e livros escolares...
- Não viu como um desafio a ser vencido? Não, talvez não, se você se recusa a fazer seu trabalho. Mas isso não lhe diz respeito, e não é sua filha. Concordo que as coisas não têm sido fáceis para ela, mas ficar cercada por novas crianças da mesma idade será algo bom. Não estou - disse ríspido - pedindo que ela esqueça todas as pessoas que conheceu em Connecticut...
- Talvez soe assim para ela. - Sempre que Tess via o mundo em outros tons, ele parecia enxergar apenas em preto e branco. Ela se perguntou o que era pior. Os diferentes tons que sempre a impediam de se concentrar em apenas uma coisa, ou o preto e branco, que evitava que ele soltasse as rédeas nem que fosse por um segundo?
- O que - perguntou ele, olhando para a lista - é uma noite de conversa?
- Ah, Essa. Ia trocar para a noite de jogos...
- Pensei que teríamos uma noite de jogos...
- Pensei que pudesse levá-la ao rugby. Pode não ser de rugby. Não na América, de qualquer jeito. Um jogo de futebol. Ou basquete. Ou basebol. Mas não consigo ver você indo a esses lugares.
- Ah, esses jogos. Para homens que não são viciados em trabalho...
- Não leva nada a sério, não é?
Matt a olhou de forma especulativa. Estava levando aquilo a sério? Nenhuma das outras babás apresentara listas antes. Não achou que teriam coragem. Na verdade, não conseguia pensar em ninguém que trabalhasse para ele e tivesse o atrevimento de dizer o que devia ou não fazer.
Mas, por outro lado, nenhuma das outras alcançara o sucesso dela... mesmo após um dia.
- Certo... vamos fazer o seguinte: vou considerar alguma das suas sugestões, mas deverá estar presente.
- Desculpe?
- Preparar bolos e biscoitos... O que sei a respeito? Minha governanta cuida dessas coisas, ou peço comida fora.
- Só precisa seguir uma receita - apontou Tess.
De súbito, Matt ficou de pé e caminhou em direção à janela.
- Já mostrou essa lista para minha filha? - perguntou, virando-se para olhá-la.
- Ainda não. Fiz no caminho até aqui. Quer dizer, devia ter digitado, mas... Não tive tempo.
- Então, como sabe que ela vai concordar com todo esse esquema?
- Não é um esquema.
- Certo. Ideias. Sugestões. Chame do que quiser. Como sabe que vai estar disposta a um jogo de tabuleiro por duas horas?
- Ah, certo. Entendo o que quer dizer.
- Duvido muito - Disse Matt irritado. - As crianças hoje em dia preferem ficar sentadas na frente de seus próprios computadores. E o jeito como se relacionam com os amigos. Samantha tem um computador bem avançado. Foi uma das primeiras coisas que comprei quando veio morar comigo.
- Eu fico - Decidiu Tess. - Se necessita que eu esteja por perto, então, eu fico.
Necessidade era uma palavra que não fazia parte do vocabulário dele.
- Não é questão de necessidade - ele olhou, franzindo o cenho.
- Alguns homens acham difícil dispor de um tempo de qualidade para a família...
- Poupe-me da análise psicológica, Tess. - Encontrou os olhos dela e, por um rápido segundo, Tess sentiu-se quase zonza. Questionou se era porque estava tão desabituada a tudo aquilo. Defender o que acreditava sem recuar. Dizer a um homem como Matt Strickland que devia fazer algumas coisas, quando era óbvio que ninguém nunca tinha se atrevido a isso. Envolver-se o suficiente para ir além de suas obrigações em um trabalho que tanto relutara em aceitar.
Sua boca ficou seca, e descobriu que estava sentada sobre as mãos, inclinada à frente.
Maluca!
- Não é uma análise psicológica. É verdade! Com qual atividade gostaria de começar?
- Ah! Uma escolha? - Matt olhou para a lista. - Percebe que participar dessas atividades vai encurtar suas noites livres?
- Tudo bem.
- Vou assegurar que seja paga pelas horas extras, claro.
- Não me importo com dinheiro - murmurou, olhando fascinada para a cabeça de Matt, curvada enquanto ele continuava franzindo o cenho para a lista, como se tentasse decidir qual a opção mais aceitável.
- Mas talvez se arrependa de assumir um compromisso com algo que tomará um tempo que poderia gastar visitando Nova York... para sair e se divertir. Não será um problema?
De repente, levantou os olhos para Tess, e lá estava mais uma vez aquela sensação vertiginosa, como se ela estivesse em queda livre.
- Por que deveria ser um problema? - perguntou ela sem ar.
- Porque é nova, e entendo que veio aqui para se divertir. Desde quando sua ideia de diversão começou a ser passar o tempo com o chefe e a filha dele jogando caça-palavras?
Nunca, pensou confusa.
- Certo. Antes de mais nada. Será reembolsada, goste ou não. E, com relação à atividade que mais me agrada... Não lembro sequer da última vez em que fiz alguma...
Ele sorriu. Um sorriso de pura diversão. E, por alguns segundos de parar o coração, deixou de ser Matt Strickland, o homem que era seu chefe, o tipo que representava tudo que detestava particularmente, para virar apenas um homem. E muito sexy, do tipo que fazia a cabeça dela girar.
- A escolha é sua. Estarei em casa amanhã às seis.
- Certo. Deixe-me ver se entendi. Conseguiu um financiamento ilimitado para comprar roupas e vai ter um encontro com meu chefe.
- Não é um encontro - disse irritada, mas prestava pouca atenção em Claire, que usava um vestido justo verde e salto alto, da mesma cor. Claire estava ocupando seu tempo com o mesmo cara por oito meses... Um banqueiro que a irmã encontrara diversas vezes mas nunca conseguia se lembrar da aparência.
- Não? Então o que é? Restaurante fino? Garrafa de vinho? Luz de velas? Ninguém nunca soube nada do que Matt Strickland faz da vida privada, e aí está você, há menos de três semanas aqui, e já tem um encontro marcado com ele.
Curto e preto ou curto e vermelho? Tess decidia, olhando para as roupas que comprara mais cedo. Cinco minutos em luta com a consciência, e cedia sem pudor a entrar na elegante loja de departamentos para onde fora enviada porque ele prometeu que a levaria para jantar, com o objetivo de saber o progresso de Samantha, e ela precisaria de algo apropriado para vestir.
Além do que, Samantha se divertia. Tinham feito um acordo. Ela daria um falso bocejo no interior da loja de brinquedos e a menina fingiria tédio dentro das lojas de roupas para adultos, e então, fariam uma pausa para almoçar em um lugar em que ambas tinham concordado, com pizzas e hambúrgueres. Comida boa e forte antes de visitarem, obedientes, alguns centros culturais em nome da educação.
Tess descobriu que pelo, menos uma vez por semana, durante um ano, Nova York oferecia um destino cultural diferente. Sempre achava esses locais muito entediantes, mas descobria lentamente que não eram tão ruins assim... Em especial quando explorados com uma pessoa que compartilhava da mesma falta de conhecimento. Mesmo que fosse uma criança de dez anos. Aprendiam juntas, e a verdade era que Samantha absorvia tudo muito rápido. De fato, Tess delegara a maior parte dos guias turísticos para ela, e a menina deveria descrever o que via, inclusive a história de cada lugar.
- Acho que vou de vermelho.
- Por que se preocupa se não é um encontro? - Claire mostrou um falso sorriso. - E, por favor, não diga de novo que não é um encontro. Nas três últimas semanas, mal a vejo, e agora vai a um restaurante com ele. Tem certeza de que revelou tudo sobre as noites de Banco Imobiliário e de cinema?
- Já faz três semanas?
- Sim.
O tempo parecia passar na velocidade do som. Depois de hesitar no começo quanto a se envolver com Matt e seu tenso relacionamento com a filha, parecia mergulhar naquilo... De forma precipitada. A noite de jogos... A primeira, fora um sucesso, e, desde então, as coisas estavam ainda melhores, porque ele se esforçava. Matt voltava ao apartamento sempre antes das sete, e se dedicava a cada atividade com tanto entusiasmo, que era difícil não se envolver. Desconfiada no início, Samantha cedia lentamente e começava realmente a se divertir.
- É apenas para fazer um relatório - concluiu Tess. - E não queria ir. Preferia passar a noite de sexta-feira em algum lugar com você e Tom. Tá, talvez não com vocês, mas com outras pessoas. Jovens e animadas. Artistas, escritores e poetas. - O tipo de gente que achava que a animaria a sair. - Não tive realmente chance de contar como as coisas estão indo com Samantha. O encontro é puramente sobre meu trabalho. Acho que ganhei peso. Será que engordei? Este vestido parece um pouco apertado.
- Tess... - disse Claire hesitante. - Não vai fazer nada estúpido, vai?
- Estúpido? De que tipo?
- Não sei o que Matt Strickland faz na vida pessoal, mas há uma razão para ter chegado onde chegou. É duro e bastante cruel...
- O que está tentando dizer?
- Não se apaixone.
- Não faria isso! - virou-se para a irmã. - O homem dos meus sonhos não é um magnata bem-sucedido que quer ganhar dinheiro. Sabe disso. O dos meus sonhos é um cara realista e sensível, e vou reconhecer quando o encontrar.
- Não é assim que a vida funciona.
- Apenas faço meu trabalho e, pela primeira vez na vida, estou gostando. Não faz ideia de como é ver pai e filha juntos. Certo, não é perfeito, mas está começando a funcionar, e gosto de pensar que tenho alguma responsabilidade nisso. Parece que, pela primeira vez, me estabilizei, achei algo que me prenda. Gosto de crianças, de trabalhar com elas. E algo positivo que vou tirar de toda essa experiência. E, por favor, não confunda as coisas.
Era a primeira vez que chegava perto de ter uma desavença com a irmã, e se arrependeu assim que viu a expressão chocada de Claire.
- Posso tomar conta de mim, então, não se preocupe. Não estou me apaixonando por Matt Strickland! Estou só conhecendo. E a única razão para isso é o bem da filha dele.
Podia acrescentar que Matt Strickland ganhava cada vez mais volume em sua mente, que se lotava lentamente de imagens dele. Concentrado, franzindo o cenho para um livro de culinária que ela e Samantha compraram há três dias; exultante quando conseguia comprar um hotel no jogo Banco Imobiliário e cobrava aluguel exorbitante; olhando as fotos dos amigos da filha em Connecticut pelo computador.
Sabia que esse jantar era puramente profissional. Apontaria algumas preocupações que tinha com relação a ela. Mostraria em que pontos poderiam melhorar. Não precisava ficar nervosa e nem preocupada com nada do que Claire dissesse. Com a autoconfiança restaurada, deslizou para dentro do vestido vermelho e calçou as sandálias de salto alto, depois se virou para examinar o reflexo no espelho.
Não fazia isso com frequência, se olhar de forma crítica, mas fazendo isso agora, realmente se demorando para ver como estava, não ficou desapontada. Não era alta e esguia, mas tinha boa aparência. O cabelo era solto e brilhoso, e já adquiria um bronzeado saudável de verão. Claire e Mary sempre tiveram uma aparência irlandesa: cabelo preto, pele clara com algumas sardas e, claro, a marca registrada da família: reluzentes olhos verdes. Por outro lado, Tess tinha a pele mais corada. O sol já deixara seu cabelo mais claro. Não era loira, mas as mechas eram brilhantes, com variações de caramelo.
Esperou até que o motorista de Matt ligasse e depois se apressou para deixar o apartamento, parando apenas para dar uma espiada na cozinha e anunciar que estava saindo.
Depois de três semanas, acostumara-se a ter um motorista levando-a a todos os lugares de Nova York. Não se sentia mais como um membro da realeza dentro da limusine e prestava pouca atenção às ruas que passavam ao largo, até que o carro finalmente estacionou ao lado de um restaurante chique, do tipo que a expulsaria se tentasse entrar com roupas comuns.
Stanton, o motorista, desceu do carro para abrir a porta.
Lá dentro, um pequeno foyer se abria para um piso de sinteco lustroso e mesas circulares com toalhas de linho e confortáveis cadeiras de couro. As mesas pareciam cheias de pessoas conversando e, francamente, todas vestidas de modo glamouroso.
Mesmo exposta a incríveis padrões de luxo, aquilo estava em outro nível, e Matt, tomando um drinque e a esperando em um canto privado do restaurante, parecia perfeitamente à vontade.
Tensa, contraiu o lábio superior e, de súbito, sem que esperasse, o corpo começou a agir de forma estranha. Por alguns segundos, a respiração pareceu parar, e o coração bateu tão rápido que parecia que ia estourar dentro do peito. A mente tinha parado. Não havia nenhum pensamento.
Ele usava uma jaqueta preta que caía como uma luva, e o branco da camisa destacava seu rosto aristocrático e impressionante. Parecia vibrante e lindo de morrer, e Tess quase tropeçou no salto ao caminhar em sua direção. Parecia muito calmo também enquanto levava o copo aos lábios.
Tess pôs na boca um sorriso brilhante enquanto se aproximava.
- Não sabia que iríamos nos encontrar em um lugar tão magnífico - disse ela com alegria, levando logo a conversa para um território neutro e direcionado ao trabalho. Se não adiantasse muito, pelo menos a distrairia da visão dos músculos fortes daquele peito, visíveis sob os dois botões abertos da camisa.
Matt desviou os olhos dela e observou a suntuosa decoração a que já estava acostumado.
-A comida é boa. É por isso que continuo vindo aqui. Aprecio a cozinha francesa.
- O espaguete que Samantha fez para você há alguns dias é melhor. Não faz ideia de como foi difícil para a gente separar todos os ingredientes. Tudo precisava estar perfeito. Os cogumelos. O tempero. A qualidade da carne moída.
Tess tagarelava. Imaginou de onde saíra aquele ataque de nervos. Vira o suficiente de Matt Strickland nas últimas semanas para matar qualquer nervosismo, não é? Mas a pulsação continuava acelerada, e a boca se mantinha seca, mesmo depois de dois goles no vinho à sua frente.
- E não vou nem mencionar o tempo que levamos para achar a receita certa - confidenciou. - Acho que Samantha olhou em vários livros. Tive que impedi-la de me convencer a comprar uma máquina de macarrão. Acredita? Disse a ela que era melhor começar com o simples e depois seguir para coisas mais complexas. Você... Hã... Tem uma cozinha superequipada. Tudo novo e brilhante... - Olhou incomodada para seu enervante silêncio. - Por que não diz nada? - perguntou sem graça. - Achei que tinha me chamado até aqui para conversar sobre como as coisas iam com Samantha.
- Tem um jeito de se esconder com a conversa - murmurou Matt. - É interessante ver onde vai parar.
Ela tentou ouvir isso como um elogio, mas falhou.
- Você me faz parecer uma criança - disse forçando a voz, e ele inclinou a cabeça para o lado, como se pensasse a respeito daquilo.
- Talvez por isso seja tão boa babá. - O olhar dele guardava um ar divertido, mas, por alguma razão, achava difícil encontrar um lado engraçado naquilo. - As outras não agiam como você. Eram muito dominadoras. Samantha se recusava a ser mandada, corria em círculos ao redor delas, que acabavam desistindo. Quanto mais fazia isso, mais eu dava instruções para a agência de que a próxima babá deveria ser mais severa. Vejo agora que essa era a tática errada. Deveria ter procurado alguém mais ao nível dela.
- Quanta babá teve?
- Cinco... Apesar de uma durar só três dias. Faziam o melhor que podiam para discipliná-la. Em noventa por cento dos casos, talvez tivessem sido bem-sucedidas com aquela abordagem.
- Eu disciplino - Interrompeu Tess na defensiva.
- Disciplina? Como?
- Se não gosta do jeito como faço as coisas...
- Não seja ridícula. Não acabei de dizer como acho que as coisas estão bem? Fez coisas maravilhosas em poucas semanas!
- Mas não quero que pense que a única razão de ter sucesso com ela é porque a deixo fazer o que quer! Permitiu que desse a ela um novo guarda-roupas. Lembra-se de conversarmos sobre isso? Lembra que pedi para olhar as crianças da mesma idade daqui de Nova York e ver o que vestiam? Quando for para a nova escola, talvez ache mais fácil se relacionar usando o mesmo tipo de roupas que os outros. Disse isso tudo a você, e concordou! Então, fizemos compras e, sim, algumas das coisas vieram de feiras, mas ela nunca tinha ido a uma feira antes. E apreciou a experiência!
- Como fomos parar nesse assunto?
- Paramos nesse assunto por que... - O que deveria ser uma conversa de negócios fria em um lugar relaxante estava desmoronando pelo sentimento de culpa dela. Era preocupante o fato de á olhar como se estivesse fora de seu estado normal? Elogiara seu progresso, e ela respondera de modo explosivo. Tinha consciência da sua falta de controle, motivada pelo desejo de que ele não a encarasse como uma pessoa imatura, e não tinha certeza por que se importava.
- Porque Samantha e eu não nos divertimos apenas. Tive, de fato, que persuadi-la a sair da concha, e admito que é mais fácil convencer uma criança quando se sente atraída por algo que queira. Mas também temos feito os deveres de casa...
- Sim. Eu sei.
- Sabe?
- Ela me contou.
Tess percebeu o brilho de satisfação que iluminava o rosto dele, e fez um grande esforço para lembrar que era esse o motivo pelo qual gostava tanto do seu trabalho.
Porque ajudara a curar algumas das fissuras que existiam entre Matt e a filha. E, se a elogiasse de maneira condescendente por atingir seu objetivo, mesmo considerando-a imatura para o serviço, tudo bem.
- Provou que eu estava errado. Como se sente?
- Vi apenas coisas básicas com ela - murmurou, começando a corar.
- É muito quando consideramos que insistiu em ser capaz de ensinar matemática e ciências simples.
Um leve e notório sentimento de prazer se irradiou por ela, fazendo-a se sentir quente e confusa, e, apesar de saber que os olhos negros dele descansavam nela, não conseguiu encará-lo.
- Bem, não vou fazer curso de graduação em nenhuma dessas matérias. - Tess riu sem fôlego.
Claire podia ter dado longas lições a respeito da crueldade dele, mas aquele era um lado da sua personalidade que nunca vira. A irmã nunca percebera o ser humano completo. Vira apenas o cara que ditava ordens e esperava obediência.
- Mas fazer bem algo que se achava incapaz de fazer deve ter dado mais confiança...
Os olhos dela voaram para os dele, e passou alguns segundos vertiginosos imaginando que aqueles olhos profundos e soturnos conseguiam enxergar dentro de seu coração.
- Sempre fui muito confiante - murmurou. - Pode perguntar a minhas irmãs. Enquanto se enterravam em pilhas de livros, estava sempre lá fora, curtindo os amigos. - Por que teve a sensação de que ele não acreditou nisso? - Talvez não saia muito agora, por causa das minhas horas de trabalho, mas, normalmente, sou o tipo de garota que recebe vários convites.
- E está perdendo isso?
- Não estamos aqui para falar de mim.
- De certo modo, estamos - apontou Matt. - Passa mais tempo com minha filha do que eu. É importante que entenda seu estado de espírito. Não gostaria de pensar que talvez esteja acumulando ressentimentos. Então... Tem passado a maior parte de suas noites no meu apartamento. Isso a incomoda, já que está acostumada a ficar com seus amigos?
Observou-a mexer no copo de vinho. As bochechas estavam ruborizadas. O cabelo grosso caía como uma cortina de seda sobre os ombros, até a metade das costas. Em meio ao aveludado e formal ambiente, parecia muito moça e, repentinamente, ele se sentiu muito velho. Ao olhar de forma rápida ao redor, teve a confirmação de que não havia quase ninguém ali com menos de cinquenta anos. Os preços altíssimos excluíam praticamente todos, menos os muito ricos, e era exceção por ser milionário antes dos quarenta.
Irritado por se ver sucumbindo, mesmo que temporariamente, a uma rara introspecção, Matt franziu o cenho. Percebendo a mudança em seu semblante, ela levantou instantaneamente a guarda.
Diria para que parasse de passar as noites na casa dele? Ele desaprovaria isso? Talvez quisesse um pouco de tempo a sós com Samantha, e Tess, de forma alegre e indiferente, se metia no caminho.
Talvez ela devesse sugerir que cumprisse as horas normais de trabalho...
Apavorada, percebeu que não queria fazer isso. Como acontecera? Como Matt Strickland e a filha, e a vida familiar complicada deles, repentinamente passaram a ser tão essencial em sua existência rotineira?
Os pensamentos fervilhavam quando a comida foi servida... Combinações requintadas de mariscos e batatas, nos quais Tess mergulharia com entusiasmo se não fossem seus pensamentos a todo o vapor na mente.
- Posso diminuir minhas horas se quiser - flagrou-se, sugerindo em voz baixa.
- Não acho que pediria isso a você - contou Matt impaciente. - É minha funcionária. E tenho algumas obrigações como empregador.
Odiava aquele tom profissional. Percebeu que não queria que ele tivesse obrigações como o empregador que a contratara, mas quando pensou no que ela realmente queria, sua mente ficou confusa.
- Não gostaria que um dia você me acusasse de tirar vantagem.
- Nunca faria isso! - Ficou horrorizada e ofendida.
- Insistiu em não receber as horas extras...
- Você paga o suficiente! Gosto de ficar à noite e ajudar a cuidar de Samantha.
- Não faz muito bem à sua vida social, não é?
- Não vim aqui para cultivar uma vida social - disse Tess com firmeza. Bom, admitia para ela mesma que fora um pouco de exagero pensar no passado e no desânimo que sentiu quando recebeu a sugestão de emprego, mas isso ficara para trás, então, não contava. - Sinto que, finalmente, achei algo que realmente gosto de fazer. Quer dizer, acho que tenho afinidade com crianças. Não fico entediada. Ficaria surpreso como sua filha é inteligente e receptiva sem nem mesmo perceber isso. Posso voltar a me relacionar com meus amigos quando voltar para casa. Mas não penso nisso ainda.
- E tem algum relacionamento especial por lá?
- O que quer dizer?
- É uma mulher jovem e atraente. - encolheu os ombros e empurrou o prato de lado. - Deixou para trás algum coração partido?
- Ah, vários! - disse bem-humorada. Se ele á achava imatura, aquela impressão ficaria mais forte quando soubesse que possuir um monte de amigos que, por acaso, eram homens, não significava ter um relacionamento estável com alguém em particular.
- Então, foi parte do motivo que a trouxe até aqui?
- Não! - protestou.
- Porque nenhum garoto merece. Não da sua idade.
- Tenho vinte e três anos. Não treze - Apenas para o caso dele ter esquecido, o que suspeitava que tinha acontecido. Porque nunca percebeu que a olhava com interesse.
Enquanto ela... Ruborizava-se e sentia algo assustador e poderoso em seu interior.
Olhara para ele. Para o jeito como ficava quando ria, o jeito que erguia a sobrancelha, o meio sorriso que lhe despertava arrepios nas costas.
Desconfortável em seus próprios pensamentos, Tess se esforçou para mantê-los em ordem enquanto aquela observação inocente pairava no ar, desafiando a avaliar Tess de uma maneira completamente diferente. Como se as rédeas de seu severo autocontrole fossem repentinamente cortadas, Matt foi assaltado por uma série de poderosas imagens desestabilizadoras. Ela podia parecer jovem, com a estonteante pele sedosa e um rosto aberto e expressivo, algo raro no mundo insensível no qual vivia, mas não tinha treze anos. Em especial, não parecia uma adolescente naquele vestido, o que fazia sua imaginação voar à vontade. Precisou de uma enorme força de vontade para não mergulhar de cabeça na ideia tentadora de levá-la para a cama.
Era a babá de sua filha! Que diabo passava em sua cabeça? Não era a primeira vez que brincara com a ideia. Já devia saber. Trabalho e prazer se misturavam tanto quanto água e óleo. Nunca trouxera sua vida particular para o trabalho e não estava prestes a começar agora. Tess Kelly podia não ter um emprego dentro de seu escritório, mas ela era sua funcionária como qualquer outra.
E, mesmo considerando essa equação, Tess Kelly não se encaixava em nenhum de seus perfis de mulher. Depois de passar pelos horrores do casamento, no infeliz matrimonio com uma mulher que cumpria todos os requisitos na teoria, mas nenhum na prática, sua lista de exigências havia se tornado muito rígida. Era essencial que tivessem disciplina, assim como ele. Disciplinadas e independentes, com carreiras que exigissem tempo bastante para manter distância de qualquer necessidade e não precisassem contar com ele para definir suas vidas.
Tardiamente, lembrou-se de Vicky, porque estava fora e mantinham contato esporadicamente e via e-mail. Ela estava em Hong Kong, experimentando o mercado oriental. Voltaria em alguns dias. Tentou reavivar uma lembrança dela. Mas, no momento em que pensou no corte de cabelo curto e em sua personalidade metódica, outra imagem de uma garota espevitada e de cabelo dourado, com o nariz salpicado de sardas e uma personalidade espalhafatosa sobrepôs-se à mulher que dizia querer tanto reencontrá-lo.
Irritado, franziu o cenho.
- Conte seus planos para os próximos dias. - Afastou-se um pouco da mesa e fez sinal para que o garçom trouxesse o café.
- Planos? - Ainda entregue a seus pensamentos, Tess levou alguns segundos para registrar que ele mudara completamente de assunto. - Um museu, e depois, um dia só para relaxar com Samantha amanhã. Talvez saia mais cedo e encontre alguns amigos, agora que colocou essa ideia em minha cabeça.
- E, então, talvez na sexta-feira, possamos visitar o zoológico... - disse Matt.
Era um progresso. Em vez de apenas seguir a maré, dava suas ideias! Um ar de deleite tomou conta do rosto dela enquanto concordava. Ficaria no banco de trás, vendo pai e filha juntos, lembrando que seu envolvimento com os dois começava e terminava como um trabalho.
E Matt, observando-a atentamente sob os cílios baixos, calculou a presença de Vicky.
Ao lado dela, sufocaria qualquer pensamento indesejado. Podiam não estar destinados a viver juntos para sempre, mas ela seria uma lembrança oportuna do que procurava no sexo oposto.
Sentindo que retomava o controle de seus pensamentos, Matt fez sinal para que trouxessem a conta.
Nos dois dias seguintes, Tess teve uma grande oportunidade para pensar nela mesma. Matt fizera algumas perguntas relevantes, e foi tomada por uma corrente de pensamentos que a fez ficar, desconfortavelmente, consciente de coisas a seu respeito, que sempre achara garantidas, talvez criadas em cima de ilusões.
Sempre se considerara uma pessoa independente. As irmãs tinham sido os desafortunados receptores das ambições dos pais. Os pais dela não tinham ido para a universidade. A mãe fora cozinheira de uma escola local, e o pai trabalhara no departamento administrativo de uma companhia elétrica. Mas eram muito inteligentes, e se tivessem tido oportunidade, teriam ido a uma universidade e realizado todos os sonhos.
Só que não foram, e, por isso, tiveram um rigor excessivo nas realizações acadêmicas de Claire e Mary.
Traçara o próprio objetivo desde muito nova e nunca se desviara. E, apenas para o caso de seus pais colocarem na cabeça que estava destinada a seguir o mesmo caminho das irmãs, definira com firmeza seu próprio paradigma, sua referência.
Ela sempre gostara muito de consumir seu tempo se escondendo em um quarto, em frente à uma pilha de livros. Apreciava experimentar as coisas, ter diferentes experiências.
Recusava-se a ser amarrada e sempre se orgulhava de sua sede por liberdade.
O modo de Matt ver as coisas causara um estrago feio naquele ponto de vista.
Questionou se a sua própria atitude otimista vinha de um arraigado medo de competir. Se você não tentar, então não vai falhar... Como ele dissera no primeiro dia; e ela nunca tentara. Ficara ofendida e com ressentimentos com aquele envolvimento, e, ainda assim, sabia que nunca dera o seu melhor em nada. Por trás da menina popular, bonita e despreocupada, será que não havia uma pessoa ansiosa, assustada, que cobria as próprias inseguranças querendo ser vista como um antídoto às irmãs? Cultivara sua vida social... Sempre à disposição das outras pessoas, querendo a estender uma das mãos... Será porque a ajudava a provar para ela mesma que era tão valiosa quanto as duas irmãs inteligentes?
Não gostou desse desfile de pensamentos, mas, tendo começado, achava impossível parar. Um pensamento parecia gerar outro.
Pela primeira vez, não se sentiu inclinada a compartilhar seus pensamentos com a irmã, na verdade, estava aliviada por Claire tirar a semana de folga com Tom e só retornaria dali a alguns dias.
Enquanto se arrumava na sexta-feira de manhã para o passeio ao zoológico, Tess se obrigou a pensar em outro assunto desconfortável que perturbava sua mente... A outra pistola engatilhada que Matt apontara para sua cabeça, forçando-a a reconhecer por que abandonara sua vida social. Por quê? Chegara a Manhattan despreocupada, sem pensar em mais nada além de passar férias adoráveis longe da Irlanda, e talvez tentar decidir que outro emprego tentaria quando voltasse. Então, por que repentinamente se via sacrificando sua vida social pelo bem do trabalho? Por que o pensamento de sair com pessoas da mesma idade a deixava indiferente? Claro que se divertia com Samantha, e adorava as pequenas mudanças na personalidade dela que Tess podia notar com o passar dos dias. Era gratificante assistir à menina emergir de sua concha protetora... Como observar uma borboleta sair do casulo, mas, mais do que aquilo, simplesmente gostava da companhia de Matt porque a cativava.
Não reconhecera aquilo pelo que continha de verdade porque nunca fora cativada antes. Nunca questionara todos aqueles olhares roubados e o jeito que seu corpo reagia quando ele estava perto. Mesmo agora, quando vestia uma blusa listrada e penteara o cabelo antes de amarrá-lo em um rabo de cavalo, podia perceber o corpo formigando ao pensar que o veria. Esse era o motivo para ter deixado a vida social de lado. Esse era o motivo de ficar feliz por passar as noites no apartamento dele, às vezes apenas sentada no sofá com Samantha, assistindo a algo na televisão, enquanto na cadeira ao lado Matt fingia acompanhá-las com um jornal aberto à sua frente e uma bebida ao lado.
Tess sentiu uma pequena excitação percorrê-la. Tinha desejo, e era uma sensação boa, ainda que não resultasse em nada. Porque, certamente, não o vira lançar olhares furtivos, e não podia imaginá-lo pensando nela de forma alguma... Não do jeito como percebeu que pensava nele.
Tess podia apenas supor que a mesma vida protegida que levava era a razão de estar só agora sentindo coisas que a maioria das mulheres de sua idade deve ter sentido há muito tempo. Quando as irmãs saíram do ninho e foram em busca de seus diplomas na universidade, mudando-se para cidades novas e excitantes para começar suas ilustres carreiras, permanecera em casa, convivendo com quase o mesmo grupo de pessoas cor quem crescera... Um pequeno círculo protetor, confortável e restrito. Sentia como se emergisse, finalmente, de um lago gelado. Era excitante. E quem poderia saber o que a esperava na esquina? Pensou, com o otimismo habitual.
A viagem para Pelham Parkway foi muito quente, mas ela se preparou para o calor com uma calça de linho fresca e sandálias de dedo. Seria um longo dia. O zoológico era gigantesco... Dos maiores em área urbana. Combinara com Matt que entraria em contato via mensagem de texto assim que chegasse, para pensar em um ponto de encontro, consciente da dor que sentia por ele, e que queimava como se abrisse um buraco em seu interior. Flagrou-se enviando uma mensagem para Samantha, e depois fazendo seu caminho para um lugar conveniente onde poderia esperá-los.
No caminho, o estômago roncou, e ela comprou um enorme cachorro-quente.
Afundava os dentes na salsicha quando viu Samantha correr em sua direção.
Já não era mais a garota de dez anos vestida impecavelmente como algumas semanas antes. Vestia um jeans da moda, alpercatas e uma camiseta que anunciava um musical adolescente.
- Experimente um pedaço - ofereceu à menina. - Nunca vou conseguir terminar - Teve vontade de procurar por Matt, mas resistiu ao impulso.
- Achei que tinha desistido de comer porcarias. - Samantha pegou o cachorro quente e sorriu para ela. - Porque estava ganhando peso.
- Na próxima segunda-feira. Está marcado no meu diário.
- De qualquer jeito, eles estão nos esperando, melhor irmos.
- Eles quem?
- Vicky estava cansada e precisou parar, mesmo tendo ficado sentada no monotrilho por vinte minutos. - Samantha fez uma careta enquanto Tess, confusa, tentava processar o nome que não significava nada e que nunca fora mencionado. Vicky era alguém da família?
Apressou-se atrás de Samantha e, após alguns minutos, chegaram a um café, um dos vários espalhados pelo zoológico. Estava lotado. Crianças tomavam sorvete; bebês com mais noção do que adultos gemiam em seus carrinhos, por estarem com calor, suados e com vontade de ir embora. Ela podia facilmente não perceber o casal sentado nos fundos, porque estavam cercados por famílias que tentavam achar lugar para sentar. Mas seus olhos foram automaticamente puxados para Matt. E ela sorriu, porque Tess estava exatamente do jeito que esperava que ficaria a se ver longe do conforto do qual estava acostumado. Era um homem que tinha como certa a felicidade do ar-condicionado no verão e o luxo de ter sempre alguém fazendo tudo e poupando a inconveniência de precisar enfrentar multidões. O fato de sugerir uma visita ao zoológico era um sinal indiscutível de que Matt estava determinado a se envolver com a filha.
Por alguns segundos, achou difícil desviar os olhos dele. De calça bege-clara e camisa polo azul-escuro, estava com uma aparência sombria, sexy e perigosa. Usava óculos de sol escuros, que ele tirou, e o pensamento de que a olhava enviou uma onda de calafrios por sua coluna enquanto tentava abrir caminho entre o público. Samantha se aproximou do pai, e foi apenas quando olhavam para a menina que Tess atinou para a mulher sentada ao lado. Por alguns segundos, seus passos falharam, porque não parecia ser parte da família.
Segurando uma xícara entre os dedos e com óculos escuros escondendo qualquer expressão, viu uma mulher incrivelmente bela, de cabelo cortado até a altura do queixo.
Um suéter cor de limão casualmente jogado sobre os ombros.
Matt ficou de pé enquanto ela alcançava a mesa, mas a mulher permaneceu sentada, apesar de tirar os óculos, expondo gelados olhos castanhos.
- Tess... Gostaria de apresentar Vicky.
O esperado bom-senso não retornava. Fora uma manhã difícil. Samantha ficara desapontada pela festa acolhedora dos três ser ampliada para acolher Vicky, e apesar de Matt pensar que era saudável para a filha lidar com o fato de Tess não ser da família, sentiu parte do progresso que fizera com ela ser de algum modo prejudicado pela inclusão da namorada no passeio.
E, então, reagira desapontado ao ver Vicky. Não voltara a se sentir interessado por ela e, na verdade, irritara-se.
Vicky tivera pouco contato com Samantha antes da visita de três semanas a Hong Kong, mas pareceu disposta a tentar estabelecer um relacionamento. Ele estava plenamente ciente de que a filha se recolhera ao próprio mundo e o culpava pelo acontecimento indesejado.
De modo geral, um pequeno pesadelo, e agora, vendo ela perto de Vicky, começava a fazer comparações indesejadas.
- Você é a babá! - disse Vicky, oferecendo um falso sorriso. - Matt contou a seu respeito nos e-mails. Que benção conseguir fazer o que fez! Essa pequena coisa tinha sido um fracasso total com as babás... Não é, docinho? É muito jovem, não é?
E-mails? Tess não gostou de imaginar o que falava dela pelas costas e começava a entender que aquela era a namorada de Matt. O fato de ele ter uma namorada chegou como um choque, mas começava a imaginar como poderia ter imaginado o contrário. Para homens como Matt Strickland nunca faltavam mulheres. Era muito rico e bonito. Agora, devido a isso, sua paixão tola por ele, se podia chamar assim, mostrava como era ingênua.
Aquela mulher era muito mais o seu tipo, mesmo que a linguagem corporal dissesse o contrário. Era inteligente e bem-sucedida, e, com o passar do dia, não restou dúvida a Tess de que não havia nada que ela não tivesse realizado ou estivesse prestes a realizar.
Vicky falava sem parar. Tentava fazer piadas com Matt, que ria sem vontade e contribuía pouco para a conversa. Ela dava longas lições à Samantha a respeito dos animas que viam, e nem mesmo o silêncio hostil da menina fazia com que recuasse. Falou a Tess dos históricos acadêmico e profissional que já conquistara, e do progresso em sua carreira, passo a passo.
Matt não levantaria as sobrancelhas para fazer alguma observação seca e divertida a respeito do gosto dela para programas de televisão. Teria discutido com ela sobre tudo, do estado da economia à política mundial.
Tess esperou duas horas e meia, antes de achar educado dizer que iria embora.
Samantha também estava entediada, e ficou assim por um tempo. Um pequeno momento sem a exuberância que marcara a semana anterior.
Que desastre infernal, Matt pensou com imensa frustração. Em que diabo Vicky pensava? Monopolizara a conversa e, glorificando-se, fez o pior que pôde para agradar à filha.
- Mal ficou conosco. - Ele franziu o cenho. - O que quer dizer com está indo?
- Tenho algumas coisas a fazer.
- Seu dia de trabalho não acabou. Não são nem cinco e meia.
Ele sentiu, com uma irritação considerável, o braço de Vicky enroscar-se no seu, e o peso do corpo dela, como se estivesse se apoiando nele.
- Podíamos ir embora e fazer alguma coisa - interrompeu Samantha com voz de criança. - Tess podia me deixar em casa. Não pode? A gente podia até parar no caminho e comer algo. Hambúrguer e batatas fritas - completou.
- Vai embora com a gente - disse Matt, deslizando os olhos para a filha. - E não quero rebeldia. Sou seu pai, e vai fazer o que digo.
No calor intenso, todos estavam com o temperamento acirrado. Infeliz, Tess imaginou se ele teria preferido ficar em casa com a namorada. Aquele mau-humor vinha do fato de que podia pensar em coisas melhores para fazer àquela hora? Não sabia que seu relacionamento com Samantha ainda era muito frágil para ser tão severo, e que isso podia prejudicar tudo que começavam a construir?
Sentiu como se tivesse falhado com os dois. Ela pensou de forma decisiva que o relacionamento de pai e filha não era da sua conta, que era apenas um navio na noite, de passagem por suas vidas, mas, naquele momento, com pessoas ao redor e a filha de Matt com os olhos marejados, Tess se sentiu subitamente triste e deprimida.
- Estarei no trabalho bem cedo na segunda-feira. Ou podíamos fazer algo amanhã, se você quiser... - Aquilo era para Samantha, mas Vicky logo se intrometeu, sorrindo e dando um gentil aperto no braço de Matt.
- Ficaremos bem. - A voz dela era dura. - Acabei de voltar do Oriente. Gostaria de reservar os fins de semana para mim. Além do que, não tem nada melhor para fazer do que passar o sábado com uma menina de dez anos?
Aquelas palavras funcionaram como um lembrete para Tess de que precisava se recompor. Matt também não falara algo parecido? Ele e a namorada tinham trocado e-mails zombeteiros a seu respeito? Seria a pobre babá que não possuía vida social em uma das cidades mais excitantes do mundo?
O caminho de volta ao apartamento da irmã foi longo, quente e entediante. O lado bom era que ninguém estaria perto para questioná-la a respeito de seu humor choroso. O ruim era que na verdade precisava de um ombro para chorar.
Nada podia distraí-la da realidade de que fizera papel de boba por desejar um homem que não estava interessado nela. Era sinal de seu próprio orgulho... Nunca soubera que possuía... Nunca, nem sequer uma vez, parou para se perguntar se ele estava envolvido com outra mulher. Parecia não existir nenhuma, e nunca mencionara nomes, então, ela tirara conclusões precipitadas.
Eram pouco mais de 20h quando o interfone do apartamento de Claire tocou. Era um jeito excelente de evitar visitantes indesejados. Podia vê-los através de uma pequena tela e esperar até que desistissem.
Seu coração enlouqueceu quando viu o rosto de Matt. Parecia impaciente, e estava determinada a ignorá-lo, mas, em vez disso, flagrou-se atendendo ao interfone e perguntando o que queria.
- Você. Preciso falar com você.
- A respeito de quê? Achei que passaria o resto do fim de semana brincando de casinha com sua namorada. - Tapou a boca com a mão. - Desculpe ter dito isso. Estou cansada. Pode esperar até segunda-feira?
- Não. Deixe-me entrar.
- O que é tão importante? - insistiu Tess. - Estou pronta para dormir.
- Não são nem 2lh. É noite de sexta-feira. Não está pronta para dormir. Deixe-me entrar.
- O que você quer?! - foi á primeira coisa que perguntou quando ele parou na porta de entrada. Ainda estava com a mesma roupa usada no zoológico. Ela, no entanto, trocara as suas, e usava agora um short preto de pijama e uma blusa curta. Sem sutiã. Tess cruzou os braços e recuou, seguindo-o com os olhos enquanto caminhava para dentro do apartamento e ia direto à cozinha.
- Eu acho - disse ele, abrindo a geladeira e pegando uma garrafa de cerveja. - Que preciso de um drinque.
- Olha, não pode simplesmente entrar...
- Sua irmã está viajando, não está? Visitando os pais do namorado, se bem me lembro.
- Quem está com Samantha? E... A sua namorada?
Matt bebeu quase a garrafa toda com apenas um longo gole enquanto olhava para ela ao lado. Uma tensão percorria o caminho até sua coluna. O que ele queria? Quando se lembrou da excitação que a possuíra no começo do dia, quando se arrumara pensando nele, sentiu a humilhação tomar conta dela novamente.
- O dia de hoje não correu como planejado. - Matt terminou a cerveja, imaginando se pegaria outra. Mas já bebera demais... Precisava do motorista para levá-lo ao apartamento de Tess. Diabos, para que mais servia o álcool senão para aliviar situações desconfortáveis? Cometera um erro pavoroso ao convidar Vicky para acompanhá-los. Fora um enorme erro de julgamento. E, para um homem que podia contar seus equívocos em apenas uma das mãos, aquilo tinha gosto de veneno. Serviu-se de outra cerveja, e lançou à Tess um olhar de desafio.
- Não, - concordou ela. Agora que olhava para os detalhes, podia ver que o cabelo dele estava desalinhado e parecia um pouco torto... Parecia como um cara que não estava no controle de tudo ao redor. Vulnerável. - Se queria passar o tempo com a namorada, então, um passeio em grupo talvez não tivesse sido a melhor ideia. Ou achou que eu podia abrandar as coisas entre sua namorada e a filha?
Matt jogou a cabeça para trás para engolir um pouco de cerveja e continuou a encará-la.
Tess sentiu a pele formigar... E odiava a sensação. Fazia ela se lembrar de como fora fraca por permitir que aquele homem a atingisse. Odiava a intensidade do silêncio dele. A sensação era a de que revirava os pensamentos dela, colocando-a do avesso e expondo todas as dúvidas e fraquezas.
- Então? - Desviou o olhar dele e se afundou em uma das cadeiras da cozinha. - Fiquei com a impressão de que Vicky não teve muito contato com Samantha.
- Quase nenhum - concordou.
- Então, qual foi o grande plano, Matt? Deixar que a babá servisse de caminho para unir a família feliz? Pegar um pouco do calor de sua namorada?
- Vicky nunca esteve disposta a participar de uma família feliz. - Ele se encostou na parede. Em seguida, saiu do lugar, deixando a garrafa vazia na bancada, e sentou em uma cadeira. O grande corpo indolente e relaxado sobre efeito do álcool. Não muito, mas certamente o suficiente para encobrir um pouco do seu humor.
- Bem, isso não é da minha conta - murmurou Tess. Com vontade própria, seus olhos o seguiram, captando todos os detalhes do corpo dele.
- Na verdade - soltou uma rápida risada, esticou as pernas e enfiou a mão no bolso da calça -, a culpa é toda minha quanto a esse mal-entendido.
- Não sei do que fala. Esteve bebendo?
- Agora, por que pensaria isso? - Os olhos dele se prenderam aos dela, e havia ali um pequeno divertimento que a fez sentir frio e calor. Mesmo quando olhou rápido para o outro lado, ela pôde sentir que a via de um jeito que nunca vira antes. - Deixei aquele relacionamento sair de controle. Tirei os olhos de meu objetivo. Enquanto tinha a impressão de que o que mantínhamos era casual, parece que Vicky fazia muitos planos.
- Que planos? - Estava fascinada para escutar mais. Matt nunca dissera nada a respeito de sua vida pessoal, mas não olhava para o Matt que conhecia. Via uma parte dele que nunca estivera em evidência antes, e estava sendo consumida de curiosidade.
- Está se divertindo? - Riu suavemente, e Tess corou.
- Claro que não! Você veio até aqui, não se esqueça! E, se quiser conversar, tudo bem.
- Na verdade, não vim para falar de Vicky - murmurou. Ele girou na cadeira. - Você me distrai. - Divertiu-se com a maneira como ela corou quando disse isso, e se inclinou à frente como se não escutasse bem. - Você me distrai do que quero dizer.
- Não faço você se distrair com nada - disse Tess rapidamente.
- Ah, certo. É o drinque. Vou continuar minha linha de pensamento, nesse caso. Minha filha voltou a ficar do jeito que era. - Ele se inclinou à frente abruptamente, pressionando os polegares contra os olhos.
A linguagem corporal dele falava milhões de palavras, e ela automaticamente se moveu em sua direção, parando por um momento, sem saber direito o que fazer, e eventualmente puxou a cadeira para mais perto dele. Deveria tentar consolá-lo? Confusa, decidiu nada fazer.
- O que quer dizer?
- Quero dizer... - Olhou diretamente para ela e passou uma das mãos por seus cabelos. - Voltamos ao apartamento e ela imediatamente se trancou no quarto.
- Mas você não tentou conversar?
- Claro que tentei! Ficou lá deitada, de costas para mim e com fones no ouvido... E, diabo, eu não posso forçá-la a ter uma conversa, posso?
- Então, o que fez?
- Bebi dois copos de uísque. Pareceu na hora uma boa ideia.
- E Vicky...?
- Despachei. O fato é que voltei ao ponto inicial. Parece que fui otimista demais em pensar que já tinha passado dessa etapa.
- Não é verdade!
- Não? Então, poderia me explicar o fato de minha filha não responder?
- Ela tem dez anos! Não é capaz de pensar nas coisas como adulto. Ficou desapontada. Acho que pensou que o teria só para ela...
- Quer dizer ter a nós dois...
- Não, - disse Tess com firmeza. - Você. Não contava com sua namorada lá, e realmente não esperava ela ser... Não sei, tão possessiva...
- Nem eu - murmurou Matt. Vicky fizera; planos! Uma estadia no Oriente juntos, sua filha ser convenientemente despachada para algum internato... Até pesquisara possíveis aquisições que podia fazer uma vez que vivessem em Hong Kong! Ficara chocado e furioso, e depois voltara sua ira para ele mesmo... Pois, como dissera á ela, desviara os olhos do ponto principal. Mas a relação com a filha foi a maior vítima de seu deslize.
- Samantha não...
- Não o quê! Não precisa pisar em ovos, Tess. Já estraguei tudo. Acho que é justo dizer que posso resistir a qualquer coisa que diga.
- Não estragou nada! É apenas que Samantha... Bom, acho que nunca realmente entendeu por que o viu tão pouco com o passar dos anos.
- Contou isso a você?
- Aos poucos. Quero dizer, por favor, não pense que sentamos um dia e tivemos uma conversa reveladora. Acho que crianças da idade dela não fazem isso. Não sabem como fazer. Mas juntei algumas informações.
- Você juntou? E como respondeu?
- O que podia dizer? Nunca falou comigo a respeito do seu casamento... E, de qualquer forma, não seria certo ter esse tipo de conversa com sua filha. É algo que deve fazer. Eu pensei que faria isso. Com o tempo.
- Deus. Que confusão.
Parecia destruído, e ela estendeu a mão e colocou temporariamente sobre o ombro dele. Quando respondeu, Tess achou que ele educadamente dispensaria seu gesto de simpatia, mas, em vez disso, manteve sua mão, brincando preguiçosamente com os dedos e franzindo o cenho de concentração.
- Eu e Catrina éramos o casal perfeito no papel. - Matt olhou para ela, mas Tess não tinha certeza se a enxergava. - Nossas famílias se conheciam. Frequentávamos os mesmos círculos e seguíamos o mesmo estilo de vida. Acho que posso dizer que havia um entendimento... E o entendimento foi aumentando quando ficou grávida. Não fiquei preocupado. Sim, eu era jovem, mas estava contente em me casar. Com toda a pompa que o dinheiro podia comprar. As rachaduras começaram imediatamente. Era uma socialite. Eu, um viciado em trabalho. Ela não via razão em eu me esforçar tanto para ganhar dinheiro. Até onde sabia, meu emprego deveria ser apenas para sustentar uma vida de playboy. Esquiar no inverno por alguns meses. Passar longos feriados com os pais dela nas Bahamas. Jogar golfe. Levar uma existência que fosse complementar à dela.
Tess falhou ao tentar capturar imagens de Matt jogando golfe e passando longos feriados distante. Continuava brincando com sua mão, e isso estava fazendo todo o tipo de coisas estranhas com seu corpo. Enquanto ela tentava desesperadamente se concentrar inteiramente no que dizia, parte dela estava envolvida com o formigamento em seus seios, com a umidade se espalhando entre suas coxas, a sensação quente na barriga, que a fazia desejar, suspirar e fechar os olhos.
- Quanto mais ela implicava, mas rápido me escondia na segurança do trabalho. Logo iríamos nos divorciar, mas não tenho certeza do que aconteceria se não tivesse descoberto que meu padrinho de casamento preenchia as obrigações de marido das quais ela sentia falta.
Tess não conseguia imaginar o que aquilo fez a um homem orgulhoso como Matt.
- Meu divórcio foi o que ditou o relacionamento que desenvolvi com minha filha, e por isso estamos aqui. - Deu um sorriso torno. - Alguma ideia?
- Não entendo. A corte de justiça não teria outorgado uma guarda compartilhada, Matt?
- Uma esposa vingativa tem vários instrumentos a sua disposição quando quer conseguir o que deseja de uma corte de justiça. Fins de semana eram cancelados por capricho dela. Perdi a conta das vezes em que fui até Connecticut para descobrir que Catrina levara a filha para viajar e dizia com um inglês bem claro que não haveria visitas naquele fim de semana. Brinquedos eram repetidamente deixados em uma casa vazia. Ninguém nunca soube se Samantha os recebeu ou não.
Os olhos de Matt brilharam de dor e remorso. Aquele era um homem que não se abria com ninguém, e Tess não sabia se aquele dilúvio de confidência e autorrecriminação seria algo de que ele se arrependeria depois, mas acariciou o seu rosto com as mãos trêmulas enquanto a mente girava freneticamente.
Enquanto se esforçava para se convencer de que seu sentimento por Matt era um caso compreensível de atração, começou a reconhecer que era mais do que isso. Há muito tempo deixara de ser uma espectadora preocupada do problema dos outros. Não abdicara de sua vida social porque sentia atração por Matt Strickland e fazia de tudo para passar a maior parte do tempo em sua companhia, como uma adolescente apaixonada. Abdicara de sua vida social porque tinha sido inconscientemente sugada para ele. No começo, fora fácil se manter afastada por pensar nele como o tipo de homem que tirava vantagem de tudo e todos, mas, lentamente, começava a vislumbrar outros lados da personalidade complexa e impressionante de Matt.
Observara ele suavizar sua inclinação natural de dominação para que pudesse conhecer melhor a filha. Fora envolvida pelo bom-senso e inteligência dele, que eram muito maiores do que imaginara. E fora seduzida por aqueles curtos intervalos de humanidade que via nele quando a guarda estava baixa.
Apaixonara-se pelo homem completo, e o tempo que gastou ignorando essa realidade não serviu para protegê-la...
Olhando para trás agora, Tess podia ver que o amor a esperava na esquina, pronto para emboscá-la e virar seu mundo de cabeça para baixo. Matt Strickland a devastara.
Esperava por algo gentil e cuidadoso, e não estava preparada para o caos e o poder do amor de verdade corajoso e exigente, quando finalmente chegou.
Seu coração estava acelerado. A inexperiência a deixava insegura do que fazer.
Considerava-se extraordinária porque nunca tinha ido para cama com ninguém.
- Meu relacionamento com Samantha se tornou distante - disse com pesar. - Artificial. Nada que fizesse, quando podia vê-la, conseguia reverter os efeitos da separação, e só Deus sabe o que Catrina deve ter falado quando não estava por perto. E quando pensei que havia feito algum progresso... Isso...!
- Veio até aqui - murmurou Tess.
- Onde mais iria? Conhece a situação melhor do que ninguém.
Olhou-a com aqueles olhos impressionantes e sua respiração ficou difícil. Sem aviso prévio, a atmosfera mudou. Era impossível pensar direito ou desviar a visão daquele rosto sexy e sombrio. Ela o queria tanto que isso lhe causava dor física, e seu desejo estava se tornando mais irresistível por causa da intensidade do sentimento que existia por trás.
Inclinou-se à frente e o beijou levemente na bochecha, e o choque do contato quase a fez cambalear para trás.
- Vai ficar tudo bem - sussurrou ela. - Samantha pode ter ficado desapontada com o jeito que o dia transcorreu hoje, mas você já começou a construir blocos de relacionamento com ela.
Estava se perdendo na intensidade do olhar dele, e com um lamento fraco, fez o impensável. Colocou a palma das mãos sobre o peito dele e se inclinou mais uma vez.
Dessa vez, o beijo não foi na bochecha, mas corajosamente nos lábios, e uma picante onda de prazer tomou conta de sua mente, levando os pensamentos coerentes para longe, além da habilidade de raciocinar no que fazia. Ela sentiu que se parasse por um momento de respirar, ouviria a batida frenética de seu coração.
Não lhe ocorreu que talvez estivesse fazendo papel de boba. Agira por impulso e não se arrependia.
Quando ele curvou as mãos ao redor de sua nuca e a puxou em sua direção, ela derreteu no abraço como se tivesse nascido para saborear aquele momento.
Não era por isso que tinha ido até lá. Era? Sabia que ela fora a primeira pessoa que passou em sua mente diante de sua frustração. Ele chamara sua empregada e ficara esperando na porta até ela chegar para que pudesse ir até lá e fazer... O quê!
O que ele esperava? No fundo de sua mente, já sucumbira ao desejo de levá-la para cama? Por todos os ângulos, ver Vicky fora um desastre. Não apenas do ponto de vista de sua filha. Ele a observara ao lado de Tess e, repentinamente, não conseguia mais se lembrar do que o atraía naquela mulher.
Sua beleza escultural agora parecia pouco atraente. Enquanto Tess era gentil, com o rosto aberto e sincero, Vicky era uma teimosa executiva de carreira. Entediara-se com seus monótonos discursos sobre o mercado de Hong Kong, impaciente com aquela conversa formal.
Fora levado até lá por mais do que um desejo de desabafar?
Só o fato de ter sentido necessidade disso era preocupante.
A umidade da boca de Tess o levava à loucura, mas ainda lutava para controlar a situação.
- O que está acontecendo? - Empurrou-a para longe e voltou atrás imediatamente quando sentiu que ela tremia contra seu corpo. - Nós... Não devíamos fazer isso.
- Por que não?
- Bom, posso pensar em milhares de razões!
- Não se sente atraído por mim...?
- Essa não é uma das razões. - Sua boca golpeou a dela com uma fome que detonou uma explosão de prazer em Tess que ela nem sabia que existia. Todo o seu corpo, repentinamente, queimou e mal conseguiu ficar parada.
- Não ficarei aqui prestes a fazer amor com você em uma cozinha! - resmungou, e choramingou, com os olhos vibrando enquanto ele a ergueu da cadeira e começou a se encaminhar em direção a um quarto.
Colocou-a na cama e ficou deitada lá em um estado de altíssima excitação, observando enquanto fechava as cortinas e depois tateava o cinto, arrancando-o finalmente com um rápido puxão.
Liberta da louca embriaguez que o contato dos corpos produzia, sentiu a realidade de sua virgindade penetrar em sua mente confusa.
Aquela era uma situação que nunca imaginara, e não tinha algo que pudesse seguir para lidar com isso. Apenas sabia que não estava em um ponto em que pudesse recuar. E parecia certo, pensou ferozmente. Estava apaixonada por ele! Não escutaria as pequenas vozes de advertência em sua mente, tentando fazer com que desistisse. Não desistiria... Pois para tudo havia consequências. Se não fizesse, então, viveria sempre com a lembrança disso. Para sempre se perguntaria como seria se tivesse se entregado para aquele homem grande e poderoso que roubara seu coração.
Ele tinha tirado a camisa. A respiração presa na garganta, e Tess absorveu a beleza muscular daquele corpo. Quando ele se mexia, conseguia ver o movimento dos tendões e a pura definição de seu torso. Matt alcançou o zíper, e ela quase desmaiou de expectativa.
As roupas eram um obstáculo irritante, mas ela não teve coragem de tirá-las.
Ele caminhou lentamente em sua direção, fazendo-a se contorcer. Seus olhos vacilaram enquanto abaixava o zíper, e escutou o som suave das calças dele caindo, aquele ruído saindo de dentro delas, e então, olhava para ele, primeiro de maneira tímida, e depois, hipnotizada com o poder da sua ereção.
Com pequenos movimentos, Tess se sentou e enganchou os dedos por baixo da camiseta dele.
- Pensei nisso - murmurou Matt, e os olhos dela se arregalaram.
- Pensou?
- Por que fica tão chocada? É muito sexy. Deve saber o efeito que provoca nos homens... Não, não erga o dedo. Quero tirar suas roupas peça a peça. - Lançou a ela um sorriso vagaroso.
Fascinava-o e, repentinamente, não podia esperar mais nenhum segundo. Como um adolescente excitado, cobriu o corpo dela com o seu e a beijou sem piedade, as mãos se movendo pelas coxas e, facilmente, deslizando por baixo do short de seda. Era suave e macia como cetim. A sensação proporcionava por si só desejo suficiente para bagunçar o autocontrole dele, e precisou bater a porta de sua libido enfurecida ou teria que arriscar fazer papel de bobo.
Não usava sutiã. Percebeu no instante em que entrou no apartamento. Acariciou, sobre o tecido fino da camiseta, aqueles seios fartos, sentiu como se moldavam às suas grandes mãos e o jeito como os bicos enrijeciam sob seus dedos. Queria fazer devagar, e ficou perturbado ao perceber que fantasiara isso semanas a fio. Nunca subira à superfície de sua consciência, mas estivera atiçando o fundo de sua mente. As mãos tremeram enquanto se levantava para que pudesse puxar a camiseta dela com apenas uma das mãos.
- Deus, você é tão bonita - disse, para, em seguida, pegar um dos seios, provocando o mamilo com a ponta da língua enquanto ela ofegava e gemia.
Pensando que ele mal notara que fazia parte do sexo feminino, Tess permitiu que a felicidade a dominasse. Ele a desejava. Achava linda. No momento, aquilo era o bastante, e se contorceu debaixo dele. Desesperada para se livrar das roupas, sentiu que se deixava levar.
Colocou os dedos nos cabelos dele e puxou sua cabeça para que pudesse sugar ferozmente a ponta de seu mamilo. Segurou a calça dela, erguendo-se para que pudesse se libertar da roupa.
O efeito que exercia sobre ela era eletrizante. Tess sentiu como se o seu corpo tivesse sido feito para isso, para ser tocado por aquele homem. Ela se arqueou para cima e gritou enquanto continuava movendo a boca sobre seus seios. Correu as mãos pelos ombros dele e sentiu o grupo de músculos. Parecia que não era capaz de ficar parada. Quando sua nudez encostou-se à dele, a rigidez da ereção foi explosiva.
Teve namorado no passado, mas nenhum a afetara desse jeito. Na realidade, nunca tivera vontade de submeter seu corpo ao desejo de ninguém como fazia com aquele homem.
Abriu suas pernas com apenas uma das mãos, e enquanto continuava prestando atenção em seus seios, começou a mover a ereção entre as pernas dela, levando-a a loucura.
- Fale comigo - ordenou, e Tess olhou para ele, confusa.
- A respeito de quê?
- Do quanto me quer. Quero que diga... - Riu com suavidade, e depois disse a ela o quanto a queria e o que desejava fazer. Durante todo o tempo, a ereção pulsante empurrava-a no meio das pernas. Tess perdia a razão.
- Quero você... Agora... - gemeu quando ela pensou que não seria mais capaz de aguentar.
- Ainda não terminei de saboreá-la. - Gradualmente, começou a trilhar um caminho erótico ao longo da extensão de seu corpo, saboreando o suor salgado. A paixão fora de controle dela combinava com o que sentia, e gostava disso. Como tudo que fazia, era generosa até no amor. Percebeu que era isso que ele esperara. Tess não hesitava e sua personalidade era franca e aberta. O jeito de ela fazer amor era igual, e isso desbloqueou uma carga de desejo irracional que Matt desconhecia possuir.
Parou ao se aproximar das coxas dela, e recuou para se apoiar nas mãos e ficar contemplando, apreciando seu suave e feminino monte, que já estava molhado de umidade. O cheiro doce e almiscarado dela ameaçou levá-lo à loucura... E isso foi antes mesmo de tocá-la, o que pretendia fazer. Com as mãos, com os dedos, com a boca, até que ela implorasse para chegar ao clímax.
Deu-lhe um sopro suave e Tess arfou. Descobria um lado novo dela mesma, e não seria capaz de reprimi-lo agora, mesmo se quisesse. Jamais pensou que saberia como é ser excitada por um homem... Mas nunca conhecera um como Matt.
Congelou quando gentilmente separou as dobras delicadas de sua feminilidade, e se afundou para trás em um suspiro de prazer ao prová-la com a língua. Ela cobriu o rosto com um dos braços e a boca se abriu. A sensação era tão boa que mal conseguia respirar.
Todos os músculos de seu corpo pareciam fracos, e se entregou àquele toque gentil e persistente da boca que continuava a saboreá-la.
A cabeça escura de Matt entre suas pernas era a coisa mais erótica que já vira. A boca exploradora dele ficou mais exigente, e já não conseguia ficar parada. Seu corpo saía de controle. Mas, antes que pudesse alcançar o clímax, Matt se afastou.
- Eu preciso - murmurou ele - pegar uma camisinha.
- Por favor - choramingou, afundando os dedos nos seus ombros, porque não podia deixá-la agora para procurar um preservativo. Seu ciclo menstrual fora sempre regular como um relógio. Estava segura e precisava que permanecesse dentro dela naquele momento. Seu corpo gritava por isso. - Estou segura - arfou.
Matt não precisava ser mais encorajado. Ele realmente não sabia se havia algum contraceptivo de qualquer maneira. Era muito cuidadoso, sempre fez questão de carregar a própria proteção, mas sua vida sexual com Vicky era esporádica, e ela usava pílulas.
Ficou envergonhado e consciente de que mesmo que não tivesse nenhum, e ela não permitiria, talvez tivesse se arriscado... Pois o corpo pegava fogo, e o único jeito de apagá-lo era possuí-la. Nunca estivera tão descontrolado em toda a sua vida.
Investiu para dentro dela com tanta intensidade que a fez se contrair de dor e gritar.
Confuso, Matt voltou atrás. Ele era grande. E sabia disso. E Tess parecia apertada... Tanto que podia até pensar que...
- Você é virgem? - perguntou incrédulo, e virou o rosto para o lado.
Depois do desconforto inicial, a dor recuava rapidamente, sendo substituída por uma necessidade de senti-lo dentro de novo.
- Apenas continue ... Por favor... Preciso de você...
- Olhe para mim - murmurou ele. - Serei gentil... - Os olhos se prenderam aos dela enquanto se movia devagar e seguro, construindo um ritmo que tirou seu fôlego. Mesmo que a saboreasse, tocando em lugares inimagináveis, tê-lo dentro era a maior intimidade de todas. Envolveu-o pela cintura com os braços, e seu corpo se curvou à medida que ele ia mais rápido e mais fundo. Sentiu o prazer físico saindo de controle assim como seu corpo, fazendo-a gritar e cravar as unhas nas costas dele. Seus espasmos, quando ejaculou nela, foram á coisa mais maravilhosa que já sentira.
Amava aquele homem, e teve de controlar o desejo de dizer. Guardou aquela constatação para ela, e um sorriso de prazer preencheu seus lábios quando finalmente estremeceu uma última vez e ficou deitada, exausta.
Matt rolou para o lado e a observou.
- Então, conte sobre isso...
- Contar o quê? - murmurou sonolenta. - Aquilo foi maravilhoso. Foi... - Olhou para ele, repentinamente ansiosa. - Foi bom para você?
- Foi... Muito bom. Fui seu primeiro homem.
- Desculpe.
- Não se desculpe. - Sorriu e acariciou a lateral do rosto dela. Uma virgem. Uma virgem de 23 anos. Não sabia que existiam. - Gostei. Por que eu?
- Acho que - disse, esticando a mão para enganchar o pescoço dele e acariciar com os lábios a sua umidade -, que você realmente me excita. Não entendo, porque não é o tipo de cara com o qual me imagino saindo, mas quando estou perto de você, sinto que vou desmoronar.
- Deve imaginar que acontece o mesmo comigo - confessou Matt. Podia sentir seu corpo confirmando isso, excitado novamente em tempo recorde. - Devia ser capaz de me conter...
Sentiu ele se agitar contra sua coxa nua e uma inebriante sensação de poder a preencheu. Mas fragmentos da lembrança desconfortável do motivo de ele estar ali cutucaram sua mente. Viera até ali para conversar sobre Samantha. Teria bebido?
Certamente não parecia tão contido quanto era normalmente. Era a primeira vez que o vira sem as barreiras, e sua inesperada vulnerabilidade combinada com o que sentia por ele, fora uma mistura tóxica.
- Por que deveria se conter? - perguntou ansiosa. - Tirei vantagem de você?
Matt lançou um olhar de surpresa.
- Quando diz esse tipo de coisa, sinto como se tivesse cem anos. - Ele riu com brandura. - Não se preocupe. Adapto-me maravilhosamente quando as mulheres tentam tirar vantagem de mim com crueldade. Acho melhor apenas relaxar e aproveitar a viagem.
- Está me provocando.
- Estou me divertindo com sua falta de cinismo. Quando cheguei aqui, estava mal. Você me relaxa, e gosto disso.
Tess não sabia ao certo se aquilo era totalmente verdade... Podia dizer que fazer amor simplesmente o relaxava. Mas não analisaria seus comentários nas entrelinhas. Aceitaria ele daquele jeito, porque nunca se sentira tão maravilhosa e gloriosamente completa em toda a sua vida.
Guiou a mão dele para seu seio, e Matt deu um sorrisso perverso e empurrou suas costas contra a cama, jogando sua coxa na dela. Sentiu o peso dele com uma sensação de êxtase.
- Aprende rápido. - A voz de Matt cheia de satisfação. Dessa vez, fizeram amor de forma rápida e brusca.
Ele gostava de dar prazer. Sabia exatamente onde tocá-la e como fazer o corpo responder. Sem inibições, era sua pupila com sede de aprendizado. Queria ser guiada.
Queria lhe dar tanto prazer quanto ele dava. Sentia-se culpada e terrivelmente consciente de que queria muito mais do que provavelmente suspeitava, mas, no momento, estava ávida para pegar o que lhe oferecia.
Em alguns minutos, Matt teria que ir. Conversaria com Samantha pela manhã.
Contou isso quando ela descansava sobre seu corpo, o de Tess naturalmente curvado no dele, como se fosse moldado apenas para esse fim. A confissão de que isso seria uma tarefa árdua a fez sorrir.
- Conversar não é tão difícil. Comunicação é a chave de tudo. Sei que parece um clichê, mas acho que é verdade. Talvez por isso seu relacionamento com Vicky não tenha dado certo.
Matt encolheu os ombros.
- Não importa por que meu relacionamento com Vicky não deu certo.
Tess pensou que isso importava para ela. Matt casou com a pessoa perfeita e não funcionou. Encontrou a substituta perfeita e não funcionou. Em meio à confusão de pensamentos, imaginou que, se fosse capaz de apontar por que as perfeitas ex-namoradas dele não funcionaram, então, talvez... E só talvez, pudesse evitar os mesmos erros.
Ela se recusava a aceitar que a mais maravilhosa conexão física e emocional que fizera com outro ser humano teria vida curta.
- Vicky parecia ser bem legal... - insistiu Tess. - E deviam ter muita coisa em comum.
- Olhe. - Matt se ergueu e virou de lado para encará-la. - Esquece. Não tem importância. Como disse, tirei meus olhos do que era importante com Vicky. Ela começou a ter ideias.
- Acho que é compreensível. - tentou rir. Não era boa quando se tratava de jogar.
Matt a fitou com olhos semicerrados. Seu rosto era doce, suave e vulnerável, e um desconforto ganhou corpo nele. Mas o toque macio dela era tão inebriante, que sentia como se tomasse uma injeção de adrenalina em seu corpo exausto...
Em resumo, era irresistível. Mas, só para garantir...
- Vicky queria um final feliz - disse simplesmente. - Não iria acontecer. Já me casei um dia e vivi para me lamentar disso. A única coisa boa desse desastre foi minha filha. Não sou candidato a cometer o mesmo erro. Digo isso porque não quero que você tenha ilusões.
- Quer dizer ideias loucas como as de Vicky? - Era como se fosse cortada em duas. O caminho fora aberto e tinha escolha. Seguir na direção que ele indicara ou ir para outro lado. Os olhos negros e insondáveis a miravam com uma seriedade fatal, e rapidamente tomou sua decisão.
Aceitar o que ele oferecia. Apaixonara-se e não podia fugir. Quando fora capaz de fazer algo pela metade? Ela se doara completamente e, se não fazia nenhum sentido, então era algo com que deveria aprender a lidar.
- Acho que... Bem... Vicky está com trinta anos. Talvez tenha escutado o relógio biológico passar mais rápido. Mas eu não! Aos vinte e três anos, a vida ainda é uma grande aventura, e não quero que pense que vou cobrar algo de você... Porque não vou.
Seria um desastre se descobrisse como se sentia em relação a ele. Uma noite de paixão e uma mulher confessando um amor imortal seria um pesadelo. Matt sairia correndo sem olhar para trás. Deixaria de ser a garota que o relaxava para se transformar numa velha rabugenta e exigente que cobraria mais do que estava disposto a dar.
- Na verdade, como disse, não é o tipo de homem pelo qual me apaixonaria.
- Não sou...?
- Não! Posso não ter experiência, mas não sou tola o bastante para achar que desejo tem algo a ver com amor.
- Acabou de me dar sua virgindade por que...?
- Porque quis. Ninguém nunca me deixou excitada como...
- Como eu? Acredito. O desejo pode ser poderoso. Devastador. E talvez tenha vindo á Nova York procurando aventura. Por que mais usaria um contraceptivo? É jovem, bonita... Sentiu-se entediada onde morava?
Ainda estava perdida em pensamentos, pensando se deveria contar que não usara um contraceptivo, mas perfeitamente segura de qualquer jeito. O murmúrio da voz sedutora de Matt parecia vir de muito longe. Fazia suas próprias deduções a respeito dela.
Que devia ter vindo à Manhattan procurando por aventuras. Que devia estar entediada e impaciente. Que teria tomado ás precauções necessárias, não por estar desesperada para perder a virgindade, mas porque queria estar preparada caso algo acontecesse. Talvez estivesse fascinada pela ideia de estar em Manhattan e desfrutar tudo que a cidade podia oferecer. E tudo fazia sentido perfeitamente para ele.
Tess ouvia tudo pela metade e fazia sons vagos e apropriados. Para um homem com mente brilhante, parecia muito bom em chegar a conclusões erradas, mas sabia que Matt precisava fazer isso. Precisava entendê-la para classificar em uma categoria que não ameaçasse o padrão como organizava a vida. Não estava de modo algum surpreso por escolhê-lo para perder a virgindade. Matt tinha muita confiança em seu próprio magnetismo sexual. Suas conclusões equivocadas e suposições até faziam sentido de um modo estranho e deformado.
Não tinha certeza se ela própria se reconhecia como aquela mulher que sabia o que queria, em busca de aventuras sexuais, e teve o bom-senso de começar a tomar pílulas anticoncepcionais, jogando a cautela ao vento para ter um relacionamento sem obrigações com ele.
Seria muito mais fácil se fosse essa pessoa, pensou com tristeza. Em vez disso, estava ali... Incerta sobre o que fazia ou no que se envolvia.
- Então, na segunda-feira... - Beijou-a devagar. - Garanto que chego até ás 18h. Levaremos Samantha para comer em algum lugar. Espero que consiga conversar com ela de novo. E, mais tarde...
Tess tremeu de excitação. Como se uma toxina fluísse em suas veias. Fechou a mente para qualquer pensamento de que estivesse cometendo um engano.
Tess encarou o espelho e a mulher em que se tornara no espaço de quatro gloriosas semanas. As mudanças eram sutis, mas não tinha dificuldade em notá-las. Matt Strickland a transformara em uma mulher. Após uma série de etapas, crescera. Vestia-se de modo diferente agora. Os tênis substituídos por sandálias baixas. As camisetas um pouco menos apertadas.
- Não quero outros homens olhando para você - contou a ela, com um sentimento de posse que a fez tremer. - É um crime? Quando veste aquelas camisetas apertadas, os homens olham, e quando olham, quero matá-los. E nem pense em ir a algum lugar sem sutiã. É o tipo de visão que só eu posso ter.
As camisetas tinham sido substituídas por blusas de seda mais soltas, que a faziam parecer sofisticada e glamourosa, e gostava da nova imagem. Matt alegava que não sentia um pingo de ciúme, mas quando vira um homem passar perto deles há uma semana, mesmo com a mente de Tess a milhares de distância, inclinara o rosto para o dela e dissera com um riso forçado que queria que tivesse olhos apenas para ele.
Tess guardava e apreciava aqueles momentos passageiros. Tinham que significar algo! Não fazia esforço para esconder o fato de que a desejava. Algumas vezes, com Samantha entre os dois enquanto jantavam, percebia que a contemplava com os olhos cheios de desejo. Seus seios doíam, só de vê-lo, e podia sentir a umidade entre suas coxas, mas ela sabia que seu efeito sobre ele também era muito poderoso. Confessara que as reuniões de negócios tinham se tornado um campo minado, porque o mero pensamento nela causava uma ereção.
Ela amava ouvir coisas assim, porque parecia indicar que algo sairia do relacionamento... Mesmo sendo inteligente o suficiente para nunca deixar qualquer menção daquilo escapar de seus lábios.
Ela também não contou nada à Claire. Nem comentou com seus pais ou outros amigos, cujas vidas pareciam muito distantes agora.
Em princípio, preocupara-se com a dificuldade em manter segredo. A irmã sempre fora capaz de ler sua mente como um livro, e seria capaz de fazê-la confessar com facilidade se percebesse algo diferente, mas as coisas tinham sido mais fáceis do que Tess esperara.
Tom fizera o pedido de casamento, e Claire residia em um universo paralelo. Passava a maior parte do tempo no apartamento dele, e sumia nos fins de semana para a casa dos pais do noivo, em Boston, onde uma planejadora de casamento trabalhava fervorosamente para organizar o casamento dos sonhos em seis meses. Até seus pais não perceberam o que acontecia em sua vida, porque também estavam envolvidos no grande dia da vida de Claire.
O tempo passava. A passagem para retornar à Irlanda estava marcada para o começo de setembro. Mas podia facilmente alterar isso. Os pais tinham vivido por anos na América antes de se mudarem de novo para a Irlanda. As três filhas tinham nascido na América. Tess possuía dupla nacionalidade e podia usar isso a qualquer momento... Mas este não tinha chegado. Matt não falara a respeito do futuro e nem ela.
Então, vestia-se para uma noite especial. Samantha foi passar o fim de semana com os avós, e ela e Matt teriam o apartamento só para os dois. Seria a oportunidade perfeita para discutir algumas coisas, que não tinham nome. Usaria todos os truques femininos ao seu alcance. Tudo não valia a pena no amor e na guerra?
O vestido era longo e maravilhoso, de um amarelo cintilante. Caía suavemente até o chão e deixava seus ombros nus. O calçado consistia em delicadas sandálias com tiras em amarelo.
O caminho ao apartamento rendeu-lhe vinte e cinco minutos para planejar o que diria. Só de pensar a respeito ficou nervosa. Imaginou se ainda era alérgico a compromissos como lhe dissera certa vez, mas pensou que esse não era o ponto mais importante, porque podia permanecer em Manhattan com ele, cuidando da filha. Na verdade, não exigiria nada.
Estava nervosa quando alcançaram o apartamento e o elevador a levou silenciosamente até a cobertura.
Matt dera-lhe a chave do apartamento, e, de vez em quando, ela a usava, mas nunca achou certo. Recebera para facilitar seu emprego como babá de Samantha. Queria a chave porque ele a via como a outra metade do casal e confiava nela o suficiente para que entrasse e saísse à hora que quisesse. Agora, como sempre, tocava a campainha e esperava.
Quando Matt abriu a porta, seu coração deu uma cambalhota, como sempre fazia, e, por alguns segundos, ela ficou sem palavras.
Sempre á deixava muda. Via-o quase todos os dias, fizera amor incontáveis vezes; observara fascinada ô poder daquele corpo nu. E mesmo assim, sempre que pousava os olhos nele, sentia como se fosse a primeira vez. Tirava seu fôlego, e mesmo que soubesse que produzia o mesmo efeito nele, não acreditava. Comparada às mulheres que teria em um estalar de dedos, era apenas mais um rostinho bonito.
Mas ela não pensaria nisso agora. Não naquela noite, quando queria ser otimista.
Olhou-a dos pés à cabeça.
- Você gosta? - Entrou no apartamento luxuoso e deu um pequeno giro. O vestido a seguiu, leve e tentador como um sussurro.
Matt colocou os dedos em seus cabelos e a puxou.
- Parece uma deusa - murmurou. - Uma criatura celeste e delicada. - Os dedos dele trilhavam agora seu ombro nu, e o corpo reagiu excitado. Já podia sentir seus mamilos enrijecerem, e os seios estavam pesados e sensíveis, esperando para serem tocados. Sentiu-se fraca pensando naquela boca fazendo círculos e lambendo seus mamilos até que mal conseguisse respirar.
Mas o empurrou gentilmente e caminhou em direção à cozinha, de onde vinha um aroma delicioso.
- Cozinhou para mim? - provocou, abrindo uma distância necessária, porque não queria que a noite começasse na cama.
- Sabe que não cozinho. - Ela parecia tão excitante parada ali, delicada, frágil e linda de tirar o fôlego... Ele a teria encostado contra a parede e possuído sem preliminares, mas ela se vestira para impressionar, e saborearia a expectativa de arrancar-lhe as roupas.
- Meus fiéis fornecedores trouxeram alguns filés... - aproximou-se o suficiente para ela sentir sua respiração - e um tipo de molho. - Ele permaneceu onde estava, afundou os dedos no molho e levou à boca de Tess.
- Prove e diga o que é - murmurou, já tão desejoso que começava a sentir dor.
Reclinou-se contra a bancada e a olhou com ardente satisfação quando a ponta rosada da língua dela lambeu o molho de seus dedos.
- Uva e pimenta em grão, eu acho. Não entendo por que não pode cozinhar para mim. É um ótimo cozinheiro. Sei por que fez coisas maravilhosas com sua filha. Lembra do risoto?
- Correção. Samantha fez coisas maravilhosas. Só fiz o que mandaram.
- Desde quando faz o que mandam? - Relaxou o suficiente para sorrir, mas a tensão ainda a queimava por dentro.
- Pode fazer o teste. Mande em mim, minha linda bruxinha - sussurrou no ouvido dela, antes de mordiscar a lateral de seu pescoço. - Gostaria que eu ficasse de joelhos e levantasse esse seu vestido sexy para levá-la à loucura? Ou podemos fazer algo mais excêntrico... Parece que essa sobremesa vem com creme...
- Pare! - Riu, excitada e perturbada, e o empurrando... Mas construíra uma imagem muito sugestiva em sua cabeça, e era difícil dissipá-la. - Não vamos fazer nada.
- Tem certeza? Porque acabei de ver um brilho de tentação em seus olhos... Agora, deixe me ver o quanto não gosta da ideia... - Para o inferno não ir tão rápido e dar ao vestido um momento de glória. Ainda se apoiando com uma das mãos na beira da bancada de granito, ele se abaixou e suspendeu devagar o tecido sedoso do vestido.
- Não tem autocontrole, Matt Strickland - protestou.
- Verdade. E você? Estamos empatados. - Sentiu a maciez das coxas dela. A roupa estava amontoada em torno de sua mão enquanto passava os dedos pela calcinha e os deslizava para dentro.
Tess derreteu. Suas pálpebras fecharam. Não era justo! Procurou pela boca dele, mas assim que tocou em seus lábios, empurrou-a de volta e sussurrou com voz sexy:
- Sem chance. Quero olhar para você quando atingir o orgasmo...
- Certo. Você ganhou - gemeu ela. - Mas vamos para o quarto... Fazer amor... Ah... - Não conseguiu terminar a frase. Seu corpo se movia por vontade própria. A cabeça pendia para trás, e os olhos estavam fechados enquanto os dedos dele continuavam a penetrar, movendo-se rápido, depois, devagar e gentilmente, provocando cada parte daquele corpo.
As bochechas ficaram coradas, e sua respiração ficou difícil. E, então, sentiu como se estivesse caindo, estremecida com o poder do próprio orgasmo e gritando. Nesse ponto, Matt a beijou para que pudesse respirar a imensidão daquele gemido. - É uma excelente maneira de começar qualquer noite.
Sob qualquer circunstância, Tess teria concordado com a afirmação entusiasmada.
Sabia como excitá-la de jeitos inimagináveis. Mas, naquela noite, tinha outro propósito, e, assim que ela abaixou o vestido, começou a se sentir nervosa novamente.
Sem procurar meios de criticá-lo, percebeu que estava totalmente alheio ao seu humor... Mas, então, pensamentos a respeito de sua partida provavelmente não passavam pela mente dele. Durante semanas, alimentou a esperança de que o que ocorrera entre os dois faria com que ele quisesse mais. Compartilhavam muita coisa. Podia ser cruel e autoritário no trabalho, mas, com ela, tomava-se delicado e prestativo; e com Samantha, era muito paciente. Será que seria capaz de desistir dela sem dramas de consciência? O subconsciente de Tess preferiu aceitar que ele não seria, mas agora, não tinha certeza.
Se estivesse preocupado com seus sentimentos, então, certamente teria percebido que não agia normalmente.
Ela aceitou o drinque que estava na mesa da cozinha. Matt era bastante inútil na cozinha. A toalha de chá foi atirada sobre um dos ombros, e todos os utensílios de cozinha pareciam estar fora do lugar, mesmo que o trabalho dele fosse apenas aquecer os pratos.
Entre um movimento e outro, conversava e bebia um gole do vinho, olhando para ela ocasionalmente.
- Sente falta? - perguntou abruptamente, quando um prato de comida foi colocado a sua frente. - Quero dizer, as longas jornadas de trabalho? Durante semanas, tem se esforçado para chegar aqui na hora certa, para encontrar Samantha. Então, sente falta de trabalhar no escritório?
Matt parou e a encarou. Algo desconfortável se agitou nele, mas rapidamente deixou de lado e pensou que nada estava errado. Podia estar um pouco mais quieta do que o normal, mas tinha derretido ao seu contato como sempre. Parecia que nunca se cansava de excitá-la quando a tocava.
- Essa é uma pergunta estranha. Trabalho várias horas depois que minha filha se recolhe para dormir. Sinto satisfação.
- Então... Quer dizer que reestruturou sua vida?
- Onde quer chegar com essa conversa? - Matt tentou manter a irritação longe de sua voz. Acostumara-se à sua natureza pouco exigente. Convinha a ele. Sempre ficava feliz com o que queria e, com o passar das semanas, descobriu que a simplicidade dela lhe convinha como nada que vivera antes, mas tinha algo insistente a respeito dela que ameaçava estragar o ambiente.
- Não quero chegar a lugar algum. Apenas pergunto.
Matt empurrou a cadeira e jogou o guardanapo no prato de comida que estava pela metade. - Não reestruturei minha vida. - Cruzou os dedos atrás da cabeça e olhou firmemente para o rosto corado de Tess. - Procuro um equilíbrio.
- Quer dizer que, antes, estava fora de sincronia?
- Quero dizer que Samantha é uma realidade com a qual preciso lidar. Originalmente, pensei que seria mais ou menos capaz de continuar do mesmo jeito, com uma valorosa ajuda quando estivesse ausente. Mas não era uma opção viável. É um sacrifício necessário e tem valido a pena. Haverá momentos em que terei que ir ao exterior, e vou precisar que alguém me cubra quando isso acontecer. Minha mãe ficaria feliz de vir aqui por alguns dias. Então, não vejo qualquer problema que não possa ser superado. Isso satisfaz sua curiosidade?
- Queria que não agisse como se estivesse sendo chata por tentar apenas ter uma conversa! - Tess se viu explodindo, em choque com ele. Mas não conseguia mais controlar a ansiedade. Nunca teve problema em dizer o que pensava. Era como pisar em ovos. Um movimento em falso e toda a estrutura que ela tinha construído podiam desmoronar.
Estava achando difícil manter o otimismo.
- O que está acontecendo, Tess?
- Algumas vezes, prefiro pensar que existe algo além de sexo entre nós...
O silêncio se estendeu interminável entre os dois, indo até um ponto em que ela mal conseguia respirar. Com certeza, não podia encará-lo. Em vez disso, olhou para o próprio prato.
Olhou para cima quando Matt começou a limpar a mesa, e precisou resistir à tentação de se lançar nele e dizer que apenas brincava. Sabia que embarcara naquela relação certa de que não cobraria nada, e fora boa nisso, mas, a cada dia, sentia-se mais apaixonada.
Quando ficou pé para ajudá-lo, suas pernas pareciam bambas. Ficou aliviada quando ele pediu para esperá-lo na sala de estar.
Estava tão absorta em seus próprios pensamentos, que não o percebeu parado na porta até que falou. Virou-se para olhá-lo.
- Você dizia? - disse Matt, entrando na sala de estar para se juntar a ela no sofá.
Tess achava difícil reconhecer aquele homem que a olhava carrancudo como o mesmo que antes fora gentil e sorridente.
- Disse que gosto de pensar que o que temos é mais do que sexo. Ao menos se importa comigo? Acho que é isso que quero saber.
- Que pergunta é essa? Se não me importasse, não teria um relacionamento com você.
- Então, estou no mesmo patamar que Vicky? É isso que quer dizer? Você se importa comigo do mesmo jeito que se importava com ela?
- Prefiro não fazer comparações.
- Qual nossa diferença? - insistiu.
Matt a olhou. Não gostava de ser coagido, e como alguém que nunca teve o hábito de dar satisfação do que fazia, estava furioso por insistir naquele interrogatório.
- Para começar, Vicky nunca se relacionou com minha filha.
- Mas se tirar Samantha da equação...
- Como posso tirá-la da equação? É parte da minha vida.
- Entendeu o que digo - insistiu teimosa. Tendo ido tão longe, estava comprometida a continuar, qualquer que fosse o resultado.
- Não, não entendo. - ele não podia acreditar que a noite pela qual esperara ansiosamente so sobrava em uma confusão de perguntas constrangedoras e exigências irracionais.
- Certo, então acho que é melhor que eu fale de uma vez. Sei que não gosta de planejar o futuro. Sei disso. As únicas coisas em que parece pensar a longo prazo são as relacionadas com o trabalho. Pode pensar com meio século de antecedência quando se trata de organizar sua vida no trabalho!
- Não há nada de errado nisso. Negócios não funcionam na base do improviso! Deve-se construir uma fundação, e planos devem ser cumpridos.
- Entendo. Mas quero saber onde isso se encaixa em sua vida pessoal. Onde nós nos encaixamos nisso? Preciso saber, Matt, porque vou ter que sair da América em duas semanas...
Matt se recurou a aceitar que alguém mandasse nele. Embarcara naquela relação e pensara pouco a respeito da sua duração efêmera. Devia deixar o país, mas como não pensava a longo prazo, o assunto nebuloso da partida de Tess não invadira sua consciência.
Fora claro com o que queria e ela concordara com prazer.
Diabos, não viera à América para se encontrar? Não usava pílulas anticoncepcionais porque estava disposta a ter uma aventura?
Desconfortavelmente, sua mente se voltou para a timidez dela... para a menina calma e descontraída que ainda o cativava. Sua percepção de que era uma menina selvagem que viera para a cidade grande fora um louco engano. De repente, como um quebra-cabeça completando a imagem final com a última peça, encarou a verdade que ignorara nas últimas semanas. Desejava-a, e convencera-se a fechar os olhos para o óbvio, que era conseguir o que queria.
- O que você quer que eu diga?
- Eu... Posso ficar se quiser. Pensei um pouco nisso. Não é como se tivesse um trabalho para o qual precisasse voltar, e amo meu emprego aqui... Com Samantha. Sei que quando começar a frequentar a escola, não vai precisar de mim durante o dia, mas não importa. Podia procurar algo para fazer por aqui. Tenho dupla nacionalidade, então não seria problema... Não é como se fosse morar aqui ou algo assim.... - O som de seu orgulho indo pelo ralo foi tão alto quanto uma buzinada nos seus ouvidos. - Claire ficaria feliz por continuar morando com ela. Mal fica em casa, de qualquer forma... Pois passa tanto tempo com Tom. Na verdade, provavelmente lhe faria um favor... Ao tomar conta do apartamento enquanto está fora...
- Não foi o que combinamos, Tess.
A doçura na voz dele trouxe um inchaço para o fundo de sua garganta. Desapontava-a e queria ter certeza de que não seria cruel ao fazer isso. Mas, no fim do dia, sentia decepção do mesmo jeito, de modo gentil ou não. Sentou sobre as mãos, não confiando nela mesma para falar por alguns segundos.
- Eu sei. Nunca quis me comprometer com você...
- Porque sou o tipo de homem com o qual não imagina se envolver.
- Certo. Mas... - Ergueu os olhos com expressão zangada para o rosto dele e engoliu em seco. - Eu me envolvi. Deixei me envolver e só gostaria de saber se há alguma chance de ficarmos juntos. - Não tinha coragem de contar que se apaixonara por ele. Matt não queria ouvir nada do que dizia. Estava escrito no seu rosto. - Mesmo não sendo isso o que tinham combinado.
Estava parado. Uma série de flashbacks passava em sua mente. A esposa, o casamento, a decisão de nunca mais se colocar nessa posição. Os relacionamentos que tivera desde então tinham sido efêmeros, e preferia assim. Pusera na cabeça que não se comprometeria porque sabia que, eventualmente, sentiria desgosto e ressentimento. E não importava como aquela mulher parecia ideal, seria apenas questão de tempo antes de perder a graciosidade e começar as cobranças sobre todas aquelas necessidades e expectativas que, certamente, o deixariam mal.
E, de todo modo, era a mulher ideal?
Ela nunca segurara um emprego, a não ser aquele. Vivera com alegria por ser tomada pela corrente e ter vivido à sombra das irmãs. Não era independente. Tinha uma personalidade tão diferente da sua, que às vezes precisava se afastar para apreciá-la.
Mesmo assim, eram diferenças fascinantes no momento, mas o irritariam a longo prazo. Estava certo disso. Também admitiu que não se preocupava com o fato de ela lhe dar, na verdade, um ultimato. Peça para que fique ou a veja partir. Matt não gostava de ser colocado contra a parede. E não apreciava especialmente quando se tratava de sua vida pessoal.
- Ainda lhe resta algum tempo aqui - viu-se dizendo bruscamente. - Por que começar a perguntar sobre o futuro? Por que não aproveitar apenas o que temos? - Do seu jeito, aquilo era o mais próximo que conseguia de expressar os sentimentos. Não podia oferecer nada a ela.
- E para quê? - Gritou angustiada.
- Então, em outras palavras - disse -, se não lhe prometer casamento, não verá razão para ficar?
- Disse... Não quero casamento...
- Por favor, Tess! Vai dizer que ficaria feliz por trabalhar meio período aqui e morar no apartamento da sua irmã apenas para ficar à minha disposição?
- Não vejo desse jeito - murmurou.
- Sou honesto ao dizer que cometeria um grande erro. - Sentindo-se de repente limitado, Matt ficou de pé e marchou pelo cômodo. Ela fizera algumas pequenas mudanças no período em que estivera no apartamento. Havia um pequeno quadro de flores secas que Tess fizera com Samantha. Alguns dos CDs dela estavam pela sala. Um punhado de fotografias estava distribuído no peitoril da janela. Matt olhou o toque que ela dera ao imóvel e que nunca pedira, mas tinha se acostumado.
- Nos divertimos juntos. E gostaria de continuar me divertindo até você ir embora. Mas, se não quer, então fique à vontade. - Enrijeceu com o silêncio dela. Não terminava aquilo porque era cruel. Terminava porque era muito mais experiente e podia prever os erros que aconteceriam mesmo que fosse teimosa e fechasse os olhos.
Deveria dar o exemplo, e daria. Era o que sempre fazia. Não era bom, mas não podia se permitir dar falsas esperanças. Mais falsas esperanças.
Decidido, virou-se para olhá-la. Deixou de lado uma sensação momentânea de pânico e cerrou o maxilar.
- Vai precisar ser forte para aguentar o que direi agora, Tess. Não fomos feitos um para o outro. Está certa quando diz que sua ideia de homem ideal seria alguém diferente. Tenho muito mais experiência, e acredite quando digo que vou deixar você louca.
- O que está dizendo é que eu deixaria você louco. - Respirou profundamente, nervosa com ela mesma por revelar tanto, e nervosa com ele, pelo tom de voz arrogante. - Não se importa de dormir comigo, mas não sou boa o suficiente para ter um relacionamento adequado!
- Isso não tem nada a ver em ser boa ô suficiente para mim ou não! - urrou, fora de controle.
- Ainda preciso trabalhar algumas semanas para você. E realmente apreciaria se o visse o menor número de vezes possível.
- Posso arranjar isso. Considere-se liberta de suas obrigações. - A frustração o atravessou. Mal podia olhá-la, mas, ao mesmo tempo, foi levado a ver como se dirigia indignada para a porta, apenas parando quando os dedos dela se enroscaram em torno da maçaneta.
- Você se importa se me despedir de Samantha? - perguntou, e Matt assentiu.
O que significava que não havia nada mais a dizer. Tudo tinha dado errado de forma terrível e catastrófica, mas a indecisão a paralisou até que pensou que era inútil continuar.
Ela fechou a porta com calma e firmeza.
Desesperada para convencer Claire de que se recuperava, Tess ficou deitada na cama tentando pensar em coisas alegres.
Pela primeira vez em dois meses, estava sem rumo. Sentia-se literalmente como uma deficiente. Dissera a Claire que talvez estivesse ficando doente. Na verdade, sentia-se doente. Acordou todas as manhãs, por cinco intermináveis dias, com uma vaga sensação de náusea.
Já não sabia planejar os dias, e não tinha mais interesse em fazer nada. Deixaria o país em apenas uma semana, e tudo o que queria era hibernar. Esconder-se em algum lugar escuro, seguro e quente, como uma toupeira, e dormir até que a memória de Matt se fosse de sua consciência.
Finalmente entendeu o quanto deixara ele se tornar o centro de seu universo. Em poucos meses, desistira de toda a sua tranquila independência, e agora que o cordão umbilical fora cortado, tinha dificuldades em respirar como alguém desprovido de oxigênio. Sentia falta de Samantha, com quem falava diariamente.
Claire fora simpática a principio, mas mantivera uma distância segura.
- Não posso pegar doença alguma - disse se desculpando. - A vida está muito agitada no momento para perder tempo com uma infecção.
De qualquer forma, depois de cinco dias, Claire perdia a paciência.
Continuava deitada com os olhos fechados, pensando que sua náusea era psicológica, quando a porta do quarto se abriu.
- São quase 10h30! - Claire estava vestida para as compras com uma de suas roupas de verão e mastigava um sanduíche do tamanho de um tijolo.
Ela tentou se afundar embaixo do cobertor.
- É impossível continuar se sentindo mal, Tess!
- Sabe que nunca fui uma pessoa matinal. – Desviou os olhos do sanduíche porque estava fazendo seu estômago revirar.
- Bom, é sábado, e vai fazer compras comigo. Não pode passar o resto de seus dias aqui sentindo pena de você só porque está com um problema de estômago. Vai voltar à Irlanda e se arrepender de desperdiçar sua última semana aqui. Devo lembrá-la de que não há nada à sua espera por lá?
- Vou fazer aquele curso para o magistério. Já disse! - Depois de anos sem se prender a nada, pelo menos uma coisa boa resultara de sua estadia em Manhattan. Fora obrigada a vir á Nova York para achar alguma direção, e achou.
- Bem, não importa, ainda vai sair dessa cama para fazer compras comigo... Porque essa noite vai a uma festa! E já comprei um ingresso para você, então nem pense em recusar porque sua barriga dói! Vamos arrumar algo bem glamouroso e maravilhoso para você, e vai ter que se divertir muito!
Aquele era o jeito de sua irmã dizer faça o que mando ou não vai escutar o final da frase.
- Vou lhe dar meia hora, Tess, e depois, espero vê-la de pé, pronta para conquistar Manhattan.
Não fazia ideia para onde iriam naquela noite. Passara o dia perambulando obediente atrás de Claire, fazendo um esforço heroico para mostrar algum entusiasmo pelas roupas que eram mostradas. Às 17h30 retornaram ao apartamento e foi instruída a se recompor e se arrumar o mais rápido possível, porque o táxi estava agendado para as 19h.
Também foi instruída a parecer feliz, porque não havia nada pior do que uma desmancha-prazeres.
Tess fez o que lhe fora mandado, porque sabia que a irmã tinha razão. Precisava pensar em realmente seguir adiante. Não podia continuar sentindo autopiedade infinitamente. Matt nunca prometera nada, nunca dera alguma indicação de que o relacionamento se estenderia além de sua estadia na América. Fora culpada por ter interpretado mal a relação.
Quando pensava racionalmente a respeito, ela e Matt estavam em lados opostos. Era um homem sofisticado, bem-sucedido e confiante, que nascera no seio da riqueza e do poder. Não apenas crescera com dinheiro, mas expandira suas posses. Era muito inteligente para ficar parado, então, não ficou.
Comparada a ele, era o equivalente a um peixinho nadando com um tubarão branco.
Nos momentos mais calmos, cedia com rancor, sabendo que não tinham chances.
Mesmo que a amasse loucamente, ainda seria muito difícil para ele se comprometer com uma pessoa tão fora de sua realidade social.
Então, seguir adiante era sua única opção.
Quando estava completamente vestida, quase pôde sentir que começava a seguir sua vida.
Claire bateu à porta do quarto às 18h30, e depois de inspecionar por vinte minutos, declarou que estava satisfeita.
Acabara comprando um longo vestido tomara que caia, de um verde profundo, com suporte para o busto e que descia até o chão.
- Tem seios para isso - disse Claire com aprovação quando Tess apareceu.
Era um vestido que não podia ser usado com sutiã, e Tess imaginou o ciúme que Matt sentiria se a pegasse em público usando aquela roupa. Na época, ela achara muito encantador, e acabou vendo coisas onde não existiam.
Era uma caminhada de quarenta e cinco minutos até um prédio que, na verdade, tratava-se de uma galeria de arte muito conhecida que alugava as instalações. Do lado de fora, uma multidão, elegantemente vestida, formava uma fila ordenada, mostrando bilhetes aos porteiros.
Dentro, a festa estava agitada. A galeria era extremamente moderna. O espaço da recepção era largo, branco e reluzente e se comunicava com duas salas enormes. Em uma, um quarteto tocava jazz. Na outra, pessoas conversavam. A iluminação era composta por milhares de holofotes. Não era como nada que Tess não tivesse visto antes e, por um momento, realmente esqueceu seu sofrimento.
Tom esperava por elas. Ele e Claire fizeram um grande esforço para apresentá-la às pessoas, mas, depois de quinze minutos, ela pôde ver que a irmã estava cansando de brincar de babá. Enxotou-a porque, na verdade, estava feliz por poder olhar ao redor para as obras de arte, e depois de um tempo, escapou para a sala em que se apresentava a banda de jazz, para sentar e ouvir música.
Acomodara-se em uma mesa nos fundos do cômodo, com uma taça de champanhe à frente, e escutava uma música sobre amor não correspondido quando uma voz baixa e familiar soou às suas costas e a fez congelar.
Deu meia-volta e ficou quase de pé. Apenas um olhar, um segundo, sinalizava que sequer começara a superar a lembrança de Matt. Vestia-se de maneira formal, usava uma gravata vermelha, que era o único vislumbre de cor na escuridão do terno e na brancura da camisa.
- O que faz aqui? - Perguntou confusa.
- Posso fazer a mesma pergunta. - Ele a vira entrando na sala com a banda de jazz.
Devia haver pelo menos trezentas pessoas naquele espaço. Não apenas os cômodos estavam lotados, mas o andar de cima continha diversas outras salas repletas de empregados e clientes importantes. Viu Tess por pura coincidência, porque passara a maior parte do tempo no andar de cima, dando preferência aos confortáveis sofás de couro do que à atmosfera festiva do salão principal. Mesmo assim, percebeu aquele cabelo cor de caramelo inconfundível atravessando a multidão. Por um momento, ficou chocado o suficiente para não prestar atenção no que lhe diziam. Então, pediu desculpas e a seguiu.
Irritava-o o fato de não conseguir tirá-la da mente. Tudo que dissera a ela fazia sentido perfeitamente, mas, mesmo assim, ainda se infiltrava em seus pensamentos.
Claro que tinham se passado apenas alguns dias, e sua ausência fora duplamente agravada pelo fato de Samantha estar constantemente falando dela. Aceitara o fato de Tess ir embora. Sabia que sua estadia na América teria um fim, e era um alívio para Matt que a filha se sentisse muito melhor do que estivera em meses, então achou fácil se adaptar à jovem estudante que substituíra Tess por algumas semanas. Mas a filha ainda mencionava Tess diariamente. Era forçado a inventar obstáculos a respeito dos planos de Samantha para visitá-la, talvez na próxima Páscoa. Talvez antes! Era forçado a cerrar os dentes enquanto via todas as fotografias que tiraram juntos. Escutava e assentia com a cabeça, como vovô e vovó teriam adorado.
Não se permitira esquecer aquela mulher! Era de se imaginar que a seguira até a sala, ficando parado por um tempo para observá-la.
Se fora idiota o suficiente para se preocupar com ela, mantinha a expressão fechada agora por ver todas as dúvidas a respeito dessa questão diluidas. Parecia uma deusa.
Na verdade, estava maravilhosa. E era nítido que se encontrava ali para achar algum homem. Se não, por que vestiria algo que desnudava seus ombros e moldava os seios fartos com tanta perfeição?
Tess estava completamente impressionada pela súbita aparição de Matt. Era como se sua mente febril o atraísse.
- Eu... Vim com Claire - gaguejou antes de se lembrar que estava tentando dar continuidade à vida, então, aquilo não a ajudava. Mas ele estava tão sexy. Viera com alguém? Mesmo que não, certamente partiria com alguém. Atraía todos os olhares. - Não esperava vê-lo! - Tess se forçou a rir. - Que coincidência! Mas acho que Manhattan é menor do que pensa! Mary diz que Londres é assim! Sai para tomar um drinque em algum lugar e, antes que perceba, revê um conhecido!
- Fala sério, Tess. Devia saber que eu estaria aqui. - Matt engoliu o resto de seu uísque e depois depositou o copo vazio na mesa em que ela se sentara. Achava que ele ficaria ali brincando de ser legal com aquela conversa educada? Bom, Matt não estava com humor para isso.
- Por que deveria saber?
- Porque esta festa é da minha empresa. Então, dizer que não fazia ideia de que estaria presente em minha própria festa não soa verdadeiro.
- Sua festa... - Claire não mencionara. Não sabia das circunstâncias de sua despedida como empregada de Matt. Contou que contraíra uma bactéria, e como restava apenas um curto período de trabalho, preferira passar seus últimos dias aproveitando a cidade do que voltar a trabalhar, uma vez que ela se recuperasse. A irmã devia esperar que ela soubesse da festa, e como Tess não fizera pergunta alguma, não a informara de nada além do fato de que se tratava uma festa elegante.
Os lábios de Matt se curvaram à medida que olhava aqueles seios generosos, contraídos sob o suave tecido verde.
- É por isso que veio? Sabia que eu estaria aqui e pensou que seria uma boa oportunidade de mostrar o que estou perdendo? Bom, não vai funcionar. - Repentinamente, precisou de outro drinque. Ele olhou ao redor, franzindo o cenho, e como por magia, um garçom trazendo bebidas em uma badeja apareceu. Pegou uma taça de vinho, apesar de preferir uísque.
Tess tentava entender o que ouvia.
- Não sabia que estaria aqui. Claire nunca disse que era uma festa da sua empresa! E, mesmo se soubesse... Se soubesse, nunca teria vindo... Para mostrar o que está perdendo!
- Não? Então por que o vestido sexy? Sem mencionar o fato de que está sem sutiã!
A mera menção fez um mal terrível ao corpo dela, lembrando-se de como respondia fácil a ele, mesmo quando sequer a tocava. Mesmo quando era rude e arrogante.
- Isso não é para seu proveito! - Os mamilos pulsavam, e ficou horrorizada com a reação. Sentiu como se ele fosse capaz de ver o que provocava com aqueles olhos negros.
- Não? Porque, como disse, não vai funcionar. Já vi essa estratégia muitas vezes. Não dá certo com o passar dos anos. Não estamos mais envolvidos, e a melhor coisa que pode fazer por você é seguir a diante.
- Não acredito no quanto é arrogante, Matt Strickland! Eu... Não sei o que vi em você!
- Apostaria que não precisaria de muito para fazê-la lembrar.
O olhar dele mudou repentinamente. A respiração dela ficou presa na garganta.
Aquele olhar quente não era o que queria... Não agora!
De modo perverso, Matt saboreava aquele duelo hostil com as palavras. Vinha conversando e se relacionando como um homem de negócios, e olhava disfarçadamente para o relógio, lamentando interiormente o fato de que a festa ainda duraria horas. Agora, divertia-se de um jeito meio amargo. E não conseguia desviar os olhos daquele corpo delicioso. Se o salão não estivesse tão cheio de gente olhando, mostraria o que ela vira nele! Imaginou-se arrancando com força aquele pedaço de pano frágil que lhe cobria os seios, eriçando os mamilos com as palmas das mãos.
- Já lhe ocorreu que estou apenas seguindo em frente? - mentiu, jogando a cabeça e tentando se lembrar do nome do homem que a irritara por um tempo. - Talvez - falou de forma provocativa -, seja a razão de estar com esse vestido... Considerando que não sabia que você viria! Na verdade, para sua informação, já fui convidada para um encontro!
Tento acabado de lhe dizer que devia seguir em frente com a vida, Matt sentiu uma rápida reviravolta em seus sentimentos e ficou indignado por ela já ter feito isso pouco tempo depois da separação.
- Quem convidou? - exigiu, mantendo o tom de voz moderado, apesar de ferver por dentro com o que podia apenas ser rotulado de ciúme. Essa fraqueza o enfurecia.
- Tony! - O nome veio à mente no momento oportuno. - Tony Grayson.
Gerente de vendas. A carreira dele agora parecia perigosamente em risco. Matt esvaziou o copo, olhando o relógio de novo.
- Bem, boa sorte com esse aí. Tomaria cuidado se fosse você. Nova York não é um pequeno vilarejo na Irlanda. Solte alguns sinais óbvios e deve se preparar para assumir as consequências. Em outras palavras, não chegue perto do fogo a não ser que goste de se queimar.
Ele deu a volta e caminhou para longe. Como um balão furado, Tess sentiu que esvaziava. Não podia mais fingir que se divertia. Só queria ir embora e voltar ao apartamento. Precisava, imediatamente, de tempo e espaço para se recuperar.
Sabendo que a irmã se sentiria obrigada a persuadi-la a ficar, não se preocupou em procurá-la. Em vez disso, pegou o atalho dos covardes e enviou uma mensagem de texto.
Quando Claire checasse o celular, já estaria no apartamento.
Três dias depois, saiu de dentro da sala do médico. Fora, finalmente, graças à insistência da irmã.
- Não pode entrar em um avião se sentindo doente! - anunciara a irmã, naquela voz que não permitia argumentos. - O voo de volta é um pesadelo... É tão longo, e se começar a se sentir realmente indisposta, vai ser horrível. Obviamente, tem algum tipo de bactéria resistente no estômago e precisa ir a um especialista e resolver isso. Se quiser, posso ir com você.
Agora estava aliviada por não dispensar a oferta da irmã. O que diria se tivesse que se confrontar com a notícia de que estava grávida?
Confusa, foi à cafeteria mais próxima e se sentou em frente a uma xícara de cappuccino que não queria beber.
A reação inicial, uma descrença nauseante, acabara. Substituída agora pelo reconhecimento de que todos os sinais estavam lá. Só não percebera. Desde a primeira vez em que ficaram juntos, quando se convencera de que não corria risco de engravidar, porque seu ciclo tinha a pontualidade de um relógio, fora ao médico de Claire para inserir algum tipo de anticoncepcional. Era o mesmo profissional que lhe dera a notícia há vinte minutos. A pílula seria mais fácil, mas Tess tinha aversão a comprimidos.
- Deve ser muito fértil - dissera o médico, enquanto ficava parada como uma estátua, absorvendo o que acabava de ouvir. Pensara que aquilo certamente explicava seu problema de estômago. Uma rápida olhadela no diário confirmava que sua menstruação estava atrasada.
Claro que contaria tudo a Matt. Ele merecia saber. Mas só de pensar, suou frio.
O último encontro deixara-a convicta de que ele superara tudo. Aconselhara ela a seguir a vida... Pois já fizera isso. Falara em tom arrogante, como alguém que lida com um incômodo. Acusara-a de se vestir para seduzi-lo, e no fundo sabia que ele não acreditava em nenhuma palavra que dissera a respeito de desconhecer sua presença na festa.
Mas seria imoral esconder a verdade.
Sem se dar a oportunidade de pensar no que devia ser feito, Tess ficou de pé e parou o primeiro táxi em direção ao escritório dele. Se pensasse demais, mudaria de ideia. Teria aquele bebê.
Estivera diversas vezes no escritório dele antes... Visitas ocasionais com Samantha, então, ela foi reconhecida na ampla mesa da recepção e seguiu para os elevadores.
O escritório era equivalente a um apartamento. Luxuoso, felpudo, silencioso. Aquela opulência era a lembrança viva de mais uma diferença marcante entre os dois.
Pensar assim á deixou ainda mais, nervosa e tentou se refazer ao parar para conversar com a secretária.
Tess ficou tentada a dar só mais um pouco de tempo para desfrutar de sua vida despreocupada antes de explodir tudo em pedacinhos.
Matt sentiu uma pontada de satisfação ao saber que ela o aguardava. Povoara sua mente de forma ainda mais intensa depois da festa. Não sabia o que ela queria, mas quando pensou que talvez estivesse reconsiderando suas opções, sentiu-se como um predador diante da presa. Talvez tenha ido à festa para conhecer um homem, mas pensara a respeito e chegara à conclusão que não era isso. De qualquer modo, gostava de pensar que ela percebera do que realmente sentia falta. Ela ficaria só mais alguns dias, mas estava mais do que disposto a colocar seu orgulho de lado e aceitá-la de novo em sua cama. Na verdade, ele mal reconhecia, mas foi uma pena tentar amarrá-lo, porque quem poderia adivinhar quais seriam seus próximos passos...? Talvez pudesse oferecer o que ela obviamente desejara...
Não olhou imediatamente para cima quando ela entrou, apesar de seus sentidos ficarem em alerta vermelho. Quando Tess limpou a garganta, ergueu finalmente os olhos, e depois se sentou em sua cadeira sem dizer nada.
- Desculpe se o perturbo... - começou a conversa, dolorosamente consciente da falta de receptividade.
- Tem sorte de me achar aqui - disse educado. - Tenho uma reunião em alguns minutos, então, o que quer que tenha vindo dizer, precisa ser rápido.
Confrontada com tal aspereza, hesitou. Ensaiara vagamente o que devia dizer, mas agora, olhando para ele, cada palavra havia sido varrida de sua mente.
- Então? - disse Matt, impaciente. - O que é? Não tenho o dia todo.
- Mesmo se tivesse, acho que ainda não encontraria um jeito fácil de falar - disse sem confiança.
Ficou completamente parado e esperou.
- Vai ficar nervoso, mas... Estou grávida...
Matt congelou. Ele se perguntou se ouvira errado, mas pensou novamente no momento em que a olhou. Estava branca como um lençol e se inclinava à frente da cadeira, o corpo rígido como um pedaço de madeira. Nervoso? Pensou que ficaria nervoso?
- Não pode estar grávida - afirmou, e Tess hesitou.
- Pode não querer que eu esteja... mas estou. Fiz um teste essa manhã. Na verdade, fiz mais de um.
O cérebro geralmente afiado de Matt pareceu simplesmente desligar. Nada o preparara para isso.
- Não estava precavida - disse sem rodeios. - Com um movimento abrupto que a pegou de surpresa, ele levantou da cadeira e caminhou em direção à janela. - Se isso é alguma artimanha para tirar dinheiro de mim, então pode esquecer! - Matt se reclinou contra a janela, depois começou a vagar pelo escritório. Não conseguia ficar parado. O pensamento de que aquilo não podia estar acontecendo corria por sua mente.
- Por que usaria um truque para tirar dinheiro de você?
- Não consegue aceitar que terminamos. Quer ir embora levando mais do que lembranças. Sabe o quanto eu valho!
- Não sei como pode dizer isso! - exclamou Tess. - Desde quando me conhece como alguém interessada em dinheiro? Não faria isso!
Não, não faria. Uma dor sincera estava entalhada no rosto de Tess. Gostando ou não, ela não estava mentindo. Carregava um bebê, e Matt teria que lidar com o fato, gostando ou não. Enquanto tentava achar outra explicação, ele já começava a aceitar a verdade.
Mas, além disso, ainda havia diversas perguntas a serem respondidas, várias suspeitas perfeitamente razoáveis. Flutuando pela névoa de seus pensamentos confusos, uma linha de pura lógica se cristalizou e, de frente para isso, cada instinto natural que ele possuía ficou em segundo lugar.
Enfeitiçara-o, fazendo com que se comportasse de outro jeito. Sim, passara ótimos momentos com Tess. Sabia como fazer ele rir, e o relaxava de um jeito que nenhuma outra fizera. Mas, na visão geral, o quanto isso contava?
Ele a conhecia há poucos meses! E, mesmo que dissesse que estava completamente protegida de uma gravidez, ali estava... Grávida e sabendo perfeitamente que seu futuro estava garantido. Fazia sentido? Não havia algo de extremamente suspeito naquilo?
Estava habituado a desconfiar de tudo. Era sua proteção. E não abandonaria agora, mesmo que pudesse ver o brilho de lágrimas nos olhos dela. Buscou a caixa de lenços que guardava em sua gaveta e entregou à Tess.
- Então, explique.
- Aquela primeira vez...
- Se bem lembro, garantiu que estava segura...
- Sim, sei o que disse! - interrompeu ferozmente. - Certo. Menti.
Estava consciente de vê-lo pegar o telefone e falar algo em voz baixa com a secretária, sabia que estava dizendo que não queria ser interrompido. Enquanto falava, ela fez o seu melhor para pôr os pensamentos em ordem.
- Isso não saiu como devia - disse assim que ele desligou o telefone. - Não foi bem uma mentira... Quando perguntou se estava tomando algum contraceptivo, estava tão... Tão excitada, que não queria parar...
Sem avisar, a mente de Matt viajou abruptamente para a noite em que fizeram amor pela primeira vez. Nunca estivera tão excitado em toda a sua vida. Mesmo pensando a respeito agora... Mas, não, não deixaria que o corpo ditasse o seu comportamento naquela situação. Não se importava de como ela ficara excitada. Tess mentira deliberadamente.
- Então, decidiu me deixar ir adiante. Arriscou uma gravidez por um momento de paixão. Jogou fora sua virgindade e foi irresponsável com nossas vidas apenas porque não conseguiu se segurar...
- Não joguei fora minha virgindade. Eu dei. Dei a você porque quis... Foi o primeiro homem a fazer com que eu me sentisse daquele jeito. Sempre tive um ciclo menstrual muito regular. Honestamente pensei que não haveria consequências.
- Fico lisonjeado por ter ficado tão excitada por mim que não tenha conseguido se conter, mas me perdoe por pensar num motivo mais fútil para você ter ido para a cama comigo.
Tess olhou confusa. Precisou girar na cadeira para seguir os movimentos dele, e seu pescoço começava a doer por olhar para cima quando se erguia sobre ela... Um estranho frio e distante. Seu coração estava partido em dois.
- Sim, entendo que estava excitada. Mas talvez tenha ocorrido que se você tinha que perder a virgindade com alguém, por que não com alguém rico? Se me lembro, dei a você oportunidades para se afastar, mas talvez não tenha querido perder a chance. Talvez, no seu subconsciente, não se importasse em brincar com o destino, porque se engravidasse, seria uma aventura muito lucrativa...
A raiva coloriu as bochechas de Tess.
- Uma aventura lucrativa? Acha que queria isso? Acha que quero ter uma criança aos vinte e três anos, quando finalmente comecei a vislumbrar um futuro para mim? Pensava realmente em ser professora! Queria trabalhar com crianças porque tive muito prazer em cuidar de Sam. Ia voltar a estudar e tentar conseguir qualificações que devia ter conseguido há anos! Acha realmente que quero abandonar tudo?
Ficou de pé, trêmula. Não devia ter vindo. Bagunçara o mundo maravilhoso dele.
Devia ter apenas retornado para a Irlanda. Matt nunca teria tomado conhecimento da gravidez. Na verdade, não devia nem ter se envolvido com ele.
- Vou partir agora - murmurou, tentando manter a compostura. - Apenas pensei que precisava tomar conhecimento... Agora já sabe.
Começou a caminhar em direção à porta. Não foi muito longe. Na verdade, deu dois passos. Então Matt se postou à sua frente.
- Ir embora? Diga que é uma brincadeira.
- O que mais há para ser dito?
- Joga uma bomba em meu colo e acha que não tem mais nada a dizer? Lido com alguém do mesmo planeta que o meu?
- Não precisa ser cruel e sarcástico. Tive o mesmo tipo choque que você...
Matt estava profundamente abalado. Sentira-se do mesmo jeito quando Catrina declarou que estava grávida de Samantha? Era tão mais novo naquela época, e estava disposto a fazer a coisa certa. Aprendera muitas lições em sua juventude e erguera barreiras em torno para protegê-lo.
Agora, encarava o dilema e, gostando ou não, era algo com que precisava lidar. Mas todos os problemas tinham solução, e acusar a mulher que seria mãe de seu filho não levaria a lugar algum.
Fora tão esperto assim ao acusá-la de ocultar seus verdadeiros motivos? Agora, fitava-o com aqueles grandes olhos verdes cheios de lágrimas, como se tivesse se transformado em um monstro, quando na verdade, apenas reagira como qualquer homem solteiro em sua posição.
Aquilo não aliviava o peso da culpa, mas ele segurou com firmeza aquele momento de fraqueza.
- Não me sinto confortável tendo essa conversa aqui - contou ele.
- Que diferença faz onde teremos essa conversa? - Tess olhou para os pés. Não queria ir ao apartamento dele, e nem para o de Claire. Para começar, a irmã não sabia nada do que acontecia. Naquele momento, trabalhava no Brooklyn. Mas e se fossem lá para continuar a conversa e Claire aparecesse inesperadamente?
Tess sabia que, mais cedo ou mais tarde, tudo seria revelado, mas, agora, sentia-se capaz de lidar apenas com uma situação difícil por vez.
Na verdade, queria ir ao lugar mais público e impessoal possível. Deixaria as coisas mais fáceis.
- Esse é meu lugar de trabalho - enfatizou Matt. - Instrui minha secretária a não me perturbar, mas diversas reuniões serão canceladas. Mais cedo ou mais tarde, virá até aqui e vai esperar algum tipo de explicação, e quando não conseguir um motivo satisfatório, ficará; curiosa. Francamente, preferia não gerar curiosidade pública sobre minha vida privada.
- O que dirá a ela? - com relutância, Tess cedeu ao argumento. - Não vou ao apartamento de Claire e nem para o seu.
- Por que não? - parou e a olhou com os olhos semicerrados.
Foi tomada por uma onda de calor. Sozinha com ele... Não queria testar sua força.
Sabia o quanto podia ser fraca em sua presença. Tinha que criar uma imunidade, e um lugar fechado seria o pior começo possível. Se considerasse a situação como uma doença, se por acaso a paixão por ele fosse algum vírus terrível que invadira todo o seu corpo, então, a indiferença seria o primeiro passo para curá-la.
- Tem medo de mim? - perguntou ele suavemente. - O que acha que farei?
- Não sei! - disse com a voz trêmula. - Você me insultou. Disse que armei, que corri riscos porque queria emboscá-lo. Foi ameaçador. Claro que não quero ficar perto de você, a não ser que tenha muitas pessoas em volta.
- Está dizendo que tem medo de que possa ameaçá-la fisicamente?
- Não, claro que não...
- Nunca levantei um dedo para uma mulher antes! A ideia, por si só, é repugnante para mim!
- Estou cansada - murmurou. - Não quero ficar nervosa. Talvez devesse apenas pensar a respeito das coisas à noite e conversaremos amanhã. Ou até outro dia.
Matt não se deu ao trabalho de aceitar como resposta aquele estratagema para atrasá-lo. Nunca acreditou em deixar para o dia seguinte coisas que podem ser resolvidas na hora.
- Espere por mim no elevador - falou -, preciso reorganizar meus horários.
- Sério. Não há necessidade de perder seu dia! Deixe-me ir para casa para que possamos discutir isso quando estivermos calmos.
- Estou perfeitamente calmo. Na verdade, dada á circunstância, não podia estar mais. - Não mentia. O nevoeiro começava a se dissipar, a solução lhe ocorria.
Era inevitável. Logo ela iria descobrir que era um homem que assumia suas responsabilidades.
Por incrível que pareça não se sentiu tão encurralado quanto achava que ficaria.
- Então, vamos a uma cafeteria ou apenas encontrar um banco em algum lugar. - Quando ele assentiu, Tess deu um pequeno suspiro de resignação e o deixou só para se aprontar e partir.
Encontrou-a menos de cinco minutos depois. Disse que estava calma e também parecia tranquilo. Frio, paciente e controlado. Era brilhante quando queria esconder seus sentimentos. Na verdade, podia ser indicado para um prêmio, julgado por sua performance quando apertou o botão do elevador.
Havia uma cafeteria a duas quadras de distância, dissera a ela. Poderia estar relativamente vazia àquela hora do dia. Matt continuou conversando com ela quando caminharam em direção à loja.
Certamente não achava que havia exagerado em nada do que dissera, mas mesmo assim a assustara, e não parecia certo. Ficara chocado ao pensar como ô fitara com aqueles grandes olhos verdes e, efetivamente, informara que não se sentia segura em ficar em sua companhia sem pessoas em volta.
Era fundamental deixá-la à vontade. Conversar sobre nada em particular enquanto percorriam a curta distância até a cafeteria.
Uma vez lá, ela se sentou em uma mesa longe da janela e livre de qualquer distração e pediram algo para beber e comer.
- Para ser honesta, parei com café - confessou. - E comida em geral. Sofro de um enjoo matinal que dura o dia inteiro.
O que fez tudo ficar tão real que seus olhos foram atraídos para a barriga ainda reta de Tess. Seu bebê! Diferente do Matt de dez anos atrás, esse achava estranho e agradável contemplar a paternidade... Mesmo com dilemas envolvidos.
- Posso conseguir qualquer coisa para você. É só falar. O que quiser.
- Ficou legal de repente. Por quê?
- Sei que minha reação foi exagerada, então desculpe, mas fiquei chocado. Sempre fui muito cuidadoso quando se trata de assegurar que... Acidentes de percurso não ocorram...
Baixou a cabeça, sentindo-se culpada. E aquele acidente ocorrera com uma mulher que não estava destinada a ser um elemento permanente na vida dele. O relacionamento com Vicky podia não ter durado, mas não conseguia imaginar que a acusaria de engravidar por causa de dinheiro.
- De qualquer forma - continuou Matt -, não tem por que insistir nisso. Estamos enfrentando um problema, e sempre há uma solução. Contou a alguém sobre... Isso?
- Acabei de saber! - Claire não fazia ideia do que acontecia. Ficaria duplamente chocada quando soubesse. Quando Tess pausou para considerar seus pais, a mente ficou em branco.
- Bem, mais cedo ou mais tarde, isso terá que mudar. Seus pais precisarão saber, para começo de conversa.
- Sim, entendo...
- Como acha que vão reagir?
- Eu... Não pensei a respeito. Ainda.
- E tem a questão do dinheiro. - Observou-a com cautela, mas, obviamente, ainda estava perdida em pensar como contaria a novidade para os pais. Sabia que ela era bem próxima deles. Podia ver para onde os pensamentos dela seguiam. - Felizmente, para vocês, estou preparado para assumir a responsabilidade integral. Acho que sabe o que quero dizer. - Matt a olhou e não disse nada até que tivesse sua total atenção. - Nós vamos nos casar. Não há outra opção.
Ele esperou por sinais de alívio e gratidão. Agora que fizera a proposta. O relacionamento podia ter chegado ao fim, mas um fim prematuro por causa do ultimato dela. Sim, certamente concluíra que não era uma parceira ideal, pelo menos não no papel, mas esse pensamento precisou ser alterado. E foi.
Alívio e gratidão demoravam a transparecer no rosto de Tess, e Matt franziu o cenho.
- Então? Precisamos agir rápido. Contarei a meus pais, e então poderemos planejar o casamento. Seria apropriado algo discreto. Acho que vai concordar.
- Está me pedindo em casamento?
- Consegue pensar em algo melhor? - Matt fora vítima de uma sensação única e muito peculiar. Era um cavaleiro em uma armadura brilhante, e ela a donzela em perigo.
Nunca foi de fantasiar coisas dessa natureza, mas sentia agora um bem-estar geral espalhado pelo corpo.
- Isso é tudo o que sempre sonhei - disse Tess. - E não vou envergonhá-lo irrompendo em lágrimas no meio da cafeteria, então pode pegar seu lenço de volta.
- Acho que é isso mesmo - concordou Matt.
- A vida toda eu sonhei com um homem propondo casamento porque não tinha escolha. Que garota não iria querer? Saber que um homem que não a amava, e, na verdade, ficava feliz de vê-la pelas costas, seria bom o suficiente para se casar com ela por causa de uma gravidez!
Por alguns segundos, ficou perplexo e sem palavras. Emudecera duas vezes no mesmo dia!
- Além disso - continuou ela -, não aprendeu lição alguma com o passado?
- Estão me entendendo errado. Corrigindo. Você me entendeu errado. Não consigo pensar em uma solteira que não daria pulos de alegria com isso! Não estou fugindo e ofereço uma solução. Vai ter meu filho. Ficará protegida... Assim como nosso bebê. Com minha aliança em seu dedo, não vai precisar de mais nada na vida. E de quais lições fala?
- Falo de sua ex- esposa, Matt! E Catrina?
- O que tem?
- Casou com ela porque ficou grávida. Casou por falta de responsabilidade.
- Casei porque era jovem e tolo. A gravidez teve pouco a ver com isso.
- Olha... - Respirou para se acalmar. - Entendo que queira fazer a coisa certa, mas a coisa certa é não se casar.
- Está dizendo que um lar estável não é apropriado para uma criança?
- Sabe que não é isso. Claro que um lar estável é importante! Mas duas pessoas morando sob o mesmo teto pelas razões erradas não fazem de um lar um lugar estável. Cria amargura e ressentimento. Não seria certo sacrificarmos nossa vida e a chance de sermos felizes de verdade porque fiquei grávida.
Matt achava difícil acreditar que ela recusava, mas fazia isso. Alguns dias antes, ela estava desesperada para prolongar o relacionamento e agora, quando lhe oferecia uma chance, ela o jogava de volta para casa como se insultasse da pior maneira!
- Não está sendo sensata.
- Estou sendo muito sensata. Não vou casar com você. Sei que gostaria que continuássemos nos vendo... Que teria ficado aqui por mais tempo se quisesse... Mas tive tempo de pensar a respeito, e estava correto. Nunca daria certo. Não combinamos e não vamos passar a combinar por mágica apenas porque cometi um erro e fiquei grávida.
Matt sentiu o chão tremer estranhamente sob seus pés.
- Não vai retornar à Irlanda. - Disse com certeza brutal. - Se acha que fará sua aposta de felicidade do outro lado do Atlântico, então é melhor pensar de novo.
Uma chance de felicidade real? Imaginou-a tendo a oportunidade de ser realmente feliz com um daqueles caras cheios de vida pelos quais alegava se sentir atraída, e a imaginação o deixou vermelho. Com relutância, admitiu estar em uma posição vulnerável.
- Então, acho que precisamos conversar sobre o que podemos fazer. - disse ela com a voz pesada.
Matt balançou a cabeça com um gesto impaciente, de um homem que tentava se livrar de algo que insistia em irritá-lo.
- Nunca impediria que tivesse uma ligação com seu filho. Sei o que passou com Samantha.
- O que sugere? - Quando se tratava de ceder, suas habilidades eram notavelmente precárias, mas agora Matt entendia que era preciso. Até que conseguisse convencê-la de seu ponto de vista. Legalizar o relacionamento fazia todo o sentido para ele, mas sabia que precisaria trabalhar para conseguir isso. Deixara-a de lado, e Tess o lembraria disso, mesmo que as circunstâncias fossem diferentes agora. Podia ficar em Manhattan...
- Não posso negociar isso.
- Talvez morar com Claire até que ache um apartamento e um trabalho.
- Escutou o que eu disse? - Olhou-a incrédulo. - Não vai trabalhar. Não tem necessidade. Nem vai morar com a irmã. Se estiver determinada a não aceitar minha proposta, então encontraremos um lugar apropriado, um local bem perto.
- No que diz respeito ao trabalho, sei que quer contribuir financeiramente, mas não há necessidade de pensar que faço parte do pacote.
- Por que está tão determinada a pôr obstáculos em meu caminho!
- Não coloco obstáculos no seu caminho, Matt. Acusou-me de ter outros motivos para ir para cama com você... - Sentiu a voz vacilar, só de pensar novamente naquela acusação dolorosa.
- Desculpe - pediu rapidamente. - Precisa entender que é da minha natureza ser desconfiado. Só pensei nas possibilidades.
- Agora, não adianta voltar atrás. Falou o que disse no calor do momento, mas teve intenção de dizer cada palavra. Não fico feliz em pensar que terei de morar com você, e não vou fazer isso.
- A maioria das mulheres mataria para ter o que lhe ofereço - Disse irritado.
- Não sou como a maioria das mulheres. Então, não me embrulhe no mesmo pacote.
- Que profissão vai seguir?
- Quero ser professora. Contei a você. Vou procurar saber como faço.
Matt decidiu, na mesma hora que, independentemente do rumo daquela conversa, seria dele a última palavra. Não Imaginaria uma vida com o filho sendo criado separadamente, enquanto Tess desaparecia para ensinar às crianças dos outros. Ela deveria ficar com os seus, mantendo a chama do lar ardendo por ele, cuidando de Samantha...
Era uma imagem confortável. Até sedutora.
- Agora... - Tess ficou de pé -, sinto que estou realmente cansada. Tem sido estressante para mim também, acredite, e tenho muito no que pensar. Então, se não se importa, vou voltar ao apartamento. Entro em contato com você amanhã.
Estava sendo dispensado! O controle fora arrancado de suas mãos e, pela primeira vez, estava em posição de cerrar os dentes e aceitar.
- Que horas? Posso mandar Stanton pegá-la. Podemos almoçar. Jantar, se preferir. Ainda há muito que discutir...
- Eu... Aviso-te... - disse Tess vagamente. Ela tinha muito no que pensar. Fazia a coisa certa? Oferecera-lhe o casamento. Era justo com o bebê que crescia dentro dela recusar a oferta? Sua cabeça parecia que ia explodir.
Os dois precisavam de espaço para pensar, e não deixaria que ele decidisse. Aquele era um caminho perigoso que já trilhara antes. Matt Srickland não a amava, nunca amou e não amaria, e a chegada do bebê não mudaria isso. E, sem amor, como podia se casar com ele?
- Talvez, depois de amanhã - emendou-o. - Então, podemos nos encontrar e conversar como dois adultos. Assim que fizermos isso, começamos a resolver as questões práticas. Isso acontece com muita gente. Não somos os primeiros. Podemos lidar com essa situação e seguir adiante.
Tess voltou ao apartamento da irmã para descobrir que nada na vida acontece como planejado. A secretária eletrônica sinalizava cinco novas mensagens. Quatro eram da irmã e uma da mãe. A mensagem da mãe informava que o pai tinha sido internado com suspeita de infarto, mas tudo estava bem e não havia necessidade dela voltar para casa mais cedo.
Os recados restantes eram de Claire, repetindo o que a mãe comunicara e acrescentando que estava no aeroporto e voaria na hora em que Tess escutasse o aviso.
Aqueles pensamentos, que a levaram à loucura na volta ao apartamento, agora eram substituídos pelo pânico. O pai nunca ficava doente. Se a mãe achara adequado ligar, então, devia ser sério. Esse foi o caminho que sua lógica tomou. Deduziu que também devia pegar o próximo voo.
Ela jogou algumas coisas dentro de uma mala de mão e, no caminho até o aeroporto, refletiu que sair do país por um tempo era provavelmente a melhor coisa a fazer. Longe de Manhattan, teria tempo para pensar. Telefonaria para Matt em breve e combinaria de encontrá-lo assim que o pai melhorasse. Algum tempo longe dele, mesmo que só por alguns dias, permitira que criasse algumas defesas. Teria que encarar a realidade de que a vida mudaria para sempre. Não apenas manteria um laço permanente com Matt, mas também ela estava condenada a seguir as escolhas que fizesse. Teria que assistir de fora quando ele se envolvesse com outras mulheres, quando tivesse de compartilhar sua vida com elas, quando as apresentasse a Samantha e ao próprio filho que teriam. Por mais que ele quisesse assumir a responsabilidade, teve que liberá-lo do sacrifício que os destruiria.
Assim que pousou na Irlanda, Tess ligou para a mãe, que, assim como ela, costumava esquecer o celular em casa.
Exausta da longa viagem, e recebida por uma Irlanda que parecia silenciosa demais e muito menos vibrante do que a excitada Nova York, pegou um táxi de volta para casa.
A agitação da cidade era deixada para trás enquanto o carro serpenteava ao longo da rodovia e, depois, dobrava por ruas estreitas rodeadas por grandes extensões de campo, como se o motorista tivesse todo o tempo do mundo.
A casa estava vazia quando chegou, mas sinais de ocupação estavam por toda a parte. Viu a jaqueta de Mary pendurada no corrimão. A mala de Claire, meio aberta, jogada no hall.
A urgência da situação agarrou Tess pela garganta, e todos os pensamentos a respeito de Matt foram temporariamente substituídos.
As horas seguintes foram um esboço de atividades. Estava profundamente exausta, mas o corpo continuava funcionando no modo automático. Entrou em contato com Claire, depois pegou o carro da mãe para ir ao hospital... O que pareceu muito estranho depois da dieta de transporte público, oferecida pelos táxis e o motorista de Matt.
- Acabou de se queixar um pouco de falta de ar - sua mãe sussurrou. - O velho tolo. - Os olhos começaram a ficar molhados, mas resistiu às lágrimas. - Nunca ficou doente, então não queria que eu ligasse para o médico. Graças a Deus, eu liguei! Dizem que foi só um susto. Ficará bem. Mas precisará abrir mão de algumas comidas. Não vai gostar disso. Conhece seu pai.
Já era tarde quando o corpo de Tess se entregou. Em um minuto conversava com as irmãs e a mãe na cozinha, depois tomou banho, vestiu a camisola, deitou na cama e caiu no sono.
E foi o que aconteceu nos três dias seguintes. Ela criou uma rotina... De volta a seu antigo quarto, compartilhando o banheiro com Mary e Claire, e brigando com elas por demorarem toda vez que tomavam um banho. O pai melhorava e começou a reclamar da comida do hospital, o que parecia ser bom sinal.
A espreita, por trás do doce caos e do aconchego familiar, estava á presença sombria de Matt e a situação que ainda precisavam resolver. Mas todas as vezes que Tess buscava o telefone para ligar, a mão vacilava e começava a suar, e então adiava a conversa que ela sabia inevitável. Depois do segundo dia, ele começou a deixar mensagens em seu celular, que registrava as ligações perdidas. Tess decidiu esperar até o fim de semana para entrar em contato.
Mary voltaria a Londres, e Claire iria com ela, tirando alguns dias de folga para ficar no país e aproveitar a oportunidade de levar Tom, para que pudessem fazer compras. Já tinha enviado sua carta de demissão e parecia não se arrepender em perder o emprego em Manhattan porque Tom seria transferido para Londres. Entre a melhora constante da saúde de seu pai e as novidades excitantes de Claire, ficou feliz em se deixar de lado, onde podia cuidar de seus próprios problemas em paz.
Era precisamente o que fazia em seu quarto, com a pequena e velha televisão ligada em baixo volume, contando algo a respeito de uma gripe inesperada em Cornwall, quando seu celular tocou, exibindo um número desconhecido na tela.
No momento mais alto de sua frustração, Matt comprara um outro aparelho, com um novo número, porque depois de dias tentando sem sucesso entrar em contato com ela, não conseguiu pensar em nenhum outro jeito.
Ele hesitara em telefonar para a irmã dela. Que desculpa daria? Tess fora firme ao dizer que contaria a notícia à família no devido tempo. Lidando de antemão com o fato de que seu plano perfeito para casar tinha virado de ponta-cabeça, a última coisa que precisava era dar mais motivos para as reclamações de Tess.
Em três dias, seu humor mudara de infeliz para pavoroso. Não conseguia tirá-la da mente. Então, começou a ficar preocupado. E se ela tivesse ficado doente? Sofrido um acidente? Estivesse deitada em alguma cama de hospital, incapaz de se comunicar? O surgimento de emoções angustiantes que o invadiam ao pensar nisso fora um choque... Apesar de ser, tentava se lembrar, perfeitamente compreensível, dadas as condições de Tess. Era um homem honrado. Ficaria extremamente abalado em pensar que a mãe de seu filho cairia doente. Mas antes de começar a rodar os hospitais da área, teve a ideia na última hora de comprar um celular novo, com outro número, apenas para o caso de ela simplesmente não atender suas ligações.
No segundo em que escutou a voz dela do outro lado da linha, sentiu uma raiva o envolver como neblina. Percebeu que estivera muito preocupado com ela.
- Então, está viva - foram suas primeiras palavras. Do outro lado do Atlântico, Tess sentou na cama. O som da voz dele era com uma injeção de adrenalina.
- Matt... Pretendia ligar para você.
- Sério? Quando? Caso não tenha notado, liguei diversas vezes nos últimos dias. Onde diabo está? Fui ao apartamento quatro vezes e não vi ninguém!
- Precisava de um tempo para mim. - Olhou furtivamente ao redor, meio que esperando vê-lo se materializar, de tão forte que era sua personalidade, mesmo a milhares de quilômetros de distância.
- Cansei de escutar o que você precisa! - Precisou se deter. Não havia espaço para nada além de um comportamento civilizado naquela situação, mas a mulher trouxera à baila um lado que ele não sabia que existia, e que achou difícil controlar. - Fugir não é a solução! Onde está?
- Estou... - Duas coisas a impediram de dizer a verdade. A primeira era que sabia que se confessasse que estava do outro lado do Atlântico, e que partira sem se importar em avisá-lo, deixá-lo-ia provavelmente ainda mais nervoso do que parecia. O segundo era o fato de que Tess não podia revelar-lhe onde estava. Matt era seu problema na América, e com seu pai ainda se recuperando, de maneira nenhuma deixaria que se intrometesse e possivelmente arriscasse a comprometer a recuperação de seu pai. Como seus pais reagiriam se ele telefonasse e contasse a verdade? Deixasse escapar que estava grávida?
Solteira e esperando o filho de um homem que não seria seu marido? A notícia devia ser dada de maneira suave para seus pais, e não era o momento certo.
- Estou fora de Nova York. Apenas alguns dias. Sei que temos coisas a falar, e vou telefonar assim que tiver voltado.
- Onde... Você... Está?
- Estou...
- Se não disser onde está - disse ele com um tom mais calmo -, então vou investigar e descobrir sozinho. Ficaria surpresa com a rapidez como consigo uma informação quando quero.
- Eu disse...
- Sim, sei o que disse, e prefiro ignorar.
- Estou em casa - confessou Tess -, na Irlanda. Meu pai foi levado às pressas para o hospital e corri para pegar o primeiro voo.
Matt pausou.
- Ás pressas para o hospital com o quê?
- Um princípio de ataque cardíaco. Olha, sinto muito...
- Ele está bem? - interrompeu Matt.
- Está se recuperando. Estamos muito aliviados.
- Por que não disse? Não. Vou perguntar de novo. Por que não atendeu a uma de minhas quinhentas ligações e contou?
- Estava com muita coisa na cabeça... E precisava de um espaço para pensar...
Matt duvidava que a reação inicial dela ao ouvir sobre o pai teria sido pegar o primeiro voo para lá. Apesar de ser próximo dos pais dela, sempre foram muito relacionados e envolvidos com suas próprias vidas. Tess, por outro lado, estava muito ligada aos pais e às irmãs. Presumiu que não teria contado as novidades a respeito da gravidez para eles.
Mas por que não atendeu a nenhuma de suas ligações? Ou sequer as retornou?
Na cabeça dele, o espaço para ela pensar em meio ao forte seio familiar, em seu próprio território, combinava com o desejo de encontrar a felicidade em outra pessoa. Não era uma aliança feliz. Cercada pela familiaridade reconfortante de seu vilarejo, quanto tempo levaria até começar a pensar na possibilidade de abandonar o medo do desconhecido em Nova York? Sabia que os pais de Tess reagiriam bem à gravidez. Talvez, uma pequena lição de moral, mas superariam a notícia e lhe dariam apoio imediato.
Nova York logo se tornaria uma memória distante. Talvez não fugisse, mas quanto tempo demoraria até se lembrar do jeito como ele reagira à notícia da gravidez? Quanto tempo levaria para começar a pensar nas insinuações que fizera a respeito do retorno financeiro de ter aquele bebê, a insinuação de que ela pudesse ter planejado uma agradável pensão? Será que ela gastaria algum tempo para considerar seu lado da história? Ver que suas preocupações eram perfeitamente compreensíveis?
Não era a primeira vez que Matt se perguntava por que não podia ter sido uma das dezenas de mulheres que ficariam muito felizes com uma proposta de casamento como aquela e a segurança financeira que isso significava. Mas, então, o pensamento de Tess em ser uma delas era absurda.
Ela lhe contava agora o quanto voltar à Irlanda ajudava.
- Então, quando exatamente espera retornar? - cortou ele. Agora que seu cérebro traçava outro caminho, como um cavalo de corrida, ficou em alerta como ela hesitou um pouco antes de responder, e foi sereno e compreensivo quando ela murmurou que voltaria o mais cedo possível... Apesar de não poder deixar a mãe sozinha imediatamente. Não quando Mary e Claire tinham ido embora.
Ele desligou imediatamente depois.
Havia uma quantidade considerável de trabalho para Matt fazer. Reuniões com clientes importantes, banqueiros, advogados. Precisaria apenas de algumas ligações para arrumar aquela situação.
O próximo telefonema foi para sua mãe, que ficaria na casa dele durante sua ausência, assegurando que Samantha teria um rosto familiar quando o pai não estivesse por perto. A filha acabara de começar em sua nova escola, e, até o momento, tudo parecia progredir bem.
Então, ligou para a filha, que precisou ser tirada da sala de aula para atender ao telefone. Em meio ao caos, o momento de decepção dela quando deu a notícia de que ficaria fora da cidade durante duas noites foi uma luz no fim do túnel.
Depois de terminar a ligação, Matt determinou a sua secretária que o colocasse no próximo voo para a Irlanda.
Encontrar as soluções certas era o forte dele. Deixou instruções no escritório para que os detalhes do voo fossem enviados via mensagem de celular em menos de uma hora, e então rumou para casa, a fim de arrumar a menor quantidade de roupas possível, exaltado por uma urgência de agir.
Não sabia se ela teria fugido para conseguir espaço para pensar se não fosse chamada por uma emergência, mas agora que saíra do país, ele não ficaria esperando para descobrir se retornaria ou não.
Tess Kelly era imprevisível ao extremo. Ainda havia hormônios correndo no corpo dela. Não era completamente ignorante a respeito de gravidez. Sabia da influência deles, ela era capaz de tomar qualquer decisão precipitada!
Quanto mais pensava, mas ele tinha certeza que sua decisão de ir a Irlanda era a mais acertada.
Tendo examinado a papelada que ela preenchera devidamente na época em que foi sua funcionária, verificara facilmente o endereço dos pais dela. A única questão era se apareceria sem aviso-prévio na casa ou tentaria encontrá-la de outro jeito.
Respeitando a situação que envolvia o pai dela, Matt chegou à Irlanda para se acomodar em um hotel local e depois dar um intervalo para considerar o próximo passo.
Suas intenções foram frustradas quando descobriu que não havia nenhum hotel na vila, que era muito menor do que esperava.
- Onde fica o hotel mais próximo? - Perguntou impaciente ao taxista, que parecia muito feliz em levar seu passageiro para o meio do nada.
- Depende do hotel que procura.
Matt decidiu arriscar e ir diretamente para a casa dos pais dela, e entregou ao motorista um pedaço de papel no qual constava o endereço. Enfrentaria qualquer problema que sua decisão causasse com a costumeira autoconfiança.
Levou quinze minutos antes que o táxi estacionasse em frente a uma casa vitoriana com um lindo jardim à frente e terreno suficiente para evitar a curiosidade de qualquer vizinho.
O voo fora longo e exaustivo, mesmo sendo de primeira classe, mas estava ansioso.
Sentiu como se passasse os últimos dias com as mãos atadas, e esse não era seu estilo.
Sua natureza era contestadora.
Preparara-se para ver qualquer coisa e qualquer um quando tocou a campainha.
Tess estava ansiosa por um pouco de paz e tranquilidade. Claire saíra há menos de uma hora, e logo depois sua mãe fora ao hospital, deixando-a organizar a casa, o que não acontecia de forma adequada desde que seu pai fora levado ao hospital.
Ela não fazia ideia de quem podia estar na porta. Pensou em não atender e desejou que a pessoa eventualmente deixasse uma mensagem e sumisse, mas não podia fazer isso.
Ao abrir a porta, vestindo roupas que usava na adolescência, meio que se arrependeu de não ignorar a campainha, apesar de por alguns momentos não acreditar em seus olhos.
- Parece surpresa em me ver.
Permaneceu na soleira da porta e olhou para ela. O cabeço cor de caramelo estava preso em um encardido rabo de cavalo, e as roupas pareciam já ter vivido dias melhores.
Mas mesmo assim, ele achou difícil controlar suas mãos. Matt sempre sabia quando ela não estava de sutiã, e não estava usando agora. Conseguiu discernir o leve contorno dos seios e os minúsculos bicos dos mamilos, protuberâncias contra a malha macia da camiseta.
- Está sozinha? - perguntou, já que ela não quebrara o silêncio. - Não queria surpreendê-la, Tess, mas achei que seria melhor vir até aqui em vez de esperar seu retorno à América.
- Não contei sobre nós! - arfou. - Não tem ninguém em casa agora, mas seria um desastre se aparecesse duas horas antes!
- Ah, acho que não, - falou Matt lentamente, perdendo a paciência. - Mais cedo ou mais tarde, todos saberão, e baixar a cabeça e fingir que essa hora não vai chegar não resolve nada. Vai me convidar a entrar? - Ele estendeu a mão com uma sacola do aeroporto. - Um livro para seu pai... É o último daquele autor que me contou que ele gosta, e isso é um cachecol para sua mãe.
Tess recuou e olhou cuidadosamente enquanto ele entrava. Como acontecia em todos os lugares que ia, Matt dominava as cercanias, e não conseguia desviar os olhos dele.
- Quanto tempo planeja ficar? - perguntou.
- Fico até que esteja pronta para voltar à América comigo.
- Quer dizer que veio até aqui para me escoltar de volta a Nova York, como se eu fosse uma criança que fugiu de casa? - Estava irritada com ela mesma, porque seu nível de excitação subira no segundo em que bateu os olhos nele, provando assim que todo o trabalho que fizera nos últimos dias não servira de nada. Estava pronta para brigar. Matt achava que podia fazer o que queria? O que aquele fato dizia sobre o futuro deles? Teria que obedecê-lo?
- Bem, então ficará aqui mais tempo do que espera. - Tess cruzou os braços. - Claire e Mary foram a Londres, e alguém precisa ficar com meus pais em casa. Talvez até mais tempo. Quem sabe? Ela vai precisar de muita ajuda.
- E vai se candidatar ao posto sem dizer nada a respeito da sua gravidez para eles? Não posso permitir.
- Não pode permitir? - Olhou-o com descrença. - Desde quando controla o que faço ou deixo de fazer?
- Já passamos por isso antes. - Então estivera certo em pegar um avião e ir atrás dela. Tess não tinha a menor intenção de voltar rapidamente á Nova York. - E não posso permitir isso porque não está em condições de começar a fazer trabalhos pesados pela casa. Vou garantir que alguém fique para tirar essa incumbência de sua mãe...
- Não vai fazer nada! Ela nem vai saber que esteve aqui!
- E como planeja me manter em segredo? Vai me trancar em algum cômodo e alimentar com migalhas por um buraco na parede? Porque digo logo que esse é único jeito de me manter fora de circulação. Não vim para brigar com você!
- Veio até aqui para me levar para longe! - Não se importa comigo, ela pensou, quando o ressentimento veio à tona e ameaçou transbordar. - Teria ficado feliz em virar as costas para mim e nunca mais me ver, mas agora está aqui, preocupado de repente com meu bem-estar porque estou grávida de seu filho!
- Se for preciso. Enquanto isso, eu vou ficar até conhecer seus pais e contar o que está acontecendo.
Ficou pálida.
- Não pode. Meu pai não está bem.
- O que acha que vai acontecer se contar as novidades a ele? Estou cansado de jogar com você, Tess. Tem vinte e três anos. É sexualmente ativa. Está grávida. Qual parte acha que vai mais afetá-los?
Ela mordeu os lábios e desviou o olhar.
- Então? Pensa que terão um colapso se descobrirem que tem um relacionamento?
- Não foi um relacionamento. Não vão gostar do fato de estar grávida... Nem de virar mãe solteira. Não podem lidar com esse choque agora. Precisa acreditar.
- Vou ficar aqui, Tess... Pode poupá-los do choque de ser mãe solteira, não pode? Pense a respeito. Pense o quanto ficariam felizes se soubessem que a filha está grávida e vai casar com o pai do bebê...
Tess o olhou com descrença.
- Preciso me sentar - disse trêmula. Andou com pernas que pareciam de madeira pela confortável sala de estar e se afundou no sofá macio. Por alguns momentos, Matt passeou pelo cômodo, mal notando as fotografias emolduradas e os enfeites, todas as recordações de uma vida melhorada por crianças. Sua atenção estava concentrada nela. Parecia pequena e frágil aninhada no sofá, mas não se permitiria que despertasse sua misericórdia.
Fugira para a Irlanda sem se incomodar em avisá-lo, ignorara todos os telefonemas e mensagens que deixara e tinha acabado de admitir que não nutria qualquer intenção de voltar rapidamente a Nova York.
- Isso é chantagem. - Ergueu os olhos grandes e acusatórios para ele, e a boca de Matt se contraiu.
- É a solução de um problema. Teme que seus pais fiquem desapontados com você, e estou mostrando que não tem motivo para ter medo.
- Passei muito tempo explicando por que seria má ideia.
- Sim. Escutei todas as suas razões. - Ele sentou com força no sofá, afundando o móvel com seu peso, e Tess se moveu desajeitadamente para evitar contato físico. - Não vê razão para casar comigo só porque cometemos um erro. A vida é muito curta para ficar presa a um casamento pelas razões erradas. Quer abrir suas asas e encontrar a alma gêmea, Tess.
- Está distorcendo tudo o que disse.
- Conte em qual parte acha que estou errado. Ficar presa? Encontrar uma alma gêmea? Você ia voltar a Manhattan? Ou veio aqui com boas intenções só para decidir que me apagaria da sua vida?
- Claro que voltaria a Nova York! Não sou irresponsável! Quero que tenha uma ligação de verdade com essa criança.
- Você é totalmente irresponsável! - explodiu Matt. Ele a olhava com muita intensidade. - Recusa-se a casar comigo. Recusa-se a reconhecer que uma criança precisa do pai e da mãe. Testemunhou de antemão o inferno que passei para conquistar a confiança de Samantha... Confiança que devia ser minha por direito, mas foi destruída por minha ex- esposa vingativa.
- Não sou capaz de suportar a ideia de que me ature pelo bem da criança. - disse Tess, desafiando a personalidade sufocante dele para expor seu ponto de vista. Ela pensou em seus pais e como reagiriam ao pensamento de viver solteira e sem amparo em Nova York. Com base na experiência deles, crianças deviam crescer dentro de uma unidade familiar. Como entenderiam que amor e casamento não vinham necessariamente no mesmo kit? Eram compreensivos o bastante quando se tratava do resto do mundo, mas ela tinha um péssimo pressentimento de que não seriam tão compreensivos quando se tratava de um de seus filhos. O fato de Claire estar excitada por se casar com o homem de seus sonhos tornaria tudo ainda mais difícil para entenderem como Tess se envolvera naquela situação.
Matt oferecia uma saída e, por um rápido segundo, ela quis desesperadamente aceitar. Não seria o ideal, ninguém podia negar, mas solucionaria muitos problemas.
Ela se obrigou a parar imediatamente quando se lembrou de como seus sonhos idealistas e inúteis, suas fantasias otimistas, a fizeram parar onde estava. Apaixonara-se por ele, e se atreveu a nutrir esperanças de que, com o tempo, de maneira mágica e milagrosa, faria com que a amasse. Não aconteceu, e seria uma completa idiota se esquecesse disso. Ao se casar com Matt, pensou que testemunharia o aumento da indiferença dele. Teria casos extraconjugais, ainda que os ocultasse para manter uma falsa aparência, e ela jamais teria a chance de encontrar alguém que realmente se importasse com seus sentimentos.
- Não tente ler minha mente, Tess.
- Conheço você.
- Estou disposto a fazer um sacrifício. Por que não? Foi feliz comigo uma vez. Nós nos demos bem. É ridículo achar que não podemos tentar.
- Se pudéssemos... Se quisesse tentar, pediria para eu ficar. Estaria pronto para tentar naquela época.
Matt hesitou.
- Pesa muito um orgulho ferido nessa equação. Mas, de qualquer forma, talvez tenha cometido um erro.
- Erro? De que tipo? - Olhou para ele com suspeita. Atreveu-se a ter esperanças tantas vezes que a perspectiva de ter de novo era, literalmente, cansativa. - Desde quando alguma vez Matt Strickland cometia erros? - murmurou, e Matt lançou-lhe um sorriso torto que fez seu coração dar cambalhotas. - Não falo como um elogio. É importante cometer erros. As pessoas aprendem com eles. Cometi quando estava crescendo. E aprendi.
- Cometeu um erro comigo?
Tess corou.
- Se pudesse voltar no tempo, eu...
- Não é isso que estou perguntando. Pergunto se acha que cometeu um erro comigo. Não quero uma resposta baseada em hipóteses.
Não estava perto dela agora. Na verdade, inclinara-se para trás, mirando-a com olhos semicerrados e, ainda assim, sentiu como se estivesse sendo tocada.
- Não acho que cometi um erro com você. Acho que falhei ao deixar você ir.
Repentinamente, o ar pareceu rarefeito, e o cômodo, pequeno demais. A respiração ficou presa na garganta e a pele ardeu.
- Não se atreva! - Ela ficou de pé, tremendo, e caminhou em direção à janela. Do lado de fora, o cenário era tranquilo. O jardim bem cuidado estava fulgurante com flores.
Entretanto, estava alheia à colorida paisagem de verão. O coração batia tão forte que se ela prendesse a respiração, tinha certeza de que seria capaz de escutá-lo.
Quando se virou foi para encontrá-lo tão perto que se apertou no peitoril da janela. A proximidade a deixou prestes a entrar em pânico. Confiava nele. Só não confiava nela mesma.
- Não me atrever... Á quê? Chegar perto de você? Por que não?
Ele enfiou as mãos nos bolsos. Senão, sabia do que era capaz. Encostaria sua mão nela, talvez segurando apenas aquela mexa de cabelo, colocando-a atrás da orelha dela.
Diabos, os olhos de Tess estavam arregalados e aterrorizados, e odiava vê-la daquele jeito. Cerrou o maxilar e manteve as mãos firmes dentro dos bolsos.
- Por que brigar? - murmurou ele. - Por que brigar por isso?
- Não sei do que fala, e não precisa tentar me minar. Sei o que está fazendo.
- Diga. O que estou fazendo?
- Tudo para conseguir o que quer - disse Tess, ouvindo sua surpreendente amargura. - Veio até aqui para me levar de volta á Nova York porque não confia em mim. Sinto muito não ter telefonado para você, e me desculpe por não responder suas mensagens, mas precisava tirar um tempo de folga e estava muito preocupada com meu pai no hospital. Não que se importe. A única coisa que o preocupa é ter certeza de que estou no lugar certo, e vai fazer o que for necessário para me levar até lá. Sabe o que isso pode fazer a meus pais na condição em que se encontram, jogando a notícia da gravidez neles, mas vai fazer se achar que o ajudará a conseguir o que quer! E espera que eu queira me comprometer com você? Quando tudo o que faz apenas confirma que é arrogante e cruel, e só se importa com seu objetivo? - Respirou profundamente e continuou. - E nem pense em dizer que cometeu um erro jogando fora o que cultivamos! - A voz dela era penetrante e implacável. - É fácil dizer isso agora. Realmente acha que acreditaria em você?
- Está se aborrecendo.
- Não estou me aborrecendo! Você está me chateando.
- Não quero fazer isso. Eu, nunca quis isso. - Com esforço, Matt se afastou dela e retornou ao sofá. Como uma sequência em câmara lenta de um filme, cada erro que cometera com veio à tona com clara reprovação.
Sentira atraído e, sem pensar duas vezes, seduzira-a para sua cama. Aceitara a virgindade dela como um presente sem se preocupar em questionar o que acontecia.
Depois, quando ela sugeriu permanecer em Nova York, ele fugira. Condicionado a se portar como no trabalho e acostumado a sempre garantir que a prioridade fosse sua, reagira às razoáveis perguntas de Tess a respeito de onde a relação iria chegar com o afastamento.
Para completar seus pecados, recebera a notícia da gravidez com grande suspeita... Só para ela erguer ainda mais a guarda e se afastar por ele insistir em determinar o que devia ou não fazer.
Alguma vez ele pensou em checar como realmente se sentia?
Sem o hábito de questionar as próprias habilidades em controlar situações complicadas, Matt ficou abalado ao se dar conta de que estragara tudo. Podia tremer no momento em que ele chegava perto, mas uma resposta física não era suficiente. Nunca fora. E, ainda assim, se contasse isso agora, ela não acreditaria em palavra alguma, e Matt não podia culpá-la.
Tess olhou para ele desconfortável. Pela primeira vez, o silêncio profundo de Matt não parecia indicar nada oculto. Nem ao menos a olhava. Apenas encarava o espaço e sua expressão era enigmática. Deu um passo hesitante para longe da janela, mas foi só quando ficaram de frente, que Matt ergueu os olhos.
- Estraguei tudo - disse. Passou os dedos pelo cabelo e baixou os olhos. - Claro que não vou chantageá-la com nada.
- Não vai?
- Sente-se. Por favor. E não é uma ordem, é um pedido.
Pega de surpresa por aquele lado estranhamente perturbado e derrotado dele, manteve-se empoleirada de forma tensa na beira do sofá, pronta e disposta a fugir a qualquer instante, apesar da vontade de esticar as mãos e entrelaçar os dedos nos dele.
Francamente, precisou resistir ao desejo poderoso de fazer qualquer coisa necessária para levar um sorriso aos lábios de Matt, mesmo que fosse adicionado de cinismo. Aquele não era o homem que se habituara a ver, e isso a incomodava.
- Acha que estou tentando tirar vantagem de você? Não estou. - Matt sentiu como se estivesse parado na beira de um precipício, pronto para se jogar na esperança selvagem de que uma rede de segurança o amorteceria. Também se sentia muito calmo. - Fiz tantas coisas erradas que nem sei por onde começo para tentar me explicar, e entendo perfeitamente que provavelmente não acredite em nenhuma palavra do que disser. Francamente, não a culparia. Entrei em um relacionamento com você por causa de sexo... Puro e simples. Deixei me levar por um relacionamento certa vez, e vivi desde então na promessa de que não faria isso de novo. Cada mulher com quem estive desde Catrina foi como Vicky. Era fácil não se envolver. Minhas relações pessoais eram eficientes, apenas extensões da minha vida no trabalho, com sexo no meio.
Tess ouvia atentamente, prendendo a respiração. Com suas barreiras desmoronando, aquele era um Matt vulnerável abrindo a alma. Soube disso instintivamente e não quebraria o encanto. Cada palavra que saia dos lábios dele era como um presente celestial para seus ouvidos. Se não estivesse irremediavelmente fascinada, ficaria com uma ligeira vergonha.
- Devia ter me perguntado sobre o que vi em você quando apareceu, mas não. Sempre tive um absoluto e inabalável controle da minha vida privada. Como podia esperar que teria algo diferente com você?
- Sério? Diferente como? - Tess limpou a garganta e corou. - É importante, sabe... Para... Hum... Soltar tudo...
- Neste caso, é muito gentileza sua me deixar falar - murmurou Matt. - Muito diferente, respondendo à sua pergunta. Você me fez ser uma pessoa diferente. Fizemos coisas que nunca fiz antes, apesar de, no momento, não reconhecer. Parei de trabalhar por sua causa. Sim, fui a reuniões... Fiz acordos, encontrei advogados, banqueiros e diretores... Mas por você, pela primeira vez na vida, mal podia esperar para voltar para casa. Eu me convenci que fazia isso porque o relacionamento com minha filha melhoravam. Claro que essa foi uma parte do motivo. Você era a outra. Você me fez deixar o trabalho para trás facilmente.
Tess se permitiu abrir um pequeno sorriso de contentamento, porque, não importa o que acontecesse, não apagaria o prazer que sentia em ouvir a confissão dele e, como uma criança em uma loja de brinquedos, não queria que aquilo acabasse. Quando teria a oportunidade de visitar o lugar novamente?
- Quando me pediu para prolongar nosso relacionamento, reagi por hábito e por instinto. Ambos me diziam para não continuar. Não me incomodei em questionar, e, uma vez que fiz isso, o orgulho entrou na equação. Mas nunca deixou de povoar meus pensamentos. Era como se estivesse presa lá. Não importava o que fizesse você me seguia aonde fosse... Um lembrete silencioso e irritante do que jogara fora.
- Mas nunca teria dito nada se não aparecesse no seu escritório e dissesse que estava grávida - disse melancólica.
- Não teria? - deteve os olhos nela. - Penso que sim. Fico inclinado a imaginar que estaria aqui, neste lugar, fazendo o que faço agora, mesmo que não estivesse grávida.
- Mas não foi uma gravidez planejada. Ficou furioso. E me culpou!
- Nunca estive apaixonado. Como saberia o que dizer e como reagir?
- Estar apaixonado? - A voz dela tremeu, e suas mãos também quando Matt as segurou. Ele acariciou seus dedos com os polegares. Os olhos dele arderam com sinceridade.
- Se tivesse sentido amor antes - o admitiu -, talvez reconhecesse os sintomas. Mas nada me preparou para você. Olhando para trás, posso ver que Catrina foi apenas uma fantasia que realizei sem pensar muito a respeito. Você foi o inesperado. Caiu de paraquedas na minha vida, e tudo mudou da noite para o dia. Não vim até aqui para levá-la contra sua vontade, e desculpe se foi essa impressão que passei.
- Você me ama? - Repetiu, maravilhada. Era bom demais para ser verdade. Mas, quando ela olhou, soube que Matt pretendia dizer cada palavra.
- Eu te amo - sussurrou.
- Dormi com você porque o amava. Você era tudo o que minha mente dizia que devia evitar, mas caiu de paraquedas na minha vida também...
- Quero casar com você, Tess. E não porque terá nosso bebê, quero casar porque minha vida não é completa sem você. Quero dormir ao seu lado todas as noites, e também quero que acorde de manhã comigo.
Com um suspiro de contentamento, engatinhou até o colo dele e ela fechou os olhos, feliz por se envolver no calor de Matt e sentir os dedos dele acariciarem gentilmente seu cabelo.
- É o dia mais feliz da minha vida - confessou ela. - Acho que se pudesse choraria.
- Vai casar comigo o mais rápido possível? - disse. - Sei que provavelmente não vai querer dispensar a atenção da sua irmã, mas não sei quanto tempo mais posso esperar. Quero que coloque a aliança no dedo para que todos os homens saibam que não podem se aproximar de você.
Tess riu e depois se esquivou para que pudesse olhá-lo.
- Isso é ultrapossessivo...
- Sou um homem ultrapossessivo - rosnou -, e nunca se esqueça disso. - Enfim, sentiu-se livre para tocá-la, para desfrutar a maravilha de seu corpo que logo se transformaria com o bebê que carregava no ventre. Enfiou as mãos sob a camiseta dela e gemeu quando tocou as curvas dos seios. Acariciou os mamilos, e a sensação familiar deles enrijecendo era muito erótica.
- Há algum risco de um parente me surpreender fazendo amor com você? - perguntou ele. - Porque se tem, então devemos ir logo para o quarto. Eu te amo, e quero, preciso de você. Parece que faz anos...
No andar de cima, na pequena cama de casal, fizeram amor com doçura, lentamente.
Para Matt, parecia na verdade que anos tinham se passado desde que a tocara, mesmo tendo transcorrido só duas semanas.
Tocou-a em todos os lugares. Ele beijou e encostou o nariz nos seios, que ficariam maiores com o passar dos meses, e sugou os mamilos que escureceriam e inchariam.
Quando penetrou, a intimidade úmida dela o levou a um orgasmo quase imediato.
Nunca o amor fora uma experiência tão libertadora... Mas também jamais uma mulher o libertava como ela fazia.
Casaram-se menos de dois meses depois. Uma cerimônia tranquila e muito romântica, na igreja local que seus pais sempre frequentavam. Os pais de Matt e alguns amigos íntimos fizeram a viagem até lá e, claro, Samantha foi o centro das atenções, e estava extremamente empolgada.
Nunca duvidara de que seus pais o acolheriam como membro da família, e foi o que aconteceu. Ficou ainda mais surpresa como os pais de Matt se mostraram calorosos e receptivos com ela. Talvez porque pudessem ver o devotamento nos olhos do filho toda vez que a via, e o amor no rosto de Samantha com a possibilidade de Tess se tornar sua madrasta.
Mudanças pequenas, mas sutis, ocorreram nos meses seguintes. Continuaram a morar na cobertura de Matt, o que era conveniente para a escola da filha dele, mas também compraram uma casa no campo, e passavam a maior parte dos fins de semana lá.
Não descartara a possibilidade de uma carreira como professora, apesar de que agora esperaria até o bebê nascer para fazer tudo com calma. O fato de Matt e a filha confiarem totalmente nela era um enorme encorajamento.
Tess nunca imaginara que tamanha felicidade fosse possível, e deve ter transmitido seu contentamento ao bebê, a pequena Isobel, que nasceu sem problemas. Era uma menininha de 3,8 kg, bochechuda, de olhos verdes, cabelo preto e sorridente.
Só conseguia sorrir e concordar quando Matt, como gostava de dizer, contou a elas que estava onde sempre quis, rodeado de lindas mulheres, que finalmente tinham conseguido domesticá-lo.
Cathy Williams
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