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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Um Mundo Novo / Nora Roberts
Um Mundo Novo / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Um Mundo Novo

 

Em busca de refúgio após ser ferido em combate, o soldado Ian MacGregor encontra ajuda na casa de Alanna Flynn. E agora que lan está longe dos campos de batalha, terá de enfrentar uma luta ainda maior; a conquista do coração de uma mulher!

 

O nome dele era MacGregor. Agarrava-se a isso com a mesma tena­cidade com que agarrava as rédeas do cavalo. A dor parecia viva, percorrendo seus braços como uma dúzia de demônios dançando. Quente como o fogo, apesar do vento frio de dezembro e da neve que caía.

Ele não conseguia mais direcionar a égua, mas permaneceu montado, confiando nela para encontrar seu destino através de caminhos tortuosos abertos pelos índios, por veados ou mesmo por homens brancos. Estava sozinho com o aroma da neve e do pinho, o barulho abafado dos cascos no solo e o brilho do cre­púsculo. Um mundo aquietado pelo mar de vento lavando as árvores.

O instinto lhe dizia que estava longe de Boston agora, longe das multidões, das famílias calorosas, da civilização. Seguro. Talvez seguro. A neve cobriria a trilha que seu cavalo deixava e o caminho marcado por seu próprio sangue.

Seu objetivo não era apenas ficar seguro. Nunca fora. Estava determinado a permanecer vivo, e por uma forte razão: um homem morto não podia lutar. Por tudo que era mais sagrado, tinha jurado lutar até que fosse livre.

Tremendo, apesar da camurça e das peles sobre o corpo, os dentes batendo com um frio que vinha tanto de fora como de seu interior, inclinou-se para a frente a fim de falar com o cavalo, sussurrando em galês. Sua pele estava pegajosa pelo suor que a dor provocava, e o sangue que perdia era como o gelo que se formava nos galhos das árvores que o cercavam. Podia ver a fu­maça branca que saía da boca da égua quando o animal respirava, enquanto andava com dificuldade na neve profunda. Rezou como somente um homem que sentia seu próprio sangue drenando do corpo podia rezar. Pela vida.

Ainda havia uma batalha a ser travada. De maneira alguma morreria antes que levantasse sua espada.

A égua relinchou em cumplicidade quando ele desmoronou contra o pescoço dela, a respiração ofegante. O problema estava no ar, assim como o cheiro de sangue. Com uma inclinação de cabeça, a égua continuou na direção do vento, seguindo seu próprio instinto de sobrevivência e se dirigindo para o Oeste.

A dor era como um sonho agora, flutuando na mente dele, nadando em seu corpo. Pensou que se pudesse pelo menos acordar a dor desapareceria. Como acontecia nos sonhos. Ele tinha outros sonhos... violentos e vividos. Lutar contra os britânicos por tudo que haviam lhe roubado. Recuperar seu nome e sua terra... lutar por tudo que os MacGregors tinham conquistado com orgulho, suor e sangue. Por tudo que haviam perdido.

Ele nascera na guerra. Parecia justo e correto que morresse na guerra. Mas não ainda. Esforçou-se para endireitar o corpo. Não ainda. A luta apenas tinha começado. Forçou uma imagem em sua mente. Uma imagem nítida. Hoje meus vestidos com peles e camurças, os rostos manchados de preto com cortiça queimada, fuligem e graxa, a bordo dos navios Dartmouth, Eleonor e Beaver. Homens comuns, lembrou-se, comerciantes, artesãos e estudantes. Alguns, embriagados, outros, abstêmios. A suspensão e destruição das arcas do detestável chá. Os respingos agradáveis quando caixas quebradas de chá atingiam a água fria do porto de Boston, no embarcadouro de Griffin. Lembrou-se da madeira como as arcas descartadas tinham sido empi­lhadas na sujeira da maré baixa como montes de feno.

Chá que era mora para os peixes, pensou. Sim, todos tinham ficado alegres, mas continuavam resolutos. Determinados. Unidos. Precisariam ser todas essas coisas para lutar e vencer a guerra que muita gente nem percebia que já havia começado.

Quanto tempo fazia desde a noite gloriosa? Um dia? Dois?

Tinha sido falta de sorte sua encontrar dois soldados britânicos embriagados quando o dia estava amanhecendo. Eles o reconhe­ceram. Seu rosto, seu nome e sua política eram famosos em Bos­ton. E ele nunca fizera nada para ser benquisto pela milícia britâ­nica.

Talvez, a intenção dos soldados tivesse sido apenas molestá-lo um pouco. Talvez não tivessem falado sério sobre cumprir a amea­ça de prendê-lo... com acusações que sequer deixaram claras. Mas quando um deles puxara a espada, a arma de MacGregor pratica­mente saltara em sua mão. A luta fora breve... e tola, tinha de ad­mitir agora. Ainda estava incerto se havia matado ou apenas ferido o soldado impetuoso. Porém, seu companheiro fora morto diante de seus olhos quando sacara a arma.

Embora MacGregor tivesse sido rápido para montar e cavalgar, a bala do arcabuz lhe atingira o ombro.

Podia senti-la agora, pulsando contra os músculos. Apesar do resto de seu corpo estar dormente, podia sentir aquele pequeno e agonizante ponto de calor. Foi então que sua cabeça também ficou dormente e não sentiu mais nada.

Quando acordou, sentia muita dor. Estava deitado sobre um cobertor de neve, o rosto para cima, de modo que podia ver, de forma turva, um redemoinho de flocos brancos contra o céu acinzentado. Tinha caído do cavalo. Não estava tão perto da morte que deixasse de se sentir embaraçado com a situação. Com esforço, ajoelhou-se. A égua esperava pacientemente a seu lado, olhando-o com uma expressão de surpresa.

- Vou confiar em você para guardar segredo disso, moça. - Foi o som fraco de sua própria voz que lhe despertou a primeira onda de medo. Cerrando os dentes, alcançou as rédeas, e levantou-se, trêmulo. - Abrigo.

Ele balançou, empalideceu, e soube que não conseguiria en­contrar forças para montar. Segurando-se com firmeza, fez um som para instigar a égua, e deixou-a puxar seu corpo cansado.

Passo a passo, lutou contra o desejo de desmoronar e deixar o frio levá-lo. Diziam que havia pouco sofrimento em congelar até a morte. Era como um sono, um sono frio e sem dor.

E como podiam saber a menos que vivessem para contar a história? Ele riu com o pensamento, mas a risada se transformou numa tosse que o enfraqueceu ainda mais.

Tempo, distância, direção, eram coisas absolutamente perdidas para ele. Tentou pensar na família, no carinho deles. Seus pais, irmãos e irmãs na Escócia. Amada Escócia, onde eles lutavam para manter a esperança viva. Suas tias, tios e primos na Virgínia, onde trabalhavam pelo direito de uma nova vida e uma nova terra. E ele encontrava-se em algum lugar no meio disso, dividido entre o amor pelo antigo e a fascinação pelo novo.

Mas em cada terra havia um inimigo. Pensar nisso lhe dava forças. Os britânicos. Malditos. Eles tinham condenado seu nome e assassinado seu povo. Agora estavam levando suas mãos gananciosas para o outro lado do oceano, de modo que o rei inglês meio louco pudesse impor suas leis absurdas e coletar impostos.

Ele tropeçou, e quase soltou as rédeas. Por um momento, ele descansou a cabeça no pescoço da égua, os olhos fechados. O rosto do pai surgiu em sua mente, os olhos ainda brilhando com orgulho.

- Construa um lugar para si mesmo - ele dissera ao filho. - Jamais esqueça, você é um MacGregor.

Não, ele não esqueceria.

Cuidadosamente, abriu os olhos. Então viu, através da neve que caía, a forma de uma construção. Piscou, esfregou os olhos cansados com a mão livre. A forma permanecia, acinzentada e indistinta, mas real.

- Bem, moça. - Ele inclinou-se pesadamente contra a égua. - Talvez este não seja o dia de morrer, afinal de contas.

Passo a passo, dirigiu-se para a construção. Era um estábulo, grande, feito de toras de pinho. Seus dedos dormentes abriram o trinco. Os joelhos ameaçaram dobrar. Então, estava do lado de dentro, com o cheiro e o calor abençoado dos animais.

Estava escuro. Ele moveu-se por instinto em direção a um monte de feno para a baia de uma vaca malhada. O animal protestou com mugido nervoso.

Foi o último som que ele ouviu.

 

Alanna vestiu sua capa de lã. O fogo na lareira da cozinha queimava brilhantemente, e tinha o aroma leve e alegre de maçã. Era uma coisa simples e normal, mas a agradava. Acordara muito bem-humorada. Devia ser a neve, imaginou, embora seu pai tivesse saído da cama reclamando do tempo. Ela adorava a pureza da neve, o modo como aderia aos galhos das árvores, que seus pais e irmãos ainda teriam de limpar.

A neve já estava diminuindo, e dentro de uma hora o caminho para o estábulo estaria cheio de pegadas, das suas inclusive. Havia animais para cuidar, ovos para recolher, arreios para reparar e madeira para cortar. Mas, por enquanto, por apenas um momento olhou pela pequena janela e apreciou o cenário.

Se seu pai a pegasse ali, iria menear a cabeça e chamá-la de sonhadora. Isso seria dito de maneira rude, não com raiva, pensou ela, mas com tristeza. Sua mãe tinha sido uma sonhadora mas falecera antes que seu sonho de possuir uma casa e uma terra fosse completamente realizado.

Cyrus Murphy não era um homem duro, pensou Alanna agora. Não fora sempre assim. Fora a morte, ou melhor, as muitas mortes o que o tornaram rude e espinhoso. Perdera duas crianças e, mais tarde, a amada mãe delas. Mais tarde, outro filho, o lindo e jovem Rory fora levado pela guerra contra os franceses.

Seu próprio marido, pensou Alanna, o doce Michael Flynn morrera de forma menos dramática, mas fora levado de qualquer maneira.

Ela não pensava em Michael com freqüência. Afinal, tinha sido esposa por apenas três meses, e já estava viúva há três anos. Ele fora um homem bom e amável, e Alanna ressentiam-se do fato de não terem tido a chance de construir uma família.

Mas aquele não era um dia para velhas tristezas, lembrou a si mesma. Puxando o capuz do casaco para a cabeça, saiu. Hoje era um dia de promessas, de começos. Faltava pouco tempo para o Natal. Estava determinada a fazer uma festa alegre.

Já havia passado horas em sua roda de fiar e no tear. Tecera cachecóis, luvas e gorros novos para seus irmãos. Azul para Johnny e vermelho para Brian. Para seu pai, ela pintara uma miniatura da mãe. E havia pago muitas moedas ao artesão local que trabalhava com prata por uma moldura.

Sabia que suas escolhas agradariam. Assim como a refeição que planejava para a festa de Natal. Era tudo que lhe importava... manter sua família unida, feliz e segura.

A porta do estábulo estava destrancada. Com um murmúrio de irritação, ela a abriu. Era bom que tivesse sido ela a descobrir isso, pensou, em vez de seu pai, ou seu irmão, Brian, que teriam paraguejado um bom tempo.

Assim que entrou no estábulo, tirou o capuz e se dirigiu automaticamente para os baldes de madeira que ficavam pendurados ao lado da porta. Porque estava quase escuro, pegou um lampião e acendeu-o cuidadosamente.

Quando terminasse a ordenha, Brian e Johnny chegariam para alimentar o gado e limpar as baias. Então, Alanna recolheria os ovos e prepararia o café-da-manhã para seus homens.

Ela começou a cantarolar enquanto descia o grande corredor para o centro do estábulo. Então, parou alarmada quando viu uma égua cansada ao lado da baia da vaca.

- Jesus amado! - Ela pôs uma das mãos sobre o coração. A égua soprou um cumprimento e se moveu.

Se havia um cavalo, havia um cavaleiro. Aos 20 anos, Alanna não era tão jovem ou tão ingênua para acreditar que todos os viajantes eram amigáveis e não significavam perigo para uma mulher sozinha. Ela podia ter se virado e corrido, gritado para chamar o pai e os irmãos. Todavia, embora tivesse assumido o nome de Michael Flynn, com o casamento, tinha nascido uma Murphy. E um Murphy protegia os seus.

Erguendo a cabeça, seguiu em frente.

- Quero saber seu nome e o que você faz - disse ela. Somente o cavalo respondeu. Quando estava perto o bastante, tocou o nariz da égua. - Que tipo de dono você tem, que a deixa molhada e selada? - Furiosa por ver o estado do animal, deixou os baldes no chão e levantou o tom de voz: - Muito bem, saia, quem estiver aí. Você está na terra dos Murphy.

As vacas mugiram.

Com uma das mãos no quadril, ela olhou ao redor.

- Ninguém está lhe negando abrigo da tempestade - continuou. - Ou um café-da-manhã decente. Mas quero falar com você por deixar seu cavalo desse jeito.

Como ainda não houvesse resposta, a raiva de Alanna aumentou. Resmungando, começou a tirar a sela da égua. E quase tropeçou num par de botas.

Botas boas, pensou, olhando para baixo. Elas apareciam pela entrada da baia da vaca, o couro marrom repleto de neve e lama. Ela se aproximou para ver as botas atadas a um par de pernas longas e musculosas em calça de camurça.

Quase um metro de pernas, pensou Alanna, mordiscando o lábio. E gloriosamente másculas na calça frouxa. Aproximando-se mais, viu quadris e cintura estreitos, e um torso coberto por um casaco de pele justo.

A silhueta de homem mais bonita que já vira. E, uma vez que ele escolhera o seu estábulo para dormir, ela tinha todo o direito de olhar. O homem era grande, decidiu, inclinando a cabeça e erguendo o lampião. Mais alto do que seus dois irmãos. Alanna deu mais um passo à frente, querendo ver o resto dele.

Os cabelos eram escuros. Não castanhos, percebeu, estreitando os olhos, mas de um vermelho profundo, como o cavalo castrado de Brian. Ele não usava barba, mas havia um restolho no queixo e ao redor da boca carnuda e bonita. Sim, o homem era bonito, concluiu com apreciação feminina. O rosto forte parecia de um aristocrata, com sobrancelhas altas e feições esculpidas.

O tipo de rosto que fazia o coração de uma mulher palpitar, ela tinha certeza. Mas não estava interessada em palpitações ou flertes. Queria que o homem se levantasse e saísse de seu caminho, para que pudesse fazer a ordenha.

- Senhor. - Ela cutucou-lhe a bota com a ponta da sua. Nenhuma resposta. Colocando as mãos nos quadris, decidiu que ele estava embriagado. O que mais faria um homem dormir como se estivesse morto? - Acorde, vagabundo. Não posso ordenhar com você aí. - Ela chutou-lhe a perna, não muito gentilmente, e ouviu um gemido fraco em resposta. - Certo, rapaz. - Alanna abaixou-se e deu-lhe uma boa sacudida. Estava preparada para sentir o cheio de bebida alcoólica, mas, em vez disso, um forte odor de sangue lhe chegou às narinas.

Esquecendo a raiva, ajoelhou-se para, cuidadosamente, afastar o casaco de pele dos ombros dele. Quase perdeu o fôlego quando viu a grande mancha ao longo da parte frontal da camisa. Seus dedos ficaram sujos de sangue quando sentiu a pulsação dele.

- Bem, você ainda está vivo - murmurou ela. - Com a ajuda de Deus e um pouco de sorte poderemos mantê-lo assim.

Antes que ela pudesse se levantar para chamar seus irmãos, a mão grande se fechou sobre seu pulso. Os olhos dele estavam abertos agora. Eram verdes, levemente azulados. Como o mar. Mas havia dor neles. A compaixão a fez inclinar-se para mais perto a fim de oferecer conforto.

Então, a mão de Alanna enterrou-se no feno quando ele tirou seu equilíbrio, de modo que ficou quase deitada em cima do homem. Teve a rápida percepção de um corpo firme e de um calor intenso. Seu tom de indignação foi abafado contra os lábios dele. O beijo foi breve, mas surpreendentemente firme antes que ele deitasse a cabeça de novo e lhe desse um rápido sorriso arrogante.

- Bem, não estou morto, pelo menos. Lábios como os seus não teriam lugar no inferno.

No que se referia a elogios, ela já havia recebido melhores. Antes que pudesse lhe dizer isso, ele desmaiou.

 

Ele flutuava num mar turbulento que alternava entre dor e alívio. Um uísque de boa qualidade aquecia-lhe a barriga e lhe entorpecia os sentidos. Todavia, sobre isso, recordava-se de uma agonia abrasadora, uma faca incandescente penetrando sua carne. Maldições chovendo sobre sua cabeça. Uma mão quente segurando a sua, dando-lhe conforto, contendo-o. Panos abençoadamente frios sobre suas sobrancelhas febris. Um líquido horroroso sendo despejado em sua garganta.

Ele gritou. Tinha gritado? Alguém viera acalmá-lo, com mãos e voz suaves e aroma de lavanda? Havia música lá, a voz de uma mulher, baixa e adorável? Cantando em galês? Da Escócia? Ele estava na Escócia? Mas, não, quando a voz lhe falou, não possuía o familiar sotaque escocês, mas o sotaque sonhador da Irlanda.

O navio. O navio tinha sido desviado e o levara para o Sul em vez de para casa? Lembrava-se de um navio. Mas este estivera no porto. Homens rindo entre si, os rostos manchados de preto e pintados. Machados balançando. O chá. O maldito chá.

Ah, sim, ele lembrava. Havia algum conforto nisso. Eles tinham feito seu protesto.

Ele levara um tiro. Não naquele momento, mas depois. Ao amanhecer. Um erro, um erro tolo.

Em seguida, houvera neve e dor. Tinha acordado para ver o rosto de uma mulher. Uma linda mulher. Um homem podia pedir pouco mais do que acordar para uma linda mulher, tanto fazia se acordasse vivo ou morto. O pensamento o fez sorrir quando abriu os olhos pesados. No que dizia respeito a sonhos, aquele tinha suas virtudes.

Então, ele a viu sentada, trabalhando no tear perto de uma janela, onde o sol forte batia-lhe nos cabelos, cabelos tão negros quanto as asas de qualquer ave de rapina que voasse na floresta. Usava um vestido liso de lã azul-marinho, com avental branco por cima. Ele podia ver que ela era delgada, podia notar as mãos graciosas que teciam. Com um ruído rítmico, criava um padrão vermelho entremeado à lã verde-escura.

Ela cantava enquanto trabalhava, e ele reconheceu a voz. Era a mesma que o confortara em seus sonhos perturbados de calor e frio. Podia ver-lhe o perfil. A pele clara levemente rosada, a curva suave que levava à boca grande e generosa, com uma covinha ao lado, o nariz pequeno que parecia inclinar-se um pouquinho na ponta.

Pacífica. Apenas observá-la lhe dava uma sensação de paz e o tentava a fechar os olhos e dormir novamente. Mas queria vê-la, absorver-lhe a beleza. E precisava que ela lhe dissesse onde ele estava.

No momento em que se mexeu, Alanna ergueu a cabeça. Virou-se para olhá-lo. Ele pôde ver-lhe os olhos agora... de um azul tão rico e profundo quanto safiras. Enquanto a estudava, lutando a fim de conseguir forças para falar, ela se levantou, alisou a saia e se aproximou.

A mão delicada era fria na sobrancelha dele, e familiar. De maneira breve, mas com mãos infinitamente gentis, ela verificou sua atadura.

- Então, você se juntou aos vivos? - perguntou Alanna, enquanto ia até uma mesa ali perto e despejava alguma coisa em uma xícara de peltre.

- Você sabe a resposta para isso melhor do que eu - disse ele. Rindo, Alanna levou a xícara aos lábios dele. O aroma era familiar, assim como o gosto horrível. - O que é essa coisa?

- O que é bom para você - replicou ela, e colocou o líquido em sua boca de modo rude. Quando o sentiu olhando-a, Alanna riu novamente. - Você cuspiu em mim tantas vezes que aprendi a não correr o risco.

- Quanto tempo?

- Quanto tempo você está conosco? - Ela tocou-lhe a testa de novo. A febre tinha cedido durante a última longa noite, e o gesto de Alanna era apenas hábito. - Dois dias. Hoje é 20 de dezembro.

- Minha égua?

- A égua está bem. - Ela assentiu, satisfeita que ele estivesse pensando no animal. - É melhor dormir mais um pouco. Vou lhe preparar um caldo de carne para fortalecê-lo, senhor...

- MacGregor - respondeu ele. - Ian MacGregor.

- Descanse então, sr. MacGregor.

Mas ele alcançou-lhe a mão. Tão pequena, pensou. Entretanto, tão competente...

- Seu nome?

- Alanna Flynn. - Ele possuía uma boa mão, pensou ela, não tão bruta quanto as de seu pai ou de seus irmãos, porém forte. - Você é bem-vindo aqui até que se recupere.

- Obrigado. - Ian manteve a mão delicada na sua, brincando com os dedos de um jeito que, se não tivesse acabado de sair de uma febre, teria feito Alanna pensar que estava flertando com ela. Então, lembrou-se de que ele a beijara quando estivera sangrando, à beira da morte no estábulo, e cuidadosamente puxou a mão. Ele sorriu. Não havia outra maneira de descrever o rápido curvar de lábios.

- Estou em débito com você, srta. Flynn.

- Sim, está. - Ela se levantou, cheia de dignidade. - E é sra. Flynn.

Ian não podia se lembrar de ter se sentido mais desapontado. Não que se importasse em flertar com mulheres casadas, se elas estivessem de acordo. Mas nunca teria considerado levar o flerte mais longe do que alguns sorrisos e palavras doces com a mulher de um outro homem. Era uma pena, pensou enquanto estudava Alanna Flynn. Uma grande pena.

- Estou grato a você, sra. Flynn, e a seu marido.

- Agradeça ao meu pai. - Ela disse isso com um sorriso que fez a covinha se aprofundar. Ele era malandro, Alanna não tinha dúvida quanto a isso. Mas também estava fraco e, no momento, sob seus cuidados. - Esta é a casa dele, e meu pai deve voltar em breve. - Com as mãos nos quadris, estudou-o. A cor do rosto estava melhor, notou, embo1,41ra um corte de cabelo pudesse cair bem.        

E barbear-se não lhe faria mal. Apesar disso, era um homem de excelente aparência. E como era suficientemente feminina para reconhecer o brilho nos olhos que a fitavam agora, se manteria alerta.                                                                                                 

- Se você não vai dormir, é melhor comer. Vou buscar o caldo de carne.      

Alanna o deixou para ir à cozinha, os saltos soando levemente no piso de tábuas. Sozinho, Ian ficou deitado e deixou os olhos vagarem ao redor do quarto. O pai de Alanna Flynn tinha construído a casa sozinho, pensou. As janelas eram envidraçadas, as paredes pintadas de branco. A cama onde se encontrava estava perto da lareira acesa, cujas pedras brilhavam de tão limpas. Acima o consolo da lareira era feito da mesma pedra nativa. Sobre ela, velas fixadas em um par de castiçais de porcelana chinesa. Havia duas peças de caçar aves acima de tudo, e uma boa fecharia de pederneira, também.

O tear ficava perto da janela, e no canto havia uma roda de fiar. Não tinha uma única mancha de poeira na mobília enfeitada com algumas almofadas bordadas. Havia um aroma... maçãs assadas e carnes temperadas. Uma casa confortável, pensou ele, construída num lugar deserto. Um homem tinha de respeitar um outro que podia fazer sua marca daquela forma. E um homem teria de lutar para manter o que havia construído.

Valia a pena lutar por certas coisas. Valia a pena morrer por certas coisas. Por sua terra. Pelo seu nome. Pela sua mulher. Sua liberdade. Ian estava mais do que pronto para levantar sua espada. Quando tentou sentar-se, o quarto aconchegante pareceu girar.

- Não é um típico homem? - Alanna voltou com uma tigela de sopa. - Desfazendo todo o meu trabalho. Fique deitado quieto, você esta tão fraco quanto um bebê, e duas vezes mais irritado.

- Sra. Flynn...

- Coma primeiro, fale depois.

Sem defesa ele engoliu a primeira colherada da sopa que ela lhe pôs na boca.

- O caldo de carne está gostoso, mas posso me alimentar sozinho.

- E derramar nos lençóis limpos? Não, obrigada. Você precisa de sua força. - Ela o tranqüilizou como faria com seus próprios irmãos. - Perdeu muito sangue antes de chegar até nós. E mais ainda quando a bala foi removida. - Alanna falava enquanto lhe dava a sopa, e sua mão não tremia. Mas o coração, sim.

Sentindo o aroma das ervas e a fragrância de lavanda dela, Ian começou a pensar que ser alimentado tinha suas vantagens.

- Se não estivesse tão frio - continuou ela -, você teria sangrado mais rapidamente e morrido na floresta.

- Então, tenho de agradecer tanto à natureza quanto a você. Ela lhe lançou um olhar calculado.

- Dizem que Deus trabalha de maneiras misteriosas. Aparentemente, ele decidiu mantê-lo vivo depois que você fez de tudo para morrer.

- E me colocou nas mãos de um vizinho. - Ele sorriu de novo charmosamente. - Nunca estive na Irlanda, mas ouvi dizer que é um lindo país.

- Assim diz meu pai. Eu nasci aqui.

- Mas seu sotaque é irlandês.

- E o seu é escocês.

- Faz cinco anos desde que vi a Escócia pela última vez. - Uma sombra cruzou os olhos dele e desapareceu. - Passei um tempo em Boston. Eu me formei lá e tenho amigos.

- Formou-se. - Pelo modo como ele falava, Alanna já tinha reconhecido que era estudado, e o invejava por isso.

- Em Harvard. - lan deu um pequeno sorriso.

- Entendo. - E ela o invejou ainda mais. Se sua mãe tivesse vivido... Ah, mas sua mãe morrera, e Alanna  nunca tivera mais do que uma cartilha para aprender a ler e a escrever. - Você está longe de Boston agora. Um dia cavalgando. Tem família ou amigos que podem estar preocupados?

- Não. Ninguém que se preocuparia. - Ele queria tocá-la. Era errado, contra seu próprio código de honra. Mas queria ver se o rosto dela era tão maravilhosamente suave quanto parecia. Se os cabelos seriam espessos e pesados. Se a boca seria tão doce quanto tudo indicava.

Alanna ergueu os cílios, e os olhos, claros e frios, encontraram os seus. Por um momento, lan pôde ver apenas o rosto bonito, inclinando-se sobre o dele. Então, lembrou-se. Já tinha provado aqueles lábios uma vez.

Apesar de suas melhores intenções, não pôde evitar que os olhos fossem para aqueles lábios é se demorassem lá. Quando ela demonstrou estar tensa, lan levantou os olhos. Não havia um pedido de desculpas neles, mas divertimento.

- Devo lhe pedir perdão, sra. Flynn. Não era eu mesmo quando você me encontrou no estábulo.

- Voltou a ser você mesmo rapidamente - devolveu ela, e o fez rir até recuar de dor.

- Então, eu lhe peço perdão mais uma vez, e espero que seu marido não me ponha para fora.

- Há pouco risco de isso acontecer. Ele está morto a três anos.

lan olhou para cima imediatamente, mas ela apenas pôs mais uma colherada do caldo na sua boca. Que Deus o castigasse, mas não podia dizer que sentia muito em saber que Flynn tinha ido encontrar seu Criador. Afinal de contas, racionalizou lan, nem conhecera o homem. E que melhor maneira de passar um dia ou dois se recuperando no colo de uma jovem viúva linda?

Alanna sentiu o cheiro do desejo da mesma forma que um caçador sente o cheiro da caça, e se levantou, ficando fora de alcance.

- Descanse agora.

- Sinto como se eu já tivesse descansado semanas. - Deus, ela era adorável, cheia de curvas e cheia de vida. lan tentou seu sorriso mais intrigante. - Posso lhe pedir que me ajude a sentar em uma cadeira? Eu me sentiria mais eu mesmo se pudesse me sentar, talvez olhar pela janela.

Ela hesitou não porque estivesse com medo de não poder movê-lo. Considerava-se forte como um touro, mas não confiava no brilho que vira nos olhos dele.

- Tudo bem, então, mas você vai se apoiar em mim e ir devagar.   

- Com prazer. - Ele pegou-lhe a mão e a levou aos lábios. Antes que ela pudesse recuar, lan virou-lhe a mão e roçou os lábios em sua palma, como nenhum homem jamais fizera. O coração de Alanna disparou violentamente. - Você tem olhos da cor de jóias que vi uma vez em volta do pescoço da rainha da França. Safíras - murmurou ele. - Uma palavra sedutora.

Ela não se moveu. Não podia. Nunca em sua vida um homem a olhara daquela maneira. Sentiu um calor se espalhando do estômago para os seios subitamente enrijecidos, subindo para o pescoço, onde a pulsação estava acelerada, e para o rosto. Então, ele sorriu, aquele sorriso rápido e charmoso. Ela puxou a mão.

- Você é um malandro, sr. MacGregor.

- Sim, sra. Flynn. Mas isso não torna minhas palavras menos verdadeiras. Você é linda. Assim como seu nome. Alanna. - Ele demorou-se em cada sílaba.

Ela era esperta o bastante para não se deixar levar por elogios. Mas o centro de sua palma ainda queimava.

- É o meu nome, e você vai esperar até que eu peça para usá-lo. - Foi com alivio que ela ouviu os sons do lado de fora da casa. Arqueou as sobrancelhas quando percebeu que lan também ouvira e ficava alerta. - São meu pai e meus irmãos. Se você ainda quiser se sentar perto da janela, eles o ajudarão. - Dizendo isso, foi para a porta.

Eles estariam com frio e com fome, pensou Alanna, e comeriam as tortas de carne e de maça que ela fizera sem pensar no tempo e cuidado que tinham sido necessários para prepará-las. Seu pai só reclamava do que não era feito. Johnny estaria pensando em quão rapidamente poderia ir para a vila a fim de cortejar a jovem Mary Wyeth. Brian enfiaria o nariz em um de seus livros e leria perto da lareira até adormecer.

Eles entraram, trazendo frio e neve derretida, assim como vozes masculinas em tom alto.

lan relaxou quando notou que era realmente a família dela. Talvez fosse tolice pensar que os britânicos o seguiriam todo aquele caminho através da neve, mas não era um homem de baixar a guarda. Viu três homens... ou dois homens e um garoto quase crescido. O homem mais velho era só um pouco mais alto do que Alanna, com uma constituição robusta. O rosto era avermelhado e endurecido por anos de vento e clima ruim, os olhos, uma versão mais pálida dos da filha. Ele tirou o casaco de capuz, revelando cabelos finos e arenosos.

O filho mais velho se parecia com o pai, porém, era mais alto e menos robusto. Havia em suas feições calma e paciência, que faltavam no pai.

O mais novo era quase igual ao irmão, mas ainda possuía o orvalho da juventude na face. Tinha o mesmo tom de pele rosado da irmã.

- Nosso hóspede está acordado - anunciou Alanna, e três pares de olhos voltaram-se para ele. - lan MacGregor este é meu pai, Cyrus Murphy, e meus irmãos, John e Brian.

- MacGregor - disse Cyrus numa voz estrondosa. - Um nome estranho.

Apesar da dor, lan tensionou o corpo e posicionou-se o mais ereto possível.

- Um nome do qual me orgulho.

- Um homem deve orgulhar-se de seu nome - murmurou Cyrus enquanto estudava lan. - E tudo com que ele nasce. Fico satisfeito que você decidiu viver, uma vez que o solo está congelado e não poderíamos enterrá-lo até a primavera.

- Foi um alívio para mim, também. Satisfeito com a resposta, Cyrus assentiu.

- Vamos lavar as mãos para o jantar.

- Johnny. - Alanna deteve o irmão, segurando-lhe o braço. - Pode ajudar o sr. MacGregor a se sentar na cadeira perto da janela antes de ir comer?

Com um breve sorriso, Johnny olhou para lan.

- Você pesa como chumbo, MacGregor. Não foi fácil trazê-lo para dentro de casa. Dê-me uma ajuda aqui, Brian.

- Obrigado. - lan reprimiu um gemido quando ergueu os braços sobre os dois pares de ombros. Amaldiçoando as pernas fracas, jurou a si mesmo que estaria em pé e andando no dia seguinte. Mas estava transpirando no momento que eles o acomodaram na cadeira.

- Você está indo muito bem para um homem que enganou a morte - disse Johnny, compreendendo bem a frustração de outro homem que se encontrava doente.

- Sinto como se tivesse bebido uma caixa de rum e depois sido arrastado pela tempestade para o mar.

- Sim. - Johnny bateu-lhe no ombro de maneira amigável. - Alanna o deixará bom. - Ele saiu a fim de lavar as mãos para jantar, já sentindo o aroma de carne temperada.

- Sr. MacGregor? - Brian parou diante dele. Havia tanto timidez quanto intensidade nos olhos do garoto. - Você seria muito jovem para ter lutado na guerra de 1745? - Quando lan franziu o cenho, o garoto continuou, apressado: - Li tudo sobre isso, a Rebelião de Stuart e o formoso príncipe e todas as batalhas. Mas você seria muito novo para ter lutado.

- Nasci em 1746 - disse lan. - Durante a Batalha de Culloden. Meu pai lutou na rebelião. Meu avô morreu nela.

Os intensos olhos azuis se arregalaram.

- Então você poderia me contar mais do que posso encontrar nos livros.

- Sim. - lan sorriu. - Eu posso lhe contar mais.

- Brian. - A voz de Alanna era enérgica. - O sr. MacGregor precisa descansar, e você precisa comer.

Brian deu um passo atrás, mas observou lan.

- Podemos conversar depois do jantar se você não estiver cansado.

Ian ignorou os olhares tempestuosos de Alanna e sorriu para o garoto.

- Eu gostaria disso.

Alanna esperou até que Brian saísse do quarto. Quando falou, a fúria quase descontrolada na voz surpreendeu lan.

- Não quero que você encha a cabeça dele com a glória de guerras, batalhas e causas.

- Ele parece ter idade suficiente para decidir sobre o que quer conversar.

-  Ele é um garoto ainda, e tem a cabeça cheia de bobagens. - Com dedos tensos, ela dobrou o avental, mas os olhos permaneceram nivelados e intransigentes. - Posso não ser capaz de impedir meu irmão de ir à vila a fim de treinar para recruta, mas não quero conversa sobre guerra na minha casa.

- Haverá mais do que conversa, e logo - murmurou lan suavemente. - É tolice para um homem... e para uma mulher... não se preparar para isso.

Ela empalideceu, mas manteve o queixo firme.

- Não haverá guerra nesta casa - repetiu, e correu para a cozinha.

 

Ian acordou cedo na manhã seguinte para o sol úmido de inverno e o delicioso cheiro de pão assando. Por um momento, ficou deitado quieto, apreciando os sons e os aromas da manhã. Atrás dele, o fogo queimava baixo e brilhante, enviando um calor confortável. Da direção da cozinha vinha a voz de Alanna. Dessa vez, ela cantava em inglês. Por alguns minutos, ele ficou encantado demais com o som em si para prestar atenção na letra da música. Assim que as palavras penetraram-lhe a mente, seus olhos se arregalaram, primeiro em surpresa, depois em divertimento.

Era uma cantiga rude, mais apropriada para marinheiros ou homens embriagados do que para uma jovem viúva de família.

Então, pensou, a adorável Alanna tinha um senso de humor lascivo. Gostou ainda mais dela por isso, embora duvidasse que a moça tivesse cantado palavras obscenas tão facilmente se soubesse que tinha uma audiência. Tentando se mover em silêncio, lan tirou as pernas da cama. Foi necessário algum esforço para se levantar, o que o deixou tonto, fraco e furioso, Teve de esperar, ofegando como um homem velho, uma grande mão pressionada contra a parede para apoio. Assim que recuperou o fôlego, tentou um passo à frente. O quarto pareceu girar, fazendo-o cerrar os dentes. O braço pulsou vigorosamente. Concentrando-se na dor, foi capaz de dar outro passo, e mais um, grato que ninguém estivesse lá para ver seu progresso patético e enfadonho.

Era pateticamente deprimente que uma pequena bala de aço pudesse ter atingido um MacGregor.

O fato de que a bala tinha sido inglesa o pressionou a colocar um pé na frente do outro. Suas pernas pareciam estar cheias de água, e um suor frio lhe percorria as sobrancelhas e a nuca. Mas em seu coração havia um orgulho inabalável. Se não tivesse sido impedido de lutar de novo, certamente lutaria. E não podia lutar até que conseguisse andar.

Quando alcançou a porta da cozinha, exausto e suado do esforço, Alanna estava cantando uma canção de Natal. Ela parecia não ver inconsistência em sussurrar sobre mulheres muito dadas em um momento e cantar sobre anjos no minuto seguinte.

Para lan não importava o que ela cantava. Enquanto ficou parado ali, observando, ouvindo, sabia, com a mesma certeza que tinha de que um MacGregor sempre viveria nas Terras Altas, que a voz de Alanna iria segui-lo até o túmulo. Jamais se esqueceria daquela voz, da clareza, dos tons ricos, da pequena rouquidão que o fazia imaginá-la com os cabelos soltos e espalhados sobre um travesseiro.

O travesseiro dele, percebeu com um sobressalto interior. Era lá que a queria, sem sombra de dúvida, e com tanta força que quase podia sentir os cachos sedosos em seus dedos.

A maior parte daqueles cachos escuros estava embaixo de um gorro agora. Isso devia dar-lhe uma aparência recatada. Contudo, algumas mechas escapavam, para se aninharem... de maneira sedutora, pensou ele... ao longo da nuca delicada. Ele podia facilmente se imaginar trilhando os dedos ali também. Sentir a pele sedosa esquentar e o corpo se mover. Contra o seu.

Ela seria tão ágil na cama quanto era no fogão? Talvez não estivesse tão fraco, afinal, refletiu lan, se cada vez que via aquela mulher seu corpo começava a pulsar, e a mente a viajar por um caminho particular. Se não temesse cair com o rosto no chão e sentir-se mortificado, teria atravessado o cômodo, virado-a para si, puxado-a para seus braços e lhe roubado um beijo. Em vez disso, aguardou, esperançosamente, que suas pernas se fortalecessem.

Ela misturou um punhado de farinha enquanto alguma outra coisa assava no forno. Ele podia ver as mãos pequenas e capazes pressionarem e moldarem a massa. Pacientemente. Incansavelmente. Enquanto a observava, sua mente rebelde encheu-se de pensamentos tão luxuriosos que Ian gemeu.

Alanna virou-se rapidamente, as mãos ainda ao redor da bola de massa. Seus primeiros pensamentos a envergonharam, pois quando o viu preenchendo a entrada da porta, vestindo uma calça grossa e camisa totalmente aberta, perguntou-se como poderia seduzi-lo para que ele a beijasse novamente. Desgostosa consigo mesma, largou a massa e correu na direção dele. O rosto de lan estava pálido, e o corpo começava a balançar. Por experiência prévia, Alanna sabia que se ele atingisse o chão ela teria muito trabalho para levá-lo de volta à cama.

- Agora, sr. MacGregor, apóie-se em mim. - Uma vez que a cadeira estava mais perto, e ele pesava bastante, ela o conduziu para lá antes de se dirigir a ele. - Tolo - murmurou mais com contentamento do que com raiva. - Mas, então, descobri que quase todos os homens o são. É melhor que você não tenha aberto seu ferimento de novo, pois acabei de lavar este piso e não quero sangue nele.

- Sim, senhora. - Foi uma resposta fraca, mas a melhor que lan conseguiu quando o aroma dela nublou-lhe a mente e o rosto adorável estava inclinado tão perto do seu. Podia ter contado cada um dos sedosos cílios pretos.

- Você só tinha de chamar, sabe? - disse ela, um pouco aliviada quando notou que a bandagem dele estava seca. E como teria agido com um de seus irmãos, Alanna começou a abotoar-lhe a camisa. lan forçou-se a reprimir um outro gemido.

- Eu precisava testar minhas pernas. - Seu sangue não estava apenas circulando agora, mas correndo nas veias. Como resultado, sua voz tinha um traço de rouquidão. - Não vou me recuperar se ficar deitado naquela cama.

- Você vai se levantar quando eu disser, não antes. - Com isso, ela se afastou e começou a misturar alguma coisa numa xícara de peltre. lan sentiu o cheiro e recuou.

- Eu não vou tomar mais essa coisa.

- Você vai beber e ficar agradecido. - Ela pôs a xícara sobre a mesa -, se quiser mais alguma coisa em seu estômago.

Ele a olhou de um jeito que sabia que faria homens adultos recuarem ou correrem para pedir cobertura. Alanna simplesmente colocou as mãos nos quadris e o encarou de volta. lan estreitou os olhos. Ela fez o mesmo.

- Você está zangada porque conversei com o jovem Brian ontem à noite.

Ela ergueu o queixo, apenas um pouquinho, mas foi o suficiente para dar-lhe uma arrogância elegante.

- E se você tivesse descansado em vez de ficar tagarelando sobre a glória da guerra, não estaria tão fraco e irritável esta manhã.

- Não estou irritável ou fraco.

Quando ela bufou, Ian desejou fervorosamente que tivesse forças para se levantar. Sim, então a teria beijado até deixá-la zonza, mostrando-lhe do que um MacGregor era feito.

- Se estou irritado - começou ele entre os dentes cerrados - é porque estou a ponto de morrer de fome.

Alanna sorriu-lhe, satisfeita de manter a vantagem.

- Terá seu café-da-manhã depois que esvaziar essa xícara, nem um momento antes. - Com um giro das saias rodadas, ela virou-se de volta para a massa de pão.

Enquanto ela estava de costas, Ian olhou ao redor, à procura de um lugar para jogar o líquido de gosto horroroso. Não encontrando nenhum, olhou-a com uma carranca. Alanna sorriu. Não tinha sido criada numa casa cheia de homens para nada. Sabia exatamente o que se passava na mente de Ian. Ele era teimoso, pensou, manuseando a massa. Mas ela também era.

Começou a cantarolar.

Ian não mais pensou em beijá-la, mas considerou seriamente estrangulá-la. Lá estava ele, faminto como um urso, com o cheiro sedutor de pão assando, e tudo que ela lhe dava era uma xícara de líquido detestável.

Ainda cantarolando, Alanna pôs a massa de pão numa vasilha para descansar e cobriu-a com um pano limpo. Facilmente ignorando-o, verificou o forno e decidiu que era hora de tirar o outro pão. Quando colocou as fatias em uma prateleira para esfriar, o aroma abençoado encheu a cozinha.

Ele tinha seu orgulho, pensou Ian. Mas de que serviria o orgulho se um homem morresse de fome? Ela pagaria por aquilo, prometeu a si mesmo quando ergueu a xícara e bebeu tudo.

Alanna certificou-se de dar-lhe as costas quando sorriu. Sem dizer nada, esquentou a frigideira. Minutos depois, colocou um prato com ovos e grossas fatias de pão diante dele. Então, adicionou um pouco de manteiga e uma xícara de café quente.

Enquanto Ian comia, ela ocupou-se lavando a frigideira, limpando os balcões para que nenhum grão de farinha permanecesse.

Era uma mulher que apreciava suas manhãs sem companhia, que gostava de ter o domínio de sua cozinha e das centenas de tarefas que esta exigia. Entretanto, não desgostava da presença de Ian lá, embora tivesse ciência de que ele a observava com seus olhos da cor do mar. Estranhamente, o fato de ele se sentar à sua mesa e provar sua comida parecia natural, até mesmo familiar de alguma maneira.

Não, não desgostava da presença de Ian, mas também não podia relaxar com isso. O silêncio que se instalou entre eles não mais parecia colorido pela irritação de cada um. Mas continha alguma outra coisa, algo que a deixava nervosa e fazia seu coração disparar.

Necessitando mudar o clima, virou-se para ele. Ian estava realmente observando-a, notou. Não com raiva, mas com... interesse. Era uma palavra fraca para o que via nos olhos verde-azulados, porém não havia riscos em usá-la. De repente, Alanna sentiu a necessidade de se sentir segura.

Os lábios dele se curvaram de um jeito que a informou que Ian seria um cavalheiro somente se e quando escolhesse ser.

- Eu lhe agradeço, sra. Flynn, com toda sinceridade. Será que eu poderia lhe implorar por mais uma xícara de café?

As palavras eram bastante adequadas, mas ela não confiava na expressão dos olhos de Ian. Manteve-se fora de alcance enquanto pegava a xícara.

- Chá seria melhor para você - murmurou ela quase para si mesma. - Mas não o bebemos nesta casa.

- Em protesto?

- Sim. Não consumiremos o produto amaldiçoado até que o rei ouça a voz da razão. Outras pessoas protestam de maneira mais tola e perigosa.

Ele observou-a levantar o pote do fogão.

- De que maneira? Alanna deu de ombros.

- Johnny ouviu dizer que os Filhos da Liberdade decidiram destruir caixas de chá armazenadas em três navios no porto de Boston. Eles se disfarçaram de indianos e subiram a bordo dos navios sob as armas de três homens de guerra. Antes que a noite terminasse, haviam jogado todas as propriedades da Companhia Indiana na água.

- E você acha que isso é bobagem?

- Ousadia, certamente - disse ela com um outro movimento im­paciente. - Talvez até mesmo heróico, especialmente aos olhos de Brian. Mas bobagem, porque isso só fará com que o rei imponha medidas ainda mais extremas. – Alanna colocou a xícara diante dele.

- Então, você acredita que é melhor não fazer nada quando a injustiça é entregue com uma mão generosa? Devemos simplesmente ficar sentados como cães treinados e aceitar a agressão?

O sangue dos Murphy subiu à face dela.

- Nenhum rei vive para sempre.

- Ah, então devemos esperar até que o lunático George morra em vez de lutarmos agora pelo que é certo?

- Já vimos guerra e desgostos demais nesta casa.

- Haverá mais guerra, Alanna, até que tudo seja resolvido.

- Resolvido - repetiu ela enquanto ele calmamente dava um gole no café. - Grudar penas em nossos cabelos e esmagar caixas de chá vai resolver alguma coisa? Resolvido como foi para as esposas e mães daqueles que caíram em Lexington? E para quê? Para sepulturas e lágrimas?

- Por liberdade - disse ele. - Por justiça.

- Palavras. - Ela meneou a cabeça. - Palavras não morrem. Homens, sim.

- Homens devem morrer, de idade avançada ou por uma espada. Você pode acreditar que é melhor abaixar a cabeça sob as correntes dos ingleses, repetidamente, até que nossas costas se quebrem? Ou devemos nos manter de cabeça erguida e lutar pelo que é nosso por direito?

Alanna sentiu um arrepio de medo quando observou o brilho nos olhos dele.

- Você fala como um rebelde, MacGregor.

- Como um americano - corrigiu ele. - Como um Filho da Liberdade.

- Eu devia ter adivinhado - murmurou ela. Pegou o prato dele, colocou-o de lado, então, incapaz de se conter, aproximou-se novamente. - O naufrágio do chá vale sua vida?

Distraído, lan tocou o ombro com a mão.

- O tiro foi um erro de cálculo - disse ele -, e nada que real­mente estivesse relacionado com nossa pequena festa do chá.

- Festa do chá. - Alanna olhou para o teto. - Bem característico de um homem rir da revolução, como se não fosse importante.

- E característico de uma mulher torcer as mãos em desespe­ro com o pensamento de uma luta.

Ela o olhou fixamente.

- Eu não torço minhas mãos em desespero - declarou Alanna com precisão. - E certamente não derramaria uma lágrima por tipos como você.

O tom de lan mudou tão rapidamente que ela piscou.

- Ah, mas você vai sentir minha falta quando eu partir.

- Vá sonhando - murmurou ela, e reprimiu um sorriso. - Ago­ra, volte para cama.

- Duvido que eu esteja forte o bastante para fazer isso so­zinho.

Ela deu um suspiro, mas aproximou-se para lhe oferecer o ombro. Ele segurou-lhe o ombro, e o resto do corpo. Em um mo­vimento rápido, ela estava no colo de lan. Amaldiçoou-o com tanta ousadia que ele teve de admirá-la.

- Diferenças políticas à parte, você é muito bonita, Alanna - disse ele. - E descobri que faz muito tempo que não tenho uma mulher quente nos braços.

- Filho de sapo! - exclamou ela e tentou sair do colo dele. lan recuou quando uma pontada de dor atingiu seu braço ferido.

- Meu pai protestaria contra isso, querida.

- Não sou sua querida, seu réptil fingido.

- Continue me insultando e terá minha ferida aberta e sangue sobre o chão limpo de sua cozinha.

- Nada me daria mais prazer.

Encantado, ele sorriu e segurou-lhe o queixo na mão.

- Para alguém que critica tanto os demônios da guerra, você gosta muito de ver sangue.

Ela o xingou até perder o fôlego. Seu irmão, John, tinha dito a pura verdade quando declarara que lan era forte como um touro.

Não importava o quanto ela se contorcesse... encantando-o no processo... ele continuava prendendo-a.

- Que você pegue uma infecção - disse ela. - Você, e todo seu clã.

Ian pretendera fazê-la pagar por tê-lo obrigado a tomar o remédio horrível. Apenas a puxou para seu colo a fim de causar-lhe desconforto. Então, quando Alanna se debateu, achou que seria certo provocá-la um pouco e ceder ao próprio desejo. Com apenas um beijo. Um rápido beijo roubado. Afinal de contas, ela já estava ofegando.

Na verdade, ele estava rindo quando lhe cobriu a boca com a sua. O ato começou como uma brincadeira para provocá-la. Queria ouvir mais um conjunto de insultos da boca de Alanna quando o beijo terminasse.

Mas a risada de Ian morreu rapidamente. O corpo dela que se contorcia ficou subitamente imóvel.

Um beijo rápido e amigável, disse a si mesmo, mas sua cabeça estava girando. Sentiu-se zonzo e fraco como ficara no momento em que colocara suas pernas bambas no chão.

Isso não tinha nada a ver com o ferimento de diversos dias atrás. Apesar de haver dor, era uma dor doce que se espalhava por todo o seu corpo. Impressionado, imaginou se havia sido impedido de lutar novamente só para receber o presente daquele beijo perfeito.

Alanna não lutou mais. Em seu coração de mulher, sabia que deveria. Todavia, o mesmo coração entendia que não podia. Seu corpo, rígido com o primeiro choque, tornou-se suave, receptivo.

Ele era gentil e rude ao mesmo tempo, pensou. Os lábios eram frios e macios contra os seus, enquanto os pêlos da barba meio crescida roçavam contra sua pele. Ela ouviu seu próprio gemido quando entreabriu os lábios, então, provou-o na sua língua. Pousou a mão no rosto dele, adicionando doçura. Ele acariciou-lhe os cabelos, adicionando paixão.

Por um momento fascinante, Ian aprofundou o beijo, levando-a para além de onde ela conhecia e para onde apenas sonhara. Alanna provou o gosto rico da boca de Ian, sentiu os músculos sólidos do peito largo. Então, ouviu-o praguejando enquanto se afastava.

Ian podia apenas olhá-la. Enervava-o o fato de que podia fazer pouco mais do que isso. Tinha tirado o gorro dela a fim de tocar-lhe os cabelos e ver as mechas pretas caírem sobre os ombros. Os olhos de Alanna estavam tão grandes, tão azuis contra a pele suavemente branca, que ele temeu que pudesse mergulhar neles.

Aquela era uma mulher que podia fazê-lo esquecer deveres, honra, justiça. Aquela era uma mulher, percebeu, que poderia fazê-lo rastejar por uma palavra amável.

Ele era um MacGregor. Nunca poderia se esquecer. Jamais poderia rastejar.

- Peço perdão, senhora. - A voz dele era educada e tão fria que Alanna sentiu o calor esvair-se de seu corpo. - Isso foi imper­doável.

Cuidadosamente, ela se levantou. Com a visão nublada, pro­curou por seu gorro no chão. Encontrando-o, endireitou o corpo e olhou por sobre o ombro dele.

- Eu lhe peço mais uma vez, MacGregor. Volte para sua cama. Alanna não moveu um único músculo até que ele partiu. Então, secou uma lágrima inoportuna e voltou ao trabalho. Não pensaria nisso, prometeu a si mesma. Não pensaria nele.

Descontou sua frustração na massa de pão-recém-crescida.

 

O Natal sempre tinha trazido muita alegria a Alanna. As preparações lhe davam prazer... cozinhar, assar, costurar e limpar. Sua política sempre fora perdoar desconsiderações, pequenas ou grandes, no espírito de doar. Esperava ansiosamente colocar seu melhor vestido e ir à vila para a missa.

Todavia, à medida que este Natal se aproximava, sentia-se deprimida e irritada. Com muita freqüência, pegava-se sendo grosseira com seus irmãos, impaciente com seu pai. Tornava-se chorosa por causa de um bolo queimado, então saía de casa furiosa quando Johnny tentava brincar com a situação.

Sentada em uma pedra perto do rio de gelo, apoiou o queixo nas mãos e refletiu.

Não era justo descontar seu nervosismo na família. Eles não tinham feito nada para merecer isso. Ela escolhera o caminho mais fácil, molestando-os, quando, na verdade, era Ian MacGregor quem queria castigar. Alanna chutou a neve.

Oh, ele vinha mantendo distância dela nos últimos dois dias. O covarde. Agora que conseguia andar, esquivava-se no estábulo como o covarde que era. O pai de Alanna estava grato pela ajuda com os animais, mas ela sabia o motivo verdadeiro pelo qual MacGregor estava indo limpar baias e consertar arreios.

Estava com medo dela. Seus lábios se curvaram num sorriso convencido. Sim, estava com medo que ela derrubasse toda sua fúria sobre a cabeça dele. E era isso que Alanna deveria fazer. Que tipo de homem beijava uma mulher até deixá-la cega e surda para tudo, exceto para ele... então, educadamente, retirava-se como se tivesse, sem querer, pisado no seu pé.

Ele não tinha o direito de beijá-la... e menos ainda de depois ignorar o que havia acontecido.

Bem, ela salvara a vida de Ian, pensou com uma inclinação da cabeça. Essa era a verdade. Salvara-o, e ele pagara fazendo-a desejá-lo como nenhuma mulher virtuosa deveria desejar um homem que não fosse seu marido.

Mas Alanna o queria, e de maneira diferente do modo calmo e confortável que tivera com Michael Flynn que não poderia descrevê-la.

Era loucura, é claro. Ian era um rebelde, e sempre seria. Tais homens faziam histórias e deixavam as esposas viúvas. Tudo que Alanna queria era uma vida tranqüila, com filhos e uma casa para cuidar. Queria um homem que dormisse a seu lado noite após noite durante muitos anos. Um homem que ficasse contente em se sentar perto do fogo à noite e conversar com ela sobre o dia de trabalho.

Esse homem não era Ian MacGregor. Não, ela havia reconhecido nele a mesma determinação que vira nos olhos de Rory. Certas pessoas nasciam para ser guerreiro, e nada ou ninguém podia influenciá-los. Alguns homens eram destinados, antes de nascerem, a lutar por causas e morrer no campo de batalha. Ela havia visto essa determinação em Rory, seu irmão mais velho, e o que mais amara. E assim era Ian MacGregor, um homem que conhecia há poucos dias e nunca poderia amar.

Enquanto ficava ali sentada, refletindo, uma sombra caiu sobre ela. Alanna tencionou o corpo, virou-se, conseguiu sorrir quando viu que era seu irmão mais novo, Brian.

-  Você está seguro - disse ela quando ele recuou um pouco.

-  Não estou mais com vontade de jogar ninguém no rio.

-  O bolo não ficou ruim depois que você cortou as pontas queimadas.

Ela estreitou os olhos para fazê-lo rir.

-  Posso mudar de idéia e mandar você nadar, afinal de contas. Mas Brian a conhecia. Quando o nervosismo de Alanna passava, ela raramente se irritava de novo.

-  Você se sentiria culpada se eu pegasse uma gripe, caísse de cama e tivesse de cuidar de mim. Olhe, eu lhe trouxe um presente.

- Ele ergueu uma coroa de flores que estivera escondendo atrás das costas. - Pensei que você pudesse enfeitá-la com fitas e pendurar na porta para o Natal.

Ela a pegou e segurou-a gentilmente. Era feita de modo desa­jeitado, o que tornava o ato ainda mais doce. Brian era muito melhor com a cabeça do que com as mãos.

-  Eu fui muito malvada?

-  Sim. - Ele se sentou na neve aos pés dela. - Mas sei que você não pode ficar de mau humor com o Natal quase chegando.

-  Não. - Ela sorriu para a coroa de flores. - Suponho que não

-  Alanna, você acha que lan vai ficar conosco para a ceia de Natal?

O sorriso dela desapareceu enquanto franzia o cenho.

-  Eu não saberia. Ele parece estar se recuperando bastante rápido.

- Papai diz que é útil tê-lo por perto, mesmo que ele não seja fazendeiro. - Distraído, Brian começou a fazer uma bola de neve. - E ele sabe tanta coisa. Imagine, ir para Harvard e ler todos aqueles livros.

- Sim. - A concordância de Alanna continha um desejo, para si mesma e para Brian. - Se tivermos uma boa colheita nos próximos anos, Brian, você vai estudar fora. Eu lhe prometo.

Ele não falou nada. Era alguma coisa que desejava do fundo da alma, e algo com o quê já tinha aceitado que acabaria vivendo.

-  Ter lan aqui é quase tão bom como estudar. Ele sabe coisas. Alanna comprimiu os lábios.

-  Sim, tenho certeza que sabe.

-  Ele me emprestou um livro que tinha no alforje, Henry V, de Shakespeare. O livro conta tudo sobre o Rei Harry e batalhas maravilhosas.

Batalhas, pensou ela novamente. Parecia que os homens pensavam em pouca coisa, além disso, desde o momento em que nasciam. Destemido pelo silêncio da irmã, Brian continuou com entusiasmo:

-  É melhor ainda ouvi-lo falar. lan me contou como a família dele lutou na Escócia. A tia se casou com um inglês, um jacobite, e eles fugiram para a América depois que a revolução estourou. Hoje em dia, possuem uma plantação na Virgínia e cultivam tabaco. Ele tem uma outra tia e um tio que vieram para a América também, embora os pais de lan ainda morem na Escócia. Em Highlands. Parece um lugar maravilhoso, Alanna, com grandes penhascos e lagos profundos. E ele nasceu numa casa na floresta no dia em que o pai estava lutando contra os ingleses em Culloden.

Ela pensou em uma mulher lutando contra as dores do parto e decidiu que tanto homens quanto mulheres lutavam suas próprias batalhas. As mulheres, pela vida, os homens, pela morte.

- Depois da batalha - continuou Brian - os ingleses assassinaram os sobreviventes. - Ele estava olhando para o rio estreito coberto de gelo e não notou o olhar da irmã sobre si. - Os feridos, os extraditados, mesmo as pessoas que estavam trabalhando em campos por perto. Eles perseguiram os rebeldes, cortando-os onde os encontravam. Alguns foram trancados em um estábulo e queimados vivos.

- Bom Jesus. - Alanna nunca tinha prestado atenção em conversas sobre guerra, mas aquilo a manteve atenta, e horrorizada.

- A família de lan morou em uma caverna enquanto os ingleses percorriam os morros atrás dos rebeldes. A tia de lan... aquela que tem a plantação... matou um soldado britânico. Atirou quando ele tentou assassinar o marido dela ferido.

Alanna engoliu em seco.

-  Acredito que o sr. MacGregor exagere.

Brian voltou seus olhos profundos e intensos para a irmã.

- Não - disse ele simplesmente. - Você acha que isso vai acontecer aqui, Alanna, quando a rebelião começar?

Ela apertou a coroa de flores com tanta força que um espinho do ramo picou-a através da luva.

-  Não haverá rebelião. Com o tempo, o governo vai se tornar mais razoável. E se lan MacGregor pensa diferente...

- Não é somente lan. Até mesmo Johnny diz isso, e os homens do vilarejo. Lá se fala que a destruição do chá em Boston é apenas o começo da revolução que se tornou inevitável desde o momento em que George III assumiu o trono. lan diz que é hora de aprisionar os britânicos e nos valorizarmos pelo que somos. Homens livres.

- lan diz. - Alanna se levantou, as saias balançando. - Acho que lan fala demais. Leve a coroa de flores para casa, Brian. Vou pendurá-la assim que estiver pronta.

Brian viu a irmã partir. Aparentemente, haveria pelo menos mais uma explosão de raiva antes que o mau humor dela passasse.

Ian gostava de trabalhar no estábulo. Mais do que tudo, gostava mesmo era do fato de ser capaz de trabalhar, afinal. Seu braço e ombro ainda estavam rígidos, mas a dor tinha passado. E, graças a todos os santos, Alanna  não o obrigara a tomar nenhum de seus remédios caseiros naquele dia.

Alanna.

Não queria pensar nela. Para afastar os pensamentos, ele pôs de lado a sela que estava ensaboando e pegou uma escova. Cuidaria de seu cavalo a fim de prepará-lo para a jornada que vinha adiando há dois dias.

Deveria partir, lembrou a si mesmo. Certamente, estava recuperado o suficiente para viajar curtas distâncias. Embora não fosse sábio aparecer em Boston por um tempo, poderia viajar em etapas até Virgínia e passar algumas semanas com seus tios e primos.

A carta que tinha pedido que Brian levasse à vila devia estar no navio, a caminho da Escócia e de sua família. Eles saberiam que ele estava vivo e bem... e que não poderia estar presente no Natal.

Ian sabia que sua mãe iria chorar um pouco. Apesar de ter outros filhos, e netos, ficaria triste que seu primogênito estaria longe quando eles se reunissem para a ceia de Natal.

Ele podia ver a cena na mente... o fogo queimando, as velas brilhando. Podia sentir o rico aroma de comida, ouvir as risadas e as cantorias. De repente, sentiu uma dor que o deixou sem fôlego; enquanto sofria pela perda.

Todavia, apesar de amar sua família, sabia que seu lugar era ali. A um mundo de distância.

Sim, havia trabalho a ser feito lá, lembrou a si mesmo enquanto alisava o pêlo da égua. Havia homens que precisava contatar assim que soubesse que era seguro. Samuel Adams, John Avery, Paul Revere. E necessitava de notícias sobre o clima de Boston e de outras cidades, agora que o ato estava feito.

Entretanto, demorava-se quando deveria ter ido embora. Sonhava acordado quando deveria estar conspirando. Ian tinha, de modo sensato, pensou, mantido distância de Alanna. Mas em sua cabeça ela estava sempre presente.

- Aí está você!

E lá estava ela, a respiração ofegante, as mãos nos quadris. O capuz havia caído da cabeça e os cabelos estavam soltos, muito pretos contra o tecido cinza do casaco.

- Sim. - Porque suas mãos tinham se apertado na escova, Ian fez um esforço para relaxar. - Aqui estou eu.

- O que você pretende, enchendo a cabeça de um garoto com bobagens? Quer que ele levante um arcabuz sobre o ombro e desafio o primeiro soldado britânico que encontrar?

- Suponho que você esteja falando de Brian - disse Ian quando ela parou para respirar. - Mas quando alguém deseja minha opinião, tenho de ser sincero e falar o que penso.

- Você nunca deveria ter vindo para cá. - Agitada, ela começou a andar de um lado para o outro. Os olhos estavam de um azul tão ardente que ele imaginou se não queimariam a palha do chão. - Problemas, e nada além de problemas desde o primeiro minuto que vi você, estendido meio morto na baia. Se eu soubesse naquele dia o que aconteceria, poderia ter ignorado meu dever cristão e o deixado sangrar até morrer.

Ele sorriu... não pôde evitar... e começou a falar, mas ela o interrompeu:

-  Primeiro, quase me puxou para o feno com você, beijando-me, embora tivesse uma bala no corpo. Então, quase no momento em que abriu os olhos, estava beijando minha mão e dizendo que eu era linda.

-  Eu devia ser açoitado - murmurou ele com um sorriso. - Ima­gine, dizer que você é linda.

-  Açoite é muito gentil para tipos como você – devolveu ela com um meneio da cabeça. - Então, dois dias atrás, depois que lhe preparei o café-da-manhã... o que é mais que um homem como você merece...

-   Isso é verdade - concordou Ian.

-  Fique quieto até eu terminar. Depois que lhe preparei o café-da-manhã, você me puxou para seu colo como se eu fosse uma... uma...

-  Não está encontrando a palavra certa?

-  Amante - disse ela e desafiou-o a rir. - E como o grande tolo que é, você me prendeu ali contra a minha vontade, e me beijou.

-  E fui beijado de volta, querida. - Ele acariciou o pescoço do cavalo. - E muito bem beijado, a propósito.

Alanna bufou de raiva e gaguejou.

- Como você ousa?

-  Isso é difícil de responder, a menos que você seja mais específica. Se estiver me perguntando como ousei beijá-la, terei de confessar que foi mais uma questão de não ter sido capaz de me conter. Você tem uma boca que foi feita para beijar, Alanna.

Ela sentiu o corpo, esquentar e começou a andar novamente agora com pernas trêmulas.

-  Bem, você superou seu desejo bem rapidamente.

Ian arqueou uma sobrancelha. Então, ela não estava nervosa por causa do beijo, mas pelo fato de que ele tinha parado. Olhando-a agora, na luz parca do estábulo, perguntou-se como conseguira parar. E soube que não conseguiria de novo.

-  Se é a minha contenção que a perturba, querida...

-  Não me chame de querida. Nem agora, nem nunca. Divertido, ele reprimiu uma risada.

-  Como quiser, Sra. Flynn. Como eu estava dizendo...

-  Eu lhe disse para ficar quieto até que eu acabe. - Alanna parou para recuperar o fôlego. - Onde eu estava?

-  Estávamos falando sobre beijar. - Com olhos brilhando, Ian se aproximou. - Por que eu não refresco sua memória?

-  Não se aproxime de mim - avisou ela, e pegou um forcado. - Eu estava usando isso simplesmente como uma referência aos problemas que você causou. Agora, acima de tudo, você faz os olhos de Brian brilharem com o pensamento de uma revolução. Não permitirei isso, MacGregor. Ele é apenas um garoto.

-  Se o garoto faz perguntas, eu lhe darei respostas verdadeiras.

-  Fazendo-as soar românticas e heróicas. Não quero vê-lo em guerras feitas por outros e perdê-lo como perdi meu irmão Rory.

- Não será uma guerra feita por outros, Alanna. - Ele a circulou cuidadosamente, mantendo uma distância segura do forcado.

-  Quando a hora chegar, nós todos faremos isso, e venceremos a guerra.

-  Você pode poupar suas palavras.

-  Ótimo. - Rápido como um raio, Ian tirou-lhe o forcado da mão livrou-se dele e puxou-a contra seu corpo. - Estou cansado de conversa.

Quando a beijou dessa vez, estava preparado para o abalo que o beijo causaria. Não foi menos devastador ou menos excitante. O rosto de Alanna estava frio e Ian usou os lábios para aquecê-lo, deslizando-os pela pele macia até que sentiu ambos começarem a tremer. Então, entrelaçou uma das mãos nos cabelos pretos e segurou-lhe a nuca. Seu outro braço a pressionava contra si.

-  Pelo amor de Deus, me beije de volta, Alanna - murmurou ele contra a boca de Alanna. Seus olhos estavam abertos e fixos nela. - Vou enlouquecer se você não me beijar e enlouquecer se você me beijar.

-  Dane-se, então. - Ela envolveu os braços ao redor dele. – Vou beijá-lo.

Alanna só faltou deixá-lo de joelhos. Não houve hesitação, não houve resistência. Os lábios dela estavam sedentos dos seus, a língua, ousada. Pressionando o corpo no dele, deleitou-se com a sensação de ouvir dois corações batendo um contra o outro.

Ela jamais se esqueceria do cheiro do feno e de animais, das partículas de poeira flutuando nos finos raios da luz do sol que se infiltravam através das aberturas de madeira. Nem esqueceria da sensação daquele corpo forte e sólido contra o seu, do calor da boca de Ian, dos sons de prazer que emitia. Recordaria daquele único momento de abandono porque sabia que não poderia durar.        

-  Solte-me - sussurrou ela.

Ele aninhou-se na curva do pescoço doce e fragrante.

-  Duvido que eu possa.

-  Você deve. Não vim aqui para isso.

Ian usou a boca para lhe acariciar a orelha e sorriu quando Alanna tremeu.

-  Você teria realmente me golpeado, Alanna?

-  Sim.

Porque acreditava nela, Ian sorriu novamente.

-  Que garota agradável - murmurou ele e mordiscou-lhe a orelha.

-  Pare com isso. - Mas ela deixou a cabeça cair para trás em rendição. Que Deus a ajudasse, mas queria que aquilo continuasse. E continuasse, e continuasse. - Isso não está certo.

Ele a fitou então, o sorriso desaparecendo.

-  Eu acho que está. Não sei como ou por que, mas acho que está muito certo.

Porque queria desesperadamente inclinar-se contra ele, Alanna tensionou o corpo.

-  Não pode estar. Você tem sua guerra e eu tenho minha família. Não darei meu coração para um guerreiro. E ponto final.

-  Mas, Alanna...

-  Eu queria lhe pedir uma coisa. - Ela saiu rapidamente dos braços dele. Mais um momento ali e teria se esquecido de tudo... família e todas as esperanças secretas para seu próprio futuro. - Considere isso como seu presente de Natal para mim.

Ian imaginou se ela sabia que naquele momento ele lhe daria tudo que possuía, até mesmo a própria vida.

-  O que você quer?

- Que você fique aqui até depois do Natal. É importante para Brian. E - acrescentou ela antes que ele pudesse falar - que você prometa não falar de guerras ou revoltas até o dia sagrado passar.

-   É muito pouco para pedir.

-   Não para mim. Para mim, isso é muito importante.

-  Então, você tem a minha palavra. - Ela deu um passo atrás, mas arqueando a sobrancelha, Ian segurou-lhe a mão firme na sua, levou aos lábios e beijou-a.

-  Obrigada. - Ela retirou a mão rapidamente e escondeu-a atrás das costas. - Tenho trabalho a fazer.

A voz dele a deteve quando Alanna se apressou em direção à porta.

-  Alanna... o beijo foi certo.

Ela colocou o capuz na cabeça e saiu.

 

A neve que caía na véspera de Natal encantou Alanna. Em seu coração, tinha a esperança de que a tempestade durasse por dias e impedisse Ian de viajar, como sabia que ele planejava fazer dali a dois dias. Sabia que a esperança era tanto tolice quanto egoísmo, mas agarrava-se a ela enquanto colocava o cachecol e o casaco, a fim de ir para o estábulo e fazer a ordenha da manhã.

Se ele ficasse, ela sofreria terrivelmente. Se partisse, o coração de Alanna ficaria despedaçado. Permitiu-se o luxo de um suspiro enquanto observava os flocos brancos girando a seu redor. Era melhor não pensar em Ian de forma alguma, mas em suas responsabilidades.

Seus passos eram o único som no caminho para o estábulo quando as botas progrediam ao longo do solo coberto de neve. Então, no silêncio absoluto, a porta rangeu quando ela ergueu o trinco e abriu-a.

Do lado de dentro, Alanna pegou os baldes e deu o primeiro passo quando uma mão pousou em seu ombro. Com um grito, ela saltou, derrubando os baldes no chão.

-  Perdão, Sra. Flynn. - Ian sorriu quando Alanna levou as duas mãos para o coração. - Parece que eu a assustei.

Alanna o teria xingado se lhe restasse algum ar nos pulmões. Nem por um momento teria mantido a cabeça erguida se Ian soubesse que ela estivera suspirando por ele. Em vez disso, meneou a cabeça e respirou profundamente.

-  O que você está fazendo? Escondendo-se?

-  Saí da casa momentos depois de você - explicou ele. Tinha decidido, após uma longa noite de reflexão, ser paciente com Alanna. – A neve deve ter ocultado minha aproximação.

O fato de que Alanna estivera sonhando acordada a impedira de ouvi-lo, pensou irritada, e abaixou-se para pegar os baldes no exato momento que Ian fez o mesmo. Quando as cabeças colidiram, ela praguejou.

- Que diabos você está querendo, MacGregor? Além de quase me matar de susto?

Seria paciente, prometeu ele a si mesmo quando esfregou a própria cabeça. Mesmo que aquilo o matasse.

-  Ajudá-la com a ordenha.

Os olhos dela se arregalaram em confusão.

-  Por quê?

Ian suspirou longamente. Paciência iria ser difícil, se cada palavra que ela lhe dizia era uma pergunta ou uma acusação.

-  Porque, como tenho observado nos últimos dias, você faz muitas tarefas para uma mulher.

O orgulho era evidente na voz de Alanna.

-  Posso cuidar de minha família.

-  Sem dúvida. - A voz de Ian era igualmente fria.

Mais uma vez, ambos abaixaram para os baldes ao mesmo tempo. Ele fez uma careta. Alanna endireitou o corpo enquanto ele pegava um dos baldes.

-  Aprecio sua oferta, mas...

-  Eu só vou ordenhar uma vaca, Alanna. - Era difícil ter pa­ciência. - Não pode aceitar uma ajuda dada de bom grado?

-  É claro. - Pegando o outro balde e virando-se, ela foi para a primeira baia.

Não precisava da ajuda dele, pensou enquanto tirava as luvas e as batia no colo. Era perfeitamente capaz de fazer suas tarefas. lan dissera que ela tinha muito trabalho a fazer. Bem, na primavera, havia o dobro, com as plantações, os cuidados do jardim e a colheita de ervas. Era uma mulher forte e capaz, não garotinha fraca e chorosa.

Ele provavelmente estava acostumado com damas, refletiu ela com desdém. Rostos adocicados que sorriam com afetação atrás de leques. Bem, Alanna não era uma dama com vestidos de seda e sapatos finos, e não se envergonhava nem um pouco disso. Enviou um olhar na direção de Ian. E se ele achava que ela ansiava por ficar sentada em uma sala de visitas, estava muito enganado.

Alanna jogou a cabeça para trás quando começou a tirar o leite da vaca listrada, o qual caía no balde.

Garota ingrata, pensou lan enquanto, com menos facilidade e delicadeza, ordenhava a segunda vaca. Queria apenas ajudar. Qualquer tolo podia ver que as tarefas dela começavam quando o sol nascia e terminavam quando o sol se punha. Se não estava ordenhando, estava cozinhando. Se não estava cozinhando, estava fiando. Se não estava fiando, estava esfregando.

As mulheres da família de Ian nunca haviam sido "damas do lazer", mas sempre tinham filhas, irmãs ou primos para ajudar. Tudo que Alanna possuía eram três homens que obviamente não se davam conta do fardo que caía sobre ela.

Bem, ele iria ajudá-la, mesmo que tivesse de estrangulá-la para fazê-la aceitar ajuda.

Alanna terminou o primeiro balde muito antes que Ian, e ficou batendo o pé no chão, impacientemente. Quando ele acabou, ela tentou pegar o balde, mas Ian o tirou de seu alcance.

-  O que você está fazendo?

-  Vou carregar o leite para você. - Ele pegou o outro balde.

-  Por que você faria isso?

- Porque é pesado - replicou ele quase gritando, então, mur­murando sobre mulheres teimosas, de cabeça vazia, marchou para a porta.

-  Continue balançando os baldes assim, MacGregor, e terá mais leite no chão do que em sua barriga. - Alanna não pôde ouvir o que ele respondeu, mas não fora nada cortês. Desconfiada, lim­pou a neve do rosto. - Já que você insiste em carregar o leite, eu vou recolher os ovos.|

Eles andaram em direções opostas.

Quando Alanná retornou para a cozinha, Ian ainda estava lá, alimentando o fogo.

- Se você está esperando pelo café-da-manhã, terá de ter um pouco mais de paciência.

-  Vou ajudar você - disse ele entre os dentes cerrados.

-  Ajudar-me com o quê?

-  Com o café-da-manhã.

Aquilo a irritou. Sem se preocupar com quantos ovos se quebra­riam, Alanna depositou o balde no chão com força desnecessária.

-  Você achou algum defeito na minha comida, MacGregor?

As mãos dele coçaram de vontade de segurar-lhe os ombros e sacudi-la.

-  Não.

-  Hmm. - Alanna foi para o fogão a fim de fazer café. Virando-se, quase colidiu com ele. - Se vai ficar em pé na minha cozinha, MacGregor, então mova-se para o lado. Você não é tão grande que eu não possa empurrá-lo e tirá-lo do meu caminho.

-  Você é sempre tão agradável pela manhã, Sra. Flynn?

Em vez de se dignar a responder a pergunta, ela pegou o pedaço de presunto que tinha comprado na casa de defumados e começou a fatiá-lo. Ignorando-o da melhor  maneira que podia, misturou os ingredientes para as panquecas, que considerava sua especialidade Mostraria uma coisa ou duas a lan MacGregor sobre cozinhar antes que terminasse.

Ele não falou nada, mas bateu os pratos de peltre que ela pusera sobre a mesa para chamar atenção. No momento em que a família se juntou a eles, a cozinha estava com um aroma delicioso e uma tensão quase palpável.

-  Panquecas - disse Johnny alegremente. - É um bom jeito de começar a véspera de Natal.

-  Você parece um pouco ruborizada, garota. - Cyrus estudou a filha enquanto se sentava. - Não está adoecendo, está?

-  É o calor do forno - replicou ela, então mordeu a língua quando seu pai estreitou os olhos. - Tenho molho de maçãs que fiz ontem para as panquecas. - Alanna pôs a travessa que estava carregando sobre a mesa, então voltou para o café. Vermelha porque lan ainda não tinha tirado os olhos dela, pegou o pote sem lembrar de envolver um pano ao redor do cabo. Quando queimou a ponta de dois dedos, soltou um grito seguido por uma expressão rude.

- Não mencione o nome de Deus quando é você quem está sendo descuidada - disse Cyrus suavemente, mas se levantou para passar manteiga gelada nas queimaduras da filha. - Você anda muito nervosa e agitada ultimamente, Alanna.

-  Não foi nada. - Com a mão boa, ela gesticulou para que ele voltasse à mesa. - Sentem-se, todos vocês, e comam. Eu os quero fora de minha cozinha para que possa terminar meu assado.

-  Espero que tenha um bolo de uvas frescas na lista. - Johnny sorriu enquanto punha molho de maçã no prato. - Ninguém faz um bolo de uvas melhor que você, Alanna. Mesmo quando o dei­xa queimar.

Ela conseguiu rir, e quase foi sincera, mas estava com pouco apetite para a refeição no momento que se juntou a eles na mesa.

Melhor assim, decidiu Alanna mais tarde. Apesar de os homens de sua vida terem falado como tagarelas durante o café-da-manhã, não haviam deixado nem mesmo farelos para os pássaros. Com alívio, viu-os saírem para o resto do trabalho diário. Ela tinha a cozinha e o restante da casa para si mesma. Sozinha, deveria ser capaz de pensar sobre o que sentia por lan MacGregor.

Mas ele tinha saído há poucos minutos quando retornou com um balde de água.

-  O que você pretende fazer agora? - perguntou ela, e tentou, em vão, enfiar algumas mechas soltas dentro do gorro.

-  Água para lavar a louça. - Antes que Alanna pudesse fazer aquilo por si mesma, ele jogou a água em uma panela sobre o fogão para esquentar.

-  Eu mesma poderia ter ido buscar - disse ela, então se sentiu ingrata. - Mas obrigada.

-  De nada. - lan tirou o casaco e pendurou-o no cabide atrás da porta.

-  Você não vai com os outros agora?

-  Há três deles e só uma de você. Ela inclinou a cabeça.

-  É verdade, e daí?

-  Daí que eu vou ajudá-la.

Porque Alanna sabia que sua paciência estava no limite, espe­rou um momento antes de falar.

-  Sou perfeitamente capaz...

-  Mais do que capaz, pelo que tenho visto. - Ele começou a empilhar os pratos que ela ia lavar. - Você trabalha como uma mula de carga.

-  Esta é uma descrição ridícula e muito rude. - Ela ergueu o queixo. - Agora, saia de minha cozinha.

-  Eu saio se você sair.

- Tenho trabalho a fazer.

-  Certo, então vamos trabalhar.

-  Você vai ficar no meu caminho.

-  Você vai trabalhar a minha volta. - Quando ela inalou a próxima respiração, lan segurou-lhe o rosto nas mãos e a beijou longa e apaixonadamente. - Vou ficar com você, Alanna - murmurou no momento que ela conseguiu focá-lo novamente. - E isso está decidido.

-  Está? - Para a mortificação de Alanna, sua própria voz soou muito fraca.

-  Sim.

-  Certo, então. - Ela pigarreou, deu um passo atrás e alisou as saias. - Você pode ir buscar maçãs para mim no celeiro. Tenho tortas para assar.

Ela usou o tempo que levou até que lan retomasse para se recompor. O que estava lhe acontecendo que perdia a cabeça e todas as suas faculdades mentais por causa de um beijo? Mas não era um beijo comum, não quando eram os lábios de lan que faziam o trabalho. Alguma coisa estava acontecendo, uma vez que, em um momento sentia o coração cheio de esperança que ele ficasse por mais algum tempo... no momento seguinte, ressentia-se e desejava que ele estivesse a mil quilômetros de distância. E um instante depois estava permitindo que lan a beijasse, e esperando que fizesse isso de novo na primeira oportunidade.

Alanna tinha nascido nas Colônias, uma criança de um mundo novo. Mas seu sangue era irlandês... irlandês o bastante para que palavras como sorte e destino se agigantassem.

Quando começou a lavar a louça, pensou que, se seu destino fosse lan MacGregor, estava com um enorme problema.

- É muito fácil descascar uma maçã - insistiu ela mais tarde, irritada com as tentativas desajeitadas de lan. - Você põe a faca debaixo da pele.

-  Eu fiz isso.

- E cortou a maior parte da fruta junto com a casca. Um pouco de tempo e cuidado fazem maravilhas.

Ele sorriu-lhe, de uma maneira muito estranha para a tranqüilidade de Alanna.

- Assim acredito, Sra. Flynn. Assim acredito.

- Tente de novo - disse ela enquanto voltava para a massa da torta e o rolo. - E você vai limpar todas essas cascas que está derrubando no chão.

- Sim, Sra. Flynn.

Erguendo o rolo para massas, ela o encarou.

-  Está tentando me deixar nervosa, MacGregor? Ele olhou para a arma de cozinha.

- Não enquanto você estiver segurando isso, querida.

-  Eu já lhe disse para não me chamar assim.

-  É verdade.

lan observou-a voltar para as tortas. Era um prazer observá-la, pensou. Mãos rápidas, dedos flexíveis. Mesmo quando ela se movia do balcão para o fogão e voltava, havia uma agilidade nos movimentos que o encantava, fazendo seu coração disparar.

Quem diria que teria de ser baleado, quase sangrar até a morte e acabar inconsciente na baia de uma vaca para se apaixonar?

Apesar da desaprovação de Alanna, da tendência para um sobressalto cada vez que ele se aproximava, lan estava tendo o melhor dia de sua vida. Talvez não quisesse que o ato de descascar maçãs se tornasse um hábito, mas era uma maneira simples de estar perto dela, de absorver o aroma suave de lavanda que parecia aderir-se à pele dela. Misturava-se sedutoramente com os aromas de canela, gengibre e cravo-da-índia.

E, na verdade, embora se sentisse mais à vontade em reuniões políticas ou com uma espada na mão do que na cozinha, tinha desejado amenizar o que considerava um fardo injusto de responsabilidades.

Ela não parecia pensar assim, decidiu lan. Na verdade, parecia contente em trabalhar, hora após hora. Ele queria... precisava, admitiu... mostrar-lhe que existiam mais coisas na vida. Imaginou-se cavalgando com Alanna ao longo dos campos da plantação de sua tia. No verão, pensou, quando o rico verde a lembraria de uma Irlanda que ela nunca vira. Queria levá-la para a Escócia, para a glória de Highlands. Deitar-se com ela na urze púrpura perto de um lago e ouvir o vento nos pinheiros.

Queria dar-lhe um vestido de seda, e jóias que combinassem com seus olhos. Olhos que eram sentimentais, românticos, perceptivos. Ele sabia disso, mas certamente teria gaguejado nas palavras se tivesse tentado expressá-las.

Mas queria dar-lhe essas coisas, isso era certo. Se pudesse encontrar um jeito de fazê-la aceitar.

Alanna  sentiu o olhar de Ian nas suas costas como se fossem dedos lhe fazendo cócegas. Teria preferido os dedos, pensou Aqueles dedos que mal conseguia afastar. Esforçando-se para ignorá-lo, cobriu a primeira torta, canelou, enfeitou a crosta e colocou-a de lado.

- Você vai cortar um dedo se continuar olhando para mim em vez de prestar atenção no que está fazendo.

- Seus cabelos estão escapando do gorro de novo, Sra. Flynn.

Ela ergueu uma das mãos e tentou ajeitar os cabelos, mas só conseguiu soltar mais cachos.

- E não acho que gosto do tom que você usa quando me chama de Sra. Flynn.

Sorrindo, Ian pôs de lado uma maçã descascada.

-  Como devo chamá-la então? Protesta quando eu a chamo de querida, apesar de combinar tanto com você. Ergue o nariz quando a chamo de Alanna... sem sua permissão. Agora, está prestes a ter uma crise de nervos quando eu, muito respeitosamente, a chamo de sra. Flynn.

-  Respeitosamente, ah! Você vai para o inferno por mentir, Ian MacGregor. - Ela balançou o rolo para ele quando se virou. - Não há um pingo de respeito no seu tom quando me chama assim... não com esse sorriso presumido na boca e esse brilho nos olhos. Se acha que não sei o que esse brilho significa, está enganado. Outros homens tentaram isso e receberam um bom golpe por seus esforços.

-  Gratifica-me saber disso... Sra. Flynn.

Ela emitiu um som que ele poderia descrever como vapor quente saindo de uma chaleira.

-  Não me chame de nome algum. Por que assumi o papel de Brian e lhe pedi que ficasse até o Natal sempre será um mistério para mim. O bom Deus sabe que eu não o quero aqui, desorganizando minha cozinha, dando-me uma outra boca para alimentar, agarrando-me e forçando sua presença não bem-vinda perto de mim o tempo todo.

Ele encostou-se contra o balcão.

-  Você vai para o inferno por mentir, querida.

Foi o reflexo do momento que fez o rolo para massa voar da mão de Alanna em direção à cabeça dele. Ela arrependeu-se imediatamente. Porém, arrependeu-se ainda mais quando Ian agarrou a peça de madeira no ar um instante antes de atingir-lhe a cabeça.

Se Alanna o tivesse atingido, teria se desculpado copiosamente e cuidado do ferimento. O fato de que tinha sido frustrada mudava a questão de forma completa.

- Seu maldito escocês - começou ela, furiosa. - Você é filho do demônio. Rogo uma praga em você e em todos os MacGregors de agora até o último acerto de contas. - Uma vez que tinha errado com o rolo de madeira, pegou a coisa mais próxima à mão. Felizmente, a assadeira de metal estava vazia. Ian conseguiu bater no prato com o rolo e desviá-lo de sua cabeça.

-  Alanna...

- Não me chame assim. - Ela ergueu uma xícara de peltre e tentou sua mira com aquilo. Dessa vez, Ian não foi tão rápido e a xícara bateu-lhe no peito, sem machucá-lo.

-  Querida...

O murmúrio que ela emitiu com aquilo teria feito tremer até mesmo um escocês treinado em batalhas. O prato que Alanna lançou atingiu a perna de Ian. Ele estava saltando num pé só e rindo no momento em que ela alcançou a próxima arma.

- Basta! - Gargalhando estrondosamente, ele agarrou-a e girou-a duas vezes, mesmo quando ela batia-lhe na cabeça com uma colher de pau.

-  Escocês de cabeça dura.

-  Sim, e graças a Deus por isso, ou você já me teria colocado no túmulo a essa altura. - Ele inclinou-lhe a cabeça para trás e segurou-lhe a cintura com habilidade. - Case-se comigo, Sra. Flynn, pois seu nome deveria ser MacGregor.

 

Era difícil saber qual dos dois estava mais chocado. Ian não tinha se dado conta de que pretendia pedi-la em casamento. Sabia que estava apaixonado, e se sentia tanto impressionado como fascinado pela idéia. Mas, até aquele momento, seu coração não tinha comunicado ao cérebro que era casamento o que desejava. Casar-se com Alanna, pensou, e foi incapaz de conter uma outra risada. Era uma boa piada, decidiu, para os dois.

As palavras de Ian ainda estavam ecoando na cabeça de Alan­na. Case-se comigo. Certamente, não tinha ouvido ou entendido direito o que ele lhe pedira. Era impossível, claro. Era loucura Eles se conheciam apenas há poucos dias. Mas era tempo suficiente para que ela tivesse certeza de que Ian MacGregor nunca seria o companheiro de vida de seus sonhos. Com ele, nunca haveria noites pacíficas perto da lareira, mas sim uma outra luta, uma outra causa, um outro movimento.

Entretanto... Entretanto, amava-o de uma maneira que nunca pensou que fosse possível amar. Com loucura, de forma imprudente, perigosamente. A vida com ele seria... seria... Alanna não podia imaginar isso. Colocando uma das mãos sobre a cabeça tentou deter os pensamentos perturbadores. Precisava de um momento para refletir e se recompor. Afinal de contas, quando um homem pedia uma mulher em casamento, o mínimo que ela podia fazer era...

Então lhe ocorreu que ele ainda a estava segurando no ar e rindo como um tolo.

Rindo. Os olhos azuis de Alanna se estreitaram. Então aquilo era uma grande piada da qual ele ria à sua custa, girando-a no ar como um saco de batatas e gargalhando. Casar-se com ele. Casar-se com Ian realmente. O tolo.

Alanna pôs uma das mãos sobre o ombro largo para se equilibrar, fechou a outra e o golpeou direto no nariz.

Ele gritou e a colocou no chão tão abruptamente que ela precisou se esforçar para não cair. Mas recuperou-se rapidamente e, com os pés plantados no chão, pôs as mãos nos quadris e o encarou.

Hesitante Ian tocou os dedos no nariz. Sim, estava sangrando, notou. A mulher tinha força na mão direita. Observando-a com cuidado a fim de ver quaisquer movimentos súbitos, pegou um lenço no bolso.

- Isso é um sim?

- Fora! - Tão profunda era a raiva dela que tremeu mesmo enquanto gritava. - Fora da minha casa, seu filho de satã. - As lágrimas que ardiam em seus olhos eram lágrimas de fúria, Alanna assegurou a si mesma. - Se fosse homem, eu o mataria onde você está e dançaria uma ginga sobre seu corpo ensanguentado.

- Ah! - Após assentir em compreensão com um gesto de cabeça, ele guardou o lenço. - Você precisa de um pouco de tempo para pensar. Perfeitamente compreensível.

Sem fala, Alanna podia apenas murmurar gemidos e sons incoerentes.

- Vou falar com seu pai - Ian educadamente.

Ela gritou feito uma louca e pegou a faca de descascar.

- Vou matar você. Pela minha mãe, eu juro.

- Minha querida Sra. Flynn - começou ele enquanto, cuidadosamente, segurava-lhe o pulso. - Entendo que, às vezes, uma mulher fica abalada com um pedido de casamento, mas isso... - Ian parou de falar quando viu que as lágrimas que haviam se acumulado nos olhos dela agora escorriam pela face. - O que foi? - Desconfortável, passou o polegar sobre o rosto bonito. - Alanna, meu amor, não chore. Prefiro que bata em mim a que chore. - Mas quando, galantemente, liberou-lhe a mão, ela jogou a faca de lado.

- Oh, deixe-me em paz, certo? Vá embora. Como ousa me insultar dessa maneira? Amaldiçôo o dia em que salvei sua vida miserável.

Já que ela o estava amaldiçoando novamente, Ian criou coragem e pressionou um beijo na sobrancelha de Alanna.

- Insultar você? Como?

- Como? -Atrás do véu de lágrimas, os olhos azuis faiscavam. - Rindo de mim. Falando sobre casamento como se fosse uma grande piada. Suponho que você pensa que porque não tenho roupas bonitas ou chapéus chiques também não tenho sentimentos.

- O que chapéus têm a ver com isso?

- Suponho que todas as moças finas de Boston sorriem com indulgência, e batem na sua mão com os seus leques, nos momentos que você flerta, mas eu levo a conversa sobre casamento mais a sério, e não vou ficar parada enquanto você fala sobre isso e ri na minha cara ao mesmo tempo.

- Oh, bom Deus. - Quem pensaria que Ian, um homem que tinha a reputação de ser agradável e inteligente com as moças pudesse agir de modo tão errado quando realmente importava? - Fui um tolo, Alanna . Por favor, me ouça.

- Foi e é um tolo. Agora, tire suas mãos de mim. Ele a puxou para mais perto.

- Eu só quero explicar.

Antes que pudesse fazer isso, Cyrus Murphy abriu a porta. Deu uma olhada para a confusão da cozinha, para sua filha lutando contra Ian e calmamente alcançou sua faca de caça no cinto.

- Solte minha garota, MacGregor, e prepare-se para morrer.

- Pai. - Com olhos arregalados diante da visão do pai, pálida como gelo pela percepção da faca nas mãos dele, Alanna  colocou-se na frente de Ian. - Não faça isso.

- Mova-se, garota. Os Murphy protegem os seus.

- Não é o que parece - começou ela.

- Deixe-nos a sós, Alanna - murmurou Ian calmamente. - Vou conversar com seu pai.

- Isso é o que você pensa. - Alanna não saiu do lugar. Talvez ela mesma devesse ter tirado sangue de Ian... e tinha feito isso, se o sangue do nariz contasse... mas não deixaria seu pai matá-lo depois que trabalhara dois dias e duas noites para mantê-lo vivo. - Nós tivemos uma discussão, pai. Posso lidar com isso sozinha. Ele estava...

- Ele estava pedindo sua filha em casamento - terminou Ian, apenas para fazer Alanna confrontá-lo de novo.

- Seu esquilo mentiroso. Você não falou sério. Estava rindo como um louco quando mencionou o casamento. Não serei insultada. Não serei menosprezada...

- Mas ficará quieta - interrompeu ele, e viu Cyrus arquear a sobrancelha em aprovação quando ela obedeceu e se calou. - Eu falei muito sério - continuou Ian, o tom de voz ainda alto. - Se eu estava rindo, era de mim mesmo, por ser tão tolo de me apaixonar por uma mulher briguenta, teimosa, de língua afiada, que às vezes me sorri e outras vezes me bate e tenta me golpear.

- Mulher briguenta? - Alanna quase gritou. –Mulher briguenta?

- Sim, uma mulher briguenta - disse Ian, assentindo com um aceno de cabeça. - Foi isso que falei, e é isso que você é. É uma...

- Basta. - Cyrus balançou a cabeça para tirar a neve dos cabelos. - Bom Jesus, que par! - Com alguma relutância, guardou a faca no cinto. - Pegue seu casaco, MacGregor e venha comigo. Alanna, termine suas tortas.

- Mas, pai, eu...

- Faça o que eu disse, garota. - Ele gesticulou para que Ian saísse pela porta da cozinha. - Com toda essa gritaria e confusão, é difícil lembrar que é véspera de Natal. - Parando do lado de fora, plantou as mãos nos quadris num gesto que sua filha tinha herdado. -Tenho trabalho a fazer, MacGregor. Venha comigo e explique-se.

- Sim. - Ian lançou um olhar furioso para a janela, onde Alan­na tinha o nariz pressionado. - Eu vou com você.

Ele andou com dificuldade através da cortina de neve que ainda estava caindo. Não havia se incomodado em fechar o casaco e enfiar as mãos sem luvas nos bolsos.

- Espere aqui - disse Cyrus. Então, entrou em um pequeno galpão e saiu com um machado na mão. Notando o olhar cauteloso de Ian, ergueu a ferramenta para o ombro.

- Não vou usar isso em você. Por enquanto. - Ele moveu-se para a floresta com Ian ao seu lado. - Alanna adora o Natal. Assim como a mãe dela adorava. - Houve uma pontada de dor, como sempre acontecia toda vez que pensava na esposa. - Ela estará desejando uma árvore... e tempo para se acalmar.

- Ela alguma vez se acalma?

Por hábito, Cyrus estudou o solo da floresta à procura de sinais de caça. Eles iriam querer carne de cervo em breve.

- É você quem parece estar provocando-a. Por que isso?

- Se eu pudesse lhe dar uma boa razão, o faria. - Ian suspirou - Peço a mulher em casamento e ela me dá um soco no nariz. - To­cando o nariz ainda dolorido, sorriu. - Por Deus, Murphy, estou enlouquecido de paixão pela garota... o que me faz tomar uma única decisão. Vou me casar com ela.

Cyrus parou diante de um pinheiro, estudou a árvore, rejeitou-a, então prosseguiu.

- Isso ainda será resolvido.

- Não sou um homem pobre - começou Ian. - Os malditos ingleses não se apossaram de tudo na guerra de 45, e ganhei o bastante com investimentos. Vou provê-la bem.

- Talvez sim, talvez não. Ela aceitou Michael Flynn e ele não possuía mais do que alguns acres de uma terra rochosa e duas vacas.

- Ela não precisará trabalhar desde o nascer do sol até escurecer.

- Alanna não se importa de trabalhar. Tem orgulho disso. - Cyrus parou diante de uma outra árvore, assentiu, então entregou o machado para Ian. - Esta serve. Quando um homem está frustado, nada melhor do que suar com um machado para extravasar a frustração.

Ian abriu as pernas, firmou os pés e deu a primeira machadada. Lascas de madeira voaram.

- Ela gosta de mim. Sei disso.

- Talvez - concordou Cyrus, então decidiu se distrair com um cachimbo. - Ela tem o hábito de gritar com as pessoas de quem mais gosta. Assim como agredi-las fisicamente.

- Então, ela deve me amar com desespero. - O machado bateu na carne do tronco do pinheiro.

A expressão de Ian era desgostosa.

- Eu a terei, Murphy, com ou sem sua bênção.

- Isso não é necessário dizer. - Pacientemente, Cyrus encheu seu cachimbo. - Alanna é uma mulher adulta e pode tomar suas próprias decisões. Diga-me, MacGregor, você vai lutar contra os britânicos com a mesma paixão com que vai cortejar minha filha?

Ian balançou o machado novamente. A lâmina assobiou no ar. - 0 som do metal na madeira ecoou através da floresta.

- Sim.

- Então, vou lhe dizer agora que pode ser difícil conseguir as duas coisas. - Satisfeito que o cachimbo estava bem completo, ele acendeu um fósforo contra a pedra. - Alanna se recusa em acreditar que haverá guerra.

Ian parou. – E você?

- Não tenho amor pelos britânicos ou pelo rei deles. - Cyrus aspirou do cachimbo e jogou a fumaça através da neve. - E mesmo se eu tivesse, minha visão ainda é aguçada o suficiente para enxergar o que está por vir. Pode levar um ano, dois ou até mais, todavia, a guerra virá. E será longa e sangrenta. Quando isso acontecer, eu terei mais dois filhos para arriscar. Mais dois para perder. - Ele deu um suspiro longo e profundo. - Não quero sua guerra, Ian MacGregor, mas vai chegar a um ponto no qual um homem terá de lutar pelo que é seu.

- Esse ponto já chegou, Murphy, e mesmo não querendo ou temendo, a guerra vai mudar a história.

Cyrus estudou lan enquanto a árvore caía sobre a almofada de neve. Um homem forte, pensou, um daqueles malditos escoceses gigantes, com um rosto e corpo que certamente agradariam uma mulher. Uma cabeça boa e um bom nome. Mas era o espírito impaciente e revoltado de Ian que o preocupava.

- Vou lhe perguntar uma coisa. Você ficaria contente em se sentar e esperar o que está por vir, ou vai sair e procurar por isso?

- Um MacGregor não espera para apoiar o que acredita. Nem espera para lutar por isso.

Assentindo com um movimento de cabeça, Cyrus ajudou-o a levantar a árvore caída.

- Não vou atrapalhar seus planos no que diz respeito a Alanna. Talvez você faça isso por si mesmo.

Alanna correu para frente do chalé no momento que ouviu a voz deles.

- Pai, eu quero... Oh! - Ela parou com a visão de seu pai e lan com um enorme pinheiro entre os dois. - Você cortou uma árvore de Natal.

- Achou que eu esqueceria? - Cyrus tirou seu gorro e guardou-o no bolso. - Como eu poderia quando você fica pedindo isso dia e noite?

- Obrigada. - Foi tanto com prazer quanto com alívio que ela atravessou o cômodo para beijá-lo. - É linda.

- E suponho que você vai querer pendurar fitas e só Deus sabe o que mais nela. - Mas ele apertou-lhe o braço com carinho enquanto falava.

- Tenho a caixa de ornamentos de mamãe no meu quarto. - Porque entendia o pai muito bem, beijou-o novamente. - Irei buscar depois do jantar.

- Tenho outras tarefas para fazer agora. Diga a MacGregor onde você quer a árvore. - Ele deu-lhe um tapinha rápido na mão dela antes de sair.

Alanna pigarreou.

- Perto da janela da frente, por favor.

lan arrastou a árvore, equilibrando-a nas tábuas de madeira que Cyrus tinha martelado ao tronco.

- Obrigada - disse ela de maneira educada. - Pode ir cuidar de suas coisas agora.

Antes que Alanna pudesse escapar para a cozinha novamente, ele pegou-lhe a mão.

- Seu pai me deu permissão para casar com você, Alanna. Ela puxou a mão uma vez, então sabiamente desistiu.

- Sou dona de minha própria vida, MacGregor.

- Você será minha, Sra. Flynn.

Embora ele fosse bem mais alto do que ela, Alanna conseguiu dar a impressão de estar olhando-o de cima.

- Eu não me uniria a um indivíduo desprezível. Determinado a fazer a coisa certa dessa vez, lan levou-lhe a mão rígida aos lábios.

-           Eu amo você, Alanna.

-           Não. - Ela pressionou a mão livre no coração disparado. - Não diga isso.

- Digo isso com cada respiração que dou. E repetirei o mesmo até não mais respirar.

Atordoada, ela fitou aqueles olhos azul-esverdeados que vinham perseguindo suas noites. Podia resistir à arrogância dele. Podia lutar contra o modo como ele a humilhava. Mas aquilo... aquela declaração simples e quase humilde de devoção a deixou sem defesa.

- lan, por favor...

Ele emocionou-se porque ela, finalmente, o chamara pelo primeiro nome. E a expressão nos olhos azuis quando as palavras saíram dos seus lábios não podia ser confundida.

- Você não pode dizer que é indiferente a mim.

Incapaz de resistir, Alanna tocou-lhe o rosto com uma das mãos.

- Não, não vou lhe dizer isso. Você deve ver como me sinto cada vez que o olho.

- Nós nascemos para ficarmos juntos. - Com os olhos fixos em Alanna, ele pressionou a palma delicada contra os lábios. - Senti isso desde o primeiro instante que a vi inclinada sobre mim no estábulo.

- Tudo está acontecendo muito rápido - disse ela, lutando tanto contra o pânico como contra o desejo. - Muito cedo.

- E muito certo. Eu a farei feliz, Alanna. Você pode escolher a casa que quiser em Boston.

- Boston?

- Por um tempo, pelo menos, nós moraríamos lá. Tenho trabalho a fazer. No futuro, podemos ir para a Escócia, e você pode visitar sua terra natal.

Mas ela estava meneando a cabeça.

- Trabalho. Que trabalho é esse?

Uma nuvem protetora pareceu descer sobre os olhos de lan.

- Dei minha palavra que não falaria sobre isso até o Natal.

- Sim. - Ela sentiu o coração disparado parar por um segundo, e um arrepio percorrer-lhe a coluna. - Você prometeu. – Após respirar profundamente, olhou para baixo e viu as mãos unidas dos dois. - Tenho tortas no forno. Preciso retirá-las.

- Isso é tudo que você pode dizer?

Alanna olhou para a árvore atrás dele, ainda nua, mas contendo tantas promessas.

- Vou lhe pedir um tempo para refletir. Amanhã, no Natal eu lhe darei minha resposta.

- Só há uma que vou aceitar. Aquilo a ajudou sorrir.

- Só vou dar uma.

 

Havia a fragrância de pinho e fumaça de madeira, o aroma prolongado da grossa sopa de carne com legumes. Na grande mesa perto do fogo, Alanna tinha colocado o bem precioso de sua mãe, uma jarra de vidro para ponche. Como era hábito desde que Alanna podia se lembrar, seu pai misturava o ponche natalino com uma porção generosa de uísque irlandês. Ela observou o líquido cor de âmbar refletir a luz do fogo e o brilho das velas já acesas na árvore.

Tinha prometido a si mesma que aquela noite, e o dia de Natal que se seguiria, seriam apenas para alegria.

Como deveria ser, disse a si mesma. Qualquer coisa que tivesse ocorrido entre seu pai e lan naquela manhã, eles agora pareciam mais amigos do que nunca. Ela notou que Cyrus entregou uma caneca de ponche para lan antes de usar a concha para servir-se e beber um grande gole. Antes que Alanna pudesse evitar, o jovem Brian estava provando o drinque.

Bem, eles todos dormiriam naquela noite, decidiu ela, e estava prestes a pegar uma caneca para si mesma quando ouviu o som de uma carruagem.

- Aí está Johnny. - Ela deu um suspiro de irritação. - E pela segurança dele é melhor que tenha uma boa desculpa para ter perdido o jantar.

- Cortejar Mary - disse Brian com a boca dentro da caneca.

- Pode ser, mas... - Ela parou quando Johnny entrou, com Mary Wyeth em seu braço. Automaticamente, Alanna olhou ao redor do cômodo, aliviada ao ver que tudo estava em ordem para receberem visita. - Mary, que bom ver você. - Alanna foi rapidamente dar um beijo no rosto da jovem. Mary era mais baixa e mais rechonchuda do que ela, com cabelos loiros brilhantes e face rosada. Pareciam mais rosadas do que o usual, notou Alanna... ou pelo frio devido à jornada desde a vila, ou de calor pelos cortejos de Johnny.

- Feliz Natal. - Sempre tímida, Mary enrubesceu ainda mais quando uniu as duas mãos. - Oh, que árvore adorável.

- Venha para perto do fogo. Você vai ficar com frio. Deixe-me pegar sua manta e gorro. - Ela lançou um olhar exasperado para o irmão, enquanto ele ficava parado e sorria tolamente. - Johnny sirva uma caneca de ponche e alguns dos biscoitos que assei esta manhã para Mary.

- Sim. - Ele entrou em ação, derrubando ponche nos dedos em seu nervosismo. - Faremos um brinde - anunciou, então passou um tempo considerável pigarreando. - À minha futura esposa. - Pegou a mão nervosa de Mary na sua. - Mary me aceitou esta noite.

- Oh! - Alanna  abriu as mãos e tocou os ombros de Mary, uma vez que a garota não tinha mão livre. - Seja bem-vinda. Embora como você vai agüentar meu irmão, não faço idéia.

Cyrus, sempre desconfortável com emoções, deu um beijinho rápido no rosto de Mary e um tapa carinhoso nas costas do filho.

- Então, vamos beber em homenagem à minha nova filha - dis­se ele. - Este é um bom presente de Natal que você nos deu, John.

- Precisamos de música. - Alanna voltou-se para Brian, que assentiu e saiu apressado para pegar sua flauta. - Uma música romântica, Brian - instruiu ela. - A primeira dança é dos noivos.

Brian apoiou-se em um dos pés da cadeira e começou a tocar. Quando Ian aproximou-se e pôs a mão em seu ombro, Alanna tocou-lhe os dedos brevemente, e com gentileza.

- A idéia de um casamento lhe agrada, sra. Flynn?

- Sim. - Com um sorriso emocionado, ela observou o irmão dançando com Mary. - Ela o fará feliz. Eles construirão um bom lar juntos, uma boa família. É tudo que quero para ele.

Ian sorriu quando Cyrus virou uma outra caneca de ponche e começou a bater palmas no ritmo da música.

- E para você? Ela virou-se, encontrando-lhe os olhos.

- É tudo que eu sempre quis. Ele se aproximou mais.

- Se me der sua resposta agora, poderíamos ter uma comemoração dupla na véspera de Natal.

Alanna meneou a cabeça, enquanto seu coração se despedaçava um pouquinho.

- Esta é a noite de Johnny. - Então riu quando Johnny pegou-lhe as mãos e puxou-a para a dança.

Uma nova neve caía, suavemente, do lado de fora do chalé. Mas dentro, os cômodos estavam preenchidos com luzes, risadas e música, Alanna pensou em sua mãe e o quão feliz ela teria ficado de ver sua família unida e alegre na noite mais sagrada do ano. E pensou em Rory, o vivido e maravilhoso Rory, que poderia ter dançado lindamente e erguido sua voz de tenor numa bela música.

- Seja feliz. - Impulsivamente, ela envolveu os braços ao redor do pescoço de Johnny. - Fique seguro.

- Agora, do que se trata tudo isso? - Emocionado e envergonhado, ele a abraçou rapidamente e afastou-a.

- Amo você, seu tolinho.

- Sei disso. — Johnny notou que seu pai estava tentando ensinar uma ginga a Mary. Aquilo quase o fez sorrir. - Aqui, Ian, tire essa garota das minhas mãos. Um homem tem de descansar de vez em quando.

- Ninguém pode dançar melhor que um irlandês - Ian disse a ela quando lhe pegou a mão. - A menos que seja um escocês.

- Oh, é assim? - Com um sorriso e uma inclinação da cabeça que indicava arrogância, Alanna começou a dançar para provar que ele estava errado.

 

Embora as velas tivessem queimado antes que os ocupantes da casa dormissem, as comemorações começaram novamente ao amanhecer. Ao redor da árvore e do fogo, eles trocaram presentes. Alanna sentiu um imenso prazer ao observar a expressão de Ian enquanto ele erguia o cachecol que ela lhe tecera. Embora tivesse passado cada minuto de seu tempo de folga para unir os fios verdes e azuis no tear, o resultado valera a pena. Quando ele partisse, levaria uma parte dela.

O coração de Alanna balançou ainda mais quando viu que Ian tinha presentes para a sua família. Um novo cachimbo para seu pai, rédeas novas para o cavalo favorito de Johnny e um livro de poesia para Brian.

Mais tarde, lan estava em pé a seu lado na igreja da vila e embora ela ouvisse à história do nascimento do Salvador com tanto encantamento quanto quando era criança, teria sido cega se não notasse as outras mulheres enviando olhares na direção deles Olhares de inveja e curiosidade. Alanna não protestou no momento que a mão dele se fechou sobre a sua.

- Você está adorável hoje, Alanna. - Do lado de fora da igreja onde as pessoas haviam parado para conversar e desejar um feliz Natal umas às outras, lan beijou-lhe as mãos. Apesar de saber que as fofocas correriam soltas por semanas, ela lhe deu um sorriso atrevido. Era mulher o bastante para saber que estava bonita em seu melhor vestido de lã azul, com toques de renda no decote e nos punhos.

- Você também está bonito, MacGregor. - Ela resistiu à vontade de tocar o colarinho engomado da camisa. Era a primeira vez que o via tão arrumado, com calça justa e camisa branca, casaca com botões brilhantes e chapéu sofisticado sobre os cabelos ruivos Aquela teria uma outra lembrança dele para guardar como tesouro. - E está um lindo dia.

Ele olhou para o céu.

- Vai nevar antes que a noite caia.

- E que dia melhor para a neve cair do que no Natal? - Então ela tocou a boina azul que Johnny lhe dera. - Mas o vento está forte. - Alanna sorriu quando viu Johnny e Mary cercados de cumprimentos pelo noivado. - É melhor voltarmos. Tenho um peru para verificar.

Ele ofereceu-lhe o braço.

- Permita-me escoltá-la até sua carruagem, Sra. Flyrm.

- Muita gentileza sua, Sr. MacGregor.

 

Ian não podia se lembrar de um dia mais perfeito. Embora ainda houvesse tarefas a serem feitas, conseguiu passar cada momento livre com Alanna. Talvez uma parte sua desejasse que a família dela estivesse a quilômetros de distância, de modo que pudessem ficar a sós para que ele tivesse sua resposta. Mas determinou-se a ser paciente, não tendo dúvidas de qual seria a resposta. Ela não podia sorrir-lhe, olhá-lo, beijá-lo daquela forma a menos que estivesse tão apaixonada quanto ele. Ian podia ter desejado roubá-la, jogá-la sobre seu cavalo e partir, mas, por uma vez, queria fazer tudo de maneira apropriada.

Se fosse o desejo de Alanna, eles poderiam se casar na igreja onde fora a missa de Natal. Então ele alugaria... ou melhor, compraria... uma carruagem azul com detalhes em prateado. Isso combinaria com ela. Na carruagem, viajariam para Virgínia, onde ele a apresentaria para seus tios e primos.

De alguma maneira, Ian conseguiria uma viagem para a Escócia onde encontraria seus pais, seus irmãos e irmãs. Eles se casariam novamente lá, na terra onde ele tinha nascido.

Podia visualizar tudo. Eles se estabeleceriam em Boston, onde comprariam uma boa casa. Juntos, iniciariam uma família enquanto ele lutaria, com voz ou espada, pela independência de seu país adotado.

Durante o dia, os dois discutiriam e brigariam, mas à noite se deitariam juntos em seu grande colchão de penas, os longos membros esbeltos de Alanna entrelaçados ao seu redor.

Aparentemente, desde que a conhecera, não podia mais imaginar a vida sem ela.

A neve caiu, mas com suavidade. Depois que o peru com batatas, o repolho azedo e os biscoitos foram devorados, Ian estava meio enlouquecido de impaciência.

Em vez de se juntar aos homens perto da lareira, pegou o cap de Alanna e entregou-o a ela.

- Preciso de um momento com você.

- Mas eu não terminei...

- O resto pode esperar. - Pelo que ele podia ver, a cozinha estava impecável. - Quero falar com você em particular.

Ela não protestou, não poderia, porque seu coração já estava sofrendo quando Ian a conduziu para a neve do lado de fora. Mal teve tempo de pegar seu chapéu. Quando Alanna apontou que ele não tinha abotoado a capa contra o vento, Ian a pegou nos braços e, com passos longos, carregou-a para o estábulo.

- Não há necessidade para nada disso - apontou ela. - Posso andar tão bem quanto você.

- Você vai molhar seu vestido. - Ele virou a cabeça e beijou-lhe os lábios salpicados de neve. - E gosto muito de carregá-la.

Depois de colocá-la no chão do lado de dentro, Ian fechou a porta e acendeu um lampião. Ela cruzou os braços na altura da cintura. Era agora, Alanna disse a si mesma, que a celebração do Natal tinha de acabar.

- Ian...

- Não, espere. - Ele se aproximou e tocou-lhe os ombros gentilmente. O súbito gesto carinhoso roubou a fala dela. - Você não se perguntou por que eu não lhe dei um presente esta manhã?

- Você me deu um presente. Nós concordamos...

- Pensou que eu não tivesse mais nada para você? - Ian pegou-lhe as mãos, que estavam geladas porque ele não lhe dera tempo para luvas, e aqueceu-as com as suas. - Neste nosso primeiro Natal juntos, o presente precisa ser especial.

- Não, Ian, não há necessidade.

- Há toda a necessidade. - Ele enfiou a mão no bolso da calça e retirou uma pequena caixa. - Enviei um rapaz da vila até Boston para pegar isso. Estava em meus aposentos lá. - Ian colocou a caixinha na mão dela. - Abra.

A mente de Alanna queria recusar, mas o seu coração... seu coração não podia. Dentro, ela viu um anel. Após uma leve arfada, pressionou os lábios. Era de ouro no formato de uma cabeça de leão e coroa.

- Este é o símbolo do meu clã. O avô cujo nome eu carrego mandou fazê-lo para sua esposa. Antes de morrer, deu para meu pai, para que fosse passado para mim. Quando parti da Escócia, ele me disse que tinha a esperança que eu encontrasse uma mulher forte, sábia e leal para usá-lo.

O nó na garganta de Alanna estava tão apertado que as palavras doeram quando ela as falou.

- Oh, Ian, não. Eu não poderia. Eu não...

- Nenhuma outra mulher vai usar este anel. - Ele o tirou da caixa e o colocou no dedo dela. Poderia ter sido feito para Alanna, tão perfeitamente serviu. Naquele momento, Ian sentiu como se o mundo fosse seu. - Não vou amar nenhuma outra mulher. - Levando a mão do anel aos lábios, observou-a. - Com isso, eu lhe prometo meu coração.

-  Eu amo você - murmurou ela, sentindo seu mundo se partir em dois. - Sempre o amarei. - Haveria tempo para arrependimentos, dor e lágrimas, pensou Alanna quando a boca de Ian tocou a sua. Mas esta noite, pelas horas que eles teriam, ela lhe daria mais um presente.

Gentilmente, puxou-lhe a capa dos ombros. Com a boca movendo-se avidamente sobre a dele, começou a desabotoar a casaca.

Com mãos trêmulas, Ian parou as dela.

- Alanna...

Ela meneou a cabeça e tocou com um dedo os lábios dele.

- Não sou uma garota inocente. Já vim para você como mulher, e peço-lhe que me aceite como uma. Preciso que você me ame, Ian. Esta noite, nesta noite de Natal, preciso disso. - Desta vez, foi Alanna quem lhe capturou as mãos e levou-as aos próprios lábios. Era imprudência, sabia. Mas era certo. - E preciso amar você.

Nunca antes ele tinha se sentido tão desajeitado. Suas mãos pareciam grandes demais, meio rudes, seu desejo tão profundo e intenso. Jurou que se não conseguisse realizar mais nada na vida, amaria Alanna gentilmente e lhe mostraria o que estava escrito em seu coração.

Com cuidado, deitou-a sobre o feno. Não era o colchão de penas que desejava para ela, mas os braços delgados o envolveram de livre e espontânea vontade, e ela sorriu quando levou a boca até a sua. Com um murmúrio apaixonado, Ian inclinou-se sobre ela.

Foi mais do que Alanna jamais sonhara, o toque das mãos de seu amado em seus cabelos, em seu rosto. Com muita paciência, com incrível doçura, ele a beijou até derreter-lhe todas as aflições do coração. Quando Ian desabotoou seu vestido, deslizando-o pelos ombros, tocando a pele ali, e murmurando coisas tão tolas, a fez querer sorrir e chorar ao mesmo tempo.

Ele sentiu os dedos fortes e capazes de Alanna lhe tirarem a casaca, abrir-lhe a camisa, e então deslizarem sobre seu peito.

Com cuidado, despiu-a, devagar, demorando-se em cada passo, para dar prazer e receber. Com cada toque, com cada gosto, a resposta dela crescia. Ele ouviu o coração de Alanna bater acelerado, a respiração ofegante no seu ouvido, então sentiu os dentes dela em sua pele quando se entregou aos encantos do corpo dela.

Um aroma delicado de lavanda misturado com a fragrância do feno. Uma pele clara e suave brilhando na luz sombreada do lampião. Suspiros delicados fundindo-se com seus próprios gemidos O rico brilho dos cabelos pretos enquanto Ian pegava um punhado nas mãos.

Alanna estava tremendo. Mas com paixão. Muita paixão. Tentou falar o nome dele, mas conseguiu apenas enterrar as unhas nos ombros largos. De onde vinha aquele ardor, aquele rio selvagem que parecia flutuar em seu interior? E aonde acabaria? Fascinada, desesperada, arqueou-se contra Ian enquanto as mãos grandes e fortes viajavam como raios sobre os pontos de prazer que Alanna jamais soubera que possuía.

Sua boca estava na dele, ávida, sedenta, quando Ian a levou para o primeiro pico, e, então, para além disso. O gemido profundo de Alanna foi abafado contra os lábios e o próprio gemido de satisfação de Ian.

Então, ele estava em seu interior, profundamente. Com a glória daquilo, Alanna abriu os olhos. Viu o rosto de Ian sobre si, os cabelos cor de fogo brilhando à luz do lampião.

- Agora nós somos um. - A voz dele era baixa e rouca pela paixão. - Agora, você é minha.

E ele abaixou a boca para a dela, enquanto davam um ao outro o próprio tesouro.

 

Eles cochilaram, um de frente para o outro, o casaco de Alanna jogado ao acaso sobre os corpos entrelaçados, quentes e repletos pelo ato de amor.

Ian murmurou o nome dela.

Alanna acordou.

A meia-noite tinha chegado e passado, pensou ela. E seu tem­po havia terminado. Todavia, roubou mais alguns minutos, estudando-lhe o rosto enquanto ele dormia, memorizando cada feição, cada ângulo. Apesar de saber que o rosto de Ian já estava gravado em sua mente e em seu coração.

Um último beijo, disse a si mesma quando roçou os lábios nos dele. Um último momento.

Quando ela se moveu, Ian protestou:

-  Você não vai escapar tão facilmente, Sra. Flynn.

O coração de Alanna disparou com o modo perverso como ele disse seu nome.

-  Está quase amanhecendo. Não podemos ficar mais tempo.

-  Muito bem, então. - Ele sentou-se e começou a se vestir. - Suponho que, mesmo sob essas circunstâncias, seu pai sacaria a faca novamente se me encontrasse nu sobre o feno com sua filha. - Com alguma tristeza, vestiu a calça. Gostaria que tivesse palavras para lhe dizer o que aquilo tinha significado para ele. O que o amor dela significava. Com a camisa aberta, levantou-se para beijar-lhe a nuca. - Você tem feno nos cabelos, querida.

Alanna deu um passo para o lado e começou a limpar os cabelos com os dedos.

-  Perdi meus grampos.

- Gosto dos seus cabelos soltos. - Ian engoliu em seco e aproximou-se para acariciá-los. - Meu Deus, eu os adoro soltos.

Ela quase se inclinou contra ele antes de perceber o que estava fazendo.

-  Preciso do meu gorro.

- Se precisa. - Prestativo, ele começou a procurar. - Na verdade, não me lembro de um Natal melhor do que este. Pensei que tivesse atingido o auge da felicidade quando eu tinha 8 anos e ganhei um cavalo baio. Ele era muito forte, com o temperamento de uma mula. - lan achou o gorro debaixo do feno espalhado. Com um sorriso, ofereceu-lhe. - Mas, embora seja uma competição difícil, você ganhou sobre o cavalo.

Ela conseguiu sorrir.

-  Fico lisonjeada com isso, MacGregor. Agora, tenho de preparar o café-da-manhã.

-  Tudo bem. Podemos contar à sua família durante a refeição que vamos nos casar.

Alanna respirou profundamente.

-  Não.

-  Não há razão para esperar, Alanna.

-  Não - repetiu ela. - Eu não vou me casar com você.

- É claro que vai! - explodiu lan, agarrando-lhe ambos os ombros. - Não tolero jogos no que diz respeito a isso.

-  Não é um jogo, lan. - Embora os dentes estivessem batendo um no outro, ela falou calmamente - Não quero me casar com você.

Se Alanna ainda estivesse com a faca na mão e o golpeasse, teria lhe causado menos dor.

-  Você mente. Olha no meu rosto e mente. Não poderia ter me amado como me amou durante a noite e não querer pertencer a mim.

Os olhos de Alanna permaneciam secos, tão secos que ardiam.

-  Eu amo você, mas não vou me casar. - Ela meneou a cabeça antes que ele pudesse protestar. - Meus sentimentos não mudaram. Nem os seus, sei disso. Mas, entenda, lan, sou uma mulher simples, com esperanças simples. Você vai fazer sua guerra e não ficará contente enquanto não acabar. Vai lutar na guerra se durar um ano ou dez anos. Eu não posso perder mais uma pessoa que amo, quando já perdi tantas. Não aceitarei seu nome e lhe darei meu coração só para vê-lo morrer.

-  Então, você está me propondo uma barganha? - Furioso, lan se afastou dela. - Não vai compartilhar a minha vida a menos que eu me satisfaça em viver ignorando tudo em que acredito? Para ter você, eu preciso virar as costas para meu país, para minha honra e minha consciência?

-  Não. - Ela uniu as mãos com força, e lutou para não torcê-las. - Não estou lhe propondo barganha alguma. Dou-lhe sua liberdade com o coração aberto e sem arrependimento pelo que aconteceu entre nós. Não posso viver no mundo que você quer, lan. E você não pode viver no meu. Tudo que lhe peço é que me dê a mesma liberdade que estou lhe oferecendo.

-  Pois eu não darei. - Ele a segurou de novo. Os dedos que tinham sido tão gentis na noite anterior a machucavam agora. - Como pode pensar que uma diferença na visão política pode me impedir de levá-la comigo? Você me pertence, Alanna. Não existe nada além disso.

- Não é apenas uma diferença na visão política. - Porque sabia que estava preste a chorar, Alanna esforçou-se para manter a voz firme e fria. - É uma diferença em esperanças e sonhos. Todos os meus sonhos e todos os seus. Eu não lhe peço que sacrifique os seus, lan. E não vou sacrificar os meus. - Ela afastou-se, mantendo a postura rígida. - Não quero você. Não quero passar minha vida a seu lado. E, como uma mulher livre para aceitar ou rejeitar o que lhe agrada, eu não farei isso. Não há nada que você possa dizer ou fazer para mudar as coisas. Se gostar de mim verdadeiramente, não vai nem mesmo tentar.

Ela pegou seu gorro e amassou-o nas mãos.

-  Seus ferimentos estão curados, MacGregor. É hora de você partir. Eu não o verei novamente.

Como isso, ela virou-se e fugiu.

Uma hora depois, na segurança de seu quarto, ouviu-o partindo a cavalo. Foi então, e somente então, que se permitiu deitar na cama e chorar. Apenas quando as lágrimas molharam o ouro no seu dedo é que percebeu que não tinha devolvido o anel a lan. Nem ele pedira.

 

Ian demorou três semanas para chegar à Virgínia, e mais uma antes que pudesse trocar mais do que algumas palavras com alguém. Na biblioteca de seu tio, relaxou o bastante para discutir os acontecimentos de Boston, e outras partes das reações das Colônias e dos Parlamentos. Embora Brigham Langston, o quarto conde de Ashburn, tivesse vivido na América por quase trinta anos, ainda tinha fortes conexões na Inglaterra. E, como lutara por suas crenças na Rebelião de Stuart, lutaria pelo seu país natal novamente por liberdade e justiça em seu lar.

-  Certo, basta de tramas e segredos por esta noite. - Nunca muito preocupada em respeitar o solo masculino santificado, Se­rena MacGregor Langston entrou na biblioteca. Os cabelos ainda eram tão vermelhos e brilhantes quanto tinham sido em sua juventude. As mechas grisalhas não perturbavam a mulher que sabia tê-las ganho.

Apesar de lan ter se levantado para cumprimentar a tia, o marido continuava encostado contra o consolo da lareira. Ele era, pensou Serena, tão bonito como sempre. Mais, talvez. Os cabelos estavam grisalhos, mas o sol do Sul havia lhe bronzeado o rosto, dando-lhe uma cor que lembrava o carvalho. E o corpo era tão magro e musculoso quanto ela se lembrava ser havia quase trinta anos. Ela sorriu quando seu filho mais velho, Daniel, serviu-a de uísque e a beijou.

-  Você sabe que sua presença encantadora é sempre bem-vinda, mamãe.

-  Você fala como seu pai. - Ela sorriu, satisfeita que ele tinha herdado as feições de Brigham, também. - Sabe muito bem que não me queria aqui agora. Tenho de relembrá-lo novamente que já lutei em uma rebelião. Não é verdade, Sassenach!

Brigham sorriu-lhe. Ela o chamava pelo termo escocês ofensivo que era usado para se referir aos ingleses desde o primeiro momento em que tinham se conhecido.

-  Eu alguma vez tentei mudar você?

-  Você não é um homem que tenta quando sabe que vai fracassar. - E ela deu-lhe um beijo estalado na boca. - lan, você está perdendo peso. - Serena já tinha decidido que dera ao rapaz tempo suficiente para digerir qualquer coisa que o estivesse perturbando. Enquanto a mãe dele estivesse do outro lado do oceano, Serena cuidaria do sobrinho. - Tem alguma reclamação quanto à comida?

-  Suas refeições, como sempre, são maravilhosas, tia Serena.

-  Ah! - Ela deu um gole no uísque. - Sua prima Fiona disse que você ainda não a levou para um passeio a cavalo. - Serena falava de sua filha mais nova. - Espero que ela não tenha feito nada para aborrecê-lo.

- Não. - Ele trocou a posição dos pés. - Não, eu só ando um pouco, ah, distraído. Irei me certificar de sair com ela amanhã ou depois.

-  Ótimo. - Ela sorriu, decidindo esperar até que eles estivessem sozinhos para descobrir o que estava perturbando o sobrinho. - Brig, Amanda gostaria de sua ajuda para escolher o pônei certo para o jovem Colin. Pensei que tivesse criado bem minha filha mais velha, mas, aparentemente, ela acha que você tem um olho melhor para cavalos do que eu. Oh, e Daniel, seu irmão está no estábulo. Ele me pediu para enviá-lo para lá.

- O rapaz não pensa em outra coisa senão em cavalos - comentou Brigham. - Puxou a Malcolm.

-  Tenho de lembrá-lo de que meu irmão mais novo se deu muito bem com os cavalos.

Brigham ergueu o copo em direção à esposa.

-  Não precisa me lembrar disso.

-  Eu vou. - Daniel pôs o copo sobre a mesa. - Se conheço Kit, ele provavelmente está tramando algum esquema louco sobre procriação novamente.

-  Oh, e, Brig. Parkins está nervoso com alguma coisa. Com o estado de sua jaqueta de montaria, acredito. Eu o deixei em seu closet.

-  Ele está sempre nervoso - murmurou Brigham, referindo-se ao seu criado de longo tempo. Então viu o olhar da esposa e entendeu seu significado. - Vou até lá ver se consigo acalmá-lo.

-  Você não vai me deixar sozinha, vai, lan? - Abrindo as saias rodadas, Serena se sentou, satisfeita que a sala tivesse esvaziado. - Nós não tivemos muito tempo para conversar desde que você chegou. Tome mais um uísque e me faça companhia por um tempo. - Ela sorriu, de modo tranqüilizador. Aquele era um outro jeito que tinha aprendido de conseguir o que queria, sem precisar gritar e xingar. - E conte-me sobre suas aventuras em Boston.

Porque estava descalça, como sempre preferia ficar, cruzou as pernas sobre a cadeira debaixo das saias coloridas, conseguindo parecer tanto elegante quanto ridiculamente jovem. Apesar de se sentir melancólico e deprimido, lan pegou-se sorrindo para a tia.

-  Tia Serena, você é linda.

- E você está tentando me distrair. - Ela inclinou a cabeça, de modo que os cabelos, sempre rebeldes, caíram-lhe sobre os ombros.

- Sei tudo sobre o que vocês fizeram com o chá, meu rapaz. - E de um MacGregor para outro, eu o cumprimento. E – continuou - sei que os ingleses já estão se lamentando. Eu queria que engasgassem com seu próprio chá maldito. - Ela ergueu uma das mãos.

- Mas não me deixe começar a falar sobre isso. É verdade que quero ouvir o que você tem a dizer sobre os sentimentos das pessoas da Nova Inglaterra e de outras partes da América, mas, por enquanto, quero saber sobre você.

-  Sobre mim? - Após um gole do drinque, lan deu de ombros. - É bobagem fingir que você não sabe sobre todas as minhas atividades, minha aliança com Sam Adams e com os Filhos da Liberdade. Nossos planos se movem lentamente, mas movem-se.

Serena quase foi levada a questionar mais sobre aquilo, mas Brigham e suas próprias fontes poderiam dar todas as informações que ela precisava.

-  Estou perguntando num nível mais pessoal, lan. - Mais séria, ela inclinou-se para frente a fim de tocar-lhe a mão. - Você é o primeiro filho de meu irmão e meu afilhado. Eu ajudei a trazê-lo para este mundo. E sei, como sei que estou sentada aqui, que você está sofrendo por alguma coisa que não tem nada a ver com política ou revoluções.

-  E tudo a ver com isso - murmurou ele, e bebeu o uísque.

-  Conte-me sobre ela.

lan enviou um olhar perspicaz à tia.

-  Não mencionei a palavra "ela".

- Você a mencionou um milhão de vezes com seu silêncio. - Serena sorriu enquanto mantinha a mão dele nas suas. – Não adianta querer esconder as coisas de mim, meu rapaz. Somos do mesmo sangue. Qual é o nome dela?

- Alanna - ele ouviu-se dizendo. - Que ela vá para o inferno! Com uma risada gostosa, Serena recostou-se.

-  Gostei do som disso. Conte-me.

E ele contou. Embora não tivesse a intenção de fazer isso. Em meia hora, tinha contado tudo a Serena, desde o primeiro momento em que recuperara a consciência no estábulo, até sua partida furiosa e frustrante.

-  Ela ama muito você - murmurou Serena.

Enquanto contava a história, lan havia se levantado para andar da lareira até a janela, e de volta para o fogo. Apesar de estar vestido como um cavalheiro, movia-se como um guerreiro. Parou diante do fogo agora, as chamas estalando as suas costas. Serena lembrou-se tanto de seu irmão Coll que uma tristeza profunda a assolou por um momento.

-  Que tipo de amor é esse que faz um homem partir e o deixa com apenas meio coração? - questionou ele.

-  Um amor profundo e assustador. - Ela se levantou então, para estender-lhe as mãos. - Isso eu entendo, lan, mais do que posso lhe dizer. - Sofrendo pelo sobrinho, levou-lhe as mãos ao seu rosto.

-  Não posso mudar o que sou.

-  Não, você não pode. - Com um suspiro, Serena puxou-o para se sentar ao seu lado. - Nem eu podia. Somos filhos da Es­cócia, meu querido. Espíritos de Highlands. - Mesmo enquanto falava, a dor pela terra natal perdida era aguda. - Nascemos rebeldes, temos isso no sangue. Somos guerreiros desde que o mundo começou. Entretanto, quando lutamos, fazemos isso somente pelo que é direito nosso. Nossa terra, nossos lares, nosso povo.

- Alanna não entende isso.

- Oh, acho que ela entende muito bem. Talvez, não possa aceitar. Mas por que você, um MacGregor, a deixou quando ela lhe disse isso? Por que não lutou pelo que queria?

-  Ela é uma mulher briguenta e teimosa que não ouve a voz da razão.

- Ah. - Escondendo um sorriso, Serena assentiu. Também fora chamada de teimosa repetidas vezes durante sua vida... e por um homem em particular. Tinha sido orgulho que fizera seu sobrinho montar um cavalo e partir para lamber as feridas na Virgínia. Orgulho era alguma coisa que Serena entendia muito bem. - E você a ama?

-  Eu a esqueceria se pudesse. - Ele cerrou os dentes. - Talvez eu possa voltar e assassiná-la.

-  Duvido que você chegaria a esse ponto. - Levantando-se ela acariciou-lhe a mão. - Fique um tempo conosco, lan. E confie em mim, tudo vai dar certo no final. Devo ir agora e resgatar seu tio de Parkins.

Serena o deixou olhando para o fogo. Mas em vez de ir procurar o marido foi para a sala de estar e escreveu uma carta.

 

- Eu não posso ir. - Com a face vermelha, os olhos brilhantes, Alanna parou diante do pai, a carta ainda nas mãos.

- Você pode e irá - insistiu Cyrus. - Lady Langston a convidou para uma visita a fim de agradecer pessoalmente a você por ter salvo a vida do sobrinho dela. - Ele firmou o cachimbo entre os dedos e rezou para que não estivesse cometendo um erro. - Sua mãe desejaria isso para você.

-  A viagem é muito longa - começou Alanna rapidamente. - E em um mês ou dois será hora de fazer sabão e plantar e separar lã. Tenho muito trabalho para fazer uma viagem. E... e não tenho roupas apropriadas para vestir.

-  Você irá, representando esta casa. - Cyrus endireitou a coluna numa postura orgulhosa. - Nunca será dito que um Murphy se acovarda da idéia de encontrar pessoas de uma classe social mais elevada.

-  Não estou me acovardando.

-  Você está morrendo de medo, garota, e isso me deixa pálido de vergonha. Lady Langston quer conhecê-la. Bem, tenho primos que lutaram ao lado do clã dela na guerra de 1745. Um Murphy é tão bom quanto um MacGregor em qualquer circunstância.... melhor do que um no que diz respeito a isso. Eu não pude lhe proporcionar a instrução que sua mãe queria para você...

-  Oh, papai.

Ele meneou a cabeça com veemência.

-  Sua mãe vai me rejeitar quando eu me juntar a ela depois dessa vida, caso eu não convença você a fazer isso. Desejo que você conheça mais do mundo do que essas pedras e essa floresta antes que minha vida chegue ao fim. Então, faça isso por mim e por sua mãe, se não por si mesma.

Alanna enfraqueceu, como Cyrus sabia que aconteceria.

-  Mas... se lan estiver lá.

-  Ela não disse que ele está, disse?

-  Bem, não, mas...

-  Então, é provável que ele não esteja. Deve estar fora, agitando multidões em algum lugar.

-  Sim. - Com tristeza, ela olhou para a carta em sua mão. - É mais provável. - Então, começou a perguntar-se como seria fazer uma viagem tão longa até a Virgínia, onde diziam que a terra era tão verde. - Mas quem vai cozinhar? Quem vai lavar e fazer a ordenha? Não posso...

-  Não somos inúteis por aqui, garota. - Mas ele já estava sentindo a falta da filha. - Mary pode ajudar, agora que está casada com Johnny. E a viúva Jenkins está sempre disposta a dar uma mão.

-  Sim, mas não podemos pagar...

-  Não estamos pobres, também - replicou ele. - Vá responder a carta de Lady Langston, dizendo que aceita, de bom grado, o convite para uma visita. A menos que esteja com medo de conhecê-la.

-  É claro que não estou com medo. - Aquilo serviu para deixá-la irritada. - Eu vou - murmurou Alanna, subindo a escada para encontrar papel e pena.

-  Sim - sussurrou Cyrus quando sua filha bateu a porta. - Mas você vai voltar?

 

Pelo modo como seu coração batia descompassado, Alanna tinha certeza de que poderia explodir em seu peito. Nunca antes tinha viajado em uma carruagem tão sofisticada, com um bonito par de cavalos puxando-a. E um cocheiro uniformizado. Incrível os Langston haviam enviado uma carruagem de toda aquela distância, com um cocheiro, mensageiros e uma criada para acompanhá-la durante toda a jornada.

Embora ela tivesse viajado por navio de Boston a Richmond mais uma vez com as companhias que os Langston providenciaram, faria o restante do trajeto até a plantação deles pela estrada.

Eles chamavam a fazenda de Glenroe, em homenagem a uma floresta em Highlands.

Oh, que emoção tinha sido observar o vento mover as velas do navio, ter sua própria cabine e a criada delicada para prover suas necessidades. Até que a moça tinha ficado enjoada pelo balanço do navio, é claro. Então, Alanna cuidara dela. Mas não se impotara nem um pouco. Enquanto a jovem agradecida dormia para se recuperar dos enjôos, Alanna tinha ficado livre para andar nos deques do grande navio e observar o oceano, tendo visões ocasionais da costa.

E maravilhava-se pela vastidão e beleza de um país que nunca vira verdadeiramente.

Era lindo. Embora adorasse a fazenda, a floresta e as pedras de sua Massachusetts natal, achou a terra ainda mais gloriosa em sua variedade. Bem, no momento em que deixara sua casa, ainda havia neve no solo. Os dias mais quentes tinham deixado massas pendentes de gelo brilhando nas soleiras da casa e os galhos das árvores expostos.

Mas agora, no Sul, via as árvores verdes e deixou o casaco aberto para apreciar o ar através da janela da carruagem. Nos campos, havia bezerros e potros, experimentando as pernas e mamando. Em outros, ela viu dúzias e dúzias de mãos negras ocupadas com a plantação da primavera. E estavam somente em março.

Somente março, pensou novamente. Apenas três meses desde que deixara lan partir. Num hábito nervoso, tocou o contorno do anel que usava pendurado num cordão debaixo do vestido. Teria de devolvê-lo, é claro. Para a tia dele, pois certamente lan não estaria na plantação. Não poderia estar, pensou Alanna com um misto de alívio e desejo. Devolveria o anel para a tia dele com algum tipo de explicação do motivo pelo qual a jóia estava em sua posse. Não a verdade completa, refletiu, uma vez que isso seria muito humilhante e doloroso.

Não se preocuparia com isso agora, disse a si mesma e pousou as mãos no colo enquanto estudava os morros já esverdeando com a primavera precoce da Virgínia. Pensaria naquela jornada, e na visita que faria, como uma aventura. Uma aventura que provavelmente nunca mais teria oportunidade de vivenciar.

E deveria se lembrar de tudo para contar a Brian, seu irmão curioso. Recordaria de tudo, pensou com um suspiro, para si mesma. Pois aquela era a família de lan, pessoas que o conheciam desde bebê, até que se tornara um homem.

Pelas poucas semanas que ficaria na plantação com a família de lan, se sentiria perto dele novamente. Pela última vez, prometeu a si mesma. Então, retornaria à fazenda, à sua família e às suas tarefas, e ficaria contente.

Não havia outra maneira. Mas enquanto a carruagem balançava, continuou com os dedos no anel, desejando que pudesse encontrar alguma coragem, a carruagem virou em uma entrada em que havia dois pilares enormes de pedra com uma placa de ferro unindo-os no topo, na qual se lia: Glenroe. A criada, mais cansada do que ela pela viagem, movimentou-se no assento oposto.

- Você logo poderá ver a casa, senhorita. - Grata que as semanas de viagem estavam quase no fim, a moça não se conteve e colocou a cabeça para fora da janela da carruagem. - É a casa mais linda da Virgínia.

Com o coração disparado, Alanna começou a brincar com a trança preta que adornava o vestido cinza no qual trabalhara por três noites. Seus dedos nervosos então tocaram as fitas da boina alisaram a saia do vestido antes de retomarem para o tecido trançado novamente.

O caminho para a casa era alinhado com carvalhos, suas folhas pequenas abertas e verdes. Pelo que podia ver, o gramado era bem cuidado. Aqui e ali, via árvores aparadas já brotando. Então erguida sobre um cume suave, estava a casa.

Alanna descobriu-se sem fala. Era uma estrutura majestosa branca, com diversas colunas embelezando a frente como moças delgadas. Varandas que pareciam feitas de renda preta enfeitavam as janelas altas no segundo e terceiro pisos. Um terraço largo e abrangente rodeava tanto a frente quando as laterais. Havia flores, profundamente vermelhas, em urnas altas de cada lado dos degraus de pedra que levavam às brilhantes portas duplas de vidro.

Alanna apertou as mãos unidas com força. Precisou de toda sua força de vontade e orgulho para não gritar, pedindo ao cocheiro que virasse a carruagem e instigasse os cavalos a galoparem o mais rápido possível.

O que estava fazendo lá, num lugar como aquele? O que teria a dizer para alguém que podia viver no meio de tanta riqueza? O abismo entre Alanna e lan parecia aumentar a cada passo dos cavalos sofisticados.

Antes que a carruagem parasse na curva do caminho circular, uma mulher passou pelas portas e começou a descer os degraus da varanda. O vestido rodado era verde-claro, adornado com renda cor de marfim. Os cabelos, um tom adorável de vermelho, estavam simplesmente presos num anel na nuca e brilhavam com a luz do sol. Alanna mal tinha acabado de descer da carruagem com a ajuda de um lacaio uniformizado quando a mulher se aproximou, as mãos estendidas.

- Senhora Flynn. Você é tão linda quanto imaginei. - Havia um leve sotaque escocês na voz da mulher que lembrou Alanna de lan. - Mas vou chamá-la de Alanna, porque sinto que já somos amigas. - Antes que Alanna pudesse decidir como responder, a mulher estava sorrindo e envolvendo-a num abraço. - Sou a tia de lan, Serena. Bem-vida a Glenroe.

- Lady Langston - começou Alanna, sentindo-se empoeirada, amassada e intimidada. Mas Serena estava rindo e conduzindo-a para os degraus.

-  Oh, nós não usamos títulos aqui. A menos que possa nos servir para alguma coisa. Sua jornada foi boa, espero.

-  Sim. - Ela sentiu que estava sendo carregada por um pequeno redemoinho de cabelos vermelhos. - Devo agradecer à senhora pela generosidade de seu convite, por abrir sua casa para mim.

-  Sou eu que estou grata. - Serena parou à soleira da porta. - Ian é tão precioso para mim quanto meus próprios filhos. Venha, vou levá-la a seu quarto. Tenho certeza de que você quer se refrescar antes de conhecer o restante da família no chá. É claro que não servimos o produto maldito - continuou Serena suavemente enquanto Alanna olhava, boquiaberta, para o hall de entrada, com o teto alto e escadas duplas em caracol.

-  Não, é claro que não - murmurou Alanna com fraqueza quando Serena pegou-lhe o braço para conduzi-la à escadaria da direita. Houve um grito, alguém praguejando em algum lugar dentro da casa.

-  Meus dois filhos mais novos. - Despreocupada, Serena continuou a subir. - Eles brigam como dois cachorrinhos.

Alanna pigarreou.

-  Quantos filhos você tem, Lady Langston?

-           Seis. - Serena levou-a para um corredor com as paredes em tom pastel e tapete grosso. - Payne e Ross são os que você ouviu fazendo algazarra, os gêmeos. Num minuto estão brigando e no seguinte jurando defender um ao outro até a morte.

Alanna distintamente ouviu o barulho de alguma coisa se quebrando, mas Serena não piscou um olho quando abriu a porta para uma suíte completa.

- Espero que você fique confortável aqui - disse ela. - Se precisar de alguma coisa, é só pedir.

De que ela poderia possivelmente precisar? Pensou Alanna, mas não disse nada. O quarto tinha pelo menos três vezes o tamanho do quarto em que ela dormia em sua casa. Alguém tinha colocado flores frescas e fragrantes em vasos. Cortar flores em março!

A cama, era suficientemente grande para três, estava coberta com uma colcha de seda azul-clara e enfeitada com diversos travesseiros. Havia um guarda-roupa de madeira entalhada, uma cômoda elegante com um espelho ornado em prata, uma mesa delicada com uma cadeira brocada. As janelas altas estavam abertas, de modo que a brisa suave fizesse as cortinas puramente brancas balançarem de leve. Antes que ela pudesse falar, uma criada apareceu com um jarro de água quente.

-  Sua saleta de estar é por ali. - Serena moveu-se, passando por uma linda lareira entalhada. - Esta é Hattie. - Serena sorriu para a pequena criada negra. - Ela cuidará de suas necessidades enquanto você estiver conosco. Hattie, você vai cuidar bem da Sra. Flynn, não vai?

-  Oh, sim, senhora. - Hattie sorriu.

-  Bem, então é isso. - Serena deu um tapinha na mão de Alanna, encontrou-a fria e trêmula e sentiu uma onda de compai­xão. - Há mais alguma coisa que eu possa fazer por você?

-  Oh, não. Você já fez mais do que o suficiente.

Eu ainda nem comecei, pensou Serena, mas apenas sorriu.

- Vou deixá-la descansar. Hattie a levará lá para baixo quando você estiver pronta.

Assim que a porta se fechou atrás da indomável Lady Langston, Alanna  se sentou cuidadosamente na beirada da cama e perguntou-se como prosseguiria com aquilo.

Porque estava muito nervosa para permanecer no quarto, permitiu que Hattie a ajudasse a tirar o vestido de viagem e vestir seu melhor traje. A pequena criada provou-se perita em penteados e, com dedos hábeis e uma fala cantada, escovou e curvou os cabelos de Alanna até que caíssem em cachos escuros sobre o ombro esquerdo.

Alanna estava prendendo os brincos de sua mãe nas orelhas e reunindo coragem para descer quando ouviu gritos e barulhos de socos do lado de fora da porta. Intrigada, abriu uma pequena fresta, e logo depois abriu completamente para ver dois jovens rolando sobre o tapete do corredor.

Ela pigarreou.

-  Bom dia para vocês, cavalheiros.

Os garotos, um o espelho do outro, com cabelos pretos e olhos cor de topázio, pararam de brigar para estudá-la. Como se por um acordo silencioso, se separaram, levantaram-se e fizeram uma reverência para Alanna ao mesmo tempo.

-  E quem seria você? - perguntou o garoto do lábio rachado.

-  Sou Alanna Flynn. - Divertida, ela sorriu. - E vocês devem ser Payne e Ross.

- Sim. - A resposta veio do garoto de olho roxo. - Sou Payne, e o mais velho, portanto, lhe dou as boas-vindas a Glenroe.

-  Eu também dou as boas-vindas a ela. - Ross deu uma forte cotovelada nas costelas do irmão antes de dar um passo à frente e estender a mão.

-  E agradeço a vocês dois - disse ela, esperando manter a paz. - Eu estava prestes a descer para me juntar à mãe de vocês. Talvez possam me escoltar.

-  Ela estará na sala de visitas. É hora do chá. - Ross ofereceu o braço.

-  É claro que não bebemos a coisa maldita. - Payne ofereceu o seu, também. Alanna aceitou ambos os braços. - Os ingleses poderiam forçá-lo em nossa garganta e nós cuspiríamos de volta eles.

Alanna reprimiu um sorriso.

-  Naturalmente.

Quando o trio entrou na sala, Serena se levantou.

- Ah, Alanna, vejo que conheceu minhas jovens feras. - Com um olhar preocupado, ela notou o olho roxo e o lábio ensangüentado. - Se é bolo que vocês querem, então vão se lavar antes. - Assim que eles saíram, virou-se para apresentar Alanna aos outros na sala. Havia um jovem de aproximadamente 18 anos que Serena chamava de Kit, que possuía o mesmo tom de pele da mãe e um sorriso fácil. Uma garota que Alanna calculava que tinha aproximadamente a idade de Brian, com cabelos mais loiros do que ruivos, com lindas covinhas.

- Kit e Fiona irão arrastá-la para o estábulo em todas as oportunidades que tiverem - avisou Serena. - Minha filha Amanda virá jantar conosco esta noite, acompanhada da família. Eles moram em uma plantação nas redondezas. - Ela serviu a primeira xícara de café e ofereceu a Alanna. - Não esperaremos por Brigham e pelos outros. Eles estão fora, inspecionando a plantação, e só Deus sabe quando vão chegar.

- Mamãe disse que você vive em uma fazenda em Massachusetts - começou Fiona.

- Sim. - Alanna sorriu e relaxou um pouco. - Havia neve no solo quando parti. Nossa temporada de plantação é muito mais curta do que a de vocês.

A conversa estava fluindo com facilidade quando os gêmeos voltaram, aparentemente unidos de novo, enquanto os braços tocavam o ombro um do outro. Com sorrisos idênticos, andaram até a mãe e beijaram-lhe a face.

-  É tarde demais - Serena disse aos dois. - Eu já sei sobre o vaso. - Ela serviu duas xícaras de chocolate. - Ainda bem que era um dos vasos feios. Agora, sentem-se, e tentem não derrubar isso no tapete.

Alanna estava à vontade e apreciando a segunda xícara de café quando uma explosão de risada feminina veio do hall de entrada.

-  Papai! - Os gêmeos gritaram e saltaram a fim de correr para a porta. Serena apenas olhou para a mancha de chocolate no tapete e suspirou.

Brigham entrou, bagunçando os cabelos dos garotos, um de cada lado seu.

-  Então, que danos vocês causaram hoje? - Alanna observou o olhar de Brigham ir primeiro para a esposa. Havia divertimento ali, e alguma coisa muito mais profunda, muito mais verdadeira, que a fez sentir uma ponta de inveja. Então, ele olhou para Alanna. Afastando-se dos garotos, atravessou a sala.

-  Alanna - começou Serena -, este é meu marido, Brigham.

-  Estou encantado em conhecê-la finalmente. - Brigham pegou-lhe a mão entre as suas. - Devemos muito a você.

Alanna corou de leve. Embora ele fosse velho o bastante para ser seu pai, possuía tanto magnetismo que faria o coração de qualquer mulher disparar.

-  Devo agradecer pela sua hospitalidade, Lorde Langston.

-  Não, você deve aproveitar e se divertir. - Ele lançou um olhar estranho e, Alanna teve a impressão, exasperado para a esposa. - Só desejo que você permaneça feliz e confortável durante sua estada.

-  Como poderia ser diferente? Vocês têm uma casa magnífica e uma família maravilhosa.

Ele ia começou a falar novamente, mas a esposa o interrompeu:

-  Café, Brig? - Ela já tinha servido e estava estendendo a xícara com uma expressão de aviso. A discussão do casal sobre a tentativa de Serena de bancar a casamenteira ainda teria de ser resolvida. - Você deve estar cansado depois do trabalho. E os outros?

-  Estavam bem atrás de mim. Pararam brevemente na biblioteca.

Enquanto ele falava, dois homens entraram na sala. Alanna viu, apenas de modo vago, um homem alto e ruivo, que era uma versão mais jovem de Brigham. Seus olhos totalmente perplexos estavam fixos em Ian. Não teve nem mesmo consciência que havia se levantado ou que a sala tinha caído no mais absoluto silêncio.

Ela via apenas Ian, que usava uma calça grossa e jaqueta de montaria, os cabelos desalinhados pelo vento. Ele, também, parecia ter congelado no lugar. Diversas expressões cruzaram-lhe o semblante. Então sorriu, mas era um sorriso tenso, revelando uma dureza que a devastou.

-  Ah, sra. Flynn. Que... surpresa inesperada.

- Eu... eu...- Alanna gaguejou e olhou ao redor com desespero, procurando lugar para fugir, mas Serena já tinha se levantado para segurar-lhe a mão. Apertou os dedos de Alanna brevemente, mas com firmeza.

-  Alanna foi bem amável para aceitar meu convite. Nós queríamos agradecer pessoalmente a ela por ter cuidado de você e o mantido vivo para nos perturbar.

-  Entendo. - Quando Ian conseguiu tirar os olhos de Alanna, enviou à tia um olhar furioso. - Você é esperta, não é, tia Serena?

-  Oh, sim - replicou ela de modo complacente. - Isso eu sou. Na lateral do corpo, Ian cerrou os punhos. Um nó parecia ter se formado em seu estômago.

- Bem, Sra. Flynn, uma vez que está aqui, terei de lhe dar as boas-vindas a Glenroe.

-  Eu... - Ela sabia que iria chorar e perder a compostura. - Com licença, por favor. - Dando uma última olhada para lan, saiu correndo da sala.

-  Como você foi agradável, Ian! - Meneando a cabeça, Sere­na foi atrás de sua hóspede.

Encontrou Alanna diante do guarda-roupa, tirando as roupas para arrumar as malas.

-  Agora, o que quer dizer tudo isso?

- Eu devo ir. Eu não sabia... Lady Langston. Agradeço sua hospitalidade, mas preciso ir para casa imediatamente.

-  Que bobagem é essa? - Serena segurou-a com firmeza sobre os ombros e conduziu-a em direção à cama. - Agora se sente e acalme-se. Sei que ver lan foi uma surpresa, mas... - Ela parou quando Alanna cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.

-  Oh, minha querida. - Com um jeito totalmente materno, Serena passou os braços ao redor de Alanna e balançou-a. - Ele foi tão terrível assim? Homens, você sabe. Isso apenas significa que devemos ser melhores do que eles.

-  Não, não, foi tudo culpa minha. Fui eu quem fez tudo. - Apesar de se sentir humilhada, ela não pôde conter as lágrimas e pousou a cabeça no ombro de Serena.

-  Mesmo que tenha sido, isso não é uma coisa que nenhuma mulher deve admitir. Uma vez que os homens têm a vantagem da força física, nós devemos usar melhor o cérebro. - Sorrindo, ela acariciou os cabelos de Alanna. - Eu queria ver por mim mesma se você o amava tanto quanto ele a ama. Agora eu sei.

-  Ele me odeia agora. E quem pode culpá-lo? Mas é melhor assim - murmurou ela chorosa. - É melhor assim.

-  Ele assusta você?

-  Sim.

-  E seus sentimentos por lan a assustam?

-  Oh, sim. Eu não quero sentir o que sinto, minha lady. Não posso sentir isso. Ele não vai mudar. Não ficará satisfeito enquanto não for morto ou enforcado por traição.

-  Os MacGregors não morrem facilmente. Agora, você tem um lenço? Nunca posso encontrar um quando é mais necessário.

Fungando, Alanna assentiu e pegou um.

- Peço perdão, minha lady, por causar uma cena.

- Oh, eu gosto de cenas, e as causo sempre que possível. - Ela esperou para ter certeza que Alanna estava mais composta. - Vou lhe contar uma história de uma jovem garota que se apaixonou desesperadamente. Amava um homem que parecia errado para ela. Amou numa época em que havia guerra e rebeliões, e morte por toda parte. Ela o rejeitou, repetidamente. Achou que assim seria melhor.

Secando os olhos, Alanna suspirou.

-  O que aconteceu com eles?

-  Oh, ele era tão teimoso quanto ela, portanto eles se casaram e tiveram seis filhos. Dois netos. - O sorriso de Serena iluminou-lhe as feições. - Eu nunca me arrependi de um único momento.

-  Mas isso é diferente.

- Amor é sempre igual. E nunca é igual. - Ela afastou os cabelos do rosto de Alanna. - Eu estava com medo.

-  Você?

-  Oh, sim. Quanto mais eu amava Brigham, mais medo sentia. E mais eu punia a nós dois negando meus sentimentos. Vai me contar sobre seus sentimentos? Geralmente ajuda conversar com uma outra mulher.

Talvez ajudasse, pensou Alanna. Certamente, não podia doer mais do que já estava doendo.

- Perdi meu irmão na guerra contra os franceses. Eu era apenas uma criança, mas lembro bem dele. Ele era tão inteligente, tão lindo! E, como Ian, não podia pensar em outra coisa senão em defender e lutar por sua terra, por suas crenças. Então, morreu por elas. Um ano depois, minha mãe faleceu. O coração dela estava despedaçado e nunca pôde superar a dor. Vi meu pai sofrer pelos dois, ano após ano.

-  Não existe perda maior do que daqueles que você ama. Meu pai morreu em batalha 28 anos atrás, e ainda vejo o rosto dele com muita clareza. Deixei minha mãe na Escócia logo depois disso. Ela morreu antes de Amanda ter nascido, mas ainda mora no meu coração. - Serena pegou as mãos de Alanna, com os olhos e intensos. - Quando a rebelião aconteceu, meu irmão Coll trouxe Brigham para mim. Ele havia sido baleado e estava quase morrendo. No meu útero, eu carregava nosso primeiro filho. Estávamos nos escondendo dos ingleses em uma caverna. Brig ficou um bom tempo entre a vida e a morte.

Então, a história que lan contara a Brian era verdade, pensou Alanna, olhando para a pequena mulher delgada a seu lado.

-  Como você pôde suportar isso?

-  Como poderia não suportar? - Ela sorriu. - Ele sempre diz que eu o queria vivo para poder cansá-lo. Talvez seja verdade. Mas conheço o medo, Alanna. Quando essa revolução chegar, meus filhos vão lutar, e meu sangue gela com o pensamento de que posso perdê-los. Mas se eu fosse homem, pegaria uma espada e me juntaria a eles.

-  Você é mais corajosa do que eu.

-  Acho que não. Se sua família fosse ameaçada, você se esconderia num canto ou enfrentaria tudo para protegê-los?

-  Eu morreria para protegê-los. Mas...

-  Sim. - Serena sorriu amplamente de novo, mas era um sorriso mais suave e mais sério do que antes. - Vai chegar uma hora, e será em breve, quando os homens das Colônias vão perceber que somos um só. Como um clã. E lutaremos para proteger um ao outro. lan sabe disso agora. Não é por isso que você o ama?

-  Sim. - Ela olhou para as mãos unidas de ambas.

-  Se negar esse amor, será mais feliz do que abraçá-lo e aproveitar o tempo que Deus destinou para vocês dois ficarem juntos?

-  Não. - Alanna fechou os olhos e pensou nos últimos três meses de sofrimento. - Eu nunca serei feliz sem lan, sei disso agora. Todavia, durante toda a vida, sonhei em me casar com um homem forte e calmo, que pudesse ficar contente em trabalhar ao meu lado e criar uma família. Com lan, haveria confusão, exigências e riscos. Eu nunca teria um momento de paz.

-  Não - concordou Serena. - Você não teria. Alanna, olhe dentro de seu coração agora e faça uma pergunta a si mesma. Se o poder estivesse em suas mãos, você o mudaria?

Ela abriu a boca, preparada para gritar um sim ressonante. Mas seu coração, mais honesto do que a cabeça, tinha uma outra resposta.

-  Não. Bom Jesus, como fui tola em não perceber que o amo pelo que ele é, não pelo que eu gostaria que fosse.

Satisfeita, Serena assentiu.

- A vida é cheia de riscos, Alanna. Há aqueles que se entregam a eles completamente, e movem-se em direção ao futuro. E há aqueles que se escondem dos riscos e permanecem num único lugar. Qual deles você é?

Por um longo tempo Alanna ficou sentada em silêncio.

-  Pergunto-me, minha lady...

-  Serena.

-  Pergunto-me, Serena - começou ela e conseguiu um sorri­so -, se eu tivesse você para conversar, se teria deixado lan partir.

Serena riu.

-  Bem, isso é algo para refletir. Descanse agora, e dê tempo ao rapaz para se acalmar.

-  Ele não vai querer falar comigo - murmurou Alanna, então ergueu o queixo. - Mas eu conseguirei fazê-lo me ouvir.

-  Você conseguirá - disse Serena com uma risada. - Com certeza, conseguirá.

 

Ian não apareceu para jantar, nem no café-da-manhã do dia seguinte. Enquanto tal fato poderia ter desencorajado a maioria das mulheres, para Alanna representava exatamente o tipo de desafio que precisava para superar suas próprias ansiedades.

Adicionado a isso, estavam os próprios Langston. Era simplesmente impossível estar no meio de uma família como aquela e não ver o que podia ser feito com amor, determinação e confiança. Independentemente dos riscos que haviam enfrentado, Serena e Brigham tinham construído uma vida juntos. Ambos haviam perdido seus lares, seus países e pessoas que amavam, mas reconstruído tudo com coragem.

Ela podia negar-se alguma coisa a menos do que uma chance com Ian? Ele lutaria, certamente. Mas Alanna começava a acreditar que o homem era muito teimoso para morrer. E se ela realmente tivesse de perdê-lo, não valia a pena ser feliz por um ano, um mês ou um dia nos braços de seu amor?

Diria isso a Ian. Se ele se dignasse a aparecer. Ela se desculparia. Iria até mesmo, embora fosse difícil, implorar pelo seu perdão e por uma segunda chance.

Mas, conforme a manhã passava, Alanna estava ficando mais irritada do que arrependida. Pediria desculpas, tudo bem, pensou. Depois que lhe desse uma boa bronca.

Foram os gêmeos que lhe deram a primeira dica de onde ela poderia encontrá-lo.

- Foi você quem estragou tudo - declarou Payne enquanto eles vinham se empurrando e se batendo no jardim.

-  Ah! Foi você quem o mandou embora. Se tivesse ficado de boca fechada, nós podíamos ter ido com ele. Mas você tem uma boca tão grande...

-  Tudo bem, rapazes. - Serena parou de cortar flores a fim de se virar para os filhos. - Briguem se necessitam, mas não aqui. Não quero meu jardim destruído por corpos lutando.

-  É culpa dele - os dois falaram em uníssono e fizeram Alanna sorrir.

-  Eu só queria ir pescar - reclamou Ross. - E Ian teria me levado se Payne não tivesse começado a falar bobagens.

-  Pescar. - Alanna  amassou uma flor na mão antes que pudesse se controlar. - É lá que Ian está?

-  Ele sempre vai para o rio quando está triste. - Payne chutou um seixo. - Eu o tinha convencido de nos levar também, e se não fosse por Ross Ian não teria montado o cavalo e partido sem nós.

-  Não quero pescar de qualquer maneira. - Ross ergueu o queixo. - Quero jogar peteca.

-  Eu quero jogar peteca - gritou Payne e correu para chegar primeiro.

- Tenho uma boa égua no estábulo. Uma chesnut bonita que foi um presente de meu irmão Malcolm. Ele é um ótimo conhecedor de cavalos. - Serena continuou cotando flores. - Você gosta de cavalgar, Alanna?

-  Sim. Não tenho muito tempo para isso em casa.

-  Então, aproveite seu tempo livre aqui. - Ela deu um sorriso ensolarado à sua hóspede. - Vá até o estábulo e diga a Jem que pedi para ele selar Prancer para você. Vai gostar de cavalgar em direção ao Sul. Há um caminho coberto de árvores que sai bem de trás do estábulo. D rio é muito bonito nesta época do ano.

- Obrigada. - Ela começou a sair, então parou. - Eu... eu não tenho roupas de montaria.

- Hattie pode providenciar isso para você. Há uma de Amanda no meu báu .Deve lhe servir.

-  Obrigada; - Alanna parou, virou-se e abraçou Serena. - Obrigada.

Dentro de trinta minutos estava sobre um cavalo.

Ian realmente tinha uma linha dentro da água, mas isso era somente uma desculpa para ficar sentado e refletir. Considerara brevemente estrangular sua tia pela interferência, mas antes que tivesse a chance ela havia entrado no quarto dele e o acusado com tanta convicção que Ian não pudera fazer nada, além de se defender.

Sim, ele fora rude com a hóspede da tia. Essa tinha sido sua intenção.

Se não fosse tanta covardia fugir, teria montado seu cavalo e ido para Boston. Mas não fugiria uma segunda vez. Desta vez, ela poderia ir embora, e que o diabo a carregasse.

Por que tinha de estar tão linda, parada ali sem seu vestido azul, com o sol entrando pela janela e iluminando-a?

Por que importava a ele a aparência de Alanna?, pensou irritado. Não a queria mais. Não precisava de uma mulher briguenta de língua afiada em sua vida. Havia muito trabalho a ser feito.

Por Deus, ele só faltara implorar para que ela o aceitasse. Como isso feria seu orgulho! E Alanna, atrevida, se deitara com ele no feno, entregando-se, fazendo-o acreditar que aquilo lhe importava. lan tinha sido tão gentil, tão cuidadoso com ela. Nunca antes abrira tanto seu coração para uma mulher. Apenas para que Alan­na rejeitasse esse amor.

Bem, esperava que ela encontrasse algum indivíduo fraco e sem personalidade, em quem pudesse mandar. E se ele descobrisse que tal homem existia, o mataria com suas próprias mãos.

Ian ouviu o som de um cavalo se aproximando e praguejou. Se aqueles dois pestinhas tivessem ido perturbar sua solidão, ele os mandaria de volta rapidamente. Puxando a linha, levantou-se, preparando-se para ralhar com os primos e enviá-los de volta para casa.

Mas era Alanna que vinha cavalgando pelo bosque. Estava indo rápido, rápido demais para a paz mental de Ian. Sob a boina vistosa, os cabelos estavam soltos e balançando com o vento. A alguns metros de distância, ela freou o cavalo. Mesmo a distância, Ian pôde ver que os olhos azuis continham um brilho espetacular. A égua, acostumada com mulheres impulsivas, comportava-se belamente.

Assim que recuperou o fôlego, Ian lhe lançou um olhar furioso.

- Bem, você conseguiu espantar os peixes para bem longe. Não tem bom senso para cavalgar em terreno desconhecido a essa velocidade?

Não era o cumprimento que Alanna esperava.

- O cavalo conhecia o caminho bem o bastante. - Ela endireitou a coluna, esperando que ele a ajudasse a desmontar. Quando Ian meramente ficou parado, olhando-a, Alanna praguejou e esforçou-se para descer sozinha. - Você mudou pouco, MacGregor. Suas maneiras continuam rudes como sempre.

-  Você veio até a Virgínia para me dizer isso?

Alanna enganchou as rédeas da égua num galho de árvore próximo, antes de se virar para ele.

- Vim a um convite amigável de sua tia. Se eu soubesse que você estaria em algum lugar do território, não teria vindo. Vê-lo foi a única coisa que estragou minha viagem, pois, na verdade, nunca entenderei de que maneira um homem como você pode ser parente de uma família tão fina. Eu desejaria que você... - Ela parou, respirou fundo e esforçou-se para lembrar-se da decisão que tomara após uma noite inteira de reflexão. - Não vim aqui para brigar com você.

-  Que Deus me ajudasse se essa fosse sua intenção. - Ian virou-se para pegar a linha. - Você desceu do cavalo, Sra. Flynn. Imagino que possa montar de novo e cavalgar para casa.

-  Quero falar com você - insistiu ela.

- Você já falou mais do que eu gostaria de ouvir. - E se ele ficasse parado olhando-a por mais um minuto, rastejaria. - Agora, monte e vá, antes que me irrite demais.

- Iah, eu só quero...

-  Vá para o inferno! - Ele jogou a linha no rio. - Que direito você tem de vir aqui? Ficar parada ai me fazendo sofrer? Se eu a tivesse matado antes de partir, seria um homem mais feliz hoje. Você me fez pensar que gostava de mim, que o que aconteceu entre nós dois tinha significado alguma coisa para você, quando tudo que queria era ser jogada no feno.

Toda a cor esvaiu-se do rosto de Alanna, então a face enrubesceu de novo, com pura fúria.

- Como ousa? Como ousa falar isso de mim? - Ela atacou-o como uma gata selvagem, com unhas e dentes. - Vou matá-lo por isso, MacGregor, e Deus será minha testemunha.

lan agarrou o que podia para proteger-se, perdeu o equilíbrio e tombou de costas com ela dentro do rio.

O mergulho na água não a deteve. Alanna o golpeou, o arranhou mesmo enquanto ele escorregava para o fundo e a levava consigo.

-  Pare, mulher, pelo amor de Deus. Você vai afogar a nós dois. - Porque ele estava engasgado, tossindo água e tentando impedir que ela afundasse novamente, não viu o soco vindo até que seus ouvidos estivessem zunindo. - Por Deus, se você fosse homem!

-  Não deixe que isso o impeça, seu texugo. - Alanna balançou o corpo, perdeu o equilíbrio e afundou de novo.

Praguejando o tempo todo, lan a ergueu, arrastou-a de volta para a margem do rio, onde ambos se deitaram molhados e sem fôlego.

-  Assim que eu tiver forças para me levantar, vou matá-la - murmurou ele para o céu.

-  Odeio você - disse ela depois de tossir e expelir a água do rio. - Amaldiçôo o dia que você nasceu. E amaldiçôo o dia que o deixei colocar suas mãos sujas em mim. - Ela conseguiu se sentar e tirar a boina arruinada dos olhos.

Por que ela tinha de ser tão linda mesmo molhada e enraivecida? A voz de lan era gelada quando falou. Um sinal perigoso.

-  Você me pediu para colocar as mãos em você, se bem me recordo.

-  Sim, pedi, para meu desgosto. - Alanna jogou a boina nele. - É uma pena que o que aconteceu no feno não foi mais memorável.

-  Oh? - Ela estava muito ocupada tentando ajeitar os cabelos para notar o brilho intempestivo nos olhos de lan. - Não foi memorável?

-  Não, não foi. Na verdade, esqueci tudo sobre aquilo até que você mencionou.

Com a dignidade que ainda possuía, Alanna começou a se levantar. Ele a deitou de costas num instante.

-  Bem, então, deixe-me refrescar sua memória.

A boca de lan desceu sobre a dela com desespero. Alanna respondeu mordendo-lhe o lábio. lan praguejou, agarrou-lhe os cabelos molhados e a beijou novamente.

Ela lutou contra si mesma, contra todos os sentimentos gloriosos que percorriam seu corpo. Lutou contra ele, o corpo firme e sólido que cobria o seu de maneira tão íntima. Como crianças brigando, eles rolaram sobre a margem do rio coberta de capim, cegamente procurando punir por dores antigas e novas.

Então, Alanna choramingou, um som de submissão e de alegria. Seus braços estavam ao redor de lan, a boca abrindo-se sedenta para a dele. Toda a força de seu amor explodiu naquele encontro de lábios e abasteceu um fogo que já estava queimando.

Dedos frenéticos abriram botões. Mãos desesperadas puxaram roupas molhadas e pesadas. Então, o sol estava aquecendo-lhes os corpos úmidos.

lan não estava gentil agora. Ela não queria isso. Toda a frustação e desejo que haviam reprimido se libertaram numa onda de paixão quando se amaram sob o céu azul da primavera.

Com as mãos nos cabelos dele, Alanna puxou-lhe a boca para a sua repetidas vezes, murmurando promessas loucas, fazendo pedidos perversos. No momento em que se deitaram no tapete de grama fresca, lan absorveu o aroma que o vinha perseguindo há semanas. Deslizou as mãos ao longo da pele alva e suave com a qual vinha sonhando noite após noite.

Quando Alanna arqueou-se contra ele, suplicando para ser possuída, lan a penetrou. O nome dela estava em seus lábios enquanto enterrava o rosto nos cabelos pretos. O nome dele estava nos lábios de Alanna no momento que envolveu as pernas ao redor do corpo musculoso. Juntos, eles se apressaram em direção ao fim que desejavam, até que, finalmente, estavam deitados imóveis, cada um com seus próprios pensamentos.

lan apoiou-se em um dos cotovelos e com a outra mão segurou-lhe o rosto. Enquanto o olhava, amando-o, Alanna viu a raiva retornar lentamente aos olhos dele.

-  Eu não lhe dou escolha dessa vez, Alanna. De livre e espontânea vontade, ou chorando, você vai se casar comigo.

-  lan, eu vim aqui hoje para lhe dizer...

-  Não me interessa o que você veio me dizer. - Ele segurou-lhe o queixo com mais força. Tinha se esvaziado em Alanna, corpo e alma. Ela o deixara sem nada, até mesmo sem seu orgulho. - Você pode me odiar e me amaldiçoar de agora até que o mundo se acabe, mas será minha. Você é minha. E por Deus, vai me aceitar como sou.

Ela cerrou os dentes.

-  Se me deixar falar...

Mas um homem desesperado não ouvia.

- Não vou deixá-la de novo. Eu não devia ter deixado antes, mas você sabe como ferir um homem. Tudo que eu puder fazer para torná-la feliz, farei. Exceto abandonar minha própria consciência. Isso eu não posso fazer, e não farei. Nem mesmo por você.

-  Não estou lhe pedindo isso, e nunca pediria. Eu só quero lhe dizer...

- Que coisa, o que é isso que está cavando um buraco no meu peito? - Ainda praguejando, ele inclinou-se sobre ela. E segurou o anel MacGregor que estava pendurado em um cordão ao redor do pescoço de Alanna. Brilhava na luz do sol. Vagarosamente, lan fechou os dedos em volta do anel e a fitou. - Por que... - Ele fez uma pausa para se certificar que podia confiar em sua voz. - Por que você usa isto?

-  Eu estava tentando lhe dizer, se você me deixar falar.

-  Estou deixando você falar agora, então fale.

- Eu ia lhe devolver o anel. - Ela se moveu irrequieta sob ele. - Mas não pude. Parecia desonesto usá-lo no dedo, então eu o amarrei em um cordão e usei-o perto de meu coração, onde guardo você, também. Não, deixe-me terminar - disse Alanna quando lan abriu a boca. - Acho que eu sabia, mesmo quando ouvi seu cavalo partindo naquela manhã, que eu estava errada e você estava certo.

O começo de um sorriso brincou na boca dele.

- Tenho água do rio em meus ouvidos, Sra. Flynn. Pode repetir isso?

- Falei uma vez, não vou repetir. - Se Alanna estivesse em pé, teria jogado a cabeça para trás e erguido o queixo. - Eu não queria amá-lo, porque, quando você ama muito, sente medo. Perdi Rory na guerra, minha mãe faleceu por sofrimento e o pobre Michael Flynn de uma febre. E por mais que essas pessoas significaram para mim, eu sabia que você significava mais ainda.

Ele a beijou, gentilmente.

-  Não me deixe interrompê-la.

- Eu pensei que quisesse um lar tranqüilo e uma família, um marido que se contentasse em trabalhar a meu lado e se sentasse comigo diante da lareira noite após noite. - Alanna sorriu agora e tocou-lhe os cabelos. - Mas parece que o que eu sempre quis foi um homem que nunca ficaria contente, que se tornaria impaciente diante do fogo após a primeira ou a segunda noite. Um que lutaria por tudo que está errado ou morreria tentando. Este é o homem que eu teria orgulho de apoiar.

- Agora você está me humilhando - murmurou ele e descansou as sobrancelhas contra as dela. - Apenas diga que me ama.

- Eu amo você, lan MacGregor. Agora e sempre.

- Eu juro lhe dar aquela casa, aquela família, e me sentar com você diante do fogo sempre que puder.

- E eu prometo lutar a seu lado quando a necessidade chegar. Mudando de posição, Alanna arrebentou o cordão e liberou o anel. Os olhos de lan estavam fixos nos seus quando ela o deslizou para o dedo.

-  Nunca mais o tire.

- Não. - Ela pegou-lhe as mãos nas suas. - De agora em diante, sou uma MacGregor.

 

Boston, Véspera de Natal, 1774.

Nenhuma quantidade de argumentos podia manter Ian fora do quarto, onde sua esposa estava dando à luz pela primeira vez. Embora vê-la em trabalho de parto congelasse seu coração de homem, manteve-se firme. Sua tia Gwen, com seu jeito calmo e persuasivo, tinha tentado de tudo, mas também fracassara.

-  É meu filho, também - disse ele. - E não vou deixar Alanna até que o bebê nasça. - lan pegou a mão da tia e rezou para que tivesse coragem de cumprir sua palavra. - Não é que eu não confie em suas habilidades, tia Gwen. Afinal de contas, eu não estaria aqui sem elas.

- Não adianta, Gwen. - Serena riu. - Ele é tão teimoso quanto qualquer MacGregor.

-  Segure a mão dela, então, quando a dor estiver mais forte. Não vai demorar muito mais agora.

Alanna conseguiu um sorriso quando lan chegou ao seu lado. Não imaginara que demoraria tanto para trazer uma criatura tão pequena ao mundo. Estava agradecida por ele estar a seu lado, e pela presença reconfortante de Gwen, que tinha trazido muitas dúzias de bebês ao mundo. O marido de Gwen, que era médico, estaria lá também, se não tivesse sido chamado para uma emergência.

-  Você está negligenciando os nossos hóspedes - disse Alanna para lan em um dos descansos entre as contrações.

- Eles vão se divertir sozinhos - Serena a assegurou.

- Não duvido. - Ela fechou os olhos quando Gwen limpou-lhe a sobrancelha com um pano frio. Agradava-a muito que sua família estivesse lá para o Natal. Tanto os Murphy quanto os Langston. Alanna deveria estar fazendo suas tarefas de anfitriã, e preparando o primeiro Natal na casa que ela e lan haviam comprado perto do rio, mas o bebê, que não deveria nascer em três semanas, tinha decidido aparecer mais cedo.

Quando a próxima dor a atingiu, Alanna apertou a mão de lan e seu corpo ficou tenso.

- Relaxe, relaxe, concentre-se na respiração - sussurrou Gwen. - Boa garota.

As contrações estavam mais próximas uma da outra agora, e mais fortes. Um bebê de Natal, refletiu Alanna, esforçando-se para desviar o pensamento da dor. O bebê deles, a primeira criança dos dois, seria um presente maravilhoso para ambos no dia mais sagrado do ano.

No momento que a contração passou, ela manteve os olhos fechados, escutando a voz suave de lan.

Ele era um homem bom, um marido sólido. Ela sentiu os dedos fortes entrelaçando os seus. Verdade, a vida de Alanna não era pacifica, mas repleta de acontecimentos. lan tinha conseguido envolvê-la em suas ambições. Ou, talvez, as sementes da rebelião sempre tivessem estado no interior de Alanna, querendo ser cultivadas. Ela passara a ouvir avidamente os relatórios de reuniões que lan freqüentava, e a sentir orgulho quando outras pessoas pediam conselho a ele. Não podia discordar do marido que Port Bill era cruel e injusto. Como lan, Alanna desprezava a idéia de pagar pelo chá que tinha sido destruído para escapar da penalidade.

Não, eles não estavam errados. Ela aprendera que a imprudência era freqüentemente certa. Alanna sorriu. Era a imprudência e a coisa certa que a tinham levado para aquela cama a fim de parir. E agradecia Deus por isso.

E outras cidades e províncias não haviam se unido para apoiar Boston exatamente como as famílias dela e de lan se reuniram para apoiá-los no nascimento do filho do casal?

Alanna pensou sobre sua lua-de-mel na Escócia, onde tinha conhecido a família de lan e andado nos campos em que ele passara a infância. Um dia, voltariam lá e levariam aquela criança que estava para chegar, a fim de mostrar-lhe o lugar e as raízes. E para a Irlanda, pensou quando a dor retornou, deixando-a tonta. A criança não esqueceria de seus antepassados. E, enquanto seu filho ou filha lembrasse, escolheria sua própria vida, sua própria terra natal. Através de seus esforços, Alanna  e Ian lhe dariam esse direito.

-  O bebê está chegando. - Gwen deu um sorriso rápido a Ian, confortando-o. - Você vai ser papai muito em breve.

-  O nascimento de nosso filho ou filha - disse Alanna ofegante, lutando para focar-se em Ian. - E, logo, o nascimento de nossa nação.

Embora ele pudesse provar o gosto de seu próprio medo, por ela, riu.

- Você está se tornando mais radical do que eu, Sra. MacGregor.

- Não faço nada pela metade. - Oh, bom Jesus, o bebê está lutando para viver. - Ela apertou a mão do marido. - Haverá pouca dúvida que será filho de seu pai.

- Ou filha de sua mãe - murmurou Ian, olhando para Gwen com desespero. - Quanto tempo mais? - exigiu saber. - Ela está sofrendo.

-  Logo. - Ela deu um suspiro de impaciência quando houve uma batida à porta.

-  Não se preocupe. - Serena arregaçou as mangas já dobradas até os cotovelos. - Eu os mandarei embora. - Surpreendeu-a encontrar o marido na soleira da porta. - Brig, o bebê está quase aqui. Não tenho tempo para você agora.

-  Você terá tempo. - Ele entrou, passando um braço ao redor da esposa. - Acabei de receber uma mensagem que estava esperando, uma confirmação de Londres que eu queria ter antes de falar com você.

-  Não quero saber sobre as mensagens de Londres - murmu­rou Serena quando ouviu Alanna gemer.

- Tio, noticias podem esperar.

-  Ian, você precisa ouvir isso, também. Esta noite, mais do que todas as outras.

-  Então fale logo e vá embora - replicou sua esposa.

-  No mês passado, uma petição foi debatida no Parlamento. - Brigham segurou Serena pelos ombros e fitou-a nos olhos. - O Ato de Proscrição foi revogado. – Ele tocou-lhe o rosto com ambas as mãos quando os olhos dela se encheram de lágrimas. - O nome MacGregor está livre.

Junto com as lágrimas caiu um peso que ela vinha carregando durante toda sua vida.

-  Gwen. Gwen, você ouviu isso?

- Sim, ouvi, e agradeço a Deus por isso, mas minhas mãos estão cheias neste momento.

Levando o marido consigo, Serena apressou-se para a cama.

-  Já que você está aqui - ela disse a Brigham -, vai ajudar. Dentro de minutos, houve o som de sinos da igreja anunciando a meia-noite e o nascimento de um novo Natal. E o som do choro de um bebê, anunciando vida.

-  Um filho. - Gwen ergueu a criança nos braços.

-  Ele está bem? - Exausta, Alanna recostou-se sobre as mãos unidas de Brigham. - Ele está bem?

- Ele é perfeito - Serena a assegurou, secando as próprias lágrimas. - Você vai segurá-lo num momento.

- Eu amo você. - Ian pressionou a mão de Alanna em seus lábios. - E lhe agradeço pelo maior presente que um homem pode receber.

-  Aqui está. - Gwen pôs o recém-nascido envolvido numa manta nos braços do pai. - Segure seu filho.

- Bom Jesus. - Emocionado, ele olhou do bebê para Alanna. Era uma imagem que ela iria guardar para sempre. - Ele é tão pequeno!

- Ele vai crescer. - Serena sorriu para o marido. - Eles sempre crescem - Então colocou um braço em volta da irmã, enquanto Ian transferia o bebê para os braços ansiosos de Alanna.

- Ele é lindo. - Estendendo um dos braços, ela puxou Ian para mais perto. - No último Natal, ganhamos um ao outro. Neste Natal, ganhamos um filho. - Gentilmente, acariciou a cabecinha cabeluda do bebê. - Mal posso esperar para ver o que os próximos anos nos trarão.

- Daremos um tempo para vocês ficarem sozinhos. - Brigham pegou a mão da esposa e a da cunhada. - Enquanto isso, vamos descer e contar aos outros.

- Sim, conte a eles. - lan se levantou, e porque entendia, Alanna deu-lhe o bebê para que segurasse mais uma vez. - Diga-lhes que Murphy MacGregor nasceu no dia de Natal. - Após beijar o filho, ergueu-o para mostrar aos outros, e o bebê emitiu um grito vigoroso. - Um MacGregor que dirá seu nome com orgulho para todos aqueles que quiserem ouvir. Que irá caminhar por uma terra livre. Diga-lhes isso.

- Sim, diga-lhes isso - concordou Alanna quando a mão de lan se fechou sobre a sua. - Por nós dois.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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